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Ministério da Cultura, Filmes de Quintal e UFMG apresentam
150 festival do filme documentário e etnográfico / fórum de antropologia, cinema e vídeo
/1
Este festival é dedicado a Adrian Cowell.
2\
\ sumário
apresentação / 7
sessão de abertura / 27
mostra Fernando Coni Campos / 31
mostra cinema dos povos originários Bolívia e México / 45
mostra o animal e a câmera / 83
mostra competitiva nacional / 121
mostra competitiva internacional / 147
sessões filmes de quintal / 165
sessão especial / 173
lançamento / 177
curso dilemas da observação / 181
fórum de debates / 191
mostra de extensão / 201
ensaios e entrevistas / 205
Depoimento: uma guerra declarada / Fernando Coni Campos / 207
Ladrões de cinema / Fernando Coni Campos / 211
Viagem ao fim do mundo / Jean-Claude Bernardet / 216
Ladrões de cinema, ou: quem faz a história? / Jean-Claude Bernardet e
Alcides Freire Ramos / 219
Viagem ao fim do mundo / Jairo Ferreira / 223
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão /
José Carlos Avellar / 226
/3
4\
As mágicas do delegado / Celso Amorim / 231
Depoimento / Julio Bressane / 237
Cinema e vídeo indígena como estratégia de afirmação cultural, social e
política dos povos originários da Bolívia / Iván Sanjinés Saavedra / 240
Vídeo comunitário e autorrepresentação / Entrevista com
Carlos Efraín Pérez Rojas / 248
Fora da ótica Indígena: zapatistas e realizadores autônomos /
Alexandra Halkin / 257
O outro olhar. Vídeo indígena e descolonização /
Freya Schiwy / 281
Três paradigmas para pensar o vídeo entre os Kayapó /
Diego Madi Dias / 300
Como filmei Nanook do Norte / Robert J. Flaherty / 329
Banghawi: caça ao hipopótamo com o arpão pelos pescadores Sorko do
Médio-Níger / Jean Rouch / 340
Os cavalos de Goethe, ou a Alquimia da velocidade / fotografias / 353
O Afeganistão é inconquistável / Arthur Omar / 357
O cinematógrafo visto do Etna (1926) / Jean Epstein / 361
Nossos anos Cahiers / Jean-Louis Comolli e Jean Narboni / 371
programação / 375
índices de filmes e diretores/ 389
créditos / 397
/5
6\
/ apresentação
/7
8\
\ forumdoc.bh 15 anos*
Eu gostava de te oferecer cem mil cigarros,
Uma dúzia de vestidos daqueles mais modernos,
um automóvel,
uma casinha de lava que tu tanto querias,
um ramalhete de flores de quatro tostões...
Aqui o trabalho nunca pára.
Agora somos mais de cem.
(Ventura)
1. O forumdoc.bh foi um projeto coletivo construído na dúvida e
na incerteza. Imprecisão, resistência, resíduo. Quando o espetacular
ensaiava tudo dominar, quando os donos do capital ameaçavam tomar
conta de vez dos humanos e da natureza, da política, da televisão, do
cinema de “bilheteria”, da ciência, da arte de galeria, da programação
genética, da reportagem televisiva, do jornalismo, dos realitiesshow, de um tipo de festival com pura cara de publicidade, antes que
tudo acabasse no roteiro e no pré-estabelecido pelas elites, antes
que o mundo acabasse ou que ele se tornasse único e sem diferença,
neste momento, foi preciso sonhar, e, paradoxalmente, foi preciso
inventar algo menor, periférico, que apostasse na continuação do
mundo com o cinema, que rompesse as fronteiras entre a arte e a
vida, a ficção e o documentário, e, ainda, que fosse livre e gratuito.
Deste sonho nasceu um festival de cinema que não se realiza sob
a lógica do “uno” maldito do Estado ocidental, que não é feito por
uma só pessoa ou cabeça pensante, mas por muitos, novos e velhos;
um festival capaz de abrigar todo tipo de matéria e linguagem, que
não é “retocado” pelas imagens tratadas, que aceita as impurezas
/9
de registro, de imagem e som, assim como aceita as asperezas e
rugas da vida cotidiana; um festival que aposta na inteligência do
espectador, na sua capacidade de aceitar e construir um sentido
novo a cada imagem e som projetados, mesmo se submetido à
duração de longos planos-sequências, ou ao enclausuramento de
um quadro ou de um quarto; um festival de cinema que é lugar
de encontro, conversas, amizades (novas e velhas!), festas (Rafa,
jamais esqueceremos daquela que aconteceu debaixo de chuva
na rua Guaicurus – a melhor de todas, quem perdeu, nunca mais
verá!), troca de conhecimentos e saberes! Este é o forumdoc.bh! Um
festival feito literalmente sob o risco do real (Comolli jamais nos
deixará mentir, quando, numa noite, junto com César Guimarães,
num buteco, a energia elétrica da cidade acabou, depois de uma
tempestade, e tivemos que continuar nossa conversa sem nos ver
até que a luz acendesse novamente como se aquele “papo” fosse
uma sessão de cinema sem imagem). E vejam, este festival sempre
acontece no final de novembro, início de dezembro, quando, em
geral, há muita chuva! Isso é para encerrar um ciclo, recomeçar
um outro, lavar nossa alma, contra todos os abusos do poder e do
dinheiro! Depois de cada experiência de ver a passagem de um filme
no forumdoc, é tanta coisa que passa na cabeça que nunca passa!
Aquela primeira imagem da índia Tiramantu, no filme Corumbiara!
Um olhar pensativo de Chico Mendes, no filme de Adrian Cowell,
antecipando a sua própria morte! Morte que viria ser não só dele,
mas de muitos outros pequenos e diversos homens e mulheres em
luta pela floresta e pelo seu modo de vida simples e harmonioso com
outras formas de vida! Não é possível, outros mundos devem ser
possíveis! Isto não é só sonho, não é só cinema. Um outro cinema
é possível, fora do espetacular! Da rua para a sala de cinema e viceversa, isto “ainda” é possível com o forumdoc. Sim! Ah forumdoc,
nossa pequena primavera árabe!
10 \
2. O filme teve os rolos trocados. O ano era 2001. Foi assim que assisti
a São Bernardo em montagem nunca dantes vista, originalíssima,
em que o discurso final de Paulo Honório – “devo ter um coração
miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros
homens” – surgia no meio do filme e não no fim. Fui ver o filme
em sua suposta ordem correta quase um ano depois, quando decidi
fazer dele o tema de minha monografia de conclusão do curso de
Comunicação Social (seu título, que compara o filme de Leon ao livro
de Graciliano, é “Redenção e revelação em São Bernardo” - na época
eu me permitia brincar com palavras sérias). Passei a fazer parte
do “imenso coletivo” do forumdoc somente em 2005, mas nunca
me esqueço dessa sessão de São Bernardo com rolos trocados.
Um acidente havia reinventado o filme e, com ele, todo o cinema,
ou ao menos, a minha história com o cinema. Dez anos e muitos
filmes depois, o forumdoc permanece para mim como um tremor
na organização comum das coisas, suspensão da ordem, anúncio da
novidade, acontecimento imprevisível e imprescindível.
3. Acho que só não participei do primeiro, há quinze anos, porque
estava fora do Brasil. Voltando a habitar o patropi, tornei-me habitué
do forumdoc, que emergiu da necessidade de reinventar projetos
político-culturais coletivos, ironicamente atomizados e esvaziados
depois da redemocratização do país. O forumdoc foi e é possibilidade
de intervenção coletiva na cena cultural, através da mobilização e do
agenciamento de gente em torno, na frente, atrás e através de filmes,
que não encontrariam lugar nos circuitos comerciais e normais
de exibição. Para mim, que vim do cineclubismo, da distribuição
de filmes independentes e da militância política dos anos 1970,
o forumdoc possibilitou, de novo e de outro modo, ver e discutir
filmes e afins, sons e imagens pouco acessíveis ou inimagináveis,
até então. E, reafirmo, possibilitou que isso fizéssemos juntos, que é
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mais gostoso. Festival de filmes, afetos e festas, bem que o forumdoc
poderia ser chamado também de Festdoc, Afectdoc, ou forumdocfic, a partir da proposição de Birri, juntando aquelas categorias
estanques, com que ainda lidamos para perceber que não são mais
suficientes. Lembro também os catálogos e cartazes, sempre belos,
e que são tudo que o fica quando os sons, as imagens e pessoas se
vão, embora incorporados a nós. Outra característica importante do
forumdoc é que ele é menor, aberto ao outro e feminino. Só tenho a
agradecer por ele existir e já ser mais que uma mocinha.
4. O forumdoc era e é um festival diferente. Não apenas de outros
festivais, como diferente a cada vez (como registram os catálogos).
Hoje, com um pouquinho de distância, fico admirada com a
capacidade que teve o festival de crescer e mudar, mas guardando
essa “diferença”, espécie de qualidade – será possível? - tenaz e
inconstante. Como defini-la, onde situá-la? Difícil de apanhar, a
diferença está em toda parte: na curadoria compartilhada e sempre
renovada, bastante resistente a modismos e ao que oferecem os
lançamentos; em um gosto pelo encontro que ultrapassa (em muito)
a cinefilia e os saberes especializados; nas trocas muito plurais, de
que muita gente participa, algumas delas festivas, animadas como
poucas; na interseção de cinema e humanidades, antropologia em
particular; na valorização da conversa e do debate, que costumam se
prolongar para fora do cinema, noite adentro... Morei muito tempo
fora de BH, e voltar durante o forumdoc era até estratégico, para
reafirmar os laços e o pertencimento a uma cidade que mudava
tanto (enquanto nós também mudávamos...) Nesses 15 anos, houve
momentos muito belos, especiais, engraçados, desconcertantes,
alguns difíceis à beça (ao menos para quem estava nos bastidores),
e na dificuldade de fazer uma escolha, guardo aquele que elegi em
2006, no aniversário de 10 anos: 1999, Cine Humberto Mauro, Santo
Forte, Eduardo Coutinho, Pierre Sanchis. Para não esquecer! 12 \
5. 2004. O pretexto não foram os filmes, mas uma festa. Eis o convite:
“você não animaria a produzir a festa de encerramento do forumdoc,
não?” Mas é claro! E assim fui chegando em uma das tantas reuniões
que se espalhavam pelas casas dos forumdoquianos. Dessa vez no
Caiçara, na casa da Mi e do Pedro. Rostos desconhecidos continham
em seus olhares um brilho raro, um gosto gostoso por aquilo que os
reunia. Ao fim dos debates, inflamados, a dúvida geral: “e aí, quais
as sugestões de festa você tem?” E para o espanto geral respondi:
“pensei em duas coisas: no velho e abandonado prédio da polícia civil
da Floresta ou em um puteiro da Guaicurus”. Em meio às hesitações,
uma certeza surgiu: “no puteiro da Guaicurus, claro!” E assim fez-se
a inesquecível “festa-chuva” do Montanhês e meu acolhimento nessa
eterna família. A primeira de uma infinidade de outras festas que
se fizeram no dia a dia, em cada olhar, em cada abraço e cada boa
tragada de cachaça! Salve forumdoc! Casa minha, escola nossa.
6. Não consigo precisar no tempo meu primeiro contato com o
forumdoc. Parece-me que ele sempre esteve lá, como um parente
distante com o qual temos um contato esparso e intenso. Lembro-me
bem de uma sessão do Peões do Coutinho (o ano não sei dizer) em
que saí da Humberto Mauro encantada e com um ânimo renovado
por aquelas relações e aquele modo de se fazer documentário. Anos
mais tarde caí de paraquedas, não por um acaso, para ser assistente
de produção do forumdoc de 2007. Na abertura, novamente
Coutinho, agora um pouco diferente, com o Jogo de Cena e o mesmo
encantamento.
7. 2006. Ano de Tonacci, Timothy Asch, Chantal Akerman, Eduardo
Escorel, Herzog, Sokurov, Glauber, Zezinho Yube, Danièle Huillet,
Straub... Conversando com Jean-Claude Bernardet, num almoço em
que desempenhava, dentre outras, a tarefa de receptivo pro festival,
falávamos de modo geral da utilização do zoom na câmera. No meu
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entender, a partir das discussões propostas pelo forumdoc, quando
o fotógrafo puxava a imagem enquadrando o rosto do personagem,
essa falsa relação de proximidade, parecia sufocá-lo e, ao aproximar
mais e mais, os detalhes de olho, boca, nariz, dilacerava esse rosto.
Dizia a Jean-Claude que parecia uma tendência do cinema de então
e que isso havia criado uma espécie de cacoete: não esperar que
o personagem conclua a frase antecipando a mudança do plano
para um detalhe, perdendo toda a cena. Jean-Claude o tempo todo
solicitava que eu contextualizasse para saber exatamente de que
cinema eu dizia. E concluía: “ah bom, é porque você fala por elipses”.
Na conversa ficou claro que eu não era contra a utilização de close
e super-close ou plano detalhe, lembrando aqui os belos planos
de Cassavetes, Godard, Varda, mas que abrir a imagem se tornava
algo raro em algumas produções e eu necessitava de que o corpo
dos personagens ajudasse a narrar suas memórias. Era a primeira
vez, depois de quatro anos de forumdoc, que pensava o fazer
cinematográfico não apenas como espectadora, mas também a partir
da prática, passando, então, a selecionar ainda mais as referências,
não para mimetizar procedimentos, mas senti-los. Jean Rouch!
8. Difícil precisar onde começam histórias, ainda que recentes, ainda
que de amor. Recém chegado à Belo Horizonte e à universidade,
ouvi murmúrios de que havia, na Faculdade de Ciências Humanas,
uma “salinha”. Uma amiga, que havia tentado adentrar a tal sala,
no quarto andar do prédio, jurou ter visto um casal que fazia amor.
Alguns dias depois, ela partiu a pregar cartazes, que em letras
amarelas anunciava o forumdoc.bh.2008, sob uma fotografia em
branco e preto que ligava a terra ao céu. No mesmo ano, meses
antes, em janeiro, havia me inscrito numa oficina de realização de
documentários. Trinta alunos e uma câmera, saímos pelas ruas à
procura dos “personagens do real”. Encontrei, numa pequena casa
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no alto de um morro, Dona Vicentina. Todos os domingos, ela
caminha até a estação da maria-fumaça para assistir a partida do
trem. Natural de Tiradentes, já participou como figurante de miniséries e novelas globais. Acompanhado da equipe técnica e de alguns
alunos da oficina, fui incumbido de “dirigir” aquela senhora que em
mim despertava imenso afeto. Sem saber o que fazer, o câmera
assumiu meu lugar e a conduziu: “diz assim Dona Vicentina: eu amo
Tiradentes!” E assim ela o disse. Desmontada a cena, a senhora me
perguntou: “E não vai ter nem um cachêzinho, não?” Desmontado
eu, respondi: “ô dona Vicentina... quem me dera...” E por aí ficou.
Dois dias depois, o curta foi exibido na cidade. Dona Vicentina
não assistiu à sessão. Seria isso o documentário? Por sorte, não foi
preciso mais do que alguns meses para que eu pudesse descobrir
que não. Foi quando conheci a tal salinha. De lá, fui parar na sala nº
06, de um antigo cortiço na Avenida Brasil, onde pessoas se reuniam
- em meio a uma estante que parece sempre caber mais um filme para rir, chorar, beber, brigar, fumar, beijar, cantar, dançar, ouvir,
sambar. E por ali fiquei. 9. As noites do forumdoc sempre são inesquecíveis e a da abertura
em 2004, com a exibição do Nguné Elü, o dia em que a lua menstruou
no Centro Cultural da UFMG é a que elejo para rememorar aqui. As
imagens da aldeia Kuikuro encantaram a todos nós narrando como
a lua durante o eclipse, transforma o cotidiano dos animais, das
flautas e da vida na aldeia, revelando outro modo de compreender
o fenômeno astral de sombras e penumbras. A música, os cantos,
o ritmo que atravessam o filme, num compasso marcado sempre
pelo anúncio do dia fatídico, envolveu-me na duração da espera e
da festa. A apresentação do Vídeo nas Aldeias no comentário dos
realizadores indígenas e coordenadores do projeto de formação, na
seqüência do filme, foi o suficiente para que tal imagens, produzidas
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a partir de outras perspectivas culturais, continuassem o processo de
encantamento sobre meu imaginário. Até hoje, continuam lançando
sua mágica sobre mim, instigando a compreensão de que mais do
que um cinema do outro, estamos nos tempos de um outro cinema.
E que venham as Hiper-mulheres!
10. 1999. Estava ainda no colégio. Tinha um amigo que estudava
antropologia. Foi assim o primeiro encontro. Eduardo Coutinho,
Arthur Omar, Jem Cohen, Glauber Rocha continuam presentes.
Desde então não existia mais o cinema. A palavra ganhava plural
no encontro com cada filme, com cada experiência, com cada
pensamento. Fui assim aprendendo a ver, a escutar. Esse aprendizado
marca minha trajetória. A estrutura do festival era ainda precária.
Não sei por que cargas d’água me levaram com a maior urgência
para a cabine de projeção. O filme estava mudo. O público também.
Algum botão trocado. Desde então não saí mais de lá e continuo
imerso na projeção dos filmes do forumdoc. 11. O forumdoc.bh é um espaço onde filmes e pessoas se entrelaçam.
Para mim, são os amigos e as imagens para toda uma vida. Mas,
sem dúvidas, como rastro e lastro, a presença de Davi Kopenawa
no forumdoc.bh de 2006 foi um acontecimento decisivo. Davi veio
ao festival para comentar os filmes da “Mostra Timothy Asch” que
haviam sido feitos com o seu povo, os Yanomami. Durante vários
dias os filmes de Tim Asch nos conduziram pelo universo dos
Yanomami, com cenas do cotidiano e de acontecimentos singulares,
os quais ainda hoje trago na memória. Vi muitas dessas cenas da
janela da sala de projeção, meu local de trabalho naquele ano. Aquela
experiência intensa culminou na fala de Davi, e ela soou como um
trovão no Humberto Mauro. Seu comentário questionava o trabalho
de Asch e do antropólogo Napoleon Chagnon, que acompanhou o
cineasta em campo. Davi trazia uma outra perspectiva da imagem,
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calcada em uma cosmologia onde duração e transformação são
termos de uma relação sempre tensa. Ali aprendi grande parte do
que sei sobre uma outra relação, que o forumdoc.bh não se cansa de
apresentar: aquela entre imagem e alteridade. Era o ano de Serras
da Desordem, que não por acaso abria o Festival de 2006. O “evento
Kopenawa” me acompanha desde então. Na minha memória ele se
completa com a deliciosa confraternização que o seguiu, regada a
muita cerveja e torresmo! 12. Visões do Subterrâneo. Comecei a frequentar “as rodas” do
forumdoc desde a primeira edição do festival, quando cursava a Escola
de Belas Artes da UFMG. No início me interessei por Flaherty, e sua
imensa alteridade cinematográfica. Após alguns anos, fui convidado
pela Júnia Torres para participar do festival. Além de participar
das gloriosas comissões das mostras competitivas internacionais, organizei algumas oficinas com nossos distintos convidados. Eles
vinham de diversos lugares, entre eles, do Acre, do Xingu, do Rio
Tarauacá, da Papua Nova Guiné, e claro, de Minas Gerais. Pouco
depois da primeira experiência (nas Oficinas forumdoc), a Amazônia
começou a fazer parte de minha vida, depois que fui convidado
para ministrar oficinas no Vídeo nas Aldeias, num desses encontros
forumdoquianos na Capital das Alterosas. Agora estou aqui, no
aeroporto de Belém, partindo para a Guiana Francesa, para a 17ª
Oficina para indígenas na Amazônia. Isso é uma febre que não passa,
pelo contrário, só aumenta, como a nossa paixão pelo forumdoc,
e nosso amor pelo cinema documentário. Mergulhamos todos os
anos nessas outras realidades, nesse movimento movido a suor,
amor e paixão. Contra o cinema comercial, que esvazia as mentes,
procuramos preenche-la com novas visões menos televisivas. Isso é
Cinema. Tá falado.
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13. Sempre me marcou muito a tarefa do forumdoc de colocar em
relação os filmes e os espectadores, e participar dela deu-me sempre
a dimensão da miséria à qual estivemos submetidos. Por muitos
motivos, desde a dificuldade de conseguir as cópias, políticas
atravessadas de conservação ou o esquecimento mesmo, estivemos
distanciados das imagens da história do cinema, incluindo a história
do cinema feito aqui no Brasil. Por tudo isto, assistir a filmes
importantes mas quase inéditos foi sempre um grande momento,
mesmo para nós que estávamos organizando o festival. Mais do que
isso, o que me ocorre agora para participar desta memória é uma
história ainda mais impressionante. Quando fizemos, em 2005, a
mostra “Fotógrafos do Documentário Brasileiro”, ao sair da sessão
de Porto de Santos de Aloysio Raulino, o próprio realizador veio
nos abraçar porque tinha ficado 18 anos sem assistir ao filme que
ele mesmo fizera. (a miséria do cinema brasileiro - a não exibição atinge até mesmo os seus próprios realizadores) 14. Tudo começou com um filme de Agnès Varda, projetado em uma
película sem restauração, com coloração avermelhada e cheia de
arranhaduras. Foi em uma sessão no Centro Cultural da UFMG às
três da tarde. Tinha umas cinco ou sete pessoas. A Júnia, o Portella,
talvez a Cacá e a Glaura... Depois seguimos direto para o Humberto
Mauro, onde assisti outros tantos filmes marcantes exibidos pelo
forumdoc. Voltei no dia seguinte, conheci o restante da trupe, fizemos
muita festa juntos e logo nos tornamos amigos. Eles me convidaram
para a reunião da Filmes de Quintal, que acontecia na salinha do
Bráulio no segundo andar do Maleta. Nessa primeira reunião, nós
rimos o tempo todo e me senti imediatamente acolhido. Sete longos
anos se passaram desde então e muita coisa aconteceu: abrimos a
sede na avenida Brasil, organizamos o acervo, levamos o festival
para o interior do estado, criamos o Ponto de Cultura junto com os
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movimentos sociais da Serra, Taquaril e Lagoa Santa, publicamos
livros, produzimos filmes, promovemos debates e nos mantivemos
aguerridos na luta contra os monópolios culturais. Às vezes a gente
tem umas crises, discute, diz que não gosta mais; às vezes a gente
decide se mudar pra bem longe, do outro lado do mundo, pensando
em dar um tempo. Mas não tem jeito: distância nenhuma desfaz os
laços dessa amizade. Que eu retorne ao forumdoc, antes que me
mate essa imensa saudade! 15. Nem vi como começou, me encontrava alhures, estudava cinema
na ilha. Dos filmes vistos ali – “um grande lagarto verde, com olhos
de pedra e água” - alguns integrariam anos depois, cruzando o
continente, uma pequena mostra de filmes latinoamericanos entre
nós. Os filmes exibidos no forumdoc sempre tiveram grandes
distâncias a vencer, mesmo os das cercanias. Toda uma aventura
separa esses filmes de seu público, ainda que os filmes sejam
verdadeiros filmes de ação. Porque neles muito se passa, porque
agem no mundo, e sobretudo porque o mundo que fazem ver parece
ser um lugar onde - em que pese o emperro - nada já está dado.
Nesses anos é com alegria, pois, que me encontro junto a diversos,
em cinema, diante das faces e vozes de inimigos vivos, diante de
corpos em embate, diante de gestos amorosos.
16. Quanto a mim é uma história que tem vários começos: uma sessão
meio perdida pelo campus de “Terra sem pão”; o aviso, por um amigo,
na Fafich, do lançamento de um filme de Eduardo Coutinho (quando
foi isso Paulinho, 1998, 1999, 2000?), fotografias que passam de
mão em mão, o canto de uma música sertaneja, no mesmo ano,
em Boca de Lixo. Uma interminável sessão de Sigui Synthèse no
Cine Nazaré, com um projecionista que não sabia trocar os rolos
de 16mm. Longos e lentos planos - sons - em slow em Horendi. O
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aviso, pelo mesmo amigo, de textos que seriam traduzidos, de um
crítico cujo nome aparentemente se perdera no passado, Jean-Louis
Comolli, e o convite para traduzir um deles - Le dernier evadé. Mais
uma sessão quase que perdida, de um filme desconhecido até então
Nyamgaton, les fausils jaunes. Uma memorável festa sob a chuva,
em uma casa de tolerância no centro de Belo Horizonte - era na Padre
Belchior Rafa? - dentre outras memoráveis festas. E ainda continua.
17. Muitos lembraram o dom do forumdoc de ser uma escola.
Certamente é. Quase todos nós iniciamos no forumdoc ainda bem
verdes no cinema. Pouquíssimos sabiam muito. Pouquíssimos são
pajés! Tudo isso passado em corpos também ainda verdes, maleáveis,
com o ânimo da juventude... Todavia, o mais raro é que este ciclo
não termina de acabar. Talvez, porque mais que o caráter tradicional
e burocrático da escola, a formação que o forumdoc requer e
distribui tenha alcançado um caráter ritual, onde as experiências
são totalizadoras da pessoa, e acontecem integralmente a cada vez.
A generosidade e a abertura se encontraram e se reencontram a
cada edição. Então, talvez o talento do forumdoc esteja no campo
do Dom. Menos que no campo da generosidade. Mais do que no
campo da abertura. No terreno da reciprocidade. Bens suntuosos são
disputados, são ofertados e cobrados, acrescidos de valor adicional,
que é a parte da pessoa que dá. Esse valor não se dissolve, não se
neutraliza. É por isso que cada sessão atinge cada um de nós, todos
nós, qualquer um de nós, integralmente. 18. Há quinze anos que uma comunidade - amorosa e crítica - se
inventa em torno dos filmes: tantos, inúmeros, tão diversos, que já
não sei bem quando foi a primeira vez, a sideração que me conduziu
a essa partilha. Seres de fuga, as imagens se escondem na memória,
trocam de lugar e de tempo.
20 \
19. Escolher um momento marcante do festival me pareceu difícil.
Como destacar apenas um? Tentei, tentei, tentei, mas nenhum veio à
memória. Cheguei a me perguntar: será que o festival não me remete
a nada? Será que o forumdoc.bh nada liga neste chato coração de
dura empatia? Pensei mais um pouco e percebi que não era assim
- mesmo a distância das últimas edições, devido aos compromissos
profissionais dos últimos anos que dificultam a participação em
encontros e reuniões, isso não me afastou da produção. Todos
os emails que chegam referentes ao festival são abertos, lidos e
respondidos, quando há algo para se acrescentar; e quando dá um
tempinho, sempre tento comparecer na sede da Filmes, participar
de alguma função no festival etc. Foi então que percebi que o
mais essencial de tudo no forumdoc.bh são menos os momentos
específicos aí vividos, do que aquilo que estas vivências produzem:
o senso de estar junto, sentimento sobre o qual se constrói qualquer
relação de coletividade e colaboração.
20. Plano geral: um parágrafo fugidio e migratório, “flutuantes
imagens que deságuam instantes”. Primeiríssimo plano: Aloysio
Raulino. Periferia da imagem, ao fundo, enquadrado por outra janela
que se abre cor de azul bhbus, lê-se: casa para desterrados. Árvores
fulminadas e árvores possíveis. Cantos de trabalho, Maxacali, canade-açúcar e invasão. Ritual e despossessão dos filmes além dos
trilhos. Corte. Em anos, agora sete, ajudante e costureira de vinheta,
de mostra e de oficina, em itinerância e extensão, em comboios
ou carros-de-bois, com mulheres e homens condutores. Júnia,
Rubim, César, Paulim, Tata, Ana, Glau, Lu, Mi, Belico, Marra, Portela,
Claudinha, Flavinha. Pedrim, Os, KK e Ribão. Dona Isabel, Comolli,
Gercino, Yayá, Rouch e Bernardet. Emissários do caos, com amor,
antes e depois das sessões. Ariel, Carol, Tonacci, Escorel, Di, Martin
Maden, Isac, Zezinho, (...). Castelar: ‘Maravilha, Vilhamara’... alguém
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me ajude a pensar outro nome pro Buriti-Rei. Inarredável forumdoc,
salve salve!
21. Após um intenso esforço em resgatar na memória algum caco
que pudesse render alguma história, desisti de tentar romantizar.
Porque o forumdoc é mais presente do que passado. É atualização
de trabalhos de longos anos; um espaço em constante mudança, de
construção coletiva, de exercícios diários de relação, de perspectivas
futuras. Uma escola de formação em cinema, onde se é permitido
experimentar
fazer,
teorizar,
militar,
sonhar,
compartilhar,
revolucionar, escapar... Contra o deslumbramento, pela iluminação!
22. O ano era 2005. Um vento quente do quase verão belorizontino
tremulava os paninhos xadrezes coloridos pendurados pelos
corredores da Fafich que anunciavam o forumdoc daquele ano. Eu,
que recentemente descobrira minha inaptidão para o jornalismo, fui
fisgado e logo em seguida salvo por este festival que hoje debuta.
No ano seguinte me alistei como voluntário e participei das primeiras
reuniões na casa da Júnia. Ainda não tínhamos sede própria. Foi da
cabine de projeção assistindo a belíssimos filmes como os de Pedro
Costa que me encontrei. Encontrei também generosos mestres,
entre eles um especial: Aloysio Raulino. Não demorou muito pra eu
fugir da redação e correr para o quintal. É onde eu gosto de estar. 23. Foi em 1998. Naquela época, ainda estudante da faculdade de
medicina, a prática ambulatorial já me colocava frente àquilo que
tenho como mais caro nos filmes que, ao longo de 15 anos, assistimos
e produzimos - o olhar e a escuta que se direciona ao outro, que
vem do outro, aquilo que o atravessa e anima, e nos impregna e
transforma. Numa tarde, saída de uma prova de cardiologia, quando
decidi abandonar o curso, entrei por acaso no cine Humberto Mauro.
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Na sala escura, Iracema: uma transa amazônica, de Jorge Bodansky.
Minha primeira experiência com o cinema ou, pelo menos, um certo
cinema. Mais do que questões sobre as fronteiras entre ficção e
documentário, o filme me trazia um certo modo de estar no mundo.
Tocar o mundo com a ponta dos olhos. Um olhar implicado, engajado,
irônico, político. Um certo modo de se fazer cinema que se funda
no encontro, no imprevisto dos homens e das paisagens, que se
posiciona contra o roteiro, contra as marcações de cena, contra a
romantização da floresta e dos povos da floresta, contra o discurso
de um Brasil grande. Iracema provocou em mim um deslocamento
essencial, aquele que reivindicamos nos filmes que ano após ano
apresentamos no festival. Um deslocamento de ponto de vista, de
estabelecimentos, de ideologias e discursos, de durações. Por um
cinema encarnado, vivo, impuro, pulsante. Por um cinema que se faz
gesto e postura. É em nome dele que continuamos.
24. Um convite para trabalhar no forumdoc de 2007 me apresentou
um mundo dos mais encantadores: pessoas realmente envolvidas
com as temáticas das mostras e ações propostas, interessadas em
dar o seu melhor pelo festival, independente se haveria retorno
financeiro ou não, por mais que isso seja importante e necessário
pra nossa sobrevivência! Isso me fez perceber que ali se juntavam
muito mais que parceiros e colegas, e sim pesquisadores, estudiosos
e o melhor, amigos! As festas, ora parte integrante e imprescindível
das “discussões”, rs, além de mostrar que “a noite é uma criança”,
são sempre compostas de muito rock n´roll e de diversão garantida
(inclusive com direito a after party chez moi!). É uma selva à qual
eu me junto a risos e choros: tem hora que passa uma jaguatirica,
outra um leão marinho ou um mico leão dourado, rsrs. Eu achava
que era o acaso que tinha me trazido à Filmes de Quintal, mas,
pra meu espanto, eis que encontram minha assinatura na ata de
/ 23
presença do primeiro forumdoc e eu a verifiquei, é realmente
verdadeira! Umas amigas me levaram pra sessão de abertura quando
vim fazer vestibular em 1997 e assim, mais do que tudo, acreditei
que “estava escrito”, e aqui estou contribuindo pro crescimento e
comemorando com grande alegria os 15 anos de existência. Vida
eterna ao forumdoc!
25. O forumdoc é para mim um fato social total, tratando-se no
fundo, como ensinou Marcel Mauss, de misturas. “Misturam-se as
almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as
vidas, e assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de
sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a troca”.
Faz 15 anos que me misturo ao forumdoc ao ponto de me faltar
aquele olhar distanciado. “Bons drink!” Vida longa ao forumdoc!
26. “Quando proclamam, ao contrário, que ‘o inferno somos nós
mesmos’, os povos selvagens dão uma lição de modéstia que
gostaríamos de nos crer ainda capazes de escutar. Neste século em
que o homem teima em destruir inumeráveis formas de vida, depois
de tantas sociedades cuja riqueza e diversidade constituíam desde
tempos imemoriais seu maior patrimônio, nunca, com certeza,
nunca foi mais necessário dizer, como o fazem os mitos, que um
humanismo bem ordenado não começa por si mesmo. Coloca o
mundo antes da vida, a vida antes do homem, o respeito pelos outros
seres antes do amor-próprio. E que mesmo uma estadia de um ou
dois milhões de anos nesta terra – já que de todo modo um dia há
de acabar – não pode servir de desculpa para uma espécie qualquer,
nem a nossa, dela se apropriar como coisa e se comportar sem
pudor ou moderação.”Parágrafo final das Mitológicas III - Origens
das Maneiras à Mesa”. Parte 7: As regras da civilidade capítulo: A
moral dos mitos, 1967. Dizem que Lévi-Strauss é um humanista
24 \
(muitas vezes para afirmar que seu pensamento é ultrapassado). Mas
o humanismo dele bebeu das civilizações indígenas e é alargado, o
humanismo dele, se pode ser afirmado assim, é multinaturalista. Isso
na década de 1960. E hoje segue ainda na frente das respostas aos
problemas maiores que enfrentamos. Ouçamos os mitos, os índios,
e os bons pensadores. Pensadores selvagens. Sejamos minimamente
civilizados.Lembrando a silenciosa sessão-homenagem ao centenário
de Lévi-Strauss no forumdoc.bh.2008 na qual pudemos ver seus
filmes: Cerimônias Funerárias entre os Bororo, Festejos Populares
em Mogi das Cruzes e Festa do Divino Espírito Santo. 27. A cumplicidade dos que vieram antes: Jean-Claude, Coutinho, Escorel, Comolli, Vincent, Raulino, Beth, Tonacci, Divino Tsere, alguns
dos que se tornaram essenciais. E a força, energia, sorrisos, afetos,
paciência, alegria, alegria dos que vieram juntos e depois: todos os
meus quintais. Mas também Rouch e Glauber e Varda. Todo mundo
virando onça. Iauaretê. Uma pequena comunidade, leve e dispersa
- e isso confere um mistério a esse festival - que se materializa nas
primeiras filas da sala Humberto Mauro, em um período de breves
e densos dias do ano para assistir e conversar sobre filmes, que
certamente nunca teríamos chance de ver e compartilhar se não os
projetássemos nós mesmos. Foi por isso que fizemos.
* Ana Carvalho, Bernard Machado, Bruno Vasconcelos,
Carla Maia, Carolina Canguçu, César Guimarães,
Cláudia Mesquita, Daniel Ribeiro Duarte, Diana Gebrim,
Ewerton Belico, Fabiano Bechelany, Flávia Camisasca,
Frederico Sabino, Glaura Cardoso Vale, Jair Fonseca,
Júnia Torres, Milene Migliano, Paulo Maia, Pedro Aspahan,
Pedro Marra, Pedro Portella, Rafael Barros, Raquel Junqueira,
Renata Otto, Roberto Romero, Ruben Caixeta.
/ 25
26 \
/ sessão de abertura
/ 27
28 \
\ As hiper mulheres
/ Brasil \ 2011 / cor \ 80’
direção director Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro
fotografia photography Mahajugi Kuikuro, Munai Kuikuro, Takumã Kuikuro
trilha musical soundtrack Mulheres Kuikuro
montagem editing Leonardo Sette
produção production Vincent Carelli, Carlos Fausto
contato contact [email protected]
Temendo a morte da esposa idosa, um velho pede que seu sobrinho
realize o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu (MT),
para que ela possa cantar mais uma última vez. As mulheres do grupo
começam os ensaios enquanto a única cantora que de fato sabe todas as
músicas se encontra gravemente doente.
Fearing for his wife’s death, an old man asks his nephew to make the
Jamurikumalu, the biggest female ritual of the Alto Xingu (MT) area, so
she can sing one last time. The women belonging to this group start
rehearsing whereas the only singer who actually knows all songs has
fallen severely ill.
/ cine humberto mauro \ 22 nov / 19h30
/ centro cultural UFMG \ 25 nov / 18H
/ 29
30 \
/ mostra Fernando Coni Campos
/ 31
32 \
\ A gestação do canto
/ Ewerton Belico
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão ...
Oh, não perguntes: “Qual”
Sigamos a cumprir nossa visita.
(T.S. Eliot, “A Canção de amor de J. Alfred Prufrock”)
Fernando Coni Campos é um dos mais bem guardados segredos do
cinema brasileiro. Homem de letras, pintor, designer gráfico, realizador
de sete longas-metragem – um dos quais, Morte em três tempos, hoje
perdido – e de mais onze curtas-metragem, escassas são as referências
a sua obra hoje, com poucas exibições, e parcas referências críticas –
ou mesmo memorialísticas – ao seu trabalho.
A singularidade de sua trajetória, do qual é sintomática a sociabilidade
artística que mobiliza pessoas de círculos criativos tão diversos – Júlio
Bressane, Rogério Sganzerla, Gustavo Dahl, Arnaldo Jabor referemse elogiosamente a Fernando Coni – torna ainda mais complexa
a tarefa de situar seus filmes, de resto, vítimas da persistente
carência de espaços exibidores dedicados a poéticas mais ousadas,
assim como da crônica dificuldade de simultaneamente conservar
e exibir a produção daqueles que lutaram contra a censura –
responsável pela proibição de um de seus filmes, Um homem e sua
Jaula, que permanece inédito e será finalmente exibido, quarenta
/ 33
e dois anos depois de sua finalização, no forumdoc.bh.2011 – e
contra a opressiva tutela que uma longa ditadura militar impôs a
nossa produção audiovisual, com a cumplicidade de muitos que
pretenderam legitimar tal controle.
Fernando Coni, em seus depoimentos sobre Ladrões de cinema,
insistira sobre o caráter inaugural desse filme, cesura em seu trajeto,
reinício de sua carreira cinematográfica posta agora em outros termos,
sob o signo da visibilidade: o filme adquire um caráter público, tanto
em função de sua comunicabilidade, conquistada às expensas de
uma modalidade de expressão pessoal subterrânea, quanto em
função de sua concepção pluralística, que alia à sensibilidade erudita
do cineasta-leitor Castro Alves e Shakespeare ao samba de Mano
Décio da Viola, ao convívio com a Escola de samba Império Serrano
e com o Morro do Pavãozinho. Esse corte tem um sentido, também
subterrâneo, a ser posto: trata-se do abandono de uma poética –
e política – do cinema em linha de ruptura com uma tentativa de
“conquista do mercado” sancionada pela aliança cinemanovista com
Embrafilme.1
Esse abandono não é único, mas partilhado por outros realizadores
cujo trabalho é marcado por reviravoltas similares, tal como podemos
ver nessa caracterização de Neville D’Almeida por Artur Autran:
A compreensão do cineasta sobre a importância do público dá-se
em um momento (metado dos anos 70) no qual o mercado não mais
aceitava produtos experimentais mesclados com elementos de apelo
popular, e mais, no Rio de Janeiro o domínio da produção por parte
da Embrafilme tornava dificílima a feitura de tais filmes, já que a
1 Sobre essa questão, ver: Dahl, Gustavo. “Cinema Novo e Estruturas Econômicas Tradicionais”.
In: Revista Civilização Brasileira, n°5/6, 1966; Simis, Anita. Estado e Cinema no Brasil. São Paulo:
Annablume, 1996.
34 \
empresa encontrava-se por elementos ligados ao projeto do cinema
novo.2
Mas caracterizamos tal passagem de modo insuficiente ainda;
deixemos a Fernando Coni Campos a imagem que, para o próprio,
melhor a descrevia: “Este longo período underground é a gestação
do canto”. A imagem em questão retoma, em chave político-pessoal,
uma personagem de fábula: a cigarra, agora não mais imagem da
preguiça que se opõe à trabalhadora formiga, mas figura do próprio
fazer artístico, que se realiza – e simultaneamente consome – como
expressão pessoal somente quando vem à luz enquanto artefato
público, contudo gestado em silêncio, na obscuridade dos anos
passados no underground.3
Esse laborioso percurso subterrâneo, caminho que, segundo Fernando
Coni “chegou a parecer-me meu país”, legou como rastros filmes
obstaculizados pela censura oficial (o supracitado Um homem
e sua jaula) ou econômica (Sangue quente na tarde fria ou Uma
nega chamada Tereza, esse último amputado a posteriori pela
intervenção da produtora, sem o consentimento do realizador4).
Ou ainda um originalíssimo tour de force, filme signo de uma
persona artística paradoxal, Viagem ao fim do mundo, capaz de
combinar angústia existencial de proveniência cristã;5 com uma forte
sensualidade, expressiva dos dilemas espirituais do engajamento no
mundo; e de resolver esteticamente a expressão pessoal em um pletora
2 Autran, Artur. “Os descaminhos do Cinema”. In: Forumdoc.bh.2009 – Catálogo. Belo Horizonte:
Filmes de Quintal, 2009.
3 Ver o ensaio-depoimento-press realease Ladrões de cinema, de Fernando Coni Campos, constante
nessa catálogo.
4 Ver o depoimento de Fernando Coni, “Uma guerra declarada”, também constante nesse catálogo.
5 Ver a carta de Lygia Clark a Hélio Oiticica relatando o encontro com o casal Fernando Coni Campos/
Talulah Campos, em Figueiredo, Luciano. Lygia Clark Helio Oiticica – Cartas Rio de Janeiro: Ed. UFRJ,
1996, p. 62; e Bernardet, Jean-Claude. Viagem ao fim do mundo, constante nesse catálogo.
/ 35
barroquizante de citações, materializada no uso, mais uma vez muito
pessoal, e raro em nosso cinema, do found-footage, da incorporação
de material imagético e de comentário sonoro ao próprio universo
intradiegético – tradução das tensões que permeiam esse filme ainda
sem lugar em nossa historiografia,6 metaforizadas no estilhaçamento
de suas referências, entre os mass media, Machado de Assis, T.S.
Eliot, Chesterton e Simone Weil.
Talvez de modo não casual, essa senda percorrida na marca do
paradoxo se encerre com uma insurreição involuntária, vitoriosa
porque fracassada, no Mágico e o delegado, em que o martírio
do mágico converte-se em vitória da imaginação, em que o poder
transformador da criação artística em relação ao mundo social
somente tem lugar em um bordel.
Esperemos que a retrospectiva de Fernando Coni Campos, a
primeira a poder exibir um conjunto tão expressivo de filmes, possa
contribuir para arrancar mais uma vez esses filmes da escuridão do
underground.
6 Sobre essa questão, ver ainda Bernardet, Jean-Claude. Viagem ao fim do mundo, constante nesse
catálogo.
36 \
\ Viagem ao fim do mundo
/ Brasil \ 1968 / p&b \ 95’
direção director Fernando Coni Campos
fotografia photography José Medeiros, Osvaldo de Oliveira, Renato Neumann
montagem editing Renato Neumann
Uma viagem de avião. Enquanto aguardam a chamada para o embarque,
as personagens são apresentadas. Um rapaz encontra uma edição de
bolso das “Memórias Póstumas”, de Machado de Assis. Uma vez em
vôo, enquanto os outros passageiros lêem jornais e revistas, o rapaz lê
Machado de Assis, detendo-se no capítulo “O delírio”, que passa a ser
visualizado até o momento em que Pandora grita: “Olha o que tem sido
a vida no planeta onde habitas!”.
An airplane trip. Characters are introduced while they wait for boarding
call. A young man finds a pocket edition of Machado de Assis’s book
“The Posthumous Memoirs of Brás Cubas”. Once the plane takes off, as
other passengers glance over newspapers and magazines, the young
man reads Machado de Assis, drawn to a chapter entitled “The delirium”,
which starts to materialize itself until the moment Pandora shouts:
“Look at what life has been in the planet you live in!”.
/ cine humberto mauro \ 01 dez / 19h
/ 37
\ Um homem e sua jaula
/ Brasil \ 1969 / p&b \ 73’
direção director Fernando Coni Campos, Paulo Gil Soares
fotografia photography Leonardo Bartuti
montagem editing Renato Neumann
Filme inédito. O pintor Tino, em crise profissional e política, recebe
telegrama da sogra, Selma, comunicando sua volta da Europa. Após
a morte da esposa, Tino continuará morando com Selma, com quem
mantinha relações ambíguas, que agora quer cortar. Fraco perante esse
amor impossível, ele pede à empregada Enedina que o tranque em seu
quarto. Ali, reaviva a memória através de cartas, bilhetes e fotografias.
Tino is a painter who, in the middle of a professional and political
crisis, receives a telegram from his mother-in-law Selma informing of
her arrival from Europe. After the death of his wife, Tino keeps on living
with Selma, with whom he had developed an ambiguous relationship
he now wishes to end. Weakened by this impossible love, he asks the
housekeeper Enedina to be locked in his room. There, he revives his
memories through letters, personal notes and photographs..
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 19h
38 \
\ Sangue quente em tarde fria
/ Brasil \ 1970 / cor \ 87’
direção director Fernando Coni Campos, Renato Neumann
fotografia photography Renato Neumann
montagem editing Renato Neumann
Dilma e sua filha são forçadas a dar cobertura, em seu carro, a um
assaltante de banco perseguido pela Polícia Rodoviária. Os perigos da
aventura aproximam Dilma e seu chofer e, quando o assaltante é preso,
resta a ela comunicar ao marido o pedido de desquite.
Dilma and her daughter are forced to conceal, in their car, a bank
robber being chased by the federal highway police. The dangers derived
from this adventure bring Dilma and her chauffeur together, and when
the thief is arrested, she is left to inform her husband about a divorce
request.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 19h
/ 39
\ O mágico e o delegado
/ Brasil \ 1983 / cor \ 103’
direção director Fernando Coni Campos
fotografia photography Mário Carneiro
montagem editing Roberto Pires, Eunice Gutman
Um mágico e sua parceira chegam a uma pequena cidade do interior
da Bahia para apresentar um espetáculo de variedades. No entanto, a
mágica dura pouco e logo a cidade volta à sua pobreza habitual. Há uma
grande revolta e o delegado prende o mágico. Na cadeia ele é colocado
numa cela comum onde já estão quatro outros presos; a presença
do mágico quebra a rotina da vida carcerária e uma série de coisas
espantosas e maravilhosas começam a acontecer.
A magician and his female partner arrive at a small town in Bahia’s
countryside to present a variety show. However, magic doesn’t last long
and soon the city returns to its custumary poverty. A big riot occurs and
the magician ends up arrested by the local sheriff. In jail he is put in an
ordinary cell along with four inmates; the magician’s presence alters
the prison’s daily routine and a series of amazing and wonderful things
begin to happen.
/ centro cultural UFMG \ 25 nov / 20h
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 19h
40 \
\ Ladrões de cinema
/ Brasil \ 1977 / cor \ 127’
direção director Fernando Coni Campos
fotografia photography Sérgio Sanz, Noilton, Anselmo Serrat
montagem editing Sérgio Sanz
Durante o carnaval, no Rio de Janeiro, uma equipe de cineastas norteamericanos tem seu material de filmagem roubado pelo bloco de índios
que eles documentavam. Os ladrões, favelados do morro do Pavãozinho,
resolvem eles mesmos fazer um filme tendo por tema a Inconfidência
Mineira.
During Carnival, in Rio de Janeiro, a group of north american filmmakers
has their filmed material stolen by the carnival block party made of
indians they were documenting. The thieves, residents of Pavãozinho
favela, decide to make a movie themselves on the subject of the
Inconfidência Mineira.
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 21h
/ 41
\ A pintura de Cláudio Tozzi
/ Brasil \ 1981 / cor \ 9’
direção director Fernando Coni Campos
fotografia photography J. Marreco
montagem editing J. Marreco
As experiências do artista plástico Cláudio Tozzi em comunicação visual
com grandes painéis colocados no centro da cidade; o artista na Bienal;
a opinião dos críticos.
The experience of visual artist Cláudio Tozzi in the field of visual
communication with large pannels placed at the city center; the artist at
the Biennial; the critics opinion.
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 19h
\ Tarsila do Amaral
/ Brasil \ 1969 / 12’
direção director Fernando Coni Campos, David Neves
Documentário sobre os 50 anos de trajetória artística de Tarsila do
Amaral.
Documentary in regard to 50 years of Tarsila do Amaral artistic
trajectory.
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 19h
42 \
\ O Brasil de Pedro a Pedro
/ Brasil \ 1973 / cor \ 9’
direção director Fernando Coni Campos
fotografia photography Edgar Moura
montagem editing Eunice Gutman
A história do Brasil, do descobrimento à Independência, através de uma
exposição de bonecos da artista plástica Suzana Rodrigues e texto de
Fernando Coni Campos.
The history of Brazil, from the country’s discovery to its independence,
seen through a puppet’s exposition created by the visual artist Suzana
Rodrigues and the writings of Fernando Coni Campos.
\ Art Nouveau
direção director Fernando Coni Campos
fotografia photography Edgar Moura
A Revolução Industrial criou o produto em série. O estilo ‘Art Nouveau’
visa preservar a singularidade da produção única. O filme revela a
presença desse estilo no Brasil do início do século XX.
The Industrial Revolution created mass production. ‘Art Nouveau’ artistic
style intends to preserve single item production’s singularity. The film
reveals this style’s presence in Brazil at the beginning of the XX Century.
\ Pelo sertão
/ Brasil \ 1970 / p&b \ 8’
direção director Fernando Coni Campos
O sertão contido na obra do escritor brasileiro Affonso Arinos, através
das gravuras de Lívio Abramo.
The sertão region as presented by the work of Brazilian writer Affonso
Arinos, through the printings of Lívio Abramo.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 19h
/ 43
44 \
/ mostra cinema dos povos originários
Bolívia e México
/ 45
46 \
\ Os olhos do tigre e os olhos do condor
/ Júnia Torres, Carolina Canguçu, Milene Migliano
Cuando el video se presentó como posibilidad, las
comunidades se aprovecharon del medio. Seleccionaron a
personas interesadas o ya involucradas en la comunicación
para entrenarse en la produccion videográfica y continuar un
proceso de revindicación étnica que ya estaba en proceso,
por lo menos desde fines de los sesenta, pero que tiene su
horizonte más largo en la sobrevivencia y resistencia de los
pueblos indígenas durante más de 500 años de colonización.
(Freya Schiwy)
Se o cinema não é o espetáculo, ousamos nomear os filmes que aqui
apresentamos sob o título de “Cinema dos povos originários Bolívia/
México”, mostra que reúne obras e experiências fílmicas realizadas
distante dos estúdios e dos roteiros e dentro das florestas e sobre
os altiplanos, longe das universidades, dos saberes tecnicizantes e
próximos de formadores que são, antes de tudo, sujeitos politicamente
situados. Sem o aparato de máquinas e homens outrora mobilizados
para produzir o que moldou-se, em uma perspectiva evolutiva, como
“a sétima arte”, jovens indígenas apropriam-se de uma tecnologia
disponível e barata, de câmeras leves e de um saber que pode ser
compartilhado a favor de um cinema que se faz, felizmente,“menor”.
Nomear esse conjunto de filmes como “cinema” é antes trazê-los
para a companhia do que nos é mais caro – estética e politicamente
– produzido pela imaginação ou fabulação humana mediada
por imagens e sons. É estender o conceito de cinema para mais
distante de nós para aproximá-lo de outros de formas a serem
sempre experimentadas, menos montadas, inacabadas, mais abertas,
tateantes, inaugurais, alegóricas, potentes.
/ 47
Um cinema em perspectiva, no qual o lugar de onde vem os filmes
importa mais que – ou tanto quanto – sua forma, afinal. Esse é
um cinema pelo qual estamos particularmente interessados. Um
cinema que sirva para colocar em outros termos um problema que
Jean-Claude Bernardet situa no contexto das filosofias da alteridade:
Acredito que a filosofia da alteridade só começa quando o sujeito
que emprega a palavra “outro” aceita ser ele mesmo um outro
se o centro se descolar, aceita ser um “outro” para o “outro”.1
(Bernardet, 2004, p. 10).
Um cinema que vem “renovar as lutas políticas a partir da questão
tecnológica e da qualificação dos índios para um trabalho decisivo
no capitalismo cognitivo: a produção de imagens.”2 (Caixeta de
Queiroz, 2004, p. 58).
Trazendo um filme para o diálogo que reivindicamos, afirmamos que
devemos ver Film socialisme, de Godard, seguindo a entrevista na qual
o cineasta declara a morte do autor,3 não apenas como uma metáfora
da Europa – um navio de descontentes envelhecidos boiando à deriva
em sua própria história –, mas como um manifesto em favor de “uma
nova república de imagens”- livre do domínio morto da propriedade
corporativa e das leis de propriedade intelectual. Este novo cinema
será recortado e colado em um mundo onde os direitos do autor em
pouco tempo passarão a ser vistos como tão medievais quanto o
droit du seigneur. Em Film socialisme, a linha de fuga possível parece
ser traçada por uma jovem negra de fala francesa, com uma câmera
1 BERNARDET, Jean-Claude. Vídeo nas Aldeias, o documentário e a alteridade in “Um Olhar Indígena”,
VNA, 2004.
2 QUEIROZ, Ruben Caixeta de. Política, estética e ética no projeto Vídeo nas Aldeias. In: “Um Olhar Indígena”,
VNA, 2004.
3 O autor está morto, diz Jean-Luc Godard: entrevista a Fiachra Gibbons, publicada na Folha de São Paulo,
em 22/07/2011.
48 \
na mão e uma observação atenta ao nosso entorno, um posto de
gasolina... acreditamos que nesse gesto discreto do filme, o diretor
nos coloca na perspectiva de sermos esse “outro para o outro”, do
qual falávamos acima.
Ao considerarmos as vastas possibilidades colocadas por essa “nova
república das imagens”, onde inúmeras experiências se constroem
também sob a perspectiva indígena e tendo em vista as dificuldades
e prejuízos de uma mostra mais panorâmica, optamos por focar
experiências localizadas em dois países – Bolívia e México – por
apresentarem processos estruturados e longevos e com os quais
conseguimos estabelecer uma comunicação que nos permitiu
organizar essa pequena e incompleta mostra, se considerarmos
as diversas experiências em curso. Os filmes apresentados nos
permitem dar visibilidade à fabricação de um cinema que tem seu
sentido de existir como enfrentamento entre a sociedade nacional
e a resistência coletiva dos originários (mantendo o termo “nativo”)
contra as heranças coloniais e suas atualizações contemporâneas.
São filmes feitos a partir do interior das próprias comunidades
indígenas, discutidos e construídos coletivamente. Ojo de tigre,
Ojo del condor, denominações de duas das experiências coletivas
de produção audiovisual no México e Bolívia, denominações que
não podemos deixar de observar levando a sério a perspectiva
indígena – miradas desde dentro das selvas mexicanas e do alto das
montanhas andinas. Apresentamos uma seleção que compartilha
processos importantes realizados por etnias situadas nesses dois
contextos, embora não abarque toda a pluralidade de experiências
de apropriação das linguagens e do aparato fílmico em franco
acontecimento nesses e em outros lugares.
La producción y difusión de video crea redes de intercambio
audiovisual que desbordan las fronteras de la nación, al
/ 49
poner en contacto muy diversas comunidades indígenas
y campesinas rurales. De este proceso emerge la creación
de una vasta cantidad de documentales, docuficciones,
ficciones y también de representaciones videográficas que
se escapan de esta clasificación convencional4
(Schiwy, 2011).
Com o espaço de reflexão que se abre, queremos tocar algumas
das
questões
que
atravessam
o
conjunto
dos
filmes
aqui
organizados: autoria indígena e processos coletivos, vídeo-ativismo
e filmes-rituais, metodologias de formação e novas estruturas de
comunicação e circulação, constituição do olhar e apropriação
dos gêneros cinematográficos, filmar a “cultura” em “oposição” a
filmar a cultura,5 o problema posto ao conceito de representação
pelas imagens indígenas. Essas e ainda tantas outras reflexões que
as obras nos convidarão a enfrentar. Porém se aqui mostramos,
procurando revelar e difundir, muito nos será sempre vedado a
conhecer, posto que há usos sociais do vídeo sob a perspectiva
indígena que “escapam” a nossa possibilidade de os apreender nas
salas de cinema: filmes voltados para as próprias comunidades, de
circulação restrita e interna, material não traduzido, não editado,
ou não editável (quando não há intenção de reduzi-lo às elipses
da montagem que não cabem no tempo do ritual), material muitas
vezes gravado para logo ser apagado, onde a performance de colocar
em cena o corpo que filma já seria, ela mesma, uma das formas do
“cinema indígena”.
4 SCHIWY, Freya, “O outro olhar. Vídeo indígena e descolonização”, catálogo forumdoc.bh.2011.
5 Diego Madi, em artigo inédito: “Três paradigmas para pensar o vídeo entre os Kayapó”, publicado nesse
catálogo, apresenta uma discussão em torno de experiências indígenas com o vídeo e como estas podem
operar sobre a distinção entre cultura com aspas e cultura sem aspas proposta por Manuela Carneiro da Cunha.
50 \
Foi a janela aberta por Divino Tserewahu6 – realizador de filmes
importantes como Iniciação do jovem Xavante e Mulheres Xavante
sem nome e aqui presente no encontro dos realizadores promovido
pela mostra, onde estarão também Carlos Pérez Rojas (México)
premiado com os filmes Y el rio sigue corriendo e eyes on what’s
inside: the militarization in Guerrero e Matha Zelady Mole (cineasta
indígena moxeño trinitaria e comunicadora), além dos formadores
Ivan Sanjines (CEFREC/Bolívia) e Vincent Carelli (Vídeo nas Aldeias/
Brasil) – que nos apontou algumas das experiências cinematográficas
contemporâneas ainda inéditas em mostras no Brasil. Redes que
se vão tecendo, passando por caminhos outros, já que, como
aponta Shiwy, no texto publicado a seguir, a crítica de cinema
latinoamericano basicamente tem ignorado o campo de produção
audiovisual indígena.
O termo “cinema dos povos originários” é empregado para denominar
as produções audiovisuais dos grupos com os quais o Centro
de Información y Realización Cinematográfica / Coordinadora
Audiovisual Indígena Originaria de Bolivia (CEFREC/CAIB) tem
trabalhado nos últimos quinze anos em parceria com diversos grupos
indígenas e campesinos: Aymara, Ayoreo, Araona, Baure, Chiquitano,
Canichana,
Caniveño,
Cayubaba,
Chacobo,
Eseejja,
Itonama,
Joaquiniano, Machinei, Moré, Mosetén, Movima, Moxeño, Pakawara,
Quéchua, Sirionó, Tacana, Toromona, Yaminahua, Yuracaré, ações
que englobam não só a formação de cineastas indígenas, mas
também promove a difusão, distribuição e financiamento de projetos
de comunicação (rádio, vídeo, TV, web) em diversos contextos sociais
6 O realizador e seus filmes, ao mesmo tempo que afirmam a ideia de um cinema indígena em diálogo com
o melhor cinema documental e etnográfico, nos colocam desde nosso encontro em 1998, a profundidade das
questões nas quais estamos imbricados nessa mostra, ao reivindicar o desejo de rompimento com a categoria
“realizador indígena” em favor de seu reconhecimento como “cineasta ponto final” sem substantivação.
/ 51
e políticos, consolidando um sistema plurinacional de comunicação.
Através das produções via CEFREC/CAIB tais comunidades investem
na apropriação dos gêneros cinematográficos presentes nas
narrativas ficcionais tradicionais, como o drama, o terror ou o humor
e apostam na tradição documental, realizando filmes etnográficos
descritivos dos modos de vida desses povos.
Em 1996, nasce, na Bolívia, o Plan Nacional Indígena Originário de
Comunicación Audiovisual,7 fruto da união de diversas confederações
indígenas para a estruturação de um Sistema Nacional de
Comunicación Indígena Originario. O CEFREC/CAIB é uma dessas
organizações, que surge a partir dos trabalhos do cineasta Jorge
Sanjinés em parceria com diversos grupos indígenas, que tem
início em 1963 com um curta de 10 minutos, chamado Revolución.
Esse curta revela as condições miseráveis da grande maioria dos
habitantes de La Paz, indígenas migrantes. Posteriormente, Sanjinés
dirigiu longas que compõem um cinema essencialmente andino,
como Ukamau (1966), a história da vingança de um campesino
índio, cuja mulher foi violada e assassinada por um mestiço; Sangre
de condor (1969), com os mesmos atores de Ukamau, denuncia a
esterilização de mulheres por um grupo chamado Cuerpo de Paz;
e La nación clandestina, de 1989, que apresentamos nessa mostra,
como único filme em que os indígenas não assinam a direção. Esse
longa-metragem apresenta Sebástian Mamani, um índio aymara que
vive em La Paz e decide retornar à sua comunidade em pleno golpe
militar boliviano. Esse filme é considerado a obra-prima do grupo
Ukamau e Sanjinés, em que fotografia, montagem e dramaturgia
realmente impressionam.
7 “Cinema e vídeo indígena como estratégia de afirmação cultural, social e política dos povos originários da
Bolívia”, Ivan Sanjinés, publicado nesse catálogo.
52 \
O trabalho de Sanjinés com os índios proporcionou a criação de
um centro de referência e formação de realizadores indígenas,
que sempre foi autônomo e livre para experimentação, tanto na
linguagem dos filmes, quanto nas ações para fortalecer a luta pela
afirmação dos direitos dos povos indígenas.
Hoje há na Bolívia um Sistema Plurinacional de Comunicação,
composto por diversas organizações, centros de produções de rádio
e TV. Já se encontram em um processo extremamente avançado
pois têm elaborado um Plano Nacional Indígena de Comunicação
Audiovisual, de forma a garantir recursos federais permanentes para
a consolidação dessa rede.
Outra experiência aqui enfocada reúne, pela primeira vez no forumdoc.
bh, um conjunto mais abrangente de filmes representantes do vídeoativismo – mas não só – que caracteriza o Promedios/ Chiapas Media
Project, ligada à insurgência zapatista contemporânea no México.
Alessandra Halkin,8 no texto aqui publicado “Fora da ótica indígena:
zapatistas e realizadores autônomos”, remonta ao início da parceria
entre realizadores indígenas mexicanos e organizações norteamericanas para estruturação audiovisual dos governos autônomos
indígenas do México através da criação do Chiapas Media Project.
Desde o início houve um esforço em organizar oficinas de vídeo nas
aldeias que fossem ministradas pelos próprios indígenas já iniciados
na linguagem audiovisual. Não houve, nesse primeiro momento,
oficinas ministradas por não-indígenas, já que existia no México uma
iniciativa do uso do vídeo pelos índios como forma de ação política.
Halkin contactou essas pessoas e ofereceu estrutura de trabalho
a elas. A pesquisadora diz ter focado seu trabalho na captação de
8 Alexandra Halkin. Documentarista, ex-diretora e atual coordenadora internacional do Chiapas Media
Project.
/ 53
recursos para o projeto e na distribuição internacional dos filmes
produzidos. A formação de realizadores indígenas seria coordenada
por eles mesmos, sendo o contato direto com os brancos mais
intenso nos momentos da edição dos materiais. Isso traz à tona uma
séria questão da formação de cineastas indígenas, já que poucos
dos cinegrafistas formados chegam a dominar o processo de edição.
O que percebemos dessa produção inicial do Chiapas Media Project é
uma tentativa de reprodução da linguagem televisiva da reportagem,
de forma a dar voz a atores sociais que não têm espaço na grande
mídia. Ao mesmo tempo, esses filmes não são uma cópia da televisão,
mas antes maneiras únicas de apropriação dessa linguagem. Cesar
Pérez, realizador mexicano convidado a participar da mostra aqui
em BH, reflete sobre seus filmes e assume querer ousar mais na
construção das narrativas. Ele, que havia trabalhado em uma TV
indígena (TV Tamix em Oaxaca), se tornou formador do Chiapas
Media Project, e assim disseminou a antropofagia da televisão pelos
originários mexicanos.
A minha verdadeira crença e o que ultimamente tem me tocado
muito é que me parece importante que se façam documentários
com um enfoque social, com compromisso social. Mas também
percebi que, incluindo meus vídeos, em termos audiovisuais
estamos muito longe da criatividade com que as comunidades
se organizam e se movimentam. Vejo meus vídeos e os de
outros realizadores sobre esses temas e percebo que, muitas
vezes, são muito frios, muito quadrados. E o que eu quero
fazer agora é poder captar a criatividade que é característica
dos movimentos sociais do México. (entrevista com Carlo Pérez
Rojas, publicado neste catálogo).
O Promedios/Chiapas Media Project atualmente trabalha na difusão
dos vídeos feitos pelas comunidades indígenas e campesinas dos
54 \
estados de Chiapas e Guerrero sudeste mexicano; seu objetivo é
facilitar a comunidades campesinas e indígenas, pobres e organizadas
a possibilidade de produzir seus próprios materiais audiovisuais
e difundi-los. Promedios/CMP se dedica a conseguir os recursos
necessários para equipar as diversas regiões donde se trabalha com
equipamento de comunicação, capacita os campesinos e os indígenas
no manejo de tecnologia de comunicação e distribui as produções
dos videastas indígenas nas diversas regiões do mundo. Entre os
destaques dos filmes zapatistas estão os filme de Carlos Pérez Rojas
sobre a militarização nas comunidades indígenas em Guerrero,
onde percebe-se, como em outras produções a presença, inscrição
e atuação política do vídeo. Com tais filmes e com sua produção
contemporânea pela Mecapal filmes, o realizador tem se destacado
em festivais como Sundance, Margaret Mead Film Festival, United
Nations Conference on Indigenous Journalism, Festival International
de Film d’Amiens e Festival de Cine y Video de los Pueblos Indígenas
de América e Wild Spaces Film Festival in Melbourne.
Apresentamos também títulos provenientes de outras experiências
situadas também no México como filmes produzidos pelo Proyecto
Videoastas Indígenas de La Frontera Sur (Dia de muertos en la
tierra de los murciélagos e Canción de nuestra tierra), ou Dulce
Convivência (produzido por Quemix), Aqui, así nos Curamos (Ojo
de tigre) além de um filme não oriundo de projetos de formação,
biográfico e ensaístico: El rebozo de mi madre, de Iteandehui Jansen,
que nos permitem perceber as diferenças formais se comparados a
Chiapas Media Project, embora muitas vezes produzidos no mesmo
contexto, vindos das selvas remanescentes da região de Chiapas.
Incluímos ainda, sob “licença poética”, um filme de autoria da
importante realizadora Jeannette Paillán (mapuche/Chile), o belo
Punalka, el alto Bíobío.
/ 55
Poder assistir as imagens e sons que conectam o realizador e câmera,
em conversa com o seu avô, indagando mais uma vez sobre o ritual,
aprendendo mais uma vez para trazer a memória ao filme que nos
conecta, espectadores à sua realidade, compartilhada principalmente
com seus parentes próximos, pois com eles divide o conhecimento
de uma língua rara, aponta mais uma vez para a necessidade de se
conhecer mais sobre o cinema dos povos originários. Realizar essa
mostra é reconhecer que “no mundo indígena, um ritual e um filme
nunca são perfeitos, estão sempre inacabados, prontos apenas para
o recomeço. E assim, ali, um filme gera e provoca necessariamente
outro filme.” (Caixeta de Queiroz, 2008, p. 123).9 Uma mostra,
outras mostras.
9 QUEIROZ, Caixeta de Ruben. Cineastas Indígenas e Pensamento Selvagem in Devires, Cinema e
Humanidades, FAFICH-UFMG, v.5, n.2, 2008.
56 \
\ Qati Qati / Susurros de muerte
/ Qati Qati / Whispers of death
/ Bolívia \ 1998 / cor \ 35’’
direção director Reynaldo Yujra (Aymara)
fotografia photography César Pérez
montagem editing Juan Cadena
som sound Max Silva, Constancio Chileno
produção production Maria Eugenia Muñoz, Fernando Alcázar, CEFREC-CAIB
contato contact [email protected]
Adaptação de conto da região de Carabuco do Lago Titicaca, o filme
encena a história de um homem que paga caro por não acreditar nas
almas e nos espíritos antepassados presentes na vida cotidiana Aymara.
Adapted from a tale of the Carabuco region of Lake Titicaca, this is the
story of a man who pays dearly for not believing in the souls and spirits
present in everyday Aymara life.
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 19h
/ 57
\ Qulqi chaleco / Chaleco de plata
/ Qulqi chaleco / Vest made of money
/ Bolívia \ 1999 / cor \ 22’
direção director Patricio Luna (Aymara)
fotografia photography Santiago San Martín
montagem editing Juan Cadena
som sound María Eugenia Muñoz e Franklin Cortéz
produção production María Eugenia Muñoz e Fernando Alcázar, CEFREC-CAIB
contato contact [email protected]
Dramatização de um conto tradicional Aymara que propõe uma reflexão
sobre a ambição, a avareza e as consequências da acumulação.
In this dramatization of a traditional Aymara tale, Satuco hoards money
in a vest that he never removes, not even to sleep. When signs tell of his
coming death, he shares his secret with a neighbor—and the results are
eternal.
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 15h
/ centro cultural UFMG \ 02 dez / 18h
58 \
\ K’anchary / Para encender la luz del espíritu
/ K’anchary / To light the spirit
/ Bolívia \ 2002 / cor \ 45’’
direção director Reynaldo Yujra (Aymara)
fotografia photography Cesar Perez
montagem editing Juan Guaraní, Reynaldo Yujra, Max Silva
som sound Juan Guaraní
produção production Daniel Gutierrez, CEFREC-CAIB
contato contact [email protected]
O vídeo é estruturado a partir do acompanhamento dos médicos
tradicionais Kallawayas da comunidade de Chari (La Paz) para conhecer
diferentes aspectos da realidade indígena da região e a prática da
medicina tradicional, reflexo de uma cosmovisão própria.
In a collective production, an Aymara filmmaker follows the Kallawayas,
healers and spiritual leaders of the Chari community of La Paz, to
learn about the indigenous reality of the region. Traditional medicine
practices are documented, providing insights into the Kallawaya world
view.
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 19h
/ centro cultural UFMG \ 02 dez / 18h
/ 59
\ Wiñay qaman pacha / Cosmovisión de los pueblos
indígenas originários
/ Bolívia \ 2004 / cor \ 30’
direção director Coletiva
produção production CEFREC-CAIB
contato contact [email protected]
Os povos originários vivem uma forte conexão com a Pachamama (Mãe
Terra), com os deuses protetores e com sua própria espiritualidade.
Atualmente, tanto nas cidades como nas comunidades indígenas, muitas
crenças externas apareceram gerando um enfrentamento entre irmãos
e conflitos com sua própria cultura. O documentário reflete sobre esta
problemática e demanda o direito dos povos indígenas de praticar sua
cultura e fortalecer sua identidade.
The traditional indigenous people have a strong connection with
Pachamama (Mother Earth), protective gods and their own spirituality.
Nowadays, both in the city and in indigenous communities, many
external beliefs have arisen generating confrontation among brothers
and conflicts with their own culture. The documentary reflects upon this
problem and demands the right for indigenous people to practice their
culture and strengthen their identities
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 15h
60 \
\ El grito de la selva
/ Cry of the forest
/ Bolívia \ 2008 / cor \ 97’
direção director Coletiva
fotografia photography Cesar Perez
montagem editing German Monje
som sound Nicolas Ipamo
produção production Erika Cavero
contato contact [email protected]
O filme narra acontecimentos baseados em histórias reais dos anos
1990 e 1996 no contexto da preparação da histórica marcha que os
povos indígenas da Amazônia do Beni fizeram até a cidade de La Paz
reivindicando por dignidade e território. Aborda o papel e a luta das
comunidades e as mulheres indígenas defendendo seus direitos e sua
terra.
The regional indigenous movement of the 1990s in Bolivia sets the stage
for the country’s first indigenous feature film. Communities in lowland
Beni are shattered by violence meted out by illegal loggers. Their
defense of their lives and lands culminates in protests that change the
political landscape of Bolivia forever.
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 17h
/ 61
\ Suma Quamaña, Sumak Kausay, Teko Kavi /
Para vivir bien
/ Suma Quamaña, Sumak Kausay, Teko Kavi /
For a better life
/ Bolívia \ 2008 / cor \ 55’
direção director Coletiva
fotografia photography Vicente Mamani, Jesús Tapia, Cesar Pérez, Max Silva
montagem editing Max Silva
produção production Victor Hugo Torrez, CEFREC-CAIB
contato contact [email protected]
O documentário recupera a participação dos povos indígenas originários
e camponeses da Bolívia no processo da Assembleia Constituinte,
documentando-a desde o início, com as diferentes mobilizações e
marchas que protagonizaram as organizações indígenas e campesinas,
a instalação da Assembleia na cidade de Sucre, as propostas das
organizações indígenas, as agressões dos dirigentes e participantes e
os obstáculos superados até a entrega da Nova Constituição do Estado a
Presidente da República, em 2007.
In Bolivia, a forceful new movement for progressive change has emerged
from the indigenous peoples of the country. Indigenous videomakers
document the historic process of mobilization by indigenous and
peasant organizations, leading to the drafting of a controversial new
national constitution that recognizes indigenous autonomy and protects
linguistic and cultural diversity
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 15h
62 \
\ Guayé – La lucha del pueblo Ayoreo
/ Bolívia \ 2010 / cor \ 31’
direção director Coletiva
fotografia photography Max Silva
montagem editing Max Silva
som sound Zaida Cabrera, Tomás Candia, Nicolas Ipamo
produção production Francisco Vargas, CEFREC-CAIB
contato [email protected]
O documentário baseia-se em uma reflexão sobre a cultura, a
organização e a luta constante do povo indígena Ayoreo na Bolívia pela
verdadeira inclusão no Novo Estado Plurinacional da Bolívia através de
dois acontecimentos: o primeiro, uma viagem dos dirigente da CANOB
de Decasuté à terra comunitária indígena Guayé (Rincón del Tigre); o
segundo, o cotidiano de Josedaté , , uma mulher de muita força e com
uma trajetória em defesa do povo Ayoreo, que nos faz refletir sobre a
importância de seu povo e de sua cultura.
The documentary reflects upon the culture, form of organization and
constant struggle of the Ayoreo indigenous people of Bolivia for the
inclusion of two events on the New Plurinational State of Bolivia. The
first one is a trip from the directors of CANOB from Decasuté to the
indigenous land of Gauyé (Rincón del Tigre); the second is the everyday
life of Josedaté), a woman of much strengh and with a history of defense
of the Ayore people, that makes us think upon the importance of her
people and her culture.
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 15h
/ 63
\ Sirionó
/ Bolívia \ 2010 / cor \ 56’
direção director Coletiva
fotografia photography César Pérez
montagem editing Germán Monje
som sound Nicolas Ipamo
produção production CEFREC-CAIB
contato contact [email protected]
O dia a dia da comunidade Sirionó de Ibiato nos tempos das ditaduras
militares, no final da década de 70 e logo antes da histórica marcha
indígena de 1990 pelo Território e pela Dignidade, nos faz refletir sobre
a educação e a forma na qual se impôs um modelo alheio às culturas
indígenas e de desrespeito ao próprio idioma.
A fictional account of the Sirionó community of Ibiato, just before the
historic 1990 March for Land and Dignity to the nation’s capital. A
revolutionary guerilla fleeing from the dictatorship’s military forces is
mistakenly accepted as the teacher the community has been expecting.
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 19h
64 \
\ La nación clandestina
/ Bolívia \ 1989 / cor \ 128’
direção director Jorge Sanjinés
fotografia photography César Perez
montagem editing Jorge Sanjinés
som sound Juan Guaraní
produção production Grupo UKAMAU
contato contact [email protected]
O filme tematiza a questão da identidade cultural da nação boliviana.
Sebastián Mamani, um camponês renegado por seu povo, tenta integrarse a uma sociedade que o descrimina e humilha por sua origem Aymara.
Ele retorna ao povoado para se redimir por ter atuado como repressor
durante a ditadura. Dançando o “Jacha Tata Danzante” e ele espera
apagar seu passado, desejando seu próprio renascimento.
The movie centers on a discussion of the bolivian nation’s cultural
identity. Sebátian Mamani, a countryman denied by his people, tries
be part of a society that discriminates and humiliates him due to his
Aymara origins. He returns to his village to redeem himself for engaging
in acts of repression during the dictatorship. Dancing the ‘Jacha Tata
Danzante’ until his death he expects to erase his past while waits to be
reborn.
/ cine humberto mauro \ 01 dez / 21h
/ 65
\ Chul stes-bil lum qui, nal / Tierra Sagrada
/ The sacred land
/ México \ 2000 / cor \ 19’
direção director coletiva Tzeltal
produção production Chiapas Media Project/Promedios
contato contact [email protected]
Por mais de 500 anos os povos indígenas de Chiapas vêm lutando para
recuperar a propriedade de suas terras. Até o levante Zapatista de 1994,
grande parte dos povos de Chiapas se sustentava através do trabalho
em grandes plantações de ricos proprietários. “Terra Sagrada” descreve
a vida nessas plantações, e inclui histórias sobre condições de quase
escravidão que remetem a quatro gerações. Produzido no município
autônomo “17 de novembro” e editado por videastas indígenas.
For more then 500 years indigenous people in Chiapas have been
struggling to regain ownership of their lands. Until the Zapatista
uprising in 1994, most indigenous people in Chiapas existed by working
on large plantations for rich landowners. The Sacred Land describes
what life was like on these plantations. It includes stories that go
back four generations about slavery-like conditions in which people
worked for the rancheros. Produced in the autonomous municipality of
“November 17th” and edited by indigenous video makers.
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 15h
66 \
\ Son de la tierra
/ Song of the earth: traditional music from
the highlands of Chiapas
/ México \ 2002 / cor \ 17’
direção director Jorge
fotografia photography Jorge, Amalio e Carlos Efrain
montagem editing Jorge e Carlos Efrain
som sound Jorge e Carlos Efrain
produção production Chiapas Media Project/Promedios
contato contact [email protected]
Anciãos Tzotzil explicam o significado da música tradicional e o papel
dos músicos em suas respectivas comunidades. Presentes no filme
festividades, músicas e danças, incluindo o festival de San Andres, a
celebração mais importante do ano. Os anciãos discutem a influência
da música ocidental e expressam sua esperança da juventude indígena
manter suas tradições e cultura.
Tzotzil elders explain the significance of traditional music and the role
of musicians in their communities. Celebrations, songs and dances
are presented including the festival of San Andres, the most important
celebration of the year. Elders talk about the influence of western music
and dress on youth and express their hopes that indigenous youth will
maintain their traditions and culture
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 17h
/ 67
\ Cuando la justicia se hace pueblo
/ Reclaiming justice: Guerrero’s indigenous
community police
/ México \ 2002 / cor \ 26’
direção director Carlos Pérez Rojas (Mixe)
fotografia photography Hermenegildo Rojas Rmz, Jose Luis, Carlos Pérez Rojas
montagem editing Alex Halkin e Carlos Pérez Rojas
som sound Jose Luis Matias e Victor Pérez Rojas
produção production Alex Halkin e Paco Vazquez, Chiapas Media Project-Promedios
contato contact [email protected]
“Quando la justicia se hace pueblo” conta a história de 42 comunidades
Mixteco e Tlapaneco de Costa Monta - uma região de Guerrero que,
frente à injustiça e à corrupção das autoridades locais, criaram a Polícia
das Comunidades Indígena (ICP) em 1995. O ICP é uma organização
voluntária, eleita por assembléia regional, baseado no sistema de justiça
indígena.
“Reclaiming Justice” is the story of 42 Mixteco and Tlapaneco
communities in the Costa-Monta–a region of Guerrero who, faced with
injustice and corruption of local authorities, established the Indigenous
Community Police (ICP) in 1995. Based on the traditional Indigenous
justice system, the ICP is a volunteer organization elected by regional
assembly.
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 15h
68 \
\ La lucha del agua
/ Water and autonomy
/ México \ 2003 / cor \ 14’
direção director Coletiva Tzeltal
fotografia photography Israel
montagem editing Israel
produção production Chiapas Media Project/Promedios
contato contact [email protected]
Muitas das comunidades indígenas de Chiapas não têm acesso à água
potável. “Água e Autonomia” volta-se para esse problema e revela de
que forma as comunidades Zapatistas trabalham para resolvê-lo. Através
da solidariedade e do treinamento proporcionado por pessoas do
exterior, várias comunidades vêm construindo seus próprios sistemas
de distribuição de água potável.
Many of the indigenous communities in Chiapas have no access to
potable water. Water and Autonomy looks at this serious problem and
how the Zapatista communities are solving it. Through solidarity and
training from internationals many communities are now building their
own water systems.
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 15h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 18h
/ 69
\ La vida de la mujer en resistencia
/ We are equal: Zapatista women speak
/ México \ 2004 / cor \ 19’
direção director Coletiva Tzeltal
fotografia photography Nicolasa, Maria, Fredy, Antonio, Manuel, Antonio, Miguel, José
Guadalupe, Paulina, Arnulfo, Guadalupe
som sound Miguel e José Guadalupe
montagem editing Moisés
produção production Chiapas Media Project/Promedios
Mulheres Zapatistas falam sobre suas vidas antes do levante de 1994 e
quais as mudanças ocorreram desde então. O filme apresenta um olhar
direto e crítico acerca das relações de gênero dentro de comunidades
Zapatistas – quanto as mulheres conquistaram e o quanto elas ainda
precisam conquistar.
Zapatista women speak about what their lives were like before the
uprising in 1994 and how their lives have changed since. A very upfront
and critical look at gender relations within the Zapatista communities how far women have come and how far they still need to go.
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 15h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 18h
70 \
\ Mirando hacia adentro. La militarización en Guerrero
/ Eyes on what’s inside: The militarization of Guerrero
/ México \ 2005 / cor \ 34’
direção director Carlos Pérez Rojas (Mixe)
fotografia photography Carlos Pérez Rojas, Mario Viveros, Hermenegildo Rojas, Bruno
Varela, Rafa de Villa, Eduardo Jaszi, Rodrigo Cruz
montagem editing Alex Halkin e Bruno Varela
produção production Alex Halkin, Chiapas Media Project/Promedios de
Comunicación Comunitária A.C.
contato contact [email protected]
O filme discute os efeitos desestabilizadores da presença militar
em comunidades indígenas, e como a pobreza e a marginalização
crescentes contribuíram para a criação de grupos guerrilheiros armados
e a presença do narcotráfico. A constituição mexicana estabelece o
papel interno da polícia militar, e Guerrero representa um exemplo de
como os militares agem fora das leis constitucionais
The Organization of Indigenous People Me phaa (OIPM) share their story
but it is really the story of many indigenous communities in Guerrero.
Discussed are the destabilizing effects of the military presence on indigenous communities, and how the increasing poverty/marginalization
of the population has contributed to the formation of armed guerilla
groups and the presence of narcotrafficking. The Mexican Constitution
lays out the internal role of the military and Guerrero presents a clear
example of how the military acts outside of it’s constitutional mandate.
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 17h
/ 71
\ La tierra es de quien la trabaja
/ The land belongs to those who work
/ México \ 2005 / cor \ 15’
direção director Coletiva Tzotzil
produção production Chiapas Media Project/Promedios
contato contact [email protected]
O vídeo acompanha a situação da cidade de Bolon Aja’aw, localizada
no norte do estado, perto do famoso sistema do rio Água Azul. O
governo federal vendeu as terras de Bolon Aja’aw a uma companhia
privada para a criação de um centro de ecoturismo, sem a permissão
dos membros da comunidade. O vídeo documenta um encontro entre
autoridades Zapatistas e funcionários do governo mexicano, e oferece
um olhar crítico em relação às implicações práticas do assim chamado
ecoturismo.
The video discusses the situation in the town of Bolon Aja’aw, located
in the north of the state near the famous Agua Azul river system.
The federal government sold the land in Bolon aja’aw to a private
company to create an eco-tourism center without the permission of the
community members. The video documents a meeting between Zapatista
authorities and Mexican Government functionaries, and offers a critical
look at the practical implications of so-called eco-tourism.
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 21h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 18h
72 \
\ Planting a seed: autonomous health in Chiapas
/ México \ 2007 / cor \ 42’
direção director Coletiva (Tzotzil, Tzeltal e Tojolabal)
fotografia photography Edilberto, Estela, Timóteo, Charly, Salvador, Reynoso,
Israel, Gerardo
montagem editing Timóteo, Edilberto, Estela, Nico,
produção production The Autonomous Municipalities of Lucio Cabañas, 17 de Novembro, Che Guevara, Vicente Guerrero, 1° de Janeiro, Olga Isabel e Miguel Hidalgo,
Chiapas Media Project/Promedios de Comunicacion
contato contact [email protected]
As comunidades autônomas Zapatistas formaram seus próprios sistemas
de saúde, independentes do sistema oficial do governo mexicano,
de forma bem sucedida. Em “Planting a Seed” os responsáveis pela
saúde e outros membros da comunidade descrevem como gerenciam
suas próprias clínicas, ministram oficinas sobre saúde, e continuam a
preservar a medicina natural tradicional ao mesmo tempo em que vêm
incorporando a medicina ocidental.
The Zapatista autonomous communities have successfully formed
their own health care system independent of the official system of the
Mexican government. In Planting a Seed, health promoters and other
community members describe how they run their own clinics, hold
health workshops, and continue to use and preserve their traditional
natural medicine while also incorporating Western medicine.
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 15h
/ 73
\ A Cielo Abierto
/ Under the Open Sky
/ México \ 2007 / cor \ 37’37’’
direção director José Luis Matías y Carlos Pérez Rojas
fotografia photography Carlos Pérez Rojas, José Luis Matías, Gilberto Tecolapa Casarrubias, Emilio Montiel Téllez
som sound Gilberto Tecolapa Casarrubias y José Luis Matías
montagem editing Carlos Pérez Rojas y José Luis Matías
produção production Ojo de Tigre Video
contato contact [email protected]
O depósito de ouro mais antigo do México se encontra em El
Carrizalillo, Guerrero, onde a população vive em extrema pobreza. Em
princípios de 2007, as comunidades com títulos sobre essas terras se
organizaram para buscar um acordo de arrendamento justo, que incluía
benefícios sociais para a comunidade, com a multinacional canadense
Goldcorp Mining. A Céu Aberto é a história de uma comunidade que se
organizou, lutou e venceu.
Mexico’s largest gold deposit is found in El Carrizalillo, Guerrero,
where the people live in grinding poverty. In early 2007, community
landholders organized in order to seek a fair annual lease payment
and social benefits for the communtiy from the Canadian transnational
company Goldcorp Mining.
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 17h
74 \
\ Y el río sigue corriendo
/ And the river flows on
/ México \ 2010 / cor \ 70’
direção director Carlos Pérez Rojas (Mixe)
fotografia photography
trilha sonora soundtrack Julio García
montagem editing Carlos Pérez Rojas
produção production Carlos Pérez Rojas
contato contact [email protected]
Desde 2003, o governo mexicano tenta construir a barragem da
hidroelétrica de “La Parota”, o que inundaria várias comunidades ao sul
de Acapulco. Esse documentário retrata comunidades que resistiram a
esse projeto, suas vidas, seus trabalhos, e seu amor pela terra.
Since 2003, the Mexican government has tried to build the La Parota
hydroelectric dam, which would flood several communities south of
Acapulco. This documentary portrays the communities that have resisted
this project, their lives, their work, and their love of the land.
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 19h
/ 75
\ El rebozo de mi madre
/ My mother’s rebozo
/ México | Holanda \ 2005 / cor \ 75’
direção director Itandehui Jansen (Mixteca/Holandesa)
fotografia photography Itandehui Jansen e Matijn Groot
som sound Martijn Groot e Aurora Perez
montagem editing Katarina Türler
produção production Rolf Orthel
contact [email protected]
Tendo crescido entre as culturas de uma mãe mixteca e um pai
holandês, a realizadora empreende uma revisão pessoal de seu povo
natal em Oaxaca. Ela reflete acerca das mudanças que identifica e
propõe um diálogo com membros da comunidade, documentando sua
experiência de migração e retorno.
Having been raised amidst the cultures of a mixteca mother and a
dutch father, the filmmaker undertakes a personal revision of her
village in Oaxaca. She presents a reflection on changes she can identify
and suggests a dialogue with community members, documenting her
experience about migration and returning home.
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 19h
76 \
\ Nikan ikon ti topajcha/ Aquí así nos curamos
/ This is how we heal ourselves here
/ México \ 2003 / cor \ 15’
direção director José Luís Matías (Nahua)
som sound Bernardo Alejo Hernàndez
montagem editing Gilberto Tecolapa Casarrubias, José Luis Matias Alonso
produção production Unidade de Produção Audiovisual Indígena
Ojo de Tigre Vídeo Guerrerocontato
contact [email protected]
Para o povo Nahua de Zitlala, Guerrero, a tradição da medicina realizada
com ervas continua sendo utilizada como recurso vital para a saúde da
comunidade.
To the Nahua people of Zitlala, Guerrero, the medicine tradition based
on herbs remains a vital resource to the community health.
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 19h
/ 77
\ Dulce Convivencia
/ Sweet gathering
/ México \ 2004 / cor \ 18’
direção director Filoteo Gómez Martínez (Mixtec)
fotografia photography Filoteo Gómez Martínez
montagem editing Filoteo Gómez Martínez
produção production Quemix
contato contact [email protected]
O realizador tem como foco a produção de panela (açúcar mascavo) em
sua cidade natal em Oaxaca, fornecendo uma compreensão da força e
das recompensas do modo de vida indígena.
A filmmaker’s focus on the production of panela (raw brown sugar) in
his home town in Oaxaca provides insight into the strength and rewards
of the indigenous way of life.
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 19h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 18h
78 \
\ K’in Santo ta sotz’leb / Dia de muertos en la tierra
de los murciélagos
/ México \ 2002 / cor \ 32’
direção director Pedro Daniel López López
fotografia photography Pedro Daniel López López
montagem editing Pedro Daniel López López
produção production Proyecto Videoastas Indígenas de la Frontera Sur
contato contact [email protected]
Jovem realizador retoma o contato com seu avô após viajar para o
vilarejo do ancião em Zinacantán, Chiapas. Lá ele documenta a festa de
Todos os Santos e ritos do Dia dos mortos que não são mais praticados
na sua comunidade natal, onde foi adotada uma forma evangélica
de Cristianismo. O ancião se apropria das filmagens para transmitir
sua esperança de que a juventude indígena dê continuidade a essas
tradições.
A young filmmaker reconnects with his grandfather when he travels
to the elder’s village of Zinacantán, Chiapas. Here he documents the
All Saints fiesta and Day of the Dead observances that are no longer
practiced in the community where he grew up, which has adopted
an evangelical form of Christianity. The elder takes advantage of the
filming to convey his hopes for indigenous youth to carry on these
traditions.
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 19h
/ 79
\ Kévujelta Jteklum / Canción de nuestra tierra
/ México \ 2004 / cor \ 36’
direção director Pedro Daniel López López
fotografia photography Pedro Daniel López López
som sound David López Pérez
montagem editing Pedro Daniel López López
produção production Proyecto Videoastas Indígenas de la Frontera Sur
contato contact [email protected]
Nesse filme, Pedro nos leva à tradição musical de seu avô e de seu
bisavô. Nos lembra que eles, como todos os músicos zinacantecos,
não só acompanham musicalmente as festas; são os guias do ritual, os
“diretores de orquestra” que conhecem todos os passos cerimoniais. Sua
música é fundo e forma, e veículo junto com a bebida “pox” e os santos,
para chegar a Deus... aos Deuses
In this film, Pedro shows us the musical tradition of his grandfather and
great-grandfather. He reminds us that, like all zinacanteco musicians,
they not only musically accompany the festivities; they are the ritual
guides, “orchestra directors” that know all the ceremony’s movements.
Their music is background and shape, and a pathway together with
“pox” drink and the saints to reach God... the Gods.
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 15h
80 \
\ Nostalgia de San Caralampio
/ México \ 2004 / cor \ 44’
direção director Comunidade San Caralampio, Pedro Daniel López López, Juan Diego
Méndez, Javier Méndez Córdoba, Xochitl Leyva y Axel Köhler
fotografia photography Carlos Uriel del Carpio, Juan Diego Méndez, Javier Méndez
Córdoba, Axel Köhler, Pedro Daniel López López
montagem editing Pedro Daniel López López e Javier Méndez Córdoba
produção production Proyecto Videoastas Indígenas de la Frontera Sur
contato contact [email protected]
As primeiras imagens deste vídeo foram feitas em 1991 a pedido dos
moradores da comunidade rural El Guanal, na selva Lacandona. Mais
tarde, em 1994, quando aconteceu o levante zapatista, a comunidade
de El Guanal se dividiu. Este vídeo nos fala da nostalgia dos guanaleros,
agora urbanos, da “terra selvagem prometida”. O vídeo mostra também
imagens da festa de San Caralampio, o padroeiro, feitas na cidade de
Ocosindo em 2002, agora filmada pelos próprios jovens indígenas.
The first images of this video were captured in 1991 at the request
of residents from the El Guanal rural community, in the Lacandona
jungle. Later on, in 1994, when the Zapatista uprising took place, the El
Guanal community was divided. This video speaks of the now urbanised
guanaleros, and their nostalgia from a “promised wild land”. The video
also shows images from the festivity of San Caralampio, the patron
saint, shot in Ocosindo in 2002, that is now portrayed by the young
indigenous filmmakers themselves.
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 15h
/ 81
\ Punalka: el alto Bíobío
/ Punalka, the upper Bíobío
/ Chile \ 1995 / cor \ 26’
direção director Jeannette Paillán (Mapuche)
fotografia photography Rodrigo Casanova e Pablo Salas
montagem editing Jeannette Paillán, Guillermo Molina, Fernando Carrasco
produção production Jeanette Paillán, Lulul Mawidha
contato contact [email protected]
O filme revela o ponto de vista do povo Mapuche que habita o vale
do rio Bíobío, no Chile, tendo como foco a ameaça que representa a
construção de uma represa hidroelétrica sobre a forma de vida dos
Mapuche.
The film reveals the Mapuche people’s point of view, living on the Bíobío
river valley in Chile, with a special focus on the threat imposed to the
Mapuche’s way of life by the building of a hydroelectric dam.
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 19h
/ centro cultural UFMG \ 02 dez / 18h
82 \
/ mostra o animal e a câmera
/ 83
Hipopótamo
Marinho Maxakali
ia aaaaa i ii
ia aaaaa i ii
aaa i a iia
hipopótamo do yãmiy
cabeça baixa
passos lentos
aaa ii a aa
hipopótamo do yãmiy
cabeça baixa
passos lentos
aaa ii a aa
passos lentos
aaa ii a aa
passos lentos
aai dia abiai
aai dia abiai
diac aabiaí ai
diac aaia ô ôôô
84 \
\ O animal e a câmera
/ Paulo Maia
E o que é o amor
senão a pressa
da presa em prender-se?
A pressa
da presa
em
perder-se
(Ana Martins Marques, “Caçada”)
Um dos temas mais estimulantes da Ciência do Homem, conhecida
também por Antropologia, recai sobre a controversa relação (real e
conceitual) entre homens e animais, que, em sua exposição e análise,
demanda a mobilização de uma série de outras noções correlatas
como as de humanidade e animalidade, humanismo e animismo,
frequentemente englobadas pelo dualismo mór das ciências sociais
e humanas, qual seja, aquele que se refere à distinção radical entre
Natureza e Cultura/Sociedade.
Nessa partilha, ocioso dizer, os animais são compreendidos como
parte da natureza, enquanto os homens – no estilo de um parente
traíra –, apesar de animais e partes da natureza, não se identificam
(duvide dessa afirmação e de outras) com o reino animal enquanto
tal, visto terem adquirido um suplemento ou aplicativo (apps) que
possibilitou sua distinção e criação de um reino próprio, a saber, o
reino social, i.e, a sociedade. Esse aplicativo, que não é senão um
diacrítico, seria a linguagem. O animal não fala, logo, não é um ser
social nem político, falar em sociedade é um atributo do homem.
/ 85
Essa é a lição que tiramos da Constituição Moderna ou da modernidade, que segundo Bruno Latour, se caracteriza por um humanismo
exacerbado que separa radicalmente o mundo natural e o mundo
social – seja para saudar o homem, seja para anunciar sua morte.
Mas o que fazer com outros discursos sobre a natureza e a sociedade,
os homens e os animais, que não estão de acordo com nossa partilha
moderna entre o mundo natural e o mundo social e nos quais
atitudes e práticas com a natureza se dão de formas muito diversas?
Como uma visada sobre o animal ou mesmo seu enquadramento
cinematográfico pode suscitar e acalorar o debate trans-disciplinar e
trans-específico que, como sugerido por Viveiros de Castro, “impõe
a dissociação e redistribuição dos predicados subsumidos nas
duas séries paradigmáticas que tradicionalmente se opõem sob os
rótulos de ‘Natureza’ e ‘Cultura’?” Em outras palavras, como frear a
máquina antropológica da filosofia ocidental, aquela denunciada por
Giorgio Agamben que impõe a cesura (no interior do homem) entre
o humano e o animal? É possível promover tais deslocamentos por
intermédio do cinema e da antropologia?
Vale recordar que o cinema e a antropologia são de mesma classe
de idade, ambos foram se formando nos finais do século de XIX para
em seguida, contribuírem, cada um a seu modo, para a constituição
do discurso antropológico e cinematográfico modernos. Enquanto
Robert Flaherty apresentava ao mundo o magistral Nanook, o
esquimó (1922), Bronislaw Malinowsky publicava outra obra
magistral, Os argonautas do pacífico ocidental (1922), e ambos
trabalhos marcariam os discursos cinematográfico – em especial o
documentário – e antropológico de sobremaneira. É possível dizer que
Flaherty flertou a antropologia em sua invenção cinematográfica, tal
como Malinowsky flertou a fotografia em sua invenção etnográfica,
86 \
esse cruzamento parcial entre antropologia e cinema, sem “forçação
de barra”, que a mostra pretende dar continuidade.
Esse é o desfio da mostra/seminário “O animal e a câmera” que este
texto pretende apresentar e que não é senão uma retrospectiva
incrementada – cinematográfica- e-antropologicamente - do percurso
ou trilha que o forumdoc vem abrindo nas geraes desde 1997
quando fizemos sua 1a edição que, por sinal, já estruturara de forma
fundamental nossa linha de fuga que traçávamos sem muito manejo,
mas com muito desejo desde aquela época. A mostra traz portanto
uma atualização de filmes já exibidos nesses anos de forumdoc – e
não são poucos, não cabendo listá-los -, assim como alguns filmes
inéditos em Belo Horizonte e no Brasil.
No total, 23 filmes – 14 longas, 5 médias e 5 curtas – serão
exibidos e seguidos de 3 conferências, 2 sessões comentadas e 2
mesas redondas, que comporão a mostra/seminário proposta pelo
programa de extensão forumdoc.ufmg à programação geral do
forumdoc.bh.2011.
Se existe um modo emblemático da relação homem-animal é aquele
manifesto na caça e na pescaria de animais, este parece ter sido
inclusive o cenário/evento preferido, tão logo o cinema se livrou
(ao menos tecnicamente) do tripé e dos ambientes cerrados e seus
cenários. Nanook inaugura justamente uma série de filmes cujas
cenas se dão quase que completamente fora dos estúdios, nas
bordas da “natureza” e da “cultura”. A curadoria dessa mostra busca
também fundamentar uma certa inclinação metafísica do cinema
sobre o tema da caça e da pesca, como se alguns cineastas, assim
como Ishmael/Melville, fossem arrastados – aqui a linguagem da
caça e da pesca já pode ser plenamente incorporada pelo discurso
cinematográfico et al – numa relação em que o que importa, como
/ 87
diria Deleuze (que apesar de não gostar dos caçadores compreendeu
bem a caçaria), é uma relação animal com o animal (devir-animal),
que põe em perspectiva as duas principais afecções da alma
compartilhadas entre homens e animais, o medo e a coragem.
O “animal e câmera” se estrutura em dois grupos (existem outras
linhas) de filmes cuja ação cinematográfica gira em torno da
execução dos modos emblemados supracitados, ou seja, oscilam
entre ideologia da caça e da pesca, por vezes atuando em ambos.
Iremos passar por todo um bestiário: focas, morsas, raposas,
cachorros, baleias, hipopótamos, leões, girafas, touros, macacos,
capivaras, cavalos, vacas e bois, arenques e outros peixes, espíritos,
bichos-preguiça, dentre outros. Conheceremos uma série de técnicas
corporais e instrumentos, em sua maioria objetos – canoas, barcos,
arpões, redes, flechas, laços, espadas, armadilhas de todo tipo –
carregados de simbolismo e venenos (agência) que podem ajudar ou
atrapalhar a perseguição, o aprisionamento e a morte do animal. Os
lugares pelos quais passaremos serão os mais diversos, da floresta
tropical às terras e mares gélidos da baía de Hudson, passando
pelo Níger e Afeganistão, chegando na paisagem desflorestada do
interior de Minas Gerais. Homens, animais e paisagens relacionadas
diante da câmera.
Nanook, o esquimó (1922), de Robert Flaherty, e Drifters (1929), de
John Grierson, são dois filmes inaugurais dessa modalidade (numa
época em que o cinema ainda não falava), que encabeçam a curadoria
da mostra. O primeiro filme acompanha as vicissitudes de um caçador
inuit e sua família na labuta constante pela busca de animais que
caçados ou pescados compõem a base da dieta alimentar e da vida
espiritual desses povos. Considerado um precursor do documentário,
Flaherty inovou como poucos, antecipando o dispositivo rouchiano,
ao compartilhar com o outro filmado sua imagem filmada antes
88 \
mesmo de dar cabo ao filme, revelando, assim, parte do dispositivo
cinematográfico, equilibrando o jogo, inevitavelmente assimétrico,
entre aquele que filma e aquele que é filmado. Drifters, por seu turno,
influenciou toda uma geração de “arenques” do documentário inglês,
ao propor formas alternativas àquelas da avant-garde do cinema.
Jean Rouch, com todo merecimento, tem um lugar especial na mostra,
pode-se dizer que os quatro filmes aqui selecionados, Batalha no
grande rio (1951), A caça ao leão com arco (1965), Um leão chamado
Americano (1968) e Meu primeiro filme (1991) – além de No país dos
magos negros (1947), virtualmente presente na curadoria – formam
um conjunto de peso dentro da filmografia apresentada na mostra,
pois juntamente com outro conjunto de filmes de John Marshal Os caçadores (1957), Equipamento de caça dos Bosquímanos !Kung
(1974) e Caça do leão (1974) – e Pierre Perrault – Pour la suite du
monde (1962) e La bête lumineuse (1982) –, revelam uma etnografia
documental atenta que apresenta um jogo ritual complexo, e repleto
de detalhes, entre homens e certos animais, animais especiais. O
caráter nostálgico da caça/pesca, assim como o entusiasmo dos
caçadores e pescadores, é talvez o aspecto que perpassa a maioria
desses filmes que devolvem a essas pessoas simples e corajosas
o direito ao ofício dessas práticas de que tanto se orgulham. Vale
notar que o fato de filmar uma caçada ou pescaria não é em nada
suficiente para que o filme seja considerado enquanto tal; ao meu
ver, para que tenhamos um verdadeiro filme de caça/pesca é preciso
que a câmera participe da caçada/pescaria, que passe por devir-arma
sob o domínio do fotógrafo-caçador, persiga sua presa, inclusive
filme o abate. Como nos ensinou Rouch,
para preparar um documentário sobre a caça ao leão permaneci
longo tempo numa aldeia africana. As filmagens foram feitas num
período de mais ou menos seis anos. Para as pessoas desta aldeia
/ 89
o cinema se tornou uma coisa familiar. Depois deste primeiro
filme sobre a caça coletiva ao leão eles me pediram para filmar
regularmente as caçadas. Fazer vários filmes sobre o mesmo
assunto para eles é absolutamente natural e uma caçada sem a
presença da câmera deixou de ser boa. O cinema se tornou parte
da cerimônia; a câmera, uma arma para a caça.
Outro bloco de filmes que compõem a mostra são aqueles realizados
no Brasil. Arraial do cabo (1959), de Mário Carneiro e Paulo César
Saraceni, com sua fotografia apurada, atualiza em terras tupiniquins
o dilema já explorado por Flaherty, Grierson e tantos outros, o
do avanço inevitável do capital frente às práticas tradicionais de
manejo e sustento, a transformação de pescadores em proletários,
afastando-os da natureza para alocá-los nas fábricas e indústrias.
Em Memória do cangaço (1964), de Paulo Gil Soares, e Rastejador,
substantivo masculino (1969), de Sérgio Muniz, é o sertão que se
impõe, aos homens, aos animais e à câmera. Nessa mostra esses
filmes se ocupam, assim como Os Arara (1983), de Andrea Tonacci,
em aproximar as habilidades de caça ao rastreamento de pessoas.
Batista e Joaquim Correia Lima, que conhecemos em o Rastejador,
caçadores de animais que posteriormente auxiliaram as volantes do
cangaço no nordeste brasileiro, são a prova cabal da ligação entre
caça e guerra, cuja perseguição e captura de inimigos é a meta.
Tonacci, por sua vez, acompanha com sua câmera, que passa a fazer
parte, a “frente de atração” dos Arara, grupo indígena karibe do
Pará, organizada pela Funai no final dos anos 1970. Os Arara é um
dos documentos raros de que dispomos de um acontecimento que
obriga a câmera/cineasta a seguir os procedimentos que levam ao
primeiro-contato, os devires e os perigos desse polêmico encontro –
habilidade de caçadores?
Yâkwá, O banquete dos espíritos (1995), de Virginia Valadão, Peixe
pequeno (2010), de Vincent Carelli e Altair Paixão, Histórias de Mawari
90 \
(2009), de Ruben Caixeta de Queiroz, Ataka, o ladrão de armadilhas
(2011), do Coletivo de Cinema Kuikuro, e Caçando capivara (2009),
de Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina
Maxakali, Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali,
Bernardo Maxakali e João Duro Maxakali compõem um outro eixo
da mostra, este focado em uma sociologia indígena da relação com
os animais dita de vários modos. Filme-ritual está no cerne desse
grupo, a relação homem-animal é encenada ritualmente para a
câmera. Em Histórias de Mawari destaca-se um plano-sequência
em que um grupo de jovens dançarinos waiwai (povo karibe dos
estados do Amazonas, Pará, Roraima e da Guiana Equatorial) bailam
e cantam portando nas mãos cascos de tracajá (quelônio), que são
mostrados para a câmera/cineasta cujo olho não se discerne entre o
ocular e a objetiva ou olho de animal, o cineasta que veste a câmera
é outra coisa, cantam os waiwai, o olho do bicho-preguiça, e assim
eles cantam para o bicho-preguiça, cine-olho:
Waymayimo Yeuru... olho do bicho-preguiça. O olho do bichopreguiça é muito bonito. Olha aqui o tracajá! Comemos nosso
bicho de estimação. Coitadinho do tracajá! O tracajá está com
medo do bicho-preguiça! Nós humanos também temos medo do
bicho-preguiça! Ei tracajá, olhe o olho do bicho-preguiça, é mesmo
muito bonito! Olhe o que nós ganhamos do bicho-preguiça! Olho
bonito, olhe aqui para nós, somos os olhos do fundo! Tracajá
tenha cuidado com o bicho-preguiça, senão ele vai te morder.
A performance waiwai e o plano-sequência são a mesma coisa sob
o solo do perspectivismo ameríndio. Dos filmes acima depreendem
uma ecosofia ameríndia cuja relação ou manejo do mundo (Cabalzar
org., 2010) — dos rios, das terras, dos animais, das plantas, de
objetos, de espíritos, dos deuses, em suma, das pessoas —, denotam
lições ecológicas que os programas de desenvolvimento social e
/ 91
aceleração do crescimento (PACs) insistem em ignorar e silenciar.
Yâkwá, O banquete dos espíritos acompanha o ritual de mesmo
nome levado a cabo anualmente pelos Enawenê-Nawé, povo aruak
do noroeste do Mato-Grosso; filmado na década de 1990, o filme
não previa que no ano 2008 os peixes, elemento fundamental do
ritual e da dieta enawenê-nawé, não haviam retornado da piracema
como de costume. Os Enawenê-Nawé, com toda razão, preocupados
com a tragédia da falta de peixes e impossibilitados como estavam
de realizar seu ritual anual, exigiram da FUNAI que cobrasse das
construtoras das PCH (Pequenas Centrais Hidrelétricas), na bacia do
rio Jurema, principais suspeitas de impacto ambiental causando a
eliminação dos peixes na região, uma taxa para a compra de três
mil quilos de peixe tambaqui a fim de concluírem o ritual Yaõkwá de
2009, este agora filmado pela equipe do Vídeo nas Aldeias para o
IPHAN (outro filme virtualmente presente na mostra).
Caçando capivara (2009) e Ataka, o ladrão de armadilhas (2011)
são filmes frutos da realização de oficinas de realização; o primeiro,
de oficinas ministradas por brancos aos realizadores maxakali que
assinam a autoria de um filme excepcional, e o segundo, em oficinas
ministradas no Xingu pelo cineasta indígena Takumã Kuikuro, que
vem ao forumdoc apresentar e discutir seu novo filme em uma
sessão especial nomeada Como filmar uma armadilha?
Três filmes completam a programação da mostra e são alinhados não
por compartilharem características, mas por cortarem na diagonal os
eixos que compõem a mostra “O animal e a câmera”, pois são obras
um tanto deslocadas do eixo central caça/pesca que denotam outras
singularidades e contextos relacionais do humano e do animal,
outras linhas de fuga.
92 \
La course de taureaux (1951), de Pierre e Myriam Braunberger, a que
tudo indica inédito no Brasil, foi tornado famoso por André Bazin
em um ensaio dedicado ao documentário, filme-libelo em favor da
tauromaquia, no qual o touro e o toureiro “morrem todas as tardes”.
Vale notar o que Bazin nesse ensaio parece ignorar: que o texto
narrado em off foi escrito por nada mais nada menos que Michel
Leiris, gerando uma camada suplementar na montagem alucinante
que o filme apresenta do embate entre homens - toureiros e cidadãos
comuns - e touros enfurecidos em arenas de todo tipo. O filme aborda
portanto uma prática em franco desaparecimento ou “esfriamento”
na Espanha; são cada vez mais frequentes as campanhas que visam a
proibição de rodeios e touradas, aqui e acolá, tendo algumas regiões
já sancionado leis que impedem a continuidade dessas controversas
e distintas tradições.
Primate (1974), de Fredrick Wiseman, cúmplice-delator das insti­
tuições, é outro filme genial que aborda a relação homem-animal por
intermédio da ciência chamada de primatologia; desse modo, o filme
enquadra o trabalho dos cientistas que estudam o comportamento,
desenvolvimento psíquico e mental de primatas encarcerados e
dopados em jaulas de laboratórios. O animal aqui é posto à prova e a
serviço do saber científico, como propõe mostrar André Dias, escritor
e crítico de cinema português, que apresentará uma conferência
no seminário “O animal e a câmera” intitulada “Autópsia ‘in vivo’:
aspectos da biopolítica em Primate, de Fredrick Wiseman”.
Os cavalos de Goethe, ou Alquimia da velocidade (2010), de Arthur
Omar, é um filme dedicado à simbólica dos cavalos; nele dois grupos
de cavaleiros, em uma zona de guerra do Afeganistão, combatem pela
posse de uma carcaça de bode decepado, enquanto o tempo não se
atarefa por dilatar as imagens até a imobilidade. São os cavalos os
verdadeiros donos dessa visada, é para eles que a força da câmera
/ 93
se dirige. A invenção cinema-fotográfica de Arthur Omar é sem
dúvida uma das mais radicais num uso experimental do dispositivo
imagético, como demonstra o trecho que transcrevo de uma
recentemente correspondência pessoal na qual o artista admite que
a relação câmera/animal é a suprema relação fotográfica, e
talvez seja a única possível porque a câmera nada mais sabe
do que transformar em animal, já que ela própria é um animal.
Desse limite, devemos fazer um infinito, e meu trabalho com a
antropologia da face gloriosa não tem sido outra coisa, os meus
animais, a descoberta dos animais que não podem ser vistos a
olho nu, a caça, em suma, que se dá não por focalização, mas por
invenção.
Encerrando a mostra e o forumdoc.bh.2011, exibiremos Dersu Uzala
(1975), do grande cineasta japonês Akira Kurosawa. Único filme de
ficção da mostra, narra o fascinante e trágico encontro entre um
explorador do exército russo e um caçador goldi da Sibéria. Nesse
ínterim, é toda uma ética e ideologia de caçador que Dersu dispõe a
nos mostrar em uma mise-en-scène imensamente cativante.
Além dos filmes e a participação de alguns convidados apresentados
acima, a mostra/seminário ainda conta com a conferência inaugural
“Lições de caça”, na qual Maurício Yekuana (índio yekuana, vicepresidente da Associação Indígena Hutukara) irá nos falar sobre os
processos de aprendizagem em jogo quando o assunto é tornar-se
um caçador yekuana, povo karibe que vive na divisa entre Roraima,
no Brasil, e na Venezuela.
Tânia Stolze Lima, eminente etnóloga do povo yudjá do Mato Grosso,
conhecido também pelo nome de Juruna, nos brindará com uma
conferência na qual irá revisitar sua descrição etnográfica da caça de
porcos do mato e do perspectivismo juruna. Lima suspeita que os
94 \
Juruna, quando falam entusiasticamente das caçadas de porcos do
mato, não encenam senão o destemor que sentem diante de outrem,
animal ou inimigo.
Faremos também uma mesa redonda destinada a colocar em cheque
ou estabelecer conexões parciais entre “A tecnologia da caça/pesca
e do cinema”. Nela estarão presentes Cezar Migliorin, professor,
pesquisador e ensaista do cinema, Carlos Emanuel Sautchuk,
professor de antropologia e pesquisador de temas relativos a
tecnologia de pesca e caça e Uirá Garcia, étnologo cujo trabalho
é centrado no estudo das práticas de conhecimento relativas aos
animais e da caça com os Awá-Guajá, povo tupi-guarani do Maranhão.
Finalmente, uma mesa redonda será dedicada a uma visada mais
geral da mostra/seminário, que contará com a participação de
André Dias, crítico português já apresentado, Renato Sztutman,
antropólogo e professor, com trabalho reconhecido na interface
entre a antropologia e o cinema, sendo responsável por uma leitura
original da invenção cinematográfica de Jean Rouch, e Paulo Maia,
coordenador do programa de extensão forumdoc.ufmg, além de
etnólogo e professor.
Na sessão de ensaios do catálogo, o leitor encontrará Como filmei
Nanook of the North, de Robert Flaherty (1924), Banghawi: caça ao
hipopótamo com o arpão pelos pescadores Sorko do Médio-Níger,
de Jean Rouch (1948), O Afeganistão é inconquistável (2011), de
Arthur Omar. Agradecemos imensamente a Mateus Araújo pelos
comentários a respeito da curadoria da mostra, assim como a
disponibilização do texto de Jean Rouch supracitado, e a André Dias
e Arthur Omar por outras sugestões.
/ 95
A mostra/seminário “O animal e a câmera” só foi possível graças ao
patrocínio da Capes, a que somos muitíssimos gratos, assim como
aos apoios do Departamento de Ciências Aplicadas a Educação, do
Programa de Pós-Graduação em Educação, do Cenex e da diretoria
da Faculdade de Educação, e da diretoria da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas (FAFICH-UFMG), e dos departamentos e programas
de Pós-Graduação em Antropologia e Comunicação Social da UFMG.
Somos igualmente gratos a Escola de Belas Artes da UFMG, que 15 anos
depois volta a abrigar parte da programação do forumdoc.bh.2011.
96 \
\ Nanook of the North
/ Nanook, o esquimó
/ EUA \ 1922 / p&b \ 65’
direção director Robert J. Flaherty
fotografia photography Robert J. Flaherty
montagem editing Robert J. Flaherty, Charles Gelb
produção production Robert J. Flaherty
contato contact [email protected]
Clássico de Robert Flaherty, o filme conta a história de Nanook, um
caçador Inuit e sua família na luta pela sobrevivência diante das duras
condições da região da Baía de Hudson, Canadá.
Robert Flaherty’s classic film tells the story of Inuit hunter Nanook and
his family as they struggle to survive in the harsh conditions of Canada’s
Hudson Bay region.
/ auditório sônia viegas FAFICH-UFMG \ 21 nov / 14h
/ 97
\ Drifters
/ Reino Unido \ 1929 / p&b \ 61’’
direção director John Grierson
fotografia photography John Grierson, Basil Emmott
montagem editing John Grierson
produção production John Grierson
contato contact www.panamint.co.uk
John Grierson, que cunhou o termo documentário, fez seu primeiro
filme, ‘Drifters’ em 1929 como tributo às frotas de pesca de arenque do
Mar do Norte. O filme foi rodado nos então grandes portos de pesca de
Lowestoft e Yarmouth, com algumas cenas filmadas em Shetland.
John Grierson, who coined the term documentary, made his first film,
Drifters in 1929 as a tribute to the North Sea herring fleets. The film was
shot around the then great fishing ports of Lowestoft and Yarmouth,
with some scenes being filmed in Shetland.
/ auditório sônia viegas FAFICH-UFMG \ 21 nov / 14h
98 \
\ Bataille sur le grand fleuve
/ Batalha no Grande Rio
/ Nigéria \ 1951 / cor \ 33’
direção director Jean Rouch
fotografia photography Jean Rouch
produção production Jean Rouch, Roger Rosfelder
contato contact www.editionsmontparnasse.fr
Os pescadores Sorko caçam hipopótamos no rio Niger com arpões.
Antes da sua partida, acontece uma cerimônia para perguntar ao
espírito do rio sobre o sucesso da caça, o que resulta na captura de
dois hipopótamos: uma mulher possuída pelo espírito do rio dança e os
pescadores molham-na com água mágica para fortalecerem a coragem
diante da empreitada. Um hipopótamo fêmea é morto e um jovem
capturado vivo. Mas um macho velho, solitário e feroz, apesar de suas
numerosas feridas arpão, consegue escapar depois de danificar a grande
canoa dos caçadores.
The Sorko fishermen hunt hippopotami on the Niger river with harpoons.
Before their departure, a ceremony is held to question the spirit of the
river as to the success of the hunt, which results in the capture of two
hippopotami : a woman possessed by the spirit of the river dances and
the fishermen spray magic water on her to stoke up their own courage.
One female hippopotamus is killed and a young one captured alive. But
an old male, solitary and fierce, despite his numerous harpoon wounds,
succeeds in escaping after damaging the hunters’ great dug-out canoe.
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 20h30
/ 99
\ La Chasse au lion à l’arc
/ A caça ao leão com arco
/ Nigéria | Mali | Burkina Faso \ 1965 / cor \ 77’25’’
direção director Jean Rouch
fotografia photography Jean Rouch
som sound Idrissa Meiga, Moussa Hamidou
montagem editing Josée Matarasso, Dov Hoenig
produção production Pierre Braunberger
contato contact www.editionsmontparnasse.fr
De 1957 a 1964, Rouch seguiu os caçadores Gaos da região de Yatakala
e o filme retraça os episódios desta caça na qual técnica e magia estão
intimamente ligadas: fabricação dos arcos e flechas, preparação do
veneno, rastreamento e ritual de sacrifício. Mas o velho leão assassino,
denominado “Americano”, conseguirá evitar todas as armadilhas, e os
Gaos apenas aprisionarão duas de suas fêmeas. Após a caça, os homens
contam a seus filhos a história de gaway gawey, a maravilhosa caça aos
leões
Between the years of 1957 and 1964, Rouch followed Gaos hunters from
the Yatakala region and the film rebuilds these hunting episodes in
which technique and magic are closely intertwined: the making of bows
and arrows, poison preparation, tracking and sacrifice rituals. But the
old killer lion, named “American”, will avoid all traps, and the Gaos will
only imprison two of his females. After the hunting, men tell the story of
“gaway gawey” to their children, the wonderful lion hunting.
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 22 nov / 14h
100 \
\ Un lion nommé l’Américain
/ Um leão chamado Americano
/ Nigéria \ 1968 / cor \ 19’52’’
direção director Jean Rouch
fotografia photography Jean Rouch
som sound Moussa Hamidou
montagem editing Jean-Pierre Lacam
produção production Pierre Braunberger
contato contact www.editionsmontparnasse.fr
Os caçadores gow da tribo dos Bellah decidem vingar a afronta feita
pelo leão chamado « americano », que havia escapado em 1965. Eles
encontram seu rastro, reconhecível devido a um ferimento causado por
uma armadilha, mas o leão se mostra mais esperto que os caçadores e é
sua leoa quem é morta.
Os caçadores gow da tribo dos Bellah decidem vingar a afronta feita
pelo leão chamado « americano », que havia escapado em 1965. Eles
encontram seu rastro, reconhecível devido a um ferimento causado por
uma armadilha, mas o leão se mostra mais esperto que os caçadores e é
sua leoa quem é morta.
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 22 nov / 14h
/ 101
\ The hunters
/ Os caçadores
/ EUA \ 1957 / cor \ 72’
direção director John Marshall
contato contact www.der.org
Neste clássico filme antropológico, John Marshall segue uma caçada de
uma girafa realizada por quatro homens em um período de cinco dias.
Foi filmado em 1952-53 na terceira expedição conjunta SmithsonianHarvard Peabody e apoiada pela família Marshall para estudar os
Ju/’hoansi, um dos poucos grupos que ainda sobrevivem da caça e
coleta. John Marshall era um jovem quando fez este filme, seu primeiro
longa-metragem.
In this classic anthropological film John Marshall follows the hunt of a
giraffe by four men over a five-day period. The film was shot in 195253 on the third joint Smithsonian-Harvard Peabody sponsored Marshall
family expedition to Africa to study Ju/’hoansi, one of the few surviving
groups that lived by hunting - gathering. John Marshall was a young man
when he made this, his first feature length film.
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 17h
102 \
\ !Kung Bushmen hunting equipment
/ Equipamento de caça dos Bosquímanos !Kung
/ EUA \ 1974 / cor \ 37’
direção director John Marshall
montagem editing Frank Galvin, Lorna Marshal
contato contact www.der.org
Este filme mostra em detalhes todas as peças do conjunto de caça dos
Ju/’hoansi e como cada peça é feita e usada, da coleta da matéria-prima
à fabricação final, incluindo a preparação de flechas envenenadas. !Kung
Bushmen Hunting Equipment foi filmado por John Marshall entre 1951
e 1953.
This film shows in detail all the pieces in the Ju/’hoansi hunting kit
and how each piece is made and used, from the collection of the raw
materials to the final fabrication, including the preparation of poison
arrows. !Kung Bushmen Hunting Equipment was shot by John Marshall
between 1951 and 1953.
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 17h
/ 103
\ Lion game
/ Caça ao leão
/ EUA \ 1974 / cor \ 4’
direção director John Marshall
contato contact www.der.org
/Gunda, um jovem (que mais tarde se casa com N!ai), finge ser um leão.
Ele é “caçado” e “morto” por um grupo de meninos.
/Gunda, a young man (who later marries N!ai), pretends to be a lion. He
is “hunted” and “killed” by a group of boys.
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 17h
104 \
\ Pour la suite du monde
/ Canadá \ 1962 / p&b \ 106’
direção director Pierre Perrault, Michel Brault
fotografia photography Michel Brault, Bernard Gosselin
som sound Marcel Carrière
montagem editing Werner Nold
produção production Fernand Dansereau
contato contact www.onf-nfb.gc.ca
Pierre Perrault e Michel Brault foram atraídos para a Ilha dos Coudres
por duas razões: a linguagem do povo que vivia nesta pequena ilha
no rio Saint Lawrence e as baleias. Durante séculos, os pescadores
da Ilha dos Coudres pegaram cachalotes. As almas dos mortos eram
invocadas pelo sucesso da pesca e uma técnica única era utilizada: os
homens armavam uma armadilha de galhos na areia da costa, na maré
baixa, para capturar baleias brancas, uma tradição que foi abandonada
em 1920.
Pierre Perrault and Michel Brault were attracted to Île-aux-Coudres for
two reasons: the language of the people who lived on this small island
in the St. Lawrence and the whale. For centuries the fishermen of Îleaux-Coudres had caught belugas. The souls of the dead were invoked
for a successful catch, and a unique technique was used: the men sank
a trap of saplings into offshore mud at low tide to capture the white
whale, a tradition that was abandoned in 1920.
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 23 nov / 14h
/ 105
\ La bête lumineuse
/ A besta luminosa
/ Canadá \ 1982 / cor \ 127’
direção director Pierre Perrault
fotografia photography Martin Leclerc
som sound Yves Gendron
montagem editing Suzanne Allard
produção production Jacques Bobet
contato contact www.onf-nfb.gc.ca
A caça ao alce, uma tradição no Quebec, é aqui pretexto para investigar
a alma quebequense e exaltar seu discurso. Em uma cabana de
Maniwaki, habitantes da cidade realizam seu anual retorno à natureza...
como se realiza um milagre. Mistérios da caça, que clama por sorte e
habilidade, com essa “febre masculina” que difrata sonho e realidade.
Prazer de medir forças com os elementos da natureza e conhecer seus
limites.
Moose hunting, a tradition in Quebec, is a pretext to investigate
the Quebec soul and praise its discourse. In a Maniwaki hunt, city
inhabitants make their annual encounter with nature… the same way
a miracle is performed. Hunting mysteries, calling for luck and ability,
with this “male fever” that diffracts dream and reality! The pleasure
to measure strength with elements of nature and recognize their
boundaries.
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 21h
106 \
\ Primate
/ EUA \ 1974 / p&b \ 105’
direção director Frederick Wiseman
contato contact www.zipporah.com
Primate apresenta as atividades diárias de Centro de Pesquisa de
Primatas Yerkes. Os cientistas no filme estão preocupados com o estudo
do desenvolvimento físico e mental dos primatas. Parte do trabalho
experimental mostrado no filme trata da capacidade de aprender,
memorizar e aplicar linguagem e habilidades manuais, o efeito de
álcool e drogas sobre o comportamento; o controle da agressividade
e sexualidade; e outros determinantes neurais e fisiológicos de
comportamento.
Primate presents the daily activities of Yerkes Primate Research Center.
Scientists in the film are concerned with studying the physical and
mental development of primates. Some of the experimental work
shown in the film deals with the capacity to learn, remember, and apply
language and manual skills; the effect of alcohol and drugs on behavior;
the control of aggressive and sexual behavior; and other neural and
physiological determinants of behavior.
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 19h
/ 107
\ La course de taureaux
/ Morte todas as tardes
/ França \ 1951 / p&b \ 75’
direção director Pierre e Myriam Braunberger
fotografia photography Jimmy Berliet, Henri Decae
montagem editing Myriam Braunberger
produção production Les Film du Panthéon
contato contact [email protected], www.filmsdujeudi.com
O filme de referência sobre as touradas, aclamado em seu lançamento
por ninguém menos do que André Bazin. A arte de tourear, suas regras,
seus ritos, seus segredos. O filme destaca matadores celebridade como
Dominguin e Manolete.
The benchmark film on bullfighting, hailed at its release by none less
than André Bazin. The art of bullfighting, its rules, its rites, its secrets.
The film highlights such celebrity matadors as Dominguin and Manolete.
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 19h
108 \
\ Memória do cangaço
/ Brasil \ 1964 / p&b \ 26’
direção director Paulo Gil Soares
fotografia photography Affonso Beato
montagem editing João Ramiro Melo
produção production Thomaz Farkas
contato contact www.cinemateca.com.br
Em 1936 o mascate árabe Benjamin Abrahão consegue filmar o famoso
bando de Virgolino Ferreira da Silva, o “Lampião”. As imagens, antes
perdidas, se misturam às entrevistas com alguns cangaceiros que
sobreviveram ao período. De outro lado, depoimentos do Cel. Rufino
matador confesso de 20 cangaceiros e do cabo Leonício Pereira
que cortava as cabeças dos cangaceiros “para que fossem tiradas
fotografias”.
In 1936 the Arab peddler Benjamin Abrahão managed to film Virgolino
Ferreira da Silva’s, Lampião, famous gang. The images, that were
considered lost, dialog with interviews with some of the surviving
cangaceiros. On the other hand, there are testimonies from Cel. Rufino,
self proclaimed killer of 20 cangaceiros “so that photographs could be
taken”.
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 18h
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 25 nov / 14h
/ 109
\ Rastejador, substantivo masculino
/ Brasil \ 1969 / p&b \ 8’
direção director Sérgio Muniz
fotografia photography Thomas Farkas
montagem editing Sérgio Muniz
som sound Sidnei Paiva Lopes
produção production Thomaz Farkas
contato contact www.cinemateca.com.br
Batista e Joaquim Correia Lima são profissionais que trabalharam como
rastejadores, pessoas dedicadas a caçar animais e que posteriormente
foram usadas para rastrear pessoas, servindo como fiel e eficiente
auxiliar nas volantes, durante o movimento do cangaço no nordeste
brasileiro.
Batista and Joaquim Correia Lima are professional “rastejadores”,
crawlers, people dedicated to the hunting of animals and that later
on were used to track people down, serving as faithful and efficient
assistants to the “volantes”, during the Brazilian cangaço movement.
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 18h
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 25 nov / 14h
110 \
\ Arraial do Cabo
/ Brasil \ 1959 / p&b \ 17’
direção director Mário Carneiro e Paulo César Saraceni
fotografia photography Mário Carneiro
som sound Mário Carneiro, Paulo César Saraceni
montagem editing Mário Carneiro, Paulo César Saraceni
produção production Sérgio Montagna, Joaquim Pedro de Andrade
contato contact www.cinemateca.com.br
Os pescadores de Arraial do Cabo em contraste com a fábrica álcalis que
se instala na região: modos tradicionais de produção se entrechocam
com os problemas da industrialização. Gravuras de Oswaldo Goeldi
abrem filme.
The fishermen from Arraial do Cabo in contrast to the sodium
carbonate factory taht is settled down in the region: traditional modes
of production Clash with the problems of industrialization. Oswaldo
Goeldi’s engravings start the movie
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 18h
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 25 nov / 14h
/ 111
\ Peixe pequeno
/ Brasil \ 2010 / cor \ 3’33’’
direção director Vincent Carelli, Altair Paixão
fotografia photography Altair Paixão, Vincent Carelli e Tiago Torres
montagem editing Leonardo Sette
som sound Altair Paixão, Vincent Carelli, Tiago Torres
produção production Vincent Carelli
contato contact [email protected]
Enquanto todos estão ocupados com a pesca no acampamento Enauênê
Nauê...
While everyone is busy with the village Enauênê Nauê fishing...
/ auditório sonia viegas FAFICH-UFMG \ 28 nov / 11h
112 \
\ Yãkwá, O banquete dos espíritos
/ Brasil \ 1995 / cor \ 54’
direção director Virgínia Valadão
fotografia photography Altair Paixão, Vincent Carelli
montagem editing Tutu Nunes
produção production Fausto Campoli
contato contact [email protected]
Um documentário em quatro episódios sobre o mais importante ritual
dos índios Enawenê Nawê, o Yãkwá. Todo ano, ao longo de sete meses,
os espíritos são reverenciados com alimentos, cantos e danças.
Documentary in four episodes about the Enawenê Nawê people’s most
important ritual, the Yâkwa. Every year for seven months, spirits are
worshiped with food, singing and dancing.
/ centro cultural UFMG \ 28 nov / 18h
/ auditório sônia viegas FAFICH-UFMG \ 28 nov / 11h
/ 113
\ Ataka: o ladrão de armadilhas
/ Brasil \ 2011 / cor \ 10’
direção director Coletivo Kuikuro de Cinema
fotografia photography Ahuké Kuikuro, Camilo Kuikuro, Tauaná Kalapalo
montagem editing Takumã Kuikuro
produção production Carlos Fausto e Leonardo Sette
contato contact [email protected], [email protected]
Na época das chuvas, os peixes começam a baixar das cabeceiras. Cada
família tem seu lugar próprio para colocar as armadilhas de pesca. Mas
há sempre os amigos do alheio. Às vezes eles se dão bem, às vezes...
During the rainy season, the fish begin to recede from the headwaters.
Each family has its own place to put their fish traps. But there are always
thieves. Sometimes they do well, sometimes...
/ centro cultural UFMG \ 30 nov / 18h
/ sala de tele conferência FAE-UFMG \ 23 nov / 10h
114 \
\ KUXAKUK XAK caçando capivara
/ Brasil \ 2009 / cor \ 57’
direção director Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina Maxakali,
Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali, Bernardo Maxakali, João
Duro Maxakali
fotografia photography Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina
Maxakali, Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali, Bernardo Maxakali, João Duro Maxakali
som sound Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina Maxakali,
Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali, Bernardo Maxakali, João
Duro Maxakali
montagem editing Mari Corrêa
produção production Rafael Barros, Renata Otto
contato contact [email protected], [email protected]
Caçadores Tikmu’un saem com seus cães e espíritos aliados em busca
da capivara. Cantos, olhares e eventos. Intensidades que se agitam sob
um plano de aparente silêncio.
Tikmu’un hunters go out with their dogs and allied spirits searching for
the capybara. Songs, regards and events. Intensities arise under a shot
of apparent silence.
/ centro cultural UFMG \ 30 nov / 18h
/ 115
\ Os cavalos de Goethe, ou Alquimia da velocidade
/ Brasil \ 2010 / cor \ 55’
direção director Arthur Omar
fotografia photography Arthur Omar
som sound Arthur Omar
montagem editing Evângelo Gazos, Ana Dantas
produção production Cotex Digital
contato contact [email protected]
Fotografado em 2002, no Afeganistão, em zona de guerra, o filme
apresenta cenas do violento jogo do buskashi. Nesse jogo, dois grupos
de cavaleiros combatem pela posse de uma carcaça de bode decepado.
As imagens foram captadas com uma câmera amadora de baixa
definição, e têm seu tempo dilatado até a imobilidade: nesses instantes,
a luta fica suspensa no ar. Segundo o diretor, é um filme “low tech,
dedicado à simbólica dos cavalos. Afinal, é sobre o qual vem montado o
apocalipse”.
Shot in 2002 in Afghanistan, at a war zone, the film presents scenes
from the violent buskashi game. At his game, two groups of riders fight
for the carcass of a cut off goat. Images were shot by a low definition
non professional camera, and their time is dilated until immobility: in
these instants, the struggle hangs in the air. According to the director, it
is a “low tech movie, dedicated to the horse’s symbolism. After all, it is
by riding it that the apocalypse comes.
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 19h30
116 \
\ Histórias de Mawary
/ Brasil \ 2009 / cor \ 56’
direção director Ruben Caixeta de Queiróz
fotografia photography Caco Pereira de Souza
som sound Nélio Costa
montagem editing Ruben Caixeta de Queiróz, Nélio Costa
produção production Cláudia Mesquita, Milene Migliano
contato contact [email protected]
Em 1994 estivemos na aldeia Mapuera (noroeste do Pará, Brasil) para ver
e ouvir as narrativas de um tempo passado, mas hoje ainda inscritas nos
corpos, nas palavras, no presente e na vida cotidiana do povo Waiwai.
In 1994, we’ve been in the Mapuera village (northwest of Pará state,
Brazil) to watch and listen to stories of an ancient time, yet still carved
in the bodies, words, in the present and the everyday life of the Waiwai
people.
/ auditório sônia viegas FAFICH-UFMG \ 29 nov / 10h
/ 117
\ Jean Rouch, Première flm: 1947-1991
/ Jean Rouch, Primeiro flme: 1947-1991
direção director Dominique Dubosc e Jean Rouch
fotografia photography Dominique Dubosc
som sound Patrick Genet
montagem editing Dominique Dubosc
produção production Kinofilm / La Sept
contato contact www.der.org
Jean Rouch conta à jovem N’Diagne Adéchoubou a gênese de seu
primeiro fillme, No país dos magos negros, que vemos em seguida.
Finda a versão oficial do filme, sobre a qual Rouch conversa brevemente
com Brice Ahounou e Tam Sir Doueb, Brice projeta sem som a última
sequência do filme que mostrava uma cerimônia de possessão, para que
Rouch a comente ao vivo, à sua maneira, num tom e num registro muito
diferentes daqueles adotados pela equipe das Actualités françaises
em 1947, cuja montagem e cuja sonorização desagradaram
profundamente o cineasta.
Jean Rouch tells the young N’Diagne Adéchoubou about the birth of his
first film “In the Land of the Black Magi”, which we subsequently see.
When the official version of the film is over, about which Rouch talks
briefly to Brice Ahounou and Tam Sir Doueb, Brice screens the movies’
final sequence showing a possession ceremony without sound, so Rouch
can comment it live, in his own way, in a very different register and tone
from the ones adopted by the Actualités françaises team in 1947, which
deeply displeased the filmmaker by its editing and sound design.
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 20h30
118 \
\ Os Arara
/ Brasil \ 1980-1983 / cor \ 75’
direção director Andrea Tonacci
fotografia photography Andrea Tonacci, Adriana Mattoso
som sound Adriana Mattoso, Sérgio Pinto, Afonso Alves, Pionim Caiabi, Rita Toledo
Piza e Patrick Menget
montagem editing Juraci do Amaral Jr
produção production Andrea Tonacci
contato contact [email protected]
Documentação dos preparativos e das expedições da Frente de Atração
Arara da FUNAI, no estado do Pará. Com a construção da Transamazônica
o território dos Arara (sem contato com o homem branco) é cortado
ao meio, e os índios reagem atacando os trabalhadores. Ciente de
que todo contato é uma criação de dependência, o sertanista Sydney
Possuelo, que também narra reflexivamente os dois episódios, lidera
as expedições que tem como finalidade identificar os grupos, quantos
indivíduos são, e configurar os limites territoriais para proteger a área
de invasores e madeireiras da região.
Documentary filmed between 1980 and 1983, about the organization,
arguments, preparation and expeditions of the Atração Arara front of
Funai, showing attempts to engage on a first peaceful contact with
the Arara people, whose land and villages had been cut in half by the
transamazonian highway. The narrator is Sydney Possuelo, the same
“sertanista” that guided the expeditions, who reflects upon the process,
the official posture, the precedents, the consequences and their
personal motives.
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 24 nov / 14h
/ 119
\ Dersu Uzala
/ Japão | URSS \ 1975 / cor \ 144’
direção director Akira Kurosawa
fotografia photography Fyodor Dobronranov, Yuri Gantman, Asakazu Naka
montagem editing V. Stepanovoï
som sound Olga Burkova
produção production Yoishi Matsue, Nikolai Sizov
contato contact www.dvdcontinental.com.br
A história de um líder de uma expedição de levantamento topográfico
do exército russo que é resgatado na Sibéria por Dersu Uzala, um
caçador Goldi, que passa a servir-lhe de guia, dando início a uma forte
amizade. Quando o explorador decide levar o caçador para a cidade,
seus costumes se confrontam de forma esmagadora com o modo de
vida burocrático, fazendo-o questionar diversos padrões da sociedade.
The story of the leader of a topographic expedition survey from the
Russian army who is rescued in Siberia by Dersu Uzala, a Goldi hunter,
who then becomes his guide, giving rise to a close friendship. When
the explorer decides to take the hunter into the city, their habits are
confronted with an overwhelmingly bureaucratic way of life, and he
questions many society’s standards.
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 21h
120 \
/ mostra competitiva nacional
/ 121
/ júri
\ Ilana Feldman
Pesquisadora, crítica, realizadora e curadora. Mestre em Comunicação e
Imagem pela Universidade Federal Fluminense e doutoranda em Ciências
da Comunicação pela Universidade de São Paulo. É colaboradora da Revista
Cinética.
/ Daniel Ribeiro Duarte
Doutorando em Cinema pela Universidade Nova de Lisboa, curador e
realizador.
\ Leonardo Vidigal
Professor adjunto da Escola de Belas Artes da UFMG. Vice-presidente do
Centro de Estudos do Caribe no Brasil-CECAB e integrante da SOCINE.
Pesquisa as interações entre as imagens e a música popular no cinema e no
audiovisual, em obras ficcionais e documentais.
122 \
\ Let’s play that
/Affonso Uchôa, Ewerton Belico, Rafael Barros
Cresci sob um teto sossegado
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.
Agora, entre meu ser e o ser alheio,
A linha de fronteira se rompeu.
(Waly Salomão)
1. A seleção para a Mostra Competitiva Nacional do forumdoc.bh.
2011 não parte de conceitos curatoriais prévios. O que houver de
sentido e temáticas abrangentes parte do contato com os filmes e
não pretende subjugá-los ao desígnio de confirmação de uma ideia.
Dos filmes partem o sentido, não o contrário.
2. Em primeiro lugar, a variedade e a multiplicidade. É veramente
um lugar-comum marcar a variada gama de expressões, formas e
usos de linguagem cinematográfica como marco de uma seleção
para mostra competitiva. Porém, para essa mostra de 2011, há
uma diferença de matiz nessa diversidade, que a faz deixar de ser
simples manifestação evidente da pluralidade inerente ao Brasil e da
extrema difusão da filmagem em digital e passa a ser manifestação
de um estado de percepção e de relação com o estágio atual do fazer
e pensar documentário.
3. Tal variedade tem um ponto de partida e um de chegada: parte-se
de um esgotamento com as formas de se fazer documentário: não se
adere ao formato da entrevista, ao filme de tema, mas também já não
se conforta com o documentário observacional montado à ficção, de
foco repousado na ação dos personagens e que tem como premissa
certa invisibilidade da câmera. O ponto de chegada é a instauração
/ 123
da consciência do filme como instância que deflagra e captura os
comportamentos, personagens e histórias. A realidade apreendida
só existe enquanto realidade que o filme dispara e absorve: não há
ingênua pretensão a captação espontânea do real. E, se de fato tal
ingenuidade não está presente no documentário desde seu inicio,
sobrevivendo como desvio inconsequente de maus cineastas, nesses
filmes tal consciência adquire a forma explícita. Os filmes parecem
desejar matar o perigo da ingenuidade com excesso, com a ostensiva
reiteração da construção formal e dos processos materiais de um filme
como fundamentais na construção de sentido. E passamos a ver com
frequência expedientes metalinguísticos, imagens de discussões
entre a equipe no processo de montagem, entrevistas claramente
encenadas, reprocessamento de imagens pré-existentes no mundo,
clara presença do diretor, seja em cena, seja como voz por trás
da câmera apontando os caminhos do filme in loco, e, mesmo nos
filmes mais observacionais e de faceta híbrida entre documentário
e ficção (assemelhado, portanto, ao documentário contemporâneo
cujo esgotamento mencionamos) há marcações de cena e montagem
por demais aparente para nos rememorar a presença do filme como
gerador das presenças e significados vistos na tela.
4. Fato necessário é demarcar que o enveredamento pelo caminho
observativo, da contemplação distanciada, de enquadramentos
rígidos e narrativa centrada na evidenciação do cotidiano de
seus personagens não morreu e não poucos filmes nos foram
apresentados seguindo tal proceder. A captura de meros fragmentos
de presença de seus personagens capturados em plano fixo e aberto,
assim como se tornou salvo-conduto para os realizadores fugirem
a relação interpessoal e guardarem o lugar seguro da discrição
observativa. Os filmes que selecionamos como que escapam, pelas
vias da autoconsciência formal e do engajamento intersubjetivo,
124 \
da indiferença de uma contemplação pretensamente neutra que,
valendo-se do caráter estático do plano e da duração alongada,
renuncia ao risco de qualquer vínculo intersubjetivo. Dois aspectos,
portanto se assomam nos filmes apresentados: o já citado desejo
de reiterar o filme, a linguagem e forma do cinema como gerador e
receptador do real filmado; e a demarcação de que a representação
da realidade só é possível pelo empenho dos sujeitos defronte à
câmera e mediante ao engajamento do realizador junto aquilo que
filma.
5. Consoante a isso, podemos destacar três eixos de investigações
e procedimentos dos filmes que compõem a competição nacional
do forumdoc.bh.2011. A divisão vai se ressentir de certo didatismo
e é necessário desde já ressaltar que certamente tais aspectos não
encerram os filmes e eles mesmos podem apresentar mais de um
simultaneamente. É a escolha de um aspecto de significação de
maior destaque dentro de um filme que guia a separação por meio
desses grupos temáticos.
6.1. A memória, a permanência através do cinema de fatos, pessoas
e tradições que passam e desaparecem na vida concreta é um desses
eixos. A presença fantasmática da morte sempre assombrou a
imagem cinematográfica. Sobretudo, assombrou os olhos dos vivos.
Nesses filmes vemos o intento de salvar os fatos, pessoas e instantes
do implacável passar do tempo. Em Santos-Dumont, pré-cineasta,
vemos a conjugação da vida e do cinema através da memória que
a imagem cinematográfica gera. Sobretudo há a clara demarcação
dessa permanência do tempo no filme como operação técnica,
realizável somente via artifício e maquinaria. Em Santos-Dumont: précineasta, a memória é construção e narrativa, processo permeado
por escolhas e mediações, tanto da técnica quanto da cultura. Vemos
também filmes que operam com o gesto da preservação: filmes,
/ 125
fatos, pessoas e situações em risco de desaparecimento, como em
Bicicletas Nhanderú, Som Tximna Yukunang e Olhar passageiro.
São esses filmes conscientes do potencial do cinema de driblar a
morte e instaurar um tempo distinto do tempo da vida. Um tempo
que permanece no material sensível e se repete a cada projeção,
ao invés de passar e acabar. Em Diário de uma busca assistimos a
memória como operação que se realiza por meio da voz do diretor,
em primeira pessoa, perfazendo o registro político como signo
do sofrimento e da perda pessoais em meio a história coletiva.
Ou ainda, em Ovos de dinossauro na sala de estar, filme no qual,
através do ato do personagem iniciar uma projeção de slides de
viagens pessoais, encena-se a operação da imagem do cinema em
registrar e lembrar, bem como nos dá a ver a experiência mesma
dessa lembrança. Lembrança que advém do registro, o qual envolve
limitações e escolhas; e que desse modo nos diz que o fato lembrado
é o que permanece por meio do cinema, resistindo adaptado à sua
linguagem e condição. O olhar voltado ao próprio registro pode
localizar apenas a figuração de uma perda, a evanescência de uma
memória que somente resiste ainda como filme. Vó Maria é um filme
notável por conseguir figurar tal operação das imagens de modo
belo e preciso.
6.2. O anti-naturalismo, a desconfiança perante o caráter espontâneo,
do que se coloca frente à câmera atravessa outro conjunto dos
filmes que exibiremos. Céu sobre os ombros talvez seja dos casos
mais emblemáticos da seleção, pois sua estrutura narrativa de
paulatina constituição das personas que atravessam as experiências
de cotidianeidades filmadas nos dão a certeza de que personagens
de fato se constroem, revelando uma abertura do filme para abrigo
da subjetividade de quem ele filmou e, mais que tudo, uma relação
entre realizador e atores que passou pelo crivo de dar aos últimos
126 \
“e suas historias de vida e personalidades” a primazia na construção
do personagem. Em Oferenda, assistiremos um máximo de simbiose
entre o filmador e o filmado, através do expediente de transformar o
próprio filme em objeto de culto do ritual que ele filma. Ao registrar
uma cerimônia de oferendas ao mar para Iemanjá e ao fim revelar
ser o próprio filme a oferenda que a diretora pode jogar às ondas,
o filme instaura curto-ciruito na distância entre o realizador e a
realidade registrada. Mais que documenta a experiência, o filme se
torna a própria, somente possível por meio do processo mesmo do
filme. Já em Brasil de Pero Vaz de caminha e em Ex Isto vemos a
reencenação de uma ficção fundadora de nossa nacionalidade — e
de um pastiche dessa pretensão fundacional — a serviço do encontro
documental com a experiência do outro. Porém um outro somente
presente no filme através da ficção francamente instaurada sobre
ambiente real (Ex isto) ou via procedimento de montagem (Brasil de
Pero Vaz de Caminha). Encontro com o outro que pode ser denso,
repleto de ambigüidades, pondo em questão os limites éticos desse
instrumento de poder, a câmera, como se vê em Laura e Oma. Cruel,
problemático ou doloroso, o encontro com o outro se dá mediante
e por causa do filme. O que seria uma obviedade ganha contornos
mais sérios quando o filme se torna o laço entre a frente e o atrás
da câmera, o disparador de um adensamento de relação que passa
para a vida. Diante disso ou cessa-se o filme e corta-se, então, a
relação (Oma) ou mergulha-se nela sob perigo de por em risco a
personalidade e o talento (Laura). Se o engajamento na experiência
de outrem é uma questão fulcral do universo documental, questão
não apenas fílmica, mas ética, a possibilidade mesma desse encontro
é posta em questão em Filme pornografyzme e As aventuras de
Paulo Bruscky. O diferencial desses filmes é que eles partem de
imagens fundadas na não-relação, seja com apropriação de imagens
produzidas em outro contexto e não pelo realizador (Pornografizme)
/ 127
e imagens sintéticas, de computador, dispensadas do corpo e do
real (Paulo Bruscky).
6.3. Se os filmes que escolhemos sobretudo presentificam, eles
também tornam visíveis ainda o cotidiano dos silenciados, daquele
cuja voz foi subtraída, como em Acercadacana, filme catalisador
de um confronto que somente o registro cinematográfico tornou
possível, mostrando “o que a Globo não mostra”. Também se tornam
audíveis as vozes periféricas, das experiências dos jovens negros
em uma grande cidade brasileira, como visto em Lá do leste. Ou
ainda daquela cuja vida transcorreu sob a ameaça do poder público,
atravessamento do espaço íntimo da casa pelas forças da história,
como em Morada.
7. Esses fragmentos não representam eixos curatoriais: emergem
do contato com os filmes, sabendo que mais de um dos filmes
citados facilmente poderia ser redescrito através de um outro eixo,
para além do que mencionamos. De tudo, fica a constatação de um
cinema documentário produzido no Brasil recente que questiona a
linguagem do cinema e do documentário, a buscando levar a outros
rumos e formas.
8. Sobretudo, os filmes: cada qual um universo e um mundo próprios,
aos quais não devemos recusar o convite de mergulhar.
128 \
\ Acercadacana
/ Acercadacana: the sugar cane hedge
/ Brasil \ 2010 / cor \ 20’
direção director Felipe Peres Calheiros
fotografia photography Felipe Peres Calheiros, Luís Henrique Leal
som sound Rafael Travassos, Sérgio Santos
montagem editing Paulo Sano
produção production Diego Medeiros
contato contact [email protected]
Nos anos 90, com a valorização do etanol e a expansão do latifúndio
canavieiro, 15 mil famílias foram expulsas dos seus sítios na zona da
mata de Pernambuco. Maria Francisca decidiu resistir.
In the 1990’s, with the ethanol’s valorization and the growth of
sugarcane agriculture, 15 thousand families were removed from their
estates in Pernambuco’s Zona da mata area. Maria Francisca decided to
resist.
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 20h
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 19h
/ 129
\ As aventuras de Paulo Bruscky
/ The Adventures of Paulo Bruscky
/ Brasil \ 2010 / cor \ 19’
direção director Gabriel Mascaro
fotografia photography Gabriel Mascaro, Tom Tom
som sound Tatiana Almeida, Sonoplastia Second Life
montagem editing Tatiana Almeida
produção production Gabriel Mascaro
contato contact [email protected], [email protected]
O artista Paulo Bruscky entra na plataforma de relacionamento virtual
“Second Life” e conhece um ex-diretor de cinema, Gabriel Mascaro,
que hoje vive, se diverte e trabalha fazendo filmes na rede virtual.
Paulo encomenda a Gabriel um registro machinima em formato de
documentário de suas aventuras no “Second Life”
Visual artist Paulo Bruscky joins the virtual social platform “Second Life”
where he meets the former filmmaker Gabriel Mascaro, that nowadays
lives, works and enjoys himself through making movies on the virtual
network. Paulo asks Gabriel for a documentary form machinima of his
adventures on “Second Life”.
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 17h
/ centro cultural UFMG \ 28 nov / 20h
130 \
\ Bicicletas de Nhanderú
/ Brasil \ 2011 / cor \ 45’
direção director Sandro Ariel Ortega e Patrícia Ferreira
fotografia photography Coletivo Mbya-Guarani de Cinema: Ariel Ortega, Patrícia
Ferreira, Alexandre Ferreira, Germano Benites, Jorge Morinico, Cirilo Vilhalba e
Léo Ortega
som sound Coletivo Mbya-Guarani de Cinema: Ariel Ortega, Patrícia Ferreira, Alexandre
Ferreira, Germano Benites, Jorge Morinico, Cirilo Vilhalba, Léo Ortega
montagem editing Tiago Campos Torres
produção production Olívia Sabino, Patrícia Ferreira
contato contact [email protected]
Uma imersão no cotidiano e na espiritualidade dos Mbya-Guarani da
aldeia Koenju, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul .
An immersion on the everyday events and spirituality of the MbyaGuarani on the Koenju village, in São Miguel das Missões, Rio Grande do
Sul.
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 20h
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 19h
/ 131
\ Diário de uma busca
/ Diary, letters, revolutions
/ Brasil | França \ 2010 / cor \ 105’
direção director Flávia Castro
fotografia photography Paulo Castiglioni
som sound Valéria Ferro
montagem editing Flavia Castro
produção production Estelle Fialon, Flavio Tambellini, Flavia Castro
contato contact [email protected]
Outubro, 1984. Celso Castro, jornalista com uma longa história de
militância de esquerda, é encontrado morto no apartamento de um
suposto ex-oficial nazista, onde entrou à força. A polícia sustenta que
se trata de um suicídio. O episódio, digno de um filme de suspense, é
o ponto de partida de Flávia, filha de Celso e diretora do filme. É uma
viagem no tempo e na geografia: o filme percorre os cenários do exílio
familiar, dos ideais e do fracasso de um projeto político.
October, 1984. Celso Castro, journalist with a long history of left-wing
political activism, is found dead at the apartment of an alleged former
Nazi officer, a place he had broken into. Police sustains the theory of
suicide. The episode, worthy of a thriller, is the starting point for Flavia,
Celso’s daughter and director of the film. It is a journey through time
and geography: the film visits sceneries from the family’s exile, the
ideals and failure of a political project.
/ cine humberto mauro \ 01 dez / 17h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 20h
132 \
\ Ex isto
/ Ex it
/ Brasil \ 2010 / cor \ 86’
direção director Cao Guimarães
fotografia photography Cao Guimarães, Beto Magalhães
som sound Marcos M. Marcos
montagem editing Cao Guimarães, Marcelo Gomes
produção production Beto Magalhães
contato contact [email protected], [email protected]
Livremente inspirada na obra Catatau, de Paulo Leminski, a narrativa
parte da hipótese histórica imaginada pelo poeta curitibano: “E se René
Descartes tivesse vindo ao Brasil com Maurício de Nassau?” O filme
realiza essa hipótese e acompanha o pai da filosofia moderna em seu
périplo pelos trópicos. Sob o efeito de ervas alucinógenas, ele investiga
questões da geometria e da óptica diante de um mundo absolutamente
estranho.
Freely inspired by the work Catatau, by Paulo Leminski, the plot begins
with the historical hypothesis imagined by the poet from Curitiba: “What
if René Descartes had come to Brazil with Maurício de Nassau?” The film
materializes this hypothesis and joins the father of modern philosophy
in his journey through the tropics. Under the effect of hallucinatory
herbs, he investigates questions revolving around geometry and optics
in the face of an absolutely strange world.
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 17h
/ centro cultural UFMG \ 04 dez / 19h
/ 133
\ Filme pornografizme
/ Pornograflick
/ Brasil \ 2011 / cor \ 9’15’’
direção director Leo Pyrata
fotografia photography Leo Pyrata
som sound Leo Pyrata
montagem editing Leo Pyrata
produção production Leo Pyrata
contato contact [email protected]
Sobre a política dos afetos em tempos de banda larga.
On the politics of affection on broadband times.
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 17h
/ centro cultural UFMG \ 28 nov / 20h
134 \
\ Laura
/ Brasil \ 2010 / cor \ 77’
direção director Fellipe Gamarano Barbosa
fotografia photography Pedro Sotero
som sound Fellipe G. Barbosa
montagem editing Karen Sztajnberg, John Valle, Fellipe G. Barbosa
produção production Fernanda De Capua
contato contact [email protected], [email protected]
Diretor tenta fazer documentário sobre personagem misteriosa.
A filmmaker attempts to make a documentary about a mysterious
character.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 17h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 16h
/ 135
\ Lá do leste
/ From over on the East Side
/ Brasil \ 2010 / cor \ 28’
direção director Carolina Caffé, Rose Satiko Gitirana Hikiji
fotografia photography Rafael Nobre
som sound Tomires Ribeiro
montagem editing Karine Binaux
produção production Paulo Dantas
contato contact [email protected], [email protected]
Lá do Leste, do lugar onde a cidade termina (ou começa), chegam rimas,
gestos e cores que marcam o espaço. A experiência periférica urbana é
a base e o motivo da produção dos artistas de Cidade Tiradentes, que
cresceram junto com o distrito paulista e em suas obras dialogam com
seus desafios e sonhos. O filme segue a vida e as transformações do
street dance, grafite e rap neste lugar considerado o maior complexo de
conjuntos habitacionais populares da América Latina.
From far east, where the city begins (or ends), come rhymes, gestures
and colors that set the space. An urban periphery experience is the basis
and motif for the work of artists from Cidade Tiradentes, who grew up
along with the district, and that establish a dialogue between their work
and the city’s challenges and dreams. The film follows the creation and
development of street dance, graffiti and rap on what is considered to
be the biggest housing complex in Latin America.
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 20h
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 19h
136 \
\ Morada
/ Residence
/ Brasil \ 2010 / cor \ 78’
direção director Joana Oliveira
fotografia photography Matheus Rocha
som sound Osvaldo Cruz, Gustavo Fioravante
montagem editing Armando Mendz
produção production Joana Oliveira, Cristina Maure, Débora Mattos, Luana Melgaço,
Janaína Patrocínio, Fernanda Magalhães
contato contact [email protected], [email protected]
Essa é a história da espera de Dona Virgínia que, há mais de cinquenta
anos, aguarda a desapropriação de sua casa. Ano após ano, o governo
ameaça destruir o lugar onde ela guarda seu passado e suas memórias
vivas.
This is the story of Dona Virgínia that, for over fifty years, waits for
the expropriation of her house. Year after year, the local government
threatens to destroy the place she keeps her past and memories alive.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 15h
/ centro cultural UFMG \ 30 nov / 20h
/ 137
\ O Brasil de Pero Vaz caminha
/ Brazil by Pero Vaz caminha
/ Brasil \ 2011 / cor \ 17’40’’
direção director Bruno Laet
fotografia photography Fernando Demello, Bruno Laet
som sound Bruno Armelin
montagem editing Antonia Gama, Bruno Laet
produção production Janaina Diniz e Tania Carvalho
contato contact [email protected], [email protected]
Desencontro de 500 anos entre imagem e som. A voz do estrangeiro
retrata um Brasil indígena. A imagem, uma colagem contemporânea.
Um olhar atual revive o documento histórico? Ou seria um olhar antigo
que desembarca no Brasil de hoje? Significados que se alteram para
redescobrir o Brasil do século XXI.
500 years’ dissonance between image and sound. The foreigner’s
voice conveys an indigenous Brazil. Image, a contemporary collage.
Can a current point of view relive a historic document? Or is it an old
regard that lands in Brazil today? Meanings that change themselves to
rediscover the XXI Century Brazil.
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 17h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 14h
138 \
\ O céu sobre os ombros
/ The sky above
/ Brasil \ 2010 / cor \ 72’
direção director Sérgio Borges
fotografia photography Ivo Lopes Araújo
som sound Bruno Vasconcelos
montagem editing Ricardo Pretti
produção production Helvécio Marins Jr., Felipe Duarte, Luana Melgaço,
Clarissa Campolina
contato contact [email protected]
O céu sobre os ombros conta a história de três pessoas anônimas,
comuns. São histórias inventadas pela vida, de pessoas que vivem
num contexto entre o cotidiano, o exótico e a marginalidade. O filme
é um gesto para revelar o quanto somos todos tão humanos, e quão
semelhantes são nossos medos e desejos.
“The sky above” tells the story of three anonymous, ordinary people.
These stories are made up by life itself, about people who live on a
context between everyday life, exoticism and marginality. The film
compresses a gesture that reveals how human we all are, and how alike
are our fears and desires.
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 17h
/ 139
\ Oferenda
/ A gift to Iemanjá
/ Brasil \ 2011 / cor \ 17’
direção director Ana Bárbara Ramos
fotografia photography Bruno de Sales
som sound Guga S. Rocha
montagem editing Ana Bárbara Ramos, Ely Marques
produção production Ana Bárbara Ramos, Bruno de Sales
contato contact [email protected], [email protected]
Filme etnográfico ensaístico sobre o ato de entregar presentes a
Iemanjá, divindade mítica de origem africana. Cultuada no Brasil desde a
chegada dos negros escravos, Iemanjá hoje atraí milhares de devotos a
sua festa anual celebrada na beira do mar, no dia 8 de dezembro.
Ethnographic film essay about the act of giving offerings to Iemanjá,
mythic deity of African origins. Worshiped in Brazil since the arrival of
black slaves, Iemanjá attracts today thousands of adorers to her annual
celebration at seashore, at the 8th of December.
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 17h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 14h
140 \
\ OMA
/ Brasil \ 2011 / p&b \ 22’
direção director Michael Wahrmann
fotografia photography Michael Wahrmann
som sound Michael Wahrmann
montagem editing Michael Wahrmann
produção production Michael Wahrmann
contato contact [email protected], [email protected]
Ela fala alemão. Eu falo espanhol. Ela não escuta. Eu não entendendo.
She speaks german. I speak spanish. She doesn’t listen. I don’t
understand.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 15h
/ centro cultural UFMG \ 30 nov / 20h
/ 141
\ Ovos de dinossauro na sala de estar
/ Dinosaur eggs in the living room
/ Brasil \ 2011 / cor \ 12’
direção director Rafael Urban
fotografia photography Eduardo Baggio
som sound Robertinho de Oliveira
montagem editing Ana Lesnovski
produção production Ana Paula Málaga
contato contact [email protected]
Ragnhild Borgomanero, 77 anos, estudou fotografia digital e fez cursos
de Photoshop e Premiere para manter viva a memória de seu falecido
esposo, Guido, com quem reuniu a maior coleção particular de fósseis
da América Latina.
Ragnhild Borgomanero, aged 77, studied digital photography and
learned how to operate Photoshop and Premiere softwares to keep the
memory of her late husband, Guido, alive, with whom she gathered the
biggest private fossil collection of Latin America.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 17h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 16h
142 \
\ Santos Dumont: pré-cineasta?
/ Santos Dumont’s mutoscope: early cinema and
found footage film
/ Brasil \ 2010 / cor \ 64’
direção director Carlos Adriano
fotografia photography Carlos Adriano
som sound Carlos Adriano
montagem editing Carlos Adriano
produção production Bernardo Vorobow e Carlos Adriano
contato contact [email protected]
Este documentário parte da descoberta e restauração de um raro
e desconhecido carretel de fotografias reproduzidas de um filme
mutoscópio, produzido em 1901, em Londres, sobre Santos Dumont
(1873-1932). A obra aborda aspectos históricos e artísticos dos
primórdios do cinema (pré-cinema, cinema de atrações) e do cinema de
reapropriação de arquivo (found footage, filme de reciclagem), por meio
de entrevistas, documentos, metáforas visuais e da articulação própria
de um ensaio poético.
The documentary’s starting point is the discovery and restoration of
a rare and unknown photography reel reproduced from a mutoscope
film, made in 1901 in London, about Santos Dumont (1873 - 1932). The
work approaches historic and artistic aspects from the beginning of
Cinema (pre cinema, variety film) and a cinema that appropriates archive
material (found footage, recycled films), through interviews, documents,
visual metaphors and the articulation of a poetic essay.
/ centro cultural UFMG \ 28 nov / 20h
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 17h
/ 143
\ Som Tximna Yukunang / Gravando som
/ Recording sound
/ Brasil \ 2010 / cor \ 52’
direção director Karané Ikpeng, Kamatxi Ikpeng
fotografia photography Karané Ikpeng, Kamatxi Ikpeng
som sound Karané Ikpeng e Kamatxi Ikpeng
montagem editing Mari Corrêa
produção production Mari Corrêa
contato contact [email protected]
Os Ikpeng decidem gravar em um CD com os cantos do Yumpuno, um
dos momentos mais importantes do grande ritual Moyngo, em que os
meninos têm o rosto tatuado com espinho de tucum e carvão extraído
da resina do jatobá. Três gerações falam sobre a experiência de passar
pelo ritual de iniciação ikpeng, quando deixam a infância para ingressar
na vida adulta.
The Ikpeng decided to record onto a CD containing Yumpuno songs, one
of the most important moments of the great Moyngo ritual, when boys
have their faces tattooed with tucum’s thorn and charcoal extracted
from resin of the jatobá tree. Three generations discuss ikpeng’s
initiation ritual experiences, the moment to leave childhood behind and
enter adult life.
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 17h
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 14h
144 \
\ Um olhar passageiro
/ A fleeting glance
/ Brasil \ 2011 / p&b \ 21’41’’
direção director Pedro Carvalho
fotografia photography Flávia Balbino
som sound Felipe Palmini
montagem editing Felipe Palmini, Pedro Carvalho
produção production Felipe Palmini
contato contact [email protected]
Um olhar passageiro conta a história de Juarez, um senhor de 76
anos de idade que trabalha com consertos de câmeras fotográficas
analógicas. Com muita simplicidade e humildade Juarez tenta
viver em um mundo onde o avanço da tecnologia resultou em sua
marginalização. Em meio a prateleiras empoeiradas e respeitando
seu próprio ritmo, Juarez resiste ao dia a dia de forma quase poética,
mostrando-se portador de uma lucidez sólida e habilidades admiráveis,
além de ser um legítimo representante de uma geração que parece cada
vez mais fadada ao esquecimento.
Um olhar passageiro tells the story of Juarez, a 76 years old man
who fixes analog cameras. With much simplicity and humility, Juarez
attempts to live in a world where technological advances culminated
in his marginalization. Amidst dusty shelves and respecting his own
rhythm, Juarez resists everyday life in an almost poetic manner, bearer
of a solid lucidity and admirable skills, besides being a legitimate
representative of a generation that seems faded to oblivion.
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 17h
/ centro cultural UFMG \ 04 dez / 18h
/ 145
\ Vó Maria
/ Grandma Maria
/ Brasil \ 2011 / cor \ 6’
direção director Tomás von der Osten
fotografia photography Tomás von der Osten
som sound Tomás von der Osten
montagem editing Tomás von der Osten
produção production Tomás von der Osten
contato contact [email protected], [email protected]
Uma memória em três tempos.
Memory in three times.
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 17h
/ centro cultural UFMG \ 04 dez / 18h
146 \
/ mostra competitiva internacional
/ 147
/ júri
\ Alexia Melo
Bacharel em Comunicação Social e Licenciada em Artes Plásticas. Faz
parte do grupo de sócio-fundadores da Associação Imagem Comunitária
(AIC) e trabalha com produção audiovisual em Belo Horizonte desde 1993.
Participou de diversas intervenções urbanas, entre os anos de 2005 e 2008.
Hoje atua como Diretora de Projetos Sociais da AIC.
/ Cezar Migliorin
Professor e ensaísta. Membro do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Federal Fluminense e professor adjunto
do Departamento de Cinema e Vídeo. Membro do Conselho Executivo da
Socine. Coordenador do Laboratório Kumã de pesquisa e experimentação
em imagem e som. Mantém o Blog Polis + Arte e é colaborador
da Revista Cinética.
\ Theo Duarte
Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense.
É pesquisador e programador de Cinema.
148 \
\ É necessário trazer fogo e alimento
/ Bruno Vasconcelos, Carla Maia, Pedro Portella
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
(Carlos Drummond de Andrade, “Mundo Grande”)
Nunca um dia assim bonito/
ela e seus fones de ouvido/
a internacional no ouvido
(Fellini, “Greve”)
Um sentimento instável, ainda que certeiro, se reafirma face aos mais
de cento e cinquenta filmes que recebemos para seleção da mostra
competitiva internacional: vivemos tempos de transformações,
revoluções, primaveras. O mundo está inquieto, em chamas, como
comprovam as notícias chegadas das praças do Sol e Tahrir, das
ruas de Israel, Índia, Turquia, Grécia, da toda-poderosa Wall Street
e – por que não – daqui mesmo de Belo Horizonte, cidade que
habitamos, que teve suas ruas tomadas e sua praça tornada praia
para abrigar os descontentes com a atual administração. Tempos
promissores estes, repletos de manifestações de toda ordem - ou a
favor de outras ordens - em que é possível invadir castelos, derrubar
ditadores, atear fogo ao próprio corpo, exigir justiça, lutar por novas
formas de conviver neste velho e vasto mundo, que apesar de tudo,
ainda é nosso.
Menor que o mundo, mas parte dele, o cinema parece responder ao
apelo das multidões em revolta. Isso se tornou bem claro durante
nosso processo seletivo: boa parte dos filmes são movidos pelo
desejo revolucionário de lutar por uma vida mais justa, ausente de
/ 149
explorações, exclusões, perseguições e preconceitos. Era mesmo de
se esperar - sabemos bem que o cinema, sobretudo o documentário,
está no mundo, nele se inspira, com ele toma forma, age e resiste. A
novidade e a surpresa, entretanto, são as maneiras muito originais
com que os filmes dão conta desta preciosa e difícil tarefa de
expressar as diferentes cores e dores do homem.
A vida – e com ela o cinema - sabe mesmo ser surpreendente e múltipla.
É assim que um homem é transformado pelo canto e pela graça (Moacir);
a surdez ensina a ouvir com pele, olhos, nariz e boca (Sonor); a
escassez motiva a invenção, e o lar se torna a terra (Dom); a memória
se afirma por vestígios em estilhaços que talvez nos demovam da
idéia de buscar nela indícios de verdade (Saskatchewan); um ator
negro resiste a parâmetros convencionais de atuação frente aos
brancos (La mort de Danton); vídeos de Internet promovem partilha
numa nova política tão revolucionária quanto cotidiana (Fragments
of a revolution); sons contrastados e surpreendentes paisagens nos
perguntam em que medida o homem é o centro das preocupações
da arquitetura (Minhocão); fronteiras interditas fazem surgir novos
territórios afetivos (Los Ulisses). Que todos repousem em revolta,
não em paz, pede o cinema, fazendo da sua própria forma um ato de
resistência (Quils reposent en revolte). A matéria bruta – a porção de
mundo à qual os filmes se dedicam – é tão variada quanto as formas
que toma: pode ser uma infância entre ruínas (Shuan Jun’s childhood);
tuaregs - homens sem ocidente - clamando por autodeterminação
no deserto (Amanar Tamasheq), mulheres intocáveis em insurreição
pela fundação de novas tradições na Índia (Pink Saris), o cotidiano
singular no mundo do trabalho (Smolarze).
A boa notícia é que, diante de tudo que representa a destruição e a
diminuição da potência humana, diante dos poderes que insistem
em nos impor sempre mais do mesmo comportamento padronizado,
150 \
esterilizado, anestesiado, há quem resista e grite, em nome e a favor
da diferença e da criação. Anunciamos, com alegria e coragem, que
desses somos aliados, aceitando o desafio de continuar inquietos
neste mundo, o grande mundo que, como previa o poeta, continua
crescendo “todos os dias, entre o fogo e o amor”.
/ 151
\ Qu’ils reposent en révolte (Des figures de guerres I)
/ May they rest in revolt (Figures of wars)
/ França \ 2010 / p&b \ 153’
direção director Sylvain George
fotografia photography Sylvain George
som sound Sylvain George
montagem editing Sylvain George
produção production Sylvain George
contato contact [email protected], [email protected]
Construído a partir de fragmentos que se ligam uns aos outros e
acabam por se confundir, o filme acompanhou durante três anos (de
julho de 2007 a janeiro de 2010) um grupo de imigrantes ilegais
na cidade de Calais. Ao mostrar as condições em que vivem esses
indivíduos, o filme deixa claro que as políticas de imigração adotadas
pelos modernos Estados policiais vão muito além do plano da
legalidade: elas criam áreas cinzentas, fissuras e espaços onde a regra
não se distingue da exceção.
Composed of fragments that refer back and become mixed up with
each other, thus creating multiple games of temporality and spatiality,
this film shows the living conditions of migrant persons in Calais over a
period of three years (July 2007 to January 2010). In so doing, it shows
how the policies engaged by modern police States extend beyond the
law, and cause gray areas, cracks, indistinct places between the rule and
the exception.
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 21h
152 \
/ Minhocão
\ The big worm
/ França | Brasil \ 2011 / p&b \ 30’
direção director Raphaël Grisey
fotografia photography Raphaël Grisey
som sound Girjashanker Vohra
montagem editing Raphaël Grisey
produção production Raphaël Grisey
contato contact [email protected]
Um carro com um potente sistema de som reproduz um texto de
Eduardo Affonso Reidy sobre os preceitos da arquitetura moderna
enquanto circula pelo Conjunto Habitacional Pedregulho, um complexo
habitacional projetado por Reidy cuja construção começou em 1946 e é
conhecido por seus moradores como Minhocão. O ballet do carro sendo
guiado, combinado com as entrevistas, os excertos sonoros do filme
“Lúcio Flávio, o passageiro da agonia” e algumas outras cenas criam
o retrato de uma das mais importantes construções do modernismo
brasileiro e do contexto social da zona norte carioca.
A car with a big sound system broadcasts a text of Eduardo Affonso
Reidy on his modern architecture precepts. It drives around the
Conjunto Habitacional Pedregulho, a social housing complex build from
1946 by the same architect and also called Minhocão (the big worm) by
his inhabitants. The ballet of the driving car, combined with interviews,
sound extracts from the fiction film “Lucio Flávio, the passenger of
agony” and other scenes, produce a portrait of a major modernist
Brazilian building and of the popular northern zone´s context of Rio de
Janeiro.
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 21h30
/ 153
/ Pink Saris
/ Reino Unido | India \ 2010 / cor \ 96’
direção director Kim Longinotto
fotografia photography Kim Longinotto
som sound Girjashanker Vohra
montagem editing Ollie Huddleston
produção production Kim Longinotto
contato contact [email protected]
Nos primeiros 20 minutos de Pink Saris, Devi parece ser uma das
mulheres mais duronas que já apareceram nas telas do cinema.
Defensora incansável das mulheres vítimas de maus tratos, não se deixa
intimidar por ninguém. Mas quando começa a parecer que a diretora
Kim Longinotto está enamorada demais de seu objeto para abordar
questões mais delicadas, a megalomania de Devis vem à tona com
força total (“Sou o messias das mulheres”) e a arrogância com que trata
aqueles à sua volta revela uma faceta sua muito pouco louvável.
For the first 20 minutes or so of Pink Saris, Devi comes off as one of
the most kick-ass women ever captured on film. A tireless advocate for
abused women, she backs down from no one. But just as it starts to
seem director Kim Longinotto is too enamored of her subject to pose
hard questions, Devi’s megalomania kicks into high drive (“I’m the
messiah for women”) and her divalike treatment of those around her
reveals her as often far less than noble.
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 17h
154 \
/ Sonor
/ Alemanha \ 2010 / p&b \ 37’
direção director Levin Peter
fotografia photography Yunus Roy Imer
som sound Stefan Kolbe, Hendrik Schalansky
montagem editing Stephan Bechinger
produção production Elsa Kremser
contato contact [email protected]
Sonor conta a história do encontro entre uma ex-bailarina, surda de
nascença, e um músico que compõe para o cinema; duas pessoas que,
apesar das aparentemente conflitantes percepções sonoras, iniciam
juntas uma viagem pelo universo acústico. Em busca de sons, eles
exploram espaços sonoros e experimentam diferentes instrumentos,
traduzindo suas experiências por meio de uma improvisação musical.
Sonor convida a audiência a transformar sua própria percepção dos tons
e dos sons.
Sonor tells us about the encounter of a film musician and a former ballet
dancer, who is deaf by birth. Two people with an apparently conflictive
acoustic perception enter the realm of a sound journey. They explore
acoustic spaces, experiment with various instruments and seek for
sounds. Their experiences are interpreted in a musical improvisation.
Sonor is inviting the audience to undergo a chance in its own perception
of tone and sound.
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 15h
/ 155
/ La mort de Danton
\ The Danton’s Death
/ França \ 2010 / cor \ 64’
direção director Alice Diop
fotografia photography Blaise Harisson
som sound Ludovic Escallier
montagem editing Amritta David
produção production Gilles Padovani
contato contact [email protected]
Steve tem 25 anos e lembra um daqueles jovens encapuzados que
vemos nos noticiários sobre a violência na periferia. E ele era de fato
um deles, pelo menos até poucos meses atrás - perambulando com os
amigos, dividindo um baseado no vão das escadarias e sonhando com
uma vida melhor. Em setembro de 2008, Steve repentinamente decide
mudar de vida, e começa a frequentar o curso de formação de atores do
Cours Simon, uma das escolas de teatro de maior prestígio na França.
O filme o acompanha nesse momento decisivo da vida, mostrando as
dificuldades de tamanha transformação.
Steve is 25 and looks like one of those hoods spotted in the everyday
news on suburban violence. He was actually one of them few months
ago. He used to hang around in the staircases with his fellows, sharing
joints and dreaming of a better life. In September 2008 he suddenly
decides to change his life and starts training as an actor in one of the
most prestigious drama schools, “le Cours Simon”. The film follows
him at a turning point of his life and depicts the difficulties of such a
metamorphosis.
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 15h
156 \
/ Fragments d’une révolution
\ Fragments of a revolution
/ França \ 2010 / cor \ 55’
direção director Anonymous
fotografia photography Anonymous
som sound Anonymous
montagem editing Anonymous
produção production Gilles Padovani
contato contact [email protected]
A história trata dos protestos no Irã, em que cidadãos anônimos
fizeram, de improviso, o papel de jornalistas, e conseguiram por seus
próprios meios burlar a censura oficial.
The story is about of iranian protests in which the anonymous citizens
improvised themselves “journalist” and they succeeded by their own
means to bypass censorship.
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 21h30
/ 157
/ Moacir
/ Argentina \ 2011 / cor \ 75’
direção director Tomas Lipgot
fotografia photography Victor Narvaez, Tomás Lipgot
som sound Rufino Bassavilbaso, Fernando Rivero
montagem editing Bruno López, Javier Zevallos
produção production Tomas Lipgot
contato contact [email protected], [email protected]
Moacir dos Santos veio do Brasil há quase três décadas; depois de tanto
tempo já é “brasileiro e argentino”, como ele mesmo diz para um (quase)
conterrâneo na embaixada de Buenos Aires. Desempregado e entregue
a diversos excessos, após diagnóstico de esquizofrenia paranoide, ele
foi internado no Hospital Neuropsiquiátrico Borda onde passou grande
parte da sua estadia em Buenos Aires. Lá, ele conheceu Lipgot, quem
estava trabalhando num outro documentário. É assim que começa a
fantástica história de Moacir.
Moacir dos Santos left Brazil almost three decades ago; after so much
time he is already “Brazilian and Argertinean”, as he himself puts it to an
(almost) fellow countryman at the Buenos Aires embassy. Unemployed
and driven by excesses, he was committed to Borda Neuropsychiatry
Hospital after being diagnosed with paranoid schizophrenia, a place he
spent most of his time in Buenos Aires. There he met Lipgot, who was
working in another documentary. This is how begins he amazing story
of Moacir.
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 15h
158 \
/ Smolarze
\ Charcoal Burners
/ Polônia \ 2010 / cor \ 15’
direção director Piotr Zlotorowicz
fotografia photography Malte Rosenfeld
som sound Ewa Bogusz
montagem editing Barbara Snarska
produção production Joanna Malicka
contato contact [email protected], [email protected]
“Um olhar delicado sobre o cotidiano de um casal de carvoeiros, como
um conto-de-fadas de um mundo esquecido – porém sem o final feliz
com dinheiro e felicidade” – DOK Leipzig Programmer.
“A tender observation of a couple of charcoal burner’s daily life, like a
fairytale from a lost world – but without the happy end of wealth and
happiness” – DOK Leipzig Programmer
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 17h
/ 159
/ Shuai Jun´s Childhood
\ A infância de Shuai Jun
/ China \ 2010 / cor \ 14’
direção director Xingzheng Jin
fotografia photography Xingzheng Jin
som sound Xingzheng Jin
montagem editing Xingzheng Jin
produção production Xingzheng Jin
contato contact [email protected]
Shuai Jun é uma criança de 5 anos que nasceu e cresceu em uma estação
de triagem de resíduos. Seu pai trabalha como empacotador e sua
mãe faz artesanato. Como as outras crianças, Shuai Jun também quer
frequentar a escola, mas seus pais são pobres e a mensalidade é cara
demais para sua família.
A child, his name is Shuai Jun, 5 years old, who was born and growing
up in a waste collection station of the city. His father packs up waste,
and his mother handcrafts. He’s like other children, also wanna go to
school, but they are poor, they can’t afford the tuition fee.
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 17h
160 \
/ Los Ulises
\ The Ulysses
/ Espanha \ 2011 / cor \ 83’
direção director Agatha Maciaszek, Alberto Garcia Ortiz
fotografia photography Alberto Garcia Ortiz
som sound Agatha Maciaszek
montagem editing Cristobal Fernandez
produção production Carlos Esbert
contato contact [email protected]
Em meio à abundante vegetação das montanhas de Ceuta, um enclave
espanhol na costa marroquina, 57 imigrantes indianos aguardam seu
destino no acampamento clandestino que construíram para evitar
sua deportação. Com uma linguagem visual exuberante, o filme os
acompanha em sua luta diária pela sobrevivência, enquanto aguardam
o dia em que atravessarão os últimos 14 km que os separam da Europa.
Conseguirão chegar lá?
In the densely forested hills above Ceuta, a Spanish enclave on the
Moroccan coast, 57 young Indian immigrants await their fate in a
shanty community they’ve built to avoid deportation. With lush visual
style, the film accompanies them in their daily trials as they scramble to
survive, waiting to cross the last 14 km that separate them from Europe.
Will they make it there?
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 17h
/ 161
/ Amanar Tamasheq
/ Espanha-Mali \ 2011 / cor \ 14’
direção director Lluis Escartín
fotografia photography Lluis Escartín
som sound Lluis Escartín
montagem editing Lluis Escartín
produção production Lluis Escartín
contato contact [email protected]
Um homem entra no deserto. Um homem vive entre os tuaregs. Um
homem escuta o que outro tem a dizer, e este pede ao primeiro que
filme tudo o que encontrar. Que filme e divulgue além das dunas. Que
filme tudo, mesmo aquilo que não compreenda. Que filme, mesmo que
o mais importante permaneça invisível.
A man walks into the desert. A man lives with the Tuareg. A man listens
to another man, and this one asks the other to film everything he finds.
To film it and spread the word beyond the dunes. Film everything,
even if he does not understand. Film it, even if what’s most important
remains invisible.
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 17h
162 \
/ Dom
\ Home
/ Rússia \ 2011 / cor \ 95’
direção director Olga Maurina
fotografia photography Olga Maurina
som sound Alexander Dudarev
montagem editing Vera Nikiforova, Olga Maurina
produção production Anna Kapkina
contato contact [email protected]
Três moradores de rua protegem-se do frio em um abrigo feito de
compensado, ao lado de uma das últimas estações de Moscou. À medida
em que a primavera se aproxima, eles começam a planejar a construção
de algo como uma casa. Mas ter um lar significa, necessariamente, uma
mudança para melhor?
Three homeless hiding from cold in a veneer shelter next to one of
Moscow terminal stations. As spring comes they make plans to construct
something like a house. Once they find home, would their life turn
positive?
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 17h
/ 163
/ Saskatchewan
/ Canadá | EUA \ 2011 / cor \ 18’
direção director Richard Wiebe
fotografia photography Herb, Olga Wiebe
som sound Richard Wiebe, Andrew Ritchey
montagem editing Richard Wiebe
produção production Richard Wiebe
contato contact [email protected]
Algumas cenas em 16mm e as gravações de um ditafone me apresentam
a uma família que eu jamais conheci. Vejo meu pai em 1943, aos sete
anos, encarando a câmera. Vejo meus avós, minha tia, meu tio e outros
que já se foram. Mesmo tendo nascido décadas depois, na Carolina do
Norte, fico imaginando o filme sobre Saskatchewan que faríamos juntos.
16mm footage and Edison Voicewriter recordings introduce to me a
family I never knew. I see my dad, age 7, in 1943 stand in front of a
movie camera. I see my grandparents, my aunt, my uncle and others
now gone. I was born in North Carolina, and decades later, but I imagine
the movie we would make together about Saskatchewan.
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 15h
164 \
/ sessões filmes de quintal
/ 165
\ Manoki, Pytámãnãnjulipja
/ Luta pela terra
/ Brasil \ 2010 / cor \ 36’
direção director Celso Xinuxi, Alonso Irawali, Manoel Kanuxi
montagem editing Carolina Canguçu
produção production Vídeo nas Aldeias e Centro de Memória Indígena Manoki
contato contact [email protected]
A hidrelétrica construída às margens da Terra Indígena Irantxe /
Manoki acabou com os peixes da região e os latifúndios de soja e gado
destruíram toda a mata nativa ao redor da Terra. A luta atual é pela
homologação da ampliação do território, enfrentando a resistência de
grandes fazendeiros e a morosidade do governo federal.
The hydroelectric plant built at the outskirts of the Irantxe / Manoki
indigenous land has made the fish of the region disappear and the
soy bean estates and cattle cultivations have destroyed all the native
forest surrounding the indigenous land. The present struggle is for the
ratification of the land’s territorial expansion, facing resistance from
landowners and the government’s slowness.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 21h
166 \
\ Roda
/ Brasil \ 2011 / cor \ 72’
direção director Carla Maia, Raquel Junqueira
fotografia photography Pedro Aspahan, Sérgio Borges
som sound Bruno Vasconcelos
montagem editing Bruno Vasconcelos, Raquel Junqueira
produção production pesquisa research Marcos Valério Menezes Maia
contato contact [email protected]
Entre sambas e memórias, compositores, intérpretes e instrumentistas
da Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte fazem roda.
Amidst samba music and memories, composers, performers and
instrumentalists from Belo Horizonte’s old school of Samba put together
a jamming session.
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 15h
/ 167
\ Encontro com São João da Cruz
/ Brasil | Portugal \ 2011 / cor \ 19’35’’
direção director Daniel Ribeiro Duarte
montagem editing Daniel Ribeiro Duarte
contato contact [email protected]
Além de uma grande massa de escritos, a escritora portuguesa Maria
Gabriela Llansol (1931-2008) deixou, como espólio, mais de 2000
fotografias. Este filme parte de uma delas, atraído pela anotação no
verso, onde se lê: “Encontro com São João da Cruz”. A data da fotografia
remete ao começo da escrita d’O Livro das Comunidades, considerado
por Llansol como um ‘livro-fonte’. A imagem da fotografia faz pensar a
leitura como possibilidade de encontro e deixa entrever o processo de
nascimento de uma das figuras fundadoras do texto llansoliano.
Beyond a vast amount of writings, Portuguese writer Maria Gabriela
Llansol (1931-2008) has left, as her estate, more than 2000
photographs. This film uses one of them as a starting point, attracted
by the notes on its back which say: Meeting with São João da Cruz”.
The photograph dates back to the beginning of writing O livro das
comunidades, considered to be a ‘sourcebook’ by Llansol. The photo
makes us see the act of reading as the possibility of an encounter and
allows a glimpse into the creation of one of the founding figures of
Llansol’s writing.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 21h
168 \
\ Hölder
/ Brasil | Portugal \ 2011 / cor \ 11’
direção director Daniel Ribeiro Duarte
fotografia photography Daniel Ribeiro Duarte
montagem editing Pedro Rufino, Daniel Ribeiro Duarte
contato [email protected]
O filme faz parte do projeto Europa em Sobreimpressão – Llansol e as
Dobras da História, e é composto de imagens filmadas em Tübingen,
onde o poeta alemão Hölderlin viveu, encerrado em uma torre, por
aproximadamente 30 anos. Às imagens desta paisagem, acrescentam-se
os cadernos da escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol e a leitura
de fragmentos de sua obra relacionadas à do poeta alemão. A loucura, a
fuga dos deuses da Grécia e “a paisagem como terceiro sexo” são alguns
elementos que norteiam a construção do filme.
The movie takes part in the project Europe in Overprints - Llansol and
the Folds of History, and is composed by images filmed in Tübingen,
where the German poet Hölderlin lived, locked away in a tower for
approximately 30 years. Were added to this landscape notebooks from
Portuguese writer Maria Gabriela Llansol and the reading of fragments
from her work related to the German poet. Madness, the escape of gods
from Greece and “the landscape as a third sex” are some of the leading
elements of this film.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 21h
/ 169
\ Quando os yãmiy vêm dançar conosco
/ Brasil \ 2011 / cor \ 52’
direção director Renata Otto Diniz
fotografia photography Isael Maxakali
montagem editing Carolina Canguçu
produção production Milene Migliano
contato contact [email protected]
Isael e Suely são um casal maxakali. São professores, em Aldeia Verde,
uma comunidade transferida em 2007 para a Terra Indígena Ad Hãm
Yîxux, no município de Ladainha, MG. Apesar de sua história antiga
de contato com os brancos, os Maxakali mantiveram sua língua e sua
relativa autonomia em relação à sociedade nacional. Muitos velhos,
pajés e lideranças maxakali afirmam que sua força provém das relações
que mantêm com seus Yamiy, seus espíritos. Isael e Suely têm um
desejo ardente de usar a tecnologia em favor de suas tradições, todas
elas herdadas dos Yamiy. Gostam de fazer reveberar por outros meios a
voz do pajé: tudo está bem, quando os Yamiy vêm dançar conosco.
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 21h
170 \
\ Erosões
/ Erosion
/ Brasil \ 2011 / cor \ 35’
direção director Umbando
fotografia photography Maurício Rezende
montagem editing Oswaldo Teixeira
desenho de som sound design Bruno Vasconcelos
produção production Rafael Barros, Flávia Camisasca
contato contact [email protected]
Quadrilátero ferrífero, região metropolitana de BH. É neste território,
no meio de uma comunidade em desaparecimento, que se trava uma
batalha entre a máquina cinematográfica e as máquinas de exploração
mineradoras.
The Iron Quadrangle, BH metropolitan area. It is in this territory, in the
middle of a vanishing community, that a battle between the cinema and
the mining exploration machine is fought.
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 21h
/ 171
172 \
/ sessão especial
/ 173
174 \
\ A voir absolument (si possible) – dix années aux
Cahiers du Cinema, 1963-1973
/ França \ 2011 / cor \ 78’
direção director Ginette Lavigne, Jean Louis Comolli, Jean Nardoni
fotografia photography Jean-Louis Porte, Marc Séferchian
produção production Ina / Distribution Ina
contato contact [email protected]
O filme revê os dez anos, de 1963 a 1973, no qual um grupo de
cineastas, ensaístas, professores e editores se reuniu em torno
da revista Cahiers du cinéma. Entre eles, Jean André Fieschi, Jean
Narboni, Jean Louis Comolli e Serge Daney. Naquela época – escrevem
Comolli e Narboni – a política não era inimiga da beleza, e a teoria,
encarregada de dissipar as ilusões, a ideologia e a alienação, convivia
com a experiência intensa de ver e discutir os filmes. Época em que a
cinefilia e a militância andavam de mãos dadas. E fazer da revista e da
experiência do cinema um “front cultural e revolucionário”.
The film reviews the ten years, between 1963 and 1973, in which a
group of filmmakers, essayists, professors and editors gathered around
Cahiers du cinema magazine. Among them, there were Jean André
Fieschi, Jean Narboni, Jean Louis Comolli e Serge Daney. At that time –
Comolli and Narboni wrote – politics was not an enemy of beauty, and
theory, in charge of dispelling illusions, ideology and alienation, coped
with the intense experience of seeing and discussing films. A time
when cinephilia and militancy walked holding hands. To make both the
magazine and the cinema experience a “cultural and revolutionary front”.
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 15h
/ 175
176 \
\ lançamento
/ 177
178 \
\ Revista Devires - cinema e humanidades, vol. 7 n.2
O cinema contemporâneo apresenta-se como uma verdadeira agonística
das representações, na qual a visibilidade torna-se uma arena de disputa
entre diferentes modos de aparição do real e dos sujeitos. Esse embate
está ligado a amplas transformações no âmbito do espetáculo (se nos
filiamos à tradição inaugurada por Guy Debord) e da biopolítica (se
retomamos o conceito de Michel Foucault e seus desdobramentos).
Procurando não reduzir o cinema a um lugar de diagnóstico ou de
mera tematização da política, o conjunto de textos reunidos no dossiê.
Cinema, estética e política” da Revista Devires (v. 7, n. 2) procura
abordar o modo como os filmes incorporam, atualizam e respondem
— em seus próprios moldes, em sua forma expressiva — a essas
transformações.
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 21h
/ 179
180 \
\ curso
/ 181
182 \
\ Dilemas da observação
/ Eduardo Escorel*
Data 01 a 03 de dezembro de 2011
Horário 14h às 17h
Local Cine Humberto Mauro/ Palácio das Artes
Três indagações e uma possível resposta
O percurso da observação e a passagem para a ficção
1ª. Qual é a ruptura em relação a A Janela de esquina do meu
primo, de E.T.A. Hoffmann,1 realizada em 1840 pelo narrador de
O Homem da multidão, de E.A.Poe2?
“Com a testa na vidraça, estava deste modo ocupado em perscrutar
a massa, quando de repente apareceu um rosto (o de um velho
decrépito, de uns sessenta e cinco, setenta anos de idade) – um rosto
que imediatamente chamou e absorveu toda a minha atenção, por
causa da absoluta idiossincrasia de sua expressão. […] ‘Que história
fantástica’, pensei comigo mesmo, ‘não estará escrita nesse peito!’
Me veio então um ardente desejo de não perder o homem de vista –
de saber mais sobre ele.”
1 Hoffmann, E.T.A., A Janela de esquina do meu primo. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Concluído em
abril de 1822 e publicado em maio do mesmo ano, foi a última narrativa completada pelo autor,
falecido em junho de 1822 aos 46 anos.
2 Poe, Edgar Allan, O Homem da multidão. Porto Alegre: Editora Paraula, 1993. The Man in the Crowd
foi publicado em 1840.
/ 183
2ª. O que levou Dziga Vertov, na primavera de 1926, a anotar o
que segue em seu diário?
“Vi Paris adormecida3 ontem no cine-teatro Ars.
Fez-me sofrer. Há dois anos tracei um plano que coincide exatamente
com esse filme. Tentei seguidamente encontrar uma oportunidade
para implementá-lo. Nunca me foi dada essa oportunidade. E agora
– o realizaram no exterior.
Kino-olho perdeu uma de suas posições de ataque. Intervalo longo
demais entre ideia, concepção e realização. Se não nos permitem
implementar nossas inovações logo, podemos estar correndo perigo
de inventar continuamente e nunca realizarmos nossas invenções na
prática”.4
3ª Qual é a nova ruptura feita por Jean Epstein em O cinematógrafo
visto do Etna ao descrever a filmagem de Montanha infiel, filme
perdido, realizada em junho de 1923?
“[…] Todo o poço [do elevador] era recoberto de espelhos. Eu
descia rodeado de eu mesmos, de reflexos, de imagens dos meus
gestos, de projeções cinematográficas. Cada volta me surpreendia
de outro ângulo. Há tantas posições diferentes e autônomas entre
um perfil e três quartos de dorso quanto lágrimas no olho. Cada
uma dessas imagens não vivia senão por um instante, assim que
percebida, perdida de vista, já outra. Só minha memória retinha uma
entre infinitas, e perdia duas em cada três. E havia as imagens das
imagens. As imagens terceiras nasciam das imagens segundas.”Cada
percepção é uma surpresa desorientadora que insulta. Nunca eu
3 Paris qui dort (1924), René Clair [primeiro filme do diretor]
4 Michelson, Annette (ed.), Kino-Eye The Writings of Dziga Vertov. Berkeley: University of California
Press, 1984. 1926, 12 de abril, p.163.
184 \
tinha me visto tanto e eu me olhava com terror […] me percebendo
outro, esse espetáculo contrariava todos os hábitos de mentir que
eu chegara a me fazer a mim mesmo. Cada um desses espelhos me
apresentava uma perversão de mim, uma inexatidão da esperança
que eu tinha em mim. Esses vidros espectadores me obrigavam a
me olhar com a sua indiferença, sua verdade. Eu aparecia para mim
numa grande retina sem consciência, sem moral, com sete andares
de altura. Eu me via sem ilusões alimentadas, surpreso, desnudado,
arrancado, seco, verdadeiro, peso líquido”.
Para tentar responder à primeira indagação, partiremos da (a)
projeção dos 10’ iniciais de Tishe! (2002), de Victor Kossakovsky.
Comentaremos, a seguir, (b) o conto A Janela de esquina do meu
primo, de E.T.A. Hoffmann, publicado em 1822; (c) o registro
heliográfico de Joseph Nicéphore Niépce, Vista da janela do
escritório, feito em 1827; (d) o daguerreótipo de Louis-JacquesMandé Daguerre, Boulevard du Temple, feito em 1838; e (e) o conto
de E.A.Poe, O Homem da Multidão, publicado em 1840. Exibiremos,
finalmente, Da janela do meu quarto (5’, 2004), de Cao Guimarães e
Aterro do Flamengo (2010, 46’), de Alessandra Bergamaschi.
Para tentar responder à segunda e à terceira indagação, exibiremos
Paris adormecida (35’, 1924), de René Clair. Tomaremos como
referência para comentar o filme o texto de Annette Michelson, Dr.
Crase and Mr. Clair, publicado em October, Vol 11 (Winter, 1979).
Comentaremos, a seguir, O Cinematógrafo visto do Etna, de Jean
Epstein, publicado em 1926; Las meninas (1656), de Velázquez e Mão
com esfera espelhada (1935), de E.C.Escher. Diante da inexistência
do documentário Montanha infiel, filmado por Epstein em 1923,
poderemos mostrar um trecho de Le tempestaire, dirigido também
por ele em 1947. Exibiremos, finalmente, La Soufrière (30’, 1977 ),
de Werner Herzog.
/ 185
Para tentar uma resposta sintética às três indagações anteriores,
avaliando os dilemas da observação exibiremos e comentaremos a
versão mais longa do sexto decálogo de Krzysztof Kieslowski, Não
amarás (A Short Film about Love, 83’, 1988), comparando o início
e o fim com os da versão mais curta (58’, 1988), que integra a série
O Decálogo.
* Eduardo Escorel
Cineasta, tendo iniciado sua carreira profissional como assistente de
direção e montador em 1965. Em 1966, dirigiu seu primeiro filme,
o documentário Bethânia bem de perto, a quatro mãos com Julio
Bressane. Montou, entre outros, Terra em Transe (1967), Macunaíma
(1969), Cabra marcado para morrer (1984) e Santiago (2006).
Dirigiu os filmes de ficção Lição de Amor (1976), Ato de Violência
(1981), Cavalinho Azul (1984) e, entre outros, os documentários
Chico Antônio - O herói com caráter (1984), 35 - O assalto ao poder
(2002), Vocação do Poder (2005), e O tempo e o lugar (2008). Publicou
Adivinhadores de Água – pensando no cinema brasileiro, pela Cosac
Naify, em 2005. Desde 2005, coordena curso de especialização em
cinema documentário na FGV, no qual também leciona. Foi crítico de
cinema da revista Piauí de 2009 a 2011. Escreve atualmente para o
blog questões cinematográficas.
186 \
\ Paris Qui Dort
/ Paris Adormecida
/ França \ 1923 / p&b \ 34’
direção director René Clair
fotografia photography Maurice Desfassiaux, Paul Guichard
montagem editing René Clair
produção production Henri Diamant-Berger
Um sábio louco imobiliza Paris por meio de um raio diabólico, deixando
todos os parisienses mergulhados num sono letárgico. Apenas um
grupo de jovens, refugiados no alto da Torre Eiffel, escaparam do
sinistro plano. Com ironia e poesia, Clair registrou Paris como nenhum
outro conseguiu fazer.
A wise and crazy man paralyzes Paris through the use of an evil ray,
diving all Parisians into a lethargic dream. Only a young group, who
had taken refuge at the top of the Eiffel Tower, manages to escape this
sinister plan. With the use of irony and poetry, René Clair documented
Paris in a way no other director had intended.
/ cine humberto mauro \ 01 dez / 14h
/ 187
\ La Soufrière
/ Alemanha \ 1977 / cor \ 30’
direção director Werner Herzog
fotografia photography Edward Lachman, Jörg Schmidt-Reitwein
montagem editing Beate Mainka-Jellinghaus
produção production Werner Herzog Filmproduktion
contato contact [email protected]
Ao saber que a ilha de Basse-Terre foi evacuada devido a possível
erupção do vulcão La Grande Soufrière, Herzog viaja para a ilha deserta
para encontrar um camponês que se recusou a sair
As he became aware of the Basse-Terre island evacuation due to the
possible eruption of the La Grande Soufrière volcano, Herzog travelled
to the deserted island to meet a countryman who refused to leave.
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 14h
188 \
\ Krótki film o milosci
/ Não amarás
/ Polônia \ 1988 / cor \ 85’
direção director Krystof Kieslowski
fotografia photography Witold Adamek
som sound Nikodem Wolk-Laniewski
montagem editing Ewa Smal
produção production Ryszard Chutkowski
contato contact [email protected]
Tomek, um jovem tímido que mora com uma velha senhora, observa
através de uma luneta a bela mulher que mora no prédio em frente, por
quem se apaixona.
Tomek, a shy young man who lives with an old lady, observes through a
telescope the beautiful woman that lives in the opposite building, with
whom he falls in love.
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 14h
/ 189
190 \
\ fórum de debates
/ 191
SESSÃO DE ABERTURA
22/11 TERÇA FEIRA – CINE HUMBERTO MAURO
19h30 AS HIPER MULHERES 80’
Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro
Sessão comentada por Leonardo Sette, Takumã Kuikuro
MOSTRA FERNADO CONI CAMPOS
Mesa redonda
03/12 SÁBADO – CINE HUMBERTO MAURO
21h O CINEMA DE FERNANDO CONI CAMPOS
Com: Hernane Heffner, Patrícia Moran, Luis Abramo.
Mediação: Ewerton Belico
Sessões comentadas
29/11 TERÇA-FEIRA – CINE HUMBERTO MAURO
21h LADRÕES DE CINEMA 127’
Por Jean-Claude Bernardet
01/12 QUINTA-FEIRA – CINE HUMBERTO MAURO
19h VIAGEM AO FIM DO MUNDO 95’
Por Jean-Claude Bernardet
04/12 DOMINGO – CINE HUMBERTO MAURO
19H A PINTURA DE CLAUDIO TOZZI 9’
O MÁGICO E O DELEGADO 103’
Por Jair Fonseca
MOSTRA CINEMA DOS POVOS ORIGINÁRIOS BOLÍVIA/MÉXICO
Mesas redondas
30/11 QUARTA-FEIRA – CINE HUMBERTO MAURO
21H Coletivos Audiovisuais Indígenas: formação de realizadores e
constituição de redes de comunicação na Bolívia, México, Brasil
Com: Ivan Sanjinés, Carlos Pérez Rojas, Vincent Carelli
Mediação: Ruben Caixeta
02/12 SEXTA-FEIRA – CINE HUMBERTO MAURO
21H Realização indígena e autoria cinematográfica
Com: Maria Zeladi Mole, Carlos Pérez Rojas, Divino Tserewahu,
Takumã Kuikuro. Mediação: Carolina Canguçu
192 \
Sessões comentadas
30/11 QUARTA-FEIRA – CINE HUMBERTO MAURO
19h K’anchary / Para encender la luz del espíritu 45´
Reynaldo Yujra
Qati Qati / Susurros de muerte 35´ | Reynaldo Yujra
Por Ivan Sanjinés, Martha Zeladi
02/12 SEXTA-FEIRA – CINE HUMBERTO MAURO
19h Dulce convivência 18’ | Filoteo Gómez Martinez
Y el río sigue corriendo 70´
Carlos Peréz Rojas
Comentada pelo diretor
03/12 SÁBADO – CINE HUMBERTO MAURO
17h CINEMA POVOS ORIGINÁRIOS/BOLÍVIA
El grito de la selva 97´ | Direção Coletiva
Por Martha Zeladi Mole, Ivan Sanjinés
04/12 DOMINGO – CINE HUMBERTO MAURO
17h CINEMA DOS POVOS ORIGINÁRIOS/MÉXICO
A Cielo Abierto 37’37’’ | José Luis Matías y Carlos Pérez Rojas
Por Carlos Pérez Rojas
MOSTRA/SEMINÁRIO FORUMDOC.BH.2011 O ANIMAL E A CÂMERA
Conferências
21/11 SEGUNDA-FEIRA
UFMG/FAE Auditório Luiz Pompeu de Castro
11h Conferência Inaugural
Lições de Caça
Por Maurício Yekuana
22/11 TERÇA-FEIRA
UFMG/FAFICH Auditório Sônia Viegas
10h Conferência II
Autópsia in vivo: aspectos da biopolítica em Primate de Frederick
Wiseman
Por André Dias
24/11 QUINTA-FEIRA
UFMG/FAE Auditório Luiz Pompeu de Castro
/ 193
10h Conferência III Revisando a caça de porco do mato juruna
Por Tânia Stolze Lima
Messa redondas
25/11 SEXTA-FEIRA
UFMG/FAE Auditório Luiz Pompeu de Castro
10h Mesa Redonda I
A técnica de caça e o cinema
Por Uirá Garcia, Carlos Sautchuk e Cezar Migliorin
26/11 SÁBADO – CINE HUMBERTO MAURO
21h30 O ANIMAL E A CÂMERA
Com: André Dias, Renato Sztutman, Paulo Maia
Sessões comentadas
23/11 QUARTA-FEIRA – UFMG / FAE Sala de Teleconferência
10h O ANIMAL E A CÂMERA
ATAKA: O LADRÃO DE ARMADILHAS 10´ Como filmar uma armadilha?
Por Takumã Kuikuro
23/11 QUARTA-FEIRA – CINE HUMBERTO MAURO
19h30 O ANIMAL E A CÂMERA
Os Cavalos de Goethe ou Alquimia da Velocidade 55’
Arthur Omar
Por Arthur Omar, João Dumans, Paulo Maia
29/11 TERÇA-FEIRA – UFMG / FAFICH Auditório Sônia Viegas
10h O ANIMAL E A CÂMERA
HISTÓRIAS DE MAWARY 58’
Ruben Caixeta
Por André Brasil, Ruben Caixeta
SESSÃO FILMES DE QUINTAL
27/11 DOMINGO – CINE HUMBERTO MAURO
21h FILMES DE QUINTAL
Quando os yãmiy vêm dançar conosco 52’
Renata Otto Diniz
Por Isael Maxakali e Suely Maxakali
194 \
Mostra competitiva
28/11 e 30/11 – CINE HUMBERTO MAURO
10h30 ENCONTRO DE REALIZADORES / COMPETITIVA NACIONAL
/ André Brasil
Pesquisador em Comunicação e Cinema. É doutor pela UFRJ e
professor do Departamento de Comunicação da UFMG. Desenvolve
o projeto “Formas de vida na imagem: performatividade no
documentário e na mídia”, abrigado pelo Grupo de Pesquisa
Poéticas da Experiência (UFMG).
\ André Dias
Doutorando na Universidade Nova de Lisboa/Portugal sobre a
ambiguidade no cinema moderno, cinefilia e filosofia política
contemporânea. Autor de Ainda não começamos a pensar, blog
sobre cinema e pensamento que inclui várias entrevistas com
realizadores contemporâneos. Organizou a conferência sobre
biopolítica com Roberto Esposito e traduziu L’aperto. L’uomo e
l’animale de Giorgio Agamben (Edições 70).
/ Arthur Omar
Nasceu em Poços de Caldas (MG), em1948. Realizou trabalhos
em cinema, vídeo, fotografia, música, poesia e artes plásticas. O
longa-metragem Triste Trópico, crítica ao discurso da antropologia,
de 1974, é um dos destaques de sua produção audiovisual, que
conta ainda com 11 filmes e 17 vídeos, dentre eles Os cavalos de
Goethe ou A Alquimia da velocidade apresentado nessa edição do
forumdoc.
\ Carolina Canguçu
Professora de audiovisual desde 2004. Bacharel em Comunicação
Social pela UFMG e Integrante da Associação Filmes de Quintal.
Atuou em oficinas de formação em vídeo na Pedreira Prado Lopes
(BH), Associação Imagem Comunitária, Escolas Municipais de
Belo Horizonte, Lagoa Santa (RMBH) e com indígenas das etnias
Maxakali, Huni Kuin, Manoki, Pataxó, Xacriabá, Krenak, Suruí,
Xucuru-Kariri, Yawanawá, Kanoê, WaiWai. / 195
/ Carlos Emanuel Sautchuk Professor do Departamento de Antropologia da Universidade
de Brasília. Coordenador do Laboratório de Antropologia da
Ciência e da Técnica (DAN/UnB) e pesquisador do Centro de
Desenvolvimento de Estudos do Esporte e do Lazer (Rede CEDES Ministério do Esporte/UnB). Pesquisa temas relativos a pesca, caça,
meio ambiente e sociedades caboclas amazônicas, dentre outros.
\ Carlos Pérez Rojas
Carlos Efraín Pérez Rojas, realizador da região de Oaxaca, México,
trabalha com produções audiovisuais desde 1999, primeiramente
como membro do coletivo Video Tamix, posteriormente como
Coordenador de Formação e Produção para o Chiapas Media
Project. Atua na estação regional TV Tamix de sua comunidade
desde 1998. Atualmente, além de dirigir seus próprios filmes,
trabalha como fotógrafo-cinegrafista, editor, produtor e formador
de realizadores indígenas. Seu trabalho vem sendo exibido em
festivais referenciais incluindo Sundance, Wild Spaces Film Festival,
Margaret Mead Film Festival, entre outros.
/ Cezar Migliorin Professor de Departamento de Comunicação da Universidade
Federal Fluminense (UFF), pesquisador e ensaísta concentrado
no cinema e no audiovisual. É membro do Conselho Executivo da
Socine (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual).
Pesquisa e publica sobre o cinema brasileiro, sobretudo aquele
ligado ao campo do documentário em seus aspectos políticos
e estéticos. Organizou o livro, Ensaios no real, editado pela Ed.
Azougue.
\ Divino Tserewahú
Divino é diretor, fotógrafo, editor de vários filmes consagrados
em importantes festivais nacionais e internacionais como: Wapté
Mñoño Iniciação do Jovem Xavante, Aprendiz de Curador, O Poder
do Sonho, Mulheres Xavante sem nome. Um dos mais experientes
realizadores ligados ao VNA, atualmente trabalha também como
formador de novos realizadores de diversas etnias no Brasil.
196 \
/ Hernani Heffner
Crítico de cinema e conservador-chefe da Cinemateca do Museu
de Arte Moderna, MAM-RJ. Foi pesquisador da Cinédia Estúdios
Cinematográficos, tendo coordenado a restauração do acervo dessa
produtora. Curou as Mostras “Raízes do Século XXI”, “A Tela Aberta”
e “Miragens do Sertão”. É professor de cinema na PUC-RJ e da FGV-RJ.
\ Ivan Sanjinés
Atual coordenador do Conselho Latinoamericano dos Povos
Indígenas CLACPI e diretor do Centro de Formación y Realización
Cinematográfica (Bolívia), especialista em comunicação
intercultural, processos de capacitação audiovisual, fortalecimento
de redes comunicacionais para o desenvolvimento do processo
boliviano de comunicação audiovisual indígena, destacado realizador
e produtor audiovisual.
/ Isael Maxakali
Fotógrafo de cinema e diretor, co-realizou os filmes Tatakox (2007)
Kotkuphi (2010) entre outros. Assina a fotografia do filme Quando
os Yãmiy vem dançar conosco, lançado no forumdoc.bh.2011.
\ Jair Fonseca
Escritor, crítico de cinema, Doutor em Literatura Comparada
pela FALE-UFMG, e professor de literatura brasileira e de cinema
brasileiro na UFSC.
/ Jean-Claude Bernardet
Crítico de cinema, ensaísta, cineasta e escritor. Foi professor de
História do Cinema Brasileiro na ECA-USP e é Doutor em Artes pela
mesma instituição. Escreveu o roteiro de O caso dos Irmãos Naves,
dirigido por Luís Sérgio Person; e dirigiu São Paulo: Sinfonia e
Cacofonia. É autor dos livros Vôo dos anjos: Sganzerla, Bressane um estudo sobre a criação cinematográfica, Cineastas e Imagens
do Povo, Aquele Rapaz (ficção), dentre outros. Escreve no blog
jcbernardet.blog.uol.com.br
/ 197
/ João Dumans Mestrando em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela
UFMG. Pesquisador de cinema. Foi programador do Cine Humberto
Mauro, no Palácio das Artes, e curador do Cineclube Curta Circuito.
Participou de comissões de seleção, programação e júri de festivais
como o forumdoc.bh e o Festival Internacional de Curtas de BH.
Atualmente, é um dos programadores da Mostravídeo Itaú Cultural.
\ Júnia Tôrres
Antropóloga, mestre em Sociologia da Cultura pela UFMG.
Organizadora do forumdoc.bh desde 1997. Em 2010 coordenou a
pesquisa e mapeamento das Comunidades Tradicionais de Terreiro
na Região Metropolitana de Belém, através da Unesco. Como
documentarista dirigiu, entre outros: Nos olhos de Mariquinha (codireção: Cláudia Mesquita, 2009), Um olhar sobre os quilombos
no Brasil (co-direção Cida Reis, 2007); Aqui favela, o rap
representa (co-direção Rodrigo Siqueira, 2003).
/ Leonardo Sette
Participou de oficinas na Escuela Internacional de Cine y Televisión
(CUBA, 1999), La Fémis (Paris, 2003) e graduou-se em história
do cinema na Sorbonne (2006). Desde 2002 vem participando
intensamente do processo de oficinas do projeto Vídeo nas Aldeias,
tendo contribuído na formação e nas produções de cineastas
indígenas de diferentes povos amazônicos. Em 2008, dirigiu seu
primeiro curta-metragem, Ocidente, que recebeu entre outros o
prêmio de melhor filme do Festival Internacional de Curtas do Rio
de Janeiro (Curtacinema).
\ Martha Zeladi Mole
Comunicadora e cineasta indígena moxeño trinitaria. É membro
da Coordinadoria Audiovisual Indígena Originaria de Bolivia
CAIB e integrante da equipe responsável pelo Centro de Medios
Comunitarios com sede na cidade de Trinidad, Beni (Amazônia
boliviana), trabalho imbricado com o Sistema Plurinacional de
Comunicação Indígena. Diretora da Rádio indígena Pedro Ignacio
Muiba, entre 2009 e 2011.
198 \
/ Maurício Yekuana
Maurício Ye’kuana nasceu em 1984 na aldeia de Fuduwaduinha,
na região de Auaris, Terra Indígena Yanomami, no Estado de
Roraima. Filho do atual vice-tuxaua de Fuduwaaduinha, Maurício
vem desempenhando importante trabalho como Vice-Presidente da
Hutukara Associação Yanomami para defesa dos direitos dos povos
Yanomami e Ye’kuana. Maurício vive hoje em Boa Vista.
\ Paulo Maia
Etnólogo, professor de antropologia da Faculdade de Educação da
UFMG, é coordenador do programa de extensão forumdoc.ufmg e
da mostra/seminário “O animal e a câmera” do forumdoc.bh.2011.
Membro fundador da associação Filmes de Quintal é curador e
produtor do forumdoc desde 1997.
/ Patrícia Moran
Ensaísta, crítica de cinema, cineasta e videoartista, dirigiu o filme
Plano-Sequência e o vídeo De Tonacci, dentre outros. É professora
da ECA-USP e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
\ Renata Otto Diniz
Doutoranda pela UnB e mestre pelo Museu Nacional da UFRJ em
antropologia social. Trabalha na Fundação Nacional do Índio com
procedimentos de demarcação de terras indígenas. Realizou filmes
documentários e etnográficos, entre os quais Concórdia de Dona
Isabel e Birinaites sob o Viaduto. Integra a produção do forumdoc.
bh desde a sua segunda edição. Junto a Isael e Suely Maxakali
realizou em 2011 o filme Quando os Yãmiy vem dançar conosco,
lançado no forumdoc.bh.2011.
/ Renato Sztutman Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de
São Paulo (USP). Desde 1995, é pesquisador do Núcleo de História
Indígena e do Indigenismo NHII e do Grupo de Antropologia Visual
GRAVI/LISA, ambos da USP. Foi um dos fundadores e co-editou,
entre 1997 e 2007, a revista Sexta-Feira. Suas áreas de atuação
são etnologia e história indígena (com foco no problema das
cosmopolíticas ameríndias), teoria antropológica e antropologia
& cinema.
/ 199
\ Ruben Caixeta de Queiroz Antropólogo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais,
coordenador do Laboratório de Etnologia e do Filme Etnográfico.
Realizador de documentários e co-editor da Devires - Revista de
Cinema e Humanidades. Compõe a equipe de organização do
forumdoc.bh, do qual é co-fundador.
/ Suely Maxakali
Uma das lideranças indígenas da Aldeia Verde, participou dos
projetos de formação em fotografia e realização audiovisual entre
os maxakali. \ Tânia Stolze Lima
Etnóloga e professora associada do PPGA-Programa de PósGraduação de Antropologia e do Departamento de Antropologia da
Universidade Federal Fluminense (UFF). Autora do livro Um peixe
olhou para mim: o povo Yudjá e a perspectiva (São Paulo/Rio de
Janeiro: Editora da Unesp/ISA/NuTI. 2005).
/ Takumã Kuikuro
Nascido em 1983, Takumã é o filho mais velho de Samuagü Kuikuro
e Tapualu Kalapalo. Ele vive na aldeia de Ipatse, na Terra Indígena
do Xingu, Estado de Mato Grosso. Realizador formado pelo VNA
e integrante do Coletivo Kuikuro de Cinema. Seu filme As hiper
mulheres foi premiado em importantes festivais brasileiros, como
Festival de Cinema de Gramado e Festival de Cinema de Brasília de
2011. Cursa cinema na Escola Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro.
\ Uirá Felippe Garcia Doutor em Ciência Social (Antropologia Social) pela Universidade de
São Paulo (2011). Desenvolve pesquisa etnográfica, com ênfase nas
práticas de conhecimento sobre a caça, junto aos Awá-Guajá, grupo
Tupi-Guarani do Maranhão.
/ Vincent Carelli
Indigenista e coordenador do Vídeo nas Aldeias. Realizador de
vários filmes, finalizou em janeiro de 2009, Corumbiara, premiado
em diversos festivais nacionais e internacionais.
200 \
\ mostra de extensão
/ 201
SERRA
13/11 domingo 19h
Local: Bar do Zé Barriga – Rua Bandonion 487
Próximo à Praça do Cardoso
Roda
/ Brasil \ 2011 / cor \ 72’
Direção: Carla Maia, Raquel Junqueira
Fotografia: Pedro Aspahan, Sérgio Borges
Som: Bruno Vasconcelos
Montagem: Bruno Vasconcelos, Raquel Junqueira
Produção e pesquisa: Marcos Valério Menezes Maia
Contato: [email protected] Entre sambas e memórias, compositores, intérpretes
e instrumentistas da Velha Guarda do Samba de Belo
Horizonte fazem roda.
CONCÓRDIA
15/11 terça-feira 19h
Local: Guarda de Moçambique e
Congo Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário
Rua Jataí, 1309
Roda
/ Brasil \ 2011 / cor \ 72’
Direção: Carla Maia, Raquel Junqueira
Fotografia: Pedro Aspahan, Sérgio Borges
Som: Bruno Vasconcelos
Montagem: Bruno Vasconcelos, Raquel Junqueira
Produção e pesquisa: Marcos Valério Menezes Maia
Contato: [email protected] Entre sambas e memórias, compositores, intérpretes
e instrumentistas da Velha Guarda do Samba de Belo
Horizonte fazem roda.
AGLOMERADO SANTA LÚCIA
18/11 sexta-feira
15h Local: BH Cidadania – Rua São Tomás de Aquino 640
202 \
Roda
/ Brasil \ 2011 / cor \ 72’
Direção: Carla Maia, Raquel Junqueira
Fotografia: Pedro Aspahan, Sérgio Borges
Som: Bruno Vasconcelos
Montagem: Bruno Vasconcelos, Raquel Junqueira
Produção e pesquisa: Marcos Valério Menezes Maia
Contato: [email protected]
Entre sambas e memórias, compositores, intérpretes
e instrumentistas da Velha Guarda do Samba de Belo
Horizonte fazem roda.
TAQUARIL
27/11 domingo
19h30 Local: Rua Ramiro Siqueira
(ao lado da academia do Montanha) – Taquaril A
Lá do leste
From over on the East Side
/ Brasil \ 2010 / cor \ 28’
Direção: Carolina Caffé e Rose Satiko Gitirana Hikiji
Fotografia: Rafael Nobre
Som: Tomires Ribeiro
Montagem: Karine Binaux
Produção: Paulo Dantas
Contato: [email protected], [email protected]
Lá do Leste, do lugar onde a cidade termina (ou começa), chegam rimas,
gestos e cores que marcam o espaço. A experiência periférica urbana é
a base e o motivo da produção dos artistas de Cidade Tiradentes, que
cresceram junto com o distrito paulista e em suas obras dialogam com
seus desafios e sonhos. O filme segue a vida e as transformações do
street dance, grafite e rap neste lugar considerado o maior complexo
de conjuntos habitacionais populares da América Latina, marcado pela
exclusão, no qual a população orquestra suas dificuldades com dinâmicas
próprias de sociabilidade, moradia, e apropriação do território.
/ 203
204 \
/ ensaios
/ 205
206 \
\ Depoimento de uma guerra declarada1
/ Fernando Coni Campos
Em 1968, o filme Viagem ao fim do mundo de Fernando
Coni Campos, surpreendia por sua forma irreverente; em
1977, Ladrões de cinema, do mesmo diretor, surpreendia por
seu conteúdo estimulante alegórico, crítico-criativo. Dentro
do cinema brasileiro, a posição de Fernando Campos é
bastante singular: sem ter pertencido aos quadros do Cinema
Novo, também não se ligou ao “cinema do lixo”, embora a
proposta estética de Viagem absorvesse um determinado
tipo de tropicalismo, diferente daquele que seria transado
por Joaquim Pedro de Andrade em Macunaíma: o possível
tropicalismo contido em Viagem incorporava elementos
godardianos. Por tudo isso o depoimento de Fernando
Campos - a seguir - parece-nos importante; suas palavras
devem ser ,ouvidas com atenção: “O cinema brasileiro está
sendo contestado pelos exibidores e distribuidores. O nosso
mercado não é nosso. Temos que jazer o que os ‘HOME’
quer. Somos todos marginais no nosso próprio país”.
(Nota da Redação)
Logo depois de ter conseguido terminar o filme Viagem a fim do mundo
escrevi um roteiro que, muito mais que roteiro cinematográfico,
já que dificilmente conseguiria produção para ele, e mesmo que
conseguisse nunca conseguiria passá-lo nas duas censuras (a policial
e a comercial), era um manifesto para uso interno, um plano piloto
para futuras realizações. Tupy or not Tupy, era o seu título. O próprio
título já denuncia as suas origens oswaldianas e antropofágicas
Em 1971, em plena vigência do governo Médici, fui convidado para
dirigir um musical com o cantor Jorge Ben. Apesar da dureza do
regime ter atingido, nesse governo, o ponto mais agudo de repressão,
1 Texto publicado em Revista de Cultura Vozes, v. 72, n. 6, p. 19-22, ago. 1978.
/ 207
vivíamos momentos de falsa euforia. O Brasil tinha conseguido no
México o tricampeonato de futebol. A maciça propaganda da AERP
tentava nos convencer que “Este é um país que vai pra frente”, do
“Brasil Grande”, do “Ame-o ou deixe-o”. Ninguém conseguiria deter
aquela corrente de noventa milhões dando as mãos. Enquanto isso,
a imprensa estava arrolhada; as cadeias cheias, e nos porões das
cadeias a tortura campeava solta. Mas tudo isso era subterrâneo.
Na superfície, uma grande festa verde-amarela com um com
um presidente que torcia pelo Flamengo e ia assistir os jogos no
Maracanã com um radinho de pilha encostado ao ouvido, vibrando
com o gooooooool e os sujeitos competentes. Jorge Ben nos
garantia que vivíamos num país tropical, abençoado por Deus e feliz
por natureza, que beleza! O enredo que me foi dado para filmar
não refletia essa realidade “edênica”. Era um roteirinho que mais
parecia um script de programa de TV. No entanto, a desorganização
e as deficiências de produção impediam-me de executar o roteiro
proposto e, para não parar o filme, eu era obrigado a fugir do roteiro
e a improvisar. Na realidade, cada vez que eu improvisava estava era
voltando para idéias e sequências do Tupy or not Tupy. Procurava
enfatizar e caricaturar o neo ufanismo que estava nos sendo imposto
e, assim, desmascará-lo. Naquela época, o cinema com preocupações
políticas e sociais tinha se calado, ou, quando muito, refugiado-se
nos subterrâneos do udigrudi. Nos nossos cinemas, apareciam as
pornografias coloridas, as comédias de telefone branco do nosso
fascismo tupiniquim.
Uma nega chamada Teresa, era esse o nome do filme, foi totalmente
remontado e desfigurado pela censura e pela produção. Não
sobrou quase nada da minha versão original. Para o espectador
que não soubesse da minha proposta, o filme não passava de um
verdadeiro vexame. Silenciei-me durante cinco anos realizando
tarefas burocráticas. Enquanto isso, amadurecia um projeto que
208 \
me era muito caro: a história dos Ladrões de cinema. Em 1976,
surgiu a oportunidade de produção para esse filme. Ainda não eram
as condições ideais que eu desejara, depois de tantas frustrações
em que a má produção refletia-se na realização criando enorme
defasagem entre a concepção e a realização, mas era, pelo menos,
uma produção que se afigurava decente.
Na manhã de domingo de carnaval de 1976, em plena avenida Rio
Branco, rodei a primeira seqüência do filme. Ao ver David Zing, Mário
Carneiro, Ana Maria Nascimento Silva e Ney Santana representando
uma equipe de americanos que documentava o carnaval serem
cercados por um grupo de crioulos fantasiados de índios, a impressão
que tive é que estava não no asfalto da avenida, mas quase à foz
do rio Coruripe com os índios caetés cercando, massacrando e
devorando o bispo Pero Vaz Sardinha. Era o dia 1 do ano 1 da era da
deglutição. Esse sentimento, impressão, dominou todo o filme e me
levou, a mim e ao filme às suas origens: Tupy or not Tupy.
Ladrões de cinema tinha que ser uma experiência radical mas, ao
mesmo tempo, uma proposta contraditória. A contradição estava
em que o filme tinha que assumir a sua condição de marginal marginal com a conotação de o que está à margem da lei, mas não
deveria ser marginal na acepção udigrudiana que a palavra ganhou.
Não teria de ser um filme maldito, com a implicação romântica de
artista maldito, mas popular onde a sua marginalidade residisse na
sua criminalidade. Inicia-se um longo processo de desaprendizagem.
Não deveria haver distâncias entre o realizador do filme e Luquinha
e Fuleiro, realizadores do filme-enredo Tiradentes. Toda a postura,
todo o enfoque tinha de ser tão preciso e exato que fizesse com que
as pessoas tomassem alguma providência depois de vê-lo. Se isto
não fosse alcançado, a câmera e o próprio cinema tinham que ser
jogados fora como coisas inúteis e enganadoras.
/ 209
Lembrava-me de uma história acontecida no sanatório do Engenho
de Dentro quando a Dra. Nise da Silveira reuniu alguns artistas
para fundar com ela o setor de laborterapía no sanatório. Pincéis,
tintas e telas foram distribuídos entre os “doentes”. Coisas muito
bonitas surgiram pintadas pelos Rafaéis, os Egídios, os Fernandos
Dinis, pelos reis Zulus. Um deles pintou um quadro terrível que
denunciava todos os absurdos do pátio do sanatório. Os quadros
foram expostos, críticos sobre eles escreveram. Um sucesso. No
embargo, todavia, senão, no entanto, entretanto, mas o homem que
tinha pintado o Pátio quebrou os pincéis, jogou fora as tintas, rasgou
papéis e telas em branco. Fechou-se. Por quê? Perguntavam todos. Ele
não respondia. Uma hora, depois de muito ser chateado respondeu: “Pintar pra quê? Eu pintei aquele pátio e ninguém tomou providência”.
No momento há uma guerra declarada. Valenti a deflagrou. O cinema
brasileiro está sendo contestado pelos exibidores e distribuidores. O
nosso mercado não é nosso. Temos que fazer o que os “HOME” quer.
Somos todos marginais no nosso próprio país. Só resta ao Fuleiro e
ao Luquinha levantarem os braços algemados e os perdigões da vida,
numa atitude augusta, paternalmente chamá-los de doces ladrões.
Ao longe ouve-se a voz de Cauby - que nos states poderia virar uma
vaca que no lugar de leite produz mel - cantando:
Conceição, eu me lembro muito bem
Vivia no morro a sonhar,
Com coisas que o morro não tem ...
210 \
\ Ladrões de cinema
/ Fernando Coni Campos
Nunca gostei da fábula da cigarra e da formiga. A sua moral sempre
me pareceu, além de reacionária, profundamente injusta. Mas
conversando com Fúlvio Abramo, que sabe quase tudo sobre plantas
e bichos, vim a saber que La Fontaine não entendia nada de formigas
e muito menos de cigarra. A cigarra não é de maneira alguma a
frívola “porra louca” que canta no verão e que precisa pedir abrigo
à formiga no inverno. Para ela, simplesmente, não existe inverno.
Cantar é uma determinação das poucas horas de vida que a cigarra
tem ao ar livre. Para que haja esse canto de verão, foi necessário que
a cigarra passasse debaixo da terra sete longos anos. Este longo
período underground é a gestação do canto.
Mas porque estou eu aqui a falar de cigarras e a malhar La Fontaine,
quando o que me pediram foi um texto sobre Ladrões de cinema?
Talvez porque foram precisos oito longos anos para realizar este
filme e até esta realização o escuro, o subterrâneo, o underground,
que chegou a parecer-me o meu país, que virou udigrudi onde estão
até hoje meus amigos Rogério Sganzerla e Julinho Bressane.
Há muitos anos, morei na rua Saint Roman. Lá tinha uma empregada
que morava no morro do Pavãozinho. Chamava-se Natalina e era a
mais carnavalesca das pessoas. Infelizmente, para ela, programava
mal os seus impulsos amorosos e sempre estava nos meses de
janeiro e fevereiro com um barrigão de oito ou nove meses. Invejava
a sabedoria de sua mãe, que sempre conseguia ter filhos na época
do Natal - “Daí o meu nome Natalina”. O que não impedia que, com
barrigão e tudo, ela desfilasse na avenida no bloco do Pavãozinho.
Pois bem, certa vez ela convidou a mim e a Talula para membros do
júri que ia escolher o samba-enredo do bloco. Naturalmente era um
/ 211
tema histórico. Naquela noite senti vontade de fazer um filme sobre
um episódio da história do Brasil visto pela ótica de um sambista
de escola de samba. As cores do bloco do Pavãozinho são verde
e branco e estas cores me remetiam ao Império Serrano, ao Mano
Décio, a Tiradentes.
“Joaquim José da Silva Xavier”.
Eu tinha que fazer esse filme. Precisava entrar em sincronismo comigo
mesmo. Sempre houve uma enorme defasagem entre a ideação
e a realização. A impressão que eu tive quando vi o filme pronto
era a de que eu tinha realizado o meu primeiro longa-metragem,
longuíssima- metragem com dez anos de duração. E tudo que tinha
feito eram seqüências desse filme. Eu sempre fui muito acusado de
fazer um cinema muito difícil, muito intelectualizado. Quando eu era
muito jovem tive que decidir entre duas coisas que me atraem muito:
artes plásticas e poesia. Fiz a Escola de Belas Artes, artesanato e
poesia ao mesmo tempo. E cinema para mim foi uma tentativa de
conciliar a coisa plástica e a coisa verbal, a palavra. Eu amo a palavra.
Se o cinema continuasse mudo eu não faria cinema. O cinema para
mim era a possibilidade de juntar duas coisas que eu gosto. A minha
formação intelectual é meio sofisticada. Tive formação católica. Com
18 anos passei para o outro lado, tornei-me trotskista. Naquela
época, Trotsky era palavrão. Desenvolvi o amor pelo real e não pela
ideologia. Se me perguntassem o que é que eu odeio, eu diria que
odeio as ideologias e as generalizações. Então os meus trabalhos
sempre refletiram essa briga. O Novais Teixeira brincava comigo
dizendo que eu era um anarquista católico e eu dizia que era o
contrário, um católico anarquista. Um católico que tem uma certa
nostalgia da desordem. Essas coisas sempre se fundiram em tudo
que eu fiz. Além disso eu sou baiano, profundamente baiano.
Na Bahia nasceu Castro Alves, mas também nasceu Junqueira Freire.
212 \
Castro Alves socialmente é de uma importância incrível. Defendeu
os escravos. Mas os escravos de Castro Alves têm o cabelo liso.
Castro Alves fala em gondoleiro, e por sinal, eu fiz questão de usar
no filme um poema de Castro Alves musicado, “O gondoleiro”. Mas já
Junqueira Freire fala em saveiro. Junqueira dizia: “canto o povo, me
disseram, canto sim, disse eu. O instinto do povo eu tenho. Eu tenho
o sangue plebeu.” Tudo isso era uma mixórdia, uma bagunça total.
Ladrões de cinema me lembra muito um artigo de Eliot, em que ele
fazia uma comparação entre uma peça de Shakespeare e uma peça
moderna. Ele figurava isso e dizia que uma peça de Shakespeare
tinha sempre uma forma piramidal ou cônica, ao passo que uma peça
moderna é sempre um paralelepípedo ou um cubo. E à medida que
você faz um corte mais em baixo ou mais em cima você tem sempre
figuras repetidas. Até mesmo na obra dele, Eliot, em “A morte na
catedral”, por exemplo, todas as faixas são as mesmas faixas. Já em
“Romeu e Julieta” é diferente. Se você fizer um corte por baixo, você
tem uma história melodramática, que atinge um público de base. Se
corta um pouco mais acima, e aí é pirâmide ou cone,você já tem um
estudo da sociedade mercantilista. Se fizer um corte um pouco mais
em cima ainda, você já tem um estudo sobre as paixões humanas.
Um corte mais em cima ainda, você chega ao domínio da palavra.
Ela pega de cima a baixo vários tipos de público. Isso foi uma coisa
que sempre me impressionou. E há exatamente 12 anos eu venho
tentando fazer um filme. E agora eu acho que consegui fazer o meu
primeiro filme. Tudo que eu fiz antes foi um ensaio.
O filme é uma estrutura aberta. Mas sempre me chateou muito a
palavra diretor. A língua italiana é a única que tem uma palavra que
se aproxima um pouco - regente. Então, eu tinha a ideia do filme, e
por acaso não houve nenhuma discrepância entre a ideia e o filme
realizado. Mas era um filme muito complexo em termos de gente,
/ 213
de pessoas. Eu tinha ator como o diabo. O que eu tinha pela frente
não era mole. Eu tinha uma coisa muito fechada, um enredo, e uma
liberdade total de realização. Então eu imaginei um negócio louco,
commedia dell’arte, jazz, improviso, desafio, partido alto. E tudo que
mencionei são estruturas abertas. É claro que eu sabia com quem ia
trabalhar. Acho que o lugar de trabalhar não é no set de filmagem. É
antes, muito antes. Eu tenho que saber quem são as pessoas. Então,
quando eu pego um músico popular, o Mano Décio da Viola, eu vejo
uma identificação precisa com o projeto do filme.
Aliás, deu-se um fato muito curioso. No roteiro que eu tinha escrito há
oito anos, havia dois diretores do filme feito na favela, o Luquinha e
o Fuleiro. Luquinha, que é vivido no filme por Milton Gonçalves, era o
cara que curtia a palavra, o negócio mais intelectualizado. E Luquinha
era Luc, Jean-Luc (Godard), e Lucchino (Visconti). Deu Luquinha. E o
Fuleiro, Samuel Fuleiro, vivido por Antonio Pitanga, era o oposto.
Tinha que partir para a ação, que é Samuel Fuller. A primeira vez
que estive com Mano Décio da Viola, ele me deu parabéns e disse:
“puxa vida, o senhor está homenageando o meu compadre Fuleiro,
o fundador do Império Serrano”. Aí eu descobri que havia um Fuleiro
que era fundador de escola de samba. A tranqüilidade com que
Mano Décio musicou os poemas de Castro Alves, era como se fosse a
comissão de frente. Castro Alves, Gonzaga e Alvarenga desfilando na
comissão de frente. Mas aí deu-se um negócio interessante. Entre a
erudição e a cultura meu coração balança. E às vezes eu não acredito
muito nisso, não. Precisava chamar algum erudito para dizer se eu
estava certo ou não. Se inspiração é aquilo que o compositor popular
sente quando ouve uma música erudita, eu apelei para o meu
amigo J. Lins, que é um compositor erudito, a fim de dar o toque
definitivo. Foi assim, mais ou menos, que se aglutinaram em torno
do filme todas as pessoas. Eu quase não dirigi esse filme no sentido
tradicional. Porque eu acho que você só sente qualquer coisa quando
214 \
ela não funciona. Você só sente que tem coração quando você tem
uma taquicardia. Tudo no filme correu assim. Eu e o Sergio Sanz, por
exemplo, quase não falamos. Quando eu pensava uma posição da
câmera, ela já estava no lugar. Para mim a grande coisa do trabalho
é uma volta ao paraíso, quando o trabalho não custava suor, era uma
coisa lúdica. E esse filme para mim foi uma festa. Só isso.
/ 215
\ Viagem ao fim do mundo1
/ Jean-Claude Bernardet
Luis Abramo e Patrícia Moran trabalham sobre a obra do pai de Luis:
Fernando Coni Campos. Me procuraram. Meu contato com FCC foi
breve, se deu principalmente durante a filmagem de Ladrões de
cinema. Pedi que, antes do nosso encontro, me mandassem um
DVD de Viagem ao fim do mundo, filme de FCC de que guardei uma
excelente memória.
Hoje tenho certeza de que, quando vi o filme pela primeira vez,
percebi que não havia nada semelhante no panorama cinematográfico
brasileiro, que ele abria perspectivas em direção ao cinema-ensaio,
à possibilidade de elaborar ensaios em filmes, que o pensamento no
cinema não precisava se ater à ficção, que o pensamento no cinema
podia recorrer à ficção, entre outros instrumentos.
Quando revi o filme neste mês de junho de 2011, fiquei petrificado:
como era possível que eu não tivesse escrito sobre esse filme? Tentei
recompor as circunstâncias da época: - vi o filme pouco depois de
sua realização, mas quando? 1968? Antes ou depois do AI 5?
- ainda escrevíamos Paulo Emilio Salles Gomes e eu no jornal A Gazeta,
ou já tínhamos sido expulsos? N’A Gazeta publiquei cinco crônicas
sobre Bressane. No júri do festival de Brasília de 1968, batalhei até
O Bandido da luz vermelha conseguir o prêmio. No jornal Opinião,
escrevi sobre Triste trópico de Artur Omar, batalhei pelo filme. Eu
batalhava pelos filmes que me pareciam renovadores. Por que não
aconteceu com Viagem?
Teria assistido a Viagem ao fim antes do início de Opinião (novembro
1 Texto originalmente publicado no blog http://jcbernardet.blog.uol.com.br/ em 22/06/11. Consulta
realizada em 17/10/11.
216 \
de 1972)? Teria assistido logo depois do AI 5, quando minha situação
ficou particularmente difícil?
Não consigo reconstituir as circunstâncias mas um fato é certo: sobre
esse filme eu não escrevi, e isso eu preciso entender, pois Viagem é
exatamente o tipo de filmes pelos quais batalhei. Revendo-o, senti
um enorme buraco na minha carreira de crítico por não ter escrito e
por não ter participado da sua carreira.
Quando Luis e Patrícia chegaram, eu lhes disse que eu queria falar
desse enorme buraco. Esse filme foi esquecido e eu contribui para
isso, embora o tenha amado quando o vi e tenha percebido nele
um desabrochar futuro. Como é possível que o filme tenha caído no
esquecimento? Como é possível que, quando dei um curso sobre cinema-ensaio em Porto Alegre, eu não o tenha incluído na programação? Não havia cópia? Então o citasse como um pioneiro do ensaio
cinematográfico na filmografia brasileira. Nem isso. Como explicar?
Sem dúvida as circunstâncias foram adversas. Mas eu teria encontrado
um meio de fazer ecoar esse filme. Um temor me perturba, 43-44
anos depois: o motivo profundo pelo qual silenciei sobre Viagem ao
fim do mundo. Silenciei não por causa das adversidades, mas por
causa da sua importante vertente religiosa. Não há outra explicação
aceitável.
O pensamento inquieto de Simone Weil não me era de todo desconhecido. Nem a sua ida à fábrica. Nem o catolicismo operário. A fé
angustiada e em dúvida, embora eu não fosse religioso, não me era
totalmente estranha. Pascal era um dos autores do século XVII que
eu mais tinha lido e com mais paixão. O poema de Aragon “Rien n’est
jamais acquis à l’homme”, eu o sabia de cor. Então por quê? Por que
eu era um crítico de esquerda, na militância contra a ditadura, num
meio cinematográfico e intelectual em que a religião era o ópio do
/ 217
povo, o que afirmaram vários filmes dos anos 60, numa década em
que não demos a devida atenção ao filme do Vaticano II (O pagador
de promessas). A revirada religiosa do cinema brasileiro se daria nos
anos 70 com Iaô de Geraldo Sarno, O amuleto de Ogum de Nelson
Pereira dos Santos e Anchieta José do Brasil de Paulo César Saraceni.
Não vejo outro motivo consistente para ter relegado o filme ao
esquecimento, ao meu esquecimento, senão a incapacidade em
que eu estive de assimilar a sua angústia religiosa. E com isso
ter ignorado toda a sua potencialidade estética. Pior do que isso:
não ignorei, pois me lembro de ter percebido essa potencialidade,
simplesmente a rejeitei e tranquei o filme a sete chaves por causa da
sua religiosidade.
Revendo Viagem ao fim do mundo, percebi uma falha grave na minha
carreira e me senti culpado. Hoje quero colaborar para a reabilitação
do filme de FCC.
218 \
\ Ladrões de cinema, ou: quem faz a história?1
/ Jean-Claude Bernardet e Alcides Freire Ramos
O filme de Fernando Coni Campos, realizado em 1977, narra a
história de um grupo de favelados que, após roubar uma câmera,
faz um filme sobre a Inconfidência Mineira.
A quebra da representação naturalista deste filme é bastante óbvia,
já que o diretor teve o trabalho de filmar o próprio ato de representar,
produzir a história. Além disso, há uma série de momentos em que
se rompe com o naturalismo ao nível da construção do espaço. Um
bom exemplo disso é a cena na qual Marília declama tendo como
pano de fundo carros passando numa avenida do Rio de Janeiro.
Se comparado com Os Inconfidentes, o processo de heroificação
utilizado em Ladrões de cinema não é tão diferente, se bem que
este filme se apresente como uma espécie de resposta ao filme de
Joaquim Pedro de Andrade. Isto porque Coni Campos insistiu sobre
o fato de que quis preservar o herói e afirmar que, embora goste de
Os Inconfidentes, o tom crítico o irrita.
Tiradentes, em Ladrões de cinema é, indiscutivelmente, portador
de uma mensagem popular. O que fixa mesmo a sua imagem é o
monólogo das duas Bárbaras (o diretor, num recurso estilístico,
desdobrou a personagem Bárbara Heliodora em duas) que, em
oposição aos letrados, colocam-no como um revolucionário autêntico
e popular. Tiradentes afirma-se é no interrogatório e na forca.
Coni Campos conservou a mesma interpretação dos letrados (tal
como em Os Inconfidentes): são vazios, covardes e traidores. O
longo monólogo das duas Bárbaras os apresenta como sibaritas
1 Texto publicado em BERNARDET, Jean-Claude e RAMOS, Alcides Freire. “Cinema e História do Brasil”.
São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988.
/ 219
(pessoas com desejo imoderado de luxo e prazeres). Esta visão dos
inconfidentes intelectuais como falsos revolucionários - que não
ultrapassaram o nível da intriga palaciana - não é uma constante na
arte brasileira.
A heroicidade opõe Tiradentes aos outros personagens do drama.
É sempre ele e os outros, ou eles e o outro, o que se reflete na
construção de vários filmes. Ladrões de cinema não foge à regra.
Uma figura só atinge o status de herói e de mito quando perde
a sua dimensão histórica, para se tornar um modelo ideal. Neste
caso específico, ideal de independência, liberdade e nacionalidade.
A mi(s)tificação de Tiradentes efetua-se pelo, digamos, complexo
crístico que fazem pesar sobre seus ombros. Os cabelos compridos,
em geral a barba, a túnica branca, bem como o fato de perdoar
o carrasco, aproximam-no do Cristo do Calvário, o que fica claro
em diversos filmes: O Mártir da Independência, A Inconfidência
Mineira de Carmem Santos e Ladrões de cinema. E é, provavelmente,
esta imagem (cabelo, barba e túnica) que apresentava o filme de
Paulo Aliano, Tiradentes (1917), a julgar pela fotografia publicada
em O Estado de São Paulo (13/12/1917). A cabeça de Tiradentes,
esquartejado no painel de Portinari, assemelha-se ao Cristo do
Sudário. Coni Campos lembrou que.o ator que interpreta Tiradentes
no seu filme chama-se Jesus e afirmou ter sido este um dos motivos
que o levou a escolhê-lo para representar o papel.
No trabalho de Coni Campos, o filme sobre Tiradentes está sendo
feito por cineastas da favela, que são negros. Muitos atores são
negros, ou mulatos, interpretando personagens brancos, e o filme
preocupa-se com a cultura negra. Por que então o personagem
positivo do filme é branco? Explicou Coni Campos que ele pensou
na possibilidade de colocar um ator negro no papel de Tiradentes,
mas não quis tocar no Tiradentes, justamente para preservar o mito.
220 \
Quanto a fazer um Tiradentes negro, então Coni Campos preferiria
fazer Zumbi.
Portanto, quer se trate de Os Inconfidentes quer se trate de Ladrões
de cinema mantém-se uma oposição entre ele (Tiradentes) e os outros
(Cláudio, Alvarenga e Gonzaga). Esta oposição não se dá apenas ao
nível do tratamento dos personagens e dos atores, mas ao nível
mesmo da própria construção dramática. E isto é reforçado pelo fato
de que Tiradentes é sempre tratado com seriedade - quando não
com gravidade -, ao passo que os outros são tratados ironicamente
ou, às vezes, num tom de farsa.
Discutindo a produção da história
Qual a classe social que produz o discurso histórico apresentado
pelo filme? Em Ladrões de cinema, quem produz o filme sobre
Tiradentes são os cineastas da favela. Coni Campos coloca, portanto,
o problema da elaboração da história pelo povo. Esta elaboração
está ligada à questão dos meios de produção artística, um dos temas
fundamentais do filme
O roubo ou desapropriação da câmera que passa das mãos dos
turistas americanos às mãos dos favelados, muda o foco da produção
da história. Como os favelados não possuem uma bagagem cultural
que lhes possibilite fazer o filme, procuram uma bibliografia. Esta
representa a história produzida pela classe dominante e à qual os
favelados têm acesso com dificuldade: é daí que eles vão tirar a SUA
história. Coni Campos insistiu sobre este ponto: dessa história, o
povo sabe tirar o que lhe interessa e deixar o resto.
Verificamos entre Ladrões de cinema e os outros filmes algumas
diferenças sensíveis. Esse é o único filme em que o programa de ação
dos inconfidentes é citado, nele a preocupação com a escravidão é mais
/ 221
desenvolvida, a ponto de, no monólogo final, Tiradentes apresentar
todos os colonizados como escravos que querem se libertar. No
entanto, reencontramos os pontos básicos da interpretação de
Tiradentes apresentados pelos outros filmes. Tiradentes é herói.
Ele se opõe aos outros conjurados e é herói “popular”. É o herói da
independência e da nacionalidade que se impõe, definitivamente, no
processo e no martírio. Ele apresenta traços que lembram a figura de
Cristo, etc. Disto se extrai a indagação: que reavaliação de Tiradentes
o ponto de vista “popular” trouxe - conforme a proposta do filme sobre a história? Este ponto de vista não alterou estruturalmente a
interpretação de Tiradentes. Pode-se concluir, então, que os outros
cineastas - e, talvez, particularmente Joaquim Pedro de Andrade apresentaram de Tiradentes uma interpretação tão “popular”, quanto
os cineastas da favela, o problema dos meios de produção não se
tornaria, assim, tão relevante para a questão de uma produção
“popular” da história.
Esta abordagem “popular” que o filme propõe só adquire algum
sentido quando contraposta à visão factual da história. No filme,
para caracterizar este tipo de história, Coni Campos utilizou-se
de um programa de televisão tipo “O céu é o limite”, em que as
perguntas a Tiradentes são inócuas, detendo-se em pormenores
totalmente irrelevantes.
222 \
\ Viagem ao fim do mundo1
/ Jairo Ferreira
04 de dezembro de 1969
Entre a palavra e o ato desce a sombra. O objeto identificado. O
encoberto, o disco voador. A semente astral. A morte é a única
liberdade. A única herança deixada pelo Deus desconhecido. O
encoberto. O objeto semi-identificado. O desobjeto. O deus-objeto. Digo
eu: o Deus de consumo. O grifo é um fragmento de uma das últimas
músicas de Gilberto Gil. Poderia se inserir em qualquer momento
de Viagem ao fim do mundo (cartaz do Gazetinha), um dos grandes
filmes do ano. Se a música é basicamente som, em Objeto semiidentificado a palavra perturba e o som se liberta. Coisa idêntica
acontece nesse filme de Fernando Campos: o cinema falado é o
grande culpado da transformação, dizia Noel. Trata-se de escapar
da redundância: inventar, mesmo que para isso a música passe a
ser jornal falado, o cinema se transforme em “livro aberto”, leitura
delirante interrompida por um pesadelo visual. A II Guerra foi
aquela catástrofe, uma explosão de novas informações em todos os
campos, em particular no cinema. A bomba que está para explodir
na praça é uma questão de linguagem, uma realidade, um signo
visual e, mesmo que o botão não seja acionado, o mito que é o
homem médio do século XX é portador de uma neurose cósmica.
Gil: “a cultura, a civilização, só me interessa enquanto sirvam de
alimento: informação, a loucura, os óculos, a pasta de dentes, a
diferença entre o três e o sete”. E por que não?: a maconha, o LSD.
Nixon, massacre não revelado no Vietnã, Marighela fedendo no
cemitério, o milésimo gol de Pelé, o minicassete, o Volks-Millôr, as
1 Texto originalmente publicado em GAMO, Alessandro. “Crítica de Invenção, os anos do São Paulo
Shimbum”. São Paulo, Imprensa Oficial: 2010. Disponível para consulta – e download – em http://
aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.168/12.0.813.168.pdf
/ 223
manchetes de Notícias Populares, Okinawa, Tupamaros, Fellini, um
fígado espremido entre a platéia de um teatro, o foguete RD-107, o
estimulante de 10 centavos, o consumismo maciço, a morte maciça,
e o que mais queiram ou não.
Viagem ao Fim do Mundo sobrevoa o câncer, se é que tudo isso é
um câncer, e, para fundir cucas mil, seu maior defeito é o próprio
espectador. Nesse painel de realidade que já não cabe na realidade, a
arte deixa de ser arte nova, revela sua face oculta. Fernando Campos
partiu de um escritor de século passado, Machado de Assis, para
divagar fatos do século 20, um erro fundamental, responsável pela
chatura dos comentários literários. Cita Elliot, Chesterton, e ignora
Axelos ou Norman Brown, que são do século 20. A visão desse baiano
ainda é deslumbrada, antimaldita. Não há dúvida: é um dos filmes
mais corajosos, e de mais substância cultural já visto no cinema
nacional, mas estaciona na qualidade de painel, sem propulsionar
qualquer desconexão evolutiva na linguagem. Lançar informação de
primeiro grau não é apenas grudar fragmentos de documentários
“chocantes”: inovar mesmo seria concatenar coisa com coisa,
engrenar o desengrenado, organizar a linguagem da desordem para
apresentar a organização tal qual é. Campos se propõe essa tarefa
dificílima, mas para atingi-la faltou-lhe a garra dos grandes gênios do
cinema, e o trabalho fica pela metade. Rogério Sganzerla pode não
se meter num emaranhado de fatos como esse, mas suas desordens
de menor proporção são alinhavadas com planos, enquadramentos
e cortes muito mais cinematográficos, onde fica patente um amor
pela linguagem, um talento cinematográfico deflagrador que não se
encontra presente em Fernando Campos.
Evidente: um experimento é um fato consumado. Fim do mundo
tem todas as maiores dicas do cinema brasileiro: Soy Loco por
ti América e mísseis caindo, Cuba é um câncer?, o câncer é uma
224 \
república independente dentro do organismo, mas qual o sentimento
continental do corpo? Terra é sempre Terra, Pandora (Anik Malvil)
ou o mais belo nu do cinema nacional, o homem que sabe que vai
morrer, e o que importa o filme?, a Terra some no cinema, que
some no Cosmos, que some – ou apenas esse espetáculo é mais um
capítulo da novela Deus e o diabo, etc.
/ 225
\ Ladrão que rouba ladrão tem cem
anos de perdão1
/ José Carlos Avellar
Com certa freqüência Ladrões de cinema corta a linha central de sua
narrativa para encaixar ligeiros entreatos, para fazer uma sátira às
condições particulares do cinema brasileiro.
Além da cena de abertura (um bloco fantasiado de índios rouba a
câmera e o gravador de uma equipe de americanos que filmava o
carnaval na avenida) e da cena final (os ladrões, algemados saltam
de um carro da polícia para a festiva sessão de estréia do filme com
o equipamento roubado) existem várias outras anotações ao correr
da história.
Há por exemplo, o trecho em que o assistente de direção acompanha
a filmagem de uma cena com o roteiro na mão para recitar, a meia
voz, os diálogos que os atores devem repetir diante da câmera. Ou
o trecho em que o mesmo assistente comanda a movimentação
dos intérpretes, dizendo quando eles devem entrar ou sair de cena,
caminhar para a direita ou esquerda do quadro.
Há, outro exemplo, a cena interrompida por um ator que, meio
zangado, entra de surpresa no palco e avança na direção da camara
para perguntar ao diretor por que motivo ainda não aparecera no
filme. E uma outra cena interrompida por um marido ciumento, que
não resiste ao ver a mulher interpretar a mocinha abraçada e beijada
pelo mocinho, e invade o plano para tirar a mulher da história.
Existem também os incidentes em torno das dificuldades para
conseguir negativo para filmagem e o desespero do diretor, que dá
cabeçadas na parede e pede melhores condições para poder criar, e
1 Texto originalmente publicado no Jornal do Brasil, 1977.
226 \
a amargura do artista incompreendido, Rui Zebra, que atravessa a
história abraçado a um roteiro, “O homem do surdo”, que ninguém
deseja financiar.
E ainda mais importante do que qualquer destas situações em
particular, existe um permanente clima de informalidade, de
improvisação, de coisa feita sem planejamento algum e que só
ganha estrutura e forma por mero acaso. Mais importante porque
esse clima representa com perfeição a imagem que a maioria das
pessoas tem do cinema brasileiro desde o dia em que ele proclamou
que a sua existência dependia só de uma idéia na cabeça e de uma
câmera na mão.
Esse clima de coisa desorganizada, resolvida em cima da hora, sem
aquele, digamos assim, rigoroso planejamento que precede a criação
artística que se pretende séria, aparece traduzido com maior clareza
em duas cenas do começo do filme: a súbita decisão de encaixar
uma homenagem aos gringos pelo Bicentenário da Independência
e a apresentação dos atores escolhidos para viver as diversas
personagens da história a ser filmada.
O que verdadeiramente importa, em Ladrões de cinema, é mostrar a
história de Tiradentes encenada em uma favela do Rio, nos caminhos
irregulares e estreitos entre duas filas de barracos, diante do boteco,
no campo de terra aberto para uma pelada, na quadra de ensaios da
escola de samba, ou nos cantos mais sujos do morro, nas valas, na
lama e no lixo, que se entulha por baixo dos barracos.
O que importa, mesmo, é mostrar a história de Tiradentes com os
atores vestindo as fantasias de um desfile de escola de samba. É
mostrar a história de Tiradentes representada por pessoas que nunca
interpretaram antes, e que vivem ali, na favela que serve de cenário,
ou representada por atores que guardem no estilo de interpretação
/ 227
algo da real precariedade e improvisação do cenário: barracos de
madeira e de alguns tijolos descobertos, e mais a lama, o mato, o
chão irregular e sujo, e uns poucos degraus de cimento para tornar
a subida menos penosa.
Nesse filme as relações tradicionais entre o cenário e os personagens
se encontram invertidas. Quase sempre, no cinema, o cenário é
montado para servir ao movimento dos personagens, para tornar
mais clara a ação, para dar apoio às coisas que os personagens
dizem e fazem diante da camara. Aqui, ao contrario, as ações e os
diálogos são montados para tornar o cenário mais visível e o real
ponto de partida parece ter sido o cenário, a favela, e não a história
jogada sobre esse cenário.
Muitas cenas são valorizadas por sinais do mundo real, que se
infiltram no meio da representação quase por acidente, às vezes são
pessoas que atravessam a imagem por trás dos atores que dialogam
em primeiro plano, ou que arriscam um olhar e um sorriso para a
câmera, esticando a cabeça por trás de uma janela ou de uma porta
entreaberta. Às vezes são detalhes dos objetos de cena, o desenho
irregular e a pintura desbotada das tábuas ou dos tijolos de um
barraco, o capim e a sujeira no canto do quadro.
Não se trata com certeza, de coisa encaixada na imagem, por um
excessivo zelo naturalista do realizador ou do cenógrafo, mas sim
de elementos reais que o filme incorpora, assim como se fosse
um documentário sobre uma favela, aberta a todos os sinais do
cotidiano. Esses sinais são mais importantes que os diálogos e que as
ações porque o filme retém da história de Tiradentes apenas alguns
dados essenciais, e conta com a cumplicidade do espectador, que
adiante de um episódio já conhecido desloca sua atenção da ação
propriamente dita para o cenário e para o estilo de interpretação.
228 \
A rigor não se trata de propor uma nova interpretação da Inconfidência
Mineira, nem de documentar de que modo esse período de nossa
história vive na memória das pessoas que, como os personagens do
filme, moram numa favela. Trata-se só de tomar a idéia de Tiradentes
como um símbolo de liberdade e jogar essa idéia aí, nesse grupo
mais fortemente oprimido da sociedade brasileira. E deixar que esse
ideal de liberdade revele o morro tal como ele é
O que interessa é mostrar a Inconfidência Mineira encenada numa
favela, e por isso, na maior parte do tempo, o espectador vê a
encenação como se estivesse por trás da câmera roubada, como se
estivesse diretamente diante do filme feito pelos ladrões de cinema
Além disso, no entanto, existem os entreatos, as cenas em que
o espectador vê a encenação de fora, isto é: na tela aparecem os
favelados que vivem a história de Tiradentes e mais os que se
encontram por trás da câmera roubada. E aí a platéia não vê mais
o filme pelos ladrões de cinema, passa a ver algo equivalente a um
documentário sobre a filmagem de uma nova versão da Inconfidência
Mineira.
Já não se trata, portanto, de mostrar apenas a favela, como um meio
oprimido que convive com o ideal libertador, a favela como uma
alegoria de todos os grupos oprimidos no país. Trata-se, ao mesmo
tempo, de saber como fazer cinema, um cinema inspirado, se é que
podemos dizer assim, no exemplo da favela, nessa maneira precária
e improvisada de sobreviver num ambiente hostil. Trata-se de
descobrir como fazer um cinema que sirva de porta-voz desse ideal
de liberdade, um cinema que, para usar a expressão mais comum,
seja popular.
Antes de qualquer outra coisa, Ladrões de cinema parece um filme diretamente marcado pela preocupação comum a maior parte da
/ 229
produção brasileira contemporânea: como conseguir roubar o público conquistado pelo cinema feito segundo o modelo imposto pela
indústria americana. Algumas soluções parecem influenciadas pelo
filme à americana (como, por exemplo, a despedida de Tiradentes
antes da viagem para o Rio), ou influenciadas por uma visão distorcida do que se convencionou julgar como a falta de informação do
homem do povo (a leitura afetada e cheia de tropeços do livro da
Inconfidência).
Mas, na maior parte do tempo, o filme se esforça para conseguir
uma espécie de tradução cinematográfica de um desfile das escolas
de samba.
E aí, nesta tentativa de tradução, os momentos mais interessantes
são aqueles que, à primeira vista, se mostram mais desarticulados, e,
por confronto com o estilo de narração do produto industrializado,
pouco movimentados, de ritmo muito lento. Mais interessantes
porque estas soluções, que se opõem ao rigor e à correção formal
do cinema produzido pela grande indústria internacional, parecem o
ponto de partida para uma maneira de filmar capaz de nos retratar
com maior fidelidade. E, de fato, o que se procura no cinema é um
jeito próprio de filmar, diferente desse comportamento acadêmico
que nos leva aqui e ali a interpretar erradamente um personagem
(a caricaturar, por exemplo, o que lê atrapalhadamente os nomes
franceses), até mesmo os personagens tomados por heróis.
230 \
\ As mágicas do delegado1
/ Celso Amorim
Le fou est mort C’est une ilê de la mer du Sud... Le magicien
blanc joue avec ses serpents dans sa tombe ...
(Georg Trackl. Vingt-quatre Poêmes)
O filme chama-se O Mágico e o delegado. Mas poderia também intitular-se O artista e o estado ou, mais genericamente, O Intelectual
e o Poder.
Sua narrativa é simples: dois artistas nômade - um mágico e uma
bailarina - acabam de deixar, escondidos, um pequeno hotel de interior sem pagar a conta e chegam a uma cidadezinha às margens do
Rio São Francisco, onde tentarão sua sorte. Encontram um associado
no dono do cinema local, que tem uma natural capacidade ociosa.
Vencidas as resistências da censura, personificada no delegado de
polícia, quanto à ousadia da apresentação da bailarina, o casal se
prepara para o espetáculo. Mas antes disso, em passeio pelas ruas
da cidade, onde se realiza uma feira tipicamente nordestina, o mágico - imprudentemente – resolve exercitar os seus truques com a
população. O delírio coletivo causado pelo festim imaginário, propiciado pelo mágico, é seguido de grande frustração, quando o povo
percebe a imaterialidade das benesses. Cria-se um clima de revolta,
o que leva o delegado a agir “com energia”, encarcerando o mágico.
Sua parceira vê-se forçada a refugiar-se numa “casa de moças”. Mas
a ação subversiva do mágico prossegue, ameaçando a ordem do presídio, apesar de produzir momentos de rara felicidade nos presos.
O prestidigitador é então conduzido a uma solitária, onde cria para
si e para os guardas que o observam cenas de incrível gozo – mas
1 Texto publicado na revista Filme Cultura, n. 44, p. 107-9, abr./ago. 1984.
/ 231
que, como as anteriores, não passam de ilusão. Paralelamente, a
dançarina feita prostituta consegue transformar radicalmente o ambiente do bordel, introduzindo nele uma alegria e uma vida antes
inexistentes. A ação repressora do poder não tardará em fazer- se
novamente sentir. As orgias imaginárias do mágico são percebidas
pelo delegado como um acinte à sua autoridade. Na escalada de desafio e repressão, o tratamento rigoroso imposto ao mágico acaba
por levá-lo à morte por inanição. Paralelamente, a policia, perturbada
pela alegria esfuziante do bordel, e instigada por vizinhos pudicos,
faz descer sobre as “meninas” e seus clientes o peso da autoridade.
Ao final, o enterro do mágico se revela uma experiência liberadora.
Diante da insistência de sua companheira, abre-se o caixão: ao invés
do cadáver, uma revoada de pássaros enche a tela.
Um filme bonito e singelo, rico em simbolismos e vazado numa linguagem cinematográfica simples e direta. Essencialmente poético,
O Mágico e o delegado seria também um filme popular - como os
romances de Jorge Amado ou as estórias de cordel – se o povo, contaminado pelas fórmulas da TV e impedido de ir aos cinemas, pela
orientação exclusivamente comercial da cadeias exibidoras, ainda
tivesse o hábito de frequentar “os teatros de luz e sombras”. É lugar-comum da crítica dizer que um filme (ou livro) permite várias leituras. Mas sem dúvida este é o caso presente. No plano mais imediato,
trata-se de uma história tragicômica contada com graça e sem malabarismos formais, que a tornariam inacessível. Alguns personagens
beiram exageradamente o caricatural (o delegado especialmente),
embora possa ver-se, também aí, um esforço de comunicação com o
grande público. Há mesmo, no tom de certas cenas, elementos que
aproximariam o filme de Cony Campos da velha chanchada, naquilo
que ela tinha de melhor, que era justamente a linguagem despretensiosa e de fácil e imediata apreensão pelo público.
232 \
Num outro plano, entretanto, O mágico e o delegado se afigura corno uma parábola em que interagem basicamente três personagens:
o poeta (ou genericamente o artista), o poder e o povo. Um quarto
elemento, que dá concreção aos demais e até os une - na medida em
que os aproxima da realidade do sexo e do amor (sem desfazer o sonho, no caso da sua relação com o mágico) - é a dançarina encarnada
por Tânia Alves, mais próxima por sua sensualidade telúrica de uma
Gabriela do que da rumbeira de Mestre Cigano, em Bye-Bye Brasil
(em que pese às aparências). Enquanto os outros três são idealtypen
num sentido quase weberiano, Paloma é o real na sua dimensão concreta de individual e de mulher. O filme, com sua narrativa direta e
clara, nos mostra que o poeta é perigoso - subversivo - porque leva
o povo a sonhar, atividade incompatível com os padrões de comportamento por cuja observância o delegado tem que zelar. Este, aliás,
é claramente apenas o elo de ligação com uma autoridade superior
cuja ausência/presença ele supre e cujos desígnios não questiona
nem elabora: simplesmente os subscreve. Nesta relação poeta/poder, o povo aparece mais como objeto do que como sujeito, o que,
se não agrada talvez aos que cultivam dele uma imagem mitificada,
não se afasta muito da realidade dos fatos, como a temos observado
até aqui. Seu grau de consciência é baixíssimo ou mesmo inexistente. Reage por apetites e desejos, nunca por reflexão, o que não
exclui que tenha a capacidade de discernir entre o sonho do mágico
e a opacidade do poder. Isto, de resto, não lhe chega a ser de grande
valia, pois se o filme mostra que há necessidade de pão e poesia e
indica como esta poderia chegar ao povo, a primeira daquelas necessidades, afinal a mais básica, não tem como ser suprida. Nem a
mágica do prestidigitador nem o materialismo (prático) do delegado
a atendem.
O Mágico e o Delegado tem limitações que decorrem sobretudo das
restrições orçamentárias com que foi produzido. Mas um sopro de
/ 233
poesia e de autenticidade percorre todo o filme e o toma uma obra
valiosa, culturalmente, qualquer que seja o resultado comercial (suponho que modesto) que venha a obter. Mais que isso, nos propõe
ele a necessidade de reflexão sobre certos paradoxos do cinema
brasileiro e até certo ponto do cinema em geral. Como foi dito antes,
o filme tem uma linguagem acessível: a narrativa flui com facilidade,
os atores são bons, a fotografia é, em geral, correta e adequada ao
que a película se propõe. Em nenhum momento se pode dizer que O
mágico e o delegado se torna arrastado ou que a comunicação com
o público é obstruída por fatores intrínsecos ao filme. Isto sem falar
nos outros méritos apontados. Porque, então, este filme está, como
parece ser o caso, previamente condenado a uma carreira comercial
medíocre a ter sua circulação restrita, praticamente, aos cinemas de
arte e às cinematecas? Uma das razões - a mais óbvia - é que o povo
simplesmente não vai ao cinema; quem vai ao cinema é a classe
média (sobretudo média alta). E aos padrões desta o filme decididamente não atende. Falta-lhe (o que não é um defeito e sim uma qualidade, a meu ver) o glamour das produções norte-americanas, hoje
incorporado à imagística nacional pela TV e, até certo ponto, pelo
próprio cinema brasileiro. Por outro lado, não apela para uma abordagem comercial e reificadora do sexo - embora esse esteja realística
e poeticamente presente. E, infelizmente, aquela abordagem parece
hoje a única forma de arrancar o povo (ou se quiserem o “povão”) do
sono cultural em que pacificamente estiola sua inteligência diante
dos vídeos e de atraí-lo para as salas escuras.
A opção consciente por uma linha popular – mas ao mesmo tempo
fiel ao objeto artístico - parece, assim, alienar a classe média sem
chegar ao povo na acepção mais ampla. Restam, evidentemente, os
intelectuais e os interessados em cinema, mas estes, quando não
contaminados pela pasmaceira geral, não chegam, convenhamos,
a formar um público. Ou, pelo menos, um mercado. São, quando
234 \
muito, uma claque. Aliás é uma característica das elites (?) culturais
brasileiras a segregação, em compartimentos estanques, dos seus
segmentos; com algumas exceções, escritores não vêem filmes, músicos não vão ao teatro (a não ser para ouvir música) e cineastas
pouco lêem, o que não os impede,entretanto de manifestarem frenqüentemente, de forma equivocada sobra a problemática dos outros
domínios2.
Este auto-encasulamento em pequenas igrejas torna os nossos
círculos de intelectuais presbitérios mutuamente impermeáveis.
É possível que vá aí certo exagero, mas a verdade não está longe
disto. A fragmentação pode chegar a extremos caricaturais: alguns
curtametragistas só relutantemente vão ver filmes de longametragem
e a recíproca certamente é verdadeira. Seja como for, a tendência
do paroquialismo setorial diminui ainda mais o nosso minguado
público, o que se expressa nas baixas tiragens de livros e no
numero insuficiente de espectadores de filmes. É preciso pensar que
cada intelectual tem, em princípio, um poder de irradiação que vai
muito além de sua própria pessoa para estimar-se o efeito negativo
dessa falta de comunicação efetiva entre as várias áreas de nossa
“intelligentsia”.
A parábola de Cony Campos se reproduz, assim, em um terceiro
nível: o poeta/mágico/cineasta quer levar o sonho/filme ao povo,
mas aqui depende ele do poder/Estado não só por omissão (i.e. “se
a censura deixar”) mas também por ação. Não tenhamos ilusões: o
“mercado” não gerará jamais as condições para que um filme como
1 Texto publicado na revista Filme Cultura, n. 44, p. 107-9, abr./ago. 1984
2 Os nomes mais respeitáveis não ficam livres destas incursões sem base. Ao final da minha gestão,
tive uma troca de canas com Carlos Drummond de Andrade, a qual revelaria, a meu ver, uma visão
distorcida do nosso maior poeta em relação a alguns problemas do cinema brasileiro. Mas isto seria
matéria para outro ensaio.
/ 235
O mágico e o delegado - como de resto dezenas de outros títulos seja produzido. Só uma política cultural do Estado pode fazê-lo, no
caso, fez. Mas até hoje ela não se revelou capaz de garantir que tais
filmes possam ser efetivamente vistos. O que torna inócuo o passo
inicial. Este não é um problema da atual administração. E um problema estrutural que transcende qualquer gestão.
Glauber Rocha se queixaria amargamente de que A idade da terra
tivesse permanecido um ou dois dias em cartaz no cine Guarany
(hoje - o que não deixa de ser irônico - batizado com seu nome), enquanto outras produções, rodas fadadas ao êxito em qualquer circuito,
aí permaneceriam quatro ou cinco semanas. Na época, eu dirigia a Embrafilme e não soube responder à queixa/crítica que Glauber fez por
carta. Não sei se teria condições de fazê-lo agora. Mas estou certo de
que uma reflexão muito mais profunda do que a que foi feita até hoje
é necessária para garantir aos “mágicos” o direito de enfeitiçar suas
platéias potenciais. Isto, é claro, se o Delegado deixar.
236 \
\ Depoimento1
/ Julio Bressane
Fernando foi um mestre muito longevo para mim. Fui conhecê-lo
em meados dos anos sessenta, quando ele me chamou para ser seu
assistente em Viagem ao fim do mundo.
Eu participei da primeira parte da filmagem, depois as gravações
foram interrompidas e só retornaram uns dois anos depois. E eu
aprendi muito com ele.
Mas só fui perceber isso depois, talvez porque naquele tempo eu não
estivesse alerta, ou educado, preparado o suficiente para perceber o
que estava acontecendo, aquela maneira extraordinária de filmar, de
criar, que Fernando tinha, e que me influenciou muito depois.
Porque Fernando tinha uma maneira muito pessoal de fazer cinema:
ele envolvia toda a equipe, os atores, os assistentes, os fotógrafos,
na criação da cena que ia ser filmada. Para ele era muito importante
esse trabalho em equipe.
Muitas vezes vi ele filmando o que estava sendo ensaiado, e então,
de repente, já tinha uma cena pronta. As coisas que ele queria já
tinham sido ditas.
Essa maneira de filmar era muito distinta da cartilha de aprendizagem
do cinema convencional.
O resultado também é impressionante: o Viagem ao fim do mundo é
um dos melhores filmes do cinema brasileiro. É um filme de invenção
absoluta. Já é possível ver nele o cinema debruçado sobre si mesmo,
1 Texto publicado em CAMPOS, Fernando Coni. “Cinema: Sonho e Lucidez”. Rio de Janeiro: Azougue,
2003.
/ 237
se refletindo. Uma parataxe muito viva no filme, que convive com
um lado espiritual.
E tudo isso acabou sendo muito deflagrador para o meu cinema, o
que só mais tarde fui perceber.
238 \
\ Fernando Coni Campos
/ 239
\ Cinema e vídeo indígena como estratégia de
afirmação cultural, social e política dos povos
originários da Bolívia
/ Iván Sanjinés Saavedra - CEFREC Bolívia
E é que se evidencia um diálogo interessante entre
dois campos distintos em que os povos originários da
Bolívia ganharam uma presença significativa. Um deles é
composto por um governo indígena que teve que aprender
a administrar e a renegociar valores e princípios. O outro,
em menor escala, é uma iniciativa de comunicação que
propõe construir espaços próprios nos meios e mensagens
e representar a realidade a partir dos povos indígenas
originários; iniciativas nas quais os protagonistas não são
profissionais formais com estudos universitários e com
títulos, mas representantes comunitários transformados em
comunicadoras e comunicadores que estão sob a orientação
de suas comunidades e que se atrevem a enfrentar desafios
diante das necessidades de suas organizações. Em ambos
campos, as noções de vivência, empoderamento, ideologia
e política próprias são determinadas como elementos
emocionais e mobilizadores através dos quais formas
diferentes de fazer política são introduzidas, construídas,
feitas visíveis, negociadas e, inclusive, legitimadas.
Já há mais de 15 anos, com o impulso das Confederaciones
Nacionales Indígenas Campesinas da Bolívia,1 se tem trabalhado
na concretização de um Plano Nacional Indígena de Comunicação
Audiovisual, uma experiência autônoma a partir da necessidade e
visão política estratégica das Organizaciones Indígenas de Bolivia, ao
1 Confederación Sindical Unica de Trabajadores Campesinos de Bolivia, CSUTCB; Confederación de Pueblos Indígenas de
Bolivia CIDOB; Confederación Sindical de Comunidades Interculturales de Bolivia CSCIB y desde 2004 la Confederación
Nacional de Mujeres Campesinas Indígenas Originarias de Bolivia Bartolina Sisa y el Consejo Nacional de Ayllus y Markas
del Qollasuyo, CONAMAQ.
240 \
lado do CEFREC, Centro de Formación y Realización Cinematográfica
e da Coordinadora Audiovisual Indígena Originaria de Bolivia, CAIB.
O Plano nacional está sendo transformado, desde 2006, em um
Sistema Nacional de Comunicación Indígena Originario y Campesino.
De onde vem essa experiência, de que reflexões se alimenta? O
que acontece quando indígenas e camponeses decidem assumir o
desafio da construção de uma comunicação audiovisual própria?
Que objetivos se apresentam quando se propõe uma difusão ampla
da imagem indígena?.
O Plano Nacional Indígena de Comunicação Audiovisual
São comunicadoras e comunicadores das terras altas e baixas, do
Chaco, da Amazônia ou do Altiplano que desde 1997 – munidos
primeiramente com televisores e motores, depois com projetores de
vídeo – vêm percorrendo as comunidades e chegando aos lugares
mais distantes para estabelecer pontes de diálogo entre as culturas,
de reflexão e de análise; liames de fortalecimento da própria
identidade, de reflexão sobre a realidade e de busca de um caminho,
da possibilidade de futuro em comum, usando câmeras de vídeo
para testemunhar a recuperação e fomento de seu patrimônio vivo,
assim como o resgate da memória histórica e cultural..
Esse processo procura estabelecer o acesso amplo ao uso de meios
e recursos de comunicação e informação para a concretização das
necessidades indígenas, proclamando o direito à comunicação, assim
como o direito a serem protagonistas ativos da sociedade nacional
e não objetos ou receptores passivos dos meios estabelecidos,
propiciando a capacitação, o treinamento e a criatividade indígenas
em um marco comunicativo estratégico.
Trata-se de um processo integral e que implica constante avaliação e
planejamento, assim como metas de médio e longo prazo. Constitui
/ 241
uma proposta cultural, mas também política, identificada com a luta
dos povos indígenas e camponeses e enraizada em seus processos
internos de reflexão, na afirmação de identidade, na demanda e
necessidade de contato com a sociedade não indígena..
Ultimamente, estamos incursionando por emissões via rádio e
fazendo uso das Nuevas Tecnologías de Información y Comunicación
(NTICs), com o estabelecimento de páginas web e com uma maior
aproximação a outras experiências nesse campo.
Hoje existem Sistemas Regionais em várias zonas do país, como
em Santa Cruz, Beni (Amazônia) ou ao norte de La Paz, onde se
localizam Centros de Produção e Capacitação, e também Unidades
de Televisão e Rádio, como a Radio Pedro Ignacio Muiba – emissora
de maior alcance e potência da região amazônica, criada em 2009
– assim como o Departamento de La Paz, onde está o Centro de
Comunicación Comunitaria, sede do Canal 11 Comunitario Regional,
criado em 2003 (primeira televisão indígena comunitária da Bolívia)
e da Radio Comunidad (criada em 2008).
A produção audiovisual indígena
Geramos processos integrais de produção de materiais audiovisuais
com base em um trabalho teórico/prático no qual se sobressai
uma
metodologia
de
“aprender
fazendo”.
Por
meio
desses
processos, fortalecemos os esforços dos povos indígenas no uso
das tecnologias de informação e comunicação com o intuito de
apoiar o fortalecimento de suas culturas, sua autorrepresentação,
recuperação e difusão de sua própria imagem e imaginário. Nesses
processos, o trabalho coletivo tem um papel fundamental, de
compartilhamento permanente com a comunidade que, além de
participar na elaboração dos roteiros, atua e contribui na produção.
Durante e depois das oficinas, os comunicadores e comunicadoras
242 \
sugerem histórias, temas e idéias, muitas das quais são desenvolvidas
posteriormente em filmes documentários e de ficção e também em
programas de televisão. A maioria dos filmes e programas centramse na documentação ou recriação de aspectos tradicionais, políticos
ou históricos da vida dos povos indígenas. Até o momento, foram
elaboradas mais de 400 produções em gêneros como documentário,
ficção, docuficção, vídeo educativo, vídeo carta, entre outros; além
de mais de 600 programas de televisão.
Materiais de ficção ou documentais resultam de um trabalho coletivo
entre indígenas e camponeses de diferentes culturas, de um processo
de reconhecimento entre uns e outros, que se complementa com
sessões noturnas de projeções em comunidades que, em muitas
ocasiões, estavam tendo seu primeiro contato com a magia do cinema
e, muitas vezes, através do testemunho de sua própria imagem...
Quando foi gravado o longa-metragem de ficção El Grito de la Selva,
produzido em 2008, que trata do tema da presença de empresas de
gado e madeireiras em território indígena e da organização e luta dos
povos indígenas em defesa de sua terra, combinavam-se gravações
de dia e projeções durante a noite, a partir das quais se tratava tanto
do que se havia registrado para obter o olhar crítico da comunidade
e suas sugestões, como da melhora dessa ou daquela cena.
Esse que constitui o primeiro longa-metragem de ficção produzido
por uma equipe indígena na América Latina, teve uma ampla difusão
em toda Bolívia e foi um dos materiais mais utilizados para a reflexão
sobre os direitos indígenas, tanto nas comunidades como em muitos
espaços nas áreas urbanas.
Construindo meios e linguagens próprias
Uma motivação central para trabalhar uma estratégia ampla de
produção audiovisual na Bolívia teve relação com a escolha dos tipos
/ 243
de mensagens e formatos que seriam aqueles que se adequam mais
às necessidades comunitárias..
Nesses 14 anos, existiram muitos espaços de reflexão e de
experimentação, por exemplo, através do trabalho com a vídeo
carta e do intercâmbio de mensagens entre comunidades e culturas,
ou entre regiões, como uma nova visão do educativo. Assim foram
trabalhadas mensagens criativas com base em exemplos concretos,
desenhos, maquetes, música, canções, etc. Do mesmo modo,
muitas produções argumentativas foram trabalhadas, sobretudo
porque esse gênero foi o que teve mais sucesso e entrada nas
comunidades, já que reflete uma tradição de oralidade com uma rica
e permanente transmissão de histórias, mitos, contos e que continua
com a facilidade de representação e encenação que descende do
cerimonialismo e ritualismo indígenas. Dessa experiência fazem
parte filmes que começaram a ganhar prêmios internacionais, ainda
que não tivessem sido feitos para festivais. Muitos clips musicais
também foram elaborados e mais tarde surgiu o desafio da televisão.
Foi importante responder à necessidade de favorecer a presença dos
mais de 30 diferentes idiomas indígenas, se bem que em alguns casos
também evitando, na medida do possível, abusar da legendagem
(pela variedade de idiomas usados) com mensagens que tentam, de
certo modo, favorecer a imagem em detrimento do texto.
Nos primeiros anos, foi desenvolvido um trabalho exclusivamente
focado no interior das comunidades. A reflexão sobre a necessidade
da difusão externa apontou, naquele momento (idos de 1999) no
sentido de que, ao darem-se a conhecer e se fazerem visíveis, os
povos indígenas poderiam ser melhor compreendidos e respeitados,
entendendo que a realização e difusão de vídeos é parte de um
processo amplo de conscientização focado na mudança das
estruturas sociais.
244 \
Mais tarde, pelo ano 2002, a chegada da televisão responderá à
necessidade de maior difusão das propostas indígenas no marco
sociopolítico nacional, de interpelação e divulgação ampla das
culturas indígenas e de seus direitos ao resto da sociedade.
Sobre a difusão e distribuição
Tudo isso está integrado: os processos de formação, a produção
de materiais e mensagens e sua posterior difusão, tanto nas
comunidades – o que é uma preocupação central – quanto nas cidades
e em diferentes espaços e meios, como a televisão, as universidades,
salas de projeção acessíveis e centros educativos e culturais.
Além de uma crescente produção de materiais audiovisuais e,
recentemente, também de rádio, o Plan Nacional desenvolveu amplas
estratégias de distribuição que incluem: campanhas para exibir
vídeos nas comunidades indígenas no interior da Bolívia durante
todo o ano; organização de mostras de vídeo; jornadas audiovisuais
e foros públicos de reflexão nas cidades e participação em festivais
regionais, nacionais e internacionais, assim como em seminários
e foros de comunicação alternativa. A distribuição também é feita
através de programas televisivos e de rádio, como Entre Culturas e
Bolivia Constituyente.2
Por outro lado, a produção do programa televisivo Entre Culturas –
primeiro programa indígena na televisão boliviana iniciado em 2002
e que se emite até hoje semanalmente– é feita com a contribuição
de diferentes equipes de produção para conformar uma vitrine da
realidade, cultura e mobilizações dos povos indígenas de diferentes
2 - El programa televisivo Entre Culturas se transmite 2 veces a la semana en el canal estatal nacional,
Bolivia TV /Canal 7. Una de estas emisiones, llamada Bolivia Constituyente, es un programa especial
con reportajes, entrevistas, debates y notas informativas alrededor del proceso Constituyente. Además,
los programas radiales se transmiten en varias estaciones comunitarias, estatales y nacionales.
/ 245
regiões da Bolívia. Tendo como base a produção de documentários e
reportagens, constituíram-se em uma escola e um berço importantes
para o treinamento e produção documental e televisiva.
Perspectivas deste trabalho na Bolívia
Acreditamos que esta iniciativa, sem dúvida, contribuiu para que
atualmente o movimento indígena na Bolívia tenha conseguido
chegar ao poder, dando outro enfoque para governar, e também para
transformar o sistema tradicional em um sistema social e político
– antes sempre postergado – que garanta uma participação mais
ativa dos diferentes setores na tomada de decisões, de acordo com
suas realidades culturais e em função de um autodesenvolvimento
integral. Acreditamos nisso, ainda que o processo boliviano tenha um
longo caminho pela frente no sentido de vencer os nós das estruturas
coloniais e constituir-se em uma alternativa de transformação e de
uma nova forma de relação entre as pessoas, coletivos e a mãe terra
para concretizar o Viver Bem.
Nesse sentido, é importante refletir sobre o vídeo indígena – que
tem um importante exemplo na Bolívia – como um novo gênero de
produção intelectual que foi sendo constituído buscando superar
as limitações da leitura/escritura, que se rebela contra as amarras
impostas pela lógica ocidental cartesiana e no qual os conhecimentos
tradicionais se reinterpretam e se reavaliam constantemente.
Dessa maneira, desde processos coletivos de reflexão e criação,
o vídeo indígena foi marcando o final da hegemonia de um certo
alfabeto e começando a descolonizar as tecnologias do intelecto.
Desse modo, também se vão gerando conhecimentos sustentáveis
através de um processo coletivo, audiovisual e oral. Tudo isso em
um marco que fala de diálogo intercultural verdadeiro entre iguais
que reclamam respeito pelas culturas indígenas e um diálogo franco
246 \
entre as mesmas culturas originárias, sempre desde um ponto de
partida de rejeição à exclusão e à marginalização e da exigência de
maior participação e respeito pleno aos direitos indígenas, e que
já propunha abertamente a necessidade da descolonização, muito
antes da chegada do Governo de Evo Morales.
Hoje trabalhamos na concretização do Sistema Plurinacional de
Comunicación Indígena Originario Campesino e preparamos o
terreno para o nascimento da televisão nacional indígena, resultado
da somatória de esforços e espaços de trabalho já constituídos,
realizando cada dia um pouco mais o sonho cujo marco se estabeleceu
em 1996; sonho de construir um cinema próprio, uma comunicação
a serviço das comunidades.
Tradução: Alessandra Carvalho
/ 247
\ Vídeo comunitário e autorrepresentação
/ Entrevista com Carlos Efraín Pérez Rojas
Por: Gabriela Zamorano, Assistente de Programas Latino americanos,
Centro de Cine y Video, NMAI
O começo em Oaxaca
GZ: Como surgiu seu interesse em fazer filmes e por que é importante
para a sua comunidade e para sua organização que haja indígenas
fazendo cinema e vídeo?
CP: Meu encontro com o vídeo foi a partir de um chamado de
sangue. Minha mãe é de Oaxaca, mas deixou a comunidade quando
era muito pequena. Então, eu cresci ouvindo os contos e histórias de
minha mãe sobre seu povoado. Quando terminei a fase preparatória
na escola, comecei a ter muito interesse em conhecer minha família
de Oaxaca.
Foi então que iniciei uma busca com o objetivo de me reencontrar
com o povoado de minha mãe, com sua história; e também com
a intenção de conhecê-la melhor. Quando cheguei ema Oaxaca,
conheci TV-Tamix [primeiro projeto de comunicação comunitária em
Tamazulapám Mixes, Oaxaca]. Esse foi meu primeiro encontro com o
vídeo. A partir dele, começou a despertar em mim muita curiosidade
pelo vídeo. Na verdade, tudo começou como uma curiosidade pela
tecnologia do vídeo, por essa ferramenta; e também fui contagiado
pelo entusiasmo e pela experimentação dos que, naquele tempo,
trabalhavam na TV-Tamix.
GZ: Você pode falar um pouco sobre TV-Tamix? O que é? Como
surgiu?
248 \
CP: A TV-Tamix é uma organização comunitária que surge em
1994 e que se dedicou a fazer rádio e televisão comunitária em
Tamazulapám. Lá contávamos com um transmissor de televisão de
10 watts de potência. E desde lá, todo fim de semana transmitíamos
alguns programas: um que se chamava Espacio Sagrado e outro que
eu mesmo fiz mais tarde, e que se chamava Hoy en la Comunidad.
Esse era um programa com crianças.
GZ: Eram programas de rádio?
CP: De televisão. Também eram feitos documentários sobre os
costumes e tradições da comunidade. O encontro que tive com a
TV-Tamix me iniciou na realização de documentários. Trabalhando
na TV-Tamix fiz câmera para alguns documentários como, por
exemplo, o de Këdukj adj (Servir al Pueblo), Permaneciendo (Hoy en
la comunidad), e também para esse programa de televisão que eu
fazia com as crianças da comunidade. Mas sinto que a experiência
que tive na TV-Tamix foi mais como um primeiro contato, no sentido
de entender o uso que pode ter o vídeo numa comunidade indígena.
Então, eu me somei ao esforço que a TV-Tamix estava fazendo de
difundir, por meio do vídeo, a cultura dos Mixes. Resumindo, esse
foi o primeiro uso que dei ao vídeo estando em Oaxaca. Mas foi em
Chiapas onde me envolvi cem por cento com o vídeo e isso teve
a ver com a proposta dos municípios autônomos em resistência.
Isso só aconteceu quando fui trabalhar com o projeto Promedios de
Comunicación comuni pela autorrepresentação
GZ: Como você desenvolveu essa semente, o potencial do uso do
vídeo em uma comunidade indígena, estando em Chiapas? Era uma
pergunta concreta ou era algo, no vídeo, que te emocionava? Para
que serve o vídeo nas comunidades indígenas?
/ 249
CP: Quando eu cheguei a Chiapas era uma só uma faísca, ainda
prevalecia a curiosidade de conhecer o meio. Mesmo já tendo
participado em alguns documentários, ainda não tinha muita certeza
sobre aonde podia chegar com o vídeo. Estou falando isso de Chiapas
porque cheguei lá para dar oficinas de capacitação a pessoas de
comunidades, trabalhando com elas e com as autoridades zapatistas.
E, ao conviver com eles, conheci a abordagem que estavam dando ao
vídeo e achei importante: o vídeo como uma ferramenta de denúncia
a violações dos direitos humanos. Esse era um dos objetivos que eles
se propunham naquele momento para o uso do vídeo. Havia uma
parte muito importante que girava em torno à defesa e denúncia.
Acho também que, naquela época (falo de mais ou menos 1998) a
guerra de baixa intensidade era um pouco mais crua com relação
aos municípios autônomos do que é agora. Talvez seja arriscado
afirmar isso, mas o contexto era diferente.
Então, fui por esse caminho. Tem um vídeo que fiz para a Red de
Defensores Comunitarios, de uso interno, que utilizaram para
capacitar e conscientizar comunidades. E, mais adiante, começamos
um trabalho coletivo do qual fiz parte, sobre como vincular o vídeo ao
processo de autonomia nos municípios indígenas de Chiapas; como
ver isso funcionando já como um meio nas mãos das comunidades
indígenas, um meio que pudesse ter diferentes usos, além da
denúncia e da defesa e que, na minha opinião, teria a ver com o
direito à autorrepresentação.
O que discutimos a partir disso é a importância de que os povos
indígenas contem com seus próprios meios para, desde aí e em
primeiro lugar, reivindicar seus direitos como povos e para, em
segundo lugar, poder representar-se da maneira como quiserem.
Acontece que, estando em Chiapas, víamos que chegava muita gente
de fora das comunidades para fazer filmes, documentários, escrever
250 \
livros, fazer fotos, rádio, música, o que eu acho muito importante e
que foi muito importante para o movimento zapatista. Mas víamos
a necessidade de que também os povos indígenas de Chiapas
contassem sua história com sua própria voz e com seus próprios meios.
GZ: Isso que você diz sobre a autorrepresentação tem referência com
a outra pergunta: por que é importante para sua comunidade, para
sua organização ou para o projeto no qual você participa que haja
indígenas fazendo cinema e vídeo? Você pode falar mais sobre o
direito à autorrepresentação? Quais são as vantagens ou problemas
que você vê nesse conceito?
CP: Bem, na minha opinião, o trabalho que os povos indígenas de
Chiapas estão fazendo não substitui a expressão das pessoas de fora
que chegam nessas comunidades. O vídeo é como uma olhada, como
uma voz muito importante para poder compreender a complicada
realidade dos indígenas, não só de Chiapas, mas também em nível
nacional.
Por exemplo, para mim, um dos vídeos que eu acho mais importantes
dos feitos em Chiapas é Mujeres Unidas, não sei se você viu. Esse
vídeo foi feito pelo Município 17 de Noviembre e foi feito porque,
naquela época, estavam dando palestras em todas as comunidades
do Município sobre a importância das mulheres se organizarem. Elas
se organizavam para trabalhar na horta, nos campos de milho e com
o feijão. E tiveram a ideia de fazer um vídeo sobre uma comunidade
que já estava organizada e funcionando bem para mostrá-lo às
outras, onde não havia organização, e assim poder motivá-las. Na
minha opinião, esse trabalho é uma experiência bem importante de
como o vídeo pode, além de ser uma projeção para os de fora, ter
um uso comunitário.
GZ: Como um diálogo direcionado às questões internas?
/ 251
CP: Exato. Vou me enfocar um pouco no caso de Chiapas. Os vídeos
que vi feitos por gente de fora estão enfocados nos ícones: no
subcomandante, no EZLN [Ejército Zapatista de Liberación Nacional].
E se você os compara com um vídeo realizado por uma comunidade
indígena, vai ver que as pessoas que aparecem nele são as de bases,
as que estão lá todos os dias vendo o campo de milho, pessoas que
não andam com seu gorro ninja nem com sua arma nas costas.
Por um lado, para mim o importante de que eles estejam se
autorrepresentando é poder mostrar uma faceta do movimento que
não se conhece e que, às vezes, acho que nem se quer conhecer, em
parte porque o movimento foi bastante idealizado, não é?
Novos Direcionamentos
GZ: Como você vê seu próprio papel dentro desse processo chamado
“vídeo indígena”?
CP: Vamos ver se conversando com você eu entendo melhor, porque
eu também estou me perguntando. Porque eu me vejo como um...
“ativista do vídeo”, por assim dizer. Porque, como você disse, a
maior parte do meu trabalho foi capacitar e assessorar comunidades
indígenas para que eles realizem vídeos. E ainda que eu também
tenha feito documentários, só fiz sobre movimentos sociais. É um
tema que eu gosto e com o qual assumi um compromisso. De fato,
cada vídeo que fiz – fiz três – são compromissos assumidos com
organizações sociais.
Algo muito importante e que é necessário dizer é que nas
comunidades indígenas não só tem fome, pobreza, dor, mas também
propostas. Propostas muito criativas em termos políticos, sociais,
econômicos, culturais. E voltando ao tema da autorrepresentação, já
vi que representam os índios, em muitos casos, como vítimas, não
252 \
é? O olhar está sempre focado no huarache, ou no menino pelado
ou sujo. Eu acho esse olhar muito estreito com relação ao que está
acontecendo no interior das comunidades. E, por um lado, o fato de
que as comunidades indígenas estejam se mostrando por si mesmas
é muito digno. E isso é o que eles falam. Eu pude participar em
alguns vídeos feitos em Chiapas e quando as autoridades falavam
com o responsável pelo vídeo, que era alguém da comunidade pago
para isso, diziam: “faz aí, mas a gente quer aparecer bem na fita”,
“que nos mostrem bem fortes”. Porque se os mostrávamos fracos e
chorando os outros diriam: “esses Zapatistas não são de nada.”
O trabalho que faço sobre os movimentos sociais dos povos
indígenas tem a ver com as propostas em nível nacional e também
com a situação interna das comunidades. Claro que estou falando
dos problemas que existem, mas sempre vou dar uma mensagem
que propõe esperança. Porque a ideia é como o vídeo, pode despertar
a solidariedade nas pessoas que estão assistindo. Para mim é algo
que acompanha o filme: provocar uma reação.
Então, no momento me considero um ativista do vídeo. Quando
ganhei a bolsa Rockefeller me diziam que eu era um realizador,
me faziam acreditar que era um artista. A minha verdadeira crença
e o que ultimamente tem me tocado muito é que me parece
importante que se façam documentários com um enfoque social,
com compromisso social. Mas também percebi que, incluindo meus
vídeos, em termos audiovisuais estamos muito longe da criatividade
com que as comunidades se organizam e se movimentam.
Vejo meus vídeos e os de outros realizadores sobre esses temas e
percebo que, muitas vezes, são muito frios, muito quadrados. E o
que eu quero fazer agora é poder captar a criatividade que é característica dos movimentos sociais do México.
/ 253
GZ: Isso soa como um objetivo...
CP: É, porque, por um lado, acho que muitos espaços se abriram
para o que se chama “vídeo indígena”. Eu não o chamaria assim...
na minha opinião é como um vídeo comunitário porque, em quase
todos os vídeos ­– acho que poderia afirmar que em todos – tem um
grau de participação da comunidade. As pessoas que eu conheço
sempre participam com a comunidade, seja para decidir o tema, na
produção, na edição ou em algum momento da realização. E, para
mim, esse é o jeito como decidi trabalhar, retomando a coletividade
das comunidades, retomando essa forma de trabalho.
GZ: Você acha mais interessante reforçar o fato de que é um produto
comunitário ao invés de um produto indígena?
CP: Sim, sobre isso já se falou um pouquinho. Uma vez estive numa
palestra dada por Guillermo [Monteforte] no primeiro Encuentro
Hispanoamericano de Video Independiente: Contra el silencio todas
las voces. Convidaram Guillermo para falar sobre vídeo indígena. Me
lembro que ele dizia que, naquele momento, para ele, não havia
vídeo indígena porque, como ele o concebia, era como toda uma
expressão e que esse nome não podia estar determinado só pelo fato
de que são vídeos feitos por pessoas de uma comunidade indígena.
Foi uma palestra muito bonita. Estávamos Guillermo Roberto
[Olivares] e eu. Então, eu pensei que algo parecido tinha acontecido
com as bandas filarmônicas, a música de instrumentos de vento
que chegou da Europa e através da Igreja. Na Serra Mixe está
documentado que os primeiros mixes tocaram música soprada com
instrumentos europeus para celebrar uma missa. Naquele tempo
eram até celebradas em latim. Logo aprenderam a tocar marchas,
valsas, aberturas e tudo mais. Mas eles foram “pegando” esse
instrumento de procedência europeia e houve um momento em que
254 \
começaram a fazar sua própria música e de lá vem os sones e jarabes
mixes, chinantecos, zapotecos. Se apropriaram do instrumento e
expressaram suas histórias, suas vidas, suas imagens e sons.
Então, nesse encontro, eu dizia que é a mesma coisa o que está
acontecendo com o vídeo nas comunidades indígenas, que estamos
tendo acesso, ou seja, tivemos a chance de acessar essa tecnologia
e estamos num processo de aprendizagem. Vai chegar um momento
em que isso será uma expressão própria. Eu queria alcançar isso,
e por esse motivo o vídeo sobre movimentos sociais – que é frio,
quadrado, com a voz em off – ainda que seja muito importante, me
parece que falta criatividade.
Eu acho que o termo “vídeo indígena” está mais para o discurso
dos antropólogos que fazem vídeo, ou dos cineastas que fizeram
vídeo sobre populações indígenas. Acho que alguns dos objetivos
era preservar, difundir. São objetivos importantes, mas a verdade,
pela minha experiência e pelo que vejo na TV-Tamix, é que não os
alcançamos.
GZ: Ou que estão reformulando esses objetivos?
CP: Exato. De fato chegamos a um ponto em que achamos que já
basta de bater na mesma tecla e que devemos fazer coisas mais
voltadas para os nossos sentimentos, de expressão mais individual.
É o que você falou: repensar.
GZ: Então, boa sorte com essa busca.
CP: Sim, agora estou vendo que vou ficar aqui em Guerrero um ano
ou mais e já estou pensando no que vou fazer no próximo ano. E
algo que eu gostaria de fazer é juntar o Gordo [Hermenegildo Rojas],
o Charapa [Carlos Martínez], o Noé [Aguilar], e também me incluir
nesse grupo. Nos juntarmos uns dois dias para fazer um roteiro
/ 255
no qual cada um possa viajar e soltar-se. Que seja mais como uma
criação livre, sem convencionalismos, e que a gente comece a trabalhar
nisso.
É que eles são uns talentos natos: o Gordo é um bom músico, faz
bons vídeos; Genaro é uma pessoa muito querida e Charapa é louco
por computadores. E eu, acho que não me saio mal com a câmera.
Então poderíamos formar uma equipe interessane.
Tradução: Alessandra Carvalho
256 \
\ Fora da ótica indígena: zapatistas e
realizadores autônomos.
/ Alexandra Halkin1
O trabalho com o vídeo realmente nos comoveu: tem grande
importância para ajudar a construir a nossa história indígena.
Dá para ver que seremos capazes de fazer muitas coisas pelo
nosso bem-estar e pelo futuro de nossos filhos.
(Estella, videasta zapatista, abril 2003.)
Este é um artigo sobre a importância dos meios de comunicação
indígena – tanto em termos de produto como de processo – que oferece
um modelo para fazer um meio de comunicação indígena de “boa
prática”, cooperativo, transnacional.2 Estas observações baseiam-se
em minha experiência pessoal com o Chiapas Media Project (CMP)/
Promedios, uma ONG binacional que provê comunidades indígenas
de Chiapas e Guerrero, no México,3 de vídeos, computadores e
treinamento. CMP/Promedios treinou mais de 200 índios, homens
e mulheres, na produção básica de vídeos, construiu e equipou
cinco Centros Regionales de Medios de Comunicación no território
zapatista com produção digital de vídeos, pós-produção, áudio e
acesso via satélite à Internet; permitiu a produção de 22 vídeos de
distribuição internacional e forneceu os meios para a produção de
centenas de vídeos utilizados em âmbito interno pelas comunidades
indígenas de Chiapas. Sou fundadora, anteriormente diretora e,
no momento, coordenadora do Chiapas Media Project/ Promedios.
Não acredito – e tampouco é minha intenção afirmar– que CMP/
Promedios seja o único instrumento para facilitar e promover os
1 Documentarista, ex-diretora e atual coordenadora internacional do Chiapas Media Project.
2 Meu agradecimento a Shayna Plaut, que me ajudou a editar este artigo.
3 Em 2000, começamos o trabalho em Guerrero com a Asociación de Campesinos Medioambientalistas
de la Sierra de Petatlán.
/ 257
meios de comunicação audiovisual indígena. Ao contrário, espero
compartilhar minha história, incluindo os equívocos, durante os
últimos 10 anos, para incentivar outras pessoas no intuito de que
se unam a essa luta. Utilizo a palavra “luta” muito conscientemente,
já que qualquer pessoa envolvida na mudança social – como um
artista, um acadêmico, um ativista ou todos os anteriores – devem
estar conscientes do papel que representam na defesa dos Direitos
Humanos, especialmente no que diz respeito à apresentação dessas
realidades. Neste artigo, enfatizarei os contextos nos quais os meios
de comunicação operam como agentes de mudança social: local,
doméstica e global.
Fui documentarista por mais de 25 anos e, muito cedo em minha
carreira, entendi o poder dos meios de comunicação na criação
de mudança social. Produzi vídeos sobre a AIDS, sobre os direitos
reprodutivos da mulher, sobre desemprego e desapropriação, além
de vídeos feitos em Cuba. Através da minha carreira cheguei à
conclusão de que os documentários não estão focados só no produto
final, mas também no processo.
Isso se fez mais claro no final do ano de 1980 quando vi uma pequena
produção do Video Sewa, uma organização sediada em Ahmedabad,
India, que usa o vídeo como um meio para dar maior poder a mulheres
analfabetas, desempregadas ou camponesas autônomas. O vídeo foi
filmado por uma mulher que tinha pouca experiência na produção de
filmes, portanto a qualidade era pobre. Mas havia algo nas imagens
que me tocava. Ficava claro que a diretora não era uma estranha
apresentando a história de outra pessoa, mas alguém fazendo um
documentário sobre sua própria experiência. Ver esse vídeo me
deu a ideia do poder que significaria dar a pessoas marginalizadas
acesso à tecnologia audiovisual para que contassem sua história;
uma história que não poderia ser contada por mais ninguém.
258 \
Os Zapatistas
“Somos índios de diferentes línguas e culturas, descendentes
dos antigos povos Maias. Os índios de Chiapas e todos os índios
do México sofrem grandes injustiças – saques, humilhação,
discriminação e marginalização – há muitos séculos; muitas pessoas
em outros lugares do mundo também vivem na mesa situação, na
América e também em lugares mais distantes, como consequência da
violenta conquista espanhola e, posteriormente, das invasões norteamericanas. Ficamos na mais completa miséria, a ponto de sermos
exterminados. Razões que nos obrigaram a que nos levantássemos
em armas em 1º de janeiro de 1994 para dizer ‘basta’”. (Comandante
David, Oventic, Chiapas, 2003)
O Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN/Zapatistas) é uma
organização indígena Maia sediada em Chiapas, México. No dia 1º
de janeiro de 1994, o EZLN declarou guerra ao Governo mexicano
em um levante armado que tomou mais de seis povoados em
Chiapas. A razão desse levante foi o fato de que os índios, seus
direitos e sua cultura, não eram reconhecidos pela Constituição
mexicana e, portanto, eram tratados socialmente e através das leis
como cidadãos de segunda classe. A eles eram (e são) negados os
direitos garantidos a todos os mexicanos pela Constituição do país.
É significativo que os zapatistas tenham escolhido o dia 1º de janeiro
de 1994 para o levante, já que essa foi a data em que o Tratado
Norte- Americano de Livre Comércio (NAFTA) começou a ter vigência.
Sendo essencialmente agricultores, o prospecto do NAFTA teria um
impacto significativo na vida dos indígenas de todo México e, mesmo
assim, suas preocupações não foram levadas em consideração e sua
opinião tampouco foi solicitada.4.
4 O EZLN disse que o NAFTA não beneficiaria os indígenas em particular, nem os pobres de maneira
geral, no México. Infelizmente essa previsão tornou-se verdadeira.
/ 259
Os meios de comunicação sempre foram parte do “arsenal” zapatista.
De fato, nos dias que seguiram-se ao levante, os zapatistas (via
partidários simpatizantes) usaram a Internet para transmitir sua
causa ao mundo. Esse uso estratégico dos meios de comunicação foi
para fazer um chamado à sociedade civil internacional no sentido de
unirem-se a eles na construção de um novo mundo. Essa apropriação
da internet gerou muito interesse internacional e uma investigação
em nível global a que, frequentemente, se dá o crédito de ter forçado
o governo mexicano a uma trégua,12 dias mais tarde, e a uma
negociação com os zapatistas.
Mapeando o território
Desde 1994, os zapatistas chegaram a ser um “espetáculo”, gerando
desde teses de doutorado a conferências e letras de rock.5 Baseandose na grande quantidade de pedidos de entrevistas, visitas oficiais
e acesso às comunidades, nossa organização teve que criar um
mecanismo para filtrar e controlar nosso tempo e concentração.
Apreciamos o interesse no nosso trabalho, mas lutamos para
assegurar a reciprocidade.
“O que pedimos aos que não são zapatistas, aos que não estão de
acordo conosco ou não entendem a justa causa de nossa luta é que
respeitem nossa organização. Que respeitem nossas comunidades e
municípios autônomos e suas autoridades. E que respeitem as Juntas
de Buen Gobierno de todas as regiões, de todas as zonas, que a
partir de hoje ficam formalmente constituídas sob o testemunho de
milhares de irmãos e irmãs indígenas e não indígenas do México e
de muitos países do mundo.” (Comandante David, Oventic, Chiapas,
2003)
5 Uma recente pesquisa no Google usando a palavra “zapatista” mostrou uma lista com 649.000
registros, 740.000 para a sigla “EZLN”.
260 \
Nem todas as comunidades indígenas em Chiapas são zapatistas.
As comunidades com as quais trabalhamos são as que se
identificam claramente com o zapatismo, também conhecidas como
“comunidades civiles zapatistas”, e que se distinguem do braço
armado dos zapatistas, o EZLN.
Essas comunidades se organizam via autoridades locais, regionais e
municipais elegidas através de consenso popular. Elas também têm
um sistema de rodízio de governo, as Juntas de Buen Gobierno, que
tratam de todos os assuntos relativos à tomada de decisão em seus
municípios autônomos. Os membros das Juntas de Buen Gobierno
são substituídos a cada 15 dias e são pessoas das comunidades que
fazem parte de cada município autônomo. Em algumas regiões, as
Juntas de Buen Gobierno tiveram tanto êxito ao mediar conflitos
locais (roubo de gado, disputas de terras, etc.) que agora são citadas
pelo Gobierno Judicial Local mexicano para mediar questões entre
indivíduos zapatistas e não zapatistas.
Existem outras comunidades que são partidárias dos zapatistas, mas
que não se identificam como tal. No outro lado do espectro estão as
comunidades não zapatistas que podem variar de comunidades que
se identificam com partidos políticos (PAN, PRD, PRI) a comunidades
que
apoiam,
abertamente,
os
paramilitares.
Muitas
dessas
organizações paramilitares recebem apoio de fazendeiros locais e,
em muitos casos, do Estado e de fundos federais.6
Esse contexto sociopolítico mais amplo é essencial para entender
o ambiente em que a CMP/Promedios opera. Em dezembro de
1997, um mês antes de que se fizessem as primeiras oficinas, 45
6 O papel dos paramilitares é promover uma constante ameaça de violência e desestabilização nas
comunidades zapatistas. O governo mexicano manipula a situação como se tudo se tratasse de um
eterno conflito entre as comunidades ao mesmo tempo em que instiga as cisões internas.
/ 261
indígenas, na maioria mulheres e crianças, foram assassinados pelas
forças paramilitares treinadas pelo governo, ação que é conhecida
hoje como o Masacre Acteal. Ao mesmo tempo, o governo mexicano
começou a expulsar estrangeiros de Chiapas, incluindo pessoas que
trabalhavam pelos Direitos Humanos, com o pretexto de violação da
Constituição e por envolverem-se na política interna7.
Envolvimento pessoal
“Com o propósito de criar um diálogo intercultural – desde o âmbito
da comunidade até o âmbito nacional – que possa permitir uma
relação positiva entre a variedade de grupos indígenas e entre esses
grupos e o resto da sociedade, é essencial dotar essas comunidades
de seus próprios meios de comunicação, que também funcionam
como mecanismos chave para o desenvolvimento de sua cultura.
Portanto, será proposto às autoridades nacionais respectivas que
elaborem novas leis com relação às comunicações que possam
permitir que os povos indígenas adquiram, operem e administrem
seus próprios meios de comunicação.” (Artigo III dos Acuerdos de
San Andrés)8
Foi nesse ambiente e com uma, aparentemente impenetrável, capa
de censura que os zapatistas reconheceram o poder dos meios de
comunicação. Esse era também o ambiente que eles necessitavam
para contar sua própria história. Na primavera de 1995, estava
7 Tom Hansen, assessor da CMP/Promedios no seu começo, foi sequestrado e expulso pelas
autoridades mexicanas de imigração durante a chegada de uma delegação que trazia equipamento de
vídeo para Ejido Morelia em fevereiro de 1998.
8 Os Acuerdos de San Andrés foram documentos assinados entre os zapatistas e o governo mexicano
em 1996. Embora os acordos nunca tenham sido reconhecidos pela constituição mexicana, as
comunidades zapatistas os utilizaram como um marco para o trabalho, ação que assumiram desde
1996. O vídeo é um exemplo dessas ações.
262 \
produzindo um documentário para uma ONG com sede nos Estados
Unidos que levava uma caravana de ajuda humanitária a uma região
zapatista. Assim foi como fiz minha primeira viagem ao Chiapas.
Durante a produção, terminamos numa comunidade zapatista que
tinha cobertura jornalística da imprensa (nacional e internacional),
com fotógrafos e câmeras de televisão e de noticiários, todos eles
“capturando a história” dos representantes zapatistas e dos membros
da comunidade que estavam por ali. É importante destacar que essa
presença midiática não era um subproduto da luta zapatista, ao
contrário, era fruto de uma intenção meditada por parte da imprensa
e dos meios de comunicação (tanto em massa como independentes).
Ficava bastante claro que os zapatistas tinham a história; o que não
tinham eram os meios para transmiti-la por si mesmos.
Enquanto os jornalistas “de fora” estavam “obtendo sua história”,
muitas pessoas da comunidade se aproximaram de mim para
perguntar sobre minha câmera Hi8 (onde a havia comprado, quanto
custava, etc.), demonstrando um claro interesse e consciência sobre
esse tipo de tecnologia. Fiquei impressionada com a organização
zapatista e com seu interesse óbvio em comunicar sua mensagem
ao mundo. Então pensei: aqui tem um grupo de pessoas que, com
certeza, se beneficiaria ao ter acesso à tecnologia do vídeo. Antes
de ir embora de Chiapas, comecei a conversar com as autoridades
zapatistas no sentido de trazer a tecnologia audiovisual para as
comunidades e eles se mostraram muito interessados.9 Também
falei com os representantes locais das ONGs que tinham relação de
trabalho com as comunidades zapatistas. Eles também se mostraram
partidários da ideia. Sua relação pré-existente ajudou a facilitar nossa
comunicação e nos deu credibilidade dentro das comunidades.
9 O projeto não teria sido possível sem a relação com as ONGs locais. Sempre trabalhamos muito
para manter essas relações.
/ 263
Então, voltei aos Estados Unidos com a semente de uma ideia e
também com o consentimento dos zapatistas para pô-la em prática.
Nessa etapa do projeto, só imaginava uma oficina ou uma série delas
numa região, nunca imaginei que chegaria a ser como foi realmente.
Organizando-se
“Sempre quis prover as pessoas da região zapatista com equipamentos
de vídeo de maneira que eles pudessem comunicar com sons e
filmes gravados por eles mesmos aquilo que está acontecendo e o
que não está acontecendo no interior de suas comunidades. Estou
imensamente satisfeito ao saber que isso, finalmente, vai acontecer.”
(Guillermo Monteforte, primeira correspondência, outubro, 1997)
Voltei ao México no outono de 1995 e, durante esse período,
comecei a fazer contato com pessoas que seriam cruciais para o
êxito do projeto. Através de uma série de conexões internacionais,
conheci Guillermo Monteforte, um realizador e instrutor que se
revelou indispensável. Guillermo estava envolvido com uma iniciativa
de fundos governamentais administrada pelo Instituto Nacional
Indígena (INI), uma instituição governamental que dava treinamento
e tecnologia audiovisual a comunidades indígenas em todo México
desde o final dos anos 1980 e começo de 1990.10 Ele também era
diretor e fundador do Centro de Video Indígena (CVI), em Oaxaca, um
centro criado como parte do programa INI. Guillermo não só estava
familiarizado com o trabalho em comunidades indígenas mexicanas,
mas também era um realizador profissional muito hábil e com uma
sensibilidade especial para ensinar essas habilidades.
10 O Instituto Nacional Indígena agora é conhecido como Comisión Nacional para el Desarrollo de los
Pueblos Indígenas (CDI).
264 \
Com base em muitos anos de trabalho exitoso com os realizadores
indígenas e suas comunidades, Guillermo foi capaz de criar contatos
para potenciais instrutores de vídeo. Naquele tempo, continuávamos
pensando que isso só seria uma oficina de duas semanas. Já que
ele era o expert, deixei que organizasse o programa de treinamento
enquanto eu me concentrava na logística e no financiamento dos
equipamentos, tal como foi requerido pelas comunidades.
Nessa mesma viagem, conheci David, autoridade zapatista que vivia
em Oventic (nas terras altas). Depois de ouvir nossa ideia sobre uma
oficina de vídeo, mostrou-se muito interessado e entusiasmado
em nos apoiar. Foi também providencial o fato de que Oventic é
o Caracol zapatista mais próximo (lugar e centro de reunião para
os zapatistas) ao povoado de San Cristóbal de las Casas, onde
estávamos nos hospedando e onde finalmente instalamos nosso
primeiro escritório.11 David nos sugeriu que entrássemos em contato
com as autoridades de Ejido Morelia (localizada perto de Altamirano,
nas Cañadas), cidade que estava, em média, seis horas em carro de
Oventic.12 Antes de ir embora do México para os Estados Unidos,
enviamos uma mensagem através de uma ONG em San Cristóbal
para dizer que estávamos interessados em ter uma reunião com as
autoridades de Ejido Morelia.
Quando voltei aos Estados Unidos, para mim estava claro que
a estratégia mIdiática dos zapatistas era um sucesso. Havia
informações sobre eles em todo lugar. Rapidamente, percebi que
podia utilizar esse interesse para conseguir um suporte financeiro
para essa importante iniciativa. Já de volta a Chicago, decidi que
a melhor maneira de garantir os fundos para essa oficina seria
organizá-la como um intercâmbio cultural juvenil. Como isso
11 Caracol foi previamente conhecida como Aguas Calientes; existem cinco no total.
12 Las cañadas (cânones) foram as zonas onde as novas comunidades zapatistas se localizavam.
/ 265
acontecia em 1995 – só um ano depois do levante – com muitos
dos meios de massa ainda retratando aos zapatistas como lutadores
guerrilheiros tratando de tomar o México, senti que seria muito
mais fácil conseguir, em primeiro lugar, fundos para estabelecer
um intercâmbio cultural, depois equipar e treinar zapatistas como
realizadores de vídeo.
Atores centrais
“É profundamente motivador ver gente jovem reunir-se para construir
laços de amizade, cooperação e comunicação. Eu aplaudo sua visão
e espero que este projeto inspire futuros intercâmbios culturais com
grupos de jovens ao redor do mundo.” (Carol Moseley-Braun, ExSenadora dos Estados Unidos, carta de apoio, 7 de janeiro, 1998)
Uma figura chave no recolhimento de fundos para tornar realidade
esse projeto foi Tom Hansen (atualmente coordenador nacional da
Red Solidaria con México) que, na época, era diretor de Pastores por
la Paz, uma ONG com base nos Estados Unidos que havia estado
trabalhando em Chiapas desde o levante. Tom ajudou-me a fazer
os contatos para recolher fundos para o equipamento inicial. Essa
primeira lista de indivíduos foi a base para prover um significativo
apoio inicial e até hoje continuam sendo nossos apoiadores.13
Através de um dos contatos de Tom na Cidade do México, conheci
José Manuel Pintado, um produtor de vídeo independente que havia
me apresentado a Guillermo Monteforte e a Fábio Meltis, que também
trabalhava com jovens indígenas na Cidade do México. Fábio me
ajudou a organizar os jovens que participaram nessa primeira oficina.
13 Nossa mala direta se compõe de uma lista de pessoas a quem enviamos cartas solicitando doações
duas vezes ao ano.
266 \
Outro personagem essencial na formação de CMP/Promedios foi
Francisco (Paco) Vázquez, um jovem nahua das proximidades da
Cidade do México que participou da primeira oficina. Paco havia
estado envolvido nos projetos coletivos de sua comunidade e tinha
uma sensibilidade bem formada acerca de como tratar com as
comunidades de Chiapas. Sem Paco, o projeto nunca teria avançado
além da primeira oficina. Quando o conheci, ele falava fluentemente
o inglês – através de aprendizado autodidata – e passou a ser meu
companheiro/tradutor, já que eu falava muito pouco o espanhol
durante o primeiro ano e meio de projeto. Paco me ajudou a navegar
na cultura indígena mexicana e a entender a burocracia do país.
Foi, de muitas maneiras, meu protetor nas numerosas vezes que fui
detida em barreiras de imigração e pontos de controle do Exército.
Street Level Youth Media era a organização de jovens com base em
Chicago com a qual entrei em contato para participar na primeira
oficina. Era formada por jovens da parte central e mais povoada
da cidade, na maioria chicanos. Através de Street Level consegui
a isenção do imposto 501-c-3, o que foi muito útil para solicitar
fundos. Por outro lado, envolver a Street Level em nossa primeira
oficina foi problemático, e depois que terminou esse processo e o
cumprimento do requerimento de doação, CMP/Promedios decidiu
terminar a relação.
Primeira oficina
“Para mim é um despertar, porque nem sequer tínhamos visto
equipamentos como os que estão agora nas nossas mãos. Agora
vemos que podemos fazer esse trabalho.” (Emilio, primeira oficina
em Ejido Morelia, fevereiro, 1998)
A primeira oficina aconteceu no município autônomo de Ejido Morelia.
Através de nossa rede de contatos, fomos apresentados a Miguel, que
/ 267
foi nossa primeira conexão com a comunidade e com as autoridades
regionais e locais. Ele foi uma figura central no planejamento e na
evolução do projeto. Foi através dele que começamos a compreender
a estrutura de governo das autoridades civis zapatistas. Descobrimos
que comunicação e logística eram muito mais fáceis quando uma
pessoa da comunidade atuava como “pessoa chave”.
Por causa dos grandes eventos políticos e militares promovidos pelo
governo mexicano em todo território de Chiapas, demorou dois anos
para que fundássemos e organizássemos nossas primeiras oficinas.
O massacre de Acteal, em 1977, criou pânico dentro do grupo Street
Level Youth Media e tivemos que reorganizar alguns dos nossos
planos iniciais14. Em fevereiro de 1998, promovemos as primeiras
oficinas binacionais como parte do nosso projeto de intercâmbio
cultural juvenil com o nome de Chiapas Youth Media Project;
os participantes eram da Street Level Youth Media de Chicago, o
grupo de jovens indígenas que trabalhavam com Fábio na Cidade
do México e o grupo de realizadores indígenas de Guillermo, vindo
de Oaxaca. Essas primeiras oficinas foram realizadas com o suporte
de uma doação do Fondo para la Cultura de México-Estados Unidos,
com sede na Cidade do México.
Chegamos a Ejido Morelia em um momento em que havia muita tensão
por causa da extração ilegal de madeira e que finalmente resultou
em um enfrentamento físico. Todo incidente ilustrou a dificuldade
para organizar o intercâmbio cultural em áreas de muito conflito. A
equipe de Street Level queria completa e constante garantia de que
“nada aconteceria” e quando aconteceu algo, um incidente menor,
entraram em pânico agregando tensão à já tensa situação.
14 Como reação ao ambiente político interno mexicano, cada vez mais volátil, decidimos garantir a
segurança da delegação juvenil pedindo aos deputados do Partido Democrático Revolucionario (PDR)
que escoltassem nosso grupo dos pontos de imigração até Ejido Morelia.
268 \
O que podemos introduzir e onde podemos fazê-lo?
“Estamos dando uma mão aos companheiros aqui em Chiapas que
estão interessados em receber essa oficina... A luz acabou e tivemos
que usar geradores elétricos da clínica, aí pudemos começar. E os
cachorros comeram nossa comida durante a noite anterior e tivemos
que voltar (a San Cristóbal) para buscar mais comida. Esses foram
diferentes problemas que tivemos ao fazer as oficinas.” (Sergio
Julián, indígena mixteco instrutor de vídeo durante a primeira oficina
em Oventic, fevereiro, 1998)
Durante essas primeiras reuniões com David e Miguel, autoridades
zapatistas, perguntamos muitas coisas sobre temas relacionados
à infraestrutura, como eletricidade, edifícios a prova de condições
climáticas (pelo menos em termos), segurança para a equipe, etc.
Em ambos os lugares, Oventic e Ejido Morelia, só havia energia
sem cabos, linhas trazidas da rede elétrica da área. Os líderes
comunitários explicaram que não havia garantia de eletricidade ou
voltagem constante, pelo que entendemos que haveria interrupções
inevitáveis no decorrer das oficinas.
O primeiro equipamento adquirido foi uma câmera S-VHS, uma
de vídeo VHS e sistemas de edição S-VHS. A princípio, aceitamos
equipamento usado de nossos simpatizantes, todos dos Estados
Unidos. Mas percebemos, rapidamente, que essas doações tinham
um período de vida útil muito curto e que se transformavam em um
problema. Reconhecemos que as pessoas tentavam ser altruístas ao
nos enviar seus equipamentos, mas, rapidamente, aprendi a dizer: “se
você não os usa, nós também não precisamos deles!” Os zapatistas
precisam de bom equipamento e treinamento, não daquilo que os
consumistas norte-americanos, saturados de tecnologia, jogavam fora.
/ 269
Como nos organizamos?
“Percebemos que a televisão estava dizendo só mentiras sobre o
que acontecia na nossa Chiapas. Ou colocam ou tiram palavras, mas
nunca dizem a verdade. Também achamos que seria bom ter uma
câmera porque tem muitos soldados nas nossas terras, em qualquer
momento pode acontecer algo. Isso significa que quando os
soldados estão batendo em alguém podemos filmar ele, gravar um
testemunho e denunciar” (Moisés, realizador zapatista entrevistado
em La Jornada, outubro, 2000).
Com o sucesso da primeiras oficinas de vídeo de Ejido Morelia e
de Oventic, ficou claro que as comunidades zapatistas estavam
interessadas em continuar o treinamento. Em março de 1998,
decidimos formalizar o projeto como Chiapas Media Project (CMP),
uma organização sem fim lucrativos com sede nos Estados Unidos.
Apenas iniciado o projeto, percebi claramente que certos aspectos
de minha condição cultural (branca, de classe média, educada
na universidade, mulher, norte - americana) estavam causando
problemas. A minha frustração era mais notória nas longas reuniões
com as autoridades zapatistas locais e diante da lentidão na
tomada de decisões dentro das comunidades. Minha insatisfação
com esse processo criou um atrito no interior do grupo e percebi
que minhas forças poderiam ser melhor utilizadas em outra parte.
Nesse momento, me desliguei das decisões diárias no México e me
concentrei na distribuição e promoção internacional do projeto.
Em 2001, nos firmamos no México como Promedios de Comunicación
Comunitaria e agora nos referimos a nós mesmos como Chiapas
Media Project/ Promedios. Estamos organizados como um coletivo,
sem diretor e sem estrutura hierárquica. Temos três pessoas
trabalhando em tempo integral e outra em tempo parcial em Chiapas,
270 \
e uma outra que trabalha em tempo integral nos Estados Unidos.
Nossa organização tenta refletir a estrutura organizacional das
próprias comunidades zapatistas com as que trabalhamos.
Nosso trabalho atual em Chiapas é ajudar as comunidades a construir
e equipar cinco Centros Regionales de Medios. Vemos nosso papel
no sentido de guiá-los para criar uma rede autônoma de meios de
comunicação que seja reflexo de suas necessidades.
Como ensinamos?
“Não é fácil traduzir do ‘castelhano indígena’ ao inglês. Para os
que não compreendem alguma língua originária, ao traduzir-se
ao castelhano, para começar, tem-se uma mistura complexa de
expressões e estruturas que aparentam uma falta de habilidade no
falar. No entanto, através desses erros na fala se podem vislumbrar
profundas
sabedorias,
conhecimento
e
história”.
(Guillermo
Monteforte, correspondência, abril, 1998)
Cheguei ao projeto com muito pouco conhecimento dos meios de
comunicação indígenas ou de seus processos. Minha visão primária
de CMP/Promedios vinha da minha história como documentarista/
artista e meu interesse e curiosidade estavam enfocados na pergunta:
“Que tipo de vídeos produziriam os zapatistas se tivessem os meios
e equipamentos necessários?” Na minha cabeça, estava facilitando a
formação de realizadores, estava transmitindo habilidades técnicas
aos meus companheiros. No verão de 1998, demos a primeira
oficina de produção no povoado de La Realidad. Eu estava sentada
ao lado de Manuel, uma autoridade zapatista local, que segurava
uma câmera nas mãos, quando ele se virou para mim e perguntou:
“Não precisamos de permissão especial do governo para usar este
equipamento?” Fiquei surpresa com a pergunta e quis saber porque
ele estava me perguntando aquilo. Ele respondeu: “Porque todas as
/ 271
pessoas que vêm aqui sempre têm crachás dependurados que foram
dados pelo governo”. Ele estava se referindo à imprensa e, mais
tarde durante a discussão, percebi que Manuel pensava que a posse
de equipamentos deveria ser antes autorizada pelo governo.
No princípio do processo de treinamento em vídeo, éramos bastante
conscientes do perigo de trazer “forasteiros” temporais para fazer o
treinamento, particularmente na qualidade de “instrutores”. Trazer
gente de fora do México não ia funcionar nem do ponto de vista
econômico, nem sociopolítico; não queríamos reproduzir o modelo
colonial. Com raras exceções, todas as oficinas iniciais de vídeo e de
computação, durante os primeiros dois anos, foram dadas por realizadores de Oaxaca ou por parte da equipe mexicana de CMP/Promedios.
Nas primeiras oficinas, os alunos eram, principalmente, autoridades
locais postos ali para observar e ter certeza de que “não estávamos
fazendo nada de mal”. Descobrimos isso logo depois de ter
trabalhado com as comunidades por um tempo; percebemos que
certas pessoas abandonavam o curso e descobríamos, mais tarde,
que eram pessoas em posições de liderança.15 Outra dinâmica que
acontecia era a presença de muitos “forasteiros”.
Muitas pessoas chegaram e continuam chegando a Chiapas com
intenções de ajudar as comunidades. Existe uma tendência nas
pessoas que chegam de fazer muitas promessas que não podem
cumprir; por isso não voltam. Isso deixa os comunitários alertas com
relação aos visitantes que vêm pela primeira vez. Sabíamos, desde
o princípio, que não podíamos fazer promessas que não tínhamos
condições de cumprir e que o mais importante era a continuidade,
manter a presença.
15 Era compreensível que nos tratassem assim considerando a situação em Chiapas quando
começamos o primeiro trabalho lá: eram os forasteiros os que, potencialmente, causariam problemas.
272 \
Nunca fui instrutora em nenhuma oficina de produção formal de
vídeo ou em trabalhos de pós-produção nas comunidades. Meu
papel sempre foi o de consultora técnica, aconselhando sobre
equipamentos e conversando com os instrutores. Todos sentíamos
que era extremamente importante que os instrutores fossem
mexicanos ou, ainda melhor, que fossem indígenas mexicanos.
Isso daria continuidade ao processo utilizando gente local que
também conectaria os realizadores zapatistas à mais ampla rede
de realizadores indígenas no México e na América Latina. Minha
intenção sempre foi fazer o projeto crescer o suficiente para que eu
pudesse deixar o trabalho nas mãos dos mexicanos. Uma vez que
formalizamos o processo, percebemos que isso era um compromisso
a longo prazo. Necessitaríamos criar autossustentabilidade onde
fosse possível e ter relações de proximidade com os realizadores
indígenas em Oaxaca, que facilitariam nossa continuidade no
treinamento, fortaleceriam e ampliariam a rede audiovisual indígena.
O monstro do financiamento
“O Comité Ejecutivo de Fondos fechou acordo para doar $21.400
(USD) para o desenvolvimento do projeto mencionado anteriormente
(Chiapas Youth Media Project). A concessão dos fundos designados
aos projetos de doação está estabelecida através de um acordo
assinado pelo Fondo e pela pessoa que responde como gerente
do projeto, que será responsável por assinar o acordo, receber os
cheques e manter o Fondo informado sobre o desenvolvimento do
processo assim como sobre a aplicação dos valores designados”.
(Marcela S. Madariaga, coordenadora do programa. Fondo para la
Cultura México-Estados Unidos, carta de notificação do primeiro
pagamento, agosto, 1997)
/ 273
Desde o começo, reconhecemos a vulnerabilidade do projeto e
percebemos que precisávamos de elementos de autossustentabilidade
e que eles deveriam ser um produto midiático que pudesse ser
mostrado, distribuído e vendido. Infelizmente, vender vídeos feitos
por indígenas como iniciativa isolada não sustentava o projeto.
Sabíamos que estávamos trabalhando dentro de um processo político
que era extremamente crítico com o capitalismo internacional
e que os zapatistas desconfiavam do apoio governamental e dos
interesses corporativos. Precisávamos respeitar esse marco político,
equilibrando-o com a realidade da necessidade constante de fundos.
Portanto, durante os primeiros cinco anos, a parte norte-americana
do projeto se encarregou de assegurar os fundos.16
Como realizadora, eu entendia os custos envolvidos na manutenção
do equipamento e sabia que necessitaríamos estratégias criativas
para autogerar os fundos. Além de fundos corporativos e de
altruísmo pessoal, criamos um sistema de autogeração de fontes de
ingresso: venda de vídeos e apresentações universitárias.
Quando começamos a discutir com as comunidades sobre o projeto,
explicamos que o equipamento era deles e que poderiam fazer o que
quisessem, mas se decidissem que não queriam fazer vídeos para
consumo externo (como produto para vender fora das comunidades),
seria bastante difícil manter o financiamento. Portanto, foi um
acordo básico desde o princípio que, para gerar entrada, alguns
vídeos deveriam ser vendidos. O primeiro vídeo produzido pelas
comunidade, La Familia Indígena, foi feito durante a primeira série
16 Durante os primeiros 18 meses do projeto, recebemos também doações individuais no México via
contatos pessoais. Essa decisão foi tomada por inúmeras razões: sustentávamos o perfil de “sem fins
de lucro” nos Estados Unidos; as propostas precisavam ser escritas em inglês; eu tinha experiência
prévia como produtora e sabia como buscar subvenções; tínhamos alguns contatos de financiamento
estabelecidos nos Estados Unidos.
274 \
de oficinas, na primavera de 1998, em Ejido Morelia. Foi bastante
simples, um vídeo direto sobre os diferentes papéis e trabalhos de
homens e mulheres dentro das comunidades. As pessoas falavam
em espanhol (isso foi muito antes de começarem a gravar em seu
próprio idioma para melhor distribuição internacional)
17
. Essa fita
foi usada como primeiro vídeo promocional pela CMP/Promedios.
Organizamos nosso primeiro tour pelos Estados Unidos com esse
vídeo e desenvolvemos um modelo viável para fazer apresentações
que geraram caixa e aumentaram a visibilidade do projeto.
Através dos anos, houve uma mudança significativa na qualidade
de produção dos vídeos. Todas as produções (tanto as de uso
interno como externo) são submetidas a algum tipo de consenso
comunitário sobre temas e conteúdos.18 O que sempre me pareceu
interessante é a diferença entre o que as comunidades produzem
sobre si mesmas e o que produzem os “forasteiros” sobre eles. Houve
uma tendência nos “que vêm de fora” a focalizar a militarização e
violência em Chiapas, enquanto as pessoas das comunidades se
retratam a si mesmas como sobreviventes envolvidas no aspecto
da luta e resistência contra a globalização e o neocolonialismo.
As produções em distribuição internacional são documentários
focalizados em projetos coletivos como o café, têxteis, educação,
agricultura orgânica, etc.19 A grande maioria dos vídeos produzidos
para o consumo interno são de reuniões, celebrações, encontros
culturais em línguas maias. As pessoas do CMP/Promedios raramente
assistem a essas produções.
17 O castelhano foi usado nas primeiras produções porque os vídeos foram exibidos em todas os
municípios zapatistas autônomos, nos quais essa é a língua comum. Como o projeto começou a se
integrar mais em nível local e regional, as línguas locais começaram também a ser usadas.
18 Essas discussões podem acontecer em âmbito local, regional ou municipal. Os produtores zapatistas
fazem vídeos em colaboração com sua comunidade, região e/ou municipalidade.
19 Todos os vídeos de distribuição internacional são traduzidos ao inglês, castelhano e francês.
/ 275
Atualmente, estamos distribuindo – principalmente através de nosso
escritório em Chicago – 24 vídeos produzidos internacionalmente
em Chiapas e Guerrero. As vendas de vídeo em 2005 excederam
os U$17.000, sendo as universidades os locais que mais garantem
essas entradas. Foi só nos últimos anos que as comunidades
puderam ver o benefício econômico direto. Atualmente, as vendas
de vídeos cobrem as tarifas de conexão via satélite à internet nos
cinco Centros Regionales de Medios.20
Em 2003, comecei a tomar parte em grandes conferências acadêmicas
como a American Anthopological Association (AAA) e Latin American
Studies Association (LASA). A presença nessas conferências tem
sido um instrumento para aumentar nossa visibilidade no âmbito
acadêmico, incrementando fortemente nossas vendas de vídeo e
agregando nomes à nossa mailing list. Uma de nossas principais
fontes de entrada autogerada vem dos honorários das apresentações
em universidades.
Um benefício adicional de fazer essas apresentações em ambiente
acadêmico é o contato direto com os estudantes universitários norteamericanos. Para muitos deles, é a primeira vez que ouviram falar
de meios de comunicação indígenas. Eles se veem, frequentemente,
afetados pelo poder da autorrepresentação. Os vídeos produzidos
pelos zapatistas podem ter um efeito muito poderoso, inclusive
nos estudantes mais desinteressados. Ver gente organizando-se
coletivamente para trabalhar em hortas orgânicas municipais (sem
máscaras ou armas), falando de como desejam ser autossuficientes,
de não usar fertilizantes químicos e de não aceitar as migalhas
20 Os Centros Regionales de Medios possuem acesso a Internet via satélite. Isso requer um computador
que controle a posição e programação da fonte do satélite. As comunidades usam internet para se
corresponder, para participar de feiras comerciais distribuindo seus produtos, para estar por dentro
das notícias e comunicar-se com outros Centros Regionales de Medios.
276 \
do governo, vai completamente contra a imagem preconcebida
(e a desinformação midiática corporativa) dos zapatistas como
guerrilheiros armados e interessados só no poder do Estado. Essas
apresentações acadêmicas beneficiam a CMP/Promedios de muitas
maneiras: aumentando as vendas de vídeos, promovendo, de boca
em boca, futuras apresentações, recrutando estudantes e criando
sensibilidade com relação à luta indígena e à autorrepresentação.
A CMP/Promedios também capta fundos através de recursos
filantrópicos. No começo do projeto, decidimos que consideraríamos
as doações sempre e quando não estivessem ligadas a influências e
que o programa político da fundação em questão não estivesse em
choque com os programas políticos das comunidades. Consideramos
doações de fundações que não estejam ligadas a programas políticos
externos e que, ao mesmo tempo, não estejam em conflito com
nosso trabalho.21
Levou tempo identificar que fundações tinham prioridades para doar
fundos, as que estavam de acordo com nosso trabalho e que queriam
arriscar-se em um projeto como o nosso. O apoio dessas fundações
privadas fez possível nosso crescimento como organização.
Através dos anos, nos relacionamos com fundações que
nos trouxeram problemas. Esses problemas tinham sua origem na
necessidade que essas instituições tinham de recriar um contexto
cultural preconcebido e, com frequência, totalmente desconectado
21 O que mais nos foi pedido é que colocássemos o nome da fundação em nossos materiais impressos,
o que, certamente, estamos felizes em fazer.
/ 277
do contexto cultural no qual operávamos.22 Percebemos que o apoio
de fundações não ia durar para sempre, mas tínhamos a esperança
de manter essas relações tempo suficiente para estabelecer a
infraestrutura necessária para tornar todos os Centros Regionales de
Medios completamente operativos e autossuficientes.
Desde o princípio do projeto, temos mantido posições coincidentes
sobre o modo de pedir apoios corporativos e, até pouco tempo,
decidimos não optar por essa possibilidade. Com a pressão
crescente no sentido de gerar grandes quantidades de dinheiro para
sustentar os Centros Regionales de Medios e seus equipamentos –
que são bastante caros – além de suas necessidades de treinamento
avançado, finalmente decidimos buscar fundos corporativos. Em
2004, indiquei uma pessoa da nossa equipe para um prêmio de
alto grau em Direitos Humanos auspiciado por uma corporação nos
Estados Unidos e conseguimos o prêmio. Ele foi dado a uma pessoa,
mas o dinheiro vai para sua organização. Os subsídios corporativos
têm seus benefícios, mas também suas desvantagens: normalmente
estão cercados de contradição, e o espetáculo e a individualização
deles vai contra a filosofia indígena. Buscaremos outro patrocínio
corporativo? Acho que é algo que ainda estamos avaliando. Sabemos
que, no futuro, precisaremos procurar corporações cujas filosofias
sejam mais parecidas às nossas.
22 Muitas fundações têm um foco específico em relações de gênero e querem garantias igualitárias de
participação das mulheres. Há uns anos atrás, tínhamos um funcionário de programação que, durante
uma reunião com as autoridades locais zapatistas nas regiões de montanha, nos chamou a atenção
por não incluir mais mulheres nas oficinas. A insensibilidade cultural assustava (a ideia de que se pode
ignorar os processos da comunidade, o contexto cultural em prol de exigir um resultado específico). O
incidente criou uma tensão com as autoridades zapatistas que têm, desde 1994, uma Declaración de
Igualdad de Derechos e que estão – no contexto de papéis de gênero nas comunidades indígenas no
México – a anos luz diante da maioria.
278 \
Conclusão
“Instalamos o projetor e um lençol branco sobre a parede de uma
das salas de aula. Estava escurecendo e as pessoas começaram a sair
e sentar-se na grama... apareceu a primeira imagem: as barras de
cores, e escutei “oohs e aahs” ... mas o que impressionou ainda mais
que as barras de cores foi ver essas pessoas comovidas por um vídeo
produzido em sua própria língua e por sua própria gente: homens,
mulheres e crianças com um senso de orgulho e também emoção
por serem capazes de ver-se a si mesmos falando de seu trabalho, de
sua organização e de sua luta”. (Cruz Ángeles, realizador e voluntário
de CMP/Promedios, 2000)
Como disse antes, não consigo ver a CMP/Promedios como o único
modelo para apoiar as iniciativas midiáticas indígenas, é só um
exemplo das inúmeras possibilidades. Na América Latina inteira,
existe um número importante e bem sucedido de projetos midiáticos
indígenas. Na Bolívia, uma iniciativa nacional de vídeo indígena é a
CAIB (Coordinador Audiovisual Indígena de Bolivia), que produziu
mais de 150 vídeos em centenas de comunidades envolvidas. No
Brasil, o Vídeo nas Aldeias está trabalhando com populações indígenas
para produzir documentários de grande feitura demonstrando
importantes práticas culturais e a vida comunitária. No Equador,
a CONAIE (Confederación de Naciones Indígenas de Ecuador) está
produzindo vídeos indígenas por vários anos. Além do mais, há
um grande número de pequenas iniciativas cujo trabalho não tem
nem reconhecimento nem distribuição. A produção de vídeos e sua
disseminação nas comunidades já chegou a ser um traço regular na
vida indígena..
Muitos me perguntam como me sinto – como mulher branca, de classe
média – trabalhando com comunidades indígenas no México. Aprendi
que há um importante papel para os “forasteiros” como colaboradores
/ 279
das organizações/comunidades indígenas fomentando as iniciativas
midiáticas, na transferência inicial de tecnologia audiovisual, na
criação de infraestrutura e na sua sustentabilidade. Como pude ver,
minha contribuição mais importante foi minha capacidade de reunir
fundos iniciais que apoiaram a criação de infraestrutura permanente
e meu papel atual na distribuição dos vídeos para uma audiência
o mais ampla possível. Utilizando os recursos disponíveis aqui nos
Estados Unidos, o fomento do trabalho colaborativo posterior foi a
minha contribuição mais importante.
Através de meu trabalho com a CMP/Promedios, testemunhei como
as comunidades em Chiapas adaptam a tecnologia audiovisual como
uma importante ferramenta de comunicação interna, preservação
cultural, direitos humanos e como um veículo para comunicar suas
próprias verdades, histórias e realidades ao mundo exterior. A
habilidade de gravar, editar e distribuir a própria história é vital para
o funcionamento da sociedade. Os vídeos controlados pelos povos
indígenas têm o poder de fazer conexões entre as comunidades e
de propagar a comunicação/informação internacionalmente entre os
não indígenas. Todos temos um papel a cumprir no apoio desses
importantes processos.
“A partir deste grupo de gente jovem, ou de gente não tão jovem, é
minha intenção insistir em que aprendam mais, em que se preparem
mais para que sejam capazes de dar um testemunho e contar uma
história, tudo gravado de maneira que as pessoas possam ver um
trabalho que está indo adiante.” (Miguel, autoridade zapatista local,
Ejido Morelia, fevereiro, 1998)
Tradução: Alessandra Carvalho
280 \
\ O outro olhar. Vídeo indígena e
descolonização
/ Freya Schiwy1
Embora Hollywood siga sendo espaço de produções importantes,
com um investimento de capital imenso, agora tem que enfrentar
a competição com outras indústrias cinematográficas (Hong Kong,
Bollywood) e compartilhar o espaço midiático global com filmes
de procedência antes considerada marginal como, por exemplo,
o cinema latinoamericano da última década. Além do mais, filmes
como Smoke signals (EUA, 1998), Atanarjuat, the fast runner
(Canadá, 2001) e Whale rider (Nova Zelândia, 2002) chegaram às
salas de exibição comercial, dando sinal de que o cinema e vídeo
indígenas também estão fazendo parte dos fluxos midiáticos globais
que criam novas geografias audiovisuais. Não só as produções de
grande acolhida global são as que chamam a atenção da crítica.
Paralelamente ao enorme aumento na produção do cinema argentino,
brasileiro, mexicano e do cinema indígena do norte, os movimentos
e organizações indígenas na América Latina foram desenvolvendo
processos de comunicação com base no vídeo, primeiro analógico e
agora, principalmente, digital.
A produção e difusão do vídeo cria redes de intercâmbio audiovisual
que ultrapassam as fronteiras da nação ao colocar em contato
diversas comunidades indígenas e camponesas. Desse processo,
emerge a criação de uma vasta quantidade de documentários,
docuficções, ficções e também de representações videográficas que
escapam a essa classificação convencional.
Ainda que o uso da tecnologia audiovisual por organizações indígenas
seja múltiplo e descentralizado, até este momento as produções
1 Freya Schiwy é professora da Universidade da Califórnia, Riverside, EUA. Se especializou em cultura e
literatura andina, cinema latinoamericano e estudos de gênero.
/ 281
mais contínuas vêm da Bolívia, do Brasil e do Equador, com filmagens
muito diversas também no México e uma crescente atividade
videográfica no Chile.
Os processos de comunicação audiovisual na América Latina, em
sua maioria, foram apoiados pelo CLACPI (Consejo Latinoamericano
del Cine y Video de los Pueblos Indígenas), fundado em 1985 por
antropólogos visuais e cineastas independentes. No entanto, a
produção de vídeo indígena é descentralizada. Em âmbito regional, a
tecnologia é usada por organizações indígenas locais cujos membros
criam redes de intercâmbio e processos de comunicação audiovisuais
distintos, ainda que não sejam isolados. Na Colômbia, por exemplo,
o CRIC (Consejo Regional Indígena del Cauca) foi o responsável pela
produção de uma série de vídeos que fazem parte de seu programa
de educação bilíngue. No Equador, o CONAIE (Consejo Nacional
Indígena de Ecuador) foi centro da produção e intercâmbio de vídeos
entre diversas culturas indígenas do país. Na Bolívia, CEFREC/CAIB
formaram uma rede intercultural e organizaram festivais regionais
que extrapolaram as fronteiras nacionais ao difundir documentários,
ficções, vídeos educativos e vídeo cartas de lugares diversos do país.
Seus “vídeo-pacotes”, compilações de vários vídeos curtos em fita
VHS que circulam através de sua rede, incluem também seleções
de curtas de Cuba, México e ainda do Canadá. Todos têm também
maneiras variadas de aproveitar-se e relacionar-se com as instituições
estatais. No México, por exemplo, experimenta-se um processo
paulatino de tornar essas instituições independentes do estado e
do Instituto Indigenista como promotor de capacitação tecnológica
(Cusi-Wortham; Brígido-Corachán). Na Bolívia, manteve-se uma
grande distância, além de uma suspeita com relação às instituições
estatais. Desde o princípio, trabalharam com bolsas internacionais
de organizações governamentais e não governamentais como AECI
(Agencia Española de Cooperación Internacional), Mugarik Gabe
282 \
(ONG do país basco) e SEPHIS (organização holandesa Himpele,
“Packaging”). No Equador, por outro lado, existe a CONAIE que é uma
organização independente do Estado, mas os próprios movimentos
indígenas participaram, durante certos períodos, do governo
(Walsh). Esses são só uns poucos exemplos. A produção total de
vídeos indígenas na América Latina é, certamente, muito mais vasta
e complexa e está em constante mudança e expansão. Em vez de
oferecer um panorama comparativo ­
– tentativa talvez impossível
dadas as dinâmicas às que acabo de aludir – este ensaio está
enfocado no trabalho dos comunicadores audiovisuais organizados
em torno a CEFREC e CAIB, ressaltando alguns elementos cruciais do
impacto e da importância do meio audiovisual para os processos de
descolonização que os movimentos indígenas do continente estão
levando a cabo.
Os vídeos do CEFREC/CAIB, na Bolívia, se destacam por seguir
um plano coordenado para a comunicação audiovisual dos povos
indígenas na região andino-amazônica. Essas instituições também
são conhecidas por uma série de curtas de ficção. Esses curtas, cuja
duração varia entre 25 e 50 minutos, compartilham com cineastas
do Brasil, do México e da Argentina o desejo em comum de entreter
o seu público. No entanto, enquanto a nova geração de realizadores
latinoamericanos, como Alejandro González Iñárritu, Walter Salles
e estrelas como Gael García (só para citar os mais óbvios) desejam
fazer parte da produção cinematográfica em grande escala e
aproveitam tanto a estética como também as possibilidades de
produção hollywoodianas, os processos de comunicação audiovisual
indígena
não
procuram
integrar-se
aos
espaços
comerciais.
Comunicadores indígenas, como Reynaldo Yujra, Marcelina Cárdenas,
Patricio Luna ou Julia Mosúa, entre tantos outros, fazem uso do
vídeo digital para resgatar e reavaliar tradições culturais que foram
colocadas em posição subalterna pelo colonialismo e seu legado,
/ 283
ou integrados ao mercado multicultural como produtos de consumo
folclórico. Em vez de buscar uma integração à ordem existente,
os comunicadores criaram redes alternativas nas quais se discute
o potencial das diversas culturas indígenas do continente como
recurso para imaginar alternativas à modernidade neoliberal. Na
página web do CEFREC, destaca-se que o Plan Nacional Indígena
Originario de Comunicación Audiovisual “está possibilitando a
formulação de métodos e instrumentos de comunicação apropriados
(e apropriáveis) para a participação, informação e capacitação;
a fim de que os povos indígenas possam estar em melhores
condições de participar de maneira mais ativa nos processos de
desenvolvimento, para que gerem propostas e reflexões conjuntas e
influam nos processos de mudança que enfrentam. Por outro lado, o
conhecimento e a sabedoria indígenas compartilhados a partir desse
plano proporcionam elementos à busca solidária de possíveis pautas
de solução para os muitos problemas indígenas em diferentes áreas”
(CEFREC, “Plan”, p. 2-3).
A comunicação audiovisual indígena faz parte de um processo
complexo de descolonização, tanto do próprio olhar como também
da maneira como a sociedade nacional percebe as comunidades
camponesas e indígenas; esse olhar, como é bem sabido, foi
se
formando
sob
a
influência
de
representações
literárias,
cinematográficas e, cada vez mais, também televisivas.
Vários
aspectos
chamam
atenção
nas
produções
indígenas.
Primeiro: em vez de destacar uma confrontação entre a sociedade
discriminatória e a resistência coletiva ou individual contra os legados
coloniais, a maioria dos vídeos representa processos culturais no
interior das comunidades indígenas e rurais. Filmes como En busca
del guerrero ou Ángeles de la tierra exploram também a pressão
urbana sobre os que migram para as cidades e acabam por desejar
284 \
regressar às suas comunidades (En busca del guerrero), ou a história
dos que assumem a consciência colonial e negam sua origem
étnico-cultural (Ángeles de la tierra). Segundo: com frequência
a representação ou “execução” da tradição indígena se faz visível
através do corpo feminino, enquanto a perda ou negação cultural
se vincula ao corpo masculino. Em vídeos como Qati Qati e Nuestra
palabra, essas concepções e execuções de gênero sexual são centrais
no processo de descolonização encenado na tela. A construção da
diferença racial desliza, por outro lado, em direção a um segundo
plano, refletindo um processo de recuperação étnico-cultural que
complica qualquer aproximação essencialista à noção de identidade.
Além do mais, chama a atenção que tanto os documentários como
também as ficções indígenas empreguem uma estética audiovisual
muito distinta da representação realista e experimental do cinema
de testemunho e anticolonial dos anos sessenta. É mais provável
que se “indianizem” os gêneros cinematográficos convencionais,
como o filme de terror e melodrama Schiwy, Decolonizing, ao
integrá-los, tanto nas tradições de contar e transmitir visualmente a
memória social como também a um sistema ético e epistêmico panindígena em construção. Essa assimilação, assim como a negociação
com o sistema de estrelas e diretores, aponta para um processo
de transformação que não rejeita a modernidade, mas que antes
a integra a sistemas culturais e socioeconômicos distintos. Não
se defende aqui um retorno a um passado indígena pré-colonial,
ainda que a memória social inspire a imaginação com alternativas ao
capitalismo neoliberal e sua comodidade do multicultural.
Vídeo indígena, a crítica de cinema e os legados coloniais
A crítica de cinema latinoamericana basicamente ignorou o campo
de produção audiovisual indígena devido, entre outros motivos, ao
acesso limitado a esses vídeos, que são distribuídos principalmente
/ 285
através de redes de comunicação rurais entre comunidades
camponesas e indígenas. Apesar disso, seleções da vasta criação
indígena também foram mostradas e premiadas em festivais
internacionais de cinema e vídeo dos povos indígenas, tanto na
América Latina (o último festival aconteceu em Santiago do Chile, em
junho de 2004), na Europa (Expo 2000), como também no Canadá
(Montreal) e nos Estados Unidos (Nova York, Taos). Já foram exibidas
seleções de vídeo indígena da Bolívia em ocasiões como o Festival
de Nuevo Cine Latinoamericano em Providence (Rhode Island), em
abril de 2003. A razão da pouca atenção crítica direcionada a esses
filmes parece provir mais de uma divisão tradicional de disciplinas na
qual aquilo que se associa aos índios é considerado antropológico;
oposto à criatividade artística do cinema experimental ou comercial.
Para a antropologia, essa produção audiovisual também cria
dificuldades dada a longa tradição de produção etnográfica visual
(que começa com a invenção do cinema) na qual os que carregam
a câmera são os antropólogos e não as comunidades indígenas
que se vêm na tela (MacDougall, p. 65). A tecnologia audiovisual
frequentemente é considerada produto paradigmático da sociedade
do espetáculo, e seu uso, como alguns afirmam, só pode levar a
sociedades não midiáticas a converterem-se em sociedades ocidentais
(Weiner). O
tradicional enfoque antropológico nas culturas não
ocidentais mascarou a construção do indígena como pré-moderno,
crença a partir da qual a investigação antropológica buscou, durante
muitos anos, as comunidades mais autênticas, negligenciando ou
eliminando de suas reportagens o híbrido ou “transculturalizado”
(Starn). Como afirmou James Clifford, anthropological culture
collectors have typically gathered what seems ‘tradition’ – what by
definition is opposed to modernity. From a complex historical reality
(which includes current ethnographic encounters) they select what
gives form, structure and continuity to a world. What is hybrid or
286 \
‘historical’ in an emergent sense has been less commonly collected and
presented as system of authenticity. “Os antropólogos compiladores
de cultura juntaram como amostragem típica o que parece ser
“tradicional” – o que por definição é oposto à modernidade. De
uma realidade histórica complexa (que inclui os próprios encontros
etnográficos) selecionam o que dá forma, estrutura e continuidade a
um universo. Aquilo que é híbrido ou “histórico” em um novo sentido
foi menos comumente abarcado e apresentado como um sistema de
autenticidade.” (Clifford, Predicament of Culture, 1988, citado em
Polen “Auteur desire”, p. 15).
Um dos casos mais famosos é o documentário dramatizado
Nanook, o esquimó (1922), dirigido por Robert Flaherty, no qual
os protagonistas executam na tela um modo de viver antigo que já
não corresponde à vida atual (Ginsburg, p. 39). A sensação de que
a tecnologia audiovisual seja algo novo para as culturas indígenas
é in part the product of the deliberate erasure of indigenous
ethnographic subjects as actual or potential participants in their own
screen representations “em parte produto da supressão deliberada
dos sujeitos etnográficos indígenas como participantes reais ou
potenciais de suas próprias representações cinematográficas”
(Ginsburg, p. 40). Dados os vínculos íntimos entre esses olhares
etnográficos e a construção do imaginário patriarcal e colonial
em filmes de ficção hollywoodianos (Kaplan), por um lado, e a
participação ou prática de devolver o olhar por parte dos supostos
objetos frente à câmera (Rony), é difícil sustentar que o audiovisual
seja, de fato, um meio “ocidental”.
O suposto esquema binário entre tecnologia audiovisual e culturas
indígenas também se dissolve desde o próprio campo da antropologia. Com o autoquestionamento de suas raízes coloniais, a partir
dos anos setenta muitos antropólogos se posicionam de acordo com
/ 287
os movimentos sociais indígenas quanto ao fato de que as culturas
indígenas não estão fora da história, senão que elas mesmas são
parte da globalização que começa com a conquista das Américas e a
partir da qual eles também, como as culturas ocidentais e orientais,
experimentaram câmbios e adaptações. Sendo assim, pesquisadores como Faye Ginsburg e Terence Turner se dedicaram a redefinir
o campo da antropologia visual que estuda as mudanças de identidade e os usos criativos do vídeo pelas comunidades aborígenes
e indígenas. Eles procuram, além do mais, desenvolver uma teoria
transnacional dos meios que ajude a abarcar a presença e difusão de
diversas formas midiáticas (Ginsburg, Abu-Lughod y Larkin, p. 14).
A crítica cinematográfica latinoamericana também assistiu a
mudanças de perspectiva. Antes, a ênfase recaía no terceiro cinema,
o cinema novo ou o cinema imperfeito, quer dizer, nas estratégias
estéticas e práticas de criar um cinema revolucionário e antiimperialista. Agora, muitos enfocam na crítica mais sutil –talvez
produzida mais desde o interior– da indústria cinematográfica e dos
filmes comerciais ou de baixa qualidade mas de grande acolhida por
parte do público. Por outro lado, a noção de um cinema nacional
que resiste através da produção destacada de alguns artistas e
realizadores – o imperialismo cultural de Hollywood – também se
complicou devido às colaborações transnacionais, não só atuais mas
também do passado (Alemán). Ao mesmo tempo, se multiplicam
no continente as produções em vídeo digital (alguns deles depois
são passados a 35mm), rompendo assim as fronteiras tecnológicas
(cinema vs. vídeo) e o que sobrevive da distinção entre cultura de
elite e cultura de massa, e criando um contexto no qual o meio
audiovisual se faz mais e mais acessível.
Uma aproximação ao vídeo indígena desde o campo interdis­
ciplinar dos estudos culturais e da teoria de cinema torna
288 \
pos­
sível contextualizá-lo em uma longa tradição de busca de
práticas anticoloniais, ainda que seja através desse meio que tem
sido, principalmente, promotor do capitalismo e do imperialismo
hollywoodiano e da construção do imaginário patriarcal e colonial;
quebra da separação entre produção criativa intelectual nacional
versus arte e pensamento indígenas. Dessa maneira, o vídeo
indígena contribui com os debates sobre as novas tendências
cinematográficas na América Latina e sua negociação com o mundo
globalizado. Também cria aberturas para dar a ver a complexa
produção cultural da região em um contexto global no qual os
legados coloniais continuam demandando um questionamento
crítico sobre o potencial do multicultural.
Apropriação midiática e descolonização da alma
No entanto, a genealogia que acabo de esboçar aqui (cinema
latinoamericano e antropologia visual) corre o risco de perder
de vista uma das dimensões mais importantes do vídeo indígena
latinoamericano, uma dimensão que os próprios realizadores
indígenas enfatizam: a comunicação audiovisual é considerada como
uma extensão do uso de outros meios, como a rádio comunitária
(“Plan” 1; Iván Sanjinés). Em vez de apreciar o acesso à tecnologia
promovido pelo CLACPI em um âmbito continental como um gesto
ocidental de dar a câmera aos nativos, aqui se insiste no agenciamento
próprio. Quando o vídeo foi apresentado como possibilidade, as
comunidades tiraram proveito do meio (Mosúa et al). Selecionaram
pessoas interessadas, ou já envolvidas em comunicação, para
serem treinadas na produção de vídeo e continuar um processo de
reivindicação étnica que já estava em marcha, pelo menos, desde o
fim dos anos sessenta, mas que tem suas origens mais remotas nas
lutas de sobrevivência e resistência dos povos indígenas durante os
mais de 500 anos de colonização. O vídeo, além do mais, é extensão
/ 289
de uma antiga tradição de transmissão de conhecimentos, memória
social e do sentido da identidade étnica através das diversas práticas
do corpo (festas, danças, rituais, roupa, comida), através dos contos
e mitos, e também através de uma complexa produção visual; por
exemplo, em tecidos, cestaria, desenho de cerâmica e inscrição de
significados na paisagem. Como formula o CEFREC, “(o) vídeo é um
instrumento adaptado às formas tradicionais de transmissão cultural
indígena” (CEFREC, “Etapa”).
O vídeo indígena latinoamericano, com suas redes transnacionais e
suas produções digitais e de baixo orçamento, compartilha o desejo
do cinema comercial recente de agradar ao seu público. Se o cinema
anticolonial dos anos sessenta experimentava a estética neorrealista,
o formato documental e novos gêneros cinematográficos, o vídeo
digital indígena usa com frequência um formato documental
convencional (alternância de cabeças “talking heads”), e os curtas de
ficção fazem amplo uso de elementos hollywoodianos, desde o gênero
cinematográfico do terror e do melodrama, até o uso de primeiros
planos, que eram rejeitados pelo terceiro cinema anticolonial de Jorge
Sanjinés e Grupo Ukamau, que também procuravam dar voz aos povos
indígenas da América. No entanto, os comunicadores audiovisuais
da Bolívia, Equador, Colômbia, Brasil ou México não se dirigem a
um mercado generalizado nem muito menos buscam a maximização
dos ganhos. Grande parte do movimento indígena pensa o problema
da descolonização a partir de um contexto global no qual já não
faz sentido a expulsão do colonizador. Do contrário, o processo da
descolonização baseia-se, por um lado, na descolonização da alma;
ou seja, em resistir aos efeitos da autodepreciação do capitalismo e
seu legado. Por outro lado, baseia-se na integração da modernidade
(do colonialismo e seus representantes) a uma ordem alternativa. O
líder político aymara, Felipe Quispe, formulou o que se disse antes
como a tarefa de “indianizar al q’ara.” (Sanjinés; Mestizaje, p. 165).
290 \
A experiência colonial criou uma divisão entre a cultura latino­
ame­
ricana ocidental e as muitas e diversas culturas indígenas.
Diferença que o processo de comunicação audiovisual reafirma e
converte em recurso para pensar. A “diferença colonial” (Mignolo,
p. 14) produz, então, um espaço limítrofe em que o pan-indígena
se constrói e se reivindica como alternativa ética às tendências de
incorporação ao sistema global, que alguns caracterizam como
totalizante e no qual aquilo que está “fora” já não é possível. O
cinema e o vídeo não são, nesse contexto, meramente meios de
representação. São também performances corporais e práticas sociais.
O meio se transforma, em todas as suas dimensões, em expressão
da vitalidade das culturas indígenas. A noção de alfabeto como
tecnologia do intelecto, culminação de um suposto desenvolvimento
civilizatório desde a oralidade, é obsoleta, resíduo do pensamento
colonial (Schiwy, “Reframing Knowledge”, especialmente capítulo
4). O vídeo permite um intercâmbio de olhares e perspectivas entre
diversos povos indígenas.
A estética videográfica de ficção em vídeos como Qulqi, Qati,
Oro, Espíritu, Llanthupi, etc., segue essa estratégia de incorporar
e transformar o que é útil da cultura ocidental em vez de rejeitar
completamente seus códigos (Schiwy, Decolonizing). Os gêneros
cinematográficos ocidentais, como o filme de terror, se integram
às formas de contos de fantasmas do Altiplano; os elementos
dramáticos vinculam-se aos da comédia e dos contos tradicionais
sobre a relação entre este mundo e o dos mortos. Como já afirmei
em outra ocasião, essa lógica se estende ao processo de edição e ao
uso da trilha sonora.
Descolonização e gênero sexual
Na tela, a ética pan-indígena alternativa é figurada através do corpo.
Docuficções como Nuestra palabra, da zona oriental das terras
/ 291
baixas (Moxos), e ficções como Qati Qati, assinada por Reynaldo
Yujra e filmada em sua comunidade de origem no Altiplano Aymara,
associam a memória histórica e cultural ao corpo feminino. A
encenação corresponde, assim, ao papel social através do qual as
mulheres são vistas como mais próximas às raízes culturais – suas
práticas sociais na comunidade, a preparação da comida, o cuidado
com as crianças e o uso do idioma originário. Em outra ficção do
Altiplano, Qulqi chaliku, os que perdem a cultura e transgridem seus
princípios éticos ao se tornarem avaros – Satuco (Reynaldo Yujra)
– ou ao desejar acumular capital – Cihualcollo (Jesús Tapia) – são
todos homens, enquanto que as mulheres encarnam o papel da voz
tradicional ameaçada, muitas vezes, violentamente.
Por um lado, esse enfoque no gênero insiste na necessidade
de pensar os legados coloniais, ou melhor, “no colonialismo do
poder”, como um sistema que não só se baseia na construção da
raça, numa epistemologia eurocêntrica e numa ordem mundial
econômica de profunda desigualdade. Muitos vídeos de ficção do
CEFREC/CAIB invertem, assim, o significado de estereótipos de
gênero que se empregavam no imaginário colonial. É esse complexo
que a descolonização indígena confronta e que também coproduz
a ansiedade masculina nos processos de descolonização da alma.
No entanto, por outro lado, a participação feminina no mesmo
processo videográfico e nos movimentos de mulheres indígenas está
mudando, ou começando a questionar, os papéis e responsabilidades
tradicionais.
Realizadores, responsáveis e estrelas – o outro mercado
O filme Llanthupi inaugura o fenômeno da “estrela” no cinema
indígena. Aideé Álvarez interpreta, como em El oro maldito, a mulher
jovem desejada pelo homem. Seu corpo e seu rosto são destacados
292 \
em primeiros planos e sua figura enfeitava o fotograma de produção
que anunciava, em 2001, o filme na página web do CEFREC (CEFREC,
“Amor”). No entanto, isso não é cinema comercial e a promoção de
Llanthupi faz parte de uma lógica econômica diferente. As culturas
indígenas incorporaram, ao longo dos séculos, muitas influências
(inclusive as da cultura ocidental dominante). Mesmo assim, a
economia do mercado que surge como alternativa ao neoliberal,
baseada na reciprocidade e em obrigações mútuas, continua vivendo
um processo em que, às vezes, essas relações se transformam e,
outras, se reafirmam e se reinventam (Larson, Rivera).
Nos anúncios do CEFREC, a imagem feminina atrai os espectadores
potenciais das comunidades através de processos de identificação
complexos (desejo heterossexual e homossexual, identificação
feminina com a protagonista) que emolduram o filme em um olhar
patriarcal. Por outro lado, os filmes destacados na página web são
distribuídos, em primeiro lugar de importância, por critérios não
comerciais, da rede ou em alguns contextos educativos universitários.
Os preços variam segundo os recursos dos interessados e nem
todos os filmes estão à venda. Sua difusão entre as comunidades
conectadas pela rede é grátis. Os próprios vídeos são produzidos
através de complicadas relações de reciprocidade e responsabilidade
com relação às comunidades. Às vezes, os interessados de fora
também são tratados através de relações similares de reciprocidade.
Ao mesmo tempo, o fato de que nem todo material em vídeo está
disponível para a venda é reflexo de processos ainda não resolvidos
de propriedade intelectual das imagens. Essa difusão limitada
é também resultado de uma convicção que caracteriza o terceiro
cinema boliviano; em particular, a política de distribuição Ukamau.
Acredita-se que a recepção dos vídeos, ou seja, a maneira como
são interpretados, pode ser controlada através dos contextos em
que são exibidos. Sendo assim, uma mostra em uma comunidade
/ 293
rural apresenta resultados distintos que os de uma mostra para
universitários. E esse contexto se diferencia, sem dúvida, de uma
mostra comercial organizada ou da difusão privada por pirataria.
A criação de “estrelas”, ao se orientar pelo type-casting ou ao
reconhecer o talento de alguns comunicadores audiovisuais para
atuação (como é o caso de Aidée Álvarez, que executa o mesmo
papel de jovem sedutora em Llanthupi e em El oro…), é parte de
um processo autorreflexivo que busca possibilidades de incorporar
aspectos ocidentais à ordem indígena, em vez de deixar a ordem
indígena ser incorporada à ocidental.
Acontece algo parecido com a figura do realizador Marcelino Pinto,
do Chapare boliviano, zona de cultivo de coca, é responsável pelo
roteiro de El oro maldito. Algumas ideias técnicas, como o uso do
travelling para enfatizar certa suspensão, foram suas. No entanto,
Marcelino insiste em que o vídeo é resultado da produção coletiva
do CEFREC, CAIB e da comunidade que participa das filmagens.
Antes de que El oro maldito fosse aprovado, seus roteiros foram
rejeitados várias vezes pelo coletivo por serem, ou prejudiciais ao
projeto de fortalecer a estima das culturas indígenas, ou demasiado
arriscados no panorama nacional e internacional de luta contra a
cocaína (Mosúa et al; Flores).
Reynaldo Yujra, ao contrário, insiste que a ideia do roteiro de Qati
Qati está baseada na tradição oral, em contos antigos que não
se associam a um único autor individual, mas sim a uma longa
história de narradores orais (durante a exibição do filme no festival
internacional de Nova Iorque, em 2000). Porém, o diretor também
inscreve sua responsabilidade pelo produto fílmico na própria tela.
Em Qati, Qati se vê o rosto de Yujra brevemente por duas vezes:
de perfil ou em primeiro plano iluminado pela luz azul da lua, que
introduz o ambiente misterioso desse conto aterrorizante. Em seu
294 \
documentário K’anchariy (2002), Yujra insiste na figura do diretor
documentarista aymara que viaja para pesquisar práticas medicinais
entre os Kallawaya Quechua, que falam como personagens diferentes
do antropólogo, que ocupa o mesmo lado da diferença colonial que
a comunidade que visita. A informação documentada, ao mesmo
tempo, faz parte do intercâmbio cultural indígena em vez de se
converter em parte do arquivo etnográfico. Esse é um exemplo de
comunicação intercultural nas comunidades indígenas que cresce
com a produção e distribuição de vídeos; mas também é exemplo
de coexistência de indivíduo e coletividade ligados por sistemas de
reciprocidade e responsabilidade (e que as perspectivas ocidentais
costumam reduzir a mera coletividade protossocialista).
Os comunicadores indígenas não se cansam de repetir que o processo
audiovisual é coletivo. Os papéis distintos são compartilhados; as
decisões sobre roteiro, edição, trilha sonora, estilo cinematográfico
ou ainda sobre certas técnicas adaptadas do cinema comercial são
discutidas com o grupo intercultural de realizadores indígenas, com
os membros do CEFREC e também com as próprias comunidades
onde se filma. Por outra parte, se admite a necessidade de tomar
uma decisão final sobre o filme. Sendo assim, Marcelina Cárdenas
é responsável por Llanthupi e Faustino Peña é o responsável por
Espíritú. O CEFREC/CAIB prefere usar o termo “responsável” em vez
de “diretor” para marcar a distância com a figura do “diretor-estrela”
ocidental. Rejeita-se a ideia romântica do auteur e criador de cinema
como arte – que expressa sua personalidade através do meio – em
favor de uma conceitualização mais adequada ao “processo integral”
que constitui o vídeo indígena (Himpele, p. 358).
A comunicação audiovisual indígena redefine o modo como grande
parte da América Latina se pensa e se imagina. À medida em que
vão expandindo-se as redes de comunicação descentralizadas e os
/ 295
contatos com as salas de cinema e a televisão nacional, o impacto
dos meios indígenas cresce. Nesse processo, os índios já não são
marginais nem folclóricos, mas os protagonistas do imaginário
e da prática de uma modernidade diferente. O processo contém
seus próprios conflitos, lutas pelo poder e diferenças de opiniões.
Embora o vídeo indígena, em seus vínculos com as organizações do
movimento social, não seja um meio ao alcance de todos, consegue
ser expressão de uma visão política, cultural e epistemológica que
busca alternativas em vez de assimilação. Os processos de recepção
constituem novos espaços para o intercâmbio de ideias, dentro e
entre as comunidades e, de maneira crescente, também com as
populações urbanas e nos contextos em que se debatem alternativas
de integração à ordem dominante.
Tradução: Alessandra Carvalho
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\ Três paradigmas para pensar o vídeo
entre os Kayapó1
/ Diego Madi Dias2
O relato da primeira experiência de filmagem com os Kayapó
está disponível em publicação de 1987 no Caderno de textos Antropologia Visual, Museu do Índio (RJ). A produtora Veneta Vídeo,
conduzida por equipe interdisciplinar (antropólogos envolvidos com
a produção de imagens e profissionais de televisão), permaneceu
45 dias entre os Kayapó-Txukarramãe em 1985 e, já no relato dessa
experiência, mas também no trabalho mais sistemático realizado por
Terence Turner no início dos anos 1990, aparecem muitos elementos
que pude verificar, quase 25 anos depois, em minha pesquisa com
os Kayapó da aldeia Môxkarakô. Destacam-se, desde o início, (1)
uma preocupação em “registrar o conhecimento”; (2) a “mediação
política desempenhada pelo vídeo” e (3) o estabelecimento de uma
“comunicação por imagens”. São dinâmicas que procurei descrever e
compreender a partir dos verbos “guardar” (a cultura), “estar” (com o
corpo) e “comunicar” (cf. Madi Dias 2011).
1 A terra indígena Kayapó (TI KAYAPÓ) está localizada ao sul do estado do Pará e ao norte do Mato Grosso.
Autodenominados Mebêngôkre, são cerca de 6 mil pessoas (Funasa 2006) espalhadas por diversas aldeias ao
longo do curso superior dos rios Iriri, Bacajá, Fresco, Riozinho e outros afluentes do rio Xingu. Minha pesquisa
sobre os usos do vídeo entre os Kayapó esteve diretamente relacionada às atividades do Museu do Índio, no
Rio de Janeiro, e ao Programa de documentação de línguas e culturas indígenas - PROGDOC. Agradeço pelo
apoio de José Carlos Levinho e a parceria de André Demarchi. Eliska Altmann, Els Lagrou, José Reginaldo
Gonçalves, Octávio Bonet, Ruben Caixeta de Queiroz e, especialmente, Marco Antonio Gonçalves contribuiram
decisivamente com comentários instigantes e enorme generosidade intelectual.
2 Doutorando em Antropologia pelo PPGSA-UFRJ. Faz parte do Núcleo de Experimentações em Etnografia e
Imagem (NEXTimagem) e do Núcleo de Arte, Imagem e Pesquisa Etnológica (NAIPE); Esteve associado ao
Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas - PROGDOC, Museu do Índio - FUNAI (20092011). Colaborador da Mostra Internacional do Filme Etnográfico desde 2008.
300 \
Cultura
“Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la”
A produção audiovisual em contextos indígenas atinge, nesse
início de século, um momento de consolidação que parece estar
relacionado a um cenário de crescente interesse (geral e indígena)
acerca da ideia de cultura.3 A primeira experiência nesse sentido
aconteceu em 1966, quando uma série de seis documentários em
curta-metragem foi produzida por estudantes indígenas do Navajo’s
Project, conduzido em Pine Springs (Arizona, EUA) por Sol Worth e
John Adair. Na ocasião, eles se perguntavam
what would happen if someone with a culture that makes and
uses motion pictures taught people who had never made or used
motion pictures to do so for the first time?
(Worth & Adair, 1972, p.3)
Desde então, iniciativas como essa ganham força em um contexto
de hibridismo que marca a contemporaneidade indígena. As mais
expressivas envolvem povos nativos norte-americanos, australianos
e da bacia amazônica (ver Shohat & Stam 2006, p. 70). A produção
indígena de mídia se coloca como um objeto interessante justamente
na medida em que faz parte do encontro interétnico, mobilizando
problemas essenciais, tais como: tradição e modernidade, representação
e autoridade, autenticidade, patrimonialização da cultura, autoria e
propriedade intelectual etc.
A problemática na qual se insere a presente discussão equivale
àquela colocada por José Reginaldo Gonçalves (2007, p. 235249) ao tratar do potencial paradigmático que adquire o conceito
3 Cf. “Zonas de contato: quando ‘cultura’ se torna um conceito nativo (os índios na contemporaneidade)”.
Marco Antonio Gonçalves 2010a p. 87-104.
/ 301
de “cultura”, especialmente a partir da segunda metade do século
XIX, para a interpretação da experiência humana. Caracterizando
uma tensão clássica entre concepções “universalistas” e outras
“relativistas” (p. 240-241), o autor procura obter rendimentos que para além de reeditar a “velha oposição” - possam “iluminar um outro
aspecto: o reconhecimento ou não do caráter ficcional da cultura”
(p. 242). Desenvolve uma concepção de cultura como linguagem e
representação, enfatizando sua dimensão de “criatividade”. Chega,
portanto, à formulação de Roy Wagner, segundo a qual “a antropologia
é o estudo do homem ‘como se’ existisse cultura”. Avança em uma
discussão sobre “a cultura como conversação”, conforme proposta
de Kenneth Burke: a história cultural poderia ser pensada como uma
interminável conversa que inclui vários participantes, mobilizando
alianças e embates entre diferentes pontos de vista. Sugere então
a imagem de uma “sala de debates”, onde entram e saem pessoas.
Nenhum dos participantes seria capaz de remontar toda a discussão,
uma vez que ela é anterior a cada um daqueles que conversam.
Ainda, o diálogo permanecerá em desenvolvimento após que cada
um deixe a sala
Duas dimensões dessa “conversa” merecem ser exploradas aqui, a
saber: (1) a entrada dos índios na “sala de debates” e (2) o modo
como a “conversa” tem se estabelecido a partir de novos recursos
técnicos e discursivos.
Para tratar do primeiro ponto, faremos alusão ao texto recente de
Manuela Carneiro da Cunha (2009, p. 311-373) que, ao analisar
questões relativas ao direito intelectual sobre conhecimentos
tradicionais, parece ajudar com a distinção proposta entre cultura
e “cultura”, em que o uso entre aspas permite tratar do conceito
considerando a apropriação nativa de um paradigma, até então, caro
à teoria ocidental. A autora esclarece que os termos não se referem
302 \
a conteúdos diferenciados, mas também não pertencem ao mesmo
universo discursivo. Em um esforço de maior precisão conceitual,
sugere que o uso entre aspas se refira às “unidades num sistema
interétnico” (p. 356). É flagrante, portanto, a partir dessa perspectiva,
o acionamento da categoria “cultura” como canal dialógico que
possibilita estabelecer uma relação performatizada (mostrar a
cultura para o outro). Tal dialogismo está bem colocado pela ideia
de contact zone, de James Clifford, em que o vídeo aparece como
um modo de abordar o contato cultural em um sentido que valorize
o compartilhamento de códigos a partir de mútua inteligibilidade.
Tal formulação “nos permite escapar de uma redução do contato à
definição de conjuntos fechados que fazem trocas sempre desiguais”
(Gonçalves 2010, p. 87).
O segundo ponto se refere justamente ao modo como se estabelecem
essas relações. Se estamos tratando da “cultura” como instrumento
de afirmação (em que importa a performance), e até como invenção,
um paradigma visual parece bastante conveniente como maneira de
dar visibilidade aos diferentes pontos de vista em uma “conversa”
que passa a incluir novos participantes. O vídeo, então, faz jus ao
profetismo de Jean Rouch: “o antropólogo não terá mais o monopólio
da observação”, “o filme etnográfico nos ajudará a compartilhar a
Antropologia” (cf. Piault, 1996, p. 55).
Deve-se assumir, porém, que o desenvolvimento de determinada
tecnologia está necessariamente vinculado às circunstâncias sociais
e culturais que o sustentam. Em outras palavras, pode se dizer que
o audiovisual chega aos povos indígenas como um modo eficaz
de relação com a sociedade envolvente justamente em função
da importância que a imagem assume, cada vez mais, no mundo
contemporâneo. Marco Antonio Gonçalves (2010b), em artigo
que analisa diferentes leituras acerca das imagens, identifica uma
/ 303
passagem da oralidade para a ênfase na cultura visual. Recuperando
diferentes concepções da imagem, desde Platão, sublinha o caráter
ambíguo das imagens como capaz de colocar questões fundamentais:
as leituras imagéticas nos ajudam a compreender conceitos
cruciais como os de realidade, representação, simulação, falso,
verdadeiro, cópia, original – conceitos que nos guiam na percepção
do mundo e na forma como construímos nossas relações sociais.
(p. 14)
Um grande interesse pela visualidade estaria construindo um mundo
“superpovoado por imagens” (p. 17), onde as relações sociais
passariam justamente por mediações imagéticas como uma nova
forma, por excelência, de concebermos e nos apropriarmos do
mundo.
Guardar a cultura
Ao serem perguntados sobre filmagem, os Kayapó sempre me
diziam estar guardando a cultura para seus filhos e netos. A despeito
de uma razão prática, no entanto, procurei compreender justamente
como guardam por imagens. E uma primeira observação se referiu
ao potencial infinito de consumo das fitas, sem que necessariamente
conseguíssemos realizar filmagens planejadas, sem que pudéssemos
gerar um “bom material” (as aspas relativizam as minhas razões
práticas e os meus conceitos nativos).
Percebi logo que o consumo das fitas estava diretamente relacionado
com uma ênfase na produção de imagens como etapa que se justifica
em si mesma, deslocando a importância do conteúdo para a forma,
ou melhor, para o processo, para a própria atividade de filmagem,
e colocando uma questão sobre o armazenamento, ou seja, sobre o
modo como os Kayapó guardam por imagens, já que produzem uma
304 \
quantidade tão grande de material audiovisual. Cumpre destacar
que as condições em que as fitas são armazenadas não são ideais,
fazendo com que o material filmado se torne rapidamente inutilizável
(questão já apontada em Turner, 1992, p. 7). Tendo identificado o
problema de armazenamento, notei que o verbo “guardar” merecia
ter seu sentido investigado. E então pude relacionar o modo como os
Kayapó guardam por imagens a uma dinâmica de (re)produção e uso
constantes, algo expresso pelo poema de Antônio Cícero, Guardar,
conforme o trecho que segue:
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que de um pássaro sem vôos.
Guardar a cultura, para os Kayapó, parece se referir ao potencial
das imagens em “colocar aspas na cultura”, ou seja, sublinham uma
potência da imagem em objetivar e mobilizar juízo, apresentando
um mundo hiperrealista - uma “representação mais perfeita que
o real”, cf. talvez sugerisse Diderot.4 Com a câmera ligada, as
concepções nativas de beleza [mejx] são postas em jogo, indicando
também um modo correto de se apresentar. Nesse registro, às vezes
se tornam problemáticos alguns elementos que na vida cotidiana
não são tidos como contraditórios do ponto de vista da autoimagem: etnopensar, como queria Jean Rouch. É nesse sentido que
4 Ver “L’imperfection du vrai”. Gefen, A. (Ed.) La mimèsis. Paris: Flammarion, 2002.
/ 305
penso ser interessante compreender as imagens como estímulos à
criação de contextos rituais e culturais que procuram eliminar as
contradições, guardando a cultura em sua sincronia, na medida em
que se proliferam as práticas culturais para a filmagem. O vídeo faz
as pessoas fazerem as coisas, em uma espécie de devir imagético
(Gonçalves & Head, 2009) que produz consciência e reflexividade,
destacando as práticas de um fluxo vivido e as objetivando enquanto
representações.
Uma
ênfase
na
produção
das
imagens
trará
complicações
interessantes para a tarefa de guardar por imagens. Isso porque as
imagens colocam uma ambiguidade própria ao regime imagético
na medida em que apontam para a realidade ao mesmo tempo em
que não se confundem com ela. Ao explorar o caráter processual do
vídeo, em última instância, os Kayapó estão destacando o trabalho
do cinegrafista, fazendo questão de não esquecer que aquelas
imagens são produtos de um momento pretérito, ou seja, “isso
é um filme”. Declaram, assim, uma profunda descrença quanto à
capacidade de uma imagem em substituir a realidade, ou seja, “isso
não é a realidade”. E então está colocada mais uma questão sobre
como guardar por imagens - se as imagens são cópias e, portanto,
são falsas (ver Xavier, 2003).
O vídeo como alegoria
O paradoxo do “guardar por imagens” aparece na medida em
que a filmagem denuncia um empreendimento ativo no sentido
de preservar, colocando aquilo que se pretende registrar como
tradicional no regime do extraordinário. Essa excepcionalidade
se torna evidente no riso, que instaura a moldura da brincadeira
(Bateson, 1972, p. 138-148). Recorrendo às interações não verbais,
Bateson sugeriu a compreensão da mensagem meta-comunicativa
“isso é uma brincadeira” a partir de sua eficácia em termos de
306 \
framing (enquadramento). Talvez a mensagem “isso é um filme”
possa explicar o riso escandaloso das mulheres e a diversão das
crianças, por exemplo, ao verem, em uma televisão, os homens
pelados na mata, vestindo apenas um estojo peniano, a “cueca
dos antigos”. A transição entre os domínios de cultura e “cultura”,
passagem operada pelo vídeo através de uma mudança de contexto,
altera profundamente o sentido dos termos:
Fazer com que as coisas pareçam exatamente iguais àquilo que
eram dá trabalho, já que a dinâmica cultural, se for deixada por
sua própria conta, provavelmente fará com que as coisas pareçam
diferentes. A mudança se manifesta de fato no esforço para
permanecer igual. (Carneiro da Cunha, 2009, p. 372)
O vídeo, para além de indicar uma realidade à qual faz referência,
enuncia algo sobre a natureza do que está sendo filmado, a saber:
seu caráter transitório e de perda. Trata-se, em verdade, de um
enunciado indireto que informa e institui uma condição contingente.
Nessa mesma direção, recorrendo às definições da teoria literária,
e recuperando a sugestão de James Clifford (2008, p. 59-91),5
José Reginaldo Gonçalves caracterizou os discursos de patrimônio
cultural como alegorias da nação:
As alegorias não apenas ilustram ou expressam uma tal situação
de perda, mas também atualizam, em sua própria estrutura, essa
combinação de um sentido de transitoriedade e um desejo de
redenção. Desse modo, elas não somente expressam um desejo por
um passado glorioso e autêntico; elas, simultaneamente, expõem
o seu desaparecimento. Estruturalmente, trata-se de uma forma
de representação que está baseada na própria desconstrução do
seu referente. (Gonçalves, 2002, p. 27)
5 A saber: explorar a dimensão alegórica da etnografia como gênero discursivo.
/ 307
Nessa perspectiva, os discursos sobre patrimônio podem ser
pensados como portadores de um sentido duplo: “desaparecimento e
reconstrução imaginativa, perda e apropriação, dispersão e coleção,
destruição e preservação, contingência e redenção” (p. 30).
O registro das “tradições” kayapó a partir do que “os antigos faziam”
torna logo evidente o fato de que as coisas mudaram. Não há mais
guerra. O estojo peniano não é mais utilizado. Estamos diante da
contradição posta pela atividade de guardar por imagens, uma vez
que o vídeo não apenas sugere, mas efetivamente cria um cenário de
contingência. O processo de perda não é algo exterior ao discurso
de redenção, mas é mesmo constitutivo dessa forma discursiva
que mobiliza os sentidos de destruição e preservação de maneira
indissociável.
Devemos então nos perguntar sobre o quê é guardado pelas imagens.
Eu diria que o vídeo coloca-se como uma ferramenta poderosa para
guardar a cultura em sua dimensão sincrônica (e não diacrônica).
Guardam-se os saberes, as práticas e os fazeres para a câmera. O
vídeo faz as coisas acontecerem, encontrando um lugar providencial
no interior de uma sociedade Jê, que está sempre lidando com
modos performatizados e aparentes de expressão, formas corporais
e visíveis, talvez concebendo de forma nativa a cultura com aspas.
Corpo
“O ciborgue é nossa ontologia; ele nos fornece a nossa política”6
Para a compreensão do trabalho de um cinegrafista Kayapó, não
podemos prescindir da dimensão política, ou melhor, biopolítica
da relação entre corpo, câmera e um horizonte de alteridade.
Acompanhando Donna Haraway, para quem “o conceito de biopolítica
6 Haraway, 2009, p. 37.
308 \
de Michel Foucault é uma frouxa premonição da política do ciborgue”
(2009, p. 37), trataremos da relação entre corpo e câmera como
um circuito integrado que confunde as noções de “subjetividade” e
“objetividade”. Meu objetivo central é apresentar o uso da câmera de
vídeo entre os Kayapó como um modo privilegiado de tecer relações
com a alteridade em uma perspectiva de “‘alter-objetificação’ e ‘autosubjetificação’” (Gordon, 2006, p. 218).7
Terence Turner já havia descrito um uso do vídeo que faz parte do
encontro dos Kayapó com representantes dos governos regional ou
nacional, ou mesmo com outros setores da sociedade envolvente.8
Trata-se de um modo de sugerir presença através da mediação
política proporcionada pelos recursos audiovisuais, deslocando a
atenção para o fato de que os índios passam a operar equipamentos
de filmagem e fotografia (ser sujeito ao manipular objetos) e
disseminando uma imagem vinculada ao ethos guerreiro kayapó
nas mídias nacional e internacional. “Kayapo, in short, quickly made
the transition from seeing video as a means of recording events to
seeing it as an event to be recorded” (Turner, 1992, p. 7).
A ideia de estar através de imagens está profundamente relacionada
a uma discussão sobre corporalidade e a uma concepção nativa
que privilegia o papel do realizador (cinegrafista) na produção das
7 Seria interessante traçar uma relação entre essas ideias e a teoria de Gregory Bateson, o que não
farei aqui por falta de espaço. Sugiro apenas que consideremos níveis diversos de integração sistêmica:
o corpo e a câmera como objetos de uma cismogênese simétrica (em que o corpo busca repetir a
qualidade da câmera); o “eu” e o “outro” como sujeitos potenciais de uma cismogênese complementar
(em que a identidade adquire sujeição em relação com a alteridade-objetivada).
8 A maneira como os Kayapó utilizam o vídeo para marcar presença foi objeto de reflexão de Terence
Turner em Defiant Images – The Kayapo appropriation of video, artigo publicado na Anthropology
Today em dezembro de 1992 e resultado da palestra de Turner na ocasião da visita de Mokuká Kayapó
e Tamok Kayapó ao RAI’s Third International Festival of Ethnographic Film, patrocinado pela Granada
Television.
/ 309
imagens, tratando-se de um processo de construção de corpos e
imagens ao mesmo tempo. Investirei, portanto, em uma chave
analítica que possa alocar a câmera de vídeo em um regime sóciocosmológico que está baseado no princípio de fabricação dos
corpos, mais especificamente tratando do endurecimento do corpo
como um processo inerente ao ciclo de vida e, então, sugerindo uma
dupla eficácia da câmera: tanto na constituição desse corpo quanto
em tornar visível sua qualidade rígida que, por sua vez, informa
uma condição específica de sujeito mebêngôkre: sua passagem de
objeto a sujeito em um contexto de relação assimétrica. O discurso
de Mokuká, proferido na ocasião do RAI’s Third International Festival
of Ethnographic Film, é ilustrativo nesse sentido:
Do whites alone have the understanding to be able to operate this
equipment? Not at all! We Kayapo, all of us, have the intelligence.
We all have the hands, the eyes, the heads that it takes to do this
work. (Mokuká Kayapó apud Turner, 1992, p. 8)
Assim, a pesquisa com vídeo entre os Kayapó coloca a necessidade
de atentarmos não exatamente para os filmes que são feitos, mas
para aquilo que é feito quando se está filmando. O discurso de
Mokuká, na medida em que nos remete a uma relação entre corpo e
técnica, permitirá a reelaboração de nossas preocupações: trata-se
de entender o que é feito com o corpo por meio de sua relação com
a câmera.
Essa relação está bem colocada na história sobre o primeiro contato
de Mokuká com uma câmera de vídeo, em 1989. Um amigo teria
deixado uma câmera com ele no encontro de Altamira, ocasião
que congregou diferentes povos indígenas contrários à construção
de hidrelétricas na região do Rio Xingu. Em sua narrativa, Mokuká
dá ênfase ao fato de que não teve instruções para manipular o
310 \
equipamento. Conta que desenvolveu inicialmente uma relação
experimental com a câmera, até que pudesse “se acostumar” com
ela. Por fim, em suas palavras, “minha mente entrou na câmera e a
câmera entrou em mim”.
Quero argumentar que, para os Kayapó, o ato de filmar supõe uma
atividade corporal mais do que uma ação baseada na assimilação
de gêneros narrativos ou padrões técnicos e estéticos.9 A imagem
filmada aparece como produto do desempenho do corpo.
Corpos que fazem imagens que fazem corpos10
Uma primeira reflexão sobre imagem e desempenho pode ser
empreendida a partir dos termos utilizados para designar as atividades
de fotografia e filmagem. Foto e filme são igualmente traduzidos
9 Ver Ingold (2000) para uma concepção instrumental de sujeito (que aparece como influência da
filosofia de Heidegger - dasein, ser-no-mundo). Em outra ocasião (Madi Dias, 2011), busquei relações
entre o trabalho do cinegrafista Kayapó e a estética do construtivismo russo dos anos 1920. Tal relação
é possível no sentido de uma arte anônima, mecânica, que oculta o sujeito. As aproximações são
instigantes na medida em que possibilitam aceder à imagem do ciborgue (Haraway, 2009), explorando
um potencial agentivo não-humano (Ingold, 2000) e conceituando essas imagens como diretamente
relacionadas a um dispositivo sensório-motor (Deleuze 1985; sobre o cinema de Dziga Vertov).
10 As discussões sobre corporalidade se desenvolvem, no interior da etnologia sulamericana, como
decorrentes de uma questão colocada por Joana Overing no simpósio Social Time and Social Space,
realizado no Congresso de Americanistas de 1976. Se o trabalho dos africanistas havia demonstrado a
importância das linhagens e dos grupos de descendência para aquele continente; se as sociedades do
Pacífico se encontravam caracterizadas pelos seus circuitos de troca como um fato social total; Overing
perguntava “o que é, então, que estrutura as sociedades amazônicas?”. Em artigo clássico de 1979,
Seeger et al. sugerem que “as noções ligadas à corporalidade e construção da pessoa são algo básico”
(p. 10); ver também Viveiros de Castro 1987. A partir de então, o corpo passa a desempenhar um lugar
central como idioma para definir identidade e diferença, objetivando relações sociais nas terras baixas
da América do Sul. As reflexões ora apresentadas se valem desse corpus de discussão e exploram o
“caráter artefatual do corpo ameríndio” (Cf. Lagrou 2009, cap. 2). Para além do contexto amazônico,
lembremo-nos do conceito hegeliano de “objetivação”, revisitado por Daniel Miller (2005) para tratar de
um surgimento coincidente entre sujeito e objeto; ou, ainda, da proposição maussiana segundo a qual
o corpo é “o primeiro e o mais natural objeto técnico” (Mauss, 2003, p. 407).
/ 311
por mekaron, palavra que também designa alma/ espírito/ duplo.
A atividade de produção dessas imagens, no entanto, apresenta
uma diferença importante: fotografia - mekaron kabá; filmagem mekaron ipêx. O ato de tirar fotos, mekaron kabá, remete à ideia
de cópia, é também como se referem às cópias de DVDs ou mesmo
pode significar “xerox” (de um documento, por exemplo). Filmar,
mekaron ipêx, apresenta a dimensão de desempenho da qual nos
ocuparemos aqui. Isso porque ipêx está ligado ao ato de construir/
fazer/ desempenhar (construir uma casa, por exemplo). A imagem
filmada, diferente da fotografia, é por definição um produto do
desempenho humano. E a apreciação dessas imagens pelos índios,
bem como o julgamento direcionado a elas, ajuda a compreender a
relação estabelecida entre a câmera e o corpo do cinegrafista.
Entre os Kayapó, ser um bom cinegrafista não significa necessariamente
fazer bons planos, mas ser capaz de manter o quadro e a sequência.
A imagem bela tem um caráter menos substantivo que adverbial: a
beleza não está na imagem, mas em como ela foi filmada. Em outras
palavras, o contexto narrado está em direta relação com o contexto
de enunciação. Não raro, ao assistirem a um vídeo, desejam saber
quem foi o cinegrafista: por isso, essa é mesmo uma maneira
de estar através das imagens - uma vez que a mão do mediador
permanece presente, compondo o produto final sobre o qual recairá
o julgamento estético. O que deve ser julgado é justamente a
condição de produção (a capacidade de quem filma). A reclamação
recorrente se dá quando o cinegrafista “treme” (não mantém bem o
quadro e/ou a sequência). O julgamento não recai sobre o fim (filme,
em seu aspecto de unidade narrativa e coesão interna), mas sobre
o processo que deu origem a ele. Valorizam não uma concepção de
“criatividade”, em si mesma, mas antes o êxito no cumprimento
312 \
de aspectos formais a serem seguidos, ou seja, um virtuosismo no
desempenho da técnica.11
Desse modo, a reclamação de que uma imagem não está boa
(punure) pode ser entendida como julgamento à condição do corpo
que a realizou: um corpo mole, fraco (rerekre). Ao contrário, uma
imagem bonita, realizada de forma correta (mejx), corresponde a um
corpo rígido, forte (töjx). A relação entre corpo e imagem sugere que
tenhamos simultaneamente uma imagem bela (mejx) e um corpo
rígido (töjx) – em oposição ao par imagem ruim (punure) / corpo
fraco (rerekre) Tal relação se sustenta em um conceito de beleza que,
conforme demonstrado pela literatura mebêngôkre, deve ser tomado
em uma perspectiva abrangente – indicando tanto coisas e pessoas
belas quanto sentidos moral e eticamente corretos. O gosto por uma
imagem bonita/correta poderá dizer sobre uma postura corporal
desejável e mesmo necessária à execução da atividade de filmagem.
Passemos à contextualização da prática de vídeo na ocasião dos
encontros políticos entre os Kayapó e os representantes do governo
regional ou nacional. Foi justamente nessas situações em que Terence
Turner notou a capacidade dos índios em se fazer presente através
do ato da filmagem. Cesar Gordon (2006, p. 209-210) chamou a
atenção para o fato de os índios Kayapó serem tão conhecidos pela
presença e, ainda mais, pelo exercício de sua bravura em situações
notáveis de encontro político com a frente de expansão brasileira,
mesmo após o processo de pacificação. O célebre encontro de
Altamira, ocorrido em 1989, permanece como exemplo clássico
dessa relação entre índios e brancos, marcada por hostilidade, tendo
sido descrito por Turner como o equivalente simbólico a uma caçada
coletiva (cf. 1991, p. 337-338, Baridjumoko em Altamira).
11 Alfred Gell (2005) descreveu algo semelhante com relação ao trabalho do escultor de madeira nas
ilhas Trobriand.
/ 313
Conforme notou Gordon, nessas reuniões fora da aldeia, os índios
se preparam diferente de como normalmente vão à cidade. Em
situações cotidianas, utilizam “roupas de branco”, procurando
demonstrar civilidade; procuram se apresentar de modo domesticado
ou pacífico (uabô ou djuabô). Nas situações de encontro político,
então, os “guerreiros” assumem uma postura feroz (àkrê ou djàkrê),
tratando da relação com o estrangeiro a partir da lógica da guerra e
da predação. Caracterizando essas duas qualidades do ser Kayapó
(uabô, àkrê), Cesar Gordon chama atenção para o fato de que
Essas características são efetivamente produzidas nas pessoas,
mediante uma série de procedimentos controlados de transformação
“afeto-corporal”, a que são submetidas desde crianças, e que
incluem: ingestão de certos alimentos, ordálios e provas de fogo
(no caso da qualidade agressiva); desenvolvimento da audição, do
entendimento e do respeito/vergonha (pia’àm), enfim, de uma
moralidade comunitária (no caso da qualidade domesticada ou
mansa). (Gordon, 2006, p. 218)
Desejo chamar atenção para o caráter ambivalente da prática de
vídeo no que diz respeito à produção do corpo: não apenas dá
visibilidade à condição corporal mas atua também como um modo
de constituição da subjetividade àkrê e a consequente objetivação do
outro. Opera justamente a passagem de objeto a sujeito e, portanto,
mobiliza esses diferentes estados do ser Kayapó, estabelecendo,
respectivamente via bravura e mansidão, os pares nós/sujeito
(bravos) X eles/objeto (mansos) em uma relação assimétrica.
Reside aqui o que Cesar Gordon (2006, p. 218) chamou de “uma
inflexão perspectivista do pensamento mebêngôkre”, algo relacionado
à alternância entre “dois vetores da relação” com a alteridade e tão
bem expresso pelo mito de Àkti, que conta a origem da bravura:
314 \
Antigamente os índios eram mansos, fracos e não tinham armas.
Eles viviam a mercê de Àkti, o gavião gigante, que os caçava,
carregava-os pelo céu até seu ninho e os devorava. Um dia uma
mulher velha foi ao mato com seus dois sobrinhos (netos) pequenos
para tirar palmito. Ali ela foi atacada por Àkti diante dos meninos,
que fugiram aterrorizados para a aldeia. O pai (ou tio) dos meninos
(irmão da mulher devorada pelo grande gavião), movido pelo
sentimento de vingança, descobre um meio de liquidar o monstro,
transformando seus sobrinhos em super-homens. Ele coloca os
meninos dentro de um grotão, alimentando-os com beiju, banana
e tubérculos para que cresçam bastante e fiquem fortes. Passamse os dias e é como se os meninos fermentassem dentro d’água.
Depois de um tempo eles haviam crescido e se tornado enormes,
mais fortes e capazes que qualquer índio. Caçavam antas e outras
caças grandes como se elas fossem pequenos roedores. Um dia,
então, Kukry-uire e Kukry-Kakrô saem para caçar Àkti munidos
de borduna, lança e um apito de taquara, armas feitas pelo tio.
Ergueram um abrigo de palha no chão, de onde se via o ninho
do gavião. Ao pé da árvore havia uma pilha de restos humanos
como ossos e cabelos. Os irmãos atraíram Àkti soprando o apito.
A imensa ave descia pronta para o ataque, mas eles escondiam-se
no abrigo, deixando-a desnorteada. Fizeram assim muitas vezes,
deixando o pássaro cada vez mais furioso e desorientado, até que
mostrou sinais de cansaço. Os irmãos, então mataram-no com
lança e borduna. Como troféu tiraram as penas de Àkti e puseram
na cabeça. Cantaram. Celebraram. Depois depenaram a ave e
retalharam-na em pedaços pequenos. Sopraram as penas e elas
foram transformando-se em pássaro. As penas maiores deram
origem às aves maiores (gavião, urubu, arara) as plumas menores
deram aos pequenos pássaros como o beija-flor.
(Gordon, 2006, p. 213-214)
Gordon passa a examinar a relação entre o mito de Àkti e o mito da
origem do fogo, que teria sido roubado da onça (Lévi-Strauss, 1964
/ 315
[2004]). “Ambos tematizam ideias mebêngôkre sobre a importância
de predar e não ser predado” (Gordon, 2006, p. 216).
A atividade do cinegrafista, pensada no contexto do encontro
com a alteridade, não pode deixar de acionar um jogo relacional
entre objeto e sujeito - posições não marcadas, não absolutas, mas
contextuais. O que está em questão é justamente um modo de marcar
essas posições e de se fazer sujeito frente ao outro. A câmera como
recurso dialógico, que opera uma passagem de objeto para sujeito,
só pode ser conduzida por um corpo duro, um corpo firme. Isso
porque a qualidade àkrê é aquela que importa para o relacionamento
com a alteridade. “É a qualidade da ‘alter-objetificação’ e da ‘autosubjetificação’” (Gordon, 206, p. 218).
Para se tornarem “agentes”, os heróis do mito recebem uma dieta
especial a base de bananas, beiju e tubérculos. Em outra versão desta
narrativa, coletada por Vidal (1977, p. 225), pode-se ler que, além
da dieta, os corpos dos garotos foram submetidos a um tratamento
com urucum e côco, depois de serem limpos “da sujeira e do melado
do peixe” com talhas de palmeiras. Essa preparação do corpo visa ao
seu aumento e ao seu fortalecimento para um momento especial de
enfrentamento com o inimigo. Depois de matarem o grande gavião,
os heróis roubam-lhe as penas, dançam e celebram. Apoderam-se
da beleza do inimigo e rapidamente a colocam para funcionar no
sistema cerimonial kayapó. A partir dessa perspectiva, podemos
compreender a importância da alteridade como horizonte de
conquista, em que o vídeo se coloca como um dispositivo de relação.
A relação entre o corpo e a câmera ajuda a pensar a prática de vídeo
em suas dimensões de permanência e variação: se, por um lado,
como demonstrei até aqui, os corpos passam por um processo
social de endurecimento/embelezamento; por outro lado, a câmera
impõe ao cinegrafista um modo específico de corporalidade,
316 \
proporcionando mesmo a reelaboração das técnicas corporais
(Mauss, 2003, p. 399-422). O cinegrafista deve ser capaz de assimilar
a agência da câmera, anexando ao próprio corpo as capacidades
técnicas do equipamento. A estética do ciborgue (Haraway, 2009)
parece ser útil ao sugerir acoplamento, a adição de agentividades
ao corpo através de conexões entre matérias heterogêneas e que
determinam corporalidades específicas. A especificidade aqui reside
na construção de uma capacidade visual que está baseada em todo
o corpo (e não em um órgão específico, o olho). Isso porque, para
atingir um parâmetro de perfeição dado pelo olho, todo o corpo deve
estar engajado na ação de filmagem. A ênfase na ação é importante,
pois é justamente o movimento que permite a avaliação estética do
corpo através da imagem12. Em uma linguagem cinematográfica, os
Kayapó têm no travelling a possibilidade de executar juízo sobre a
imagem e, portanto, sobre o corpo que a produziu.
Os termos que embasam o julgamento kayapó sobre o vídeo são
tanto a rigidez da imagem quanto seu movimento. O quadro deve,
então, não tremer e se movimentar. Podemos entender, assim, a
recusa pelo uso do tripé. Embora tenhamos sugerido, nas oficinas,
o seu manuseio, os alunos preferiam, explicitamente, trabalhar com
a câmera na mão, transferindo para o corpo a tarefa e a capacidade
do objeto técnico. Axuapé, um dos melhores cinegrafistas, chegou a
ser apelidado de Axuapé-mão-de-tripé.
12 É preciso considerar, certamente, a dimensão temporal envolvida no julgamento. Quanto maior
a duração de um plano, mais difícil será manter o corpo-câmera em movimento rígido. No entanto,
entre os Kayapó, essa percepção do tempo estará necessariamente subjugada ao movimento, pois se
trata justamente de apreciar a dispersão do movimento no tempo. Não estamos falando, então, de um
tempo puro - conforme aquele caracterizado por Deleuze (1990) como livre da ação e do movimento.
/ 317
A imagem cronicamente imperfeita
Vimos que uma imagem bela terá sido necessariamente produzida
por um corpo duro. Estabelecemos, assim, uma classe semântica
ampla, que reúne as ideias de auto-sujeição (àkrê), desempenho
(ipêx), rigidez (töjx) e produção de beleza (mejx). Resta dizer que
a imagem perfeita permanece cronicamente como uma imagem
ideal, impossível de ser realizada. A impossibilidade da perfeição
continuará falando de dinâmicas próprias aos Jê e aos Kayapó,
mobilizando a relação de hierarquia etária. É importante destacar
que, entre os Kayapó, “o desenvolvimento afeto-corporal de uma
pessoa, do nascimento à morte, pode ser visto como um processo
de ‘endurecimento’” (Gordon, 2006, p. 316) – o que nos permitirá
relacionar juízo estético e ciclo de vida.13
Algumas pessoas mais velhas eventualmente possuem uma câmera
e, com ela, realizam procedimentos de filmagem. Invariavelmente,
porém, o uso das câmeras dos projetos se dão por jovens escolhidos
pelo conselho dos homens. É preciso, então, diferenciar os usos da
câmera realizados pelas diferentes faixas etárias. Os mais velhos
parecem exibir um objeto de consumo diferenciado a que tiveram
acesso por meio de suas relações particulares, evidenciando uma
lógica consequentemente mais pessoalizada. Os mais jovens são os
escolhidos para a participação nos “projetos”, são designados pela
comunidade para o acesso a recursos disponíveis a partir do contato
com os brancos, assunto definitivamente público. O que acontece
quando essas imagens, provenientes dos “projetos”, que dizem
respeito a toda a comunidade e que são frequentemente exibidas em
sessões noturnas, são avaliadas por um público interno? Deparamo-
13 Diferencia-se aqui, através das categorias “jovens” e “velhos”, dois grupos etários presentes no
interior de uma mesma classe de idade, a dos Mekrare, “aqueles que já possuem filhos”. Para mais
informações sobre ciclo de vida entre os Mebêngôkre, ver: Gordon, 2006, p. 316-321.
318 \
nos aqui com um ciclo vicioso que não permitirá a execução da
beleza plena.
Isso ocorre porque, como vimos, a imagem bela deverá estar ligada
ao desempenho de um corpo duro – que, em sua rigidez, revela a
condição de sujeito/bravura. Acontece que os jovens jamais poderão
ser tão bons guerreiros quanto os mais velhos. A afirmativa pode ser
confirmada pelo uso da palavra “guerreiro”. A princípio, ela se aplica
a todos os homens, tanto que o ngà, espaço que ocupa o pátio central
da aldeia e classicamente traduzido pela literatura como a “casa dos
homens”, é quase sempre proferido pelos índios como a “casa dos
guerreiros”. No contexto de divisão e comparação etárias, como
nos casos de divisão de alimentos, a palavra tem seu uso reservado
aos mais velhos, com a formação de dois grupos: “os guerreiros” e
“os jovens”. Dizer que os mais velhos são mais guerreiros significa
dizer que são mais bravos/fortes, tendo sua subjetividade àkre mais
desenvolvida.
A dinâmica descrita pode ser entendida a partir de formulações, já
clássicas sobre as sociedades Jê, que destacam sua complexidade
sócio-cosmológica e enfatizam o detalhe, a segmentação e a
hierarquia (Nimuendaju, 1946; Lévi-Strauss, 1958 [2008, VIII];
DaMatta, 1976; Carneiro da Cunha, 1978; Maybury-Lewis, 1979).
A importância da segmentação etária, evidente em diversas
atividades rituais e cotidianas, impede que tenhamos uma sessão
de visionamento sem as críticas detalhistas dos mais velhos sobre
as imagens filmadas pelos jovens participantes dos projetos. Essas
críticas são realizadas tanto informalmente quanto em discursos
formais proferidos na casa dos homens, onde justamente os mais
velhos detêm o poder da palavra. Para os mais velhos, a imagem
sempre estará ruim, entenda-se, tremida. Em alguns momentos,
a sessão de visionamento parece mesmo um jogo de encontrar
/ 319
defeitos, através do qual se exerce a diferenciação e a hierarquia.
Aí reside, muitas vezes, a maior diversão dos Kayapó: assistir a uma
imagem que enfatiza a diferença e a segmentalidade internas e que,
assim, por meio de uma dimensão formal, fala da sociedade.
Comunicação
“Siga as valas que a água escavou, e assim conhecerá a direção do
escoamento”14
Se “guardar” (a cultura) permite entender a relação entre a prática
audiovisual e um modo de consciência histórica, “comunicar” sugere
um uso do vídeo que está preocupado com a geografia. Enquanto
utilizam o vídeo para guardar a cultura através do tempo, os Kayapó,
ao filmar e comunicar, estão proporcionando dispersão e mesmo a
ligação entre diferentes espaços.
Se antes tratamos do consumo das fitas mini-DV pelos cinegrafistas
(em função de uma demanda colocada pelo visionamento, é verdade),
devo dizer que algo consumido ainda com mais avidez pelos Kayapó
são os DVDs graváveis. Isso porque para cada fita que se gasta com
a filmagem de sessenta minutos, aproximadamente, muitos DVDs
serão gravados para que cada um tenha aquelas imagens e, ainda,
para que cada pessoa possa enviá-las para seus parentes próximos
ou distantes, muitas vezes em outras aldeias, acionando e criando
redes dentro e fora da aldeia, mobilizando o sistema de parentesco e
de amizade entre os Kayapó, entre si, e com relação aos seus outros
Sobre a reprodutibilidade técnica
Encontramos uma relação profunda entre as atividades de guardar
e comunicar, demonstrando como se tratam mesmo de processos
14 Carlos Castañeda apud Deleuze & Guattari, 1995, p. 20.
320 \
indissociáveis. Isso porque a reprodutibilidade técnica, como definiu
Walter Benjamin (2008), na medida em que “permite a reprodução
vir ao encontro do espectador, (...) atualiza o objeto reproduzido”
(p.168-169). Vimos que essa atualização constante é o que
caracteriza o guardar por imagens. É também o que possibilita uma
comunicação por imagens que está baseada fundamentalmente no
estabelecimento de relações sociais, acionando e também criando
redes por meio de um “valor de exposição” (Benjamin, 2008, p. 172).
Para Benjamin, podemos compreender a história da arte a partir
da variação do peso conferido aos dois vetores, inversamente
proporcionais: valor de culto e valor de exposição. “A produção
artística começa com imagens a serviço da magia. O que importa,
nessas imagens, é que elas existem, e não que sejam vistas” (p.
173). Com o passar do tempo, e com o advento da reprodutibilidade
técnica, teríamos assistido ao enfraquecimento do valor de culto
e ao consequente fortalecimento do valor de exposição das obras
de arte. O cinema e a fotografia radicalizam esse movimento,
fazendo da exibição um momento privilegiado para que as imagens
encontrem sua razão de ser – algo que parece fazer bastante sentido
para os Kayapó. Procurei então extrair rendimentos diversos de um
mesmo fenômeno: encontrei, conforme descrito sobre a imagem
guardada, um uso constante e imediato, evocando uma dimensão
espaço-temporal da imagem que aparece aqui decomposta: se antes
procurei caracterizá-la quanto ao tempo, agora pretendo analisar
seus desdobramentos quanto a mobilidade, dispersão, transmissão,
deslocamento.
Imagem como Mekaron
A questão da distribuição nos ajudará a desenvolver uma reflexão
sobre imagem como mekaron. Essa é a palavra utilizada na língua
/ 321
kayapó para designar imagem, fotos e filmes. Aplica-se também,
e originalmente, a alma/ duplo/ espírito. Propus anteriormente
(Madi Dias, 2011) um desprendimento deste termo (mekaron) com
relação àquela noção (imagem) e sugeri que o uso das palavras
em português (“imagem”, “filme”) aponta para concepções que
não são substancialmente distintas (encontram correspondência
em um sistema de signos, langue) mas que se referem a campos
diferenciados de aplicação discursiva (parole).
Se antes investi em uma variação quanto ao significado desses termos,
aqui investigo justamente as aproximações possíveis. Nesse sentido,
o exame da relação entre imagem e mekaron poderá contribuir pra o
entendimento da dimensão de mobilidade que, em detrimento de um
paradigma narrativo, informa a prática audiovisual entre os Kayapó.
Em outras palavras, quero argumentar que as imagens kayapó são
essencialmente anti-narrativas e essa característica estará bem
expressa na concepção de imagem como mekaron, isto é, alma/
duplo/ espírito. Façamos antes uma digressão em direção ao que
seria uma concepção imagética efetivamente narrativa. Vejamos o
que nos conta Etienne Samain sobre o caso kamayurá:
Os Kamayurá não possuem um termo específico para conotar
o que glossamos por “mito” ou, ainda, por “história”, “estória”
e “narrativa”. Utilizam a palavra “moroneta”, mais abrangente e
genérica, para designar toda forma de “explanação”, antes de tudo
verbal e narrativa mas que pode ser também de ordem visual e
pictórica. É por isso que um “desenho” (ta’angap) traçado sobre
o chão (por ex., o nome-tabu de uma pessoa) ou uma “fotografia”
serão também designados como moroneta, não somente porque,
como observa bem R. J. Menezes (1978, p. 89, nota 9) “são capazes
de, desacompanhados da expressão falada, explanar o que
registram” mas sobretudo – quero acrescentar – porque ambos
são as “réplicas” de uma realidade que somente podem “evocar”
322 \
ou retratar. Em outras palavras, moroneta (história, desenhos,
retratos) não são a realidade, mas apenas as representações e as
figuras dela, o que remete a um original presente ou ausente sem
o qual não existiriam. (Samain, 1991, p. 73)
Dois aspectos mencionados por Samain merecem nossa atenção. O
primeiro se refere ao estatuto da imagem que, por seu turno, aparece
como um ponto possível de encontro entre as concepções kamayurá
e kayapó. Trata-se, para os indígenas, de não confundir imagem e
realidade – mas destacar a existência de dois termos de uma relação
(signo e referente, para utilizar uma linguagem semiótica). Quanto
ao segundo ponto, devemos nos perguntar sobre o modo como se
estabelece a ligação entre imagem e realidade. Esse ponto expressa o
que poderíamos chamar de uma eficácia imagética (o que a imagem
faz), em que podemos perceber uma diferença crucial colocada na
comparação entre os casos kamayurá e kayapó quanto ao modo de
operação da imagem em um regime comunitário. Para os Kamayurá,
a relação entre imagem e realidade parece ter base discursiva: ao
reunir histórias, desenhos e fotografias em torno de um mesmo
significante linguístico (moroneta), temos o compartilhamento
de uma classe semântica que indica explanação, estendendo esse
sentido a diferentes modos de constituição do discurso e justamente
identificando discursividade e imagem. A moroneta se refere a uma
realidade original e, assim, aciona um discurso sobre ela. No caso
kayapó, a maneira como imagem e realidade se conectam adquire
uma dinâmica diferenciada. Axuapé me contou que
o mekaron pode aparecer em outro lugar. Quando você está
andando na mata sozinho... ou então no meio da noite, quando
você acorda e anda pra fora da casa e você vê o mekaron. O filme
é a mesma coisa. O filme leva a pessoa pra outro lugar. E aí você
pode ver essa pessoa em outro lugar.
(diário de campo, 30-07-2010)
/ 323
Podemos concluir que duas características do mekaron foram
emprestadas à imagem: visibilidade (você vê o mekaron) e
deslocamento/dispersão (aparece em outro lugar). As imagens,
mekaron, não se referem ao mundo a partir de um discurso sobre
ele. Elas fazem ver ao mesmo tempo em que levam para outro lugar.
Ainda no que diz respeito à relação entre imagem e mekaron, Ana
Gabriela Morim de Lima já havia me falado sobre a imagem ser “o
pirata da pessoa” – dado obtido em sua etnografia Krahô15 na ocasião
em que viajava para a cidade com o objetivo de comprar DVDs para
copiar vídeos. Seu informante se referia aos CDs e DVDs piratas,
que permitem copiar e difundir materiais originais. “A imagem é o
pirata da pessoa” aponta, então, tanto para a problemática da cópia
quanto para a dimensão dispersiva que essas cópias assumem em
um contexto de rede intra e interétnica. Isso porque um atributo
da cópia é o de justamente prover a proliferação e elevar o valor de
exposição de uma obra de arte por meio da reprodutibilidade técnica
(Benjamin, 2008, p. 165-196).
É interessante notar que Manuela Carneiro da Cunha, estabelecendo
a oposição entre vivos e mortos como um importante operador
classificatório para os Krahô (1978), havia descrito os mekaron
justamente por seu caráter estático. Essa estaticidade percorreria
toda a fisiologia dos mekaron, que estariam marcados pela ausência
de movimento próprio, sendo conduzidos pelo vento. Essa última
observação é extremamente importante por demonstrar que, mesmo
sendo caracterizado por uma estaticidade intrínseca, o mekaron
está necessariamente vinculado ao movimento. Talvez pudéssemos
sugerir que o movimento ocasionado pelo vento se identifica com
um movimento dado “naturalmente”, ou sem maiores esforços (uma
15 Povo indígena do Tocantins, também pertencente ao tronco linguístico macro-Jê. Dado obtido em
comunicação pessoal. Ver Morim de Lima 2010.
324 \
espécie de dispersão por natureza, cf. Madi Dias 2011, item 12 “Difusão por natureza, uma concepção de informação pública”).
Considero, por fim, extremamente interessante o modo pelo
qual o audiovisual dinamiza as relações sociais entre os Kayapó,
tanto internamente (guardando) quanto para com os seus outros
(comunicando). Isso porque, se voltarmos à descrição de Walter
Benjamin sobre a obra de Proust, chegaremos ao potencial realmente
incrível das imagens em propiciar sociabilidade:
um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na
esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado (leia-se
também “o acontecimento comunicado”, eu sugiro) é sem limites,
porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois.
(Benjamin, 2008, p. 37)
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328 \
\ Como filmei Nanook do Norte
Aventuras com os Esquimós para Conseguir Imagens da Sua Vida
Original e Suas Batalhas com a Natureza para Conseguir Comida.
A Luta da Morsa
/ Robert J. Flaherty, [F.R.G.S] (1922)
Em agosto de 1910, Sir William MacKenzie, cuja ferrovia transcontinental no Canadá setentrional estava nos estágios iniciais de
construção, contratou este escritor para levar a cabo uma expedição
até a costa oriental da Baía de Hudson, para examinar sedimentos de
certas ilhas, nas quais se supunha que poderia jazer minério de ferro.
No total, fiz quatro expedições em nome de Sir William, ao longo de
um período de seis anos, junto à costa oriental da Baía de Hudson,
através das terras estéreis da até então inexplorada península de
Ungava, seguindo a costa ocidental da baía de Ungava e a costa
austral da Terra de Baffin. Este trabalho culminou com a descoberta
do arquipélago da Ilha Belcher na Baía de Hudson — uma massa de
terra que ocupa 5.000 milhas quadradas — massa de terra sobre
a qual foram descobertas extensos sedimentos de minério de
ferro, mas todos de baixa qualidade, embora de futura importância
econômica. Como parte do meu equipamento de exploração nestas
expedições, incluía-se uma aparelhagem para produção de imagens
em movimento. Esperava-se assegurar filmes do Norte e da vida
Esquimó, que, de algum modo, poderia ter valor suficiente para
ajudar a custear algumas das despesas das explorações.
Enquanto invernava na Terra de Baffin, entre 1913 e 1914, foram
feitos filmes do país e dos nativos, assim como na expedição
seguinte, às ilhas Belcher. Na conclusão das sondagens, o filme, num
total de 30.000 pés, foi trazido de volta a salvo, a Toronto, onde,
durante a edição do material, tive o azar de perdê-lo completamente
por causa do fogo. Embora isso, naquele momento, parecesse uma
/ 329
tragédia, não estou certo de que não se tratou de uma pequena sorte
que ele tenha se queimado, posto que era bastante amador.
Meu interesse pelos filmes, daí em diante, cresceu.
Novas formas de filme de viagens foram surgindo e o filme da Ilha
Johnson do Mar do Sul pareceu-me particularmente ser uma boa
amostra do que seria feito no Norte. Comecei a crer que um bom
filme, apresentando os Esquimós e sua luta pela existência, no
dramaticamente inóspito Norte, poderia possuir um bom valor. Para
resumir a história, decidi ir para o Norte novamente — desta vez,
completamente devotado ao propósito de fazer filmes.
O Sr. John Revillon e o capitão Thierry Mallet, dos Irmãos Revillon,
ficaram interessados e decidiram financiar meu projeto. Provouse ser este um acordo feliz, posto que através do vasto sistema
de entrepostos peleiros dos Irmãos Revillon que se espalham pelo
Canadá setentrional, pude utilizar um destes entrepostos como o
núcleo do meu trabalho. Este entreposto estava situado no Cabo
Dufferin, no nordeste da Baía de Hudson, a aproximadamente 800
milhas ao norte da fronteira ferroviária setentrional de Ontario. A
jornada para lá iniciou-se no dia dezoito de junho de 1920.
De canoa com os índios, segui o Rio Moose até à Feitoria Moose na
Baía James. Daí para norte, uma pequena escuna me conduziu até
meu destino, ao qual cheguei no meio de agosto. Os recursos do
entreposto comercial peleiro dos Irmãos Revillon, no Cabo Dufferin,
estavam à minha disposição. Um dos alojamentos que compunham
o entreposto tornou-se meu, reunindo
dormitório e laboratório
cinematográfico.
Meu equipamento incluía 75.000 pés de filme, um gerador e projetor
elétrico Haulberg, duas câmaras Akeley e uma máquina copiadora
para que eu pudesse fazer cópias do filme enquanto ele era exposto,
e projetar as imagens na tela de modo que os esquimós da região
330 \
pudessem enxergar e compreender quaisquer enganos que viessem
a cometer.
Dos esquimós que eram conhecidos no entreposto, para o filme
escolhi, no total, uma dúzia. Destes, Nanook, um personagem famoso
na nação, era meu principal homem. A seu lado, e bem conforme sua
aprovação, escolhi três jovens como ajudantes. Isso incluía também
suas esposas e famílias, cães em número de aproximadamente vinte
cinco, seus trenós, caiaques e apetrechos de caça.
Como se por sorte, o primeiro filme feito foi da caça à morsa. Foi de
Nanook que primeiro ouvi falar da “Ilha da Morsa”, que é uma ilhota
perdida no mar e inacessível aos esquimós durante a estação de
águas abertas, pois é longínqua o bastante para não ser visível da terra.
Na extremidade sul da ilha, em uma praia batida por ondas, havia, no
verão, segundo Nanook, várias morsas, julgando pelos vestígios que
foram vistos no inverno por um grupo de esquimós caçando focas,
os quais, pegos por uma fratura no gelo, foram forçados a morar
lá até a primavera seguinte, ocasião em que eles só conseguiram
alcançar o continente ao construir um umiak de peles de foca e
troncos, escavando as massas de gelo no mar aberto, que ainda
restavam presas à costa. Nanook estava bastante entusiasmado com
minha ida, pois, como ele disse “Há muitas luas que eu não caço a
morsa do verão”.
Quando resolvi fazer a viagem, todo o interior ficou interessado. Já
não havia falta de candidatos para a viagem. Todo mundo me fornecia
alguma razão particular pela qual deveria ser incluído na expedição.
Com um barco de mar aberto de vinte e cinco pés de comprimento
equipado com uma vela Leg-O-Mutton (uma vela triangular, como as
de windsurf), partimos, com uma multidão de esquimós, suas esposas,
crianças e cães aglomerados na praia para nos ver sair. Algumas
milhas a partir do entreposto, alcançamos o mar aberto, quando
/ 331
então por três dias tivemos de ficar na costa esperando por tempo
bom o bastante para fazer a travessia. Finalmente alcançamos a ilha
em um dia, ao pôr do sol, e desembarcamos naquilo que nada mais
era que um amontoado de destroços de pedregulhos e rochedos,
de uma milha e meia de comprimento, com espuma de ondas
em toda a borda. Em torno do privilégio de uma fogueira de troncos
a deriva (troncos são raros no continente), ficamos em vigília até
tarde da noite, especulando principalmente sobre as chances de
encontrar polvos.
Como se a sorte chegasse exatamente na hora em que iríamos
nos recolher, de repente veio de Nanook uma exclamação “Iviuk!
Iviuk!” e o ladrar de um cardume de morsas ressoou no ar. Quando,
cedo na manhã seguinte, nos levantamos, dê-mo-nos conta, para
nossa decepção, que a manada de morsas havia retornado ao mar
novamente, mas logo depois, e bem próximos da praia, os líderes
de um grande cardume de morsas lançavam-se sobre o mar, com
suas presas malvadas lampejando no sol. Enquanto estivessem
dentro d’água, não haveria filmes a fazer, e então voltamos ao
acampamento. Nos dois dias seguintes, fizemos quase uma
viagem a cada hora até que finalmente as encontrássemos — uma
manada de vinte — adormecidas, refestelando-se na areia da praia.
Ainda mais afortunadamente, elas jaziam em um lugar no qual,
ao nos aproximarmos, poderiam ser enquadradas de uma visada
ligeiramente elevada acima do solo. Atrás da elevação, montei a
câmara enquanto Nanook passou o fio no seu arpão, começando
a nos esgueirar lentamente sobre o topo. Deste topo até onde elas
jaziam, havia não mais do que cinquenta pés, e, até que Nanook
engatinhasse até metade desta distância na direção delas, nenhuma
das morsas havia se assustado. No resto do caminho, toda vez que
a sentinela da manada erguia lentamente a cabeça para olhar ao
redor, Nanook deitava-se inerte no chão. Então, quando sua cabeça
332 \
inclinava-se de volta e caia no sono, outra vez Nanook minhocava
seu caminho lentamente. Devo também acrescentar aqui que as
morsas têm, em terra, uma visão limitada. Pois, para se proteger, ela
depende do seu nariz e, uma vez que o vento seja favorável, pode
ser seguida bem de perto. Quando estava quase entre elas, Nanook
divisou o maior macho, levantou-se rapidamente e com toda força
lançou seu arpão. O macho ferido urrou de fúria, com sua enorme
massa mergulhando e rebentando no mar (ele pesava mais de 2.000
libras), os gritos dos homens arriscando suas vidas na tentativa
de segurá-lo, os berros de combate da manada nos rodeando,
companheiros do macho ferido que enxameavam ao redor, presas
travadas, numa tentativa de resgate — foi a maior briga que eu já
havia visto. Por um longo tempo, ficou-se em um perde-ganha – a
equipe repetidamente pedindo-me que usasse a pistola –, mas como
a manivela da câmara era então o meu único interesse, fingi que não
entendia. Finalmente, Nanook empenhou-se na querela, e foi puxado
em direção à rebentação, onde ele era batido pelos pesados mares,
incapaz de lograr vantagens na água. Por pelo menos vinte minutos,
ficou-se neste cabo-de-guerra. Eu afirmo que eram vinte minutos
com segurança, posto que arranquei dali 1.200 pés de filme.
Em nosso barco, carregado de carne de morsa e marfim — foi uma
tripulação feliz que me trouxe de volta ao entreposto, no qual
Nanook e seus amigos foram saudados com fervor. Não perdi tempo
para revelar e copiar o filme. A luta da morsa foi o primeiro filme que
estes esquimós jamais haviam visto e, na linguagem dos negócios,
foi um “nocaute”.
A audiência — que se amontoava na cozinha do entreposto quase
a ponto de se sufocar, esqueceu-se completamente da imagem –
para eles a morsa era real e viva. As mulheres e crianças, nas suas
vozes agudas estridentes, juntaram-se aos homens na gritaria de
admoestações, avisos e conselhos a Nanook e a sua equipe, à medida
/ 333
que o filme se desdobrava na tela. A fama deste filme espalhou-se
por todo o território. E por todo o ano em que eu lá permaneci, cada
família que passava pelo entreposto me suplicava para que lhe fosse
exibido o Iviuk Aggie.
Depois disso, não demorou para que meus esquimós vissem o
aspecto prático dos filmes, de modo que logo abandonaram a sua
atitude inicial de riso e troça em relação ao Angecak, isto é, ao Mestre
Branco que queria imagens deles — os mais comuns objetos de todo
mundo! Daquele momento em diante, estavam todos do meu lado.
Quando, em dezembro, a neve começou a cair pesadamente no solo,
os Esquimós abandonaram seus topecks de pele de foca e a vila de
iglus de neve ergueu-se ao redor do meu entreposto de invernada.
Eles cercaram de neve minha pequena cabana até o ocaso com
espessos blocos de neve. Ele ficou tão espessamente murado quanto
uma fortaleza. Minha cozinha tornou-se seu salão de encontros —
havia sempre um balde de cinco galões de chá pousado no fogão, e
bolachas-do-mar no barril.
Também o meu pequeno gramofone era propriedade comunal.
Caruso Farrar, Ricardo-Martin e McCormick alternavam-se com as
orquestras de Harry Lauder, Al Jolson e Jazz King. O prólogo de
Caruso no Pagliacci, com sua trágica conclusão, era para eles a
gravação mais cômica do conjunto. Levava-os a rebentar de rir até
rolar no chão.
As dificuldades para revelar e copiar o filme durante o inverno eram
muitas. A conveniência da civilização da qual mais senti falta era a
água corrente. Por exemplo, a lavagem do filme, requeria três barris
de água para cada cem pés. O buraco de água, então de oito pés de
gelo, tinha de ser mantido aberto durante todo o inverno e a água,
coagulada em partículas de gelo, precisava ser retirada, um barril de
cada vez, de uma distância de mais de um quarto de milha. Quando
334 \
digo que mais de 50.000 pés de filme foram revelados durante o
inverno, sem nenhuma ajuda além da dos meus Esquimós, e na
lenta taxa de oitocentos metros por dia, pode-se de algum modo
compreender o volume de tempo e de labuta envolvidos.
A caça da morsa mostrou-se de tal sucesso que Nanook passou
a aspirar coisas maiores. A primeira das coisas maiores iria ser
uma caça ao urso no Cabo Sir Thomas Smith, que jaz em torno de
duzentas milhas ao norte de nós. “Aqui”, disse Nanook, “é onde a
ursa hiberna no inverno. Eu sei, porque já as cacei lá, e me parece
que lá poderíamos ter a grande, grande aggle (imagem).”
Ele passou então a descrever como, no início de dezembro, a ursa
hiberna em vastos aterros de neve à deriva. Não há nada que indique
o refúgio, exceto a pequena ventarola ou buraco de ar que é derretido
pelo calor corporal do animal. Ele passou então a avisar que ninguém
deve andar por ali, pois poderia cair dentro, situação na qual a ursa
ficaria furiosa! Seus companheiros permaneceriam junto de mim,
cada um de um lado, rifles nas mãos, enquanto eu filmasse (ele
estaria, ao menos, garantindo a minha segurança neste negócio).
Ele, com sua faca de neve, abriria o refúgio bloco por bloco. Os cães,
neste meio-tempo, seriam todos soltos e, como uma alcateia de
lobos rodeando a presa, juntar-se-iam ao redor dela, uivando para
os céus. Com a porta do refúgio da Senhora Ursa aberto, Nanook,
com nada além do seu arpão, estaria preparado e esperando.
Os cães acossando a mina — alguns deles arremessados pelo ar
por patadas-relâmpago da ursa — Nanook dançando lá e cá (ele
encenava a cena no chão da minha cabana usando o arco do meu
violino como arpão) esperando para lançar um arremesso de curta
distância — este, ele tinha certeza, seria uma grande, grande imagem
(aggie peerualluk). Concordei com ele. Depois de duas semanas de
preparação, partimos. Nanook, com três companheiros, dois trenós
/ 335
pesadamente carregados e dois times de uma dúzia de cães. Meu
suprimento alimentar compreendia cem libras de porco com feijão,
que havia sido cozido em enormes caldeiras no meu entreposto, e
então colocados em um saco de lona e congelados. Estes feijões,
arrancados com um machado da massa congelada, junto com frutas
secas, bolachas-do-mar e chá, compraziam minha provisão de
comida.
A dieta de Nanook e de seus companheiros era foca e morsa,
acrescidas de chá e de açúcar do meu suprimento e, o mais
importante de tudo, de tabaco, aquele mais valorizado tesouro do
homem branco. Nós partimos em um dia de frio cortante — o dia 17
de janeiro —, com cada contorno de paisagem borrado pelo vento
nevado. Por dois dias fizemos um bom progresso, pois o solo em
que viajamos estava duro e bem batido pelo vento. Depois deste
período, porém, um poderoso vendaval com precipitação de neve
arruinou nosso bom curso. Dia após dia, seguimos lentamente nossa
jornada. Dez milhas, ou menos, era a média diária de deslocamento.
Havíamos esperado cobrir as 200 milhas até Cabo Smith em oito dias,
mas depois de passados doze deles, descobrimos que estávamos
apenas a meio caminho. Ficamos desencorajados, com todos os cães
completamente exaustos e, para piorar ainda, com as provisões de
foca e comida para os cães próximas do ponto de esgotamento.
A baixa linha costeira a partir da qual havíamos viajado por dias
revelou-se, no final, uma miragem enganadora, pendurada no céu, de
modo que Nanook não conhecia sua própria localização, e tampouco
a nossa posição em relação ao Cabo Smith. Constantemente, à
medida que caminhávamos ao longo da monotonia dos dias, nossa
proximidade do Cabo Smith tornava-se o assunto supremo de
nossas mentes. “Quão próximos estamos?”, a pergunta que vinha de
hora em hora, tornou-se o suplício da pobre existência de Nanook.
Nas poucas vezes em que ele tentou prever, estava invariavelmente
336 \
errado. Finalmente, viajamos até um ponto onde o Cabo, Nanook
estava certo, se encontrava a não mais do que alguns dias de jornada,
pois ele estava certo que o havia divisado através da névoa e geada
o antigo território de caça de anos anteriores. Durante o dia, seus
companheiros acharam que ele estava outra vez enganado. Eles não
podiam conter sua impaciência e irritação. O pobre Nanook ficou
indignado e, à medida que continuávamos, ele mantinha sua cabeça
erguida, recusando-se firmemente a olhar novamente para aquele
continente enganador.
Estávamos já no limite do nosso feijão quando finalmente alcançamos
o Cabo Smith. Nossa cadela líder, de couro marrom, que estivemos
nos três dias anteriores carregando em cima do trenó na tentativa
de salvá-la, estava morrendo de inanição. Nanook sacrificou-a com
seu arpão e, enquanto lançava longe a carcaça, disse: “Acabou-se
a comida para os cães”. Bem, de todo modo, havia focas no Cabo,
disso estávamos seguros, e além do mais teríamos que permanecer
ali durante o dia, de modo que continuamos otimistas o suficiente.
A grande massa de terra do Cabo, elevando-se a meros 1.800 pés,
postava-se desafiadoramente diante de nós. Pelo cair da noite,
alcançamos nossa terra preciosa de ursos e focas e abundância.
Estacamos ante a elevação de um antigo terreno de acampamento
de Nanook e, abandonando trenós e cães, subimos ansiosamente
até um mirante, em busca de uma vista de boas-vindas dos terrenos
de foca. Apreciamos lá um momento ou mais, antes de percebermos
que o terreno de focas que havíamos procurado era exatamente
igual a todo o terreno atravancado pelo qual havíamos viajado —
um sólido campo branco, e em nenhum lugar uma pista de caça de
águas abertas. Esquecemos sobre a caça ao urso; por duas semanas
e meia, buscamos por focas vagando dia após dia seguindo o sopé
de gelo quebrado do Cabo. Neste intervalo, duas pequenas focas
foram mortas e elas eram exatamente o suficiente para manter os
/ 337
cães vivos. Por quatro dias, certa feita, ficamos sem óleo de foca e
nosso iglu ficou mergulhado na escuridão. Os cães estavam no limite
do cansaço, dormindo no túnel do iglu. Sempre que eu quisesse
engatinhar porta afora, tinha que levantá-los de lado como se fossem
sacas de farinha, pois estavam demasiado cansados e indiferentes
para se afastar. A ironia disso tudo é que ursos, havia por toda parte,
certa noite, quatro deles passaram a uma centena de pés de nosso
iglu, mas os cães estavam fracos demais para uivar para eles ou
para detê-los. O meu estoque de comida estava se aproximando das
raspas. Por alguns dias estive partilhando-o com os homens.
Jamais esquecerei uma manhã amarga, na qual Nanook e seus
homens começavam a sair para um dia de caça nos campos de gelo
marinhos. Descobri, de repente, que nenhum deles havia tocado
minha comida na hora do desjejum. Quando protestei com Nanook,
ele respondeu que ele temia que eu ficasse sem! Todavia, nossa sorte
mudou no cair da noite, quando Nanook engatinhou para dentro do
iglu exibindo um sorriso de orelha a orelha, enquanto gritava as
bem-vindas palavras “Ojuk! Ojuk!” (a grande foca). Ele havia abatido
uma foca adulta, que era “muito, muito grande” e suficiente para que
nós e os cães fizéssemos a jornada, de volta ao sul. Que banquete
estes homens fizeram, ao longo daquela noite memorável! Quando
acabou, Nanook disse em profundo contentamento, “Agora, estamos
fortes de novo e quentes. A comida do homem branco nos deixou
muito fracos e frios”. A carne de foca é certamente fonte de calorias
no mais alto grau. Quando eu acordei na manhã seguinte, estavam
todos ainda adormecidos, com os corpos cobertos de cristais de
gelo, com uma camada de vapor flutuando sobre eles no frio ar do iglu.
Muito embora o problema do suprimento de comida tivesse sido
por ora solucionado, ainda não éramos capazes de viajar, posto que
os cães necessitavam serem alimentados. Neste ínterim, caçamos
338 \
por sinais de tocas de urso, seguindo os gigantescos flancos do
cabo. Havia rastros em toda parte, mas de tocas, apenas uma, e
ainda assim, abandonada. Tivéssemos tempo sobrando, seria
apenas questão de dias antes que encontrássemos uma, mas eu
tinha uma grande quantidade de filme para fazer no meu entreposto
de inverno, e como não houvesse mais tempo para desperdiçar,
bastante relutantemente, então, deixamos o Cabo e começamos a
trilhar a viagem para casa. Chegamos lá no décimo dia de março
e assim terminaram as seiscentas milhas e cinquenta e cinco dias
da jornada da “grande imagem” do nosso Nanook. Mas de maneira
nenhuma ela foi perdida: eu estava mais rico de um conhecimento
mais pleno das excelentes qualidades dos meus valiosos amigos, os
esquimós.
Tradução: Bráulio de Britto Neves
/ 339
\ Banghawi: caça ao hipopótamo com o arpão
pelos pescadores Sorko do Médio-Níger
1
/ Jean Rouch
Um dos primeiros estudos etnográficos publicados pelo
então jovem antropólogo Jean Rouch, quatro anos antes da
defesa de sua tese de Doutorado de Estado na Sorbonne
(Essai sur la Religion Songhay, 1952), este artigo até aqui
inédito em português constitui um texto modesto mas
importante no conjunto de seus trabalhos sobre a prática da
caça pelos Songhay. Relatando e explicando exatamente os
mesmos fenômenos que ele filmou em 1947 e que seriam
desvirtuados na montagem, feita à sua revelia, de No país
dos magos negros [Au pays des mages noirs, 1947], o
artigo nos permite imaginar precisamente o que deveria ter
sido o comentário verbal daquele primeiro filme de Rouch
se ele mesmo tivesse podido montá-lo e sonorizá-lo à sua
maneira, sem a intervenção das Actualités Françaises. Ele
constitui assim uma peça-chave do dossiê que compreende
aquele primeiro filme de 1947, o outro filme sobre a caça
ao hipopótamo feito como uma resposta a ele, Batalha no
grande rio (Bataille sur le grand fleuve, 1950-51), e um
terceiro filme, bem posterior (Jean Rouch premier film:
1947-1991, de Dominique Dubosc e Jean Rouch), no qual um
Rouch já velho evoca as desventuras do seu primeiro filme e
improvisa na sala de projeção um novo comentário para seu
bloco final mostrando a sequência das danças de possessão.
(Nota de Mateus Araújo)
1 Artigo publicado originalmente no Bulletin de l’Institut Français d’Afrique Noire, Dakar, Tome X,
année 1948, p. 361-377, e recolhido bem mais tarde em Jean Rouch, Les Hommes et les dieux du
fleuve: Essai ethnographique sur les populations Songhay du moyen Niger (1941-1983). Paris: Editions
Artcom’, 1997, p. 63-78. A versão traduzida aqui é a do volume de 1997, sem as 9 fotografias que
acompanhavam o texto. [N. dos T.]
340 \
A caça ao hipopótamo com o arpão é uma especialidade dos povos
pescadores do Níger. Mas os Somono, Bozo, Sorkawa ou Noupawa
reconhecem todos que os Sorko, pescadores Songhay do Norte da
curva (boucle) do rio, lhes são superiores nesta pesca especial. De
fato, uns são antes de tudo pescadores com a rede, com a cesta
(nasse) ou com o anzol, isto é, pescadores de peixes, ao passo que os
outros se servem quase exclusivamente do arpão, com o qual pegam
alguns peixes grandes, os lamantins, os crocodilos e, sobretudo, os
hipopótamos.
Os antigos cronistas, Ibn Batouta, El Bekri e Léon, o Africano, já
tinham se impressionado com essa pesca especial. Eis o que diz
dela Ibn Batouta: “As pessoas desta região se servem para pegar os
hipopótamos de um belo expediente. Elas têm lanças perfuradas em
cujos buracos passaram fortes cordas. Elas ferem os animais com
estas armas. Se o golpe atinge a perna ou o pescoço, a lança penetra
nessas partes do anfíbio que elas puxam por meio de cordas até a
margem onde o matam e comem a sua carne...” E, como se verá,
cerca de dez séculos depois, a descrição ainda continua válida.
Inumeráveis canções songhay tematizam a caça ao hipopótamo. A
maior parte descreve os altos feitos de Faran Maka, o ancestral de
todos os Sorko. Mas, se a habilidade incrível daquele que matava
quarenta hipopótamos por dia é particularmente elogiada, é
sobretudo a força mágica do primeiro pescador que constitui o tema
dessas canções. Nelas, a caça aparece como uma competição mágica
entre o hipopótamo e o seu caçador, cujos feitiços acabam sempre
por obter a decisão favorável das forças invisíveis.
Mas, desde a chegada dos franceses, a caça ao hipopótamo foi proibida,
e, apesar de algumas fraudes, desapareceu quase inteiramente. E
os Sorko, privados de sua principal atividade, recusando-se muitas
vezes com orgulho a aprender a técnica da pesca com a rede,
/ 341
voltaram-se para necessidades mais espirituais, como a de padre
da religião dos espíritos, privilégio de sua hereditariedade; mas os
velhos conservaram em toda parte a nostalgia e as tradições intactas
dessa grande pesca...
Tendo obtido a permissão para matar dois hipopótamos, meus
companheiros e eu decidimos caçar esses animais com os pescadores
Sorko da região de Firkoun, tentando fazer um filme. O texto que
segue é o resumo desta caça.
Lugar
Trecho [Bief] Labbezenga-Firkoun (Colônia do Niger, circunscrição
de Tillabéry, cantão de Ayorou, na fronteira do Sudão e do Niger)
Este trecho do rio Níger, de uns quinze quilômetros de comprimento,
se situa entre as correntezas de Labbezenga e as de Firkoun. Ali,
vivem em permanência uns cinqüenta hipopótamos, cuja residência
preferida é a bacia de Yassane.
Data
Em 23 de agosto de 1946, uma tentativa de caça se fazia com alguns
Sorko do vilarejo de Ayorou. Um animal foi isolado, mas conseguiu
retornar ao rebanho antes de ser arpoado. Os Sorko desistiram. Essa
tentativa infrutífera deixava muitas lições: ela nos ensinou que a
caça ao hipopótamo requeria uma minuciosa preparação técnica e
religiosa. Nós marcamos um encontro com os Sorko alguns meses
mais tarde.
Em 13 de janeiro de 1947, descendo o Níger em piroga, encontramos
todos os Sorko dos vilarejos de Ayorou, Firkoun, Koutougou,
reunidos no vilarejo de Firkoun para construírem lá uma grande
piroga especial para a caça ao hipopótamo.
342 \
Na segunda-feira 27 de janeiro de 1947, lançamento desta piroga,
depois festa dos espíritos. Na quarta-feira 29 de janeiro, sacrifício
sobre os arpões. Na quinta-feira 30 e na sexta-feira 31 de janeiro,
caça propriamente dita. No sábado 1º de fevereiro, corte em pedaços
do animal morto.
Participantes
O chefe do cantão de Ayorou, Yabouka (cuja ajuda e amizade nos
foram particularmente úteis), reunira sob a autoridade do Sorko
Oumarou, do vilarejo de Firkoun, todos os Sorko de seu cantão,
ou seja, 12 Sorko do vilarejo de Koutougou, 9 Sorko do vilarejo de
Firkoun, 10 Sorko do vilarejo de Ayorou, perfazendo um total de 31
Sorko (eu lembro que para ser Sorko é preciso ser filho de Sorko).
Pirogas
Esses 31 Sorko dispõem de 10 pirogas comuns de pesca. São
pirogas estreitas chamadas “de Gothey”, do nome do mercado onde
se compram, formadas de 2 troncos escavados e unidos por uma
costura central. Os meios de propulsão são os remos e as varas. Para
a navegação rápida nas ervas, as varas são especialmente munidas
de uma forquilha de madeira numa de suas pontas.
A tripulação é composta de dois ou três Sorko.
Uma grande piroga com pranchas costuradas foi construída. Propulsada a vara, sua tripulação é de três homens (os velhos).
Construção da grande piroga
Desde o mês de setembro, os Sorko foram à savana cortar troncos
de garbey (Acacia vereck?), que eles cortaram com machado em
pranchas de uns dez centímetros de espessura. Essas pranchas
eram conservadas e desbastadas sob a água. Um tronco de tockay
/ 343
foi cortado e conservado inteiro para formar a proa da piroga. Fibras
de disima (da) eram trançadas e enroladas numa cordinha.
Em dezembro, o chefe Oumarou e o zarolho Issaka começavam
a construir a piroga. Um plano era desenhado sobre o solo e
partindo da base da proa segura e erguida, as pranchas eram
costuradas formando o fundo (dari) de 5 metros por 1,20 m, com
três pranchas unidas. Depois o lado (dewe) de 1,50m de altura era
erguido com 4 pranchas superpostas e juntas desencontradas para
aumentar a solidez. A popa (likko) terminava a embarcação com três
pranchas verticalmente unidas. Todas essas pranchas, talhadas sob
encomenda, tinham sido perfuradas com buracos para permitir a
costura com corda fina.
Esse trabalho foi todo executado pelos Sorko, cujas ferramentas
eram machados, enxós, tesouras e facões.
Esterco de cavalo fresco era disposto entre as pranchas antes de seu
ajuntamento, e em seguida a vedação era feita a faca com ervas lalla,
impregnadas de lodo (vedação feita do interior do barco).
Três barras de afastamento foram enfim fixadas para aumentar a
rigidez desse conjunto volumoso (comprimento: 5m, largura: 1,20m,
altura: 1,50m).
Esta piroga foi concebida para resistir aos assaltos do hipopótamo,
às suas mordidas e às suas investidas. As pranchas são espessas
demais para que ele possa quebrá-las, os lados são altos demais
para que ele possa derrubar a piroga, que navega muito facilmente,
e cujo balanço em caso de ataque muito brutal é ainda acentuado
pela tripulação que se coloca sobre o lado oposto ao animal.
Normalmente, a construção desta piroga leva um ano. Pronta, ela
dura dois anos sem reparo. Em seguida ela se repara por partes, pela
substituição de suas peças à medida que elas vão estragando.
344 \
As armas
A arma é o zogu, arpão cujo ferro farpado é ligado por uma corda a
um flutuador terminal. No momento em que o arpão atinge o animal,
o ferro se destaca da haste, a corda se desenrola e o flutuador indica
na superfície da água o lugar onde se encontra o animal. Quando
um grande número de arpões o atingem, ele fica quase imobilizado,
enlaçado nos flutuadores e cordas.
Cada Sorko possuía em média três arpões, o que levava a uns cem o
número total de arpões.
Os próprios Sorko fabricam os arpões. Para esta caça eles completaram
o estoque, trabalhando nos arpões durante alguns dias que se
seguiram ao lançamento da grande piroga.
O ferro (nadyi) farpado de duas ou três pontas foi forjado por um
ferreiro. Ele foi gravado com um desenho geométrico, que permite ao
seu proprietário reconhecê-lo. O ferro é encabado, madeira em ferro,
numa haste (aydonto) de 1,50m, de madeira de kaba. Essa haste foi
por sua vez enfiada no flutuador (sede), de madeira de Kollo, espécie
de sabugueiro muito leve, cortado em fuso, ou ajuntado em feixe.
Uma corda (kerfu) de fibra de disima, com 4m de comprimento,
liga o ferro ao flutuador. Ela é enrolada com cuidado graças a pinos
enfiados no flutuador.
Zogu (a: haste ; b: ferro destacável; c: corda; d: flutuador; e: pino)
Uma lança comum (yagyi) fortemente encabada serve para dar o
golpe final no animal.
/ 345
Os ritos
Lançamento da grande piroga
Em 27 de janeiro, por volta de 15 horas, todos os habitantes da aldeia
de Firkoun se reuniram para assistir ao lançamento da grande piroga.
O Sorko Bilo amarra uma pequena campainha numa prancha da popa
(simples enfeite, diz ele). Depois os Sorko empurram a embarcação para
a água. Quatro pescadores sobem a bordo para os testes de estabilidade
e balanço que se mostram muito satisfatórios, o barco parecendo muito
estável na água. Os dois engenheiros, Issaka e Oumarou, se declaram
satisfeitos. Depois a grande piroga é deixada no porto por alguns dias,
a fim de que a madeira inche e as costuras se enrijeçam.
Festa dos espíritos (hole hori)
Assim que a grande piroga é lançada, os tambores se põem a tocar para
convidar as pessoas à festa dos espíritos. Esta cerimônia visa provocar
a possessão de um dançarino pelo espírito da água, Harakoy Dikko, e
pedir a este dono da água, dos peixes e dos hipopótamos, a autorização
para matar um dos animais de seu rebanho.
A orquestra é composta por quatro tocadores de tambor e um violinista.
Ele fica de costas para o sol numa pequena praça na beira do rio. Os
espectadores fecham o círculo. Um zima (agente de culto inferior) oficia
até o momento em que, a operação estando bem lançada, os Sorko,
ocupados em construir seu arpão, se encarregam dela. O zima se põe a
dançar, logo seguido pelos seis dançarinos rituais (um homem e cinco
mulheres). A orquestra toca sucessivamente as músicas dos diferentes
espíritos. E é só ao cair do sol que a jovem dançarina Haddidya é tomada
pela crise sagrada. Ela geme, ela chora, ela rola no chão urrando. Ela é
possuída pelo espírito Niaberi. Depois, é a velha Gitu que é possuída
pelo espírito da água, Harakoy Dikko; Somau, pelo espírito do trovão,
346 \
Dongo; e Mata pelo espírito Haussakoy. Os Sorko se precipitam, cercam
o espírito da água e o ajudam a se assentar numa esteira com uma
almofada. Os Sorko tomam lugar ao redor. O Sorko Nuhu recita as
preces rituais, depois o chefe Oumarou começa o interrogatório.
Oumarou – “Nós pedimos para matar o hipopótamo”.
Harakoy – “Oumarou, você e seu irmão, o que vocês me fizeram eu não
esquecerei jamais (trata-se da tentativa de caça do mês de agosto), eu o
protegi e tirei todos os zogu que vocês lhe teriam lançado. Assim, vocês
não pegarão nenhum hipopótamo dessa vez
Oumarou: “Eu lhe peço perdão. Depois dessa caça eu vou criar um
carneiro branco para você”.
Harakoy – “Aceito suas desculpas. Há 4 anos que vim a Firkoun, e hoje
vou ficar por mais tempo”. (Nesse momento, Harakoy fala com o Sorko
Daoudou Gaoudel, que se torna o novo interlocutor): “Se Deus quiser, e
se vocês seguirem seu chefe Oumarou, tudo o que caçarem ganharão”.
Daoudou – “É isso que eu quero, para ser feliz”.
Harakoy – “Sigam Deus e Oumarou. Se ele lhes disser para se levantarem
no meio da noite para ir caçar, é preciso se levantar e partir. Se vocês
seguirem Oumarou, em um dia, dez Sorko vão lançar seu zogu sobre
o hipopótamo e se vocês não discutirem muito entre si, poderão matar
dez hipopótamos”.
Daoudou –“ Obrigado”.
Harakoy – “Estou sozinho no mundo e sempre segui seu avô e todos os
seus filhos”.
Nesse momento os espíritos Dongo e Haussakoy se assentaram sobre
os joelhos de Harakoy que parte lentamente para ser substituído por
Bandarou, o espírito cativo. Numerosos espíritos Hauka giram em torno
/ 347
fazendo um barulho pavoroso. Depois, pouco a pouco, um após o outro,
os espíritos abandonam seu médium que fica prostrado e esgotado no
chão. É noite alta.
O sacrifício de consagração dos arpões
Na quarta-feira 29 de janeiro, à tarde, os Sorko reúnem todos os arpões
em um só feixe, com as pontas todas reunidas. Três remos novos são
também colocados sob os ferros. Um carneiro branco, cor de Harakoy,
deve ser sacrificado sobre os ferros dos arpões para consagrá-los.
Todos os Sorko se reuniram em volta dos arpões. Bilo Gaoudel coloca
o carneiro branco em cima dos ferros. Nouhou lhe corta a garganta.
O sangue corre, e para que cada ferro o receba, Bilo passeia o animal
degolado em cima deles. Eu não ouvi ninguém pronunciar nenhuma
fórmula especial. Os Sorko retomam seus arpões lambuzados de
sangue. À noite, o carneiro é comido.
A CAÇA
Na quinta-feira 30, desde a aurora, os Sorko deixam a aldeia, a princípio
pelos seis dias que durará a campanha. Eles vão se estabelecer um
pouco a montante numa pequena ilha próxima das colônias de
hipopótamos. Lá, durante uma grande parte da manhã, eles verificam,
amolam, equilibram seus arpões e os colocam com cuidado em sua
piroga. Em seguida, após uma refeição, partem nas pequenas pirogas a
reconhecer o habitat dos hipopótamos.
Um hipopótamo é localizado por volta das 11 horas sob as folhas
da erva do bourgou. Mas os jovens Sorko que jamais caçaram essa
presa, perseguem-na em desordem. O animal mergulha e desaparece.
Oumarou, o chefe, grita suas ordens. Seguem-se intermináveis
discussões. Os Sorko seguem os rastros do hipopótamo, cuja passagem
é bastante nítida no meio das ervas. Mas logo que o animal é avistado, os
348 \
mesmos erros recomeçam: com a ajuda do remo, um dos jovens Sorko
se aproxima a 20 m, lança seu arpão e erra. O hipopótamo mergulha
e, imerso, torna a chegar até a água livre onde tem a superioridade
da velocidade. Oumarou, furioso, decide interromper a caça. Todo o
mundo volta à ilha.
No dia seguinte, sexta 31, toda a flotilha, grande piroga à frente, se
dirige para a bacia de Yassane, atualmente inundada. Em torno de
10 horas, a grande piroga acosta numa pequena ilhota onde crescem
algumas árvores. Ao longe, ouve-se grunhir os hipopótamos. Ao meio
dia, Oumarou dá ordens precisas: as pequenas pirogas se separarão em
dois grupos, umas passarão pela água livre, as outras pelas ervas do
bourgou. Elas formarão um círculo e cercarão os hipopótamos. A grande
piroga se colocará no lugar em que “o caminho dos hipopótamos”
encontra a água livre. Sem poder falar, eles deverão avançar muito
lentamente para não fazerem barulho e atirar seu zogu com um golpe
seguro.
Alguns minutos depois, o dispositivo está no lugar. As pirogas formam
um círculo de 500m de raio, que se afunila lentamente. Todos os
Sorko estão de pé em suas pirogas. O Sorko da frente segura seu
arpão erguido, pronto para o arremesso. Durante quase uma hora,
imperceptivelmente, as pirogas avançam. No silêncio total só se ouve
de vez em quando a respiração barulhenta de um hipopótamo...
Enfim um grito ressoa: “mikri mi sangay moni”2. O Sorko Laritou de
Ayorou viu um hipopótamo sair para respirar a três metros diante dele,
atirou seu arpão que atingiu o animal no meio da cabeça. O animal
mergulhou, mas o flutuador que ele arrasta atrás de si movimenta as
ervas e indica sua posição. Laritou se retira rapidamente do círculo dos
2 O significado desse grito ritual não é claro. Issaka me dissera em 1942 que era um elogio ao ferro do
arpão em “língua sorko”. O chefe Sorko Saley Isa da aldeia de Bosia, na saída do “W” do rio, me declarou
que era uma deformação de “sangay mono kursu bani” que são as divisas dos flutuadores.
/ 349
pescadores, pois é ele, dizem, que o hipopótamo vai tentar atacar. Sob
a água, o hipopótamo nada rumo ao lugar onde se encontra Oumarou,
que o evita rapidamente: o animal salta fora da água, Oumarou lhe
crava um segundo arpão. Agora todas as pirogas se dirigem para o
animal ferido, numa desordem indescritível, e os outros hipopótamos
despertados em sobressalto fogem de modo tumultuoso. Logo que o
animal ferido se mostra, uma verdadeira chuva de arpões cai sobre ele.
Depois, as pirogas recuam a toda velocidade para evitar seu ataque.
A grande piroga se aproxima. Os três velhos Sorko que a conduzem
choram literalmente de alegria. À frente, o zarolho Issaka canta com
toda sua força o elogio ao espírito da água “issa beri bulanga...” (o
karité do grande rio...), e na popa Kambé e Alidou cantam os elogios
ao hipopótamo que vai morrer: “Kurnya dimba nya...” (mãe das
correntes...).
Os Sorko que esgotaram suas munições se precipitam para a grande
piroga para se reabastecerem com novas munições.3
O hipopótamo está agora crivado de arpões. Ele salta no ar, debate-se,
mas as cordas dos arpões misturadas às ervas o mantêm prisioneiro.
Em alguns minutos o hipopótamo não passa de um emaranhado de
arpões entrelaçados. Ele respira com dificuldade. O Sorko Saïdou
armado com a lança se desloca usando as cordas e, mirando com
cuidado no meio dos arpões, crava fundo a lança atrás da nuca do
hipopótamo. O animal esmorece sob uma onda de sangue.
Toda essa caça durou alguns minutos, mas quase três horas serão
3 Normalmente os Sorko só deveriam ter lançado alguns arpões e deixado o animal voltar para a água
livre onde a grande piroga o teria atacado sozinha: o Sorko da frente agarra um dos flutuadores e deixa
o hipopótamo arrastar a grande piroga, esgotar-se em arremetidas vãs sobre essa pesada embarcação,
arpoando-o logo que ele re-emerge e matando-o a golpes de lança. Isso simplifica consideravelmente a
recuperação do animal morto. É o que foi feito no curso de caças posteriores, mas nesta primeira caça
os jovens e ardentes Sorko queriam todos ter um arpão espetado no animal.
350 \
necessárias para recuperar o animal. Os Sorko mergulham para
amarrar cordas ao redor das patas do hipopótamo, trazem-no à
superfície e retiram com faca essa incrível cabeleira de arpões e de
cordas. Depois eles o rebocam até a ilha aonde chegam somente
depois do cair da noite.
CORTE
No dia seguinte, 1º de fevereiro, o animal é cortado em pedaços.
Os Sorko se revelam açougueiros muito adestrados. Os fogos
se acendem, a carne grelha alegremente. Tudo é comido: pele,
intestinos... A carne não consumida imediatamente (não há desta
vez) é secada ao sol para ser conservada. A gordura é recolhida com
cuidado pelos velhos Sorko que untam com ela sua pele enrugada, e
reencontram assim um pouco de sua juventude perdida.
CONCLUSÕES
Desde fevereiro de 1947 ocorreram duas ou três caças, organizadas
por um dos administradores de Tillabéry.
Antes das proibições administrativas, os Sorko desta região matavam
em média seis hipopótamos por ano. Em todas as outras regiões
do Niger onde vivem Sorkos (Egguedesh, Kermachawé, Bamba, Gao,
Fafa, Karé kapto Bentia...) nossas informações confirmaram esse
fato: os Sorko praticavam antes de nossa chegada uma caça que
era quase uma criação de animais. Os rebanhos eram muito bem
conhecidos, os próprios animais eram identificados, ganhavam um
nome. As caças ao hipopótamo eram como aquela a que assistimos,
campanhas coletivas, em que o número de animais a matar era
/ 351
fixado com precisão. Assim o rebanho se reproduzia normalmente.4
Mas há algo ainda mais grave. Os velhos Sorko são unânimes em dizer
que os hipopótamos eram bem mais numerosos antes da chegada
dos europeus que eles acusam pela sua desaparição.5 Esse problema é
provavelmente muito mais complexo, mas é certo que foram cometidos
verdadeiros massacres de hipopótamos com fuzil. Essa caça com o
fuzil permite, de fato, sem nenhum perigo, por um simples tiro ao alvo
desde a margem matar “a grande caça”. É o tipo exato da caça boba
e vaidosa que se reserva à personagem importante ou aos hóspedes
distintos em tournée (os Sorko chamam-na de “caça do governador”).
Dada a importância que esta caça tem para os pescadores Sorko (razão
de existência, prestígio, religião), o entusiasmo com o qual eles a
praticam (eles me suplicaram por toda a parte para pedir autorizações
de caça) e também a absoluta falta de interesse esportivo que existe
em matar com o fuzil esse animal, eu creio que seria bom revisar a
regulamentação de sua caça no sentido seguinte: proibição absoluta
da caça com o fuzil, autorização de uma ou duas campanhas de caça
todos os anos pelos pescadores nativos, com o controle do número de
animais abatidos. Isto seria ao mesmo tempo suprimir uma covardia
estúpida e devolver a pessoas simples e corajosas o ofício do qual elas
se orgulham.
Traduzido do francês por Íris Araújo e Mateus Araújo
4 Essa preocupação com a garantia da reprodução do animal que se caça encontra-se hoje entre os pescadores
Bozo e Somono da região de Mopti. Zonas reservadas (anamye) existem nos lugares mais profundos do rio (é
aí que os peixes se refugiam nas águas fundas). A pesca nestes lugares é muito frutífera, mas como se arrisca
por isso mesmo a despovoar o rio, ela é proibida, exceto durante um dia do ano.
5 Félix Dubois escrevia já em 1911 (Notre beau Niger: “Entretanto outras visões amadas se esvaeceram.
No fim do dia não vejo mais emergir os grandes focinhos de hipopótamos pesadões e bonachões...”
navegando entre Tombouctou e Mopti).
352 \
\ Os cavalos de Goethe, ou Alquimia da velocidade
/ Arthur Omar
/ 353
354 \
/ 355
356 \
\ O Afeganistão é inconquistável
/ Arthur Omar
Filmes são ginástica para os olhos, uma espécie de musculação
ótica. A viagem que fiz ao Afeganistão, em 2002, atravessando
regiões devastadas pela guerra, e olhando o povo afegão nos olhos,
sem pauta jornalística, foi para mim uma viagem sensorial, e não
uma viagem da razão. Haveria alguma outra maneira de falar sobre
o Afeganistão? Foi o que procurei fazer com o meu novo filme Os
cavalos de Goethe.
Em Os cavalos de Goethe, resolvi mostrar do Afeganistão, não uma
visão geral ou sintética, mas, ao contrário, partir apenas de um único
objeto, o cavalo. O cavalo estaria presente em todas as variações
possíveis durante uma hora diante dos olhos do espectador, como
uma dança repetida até o ponto do êxtase. O cavalo: olhar para ele
com tanta intensidade e com tanta atenção que as cores e formas se
tornassem irreais e se dissolvessem para formar novos seres que vão
alimentar o nosso olhar com outras informações que a televisão não
é capaz de transmitir.
Para isso eu tinha que distender o tempo (que é a base da percepção
cinematográfica), e assim interferir na velocidade das imagens, para
tornar tudo um grande quadro, onde o tempo pareceria suspenso,
e às vezes, literalmente pararia. Parado o tempo, o olhar penetra na
imagem como o bisturi de um cirurgião na carne de um paciente
anestesiado. As posições sujeito e objeto se alteram e se fundem.
Não mais um documentário sobre a guerra, mas um documentário
com efeitos especiais. Para flexionar os músculos visuais na academia dos sentidos. A título de paradoxo, eu poderia acrescentar à
experiência fragmentos de um poema de T. S. Eliot, sobre o tempo
suspenso, citar quase na íntegra um quarteto de cordas de Morton
/ 357
Feldman, e o grito artaudiano de um ator afegão recitando um poema
em língua dari, sem legendas.
Foram três semanas de aventura, medo e êxtase. Como Delacroix no
Marrocos em 1830, Manet no Rio de Janeiro em 1848, Gauguin no
Tahiti em 1891, ou Matisse nas ilhas Tuamotu em 1930, também eu,
em Bamyian, no Afeganistão central, fui fortemente modificado pela
percepção direta da cor. Os ocres do deserto. O degradé dos cinzas
nas pedras imensas, que pareciam caídas da Lua. O azul celeste das
burkas das mulheres invisíveis, que iam mudando de cor à medida em
que nosso comboio avançava para o interior, amarelas, alaranjadas,
vermelhas, segundo codificações tribais. E, principalmente, o azul
do céu, onde não chove nunca.
Goethe construiu sua teoria da cor, no século XVIII, só para explicar
o azul do céu. Eu poderia construir um filme inteiro em torno do azul
e do amarelo só para explicar a destruição do Afeganistão. Lá, eu
descobri o ponto G do azul, se é que isso é possível. Levar a cor azul
ao seu ponto máximo, ao orgasmo. Todas as fotos que fiz depois
incorporaram essa transfiguração cromática. Para o artista, a guerra
e o azul são faces de uma mesma moeda, porque ambos, entre o
horror e o sublime, não têm limites na potência da sua intensidade.
Em meu trabalho etnográfico em filme e vídeo, sempre retorno à
caligrafia árabe ou a pintura chinesa monocromática para buscar
inspiração. Para realizar as fotografias e filmes que fiz no Afeganistão,
roubei da pintura japonesa uma ideia fabulosa, a de “força do pincel”,
tecnicamente o fude no chikara, técnica onde se aprende que quando
um objeto é vigoroso, devemos invocar a força presente nesse objeto
através da a força física que se aplica no pincel. Ou seja, ele tem que
ser pintado vigorosamente, quase que violentamente, aplicando-se
“força no pincel”. Seja uma raiz contorcida, a pata de um tigre, uma
358 \
tempestade, as ondas do mar, um rochedo escarpado.
Assim, por analogia, criei para mim a ideia, tecnicamente nova, da
“força da câmera”. Uma maneira de segurar e movimentar a câmera
fotográfica, nada estática, nada realista, manipulada como a técnica
do pincel, capaz de dar conta da minha reação emocional diante de
certas coisas muito violentas.
Trata-se, neste método, menos de escolher um ângulo diferente
do assunto, que saber dosar em mim mesmo a força expressiva,
maior ou menor, desse “pincel”. Uma técnica dificílima de controle
da energia muscular. O que conta é a concentração da mente, e o
controle do punho, e não tanto o objeto que o olho está vendo. Filmando
um combate, combater junto. Filmando uma dança, dançar junto. Sem
procurar reproduzir nada, apenas ser penetrado pelo ritmo.
Para filmar o buskashi, o jogo violento de cavaleiros afegãos lutando
pela posse de uma carcaça decepada de um bode, eu usei essa “força
da câmera”. Isto é, usar a câmera com força, ou a câmera como força,
e a força como câmera. Uma técnica onde eu praticamente incorporei,
no meu próprio corpo, o movimento dos cavaleiros na arena.
Filmei tudo muito de perto, dentro da ação. Muitas vezes, fui atacado
com pedradas pela plateia que queria que eu saísse da frente, ou
recebendo o peso dos cavalos quando eles resvalavam uns sobre
os outros, relinchando. No Afeganistão, logo após a guerra, tudo
era tão descontrolado e livre que só quase no final é que eu fui
descoberto perdido entre as patas dos animais selvagens, e retirado
da pista. Um êxtase só. Tornado possível porque eu carregava uma
câmera pequena, que cabia na palma da minha mão, sem equipe,
sem plano, e sem o compromisso de fazer belas imagens para um
documentário. Só importava a “força do pincel”.
/ 359
Com o material bruto ali captado, reduzido numa primeira edição
a apenas alguns minutos cruciais, por vezes a alguns fotogramas
brevíssimos, simples “pinceladas” de luz e carne, comecei a planejar
Os cavalos de Goethe, ou Alquimia da velocidade. A ideia era nova para
mim, um desafio, porque ia contra a minha natureza rápida. Realizar
um filme que fosse lentíssimo, à beira da imobilidade total, e mesmo
assim prender a atenção do espectador como se estivéssemos dentro
de um filme de ação. E mais, sem dizer uma palavra sobre a guerra,
realizar um filme político onde o espectador pudesse receber através
dos sentidos, e não da razão, toda a mensagem do filme.
360 \
\ O cinematógrafo visto do Etna1 (1926)
/ Jean Epstein
Sicília! A noite era um olho cheio de olhar. Todos os perfumes
gritavam ao mesmo tempo. Uma mola desmontada parou nosso carro
cercado de lua como de um mosquiteiro. Fazia calor. Impacientes,
os motoristas interromperam a mais bela novela para bater na
carroceria a grandes golpes de chave inglesa, injuriando o Cristo
e sua mãe com uma fé cega. Diante de nós: o Etna, grande ator
que faz brilhar seu espetáculo duas ou três vezes no século e cuja
fantasia trágica eu chegava para cinematografar. Toda uma vertente
da montanha era somente uma gala de fogo. O incêndio se alastrava
ao canto avermelhado do céu. A vinte quilômetros de distância, o
rumor chegava por instantes como de um longínquo triunfo, de
milhares de aplausos, de uma imensa ovação. Qual ator trágico de
qual teatro já conheceu tamanha tempestade de sucesso? A terra
doente, mas dominada, abrindo-se em aclamações. Um calafrio seco
correu subitamente no solo onde pousávamos nossos pés. O Etna
telegrafava os extremos solavancos de seu desastre. Depois fezse um grande silêncio no qual se estendeu novamente o canto dos
motoristas.
As estradas do Piemonte subetniano tinham sido fechadas por
precaução. A cada cruzamento, camisas pretas nos pediam nossa
autorização para circular. Mas estes soldados, na sua maioria, não
sabiam ler e o prospecto multicor, com que eu embrulhara meu tubo
de aspirina, impressionava-os mais do que a autêntica assinatura do
Prefeito de Catânia.
1 Até então inédito em português, este texto corresponde ao primeiro capítulo do livro de Epstein
Le cinématographe vu de l’Etna (Paris: Les Écrivains Réunis, 1926), traduzido aqui em sua versão
reeditada no volume Jean Epstein, Écrits sur le cinéma, tome 1 (1921-1953), Paris: Seghers, 1974,
p.131-137.
/ 361
Em Linguaglossa, os muladeiros nos esperavam diante do front de
lava negro, sulcado de púrpura como um belo tapete. Essa parede de
brasa avançava por desmoronamentos sucessivos. Sob seu impacto,
as casas, mal protegidas por imagens santas, estilhaçavam com um
barulho de nozes quebradas. Grandes árvores, tocadas em seu pé,
inflamavam-se de repente, da raiz até a copa e queimavam como
tochas, roncando. Amanhecia. Mulas inquietas, ventas esticadas,
deitavam as orelhas. Homens impotentes rondavam.
Belo vulcão! Às suas, eu não vi expressões comparáveis. A queima
cobrira tudo da mesma cor sem cor, cinza, fosca, morta. Cada folha
de cada árvore, a olhos vistos, passava por todas as tintas e todas
362 \
as rachaduras do outono, retorcida, torrada, até cair enfim, ao sopro
do fogo. E a árvore nua, negra, ficava de pé por um instante em seu
inverno ardente. Não havia mais pássaros, não havia mais insetos.
Como o arcabouço de uma ponte sob um caminhão muito pesado,
a terra estriada com finos sulcos era atravessada por um frêmito
contínuo. A lava se propagava com o barulho de milhões de pratos
quebrados de um só golpe. Bolsas de gás se rasgavam assoviando
docemente como serpentes. O cheiro do braseiro, um cheiro sem
cheiro, mas cheio de pontadas2 e de amargor, envenenava os peitos
até o fundo. Sob o céu, pálido e seco, a verdadeira morte reinava.
Batalhões, funcionários, engenheiros, geólogos, contemplavam
essa personagem natural de qualidade, que lhes inspirava, a esses
democratas, uma idéia do poder absoluto e do direito divino.
Como, paralelamente à enxurrada de lava e nas costas de mulas,
nós subíamos em direção à cratera em atividade, eu pensava em
você, Canudo, que punha tanta alma nas coisas. Você foi o primeiro,
eu creio, a sentir que o cinema une todos os reinos da natureza
em um só, o da maior vida. Ele põe Deus em toda a parte. Diante
de mim, em Nancy, uma sala de trezentas pessoas gemeu em voz
alta, vendo na tela um grão de trigo germinar. Surgido de repente,
o verdadeiro rosto da vida e da morte, o do terrível amor, arranca
tais gritos religiosos. Que igrejas, se nós soubéssemos construílas, deveriam abrigar esse espetáculo em que a vida é revelada?
Descobrir inopinadamente, como pela primeira vez, todas as coisas
sob o seu ângulo divino, com seu perfil de símbolo e o seu mais
vasto sentido de analogia, com um ar de vida pessoal, tal é a grande
alegria do cinema. Provavelmente, houve jogos na Antiguidade, e
“mistérios” na Idade Média, que suscitavam assim, ao mesmo tempo,
tanta piedade e tanto divertimento. Na água crescem cristais, belos
2 No original, «picotements». [N.d.T.]
/ 363
como Vênus, como ela nascidos, cheios de graças, de simetrias e
das mais secretas correspondências. Jogos do céu, assim mundos
caem - de onde?- , num espaço de luz. Assim os pensamentos e as
palavras. Toda a vida se cobre de signos ordenados. As pedras têm,
para crescer e se unir, gestos bonitos e regulares como os encontros
de lembranças amadas. Anjos submarinos, órgãos de volúpia,
as medusas secretas dançam. Insetos aparecem grandes como
couraçados, cruéis como a inteligência, e se entre-devoram. Ah!
Temo os futuristas que têm a tentação de substituir os verdadeiros
dramas pelos falsos, feitos com qualquer coisa: a aviação e o fogo
central, as hóstias consagradas e a guerra mundial. Receio que eles
escrevam um drama de cabotinagem para os cristais e as medusas
do cinema. O que é necessário imaginar aí? Os cascos de nossas
mulas arranhavam o lugar de uma verdadeira tragédia. A terra tinha
uma figura humana e obstinada. Nos sentíamos em presença de
alguém e à sua espera. Os risos e os apelos deslumbrantes de nossos
oito muladeiros tinham se calado. Caminhávamos no silêncio de um
pensamento tão comum [a nós todos] que eu o sentia diante de nós
como uma décima primeira e enorme pessoa. Não sei se consigo
fazer compreender bem a que ponto isto é cinema, esse personagem
de nossa preocupação. E que personagem? Acontece de estarmos
em presença de um homem idoso e poderoso, apressado, míope e
ruim de ouvido. Você espera uma resposta dele, mas o compreende
menos ainda do que ele a você, provavelmente porque as respectivas
línguas são diferentes e os pensamentos desconhecidos. Eu tinha
também como camarada um chinês muito europeu. Uma manhã
nós estudávamos as flores do jardim botânico: subitamente meu
camarada se enfureceu para valer. Nunca pude penetrar essa cólera
e essa tristeza intransponíveis de que ele se cercou, como seu país
da grande muralha. Assim, frequentemente, a ponta extrema das
sensibilidades nos é inacessível e às vezes uma alma inteira, cheia de
364 \
força e astúcia, nos é vedada. Como diante de uma destas, eu estava
diante do Etna.
Uma das maiores forças do cinema é o seu animismo. Na tela não
há natureza morta. Os objetos têm atitudes. As árvores gesticulam.
As montanhas, como este Etna, significam. Cada acessório se
torna um personagem. Os cenários se fragmentam e cada um de
seus pedaços ganha uma expressão particular. Um panteísmo
surpreendente renasce no mundo e o satura. A erva da pradaria é
um gênio sorridente e feminino. Anêmonas cheias de ritmo e de
personalidade evoluem com a majestade dos planetas. A mão se
separa do homem, vive sozinha, sozinha sofre e se alegra. E o
dedo se separa da mão. Toda uma vida se concentra subitamente
e encontra sua expressão mais aguda nessa unha que atormenta
maquinalmente uma caneta carregada de tempestade. Houve um
tempo, ainda recente, em que não havia dramas americanos sem
a cena do revólver que alguém retirava lentamente de uma gaveta
meio aberta. Eu amava esse revólver. Ele aparecia como o símbolo de
mil possibilidades. Os desejos e os desesperos que ele representava:
a multidão de combinações das quais ele era uma chave; todos os
fins, todos os começos que ele permitia imaginar, tudo isso lhe
conferia uma espécie de liberdade e uma personalidade moral. Uma
tal liberdade, uma alma assim são mais epifenomenais do que as que
supomos nossas?
Enfim, quando o homem aparece inteiro é a primeira vez que o vemos
com um olho que não é, ele tampouco, um olho humano. O lugar para
mim de pensar a mais amada máquina viva foi essa zona de morte
quase absoluta que cercava a um ou dois quilômetros as primeiras
crateras. Os cirurgiões mais cuidadosos preparam campos operatórios
menos assépticos. Eu estava deitado na cinza morna e móvel como
um pelo de animal grande. A duzentos metros, as correntezas do
/ 365
fogo surgiam de uma fenda quase circular e desciam a encosta,
formando um rio vermelho como as cerejas maduras e largo como
o Sena em Rouen. Os vapores cobriam o céu inteiro com um branco
de porcelana. Pequenas rajadas de vento bravo e fétido levantavam
turbilhões de cinza que volteavam rentes ao solo, estranhas gaivotas
vivendo nas beiras da labareda maior. Os muladeiros seguravam
pelas ventas as mulas que não havia onde amarrar e que queriam
fugir. Guichard, meu operador, como as crianças que brincam muito
perto do fogo e a quem, dizem, vai acontecer desgraça, filmava uma
fusão cujo valor ninguém adivinhou. Um homem alto apareceu de
repente através das fumaças, saltando com uma incrível temeridade,
de rochedo em rochedo, à beira da cratera, como o anjo da guarda
bizarro desse lugar, é bem verdade, mais propício do que qualquer
outro às transmutações da magia. Ele se aproximava a grandes
passadas. Era idoso e seco, coberto de cinza até entre os pelos de
sua barbicha, com o branco dos olhos muito vermelho, roupas aqui
e ali arruivascadas e o ar geralmente feiticeiro. Não estou certo se
não era um verdadeiro diabo, mas ele se dizia um geólogo sueco.
Falando comigo, ele fazia gestos com um termômetro metálico
comprido como um guarda-chuva. Há uma semana este homem vivia
muito calmo, na única e imediata companhia do vulcão. A alguns
passos de lá ele acampava sob uma tenda onde se via a noite tão
claramente como o dia e que o frêmito do solo sacudia com uma
corrente de ar contínua. Seus bolsos estavam cheios de pedaços
de lava e de papeis. Puxando seu relógio, ele anotou exatamente a
hora de nosso encontro. Ele fez com a sua mão em corneta um alto
falante e com a boca quase sobre a minha orelha, gritou palavras
que eu quase não ouvi: “Hoje parece que tudo deve ficar calmo. Mas
ontem, um jornalista italiano desceu daqui meio louco”. Eu já o sabia:
ao subirmos, nós o cruzamos descendo com seus guias, abalado e
falante. Onde nós estávamos, o barulho era o de uma centena de
366 \
correntezas queimando um viaduto metálico. Em alguns minutos,
tal estrondo se tornou silêncio, propício à imaginação. E por toda a
parte se estendiam as cinzas.
Na antevéspera pela manhã, como eu deixava o hotel para essa
viagem, o elevador estava parado desde as seis horas e meia, entre
o terceiro e o quarto andares. O porteiro da noite, já por três horas
prisioneiro da cabine, agitava sua figura deplorável e soprava suas
queixas na altura do tapete. Para descer, tive que tomar a escada
grande ainda sem rampa, onde os operários cantavam injúrias a
Mussolini. Essa imensa espiral de degraus dizia a vertigem. Todo
o poço da escada estava coberto de espelhos. Eu descia cercado de
mim-mesmos3, de reflexos, de imagens de meus gestos, de projeções
cinematográficas. Cada curva me surpreendia sob outro ângulo. Há
tantas posições diferentes e autônomas entre um perfil e um três
quartos de costas quantas são as lágrimas no olho. Cada uma dessas
imagens só vivia por um instante. Tão logo percebida, logo perdida
de vista, já outra. Só minha memória fixava uma delas em meio à sua
infinitude, e tornava a perder duas a cada três. E havia as imagens
das imagens. As terceiras imagens nasciam das segundas. A álgebra
e a geometria descritiva dos versos apareciam. Certos movimentos
se dividiam nestas repetições: outros se multiplicavam. Eu deslocava
a cabeça e, à direita, só via a raiz desse gesto, mas à esquerda ele
se elevava à sua oitava potência. Olhando um depois o outro, eu
tomava uma outra consciência de meu perfil. Vistas paralelas se
respondiam exatamente, repercutiam, reforçavam-se, apagavam-se
como um eco, com uma rapidez bem maior que a dos fenômenos da
acústica. Gestos pequeníssimos tornavam-se muito grandes, assim
como na Latomia do Paraíso, graças à sensibilidade da rocha, as
3 No original, «entouré de moi-mêmes», a expressão moi-même usada com valor expressivo como um
substantivo no plural [N.d.T.].
/ 367
palavras sussurradas na Orelha de Dionísio, o tirano, se avolumam
e urram com toda a força4. Essa escada sendo o olho de outro
tirano, ainda mais espião. Eu o descia como que através das facetas
óticas de um imenso inseto. Outras imagens, por seus ângulos
contrários, se recortavam e se amputavam; diminuídas, parciais, elas
me humilhavam. Pois é o efeito moral de um tal espetáculo que é
extraordinário. Cada vista é uma surpresa desconcertante que ultraja.
Jamais eu me vira tanto, e me olhava com terror. Eu compreendia
esses cães que latem e esses macacos que babam de raiva diante
de um espelho. Eu me acreditava um, e percebendo-me outro, esse
espetáculo rompia todos os hábitos de mentira que eu chegara a criar
para mim mesmo. Cada um desses espelhos me apresentava uma
perversão de mim, uma inexatidão da esperança que eu tinha em
mim. Esses vidros espectadores me obrigavam a me olhar com sua
indiferença, sua verdade. Eu aparecia para mim numa grande retina
sem consciência, sem moral, com sete andares de altura. Eu me via
privado de ilusões alimentadas, surpreso, desnudado, arrancado,
seco, verdadeiro, peso líquido. Eu teria corrido longe para escapar a
esse movimento de parafuso em que eu parecia afundar rumo a um
centro horrível de mim mesmo. Uma tal lição de egoísmo às avessas
é impiedosa. Uma educação, uma instrução, uma religião, tinham me
consolado pacientemente de existir. Tudo devia recomeçar.
O cinematógrafo, bem melhor ainda que um jogo de espelhos
inclinados, proporciona tais encontros inesperados consigo mesmo.
A inquietude diante de sua própria cinematografia é súbita e geral. É
uma anedota agora comum a dessas pequenas milionárias americanas
que choraram ao se verem pela primeira vez na tela. E aqueles que
4 Epstein alude aqui a uma antiga prisão de Siracusa, hoje sítio histórico e arqueológico muito visitado,
em que um fenômeno de propagação acústica permitiria, segundo a lenda, ao tirano Dionísio (431-367
a.C.) escutar do lado de fora da caverna (num ponto batizado assim de “Orelha de Dionísio”) o que
diziam os presos do lado de dentro. [N.d.T.]
368 \
não choram perturbam-se. Não se deve ver nisso um mero efeito
da presunção de si próprio e de uma vaidade exagerada. Pois a
missão do cinema não parece ter sido compreendida exatamente.
A objetiva da câmera é um olho que Apollinaire teria qualificado
de surreal (sem nenhuma relação com esse surrealismo de hoje),
um olho dotado de propriedades analíticas inumanas. É um olho
sem preconceitos, sem moral, isento de influências, e ele vê no rosto
e no movimento humanos traços que nós, carregados de simpatias
e antipatias, de hábitos e reflexões, não sabemos mais ver. Por
/ 369
pouco que se detenha nessa constatação, toda comparação entre
o teatro e o cinema se torna impossível. A essência mesma desses
dois modos de expressão é diferente. Assim, a outra propriedade
original da objetiva cinematográfica é essa força analítica. A arte
cinematográfica deveria depender dela. Que pena!
Se o primeiro movimento diante de nossa própria reprodução
cinematográfica é uma espécie de horror, é que, civilizados,
mentimos cotidianamente os nove décimos de nós mesmos (sem
que seja necessário citar as teorias de Jules de Gaultier ou as de
Freud). Mentimos sem mais saber. Bruscamente este olhar de vidro
nos penetra com sua luz amperizada5. É nessa potência analítica
que se encontra a fonte inesgotável do futuro cinematográfico.
Villiers nunca sonhou uma tal máquina de confessar as almas. E vejo
bem futuras inquisições arrancarem provas comprometedoras de
um filme em que um suspeito aparecerá capturado, esfolado, traído
minuciosamente e sem parti pris por esse tão sutil olhar do vidro.
Traduzido do francês por Íris Araújo e Mateus Araújo.
5 No original, «ce regard de verre nous perce à son jour d’ampères». [N.d.T.].
370 \
\ Nossos anos Cahiers
/ Jean-Louis Comolli e Jean Narboni
Era agosto de 2010. Nós tivemos o desejo – nós, Comolli e Narboni –,
tivemos o desejo de reencontrar alguns de nossos antigos camaradas
dos Cahiers para filmá-los. Regressar a essa história, a nossa. 19631973. Dez anos, ricos de todas as promessas, de todos os perigos.
Perguntar o que poderia restar ainda hoje. Jean-André Fieschi havia
morrido um ano antes, tendo sido um dos nossos entre 1962 e
1968. Antes de Jean-André, havia Jean-Pierre Biesse, Serge Daney,
Pierre Baudry, Jean-Claude Biette...
Por que regressar hoje a esses dez anos, aqueles onde nós tínhamos
entrado na equipe da revista, aqueles onde nos encontramos juntos
na chefia de redação? O que havia se tornado os membros desse
grupo que formávamos? Cineastas, professores, ensaístas, diretores
de revistas, seus caminhos não tinham se perdido fora dos trilhos
do cinema. O quão diferentes eles poderiam ter sido e o poderiam
ser hoje, como uns e outros teriam vivido e sustentado a experiência
desse grupo? O que restou das questões que nos eram comuns?
Ontem, nós diríamos “nós”; hoje nós diremos “nós”. Esse grupo
pertence ao passado e, no entanto, não o enterramos. A nós, é
preciso tentar compreender o que foi isso em nossa história, dessa
juventude. De um lado, apreciamos como nunca as últimas chamas
do grande cinema americano, Ford e suas Seven Women; analisamos
e apreciamos, de uma outra maneira, Ford e seu Young Mister Lincoln.
Do outro lado, caminhamos pelas ruas de Paris contra o imperialismo
americano e protestamos contra a guerra do Vietnã. Um cineasta
americano de nosso tempo juntou esses dois lados da moeda; ele foi
Robert Kramer. Os filmes dos cineastas principiantes, de Iosseliani
a Bertolucci, de Bellocchio a Jancso, de Oshima a Glauber Rocha, de
Gilles Groulx a Pierre Perrault, seus filmes nos chegavam de todos
/ 371
os lados. Em todo lugar, nasciam os cineastas. Os monopólios de
Hollywood e da Cinecittà, os estúdios de Boulogne ou de Babelsberg
eram contornados. Os impérios se fragmentavam. O espantoso,
nós nos dizíamos, era que isso acontecia em todo lugar no mesmo
momento ou quase, no mesmo período histórico, 1965-1970, e que
tudo isso era contemporâneo das revoltas políticas que, do Japão a
Berkeley, da Sorbonne a Fiat, empurraram o mundo.
Nós apreciamos o primeiro filme de Philippe Garrel, Marie pour
mémoire.
Nós apreciamos o primeiro filme de Jerzy Skolimowski, Rysopis
(Signes particuliers: néant/Sinais particulares: nenhum).
Nós fomos os únicos a apreciar os primeiros filmes de Danièle Huillet
e Jean-Marie Straub, Nicht Versöhnt e Othon.
Nós pudemos apreciar ao mesmo tempo Nostra signora dei Turchi
de Carmelo Bene e Uccelacci e uccellini de Pasolini. Nós pudemos
apreciar ao mesmo tempo Gertrud de Dreyer e Les petites marguerites
de Vera Chytilova, os irmãos inimigos Vertov e Eisenstein, Godard e
Jerry Lewis. Sem ver aí contradição, e isso em tempos de alto teor
político.
O novo não matava o antigo, mas o realizava, dando-lhe uma nova
profundidade, um lugar na história. Parecia-nos ter se tornado
impossível pensar a proliferação de novas salas de cinema sem
vinculá-la às lutas políticas que lhe eram contemporâneas. Era o
momento de força total da visão política do mundo e, à primazia
da teoria, deveriam dissipar-se a ignorância, a ilusão, a alienação,
a ideologia. A política, então, não era para nós inimiga da beleza.
Quando Louis Althusser analisou os aparelhos ideológicos do estado,
os AIE, estava ali a ferramenta que precisávamos.
372 \
Nós apreciávamos mostrar aos outros os filmes que nós apreciávamos,
os difundir, os fazer conhecidos, correr o mundo para revelá-los.
Nós fomos pegos dentro de um movimento conjunto, conduzidos na
insurreição geral.
Já não gostávamos das negações. Os erros, o dogmatismo, as
cegueiras, os impasses da crença politista ou maoísta que foram
nossos, seguem o sendo e ainda ficaram por analisar e meditar, e a
negação não ajuda em nada.
Eis do que nós desejamos falar com nossos antigos camaradas dos
Cahiers... Quais eram nossas paixões? Quais, nossas loucuras? Como
nós chegamos a juntar a mais exigente cinefilia e a tomada de posição
política extrema? Questões que nos colocamos. E depois – entre nós
– atuavam também a intimidação ou a pressão das inteligências e das
capacidades. O terror, sim, o terror mesmo da amizade rival a mais
exigente, o medo exterior e interior ao grupo.
Terror também que o exterior político exercia sobre nós, pouco
prevenidos que estávamos e pouco praticantes do exercício de
conquista do poder, de tomada do poder, de manutenção no poder.
Muito ao contrário, esse “poder” nós não queríamos. Supressão, no
ano anterior, da “redação em chefe”, instituição de um comitê de
redação sem hierarquia nem diferença de salário. Mas também escassez
de fotos, estereótipos de escrita, aridez da língua política, isolamento
e uma crescente vertigem na fuga em direção à própria armadilha.
A revista se tornou uma jangada, que arriscava afundar. Alguns
meses sem imagens, alguns números ditos “brancos”, uma sorte de
regime seco. Não havíamos nós construído em conjunto uma teoria
da frustração do espectador no cinema? Daí a nossa paixão pela
prática. Nós quisemos criar com alguns outros um “fronte cultural­
revo­­lucioná­rio”. Isso remeteu ao “fronte de esquerda da arte” dos
/ 373
formalistas russos. Esse fronte, o nosso, desmoronou na primeira
reunião, em Avignon, no verão de 1973. O tempo não estava mais
para as utopias. O movimento de insurgência que havia feito sacudir
o velho mundo estava em refluxo. De um lado, iluminavam as velhas
lanternas do cinema de qualidade francesa, sempre lá, quinze anos
depois do panfleto de Truffaut. E com ele todo um cortejo crítico
muitas vezes pouco atento. De outro lado, a “boa” esquerda, boa e
bem pensante, boa consciência e bons sentimentos, que era aquela,
infelizmente, dos militantes os mais aguerridos, os quais sempre
haviam preferido uma mensagem bem quadrada numa forma
bem redonda. Ali talvez resida, em toda sua ingênua esperança, o
gérmen do que devia se tornar o “fronte cultural”: seus militantes,
seus animadores sociais ou culturais, que nós sonhamos trazer a
nossas visões, a nossas lógicas, a nossas escolhas. Era certamente
impossível, e sem dúvida, vão. Antes do fracasso político do
esquerdismo, todas as tendências se confundiram, houve em toda
pequena escala o fracasso dessa utopia: amarrar na mesma trama o
militantismo político e o militantismo cinéfilo – o nosso.
Pierre Overney, militante maoísta, foi assassinado em fevereiro de
72. Seu enterro é a última das grandes manifestações da extrema
esquerda na França.
Tradução: Douglas Resende
374 \
/ programação
/ 375
376 \
/ CINE HUMBERTO MAURO
The Hunters 72’
John Marshall
22/11 TERÇA FEIRA
19h30 o animal e a câmera
19h30 SESSÃO DE ABERTURA
AS HIPER MULHERES 80’
Carlos Fausto, Leonardo Sette,
Takumã Kuikuro
Sessão comentada por Leonardo
Sette, Takumã Kuikuro
22h30
dj anônimo
Jardins internos do Palácio das Artes
23/11 QUARTA-FEIRA
15h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS / BOLÍVIA
Qulqi chaleco/
Chaleco de plata 22´
Patricio Luna
Wiñay qaman pacha –
Cosmovisión de los pueblos
indígenas originários 30´
Direção coletiva
Guayé – La lucha del pueblo
Ayoreo 31´
Direção coletiva
Sessão comentada por Júnia Torres
17h o animal e a câmera
Lion Game 4’
John Marshall
!Kung Bushmen
Hunting Equipment 37’
John Marshall
Os Cavalos de Goethe ou
Alquimia da Velocidade 55’
Arthur Omar
Sessão comentada por
Arthur Omar,
João Dumans, Paulo Maia
21h30 COMPETITIVA
INTERNACIONAL
Minhocão / The big
worm 30’
Raphaël Grisey
Fragments d’une
révolution/
Fragmentos de uma
revolução 55’
Anonymous
24/11 QUINTA-FEIRA
15h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS - MÉXICO/BOLÍVIA
Chul stes-bil lum qui, nal /
Tierra Sagrada 19’
Direção coletiva Tzotzil - Chiapas
Media Project/Promedios
Planting a seed: autonomous
health in Chiapas 42´
Direção coletiva Tzotzil, Tzeltal,
Tojolabal - Chiapas Media Project/
Promedios
Suma Quamaña, Sumak Kausay,
Teko Kavi / Para vivir bien 55´
Direção Coletiva
/ 377
17h COMPETITIVA
INTERNACIONAL
19h CINEMA DOS POVOS
Shuai Jun´s Childhood / A
infância de Shuai Jun 14’
Xingzheng Jin
Nikan ikon ti topajcha/ Aquí
así nos curamos 15´
José Luís Matías
Dom / Lar 95’
Olga Maurina
El rebozo de mi madre 75´
Itandehui Jansen
19h o animal e a câmera
21h O ANIMAL E A CÂMERA
Primate 105’
Frederick Wiseman
LA BÊTE LUMINEUSE 127’
Pierre Perrault
21h COMPETITIVA
INTERNACIONAL
23h Festa Praba(i)lar 2
Sharawadji
Dj Alexandre de Sena –
Radiola Picumãh
Dj Guto Lovers
Nelson Bordello
Av. Aarão Reis, 554, Centro
Qu’ils reposent en révolte
(Des figures de guerres I)/ Que
descansem sem paz (Imagens
da Guerra) 153’
Sylvain George
ORIGINÁRIOS / MÉXICO
26/11 SÁBADO
25/11 – SEXTA-FEIRA
15h COMPETITIVA
INTERNACIONAL
Saskatchewan 18’
Richard Wiebe
La mort de Danton / A morte
de Danton 64’
Alice Diop
17h COMPETITIVA
INTERNACIONAL
Amanar Tamasheq 14’
Lluis Escartín
Pink Saris 96’
Kim Longinotto
378 \
15h COMPETITIVA
INTERNACIONAL
Sonor 37’
Levin Peter
Moacir 75’
Tomas Lipgot
17h COMPETITIVA
INTERNACIONAL
Smolarze / Carvoeiros 15’
Piotr Zlotorowicz
Los Ulises / Os Ulisses 83’
Agatha Maciaszek, Alberto Garcia
Ortiz
19h O ANIMAL E A CÂMERA
La course de taureaux /
Morte todas as tardes 75’
Pierre e Myriam
Braunberger
20h30 O ANIMAL E A
CÂMERA
Bataille sur le grand
fleuve / Batalha no
Grande Rio 33’
Jean Rouch
Jean Rouch, PREMIÉRE
FILM / Jean Rouch,
primeiro filme 27’
Jean Rouch
21H30 FÓRUM DE
DEBATES
MESA REDONDA: “O animal
e a Câmera” Com: André
Dias, Renato Sztutman,
Paulo Maia
Som Tximna Yukunang/
Gravando som 52’
Karané Ikpeng e Kamatxi Ikpeng
19h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS CHILE/MÉXICO/
BOLÍVIA
Punalka: el alto Bíobío 26´
Jeannette Paillán
K’in Santo ta sotz’leb / Dia de
muertos en la tierra de los
murciélagos 32´
Pedro Daniel López López
Sirionó 56´
Direção coletiva
21h SESSÃO FILMES DE QUINTAL
Quando os yãmiy vêm dançar
conosco 52’
Renata Otto Diniz
Sessão comentada por Isael
Maxakali e Suely Maxakali
28/11 SEGUNDA-FEIRA
27/11 DOMINGO
15h SESSÃO FILMES DE QUINTAL
RODA 72´
Carla Maia, Raquel
Junqueira
17h COMPETITIVA
NACIONAL
Oferenda 17’
Ana Bárbara Ramos
O Brasil de Pero Vaz Caminha
17’40’’
Bruno Laet
10h30 ENCONTRO DE
REALIZADORES/ COMPETITIVA
NACIONAL
15h COMPETITIVA NACIONAL
OMA 22’
Michael Wahrmann
Morada 78’
Joana Oliveira
17h COMPETITIVA NACIONAL
Ovos de Dinossauro na sala
de estar 12’
Rafael Urban
/ 379
Laura 77’
Fellipe Gamarano Barbosa
19h FERNANDO CONI CAMPOS
LA VIDA DE LA MUJER EN
RESISTENCIA / WE ARE EQUAL:
ZAPATISTA WOMEN SPEAK 19´
Chiapas Media Project
PELO SERTAO 8’
17h COMPETITIVA NACIONAL
O BRASIL DE PEDRO A PEDRO 9’
FILME PORNOGRAFIZME 9’15’’
Leo Pyrata
ART NOUVEAU 9´
SANGUE QUENTE EM
TARDE FRIA 87’
Fernando Coni Campos,
Renato Neumann
21h SESSÃO FILMES DE QUINTAL
MANOKI, PYTÁMÃNÃNJULIPJA/
LUTA PELA TERRA
39’
Celso Xinuxi, Alonso Irawali e
Manoel Kanuxi
ENCONTRO COM SÃO JOÃO DA
CRUZ 19’35”
Daniel Ribeiro Duarte
HÖLDER 11’
Daniel Ribeiro Duarte
EROSÕES 35’
Umbando
29/11 TERÇA-FEIRA
15h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS MÉXICO
CUANDO LA JUSTICIA SE HACE
PUEBLO/ RECLAIMING JUSTICE:
GUERRERO’S INDIGENOUS
COMMUNITY POLICE 26´
Carlos Pérez Rojas
LA LUCHA DEL AGUA / WATER
AND AUTONOMY 14´
Chiapas Media Project
380 \
AS AVENTURAS DE PAULO
BRUSCKY 19’
Gabriel Mascaro
SANTOS DUMONT:
PRÉ-CINEASTA? 64’
Carlos Adriano
19h COMPETITIVA NACIONAL
BICICLETAS DE NHANDERÚ 45’
Sandro Ariel Ortega e
Patrícia Ferreira
LÁ DO LESTE 28’
Carolina Caffé e
Rose Satiko Gitirana Hikiji
ACERCADACANA 20’
Felipe Peres Calheiros
21h FERNANDO CONI CAMPOS
LADRÕES DE CINEMA 127’
Sessão comentada por Jean-Claude
Bernardet
30/11 QUARTA-FEIRA
10h30 ENCONTRO DE
REALIZADORES/ COMPETITIVA
NACIONAL
15h SESSÃO ESPECIAL
A VOIR ABSOLUMENT (SI
POSSIBLE) DIX ANNÉES AUX
CAHIERS DU CINÉMA,
1963-1973 78´
Ginette Lavigne, Jean Narboni,
Jean-Louis Comolli
17h COMPETITIVA NACIONAL
UM OLHAR PASSAGEIRO 21’41’’
Pedro Carvalho
01/12 QUINTA-FEIRA
14h CURSO DILEMAS DA
OBSERVAÇÃO
Com Eduardo Escorel
PARIS QUI DORT / PARIS
ADORMECIDA 34’
René Clair
17h COMPETITIVA NACIONAL
O CÉU SOBRE OS OMBROS 72’
Sérgio Borges
DIÁRIO DE UMA BUSCA 105’
Flávia Castro
19h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS/BOLÍVIA
19h FERNANDO CONI CAMPOS
K’ANCHARY / PARA ENCENDER LA
LUZ DEL ESPÍRITU 45´
Reynaldo Yujra
QATI QATI / SUSURROS DE
MUERTE 35´
Reynaldo Yujra
Sessão Comentada por Ivan
Sanjinés, Martha Zeladi
VIAGEM AO FIM DO MUNDO 95’
Sessão Comentada por Jean-Claude
Bernardet
21h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS/BOLÍVIA
LA NACIÓN CLANDESTINA 128´
Jorge Sanjinés
Sessão comentada por Ivan Sanjinés
21h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS BOLÍVIA/MÉXICO
02/12 SEXTA-FEIRA
LA TIERRA ES DE QUIEN LA
TRABAJA 15´
Direção coletiva Tzotzil
14h CURSO DILEMAS DA
OBSERVAÇÃO
Com Eduardo Escorel
LA SOUFRIÈRE 30’
Werner Herzog
FÓRUM DE DEBATES MESA
REDONDA: “Coletivos Audiovisuais
Indígenas: formação de realizadores
e constituição de redes de
comunicação na Bolívia,
México, Brasil”
Com Ivan Sanjinés, Carlos Pérez
Rojas, Vincent Carelli
Mediação: Ruben Caixeta
17h COMPETITVA NACIONAL
VÓ MARIA 6’
Tomás von der Osten
EX ISTO 86’
Cao Guimarães
/ 381
19h CINEMA POVOS ORIGINÁRIOS/
MÉXICO
DULCE CONVIVENCIA 18´
Filoteo Gómez Martinez
Y EL RÍO SIGUE CORRIENDO 70´
Carlos Pérez Rojas
Sessão comentada por
Carlos Pérez Rojas
19h FERNANDO CONI CAMPOS
TARSILA DO AMARAL 12’
UM HOMEM E SUA JAULA 73’
Fernando Coni Campos,
Paulo Gil Soares
21h FÓRUM DE DEBATES
LANÇAMENTO REVISTA DEVIRES
CINEMA POVOS ORIGINÁRIOS
BOLÍVIA/MÉXICO
MESA REDONDA: “O Cinema de
Fernando Coni Campos”
Com Hernani Heffner, Patrícia
Moran. Mediação: Ewerton Belico
MESA REDONDA: “Realização
indígena e autoria cinematográfica”
Com Maria Zeladi Mole,
Carlos Pérez Rojas, Divino
Tserewahu,
Takumã Kuikuro.
Mediação:
Carolina Canguçu
22h FESTA FORUMDOC.BH.2011
Baile Comemorativo aos 15 anos do
festival! Senta a Pua!
Rafael no Som
Quadra da Escola de
Samba Cidade Jardim
Rua do Mercado s/número
Conjunto Santa Maria (Luxemburgo)
03/12 SÁBADO
04/12 DOMINGO
14h CURSO DILEMAS DA
OBSERVAÇÃO
Com Eduardo Escorel
15h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS/MÉXICO
KÉVUJELTA JTEKLUM, CANCIÓN DE
NUESTRA TIERRA 36´
Pedro Daniel López López
21h FÓRUM DE DEBATES
NÃO AMARÁS 85’
Kristof Kieslowski
17h CINEMA POVOS ORIGINÁRIOS/
BOLÍVIA
EL GRITO DE LA SELVA 97´
Direção Coletiva
Sessão Comentada por Martha
Zeladi Mole, Ivan Sanjinés
NOSTALGIA DE SAN
CARALAMPIO 44´
Comunidade San Caralampio, Pedro
Daniel López López, Juan Diego
Méndez, Javier Méndez Córdoba,
Xochitl Leyva y Axel Köhler
17h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS/MÉXICO
SON DE LA TIERRA 17’
Direção coletiva Tzotzil - Chiapas
Media Project/Promedios
382 \
MIRANDO HACIA ADENTRO. LA
MILITARIZACIÓN
EN GUERRERO 34´
Carlos Pérez Rojas
A CIELO ABIERTO 37’37’’
José Luis Matías, Carlos Pérez Rojas
Sessão comentada por Carlos
Pérez Rojas
19h FERNANDO CONI CAMPOS
A PINTURA DE CLAUDIO TOZZI 9’
LÁ DO LESTE 28’
Carolina Caffé e Rose Satiko Gitirana
Hikiji
ACERCADACANA 20’
Felipe Peres Calheiros
25/11 SEXTA-FEIRA
18h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS MÉXICO
21h SESSÃO DE ENCERRAMENTO
O ANIMAL E A CÂMERA
CUANDO LA JUSTICIA SE HACE
PUEBLO / RECLAIMING JUSTICE:
GUERRERO’S INDIGENOUS
COMMUNITY POLICE 26´
Carlos Pérez Rojas
DERSU UZALA 144’
Akira Kurosawa
Y EL RÍO SIGUE CORRIENDO 70´
Carlos Pérez Rojas
\ CENTRO CULTURAL UFMG
20h O MÁGICO E O DELEGADO
Fernando Coni Campos
23/11 QUARTA-FEIRA
28/11 SEGUNDA-FEIRA
18h O ANIMAL E A CÂMERA
ARRAIAL DO CABO 17´
Mário Carneiro, Paulo César Saraceni
18h O ANIMAL E A CÂMERA
YAKWÁ / O BANQUETE DOS
ESPÍRITOS 54´
Virgínia Valadão
O MÁGICO E O DELEGADO 103’
Sessão Comentada por Jair Fonseca
RASTEJADOR, SUBSTANTIVO
MASCULINO 8´
Sérgio Muniz
MEMÓRIA DO CANGAÇO 26´
Paulo Gil Soares
20h COMPETITIVA NACIONAL
BICICLETAS DE NHANDERÚ 45’
Sandro Ariel Ortega e Patrícia
Ferreira
20h COMPETITIVA NACIONAL
FILME PORNOGRAFIZME 9’15’’
Leo Pyrata
AS AVENTURAS DE PAULO
BRUSCKY 19’
Gabriel Mascaro
SANTOS DUMONT:
PRÉ-CINEASTA? 64’
Carlos Adriano
/ 383
30/11 QUARTA-FEIRA
18h O ANIMAL E A CÂMERA
ATAKA: O LADRÃO DE
ARMADILHAS 10´
Coletivo Kuikuro de Cinema
KUXAKUK XAK / CAÇANDO
CAPIVARA 57’
Derli Maxakali, Marilton Maxakali,
Juninha Maxakali, Janaina Maxakali,
20h COMPETITIVA NACIONAL
OMA 22’
Michael Wahrmann
MORADA 78’
Joana Oliveira
02/12 SEXTA-FEIRA
18h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS BOLÍVIA/CHILE
QULQI CHALECO / CHALECO DE
PLATA 22´
Patricio Luna
PUNALKA: EL ALTO BÍOBÍO 26´
Jeannette Paillán
CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS/BOLÍVIA
K’ANCHARY / PARA ENCENDER LA
LUZ DEL ESPÍRITU 45´
Reynaldo Yujra
O BRASIL DE PERO VAZ CAMINHA
17’40’’
Bruno Laet
SOM TXIMNA YUKUNANG/
GRAVANDO SOM 52’
Karané Ikpeng e Kamatxi Ikpeng
16h COMPETITIVA NACIONAL
OVOS DE DINOSSAURO NA SALA
DE ESTAR 12’
Rafael Urban
LAURA 77’ Fellipe Gamarano Barbosa
18h CINEMA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS/MÉXICO
LA TIERRA ES DE QUIEN LA
TRABAJA 15´
Direção coletiva Tzotzil
LA LUCHA DEL AGUA / WATER
AND AUTONOMY 14´
Direção coletiva Tzeltal
LA VIDA DE LA MUJER EN
RESISTENCIA / WE ARE EQUAL:
ZAPATISTA WOMEN SPEAK 19´
Direção coletiva Tzeltal
DULCE CONVIVENCIA 18´
Filoteo Gómez Martinez
20h COMPETITIVA NACIONAL
DIÁRIO DE UMA BUSCA 105’
Flávia Castro
04/12 DOMINGO
03/12 SÁBADO
14h COMPETITIVA NACIONAL
OFERENDA 17’
Ana Bárbara Ramos
384 \
18h COMPETITVA NACIONAL
VÓ MARIA 6’
Tomás von der Osten
UM OLHAR PASSAGEIRO 21’41’’
Pedro Carvalho
19h COMPETITIVA NACIONAL
EX ISTO 86’
Cao Guimarães
/ FORUMDOC.UFMG
CAMPUS UFMG
FAE/EBA/FAFICH
21/11 SEGUNDA-FEIRA
FAE
Auditório Luiz Pompeu de Castro
11h O ANIMAL E A CÂMERA
Conferência Inaugural: “Lições de
Caça”, por Maurício Yekuana
FAFICH Auditório Sônia Viegas
14h O ANIMAL E A CÂMERA
NANOOK, O ESQUIMÓ 65´
Robert Flaherty
DRIFTERS 61´
John Grierson
22/11 TERÇA-FEIRA
FAFICH Auditório Sônia Viegas
10h O ANIMAL E A CÂMERA
Conferência II: “Autópsia ‘in vivo’:
aspectos da biopolítica em ‘Primate’
de Frederick Wiseman”,
por André Dias
Escola de Belas Artes/Auditório
14h O ANIMAL E A CÂMERA
LA CHASSE AU LION À L´ARC/ A
CAÇA AO LEÃO COM ARCO 77´25’’
Jean Rouch
UN LION NOMMÉ LAMERICAIN/UM
LEÃO CHAMADO
AMERICANO 19´52’’
Jean Rouch
23/11 QUARTA-FEIRA
FAE Sala de Teleconferência
10h O ANIMAL E A CÂMERA
ATAKA: O LADRÃO DE
ARMADILHAS 10´
Filme comentado: “Como filmar uma
armadilha?”, por Takumã Kuikuro
Escola de Belas Artes/Auditório
14h O ANIMAL E A CÂMERA
POUR LA SUÍTE DU MONDE 106´
Pierre Perrault, Michel Brault
24/11 QUINTA-FEIRA
FAE
Auditório Luiz Pompeu de Castro
10h O ANIMAL E A CÂMERA
Conferência III: “Revisando a caça
de porco do mato juruna”, por Tânia
Stolze Lima
Escola de Belas Artes/Auditório
14h O ANIMAL E A CÂMERA
OS ARARA 150´
Andrea Tonacci
25/11 SEXTA-FEIRA
FAE
Auditório Luiz Pompeu de Castro
10h O ANIMAL E A CÂMERA
Mesa Redonda I: “A técnica de caça
e o cinema”, por Uirá Garcia, Carlos
Sautchuk e Cezar Migliorin
/ 385
Escola de Belas Artes/Auditório
14h O ANIMAL E A CÂMERA
ARRAIAL DO CABO 17’
Mário Carneiro Paulo César Saracen
RASTEJADOR, SUBSTANTIVO
MASCULINO 8’
Sérgio Muniz
MEMÓRIA DO CANGAÇO 26’
Paulo Gil Soares
28/11 SEGUNDA-FEIRA
FAFICH Auditório Sônia Viegas
11h O ANIMAL E A CÂMERA
PEIXE PEQUENO 3’33’’
Vincent Carelli, Altair Paixão
YAKWÁ/O BANQUETE DOS
ESPÍRITOS 54’
Virgínia Valadão
29/11 TERÇA-FEIRA
FAFICH Auditório Sônia Viegas
10h O ANIMAL E A CÂMERA
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
HISTÓRIAS DE MAWARY 56’
Ruben Caixeta
Sessão comentada por André Brasil
e Ruben Caixeta
386 \
/ endereços
CINE HUMBERTO MAURO
Avenida Afonso Pena | 1.537 | Centro
CENTRO CULTURAL UFMG
Avenida Santos Dumont | 147 | Centro
CAMPUS UFMG
Avenida Antônio Carlos | 6627
/ 387
388 \
\ índice de filmes e diretores
/ 389
390 \
\ índice de filmes
A cielo abierto / 74
A pintura de Cláudio Tozzi / 42
Acercadacana / 129
Amanar Tamasheq / 162
Arraial do cabo / 111
Art nouveau / 43
As aventuras de Paulo Bruscky / 130
As hiper mulheres / 29
Ataka: o ladrão de armadilhas / 114
A voir absolument (si possible)
dix années aux Cahiers du Cinema, 1963-1973 / 175
Bataille sur le grand fleuve / 99
Bicicletas de Nhanderú / 131
Chul stes-bil lum qui, nal / Tierra sagrada / 66
Cuando la justicia se hace pueblo / 68
Dersu Uzala / 120
Diário de uma busca / 132
Dom / 163
Drifters / 98
Dulce convivencia / 78
El grito de la selva / 61
El rebozo de mi madre / 76
Encontro com São João da Cruz / 168
Ex Isto / 133
Filme pornografizme / 134
Fragments d’une révolution / 157
Guayé – La lucha del pueblo Ayoreo / 63
Histórias de Mawary / 117
Hölder / 169
Jean Rouch, primeiro fillme: 1947-1991 / 118
K’anchary / Para encender la luz del espíritu / 59
Kévujelta Jteklum / Canción de nuestra tierra. / 80
K’in santo ta sotz’leb / Dia de muertos n la tierra de los murciélagos / 79
Krótki film o milosci / Não amarás / 189
!Kung bushmen hunting equipment / 103
Kuxakuk Xak / Caçando capivara / 115
La bête lumineuse / 106
La chasse au lion à l’arc / 100
/ 391
La course de taureaux / 108
Lá do leste / 136
La lucha del agua / 69
La mort de Danton / 156
La nación clandestina / 65
La soufrière / 188
La tierra es de quien la trabaja / 72
La vida de la mujer en resistencia / 70
Ladrões de cinema / 41
Laura / 135
Lion game / 104
Los Ulises / 161
Manoki, Pytámãnãnjulipja / Luta pela terra / 166
Memória do cangaço / 109
Minhocão / 153
Mirando hacia adentro. La militarización en Guerrero / 71
Moacir / 158
Morada / 137
Nanook of the North / 97
Nikan ikon ti topajcha/ Aquí así nos curamos / 77
Nostalgia de San Caralampio / 81
O Brasil de Pedro a Pedro / 43
O Brasil de Pero Vaz caminha / 138
O céu sobre os ombros / Pink saris / 139
Oferenda / 140
OMA / 141
Os Arara / 119
Os cavalos de Goethe ou Alquimia da velocidade / 118
Ovos de dinossauro na sala de estar / 142
Paris qui dort /187
Peixe pequeno / 112
Pelo sertão / 43
Pink saris / 154
Planting a seed: autonomous health in Chiapas / 73
Pour la suite du monde / 105
Primate / 107
Punalka: el alto Bíobío / 82
Qati Qati / Susurros de muerte / 54
392 \
Quando os yãmiy vem dançar conosco / 170
Qu’ils reposent en révolte (Des figures de guerres I) / 152
Qulqi chaleco / Chaleco de plata / 58
Rastejador, substantivo masculino / 110
Roda / 167
Sangue quente em tarde fria / 39
Santos Dumont: pré-cineasta? / 143
Saskatchewan / 164
Shuai Jun’s childhood / 160
Sirionó / 64
Smolarze / 159
Som Tximna Yukunang/ Gravando som / 144
Son de la tierra/ 67
Sonor / 155
Suma Quamaña, Sumak Kausay, Teko Kavi – Para vivir bien / 62
Tarsila do Amaral / 43
The hunters / 107
Um homem e sua Jaula / 38
Um olhar passageiro / 145
Un lion nommé l’Américain / 101
Viagem ao fim do mundo / 37
Vó Maria / 146
Wiñay qaman pacha – Cosmovisión de los pueblos indígenas originários / 60
Y el río sigue corriendo / 75
Yãkwá, o banquete dos espíritos / 113
/ 393
\ índice de diretores
Agatha Maciaszek / 161
Akira Kurosawa / 120
Alberto Garcia Ortiz / 161
Alice Diop / 156
Alonso Irawali / 166
Altair Paixão / 111
Ana Bárbara Ramos / 140
Andrea Tonacci / 119
Anonymous / 157
Arthur Omar / 116
Axel Köhler / 81
Bruno Laet / 138
Cao Guimarães / 133
Carla Maia / 167
Carlos Adriano / 143
Carlos Fausto / 29
Carlos Pérez Rojas / 68, 71, 74, 75
Carolina Caffé / 136
Cefrec/Caib / 60-64
Celso Xinuxi / 166
Chiapas Media Project / 66, 69,
70, 72, 73
Coletivo Kuikuro de Cinema / 114
Comunidade San Caralampio / 81
Daniel Ribeiro Duarte / 168, 169
David Neves / 42
Derli Maxakali / 115
Direção coletiva Tzeltal / 66, 69,
70, 73
Felipe Peres Calheiros / 129
Fellipe Gamarano Barbosa / 135
Fernando Coni Campos / 37-43
Filoteo Gómez Martínez / 78
Frederick Wiseman / 107
Gabriel Mascaro / 130
Ginette Lavigne / 175
394 \
Itandehui Jansen / 76
Janaina Maxakali / 115
Javier Méndez Córdoba / 81
Jean Louis Comolli / 175
Jean Nardoni / 175
Jean Rouch / 99-101, 118
Jeannette Paillán / 82
Joana Oliveira / 137
John Grierson / 98
John Marshall / 102-104
Jorge / 67
Jorge Sanjinés / 65
José Luis Matías / 74, 77
Juan Diego Méndez / 81
Juninha Maxakali / 115
Kamatxi Ikpeng / 144
Karané Ikpeng / 144
Kristof Kieslowski / 189
Leo Pyrata / 134
Leonardo Sette / 29
Levin Peter / 155
Lluis Escartín / 162
Manoel Kanuxi / 166
Marilton Maxakali / 115
Mário Carneiro / 111
Michael Wahrmann / 141
Michel Brault / 105
Myriam Braunberger / 108
Olga Maurina / 163
Patrícia Ferreira / 131
Flávia Castro / 132
Patricio Luna / 58
Paulo César Saraceni / 111
Paulo Gil Soares / 38, 109
Pedro Carvalho / 145
Pedro Daniel López López / 79-81
Pierre Braunberger / 108
Pierre Perrault / 105, 106
Piotr Zlotorowicz / 159
Rafael Urban / 142
Raphaël Grisey / 153
Kim Longinotto / 154
Raquel Junqueira / 167
Renata Otto Diniz / 170
Renato Neumann / 39
René Clair / 187
Reynaldo Yujra / 57, 59
Richard Wiebe / 164
Robert J. Flaherty / 97
Rose Satiko Gitirana Hikiji / 136
Ruben Caixeta de Queiróz / 117
Sandro Ariel Ortega / 131
Sérgio Borges / 139
Sérgio Muniz / 110
Sylvain George / 152
Takumã Kuikuro / 29
Tomas Lipgot / 158
Tomás von der Osten / 146
Umbando / 171
Vincent Carelli / 112
Virgínia Valadão / 113
Werner Herzog / 188
Xingzheng Jin / 160
Xochitl Leyva / 81
/ 395
396 \
150 festival do filme documentário e etnográfico / fórum de antropologia, cinema e vídeo
\ 21 de novembro a 04 de dezembro
/ organização geral e
produção executiva
Júnia Torres
Glaura Cardoso Vale
Paulo Maia
Carla Maia
Ruben Caixeta
Rafael Barros
Diana Gebrim Costa
Flávia Camisasca
Milene Migliano
Carla Italiano
\ mostra fernando coni campos
Ewerton Belico
/ mostra cinema dos povos
originários bolívia/méxico
Júnia Torres
Carolina Canguçu
Milene Migliano
colaboração
Roberto Romero
Ana Carvalho
Ruben Caixeta
\ mostra o animal e a câmera Paulo Maia
Fabiano Bechelany
César Guimarães
Cláudia Mesquita
Ruben Caixeta
\ mostra competitiva
internacional (seleção)
Bruno Vasconcelos
Carla Maia
Pedro Portella
/ mostra competitiva
nacional (seleção)
Affonso Uchôa
Ewerton Belico
Rafael Barros
\ mostras competitivas
(divulgação e organização)
Glaura Cardoso Vale
Carla Italiano
/ curso dilemas da observação
Eduardo Escorel
produção
Glaura Cardoso
Ana Carvalho
Carla Italiano
\ programa de extensão
forumdoc.ufmg.2011 coordenador
Paulo Maia
/ co-coordenadores
Ruben Caixeta
Cláudia Mesquita
César Guimarães
/ 397
/ bolsistas
Hozienne Reis Passos
Roberta Araújo
Pedro Leal
\ produção logísitca
Milene Migliano
/ tradução e legendagem
Flávia Camisasca (Coordenação)
Alessandra Carvalho
Ana Carolina Antunes
Augusto de Castro
Bráulio de Britto Neves
Bruna Di Gioia
Carla Italiano
Carlos Jáuregui
Carolina Canguçu
Débora Braun
Douglas Resende
Gustavo Silveira Ribeiro
Henrique Cosenza
Íris Araújo
Jayme Barbosa
Jonathan Tadeu
Laura Torres
Lisa Carvalho Vasconcellos
Lucas Sander
Mariana Ruas
Marina Sandim
Mateus Araújo
Paulo Marra
Paula Santos
Rodrigo V. de Souza
\ legendagem eletrônica
4estações
398 \
/ direção de arte
Paulo Maia
\ projeto gráfico
Marilá Dardot
/ tiara de miçangas
Suely Maxakali
\ fotografia
Bernard Machado
Daniel Iglesias
/ catálogo
Glaura Cardoso Vale (Organização)
Carla Maia
Júnia Torres
\ diagramação
Ana C. Bahia
/ revisão
Ana Carvalho
Carla Italiano
Carolina Canguçu
Daniel Ribeiro Duarte
Fabiano Bechelany
Flávia Camisasca
Francisca Manuel
Milene Migliano
Paulo Maia
Oswaldo Teixeira
Rafael Barros
\ vinheta
Raquel Junqueira
/ site
Gustavo Teodoro (Design e
Programação)
Carlos Paulino (Coordenação)
Pedro Aspahan (Coordenação)
\ cabine de projeção
Pedro Aspahan (Coordenação)
Bernard Machado (Coordenação)
Maurício Rezende
Warley Desali
Daniel Ferreira
/ assessoria de imprensa
Sinal de Fumaça Comunicação
Sérgio Stockler
Aline Ferreira
\ festival online e cobertura
Pedro Aspahan
Bernard Machado
Francisca Manuel
Glaura Cardoso Vale
Milene Migliano
Pedro Marra
/ mostra de extensão
Fernanda Oliveira
Flávia Camisasca
Francisca Manuel
Marina Sandim
Raquel Amaral
serra
Jansey Valdez
Reinaldo Santana
parcerias: Aces - Associação
Cultural e educativa da Serra
e C.R.I.Arte - Comunidade
Reivindicando e interagindo com arte
taquaril
Junio Marques da Silva (Blitz )
parcerias: Centro de Referência Hip
Hop Brasil E Crime Verbal
barragem santa lúcia
Célia Rodrigues
Daniele Augusta
Doni Oliveira
Maurício Rodrigues de Moraes
Rodolfo Fonseca
parcerias: Cine Beco / Casa do Beco
e Espaço BH Cidadania
concórdia
Isabel Casimiro (Dona Isabel)
Isabel Casimira (Belinha)
Parceria: Guarda de Moçambique e
Congo Treze de Maio de Nossa Sra.
do Rosário
/ momentos festivos
Rafa Barros
Milene Migliano
dj anônimo
Sharawadji
Dj Alexandre de Sena – Radiola
Picumãh
Dj Guto Lovers
Senta a Pua!
Rafael no Som
\ assessoria jurídica e financeira
Diversidade Consultoria
Diana Gebrim
/ 399
/ motorista
Luciano Ribeiro
\ fundação clóvis salgado
(participação)
Solanda Steckelberg (Presidente)
Cynthia Bernis de Oliveira (Diretora
de planejamento, gestão e finanças)
Sérgio Rodrigo Reis (Diretor artístico)
Sandra Fagundes Campos (Diretora
de programação)
Cláudia Garcia Elias (Diretora de
marketing, intercâmbio e projetos
especiais)
Patrícia Avellar Zol
(Diretora de ensino e extensão)
Fabíola Moulin Mendonça (Gerente de artes visuais)
\ cine humberto mauro
Rafael Ciccarini (Gerente do
departamento de cinema)
Ursula Rösele (Assessora
do departamento de cinema)
José Ricardo da Costa Miranda
Junior (Assistente do departamento
de cinema)
Flávia Braga (Produtora do
departamento de cinema)
Luciene Raquel Lima (Auxiliar
de Serviços Administrativos do
Departamento de Cinema)
/ porteiro
José Horta de Oliveira
400 \
\ projecionistas
Mercídio Alvinho Scarpeli
Rufino Gomes Araújo
/ bilheteria
Dercy Rosa
\ agradecimentos
Jean-Claude Bernardet, Ismail Xavier,
Luis Abramo, Ruben Jacobina,
Patricia Moran, Paulo Sacramento,
Cinemateca MAM - RJ, Hernani
Heffner, Gilberto Santeiro, CTAv,
Liane Corrêa, Rosangêla Sodré,
Ana Beatriz Vasconcellos, Roberto
Leão, Natália Soares, Cinemateca
Brasileira, Leandro Pardi, Talita
Guessi, Alexandre Miyazato, Juliana
Santos, Isabel Casemira, Ricardo,
Belinha, Guidinha, Toninho, Jô
Morais, Arnaldo Godoy, João Bosco
Rodrigues, Pedro Coutinho, Instituto
Itaú Cultural - Talita Capozzi
Goldstein, Fernando Brito (Versátil
Home Video), Laura Barbi, Frederico
Sabino, Jean Rouch, Courtesy
Panamint Cinema, Panamint/UK,
Mateus Araújo Silva, Maria Leite
Chiaretti, Balafon Produções,
Flora Lahuerta, Roberto Romero,
Paula K Santos, Eduardo Queiroz,
Ricardo Farkas,Cynthia Close
(DER), Karma Foley (Smithsonian),
Frédérique Ros (Films du Jeudi),
Andrea Tonacci, Cristina Amaral,
Gustavo Beck, Sérgio Borges,
Glauber Rocha, Diego Madi, Ivan
Sanjinés, Jorge Sanjinés, Monica
Bustillos , Ukamau, Alexandra
Halkin, Thomas, Festival Ambulante,
Carlos Pérez Rojas, Amalia Cordova,
Latin American Program/ Programa
Latinoamericano Film + Video
Center, Smithsonian National
Museum of the American Indian,
Vídeo nas Aldeias, Vincent Carelli,
Olívia Sabino, Ernesto de Carvalho,
Fábio Menezes, Júlio Bressane,
Eduardo Escorel, o homem da
multidão, Eduardo Coutinho, João
Dumans, Departamento de CinemaFCS, Rafael Ciccarini, Úrsula
Roesele, Pascale, Bepunu Kayapó,
Divino Tserewahu, Delfim Afonso
Neto, Jorge Alexandre Barbosa
Neves, Ângela Gomes Torres, Edna
Torres, Helenise Lamounier de
Carvalho, Urzula Groska, Escola
de Samba Cidade Jardim, Senta a
Pua, Rafa Soares, Afromatajazz,
André Xina, Guto Borges, Tamás
Bodolay, Rita Velloso, Márcia
Spyer, Ana Gomes, Luis Roberto de
Paula, Samira Zaidan, Alexandre
Santos, Karenina Andrade, Camila
Bechelany, Hutukara Associação
Yanomami, Noêmia Maxakali, Suely
Maxakali, Isael Maxakali, Guto
Borges, Hugo Cordeiro, Coletivo
Photograph, Pedro Silveira, Takumã
Kuikuro, Carlos Fausto, Leo Sette,
Israel do Vale, Centro de Memória
Indígena Manoki, Leonardo Vidigal,
Alexia Neca, Cezar Migliorin,
Theo Duarte, Ilana Feldman, João
Dumans, Virgínia Guimarães Bahia,
Maria Cristina Araújo Rabelo,
Carolina Fenati, Arthur Omar, Maria
Inês Almeida, Centro Cultural da
UFMG, Escola de Belas Artes –
UFMG, Ana Tereza Brandao, Joana
Meniconi.
Aos realizadores que se inscreveram
nas mostras competitivas.
/ associação filmes de quintal
Avenida Brasil | 75/sala 06
Santa Efigênia
Belo Horizonte/MG
CEP 30140-000 | Brasil
Telefone: +55 31 3889-1997
31 2512-1987
forumdoc.org.br
filmesdequinta.org.br
/ 401
\ notas
402 \
\ notas
/ 403
\ notas
404 \
\ notas
/ 405
REALIZAÇÃO
CORREALIZAÇÃO
PARTICIPAÇÃO
APOIO INSTITUCIONAL
APOIO CULTURAL
SMITHSONIAN NATIONAL
MUSEUM OF THE
AMERICAN INDIAN
APOIO LOGÍSTICO
406 \
PATROCÍNIO
/ 407
forumdoc.bh.2011 – 15º Festival do Filme Documentário e Etnográfico
/ Fórum de antropologia e cinema. Vale, Glaura Cardoso; Maia, Carla;
Torres, Júnia (Orgs.). Belo Horizonte:
Filmes de Quintal, 2011.
408 p., 105 ilustr.
ISBN: 978-85-63837-02-8
1. Cinema - 2. Documentário; 3. Antropologia.
I. Vale, Glaura Cardoso; Maia, Carla; Torres, Júnia. II Título
CDD 791

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