Jovens que fazem a diferença

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Jovens que fazem a diferença
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Fotos: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press
26 • Cidades • Brasília, quarta-feira, 14 de outubro de 2015 • CORREIO BRAZILIENSE
Naldo Lopes (de amarelo)
e Rafael Melo, da fanpage
Ceilândia Muita Treta:
humor para falar das
mazelas da cidade
POR MEIO DAS ARTES,
DO TRABALHO SOCIAL
E ATÉ DO HUMOR, MOÇAS
E RAPAZES DA PERIFERIA
CONSTROEM UMA
IDENTIDADE PRÓPRIA E
PREENCHEM LACUNAS
MUITAS VEZES DEIXADAS
PELOS GOVERNOS
E PELA SOCIEDADE
» MARYNA LACERDA
mundo cabe na quadra, mas não se limita a ela. É
por meio da cidade em que vivem que jovens constroem identidades e praticam a cidadania. As iniciativas, muitas vezes despretensiosas, geram sutis revoluções. Com a energia típica da idade, eles transformam a comunidade e descobrem a força que têm para construir mudanças. São exemplos em que humor, dança e teatro despertam a consciência para os direitos negados e os serviços não
prestados pelos governos. Os resultados tornam a diversão
uma mobilização, que envolve os moradores da área.
O humor foi a ferramenta para Naldo Lopes, 28 anos,
Rafael Melo, 25, e Michel Israel, 27, batalharem por mais
atenção para Ceilândia. Os três costumavam abordar, nas
páginas pessoais no Facebook, os problemas cotidianos da
cidade. “O pessoal começou a achar engraçado. A gente falava de lixo, buracos e enchentes, sempre de um jeito divertido”, conta Naldo. As fotomontagens e os vídeos repercutiram. “Depois que a gente divulgava o problema, em
uma semana, alguém da administração vinha aqui e resolvia”, lembra o rapaz.
O impacto dos posts deu origem, em 2012, à fanpage Ceilândia Muita Treta. A escolha do nome se deveu à reação que
os rapazes presenciavam sempre que diziam ser de Ceilândia.
“Quando chegamos ao Plano Piloto e dizemos de onde a gente vem, algumas pessoas já se espantam”, comenta Naldo. Hoje, as quase 45 mil curtidas comprovam que a brincadeira virou coisa séria. Por meio da divulgação de problemas que, segundo eles, passam a maior parte do tempo escondidos, eles
conseguiram atingir um público engajado e interessado. O
sonho desses jovens parece simples, mas representa emancipação e conquista de direitos. “As pessoas olham para as periferias do jeito errado. Nosso objetivo é conseguir ser a voz de
Ceilândia. As nossas postagens têm alcance. Querendo ou
não, o assunto vai chegar às autoridades”, enaltece Naldo.
Na Cidade Estrutural, a arte faz florescer a consciência
dos direitos em crianças de 6 a 12 anos. Alunos do curso
integral do Centro de Ensino Fundamental 2 encenam
peças, cantam e dançam no contraturno das aulas regulares. A experiência trouxe uma mudança significativa de
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comportamento dos estudantes. “Não converso mais nas
aulas, porque aprendi que, no teatro, eu tenho todo o tempo para falar”, explica Victor Gabriel de Araújo Soares, 9
anos. É com profundidade que o garoto explica como aplica o que aprendeu. “Eu entro no espírito do personagem.
Para quem tem vontade, não é difícil”, garante.
A iniciativa partiu de Ronaldo Rocha Montenegro, 21
anos, faxineiro que se tornou professor. “Eu comecei, escondido, a passar noções de artes cênicas para as crianças.
Na hora do recreio, ia para um lugar menos movimentado
e contava como era fazer humor, como chorar em cena”,
explica Ronaldo. Ele é autodidata no tema. “Aprendi com
videoaulas na internet, em tutoriais no YouTube.” Nascido
em Barreiras (BA), o jovem chegou a Brasília com 16 anos
disposto a investir em sonhos. “Menti para meu pai que tinha conseguido um trabalho com carteira assinada, mas
fui me virando com bicos”, diz. O rapaz gravou dois filmes
— um longa-metragem e um curta — com a ajuda da população. “Eu queria mostrar como é a Estrutural, que aqui
tem muita coisa legal e muita gente boa”, diz. As lições para
as crianças foram uma forma de aliar o interesse pessoal
ao objetivo social. “As crianças daqui são tão carentes de
opções de lazer e cultura, que eu decidi fazer algo. Se eu
pudesse, abraçava a Estrutural.”
Aproximação
Não há distância que desanime o estudante Wanderson
Nunes, 20. Ele mora no Recanto das Emas e frequenta a oficina de fotografia do projeto Jovem de Expressão, em Ceilândia.
“Adoro esse espaço porque é aberto para todos, e as oficinas
são gratuitas.” Ele estuda artes visuais, na Universidade de
Brasília (UnB), e acredita que iniciativas de formação cultural
precisam se espalhar pelas periferias de todos os estados do
Brasil. É uma forma de recuperar e melhorar as perspectivas
para as áreas. “Não é fácil encontrar um curso tão bom que
seja grátis. É um meio de obter conhecimento e conviver diretamente com a diversidade”, relata o brasiliense.
Incentivar o engajamento dos jovens com os temas caros
às cidades em que vivem é o caminho para o fortalecimento
da cidadania de uma forma geral, conforme explica Cleomar
Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A entidade é uma organização não governamental que impulsiona projetos de fortalecimento da sociedade civil e de participação social na definição de políticas
públicas. “Investir no protagonismo juvenil é importante para ter pessoas que enxerguem o mundo em 180º. Os jovens
passam a entender as relações de poder, a ter cidadania plena e tomam consciência de seu papel social”, afirma.
Uma das propostas abraçadas pelo Inesc ocorre na Cidade Estrutural, com o Observatório da Criança e do Adolescente (OCA). A atividade mais recente é a revitalização do Beco da Esperança — uma proposta que partiu dos jovens da
comunidade e reflete o processo de apropriação por que passam. “Existe uma dificuldade dos jovens em se reconhecerem como da Estrutural, porque é uma cidade muito estigmatizada. Com a formação por que passam, eles começam a
entender o que é o território em que vivem e tomam consciência de seus direitos”, resume Cléo.
Ainda que a participação da comunidade seja fundamental, a ação governamental não pode ficar em segundo plano.
Isso porque o investimento em políticas públicas, em mobilidade, infraestrutura e em fortalecimento da renda e do trabalho é fundamental para a diminuição da vulnerabilidade social (leia Para saber mais) e da exclusão social. É o que mostram os resultados do Atlas da vulnerabilidade social nas regiões metropolitanas, divulgados recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Na Rede Integrada de Desenvolvimento Econômico do
Distrito Federal e Entorno (Ride-DF), o índice da vulnerabilidade social (IVS) reduziu 26,5% entre 2000 e 2010.“Essa redução sintetiza o efeito de um conjunto de políticas sociais aplicadas e um contexto econômico favorável”, afirma o diretor
de Estudos e Políticas Regionais,Uurbanas e Ambientais do
Ipea. Segundo ele, na última década, houve um processo de
inclusão social com a política de valorização do salário mínimo e com a queda do desemprego. No entanto, esse processo
não foi totalizado. “O Brasil tem um deficit histórico em políticas sociais, e é necessário que o país as mantenha. Não podemos perder a capacidade de investimento nessa área”, avalia, levando em consideração o momento de crise econômica
por que passa o país.
De faxineiro,
Ronaldo
Montenegro se
tornou professor
de teatro e tem
mudado a
realidade de
crianças de 6 a 12
anos na Cidade
Estrutural
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