HABEAS CORPUS para trancamento de Inquérito
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HABEAS CORPUS para trancamento de Inquérito
EXCELENTISSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA COMARCA DE TERESINA-PI. 3ª VARA CRIMINAL DA DISTRIBUIÇÃO POR PREVENÇÃO – 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE TERESINA/PI HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INQUÉRITO POLICIAL Nº ........(NÚMERO DA DISTRIBUIÇÃO..........) AUDREY MARTINS MAGALHAES, advogada, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de Piauí, sob o número ....., com escritório na Rua Elizeu Martins, 1294 Centro Ed. Oeiras Salas 104/104 Teresina – PI Cep: 64000-120, onde recebe intimações, vem, respeitosamente perante a alta presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5o., LXVIII, da Constituição Federal, impetrar ordem de HABEAS CORPUS para trancamento do Inquérito Policial nº 869/2007 em favor de ..........................., brasileiro, separado judicialmente, cédula de identidade n............, residente e domiciliado na ..............., Teresina/PI, tendo como Autoridade Coatora o EXMO. SR. DELEGADO DE POLÍCIA CLASSE ESPECIAL – TITULAR DA POLINTER/PI DA COMARCA DE TERESINA/PI, pelos fatos e fundamentos a seguir: Página 1 de 13 I – DO CABIMENTO DO WRIT PARA O TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL A CF/88, em seu artigo 5°, LXVIII, estabelece que deverá ser concedido habeas corpus em caso de lesão ou ameaça de lesão ao direito de locomoção. A doutrina e a jurisprudência, porém, vêm admitindo duas outras hipóteses de HC: para trancamento da ação penal ou para trancamento do inquérito policial. Para o cidadão, o simples fato de estar sendo processado criminalmente ou pesar sob sua pessoa um inquérito policial já configura, indiretamente, uma restrição ao direito de locomoção. Afinal, existe a obrigatoriedade de comparecimento aos atos do processo, a possibilidade de decretação de prisão preventiva ou temporária, etc. Dessa forma, a Constituição Federal de 88 e o Código de Processo Penal legitimam o manuseio do writ: CF/88 - Art. 5º, LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder . Código de Processo Penal - Art. 647 e 648 - Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir ou vir, salvo nos casos de punição disciplinar. Além disso, o processo criminal pode culminar em uma sentença condenatória, o que certamente afetará a liberdade individual do cidadão. Assim, a doutrina e a jurisprudência entendem que quando o processo criminal em si for ilegal, abusivo, ou, principalmente, sem justa causa, é cabível habeas corpus para trancamento da ação penal. Pelos mesmos fundamentos, admite-se também o cabimento de HC para trancamento do inquérito policial. Tal medida, entretanto, tem caráter excepcionalíssimo, devendo ser deferida apenas em situações em que o inquérito se mostrar totalmente despido de fundamento. Ex: inquérito policial desprovido de provas indiciárias. 105046638 – HABEAS CORPUS - ADMISSIBILIDADE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL - Se se trata de processo penal ou mesmo de inquérito policial, a jurisprudência do STF admite o Hábeas corpus, dado que de um ou outro possa advir condenação à pena privativa de liberdade, ainda que não iminente, cuja aplicação poderia ser viciada pela ilegalidade contra a qual se volta a Página 2 de 13 impetração da ordem. II. Crime material contra a ordem tributária (L. 8.137/90, art. 1º): Lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: Falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo: Precedente (HC 81.611, Pleno, 10.12.2003, Pertence, Inf. STF 333). (STF - HC 86120 - SP - 1ª T. Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJU 26.08.2005 - p. 28) A impetrante, advogada, apresenta HABEAS CORPUS para trancamento do Inquérito Policial nº ........, distribuído sob o nº ........ para 3ª Vara Criminal da Comarca de Teresina. O inquérito está instruído por provas nulas em razão da não observância do art. 159, caput do CPP e Súmula 361 do STF, além de que no relatório do delgado não há individualização da suposta conduta delitiva do indiciado,sequer sua atitude, nem em tese, configura o crime de estelionato, falhas que acarretarão, no caso de continuidade do procedimento e ocorrência da ação penal, em nulidade de todo processo. O Habeas Corpus tem como fundamento jurídico ausência de provas indiciárias válidas e não adequação da conduta do suposto agente ao tipo penal. Diante da obviedade de ausência de resultado útil do processo penal, não se justifica a movimentação da máquina estatal, uma vez que a apuração do suposto fato ilícito desde o início é nula de pleno direito, trazendo o inquérito policial apenas uma conseqüência: constrangimento ilegal ao paciente. Em verdade, apenas por apreço à dignidade da Justiça, em homenagem às instituições correlatas, o presente writ objetiva não apenas evitar ilegalidade, mas também não permitir injustiça social, situação insustentável moralmente. II – DOS FATOS No mês de outubro de 2007, AS EMPRESAS TAIS foram visitadas por técnicos da CEPISA e autuadas devido ao fato dos medidores de energia estarem supostamente alterados. Em companhia dos técnicos da suposta vítima, estava um único perito criminal, sr. FULANO DE TAL, que presenciou também a apreensão de vários medidores. Aberto o Inquérito Policial por meio de portaria foram juntados termos de ocorrência da CEPISA, laudos do instituto Página 3 de 13 de criminalística assinados pelo perito anteriormente citado e ainda um segundo, sr . BELTRANO DE TAL, depoimento do sr. Cicrano de TAL (inspetor funcionário da suposta vítima) que confirma a apreensão dos medidores, laudos técnicos e diferenças de faturamento apresentados pela CEPISA e por fim, depoimento do indiciado. Aduz o relatório final contido nos autos do inquérito combatido que o paciente teria incorrido no crime capitulado no art. 171 do Código Penal, sendo vítima a Companhia Energética do Piauí –CEPISA, em várias unidades consumidoras situadas na capital piauiense, “descrevendo assim o referido fato ‘selos da tampa do medido substituídos à revelia da CEPISA; consumo não compatível coma carga instalada, selos da tampa do medidor diferente de laboratório’.” (fls. 63 do IP). Em depoimento, o indiciado afirma que a unidades consumidoras só recebem visitas dos técnicos da CEPISA, que não sabia de qualquer irregularidade nos medidores de suas propriedades, que o gasto com energia elétrica chega ao vulto de aproximadamente R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao mês, que nunca autorizou ninguém a alterar qualquer medidor que seja. Não há no inquérito policial, como se demonstrará a seguir, provas indiciárias da conduta típica, e, muito menos a conduta do indiciado se mostra típica e enquadrada no art. 171 do CPB. III – DA NULIDADE DAS PROVAS - DA PERÍCIA – VIOLAÇÃO DO ART. 159, caput DO CPP E SÚMULA 361 STF Depreende-se dos documentos constantes no Inquérito Policial que os termos de ocorrência prestados pela CEPISA, atestam a presença apenas do perito FULANO DE TAL. Os medidores periciados pelo referido profissional foram apreendidos e hoje se encontram no laboratório da CEPISA. A seguir, ainda no inquérito, o mesmo perito assina laudos, desta vez em companhia de um segundo profissional, o ............. Ou seja, o mesmo perito que estivera presente na apreensão dos medidores agora assina laudos periciais, em total afronta a súmula 361 STF: STF Súmula nº 361 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 156. Página 4 de 13 Processo Penal - Nulidade - Exame Realizado por Um só Perito Impedimento de Perito da Diligência de Apreensão No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionando anteriormente na diligência de apreensão. O art. 159 do Código de Processo Penal determina que o exame de corpo de delito e outras perícias deverão ser necessariamente realizadas e atestadas por dois peritos. Sendo o perito ................. impedido de periciar os artefatos, a perícia torna-se nula e inócua, não podendo ser utilizada como prova em instrução criminal. CPP Art. 159 - Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois peritos oficiais. O crime o qual o paciente está sendo acusado é de estelionato, através de adulteração em medidores de energia, delito que deixa vestígios. Necessário seria que os medidores fossem apreendidos e ficassem no poder da autoridade policial e não em poder da suposta vítima em seu laboratório, não sendo mais meio idôneo de realizar nova perícia, uma vez que estão contaminados por qualquer ato da CEPISA ou de outrem. Mesmo sendo qualificado como CRIME DE ESTELIONATO, igualmente ao CRIME DE FURTO DE ENERGIA, a materialidade só seria comprovada mediante laudos técnicos de forma direta, ou seja, peritos judiciais ou criminalistas observando e periciando o objeto e não apenas baseando-se na informação apresentadas unilateralmente pela vítima: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL APELAÇÃO CRIME SEXTA CÂMARA CRIMINAL Nº 700015988538 COMARCA DE SANTA CRUZ DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO APELANTE/APELADO WALTER GESSINGER APELANTE/APELADO Furto de energia elétrica. Materialidade não comprovada. Crime que deixa vestígios. Necessidade de perícia. Auto de exame de furto qualificado realizado de forma indireta a partir de informações apresentadas unilateralmente pela vítima. Absolvição. Apelação defensiva provida. Apelação ministerial prejudicada. A perícia de laboratório, como é chamada o tipo de perícia necessária para determinar o cometimento de atos ilícitos da natureza do qual está sendo indiciado o paciente, deve ser realizada por peritos criminalistas, em laboratório do Instituto Médico Legal e para assegura a ampla defesa e o contraditório, deveria ser guardado material suficiente para nova perícia, como ordena o art. 170 do CPP. Página 5 de 13 Art. 170 - Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas. A partir do momento que os medidores encontram em poder da suposta vítima e ainda, sendo analisados pela própria, o princípio e garantia fundamental do paciente a ampla defesa e ao contraditório são atacados e infligidos. Em síntese: Para nada servem os laudos periciais contaminados pela falha de perito impedido assiná-los, resultando em perícia assinada por apenas um perito, o que é proibido por lei. O Código de Processo Penal reforça ser indispensável a perícia em crime que deixa vestígios, não sendo suprimida nem mesmo pela confissão do indiciado. (CPP Art. 158 - Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.) Dessa forma, não havendo provas idôneas aptas a capacitar qualquer instrução penal, não deve perdurar o constrangimento do indiciado de pesar sobre sua cabeça acusação tão grave. Outra falha insanável é o fato de que os medidores, supostas provas do cometimento ou não do crime imputado pelo paciente estão sob o poder e análise da suposta vítima, o que cerceia a ampla defesa e o contraditório, garantias constitucionais a todo e qualquer indivíduo brasileiro. Além das nulidades apontadas, o laudo pericial em si é amplamente irregular, posto que a lei determina que descreva minuciosamente o objeto periciado, a irregularidade do artefato, como se deu a alteração, dentre outros elementos amplamente necessários para que, em caso de instrução criminal, possa a acusação descrever a conduta típica e antijurídica do réu, sem o que, passa a denúncia ser inepta. A essência do tipo fundamental do estelionato está em induzir ou manter alguém em erro. Logo, ao imputá-lo, deve a denuncia narrar, em pormenores, no que constitui o meio produtor de engano para o sujeito passivo, sob pena de inépcia, por omitir descrição de circunstância elementar do crime. (TACrimSP, AC, Rel. Haroldo Luz, RT 725:596) Os laudos resumem-se em descrever o medidor e a constatação da irregularidade, não há levantamento fotográfico, não atestam se aquela era devida a ato humano ou Página 6 de 13 desgaste do tempo, sequer descrevem se houve ou não a vantagem que em tese, teria sido auferida pelo paciente/indiciado. Ou seja, não há provas da vantagem. A qualificação dos peritos deveria estar contida no corpo dos laudos perícias, posto tratar-se de exame específico, necessitando de conhecimentos específicos para atestar qualquer irregularidade, como no presente caso, conhecimentos típicos de um engenheiro elétrico. Deste modo, o inquérito e a perícia constante nele vulneram duplamente o preceituado no art. 158 c/c o art. 159, caput, ou §1º ambos do CPP, no sentido de exigir que o auto seja firmado por dois peritos oficiais ou por duas pessoas idôneas, portadora de diploma de curso superior. A defesa fica sem meios para avaliar se a perícia foi feita adequadamente e de forma idônea, com pessoas gabaritadas, aptas a analisar os artefatos. Tão quão importante a qualificação é a metodologia da perícia. O método é crucial para determinação da suposta irregularidade dos fatos, uma vez que pesam sobre os objetos o fato de serem ou não provas aptas a incriminar o indiciado. O simples observar dos laudos periciais, verifica-se, portanto a ausência de qualificação dos mesmo mesmos e ainda, da descrição da metodologia adotada para análise dos objetos. Os julgados pátrios acolhem a necessidade da qualificação dos peritos, sem a qual a perícia é nula para todos os fins: 1700071458 - PORTE DE ARMA – NULIDADE DA PERÍCIA - Nula perícia onde não consta qualificação de peritos e ausência da metodologia para respostas dos quesitos. Apelo provido. (TJRS - ACr 70008299554 - 5ª C.Crim. - Relª Desª Genacéia da Silva Alberton - J. 02.06.2004) Sobre os documentos acostados pela suposta vítima, este mesmo é que não idôneos como prova para comprovar autoria e materialidade. Foram firmados por empregado da empresa fornecedora de energia elétrica, justamente quem registrou a ocorrência. Os relatórios são meros documentos de constatação, feito à mão e em letra de forma, além de ser produzido inilateralmente pela empresa-vítima. Portanto, seja material, seja formalmente, tais documentos não se prestam nem mesmo para ser considerado um laudo suficiente para Página 7 de 13 comprovação da antijurídica. materialidade da suposta conduta típica e Não sendo estes documentos e nem os laudos periciais provas idôneas para comprovação da materialidade e autoria, falta então justa causa para prosseguimento da persecução penal, devendo o presente writ ser deferido, vez que a falta de justa causa, é nos moldes da lei, coação ilegal. (CPP - Art. 648 - A coação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa causa; ) IV – DA ATIPICIDADE DA CONDUTA DO INDICIADO Em que pese a não existência de provas contra o paciente que levem a comprovar materialidade e autoria do tipo penal, restar-se-á comprovado a seguir a atipicidade de sua conduta, ou seja, NEM EM TESE, TESE o paciente cometeu o crime que ora está sendo acusado. O paciente foi indiciado pelo Crime de Estelionato, descrito no art. 171 do Código Penal Brasileiro. Eis a descrição doutrinária desse tipo penal: a) sujeito ativo: qualquer pessoa; b) sujeito passivo: qualquer pessoa; c) objeto jurídico: patrimônio; d) núcleo do tipo/ conduta típica: obter vantagem ilícita, mediante artifício, causando prejuízo a outro. e) elemento subjetivo do tipo: dolo, não há na forma culposa. f) tipificação legal: art. 171 do Decreto-Lei 2..848/40 (Código Penal) Crime de Estelionato. Aduzem os autos que no momento em que os técnicos da CEPISA e o perito ......................viram os medidores, notaram as irregularidades. Ou seja, em que pese a ausência de dolo, o não cometimento do crime, se reais forem as irregularidades, o que se admite apenas por apreço ao debate, não fora utilizado ardil idôneo para induzir a erro a suposta vítima. Entretanto, para qualificação do crime de estelionato verifica-se ser necessário acima de tudo, que o artifício que Página 8 de 13 induza a vítima em erro seja invencível, isto é, não seja grosseiro. A jurisprudência vem se manifestando reiteradas vezes a esse respeito: Não se caracteriza o estelionato, se o meio empregado pelo agente é ineficaz para induzir ou manter a vítima em erro, em face da grosseira adulteração do documento. (TAMG, RT 724/717). 33057364 - PENAL - ESTELIONATO - FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA - CRIME IMPOSSÍVEL - TENTATIVA INEXISTENTE - CO-AUTORIA - 1. O entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência, e de que se a fraude, no documento, e grosseira, verificada icto oculi, incapaz de enganar, não há estelionato, uma vez que o meio e absolutamente inidôneo para iludir. O crime era impossível, e assim, não há que se falar, igualmente, em tentativa. 2. Não há co-autoria em crime impossível. (TRF-1ª R. - ACR 01142416 - 3ª T. - Rel. Juiz Tourinho Neto - DJU 29.09.1995 - p. 55260) Em que pese a discussão se houve ou não fraude nos medidores de energia, a simples desconfiança da CEPISA (que tanto desconfiava que enviou pedido de investigação à POLINTER), como suposta vítima desqualifica o crime de estelionato, posição também pacífica nos julgados pátrios: 28034145 - PENAL E PROCESSUAL PENAL - ESTELIONATO - DECISÃO CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - VÍTIMA NÃO ILUDIDA CRIME IMPOSSÍVEL - APELO IMPROVIDO - I. Se a vítima desconfia de imediato de que está sendo enganada, não se pode falar em tentativa de estelionato, tratando-se de crime impossível. II. Apelação improvida. Decisão unânime. (TJPE - ACr 114537-3 Relª Desª Alderita Ramos de Oliveira - DJPE 18.11.2005) 12000244 - ESTELIONATO - INIDONEIDADE DO MEIO EMPREGADO, INSUFICIENTE PARA ILUDIR A VÍTIMA - RECONHECIMENTO DO CRIME IMPOSSÍVEL - NECESSIDADE - Estelionato. Inidoneidade do meio empregado. Tentativa que se caracteriza como crime impossível. Vítima que desconfia da acusada não se deixando enganar, chamando a segurança que descobre que o cheque é furtado, obstando o iter criminis pretendido pelo agente. Absolvição decretada. Apelo provido. (TACRIMSP - AP 1.032.751 - 2ª C - Rel. Juiz Rulli Júnior - J. 06.02.1997) Ademais, a vantagem obtida pelo suposto meio fraudulento deve ser verificada e atestada, não apenas presumida ou estimada. O único documento que tem a intenção de firmar a suposta vantagem auferida pelo paciente são os relatórios de diferença de faturamento, calculados e emitidos com base em estimativas de consumo, incertas, e que partiram da própria vítima, o que por si só levam a não serem idôneos para comprovação de materialidade dos fatos. Cezar Bitencourt revela-nos que: À vantagem ilícita deve corresponder, simultaneamente, um prejuízo alheio; a ausência de qualquer dos dois descaracteriza o crime de estelionato. Em relação ao prejuízo, há Página 9 de 13 convergência sobre a necessidade de sua natureza ser econômico-patrimonial, devendo, no entanto, ser real, concreto, efetivo e não meramente potencial. (Código Penal, pág. 764) O artigo 13 do Código Penal exige que o resultado do crime só pode ser imputado a quem deu causa: Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Assim, sob as alegações acima, fica demonstrado que não houve conduta, sequer resultado, não podendo-se imputar ao indiciado o cometimento do fato típico. Em síntese: não houve meio idôneo para ludibriar a suposta vítima, não houve demonstrativo idôneo e concreto da suposta vantagem auferida pelo indiciado e portanto, NÃO HOUVE COMETIMENTO DE ESTELIONATO PELO PACIENTE. Não havendo os elementos necessários para qualifica e tipificar a conduta do paciente, necessário se faz o trancamento do presente inquérito, com o deferimento do presente habeas corpus. Mais um vez, ressalta-se, falta de justa causa é coação ilegal nos moldes da lei, sendo imperioso o trancamento do presente inquérito por habeas corpus. (CPP - Art. 647 - Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. --- Art. 648 - A coação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa causa; ) V - DA INEXISTÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA O relatório do inquérito combatido indicia o paciente mas não individualiza a conduta do mesmo, causando terrível e irremediável prejuízo a defesa do mesmo, em caso seja instaurada a instrução processual. Deveria o relatório minudenciar a conduta do indiciado, dizer quais atos foram praticados, dizer se os medidores foram manipulados pelo paciente ou por pessoa a seu comando, qual vantagem auferida pelo indiciado, qual o ardil. A doutrina na voz de JULIO FRABRINNI MIRABETE ensina: Página 10 de 13 “Prevê o art. 41 os requisitos que devam estar presentes na denúncia e na queixa a fim de que possa ser ela recebida, instaurando-se assim a ação penal condenatória. Refere-se, em primeiro lugar, à exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias”. Dispõe o art. 43, I, aliás, que a denúncia será rejeitada quando o “fato narrado evidentemente não constituir crime”. É indispensável que na denúncia se descreva, ainda que suscintamente, o fato atribuído ao acusado, não podendo ser recebida a inicial que contenha descrição vaga, imprecisa, de tal forma lacônica que torne impossível ou extremamente difícil ao denunciado entender de qual fato preciso está sendo acusado.” O inquérito e seu relatório levarão a uma denúncia inepta por não individualizar o fato ilícito no tempo e no espaço. A jurisprudência tem firmado entendimento em combate a acusações genéricas que redundem em peça inquisitória inepta: STF: “É inepta a denúncia que não descreve pormenorizadamente o fato criminoso, dificultando o exercício da ampla defesa.” (RT 562/427) STJ: “Processual Penal – Denúncia Genérica – Deficiente descrição dos fatos delituosos – Dificuldade de defesa – Inépcia – Ocorrência. É inepta a denúncia genérica por não descrever clara e especificamente a conduta delituosa do réu que, a par disso, fica impossibilitado de se defender, frustrando o estabelecimento do contraditório em termos positivos, com evidente prejuízo para defesa, sujeita a vagas acusações, consoante precedente do STF. 2- Ordem concedida para trancar a ação penal (TSTJ 116/385). STJ: “Não contendo a denúncia, ainda que resumidamente, elementos que tipifiquem a conduta do indiciado, nem individualizem seu proceder, peca por inépcia, determinado, assim, o trancamento da ação penal. Precedentes do STF e do STJ. Recurso não conhecido.” (RSTJ 24/415) Assim, JULIO FRABRINNI MIRABETE, no livro Código Penal Interpretado ensina que as circunstâncias do crime, tais como o lugar, tempo, os meios empregados, são essenciais para classificação do crime, verificação da prescrição, circunstâncias qualificadoras, agravantes e atenuantes, ensinando que não estando o fato ilícito perfeitamente circunstanciado impõe-se a inépcia da Denúncia: “CIRCUNSTANCIAS DO FATO – Qualquer fato criminoso é rodeado de circunstâncias (pessoa do criminoso, meio de execução, causas, efeitos, local, tempo, etc). Algumas delas são de interesse na ação penal, pois Página 11 de 13 podem influir na classificação do crime, na existência de qualificadoras, agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição de pena etc. Dados relativos à época do crime são decisivos A não individualização da conduta é outro fator que revela-nos a falta de justa causa para o prosseguimento da persecução penal. Não houve individualização da conduta porque não houve conduta ilícita, nem em tese. É razão tão severa como as outras para o trancamento do presente inquérito, via hábeas corpus, como se comprova nas decisões dos tribunais pátrios: EMENTA CRIMINAL. HC. FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM O FATO DELITUOSO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. PLEITO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PEDIDO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese na qual o paciente, processado pela suposta prática de crime de furto de energia elétrica, alega inépcia da denúncia, por não ter sido individualizada sua conduta, requerendo o trancamento do feito ou, alternativamente, a suspensão condicional do processo. A não exigência de descrição pormenorizada da conduta de cada agente nos crimes ocorridos no âmbito de empresas comerciais, não implica em dizer que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada. Entendimento que deve ser estendido ao presente caso, no qual a denúncia não descreveu qualquer fato apto a demonstrar a ligação do acusado com o fato de que uma das fases do fornecimento de energia elétrica estava desligado, ocasionando o registro incorreto de consumo. O simples fato de o réu ser proprietário da fazenda não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da empresa rural, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a condição, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a denúncia. Precedentes. Deve ser declarada a nulidade da denúncia oferecida contra o paciente, por ser inepta, determinando-se o trancamento da ação penal, restando prejudicados os demais argumentos expostos pela impetração. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator, restando prejudicados os demais argumentos expostos na inicial. O resultado de um inquérito nesses moldes será apenas um: DENÚNCIA INEPTA E MANUTENÇÃO DO CONSTRANGIMENTO IMPOSTO AO PACIENTE DE FORMA INJUSTA E INCABÍVEL. V - DO PEDIDO Diante dos fundamentos apresentados, REQUER a V. Exa. no cumprimento da mais límpida justiça, que se digne Vossa Excelência em conceder liminarmente a ordem de habeas corpus para determinar o trancamento do inquérito noticiado, em obediência ao art. 648, I do CPP, uma vez que falta justa causa para o prosseguimento da persecução penal, pelos seguintes motivos: Página 12 de 13 a) as provas acostadas nos autos do referido inquérito são nulas de pleno direito, posto que os laudos periciais foram assinados por legista impedido e possuem qualificação da metodologia e dos profissionais que efetuaram a possível perícia, assim como os objetos apreendidos foram levados para o laboratório da suposta vítima, impedindo a re-análise dos mesmos, tendo o próprio sujeito passivo contaminado-as com seus atos, violando portanto os art. 158 e 159 do CPP e a súmula 361 do Supremo Tribunal Federal; b) a conduta do indiciado não configura, nem em tese, tipo penal, não havendo comprovação de vantagem ilícita e também não sendo o suposto ardil meio idôneo para induzir em erro a suposta vítima; c) não houve individualização da conduta, não podendo ser o paciente indiciado se não há determinação dos atos que cometeu, seu modus operandi e o resultado do ato ilícito. Nestes termos, espera deferimento. Teresina, 08 de abril de 2007. Audrey Martins Magalhães Advogada OAB/PI nº 1829 Anna Vitória Alcântara Feijó Advogada OAB/PI nº 5337 Página 13 de 13