HABEAS CORPUS para trancamento de Inquérito

Transcrição

HABEAS CORPUS para trancamento de Inquérito
EXCELENTISSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA
COMARCA DE TERESINA-PI.
3ª
VARA
CRIMINAL
DA
DISTRIBUIÇÃO POR PREVENÇÃO – 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE TERESINA/PI
HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL
INQUÉRITO POLICIAL Nº ........(NÚMERO DA DISTRIBUIÇÃO..........)
AUDREY MARTINS MAGALHAES, advogada, inscrita na Ordem dos
Advogados do Brasil - Secção de Piauí, sob o número .....,
com escritório na Rua Elizeu Martins, 1294 Centro Ed. Oeiras
Salas 104/104 Teresina – PI Cep: 64000-120, onde recebe
intimações, vem, respeitosamente perante a alta presença de
Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5o., LXVIII, da
Constituição Federal, impetrar ordem de HABEAS CORPUS para
trancamento do Inquérito Policial nº 869/2007 em favor de
...........................,
brasileiro,
separado
judicialmente, cédula de identidade n............, residente
e domiciliado na ..............., Teresina/PI,
tendo como
Autoridade Coatora o EXMO. SR. DELEGADO
DE POLÍCIA CLASSE
ESPECIAL – TITULAR DA POLINTER/PI DA COMARCA DE TERESINA/PI,
pelos fatos e fundamentos a seguir:
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I – DO CABIMENTO DO WRIT PARA O TRANCAMENTO DO
INQUÉRITO POLICIAL
A CF/88, em seu artigo 5°, LXVIII, estabelece que deverá
ser concedido habeas corpus em caso de lesão ou ameaça de
lesão ao direito de locomoção. A doutrina e a jurisprudência,
porém, vêm admitindo duas outras hipóteses de HC: para
trancamento da ação penal ou para trancamento do inquérito
policial.
Para o cidadão, o simples fato de estar sendo processado
criminalmente ou pesar sob sua pessoa um inquérito policial
já configura, indiretamente, uma restrição ao direito de
locomoção. Afinal, existe a obrigatoriedade de comparecimento
aos atos do processo, a possibilidade de decretação de prisão
preventiva ou temporária, etc. Dessa forma, a Constituição
Federal de 88 e o Código de Processo Penal legitimam o
manuseio do writ:
CF/88 - Art. 5º, LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que
alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação
em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder
.
Código de Processo Penal - Art. 647 e 648 - Dar-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de
sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir ou vir, salvo
nos casos de punição disciplinar.
Além disso, o processo criminal pode culminar em uma
sentença condenatória, o que certamente afetará a liberdade
individual do cidadão. Assim, a doutrina e a jurisprudência
entendem que quando o processo criminal em si for ilegal,
abusivo, ou, principalmente, sem justa causa, é cabível
habeas corpus para trancamento da ação penal.
Pelos mesmos fundamentos, admite-se também o cabimento
de HC para trancamento do inquérito policial. Tal medida,
entretanto, tem caráter excepcionalíssimo, devendo ser
deferida apenas em situações em que o inquérito se mostrar
totalmente despido de fundamento. Ex: inquérito policial
desprovido de provas indiciárias.
105046638 – HABEAS CORPUS - ADMISSIBILIDADE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL - Se se trata de processo
penal ou mesmo de inquérito policial, a jurisprudência do STF admite o
Hábeas corpus, dado que de um ou outro possa advir condenação à
pena privativa de liberdade, ainda que não iminente, cuja aplicação
poderia ser viciada pela ilegalidade contra a qual se volta a
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impetração da ordem. II. Crime material contra a ordem tributária (L.
8.137/90, art. 1º): Lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do
processo administrativo: Falta de justa causa para a ação penal,
suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua
propositura pela falta do lançamento definitivo: Precedente (HC 81.611,
Pleno, 10.12.2003, Pertence, Inf. STF 333). (STF - HC 86120 - SP - 1ª T. Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJU 26.08.2005 - p. 28)
A impetrante, advogada, apresenta HABEAS CORPUS para
trancamento do Inquérito Policial nº ........, distribuído
sob o nº ........ para 3ª Vara Criminal da Comarca de
Teresina. O inquérito está instruído por provas nulas em
razão da não observância do art. 159, caput do CPP e Súmula
361 do STF, além de que no relatório do delgado não há
individualização
da
suposta
conduta
delitiva
do
indiciado,sequer sua atitude, nem em tese, configura o crime
de
estelionato,
falhas
que
acarretarão,
no
caso
de
continuidade do procedimento e ocorrência da ação penal, em
nulidade de todo processo.
O Habeas Corpus tem como fundamento jurídico ausência de
provas indiciárias válidas e não adequação da conduta do
suposto agente ao tipo penal.
Diante da obviedade de ausência de resultado útil do
processo penal, não se justifica a movimentação da máquina
estatal, uma vez que a apuração do suposto fato ilícito desde
o início é nula de pleno direito, trazendo o inquérito
policial apenas uma conseqüência: constrangimento ilegal ao
paciente.
Em verdade, apenas por apreço à dignidade da Justiça, em
homenagem às instituições correlatas, o presente writ
objetiva não apenas evitar ilegalidade, mas também não
permitir injustiça social, situação insustentável moralmente.
II – DOS FATOS
No mês de outubro de 2007, AS EMPRESAS TAIS foram
visitadas por técnicos da CEPISA e autuadas devido ao fato
dos medidores de energia estarem supostamente alterados.
Em companhia dos técnicos da suposta vítima, estava um
único perito criminal, sr. FULANO DE TAL, que presenciou
também a apreensão de vários medidores.
Aberto o Inquérito Policial por meio de portaria foram
juntados termos de ocorrência da CEPISA, laudos do instituto
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de criminalística assinados pelo perito anteriormente citado
e ainda um segundo, sr . BELTRANO DE TAL, depoimento do sr.
Cicrano de TAL (inspetor funcionário da suposta vítima) que
confirma a apreensão dos medidores, laudos técnicos e
diferenças de faturamento apresentados pela CEPISA e por fim,
depoimento do indiciado.
Aduz o relatório final contido nos autos do inquérito
combatido que o paciente teria incorrido no crime capitulado
no art. 171 do Código Penal, sendo vítima a Companhia
Energética do Piauí –CEPISA, em várias unidades consumidoras
situadas na capital piauiense, “descrevendo assim o referido
fato ‘selos da tampa do medido substituídos à revelia da
CEPISA; consumo não compatível coma carga instalada, selos da
tampa do medidor diferente de laboratório’.” (fls. 63 do IP).
Em depoimento, o indiciado afirma que a unidades
consumidoras só recebem visitas dos técnicos da CEPISA, que
não sabia de qualquer irregularidade nos medidores de suas
propriedades, que o gasto com energia elétrica chega ao vulto
de aproximadamente R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao mês, que
nunca autorizou ninguém a alterar qualquer medidor que seja.
Não há no inquérito policial, como se demonstrará a
seguir, provas indiciárias da conduta típica, e, muito menos
a conduta do indiciado se mostra típica e enquadrada no art.
171 do CPB.
III – DA NULIDADE DAS PROVAS - DA PERÍCIA – VIOLAÇÃO DO
ART. 159, caput DO CPP E SÚMULA 361 STF
Depreende-se dos documentos constantes no Inquérito
Policial que os termos de ocorrência prestados pela CEPISA,
atestam a presença apenas do perito FULANO DE TAL. Os
medidores
periciados
pelo
referido
profissional
foram
apreendidos e hoje se encontram no laboratório da CEPISA.
A seguir, ainda no inquérito, o mesmo perito assina
laudos, desta vez em companhia de um segundo profissional, o
............. Ou seja, o mesmo perito que estivera presente
na apreensão dos medidores agora assina laudos periciais, em
total afronta a súmula 361 STF:
STF Súmula nº 361 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do
Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa
Nacional, 1964, p. 156.
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Processo Penal - Nulidade - Exame Realizado por Um só Perito Impedimento de Perito da Diligência de Apreensão
No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se
impedido o que tiver funcionando anteriormente na diligência de apreensão.
O art. 159 do Código de Processo Penal determina que o
exame de corpo de delito e outras perícias deverão ser
necessariamente realizadas e atestadas por dois peritos.
Sendo o perito ................. impedido de periciar os
artefatos, a perícia torna-se nula e inócua, não podendo ser
utilizada como prova em instrução criminal.
CPP Art. 159 - Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos
por dois peritos oficiais.
O crime o qual o paciente está sendo acusado é de
estelionato, através de adulteração em medidores de energia,
delito que deixa vestígios. Necessário seria que os medidores
fossem apreendidos e ficassem no poder da autoridade policial
e não em poder da suposta vítima em seu laboratório, não
sendo mais meio idôneo de realizar nova perícia, uma vez que
estão contaminados por qualquer ato da CEPISA ou de outrem.
Mesmo sendo qualificado como CRIME DE ESTELIONATO, igualmente
ao CRIME DE FURTO DE ENERGIA, a materialidade só seria
comprovada mediante laudos técnicos de forma direta, ou seja,
peritos judiciais ou criminalistas observando e periciando o
objeto e não apenas baseando-se na informação apresentadas
unilateralmente pela vítima:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL
APELAÇÃO CRIME SEXTA CÂMARA CRIMINAL
Nº 700015988538 COMARCA DE SANTA CRUZ DO SUL
MINISTÉRIO PÚBLICO APELANTE/APELADO
WALTER GESSINGER APELANTE/APELADO
Furto de energia elétrica. Materialidade não comprovada. Crime que deixa vestígios.
Necessidade de perícia. Auto de exame de furto qualificado realizado de forma indireta
a partir de informações apresentadas unilateralmente pela vítima. Absolvição. Apelação
defensiva provida. Apelação ministerial prejudicada.
A perícia de laboratório, como é chamada o tipo de
perícia necessária para determinar o cometimento de atos
ilícitos da natureza do qual está sendo indiciado o paciente,
deve ser realizada por peritos criminalistas, em laboratório
do Instituto Médico Legal e para assegura a ampla defesa e o
contraditório, deveria ser guardado material suficiente para
nova perícia, como ordena o art. 170 do CPP.
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Art. 170 - Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente
para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão
ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou
esquemas.
A partir do momento que os medidores encontram em poder
da suposta vítima e ainda, sendo analisados pela própria, o
princípio e garantia fundamental do paciente a ampla defesa e
ao contraditório são atacados e infligidos.
Em síntese: Para nada servem os laudos periciais
contaminados pela falha de perito impedido assiná-los,
resultando em perícia assinada por apenas um perito, o que é
proibido por lei.
O Código de Processo Penal reforça ser indispensável a
perícia em crime que deixa vestígios, não sendo suprimida nem
mesmo pela confissão do indiciado. (CPP Art. 158 - Quando a infração deixar
vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a
confissão do acusado.) Dessa forma, não havendo provas idôneas aptas
a capacitar qualquer instrução penal, não deve perdurar o
constrangimento do indiciado de pesar sobre sua cabeça
acusação tão grave.
Outra falha insanável é o fato de que os medidores,
supostas provas do cometimento ou não do crime imputado pelo
paciente estão sob o poder e análise da suposta vítima, o que
cerceia a ampla defesa e o contraditório, garantias
constitucionais a todo e qualquer indivíduo brasileiro.
Além das nulidades apontadas, o laudo pericial em si é
amplamente irregular, posto que a lei determina que descreva
minuciosamente o objeto periciado, a irregularidade do
artefato, como se deu a alteração, dentre outros elementos
amplamente necessários para que, em caso de instrução
criminal, possa a acusação descrever a conduta típica e
antijurídica do réu, sem o que, passa a denúncia ser inepta.
A essência do tipo fundamental do estelionato está em induzir ou manter
alguém em erro. Logo, ao imputá-lo, deve a denuncia narrar, em pormenores,
no que constitui o meio produtor de engano para o sujeito passivo, sob
pena de inépcia, por omitir descrição de circunstância elementar do crime.
(TACrimSP, AC, Rel. Haroldo Luz, RT 725:596)
Os laudos resumem-se em descrever o medidor e a
constatação
da
irregularidade,
não
há
levantamento
fotográfico, não atestam se aquela era devida a ato humano ou
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desgaste do tempo, sequer descrevem se houve ou não a
vantagem
que
em
tese,
teria
sido
auferida
pelo
paciente/indiciado. Ou seja, não há provas da vantagem.
A qualificação dos peritos deveria estar contida no
corpo dos laudos perícias, posto tratar-se de exame
específico, necessitando de conhecimentos específicos para
atestar qualquer irregularidade, como no presente caso,
conhecimentos típicos de um engenheiro elétrico.
Deste modo, o inquérito e a perícia constante nele
vulneram duplamente o preceituado no art. 158 c/c o art. 159, caput, ou §1º ambos do
CPP, no sentido de exigir que o auto seja firmado por dois
peritos oficiais ou por duas pessoas idôneas, portadora de
diploma de curso superior.
A defesa fica sem meios para avaliar se a perícia foi
feita
adequadamente
e
de
forma
idônea,
com
pessoas
gabaritadas, aptas a analisar os artefatos. Tão quão
importante a qualificação é a metodologia da perícia. O
método é crucial para determinação da suposta irregularidade
dos fatos, uma vez que pesam sobre os objetos o fato de serem
ou não provas aptas a incriminar o indiciado.
O simples
observar dos laudos periciais, verifica-se, portanto a
ausência de qualificação dos mesmo
mesmos e ainda, da descrição da
metodologia adotada para análise dos objetos.
Os
julgados
pátrios
acolhem
a
necessidade
da
qualificação dos peritos, sem a qual a perícia é nula para
todos os fins:
1700071458 - PORTE DE ARMA – NULIDADE DA PERÍCIA - Nula perícia onde não
consta qualificação de peritos e ausência da metodologia para respostas dos quesitos.
Apelo provido. (TJRS - ACr 70008299554 - 5ª C.Crim. - Relª Desª Genacéia da Silva
Alberton - J. 02.06.2004)
Sobre os documentos acostados pela suposta vítima, este
mesmo é que não idôneos como prova para comprovar autoria e
materialidade. Foram firmados por empregado da empresa
fornecedora de energia elétrica, justamente quem registrou a
ocorrência.
Os
relatórios
são
meros
documentos
de
constatação, feito à mão e em letra de forma, além de ser
produzido inilateralmente pela empresa-vítima. Portanto, seja
material, seja formalmente, tais documentos não se prestam
nem mesmo para ser considerado um laudo suficiente para
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comprovação da
antijurídica.
materialidade
da
suposta
conduta
típica
e
Não sendo estes documentos e nem os laudos periciais provas
idôneas para comprovação da materialidade e autoria, falta
então justa causa para prosseguimento da persecução penal,
devendo o presente writ ser deferido, vez que a falta de
justa causa, é nos moldes da lei, coação ilegal. (CPP - Art. 648 - A
coação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa causa; )
IV – DA ATIPICIDADE DA CONDUTA DO INDICIADO
Em que pese a não existência de provas contra o paciente
que levem a comprovar materialidade e autoria do tipo penal,
restar-se-á comprovado a seguir a atipicidade de sua conduta,
ou seja, NEM EM TESE,
TESE o paciente cometeu o crime que ora está sendo
acusado.
O paciente foi indiciado pelo Crime de Estelionato,
descrito no art. 171 do Código Penal Brasileiro. Eis a
descrição doutrinária desse tipo penal:
a) sujeito ativo: qualquer pessoa;
b) sujeito passivo: qualquer pessoa;
c) objeto jurídico: patrimônio;
d) núcleo do tipo/ conduta típica: obter vantagem ilícita, mediante artifício,
causando prejuízo a outro.
e) elemento subjetivo do tipo: dolo, não há na forma culposa.
f) tipificação legal: art. 171 do Decreto-Lei 2..848/40 (Código Penal) Crime
de Estelionato.
Aduzem os autos que no momento em que os técnicos da
CEPISA e o perito ......................viram os medidores,
notaram as irregularidades. Ou seja, em que pese a ausência
de dolo, o não cometimento do crime, se reais forem as
irregularidades, o que se admite apenas por apreço ao debate,
não fora utilizado ardil idôneo para induzir a erro a suposta
vítima. Entretanto, para qualificação do crime de estelionato
verifica-se ser necessário acima de tudo, que o artifício que
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induza a vítima em erro seja invencível, isto é, não seja
grosseiro. A jurisprudência vem se manifestando reiteradas
vezes a esse respeito:
Não se caracteriza o estelionato, se o meio empregado pelo agente é ineficaz
para induzir ou manter a vítima em erro, em face da grosseira adulteração do
documento. (TAMG, RT 724/717).
33057364 - PENAL - ESTELIONATO - FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA - CRIME
IMPOSSÍVEL - TENTATIVA INEXISTENTE - CO-AUTORIA - 1. O entendimento
pacífico, na doutrina e na jurisprudência, e de que se a fraude, no documento, e
grosseira, verificada icto oculi, incapaz de enganar, não há estelionato, uma vez que o
meio e absolutamente inidôneo para iludir. O crime era impossível, e assim, não há que
se falar, igualmente, em tentativa. 2. Não há co-autoria em crime impossível. (TRF-1ª
R. - ACR 01142416 - 3ª T. - Rel. Juiz Tourinho Neto - DJU 29.09.1995 - p. 55260)
Em que pese a discussão se houve ou não fraude nos
medidores de energia, a simples desconfiança da CEPISA (que
tanto desconfiava que enviou pedido de investigação à
POLINTER), como suposta vítima desqualifica o crime de
estelionato, posição também pacífica nos julgados pátrios:
28034145 - PENAL E PROCESSUAL PENAL - ESTELIONATO - DECISÃO
CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - VÍTIMA NÃO ILUDIDA CRIME IMPOSSÍVEL - APELO IMPROVIDO - I. Se a vítima desconfia de imediato de
que está sendo enganada, não se pode falar em tentativa de estelionato, tratando-se
de crime impossível. II. Apelação improvida. Decisão unânime. (TJPE - ACr 114537-3 Relª Desª Alderita Ramos de Oliveira - DJPE 18.11.2005)
12000244 - ESTELIONATO - INIDONEIDADE DO MEIO EMPREGADO,
INSUFICIENTE PARA ILUDIR A VÍTIMA - RECONHECIMENTO DO CRIME
IMPOSSÍVEL - NECESSIDADE - Estelionato. Inidoneidade do meio empregado.
Tentativa que se caracteriza como crime impossível. Vítima que desconfia da acusada
não se deixando enganar, chamando a segurança que descobre que o cheque é
furtado, obstando o iter criminis pretendido pelo agente. Absolvição decretada. Apelo
provido. (TACRIMSP - AP 1.032.751 - 2ª C - Rel. Juiz Rulli Júnior - J. 06.02.1997)
Ademais, a vantagem obtida pelo suposto meio fraudulento
deve ser verificada e atestada, não apenas presumida ou
estimada. O único documento que tem a intenção de firmar a
suposta vantagem auferida pelo paciente são os relatórios de
diferença de faturamento, calculados e emitidos com base em
estimativas de consumo, incertas, e que partiram da própria
vítima, o que por si só levam a não serem idôneos para
comprovação de materialidade dos fatos. Cezar Bitencourt
revela-nos que:
À vantagem ilícita deve corresponder, simultaneamente, um prejuízo alheio; a ausência
de qualquer dos dois descaracteriza o crime de estelionato. Em relação ao prejuízo, há
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convergência sobre a necessidade de sua natureza ser econômico-patrimonial,
devendo, no entanto, ser real, concreto, efetivo e não meramente potencial. (Código
Penal, pág. 764)
O artigo 13 do Código Penal exige que o resultado do
crime só pode ser imputado a quem deu causa:
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é
imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão
sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Assim, sob as alegações acima, fica demonstrado que não
houve conduta, sequer resultado, não podendo-se imputar ao
indiciado o cometimento do fato típico.
Em síntese: não houve meio idôneo para ludibriar a suposta
vítima, não houve demonstrativo idôneo e concreto da suposta
vantagem auferida pelo indiciado e portanto, NÃO HOUVE
COMETIMENTO DE ESTELIONATO PELO PACIENTE.
Não havendo os elementos necessários para qualifica e
tipificar a conduta do paciente, necessário se faz o
trancamento do presente inquérito, com o deferimento do
presente habeas corpus.
Mais um vez, ressalta-se, falta de justa causa é coação
ilegal nos moldes da lei, sendo imperioso o trancamento do
presente inquérito por habeas corpus. (CPP - Art. 647 - Dar-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua
liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. --- Art. 648 - A coação considerar-se-á
ilegal: I - quando não houver justa causa; )
V - DA INEXISTÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA
O relatório do inquérito combatido indicia o paciente
mas não individualiza a conduta do mesmo, causando terrível e
irremediável prejuízo a defesa do mesmo, em caso seja
instaurada a instrução processual.
Deveria o relatório minudenciar a conduta do indiciado,
dizer quais atos foram praticados, dizer se os medidores
foram manipulados pelo paciente ou por pessoa a seu comando,
qual vantagem auferida pelo indiciado, qual o ardil.
A doutrina na voz de JULIO FRABRINNI MIRABETE ensina:
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“Prevê o art. 41 os requisitos que devam estar presentes na denúncia e na
queixa a fim de que possa ser ela recebida, instaurando-se assim a ação
penal condenatória. Refere-se, em primeiro lugar, à exposição do fato
criminoso com todas as suas circunstâncias”. Dispõe o art. 43, I, aliás, que a
denúncia será rejeitada quando o “fato narrado evidentemente não
constituir crime”. É indispensável que na denúncia se descreva, ainda que
suscintamente, o fato atribuído ao acusado, não podendo ser recebida a
inicial que contenha descrição vaga, imprecisa, de tal forma lacônica que
torne impossível ou extremamente difícil ao denunciado entender de qual
fato preciso está sendo acusado.”
O inquérito e seu relatório levarão a uma denúncia
inepta por não individualizar o fato ilícito no tempo e no
espaço.
A jurisprudência tem firmado entendimento em combate a
acusações genéricas que redundem em peça inquisitória inepta:
STF: “É inepta a denúncia que não descreve pormenorizadamente o fato
criminoso, dificultando o exercício da ampla defesa.” (RT 562/427)
STJ: “Processual Penal – Denúncia Genérica – Deficiente descrição dos
fatos delituosos – Dificuldade de defesa – Inépcia – Ocorrência. É inepta a
denúncia genérica por não descrever clara e especificamente a conduta
delituosa do réu que, a par disso, fica impossibilitado de se defender,
frustrando o estabelecimento do contraditório em termos positivos, com
evidente prejuízo para defesa, sujeita a vagas acusações, consoante
precedente do STF. 2- Ordem concedida para trancar a ação penal (TSTJ
116/385).
STJ: “Não contendo a denúncia, ainda que resumidamente, elementos que
tipifiquem a conduta do indiciado, nem individualizem seu proceder, peca
por inépcia, determinado, assim, o trancamento da ação penal. Precedentes
do STF e do STJ. Recurso não conhecido.” (RSTJ 24/415)
Assim, JULIO FRABRINNI MIRABETE, no livro Código Penal
Interpretado ensina que as circunstâncias do crime, tais como
o lugar, tempo, os meios empregados, são essenciais para
classificação
do
crime,
verificação
da
prescrição,
circunstâncias
qualificadoras,
agravantes
e
atenuantes,
ensinando que não estando o fato ilícito perfeitamente
circunstanciado impõe-se a inépcia da Denúncia:
“CIRCUNSTANCIAS DO FATO – Qualquer fato criminoso é rodeado de
circunstâncias (pessoa do criminoso, meio de execução, causas, efeitos,
local, tempo, etc). Algumas delas são de interesse na ação penal, pois
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podem influir na classificação do crime, na existência de qualificadoras,
agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição de pena etc.
Dados relativos à época do crime são decisivos
A não individualização da conduta é outro fator que
revela-nos a falta de justa causa para o prosseguimento da
persecução penal. Não houve individualização da conduta
porque não houve conduta ilícita, nem em tese. É razão tão
severa como as outras para o trancamento do presente
inquérito, via hábeas corpus, como se comprova nas decisões
dos tribunais pátrios:
EMENTA
CRIMINAL. HC. FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO
MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM O FATO DELITUOSO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA
DEFESA. PLEITO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PEDIDO PREJUDICADO.
ORDEM
CONCEDIDA.
I. Hipótese na qual o paciente, processado pela suposta prática de crime de furto de energia elétrica,
alega inépcia da denúncia, por não ter sido individualizada sua conduta, requerendo o trancamento do
feito ou, alternativamente, a suspensão condicional do processo. A não exigência de descrição
pormenorizada da conduta de cada agente nos crimes ocorridos no âmbito de empresas comerciais, não
implica em dizer que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre o denunciado
e a empreitada criminosa a ele imputada. Entendimento que deve ser estendido ao presente caso, no qual
a denúncia não descreveu qualquer fato apto a demonstrar a ligação do acusado com o fato de que uma
das fases do fornecimento de energia elétrica estava desligado, ocasionando o registro incorreto de
consumo. O simples fato de o réu ser proprietário da fazenda não autoriza a instauração de processo
criminal por crimes praticados no âmbito da empresa rural, se não restar comprovado, ainda que com
elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito
entre as imputações e a condição, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal
objetiva. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos
delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a
denúncia. Precedentes. Deve ser declarada a nulidade da denúncia oferecida contra o
paciente, por ser inepta, determinando-se o trancamento da ação penal, restando
prejudicados os demais argumentos expostos pela impetração. Ordem concedida, nos termos
do voto do Relator, restando prejudicados os demais argumentos expostos na inicial.
O resultado de um inquérito nesses moldes será apenas
um: DENÚNCIA INEPTA E MANUTENÇÃO DO CONSTRANGIMENTO IMPOSTO
AO PACIENTE DE FORMA INJUSTA E INCABÍVEL.
V - DO PEDIDO
Diante dos fundamentos apresentados, REQUER a V. Exa. no
cumprimento da mais límpida justiça, que se digne Vossa
Excelência em conceder liminarmente a ordem de habeas corpus
para determinar o trancamento do inquérito noticiado, em
obediência ao art. 648, I do CPP, uma vez que falta justa
causa para o prosseguimento da persecução penal, pelos
seguintes motivos:
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a)
as provas acostadas nos autos do referido
inquérito são nulas de pleno direito, posto que
os laudos periciais foram assinados por legista
impedido e possuem qualificação da metodologia e
dos profissionais que efetuaram a possível
perícia, assim como os objetos apreendidos foram
levados para o laboratório da suposta vítima,
impedindo a re-análise dos mesmos, tendo o
próprio sujeito passivo contaminado-as com seus
atos, violando portanto os art. 158 e 159 do CPP
e a súmula 361 do Supremo Tribunal Federal;
b)
a conduta do indiciado não configura, nem em
tese, tipo penal, não havendo comprovação de
vantagem ilícita e também não sendo o suposto
ardil meio idôneo para induzir em erro a suposta
vítima;
c)
não houve individualização da conduta, não
podendo ser o paciente indiciado se não há
determinação dos atos que cometeu, seu modus
operandi e o resultado do ato ilícito.
Nestes termos, espera deferimento.
Teresina, 08 de abril de 2007.
Audrey Martins Magalhães
Advogada OAB/PI nº 1829
Anna Vitória Alcântara Feijó
Advogada OAB/PI nº 5337
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