Alternativas para uma utilização sustentável de

Transcrição

Alternativas para uma utilização sustentável de
CABEÇA
FERTILIZAÇÃO
Alternativas para uma utilização
sustentável de efluentes
agro‑pecuários como fertilizantes
A injecção é o método recomendado para aplicação ao solo de
efluentes pecuários, nomeadamente chorumes. No entanto,
esta técnica apresenta várias limitações pelo que são aqui avaliadas, em termos de produtividade das culturas e impactos ambientais, duas práticas alternativas – aplicação em bandas de
chorume tratado por separação mecânica ou por acidificação.
Em Portugal, as explorações agro-pecuárias de bovinicultura leiteira e suinicultura
produzem anualmente cerca de 15 milhões
de toneladas de chorume (efluente líquido)
que são maioritariamente aplicadas ao solo
como fonte de nutrientes e matéria orgânica, o que pode constituir uma mais-valia
económica e sobretudo ecológica. No entanto, aquando da sua aplicação ocorrem
importantes perdas de azoto sob a forma
gasosa (amoníaco – NH3) que se podem
prolongar até 48 horas se o chorume não
for imediatamente incorporado no solo. Estas emissões podem conduzir a problemas
ambientais decorrentes da sua amplitude
nomeadamente a chuvas ácidas. Por outro
lado, as emissões de amoníaco representam
uma perda muito significativa de azoto podendo chegar aos 50% do azoto mineral do
chorume (azoto imediatamente disponível
para as plantas).
Quando ocorre forte precipitação nos dias
seguintes à aplicação, parte do azoto aplicado ao solo através do chorume é sujeito a
lixiviação sob a forma de nitratos. O ião nitrato é uma das formas de azoto disponíveis
para as plantas mas, acima de determinada
concentração, torna-se tóxico para os humanos pelo que a contaminação das águas
para consumo com este elemento pode representar um problema de saúde pública.
A aplicação de chorume em Portugal é feita essencialmente por aplicação superficial
com prato espalhador seguida de incor-
Figura 1 – © http://news.cision.com
Figura 2 – © Mark Edwards, Hard Rain Picture Library
poração (designado aqui como aplicação
tradicional). No entanto, esta prática dá
origem a grandes perdas de NH3 além de
requerer duas passagens de máquinas, uma
para aplicação e outra para incorporação o
que pode originar problemas de compactação dos solos além dos elevados custos associados. Por todas estas razões, a injecção
é a prática actualmente recomendada mos-
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. dezembro 2013 / janeiro 2014
David Fangueiro, Ernesto Vasconcelos, Fernanda
Cabral . UIQA. Instituto Superior de Agronomia.
Universidade de Lisboa
João Paulo Carneiro . Escola Superior Agrária de
Castelo Branco. Instituto Politécnico de Castelo Branco
trando-se eficiente na redução de odores e
de emissões de NH3 . Contudo, exige um importante investimento em maquinaria, um
aumento de consumo de energia durante a
aplicação e pode não ser viável em certas
zonas do p
­ aís devido à textura dos solos e
dimensão das parcelas.
No âmbito do projecto “Gestão agronómica e ambiental de chorumes: práticas sustentáveis de aplicação ao solo” financiado
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia
(PTDC/AGR-PRO/119428/2010), a aplicação superficial em bandas de chorumes
pré-tratados está a ser avaliada em termos
agronómicos e ambientais relativamente à
aplicação tradicional e injecção no solo de
chorume não tratado.
Os dois pré-tratamentos de chorumes considerados são a separação das fases sólida/
/líquida por via mecânica (prensa) e a acidificação.
Tratamento de chorume
A separação do chorume em duas fracções,
fracção líquida (FL) e fracção sólida (FS),
por via mecânica (com tamisador, centrífuga, ou prensa) é uma prática bastante utilizada em Portugal, principalmente em suiniculturas. A FS assim obtida é um material
com alguma humidade rico em matéria orgânica e nutrientes como o azoto e o fósforo. A FS pode ser aplicada directamente
ao solo ou pode ser sujeita a compostagem
com o fim de se obter um material seco hi-
Figura 3 – © David Fangueiro
gienizado e estabilizado que poderá ser vendido como correctivo
orgânico para outras explorações agrícolas.
A FL é um material rico em nutrientes numa forma imediatamente
disponível para as plantas (azoto, fósforo e potássio), podendo ser
usada em fertirega ou aplicada ao solo com os métodos convencionais.
Separação líquido-sólido
de chorumes
A acidificação é outro tratamento do chorume utilizado para minimizar as emissões de amoníaco tanto durante o período de armazenamento como durante a aplicação ao solo. Este tratamento
consiste em adicionar ácido concentrado ao chorume sendo o volume de ácido adaptado às características do chorume. Esta prática é
utilizada maioritariamente nos países do Norte da Europa (20% do
chorume aplicado ao solo é já acidificado na Dinamarca) mas tem
demonstrado um grande potencial. Como veremos mais adiante, a
aplicação ao solo de chorume acidificado traz mais benefícios para
além de reduzir em quase 100% as emissões de amoníaco. No entanto, este tratamento deve ser efectuado por pessoal devidamente
treinado para o efeito dado os riscos associados ao manuseamento
de ácidos concentrados. Estão actualmente a ser desenvolvidos estudos no âmbito do projecto ReUseWaste (n.° 289887) financiado
pelo sétimo programa-quadro da União Europeia [FP7/2007-2013],
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FERTILIZAÇÃO
CABEÇA
FERTILIZAÇÃO
TABELA 1 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS CHORUMES TRATADOS POR ACIDIFICAÇÃO E/OU SEPARAÇÃO
Fracção sólida
Fracção líquida
de chorume acidificado
de chorume acidificado
194,88,2
195,55,3
30,90,6
10,40,3
9,90,1
2,90,1
4,70,7
2,10,2
0,690,1
Chorume bruto
Chorume acidificado
Fracção líquida
Fracção sólida
Matéria seca (kg t-1)
49,61,8
62,61,6
10,20,2
Azoto total (kg t-1)
4,20,1
4,30,1
2,80,1
Fósforo total (kg t-1)
1,10,0
1,00,0
0,040,0
Potássio total (kg t-1)
2,480,31
2,320,20
2,190,15
2,030,16
2,490,33
2,230,37
Razão N:P:K
1:0,25:0,59
1:0,24:0,40
1:0,02:0,79
1:0,45:0,19
1:0,21:0,25
1:0,24,0,58
Cálcio (kg t-1)
2,40,1
2,40,1
0,10,0
10,60,5
6,70,9
0,90,1
Magnésio (kg t-1)
1,10,1
1,00,0
0,050,0
4,70,4
2,80,1
0,50,0
com o fim de optimizar este tratamento,
nomeadamente encontrar alternativas à
utilização de ácidos concentrados, o que
permitiria que este tratamento pudesse ser
realizado directamente pelo produtor. Algumas características dos produtos obtidos
após tratamento de chorume de porco por
acidificação e/ou separação apresentam-se
na tabela 1.
Destacam-se as maiores concentrações de
fósforo e azoto na fracção sólida de chorume relativamente ao chorume bruto e um
aumento da concentração de fósforo na
fracção líquida quando o chorume foi previamente acidificado.
A acidificação do chorume permite ainda obter um material mais homogéneo ao
longo de todo o período de aplicação ao
solo, uma vez que não ocorrem perdas de
azoto. Isto permite adequar com maior rigor a quantidade de chorume a aplicar às
culturas para satisfazer as necessidades das
plantas em azoto.
zinco ou manganês provocando assim uma
possível contaminação das águas e empobrecimento dos solos.
O valor agronómico do chorume acidificado
e da fracção líquida foi avaliado com 2 culturas, milho forrageiro e aveia, considerando
vários tipos de solo representativos da área
Conclusões
Figura 4 – Sistema automático de acidificação de chorume na
fase de aplicação. © Frank Bondgaard
Eficiência da aplicação ao solo
de chorumes tratados
Quando a fracção líquida é aplicada ao solo em bandas sem posterior incorporação,
observa-se um aumento das perdas de azoto na forma de amoníaco em relação à injecção ou aplicação tradicional. No entanto,
quando é aplicado chorume acidificado as
emissões de amoníaco são praticamente
nulas tanto durante a aplicação como nos
dias seguintes.
Se considerarmos as perdas de azoto por lixiviação, os resultados obtidos nos ensaios
realizados indicam que pode ocorrer maior
lixiviação de nitrato quando a fracção líquida é aplicada. No entanto, as perdas por
lixiviação após aplicação de chorume acidificado são similares às perdas observadas
com o método tradicional ou injecção. É
de salientar que a acidificação do chorume
poderá induzir um aumento da lixiviação
de alguns elementos como o fósforo, cobre,
ças entre produções não são tão evidentes
sendo de destacar o facto da aplicação de
chorume tratado nunca ter conduzido a
qualquer diminuição da produção. Estudos
realizados em vasos indicam que o chorume acidificado poderá ter um efeito “starter ” na cultura do milho devido à sua maior
concentração em fósforo disponível para as
plantas. Este efeito foi observado nos trabalhos realizados em campo, mas é necessário realizar mais ensaios experimentais
para poder confirmar esta mais-valia.
Figura 5 – Sistema automático de acidificação de chorume em
estábulo. © Lone E. Haargaard. Knowledge Centre for Agriculture
agrícola portuguesa. Na cultura de milho, a
aplicação de fracção líquida originou produções superiores ou iguais às produções
obtidas com aplicação tradicional ou injecção de chorume não tratado. No entanto a
aplicação de chorume acidificado permitiu
sempre obter produções superiores às obtidas com aplicação tradicional ou injecção.
No caso da cultura de aveia, as diferen-
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A aplicação em bandas de chorume acidificado surge como uma alternativa forte à
injecção de chorume. Além do potencial
aumento da produção de forragem, esta
técnica pode ser utilizada em qualquer tipo
de solo e em parcelas com dimensões reduzidas. O custo do estabelecimento de tal
prática em Portugal é difícil de avaliar dado
não existir actualmente nenhuma empresa
a fornecer este serviço. No entanto, à semelhança do que acontece noutros países europeus, acreditamos que possa a vir a constituir uma solução preferencial em muitas
explorações agro-pecuárias portuguesas.
Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pelo Estado Português através
da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projecto “Animal slurry management: sustainable
practices at field scale” (PTDC/AGR-PRO/119428/2010),
do projecto (ProjectPEst-OE/AGR/UI0528/2011) da UIQA
e de uma bolsa de pós-doutoramento atribuída ao Dr. David
Fangueiro (SFRH/BPD/84229/2012).
O trabalho que conduziu aos resultados aqui apresentados foi financiado pelo programa People (Marie Curie
Actions) do sétimo programa-quadro da União Europeia
FP7/2007‑2013/ – REA grant agreement n° [289887].
Este documento reflecte apenas as opiniões do autor e a
União Europeia não pode ser responsabilizada pelo uso da
informação aqui apresentada.
Os autores escreveram este texto de acordo com a anterior grafia