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ROBERTO SCHMIDT/AFP
ELSON SEMPÉ PEDROSO
Famecos/PUCRS ensina Jornalismo desde 1952 – PPorto
orto Alegre, julho
-agosto de 2006 – ANO 8 – Nº 49
julho-agosto
Itália no
retrovisor
O tetracampeonato
aproxima a Azzurra
do Brasil
Cartunista reclama de censura
O traço
crítico de
Santiago
PÁGINA 2
NICOLAS GAMBIN
PÁGINAS 6 E 7
Os “gatos” na rede elétrica
Exclusão e
perigo nas vilas
clandestinas
PÁGINA 3
Fim de Copa,
começa
cor
rida eleitoral
corrida
PÁGINAS 2 E 4
MICHELE ROLIM
REPORTAGEM ESPECIAL
A CIDADE DOS
ESQUECIDOS
Em 1940, a 70km de PPorto
orto Alegre,
foi criada uma cidade para segregar
hansenianos. Na década de 70, a Colônia de
Itapuã recebeu também doentes mentais.
Eles continuam lá confinados.
PÁGINAS 8 E 9
Pacientes do Hospital Colônia buscam a reinserção social
2
OPINIÃO
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
EDITORIAL
CARTUM
ELSON SEMPÉ PEDROSO
Perdida a Copa,
vêm as eleições
Após o fraco
desempenho da
Seleção Brasileira
na Copa do
Mundo, derrotada pela seleção
vice-campeã, a
França, nas quartas-de-final, sob
o comando do
melhor jogador
da competição,
Zinedine Zidane, as eleições
marcadas para o próximo
mês de outubro ocuparão o
espaço da mídia e a atenção
do público.
No período do mundial,
entre junho e julho, o PSDB
lançou propagandas eleitorais
em rede de rádio e TV, algo
que o PT fizera anteriormente. Segundo analistas, a iniciativa tucana contribuiu para a
recuperação de espaço do seu
candidato à Presidência da
República, Geraldo Alckmin,
que conseguiu romper a barreira dos 30% nas intenções
de voto.
Mesmo assim, parece muito pouco para alcançar o presidente Lula, que, na corrida
para a reeleição, se aproxima
dos 50% e, na opinião dos
dois mil entrevistados pelo
instituto Vox Populi, recentemente, tem 62% contra 20%
do seu principal adversário
de chances para vencer. A lógica reforça a possibilidade de
o petista garantir a permanência no cargo já no primeiro
turno. Em caso de segundo
turno, a diferença entre os
dois candidatos é de 47% sobre 39%. Por outro lado, Alckmin possui no índice de rejeição um mecanismo para
diminuir a diferença. Ele acumula 10% ante 26% de Lula.
O quadro delineado, portanto, revela um postulante à
presidente com espaços limitados para conquistar e um
HIPERTEXT
O
HIPERTEXTO
candidato no
cargo, quase no
ápice de possíveis votantes
c o n q u i s t a d o s.
Uma vantagem
de Lula, que Alckmin não conseguirá fazer
frente, é o fato
de concorrer no
cargo.
O governo federal tem lançado medidas em série, visando a beneficiar os mais diversos setores da população brasileira, sejam funcionários públicos, ou parcelas sociais que
subsistam com baixa renda. Os
principais exemplos são o pacote de aumento salarial a 34
segmentos de carreira do Executivo Federal, que comprometerá R$ 16 bilhões do orçamento da União, incluindo os
recursos previstos para 2007,
e os resultados do Bolsa Família. O programa de distribuição de renda fará com que, ao
final do ano, 10 milhões de famílias, no país, recebam a média de R$ 40 ao mês. A região
do Nordeste, por exemplo,
que, nos últimos anos, tem um
Produto Interno Bruto crescendo a 18% ao ano, supera a
margem de 60% no número de
possíveis eleitores a Lula.
Além da corrida eleitoral, a
expectativa é que o pleito deste ano tenha mais lisura nos
seus mecanismos pré-eleição.
Ou seja, com a vigência de determinações, como divulgação
de gastos na campanha, e de
impedimentos ao uso de caixa
dois, espera-se que as legendas
enxerguem nestes entraves um
meio para realizar uma jornada programática, propondo,
além de ideologias, medidas de
desenvolvimento político, econômico e social para o país.
F ÁBIO R AUSCH ,
Hipertexto
Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Avenida Ipiranga 6681, Jardim Botânico,
Porto Alegre, RS, Brasil.
E-mail: [email protected]
Site: http://www.pucrs.br/famecos/
hipertexto/045/index.php
Reitor: Ir. Joaquim Clotet
Vice-reitor: Ir. Evilázio Teixeira
Diretora da Famecos: Mágda Cunha
EDITOR
Santiago reclama da censura econômica no Congresso Estadual dos Jornalistas, em Porto Alegre
Desenho em forma de crítica
POR
J ÚLIA P ITTHAN
Limitadas por quatro traços, lá
estão elas, colocadas geralmente na
página dois dos jornais. No formato de desenho, informam, criticam,
opinam. Charges, cartuns ou ‘desenhos de humor’ denunciam o que
está errado e fazem rir da própria limitação humana. “A gente pega no
pé de quem pisa na bola”, disse
Neltair Rebés Abreu durante o 32º
Congresso Estadual dos Jornalistas
do Rio Grande do Sul, realizado em
junho em Porto Alegre. Santiago,
como é conhecido o cartunista, aproveitou e pegou no pé dos “coleguinhas” jornalistas que têm dificuldade em furar o bloqueio imposto pelos anunciantes, o que o desenhista
chamou de “censura econômica”.
“Um amigo reclamou que meus
últimos desenhos estavam com
muito texto. Mas eu preciso explicar
a piada, porque os temas que quero
tratar não estão na pauta da grande
mídia”, reclamou. O cartunista, que
não dispõe do mesmo espaço que o
jornalista quando se debruça sobre
um assunto, se limita a tratar dos temas que estão no ar. A dependência
acaba gerando uma situação de
homogeneização da produção.
Um fenômeno observado por
Santiago durante a cobertura da Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) do mensalão foi a repetição dos
temas nos cartuns pelo País a fora.
“É muito fácil desenhar o Congresso Nacional em forma de pizza e já
está feita a piada”, criticou Santiago.
Construir a graça no traço e surpreender o leitor é o grande desafio.
Santiago exemplificou sua cobrança citando o fenômeno do aquecimento global e apontou o transporte particular como um dos grandes responsáveis pela poluição planetária. Explicou que tem grande interesse em trabalhar mais a questão,
mas como o debate não está na
mídia, fica limitado. “A mídia é controlada pelos anunciantes, como os
bancos e as montadoras, então jamais alguém vai dizer que a saída para
a poluição é o transporte coletivo,
ninguém aceita discutir a utilização
do automóvel particular, o que vai
acabar destruindo o mundo”, disse
o desenhista.
Outra pauta imprescindível, mas
que não recebeu ainda a importância
devida é a questão das plantações de
eucalipto e a instalação das empresas
de celulose. Para Santiago, o chamado “deserto verde” não foi sequer
tocado pela mídia porque a Aracruz
é também uma grande anunciante
dos veículos de comunicação no Estado. “Se for discutir a questão, será
preciso entrevistar um ecologista, falar com as empresas papeleiras, as
mais poluentes do mundo. Então é
melhor ficar quietinho”, comentou.
Sobre liberdade de imprensa, o
premiado cartunista gaúcho faz questão de dizer que o jornalista tem que
perder a arrogância. “Eu publico a
crítica que acho correta, se a pessoa se
achar ofendida deve procurar a Justiça, pois o jornalista não está acima
do bem e do mal”.
Santiago criticou a Revista Veja
que estampou o candidato Anthony
Garotinho em sua capa com a cabeça
ornada por dois chifrinhos de diabo.
Numa retrospectiva, o cartunista lembrou os tempos de ditadura, quando havia predominância de cartuns
de esquerda. “Hoje me assusto vendo a publicação de charges de direita”, lamentou. Mas, segundo Santiago, uma tendência ainda mais perigosa é a formação de uma geração de
desenhistas despolitizados, que
acham que podem tudo. “Quando
se faz humor, é muito fácil cair no
preconceito”, advertiu o cartunista do
Jornal do Comércio.
Apoio cultural: Zero Hora. Impressão: Pioneiro, Caxias do Sul. Tiragem: 5.000
Coordenadora/Jornalismo: Cristiane
Finger
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Professores responsáveis:
Tibério Vargas Ramos e Ivone Cassol (redação e edição), Celso Schröder (arte e editoração
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(fotojornalismo).
ESTAGIÁRIOS
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Pan, Daiana Bein Endruweit, Eduardo
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Gambin, Rodrigo Tolio.
Diagramadores: Bruno Bertuzzi, Julia
Pitthan e Manuela Kanan.
H IPER
TEXT
O
IPERTEXT
TEXTO
H A B I TA Ç Ã O
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
ELISA VIALI
Construções irregulares convivem com os conjuntos habitacionais no bairro Restinga
São 90 milhões... jogados
na periferia das cidades
Vilas clandestinas abrigam os segregados sociais no País
POR
S ANDRA M ARIA D UCATO
Em 1970, os 90 milhões de brasileiros se transformaram em letra do
hino da Rede Globo de incentivo aos
jogadores da Seleção Brasileira de
Futebol na busca do tricampeonato
do Mundo, no México, conquistado
por Pelé & Cia. Segundo o IBGE, a
população brasileira quase duplicou
em 35 anos. E é exatamente esse
acréscimo o número de cidadãos que
moram hoje na informalidade. São
90 milhões... sem moradia própria e
legal, alheios aos escândalos políticos nacionais que os mantém miseráveis, não só de bens dignos para a
sobrevivência humana, mas pobres
do espírito de igualdade moral e justiça social.
Apesar de crescer menos que o
nível nacional, a capital gaúcha não
fica longe desta realidade. Nos anos
70, a população porto-alegrense era
de mais de 900 mil habitantes. Passadas três décadas, o Censo 2000 registrou um milhão e 360 mil residentes em Porto Alegre. De acordo
com dados do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), em
1996, cerca de 22% dos domicílios
de Porto Alegre eram irregulares ou
informais. Para a professora de Direito Público da PUCRS, Betânia de
Moraes Alfonsin, este percentual
deve estar hoje em torno de 30%,
distribuídos em 723 assentamentos
informais. “A política urbana e
habitacional teve vários ciclos em
Porto Alegre, várias estratégias em
relação a essa população de baixa renda. Muitas delas, ao invés de resolver
o problema, o acentuaram, contribuindo para o incremento da irregularidade como, por exemplo, a história
que cerca a criação do bairro
Restinga”, afirma.
Para a construção das avenidas
Erico Verissimo e Aureliano
Figueiredo na década de 70, duas
grandes obras ao estilo da política
urbana proposta pela ditadura militar, foi necessária a remoção de famílias residentes nas vilas Theodoro,
Marítimos, Ilhota e Santa Luzia. Através do Banco Nacional de Habitação
(BNH), essas famílias foram
relocadas para uma área distante 40
quilômetros do centro de Porto Alegre, denominada na época de Vila
Restinga, hoje bairro. Esta era a política do “remover para promover”,
explica a advogada. “O desenvolvimento urbano se fazia, nesta época,
às custas da relocalização dos pobres,
expulsando-os para a periferia, promovendo uma segregação sócio-econômica. Isso contribuiu para o aumento da própria irregularidade, já
que era uma produção insuficiente
para atender a demanda e as pessoas
precisavam morar em algum lugar”,
destaca Betânia Alfonsin.
O professor do Programa de
Pós-Graduação em Planejamento
Urbano Regional da UFRGS, João
Farias Rovati, explica que “este é um
problema para a cidade como um
todo. A cada dia, um número maior
de pessoas não tem recursos para
comprar um terreno, um imóvel no
dito mercado formal e só conseguem
um lugar para morar nessas condições de informalidade”.
Comparada com outras capitais
brasileiras, Porto Alegre ainda é uma
cidade que tem um baixo índice de
informalidade. Segundo o professor,
não há dados precisos, mas em Salvador e Recife calcula-se que mais de
60% das pessoas vivem na
informalidade. “Esse é um extraordinário problema social e econômico que vem crescendo na capital gaúcha”, alerta Farias Rovati.
As vilas ou favelas são basicamente ocupações: não existe a compra do terreno, as moradias são
construídas em áreas ainda não ocupadas, alagadas, de preservação
ambiental, de risco ou terrenos destinados a usos coletivos como praças e parques.
“O sujeito, em geral, não tem título de proprietário, não tem nenhuma segurança da posse, nenhuma
concessão de uso. A casa dele é considerada irregular do ponto de vista da
legislação e código de obras”, explica
Farias Rovati. A área não paga impostos, luz e água, geralmente, não
são formalizadas, são furtadas da rede
pública, o chamado gato.
Há também a irregularidade burocrática. Há terrenos e imóveis com
contratos particulares de compra e
venda e até títulos de propriedade
registrados em cartório, mas não são
considerados legais pela falta da certidão de habite-se – documento atestando que o imóvel foi construído
seguindo-se
as
exigências
estabelecidas pela prefeitura para a
aprovação de projetos. Carnês de
IPTU e contas de luz, água e telefone
não compravam a regularização.
3
O pretérito
imper
feito
imperfeito
O imperativo
afir
mativo
afirmativo
Uma das características de Porto
Alegre, diferente do Rio de Janeiro,
são o tamanho e a localização dessas
ocupações informais. Na capital, o
pretérito imperfeito é percebido em
centenas de pequenos grupos com
menos de mil unidades inseridas em
pequenas áreas nos vazios urbanos,
dentro de bairros considerados de
classe média e alta, tornando-se conglomerados caóticos. Já na cidade carioca, são grandes favelas periféricas
com mais de 200 mil habitantes.
Localizada nos limites entre os
bairros Santana e Partenon, zona leste
da capital gaúcha, a Vila Sossego choca
a paisagem urbana. Na entrada, a recepção é feita por amontoados de lixo
e tocos de madeira. E quem caminha
pela alameda, precisa manter os olhos
atentos, guiando o corpo para longe
dos inúmeros fios da rede elétrica irregular, a poucos metros do chão.
A rua, larga, aos poucos se transforma com a invasão das casas, deixando-a praticamente sem saída. Situada entre as avenidas Ipiranga e São
Francisco, com limitações pelos
logradouros Euclides da Cunha e
Veador Porto, a rua Livramento, conforme projeto da Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), simplesmente não existe, causando
transtornos para os residentes.
A Constituição Federal reconheceu, a partir de 1988, o direito de
moradia como um direito social, mas
essa promessa não pode ser concretizada pela ausência de normas capazes de tirar os instrumentos do papel. O Estatuto das Cidades veio para
contribuir nesse sentido. A nova lei
federal consolida a noção da função
social e ambiental da propriedade e
da cidade, regulamenta e cria novos
instrumentos urbanísticos para construção de uma ordem urbana socialmente justa e includente. Também
aponta processos políticos para a gestão democrática das cidades e propõe diversos instrumentos jurídicos
para a regularização dos assentamentos informais em áreas urbanas municipais.
Ao reconhecer o papel fundamental dos municípios na formulação de diretrizes de planejamento
urbano e na condução do processo
de gestão das cidades, o Estatuto
ampliou a atuação governamental
junto à questão da regularização
fundiária. Betânia Alfonsin, voluntária da Ong Acesso – Cidadania e
Direitos Humanos, destaca novos
instrumentos como a Concessão
Especial de Uso, Usucapião Urbano,
e Direito Real de Uso, que tem servido para quebrar obstáculos.
O futuro do pretérito
O intrumento Urbanizador Social foi criado a partir da assinatura
de um convênio técnico e financeiro
entre a Prefeitura de Porto Alegre e o
Lincoln Institute of Land Police, instituição educacional norte-americana
destinada a promover o debate público sobre áreas urbanas e rurais de
interesse social em toda América.
Este convênio vigorou entre 2003 e
meados de 2005.
Betânia Alfonsin, então assessora jurídica da SPM no governo João
Verle, denuncia que este projeto ficou no “futuro do pretérito por decisão política”. “Tinha uma pedra no
meio do caminho”, brinca ao se referir a eleição municipal de 2004.
O assessor do gabinete do prefeito José Fogaça, engenheiro Taufik
Baduí Germano Neto, afirma que o
convênio não foi renovado pelo entendimento que a atual gestão municipal teve em utilizar apenas o quadro funcional público na questão do
desenvolvimento de políticas urbanas de habitação de interesse social.
“O trabalho realizado foi proveitoso e válido, mas Porto Alegre deve se
adequar a sua realidade, a sua capacidade de investimento e
endividamento”, referindo-se a aprovação recente de duas novas leis que
instituem o Fundo Curador da Caixa Econômica Federal, o FGTS,
como o grande financiador na promoção de novas moradias e da
reurbanização de áreas informais.
Pipa Germano, como é conhecido,
diz queem 2005 foram entregues 969
casas e apartamentos. A previsão para
2006 é beneficiar 761 famílias.
A LEGISLAÇÃO
Concessão Especial de Uso
para fins de Moradia: instrumento
para regularizar áreas públicas onde
residam moradores de baixa renda
por mais de cinco anos.
Usucapião Urbano: instrumento de regularização fundiária de
áreas urbanas particulares ocupadas
por população de baixa renda, para
fins de moradia, por cinco anos
ininterruptos, sem que haja ação judicial de reintegração de posse e re-
gistro de outro imóvel urbano ou
rural. Título de propriedade é concedido individual ou coletivo.
Concessão de Direito Real de
Uso: permite ao Poder Público legalizar espaços públicos utilizados para
fins residenciais.
Direito Real: permite o uso de
ações para defender a posse ou a propriedade contra qualquer pessoa que
viole ou prejudique o direito de possuir, utilizar e dispor do imóvel.
4
POLÍTICA
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
RICARDO S TUCKERT/PR
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva arranca na frente, rumo à reeleição
HIPERTEXT
O
HIPERTEXTO
ANTONIO CRUZ/ABR
O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, em busca de espaço pelo país
Alckmin tenta reduzir distância de Lula
Na largada do período eleitoral, o ex-governador paulistano segue atrás do candidato à reeleição
P O R F ÁBIO R AUSCH
Dezoito por cento de intenção
espontânea de voto é a distância que
separa o candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo
Alckmin, do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, do PT. Nesta modalidade, de acordo com a pesquisa do
instituto Vox Populi, divulgada no
final de junho, o eleitor não recebe
lista para escolha, apenas cita o nome
de sua preferência. Os 35% do
petista, acrescidos de 17% do tucano, 2% de Heloísa Helena, do PSOL,
além de 11% de brancos e nulos e
31% dos que não souberam responder, confirmam que mais de 60% dos
votantes brasileiros, dificilmente,
mudarão o voto, classificado como
ideológico neste caso.
O estudo constata aumento de
9% nas intenções de voto para o candidato do PSDB, com 32% ante 45%
do atual presidente, que caiu 4% na
disputa pela sua reeleição. No mes-
mo período, o levantamento do instituto Data Folha também indicou
crescimento da candidatura de
Alckmin, passando de 22% para 29%
da preferência dos eleitores, em relação a maio. Lula, ao contrário do que
avaliou o outro órgão, subiu um
ponto, passando de 45% para 46%.
Analistas atribuem a possível melhora no percentual de Alckmin às propagandas político-partidárias veiculadas pelo PSDB no mês de junho.
O Data Folha entende que, mesmo
com o novo quadro, o presidente
Lula mantém índice superior a 50%
dos votos válidos e condições de
vencer no 1º turno.
Disputando um pool em torno
de 80% dos votantes, o tucano e o
petista contarão com boa margem
dos cerca de 126 milhões de brasileiros aptos para as eleições de 2 de
outubro. O acréscimo é 10 milhões
de pessoas na comparação com o pleito anterior. Enquanto Alckmin leva
a vantagem de ter governado até a
licença do cargo o Estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país,
com mais de 28 milhões de eleitores,
Lula possui uma proporção favorável de quase seis para um no Nordeste, que responde por 27% dos
eleitores do país. Nesta região, o presidente teria 18 milhões de votos a
mais que o principal adversário. No
território paulistano, o ex-governador abre somente 2,5 milhões.
Benefício próprio
A tese de que concorrer no cargo
é uma chance de fazer agenda política
em benefício próprio ganhou força
no início do mês. O presidente Lula,
contrariando determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que
proíbe reajustes salariais 180 dias antes das eleições, anunciou a edição de
seis medidas provisórias e um decreto, com a finalidade de reajustar os
salários de 34 segmentos de carreira
do Executivo Federal. Serão beneficiados 1,5 milhão de servidores pú-
blicos federais. O impacto do reajuste será de R$ 5,5 bilhões no orçamento deste ano e de quase R$ 11 bilhões no de 2007.
Outras medidas do atual governo, como o fato de 10 milhões de
famílias terminarem o ano recebendo a média de R$ 40 ao mês, através
do Bolsa Família, e o aumento do
poder de compra do brasileiro, sobretudo depois do maior aumento
real do salário mínimo neste ano, de
13% acima da inflação, atingindo R$
350, tornam Lula mais bem aceito
no âmbito de eleitores com menor
renda familiar. Para quem ganha até
um salário mínimo, o presidente tem
61% das intenções contra 16% de
Alckmin. Na faixa de um a cinco salários mínimos, a diferença é de 45%
a 33%, respectivamente. Somente na
margem dos que ganham acima de
dez salários, o tucano supera o
petista, com diferença de 40% frente
34%.
A pesquisa Vox Populi ainda
CANDIDATOS
Nome
Partido
Cristovam Buarque (12) PDT
Geraldo Alckmin (45) PSDB
Heloísa Helena (50)
PSOL
José Maria Eymael (27) PSDC
Luciano Bivar (17)
PSL
Luiz Lula da Silva (13)
PT
Rui Costa Pimenta (29) PCO
levantou que Heloísa Helena
(PSOL) tem 5% das intenções de
voto, seguida de Cristovam
Buarque (PDT), com 1%. José
Maria Eymael (PSDC) e Luciano
Bivar (PSL) não pontuaram. Brancos e nulos registraram 7%, e 10%
das duas mil pessoas consultadas
não opinaram. A média de erro foi
de dois pontos percentuais.
Eleições deste ano cobram novas regras dos partidos
CÉLIO AZEVEDO/AG. SENADO
Para esta eleição, os candidatos
formularam suas alianças baseados
na permanência do modelo de
verticalização partidária, ou seja, os
pactos entre siglas nos estados obedecem ao mesmo acordo adotado
em âmbito nacional. As novidades
estão por conta da cláusula de barreira e da mini-reforma sancionada pelo
presidente Lula, em junho. O primeiro mecanismo obriga cada partido a
obter, pelo menos, 5% do total de
votos, descontados brancos e nulos,
para a Câmara em todo o país, sendo obrigatório que 2% dos votos válidos de candidatos a deputado federal correspondam a nove estados.
A sigla que não cumprir a determinação da cláusula fica impedida de
ter funcionamento parlamentar pleno e perde o direito de acesso aos
recursos do fundo partidário A medida de reforma, por sua vez, proíbe
as seguintes ações durante a campanha eleitoral, iniciada no dia 6 de julho: distribuição de brindes, como
bonés e camisetas; contribuições em
dinheiro vivo para a campanha; concessão de cestas básicas; realização de
showmícios e propagandas em
outdoors.
Embora não tenha teto para os
gastos com a campanha, um partido, durante a preparação para o dia
da votação terá que divulgar, duas
vezes pela Internet, os nomes dos
doadores de espécies, além de prestar contas ao TSE após esse dia. As
contribuições a partidos não podem
ter origem de entidades esportivas,
organizações não governamentais
que recebam recursos públicos, entre
outras. Sindicatos estão liberados
para doações.
As coligações já declararam à Justiça Eleitoral o limite de gastos no
período. As quantias são de R$ 89
milhões na aliança (PT-PRB-PC do
B), encabeçada pelo presidente Lula;
R$ 85 milhões na de Alckmin
(PSDB-PFL); R$ 20 milhões na de
Cristovam Buarque (PDT); e R$ 5
milhões na de Heloísa Helena
(PSOL-PCB-PSTU). A punição para
a prática do caixa dois será a cassação
do registro, diploma ou mandato.
(F.R.)
Heloísa Helena, do PSOL
WILSON DIAS/ABR
Cristovam Buarque, do PDT
H IPER
TEXT
O
IPERTEXT
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INTERCÂMBIO
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
CRÉDITO
Chineses se despedem da Famecos
O grupo de estudantes intercambistas encerra estudos no Brasil e volta à China, em julho
ARQUIVO PESSOAL
P OR R ENAN G ARAVELLO
Há exatamente um ano, a
Famecos preparava-se para receber
um grupo formado por 18 chineses que vieram fazer intercâmbio
com ênfase na língua portuguesa.
Em junho, o grupo encerrou suas
atividades no Brasil e voltou para
sua terra natal, do outro lado do
mundo.
Após uma manhã de aulas de
redação em língua portuguesa, o
grupo topou contar para o
Hipertexto algumas das histórias
vividas ao decorrer dos 12 meses
que permaneceram no Brasil. Tímidos, se reuniram em pequenos grupos no jardim da Famecos. Demoraram a se soltar, mas começaram a
narrar, aos poucos, suas experiências na mística terra do futebol e
do carnaval.
A primeira a se manifestar foi
Felicidade, a mais espontânea do
grupo, que recebeu este nome assim que chegou ao Brasil. De acordo com ela, foi um baque o verão
fora de hora que os esperava no
aeroporto Salgado Filho na noite
de chegada, em agosto de 2005.
“Viemos preparados para o inverno do sul do Brasil”, lembrou a
jovem. As dificuldades da primeira noite foram muitas, como a falta de contato com a família que deixaram na China – a pousada onde
foram hospedados não possuía
conexão com internet, nem os chips
de seus celulares tinham sido transferidos para o Brasil.
Choque cultural
na chegada
No dia seguinte ao que chegaram, o grupo foi fazer um passeio
pela Capital gaúcha, percorrendo
bairros da cidade. O contraste entre os dois países foi grande, já que
onde moravam não existe uma arquitetura antiga como a nossa.
“Porto Alegre é muito velha, tem
prédios muito antigos”, realçou
um dos alunos. Para Felicidade, o
choque foi ainda maior, apesar de
ter lido sobre o Brasil antes de vir
para cá. “Eu pensava que o Brasil
inteiro era mato, mas vi que é bem
diferente”.
Não só a arquitetura mostrouse diferente, como também a
tecnologia. As operadoras de celulares do Brasil não permitem o envio de torpedos internacionais e a
internet é muito precária, se comparada à fornecida pelos provedores chineses. Todos estes fatores
atrapalharam a comunicação com
familiares, aumentando ainda mais
a saudade de casa.
A comida brasileira não agradou ao paladar dos jovens –
tampouco a chinesa feita no Brasil. “Não é parecida com a que nós
fazemos. Tem um tempero diferente, não gostamos”, reclamou
Felicidade.
Assim como todo grupo, este
também tinha um líder. Lionel, que
viajou para o Rio de Janeiro e São
Paulo antes de vir para Porto Alegre, falou na maioria das vezes pelos demais colegas. “Eu já conhecia Rio e São Paulo e achei Porto
Alegre muito diferente de lá. O
Brasil tem lugares muito diferentes”, constatou o porta-voz do grupo.
Fidelidade
à chinesa
Na comparação Brasil e China,
as diferenças também aparecem
com relação às mulheres. Um ano
entre os gaúchos foi suficiente para
fazer os chineses perceber que a beleza gaúcha se destaca em relação às
demais do próprio país. No entanto, quando o assunto é as gaúchas,
eles juram que não ficaram com nenhuma e logo mudam de assunto.
“Não temos namorada, e nem pretendemos ter uma agora. Vamos
nos dedicar aos estudos e à nossa
profissão”, disfarçou Lionel.
Com um pouco mais de insistência, acabaram confessando que
acharam as brasileiras mais abertas
e receptivas. “Na China, as garotas
quase não falam, a educação recebida em casa é muito rígida”, comentou um deles. “Mas algumas deixaram para trás namorados chineses e estão voltando com brasileiros”, contou baixinho, com voz de
quem estivesse fazendo fofoca.
A coordenadora do Jornalismo da Famecos, Cristiane Finger, acompanha os chineses em visita à RBS
Na praia, eles tomam banho de Lua
Assim como os brasileiros, os
chineses também adoram se divertir. Porém, o que se considera diversão em Porto Alegre pode não significar a mesma coisa para quem veio
do outro lado do mundo.
Com a chegada do verão brasileiro, o grupo foi convidado a ir à praia
nas férias. Contudo, na China não se
vai à praia durante o dia. “Freqüentamos a praia à noite, para evitar o sol”,
contou Lionel. Todos foram para
Santa Catarina, mas como não estavam acostumados a ir à praia durante o dia, não usaram protetor solar.
O resultado foi queimaduras ardidas
por todo o corpo. “Não foi muito
legal nossa experiência no litoral”,
completou Felicidade.
A noite gaúcha foi outra tentativa de integração dos chineses à nossa
cultura. Convidados para o aniversário de uma colega brasileira no Opinião, acharam um absurdo as festas
começarem às 23h no Brasil. “Temos
o costume de iniciar nossas festas por
volta das 15h, e não passamos das
19h. Não fazemos festa à noite”. Os
jovens também estranharam a forma de os brasileiros se comportar na
balada — aqui mais se bebe e conversa do que se dança e aproveita-se,
de fato. Eles também foram ao
Barbazul, mas acharam a música
muito alta. “Preferimos cantar no
Karaokê”, falou Helena.
Na bagagem
Muitas foram as experiências vividas entre agosto de 2005 e julho de
2006 no Brasil. Situações engraçadas,
choques culturais e muitas dificuldades. Não só de alegrias foi a estadia
dos chineses em Porto Alegre, como
também muitas coisas ruins aconteceram, dos maus tratos sofridos na
primeira pensão em que viviam à dificuldade de conviver com estranhos
e falar uma língua difícil como o português.
E o que voltou na bagagem para
a China? Muita saudade dos colegas
da Famecos, saudade de jogar fute-
bol do jeitinho que só brasileiro sabe,
agradecimentos a todos que foram
compreensivos em especial os professores. “Os professores sempre
entenderam muito bem a nossa dificuldade lingüística, nos ajudaram
muito”, falou o porta-voz, que levará também um carinho especial pelo
Grêmio, já que o grupo, disse ele,
entrou num consenso de torcer pelo
tricolor gaúcho. Mas não é verdade.
Quatro chinesas, vestindo camisetas
do Inter e lideradas pela Felicidade,
acompanharam todos os jogos do
colorado nas sociais.
Lionel fez questão de agradecer
aos professores e colegas brasileiros,
enaltecendo que muito os ajudaram.
“Por causa deles que aprendemos
tantas coisas na Famecos, no Brasil.
Todos agradecem muito ao carinho
de todos vocês por nós”, encerrou o
líder, prometendo voltar para matar
as saudades. Da próxima vez, prometem ir mais à praia durante o dia,
“mas dessa vez com protetor solar”,
sorriu a Felicidade.
Dois namorados seguem em agosto para a China
P OR R AISSA G ENRO
Numa manhã de domingo, quente para o mês de julho que se iniciava, seis intercambistas, todas meninas, encerravam um período de um
ano de aprendizado e retornavam
para casa, na China. O embarque foi
às 8h. Algumas pareciam felizes, correndo pelo aeroporto e contando os
minutos para reencontrar os pais,
Outras nem tanto, pois namorados
e amigas ficariam por aqui, pelo menos mais algum tempo.
Mesmo com a presença de poucos brasileiros na despedida, chinesas até então muito sorridentes foram tomadas pela tristeza ao chegar
ao Salgado Filho, certamente sentindo saudades antecipadas de amizades construídas ao longo de um ano.
Osvaldo Biz, professor da Famecos,
era um dos brasileiros presente no
aeroporto para se despedir das chi-
nesas. Aproveitou a ocasião para entregar maracujás à comunicativa Felicidade, cujas sementes hoje secam ao
sol do verão chinês.
Entre as lágrimas de despedida e
as promessas de troca de e-mails,
havia pelo menos duas meninas,
Patrícia e Maria, que verão seus namorados em breve. Rafael Codonho
e André dos Santos Fraga embarcam
dia 8 de agosto rumo a Pequim, ficando por lá um ano, onde os casais
irão se reencontrar. Os alunos da
Famecos estudarão mandarim, que
será aproveitado aqui como disciplina eletiva, em um intercâmbio firmado pela PUCRS com a
Communication University of China (CUC). Antes haverá um teste de
nivelamento para definir a turma.
Rafael, antes de ir, incluiu muita
comida da mãe, livros em português
e a venda de alguns itens, como a
guitarra, a fim de arrecadar dinheiro.
Música brasileira, em especial Bossa
Nova, também estão na lista. A família de Rafael já sente falta de Patrícia, que se tornou parte da família e
agora irá se despedir de novo. A saudade não é o único desafio dos brasileiros: em Pequim eles irão encontrar um frio de 20º negativos, uma
língua complexa para aprender, um
território enorme, que pretendem
explorar e uma cultura belíssima para
compreender.
6
COP
A
PA
DO
MUNDO
PortoHAlegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
ATENÇÃO, BRASIL!
ELES JÁ SÃO TETRA
Quebrando um jejum de 24 anos, a Itália chega
ao quarto título ao vencer a França nos pênaltis
NÍCOLAS ASFOURI/ AFP
P OR R AF
AEL M ANO D IVERIO
AFAEL
No início era o “quadrado mágico”. A reunião de quatro dos melhores atacantes do planeta para enfrentar
as equipes que posicionariam o máximo de jogadores possíveis atrás da linha da bola. Era tempo de contemplar a volta do futebol alegre. Besteira. Dois centroavantes que ocupavam
o mesmo espaço facilitavam a defesa,
dois meias que não estavam em suas
posições e aceitavam a marcação tinham problemas para armar e para
marcar. Claro, sempre alguma estrela
brilhava e o Brasil vencia. Foi assim
contra a Croácia e Austrália. No desafio japonês, tivemos um pouco de
esperança. Lampejos geniais do “quadrado mágico”, desta vez sem o
centroavante Adriano (que, em forma,
é pior do que Ronaldo gordo) e com
Robinho. Levamos um gol, mas fizemos quatro. Contra Gana, novamente uma má partida, os 3 a 0 enganaram. E então chegou a França. Que
chance para vingar 1998. Que chance!
Seleção da mídia
O Brasil entrou escalado como
queria a maior parte da imprensa e da
torcida, sem o suposto “quadrado
mágico” e com os dois trios: Gilberto
Silva, Zé Roberto e Juninho no meio,
e Kaká, Ronaldinho e Ronaldo no ataque. E nada funcionou como se previa. Aliás, repetiu-se a mesma história
de todos os outros jogos. Porém, contra um time um pouco melhor.
Dida foi o mesmo de sempre,
sólido e calado. Cafu deve ter batido
todos os recordes de um jogador em
Copa do Mundo, inclusive o seu próprio de 36 anos e nenhum cruzamento certo. Roberto Carlos parecia o mesmo de 98, sem marcar e sem atacar
(mas as meias estavam bem
esticadinhas). O trio do meio não
marcou nem sustentou o trio de ataque, que, por sua vez, nem entrou em
campo. Kaká sucumbiu diante da marcação. Ronaldo não recebeu a bola, mas
também não foi procurá-la. E
Ronaldinho... que decepção. Deixou
mais uma vez a impressão de se tratar
de um craque. Um craque decide o
Campeonato Espanhol. Um mito
decide a Copa do Mundo. A dupla de
zaga foi bem como nos últimos jogos. Na Seleção, quando a os dois za-
P O R M ATHEUS P ASSOS B ECK
P OR R AF
AEL M ANO D IVERIO
AFAEL
Marcello Lippi, o treinador da Itália, disse que a final de uma Copa do
Mundo é como um banquete. A mesa
está cheia, e todos sentados em torno
dela. Três fatores poderiam decidir
quem comeria mais: organização, qualidade individual e fome. Como a
montagem dos times e seus talentos
se equivalem, ganharia que estivesse
mais faminto. Lippi não poderia estar
mais certo em sua metáfora alimentar. A Itália estava com mais fome, o
jejum era de 24 anos. E na gana conquistou o tetra, aproximando-se do
Brasil. Já a vimos, sozinha, pelo
retrovisor.
Era também a despedida de
Zidane do futebol. Com cinco minutos, o maior jogador da história do
futebol francês escreveu o lado bonito. Malouda invadiu a área e o zagueiro Materazzi chegou um pouco atrasado, acertando o atacante. Pênalti
prontamente marcado pelo argentino
Horácio Elizondo. Na cobrança,
Zidane esbanjou (veja a descrição do
gol em “Simplesmente Zizou, na página 7).
A Itália reagiu rapidamente. Pirlo
cobrou um escanteio com perfeição,
exatamente onde se localizava
Materazzi. O zagueirão cabeceou forte e empatou o jogo.
E a squadra azzurra seguiu melhor
no primeiro tempo. No segundo tempo houve amplo domínio francês.
Henry e Zidane comandavam os ataques dos bleus, mas esbarravam na ótima defesa italiana e no fora-de-série
goleiro Buffon. O francês Vieira, um
dos grandes nomes do Mundial, saiu
machucado.
Pela quarta vez, uma final de Copa
foi para a prorrogação. Os 30 minutos
de tempo extra tiveram duas marcas.
A primeira foi o lance mais simbólico
da Copa. Zidane arma a jogada e passa para a ponta. O cruzamento encontra sua cabeça. O golpe é mortal, forte,
alto. Era gol certo, caso não fosse Gigi
Buffon o número 1 italiano. Um milagre espetacular evita o gol francês.
Então chega o segundo lance, a
mancha da carreira de Zizou. Eram
quatro minutos do segundo tempo.
Zidane e Materazzi discutem e, provavelmente, xingam-se. Zizou se afasta cerca de dois metros do italiano, que
continua falando. De repente, o camisa 10 francês volta, olha para o zagueiro e desfere uma cabeçada
violentíssima, no peito do adversário.
Sem razão aparente. E o mundo vive
mais um grande mistério: o que teria
dito o zagueiro para despertar tamanha fúria no maître?
Outro fato curioso: Elizondo não
parecia ter intenção de expulsar o jogador. Coincidentemente, após o
replay ser passado pela televisão é que
o argentino resolveu mostrar o cartão
vermelho. Teria havido interferência de
alguém de fora no ponto eletrônico
do árbitro?
Mistérios. Mistérios que marcam
o encerramento da carreira de Zidane.
Completa? Óbvio. Em 109 minutos
em campo, Zidane fez um golaço de
pênalti, comandou um ótimo segundo tempo de seu time, deslocou o
ombro, pôs de novo no lugar, continuou machucado, protagonizou o lance da Copa na cabeçada milagrosamente defendida por Buffon, e foi expulso de maneira incrível.
Mas a vida seguiu depois de
Zidane. E o jogo foi para os pênaltis.
Ficou claro que a Itália ganharia. Lippi,
mais tarde, afirmou que seus jogadores arrastaram o jogo para as cobranças e tinham vontade de executá-las.
Sem contar que Buffon é mais goleiro
do que Barthez.
A emozione italiana com o título
invadiu Berlim, Roma, Turim, Milão,
Napoli, Palermo, Cagliari, a Serra Gaúcha, Nova Iorque e todas as colônias
italianas espalhadas pelo mundo.
Antes da Copa, apontava-se o Brasil como o grande favorito. A Alemanha, por ser dona da casa, também
poderia vencer. Inglaterra, República
Tcheca e Argentina tinham chances por
possuírem grandes craques. A
Espanha poderia ser a surpresa. Itália
e França entravam no grupo das “que
nunca podemos esquecer”.
No ano em que há problemas
institucionais em seus grandes clubes
(Juventus, Milan, Fiorentina e Lazio
são acusados de manipular o campeonato), seus jogadores assumiram a
honra italiana e fizeram por merecer o
título mundial. Assim como em 1982,
quando vivia uma fase turbulenta, a
Itália confirma a grande capacidade de
crescer nas piores adversidades. Cuidado Brasil, eles já são tetra.
As estrelas nascem das nuvens
moleculares, e se formam a partir da
instabilidade delas. As pequenas se
apagam com o tempo. As grandes,
explodem, gerando as supernovas,
que dão origem a outras estrelas, que
seguirão contando a história do Universo.
Zinédine Yazid Zidane é uma
supernova. Daqueles que podem intensificar o brilho em um bilhão de
vezes, até esmorecer em alguns dias
ou semanas. Ele havia prometido que
o Mundial da Alemanha seria seu último, e depois de ter duas atuações
pífias nos empates contra Suíça e
Coréia do Sul, muitos acreditaram que
seria mesmo. Não atuou na vitória
contra Togo, que levou os franceses às
oitavas-de-final. Porém, voltou no
quarto jogo, contra a Espanha, em
meio a nuvens de desconfiança e apreensão.
E então... explodiu.
mundiais, deu show. Não, melhor, redefiniu um universo! Marcou
definitivamente o mundo do futebol
entre aqueles que viram ou não Zizou
jogar.
Contra Portugal de Felipão,
Zinedine Zidane não foi o mesmo da
partida anterior, mas o universo conspirou a seu favor. Cobrou o pênalti
sofrido por Thierry Henry e, extenuado, levou a França à final.
Na decisão, os bleus (azuis) contra
a Azzurra. Cinco minutos de jogo e o
mundo pôde ver o brilho da estrela
novamente. Num pênalti em
Malouda. Zizou marcou seu sexto gol
MEHDI FEDOUACH / AFP
Zidane perde a elegância em conversa ao pé do ouvido com Materazzi
em Copas do Mundo. Mas não foi
apenas um gol! Tal qual um astro, a
bola descreveu sua trajetória em torno de sua própria órbita. Bateu no
travessão e no chão, atrás da linha de
fundo. Não muito, apenas o suficiente para colocar Zidane na história como
um dos quatro jogadores a fazer gols
em duas finais de Copa – os outros
foram os brasileiros Vavá e Pelé, e o
alemão Breitner.
Mas então... a estrela explodiu
outra vez.
O zagueiro italiano Marco
Materazzi, da Inter, de Milão, nunca
foi sinônimo de elegância. É daqueles
beques toscos, de tratar mal a bola.
Nunca poderia se entender mesmo
com Zidane. Foi ele quem cometeu o
pênalti. E também foi ele quem marcou o gol de empate, levando a decisão para os pênaltis. Mas, antes disso,
serviu de coadjuvante para a pior atuação do astro francês.
Depois de ser insultado pelo italiano, Zizou desferiu um golpe de cabeça contra o peito de Materazzi. Talvez por ter ouvido o zagueiro insultar
sua irmã, talvez por tê-lo ouvido insultar suas origens africanas, talvez por
tentar explicar a teoria da formação do
universo através do choque dos corpos celestes... Enfim. Nada justifica a
atitude de Zinedine. Mas também
nada tira o brilhantismo do maior jogador francês de futebol de todos os
tempos.
Zidane ganhou a Bola de Ouro
como o melhor jogador da Copa da
Alemanha. Guerreiro com elegância.
Encantador com garra. Cumpridor de
tarefas, mas genial. O meio-campo
francês funcionou como um sistema.
Todos os planetas em volta de um
sol, o “Rei-Sol”, o Sol: Zidane. Para a
geração que não viu o
hexacampeonato brasileiro, resta um
alento. Contar para as gerações futuras:
“Sim, eu vi Zizou jogar!”.
gueiros se destacam, tudo está errado.
Claro, Parreira também foi o mesmo:
estático, desmotivado, lento, pragmático, irritante, preocupado com a leitura labial do Fantástico...
Os torcedores ficaram perplexos
com a passividade uma das melhores
gerações de todos os tempos foi eliminada, afundada por um treinador
de outro nível. Muito mais baixo.
Agora, os mesmos torcedores torcem
que este seja o fim da era Parreira e
seus veteranos, porque desconfiam
que até com os reservas poderíamos
ter ganho a Copa. Menos mal que
Zagallo, outro símbolo de apatia brasileira desta Copa, não pareceu ter conseguido uma camiseta da França, mas
encontrou um consolo: “Brasil freguês” tem 13 letras.
7
MARCUS BRANDT/ AFP
Enfim, acaba a Era Parreira-Zagallo
Simplesmente Zizou
O capitão Fabio Cannavaro ergue a taça de Campeão do Mundo após a vitória contra a França, nos pênaltis, no estádio de Berlim
HIPERTEXT
O
HIPERTEXTO
Parreira e Zagallo: valeu, obrigado; até nunca
8
R E P O R TA G E M
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
HIPERTEXT
O
HIPERTEXTO
Colônia de Itapuã ainda abriga
No Hospital Colônia de Itapuã, em Viamão, hansenianos e doentes mentais continuam vivendo
FOTOS MICHELE ROLIM
P O R : M ARIANA B AIERLE S OARES
E M ICHELE R OLIM
Padarias, igrejas, praças, cemitério, moradias, ruas, prisão, moeda
própria formam o cenário de uma
típica cidade. Ocupando 1250 hectares, tudo isso se encontra na vila que
parece uma cidade construída, em
1940, para ser o destino de
confinamento de centenas de
hansenianos, doença mais conhecida por lepra. Embora o princípio do
isolamento não vigore mais, a cidade dos esquecidos continua existindo a 75 quilômetros do centro de
Porto Alegre.
O Hospital Colônia de Itapuã,
em Viamão, foi construído para retirar de circulação os portadores de
hanseníase, doença contagiosa que
naquela época não tinha cura. O local
já abrigou cerca de 800 internos, cidadãos que sofreram com a exclusão,
como Eva Nunes, 62 anos, moradora do antigo leprosário desde os
seus 11 anos. Hoje comporta 48 exhansenianos e 79 doentes mentais,
transferidos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, desde 1972. Essa que
foi a cidade dos esquecidos é hoje
referência na luta pelo direito de in-
A mensagem tenta amenizar o abandono dos internos
clusão dos pacientes que ainda sofrem preconceito devido a doença.
Os hansenianos foram levados
ao isolamento contra a vontade, pois
a doença era contagiosa e incurável.
Na década de 40, muitos doentes
eram caçados nas ruas, outros foram
perseguidos pela polícia ou pela inspeção sanitária. Em um período em
que a doença era um agravante em
suas vidas, alguns chegaram ao hospital de carona em caminhão de lixo.
Assim, os pacientes ficavam esqueci-
Brasil é o segundo país do mundo
em casos de hanseníase, diz OMS
O Brasil é um dos nove países
que ainda não eliminaram a
hanseníase. É dos poucos em que a
doença continua problema de saúde
pública, ficando trás apenas da Índia. O Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e São Paulo atingiram uma
prevalência menor do que a meta
estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os estados piores são Mato Grosso, Tocantins e o
Pará. “Isso acontece pela
desinformação e dificuldade de acesso aos postos de saúde”, explica o
médico chefe do Ser viço de
Dermatologia do Hospital São Lucas
da PUCRS, Luis Carlos Campos.
A hanseníase é uma doença
milenar, mencionada já na Bíblia
como “lepra”. O termo foi abolido
em 1995, por um decreto do então
presidente Fernando Henrique Cardoso, devido à carga agressiva e
preconceituosa. É transmitida através do bacilo de Hansen. Atinge a
pele e nervos periféricos, eliminando a sensibilidade em determinados
locais do corpo. “O indivíduo não
sente frio, calor, cortes, machucados.
Esse é o risco, pois a pessoa se fere,
se queima e não percebe. A doença
não mata, mas deforma”, esclarece
Campos. O contágio se dá de indivíduo para indivíduo, por germes eliminados por gotículas da fala e que
são inalados por outras pessoas, pe-
netra no organismo pela mucosa do
nariz. Outra possibilidade é o contato direto com a pele ferida de doentes. Para se adquirir o bacilo, é preciso um contato muito intenso com o
portador, o que acontece em geral
apenas com familiares de pessoas que
não sabem que têm a doença. Enfermos em tratamento não transmitem
a doença. “Hoje, sabe-se também
que 90% das pessoas são naturalmente resistentes ao bacilo e nem
todas as formas são transmissíveis”,
afirma Campos.
Na década de 80, a OMS recomendou a introdução da
poliquimioterapia que possibilita a
cura da doença. O tratamento se dá
pela ingestão de medicamentos regularmente em um período, conforme a gravidade do caso. O governo
financia o tratamento da hanseníase
para todo cidadão infectado.
Existe um rígido controle sobre
os portadores. Nos postos de saúde, a ingestão das drogas é controlada. “O paciente é obrigado a ingerir
grandes doses do medicamento, todos os meses na frente do médico
no posto de saúde. A medida é para
garantir que o enfermo tomou a dose
mínima do remédio. Se ele não seguir o tratamento em casa, pode não
se curar, mas, pelo menos, não transmitirá a doença para outras pessoas”, expõe o dermatologista.
dos na colônia sem direito nenhum
de saída. O medo da doença e o preconceito provocaram situações muito dolorosas. “Existem casos de pacientes que vieram para o hospital e a
família dizia, para todo mundo, que
ele havia morrido ou preferiram dizer que a filha se tornara prostituta
do que contar da hanseníase. Há
meninos que vieram para o hospital
e os pais lhes disseram que iriam passar apenas as férias e nunca mais voltaram”, conta o atual diretor Eduar-
O diretor Canedo estreita os laços afetivos com os pacientes
do Canedo.
Na época da criação da Colônia
de Itapuã, a doença, antigamente conhecida como “lepra”, não possuía
tratamento. Devido à pouca informação e ao risco de contágio, os pacientes eram discriminados. João
Carlos Ferreira, morador da instituição, até hoje conserva cicatrizes do
período. Perguntado sobre sua permanência no hospital, demonstra
vergonha da própria doença. “Bom...
Eu vou direto ao assunto. Desculpe
a expressão, mas eu tinha lepra”.
Relembrando o momento em que
chegou ao hospital, deixado pela família, Ferreira relata o que encontrou.
“No começo, eu estranhei, porque
encontrei tanta gente com problema,
um sem perna, um sem mão, um
gritava, outro se desesperava. Tinha
esposo sem esposa e mulher sem
marido”. As crianças que nasciam
eram separadas das mães para não
contraírem a doença e encaminhadas
a um abrigo.
A convivência com os pacientes psiquiátricos
transferidos do São PPedro
edro na década de 70
Gabriel realiza uma das oficinas de pintura no ateliê de artes
Desde 1972, o Hospital Colônia
de Itapuã passou a receber, além dos
hansenianos, outro segmento de
abandonados pela sociedade, os doentes mentais. Pacientes psiquiátricos (do Centro Agrícola de Reabilitação) e hansenianos (do hospital) passaram a ocupar a mesma área que, no
início, era separada por uma cerca.
Dois anos depois foi eliminada.
Mesmo com sua retirada, a cerca imaginária continuou existindo por
muitos anos. Hoje, os hansenianos
convivem com os psiquiátricos e viceversa”, diz o diretor administrativo
Eduardo Canedo.
A Colônia visa a adaptação social
dos pacientes portadores de diversos transtornos psíquicos,
esquizofrenia e outras patologias. Lá
eles realizam diversas atividades,
onde se destaca a recreação, uma referência entre as instituições de saúde
mental. Canedo iniciou sua trajetória na instituição nessa área, onde
atuou por cinco anos, trazendo inovações e humanizando o trabalho
com os pacientes. “A recreação não é
um depósito de gente, não é zoológico humano. Deve ser um local para
eles desenvolverem algum gatilho,
para que possam descobrir suas
potencialidades”, argumenta.
As pessoas são tratadas respeitando suas individualidades. “Os pacientes não são contabilizados como
um número, uma estatística. Nós
conhecemos todos pelo nome e sobrenome, eles têm uma trajetória.
Justamente por isso, o hospital possui um centro de pesquisa e preservação da memória e da história”.
Os pacientes reconhecem e valorizam seu esforço e dedicação no trabalho na instituição e todos são unânimes ao considerá-lo um amigo.
Eva Nunes, paciente ex-hanseniana
que vive na instituição desde os 11
anos, garante: “O Dudu é um amigo que a gente pode confiar, pedir
um ombro e chorar. Ele é muito sincero e tem um coração enorme que
quer ajudar todo mundo”.
Na recreação são desenvolvidas
oficinas de artesanato, pintura, argila, expressão corporal, música, entre
outras. Gabriel Escouto, paciente
psiquiátrico, é um exemplo dessa realidade. Suas telas foram expostas em
São Lourenço do Sul, no Centro de
Habilitação Psicossocial. “Pintar é o
que eu mais gosto de fazer dentro da
recreação, dizem que eu sou um artista”, orgulha-se ele, que está na instituição há 33 anos, um dos expoentes do ateliê de artes.
H IPER
TEXT
O
IPERTEXT
TEXTO
9
REPOR
TAGEM
REPORT
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
pacientes segregados sociais
sob o estigma do isolamento e lutam pelo direito à inclusão social
FOTOS
MICHELE ROLIM
“Nós não caminhamos sós” é a
frase escrita no pórtico que dá acesso à área residencial da vila. O diretor Canedo explica que a frase significa cuidado, idéia de fraternidade
e ajuda mútua. “Só que, na verdade,
o que está escrito ali é ‘vocês nunca
mais sairão daqui de dentro com as
próprias pernas’”, diz ele, apontando para a antiga prisão que lá existia e para o fato do Hospital Colônia de Itapuã significar o ciclo final
da vida de muitas pessoas.
Cemitério,
única saída
O prédio onde funcionava a antiga prisão existe até hoje, mas está
desativado desde 1960. No espaço,
eram colocados internos que tentavam escapar. Os pacientes não tinham perspectivas de saída. Só o caminho para o cemitério, destino final que, em muitos casos, continua
igual. “Como esse é o destino da
maioria deles e o cemitério sempre
foi um ambiente muito triste, eu e
um grupo de pacientes resolvemos
pintar algumas cruzes para torná-lo
mais alegre”, conta Canedo.
Em 1956, a internação compulsória foi extinta devido à possibili-
Documentário
antropológico
“Cidade dos Condenados” é o
título dado ao documentário que
está sendo filmado no Hospital Colônia de Itapuã, sob a direção do
cineasta francês Jean Arlaud. O trabalho aborda a vida de dois grupos
de pessoas que foram excluídos da
sociedade, os hansenianos e os portadores de doenças mentais, e como
essas pessoas conseguiram traçar
suas trajetórias.
O documentário é focado em
uma personalidade ímpar, que fez a
vida de todos mudar no local. Através do esforço e dedicação empenhados no setor de recreação, o diretor Eduardo Canedo devolveu aos
pacientes a oportunidade de recuperar a auto-estima, sonhar e sorrir.
O roteiro é abordado pelo viés
da antropologia visual, usando
como recursos o cinema e a
fotoetnografia na construção da
narrativa. Foi realizado um
detalhamento da região de Itapuã
pela professora Nazareth Agra
Hassen em sua tese de doutorado
defendida na Faculdade de Educação da UFRGS, em 2005.
Até o momento foram feitas
250 fotografias pelo professor Luiz
Eduardo Achutti e duas horas e
meia de filmagens pelo professor
Jean Arlaud - Université Paris 7, e
equipe. A previsão de lançamento é
para 2007.
As pessoas fecham o ciclo de suas vidas isoladas da sociedade
Cruzes receberam cores para atenuar a tristeza do cemitério
dade de tratamento ambulatorial da
doença no Brasil. O hospital – modelo no tratamento da doença no
Rio Grande do Sul – abriu suas portas. Muitos foram embora e se depararam com uma dura realidade: o
preconceito e o olhar desconfiado
das pessoas que descobriam a procedência deles. “Os doentes
hansenianos quando tinham que sair
do hospital para fazer algum exame,
de que ganharam após a descoberta
da cura da hanseníase, eles ainda enfrentaram muitas dificuldades. “Esses internos, mesmo livres, não tinham como sobreviver e voltaram
para as portas do hospital. Criou-se
uma dívida social do estado com
eles, pois foi o próprio estado quem
os excluiu”, diz o diretor. Devido à
diminuição no número de internos,
há 15 anos, a Secretaria Estadual da
ou tratar alguma problema de saúde, sentiam vergonha de si mesmos,
pois as pessoas ao saber que eram
portadores da doença, os isolavam,
de medo. Hoje é bem mais tranqüilo, mas ainda tem muita
desinformação”, relata o médico
clínico Carlos Roberto da Fonte
Domingues que trabalha na instituição há 26 anos.
Mesmo com a aparente liberda-
Saúde transferiu para o espaço pacientes com transtornos mentais,
oriundos do meio rural. Mantido
totalmente pelo governo do Estado, a instituição recebe voluntários
para diversas funções, nas áreas
médicas, nutrição, recreação, oficinas, organização de festas e eventos. Outras informações podem ser
obtidas pelos telefones 3494 8055
ou 3494 8022.
Reforma psiquiátrica gera polêmica entre ONG e autor do projeto
POR ALESSANDRA BRITES
Se fosse feita uma pesquisa entre os sem-tetos seria constatado
que 75% a 80% deles necessitam de
tratamento. A frase da presidente da
ONG Sociedade de Apoio ao Doente Mental (Sadom) e integrante do
Movimento pela Atenção Integral a
Saúde (Mais), Carmem Lia, justifica a necessidade de rever a lei 9.716
que, em 1992, implementou a reforma psiquiátrica no Estado, ao ser
aprovada pela Assembléia Legislativa. Segundo ela, a lei provocou
uma grande crise na assistência à
saúde mental. “Vergonhosa e irresponsável”, enfatiza. Para o autor da
lei, o ex-deputado Marcos Rolim, o
seu principal benefício é o reconhecimento dos direitos dos pacientes
psiquiátricos.
Antes da aprovação da lei estadual, qualquer pessoa poderia ter a
sua liberdade privada por um diagnóstico médico, sem ter o devido
processo legal. “Para evitar esses
problemas criamos mecanismos de
acompanhamento e averiguação da
densidade das internações compulsórias, possibilitando ao Ministério
Público fazer o acompanhamento
desse processo”, explica o ex-deputado em entrevista ao estudante de
jornalismo Ricardo Romanoff. Foram adotadas medidas que estimu-
lam a abertura de novos serviços em
saúde mental de natureza comunitária como leitos em hospitais gerais, o hospital-dia, ambulatórios,
emergências psiquiátricas gerais,
centros residenciais, lares abrigados,
pensões públicas e Centros de Atendimento Psicossocial. A determinação mais polêmica da lei foi a que
aponta para necessidade de construção de novos hospitais psiquiátricos
no Estado e a ampliação dos existentes. A lei ‘congelou’ a capacidade de leitos existentes em hospitais
psiquiátricos, admitindo e orientando que novas vagas, quando necessárias, fossem abertas em hospitais
gerais e não mais em instituições
psiquiátricas.
Carmem Lia discorda do autor
da lei. Argumenta que o tratamento
dos doentes mentais fora do hospital especializado é uma excelente
idéia, no entanto, é para um pequeno número de pessoas. “Não há leitos para todos. A demanda é altíssima. Obviamente não há interesse
desses hospitais de investir e acolher os pacientes, pois o custo é
muito alto.” A rede alternativa de
atendimento ao doente mental proposta pela reforma psiquiátrica praticamente inexiste. “Não há oferta
suficiente de ambulatórios especializados, medicamentos estão sempre em falta, leitos para a interna-
ção em hospitais da mesma forma,
essa situação é deplorável em se tratando do Rio Grande do Sul que já
foi em anos anteriores considerado
o exemplo em psiquiatria”, relata a
presidente da Sadom que, há 27 anos,
trabalha junto à direção do Hospital
Psiquiátrico São Pedro, única instituição pública do estado que atende doente mental.
Aumento de vagas
Desde o início da reforma aumenta a compra de vagas para tratamento psiquiátrico. “É urgente que
sejam restauradas as condições de
hospitalização, regulando o número
de leitos em função das necessidades
da população do nosso estado, pois
se tem visto inúmeras pessoas morando nas ruas embaixo de pontes. Quando se fala isso, os contrários à revisão
da reforma dizem que a situação inexiste, mas ela existe. Se fizéssemos
uma pesquisa entre os moradores de
rua talvez 75%, ou 80% fossem pessoas necessitando de tratamento.”
Carmem enfatiza que a decisão de
reduzir vagas acentua o desmonte dos
hospitais, e principalmente o São Pedro. “Por se tratar de uma instituição
pública, há décadas vem atendendo
pessoas carentes com problemas. Para
onde irão os pobres desprovidos de
sua saúde”, questiona.
A reforma psiquiátrica, no enten-
dimento do ex-deputado Rolim, sinaliza uma virada nos investimentos
públicos na área de saúde mental, promovendo mudanças significativas e
benéficas à sociedade. “Em 1992,
92% das verbas de internação psiquiátrica do SUS financiavam leitos em
hospitais psiquiátricos. Ou seja, praticamente todo o dinheiro gasto pelo
governo federal se destinava a hospitais e clínicas privadas. Os proprietários desses estabelecimentos ganhavam fortunas mensalmente”, frisa.
A situação do Hospital São Pedro
exemplifica os questionamentos de
Carmem Lia. Hoje as principais problemas da instituição são: falta de leitos, de profissionais capacitados e escassez de recursos na rede de saúde e
no orçamento do governo para equipar melhor e qualificar o atendimento. Segundo o diretor técnico e psiquiatra do São Pedro, Ygor Ferrão, a
taxa de ocupação do hospital é sempre 100%. “Normalmente temos 100
leitos e 110 pacientes internados. A
emergência faz uns 500 atendimentos por mês”. diz
Existem diversos casos de internos que permanem no hospital. São
pessoas abandonadas pelas famílias ou
essa simplesmente não foi localizada.
Para esses foi criada uma Morada, nos
fundos do hospital, com 27 casas,
outro semelhante em Viamão e a
Colônia de Itapuã.
1 0
VA R I E DA D E S
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
HIPERTEXT
HIPERTEXTO
O
ANA CAROLINA PAN
O som da Famecos
Alunos da faculdade formam bandas já na festa dos bixos
P O R F RANCISO P RATO
Alunos dos cursos de Comunicação da PUCRS, além de estudar e
na maioria dos casos trabalhar, ocupam seu tempo tocando com suas
bandas. Alguns deles conseguem até
fazer shows em lugares grandes e obter sucesso com a sua música, integrando grupos conhecidos no cenário musical.
Do rock ao reggae, as bandas dos
acadêmicos da Famecos têm histórias interessantes e uma musicalidade
diversa que envolve também o
punkrock, um estilo que se baseia
principalmente nos Ramones, mas
que engloba dezenas de bandas deste tipo conhecidas no mundo.
No caso do punkrock, se destacam a banda La Resistence e Blasé. O
guitarrista de La Resistence, Thomas
Nasário, estuda Publicidade e Propaganda na Famecos e começou a tocar
recentemente na banda criada em
2003 em Guaíba, sua cidade natal. O
tipo de som que a La Resistence toca
se funde entre algumas inspirações
vindas das bandas Rufio, Bad
Religion, No Use For a Name e
Ramones, entre outras do gênero.
Thomas é oriundo do conjunto
punkrock, a Blitzkrieg, que se separou há um ano e era composto também por outro estudante de PP,
Orley.
A Blasé de Porto Alegre é formada só por mulheres que curtem fazer
o bom e velho rock´n roll. Entre as
integrantes, a baterista Renata
Crawshaw e a vocalista e guitarrista
Chris Sassen estudam Jornalismo. A
banda ainda não tem músicas próprias, mas estão providenciando algo
para seu primeiro CD. Sua maior apresentação foi em Canela na abertura
do show da Tequila Baby.
Abrangendo estilos de rock em
diversos subgêneros, a Lazy tenta
transmitir alegria e seriedade com sentimentos comuns aos jovens. Já fez
alguns shows em Porto Alegre,
Florianópolis, Blumenau e cidades
do interior do Rio Grande do Sul. A
banda participou de eventos com
outras bandas fortes como a For
Fun, Emo, Sugar Kane e Killi. A
Lazy já tem suas próprias músicas
que são muito semelhantes ao som
da banda Fresno, com bastante destaque no RS. As principais músicas
até agora são Lazy, Amnésia e A vida
que sonhei. O guitarrista Ney, que cursa Publicidade, divide os estudos
com os shows.
Uma história interessante é a da
Renda per Capita, recriada por dois
alunos da Famecos em 2004, William
Mallet, de PP, e Chico, de Jornal, que
se conheceram na festa dos bixos e
formaram a banda na mesma hora.
Com influência predominante da
californiana Red Hot Chili Peppers,
começou a tocar covers apenas com
guitarra e baixo, posteriormente agrupando um vocalista e um baterista.
Misturou, então, outras influências
como Foo Fighters, Blink 182,
Detonautas e CPM22. Após dois
anos de insistência, a Renda per
Capita já tem cinco músicas em seu
histórico e o pessoal pretendem gravar um CD em breve com pelo menos 10 composições. Para o futuro,
pretende investir cada vez mais em
seu próprio som, colando sua marca
nos seus shows e deixando os covers
um pouco de lado.
Wailua, enfim, é o nome que batiza o grupo de regaee cujo nome homenageia o “Rei Moikeha”, que segundo diz a lenda, criou o surf e
batizou o local onde tal fato aconteceu como “Ilha Sagrada de Wailua”.
O vocalista e estudante do curso
de Jornalismo, Rodrigo Albornoz,
tem uma interpretação para o fenômeno de tantos conjuntos musicais
entre os alunos da Famecos: “Acho
que a galera da comunicação é muito
envolvida com música e provavelmente já tem uma certa tendência ao
sonho do estrelato. Talvez isso explique o porquê de tantas bandas na
nossa faculdade”.
Alunos da Famecos na batida do rock, reggae, punkrock e covers
Os financiamentos que fazem rodar o atual cinema brasileiro
TIAGO AZEVEDO
P O R L UISA K ALIL
O incentivo à cultura no Brasil é
pequeno e está limitado às leis de
isenção fiscal de iniciativa dos governos federal, estadual e municipal.
Empresas brasileiras se valem da legislação para financiar a produção cinematográfica recebendo, em troca,
benefícios fiscais. O mecanismo pode
ser utilizado por investidores externos desde que se adaptem às exigências. È o caso do novo filme de Jorge
Furtado, Saneamento Básico, em produção até meados de agosto, que recebe recurso externo e apoio também
para o momento da divulgação.
A produção conta a história de
uma pequena comunidade de descendentes italianos na Serra gaúcha,
que desejam construir uma fossa
para o tratamento de esgoto da vila.
A subprefeitura alega não ter verba
suficiente para ajudar os moradores
de Vila Nova. Eles descobrem, então, que existe a possibilidade de conseguirem cerca de R$ 10 mil para produção de um vídeo e, caso o dinheiro não seja utilizado, deverá retornar
ao governo federal. Assim, a comunidade decide produzir um curtametragem a fim de mostrar sua realidade não apenas aos moradores da
região, mas também ao governo. A
Financiamento é um dos principais problemas do cinema nacional
descoberta da linguagem audiovisual
e a mistura entre realidade e ficção
surpreendem os moradores de Vila
Nova. Nessa brincadeira, a produção
começa a obter resultados maiores
que o esperado.
Com o objetivo de mostrar a
burocracia no Brasil, Furtado mescla
a produção cinematográfica da comunidade, para que eles também perce-
bam a importância de se reconhecer
o meio em que se vivem. O filme
não deixa de ser uma forma de lembrar a importância do cinema, mesmo em países sem muito espaço (e
dinheiro) para a produção. No caso
do Brasil, existem produções que
contam com o apoio de instituições
estrangeiras. São fundações que investem não apenas na produção do
filme, mas também ajudam na divulgação da obra. A Casa de Cinema
de Porto Alegre conta com o apoio
da Columbia Tristar e da Fox em seus
filmes.
Flávia Matzenbacher, assistente
executiva de Jorge Furtado, explica
como funciona o acordo entre as produções brasileiras e as empresas internacionais. “De acordo com o artigo terceiro da Lei do Audiovisual, as
majors podem obter benefícios fiscais
ao investir na co-produção de filmes
de produtoras independentes, com
as quais se costuma também incluir
no acordo a distribuição”. Para conceder patrocínio, os critérios usados
são o currículo da produtora, a qualidade técnica e artística do projeto, as
condições de execução, além das afinidades com estratégias de marketing
da empresa.
O roteiro de Sal de Prata, do cineasta Carlos Gerbase, coordenador do
curso de Cinema da Famecos, teve
apoio da Sundance Institute, criada
pelo ator americano Robert Redford
e que promove anualmente um dos
principais festivais de cinema independente do mundo, o Sundance
Film Festival. A mesma instituição
ajudou a financiar o filme Central do
Brasil, que foi indicado ao Oscar de
Melhor Filme Estrangeiro e teve
Fernanda Montenegro disputando a
estatueta de Melhor Atriz.
Outra produção de destaque no
Brasil foi Cinema, Aspirinas e Urubus,
de Marcelo Gomes, que contou com
a ajuda da Global Film Initiative e da
Humbert Bals Fund Partners, em
parceria da Fundação de Rotterdam,
na Holanda. O apoio não seria em
vão: as contrapartidas costumam ser
negociadas pelas instituições, geralmente exigindo a inserção da marca
nos créditos ou na divulgação e
comercialização da obra.
A maioria das instituições internacionais publica nos seus sites como
participar dos principais festivais de
cinema no exterior e como deve ser
feito contato para obter apoio financeiro ou simplesmente na co-produção. Em Porto Alegre, as produções
da Casa de Cinema já participaram
de eventos importantes como a
Berlinale, na Alemanha; o Festival de
Curtas Metragens de Bruxelas, na
Bélgica e o Festival Internacional de
Cine, no México.
Na América Latina, poucos diretores conseguem a atenção do público internacional. No Brasil, o destaque vai para Walter Salles, Bruno
Barreto e Fernando Meirelles, que recentemente chamou a atenção por sua
produção O Jardineiro Fiel.
H IPER
TEXT
O
IPERTEXT
TEXTO
VA R I E DA D E S
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
11
ANA LUIZA LEAL VIEIRA
Há 100 anos nascia
um anjo poeta
Quintana é natural de Alegrete, mas viveu em Porto Alegre
P O R V INICIUS R ORATTO C ARVALHO
Espetáculos musicias, exposições
e peças de teatro constituem a cena
cultural porto-alegrense na comemoração do centenário de nascimento
de poeta gaúcho Mario Quintana.
Como não poderia deixar de ser, a
Casa de Cultura Mario Quintana,
antigo Hotel Majestic onde o autor
morou, concentra as homenagens
com o projeto Aprendiz de Feiticeiro – 100 Anos de Mario Quintana.
A casa conta com uma programação permanente sobre o poeta que
envolve uma réplica do último quarto, ocupado pelo poeta no Residence
Hotel, atrações especiais ligadas à vida
e à obra de Quintana para alunos de
escolas visitantes. Está disponível
também um acervo sobre poeta e de-
poimentos de pessoas que compartilham, com o público, aspectos da
vida de Mario Quintana.
Exposições integram os eventos
comemorativos. Telas Mario
Quintana: O Anjo da Escada mostram
imagens do poeta feitas por quatro
artistas. Quintana Entre o Dia e a Noite expôs, através de efeitos
multimídia, duas faces do poeta: alegre e bem humorado em
contraposição ao sombrio, que utilizava temas como o silêncio, a morte
e a solidão. A exposição indicou as
especificidades de cada um dos lados
do escritor. A mostra Impressões do
Poeta contém gravuras em madeira,
xilogravuras, que apontam os passos
do autor pela cidade de Porto Alegre.
No teatro Bruno Kiefer, entrou
em cartaz a peça Sobre Anjos e Grilos,
um monólogo com poesias do autor. No espetáculo musical Porto Alegre de Quintana, no teatro Carlos Carvalho, a banda Piratas do Porto pretende comemorar o centenário com
músicas como Porto Alegre de
Quintana, de autoria de Antônio de
Oliveira e Nando Gross.
No dia do centenário, 30 de julho, a Orquestra Sinfônica de Porto
Alegre e o Balé Dança Alegre Alegrete se apresentam às 11h, na Travessa
Rua dos Cataventos, e, às 20h, no
teatro Bruno Kiefer. Neste dia, será
entregue ainda o Prêmio Especial
Mário Quintana. As comemorações
dos 100 anos do poeta não se restringem a Porto Alegre e ao interior
do estado. Há exposições e projetos
literários sobre o poeta também no
Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
PRINCIPAIS OBRAS
A Rua dos Cataventos
Canções
Sapato Florido
Espelho Mágico
O Aprendiz de Feiticeiro
Poesias
Caderno H
Pé de Pilão
Apontamentos de História Sobrenatural
A Vaca e o Hipogrifo
Nova Antologia Poética
Batalhão das Letras
Quintana com Antônio
González, colegas
do Correio do Povo
Ele não gostava da farmácia, mas de literatura
Nascido em 30 de julho de 1906
em Alegrete, Mario de Miranda
Quintana passou a maior parte de
sua vida em Porto Alegre, cidade que
inspirou muitos dos seus versos. Estudou no Colégio Militar e, após
uma reprovação em Matemática, recusou-se a voltar para casa em Alegrete. Decidiu trabalhar como caixeiro na Livraria do Globo, mas o pai o
obrigou a retornar e o empregou na
farmácia da família.
Ainda estudante do Colégio Militar, publicou suas primeiras produções literárias. O pai, Celso Quintana,
teve que se acostumar com o filho
que não seria doutor e, sim, poeta.
Após a morte dos pais, Quintana
volta a trabalhar em Porto Alegre, primeiro na Livraria do Globo, e, depois, no jornal O Estado do Rio
Grande, posteriormente fechado devido às suas orientações políticas.
Aos 24 anos, Quintana se alis-
tou como voluntário do 7º Batalhão
de Caçadores de Porto Alegre durante a Revolução de 1930. Justificou o
alistamento alegando que tinha curiosidade em conhecer o Rio de Janeiro. Trabalhou também no jornal
Correio do Povo, onde publica o
“Caderno H”, que mais tarde tornou-se um livro de coletânea poética
do autor. Na Empresa Caldas
Júnior, empresa onde trabalhou boa
parte de sua vida, fez muitos amigos, como o editor do jornal Folha
da Tarde, Antônio González, que
também foi diretor e professor da
Famecos/PUCRS.
O poeta morreu em 5 de maio
de 1994, aos 87 anos. Foram publicados mais de 30 livros de prosa e
poesia, desde o primeiro, A Rua dos
Cataventos, em 1940, até as antologias poéticas após sua morte. Ele brincava com a morte dizendo:
“A morte é a libertação total: a
morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos”.
A fina ironia, o bom humor, e
até mesmo um doce ar de ingenuidade são as marcas do poeta que tinha o cotidiano como inspiração.
Nada escapava ao seu comentário, a
poesia, os amigos, uma sensação,
tudo que acontecia à volta do poeta,
ou com ele mesmo, era fonte de inspiração para seus pequenos versos.
As epigramas, também conhecidas
como Quintanares - pois são uma
marca do poeta – revelam as faces
do poeta. Tratam da morte, do humor, ou da morte com humor.
“Estilo: Deficiência que faz com que
um autor só consiga escrever como
pode”, definiu.
(Fontes: Caderno H, de Mário
Quintana e Mário Quintana Poeta,
Caminhante e Sonhador, do Instituto
Estadual do Livro)
Cadão, de Zero Hora, defende a cor e a foto digital no jornalismo
“A cor acrescentou muito ao
fotojornalismo”, diz Cadão
sabe se uma matéria vai precisar de
muito ou pouco filme. Agora com o
O editor de fotografia do jornal digital, felizmente não há mais esse
Zero Hora, Ricardo Chaves, o Cadão, problema”, relata.
é referência no fotojornalismo brasiEm relação à democratização do
leiro. O início de sua trajetória como ato de fotografar, proporcionada
fotógrafo remonta ao final da déca- pelo advento do digital, o editor
da de 60, época em que as redações pondera: “É ótimo, eu quero mais é
só trabalhavam com a fotografia pre- ver a fotografia ao alcance de todo
to-e-branco. Dentre todas as mudan- mundo. Mas, como em tudo na vida,
ças neste quase meio século de pro- ganhamos por um lado e perdemos
fissão, o editor destaca a adição da por outro. Acho que a moçada está
cor e a entrada do digital nas reda- banalizando o ato de fotografar e não
ções como as mais significativas.
dá importância ao fato de ter a foto
“A cor acrescentou muito ao na mão, a coisa da recordação”.
fotojornalismo. Se
Se os jovens não
você não a utiliza, fica
estão fazendo o medevendo informalhor uso da fotogra“A moçada está
ção”, opina o editor.
fia, na opinião de
banalizando
Ele destaca o papel
Cadão, o mesmo
da fotografia colori- o ato de fotografar ” não se aplica ao
da na editoria de Esfotojornalismo. “O
portes: “A fotogradigital é extraordináfia em preto-e-branco privaria o lei- rio. Podemos aproveitar a foto imetor do jornal de ver o colorido das diatamente. Antes, nós éramos tolecamisas, o contraste com o campo rados no limite da paciência, porque
verde e a torcida. Por outro lado, uma o jornalismo sempre foi pautado
matéria sobre os bastidores do es- pela velocidade, e nós, fotógrafos, típorte, ou futebol de várzea, renderia nhamos a preocupação de fazer as
legal em PB”. Como atualmente fotos com calma, queríamos ficar até
nem todas as páginas dos jornais são o final dos eventos, revelar com cuicoloridas, o fotógrafo deve ter a ca- dado, em suma, fazer direito – o que
pacidade de escolher quais assuntos enlouquecia os editores, porque eles
ou temas perderiam mais se saíssem acabavam ficando nas nossas mãos
em preto-e-branco. “A cor dificilmen- para rodar o jornal”, ressalta. Para o
te acrescenta à Política, por exemplo. editor, os fotojornalistas de hoje esPor isso a editoria geralmente é des- tão mais pautados com os valores
tinada às páginas PB do jornal”, co- do jornalismo e isso faz com que a
menta.
redação funcione melhor. “O negatiCadão conta que os fotógrafos vo é que, como tudo é muito
lidavam com restrições de quantida- efêmero, os erros passam mais desde de filme – que sempre custou caro percebidos. Essa coisa de corrigir no
– na época em que ainda o digital dia seguinte, pedir desculpas, fica de
não era usado nas redações. “O que lado porque não há tempo para isso”,
era uma estupidez, porque nunca se acrescenta.
P OR A NA L UIZA L EAL V IEIRA
12
PONT
O
TO
FINAL
Porto Alegre, julho
-agosto de 2006
julho-agosto
HIPERTEXTO
A emoção de narrar a Copa do Mundo
No estúdio, estudantes descrevem e comentam as partidas como se estivessem no estádio
DAIANA ENDRUWEIT
Havia algo diferente no ar. A Copa do
Mundo 2006 proporcionou uma experiência
nova para muitas pessoas, mesmo para estudantes que estavam tão longe da Alemanha,
na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS.
Alunos de diferentes semestres do curso de
Jornalismo encararam o desafio de transmitir
aos jogos no estúdio da Radiofam, a radioweb
da Famecos. Sob coordenação dos professores
João Brito de Almeida e Luciano Klöckner,
três equipes formadas por narradores, comentaristas e repórteres se revezaram, proporcionando exercício prático e realização pessoal.
A emoção de narrar uma partida da Seleção
brasileira é grande mesmo que seja “em tubo”
(no estúdio, frente às imagens da televisão).
Além de descrever os lances do jogo, há aqueles que conhecem a história dos jogadores, exatletas, a evolução do futebol – não só brasileiro – curiosidades, e muito mais. Rafael Diverio
é um sabe-tudo de futebol. Conta que, pela
primeira vez, narrou jogos da Copa do Mundo, mas em sua casa, faz narração de todas as
partidas que vê pela televisão. “Em casa narro
vídeo game, jogo de botão, qualquer coisa”.
A Radiofam foi criada em 1998 por iniciativa de um grupo de professores de
radiojornalismo da Famecos. Foi a primeira
rádio virtual universitária do país. Uma das características mais importantes e mantidas até
hoje é ser operada exclusivamente por alunos
da faculdade. A transmissão dos jogos da Copa
foi no estúdio, diante da televisão sem som.
“É um problema. Mas a única maneira de transmitir a Copa era assim. Para diminuir o problema e saber informações do local, sempre
um de nós ouvia no fone o que era dito na
TV”, esclarece Diverio. Para reconhecer os jogadores, contaram apenas com o seu conhecimento e as marcações técnicas ao longo do jogo.
Cada uma das três equipes era formada por
um narrador, comentarista e repórter. Em algumas oportunidades, também teve um convidado dando opinião. Desde o início da Copa,
eles se revezaram nas funções para que todos
pudessem passar por cada uma delas. “A experiência foi muito produtiva, me fez entrar mesmo no clima da Copa. Cada transmissão era
um aprendizado. Foi importantíssimo perceber que, mesmo sem ter alguém narrando o
jogo para nós (a gente narrava para os outros),
entendemos o jogo da mesma forma”, avalia
Matheus Beck, integrante de uma das equipes.
Eles ainda descrevem, com orgulho, o fato
de descobrirem após o jogo que a Globo e a
Fifa haviam escolhido o mesmo jogador que
eles como craque da partida. O mesmo aconteceu com opiniões, curiosidades e até com informações dadas por eles em primeira mão,
deixando para trás grandes emissoras. Para
Marco Maciel, a atividade o despertou para um
fator importante sobre o profissional que trabalha no rádio. “O narrador esportivo tem que
descrever os fatos. Ao contrário dos narradores de televisão, por exemplo, que podem parar um pouco, pois as imagens informam. Os
de rádio devem falar constantemente e, com
isso, os erros tendem a aparecer mais intensamente”, explica. Rafael diz que o exercício prático proporcionou momentos de lazer. “Eu
adorei fazer isso. Além de acompanhar a Copa,
pudemos contá-la do nosso jeito”.
O professor João Brito explica que a experiência é muito importante para os estudantes
por ser a reprodução de uma situação real. A
única diferença que existe dos outros veículos é
o meio de transmissão que não é real. “Eu
noto que eles evoluíram com a repetição do
trabalho. Eles melhoraram o rendimento individual e do grupo. Trata-se de um progresso
naquilo que pode ser a futura profissão deles”,
revela Brito. Duas equipes de alunos que passaram pela Radiofam em outros semestres,
hoje trabalham profissionalmente nas rádios
da Capital. Mas, a satisfação de Brito só será
completa no dia em que conseguir revelar para
o jornalismo esportivo uma narradora de futebol. Ele espera que esse dia esteja próximo.
O espírito de equipe também foi importante nessa cobertura. Matheus Beck diz que
“I campioni del
mondo siamo noi”
“A uf W
iedersehen!”
Wiedersehen!”
(Até logo)
P O R T HAÍS A LMEIDA
POR
G UILHERME Z AUITH ,
DE
R OMA
Estar em Roma, domingo, dia da vitória
da Itália na Copa foi demais. Fomos ver a final
da Copa no Circo Massimo, o lugar onde aconteciam as corridas de biga (uma espécie de
charrete puxada por cavalos) no Império Romano. Tinha aproximadamente 400 mil pessoas. 300 mil bandeirolas tricolores tremulavam aos gritos da “Squadra Azzura” e “Francia,
Francia, vai te ralar!! “
Depois da vitória, todos saíram cantando
pelas ruas, com cerveja e vinho na mão. A Piaza
Veneza, no monumento Vitório Emanuele,
estava coalhada de torcedores que choravam à
moda italiana, ocupando toda a Via Del Corso,
um grande avenida que passa pelo centro antigo em direção à Fontana di Trevi. Havia muita
gente, me senti um pagão nas festas do antigo
império.
Na fonte da Fontana di Trevi, pessoas nadam. Uns de roupa, outros não. Subiam nas
estátuas e cantavam o hino da Itália seguido
dos gritos: “francese bastardi”. Foi demais!
POR
T ATIANA L EMOS,
DE
B ERLIM
Após um mês de festas, metrôs lotados,
barulho nas ruas e surpresas no futebol, a Alemanha se despediu da Copa do Mundo e, aos
poucos, a tranqüilidade habitual foi sendo retomada. Bem organizada e sem maiores problemas, a Copa deixou anfitriões orgulhosos,
também pelo desempenho da Seleção que superou expectativas e ficou em terceiro lugar.
Nesta Copa, os alemães deixaram para trás
a culpa e perderam o medo de ser patriotas.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, qualquer demonstração de patriotismo era vinculada à ideologia nacional-socialista do Nazismo.
O escritor e roteirista Thomas Brussig definiu
o “novo patriotismo” em artigo para o jornal
alemão Süddeutsche Zeitung (SZ): “O velho patriotismo morreu, definitivamente. O novo
patriotismo significa: ‘não ao velho, algum
outro. Nós ainda estamos experimentando”.
Na Copa de 74 na Alemanha, seria impensável
um carro andando com a bandeira alemã na
janela, lembrou o jornalista Gerald Müller .
AS FERAS DA
RADIOFAM:
Bruna Longaray,
Fernando Teixeira, Igor
Póvoa, Joana Cavinatto
Juliana Ramiro, Juliano
Rodrigues, Marco
Maciel, Matheus Beck,
Rafael Diverio, Rodrigo
Nunes e Rodrigo Peixoto
Marco Maciel e Rafael Diverio transmitem Portugal e França na web
apesar da inexperiência, o conhecimento de
todos somado fez com que se ajudassem
mutuamente.“Logo na Copa, a maior competição do mundo no futebol, marcamos nossa
estréia nas coberturas esportivas, espero que
seja o princípio da nossa carreira. É o que eu
sempre quis desde o início”, revela Maciel.
A Radiofam faz uma breve parada no período de férias e retorna no início do segundo
semestre com mais esporte, além de notícias e
entretenimento. Para ouvir a rádio, basta acessar
o site www.pucrs.br/radiofam.