às avessas

Transcrição

às avessas
Publicação do Curso de Comunicação Social da UNISC - Santa Cruz do Sul - Ano 3 - Nº 3 - Distribuição gratuita
HERÓI
às
avessas
Expediente
Exceção
UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul
Av. Independência, 2293
Bairro Universitário
Santa Cruz do Sul - RS
CEP: 96815-900
Josiléri Linke Cidade
Exceção 2006
Exceção 2007
Exceção 2008
Jornalismo - 9º semestre
[email protected]
Repórter - Revisão
Curso de Comunicação Social
Bloco 15 - Sala 1506
Fone: 3717-7383
Coordenadora do curso: Ângela Felippi
Lázaro Paz Fanfa
Publicidade e Propaganda - 8° semestre
[email protected]
Direção de Arte
2008
Publicidade: Agência A4
Impressão: Graphoset
Tiragem: 500 exemplares
Ano 3 - Dezembro de 2008
Letícia Mendes
Luana Backes
Jornalismo - 8° semestre
[email protected]
Editora - Repórter
Jornalismo - 3º semestre
[email protected]
Repórter
Amanda Mendonça
Ana Flávia Hantt
Daiane Balardin
Daniele Horta
Marisa Feuerborn Lorenzoni Pedro Piccoli Garcia
Jornalismo - 8ºsemestre
[email protected]
Repórter - Revisão - Fotografia
Jornalismo - 4º Semestre
[email protected]
Repórter
Raisa Machado
Rozana Ellwanger
Fernanda Zieppe
Demétrio Soster
Gelson Santos Pereira
Guilherme Mazui Roesler
Sancler Ebert
Thiago Stürmer
Wesley Braga Soares
Willian Ceolin
Prod. em Mídia Audiovisual - 2º semestre
[email protected]
Fotografia - Ilustrações
Jornalismo - 6º semestre
[email protected]
Repórter
Jornalismo - 4º semestre
[email protected]
Repórter - Opinião
[email protected]
Professor - Editor-chefe
Jornalismo - 8º semestre
[email protected]
Repórter - Produção
Jornalismo - 8º semestre
[email protected]
Diagramação - Edição de Arte
Jornalismo - 8º semestre
[email protected]
Repórter
Jornalismo - 8º semestre
[email protected]
Repórter
Jornalismo - 8º semestre
[email protected]
Repórter
Jornalismo - 5° Semestre
[email protected]
Repórter
Jornalismo - 2º semestre
[email protected]
Repórter
Jornalismo - 6º semestre
[email protected]
Repórter
Jornalismo - 7° semestre
[email protected]
Opinião
Jornalismo - 3° semestre
[email protected]
Repórter
Sumário
O grande barato é ser fake
Um esforço digno de nota
Os professores de jornalismo opinativo costumam discutir
as funções do editorial com seus alunos de duas formas.
Na primeira, tradicional, usualmente se diz que o editorial
representa uma polifonia de vozes que têm, no veículo em
questão – revista, jornal ou qualquer outro suporte – uma
espécie de lugar por meio do qual estas mesmas vozes
estabelecem seus diálogos. O jornalista que escreve estes
editoriais, por sua vez, interfere quase nada no texto: sua
função é apenas escrever, ainda que, ao fazê-los, como
sabemos, estabeleça sempre alguma interferência.
A outra forma de se explicar os editoriais, mais recente, leva em
conta o fato de os sistemas, e nele o midiático, estabelecerem,
também por meio dos editoriais, novos contratos de leitura
a partir do que ocorre em seus interiores. Com isso, mais que
dialogar com quem quer que seja, o que se faz ao escrever
um editorial explicando o próprio conteúdo da publicação
é oferecer aos leitores e leitoras uma espécie de contrato de
credibilidade. Ou seja, a operação, ao revelar seu conteúdo, diz
de seu valor.
Nesse sentido, para que esta edição da revista Exceção pudesse
chegar às suas mãos, foi necessário mais que vontade de
dar continuidade a um processo que se iniciou em 2006 - e
seguiu em 2007 - quando alunos e professor acordaram que,
ao final dos semestres letivos, fariam revistas, ao invés de
provas convencionais. O conteúdo da publicação falaria pelo
desempenho de cada um dos estudantes. O “mais que vontade”
se explica à medida que, como não houve oferta regular da
disciplina, a opção, neste 2008, foi reunir um grupo extra classe
e, por meio dele, elaborar mais uma edição da Exceção.
Isso não apenas foi feito como revelou - e a revista que agora
chega às suas mãos demonstra isso - o grau de maturidade
alcançado pelos alunos da Unisc. Por meio deste grupo, que
se reuniu após os períodos de aula, nos feriados e finais de
semana para viabilizar o trabalho, a Exceção não apenas
pôde ser realizada como o foi com qualidade. Quando isso
acontece; quando alunos não medem esforços para dar
continuidade a um projeto desta envergadura, é sinal que
a universidade respira para além da sala de aula. E, se isso
acontece, é porque ela está viva.
08
11
O dia em que o Avenida venceu o Grêmio de Ronaldinho
15
18
15
A cura que nasce das pirâmides
Ser cosplay é diferente
No tempo em que as novelas eram no rádio
Quando o mocinho é um bandido
26
23
Como ser diferente em um mundo de iguais?
O lado humano do jornalismo
34
30
Quem disse que os papeleiros são todos iguais?
40
45
46
26
37
34
O padre que duvida de milagres
Retratos do Santo Daime
Longe de todos e de lugar algum
O afiador
49
O contador de histórias
52
54
Dona Ondina deixou o hospital
46
54
Prometo que vou
estudar libras
Uma certa tarde
de domingo
Ana Flávia Hantt
Rozana Ellwanger
Freqüentemente somos bombardeados
com esta história de inclusão. Óbvio,
já que surdos, mudos, cadeirantes,
caolhos e pernetas do mundo inteiro
não só merecem, como devem estar
inseridos em um cotidiano definido
como “normal”. No entanto, essa
história gera cada situação...
Quando eu iniciei a faculdade, meu
meio de transporte para vir da querida
Capital do Chimarrão Venâncio Aires
era uma Topic. Uma maravilha, aliás. Te
pega na porta de casa e te larga no fim
do turno no mesmo lugar. Supimpa!
O curioso era a viagem: além de levar
alguns estudantes da Unisc, o veículo
também transportava alunos que
estudavam em uma escola de Santa
Cruz do Sul para surdos-mudos. Não sei
se você, leitor, tem a oportunidade de
conviver com uma destas pessoas, mas,
literalmente, elas falam mais do que
qualquer um. Sério. Aquelas mãozinhas
delas não param um segundo.
Nós, os “normais”, que temos
naturalmente o dom da fala e da
audição, passávamos a viagem ouvindo
uma música, lendo alguma coisa, ou
somente pensando na vida. Eles não.
Eles tinham assunto para a viagem
inteira. E nem a escuridão da noite
atrapalhava. As luzes de néon dos
celulares iluminavam as faces que se
expressavam conforme as mãos iam e
vinham, da direita para a esquerda, de
cima para baixo, sem parar.
Nesses momentos eu ficava me
perguntando: o que eles estão
falando? Ai, ai, ai, bichinho cruel da
curiosidade... Eu ficava analisando
as expressões deles. Às vezes, me
parecia que estavam zangados, o
semblante fechado. Em outras, um
meio sorriso rasgava de entremeio o
rosto, culminado com o ensaio de uma
gargalhada. Talvez, sem eu saber, eles
diziam entre si: “Tu viu a roupa que essa
guria esta vestindo? Há, há, há... como
é brega”. Ou então: “Por que ela fica
olhando para a gente?”, obviamente
se referindo a mim. Mas talvez não.
Possivelmente conversavam coisas
normais, como: “Amiga, nem te conto o
que me aconteceu!”. Ou ainda: “Hoje eu
comprei uma blusa ma-ra-vi-lho-sa na
liquidação”.
Pois bem. O que aconteceu foi
que uma certa noite, talvez por já
não agüentarem mais me verem
as observando, elas iniciaram uma
conversa comigo. Sim, um diálogo, com
todas aquelas mãozinhas se mexendo
de um lado para o outro. Emudeci. O
que eu faço agora? O que elas estão
me dizendo? Para essa pergunta, eu
nunca tive resposta. Sorri, concordei
com a cabeça, sorri de novo. Fiquei
olhando para elas com uma cara débil
e elas, gesticulando, gesticulando,
gesticulando... Até que as meninas se
entreolharam, trocaram um sorriso
cúmplice e sentaram eretas em seus
bancos. Eu, continuei com a mesma
cara de quem não entendeu nada.
Desde aquele dia, prometi para mim
mesma que ia estudar libras.
O sol daquela tarde de 2007 iluminava
tão bem a grama que por alguns
momentos esqueci das minhas
responsabilidades. Estava aproveitando
o dia, curtindo a brisa morna como não
fazia já há algum tempo. Nesse dia a
grama parecia especialmente macia.
Tudo estava tão perfeito que acabei
perdendo a noção do tempo. Nem sei
quantas horas fiquei simplesmente
caminhando pelo gramado da Unisc.
Até me distraí vendo alguns carros
chegarem ao estacionamento –
coisa que normalmente me passava
despercebida.
Desses carros começaram a descer
várias pessoas. Era um movimento
incomum para uma tarde de domingo.
De início, pensei que houvesse
algum evento na universidade e os
participantes estavam começando a
chegar. Ledo engano. As pessoas, a
maioria jovens e bonitas, começaram a
tirar cordas finas e brilhantes de dentro
dos seus automóveis. O brilho daqueles
rolos quase transparentes sob o sol
até me distraiu. Fiquei observando a
movimentação, esperando que eles
entrassem em algum prédio para eu
poder continuar a minha deliciosa
caminhada. Mas não foi isso que
aconteceu.
Um grupo começou a se aproximar
de mim. O olhar deles era ameaçador.
Com aquela linha transparente sendo
esticada e reluzindo com o sol da tarde
a cena me pareceu ainda mais macabra.
Tentei me acalmar, lembrando que
nunca haviam feito mal para nenhum
de nós, moradores tão pacíficos do
câmpus. Foi então que lembrei dos
meus filhos. Saí correndo de encontro
ao grupo, na esperança de que seria
possível passar entre eles e chegar
enfim ao meu ninho. De repente,
tombei no chão. Debati-me, mas não
consegui mais caminhar. Minha perna
estava presa naquela fina corda. Pensei
que ia morrer.
O fim não chegou, mas sim uma jovem
avisando: “Pode soltar. Outro grupo já
conseguiu um vivo para gincana”. O ar
alegre dos que seguravam as pontas
da corda desapareceu e deu lugar ao
desânimo. Eles então me soltaram, mas
não se deram ao trabalho de tirar a
corda da minha perna. Com o tempo,
a dor deu lugar a uma dormência,
até que um dia minha perna, já seca,
desapareceu. Meus filhos cresceram e
hoje têm suas próprias famílias, bem
longe daqui. Eu continuo pelo câmpus.
Só que agora, para procurar comida,
não uso minhas patas como os outros
quero-queros. Hoje, eu bato o chão
com o que sobrou da minha perna.
Fotos: Marisa Lorenzoni
O
grande
barato é ser
fake
Não é fácil saber exatamente quem eles são, de onde
vêm e qual sua lógica de funcionamento. O objetivo da
brincadeira, que se realiza no Orkut, é bastante simples:
O beabá da
vida de um
fake
Nem os cães escapam
Se o que acontece no universo fake é fruto da
imaginação criativa de internautas, aos poucos
tudo passa a ser permitido. Até os cachorros
ganharam o direito de ocupar as páginas do
Orkut. O curioso é que, além dos perfis com foto e
descrição, eles também interagem com outros cães
cadastrados, arranjando amigos e namorados. As
mensagens trocadas entre eles possuem algumas
peculiaridades: o som do latido é incluído no meio
de algumas palavras (“aubrigado”, “me aujudem”),
e ao invés de enviar beijos ou abraços, mandam
“lambidas”.
A primeira tarefa é criar uma conta
no Orkut. A fantasia começa logo no
cadastro, quando é solicitado um nome
para o perfil. Os fakes costumam batizar
a si mesmos com apelidos enfeitados,
bem-humorados ou em inglês. Caso
falte criatividade, basta acessar uma
das comunidades especializadas,
administradas por pessoas que oferecem
longas listas de nomes e os enfeitam, se
solicitado. Alguns nomes: # blethi gossip,
.sentaeabaixa ♦, + shapadodecima,
chicken boy ! :)
A foto que estampa o perfil é um
elemento importante para facilitar a
formação da rede de relacionamentos.
Alguns fakes são atraídos pela beleza das
imagens. Há quem opte por celebridades
ou personagens de desenhos, mas a
maioria utiliza fotos de jovens em poses
sensuais.
Com o perfil pronto, a regra é
engordar a lista de relacionados. É
permitido adicionar qualquer um, sem
necessidade de autorização ou mesmo de
conhecer a pessoa.
criar um mundo paralelo. E acreditar que ele existe.
O
Pedro Garcia
s ambientes virtuais que re-
do Orkut registram-se com identidades fal-
família é um pouco mais complicada. Os
são vistas descrições de trocas de beijos, ca-
produzem aspectos da vida
sas e passam a interagir com outros que fi-
fakes necessitam conquistar uns aos outros
rícias e até relações sexuais.
real são cada vez mais po-
zeram o mesmo. O diferencial desta grande
para poderem conviver e serem chamados
O empenho em ser falso é tão gran-
pulares em todo o mundo.
comunidade de seres fictícios é que toda a
de pai, mãe, filho, filha etc. As agências de
de que a entrada nestes espaços de usuá-
Por meio de simuladores como o famoso
comunicação se dá apenas por meio do tex-
adoção foram criadas para facilitar esse pro-
rios que estejam sob suas reais identidades
Second Life, internautas mantém existên-
to, sem servidores ou animações tridimen-
cesso. Os usuários costumam ir até elas e
não é aceita. O perfil verídico de cada fake
cias paralelas, geralmente muito diferentes
sionais. Os espaços e as redes de relaciona-
fazer pedidos do tipo “quero uma família
é chamado de off e raramente torna-se
das suas realidades. Atualmente, o exemplo
mento são criados e simulados somente na
bem bonita” ou “posso ser madrinha de
pauta de alguma discussão entre eles. Os
mais visível dessa mania é o universo dos
troca de mensagens entre os personagens,
alguém?”.
internautas resistem em se deixarem co-
fakes, cuja lógica de funcionamento extra-
que não é controlada nem regulamentada.
Da mesma forma, os vínculos amo-
nhecer de verdade, pois gostam mesmo é
Encarnados em suas propriedades
rosos surgem após um certo tempo de in-
de estar atrás de suas máscaras virtuais. É
É difícil traçar o perfil dos adeptos do
fakes, os internautas estão a todo tempo
teração. Os fakes se conhecem em festas
o caso da jovem Priscila (nome fictício), de
fenômeno, já que o sentido da brincadeira
dialogando. Um dos principais objetivos
ou praias e acabam estreitando laços. Os
15 anos, que se diz viciada em manter per-
é apenas um: ser falso. O que antes eram
do jogo é atrair o maior número de amigos
detalhes destes ambientes – e outros como
sonagens no Orkut. Em três anos já criou
apenas brincalhões querendo se passar por
possível. Por isso é comum que um usuário
motéis, restaurantes, shoppings, salas de ci-
16 perfis falsos e se diverte com o jogo ao
celebridades e pessoas mal-intencionadas
seja adicionado à lista de relacionados de
nema e parques aquáticos – são descritos
fazer coisas que na vida real não faz. “Eu
tentando difundir material ilegal, hoje é algo
outro com o qual nem sequer trocou quais-
nos diálogos, assim como os movimentos e
nunca fui em baladas nem fiz sexo, mas
muito maior e mais complexo. Os usuários
quer palavras. Já a constituição de uma
ações dos personagens. A todo momento
meu fake já”, conta.
pola os limites da imaginação.
Os fakes podem escolher os seus
familiares. Bastar selecionar alguém
com quem simpatize e a partir daquele
momento chamá-lo de pai, filho, primo ou
padrinho. É possível visitar uma agência
de famílias, onde não faltarão opções. E
se houver algum atrito, não há nada que
impeça o desmanche dos laços.
Os ambientes fakes estão sempre
muito movimentados. Para fazer amigos
ou arranjar namorados, o ideal é ir até
uma festa e convidar alguém para dançar.
A intimidade vai surgir aos poucos.
Provavelmente, alguém vai pedir para
falar por MSN ou convidar para ir a outro
espaço, como uma sorveteria ou motel.
O fake “morre” quando o perfil é
deletado, o que geralmente acontece no
momento em que os internautas enjoam
de seus personagens.
Fale a
língua certa
Toda a interação acontece por meio dos
textos nos quais são descritas as ações e os
ambientes. Confira alguns diálogos fakes:
Na pizzaria
Na festa
•sex.mashine• - entrando
olhando para os lados, te
procurando
// - sentando numa mesa
mascando chiclé
===========================
•sex.mashine• - Oi!
dois beijinhos no rosto
// - vamos pedir?
===========================
•sex.mashine• - vamos, to com fome!
rindo
do que vc prefere?
// - 4 queijos! Eu amo gorgonzola!
===========================
•sex.mashine• - tô dentro!
chamando o garçom
vou querer uma pizza média de
4 queijos bem caprichada e pra beber
uma coca. e vc amor?
// - Coca Zero e sem limão por favor.
‘[C]aííö - chegando sozinho
bebendo Ice
sentando
olhando o movimento
CÁTÄPÕRÂ - chegando
oi, quer dançar?
===========================
‘[C]aííö - mas é claro!
levantando
pegando na mão
dançando
CÁTÄPÕRÂ - sorrindo
dançando
Vítima
dos fakes
Os nomes, as características e os
relacionamentos dos fakes são
inventados, mas as fotos utilizadas
por eles são arranjadas na internet.
Isso significa que qualquer pessoa
que poste uma imagem sua na rede
pode acabar estampando um perfil
falso no submundo do Orkut. Foi
o que aconteceu com a estudante
Marília Rohr, que se surpreendeu
ao receber a mensagem de uma
desconhecida avisando-a que
alguém estava usando suas fotos.
Assustada, ela foi investigar e
descobriu que a fake chamada Marina
tinha mais de 400 amigos, recebia
muitas mensagens e até havia feito
montagens com suas fotos. “Minha
imagem ganhou um nome e uma
personalidade que sei lá eu como era”,
relata. Marília fez uma denúncia aos
administradores do site e o perfil foi
deletado.
O dia em que o
Avenida venceu
o Grêmio de
Ronaldinho
Em 27 de maio de 1999, o
Avenida, de Santa Cruz do Sul,
reestreou na primeira divisão
gaúcha derrotando o Grêmio,
capitaneado por ninguém menos
que Ronaldo de Assis Moreira.
Guilherme Mazui
Marisa Lorenzoni
A
bola pererecando na área
encontra os pés de Marquinhos. Conduzida, atravessa
o gramado até ser rolada ao
centroavante. Com tiro seco, cruzado, Cley
a faz passear no fundo das redes. Assim,
o Avenida, o “esquadrão verde” da várzea
de Santa Cruz, fez história. Por 1 a 0, consumou sua única vitória sobre o Grêmio. O
feito por si só já mereceria destaque, porém
havia algo mais. Trajava a camisa 10 tricolor
um tal Ronaldo de Assis Moreira, vulgo Ronaldinho Gaúcho.
Era 27 de maio de 1999, quintafeira. Irmãos, gremistas e avenidenses, Rodrigo e Renato Sperb tiveram certeza do
gol quando Marquinhos arrancou. “Ninguém marcou o cara, foi a falha mais bisonha que já vi”, recorda o primeiro. “Eu
tava de sangue doce, usei uma camisa de
O gol histórico começou com um escanteio
para a equipe gremista, cobrado pelo
camisa 10, Ronaldinho.
Ilustrações: giusepe fontanari
Revista Exceção
10
Revista Exceção
13
Revista Exceção
12
A bola caiu nos pés de
Marquinhos, que avançou
pelo meio e passou por três
advresários antes de tocar
para Cley.
cor neutra, não torcia para ninguém, mas
A zaga do Avenida,
com uma cabeçada,
afastou o perigo da
área alvi-verde.
o gol me tirou do sério e me deixou feliz
ao mesmo tempo”, completa Renato, 50%
furioso pelo fiasco gremista, 50% contente
pelo feito do seu Esporte Clube Avenida.
seleção brasileira. Seus dribles já carrega-
Aos 22, o ainda sorridente cami-
Após 21 anos de exílio na segunda divisão
vam multidões. Em Santa Cruz, as escolas
sa 10 encontra Graal, que aciona Itaqui.
gaúcha, o Periquito, fechado em 1991 e re-
liberaram os alunos, ávidos pelo craque.
O chute desvia na zaga e vira o escanteio
Resultado: mais de quatro mil pessoas no
fatal. Ronaldinho ergue na segunda tra-
maior público que o estádio já registrou.
ve, quando a bola encontra Marquinhos.
aberto em 1998 na terceira divisão, voltava
ao grupo de elite com a mais importante
os times”, relembra Sérgio Rusch, outro
receu Danrlei e a soberba. “Ele falou para o
vitória dos seus 64 anos de vida.
gremista e avenidense presente nos Euca-
Guerreiro (José Alberto, presidente tricolor)
No aquecimento, nova mostra de
“Lembro que o Pedrinho passou pedindo
liptos.
que eles não iriam ficar ali, que aquilo (o es-
O jornal Gazeta do Sul, na sua edi-
soberba tricolor. “Eles olhavam como quem
e abriu o corredor. Dei nove toques na bola
ção de sexta, resumiu a sensação geral em
Os craques do Periquito, apelido ca-
tádio) era um chiqueiro”, recorda Cláudio
diz ‘o que vocês querem, seus assalariados?
até eu ver o Cley e tocar”, conta o prota-
uma frase: “Belisque-se torcedor Periqui-
rinhoso do Avenida, eram o meia Marqui-
Hansel, manda-chuva periquito na ocasião.
Eu vou para o caviar e vocês para a galinha-
gonista do lance. Solitário no meio da de-
to!” Era preciso. O santo avenidense jogou
nhos, ex-Caxias, e o centroavante Cley, ex-
da’”, lembra Pepe Soares, repórter de rádio
fesa, Cley, que havia prometido gol, ajeita
demais. No domingo anterior, o time, com
Avaí. Para evitar que o grupo esmorecesse,
no jogo. Às 15h30 Vinícius Costa abriu o
e bate seco, certo do dever cumprido. “Eu
um homem a menos desde os quatro minu-
o técnico Vacaria, lateral do Inter nos anos
A chuva que encharcou o gramado
caminho do anjo-da-guarda avenidense.
falei que era jogador de primeira divisão”,
tos do primeiro tempo, superou o Brasil de
70, blindou o vestiário. A diretoria também
com poças deu lugar ao céu azul na quin-
Com quatro minutos o experiente Macedo
avisou, no intervalo.
Pelotas por 2 a 1 no Estádio dos Eucaliptos,
deu seu empurrãozinho. Vice-presidente na
ta, que lotou o estádio. A diretoria preci-
sente o joelho. Aos dez, gira cai e dá lugar
sua casa. O resultado deu-lhe o título da Di-
época, Silvio Rech chamou o capitão Pedri-
sou colocar uma arquibancada móvel atrás
a Rodrigo Graal.
visão de Acesso e o direito de entrar direto
nho para conversar. “Disse para ele que,
de uma das goleiras, espaço ocupado em
Aos 11, o zagueiro Aládio bate a
em contra-ataque. Cley invade a área, bate
nas quartas-de-finais do Gauchão, diante
se vencessem, a renda do jogo era deles.
minutos. Para atender a demanda, um
falta de longe, Danrlei solta e Cley emen-
firme e Danrlei solta. Adílson apanha o re-
do dono da melhor campanha.
Deu uns R$ 35 mil, mais R$ 5 mil dos ex-
caminhão estacionou ao lado. Feito pau-
da no rebote. Emerson salva de carrinho.
bote, com o desvio que chega à testa de
presidentes”, revela.
de-arara, acomodou mais outra penca de
Ronaldinho é discreto. Por enquanto está
Marquinhos e dela ao pé da trave. Quem
torcedores. “Nunca vi tanta gente naquele
bem vigiado pelos volantes Ênio e Daia. “A
pensa que o santo verde saiu de campo,
A conquista trouxe a Santa Cruz
O jogo
No minuto seguinte, a trave impediu outro. O lençol de Ronaldinho termina
o Grêmio de Celso Roth, conduzido pelo
Depois de colocar o Avenida moti-
goleiro Danrlei e o lateral Roger, campeões
vado frente ao rival, o arcanjo verde apron-
campo. Era difícil caminhar. Tudo culpa do
gente tentava marcá-lo. Acho que ele deu
engana-se. Ele segue afiado e tira mais três
da América e do Brasil; o lateral Zé Carlos,
tou mais uma. O carnê do Gauchão previa
Grêmio”, diz Renato Sperb, que assistiu ao
balãozinho em todo nosso meio-campo”,
gremistas de combate. Aos 22, Zé Carlos,
ex-seleção brasileira; o volante Fabinho,
a partida para quarta-feira. No entanto,
jogo em pé, agarrado no alambrado em
relembra Daia, incumbido da missão pelo
e aos 41, Magrão, sentem problemas mus-
também campeão da América; e Ronaldi-
choveu torrencialmente em Santa Cruz. Às
nho, futuro campeão mundial, campeão
15h30, o árbitro Vinícius Costa chamou os
frente ao caminhão.
O interesse residia no Grêmio, em
zagueiro Aládio. “Numa bola ele (Ronaldi-
culares. Gavião e Marco Antônio entram.
nho) veio pedalando para tudo que é lado
No começo do segundo tempo, o volante
europeu, melhor jogador do mundo. “O
presidentes das equipes ao centro do cam-
especial no seu camisa 10. Ainda sem as
e eu tive a felicidade de ceder o escanteio.
Capitão também se lesiona. Como as subs-
comentário antes do jogo apontava gole-
po. De sapatos encharcados, os dirigentes
longas madeixas, o dentuço seria ao final
Daí falei para o Daia, ‘cola nele que o ho-
tituições esgotadas, o Grêmio fica com um
mem é ligeiro’.”
a menos.
ada, massacre. Não tinha como comparar
foram informados do adiamento. Aí, apa-
daquele Gauchão campeão e jogador de
AVENIDA
1
Samuel; Rodrigo (Carlos Mendes), Aládio,
Márcio Haubert e Adílson (Jorjão); Ênio,
Pedrinho, Daia e Leandro Somavilla;
Marquinhos e Cley (Alessandro)
Técnico: Vacaria
GRÊMIO
0
Danrlei; Zé Carlos (Gavião), Émerson,
Éder e Roger; Capitão, Fabinho, Itaqui e
Ronaldinho; Macedo (Rodrigo Graal) e
Magrão (Agnaldo)
Técnico: Celso Roth
Gol
Avenida: Cley aos 22 minutos do primeiro
tempo
Cartões amarelos
Carlos Mendes, Márcio Haubert, Ênio,
Pedrinho e Cley (Avenida); Éder, Roger,
Ronaldinho e Agnaldo (Grêmio)
Árbitro
Vinícius Costa
Renda
R$ 29.939,00 para 4.093 pagantes
Local
Estádio dos Eucaliptos, dia 27 de maio de
1999, em Santa Cruz do Sul
15
Ana Flávia Hantt
Revista Exceção
O centroavante dominou
e tirou o zagueiro
adversário do lançe com
um só toque, depois bateu
seco no canto de Danrlei.
A cura que
nasce das
pirâmides
Adversário metia medo
para fora. Depois, o árbitro não vê o pênalti
Em Venâncio Aires existe um instituto
Mesmo abaixo do seu padrão, o
cometido em Carlos Mendes. No final, qua-
que busca o equilíbrio energético por
Grêmio metia medo. “O comentário antes
se o 2 a 0. Aos 46 minutos, Jorjão fura o
meio da canalização de energia cósmica.
do jogo apontava goleada. Quando deu o
peixinho a centímetros do gol. O zunido do
Tudo se iniciou a partir das experiências
gol, todo mundo esperava a virada imedia-
apito final, capaz de colocar o estádio em
ta, só que ela não vinha, não vinha e os
frenesi, ainda reside na memória da dupla
gremistas foram se desesperado. Os aveni-
que definiu aquela tarde. “Até hoje conto
denses pareciam não acreditar”, diz Sérgio
que fiz gol em cima do melhor do mundo”,
Rusch, ao relembrar o momento em que o
diz Cley. “Ainda brinco que quem foi ver
relógio passa a correr para os tricolores e
Ronaldinho, acabou vendo Marquinhos”,
se arrastar para os alviverdes, agarrados em
completa o meia.
científicas de três estudantes, ainda
em 1978: eles descobriram que a mais
I
Ana Flávia Hantt
magine a cena: você está com uma
“Temos estes feijões guardados até
enxaqueca terrível, ou então sofre de
hoje no Ipenva; eles estão em perfeito es-
uma doença grave. Para o tratamento,
tado, sem odores e sem apodrecimento”,
senta-se em baixo de uma pirâmide e
narra a atual presidente do Ipenva, Glaci
espera que a energia cósmica canalizada
Lima. Depois desta experiência, os profes-
realize a cura. Isso mesmo. Em Venâncio
sores chegaram à conclusão que a energia
famosa invenção dos faraós ajudava a
Aires, existe há 26 anos um instituto que
que fazia bem para as plantas faria bem
conservar feijões.
pesquisa exatamente isso: a energia das pi-
também para os seres humanos. Junta-
râmides e as suas propriedades benéficas.
mente com os conhecimentos adquiridos
Os estudos que levaram à funda-
nos cursos de Dinâmica Energética Mental,
A vitória dá ao Avenida o direito
ção do Instituto de Pesquisas Energéticas
O argumento de que Ronaldinho
do empate na partida de volta, em Porto
de Venâncio Aires (Ipenva) iniciaram em
não decidiria todas as partidas ganha força
Alegre, porém os tricolores estão mordidos.
1978, quando três estudantes, montaram
a cada minuto transcorrido. O craque sen-
Aplicam 3 a 0 no tempo normal e 1 a 0
um projeto para uma Feira de Ciências so-
Em fevereiro deste ano, o aposen-
te seu time travado. Dribla, pedala, olha e
na prorrogação, tocando o caminho que
bre a conservação de alimentos por meio
tado Dyonísio Affonso Weschenfelder foi
chama com as mãos os companheiros, que
terminaria no título e no Gre-Nal de Ronal-
da energia canalizada pelas pirâmides. Eles
hospitalizado para submeter-se a uma cirur-
não aparecem. O desespero vira faltas, car-
dinho, com direito a golaço e balãozinho
colocaram feijões, soja e outros alimentos
gia que o livraria de um aneurisma alojado
tão amarelo, descontrole. O sorriso sempre
em Dunga. Se no Estádio Olímpico a quin-
para secar sob pirâmides de diferentes ta-
junto a veia aorta. “Era um procedimento
fácil segue no rosto, porém amarelado.
ta-feira 27 de maio de 1999 é no máximo
manhos e em diversas posições em relação
de altíssimo risco. Depois da cirurgia, eu,
A marcação firme neutraliza o Grê-
um escorregão, em Santa Cruz, no Estádio
aos pontos cardeais. No entanto, apenas
inconsciente, tinha fortes dores no local
mio e oferece o contragolpe ao Avenida,
dos Eucaliptos, é o dia da consagração. É
aquelas pirâmides que eram réplicas da de
dos cortes. Minha esposa então colocava a
que quase amplia três vezes. Primeiro Adíl-
o dia que o Avenida venceu o Grêmio de
Quéops – uma das pirâmides do Egito – é
pirâmide em cima da parte dolorida e a dor
son entra em velocidade e chuta cruzado,
Ronaldinho.
que obtiveram o resultado almejado.
ia amenizando”, conta.
uma esperança.
nascia assim, o Ipenva.
Dores agudas
Como tudo
começou
O Instituto de Pesquisas Energéticas de
Venâncio Aires, o Ipenva, nasceu da amizade
de quatro professoras, Regina Tereza Naue,
Glaci Lima, Heloísa Seibt e Eloá Feix. Em
1976 um filho de Regina nasceu com um
problema grave de saúde e foi encaminhado
para especialistas na capital do Estado. Com
o tratamento o menino se recuperou, mas
ficou com seqüelas: à medida que crescia,
foram constados problemas auditivos. Ao ser
encaminhado novamente para especialistas
da capital detectou-se a ausência da audição.
O garoto também ficou com um grande
trauma hospitalar, nervoso e irriquieto,
ficando cada vez mais difícil o contato com
os médicos. Foi quando o grupo de amigas
tomou consciência da existência de um
paranormal, Piraju Nicola. “Consultei este
sensitivo com receio, pois não conhecia
o seu trabalho. Mas para surpresa minha,
ele sabia mais dos problemas do meu filho
do que eu. Nunca tinha visto, nem falado
com este senhor, e ele deu o mais correto
diagnóstico possível”, explica Regina.
Com a continuação do tratamento médico
tradicional, também continuaram com o
acompanhamento do parapsicólogo.
Tamanha fé no método se explica
em uma trajetória de 20 anos. A professora
aposentada Nelda Weschenfelder, a esposa
de Dyonísio, conta que conheceu o Ipenva
em um período em que sofria de depressão
e um grave problema na coluna. Por sentirse deprimida e sem obter uma resposta satisfatória na medicina tradicional, chegou
até as pirâmides.
“Já tinha ouvido falar do método,
mas nunca havia dado importância. Quando comecei a freqüentar o Ipenva, fui me
deve estar errada”, diz. O erro na energia a
No Instituto há uma sala exclusiva
sentindo melhor e com um novo ânimo”,
que Marli se refere é o local por onde está
para o trabalho com as pirâmides. A prática,
explica, complementando que conhece
entrando a energia no corpo da pessoa.
gratuita e aberta para toda a comunidade,
muitas pessoas que adotaram as pirâmi-
“Para a pessoa estar equilibrada energeti-
é realizada diariamente. As pessoas podem
des em sua vida. “Cada um pode ter sua
camente, a energia precisa entrar no topo
sentar-se em baixo das réplicas da pirâmide
pirâmide de cristal em casa, pois pode ser
da cabeça, no chacra coronário. Se a ener-
de Koelps e ficar por aproximadamente 20
colocada em cima de ferimentos, lugares
gia entra ali, passa então por todo o orga-
minutos ouvindo uma música relaxante. O
doloridos, ossos quebrados, entre outros.”
nismo, e sai por quatro pontos energéticos
Ipenva também recebe a visita de muitas
Carmem Schwaickardt, aposentada,
na cabeça. Quando a energia não entra no
escolas. “Os professores trazem os alunos
visita o Instituto desde 1988. Por meio de
topo da cabeça, está desequilibrada”, expli-
para aprenderem sobre o equilíbrio energé-
uma irmã que a levou até o local, ficou sa-
ca a atual coordenadora do Ipenva, Regina
tico, além disso, mestres de áreas especí-
bendo da técnica. “Desde aquele tempo eu
Tereza Naue. “Por isso, o Ipenva se utiliza
ficas, como matemática ou história, aliam
vou lá quando estou nervosa ou com dor
das pirâmides para corrigir a entrada desta
as pirâmides ao conhecimento passado em
de cabeça, pois já sei que a minha energia
energia”, resume.
sala de aula”, salienta Glaci Lima.
Uma das fundadoras
Durante o tratamento, Piraju Nicola
do Ipenva, Glaci Lima,
aconselhou Regina a fazer um curso
explica como a energia é
de “controle mental” para ajudar-se
canalizada pela ponta da
pirâmide
emocionalmente e ao seu filho. Assim,
indicou os padres salesianos, Ervin José
Gonzatti e Dorival Altini. As quatro amigas
contataram com os sacerdotes, que
aceitaram vir a Venâncio Aires e assim
promover o primeiro curso de Controle
Mental nos dias 28, 29 e 30 de
novembro de 1980. Depois disso,
foi a vez de Glaci Lima, que, ao
visitar um filho em Curitiba,
conheceu, por meio de um curso,
a energia das pirâmides. Trouxe
então da cidade o curso de
Pirâmide e Aura Humana.
Atualmente, o Instituto possui uma sede
própria e tem registrado em seus arquivos
a passagem de mais de 130 mil pessoas.
Reúne oito profissionais, que trabalham
nas mais diversas áreas: acupuntura,
quiropraxia, reiki, massoterapia,
hipnose médica, entre outros. Além disso, o
Ipenva também foi decretado como um bem
de utilidade pública para o município de
Venâncio Aires.
17
Revista Exceção
Ana Flávia Hantt
Revista Exceção
Pirâmides são usadas para
captar energia cósmica
do universo, fazendo com
que a pessoa que a utiliza
sinta-se bem e cure-se de
doenças
Marisa Lorenzoni
16
A cultura japonesa moderna está
se incorporando rapidamente
ao imaginário da juventude. Os
mangás – desenhos com traços
visivelmente orientais –, começam a
ceder espaço para uma brincadeira
original: vestir as roupas do
personagem. Literalmente.
Raisa Machado
Sancler Ebert
A
Fotos: Amanda Mendonça
Ser
cosplay é
diferente
roupa seria estreada em um evento de
para massagear o ego, todos queriam tirar
anime em julho, mas como era um pre-
foto com ele, afinal seu cosplay estava tão
sente de aniversário, chegara em maio,
perfeito que não lhe faltavam elogios. Não
no mês em que Pedro trocava de idade.
havia dúvidas, ele havia se encontrado.
Obviamente, não deu para esperar. Mal
O interesse de Pedro por cosplays
chegou da costureira e o cosplay já es-
foi conseqüência dele ser um otaku, ou
tava vestido e registrado em uma centena
seja, um apaixonado por animes. A história
de fotos que foram espalhadas via MSN e
de Pedro é a mesma da grande maioria: o
postadas no Orkut.
interesse por animes fez surgir o desejo de
Na manhã do evento, o jovem, na-
vestir-se como os personagens favoritos dos
quela época com 18 anos, vestiu o seu cos-
mesmos, resultando na prática do cosplay.
play, rumou para a sala e avisou aos pais
A idéia de fantasiar-se surgiu nos anos 70,
que estava pronto. Quando dona Maria e
nas convenções de quadrinhos dos Estados
seu Carlos viram o filho, não tiveram outra
Unidos, quando foi feita uma promoção
reação a não ser perguntar se ele iria sair
dando entrada gratuita para quem estives-
na rua daquele jeito. Para os pais de Pedro,
se fantasiado de super-herói. E deu certo.
o cosplay parecia uma roupa estranha de-
A paixão de jovem por animes nas-
mais para se usar de manhã, ainda mais
ceu na sala de sua casa, em frente a tele-
para sair na rua.
visão, muito por influência do irmão João,
O jovem caminhou várias quadras
quatro anos mais velho e que assistia Cava-
da casa de um amigo, onde seus pais lhe
leiros do Zodíaco na Rede Manchete . Mas
deixaram, até o local onde uma van aguar-
não foi amor à primeira vista. Foi com o
dava para levar o grupo santa-cruzense
tempo que o jovem acabou se interessando
para o AnimeZ, em Porto Alegre. Seria um
pelo desenho animado japonês, lendo re-
dia para ficar na memória. Lá Pedro encon-
vistas especializadas e assistindo a versões
trou outros “iguais” a ele, também com
de baixa qualidade e dubladas na internet.
seus cosplays, fez inúmeras amizades, pode
O anime conquistou Pedro e muitos
s folhas se desprendiam da
pareciam maiores do que os normais e re-
conferir duelo de cotonetes, cantar em um
outros pelos mesmos motivos: a narrativa,
copa das árvores e caíam
fletiam toda a sua realização.
karaokê, comprar artigos de seus animes fa-
os traços, os sentimentos. Diferente do
vagarosamente até o chão.
A cena descrita acima poderia mui-
voritos, e ainda bottons e miniaturas, além
desenho animado americano, como por
A brisa entrava pela janela
to bem fazer parte de um anime, como
de conferir palestras com dubladores, assis-
exemplo, do Pica-Pau de Walter Lantz, no
e trazia o frio da tardinha para dentro da
são conhecidos os desenhos animados ja-
tir a workshops sobre a cultura oriental, e o
qual cada episódio é uma história e que
casa. Mirando-se num espelho, um jovem
poneses. No entanto, era apenas a roupa
mais importante: participar do desfile para
envolve sempre uma traquinagem do pro-
rapaz com uma bela camisa amarelo-ouro
de Pedro da Costa Klein, 21 anos. Mas, na-
a escolha do melhor cosplay.
tagonista contra outro personagem, nos
com um traço na cor amarelo-claro que ia
quele momento, ele não era Pedro, o rapaz
Sorte de principiante ou não, Pedro
animes os personagens tem sentimentos
da gola de mesma cor ao corte próximo ao
tímido da escola, mas sim Ryoga, o grande
foi eleito o terceiro melhor cosplay, sendo
mais complexos e os episódios seguem
braço esquerdo, uma calça preta com fios
oponente do protagonista da série Ranma
que ele não queria nem participar do desfi-
uma linha narrativa, a história de um leva
amarelos entrelaçados até um pouco acima
½ e que se transformava em um pequeno
le. Foi aí então que teve aquela que ele cha-
a de outro.
do joelho, uma faixa na testa, também da
porco quando era molhado com água fria.
ma de sua maior revelação: descobriu que
Acrescentando a isso, os traços
cor amarela, mas com manchas pretas e
Era a primeira vez que Pedro expe-
não era tão tímido quanto achava. Pagou
japoneses chamam a atenção pela criati-
para completar um enorme porquinho pre-
rimentava seu cosplay, que vem do inglês
os dois reais da inscrição e desfilou com o
vidade no uso das cores nos cabelos, nas
to de pelúcia embaixo do braço. Seus olhos
costume player, que significa fantasiar. A
seu cosplay na frente de todos. Foi um dia
roupas dos personagens. Outros sinais visí-
Revista Exceção
19
veis são produzidos de maneira exagerada
sofá da sala, o qual era estampado na cor
para expressar seus sentimentos, como, por
marfim, junto do seu gato, do seu irmão e
exemplo, uma gota de água escorrendo ao
da “velha” Rede Manchete; Myrella assistia
lado do rosto quando o personagem está
sempre deitada no sofá rosa e floreado de
constrangido ou veias se sobressaindo na
sua casa, bem em frente à televisão ou sen-
testa representando a raiva.
tada na cama da avó.
Contudo, entre todas as caracterís-
Como melhores amigas que se con-
ticas, existe uma que não passa despercebi-
sideram inseparáveis, elas vão sempre jun-
da, ou que, sem ela o anime passa a ser um
tas aos eventos e também se reúnem para
desenho como outro qualquer: os olhos.
decidirem os seus cosplays. São momentos
Isso porque, para os japoneses os olhos são
em que elas se divertem muito, mas tam-
as janelas da alma, por isso são desenhados
bém se estressam. Apenas após longas ho-
demasiadamente grandes e possuem um
ras de combinações, de planos e de ensaios
brilho expressivo.
realizados em suas casas, é que elas che-
Hoje, Pedro confessa que perdeu
gam a um consenso sobre qual cosplay vão
um pouco do entusiasmo, por ter participa-
fazer. O resultado é que hoje elas possuem
do de vários eventos, um seguido do outro.
seis cosplays, não por acaso, todas as per-
Mas a vontade de ter mais cosplays não
sonagens são amigas até no anime .
21
Revista Exceção
Revista Exceção
20
Pedro na busca
pela fidelidade na
caracterização do seu
primeiro cosplay
muda, nem diminui, basta ver uma anime
novo para sentir novamente o desejo de
vestir-se como um.
O primeiro evento que as amigas
Amigas até no anime
O desafio de parecer o cosplay
foram juntas foi o AnimeSul, em 2006,
Quando se trata da roupa dos per-
Colegas desde o jardim de infância,
acompanhadas pelos pais de Luísa, que
sonagens de anime, o assunto pode vir a
Luísa Horta e Myrella Algayer, ambas de 16
apreensivos com a novidade da filha, resol-
complicar e mais, a encarecer. Pois uma
anos, foram por muito tempo de “paneli-
veram conhecer mais a respeito. No evento,
de suas principais características é o estilo
nhas” diferentes, até o dia em que surgiu
as garotas conheceram muitas pessoas e
inusitado e original, trazendo variadas co-
uma “cesta” que as uniu. Essa cesta foi o
puderam conversar sobre seus animes fa-
res em um só look, inclusive nos cabelos,
mangá “Fruits Basket” (Cesta de Frutas),
voritos. Também foi um dia de tirar muitas
que podem ser rosa, laranja e até verde, ou
apresentado a elas por uma colega cha-
fotos com pessoas, às vezes desconhecidas.
mesmo as vestimentas tradicionais, como o
mada Luiza dos Santos. Foi a leitura desse
130 foi a quantidade de fotos contadas por
quimono, e acessórios.
mangá que as fez melhores amigas e foi o
Myrella naquele dia.
Quando Pedro decidiu fazer seu pri-
ponto de partida para que elas se interes-
A amizade Luísa e Myrella já rendeu
meiro cosplay, primeiramente a mãe o faria,
sassem mais por animes e conseqüente-
frutos: as duas, mais a Luiza que apresen-
mas devido a complexidade do modelo es-
mente, por cosplays.
tou o mangá para elas, participaram como
colhido pelo filho, preferiu não se arriscar
Até então o contato das duas com
grupo no último evento de anime e saíram
a errar e gastar dinheiro, confeccionando
o mundo anime se restringia aos desenhos
de lá vencedoras do concurso, ganhando
apenas o porquinho de pelúcia com os re-
animados que passavam na TV, e que eram
o segundo lugar de Melhor Apresentação
talhos da roupa de cosplay que ficou pronta
vistos por elas de formas diferentes. En-
em Grupo de Cosplay . Dinheiro elas nun-
pelas mãos de uma costureira, totalizando
quanto Luísa assistia aos animes sentada no
ca ganharam com isso, mas também nem
R$ 200,00.
Amigas na realidade,
Luisa (E) e Myrella (D)
se divertem vestidas de
Sakura e Tomoyo, amigas
no anime
querem, porque para elas é uma grande
Luisa também optou por uma costu-
diversão poder se vestir de seu personagem
reira, assim em duas semanas já estava com
de anime, game, ou filme favorito.
a roupa pronta, mas o mais difícil veio antes
Antes dos animes, os mangás
na escolha dos tecidos, para que ficassem
o mais semelhantes à roupa de seu anime.
Já a amiga Myrella entregou a imagem de
sua personagem à tia e pediu-a para fazêlo, como fez Priscila Midon, 26 anos, que
deixou a tia comprar os tecidos e mandou
suas medidas pelo telefone.
A idéia de fazer um cosplay partiu
dela e da prima, após participarem de um
evento de anime. Muito amigas, elas decidiram fazer cosplays juntas, e estabeleceram critérios para escolha dos personagens,
levando em conta o visual dos mesmos.
Não poderia ter um cabelo muito diferente,
porque nenhuma delas queria mudar o seu,
a roupa não poderia ser muito complexa
para não sair caro e também não ser muito
Os mangás são as histórias em quadrinhos e começam a aparecer no século
VII, quando eram basicamente rolos de pinturas junto a textos que, na medida
em que eram desenrolados contavam uma história. Mas só surgem de maneira
propriamente dita em 1814, quando a palavra mangá é criada para batizar uma
coleção de gravuras.
Os mangás devem ser lidos de trás para frente, da esquerda para a direita, as páginas
em sua grande parte são em preto e branco, com alguns quadrinhos em colorido. A
história muitas vezes não contém falas, sendo
contada pela leitura corporal dos personagens.
A seqüência de circulação comum começa
em revistas, depois em volumes, a seguir em
animação da série em OVA (Original Video
Animation) e por último, animação da série
para TV, mas a verdade é que não existe uma
ordem correta. Exemplo disto, é Pokémon que
inicialmente era um jogo, a partir do qual foi
produzido em anime e depois em mangá.
No Brasil, as editoras publicam mangás há oito
anos e vendem para as bancas cerca de 200.000
exemplares por mês. Em São Paulo já existe
uma escola de desenho de mangás, por onde já
passaram 500 alunos.
curta, como na maioria dos personagens
femininos de animes.
Para o seu segundo cosplay ela pro-
guardam na área mais “nobre”, no roupei-
curou aproveitar o que já tinha em casa e
ro de Pedro ela se localiza no meio, em ca-
usou parte da roupa do outro personagem.
bides, junto com os cobertores, embora ele
Quando a criatividade para economizar não
já pense em retirá-los e dar exclusividade às
se torna possível é hora de procurar um
roupas. No de Luisa, fica na porta do canto,
serviço barateado, assim como fez Priscila
separadas em cabides com seus respectivos
quando foi à um marceneiro para enco-
acessórios, as roupas encontram-se no lu-
mendar um boomerang para presentear à
gar de maior espaço, que inclusive foi re-
sua prima, pois o acessório fazia parte de
formado sob medida para dar mais lugar à
sua produção.
seus cosplays.
A roupa do personagem escolhido
Aliás não só o seu quarto passou
pode ser pouco ou muito quente para a
por transformações, Luisa faz aula de japo-
temperatura do dia, tornando a diversão,
nês e já teve a oportunidade de conhecer
por vezes incômoda ou até mesmo testan-
a China e o Japão. Myrella já aprendeu al-
do as limitações de quem o faz, essa é uma
gumas expressões nipônicas com os amigos
das realidades que muitos não sabem.
que fez durante as convenções de cosplay
Mas a curiosidade é que após al-
e tem pintado na parede de seu quarto as
guns percalços, a ansiosa espera e a so-
flores de cerejeira do anime Sakura Card
nhada apresentação, fazem que a roupa se
Captors. Pedro fez mais do que amigos, ele
torne não só memorável e especial como
mudou o visual, cortou os cabelos e fez a
ganhe o lugar mais importante dentro do
barba, tudo pelo desafio de se parecer com
guarda-roupa de alguns. Pedro e Luisa as
seu cosplay.
Quando a televisão recém engatinhava
no Brasil e o rádio estava no auge de sua
Gelson Pereira
Revista Exceção
22
popularidade, as cenas tinham de ser
ouvidas e, principalmente, imaginadas.
Tanto por quem fazia como por quem
acompanhava as rádionovelas.
No tempo em
que as novelas
eram no rádio
Josiléri Linke Cidade
Q
uando a televisão dava os
sobre sua participação nas tramas.
primeiros passos no cen-
Bromilda nasceu em Candelária,
tro do país, o rádio era o
onde estudou e mais tarde lecionou, de-
grande entretenimento da
pois de passar em um concurso para pro-
população no Brasil. A radionovela então
fessora. Desde menina na escola sempre se
era o principal atrativo da programação
envolvia e era procurada para apresenta-
das emissoras. Em Santa Cruz do Sul, a
ções. “Eu cantava nas festas do colégio”,
Rádio Santa Cruz transmitiu na década de
confessa. A família mudou-se para Santa
1950 diversas novelas, tudo ao vivo. Uma
Cruz do Sul. Quando terminou o período
das atrizes que recorda poucos, mas bons
letivo, Bromilda veio para casa e não quis
momentos vividos na época, é Bromilda
mais voltar para Candelária, já que a família
Knak, 76 anos. “Muitos dos que faziam
era bastante unida. Com isso, precisou ar-
as radionovelas já faleceram”, comenta,
rumar um novo trabalho. Como não havia
justificando que os anos foram apagando
concurso na nova cidade naquele período,
as lembranças da memória. Mesmo assim,
tratou de procurar no jornal e conseguiu
quando a Rádio fez 60 anos, em abril de
emprego em um escritório. Tempos depois
2006, Bromilda foi convidada para contar
um amigo do pai lhe ofereceu a oportuni-
Bromilda Knak
Gilda Helena Rauber
Arqu
i vo p e
25
ssoal
Revista Exceção
Revista Exceção
Fotos: Josiléri Cidade
24
José Paulo Rauber Filho
Tia Clotilde
Uma das novelas era dedicada às
dade de ser balconista em uma joalheria.
Knak, faleceu ao sofrer um infarto.
crianças, recorda Gilda, Histórias da Tia
Também figuraram nas radiono-
Clotilde. “Era uma série e eu fazia o lobo
velas José Paulo Rauber Filho, 71 anos, e
mau e como a minha voz era mais fina, eu
Alegre e bem disposta, Bromilda
a esposa, Gilda Helena Rauber, 72 anos.
tinha que falar dentro de um regador para
sempre gostou muito de conversar e estar
Ele era colega de Bromilda na joalheria e
dar um som diferente”, conta. Assim, arte-
no meio de pessoas. Foi na joalheria que
conheceu Gilda quando faziam parte do
sanalmente, se faziam os efeitos. Hoje os
Arno Schmidt (já falecido), coordenador das
Departamento Artístico da Sociedade Gi-
recursos são inúmeros, mas eram escassos
radionovelas na época, apareceu procuran-
nástica. Os integrantes foram convidados
na época. Conforme Paulo, o contra-regra
do atores. Bromilda foi até a rádio fez testes
para atuar nas novelas, pois mantinham
Belmiro Menezes (já falecido) era quem do-
e passou. Ela recorda que fez as primeiras
um grupo teatral, que mais tarde se des-
minava as técnicas. “Para imitar o barulho
novelas da emissora nos anos de 1950 e
vinculou da entidade e passou a se chamar
de uma porta se abrindo, ele abria a porta
1951, quando estava com 18 anos. Nes-
Grupo de Amadores Teatrais Independente
do estúdio mesmo. O barulho do fogo era
ta época também foi ao ar a mais famosa
(Gati). Além de Santa Cruz do Sul, os atores
papel amassado”, rememora.
radionovela brasileira: O Direito de Nascer,
se apresentavam em palcos da região e até
Aceitou o trabalho para ter mais contato
com o público.
pela Rádio Nacional. Na última radionovela,
da qual não recorda mais o nome, lembra
que a personagem morria, por isso saiu
antes da história ter fim. “Todos na família
ouviam, era muito alegre, mas o meu noivo
não gostava”, conta Bromilda, que desistiu
das novelas para se casar em 1952.
Na época, explica ela, as pessoas
tinham preconceito com os artistas, que tinham fama de boêmios. Com as mulheres
esse preconceito era ainda maior. “Talvez
se tivesse continuado poderia ter seguido
carreira, mas o casamento me atrapalhou.
Atrapalhou não, porque fui muito feliz,
mas deixei de fazer uma coisa que gostava”, completa. O marido de Bromilda, Egon
da Capital do Estado.
“O interessante é que os capítulos,
um por um, vinham de ônibus de Porto
Paulo e Gilda entraram mais tarde
Alegre, com o Expresso Gaúcho, que tinha
nas radionovelas, por volta de 1955. Se-
que fazer a travessia do Guaíba de barca.
gundo eles, cada novela envolvia de 10 a
Às vezes demorava porque o ônibus che-
15 pessoas, não sempre, mas conforme o
gava e a barca recém estava atravessando,
capítulo. Eram entre 80 a cem capítulos.
daí atrasava a chegada. Era um Deus nos
E os atores faziam mais de um papel, mu-
acuda! E às vezes não vinha, era uma coisa
dando o tom de voz. Os episódios eram
na cidade, o pessoal não tinha outra coisa
transmitidos às 20 horas, quando o público
para fazer a não ser escutar a novela”, des-
já estava em casa depois do trabalho. “No
creve o experiente ator, que já contracenou
horário da novela se batia em um gongo
com Carmen Silva.
para marcar o horário e entrava a chama-
Para Gilda, as pessoas se sentiam
da, com um português rebuscado, anun-
mais entrosadas com uma novela de rádio,
ciando os patrocinadores. Hoje essas lojas
por causa da imaginação, hoje com a tevê
não existem mais”, conta Paulo, imitando
“vem tudo mastigado”. E Paulo concor-
o locutor.
da: “Se nós, em um grupo, olharmos uma
novela na tevê, todos vamos ver a mesma
(risos)”. Maçarico era o apelido de Elemar
coisa. Se esse mesmo grupo, hoje, escutar
Gruendling (já falecido).
uma novela, cada um vê uma novela dife-
Paulo conta ainda que as radionove-
rente. Um tem uma imaginação assim, ou-
las eram muito ouvidas, tanto que teve um
tro tem uma imaginação assim”, explica.
colega, que fazia papel de vilão em uma
Com a transmissão ao vivo não po-
novela, que apanhou de sombrinha de uma
diam faltar histórias engraçadas com os
mulher na rua. Mesmo assim, de acordo
textos. “Quando vinha o script, eu sempre
com ele, “era tudo no amor, a gente não
lia antes, para conseguir dar a entonação
recebia nada por isso”. Estrada Sem Fim foi
certa, ponto e vírgula. A Gilda e o Maça-
a última novela deles no rádio. “Conforme
rico não liam e ele se vangloriava disso.
a televisão foi vindo, a novela no rádio foi
Que ele não precisava ler antes, que ele fa-
terminando. A tevê foi tomando conta”, la-
zia na hora! Só que conforme a expressão
menta, comentando que tantos anos depois
que tu utiliza a frase pode significar uma
descobriu que Cláudio Monteiro, jornalista
coisa totalmente diferente. Então um dia,
apresentador da madrugada na Rádio Gaú-
o Maçarico tinha que dizer: ‘aiiii, aaiii, não
cha e ator de radionovelas, está gravando
doutor!’ e ele disse ‘aiiii, aí não doutor!’
novelas para o rádio em Porto Alegre.
Quando o
mocinho é
um bandido
Fotos: divulgação
João Guilherme Rodrigues
Estrella se tornou nacionalmente
famoso por vias pouco
convencionais: primeiro, por
se tornar um dos maiores
traficantes de cocaína do Rio
de Janeiro e ser preso por isso.
Depois, por estrelar o livro
“Meu nome não é Johnny”, de
Daiane Balardin
Letícia Mendes
H
Guilherme Fiúza, e um filme de
istórias, normalmente, pos-
do Rio de Janeiro ficou conhecida em todo
suem um herói. Nesse caso,
o país. O livro Meu nome não é Johnny é
o mocinho, chama-se João
uma história movida a ação, limites ultra-
Guilherme Rodrigues Estrella.
passados e muita superação, que deu ori-
Essa história ficou conhecida na década de
gem ao filme, com o mesmo título, em uma
90 pelos jornais cariocas que deram a Es-
adaptação de Mariza Leão e Mauro Lima.
trella a alcunha de Johnny. Mas, em 2006,
Nesta entrevista Fiúza conta à Ex-
depois de muitas entrevistas, checagens,
ceção porque escolheu contar a história
conversas exaustivas, pelas mãos do jorna-
de Estrella e as dificuldades que enfrentou
lista e primo, Guilherme Fiúza, a vida real
para escrever o livro, entre elas o risco de
desse que foi um dos maiores traficantes
ser processado.
mesmo nome.
Como foi resgatar uma história que
faz parte da sua família?
Na verdade, não tem nada familiar
nessa história, porque nós éramos
muito distantes nesse período. Eu tinha
notícias remotas dele. Eu lamentava
e estava esperando o pior. E aí veio à
notícia trágica da prisão, não tão trágica
quanto seria a morte ou outros delitos
violentos que ele poderia cometer. Para
contar a história, na verdade, eu precisei
reconstituir um pouco a biografia dele,
quer dizer, como uma pessoa comum,
“bem nascida”, freqüentadora de boas
escolas, com todas as influências
positivas para ser uma pessoa bem
sucedida na sociedade e como uma
pessoa assim entra no crime. E aí tem
o aspecto biográfico dele, como foi à
relação com os pais, quando os pais não
27
perceberam o caminho que ele estava
tomando, mas, para mim não tinha
muito a ver com a minha família. É uma
história que, inclusive, o narrador está
inteiramente distanciável.
O que foi mais difícil no processo de
produção do livro?
Teve uma coisa bem difícil, que foi
localizar o delegado federal que
comandou a investigação e a prisão do
João, o doutor Flávio Furtado. Porque nós
começamos a trabalhar no livro em 2002
e o processo dele foi em 1995, então,
já tinha passado sete anos. Consegui
localizar um policial que me recebeu
com certa desconfiança, mas que, aos
poucos, eu conquistei e foi ele que meu
deu a noção da participação do João no
mundo do tráfico. Ele me explicou que
durante seis meses, pelo menos, o João
era o número um dos procurados da
Polícia Federal no Rio. O João realmente
era a ponta de lança de uma conexão
grande dentro da Bolívia e que passava
por dentro do Mato Grosso e ia parar na
Europa.
Outra parte difícil foi a relação do João
com o pai dele, algo muito difícil e
doloroso para ele. Repassar esses e
outros aspectos da vida pessoal foi
muito difícil para o próprio João e muito
desgastante. Ele preferia que esses
momentos não aparecessem no livro.
Revista Exceção
Como você chegou até essa história?
Eu estava procurando uma história para
escrever uma reportagem em forma de
livro e conheci a história do João. O João
Estrella é uma figura bastante conhecida
na boemia carioca, freqüentador do
baixo Leblon, baixo Gávea e meu
conhecido também. Tínhamos então
essa história da prisão dele, o João foi um
grande traficante de cocaína no Rio de
Janeiro, embora uma boa parte dessas
pessoas da boemia não soubessem a
escala de negócio de tráfico que ele
tinha chegado. E então depois que
ele foi solto, ele ficou preso dois anos,
passou-se um tempo e eu o procurei
para saber se ele gostaria de me contar
a história dele. E para mim só interessava
contar a história, com o nome verdadeiro
dele, fazer uma reportagem e não me
interessava escrever apenas um romance,
baseado numa história real. Eu gostaria
de contar uma história real. E a minha
dificuldade poderia ser convencer o
João a aceitar que o nome dele fosse
publicado em uma história de tráfico de
drogas. Mas, para minha surpresa, ele
aceitou de primeira e aí nós partimos
para fazer.
“
Eu gostaria de
contar uma história
real. E a minha
dificuldade poderia
ser convencer o João
a aceitar que o nome
dele fosse publicado
em uma história de
tráfico de drogas.
Mas, para minha
surpresa, ele aceitou
de primeira e aí nós
partimos para fazer.
”
Guilherme Fiúza: dois
anos de entrevistas para
compor o seu primeiro
livro-reportagem
Você não mostrou apenas a vida do
João, mas também das pessoas que
viviam com ele, como por exemplo,
da esposa dele. Como foi isso?
Em alguns personagens eu coloquei
nomes fictícios, e a esposa é um desses
personagens; o nome real dela não
é Sofia. A Sofia, por exemplo, não
sofreu nenhum processo, ela escapou
completamente livre de tudo o que
aconteceu e como para o João o caldo
já tinha entornado a decisão dele era só
tornar isso mais ou menos público. As
pessoas que já conheciam ele sabiam
que ele era traficante e tinha sido preso,
já essas outras pessoas não. Tem um
amigo do João, que faz uma das viagens
com ele para a Europa, e que também
está com o nome trocado, pois são
pessoas que não foram presas e nem
processadas. Muita gente, inclusive, nem
sabe que essas pessoas usavam drogas e
por isso, elas foram preservadas.
O Estrella é um personagem pouco
convencional. Mas, ao mesmo tempo,
ele conquista o leitor. O que lhe
levou escolher esse personagem?
Justamente por isso, por achar que é
uma pessoa comum. Porque a cultura
procura muito tematizar os excluídos, as
pessoas que já nascem em condições
massacrantes. E o que eu achava
justamente interessante nessa história
é que não tinha nenhuma caricatura de
perversão ou de miséria, ou seja, não
era mostrar a barra pesada da periferia
ou a barra pesada da condição humana.
É uma pessoa gente como a gente e
acho que a graça está aí. Por isso essa
identificação que as pessoas têm com o
personagem, porque ele é uma pessoa
que poderia ser como qualquer um,
não estava marcado ali, socialmente ou
psicologicamente, algum problema sério.
Ele tinha tudo normal e durante toda a
transgressão dele, ele permanece com o
lado normal, eu digo, é um personagem
fronteiriço. Porque mesmo no auge do
crime, ele continua sendo um homem
engraçado, carismático, com muitos
amigos, um cara gostado mesmo na
própria família. Isso fala muito das
besteiras que as pessoas normais fazem
também e da vontade de transgredir que
é algo que está em todo mundo.
Você tinha algum objetivo em
mostrar essa história?
Não. Acho que, como jornalista, meu
objetivo às vezes pode parecer meio
elementar, meio fútil, mas meu objetivo
é contar uma boa história. E uma boa
história se ela desperta a atenção das
pessoas é porque tem valor. Eu acho que
a emoção é sempre um bom parâmetro,
normalmente, onde tem emoção
há algum conteúdo. Eu fui cobrado
em algumas entrevistas por falar de
narcotráfico que é um problema terrível
da sociedade brasileira e mundial, por eu
não trazer uma postura um pouco mais
crítica ou acusatória. A minha resposta
é que eu não queria fazer uma tese, um
tratado, uma lei e nem um discurso, mas,
sim, revelar uma história e a moral da
história as pessoas que tem que extrair.
Então, se o livro diverte, acho que boa
parte do eu queria eu atingi.
E como foi pra você ver a história
transformada em filme?
Foi muito bom, porque o cinema,
comparado com a literatura, é uma
covardia, falando em termos de impacto,
é impressionante como o audiovisual
toca mais as pessoas. Mas, tudo bem,
isso é um fato da sociedade moderna.
E foi muito interessante ver as pessoas
correrem para o livro depois do filme
lançado. O livro já estava na quinta
edição quando o filme saiu, mas depois
do filme ele se tornou mesmo um bestseller e foi o livro mais vendido por três
meses.
“Lá dentro
era lá
dentro”
João Guilherme Estrella
trocou a vida agitada de uma
estrela por choros, fraldas
e noites mal-dormidas.
Em meio à experiência do
primeiro filho, Antonio, o
apressado Estrella concedeu
uma entrevista por email,
para a Exceção.
Após sair da cadeia,
Estrella se dedica a
música e lança em 2008
o primeiro CD
O livro conta muitas histórias. Existe
alguma que não entrou no livro?
Acho o livro bem completo. Em relação
ao filme, seria ótimo que pudesse durar
10 horas, mas não é o caso. Para você ter
uma idéia foram cortadas muitas cenas,
algo em torno de uma hora. Quanto
ao livro tem muitas coisas que ficaram
de fora. Acho que poderia se fazer um
segundo com elas que incluem histórias
mais recentes também.
E na prisão você viveu em um
ambiente muito pesado. Você não
tinha medo? Como você conseguiu
resistir lá? Como era lá dentro?
O maior inimigo sempre é a sua condição
psicológica e era isso que mais tomava
meu tempo e dedicação. As pancadarias
e tentativas de assassinato foram mais
fáceis de superar do que a minha própria
existência. “Lá dentro” era lá dentro. Um
lugar que você não sai quando bem
entende e nem entra quando bem
entende. Sua vida e o direito de ir e vir
não está em suas mãos. Teve um maluco
que fugiu e que quis voltar porque a rua
para ele era pior e mais perigosa.
“
Acho que, como jornalista, meu
objetivo às vezes pode parecer meio
elementar, meio fútil, mas meu objetivo é
contar uma boa história. E uma boa história
se ela desperta a atenção das pessoas é
porque tem valor.
”
Quais são seus planos agora?
Meus planos são: ter uma vida saudável,
curtir muito o meu filho e participar
bastante da vida dele, para que se torne
uma boa pessoa. Pretendo continuar
compondo, fazendo palestras, fazendo e
produzindo shows, viajando, etc...
Resenha
Meu nome é
João Estrella
FIÚZA, Guilherme. Meu nome não é Johnny: a viagem real de um filho da
burguesia à elite do tráfico. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. 336 p.
Letícia Mendes
N
29
Revista Exceção
E eu acho que mostrei a ele que o livro
não era sobre um herói e sim sobre um
cara, e para ser impactante tinha que
ser real. Pois, se eu tentasse retocar a
imagem dele ia perder essa força de um
personagem real.
Havia também um desafio de ordem
policial também importante, porque o
livro era em si uma grande prova contra
o João. O processo dele, que eu estudei
bastante, não tinha um décimo das
“façanhas” dele contadas no livro. Eu tive
que investigar com o advogado dele
quais os riscos que havia do livro ensejar
um novo processo contra o João e talvez
contra mim também. E teve um risco
que existia e nós optamos por correr
esse risco calculado, que não era tão
grande assim. Deu tudo certo, porque
quase cem por cento da reação ao livro
e depois ao filme foi positiva. Foi sendo
reconhecida ali uma história dramática
e de crimes, mas muito rica no aspecto
humano e também apontando uma
lição de superação e isso é muito raro
e foi uma das coisas que me chamou
muito a atenção para escrever o livro. A
estatística é quase nula da ocorrência
de pessoas que chegam ao ponto em
que ele chegou no mundo do tráfico e
conseguem voltar à vida normal.
uma infância invejável, rica, de dinheiro
e liberdade, João Guilherme Rodrigues
Estrella foi um menino feliz. Na adolescência,
desregrada e elitizada, o jovem, aos 14 anos, teve o
primeiro contato com as drogas, no caso a maconha.
Naquele mundo fácil, do baseado à cocaína e o álcool
foi um passo. Aos 22 anos, João distribuía cocaína, em
bandejas, durante as festas com os amigos e em pacotes
para a Zona Sul do Rio de Janeiro.
A história, por si só, já é intrigante. Mas, é a escrita
de Fiúza exalando suor, sexo, álcool, celas úmidas e
cheiro de mar que a faz tão viciante quanto a droga,
vinda do Centro-oeste do país, vendida por João. Fica
difícil de parar. A mistura de ação, suspense, drama,
comédia e pitadas de romance prova que essa é uma
história real. É a vida de um personagem tão real,
que, às vezes, nos faz duvidar das ousadas aventuras
vividas para fazer a sua droga circular entre os narizes
europeus; em especial os holandeses. Mas, foi mesmo
assim, que João, filho do Estrella, passou a brilhar no
mundo das drogas.
O brilho do garoto, impulsivo e apaixonado, foi
apagado pela competência da polícia. Seis quilos de
cocaína, pura, foram suficientes para destituir o “barão”
e aos 24 anos, transformá-lo em Johnny. Na prisão,
um tempo de tensão, medos, amizades, descobertas
e expectativas. No manicômio, dor, amigos, futebol,
loucura, trabalho, pesadelos e grandes mudanças.
Aqui, a narrativa de Fiúza torna a história, ainda mais,
envolvente. Cada personagem, amigo ou inimigo de
João, traz uma história inusitada. Essas pessoas fizeram
parte desse mundo regrado onde o garoto rebelde,
finalmente, se transformou em homem.
O verdadeiro João Guilherme, muitas vezes, foi
confundido com um temido bandido, mas o personagem
desse livro, com certeza, não tem nada de feroz. O que
encontramos é um “herói”, com uma grande bagagem
de erros, mas disposto a provar que a “Estrella” que
carrega é mais intensa do que o brilho com
o qual ele, por anos, incendiou
as noites cariocas.
Aos 27 anos, João
Estrella encontrou
a liberdade. Uma
liberdade, conquistada
muito mais do que
pelo cumprimento da
pena e sim pelo desejo
de provar que o seu
nome, nunca foi, e não é
Johnny.
31
Como ser
diferente em
um mundo
de iguais
Amanda, Nelson e Patrícia são
pessoas comuns, como estas que se vê
nas ruas. A diferença, comparadas
com as demais, é que não é fácil deixar
Gelson Pereira
de reparar quando eles passam.
Raisa Machado
A
O que mais gosta de fazer: fotografar
Ama: contradições
Odeia: superficialidades
Personalidade: tolerante e
passional
Palavra-chave do seu estilo:
inconstância
Filosofia de vida: de modo a
não fazer com que ela seja só
tempo vivido
Como define seu estilo: trash
Patrícia Lovatto
O que mais gosta de fazer: descobrir lugares
Ama: a vida em todas as suas formas
Odeia: onipotência humana e o superficial da
racionalidade
Palavra-chave do seu estilo: diversidade
Personalidade: “Sou utópica da copa à raiz,
vivo perseguindo metas, com arco e flecha
apontados sempre para o alvo, cheia de
esperança, acredito na plenitude.”
Filosofia de vida: “A vida, acredito na energia
e em sua transformação.”
Como define o seu estilo: sem
determinismo, plural, portanto, ausente
jeans, camiseta, cinto, tênis e blazer. Suas
A relação entre estilo & música
17
vê. Sempre inconstante, já mudou a cor e o
cores favoritas são o preto e os tons sóbrios
Não é de agora que existe uma sóli-
anos, Nelson Rodrigues, 22
corte do seu cabelo várias vezes. Atualmen-
e sempre escolhe a roupa que vai usar de
da relação entre a música que se escuta, o
anos e Patrícia Lovatto, 28
te usa um moicano, raspado nas laterais,
acordo com seu estado de espírito.
estilo de se vestir e até mesmo o jeito de le-
anos, são pessoas comuns,
com maquiagem marcante, está sempre de
Já Patrícia é bióloga e pesquisadora,
var a vida. Mick Jagger, vocalista dos Rolling
das quais você pode esbarrar tranqüilamen-
camiseta preta e o par de coturnos vêm à
tem olhos verdes que não fogem ao falar
Stones, já usava nos anos 60 as calças
te pela rua. Porém ambos compartilham de
arrematar a sua produção. Escolhe a roupa
e não tem papas na língua, características
skinny, que voltaram à moda no ano pas-
um diferencial: são exceções, seja no jeito
que vai usar sem muita demora, procuran-
que revelam uma personalidade forte e sin-
sado (e não sairão tão fácil), justíssimas dos
de se vestir como no jeito de agir. Isso fará,
do respeitar suas limitações.
cera. Com aversão a homogeneidade, para
quadris à bainha, totalmente rock n’ roll.
Nelson, por sua vez, é vendedor
ela a roupa funciona como uma narrativa
Diferentemente das usadas por 50 Cent
em uma loja de roupas masculinas, sem-
de si mesma: desde pequena optou pelo
ou qualquer outro cantor de Hip Hop, que
Amanda é estudante do curso de
pre gostou de moda, mas só procurou en-
estilo místico, ritualístico e ao mesmo tem-
aparecem trajando modelos enormemente
Produção em Mídia Audiovisual da Comu-
tender e se antenar mais em 2004, quan-
po à vontade. Geralmente de calças jeans
largos, geralmente uns três a quatro núme-
nicação Social da Universidade de Santa
do entrou para o atual emprego. É dono
boca-de-sino, a peça-chave do seu visual
ros maiores que o seu manequim usual.
Cruz do Sul (Unisc) e possui um visual que
de um black power que chama a atenção
são braceletes e, suas cores favoritas são os
Desta forma, em alguns casos, po-
a alguns encanta e a outros amedronta,
aonde quer que vá, e é freqüente vê-lo na
tons terra. Na hora de escolher sua roupa
de-se passar a conhecer uma pessoa, sa-
mas não passa despercebido de quem a
básica e estilosa combinação composta por
pensa em camuflagem, na adaptação.
ber do que ela gosta ou não, ao fazer uma
manda
Mendonça,
provavelmente, com que você vire uma segunda vez para olhá-los.
Marisa Lorenzoni
Revista Exceção
Amanda Mendonça
Revista Exceção
30
Nelson Rodrigues
O que mais gosta de fazer:
viajar, fazer festa, me divertir
Ama: família
Odeia: arrogância
Palavra-chave do seu estilo:
conceito
Personalidade: responsável,
desenraizado
Filosofia de vida: não me
conformo com tudo que está
posto, procuro sempre melhorar
Como define o seu estilo:
clássico e contemporâneo
leitura visual desta. O que não se pode
deixar acontecer é fazer pré-julgamentos
a partir disso e ainda deixar de usar o que
se está afim levando em conta que certo
acessório é de estilo rock, mas você prefere jazz, por exemplo. Afinal o que importa
é você estar vestindo bem a roupa, e mais,
sentindo-se bem.
Amanda, Nelson e Patrícia acreditam que o modo de se vestirem esteja ligado com a música. Para Amanda há uma
relação muito nítida entre música, amigos
e estilo, seu estilo musical é o Hard Rock
e Metal, e Metallica é a sua banda favorita. Mudou seu estilo há aproximadamente
dois anos e por quê? A dita definição do
estilo musical.
Já Nelson adora Black Music, suas
cantoras prediletas são Duff e Amy Winehouse e também gosta de eletrônica.
Patrícia escuta rock n’ roll, e também gosta
de música celta, medieval e instrumental indígena, ainda assim, acredita que as letras
da banda The Doors a traduzem.
Estilo é
diferente
Estilo é não só o que se veste, mas
também o modo como se age, o que se
faz e o que se fala, e o principal: como. As
pessoas geralmente passam a se recordar
de você quando o que você faz é sua
marca registrada, ou sua essência, ou seja,
aquilo que não muda. Como ter uma risada
engraçada ou oferecer um ombro amigo
sempre que precisam, por exemplo. Mas
o que pode fazer de você uma exceção à
regra? Essa é uma pergunta que certamente
não existe uma fórmula certa para se dar a
resposta e que para a qual muitos devem ter
uma opinião diversa.
No embalo de ter uma marca registrada,
opte pelo diferencial, fazer à sua forma,
assim, mesmo igual aos outros você ainda
pode ser uma exceção.
Amanda acredita que o que faz de
alguém ser uma exceção é a criticidade,
pois quando alguém observa as coisas com
um certo distanciamento, instantaneamente
se coloca fora de tal contexto, aí então
torna-se uma exceção. Para Nelson, a
personalidade que se tem é o que o
diferencia do todo. Patrícia concorda que
para se tornar uma exceção basta ser
essencial, de essência.
33
Revista Exceção
Revista Exceção
Raisa Machado
32
Revista Exceção
35
Revista Exceção
34
Ana Flávia Hantt
O lado
humano do
jornalismo
de
Porto
Alegre,
inteiro ficasse em volta da delegacia, eles
Cláudio Barcelos de Barce-
nada poderiam fazer comigo. Depois dessa
los, 58 anos, não costuma
conversa, meu medo foi passando aos pou-
cultivar as tradições do local
cos”, explica.
onde nasceu e viveu até sua juventude. Re-
Ainda na infância, o jornalista
centemente, leu que o chimarrão pode dar
aprendeu a cultivar a admiração por um
problemas na garganta, e isso o deixou re-
político, o qual leva o título de seu ídolo até
ceoso. Adepto da alimentação naturalista,
os dias atuais. Fã confesso de Leonel Bri-
o jornalista só come churrasco quando está
zzola, Barcellos diz que este foi o único que
na casa da mãe. - Com uma tosse insistente
realmente se preocupou com a educação
Quem vê o trabalho do jornalista
que fazia Caco Barcellos engasgar em mui-
no país. E foi graças ao então governador
Caco Barcellos, autor dos livros
tas de suas respostas, sorriu surpreso quan-
do Estado, que Caco Barcellos recebeu a
do comunicado de que a matéria não seria
alfabetização, já com oito anos de idade.
sobre tráfico e favelas, tema tão recorrente
Foi com o nome de Brizolão, que uma es-
em sua palestra, até então.
cola de ensino fundamental foi instalada no
“O Abusado” e “Rota 66”, não
imagina que por trás do profissional
premiado, se encontra uma pessoa
que mantém cuidados com a
Caco Barcellos nasceu na periferia
bairro onde morava.
da capital do Rio Grande do Sul e quan-
FAMÍLIA
alimentação e recorre à terapia.
do criança mantinha um medo peculiar,
O jornalismo não é a única face
que inclusive, virou tema de um dos seus
Apesar de ser pai de cinco filhos
de um homem que não faz uma
livros. “Naquele tempo, os pais da gente
que nasceram de dois casamentos, é com
reportagem se o filho mais velho não
ensinavam que devíamos respeitar a polícia.
o primogênito, também repórter, que o jor-
Então, quando eu via um policial, sempre
nalista tem muita ligação. Barcellos conta
dava um jeito de fugir”, conta, alegando
que já ficou 40 dias negociando com guerri-
que a tortura era o que assustava. “Na-
lheiros da Colômbia para que lhe cedessem
quela época se usava muito o suador, que
entrevistas e imagens para uma reporta-
consistia em deixar a pessoa em baixo do
gem. Quando conseguiu, ligou para contar
sol quente por muitas horas”, destaca. O
a boa notícia. Mas o filho apenas lhe disse:
que o livrou desse medo foi uma conversa
“pai, você sabe que eu sempre te dou total
com um padre. Barcellos conta que o re-
apoio, mas hoje eu estou com um aperto
ligioso lhe explicou que não precisava ter
no peito. Não vai fazer essa reportagem”.
medo da polícia, porque quem pagava os
O jornalista então ligou para o contato da
impostos que financiavam o órgão eram os
guerrilha e pediu para adiar a sua ida em
seus pais. “Ele disse que eu sozinho podia
uma semana. “Aleguei que precisava fazer
ser pouco perto da polícia, mas se o bairro
um exame de sangue e ver o meu tipo san-
estiver com uma boa intuição.
Fotos: Ana Flávia Hantt
G
aúcho
sional. “Precisei fazer análise por me culpar
coisa comigo e eu precisar de transfusão”,
muito pelo meu ritmo de trabalho”, desta-
explica Barcellos. O guerrilheiro aceitou e
ca. O que aconteceu, foi que as constantes
Caco usou a semana de prazo para con-
viagens o faziam estar sempre longe das
vencer o filho de que não havia perigo, ao
pessoas que gostava. Barcellos conta com
menos, não de vida. “Pesquisei na Internet
detalhes uma das tantas vezes em que pre-
tudo o que podia sobre o grupo e descobri
cisou desmarcar um compromisso. “Eu ha-
que eles nunca haviam matado nenhum
via marcado de jantar com uma pessoa de
jornalista. Então o único risco que eu corria
quem gostava muito pela manhã, e acabei
era de seqüestro”, ressalta, complementan-
ligando à tarde para desmarcar, pois estava
do que após apresentar estes dados para o
há dois mil quilômetros de distância”, re-
filho, recebeu carta branca.
lembra.
37
Revista Exceção
güíneo, para o caso de acontecer alguma
No dia em que concedeu esta en-
O JORNALISTA
trevista, Caco Barcellos participava como
As orientações recebidas do padre
palestrante na 12ª Feira do Livro de Vera
quando ainda era criança, acabaram se re-
Cruz. No dia anterior, estivera participando
velando úteis por toda a sua vida. Mesmo
do evento Diálogos Universitários, na Uni-
não sendo mais as dicas de um religioso,
versidade de Santa Cruz do Sul. No mesmo
em um determinado período, Barcellos
dia, partiria para a Amazônia, onde gravaria
precisou contar com a ajuda de um profis-
uma reportagem sobre as queimadas para
o programa Profissão Repórter.
No entanto, o próprio Barcellos dá
sinais de que a terapia surtiu efeito e demonstra estar mais tranqüilo com esta
questão: “hoje sei lidar melhor com isso”,
diz, enfático. - E férias? Você não tira? “Recentemente, depois de muito tempo e com
a parada do programa, consegui tirar quarenta dias de férias. Foi um bom descanso!”, finaliza.
Estar a cada dia em um
lugar diferente, seja
fazendo reportagens ou
em eventos, é rotina para
o jornalista Caco Barcellos
Luana Backes
William Ceolin
N
Quem disse
que os
papeleiros são
todos iguais?
ilton Álvaro Costa Drochner,
em escolas e empresas. Nilton fica feliz por
Em Santa Cruz existe um reciclador que
49 anos, há 10 trabalha com
constatar que os empresários se conscien-
não apenas conquistou seu espaço como
materiais recicláveis. Percorre
tizaram que estes materiais não são lixo,
conseguiu comprar carro e casa; tudo
a cidade com a sua caminho-
mas dinheiro. “Antes eles eram queimados,
nete vermelha todos os dias, dia após dia.
agora são reaproveitados.” Por isso, consi-
E a cada novo lugar que recolhe resíduos,
dera a atividade que exerce como social e
faz novos amigos e adquire a confiança das
fica triste quando alguém diz que ele “cata
pessoas pelo jeito alegre de ser. Hoje alguns
lixo”. “Lixo é o rejeito. O que eu recolho
o chamam de “papeleiro”, outros de “tio
são resíduos”, explica.
do papel” e até de “doutor” Nilton. Para
Mas Nilton não culpa as pessoas
ele pouco importa. Quer apenas ser reco-
pela desinformação. “Elas não tem a obri-
nhecido pelo que faz. Por isso, adverte:
gação de saber”. Por esse motivo, ele co-
“Rotular não é legal”.
meçou a dar palestras para explicar o seu
Porém, ele não liga para os apelidos
trabalho e quebrar mitos. Já realizou apre-
que recebe. O que interessa mesmo é o tra-
sentações em escolas públicas e particula-
balho (e a qualidade dele), que garantiu o
res e até na Universidade de Santa Cruz do
sucesso que tem hoje. Nilton recolhe prin-
Sul. Assim, ele conscientiza a população e
cipalmente papéis e plásticos e todo dia faz
todos ganham.
coletas, geralmente com horário marcado,
Outra coisa que o fascina é conhe-
isso fazendo aquilo que gosta.
Marisa Lorenzoni
Revista Exceção
36
contrar na reciclagem o caminho para o
mos o valor. Mas não é pouco para quem
sucesso.
vende restos a centavos de real para a re-
“Catando” papéis e plásticos ele re-
ciclagem. O segredo? Ele diz que é a cre-
construiu a vida. Comprou carro e construiu
dibilidade. É “cumprir o combinado”, diz
uma casa com os próprios braços. Oportu-
ele. “Assim todos ficam satisfeitos”. Reco-
nizou estudo aos filhos e ganhou lições de
nhece que os erros do passado acontece-
vida. Encontrou na família, principalmente
ram por “ingenuidade” e acredita que a
na esposa, a força de que tanto precisava.
sede de aprender o ajudou a se recuperar.
Na dificuldade, mesmo na distância, eles se
“Quem tem informação, conhecimento,
mantiveram unidos e foi da mesma manei-
tem o poder”, afirma. Isso ele ensinou aos
ra que conseguiram reorganizar o que pa-
filhos, que estão vencendo na vida. E isso
recia irreparável.
ele também ensinará ao neto Caio, de dois
Hoje Nilton colhe recompensas.
Luana Backes
Quanto ele ganha? Pede para não revelar-
cer pessoas; não apenas “conhecê-las”,
em que a “imaturidade” o fez entrar em
mas estabelecer relações de confiança com
crise. Morando em Santa Cruz do Sul, ele
elas, inclusive amizades que leva junto con-
trabalhava com obras, assim como o pai lhe
sigo não na caminhonete, mas no coração.
ensinara e fizera desde jovem. Associado a
Pai de cinco filhos, dois homens e três mu-
outra pessoa, passou a comprar materiais
lheres, e apaixonado pela esposa Elzira, ele
para trabalho em seu nome, com a promes-
tem orgulho da família e vê nela o alicerce
sa de que receberia o dinheiro depois. Mas
para a sua vida. A filha mais velha, Carla, é
isso nunca aconteceu e ele ficou endivida-
formada em Turismo. Cátia cursa Publicida-
do.
de e Propaganda e Cássia faz Administra-
Sem condições de pagar o que ha-
ção. Todas em universidades particulares,
via comprado, precisou ir embora. Arrumou
com a participação de Nilton. Ele mesmo
as malas e foi morar em Brasília. Deixou a
estudou da sexta série até o ensino médio
família aqui, na esperança de conseguir um
no Colégio Marista São Luís.
futuro melhor para ela. Esposa e filhos ficaram sob amparo de seus pais, enquanto ele
Tempos difíceis
tentava reconstruir a vida no centro do país.
Nem sempre as coisas foram fáceis
Mas as coisas não foram fáceis e durante
para Nilton. Apesar da infância boa e sem
cinco anos, amargou a agonia financeira.
dificuldades financeiras, houve um tempo
Até voltar para Santa Cruz do Sul. Até en-
anos, que terá muitos motivos para se orgulhar de vovô.
Nilton gosta de
aprender coisas novas
De bobo, Nilton não tem nada. Gosta
de pessoas e de aprender coisas novas.
Está sempre bem informado e entende de
muitos assuntos. Análise econômica? Ele faz
com base no comportamento das pessoas
e dá muito certo! Cita antropólogos em
suas falas e está aprendendo a lidar com
a Internet. Ao contrário da maioria dos
colegas de profissão, recolhe os resíduos
de caminhonete e é considerado por muitos
como “muito chique” pela condição de
vida que leva. Mas adverte: “Aqui não tem
nenhum coitadinho”.
Para ele, a imagem que as pessoas
fazem dos “papeleiros” é muito errada e diz
que tem gente que ganha muito dinheiro
com o negócio. E outros que não, mas
protagonizam cenas deprimentes como ou
comercializar os próprios filhos em troca
de dinheiro para se drogar. Ele nunca se
envolveu em negócios deste tipo e tem
orgulho do respeito que adquiriu com os
colegas e também com os fornecedores de
material. “Eles sabem que podem confiar
em mim”. Apesar disso, também sofre com
o preconceito e diz que é a pior coisa que
existe na profissão.
Se há algo que Nilton não tem vergonha
de dizer é o quanto ama a esposa, Elzira.
Por isso admite: “Sou dominado por ela”.
Mas já enfrentou problemas por causa
disso. Certa vez, quando trabalhava em um
posto de gasolina, deu o troco a um casal
que havia reabastecido o carro e o homem
pediu que entregasse o dinheiro à mulher.
Sorridente, Nilton perguntou: “Ah, o senhor
também é dominado pela esposa?” Mas
o outro respondeu: “Em nome do Senhor
Jesus Cristo. Proteja a alma deste homem...”
Ele era religioso e “dominado” significava
que estava possuído. Depois de muito rezar,
o homem disse que incluiria o nome de
Nilton em suas orações e partiu, enquanto
Nilton seguiu a vida. Não ligou para o
preconceito, fez seu caminho e conquistou
a sua independência. Provou que é possível
vencer mesmo diante das dificuldades.
Mostrou ser uma exceção num mundo de
falsas ilusões e de tanta gente igual. Isso
porque ele é “dominado” sim! Mas é um
refém da própria felicidade. E sabe, Nilton,
talvez você tenha razão. Rotular não é legal.
O que importa não é como chamam você e
sim o que você é: um vencedor. Vencedor
do jogo mais importante que existe: o jogo
da vida.
Revista Exceção
39
Revista Exceção
38
Hilário Dewes é um religioso diferente:
Daniele Horta
A
Igreja Católica é uma das
ditos sobrenaturais e desmentindo milagres
mais antigas instituições
não parece algo muito comum. Em Santa
religiosas conhecidas. Sua
Cruz do Sul, o Padre Hilário Dewes, apren-
história está repleta de mi-
diz do Padre Quevedo, mora no Bairro Bom
lagres realizados por santos e exorcismos de
Jesus. Ele realiza regressões, é secretário da
demônios. Mas o avanço das ciências e dos
Associação de hipnologia do Rio Grande
estudos, especialmente da parapsicologia,
do Sul, psicoterapeuta, com formação em
dos mistérios passa pela mente dos
tem mudado este quadro. Alguns milagres
Psicanálise, Parapsicologia, Reflexoterapia,
homens
já não são mais tão milagres assim. No Bra-
Hipnose, Teologia e Filosofia. As nuances
sil, temos como exemplo Padre Quevedo,
deste trabalho, que parecem destoar da
conhecido pelo chavão “isso não existe”.
figura de um padre, é o que tentamos des-
mora no bairro Bom Jesus, é secretário
da Associação de Hipnologia do
Rio Grande do Sul e psicoterapeuta
com formação em Psicanálise,
Parapsicologia, Reflexoterapia, Hipnose,
Teologia e Filosofia. Para ele, a maioria
Mas padres estudando fenômenos
Para começar, o senhor poderia
contar como acabou se tornando
padre e parapsicólogo?
Para ser padre eu me formei em filosofia
e teologia. Depois sempre, desde criança,
eu fui muito curioso com os fenômenos.
Tudo que tinha de diferente eu lia,
estudava, conversava e procurava saber
das pessoas que estavam ali. Comecei
com o Pe. Lauro Trevisan; aqueles livros
dele da época eu li todos. Do Quevedo
também li um monte, entre outros. Aí fui
fazer curso de parapsicologia lá com o
Quevedo.
Há quanto tempo o senhor era
padre?
Eu era padre fazia uns 12 ou 13 anos, mas
já estava nos meus projetos de vida fazer
esse curso. Muitos padres do Brasil inteiro
e exterior fizeram. Nós éramos, não
lembro, 99 ou 199 alunos, e penso que
uns 80% eram padres.
E onde entram a hipnose e a
psicanálise?
Depois sempre continuei estudando
isso e depois tive a graça de encontrar
um professor de hipnose que dizia que
viajou por mais de 60 países dando
cursos e encontros em Porto Alegre.
Fizemos esse curso de hipnose com ele
por 2 anos e no fim tive a sorte de fazer
um doutorado em psicanálise. Muda a
vida da gente.
vendar nesta entrevista à Exceção.
É diferente a hipnose e psicanálise
com o fato de você ser padre?
Não, completa. Para o povo que olha
de fora, que nos enxerga de jeito errado
e deturpado, parece que sim. Mas no
nosso jeito de ser Padre, os padres
abertos, os bispos, que entendem do
ser humano, eles vêem como um jeito
de alargar os horizontes, de entender
melhor. E se tu pegar a palavra religião
na sua real significância nada mais é que
religar o mais profundo do ser humano
com o mais profundo que existe, que
nós como cristãos chamamos de Deus..
Os muçulmanos chamariam Alá. A
compreensão de Deus é exatamente
aquilo que nós pregamos. Só que como
alguns pintam a igreja diferente você
julga muito essa igreja ou aquela religião
conforme a gente entende né? Muitos
perguntam, mas padre e parapsicólogo?
Olha, tirando apenas um, o resto todos
que me ensinaram a parapsicologia eram
padres. Então a parapsicologia tem muito
a ver com a igreja católica.
O que se estuda dentro da
parapsicologia como Padre?
Como gente, vamos dizer assim, e não
como padre. A parapsicologia é o quê?
Ela estuda esses fenômenos que, como
a palavra diz: “Para – além de, por fora
de, ao redor de”. Ou seja, os fenômenos
não bem comuns ou chamados normais.
Por exemplo, casas que atendi, onde tu
estás aqui e tem um vaso de flores ali, e
quando tu menos espera estoura aquele
vaso em migalhas a metros de distância.
Ou coisas que pegam fogo sozinhas,
pessoas que não dormem anos e sentem
dores terríveis, e que com duas ou três
sessões, dormem tranqüilas, ficam felizes.
Essa regressão é consciente?
Eu faço nos últimos tempos só
consciente. Uma vez fazia também
inconsciente, mas os resultados das
conscientes em todos os casos foi muito
maior, por isso não perco tempo. Se é
pra fazer show, fazer fama, colocar uma
pessoa inconsciente e fazer comer uma
cebola achando que é maçã, ou chupar
dedo, o pessoal bate palmas e acha
bonito, mas fica por ali. Como quando
um jogador acerta a bola na trave, as
duas torcidas gritam e a festa é maior.
Uns gritam de desespero e outros de
felicidade pelo “quase”. A inconsciente
funciona assim. E na consciente a pessoa
pode seguir revendo aqueles atos.
E qual é o tratamento milagroso?
Eu em resumo diria assim: é harmonizar
a mente, é harmonizar essa energia que
existe dentro do ser humano. Eu digo
que todo ser humano em miniatura
tem dentro de si uma usina elétrica e
atômica. E ao entrar em sintonia com o
universo, com a natureza, se tranqüiliza,
se harmoniza e os problemas morrem.
Mas este tipo de terapia sempre
funciona?
Se a pessoa não for dedicada, ou
não apresenta sinais de mudança, eu
encaminho para outros. Quando é
questão de psiquiatra, eu encaminho pra
eles. Quando é neurologista, psicólogo...
Eu vou percebendo. Um pouco de
percepção e bom senso ajuda.
Poderia nos dar um exemplo mais
claro?
Sim, o fumo por exemplo. Por que eu
fumo? Tenho necessidade? Com certeza
sei que o cigarro não faz bem, é só olhar
os avisos, cartazes expostos, pessoas que
morrem, os noticiários. A razão me diz
“não convém que eu fume” mas meu
inconsciente, meu leão interior me faz ter
necessidade disso.
Essas consultas que o senhor realiza,
são pessoais ou da paróquia?
Não, são minhas, é o meu trabalho.
Mas como funcionaria o tratamento?
Eu começo sempre com uma análise,
uma elaboração de projeto de vida que
eu mesmo montei. Depois analiso uma
41
hora o projeto de vida, uma hora de
treino, de ensaio. Depois três a quatro
horas de abordagem do inconsciente
e daqui um tempo mais 2 horas de
retomada. Depois ainda mais uma hora
de retomada. Esse conjunto de atividades
que eu chamo de regressão.
Agora voltando a hipnose, qual é o
objetivo dela?
Qual é a idéia que você tem de hipnose?
Sei o popular, a pessoa inconsciente
que faz coisas involuntárias.
Como o que mostra na TV, 98% é truque.
Se eu pegar você aqui e ensaiar 200, 500,
mil vezes, quando eu colocar a minha
mão na sua testa, você estará dormindo.
É um sinal que se cria pra esses caras. Se
você observar são sempre as mesmas
Revista Exceção
O padre
que duvida
de milagres
Ilustrações: Amanda Mendonça
Revista Exceção
40
“
A compreensão de
Deus é exatamente
aquilo que nós
pregamos. Só que
como alguns pintam
a igreja diferente
você julga muito
essa igreja ou aquela
religião conforme a
gente entende né?
Muitos perguntam,
mas padre e
parapsicólogo?
”
Revista Exceção
pessoas que saem do povão. Mas você
só se apega aquele fato, àquele único
programa e não enxerga o todo.
Mas é uma técnica que funciona não
é mesmo?
Sim, inclusive em Porto Alegre conheci
alguns dentistas que usam substituindo
a anestesia e o paciente não sente dor. Se
você assistir o Quevedo, ele pega aquelas
agulhas enferrujadas e feias, e coloca no
pescoço, na mão, e não faz efeito, e de
fato.
“
Se é pra fazer
show, fazer fama,
colocar uma pessoa
inconsciente e fazer
comer uma cebola
achando que é maçã,
ou chupar dedo, o
pessoal bate palma e
acha bonito, mas fica
por ali.
”
Então o que afinal é hipnose?
O nosso cérebro, ele tem vibrações. Tem
alfa, beta, gama.. E quando você está em
estado muito profundo, aí chama-se isso
de sono induzido, ou hipnose. E nesse
estado alterado de consciência, você
consegue mudar os registros que têm
em você. Até hoje, todas as experiências
que você teve, temeu, alegrou, quis, são
passíveis de ser registradas em você.
Não necessariamente registra tudo.
Principalmente aquilo que te chama
atenção. Mas se você ouviu a mesma
coisa, e a mãe vai ali e a filha vai aqui
e escrevem sobre a mesma coisa, vai
parecer situações diferentes. Porque
a nossa mente é um conjunto onde
nós guardamos os registros no córtex
cerebral. A gente registra por ano cerca
de um milhão de registros inclusive na
gestação. Você me disse antes que tinha
24 anos. Você tem aproximadamente 25
milhões de registros guardados.
E o que faz a hipnose?
Ela te coloca num estado profundo
de concentração, elimina os registros
ruins que você não quer. Os “vírus
do computador que te infectaram”,
passando um bom “antivírus”, você
elimina o que estava afetando os
arquivos bons. Meu computador que
estava pronto pra entrar no caos com
97% da memória ocupada se tornou
muito mais rápido e melhor depois que
eliminei algumas coisas que não queria
e tirei os vírus. Eu fiz uma regressão de
alguém que não subia nem em uma
mesa. Três semanas depois ajudou a
trocar um telhado. E não se deu conta de
que subiu nas alturas.
Regressão ou hipnose?
A técnica para fazer a regressão é a
hipnose. Porque a regressão é o trabalho
do técnico. O que o técnico faz? Ele
elimina as coisa duplicadas, passa o
antivírus, tira os arquivos ruins, divide os
discos. Esse conjunto é o que chamo de
regressão. Hipnose é o estado de sono
induzido. E as técnicas, cada um usa
aquelas que tem.
Você poderia trabalhar apenas com
isso, não é mesmo?
Foi uma opção que me custa muita
seriedade. Porque eu poderia ser alguém
que faz esses shows de encher salão,
mas eu já vi muita gente enchendo
salão, chamando alguém pra servir de
show em público. Meus orientadores
diziam que isso vai quebrando a pessoa
por dentro. É quase como eu te expor e
você ficar mais exposto ao povo do que
se estiver pelada. Você não vai querer
o povo vendo você desse jeito. Porque
o inconsciente desnuda muito mais a
pessoa do que se ela tirar a roupa. Se
eu tiro a roupa você só vê minha pele,
mas se eu te hipnotizo, você mostra
suas dores, seus medos, suas angústias,
seus sentimentos, desesperos. Talvez
até atitudes que você nunca falaria pra
ninguém.
Então a hipnose por simples
curiosidade estaria fora de questão...
O que existe de possibilidade, conforme
eles é, como eu te hipnotizar aqui, e
pode ter alguém lá nos USA, China,
São Paulo. Pelo que eles fizeram (eu
nunca me dediquei a isso, posso um
dia, se alguém se dispor a isso, como
protagonista ou cobaia - protagonista
se quiser aprender e nós fazemos um
trabalho sério. Cobaia se você entra de
pato, eu te uso, te manipulo e tu sai dali
mais tonto, mais bobo do que veio. Essa
43
a diferença) mas a pessoa está lá longe
e pelo que o Padre Quevedo e outros
demonstraram, eles perguntam “qual
é a roupa que o fulano usa” e você diz.
Até o que a pessoa está fazendo, o que
está passando na TV, se a pessoa estiver
assistindo. Mas nunca ninguém disse o
que o outro estava pensando.
Revista Exceção
42
Mas como isso funciona?
Comunicação pelo inconsciente é a
explicação que eles dão. Nessas coisas
qual é a questão entre a parapsicologia
e o espiritismo? São muitos fenômenos
que os espíritas dizem que é a alma do
morto. Mas não posso falar muito sobre
espiritismo porque eu não conheço
muito e não acredito. Mas muitas
coisas, dizem que é a alma do morto,
mas quando você usa as técnicas de
parapsicologia e orienta as pessoas, essas
coisas deixam de acontecer.
E como se explica um lugar
abandonado, como as chamadas
casas assombradas onde não
há ninguém mas as coisas
“sobrenaturais” acontecem?
Segundo o Padre Quevedo, nenhum
fenômeno paranormal acontece com
alguém mais longe do que 50 metros.
Então muitas coisas se achava que era
o Diabo na igreja católica, ou Deus ou
Nossa Senhora. Daí agora a igreja católica
parou de falar disso e surgiu o espiritismo
que diz que são os espíritos. E a ciência
dá a sua explicação. E isso é o mistério
para o povo. Mas é porque se tu não
sabe explicar... Eu atendi um caso em
uma cidadezinha pra cá de Venâncio
Aires, e eu de cara percebi que era o
desequilíbrio de energia entre a vovó e
uma menina que ia dormir lá. Brotava
fogo do sofá, um dia um monte de tijolo
que estava lá fora foi parar na sala e se
você olhava, as janelas tinham grade e
vidro e nada quebrado, mas tinha uns 30
tijolos no meio da sala.
Isso é pelo pensamento? Voluntário?
Não, é involuntário. Essas coisas sempre
são espontâneas, incontroláveis e
imprevisíveis. E claro, primeiro queriam
encher a casa de grade e eu disse
“podem fechar de barra de aço a casa
e vai continuar acontecendo”. Passa
sempre. O nosso sangue fica no corpo
porque quer. Tem tanto poro que se ele
quisesse sair, saía. Então são fenômenos.
Desde que a menina não foi mais lá não
aconteceu mais.
Mas como podem pedras entrar por
uma janela fechada?
Como funciona isso eu não sei. Aí vai
pela física quântica. Seria algo parecido
com hoje você estar cansada que não
se suporta e chega uma visita que você
gosta muito. Você prepara janta, faz tudo
e lá pelas 2 da madrugada você se vê
conversando animada e cadê o cansaço?
E como as quatro da tarde você já não
se suportava? Então existe coisas dentro
de nós que podem se dar uma possível
explicação, mas cada descoberta muda a
explicação.
Você disse que esses fenômenos
acontecem involuntariamente. Existe
como fazê-los de forma voluntária?
Focar minha energia para mover um
tal objeto?
Não, tão forte não. Isso comparando é
como um raio. Até hoje não sei se existe
no mundo capacidade de captar energia
de um raio. Até hoje ao menos nunca vi
nem ouvi ninguém falar.
Se essas curas são realmente
possíveis, qual o segredo?
Precisa amar a verdade, ter coragem de
confrontar-se consigo mesmo e talvez
dispor-se a fazer o parto do inconsciente.
Essas coisas são necessárias.
A única conclusão que posso chegar
é que nunca existiram milagres, e sim
uso da própria mente...
A própria igreja tem estudado muito isso
antes de consagrar alguém como santo.
Diferente de como era antigamente.
Mas ainda consagra, como Frei
Galvão há pouco tempo...
É, mas é bem estudado...
Retratos do
Santo Daime
Fernanda Zieppe
O Santo Daime chegou em Santa Cruz do Sul. Ele não
só chegou como cresceu e se multiplicou rapidamente.
Localizada na Linha Áustria, a Igreja “Céu da Santa Cruz”
existe desde outubro de 2007. Os seguidores do Santo Daime
se reúnem de quinze em quinze dias para tomar a infusão
conhecida como chá de ayahuasca. O chá é um líquido
resultante da junção de duas plantas, o cipó jagube e a folha
chacrona (ambas originárias da floresta amazônica), que
juntas produzem uma expansão da consciência. A comunidade
também está plantando seu próprio ayahuasca, no total são
cerca de 760 cipós jabube e 1000 pés de rainhas, plantados ao
redor da igreja. O ritual que acontece na igreja é chamado de
trabalho de concentração e dura cerca de oito horas.
Revista Exceção
45
Fotos: Fernanda Zieppe
Revista Exceção
44
Longe de
todos e de
lugar algum
Linha Natal, área entre as divisas de
Capitão e Travesseiro, já abrigou mais
de 60 famílias; hoje, possui apenas dois
moradores. Em meio às ruinas de uma
igreja e um cemitério abandonado,
Ilmar Boni e Nelcir Zambiasi seguem
uma vida, aparentemente, normal.
D
Tiago Stürmer
ela, responsável por todo o desenvolvimen-
quase um século de existência. Pertencia
to do último século, seria o grande carrasco.
antes a seus pais. Por que não se casou? Por
Quando a energia elétrica chegou às outras
que não teve filhos? Ele não fala. Talvez nem
áreas da região, os antigos moradores aban-
saiba. Por que a vida tão solitária, não sente
donaram Linha Natal. Optaram pela vida
saudades? “Em qualquer lugar do mundo
longe da antiga comunidade para não con-
eu teria que trabalhar igual. Então não te-
tinuar à luz das velas.
nho vontade de sair daqui”, ele me respon-
A maioria das propriedades ainda
de. E da morte o senhor não tem medo?
pertence às mesmas pessoas. Os cabos da
“Não adianta ter. Tudo vai ter um fim mes-
companhia de energia foram instalados há
mo, não importa onde eu esteja”.
dois anos e agora as terras – antes totalmen-
Seu realismo diante da vida impres-
te abandonadas – começam a abrigar alguns
siona. Faz lembrar Brás Cubas, personagem
aviários e abrem perspectivas econômicas e
de Machado de Assis, que não teve filhos
sociais. Para o ex-morador Aventino Biasi-
para “não deixar a nenhuma criatura o le-
betti, a recente construção de seu criatório
gado da miséria humana”. Seus irmãos de-
de frangos é mais do que uma fonte de ren-
bandaram de Linha Natal, foram à capital
da – é uma viagem ao passado. “Vou para
em busca de emprego em restaurantes, mas
lá pelo menos uma vez por semana. Senão,
voltaram sem os objetivos cumpridos. Já ele
fico com saudades. Meu pai foi presidente
só sai para encontrar os amigos nas bode-
da comunidade de Linha Natal, ajudou na
gas e para as esporádicas visitas à família. O
construção da igreja e da escola. Aquele lu-
que Boni precisa para viver ele tem na velha
gar me traz lembranças do futebol nos po-
casa de Linha Natal.
treiros, da história da minha família.”
a década de 1960 a 2008 o
Natal foi exatamente o contrário: o fim de
Ilmar Boni e Nelcir Zambiasi são
mundo ganhou três bilhões
um pequeno grupo social e de toda sua
os dois únicos moradores de Linha Natal.
de habitantes. Só no Rio
história. Em meio ao matagal, em uma área
Zambiasi é acanhado, não se entusiasma
Grande do Sul, o aumento foi
inacessível a automóveis, a cerca de dez qui-
em diálogos com estranhos (“Vai atrair os
de cinco milhões de pessoas. Mas em uma
lômetros do Centro de Capitão, é possível
ladrões”). Ele diz que já morou em cidades
pequena comunidade, incrustada nos mor-
observar as ruínas de uma vila. Restaram as
maiores, mas preferiu o retorno ao interior
ros localizados entre Capitão e Travesseiro,
paredes da antiga capela, os alicerces da es-
para uma vida tranqüila. Vive dos lucros
no Vale do Taquari, o êxodo nocauteou as
cola 25 de Dezembro e alguns túmulos no
do aviário que tem ao lado de casa de al-
estatísticas demográficas tradicionais. Linha
cemitério. O campo de futebol que divertia
venaria.
Natal abrigava mais de 60 famílias e cente-
os moradores nos domingos já não existe.
nas de moradores quando a Internet ainda
Foi sufocado pela capoeira.
Ilmar Boni é mais aberto ao papo.
Diferente de Zambiasi, passou todos os 42
Na fachada da igreja lê-se data de
anos de sua vida em Linha Natal. Ali estu-
sua construção: 11 de janeiro de 1911. Na-
dou – até a quarta série – e fez sua primeira
A palavra natal deriva do latim nas-
quele tempo ainda não se pensava em luz
comunhão. A casa de madeira, sem pintura,
cer. Mesmo assim, o que ocorreu em Linha
elétrica na Linha Natal. Mas, 50 anos depois,
com quatro quartos e poucos móveis, tem
era um devaneio tecnológico. Hoje, são
apenas dois.
Revista Exceção
47
Fotos: Tiago Stürmer
As paredes da quase
centenária igreja de
Linha Natal, mesmo
semidestruidas, ainda
resistem ao tempo.
49
Boni é o tipo de pessoa que não se
galinhas adornam o pátio da velha residên-
importa com as roupas. Suas havaianas en-
cia. Quais os nomes dos bichos? “Eles não
cardidas são de cor diferente, uma azul e
tem nome. Não dou bola para eles.”
outra preta. Sua camisa tem a manga ras-
Seus companheiros em casa são
gada no ombro direito e descosturada no
apenas um fogão a lenha, a geladeira e
esquerdo. Apesar da despreocupação com
o pequeno rádio de pilhas, sempre sinto-
a aparência, Boni não gosta da idéia de ser
nizado na Rádio Independente. O locutor
retratado. Cada vez que a máquina foto-
Paulo Rogério dos Santos e seu Bom Dia
gráfica lhe é apontada, esconde o rosto
Rio Grande são o contato diário entre o le-
com o boné e solta: “Maah queee”, com
nhador e o mundo externo. Boni bate de
sotaque italiano.
frente nos conceitos-padrão de fraternida-
O ermitão mantém seus poucos
de e relacionamento em sociedade. E mes-
gastos com a venda de lenha. Cobra 60
mo assim faz-nos refletir sobre o mundo
centavos pelo quilo dos troncos de eucalip-
moderno. Sua única preocupação é vender
to que ele passa o dia serrando. Em casa,
lenha. E a felicidade parece ser um item se-
Boni tem vários animais. Gatos, cachorros e
cundário.
Revista Exceção
Revista Exceção
Fotos: Wesley Soares
48
O
afiador
Adenir Alves de Almeida, aos 46 anos,
desafia as modernidades tecnológicas
e ganha a vida afiando ferramentas no
Centro de Rio Pardo, com uma daquelas
Onde fica Linha Natal
O território de Linha Natal foi dividido entre Capitão e Travesseiro quando os
distritos se emanciparam de Arroio do Meio, em 1992. A área onde ficava a igreja e a
escola pertence a Travesseiro. O local onde moram Boni e Zambiasi fica em Capitão.
Os dois municípios, junto com Pouso Novo e Nova Bréscia, formam uma filial da
região serrana no Vale do Taquari, com clima úmido, montanhas e 500 metros de
altitude em relação ao nível do mar.
Segundo a última contagem de população do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Capitão tem 2.539 habitantes e Travesseiro 2.379. Os dois locais
somam 156 quilômetros quadrados de territórios, mais do que o dobro da área
de Alvorada, na região
metropolitana, que tem
207.142 moradores. A baixa
densidade demográfica é
explicada pela principal
atividade econômica dali: a
agropecuária. Mais de 80%
das propriedades locais
têm criatórios de porco. São
cidades estranhas a quem
mora nos centros urbanos.
Neste locais, passam-se anos
sem que aconteça algum
crime e todos se conhecem.
máquinas bem manuais, que lembra
uma bicicleta, com um esmeril à frente.
E
Wesley Soares
le já trabalhou como pedreiro,
Ao acompanhar o irmão, que pe-
lenhador e marinheiro. Já viajou
rambulava pelas ruas catarinenses afian-
para outros estados, morou dois
do facas e ferramentas em geral, Adenir
anos em Florianópolis e, hoje,
tomou gosto pela profissão. Relata que
seu sustento depende essencialmente dos
“como uma destas peças que o destino
alicates de fazer unhas. Enquanto com os
nos prega de vez em quando, meu irmão
pés pedala sua “bicicleta”, com as mãos
se acidentou e não pôde trabalhar.” Esta
hábeis Adenir afia as mais diversas ferra-
era a oportunidade que ele precisava para
mentas. Porém, os mais visados, segundo
assumir o cargo e se tornar um afiador de
ele, são os alicates utilizados pelos salões
ferramentas.
de beleza para tirar cutículas de unhas. Por
Após ver os cinco dias inicialmente
um preço de R$ 3,00, todos os salões de
programados se transformar em quarenta
beleza do Centro de Rio Pardo são clientes
dias de muito trabalho no Estado vizinho,
do afiador Adenir, o “Zé” como é conheci-
Adenir voltou para casa. Mas, apenas, para
do pelos clientes.
buscar a mudança e a esposa. Foi morar
Para conhecer essa história, é pre-
em Florianópolis. Ele lembra que foi uma
ciso voltar dez anos no tempo, para o ano
surpresa muito grande para todos, princi-
de 1998. Adenir, então marceneiro assala-
palmente sua mulher, que no início relutou
riado, ao tirar umas férias do seu serviço re-
para abandonar a cidade onde fora criada.
solveu visitar o irmão mais velho, que mora
Ainda assim, acabou cedendo.
em Florianópolis. Ele chegou à ilha numa
Com seu jeito malandro e cativan-
sexta-feira para ficar apenas cinco dias. Não
te, à beira do marrento, cheio de gírias,
sabia ele que a partir deste passeio sua vida
falando “tri gente”, “quinhentão” e “dois
tomaria outro rumo.
paus”, Adenir logo agregou uma conside-
Revista Exceção
51
Revista Exceção
50
rável clientela. Após seis meses de trabalho
e muitas ferramentas afiadas, ele já conhecia todo o lado sul da ilha e garante que
ganhava uma média de R$ 500,00 por dia.
Enfim, o afiador de ferramentas estava com
a vida encaminhada.
Tudo andava bem. Um bom salário,
a companhia da família e um lugar, como
ele mesmo definia, perfeito para morar. Foi
quando, após aproximadamente um ano
dois anos junto com os “manézinhos”. Os
mais calçados fechados, com isso fazem
e meio em solo catarinense, uma nuvem
primeiros 15 dias no retorno a Rio Pardo fo-
menos as unhas e os alicates são menos
negra se alojou sobre a cabeça do Afiador
ram movimentados. Adenir andou por toda
usados.”
Adenir. Primeiro foi a esposa: a companhei-
a cidade em busca de clientela.
Figura emblemática na cidade, bate
ra de todas as horas, não resistiu à saudade
Cumprida a primeira etapa, no mês
o ponto todos os dias no horário comercial.
e à distância dos parentes e amigos de Rio
de dezembro de 2000, o afiador Adenir de-
Ao mesmo tempo em que todos sabem da
Pardo e voltou, abandonando o afiador no
marca território no lugar mais movimenta-
sua existência, poucos o conhecem. Sequer
estado vizinho.
do do município, a esquina das ruas Andra-
sabem seu nome. Chamam-no de seu Zé.
Era o começo do fim. Os seis me-
de Neves e João Pessoa. Adenir novamente,
No entanto, nem mesmo os que o chamam
ses seguintes foram de inferno astral para
como já se acostumara, estava recomeçan-
assim sabem exatamente por quê. Se é pro-
Adenir. Com uma rígida fiscalização da
do em um momento de dificuldade. Enten-
veniente de José ou, simplesmente, mais
prefeitura de Florianópolis, eram seguida-
de ele, no entanto, que saiu vitorioso e for-
um Zé... Um Zé Batalha, um Zé Ninguém,
mente multados e impedidos de trabalhar:
talecido em todos estes recomeços.
enfim, um Zé Qualquer.
“Foram várias multas. Eles nos perseguiam
Dez anos após sua volta, o afiador
Pode-se dizer que o amolador de fa-
e nos multavam pela falta do alvará. Estáva-
conta com uma grande clientela, que não
cas já faz parte da paisagem. Sua presença
mos trabalhando apenas para pagar multas
fica restrita aos limites municipais. Ele tem
costumeira, sempre no mesmo local, pode
para a prefeitura. Até que não deu mais”,
muitos clientes em Pantano Grande e En-
ser comparada a uma árvore. Todos sabem
relata visivelmente emocionado.
cruzilhada do Sul. Em dias normais, durante
que ele está ali, mas quase ninguém sabe
Foi exatamente no dia 20 de no-
o verão, afia em torno de 50 ferramentas
exatamente o porquê, de onde veio e para
vembro de 2000 que Adenir desembarcou
por dia. O que lhe dá uma renda em torno
onde vai ao término do expediente. O que
na rodoviária rio-pardense, retornando à
de R$ 500,00 por semana, bem menos que
ninguém sabe é que por traz daquela figura
sua cidade natal. Trouxe de Santa Catarina
os R$ 500,00 por dia que chegou a ganhar.
alto astral, simpática e de bem com a vida,
apenas a velha máquina de afiar ferramen-
Salienta, no entanto, que no inverno a que-
há um homem batalhador, que enfrenta
tas, comprada do irmão por R$ 400,00 e
bra chega a 50%, e ele tem uma explica-
a vida com a garra que só os vencedores
algum dinheirinho que sobrou da estada de
ção para isso: “No inverno as pessoas usam
têm.
Revista Exceção
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Revista Exceção
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V
Ana Flávia Hantt
estir uma roupa diferente,
Ator e produtor desde 1988, Riegel
conta são inéditas e escritas para o seu uni-
A Escócia não sairá da memória
pintar todo o rosto e viajar
conta que não costuma dizer que esco-
verso: ele tem família, irmãos, uma cidade
Embora afirme que vai com a mes-
pelo mundo contando histó-
lheu a ocupação. Sempre brinca dizendo
e uma casa. Riegel também cresceu com o
ma intensidade para todos os lugares,
rias. Esta é a vida de Alex Rie-
que foi o teatro que o escolheu. “Muitas
personagem. Hoje, possui sua empresa de
Riegel explica que um lugar em especial
gel, 39 anos, um contador de contos que
vezes tentei deixar a profissão por ser de
produção artística que administra todos os
o marcou. Foi o Festival de Edimburgo,
se confunde com Alaor, seu personagem
grande dificuldade viver desse ofício, mas
negócios do Alaor, além de outros traba-
na Escócia, onde participou em 2000. O
mais freqüente. Alaor diverte crianças de
com o tempo e a experiência, tudo vai se
lhos que faz em empresas, prefeituras, es-
contador de histórias conta que este é um
todas as idades ao dramatizar suas aventu-
encaixando e a tão sonhada estabilidade
colas e em feiras do livro, sua participação
evento que recebe em média dois milhões
ras, sempre resgatando lendas, fábulas, pe-
chega”, exalta.
mais forte.
de turistas durante todo o mês de agosto.
quenas histórias e canções interpretativas.
Para algumas pessoas, caso de Alex Riegel, viajar pelo mundo narrando aventuras
é bem mais que uma profissão: trata-se de um estilo de vida. Maneira esta que ele
divide, no palco, com seu personagem mais ilustre: Alaor.
O tempo gasto na estrada, que ocu-
São diversas manifestações artísticas que
pa a maior parte dos seus dias ao viajar de
ocorrem em várias salas de espetáculos,
olhos brilhando diante a encenação de um
Alex Riegel nasceu em Taquara e,
uma cidade para outra, parece não inco-
que por sua vez, podem ser os locais mais
conto já é único, ver Martina Riegel na pri-
aos sete anos, a família mudou-se para
modar o contador de histórias. “Conheço
inusitados: garagens, porões de igrejas, ba-
meira fila é impagável. O sobrenome não
Novo Hamburgo, para onde o contador
mais gente fazendo o que gosto”, resume.
res, escolas, praças, entre outros.
é mera coincidência. A menina de quatro
de histórias voltou para fixar residência
Nestas andanças, Riegel também guardou
“Foi sem dúvida a melhor experiên-
anos e rosto angelical fica sentadinha, mui-
anos mais tarde. Já o personagem Alaor
em sua caixinha de memórias alguns fatos
cia de trabalho que tive na carreira. Pude
to atenta, assistindo o pai, ou então o “Seu
foi criado em 1999, para um espetáculo
especiais. “Um fato muito marcante foi na
levar meu espetáculo, traduzido e interpre-
Alaor”, que é como chama o autor do livro
de teatro. “Depois de alguns anos, passei
Feira do Livro de Veranópolis, quando uma
tado na língua inglesa para uma platéia di-
Adeus Sarita.
a trabalhar somente com espetáculos cria-
editora assistiu o espetáculo e depois foi
versificada assistir. Eram pessoas vindas de
O companheirismo de pai e filha,
dos para o Alaor. O personagem surgiu ao
me dizer que eu não poderia morrer sem
longe, japoneses, africanos, americanos,
aliás, já rendeu boas histórias, uma redun-
longo do tempo, por isso considero essa
deixar a minha obra para a humanidade”,
chineses e europeus de todos os países”,
dância para quem vive de contá-las. Uma
criação bastante orgânica. Ele vai se adap-
conta. Na verdade, a editora se referia a
conta, complementando que atores famo-
delas aconteceu quando a menina recém
tando e vai crescendo conforme o tempo
um livro que poderia ser escrito sobre o
sos como Sean Connery e Robin Williams
dava os primeiros passos. “Eu fazia o espe-
passa”, explica Riegel, complementando
Alaor. “Naquele momento eu decidi tra-
também passaram pelo festival.
táculo no palco e ela estava na platéia. De
que, na trajetória de quase 10 anos, mais
balhar também com livros, e, em 2007 foi
E a pequena Martina no meio de
repente, vejo-a caminhando no tablado en-
de meio milhão de pessoas já assistiram o
lançado Adeus Sarita, que obteve enorme
tudo isso? O contador de histórias avisa:
quanto eu fazia a apresentação. O público
espetáculo.
sucesso. Uma grande surpresa em minha
“Tudo o que faço na minha vida e no meu
vida”, comemora.
ofício é pelo amor a minha filha”.
No entanto, se enxergar a platéia com os
O
contador
de histórias
Alaor surgiu com o tempo
reagiu na hora: “Oh!”, dramatiza Riegel.
Atualmente as histórias que Alaor
Revista Exceção
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Revista Exceção
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O
Sancler Ebert
Dona Ondina
deixou o
hospital
dia nem bem havia nascido,
por uma daquelas moças bonitas que vêm
os corredores ainda estavam
vestidas de branco. As mesmas, que de vez
escuros e mais frios do que
em quando, transformavam o 401 num
normalmente, o som das ro-
verdadeiro instituto de beleza e produziam
das das macas sendo arrastadas pelo piso
o visual de Ondina: pintavam as unhas,
lustroso era constante, assim como o de
passavam a tintura no cabelo e faziam a
passos sempre apressados que andam de
maquiagem. Depois de pronta, a senhora
um lado a outro. De vez em quando, um
tomava seu café da manhã e aguardava as
choro podia ser ouvido ao longe, ou um
primeiras visitas. Durante o dia, dezenas de
lamento de alguém que não queria estar
enfermeiras e outros funcionários passa-
onde está, não queria estar doente, não
vam por aquele quarto para ouvir os cau-
queria estar num hospital.
sos e histórias da Dona Ondina, como era
A manhã estava mais fria do que
Quando muitos lutavam para deixar a cama de um Hospital
a velhinha do 401 fez daquele lugar o seu lar. Mas, no dia 03
chamada por lá.
normalmente, e o 401 estava vazio. Se fos-
Histórias dela ainda bem pequeni-
se qualquer outro dia, a paciente do quarto
ninha, quando ainda morava em Riveira,
401 da Ala São Francisco já estaria acorda-
no Uruguai, sua cidade natal. Ou dos seus
da. Não se incomodaria com os sons, se-
primeiros anos em Rio Pardo, com o pai
jam eles de felicidade ou dor. Também não
transferido para a cidade gaúcha, em sua
perderia seu tempo imaginando com quem
casa no bairro Boa Vista. Apesar dos seus
dividiria o quarto, porque, na verdade, ele
89 anos, Dona Ondina, lembrava muito
era só seu. Diferente de todos os outros pa-
bem das coisas, principalmente daquelas
cientes que ansiavam e aguardavam pelo
das quais tinha mais saudade, como dos
momento da saída, Ondina nem cogitava
pais. Dona Manuela e seu Serafim Borges
abandonar o local que há 15 anos era o
deixaram a filha sozinha muito cedo. O pai
seu lar.
faleceu quando Ondina tinha 32 anos, a
mãe foi enterrada dezesseis anos depois.
aumentava a movimentação nos corredo-
Desde então, ela ficou sozinha, ou melhor,
Ondina continuam mais vivas do que nunca.
res. Em qualquer outra manhã, a moradora
nem tanto.
Amanda Mendonça
Conforme o céu ficava mais claro,
de outubro, o quarto ficou vazio, ainda assim as histórias de
do Hospital Santa Cruz já estaria acordada
Ainda quando morava na casa que
e tomando banho em seu quarto, auxiliada
herdara dos pais, na Vila Esperança, em
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Ondina não fazia nem poema, nem poesia,
demorou muito para ela entrar na dieta,
fazia versos. Bastava chegar em seu quar-
da qual só saía nas quintas-feiras, dia do
to, dar um tema e pronto. Estava feito o
churrasco. Quando o seu assistente social
verso, com rima e graciosidade como só ela
trazia carne assada e maionese (maisena,
fazia. Outros predicados também não lhe
segundo ela).
faltavam. Antes de ser conhecida como a
Dona Ondina viveu durante anos
dos muros. Todos sabiam que, dia sim, dia
“velha dos gatos”, ela era “A” bordadeira.
na geriatria do Hospital Santa Cruz. Depois
não, Ondina ia ao açougue pegar alguns
Não havia na cidade quem fizesse melhor
que a ala foi fechada, ela passou por duas
retalhos de carne para fazer para os “bi-
um bordado na máquina do que ela. Ela
chinhos”.
também era capaz de prever o tempo to-
Engana-se quem acreditava que ela
amava apenas os felinos. Ondina amava to-
Amanda Mendonça
Revista Exceção
Revista Exceção
Os objetos que fizeram
companhia a Ondina,
hoje são guardados pelos
funcionários do hospital
cando na parede, bastava sentir que estava
morna para saber que iria chover.
dos os “bichinhos”. Sob sua mesa sempre
Na gaveta da cômoda guardava
se encontravam farelinhos, que ela deixava
suas relíquias. Mapas antigos, onde a ca-
para as moscas comerem e quando podia,
pital do Brasil ainda era o Rio de Janeiro,
ficava observando os insetos se fartando
um pequeno pote com colares e brincos,
com o banquete que ela lhes proporcio-
produtos para maquiagem, espelho e pen-
nava. Suas janelas também estavam sem-
te, sua indispensável lupa, que ampliava as
pre abertas para receber os pássaros que
letrinhas para que ela pudesse ler, além dos
vinham se alimentar com os pedacinhos
seus preciosos cadernos de anotação. Den-
de fruta que a doce senhora colocava no
tro da cômoda guardava algumas das suas
parapeito da janela. Os animais que ela
roupas, colocando as azuis e brancas em
não podia ver em seu quarto, acabavam se
cima da pilha, porque eram suas cores pre-
tornando mais nomes para suas listas, es-
feridas e do time do seu coração, o Grêmio
critas todas a mão em pequenos cadernos
e escondendo as roupas de cor amarela,
escolares.
que ela tanto odiava. Por fim, a parte supe-
Faltavam poucas páginas para que
o terceiro caderno ficasse cheio. As anota-
rior da cômoda servia de mesa, onde frutas
e biscoitos disputavam o lugar.
Santa Cruz do Sul, era conhecida como a
ções de Ondina possuíam muitas listas. Lis-
Se existe uma coisa que Ondina gos-
“Velha dos gatos”. O apelido carinhoso
ta dos jornalistas que trabalham na Rádio
tava de fazer era comer. Houve uma época
dado pela vizinhança, que se acostumou
Gaúcha, das feras das selvas, dos funcio-
em que ela comia as refeições que vinham
a passar em frente à casa da simpática se-
nários do hospital, das flores que ela co-
da copa e pedia para o seu assistente social
nhora e observar as dezenas de gatos espa-
nhecia, das capitais e estados do país. Entre
trazer docinhos para ela. Ondina chegou a
lhados pelo local. Eram felinos nas janelas,
uma anotação e outra, desenhos de flores,
lanchar meia melancia, mais salgadinhos e
na soleira das portas, brincando no grama-
exercícios de caligrafia com letras e nú-
docinhos como rapadura, merengue no in-
do da frente, pulando de um lado a outro
meros, assinaturas e versos. Porque Dona
tervalo entre as refeições do hospital. Não
Arquivo pessoal
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Amanda Mendonça
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O dia em que o Avenida venceu o Grêmio de Ronaldinho
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Ser cosplay é diferente
Quem disse que os papeleiros são todos iguais?
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O padre que duvida de milagres
Retratos do Santo Daime
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Longe de todos e de lugar algum
va só. Quando não estava na companhia
Todo ano, 17 de junho era dia de
ter na manhã fria do dia 3 de outubro de
de um funcionário ou enfermeiro, estava
festa no hospital, com direito a brigadei-
2008, muitos pensaram que o dia em que
acompanhada das suas lembranças, dos
ro, salgadinhos, balões, bolo de chocolate
Ondina deixaria o Hospital havia chegado.
seus amigos. Porque “não há nem no Brasil
e vela. Quando Ondina fazia aniversário,
Mas aos poucos, percebeu-se que Dona
e nem no mundo quem Ondina não possa
quando todo o pessoal da ala se reunia e
Ondina não havia abandonado o local que
chamar de amigo”. Segundo ela, entre os
organizava a festa, era quando ficava mais
considerava o seu lar. Ela havia deixado um
ilustres estavam a governadora do estado,
evidente que eles eram uma família e que o
pedaço de si em cada um dos funcionários
Yeda Crusius e o presidente do país, Luiz
hospital era o seu lar.
com quem havia convivido, deixou suas his-
Quando o seu coração parou de ba-
tórias, seus “versos” e sua alegria.
umário
quarto, a moradora do 401 nunca esta-
Dona Ondina deixou o hospital
Embora vivesse sozinha em seu
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que tinha.
O contador de histórias
descobria um brinquedo que esquecera
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primeiros passos, como uma criança que
O afiador
fisioterapia, ela aos poucos encenava seus
Inácio Lula da Silva.
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uma dieta de emagrecimento e anos de
O lado humano do jornalismo
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de aquele momento parou de andar. Após
30
ela se acidentou, quebrou a perna e des-
Como ser diferente em um mundo de iguais?
da sua vida. Foi caminhando no pátio que
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voltar para o hospital, o local que serviu
Quando o mocinho é um bandido
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nenhuma. Não restou alternativa a não ser
No tempo em que as novelas eram no rádio
clínicas geriátricas, mas não se adaptou a
de cenário para um momento dramático
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A cura que nasce das pirâmides
Revista Exceção
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O quarto 401 , agora
vazio, foi o lar de
Ondina por mais de
quinze anos
O grande barato é ser fake
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Publicação do Curso de Comunicação Social da UNISC - Santa Cruz do Sul - Ano 3 - Nº 3 - Distribuição gratuita
AVENTURAS
de mentirinha

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