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Recebido: 03/06/2013
Aprovado: 10/06/2013
FinP entrevista: PETER DIAZ
Entrevista realizada no dia 01 de Junho de 2013 com Peter Diaz, cubano radicado nos Estados Unidos, médico ginecologista e obstetra há 33 anos, professor de medicina, membro do Board of Trustees do Shriners
International. Dr. Diaz é membro da Loja Mokanna nº 329 da Grande Loja de Orlando e, desde 2002, é um
Nobre Shriner. É professor de cirurgia laparoscópica e tem ensinado esse procedimento nos Estados Unidos,
América Central e América do Sul.
FinP - Você poderia contar um pouco de sua história? eu casei com minha esposa, seu pai explicou-me soDe como se interessou pela Medicina, pela Maçonaria bre a Maçonaria e eu quis me tornar um maçom. E eu
me tornei um maçom há 20 anos. Ele era também um
e pelo Shriner?
Shriner e eu me envolvi com Shriners logo após eu
Peter Diaz - Eu queria ser médico desde criança. me tornar maçom.
Quando terminei o Ensino Médio, eu tive a oportunidade de estudar em uma das melhores escolas de FinP - Antes do ano 2000?
medicina do mundo, na Universidade de Santiago de Peter Diaz - Sim. Antes de 2000.
Compostela, onde meus avós viviam. Eu tinha 17 FinP - Então na época você era um Grau 32?
anos de idade quando fui para lá e aos 23 anos eu já
era um médico. Quando me graduei na Espanha, vol- Peter Diaz - Sim. Eu sou um Grau 32. E eu amo a fratei para os Estados Unidos para fazer minha Especiali- ternidade e a amizade no Shriners. Eu gosto muito
zação. Eu pratico a medicina na Flórida, em Orlando, disso. Eu fui presidente de um clube de carros antifaz 42 anos. Eu trato de crianças, já foram mais de 9 gos. Uma vez por semana nós nos reuníamos e planemil crianças tratadas. Gasto boa parte do meu tempo jávamos viagens para os finais de semana. E esse foi
com crianças. A outra parte de meu tempo me dedico o meu envolvimento com o Shriners por 7 ou 8 anos.
a laparoscopia. Eu aprendi cedo a prática e a tenho Até que um dos membros do Board do Shriners International, Irmão Gary, disse a mim: "Peter, eu tenho
ensinado nos Estados Unidos.
um problema. Há uma vaga aberta no Board. Já tem
FinP - A prática foi desenvolvida na Flórida?
três ou quatro irmãos brigando pela vaga. Mas você é
Peter Diaz - Não. Desenvolvida na Alemanha. Eu fui um médico e nós não temos um médico no Board.
para a Alemanha e tive a oportunidade de aprendê-la Nós administramos 22 hospitais sem um médico. Encom seu criador. Hoje a prática é utilizada nos mais tão você tem boas chances de ser eleito para a vaga."
diferentes tipos de cirurgias, tendo muitas e diferen- Então eu disse: "Ok. Eu farei o meu melhor." E ele me
tes aplicações. E tem a vantagem de não haver perda perguntou: "Quanto tempo você tem para se dedicar
de sangue, sem riscos de infecção, a cicatrização é aos hospitais?" Eu disse: "Dois dias por mês". Ele resmuito mais rápida, a dor é muito menor e a recupera- pondeu: "Dois dias? Não é tão ruim." E agora, eu fico
ção de modo geral é rápida. .
na minha casa dois dias por mês. Eu fui enganado!
Com respeito à Maçonaria, eu me casei com uma mu- (risos). De qualquer forma, eu fui eleito um membro
lher americana, de Baltimore. Seu nome é Victoria. E do Imperial Board em Denver, Colorado, dois anos
seu pai era um maçom. Eu cresci no conceito da famí- atrás. Isso porque sou médico, estou envolvido muito
lia e eu não sabia o que era Maçonaria, mas quando profundamente nas atividades de todos os Hospitais
Shriners. E esses hospitais têm realidades muito difeFinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 49-53, Mai/Ago, 2013.
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rentes. O que todos têm em comum é que, quando
uma criança chega para nós, por exemplo, uma que
perdeu uma perna, nós cuidamos dessa criança até
ela completar 18 anos de idade. Nós garantimos todos os cuidados médicos; as próteses, que vão mudando com seu crescimento; se a criança quer jogar
basquete, é uma prótese própria pra isso. Nós somos
tão envolvidos com nossos pacientes que eles retornam para, por exemplo, se casarem em nosso hospital. Eles têm o Shriners como parte de suas vidas. Isso
é sobre cuidar. Nós cuidamos de tudo. Nós temos
dentistas nos hospitais. Nós temos professores, pois
algumas crianças vêm para ficar no hospital por um
mês ou mais e não queremos que eles percam a escola. Enfim, fazemos um monte de coisas diferentes
dos demais hospitais.
FinP - Em sua opinião, qual a importância dos Hospitais Shriners para a sociedade?
Peter Diaz - Nós apenas nos envolvemos quando parte da sociedade não está recebendo os devidos cuidados. Em 1922 nós abrimos nosso primeiro hospital,
na Louisiana. Um grupo de Shriners se reuniu para
combater uma epidemia de pólio que ocorreu nos
EUA. Muitas crianças não recebiam socorro. Então os
Shriners se juntaram para abrir o primeiro hospital
para crianças. Foi assim que Shriners Hospital começou, tratando de crianças com poliomielite. Mas pólio
não é mais um problema. Então nós nos envolvemos
em outras especialidades, como má formação óssea,
musculares, paralisia, lábio leporino etc. Em 1960,
houve uma grande crise de queimaduras nos EUA e
ninguém cuidava das crianças. Em 1960, uma criança
com 40% do corpo queimado morria. Nos anos 80,
com 70% de queimaduras. Hoje, com 90% do corpo
queimado há 50% de chance de sobrevivência. Foi
um grande avanço nas pesquisas sobre tratamento
de queimaduras. Nós temos 4 Hospitais especializados em queimadura nos EUA. Nós fazemos a maioria
das cirurgias de queimadura dos EUA. Nós treinamos
a maioria dos cirurgiões de queimaduras dos EUA por
conta da nossa excelência.
ners inventaram. Deixe-me dizer uma coisa sobre
bancos de pele que é importante sobre nossa cultura,
a cultura latino-americana. Os anglo-saxões não têm
problema em doar partes dos seus corpos quando
eles morrem. Ter no testamento que seu corpo será
doado para a ciência não é um problema. Isso é muito comum. Pele é muito preciosa para nossos pacientes queimados. E a única forma de termos peles é por
meio de doadores. Na América Latina isso é um grande problema, porque na América Latina o povo não
quer que mexam em sua pele mesmo depois da morte. Isso é preocupante, pois se você tem uma catástrofe, um grande incêndio, pessoas poderão morrer
por você não tiver peles o bastante para atendê-las.
Isso aconteceu no México, quando houve um grande
incêndio em uma escola há 10 anos. Nós perdemos
em torno de 100 crianças. Os hospitais do México
não estavam preparados para queimaduras de crianças, então nós colocamos as crianças em nossos Hospitais Shriners para queimados nos EUA. Depois disso, eles criaram bancos de peles no México. Hoje parecem ser 16. Infelizmente, parece que às vezes é necessário ocorrer um grande evento para que as coisas
mudem.
FinP - Qual a responsabilidade do Board of Trustees
no Shriners?
Peter Diaz - Nós temos dois Boards no Shriners, cada
um com 11 membros. O Board da Fraternidade trata
das relações maçônicas e dos assuntos da Ordem
Shriners. Já o nosso Board of Trustees é responsável
pelos 22 Hospitais e os cuidados médicos que eles
realizam, o que significa investir 500 milhões de dólares por ano, que são necessários para fazer nossos
hospitais funcionarem sempre no maior nível de excelência. Para isso nós controlamos de perto tudo
que ocorre nos 22 hospitais. Essa é a nossa responsabilidade, do Board of Trustees.
FinP - Qual é a principal fonte de renda dos Shriners
para a manutenção dos hospitais?
Peter Diaz - Nós recebemos recursos dos Templos.
Nós temos 205 Templos nos EUA. Além do auxílio adFinP – E vocês têm banco de pele?
vindo dos Templos, nós temos circos, fazemos shows,
Peter Diaz - Nós inventamos o banco de pele. Os Shri- que também geram recursos para os hospitais. TamFinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 49-53, Mai/Ago, 2013.
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bém recebemos doações. E nós temos um departamento que investe esses recursos de forma a multiplicá-los. Temos postos de gasolina, cassinos, supermercados, hotéis e restaurantes. Nós temos vários
departamentos que trabalham juntos para fazer tudo
funcionar. Com isso, nós temos atualmente algo em
torno de 9,3 bilhões de dólares, sendo aproximadamente 7,9 bilhões investidos no mercado financeiro.
O importante é que nós investimos as doações nos
hospitais. Os Shriners não mexem no montante principal porque entendemos que é um legado deixado
por aqueles Shriners que vieram antes de nós, por
muitos e muitos anos atrás.
FinP - Peter, você sabe que as referências hoje mudam muito rápido. O que é referência hoje não costuma ser amanhã. Como os Hospitais Shriners se mantêm referências por tantos anos?
Peter Diaz - Nós cuidamos de nossos hospitais. Nossos membros não precisam saber cuidar de crianças,
mas precisam estar perto dos hospitais o tempo todo. Ajudar a cuidar dos hospitais. Ocorreram muitas
crises nas últimas décadas. Nós nunca fechamos um
hospital. Nós nunca cogitamos a possibilidade de fechar um hospital. Nós criamos hospitais, mas não voltamos atrás. Além disso, nossos hospitais funcionam
sobre um tripé: tratamento, pesquisa e ensino. Temos um legado de investimento em pesquisa. Ensinamos nossos médicos, enfermeiras, técnicos e mantemos convênios com universidades de forma que seus
estudantes de medicina frequentem nossos hospitais.
Nossos hospitais não tratam de tudo e sim de nossas
especialidades e apenas para crianças. Isso nos torna
muito bons no que fazemos. Por isso médicos nos
procuram para aprender conosco, para saber o que
fazemos, como fazemos.
trabalham juntos todos os dias para garantir que o
hospital funcione efetivamente.
FinP - Peter, além dos hospitais nos EUA, nós temos
um hospital no México, outro no Canadá, o que significa que lidamos com diferentes culturas, diferentes
leis, diferentes realidades. Como isso impacta os hospitais? O hospital mexicano, por exemplo, tem diferentes conceitos do que os americanos?
Peter Diaz - Nossos hospitais trabalham de forma
igual. Nós somos a única organização médica em todo o mundo cujo sistema trabalha em três línguas:
espanhol, inglês e francês. Todos os computadores
dos hospitais dos três países estão conectados à nossa sede, num banco de dados único de todos os pacientes e atendimentos. É claro que alguns traços locais podem impactar, mas nós temos em mente que
temos um modelo que funciona e que isso não pode
mudar. Assim, as pessoas que quiserem trabalhar conosco se adequam ao nosso modo, pois nós não mudamos por elas.
FinP - Você já fez muitas cirurgias no Brasil, então
você sabe um pouco como é a realidade da saúde pública brasileira. Em sua opinião, como os Clubes Shriners brasileiros podem agir em suas regiões de forma
a atender a causa Shriner?
Peter Diaz - Acho que o melhor que vocês no Brasil
têm a fazer é se organizarem e trabalharem com todos os clubes juntos. É uma coisa que vocês têm que
aprender a fazer. Depois disso feito, vocês têm que
começar a trabalhar em projetos de pequena escala.
Comecem fazendo clínicas para depois querer um
hospital. Encontrem primeiro voluntários que desejam ajudar crianças e então façam funcionar uma Clínica Shriner. A partir daí, vocês crescem. Não se pode
colocar o carro na frente dos bois. É muito difícil queFinP - E como fazer tudo isso funcionar, tantos hospi- rer pular isso. Não posso dizer que é impossível, mas
tais em diferentes lugares? Como administrar tudo o certo é que se você inicia com passos pequenos,
isso?
você é capaz de fazer um trabalho melhor.
Peter Diaz - Cada hospital tem três principais indivíFinP - Peter, nos EUA você tem leis que incentivam a
duos: o administrador, que é a pessoa responsável doação. Lá os tributos sobre o espólio são altos, enpelo hospital; o chefe dos médicos, que é o responsá- tão é preferível doar. Já no Brasil é o oposto, nossas
vel por todos os médicos; e o diretor da enfermagem, leis praticamente punem o doador com impostos. Coque dirige todas as enfermarias. Esses três líderes
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mo você acha que devemos lidar com essa diferença? tura. Então ele se colocou contra os Shriners no ArPeter Diaz - É exatamente a mesma situação que te- kansas, dizendo aos membros da Grande Loja do Armos na Cidade do México. Lá não temos doadores. A kansas que eles não podem ser Shriners. Isso vai conintenção é realizar uma campanha de doação no Mé- tra o princípio maçônico da Liberdade. Nosso Potenxico porque acho que muitos mexicanos querem do- tado do ano passado o procurou para resolver a situar, mas não sabem como fazer legalmente isso da ação, mas não conseguiu. Este ano, nosso Potentado
melhor forma possível. Então nós temos um time de esteve duas vezes frente a frente com ele e também
advogados dos EUA trabalhando com advogados me- não conseguiu. Então estamos numa situação difícil
xicanos procurando uma solução para o problema. E porque os Shriners do Arkansas estão sofrendo com
isso. Eles estão numa situação difícil. Tivemos um
creio que conseguirão até o final deste ano.
problema similar na Grande Loja da Carolina do Sul,
FinP - Os Hospitais Shriners investem muitos recursos mas foi resolvido quando houve a mudança de Grãoem pesquisa e desenvolvimento. Que tipo de retorno Mestre. Mas na maioria dos Estados, as Grandes Lose obtém desses investimentos?
jas sabem que investir nos Shriners é investir em seu
Peter Diaz - Nós investimos todos os anos algo perto próprio crescimento, pois muitos homens ingressade 30 milhões de dólares em pesquisa. Isso não é ram na Maçonaria por conta do Shriners.
muita coisa. Nós poderíamos estar investindo mais. FinP - Última pergunta: Nos anos 60 a Maçonaria nos
Mas essa é a realidade do que estamos fazendo hoje. EUA era enorme, contando com mais de 4 milhões de
Pesquisadores dos Hospitais Shriners e de fora de membros. Hoje há algo em torno de 1,3 milhão de
nossos hospitais uma vez por ano apresentam proje- membros. Os Shriners aparentemente também sentitos ao Shriners. Nós temos um departamento de pes- ram essa mudança, tanto que mudou os requisitos
quisa que acompanha o desenvolvimento das pesqui- para ingresso no Shriners. Antes você precisava ser
sas. E nós temos um PhD que dirige a estrutura de um Grau 32 do Rito Escocês ou um Cavaleiro Templápesquisa. Os projetos são avaliados e patrocinamos rio do Rito de York para ser Shriner. Agora você apeos melhores projetos conforme suas necessidades. nas precisa ser Mestre Maçom para ser um Shriner. O
Há projetos de 500 mil dólares por ano, outros de Shriners International está preocupado com o futuro
100 mil dólares e por aí vai. Os projetos podem ser da instituição, visto a redução da Maçonaria?
apresentados por qualquer um, mas devem estar relacionados com as áreas de especialização trabalha- Peter Diaz - Claro que estamos sentindo o impacto e
estamos preocupados. Nós já tivemos mais de 1 midas por nossos hospitais. .
lhão de membros e agora temos menos de 300 mil. O
FinP - Recentemente algumas Grandes Lojas norte- problema maior que vemos é que Shriners está ligaamericanas apresentaram posturas contra Shriners. do a pessoas velhas e elas estão morrendo. PrecisaO que Shriners International está fazendo quanto a mos renovar os Templos. Nós temos que mudar isso.
isso? Shriners pretende mudar suas diretrizes?
A liderança dos Templos é formada geralmente por
Peter Diaz - Apenas relembrando que sou um admi- maçons velhos. Então os jovens entram no Templo e
nistrador de hospitais, não sou membro do Board da dizem: "Isso aqui não é pra mim. Só tem velho." Isso
Fraternidade. Eu administro os recursos, mas acho precisa mudar. Nós precisamos envolver os jovens,
que posso dizer o que está havendo. A Grande Loja trazê-los para os Templos. Ainda há a questão do sedo Arkansas tem um Grão-Mestre que não gosta dos cretismo envolvendo a Maçonaria. Muitas pessoas
Shriners. Shriners é diversão e caridade, mas ele não não sabem o que fazemos. Se soubessem, se juntarigosta de nossa diversão! (risos). Mas os Shriners não am a nós. Mas não temos boas relações públicas e
dizem o que seus membros devem fazer, a Ordem dá nem fazemos propaganda do que fazemos. Talvez
liberdade aos membros e isso faz parte de nossa cul- seja a hora de mudar, mostrando o trabalho dos Shriners na televisão, fazendo campanhas em nível nacioFinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.1, p. 49-53, Mai/Ago, 2013.
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nal. Nós já conseguimos mudar a visão de muitas pessoas acerca da Maçonaria nos últimos anos, mas é
algo muito difícil de se fazer.
FinP - Peter, muito obrigado pelo seu tempo.
Peter Diaz - Foi um prazer.
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