ISSN 1688-9363 COMITÉ ORGANIZADOR Carlos Lesino

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ISSN 1688-9363 COMITÉ ORGANIZADOR Carlos Lesino
ISSN 1688-9363
COMITÉ ORGANIZADOR
Carlos Lesino Presidente
Ana Bock
Vicepresidente
Carolina Moll Tesorera
Mario Molina
Liliana Schwartz
Graça Gonçalves
Diana Lesme
Adriana Martínez
Javiera Andrade Eiroa
Argentina
Argentina
Brasil
Paraguay
Uruguay
Uruguay
COMITÉ CIENTÍFICO INTERNACIONAL
Carlos Lesino (Presidente del IV Congreso ULAPSI)
Ana Bock (Presidente de ULAPSI)
Carolina Moll (Tesorera de ULAPSI)
CONSEJEROS DE ULAPSI
Argentina: Mario Molina
Bolivia: María Lily Maric y David Olivares
Brasil: Roberta Gurgel Azzi
Costa Rica: Delio Carlos González Burgos
Chile: María Teresa Almarza Morales
Colombia: Erico Rentería
Cuba: Manuel Calviño
Guatemala: Juan Cristobal Aldana
Mexico: Joel Vázquez Ortega
Paraguay: Diana Silvia Lesme
COMITÉ CIENTÍFICO INTERNACIONAL INVITADO
Élida J.Tuana
Luis Leopold
María del Luján González Tornaría
Javiera Andrade Eiroa
Ana Mosca Sobrero
Eduardo Viera
David Alonso Ramirez Acunã
Patricia Arés
Nelson Zicavo Martínez
Maria Cristina Joly
Christina Veras
Eric Garcia
Luis Morocho Vásquez
Joel Vázquez
Graciela Mota
Carlos Martínez y Luz de Lourdes Eguiluz
Emílio Nava
Cristina Domenico
Mercedes Argaña
Alicia Martha Passalacquea
Hilda Alonso
Mónica Pastorini
Liliana Schwartz
Mónica Braude
Irma Silva
Patricia Altamirano
Graciela De Filippi
Laura Napoli
Carlos Saavedra
Felisa Senderovsky
Miguel Angel Castillo
Francisco Javier Huerta
Georgina Ortiz
Gustavo Carpintero
José de Jesús Gutiérrez
Luis Eduardo Baltazar
Pablo Rivera Valencia
SEDES:
Facultad de Psicología de la Universidad de la República Oriental del Uruguay
Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de la República Oriental del Uruguay
Intendencia Municipal de Montevideo
EJES TEMATICOS
Psicología Latinoamericana, su identidad, su historia y su epistemología.
Perfiles epistemológicos, teóricos, metodológicos y prácticos de la Psicología en América latina. Lo
Científico y lo profesional desde la diversidad de enfoques, problemas y demandas de la Psicología
en el continente. Alternativas en Psicologías. Compromiso y cientificidad. Elaboraciones teóricas y
epistémicas en la construcción de una Psicología desde y para América latina. La historia, lo
histórico, y la identidad de la Psicología y de las psicólogas y psicólogos en América latina.
Psicología, Globalización e Identidad. El abordaje de los procesos informacionales y mediáticos.
Las redes sociales y su significación en las nuevas dimensiones de lo Psicológico.

Psicología Latinoamericana, Derechos Humanos y Democracia.
La Psicología como práctica profesional y sustento científico de las prácticas ciudadanas. El
compromiso profesional con la defensa de los derechos humanos y la democracia. Psicología y

Política. La inserción política de las prácticas profesionales y científicas de la
Psicología. Psicología y prácticas liberadoras. La defensa y el desarrollo de las instituciones
fundacionales: Familia, Comunidad. Aspectos psicológicos, culturales, jurídicos. Libertad, diversidad
y mancomunidad. Retos a la Psicología latinoamericana: Pobreza, Desempleo, Desigualdad,
Violencia. Psicología y Políticas públicas. Experiencias de trabajo, reflexiones teóricas.
Psicología Latinoamericana, Diversidad y Convivencia
La defensa y el respeto de la diversidad en las prácticas profesionales de la Psicología. Aspectos
deontológicos, epistémicos y praxológicos. Diversidad y Política. Diversidad y Cultura. Diversidad,
Genero y Sexualidad. El posicionamiento de la Psicología como saber y como hacer en los
contextos socioculturales, económicos y políticos latinoamericanos. Las acciones comunitarias,
institucionales, cooperativas. Violencia y exclusión. Marginación. Psicología y Comunicación social,
publicidad.

Psicología Latinoamericana, Educación y Cultura
Actuaciones psicológicas en los ámbitos de la Educación. La inserción de la Psicología en las
prácticas de las instituciones Educativas. La defensa de las culturas nacionales. Educación,
espiritualidad, culturas. Diálogos de saberes y prácticas. La Educación crítica, liberadora,
emancipadora. La Psicología en el perfeccionamiento de los procesos de desarrollo personal,
grupal y social. Violencia en escenarios educativos. La Familia y las instituciones educativas.
Tendencias de desarrollo de la Educación universitaria: los retos a la Psicología. Psicología y
movilización social.

Psicología Latinoamericana, Salud y desarrollo sostenible.
Las prácticas profesionales de la psicología en la educación para la salud, la prevención y el
desarrollo del bienestar y la felicidad. Acciones encaminadas al mejoramiento de la salud, la calidad
de vida, y la lucha contra las enfermedades. Dispositivos, procedimientos, técnicas en el accionar
profesional de la Psicología a favor del bienestar. Experiencias profesionales e investigativas.
Reflexiones y elaboraciones teóricas. Paradigmas de trabajo en Psicología clínica, Psicología de la
Salud. El compromiso con el bienestar de los pueblos de nuestra América.
PUBLICACIÓN DE LOS TRABAJOS TOMO II
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO PARA ADOLESCENTES
TRABALHADORES
Renata Danielle Moreira Silva (PPGP/UFES) Lara de
Sá Leal (UFES)
Mayara Tulli Netto (UFES)
Nayara Wiedenhoeft Carvalho (UFES)
Zeidi Araujo Trindade (DPSD/PPGP/UFES) Apoio
Institucional: CNPQ/FACITEC
E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
O trabalho ocupa uma posição central nas sociedades modernas e, nesse contexto, ele
exerce influência na vida dos membros dessa sociedade, na construção de crenças,
atitudes e identidades (Tomás, 1998). Essa afirmação também se estende aos jovens.
Pesquisas indicaram que o trabalho também ocupa uma posição central na vida desses
(Tomás, 1998), sendo inclusive mais importante do que outras preocupações como família,
relacionamentos e violência (Guimarães, 2005)
A adolescência é uma etapa do ciclo vital importante na construção do significado do
trabalho (González & Insa, 2006). Nesse contexto, pesquisas sobre o sentido que os
adolescentes dão ao trabalho mostram que existem muitos aspectos positivos e negativos
para esses sujeitos em relação a trabalhar, a ser um jovem que trabalha. Muitos desses
sentidos dados ao trabalho por esse grupo são representações positivas, o que é confirmado
por Rizo
e
Representações
Chamon
Sociais
(2010).
de
Esses
trabalho
autores
para
afirmam
adolescentes,
que
que
ao
investigar
frequentam
as
o curso
―Treinamento para o mercado de trabalho‖, foi possível observar que os jovens representam o
trabalho como oportunidade de não se envolver em coisas ilícitas, manter-se ocupado com
algo moralmente aceito e valorizado, mas, somado a isso eles representam o trabalho
como oportunidade de adquirir conhecimento e, também dinheiro, com o qual podem
pagar suas despesas e ajudar suas famílias. Além disso, os valores familiares e sociais
reforçam a importância do trabalho e do quanto essa atividade contribui para o futuro (Sarti,
2007, Laranjeira, Teixeira & Boudon, 2007).
Outras
representações
positivas
encontradas
em
estudos
com
jovens
trabalhadores são as relacionadas: às categorias de amadurecimento, à função moral
do
trabalho (Oliveira, Fischer, Amaral, Teixeira & Sá, 2005), à possibilidade de adquirir
bens de consumo que seus pais não teriam condições de proporcionar, à oportunidade de
aprender um ofício (Torres, Paula, Ferreira
& Pinheiro, 2010), à valoração pessoal e profissional, ao desenvolvimento de habilidades de
comunicação e novos relacionamentos (Silveira, 2008), à autonomia, à satisfação dos
pais e aos benefícios trabalhistas (González & Insa, 2006).
Em relação à significação negativa, ―muita responsabilidade‖ se destacou na representação
social de trabalho para jovens de uma escola pública de São Paulo. (Oliveira et al., 2005).
A autora entende que essa visão negativa do trabalho está relacionada ao excesso de
responsabilidade e de exigências, somada à falta de experiência desses adolescentes (Oliveira
e cols. ., 2005). O fato de o trabalho ocupar o tempo que poderia ser dedicado aos
estudos também aparece como negativo (Torres, Paula, Ferreira & Pinheiro, 2010; Silveira,
2008), como também o cansaço e a diminuição do tempo para o lazer e convívio com a família
(Silveira, 2008).
Em seu estudo com adolescentes aprendizes Mattos e Chaves (2006) afirmam que seus
resultados apontam que o trabalho não é representado de forma intrinsecamente positiva
ou negativa pelos jovens. A possibilidade de obter remuneração e com isso contribuir
para o sustento de si mesmos e suas famílias aparecem como elementos positivos e,
nesse mesmo estudo, o aumento da responsabilidade é interpretado tanto de forma
positiva quanto negativa, uma vez
apontam
o
que
alguns
adolescentes
aumento da responsabilidade como incentivo para serem
mais organizados, enquanto outros entendem que isso os deixa cansados e atrapalha seus
estudos.
Os adolescentes aprendizes possuem garantias trabalhistas e recebem treinamento
para o exercício de suas atividades laborais, o que respalda a inserção desses jovens no
mercado de trabalho. Entretanto, a partir do reconhecimento da relevância do trabalho
para o desenvolvimento desses
jovens,
é importante investigar como ocorre
Representação
Social
que
orienta
as
essa
inserção
e
qual
práticas desse grupo
a
enquanto
adolescentes que trabalham.
Representações Sociais (RS) de acordo com Abric (2001) são conjuntos organizados de
informações,
crenças,
opiniões
e
atitudes
sobre
um
determinado fenômeno ou objeto socialmente relevantes. Esse conjunto caracteriza-se
por ser um sistema sócio cognitivo com uma organização específica feita a partir de
conteúdos representacionais estruturados (Abric,
2007).
Essa estrutura representacional, segundo Flament (2001, p. 58) é constituída por um conjunto
de elementos interligados de tal forma que qualquer alteração qualitativa de um desses
elementos causará uma alteração qualitativa dos demais e consequentemente mudança
da
Representação
Social.
Esses elementos se organizam na estruturação de uma
Representação Social em dois sistemas com características distintas, que, todavia funcionam
de maneira interligada: sistema central e sistema periférico (Abric, 2007).
O sistema
central
apresenta
elementos
representacionais
diretamente
relacionados ao sistema normativo sujeito que, por sua vez, estão às condições
históricas, sociológicas e ideológicas desse grupo social e são os elementos mais estáveis,
coerentes entre si e de difícil modificação (Sá,
1996; Abric, 1998).
O
sistema
periférico
refere-se
às
adaptações
individuais
destas
representações ao contexto imediato e permite a integração das experiências e histórias
individuais às representações sociais (Sá, 1996). Os elementos periféricos, em
contraposição ao sistema central são mais flexíveis, suporta a presença
de
elementos
contraditórios, constituindo o aspecto móvel e evolutivo das RS (Abric, 1998).
MÉTODO
Participaram 191 adolescentes, 89 meninas e 102 meninos, com idades entre
14 e 17 anos, inseridos em um programa de aprendizagem profissional de uma instituição da
Região Metropolitana de Vitória/ES. O instrumento continha questões sociodemográficas e,
além disso, uma questão de associação-livre
(Abric, 2003) a partir dos termos indutores trabalho e ser adolescente e trabalhar. Após
o espaço para os participantes escreverem as cinco palavras, imagens e/ou expressões que
associavam ao termo indutor, solicitava-se que indicassem qual consideravam a mais
importante.
O instrumento foi aplicado de forma coletiva, nas salas onde os adolescentes tinham as aulas
referentes à parte teórica do programa de aprendizagem. Primeiro as pesquisadoras
apresentavam-se, explicavam os objetivos da pesquisa, o caráter voluntário e sigiloso e
distribuía-se aos adolescentes o instrumento. Após as explicações iniciais foi feito um treino de
associação-livre e, na sequência, uma das pesquisadoras verbalizava um termo indutor,
esperava que os participantes escrevessem as palavras, escolhessem a mais importante e
justificassem sua escolha.
O banco de dados recebeu formatação adequada à análise do EVOC (Ensemble de
Programmes
Permettant
L‟analyse
dês
Évocations)
que
se caracteriza por ser um
programaque realiza a análise de evocações a partir dos parâmetros frequência
ordem
de aparecimento das
evocações.
e
O
cruzamento desses dois critérios permite o levantamento dos elementos que provavelmente
se associam ao termo indutor e permite o levantamento da organização interna das
representações sociais associadas a esses termos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados, tratados com auxílio do programa EVOC, foram organizados em um quadro de
quatro casas. Os termos situados no quadrante superior esquerdo fornecem a composição
provável do núcleo central da Representação Social. Em contrapartida, os termos situados nos
demais quadrantes correspondem ao sistema periférico da representação. Os temas situados no
quadrante superior direito são muito frequentes, mas considerados menos importantes.
Eles correspondem a ―primeira periferia‖. Os temas do quadrante inferior direito são pouco
frequentes e pouco importantes, são designados como a ―segunda periferia‖. Por fim, os
temas situados no quadrante inferior esquerdo são pouco frequentes,
mas
considerados
muito importantes por quem os evoca, e constituem a ―zona de contraste‖ (Sá e cols.,
2009).
As tabelas 01 e 02 apresentam os elementos constituintes das representações sociais de
trabalho e ser adolescente e ter que trabalhar, respectivamente. Por motivos de espaço restrito
para discussão dos resultados e por apresentarem diversos elementos representacionais em
comum, essas duas representações serão discutidas em conjunto nos próximos parágrafos.
Tabela 01: Representações Sociais de Trabalho para adolescentes
aprendizes
OMI
<2,8
≥ 2,8
Freq. med. Tema evocado
Frequência
OMI Tema evocado Frequência
≥33
Dinheiro
103
2,330 Aprendizagem 33
responsabilidade 84
1,774 Cansativo
50
Compromisso 53
<33
Acordar cedo
Competência
Experiência
Futuro
Independência
Respeito
Salário
17
13
20
13
11
22
27
2,471
2,692
2,700
2,692
2,818
2,773
2,704
Amizade
Chato
Chefe
Comprar
Crescer
Diversão
Equipe
Estresse
Família
Empenho
Honestidade
Ônibus
32
12
15
15
16
13
16
11
08
29
13
10
OMI
2,800
2,940
2,95
3,750
3,500
3,733
3,600
3,188
4,000
3,000
4,000
3,250
3,379
3,530
2,800
OMI= Ordem média de importância.
Tabela 02: Representações Sociais de Ser adolescente e trabalhar de adolescentes
aprendizes
OMI
<2,9
≥ 2,9
Freq. med. Tema evocado Frequência
OMI Tema evocado Frequência OMI
≥34
Responsabilidade 96
2,073 Cansativo
46
3,000
Dinheiro
34
2,971
<34
Acordar Cedo
13
2,769 Alegria
12
3,250
Experiência
21
2,381 Amizade
18
3,611
Aprendizagem
24
2,417 Chato
13
3,462
Compromisso
19
2,684 Empenho
22
3,136
Crescer
22
2,682 Futuro
12
3,583
Dificuldade
22
2,455
Falta de Tempo 17
2,412
Independência 26
2,462
Legal
18
2,833
Oportunidade
15
2,267
Respeito
12
2,583
OMI=
Ordem
média
de
importância.
O
elemento
representações
responsabilidade
―ser
constitui
adolescente e
o
trabalhar‖
núcleo central
tanto
das
como também das
representações de ―trabalho‖. Ambas relacionam-se com outros elementos periféricos como
empenho, respeito, honestidade e compromisso. O conjunto desses elementos traz à luz a
ideia de trabalho como um valor moral, como
algo dignificante e que traz crescimento (Oliveira & cols., 2005), sentido presente em RS
de trabalho de outros grupos sociais.
O termo responsabilidade também aparece no estudo de Rizzo e Chamon (2010),
no
qual, a categoria responsabilidade relaciona-se a elementos positivos, pois, considera-se
que o adolescente ocupa seu tempo com algo moralmente aceito. Oliveira e cols.., (2003)
afirma que os benefícios percebidos pelos adolescentes durante a inserção laboral são
morais, no sentido de atribuir ao jovem uma ―posição‖ no mundo adulto, em função do
aumento de responsabilidades.
Elementos da periferia como
ancoram-se
também
ao
acordar cedo, cansaço, dificuldade
núcleo
responsabilidade.
Esses
e falta de tempo,
elementos podem estar
relacionados à dupla jornada escola/trabalho e possuem aspectos considerados
para
o
desenvolvimento,
bem
negativos
como
para
o
desempenho escolar. A falta de tempo, por exemplo, pode ser consequência da dupla
jornada. Desse modo, o adolescente pode vir a ter menos tempo para os estudos, diversão e
para a família em prol da realização da atividade laboral.
Para os adolescentes, o trabalho pode ter implicações positivas quando propicia
aprendizagem e é revestido de significado. Por outro lado, pode trazer impactos para
desenvolvimento
quando
as
condições
laborais
seu
se
apresentam desfavoráveis Amazarray e cols., (2009). Em pesquisa realizada por Matos e
Chaves (2006) os adolescentes ao refletirem sobre o significado do trabalho, referem-se às
responsabilidades que passam a ter a partir do desempenho dessa atividade, aparecendo
como aspecto central e amplo, inerente ao próprio caráter do trabalho.
Dinheiro compõe o núcleo central da RS de ―trabalho‖ e a primeira periferia de ―ser adolescente
e trabalhar‖. Esse se associa a elementos periféricos como salário, independência, ajudar a
família e comprar, atribuindo o sentido da inserção laboral à possibilidade de autonomia e
de aquisição de bens de consumo. Nesse sentido, essas representações conferem ao
adolescente status social tanto no ambiente familiar, como também no contexto ao qual se
insere.
O
elemento
independência
representações (Trabalho
constitui
e ser adolescente
a
segunda
periferia
e
trabalhar). Rizzo
das
duas
e Chamon (2010)
ponderam que a subcategoria independência esta relacionada ao fato de o adolescente
passar a contribuir financeiramente em casa e custear suas próprias despesas. O que é visto
na maioria das vezes como positivo, pois essa ação é permeada por valores morais. A
promoção de independência aproxima-se também do poder de compra, que até então era
alcançado por meio dos pais. Esse mesmo autor reserva que os jovens buscam o trabalho
como forma de consumir o que seus pais não têm condições de lhes dar (Amazarray e
cols. 2009).
Amazarray e cols. (2009) em estudo realizado com adolescentes em inserção laboral afirma
que, os jovens representam o trabalho como um meio de ajudar as famílias, de adquirir
independência financeira e uma maneira de conquistar liberdade. Em ambos os estudos a
ideia de autonomia está vinculada a dinheiro. Nesse sentido o salário convém para
complementar à renda familiar e também possibilitar o poder de compra, muitas vezes almejado
por esse grupo.
A representação do trabalho como forma de obter dinheiro ou remuneração é ilustrada no
estudo realizado com adolescentes por Matos e Chaves (2006) como sendo aquilo que a
pessoa faz ganhando seu dinheiro de maneira honesta, o meio de obter renda familiar e de
ter a capacidade de se sustentar. Retornando mais uma vez a moralidade consentida
socialmente.
Aprendizagem, experiência, crescer e futuro apesar de não aparecerem no núcleo central
de nenhuma das RS, compõem as três periferias. Tais elementos exprimem a ideia
de linearidade, uma vez que o elemento aprendizagem pode ser considerado como
pré-requisito para que os outros possam ser alcançados. Amazarray e cols. (2009) afiança que
os adolescentes afirmam que ser aprendiz é uma experiência importante para o futuro
profissional e um privilégio na inserção laboral. Esse mesmo autor afirma que, o contrato de
aprendizagem visa à formação técnico-profissional e exige a manutenção das atividades
escolares, diferenciando-se de uma relação de trabalho. Nesse sentido, podemos entender
o elemento aprendizagem como uma
espécie
de
incubadora
que
possibilita
aos
adolescentes terem uma experiência profissional, concomitante a um crescimento pessoal e
profissional. Mattos e Chaves (2006) asseveram que os adolescentes associam trabalho e
desenvolvimento pessoal, sendo o elemento mais significativo à possibilidade de
aprendizagem. Nesse mesmo estudo, os jovens também relacionam o trabalho com a
aquisição de experiência para o futuro.
Os adolescentes demonstram em ambas as representações o elemento amizade. Esse
se caracteriza como um facilitador das relações no ambiente de trabalho que acaba se tornando
um espaço de socialização. Rizzo e Chamoun (2010) afirmam que esse é um ganho
importante para os adolescentes, pois outras pessoas são inseridas no seu círculo de
convivência. Elementos como chefe e equipe também contribuem para o entendimento desse
novo espaço. Assim, os relacionamentos surgidos no ambiente de trabalho possibilitam aos
adolescentes novas experiências e aprendizados, não só com seus pares, mas também com
indivíduos que passam a fazer parte desse novo processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados indicam que, apesar da presença de elementos negativos nessas RS
como
acordar
cedo,
estresse
cansaço
e
falta
de tempo, relacionados
à dupla jornada, são predominantes os elementos positivos como dinheiro, independência,
amizade, diversão e alegria. Pode-se concluir que as RS de trabalho desses adolescentes
pautam-se em suas próprias experiências, práticas
relativas
à
Profissional.
inserção
e vivências de
trabalho
laboral precoce proporcionada pelo Programa de Aprendizagem
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trabalho: significados, dificuldades e repercussões na saúde. Interface - Comunic., Saude,
Educ., v.14, n.35, p.839-50, out./dez.
REPRESENTAÇÕES
ADOLESCÊNCIA
SOCIAIS
DE
ADOLESCENTES
APRENDIZES
SOBRE
Renata Danielle Moreira Silva (PPGP/UFES) Lara de
Sá Leal (UFES)
Mayara Tulli Netto (UFES)
Nayara Wiedenhoeft Carvalho (UFES)
Zeidi Araujo Trindade (DPSD/PPGP/UFES) E-mail:
[email protected]
Apoio Institucional: CNPQ/FACITEC
INTRODUÇÃO
O conceito de adolescência é inaugurado por Stanley Hall (1904, citado por Sprintall &
Collins, 2003), que a caracterizava como uma etapa de transição da infância para a vida adulta
de intensas mudanças fisiológicas que repercutiam nos aspectos emocionais, causando um
aumento da emotividade e do estresse. Parte da pesquisa sobre adolescência ainda é
pautada
em uma abordagem pessimista (Pais, 1990) sobre a mesma, consequência da
adoção do modelo de ―Tempestade e Tensão‖ (Griffin, 2001) que influencia a
conceituação das gerações mais novas pelas gerações adultas. Esse modelo atribui
à
adolescência as seguintes propriedades: 1) transitoriedade 2) instabilidade e conflito.
Bock (2007) afirma que essa concepção de adolescência como fase universal do
desenvolvimento onde o conflito e crise estão naturalmente presentes repercute nas
práticas e intervenções com
vezes
por
terem caráter
adolescentes
curativo
caracterizadas muitas
e preventivo
dos
problemas
naturalizados como ―de adolescentes‖.
A caracterização da adolescência, enquanto etapa do desenvolvimento precede de
vários fatores
quanto a sua definição.
É necessário avaliar
histórico-culturais, vivências, formas de significar os
as diferentes
inserções
processos e diferentes maneiras de se estabelecer limites etários (León, 2005). Contudo, os
limites
etários
fazem-se
necessários
para
marcar
algumas delimitações iniciais,
transformando-se em um referente demográfico (León,
2005). Nesse sentido, ao falarmos em adolescência, estamos falando em formas de
adolescer, de acordo com o contexto social, econômico, cultural (Sudbrack & Dalbosco,
2005).
Moraes, Mendes, Nardi e Menandro (2010) observaram que há uma imprecisão no entendimento
socialmente compartilhado sobre juventude. Isso se deve, pois, ao mesmo tempo em que
os adolescentes são representados como portadores da rebeldia e do desejo de mudança,
outros atributos também lhe são conferidos, como alienação, consumismo e individualismo,
desvalorizando seu potencial.
Amazarray, Thomé, Souza, Poletto e Koller (2009) em estudo realizado com adolescentes
em processo de aprendizagem, afirmam que os adolescentes sinalizam as mudanças e
os aprendizados do próprio desenvolvimento, referentes ao corpo e aos relacionamentos
com os amigos e com a família, nesse sentido, a categoria ―Ser adolescente‖ estaria
relacionada com questões próprias da adolescência, envolvendo aspectos físicos, sociais e
psicológicos.
Os estudos que se utilizam da teoria das Representações Sociais como aporte teóricometodológico são alternativa enriquecedora para estudos na área da adolescência.
Investigar as representações sociais de um determinado grupo de adolescentes sobre um
objeto social permite a compreensão de forma aprofundada do processo de formação de
conhecimentos, práticas, emoções, crenças, valores, organizados no imaginário social,
ancorados no âmbito da situação concreta dos indivíduos que as constroem (Franco, 2007,
2004).
A Teoria das Representações Sociais investiga as formas dos indivíduos compreenderem,
significarem a realidade e incorporarem novos conhecimentos aos saberes anteriores (Santos,
2005). Na gênese das Representações Sociais, no processo de tornar algo não familiar
em familiar dois processos sócio-cognitivos estão presentes: a ancoragem e a objetivação
(Moscovici,
2003).
Toda idéia ou pensamento precisa de ancoragem, que visa, entre outros objetivos,
facilitar a interpretação, permitir a apreensão do objeto estranho em um quadro de referência
comum (Deschamps & Moliner, 2009). A objetivação tem como função dar materialidade a
um objeto abstrato e consiste em reproduzir um conceito em uma imagem para reduzir
a distância entre o conhecimento do objeto social que eles (os indivíduos) constroem
e a percepção que eles têm desse objeto (Deschamps & Moliner, 2009, p. 127).
Segundo a Abordagem Estrutural das Representações Sociais (Abric, 1998) as representações
sociais possuem uma estrutura organizada a partir de dois sistemas: sistema central e
sistema periférico.
O sistema central tem uma determinação histórica e ideológica ligada ao sistema de valores,
crenças e memórias sociais daquele grupo e caracteriza-se por ser estável,
resistente a
mudanças, não comportar incoerências e ser pouco sensível ao contexto imediato (Abric
1993; Sá 1996). Já o sistema periférico permite a integração da representação social com o
contexto social imediato. É mais flexível que o núcleo central e está associado às experiências
individuais dos sujeitos, é tolerante à heterogeneidade e às contradições existentes (Abric
1993; Sá 1996).
A idéia de as representações sociais terem uma estrutura pode remeter à rigidez e imutabilidade,
porém o fato de os sistemas central e periférico serem integrados permite que a
dicotomia Estrutura versus Processo seja superada (Trindade, 1998).
MÉTODO
Participaram 191 adolescentes, 89 meninas e 102 meninos, com idades entre
14 e 17 anos, inseridos em um programa de aprendizagem profissional de uma instituição da
Região Metropolitana de Vitória/ES. O instrumento continha questões sociodemográficas e,
além disso, uma questão de associação-livre (Abric, 2003) a partir do termo indutor
adolescência.
Após o espaço para os
participantes escreverem as cinco palavras, imagens e/ou expressões que
associavam ao termo indutor, solicitava-se que indicassem qual consideravam a mais
importante.
O instrumento foi aplicado de forma coletiva, nas salas onde os adolescentes tinham as
aulas referentes à parte teórica do programa de aprendizagem. Primeiro as pesquisadoras
apresentavam-se, explicavam os objetivos da pesquisa, o caráter voluntário e sigiloso e
distribuía-se aos adolescentes o instrumento.
O banco de dados recebeu formatação adequada à análise do EVOC (Ensemble de
Programmes
Permettant
L‟analyse
dês
Évocations)
que
se caracteriza por ser um
programaque realiza a análise de evocações a partir dos parâmetros frequência
ordem
de aparecimento das
evocações.
e
O
cruzamento desses dois critérios permite o levantamento dos elementos que provavelmente
se associam ao termo indutor e permite o levantamento da organização interna das
representações sociais associadas a esses termos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A tabela 01 apresenta a organização estrutural da representação social de adolescência.
Os dados, tratados com auxílio do programa EVOC, são organizados em um quadro de
quatro casas. Os termos situados no quadrante superior esquerdo fornecem a composição
provável do núcleo central da Representação Social. Em contrapartida, os termos
situados nos demais quadrantes correspondem ao sistema periférico da representação. Os
temas situados no quadrante superior direito são muito freqüentes, mas considerados menos
importantes. Eles correspondem a ―primeira periferia‖. Os temas do quadrante
inferior
direito são pouco frequentes e pouco importantes, são designados como a ―segunda
periferia‖.
Por
fim,
os
temas
situados
no quadrante inferior esquerdo são pouco
freqüentes, mas considerados muito importantes por quem os evoca, e constituem a ―zona de
contraste‖ (Sá, 2009).
O elemento diversão (núcleo central) indica que a adolescência continua a ser significada
como etapa do desenvolvimento humano caracterizada pela curtição (Martins, Trindade
& Almeida, 2003), também relacionado a outros elementos periféricos, como alegria,
bagunça e brincadeiras. Esse período é
significado como a época quando diversas novidades (coisas novas) e mudanças
estão presentes e que permitem aos indivíduos ―aproveitarem a vida‖, por estarem em um
período onde a autonomia em relação aos pais aumenta, o que permite maior
permanência fora do espaço familiar, permite aumento da convivência entre pares e a
frequência em festas.
Tabela 01: Representações Sociais de Adolescência para
adolescentes aprendizes
OMI
<3,0
≥ 3,0
Freq. med. Tema evocado
Frequência
OMI Tema evocado Frequência
≥31
Amizade
49
2,755 Alegria
31
Diversão
79
2,658 Festas
47
Estudar
35
2,971 Namorar
51
<31
Aprendizagem
Bagunça
Brincadeira
Coisas Novas
Crescer
Drogas
Ficar
Juventude
Mudança
Puberdade
Rebeldia
Responsabilidade
Sexo média
OMI=
Ordem
importância.
18
14
13
19
11
24
12
10
12
17
27
21
de23
2,222
2,929
2,923
2,474
2,455
2,625
2,500
2,500
2,333
2,647
2,852
2,429
2,435
Amor
Briga
Escola
Esporte
Gravidez
Sair
Trabalho
11
17
22
14
12
12
27
OMI
3,323
3,468
2,971
3,545
3,235
3,818
3,786
3,000
3,417
3,185
As mudanças que ocorrem no período da adolescência envolvem, além das alterações
biológicas, ―mudanças de papéis, de idéias e de atitudes‖ (Martins; Trindade & Almeida, 2003,
p. 555), o que pode ser observado pela presença de elementos como puberdade e
responsabilidade.
Amizade é um elemento central que marca a importância da socialização para esse grupo.
Outros elementos presentes nas periferias dizem respeito às práticas relacionadas às
vivências românticas, o que inclui relacionamentos afetivos marcados por certa estabilidade
e compromisso (namorar) e outros relacionamentos mais passageiros como ficar e o
relacionamento sexual (sexo).
Estudar (núcleo central) aparece como representação para esses jovens ancorado na
compreensão que se tem de que a escolarização é pressuposto para alcançar um emprego no
futuro (Oliveira, Fischer, Martins, Teixeira & Sá,
2001).
Entretanto,
para
esses
adolescentes
estudar
também
aparece
relacionado ao espaço físico da escola, um local onde eles passam boa parte da sua
adolescência, inclusive constroem relacionamentos (amizades).
A Representação Social de adolescência para esses aprendizes comporta uma contradição
interessante, uma
vez que
ao
mesmo
tempo
em
que
a
adolescência é representada por eles como um período de diversão, quando se pode inferir a
significação da adolescência pelos participantes como período de descompromisso,
elementos
trabalho
e
responsabilidade
também
os
aparecem.
Pode-se inferir, dessa forma, que a diversão por ser um elemento central (ideológico e
histórico) se refere a uma representação geral da adolescência e que os elementos
responsabilidade e trabalho, relacionados ao contexto imediato dos participantes dizem respeito
à representação social que eles têm de si enquanto adolescentes que estudam e trabalham
diariamente.
Rebeldia e drogas, presentes na zona de contraste, aparecem como elementos negativos da
adolescência e reforçam a compreensão de que a adolescência é uma fase naturalmente difícil
e problemática do desenvolvimento humano (Bock, 2004). O aparecimento do termo
drogas
também
indica
que
a representação social de adolescência se ancora na
tendência, compartilhada pela academia e pelo senso comum, desse período como em risco
social, por ser uma etapa onde o adolescente tende a se envolver em situações
potencialmente perigosas que poderão o levar a situações de vulnerabilidade social (Medrado
& Lyra, 2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Representações Sociais de adolescência dos participantes estão pautadas em uma
concepção tradicional de adolescência como uma fase onde ocorrem mudanças de ordem
biológica e de ordem psicossocial.
A adolescência é representada também como um período de diversão com os pares e de
risco
social,
mas
ao
mesmo
tempo
a
partir
de
elementos representacionais
contextualizados na realidade deles, a adolescência é caracterizada como uma fase de
aumento de responsabilidade, quando se concilia estudar com o trabalho cotidianamente.
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UM ESTUDO SOBRE A SAÚDE MENTAL DOS CUIDADORES DE UM HOSPITAL PÚBLICO NA
AMAZÔNIA
UN ESTUDIO SOBRE LA SALUD MENTAL DE LOS CUIDADORES DE UN HOSPITAL
PÚBLICO EN AMAZONIA
Taís Poncio Pacheco1, Danielle Gonçalves Correia2, Vanderleia de Lurdes Dal Castel
Schlindwein3
RESUMO
O estudo foi realizado em um Pronto Socorro do Estado de Rondônia, no Brasil, e teve o objetivo de
levantar
informações sobre a saúde mental dos servidores da enfermagem (técnicos e enfermeiros). A pesquisa
de cunho quantitativa foi realizada a partir de dois instrumentos: o teste psicológico ―Questionário de
Saúde Geral de Goldberg‖ (QSG) e um questionário com dados sócio-demográficos, informações
pessoais e profissionais. Nos aspectos éticos foi apresentado um termo de consentimento Livre e
Esclarecido a todos os participantes. Para os perfis patológico e limítrofe, situações que necessitam
de intervenção observaram-se os seguintes resultados: perfil patológico: stress psíquico (23%);
desejo de morte (10%); desconfiança no próprio desempenho (16%); distúrbios do sono (26%);
distúrbios psicossomáticos (20%); saúde psíquica geral (15%). Casos Limites: stress psíquico (11%);
desejo de morte (11%); desconfiança no próprio desempenho (21%); distúrbios do sono ( 20%);
distúrbios psicossomáticos (23%); saúde psíquica geral (13%). No questionário observou-se que
61% dos trabalhadores avaliaram o próprio trabalho como estressante e, ainda, 56% afirmam que o
trabalho interfere na rotina familiar. Em suma, percebe-se que existe um risco muito alto de
adoecimento mental entre os profissionais de enfermagem e a necessidade de se iniciar ações
de prevenção e promoção à saúde dos trabalhadores da instituição a fim de proporcionar melhores
condições de trabalho aos mesmos.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Saúde Mental. Saúde
Pública.
RESUMEN
El estudio fue realizado en un servicio de urgencias de la Provincia de Rondônia, Brasil, y tuvo como
objetivo
el levantamiento de informaciones sobre la salud mental de los empleados en enfermería
(técnicos y enfermeros). La investigación de tipo cuantitativa fue realizada por medio de dos
instrumentos: el test psicológico ―Cuestionario de SaludGeneral de Goldberg‖ y un cuestionario
con datos sociodemográficos, informaciones personales y profesionales. En los aspectos éticos, fue
presentado un Termo de Consentimiento Libre y Esclarecido a todos participantes. Para los perfiles
patológico y limítrofe, situaciones en las cuales se necesita de intervención, se observó los siguientes
resultados: perfil patológico: estrés psíquico (23%); deseo de muerte (10%),
desconfianza
en
el
propio desempeño
(16%); disturbios de sueño (26%);
disturbios psicosomáticos(20%); salud psíquica general (15%). Casos limites: estrés psíquico (11%);
deseo de muerte (11%),
desconfianza
en
el
propio
desempeño (21%);
disturbios
de sueño
(20%); disturbios psicosomáticos (23%); salud
psíquica general (13%). En el cuestionario se observó que el 61% de los trabajadores evaluaron el
propio trabajo como estresante y aun el 56% afirmaron que el trabajo interfiere en la rutina familiar.
Em resumen, se nota que existe un gran riesgo de enfermización mental entre los
profesionales en enfermería y la necesidad de empezar acciones de prevención y promoción de la
salud de los trabajadores de la institución con fines de darles mejores condiciones de trabajo.
Palabras clave: Salud del trabajador. Salud Mental. Salud
Pública.
1Mestranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia,
Psicóloga da
Secretaria de Estado da Saúde de Rondônia. E-mail: [email protected]
2Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. E-mail: [email protected]
3Doutora em Serviço Social, Professora do Mestrado em Psicologia e do Departamento de
Psicologia da
Universidade Federal de Rondônia/ UNIR. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Esse artigo visa expor uma pesquisa realizada com os profissionais de enfermagem
(técnicos e enfermeiros) de um Hospital Público de Urgência e Emergência no Estado de
Rondônia, que teve como objetivo realizar um levantamento sobre a saúde mental dos sujeitos que
trabalham na instituição.
O setor de saúde vivencia uma precarização das condições de trabalho, pois para
atender às exigências inerentes à atenção integral à Saúde e à humanização das práticas, os
trabalhadores da Saúde necessitam desenvolver múltiplas habilidades e incorporar tecnologias bastante
complexas para superar os desafios que se colocam no cotidiano do trabalho. (BRAGA;
CARVALHO; BINDER, 2011).
Em uma pesquisa realizada por Sala et al (2011) onde se buscou caracterizar o perfil de
licenças médicas entre os funcionários da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, foi
constatado que os maiores percentuais de absenteísmo foram encontrados entre trabalhadores em
funções operacionais e em funções assistenciais em hospitais.
Entre trabalhadores de enfermagem, a literatura mostra que os fatores desencadeantes
associados à depressão podem estar relacionados a fatores internos ao ambiente e processo de
trabalho, como: os setores de atuação profissional, o turno, o relacionamento interpessoal, a
sobrecarga, serviço, os problemas na escala, a autonomia na execução de tarefas, a assistência a
clientes, o desgaste, o suporte social, a insegurança, o conflito de interesses, as estratégias de
enfrentamento desenvolvidas; e a fatores externos ao trabalho, como: sexo, idade, carga de trabalho
doméstico, suporte e renda familiar, estado de saúde geral do trabalhador e as características
individuais. (MANETTI; MARZIALE, 2007).
Outro estudo da Universidade de Campinas (LORENZ; BENATTI; SABINO,
2010) abordou a ocorrência da síndrome de burnout em enfermeiros de um hospital
universitário, assumindo que essa categoria profissional
é especialmente vulnerável a
desordens mentais, pois o seu objeto de trabalho são ações que dependem de intenso
relacionamento interpessoal em ambientes sobrecarregados de fatores estressantes.
As pesquisas apontam que o trabalho na saúde e, principalmente, o trabalho da
categoria de enfermagem, é uma atuação permeada de riscos, inclusive sendo incluída no grupo
das profissões consideradas desgastantes. Lidar com vidas humanas é lidar com imprevistos, e
para enfrentá-los, é preciso improvisação, criatividade e iniciativa. Os trabalhadores constroem
outras formas de trabalhar, maneiras diferentes de se fazer algo, no embate constante com a
complexidade das ações em saúde. (FARIA, 2010).
Os trabalhadores da saúde lidam cotidianamente com situações nas quais o trabalho
prescrito no manual tem que ser reinventado durante a execução do trabalho real. Essa
possibilidade de criação já está imbuída de atributos benéficos para a saúde mental do
trabalhador, porém existem outras questões envolvidas nesses locais de trabalho que
ocasionam sofrimentos, como a degeneração dos vínculos através da negação ou omissão sobre
os direitos constitucionais dos trabalhadores; a precarização dos ambientes e condições de trabalho;
e as dificuldades no âmbito da organização e relações sociais de trabalho em contextos de gestão
ainda tradicional. (SANTOS-FILHO, 2009).
Para compreender melhor a relação sofrimento/prazer no trabalho, Freud (19271980) enfatiza que viver em sociedade significa renunciar aos instintos primitivos, e o trabalho é
uma das formas que o ser humano utiliza para sublimar a energia sexual e obter a satisfação através
de meios culturalmente aceitos.
Dessa forma, o ser humano vivencia um sentimento de utilidade social quando está inserido
no mercado de trabalho. Porém, existe o aspecto negativo dessa inserção, quando o trabalhador não
consegue perceber um sentido ou visualizar o produto de seu trabalho.
Yves Clot (2007) afirma a função psicológica do trabalho com uma dupla
significação: trabalho sobre si e trabalho no mundo dos outros e das coisas. Destacando
também o risco do trabalho ser fonte de sofrimento.
Para Dejours (1994) o trabalho é prazeroso quando possibilita a descarga da energia
psíquica acumulada diminuindo assim a carga psíquica do trabalho que está relacionada à
liberdade dos trabalhadores na organização de seus processos de trabalho.
Associado a essa conexão de prazer e desprazer, o trabalho exerce forte influência sobre
a saúde já que muitas alterações físicas e psíquicas estão relacionadas com a forma como se
reage aos eventos do trabalho. Assim, as condições de trabalho refletem valores e regras sociais e
as doenças dos trabalhadores relacionam-se com diversas variáveis pessoais e institucionais.
(TEIXEIRA; MANTOVANI, 2009).
Pode-se dizer então que o trabalho é uma atividade intrinsecamente relacionada com a
convivência social do homem e, nessa situação, o ser humano pode vivenciar tanto o
sentimento de prazer como o sofrimento pelas condições que vivenciam em cada local. Essas
condições estão relacionadas com diferentes fatores, de acordo com a especificidade subjetiva de cada
um ou do coletivo de trabalho. Com isso, surgem questionamentos sobre a situação psíquica
envolvida no trabalho na saúde e a importância de pesquisas que abordem esses fenômenos.
PERCURSO METODOLÓGICO
A pesquisa é focada em um hospital público da rede de saúde do Estado de Rondônia, situado
na parte oeste da Região Norte do Brasil e na área abrangida pela Amazônia Ocidental.
A Instituição é uma Unidade de Pronto Socorro, que, dentro da rede estadual de saúde, é
referência em atendimento de Emergência para todos os 52 municípios do Estado e áreas
fronteiriças. No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), o Hospital é
caracterizado como uma Unidade de Média Complexidade, com o fluxo de clientela atendida por
demanda espontânea e referenciada. Possui 127 leitos cadastrados, sendo 10 leitos de Unidade
de Terapia Intensiva (UTI) adulto, 95 leitos de clinica geral e 32 leitos de cirurgia
geral.
Por ser a única Unidade de Pronto Socorro do Estado, a Instituição vivencia uma
sobrecarga de atendimentos, ocasionando um número de internações maior que a quantidade
cadastrada no CNES, acontecendo uma superlotação e consequentemente falta de leitos para alguns
pacientes que acabam por ficarem internados em leitos improvisados no chão.
Devido a esse contexto, verificou-se a necessidade de voltar o olhar para os
trabalhadores que convivem diariamente com essa realidade e, assim, o Setor de Psicologia do Hospital
realizou um levantamento sobre a situação psíquica dos cuidadores (enfermeiros e técnicos) no
período de Junho a Agosto de 2008, através da aplicação de dois instrumentos: teste psicológico e
um questionário sócio-demográfico.
Os instrumentos foram aplicados junto à amostra de forma individual, no local de trabalho,
durante o intervalo das suas atribuições, utilizando-se um questionário fechado com dados sóciodemográficos, informações pessoais e profissionais; e o Questionário de Saúde Geral de Goldberg
(QSG).
O QSG consiste em uma avaliação psicológica, composta por 60 itens cujo objetivo está em
avaliar os sintomas psíquicos através dos seguintes fatores: F1-Tensão ou stress psíquico; F2Desejo de morte; F3-Desconfiança no próprio desempenho (auto-eficácia); F4- Distúrbios do sono;
F5-Distúrbios psicossomáticos; e, F6-Saúde Geral (fator geral). O teste em questão possibilita
avaliar a saúde específica dentre cada fator supracitado, assim como (dependendo da necessidade)
analisar como único fator geral (F6), demonstrando dimensões gerais da ausência de saúde mental
(sofrimento psíquico). O referido instrumento foi validado no ano de 1972 e adaptado à realidade
brasileira em 1996.
Inicialmente o trabalho seria realizado com uma amostra de 100 servidores da
enfermagem, no entanto, devido à dificuldade de retirar o servidor do seu local de trabalho por um
tempo aproximado de 40 minutos a pesquisa foi realizada com 61 servidores. Os trabalhadores
eram convidados a participarem da pesquisa, retirados do setor e levados para a sala do Setor de
Psicologia. Na sala de aplicação os sujeitos eram esclarecidos sobre os objetivos e o método da
pesquisa e, após sanarem suas dúvidas, assinaram um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido permitindo o uso dos dados coletados.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Dentre os 61 pesquisados, 09 eram homens e 52 mulheres. Sendo 09 enfermeiros (as) e 52
técnicos (as) de enfermagem. Dentre os sujeitos participantes, 61% afirmaram que acham o trabalho
estressante e, dentre esse percentual, 50% referem como principal fator de estresse a falta de
condições como espaço físico adequado, superlotação e falta de medicações e materiais de
insumo.
A falta de condições de trabalho, relatada pelos trabalhadores como fator de estresse, é algo
comum ao contexto de trabalho na saúde, sendo que se considera o estresse como uma forma de
sofrimento psíquico. Santos-Filho (2009, p. 73) afirma que: ―o trabalho em saúde tem sido ressaltado
como objeto de atenção devido a sua crescente precarização no que se refere às condições de
emprego e de trabalho e repercussões na qualidade de vida e saúde dos trabalhadores‖.
Ainda relacionado a questões voltadas para a qualidade de vida, 56% afirmaram que o trabalho
interfere de forma negativa nas relações familiares, e 76% disseram que tem algum problema de
saúde, porém 54% alegaram que nos últimos seis meses não solicitaram nenhum tipo de afastamento
por motivos de saúde.
Percebe-se claramente que o trabalho no Hospital está causando sofrimento aos
trabalhadores, mas, apesar disso, eles continuam a exercer suas funções. Dejours (2006) nos auxilia
a compreender essa situação quando questiona o conceito de normalidade, ao dizer
que:
A normalidade é interpretada como o resultado de uma composição
entre o sofrimento e a luta (individual e coletiva) contra o sofrimento no
trabalho. Portanto, a normalidade não implica ausência de sofrimento, muito
pelo contrário. Pode-se propor um conceito de ―normalidade sofrente‖,
sendo pois a normalidade não o efeito passivo de um condicionamento
social, de algum conformismo ou de uma ―normalização‖ pejorativa e
desprezível, obtida pela ―interiorização‖ da dominação
social, e sim o resultado alcançado na dura luta contra a desestabilização
psíquica provocada pelas pressões do trabalho. (2006, p. 36).
Percebe-se então, que a grande maioria dos trabalhadores são afetados pelas condições que
vivenciam no trabalho, e cada um vai utilizar as estratégias que dispõem para conseguir manter-se
dentro da normalidade, o que não significa ausência de sofrimento, mas sim uma eficácia na escolha
e utilização dos mecanismos de defesa.
A partir dos dados obtidos com a aplicação do QSG pode-se entender melhor a
manifestação do sofrimento psíquico nesses trabalhadores. Os resultados do teste foram
divididos em 4 categorias, considerando a necessidade de tratamento e/ou de prevenção quanto
a distúrbios psíquicos, a saber: Perfil Patológico, são as pessoas que já estão adoecidas e necessitam
de tratamento imediato; Casos Limites, são aqueles em processo de agravo, necessitando de
atenção e intervenção; Casos com pequenas alterações, indicam a necessidade de prevenção para
evitar agravamento; e Casos sem alterações, são as pessoas com a saúde psíquica considerada boa
e ótima.
Considerando que os casos patológicos e limites são os que necessitam de atenção
imediata, essas categorias foram agrupadas para ilustrar melhor a situação de sofrimento
vivenciada pelos trabalhadores. Nos fatores específicos verificou-se os seguintes resultados: estresse
psíquico – 34%; desejo de morte – 21%; desconfiança no próprio desempenho –
38%; distúrbios psicossomáticos – 43%.
Ainda sobre os dados do QSG, verificou-se quanto ao fator geral de saúde, os
seguintes percentuais: perfil patológico – 15%; casos limites – 13%; casos com pequena
alteração – 26%; casos sem alterações – 43%.
Com isso, percebe-se que, apesar das condições de trabalho serem consideradas
estressantes pelos sujeitos pesquisados, uma grande parte dos trabalhadores conseguem
elaborar estratégias criativas para elaborarem as situações de sofrimento vivenciadas no
ambiente de trabalho.
Ferreira e Mendes
(2001) em pesquisa sobre os trabalhadores que realizam
atendimento ao público, afirmam que:
[...] o sofrimento é capaz de desestabilizar a identidade e a
personalidade, conduzindo a problemas mentais; mas ao mesmo
tempo, é elemento para a normalidade, quando existe um compromisso
entre o sofrimento e a luta individual e coletiva contra ele, sendo o saudável
não uma adaptação, mas o enfrentamento das imposições e pressões do
trabalho que causam a desestabilidade psicológica, tendo lugar o prazer
quando esse sofrimento pode ser transformado.
Conclui-se, então, que mesmo em uma instituição com condições de trabalho
consideradas precárias, como é o Hospital, ainda existe espaço para o prazer e os
trabalhadores, apesar de todo o sofrimento, conseguem manter-se dentro dos padrões
considerados normais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, os dados analisados mostraram que existem riscos muito altos de
adoecimento mental entre os profissionais de enfermagem nessa instituição e a necessidade de se
iniciar ações de prevenção e promoção à Saúde dos Trabalhadores, a fim de lhes
proporcionar melhores condições de trabalho.
Pode-se constatar a valorização atribuída pelos participantes para o momento da
entrevista, visto como uma oportunidade para ―desabafar‖ e ser ouvido. A partir disso, verificase a importância de se oferecer espaços no cotidiano do trabalho para os trabalhadores
compartilharem sobre as situações que vivenciam no Hospital.
Observou-se, na aplicação do QSG, uma resistência de alguns profissionais para falar sobre a
morte. Considerando que este tema se mostra relevante na área da saúde, pois é um enfrentamento
diário entre eles, verifica-se a necessidade de espaços para os profissionais realizarem essa
elaboração, visando, com isso, melhora nas relações da equipe com os pacientes e familiares
que vivenciam esse momento.
Devido à pesquisa ter sido realizada com um desenho quantitativo, verifica-se que alguns
dados obtidos com a aplicação do teste mostraram-se relevantes para novos estudos com
a
abordagem qualitativa e que tenham como foco a compreensão de como os trabalhadores
vivenciam subjetivamente as situações de sofrimento no trabalho.
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INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL E A FORMAÇÃO: REFLETINDO SOBRE ATIVIDADES
TEÓRICO-PRÁTICAS EM PSICOLOGIA
Roberta Fin Motta (Unifra - Email: [email protected]) Monise Gomes
Serpa (Unifra - Email: [email protected]) Brasil – Rio Grande do Sul/RS
RESUMO
O objetivo desse trabalho é refletir sobre os desafios da intervenção psicossocial no
processo de formação no curso de Psicologia do interior do estado do Rio Grande do Sul,
Brasil. Serão analisadas 4 experiências de aula teórico-prática nas disciplinas de Psicologia e
Saúde Coletiva e Psicologia em Contextos Comunitários, ambas, lecionadas no sétimo
semestre
do
curso, entre os anos de 2009 e 2010. A experiência se deu em quatro
comunidades em situação de vulnerabilidade social. A atividade era realizada a partir de uma
entrevista com um morador e uma liderança da comunidade, além dos profissionais de
saúde que atuam nas Estratégias de Saúde da Família (ESF). As aulas teórico-prática
ocorriam ao final do semestre, com o objetivo de oportunizar uma experiência prática na
perspectiva da Psicologia Comunitária e Saúde Coletiva, assim como com a Política de
Saúde, vigente no país. Foi elaborado um roteiro semi-estruturado com perguntas abordando
os aspectos históricos da comunidade, redes de apoio, relações estabelecidas com as
instituições, condições de saúde, entre outras. Nessa experiência, foi possível perceber
algumas dificuldades dos alunos em se inserir nos contexto de pobreza, ao relatarem
medo de serem assaltados, desconforto com a distância do local, em caminhar a céu aberto, de
não ter um lugar ―confortável‖ para se sentar. Tais fatos apontam que apesar da Psicologia,
nos últimos anos, ter ampliado o seu campo de atuação, voltando-se mais para as
intervenções sociais com as minorias sociais, ainda é um desafio propor atividades focadas em
estratégias de enfrentamento da pobreza. Em vista disso, este projeto teve o intuito de
contribuir para este campo de trabalho, em (re) inventar a atuação do psicólogo nesse
contexto, com a intenção de fortalecer e ampliar o campo de atuação.
Palavras-chave: Intervenção Psicossocial; formação; psicologia
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de refletir sobre os desafios da intervenção
psicossocial no processo de formação no curso de Psicologia do interior do estado do Rio
Grande do Sul, Brasil. Para tanto, examina as especificidades, a intersecção e a
articulação dos profissionais da área da saúde, as instituições formadoras e o Sistema Único
de Saúde (SUS) no Brasil, assim como a importância da Psicologia Comunitária nos contextos de
saúde.
Nos últimos anos, as rápidas transformações políticas, econômicas e sociais do
país promoveram inúmeras mudanças, como por exemplo, a VIII Conferência Nacional de
Saúde; o processo constituinte e a promulgação da Constituição Federal de 1988; o Sistema
Único de Saúde (SUS), dentre outros. A partir desta realidade, surgem necessidades que
repercutem diretamente no modelo de formação e de exercício dos profissionais da saúde.
Assim, torna-se necessário que tanto as Instituições de Ensino Superior (IES) passem a
favorecer a capacidade de reflexão e crítica dos acadêmicos, quanto os serviços de
saúde, que são os cenários das práticas, proporcionem aos futuros trabalhadores
saúde
oportunidades
para
o desenvolvimento
de
dessas
capacidades. Percebe-se que para ocorrer à efetivação do SUS, novos modos de ser e de
viver são demandados por parte dos vários atores envolvidos. Nesse sentido, passa a ser
exigido profissionais com perfil diferenciado, com competências e habilidades gerais para
enfrentar as mudanças que já ocorreram e as que ainda precisam ocorrer para a
consolidação do SUS (Schmidt, 2008).
Nesse ínterim, a atividade teórico-prática justifica-se, pois como afirma Ceccim (2005)
torna-se fundamental a interação e interlocução entre os segmentos da formação, da
atenção, da gestão e do controle social em saúde, a fim de permitir o desenvolvimento das
potencialidades existentes em cada realidade.
preciso pensar estratégias
que
Para
tanto, é
fomentem
a mobilização
dos
sujeitos tornando-os agentes de mudanças, E é nessa perspectiva que a Psicologia
Comunitária, a partir de um enfoque sócio-crítico, entende a importância de se desenvolver a
consciência crítica das pessoas a respeito das condições interna e externas que o impedem
de ser sujeitos de direitos e para isso, faz-se necessário desenvolver a sua capacidade
de
autonomia. E desenvolver tal capacidade, nos grupos sociais desfavorecidos torna-se
fundamental na promoção de saúde.
As mudanças ocorridas no contexto econômico social e político na década de 80
geraram um aumento no empobrecimento da população Brasileira (Dimenstein, 1998).
Uma constante preocupação com a melhora da qualidade de vida das pessoas menos
favorecidas fez com que as estratégias de intervenção e o foco da Psicologia se voltassem
para o contexto popular e, com isso, buscassem técnicas que estivessem próximas a esta
realidade (Góis,
1993). O problema central da Psicologia Comunitária não é a relação saúde e doença,
prevenção e tratamento, mas a construção do indivíduo como sujeito de direitos. O sujeito é
fortemente implicado com a sua realidade social que está ligada à realidade do local onde
reside. Por isso, o espaço de atuação do psicólogo passa a ser o lugar/comunidade (Góis,
1993). Assim, a Psicologia Comunitária é uma área da Psicologia Social que estuda o
psiquismo advindo do
modo
de
vida
do
lugar/comunidade,
as
relações
e
representações, identidade, consciência, identificação e pertinência dos sujeitos aos grupos
comunitários (Góis, 1993).
Assim, o presente trabalho pretende refletir sobre os desafios da intervenção
psicossocial no processo de formação no curso de Psicologia do interior do estado do Rio
Grande do Sul, Brasil, no contexto da saúde coletiva e da psicologia comunitária, a partir de uma
atividade teórico-prática.
REFERENCIAL TEÓRICO
A Formação e o Exercício do Profissional de Saúde no Brasil
Conhecer a trajetória histórica e política da saúde no Brasil, nas últimas décadas,
possibilita compreender o processo de formação e do exercício profissional na saúde e da
psicologia nesse contexto. Segundo Theisen (2004) a Reforma Sanitária no Brasil se deu
através de fatos e construções ideológicas, que vão desde o sanitarismo campanhista
por volta de 1965, passando pelo modelo-assistencial privatista, com a prática médica
curativa, até o final da década de 80, com a institucionalização do Sistema Único de Saúde
(SUS).
De acordo com o Ministério da Saúde (2003) o processo de implantação de um
programa de saúde pública e/ou sistema de saúde, que então, começa a
se concretizar e a população passa a receber maior atenção, a partir da VIII Conferência
Nacional de Saúde (CNS/86). Logo, a Conferência foi considerada a pré-constituinte e seu
relatório final propôs a implantação do SUS. Com isso, infere-se que a CNS/86 foi o marco
histórico político-sanitário mais importante na década de 80, pois possibilitou a consolidação
de um projeto consensual dos princípios e diretrizes que norteassem a Reforma Sanitária.
Desta forma o Relatório Final da CNS/86 ampliou o conceito de saúde, referindo que a
mesma é resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida (Brasil, 1987).
Ainda, na Constituição Federal de 1988 se estabelece que ao SUS
compete ―ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde‖ (Brasil,
1988, art. 200, inciso III). Já na Lei Orgânica da Saúde (LOS) de 1990 determina-se
uma política para os trabalhadores da saúde, tendo como objetivo organizar um sistema de
formação em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além de programas
de permanente aperfeiçoamento de pessoal (Brasil, 1990).
Ceccim e Feuerwerker (2004) referem que, ainda, entre 2001 e 2004, foram
aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos
Cursos de Graduação em Saúde (exceto Medicina Veterinária, Psicologia, Educação Física
e Serviço Social), provocando um processo de implantação de novos currículos nos cursos
de graduação nessa área, somando-se ao Movimento da Reforma Sanitária e aos
movimentos educacionais. As DCNs afirmaram que a formação do profissional de saúde
deve contemplar o sistema de saúde vigente, o trabalho em equipe e a atenção integral à saúde.
É nesse período que o psicólogo começa a se inserir na área da saúde mental e,
posteriormente, na saúde pública. Segundo Dimenstein (1998) o campo da saúde mental
passava por um período de crítica ao modelo asilar e hospitalocêntrico, configurando-se um
espaço para a entrada do psicólogo, incentivada pelo investimento feito em diferentes
categorias profissionais, como tentativa de transformar o modelo médico vigente
e de
formar as equipes multiprofissionais. Spink (2007) fala sobre a inserção do psicólogo em
serviços vinculados ao SUS: ―... somos muitos, porém ainda poucos...‖. As leis
brasileiras não incluem o psicólogo na equipe de atenção primária. Fazem
parte da equipe mínima, o enfermeiro, o médico, o odontólogo (que tem sua participação
garantida pela incorporação de uma equipe de saúde bucal em cada equipe de saúde da
família), técnico em enfermagem e seis agentes comunitários de saúde (Boing, Crepaldi,
Moré, 2009).
Ao se deslocar para o contexto da saúde pública, o Psicólogo reviu os seus modelos
de atuação que até então estavam voltadas para uma clientela socioeconômica
mais
favorecida em consultórios particulares (Dimenstein,
2000). No contexto da saúde pública, o sofrimento psíquico passou a ser atrelado à
realidade de pobreza da maioria da população atendida por esses serviços. Com isso, as
ações que objetivavam a promoção e prevenção de saúde deveriam levar em consideração os
efeitos que as condições de pobreza produziam na subjetividade das pessoas. Nessa
concepção, o sofrimento humano está atrelado às condições sociais, culturais, históricas
na qual a pessoa e a sua comunidade estão inseridas.
A
Psicologia
Comunitária,
referencial teórico e metodológico utilizado nesse trabalho, compreende a pessoas como
uma realidade concreta, sociohistórica e ideológica (Góis,
2005). Nessa perspectiva a saúde, vista como comunitária, está fortemente relacionada com
a realidade social na qual a pessoa reside. Por isso, o campo de trabalho do psicólogo é a
comunidade, o espaço de moradia.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Foram analisadas 4 experiências de aula teórico-prática nas disciplinas de Psicologia
e Saúde Coletiva e Psicologia em Contextos Comunitários, ambas, lecionadas no sétimo
semestre do curso, entre os anos de 2009 e
2010. A experiência se deu em quatro comunidades em situação de vulnerabilidade
social. A atividade era realizada a partir de uma entrevista com um morador e uma liderança da
comunidade, além dos profissionais de saúde que atuam nas Estratégias de Saúde da Família
(ESF). As aulas teórico-prática ocorriam ao final do semestre, a mesma objetivava
oportunizar experiência prática na perspectiva da Psicologia Comunitária e Saúde Coletiva,
assim como a Política de Saúde, vigente no país. Foi elaborado um roteiro semiestruturado com perguntas abordando os aspectos históricos da comunidade, redes de apoio,
relações estabelecidas com as instituições, condições de saúde, entre outras.
Na primeira experiência de contato com a comunidade, foi possível perceber
algumas dificuldades dos alunos em se inserir nos contexto de pobreza, ao relatarem
medo de serem assaltados, desconforto com a distância do local, em caminhar a céu aberto, de
não ter um lugar ―confortável‖ para se sentar. Tal estranhamento demonstrado pelos alunos e
alunas, aponta para a questão de qual é a expectativa deles e delas sobre qual deve ser o
lugar de atuação do Psicólogo e o que esperar disso. Segundo Branco (1998), o serviços
psicológicos
são
voltados
em
sua
maioria
para
o
público
mais favorecido
financeiramente nos consultórios particulares, restando para a população mais pobre o
serviço médico psiquiátrico. Conforme a pesquisa realizada pelo Conselho Federal de
Psicologia, apesar da emergência de novas demandas de trabalho ao psicólogo e psicóloga,
advindas da realidade social vigente da população brasileira, o seu perfil e modo de atuação
ainda permanecem no modelo tradicional (Bastos & Achar), 2006). De acordo com Freitas
(2008), a formação de profissionais voltados para uma prática mais comprometida com a
realidade da população brasileira e engajados no processo de mudança social, tem sido
um das grandes preocupações na constituição do fazer psicológico acadêmico. Para a autora,
na psicologia ainda lidamos com perspectivas individualizantes na forma de analisar os
fenômenos sociais e, no nosso fazer, temos pouca proximidade com os problemas
concretos de grande parte da população brasileira.
Na experiência vivenciada, o nosso papel enquanto professores e professoras de
preparar alunos e alunas para atuarem de forma competente e compromissada com a realidade
social em que estamos inseridos (as) tem sido constantemente colocado em questão. Analisar
metodologias e a didática no cotidiano dentro e fora da sala de aula que possam
desacomodar os(as) alunos(as) nos seus modos estritamente individualizantes de pensar
sobre o psiquismo humano tem sido um grande desafio. Além disso, faz-se necessário avaliar
quais recursos temos utilizado nas práticas psicológicas para lidar com a dimensão concreta
dos problemas sociais enfrentados nos contextos de pobreza e qual desses recursos tem
produzido melhoria e mudança.
Segundo Guzzo e Lacerda Jr (2007), trabalhar com políticas de enfrentamento
a pobreza faz com os profissionais tenha uma nova forma de pensar a humanidade. Para os
autores, nos contextos de pobreza, é possível
visualizar as conseqüências ―injustas‖ e contraditórias do sistema capitalista, o que gera nos
profissionais sentimentos de impotência. Por isso a importância da Psicologia ir além dos seus
conhecimentos específicos e buscar em outros saberes, como a antropologia, sociologia e
educação, ferramentas que contribuam nesse pensar-fazer psicológico.
Em relação à atuação do psicólogo nas Unidades de Básicas de Saúde, alocadas em
regiões que se encontram em vulnerabilidade social, não é tarefa fácil, pois envolve aspectos
relacionados a formação e atuação diária neste contexto.
Através
da
atividade
percebemos algumas das dificuldades em relação ao papel do psicólogo, como por
exemplo, a inexistência de profissionais
dos
gestores e
nesses
locais, ficando
demais profissionais
de
a
mercê
saúde
de
conhecer as potencialidades do trabalho do psicólogo e, com isso legitimar a contratação.
Através da situação de não se ter um profissional no local, percebemos a influencia que gera na
escolha do aluno pelo local de estágio e propriamente pelo campo de atuação (atenção básica).
Ainda, de acordo com Böing, Crepaldi e Moré (2009) ao se discutir a efetividade da
atuação e a formação acadêmica, muitas vezes, nas instituições de ensino a realidade
apresentada não é condizente com a vivenciada pela saúde coletiva, o que acaba por
reproduzir o modelo tradicional. Entretanto, esse mesmo fato, produz, em alguns alunos, a
potência de buscar estratégias, esclarecimentos, estudos, sobre a atuação e a possibilidade
de se abrir mais campos de atuação para o psicólogo, nessa área, ou seja, a psicologia
na saúde coletiva, especificamente, na atenção básica. Assim, Dimenstein (2001) afirma que o
profissional que atua nessa área, deve ter a capacidade de criar modos singulares de cuidado
e atenção integrada priorizando as diversidades e singularidades de cada um. Este precisa se
soltar das amarras da técnica e do conhecimento e assumir uma postura mais flexível levando
em conta sempre as necessidades e potencialidades dos usuários.
Tais fatos apontam que apesar da Psicologia, nos últimos anos, ter ampliado o
seu campo de atuação, voltando-se mais para as intervenções sociais com as minorias
sociais, ainda é um desafio propor atividades focadas em estratégias de enfrentamento da
pobreza. Em vista disso, este projeto teve o intuito de contribuir para este campo de trabalho,
em (re) inventar a atuação
do psicólogo nesse contexto, com a intenção de fortalecer e ampliar o campo de atuação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho apontou que apesar da Psicologia, nos últimos anos, ter
ampliado o seu campo de atuação, voltando-se mais para as intervenções sociais com
as minorias sociais, ainda é um desafio propor atividades focadas em estratégias de
enfrentamento da pobreza. Tal fato mostra
estarmos,
enquanto
a
importância
de
docentes,
incluindo
em planejamento
didático-pedagógico atividades que favoreçam aos alunos e alunas uma aproximação à
realidade da população pobre, seja por meio de artefatos culturais como matérias
jornalística, propagandas, vídeos e filmes, como também visitas aos espaços onde são
realizados os estágios na perspectiva da Psicologia Comunitária. Além disso, espera-se
que nessa aproximação, a reflexão dessa realidade contribua na problematização de
nossas práticas psicológicas voltadas para a população pobre.
Com isso espera-se que o olhar psicológico não se limite a ver o sujeito apenas na sua
dimensão abstrata, mas também como sujeito concreto, com demandas sociais que, quando
não atendidas de forma justa e democrática, refletem diretamente na sua qualidade de vida.
Por isso, a concepção de saúde na qual trabalhamos leva em consideração não só a
dimensão biológica nas estratégias de prevenção e promoção, mas também os modos de
vida da pessoa e da comunidade na qual a ela está inserida.
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A PSICOLOGIA NA ASSISTÊNCIA SOCIAL: PRÁTICAS VIVENCIADAS E
CONHECIMENTO PRODUZIDO
Roberta Fin Motta (PUC RS – Email: [email protected]) Helena
Scarparo (PUC RS – Email: [email protected])
Brasil - Rio Grande do Sul/RS
RESUMO
Este texto trata de uma Dissertação de Mestrado, que aborda a relação entre o saber-agir da
Psicologia e o campo da Assistência Social, no Rio Grande do Sul, Brasil. Para explorar o
tema, enfocamos os processos de inserção e atuação da Psicologia no campo da
Assistência Social, tendo em vista duas fontes de dados: produções científicas e narrativas.
Nas produções científicas, buscamos
compreender
o
conhecimento
produzido
sobre
processos de constituição das práticas do psicólogo no campo da Assistência Social em
teses e dissertações brasileiras publicadas entre 2004 e 2010. Com apoio numa proposta
de revisão sistemática, observamos escassez de estudos nessa área e constatamos
peculiaridades concernentes às condições de trabalho, à consolidação profissional da
Psicologia no campo da Assistência Social, às interlocuções com outras áreas e aos
desafios cotidianos impostos e enfrentados nesse campo. A segunda seção apoiou-se
nas experiências de profissionais da Psicologia que efetivam ou efetivaram saberes e
práticas no campo da Assistência Social, a partir da década de 1990, em Porto Alegre.
Como estratégia metodológica, utilizamos a coleta e análise de narrativas, tendo como
referencial teórico, o construcionismo social. Dentre os resultados deste trabalho, destacamos
os descompassos entre a formação e a prática profissional, a contradição entre a
necessidade de promover estratégias para construção cotidiana e coletiva concomitante à
compreensão deste processo como obstáculo ao trabalho e, finalmente, a ideia de que a
Política Pública de Assistência Social é uma travessia pouco explorada e pouco articulada
às demais Políticas Sociais. Por fim, o trabalho reforça a relevância do debate sobre a
inserção das práticas dos psicólogos no campo da Assistência Social,
tendo em vista a reflexão crítica e a transformação de concepções, lugares e projetos sociais
para a profissão.
Palavras-Chave: Psicologia, Assistência Social, narrativas, produção de conhecimentos.
INTRODUÇÃO
Este texto trata de uma Dissertação de Mestrado, que aborda a relação entre o saberagir da Psicologia e o campo da Assistência Social, no Rio Grande do Sul, Brasil. Para
explorar o tema, enfocamos os processos de inserção e atuação da Psicologia no campo
da Assistência Social, tendo em vista duas fontes de dados: produções científicas e narrativas.
Nas
últimas
décadas,
muitas
experiências
na
Psicologia
têm
possibilitado vislumbrar práticas direcionadas aos problemas sociais brasileiros e voltadas para
o fortalecimento da população no enfrentamento das situações de vulnerabilidade social. Como
resultado definiram-se mais nitidamente as concepções acerca das contribuições da
Psicologia para as Políticas Sociais Públicas. Além disso, constituíram-se novas referências
para o exercício da profissão (CFP, 2005). Como decorrência, as aproximações entre
Psicologia e Políticas Sociais Públicas no contexto brasileiro têm trazido indagações quanto aos
processos de construção dos conhecimentos, das práticas que geram e dos territórios de
poder que inauguram.
Concomitante à inserção da Psicologia no campo das Políticas Sociais Públicas ainda
é incipiente a discussão sobre as práticas psicológicas na Assistência Social. Além disso,
a atividade dos psicólogos é imprescindível, tanto para os profissionais e gestores que
atuam nessa área, como para os usuários. Scarparo e Guareschi (2007) salientam que existe
uma discrepância entre a necessidade de trabalho no âmbito das Políticas Sociais e o
despreparo dos profissionais para enfrentar os desafios relativos a esse campo. Nesse
sentido, essa problemática, de acordo com as autoras implica em assumir o compromisso
de compreender a magnitude das questões abordadas ao planejar, gerir e avaliar
ações. Bem como, que a formação favoreça o conhecimento e a crítica dos pressupostos
das Políticas Sociais e da amplitude do espaço público (Scarparo e Guareschi, 2007). Deste
modo, para reafirmar o
compromisso
ético-político
do fazer
psicológico
é fundamental
produzir
conhecimentos sobre o tema.
OBJETIVO
Compreender os processos de articulação entre a construção das práticas psicológicas e
a Assistência Social em Porto Alegre, a partir da década de
1990. E, relatar o conhecimento produzido sobre processos de constituição das práticas do
psicólogo no campo da Assistência Social em teses e dissertações brasileiras publicadas entre
2004 e 2010.
REVISÃO TEÓRICA
Nesse capítulo, pretendemos abordar aspectos da História da Psicologia Social no Brasil
e Rio Grande do Sul e a inserção da psicologia na perspectiva das Políticas Sociais Públicas.
Reconhecer a trajetória implica em entendê-la como um produto histórico, cujos
determinantes passam pelo contexto sócio- histórico-político no qual a profissão se insere. Com
isso podemos ter subsídios para a compreensão dos processos de articulação entre a
construção das práticas psicológicas e a Assistência Social em Porto Alegre, a partir da década
de 1980, adentrando a década de 1990.
A partir dos anos oitenta, o País começa a viver a abertura democrática, os psicólogos
procuraram discutir os conflitos existentes entre as diferentes abordagens
teóricas
e
metodológicas e a criar espaços para repensar o trabalho voluntário. Houve um aumento
crescente no número de práticas psicossociais,
relacionadas
às
destacando-se
as
práticas
comunidades carentes, as instituições totais, dentre
outras (Freitas, 2009, Bomfim, 2004). É importante, também, o envolvimento dos psicólogos
no movimento da saúde, com participação ativa na luta antimanicomial, nas Conferências
Nacionais de Saúde, que acabam definindo algumas das condições para a inserção da
categoria no campo público do bem estar social (Yamamoto, 2007). Em meados de
1980 temáticas relacionadas às práticas psicossociais começaram a
ocupar
espaços
significativos e de interesse em diversos encontros científicos. Assim, em 1980 surge a
Associação Brasileira de Psicologia Social
(ABRAPSO) e em 1984, Lane e Codo organizam a obra que pode ser considerada
marco da ruptura da Psicologia Social, intitulada Psicologia Social: o homem em movimento.
Nessa obra vê-se claramente o rompimento com a Psicologia
(Bernardes,
2008).
Também,
entre
Associação Nacional de Pesquisa e
Social
norte-americana.
as associações científicas tem-se destacado a
Pós-graduação
em
Psicologia
(ANPEPP)
e
a
Sociedade Brasileira de Psicologia. (Bomfim, 2004).
Assim, Bernardes (2008) reconhece que a realidade parece ser outra, uma vez que
os países latino-americanos estão construindo uma produção em Psicologia Social,
contextualizada, baseada na história de sua comunidade e preocupada com a cultura, os
valores, os mitos e os rituais. Nesse ínterim, é fato que a inserção do psicólogo nas
Políticas Públicas cresceu muito nos últimos dez anos, principalmente nas áreas de saúde e
saúde mental, políticas de proteção à criança e ao adolescente e, mais recentemente, na
área da Assistência Social.
A discussão sobre Políticas Sociais Públicas é um tema relativamente novo para a
ciência e para a prática psicológica. Embora haja o engajamento social e político de alguns
profissionais da área praticamente desde seu reconhecimento como profissão no Brasil, e
o movimento em busca de um compromisso social com a maioria da sociedade brasileira e
com seu contexto sociopolítico e econômico já venha tomando corpo há pelo menos vinte anos;
a inserção de profissionais como parte das equipes de trabalho em Políticas Públicas só
tomou maiores proporções na última década (Fontenele, 2008).
Essa atuação foi acompanhada pela construção, na Psicologia, do compromisso
social, com a participação de psicólogos de todo o País. A partir dessa perspectiva, é
valorizada a construção de práticas comprometidas com a transformação social, em direção a
uma ética voltada para a emancipação humana. Diferentes experiências apontaram
alternativas para o fortalecimento dos indivíduos e grupos para o enfrentamento da situação
de vulnerabilidade. Como resultado dessas experiências houve uma ampliação da
concepção social e governamental acerca das contribuições da Psicologia para as
Políticas Públicas, além da geração de novas referências para o exercício da profissão de
psicólogo no interior da sociedade (CFP, 2005). Esse fato é vislumbrado nas pesquisas
organizadas pelo Conselho Federal de Psicologia
no qual demonstra que há nos últimos anos um aumento progressivo do número de
profissionais em novos espaços de atuação, sobretudo na Assistência Social, seja no
âmbito público, seja no privado sem fins lucrativos (CFP, 1994; 2001; 2004).
MÉTODO
Para explorar o tema, enfocamos os processos de inserção e atuação da Psicologia no
campo da Assistência Social, tendo em vista duas fontes de dados: produções científicas e
narrativas. Nas produções científicas, buscamos compreender o conhecimento produzido sobre
processos de constituição das práticas do psicólogo no campo da Assistência Social em teses
e dissertações brasileiras publicadas entre 2004 e 2010, com apoio numa proposta de revisão
sistemática.
Já a segunda seção apoiou-se nas experiências de profissionais da Psicologia que
efetivam ou efetivaram saberes e práticas no campo da Assistência Social, a partir da
década de 1990, em Porto Alegre. Como estratégia metodológica, utilizamos a coleta e
análise de narrativas, tendo como referencial teórico, o construcionismo social.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os resultados desse trabalho, observamos a
escassez
de
pesquisas sobre o tema, e destacamos os descompassos entre a formação e a prática
profissional, a contradição entre a necessidade de promover estratégias para
construção
cotidiana e coletiva concomitante à compreensão desse processo como obstáculo ao
trabalho e, finalmente, à ideia de que a Política Pública de Assistência Social é uma
travessia pouco explorada e pouco articulada às demais Políticas Sociais.
Percebe-se que, em relação à Assistência Social, houve avanço nas últimas
décadas, no Brasil, no que se refere aos sentidos sociais atribuídos a essa prática.
Constatamos a diminuição da associação do assistencialismo, da benemerência, da filantropia
e da conotação de clientelismo político em troca da vinculação com o estatuto de Política
Pública.
No entanto, vários desafios foram elencados ao longo da investigação. Podemos citar
como exemplos substantivados nas interlocuções com outras áreas,
interdisciplinaridade,
na
intersetorialidade,
na
busca
no
caso,na
de melhoria das condições de
trabalho, nos movimentos que buscam retomar antigas formas de saber-agir na Assistência
Social, nos descompassos entre a formação e a atuação profissional, e a consolidação
profissional no campo da Assistência Social. Nesse processo, encontra-se a Psicologia.
Sabemos que a sua inserção na Política Pública de Assistência Social ainda é recente e que as
discussões sobre sua interlocução com a Política de Assistência Social ainda estão sendo
desenvolvidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cabe destacar a importância de se ter estudos que possam refletir, problematizar
e aprofundar os conhecimentos na área em questão. Desse modo, sendo plausível o intuito
de contribuir para a produção do conhecimento em prol do desenvolvimento da Psicologia,
entendida como ciência e profissão.
Por fim, o trabalho realizado reforça a relevância de intensificar o debate sobre a
inserção das práticas dos psicólogos no campo da Assistência Social, tendo em vista a
reflexão crítica e a transformação de concepções, lugares e projetos sociais para a profissão.
REFERÊNCIAS
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perspectivas e limites do trabalho do Psicólogo. Psicologia & Sociedade; 19 (1):
30-37; jan/abr.
A DICOTOMIA ENTRE PÚBLICO/PRIVADO NA RESSOCIALIZACÃO E REINSERÇÃO DO PRESO NO
PROCESSO PRODUTIVO
Rose Ani Jaroszuk1, Sylvia Mara Pires de Freitas2, Tereza Rodrigues Vieira3
O intuito deste trabalho é refletir sobre questões suscitadas a partir de uma pesquisa de campo realizada
com mulheres encarceradas que cumprem pena em regime fechado em uma unidade penal de segurança
máxima no Estado do Paraná, Brasil. A pesquisa conta com o apoio do CNPq – Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
– Brasil e tem como base teórica para a análise a abordagem fenomenológico-existencial. Partindo da
complexidade do ser humano e da conjuntura político, econômica, social atual latino-americana, intensifica-se
a importância e necessidade da atuação da Psicologia como uma ciência que pode, através do
encontro com o outro, aceder à realidade humana construída através da relação homem/mundo, com seu
caráter subjetivo/objetivo, individual/coletivo, e assim poder se implicar com a construção de uma nova
realid ade, objetivando questionamentos e superações de impasses a situações que afligem e causam
sofrimento ao homem na vivência do seu cotidiano.
Parar para pensar, nos dias de hoje, no sistema penitenciário, nos presos, na sociedade intra e extramuros
deste sistema, não resulta em uma tarefa animadora, fácil, muito menos passível de ser delegada a
responsabilidade apenas a alguns. Talvez decorrente disso a demora e a dificuldade de alguma
transformação dessa realidade, haja vista que ela
operadores
e
instituições
apresenta
um emaranhado de
que
exige
atores,
entendimento,
desvelamento e atendimento integral por parte das mais diversas ciências atuando interdisciplinarmente,
além do espaço que deve ser ocupado por todos nós como cidadãos.
Quanto à Psicologia, Silva (2007) ressalta que é necessária uma reconstrução da prática dos psicólogos
envolvidos
com o
contexto
prisional,
através
de
parceria
e
trabalhos multidisciplinares
e
interdisciplinares, para compreenderem e atenderem a realidade
carcerária, que de alguma forma ou outra implica toda a sociedade.
1 Discente do 5o ano do curso de Psicologia da Universidade Paranaense - UNIPAR (Umuarama/PR/Brasil)
– Bolsista do CNPq - Brasil. Email: [email protected]
2 Psicóloga. Mestre em Psicologia Social e da Personalidade (PUC/RS). Especialista em Psicologia do
Trabalho (CEUCEL/RJ). Formação em Psicologia Clínica (NPV/RJ). Docente dos cursos de Psicologia da
Universidade Estadual de Maringá (UEM/Maringá/PR/Brasil) e da Universidade Paranaense - UNIPAR
(Umuarama/PR/Brasil). Email: [email protected]
3 Pós-doutorado em Direito pela Université de Montreal, Canadá e Professora do Mestrado em Direito da
Universidade Paranaense-UNIPAR (Umuarama/PR/Brasil. Email: [email protected]
Relacionado ao sistema prisional e visando contribuir com os profissionais da Psicologia, o Conselho
Federal de Psicologia (CFP) em parceria com o Ministério da Justiça e através do diálogo
com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) elaboraram e publicaram uma cartilha (2007)
com diretrizes para Atuação e Formação dos Psicólogos para a área prisional do Brasil.
No entanto, essa problemática não é superficial, pois suas raízes se encontram na estrutura políticaeconômica, assim, como em outros aspectos que abrangem questões contemporâneas. É difícil buscar a
compreensão de uma realidade sem adentrar na influência que o Estado liberal operou e opera
na construção de valores que fundamentam ações. Mesmo não sendo nossa temática principal, vale
destacar, a partir das palavras de Baumann (2000) que, se o liberalismo foi em sua época uma ideologia
avançada e desafiadora, hoje se caracteriza pela rendição. Coloca este autor que:
Este não é o melhor dos mundos imagináveis, mas o único mundo real. Além
disso, todas as alternativas são, devem ser e se revelarão piores se
experimentadas na prática. O liberalismo reduz-se hoje ao mero credo de que
―não há alternativa‖. Se quiser descobrir quais são as raízes da crescente apatia
política, também não precisa procurar muito. Esta política louva e promove o
conformismo [grifos do autor] (BAUMAN, 2000, p.12).
Resulta ser um exercício simples olhar retrospectivamente para a construção da sociedade em
seus diferentes momentos e observar a constituição de normas, contratos, leis que, consensual
compulsoriamente,
ou
serviram e continuam servindo para estabelecer os direitos e deveres
dos indivíduos, bem como a garantia de formas de convívio, ao mesmo tempo em que proporciona um
controle sobre o social. Complexo, no entanto, é o trabalho que exige a percepção do presente e ações
que visem atender as demandas atuais, buscando, sobretudo, o humano que nos caracteriza
enquanto existência.
É imprescindível debruçar-se sobre a problemática do sistema prisional e formular questões que
conduzam às respostas inovadoras e às ações que caminhem ao encontro das demandas atuais, pois
como assertivamente esclarece Bauman (2000, p. 14) : "Nenhuma sociedade que esquece a arte de
questionar ou deixa que essa arte caia em desuso pode esperar encontrar respostas para os problemas
que a afligem‖. Destarte, a pretensão desse artigo não está em proporcionar respostas, nem tampouco
expor a construção e função das prisões, já trabalhadas por Foucault (1979, 1998). Intenta-se aqui
levantar questões provocativas, que incitem ações capazes de superar algumas contradições existentes
no processo brasileiro de ressocialização e reintegração do preso
como cidadão no sistema produtivo; além de esquadrinhar a dicotomia público/privado e sua influência na
dinâmica desse processo no atual contexto histórico, sócio-cultural, político e econômico no qual, nós
brasileiros, estamos imersos e somos transpassados.
De maneira sintética, podemos dizer que o capitalismo é um sistema que mantém uma dinâmica de
acumulação e centralização de capital apoiado pela ideologia liberal , que através da globalização teve
esse
processo
ampliado
para
a internacionalização
interesses fortemente arraigados no capital, que defendem
sistema,
contribuem
com
da expansão capitalista. Evidentemente, os
a
manutenção
do
o
aumento
abismal
da
desigualdade social. No entanto a globalização não se plasma somente na dimensão econômica, pois
adentra o social, jurídico, político, cultural que, por sua vez, estão articulados intrínseca e
complexamente. Neste contexto, o binômio público/privado está configurado por uma diminuição da
intervenção do Estado no setor público e um aumento da pseudo-autonomia do setor privado. De acordo com
Bobbio (2000) o liberalismo exibe o conceito de liberdade negativa, ou seja, aumentando o poder de uma
pessoa, diminui- se o poder da outra, assim pretende-se que, aumentando a liberdade do indivíduo, reduz- se
o poder e a função do Estado.
Para ampliar a compreensão da dicotomia público/privado, trazemos a visão de Arendt (2007) que expõe
o público como a esfera caracterizada pelo Comum, entendido como o que é perceptível aos sentidos de
todos, por si mesmo e pelos outros, e tem a maior exposição plausível. Nesse sentido, a aparência
institui o real, mesmo em se tratando de sentimentos, pensamentos, sensações externalizadas e
adaptadas a exibição pública, são formas de transfiguração do privado ao público, como ratifica o seguinte
excerto desta autora:
A nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência, e, portanto da
existência de uma esfera pública [...] neste só é tolerado o que é tido como
relevante, digno de ser visto ou ouvido, de sorte que o irrelevante se torna
automaticamente assunto privado (ARENDT, 2007, p.61).
A esfera pública é o espaço comum a todos, mas desigual na parte que nos incumbe dentro dele, pois
o lugar de um não pode ser ocupado por outro. Enfim, a esfera pública, de acordo com Arendt (2007),
como espaço público, tem uma permanência e deve transcender a própria existência de uma vida, de
uma geração, não pode ser planejado e construído só para os que vivem neste momento, pois de outra
forma nem um mundo em comum nem o domínio público serão possíveis. A autora ressalta que o mundo
comum não é resultado da igualdade entre as características humanas, mas basicamente da política,
objeto que é comum a todos mesmo que em aspectos distintos.
Em contraposição, se a esfera pública se caracteriza pelo comum e apresenta uma relevância
múltipla, é justamente em relação a isto que a esfera privada adquire significado já pelo seu termo
que denota privação. Para que o indivíduo viva a esfera privada em sua totalidade ele se absterá ou
se destituirá de coisas primordiais da existência humana. Na esfera privada o homem não se dá a
conhecer, pois está desprovido da alteridade, ou seja, da relação e interesse pelos outros, assim, de
certo modo, a não aparição supõe que ele não existe. Suas ações são sem importância, pois não alcança
o outro destituído e o que lhe é importante não desperta interesse para os outros. Para Arendt (2007) o
privado está representado pela propriedade, porém esta não está associada à riqueza ou pobreza, mas
ao lar, a família que tem como função resguardar, proteger, além de dar aconchego contra o
mundo, inclusive abrigar os excluídos.
Desta forma, não existimos separadamente na esfera política, haja vista que coexistimos pela implicação
da alteridade. Se
o
pensamento
é
algo
privado
e
o
fazemos
individualmente, a ação implica o público, o fazer em conjunto.
Outro aporte no entendimento do binômio público/privado nos provê Bobbio (1987) abordando-o como
a
grande
dicotomia.
Para
este
autor,
enquanto
dicotômicas
elas denotam capacidade de,
primeiramente, fracionar um todo em duas esferas, em que por um lado cada esfera inclui todos os
entes sem excluir a nenhum e mutuamente exclusivas, pois o ente compreendido na primeira não o
será pela segunda. Em segundo lugar estabelece uma divisão que simultaneamente é total e principal.
Total porque não fragmenta, uma vez que todos os seus entes nela têm lugar e principal porque em sua
direção convergem outras dicotomias que lhe são secundárias, não se superpõem, mas se confrontam.
Acrescenta que esses termos dicotômicos podem ser conceituados de modo independente, ou enquanto
um é definido, o outro termo recebe uma conceituação negativa, ou seja, o privado definido como não
público. Assim, pode-se dizer que o espaço do público chega até onde começa o espaço do privado e
vice-versa. No entanto, paradoxalmente, exibe-se uma relação de reciprocidade, sendo que, quando se
aumenta a esfera pública, diminui-se a esfera privada, sendo o inverso também verdadeiro. Enfim, esta
dicotomia reflete a situação de uma sociedade em que se diferencia o que pertence ao grupo, à
coletividade, e aquilo que pertence aos elementos singulares ou grupos menores, como se a condição
humana não abarcasse o diálogo entre o singular e o coletivo, construindo-se mutuamente.
Sob esse contexto de realidades contraditórias, mas não excludentes, é que trazemos a realidade humana
pelo viés dialético sartriano enquanto devir. Para Sartre (2002) a
dialética se dá pela consciência capaz de significar o mundo e, paradoxalmente, surgindo a partir do
encontro com este. Assim, podemos compreender que as esferas pública e privada são fenômenos,
transformando-se em fatos pelas ações humanas que a constroem e mantêm de maneira dicotômica.
É válido acrescentar que isso não quer dizer que não exista paradoxos na natureza, na materialidade, mas
tão somente que as coisas se autoignoram. É a reflexão que traz a lume as possíveis contradições na
realidade concreta, construídas pelas ações. Na materialidade não há devir, não há totalização em curso,
sendo o oposto da consciência, que é abertura, ou seja, total possibilidade de vir a ser. ―Sem o homem, a
natureza é neutra, surdo-muda, e só na esfera da intervenção humana a matéria pode adquirir
características dialéticas‖ (PERDIGÃO, 1995, p.163). Nessa perspectiva, concebida a partir da premissa de
que a dialética não está no exterior para ser contemplada ou conhecida, cada pessoa está entretecida
na construção da história particular e universal. Dessa forma, a responsabilidade da atual situação é de
todos os cidadãos, e não se pode relegar à história a culpabilidade do processo de separação,
punição e exclusão da sociedade carcerária. Embora seja uma realidade marginal, intramuros, ela não
deixa de existir e a vida acontece lá dentro ao mesmo tempo em que acontece aqui fora, porém com
características próprias. Assim, no contexto interno do sistema penitenciário feminino pesquisado,
observamos que a configuração do público e privado tem suas próprias nuances, pois a dicotomia entre as
duas esferas se diferencia em muito da sociedade extramuros. Na prisão, para as encarceradas, a esfera
privada revela um achatamento em relação à pública. O mundo particular, íntimo basicamente se
resume ao exercício do pensamento e ao cumprimento da pena, enquanto que o coletivo concentra
e governa a maioria das ações, através do controle disciplinar que objetiva, atualmente, a
ressocialização. Neste sentido, a esfera pública enquanto ação do Estado, através da instituição jurídica
penal, exibe um acréscimo na interferência sobre o privado, corroborando a afirmação de Bobbio
(1987) em que aumentando a esfera pública, diminui-se a esfera privada.
Certamente, este é um processo repleto de contradições e por tais características é inexorável
analisar, a partir da dicotomia público/privado, a configuração da sociabilidade e produção de subjetividade
que resulta da práxis e objetivos da Instituição Penal com a finalidade de ressocialização da sociedade
carcerária. Assim, emergiu a partir da nossa percepção sobre a pesquisa realizada, a existência de um
impasse, um conflito entre o processo de ressocialização, exatamente na formação de subjetividade
e
o
de
reintegração da presa à sociedade externa, pois a ressocialização em cárcere está mais próximo de um
modelo baseado no sistema cooperativista do que no sistema
individualista, característico da sociedade capitalista ao qual o indivíduo deverá afrontar ao sair em
liberdade, fato que poderia dificultar a não reincidência do egresso.
O nosso questionamento não quer em hipótese alguma fazer julgamentos de valor sobre as práticas
realizadas, nem em pretensão de dar respostas simplistas, mas em compartilhar a análise referente
à temática trabalhada resultante da pesquisa realizada. Portanto, considerando o contexto já descrito,
podemos pensar que o desencontro entre o processo de subjetivação da ressocialização e a intenção de
reintegração do egresso à sociedade precisa ser mediado por uma nova possibilidade, uma nova forma para
habilitar o preso a sua inserção ou reinserção à sociedade, seja esta pelo processo produtivo.
Conjecturamos que, se a vivencia na prisão é construída por ações coletivas, a contribuição para
este
egresso
poderia
ser
justamente
um ambiente
externo
que
o acolhesse
com
essas
características. Sendo assim, a experiência de sair para a sociedade deixaria de ser um momento de
encontro com a sorte, mas uma sequência no plano de ressocialização, reinserção e reabilitação, escopo do
objetivo primeiro.
Enfim, levando em conta a multiplicidade de fatores imbricados, mas também entendendo a pessoa segundo
a concepção de Sartre (2001) como totalização-em-curso, ou seja, como possibilidade de se fazer, se
construir incessantemente, vislumbramos também que um trabalho que ensine as detentas a criarem
alternativas de trabalhos coletivos quando egressas na sociedade, como a construção de cooperativas, por
exemplo, é possível um novo processo de subjetivação extra-cárcere, uma vez que pelo trabalho, pela
atividade do indivíduo se estabelece e ao mesmo tempo fortalece e outorga um valor agregado pelo resultado
de sua ação e produção, além de viabilizar o sentimento de pertencimento e o desenvolvimento de uma
identidade, que fora disso seguirá estigmatizada pelo fato de algum dia ter sido preso, fragilizando o
indivíduo e fechando-lhe portas.
Concluindo, compreendemos que o conjunto das ciências engloba o conhecimento mais aproximado do
todo que compõe tanto o individual quanto o coletivo. O encontro então das diversas ciências
proporcionaria, não a ocultação ou exclusão de questões latentes e pendentes que aborreçam e
atrapalhem o bom andamento do status quo, mas que proporcionem um devir justo, equitativo que prime
pela pessoa humana. É necessário sair do solipsismo disciplinar e adotar a dialogicidade do encontro
interdisciplinar para questões que são complexas e diversas, mas imensuravelmente necessárias para
chegar ao encontro ao significado do conceito de sociedade.
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Psicologia, Territorialização e Compreensão da Atividade Comunitária: um
estudo realizado a partir do Estágio Básico em Psicologia Comunitária.
Andréa Gyordana Lages Silva Pires1
José Ferreira Bandeira Neto2
Maria Thereza Figueiredo de Menezes Monte3
Suely Frade Montero4
Leonardo Sales Lima5
INTRODUÇÃO
Para Freitas (1996) a Psicologia, em seu compromisso social, valoriza a construção de
práticas comprometidas com uma transformação em direção à ética da emancipação humana. Nas
últimas décadas, a divulgação de um conjunto de experiências possibilitou o surgimento de
práticas direcionadas aos problemas sociais brasileiros, objetivando o fortalecimento dos
recursos subjetivos para o enfrentamento das situações de vulnerabilidade, o que proporcionou uma
ampliação da concepção social e governamental acerca das contribuições da Psicologia para as
políticas públicas.
Segundo Souza (2004) a saúde pública recorre à territorialização de informações,
há alguns anos, como ferramenta para localização de eventos de saúde-doença, de unidades de
saúde e demarcação de áreas de atuação. Martinez (2003)
afirma
que
a
produção
de
conhecimentos, que embasam a atuação da
Psicologia no campo da Assistência Social e que subsidiam o desenvolvimento de
1 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho
2 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho
3 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho
4 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho
5 Professor do curso de Psicologia da Faculdade Santo Agostinho; Psicólogo, Mestre em Ciências e
Saúde
Email: [email protected]; [email protected]; [email protected]
TERESINA – PIAUÍ - BRASIL
atividades em diferentes espaços institucionais e comunitários, possibilita a proposição de
políticas públicas e ações relacionadas aos diversos grupos e movimentos sociais, a partir da
compreensão de suas atividades, com vistas à realização de projetos correlatos.
Este trabalho tem como objetivo relatar uma experiência de Estágio Básico em
Psicologia Comunitária desenvolvido por alunos do curso de Psicologia da Faculdade Santo
Agostinho, no contexto dos cuidados em saúde da Estratégia Saúde da Família do Sistema Único
de Saúde brasileiro. A experiência relatada, ocorreu no Bairro Mafrense, Zona Norte da cidade de
Teresina, Estado do Piauí, Brasil. Foi realizado o diagnóstico das condições geográficas, econômicas,
sociais e culturais, através de questionários e conversas formais e informais com profissionais da
equipe
de
saúde,
lideranças
e
moradores
da
comunidade,
assim
como intervenções
coletivas, para a abordagem qualitativa das necessidades subjetivas e dos sentimentos de pertença e
territorialização dos sujeitos.
REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo Freitas (1996) o compromisso social da Psicologia Comunitária é com os
grupos, com as instituições, com os conjuntos ―concretos‖ (conforme define o psicossociólogo francês
E. Enriquez, 1983), nos quais o indivíduo se encontra e mediatiza sua vida pessoal e coletiva. Tal
compromisso busca uma mudança nas relações sociais, pelo questionamento de práticas
instituídas e cristalizadas, pela reflexão sobre a condição histórica que permeia as inter-relações
institucionais.
Busca-se, também em tal compromisso, o movimento onde se manifesta a estagnação, a
naturalização do instituído; ato que se dá através dos atores sociais. Daí a impossibilidade de
dissociação entre o social e o psicológico e a importância do sentido clínico da pesquisa e da
prática – a intersubjetividade, proveniente de fenômenos psíquicos que ocorrem entre indivíduos: nos
grupos, nas instituições, nas comunidades, no social mais amplo.
Para Martinez (2003) a importância da divulgação de experiências em
Psicologia Social reside em proporcionar a ruptura de certo dogmatismo, que marca um corte na rede
das ciências humanas e sociais, mesmo que tal não impeça a defesa por diversos estudiosos do
ideal teórico sempre em construção, jamais concluído. Através da interdisciplinaridade, com a
contribuição da Psicossociologia, procura-se chegar um pouco mais perto do ―objeto-sujeito‖ de
estudo, o ser que se inter-relaciona socialmente, objetivando o fortalecimento de sua subjetividade
para o enfrentamento das mazelas que porventura venha a sofrer.
De acordo com Souza (2004) uma proposta transformadora de saberes e práticas locais
concebem a territorialização de forma ampla: um processo de habitar e vivenciar um território; uma
técnica e um método de obtenção e análise de informações sobre as condições de vida e
saúde de populações; um instrumento para se entender os contextos de uso do território em todos os
níveis das atividades humanas (econômicos, sociais, culturais, políticos etc.), viabilizando o
―território como uma categoria de análise social‖; um caminho metodológico de aproximação e análise
sucessivas da realidade para a produção social da saúde. Se a comunidade caracteriza-se pela
distribuição em espaços, de homens, instituições e atividades – unidade de vida em comum e de
ação coletiva e de controle social formal – se a instituição se apresenta como espaço de
mediação entre o social e o individual, pode-se
perceber
a
nítida
inter-relação
e
interdependência entre instituição e comunidade, dentro do território, e a importância de se
privilegiar aquela como campo de pesquisa e ação sobre a comunidade.
Ainda para Freitas (1996) os dispositivos institucionais oferecem aos indivíduos a
possibilidade de manifestações psíquicas, de confrontação interpessoal e de ação individual, ao
mesmo tempo em que representam, em sua estrutura organizacional, as imposições legais,
políticas e econômicas que regulamentam a sociedade. Lugar, portanto, do conflito inerente à vida
coletiva e à inter-relação entre os indivíduos. O social atua de forma determinante sobre o
comportamento individual e mais ainda se inscreve no corpo e no psiquismo do indivíduo, na
representação que ele faz de si mesmo e dos outros, e nas relações que ele mantém com o
outro. Porém, esse mesmo social obedece, em sua organização, aos
ditames das vicissitudes humanas, das exigências psíquicas individuais. É do lugar dessa interação
psicossocial que o psicossociólogo, ao fazer uma análise da instituição, vai dirigir seu olhar
tanto para o que é de ordem do instituído (lugar da instituição no sistema sócio-econômico-político,
identidade social, história), tanto para o que é da ordem do funcional (hierarquia, sistemas de
decisão e de comunicação, funcionamento formal, divisão de papéis), assim como procurará
apreender o que é da ordem do sujeito e das relações interpessoais.
Segundo Bernardes (2004), para que as políticas públicas tornem-se objeto da
Psicologia de um modo diferente não se deve pensar o sujeito e a partir dele suas práticas, ao
contrário, é pensar nas práticas que constituem os sujeitos; por exemplo, nas que dizem respeito
às políticas públicas. É uma filosofia das práticas e não do sujeito, entendendo com isso não um
abandono do sujeito, mas compreendendo que o termo sujeito, aqui, é um modo de sujeitar-se
a uma determinada forma, que pode ser ocupada por qualquer indivíduo, conforme a maneira
como se posiciona em uma rede discursiva e o modo como experimenta determinadas práticas,
tornando-se sujeito das mesmas. Experimentar exprime-se como a correlação entre saberes, tipos de
normatividade e formas de subjetivação.
Voltando-se à Freitas (1996), a metodologia própria à pesquisa-ação leva em conta as
relações entre homem x cultura x meio ambiente, implicando como consequência a reelaboração
coletiva de aspirações e valores psicossociais, a participação comunitária e a ação organizada.
A própria postura do pesquisador frente a seu objeto de pesquisa se distancia da postura do
pesquisador científico ortodoxo. Implicando psicoafetivamente, ele ―gosta‖ ou não da realidade social
que apreende (tanto científica quanto vivencialmente), projeta nela e na interpretação que dela faz
conteúdos de seu inconsciente; utiliza-se em seus mecanismos de defesa e investe-a de suas
vontades conscientes. Em termos de técnicas de pesquisa apropriadas à pesquisa-ação, não
há uma delimitação definitiva das mesmas, posto que as situações reais serão determinantes
dessas escolhas. Podemos, no entanto, citar as entrevistas semi-estruturadas, os questionários,
a observação livre e/ou sistemática, a etnometodologia, a análise de conteúdo documental e
histórica através de material disponível, a análise do discurso, os grupos operativos e a dinâmica
de grupo. A construção da criticidade pressupõe a perspectiva de um sujeito uno, soberano e capaz
de se desprender, via bem-estar e
consciência, daquilo que o oprime e/ou reprime, ou seja, de um sujeito constituído no projeto da
modernidade.
METODOLOGIA
Foram
realizados
levantamentos
de
informações,
mapeamento
e
diagnóstico do território de abrangência da instituição e planejamento das atividades desenvolvidas
durante o estágio básico, no Centro de Saúde Dra. Maria Teresa de Melo Costa, através de contato
com integrantes da equipe de saúde.
Dentre as atividades planejadas para a área de abrangência realizou-se visita a
famílias, associações de moradores e outras instituições, nos quais foram aplicados questionários
com o objetivo de levantar informações quanto ao grau de satisfação dos moradores, em suas
necessidades individuais e coletivas, e às suas percepções dos diferentes aspectos territoriais.
A
partir
dos
resultados
dos
questionários foram definidos os grupos prioritários para a realização de atividades educativas com
temas de caráter multidisciplinar, com o objetivo de contribuir para o fortalecimento do vínculo entre
comunidade e unidade de saúde e para a conscientização sobre o autocuidado em saúde.
RESULTADOS
Após
a
execução
do
processo
de
territorialização
e
as
visitas
institucionais e as residências das famílias, podemos destacar as seguintes informações:
Infraestrutura:
A maioria das ruas possui algum tipo de pavimentação;
A área não é provida de iluminação pública em sua totalidade, existindo áreas pontuais sem
iluminação;
Há regiões desprovidas de saneamento básico: sem conexão com rede de esgotos e focos
de acúmulo de lixo.
Aspectos econômicos, sociais e culturais:
Principais atividades econômicas: construção civil, comércio e agricultura;
Focos de desemprego e maioria de trabalhadores sem registro profissional;
Famílias com renda única proveniente de programas assistenciais do governo e doações de
outras famílias;
Inexistência de postos policiais, mercado público, creches e áreas para prática
desportiva;
Presença de associações de moradores (associações de bairros, clube de mães e
alcoolistas anônimos).
Condições de saúde
Número de portadores de diabetes cadastrados e acompanhados: 05.
Número de hipertensos cadastrados e acompanhados: 37.
Número de gestantes cadastradas e acompanhadas: 04.
Principais tipos de atenção realizada pela equipe de saúde: pré-natal, saúde bucal,
DST/AIDS, hipertensão arterial, diabetes e tuberculose.
De acordo com os dados levantados observou-se que:
30% dos moradores demonstraram satisfeitos com o serviço de saúde prestado pela
UBS.
100% dos moradores mostram-se satisfeitos com o local onde moram, não pretendendo
mudar de bairro por acreditarem ser um local tranquilo.
100% dos moradores reclamam da infraestrutura do bairro e da inexistência de alguns
serviços como: correios, bancos, mercado, áreas de lazer entre outros.
Em relação aos aspectos psicológicos, detectou-se, através do processo de escuta por
parte dos estagiários, a necessidade de maior escuta dos integrantes da equipe de saúde à
comunidade, de respeito ao atendimento das necessidades básicas para o exercício da cidadania e
de afetividade.
A partir dos resultados apresentados foram definidos como grupos prioritários
para a realização de atividades o dos hipertensos e diabéticos, que receberam orientações
básicas sobre atividade física, nutrição e de aspectos psicológicos.
CONCLUSÃO
Concluiu-se pela importância do estabelecimento de relações entre conceitos de
Psicologia Comunitária com realidades observadas na identificação de processos sociais e seus
determinantes, permitindo a reflexão sobre propostas de intervenção nos diferentes contextos, na
medida em que o cruzamento das histórias de vida de indivíduos pertencentes a um mesmo
grupo social permite ao pesquisador a apreensão da inter-relação entre dados fragmentários, do
alcance à significação dos relatos recolocados em seus contextos sócio-econômico-culturais e ainda
uma síntese dos elementos constitutivos de um discurso do grupo a várias vozes.
A importância do
processo de
territorialização reside em contribuir no
intercruzamento dos diferentes níveis que compõem o território, permitindo sua leitura; não de
forma total, mas o mais abrangente possível, buscando integrar os diferentes determinantes,
considerando a complexidade da realidade com a qual se lida. Ao ancorar-se numa filosofia do
sujeito como construtor da história, as intervenções em Psicologia Comunitária proporcionam a
promoção de espaços para a compreensão da atividade humana na territorialidade objetivando a
construção da criticidade, o feixe de luz às vidas nos momentos em que confrontam o poder,
fazendo-as ver e falar.
Além de permitir o movimento de inserção no espaço comunitário, os resultados
mostraram a importância de se compreender o desenvolvimento dos
processos psicológicos no decorrer da vivência social, assim como os sentidos produzidos pelos
aspectos sócio-culturais nos indivíduos dentro do contexto territorial.
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O
DILEMA
VOCACIONAL
DO
ADOLESCENTE:
UMA
VISÃO
COMPREENSIVA DO FENÔMENO
THE VOCATIONAL DILEMMA OF TEEN: A COMPREHENSIVE VIEW OF THE
PHENOMENON
Josiane Guimarães dos PassosI; Luiz Francisco dos SantosII; e Márcia Elizabete Wilke
FrancoIII
I e II Graduandos do curso de Psicologia do CESUCA
III Doutora em Educação, Professora do CESUCA, Psicóloga
Resumo
Este trabalho é o relato da experiência de uma proposta de intervenção, atividade do
ESTÁGIO BÁSICO II- OBSERVAÇÃO E INTERVENÇÃO EM SAÚDE MENTAL, cadeira do
quarto período do curso de Psicologia da faculdade CESUCA, freqüentada no semestre
2011/2, onde foram observadas duas turmas do último ano do ensino médio de um colégio
estadual de Cachoeirinha, nas quais viu-se a necessidade de apoio aos alunos angustiados
pela difícil hora da escolha vocacional. O objetivo da intervenção não visou soluções
absolutas das dúvidas apontadas pelos adolescentes, mas fomentar ferramentas psicológicas
como tranqüilidade, otimismo e autonomia, que os ajudassem a lidar com elas. Durante seis
encontros, usando a técnica observacional assistemática e levantamento quanti-qualitativo, foi
possível
identificar
o
foco
da
intervenção. Utilizando o teste L.I.P (Levantamento de
Interesses Profissionais) de Carlos Del Nero pode-se verificar com qual ou quais áreas
profissionais cada um se familiariza e se estas estão de acordo com as disciplinas nas quais
apresentam melhor desempenho. O que se constatou, com a verificação dos testes, foi a
confirmação da indecisão dos adolescentes na escolha profissional por apresentarem percentuais
de interesses muito próximos entre uma área e outra bem distintas, o que não acontece com
o mesmo teste aplicado a pessoas já na fase adulta definida. O que se levou ao conhecimento
das turmas foi que a indecisão
extremamente comum
na escolha
vocacional é
nessa
fase
do
desenvolvimento, que o ser humano é dinâmico e mutável e assim podem ser suas
escolhas. Que o mais importante é fazer uma opção o mais próximo possível de suas
aptidões, levando em conta anseios próprios de realização, para aumentar sua garantia de
sucesso.
Palavras-chave: Adolescentes; escolha vocacional; intervenção
Abstract
This essay is a experience‘s report of a propose to intervention, activity of STAGE II BASENOTE AND INTERVENTION IN MENTAL HEALTH, fourth period subject of Psychology
course from CESUCA College, frequented in the semester 2011 / 2, where two classes from
the last year of high school were observed in a state college of Cachoeirinha, which could be
seen the necessity of a support to the distressed students by the hard hours of a vocational
choice. The goal of the intervention is not absolute solutions of doubts pointed by the
teenagers, but to promote psychological tools like tranquility, optimism and autonomy, which
could help them to deal with these doubts. During six meetings, using the technique
unsystematic observational and quantitative- qualitative survey was possible to identify the
focus of the intervention. Using the test L.I.P (Lifting of Professional Interests) of Carlos Del
Nero, could be checked which professional areas each one feels familiar and if the area
chosen is agree with the subjects that they show the best performance. What was found, with
the verification of the tests, was the confirmation of the adolescent‘s indecision about the
career choice because they have very close percentages of interests between one area and
another very different, which doesn‘t happen with the same test applied to people already in the
stage defined adult. What led to the knowledge of the classes was that indecision in
vocational choice is extremely common in this phase of the development, the human is dynamic
and changeable and this way can be your choices. The most important thing is to make a
choice as close as possible to their skills, taking into account their own expectations of
achievement, to increase its guarantee of success.
Keywords: Teens; career choice; intervention
Este artigo tem como objetivo relatar uma prática de Estágio Básico II do curso de
Psicologia do CESUCA, realizada com duas turmas de adolescentes de 17 a 23 anos, alunos
do último ano do ensino médio de uma escola estadual de Cachoeirinha, entre os meses de
agosto e outubro de 2011.
No ensino médio parece não haver tempo ou espaço para discutir com os jovens o valor social
das profissões e a relação entre escola e trabalho, nem para promover o contato direto com
diferentes profissões e o questionamento do vestibular como única via possível (Sparta e
Gomes, 2005).
Atualmente os jovens são livres para escolher uma profissão; já não se obriga os filhos a seguir o
ofício do pai e as filhas as prendas domésticas da mãe, porém, a crescente indecisão e os
conflitos dos jovens no que diz respeito a eleição de uma profissão sugerem que a
liberdade de escolha não se fez acompanhar do bem-estar esperado (Osório, 1992).
Fazer tal escolha não é tarefa fácil; Optar por um curso profissionalizante é mais que escolher
uma carreira: é esboçar um projeto de vida (Bock, 2002). Especialmente para um adolescente
que está vivendo a mais contraditória fase do desenvolvimento humano. A adolescência chega
a ser descrita na literatura como uma patologia temporária (Aberastury,1981), tamanha
presença de conflitos internos inerentes a essa fase. Ora, escolher uma profissão num
momento em que se está vivendo uma total desorganização psicológica, física e biológica, gera
indecisão e muita insegurança. O adolescente fica inseguro pela perda da identidade infantil
e a não consolidada identidade adulta. A maturação que, para ele, é evidente, invasiva e
destrutiva do que fazia sua graça de criança, é recusada, suspensa, negada. Talvez haja
maturação, lhe dizem, mas ainda não é maturidade. Por conseqüência, ele não é mais nada,
nem criança amada, nem adulto reconhecido (Calligaris, 2000).
Os esboços de pretensões profissionais dos adolescentes mostraram, notoriamente, a
predileção por carreiras que proporcionem status sociais. Isso demanda da pressão que
sofrem, pois a sociedade atual privilegia o desempenho (e a competição) em detrimento da
ludicidade, a ação em detrimento da reflexão e o condicionamento mental em detrimento
da emoção. Essa postura aciona inevitáveis conflitos entre as tendências vocacionais e o
imperativo não só das necessidades de subsistência, como, e principalmente, do
estímulo a busca do poder, erigido em nosso momento civilizatório como o mais alto valor da
condição humana (Osório, 1992).
A observação dos adolescentes em aulas nos levou a definir, baseados em tais teorias, o
foco da intervenção: Apoiá-los na difícil hora da escolha vocacional.
RELATANDO A PRÁTICA
Usando a técnica observacional assistemática e método quanti-qualitativo, fomos a campo
realizar a experiência de observação e intervenção em saúde mental.
Após ter acertado com a coordenadora da escola nossa autorização para as observações, nas
quais acompanharíamos as turmas 305 e 306, terceiros anos do ensino médio, fomos,
numa sexta-feira no período da noite, fazer a primeira observação.
Às 19 horas começou o primeiro período de aulas. A turma 306 foi ao laboratório de ciências
assistir a uma aula prática de matemática. A professora preparou amostras de volumes para
explicar as medidas de metro quadrado e metro cúbico. Composta por jovens de 17 a 23
anos, a turma pereceu muito interessada na aula. A princípio se incomodaram um pouco
com nossa presença, ficando encabulados, deixando de responder perguntas de fáceis
respostas, mas com o passar do tempo acostumaram-se e passaram a se comportar como de
costume.
Todos os alunos estavam bem atentos as explicações e interagindo com a professora.
Elogiaram a maneira como a professora deu a aula e o método de ensino escolhido por ela.
Observei carinho e respeito de ambas as partes. Nesse clima de interação passou- se os dois
primeiros períodos de aula muito rapidamente. Ninguém deixou o laboratório, com exceção de
uma aluna que, provavelmente, foi ao banheiro e voltou rapidamente. Notamos que a turma
tem jovens de diferentes personalidades apenas por sua maneira de se vestir, já que por
estarem fora da sala de aula habitual, não demonstraram comportamentos típicos desse
meio.
Uma semana depois, já mais ambientados com o colégio, fomos fazer a segunda
observação. Entramos no segundo período na sala 30, onde a turma 305 teria aula de Física
ministrada pela professora Nara. Havia só 17 alunos presentes de um total de 26, pois, segundo
a professora, a sexta feira é o dia que mais predominam as faltas. A professora nos
apresentou e todos se mostraram bem receptivos. Sentamos bem ao fundo da sala de onde
se podia observar todo o ambiente.
A sala de aula era razoavelmente iluminada, com classes e cadeiras bem usadas.
Assoalho, teto e paredes em bom estado e três janelas grandes que garantem boa
ventilação. A turma é composta por jovens de 17 a 22 anos que demonstram bastante
coesão. Durante a aula observamos inquietação e uma certa ansiedade em alguns alunos, talvez
típico dos adolescentes ou até por estarem sendo observados. Da mesma forma que
aconteceu com os colegas da turma 306, esta se mostrava interessada na aula, faziam
muitas perguntas e demonstravam respeito pela professora. Entre eles em alguns momentos
aconteceram
pequenas
discussões
e desentendimentos passageiros.
Observou-se que, praticamente todos, deixaram as mochilas e materiais soltos em cima das
classes sobressalentes, sem nenhuma organização, gerando uma pequena bagunça, bem
próprio dos adolescentes. Em um determinado momento, uma garota levantou e passou entre
duas classes derrubando os materiais que estavam em cima, demonstrando um comportamento
de quem ainda não tem exata noção do seu tamanho... Os demais imediatamente interferiram
gerando uma pequena algazarra, que em seguida foi controlada pela professora. Na
turma 305 observa-se uma particularidade: As moças estavam muito produzidas nas suas
vestimentas, acessórios e maquiagens, enquanto os rapazes estavam
despojados.
No
horário
do
intervalo
bem
observaram-se
comportamentos bem inerentes aos jovens dessa idade. Alegres, despreocupados,
sempre formando pequenos grupos de conversas, mas interagindo entre grupos. No final do
intervalo voltaram muito lentamente para a sala de aula, demonstrando interesse em deixar
correr um pouco do período de aula ainda com tempo livre. Aos poucos foram se acomodando e
novamente se concentrando na aula que transcorreu sem nenhuma particularidade.
No terceiro encontro pedimos para juntar as duas turmas. Já estávamos bem à vontade, pois já
havíamos ganhado um pouco da confiança do grupo. Era aula de matemática novamente.
Após algum tempo de observação, ouvindo a professora, por várias vezes, se referir ao
vestibular, pedimos licença e tomamos a palavra levantando a questão da escolha vocacional.
O tema gerou polêmica instantaneamente. Surgiram inúmeras perguntas como: O que faz
o psicólogo? Como escolher uma profissão? Como se preparar para a escolha? Como
decidir entre a atividade que gosta e a que o pai acha melhor? Enfim, a ansiedade tomou
conta do ambiente... Observamos uma grande angústia em suas indagações. Pedimos que
pensassem um pouco sobre o assunto para
conversarmos mais no próximo encontro. Evitando atrapalhar ainda mais as aulas, nos
despedimos.
O quarto encontro aconteceu uma semana depois. Entramos no primeiro período, onde os
presentes nos receberam com alegria e a cada colega que chegava atrasado.
Novamente reunimos as duas turmas. Retomamos o assunto da escolha vocacional.
Ouvimos as colocações de alguns alunos que uniformemente resumiam indecisão. Uma aluna
revelou desejo de se submeter a um teste vocacional e foi apoiada por vários colegas.
Prometemos levar, no próximo encontro um teste vocacional para todos. Pedimos que
escrevessem em um papel qualquer, onde poderiam se identificar ou não, o que estavam
pensando sobre seu futuro profissional. Nesse momento fez-se um silêncio total na sala. Foi
possível observar, na grande maioria da turma, o dilema vocacional do adolescente
(Osório,1992) se materializando em nossa frente. Buscavam pensamentos, mordiam a caneta,
enfim deixavam transparecer um total desconforto. Quando todos entregaram seus ―bilhetes‖,
guardamos-os cuidadosamente para posterior leitura e nos despedimos.
A análise dos escritos dos adolescentes foi um momento muito especial para nós, pois esta
nos aproximou ainda mais do grupo. O fato de todos eles terem topado escrever para nós foi
a prova de que nosso foco de intervenção estava certo. Notamos um alto índice
50%) de opção por Administração e concluímos
(quase
que estavam influenciados pela
escola que oferece um curso técnico em Administração. É uma conduta típica do
adolescente, ser influenciável. Aliás, a nossa presença na escola também fez surgir
desejos de cursar Psicologia, o que, segundo a professora, nunca havia sido mencionado.
Uma semana depois retornamos a escola para a aplicação do teste. Escolhemos o teste L. I. P
(Levantamento de Interesses Profissionais) de Carlos Del Nero. Trata-se de um teste de
escolhas entre 256 atividades (128 pares) distribuídas em 8 áreas profissionais: Ciências
Físicas,
Ciências
Biológicas,
Calculísticas,
Persuasivas,
Administrativas, Sociais,
Linguísticas e Artísticas. Apresentando 32 atividades para cada área atinge boa abrangência no
julgamento dos interesses verdadeiros.
Após a explicação de como iria ser feita a aplicação do teste e de como os estudantes
deveriam proceder, iniciamos a atividade. Todos os presentes participaram do teste, num
total de 22. Enquanto um estagiário fazia a leitura das opções de escolhas para os
adolescentes irem marcando as grades de respostas, outro observava os comportamentos
manifestos em cada um. A maioria da turma concluiu o teste com muito interesse, sem
demonstrar cansaço algum. Com exceção de um aluno que fazia caretas e não parava de se
movimentar na classe, dando sinais de desconforto. O teste durou 35 minutos. Finalizadas
as questões, recolhemos as grades de respostas para posterior verificação. Agradecemos a
participação de todos e nos despedimos.
A verificação das grades de respostas dos testes foi uma confirmação da indecisão que paira
nas cabeças adolescentes. Em quase 60% dos casos (13/22) o índice de interesse entre uma
área e outra bem distinta, como por exemplo, Ciências Físicas e Ciências Biológicas,
Calculísticas e Sociais, apresentaram
equiparação
e 50%
(11/22) apresentaram
interesses a cima de 50% em 5 ou mais diferentes áreas. Enquanto o mesmo teste
aplicado a adultos, mostrou índices de interesses com percentuais equiparados somente
em áreas afins, como por exemplo, Ciências Biológicas e Sociais, Ciências Linguísticas e
Persuasivas caindo vertiginosamente a porcentagem de interesse em outra área distinta como
Calculísticas.
A noite de retorno dos resultados dos testes, após ter sido adiada por duas vezes por
questões administrativas, finalmente foi agendada junto à coordenação da escola.
Novamente no primeiro período de aulas reunimos as duas turmas para fazermos a
entrega dos resultados das avaliações dos testes. Alguns alunos hesitaram um pouco em
participar da reunião, demonstrando insegurança, medo do que poderiam descobrir com os
―tais
resultados‖,
mas
aos
poucos
foram
chegando,
sentando
e
finalmente
silenciaram-se para nos ouvir. No intuito de tranqüilizar e diminuir a insegurança dos nossos
sujeitos de pesquisa, levamos até eles idéias de apoio as suas angústias como legitimação
de seus sentimentos, escuta aos seus questionamentos e compreensão aos conflitos vividos
nesse momento.
Entregamos as avaliações, falamos dos percentuais de interesses que, invariavelmente,
mostraram
indecisão,
esclarecendo
que
esse
fato
era
absolutamente
normal
e
compreensível em tal situação. Que a adolescência é a fase das dúvidas e que estávamos ali
para ajudá-los a aceitar essa condição e incentivá-los a escolher uma profissão com
tranqüilidade, sem o peso de estigmas de que uma escolha feita hoje tem que ser levada para o
resto da vida. Não! As pessoas se transformam, mudam e suas escolhas também
podem mudar... Mas é preciso que se faça a escolha sem protelar porque só ela levará a algum
caminho para trilhar e só trilhando novos caminhos se alcança a evolução.
Para simbolizar a escolha oferecemos uma caixa com muitos bombons sortidos de onde
deveriam escolher um. Passamos a caixa para cada jovem fazer a sua escolha. Foi um
momento marcante da intervenção... A maioria da turma ficou um tempo remexendo e
escolhendo dentro da caixa, apenas duas garotas pegaram um bombom sem escolher.
Quando falamos que não estávamos apenas doando um bombom, mas que nossa
intenção era fazê-los pensar sobre processo de escolha, que escolher é sempre difícil, até
mesmo um simples bombom, porque quando se escolhe um, se deixa de ficar com os outros.
Por isso é importante focar a atenção no prazer de ficar com o que escolhemos e não na dor da
perda daquilo que não podemos ter, fomos elogiados e aplaudidos: Eles haviam entendido a
mensagem!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos que a intervenção produziu efeitos condizentes com seu objetivo, pois
ajudamos
validar
sentimentos
que estavam
sendo
negados
por
se sentirem
envergonhados em demonstrá-los. Quando os adolescentes entenderam que não estavam sós
com suas angústias, que o que sentiam é extremamente compreensível, passaram a externálos e enfrentá-los, tornando-se bem mais fácil superar as dificuldades oriundas da hora da
escolha profissional. Com uma atitude muito simples de acolhida aos jovens sedentos de
compreensão, confortamo-los e ajudamos na busca de um mínimo equilíbrio psicológico
necessário para atravessar, salutarmente, mais essa fase na caminhada desenvolvimental.
REFERÊNCIAS
Bock, S. D. Orientação Profissional. 2a ed. São Paulo: Cortez, 2002.
Osório, Luiz C. Adolescente Hoje. 2a ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. Calligaris,
Contardo. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000.
Aberastury, A.; Knobel, M. Adolescência Normal, Porto Alegre: Artmed, 1981.
Sparta, M. e Gomes, W. B. Importância Atribuída ao Ingresso na Educação Superior Por
Alunos do Ensino Médio. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 6 (2), p. 45-53, 2005.
Possibilidades de intervenção com crianças autistas: um relato de estágio em
Psicologia
Letícia Wilke Franco¹; Márcia E. Wilke Franco²; Christine Luiza Silva da Silveira³
¹ Psicóloga, UNISINOS e mestranda em Psicologia, UFRGS – Brasil.
² Psicóloga, Doutora em Educação, Professora da CESUCA e supervisora da Clínica Espaço
Vital – Gravataí, RS, Brasil.
³ Acadêmica de Psicologia, PUCRS e estagiária da Clínica Espaço Vital – Gravataí, RS, Brasil.
Resumo
Este trabalho é um relato de experiência de Estágio Básico em Psicologia da UNISINOS realizado
em projeto da Clínica Espaço Vital – Gravataí, RS. A intervenção foi realizada na classe terapêutica
de crianças autistas de uma escola estadual. O trabalho foi fundamentado teoricamente em idéias de
Winnicott. A intervenção teve como objetivo disponibilizar um espaço lúdico diferente do escolar, onde as
crianças pudessem criar e interagir através de atividades semi-dirigidas, como criação de histórias,
jogos com música e esportes adaptados. Esse trabalho resultou principalmente num maior envolvimento
das mães e das crianças com a prática da psicologia. Hoje a Clínica oferece, para as crianças da
classe terapêutica e para seus pais, o atendimento psicoterápico, levando em conta a realidade sócioeconômica dessas famílias.
Palavras chave: autismo, espaço lúdico, relato de experiência.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo relatar uma prática de Estágio Básico em Psicologia da Unisinos
realizada em uma classe terapêutica de crianças autistas de uma Escola Estadual em Gravataí-RS.
Esta turma era constituída por quatro crianças entre 12 e 14 anos até dezembro de
2007 e possuia duas professoras responsáveis. E a experiência aqui relatada é uma parte da
intervenção planejada e realizada pela equipe de psicólogas e estagiárias da Clínica Espaço Vital, na
cidade de Gravataí, RS, Brasil.
A psicologia tem um campo muito vasto para ser explorado e através dos estágios exigidos
pela universidade muitas experiências são vivenciadas pelos acadêmicos que decidem ir atrás das mais
diversas formas de fazer psicologia. Nesta prática integrou-se saberes da psicologia/saúde mental
e da Educação, em especial da Educação Física. Porém tornou-se mais atrativo conhecer um pouco da
educação daqueles que não estão inseridos nas séries regulares,
como crianças diagnosticadas como autistas, principalmente porque hoje se teve avanços na
educação inclusiva do Brasil.
Além dessas crianças estarem um uma ―turma terapêutica‖, afastadas das séries regulares, são
crianças diagnosticadas como autistas. O autismo é um tema polêmico dentro de sua discussão
teórica e não há um consenso sobre sua etiologia. Isso torna o autismo um assunto um tanto quanto
inquietante, principalmente quando se está inserido num local que possibilita um maior contato com
crianças com este diagnóstico, dando mais espaço para questionamentos a respeito dessa
psicopatologia. Assim o autismo se coloca como um tema misterioso que muitos poucos se autorizam a
falar sobre.
Hoje o autismo é conhecido pelas pessoas através da mídia, pelos vários filmes que trazem
como seus personagens principais crianças autistas, algumas com suas genialidades e outras com
seus comportamentos estereotipados e repetitivos.
Winnicott traz em seus estudos diferentes idéias e concepções dos demais autores do que vem a
ser o autismo e de como foi concebido primeiramente na literatura. Por essa razão, recebe lugar de
destaque entre os autores da abordagem psicanalítica nas diversas revisões teóricas publicadas.
Em seu artigo "Autismo", escrito em 1966, publicado no Brasil em 1997 no livro
"Pensando sobre crianças", Winnicott diz que a invenção do termo autismo por Leo Kanner em
1943 não foi uma contribuição tão significativa assim. Ele diz que "depois de este termo ter sido inventado
e aplicado, estava montado o cenário para uma coisa um tanto falsa, a descoberta de uma doença"
(WINNICOTT, 1997, p.180).
Para este autor o autismo não é uma doença, e sim um problema de desenvolvimento
emocional, dizendo ainda que essa doença, o autismo, não existe. Para ele a dificuldade de
descrever esse fenômeno é que muitos desses estudos clínicos foram feitos por pessoas que só lidam
com crianças normais ou só com crianças doentes. Essas pessoas, não se preocupam quanto aos
problemas do relacionamento mãe-bebê. Outra dificuldade é a de que não só existem casos numerosos
de autistas, como também multiformes, o que torna difícil formular uma explicação objetiva sobre o que é
o autismo. (WINNICOTT, 1997).
Ele ainda diz que nos encontramos
diante de questões relativas
a história do
desenvolvimento dessa criança a ser diagnosticada como autista, e não puramente de um
agrupamento de sintomas de uma doença ou síndrome (CAVALCANTI e ROCHA, 2001).
Assim, Winnicott (1997) diz que de modo geral o que conta quando se fala em transtornos do
desenvolvimento das crianças, incluindo o autismo, é a qualidade dos cuidados iniciais. Porém ele
coloca que isso não quer dizer que a culpa da formação de um quadro autista seja inteiramente da mãe ou
do pai dessa criança.
RELATANDO A PRÁTICA
O foco da intervenção foi o grupo de crianças da turma do turno da tarde da classe
terapêutica na qual continha quatro crianças autistas. A partir das observações feitas durante o primeiro
semestre do Estágio Básico, foi traçado o seguinte objetivo para a proposta de intervenção:
Disponibilizar um espaço lúdico diferente do escolar, onde as crianças pudessem criar e interagir
através de atividades lúdicas semi-dirigidas, como criação de histórias, jogos com música e esportes
adaptados.
Este objetivo foi escolhido porque dentre todas as atividades da criança, a lúdica
sobressai, pois ela possui um prazer natural e espontâneo em jogar e brincar. Nas brincadeiras de faz de
conta, a criança alcança o domínio da situação e cria e vive uma fantasia e uma realidade própria. Esta
capacidade de espontaneidade traz à atividade lúdica o sentido de liberdade, o que reforça a motivação
para o jogo (MONTEIRO, 1994).
Para Winnicott (1975) o brincar pode ser entendido como mudança de significado, como
movimento, tem uma linguagem, é um projeto de ação. Brincando trabalha-se a subjetividade do ser
humano, cunha-se a realidade estabelece-se um tempo e espaço. Brincar é criar, criar uma forma não
convencional de utilizar objetos, materiais, idéias, imaginar. É inventar o próprio tempo e espaço.
Quanto à dramatização, instrumento também utilizado na prática, é importante destacar que,
mesmo não sendo usada para fins terapêuticos, faz aparecer sentimentos e angústias importantes
(SLADE, 1978). Estando sempre atentos se estes sentimentos demandarem atenção especial para se
fazer o devido encaminhamento.
A intervenção foi planejada com o intuito de ser realizada durante dez semanas, com um
encontro a cada semana em um período de uma hora e meia, onde seria apresentada para as
crianças a atividade proposta para aquele dia. Porém só foi possível realizar quatro encontros por
motivos que serão analisados no item ―Análise do processo‖. As atividades eram semi-dirigidas
para que as crianças pudesse também fazer parte da construção dos encontros.
Exemplos de tipos de jogos planejados para a intervenção:
a) JOGOS DE PESQUISA DE RITMO
Monteiro (1994), entre outros autores, lembra que o ritmo está presente em todos os lugares
que freqüentamos, assim como no nosso corpo, nas batidas do coração e no ritmo respiratório.
Assim esse é o ponto de partida para o desenvolvimento destas atividade. Além disso ―os jogos de
ritmo propiciam ao indivíduo descobrir o seu ritmo interior, natural, e desenvolvem a sua capacidade
criadora sobre eles‖ (MONTEIRO, 1994, p.35).
Podem ser feitos jogos de observação do ritmo interno, jogos com o uso de instrumentos
musicais, assim como a brincadeira de estátua e expressão livre do ritmo.
b) JOGOS DE PESQUISA DE ESPAÇO
Todo jogo se realiza em um determinado espaço, portanto é importante conhecê-lo. Esse espaço
se divide em dois, o espaço total para a realização do jogo e o espaço parcial que o corpo de cada um
ocupa nesse espaço total.
Podem ser feitos jogos para reconhecimento do espaço total e do espaço parcial. c)
JOGOS DE SENSIBILIZAÇÃO
―Tem por objetivo levar o indivíduo a perceber melhor, através dos seus órgãos de sentido,
tanto as impressões de seu próprio corpo, como as de um objeto externo a ele, por exemplo, o
corpo de outra pessoa. Favorecem a coesão grupal‖ (MONTEIRO, 1994, p.56).
Podem ser feitos jogos de pesquisa do próprio rosto, pesquisa de um objeto, cabra-cega, guia de
cego.
d) JOGOS DE DRAMATIZAÇÃO E DE CRIAÇÃO DE HISTÓRIAS
Dramatização de histórias semi-estruturadas, e criação de histórias inventadas pelas
crianças.
ANÁLISE DO PROCESSO
A proposta de intervenção foi apresentada às professoras e à coordenação da escola em
novembro de 2007 e aceita para a sua realização no início de 2008. Porém ao retornar das férias
escolares as professoras reduziram a intervenção para quatro encontros ao invés de dez.
Estipularam os dias e os horários em que os encontros ocorreriam.
Na supervisão local tentamos analisar o que pode ter ocorrido para que o antigo contrato fosse
desfeito e para que um novo fosse imposto por elas. Uma das hipóteses é de que o trabalho que vinha
sendo desenvolvido voluntariamente pela Clínica havia dois anos (por meio do grupo com
mães, grupo com as
professoras, avaliação
psicológica
com
as crianças
as
e
acompanhamento de uma tarde de aula juntamente com as professoras) começou a evidenciar
questões que estavam latentes como: 1) o verdadeiro objetivo da classe terapêutica (ensinoaprendizagem ou recreação?); 2) a relação das professoras com os alunos; 3) a comodidade que a
docência em educação especial proporcionava para as professoras.
Nós víamos e sentíamos, e as mães e as professoras relatavam, o desejo e a felicidade das
crianças nos dias da ida dos psicólogos e estagiários na escola, porém isso começou a ser usado como
forma de chantagem para a realização de outras atividades (―se vocês não acabarem a atividade
proposta, as psicólogas não vão vir fazer a atividade com vocês”). A partir desses acontecimentos
sentimos uma grande competitividade por parte das professoras para com as psicólogas. Assim,
nas conversas com as professoras, percebemos o relato do medo de analisarmos o trabalho
delas e de que elas pudessem estar fazendo algo errado.
As professoras foram as pessoas que demonstraram maior resistência para com a
intervenção do projeto da Clínica. Viam o trabalho das psicólogas como uma oportunidade de ―hora
livre‖ para elas. Sempre enfatizamos a importância de estarem presentes durante o trabalho das psicólogas
e estagiários por terem formação adequada para trabalharem com essas crianças e para que depois
pudéssemos discutir alguns eventuais episódios.
Fazendo posteriormente uma avaliação do meu processo de estágio, vejo que mesmo não
podendo colocar em prática a intervenção tal e qual foi planejada quanto ao número de encontros,
consegui alcançar o objetivo traçado, abrindo um espaço lúdico, diferenciado do da escola, para
trabalhar com as crianças.
Esse trabalho resultou principalmente num maior envolvimento das mães e das crianças com a
prática da psicologia. Hoje a Clínica oferece para as crianças da classe terapêutica e para seus pais o
atendimento psicoterápico, levando em conta a realidade sócio-econômica dessas famílias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante chamar a atenção para a importância da observação cuidadosa e sem pressa do
funcionamento do local e dos atravessamentos que nele existem, pois nos atenta para o processo
como um todo. Quando vamos focados para observar algo específico não enxergamos o restante. Isso foi
importante por se tratar de um estágio que andou pela clínica enquanto instituição e pela escola.
Entendi que a observação é um processo necessário para a construção de um projeto de intervenção,
pois possibilita ver e entender as necessidades do local. Sem a observação corremos o risco de
criarmos uma demanda que não condiz com a realidade.
Este estágio evidenciou a importância da supervisão, tanto acadêmica quanto local.
Zimerman (1999) postula que a atividade de supervisão tem três objetivos: a educação, sendo o papel
do supervisor facilitar o aparecimento das capacidades e potencialidades que ainda estão latentes no
supervisando; a instrumentalização, isto é, equipar o supervisando no exercício da prática da
psicologia; e, por último, contribuir para a construção da identidade do futuro terapeuta psicanalítico. Além
disso, na supervisão acadêmica discutimos com os colegas de curso e com o professor supervisor as
relações com a equipe de trabalho, bem como os sentimentos frente a estas experiências que foram
sempre acolhidos. Daí se dá a importância dessa atividade.
O Estágio Básico demandou tempo, organização e responsabilidades e suscita no
estagiário medos, dificuldades e incertezas no começo, possibilitando aprendizado e vivência da realidade
do fazer Psicologia em locais como a clínica e a escola. Despertou sentimentos, dúvidas e também a
certeza de que a Psicologia é um campo aberto a novas intervenções além de ter muito ainda a ser
pesquisado e desenvolvido.
REFERÊNCIAS
CAVALCANTI, A. E.; ROCHA, P. S. Autismo: construções e desconstruções. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2001, 149p.
MONTEIRO, R. F. Jogos dramáticos. 3ª ed. São Paulo: Agora, 1994,
110p. SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus,
1978, 102p.
WINNICOTT, D. W. Autismo. In: WINNICOTT. Pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997, p.179-196.
WINNICOTT, W. D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
ZIMERMAN, D. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, Técnica e Clínica. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1999.
A PESQUISA COMO PARTE INTEGRANTE DA FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA
Oliveira, Iraní Tomiatto de
São Paulo - Brasil
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia
[email protected]
Aprender sobre pesquisa científica deve fazer parte da formação dos
profissionais de nível superior, em qualquer área do conhecimento. A necessidade
do desenvolvimento contínuo de novos conhecimentos e da evolução
ciência
exigem
pesquisadores ativos.
Por
a
outro
presença
e o
lado,
velocidade
a
da
trabalho
das
constante
de
mudanças
torna
imprescindível a formação de profissionais que saibam buscar ativamente o conhecimento,
para que possam se manter atualizados.
A formação para a pesquisa, portanto, é uma
necessidade não só para o
desenvolvimento da ciência, mas para a própria formação profissional. Quando aprende a
pesquisar, o aluno desenvolve a capacidade de buscar ativamente o conhecimento e de se
apropriar dele de forma reflexiva. Portanto, desenvolve autonomia intelectual. Beirão (1998)
afirmava, já há quase 15 nos atrás:
Ao
contrário
conhecimento,
de
outrora,
hoje
quando
penso que
o
o
importante
era
importante
é
dominar
o
"dominar
o
desconhecimento", ou seja, estando diante de um problema para o qual ele não tem a
resposta pronta, o profissional deve saber buscar o conhecimento pertinente e,
quando não disponível, saber encontrar, ele próprio, as respostas por meio de pesquisa
(p.2).
São muitas as habilidades necessárias para desenvolver pesquisas, e vamos citar apenas
algumas das principais:
- delimitar um tema e objetivos de trabalho de forma realista, ou seja, compatíveis
com os recursos humanos, materiais e financeiros com que se pode contar e com o tempo
disponível para a realização do projeto;
- buscar o conhecimento já produzido sobre o assunto, o que inclui saber utilizar bases
de dados nacionais e internacionais, selecionar o que é relevante, muitas vezes entre grande
quantidade de material disponível, compreender e articular ideias de outros autores;
- escolher metodologia adequada e compatível com os objetivos estabelecidos e utilizá-la com
rigor;
- conhecer a legislação federal e as determinações dos órgãos reguladores do exercício
profissional a respeito de pesquisas envolvendo seres humanos e animais, se o projeto
envolver sua participação;
- coletar dados com rigor científico e ética;
- trabalhar com os dados de forma coerente com a metodologia utilizada e com os objetivos
propostos, extraindo deles o máximo de informações possível;
- analisar os dados obtidos, refletir sobre eles, compará-los e articulá-los com dados de outros
pesquisadores e extrair conclusões;
- relatar as conclusões de forma clara, limitando-se àquilo que efetivamente foi possível concluir
e discriminando fatos de hipóteses e de teorias e utilizando-se de redação de cunho científico e
de acordo com as normas da língua;
- expor seu trabalho aos pares, sendo capaz de discuti-lo, de tolerar críticas e opiniões
diversas,
de
reconhecer
os
méritos
e as
limitações
de
sua
investigação.
Na Psicologia, essas tarefas se mostram particularmente difíceis, dada a complexidade
e
variedade
de
temas,
de
referenciais
teóricos
e
de
possibilidades metodológicas, e da articulação entre eles. Os fenômenos estudados são,
na maioria das vezes, abstratos e multifacetados, demandando o desenvolvimento de novos
métodos, para se tentar dar conta de diferentes aspectos do fenômeno de forma sistêmica.
O fato de a Psicologia tratar de questões que são sócio-historicamente determinadas faz
com que seja essencial que tenhamos estudos desenvolvidos em nosso contexto e em nosso
momento histórico. Mais um motivo para que a produção científica nacional e regional seja
considerada imprescindível.
Em vista disso, só podemos considerar que a inserção do aluno de graduação em atividades de
pesquisa deveria ocorrer em momento bastante precoce. Por um lado, para que, ao se
graduar, ele tenha podido desenvolver as competências básicas para a realização de
uma investigação científica, seja para
relatórios
divulgados
realizá-la,
seja
para
poder
compreender
os
e publicados por colegas, necessários para que sua atividade
profissional seja adequadamente sustentada por conhecimentos empíricos atualizados. Nem
todos têm interesse e desejo de serem pesquisadores. No entanto, algumas
das habilidades que se aprende realizando investigações científicas são altamente
desejáveis, ou mesmo imprescindíveis, para a atividade profissional dos psicólogos.
O artigo do prof. Beirão (1998), citado acima e publicado na página eletrônica da UFMG, é
seguido de vários depoimentos de alunos da universidade, em resposta à pergunta: ―O
aluno deve começar a construir uma carreira de pesquisa já na Graduação?‖ Em um
desses depoimentos, uma aluna do 5º. período do curso de Geologia afirma: ―Depende. Só
se ele preferir ficar na Universidade. Nesse caso, quanto mais cedo começar melhor. ...
Mas quem deseja colocar o pé no mercado rapidamente, não precisa se preocupar muito com
isso.‖ Vemos nesse depoimento um engano que se faz com muita frequência:
o
de
dos
que
a
pesquisa
é objeto
de
interesse
apenas
pesquisadores. A própria pergunta feita aos alunos parece aludir a esse engano, pois
pode ser interpretada no sentido de que aqueles que se envolvem com pesquisa vão
necessariamente construir uma carreira de pesquisadores. Essa concepção pode continuar
afastando muitos estudantes e profissionais das pesquisas, e contribuindo para o abismo que
ainda existe entre a pesquisa e a prática profissional. Um abismo sem sentido, uma vez que a
pesquisa deve contribuir para a evolução da prática profissional e que esta, para que se
constitua em prática científica, deve estar respaldada na investigação.
Afirma Pfromm Netto (1992):
É
bem
possível
que
uma
parte
considerável das
vicissitudes
experimentadas pela psicologia no Brasil advenha exatamente da precariedade
de uma formação com pouco ou nenhum trato efetivo com a
produção
conhecimento científico, quer nas suas formas mais requintadas, quer
contexto
mais
modesto dos
exercícios
de
de
no
laboratório,
da
replicação de pesquisas simples, de treinamento na multiplicidade de habilidades,
conhecimentos e atitudes que a pesquisa demanda (pp. 109-110).
A precariedade de muitos cursos de Psicologia, que funcionam com corpo docente
pouco
qualificado,
sem
laboratórios,
equipamentos
e
acervo
bibliográfico adequados, segundo ele, talvez seja o principal fator entre os que determinam as
condições insatisfatórias da produção científica brasileira.
A separação
entre
pesquisa
e prática
guarda
relação
direta
com
o
desenvolvimento da Psicologia no Brasil. Já no final do século XIX e início do século XX
numerosos estudos psicológicos foram apresentados como teses em faculdades de medicina
brasileira, e havia vários laboratórios de Psicologia em funcionamento. A partir dos anos 1930,
a Psicologia cada vez mais foi se constituindo em campo independente de investigação. Com
o reconhecimento da profissão, em 1962, houve um grande interesse pela atuação profissional
e, vinte anos depois, segundo Matos (1982), constatou-se um expressivo decréscimo
na produção científica dos cursos de pós-graduação brasileiros. O autor atribui o fato à
ausência de recursos financeiros, à absorção dos professores com o ensino e aos entraves
burocráticos.
Gomes (1996) propôs uma classificação das relações entre pesquisa, ensino e prática
profissional, na psicologia brasileira, dividida em sete classes, sendo que as três últimas se
referem a períodos que se sobrepõem. A primeira delas se caracteriza pelo interesse por
pesquisa, revelado em teses das faculdades de medicina, durante o século XIX até o início
do século XX. Na segunda, foram instalados os primeiros laboratórios de psicologia no Brasil,
entre 1906 e
1931, e existe uma intenção por pesquisa. Na terceira, a trajetória se faz em direção à
prática, entre 1932 e 1962, com a aplicação de conhecimentos psicológicos nas escolas,
clínicas e indústrias. Na quarta classe, com a regulamentação da profissão, em 1962 e
nos 15 anos seguintes, há uma mudança de rota, da prática para o ensino, com a
organização dos cursos de graduação em Psicologia. A partir daí segue-se um período
que o autor denomina de ―do ensino pelo ensino‖, e que toma o último quarto do século XX,
com a enorme expansão da oferta de cursos e a falta de professores titulados. Os cursos de
Psicologia eram 3 em 1962, 40 em 1974, 73 em 1984, 111 em
1996, se aproximam de 200 em 2003 e, como sabemos, são hoje em torno de
400. Como o artigo do Gomes foi escrito em 1996, o autor localiza essa classe nos últimos 25
ou 30 anos do século XX. Sabemos agora, no entanto, que ela se estende até os dias atuais.
Desta classe decorre a sexta, com a perda do senso de pesquisa e os problemas de formação
resultantes das deficiências da infraestrutura e do corpo docente dos cursos. A sétima e
última, a partir de
1986, se caracteriza pelo retorno da pesquisa à formação profissional, com a ampliação da
oferta e a reformulação da pós-graduação strito e lato sensu, o
aumento do número de publicações e de eventos científicos, e com a promulgação
das Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia (2004; 2011).
Colaboraram muito para isso as orientações e avaliações da CAPES, a organização da
Biblioteca Virtual de Psicologia e o incentivo ao estreitamento das relações entre graduação e
pós-graduação.
Há, no entanto, nessa área, muito o que evoluir. O número de professores titulados, e
portanto com formação
e experiência em pesquisa,
é bastante insuficiente, e o
crescimento do número de cursos de graduação continua muito acelerado; a distância
entre a graduação e o pós-graduação é ainda muito grande, e a pós-graduação está
ausente em muitas instituições de ensino superior.
os
professores
frequentemente
Além
disso,
estão sobrecarregados com
as atividades de aula, de pesquisa, atuação profissional e muitas vezes com as atividades
administrativas dos cursos.
O modelo de formação brasileiro, no qual a graduação forma profissionais que são
imediatamente habilitados para a atuação profissional em todas as áreas da
Psicologia,
resulta em um nível de exigência muito elevado para os professores: é preciso que eles
tenham experiência profissional em sua área de atuação, para poder transmiti-la aos
alunos, é preciso que eles tenham produção científica que qualifique sua atuação acadêmica
e, muitas vezes, que se envolvam nos aspectos administrativos e na gestão dos cursos.
O que se observa é que os cursos de graduação, de forma geral, não têm dado a importância
devida à formação para a pesquisa, ou têm encontrado grandes dificuldades para isso. A
formação em pesquisa tem sido reduzida, na maioria dos cursos, a uma atividade limitada ao
trabalho de conclusão de curso e, algumas vezes, à iniciação científica, que tem caráter
eletivo e é realizada pela minoria dos alunos. Nem todos os cursos têm disciplinas sobre
metodologia de pesquisa e elaboração de projetos; e, quando têm, muitas vezes são de ordem
meramente teórica e pouco interessantes. O aluno não tem seu interesse despertado para
essa atividade e não aprende a reconhecer sua importância ou, ainda pior, desenvolve
preconceitos e indisponibilidade.
As Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia (2011) incluem
a
formação para pesquisa como parte integrante da formação profissional. Estabelecem
que procedimentos para a investigação científica e a prática profissional devem se constituir
em um dos eixos estruturantes dos
cursos, e que eles devem incluir o desenvolvimento de habilidades e competências
específicas a essa área. Isso pode ser visto especialmente em: Art. 5º- III, Art. 8- IV, V, XIV
e XV, Art. 9- I, II, III e VII. Além disso, abrem possibilidades muito interessantes, que
precisam ser melhor aproveitadas, como a inserção de atividades práticas de pesquisa entre
os estágios básicos ou mesmo a escolha de atividades de investigação científica como uma
das ênfases dos cursos, o que permitiria inseri-las como atividades dos estágios específicos.
Já tivemos experiências de como essa atividades podem despertar a
curiosidade
e
o
interesse dos alunos pela investigação, tornando o aprendizado menos árido e abrindo
caminho para novas possibilidades.
Nem todos os formados em Psicologia serão essencialmente pesquisadores, e isso nem seria
desejável. No entanto, todos devem estar capacitados para reconhecer a importância da
pesquisa e para utilizar os conhecimentos que dela advêm como alicerce de sua prática
profissional e como critérios de avaliação dos conhecimentos da área.
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Beirão,
P.S.L.
(1998).
A
importância
da
iniciação
aluno da graduação. Boletim da Universidade Federal de Minas Gerais,
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2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Psicologia. Recuperado
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http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12991
Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 5, de 15 de março de
2011. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Recuperado
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Gomes, W. B. (2003). Pesquisa e Prática em Psicologia no Brasil. Recuperado em 26 de março de 2012
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MATOS, M.A. (1982). Avaliação e perspectivas. Ciências humanas e sociais. Psicologia. Brasília:
Seplan/CNPq.
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Psicologia no Brasil (Cadernos da Anpepp no. 1, pp. 107-125). Rio de Janeiro: Associação Nacional de
Pesquisa e Pós- graduação em Psicologia.
Memoria de Marca: Influencia de la memoria en las decisiones de compra de los consumidores.
Un estudio exploratorio.
Lic. Claudio Francisco Reggiani
Licenciado en Administración de Empresas y Contador Público (UBA), Maestrando en Psicología
Cognitiva (UBA) ,
Profesor Adjunto de “Comercialización” de la Facultad de Ciencias Económicas de la Universidad de
Buenos Aires.
INTRODUCCION
Una teoría ampliamente aceptada del proceso de elección de una marca es aquella
que deriva de los trabajos de Howard y Sheth. Los autores distinguen entre dos fases diferentes en el
proceso de elección de una marca, la evocación y la evaluación. La evocación refiere a un
proceso por el cual, un conjunto de marcas a elegir, son recuperadas de la memoria a largo plazo
para ser utilizadas en la memoria de trabajo, lo que permitirá la decisión final de elección por parte del
consumidor. La evaluación es el proceso por el cual se realiza un juicio de valor sobre esas marcas
evocadas para la elección final de la marca a comprar.
1
A partir de los conceptos y procesos mencionados en esta introducción surge la necesidad de
hacer un breve comentario sobre los sistemas y procesos de la memoria humana, y a partir de allí
introducirnos en el campo de la memoria desde la perspectiva del marketing.
Sistemas y Procesos de la Memoria Humana
Sistemas o Estructuras de la Memoria
A finales del siglo XIX, Hermann Ebbinghaus y William James intuyeron la existencia de diferentes sistemas
de la memoria humana, sin embargo estos trabajos pioneros recién se desarrollaron a mediados del siglo
XX, con el surgimiento del paradigma Cognitivo.
A partir de la denominada ―metáfora del ordenador‖ que era la base de la psicología cognitiva, se
posibilitó el estudio de la percepción, la atención y la memoria. Así, la memoria fue concebida como
un sistema de procesamiento, almacenamiento y recuperación de información. A partir del estudio
de los procesos cognitivos, varios modelos teóricos fueron desarrollados, entre ellos el denominado
―Modelo Modal‖ de la memoria humana a partir de las investigaciones de Atkinson y Schiffrin (1968).
El modelo de Atkinson y Schiffrin, postula que el procesamiento de la información ocurre en
etapas secuenciales, y que la información es procesada en paralelo por
2
almacenes sensoriales; luego pasa al almacén de corto plazo y de allí a la memoria de largo plazo (MLP).
Es de fundamental importancia el almacén de corto plazo, donde las funciones de repetición,
codificación, decisión y estrategias de recuperación permitirán que la información pase a la MLP.
Niveles de Procesamiento
Serán Craick y lockhart (1972) quienes toman en cuenta los niveles de procesamiento de
la
información, sugieren que a mayor profundidad de procesamiento mejor recuperación del ítem, el
procesamiento fonológico produce una huella más duradera y el procesamiento
profundo
produce
un
semántico
aprendizaje más duradero
Modelo de Working Memory (WM) o memoria de trabajo
Baddeley y Hitch (1974), Baddeley (2000) propusieron un modelo de componentes múltiples de la
memoria de trabajo (WM).
3
Modelo que se ve favorecido por estudios neurobiológicos y de técnicas de neuroimagen
que dieron resultados consistentes con varios componentes del modelo
La memoria de trabajo (antes almacén de corto plazo) es el espacio on line (virtual), donde se
procesa, actualiza e integra la información proveniente del Sistema de Representación Perceptual
(antes almacén sensorial) con el recupero de la información contenida en la MLP (donde se almacenan
todos los conocimientos y experiencias que poseemos respecto al mundo (Fernández, 2000; Best,
2002; Schiffman y Kanuk,
2005)).
Procesos de la Memoria
Básicamente
podemos
distinguir
tres
procesos
de
la
memoria:
Codificación,
Consolidación, y Recuperación.
El proceso de Codificación es aquel en que la información sensorial es convertida en información
comprensible para nuestra mente (permite la formación de huellas mnémicas), depende de
factores de atención y motivación.
En el proceso de Consolidación interviene la atención, que permite seleccionar algunos estímulos o
rasgos del estímulo (información relevante) y desatender los rasgos no relevantes, con propósitos
cognitivos (Baars y Gage, 2007); la atención selecciona filtra, e integra la información percibida
como condición previa a la formación de recuerdos y luego esta información es transmitida de la
Memoria de Trabajo a la Memoria de Largo Plazo.
El proceso de Recuperación de información de la MLP, es clave en el recuerdo de marcas, incluye
dos procesos: Evocación y Reconocimiento (Bernstein y Nash, 2008). El proceso de Evocación depende
de la ―accesibilidad de la información‖, es decir de la facilidad con que la información pueda ser recuperada
de la MLP de forma espontánea; el proceso de Reconocimiento a diferencia del proceso de Evocación,
precisa de un estímulo externo para facilitar el recupero de la información.
El campo de la Memoria desde la perspectiva del Marketing
Como se mencionó ―ut supra‖, existen dos fases diferentes del proceso de elección de
una marca, la evocación y la evaluación.
La intención de compra de los consumidores dependerá de
dos factores, el
conocimiento que tengan de las marcas y la valoración positiva que realicen sobre las
4
mismas, conformando así un subconjunto que ha sido denominado ―conjunto en consideración‖
(Paulssen y Bagozzi, 2005). Esto implica que una marca que desee pertenecer al denominado
―conjunto en consideración‖, primero debe ser recuperada de la memoria a largo plazo del consumidor
y como condición conjunta, ser evaluada positivamente (Shapiro y Krishnan, 2001).
En Marketing, el proceso de recuperación del nombre de marca (Evocación y Reconocimiento)
ha sido investigado en el marco de los modelos de Brand Equity (Valor de Marca).
El Brand Equity, está conformado por cuatro dimensiones: Lealtad de Marca, Conciencia o
Conocimiento de Marca, Calidad Percibida y Asociaciones de Marca (Aaker,
1991,1996,
Keller, 1993) y refiere al efecto diferencial
1996;
que,
el
conocimiento de la marca ejerce sobre las respuestas del consumidor.
En la toma de decisiones del consumidor, autores como Alba, Hutchinson y Lynch, (1991) remarcan
la importancia de la memoria de la Conciencia de Marca, que está relacionada a la fortaleza del
nodo marca (o huella en la memoria), y refleja la capacidad de los consumidores para identificar la
marca bajo diferentes condiciones (Rossiter y Percy, 1987). En particular, la conciencia del nombre de
una marca refiere a la probabilidad que un nombre de una marca venga a la mente y la facilidad c on
que así lo haga (Keller, 1993).
Otros autores definen la dimensión Conciencia de Marca como la capacidad de un comprador para
reconocer o evocar una marca como miembro de una determinada categoría de producto (Aaker,
1991). Por ello, la Conciencia de Marca consiste en el resultado del reconocimiento y la evocación de la
marca (Rossiter y Percy, 1987; Keller,
1993).
Sin
embargo,
tanto
reconocimiento
como
evocación
son
términos
diferentes:
Reconocimiento de marca es la capacidad del consumidor para confirmar la exposición previa del
nombre de marca y así reconocerla como perteneciente a determinada categoría de producto u otra
clave de recuperación. En cambio, la evocación de marca es la capacidad del consumidor para
recuperar de la memoria la marca como perteneciente a la categoría de producto u otra clave, sin
exposición previa. En otras palabras, existirán nombres de marca de determinada categoría de
producto que surgirán espontáneamente de la memoria del consumidor y otros nombres de marca que
requerirán ayuda guiada para que sean recordadas.
4
Investigación Exploratoria
Objetivos
El objetivo del presente trabajo es explorar la evocación y reconocimiento del nombre de
marcas
de alfajores (Dimensión Mnémica), la valoración subjetiva de los consumidores
para cada marca de alfajores (Dimensión Valorativa), y el grado de intención de compra que poseen
los consumidores de alfajores sobre cada marca (Dimensión Conductual), y a partir de ello, explorar
los resultados vinculantes de las tres dimensiones.
Materiales y Método
Sujetos
La muestra está conformada por 148 estudiantes de la carrera de Licenciado en Administración de
la Facultad de Ciencias Económicas de la Universidad de Buenos Aires, que cursan en la sede
ubicada en la Avenida Córdoba 2122 de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, participaron
voluntariamente, y se manifestaron como consumidores regulares de alfajores. El aspecto demográfico
de la muestra indica que se encuestaron 77 sujetos masculinos y 71 sujetos femeninos, con un promedio
de 26 años de edad.
Procedimiento
En una primera etapa se les solicitó a los sujetos que evoquen espontáneamente los nombres de
marcas de alfajores que conocen.
Las marcas de alfajores evocadas fueron anotadas en un
formulario perteneciente a cada sujeto.
Posteriormente, sobre una lista que incluye la totalidad de marcas de alfajores que están disponibles
en todos los canales de venta tradicionales, se les solicito que marquen con una cruz los
nombres de marcas de alfajores que reconocen como pertenecientes a la categoría de producto
―Alfajor‖, incluyendo las que habían sido evocadas en la etapa anterior. Además, sobre el mismo
formulario debían marcar con una cruz su juicio sobre cada marca de alfajores conocida (Valorada
positivamente, negativamente o indiferente), y señalar con otra cruz aquella marca de alfajores que
tendrían intención de comprar en ese momento.
Por
lo
expuesto,
se
obtuvo
por
cada
sujeto:
Listado
de
marcas
espontáneamente, listado de marcas reconocidas (reconocimiento guiado), listado de
5
evocadas
marcas valoradas en forma positiva, negativa o indiferentes (El total de marcas valoradas
coincidirá con la totalidad de marcas evocadas y reconocidas) y el nombre de una marca en particular
que es la opción de compra de ese sujeto en el momento de la encuesta.
Resultados
Resultados Globales (Inter-sujetos)
Los resultados globales de los índices de Presencia Mental (Evocación espontánea, Reconocimiento
guiado y Desconocimiento), Valoración e Intención de Compra se exponen en Tabla I
Como se observa en la Tabla I, todas las marcas que poseen más del 60% de valoración positiva por
parte de los sujetos de la muestra, representan en conjunto el
85% de las intenciones de compra, probablemente por la premisa básica de que toda marca que quiera
poseer alta intención de compra debe ser valorada positivamente.
Resaltamos que aquellas marcas con un porcentaje de desconocimiento menor del 8% (las mayormente
reconocidas), representan en conjunto el 70% de las intenciones de compra, probablemente por la
premisa que indica que una marca para ser valorada primero debe ser conocida.
Otro aspecto a resaltar es que las marcas con mayor intención de compra (Cachafaz, Havanna y Milka)
poseen los mayores índices de evocación, a la vez que los mayores índices de valoración positiva, de los
que se sospecha que habría algún tipo de relación entre ―evocación espontánea‖ – ―valoración‖ –
―intención de compra‖, que deberíamos investigar con mayor profundidad.
6
Tabla I
Resultados Específicos (Intra-sujetos)
En la Tabla II del presente trabajo se ha efectuado un seguimiento por cada sujeto de la muestra, a fin
de observar aspectos que refieran a una probable relación entre
7
―intención de compra‖ – ―valoración positiva‖ – ―evocación espontánea‖. Si bien no es posible sacar
conclusiones ya que se trata de un trabajo exploratorio, se puede extraer de la Tabla II, que de la
totalidad de sujetos que manifestaron poseer intención de compra por una marca, el 100% había
valorado positivamente a la marca elegida, y el
86,49% había evocado espontáneamente la marca elegida con intención de comprar.
Tabla II
8
Bibliografía
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9
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Educación, México.
Práticas Psi em Comunidade: uma experiência de trabalho com pescadores e marisqueiras
do litoral Norte do Estado da Paraíba (Brasil)
Thelma Maria Grisi Velôso
(Psicóloga. Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Psicologia da
Universidade Estadual da Paraíba, Brasil)
([email protected])
Flávia Palmeira de Oliveira
10
(Aluna do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Estadual da
Paraíba, Brasil)
([email protected])
Iara Cristine Rodrigues Leal Lima
(Aluna do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Estadual da
Paraíba, Brasil)
([email protected])
Lucélia de Almeida Andrade
(Aluna do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Estadual da
Paraíba, Brasil)
([email protected])
Introdução
Neste texto, ocupar-nos-emos em relatar uma experiência de extensão universitária
realizada na comunidade de pescadores e marisqueiras de Barra de Mamanguape (Rio
Tinto/Paraíba/Brasil). O referido projeto desenvolve-se, desde
2008, através de uma parceria entre a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
11
e o Instituto Chico Mendes de Conservação à Biodiversidade (ICMBIO) e tem como objetivo
principal fortalecer, incrementar e fomentar espaços de escuta e de problematização da realidade,
para estimular a autonomia popular, a participação e o processo de desenvolvimento da
capacidade de análise crítica, por meio de uma postura ecológica comprometida ética e
politicamente.
A Comunidade de Barra de Mamanguape faz parte de uma Unidade de Conservação
de Uso Sustentável, denominada Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio Mamanguape,
que compreende 14.000 hectares de ecossistemas de mangue, dunas, restingas, rios e zona
costeira e abriga espécies da fauna ameaçadas de extinção, como o peixe-boi marinho
(Trichechus manatus manatus) e o cavalo-marinho (Hippocampus sp.).
Vive, nessa área,
uma população de, aproximadamente, 50 famílias de pescadores e de marisqueiras, que perfazem
um total de cerca de 250 habitantes. Sua principal fonte de renda é a pesca, e o turismo
ecológico é uma renda complementar para essa população.
O projeto de extensão universitária que desenvolvemos nessa comunidade orienta-se
pelos pressupostos da Psicologia Social Comunitária, da Educação Popular e da Educação
Ambiental.
A Psicologia Social Comunitária adquire sua particularidade a partir do contexto
histórico-social e econômico brasileiro, caracterizado pela desigualdade e pela
seu
surgimento
guarda relação íntima com
injustiça social. O
a problematização psicossocial
da vida concreta das pessoas e, desde sua origem, questiona o papel do psicólogo, no que se
refere aos seus objetivos, concepções, atuações e resultados. Constrói, assim, um arcabouço
de saberes e práticas pautados na defesa da diversidade cultural e no compromisso éticopolítico com setoresmenos
desenvolvimento
favorecidos da sociedade. A
deestratégias que visem ao estímulo
sua
proposta implica
o
à autonomia, ao desenvolvimento de
uma consciência crítica e ao protagonismo social dos grupos com os quais trabalha, com vistas à
transformação social (CAMPOS, 1996; LANE,
1996; FREITAS, 1996). Nesse sentido, caracteriza-se por ser ―una psicología de la acción para el
cambio, en la cual los actores principales son las personas
12
comunes y corrientes en su cotidianeidad y el psicólogo es un facilitador, no el rector de ese
cambio.‖ (MONTERO, 1994, p. 17 apud GÓIS, 2003, p. 279).
A intervenção, na perspectiva da Psicologia Social Comunitária, prioriza a valorização de
recursos comunitários em articulação com ações concretizadas pela própria comunidade. Assim,
parte-se do pressuposto de que as comunidades podem apropriar-se de bens e serviços e
desenvolver conjuntamente capacidades e recursos potenciais. Destarte, o trabalho a ser
desenvolvido deve ultrapassar a esfera do individual e do particular e, ao mesmo tempo, adquirir
uma perspectiva de apreensão da realidade em sua totalidade. Desse modo,
a psicologia (social) comunitária utiliza o enquadre teórico da psicologia
social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a
formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade
social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos.
(FREITAS, 1996, p. 73).
Nessa concepção, o indivíduo é uma realidade histórico-social, fortemente enraizado em
um processo cultural, em um modo de vida social peculiar, em uma estrutura social de classes e
em um determinado espaço histórico, social, cultural, econômico, simbólico e ideológico, que vive
em uma dada realidade concreta, físico-social, participando de uma rede de relações sociais
complexas (mais além do interpessoal e do grupal) de uma sociedade historicamente
determinada (GONÇALVES; BOCK, 2009). E como participa dessas relações sociais, ele pode ser
capaz de ―ler o mundo e, ao lê-lo, transformá-lo‖ (FREIRE, 1976 apud OLIVEIRA; SANTOS,
2010, p. 50). A Educação Popular é, assim, um instrumento fundamental para a prática psicológica:
A educação popular constitui uma prática referida ao fazer a ao saber
das organizações populares, que busca fortalecê-la enquanto sujeitos
coletivos, e assim, contribuir através de sua ação-reflexão ao necessário
fortalecimento da sociedade civil e das transformações requeridas, tanto
para a construção democrática de nossos países, como para o
desenvolvimento econômico com
justiça
social.
(CONSELHO INTERNACIONAL DE ASSESSORES CEAAL, 1994, p. 73 apud WANDERLEY, 2010, p. 25).
13
Como afirmam Oliveira e Santos (2010, p.5), ―a educação popular atua, portanto,
para
(trans)formar
transformadoras e libertadoras.‖ Ao
sujeitos
ativos,
sujeitos
de
práxis
coletivas
ter esses objetivos, assume o compromisso para com a
transformação das condições de opressão e dominação da população, buscando orientar os
diferentes trabalhos e práticas existentes. (FREITAS, 2007)
No que tange à Educação Ambiental (EA) - outro pressuposto que norteia a nossa prática cabe ressaltar que a atenção da Psicologia voltada para a relação homem com a natureza
apresentou sua gênese em contextos históricos, como os períodos pós-guerra e a Revolução
Industrial, uma vez que se intensificaram a deterioração e o desequilíbrio do meio ambiente.
(HERCULANO, 1992 apud REIGADA; TOZONI-REIS, 2004).
A EA, que se consolidou na década de 70, se caracteriza como uma ferramenta
importante para a Psicologia. Essa prática educativa propõe-se a fomentar sensibilidades
afetivas e capacidades cognitivas para uma leitura do mundo do ponto de vista
socioambiental. (ARAÚJO, 2007; CARVALHO, 2004). Desse modo, a educação ambiental é uma
maneira de desenvolver novas formas de lidar com os problemas ambientais, bem como encontrar
soluções sustentáveis (DIAS, 2003 apud SCARDUA, 2009).
O conceito de sustentabilidade surge como uma alternativa de integrar a conservação e
o desenvolvimento, assumindo um compromisso com as futuras gerações.
A noção de sustentabilidade implica, portanto, uma inter- relação
necessária de justiça social, qualidade de vida, equilíbrio ambiental
e a ruptura com o atual padrão de desenvolvimento. (JACOBI 1997,
apud JACOBI, 2003, p.196).
Por meio desses aportes teórico-metodológicos, o trabalho desenvolve-se através de
visitas, conversas informais e oficinas realizadas mensalmente na Comunidade de Barra de
Mamanguape. Através das visitas e das conversas informais, a realidade é refletida e
problematizada, pois, como afirma Araújo (1999, p. 79), ―é muito limitado querer compreender a
vida cotidiana comunitária somente pelas vias formais; é preciso buscar uma con-vivência com o
povo do
14
lugar/comunidade,
dirigindo
especial
atenção
aos
processos
interativos
e
comunicativos‖.
No que diz respeito às oficinas, relataremos, a seguir, o trabalho realizado com três
grupos: o grupo de leitura com as crianças; o grupo de exibição de filmes e curtas-metragens (com
os adultos); e o grupo de mulheres.
Oficinas psicopedagógicas com as crianças
No que diz respeito às oficinas com as crianças, essa proposta iniciou-se em 2009, a
partir de uma demanda explicitada pelo diretor da Escola de Ensino Fundamental existente na
comunidade. Segundo ele, a dificuldade maior das crianças era de ler e interpretar os textos.
Sendo assim, o objetivo que norteia as oficinas com esse grupo é estimular o gosto pela leitura,
bem como contribuir para a aprendizagem dessas crianças, no que concerne à interpretação de
textos.
Tendo como referência as contribuições do ―Projeto Geraldo Maciel (Barreto)‖,
vinculado à Biblioteca Municipal de Catolé do Rocha - Pb (Secretaria Municipal de Educação de
Catolé do Rocha/Pb, 2009), promovemos, com o auxílio de recursos metodológicos como a
leitura, a contação de histórias, a música, o teatro, a imagem (vídeos, etc.), a modelagem, a
pintura, o desenho e os exercícios e jogos do Teatro do Oprimido (TO), momentos de reflexão
sobre a realidade cotidiana, para estimular as crianças a exercitarem o senso crítico, a
imaginação e a criatividade, sem perder de vista a construção de preceitos éticos e ecológicos.
Acreditamos que, nesse processo, estamos incentivando o protagonismo social desse
grupo, numa perspectiva de ampliar o universo cultural dessas crianças, contribuindo para a
―construção de identidades em espaços que valorizem a sociabilidade e incentivem descobertas
e aprendizagens voltadas para o pensamento crítico-reflexivo.‖ (OLIVEIRA; SANTOS, 2010, p. 4).
Participam das oficinas crianças do sexo masculino e feminino, com idades que variam
entre cinco e dez anos; o número de participantes de cada oficina
15
varia entre 10 e 23 crianças, e as oficinas são realizadas, mensalmente, aos sábados, no
período da tarde.
As oficinas, em geral, são operacionalizadas da seguinte forma: o primeiro momento é
reservado para a contação, em que algumas crianças contam ao grupo histórias infantis lidas
por elas. Essas histórias são entregues a elas, pela nossa equipe, no dia que antecede a
oficina. Em seguida, são facilitados exercícios de TO, pensados de acordo com os objetivos
específicos de cada oficina, em articulação com o objetivo principal dessa proposta, que é
estimular o gosto pela leitura. Na sequência, há um momento de criação e de reflexão com base
em textos. Nesse momento, são utilizados recursos como o data show, a leitura dramatizada, a
construção de histórias a partir da projeção de imagens, a encenação de histórias lidas, a
modelagem, entre outros. Na maioria das vezes, nesse momento, o grupo subdivide-se para
realizar a atividade proposta e, depois, há a socialização do que foi construído nos subgrupos
para o grupo como um todo. Encerramos as atividades com música e dança.
Cumpre ressaltar que, durante o ano de 2011, foi montada, junto com as crianças, a
peça ―A cigarra e a formiga‖, cuja construção, desde a discussão do texto e adaptação até a
confecção do figurino e do cenário, foi realizada junto com as crianças. Os ensaios aconteciam
durante as oficinas e eram feitos logo após a realização de exercícios de TO, que eram facilitados
de acordo com o objetivo de cada oficina. A apresentação da peça ocorreu na Colônia de
Pescadores, e toda a comunidade foi convidada.
Oficinas de exibição de filmes e curtas-metragens
Outro grupo que vem se consolidando desde abril de 2011 é o que reúne adultos,
homens e mulheres, para refletir sobre temáticas baseadas na exibição de curtas e filmes.
O grupo surgiu de uma iniciativa da equipe técnica, a partir da constante reflexão e
avaliação do trabalho de extensão que vem sendo desenvolvido desde
2008 naquela comunidade. Já foram realizados seis encontros e discutidos os
16
seguintes temas: a pesca nos dias atuais; o que é Plano de Manejo; o lixo; a poluição e o
assoreamento dos rios.
O primeiro tema foi escolhido pela equipe, tendo como critério a realidade daquela
comunidade, que vive da pesca e da coleta de mariscos. As reflexões desencadeadas a partir
dos
temas
enfocados
nos
filmes
selecionados
têm apontado para as problemáticas
vivenciadas pelos moradores da comunidade, ao mesmo tempo em que estimulam uma reflexão
sobre o meio ambiente. Esse espaço auxilia o grupo a pensar e repensar o seu cotidiano,
construindo uma postura mais crítica e ecológica diante do mundo, pois, como afirmam Zanini e
Weber (2010), numa sociedade onde a imagem adquire um lugar fundamental, a utilização dos
filmes para refletir sobre a vida cotidiana é um excelente recurso.
A ideia é, através dessas exibições, provocar um diálogo entre as pessoas presentes que
redunde em uma reflexão crítica sobre a realidade. Assim como Orozco-Gomes (2003, apud
Zanini; Weber, 2010), concordamos que, através dessas exibições, são criados e elaborados
sentidos, e a nossa intenção é problematizá-los. O ―diálogo problematizador‖ convida as
pessoas a examinarem ―criticamente suas ações cotidianas e opiniões acerca do mundo, da vida
e de si mesmos (...).‖ (OLIVEIRA et al, 2008, p. 156).
Grupo de mulheres
Esse grupo foi se constituindo no final de 2009. Inicialmente, a proposta era de reunir as
mulheres para pensarem na organização de uma cooperativa de marisqueiras. O grupo,
entretanto, organizou-se de outra forma e, em junho de
2010, começou a se reunir com o objetivo de discutir, coletivamente, questões relativas ao
cotidiano feminino e aos assuntos relacionados à saúde.
Essa experiência aproximou-se dos preceitos do Ecofeminismo, que aborda a relação da
mulher com a natureza e a interligação entre a exploração e a submissão da natureza com a
da mulher e de todos os excluídos do poder pelo
17
patriarcado. Dessa forma, relaciona a preservação ambiental à libertação da mulher
(SILIPRANDI, 2000).
A proposta metodológica do Cunhã Coletivo Feminista (ONG existente em João
Pessoa/Pb/ Brasil) e a técnica do Teatro do Oprimido orientaram a proposta dessas oficinas que,
além de procurar estimular essas mulheres a exercitarem a autonomia, a participação e o senso
crítico, tiveram o objetivo de proporcionar uma reflexão sobre a realidade cotidiana por meio da
discussão sobre a questão de
gênero.
Entre
outros
aspectos,
o
trabalho
procurou
contribuir para o desenvolvimento de uma consciência crítica, assim como estimulou
ações coletivas na resolução dos problemas.
Como afirma Sawaia (1995, p. 166-167):
(...) a prática em comunidade
atua, especialmente,
no
isolamento social, na convivência e na comunicação, dando existência
social e individual às pessoas (...) seu grande trunfo é trabalhar no local em
que se convive com os pares (...) o seu procedimento participativo e
centrado na ação-reflexão permite superar a dicotomia entre subjetividade
e objetividade e entre o pensar e o fazer, negando a visão
reducionista- idealista de que a alienação é apenas a inconsciência da
situação de opressão, mas é, também, a consciência da impotência
frente à situação objetiva.
Foram realizadas, no período entre junho de 2010 e agosto de 2011, onze oficinas, em
que foram discutidos os seguintes temas: formação do grupo, identidade, saúde, corpo
feminino,
menstruação,
menopausa,
sexualidade
e educação. Esses encontros ocorriam
mensalmente, aos domingos, no período da noite. O número de participantes variava de cinco
a dez mulheres, e cada encontro durava, em média, duas horas.
Como
recursos
metodológicos,
foram
utilizados
músicas,
dinâmicas
de grupo,
exercícios e jogos de TO. A título de ilustração, faremos, a seguir, o relato de uma das oficinas,
realizada no mês de outubro de 2010, em que foi discutida a temática da menopausa. Essa oficina
se guiou pela ideia de que a menopausa não é uma doença, mas uma fase na vida da mulher
como qualquer outra, com suas especificidades.
18
Iniciamos a oficina com exercícios de alongamento e relaxamento; em seguida, as
mulheres foram perguntadas sobre o que entendiam por menopausa e os sintomas que a
caracterizam.
Após
um
debate
sobre
essas
questões, realizamos o exercício de TO,
denominado ―Quantos ‗as‘ existem em um ‗a‘‖, 1 com o fim de promover uma reflexão sobre as
diferentes fases da vida ao longo do desenvolvimento humano. Para finalizar, colocamos a música
―Zazueira‖, de Jorge Ben Jor, que enaltece as qualidades femininas e, ao mesmo tempo,
contribuiu para ―animar‖ o grupo com o seu ritmo contagiante. Por último, foi realizado o
Círculo de Energia. 2
Cabe ressaltar que, ao final de cada encontro, o grupo escolhia o
tema da oficina que seria realizada no mês seguinte.
Considerações finais
Durante essa experiência, nossa inserção na comunidade buscou construir uma relação
com as pessoas por meio do diálogo, da interação, da construção de vínculos e da escuta,
fazendo-nos presentes no cotidiano, de modo a orientar a nossa prática de acordo com as
necessidades demandadas pela comunidade. Em diálogo com a Educação Ambiental e a
Educação Popular, numa perspectiva teórica e metodológica que compreende o homem como
sujeito criador e parte da Natureza, e a ciência e a cultura como movimento de produção de
conhecimento, buscamos aliar à produção científica as necessidades humanas e da Natureza.
Procuramos assim, através dessa interlocução, construir uma prática que oriente as pessoas a
lidarem com as questões cotidianas, buscando soluções que impliquem em ações coletivas e
sustentáveis.
1 Em círculo, sucessivamente, cada ―ator vai até o centro e exprime um sentimento - sensação,
emoção ou ideia - usando somente um dos muitos sons da letra a, com todas as inflexões,
movimentos ou gestos com que for capaz de se expressar‖. Depois que todos tenham expressado
os ―as‖, o diretor pede que o exercício seja feito com as demais vogais, como também dizer ―sim
querendo dizer sim, dizer ―sim‖ querendo dizer não, dizer ―não‖ querendo dizer não e ―não‖
querendo dizer sim para, por último, expressar frases inteiras (BOAL,
2008,
p.
141).
2 No círculo de energia, é formado um círculo, com todos de mãos dadas, sendo a mão direita
com a palma para baixo, e a esquerda, com a palma para cima, como forma de fazer fluir a
energia do grupo. Nesse momento, pode-se fazer uma reflexão para que a energia do momento
permaneça com todos os membros até o próximo encontro (BOND; OLIVEIRA, 2000).
19
Nesse
processo,
os
grupos
formados
nessa
experiência
foram
se
constituindo pelo desejo de se construírem, na comunidade, espaços de trocas de saberes, afetos e
vivências. Conforme Guareschi (1996), qualquer relação entre as pessoas nasce num grupo, de
modo que, nesse encontro, sempre existe algo ―em comum‖, que pode estar tanto numa como
noutra pessoa, fazendo nascer ―nesse comum‖ o ―coletivo‖. Assim, acreditando no potencial
existente nesses grupos, buscamos, nesses espaços, aliar conhecimento e transformação, numa
postura crítica e questionadora da realidade.
Apesar de alguns avanços, cumpre ressaltar o grande desafio que é consolidar essa
proposta, tendo em vista os ―atravessamentos‖ culturais, sociais e econômicos que permeiam a vida
das pessoas, tornando-se, em alguns casos, um limitador para o devido comprometimento e a
participação. Nesse sentido, tendo em vista a complexidade do trabalho, através do exercício de
ação-reflexão-ação, recorremos a diversificadas propostas metodológicas, buscando, a partir
dessa práxis, encontrar ferramentas que possam dar embasamento às necessidades que vão
surgindo na prática.
20
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http://pga.pgr.mpf.gov.br/pga/educacao/que-e-ea/o-que-e-educacao-ambiental. Acesso em: 26 mar.
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21
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Assédio Moral: um estudo entre trabalhadores de Shoppings
Iara Cristine Rodrigues Leal Lima; Nelson Aleixo da Silva Júnior; Aline Ribeiro de Lima;
Josefa Kelly Cavalcante de Farias; Flávia Palmeira de Oliveira; Ana Isabel Araujo Silva de
Brito Gomes; Carmely Leite da Silva.
No atual mercado de trabalho exige-se
um maior número de títulos e
22
qualificações para concorrer à vagas existentes, segundo Neves (2003) o emprego em tempo
integral, com razoável estabilidade e proteção das leis trabalhistas começa a desaparecer
e, em seu lugar, surgem os contratos temporários de trabalho. Além disso, é cada vez maior a
quantidade de empresas que terceirizam aspectos importantes da produção e da mesma
forma, empresas subcontratadas que ofertam mão-de-obra terceirizada a custos reduzidos
e, também, um conjunto de empresas que oferecem a chamada terceirização de serviços.
Assim, no presente contexto histórico os trabalhadores vivem em uma constante busca
por estar sempre se adequando ao mercado de trabalho e, não raro, são obrigados a se
submeterem a constrangimentos e humilhações para manterem seus empregos e
continuarem exercendo sua atividade profissional, mesmo que a custa do sofrimento
causado pela vitimização do assédio moral.
Para Hirigoyen (2004), o assédio moral é toda e qualquer conduta abusiva
manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que
possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma
pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. Por esta definição
observa-se que Hirigoyen coloca o assédio como sendo todo e qualquer ato que afete a
pessoa humana causando-lhe constrangimentos pessoais, afetando seu mundo psíquico,
social e organizacional.
No Brasil Barreto (2000) define o assédio moral no trabalho como toda
exposição prolongada e repetitiva a situações humilhantes e vexatórias no ambiente de
trabalho. Percebe-se então, claramente que, segundo esta autora, o fato de o trabalhador ser
vítima de situação constrangedora apenas uma vez não configura assédio. Para isto, se faz
necessário que tal situação seja algo repetitivo.
O assédio moral traz consigo diversas conseqüências para o indivíduo e para a
empresa, consequências estas que irão influir negativamente nas relações de trabalho e no
cotidiano social dos indivíduos agredidos e daqueles que estão ao seu redor, uma vez
23
que o assédio pode trazer como implicações, mais específicas para o indivíduo, a nível
fisiológico
problemas
cardíacos,
problemas
gástricos,
hipertensão,
doenças
psicossomáticas, dentre outros males. Entretanto, é na dimensão psicológica e social que o
assédio moral mostra sua face mais cruel. Vítima desse tipo de agressão, o indivíduo
passa a se sentir inferior, podendo então desenvolver transtornos psicológicos, a exemplo da
depressão e, frequentemente, também passa a fazer uso do álcool continuamente, o que
contribuirá para a defasagem da qualidade de suas relações no seu meio social.
Sendo assim, essa pesquisa teve por objetivo identificar a ocorrência de ações
visando à desqualificação profissional e a prática de atos humilhantes, degradantes e
persecutórios, dentre outros, que possam ser caracterizados como comportamentos de
assédio moral entre os trabalhadores de Shoppings Centeres na cidade de Campina
Grande, Paraíba, Brasil. Trata-se de um estudo quantitativo com objetivos exploratórios. Quanto
ao procedimento de coleta este estudo pode ser caracterizado como um levantamento
de campo. Foi tomada uma amostra composta por 202 comerciários, observando o
coeficiente de confiança de 95,5% e uma margem de erro de 5% (referência). Observouse em sua maioria mulheres (85,6%), solteiros (47,5%), com idade inferior a 30 anos
(74,2%), sem filhos (57,9%), com curso superior incompleto (38,1%) e com remuneração entre
R$ 560,00 e R$ 1.120,00 (62,5%).
Para efeito de coleta
de dados foi utilizado um questionário
voltado para a
identificação do assédio entre trabalhadores. Na primeira parte do instrumento constam as
questões relativas aos dados sociodemográficos dos respondentes como: sexo, estado civil,
idade, número de filhos, segmento comercial em que trabalha e renda. Para mensurar o
assédio moral optou-se pelo instrumento elaborado por Nery (2005), como parte de seu
trabalho de mestrado pela Universidade Católica de Goiás, e validado por Aleixo Junior et.al
(2009). Este é um questionário tipo likert, composto por 58 questões, as quais os trabalhadores
respondem fazendo uma única opção para cada item, de acordo com a seguinte escala: 0 –
não vivenciou a conduta; 1 – vivenciou raramente; 2
– vivenciou moderadamente; 3 – vivenciou muito; 4 – vivenciou exageradamente. A análise
dos dados foi realizada a luz do instrumento validado por Aleixo Junior et.al (2009), que
identificou a existência dos seguintes fatores para o assédio moral: FI – atos de humilhação e
desprezo; F II- desqualificação e desvalorização profissional e F III – Barreiras a autonomia e
a participação. Os dados foram analisados à luz da estatística descritiva. Desta forma, neste
trabalho os dados são analisados a partir de cada
24
dimensão para que se possam fazer inferências acerca do assédio moral.
Fator I - Atos de Humilhação e Desprezo
Este fator abrange 24 variáveis e tem uma escala de avaliação progressiva em
direção ao assédio. Verificou-se que os atos relativos a esta dimensão não fazem parte do
cotidiano laboral da maioria dos trabalhadores de shoppings da cidade de Campina Grande. O
que pode ser confirmado, ao observar-se que em 13 variáveis mais de 93% dos trabalhadores
nunca vivenciaram tais atos. No entanto, é importante atentar para o fato de que todas as
variáveis receberam ao menos uma citação entre os respondentes, destacando-se que, as
opções ―Muito‖ e ―Exageradamente‖, quando somadas, indicaram a incidência de assédio em
cinco variáveis, com percentuais entre 2,5% a 5,5%, demonstrando assim, a presença
de atos de humilhação e desprezo entre estes trabalhadores.
Dessa forma, algumas das variáveis que se destacaram devido à ausência de atos de
humilhação e desprezo entre os trabalhadores de shoppings são: Mexem ou danificam
meus instrumentos de trabalho com a intenção de prejudicar-me (98%); Furtam alguns de
meus pertences, documentos ou ferramentas de trabalho (98%); Não consigo falar com
ninguém, todos me evitam (97,5%); Meus colegas foram proibidos de falar comigo (96,5%); Meu
posto de trabalho foi colocado em local isolado dos meus colegas (96%); Insinuam ou fazem
correr o boato que tenho um problema psicológico (95%); As pessoas estão deixando de falar
comigo (95%); As pessoas que me apoiam são pressionadas para se afastarem de mim
(94,6%); Sou exposto ao ridículo, as pessoas zombam de mim (94,6%); Zombam de minhas
dificuldades pessoais (93,6%).
Analisando-se os dados acima, percebe-se que entre as variáveis onde posturas de
humilhação e desprezo foram menos citadas, destacam-se aquelas relacionadas a
comportamentos que envolvem princípios ou valores sociais, geralmente transmitidos no
processo de educação familiar, como a honestidade e a repulsa em subtrair objetos alheios.
Transportados para o mundo do trabalho, estes valores atuam no sentido de contribuir para
a consecução dos objetivos organizacionais, pessoais e profissionais, ao passo que servem
de lastro para manter um bom relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho.
25
No que diz respeito à análise da incidência do assédio, considerou-se a soma das
respostas nas opções ―muito‖ e ―exageradamente‖ como indicadoras, apresentando o
seguinte resultado: Minha vida particular é criticada (5,5%); Sou caluniado pelas costas (5,5%);
Comentários degradantes são feitos diretamente a mim (3,5%); Fazem circular boatos falsos e
infundados a meu respeito (3,0%); Ridicularizam ou zombam de minha vida particular (2,5%).
Em relação às variáveis ―críticas à vida particular‖ e ―calunia pelas costas‖,
entende-se que tal postura, ao passo que é uma manifestação de comportamento de não
aceitação do estilo ou maneira de viver do outro, também pode estar indicando uma reação,
talvez pelo fato desse jeito de viver, que tanto se critica, seja um estilo de vida desejado por
outros, porém só alguns têm a ousadia de adotá-los e, isto, de certo modo, vai de encontro
aos padrões estabelecidos. Assim, muitas vezes, como reação se constrói estereótipos
acerca destas pessoas e, a partir destes, se passa a promover boatos, utilizando-se de
comentários degradantes, para ridicularizar e zombar da vida particular do outro, como forma
de atingi-lo e intimidá-lo.
Em conclusão pode-se afirmar que mesmo os atos de humilhação e desprezo não
fazendo parte do cotidiano da maioria dos vendedores de loja dos Shoppings Centers de
Campina Grande, essa dimensão relativa ao assédio foi identificada em 5,5% dos
participantes.
Fator II - Desqualificação e Desvalorização Profissional
Da mesma forma que no fator I, neste, a escala de avaliação também é
progressiva em direção ao assédio. Esse fator compreende 20 variáveis que mensuram o
assédio moral. Para efeito de análise, observou-se que neste fator as avaliações positivas não
são tão fortes quanto no precedente. Constatando-se que, em 11 variáveis mais de
80% dos respondentes afirmaram não terem passado por situações que se apresentem como
atitudes e comportamentos de desqualificação e desvalorização de suas profissões.
Entretanto, todas as variáveis indicativas de desqualificação receberam no mínimo uma
citação entre os respondentes e, do mesmo modo em onze variáveis foram identificadas
respostas indicativas à presença do assédio com variações entre 3,5% e
10,8%, considerando o somatório das opções ―Muito e Exageradamente‖, as quais indicam
a existência de desvalorização no desempenho profissional dos respectivos trabalhadores.
26
Em relação àquelas de maiores percentuais no que se refere à ausência absoluta dos
atos que levam ao assédio, podemos destacar algumas delas: Sou ameaçado
verbalmente (94,1%); Sou obrigado a fazer trabalhos humilhantes para o cargo que ocupo
(91,6%); Sou obrigado a fazer tarefas perigosas ou nocivas a saúde (91,6%); Sou prejudicado
nas promoções (88,1%); Sou designado a fazer tarefas que exigem uma experiência muito
acima
da minha competência profissional, impossibilitando meu êxito
(88,1%); Eu sou provocado até reagir de maneira agressiva (85,1%); Comentários negativos são
feitos a meu respeito, e não tenho oportunidade de defasa (84,7%); Meu trabalho é criticado
destrutivamente (84,2%).
Levando-se em consideração a análise dos dados acima, pode-se perceber que, no
que diz respeito às variáveis que estão na faixa de 90%, ou seja, que se referem à opção
"não vivenciou" marcado pelos respondentes, percebe-se que estas se referem a atos que se
mostram mais hostis e que seriam mais visíveis para os outros colegas de trabalho e para a
chefia, possibilitando dessa forma, a identificação do comportamento assediante dentro do
ambiente de trabalho. O que poderia ocasionar para o agressor, problemas com seus
empregadores, bem como, sua demissão. Sendo assim, observa-se que as variáveis que se
posicionam na faixa dos 80%, que também indicam ausência de atos de Desqualificação e
Desvalorização profissional que foram menos citadas pelos respondentes, destacam-se
aquelas referentes a comportamentos mais sutis. Ou seja, atos que podem ser praticados e
não são tão identificáveis e percebidos como agressões.
Em relação às variáveis indicativas do assédio moral entre os trabalhadores dos
shoppings, destacamos as seguintes: Meu horário de trabalho é controlado e fiscalizado de
maneira exagerada (10,8%); Minha autonomia foi retirada (7,4%); Eu sempre sou
interrompido quando falo (7,0%); Minhas falhas e erros são extremamente valorizadas (7,0%);
Avaliam meu trabalho de maneira injusta (5,5%); Minhas habilidades e competências
são desvalorizadas (5,5%); As pessoas põem dificuldades para eu expressar o que eu
tenho a dizer (4,5%); Atribuem a mim, propositalmente, tarefas inferiores a minha
competência profissional (4.0%).
Desta forma na avaliação da questão ―Meu horário de trabalho é controlado e
fiscalizado de maneira exagerada‖, observa-se que foi considerável e expressivo o índice
de respostas para a opção ―Muito e Exageradamente‖, percebendo-se a existência do maior
percentual indicativo de desqualificação profissional. O que demonstra que
27
uma
parte
significativa
dentre
os
respondentes
é controlada
e fiscalizada
exageradamente quanto ao horário de trabalho, indicando que alguns empregadores ainda
avaliam o controle rígido dos horários como uma técnica disciplinar importante para a
produtividade na empresa.
Em relação às variáveis ―Minha autonomia foi retirada; Eu sempre sou
interrompido
quando
falo;
habilidades
e competências
significativo
de
respostas
Avaliam
meu
trabalho
são desvalorizadas‖,
indicando
que
alguns
de
maneira
encontram-se
trabalhadores
injusta
um
têm
e
Minhas
percentual
perdido
sua
autonomia no desenvolvimento de suas tarefas laborais e que seus esforços não são
percebidos. Tal perda pode está relacionada ao fato dos gerentes e superiores
hierárquicos sentirem-se ameaçados ou com receio de perder seus cargos para aqueles
empregados que eventualmente destacam-se.
Neste caso, é preocupante a constatação de que 10,8% da amostra revelaram que
situações dessa natureza façam parte do seu cotidiano profissional, numa frequência
considerada como muita ou exagerada.
Fator III – Barreiras à Autonomia e à Participação
Observa-se que no fator III, composto por sete variáveis, em cinco delas a escala
mensura de maneira regressiva, onde o ―0‖ significa a existência de barreiras à
autonomia e ―4‖ a sua ausência. Por outro lado, nas outras duas variáveis o sentido é
inverso. Para efeito de mensuração destas, optou-se por reunir os escores obtidos pelas
opções ―0‖ e ―1‖ para indicar a ausência da variável e ―3‖ e ―4‖ para mostrar a sua
presença.
Em relação às variáveis que mensuram regressivamente observa-se que 53,9% dos
respondentes afirmaram dispor das informações necessárias para a realização das tarefas e,
por outro lado, 15,5% posicionaram-se contrariamente a essa afirmativa. Tal carência de
informações pode indicar uma gestão/administração frágil devido à falta de preparação ou
mesmo à intenção de prejudicar os trabalhadores no desempenho de suas tarefas, para com
isso constrangê-los, forçar-lhes ou ter argumentos plausíveis para demissão.
Observa-se que 49,5% da amostra afirmaram ter seus direitos trabalhistas
respeitados (férias, horários, prêmios) pela empresa e 31,7% sentem-se lesados nesses
28
direitos. Neste caso, considerando-se as especificidades do mercado de trabalho
(comércio), é possível que um grupo significativo desses trabalhadores não tenha acesso à
carteira profissional assinada, pagamentos de horas extras, 30 dias de férias, licença
maternidade e licença paternidade, entre outros. Desta forma, percebe-se que a atenção aos
direitos trabalhistas dos comerciários campinenses é um item secundarizado pelas
organizações, o que já havia sido identificado em pesquisa realizada com universitários
trabalhadores de Campina Grande (Aleixo Junior et.al 2009).
Para 43,0% dos comerciários os superiores oferecem as oportunidades para
expressar opiniões, enquanto 32,7% relataram o contrário.
Verifica-se que o estímulo à iniciativa própria (42,6%) acontece de maneira
precária, ou seja, seu percentual é maior no tocante à falta de atitude para tal iniciativa ao se
comparar com a postura positiva desse mesmo estímulo (27,2%), em relação aos
trabalhadores. Com isto, infere-se que estes desenvolvem suas atividades profissionais
desprovidos de uma política de gestão que os motivem a ter uma postura de iniciativa no
ambiente de trabalho, o que denota o descompasso com um paradigma atual no campo da
gestão de pessoas. Porém, quando o estímulo à iniciativa faz parte da cultura organizacional e
apenas um grupo de trabalhadores é imbuído dessa possibilidade, pode estar ocorrendo, neste
caso, o assédio moral.
No que concerne às variáveis cuja análise da escala mensura progressivamente na
direção do assédio moral, percebe-se que os comerciários de Campina Grande não
costumam ser designados a fazerem sempre tarefas novas e diferentes (82,6%), ao passo que
4,0% afirmaram o contrário, indicando rotatividade nas tarefas, o que pode dificultar um
trabalho satisfatório. Por outro lado, (96,1%) não sentem olhar de desprezo das pessoas
no trabalho.
Verifica-se que neste fator ocorreu a maior prevalência de respostas indicativas do
assédio moral entre os trabalhadores comparando-se aos demais fatores. Neste sentido,
identificou-se que 42,5% dos comerciários vivenciaram situações de imposição de Barreiras à
autonomia e à participação na consecução do trabalho.
Em seguida, a utilização do teste de Mann-whitney identificou a existência de
diferenças significativas quando considerado o gênero dos respondentes em relação as
seguintes variáveis: sentir-se zombado devido as dificuldades pessoais (U=21 Z= 29
3,83 e p<0,001); sentir-se hostilizado e zombado devido as convicções religiosas (U=18; Z= 3,31 ; p=0,001); é imitado na forma de andar, na voz, e nos gestos para expor ao ridículo
(U=22; Z=-2,01 ; p=0,044); é estimulado a ter iniciativa própria (U=16; Z= -2,36 ; p=0,018).
Nos três primeiros casos os respondentes do sexo masculino são as principais vítimas dos
atos indicativos de assédio, enquanto que, no último caso, as mulheres recebem menos estímulos à
iniciativa que os homens.
O presente estudo revelou a existência de situações indicativas do assédio moral entre
trabalhadores dos Shoppings Centeres de Campina Grande. Considerando os resultados deste
trabalho pode-se afirmar que 5,5% dos comerciários sofrem com Atos de humilhação e Desprezo,
10,8% vivem ações de Desqualificação e Desvalorização Profissional e 42,5% dos empregados de
comércio vivenciaram situações de imposição de Barreiras à Autonomia e a participação na
consecução do trabalho. Por fim, entende- se que se fazem necessárias alterações na dinâmica
organizacional dos Shoppings Centeres de Campina Grande que coíbam a prática do assédio
moral e favoreçam a autonomia e a participação dos trabalhadores no tocante à execução de suas
atividades laborais.
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(Graduação em Graduação em Psicologia) - Universidade Estadual da Paraíba.
Crianças e adolescentes abrigados: um estudo das representações de educadores sociais
1
Lucivanda Cavalcante Borges (Professora Assistente da Universidade Federal do Vale
do São Francisco)
Ana Lúcia Barreto Fonseca (Professora Adjunta da Universidade Federal do
Vale do São Francisco)
Liliane Caraciolo Ferreira (Professora Assistente da Universidade Federal do
Vale do São Francisco)
Maressa Souza Neiva (Estudante de Psicologia da Universidade Federal do
Vale do São Francisco)
Paula Nayara Bezerra (Estudante de Psicologia da Universidade Federal do
Vale do São Francisco)
INTRODUÇÃO
O abrigo é uma espécie de medida de proteção à criança que experimenta
situações de grave risco à sua integridade física, psicológica e sexual (Rizzini & Rizzini,
2004). Diversos estudos têm buscado investigar o contexto dos abrigos como espaços
que exercem uma forte influência no desenvolvimento de crianças e adolescentes
abrigados revelando que a representação dos educadores
sobre
as
crianças
sociais
e adolescentes
abrigados
tem
implicações significativas em seu desenvolvimento psicossocial.
Mesmo após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil,
1990),
o processo
de institucionalização
e as
consequentes
transformações na concepção de abrigo, infância e adolescência, tem sido marcado
pelo estigma social carregado de valor pejorativo e depreciativo, presentes,
inclusive, no modo como os educadores dos abrigos interagem com as crianças e
adolescentes. Os educadores possuem um papel importante no desenvolvimento
abrigados
visto que promovem
Polônia,
Dessen
e
Silva
a socialização
(2005)
dos
dos mesmos. Autores como
afirmam
que
as relações
criança/adolescentes/educador compreendem processos proximais
2
primários e que, portanto, podem determinar a trajetória de vida destas, inibindo
ou incentivando a expressão de suas competências cognitivas, sociais e afetivas. Nesse
sentido, pesquisar as representações dos educadores sobre crianças e adolescentes
abrigados pode contribuir para a elaboração de estratégias
intervenção
que
promovam
ressignificação
da infância
e adolescência
considerações,
o presente
trabalho teve
a
de
problematização
institucionalizada.
o objetivo
de
A partir
e
a
dessas
conhecer as
representações dos educadores sobre as crianças e adolescentes abrigados.
METODOLOGIA
Participaram desta pesquisa 23 educadores de três abrigos de uma cidade do interior
de Pernambuco. Um abrigo é municipal e os outros dois são mantidos por entidades
filantrópicas. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, gravadas em gravadores
digitais, transcritas na íntegra e analisadas a partir da literatura sobre institucionalização
e desenvolvimento humano.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados mostraram que os educadores, em sua maioria, consideram as crianças
e adolescentes abrigados problemáticos, responsabilizando a família pela situação de
risco em que se encontram seus filhos, desacreditando na possibilidade de um
futuro melhor para aqueles que retornam ao convívio familiar. Para esses
educadores, a vivência no abrigo pode oferecer um suporte para as crianças
superarem as adversidades da vida, oferecendo-lhes a oportunidade de um futuro
melhor, na medida em que os acolhe com apoio, afeto, estímulo aos estudos.
―Aqui no abrigo, eles sempre tem oportunidade, o menino sai já pronto, bem
estruturado, mas às vezes também tem aquele menino que não quer né, quando
sai não se ajeita lá fora e acaba indo pro lugar errado e aqui a gente ensina tudo de
bom. Quando a criança realmente quer, ela vai ser um cidadão de bem” (educador 1).
3
Contudo, para os entrevistados, somente os abrigados que se esforçarem em
aproveitar as oportunidades oferecidas pelo abrigo poderão alcançar melhores
condições de vida.
“Infelizmente alguns não tomam o caminho certo, mas não foi porque a
instituição não procurou o meio certo de trabalhar com eles, porque acho que tem
crianças que tem uma índole mesmo, que é difícil mudar”. (educador 2). Tal
pensamento traduz uma concepção reducionista, individualista, que responsabiliza
o
indivíduo
pelo
sucesso
ou
insucesso
na
educadores, os abrigos oferecem
boas
vida.
Na
concepção
oportunidades
dos
para
o
desenvolvimento das crianças e adolescentes, e se esses não apresentam sucesso
em suas vidas é devido a motivos pessoais, muitas vezes mal compreendidos a
partir de uma perspectiva biológica e preconceituosa, como pessoas com má índole,
e/ou a partir de motivos externos ao indivíduo, como a desestruturação
representação que leva
familiar,
alguns educadores
a
desacreditar na possibilidade de um futuro melhor para os abrigados que retornam
para as suas casas, devido a problemas familiares.
―A expectativa de vida é a mesma de quando chegou aqui, por que sai do
problema e vem pra aqui, e aqui tem acompanhamento,
pedagoga, tem
psicólogo, tem professor, tem tudo. Aí quando volta pra família, fica a mesma
coisa”(educador 1).
Nesse sentido, esses educadores
ressaltam a
importância
da participação
família
necessidade
de um trabalho
da
conjunto
nesse
preocupação
processo
dos profissionais
e
quanto
à
pontuam
a
dos abrigos
com os
familiares dos abrigados, para que estes também possam participar ativamente na
construção de um futuro melhor para as crianças e os adolescentes. Percebe-se,
portanto, que para os educadores, os abrigos fazem o melhor para o desenvolvimento
da criança e do adolescente, se esses não apresentam sucesso em suas vidas
é devido a fatores pessoais e familiares. A compreensão de fatores relacionados
ao contexto do abrigo, fatores sociais e políticos não são considerados na fala dos
educadores como importantes na construção do futuro dos abrigados.
Para alguns educadores, no entanto, a adoção constitui, na maioria das vezes, a única
alternativa que pode garantir um futuro melhor para essas crianças e adolescentes,
4
dando-lhes a possibilidade de melhores condições de vida que
5
podem ser oferecidas por uma nova família: “Quando são adotados, quando eles
estão prontos pra adoção, eu acho que eles tem uma perspectiva boa pra o futuro,
porque aquela família que acolhe, no momento que tá acolhendo vai dar um bom
estudo”.
As
representações
dos
educadores
sobre
as
crianças
e
adolescentes
abrigados, a qualidade da interação estabelecida entre os mesmos representa um
importante referencial para o desenvolvimento infanto-juvenil, na medida em que os
educadores apresentam um contato diário mais próximo com os abrigados, o que
implica a necessidade de capacitação e acompanhamento desses profissionais,
clareza
do
papel que exercem no
abrigo,
o conhecimento
sobre a realidade das crianças e adolescentes atendidos, como também
seus familiares,
no
desenvolvimento
a
de
de suas atividades
(CONANDA/CNAS, 2009).
CONCLUSÕES
O educador, em suas mais diversas funções estabelecidas nos abrigos, é uma figura
essencial no desenvolvimento das crianças e adolescentes em situação de
abrigo
construídas
(Bronfembrenner,
por
institucionalizada
conseqüentemente,
esses
têm
sobre
1998).
profissionais
implicações
o
Nesse sentido,
acerca
em
sua
desenvolvimento
da
as representações
infância
atuação
psicossocial
e
adolescência
profissional
daqueles.
e,
Os
resultados da presente pesquisa mostraram a importância de se problematizar as
representações presentes no imaginário desses educadores sobre as crianças e
adolescentes abrigados, de forma a intensificar a compreensão crítica de fatores
sociais, políticos e institucionais envolvidos na construção do futuro dos mesmos.
Para os educadores entrevistados, o contexto de abrigo é sempre visto como
apresentando características positivas para as crianças e adolescentes que lá estão.
Os problemas que envolvem a realidade dessas crianças e adolescentes estariam, na
representação dos educadores, fora do contexto institucional, sendo gerados no
6
contexto das relações familiares. Nesse sentido, considera-
7
se importante um trabalho conjunto entre educadores e familiares em que seja possível
a troca de informações sobre os modos de vida dessas famílias, seus sentimentos e
práticas educativas dirigidas aos seus filhos. Um trabalho voltado à compreensão
de outros fatores que perpassam a realidade das famílias
como
a
realidade
do
próprio
dos abrigados,
contexto institucional
assim
como
produtor de fatores de risco ou proteção à infância e adolescência abrigada.
É
impossível negar
o
papel
que o
educador
desempenha em termos da qualidade do atendimento oferecido, da influência que ele
exerce na vida de crianças e adolescentes, na construção que estes últimos farão em
termos de auto imagem, auto conceito e perspectivas de futuro. Enfim, oferecer um
espaço de escuta a esses profissionais
para que possam
expressar
os
sentimentos em relação ao seu trabalho, suas dificuldades e as possibilidades
de superação destas, contribuindo para a promoção da saúde e potencialização
dos fatores de proteção à infância e adolescência.
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Brasília: Palácio do Planalto.
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tendências atuais e perspectivas futuras (7189). Porto Alegre: Artes Médicas.
RIZZINI, I & RIZZINI,
I. A institucionalização
de crianças no Brasil: Percurso
histórico e desafios presentes. Rio de Janeiro: PUC. 2004.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SERTÃO NA REGIÃO SERTANEJA PETROLINA- PE E JUAZEIROBA.
Liliane Caraciolo Ferreira (Doutorando do Programa de Pós-graduação em Psicologia – UFES e
Professora Assistente IV da UNIVASF)
Lídio de Souza ( Doutor e Professor Titular da UFES)
Resumo
Este estudo analisa as representações sociais construídas por duas gerações acerca do sertão, jovens,
entre 18 e 25 anos, (G1), e idosos, a partir dos 60 anos (G2). Participaram da pesquisa 120
sujeitos, G1 (N=60) e G2 (N=60), amostra intencional considerando a ―técnica de saturação de
conteúdo‖, que falaram do sertão através da pergunta aberta: - Como é morar no sertão para
você? E fizeram o Teste de Associação Livre de Palavras – TALP induzidos pelo termo ‗sertão‘.
Os dados da questão aberta foram transcritos para o programa Bloco de notas, considerando as
9
orientações do software TextSTAT, que organiza a frequência de palavras em texto e possibilita a
visualização do contexto das mesmas. Os dados do TALP foram transcritos para a planilha eletrônica do
Excell, considerando as diretrizes dos softwares EVOC e SIMI, que organizam, respectivamente, por
ordem média de evocações e co-ocorrência. Nessa organização, também foi utilizada a ―categorização ‖
de Bardin (2005).
Em
decorrência de pesquisa bibliográfica sobre representações de sertão, a análise de conteúdo foi
orientada pelos temas: ―atraso‖ e ―desenvolvimento‖. Os resultados revelaram que G1 enfatiza como
elementos que representam o sertão ―seca e caatinga‖ e para o G2 ―seca, sofrimento, resistência,
agricultura, caatinga, fome e carência‖.
Os
resultados permitem concluir que a representação social de sertão é a ―seca‖. A questão é que
muito se investiu e investe, o governo, a academia, a literatura, para falar sobre ― a região mais pobre do
Brasil‖ Portanto, ainda há muito que pesquisar.
Palavras-chave: representações sociais; núcleo central; sertão; Petrolina-PE; Juazeiro- BA.
1
0
O presente artigo trata sobre representações sociais de sertão entre jovens e idosos que moram na
região sertaneja Petrolina-PE/Juazeiro-BA. Localizada no Sertão do São Francisco, essa região tem sido
alvo constante de políticas públicas, que através de vultosos investimentos sai do isolamento e passa a
concentrar uma estrutura que lhe confere o título de maior pólo de fruticultura irrigada do país. Segundo
Sobel e Ortega (2007, p.4):―há pouco mais de três décadas, este território se apresentava como mais um
dentre as diversas zonas de miséria situadas no sertão nordestino.‖
Hoje, Petrolina e Juazeiro formam ―um grande pólo comercial e agroindustrial impulsionado pela
agricultura irrigada‖ (FONSECA, 2008, p.189). A questão é que, nesse processo, há uma radical
mudança da prática agrícola, ―que de tradicional passa à agricultura científica e ao agronegócio‖ (ELIAS,
2006, p.30). Aborda-se, portanto, a representação social de sertão entre moradores jovens e idosos
que moram em Petrolina-PE e Juazeiro-BA?
Antes é preciso entender diferentes representações de sertão ao longo da história. Um processo que
pode ser sintetizado pelas categorias ―Atraso‖ e ―Desenvolvimento‖ (ELIAS, 2006), resultadas dos
interesses de dois grupos: colonizadores e empresários. Para colonizadores, o sertão era um lugar
isolado, que precisava ser desbravado. Para os empresários, que vivenciam outra realidade tecnológica, é
oportunidade de expandir. O Fator de ―pobreza‖ passa a fator de ―riqueza‖, depende de quem fala.
Exemplo disso é Petrolina-PE Juazeiro-BA com o maior nível de exportação de manga e uva do Brasil.
(IBGE, 2003). Há, nesse contexto, uma ―nova‖ estrutura que mexe com o imaginário das pessoas que
vivem nestas áreas e que podem ser investigadas, tendo em vista o contato com o empírico, que
permite-nos conhecer as dicotomias. (FRANCO, 2004, p.179),
Considerando os propósitos optou-se pela abordagem estrutural de Abric (2000, pp. 2737). Extraíram-se os critérios: a) A hipótese do núcleo central; b) O estudo comparativo das
representações e o c) O teste de centralidade.
Método
Os sujeitos da pesquisa são jovens entre 18 e 25 anos (G1) e idosos a partir de
60 anos (G2), seleção fundamentada na perspectiva que experienciem os mesmos
1
1
problemas históricos concretos na condição de grupos contemporâneos e que os mais velhos possuem o
―registro psicossocial de como era‖ (PECORA e SÁ, 2008, p. 320).
De forma intencional, foram recrutados 120 sujeitos, G1(N=60) e G2 (N=60). Os
primeiros contatos indicavam três outros, caracterizando, assim, o uso da técnica ‗bola de neve‘ ou
snowball. (HECKATHORN, 2002)
Para coletar essas informações foram utilizadas as técnicas: entrevista e teste de associação livre
de palavras - TALP. Para o TALP, foi solicitado aos sujeitos que fizessem associações ao termo
'sertão' e indicassem o grau de importância dos elementos evocados, ordenando-os numa escala
numérica de um a cinco.
Na organização de dados, além da ―categorização‖ de Bardin (2005), foram utilizados, os programas
TextSTAT, EVOC e SIMI. O TextSTAT trabalha com textos dispondo a freqüência das palavras e a
disposição de contexto em que estão inseridas. O EVOC organiza os dados do TALP por frequência (F)
e ordem de evocações (OE), dividindo os elementos em centrais e periféricos. Por fim, o SIMI organiza
o gráfico de árvore máxima. (MARTINS, TRINDADE e ALMEIDA, 2003, p. 559).
Resultados
Representações sociais de sertão de G2
São elementos centrais da representação social de sertão entre os sujeitos de G2: ―seca, sofrimento,
resistência, agricultura, caatinga e fome‘; primeira periferia: ―carência, desenvolvimento, pobreza, cultura e
irrigação‖; segunda periferia: ―solidariedade‖ e zona de contraste: ―região e política‖. (Tabela 2).
Tabela 1 – Evocações do Grupo 2, março a julho de 2010, (N=60)
Núcleo Central - Freq. ≥ 12 OME
Palavras
Freq.
Seca
45
2,22
Sofrimento
27
2,70
Resistência
25
2,96
Agricultura
16
2,88
Caatinga
14
2,88
Fome
14
2,57
Zona de contraste - Freq. < 12
Palavra
Freq.
Região
7
2,14
Política
6
1,33
< 3,00
O.M.E.
1ª Periferia - Freq. < 12 OME ≥ 3,00
Palavras
Freq.
O.M.E.
Carência
51
3,51
Desenvolvimento
22
3,36
Pobreza
22
3,46
Cultura
18
3,94
Irrigação
16
3,63
OME < 2,5
O.M.E.
2ª periferia - Freq. < 12
OME ≥ 3,00
Palavra
Freq.
O.M.E.
Solidariedade
10
4,20
1
2
Pelo critério de freqüência, ―seca‖ e ―carência‖ são os elementos mais expressivos. Entretanto, pela
organização do EVOC, ―seca‖ é elemento do núcleo central e ―carência‖, do sistema periférico.
Pécora e Sá (2008, p. 322) afirmam que ―alguns elementos
de periferia, considerando as altas frequências com que foram evocados, podem ser considerados
centrais, por algum outro critério‖. Neste sentido, lança-se a hipótese que ―carência‖ possa ser um
destes elementos. A análise da conexidade dos elementos evocados, sintetizada na árvore máxima
apresentada na Figura 1, parece fornecer apoio a essa hipótese.
Figura 1 – Árvore máxima G2
Irrigação
Caatinga
9
9
Pobreza
11 11
Seca
11
Carência
10
Desenvolvimento
19
15 11
Sofrimento
6
12
13
Fome
Resistência
Representações sociais de sertão G1
Entre os sujeitos do G1, ―seca e caatinga‖ são possivelmente, os elementos que compõem
núcleo
central.
―Resistência,
cultura,
pobreza,
desenvolvimento
sofrimento‖, a primeira periferia do sistema periférico. (Tabela 3)
Tabela 3 – Evocações do Grupo 1, março a julho de 2010, (N=60)
Núcleo Central – Freq. ≥ 12
OME < 3,00
Palavra
Freq.
O.M.E
Seca
79
2,54
Caatinga
21
2,81
1ª Periferia – Freq. < 12
Palavra
Resistência
Cultura Pobreza
Desenvolvimento
Sofrimento
Zona de contraste – Freq. < 12
2,5
Palavra
Freq.
Fome
9
Região
5
OME<
2ª Periferia – Freq.< 12
O.M.E
2,89
2,20
Palavra
Carência
Irrigação
Solidariedade
Preconceito
43
29
26
19
12
11
11
6
5
Freq.
Freq.
OME ≥ 3,00
O.M.E.
3,33
3,17
3,04
3,32
3,17
OME ≥ 3,00
O.M.E.
3,27
3,18
3,83
3,00
1
3
o
e
A árvore máxima corrobora a centralidade dos elementos ―seca e caatinga‖ na representação
social de sertão entre jovens, sem que haja modificações na estrutura organizacional demonstrada na
Fig. 2.
Figura 2 – Árvore máxima G1
Sofrimento
8
Agricultura
13
7
Caatinga
Carência
9
16
Resistência
Seca
Desenvolvimento
16
7
Cultura
14
17
8
Fome
8
Irrigação
14
Pobreza
Quanto à diferença da estrutura de representação social de sertão entre G1 e G2, vale lembrar que
segundo a abordagem estrutural das representações sociais, aqui privilegiada, as representações de
dois ou mais conjuntos sociais acerca de um mesmo objeto só podem ser consideradas diferentes se
as composições dos respectivos núcleos centrais forem nitidamente diferentes (ABRC,2000). Se isto não
se verifica, há que se concluir que se trata da mesma representação social básica, apenas
diversamente ativada em função das situações específicas em que se encontram os diferentes grupos
de sujeitos. Nesse sentido, os resultados da presente pesquisa evidenciam a existência de uma
representação única de ―Sertão‖.
Representação social de sertão: análise de conteúdo
A análise de conteúdo foi dividida em essencial e circunstancial, fundamentada no princípio da
rationale de Flament (citado por Sá, 1996, p. 27): que "os sujeitos tendem a destacar o essencial (núcleo
central) em relação ao circunstancial (periféricos) quando respondem à pergunta.‖ que no caso foi ‗como
é morar no sertão para você‘. Nessa perspectiva, foram classificados como essenciais os elementos em
sentido de sertão ―atrasado‖ e em circunstancial, em sentido de ―desenvolvido‖.
Verifica-se que os sujeitos, ao responder como é morar no sertão, tendem a destacar as categorias
essenciais, G1 = 62,02% e G2 = 52,14%, em relação às circunstanciais, G1 = 37,98% e G2 = 47,86%..
(Tabela 4)
1
4
Tabela 4 – Como é morar no sertão para você? Entre G1 e G2
Variáveis
Freq. Absoluta
Total
G1
G2
24
18
6
43
25
18
19
7
12
3
3
0
8
5
3
18
8
10
15
5
10
7
6
1
4
3
1
16
9
7
14
6
8
29
8
21
17
13
4
21
13
8
8
0
8
141
80
61
105
49
56
246 129
117
Categorias
1. Lugar carente
2. Seca, caatinga
3. Resistência
4. Tranqüilo
Essenciais 5. Lugar isolado
6. Fome, pobreza, miséria
7. Sofrimento
8. Região do Nordeste
9. Política
1. Aqui não é sertão
2. Lá é sertão, aqui não
Circunstanc 3. Aqui é bom, amo, gosto
iais
4. Não é só pobreza
5. Crescimento, desenvolvimento
6. Não tinha, hoje tem
Total das categorias essenciais
Total das categorias circunstanciais
TOTAL GERAL
Podemos
verificar
que
as
transformações
da
região
Freq. Relativa (%)
Total
G1
G2
9,76
13,95
5,13
17,48
19,38
15,38
7,72
5,43
10,26
1,22
2,33
0,00
3,25
3,88
2,56
7,32
6,20
8,55
6,10
3,88
8,55
2,85
4,65
0,85
1,63
2,33
0,85
6,50
6,98
5,98
5,69
4,65
6,84
11,79
6,20
17,95
6,91
10,08
3,42
8,54
10,08
6,84
3,25
0,00
6,84
57,32
62,02
52,14
42,68
37,98
47,86
100,00 100,00 100,00
não
ocorrem
de
forma
imperceptível, tendo em vista a participação das categorias circunstanciais (42,68%). Impacto que pode
ser observado pelo critério de importância relativa considerando o resultado total, pois verifica-se a
imbricação de categorias essencial- circunstancial, haja vista que sertão é ―Seca, caatinga‖ (17,48%),
―Aqui é bom, amo, gosto‖ (11,79%), ―Lugar
desenvolvimento‖
carente‖ (9,76%),
(8,54%), ―Resistência‖ (7,72%), ―Não é só pobreza‖ (6,91%), ―Aqui
não é sertão‖ (6,5%).Assim sendo, é possível
região impactem
―Crescimento,
o
que
discurso
as
dos
transformações
da
grupos investigados. Vale a
reflexão que, segundo Abric (2000, p. 27), ― toda realidade é representada, quer dizer, reapropriada
pelo indivíduo ou pelo grupo, reconstruída no seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores,
dependente de sua história e do contexto social e ideológico que o cerca‖, em outras palavras, o fato de
estarem em uma região tida como ―desenvolvida‖, para padrões de sertão, impacta o discurso do grupo
(indivíduos que moram na região sertaneja Petrolina-PE Juazeiro-BA).
1
5
Conclusão
Os resultados evidenciam a existência de uma representação única de sertão, que é ―seca, pobreza,
miséria‖. Entretanto pode-se supor que a construção da representação social
de
sertão
dos
participantes é impactada pela realidade que vivem ―sertão desenvolvido‖ ou ―sertão não - seco,
pobre, miserável‖ na perspectiva do contexto ideológico de ―desenvolvimento econômico‖, tanto na
configuração estrutural da representação social de sertão quanto na prospecção de seu significado.
Entende-se que é um quadro processual, uma vez que o pensamento social do ―desenvolvimento‖
ancora-se no pensamento social da ―pobreza‖.
A questão é que a legitimação desse contexto é
ideológico, uma vez que, o ―desenvolvimento‖ dá-se pela pobreza extrema da maioria da população,
beneficia uma minoria e permanece, por séculos, com transferência de recursos que pode ser
repensado, tendo em vista o nível que se coloca: é coletivo, é social e pode beneficiar a todos. Nessa
perspectiva, ainda há muito que ser pesquisado.
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1
6
Heckathorn, D.D. (2002). "Respondent-Driven Sampling II: Deriving Valid Estimates from
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22.04.2010
A AFETIVIDADE NA CONSTRUÇÃO DA APRENDIZAGEM
Carlos Augusto Serbena e Maria Fabiane de Sousa Rodrigues
Professor da UFPR, contato: [email protected] e [email protected]
Alguns teóricos atuais, dentre eles Vasconcellos (2002), observam que o atual
paradigma de competência, reflete sobre uma aprendizagem que se processa
meio de
relações
sociais
e está
vinculada
por
as próprias
experiências de vida do sujeito adquiridas na ação do mesmo sobre o ambiente no qual se
insere. Segundo este autor, a escola em sua função social, deve preparar o sujeito para sua
ação sobre o mundo, observando o conhecimento de forma dinâmica e flexível e com isso
contribuindo para a elaboração de sua própria aprendizagem. Portanto, pode-se afirmar que
1
7
caberia ao ambiente escolar o papel de desenvolver um aluno sujeito de suas ações
enquanto alguém inserido em uma relação de confiança. Relação esta que irá propiciar o
desenvolvimento de competências e habilidades cuja finalidade é de preparar este
aluno/sujeito para agir conforme as exigências da contemporaneidade. Neste sentido,
reflete-se que atuação do profissional da educação, deve estar contextualizada e adequada
à
realidade,
como
também
respaldada
no conhecimento científico, observando
conjuntamente a maturidade emocional do sujeito, percebendo-o como um ser integral.
Entenda-se
como
educação contextualizada aquela que proporcione ao sujeito construir
relações a partir de sua experiência de vida.
A partir desse pressuposto, é importante refletir sobre a criança que se insere
contexto
desenvolvimento
escolar
e os aspectos
que podem interferir no
de
aprendizagem.
Podem-se
sua
no
destacarquestões
associadas a fatores sociais e econômicos como a baixa renda familiar que, muitas vezes,
obriga crianças a auxiliar os pais no trabalho, com o intuito de contribuir financeiramente no
sustento da família. Além de questões culturais que envolvem a carência de estímulos
ambientais que garantam o acesso a livros de diversos gêneros, cinema e teatro e a violência
presente nos grandes centros urbanos.
As dificuldades sociais tornam-se intervenientes significativos do processo de educação,
pois valores e interesses estão relacionados ao cotidiano social desta
gerando
preocupações
imediatas
relacionadas
criança,
à saúde,
1
8
alimentação, higiene, cuidados físicos entre outras. Portanto, pensar numa educação que
vise apenas o saber científico, desconectado da experiência social, ou seja, da realidade
prática deste aluno, muitas vezes reforça a questão da desigualdade social vigente.
Observa-se, assim, o quanto, em alguns aspectos, a escola coloca-se distante da realidade
do aluno, através de conteúdos que refletem uma linguagem própria, culta, e por isso vista como
um ideal a ser atingido por este aluno. A aprendizagem deve levar em conta a realidade do
aluno, sua cultura, seu cotidiano, sua linguagem. Ela não tem seu início e término na
instituição escolar, dá-se nas ruas, na família, com os diversos grupos com os quais
este aluno tem contato antes mesmo de ingressar na escola.
Ao recorrer aos estudos de Fernandez (1991), podemos definir a aprendizagem
como um processo vincular, ou seja, que ocorre no vínculo entre ensinante e aprendente,
portanto entre subjetividades. Para aprender, o ser humano coloca em jogo seu organismo
herdado, seu corpo e sua inteligência construídos em interação e a dimensão inconsciente. A
aprendizagem tem um caráter subjetivo, pois o aprender implica em desejo que deve ser
reconhecido pelo aprendente, isto é, ―o desejar é o terreno onde se nutre a aprendizagem‖
(FERNANDEZ, 2001, p. 41).
A sala de aula surge como o ambiente no qual a criança irá reelaborar seu
conhecimento a partir de uma possibilidade de perceber e compreender conforme sua
própria experiência de vida. Portanto, pode-se definir a prática pedagógica analisada no
desenvolvimento deste trabalho, enquanto uma tentativa de ressignificar o prazer pelo
aprender e diminuir o pesadelo do fracasso escolar.
O APRENDER NO AMBIENTE ESCOLAR
Pode-se afirmar que a aprendizagem é um processo no qual o conhecimento
é transmitido
de
gerações
a
gerações,
visto
que
este
conhecimento é um conjunto de saberes adquiridos ao longo da história, através da
interação do homem em sociedade. Paín (1985) observa que o processo de aprendizagem
e educação está relacionado a quatro funções consideradas fundamentais, são elas: a
continuidade da espécie humana, a socializadora, a ideológica e a transformadora. Segundo
a autora, garante a
1
9
continuidade da espécie, na medida em que reproduz o conjunto de valores e regras que
regem a civilização. Socializadora, visto que a partir desta o indivíduo torna-se um ser
social, pois aprende a agir de acordo com as regras vigentes. Ideológica, pois colabora para
a manutenção de um determinado sistema social e transformadora, visto que favorece a
expressão de formas de ação que preconizam modificações nesta própria sociedade (PAIN,
1985).
Neste sentido, PAÍN (1999) considera que o conhecimento é o conhecimento do outro, visto
que reconhecemos este outro como alguém possuidor do saber e que, na medida em que
este saber é transmitido, colabora para a conservação da espécie humana. Ao possuir
capacidades inteligentes o ser humano acumula sua experiência através de gerações,
modificando-as conforme as necessidades do momento e transformando-as em conhecimentos
e, conseqüentemente em aprendizagens. Sendo assim, a espécie humana firma-se ao
longo da história, significando-a para si e tornando-se sujeito, na medida em que passa a
ocupar um espaço na mesma (PAÍN, 1999).
Fernandez (1991) considera que a inteligência está submetida ao desejo e que este
desejo está diretamente vinculado na relação que se estabelece dentro da aprendizagem
entre alguém que ensina (ensinante) e alguém que aprende (aprendente). Portanto, não
aprendemos qualquer coisa a partir de qualquer um e sim, aprendemos daquele a quem
delegamos confiança como também o direito a ensinar. Para a autora, a aprendizagem
perpassa por quatro níveis de elaboração, tanto para o ensinante, quanto para o aprendente,
são eles: ―organismo, corpo, inteligência e desejo‖ (FERNANDEZ, 1991, p. 57). Conforme a
autora, o ponto fundamental de todo o desenvolvimento da aprendizagem seria a
maneira pela qual o sujeito-criança atua para chegar a determinado resultado, ou seja, os
processos de pensamento (cognitivo) e seu entrelaçamento
afetivos,
que resultam
aprendizagem
com
aspectos
naassimilação- acomodação de
ou conhecimento.
determinada
A aprendizagem, portanto, passa
a ter um significado para o sujeito que aprende, visto que passa a ser uma aprendizagem
desejante. Diante disso, torna-se possível afirmar
que
a
aprendizagem
necessariamente perpassa um organismo-corpo-desejo. Ou seja, não basta
apenas aprender por aprender,
2
0
mas ter maturação neurológica para tanto e ter um corpo desejante1 deste aprender, que
lhe deve ter significado. Assim, FERNANDEZ afirma que ―existe um sinal inconfundível para
diferenciar a ortopedia da aprendizagem: o prazer do aluno quando consegue uma resposta‖
(1991, p. 59).
Portanto, se aprende de um alguém a quem delegamos confiança e o direito de
ensinar, o espaço educativo deve, portanto, ser um espaço de confiança e liberdade.
Reflete-se que esta aprendizagem ocorre dentro de um contexto histórico e social que
possui um significado tanto para quem ensina quanto para quem aprende. Estes significados,
que são singulares a cada sujeito inserido no processo de aprendizagem, constituem o
caráter subjetivo da aprendizagem. Esta subjetividade mostra-se no vínculo professor-aluno e
aluno-aprendizagem, numa relação dinâmica, inserida em determinado contexto social.
Para aprender é preciso haver motivação e para tanto é preciso haver o desejo de aprender,
pois esta aprendizagem deve estar vinculada à realidade de quem se insere neste processo.
Isto constitui uma aprendizagem significativa. A partir deste aspecto, reflete-se sobre a
interação
entre
professor
e
aluno
e
o desenvolvimento da aprendizagem escolar.
Podemos, então, definir espaço escolar não apenas o local no qual está presente o saber
científico, mas como o local formador e construtor de identidades, oriundas de saberes baseados
em experiências próprias da vida cotidiana, de maneira a contribuir positivamente na
sociedade, percebendo o aluno como um ser integral.
A APRENDIZAGEM ESCOLAR, AFETIVIDADE E A RELAÇÃO PROFESSOR- ALUNO
Ressalta-se os estudos de Vasconcellos (2002) pedagogo brasileiro, o qual
estabelece uma ligação entre os aspectos abordados nas concepções teóricas de Vygotsky
e Piaget, salientando os fatores emocionais e sua relação com a prática docente em sala de
aula. O autor afirma que o conhecimento deve
quatro critérios,
são
eles:
estar baseado
em
―significativo (que
corresponda à realidade do aluno); crítico (que ajude a explicar o que se vive);
1 Fernandez refere-se ao ―o organismo, transversalizado pela inteligência e o desejo,
o qual irá se mostrando em um corpo, e é deste modo que intervém na aprendizagem‖ (1991,
p. 62).
2
1
criativo (que seja ferramenta de transformação) e duradouro (algo que se incorpora no
sujeito como visão de mundo)‖ (VASCONCELLOS, 2002, p. 41).
É possível afirmar que o professor torna-se o elo entre o sujeito que aprende e o
objeto de conhecimento, visto que realiza a mediação da aprendizagem e com isso, a
construção do conhecimento. Assim sendo, o ―ensino se define como um processo duplo:
acumulação de conhecimentos e domínio de modos de operar com eles‖ (VASCONCELLOS,
2002). Portanto, a afetividade gera a mobilização interna do sujeito e, com isso, dramas da
vida cotidiana do aluno voltam-se e são vivenciados na sala de aula, gerando novas
possibilidades de interação. Neste ponto, Vasconcellos salienta que ―o sujeito só aprende
dentro de um vínculo afetivo. O desenvolvimento é inaugurado pela
afetividade e não pela inteligência; de forma análoga, a metodologia dialética2
começa pela mobilização‖ (2002, p. 60).
Contudo, para aprender o sujeito precisa sentir necessidade de algo, mesmo que
esta necessidade não esteja presente de forma consciente. O autor reflete que a
aprendizagem significativa está diretamente vinculada à carga afetiva envolvida no processo
de conhecimento. Com isso, Vasconcellos (2002), observa que conhecer a realidade dos
alunos e assim, o objeto de conhecimento é ponto fundamental para dar início a uma
aprendizagem significativa. Somente desta forma pode-se mobilizar e atuar a partir de um
conhecimento real e repleto de significados para este aluno, conduzindo este à apropriação de
sua aprendizagem.
Segundo Coll (1995), é importante observar que a realidade do aluno está relacionada e
é também produto de um contexto social e interpessoal. Esta atividade construtiva faz-se
num contexto sócio-interativo e, por assim ocorrer, interfere no resultado da aprendizagem.
Desta maneira, a atividade construtiva frente aos conteúdos escolares, está imersa em
uma rede social de atividades coletivas que supera o individual. O papel do professor está
na estimulação e promoção desta atividade construtiva. Portanto, esta atividade torna-se
um dos elementos que definem o
processo de exteriorização do sujeito, já descrito nos estudos de Vygotsky.
2 Vasconcellos caracteriza o método como a construção do conhecimento a partir do
movimento do pensamento que vai do abstrato (enquanto ainda é indeterminado e suas
2
2
Neste sentido, os processos psicológicos superiores3
(ou função psicológica superior)
instalam-se a partir de um processo que ocorre em duas etapas. Num primeiro momento a
nível externo (atuação do sujeito sobre o meio) e, posteriormente, a nível interno, com a
capacidade de simbolizar. E, ―se esta última ocorre juntamente com o conjunto de
desenvolvimento cultural da criança, também se aplica aos conteúdos escolares‖ (COLL, 1996,
p. 289).
Assim, podemos afirmar que o desenvolvimento cultural da criança tem origem social.
O processo de educação escolar promove o desenvolvimento, conduzindo
através
da
zona de
desenvolvimento
a criança
proximal,
convertendo-o em desenvolvimento real. A partir daí, ocorre a reconstrução.
Pode-se fazer uma reflexão sobre a estrutura da comunicação que ocorre no ambiente
escolar e, mais especificamente na sala de aula, no qual o professor fala a maior parte
do tempo. Geralmente parte-se de uma pergunta da qual já conhece a resposta, o aluno a
responde e o professor avalia. Nesta atuação, professor e aluno desempenham um papel no
qual a comunicação ocorre tecnicamente e a interação está estabelecida em bases
formais. Portanto, ao vir para a situação de sala de aula e aprendizagem escolar,
professor e alunos trazem experiências aprendidas anteriormente. Coll (1996) reflete sobre os
aspectos os quais denomina ―marcos‖. O autor destaca os ―marcos pessoais de referência‖,
onde ocorre a primeira aproximação com a atividade
momento,
ressalta os
acadêmica. Num segundo
―marcos interpessoais de referência‖ que é
construído na ação conjunta entre professor e aluno. Eles determinam a forma como se
dará este processo. Inserido nestes, há os ―marcos materiais de referência‖. Aqui está a
forma como serão utilizados os instrumentos na atividade conjunta de aprendizagem escolar.
Tal aspecto constitui a zona de desenvolvimento potencial, ponto fundamental da teoria sóciointeracionista.
Partindo desse pressuposto, no qual o ensino é visto como um processo de construção
de significados compartilhados, o papel de mediador desta
aprendizagem não ficaria restrito apenas ao professor, existiria, portanto, uma
relações não são aprendidas) ao pensamento concreto, aquela do qual já se estabelecem
relações (2002, p. 58).
3 Vygotsky define a função psicológica superior, como a função inerente ao ser humano e que
assim o constitui enquanto animal de sua espécie, pois é constituída pelo pensamento
abstrato, raciocino lógico, memória e atenção (VYGOTSKY, 1991).
2
3
influência educativa dos próprios colegas da sala de aula (COLL, PALLACIOS
e MARCHESI, 1996, p. 299).
Portanto, a nível escolar, é possível afirmar que alunos que trabalham em colaboração,
tendem a aprender uns com os outros. Nesta interação, estratégias são incorporadas e
avanços realizados, tanto pelo aluno como pelo professor e a aprendizagem ocorre de forma
conjunta.
Podemos descrever o processo de aprendizagem como uma construção singular e
coletiva que o sujeito realiza a partir de seu saber e assim vai transformando as
informações em conhecimento, deixando sua marca como autor
sentimentos
de realização que
acompanham sua
e vivenciando
aprendizagem.
Neste
sentido, a sala de aula é um dos locais onde ocorre a construção do conhecimento.
Neste ambiente o aluno pode vivenciar a aprendizagem de uma maneira singular,
potencializada quando ocorre a partir de sua realidade, de forma colaborativa tornando-se
significativa para o aprendente e mobilizando o corpo e o seu desejo de aprender. Assim,
pode-se também resgatar o prazer de aprender e ultrapassar os aspectos ideológicos
e
reprodutores do sistema escolar tornando a aprendizagem significativa um elemento
importante do processo constitutivo do indivíduo como um ser singular e único. Deve-se
ressaltar que a aprendizagem ocorre permeada de experiências anteriores
refletem na
interação
entre
colegas e
professores.
que
Sendo
se
assim,
observa-se que a aprendizagem não ocorre de forma linear, mas de modo
dinâmico numa constante troca entre ambiente, sujeito e a coletividade na qual ele se insere
e participa, isto é, o meio socio- cultural.
2
4
REFERÊNCIAS
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tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 1976.
BUENO, José G. S. Educação Especial Brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São
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necessidades
Desenvolvimento psicológico e
educativas especiais
e
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Paulo, SP: Libertad, 2002.
VYGOTSKY, L. S. A Formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
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A PSICOLOGIA, O DISCURSO CIENTÍFICO E O MITO
Carlos Augusto Serbena
Professor adjunto da UFPR, Doutor em Ciências
Humanas (UFSC), Mestre em Psicologia (UFSC).
Contato: [email protected]
Durante os últimos séculos o modo de pensar ocidental esteve sob o domínio da2
5
razão, do mecanicismo, do pensamento racional, positivista e científico. Nesta ótica dividiu-
se o mundo em dois: o racional e o irracional. O mundo da razão foi valorizado e colocado
como verdadeiro e o mundo do irracional colocado como fábula, fantasia ou mito. É retirada
do mito a validade de verdade, sendo portador de uma fábula. Porém, ocorre uma crise
no pensamento por volta do final do século XIX e início do século XX, a Razão e a Ciência, em
seus fundamentos entram em crise. Husserl (1900/2006) , por exemplo, tenta superar esta
crise com a fenomenologia; novos campos de estudos se abrem. A antropologia se
constitui como ciência e os relatos de estudos das civilizações ―primitivas‖ trazem uma
nova luz ao problema dos mitos e da religião.
Desenvolve-se a disciplina de estudo das religiões. Os primeiros estudos de James Frazer e
Emile Durkheim mostram a importância dos mitos e da religião levando a
uma nova
compreensão do papel do mito e das religiões na existência humana e na sociedade. Valorizouse, sobretudo a experiência religiosa para definir o papel do mito e do sagrado. Malinowski
mostra que a ―consciência mítica‖, embora rejeitada pelo pensar moderno está presente e
atuante nas civilizações ditas primitivas:
―O mito, quando estudado ao vivo, não é uma explicação destinada a satisfazer uma
curiosidade científica, faz uma narrativa que faz reviver uma realidade
que
satisfaz
a
profundas
necessidades
primeva,
religiosas,
aspirações morais, a pressões e a imperativos de ordem social e mesmo exigências
práticas [...] O mito é um ingrediente vital da civilização humana; longe de ser uma
fabulação vã, ele é, ao contrário, uma realidade viva à qual se recorre incessantemente; não é,
absolutamente, uma teoria abstrata ou uma
2
6
fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da
sabedoria prática‖ ( em Brandão, 1989, p. 41).
Pode-se colocar que a experiência mítica absorve uma realidade que se apresenta
como uma totalidade cósmica viva, a vida individual está sempre vinculada a esta totalidade.
O mito surge de uma experiência direta de apreensão da realidade, possui um caráter emocional
e funda a realidade. O mito funda a realidade no sentido que confere significados, nomes e
funções às diversas percepções da realidade. Ele representa a primeira atitude da consciência
diante do mundo e é um componente indissociável da experiência humana. O primeiro encontro
com a realidade, é direto, emocional, o homem não se separa ou se distancia da realidade,
ele se confunde com o mundo, faz parte dele e de sua totalidade este é
do
mito.
O
mundo
da técnica,
do
o
mundo
saber instrumentalizado
e da ciência se constitui em um segundo momento, através de um distanciamento ou de uma
separação da realidade, após o contato mítico.
O homem é assim, naturalmente, um criador de mitos, pois possui uma apreensão da
realidade anterior à qualquer determinação consciente ou histórica. A consciência humana
possui uma ―estrutura mítica‖ que independe das outra atividades, por que é anterior a elas
e as possibilita fundando sua existência na consciência. Esta estrutura mítica corresponde a um
núcleo basal de verdade do mundo e de seus entes, possui um caráter ontológico, pois
impõe-se por si mesmo ou se revela à consciência. Sua verdade possui uma apreciação
emocional e sentimental e não um caráter especulativo racional e conceitual. Desta forma o
mito é uma estrutura fundamental da consciência humana e não apenas uma etapa que se
passou.
Entretanto, de forma contraditória ao exposto, entre o mito e a ciência parece haver uma
oposição radical, pois o espírito humano se desenvolveu graças a uma libertação do sonho
dogmático do mito. Neste processo e reduziu-o a um canto e afirmou uma nova autoridade que
―fundamenta-se na universalidade abstrata do formulário matemático e da experimentação
objetiva‖(Gusdorf, 1980, p. 274).
Este processo
aparece claramente na constituição da psicologia como ciência.
Pois ela aparece se desmembrando da filosofia e da metafísica, afirmando
2
7
sua autonomia em relação a estes campos. O homem e a sua subjetividade se
colocam como objetos de estudo, um objeto da natureza como outro qualquer. A idéia de alma,
de espírito, de mente é eliminada como um resíduo metafísico e que atrasa o avanço do
conhecimento científico sobre o homem.
Deste modo, S. Freud na constituição da psicanálise insiste em dizer que ela é uma ciência
e se afasta da filosofia. Da mesma forma, J. Watson desenvolve uma ciência do comportamento
humano incluindo apenas o que é observável. em ambos há uma insistência em colocar a
psicologia como uma ciência positiva e não uma especulação metafísica gerando um avanço no
entendimento do homem aproximando-a do modelo das ciências naturais. Seu objetivo é de
previsão e controle e, deste modo, a psicologia como prática social ultrapassa o campo
científico e recebe
"seu estatuto, seus objetivos, sua razão de ser, não mais dos interesses internos ao
domínio psicológico, mas das necessidades que tem a sociedade de fazer apelo aos
métodos e técnicas psicológicas para resolver, pelo menos em parte, alguns de seus
conflitos e contradições" (Japiassu, 1982,
156).
Isto fica claro quando Foucault (1972) analisa a emergência das ciências humanas
como técnicas ou dispositivos de controle do poder. Neste caso, a constituição da psicologia
como ciência ocorre simultaneamente à sua operação como engenharia social e recebe da
sociedade a sua sanção principalmente em seus aspectos científicos. A psicologia também possui
um papel fundamental no entendimento do homem sobre si mesmo, inclusive vêem a ocupar
um espaço social que era da religião, por exemplo, a psicoterapia é uma herdeira da prática da
confissão religiosa (Jung, 1985).
O desenvolvimento da razão, da técnica e da ciência com suas conquistas práticas e
explicações lógicas levou a colocar nela uma profissão de fé,
―A Ciência transformou-se assim em um verdadeiro tipo, numa verdade modelosobretudo para aqueles que não conhecem nada sobre as modalidades difíceis do
pensamento científico. Desta forma, constitui-se um mito do determinismo universal e
da inteligibilidade universal [...] a
2
8
afirmação da validade do determinismo para todos os domínios da
realidade repousa sobre um ato de fé puro e simples. (Gusdorf, 1980, pg
276).
O princípio norteador da ciência é a Razão, a ciência nasce dentro de um projeto de
compreensão e domínio do mundo pela razão. A razão sempre foi considerada
metafísica tradicional e pela filosofia como a autoridade suprema.
unidade
racional
é uma
exigência
em
pela
A
qualquer
sistema
de
pensamento. A noção de razão sempre corresponde a uma norma de verdade, acessível a todo
homem. Ela institui uma norma a ser seguida que permite um consenso e regras a serem
seguidas que permitem a instauração da verdade. A razão é um ideal muito referenciado,
porém difícil de ser definido. ―Em lógica estrita, ela se reduz a alguns princípios rígidos de
disciplina formal, os princípios diretores que gravitam em torno do princípio de identidade‖
(Gusdorf, 1980, pg.281).
Uma aproximação ontológica da razão que é impossível desenvolver qualquer
conhecimento sem alguns pressupostos. Todo conhecimento tem um espaço que é préintelegível onde ele se instaura e este espaço corresponde a própria estrutura do ser humano.
Estes aspectos são negligenciados ou ignorados quando se considera a psicologia
como ciência positiva. o elemento indeterminado, subjetivo, pré-lógico é ignorado em função de um
determinado modelo da realidade que possui também pressupostos metafísicos. Isto é
extremamente complicado para o entendimento do ser humano, pois ele acaba por moldar a
sua própria realidade. Em outros termos, o fato de considerar apenas os aspectos
quantificáveis, deterministas e reprodutíveis do ser humano acaba por ignorar aspectos subjetivos,
qualitativos e particulares do homem. assim ele se conforma a imagem moldada por ele próprio.
Elementos do discurso mítico na psicologia aparecem nas várias abordagens teóricas na
Psicologia.
Na psicanálise, S. Freud
utiliza-se
freqüentemente
de
imagens e figuras da mitologia intercalado com um discurso lógico,
―Sua linguagem racional é intercalada de imagens míticas: Édipo e Narciso, horda primitiva
e cena primária, o censor, a criança polimorfa perversa e
2
9
aquela grandiosa visão de Tanatos, digna dos pré-socráticos. A linguagem
de Freud se inspira nos discursos míticos; seria errado considerar seus mitos como
descobertas empíricas demonstráveis por meio de estudos de caso. São visões, como
as de Platão; a única coisa que falta é Diotima. (Hillman,1984, p. 143).
Também a psicologia construída sobre a visão de homem do marxismo apresenta
elementos do discurso religioso apesar da crítica marxista a religião, pois o próprio
pensamento marxista possui um discurso com similaridades ao pensamento religioso. Estas
similaridades, especialmente na noção milenarista de fatalidade histórica de um paraíso terrestre
na forma de uma sociedade sem classes e da plena realização humana (Amador, 1991;
Delumeau,
1997). Entretanto, este fato não retira a força do pensamento marxista como
paradigma teórico de analise e pesquisa da relação entre o indivíduo e o social - a crise e a crítica
é do marxismo como religião (Paramo, 1989).
Aliás, esse milenarismo, esse impulso de recriar o homem e refundar a cultura e a
sociedade pelo pensamento psicológico está presente, de uma maneira explicita ou velada, em
quase todos os principais fundadores de abordagens teóricas na Psicologia. No campo do
behaviorismo temos as obras de Skinner: O mito da liberdade e Walden Two. Pela Psicanálise, a
crítica de Freud a religião e a sociedade em ―O futuro de uma ilusão‖ e ―O mal-estar na
civilização‖. Na Psicologia Analítica, também a crítica a cultura de C. G. Jung
e
a
proposta de mudanças a partir do Self e da individuação. De forma mais explicita, pregando uma
nova moral Willian Reich e a bionergética; também o psicodrama de J. Moreno, antes de ser
uma terapêutica do indivíduo é uma terapia da sociedade. Há ainda o caso explicito de F.
Perls da Gestalt-terapai que funda uma comunidade alternativa para re-cosntruir a sociedade,
bem no espírito da revolta das décadas de 1960 e 1970.
Deste modo, há na teoria psicológica uma visão de homem que carrega consigo
valores, normas e entendimento do mundo de caráter metafísico - pressupostos não
acessíveis a razão, um espaço antes e depois da razão.
3
0
Ora, o espaço pré-lógico é justamente o mundo do mito. A razão se inicia a
partir de um mito. Ele pode fundar o mundo racional, dar-lhe os significados, propósitos e
modos de operação. Como coloca Gusdorf:
―Ele (o mito) intervém cada vez que estão em jogo os fundamentos primeiros e
últimos da razão. Ele é o único horizonte possível para o uso total do conhecimento. O mito
designa necessariamente os limites da razão, abrindo para ela um possível uso escatológico.
Em suma, é a consciência mítica que permite a correta colocação da razão na existência,
que insere a razão na totalidade, - visto que, deixada e entregue a si mesma, ela ficaria
como que suspensa no abstrato, sem contato com o mundo real‖.
Atualmente ocorre uma crise da razão, isto pode ser interpretado como uma crise da própria
vivência do mito da Razão. Mito que coloca a Razão como único critério de verdade e capaz de
resolver os problemas de existência humana e dar uma resposta última para tudo.
Neste ponto deve-se salientar que quanto maior é a confusão e a crise de significados,
tanto maior é a necessidade de mitos. Ora o receptáculo dos mitos costuma
religião e
a literatura
de
―espírito‖
ou
clássica.
ser
a
Com
o
desenvolvimento dos meios de comunicação, a absorção do tempo livre pela mídia e o
interesse pelo presente, termina-se por relegar a segundo plano toda literatura que possui um
caráter atemporal, que faz referência a uma outra realidade e toda reflexão sobre a realidade
atual.
Deste modo, não há um reconhecimento do plano ou discurso mítico que acaba por
contaminar o cotidiano, e por conseqüência, o mito na sociedade moderna parece assumir
cada vez mais um caráter político e social, explicitando especialmente na mídia. Sobre isto,
Gusdorf cita Karl Marx:
―Pensava-se até recentemente que a formação dos mitos cristãos sob o Império
Romano não teria sido possível senão porque a imprensa ainda não tinha sido
inventada. É justamente o contrário. A imprensa cotidiana e o telégrafo, que difundem
suas invenções em um piscar de olhos em todo o universo, fabricam num dia mais mitos
(e o rebanho de burgueses os aceita e divulga), do que antigamente num século‖.
3
1
Na América Latina, o papel e a concentração da mídia atuam como
elemento ideológico e fundamental para manutenção da sociedade desigual na América Latina
(Guareschi, 2000) apesar da luta política pela emancipação e cidadania da população dos
seus países. A naturalização de aspectos da subjetividade
humanos
e
uma
e
comportamento
pretensa
neutralidade
e
objetividade do conhecimento científico sobre o sujeito também apresentam aspectos
ideológicos e de manutenção de uma realidade social adversa.
A constituição de uma ciência corresponde também a constituição de seu objeto, método,
e critérios de verdade e de valor. Isto também é válido para as ciências humanas, ou seja, de
critérios e paradigmas a respeito do humano e de suas produções. Neste momento, torna-se
evidente a inter-relação entre a ciência, a moral, a ideologia e a metafísica. Negar isto é
desconsiderar uma problemática fundamental do conhecimento cientifico, e resvalar para o mito do
cientificismo - a ciência como verdade única. Isto é problemático no caso da Psicologia, que ao de
definir como ciência dentro de modelos mecanicistas, materialistas ou biológicos, nega o
componente subjetivo e imaterial do seu objeto e suas próprias limitações. Ela passa a responder
a demandas que não do seu próprio campo e acaba por absorver as funções que ultrapassam o
seu campo, especialmente dar sentido e critérios de valor ao ser humano e á sua subjetividade,
naturalizando elementos fundamentalmente sociais e imateriais, isto é, do discurso mítico.. A
questão fundamental é esclarecer os limites da ciência e estabelecer modelos que
permitam explicitar e trabalhar estas funções. Isto é particularmente importante na América Latina,
onde historicamente o conhecimento científico tem atuado justificativa e manutenção de uma
sociedade desigual e opressora.
3
2
Referências Bibliograficas
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Adolpho (1975). Mito e cultura; São Paulo, Convívio.
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Husserl, Edmund. Meditações Cartesianas. Conferências de Paris.. Edição – Phainomenon
Clássicos de Fenomenologia. Lisboa: Centro de Filosofia Universitas Olisiponensis,
2006. Originalmente publicado em 1900.
Japiassu, H. (1982). Introdução a epistemologia da psicologia. Rio de Janeiro: Imago.
Jung, C. G. (1985). Prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes.
Paramio, Ludolfo. (1989). Após o dilúvio: Introdução ao pós-marxismo. Lua Nova: Revista de
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Serbena, Carlos Augusto, & Raffaelli, Rafael. (2003). Psicologia como disciplina científica e
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A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA E SEUS MODELOS EPISTÊMICOS
3
Cesar Rey Xavier
3
[email protected]
O texto a seguir faz alusão ao quinto capítulo de obra recém-publicada sob o título A
psicologia e o problema mente-corpo (2012), cuja temática visa discutir a íntima relação de
dependência entre a psicologia e a filosofia da mente, oferecendo também um caminho
hipotético para esta relação. O capítulo em questão percorre os diferentes modelos
epistêmicos que se prestaram ao objeto psicológico desde o seu nascimento como
ciência autônoma. O presente texto destaca, portanto, esta temática, aprofundando seus
fundamentos e apresentando novas perspectivas de análise.
Quando pensamos acerca de uma ciência, a primeira ideia que se evidencia na
mente do pesquisador é a de seu objeto de estudo, isto é, aquilo que esta dada ciência coloca
sob seu olhar atento e rigoroso. Pergunta-se ele então: o que esta ciência quer estudar
exatamente? A obviedade deste fato, contudo,
pode
ludibriar
o
observador
mais
desatento, caso ele deixe de perceber que quando qualquer observador lança seu olhar
sobre um dado objeto de estudo, ele também o ―veste‖ com certa roupagem epistemológica
carregada de valores, ideologias e expectativas. A esta roupagem chamaremos aqui de
―modelo
epistêmico‖.
Portanto,
dependendo
do
modelo
empregado para revestir
determinado objeto, obtemos ao final um objeto impregnado com os valores epistêmicos
oriundos deste modelo.
No caso de uma ciência para a qual se possa delinear cerca de dez modelos
epistêmicos, por exemplo, seria o mesmo que afirmar que esta ciência conta com dez
identidades diferentes, desde que cada um destes modelos estaria ―vestindo‖ o objeto
daquela ciência com uma roupagem epistemológica diferente. Tal situação é particularmente
expressiva na ciência psicológica, na qual percebemos, além da concorrência de diferentes
―paradigmas‖ (de acordo com a conceituação de Thomas S. Kuhn), o concurso de diferentes
modelos que conferem diferentes identidades ao objeto.
3
4
Dependendo da interpretação, contudo, o conceito de paradigma não chega
comprometer a identidade do objeto, pois abrange esferas mais amplas
diferentes
comunidades
científicas.
Assim,
vemos
a
das
médicos
seguirem orientações paradigmáticas diferentes em seus ofícios, mas todos comungam do
mesmo objeto. Físicos e biólogos também podem se respaldar por paradigmas bem
contrastantes, mas todos concordam em batizar seus objetos, respectivamente, de
―matéria‖ e ―vida‖. Nestes casos, pensando em termos de diferentes paradigmas, não há
um conflito sobre o que estão a estudar, ou seja, não há discussão sobre a terminologia
que batiza os objetos de estudo destas ciências. Seguem orientações diferentes no que
concerne às suas teorias, mas não discordam que estejam a trabalhar com o mesmo objeto. O
mesmo não se pode dizer da psicologia – aqui, estamos diante de uma ciência que possui
várias identidades para seu objeto de estudo, vários nomes, várias
filiações.
Na
obra
supracitada, o conceito de modelo é descrito da seguinte forma:
um conjunto de noções básicas que interferem decisivamente no
critério de seleção para um objeto de estudo, no caso, o objeto
psicológico, noções estas que antecedem e preparam o caminho para
uma definição mais coesa dentro da ciência em questão, algo
bastante próximo da noção kuhniana de ―paradigma‖, apenas com um
sentido mais específico, referindo-se à forma de seleção (ou
abordagem) do objeto de estudo. Um modelo, segundo o que
estamos querendo salientar, ―fala‖ indiretamente do modo de
observação que se lança sobre o objeto de estudo. Assim como se
diz que boa parte de uma resposta já se pode encontrar na própria
pergunta, também se pode dizer que boa parte do que se irá
apreender de um dado objeto já se encontra nas expectativas do
observador. Isto pode parecer óbvio, a priori, mas geralmente suas
conseqüências são pouco refletidas, a posteriori. (XAVIER, 2012, p.
169-170).
Deste modo, um modelo epistêmico nos conduz à identidade que uma dada teoria
(dentre outras) atribui ao objeto de sua ciência. Se uma ciência, como é o caso da
psicologia, possui diferentes teorias em seu corpus que resolvem empregar diferentes
modelos (identidades), será o caso de concluir que esta ciência considera a possibilidade
de diferentes ―nomes‖ para seu objeto de estudo, algo que compromete sobremaneira a sua
coesão interna e consequentemente o seu estatuto de ciência.
Convém refletir sobre
as palavras de Figueiredo & Santi:
3
5
Ainda hoje, após mais de cem anos de esforços para se criar uma
psicologia científica, os estudos psicológicos mantêm relações
estreitas com muitas ciências biológicas e com muitas ciências
sociais. Isto parece ser bom e, na verdade, indispensável! Mas
várias vezes é mais fácil, por exemplo, um psicólogo experimentalista
que trabalha em laboratórios com animais, tais como o rato e o
pombo, entender-se com um biólogo do que com um psicólogo social
que estuda o homem em sociedade. Este, por sua vez, poderá ter
diálogo mais fácil com antropólogos e lingüistas do que com muitos
psicólogos que foram seus colegas na faculdade e que hoje se
dedicam à clínica psicoterápica. E, quando o psicólogo se põe a
estudar temas como pensamento e solução de problemas, ele
inevitavelmente se aproxima da filosofia e, em particular, da teoria do
conhecimento (FIGUEIREDO & SANTI, 2004, p. 15).
Podemos enxergar nisso aspectos positivos e negativos. A psicologia é, de fato, uma
ciência sui generis, exatamente por compreender certas ambiguidades que poderíamos
considerar ―criativas‖, intrínsecas à abrangência e plasticidade de seu objeto de estudo. Mas
esta sua riqueza, por outro lado, fragiliza a necessária coesão epistemológica em torno de seu
objeto de estudo, algo
que
se
esperaria
de
qualquer
ciência.
O
campo
de
possibilidades investigativas da psicologia é imenso, mas o alcance de seus passos ainda é
limitado por uma indefinição de um modelo epistemológico que acompanhe esta amplitude.
Os modelos empregados para ―vestir‖ o corpus psicológico nunca fizeram jus à
complexidade e abrangência de seu objeto. Serviram a um propósito de época e a diferentes
estados de maturação na diacronia da ciência psicológica. Na esteira deste processo, a
psicologia principiou sua jornada de emancipação tomando de empréstimo o modelo da
Física
e, adjacentes a ele, os adjetivos de ―materialista‖ e ―mecanicista‖, conforme nos
esclarece o trecho a seguir:
É interessante notar que a psicologia nunca desfrutou de um modelo
legítimo, um modelo que dissesse respeito especificamente à
natureza e à ontologia de seu objeto de estudo. Desde o seu
nascimento como ciência autônoma, ao cabo do século XIX, a
psicologia precisou respaldar-se nos conceitos e nos métodos
próprios da física, o que era notório através de expressões que se
referiam à mente como sendo composta de ―elementos‖, ou sendo
chamada de ―aparelho‖, esta última bastante empregada por Freud.
3
As ―idéias simples‖ dos empiristas eram encaradas mesmo como
6
―átomos mentais‖, num modelo de mente cuja complexidade era
―construída‖ a partir dos conteúdos mais simples, tal como as
engrenagens de um maquinário, marcas que em muito lembravam a
vestimenta epistemológica do mecanicismo deixado como legado
desde o século XVII (XAVIER, 2012, p. 170)
A historiografia
da psicologia,
contada
por
outros
pensadores
e
epistemólogos da psicologia, como Antonio Gomes Penna, também partilha do enfoque por
modelos, embora dê luz a outros aspectos para os quais não haverá espaço hábil para
esmiuçar aqui. Mas convém citar alguns trechos deste grande pensador brasileiro que se
revelam especialmente oportunos à nossa análise, oriundos da obra História das ideias
psicológicas, publicada nos anos 80. Ele menciona, por exemplo, o modelo psicopatológicopsiquiátrico destacado por Michel Foucault (1968) na obra ―Doença mental e psicologia‖. Em
seguida, o pensador brasileiro lembra-nos de outros critérios que foram sendo agregados
à diacronia da psicologia, tomados de empréstimo e gradativamente incorporados ao seu
estatuto epistemológico. Afirma ele:
Outros critérios, não obstante se poderão explorar.
Epistemologicamente, por exemplo, a relevância da influência do
positivismo pode ser sublinhada. A ideia de uma psicologia capaz de
se fundamentar no modelo da física logo se revela. A preocupação
com a medida procede dessa linha de pensamento. Se o rigor no
campo das ciências naturais se alcança pela quantificação, também
nos estudos psicológicos ele poderá ter o mesmo significado. Nesse
sentido, os estudos de Weber e Fechner marcam um momento
importante no processo histórico de implantação da psicologia como
ciência. Também as pesquisas na área da fisiologia e, especialmente,
no domínio da neurofisiologia propõem-se como relevantes. [...] No
que se refere à influência do positivismo, ela se revela em primeiro
lugar pela afirmação de que as regularidades observadas no plano da
conduta obedecem às mesmas condições causais que dominam as
regularidades físicas. Nesse caso, os mesmos métodos válidos nos
domínios da física se deverão impor no domínio da psicologia. Serão
possíveis, portanto, os recursos de previsão e de controle
relativamente aos diversos padrões de comportamento. Em segundo
lugar, revela-se importante a questão da publicidade dos fatos
investigados. Tal condição não será atendida por uma psicologia da
consciência, mas apenas por uma psicologia do comportamento. E
esta surge precisamente em função desse contexto epistemológico.
(PENNA, 1981, p. 133).
Na medida em que estes modelos de cunho fisicalista e positivista se revelavam
limitados para abranger a complexidade do objeto psicológico, novas perspectivas
despontavam
sob
epistemológicos. Conforme salienta Penna:
a
roupagem
de
novos
modelos3
7
É claro que a perspectiva derivada do positivismo foi logo contestada
e a negação do modelo físico produziu-se no mesmo momento e que
foi adotado. Para os que rejeitam esse modelo, a psicologia teria que
se construir em função de conceitos e de métodos diversos. (PENNA,
1981, p. 134).
De fato, não tardou para que a história da psicologia assistisse a emergência do
modelo respaldado na Química, calcado no pensamento do eminente filósofo John Stuart
Mill, com a célebre metáfora das moléculas de água e do ácido sulfúrico. Tal modelo já
representava um salto se comparado ao modelo da Física, no sentido de ser um apelo à
concepção de uma mente mais ―ativa‖ em todo o processo de construção das faculdades
psíquicas. Assim, comparava-se o poder de síntese da mente ao da própria natureza
quando as substâncias reagem umas às outras. Dois exemplos se destacam neste ínterim: a
molécula de água e a do ácido sulfúrico. No primeiro caso, as propriedades do hidrogênio e do
oxigênio, antes da reação, são gasosas, mas quando se transformam em água passam a
exibir propriedades líquidas. No segundo, temos o oxigênio e o enxofre que, em separado,
também exibem propriedades diferentes das do ácido que eles compõem depois da reação. Se
a natureza apresentava este poder de síntese gerando novas propriedades a partir de
elementos separados, então a mente, segundo este novo modelo, também seria capaz de
produzir novas conjunturas a partir de sensações mais elementares, passando a exibir novas
propriedades (XAVIER, 2012).
O próprio Wilhelm Wundt, que tinha sobre os ombros a auspiciosa missão de
emancipar o campo psicológico, já mesclava aspectos deste modelo em
obra, muito
embora tivesse
sido
frequentemente
sua
tachado
de
mecanicista. Seu conceito de ―síntese criativa‖, conhecido também por ―síntese aperceptiva‖ ou
ainda ―princípio de síntese criadora‖ continha muito da metáfora do filósofo conhecida por
―química mental‖. (XAVIER, 2012).
Mas a história da psicologia ainda assistiria a entrada em cena de novos modelos,
calcados em outras áreas do conhecimento. O incremento nas pesquisas em genética e
neurociência não demoraria a contagiar as mentes de muitos pesquisadores,
novas
promessas
de
esclarecimento
com
sobre
célebres questões que desde sempre acompanharam a emancipação da
3
8
psicologia como ciência, tais como o tratamento das psicopatologias e o enigma filosófico
conhecido como ―problema mente-corpo‖. ―Genes‖ e ―cérebro‖ podem ser situados, para os fins
de nossa análise, num modelo calcado na Biologia. Paralelamente ao incremento destas
áreas de pesquisa, a segunda metade do século XX também testemunhou a ascensão
de um modelo epistemológico bastante
nomear
por
promissor,
que
podemos
―modelo computacional‖. Neste, a mente volta a
ser comparada às máquinas, mas em uma escala obviamente muito superior à do
mecanicismo do século XVII. A psicologia vê nascer o campo cognitivista em seu escopo de
escolas, e todos parecem entusiasmados com a nova metáfora que compara o cérebro ao
hardware dos computadores, e a mente ao conjunto de softwares que rodam neste hardware.
(XAVIER, 2012).
Não é difícil, contudo, refletir sobre a seguinte questão: quando uma ciência toma
de empréstimo os modelos oriundos de outras áreas do conhecimento para revestirse
deles,
haverá
sempre
a
iminência
de
um ―desconforto‖ em seus trâmites de
pesquisa. Na metáfora que estamos aqui empregando, seria como tomar de empréstimo a
roupa de algum amigo para ir a uma festa – por mais que as dimensões corporais de
ambos fossem parecidas, aquela roupa não lhe pertenceria, e em algum momento deveria ser
devolvida. Assim, modelos oriundos de campos diversos não são...
de todo inapropriados para uma ciência incipiente como a psicologia.
Em certo sentido, eles foram indispensáveis aos primeiros passos de
um campo de pesquisas que se arriscava a investigar o inefável
objeto psicológico. Muitas das analogias com máquinas, softwares,
campos de força e com reações químicas foram necessárias para
que se pudesse falar do objeto psicológico de um modo que
parecesse minimamente entendível. Mas quando uma ciência, que
ainda não dispõe de um modelo próprio, passa a revestir-se dos
modelos de suas ―irmãs‖ mais velhas ou contemporâneas, o quadro
epistemológico pode ser caótico (XAVIER, 2012, p. 171).
Além das dificuldades internas que uma ciência com várias ―identidades‖ enfrenta, há
também o perigoso efeito que determinados modelos epistêmicos geram sobre a mentalidade
dos pesquisadores. Não nos esqueçamos que o enfoque do objeto de uma ciência por um
dado modelo me informa, inclusive, o conceito de homem e de natureza implicados nesta
escolha. E quando este
3
9
modelo, ainda que útil em certos períodos da história desta ciência, destoa bastante da
verdadeira essência deste objeto de estudo, as consequências podem comprometer as
noções de homem e natureza relacionados com este objeto. Bem colocadas são as palavras
de Hilton Japiassu a este respeito:
Todo o esforço em prol do conhecimento do homem, como se torna
patente nas várias metodologias das ciências humanas, foi sempre
desenvolvido no sentido de se acabar com o privilégio do objeto
―homem‖, no sentido de se dessacralizá-lo, de se desantropologizá-lo
e de deslocá-lo, do subjetivo ao objetivo.
Assim, ao tentar
desembaraçar os caminhos que conduzem ao homem de todas as
imposturas nas quais ele se encontrava, a psicologia com pretensões à
cientificidade tenta reduzi-lo a um objeto entre outros. Será tachado de
mistificação todo empreendimento psicológico que não proceder a
essa redução. (JAPIASSU, 1981, p. 115).
Perceba o leitor que, em todas essas tentativas de se respaldar sob a égide de
algum
modelo
epistemológico,
podemos
visualizar
esforços
conflitantes para se ―encontrar‖ e até se justificar a existência de uma ciência que tem como
seu objeto de estudo um ente complexo, abstrato e repleto de ambiguidades. No grande
banquete de métodos e modelos epistêmicos que permeia até hoje as pesquisas em
psicologia, houve os que buscassem a ―alma‖ na fisicalidade das coisas, e aqueles
que a procurassem nas transformações da natureza, outros ainda que a justificassem no
próprio cerne dos processos orgânicos ou em comparações heurísticas com a tecnologia da
computação. Mas o fato é que a psique humana não se deixa abarcar totalmente por
nenhum destes modelos. Talvez isto seja um bom sinal – talvez ela esteja nos mostrando que
a subjetividade humana deva ser respeitada como uma entidade natural legítima, exibindo,
contudo, outras propriedades bem diferentes da matéria inanimada. Talvez mesmo ela esteja
nos dizendo: ―procurem um modelo epistemológico que sirva para a minha complexidade,
um modelo legítimo que possa me revestir de modo a fazer jus a todo o alcance de
minhas possibilidades‖.
4
0
REFERÊNCIAS
FIGUEIREDO, Luís Cláudio M. ; SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de.
(nova) introdução. 2. ed. São Paulo: Educ, 2004.
Psicologia: uma
JAPIASSU, Hilton. Questões epistemológicas. Rio de Janeiro: Imago, 1981.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva,
1994.
PENNA, Antonio Gomes. História das ideias psicológicas. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. XAVIER, Cesar Rey. A
psicologia e o problema mente-corpo: uma nova proposta para
a imponderável epistemologia da consciência. Curitiba: Juruá, 2012.
Posições identitárias em relatos de moradores de assentamento rural constituído pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Ana Elizabeth Araújo Luna
(Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba, Brasil)
([email protected])
Thelma Maria Grisi Velôso
(Psicóloga. Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Psicologia da
Universidade Estadual da Paraíba, Brasil)
([email protected])
Introdução
A exclusão e a exploração dos camponeses são intrínsecas à própria história do Brasil, pois,
desde o período Colonial, a concentração de terra e dos meios de produção esteve sob a posse dos
grandes proprietários, fato que resultou, ao longo dos anos, em muitas revoltas e movimentos políticos
organizados pelos trabalhadores rurais em prol da luta por terra (TARGINO, 2002).
Nesse contexto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surge como
um
desdobramento de um longo processo de lutas entre trabalhadores e latifundiários e, como afirma
Almeida (2008, p. 17), foi o ―principal responsável pela emergência do sujeito ‗Sem Terra‘ no cenário
político nacional‖ (grifo do autor).
4
O MST originou-se com a retomada de lutas por terra, principalmente na Região Centro-Sul,
na
1
década de 70. O movimento almejava ocupar terras improdutivas, que deveriam ser democratizadas
pelo estado (CALDART, 2001; LACERDA; MALAGODI,
2007).
Nesse período, com a modernização da agricultura, muitos agricultores e posseiros foram expulsos
das terras. Então, muitos deles se rebelaram, na tentativa de permanecer nela, resistindo à migração para a
zona urbana e para outras regiões do país. Foram vários os fatores que favoreceram o surgimento do
MST, entre eles, destacam-se o trabalho pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a situação
socioeconômica e a configuração política do país, visto que, em 1979, muitos cidadãos lutavam
pela democratização do Brasil (STÉDILE; FERNANDES, 2005).
O marco de fundação do MST, como movimento nacional, ocorreu em 1984, no I Encontro
Nacional de Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Cascavel, no estado do
4
2
Paraná.
Com base nas discussões realizadas nesse encontro, concluiu-se que a ocupação era a estratégia
mais adequada para que os trabalhadores conquistassem terra e se organizassem como movimento.
Desde então, esse caráter organizativo e político faz do MST um movimento ímpar (SILVA; SOUSA, 2005).
Assim, com os trabalhadores rurais organizados em luta pela reforma agrária, foi possível
pressionar o governo vigente para que assumisse a ―reforma agrária como um compromisso social da
nação para com os ‗excluídos‘ do campo‖ (BRUNO, 2003, p. 3, grifo do autor).
Em contrapartida, os grandes proprietários também se organizaram contra a política do
governo e contra os movimentos sociais dos trabalhadores, efetuando muitas investidas violentas. Essa
violência no campo é um componente inerente à organização agrária em todo o Brasil (MOREIRA;
TARGINO, 1997; PEREIRA; SOUSA, 2008).
Ressalte-se, no entanto, que, apesar da violência no campo e da reforma agrária ainda não ter
se concretizado, o MST vem resistindo e, ao longo dos anos, tem conquistado inúmeros
assentamentos rurais, sendo referência para o surgimento de novos movimentos sociais no campo.
Segundo Ramos Filho (2008), há uma estimativa de que, no ano de 2008, havia, no Brasil, mais de
350.000
famílias
assentadas, territorializadas através da luta do MST. Contudo, o MST tem se
enfraquecido como movimento, visto que, conforme Pereira e Sousa (2008), a reforma agrária deixou de ser
prioridade, nos últimos anos de globalização e houve uma significativa diminuição no número de
ocupações. No ano de 2004, houve 500 ocupações de terra, ao passo que, em
2007, ocorreram apenas 364 ocupações em todo o país.
Ao falar sobre a atuação da política nacional diante da questão agrária, Stédile e
Fernandes (2005, p.159-160) afirmam:
O que existe no Brasil atualmente é uma política de assentamentos sociais,
em que o governo federal e às vezes até os governos estaduais, premidos pelos
movimentos sociais, e para evitar que os conflitos de terra se transformem em
conflitos políticos, resolvem conseguir algumas áreas
[...]. Essa é uma política de assistência social, apenas para se livrar do
problema dos sem-terra e não para resolver o problema da concentração
da propriedade de terra no Brasil.
Outro fato que também evidencia o enfraquecimento da reforma agrária e a fragilidade do
MST é a chamada crise dos movimentos sociais com o advento do modelo capitalista neoliberalista nos
últimos vinte anos. Nesse modelo, a garantia dos direitos da cidadania é transferida do Estado para a
sociedade civil, a qual passa a ser a responsável moral pela resolução dos problemas sociais, e não, as
políticas públicas. Assim, os
4
3
grupos sociais isolados atuam de forma fragmentada e individualizada em busca de seus interesses (JEZINE,
2006).
Afirma-se, ainda, que a reforma agrária está enfraquecendo devido às políticas assistencialistas
do governo atual, como o Programa Bolsa-família1, por exemplo, que, ao atuar na periferia, impede a
iniciativa da população e diminui, consequentemente, as ocupações (ARRUDA, 2008 apud PEREIRA;
SOUSA, 2008). No caso específico do estado da Paraíba, o número de assentamentos conquistados
anualmente diminuiu, nos últimos
assentamentos
cincos anos. Atualmente,
são
300
acompanhados pelo movimento, distribuídos em uma área de 270.000 ha de
terra2.
Apesar desses indícios de fragilidade e dos desafios atuais, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra persiste, e muitas famílias continuam conquistando o seu pedaço de terra. Além da
luta pela reforma agrária, vale salientar que o MST reivindica, sobretudo, a luta política em prol da
transformação da sociedade. Por esse motivo, Caldart (2001, p. 211) entende que ―ser sem terra‖
significa ―mais do que uma categoria social de trabalhadores que não têm terra; é um nome que
revela uma identidade [...] e que tem a ver com uma memória histórica e uma cultura de luta e de
contestação social‖ (grifo do autor).
Considerando essa história de luta do MST, bem como a identidade social do ―Sem terra‖, realizamos
uma pesquisa num assentamento, chamado ―Pequeno Richard‖, do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra. Esse assentamento é constituído por 49 (quarenta e nove) famílias, numa área total de 1.210
hectares, e está localizado em Catolé de Boa Vista, no município de Campina Grande-PB, Brasil. A
pesquisa teve como objetivo analisar as posições identitárias sobre o que é ser agricultor, construídas
com base nos depoimentos orais sobre o que é a terra, o que é o trabalho na terra e o que motivou a luta
pela terra.
As identidades e seus conceitos
A ciência oferece muitas definições de identidade, por isso, não há, na literatura, uma definição
teórica única a respeito, mas um amplo arcabouço de discussões acerca dessa temática, pois, como afirma
Hall (2006), o conceito de identidade é complexo e há várias formas de concebê-lo dentro das ciências
sociais.
Nesse sentido, o referido autor aborda três tipos de concepção de identidade: o
sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. A primeira concepção
1Bolsa-família: É um programa que atende a mais de 13 milhões de famílias em todo o território nacional,
criado no
Brasil, em 2003, durante o Governo Lula, que consiste na transferência direta de renda mediante
critérios pré- estabelecidos pelo referido Programa, beneficiando famílias em situação de pobreza. 4
4
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia
2 Informação verbal emitida pela Coordenação Geral do MST/PB em 2010.
de identidade diz respeito ao sujeito da época iluminista, que era ―totalmente centrado, unificado, dotado
das capacidades de razão, de consciência e de ação‖, e cuja essência não mudava, ao longo da vida, e era
concebida de forma totalmente individualista. (HALL,
2006, p.10)
O conceito de sujeito sociológico tem muita influência dos estudos realizados pelos interacionistas
simbólicos, que atribuem o processo de formação da identidade à interação do eu com o social e
a cultura, como se a identidade fosse o ponto de intersecção entre o interior (o eu) e o exterior (o
meio sócio-cultural). Já a terceira concepção de identidade, o sujeito pós-moderno, é exatamente o
oposto da primeira, porquanto o sujeito, que antes tinha uma identidade fixa, passou a ser dotado de múltiplas
identidades que são fragilizadas, fragmentadas, provisórias e, por vezes, contraditórias.
A partir dessas concepções, pode-se dizer, então, que a identidade da época iluminista está
em declínio, pois ―o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se
tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias
ou não resolvidas‖ (HALL, 2006, p.12).
Assim, diante da falta de referências, as relações sociais, no ―mundo líquido moderno‖,
tornaram-se frágeis,
e
foi
possível viver
inúmeras posições,
inúmeras identidades, inclusive
conflitantes entre si. Nesse sentido, Bauman (2005, p. 32)
acrescenta:
Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas
identidades em movimento - lutando para nos juntarmos aos grupos
igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter
vivos por um momento, mas não por muito tempo.
Autores como Woodward (2007), Silva (2007) e Hall (2007) assinalam a demarcação da
diferença como fundamental para que as posições identitárias sejam estabelecidas. Para Silva (2007),
construir a identidade implica promover relações e jogos de poder, que são sutilmente estabelecidos, tanto na
identidade quanto na diferença, por meio do processo de normalização, ou seja, da atribuição de valores.
Por isso é que ―afirmar a identidade significa demarcar fronteiras‖, e não, negar as diferenças (SILVA,
2007, p. 82).
Nessa perspectiva, Velôso et al (2009) ressaltam que tanto o sentimento de pertença quanto
as diferenças e fragmentações das identidades, intrínsecas aos grupos sociais, podem ser compreendidos
a partir dos contextos socioeconômicos, que estão inter-relacionados aos discursos e às práticas
discursivas. Sendo assim, para os referidos autores, as práticas discursivas têm um papel fundamental na
construção da identidade, uma vez que o mundo é habitado por múltiplos discursos que exigem escolhas. O
próprio
4
5
acesso ao mundo se dá através de construções discursivas, e essa relação entre o sujeito que usa a
linguagem (e, também, é constituído por ela) é o que constrói as identidades.
A identidade, num certo sentido, é constituída em redes discursivas, não sendo
gerada simplesmente por meio dos discursos, das ações ou experiências do
sujeito, mas também dos discursos sociais e institucionais que buscam fixar
indivíduos e grupos, não sem resistência, em determinadas ―posições-deidentidade‖ (VELÔSO et al, 2009, p. 119, grifo dos autores).
Essa concepção de ―posições identitárias‖ permite a compreensão de que, nessa relação sujeitosociedade, as identidades estão em movimento. Concebendo a identidade como mútavel, Ciampa (1984;
2001) sublinha que ela é constituída por meio de um processo dinâmico, posto que o sujeito se
transforma à medida que também produz mudanças no mundo. Assim, a identidade é múltipla e mutável e
é ―pelo fazer e pelo agir que alguém se torna algo‖.
A partir dessas contribuições teóricas, utilizamos o termo posições identitárias, posições criadas
e recriadas no ato de transformar e serem transformadas através das práticas sociais.
Recursos metodológicos: História oral e Observação Participante
De acordo com Alberti (2004, p. 26), a História Oral (HO) ―pode ser definida como método de
investigação científica, como fonte de pesquisa, ou ainda, como técnica de produção e tratamento de
depoimentos gravados.‖ A metodologia da HO consiste no registro de narrativas, e a memória é a
principal fonte dos depoimentos (THOMPSON,
1992; DELGADO, 2006).
Ao se referir à relação entre memória e identidade, Pollack (1992, p. 205) ressalta que ―a memória
é um elemento constituinte do sentimento de identidade‖ (grifo nosso), seja ela individual ou coletiva, pois
seleciona e constrói os fatos de acordo com a imagem que o sujeito ou grupo faz de si, para si e para os
outros.
Na pesquisa realizada, recorremos à obtenção de depoimentos orais. Conforme Cavalcanti
(2005), o depoimento oral possibilita ao sujeito construir e reconstruir histórias sobre a sua própria vida e
sobre a história da comunidade à qual pertence. Foram entrevistados assentados do sexo masculino e
feminino - dez mulheres e dez homens - todos casados, com idades variando entre 23 e 82 anos. É
importante evidenciar que os pseudônimos dos entrevistados foram baseados em nomes de aves e plantas
do Cariri, microrregião onde está localizado o assentamento.
As entrevistas foram realizadas no próprio assentamento. Após explicar o objetivo da pesquisa,
solicitava-se aos entrevistados a gravação de um depoimento oral sobre o
4
6
que é ser agricultor. Ao longo dos relatos, eram feitos questionamentos de acordo com os objetivos da
pesquisa.
Para a análise das entrevistas, foi empregado o método hermenêutico-dialético proposto por
Minayo (1995). Cumpre ressaltar que os aspectos sócio-históricos do grupo foram levados em consideração
em todo o processo da pesquisa.
No tocante à observação participante, Cruz Neto (2000) afirma que sua finalidade é, através de uma
relação face a face com a população, obter mais informações sobre a realidade. Por isso o uso dos diários
de campo, úteis à pesquisa, tiveram o objetivo de registrar os acontecimentos e as impressões subjetivas
observadas em campo.
O que é ser agricultor
Nas entrevistas, o trabalho é o ponto que demarca a ―identidade de agricultor‖, como podemos
observar no depoimento oral abaixo:
O que é ser agricultora pra mim? ... huuum... ser agricultora é, é... você... em
primeiro lugar você... gostar (enfático) de ser agricultora... e depois você
gostar, amar aquilo que você faz... mexer na terra. E... plantar, colher...,
entendeu como é?... é isso, no meu entendimento... é o que eu acho que ser
agricultora... é... é amar o que você faz... plantar, colher...[...] Ah, o trabalho na
terra é o sonho de todo agricultor... você tem o... você tem que plantar, esperar,
ser paciente... tolerante, e depois o importante vem... é a colheita (enfático).
Entrevistadora: A colheita?!
Verdade.... o mais importante pra gente... a alegria do agricultor é ... a
colheita (enfático).
Entrevistadora: E como é que acontece esse trabalho que você tá falando aí... que
envolve o plantar e a colheita?
Ah, isso aí acontece... em primeiro lugar... quando você tem a terra, você
tem o acesso a terra... aí vem o inverno constante e você planta... e com a
paciência você colhe (enfático) e... se realiza (falou com suavidade, mas
enfaticamente)
Entrevistadora: Se realiza?!
De verdade, porque a realização do agricultor é... o inverno plantar e colher.
Em primeiro lugar... ter acesso a terra...n/é?
(Jurema, sexo feminino, 53 anos).
Para Jurema, ser agricultora não é apenas trabalhar na terra e sobreviver dela, mas é, também,
ter amor por esse trabalho. Assim, ela se posiciona como alguém que sente muito prazer pelo trabalho que
realiza.
Outro aspecto que aparece nas entrevistas é o fato de esses sujeitos considerarem o trabalho na terra
como o ponto de manutenção da vida nas cidades:
Trabalhar na terra é... a gente sempre progredir, n/é?... produzir o que a gente...
pra cidade. A cidade... ela só vive se a terra produzir (enfático)... se num produzir
a terra como é que o povo vai viver? (enfático)... [...] Tudo o que existir de... desse
negócio de base... tudo é da terra... [...] Tudo no mundo existe através da 4terra!
7
(Tico-tico, sexo masculino, 62 anos)
O depoimento de Tico-tico, acima, ressalta o valor do trabalho que realiza como agricultor, pois
afirma que o que sustenta as pessoas que residem nas cidades é o fruto desse trabalho. Assim, sugere
que a cidade depende do campo. Posiciona-se como alguém que valoriza a terra: ―Tudo o que existir
de... desse negócio de base... tudo é da terra... [...] Tudo no mundo existe através da terra!‖
Outro aspecto ressaltado nos depoimentos é a ênfase no trabalho do agricultor como uma
profissão, como mostra este depoimento:
Agricultor é... é... é uma profissão... [...] Então ser agricultor é isso... eu num aprendi
outra profissão... [...] Pronto, então pra mim ser agricultor é isso...
[...] minha profissão é a terra... enxada, ferramenta... e cuidar da terra!
(enfático)... Ser agricultor é isso!
(Pereiro, sexo masculino, 82 anos)
Pereiro, ao reconhecer o seu ofício3 como profissão, está se posicionando como um profissional
em meios aos demais de outras áreas. Ao falar sobre o manuseio das ferramentas, refere-se ao seu
saber-fazer no ofício que vivenciou em toda a vida.
Em outros depoimentos, a ―identidade de agricultor‖ aparece como algo herdado, e essa ―identidade‖,
inclusive, é uma das motivações para a luta pela terra.
O significado de agricultor e agricultora... é muito importante pra mim!
(enfático)... até mesmo porque eu fui criada na agricultura, n/é?.... hoje, graças
a Deus, pelo exemplo de vida que meu pai me deu, como ele me criou... eu
sobrevivo em cima disso. E... eu acho que pra ser agricultor eu acho que vem de
uma criação, num é um nome agricultor, é uma criação que você tem, como se
fosse uma genética, n/é? Você aprende (enfático) porque tem família, já vem de
família... seus avós, seus filho, avó... e aí vai criando!
(Baraúna, sexo feminino, 39 anos)
Ah, o que me motivou nessa luta pela terra foi porque... antes eu... sempre fui
agricultora, foi só o que eu conheci mesmo com meus pais... já veio deles...
agricultura... é uma paixão, isso é uma paixão...
Entrevistadora: Uma paixão!?
Uma paixão pela agricultura...
(Jurema, sexo feminino, 53 anos)
A partir de seu depoimento, Baraúna se posiciona como agricultora porque foi criada
juntamente com sua família na agricultura. Portanto, para ela, ser agricultor é ser filho de agricultor, visto
que essa identidade é uma herança transmitida de geração para
geração, algo genético. No depoimento de Jurema, a ―identidade de agricultora‖ está
3 Conforme Clot (2010), o ofício é pessoal, interpessoal, impessoal e transpessoal porque nele estão
contidas todas as dimensões presentes no trabalho, tais como: a história de vida e as experiências anteriores
do trabalhador, a relação e
4
os mecanismos que enfrenta com o trabalho prescrito; as relações interpessoais entre
os
trabalhadores que desenvolvem uma forma coletiva de organizar a atividade laboral; o reconhecimento
8 que o
trabalhador adquire diante do outro e até a apropriação da atividade, que leva o trabalhador a desenvolver o
seu próprio saber-fazer.
vinculada também à família. Ela acrescenta que o que a motivou a lutar foi justamente por ser agricultora e
reitera o prazer que sente pelo seu ofício.
A terra é tudo
Os entrevistados afirmaram que a terra é tudo e é vida. Essa definição foi motivada por inúmeros
aspectos, como pode ser observado nos depoimentos transcritos abaixo:
Minha filha, a terra é uma das coisas mais importante, é a terra! [...] porque é aonde
você arruma o meio de sobrevivência é na terra.
Entrevistadora: Um meio de sobrevivência!?
Aí a terra pra mim... é tudo (enfático), a terra pra mim é tudo, é tudo, é tudo
(enfático), a terra pra mim é tudo, n/é?... eu me sinto muito orgulhoso em possuir
um pedaço de terra hoje porque a terra, ói, tem uma importância tão
grande que a gente num sabe nem dizer a importância que tem.
(Azulão, sexo masculino, 54 anos)
A terra é... pra mim ela é uma vida fundamental de alimentação. Que nós fomos
criados pela... e Deus deu nossa alimentação que é se alimentar da terra. Então a
terra é vida e é uma alimentação, é a sustentação do povo! (enfático) [...]... terra é
sustentação e vida! (enfático) [...] Essas duas coisa (silêncio)
(Juazeiro, sexo masculino, 78 anos)
Ah, a terra é... pra mim é tudo (falou alto e enfaticamente), é a Mãe
Natureza... eu acho que a gente sem... sem a terra eu acho que... sei lá, sem
espaço, sem respirar, sem chão... meu Deus! A terra é... sagrada (enfático),
significa tudo... significa tudo!(enfático)
(Jurema, sexo feminino, 53 anos)
No depoimento de Azulão, a palavra tudo aparece quatro vezes, o que demonstra sua necessidade
de enfatizar o que afirmou. Ele concebe a terra como uma das coisas mais importantes e um meio de
sobrevivência, portanto, ―é tudo‖. Já Juazeiro diz que a terra é vida e sustentação, porque é através dela que
o povo obtém a alimentação para se sustentar, para viver. Para Jurema, a terra é a Mãe Natureza, que
significa tudo para o agricultor, por isso, é sagrada.
Esses posicionamentos identitários nos remetem ao que afirma Velôso (2001, p.
166), com base nas contribuições teóricas de Madeira (1988): ―a terra define o pequeno produtor, isto é, é
o espaço essencial para construção da identidade, pois o seu ‗eu‘ se estrutura, se define e se limita nessa
relação – sem a terra ele não é ninguém‖. (grifo da autora)
Afirmar que a terra é tudo demonstra o quanto ela é fundamental para o agricultor. A terra remete ao
espaço que o diferencia de outros grupos e demarca a ―sua identidade‖,
4
9
além de ser o meio de sobrevivência de sua família e símbolo de liberdade. (SOUSA,
1991; SOUSA, 1992; DONAT, 2006).
Quanto ao que motivou a luta pela terra, alguns relatos remetem ao desejo de ter autonomia:
[...] Aí assim: a gente sempre trabalhou muito, fazenda muito grande, mas sempre
nas fazenda dos outro, nunca tinha assim pra dizer... “É da gente!”
(enfático)
Entrevistadora: Você sempre teve vontade de ter um sítio!?
É... pra gente puder plantar, produzir... aí aqui foi... um presente de Deus!
(enfático) (risos)
Entrevistadora: Um presente de Deus!?
Foi. [...] É... o que ele [se refere ao próprio pai] botou, começou na terra dos
outro, ―Eu quero fazer na minha (enfático)‖ e.... se ele num tivesse tão veinho, ele
faria comigo... mas num dá! (enfático)... agora tá velhinho... (falou chorando)
(Caatingueira, sexo feminino, 38 anos)
Aí eu vou experimentar, eu vou... vou experimentar uma parte de... aqui desse
terreno, agora o mais importante daqui (enfático), que a gente viemo...
realmente eu mesmo, eu vim acompanhando o... o MST pra pegar um pedaço de
terra, pra eu trabalhar por minha conta própria, que eu nunca gostei (enfático)
de trabalhar pros outro não.
(Garrincha, sexo masculino, 63 anos)
Caatingueira e Garrincha afirmam que o que os motivou a lutar foi o desejo de trabalhar na
própria terra, e não, na terra dos outros. Os dois discursos nos remetem à questão da autonomia. Como
afirma Velôso (2001), ―trabalhar para si‖ significa realizar o trabalho no campo com autonomia e ‗libertar-se‘
do sofrimento da condição de trabalho à mercê de um patrão.
Outro aspecto que motivou a luta pela terra foi a possibilidade de se ter outra alternativa de
vida, saindo da zona urbana:
[...] sempre tava no meu sonho, era ter um pedaço de terra só pra mim
(enfático).
Entrevistadora: Era seu sonho!?
Era o meu sonho... [...] O que me motivou foi... como eu já disse a tu, é porque
eu num tinha terra e antigamente eu tinha vontade de ter um pedacinho de
terra, n/é? Aí foi isso, eu entrar e lutar (enfático) pra ter um... viver no meu canto
sossegado e poder criar meus filho também, n/é?... sair da... de dentro das
droga... que a pessoa que mora em cidade só ver isso.[...] Na cidade a gente
cria dois, três filho, a gente só cria com medo de uma dia ver eles ir crescendo e
aprender essas coisa, n/é? E assim, dentro da terra, dentro dum mato desse,
dessa terra aqui que nem nós tamo aqui... sem ter essas coisa (enfático), eles
vão aprender outras coisa mais gostosa, n/é?... aprender a trabalhar (enfático),
aprender a pegar uma água, a cortar um pau, a plantar uma maniva...
(Seriema, sexo feminino, 48 anos)
[...] o emprego n/é? Num é hoje nem amanhã...(enfático) [...] às vezes
acontece de trabalhar seis mês, às vezes num dá certo com os
5
0
encarregado... às vezes mesmo com o engenheiro, num dá certo
(enfático), eles bota o cara pra fora, a pessoa passa dois, três... dois, três mês
parado como acontece muito... com muitos que trabalha de empregado,
que eu já trabalhei de empregado já sei... [...] E aqui a gente trabalha direto [...]
todo dia (enfático) bem cedo o caba tem o que fazer (enfático). Dentro da terra
é seguinte: num é como na... na rua, quando o caba tá trabalhando de
empregado tudo bem, e quando num tá às vezes passa uma semana ou duas
[sem trabalhar], nessa época eu trabalhava de pedreiro... E aqui, graças a Deus,
todo dia tem um pé d‘água [refere-se à chuva], pra quem gosta de trabalhar.
(Garrincha, sexo masculino, 63 anos)
Em sua fala, Seriema posiciona-se como alguém que sempre sonhou em ter terra. Esse foi o motivo
principal que a fez se inserir na luta, no entanto, outra motivação foi o desejo de manter os filhos longe do
contexto de violência que caracteriza a zona urbana. Garrincha também enfatiza a sua preferência pelo
trabalho rural em detrimento do trabalho urbano, e sugere que, no meio rural, há melhores condições de
trabalho porque não há riscos de se ficar desempregado.
Costa (2004, p.183), ao se referir aos sujeitos que abandonam a cidade em busca de terra, afirma
que ―a volta do trabalhador rural à terra do assentamento é idêntica ao retorno à raiz da terra‖, uma vez
que essa é uma forma de fertilizar a ―identidade‖ que estava antes fora da terra.
Considerações finais
É importante pontuar que os assentados constroem posições identitárias que estão diretamente
relacionadas ao trabalho e a terra.
Assim, percebe-se que se posicionam como
agricultores, o que significa, de modo geral, trabalhar na terra. Ter a própria terra para trabalhar foi o que
motivou a luta, não ter ―terra de trabalho‖ e ter que trabalhar em terra alheia os estimulou a lutarem pela
terra.
Outro aspecto relevante que apareceu nos depoimentos em relação ao que é ser agricultor foi a
―identidade de agricultor‖ concebida como herança familiar, um ofício que se aprende porque é passado de
geração para geração, como filhos de agricultores que aprenderam esse ofício e desejam repassar aos seus
descendentes.
O trabalho do agricultor também é concebido como uma profissão que garante, inclusive, a
manutenção da vida nas cidades. Essa estreita relação entre o agricultor, o trabalho e a terra denota um
forte sentimento de ligação com a terra que, para eles, significa tudo: é ela quem dá vida e ―sustentação‖,
é ―a Mãe natureza‖, é sagrada.
5
1
Diante das posições identitárias que os assentados constroem sobre a vida e o trabalho do
agricultor, também constroem uma imagem do trabalho e da vida na cidade. Para esses sujeitos, a vida no
campo é apontada como melhor do que a vida na cidade, e isso significa melhoria de vida, autonomia e
qualidade de vida, porque não há a violência presente na cidade e porque, com o trabalho na terra, não
se corre o risco de ficar desempregado, como na cidade.
Através dos depoimentos, percebemos que a ―identidade de agricultor‖ é construída em
um movimento de mão dupla, uma vez que, na prática desse ofício, ele encontra trabalho e realização
pessoal, visto que, quando apreende o ofício, torna-se autor daquilo que faz. Os relatos se remetem
ao prazer no e pelo trabalho e a identificação em ser agricultor em contraposição à exploração e
ao sofrimento que vivenciaram trabalhando para os outros.
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Wilhelm Reich: entre o contato e a compaixão
Autora: Mariana Tavares Ferreira
Palavras-chave: Reich – budismo mahayana – compaixão – contato –
fascismo.
A sensibilidade é hoje o campo de batalha político.
Franco Berardi
Duas questões se superpõem em nosso pensamento, para utilizar uma imagem do
próprio Reich. A primeira tem a ver com a discussão da atualidade do pensamento reichiano:
seriam datadas as idéias deste pensador nascido na virada do século XIX; de pouco interesse
frente às mutações do capitalismo no século
desenvolve-se
em
XXI? A
segunda
torno do
debate
sobre
a
religiosidade, que tem suas raízes em Freud e Marx: alienação, ilusão e delírio coletivos ou
experiência legítima? Ambas as questões convergem para a discussão a respeito da noção
de contato, que perpassa a obra de Reich, e à qual propomos uma aproximação com a
noção de compaixão do Budismo Mahayana.
Alguns autores como COELHO e SEVERIANO (2007) comentam as reformulações
pelas quais o modo de produção capitalista vem passando: os corpos obedientes, dóceis e
úteis, das sociedades industriais que se iniciam no século XIX, batizadas por Michel Foucault
de disciplinares, não seriam mais o modelo. Não mais também a usura e a contenção, tão
fundamentais ao espírito do capitalismo, como analisado por Weber. O capitalismo atual se
pautaria muito mais no consumo volátil do que na produção e acumulação de bens, o que
pediria a liberação do desejo, tendo como ideal o sujeito hedonista. Assim, teriam
se
engendrado novas formas de domínio muito menos pela via da
repressão e mais pela sedução de uma ideologia ―felicista‖. (BERARDI, 2005)1
Não haveria mais um espaço fora das instituições disciplinares para onde fugir,
porque agora a matéria mesma da existência, seus fluxos e movimentos desejantes
seriam os alvos dos dispositivos de poder. A economia
5
5
1 Na metáfora de Deleuze, não mais os buracos de uma toupeira, de um poder oculto, mas
localizado, e
sim os anéis de uma cobra, sempre modulando: muito mais difíceis de lidar. (1992, p.226.)
5
6
estaria regida cada vez mais por especulações e não por valores de uso, intensificando
uma característica do capitalismo já apontada por Marx. Tudo isso vai ao encontro do que
autores como Toni Negri e Franco Berardi denominam capitalismo cognitivo, em que
ganham extrema importância o trabalho nos setores de comunicação e de serviços, em
detrimento dos setores fabris, sem que estes, obviamente, desapareçam.
Neste cenário, se ficarmos apenas com a imagem superficial de um Reich colada
à do movimento contracultural das décadas de 60 e 70, teríamos quase que uma identidade
de suas idéias com este novo espírito do capitalismo.
referindo
aqui
à
equação
Estamos
nos
Reich/liberação
sexual/prazer/orgasmo.
O livro Amor Líquido, de Zygmunt Bauman, é emblemático dessa tese de que a falta
de solidez no compromisso com o outro ou, no mínimo, a grande ambivalência sentida por
aqueles que ainda se engajam em relacionamentos estariam relacionados ao esvaziamento
da esfera pública, da política e da sociedade civil. Toda a fragilidade atual dos laços
humanos se fundamentaria na percepção do vínculo como um empecilho, ao limitar o
leque de oportunidades
praticamente
experiências
de
ilimitado de
novas
prazer oferecidas pelo consumismo, pelo
rápido uso e descarte de parceiros sexuais. O orgasmo seria quase que um símbolo da
volatilidade e do prazer fugaz e egoísta.
Sem entrar na discussão sobre a validade das teses do renomado sociólogo, que
pecam, ao menos, por generalizar demais em suas tipologias, examinemos aqui o quanto
Reich pode ser identificado ou até mesmo culpado por contribuir com este estado de coisas.
Observemos primeiramente que em sua obra, o pensador austríaco não propõe
exatamente uma liberação sexual e sim uma economia sexual, nome que passou a utilizar
para o que fazia quando notou ter ultrapassado o campo de atuação da clínica psicanalítica em
seu setting tradicional, fazendo também um trabalho de intervenção política, mas que envolvia
ainda o conhecimento de aspectos
economia
de Reich
psíquicos
e
sociais. A
certamente
não recomendava a usura nos usos
dos corpos, como a moral sexual vigente. Mas tampouco podemos imputar a Reich representar
o oposto disso: o hedonismo do prazer pelo prazer. No texto de 1936, ―Casamento
indissolúvel ou relação
5
7
sexual duradoura?‖, ao contrário do que a imagem estereotipada aparenta, lemos como o
autor aprecia, do ponto de vista da economia sexual, as relações duradouras, embora nem por
isso defenda a duração ―até que a morte os separe‖.
O ideal reichiano, inclusive em termos terapêuticos, é desenvolver a potencialidade
de auto-regulação, uma potencialidade natural que o corpo teria de equilibrar-se e adquirir
estabilidade de seu ―meio interno‖ face às variações do externo, o que às vezes identifica-se
até mesmo com certa ―sabedoria do corpo‖ (DADOUN, 1991, p.34). Um exemplo disso é a
noção de homeostase, um processo como a produção de suor em temperaturas elevadas, que
teria a finalidade de diminuir a temperatura do organismo via evaporação das gotículas
na superfície da pele. Uma propensão ao equilíbrio entre o organismo e o meio. Da mesma
maneira, para Reich, uma pessoa envolvida numa relação sexual satisfatória não teria a
necessidade de uma moral imposta como uma lei, para conter seus impulsos sexuais: haveria
uma tendência ao equilíbrio. Os excessos e perversões surgiriam justamente do estado de
miséria sexual instaurados pela moral sexual civilizada, numa busca desesperada e infrutífera
por satisfação.
O interessante é que nem por isso Reich irá propor uma abolição abrupta dessa
moral do homem encouraçado. Segundo ele, um rompimento súbito da couraça pode ser
até o fator desencadeante de alguns suicídios, lembrando a frase de Clarice Lispector: ―Até
cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual o defeito sustenta nosso
edifício inteiro‖. (LISPECTOR
são
apud
BORELLI,
arranjos existenciais, formas de
1981.)
Mesmo sintomas
ser e estar no mundo ou
complexas estruturas de caráter, para usar outra expressão cara ao autor. Por isso, há que se
ter muita compreensão
pode
e
suavidade
nesta
transformação,
que
não
ser simplesmente oferecida como uma nova subjetividade prêt-à-
porter:
Por isso Reich irá cada vez mais apostar no trabalho educacional com crianças,
recém-nascidos e suas mães, ao mesmo tempo numa transformação lenta dessas estruturas
e instituições enraizadas há milênios. Assim, as relações líquidas, voláteis e consumistas
denunciadas por Bauman seriam caracterizadas, conforme a linha de pensamento aqui
desenvolvida, como
5
8
substitutivas: relações mais plenas, por assim dizer, se encontrariam muito dificultadas
dadas as atuais condições de vida sob o capitalismo.
Feita esta discussão sobre as más-leituras de Reich, vale muito a pena
ainda, discutir o interesse das idéias do autor para os combates culturais na atualidade.
Voltemos
então
à
discussão
a
respeito
de
um
capitalismo contemporâneo que
funcionaria muito mais pela sedução e captura do desejo. A nosso ver, esta não seria uma
novidade ou exclusividade do capitalismo atual. Michel Foucault vem nos ajudar neste
momento, ao questionar em sua História da Sexualidade (1988), a chamada ―hipótese
repressiva‖: mesmo sob o regime de poder da sociedade disciplinar temos muito mais a função
de incitar a falar sobre o sexo, fixando a verdade do sujeito neste discurso. E todo o
exército de especialistas voltado à normatização e à busca de uma ―saúde perfeita‖.
Percebemos aqui um quê nietzscheano, na denúncia de um ódio ao vivo, porque
mortal e imperfeito, tornando-nos sujeitos ressentidos e mortíferos. Por temermos a morte
acabaríamos por sufocar de antemão todo impulso de vida, por trazer em si a fragilidade e a
transitoriedade. É nisto que estaria a sedução sob o modo de vida capitalístico e é neste
mecanismo de captura do desejo que Reich encontra explicação para o fenômeno das
couraças que nos protegem desse contato mais intenso com a vida, suas agruras e prazeres.
Há uma expressão presente tanto ao longo de O Assassinato de Cristo quanto em O
Éter, Deus e o Diabo que é: ―perceber a realidade como em um espelho, sem jamais tocá-la‖.
(2003, p.55.) A realidade como um espelho, na qual procuramos encaixar e congelar a
inconstância da vida conforme uma imagem narcísica. Se ela não se encaixa, podemos
transferir tal expectativa a um além-inacessível – o que tende a nos afastar do contato
com o que acontece, com o corpo, a experiência e os afetos. Seja este além um paraíso
religioso, um tempo futuro, um modelo de saúde perfeita ou um líder autoritário, ele é fruto não de
uma imposição, mas do desejo.
Então o interessante é que Reich já teria mostrado essa forma de captura desde
a década de 30. Dadoun escreveu: ―A obra de Reich inteira impõe-se hoje, como uma
necessidade imperiosa, como um meio de conhecer e um dos mais poderosos instrumentos
para combater o fascismo – que ainda sobrevive aqui e ali‖. (1991, p. 209.) Juntando-se ao
coro, no prefácio à edição
5
9
norte-americana de O Anti-Édipo, Michel Foucault (2001) vem nos lembrar de que o fascismo
vai além do fenômeno histórico de Hitler e Mussolini, sendo capaz de assumir várias formas,
―desde aquelas, colossais, que nos rodeiam e nos esmagam até aquelas formas pequenas
que fazem a amena tirania de nossas vidas cotidianas‖. Assim, a força da obra de Reich
estaria justamente em nos fazer atentar a estas forças mortíferas do desejo humano, em
primeiro lugar, não vendo nelas o contrário de Eros e sim uma perversão deste mesmo impulso,
secundária.
Já em O Assassinato de Cristo Reich mostra como o homem deseja sentir-se uno
a força pulsante do cosmos e da vida, ao mesmo tempo em que teme essa experiência de
dissolução dos limites, o que o levaria a projetar esta energia amorosa num ser intocável:
Cristo. E por que Cristo então viria a ser morto por estes mesmos homens, entregue por
seus próprios discípulos amados? Para Reich, como indica o título, não se trataria de
uma morte sacrifical e sim de um assassinato: o homem tem que matá-lo para entronizá-lo
como filho de um deus, inatingível, porque lhe é insuportável tê-lo como um próximo. O
ódio, a destruição, ―o diabo‖, seriam assim, secundários, uma transformação do impulso de
amor impedido de expressar-se:
Cada impulso de amor encontra a barreira da couraça. Para se
expressar, precisa abrir caminho para atravessar a parede rígida pela
força; deste modo, transforma-se inevitavelmente em crueldade e
ódio. (REICH, 2003, p.134.)
E aqui entramos no tema da Superposição Cósmica. Nesta obra, Reich irá pensar a
superposição como evento transindividual que toma conta da vida e a governa, indo, porém,
além do biológico. Não há algo como um espaço vazio e inerte, mesmo em termos físicos,
há campos energéticos sobrepostos, em perpétuo movimento e transformação, como num
oceano. Para Reich, isso que engloba tudo, fonte de toda vida, é o oceano de orgone, nome
com o qual ele batiza esta energia que a tudo permeia. Das superposições energéticas em
dimensões micro-cósmicas, nasceria a matéria, e em dimensões macro- cósmicas – as
galáxias. No nível atmosférico teríamos o fenômeno dos furacões. No homem, esta
energia se expressaria através do abraço genital, impulso primário de superposição e fusão
bioenergética de dois sistemas orgonóticos e não coincidente com o impulso de busca do
prazer: ―o prazer
6
0
envolvido na superposição é o resultado que se experiencia e não a força
propulsora do ato‖. (REICH, 2003, p. 202.)
Como observou o estudioso da obra reichiana, Paulo Albertini, haveria um capítulo
que o autor não abre mão de incluir em seus livros e que apareceria sob diferentes
roupagens. Como também observou Dadoun (1991), há uma elaboração do mesmo tema sob
os termos: auto-regulação, potência orgástica, amor
Albertini que,
no
livro
natural...
Contudo,
observa
O Assassinato de Cristo, o uso do
termo o abraço genital, como título de um dos capítulos, dá um tom muito mais próximo ao
afeto e à disponibilidade de entrega, que extrapola o ato sexual propriamente dito e fala da
relação com a vida. Seria ainda, segundo expressão cunhada por Albertini, uma ética da
intensidade e, acrescentaria eu, também uma estética.
Segundo Reich, o abraço natural pleno assemelha-se a uma calma escalada, em
que o importante não é chegar aos cumes mais altos apenas para contar aos outros. Ela é
fruída silenciosamente em todas as suas etapas: aliás, só pode ser fruída se vivida no
continuum de suas subidas-platôs- descidas, no tempo. Essa ideia é então totalmente
contrária a de um prazer imediatista e consumista, envolve ritmos. E aqui ele dirá que esta
atitude vale não só para as relações com um parceiro sexual, mas para
qualquer atividade vital, importante ou não. Viver na plenitude é
abandonar ao que se faz. Pouco importa que se trabalhe, que se fale
com amigos, que se eduque uma criança, que se escute uma
conversa, que se pinte um quadro, que se faça isso ou aquilo.
(REICH, 1999, p.32.)
Tudo isto vem corroborar também a interpretação de Albertini de que, mais
do
que indivíduos
teria
orgasticamente
potentes,
Reich
sempre
enfatizado, desde suas primeiras formulações sobre o orgasmo, o encontro com o outro.
Trata-se de uma potência de estar disponível ao que acontece e que pode realizar-se como
uma arte do encontro ou ars erótica, por superposições, abraço: contato. Proximidades
e distâncias. Voltemos a nossa questão norteadora. Que importância pode isso tudo ter para
os combatentes culturais em 2012? Duas problematizações se delineiam aqui.
A primeira é que no chamado capitalismo líquido (BAUMAN) ou cognitivo
(BERARDI) existiria um limite à captura dos fluxos do corpo pela técnica e
6
1
pelas máquinas, a chamada flexibilização, e que passa muito pela questão do tempo, dos
ritmos corporais, mas que no entanto, não desenvolveremos aqui.
A segunda consiste num questionamento de que haveria uma falta de compaixão e
crueldade decorrentes de uma crise moral no Ocidente. Neste ponto Reich se distancia da
visão hobbesiana-freudiana da luta de todos contra todos, do animal egoísta em busca do
prazer pessoal. Os corpos, mesmo em seus aspectos físicos, continuam para além de si
próprios e esta continuidade, na visão de Reich, é fonte não só da vida organísmica como
também da construção da cultura:
As formações vegetativas substitutas não deram origem à cultura;
todo o progresso humano surgiu dos vestígios remanescentes do
contato vegetativo direto com o mundo. Isso nos dá uma idéia de
quanta energia há para ser desenvolvida, se conseguirmos liberar as
estruturas humanas de suas funções substitutas e restaurar a sua
relação direta com a natureza e a sociedade. Felizmente, daqui não
pode resultar uma nova religião – por exemplo, um novo movimento
de ioga que ensina ―sobre a função do contato imediato‖. Essa
alteração na estrutura humana pressupõe alterações no sistema
social que o estudante de ioga não compreende. (REICH, 1998,
p.304.)
A citação acima, do livro Análise do Caráter, mostra que nosso autor já tematizava a
questão do contato vegetativo2, como a forma de contato mais potente, ancorada no corpo
e nos afetos, fonte das melhores realizações humanas, tema que será posteriormente
ampliado e desenvolvido em O Assassinato de Cristo; O Éter, Deus e o Diabo e A
Superposição Cósmica. Como podemos notar, algo diferente era, no entanto, a posição de
Reich no que tange à religião. Apesar de considerar o Ioga como uma prática psicofísica capaz
de ativar essa potencialidade ao contato vegetativo, Reich irá fazer
ressalvas frente ao conservadorismo ou à falta de envolvimento com questões sócio-políticas
imputadas ao ―estudante de ioga‖.
Mas a postura de Reich no que se refere à religiosidade se modifica em obras como O
Assassinato de Cristo e O Éter, Deus e o Diabo, na qual ele fará uma distinção entre as
religiões institucionalizadas e a ―religiosidade natural‖, proveniente do contato pleno e não
mistificado com a vida pulsante no cosmos.
Não mais apontar culpados pela vida encouraçada em grupos de pessoas
instituições
históricos
e
explicá-la
por
uma
espécie
ou
de
Relativo às funções vitais comuns a animais e vegetais, que funciona involuntária ou
inconscientemente. (FERREIRA, 2004).
2
embotamento atávico do animal consciente, que teria medo de dissolver-se no contato pleno
com a vida, o que, na terminologia reichiana chama-se ―angústia de orgasmo‖, tem mesmo um
tom de sabedoria ―asiática‖. Isso não implica um conformismo do tipo ―isso é assim mesmo‖, há
uma aposta na possibilidade de transformação da experiência humana. Algo também
bastante próximo ao budismo é a crítica ao ―tagarelar‖, à perda de tempo em se procurar as
causas do sofrimento na acusação alheia e à necessidade de encontrar um meio hábil para se
começar a agir prontamente de modo a aliviar o sofrimento decorrente desta ignorância: a
compaixão.
Esta parece também ter sido a saída encontrada por Franco Berardi ―Bifo‖. Sua
proposta parte de uma percepção muito próxima à de Reich de que capitalismo e fascismo,
mais do que sistemas históricos, seriam modos de ser e estar no mundo, enraizados na
sensibilidade humana e que, infelizmente, não tem dado mostras de superação. Assim, fora
do tema quer dizer também fora do tempo, historicizado, hegeliano, da dialética. O que ele
propõe é uma retomada da política não mais pautada em valores universais como a razão e a
vontade, dos quais decorreriam programas a serem desenvolvidos e sim como algo próximo da
arte, da ética e da terapia: intermináveis. Sua proposta é que experimentemos uma
aproximação à tradição budista para encontrarmos esta perspectiva ética, tendo como
referência o conceito de Grande Compaixão, conceito que muito se afina à noção de contato
desenvolvida por Reich.
Como para Reich, para Berardi a falta de compaixão no mundo atual não é um problema
moral e sim psíquico (e somático): se não sabemos mais sentir nossos próprios corpos como
sentir os corpos alheios? A compaixão não se basearia num amor universal abstrato, mas no
aspecto concreto e sensível dos corpos. Não seria nenhum mandamento, mas fruto da
interdependência entre os seres. Não falamos em dependência ou desamparo, de um lado,
nem em piedade e comiseração, do lado daquele que exerce a compaixão, mas num
interser3.
Na metáfora nostálgica de Bauman, nosso mundo seria um mundo onde as pontes
foram destruídas e não as poderíamos reconstruir devido ao forte
3
Neologismo criado pelo mestre Zen vietnamita Thich Nhat Hahn, autor de diversos livros, que vive
refugiado no sul da França.
nevoeiro que nos impede até mesmo de saber onde estamos. Preferimos adotar, com
Reich, Berardi e o budismo, a perspectiva oceânica de estarmos todos no mesmo barco.
Ainda e, sobretudo, se ele está naufragando, a melhor forma de ajudar é simplesmente
manter a calma, acreditando no poder de contágio dos afetos. E aprender a nadar – ou
arranjar uma bóia, apostando na solidariedade dos náufragos.
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WILLIAMS, Paul. Mahayana Buddhism: the doctrinal foundations. London: Routledge, 2002.
La práctica en la formación del Psicólogo en Latinoamérica
Dra. Denise Benatuil y Lic. Juliana Laurito
Universidad de Palermo
Resumen
En el presente trabajo se aborda la incorporación de la formación práctica dentro
de la carrera de psicología en América Latina. Se hará hincapié en la experiencia
realizada desde hace más de 10 años en una Universidad Argentina de gestión
1
privada.
Teniendo en cuenta que desde su creación la Licenciatura en Psicología se ha
caracterizado por una formación predominantemente teórica, el contacto con la práctica
generalmente quedaba reservado para después de la obtención del título.
los últimos años la práctica pre-profesional supervisada,
En
fue adquiriendo un rol
de mayor relevancia, siendo actualmente un elemento central y diferencial en la
formación. Estas modificaciones de los planes de estudio
la creciente demanda de
fueron acordes
a
la
de
sociedad,
profesionales capaces de responder a los problemas reales. Otro factor que impulso
a la inclusión de las prácticas en la Argentina fue la aprobación de los Estándares para
la Formación del psicólogo en el año 2009. Estos establecen un mínimo de 500
horas de formación práctica. Si bien, en la actualidad lentamente se han
ido incorporando aspectos prácticos, en algunos casos aún son poco sistemáticos y
desarticulados con la teoría.
Se sistematizará la experiencia obtenida a partir de la realización de prácticas
profesionales en las diversas áreas del quehacer profesional. Está experiencia nos
permite afirmar que el hecho de tener acercamientos a diferentes ámbitos, posibilita una
integración teórico-practica y una articulación transversal del plan de estudios; genera
en los estudiantes interés por formarse y profundizar en diferentes
campos
del
quehacer profesional, preparándolo para una mejor inserción en el mundo del
trabajo. El Practicum es una etapa de transición
1
entre el rol de estudiante y el de profesional, posibilita un contacto directo con la
realidad cotidiana.
Palabras Claves: Psicología- Formación práctica
La formación del psicólogo en America Latina
El interés por la formación profesional del psicólogo en América Latina, empieza
al poco tiempo de la creación de las primeras carreras de psicología, pero su abordaje
metódico comienza a fines de los años noventa, teniendo un aumento sostenido de
producción científica y de revisión de los planes de estudio en los diferentes países
de latinoamericanos (Benito, 2009).
Dentro de los avances destacados de la región se podría situar la Primer
Conferencia Latinoamericana sobre Entrenamiento en Psicología, realizada en Bogotá
en el año 1974. En el encuentro se plantea por primera vez la necesidad de
una revisión crítica de la formación vigente y se formaliza lo que se conoce como
Modelo latinoamericano o Modelo Bogotá (Vilanova, 2003).
En el que se propone la necesidad de un entrenamiento similar en los países de la
región en las diferentes áreas de intervención profesional, la importancia de un título
generalista y la necesidad de un entrenamiento práctico, a través de un practicum o
pasantía (Ardila, 1978).
Con el establecimiento
del Mercosur
aumento
el interés
en desarrollar
propuestas tendientes a establecer pautas comunes para la futura integración regional.
Es por ello que en 1994 representantes de las diferentes entidades profesionales de
psicología establecieron estándares curriculares
mínimos comunes (Di Doménico,
1998).
En el VII Encuentro Integrador que se realizó 1998, se destaca la relevancia de una
2
formación básica común, pluralismo teórico y de una formación generalista. Estableciendo
una carga horaria mínima de 3.500 horas y 350 horas de
3
prácticas supervisadas (Comité Coordinador de Psicólogos del Mercosur y
Países Asociados, 1998).
En
2001, se realiza el II Encuentro de Entidades de Psicología de América Latina,
en el que
se proponen
nuevas pautas para la formación tanto científica como
profesional, destacando la necesidad de un perfil científico-profesional del psicólogo
capaz de investigar
procesos mentales
y atender necesidades sociales
en las
diversas áreas aplicadas (Comité Coordinador de Psicólogos del Mercosur, 2001).
Del recorrido histórico anteriormente planteado se puede detectar como a lo largo
de los años, en la región fue tomando cada vez más interés y reconocimiento
la necesidad de incluir prácticas pre-profesionales en la formación del futuro
profesional. Tomando como parámetro estándares comunes dentro de los planes de
estudio de cada país.
La formación práctica del psicólogo en América Latina
Klappenbach (2003) realiza una recopilación de las investigaciones que analizan
las dificultades de la formación académica de los psicólogos. Distingue trabajos
que han puesto el foco de interés en las competencias que deberían de poseer los
psicólogos luego de la formación académica y líneas de investigación que buscan definir
los estándares de formación.
Para el presente trabajo nos interesa el lugar que ha tenido la formación práctica
en los planes de estudio de la carrera de Psicología. Partiendo de la base que desde
los orígenes la Licenciatura en Psicología se ha caracterizado por una formación
predominantemente teórica (Vilanova, 2003).
La práctica no estaba incluida en la formación de grado. Para el estudiante de
Psicología, el contacto con la práctica generalmente quedaba reservado para después
de la obtención del título. De este modo la formación académica real no garantizaba un
3
entrenamiento adecuado para cada una de las prácticas a
4
las que los graduados están habilitados. Las carreras ofrecían muy pocas horas
para prácticas profesionales bajo supervisión, lo cual redundaba en peor formación
profesional (Corel &Talak, 2001).
Paulatinamente se han ido modificando los planes de estudio, acordes a la creciente
demanda de la sociedad, de profesionales capaces de responder a problemas reales.
Teniendo en consideración que los problemas de la realidad son más complejos,
requieren soluciones rápidas, que tengan en cuenta la diversidad del medio social, la
globalidad de las intervenciones y el vertiginoso incremento de la información (Garcia,
2009).
Es por ello que los planes de estudio deben estar a la altura de las
circunstancias, contactando al alumno con esta realidad y complejidad durante su
formación, aunque aún muchas de las carreras de Psicología no poseen la cantidad de
horas prácticas mínimas requeridas en los estándares. Ya que conlleva un cambio
estructural de los planes de estudio, requiriendo de tiempo, financiamiento y espacios
de prácticas destinados a la formación aplicada (Garcia, 2009).
Modalidad de Formación práctica en Universidades de América Latina
Se realizó un relevamiento de los planes de estudio de algunos de los países que
tienen una importante trayectoria en la formación de Psicólogos. Se encontró que
muchos de ellos cuentan con prácticas profesionales como requisito para la
obtención del título.
Los datos fueron obtenidos a partir de la búsqueda en los portales de internet de cada
una de las universidades.
A continuación se sintetiza la modalidad que adquieren las Prácticas en algunas
Universidades Latinoamericanas:
Universidad
Modalidad de Formación Práctica
5
México:
Universidad
Nacional
Autónoma de
Al finalizar la cursada de la carrera, el estudiante debe realizar
un servicio social, que lo ponga en contacto con las
necesidades y problemas de las poblaciones
urbanas y rurales más marginadas del país. Su duración
México (UNAM)
Brasil:
debe ser de un mínimo de 480 horas.
La formación incluye la realización de al menos 425 horas de
Universidad de
prácticas supervisadas, 365 horas se han completado como
San Pablo
parte de las materias obligatorias. Las restantes 60 horas
deberán completarse con el estudio de al menos un curso
electivo (ej: Formación en investigación en psicología I).
Perú:
La práctica pre-profesional prepara al estudiante para su futura
Pontificia
inserción en la vida profesional, es un período de transición
Universidad
entre la etapa académica y el ejercicio profesional. El tiempo
Católica del Perú
requerido para la culminación de cada semestre de la PP (1 y
2) va desde 416 hasta 700 horas como máximo.
Colombia:
Las prácticas se dan tanto en áreas profesionales como en
Universidad
investigación, es requisito para ingresar a ellas haber aprobado
Nacional de
las demás asignaturas de la carrera. Se debe optar por áreas
Colombia
(Ej: Psicojurídica; Clínica; Neuropsicología; etc).
Chile:
Universidad de
Chile
En el último año de la carrera el alumno debe realizar las
prácticas profesiones que tienen una duración mínima de seis
meses (720 horas). Posteriormente una Memoria de título
(informe escrito de profundización en un tema) y un Examen
de título (defensa oral de la Memoria)
Venezuela:
El plan de estudios cuenta con una formación práctica. La
Universidad
misma se encuentra organizada en tres asiganturas (Pasantias
Central de
I y II y Pasantias Institucionales). Los objetivos fundamentales
Venezuela
de esta asignatura son que los
6
alumnos conozcan el funcionamiento de las diferentes
instituciones visitadas.
Bolivia :
Uno de los requisitos para alcanzar la titulación es el Internado.
Universidad
El mismo consiste en un proceso de intervención psicológica
supervisada, en el que se aplican los conocimientos de la
Mayor de San
psicología a una realidad concreta, sus resultados están
Simón
sometidos a una reflexión teórica permanente.
Uruguay:
En los dos últimos años de la carrera la formación está
Universidad de la
República
orientada hacia los diferentes ámbitos de inserción
profesional. Se realiza de manera obligatoria dos pasantías
anuales, a desarrollarse en alguno de los servicios de
atención o proyectos de investigación o extensión de la
Ecuador:
Universidad
Estatal
Facultad.
Para alcanzar la titulación el alumno debe realizar
seminarios, talleres, visitas de observación, prácticas
extracurriculares programadas por el Consejo Académico
Península de
de la Carrera. Cumplir con el número de horas de prácticas
Santa Elena
o pasantías pre- profesionales y servicio comunitario
establecidos en la Carrera.
En el cuadro presentado se puede observar como las universidades nacionales
de diferentes
países
de América
Latina
incluyen
como
requisito
para
la
obtención del título de grado las prácticas profesionales dentro de la formación. Si bien la
modalidad de las mismas, es disímil, mostrando un sello distintivo en cada carrera,
según las posibilidades y demandas sociales.
La experiencia de la formación práctica en una Universidad Argentina
A continuación se desarrollará la experiencia de las prácticas pre-profesional en una
Universidad Argentina de gestión privada.
7
Las prácticas profesionales se organizan en cinco niveles diferentes.
El primer nivel está dirigido a alumnos de segundo año de la carrera. Por lo cual la
práctica consiste en la realización de una observación no participante, en instituciones
de los diferentes
ámbitos de inserción del psicólogo (Clínica, Comunitaria, Educativa,
Laboral y Jurídica). Con el objetivo de conocer cual es el rol del profesional
una de las áreas.
Aproximándose
necesarias
en cada
a las funciones, competencias
para
un
ejercicio idóneo del
rol
profesional, dificultades y perspectivas futuras de cada uno de los perfiles
profesionales.
Un segundo nivel de prácticas está dirigido a alumnos del tercer año de la carrera,
por lo que la práctica tiene como objetivo profundizar en los conocimientos de
los campos profesionales, con la modalidad de una observación participante.
Las pasantías generalmente constan de diversas actividades: análisis de casos,
lectura de historia
clínica,
participación
en entrevistas
individuales, grupales,
supervisiones, admisiones, trabajo en cámara Gessell, observación de sesiones de
terapia
grupal,
reuniones
de
equipo
y
otras
actividades pertinentes para la
formación práctica de los alumnos. En cuanto a las visitas, pueden ser a centros
asistenciales, escuelas, hospitales, consultoras de recursos humanos etc.
El tercer y cuarto nivel consisten en prácticas de investigación. En estas se favorece
el
entrenamiento y adquisición de competencias vinculadas a las tareas
de investigación, para ello los alumnos participan durante dos cuatrimestres
creando un pequeño proyecto de investigación vinculado con alguno de proyectos
que tienen en curso los docentes que participan en el Centro de Investigaciones.
En un quinto nivel de prácticas el alumno realiza un practicum de 350 hs en un área. La
misma consiste en una práctica pre-profesional supervisada que
7
realiza en una institución a elección del alumno dentro del conjunto de
instituciones con las cuales la Universidad tiene convenio. Se realiza en el tramo
final de la carrera y concluye con la escritura de un Trabajo Final.
A partir de la experiencia de la inclusión de prácticas obtenida se sintetizarán algunos
de los beneficios que las mismas aportan a los alumnos.
Permite una integración teórico-practica y una articulación transversal del plan
de estudios.
Provee al futuro profesional de espíritu crítico y compromiso con su
comunidad.
Prepara al alumno para una mejor inserción en el mundo del trabajo, el
Practicum es una etapa de transición entre el rol de estudiante y el de
profesional.
Permite un contacto directo con la realidad cotidiana y el tener que
enfrentarse
a la resolución
de problemas
―reales‖ que suelen
ser más
complejos que los problemas planteados como disparadores didácticos.
Por todo lo desarrollado se considera que el Practicum está adquiriendo un lugar
cada vez de mayor preponderancia dentro de la formación del Psicólogo, actualmente
es considerado un eslabón fundamental en la formación de grado. Por ello debe ser un
espacio de constante evaluación, análisis y revisión crítica en pos de implementar las
mejoras que se consideren necesarias.
Actualmente
separados.
supervisada
la formación teórica y práctica no pueden transitar por caminos
La
inclusión
desde
los
de
inicios
los
alumnos
en
de la carrera
la práctica
debe
ser
pre-profesional
un componente
fundamental para formar psicólogos capaces de responder a las complejas
demandas del mundo de hoy.
La experiencia obtenida a partir de la realización de Prácticas profesionales en diversas
8
áreas del quehacer profesional del Psicólogo, dentro de la formación en una
Universidad de gestión privada, nos permite afirmar que el hecho de
9
tener acercamientos
formación
a diferentes
de grado, genera
profundizar
en
diferentes
ámbitos de inserción profesional durante la
en los estudiantes
campos
del
interés
quehacer
por formarse
profesional.
y
Poder
proporcionarle al estudiante una visión ampliada de la salida laboral, junto con
posibilidad de observar el quehacer profesional en diferentes campos, permitiría
entre otros beneficios, generar una diversidad mayor en la elección del campo para la
inserción profesional una vez finalizada la carrera.
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Quem somos nós, descendentes? Estudo da identidade e do papel da memória em
famílias de descendentes alemães no Brasil: uma proposta de investigação.
Diane Portugueis
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
RESUMO: Este artigo apresenta uma proposta de investigação cujo foco será a
compreensão do processo de construção de identidade dos descendentes de imigrantes
alemães que vivem no Brasil. À partir do método de Histórias de Vida, que se insere nas
metodologias qualitativas (Abordagens Biográficas), trabalharemos com membros de três gerações
de famílias de descendentes alemães (avós, pais e filhos) que atualmente residam na cidade de
Curitiba, Paraná e que tenham vivenciado, seja em seu cotidiano, ou em forma de relatos de
familiares, o período conhecido como Estado Novo durante o governo de Getúlio Vargas.
Partiremos da Psicologia Social e do conceito de identidade como categoria
central
de
análise, propondo a reflexão crítica sobre os desdobramentos e pertinências do contexto de
imigração frente o processo identitário. Buscaremos ainda contribuir com a compreensão dos
movimentos migratórios e sua influência nas relações sociais.
Palavras chave: imigração, identidades, memória, descendentes alemães.
1
1. Introdução e desenvolvimento da questão de pesquisa
Em
tempo
de
deslocamentos populacionais
frequentes, como
o
que
vivemos, pessoas das mais diversas origens se encontram e convivem em um
mesmo espaço social com sua bagagem cultural. Neste contexto de espaços e
deslocamentos, em um país como o Brasil - no qual a miscigenação advinda de sua
colonização é parte essencial de sua história - trabalhar a questão dos descendentes de
imigrantes e sua integração social faz-se importante, uma vez que estes
continuarão a construir o país, não mais com o caráter de imigrantes, mas como parte
da nação onde nascem.
Desta forma escolhemos a população de descendentes de imigrantes
alemães tomando por base que os 5% de imigrantes europeus que escolheram o Brasil
como sua nova pátria, foram alemães (IBGE/ DW-WORLD.de, 2010). Durante muitas
décadas, os alemães chegaram a ser o maior grupo de imigrantes a entrar no Brasil,
período este em grande parte do século XIX, superando inclusive os portugueses.
Segundo Stehling (1979) calcula-se em 18 milhões o número de seus descendentes em
solo brasileiro, cerca de 10% de nossa população.
A idéia de pesquisar sobre aspectos da identidade e imigração surgiu na
estadia da autora (durante cinco anos) na Alemanha, período no qual verificou
inúmeras vezes a grande dificuldade de integração de descendentes turcos à cultura e
língua locais. Dados da imprensa alemã1 demonstram grande preocupação com as
chamadas ―políticas de integração‖2 do país. Tal fato suscitou questionamentos
acerca de como seria então, no Brasil, a integração de descendentes alemães. Como
1 Welt online. A integração dos turcos - um mal entendido.
2 Política que visa a integração como um processo de diminuição das diferenças entre
migrantes e não migrantes na Alemanha. Maiores informações em Friedrich HECKMAN. A
evolução recente da política
2
de integração na Alemanha e na Europa, 2010.
3
teria sido sua aculturação? Quem são estes indivíduos, como lidam com o
deslocamento de seus antecessores e como a memória influenciou e/ou influencia a
construção de suas identidades?
Em diversas localidades do Brasil, mas em especial na região Sul, marcas desta
imigração são evidentes. O Estado de Santa Catarina é considerado o mais ―alemão‖ do
Brasil. Aproximadamente 35% (a maior porcentagem dentre os estados brasileiros)
da sua população é de ascendência alemã. As cidades do interior do estado ainda
preservam a arquitetura germânica das casas, bem como a língua alemã e festas
populares, como a Oktoberfest.
No ano 2004, a imigração alemã ao Brasil completou 180 anos. Estima-se que
haja um milhão de falantes do idioma alemão no Brasil, sendo, a grande maioria,
bilíngues. Importa ressaltar que a imigração alemã no Sul do Brasil deixou marcas
profundas na composição da população. Nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do
Sul, a cada três pessoas, uma tem origem alemã. Números menores encontram-se no
Paraná e em todo o Sudeste e Centro-Oeste do país.
Dentre
alguns
aspectos
históricos
desta
imigração,
houve
um
muito
significativo, que provocou influências importantes no modo de vida dos imigrantes e seus
descendentes. Segundo Seyferth (1989, 1991) e Willems (1980) o Governo Federal
Brasileiro determinou durante o Estado Novo a extinção das instituições comunitárias,
proibiu o uso da língua alemã e publicações em alemão. Enviou unidades do exército
a várias cidades situadas nas regiões de colonização. Tal fato,
justificado pelo chamado “perigo alemão”3ocorreu em 1937 perdurando até o final
da Segunda Guerra Mundial em 1945. A proposta de construção do Estado
Nacional no Brasil do período de Vargas pretendeu acabar com a descentralização
3 O ―perigo alemão‖ constituiu-se pelo temor de que a Alemanha anexasse áreas de colonização
alemã no
4
Brasil, ou ainda que mantivesse algum tipo de influência nestas regiões (Gertz, 1991).
5
do poder e concretizar um projeto de uniformização e consolidação de uma
identidade nacional. Vários aspectos caracterizaram esse período e inviabilizaram a
presença de manifestações de grupos estrangeiros. Dentre estes aspectos, temos o
ataque ás chamadas ―ideologias alienígenas‖, denominação dada ao modo de ver próprio
dos grupos de estrangeiros e a preocupação com a fixação da língua portuguesa e
da cultura brasileira. Neste período se inicia a afirmação de uma identidade nacional,
na qual os colonos alemães de alguma forma serão assimilados (Santana, 2010).
Partindo-se do pressuposto que as colônias alemãs da época já teriam lugar e
papel definidos, bem como sentimentos de acolhimento no Brasil por parte de seus
componentes, como se desenvolvera sua identidade a partir daí?
Para Hall (2002), a identidade se torna uma ―questão‖ quando se está em crise,
quando algo que se supõe fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência
da
dúvida
e da incerteza.
A
identidade
não existe
senão
contextualizada, como um processo de construção e pressupõe o reconhecimento da
alteridade para sua afirmação.
Segundo Santos (2010), a Identidade Nacional seria uma identidade coletiva
organizada em torno do Estado-Nação4
e estaria fundada sobre o princípio da
autoridade, colocado acima da solidariedade. O nacionalismo constrói a idéia de
totalidade: um povo, uma nação, uma cultura, uma língua. Contudo, o nacionalismo
possui um caráter étnico, uma vez que na origem da idéia de nação está a de uma
4 A idéia de Estado-nação nasceu na Europa em finais do século XVIII e inícios do século XIX.
Provém do
conceito de "Estado da Razão" do Iluminismo, diferente da "Razão de Estado" dos séculos XVI e
XVII. A Razão passou a ser a força constituidora da dinâmica do Estado-nação,
principalmente quanto a administração dos povos. A idéia de pertença a um grupo com cultura,
língua e história próprias, a uma nação, foi sempre uma das marcas dos europeus nos últimos
séculos, ideal que acabariam por transportar para as suas projeções coloniais. Há um efeito
psicológico na emergência do Estado-nação, pois a pertença do indivíduo a tal estrutura
confere-lhe segurança e certeza, enquadramento e referência civilizacional. O Estado-Nação
afirma-se por meio de uma ideologia, uma estrutura jurídica, a capacidade de impor uma
soberania, sobre um povo, num dado território com fronteiras, com uma moeda e forças armadas
6
próprias. É na sua essência conservador e tendencialmente totalitário.
7
comunidade étnica. Na prática, o nacionalismo está ligado à idéia de pertencimento e
justamente por isso, o imigrante que possui uma identidade dupla, é uma
contradição dentro da categoria de Estado-Nação. O duplo pertencimento coloca o
problema da lealdade nas redes de participação. Para Santos (2010) o problema do duplo
pertencimento é freqüente, a partir da segunda geração de imigrantes. A primeira
geração está ligada à identidade do país de origem, enquanto a segunda geração se
sente dividida entre a identidade dos pais e a do país de acolhida. Quanto à identidade
nacional, salienta Llobera (1996, p.11):
Nas suas origens e na sua essência, a identidade nacional é uma tentativa de
preservar os costumes dos nossos antepassados. O nacionalismo põe em
destaque a necessidade das raízes e da tradição na vida de qualquer
comunidade.
A identidade se constrói através de relações, isto é processual e relacional e,
portanto, capaz de se adaptar às transformações sociais e pode ser vista como
construção social de pertencimento. Em época de globalização é oportuno lembrar que a
identidade marca distância, mas também aproximações (Santos, 2010, grifo meu DP).
2. Justificativa
Para que se entenda a identidade é preciso compreender o processo de sua
produção. ―A identidade é a articulação da diferença e da igualdade‖ (Ciampa,
2001, p. 138). É a estrutura social mais ampla que oferece os padrões de identidade;
neste sentido, também se pode dizer que as identidades, no seu conjunto, refletem a
8
estrutura social, ao mesmo tempo em que reagem sobre ela, conservando-a ou
transformando-a.
Ciampa traz a visão de que, em cada momento da existência do indivíduo,
embora sendo uma totalidade, manifestam-se partes de si como desdobramento das
múltiplas determinações a que está sujeito.
Para
Santos
(2010),
o
processo
de
identidade
é
negociado
e
permanentemente construído e reconstruído nas trocas simbólicas sociais. No Brasil a idéia
de identidade cultural5 é utilizada para o estudo de grupos migrantes, sendo
freqüentemente intercambiada com o conceito de organização, segundo Santos (2010)
e Dantas (2010) e de memória (Pollak, 1989, 1992) uma vez que esta, sendo relativamente
constituída efetua um trabalho de manutenção, coerência, unidade, continuidade e
organização. A memória deve ser entendida como um fenômeno coletivo
social,
construído coletivamente e
submetido
e
a flutuações,
transformações e mudanças constantes (Pollak, 1992).
Pollak (1992), em seu estudo sobre memória e identidade social, afirma que a
memória
tem
características
flutuantes
e
mutáveis,
tanto
individual
quanto
coletivamente e na maioria das memórias, existem marcos ou pontos invariantes e
imutáveis. Ao questionar quais são os elementos que constituem a memória
individual ou coletiva, entende que são os acontecimentos vividos pessoalmente e aqueles
vividos por tabela, ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela
coletividade a qual a pessoa julga pertencer.
5 A identidade cultural é um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, que
envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a religião, as artes, o
trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um processo dinâmico, de construção
continuada, que se alimenta de várias fontes
no tempo e no espaço. Como consequência do processo de globalização, as identidades
9
culturais não
apresentam hoje contornos nítidos e estão inseridas numa dinâmica cultural fluida e móvel.
1
0
Se formos mais longe, a esses acontecimentos vividos por tabela vêm se juntar
todos os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou
de um grupo. É possível que, por meio da socialização política, ou
da
socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou identificação
com determinado passado, tão forte que podemos falar de uma memória quase
herdada (Pollak, 1992, p. 2).
O autor
se refere
à existência
de acontecimentos
regionais
que
traumatizaram muito e marcaram tanto uma região ou grupo, que sua memória pode ser
transmitida ao longo dos séculos com altíssimo grau de identificação (Pollak,
1992). Arruti (2002) contribui neste sentido, salienta que memórias e identidades não são
entidades fixas, mas sim representações e construções da realidade, fenômenos que
são mais subjetivos do que objetivos.
Na perspectiva da transmissão psíquica dentro da família, autores como
Neuberger (1999) e Andolfi (1984) retratam a memória como transmissão capaz de deter as
informações necessárias para articular o projeto fundador da família. A história de uma
família é uma trama complexa e singular de histórias individuais, vínculos intergeracionais
e experiências compartilhadas que se sucedem em tempo que se delineia e toma forma,
não na sucessão dos anos, mas no perpetuar-se das gerações. Sugere a necessidade
da presença de uma continuidade histórica e evolutiva entre os significados que
diferenciam modelos de relação do passado e do presente, o que se trata da identidade
cultural de uma família (Andolfi, 1984).
Sayad (1998, p. 51) afirma que a imigração sofre de uma contradição dupla, porque
ela representa um estado provisório que se prolonga indefinidamente, ao mesmo tempo
em que ela se torna um estado definitivo e vivido com o sentimento de provisório.
1
1
Pensando esta questão na realidade social do cotidiano, Berger e Luckmann (1996)
descrevem o mundo da vida cotidiana não somente tomado como uma realidade certa
pelos membros da sociedade na conduta subjetivamente dotada de sentido que imprimem
às suas vidas, mas um mundo que se origina no pensamento e na ação dos homens
comuns, sendo afirmado como real por eles (p. 36). Aqui o interesse é o caráter intencional
comum de toda consciência.
A realidade da vida diária não se esgota nas presenças imediatas, mas abarca
fenômenos que não estão presentes ‗aqui‘ e ‗agora‘. A zona da vida
cotidiana diretamente acessível a minha manipulação corporal é a zona que se
acha ao meu alcance, o mundo em que atuo a fim de modificar a realidade
dele, ou o mundo em que trabalho (...) (Berger e Luckmann, 1996, p. 39).
Segundo os autores, o interesse nas zonas distantes (como o passado) é
menos intenso e menos urgente. O interesse maior do sujeito é o aglomerado de
objetos implicados em ocupações diárias, porém o trabalho efetuado nas zonas mais
distantes poderá afetar a vida cotidiana. Ciampa (2001) coloca que algumas
personagens que compõem nossa identidade sobrevivem, às vezes, mesmo quando nossa
situação objetiva mudou radicalmente.
É a estrutura temporal que fornece a historicidade que determina a situação do
sujeito no mundo da vida cotidiana. ―Nasci em certa data, entrei para escola em outra data,
comecei a trabalhar como profissional em outra, etc. (...).‖ (Berger e Luckmann, 1996, p.
45). Estas datas, contudo, estão localizadas em uma história muito mais ampla e esta
localização configura decisivamente a situação do indivíduo. Logo, a estrutura temporal
da vida cotidiana também impõe, à biografia,
1
2
uma totalidade. E é nesta estrutura temporal que a vida cotidiana conservará para o
indivíduo o sinal de realidade.
Circunscrevendo este projeto em termos de chaves teóricas, serão abordados
estudos de diferentes áreas do conhecimento que abarcarão a problemática
escolhida. São estes: História (Seyferth, 1989, 1991, 2000); Sociologia (Pollak,
1989, 1992; Halbwachs, 2004; Willems, 1980); (Berger e Luckmann, 1996) e
Psicologia Social (Ciampa, 2001; Mead, 1972), entre outros.
Utilizar-se-á, por exemplo,
a abordagem de
Mead (1972) quanto à
socialização humana, que surge quando o indivíduo percebe a intenção dos atos dos outros
e então, constrói sua própria resposta em função desta.
Tomaremos também os apontamentos de A. C. Ciampa (2001), que coloca a
importância da identidade como metamorfose. Em sua visão, cada indivíduo encarna
as relações sociais, configurando uma identidade pessoal, uma história de vida, um
projeto de vida. Uma vida-que-nem-sempre-é-vivida, no emaranhado das relações sociais.
Logo, uma identidade concretiza uma política e dá corpo a uma ideologia. No seu
conjunto, as identidades constituem a sociedade. Com este olhar, o presente estudo
pretende
contribuir
com
a
compreensão
da
construção
da identidade dos
descendentes alemães, que por sua vez, são parte da construção da identidade coletiva
da sociedade brasileira. Buscar-se á, pois refletir criticamente sobre os desdobramentos e
pertinências deste contexto frente o processo identitário.
Em mais de 180 anos de imigração alemã no Brasil, sua influência faz-se
presente em diversos setores (sobretudo do ponto de vista econômico, visto, por
exemplo, o grande número de empresas alemãs em território brasileiro). No entanto,
a integração e desenvolvimento dos imigrantes e seus descendentes no país, sua
inserção cultural, como esta se deu (e/ou se dá) no processo da construção
1
3
de sua identidade levando-se em conta sua origem, história, suas relações
intersubjetivas, além
da busca por
reconhecimento social, merecem
maior
visibilidade e justificam a relevância social deste estudo. Sua constituição enquanto sujeitos
e cidadãos reflete diretamente em suas relações sociais e posicionamentos frente à
sociedade brasileira.
No que se refere à contribuição científica deste projeto, constatou-se, que a maior
parte dos estudos sobre a referida população advém predominantemente do campo da
História e visa, em geral, subsidiar a compreensão de contextos e processos
políticos. Dentre o material consultado, pouco se fala da história de vida e da construção
da identidade e metamorfose dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil.
Logo, pretende-se com este projeto dar existência a um estudo que sirva como
ferramenta útil, que contribua não só com a psicologia social e
os
estudos
de
identidade, mas também para melhor compreensão das transformações recentes da
população do Brasil. Acreditamos ainda, contribuir com a compreensão dos movimentos
migratórios e sua influência nas relações sociais.
3. Objetivos
Geral:
Compreender a formação da identidade de descendentes alemães no Brasil e
o papel da memória neste processo, bem como a situação da imigração frente à auto
definição do eu.
Específicos:
Observar o papel da memória no processo de formação da identidade dos
descendentes;
10
Entender como se dá a compreensão de sua identidade cultural (sentimentos de
pertencimento);
Identificar fatores que possam dificultar ou facilitar a mudança que a migração
ocasiona para o sentido de quem se é e como isto difere entre as gerações.
4.
Caminho metodológico
O enquadramento teórico desta pesquisa se vincula à escola de Frankfurt,
também conhecida como teoria crítica da sociedade, particularmente à dita segunda
geração (Habermas, 1983) em cujo contexto se insere a teorização de A. C. Ciampa (1987)
com sua tese de que a identidade é metamorfose. A teoria crítica da sociedade
propõe um pensamento questionador, sobretudo em relação às relações de poder
decorrentes do sistema social em que vivemos. Considera os fenômenos estudados a
partir de suas determinações histórico-sociais e sua orientação para a emancipação
humana. Segundo Goulart (2009) Habermas mostra a necessidade de se estudar de
forma reconstrutiva o modelo concreto de relacionamento entre o Estado,
as
instituições políticas e a sociedade. Com o filósofo frankfurtiano, reportar-nos-emos a
uma perspectiva de estudos críticos de macroalcance, que nos projeta nas relações
políticas, sociais e comunitárias em suas múltiplas formas e modos (Spink & Spink,
2005). O método escolhido para este estudo se insere na abordagem qualitativa. A
pesquisa
qualitativa
refere-se,
em
amplo
sentido,
a descrições detalhadas de
situações com o objetivo de compreender os indivíduos
11
em seus próprios termos. ―Como a realidade social só aparece sob a forma de como os
indivíduos veem este mundo, o meio mais adequado para captar a realidade é aquele
que propicia ao pesquisador ver o mundo através dos olhos dos pesquisado‖ (Goldenberg,
2005, p. 27). As chamadas metodologias qualitativas privilegiam de modo geral, a
análise de micro processos, através do estudo das ações sociais individuais e grupais
(Martins, 2004).
A pesquisa qualitativa se debruça sobre o conhecimento de um objetivo
complexo: a subjetividade, cujos elementos estão implicados simultaneamente em
diferentes processos constitutivos do todo, os quais mudam em face do contexto em que se
expressa o sujeito concreto. A história e o contexto que caracterizam o
desenvolvimento do sujeito marcam sua singularidade, que é expressão da riqueza e
plasticidade do fenômeno subjetivo (González-Rey, 2002).
Para a coleta de dados, utilizar-se-á o Método de História de Vida, que se insere
dentro das metodologias qualitativas (Abordagens Biográficas). Este método objetiva
apreender as articulações entre a história individual e a história coletiva, em uma ponte
entre a trajetória individual e a trajetória social (Silva, 2007). Emolduradas na
metodologia qualitativa, as abordagens biográficas caracterizam-se por um compromisso
com a história como processo de rememorar, com o qual a vida vai sendo revisitada pelo
sujeito. O método da História de vida funciona como possibilidade de acesso do indivíduo
a realidade que lhe transforma e é por ele transformada, na busca da apreensão do
vivido social, das práticas do sujeito, por sua própria maneira de negociar a realidade onde
está inserido (Barros, 2000). Este método tem como objetivo o acesso a uma realidade que
ultrapassa o narrador. Por meio da história de vida contada da maneira que é própria
do sujeito, tenta-se compreender o universo do qual o indivíduo faz parte. Isto nos mostra
a faceta do
12
mundo subjetivo em relação permanente e simultânea com os fatos sociais
(Camargo, 1984).
A utilização do método biográfico em ciências sociais e humanas é uma
maneira de revelar como as pessoas universalizam, através de suas vidas e de suas
ações, a época histórica em que vivem. (Goldenberg, 2005). O método biográfico pode
acrescentar a visão do lado subjetivo dos processos institucionais estudados, como as
pessoas concretas experimentam estes processos e levantar questões sobre esta
experiência mais ampla. Becker (1994) enfatiza o valor das biografias, atribuindo
grande importância às interpretações que as pessoas fazem de sua própria
experiência como explicação para o comportamento social. Para Ferrarotti (1983) citado
por Goldenberg (2005) cada indivíduo singulariza em seus atos a universalidade de
uma estrutura social e é possível ―ler uma sociedade através de uma biografia‖, conhecer
o social partindo-se da especificidade irredutível de uma vida individual (Goldenberg, 2005,
p.36).
A análise do conteúdo contemplará a perspectiva hermenêutica-crítica,
consistindo em explorar ou deduzir as definições de situação que o texto
transmitido pressupõe a partir do mundo da vida do autor e de seus destinatários
(Habermas, 1987). A interpretação hermenêutica no âmbito das metodologias
qualitativas busca reconstruir os processos interativos que produzem o sentido prático
ou a construção social da realidade (Koller, 2003).
5. Procedimento e considerações éticas
13
Entrevistas abertas com membros de três gerações de famílias
de
descendentes alemães (por exemplo, avô, pai e filho) na cidade de Curitiba/PR. A escolha
por esta cidade dá se em função do contato com a AMIG (Associação Pró Memória da
Imigração Germânica) que proporcionará indicações de pessoas que possam contribuir
com relatos. Ressalta-se que a indicação pelos sujeitos de pesquisa propõe que os
mesmos
tenham
vivenciado
o
período
conhecido
por ―Estado Novo‖ (citado
anteriormente, página 3) em ao menos uma das gerações a ser entrevistada. A escolha
por este período da História do Brasil visa o impacto causado nas vidas dos sujeitos,
impacto este que possa ter alcançado também as gerações mais jovens de
descendentes alemães. As entrevistas serão gravadas e transcritas para análise e
interpretação dos dados. Posteriormente dar-se-á a análise das histórias de vida e
observação de aspectos da memória, tendo por base a teoria da identidade como
metamorfose de A. C. Ciampa. Após análise do conteúdo das entrevistas será verificada
a necessidade de uma segunda entrevista, a fim de explicitarem-se pontos a serem
esclarecidos. Destaca-se que serão observados aspectos legais, de acordo com a
Resolução 196/96 de proteção ao sigilo e procedimentos adotados em pesquisas
acadêmicas.
As pessoas que virão a se constituir em sujeitos da pesquisa serão
contatadas diretamente pela pesquisadora. Aqueles que concordarem em participar da
pesquisa apenas o farão após serem informados sobre os propósitos do estudo e mediante
assinatura do termo de consentimento informado. As entrevistas serão realizadas em
encontro único, em data a ser indicada pelo indivíduo e em local no qual estejam
resguardadas a garantia de sigilo e privacidade.
O contato com o sujeito de pesquisa exige do pesquisador uma postura ética,
14
a qual, além dos procedimentos rotineiros que envolvem o esclarecimento dos termos
da pesquisa, o consentimento do entrevistado, junto com a possibilidade de retirar tal
consentimento em qualquer etapa que considerar conveniente e a possibilidade dos
sujeitos terem acesso ao conteúdo do trabalho após o término e de manterem contato com
a entrevistadora para eventuais dúvidas e observações posteriores ás entrevistas,
pressupõe também cuidados como a não indução de questões, a não interferência em
respostas indicadas pelos sujeitos, a proposição de questões abertas, não diretivas, que
propiciem que os pesquisados escolham como narrar suas próprias histórias, realizando
seu próprio caminho de exposição e reflexão da identidade.
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A metamorfose da identidade por meio da arte: Uma condição possível.
Diane Portugueis
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) Brasil
[email protected]
A identidade vem sendo estudada como uma das categorias centrais da
Psicologia social. A inferência deste conceito faz-se presente em campos como
literatura, linguagem e artes plásticas. O encontraremos também em escritos de
autores como William James (1920) e Erik Erikson (1972). Atualmente, no
Brasil, a visão mais discutida é a de Antônio da Costa Ciampa (1987) que
configura a identidade como metamorfose, constante estar sendo e infindável
possibilidade de ser. Desta forma, em resposta à pergunta ―quem és‖ o
indivíduo trará não somente um substantivo que o nomeia, mas carregará com
isso toda interface social que a resposta lhe acarreta.
Observando-se em paralelo a arte, pode-se pensar esta como ferramenta
mutável que em se comparando à identidade, nomeia e insere o sujeito em
determinado contexto social. O papel da experiência com arte pode tornar as
pessoas
capazes
de
criar
imagens
visuais
que
expressem memórias
reprimidas, percepções e padrões de vida, fazendo destes, referenciais que
facilitem a comunicação entre consciência da interioridade e a consciência do que
é externo, ajudando a colocar o sujeito no mundo como construtor da realidade e
também
do
belo.
Segundo
Rhyne
(2000)
a
forma
como percebemos
1
visualmente
está
diretamente
relacionada
à
forma
como pensamos e
sentimos, a correlação torna-se aparente quando representamos nossas
percepções com materiais artísticos. As figuras centrais que representamos
emergem de um fundo difuso e nos dão pistas do que é central em nossa vida. A
forma como linhas são usadas, formas, cores e a relação destas umas com as
outras, bem como o espaço onde estes elementos são colocados, indica algo
sobre como padrões de vida são organizados. A estrutura e até mesmo a falta
dela, a compreensão deste movimento e a forma como este é executado, pode
gerar a consciência sobre a criação de
1
novos rumos, novas possibilidades.
No âmbito artístico é notável a aquisição de autonomia que a arte
promove no indivíduo, gerando tipos de movimentação pró-vida. A relação entre o
artista e seu trabalho pode ter efeito tranquilizador e também reabilitador
(Pain & Jarreau, 2001, grifo nosso).
De Masi (2000) ressalta a relevância que a arte terá no próximo milênio. A
estética ajuda o indivíduo a dar significado às coisas mais simples, algo perdido
na sociedade totalmente industrializada. A demanda será por pessoas criativas, que
possam substituir as máquinas.
A criatividade está ligada à liberdade: Todo indivíduo fortemente preso às regras
tem sua criatividade comprometida. A busca pela liberdade incide na arte, onde
fantasias e a expressão concreta das emoções podem aflorar. Mesmo em
situações de pressão, o artista acaba por ultrapassar barreiras de vigilâncias que
impeçam a expressão da subjetividade (Giora, 2000). A autora ressalta o caráter
libertário da arte, que possibilita ao homem um novo tipo de conhecimento sobre si
mesmo e sobre o mundo diferentemente do conhecimento
ciências.
A arte
experiências
cotidianas
por
possibilitar
que
o
produzido
pelas
difere também
homem
veja-se
das
inteiro,
essencialmente como criador.
É natural da essência humana o desejo e a identificação com o belo.
Identificar-se com o que agrada ser reconhecido por isto são formas de
constituição do indivíduo junto ao meio social no qual estiver inserido. A questão
de fato, é que os meios sociais levam o indivíduo a estruturar-se de acordo com
objetos de identificação variados. Situações diversas podem sugerir que a vida
tome rumos os mais diversos. Contudo, podem existir pontos onde indivíduos
com vidas e experiências diferentes podem se encontrar e identificarem-se
com a mesma busca. Busca esta, por emancipação.
Quando falamos em ―encontros‖ queremos com isto dizer que a mesma busca
por emancipação pode unir vidas, transformar identidades e por que não, por
meio de ferramentas aparentemente simples como a arte, trazer à tona a interrelação indivíduo-sociedade-identidade.
Neste contexto, a pergunta a qual buscamos responder corresponde ao papel
da
arte como possível mediadora no processo de metamorfose da
2
identidade. Qual seria seu papel no vir a ser do sujeito?
O que é a arte?
Arte pode ser entendida como uma forma de comunicação humana,
através da qual se expressam essencialmente emoções. Por acessar
justamente os canais da afetividade, permite a troca entre pessoas de
qualquer idade, gênero, raça, classe ou nível de conhecimento (Giora, 2000). A arte
aciona elementos interiores, muitas vezes inconscientes.
Segundo Hauser (1988) uma obra de arte é uma entidade independente, um
sistema fechado e completo em si próprio, cujos elementos poderão ser
inteiramente explicados
em
termos
de
interdependência, sem
qualquer
recurso às circunstancias da sua origem ou sua influência. Na obra de arte existe
uma lógica interna própria e a especificidade vê-se claramente nas relações
estruturais internas dos vários níveis de organização e dos vários temas
distintos. A arte nos dá interpretação da vida, que nos permite enfrentar com
maior êxito o estado caótico das coisas e extrair da vida um sentido superior, mais
convincente e seguro. A obra de arte não é apenas uma fonte de experiência
pessoal complexa, possui também outro tipo de complexidade, que faz dela
um ponto de encontro de diferentes linhas causais. É o resultado de pelo menos
três diferentes condições: psicológicas, sociológicas e estilísticas (Hauser, 1988).
Como ser psicológico, o indivíduo retém só a liberdade de escolher entre várias
possibilidades permitidas pela causação social, esta também cria para si próprio
novas possibilidades, de modo algum prescritas pela sua sociedade, ainda que
podendo ser limitadas pelas condições sociais em que vive. O individuo criador
inventa novas formas de expressão, não as encontra já feitas.
Van Gogh, por exemplo, demonstrava sua arte não como um instrumento, mas
sim como agente de transformação da sociedade. A arte deve-se inserir no
ativismo geral como uma força, descobrir verdade contra a alienação (Argan,
2002).
Para Fischer (1977) a arte é concebida como meio de colocar o homem em
estado de equilíbrio com o meio circundante, trata-se de uma idéia que contém o
reconhecimento parcial da natureza da arte e de sua necessidade.
3
Desde que um permanente equilíbrio entre o homem e o mundo que o
circunda não pode ser previsto nem mais desenvolvida nas sociedades, trata- se de
uma idéia que sugere que a arte não só é necessária como tem sido necessária.
O autor adverte que a função da arte não é meramente divertimento, mas
sim que o expectador busque nas diferentes formas de expressão, que vão
desde o teatro até a pintura, um modo de identificação, podendo este ser um
desejo de completar a própria vida incompleta.
Sobre o artista, Baudelaire apud Bosi (2000) diz que este dá realidade a seu
sonho e persegue a imagem interior por meio de técnicas plásticas, com sucessivos
toques e retoques até que encontre o efeito da verdade que almeja obter. Quanto
mais o artista apura sua técnica, mais facilidade tem de expor seu movimento
interno com exatidão, ao mesmo tempo em que elabora, participa e pensa seu
trabalho. ―Um bom quadro é fiel e igual ao sonho que o gerou‖ (Baudelaire apud Bosi,
2000 p. 95).
O ver do artista é sempre transformador, um combinar e um repensar dos dados
da experiência sensível (Bosi, 2000). No processo artístico o sujeito apropria-se
das imagens e acaba por elaborar um universo de imagens significantes de
seus conflitos subjetivos (Pain & Jerreau, 2001).
Identidade
Iniciar
a
explicação
deste
tema
envolve
primeiramente
um
questionamento: A resposta dada por um indivíduo quando perguntado sobre sua
própria pessoa produziria um efeito que o torna perfeitamente previsível?
É com este questionamento que Ciampa (2001) inicia a explanação do que
vem a ser identidade. Esta, configura uma totalidade contraditória, múltipla e
mutável, onde o indivíduo sempre é único na multiplicidade e na mudança e se
revela naquilo que oculta. Segundo o autor o processo de mudança é constante
e nos tornamos algo que não éramos ou nos tornamos algo que já éramos e que
estava embutido dentro de cada um.
Identidade é a junção de vários fatores. É iniciada por nosso nome,
escolhido pelo grupo familiar e passa pelas várias expectativas que outros
colocam em nós, chegando então no decorrer da existência em um ponto onde
o indivíduo saiba nomear suas vontades, desejos, qualidades e ações.
4
―O sujeito deixa de ser substantivo, ser nomeado, para ser verbo, ser ação.‖
(Ciampa, 2001, p. 170).
Para que se entenda a identidade é preciso compreender o processo de sua
produção. ―A identidade é a articulação da diferença e da igualdade‖ (Ciampa,
2001, p. 138). É a estrutura social mais ampla que oferece os padrões de
identidade; Neste sentido, também se pode dizer que as identidades, no seu
conjunto, refletem a estrutura social, ao mesmo tempo em que reagem sobre ela,
conservando-a ou transformando-a.
Ciampa traz a visão de que em cada momento da existência do indivíduo,
embora
sendo
uma
totalidade,
manifestam-se
partes
de si
como
desdobramento das múltiplas determinações a que está sujeito.
Segundo Jacques (1998), temos um panorama de autores que empregam
distintas expressões como imagem, representação e conceito de si na
discussão de identidade. Em comum, caracterizam o desenvolvimento por
estágios crescentes de autonomia e consideram a identidade como gerada pela
socialização garantida pela individualização. Em psicologia social, a identidade
como
problemática
ocupou
lugar
também
na
tradição
interacionista simbólica, em trabalhos pioneiros de George Mead.
Para Ciampa, o conhecimento de si é dado pelo reconhecimento
recíproco dos indivíduos identificados através de um determinado grupo social,
grupo este que acaba por ser determinante na configuração subjetiva do sujeito.
Podemos exemplificar com crianças em seu processo de desenvolvimento
que, logo nas idades iniciais, passam a compreender como os outros são enquanto
aumentam sua compreensão de senso de si mesmas (Gardner, 1997).
Reconhecer-se e ter sua identidade em grupos que existam objetivamente, onde
se trabalha ou se tem alguma prática são fatores que levam a existência, esta é
reconhecida por meio da ação praticada pelo indivíduo. ―Nós somos nossas
ações, é pelo agir que se é (...). Onde a identidade aparece e se estabelece
pelas ações do sujeito‖ (Ciampa, 2001, p. 203).
Em parte, há dificuldade conceitual, onde sistemas identificatórios são
subdivididos e a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal
(atributos
específicos
do
indivíduo)
e
identidade
social
(atributos
que
assinalam a pertença a grupos ou categorias). Esta última ainda recebe
5
predicativos mais específicos como identidade étnica, religiosa, profissional etc.
(Jacques, 1998).
A identidade tem seu desenvolvimento determinado por condições históricas, sociais
e materiais dadas, somadas às condições do próprio indivíduo. Desta maneira a
concretude da identidade é sua temporalidade: passado, presente, futuro. É a
síntese de múltiplas e distintas determinações (Ciampa, 2001).
Objetivos
Compreender o papel da arte na transformação da identidade fazendo uso do
referencial de Ciampa (1987). Segundo o autor a metamorfose da identidade
decorre da atividade e consciência do sujeito.
Metodologia usada
Entrevistas abertas com dois sujeitos que mantêm contato com arte e
análise qualitativa de suas histórias de vida, observando-se as categorias
centrais da teoria da identidade de Ciampa (1987). O método escolhido para este
estudo se insere na abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa refere-se, em amplo
sentido, a descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os
indivíduos em seus próprios termos. ―Como a realidade social só aparece sob a forma
de como os indivíduos vêem este mundo, o meio mais adequado para captar a
realidade é aquele que propicia ao pesquisador ver o mundo através dos olhos
dos
pesquisado‖
(Goldenberg,
2005,
p.
27).
As chamadas metodologias
qualitativas privilegiam de modo geral, a análise de micro processos, através do
estudo das ações sociais individuais e grupais (Martins, 2004).
Um breve relato das entrevistas com B e F
Entrevistamos dois sujeitos que mantinham contato com arte e seu encontro, deu-se
também por meio desta atividade em comum.
B. migrou do Nordeste para o Sudeste, onde sofrera muito com a busca por
trabalho e por reconhecimento. Seu sonho era estudar, contudo, frente às
6
dificuldades financeiras, teve que trabalhar como atendente de Telemarketing em um
Call-Center e não via perspectivas, além de um possível retorno à sua cidade de origem.
Em dado momento, passeando por uma feira de artes em São Paulo decidiu que era
isto o que queria ser: Artista. Inicia-se então um processo de busca por tal
concretização.
Após ter feito Faculdade de artes, B. inicia sua atividade como professora,
contudo, não fica satisfeita. Sente que deveria desenvolver a atividade, mas não sabia
bem
como
isto
deveria
se
dar.
Algum
tempo
depois,
envolvida
por
questionamentos quanto à função de sua arte enquanto profissão, andando pelas ruas
de São Paulo, vê um morador de rua cuja casa, feita de papelão, era toda decorada
com pinturas com motivos florais. Foi o momento onde B. soube que seu trabalho com
arte poderia ter um sentido!
B. consegue então parcerias e inicia um projeto para dar aulas de arte em
presídios na cidade de São Paulo. É justamente em um dos presídios onde
ensinava que B. encontra F. nosso outro sujeito deste estudo. F. estava preso há cinco
anos por latrocínio, não tinha contato com sua família e sentia-se desmotivado,
deprimido e sem perspectivas na condição de presidiário.
Algum tempo depois, B. e F. desenvolvem uma amizade e pensam um projeto futuro,
que agregasse a experiência com a arte e que abrangesse mais pessoas para além
das paredes do presídio. B. consegue então fundar uma ONG, cujo objetivo é o
ensino de arte à egressos das penitenciárias. F. segue também com o projeto da ONG
de B, primeiro contribuindo com idéias quando ainda preso e depois, já em liberdade,
passa a ajudar B a ensinar arte para outros. Além disto, F. busca um curso
profissionalizante e tem como objetivo até o momento de nossa entrevista,
profissionalizar-se como professor: Professor de artes!
Discussão
Com a análise das entrevistas percebeu-se o papel de ação da arte nas
vidas
dos
sujeitos
participantes.
Os
mesmos
apresentaram
mudanças
significativas por meio do contato com a arte em seu jeito de ser. Em seus relatos
7
observamos
que
estes
puderam
reconhecer-se
como
possuidores
de
possibilidades e com isto, abriram caminho para seus projetos de vida. A arte nas
histórias de vida analisadas foi utilizada não como instrumento único de
metamorfose da identidade, mas sim como auxiliar, mediador no vir a ser de ambos.
Abriu possibilidades para que os sujeitos percebessem potenciais e talento e o que
poderiam vir a fazer, iniciando seus novos planos de vida.
Cabe ressaltar que à partir dos dados trazidos pelos entrevistados,
percebemos que a abertura de possibilidades do vir a ser (no nosso caso do vir-aser de artistas e atuantes na sociedade com sua atividade), dependerá do momento
de vida de cada indivíduo e também da própria percepção de suas atividades e
busca por emancipação.
Na história de vida de B, inferimos o quanto a identidade possui raízes na
percepção que o sujeito tem do seu primeiro ambiente social vivido (família) e de
como tal percepção permeará muitas das suas futuras buscas. Junto a isto, o
conceito que o indivíduo tem de si mesmo, contribui para que seu potencial de
ação se desenvolva.
As buscas de B. e F, bem como o reconhecimento que tiveram ao longo do
caminho percorrido, contribuíram para que continuassem a lutar pelo que de fato
lhes preencheria e
que lhes fizesse sentido. É no grupo social que nos
reconhecemos primeiramente como o que não somos para daí então, tomarmos
consciência do que somos e do que queremos ser.
Segundo
observado
nos relatos,
o meio
foi
determinante
para
o
reconhecimento do que os sujeitos eram e também do que não eram,
partindo assim cada qual para sua própria busca.
Exemplo de um relato de F falando sobre sua atividade na ONG e de como
percebeu o que B. Nele observava:
“ ossa, ela viu a forma que as pessoas me tratavam e ela sabia que fazia 6 meses
que eu tava fora do presídio e ela via como o pessoal me tratava, como era
parte dos negócios de dar aula né... Que foi o recebimento pelo trabalho efetuado,
ela viu como ocorreu e tudo mais, então eu nossa, tive um relacionamento
maravilhoso com todos(...). ”
F descobriu na arte um instrumento e ao mesmo tempo uma forma de dar
8
vasão ao projeto de uma nova vida ao deixar o presídio.
Em seu relato
mostrou-nos como a arte veio a se tornar ferramenta que daria voz a seu
talento e a seu autoconhecimento. Pôde modificar sua forma de se perceber e
também sua realidade social, quando decide ser professor. A atividade com arte
apareceu como possibilidade de não-exclusão, oportunidade que F. veria como
chance de sair da vida que levava até então. F. deixou sua marca na sociedade
por meio da arte e isto gerou novas possibilidades. Iniciou novas buscas, como o
estudo e o trabalho.
B. viu na arte a alavanca para a educação. Formou-se professora, lecionou no
presídio, desenvolveu novas relações e novas percepções do mundo e de si.
Fundou sua própria ONG, viu seu projeto se concretizar. Pôde com a arte levar
consciência a seus semelhantes, desenvolveu-se ao mesmo tempo em que ajudou
outros a desenvolverem-se. Em seu relato, trouxe ter percebido sua evolução por
meio de seus quadros e conta ter observado este mesmo desenvolvimento nas
obras de seus alunos. B. foi reconhecida por seus alunos como professora de
artes e com isto reconheceu em si mesma o potencial para fundar seu novo
projeto: O projeto da ONG.
B. Transformou sua situação de exclusão em inclusão, melhoria social (para si e
para outros) ao mesmo tempo em que pôde se reconhecer na situação de
transformadora, o que passou a ser parte de sua identidade.
Pensando-se a relação arte-transformação, no caso de nossos sujeitos, cabem
algumas analogias: As tintas puderam ser instrumentos e o resultado foi a
modificação e constatação do subjetivo, visto a olhos nús quando concluída a obra
de arte (ou quando concluindo-se visto que uma obra não precisa ter fim!). Um
quadro em branco é uma possibilidade... Caberá ao sujeito torná- la atividade!
Considerações finais
A arte pôde ser considerada um agente mediador no processo de
metamorfose da identidade dos entrevistados. A busca do sujeito por
9
emancipação
se fez
relevante
neste processo,
bem
como
foi
o
reconhecimento social a alavanca para continuidade das metamorfoses da
identidade.
Encontrando espaço em si mesmo e no meio social para sedimentação de sua
―nova‖ identidade, será neste mesmo meio social, que o indivíduo terá reforçada
ou não a possibilidade de seguir adiante em seus projetos de vida. Fato observado
na história de vida de nossos entrevistados, que encontraram na resposta social
força motriz para dar continuidade a buscas pessoais. Ao mesmo tempo em que
reconheceram e reconhecem seus próprios ―eus‖ a importância do apoio do
outro para fortalecimento do ―quem sou e o que busco ser‖ foi encontrada em
ambas histórias de vida.
Ambos em meio a seu anseio por ensinar pessoas em condições parecidas com
as que possuíam (exclusão) sedimentaram o que suas identidades lhes remetia.
Tal movimento ocorreu com a arte como ferramenta mediadora, na atividade com
esta e pelo reconhecerem-se em suas obras. Pudemos observar que a arte
desenvolveu nestes sujeitos o senso de liberdade e de autonomia. A arte aqui foi
também ferramenta que aguçou a abertura da sensibilidade e ânsia do vir a ser,
possibilitando um movimento emancipatório.
A continuidade de pesquisas sobre a arte como ferramenta no processo de
metamorfose da identidade e emancipação do sujeito faz-se relevante. Desta forma
abrir-se-ao possibilidades de maior conhecimento desta ferramenta (arte) como
forma de reconhecimento social.
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Trabajo Completo Bombeiros
Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT),
INTRODUÇÃO
uma função tão essencial e com tantos estressores.
1
O presente trabalho refere-se ao estágio Específico do curso de psicologia de uma
universidade particular do interior do Rio Grande do Sul, centrado na ênfase da
Psicologia Organizacional e do Trabalho, sob a ótica da Saúde do Trabalhador. Este apóiase na perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho de Dejours e nos fundamentos da Psicologia
Organizacional e do Trabalho (POT), considerando também a Qualidade de Vida no Trabalho
(QVT). Considera-se a atividade profissional a partir dos diversos significados que
ela
possui na vida do homem e da organização como um todo, considerando a saúde do
trabalhador, a humanização do trabalho e o desenvolvimento da instituição do Corpo de
Bombeiros de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul.
A profissão de Bombeiro possui algumas particularidades, a principal delas é o fato de estar
sob pressão e estressores ao lidar com o salvamento e resgate e com a vida humana.
Assim, esse profissional lida com uma forte carga afetiva e emocional em seu trabalho, o que
muitas vezes pode ser traumático para o trabalhador e para a organização, ao mesmo
tempo esse profissional é vinculado à imagem de herói, o que sinaliza reconhecimento e
confiança por parte da população. Destaca-se o trabalho como fonte de prazer e sofrimento,
provocando uma contradição, toda essa tentativa de equilíbrio entre prazer e sofrimento e
mesmo o desequilíbrio é refletido na saúde ou adoecimento do indivíduo e da organização.
(MONTEIRO, MAUS, MACHADO, PESENTI, BOTTEGA e CARNIEL (2007).
JUSTIFICATIVA
Este trabalho justifica-se pela relevância de se compreender as relações de trabalho dentro
de uma organização observando seu funcionamento, e a partir daí apresentar possibilidades
de intervenções neste meio.
O presente estudo se faz necessário pela peculiar possibilidade (que nos foi dada) da
entrada da psicologia em um meio tão restrito, rígido e ordenado, e do espaço que este meio
oferece para que ali se faça uma escuta diferenciada de seus trabalhadores.
Torna-se relevante destacar também a necessidade de que a psicologia se faça
presente em espaços como esse, auxiliando na saúde desse trabalhador que desempenha
uma função tão essencial e com tantos estressores.
1
É importante ressaltar que o trabalho também possui relevância acadêmica, na
possibilidade de associar a teoria estudada à prática, além
de
aprofundamento dos
conhecimentos na Psicologia Organizacional e do Trabalho.
REFERENCIAL TEÓRICO
O campo da psicologia voltado à saúde do trabalhador segundo Zanelli e Bastos (2004),
teve alterações significativas, a partir de 1986, propostas pela XIIIª Conferência Nacional de
Saúde e Iª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, consolidadas na Constituição
Brasileira de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde de 1990. Tais alterações rompem o modelo
teórico
centrado
no
conhecimento
médico
e
em
saberes compartilhados
por
categorias profissionais para proporem ações integradas e interdisciplinares.
Os principais desafios na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) de acordo
com o autor anteriormente citado, é compreender como interagem os múltiplos aspectos que
integram a vida das pessoas, grupos e organizações em um mundo em constantes
transformações, de modo a propor formas de promover, preservar e restabelecer a
qualidade de vida e o bem-estar.
Sabe-se que o trabalho ocupa papel central na vida de muitos homens de diversas
culturas. Para Seligmann-Silva (1994) o trabalho dignifica, ocupa e traz idéia de utilidade
e produtividade ao homem. Porém, a autora ressalta que assim como o trabalho tende a
fortalecer a saúde mental do indivíduo, pode levar a distúrbios. Esses distúrbios podem se
expressar de maneira individual ou coletiva, adoecendo uma organização inteira.
Dejours (1999), começa seu seminário certa vez fazendo uma pergunta: O trabalho é causa
de sofrimento especifico ou o trabalho apenas revela um sofrimento cujas origens são internas e
estranhas ao próprio trabalho? Para responder a esta pergunta ele recorre a uma nova disciplina,
a psicopatologia do trabalho, que tem por objetivo especifico a análise clínica e teórica da
patologia mental devida ao trabalho. Esta disciplina vem a ser chamada mais tarde de
psicodinâmica do trabalho ou analise psicodinâmica das situações de trabalho.
A psicodinâmica do trabalho é uma abordagem que tornou-se difundida segundo
Jacques (2003), a partir da publicação de Dejours em 1980 do livro A loucura do
2
Trabalho, que ganhou grande receptividade e tem sido um dos referenciais de apoio de
inúmeros estudos e pesquisas brasileiras.
A ênfase da proposta dejouriana recai no privilégio concedido ao estudo da
normalidade sobre a
patologia que, inclusive, motivou a
substituição da
expressão
psicopatologia do trabalho por psicodinâmica do trabalho para minimizar a importância do
aspecto psicopatológicos, embora a advertência inicial do autor de que utilizava a expressão
inspirado nos estudos freudianos e não no sentido restritivo do mórbido.
A psicodinâmica do trabalho é um campo do sofrimento e do conteúdo, da
significação e das formas desses sofrimentos no âmbito do trabalho prescrito e trabalho real,
que correspondendo a Jacques (2003) prioriza aspectos relacionados à organização do trabalho
(como
ritmo,
jornada,
hierarquia,
responsabilidade,
controle,
...).
As intervenções
propostas se voltam para a coletividade de trabalho (e não indivíduos isoladamente) e
para aspectos da organização do trabalho a que os indivíduos estão submetidos.
Dejours (1999) afirma sempre haver sofrimento. A única possibilidade, para nós, é
transformar o sofrimento: não podemos eliminá-lo. O trabalho é então, ora patogênico, ora
estruturante porque a relação entre o sofrimento e o trabalho nunca é previamente
determinada, pois depende da dinâmica entre os dois fatores. A organização do trabalho se
apresenta de acordo com Jacques (2003) como uma ―porta de entrada‖ do sofrimento e doença
mental enquanto geradora de angústia e de estratégias defensivas.
Dejours (1999) aponta que há defesas construídas e sustentadas pelos trabalhadores,
coletivamente,
mecanismos
denominados,
estratégias
de
de
defesa
defesa
clássicos
coletivas,
descritos
pela
especificadamente
psicanálise.
São
marcadas
pelas
exigências reais do trabalho.
O conceito de sofrimento segundo o autor anteriormente citado, pertence á ordem do
singular: o sofrimento coletivo é inconcebível, já que não existe corpo coletivo. Se
clinicamente se observa estratégias coletivas de defesa fundadas em uma cooperação entre
sujeitos, por outro lado o sofrimento permanece sempre individual e único.
Cabe ressaltar que os aspectos saudáveis ou patológicos do trabalho dependem de um
equilíbrio, explicado por Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), para os autores, o trabalho pode
ser equilibrante ou fatigante. Alguns fatores como a relação que o homem estabelece com seu
trabalho e com a organização estão ligados a este processo. Se existe a descarga de energia
que o trabalho produz, o trabalho seria Equilibrante, já nos casos
em que essa descarga não ocorre, acumula-se tensão, o trabalho torna-se fatigante. Na
3
concepção dos autores, o trabalho que foi livremente escolhido, geralmente oferece vias de
descarga mais adaptadas às necessidades do trabalhador, transformando-se em algo
relaxante, prazeroso, atingindo uma esfera de realização, uma vez que ao terminar sua tarefa,
a pessoa pode sentir-se ainda melhor, do que antes de fazê-la. Um trabalho que promove a
homeostasia, equilibrante.
Dejours (1999) afirma que se o sofrimento é reconhecido como engenhosidade, a pessoa
pode repatriá-lo para o registro da construção de sua identidade; se não é reconhecido
pelos
outros,
seus esforços
e contribuições
individuais
não são
reconhecidos pelos outros, o sofrimento é experimentado como absurdo, torna-se sem sentido
porque não pode ser transformado, não pode ser subvertido. Nessa situação o sujeito é
condenado à repetição, à crise de identidade, à doença.
A qualidade de vida no trabalho (QVT) é um fator que merece bastante atenção,
especialmente na profissão em que este trabalho trata, a de bombeiro. Para Monteiro, Maus,
Machado, Pesenti, Bottega e Carniel (2007) o termo pode ser entendido como uma forma de
pensamento que envolve pessoas, trabalho e organizações, abrangendo além de empresas,
corporações, escolas, exércitos, hospitais e igrejas. A QVT preocupa- se com a comunicação
interna da organização, com a valorização de idéias dos trabalhadores e com o estresse e
as estratégias de prevenção do mesmo. Na tentativa de preocupar-se com a saúde do
trabalhador, surge a necessidade de melhorar o ambiente de trabalho, considerando as
expectativas do trabalhador, necessidades, dificuldades e desejos.
Mais especificamente sobre a profissão de bombeiro, os autores anteriormente citados
expõem que no imaginário social a palavra ―bombeiro‖ aparece, muitas vezes, carregada de
um sentido de heroísmo e salvação, esta ligação pode ser fruto das funções desempenhadas por
este profissional, como salvamentos de qualquer espécie, resgate de vítimas em incêndios,
primeiros socorros, resgate em acidentes de trânsito, buscas e salvamentos terrestres e
aquáticos, auxílio em situações de desastres e calamidades, entre outros, deixando um
aspecto de ―super-herói‖ que pode acudir a população nas horas de desespero. Porém, é
relevante destacar que este profissional é um ser humano que tem de lidar com muitas
situações de risco e estressores em seu cotidiano.
Os profissionais que trabalham como bombeiros lidam constantemente com uma forte
carga afetiva em seu trabalho, nas situações que envolvem vítimas, por exemplo, eles estão
face a face com a morte ou com cenas muito impactantes e quando retornam
4
ao quartel precisam estar prontos para uma próxima ocorrência. (MONTEIRO, MAUS,
MACHADO, PESENTI, BOTTEGA e CARNIEL, 2007).
METODOLOGIA
O estágio específico é um estágio de psicologia com ênfase na área Organizacional e do
Trabalho, sob a perspectiva da Saúde do Trabalhador a ser realizado no Corpo de Bombeiros
de uma cidade do interior do RS que ocorreu no período de março a dezembro de
2011. O estágio possuiu carga horária de dez horas semanais. As atividades foram
realizadas por duas alunas estagiárias do curso de Psicologia do Centro Universitário
Franciscano, com supervisão de duas horas semanais com a professora supervisora do
estágio.
Procedimentos: Inicialmente foi realizada uma reunião com os responsáveis pela direção
do local para a discussão de algumas ações e escuta das principais demandas do local. Logo
após, conhecemos o local de estágio e começamos o processo de inserção no local bem como
a criação do vínculo. Posteriormente, cumpriu-se o cronograma com as atividades previstas,
incluindo como método a observação participante da dinâmica do local, que segundo Gil (1993)
consiste em um tipo de observação onde o pesquisador está mais próximo da realidade do
objeto, interagindo com o mesmo, além de entrevistas, grupos terapêuticos e operativos, e
demais atividades, concentrando o foco do trabalho em estratégias de ação que contemplem as
demandas do local, atendendo a organização como um todo, em suas necessidades e
potencialidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se entender depois de um longo tempo de estágio a complexidade das
organizações,
principalmente
da
organização
em
que
nos
inserimos.
Digo
principalmente pelo fato de estarmos falando em uma instituição governamental, com um ritmo
distinto de trabalho, onde, a maioria dos trabalhadores segue escalas próprias de cada equipe
de trabalho.
Nesse
sentido,
pudemos
perceber que existe
uma
falha
muito
grande na
comunicação dessas equipes. Elas nos pareceram extremamente fechadas e não
interessadas em se comunicarem com as outras. Um exemplo disso é o mural da
instituição, que atinge somente alguns grupos de trabalho, os outros como não passam
5
na frente do mural para irem as suas salas de trabalho, não lêem as informações ali
colocadas.
Esse foi um aspecto que demoramos a perceber e que influenciou diretamente nossa
inserção no local. Como muitos não lêem o mural, e não houve uma formatura geral para
que pudemos ser apresentadas aos colaboradores, a maioria do quartel não sabia que existia
o serviço de psicologia ali. Muitos deles somente ficaram sabendo próximo ao final do estágio.
Essa
questão também
dificultou nossa visão da
organização. Por muitos meses
tentamos organizar atividades que atingissem a organização como um todo. O que
percebemos mais tarde que era inútil, pois, devido ao perfil completamente distinto das equipes
de trabalho, percebemos que deveríamos propor uma atividade para cada equipe.
Por mais que nossa dedicação fosse sempre além do necessário, sentíamos a cada
semana como era difícil a inserção da psicologia em um local tão rígido quanto esse. Ao mesmo
tempo em que víamos a necessidade da escuta, do acolhimento, da orientação, nos
deparávamos com
o desconhecimento,
a
descartabilidade
(quando
fomos
―despejadas‖ da sala que ocupávamos), entre tantas outras frustrações que tivemos.
No entanto, entre as linhas de cada fala que se aproxima de nós nesses finalmentes,
sentíamos quão importante era nossa presença ali, mesmo que muitas vezes nada
tivéssemos para fazer, mas só por estarmos ali algo diferente parecia acontecer para eles.
Algo do tipo: caso eu precise, eu sei que tem, mesmo eu sabendo que não preciso, se algum dia
precisar, eu sei que elas estão ali.
Pudemos perceber que se o tempo nos proporcionasse mais tempo, nosso estágio lá teria
atingido mais pessoas, teria falando e escutado mais, talvez até proposto mais. Dessa
forma, ficam várias sugestões para quem assumirá nos próximos semestres este local. Um
exemplo que pode ser citado, é o curso CQP que ocorre todo ano e atinge toda a região do
corpo de bombeiros. Com certeza esse caminho foi aberto para que a psicologia faça parte
de todas as equipes do curso, levando esclarecimentos, conhecimento, escuta e todo
nosso instrumental prático e teórico.
Por fim, pudemos entender que a aproximação da psicologia como fonte de saúde e escuta,
é o que eles mais querem, no entanto, as formas de manifestação desse desejo, ainda são
meio obscuras e distantes, fazendo com que muitas vezes, nosso ouvido não tão sensível,
ainda em aprendizado, entenda que ali não tem espaço para nós, que eles não querem a
Psicologia, quando, pelo contrário, eles clamam profundamente, que
6
alguém os olhe, os escute, os cuide. Ninguém mais preparado e instrumentalizado que a Psicologia,
para olhar esse profissional não como um herói, mas como um ser humano que sofre por trabalhar
diariamente com um dos maiores sofrimentos da vida: a morte.
REFERÊNCIAS
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C.;
ABDOUCHELI,
E.; JAYET,
C.
Psicodinâmica
do trabalho:
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Atlas, 1994.
DEJOURS, C. Conferências Brasileiras: identidade, reconhecimento e transgressão no trabalho.
Tradução: Ana Carla Fonseca Reis. São Paulo: Fundap: EAESP/FGV,
1999.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1993. SELIGMANN-SILVA,
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MONTEIRO, J. K.; MAUS, D.; MACHADO, F. R.; PESENTI, C.; BOTTEGA, D.; CARNIEL, L. B.
Bombeiros: um olhar sobre a qualidade de vida no trabalho. Rev. Psicologia Ciência e Profissão. V.
27 n. 3 . Brasília, 2007.
ZANELLI, J. C.; BASTOS, A. V. Psicologia, organizações e trabalho. Porto Alegre, RS: Artes
Médicas, 2004.
La atención psicológica a pacientes con riesgo de suicidio en casos de depresión en el
marco de la red de salud mental en Brasil
Cibele Cunha Lima da Motta
Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré
1. Introducción
La depresión constituye la forma de sufrimiento psíquico que presenta mayor asociación a
casos de suicidio. De acuerdo con Chachamovich, Stefanello, Botega & Turecki (2009), cerca del 60%
de los casos de suicidios eran diagnosticados como trastorno depresivo; esa asociación pone de
manifiesto que la atención a la ideación suicida constituye uno de los elementos intrínsecos al
manejo clínico del paciente deprimido.
7
En ese sentido, a partir de las indicaciones clínicas dadas al paciente deprimido con ideación suicida
resulta conveniente destacar aspectos relevantes de la evaluación y atención al paciente en riesgo. En
lo que se refiere al proceso diagnóstico, el estudio de Feldman et al (2007) señala que el riesgo de
suicidio en casos de depresión es investigado por clínicos generales de atención primaria a través
de la detección de algún indicio, lo que configura una práctica común entre los profesionales de
la salud. Las indicaciones del Ministério da Saúde [Ministerio de la Salud] en relación con el proceso
diagnóstico de la ideación suicida en casos de depresión se basa en un abordaje que parte de un
vínculo de proximidad y confianza, sin establecer un criterio específico para la investigación del
riesgo de suicidio.
Estas indicaciones forman parte del Manual de Prevenção de Suicídio (Ministério da Saúde, 2006
[Manual de Prevención de Suicidio]), un manual dirigido a los profesionales de los equipos de
salud mental, en el que se presentan los factores de riesgos y las principales psicopatologías
relacionadas con el comportamiento suicida y, a partir de dicha presentación, establece supuestos
para la realización del diagnóstico y del tratamiento. Hay que destacar que las estrategias de
atención recomendadas
por
dicho
manual
coinciden
con
los
supuestos
del
concepto
orientador de la clínica ampliada y compartida, desarrollada por el Ministério da Saúde (2009).
Dicho concepto comprende que los procesos de diagnóstico y manejo clínico se construyen y deben
ser ejercidos de forma compartida, lo que promueve procesos de trabajo desarrollados a partir
del seguimiento de la persona en
8
tratamiento y configura, así, un proceso de responsabilización compartida con los profesionales
involucrados en el manejo clínico.
En la noción de Clínica Ampliada y Compartida uno de los elementos fundamentales de la elaboración
del proyecto terapéutico es la participación familiar en el proceso de gestión de crisis y tratamiento
del paciente.
Esa
comprensión
parte
de
la
concepción de la familia como principal representante de la red social significativa, que Sluzki
(1997) concibe como la red de relaciones humanas que contribuyen al sentido existencial del
individuo, organizando, así, su identidad ―a partir de la mirada del otro‖. En ese sentido, Sluzki
(1997) entiende que la familia tiene una función protectora y ejerce un papel de monitoreo de la
salud para garantizar las rutinas diarias de los cuidados básicos, así como los cuidados
terapéuticos, además
del apoyo emocional, fortaleciendo así
el afecto en la familia.
El reconocimiento del papel de la familia y de otras fuentes de la red de apoyo social significativo como
importantes aliados en el tratamiento del paciente con riesgo de suicidio es aconsejado por el
Ministério da Saúde (2006) y por la OMS (2000). En ese sentido, el equipo de salud debe dar
informaciones y orientaciones acerca de recursos institucionales —como dar el pase al profesional
especialista—, haciéndose así una fuente de apoyo para el paciente y su familia (Brasil, 2006;
OMS, 2000). Aparte de los procesos de acogida, evaluación y derivación a un tratamiento médico, la
intervención psicoterapéutica constituye un dispositivo eficaz en el tratamiento del paciente deprimido,
como señalan estudios de Fountoulakis, Gonda, Siamouli y Rihmer (2009), Eskin, Ertekin y Demir
(2008) y Weisz, McCarty y Valeri (2006), que muestran la eficacia de diferentes formas de
psicoterapia en las crisis y la comprensión
proceso
del
psicoterapéutico en
papel
la
del
prevención
del
comportamiento suicida, que permite al paciente comprender y elaborar su historia de vida y los
factores que desencadenaron dicho evento.
La presentación de las indicaciones sobre el proceso de evaluación y atención al paciente con
riesgo de suicidio puso de manifiesto un conjunto de indicaciones recomendadas por el Ministério
da Saúde (Brasil, 2006) y la OMS (2000), así como los datos de investigaciones sobre los principios
del manejo clínico de los pacientes con riesgo de suicidio. A partir del marco teórico expuesto, esta
investigación tiene el objetivo de poner de manifiesto las prácticas de los psicólogos en la
atención a pacientes con riesgo de suicidio en casos de depresión en el contexto de la salud
pública en Brasil.
9
2. Método
Este es un estudio de naturaleza cualitativa, desarrollado desde la perspectiva de los supuestos
epistemológicos del pensamiento complejo (Morin, 2007; Vasconcellos,
2002), y apoyado en los principios de la teoría de base empírica (Grounded Theory), desarrollada por
Strauss y Corbin (2008).
2.1 Caracterización del Campo de Investigación
El estudio fue realizado en un municipio del sur de Brasil, cuya red de salud mental disponía, durante
la investigación, de 48 Centros de Salud, que constituyen la red de atención primaria, y tres Centros
de Atención Psicosocial, que constituyen la red secundaria. En dicho contexto municipal, la salud
mental estaba caracterizada por una articulación entre los servicios de la Atención Básica y Atención
Secundaria, con los centros de salud como entrada preferencial. 1
2.2 Participantes
La investigación contó con la participación de 22 psicólogos de un grupo de 24
profesionales invitados.
2.3 Instrumentos y Procedimientos para la Recolección de Datos
Se utilizaron dos instrumentos para la recolección de datos, que fue realizada en dos etapas diferentes.
La primera etapa se caracterizó por un proceso de observación participante de campo de las
reuniones mensuales de los grupos regionales de salud mental, en un total de dieciocho
encuentros. Los datos reunidos en esa etapa de recolección fueron registrados en diarios de campo
que pusieron de manifiesto la configuración del contexto institucional y también de qué forma eran
discutidas en ese contexto las temáticas de la depresión y el suicidio.
La segunda etapa da recolección de datos, que tuvo lugar tras el período
de
observación participante de campo, fue llevada a cabo por medio de entrevista
1 La presente investigación siguió las normas de la resolución 196/96 del Consejo Nacional de
Salud y de la resolución 016/2000 del Consejo Federal de Psicología, siendo aprobada por la por
dicha institución de salud y por el Comité de Ética de la Institución Educativa con el número de
registro 147/08 FR-201479, a partir de lo
cual
fue
realizada.
1
0
semiestructurada, de forma individual, después de la firma de la Declaración de
Consentimiento Informado.
2.4 Análisis de los Datos
Las transcripciones de las entrevistas semiestructuradas y las notas del diario de campo fueron
analizadas cualitativamente con el método de la Grounded Theory (teoría de base empírica), de
Strauss y Corbin (2008). Ese proceso de análisis permitió la codificación y clasificación de los
datos en categorías de análisis que posibilitaron una comprensión integrada sobre la práctica de
los psicólogos en la atención de los pacientes en riesgo de suicidio en el contexto de la red municipal
de la salud.
El procesamiento
del análisis se llevó a cabo con el software de análisis para la investigación
cualitativa denominado ATLAS TI 5.0 (Qualitative Research and Solutions), que facilitó el
proceso de codificación y construcción de las categorías, tomando como base el marco teórico
adoptado por la investigadora.
3. Resultados y Discusión
3.1 Categoría Diagnóstico del Riesgo del Suicidio
Considerándose los contextos de las investigaciones sobre la relación entre depresión y
suicidio, la evaluación del riesgo del suicidio se caracteriza como un aspecto del diagnóstico que
debe ser observado. En esa investigación, todos los psicólogos afirmaron que evaluaron el riesgo
de suicidio en casos de depresión. Entre los entrevistados, un total de diez psicólogos relataron que
investigan sobre el suicidio a partir de indicios, estén presentes en el discurso del paciente, en
el prontuario o bien cuando se presentan como un evento en la historia familiar. Estos datos coinciden
con los resultados de la investigación de Feldman et al (2007), que señalan que clínicos generales
en la atención primaria investigan el riesgo de suicidio en casos de depresión a través de algún
indicio, no siendo, por lo tanto, una practica clínica común a todos los pacientes deprimidos.
Un proceso de investigación activa sobre la ideación suicida fue relatado por dos grupos de
psicólogos; el primer grupo, formado por ocho profesionales, afirmó que realizó una investigación de
la ideación suicida en casos de depresión severa, lo
1
1
que, según ellos, disminuiría el riesgo de suicidio. Para un conjunto de cuatro psicólogos, la
investigación sobre el riesgo de suicidios se debe realizar en todos los casos de depresión.
Las diferentes narrativas aportadas por los participantes ponen de manifiesto que los abordajes del
riesgo de suicidio se diferencian en lo que se refiere al momento más adecuado, considerándose los
indicios de riesgo y la gravedad de la depresión. A pesar de las diferencias,
el riesgo de
suicidio en casos de depresión es constantemente evaluado por los profesionales de acuerdo
con los principios del Manual de Prevenção de Suicídio (Brasil, 2006). Cabe decir también
que el Ministério da Saúde recomienda, además, un abordaje basado en una relación de confianza
y proximidad, características observadas en la narrativa de los psicólogos, mientras describían la forma
de abordar al paciente en riesgo.
3.2 Categoría Estrategias de Intervención Terapéutica
Esta categoría relacionó diferentes aspectos del proceso de intervención terapéutica en el caso de
comportamiento suicida. El primer aspecto que se presentará se refiere a la inclusión de la red
de apoyo social significativa para ayudar en los cuidados al paciente. Ese tipo de intervención
estuvo presente en la narrativa de los veintidós
participaron
en
la
psicólogos
que
entrevista,
configurando
así
el
procedimiento de mayor regularidad entre los profesionales. La inclusión de la red social
significativa en la atención al paciente en riesgo revela el reconocimiento de la dimensión de la red
social en los procesos de cuidados al paciente, en la medida en que se comprende que la(s)
persona(s) elegida(s) por el paciente desempeñan un papel de contención y cuidado a partir de una
matriz relacional propia que contiene la historia afectiva, constituyéndose cuidadores específicos de
aquel paciente.
Se puede destacar que esa estrategia constituye uno de los
procedimientos de prevención al suicidio recomendados en el Manual de Prevenção de
Suicídios desarrollado por el Ministério da Saúde (2006), y por la OMS (2000), confirmando la
importancia del comprometimiento activo de la red de apoyo social en casos de riesgo de
suicidio.
La intervención psicoterapéutica fue presentada como una de las estrategias de intervención por
cinco de los participantes en la investigación. Los aspectos abordados
profesionales
fueron
las
estrategias
por los
de
acogida,
de
establecimiento de un vinculo y de una relación de contención con el paciente con
1
2
comportamiento suicida, así como el desarrollo de acciones de orientación en los momentos de
crisis. La acogida y la oferta de apoyo emocional son estrategias terapéuticas enfatizadas por el
Manual de Prevenção de Suicídio (Brasil, 2006) para el comportamiento suicida, reforzando así
posturas de atención aconsejadas dentro del la noción de clínica ampliada (Brasil, 2009). A su vez,
los participantes de esta investigación destacaron el proceso de intervención como una
herramienta en la atención al paciente con comportamiento suicida. La comprensión del papel
del proceso psicoterapéutico en la prevención del comportamiento suicida es defendida por estudios
que señalaron la eficacia de diferentes tipos de terapia, en ese momento de crisis (Fountoulakis
et al., 2009; Eskin et al., 2008; Weisz et al., 2006).
3.3 Categoría Estrategias Institucionales
Esta categoría se formó a partir de datos del diario de campo, recolectados en el proceso de
observación,
junto
a
las
informaciones
sobre
las
estrategias
institucionales presentadas por los participantes. Entre los aspectos presentados, el proceso
de
discusión y atención interdisciplinaria fue presentado como una estrategia positiva por los
psicólogos entrevistados.
El proceso de discusión acerca del manejo clínico del paciente en
riesgo también fue seguido a lo largo del proceso de observación participante de campo. Ambas
fuentes de datos pusieron de manifiesto que la construcción interdisciplinaria de la propuesta de
manejo clínico del paciente propició una comprensión ampliada de la demanda y la construcción de un
proyecto terapéutico fundamentado en las necesidades del usuario de la salud y en la viabilidad de
recursos terapéuticos del equipo y de la institución.
El proceso interdisciplinario es uno de los principios de la política pública de clínica ampliada (Brasil,
2009), que, por medio del trabajo multiprofesional, busca ofrecer una atención más integral al
paciente. En ese contexto, los cuidados con el paciente son función del equipo y no solamente de
un profesional responsable por el paciente, lo que configura una atención compartida.
Esa
dinámica forma un equipo que comparte la responsabilidad por la atención al paciente en riesgo,
lo
que permite, según declara una psicóloga entrevistada, una mayor cobertura y atención al
paciente en riesgo, algo considerado por los entrevistados como un aspecto positivo, tanto para
el paciente como para el grupo.
De acuerdo con lo recomendado por el Ministério da Saúde (Brasil, 2006), los psicólogos
afirmaron que desarrollan estrategias de orientación e información acerca
1
3
de los recursos institucionales y otros servicios ofrecidos por la comunidad para la atención al
paciente en crisis.
4. Consideraciones finales
Esa investigación expuso las prácticas
de los psicólogos en el manejo clínico del riesgo de
suicidio en el contexto de la red pública de salud mental en Brasil. En lo que se refiere al proceso
de diagnóstico, los datos señalaron que el abordaje de los psicólogos se caracteriza por una escucha
individual y cuidadosa que considera los indicios presentados por el paciente deprimido.
En lo
que se refiere a la atención al paciente en riesgo fue posible observar que la activación de la red social
significativa del paciente es el punto de partida del desarrollo del proceso terapéutico, una vez que
se reconoce el papel de la familia o de otras fuentes de red significativa como aliados en el
tratamiento del comportamiento suicida. Cabe destacar que la inclusión de la familia en la atención
resultó la forma de intervención de mayor regularidad entre los profesionales entrevistados, siendo
utilizada por todos los psicólogos.
El relato de los psicólogos puso de manifiesto el papel del proceso psicoterapéutico como una
herramienta fundamental en la atención al comportamiento
suicida, corroborando así la
literatura revisada. Los procedimientos de psicoeducación y orientación fueron mencionados por
los profesionales como parte del proceso terapéutico.
Otro elemento que se debe subrayar, es que los casos de comportamiento suicida son discutidos
y derivados en equipo en un proceso de responsabilización compartida de la atención entre
los profesionales de la salud. Los procesos de discusión
atención
compartida
señalan
en
equipo
y
la
el
ejercicio
de
la
multidisciplinariedad y de la interdisciplinariedad en el contexto de la red de salud mental.
Considerándose todos los aspectos presentados por
los psicólogos,
se observó claridad y
uniformidad en lo que se refiere a los principios del manejo clínico del comportamiento suicida, de
conformidad con los supuestos del Ministério da Saúde, caracterizando, así, una calidad en las
acciones de prevención y atención en salud mental.
1
4
5.
Bibliografía
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à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde
Mental. Brasília: Ministério da Saúde.
Brasil. Ministério da saúde. (2009). Clínica ampliada e compartilhada. Secretaria de atenção à
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Chachamovich, E., Stefanello, S., Botega, N., & Turecki, G. (2009). Quais são os recentes
achados clínicos sobre a associação entre depressão e suicídio? Rev. Bras. Psiquiatr.,
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Feldman, M. D., Franks, P., Duberstein, P. R., Vannoy, S., Epstein, R., & Kravitz, R.
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Weisz, J. R., McCarty, C. A., & Valeri, S. M. (2006). Effects of Psychotherapy for
Depression
Bull,
in Children
and
Adolescents:
A Meta-Analysis.
Psychol
132(1):132–149.
1
Construyendo herramientas conceptuales para una Psicología del
Desarrollo Rural
Autores:
- Dr. Fernando Landini. Facultad de Psicología, Universidad de Buenos Aires y
Universidad de la Cuenca del Plata, Argentina. Email: [email protected]
- Lic. Sofía
Murtagh.
Facultad
de Psicología,
Universidad
de Buenos
Aires,
Argentina.
Resumen: La psicología tiene contribuciones reales para hacer al área del
desarrollo
rural,
particularmente
al trabajo de extensión
rural con pequeños
productores. No obstante, al día de la fecha, esta disciplina carece de un marco
conceptual adecuado para abordar la complejidad y multidimensionalidad de los
procesos de desarrollo rural. En este sentido, queda claro que la psicología no debe
caer en el reduccionísmo de interpretar procesos tan complejos como la innovación o
la adopción de tecnologías utilizando únicamente variables índole psicológica, ni
abordar estas cuestiones focalizando solo en una dimensión intrapsíquica.
Por esta razón, en el presente trabajo se exploran un conjunto de desarrollos
provenientes de distintas ciencias sociales para encuadrar el estudio de los factores
psicosociales que se vinculan con los procesos de desarrollo rural. En concreto, se
analiza la noción
de interfaz social como alternativa
para comprender el
carácter interventivo de los proyectos de desarrollo y se articulan las nociones
de cosmovisión, racionalidades y estrategias para abordar la dimensión social de los
procesos de desarrollo, haciendo énfasis en sus fundamentos psicosociales. Por último,
se presenta un gráfico con el objeto de sintetizar la propuesta conceptual.
Palabras
clave:
Cosmovisión;
Desarrollo
rural;
Estrategias;
Interfaz
Social;
Racionalidades
2
1. Introducción
En
distintos
trabajos,
nuestro
equipo
ha
sostenido
que
la
psicología,
particularmente en su vertiente social y comunitaria, tiene potencialidad para contribuir
con iniciativas, procesos y proyectos de desarrollo rural que se llevan adelante con
pequeños productores (ej. Barilari, Landini, Logiovine y Rotman,
2011). En efecto, es claro que los procesos de desarrollo rural poseen
dimensiones
iniciativas
y componentes
de extensión
que tienen un fuerte contenido psicosocial.
rural, por ejemplo, se caracterizan
Las
por un fuerte
contenido cooperativo/asociativo, requieren de la participación e implicación de los
beneficiarios en sus actividades y se orientan a la transformación de las actitudes y
las prácticas de los productores. Se entiende entonces, que haya consenso en
considerar que las ciencias sociales en general (y obviamente la psicología en
particular)
pueden
efectuar
importantes
contribuciones
en
estas cuestiones
(Tsakoumagkos, González y Román, 2009).
En este contexto, y con el objetivo de conocer los aportes de psicólogos y
psicólogas
en esta área, nuestro equipo de investigación
académicos (publicaciones científicas)
que abordaran,
indagó los trabajos
desde
la
psicología,
cuestiones vinculadas al desarrollo rural. Este trabajo permitió concluir que este tipo de
investigaciones no solo son escasas, sino que además tienden a estudiar los
procesos de desarrollo rural desde una perspectiva individualista que no reconoce su
complejidad y multideterminación (Landini, Benítez y Murtagh, 2010; Murtagh y
Landini, 2011). Esta limitación, presente en la mayoría de los enfoques utilizados,
nos ha llevado a delimitar un conjunto de lineamientos
conceptuales
ser útiles para que psicólogos y psicólogas
esta
temática
que puedan
aborden
reconociendo
su
complejidad
y
multideterminación. Es precisamente en torno a esos lineamientos que nos
proponemos reflexionar en este trabajo.
2. Intervenciones para el desarrollo e interfaces sociales
Cuando
pensamos
en
procesos
de
desarrollo
rural,
resulta
fundamental
3
mencionar que estos procesos se encuentran organizados en términos de
intervenciones para el desarrollo, en las cuales quedan delimitados dos tipos
4
diferenciados de actores sociales. Por un lado, los actores internos, es decir, las
comunidades de pequeños productores, portadores de una racionalidad, una lógica
cultural propia, que no se identifica con la de los actores técnicos (Cáceres, 2003;
Carenzo, 2006). Por el otro, actores externos, generalmente técnicos o ingenieros
agrícolas y funcionarios públicos, portadores de sus propias prioridades, intereses y
valores. Así, queda en el foco de nuestra atención la relación (generalmente
conflictiva) que se establece en el contexto de
los
procesos
de desarrollo
local
entre actores internos y externos (productores y agentes de desarrollo).
Ahora
bien, para
la comprensión
de este vínculo
es necesario
un abordaje
específico que pueda abarcar su complejidad. Para esto proponemos el uso del concepto
de ‗interfaz social‘, desarrollado por Norman Long en el contexto de la sociología del
desarrollo (ej. Long, 1992, 2007). Long define a las interfaces sociales como puntos
críticos en los cuales se intersectan mundos de vida, campos sociales o niveles de
organización social, en los cuales es posible encontrar discrepancias a nivel de
valores, intereses, conocimientos y poder (Long, 2007). Diremos entonces, que las
interfaces
sociales
constituyen espacios en los cuales diferentes racionalidades o
lógicas entran en conflicto, negocian y se reconstruyen. Y no se trata sólo de
conflictos en torno a conocimientos, es decir, a lo que se considera la forma
correcta de ver las cosas o de abordar determinados
problemas
económicos,
productivos o comerciales, sino particularmente se trata de conflictos de poder, donde
lo que está en cuestión es quién decide, qué es lo que se hace y quién se beneficia de
ello. Interesante mencionar que el modo en que se dé la interacción en la interfase
entre agentes de desarrollo y pequeños productores rurales, va a determinar
carácter transferencista
o dialógico
el
del vínculo, conceptos desarrollados por los
especialistas en el área de la extensión rural para abordar esta temática (ej. Freire,
1973; Schaller, 2006; Machado, Hededüs y Silveira,
2006).
3. Agencia y Abordaje Orientado al Actor (Actor-Oriente Approach)
Para Long (1992), el concepto de ‗agencia‘ (agency) es clave para comprender los
encuentros que se dan en las interfases sociales. Es que la agencia,
5
entendida como la capacidad humana para comprender la realidad y actuar sobre
ella para alcanzar objetivos deseados (tanto a nivel individual como colectivo),
discute la idea de que los actores sociales están determinados (y no solo constreñidos)
por las estructuras sociales. Así, la agencia habla del margen de maniobra que
tienen los actores, precisamente, para actuar según sus pareceres y luchar por sus
propias metas.
Usando la noción de agencia para pensar la dinámica que adquieren las
interfaces
sociales
que surgen
de
intervenciones
para
el desarrollo
rural,
comprendemos que los programas y proyectos propuestos externamente no son
aplicados e implementados en terreno por los diferentes actores como éstos han
sido diseñados formalmente, sino que cada uno de ellos los interpreta, traduce
e
implementa
comprenderlos
a
su
manera,
según
su
propio
modo
y capacidad
para
y según sus propios intereses y valores, buscando margen de
maniobra para alcanzar sus objetivos. Así, en el contexto del trabajo de extensión rural
con pequeños productores, no resulta extraño encontrar conflictos en torno a qué
es conocimiento legítimo
(Landini
y
Murtagh, 2011), observándose incluso aceptaciones simuladas del punto de vista de
los técnicos, con el fin de obtener distinto tipo de beneficios y subsidios (véase por
ejemplo Landini, 2010, en prensa).
Ahora bien, para comprender estos procesos conflictivos que se dan en el contexto
de las interfaces en los cuales los distintos actores buscar argumentar (e
imponer)
la legitimidad
de sus propios puntos
incluso
de vista, el construccionismo
social resulta de particular interés. Es que esta perspectiva conceptual considera
la ‗realidad‘ no
como algo
cuya
verdad
a
es independiente de
los seres humanos sino como el resultado de un proceso de construcción
social
(Gergen, 1996;
Ibáñez,
2001).
En
concreto,
el
construccionismo social estudia el modo en que ciertas versiones de la realidad circulan y
se convierten en hegemónicas en distintos grupos sociales, haciendo énfasis no en su
validez empírica sino en los procesos de comunicación (Gergen, 1993). Importante
recordar
aquí que, dado que las diferentes versiones de la realidad pueden
favorecer intereses sociales particulares, el conflicto en torno a ellas no es sólo una
cuestión de conocimiento
sino que involucra cuestiones de autoridad y de poder
6
(Howarth, 2006)
7
4. Análisis de las prácticas de los actores sociales
Procurando estudiar la agencia humana y las prácticas sociales en el contexto de los
procesos de desarrollo y extensión rural, articulando un abordaje psicosocial con
uno socio-antropológico,
reinterpretar
en términos psicosociales
resulta
tres conceptos
de
interés
analizar
y
de gran interés. Estos
conceptos son los de ‗estrategias‘, ‗racionalidades‘ (o lógicas) y ‗cosmovisiones‘ (Landini,
2011)
La noción de ‗estrategias‘ ha sido ampliamente utilizada en el ámbito de los estudios
sociales agrarios. Los autores hablan de ‗estrategias‘, ‗estrategias de reproducción
social‘, ‗estrategias de subsistencia‘, etc. Con este concepto hacen referencia al
conjunto de acciones o patrones de conducta relativamente estables utilizadas por
individuos o actores sociales para mantener o mejorar su posición social o para
acceder a cierto tipo de beneficios, siempre en el contexto de las constricciones
sociales y materiales que estos sujetos o grupos enfrentan. En el contexto de los
estudios sociales agrarios, la noción de
‗estrategias‘ ha sido utilizada fundamentalmente para referirse a aquellas de los
productores rurales, no obstante, queda claro que puede hablarse de las
estrategias
de
cualquier
grupo
social,
en nuestro
caso
de
interés
tanto
productores rurales como extensionistas o agentes de desarrollo.
La noción de ‗racionalidad‘ (o de ‗lógica‘) es menos utilizada que la anterior, pero de
mayor interés para la psicología. Con ella nos referimos al conjunto de principios, reglas,
creencias y valores utilizados por diferentes grupos o actores sociales para organizar,
guiar y dar forma a sus prácticas sociales.
Articulando los conceptos de ‗cosmovisiones‘, ‗racionalidades‘ y ‗estrategias‘, diremos
que las cosmovisiones refieren a las distintas ‗realidades‘ o modos de comprender el
mundo que tienen los distintos grupos sociales. De estas concepciones del
mundo se derivan un conjunto de principios, reglas y prioridades que dan forma a
las prácticas de los distintos actores sociales. No obstante,
estas
‗reglas‘
o
‗premisas‘ para la acción que constituyen las racionalidades, no pueden ponerse
en práctica directamente sino que tienen que tomar en cuenta la disponibilidad de
recursos, la existencia de obstáculos y las acciones y estrategias de otros actores
8
sociales. Así, las estrategias serían la puesta en práctica de una racionalidad específica
en un contexto material y
9
social particular.
En la siguiente
racionalidades
figura puede observarse
y estrategias.
la articulación
entre cosmovisiones,
Nótese que nuestro gráfico muestra como las
estrategias de diferentes actores sociales pueden articularse o entrar en conflicto
unas con otras.
Figura 1: Articulación entre „cosmovisiones‟, „racionalidades‟ y „estrategias‟
5. Complejidad y multideterminación
En el proceso de abordar la dimensión psicosocial de los procesos de
desarrollo rural, la psicología no puede caer en el reduccionismo de interpretar los
fenómenos que estudia únicamente en términos de variables psicológicas
1
0
individuales intrapsíquicas (Martín-Baró, 1986). Por el contrario, es menester que la
psicología tome conciencia de la multideterminación y complejidad propias de los
procesos de desarrollo e innovación rural (Leeuwis, 2004; Leeuwis y Aarts, 2011).
En términos prácticos, cuando hablamos de multideterminación, en primer lugar estamos
argumentando que los procesos psicológicos no pueden ser pensados como la causa
única o más importante
de los procesos
de desarrollo
o de adopción
de
tecnologías. En segundo lugar, la multideterminación también refiere el hecho de
que debemos tener conciencia de que los procesos psicológicos o psicosociales
también pueden ser determinados por otros que no sean de índole psicológica, sino de
naturaleza económica, política, histórica o ambiental, como señala Quintal de Freitas
(1994).
Finalmente, cuando hablamos de complejidad nos referimos al modo en que
esta
multideterminación
está
organizada,
haciéndose
imposible
abordar
los
fenómenos a partir de determinaciones directas o unidireccionales. Al contrario, la idea
de complejidad nos invita a analizar el modo en que los distintos fenómenos, que
se encuentran ubicados a distintos niveles y son estudiados por diferentes disciplinas,
se encuentran organizados (Ussher, 2006)
6. Conclusiones
En el presente trabajo nos propusimos presentar y discutir diferentes conceptos y
nociones que, desde nuestra experiencia de trabajo, tanto académico como en
terreno, han resultado útiles para abordar procesos
rural desde
una
perspectiva
psicosocial,
de desarrollo y extensión
pero siempre
desde una mirada
interdisciplinaria. Debemos señalar que el presente trabajo constituye parte de un
proceso de reflexión y discusión en curso, de modo tal que tenemos conciencia
de la necesidad de realizar precisiones y clarificaciones ulteriores.
estamos
confiados
No obstante,
de que estas ideas pueden favorecer el proceso reflexivo de
aquellos psicólogos y psicólogas interesados en el desarrollo rural.
1
1
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Título: Problemas y propuestas para la conceptualización de la accesibilidad
psicosocial y cultural al sistema de salud
Autores:
- Dr. Fernando Landini (Universidad de Buenos Aires y Universidad de la
Cuenca del Plata). Email: [email protected]
- Lic. Eliana D‘Amore (Universidad de la Cuenca del Plata)
- Lic. Valeria L. González Cowes (Universidad de Buenos Aires)
Resumen
La accesibilidad al sistema de salud es uno de los principios fundamentales
de la
Atención Primaria de la Salud (APS). Sin embargo, la mayor parte de los trabajos
académicos
que abordan
suficientemente
preciso
el tema suele carecer
como
para
abordar
de un marco conceptual lo
la
complejidad relacional de sus
dimensiones cultural y psicosocial. Así, se tienden a estudiar las percepciones y el
grado de satisfacción de los beneficiarios sin tomar en cuenta el carácter complejo
y relacional de la accesibilidad psicosocial y cultural.
Por esta razón, en el presente trabajo discutimos los abordajes utilizados
actualmente por la academia para el estudio de la accesibilidad al sistema de salud,
mostrando sus limitaciones. Así, partiendo de estas reflexiones, se propone un
marco
conceptual
para
abordar
la dimensión
relacional
de
la accesibilidad
psicosocial y cultural haciendo énfasis en la articulación conflictiva entre las
percepciones,
expectativas
y posicionamientos
de beneficiarios, por un lado, y
profesionales y otros agentes del sistema de salud, por el otro. Para esto, se toma la
noción de interfaz social, desarrollada por lo que en sociología se
abordaje
orientado
al
actor
(Actor-Oriented
denomina
Approach),
focalizando en su nivel de determinación psicosocial.
1
6
Finalmente, para clarificar nuestra propuesta, se presentan dos proyectos de
investigación sobre la accesibilidad de la población rural al sistema de salud en el ámbito
de la salud sexual, ambos diseñados desde el abordaje conceptual que hemos
propuesto.
Palabras clave: Accesibilidad; APS; Interfaz social
1
7
1. Introducción
La accesibilidad de la población beneficiaria al sistema de salud constituye uno de los
elementos fundamentales de la noción misma de Atención Primaria de la Salud (APS),
como fue definida en la Declaración de Alma-Ata de 1978. En efecto, en ella se
establece que la asistencia sanitaria esencial debe estar al alcance de todos los
individuos y familias de la comunidad. Ahora bien, no obstante su importancia, en el
presente trabajo argumentamos que a la fecha no contamos con un marco conceptual
adecuado para abordar con precisión y claridad el concepto, particularmente en lo que
hace a su dimensión psicosocial y cultural, argumento que será presentado en el
siguiente
subtítulo. A continuación,
generaremos una propuesta
aprehender
haciendo
énfasis
en
utilizando
conceptual
la
noción
de
interfaz
que consideramos idónea
social,
para
la profundidad de esta dimensión de la accesibilidad,
el carácter
relacional
o
vincular
de
la
accesibilidad.
Seguidamente, una vez presentada nuestra propuesta, desarrollaremos dos proyectos
de investigación que fueron diseñados guiados por ella, con el fin de precisar algunas
de sus implicaciones
empíricas.
Finalmente,
para culminar
nuestro
trabajo, sintetizamos las conclusiones a las que hemos arribado en esta
ponencia.
2. El concepto de accesibilidad y sus limitaciones
El estudio de la accesibilidad de la población a los servicios de salud es una temática
que ha sido considerada de gran importancia por múltiples autores (Bernal-Delgado,
Peiró y Sotoca, 2006). Ahora bien, teniendo en cuenta esto, llama la atención que en
la bibliografía científica que aborda esta temática no suelen encontrarse definiciones
fundadas teóricamente. De hecho, lo que suele observarse
son definiciones
sin
referencias bibliográficas que las sostengan (Comes y Stolkiner, 2005), que incluso
a veces se intuyen como simples expresiones del sentido común. Asimismo, lo que
también llama la atención es la falta de un marco conceptual en el cual estas
definiciones se inserten, lo que podría darles más precisión y alcance. En este sentido,
podríamos decir que ésta es una de las limitaciones más importantes de los desarrollos
1
8
en torno a la
1
9
noción de accesibilidad: su falta de articulación con marcos conceptuales más amplios.
Para precisar el concepto, tomemos una definición propuesta por Martins et al. (2010),
quienes han considerado a la accesibilidad al sistema de salud como ―la posibilidad de
uso de los sistemas de salud cuando son necesarios, lo que se expresa en las
características de la oferta que facilitan u obstaculizan la posibilidad de la gente de
usar los servicios de salud cuando los necesitan‖ (p.
439)1. En este sentido, diremos con Solitario, Garbus y Stolkiner (2008) que
‗accesibilidad‘ es un concepto relacional.
En la bibliografía
científica
disponible
parecen
ser dos
las
alternativas
conceptuales tradicionalmente utilizadas por la mayor parte de los estudios para
delimitar los elementos que componen la accesibilidad. La primera propuesta
diferencia entre disponibilidad, accesibilidad y aceptabilidad de los servicios de salud
(e.g. Wallace y Enriquez-Haass, 2001). Estos autores consideran ‗disponibles‘ a los
servicios de salud cuando estos existen en un territorio determinado, ‗accesibles‘ si
los costos financieros y las posibilidades logísticas permiten llegar a ellos y ‗aceptables‘
si responden a los valores de los beneficiarios. El segundo abordaje, posiblemente el
más extendido, diferencia entre accesibilidad geográfica, financiera, administrativa y
cultural (Comes y Stolkiner, 2005), hablándose de ‗barreras‘ cuando las personas
no pueden acceder al sistema de salud por razones referidas a estos diferentes ejes.
En los dos esquemas mencionados es posible identificar la presencia y el rol que
juega la accesibilidad psicosocio-cultural, tal como la llamaremos en este trabajo. En el
primer caso, mencionada en términos de ‗aceptabilidad‘ y en el segundo,
como
‗accesibilidad
cultural‘.
No obstante,
identificada
cuando ponemos nuestro foco en los
estudios que han tematizado estas cuestiones, nos encontramos con una limitación de
particular importancia. Es que, teniendo en cuenta que la accesibilidad es un concepto
relacional, encontramos que los trabajos disponibles tienden a focalizar en aspectos
puntuales y específicos de la accesibilidad cultural, sin estudiar como totalidad la
conflictiva que puede
surgir a partir de la existencia de diferentes racionalidades culturales en el
1 Hacemos notar que la cita ha sido traducida por los autores de este trabajo
desde su original en inglés
2
0
encuentro entre beneficiarios y el sistema de salud con sus profesionales y agentes.
Veamos algunos ejemplos de aquello a lo que nos referimos cuando hablamos de estas
diferentes racionalidades culturales. Una adolescente de 13 años queda embarazada
en un pueblo rural. El agente de salud del lugar hace énfasis en la ‗ignorancia‘ de
las familias pobres. Hablamos con una vecina de la muchacha y nos comenta que el
joven involucrado era de una buena posición económica, por lo que la madre de la
adolescente le había aconsejado no cuidarse como forma de consolidar la relación
con un posible embarazo. Una mujer lleva a su hijo al médico porque está con
diarrea. El profesional indica una dieta, la cual la madre se compromete a seguir al
pie de la letra. No obstante, luego nos cuenta que la recomendación del doctor fue una
‗dieta para ricos‘ que no es accesible a la gente pobre, por eso no pudo seguirla.
Aquí vemos que la accesibilidad de nivel psicosocial-cultural
complejidad
centrados
presenta una
profunda, que necesita ser abordada. No obstante, los abordaje
en encuestas
de satisfacción
frente a la labor del profesional o la
indagación de aspectos puntuales de ese vínculo, resultan alternativas limitadas
para comprender la dinámica de las barreras que existen a este nivel. Por esta razón,
afirmamos la necesidad de contar con un marco conceptual y una estrategia de
indagación que nos permita dar cuenta de estas limitaciones para poder generar
estrategias para superarlas.
3. La accesibilidad como interfaz social
Partimos de asumir que la accesibilidad es un concepto relacional y que los
integrantes
de
distintos
grupos
sociales
poseen
diferentes
racionalidades
(Lapalma, 2001), es decir, distintos principios a partir de los cuales organizan sus
conductas y prácticas sociales (Landini, 2011). Resulta claro, entonces, que el
concepto de interfaz social resulta de interés.
Norman Long (2007) ha definido a la interfaz social como ―un punto crítico de
intersección
entre diferentes
mundos
de vida, campos
sociales
o niveles de
organización social en donde es más probable localizar discontinuidades sociales,
basadas en discrepancias en valores, intereses y poder‖ (p. 445). Este concepto
resulta interesante ya que permite poner el foco en las
2
1
discontinuidades que encontramos, en el contexto de la atención médica, entre los
profesionales
de la salud (portadores de saberes médicos o científicos) y los/as
pacientes
(poseedores
de
saberes
empíricos,
experienciales
o
cotidianos), situación que se traduce en diferentes intereses y prioridades.
Siguiendo a Long y Villarreal (1993) es importante señalar que, dadas estas
diferencias en torno a los marcos de sentido que guían las conductas de los
diferentes actores en el contexto de la interacción en las interfaces, será posible
observar conflictos, acomodamientos e imposiciones entre estos actores en torno
a qué es lo que debe hacerse (prácticas
vinculadas con la salud) y qué debe
considerarse conocimiento verdadero o legítimo en relación a salud materna.
Visto lo anterior, podemos concluir que la accesibilidad psicosocial y cultural al sistema
de salud bien puede ser abordada en términos de una interfaz social. Entender así a la
accesibilidad nos lleva a poner nuestro foco de atención en los mundos de sentido que
guían las prácticas de los actores intervinientes, en los
surgen
cuando
estos
conflictos
que
actores interactúan,
en
las
interpretaciones que cada uno hace de los comportamientos de los otros y en los
intereses o prioridades con las cuales estos actores se embarcan en la interacción.
4. Concretización de la propuesta en dos proyectos de investigación
Los siguientes proyectos de investigación están diseñados desde la propuesta
conceptual de comprender la accesibilidad al sistema de salud en términos de una
interfaz social. El primero de ellos toma como eje la salud materna y el segundo el
embarazo adolescente, ambos en el ámbito rural.
4.1. La salud materna desde la perspectiva de la interfaz
La implementación de estrategias, planes y programas que optimicen la salud materna
suele producir espacios de interfaz social donde pueden captarse las discontinuidades,
conflictos, negociaciones y acuerdos/desacuerdos sobre el modo de definir la salud
y de elaborar propuestas y recomendaciones que tienen los profesionales de salud
por
un
lado
y
los
usuarios
del
sistema sanitario
por
el
otro.
Estas
discontinuidades suelen ser insuficientemente
2
2
consideradas
embarazo,
cuando se trata de estudiar las problemáticas
el parto
y el
puerperio
–generalmente
vinculadas
abordadas
desde
al
la
cuantificación de la patología– o en la elaboración e implementación de políticas
e intervenciones referidas a ellas. Y son aún menos tenidas en cuenta cuando se trata
de llevar estas políticas a poblaciones rurales.
En consideración
a este cuadro
de situación
y entendiendo
la accesibilidad
psicosocial y cultural como un proceso vincular, cabe preguntarse ―¿cuáles son las
barreras de orden psicosocial y cultural que limitan y cuáles son los factores que
favorecen el acceso de las mujeres rurales de bajos ingresos al sistema de salud público
en el ámbito de la salud materna?‖ Para responder esta pregunta diseñamos un estudio
comparativo de casos enmarcado en la convocatoria
2012 de la Comisión Nacional Salud Investiga.
Proponemos
implementar
el estudio
en 4 provincias
del norte argentino
(Corrientes, Formosa, Misiones y Tucumán) caracterizadas por superar la media
nacional de mortalidad materna. Se trata de una investigación cualitativa, de
carácter exploratorio-descriptivo
anteriormente
presentado
y de tipo transversal. El marco conceptual
se traduce, en nuestro proyecto, en un diseño de
investigación que parte de considerar como participantes no solo a mujeres rurales de
bajos ingresos embarazadas o con hijos pequeños sino también a los profesionales
de la salud involucrados en la atención del embarazo, el parto y el puerperio de
estas mujeres, haciendo énfasis en el estudio del vínculo y las representaciones de
un actor social sobre el otro. En combinación
con
técnicas
de observación
participante y no participante, se realizarán entrevistas semiestructuradas que, en el
caso de los profesionales de la salud, buscan explorar las percepciones sobre sus
propias prácticas como profesionales vinculados a la atención del embarazo, el
parto y el puerperio; sobre las mujeres rurales que atienden y la valoración que hacen
de las prácticas de autocuidado que ellas sostienen; sobre los vínculos y las
dinámicas de interacción que se dan con ellas y sobre las barreras que a su entender
limitan el acceso de estas mujeres al sistema de salud. Entre tanto, las entrevistas a
las mujeres rurales buscan describir sus percepciones sobre los problemas de salud
relativos a la salud materna y las estrategias empleadas para hacerles frente;
explorar
sus
representaciones
sobre
las características, el funcionamiento y la
2
3
utilidad del sistema de salud, sobre sus
2
4
profesionales
así
como
la
valoración
que
hacen
de
las
propuestas
y
recomendaciones médicas y explorar el modo en que perciben la interacción, dinámica
y los vínculos que establecen con los profesionales de salud.
Así, el análisis de estas entrevistas nos permitirá comprender no sólo las
racionalidades propias de cada uno de los grupos estudiados sino también las
dinámicas que se desencadenan en la interfaz de nuestro interés. Podremos conocer
la percepción que cada uno de los grupos de actores tiene de la interfaz así como
de los conflictos que se suscitan en su interior. Y al comparar las lógicas propias de
cada grupo será posible, además, descubrir
los supuestos que sostienen las
prácticas de cada uno de los actores y los conflictos que se dan entre ellos, no
siempre percibidos por los involucrados. Finalmente, podrán hacerse comparaciones
entre los estudios de caso de cada provincia, puesto que este proyecto tiene por meta
hacer contribuciones que favorezcan el acceso de este sector vulnerable al sistema
de salud y, así, aportar al diseño de políticas tendientes a la reducción de la
morbilidad y mortalidad
materna desde una
complementaria
a
perspectiva
las implementadas tradicionalmente.
4.2. Embarazo adolescente en la interfaz entre el sistema de salud, las madres y las
adolescentes
El segundo de los proyectos constituye una propuesta de investigación doctoral que
toma como centro de investigación el embarazo y las prácticas de prevención y
cuidado realizadas por las adolescentes en el ámbito rural, específicamente en la
localidad de Cerro Azul, provincia de Misiones, Argentina. Es importante señalar
que la provincia de Misiones es una de las más afectadas por la problemática del
embarazo adolescente en la Argentina. Tomando la perspectiva de la interfaz social, el
proyecto hace énfasis en el estudio de los vínculos que se establecen entre las
madres, las adolescentes y los agentes de salud, analizando cómo estos vínculos
influyen en las prácticas sexuales de las adolescentes y en su acceso a información
y orientación apropiada y oportuna. Estos espacios de interacción entre las
adolescentes y sus madres son fundamentales, ya que circulan en ellos
informaciones, representaciones sociales, costumbres y creencias que pueden influir
en las prácticas y cuidados que tengan las adolescentes en cuanto a la sexualidad. Lo
2
5
mismo ocurre en el vínculo que se establece entre las adolescentes con los agentes
de salud, en donde las representaciones que ellas tienen sobre los agentes y las
prácticas que estos realizan, y las de los propios agentes de salud en cuanto a las
adolescentes, la sexualidad, la anticoncepción y el embarazo, influyen debido al
entrecruzamiento de diferentes racionalidades, generando conflictos
que pueden
traslucirse en las relaciones de poder establecidas entre el saber técnico y el saber
cotidiano, en la no aceptación de las indicaciones y prácticas recomendadas por los
agentes, entre otras.
5. Conclusiones
En esta ponencia hemos argumentando que el concepto de accesibilidad al sistema
de salud carece de un marco conceptual que facilite su abordaje. Para superar esta
limitación, hemos propuesto abordar la noción de accesibilidad desde una perspectiva
relacional, destacando la importancia de la accesibilidad psicosocial y cultural, en tanto
puede existir acceso geográfico, económico y administrativo pero los potenciales
beneficiarios pueden no acceder a los beneficios del sistema de salud por
diferencias en las lógicas culturales que guían las prácticas de los agentes de salud y
las comunidades, en nuestro caso rurales. En este sentido, hemos propuesto abordar la
accesibilidad psicosocial y cultural en términos de una interfaz social, haciendo foco en
las dinámicas, conflictos y relaciones de poder que se dan en la interacción
entre los profesionales del sistema de salud y sus beneficiarios potenciales.
Consideramos que se trata de una propuesta conceptual interesante que nos puede
ayudar a reenfocar nuestra concepción de accesibilidad, focalizando en su dimensión
humana y relacional.
2
6
6. Bibliografía
Bernal-Delgado, E., Peiró, S. y Sotoca, R. (2006). Una aproximación por
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7
18-28.
RELATO DE EXPERIÊNCIA DE MORADORES DE RUA DE SANTARÉM – PARÁ –
BRASIL: Uma reflexão necessária.
Raimunda Margarete Teixeira Muniz¹
IzauraACardoso ²
LucivâniaI.Souza²
Atualmente, o morador de Rua não é mais motivo para surpresa. O contato com o morador
de rua foi se banalizando e deixando de abalar percepções e construir subjetividades. Resta
uma dúvida: a vida nas ruas não choca por ter se tornado banal e corriqueira, ou porque já
não vemos esse ‗outro‘ como um análogo? Os estudos sobre ―população em situação de rua‖ no
Brasil ainda são relativamente escassos. Adversidade de conceitos que envolvem esse tipo
população e as dificuldades relacionadas à suamensuração são obstáculos que têm sido
superados gradativamente.Utilizando entrevistas abertas e semi- estruturadas, fotografias,
registros no diário de campo, rodas de conversas e técnicas de observação com os sujeitos
participantes do estudo, assim como de suas características psíquicas e sua interação com o
meio em que vivem ou viveram. Tentou-se estabelecer um cenáriode investigação das
razões que levam um individuo a ruptura com o meio social, na cidade de Santarém no
Pará, onde foi feito um estudo com quinze (15) moradores de rua. Do ponto de vista
investigativo este relato não pretendeu esgotar, nem abranger uma temática atual e fértil
no que concerne aos moradores de rua e suas questões profundas e subjetivas, mas apenas
levantar um pequeno ponto dentro de um oceano de possibilidades de pesquisas e
descobertas envolvendo esta população invisível.
Palavras chave: morador de rua, ruptura social, vulnerabilidade, direitos e cidadania.
¹Professora do Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), psicóloga, especialista em
Administração e Planejamento em Saúde e Segurança do Trabalho (IESPES)
²Estudantes de Psicologia VII Semestre do Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES)
2
8
INTRODUÇÃO
O espaço
social
ocupado
pelo
morador
de
rua
é um
espaço
subordinado,que exige que se submeta em quase tudo o que faz. A partir daqueles que
seopõem a eles - e poucos não o fazem - vai-se estruturando a representação quefazem de
seu espaço social e de seu próprio papel na sociedade.
Segundo o artigo 6ª da Constituição Federal do Brasil, balizam a defesa da seguridade
social, entendendo que esta deve incluir todos os direitos sociais como: educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência e assistência social, de modo a conformar
um amplo sistema de proteção social, que
propiciar mudanças
nas perversas
possa
responder
e
condições econômicas e sociais dos cidadãos
brasileiros.
Os moradores de rua têm seus direitos furtados todos os dias, pois vivem sem remédios e
médicos, seu lar é um banco de praça, as ruas, sem água e sem esgoto, não tem local
para tomar banho, comem alimentos do lixo independente do que for dependendo da
necessidade do momento.
Poucos são alfabetizados, sem instrução e oportunidades. Muitos se drogam para
esquecer os problemas e a realidade cruel de suas vidas, são isentos de qualquer tipo e
lazer, e em virtude de sua experiência de vida, passam sempre por momentos fortes de
ruptura. Como totalidade, numa integração dialética entre mente, corpo e mundo
exterior, estabelecendo vínculos mistos com diversos grupos e pessoas, dos quais um
dos mais significativos é o grupo familiar.
Desta forma o presente trabalho tem como objetivo geral relatar a problemática de
pessoas que vivem na e da rua na cidade de Santarém-Pará- Brasil. E objetivos específicos:
investigar o que levou e leva até hoje a morar nas ruas; como sobrevive nas ruas;
identificar as maiores dificuldades enfrentada nas ruas; o tempo que está ou esteve nas ruas e
se há perspectivas de regressar a vida social.
2. O MORADOR DE RUA, DIREITOS E CIDADANIA
Segundo Damon (2001), o problema do morador de rua se transforma em uma
questão social quando e inscrito na agenda pública. Pois oBrasil é
2
9
considerado uma das dez maiores economias industriais do mundo, entretanto, apresenta uma
das piores distribuições de renda do planeta, ocupando a 73ª posição no ranking mundial do
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eles não
existem, uma vez que não possuem casa, portanto, não participam de censos demográficos.
Mesmo assim, estão cada vez mais presentes nas ruas, vítimas do desemprego, da falta de
moradia, do aumento da miséria provocada pela política econômica recessiva, praticada pelo
governo federal há várias gestões. Além desses fatores é importante salientar que algumas
pessoas vão para a rua em decorrência de problemas mentais, abuso de drogas lícitas e
ilícitas e/ou por vontade própria.
Segundo a resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, aprova a Tipificação
Nacional de Serviços Sócio - assistenciais e serviços de Proteção Social Especial de Média
Complexidade, onde se disponibiliza serviços especializados para pessoas em situação
de rua, promovendo o acesso a espaços de guarda de pertences, de higiene pessoal,
de alimentação e provisão
endereço
de
documento
institucional
Civil.
Proporciona
para utilização, como referências
do usuário que são pessoas que utilizam a rua como espaço de moradia e/ou sobrevivência.
2.1Quem são os moradores de rua?
Especulam-se várias hipóteses que levam uma pessoa a ir para as ruas. GREGIS(2002),
salienta que várias são as causas: abandono familiar ou até mesmo a falta de uma família,
situação econômica, desemprego problemas psicológico, desajuste social.
Segundo Cury (2005), muitos dos cadáveres dissecados nas aulas de anatomia dos
cursos de Medicina, são moradores de rua, indigentes, mendigos, doentes mentais, sem
identidade e sem família, morrem pelas ruas e nos hospitais e ninguém reclama a ausência
dele, são tratados como corpos sem vida, sem história, sem cultura e sem nada. Vivem por
instintos à margem da sociedade, saem como animais por ruas e estradas.
2.4 Tipos de moradores de Rua
3
0
Segundo Vieira(1994), há vários tipos de Moradores de Rua, são eles: Os recémdeslocados:assim que entram para situação de rua se esforçam para sair dela, se
identificam com a vida de antes e não se identificam com os moradores.
Vacilantes: Diminui os esforços para sair das ruas, se torna familiar ao ambiente, se
identificam com os moradores.
Outsider: Elas são mais concentradas na sobrevivência na rua do que sair dela, está fora
das estruturas sociais, não se questionam por estarem nas ruas. Andarilhos:Trabalhador
migrante
independente
e
tem
auto
controle.
Desprezam os que pedem esmolas e desfazem-se dos seus nomes de batismo.
Mendigos: Alcoólatras crônicos, raramente fazemtrabalhos remunerado, por se tornarem
indiferentes ou porque estão debilitados fisicamente. Raramente se
preocupam com o
futuro, por que o amanhã lhes reservam pouca diferençado que já foi hoje. Os mendigos
usam álcool para perder a timidez e pedir, além de esquecer os problemas.
Doentes
Mentais:
São os mais imóveis, sobrevivem catando comida, aceitando
doações, não usam álcool e drogas, são os mais reclusos e socialmente isolados.
Trecheiros: Fazem uso de bebidas alcoólicas. Os principais motivos para a ruptura com a
vida social é a morte dos pais, desemprego, conflitos familiares, infidelidade conjugal.
Sobrevivem
através
do
trabalho
volante
ou
da
mendicância, transitando de uma cidade para outra.
2.2Moradores de rua, impulsos e compulsões
Alguns moradores de rua desenvolveram impulsos e compulsões, a mais freqüente é a
Poriomania. Segundo Dalgalarrondo (2008), a poriomania é o impulso e o comportamento de
andar a esmo, viajar, ―desaparecer de casa‖, ―ganhar o mundo‖, como se diz na linguagem
popular.
Ocorre em pacientes esquizofrênicos (às vezes, por imaginar que está sendo
perseguido ―Sumir do mapa‖), em pessoas com quadros psico-orgânicos e nos deficientes
mentais,
etc.
Em sua teseenfatiza ainda que,outrofator é a compulsão por álcool e drogas, geram
dependências psicológicas e físicas de modo contínuo havendo
3
1
a perda do controle. Ela ocorre associada com redução dos interesses, deteriorização
dos cuidados consigo mesmo, perda de vínculos sociais (que não relacionados a substância)
e envolvimento com atividades criminosas ou mendicância para obtê-las. Essa diminuição
da auto-estima relaciona-se também com perda de auto-respeito, sentimento de vazio e
de solidão e depressão. Alguns se tornam desnutridos, descuidam-se dos vestuários, da
higiene e dos dentes e tem vida sexual promíscua.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Como procedimento metodológico utilizado neste projeto de ação adotou-se uma
pesquisa de campo qualitativa, pois envolve seres humanos em sua complexidade e se entende
que este referencial metodológico propõe ―a dissolução de ―velhas‖ desigualdades sociais
dentro da nova diversidade de ambientes, subculturas, estilos e formas de vida‖ (FLICK, 2004,
p.17-18).
Foram
tomados
como
participantes
dessa
pesquisa
quinze
(15)
moradores do sexo masculino e um(01) do sexo feminino. A coleta de dados foi realizada junto
uma Casa de Oração próxima a Praça Rodrigues dos Santos localizada no centro da cidade
onde distribuem almoço para moradores de rua de segunda a sexta-feira, mercados e praçasde
Santarém do Pará.
Esta pesquisa utilizou uma entrevista aberta e semi – estruturada, mediante o
consentimento prévio do sujeito para utilização de um gravador. O roteiro de entrevistas foi
composto por dois blocos focalizando os seguintes temas:Bloco I: Nesse bloco, as perguntas
elaboradas tiveram como objetivos principais delinear os motivos que levaram um sujeito ao
processo de ruptura com meio social e o tempo em que vivem na rua e as maiores
dificuldades enfrentadas.Bloco
questões
II:
Teve
por
meta explorar
as
referentes, exclusivamente ao alcoolismo, procurando
investigar os motivos, as causas e influências que levaram ou ainda levam o sujeito a residir
nas ruas e ingerir álcool e outras drogas, como também conhecer suas perspectivas futuras,
se elas existem. Enfatizando também as rupturas com os familiares, amigos, vizinhos.
Foi utilizada também a técnica da Roda da conversa, para ajudá-los a exteriorizar a
forma como se viam no mundo, suas ideologias sobre o futuro, e
3
2
também as inevitáveis lembranças e emoções do passado que vieram à tona, onde se podem
perceber quão presentes ainda estão nas suas relações atuais:
“Fui pras ruassó que depois que papai morreu com 99 anos e minha mãe morreu nova com 34
anos, ai depois a minha mulher morreu queimada, com meus 2filhos queimados no barco, era
movido a álcool, quer dizer querosene. Morreuo Thiago e a Maria minha mulher e a Roberta
minha filha, que era tudo da Aldeia da tribo Guajajara. Viver na rua, não é bom para ninguém,
viver num papelão. O cara não dorme, passa medo, fazem mal com a gente não se alimenta,
não vou mentir não, eu já comi lixo, pão azedo, comida azeda, hoje em dia não tem quem
ofereçaum prato de comida não tem não, mas a bebida e a droga. É muito ruim na rua, a
pessoa anda doido, sem confiança, um chega e dá porrada, corta a cabeça da gente é assim.. e
Mata! Já comi resto de comida de porco, as migalhas que caíam da mesa é que eu comia, eu
jantava era carne velha azeda, tudo isso eu já comi. Pior é no inverno, as pessoas não deixam a
gente ficar nas puxadas, elas dizem: Não! Aqui não!... Os outros roubam e quem pega a culpa
somos nós, mendigos da rua aqui na rua é hospital, cadeia ou cemitério.Tem gente que pede a
Deus para um tirar da rua, levar para um abrigo”.J.V.D 46
anos, pseudônimo
Capadinho
“Quando eu sai de casa ela saia com outro macho, eu não matei ele, mas matei ela, fui preso
mas custaram me pegar, a gente arrumar mulher só para a gente, não para três ou quatro pião,
tem condição? Tu é corno! Os outros diziam... Eu só trabalhava, aí eu peguei ela, mas não deu
tempo de furar ele, eu disse porque você faz uma coisa dessa?”
“Tem noite que não durmo, tenho tentações, ando de um lado para o outro, deito no chão e
vou rolando e não durmo,ela aparece... A voz diz que me ama, ela fala comigo a noite,
dizendo para mim não ter matado ela, dá um aperto no coração”M.S.G.C – 48 anos
A fala dos entrevistados acima confirmam a tese de Vieira, à respeito do perfil dos moradores
de rua do tipo OUTSIDE.
“Quero sair dessa vida um dia, vou sair! Oba!Meu registro ta no cartório de Icaraí, preciso pegar a
2º via, fiz o supletivo e 2º grau...” A.J.S – 55 anos (pseudônimo Ceará)
Perfil do tipo do morador de rua acima:recém-deslocado.
“Depois que eu perdi pai e mãe, nós desbandemos, fui para Manaus, Santarém, fico no barco,
reparo um barco, pois posso morar lá, mas não sou de rua..”A.D.E – 53 anos
“falei guarda pra mim que eu vou dar meu jeito, vou depender de mim mesmo, e me juntei com os
amigos, nove meses rolando na rua, dormia no relento, bebia, nunca passei fome, nunca andei
maltrapilho, mais sempre lembrando da minha famíliaaí eu sempre procurava fazer alguma coisa pra poder comer, mais sair pedindo não, nunca.
Sempre tomava um banho,
vestia uma roupa, quando não vestia a mesma, tinha todos os meus documentos, ficava
dentro de uma bolsa”
H.S.M – 54
Anos
Os02 entrevistados acima apresentaram perfil do tipo andarilho.
“você sabe que é vício andar assim bebendo? Eu não posso passar da hora de beber, tem uma
coisa me atentando para beber. Tenho uma verme que transmite da minha carne, quando não
bebo dá coceira, aí venho para a rua e não sinto‖.M.E.R.S – 67 Anos
“Beboé todo dia, sempre é regular.Na lua Nova dói muito a minha perna,fui rossando, quando
passei pro outro lado, quando eu fui rossardenovo ela “thá”, olha aqui, a cobra me
picou”M.O.C.C- Pseudônimo “vira bicho”-52 Anos”.
Os 02 entrevistados acima foram considerados do tipo mendigos.
“Com 24 anos fui para o hospital, meu registro ficou lá, hospital psiquiatrico, psicológico. Lá no
hospital fizeram reunião comos doutores assim, que o senhor tem a doença, que tem assim a
3
falta de um comportamento, eles escreveram lá que 2,3 doenças juntos. Eu vou na estrada
3
devagar, cortando o pé, espera um pouco pra ver se apressa um pouquinho‖.”J.I..F.S – 44
Anos
O entrevistado acima foi considerado do tipo Doente Mental.
“Meu pai eu não conheci, quando eu era moleque ele me abandonou, meu pai foi a minha mãe
mesmo. Não conheci meu pai, a vida do meu irmão era boa, ela dava tudo para ele, eu era o
filho mais velho, ela não olhava para mim, só olhava para ele ai eu fui me revoltando e fui para
as ruas. Eu era viciado em nóia, em bebida, dormi muito aqui nesses bancos na rua, fui para o
presídio”E.M.S.R - 28, pseudônimo Jamaica
“meu pai me rejeitava, ele não me dava amor, ele não sabia conversar com nenhum dos
filhos”J.M.C – 33 anos
“Vontade de sair de casa, desde de pequeno comecei a andar na rua, a andar de bar em
bar, anda pelas outras cidades vizinhas, viajava e tudo, meu finado pai me batia muito com
pedaço de pau, fio elétrico, de todo jeito, e também fui criando aquela revolta, e eu dizia que
eu não ía ficar em casa, vinha para a rua, ficava na rua, aí peguei o gosto de morar na rua,
tinha aquela raiva do meu pai que não queria conversa comigo, já ía comigo e já batia com
aquele ódio de mim, eu me revoltava e ficava na rua mesmo, do que ficar apanhando
assim...Entrei nas ruas a partir dos 12 anos, eu volto e saio, volto e saio, tenho recaídas, usava
drogas, se eu tomar um gole de bebida me dá vontade de fumar, se eu não beber não vem
vontade nenhuma de usar nenhum tipo de droga, se eu beber sim, eu luto para evitar isso, o
primeiro gole, mas eu creio que vou vencer...”E.P.C – 32 anos, pseudônimo Jardel
Os 03 entrevistados acima, perfil:moradores de rua do tipo trecheiros.
Se você pudesse realizar algum sonho, qual seria?
Não, eu não quero não,só isso que Deus ta me dando mesmo, sonho eu não tenho muito alto
não, mais eu queria operar minha vista, só isso.Não quero nem conversa com meus filhos .Eu
tenho contato, todo sábado eu vou pra lá,
3
4
mais eu já to muito velho pra ta no meio deles, eles me tratam bem mais eu não quero, prefiro
ficar por aqui mesmo, com certeza”.J.B - 55 anos.
O morador de rua acima apresentou características do tipo Vacilante.
4. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS
Apesar de estarmos diante de uma sociedade que já passou por grandes
processos e avanços técnico-científicosé alarmante que os problemas sociais são questões que
ainda estão sendo negligenciadas, e pouco se tem feito por aqueles que moram nas ruas.
Entretanto, há um movimento referente ao plano das representações sociais que a
antecede e merece ser analisado com muita atenção. Tal foi o esforço deste trabalho,
demonstrar que o problema do morador de rua em Santarém – Para- Brasil, antes de se
inscrever na agenda pública enquanto um problema relevante, deve ser um objeto de uma
série de transformações no nível das consciências e das atitudes individuais e coletivas.
Este estudo nos permitiu enxergar que a tão almejada transformação social, capaz
de restituir a dignidade dos moradores de rua, cumprindo as promessas de igualdade
perante os diversos tipos de direito, não ocorrerá sem uma profunda modificação das
representações sociais.
As rodas de conversaspossibilitaram o estimulo de suas habilidades cognitivas,
resgatando auto-estimas e perspectivas quanto ao futuro e sonhos que estavam adormecidos.
As atividades apresentaram resultado satisfatório e isso pode ser percebido através de alguns
―feedback‘s‖ trazidos pelos M.R:
―Acho que agora me deu uma força (risos), obrigada por falar comigo‖. M.E.R.S – 67 Anos
―quero sair dessa vida um dia, vou sair! Oba! Só preciso da 2ª via do meu registro que tá em
Icaraí‖.
A.J.S – 55 anos (pseudônimo Ceará)
―Eu gosto de foto, eu me sinto importante, fotografia é muito lindo‖ depoimento de F.V 44
- Anos, após ser fotografado.
―Então eu tenho um sonho que é ter um trabalho fixo!‖ M.O.C.C (Pseudônimo Vira – Bicho), 52
Anos
―Quero voltar pra casa .Tô mais pra lá do que cá... É só uma questão de tempo.‖ H.S.M – 53 Anos
―Tem que ter uma pesquisa assim, alguém responsável para estudar a pessoa‖ J.I..F.S – 44 Anos
Este relato não pretendeu esgotar, nem abranger uma temática atual e fértil no que
concerne aos moradores de rua e suas questões profundas e subjetivas, mas apenas
levantar um pequeno ponto dentro de um oceano de possibilidades
e
descobertas envolvendo
esta
de
pesquisas
3
população invisível.
5
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quem é, como vive, como é vista. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1994
VIOLÊNCIA CONJUGAL E AS CONSEQUÊNCIAS PARA A SEXUALIDADE FEMININA: UMA
INVESTIGAÇÃO À LUZ DA MEMÓRIA SOCIAL
Profª Me. Maria de Fátima Scaffo
Profº Dr. Francisco Ramos de Farias
Palavras-Chave: Violência conjugal. Memória Social. Sexualidade Feminina
A violência contra a mulher é um fenômeno que perpassa todo ordenamento social, etnias, religiões
3
e culturas, ocorrendo em populações de diferentes níveis de desenvolvimento econômico e social.
6
Pelo seu alto poder destrutivo, a violência tem causado sérias conseqüências para a sexualidade
feminina, como também abortos, doenças sexualmente transmissíveis, depressão, fobias, lesões
irreversíveis e elevado índice de mortalidade.
Deve ser também entendida pelo viés psicológico, moral sexual e patrimonial, como forma de
desqualificação, constrangimento, cerceamento da liberdade, ameaças, condutas abusivas,
estupro, confisco de bens documentais, materiais, dentre outros.
A gravidade do problema da violência contra a mulher no Brasil fica evidente no Pacto Nacional
pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher (2009). Este documento apresenta os esforços das
áreas legislativa, executiva e jurídica que avançam na promulgação de leis, formulação de
programas de atendimento à mulher e filhos, delegacias especializadas, entre outras providências,
e, ainda assim, podemos verificar pelos números apresentados nesse mesmo documento que a
violência contra a mulher continua apresentando crescimento acelerado, mais notadamente no
âmbito privado.
Como sinônimo de destruição e desequilíbrio, a violência ultrapassa todos os limites considerados
necessários à convivência social. Porém, é no âmbito privado, ou melhor, nas relações conjugais,
que a violência expressa sua face de total negação da alteridade, deixando marcas irreparáveis na
existência quem sofre esse agravo.
A violência contra a mulher, em especial, a conjugal, não é um fenômeno novo e em estudos sobre
esta ocorrência várias são as hipóteses formuladas. Segundo Giffin (1994), foram as enormes
diferenças atribuídas à sexualidade de homens e mulheres que contribuíram para a manutenção da
tradição do pensamento dualista na sociedade ocidental. Homens e mulheres passaram a ser
caracterizados pela oposição: cultura/natureza, razão/emoção, sujeito/objeto, ativo/passivo,
respectivamente, sendo as contradições decorrentes dessas oposições binárias ocultadas pela
ideologia. Para Caulfield (2000, p. 75): ―a ideologia dominante enfatiza que a dominação, o controle
e até mesmo, a violência masculina na sexualidade são naturais‖.
Para Badinter (1993), a virilidade masculina deve ser expressa no corpo e no comportamento. O
homem para construir sua identidade masculina, deve convencer a si mesmo e aos outros, durante
toda a sua vida, de que não é uma mulher.
Destacando os dualismos que sustentam a categoria gênero, Gregori (1993), afirma que a imagem
de mulher foi definida como um ser para o outro e não um ser com o outro. Esta autora esclarece
que a mulher idolatrada pela cultura machista é a mulher que se sacrifica, é submissa aos homens,
boa mãe e esposa boa (passiva). Segundo Oliveira e Souza (2006), todos esses dualismos
3
atribuídos a homens e mulheres trazem custos e benefícios para ambos. Os efeitos dessas
7
concepções produzem uma dinâmica de sujeições às cobranças sociais que penalizam
emocionalmente homens e mulheres que buscam se enquadrar em certos estereótipos, ou que
pagam o preço ao quebrar esses preceitos.
Osterne (2001) e Szapiro e Feres Carneiro (2002), afirmam que as mudanças sociais, culturais e
políticas ocorridas nas últimas décadas para as mulheres, como a participação na população
economicamente ativa nacional e o aumento do contingente de mulheres chefiando as famílias,
principalmente nas camadas mais populares, têm contribuído para o deslocamento dos padrões
hierárquicos nas relações de gênero, não chegando, entretanto, a superar as diferenças.
Consideramos em concordância com o pensamento destes autores que esse deslocamento pode
também contribuir para a violência conjugal, uma vez, que ainda na atualidade os homens parecem
acostumados a ter independência financeira e a dependência econômica e afetiva ocorrer por parte
da mulher. Desta forma vivenciam um novo dilema: a autonomia financeira da mulher e em muitos
casos a dúvida quanto à dependência afetiva feminina. É possível que a percepção dessa nova
posição na relação conjugal lhe provoque ressentimento, uma vez que a sua capacidade de prover
a família, aspecto auxiliar na composição do culto à virilidade, fica comprometida, levando-o então
a atos violentos.
Como é possível observar, tratar da violência exige uma análise
multidimensional que contemple a diversidade de aspectos
estruturais; economia, sociedade, cultura, oral, históricos; grupos
sociais e sua localização num tempo histórico-social e conjunturais;
contexto no qual a violência se expressa (SCAFFO, 2011, p.120).
Cabe sinalizar que em relação à violência contra a mulher, em culturas como a brasileira, onde a
mulher, já alcançou lugares significativos no âmbito público, ainda é considerada objeto de
consumo das necessidades masculinas, há uma insinuação para a conivência ou aceitação de atos
violentos. Para ratificar nossa afirmação recorremos a Gay (1995, p. 423), a sociedade
desenvolveu álibis para a agressão, entendendo por eles ―crenças, princípios, atitudes retóricas
que legitimam a militância verbal ou física em terrenos religiosos, políticos, ou melhor, que tudo,
científico‖. Segundo este autor um ato de agressão é uma transação, e a maneira como é julgado
depende, obviamente, da perspectiva dos participantes, compreendendo percepções e julgamentos
diferentes. Desta forma quando a objetividade dos fatos ou realidade social não apresenta
justificativas para a violência, o homem coloca no outro a razão de uma violência que carrega
dentro de si mesmo. Ainda para Gay (1995, p. 427), ―deslocar para o outro a violência contida,
seria uma maneira confortável do homem se proteger de seus próprios defeitos, porque não os
reconhece em si mesmo‖, portanto através do mecanismo de projeção lança à mulher sua
fragilidade, punindo-a pelos seus conflitos e insatisfações.
3
8
Em relação a essa afirmação, entre tantas questões instigantes, levantamos duas que nos parecem
pertinentes à discussão neste artigo: Seria a transmissão geracional dos papéis de gênero
responsável pela condição de subalternidade da mulher em relação ao domínio masculino? Qual o
impacto da violência conjugal para a sexualidade da mulher?
Para refletir sobre a primeira questão, julgamos pertinente trazer à luz outra categoria de análise
desse fenômeno, como mais uma fonte possível de promoção e manutenção da violência contra a
mulher: a memória social.
De acordo com Halbwachs (1992, p. 21) ―A memória deve ser entendida como um fenômeno
coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações,
transformações e mudanças constantes‖.
Pollak (1992), alerta que na flutuação e mutabilidade da memória, tanto individual quanto coletiva,
existem marcos ou pontos, relativamente invariantes, imutáveis. Este autor adverte que em relatos
sobre histórias de vida, ocorrem voltas a determinados períodos da vida, ou a certos fatos que
demonstram essa invariância. Sinaliza que igualmente em memórias construídas coletivamente
também surgem elementos irredutíveis que evidenciam um trabalho de solidificação da memória
tão importante, impossibilitando a ocorrência de mudanças.
Para Halbwachs (apud Peralta 2007, p. 7):
As memórias subsistem porque fazem parte de um conjunto de
valorações e acepções que são comuns a todos os membros do
grupo, na medida em as imagens privadas que cada um tem do
passado são submetidas a padrões apropriados mantidos
coletivamente.
Em concordância com os autores citados, afirmamos que durante séculos as gerações vêm sendo
influenciadas pela transmissão geracional psíquica de papéis de gênero –TGPPG, processo que
envolve afetividade na socialização das normas-protocolos, ou seja, nas regras de comportamento,
que se tornam constituintes da dinâmica psíquica feminina, uma vez, que são transmitidas
principalmente, pelo adulto que lhe é mais significativo por identificação. Dessa forma, os
protocolos de gênero se tornam raízes modeladoras da conduta desde a fase infantil, pilar das
atitudes e comportamentos e base das escolhas ao longo de todo o processo do desenvolvimento
humano.
Portanto, de geração a geração é passada a crença de que mulher é propriedade do homem e que,
ao se tornar esposa recebe o sobrenome do cônjuge, protocolo cultural que explicita seu
pertencimento, é possível que essa crença tome tal relevo no imaginário tanto masculino como
3
9
feminino que lhe confiram a ideia de imutabilidade acerca da representação da mulher como
inferior, sendo esta representação terreno propício para o exercício, do controle, autoritarismo e
violência em suas diferentes modalidades.
Frisamos que ao falar em violência não estamos somente apontando as agressões físicas, mais
comumente entendidas como absurdas e até impensáveis. Estamos definindo como violência ―todo
e qualquer tipo de coerção, aplicada através de meios físicos ou psíquicos e sempre pautados na
crueldade, com o objetivo de destruição total ou parcial de alguma coisa‖ (FARIAS, 2010, p. 91).
É incontestável que qualquer modalidade de violência é uma ocorrência traumática que provoca
entre outros agravos temor, ansiedade, angústia, depressão, enfim, vulnerabilidade psíquica.
Ainda assim, consideramos que a violência conjugal, objeto de nossa investigação, tem maiores
implicações deletérias, por ocorrer em espaço onde supostamente a mulher deveria se sentir
protegida e resguardada em sua integridade física, moral e psíquica.
Quanto a essa questão, Moreira et al. (1992, p. 177-179) apresentam alguns fatores que parecem
se combinar na situação de violência conjugal: . Ainda assim, consideramos que a violência
conjugal, objeto de nossa investigação, tem maiores implicações deletérias, por ocorrer em espaço
onde supostamente a mulher deveria se sentir protegida e resguardada em sua integridade física,
moral e psíquica.
Ainda sobre esta temática, Moreira et al. (1992, p. 177-179) enfatiza que onde se supõe que numa
relação afetiva, revela-se certa ambivalência da mulher, que julga seu agressor como bom e mau; a
representação da violência como inerente às relações conjugais; e o desejo maior de reparar do
que de romper o relacionamento conjugal violento: o mesmo homem que bate, desvaloriza, é
também o que protege, sustenta, é bom pai e amante. Esta ambivalência parece incidir com maior
frequência em relação à sexualidade feminina. Em entrevistas com dez mulheres vítimas de
violência conjugal, oito se queixaram de falta de desejo, aversão, nojo e aceitação passiva da
relação sexual, mas ressaltaram a ausência de prazer. Em alguns relatos fica evidente que as
feridas psíquicas criam no inconsciente feminino estruturas rígidas que as impede de se envolver
no ciclo de resposta sexual. Este ciclo, segundo Kaplan (1979), tem início na fase do desejo, ou
seja, vontade de praticar sexo em resposta aos estímulos recebidos ou pela fantasia. Já nesta fase
a mulher vítima de violência pode apresentar desejo sexual hipoativo ou mesmo aversão, o que
dificultará a fase seguinte. E nesta fase denominada de excitação que ocorre a lubrificação vaginal,
sua ausência dificulta a penetração causando dores de intensidade significativa.
A fase
intermediária denominada platô, é considerada um breve período antes do orgasmo. A fase
posterior, o orgasmo, fica inibida, não ocorrendo na maioria das vezes, portanto, a última fase, de
resolução não se concretiza, o que leva a mulher a uma série de sentimentos e sensações
contraditórias.
4
0
O final do ato sexual é invariavelmente considerado pelas entrevistadas como um verdadeiro alívio,
embora a preocupação quanto à constituição de uma possível frigidez faz com que se sintam mais
destruídas ainda. Algumas argumentam que para evitar embates que podem gerar
desqualificações, agressões verbais e até físicas optam por simular excitação e orgasmo para o
parceiro e escondem dispareunias, vaginismo e anorgasmia.
A insatisfação com sua forma existencial pode levar também ao abuso de álcool, uso excessivo de
tabaco, compulsividade, síndrome do pânico, enfim, uma série de distúrbios psicossomáticos.
Considerações Finais: A violência conjugal é uma das formas mais difíceis de ser denunciada.
Como transgressão das proibições, ultrapassa códigos sociais quanto ao respeito à alteridade. Sua
natureza traumatizante provoca profundas feridas físicas e psíquicas de diferentes ordens, em
especial, a fragilização identitária. Como dispositivo de degradação provoca uma série de
disfunções relativas à sexualidade, fenômeno bastante comum entre as mulheres que silenciam em
função do aprisionamento na estreita moldura educativa construída geracionalmente é reforçada
pela memória social.
Nos reportamos a fala de Hirigoyen (2008), de que não surpreende que algumas mulheres
considerem normal serem castigadas. Depreendemos dessa afirmação que gestadas para serem
mães dedicadas e guardiães do lar, tenham medo da solidão, das críticas e culpabilizações sociais,
que ainda depositam nelas a atribuição de harmonização do lar, amparo dos filhos e cuidado ao
cônjuge. Ainda para autora citada (p. 64):
As mulheres forjam um ideal em função das normas sociais
veiculadas pela família e pela sociedade. Por isso, algumas,
seguindo o modelo da mãe disponível e entregue, pensam que
para conservar um homem tem que demonstrar abnegação e
submissão.
Esta socialização ao tornar-se raiz modeladora da conduta, das atitudes e base das escolhas entre
si mesma e a manutenção da estrutura familiar, influencia na negação da alteridade, ruptura com
seus desejos e consequente submissão à violência conjugal e surgimento de patologias relativas à
sexualidade.
.
.
4
1
V – Referências:
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CAULFIELD, S. Em defesa da honra: moralidade e modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918 –
1940). São Paulo: editora Unicamp, 2000.
FARIAS, F. R. Porque afinal matamos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010.
GAY, P. O cultivo do ódio: a experiência burquesa da rainha vitória a Freud. São Paulo: Companhia
das letras, 1995.
GREGORI, M. F., 1993. As Desventuras do Vitimismo. Revista Estudos Feministas, 1:143-149.
GIFFIN, K. Gender violence, sexuality and health. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10
(supplement 1): 1994, pp. 146-155.
HALBWACHS, M. La mémorie collective, Paris: Presses Universitaires de France, 1968.
HIRIGOYEN, MARIE-FRANCE.Mujeres Maltratadas: Los mecanismos de la violencia em La pareja,
Buenos Aires: Paidós, 2008.
KAPLAN, H. S. A nova terapia do sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.
MOREIRA, M, I. C.; RIBEIRO, S. F. & COSTA, K. F. Violência contra a mulher na esfera conjugal:
jogo de espelhos. In: Uma Questão de Gênero (A. Costa e C. Bruschini, org.), pp.169-189, São
Paulo: Rosa dos Tempos, 1992.
OLIVEIRA, D. C. e L. de SOUZA. Gênero e Violência Conjugal: Concepções de psicólogos.
Estudos e Pesquisas em Psicologia, RJ: UERJ, Ano 6, nº 2, 2º semestre, 2006.
OSTERNE, M. S. F. Usos e abusos da categoria de gênero: o lugar da dominação masculina. In:
Família, pobreza e gênero: o lugar da dominação masculina. Fortaleza: EDUCE, p.116 – 132, 2001.
PERALTA, E. Abordagens teóricas ao estudo da memória social: uma resenha crítica. Arquivos da
Memória: Antropologia, Lisboa: Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa - Escala e Memória, nº
2, 2007.
4
POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10, 1992.2
SCAFFO, M. F. Violência de Gênero e Memória Social: Investigando a complexidades destas
relações. In: Apontamentos em Memória Social. Rio de Janeiro: Contra Capa, p.113 – 129, 2011.
SECRETARIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES – PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília – DF:
Cidade Gráfica e Editora Ltda, 2009.
Uma análise sobre o Filme Minha Vida em Cor de Rosa.
Carlos Alberto Oliveira Bonifácio Júnior
Faculdade de Ciências Humanas Esuda
O referido trabalho pretende levantar a discussão sobre as teorias de sexo e gênero na
construção da identidade e a desnaturalização da mesma. Admite- se uma construção da
identidade de gênero, incentivada pelos pais da criança e posteriormente pelo próprio processo
de socialização.
Usando a teoria queer, que se oponhe àqueles que desejam regular a identidade e
estabelecer premissas epistemológicas e a categorização do sujeito, indo contra a
Heterossexualidade compulsória que tenta levar uma obrigação social de relacionamento com
pessoas do sexo oposto.
Através da análise do filme Minha vida em Cor de Rosa (Ma Vie En Rose,
1997), do diretor Alain Berliner, esboçarei uma reflexão sobre o assunto, já que o filme aborda a
história de Ludovic, um menino de 7 anos, que deseja ser uma menina, para casar-se com seu
amigo Jerome, levando Ludovic a passar por preconceito da família, dos amigos da escola e de
toda a vizinhança.
Sabe-se que a sociedade patriarcal dita às crenças que se constroem sobre o gênero e que a
heterossexualidade não é natural, sendo portanto efeito de poder e do controle da regulação
social.
É preciso acabar com a categorização fechada sobre o sujeito, por isso que a Teoria Queer
tenta combater a homofobia e insistir que a sexualidade não se resume em categorização.
Butler (2006) pergunta o que é o humano e quais os parâmetros usados para compreendê-lo,
alertando que é essencial que a noção de humano seja mantida sempre em aberto. A
autora pede para que seja recusado todo o tipo de fundamentalismo biológico, de romper
com o heterossexismo que impera nos estudos eministas, acreditando que aqueles que viviam
fora das normas de gênero (gays, lésbicas, travestis, drags) deveriam ser merecedores
4
3
de reconhecimento e de existências.
Aqueles
que
vivem
em
paradoxo
identitário
estão
sujeitos
ao
não
reconhecimento e ao preconceito, exatamente por não seguirem as normas vigentes, sendo
considerados menos humanos.
4
4
A realidade deve ser questionada, mudando as normas que regem o humano. Todos aqueles
que não seguem o padrão heteronormativo devem atuar no cenário político, questionando
o real, as fronteiras construídas socialmente apontando para outras possibilidades indetitárias.
Nessa
cultura
burguesa,
capitalista,
ocidental
e
patriarcal
é
a
heterossexualidade que predomina sobre os sexos, sendo imposta aos sujeitos como identidade
representativa.
Stoller (1993) afirma identidade de gênero como um misto do feminino e do masculino
em
um
indivíduo,
sendo
a masculinidade
e a feminilidade
encontrada em todas as pessoas, mas em graus diferentes, não tendo haver com a qualidade
de ser homem ou mulher, pois a identidade de gênero encerra um comportamento
psicologicamente motivado, e que não há relação entre sexo e gênero.
Tudo começa quando a criança nasce. O medico define o sexo da criança e os pais começam a
encorajar comportamentos que eles consideram ser masculino ou feminino na criança,
desestimulando outros comportamentos. A escolha do nome,
as
roupas,
os
jogos
constituem a formação da criança para o desenvolvimento de sua identidade de gênero.
As raízes da masculinidade ou da feminilidade são, portanto, o resultado do comportamento
dos pais e não expressão de um instinto qualquer (Badinter, 1986).
Existe a ideia de que o macho é o agressor e a fêmea é a dócil receptora, tendo essa
ideia influenciado no modo de se pensar um comportamento masculino e o feminino.
Birman (1997) fala que o corpo é uma propriedade privada do indivíduo que o contém, de
maneira que nenhum outro pode dele legalmente se apossar do jeito que quiser, e bem
entenda, sem a prévia autorização do seu dono. Para o autor, o homem pode não possuir
qualquer outra propriedade na sociedade, mas que possui algo inviolável: seu próprio corpo.
O Estado, com todo o seu poder que lhe é dado, deve criar leis que punam aqueles que
atentem contra a vida e a individualidade do cidadão. Com isso os direitos poderiam ser
garantidos e pessoas seriam poupadas e preservadas no seu direito de liberdade de expressão
sexual.
4
5
Louro (1997) afirma que as identidades são sempre construídas, elas não são dadas ou
acabadas num determinado momento. A influência cultural influencia nessa construção do que
seria uma identidade de gênero.
Portanto não podemos dizer que existe uma natureza, pois afinal nós é que construímos
através da linguagem o que pensamos sobre as coisas, e a natureza nunca nos veio
comunicar o que ela seria, nós é que construímos linguisticamente o que ela é ( Costa 1994 A).
A identidade não pode ser definida num determinado momento, seja na fase infantil, seja na
adolescência ou na fase adulta. Pois, afinal, a identidade nunca é definida ou estabelecida, pois
a identidade está sempre se construindo, são instáveis, passíveis de transformação. Toda
identidade sexual é um construto instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória
e não finalizada. (Louro, 1997 apud Britzman, 1996).
O que existe é uma diversidade de identificações onde o sujeito busca sua felicidade, seu
prazer e bem estar com a pessoa que melhor o(a) realize. Não se pode impor uma
heteronormatividade nas vidas dos indivíduos, mas sim a liberdade de escolha para a
sua plena satisfação, sem julgamento e discriminação.
Jurandir Freire costa (1992, 1995) diz que condicionamo-nos a compreender a
heterossexualidade no homem e na mulher, como única realidade possível e desejável da
moral sexual contemporânea. Por isso precisamos criticar duramente o que é dito normal
e anormal dentro das identidades sexuais. Pois existem varias possibilidades de relações
afetivas sexuais que não sejam com pessoas do sexo oposto. A masculinidade no homem
e
a feminilidade na mulher não são as únicas possibilidades na constituição de suas
subjetividades e nem dependem do sexo biológico que cada um pertence. Existem
possibilidades infinitas que não podem ser limitadas por uma imposição heterossexista.
Sabe-se de que cada cultura tem uma concepção sobre a sexualidade dos seus membros,
como em tribos africanas que tem rituais de masculinação dos homens, que para nós seriam
consideradas como práticas homossexuais para nossa cultura, não havendo nenhuma perda
de sua masculinidade para os seus membros. A felação é uma prática que inicia os jovens
adolescentes que precisam fazer a sucção do pênis de um dos membros mais velho da tribo,
a
4
6
fim de beber o esperma do mesmo, sendo comparado ao leite da mãe que o nutria quando
bebe para crescer e agora precisaria dessa bebida branca, o esperma, para se fortalecer e
amadurecer. (Bandinter, 1996)
A seguinte afirmação diz: ―não pergunte o que é ser masculino ou feminino, nem como
posso me descrever melhor enquanto homem ou mulher, e sim, pergunte-me como posso
me descrever de modo a buscar formas mais belas e harmônicas de vida, ou seja, a
possibilidade de criarmos diferentes modos singulares de subjetivação, de descrição de si
mesmo, tantas vezes quanto seja possível, na diversidade histórica, social e cultural em
que vivemos.‖ (Costa, 1994-B apud Rorty, 1991)
4
7
Bibliografia
ARENDT, Hannah (1981). A condição humana. São Paulo: Forense
Universitária - Salamandra consultoria Editorial/Edusp.
BADINTER, Elisabeth (1986). Um é o outro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Fronteira.
. (1996). XY sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova
BIRMAN, Joel (1997). Fazendo acontecer o sublime? Sobre o erotismo e a violência sexual na
atualidade In Templo psicanalítico - Psicanálise e cultura. Rio de Janeiro, v. 29, pp. 211-235.
COSTA, Jurandir Freire (1992). A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo.
Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
. (1994 -A). A Ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro: Rocco.
. (org.) (1994- B). Redescrições da psicanálise: ensaios
pragmáticos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
Paulo: Escuta.
. (1995). A face e o verso: estudos sobre o homoerostimo II. São
LOURO, Guacira Lopes (1997). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. Petrópolis: Vozes.
BUTLER, Judith. Deshacer el Género. Barcelona, Paidós, 2006.
STOLLER, Robert (1993). Masculinidade e feminilidade: apresentações de gênero. Porto
Alegre: Artes Médicas.
Adolescentes Infratores e Temperamento
Flavio Roberto de Carvalho Santos
A realidade dos adolescentes infratores no Brasil aponta uma problemática da
área da saúde. Pesquisar este fato desde a vida primitiva (a vida no útero, respaldada
pelo biológico, os registros no sistema neural, o início do desenvolvimento e da
construção psicológica pela conquista autonômica no desmame) é importante para a
prevenção. Esta pesquisa enfocou o período após o parto até os nove meses de vida
(período neo-natal). Após a vida primitiva no útero com todas suas particularidades
relevantes e também fora dele, continua a marcha do desenvolvimento até a conquista da
autonomia mais específica por ser um processo constante e complexo, ou seja, crescer e
1
desenvolver. Até a maturação da neuromuscularidade, onde a ação voluntária será
eficiente, este
período
ainda
corresponde à
mais
construção
do
temperamento (do latim temperamentum, medida), que é definido pela teoria
pós-reichiana como aspecto biológico da personalidade (Navarro1).
O período neonatal iniciado com o nascimento (Boadella2). é um drama com condições de
determinar características profundas da personalidade, variando entre o traumático que é
doloroso para a mãe e desgastante para o bebê e, o natural, que é o que ocorre com
prazer para ambos e favorecerá a vida saudável. É um período de adaptação e estruturação
do EU pela relação com a mãe,
imprimirá o sentido
sendo
de
a
qualidade
da troca
que
todo funcionamento e as relações futuras. Em
situações dificultosas de relação afetiva mãe-bebê, acarretará uma imaturidade psicológica
comprometendo o temperamento e o caráter.
Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo/SINASE 3, em agosto de
2006,
um
total
de
1.159
adolescentes
cumpriram
Medida
Sócioeducativa (MSE) no Estado do Rio de Janeiro por terem cometido atos
inflacionais, o que mostra uma realidade importante para pesquisa e, ao
Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente (UNICAMP), Mestre em Sexologia Clinica
(UGF) e Psicólogo (UGF), professor na UNIABEU, UVA e colaborador no Ambulatório de
Sexologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ / Brasil. E-mail: [email protected].
2
mesmo tempo, a justifica. Buscou-se conhecimento retrospectivo da vida primitiva de
adolescentes
em
conflito
pré-natal,
com
a
lei
com
desenvolvimento,
aspectos
construção
teóricos
de psicologia
neuropsicológica
e
reconhecimento de áreas diversificadas de inserção da psicologia para estudos humanos além
de contribuir academicamente com pesquisas com enfoque em políticas de prevenção em saúde
mental acerca da infração na adolescência.
O objetivo Geral foi detectar condições de saúde e amamentação do bebê após o parto até os
nove meses de vida dos adolescentes cumprindo MSE e dos que não cumprem, por meio de
suas mães biológicas e verificar, comparar e associar tais dados do referido período dos
mesmos adolescentes.
O método
da
pesquisa
foi
quantitativo,
retrospectivo
longitudinal,
com
freqüência de sondagem descritiva de campo referente ao período dos dez primeiros dias
de nascido aos nove meses de vida referente à saúde e amamentação relacionado ao
comportamento
infrator
e
não
infrator
na adolescência por meio de questionário
estruturado individual aplicado às suas mães. Ocorreu na Região Metropolitana do Rio
de Janeiro com mães biológicas de adolescentes que cumprem MSE de Internação
(I), Semi Liberdade (SL), Liberdade Assistida (LA) e/ou Prestação de Serviço à
Comunidade (PSC) e os que não a cumprem. O Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA4 (Brasil, Lei 8.069, 1990), art. 2º, considera adolescente
aquele entre 12 e 18 anos de idade completos.
A amostra foi composta por todas as mães biológicas de adolescentes que cumprem MSE
nos CRIAAD‘s - Centro de Recurso Integrado de Atendimento ao Adolescente - da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro e mães de adolescentes que não cumprem MSE da
mesma região, matriculados em escolas públicas, que concordaram e assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participar da pesquisa, divididas em
Grupo Estudo (GE) – Mães de adolescentes cumprindo MSE e Grupo Controle (GC) – Mães de
adolescentes
que
não
matriculados
cumprem
em
MSE,
escola
sendo
pública
obrigatório
da região.
estar regularmente
Desta
forma,
participaram da pesquisa 162 mães, sendo 85 do GE e 77 do GC,
3
independente de credo, raça e nível sócio-econômico. Os dados receberam tratamento
estatístico do Teste Qui-quadrado e adotado o nível de significância de 5 % no teste, pelo
software SPSS (Statistical Package for Social Science).
O Juizado da Infância e da Adolescência determinou que os dados do GE e GC não discriminem
localidades. Os processos legais com adolescentes tramitam em Segredo de Justiça por não
terem completado 18 anos, pelo art. 27 do Código Penal
critério
biológico
e
sendo
ignorado
Brasileiro,
por
o desenvolvimento
mental,
estando sujeitos apenas às medidas do ECA, Lei
8069/90 (Brasil, 1990)5, que prevê medidas corretivas que variam com o ato e
incidência criminal. Os aspectos éticos observaram as normas da Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa (CONEP, Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde/Brasil,
Resolução 196/96) e o Código de Ética Profissional dos Psicólogos, com aprovação sem
restrições do Comitê de Ética em Pesquisa – UNICAMP/SP sob o parecer nº 220/2007
e autorizações do Departamento Geral de Ações Sócio-educativas (DEGASE/RJ), dos Juizes
de Direito das Varas da Infância e Adolescência; dos Diretores dos CRIAAD‘s e diretores de
Escolas Públicas.
Das 162 mães de adolescentes entrevistadas (85 do GE e 77 do GC) dados quanto a
problemas de saúde revelou que no período fetal (dez primeiros dias de nascido) do GE, 30,6
% tiveram problemas de saúde nesta fase contra 9,5
% do GC e; ficaram em incubadora 21.4 % do GE contra 2,6 % do GC. Em relação ao
período fetal (décimo primeiro dia aos nove meses), o GE teve problema de amamentação
em 42,9 % contra 24 % do GC, tendo revelado as mães que amamentaram em maior parte
do tempo no peito. Tais problemas foram ―leite empedrado‖, ―não ter leite‖ e o ―bebê não
mamar‖ entre o GE. A administração de alimentos pastosos iniciou mais cedo para o GE que
o GC, por volta dos 3 e 4 meses.
Nesta amostra, fatores vivenciados no período logo após o parto, incluindo a amamentação
até os nove meses de vida do bebê podem comprometer a construção do temperamento
da criança e do adolescente, onde o filho tenderá para um paradigma de necessidades
primitivas insatisfeitas que poderá
4
dificultar
seu
comportamento
futuro.
Não
foram
encontrados
estudos
relacionados ao tema proposto, embora o estudo ―Amamentação, prevalência e fatores
determinantes‖ realizado por Sandes et al5 destaque a influência da amamentação na
vida,
este
mesmo
estudo
não
enfocou
a
questão
do comportamento infrator na
adolescência.
As condições vividas entre o parto e os primeiros nove meses de vida dos adolescentes
infratores e não infratores relatados por suas mães destacaram que não há diferença entre o
peso ao nascer, porém, com significante diferença entre os grupos há os problemas de saúde e
permanência na incubadora nos dez primeiros dias de nascido; problemas com a amamentação
e uma pequena redução do prazer em amamentar após o décimo primeiro dia de nascido. No
processo desenvolvimental
há
transições
fundamentais
que podem
ser
satisfatórias ou não como a transição sensorial, a transição circulatória e o nascimento da
respiração, a transição gravitacional e, por fim, a alimentar. Logo após o parto o bebê tem
maior referência do corpo interno materno e, o
nascimento é um período de adaptação com o meio exterior (Navarro7). Neste
período os telereceptores são estimulados intensamente, mais que na vida intra-uterina e
forma a base de percepção da realidade de seu organismo e o mundo circundante, via sua
mãe. Dificuldades nesta estimulação podem gerar a incapacidade de aceitação da realidade e
até mesmo de suportar algumas circunstâncias do cotidiano. Neste caso, o fluxo energético é
maior no campo reptiliano, que tem a função de sobrevivência ou a manutenção da existência,
portanto, temperamental (Navarro8).
Assim, os problemas de saúde logo após o parto podem acarretar no bebê o registro maior
da estimulação de sobrevivência. O GE referiu doenças como bronquite,
infecção,
convulsão, doença renal, hepatite, icterícia, falta de oxigenação e cardiopatia e, o GC
destacou infecção e convulsão. As mães referiram problemas de saúde dos filhos até
nove meses no GE como bronquite,
―nervos‖,
cardíaco,
desidratação,
renal, pneumonia,
resfriado,
infecção
alergia,
intestinal
e
urinária; no GC como bronquite, cólicas, infecção intestinal, rubéola, sarampo, infecção
urinária e convulsão, não
5
havendo diferença significativa entre os grupos neste período. Os bebês passam do parto
ao nascimento auxiliado pelo cuidado e o contato materno na amamentação pelo
reconhecimento do batimento cardíaco, odor, voz e calor da mãe para registro sensorial de
sua construção subjetiva. Neste momento também ocorre a satisfação da necessidade
fisiológica, a saciação da fome para a homeostase proporcionando bem-estar necessário
ao crescimento e desenvolvimento.
As
vivências
uma necessidade básica dificultarão
o
negativas
de
temperamento, fato
mais
presente no GE que contribui para associação ao comportamento infrator na adolescência.
Ressalta-se que Freud (s/d)9 em Inhibicion, sintoma y angustia, em 1925, apontou a
importância do contato e cuidado materno com o bebê para o desenvolvimento como um
todo, sendo extrema relevância que a mãe deve satisfazer toda necessidade do feto e logo
após o nascimento por meio de seu organismo, pois a vida intra-uterina é substituída pela
relação afetiva materna com o bebê. Nos dez primeiros dias de nascido foi revelado pouco
problema com a amamentação nos grupos, os dois grupos tiveram leite e amamentaram a
maior parte ou somente no peito. Relataram prazer inicial em amamentar, o que aponta para
a relação/contato na satisfação instintiva para o registro de prazer em receber por parte do
bebê, porém, uma pequena redução de prazer aparece até o final dos nove meses.
Embora a redução do prazer em amamentar tenha ocorrido nos dois grupos, as mães do
GE apresentam uma maior redução deste prazer no período neonatal em comparação a fetal, o
que
possibilita uma análise com o destaque de Nóbrega10 “O desenvolvimento
psíquico da humanidade passa pela possibilidade de boas experiências com o primeiro objeto
de amor: o seio materno”.
As mães do GE relataram mais problemas na amamentação no período neonatal, fato
que pode estar associado à redução do prazer em amamentar, que vinculado ao processo de
desmame para o desmame em si é base das questões temperamentais e
interfere
no
que também
desenvolvimento,
segundo Zanini e França11, pois há uma associação do aleitamento com o
desenvolvimento neurológico intelectual do bebê. Para Schappi12 “o homem é
um
mamífero
social,
um
primata
social”
e “quem
fala
mamífero
fala
6
amamentação”. O bebê humano é um matrícula, um matri, um matriz, relativo à mãe; cola,
criação, pois só a fêmea é mamífera. Amamentar é maturar, uma função específica da matriz.
Porém, é necessário destacar que a matriz precisa estar bem para exercê-la, momento em que
é importante o apoio do parceiro na relação do casal. Desta forma, incentivar o
aleitamento e a relação é promoção e prevenção em saúde. Uma mãe que não tem
prazer em amamentar tem dificuldade na relação com seu filho e este registrará tal
informação sensorial no temperamento, tal como pode ser associado aos dados das mães
e o comportamento infrator na adolescência.
O seio, segundo Santos e Zeferino13, é um órgão capaz de proporcionar prazer à mulher,
porém, no caso do lactente, ocorre um encontro de afeto e nutrição para construir-se. A
amamentação, tal como a sexualidade, é uma função humana que foi agredida, alterada e
artificializada. Quantas conseqüências tais situações trouxeram à humanidade! No caso da
sexualidade, ―A causa imediata de muitos males assoladores pode ser determinada pelo fato de
que o homem é a única espécie que não satisfaz à lei natural da sexualidade.‖ comenta
Reich14; o que se pode fazer uma alusão a este comentário quanto à amamentação.
A amamentação deve continuar até o momento em que a glândula timo se torne
funcional, a dentição iniciar sua aparição e o amadurecimento da mandíbula para a
mastigação (Navarro15‘). Isto implicará com que a alimentação comece a ser mudada
gradativamente de líquida para pastosa e para sólida, momento em que se iniciará o
período pós-natal. A amamentação não deve ser tardia nem prematura, mas sim
seguindo o
desenvolvimento natural. A saída da dependência para o processo de independência é
também marcada pelo processo de desmame. Este momento tem base orgânica na maturação
neuro-muscular que favorece a construção da subjetividade e, se retardado, esta necessidade
anterior não satisfeita será levada da relação mãe-bebê para a vida afetiva adulta com
cunho de necessidade imediata. Boadella16 destaca o nascimento como um drama
positivo ou negativo que pode marcar a personalidade e, Gomes17, aborda a
adaptação à nova condição de vida, sendo de extrema importância pontuar que os bebês
passam do parto ao nascimento auxiliado pelo contato materno.
7
O contato com a mãe na ação amamentar deve ser afetivo para que o bebê possa
vivenciar
o prazer
e o registre
em
seu
corpo
favorecendo
o
desenvolvimento da subjetividade. Tais fatores relacionais são sensações intensas pelo
contato dos lábios – língua – palato – mamilo; sensações do contato do nariz e das
bochechas com o seio; sensações de maciez e calor; sensações de estar envolvido, amparado
e abraçado; odores do corpo da mãe; sensações de satisfação na boca – faringe – esôfago
– estômago quando recebe o leite morno; sensações sonoras apropriadas da mãe;
sensações de acariciar, apertar e afagar o seio com as mãos; impressões visuais da
expressão facial da mãe pelo contato ocular. O encontro entre dois organismos
vivos vibrantes é chamado por Reich18 de superposição. No encontro sexual
saudável há uma superposição e, no caso da gravidez e da amamentação, também há
uma superposição. Tais condições são básicas para capacitar o organismo para a potência
na vida, segundo Reich19.
Com a amamentação o bebê chega à fase de estruturar-se pela percepção de si e do outro
(mãe), que é além do fator nutritivo, é relacional. Navarro 21 comenta que a amamentação
com dificuldade em vários aspectos interfere no EU em construção, ainda no período do
temperamento, e está ligado à impossibilidade de lidar com as perdas, onde na realidade o
que importa é o ter sempre. Isto implica em uma vulnerabilidade que pode gerar da depressão
à
explosão. Este ponto se aproxima dos adolescentes em conflito com a lei no comportamento
de ―ter a todo custo e de forma fácil‖, não suportar perdas e que o ter é mais imperioso
que o ser, ou seja, ter para ser. Isto é o temperamento, onde aparentemente há uma
adequação no modo se ser, porém as explosões aparecem nos momentos em que o
sujeito se sinta ameaçado por questões interpretadas como existenciais. No contexto social, os
indivíduos que apresentam psicopatologias de com núcleo psicótico (30%) são os que tiveram
dificuldade no período fetal; indivíduos ―borderline‖ (45%) são
os que tiveram dificuldades no período neonatal (Navarro22); destaca-se aqui
maior atenção para as dificuldades no período neonatal referente aos problemas
saúde,
permanência
na
incubadora,
problemas
com
de
a
amamentação e redução do prazer em amamentar. A saída da dependência para o processo
de independência é, também, marcada pelo desmame. Este
8
momento tem base orgânica na maturação neuro-muscular que favorece a construção da
subjetividade e, se retardado, esta necessidade anterior não satisfeita irá da relação mãebebê para a vida afetiva adulta com cunho de necessidade imediata, o que se observa
que no GE levou mais tempo mamando que o GC.
Assim, pelos dados verificados nos grupos, é possível destacar que as variáveis
saúde
nos
primeiros
dez
dias
de
nascido,
dificuldades
na
amamentação e o prazer materno reduzido na relação/contato com o bebê até os primeiros
nove meses de vida formam um conjunto significativo de reflexão para a problemática da
infração na adolescência. Pode-se inferir que a necessidade de incentivo às mães na
participação de programas de política preventiva de aleitamento como fator que previna
doenças e dificuldades na amamentação que acarretam em problemas de ordem afetiva.
9
REFERÊNCIAS
1. Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus; 1995.
2. Boadella, D. Correntes da vida: uma introdução à biossíntese. São Paulo: Summus
editorial; 1992.
3. Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo/SINASE – Presidência da República –
Secretaria
de Promoção
dos Direitos
da Criança
e do
Adolescente/SEDH – Tabelas do período de 01/08/2006 a 15/08/2006. www.mj.gov.br
(acessado em 21/Nov/2007).
4. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Publicado no DOU de
16/07/1990.
5. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Publicado no DOU de
16/07/1990.
6. Sandes AR; Nascimento, C; Figueira J; Gouveia R; Valente S; Martins S; Corrêa S;
Rocha E; Da Silva L Breastfeeding: prevalence and determinant factors.
HTTP://www2netmed.com.br/pubmed/abstrat.php?bd=pubmed&submit=y&brea
stfeed+AND+portuguese[la]&ids=17868527 Acesso em 27/10/2009.
7. Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus; 1995.
8. Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus; 1995.
9. Freud, S. Obras completas. Tomo III Madrid s/d. p. 2.863
10. Nóbrega, F. J. Vínculo Mãe/Filho. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. p. 64.
11. Zanini, C. & França, M. C. T. Algumas considerações sobre o leite humano e aleitamento
materno. In: JACOBI, Juliana da Silva; LEVY, Deborah Salle & Silva, Luciano Muller Corrêa
da – Disfazia: avaliação e tratamento. Rio de Janeiro: Revinter, 2004.
12. Schappi, R. & col. A dinâmica do bebê. Porto Alegre: Artes Médicas: 1987.
13. Santos, F. R. C. & Zeferino, A. M. B. Ação amamentar e a construção da subjetividade.
Revista científica das Faculdades Maria Thereza/FAMATh. Vol.
½ (Jan/Dez 2007) Niterói: Faculdades Integradas Maria Thereza, 2007.
14. Reich, W. A função do orgasmo. 17ª ed. São Paulo: Brasiliense; 1992. p.
18.
15. Navarro, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus editorial; 1996.
16. Boadella, D. Correntes da vida: uma introdução à biossíntese. São Paulo: Summus
editorial; 1992.
17. Gomes, A. M. A Criança em desenvolvimento: cérebro, cognição e comportamento.
Rio de Janeiro: Revinter; 2005.
18. Reich, W. Crianças do futuro. Orgone Energy Bulletin, Vol. 2 – nº 4, s/d.
19. Reich, W. A função do orgasmo. 17ª ed. São Paulo: Brasiliense; 1992.
20. Baker, E. F. Um estudo posterior da angústia genital em mães que amamentam.
Journal of orgonomy, vol. 3, nº 1, 1952.
21. Navarro, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus editorial; 1996. p.
10.
22. Navarro, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus editorial; 1996.
Vulvodinia: reflexões acerca da sexualidade
Flavio Roberto de Carvalho Santos
1
0
A proposta de discussão sobre Vulvodinia e sexualidade surgiu do trabalho
realizado no Ambulatório de Sexualidade Humana do Instituto de Ginecologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro por ser uma síndrome de difícil diagnóstico. Vulvodinia é uma
junção de duas palavras para designar sofrimento/dor na vulva, onde vulva deriva do
latim volva e refere-se à porção inferior do véu que permanece em torno da base da estipe,
como uma bainha, nos corpos frutíferos de muitos cogumelos e, na anatomia humana feminina,
é a parte exterior do aparelho genital. Dinia significa dor ou sofrimento em região especifica,
neste caso, dor na vulva. Historicamente a Vulvodinia foi abordada pela primeira vez em 1889
por Skene, como sensibilidade vulvar: Síndrome de vestibulite vulvar; Disestesia vulvar;
Vestibulodinia, como sendo a dor ou sensação desagradável na vulva e é caracterizada por
coceira, ardor, picadas ou esfaqueamento na área ao redor da abertura da vagina, forte ou
fraca,
porém crônica. Segundo Zakka, Teixeira e Yeng1, a Vulvodinia é descrita como
desconforto
vulvar
crônico
e
caracterizada
por
queixas
de
ardor
de
queimadura, ardência e/ou irritação na ausência de lesões e prurido que, habitualmente,
não é diagnosticada e tratada convenientemente. Vulvodinia é uma síndrome de dor crônica
que afeta a área da vulva e ocorre sem uma causa identificável ou patologia visível, ou seja,
a "dor vulvar" não implica uma causa específica, sendo complexa e de difícil tratamento (Paolo
Ricci A2)
A antiga Classificação Internacional de Doenças – CID 9 (625.7) destacava o mais próximo da
dor vulvar como “Dor e outros transtornos dos órgãos genitais da mulher” e, na CID 103 (N94),
como “Dor e outras afecções associadas com os órgãos genitais femininos e com o ciclo
menstrual”. Contudo não acrescenta contribuição importante para uma análise em questão.
Dado que a Vulvodinia tem difícil diagnóstico e etiologia complexa, destaca-se que a
sexualidade deva
Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente (UNICAMP), Mestre em Sexologia Clinica
(UGF) e Psicólogo (UGF), professor na UNIABEU, UVA e colaborador no Ambulatório de
Sexologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ / Brasil. E-mail: [email protected].
1
1
ser investigada em sua relação com a mesma. Assim, a proposta de discutir Vulvodinia e
sexualidade levanta interesse na área da Terapia Sexual e também da psicologia em
função da vulva se tornar ―viva‖ ou ―presente‖ por meio da dor.
A referida ―dor‖ em sua sintomatologia inclui os lábios e a entrada para a vagina, sendo
constante, intermitentes ou quando a vulva é tocada, podendo durar anos. Os sintomas
podem ocorrer em um único lugar ou toda a área da vulva e em situações diversas como
durante ou após a atividade sexual, no uso de absorvente íntimo, uso de roupa íntima, anda de
bicicleta ou à cavalo de tal modo que interfere no estado emocional da mulher, inclusive levando
a crise de depressão. É importante destacar que dor é uma experiência sensorial e
emocional desagradável associada a uma lesão real ou potencial, ou descrita
como tal, segundo a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor – SBED4.
O diagnóstico é por exclusão de causas, é baseado nas queixas típicas da paciente cujo
exame físico é essencialmente comum/rotina, pela ausência de causas identificáveis em um
diagnóstico diferencial e não deve ser confundido com vaginismo ou dispareunia. O médico no
exame ginecológico pode usar um "teste de cotonete" para identificar a(s) área(s) de dor que as
pacientes fazem referem a sensação desagradável como a raspagem de uma faca. É comum
que as pacientes busquem vários médicos para sanar suas queixas. Um fato relevante é que
estas mulheres hesitem procurar tratamento para a ―dor vulvar crônica‖ (Vulvodinia) em função
de que para algumas a síndrome iniciou na época em que se tornam sexualmente ativas, o
que desperta a atenção neste trabalho.
O objetivo, então, é ampliar a reflexão sobre o tema vinculado aos aspectos da sexualidade,
pois a estimativa é que ¼ da população sofra desta síndrome, como aponta a Universidade
de Michigan5 que entrevistou 2.269 mulheres na área de Detroit metro e descobriu que mais de
25 % das mulheres sofreram dor vulvar em algum momento de suas vidas. No entanto,
apenas 2 % delas procuraram tratamento. Ainda para Zakka, Teixeira e Yeng6, 15% das
consultas ginecológicas, a Vulvodinia acomete mulheres em todas as faixas etárias incidindo
2
mais entre 18 e 25 anos de idade. Dentre alguns antecedentes, a história reprodutiva e sexual
abaixo de 16 anos assim como o uso de contraceptivos antes dos 17 anos de idade, menarca
antes dos 12 são fatores destacados. Stewart e cols (1994, apud Zakka, Teixeira e Yeng)7
não destacaram incidência de abuso sexual em mulheres vulvodínicas em comparação à
população sem dor.
Quanto ao aspecto afetividade e emoção, Damásio8 aponta que “A tristeza desacelera o
raciocínio e pode nos levar a ficar ruminando a situação que a desencadeou; a alegria pode
acelerar o raciocínio e reduzir a atenção para eventos não relacionados.” (p. 143). Neste
sentido, a mulher vulvodínica tem em sua mente a vulva com dor cotidianamente. Assim,
como o corpo está na mente, a vulva é uma parte do corpo e, certamente, está na mente que
acaba
por interferir nos comportamentos, pois, Ainda destacando Damásio9, “É
impossível continuar a sentir prazer em qualquer atividade que estejamos desempenhando
enquanto sentimos a dor do ferimento.” (p. 131). Esta vivência e realidade alteram a percepção
do corpo, a cognição e atuação do Ego. O cérebro mapeia o corpo e esta é uma forma de
entrada e uso da consciência para a expressão do Ego.
Como
aponta
Damásio10,
desde 2000 já se sabe que a atividade da ínsula também está vinculada à matiz prazer e
dor, por estímulos negativos e positivos (neste caso da sexualidade os estímulos eróticos
e fazer sexo) estão marcados em uma mesma área cerebral. No caso da Vulvodinia, o cérebro
mapeia a vulva com dor e a emoção é comprometida.
Mas, é o cérebro que simula a dor para ―evitar‖ algo ou a dor existe como expressão
mapeada da dificuldade de algo (no caso a sexualidade)? Afetivamente falando ou
com base na sexualidade, a Vulvodinia seria um medo ou um alarme falso? São questões
importantes a ser investigado.
Outro aspecto importante é destacado por Navarro11
sobre a memória emocional que
tem um vinculação com a muscularidade, já que a vulva é uma área envolta por
muscularidade na área pélvica; diferentemente da memória intelectual que se refere á célula
nervosa. A mulher constrói sua identidade do EU e isto inclui a vulva, isto é, com sua
sexualidade. Do ponto de vista dinâmico soma-psique, Navarro12 destaca que “Todo traço
caracterial é, em última análise, a solução que o individuo encontrou para reprimir uma
situação
3
conflitante. A partir do momento que todas as situações conflitantes provocam angústia, é
evidente que o traço caracterial esconde, bloqueia quase sempre uma situação de angústia.”
(p. 26).
Assim, buscando refletir sobre os aspectos da sexualidade, segundo Navarro13, a mulher com
uma Cobertura Caracterial hístero-anal não permite a entrega, não finaliza coisas, não se
expressa plenamente e é ambivalente. Já a Cobertura hístero-clitoridiana demarca em
alguns momentos a vivência de depressão bem compensada, uma pseudogenitalidade,
expressam aparência de segurança, buscam reconhecimento e tem uma excitabilidade
exagerada no clitóris em função de certa virilidade que tende a ser reprimida e hostilizada. Na
Caracterialidade hístero-vaginal onde há uma personalidade maleável, viscosa e infantil, há
um bloqueio intermitente na pélvis, com agilidade corporal de sedução
defensiva
e,
também variação de humor, sugestionabilidade e
fantasiosas. Navarro14, citando Ferenczy, destaca que neste caso há a
genitalização em tudo em função da sobre carga de tensão sexual, onde toda a energia libidinal
é
colocada
como
defesa,
somatizar muito. Navarro15
podendo
ser
expressar
em depressividade e também
sinaliza que “O bloqueio na pélvis comporta presença do
superego ligado ao julgamento dos outros, o que implica numa tensão diafragmática
provocada pelo sentimento de culpa; isso caracteriza o clássico masoquismo do histérico. O
histérico tem, no fundo, medo do sexo oposto e não é capaz de abandonar-se, para não se
culpabilizar,
temendo o julgamento do parceiro.” (p 89).
Além dessas reflexões, é interessante acrescentar que é preciso investigar questões como
orientação sexual (preferência sexual) e opção sexual (escolha que é feita sobre a orientação
sexual) quanto à mulher com Vulvodinia. Tais considerações sugere um nível de
complexidade grande, porém destacam a importância sobre o tema em suas possíveis
vinculações para a devida atuação terapêutica. No que concerne às questões da sexologia,
ou o estudo da sexualidade, e também da importância desse estudo na formação dos
profissionais de saúde, implica na adequada orientação para a terapia sexual. Outra realidade
a ser pensada é se a Vulvodinia é ou não uma Disfunção
4
Sexual, tendo em vista que esta síndrome dificulta a vivência do ato sexual e expressão da
sexualidade.
Referências:
1 – Zakka, T. M.; Teixeira, M. J. e Yeng, L. T. – Dor vulvar Crônica. Revista
Dor, 2009; 10: 4: 349-354.
2 – Paolo Ricci A. - Vulvodinia: un diagnóstico olvidado frente al dolor vulvar. Rev Chil Obstet
Ginecol 2010; 75(1): 64 – 76
3 – Classificação
Internacional
de
Doenças.
On
line,
disponível
em:
http://www.medicinanet.com.br/cid10/n.htm Capturado em 20/01/2012.
4 – Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor – SBED – On line, disponível em:
http://www.dor.org.br/profissionais/index.asp Capturado em 15/03/2012
5 – Universite
of Michigan
Health
System. On
line,
disponivel
em:
http://www.uofmhealth.org/news/se-michigan-vulvodynia (2011) Capturado em
12/12/2011.
6 – Zakka, T. M.; Teixeira, M. J. e Yeng, L. T. – Dor vulvar Crônica. Revista
Dor, 2009; 10: 4: 349-354.
7 – Zakka, T. M.; Teixeira, M. J. e Yeng, L. T. – Dor vulvar Crônica. Revista
Dor, 2009; 10: 4: 349-354.
8 – Damásio, A. – E o cérebro criou o homem. São Paulo: Cia das letras: 2011.
9 – Damásio, A. – E o cérebro criou o homem. São Paulo: Cia das letras: 2011.
10 – Damásio, A. – E o cérebro criou o homem. São Paulo: Cia das letras:
2011.
11 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995.
12 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995.
13 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995.
14 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995.
15 – Navarro, F. – Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995.
Psicopatologia e disfunção sexual: o lugar da terapia sexual
Flavio Roberto de Carvalho Santos
Com base no trabalho realizado no Ambulatório de Sexualidade no Instituto de
1
Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a discussão sobre psicopatologia
e disfunção sexual é um tema complexo, contudo importante para pontuar o lugar da
terapia sexual. Esta tentativa e proposta são de um esboço e conceito didático das principais
psicopatologias com base em autores relevantes. Destaca-se que psicopatologia é um
sofrimento afetivo, uma expressão da grande dificuldade do sujeito para lidar com a
diversidade, flexibilidade e eficácia no uso de diversos mecanismos, sendo esta realidade
interna e construída ao longo de uma vida. Para a compreensão deste fenômeno, a
valorização desde a vida intrauterina é valorizada com grande destaque.
Reich, Navarro
e Bergeret apontam esta etapa da vida como básicas sobre o tema. Algumas estruturas
principais são abordadas, como Neuroses, Psiconeurose, Estados Limítrofes e Psicoses, no
ensaio de fazer uma articulação da sexualidade com indicações e contra indicações à terapia
sexual. Psicopatologia, junção de palavras, deriva de Psico – do grego psyché, significa
borboleta em uma alegoria à imortalidade da alma, pois, após a vida de lagarta, ela se
transforma em pura alegria de viver leve e solta, sendo a alma humana purificada; e Pato
– do grego páthos, refere à doença ou sofrimento e, de logia – do grego lógos,
referente à palavra, discurso ou tratado, no sentido de estudo. As palavras juntas referem-se
ao estudo de um conjunto de
sofrimento da alma
desvios da personalidade,
personalidade
e
dentro de uma estrutura psíquica
as
e têm
desordens
como
objeto
patológicas
os
da
do comportamento. Assim, cada indivíduo se organiza
que
interferirá
que, aoser psicopatológico, acarretará em
na
dinâmica da sexualidade
uma disfunção
sexual.
É neste
sentido que
cabe a discussão sobre o lugar da Terapia Sexual.
Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente (UNICAMP), Mestre em Sexologia Clinica
(UGF) e Psicólogo (UGF), professor na UNIABEU, UVA e colaborador no Ambulatório de
Sexologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ / Brasil. E-mail: [email protected].
2
Neste sentido, alguns pontos naturalmente surgem ligados à psicopatologia, como a
etiologia (estudo da causa ou origem), a nosologia (estudo ou tratado explicativo de
classificação das doenças), nosografia (descrição das doenças) e a semiologia (estudo dos
sinais e os sintomas).
O processo de formação da psique tem inicio na concepção, sendo um processo
biopsicológico longo que deve chegar a uma maturação plena em seu processo de vida
(Navarro1). A característica principal da psique é o fenômeno emocional, onde o afeto é
movido para fora, a expressão afetiva de um conteúdo
armazenado
ao longo
do
construído
crescimento
e
e
do
desenvolvimento. Infelizmente, alguns problemas ocorrem e dificulta este processo que,
neste caso, se estabelece um sofrimento, um páthos. Como a função instintiva humana
básica é a conservação e preservação da espécie, frente a qualquer dificuldade extremada
ou significativa, sempre ocorrerá uma
adaptação que pode ser sinalizada pela patologia como resposta inadequada ao fato na
tentativa de manter a vida. Quando o organismo (dinamicamente, organismo significa soma
e psique juntos) não consegue lidar com as dificuldades, esgotando as ―adaptações‖
patológicas, este sucumbe, adoece mais gravemente e morre.
Uma grande e importante dificuldade destacada é o estresse, valorizado como um agente
desde o período primitivo até a vida adulta, o qual o organismo buscará por uma
adaptação. Uma patologia é uma resposta adaptativa que é um sinal, assim como o próprio
estresse é uma Síndrome Geral de Adaptação, como definido por Selye em 1936 (Moreira e
Mello Fº 2).
No momento mais primitivo da vida, no período embrionário, Navarro3 destaca que o estresse
sobre o embrião é o principal desencadeante da emoção (expressão) do medo (emoção
básica), um medo celular da morte. Situações como
estas
são
vivenciadas
nas
circunstâncias onde há uma tentativa de aborto, intoxicação, uso de álcool e/ou drogas e
todas as outras formas de tensão aguda ou crônica, onde o embrião responderá com uma
reação celular básica de contração, uma defesa, tentando se adaptar. Citando Navarro4: “É
preciso assinalar que cada dano é causa de um mecanismo de defesa para a
3
vida, que se manifesta com diversas patologias.” (p. 17). O mesmo pode ser entendido
referente ao período fetal, pois neste período a psique ainda é fusional e há também uma
simbiose biológica, como no período embrionário. O período fetal tem sua extensão até o
décimo dia de nascido segundo a teoria reichiana.
O parto, momento também crucial para o novo ser, deverá conduzir ao nascimento.
Nascer significa que o bebê será conduzido para uma separação (do útero) adequada, sem
tensões, ansiedades e estresses, para a vivência dos estímulos do contato externo que
facilitará ou não à construção da subjetividade, portanto, da saúde ou da patologia. Uma
mãe muito ansiosa, estressada ou estressante neste momento pode comprometer essa
passagem.
Como já apontado, Navarro5 destaca que Reich considera os dez primeiros
dias de nascido como um período intra-uteriano e, portanto, o período neonatal é demarcado do
11º dia de nascido ao 8º-9º mês, quando nesta época ocorre o desenvolvimento ósseo e
muscular da mandíbula, o processo da maturação nervosa para os movimentos voluntários
da mastigação. Por volta desta idade o recém-nascido dá início à motilidade intencional
com
base
na
maior mielinização das fibras nervosas. Quando a função materna é
insatisfatória continuamente em relação às necessidades simbióticas deste bebê, há a
facilitação para a instalação da psicopatologia do Núcleo Psicótico. Esta psicopatologia
traz
a
angústia
ou
o
sentimento
de
se
desmembrar,
desmanchar, que expressa o não receber e por isso se perdem, ou não se encontram, de
si.
Após o 8º-9º mês de nascido, tem início o período pós-natal, marcado pelo inicio do
processo de desmame e o desmame propriamente dito, por volta do
18º mês. Este período necessita que a função materna favoreça a segurança necessária para
o bebê iniciar a busca além dela. As dificuldades vivenciadas aqui favorecem a instalação
dos Estados Limítrofes pela inconstância, incoerência, ansiedade e incertezas. Da mesma
forma que a precocidade no desmame, a amamentação prolongada também acarreta
dificuldades, pois cria ou mantém uma dependência na simbiose biológica não mais
necessária neste
momento.
O
marcado
pela maior
atuação
período
pós-natal
é
4
neuromuscular que marcará a entrada da criança nas relações mais amplas por seu
crescente desenvolvimento, definindo sua forma (caráter) de ser e atuar no mundo, uma
realidade intra e inter-psíquica. É também marcado pelo desenvolvimento da linguagem,
dependendo dos comprometimentos intensos e graves, poderá se instalar ainda os Estados
Limítrofes. Ressalta-se neste período o início do desenvolvimento para a fase anal, proposta
pela psicanálise freudiana, na construção do EGO. A analidade, psiquicamente, representará a
realidade da condição do controle de si, de seus desejos e vontades assim como a
participação no mundo de forma mais ativa, mais pessoal.
A diferenciação da instalação da psiconeurose na fase pós-natal é a entrada na fase fálica, ou
seja, ativar Édipo e vivenciá-lo como um complexo e ―solucioná- lo‖ inadequadamente. A
neurose, para Navarro6, se instala por problemas emocionais
existenciais
vividas
após
e
a puberdade,
pois não
houve
comprometimento em fase anterior. Sendo a marca de ansiedades e medos referentes à vida
no seu sentido mais simples, nascida de um ambiente cultural
ou social restritivo não tão comprometedor.
É
possível
encontrar
uma
ansiedade ou angústia ligada à sexualidade quanto à entrega ao prazer, somatizações e
estresses circunstanciais; contudo, pode ser minimizado com facilidade, ou seja, é uma
questão existencial. Quanto mais cedo o estresse ocorre no processo de desenvolvimento,
maior o dano na estrutura de um individuo e, conseqüentemente, acarreta na diferença
marcante na forma de lidar com a angústia. Isto explicita exatamente que há um significado
do sinal (sintoma) em relação à situação atual, o curso e a origem da patologia.
A Estrutura Psicótica é produto de um estresse intra-uterino e provoca a angústia do
medo de se desintegrar ou se perder (morrer). A estrutura dos Estados Limítrofes tem
marcado o estresse no período neo-natal que acarreta a angústia do medo de não poder
sobreviver por faltar algo, é a angústia da expectativa da perda. A Psiconeurose, marcado pelo
estresse pós-natal, vive a angústia do medo de não poder viver, pois há a culpa e, o Neurótico,
marcado pelo estresse na vida pós-púbere, vive a angústia do medo de uma
circunstancia ou um momento em que a vida é insatisfatória, ou seja, de não se
5
realizar. Com base em Navarro7, nos estudos acerca da clínica-social, a psicopatológica
está
distribuída
da
seguinte
forma:
Neurose
–
4,9%,
Psiconeurose – 20%; Estados Limítrofes – 45% e Estados Psicóticos – 30%. No mesmo
sentido (Bergeret, apud Bukowski8) destaca que parte da população está distribuída em
Neurose – 33 ou 20%, Estados Limítrofes – 33 ou 50% e, Psicótico – 33%.
Tais dados são importantes para abordar a realidade da sexualidade. Há que se reconhecer
que a sexualidade é uma expressão da saúde pela economia sexual
para
a
manutenção
da
mesma.
e
direciona
Nos
casos
de
psicopatologia, a sexualidade está comprometida e a estase energética da libido sustenta
o sofrimento. É exatamente a boa economia da energia sexual, onde a qualidade da vivência
afetiva é eficaz, que a saúde se estabelece.
Para uma boa compreensão da psicopatolgoia, é importante a compreensão do entrelaçamento
entre a base corporal – neural – com a base psíquica – subjetivo. Uma função psíquica
só ocorre porque há uma base neural, é o corpo respaldando o subjetivo, isso é uma
unidade funcional e não uma oposição. Nas pesquisas do neurologista Paulo Mac Lean, desde
1952, sobre o cérebro triúnico humano, Navarro9 destaca que há uma trindade importante
que suportará a função psíquica. Sendo assim, o Cérebro Reptiliano, se localiza nos
núcleos da base onde residem as funções vitais e instintivas ligada à manifestação afetiva
relacionada ao território, caça e, sexo, principalmente.
Portanto, é um cérebro instintivo. Ao longo do desenvolvimento filogenético o Cérebro
Reptiliano foi recoberto por outro cérebro, o Cérebro Límbico (extremidade, contorno)
presente nos animais vertebrados de sangue quente, os animais que cuidam da prole. Nesta
evolução, o comportamento afetivo em relação ao sentir e experienciar se destaca com a
memória afetiva, sentido de autoconservação e da atividade sexual ligada a uma descarga
energética de prazer e não apenas de procriação, pois há uma conexão com os núcleos da
base, com a hipófise e ao neocórtex. Esses dois cérebro chamados ―animais‖ estão presentes
no homem.
6
O neocórtex é o terceiro cérebro proposto por Mac Lean, o Cérebro Cortical, que possibilita a
dimensão espaço-temporal, da historicidade, da consciência, linguagem, abstração e a
inventividade. A delicada e coerente integração e maturação
destes
três
cérebros
possibilita a saúde, pois determinam a formação do EU (Navarro10). Conseqüentemente,
quando há dificuldades nas etapas de desenvolvimento da fecundação à maturação total dos
cérebros, é
possível ocorrer psicopatologias diferenciadas. Esses três cérebros têm uma única função
de integração coerente em suas funções diferenciadas e complementares que interfere
no ser, na expressão de sua sexualidade.
A nosografia proposta por Bergeret11 destaca as Estruturas Neurótica, Estados Limítrofes e
Estados Psicóticos. Navarro12
destaca Neurose, Psiconeurose, Borderline e Psicoses.
Reich13 aborda principalmente as estruturas neuróticas (o caráter histérico, o caráter fáliconarcisita, o caráter compulsivo e o caráter masoquista) e, na estrutura Psicótica, cita a Cisão
Esquizofrênica. Escribano14 aponta na visão psicossocionômica que há também estruturas de
base como Neurose
(histérico,
obsessivo e passivo agressivo);
Limítrofes (borderline,narcisista e
(paranóia
psicopata)
e
Estados
Estados Psicóticos
e
esquizóide).
A proposta da etiologia das psicopatologias, segundo a visão de Navarro15 em relação à
sexualidade pode ser associada e entendida da seguinte forma: o resultado do estresse do
medo embrionário gera a psicose, a mais grave (autismo), onde o sexo é uma resposta do
cérebro reptiliano, é instintivo, não havendo uma sexualidade. No caso do estresse do medo
fetal, que gera a psicose, há uma falta de identidade biológica do eu e o sexo é
também reptiliano. Não há uma sexualidade propriamente dita nos dois casos, mas a
expressão de uma necessidade de uma fusão biológica. Já o estresse do medo vivido no
período neo-natal, que gera os estados limítrofes, a sexualidade é córtico-reptiliano, com
pseudos contatos, com nuance límbica que não respalda e nem assegura a vivência da
sexualidade propriamente dita. Na psiconeurose, que tem a vivência do estresse do medo no
período pós-natal, há o medo da castração e a culpa, a sexualidade é vivenciada com base nos
mecanismos de defesa. A neurose, cujo estresse do medo é circunstancial após a puberdade,
7
pode aparecer a sexualidade com dificuldade de assertividade em dado momento,
sendo o reflexo do orgasmo comprometido pelo sentimento de ansiedade. Ou seja, a
sexualidade
genital
(madura)
não
é
plenamente satisfatória ou em alguns poucos
momentos.
Ressaltando que a proposta é apontar psicopatologia e disfunção sexual para focar o lugar
da terapia sexual, se destaca que são as psiconeuroses e neuroses que são objetos de
Terapia Sexual por haver um EGO estruturado para a intervenção focal acerca das referidas
disfunções (Vide tabela I). As disfunções sexuais como ejaculação precoce ou retardada,
perda da ereção, inibição do desejo, anorgasmia e vaginismo, por exemplo, destacadas
por
Andrade-Silva16, refletem o não funcionamento adequado de uma ou mais fase
do ciclo da resposta sexual humana a ser investigada. Tais fases deste ciclo são, segundo
Kaplan17,
desejo, excitação,
platô, orgasmo e resolução (DEPOR)
ou, segundo Reich18, tensão, carga, descarga e relaxamento (TCDR), entre outros
teóricos.
Tabela I: Destaca as psicopatologias com suas principais características para o entendimento da
terapia sexual, por ser focal.
Estruturas
Tipos
ESTRUTUR
A
Neurose
NEURÓTICA
ESTRUTUR
A
PSICONEU
RÓ TICA
ESTRUTUR
AS
LIMÍTROFE
S
ESTRUTUR
AS
PSICÓTICA
S
Histérico
Fálico
narcisista
Compulsivo
Passivo
agressivo
Borderline
Masoquista
Narcisista
Psicopata
Paranóia
Esquisoidi
a
Melancolia
Instância
dominante
na
organizaçã
o
Ego
Natureza
do conflito
Natureza da
angústia
Superego
Existencial
Superego
Supereg
o com o
id
Castração
Recalcamento
Genital
Ideal de ego
Ideal de
ego
com id e
realidad
e
Id com a
realidad
e
Perda do
objeto
Clivagem dos
objetos
foraclusã
o
Anaclítica
Id
Principais
defesa
s
Relação
de objeto
Genital
Fragmentação Negação da
realidade
desdobrament
o
Fusional
8
Referências:
1 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
2 – Moreira, M. D. & Mello Filho, J. – Psicoimunologia hoje. In: Mello Filho, J. [e cols]. Psicossomática
hoje. Porto Alegre: Artes médicas, 1992.
3 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
4 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
5 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
6 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
7 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
8 – Bukowski, H. – Jean Bergeret: la personnalité normale et pathologique. (resumé par Henry
Bukowski)
Capturado
em
11/06/2011.
On
line
– Disponivel em:
www.candiulb.be/forum/index.php?act=attach&type=post
9 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
10 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
11 – Bergeret, J [et al] – Psicopatologia: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed,
2006.
12 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
13 – Reich, W. – Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
14 – Escribano, G – Apostila de curso de Formação em Psicossocionomia
(2010).
15 – Navarro, F. – Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
16 – Andrade-Silva, M. C. – Principais sistemas para uso em terapia sexual. In: Andrade-Silva, M.
C.; Serapião,
J. J.; Jurberg,
P. – Sexologia:
interdisciplinaridade nos modelos clínicos, educacionais e na pesquisa. Rio de Janeiro: UGF,
1997.
17 – Kaplan, H. S. – A nova terapia do sexo. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1977.
18 – Reich, W. – Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
A reinserção, do adolescente em conflito com a lei, à convivência social pelo programa de
semiliberdade, perspectivas da Casa de Semiliberdade em Londrina/PR – Brasil.
9
Henrique Siena Zanon1
Silvia do Carmo Pattarelli2
Patrícia Castelo Branco3
Este trabalho pretende apresentar uma extensão do projeto “A subjetivação do adolescente
contemporâneo:
a clínica
psicanalítica
diferenciada”,
que é
desenvolvido com adolescentes em conflito com a lei que cumprem a medida sócio- educativa de
semiliberdade na cidade de Londrina/PR – Brasil. A medida sócio- educativa é uma manifestação
do Estado em resposta ao ato infracional, descrito na Lei como crime e/ou contravenção penal,
praticados por adolescentes menores de
18 anos, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência e é desenvolvida com a finalidade
pedagógico-educativa. A proposta do programa é de articular junto com a comunidade a habilitação
desses jovens ao seu convívio social irrestrito, através de um ambiente socioeducacional, que os
permita desenvolver um novo olhar sobre os aspectos de sua subjetividade, das normas sociais e da
convivência com o outro. A inserção na educação escolar, introdução à profissionalização,
atividades físicas, culturais, religiosas e de lazer, são meios para que eles possam ampliar seu
conhecimento e progredir enquanto sujeito da sua própria história na sua jornada pela Casa de
Semiliberdade. Os estagiários buscam, em encontros semanais, estabelecer vínculos, aprender e
compreender a realidade do adolescente, que está em um período de desenvolvimento pessoal, visto
pela Psicanálise, com base na
teoria Winnicottiana,
como uma busca da identidade
adulta, o que gera
questionamentos e dúvidas sobre suas verdades, devido às constantes mudanças biológicas,
psicológicas e sociais que o circundam. O vínculo entre os estagiários e os jovens é costurado a
partir de um ambiente facilitador durante as ―conversas‖ sobre direitos do adolescente, drogas,
sexualidade e outros assuntos propostos pelos adolescentes. Há também estudos de caso, mensais,
com os profissionais da Casa, onde há uma troca e reflexão das situações experienciadas com os
jovens. Este projeto possui apoio de uma bolsa de Iniciação Científica da Fundação Araucária.
Palavras-chave: Adolescente; Winnicott; Medida sócio educativa; Subjetividade
1 Autor do texto, Discente do 5º ano do curso de Psicologia, Bolsista da Fundação Araucária
(Set/2011 – Set/2012), Centro Universitário Filadélfia – UniFil. ([email protected])
2 Orientadora: Profª do curso de Psicologia/Centro Universitário Filadélfia – UniFil; formada em
Psicologia pela PUC/Curitiba e Mestre em Educação pela Sociedade Educacional Tuiuti (2001).
Coordenadora do Projeto: ―A subjetivação do adolescente contemporâneo: a clínica psicanalítica
diferenciada‖ ([email protected]).
3 Orientadora: Profª de Antropologia do curso de Psicologia/Centro Universitário Filadélfia – UniFil,
formada em História pela UEL e Mestre em História pela UNESP. Profª Integrante do Projeto: ―A
subjetivação do adolescente contemporâneo: a clínica psicanalítica diferenciada‖
(patrí[email protected]).
1
0
Pode-se afirmar que complexidade da adolescência é tão grande
que por muitas vezes foi relegada ao estigma de ―idade difícil‖, e esquecida pelas dificuldades no
encontro com o nosso próprio adolescente que vem à tona na relação terapêutica entre analista e
adolescente.
Desenvolvido a
partir
do
projeto
“A
subjetivação do
adolescente
contemporâneo: a clínica psicanalítica diferenciada”, este trabalho com adolescentes em conflito com a
lei nos permite aprender e compreender a realidade vivida pelos jovens em regime de
semiliberdade, através da teoria winnicottiana que da base para o crescimento de um ambiente
suficientemente bom, e proporciona vinculo entre os estagiários do projeto e os adolescentes.
Buscamos ampliar seu horizonte para com suas expectativas de vida e possibilidades na sociedade.
Primeiramente é necessário compreender o que é ser adolescente segundo
Relatório da Organização Mundial de Saúde (1965) define a adolescência por, um período da vida,
que começa aos 10 e vai até os 19 anos. Já, para o Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990), a adolescência começa aos 12 e vai aos 18 anos. Este enfoque cronológico, especificando a
idade, é baseado pela idéia de ―pessoa em condição peculiar de desenvolvimento‖, pensamento que
se atenta às transformações de ordem física, emocionais e cognitivas desta fase de
desenvolvimento do ser humano.
Para a psicanálise, a adolescência é vista como um período de transição da
idade infantil para a adulta, que compreende muitas transformações biológicas, físicas,
psicológicas e sociais, sendo então um fenômeno de caráter psicossocial, o que pode resultar em
diversas características conforme a influência dos estímulos, do ambiente e da convivência social.
(OUTEIRAL, 2003)
Outeiral (1994) nos diz que, há uma diferenciação conceitual entre puberdade e
adolescência. Puberdade é um processo biológico caracterizado por uma atitude hormonal que
desencadeia as características sexuais secundárias, por volta dos nove e quatorze anos de idade.
A adolescência, por sua vez, é um fenômeno psicológico e social, sendo assim, será influenciado
pelo ambiente social, econômico e cultural em que o adolescente está inserido.
Em ―Três ensaios sobre a sexualidade (1905)‖, Freud (1972) nos traz a
adolescência como uma continuação do período infantil. Essa segunda edição da infância tem em
comum a luta entre um Id mais exaltado e um Ego mais inibido, o
1
1
que leva a um período de transição da estabilidade do estado psicológico da infância e do mundo adulto.
De acordo com Aberastury (1983), a adolescência faz parte de um processo de
desprendimento, este processo transpassa por três etapas cruciais, o nascimento, a percepção da
genitalidade o surgimento da linguagem e o começo do domínio sobre o corpo com o andar, e, a
adolescência.
Com a perda do corpo infantil e o redescobrimento do corpo em
desenvolvimento,
o
adolescente
se
vê
na
necessidade
de
abandonar
a
bissexualidade, aceitar seu sexo e lutar contra a possibilidade real do incesto, já que agora possui os
atributos necessários para definir seu papel de procriador. (ABERASTURY, 1983)
Para Rassial (1997), o adolescente parece com o imigrante, alguém que ainda não
encontrou seu lugar, devido a não ter espaço no âmbito da criança e muito menos no do adulto, fica
sem lugar definido na sociedade.
Outeiral (2003) nos traz a adolescência com um período de transição que
compreende a formação de uma nova fase de seu crescer, o ―pensamento formal‖, que vai lhe
proporcionar a capacidade de refletir sobre o que o circunda, aproximando o da vida adulta. Nessa
busca por uma identidade adulta se vê frente a busca de si mesmo, onde os questionamentos e
duvidas vem a tona, as crises da identidade são freqüentes devido a essa luta pelo eu próprio.
Os estudos de Winnicott (1995) abordam um aspecto de grande relevância
para nosso projeto, a tendência anti-social, que surge a partir da de- privação, não uma simples
privação, mas a perda de algo que foi positivo para o desenvolvimento da criança e que se
estendeu por um período de tempo maior do que seria possível para a criança manter viva em sua
memória esta experiência boa:
Quando existe uma tendência anti-social, houve um verdadeiro
desapossamento (não uma simples carência); quer dizer, houve perda
de algo bom que foi positivo na experiência da criança até uma certa data, e
que foi retirado; a retirada estendeu-se por um período maior do que aquele
durante o qual a criança pode manter viva a lembrança da experiência. A
descrição abrangente da privação inclui o antes e o depois, o ponto exato
do trauma e a persistência da condição traumática [...]. (WINNICOTT, 1995,
p.131)
Winnicott (2000) divide a tendência anti-social entre duas vertentes, o roubo e a
destrutividade. Sendo que a criança busca, com o roubo, encontrar algo
1
2
que foi perdido e fracassa, mas, por ter esperanças, vai à busca disso em outros lugares,
procura
pela
sua
mãe
que
falhou
em
devido
na
momento
do
desenvolvimento. No ato destrutivo, tenta manter um equilíbrio ambiental para suportar o
encontro com seus comportamentos impulsivos, necessário para procurar o limite que foi falho na
função paterna.
Outra contribuição de Winnicott (2000) é a possibilidade de se criar o ambiente
facilitador, o que permite aos estagiários estabelecerem vinculo com os jovens em conflito com a
lei, um espaço em que eles possam se abrir sobre sua realidade história de vida, medos,
frustrações e dúvidas. Proporcionando um cuidado suficientemente bom.
[...] o fornecimento de um ambiente suficientemente bom na fase mais
primitiva capacita o bebê a começar a existir, a ter experiências, a constituir
um ego pessoal, a dominar os instintos e a defrontar-se com todas as
dificuldades inerentes à vida. Tudo isto é sentido como real pelo bebê que se
torna capaz de ter um eu, o qual, por sua vez, pode
em algum
momento
vir
até mesmo
a sacrificar a
espontaneidade, e até mesmo morrer. (WINNICOTT, 2000, p.404).
A partir desse ambiente suficientemente bom, o adolescente pode reestruturar
seus conteúdos psíquicos e dar novos significados aos aspectos de sentido a sua vida, requisito
indispensável para o andamento do projeto. Permitindo através dessa nova visão um olhar inovador
e criativo aos jovens que cumprem medida sócio educativa de semiliberdade.
O adolescente autor de ato infracional, fica sujeito a uma legislação especifica
dada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, sendo esta a aplicação de medidas sócio
educativas; como vemos em Batista (2003):
[...] é uma medida jurídica, de cunho socioeducativo, fundamentada na
doutrina de proteção integral, destinada exclusivamente ao adolescente
autor de ato infracional. Medida jurídica ou legal, porque as medidas
socioeducativas são parte da Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto
da Criança e do Adolescente, É também uma medida judicial, pois só
pode ser aplicada pelo juiz, o qual é a autoridade competente a que se
refere o art. 112 do ECA, ou seja, é quem, verificada a infração, decide
pela aplicação da medida socioeducativa. Este juiz é o da Vara da
Infância e da Juventude. De cunho socioeducativo, porque o adolescente
é um sujeito em desenvolvimento, ou seja, não completamente
formado, o Estado determina que a prioridade da medida deva ser sua
formação, sua socioeducação. Ou seja, que ele receba, durante o
período do
1
3
cumprimento da medida, uma formação que o deixe melhor
preparado para a vida, com valores de respeito a si mesmo e aos outros,
respeito às normas de convivência social, com objetivos de vida e
fortalecido para perseguir estes objetivos, percebendo o que é capaz de
fazer e sabendo onde procurar ajuda, lidando melhor com os limites e as
possibilidades da vida.
As medidas sócio educativas visam inibir a reincidência, tem finalidade
pedagógico-educativa e deve respeitar a capacidade do adolescente em cumpri-las, as circunstâncias
em que o ato infracional foi praticado e a gravidade da infração, pois cada adolescente traz consigo sua
história e trajetória de vida.
Por remeter a pessoa em desenvolvimento e ao contexto em que esta
relacionado o ato infracional, as medidas são aplicadas de acordo com sua particularidade. São
elas,
a
Advertência,
de
serviços à
a
Obrigação
de
comunidade, Liberdade
reparar
o
dano,
a Prestação
assistida, Semiliberdade
e
Internação (BRASIL, 1990).
O regime de semiliberdade pode ser aplicado tanto como medida inicial, quanto
uma transição para o meio aberto. É caracterizado pelo espaço físico no molde de uma moradia
familiar, busca propiciar ao jovem a convivência com outros jovens, num ambiente educativo,
aliado à escolarização, profissionalização, resgate e fortalecimento dos vínculos familiares,
acessam a rede de serviços e programas sociais, conferindo-lhe condições para o retorno ao
convívio social. Não possui prazo determinado.
Sua concepção objetiva proporcionar um ambiente socioeducacional que permita,
ao adolescente, desenvolver um novo código de convivência, além de oferecer garantias quanto à
segurança pessoal, com limites espaciais definidos que lhe deem proteção. Ao manter contato direto
com o meio social, onde realizará suas atividades voltadas ao seu desenvolvimento, além de
outras oportunidades de interação comunitária, o jovem toma conhecimento de novas possibilidades
para sua vida, como sujeito de direitos (BRASIL, 1990).
A partir do fornecimento de um ambiente suficientemente bom, em parceria com
os aspectos sócio educativos proporcionados pela objetividade da medida, conseguimos
estabelecer vínculos com o adolescente em conflito com a lei, indo
ao
encontro
com
sua
subjetividade, a expressão de seus pensamentos, angustias, frustrações, a vida atual e passada e
constante contato com os aspectos de seu desenvolvimento.
1
4
Podemos acompanhar o cotidiano dos adolescentes nos estudos de caso mensais
junto aos técnicos da Casa de Semiliberdade, que fornecem dados da sua visão sobre a rotina ali
vivida, são discutidos a realidade econômica, cultural, escolar e familiar dos jovens, os atos que
culminaram no cumprimento da medida, seu comportamento dentro e fora da casa, a evolução de seu
caso, as alternativas e as expectativas frente a cada individuo.
São realizadas atividades semanais com duração de 1h e 30 minutos, com
aproximadamente dez adolescentes, dentre as quais se podem destacar os diálogos, que tem os
temas sugeridos pelos próprios meninos (drogas, direitos da criança e do adolescente, sexualidade),
há também atividades físicas na quadra poliesportiva, culinária e dinâmicas de grupo.
O projeto “A subjetivação do adolescente contemporâneo: a clínica psicanalítica
diferenciada” ainda está em andamento, porém pode-se observar o interesse dos jovens em
participarem e contribuírem para a realização das atividades, as dúvidas, sobre drogas e
sexualidade principalmente, que surgem em meio aos debates, a vontade de expressarem e
compartilharem seus sentimentos, e a busca por novos conhecimentos.
Vê-se então que o adolescente em regime de semiliberdade é um ser humano
em desenvolvimento, cercado por conflitos em muitas esferas da sociedade, digno de um olhar
sem preconceitos estabelecidos, e que deve ser tratado como sujeito de direitos, garantindo-lhe
condições para o seu retorno ao pleno convívio social.
1
5
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ABERASTURY, Arminda; e colaboradores. Adolescência. 2. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1983.
BAPTISTA, M. V. Prestação de serviços à comunidade. São Paulo: NCA, 2003. V. I
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal n°8069 de 13 de julho de 1990. Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 20 fev. 2012.
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. ESB, v. VII, Imago, 1972.
ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD -OMS. Problemas de salud de la adolescência. Série
de Informes técnicos. Geneva: OMS, 1965.
OUTEIRAL, José Ottoni. Adolescer: estudos sobre adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
OUTEIRAL, José Ottoni. Adolescer: estudos revisados sobre adolescência. Rio de
Janeiro: Revinter, 2003.
RASSIAL, Jean-Jaques. A passagem adolescente: da família ao laço social. Porto
Alegre: Artes e Ofícios, 1997.
WINNICOTT, D. W. Da Pediatria à Psicanálise: Obras Escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
WINNICOTT, D. W. A tendência anti-social. In D. W. Winnicott, Privação e delinquência (p. 135147). 3. ed. Trad. A. Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
“Sobrecarga en cuidadores familiares de pacientes con demencias: el Síndrome del cuidador”.
Autores: Tartaglini, M.F. ; Hermida, P.D. & Stefani, D.
Institución: Instituto de Investigaciones Cardiológicas ―Prof. Dr. Alberto C. Taquini‖ (ININCA – UBA CONICET), Ciudad Autónoma de Buenos Aires, República Argentina.
Mail de contacto: [email protected]
1
6
En este trabajo se presentan resultados parciales correspondientes a un proyecto de investigación mayor
titulado ―Evaluación de la Apraxia en Pacientes con Demencia y del Bienestar Subjetivo en Cuidadores
Informales: Un estudio Interdisciplinario en Familiares‖, el cual contó con el subsidiado de CONICET: PIP
Nº 5464/05.
Resumen
Objetivo: Evaluar la influencia del sentimiento de sobrecarga de los cuidadores familiares de pacientes
con demencias, sobre los trastornos de salud que éstos experimentan. Método: Estudio descriptivo de
corte transversal, en 200 cuidadores de distinto sexo y edad, residentes en
Buenos Aires (República
Argentina). Se aplicaron, a los cuidadores familiares, un cuestionario de datos generales y psicosociales y la
escala de sobrecarga. Resultados: Se observó que a mayor nivel de sobrecarga en los cuidadores
familiares, mayor probabilidad de presentar algún trastorno de salud. Discusión: Estos hallazgos coinciden
con otros trabajos empíricos, en los que se define a los trastornos de la salud de los cuidadores como
―Síndrome del Cuidador‖. Este síndrome describe el aumento de la vulnerabilidad del cuidador familiar a
contraer trastornos en su salud, físicos y psíquicos, como consecuencia de la situación estresante de
asistir al familiar enfermo.
Palabras claves: Cuidadores familiares - Demencias - Sobrecarga - Trastornos de salud.
1
7
Introducción
La figura del cuidador informal de un paciente con demencia, refiere a un individuo que pertenece a la
red de apoyo social del enfermo y que dedica la mayor cantidad de tiempo al cuidado del paciente. No
recibe retribución económica alguna por las tareas que realiza y es percibido por los miembros de la familia
como el único responsable del cuidado (Tartaglini, Ofman & Stefani, 2010).
En la actualidad, numerosos trabajos empíricos demuestran que el cuidar, por ejemplo, a una
persona mayor con discapacidades resulta un proceso estresante, que genera en los cuidadores familiares
un aumento del riesgo de padecer problemas físicos y mentales (Pearlin, Mullan, Semple & Skaff, 1990;
Zarit, Todd & Zarit, 1986; Kielcot-Glaser et al., 1991; Schulz & Wiliamson, 1991).
La expresión de las repercusiones del cuidado ha sido conceptualizada con el término de ―carga‖ o
―sobrecarga‖ (Robinson, 1990). Desde la Teoría Transaccional del Estrés (Folkman & Lazarus, 1984), se
considera al sentimiento de sobrecarga del cuidador como una de las manifestaciones del estrés
psicológico y social generado por dicha situación.
Objetivo
Este trabajo se propone describir la presencia y tipo de trastornos en la salud de los cuidadores
familiares de pacientes con Demencias, asociados a la tarea de asistir al enfermo; y evaluar la probable
relación entre el sentimiento de sobrecarga experimentado por ellos y el desarrollo de dichos trastornos.
Hipótesis
La presencia de mayores niveles de sobrecarga favorece la aparición de trastornos de salud en los
cuidadores familiares de pacientes con Demencias, como una de las consecuencias probables de las
tareas de cuidado que realizan.
Metodología
Diseño
Con el fin de cumplir con el objetivo propuesto, se siguieron los pasos correspondientes al estudio
ex post facto, de corte transversal.
Población y muestra
Se consideraron sujetos del estudio a los cuidadores familiares
residentes en Capital Federal y Gran Buenos Aires, República Argentina,
de diferente sexo y edad,
que acompañaron a los
pacientes con Demencia a los Servicios de Neurología del Hospital Interzonal General de Agudos Eva
Perón, del Hospital Dr. Abel Zubizarreta y a otras instituciones médicas, públicas y privadas, para su
atención. La muestra se encuentra conformada por 200 cuidadores familiares, que fueron seleccionadas a
1
8
través de la estrategia de muestreo no probabilístico de tipo accidental.
Con respecto a las características sociodemográficas de la muestra, el promedio de edad de los
cuidadores fue de 58 años (de: 15.9) y el 71% son mujeres. El 93% de la muestra es de nacionalidad
argentina y con respecto al estado civil, el 76% vive en pareja. En relación al vínculo de parentesco
1
9
establecido con el paciente, el 44.5% eran cónyuges y el 42% hijos. En cuanto al nivel de educación, el
38% consignó estudios primarios y el 35% secundarios; y en cuanto a la ocupación, el 54% se encontraba
empleado, desarrollando tareas docentes, comerciales u oficios varios. Para finalizar, el 90% profesaba
alguna religión, siendo en su mayoría católicos (93%).
Material y Procedimiento
Instrumentos de medición:
Cuestionario de Datos Generales y Psicosociales (construido ad hoc). Este instrumento, recaba
información demográfica y sociocultural del cuidador familiar, como así también el tipo de
enfermedades, emergentes como una consecuencia probable de las tareas de cuidado. Se
elaboraron, preguntas abiertas y cerradas con alternativas fijas.
Escala de Sobrecarga (Zarit & Zarit, 1982; Martín, et al., 1996). Esta Escala fue diseñada para
valorar la vivencia subjetiva de sobrecarga experimentada por el cuidador principal de pacientes
con Demencia, con el fin de explorar sus efectos negativos en las distintas áreas de su vida: salud
física, psíquica, actividades sociales y recursos económicos. Se utilizó la validación española de la
Escala (Martín, et.al., 1996), compuesta por 21 ítems.
Recolección de datos:
Una vez logrado el consentimiento de las autoridades pertinentes, y la aprobación de los
respectivos comités de Ética y Docencia e Investigación de las instituciones de salud que colaboraron con el
estudio, se entrevistaron a aquellos cuidadores que manifestaron libremente su aprobación a participar en
la presente investigación, quedando ésta expresada a través de la firma del consentimiento informado. Los
instrumentos fueron administrados a los cuidadores familiares principales en forma individual, como
entrevista estructurada, cuya duración fue de 40 minutos, aproximadamente.
Análisis estadísticos
Se utilizó la prueba de X2 (JI Cuadrado) de independencia estadística y se obtuvo el coeficiente de
asociación Phi, considerando a la variable ―Niveles de sobrecarga‖ como antecedente y la ―Presencia de
trastornos de salud‖ como variable consecuente. Se fijó un nivel de probabilidad de error menor o igual al
valor de .05.
2
0
Resultados
Tabla 1.Niveles de sobrecarga
(n=200)
Niveles de
sobrecarga
n
%
Ausencia de sobrecarga
98
49
Sobrecarga leve
37
18,5
Sobrecarga intensa
65
32,5
Total
200
100
En la tabla 1 se observa que las respuestas de los cuidadores familiares se concentraron en las categorías
―Ausencia de sobrecarga‖ (49%) y ―Sobrecarga intensa‖ (32.5%).
Tabla 2. Tipo de trastornos de salud
(n=134)
Tipo de Trastornos
n
Físicos: Total 134
Hipertensión arterial
Alteraciones gátricas
Alteraciones del sueño
Otras (Hipotiroidismo, Diabetes)
Total T. Físicos
12
5
4
2
23
Psíquicos: Total 134
Ansiedad
Tristeza/Depresión
Agotamiento
Irritabilidad
Total T. Psíquicos
68
27
12
4
111
%
23
111
En la tabla 2 se presentan las distribuciones
52,2
21,8
17,4
8,6
100
61,3
24,3
10,8
3,6
100
17,3
82,7
de frecuencias y porcentajes correspondientes a las
respuestas de los cuidadores familiares acerca de los tipos de trastornos de salud asociados a las tareas
de cuidado del paciente con Demencia. De la muestra total de 200 cuidadores, el 67% (n=134) presentó
algún trastorno en su salud, a partir de realizar las tareas de cuidado. Se observa que la mayoría indicó la
2
1
presencia de trastornos de tipo psíquicos (82.7%), de los cuales, más de la mitad contestó sentirse ansioso
(61.3%). Con respecto a los problemas de salud de tipo físico, el 17.3% respondió afirmativamente, entre
los que el 52.2% consignó problemas de hipertensión arterial.
Tabla 3.Presencia de trastornos de salud según niveles de
sobrecarga
(n=200)
Presencia de
Niveles de sobrecarga
trastornos
Ausencia
Sobrecarga
Sobrecarga
de la salud
total de sobrecarga
leve
intensa
n1
%
n2
%
n3
%
Muestra
nt
%
NO
48
49
10
27
7
11
66
33
SI
50
51
27
73
58
89
134
67
Totales
98
100
37
100
65
100
200
100
x2 = 21.4 p < .000 Phi = .35
En la tabla de contingencia número 3, se consignan las frecuencias absolutas y porcentajes
correspondientes a la variable ―Presencia de trastornos de salud‖ según la característica
―Niveles de
sobrecarga‖. En la última columna de esta tabla, correspondiente a los valores marginales, se observa que
más de la mitad de los cuidadores (67%) manifestaron sufrir algún trastorno de salud. Asimismo, los otros
datos indican la tendencia que a mayores niveles de sobrecarga, mayor probabilidad de presentar algún
trastorno de salud. Se destaca que entre los que no presentaron algún trastorno de salud, el 49%
respondió ―Ausencia de sobrecarga‖, mientras que, entre los que sí consignaron sufrir alguna enfermedad,
el 89% contestó ―Sobrecarga intensa‖. Con respecto a los valores obtenidos en la prueba de Χ2 (Ji
cuadrado) y el coeficiente Phi, estos indican una asociación positiva y moderada entre las variables
―Presencia de trastornos de salud‖ y ―Niveles de sobrecarga‖ (X2= 21.4; p < .000; Phi= .35).
Discusión
Los resultados hallados en el estudio indican un predominio de cuidadores familiares que
manifestaron padecer algún tipo de problema de salud, en su mayoría de tipo psíquicos. Estos hallazgos
apoyan la hipótesis formulada y coinciden con otros estudios que definen al conjunto de los trastornos
padecidos por los cuidadores como ―Síndrome del Cuidador‖. Este concepto se refiere al aumento de la
vulnerabilidad del familiar responsable, que repercute en una mayor probabilidad de aparición de
problemas psíquicos, tales como sentimientos de cansancio, tristeza, ansiedad/depresión, irritabilidad y
culpabilidad, y problemas físicos tales como astenias, cefaleas, alteraciones del sueño, lumbalgias,
afecciones de la piel, alteraciones gastrointestinales (Dillehay & Sandys, 1990; Baltes & Schaie, 1976).
Al respecto, Perlado (1995) señala que los cuidadores familiares de pacientes con Demencia
2
2
deben ser considerados un grupo sociosanitario de riesgo, debido a las repercusiones desfavorables
sobre su salud bio-psico-social,
generadas por las tareas deben desarrollar. El autor los considera
―segundas víctimas‖ de la enfermedad, refiriéndose a la continua sobrecarga a la que están expuestos,
2
3
tanto física como emocional, resultante de asumir la responsabilidad principal del enfermo,
perdiendo así el cuidador su independencia, y paralizando sus proyectos personales durante el
tiempo de cuidado.
Referencias
Bibliográficas
Baltes P. B.; Schaie K. W. (1976). On the plasticity of intelligence in adulthood and old
age. American
Psychologist,
10: 720-725.
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learning from research. International Journal of aging and human development, 30 (4): 263285.
Kielcot-Glaser, J. K. et al. (1991). Spousal Caregivers of Dementia Victims: Longitudinal
changes in immunity and health. Psychosomatic Medicine, 53: 345-362.
Lazarus, R.S.; Folkman, S. (1984). Stress, appraisal and coping. New York:
MacGraw-Hill.
Martín, M.; Salvado, I.; Nadal, S.; Mijo, L. C.; Rico, J. M.; Lanz, P.; Taussig, M. I. (1996).
Adaptación para nuestro medio de la
escala de sobrecarga del cuidador (Caregiver
Burden Interview) de Zarit. Rev. Gerontol, 6: 338-346.
Pearlin, L.; Mullin, J.; Semple, S. & Skaff, M. (1990) Caregiving and the Stress Process: An
Overview of
Concepts and their Measure. The Gerontologist,
30: 583-591.
Robinson, K.M. (1990) Predictors of burden among wife caregivers. Scholarly inquiry for nursing
practice. A International Journal, 4(3): 189-203.
Schulz, R. & Wiliamson G. M. (1991) A 2-year Longitudinal Study of Depression Among
Alzheimer‘s
Caregivers.
Psychology
Aging, 6: 569-578.
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Tartaglini, M. F., Ofman, S. D., Stefani, D. (2010). Sentimiento de Sobrecarga y
Afrontamiento en Cuidadores
Familiares
Principales
de
Pacientes
con Demencia
Zarit, S. H.; Todd, P. A.; Zarit, J.M. (1986) Subjective Burden of Husbands and Wives as
Caregivers: A Longitudinal Study. The Gerontologist, 26: 260-266.
Zarit J. M.; Zarit, S. H. (1982). Measurement of burden and social support. Paper presented at
the annual scientific meeting of the Gerontological Society of América. San Diego.
2
4
Controvérsias no diagnóstico de psicopatia: memória e signos da violência
Francisco Ramos de Farias
Considerar os restos e fraturas indizíveis decorrentes do excesso incrustado no
psiquismo devido ao acontecimento traumático é uma tarefa árdua. Em princípio, ante a
possibilidade de formulação de um diagnóstico. A esse respeito sabe-se que com relação à
psicose e a neurose já se tem avançado bastante, mas quando se trata da psicopatia há
ainda muitas obscuridades. Tomemos esse ponto para situar nossas reflexões: se o
diagnóstico, mesmo que seja para fins de tratamento, produz sempre uma situação de
estigma, a situação se agrava no tocante à psicopatia por ser uma categoria nosográfica
em relação a qual os teóricos divergem bastante. Para aprofundar essas questões
no âmbito de um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, iniciemos pela
complexidade do que seja uma avaliação psicológica.
Se o homem não se expusesse a situações difíceis em sua vida
provavelmente seu estado psíquico apresentaria um estado de estabilidade. Isto por que as
situações traumáticas produzem fraturas no funcionamento psíquico e deixam restos
indeléveis de difícil elaboração. É nesse sentido que se assenta a avaliação psicológica,
ou seja, identifica os vestígios de memória que se produziram em decorrência da
exposição do homem a situações traumáticas. Os efeitos dessa exposição, juntamente
com a condição de desamparo do ser, produzem condições que levam o sujeito a produzir
ações como respostas ou tentativas de elaborações. Uma delas pode ser a escolha de
alternativas criativas para deixar produções culturais como um legado que testemunhe a
passagem pela vida. Nem sempre é isso o que acontece, pois muitas vezes o homem
sucumbe diante de tais efeitos e não suporta o peso que é a travessia da vida chegando ao
suicídio, ao homicídio e outras formas de ações destrutivas.
As ações destrutivas suscitam sempre uma explicação: o que teria levado o
homem a praticá-las? As respostas são inúmeras e advêm de vários campos da
experiência humana. Porém nos ateremos nesse recorte às ações destrutivas que são
praticadas por sujeitos que não dispõem momentaneamente de juízo crítico para avaliar
as suas consequências. Esses sujeitos são inscritos em uma categoria que é produzida
pela interferência do saber médico no âmbito das práticas jurídicas. Referimo-nos ao
louco criminoso; louco infrator, ou pessoas adultas com transtornos
2
5
psíquicos em conflito com a lei. Há
Geralmente as pessoas
aqui
uma
particularidade
a
ser
assinalada.
que são inseridas nessa rubrica trazem consigo uma marca
bastante estigmatizante em função do diagnóstico que recebem: retardo mental, psicose
e psicopatia entre outros. Qualquer uma dessas modalidades diagnósticas enfeixa
sujeito
em uma categoria
que é objeto
de exclusão
social
o
e,
consequentemente, dificilmente, consegue a recuperação para a vida em sociedade, seja
pelo diagnóstico, seja pela passagem em instituições de custódia para tratamento psiquiátrico.
Em outras palavras, essas pessoas são objeto de duplo estigma, visto encerrarem duas
nuanças mais sombrias da experiência humana: a loucura e a criminalidade. Conforme
assinala Carrara (1998) o destino é serem confinadas a um local que apresenta uma faceta
de prisão para criminosos e outra de hospício para loucos. Eis a solução que a sociedade
apresenta para situações dessa natureza, pois sabemos que toda vez que a sociedade se
depara com um problema, logo se mobiliza para produzir uma solução e, nesse caso, não é
diferente.
Certamente o crime e a loucura são questões que emergem da condição
social. Porém são focos de tensão, razão pela qual quem comete um crime ou quem
enlouquece denunciam a existência de um zona de mau funcionamento social. Por isso é
preciso legitimar tais agentes, incluí-los em uma categoria social negativa para então ter
lugar o processo de exclusão e confinamento. Assim, são produzidas estratégias de
avaliação quantitativas e qualitativas que têm sempre um mesmo objetivo: identificar
agentes diferentes considerados negativamente e aplicar determinadas medidas que
são ideologicamente produzidas como condições de produção de estabilidade social
(ROVINSKI, 2007). Geralmente as justificativas para o emprego de tal procedimento são
tecidas em razão dos pareceres serem produzidos no âmbito do contexto científico, como
se esse argumento fosse suficiente para empreitadas que tentam minar a singularidade
do homem na produção de seres homogêneos. Eis uma das possíveis aplicações da
avaliação dos vestígios da situação traumática que concorre para a inserção de um
sujeito em função de uma ação praticada, sob a ótica de um estigma indelével (MILLER e
MILNER, 2006).
Retomando a questão do diagnóstico de psicopatia estamos diante das
possibilidades de avaliação de situação de transbordamento em termos de elaboração,
mesmo que consideremos a existência de um tipo de saber aliado a uma intenção, os efeitos
da situação, às vezes, escapam o limiar de compreensão. Então se produz o arranjo
mnésico, em sua estrutura sinuosa devido ao recalque, ao lado da
2
6
descontinuidade produzida pelo trauma, O trauma torna as cadeias mnêmicas
heterogêneas no sentido de produzir uma história singular em função do modo como os
arranjos
de
temporalmente
memória
como
(inscrição,
registros
tradução
passíveis
de
e
retranscrição)
análise
(FARIAS,
são
2011).
dispostos
Mesmo
considerando que a estruturação das cadeias mnésicas dependem de circunstâncias
históricas, ou seja, da presença do representante da espécie que se encarrega de
transmitir para a cria humana o legado da cultura, tentamos entender que relação há entre o
acontecimento traumático, a memória no âmbito da alteridade e a produção de uma categoria
diagnóstica repleta de controvérsias, basta, como título de ilustração, situar as diferentes
denominações que foram produzidas ao longo do século XX (SCHNEIDER, 1968). Não
é objetivo aqui adentrar nessas questões para maiores esclarecimentos, uma vez que nos
centramos na análise dos efeitos que incidem sobre o sujeito diante de um diagnóstico dessa
enfermidade psíquica. Por um lado, há um corrente que acredita que tais serem não se
beneficiariam com um tratamento, restando-lhes apenas a condição de encarceramento
quando praticam um crime. Por outros, existem os defensores de que a psicopatia é uma
enfermidade psíquica que poderia muito bem ser beneficiada com um tratamento, apenas
ainda não foram produzidos os instrumentos para intervir nessas situações. Daí então
esses sujeitos poderiam ser encaminhados aos hospitais de custódia para tratamento. Em
uma temos a negação da psicopatia como enfermidade psíquica e sua inscrição no
campo da maldade humana para a qual somente as instituições prisionais encarregar-se-iam
da correção ou anulação. Em outra, há a aceitação da psicopatia como doença psíquica,
porém há também o reconhecimento da inexistência de meios adequados para o
tratamento.
Como podemos depreender a psicopatia representa uma categoria limite entre
a psiquiatria e justiça penal, pois ora esse primeiro campo a inclui no rol das enfermidades
psíquicas; ora, o segundo aborda como falha incorrigível do caráter. Dependendo
de
uma leitura ou de outra se tem uma situação revestida de ambiguidades e
contradições, o que certo modo representa a herança de posturas da psiquiatria positivista
que propunha a existência da de traços degenerativos que concorriam para o
aparecimento da loucura e a ideia lombrosiana de criminoso nato explicada em termos de
uma condição atávica presente no homem que o aproximaria de
seres
involuídos
e
primitivos. Não obstante, a formulação dessa categoria diagnóstica representa para o
saber médico ―o poder psiquiátrico em termos de um
2
7
instrumento para a patologização de um número cada vez maior de atos e indivíduos e para a
justiça a possibilidade de uma solução cômoda para o crescente índice de criminalidade,
permitindo
a referência
a causas mórbidas
e mascarando
a
problemática política social (RAUTER, 2003, p. 115).
A psicopatia em ambos os campos de saber, psiquiatria e direito, é
considerada na rubrica de personalidade anormal conforme formulação de Schneider (1968).
Não obstante convém esclarecer que, em primeiro lugar, referir-se a personalidade
anormal não quer dizer necessariamente personalidade mórbida como no âmbito das
psicoses. Certamente as personalidades psicopáticas são consideradas como aquelas que
sofrem ou fazem sofreu a sociedade. Como se pode observar a própria definição já
apresenta um grande paradoxo: como pode ser considerada uma entidade que faz sofreu o
sujeito ou sociedade, como anormal, mas não mórbida? Apesar dessa contradição o
mérito do trabalho de Schneider foi trazer a questão da psicopatia para o âmbito da
psicopatologia, mesmo sem considerá-la como enfermidade psíquica mórbida, pois a
sua interpretação recaia na observação de sujeitos que apresentam ações que se
desvia em relação a uma faixa média da população, em termos daquilo que é definido no
campo exclusivo da criminologia.
Cabe antes de prosseguir tecer algumas considerações. Embora possamos
considerar, por um lado, a inclusão da psicopatia no campo da psicopatologia um grande
avanço, principalmente no que concerne a possibilidade de tratamento, por outro, a ideia
de personalidade anormal não permite considerá-la no âmbito dos fenômenos psíquicos
mórbidos. Sendo assim, o psicopata não teria um lugar no contexto da prática
psiquiátrica restando-lhe apenas o enquadramento da prática jurídica para retificá-lo
pelas correções, quando possível, de seus desvios. Ainda assim, considerar o psicopata
como anormal, mas não enfermo, equivale a imputá-lo um rótulo que o insere no estigma de
irrecuperável.
É pertinente extrair dois elementos da proposta de Schneider para considerar as
contradições presentes: o que significa, por exemplo, fazer o sujeito sofrer? ou fazer
sofrer a sociedade? Em primeiro lugar essa tese traz a ideia de que tanto o homem
quanto a sociedade devem ser pensados em estado de harmonia como uma realidade
indivisível. Sendo assim, transgredir as normas criadas pela sociedade seria fazê-la sofrer e,
por isso, o homem seria mau. Mas quem são aqueles que fazem a sociedade sofrer?
Certamente são aqueles que têm em sua origem constitucional uma predisposição hereditária
para fazer maldades. É conveniente salientar que analisar a
2
8
questão por essa ótica significa incluir qualquer tipo de contestador das normas sociais
nessa rubrica e, nesse bojo, são incluídos os loucos criminosos para que sejam retirados da
sociedade em defesa do bem estar social, uma vez que são considerados como um tipo de
ameaça. Por serem considerados intratáveis e passiveis de não serem educados restaria para
esses sujeitos, como destino, apenas a instituição prisional. Um outro
ponto
merece
destaque: o psicopata é aquele que causa sérios danos à sociedade, principalmente
pelo desrespeito às leis. Então se a questão é desrespeito às leis tem-se uma questão que
concerne ao âmbito da justiça criminal, sendo que o saber psiquiátrico, como estratégia de
poder, comparece para indicar, por intermédio de seus procedimentos técnicos, a existência
de desvios de uma condição idealizada socialmente como padrão.
Quais seriam então os argumentos utilizados pelo saber psiquiátrico para inserir
um determinado sujeito que pratica uma ação na rubrica de psicopatia? Em princípio
aponta-se uma vida atribulada em termos de precárias condições socioeconômicas
e ainda o desequilíbrio familiar. Sendo assim, alguns sujeitos dificilmente escapariam a
esse destino e são aqueles que povoam as instituições de reclusão que concentram, em
sua maioria, a pobreza criminalizada que é severamente punida com a privação das
condições mínimas de vida que são dever do Estado (WACQUANT, 2003). Há nisso a
difusão de uma tese de que determinados sujeitos são perigosos para a sociedade pelos
seus maus hábitos e pela dificuldade em seguir as normas estabelecidas, devendo ser
recluídos em lugares de confinamento para a defesa da sociedade. Certamente
determinados segmentos da população dificilmente escampam de serem enquadrados
nessas condições. Na medida em que o social admite que haja uma escolha por um tipo
de vida desregrada repleta de maus hábitos, então devem ser implantadas medidas
preventivas para coibir a má escolha feita por esses sujeitos que provenientes de classes
socais desfavorecidas economicamente superlotam prisões, instituições asilares, hospícios,
internatos entre outros. Quem são esses personagens condenados socialmente a engrossar a
lista de pessoas consideradas perigosas para a sociedade e que uma vez apreendidos pelos
órgãos de repressão são inseridos na rubrica de psicopatas? São filhos de prostitutas, órfãos,
moradores de rua entre outros que, segundo o saber psiquiátrico adotam, em suas
vidas, atitudes perigosas de rebeldia por não se disporem à obediência às leis sociais.
Como é uma categoria de amplitude considerável que vai da excentricidade à
criminalidade, o campo da psiquiatria como dispositivo de controle social adota
2
9
como medidas de proteção à sociedade a ideia de que tais sujeitos se recusam na vida a
seguir as leis sociais por algum tipo de erro da razão. Mas não somente isso: são sujeitos
rebeldes que, mesmo sendo capazes do uso da razão na decisão quanto à prática de
suas ações, decidem pela escolha de atos que os colocam enquanto atores na em condição
de contestação. São essas algumas das dificuldades relacionadas ao diagnóstico de
psicopatia, seja na diferenciação em relação à neurose e à psicose; seja em termos do
sofrimento psíquico do sujeito, pois o acento então considerado coloca em primeiro plano a
defesa da sociedade. A argumentação para abordar a psicopatia nesses termos, como uma
questão que concerne ao social reside no fato de que diferentemente dos neuróticos e
psicóticos admite-se que o psicopata não cometem erros da razão, mas a ―ausência de
uma comunicação com o meio que data da infância‖ (ALONSO FERNANDEZ, 1972, p.
371).
Para finalizar deter-mos-emos nesse último aspecto. Esmiuçar a história de vida e
a infância de pessoas que cometem crimes em estado de ausência de racionalidade
crítica tem sido uma prática corrente utilizada para constatar a anormalidade. Por
esse motivos são buscados os indícios de ações praticadas que sejam
considerados
como oposições sociais e atitudes rebeldes em relação à obediência das regras
sociais. Certamente essas posturas são guiadas por dispositivos disciplinares e de controle
social (MACHADO, 1998).
Notadamente os indícios procurados são buscados em termos de inadaptação à
vida escolar, aos ambientes de trabalhos, aos costumes vigentes de uma dada
sociedade que são considerados, pelo saber médico, para definir a psicopatia. Como se
trata
de
condições
desfavoráveis
que
causaram
danos
psíquicos,
haveria
a
possibilidade de que um tratamento pudesse ajudar esses sujeitos. Para tanto é
necessária a reclusão em instituições. Daí o motivo pelo qual foram criados os
manicômios judiciários, atualmente denominados hospitais de custódia e tratamento
psiquiátrico. Não obstante, uma ambiguidade persiste nesse tipo de abordagem,
especialmente em relação à crença de que os psicopatas dificilmente mudam suas ações
e convicções a partir de interferências externas. Eis o que saber médico atual reedita do
pensamento de Schneider (1968) para quem a vida infantil a educação infantil sendo
eficaz faria com que crianças e jovens sejam facilmente curáveis.
A direção oposta é pensada em relação ao psicopata, pois por terem uma
infância problemática em termos educacionais e de respeito às autoridades parentais tornarse-iam incuráveis, ficando somente ao encargo do tempo a possibilidade
3
0
remota de cura, razão pela qual o ambiente prisional seria a alternativa mais
apropriada para que o sujeito pudesse se remodelar em termos da aceitação em
relação às exigências da vida. Nesse sentido, a acatar regras, aceitar autoridades e
assumir responsabilidades
seria a única possibilidade de condução do sujeito em
termos de cura de seus males. Mas, não nos deixemos levar por essa corrente uma vez que a
discussão em torno da possibilidade de o psicopata ser curável ou não pode muito bem
ser visto como uma disputa de poder entre o saber médico a justiça penal, reeditando, em
grande estilo, dispositivos disciplinares e de controle social. Eis o eco que encontramos com
as ideias de Schneider (1968, p. 102) quando afirma que provavelmente o psicopata
―parece preferir mais o trato dos juízes ao dos médicos. Tais personalidades não são
tributárias de tratamento médico, mas de atividade educacional pedagógica‖.
Como isso se vê o saber médico transferir, de forma explícita, para a justiça penal,
a responsabilidade em lidar com todos aqueles que questionam as leis, no intuito de
colocá-los em instituições educacionais e correcionais. A lista de questionadores é
longa: moradores de rua, criminosos, pobres sem afeição ao trabalho, praticantes da
prostituição, operadores do narcotráfico, os sem-terra e assim por diante. Sendo os vestígios
de memória de uma vida são considerados como signos de violência para formulação de
um diagnóstico que apresenta mais incertezas e ambiguidades do que posicionamentos
que direcionem uma prática social que esteja isenta de determinações disciplinares e de
controle de reclusão e confinamento de determinados sujeitos considerados inaptos para
vida em sociedade pelo fato de suas vidas, seus hábitos e suas ações são, muitas vezes,
questionamentos a uma ordem determinada pelo seguimento social que detém o poder para
ser seguida por aqueles que se são privados quase que totalmente dos benefícios das
políticas públicas. Vendo a questão por esse prisma, podemos então lançar a seguinte
indagação para reflexão: se a miséria é criminalizada e os pobres são punidos severamente
pela ausência do Estado e pelo confinamento em instituições prisionais, qual o destino
de quem é duplamente estigmatizado como o louco criminoso? Questão espinhosa sobre a
qual não podemos nos esquivar!
3
1
Referências
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Montalvo, 1968.
CARRARA, S. Crime e loucura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998.
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. (org.) Apontamentos em
Memória Social. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011. MACHADO, R. Ciência e
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MILLER, J-A. e MILNER, J-C. Você quer mesmo ser avaliado? São Paulo: Manole,
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RAUTER, C. Criminalidade e subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan,
2003.
ROVINSKI, S. L. R. Fundamentos da perícia psicológica forense. São Paulo: Vetor,
2007.
SCHNEIDER, K. Psicopatologia clínica. São Paulo: Mestre Jou, 1968. WACQUANT, L.
Punir os pobres. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
Experiência traumática, escrita mnêmica e arranjos subjetivos: signos da violência
Francisco Ramos de Farias – UNIRIO/PPGMS
Abordaremos restos e fraturas indizíveis decorrentes do excesso incrustado no psiquismo
devido ao acontecimento traumático. Consideramos traumática qualquer situação de transbordamento
em termos de elaboração, tanto para quem sofre, quanto para o agente praticante. Embora do lado deste
haja sempre um tipo de saber aliado a uma intenção, os efeitos da situação, às vezes, escapam o limiar de
compreensão. Então se produz o arranjo mnésico, em sua estrutura sinuosa devido ao recalque, ao lado
da descontinuidade
produzida
pelo
trauma,
O
trauma
torna
as
cadeias
mnêmicas
heterogêneas no sentido de produzir uma história singular em função do modo como os arranjos de
memória (inscrição, tradução e retranscrição) são dispostos temporalmente como registros passíveis de
análise. Mesmo considerando que a estruturação das cadeias mnésicas dependem de circunstâncias
históricas, ou seja, da presença do representante da espécie que se encarrega de transmitir para a cria
humana o legado da cultura, tentamos entender que relação há entre o acontecimento traumático e a
memória no âmbito da alteridade.
Abordar a questão por esse viés é possível em razão do corte que viabilizou o surgimento da
psicanálise que, realizada a quatro mãos cujos, tem Descartes e Galileu (MILNER, 1996); na condição
3
2
de fundadores da ciência moderna. A descoberta do inconsciente indica que o lugar do trauma deve
ser situado na constituição da memória em seu caráter fragmentário, passível de
reconstituição
pelo
próprio sujeito. Assim podemos pensar as condições de relacionamento do sujeito na atualidade face ao
valor dado à experiência num contexto em que se aposta no esquecimento como máxima de vida. Assim
buscamos elaborar algumas formas de persistência da memória em face de essa
exigência
de
apagamento a qual o homem do século XX se habituou. Assim pensamos o arranjo mnêmico e sua
expressão nas formas atuais da subjetividade e nisso a interferência de situações da ordem do indizível que
insistem em acompanhar o homem contemporâneo, obrigando-o a encaminhar por sendas obscuras e difíceis.
Mas pensar tal articulação requer delimitar o que compreendemos por cenário da atualidade visto
que cada sujeito se movimenta em dupla direção: a) deixa os rastros de sua produção inconsciente nas
suas invenções e, b) desloca-se num tempo na condição de ator e agente construtor de uma história. Se o
mundo, organizado sob os auspícios da ciência moderna, produzia no homem o regime da falta para
torná-lo seguidor de
3
3
determinados preceitos, nos dias atuais, observa-se um viver no regime do excesso. Estamos assim
diante da depressão causada pelo vazio de sentido. Questionemos esse vazio: falha dos arranjos mnésicos
ou as condições atuais que apostam na efemeridade não permitem a experiência ser registrada e
conservada? Na fratura que se produz em função da impossibilidade de organizar registros mnésicos que
se reportem à experiência para simbolizá-la, vemos a adesão às soluções tóxicas e a recorrência
impensada aos objetos de consumo, mas sem qualquer mediação da memória, visto que o cenário atual
impõe ao sujeito não pensar: deve apenas se apropriar do objeto de consumo por período fugaz e logo
descartá-lo, já que é decretado para tal objeto, no seu lançamento, seu tempo de validade. É, de
extrema relevância, indagar quais meios o homem dos dias atuais dispõe para transformar suas vivências
em relatos de experiências ou mesmo em arquivos disponíveis a serem utilizados no confronto com
situações da ordem do inominável. Assim, estamos nos localizando, para pensar a articulação entre os
efeitos do trauma e a configuração dos registros mnêmicos, na esfera da realidade psíquica.
A especificidade da realidade psíquica que traz em si um corpo inscrito, chamado de corpo
estranho (FREUD, 1893/1976), sem qualquer nuance de significação, nos faz pensar numa ruptura num
arranjo de arquivos mnêmicos, tornando-os descontínuos e diferenciados em termos de sequências
temporais. Assim, tentaremos rastrear as circunstâncias do viver nos dias atuais que retratem situações
nas quais o sujeito esteve num estado de paralisação por não dispor de recursos para produzir
elaborações diante da gama de informações com as quais é constantemente bombardeado. Vale situar que a
distinção entre realidade psíquica e material estabelecida, no texto freudiano, aponta para a singularidade do
sujeito de modo que sua ação tem de ser uma convocação para realizar uma produção sobre as
pegadas que fizeram história em seu percurso de existência.
Mas se o trauma produz uma fratura por produzir filigranas impossíveis de serem representadas,
qual a posição do sujeito diante de tais circunstâncias? Quanto a isso podemos pensar algumas
alternativas: a) o sujeito pode manter o material decorrente da vivência isolado do restante das cadeias
mnêmicas sem qualquer significação e, estamos diante de uma perda, b) procurar um interlocutor a quem
dirigir o enigma resultante do incompreensível da vivência traumática, e, c) enfim, produzir rastros
mnésicos tentando significar o vazio produzido pela experiência. As duas últimas alternativas requerem um
tempo de elaboração. Mas num mundo em que a palavra de ordem é o efêmero, como operar dessa
maneira frente à aposta no esquecimento e no apagamento dos restos das vivências? Eis a questão que
estamos circunscrevendo: uma vez que o trauma produz
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uma fratura no sentido da formação de registros mnêmicos contínuos, como então o sujeito pode
lançar mão de dispositivos para relatar suas experiências num contexto cuja lógica é ditada pelo consumo do
excesso de objetos a serem rapidamente descartáveis?
O fato de o mundo atual ser ordenado por um critério diferente do Mundo Antigo (o religioso) ou
daquele do Mundo Moderno (o científico) indica a travessia de uma era, a Era Moderna, com o ingresso
numa época que ainda não foi produzido um termo adequado para designá-la. Mas nos encontramos
no seio da era da eficácia da técnica, ou seja, no horizonte de a Era Tecnológica que tem como princípio
ordenador a lógica do consumo. Se o mundo foi palco de uma grande reviravolta no século XVII,
constatamos que o século XX tem de ser pensado em razão das transformações radicais nos
costumes, descobertas, progressos e pronunciados estados de barbárie no berço civilizado do
planeta. Além disso, a reviravolta no espírito do tempo somente poderia ser compreendida na alusão
àquilo que Milner (1996) denomina de um corte maior responsável pela produção dos discursos do
mundo ocidental a partir da Era Moderna com novas formas de entendimento sobre a loucura e o
crime, momento em que a desrazão passa a ser vista como produto de uma doença e não mais
efeitos de uma manifestação divina (FOUCAULT, 1991).
A questão, acerca das fraturas da memória causadas pelas circunstâncias que colorem o
cotidiano vigente, concerne ao fato de indagarmos se estaríamos, no cenário das ocorrências que
marcaram o século XX como a ―Era dos Extremos‖, seguindo a indicação de Hobsbawn (1995:13), de
que vivemos numa época em que se tem ―de um lado a destruição do passado e do outro, a construção
de um presente contínuo‖; ou se estaríamos diante de um corte maior comparável aquele que produziu
o advento da ciência moderna, momento em que a ciência introduziu no mundo uma espécie de
incerteza que ―corresponde à emergência de um novo saber: o saber real‖ (CABAS,
1998:10). Se a ciência se esmerou na construção de parâmetros para operar frente ao cenário da
incerteza, essa dimensão conhece seu ápice no século XX, momento em que a indagação recai na
preocupação acerca do futuro da civilização no sentido de sua conservação em registros de
experiências e também acerca do destino do homem no planeta. Viverá o homem como um ser
desenraizado ou construirá suportes para ancorar suas agruras? Diante dos impasses que assolam o viver
cotidiano de quais alternativas dispõe-se atualmente?
De uma coisa estamos cientes: a era tecnológica produziu um cenário e modificou
radicalmente a experiência humana: encurtou distâncias, deu-nos acesso aos acontecimentos em tempo
recorde de suas ocorrências, banalizou o sofrimento,
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naturalizou a miséria e ―comercializou‖ o crime em larga escala. Nesse sentido, admitamos que a
ciência moderna não só propiciou a emergência de uma nova forma discursiva como também fundou um
novo tipo de laço social na medida em que operou uma radical inversão na relação do homem com o
saber, mediante o uso da técnica instrumental. A operatividade e eficiência da técnica são marcos
responsáveis pelos modos de ação do homem, ou seja, encontra-se a sua disposição um manancial
técnico bastante eficaz e que certamente dispensa o ―pensar bem‖ como a utilização da experiência
armazenada. Desse modo qual seria a função da experiência conservada em registros mnêmicos se
existem dispositivos funcionais para a ação?
Como
nos
alerta
Heiddeger (2001:11) a ―técnica é um meio para um fim, ou seja, é uma atividade humana‖. Com
isso, o homem que vive no cenário contemporâneo, regido pela técnica, vê-se constantemente desafiado
a produzir filigranas de suporte frente às ameaças afiguradas num horizonte próximo que podem surgir
de qualquer parte. Isso quer dizer que não há mais lugares definidos de onde se espera o pior!
Chegamos, assim, aos balizadores da era atual. A cultura globalizada confere um grande destaque
à imagem e ao seu poder no sentido de exacerbar, de forma incisiva, as forças que respondem pela
operação do recalque. Por outro lado, a tendência ao esquecimento é empreendida para justificar o
rumo desenfreado aos objetos de consumo, o que confere à mercadoria o seu valor de fetiche e, enfim, a onda
crescente na crença de que existem meios para suprimir, por completo, o mal-estar, o que concorre para a
busca de satisfações experimentadas de forma extrema. Disso resulta, no próprio arranjo psíquico do
sujeito, a exigência de liquidação dos excedentes ou de restos de vivências que não se coadunam com
os ditames da era atual. Os mecanismos de supressão daquilo que é considerado inaceitável, ou
sem utilização imediata, são, pois as coordenadas reais de uma experiência em que somente tem
valor a satisfação máxima vivida num presente contínuo sem ligação com as vivências do passado ou
mesmo dos ancestrais. Essa experiência de engenharia das relações humanas representa uma
perspectiva antecipada do futuro regida pela aposta do esquecimento, da eficácia e do encontro com a
felicidade mediante o consumo excessivo em níveis bem amplos. Assim caem as ilusões, a experiência
singular é objeto de uma plaina que impede qualquer nuance de profundidade em nome de um mundo
sem fronteiras e acentua-se a vocação para a prática de um individualismo exacerbado. Nisso a técnica a
disposição do homem tem uma função impar pelo fato de produzir resultados imediatos e eficazes.
A questão sobre a maneira como o homem contemporâneo organiza seus arranjos
mnêmicos diante de circunstâncias traumáticas, num contexto em que se
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promulga o esquecer como regra, é um ponto a ser investigado, principalmente, se indagarmos qual o
valor da experiência enquanto dimensão subjetiva?
Não hesitamos em admitir estarmos diante de um
novo recorte muito diferente daquele que produziu o advento da
isso, nos
reportamos ao
ciência
moderna.
Por
saber psicanalítico, contemporâneo do cenário radical que o
século XX produziu para traçar um dialogo sobre essa nuance subjetiva, desprovida de memória, que
caracteriza o homem da atualidade como perito no uso desenfreado da técnica. É comum nos dias atuais
o homem operar maquinas sem qualquer conhecimento acerca do funcionamento das mesmas. Os
manuais para uso técnico dispensam o ―pensar bem‖ como qualquer referência à experiência
passada. Tal modalidade de vivência tem de ser rapidamente apagada visto que há uma produção de ponta
que urge em ser consumida.
Não estamos com isso afirmando que as formas de conhecimento da Era Moderna esteja
envelhecidas e a Psicanálise seja o único caminho propício. Em principio, somos favoráveis à ideia de que
é preciso descartar a tese de um envelhecimento habitual no campo dos saberes, pois não
advogamos pelo princípio de que o envelhecimento concerne à passagem natural do tempo com
seus efeitos mórbidos. Vivemos uma nova época que tem suas consequências, inclusive, no campo
das afecções psíquicas mórbidas. Sendo assim, nos fundamentamos na ideia de que o tempo é uma
construção subjetiva produzida por saltos qualitativos, ou seja, rupturas indicativas de passagens lógicas e
não cronológicas em que operam: ―dois mecanismos de memória: a memória de um passado, que não
passa, como o mecanismo de reprodução do já produzido, cuja falha é o esquecimento dos fatos, de
dados e de conteúdos; e a memória do futuro, como o mecanismo de criação, em cuja falta reina a
compulsão à repetição‖ (CANEIRO LEÃO, 2003:11)
Essa construção do tempo pensado como um instante efêmero compõe uma engrenagem
descontinua forjada pelos arranjos produzidos pelos registros das vivências acondicionadas em sistemas
mnésicos. Somente a partir dessa dimensão dos registros dos sistemas mnésicos é que se pode mencionar
a instauração de passado e futuro como vetores de sentido para a massa disforme das vivências do presente.
Trazendo essa formulação para o âmbito dos arranjos mnésicos, gostaria de salientar que é
fundamental a conservação dessas nuances vivenciais para que seja possível a produção das diferentes
narrativas as quais o homem contemporâneo tem de utilizar para marcar sua presença no presente
cotidiano nuançado de cinza e disforme, pois os contornos produzidos pela memória como ação
social, já se mostram enfraquecidos, pois ―a memória como vínculo que provê continuidade, permite a
projeção
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do futuro‖ (VÁSQUEZ, 2001:25). Disso então sugerimos que a utilização dos arquivos mnêmicos
concerne a uma lógica que não se coaduna com o fechamento promulgado na aposta ao esquecimento e ao
descarte da experiência. Desse modo, apostamos na lógica que prima por um resgate dos arquivos
mnésicos para, assim, encontrarmos balizadores para
explicar
tanto
o
surgimento
quanto
as
obscuridades dos fenômenos atuais agrupados na rubrica de novos sintomas.
Compreendemos que os arquivos de memória trazem a marca de uma relação trágica inquieta,
tanto pela construção no processo testemunhado pelo semelhante da espécie, quanto pela inquietação
diante da possibilidade de encontrar um destinatário para que se disponha a testemunhar o sentido do
mesmo. Não estamos aqui propondo a ideia de um arquivo absoluto como a captação especular da
narração histórica da vivência, ou seja, um culto narcísico desenfreado ao registro das vivências. Se
assim ocorresse, a história, como criação, não seria possível, ou seja, é preciso transgredir as aspirações
meramente individuais para construir, com o semelhante, as filigranas de uma história. Por outro lado, um
mínimo de coisas arquivadas se faz necessário, pois se ―tudo está apagado ou destruído, a história tende
para a fantasia ou o delírio, para a soberania delirante do eu, ou seja, para um arquivo reinventado
que funciona como dogma‖ (ROUDINESCO, 2006:9). Não por
noticiários da
atualidade
acaso,
deixam transparecer
ações
os
que
somente
podemos pensá-las como decorrente do chamado ―delírio de autonomia‖ pivô das práticas de
devastação de cunho paranoico. Assim cremos que nos situamos diante de dois extremos que nos
levam a uma mesma interdição: a) a interdição do saber absoluto, pois o saber só tem valor se
construído a partir de uma experiência compartilhada e, b) interdição da soberania interpretativa do eu para
desalojar o sujeito de seu fechamento narcísico na celebração única da satisfação pela imagem. Essas
duas maneias de interdição são as condições de registros de vivências necessárias à invenção de uma
história, pois tanto o culto excessivo aos traços da experiência quanto a aposta no seu apagamento, ou seja,
na sua destruição, estariam na esteira da produção de um delírio que deixa de lado o peso interiorizado da
memória subjetiva de modo a impedir pensar a história como a construção que se edifica na
significação dos vestígios da experiência. (BACHELARD, 1990).
Mas se o cenário da atualidade está impregnado de exigências para o descarte e para a relação
efêmera do homem com as coisas, como então pensar a construção de uma história que se mostre
resultado da experiência subjetivada isenta da contaminação do processo de automatização do pensar
e consequentemente do desejar? Eis o paradoxo de nossa época, muito bem definido por Compagnon
(1999:10) ao afirmar que
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―se moderno seria o que rompe com a tradição e tradicional o que resiste a modernização‖,
então, a ruptura com as tradições do passado por uma geração constitui de certo modo uma tradição.
Disso então resulta que falar de tradição dos dias atuais concorreria para uma dificuldade visto que toda
tradição só se produz por rupturas. Então vivemos na política de pendor ao recalque com significativa
aposta no esquecimento, a ruptura de uma tradição, mas isso certamente não pode ser considerado
a tradição vigente em nossa época. Apenas nos situamos em relação a um ultrapassar da era que teve
seu advento com a promulgação da ciência moderna que teve seu zênite com o processo de
matematização apresentado ao mundo através dos princípios newtonianos (KOYRÉ, 1991). Assim sendo o
arranjo que caracteriza o contexto atual traduz uma forte radicalização dos próprios paradigmas que serviam
de esteios ao homem na Era Moderna com uma nova proposta para a ação do homem: valorização
excessiva daquilo que se encontra fora dele em detrimento dos aspectos de sua dinâmica interna. Por esta
razão, nos concentraremos sobre o fenômeno da memória como processo de ação social tecendo
considerações sobre a interferência do trauma e sobre as suas consequências na invenção de uma historia
que retrate o homem em sua singularidade, ou seja, que expresse, de algum modo a moção de seu
desejo.
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Referências Bibliográficas
BACHELARD, G. Fragmentos de uma poética do fogo. São Paulo: Brasiliense, 1990. CABAS, A. G. Os
paradoxos da civilização e o desgarramento da cultura. Agora. 1 (1). CARNEIRO LEÃO, E. O esquecimento
da memória. IN; GONDAR, J. e BARRENECHEA,
M. A. (orgs.). Memória e espaço: trilhas do contemporâneo. Rio de Janeiro: 7
Letras, 2003.
COMPAGNON, A. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: EDUFMG,
1999.
FOUCAULT, M. A história da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1991.
FREUD, S. Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos (1993). Rio de
Janeiro: Imago, 1976,
HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001. HOBSBAWN, E. A era dos
extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. KOYRE, A. Estudos da história do pensamento
científico. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991.
MILNER, J-C. A obra clara. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. ROUDINESCO, E. A análise e o
arquivo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. VASQUEZ, F. La memoria como acción social.
Buenos Aires: Paidos, 2001.
A
VIOLÊNCIA
E
AS
PRATICAS
PRISIONAIS:
RASTOS
DE
MEMÓRIA
E
TRANSMISSÃO DE HÁBITOS
Francisco Ramos de Farias Maria
de Fátima Scaffo Glaucia Regina
Vianna
1 – Introdução
A prisão existe, desde a remota as mais remotas épocas. Na Antiguidade funcionava como
o lugar de retenção de criminoso para receber o castigo que incluía a morte, o espancamento, o exílio,
a perda de partes do corpo, a tortura, a troca, a desapropriação de bens entre outras formas. Com o
advento da Era Moderna houve uma profunda transformação na finalidade da prisão que passou a
ser o lugar de encarceramento para punição pela restrição de direitos, justificada para a defesa da
sociedade contra aqueles que, socialmente, punham em risco a propriedade e a vida. Além disso, a
punição, como fundamento racional, estendia-se, igualmente, também a todos os cidadãos, mediante a
advertência do possível destino a quem pratica o crime. Na condição de instituição total, juntamente com
internatos, asilos, hospícios e quartéis, a prisão tinha por finalidade administrar a vida daqueles que
nela se instituíam em decorrência da prática de um crime, mesmo que fosse a revelia da vontade.
Tal empreendimento visava, outrora, à disciplinarização de corpos e mentes rebeldes transformandose em corpos dóceis e mentes alijadas de pensamentos nefastos. Atualmente, a prisão destina-se a
fazer verdadeiras correções morais com o isolamento, o silencio e o trabalho, empregados como métodos
para recuperar o homem em termos do convívio social. A exigência de mão de obra qualificada para o
trabalho foi, sem dúvida, a condição que determinou a criação das primeiras oficinas de aprendizagem na
prisão e posteriormente as escolas. Porém, uma indagação insurge-se: a prisão ao invés de coibir a
violência acaba transformando-se em um espaço de aperfeiçoamento do homem na aprendizagem de
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práticas criminosas. Mesmo que o aparato estatal tendo introduzido a escola na prisão para
profissionalizar os detentos, no sentido de prepará-los para a reinserção social, acontece uma
modalidade de transmissão que decorre da adesão do preso as normas implícitas do espaço prisional,
como meio de sobrevivência ou o domínio de uma técnica para o campo das ações criminosas. Desse
modo, o funcionamento da prisão não pode ignorar o fato de que há uma modalidade de transmissão de
hábitos e saberes, pela ação dos aprisionados, como recursos inerentes à sobrevivência no cárcere,
denominada de cultura prisional. Esses dois modos de construção de memória atravessam as práticas
sociais na prisão. Considerando a singularidade da prisão, onde, paradoxalmente, há o objetivo de punir e
as ofertas de possibilidades ao criminoso de escolhas pela criação, tem-se um espaço em que incidem
distintas nuances da violência que refletem na ação instrucional da cultura prisional: a escola da prisão onde
se observa a aplicação da violência como meio de transmissão de conhecimentos e hábitos
destinados à reprodução da prática disciplinar e a construção de saberes para salvaguardar a
própria vida. Essa modalidade de instrução deve-se a existência de organizações criminosas que
funcionam no aparelhamento e aperfeiçoamento no âmbito da criminalidade. A escola é um espaço de
transmissão de saber. Porém não o único. Na escola há uma seleção de saberes que são transmitidos, mas
igualmente são transmitidos também saberes que, objetivamente, não se encontram nas planilhas
curriculares. Essa segunda modalidade de saber faz parte de um processo de transmissão que acontece no
espaço prisional, se considerarmos o impacto da cultura prisional que impõe ao sujeito transformar-se,
subjetivamente,
no sentido
do estabelecimento
estratégias
de
sobrevivência. Sendo assim, à experiência carcerária, marcada por agressões físicas e
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psicológicas, é também um vetor de modelação do sujeito, por se encontrar em regime de restrição de
liberdade em função do confinamento onde será, doravante, administrado a revelia de sua vontade, tanto
pelos representantes do aparato de segurança, quanto pelas organizações prisionais formadas pelos
próprios detentos que reproduzem a forma de dominação macrossocial, no espaço microssocial. O
sujeito, uma vez que ingressa no sistema prisional, encontra-se a mercê dessas duas vertentes de
dominação, sem dispor de alternativas para evitá-las, exceção à temporalidade da pena. Sendo o crime
um ato transgressivo, cujo efeito é a devastação, seu autor estará sujeito à pena imposta por lei, conforme
ditam as ferramentas do corpo estatal que apresentam como finalidade a reclusão para a
recuperação do agente infrator. Mas, há no cárcere uma realidade assustadora: os espaços destinados
para que o criminoso pague, com sua condenação, o que deve à sociedade, encontram-se muito longe das
finalidades propostas, em razão da possibilidade do seu aperfeiçoamento em técnicas de ações criminosas
e de reprodução de táticas de dominação pela imposição da violência. Disso resulta uma cultura criminosa
devida à experiência do encarceramento, cujos alicerces reproduzem, no ambiente carcerário, as
mesmas condições de exclusão social. Resta então ao sujeito aderir a essa cultura no sentido de garantir,
minimamente, uma forma de inclusão, da mesma forma que, ao praticar um crime, realizou em tipo de
inclusão alienada ao contexto social, pois será, pela Lei, marcado por uma filiação ao Estado. Não
obstante, a situação agrava-se quando o criminoso encarcerado é visto como perigoso e insubordinado.
Disso resulta a sua ordenação por mecanismos de opressão que configuram um sistema de relações em
constante tensão. Diante desse sistema opressor e impeditivo de um sistema penal inadequado, criamse novos valores e um verdadeiro código de condutas evidenciando a base da cultura prisional incólume
às normas legais e denunciando a fragilidade do sistema carcerário. Daí então se produz uma ―escola da
prisão‖ que confere ao preso um ―poder paralelo‖ através das facções. Assim, a mesma opressão e
injustiça que o criminoso sofre do Estado, paradoxalmente são reproduzidas no cotidiano da prisão entre os
próprios presos. Desse modo, a prisão configura-se, em dadas circunstâncias, como um espaço de
construção de conhecimento e formação de hábitos, transformando o sujeito, de maneira irreversível,
sendo, às vezes, um processo irreversível.
A ação da educação primordial que acontece no seio da família, uma vez realizada no
âmbito do poder outorgado pelo saber, não deixa de ser um meio de
aplicação da violência, seja pela disciplina imposta aos atores dessa relação no que tange
à dinâmica de seus corpos, seja pela assimetria que acontece entre personagens de gerações
diferentes. Os pais, agentes da transmissão do legado cultural, são figuras ideias que evocam no
processo imagos da historia pessoal, e os filhos esperam encontrar respostas para questões de cunho
subjetivo. A situação apresenta uma particularidade no tocante à educação que a mãe empreende sobre sua
filha no sentido dos ensinamentos acerca do que seja o ser mulher, o que não deixa de ser um
cerceamento da liberdade pela imposição de regras de ordenamento, de disciplinarização e de
controle na reprodução de sistemas de hierarquização, modelação de corpos dóceis aplicação de
princípios morais calcados na ideia de correção de erros. Em suas práticas cotidianas, a mãe pode colocarse em uma posição de transmitir para a filha protocolos de submissão em relação a violência na esfera
das relações conjugais. Desse modo, acontece a reprodução de formas sutis formas de violência com o
reforçamento limites entre a busca por autonomia da mulher que acontece pela liberação da posição
subserviente frente ao homem e a manutenção no lugar servil ao homem, seja pai, irmão ou marido. Para
tanto, esse processo conta, com princípios extraídos da lógica de controle onipresente que prima pela
imposição de violência. O olhar de vigilância nesse contexto com a finalidade de controle, contribui para a
segregação, especialmente, devido à prática de princípios autoritários justificada por códigos nem sempre
explicitados. Sabe-se que a função desse aparato é distanciar a mulher, pela submissão, de ser um agente
histórico na construção
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de seus arranjos subjetivos, na alegação de a mesma deve contenta-se em seguir normas prescritas. Assim o
contexto da relação mãe e filha reproduz formas de controle social que operam no sentido da
segregação, inscrevendo determinados sujeitos em espaços marginalizados e indo de encontro aos
princípios básicos de busca de singularização. Esse processo conta com a participação de atores
sociais encarregados de ações legitimadoras que apresentam certas singularidades reconhecidas
socialmente como negativas. Sobre esse processo, pretende-se a construção da memória social da
engrenagem que funciona, em oposição aos princípios de socialização pelo saber, fundamentalmente,
na forma com que são transmitidos protocolos de práticas instituídas.
A ação educativa realizada no espaço prisional apresenta limites de duas naturezas:
limites próprios à impossibilidade do ato de educar e limites em relação à condição de cárcere, mesmo
sendo a escola na prisão o fruto de uma determinação legal destinada a oferecer condições para que o
homem, em regime de restrição de liberdade, reavalie sua vida, reflita sobre o teor de suas ações e
construa condições visando à reintegração na sociedade, recuperando os espaços perdidos com a prisão:
família, grupo de amigos, trabalho. Essa finalidade da escola confronta-se com os obstáculos do
encarceramento e da cultura prisional que tem condições de funcionamento próprio, às quais, o sujeito é
submetido, contra a sua vontade, do mesmo modo que o foi em relação à prisão. Sendo assim há, no
espaço escolar do cárcere, transformações em duas direções: a internalização de saber no sentido da
construção de condições para firmar laços sociais e a aquisição de hábitos para aperfeiçoamento na técnica
e prática do crime. São essas as marcas do acesso ao saber e das tecnologias de poder disciplinar que
subsistem nesse ambiente. Não obstante, deve-se considerar que as propostas da escola na prisão vertemse em possibilidades da construção de arranjos subjetivos que nem sempre se coaduna com os
objetivos punitivos e corretivos da prisão. Além disso, o detento pode, pelo acesso ao saber, vislumbrar
alternativas que o diferencie da massa carcerária que se mantém identificada pela prática do crime.
Existem, certamente, situações que caminham em direção opostas. Daí a escola na prisão ser também
um espaço de controvérsias quanto a finalidade que visa a ser um local de constituição de laços
identitários, ou seja, um lugar capaz de formar cidadãos que não se incluam, de forma alienada, no
contexto social. Eis a pórtico em que o detento, pela inserção à escola no espaço prisional, pode distanciarse da condição de reprodutor da lógica que acentua a condição de desigual e prima pela condição de
alienação. Assim, espera-se que a escola na prisão forneça ao detento condições de superar a sua
posição de mero consumidor passivo da cultura prisional para, pela vertente criativa, lançar mão dos
diferentes produtos culturais e, enfim, ser o autor de uma história, construída por prática sociais solidárias
ao invés de danos e de devastação. Como isso, aposta-se na ação educativa que acontece no espaço
prisional, como lugar de interações privilegiadas para dar suporte aos projetos criativos que se vertam em
obras inscritas socialmente e não em possíveis ―lixos‖ atômicos não recicláveis. Assim a escola na prisão,
mesmo em seus limites, pode ser considerar uma usina de reciclagem de costumes e hábitos que
acontece pela transmissão do saber e construção do conhecimento. Por fim, indaga-se sobre a ação dos
atores que se encarregam do processo de transmissão de saber bem como dos efeitos em seus
destinatários.
O sistema penitenciário é um lugar de punição onde acontece a transmissão de saber.
Considerada como um quadro social de memória na acepção de Halbwachs
(2004), a instituição prisional faz parte de todos os outros lugares de constituição da
memória, onde saberes são transmitidos relacionado ao modus vivendi do cotidiano prisional e às
relações de poder estabelecidas que reproduzem as relações de poder do contexto social. Essa
transmissão acontece no espaço prisional, se considerarmos o impacto da cultura prisional que impõe
ao sujeito transformar-se, subjetivamente, no sentido do estabelecimento estratégias de sobrevivência.
Sendo assim forja-se um
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espaço de transmissão de saber bem distinto de outros, uma vez que vincula, especialmente, ao
aprendizado de técnicas para o aperfeiçoamento no âmbito das ações criminosas. Com isso, a prisão
também é um espaço formador de hábitos.
A cultura prisional funciona, de forma implícita, como um espaço de construção de conhecimento
que possibilita aos seus atores ultrapassar determinadas condições mediante a manejo de
sofisticadas estratégias criminosas. Nesse sentido, funciona na contramão do cárcere que privilegia o
silêncio. Não obstante, o silêncio preconizado pelo encarceramento transborda no aparelhamento de
espaços construídos como suportes para a garantia da sobrevivência e, nisso, surgem os espaços de
construção de memória para transmissão de saber sobre o crime e formação de hábitos fundamentais à
vida. Eis a cultura da prisão que funciona como uma figura anônima de um grupo subordinado, conforme
assinalou Thompson (2002); quer dizer: às leis do Estado são utilizadas e adaptadas ao exercício de
poder nas instituições prisionais, onde muitas vezes, apenas os mais fortes sobrevivem. A experiência
carcerária funciona de modo a modelar o condenado que se encontra em regime de restrição de
liberdade em função do confinamento onde será, doravante, administrado pelos representantes do
aparato de segurança e pelas organizações prisionais formadas pelos próprios detentos que
reproduzem a forma de dominação macrossocial, no espaço microssocial. O sujeito, uma vez que ingressa
no sistema prisional, encontra-se a mercê dessas duas vertentes de dominação, sem dispor de
alternativas para evitá-las.
Sendo o crime um ato transgressivo, cujo efeito é a devastação, seu autor estará sujeito à pena
imposta por lei, conforme ditam as ferramentas do corpo estatal que
apresentam como finalidade a reclusão para a recuperação do agente infrator. Mas, há no
cárcere uma realidade assustadora: os espaços destinados à transformação do criminoso pelo exercício do
arrependimento e da reflexão oriunda da culpa, encontra-se muito longe das finalidades propostas, em razão
da possibilidade do seu aperfeiçoamento em técnicas de ações criminosas e de reprodução de táticas
de dominação pela imposição da violência. Disso resulta uma cultura criminosa pela experiência do
encarceramento, cujos alicerces reproduzem, no ambiente carcerário, as mesmas condições de exclusão
social.
Em condições de marcadas coerções, resta então ao sujeito aderir a essa cultura no sentido de
garantir, minimamente, uma forma de inclusão, da mesma forma que, ao praticar um crime, realizou em
tipo de inclusão alienada ao contexto social, pois será, pela Lei, marcado por uma filiação ao Estado (Farias,
2010). Não obstante, a situação agrava- se quando o criminoso encarcerado é visto como perigoso e
insubordinado. Disso resulta a sua ordenação por mecanismos de opressão que configuram um sistema de
relações em constante tensão. Diante desse sistema opressor e impeditivo de um sistema penal
inadequado, criam-se novos valores e um verdadeiro código de condutas evidenciando a base da cultura
prisional incólume às normas legais e denunciando a fragilidade do sistema carcerário. Daí então se
produz uma ―escola da prisão‖ que confere ao preso um ―poder paralelo‖ através das facções.
2 – A transmissão de saberes, manejos de técnicas e a prisão
A história do surgimento das diferentes instituições que regulam as práticas sociais, bem como as
práticas de intervenções estabelecidas pelos discursos teóricos peculiares a
cada época histórica, serve-nos de fundamentos para levantar questões sobre o modo de
proceder das instituições sobre o sujeito. Para tanto, faz-se necessário uma leitura sobre o modo como um
segmento dessas instituições, no caso a escola, trata aquilo que é manifestado por aqueles que
encontram-se inseridos neste lugar, especialmente em função de determinadas circunstâncias que
representem uma transgressão às normas de seu funcionamento. Como nos mostra Foucault (2008), as
instituições que se dedicaram à assistência dos sujeitos que deixavam transparecer a dimensão
trágica de suas existências, não procederam, para atender a essa finalidade, da mesma maneira, a ponto
4
4
de se observar práticas institucionais que seguem direções completamente opostas além de, divergirem
radicalmente uma das outras.
A instituição escolar imbuída de seu objetivo maior que é o transformar pelo educar
defrontou-se com situações de difíceis soluções. Em princípio, a escola manteve e ainda hoje mantém, um
sistema de exclusão daqueles que não respondem aos objetivos institucionais em termos de um
rendimento esperado ou
daqueles que em seus atos,
distanciam-se daquilo que é esperado como condição do bem-viver. De certo modo, quando se
configura, no âmbito escolar, uma atitude de um de seus instituídos que não esteja circunscrita nas suas
normas de funcionamento, a postura dessa instituição é, geralmente, pela utilização de métodos que vão
de uma rudeza a uma sofisticação, cujo resultado é quase sempre a exclusão em nome de uma
pretendida racionalização. Imagine a potencialização dessa situação em uma escola que funciona em um
espaço de excluídos como a prisão? E, ainda, a formação de uma cultura de transmissão de saber nesse
espaço? (Vieira, 2008). Cabe então indagar acerca da razão em função da qual a escola adota esse
modo de proceder. Face esta postura da escola abre-se uma possibilidade para se analisar essa
questão por duas vertentes: pelo lado do aprendente e de sua inserção na escola, mesmo que seja em
uma prisão e, pelo lado da escola enquanto instituição inscrita no contexto das práticas sociais,
intervindo em ambientes que socialmente concentram aqueles que causam danos à sociedade. Cabe
lembrar que em se tratando da violência que marca o ingresso dos sujeitos na prisão, tem-se uma
condição humana que ―é sempre construída em função de necessidades, paixões sonhos e de loucuras
assassinas de governantes. Ou seja, a violência é adquirida pela educação‖ (Heritier, 1996, p. 14).
Possivelmente, desde que foi criada a escola não pôde ignorar essa realidade até mesmo porque o
educar implica considerar a dinâmica das pulsões para que seja possível a formação dos laços sociais,
necessários à convivência do sujeito como cidadão. Quer dizer, é próprio da criança atitudes que nem
sempre se ajustam às normas sociais. Por isso cabe uma intervenção das instituições que compõem o
social. Sabe-se que
acerca da intervenção, a história
das práticas institucionais, nos relata inúmeras modalidades. O problema crucial surge quando se tem
como meta teorizar sobre uma dada modalidade de intervenção ou mesmo sustentá-la em bases teóricas
que não estejam diretamente a serviço de uma ideologia ou de outra. Sendo assim é possível que a
manifestação de variadas nuanças do processo de subjetivação do homem revelem-se, na família e
na escola. E a escola como procede frente à determinadas manifestações que são consideradas pelo
discurso social como atípicas? Em certo sentido, esse é o nó górdio que toda instituição e inclusive
escola dificilmente consegue desatar, pois ―se por um lado a escola pretende tratar o sujeito na sua
totalidade, não pode e nem deve deixar de ter um posicionamento politico e técnico‖ (Farias, 1998, p. 68).
Se adentarmos na história da constituição das práticas educativas, constatamos que uma dada
direção baseada em um ideal de correção. Isto se deveu, sem sombra de dúvida, à concepção reinante
que, para Schreber (2007, p. 31), ―a criança seria má de nascença, razão pela qual seria necessário
separá-la de sua natureza e submetê-la a um adestramento moral e físico. Isto quer dizer que era
esperado da criança a arte da renúncia, como também se espera do detento que se arrependa do
crime cometido e possa a partir daí fazer outra escola para sua vida. Talvez fundado nessa expectativa o
educador que exerce sua prática em uma escola prisional espere ações ideais de seus alunos em termos
de transformação pelo saber no sentido de construção de condições em prol da cidadania. Neste sentido,
a possibilidade de expressão de um pensamento livre dado ao preso, no contexto da prática educativa, é
ilusória, sendo este o motivo pelo qual a escola vai se valer de dispositivos de controle que não se
justificam quando a filosofia do educar é a questão central. Como aponta Mannoni (1976, p. 38), ―a
pedagogia oscila entre ideais de liberdade herdados do século XIX e os princípios de
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5
disciplina saídos da tradição religiosa. A criança na sua família e na escola encontra-se apanhada entre a
sedução e o castigo como método educativo‖.
É interessante observar que esse modo de concepção, no seio da instituição
prisional,
ou em outra qualquer,
pode ter as consequências
mais indesejadas,
especialmente quando a prática educativa advoga mesmo por uma formalização do sujeito esperando
uma produção em série. Ora, se o aprendente , em seu processo de transformação, na instituição escolar
explicita determinados modos de agir que vão de encontro às normas da escola, algum motivo deve ser
considerado para explicar esse modo de existir. O que é manifestado nesse caso são expressões do agir
humano que colocam em xeque os valores da sociedade, valores estes sustentados por uma ideologia
humanista defensora de uma posição teórica, a qual considera que os criminosos como tipos de monstros.
É a essa ideologia que o aprendente, quando não se comporta em conformidade com aquilo que é
esperado na escola, está fazendo uma denúncia e também uma espécie de contestação sobre a
dogmatização de que o criminoso pelo seu ato deveria ser considerado como um não-sujeito. Melhor
dizendo: essa ideologia que, na escola, coloca-se em prática numa postura de exclusão daqueles chamados
―desviantes― pretende naturalmente uma harmonia, acreditando que uma vez suprimida a camada do mal, o
bem aparecerá. Não obstante, a possível interferência do mal tem interpretações distintas, conforme
assinala Nancy (1991, p. 28): ―o mundo conheceu o mal enquanto maldade e o mundo moderno como
doença. A maldade é o efeito de uma maldição que vem dos deuses, das ordens do mundo e recai sobre os
desgraçados. Daí a culpabilidade objetiva que é, no fundo, a essência e enigma do trágico‖.
O contexto social vale-se do mal para justificar a prática, por alguns de atos delituosos que,
sendo considerados perigosos devem ser isolado do convívio social,
devendo ser encaminhados à prisão. A prisão funciona tanto como um lugar de
expurgação do mal quanto da ofertas de possibilidades para a recondução do sujeito, uma vez,
modificado ao contexto social. Aliás, conforme assinala Foucault (2008, p. 25) ―em nossas sociedades, os
sistemas punitivos devem ser recolocados em uma economia política do corpo e de suas forças, da utilidade
e da docilidade destes, de sua repartição e de sua submissão‖. É sobre esse apagar que o ato delituoso faz
ressoar a exigência de que esse ato tem uma significação. E é sobre a significação desse ato bem como
sobre o modo como a prisão o considera que se envereda por uma via para que seja possível considerar
o aprender no seu vínculo ao desejo e o papel da escola nas situações em que o aprendente não responde
conforme o que é esperado.
3 – A dinâmica do crime e o encontro com a escola
A dinâmica e o contexto do ato delituoso considerando o discurso do detento e as medidas
desencadeadas pela prisão, no processo de recuperação do sujeito criminoso
para a sociedade produzem uma leitura acerca do crime e das engrenagens que
funcionam no sistema prisional. O discurso acerca do crime bem como a inserção do condenado ao
aparato escolar é o ponto de partida para o entendimento sobre o significado desse ato no âmbito
prisional e no contexto social. Ao se considerar a natureza do crime e a dinâmica subjetiva em seu
aspecto diferencial, aventa-se a possibilidade de produzir um saber o elo ―frouxo― que na instituição do
tecido social que favorece vias para o tipo de realização mediante a escolha pelo crime. Porém não se
deve esquecer a responsabilidade do infrator e a maneira como se posiciona em relação ao crime
praticado, ou seja: qual a dimensão que tem o infrator de um dispositivo normativo quando vai de
encontro a esse dispositivo no tecido social? E, o que a escola pode fazer em outra direção, em termos da
oferta de outros meios de realização? Por ser o crime um aspecto da condição humana crucial às normas de
transmissão do saber, até então não se encontra referências sobre os modos de ação da escola em relação
a esta questão.
Face
a
esta
circunstância indaga-se: o
que a
escola, como
agencia
4
6
representativa da transformação pelo educar, pode formular em relação ao crime, uma vez funcionado
em uma prisão? Ou seja: como entender o que aciona esse sujeito a praticar tal ato e que lugar ocupa
no contexto das relações sociais? Assim, acreditamos que a escola na prisão enfrenta obstáculos quando
os educadores se defrontam com as manifestações da subjetividade que retratem uma forma da
existência explicitadora da dimensão trágica, como também com a modalidade de saber que é
transmitida pela cultura prisional. Ao que se sabe ainda hoje herdamos uma forma de pensar sobre o
sujeito ditada pelo saber médico, em sua forma objetalizante, a qual consiste em defini-lo e também sua
condição de saúde, considerando a normalidade, em um extremo e a patologia, em outro. Assim, temos
instituições que se erguem como lugares de correção do sujeito para que, uma vez submetendo-se a esta
intervenção, viesse a apresentar uma condição de adequação a um modelo construído em termos de
ideais desejados. Não obstante sabemos que o lugar de correção das condições ditas selvagens
ou concentradoras do mal, no homem, ficariam a encargo da educação, ou seja espera-se que ―uma
pedagogia total forneça ao homem natural toda a soma ainda incalculada da cultura‖ (Mannoni, 1993, p.
192). Esse domínio do saber, bem como o saber médico, contribuíram, de forma significativa, para um
mascaramento da vertente subjetiva da existência. Essa mesma acusação pode muito bem ser pensada
em relação à prisão e à instituição escolar, que se pautou numa compreensão acerca do sujeito
considerando-o em função do rendimento. Não obstante, em razão desse reducionismo algumas questões não
são tratadas no âmbito escolar, no contexto prisional. Isto é o que acontece, acreditamos, com o ato
delituoso pensado a partir de uma escolha, ou outras formas da conduta que não estejam em consonância
com os ideais sociais.
Enfatizamos que tomar a questão em termos apenas de uma de suas facetas é deixar de
considerar uma posição ética. Quer dizer além de considerarmos uma dada transformação do criminoso
pela prática do crime em termos do estigma que desse ato advém, devemos levar em conta a sua
estrutura subjetiva. Assim sendo deve-se estar atento para diferenciar quando um ato delituoso é fruto
de, apenas, uma situação circunstancial, ou quando se trata de aspectos referentes à estrutura psíquica.
Por isto, a escola na prisão deve encarar o ato delituoso em uma dinâmica que inclui a função da escola,
por um
lado, e a responsabilidade do criminoso, por outro. Dito em outras palavras: é
importante verificar qual a noção de responsabilidade que detém o transgressor na objetivação de
seu ato. Possivelmente, seu ato é indicativo de uma ruptura no funcionamento e nos laços de
relacionamento necessários à permanência e circulação desse sujeito no contexto social. Vale destacar
que as implicações desse ato especialmente quando o seu praticante é inserido na prisão e é
submetido às suas normas, nos remete aos conceitos de cidadania, principalmente quando há na prisão
uma escola, por ser esta um dos dispositivos de inscrição do sujeito no contexto social. Embora seja
um aparelho ideológico de estado que, segundo Althusser (1983, p. 79), ― desempenha o papel
dominante e inculca os saberes contidos na ideologia dominante, durante anos, precisamente, durante
aqueles
em
que a
criança
é
muito
mais
vulnerável‖. Sabemos que a escola não desconhece esse seu papel. Mas por que estranhar as
manifestações da subjetividade do detento quando estas não se ajustam à aplicação desses princípios?
4 – Considerações finais
A forma parcial de tratar o sujeito ignorando a dinâmica relativa ao seu desejo faz a escola se
encaixar nos instrumentos de reprodução das relações de produção nas quais
produziram aproximações ingênuas sobre quem comete um ato delituoso. Mas, se a
escola adota tal postura certamente é em razão de ainda manter viva a ideologia de que existem sujeito
que por suas ações encontrar-se-iam cada vez mais presos a forças do mal e que por isso mesmo não
sustentariam mais a condição de humano. Há muito se
4
7
pensou e ainda atualmente se pensa que a prática de atos de certa natureza equipara o
homem aos animais, vistos como não no seu sentido natural e sim na acepção negativa de
monstros, conforme depreendemos em ―preguiça, orgulho, maldade, imaturidade e
debilidade‖ (Foucault, 2001, p. 40), palavras utilizadas para referência aos sujeitos que
compareciam ao social pela transgressão. Há outra linha de pensamento quando o ato
delituoso é considerado em termos de sua repercussão no processo de transformação pelo
aprender, visto que segundo Filloux, (1987, p. 14) ―sendo a escola um lugar institucional
de transmissão de saberes e apoiando-se na atividade intelectual do aluno, temos de
interrogar sobre o que fundamenta o desejo de saber do aluno, o funcionamento e a maneira
pela qual se opera a sublimação‖. Não obstante, o criminoso, em seu ato transgressor,
estaria alimentado a esperança de encontrar suportes que lhe garantam a condição de sujeito
inscrito em um país e que isso signifique uma modalidade de filiação.
Pensamos que a prisão e a escola na prisão devam tomar uma posição frente ao
sujeito transgressor e não somente excluí-lo. As razões da segregação por parte desses
quadros sociais de memória somente reproduzem a normalizante e normatizadora. Ora, esse
ato pode muito bem ser o meio encontrado para a inscrição no contexto social em detrimento
da submissão a ideologia vigente. Queremos salientar que o crime pode representar uma
busca incessante de um nome e reconhecimento. Considerando particularmente a
constituição social da cultura brasileira não se pode deixar de fora determinadas práticas
levadas a efeito pelos representantes do povo que em nada se
distanciam de atos perversos. E esta situação não é recente. Historicamente é datável desde
os pioneiros da colonização do Brasil, que se encarregaram, em sua maioria, da extorsão e
do roubo. Nada mais significativo que uma origem histórica dessas para justificar a
conduta desviante, nestes termos, quase como algo natural. Não se pretende com essa
advertência opinar em favor da manutenção de tal forma de agir. Apenas constata-se que
essa modalidade de pensar e de agir faz parte de um imaginário que deve levar muito
tempo para ser erradicada. Além disso é preciso a implantação não só de outros valores mas
também de práticas que não escamoteiam dadas nuanças da questão, ou seja o crime é
uma circunstância do sujeito que requer atenção e um tratamento outro que não seja
somente a exclusão.
R
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nc
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Experiência traumática, escrita mnêmica e arranjos subjetivos: signos da violência
Francisco Ramos de Farias – UNIRIO/PPGMS
Abordaremos restos e fraturas indizíveis decorrentes do excesso incrustado no
psiquismo devido ao acontecimento traumático. Consideramos traumática qualquer situação
de transbordamento em termos de elaboração, tanto para quem sofre, quanto para o agente
praticante. Embora do lado deste haja sempre um tipo de saber aliado a uma intenção, os
efeitos da situação, às vezes, escapam o limiar de compreensão. Então se produz o arranjo
mnésico, em sua estrutura sinuosa devido ao recalque, ao lado da descontinuidade
produzida pelo trauma, O trauma torna as cadeias mnêmicas heterogêneas no sentido de
produzir uma história singular em função do modo como os arranjos de memória (inscrição,
tradução e retranscrição) são dispostos temporalmente como registros passíveis de análise.
Mesmo considerando que a estruturação das cadeias mnésicas dependem de circunstâncias
históricas, ou seja, da presença do representante da espécie que se encarrega de transmitir
para a cria humana o legado da cultura, tentamos entender que relação há entre o
acontecimento traumático e a memória no âmbito da alteridade.
Abordar a questão por esse viés é possível em razão do corte que viabilizou o
surgimento da psicanálise que, realizada a quatro mãos cujos, tem Descartes e Galileu
(MILNER, 1996); na condição de fundadores da ciência moderna. A descoberta do
inconsciente indica que o lugar do trauma deve ser situado na constituição da memória em
seu caráter fragmentário, passível de reconstituição pelo próprio sujeito. Assim podemos
pensar as condições de relacionamento do sujeito na atualidade face ao valor dado à
experiência num contexto em que se aposta no esquecimento como máxima de vida.
Assim buscamos elaborar algumas formas de persistência da memória em face de essa
exigência de apagamento a qual o homem do século XX se habituou. Assim pensamos o
arranjo mnêmico e sua expressão nas formas atuais da subjetividade e nisso a interferência
de situações da ordem do indizível que insistem em acompanhar o homem contemporâneo,
obrigando-o a encaminhar por sendas obscuras e difíceis.
4
9
Mas pensar tal articulação requer delimitar o que compreendemos por cenário da
atualidade visto que cada sujeito se movimenta em dupla direção: a) deixa os rastros de sua
produção inconsciente nas suas invenções e, b) desloca-se num tempo na condição de
ator e agente construtor de uma história. Se o mundo, organizado sob os auspícios da
ciência
moderna, produzia no homem o regime da falta para torná-lo seguidor de
determinados preceitos, nos dias atuais, observa-se um viver no regime do excesso. Estamos
assim diante da depressão causada pelo vazio de sentido. Questionemos esse vazio: falha dos
arranjos mnésicos ou as condições atuais que apostam na efemeridade não permitem a
experiência ser registrada e conservada? Na fratura que se produz em função da
impossibilidade de organizar registros mnésicos que se reportem à experiência para simbolizála, vemos a adesão às soluções tóxicas e a recorrência impensada aos objetos de consumo,
mas sem qualquer mediação da memória, visto que o cenário atual impõe ao sujeito não pensar:
deve apenas se apropriar do objeto de consumo por período fugaz e logo descartá-lo, já que
é decretado para tal objeto, no seu lançamento, seu tempo de validade. É, de extrema
relevância, indagar quais meios o homem dos dias atuais dispõe para transformar suas
vivências em relatos de experiências ou mesmo em arquivos disponíveis a serem
utilizados no confronto com situações da ordem do inominável. Assim, estamos nos
localizando, para pensar a articulação entre os efeitos do trauma e a configuração
dos registros mnêmicos, na esfera da realidade psíquica.
A especificidade da realidade psíquica que traz em si um corpo inscrito,
chamado de corpo estranho (FREUD, 1893/1976), sem qualquer nuance de significação,
nos faz pensar numa ruptura num arranjo de arquivos mnêmicos,
descontínuos
e
diferenciados
tornando-os
em
termos
de
sequências temporais. Assim, tentaremos rastrear as circunstâncias do viver nos dias atuais
que retratem situações nas quais o sujeito esteve num estado de paralisação por não dispor de
recursos para produzir elaborações diante da gama de informações com as quais é
constantemente bombardeado. Vale situar que a distinção entre realidade psíquica e material
estabelecida, no texto freudiano, aponta para a singularidade do sujeito de modo que sua
ação tem de ser uma convocação para realizar uma produção sobre as pegadas que
fizeram história em seu percurso de existência.
5
0
Mas se o trauma produz uma fratura por produzir filigranas impossíveis de
serem
representadas,
qual
a
posição
do sujeito
diante
de
tais
circunstâncias? Quanto a isso podemos pensar algumas alternativas: a) o sujeito pode
manter o material decorrente da vivência isolado do restante das cadeias mnêmicas sem
qualquer significação e, estamos diante de uma perda, b)
interlocutor a
quem
dirigir o
procurar
enigma
um
resultante do incompreensível
da vivência traumática, e, c) enfim, produzir rastros mnésicos tentando significar o vazio
produzido
pela
experiência.
As
duas
últimas alternativas requerem um tempo de
elaboração. Mas num mundo em que a palavra de ordem é o efêmero, como operar dessa
maneira frente à aposta no esquecimento e no apagamento dos restos das vivências? Eis a
questão que estamos circunscrevendo: uma vez que o trauma produz uma fratura no
sentido da formação de registros mnêmicos contínuos, como então o sujeito pode lançar
mão de dispositivos para relatar suas experiências num contexto cuja lógica é ditada pelo
consumo do excesso de objetos a serem rapidamente descartáveis?
O fato de o mundo atual ser ordenado por um critério diferente do Mundo Antigo
(o religioso) ou daquele do Mundo Moderno (o científico) indica a travessia de uma era, a Era
Moderna, com o ingresso numa época que ainda não foi produzido um termo adequado para
designá-la. Mas nos encontramos no seio da era da eficácia da técnica, ou seja, no
horizonte de a Era Tecnológica que tem como princípio ordenador a lógica do consumo.
Se o mundo foi palco de uma grande reviravolta no século XVII, constatamos que o século XX
tem de ser pensado em razão das transformações radicais nos costumes, descobertas,
progressos e pronunciados estados de barbárie no berço civilizado do planeta. Além
disso, a reviravolta no espírito do tempo somente poderia ser compreendida na alusão
àquilo que Milner (1996) denomina de um corte maior responsável pela produção dos
discursos do mundo ocidental a partir da Era Moderna com novas formas de entendimento
sobre a loucura e o crime, momento em que a desrazão passa a ser vista como produto de uma
doença e não mais efeitos de uma manifestação divina (FOUCAULT, 1991).
A
questão,
acerca
circunstâncias que colorem
das fraturas
o cotidiano
da
memória
vigente,
causadas pelas
concerne
ao
fato
de
indagarmos se estaríamos, no cenário das ocorrências que marcaram o século
5
1
XX como a ―Era dos Extremos‖, seguindo a indicação de Hobsbawn (1995:13), de que vivemos
numa época em que se tem ―de um lado a destruição do passado e do outro, a construção
de um presente contínuo‖; ou se estaríamos diante de um corte maior comparável aquele que
produziu o advento da ciência moderna, momento em que a ciência introduziu no mundo
uma espécie de incerteza que ―corresponde à emergência de um novo saber: o saber
real‖ (CABAS, 1998:10). Se a ciência se esmerou na construção de parâmetros para operar
frente ao cenário da incerteza, essa dimensão conhece seu ápice no século XX, momento
em que a indagação recai na preocupação acerca do futuro da civilização no sentido
de sua conservação em registros de experiências e também acerca do destino do
homem no planeta. Viverá o homem como um ser desenraizado ou construirá suportes para
ancorar suas agruras? Diante dos impasses que assolam o viver cotidiano de quais
alternativas dispõe-se atualmente?
De uma coisa estamos cientes: a era tecnológica produziu um cenário e modificou
radicalmente a experiência humana: encurtou distâncias, deu-nos acesso aos acontecimentos
em tempo recorde de suas ocorrências, banalizou o sofrimento, naturalizou a miséria e
―comercializou‖ o crime em larga escala. Nesse
sentido,
admitamos
que
a
ciência
moderna não só propiciou a emergência de uma nova forma discursiva como também
fundou um novo tipo de laço social na medida em que operou uma radical inversão na
relação do homem com o saber, mediante o uso da técnica instrumental. A operatividade e
eficiência da técnica são marcos responsáveis pelos modos de ação do homem, ou seja,
encontra-se a sua disposição um manancial técnico bastante eficaz
e que
certamente
dispensa o ―pensar bem‖ como a utilização da experiência armazenada. Desse modo
qual
seria
a
função
da
experiência conservada em registros mnêmicos se existem
dispositivos funcionais para a ação? Como nos alerta Heiddeger (2001:11) a ―técnica é um
meio para um fim, ou seja, é uma atividade humana‖. Com isso, o homem que vive no cenário
contemporâneo,
regido
pela
técnica,
vê-se
constantemente
desafiado
a produzir
filigranas de suporte frente às ameaças afiguradas num horizonte próximo que podem
surgir de qualquer parte. Isso quer dizer que não há mais lugares definidos de onde se espera o
pior!
Chegamos, assim, aos balizadores da era atual. A cultura globalizada confere um
grande destaque à imagem e ao seu poder no sentido de
5
2
exacerbar, de forma incisiva, as forças que respondem pela operação do recalque. Por
outro lado, a tendência ao esquecimento é empreendida para justificar o rumo desenfreado
aos objetos de consumo, o que confere à mercadoria o seu valor de fetiche e, enfim, a
onda crescente na crença de que existem meios para suprimir, por completo, o mal-estar, o que
concorre para a busca de satisfações experimentadas de forma extrema. Disso resulta, no
próprio arranjo psíquico do sujeito, a exigência de liquidação dos excedentes ou de restos de
vivências que não se coadunam com os ditames da era atual. Os mecanismos de supressão
daquilo que é considerado inaceitável, ou sem utilização imediata, são, pois as coordenadas
reais de uma experiência em que somente tem valor a satisfação máxima vivida num
presente contínuo sem ligação
ancestrais.
com
as
vivências
do
passado
ou
mesmo
dos
Essa experiência de engenharia das relações humanas representa uma
perspectiva antecipada do futuro regida pela aposta do esquecimento, da eficácia e do
encontro com a felicidade mediante o consumo excessivo em níveis bem amplos. Assim
caem as ilusões, a experiência singular é objeto de uma plaina que impede qualquer nuance
de profundidade em nome de um mundo sem fronteiras e acentua-se a vocação para a
prática de um individualismo exacerbado. Nisso a técnica a disposição do homem tem
uma função impar pelo fato de produzir resultados imediatos e eficazes.
A questão sobre a maneira como o homem contemporâneo organiza seus arranjos
mnêmicos diante de circunstâncias traumáticas, num contexto em que se promulga o
esquecer como regra, é um ponto a ser investigado, principalmente, se indagarmos qual o
valor da experiência enquanto dimensão subjetiva?
Não hesitamos em admitir estarmos
diante de um novo recorte muito diferente daquele que produziu o advento da ciência
moderna. Por isso, nos reportamos ao saber psicanalítico, contemporâneo do cenário radical que
o século XX produziu para traçar um dialogo sobre essa nuance subjetiva, desprovida de
memória, que caracteriza o homem da atualidade como perito no uso desenfreado da
técnica. É comum nos dias atuais o homem operar maquinas sem qualquer conhecimento
acerca do funcionamento das mesmas. Os manuais para uso técnico dispensam o ―pensar
bem‖ como qualquer referência à experiência passada. Tal modalidade de vivência tem
de
ser rapidamente apagada visto que há uma produção de ponta que urge em ser
consumida.
5
3
Não estamos com isso afirmando que as formas de conhecimento da Era Moderna
esteja envelhecidas e a Psicanálise seja o único caminho propício. Em principio, somos
favoráveis à ideia de que é preciso descartar a tese de um envelhecimento habitual no
campo
dos
saberes,
pois
não advogamos pelo princípio de que o envelhecimento
concerne à passagem natural do tempo com seus efeitos mórbidos. Vivemos uma nova
época que tem suas consequências, inclusive, no campo das afecções psíquicas
mórbidas. Sendo assim, nos fundamentamos na ideia de que o tempo é uma construção
subjetiva produzida por saltos qualitativos, ou seja, rupturas indicativas de passagens
lógicas e não cronológicas em que operam: ―dois mecanismos de memória: a memória de
um passado, que não passa, como o mecanismo de reprodução do já produzido, cuja falha é
o esquecimento dos fatos, de dados e de conteúdos; e a memória do futuro, como o
mecanismo de criação, em cuja falta reina a compulsão à repetição‖ (CANEIRO LEÃO,
2003:11)
Essa construção do tempo pensado como um instante efêmero compõe uma
engrenagem descontinua forjada pelos arranjos produzidos pelos registros das vivências
acondicionadas em sistemas mnésicos. Somente a partir dessa dimensão dos registros dos
sistemas mnésicos é que se pode mencionar a instauração de passado e futuro como
vetores de sentido para a massa disforme das vivências do presente.
Trazendo essa formulação para o âmbito dos arranjos mnésicos, gostaria de
salientar que é fundamental a conservação dessas nuances vivenciais para que seja
possível a produção das diferentes narrativas as quais o homem contemporâneo tem de
utilizar para marcar sua presença no presente cotidiano nuançado de cinza e disforme, pois
os contornos produzidos pela memória como ação social, já se mostram enfraquecidos, pois ―a
memória como
a
vínculo
que
provê
projeção
do
futuro‖
continuidade,
(VÁSQUEZ,
permite
2001:25).
Disso
então sugerimos que a utilização dos arquivos mnêmicos concerne a uma lógica que não
se coaduna com o fechamento promulgado na aposta ao esquecimento e ao descarte da
experiência. Desse modo, apostamos na lógica que prima por um resgate dos arquivos
mnésicos para, assim, encontrarmos balizadores para explicar tanto o surgimento quanto as
obscuridades dos fenômenos atuais agrupados na rubrica de novos sintomas.
5
4
Compreendemos que os arquivos de memória trazem a marca de uma relação trágica
inquieta, tanto pela construção no processo testemunhado pelo semelhante da espécie,
quanto pela inquietação diante da possibilidade de encontrar um destinatário para que se
disponha a testemunhar o sentido do mesmo. Não estamos aqui propondo a ideia de um
arquivo absoluto como a captação especular da narração histórica da vivência, ou seja,
um culto narcísico desenfreado ao registro das vivências. Se assim ocorresse, a história, como
criação, não seria possível, ou seja, é preciso transgredir as aspirações meramente individuais
para construir, com o semelhante, as filigranas de uma história. Por outro lado, um mínimo
de coisas arquivadas se faz necessário, pois se ―tudo está apagado ou destruído, a história
tende para a fantasia ou o delírio, para a soberania delirante do eu, ou seja, para um arquivo
reinventado que funciona como dogma‖ (ROUDINESCO, 2006:9). Não por acaso, os
noticiários da atualidade deixam transparecer ações que somente podemos pensá-las
como decorrente do chamado ―delírio de autonomia‖ pivô das práticas de devastação de
cunho paranoico. Assim cremos que nos situamos diante de dois extremos que nos levam
a uma mesma interdição: a) a interdição do saber absoluto, pois o saber só tem valor se
construído a partir de uma experiência compartilhada e, b) interdição da soberania
interpretativa do eu para desalojar o sujeito de seu fechamento narcísico na celebração única
da satisfação pela imagem. Essas duas maneias de interdição são as condições de
registros de vivências necessárias à invenção de uma história, pois tanto o culto excessivo
aos traços da experiência quanto a aposta no seu apagamento, ou seja, na sua destruição,
estariam na esteira da produção de um delírio que deixa de lado o peso interiorizado da
memória subjetiva de modo a impedir pensar a história como a construção que se
edifica na significação dos vestígios da experiência. (BACHELARD, 1990).
Mas se o cenário da atualidade está impregnado de exigências para o descarte e
para a relação efêmera do homem com as coisas, como então pensar a construção de
uma história que se mostre resultado da experiência subjetivada isenta da contaminação do
processo de automatização do pensar e consequentemente do desejar? Eis o paradoxo de
nossa época, muito bem definido por Compagnon (1999:10) ao afirmar que ―se moderno
seria o que rompe com a tradição e tradicional o que resiste a modernização‖, então, a
ruptura com as tradições do passado por uma geração constitui de certo modo
5
5
uma tradição. Disso então resulta que falar de tradição dos dias atuais concorreria para
uma dificuldade visto que toda tradição só se produz por rupturas. Então vivemos na
política de pendor ao recalque com significativa aposta no esquecimento, a ruptura de uma
tradição, mas isso certamente não pode ser considerado a tradição vigente em nossa
época. Apenas nos situamos em relação a um ultrapassar da era que teve seu advento
com a promulgação da ciência moderna que teve seu zênite com o processo de
matematização apresentado ao mundo através dos princípios newtonianos (KOYRÉ, 1991).
Assim sendo o arranjo que caracteriza o contexto atual traduz uma forte radicalização dos
próprios paradigmas que serviam de esteios ao homem na Era Moderna com uma nova
proposta para a ação do homem: valorização excessiva daquilo que se encontra fora dele
em detrimento dos aspectos de sua dinâmica interna. Por esta razão, nos concentraremos
sobre o fenômeno da memória como processo de ação social tecendo considerações sobre a
interferência do trauma e sobre as suas consequências na invenção de uma historia que
retrate o homem em sua singularidade, ou seja, que expresse, de algum modo a moção
de seu desejo.
5
6
Referências Bibliográficas
BACHELARD, G. Fragmentos de uma poética do fogo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
CABAS, A. G. Os paradoxos da civilização e o desgarramento da cultura.
Agora. 1 (1).
CARNEIRO LEÃO, E. O esquecimento da memória. IN; GONDAR, J. e
BARRENECHEA, M. A. (orgs.). Memória e espaço: trilhas do contemporâneo.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2003.
COMPAGNON, A. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: EDUFMG,1999.
FOUCAULT, M. A história da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1991.
FREUD, S. Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos (1993).
Rio de Janeiro: Imago, 1976,
HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001. HOBSBAWN, E. A era
dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
KOYRE, A. Estudos da história do pensamento científico. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991.
MILNER, J-C. A obra clara. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. ROUDINESCO,
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Editor, 2006.
VASQUEZ, F. La memoria como acción social. Buenos Aires: Paidos,
2001.
DEKASSEGUIS: O DIFÍCIL RETORNO
*Cizina Célia Fernandes Pereira Resstel - UNESP/Assis/Brasil.
**José Sterza Justo – UNESP/Assis/Brasil. Palavraschave: Dekassegui, criança; retorno; desamparo e psicanálise. INTRODUÇÃO:
O fenômeno “dekassegui‖ tem se destacado no Brasil pelo expressivo contingente de
descendentes de japoneses que têm se deslocado para o Japão, em busca de trabalho
e de uma poupança financeira, e retornado novamente depois de um longo período ou de
sucessivas idas e vindas. O Brasil começou a se reconhecer como um país de emigração,
na década de
1980. Desde então, deixou de se representar como um país receptor para se reconhecer
como um país emissor de imigrantes. As dificuldades econômicas dessa época fizeram com
que
muitos brasileiros fossem procurar melhores oportunidades de vida e trabalho no
exterior. Dekassegui, na língua Japonesa significa trabalhar fora de casa. Ressalta Miura (apud
5
7
DEBIAGGI, 2004) que o termo dekassegui era aplicado ao japonês camponês que buscava
trabalho temporário nas cidades no período de invernos rigorosos e retornando ao campo
após essa fase. Com o passar do tempo, o termo dekassegui foi designado a qualquer
trabalhador migrante que alimenta o desejo de retornar à sua terra de origem. Portanto,
dekassegui passou a ser compreendido como ―trabalhador estrangeiro‖ e esse pode ser
tomado como o sentido básico dessa corrente migratória.
O caso dos dekasseguis pode ser tomado como paradigmático, enquanto uma experiência de
encontro/confronto com o estranho, com o ―outro radical‖. Mesmo sendo descendentes de
japoneses emigrados para outros países, como o Brasil e Peru, na America Latina, ao
retornarem para o país dos seus antepassados os dekasseguis se confrontam com uma
cultura e um modo de vida muito diferente daqueles do seu país natal. Vive uma
experiência de estranhamento muito particular porque se trata de não se reconhecerem nas
imagens daquele outro, de um espelho que, mesmo à distância fez parte da
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8
constituição de suas referências de si mesmo: a cultura japonesa veiculada pelos seus
antepassados que emigraram do Japão e cultivaram hábitos, costumes, a língua, culinária,
tradições e tantas outras referências simbólicas oriundas
compreensão
das
experiências
da terra
natal.
Portanto, a
dos dekasseguis, tomadas como experiências
fundamentalmente construídas no encontro/confronto com a figura do outro, não se restringe a
um caso particular, mas sim oferece elementos para o entendimento dos desafios que
a mobilidade e, conseqüentemente, os relacionamentos com o estranho colocam para o homo
viator da contemporaneidade.
Dentre tantos problemas e desafios presentes nessa experiência estão aqueles relacionados aos
filhos. Tivemos a oportunidade de observar que as crianças têm muitas dificuldades tanto
para se adaptarem à cultura japonesa como também para se reintegrarem à cultura brasileira
quando retornam.
Grinberg (1984) enfatiza que o indivíduo alimenta o desejo de se deslocar, e que, às vezes,
esse desejo surge de forma surpreendente e em outras ocasiões
suscitam
visadas impossíveis de
mas
se
concretizarem,
são
contentados com fantasias. Muitas pessoas migram por razões externas, como a necessidade
financeira, buscando melhores condições de vida para si e para a família.
Ainda conforme Grinberg (op.cit.), ao chegar num mundo desconhecido, o imigrante pode
encontrar muitas dificuldades internas para se integrar ao meio, por entrar em contato com
objetos que soam estranhos, tal como o idioma, os costumes, e tantos outros que fazem parte
do lugar. Surge o temor do perigo de não se comunicar com os outros e consigo
mesmo. Esses estados chamados confusionais podem resultar do fracasso de se manter
em uma dissociação eficaz e também uma precoce tentativa de integração que ainda não
pode ocorrer. O imigrante usa mecanismos de defesas primitivos, como a dissociação e
idealização no novo ambiente em que chegou. Surgem também sentimentos de desvalia e
persecutoriedade em relação ao novo lugar e a todas as pessoas que ficaram no antigo
ambiente. ―Esta disociación le sirve para evitar el duelo, el remordimiento y las ansiedades
depresivas que se agudizan por la misma migración, sobre todo cuando se trata de una
migración voluntaria‖ (GRINBERG, 1984, p. 19).
5
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Grinberg (1982) destaca em seu livro Psicoanalisis de la migracion de y del exílio, que as
experiências migratórias são impactantes em qualquer etapa da vida, e assimiladas de
formas distintas devido a idade do emigrante. A experiência da emigração não é igual
para as crianças, nem para os adolescentes que tem uma vida toda pela frente,
diferente
das
pessoas maduras, que já construíram uma história de vida. As crianças
emigram com seus pais, ou seja, com sua família que as protegem, ou pelos menos se
sentem acolhidas. Diante dessa experiência surgem nessas crianças os sofrimentos e as
carências. Ademais, a decisão de se deslocar de seu país de origem e ir viver em outras
terras foi uma decisão tomada pelos pais, entretanto, a criança não participa dessa
decisão, não entendendo as motivações que fizeram os pais emigrarem. Algumas
crianças
pequenas cobram a falta de seus amiguinhos e das pessoas que mantinham
vínculos, incluindo também a falta da casa e de lugares que freqüentavam. A criança passa
a viver ansiedades de separação e perceber o que perdeu. Além desses acontecimentos, outros
também são vivenciados por muitas crianças, como o medo de ser abandonada pelos próprios
pais.
Podemos nomear esse medo de ser abandonada pelos próprios pais, como sendo uma
experiência de desamparo da criança. A noção Freudiana de desamparo foi apresentada
pela primeira vez, em 1895, no ―Projeto para uma psicologia científica‖, ressalta que o bebê
ao nascer vive uma experiência inicial de desamparo, ínterim, o bebê é incapaz de realizar
―ações específicas‖ para sua sobrevivência e necessita da ajuda de outrem. O estado de
relativa dependência do bebê por sua mãe faz com que o mesmo viva num estado de
onipotência considerado importante para a estruturação do psiquismo nesse período de
desenvolvimento infantil.
Na teoria da angústia diz que o estado de desamparo humano é o protótipo da situação
traumática. Em Inibição, sintoma e angústia Freud (1926) reconhece os perigos internos
considerados comuns diante de uma experiência de perda ou separação, da qual o ego não
consegue lidar devido à intensidade das excitações, caindo em desamparo.
Assim,
a idéia de pré-maturação do indivíduo diante da vida.
Na comparação com outros animais, o ser humano é considerado inacabado, necessita do
outro para sobreviver. Surgem os perigos internos e externos e é
6
0
na construção do amor na relação com o outro que vai gerar o sentimento de proteção e de
que não será abandonada a própria sorte.
Para Klein o bebê mesmo tendo uma relação satisfatória com a mãe, sempre terá vivências
persecutórias. Essa ansiedade persecutória como diz a autora, surge no início da vida e se
encontra no auge nos três primeiros meses
de
vida do bebê. A ansiedade persecutória resulta do conflito entre as pulsões de vida e de morte,
e o nascimento é um marco importante para essa vivência. Devido à sua vivência
persecutória em decorrência dos impulsos destrutivos e a força desses, o bebê sente
alguma insegurança. ―Essa insegurança paranóide é uma das raízes da solidão‖ (KLEIN,
1963/1991, p.342).
Klein parece significar o sentimento de solidão à vivência de um estado de desamparo, que
percorre por toda a vida, às vezes essa vivência ocorrerá de forma inconsciente. O indivíduo
usa de mecanismos de defesas do ego, como a onipotência e a negação da realidade psíquica
e externa como meio de não se sentir desamparado. Quando cita que esse sentimento de
solidão nunca será eliminado, a não ser mitigado na vida do indivíduo, corrobora que esse
sentimento faz parte da humanidade.
Ao retornarem para seu país de origem a criança terá que passar novamente pela angústia
de separação. Quais são os sentimentos vivenciados por as crianças migrantes? Como é
para a criança essa experiência migratória de retorno ao seu país de origem? Sendo que
para os adultos é uma experiência difícil à reintegração a própria cultura e para as crianças?
OBJETIVO:
O objetivo específico da pesquisa é investigar nessas crianças que passaram a primeira
infância no Japão, como vivenciam o
processo de adaptação à cultura
brasileira,
particularmente no que diz respeito a sentimentos de ansiedades e desamparo. Ao
retornar para seu país de origem, o emigrante vivencia a experiência de separação e
surgem ansiedades persecutórias e depressivas.
METODOLOGIA:
A proposta geral da pesquisa elege como objeto de investigação, a experiência do migrante
dekassegui, particularmente dos
filhos desses migrantes,
descendentes de japoneses que fizeram o caminho inverso ao de seus avôs e que, atualmente,
estão retornando para o Brasil.
6
1
Para tanto, será tomada a psicanálise como referencial teórico de fundo e o método clínico
de investigação científica baseado em testes projetivos com as crianças na faixa etária de 7 a
10 anos e entrevistas com pais, para i dentificar, analisar e tentar compreender a constituição dos
conflitos e das dificuldades de adaptação dos filhos de dekasseguis que retornam ao Brasil.
RESULTADOS:
A nossa pesquisa está em andamento e por isso ainda não obtivemos os resultados.
CONCLUSÃO GERAL:
Com efeito, o motivo principal da imigração dos dekasseguis foi à busca de um trabalho que
pudesse trazer algum retorno financeiro expressivo, suficiente para adquirir bens duráveis ou
iniciar algum empreendimento no Brasil. Alguns permaneciam por um longo tempo, tentando
acumular a maior poupança possível, outros intercalavam períodos no Brasil e no Japão e
existiam também os que acabavam fixando residência lá.
Apesar de ter sido uma política proposital de o governo japonês favorecer a imigração de
descendentes por considerá-los mais adaptáveis à cultura japonesa não é isso que
acontece. Os nipo-brasileiros, mesmo com certa familiaridade da cultura adquirida na
convivência com familiares e com a comunidade nipônica instalada no Brasil, quando
chegam ao Japão, pela primeira vez, sentem um profundo choque cultural. A língua, os
hábitos e os costumes são sentidos como muito diferentes e estranhos. Estranhamento que
mobiliza imagos diversas e profundas alusivas aos vínculos e afetivos e a estruturas
psicológicas básicas. Se para os adultos as experiências de estranhamento do presente,
aliadas aos fantasmas do passado, são bastante penosas e desafiadoras, para as crianças,
mesmo com uma carga menor de fantasmas antigos, a edificação dessas estruturas nas
experiências do presente, marcada pela condição de imigrante, não é menos problemática, nem
menos mobilizadora de estruturas matrizes de relacionamento afetivo. As dificuldades de
adaptação das crianças se expressam com mais visibilidade na escola. Dificuldades de
aprendizagem, de integração, de absorção da cultura escolar japonesa são sintomas de
traumas mais básicos e referidos aos relacionamentos afetivos. Resta mapear os
problemas de adaptação mais comuns e percorrer suas conexões com processos psicológicos
básicos.
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2
Esse fenômeno migratório contemporâneo chamado de dekassegui, faz parte das diferentes
experiências humanas de deslocamento e mobilidade. Em decorrência das crises políticas
e econômicas no Japão, muitos dekasseguis estão retornando para o Brasil com sua família.
Por isso a nossa atenção está voltada para essas crianças e as suas dificuldades de
adaptação nesse novo meio.
À semelhança do recém-nascido, o imigrante não sai propriamente de uma situação
inteiramente passiva, mas abandona uma situação de relativa segurança e familiaridade
para enfrentar o desconhecido, um outro mundo. A vivência de retorno do emigrante a sua
terra natal não se difere da experiência da ida para terra desconhecida. Pesquisas sobre o
retorno do emigrante têm mostrado que é muito mais difícil a chegada à terra natal do que a
partida, por tratar de um assunto complexo.
*Email: [email protected]
**Email: [email protected]
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEBIAGGI, S. D. & PAIVA, G. J. (Orgs.). Psicologia, E/Imigração e Cultura. São-Paulo:
Casa do Psicólogo, 2004.
FREUD, S. (1996). Obras completas. Rio de Janeiro: Imago. (1886-1889)
―Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos‖. v. I p.370.
(1996). Obras completas. Rio de Janeiro: Imago. (1925-1926) ―Um
estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, análise leiga e outros trabalhos‖. v.
XX p. 77-170.
GRINBERG, L. & GRINBERG, R. Psicoanalisis de La Migracion y Del Exilio.
Madrid: Alianza Editorial, A. A., 1984.
KLEIN, M. (1946-1963/1991). Inveja e gratidão e outros trabalhos. Notas sobre alguns
mecanismos esquizóides. Tradução 4ª ed. Rio de Janeiro: Imago.
(1946-1963/1991). Inveja e gratidão e outros trabalhos. Sobre o
sentimento de solidão. Tradução 4ª ed. Rio de Janeiro: Imago.
Experiência traumática, impotência, violência e criação.
1- Experiência traumática, impotência e violência
Vivemos em um momento da história da humanidade em que a violência salta aos olhos.
A palavra é aplicada a situações contextuais extremamente variadas, mas todas marcadas pelas
manifestações como o furor, os ataques de ira, o ódio, o massacre, a crueldade, as atrocidades
coletivas e outras tantas formas que se revestem da condição de poderem ser vividas, pelo
homem, como experiências traumáticas. Quando tomamos a violência, em seu caráter
instrumental, como objeto de reflexão, precisamos, a princípio, considerar duas modalidades: a
violência sofrida e a violência praticada, pois assim temos atores sociais em posições
diferenciadas. Daí então precisou discorrer conceitualmente no sentido de caracterizar as
diferentes formas de violência praticadas, naturalizadas ou não, e indicar seus agentes, do
mesmo modo que devemos circunscrever a violência sofrida.
Nessa linha de pensamento situamos o objeto de estudo dessa investigação: o agente
praticante da violência no contexto específico da criminalidade. Em princípio, é preciso demarcar
as condições do percurso de vida do agente praticante da violência em termos das situações de
violência a que se submeteu, seja pela ausência de acesso aos bens culturais, seja pela falta de
condições mínimas de sobrevivência como educação, saúde, habitação e segurança. Viver
nessas condições pode ser considerado uma espécie de travessia por experiências de cunho
traumático. O que se espera de quem está em exposição a tais circunstâncias não é
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4
necessariamente um tipo de ação campo da passagem ao ato. Porém isso acontece com muita
frequência, embora não possamos creditar a esses aspectos a única possibilidade de causa,
pois toda ação é também fruto de uma escolha do sujeito.
É importante ressaltar que o presente estudo procede da interdisciplinaridade entre dois
importantes campos do saber: a Psicanálise e a Memória Social, portanto utilizamos como
subsídio teórico conceito de Passagem ao Ato, de acordo com as formulações psicanalíticas
elaboradas primeiramente por Freud, e retomadas por Lacan. Conforme Kaufmann (1993)
salienta, esse termo foi utilizado por Freud para designar certas formas impulsivas do agir. Não
obstante, torna-se necessário um esclarecimento: esse mesmo termo de Passagem ao Ato
também é utilizado na psiquiatria, porém seu emprego muitas vezes pejorativo não tem a mesma
especificidade da psicanálise. Na psiquiatria, considerasse o termo Passagem ao Ato para
sublinhar a violência de diversas condutas que causam curto circuito na vida mental do sujeito
precipitando-o numa ação: agressão, suicídio, comportamento perverso, delito etc. Lacan na sua
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5
leitura freudiana, retoma esse conceito da Passagem ao Ato a fim de delimitá-lo melhor
identificando-o a uma saída de cena em que, como numa defenestração ou um salto no vazio, o
sujeito se reduz a um objeto excluído ou rejeitado. Ou seja, o sujeito produz uma ação na qual
ele se exclui inteiramente, com todo seu corpo. Ao sujeito não mais falta apenas uma parte. Ele
mesmo é a parte que falta.
Diante da possibilidade de o sujeito enveredar por um caminho que inclua a passagem
ao ato com alternativa para solucionar os impasses advindos das experiências traumáticas,
conhece-se o desfecho que quase sempre é a apreensão do sujeito que comete um crime pelos
aparatos legais. Uma vez condenado a viver em situação de cárcere, o sujeito está exposto,
mais uma vez, a situações ostensivas, não só de restrição de liberdade, como também alvo
constante de violência, tantos dos internos quanto dos agentes que exercem funções
determinadas pela Lei.
A condição de coerção às quais o sujeito é exposto funciona na contramão: ao invés de
ser obstáculo ou declínio do sujeito para a realização de ações criminosas, parecem ser, ao
contrário, um incremento para a prática da violência. Como entender uma nuance tão complexa?
Poderíamos nos aventurar a pensar que o sujeito responde com violência a violência advinda
das precárias condições sociais em que vive como bem se depreende do pensamento de
Wacquant (2001; 8), na ausência de qualquer rede de proteção social, é certo que a juventude
dos bairros populares esmagados pelo peso do desemprego e do subemprego crônicos
continuará a buscar no ―capitalismo de pilhagem‖ da rua os meios de sobreviver e realizar os
valores do código de honra masculino, já que não consegue escapar da miséria no cotidiano.
Situação semelhante acontece no ambiente carcerário onde o preso reproduz as regras
de coerção da própria instituição. Eis o encaminhamento para a reflexão acerca do objeto desse
estudo, partindo-se do pressuposto de que, diante de circunstâncias decorrentes da situação
traumática que são impossíveis de elaboração, o sujeito responde com violência. Isso é
consoante com a linha de raciocínio de que podemos ter uma situação paradoxal em que o
sujeito passa da condição de vítima à condição de algoz, sem tem a menor noção de que faz
parte desse circuito. Nesse contexto, podemos indagar se os agentes praticantes de violência,
cujas ações são objetos de inúmeras matérias em jornais, revistas e televisão, têm clareza de
que a coerção que impõem àqueles a quem destinam seus atos, pode muito bem ser a
reprodução da coerção vivida em relação ao Estado? Com isso queremos situar o campo onde
abordamos o agente praticante da violência que, em função das possíveis fraturas de memórias
decorrentes da exposição a situações traumáticas, engaja-se em um tipo de funcionamento em
que ocorre uma virada de posição: de quem sofre a violência para quem pratica. As
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6
experiências traumáticas deixam vestígios que tanto permanecem como meros signos de
percepção quanto, quando elaborados, são alçados à condição de representação, seja da
violência sofrida por quem passa da condição de vítima à condição de algoz, seja simplesmente
daqueles em quem cenas de destruição têm lugar. É importante salientar que em ambas as
situações as lembranças produzidas são de caráter traumático, pois conforme assinala Pollak
(1989:6) ―Em face dessa lembrança traumática, o silêncio parece se impor a todos aqueles que
querem evitar culpar as vítimas. E algumas vitimas que compartilham essa mesma lembrança
‗comprometedora‖, preferem, elas também, guardar silêncio.‖.
Outrossim, há modos diferentes de escolha do sujeito perante a violência sofrida, como
exemplifica Primo Levi que após ter vivido em um campo de concentração, teria se dedicado a
uma escrita para produzir entendimento daquilo que, em princípio, é da ordem do
incompreensível, do inominável, do indizível? Certamente o que sabemos é que, uma vez tendo
sido acossado pela violência brutal, esse homem em um dado momento de sua vida decidiu
escrever sobre o que denominou de zona cinzenta começando por uma indagação: ―fomos
capazes, nós sobreviventes, de compreender e de fazer compreender nossa experiência?‖
(LEVI: 2004,53).
Sendo assim, encontramos elementos que poderão ser compreendidos à luz dos
arranjos mnésicos produzidos pela exposição do homem atual, em seu pronunciado estado de
desamparo, às circunstâncias traumáticas de grandes intensidades, sendo experimentadas sob
o signo de grande violência. Estamos assim pensando o arranjo mnêmico e sua expressão nas
formas atuais da subjetividade e nisso a interferência de situações da ordem do indizível que
insistem em acompanhar o homem contemporâneo e acabam por marcá-lo, e obrigá-lo a
caminhar por sendas obscuras e difíceis. Assim, encontramos muitos termos utilizados na
compreensão do sofrimento físico ou psíquico oriundo da paralisação do homem diante de
situações de vida que trazem a marca do insuportável como acontece no trauma, na catástrofe e
na barbárie. Porém todos esses termos podem ser agrupados segundo um denominador comum
que é a violência, termo que tem sido o mais utilizado para designar os estado de monotonia e
apatia que colorem de negro o viver do homem dos dias atuais.
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2- Um ato da criação
“Tolerar a existência do outro,
E permitir que ele seja diferente,
Ainda é muito pouco.
Quando se tolera,
Apenas se concede
E essa não é uma relação de igualdade,
Mas de superioridade de um sobre o outro.
Deveríamos criar uma relação entre as pessoas,
Da qual estivessem excluídas
A tolerância e a intolerância.”.
(José Saramago)
Num belíssimo livro intitulado Uma História Íntima da Humanidade, Theodore Zeldin
(1996), um importante historiador e pensador da atualidade, preocupa-se com um foco diferente
no que tange aos afetos, ou seja, sua tentativa visa descobrir o que os homens têm, mais do que
os divide, e o de explicar o que os impediu de mostrar-se humanos, de aprender a arte de viver,
de lidar com a crueldade e o ódio, como categorias que fazem parte do humano. Sua perspectiva
é muito simples, pois diz respeito ao que a humanidade pode mudar e não sobre o que não
pode. Nesse contexto, ele esclarece que todo indivíduo reúne lealdades passadas, apresenta
necessidades e visões do futuro numa teia de contornos diferentes, com ajuda de elementos
heterogêneos tomados de empréstimo a outros indivíduos; e esse constante toma lá dá cá
constitui o principal estímulo da energia da humanidade.
Quando as pessoas se veem como fatores de influência entre si, nesse caso já não são
meras vítimas: qualquer uma, por mais modesta, se torna então capaz de estabelecer uma
diferença, por mais ínfima e fugaz, para modelar a realidade. Pensar como será a melhor forma
de obter qualidade de vida, se através do esforço individual ou coletivo, perdeu o sentido. Torna se evidente a importância da inspiração de fora e as lutas deixam de ser individuais para
tornarem-se coletivas. Todos os grandes movimentos de protesto contra o menosprezo, a
segregação e a exclusão envolveram um número infinito de atos pessoais dos indivíduos,
provocando no todo uma pequena mudança, pela qual aprendem um do outro, e pela qual tratam
6
8
os demais. Sentir-se isolado é não ter consciência dos filamentos que ligam uma pessoa ao
passado e a partes do mundo onde jamais esteve.
Assim, podemos pensar em quão tênue é o limite que separa as fronteiras entre a
fraternidade e o ódio nas suas manifestações, através dos mecanismos de exclusão e de
segregação, como esperanças vãs de ―tratar o insuportável, o impossível de suportar‖.
(SOLLER, 1998:46). A fronteira que se margeia a fraternidade é o ponto no qual se centram
muitas ambigüidades, não sendo prévia ao surgimento do ser desejante, e sim construída pelo
homem a partir de uma contradição lógica em termos da necessidade simultânea de
aproximação e de afastamento. Na constituição do laço social, temos de pensar o movimento
dialético no qual se encontra o limite, signo da diferença e o ideal de igualdade. O sujeito busca
firmar laços com o semelhante em termos do reconhecimento de que algo lhe falta. Em torno da
falta se produz a esperança da satisfação. A ideia de fraternidade é a esperança de satisfação
para todos, enquanto a ideia de individualismo é a esperança de satisfação apenas para um.
Porém alertemo-nos a esse respeito, pois sabemos que fraternidade e potência voltada
para destruição são totalmente incompatíveis. No momento em que uma dessas facetas se
manifesta, a outra obrigatoriamente está oculta. Além disso, sabemos que o movimento rumo à
fraternidade diz respeito à unificação, colocando em pauta um projeto fundado e mantido por
ideais; enquanto que a vontade potencial de destruição refere-se às pequenas diferenças que
não se fundam em ideais e sim em diferenças explicitáveis no contexto das relações sociais.
Então a fraternidade seria a esperança de unidade sustentada pelas diferenças, tendo-se um
processo cujo suporte é a exclusão daquilo que está na base da diferença. Todavia, esse é o
lado totalitário que se depreende dos movimentos frenéticos em nome da fraternidade,
movimentos esses que não escondem sua base de funcionamento: a exclusão. Temos assim um
desdobramento que vai da simples segregação até as formas mais rudes de exclusão, como o
assassinato.
Quanto a isso, no belíssimo diálogo sobre a Estranheza do Estrangeiro, Jean Daniel, no
momento de concluir fala sobre a xenofobia, como uma categoria do espírito, ele esclarece:
―Em condições particulares, sociais, ou outras, quando não podemos
culpar nem Deus nem as instituições pelo mal que sofremos, a estranheza do
estrangeiro torna-se insuportável, sendo valorizada com o procedimento do bode
expiatório. Um único ser, um único grupo, uma única raça são estranhos e
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bastaria suprimi-los para que a estranheza desaparecesse como mal. Trata-se
de uma tentação ainda maior na medida em que a ―expiatorização‖ do
estrangeiro permite recuperar uma identidade coletiva, a qual, como a identidade
pessoal, é algo incrivelmente frágil. Processo fascinante na medida em que
triunfa sobre uma outra categoria do espírito que é a interdição de matar ou até
de banir, se não o dever de amar. Como chegamos a matar esse outro sem o
qual nada somos? (DANIEL, J. 1998:22).
Em resposta ao diálogo travado com Jean Daniel, Ricouer responde que esse
abrandamento da censura do assassinato é o que lhe parece mais perturbador, pois ele abre
caminho para uma verdadeira cultura da morte que se poderia resumir assim: Prefiro perder com
meu adversário do que ganhar com ele.
No que tange à alteridade, salientaria como vectores semânticos fundamentais do
conceito a sua estrutura polarizada, por um lado, e, por outro, a sua dimensão de abertura. O
fato de ser alteridade uma estrutura polarizada significa que a sua caracterização supõe a
referência ao seu contrário, ou seja, supõe que a alteridade é um termo cuja semântica se
alimenta de uma relação, que, no caso, é uma relação antinômica, a saber, a relação entre o
mesmo e o outro. A questão da alteridade convoca, por isso, a força da própria dinâmica da
dialética para o interior do processo de pensar, introduzindo nele uma estrutura inquietante, de
confrontos e de determinações recíprocas.
Nesse esteio, Zeldin (1997) salienta o fato de que ocorreu uma mudança de foco, das
disputas nacionais para o humanitarismo amplo e as preocupações ambientais, é sinal da
urgente necessidade de escapar de antigas obsessões, de manter a vista todas as dimensões
diferentes da realidade e de enfocar simultaneamente o pessoal, o local e o universal. O autor
assevera que a humanidade só pode dar uma impressão satisfatória de rumo certo quando
calcular suas realizações com ajuda de uma economia que se refira às pessoas como estas são,
que incorpore comportamentos irracionais e altruístas em seus cálculos, que não parta do
pressuposto de que as pessoas são egoístas, preocupando-se em oferecer aos perdedores
vitórias alternativas mutuamente aceitáveis.
A busca do que temos em comum, apesar das nossas diferenças, nos leva a alhures,
como ilustra uma história que começa assim: Meio minuto basta para transformar uma pessoa
aparentemente comum num objeto de ódio, e através da Passagem ao Ato poderá até tornar -se
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num inimigo da humanidade: Ele cometeu homicídio e foi condenado à prisão perpétua. Depois,
na sua cela solitária, meio minuto foi suficiente para transformá-lo outra vez, agora em herói.
Salvou a vida de um homem e foi perdoado. Mas ao chegar a casa encontrou a mulher vivendo
com outro, além do que a filha nada sabia a seu respeito. Ninguém mais se importava nem
precisava dele para coisa alguma, de modo que só lhe restava à ideia de tirar a própria vida.
Sua tentativa de suicídio também fracassou. Um padre chamado à beira do seu leito
disse-lhe: ―Sua história é terrível, eu nada posso fazer para ajudá-lo. Tenho família rica, mas
renunciei à herança e fiquei apenas com dívidas. Gastei tudo que tinha em abrigos para os
desamparados. Nada lhe posso dar. Você quer morrer e nada o
pode deter. Mas antes de se
matar, me dê a sua mão. Depois, faça como quiser...‖.
Essas palavras mudaram o mundo do assassino. Alguém precisava dele: afinal ele já
não era uma pessoa supérflua e dispensável. Concordou em ajudar. E o mundo nunca mais
voltou a ser o mesmo para o monge, que se sentia até então esmagado pelo acúmulo de tanto
sofrimento ao seu redor, e cujos esforços para minorá-lo quase não faziam diferença. O encontro
casual com o criminoso deu-lhe a ideia de que iria modelar-lhe todo futuro: diante de uma
pessoa na maior depressão, nada lhe pudera dar, mas ao contrário, lhe pedira auxílio. Mais tarde
o criminoso disse ao monge: ―Se você me tivesse dado dinheiro, ou um quarto para morar, ou
um emprego, eu teria reiniciado minha vida de crimes e matado outras pessoas. Mas você
precisou de mim.‖ Eis como nasceu o movimento de Emaús do abade Pierre em benefício dos
miseráveis: de um encontro de duas pessoas totalmente diferentes que acenderam uma luz no
coração uma da outra. Curiosamente Zeldin nomeia essa história da seguinte forma: O que se
torna possível quando almas gêmeas se encontram?
Curioso porque esses dois homens não eram almas irmãs no sentido comum, na
significação romântica das palavras, mas pura alteridade e permissividade, pois a partir do
momento do encontro com o estrangeiro, não fizeram mais do que encontrarem a si mesmos,
através do encontro com o estranho que os habitava e estava até então desconhecido. A
verdade é que cada um deve ao outro o sentido de direção e o Ato de Criação que lhes guia a
vida até hoje. De vez em quando, assim caminha a humanidade!
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1
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Trauma, estados melancólicos, memória e criação: de Aristóteles a Freud uma luz
na escuridão
Glaucia Regina Vianna
Francisco Ramos de Frarias
O sofrimento não é uma experiência distante e desconhecida do homem, como também
não o são os meios recorridos para sair dessa situação. Certamente, a grande maioria dos
viventes, em um dado momento da existência, passa por diferentes circunstâncias que os
confronta com a dor de existir. Como devemos entender tal nuança da existência? Em princípio,
sabemos que a meta principal do homem é ser feliz, bem como conservar este estado por toda a
vida. Não obstante, algo interpõe-se na consumação dessa tarefa, quer dizer, a felicidade é
desalojada e, por isso, o sujeito não passa incólume às ondas de mal-estar próprio da condição
civilizatória. Assim, podemos afirmar que o homem busca a felicidade, porém a ordem do mundo
é um grande empecilho no caminho para alcançar a felicidade plena. Além do mais, a felicidade
só é buscada em uma situação de contraste: diante da intensificação da dor ou do desprazer, o
homem busca encontrar o sentimento de tranqüilidade, de bem-estar e satisfação, almejados em
termos de eternidade. Não obstante, o tempo da satisfação é a efemeridade, bem como o tempo
do ser é a transitoriedade. Duras certezas que não podem ser evitadas, que se agudizam em
circunstâncias de catástrofes e de perdas.
Eis o pórtico que escolhemos para situar os estados melancólicos vinculados à questão
da busca da felicidade, ao considerar a via da criação que se afigura em condições de ruínas.
Quer dizer, o homem pode, em certas situações de aniquilamento, devido a experiências
traumáticas, não sucumbir e lançar-se em condições criadoras, produzindo saídas a serem
inscritas no contexto social como a marca de uma historia. Porém, não devemos esquecer que é
próprio da melancolia arrefecer as forças psíquicas, deixando o sujeito em uma espécie de
latência, à espera de interferências da pulsão de vida para sinalizar sua existência. Isso, bem
entendido, quando não há o triunfo radical da pulsão de morte com saídas como o suicídio e
outras formas de passagem ao ato. Nesse sentido, queremos salientar que a pressão do
sofrimento pode tanto levar o homem a reduzir suas chances na busca da felicidade, quanto
servir de propulsão para a elaboração de alternativas criativas, especialmente, quando há
claramente o desejo de endereçamento ao social de uma obra conforme retrata a historia dos
grandes feitos da humanidade pelos gênios que, reconhecidamente, deixaram testemunhos
sobre a descida ao estado de ruinas devido à aproximação radical ao mundo das trevas.
Sob esse prisma, temos de pensar os estados vivenciais próprios da melancolia não
apenas no campo da destruição, mesmo sabendo que a tristeza e a depressão são estados de
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ânimos que, frequentemente, produzem queda do sujeito sobre si mesmo. Neles encontra-se a
concentração dolorosa, em intensidades diferenciadas, configurada na dor de existir que
obscurece o horizonte existêncial do homem, em uma espécie de fechamento gradativo. Quer
dizer, esses estados são cobertos por uma nuvem negra que se expande a ponto de fechar
gradativamente todas as possibilidades de alternativas de realização.
A reflexão em tela requer que situemos o estatuto conceitual dos estados melancólicos,
pois conforme Kehl (2009) salienta, no pensamento freudiano, o significante melancolia, referese a uma diferenciação nos estudos das psicoses maníaco-depressivas. Assim, a Psicanálise
diferencia-se da Psiquiatria do século XIX e início do século XX ao situar a melancolia, como
uma estrutura clínica, pensada, sobretudo no processo de subjetivação e não apenas como uma
entidade nosológica. Foi a partir dos estudos do psiquiatra suíço Adolf Meyer que a melancolia
passou a ser difundida na rubrica de depressão, ganhando, cada vez mais, penetrabilidade no
campo da medicina, especialmente, sendo explicada em termos de causas orgânicas. (PERES,
1996). Contudo, por outro lado, o termo melancolia, no texto freudiano, foi resgatado da estética,
conforme Lambote (2000:12) explica:
[...] a progressão dos capítulos da Estética corresponde ainda, no registro da
metapsicologia, à elucidação
etiológica
da
melancolia
como
"neurose
narcísica", para retomar a nosografia freudiana de 1924, bem como a
exposição de um de seus modos de resolução mais exemplares na função
paradoxal cumprida pelo objeto estético: a de indicar e de mascarar a um só
tempo a proximidade de um gozo original que, por trás da negação da
realidade cotidiana, se manteria em todo o esplendor de seu brilho. Ora, por trás
da realidade, como por trás do espelho, não há nada e o objeto estático, da
mesma forma que a atividade de construção que ele requer, faz tela ao encanto
destruidor de uma realidade supranatural.
O que mais se evidencia, nesses estados de queda do humor, é a perda do interesse
pelas coisas e pelas pessoas com o evitar contumaz de toda atividade relacionada ao prazer, a
não ser, muitas vezes, a satisfação em cultuar a vivência dolorosa. Aparentemente, tudo que o
sujeito vive nessas condições parece não ter qualquer vinculação com estados passados de sua
vida. Daí o sentimento de impotência em lançar mão de seus recursos, mesmo que sejam
mínimos, para construir condições de prosseguimento ao viver, além, da descrença em contar
com o semelhante nessa empreitada. Poucos são aqueles que conseguem, à duras penas,
emergirem desse lugar sombrio, por si próprios pela criação ou pela ajuda clínica. Tudo indica
que a experiência de dor vivida nos estados melancólicos é indicativa de uma ruptura radical em
que as vivências atuais são marcadas por apatia e indiferença, muitas vezes tão potente que o
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sujeito acredita não ter como evitar.
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O esvaziamento e a perspectiva de falta de sentido presentes no viver do melancólico
estendem-se ao mundo como um todo, especialmente quando o sujeito concentra todo as forças
que ainda restam para viver, com a maior intensidade possível na manutenção da dor moral. Daí
o sujeito, na travessia, por um estado melancólico, tornar-se refratário a qualquer argumento de
racionalidade e de crítica, quando é taxativo em declarar que perdeu, de forma irrecuperável, a
estima por si mesmo. Ainda evidencia também um estado de vida no qual se coloca como um
ser inferior, inútil e incapaz. Submerso nesse cenário sombrio, nada resta a fazer senão
engendrar estratégias para se maltratar, o que se transforma em ideias fixas das quais não se
dispõe a abrir mão. É interessante observar que a paixão mórbida movida por um ideal, qualquer
que seja, provoca o desleixo com o corpo e também pode ser o caminho mais curto para a
destruição (FARINA e BERLINCK, 2011).
Curiosamente muitos dos que realizam essa dolorosa travessia, de maneira
surpreendente, engajam-se em projetos de criação deixando testemunhos que serão para
sempre lembrados. Acerca dessa possibilidade, uma questão insiste em ser posta: como é
possível, em um estado de ruínas, reunir forças para criar, como fizerem tantos gênios
conhecidos na história da humanidade? Essa nuança enigmática presente nos estados
melancólicos foi objeto de indagação no âmbito do pensamento aristotélico e ainda é no contexto
dos dias atuais. Disso temos então um saldo importante: a experiência melancólica não significa
apenas a rota para a destruição, pode ser também o ponto de partida para a produção criativa,
pois, como relata Costa (2001), Van Gogh, considerado melancólico, em uma situação de surto,
produziu setenta quadros em setenta dias. Provavelmente esse jorro de criação somente pode
ocorrer com a minimização da autoacusação, pois este é o sentimento poderoso que consome,
de forma brutal, praticamente todas as energias vitais do sujeito.
Obviamente, essa saída criativa não ocorre a todos aqueles que são acossados pela dor
de existir na travessia pelos estados melancólicos, embora muitos sejam os relatos daqueles
que, em situações extremas de sofrimento declinaram vertiginosamente pelo suicídio. É
fundamental assinalar que a estratégia de suicídio não é uma modalidade apenas dos tempos
atuais, pois já no texto aristotélico há indicações de tais ocorrências ao lado de indicações de
saídas criativas. O que constatamos apenas é a variedade das formas de suicídio na
contemporaneidade, visto que Aristóteles (384-322 a.C/1998) registra somente a morte por
enforcamento. Assim sendo, tanto o suicídio quanto a melancolia que se fazem presentes na
vida, nos dias atuais, remontam ao mundo da antiguidade.
A melancolia não é uma experiência de nossos tempos, pois desde a Grécia Antiga
encontramos relatos de sujeito em estados melancólicos, principalmente na estreita relação
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estabelecida entre o gênio e a loucura, o que ganhou contornos marcantes na Era
Renascentista, tendo seu ápice na Modernidade em razão da compreensão da experiência
subjetiva como ruína do próprio Eu e do mundo. Tal experiência é compreendida como um
parâmetro da atividade criadora, quer dizer, o homem contemporâneo tem de organizar as bases
do seu viver a partir dos fragmentos que, em forma de resíduo, configuram tudo o que dispõe
para tal finalidade. Da dor de existir não há como fugir.
A dor de existir recobre, para cada um, na sua travessia existencial, a exposição
inevitável ―às separações, às perdas, ao afrontamento com a insuficiência, ao trágico do saber
sobre a morte, à presença do mal e à experiência do não-sentido‖ (JURANVILLE, 2005:15).
Enquanto dor de existir, a melancolia revela-se um estado crítico da condição humana,
considerada desde a Antiguidade como aspecto constitutivo do ser e que pode ser analisada, em
nossos dias, como o momento fundador do sujeito, conforme propõe Hassoun (2002). Qu er
dizer, é possível ao sujeito erigir condição de vida, uma vez tendo que realizar a travessia por
experiências traumáticas. O trauma não apenas significa paralisação absoluta, pois diante dos
vestígios da experiência traumática é possível ao sujeito reunir filigranas na construção de seus
arranjos subjetivos.
Assim fica patente que a melancolia refere-se muito estreitamente à condição humana
naquilo que a mesma apresenta de extremo. Do ponto de vista negativo, é um estado de
loucura, mas, positivamente, constitui a experiência vivida e transmitida aqueles homens que
dão um passo além da dimensão trágica da existência. Todos aqueles que conhecem de perto o
lado obscuro do ser, como heróis, místicos, artistas, filósofos, cientistas e, enfim, todos aqueles
que são considerados, no contexto social, como seres de exceção que conhecemos sob a
rubrica de gênios criadores.
Apesar de a depressão e a melancolia serem consideradas, no âmbito do saber médico,
no contexto do século XX, afecções mórbidas que apresentam um sentido comum, pois as
diferenças presentes na fenomenologia clínica são sutis; sabe-se que ambas casuísticas
possuem definição própria e que depressão não é melancolia. Provavelmente, a idéia da
associação entre melancolia e depressão tem suas raízes no cenário da Era Moderna. Não
poderia ter se configurado antes do corte que marcou o advento da ciência moderna, o qual
propiciou um novo tipo de relação do sujeito com o saber. Este foi o solo propicio para que fosse
cunhada a palavra depressão, pois, conforme aponta Milner (1996:30), o homem ―sempre
precisa de representações‖, Além disso, a ruptura com o pensamento aristotélico criou um
cenário sobre os destroços do mundo antigo que exigiam a criação de termos para representá los. Talvez tenha sido por esse motivo que a palavra depressão faz então sua aparição somente
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a partir da evidencia desse novo mundo e não antes. Daí então o saber médico, nos séculos
XVII e XIX, ter encampando a melancolia como equivalente à depressão, a partir do surgimento
desse termo. A criação de termos para nomear formas de sofrimento produziu igualmente
diferentes tipos de estados que, embora tendo uma raiz comum, apresentam nuanças próprias.
Sendo assim, entra em circulação o homem deprimido juntamente com aqueles nos quais já era
visível a presença de estados melancólicos. O que ocorreu então com o surgimento do termo
depressão foi a equiparação com a melancolia, como se houvesse apenas uma única forma de
sofrimento. Porém, no século XX, Freud (1917/1976) ocupa-se da distinção entre tais termos
sinalizando que a depressão é uma manifestação clínica presente em vários estados de perda,
entre os quais o luto e a melancolia.
Diferentemente do enlutado, o ser que atravessa um estado melancólico apresenta
grande empobrecimento do Eu, reconhecido a partir da baixa auto-estima, conforme pode-se
depreender em: ―pensamentos de menos valia lhe abismam [o sujeito] e a recusa em se
alimentar muitas vezes se instaura, superando o instinto que compele todo ser vivo a se apegar
à vida‖ (FREUD, 1917/1976:252). Ocorre assim um esvaziamento do próprio Eu e autoacusações cruéis contra si mesmo sem o menor pudor. Traçando um paralelo entre os estados
melancólicos e os estados depressivos, nestes últimos verifica-se também a diminuição da autoestima, contudo não existe a tendência a humilhar-se perante aos outros, nem a falta de pudor
presente na melancolia.
No sujeito deprimido, as auto-acusações são dialetizáveis. Muitas vezes ele acha que
está sendo injusto consigo mesmo. A esse respeito, Soler (1999:176) nos chama atenção de que
a depressão não é diretamente produzida pela castração, mas pelas soluções singulares de
cada sujeito para lidar com esse tipo de operação psíquica. Essas soluções variam em função
das contingências, porém sempre implicam a dimensão ética. Nesse sentido, a expressão que
evoca o sujeito na condição de estruturalmente deprimido, subentendido nisso um efeito de
castração, carece de precisão, sendo mais justo afirmar: estruturalmente deprimível, pois a
depressão surge sempre em função dos avatares da junção com o objeto.
No que tange ao sujeito que atravessa os estados melancólicos constata-se o
julgamento pela autoria de causa ruim de todas as coisas. Nesse contexto, tudo se torna inútil,
sem vida, até mesmo o próprio Eu que em consequência esvazia-se. Diante da viagem ao
estado de ruinas e morada nas trevas, Freud (1917/1976) postula que uma parte do Eu colocou se contra outra parte do próprio Eu, considerando-a como um objeto. Dai decorre a autotortura a
que o sujeito se submete. Na verdade, essa autotortura é em relação a outrem que esse mesmo
sujeito amou ou ama, pois, é a um outro que o melancólico agride e não a si próprio, um outro
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que no Eu habita, por intermédio da identificação e da incorporação, sem que o próprio
melancólico saiba sobre isso. Frequentemente nos estados melancólicos a relação que o Eu
estabelece com o objeto faz com que o investimento libidinal seja dele retirado para retornar ao
Eu, ocorrendo uma forma de recusa psíquica da realidade da perda de tal objeto. Essa recusa se
encontra enraizada no próprio amor narcísico, traz no seu complexo o desdobramento da
negação do Eu quanto ao reconhecimento da alteridade. Quando ocorre a perda do objeto, tem se o retorno de todo investimento outrora direcionado a esse objeto para o Eu. Essa energia que
retorna não é utilizada para investir nas lembranças do objeto, como é comum no luto, mas sim
para realizar uma identificação do Eu com o objeto, fusionando um ao outro. Portanto, perder o
objeto significa também perder a si mesmo nesse objeto, dai haver o apego do Eu ao objeto e a
dificuldade em aceitar a perda.
Sob esse prisma, Hassoun (2002) aponta que o melancólico é aquele que não conheceu
a experiência da perda e nem um primeiro luto subjetivante. Sugere que tal sujeito foi tragado
por desejo materno próprio. Algo lhe foi sacrificado, sem nada ser dado. A perda, não se
manifesta em relação ou na direção dele. Não tendo acesso ao dom, o melancólico não se refaz
desse impossível. Possivelmente, o sujeito melancólico não pôde fazer uma identificação
primeira, especular. O objeto está ausente, suicidado, desencadeando o que chama de
crueldade melancólica. Portanto a falha, na primeira forma de identificação adicionada à
ausência de objeto, poderia explicar esse tormento.
Podemos traçar, considerando essas premissas, um esboço para pensar a questão da
melancolia no âmbito de um estado da condição humana, conforme extraímos do pensamento
freudiano, no sentido de sua afirmação acerca de um furo no psiquismo. Furo constitutivo que
não deve ser entendido como aniquilante, uma vez que é aquilo de que o sujeito dispõe para
funcionar no campo das relações sociais. A perda no âmbito das relações afetivas, no dizer de
Freud (1894/1976:276), na área da vida pulsional, deve ser considerada como condição de
catástrofe devido ao esvair de quantidades de excitação. Nessa condição, o sujeito pode
emergir, produzindo arranjos no sentido de aposta na vida.
Apoiando-nos no ensino lacaniano, podemos afirmar que o objeto perdido deixa uma
fratura de modo que, no lugar onde deveria ser encontrado um tipo de teia simbólica, nada se
encontra: só um furo, um ralo aberto, por onde escoa a libido. Eis o que ocorre na relação do
sujeito com o símbolo, em função do que, na melancolia, como em outras dificuldades da vida, ―é
possível que uma parte da simbolização não se faça. Provavelmente pode acontecer que alguma
coisa de primordial quanto ao ser do sujeito não entre na simbolização‖ (LACAN, 1985:97).
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A referência a não simbolização na melancolia, ou seja, a produção de um resíduo,
concerne exclusivamente a um ponto não simbolizado. Esse ponto impossível de ser
simbolizado é certamente o furo que aparece formulado por Freud (1894/1976) em seus textos
―pré-psicanalíticos‖, especialmente nas cartas a Fliess, seu mais importante interlocutor no
período de fundação da Psicanálise. Tal furo produz um resultado: a relação entre a melancolia e
a anestesia sexual que se caracterizada pela ausência de sensação de prazer, corresponde à
uma total abolição do desejo e também a um luto pela perda de libido que tem como efeito uma
inibição psíquica com empobrecimento pulsional e dor.
Tal condição nos conduz a refletir sobre a intrigante questão formulada por Aristóteles
(384-322, aC/1998), na qual atribui à melancolia o caráter de exceção aos grandes homens.
Farias (2004), movido pela indagação aristotélica, indaga-se porque homens brilhantes de várias
áreas do saber atravessaram em suas vidas estados melancólicos e postula que a dor de existir
seja o enfrentamento mais radical do sujeito frente à falta, tornando-o visionário do vazio da vida,
mas impulsionando-o à invenção. Não obstante o foco principal de indagação incide na
perplexidade relacionado ao fato acerca do motivo pelo qual o homem precisa cair em um estado
como esse, seja para criar, seja para endereçar-se ao dispositivo clínico solicitando ajuda para
suportar o viver.
Acerca dessa nuança Hassoun (2002) faz uma comparação entre o melancólico e certos
autores cuja narrativa refletem a melancolia, observando que é como se desenvolvessem uma
inquietação infinita e desesperada que a sociedade suscita neles. Diante disso, formula a
hipótese de que cada uma de suas produções é em si mesma uma tentativa de criar um objeto
próprio que lhes permita efetuar um trabalho de luto; luto que se cumpre graças ao texto escrito,
publicado, e, portanto, endereçado a alguém. Segundo Costa (2001), é possível reconhecer uma
determinada produção de ato, no estilo daquele que precisa transmitir algo pela escrita. O estilo
é algo que se repete. Essa insistência de algo que não se escreve, quer dizer, estes restos
inassimiláveis são impossíveis de se escrever e de transmitir.
A atividade da escrita, como a de toda criação, uma vez atravessada por uma sublime
melancolia, não encontra contudo sua resolução, em função da fugacidade do objeto, visto que,
nesses estados de ruínas, cada vez que o sujeito direciona-se ao objeto tem de construí-lo.
Essas considerações não se dirigem a um sentido de refletir sobre o ato criativo, no âmbito da
patologia. Pelo contrário, talvez tais condições tenham mesmo a intenção de enobrecer o
sintoma, ou os produtos dos atos humanos, como maneiras diferentes de representação. Basta,
mais uma vez, lembrar de Van Gogh, como situação exemplar dessa situação no episódio que
―no final de sua vida pintou setenta quadros em setenta dias‖. (COSTA, 2001:131).
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desejo. Rio de Janeiro: Marca d‘Água.
STYRON, W. (1991) Perto das trevas. Rio de Janeiro: Rocco.
8
1
Estigmas resultantes de diagnósticos em um Manicômio Judiciário
Introdução
Quando observa-se a temática da loucura, lembrando-se sempre de levar em
consideração as diferentes concepções, em termos de conflito com a moral, de desordem
psíquica ou de inadaptação social (FOUCAULT, 1996), a medida relativa à exclusão do
contexto social justificava-se, até recentemente, como
recuperação,
ou
cura,
e
controle
estratégia
que
buscava
à
de determinados sujeitos que são considerados
perigosos, pelo fato de colocar em risco a própria vida ou a vida de outras pessoas em função
de suas crises. É importante salientar que as definições da loucura sofreram alterações
devido as
cada
diferentes
época,
percepções
e
representações
de
sendo ressignificadas em função de injunções sociais e políticas.
Segundo Castro (2009, p.52) com o desenvolvimento e fortalecimento de uma ciência colocada
nos ideais positivistas, no século XVII ocorreu uma revolução científica, estabelecendo a
ruptura com as concepções cientificas e filosóficas existentes naquele momento. O avanço
das ideias positivistas fez com que a loucura passa-se
uma
doença
sendo reconhecida
a
ser
vista
como
pelas características do aparelho
destinado ao controle, segregação e tratamento. A influência dos ideais positivistas encontra
eco nos diagnósticos dos primeiros loucos que foram internados.
Ao se considerar o recorte histórico do processo de exclusão dos segregados,
voltamos nosso olhar para a loucura na contemporaneidade, que teve um percurso de
pesquisas e tomadas de decisão, sempre priorizando o confinamento do louco para
tratamento. O mesmo processo de segregação era também
verificado
no
âmbito
da
criminalidade: onde os criminosos eram confinados, à espera de um castigo. No contexto
moderno das prisões, são punidos com a restrição de liberdade.
No final do século XIX, o saber médico passa a intervir nas práticas jurídicas, e de
acordo com Donzelot (1977, p.92) tal iniciativa é produto de uma
1
vontade de reduzir o recurso ao judiciário e ao penal, por intermédio do alicercamento
nas ciências sociais, através da qual foi produzida a categoria louco
delinquente
(FOUCAULT, 2010). Essa categoria social é também conhecida como loucocriminoso, e é
uma categoria hibrida, pois o sujeito passa a ser estigmatizado como criminoso e como louco,
ou seja, passa a comportar as duas nuanças (PINTO; FARIAS; GONDAR, 2012). As
terminologias relativas a essa categoria já passaram por várias mudanças, porém a atual
identificação é tida como a de pessoas adultas com transtornos mentais em conflito com a lei
(BRASIL, 2011). Com isso, surgiu no cenário dos segregados da sociedade, uma categoria
hibrida que congrega os dois lados mais sombrios da dimensão trágica da existência, o crime e
a loucura (CARRARA, 2010).
O processo de internação da referida categoria, resulta de uma dinâmica que comporta
as seguintes fases: a) o sujeito após ter cometido um crime, caso seja preso, é declarado
legalmente como criminoso; b) posteriormente, na fase do inquérito, o sujeito em condição de
suspeito, a critério do juiz, ou de outros profissionais envolvidos, poderá ser encaminhado a
um exame pericial que ateste o seu estado psíquico; c) em caso de existência de
enfermidade psíquica, o criminoso será considerado, em termos da motivação para o crime,
como portador de um transtorno psíquico, caso fique evidenciado a ausência momentânea de
juízo crítico na avaliação das consequências do crime.
Nosso olhar, além de se debruçar sob a categoria do loucocriminoso, considera
também a instituição destinada ao tratamento destes, que segundo nossos estudos, é um
espaço tido como um lugar de memória (NORA, 1993). Não obstante, esses olhares
convergem para a construção de sua memória social; conceito ético e político, além de
polissêmico e transdisciplinar (GONDAR, 2005). Trata-se de um processo delicado de
investigação das memórias que estão difundidas nos diversos ambientes da instituição,
e também as histórias construídas ao longo de quase um século de existência.
Para fins desse estudo, tomamos como objeto de investigação, uma instituição
destinada a custódia e tratamento de tal categoria, fundada nas primeiras décadas do
século XX, na cidade do Rio de Janeiro, em um anexo à casa de correção, conhecida como
complexo penitenciário da rua Frei Caneca,
2
que foi demolida em 2009. Trata-se do hospital de custódia e tratamento psiquiátrico
Heitor Carrilho, fundado em 1921, sendo a primeira instituição desse tipo na América
latina, idealizada nos moldes de funcionamentos e princípios norteadores europeus
vigentes na França e na Inglaterra. Tal instituição legitima-se como sendo mais um tipo de
instituição total (GOFFMAN,
1974), apresentando-se também como uma instituição que reflete o status híbrido dos que
nela mentem-se segregados, sendo uma instituição que abriga dois fantasmas que ameaçam a
sociedade: o louco e o criminoso (CARRARA,
1998).
Pode-se concluir que os segregados assim o são por serem portadores de um estigma,
ou de estigmas no caso do loucocriminoso, estigmas estes que serão atribuídos em referência a
um caráter profundamente depreciativo, e que encontram representatividade na sociedade e no
sujeito. Ao lidar com pessoas estigmatizadas, a sociedade cria um ambiente perfeito em
que se pode encontrar a construção de cenários que justifiquem o estigma produzido pela
sociedade. Um desses cenários será a justificativa sobre uma teoria do estigma como
instrumento ideal para segregação. Esse modo de proceder do contexto social é estreitamente
vinculado à origem grega do termo estigma, cujo sentido refere-se a sinais corporais que
atenuassem algo extraordinário ou mau sobre o status moral de alguém (GOFFMAN, 1891).
Deve-se também levar em consideração que o estigmatizado, ao ter noção que detêm um
estigma, cria uma representação subjetiva do próprio, que pode ocasionar as mais diversas
consequências, desde a apropriação do estigma para ―tirar vantagem‖ em determinadas
situações, até danos subjetivos consideráveis, que resultam em uma profunda queda da
autoestima.
Objetivo
A custódia do loucocriminoso para tratamento é bastante problemática, pelo fato de
que a medida de segurança é um procedimento jurídico e o tratamento fica ao encargo
do saber médico. Nem sempre essas duas instâncias mantêm um diálogo em uníssono,
principalmente pelo fato de que a instituição de tratamento conserva em si todas características
físicas e gestoras
3
dos espaços prisionais. No que tange a medida de segurança, sua finalidade consiste na
legalização da internação, justificada em prol da segurança do sujeito e da sociedade.
Em caso de desinternação, que é a consequência do forte movimento antimanicomial
presente na atualidade, como efetivar, para o desinternado, as condições possíveis para que
seja beneficiado da rede de serviços de saúde mental? Sob essa perspectiva, objetiva-se: a)
Produzir uma reflexão acerca da política de desinternação do loucocriminoso, considerando as
possibilidades de sua reinserção na sociedade; b) Cogitar a pertinência de políticas
públicas visando trazer a luz da sociedade a importância que esta tem na participação do
processo de desinternação do loucocriminoso; c) Identificar em que medida os estigmas
produzidos e
relacionados
ao
sujeito
em
processo
de
desinternação, vão inviabilizar, ou provocar entraves em tal processo.
A título de análise focaliza-se a situação de uma desinternada identificada
pelo pseudônimo Maria dos Anjos, a qual apresenta um percurso de mais de quatro três
em instituições totais diferentes: prisão, hospício e manicômio.
Cabe também ressaltar, com relação à internada, que a sua longa estadia no
hospital, foi responsável por lhe transmitir, uma série de hábitos próprios da
institucionalização, o que acaba por ser visto como uma possível leitura de construção da
memória social (FOUCAULT, 2010). Esses hábitos tanto funcionam como expressões no
cotidiano, quanto na condição de memórias subterrâneas, nem sempre passíveis de serem
manifestas (POLLAK,
1989).
Metodologia
Devido ao extenso número de documentos do prontuário de Maria dos Anjos, optouse por apenas um volume do mesmo, que contém cerca de seiscentas páginas, e nele
foram selecionados documentos que pudessem permitir entender a problemática da produção
de diferentes diagnósticos desde sua primeira prisão até a guia de desinternação. O intuito
é acompanhar a
4
produção dos diferentes estigmas decorrentes dos diagnósticos realizados, atentando para
as características e expressões identificadas no conteúdo dos documentos.
Resultados
Foram analisados diversos documentos oriundos de um dos três volumes do
prontuário de Maria dos Anjos. O teor desses documentos é variado, mas em sua maioria
apresentam informações relativas ao estado da paciente, as classificações diagnósticas e
ao fato de algum episódio que segundo o saber assistencial ou jurídico, mereceu
destaque. Para análise foram considerados as seguintes quantidades de documentos: a) vinte e
quatro encaminhamentos a clínica psiquiátrica; b) uma sentença do ano de 1990; c) um laudo
de exame de sanidade mental do ano de 1997; d) um parecer psiquiátrico do ano de
1995; e) uma sinopse psiquiátrica do ano de 1993, e f) uma sinopse psiquiátrica do ano de
2007. g) uma sinopse psiquiátrica não datada. O olhar centrou-se sobre esses
documentos, pois eram os que, de acordo com o seu conteúdo, refletiam diretamente no
tratamento e na forma de segregação da internada.
Pautados em análise temática construída para a investigação, constata- se com
relação aos encaminhamentos psiquiátricos a existência de: a) onze documentos datando do
ano de 1991; b) dez documentos datando do ano de
1992; c) dois documentos datando do ano de 1994; d) um documento datando do ano de 1995;
e) um documento com a temática ameaça a terceiros; f) seis documentos com a temática
saúde da paciente; g) um documento com a temática vicio na medicação de contenção; h)
dois documentos com a temática porte de medicamentos/drogas; i) três documentos com a
temática agressiva; j) quatro documentos com a temática luta corporal; j) dez documentos
com a temática agitação.
Os
temas
foram
construídos
a
partir
das
informações
contidas
nos
encaminhamentos, são as características apresentadas acerca da internada que servem
para justificar os diferentes diagnósticos produzidos ao longo de
5
seu
percurso
institucional.
Além
disso,
alguns
episódios
são
peças
fundamentais na montagem dos diagnósticos, dentre os quais destacam-se: a) os constantes
transtornos que a internada levou até a clínica Pró-matre, após ter dado a luz ao seu primeiro
filho e reivindicar o direito de permanecer com este, que segundo o Hospital nasceu morto,
mas tal versão é questionada pela internada; e b) o assassinato de uma mulher no Hospital
Pedro II. Ambos os episódios encontram-se registrados no prontuário de Maria dos Anjos, e
cabe ressaltar que os aspectos retratados nos temas e os episódios mencionados são
elementos dos quais o saber médico se utiliza para construir um quadro nosológico
configurado por categorias diagnósticas (MILLER, 1997).
Conclusões
As indagações feitas, quando confrontadas ao corpus teórico da investigação, e
principalmente, com as necessidades de Maria dos Anjos, nos permite
afirmar
que
a
estigmatização do sujeito através da produção de diferentes diagnósticos, provoca uma
profunda alteração no tratamento deste, bem como uma dificuldade no processo de
desinternação e reinserção social do mesmo.
Raramente, na instituição, são encontrados casos em que existe de fato, uma solitude
na presença e no apoio da família, mas é claro que não se quer generalizar a existência
deste dilema e de complicações de tratamento, mas levando em consideração as
circunstâncias observadas, as chances de tais complicações serem reincidentes são
evidentes.
Sabemos também que, com relação ao estigma responsável pela segregação
do sujeito do meio social, este, é quase impossível de ser eliminado. Mas é preciso um
olhar cuidadoso para as questões que interferem diretamente na sustentação da vida desse
sujeito fora dos muros da instituição. Estas são justamente as questões relativas aos
desdobramentos das leituras sociais que estes estigmas vão despertar.
6
1
Referências
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Ciências do Comportamento da Universidade de Pernambuco – UPE. V.
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GOFFMAN, E. Estigma: notas da manipulação da identidade. Rio de
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MILLER, J. A. Lacan elucidado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1977. NORA, P. Entre
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PINTO, D. S.; FARIAS, F. R. e GONDAR, J. em: FARIAS, F. R. e PINTO, D. S. (orgs) Novos
Apontamentos em Memória Social. Rio de Janeiro: 7letras (no prelo)
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Janeiro: v. 2, n. 3, 1989.
A atuação do Psicólogo no matriciamento nos Núcleos de Apoio à Saúde da
família (NASF)
Introdução
1
2
A reflexão direcionada para a saúde como um processo multideterminado e como um
direito do cidadão implica em novas configurações no âmbito da saúde pública. Este campo de
trabalho enseja ações que considerem especialmente uma atenção voltada para os cuidados
básicos com a lógica de se promover a saúde, evitando um dispêndio de energia com agravos que
poderiam ser evitados com um esforço menor. A atenção básica, enquanto constituinte da rede de
complexidades do Sistema Único de Saúde, se articula em várias ações para atender a necessidade
das demandas. Uma dessas articulações é o Núcleo de Apoio à Saúde da Família que tem como
objetivo potencializar, ser um apoiador, dar suporte e apoiar a Estratégia de Saúde da Família
(ESF) a partir de um grupo objetivo interdisciplinar, agindo em parceria e desenvolvendo ações na
atenção básica,
Na atenção nível primária (que compreende ações com baixas tecnologias e complexidade),
a Estratégia de Saúde da Família (ESF) é o modelo central desse nível, a chamada atenção
primária a saúde (APS). A ESF representa a porta de entrada do SUS, tem por objetivo a proteção,
promoção da saúde e a prevenção de doenças da população de um determinado território. É o
ponto mais capilar do sistema, com contato direto com a população sendo implantada em
locais estratégicos dentro do município, de modo a perceber as necessidades da população.
As ESF‘s abrangem um quantitativo de ações bastante
intenso, com grande demanda por
atendimento multidisciplinar, sendo percebida a necessidade de um suporte a essas equipes de
modo a complementar as ações em saúde coletiva de modo a diminuir os casos que necessitem
de uma atenção especial. É nesta perspectiva que os NASF's são criados, em 2008, seu
trabalho
pressupõe intersetorialidade, não se limitando a saúde da população, mas também dos
profissionais que atuam nas equipes, caracterizam-se como serviços de caráter interdisciplinar do
princípio promoção, proteção à saúde e a prevenção de doenças, ressaltando, desse modo, a
necessidade de uma ação integrada (Brasil, 2008).
Na configuração de seu quadro de profissionais, deve ser composto por equipes com
profissionais de diferentes áreas de conhecimento, compartilhando as
2
3
práticas em saúde nos territórios, de modo a identificar juntamente com as ESF‘s as
carências e especificidades em cada localidade, para que atue nesses pontos, pautado em
ações
na
educação
permanente,
na
reabilitação,
alimentação
e nutrição, assistência
farmacêutica, serviço social, saúde mental, saúde da criança, saúde da mulher, saúde do idoso. O
tipo de NASF e o número de profissionais vão depender da população a ser atendida, no NASF
1 deve ter em sua equipe multidisciplinar com cinco especialidades dentre elas pode optar
por médico acupunturista,
física,
assistente
social, professor de
farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo,
ginecologista, médico
homeopata,
nutricionista,
educação
médico
médico
pediatra,
psicólogo, médico psiquiatra e terapeuta ocupacional. Já o NASF 2 que é menor, deverá ser
composto por, no mínimo, três profissionais de nível superior assistente social, educador físico,
farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e terapeuta ocupacional (Brasil,
2008).
Existem algumas possibilidades de ações da equipe do NASF em conjunto com as Equipes
da Saúde da Família, devendo promover debates que se atentem para a gestão do cuidado,
realizando reuniões e atendimentos compartilhados, sendo campo de produção de aprendizado
coletivo. Dessa forma criam-se redes de responsabilização e gestão compartilhada. Delimita-se
algumas ferramentas dos trabalhadores do NASF, como um importante instrumento de ação, que são
o apoio matricial, a clínica ampliada, o projeto terapêutico singular (PTS) e o projeto de saúde no
território (PST). Este estudo de caso se atenta especificamente para a atuação do psicólogo no
matriciamento em saúde coletiva, limitando então a expor sobre este conceito. Apoio matricial em
saúde coletiva é um termo criado por Campos (2009) que pressupõe um modo dinâmico de troca
de saberes e vivências entre a equipe de referência (que compreende os profissionais que
desenvolvem vínculos com os usuários, ou seja, aqueles que atuam em policlínicas ou hospitais,
ESF‘s, onde estabelecem um acompanhamento longitudinal, estabelecendo rede de confiança para
com esse profissional, é um ponto de partida e retomada dos usuários) e o profissional
matriciador, é o(s) especialista(s) que atua(m) fornecendo base especificada para o atendimento dos
casos. Existem dimensões de apoio: o suporte assistencial, que se refere às intervenções em que o
especialista do apoio matricial e profissionais da equipe de referência atua junto; ou onde os casos
que
3
3
necessitam do atendimento do núcleo de saber do apoiador, sendo realizadas
intervenções diretas com a população, mas se conserva o contato com a equipe de referência, que
pode atuar auxiliando no segmento dos atendimentos; e o suporte técnico pedagógico às equipes
de referência, o apoio ocorre a partir da troca de saberes entre a equipe de referência e o
apoiador, debate-se sobre os casos, realizam projetos terapêuticos singulares, mas o apoiador não
tem um contato direto com os usuários, o atendimento fica a cargo da equipe de referência
(Campos & Dominitti, 2007). Dimenstein (2009) também expõe a cerca do que constitui o apoio
matricial e como ele pode ocorrer, representa uma articulação da atenção básica e do serviço
especializado,
favorecendo
o encontro
das
diferentes
áreas
do
conhecimento para obtenção de uma ação mais integral e menos fragmentada, vendo o sujeito
como um todo.
Assim
a
equipe
ambulatorial
responsável,
com
atenção
especializada, atende sua demanda específica e passa também a atuar em outro aspecto, de modo
a descentralizar o cuidado, não se restringindo a uma população específica, mas, trazendo mais
perto o usuário; ocorrendo enfim, um compartilhamento de responsabilidade entre a equipe
especializada e a equipe de atenção básica, onde o maior beneficiado é o próprio usuário, já
que tem maior acesso à rede de saúde. Atuar nesta perspectiva é amparado pela necessidade de
se pensar na atuação do psicólogo no âmbito da saúde coletiva da população, com ações centradas
na promoção e prevenção da saúde de modo a melhorar a saúde das coletividades, entendendo que
o apoio matricial vem potencializar o atendimento prestado, já que capacitaria os profissionais,
promovendo um novo modo de olhar as problemáticas apresentadas, atuando sempre de maneira
contextualizada. Tendo por objetivo compreender a ação do psicólogo no matriciamento no
NASF, apreender acerca da efetividade do papel do psicólogo no matriciamento em saúde coletiva.
Metodologia
A pesquisa, ainda está em andamento, o que ora se apresenta é um estudo preliminar, uma
análise de discurso a partir de entrevista e conversas com o psicólogo que atua no NASF1 no
município de Corumbá. A base bibliográfica que norteará as discussões parte dos núcleos de
significação para a apreensão dos
4
4
sentidos de Aguiar e Ozella (2006) e de Minayo (2006) expõe sobre a análise de
discursos em pesquisa no campo da saúde, interessando aqui análise de conteúdo, especificamente
a análise
temática,
como meio de
se
estudar o
discurso
apresentado através dos núcleos de sentido, apresentando um modo interessante de se apreender
os conteúdos provenientes do campo da saúde, a partir dos núcleos em que o discursos do
sujeito é estruturado. Os núcleos são pontos centrais e essenciais do material coletado e estes
expressam uma relação com os objetivos da pesquisa sendo capazes de propor reflexões e críticas a
respeito do trabalho do psicólogo na rede de saúde.
Discussão
O município de Corumbá está a 420 km quilômetros da capital Campo Grande,
compreende a região do pantanal do Mato Grosso do Sul, possui uma população de 103 mil,
703 habitantes, e uma área da unidade territorial de
64.962,836(Km²). No que tange aos serviços de saúde o município consta com sessenta
estabelecimentos de saúde, sendo: Federais 1 (um), que corresponde a
1.7% do total; nenhum Estadual, e 31(trinta e um) municipais, 51.7% do total; e estabelecimentos
Privados 28 (vinte e oito), 46.7% do total (Brasil, 2011). O município possui dois NASF‘s do tipo
1.
O profissional entrevistado atua no NASF que foi implantado no município em
2008, contudo só é efetivado em junho de 2010. No momento da entrevista era único psicólogo
nos dois NASF‘s do município, e por isso estava com algumas dificuldades, pois, tinha que
atender todas as unidades, não conseguindo realizar algumas ações que haviam sido elaboradas,
como grupos em educação em saúde. Durante a entrevista foi explicado a proposta desta pesquisa,
falou-se sobre o apoio matricial e foi-se indagando a respeito de como era a atuação deste
profissional, o que ele pensava a cerca da proposta do NASF. Pode-se observar alguns aspectos
que se repetiram e/ou que vieram imbuídos de algum conteúdo emocional e se irá trabalhar o que foi
coletado a partir desses três pontos.
Organização do trabalho, trabalho prescrito trabalho real.
Neste núcleo pode-se observar no discurso do sujeito um reconhecimento que existe uma
política pública que norteia o serviço, contudo não se cumpre o que
5
5
está por ela especificado. Não há uma gestão compartilhada desse serviço, as
ações são trazidas de modo um tanto verticalizado e isso lembra Campos (2000) que expõe
sobre a racionalidade gerencial hegemônica, a instituição de saúde acaba por funcionar numa
lógica onde existe o que domina a forma de trabalho, pensada pelo gestor que não é o ator que a
executa isso é evidenciado quando cita um encontro estadual onde só estavam os profissionais, não
havia gestores, nem a comunidade. Há um grande distanciamento entre quem planeja e quem
executa as ações. Outro ponto observado em seu discurso evidencia o reconhecimento de que não
estão sendo cumpridas as ações que são preconizadas na Portaria 154 e no Caderno de Atenção
Básica (como a apoio matricial, a clínica ampliada etc.) que são os documentos que direcionam as
ações, e mesmo quando é realizada ações em interdisciplinaridade, com reuniões para discutir
casos, isso não acorre de modo sistemático. É importante salientar que houve alguns problemas de
logística (como a falta de psicólogo, a dificuldade de locomoção) que acabaram interferindo no
cronograma elaborado. No que tange ao apoio matricial não foi diferente, o que ele afirma é que pode
até ocorrer, mas não é sistematizado, é de modo esporádico.
Desmotivação, desvalorização profissional
É evidenciado no discurso do sujeito, uma falta de recursos materiais, de infra-estrutura
para que possa realizar o trabalho, bem como algumas dificuldades na aceitação por parte dos
profissionais das equipes em entender que a atuação no NASF é diferenciada, isso é devido à
influência do modelo biomédico, que diz que só trabalha e se resolve os problemas da população se
estiverem sendo realizados atendimentos, desvalorizando a importância de ações de caráter
preventivo. Dimenstein (2001) aborda exatamente sobre condições que influenciam para que se
tenham profissionais comprometidos, dentre elas à formação acadêmica, a jornada de trabalho, e
salários e principalmente, a falta de participação dos trabalhadores como co-responsáveis pela
gestão do SUS, e essas dificuldades, levam os profissionais à desmotivação, descrentes no
sistema de saúde e também na luta pela cidadania acaba por não comprometer-se
verdadeiramente com um o projeto de sociedade e de saúde. Esses fatores são expostos pelo sujeito
da pesquisa como a questão salarial que não é satisfatória, a co-gestão é inexistente isto somados aos
fatores já expostos geram desmotivação, desqualificação do seu trabalho. Outro
6
6
ponto apontado em sua fala refere-se a certa angústia frente a não saber o que se
espera realmente do profissional do NASF quando este foi criado, bem como relata a falta material
teórico-prático embasando suas atividades, colocando a necessidade de capacitações, no âmbito desta
política, por parte do Estado.
Aspectos positivos que indicam uma ação mais coletiva
Há uma atenção observada no discurso voltada aos profissionais de saúde, sendo
enfatizada no discurso psicólogo a importância de um olhar sobre a equipe, mostrando o desejo de
realizar estudos com eles, reconhecendo que por muitas vezes é penoso estar em contato com
as carências da população e perceber que não é possível resolver os problemas daquela pessoa, e
o entrevistado afirma que os profissionais precisam estar bem para que possa realizar um
atendimento de qualidade. Chiaverini et al. (2011), expõe exatamente sobre esse olhar as equipes
não apenas na questão da capacitação, do matriciamento, mas no oferecimento de um espaço para
que possam elaborar suas angústias, dúvidas frente às demandas em que são expostos. Outro ponto
interessante são os movimentos observados no sentido da discussão de alguns casos atuando assim
com vistas à clínica ampliada, pois nessas discussões é feito uma discussão interdisciplinar, com as
enfermeiras, auxiliar de enfermagem, (raramente o médico esta presente), às vezes o agente e os
especialistas do NASF, quando percebem a necessidade de uma atenção maior em algum caso. Vem
sendo realizadas algumas ações em educação em saúde, com a população
profissionais,
foram
feitas
capacitações,
uma
delas
e
com
os
na perspectiva intersetorial, alguns
encaminhamentos, para outros setores como CRAS, CREAS, CAPS interface com os outros
setores a partir das necessidades percebidas. É exposto ainda outro tipo de ação, que
está em processo em implantação: são os grupos com a população. Chiaverini et al (2011)
colocam essa possibilidade de intervenção na atenção primária, com grupos para além dos
tradicionais de educação em saúde (que se organizam geralmente por meio de palestras e tem
apenas um caráter informativo). O que ora se propõe, consiste em grupos educativos, mas com
espaços que permitam a reflexão e suporte, a mudança de uma atitude passiva para uma ativa no
processo da informação e da vida dessas pessoas. Sendo realizado por profissionais de saúde
mental e profissionais da
7
7
atenção primária, propiciando um auxílio aos trabalhadores no manejo de aspectos
subjetivos do processo grupal.
Conclusão
A partir da análise parcial do primeiro contato formal com o psicólogo que atua no NASF
no município de Corumbá pode-se inferir que existe certa insegurança frente a proposta, evidenciado
em sua fala sobre as ferramentas que são previstas pela política do NASF. A princípio mostrase claro para ele esse conteúdo, explicitando até algumas atividades que eram pra ter sido
desenvolvida, mas que não foi possível até o momento por obstáculos na gestão do programa.
Pode ser percebida certa angústia, que o psicólogo permite que a entrevistadora tenha contato,
e isto indica que ele está incomodado frente a essa situação, mostrado pelo desejo dele em que o
programa seja efetivo, pois há um flerte com a saúde coletiva e, sobretudo deve-se pensar que este
saber está sendo construído já que se trata de uma proposta diferenciada e relativamente nova. Podese dizer que o apoio matricial não ocorre do modo sistematizado como deveria. Contudo não se pode
afirmar que não esteja sendo realizadas ações voltadas a saúde coletiva, pois estão ocorrendo ações
com as coletividades, atendem-se as demandas que são levantadas pelas unidades de saúde.
8
7
Referências Bibliográficas
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ENVELHECIMENTO E HIV/AIDS: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SOCIAL AO ENSINO
MÉDICO
Autores: Felício, E.E.A.A*. ; Cassétte, J.B*. ; Silva, L.C*.; Soares, L.A*. ; Morais, R.A*.; Prado, T.S*.;
Guimarães, D.A**.
Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Centro-Oeste, Dona Lindu (UFSJ/CCO),
Divinópolis, Brasil – e-mail de contato: [email protected]
* Acadêmicos do sétimo período do Curso de Medicina
** Psicóloga, Doutora em Psicologia Social, professora adjunta do Curso de Medicina da
UFSJ/CCO
Introdução
1
O aumento das infecções por HIV em pessoas acima de 60 anos no mundo, impõe à
sociedade, políticas públicas e profissionais de saúde o desafio de pensar o processo de
envelhecimento associado ao diagnóstico de HIV. Esse texto objetiva apresentar alguns aspectos
da complexa discussão acerca da sexualidade e do processo de envelhecimento em sua
interlocução com a realidade do aumento de casos de HIV/aids na população idosa.
Esta temática vem sendo desenvolvida junto a acadêmicos do Curso de Medicina da
Universidade Federal de São João Del-Rei – Campus Centro-Oeste, cujo currículo considera a
Psicologia Social como uma das bases para o enfoque dos aspectos psicossociais da prática
médica. O projeto pedagógico do curso de medicina tem como pilares a formação voltada para a
complexidade dos processos saúde-adoecimento, a determinação social das doenças e as
reflexões críticas acerca da função social da medicina como campo de conhecimentos e área
de atuação. O
projeto
―Envelhecimento
e HIV/aids:
impactos
psicossociais
do
diagnóstico‖ é desenvolvido por acadêmicos do curso de medicina, sob a orientação de uma docente
psicóloga; busca promover um diálogo interdisciplinar e tem como principal referencial teórico as
discussões sobre o estigma em Goffman.
A infecção pelo HIV em idosos aponta que estes têm vida sexual ativa. No entanto, como
a sociedade se organiza considerando também os preconceitos e estigmas historicamente
consolidados em relação à sexualidade de pessoas idosas, as crenças acerca da assexualidade na
velhice exercem influência também na formação e atuação dos profissionais de saúde e na
definição de políticas públicas de prevenção e promoção da saúde.
O envelhecimento populacional é um evento já anunciado desde a década de
2
7
1970. No ano 2000, a população geral era de 6.118,9 milhões de habitantes com
402,9 milhões com mais de 65 anos e 59,6 milhões acima de 80 anos; demonstrando
um crescimento absoluto de pessoas acima de 60 anos e a necessidade de reestruturações
no aparato governamental para lidar com os impactos do fenômeno, sobretudo na saúde e na
previdência social 1,2
As discussões, estudos e políticas que se desenvolvem em torno da temática
do envelhecimento populacional evidenciam que não são suficientes as mudanças de
econômico
e sanitário.
É preciso
que
estas
caráter
mudanças
sejam
acompanhadas de conquistas no âmbito social que considerem os mais diferentes aspectos do
envelhecimento 3, inclusive a sexualidade, presente também nesse momento da vida. No
entanto,
mais
do
que
reconhecer
a
complexidade
da sexualidade
no
processo
de
envelhecimento, importa ultrapassar as análises e intervenções que se detenham exclusivamente no
indivíduo idoso de forma isolada 4. Interessa aqui pensar alguns dos elementos que compõem o
conjunto de relações sociais que se constrói e reconstrói ao longo da história da humanidade,
definindo e regulando a vivência da sexualidade, das práticas sexuais e dos preconceitos que fazem
com que estas não sejam percebidas como um direito da pessoa idosa 5,6.
Ao longo da história da humanidade, sexualidade e preconceito se apresentam
interrelacionados e abordar essa temática é falar de um campo da experiência humana
constituído por aspectos paradoxais 7,8. Abordar a sexualidade exige ultrapassar visões que
promovem sua redução ao ato sexual, admitindo que o elemento que fundamenta a sexualidade
humana é o prazer e não a determinação para a procriação. Nesse sentido, a compreensão da
sexualidade está relacionada às diferentes formas de satisfação do prazer experimentadas pelos
indivíduos 5,8,9.
Considerando que as mudanças sócio-culturais e o aumento da expectativa de vida
potencializam a extensão da vivência da sexualidade e das práticas sexuais, é preciso ampliar as
ações de saúde que considerem a necessidade de prevenção às DST/aids em pessoas idosas. O
atual aumento de casos de infecção por HIV em pessoas idosas não é acompanhado por
incentivos suficientes à prática do sexo seguro nessa faixa etária 10. As infecções por HIV
avançam em números absolutos
no Brasil e no mundo11 e no país registra-se um aumento dos diagnósticos de aids
em indivíduos com idade superior a 60 anos. Foram notificados até junho de 2006,
9.918 casos; destes, 6.728 em homens e 3.190 em mulheres 12,13.
3
7
Diante dessas questões, ressalta-se a relevância de pesquisas e discussões de caráter
multidisciplinar
que
considerem
a
indissociabilidade
de
7
elementos
fundamentais para a promoção da saúde da pessoa idosa, a saber: sexualidade, preconceitos e
estigmas, adoção de práticas sexuais seguras, a complexidade do que representa o envelhecer
com HIV e a importância desses temas para a formação de profissionais de saúde.
Envelhecimento e negação da sexualidade
O Brasil coloca-se em posição de destaque em relação ao envelhecimento populacional e
estima-se que até 2025 a nação ocupará o sexto lugar em números absolutos de idosos no mundo
2. No entanto, apesar das melhorias da condição de vida, os aspectos negativos atribuídos ao
envelhecimento, de forma generalizada ainda são evidentes e podem levar ao equívoco de
considerar a velhice como uma experiência homogeneamente negativa 3,4
na qual o sexo e
a vivência da sexualidade são excluídos. A exclusão do idoso de uma vida sexualmente ativa é
resultado de uma construção histórico-social produzida durante muitos séculos, além de amplificada ao
longo do tempo e perpetuada até os dias atuais 7.
Ao longo de vários séculos, as sociedades, de maneira geral, reprimiram a sexualidade,
associando-a, de maneira positiva, somente aos fins reprodutivos, além de promover sua redução ao
ato sexual. O sexo já foi encarado como algo não saudável,
abominável
e,
até
mesmo,
demoníaco, o que influenciou a visão repressora que se perpetua. Os elementos históricos
ajudam a compreender que a sexualidade é um tema relacionado aos preconceitos que as
sociedades constroem e mantêm ao longo do tempo, inclusive àqueles relacionados
à
sexualidade na velhice. Atravessam os séculos a ideias de que os idosos não sendo mais aptos à
reprodução, passam à categoria de seres assexuado, limitados ao papel de avô ou avó. Persistem,
portanto, as ideias que associam o envelhecimento à negação de
sentimentos, desejos, expectativas e necessidades de âmbito sexual 18,19.
A cena contemporânea demonstra a permanência das ideias de assexualidade do idoso, o que
pode ser verificado em pesquisas que indicam a conservação de ideias sobre o desaparecimento
do apetite sexual no idoso; o caráter perverso do sexo na velhice; a certeza da decepção dos
idosos em relação ao ato sexual em decorrência das limitações advindas
além da
da
idade;
associação entre
4
sexualidade,
beleza,
atração,
virilidade,
juventude
e as
formas
aceitas
e
7
normatizadas para a vivência da sexualidade 7,20,9.
Existem grandes dificuldades para desatrelar o exercício da sexualidade da reprodução, o
que dificulta o desenvolvimento dessa troca afetiva após o período da possibilidade de procriação. As
atitudes culturais que denigrem a idade permanecem tão fortemente presentes que um número
inimaginável de idosos sente ser algo anormal
expressar
suas
necessidades
sexuais5
,demonstrando o quanto eles
próprios podem estar compartilhando dos preconceitos que os afetam 6.
É importante destacar que a vivência da sexualidade nos idosos, além do ato sexual, inclui
diversas formas e expressões que demonstram a própria abrangência da sexualidade, podendo se
manifestar como
expressão
verdadeira de carinho; expressão de afeto, admiração e amor;
afirmação do corpo; percepção de si mesmo e dos outros; proteção contra ansiedade e o prazer de
ser tocado, entre outras 5. A sexualidade admite tanto o conhecimento íntimo de si e dos outros, o
prazer e o desejo, quanto o desconhecimento, as dúvidas, os preconceitos, os medos e as
culpas 5,8,9. Assim, a sexualidade acompanha o indivíduo ao longo de sua vida,
sendo expressa de maneira abrangente, particular e única por cada pessoa 17, 6.
Envelhecimento e HIV/aids
Atualmente, há o reconhecimento de um conjunto de fatores que estimulam a sexualidade e a
prática sexual dos idosos, dentre eles, a maior expectativa de vida, práticas de exercício físico,
turismo direcionado para esse grupo, o aumento da participação em grupos de convivência, os
avanços no campo de medicamentos, lubrificantes
vaginais,
próteses,
correção
e
prolongamento peniano, cirurgias
plásticas estéticas, exames preventivos de câncer de próstata 23,18,19. À medida que
o desempenho sexual dos idosos se beneficia com os avanços científicos, tecnológicos e
melhoria da qualidade de vida, aumenta a preocupação com as infecções por DST‘s/aids nessa
faixa etária, já que a melhora no desempenho sexual pode aumentar a chance de comportamentos
sexuais de risco 25.
No Brasil, foram registrados apenas quatro casos de aids em idosos durante os
cinco primeiros anos da epidemia 30,31. Atualmente novos perfis de portadores do HIV surgiram e
hoje, percebe-se uma tendência da feminização e interiorização da aids
acometendo
com
importância
epidemiológica
no Brasil,
o
grupo
dos
5
heterossexuais e das pessoas acima da 5ª década, em detrimento da queda dos números de
7
novos casos entre mulheres e homens jovens 30.
No entanto, o teste anti-hiv é raramente pedido durante a consulta médica ao idoso, o que
indica que os dados a respeito de infecção por HIV em idosos poderiam ser mais representativos.
Tanto os profissionais de saúde, quanto os idosos por eles atendidos têm dificuldade em perceber a
importância da testagem, deixando-a muito aquém da testagem nos adultos jovens, pois a
possibilidade de vida sexual ativa nessa faixa etária é ignorada, além de serem confundidos os
sintomas do HIV/aids
com os de outras doenças comuns ao envelhecimento 31,34,35,18,19.
Tanto nas
campanhas organizadas pelo poder público, quanto entre os profissionais de saúde estão presentes,
em maior ou menor grau, as ideias de que somente algumas pessoas usam drogas e têm
práticas sexuais que os expõem ao risco de contrair DST/aids e os idosos não estariam incluídos
entre essas pessoas 24.
Outras contribuições para a compreensão da temática do envelhecimento
associado ao diagnóstico soropositivo para HIV, podem advir das discussões desenvolvidas
por Erwing Goffman, ao discutir o processo de estigmatização, seus efeitos sobre a identidade dos
indivíduos, dos grupos e das relações sociais 36. De acordo com o autor, o estigma é uma
construção social, que nasce na relação entre os indivíduos e que define de forma simbólica ou
concreta
os
territórios
de ―normalidade‖. Ultrapassar os limites definidos para o que seja
considerado como normalidade pode promover a instalação de desvios, acompanhados de
acusação, isolamento, rejeição e a adoção de medidas punitivas e corretivas. O estigma atribui a um
indivíduo ou grupo determinada característica que norteia toda sua rede de
relações pessoais e, quando internalizado, domina suas referências de si mesmo, seus
sentimentos
e
atitudes,
gerando
culpa,
vergonha,
raiva,
confusão
e
desorganização da identidade 8,37. Segundo Goffman, o estigma se refere a algo de mau e
depreciativo sobre o status moral de quem o apresenta, sendo mais aplicado à própria desgraça do
que à sua evidência corporal. É uma metáfora da situação social de um indivíduo que está na
condição de exclusão, vergonha e culpa advindas de características individuais consideradas
socialmente depreciativas. No processo de estigmatização a pessoa é rebaixada e o estigma reduz o
indivíduo ao atributo depreciativo que traz um efeito de descrédito e que pode provocar uma
deterioração da identidade 36.
6
Em relação à infecção por HIV, o indivíduo pode ser estigmatizado e identificado
pelo estereótipo do aidético, termo carregado de preconceito, mas amplamente difundido,
inclusive no meio acadêmico 37. Nessa perspectiva, o processo de estigmatização faz com
que um indivíduo, dotado de atributos e características diversas, seja reduzido a uma condição de
desvalorização, uma vez que passa a ser identificado prioritariamente ou exclusivamente pelo
atributo estigmatizante: o fato de ser portador de HIV/aids 38. A identidade do indivíduo passa a ser
desfigurada na sociedade e, imutavelmente, este carrega a marca de pertencer ao grupo que remete
à transgressão de normas sociais e às condições julgadas como inaceitáveis 37. De forma geral,
pesquisas apontam que têm sido encontrados, nos soroconvertidos recentes, sentimentos como
depressão, culpa, vergonha, raiva, medo, rejeição, isolamento, arrependimento, remorso, revolta,
desespero, desejo de suicídio, negação frente à aceitação do diagnóstico, raiva, agressividade, perda
do desejo sexual, diminuição da atividade sexual, entre outros 32. Em relação ao medo, o sujeito
experimenta o receio da revelação do estigma, uma vez que sua condição pode permanecer como
um segredo para muitos e sua revelação poderia provocar vários problemas, como por exemplo, a
perda do emprego, o afastamento de amigos e familiares e uma exclusão social generalizada 38. O
medo do afastamento social e da rejeição, da perda do desejo sexual, o medo de contagiar
alguém e as dificuldades de se aderir ao uso de preservativo são alguns motivos encontrados em
pesquisas que tratam da alteração do ritmo sexual em indivíduos HIV positivos.32.
Pesquisas registram que dentre os estereótipos vinculados aos idosos, destacam-se
principalmente aqueles vinculados à ideia de assexualidade nesse momento da vida 3,4,7,18,19.
Nesse sentido, pensar a saúde dos idosos HIV positivos implica também em considerar as possíveis
situações estigmatizantes que podem vir a enfrentar. Em determinado aspecto, por explicitarem à
sociedade que na velhice a atividade sexual permanece, podem ser associados aos estereótipos
negativos
advindos das ideias de que atividades sexuais são consideradas inadequadas para pessoas idosas.
Além disso, pelo fato de terem contraído uma infecção que já é carregada de preconceitos,
podem
ser
duplamente
associados aos
estereótipos negativos vinculados às ideias de
comportamentos inadequados, sejam eles sexuais ou relacionados ao uso de substâncias psicoativas.
Atualmente o aumento de casos de infecção por HIV em pessoas idosas não é acompanhado
por incentivos suficientes à prática do sexo seguro nessa faixa etária,
7
7
por mais que sejam reconhecidos os esforços do Ministério da Saúde em relação à divulgação de
informações sobre prevenção às DST/aids, os trabalhos educativos - em sua maioria – são
direcionados ao público jovem, às gestantes, aos usuários de droga, aos homossexuais e aos
profissionais do sexo. Pesquisas apontam que as campanhas de prevenção não estão atingindo
de forma adequada a população
idosa 18,19,24. A noção de exposição ao risco e a adoção de comportamentos seguros
entre idosos possui especificidades e isso exige reformulação nas estratégias e campanhas para
promover a prevenção das DST‘s/aids para a população idosa e reformulações na abordagem dos
profissionais de saúde.
As discussões sinalizadas neste texto buscaram apresentar o complexo conjunto de
elementos que se interrelacionam quanto se trata da temática da sexualidade no processo de
envelhecimento, especialmente num contexto de aumento de contaminações de pessoas idosas
pelo HIV.
Conclusão
Registra-se a importância de discussões mais amplas acerca da temática da sexualidade no
processo de envelhecimento por parte da população geral e dos profissionais de saúde.
discussões
apresentadas
sobre
a
realidade
As
do
envelhecimento associado ao diagnóstico de HIV, assim como os preconceitos e estigmas
relacionados à mesma,
apontam a
complexidade
e relevância desses eventos para a
compreensão dos processos de saúde e adoecimento, não só do ponto de vista da realidade
individual, mas principalmente, como fenômeno diretamente relacionado ao conjunto de relações
sociais. O envelhecimento, o HIV e a associação desses dois elementos da realidade, impacta,
define e desafia não somente as relações que se estabelecem entre os indivíduos, mas
também confronta diretamente as políticas públicas, a formação e a atuação dos profissionais de saúde.
Ressalta-se a importância da interface entre medicina e Psicologia Social, para se entender um
fenômeno que, para além dos cuidados biomédicos, necessita de um olhar atencioso sobre o
indivíduo,
sobretudo
apresentadas
em
demonstram
relação
os
aos
avanços
aspectos psicossociais.
As
discussões
aqui
dos acadêmicos em direção a uma perspectiva
multidisciplinar que possibilite maior entendimento
dos
que os indivíduos atribuem
ao
significados
processo
de
envelhecer com HIV/aids e aos impactos psicossociais decorrentes deste processo.
7
7
7
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EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE: UM DIÁLOGO ENTRE PSICOLOGIA SOCIAL,
COMUNICAÇÃO SOCIAL E MEDICINA SOCIAL
1
Cunha, O. N. P.1; Emerick L.2; Figueiredo A. L. P.3; Reis E. B.4, Guimarães D. A.5
7
1. Introdução
O processo de formação dos profissionais de saúde tem sido alvo constante de discussões no
Brasil, seja em relação à falência do modelo biomédico, que desconsidera os fatores
psicossociais e supervaloriza os processos biológicos e físicos, seja em relação à necessidade de
uma compreensão mais ampliada da saúde, de forma a atender às demandas da população e aos
princípios organizadores do SUS. Nesse contexto, destaca-se a importância dos processos de
educação em saúde, não somente por sua capacidade em influenciar comportamentos imediatos
visando à cura de doenças, mas também por suas potencialidades em definir e redefinir formas
de prevenção e vigilância como objetivos centrais de políticas de saúde que possam capacitar os
sujeitos ao exercício pleno de sua cidadania. Não se pode, contudo, desvencilhar o processo de
educação em saúde do processo de comunicação social, por sua relação de indissociabilidade e
interdependência.
Nessa perspectiva, o currículo do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei,
campus Centro-Oeste, está organizado de forma a considerar a importância das reflexões
interdisciplinares que viabilizem as mudanças em discussão. Destacam-se os diálogos entre a
psicologia social, comunicação social e medicina social, em torno da temática dos processos de
educação e comunicação em saúde desenvolvidos no curso de medicina.
Falar de comunicação em saúde no Brasil é perceber que, diante da heterogeneidade da população e
das dimensões continentais do território, não se pode comunicar da mesma
todos.
A
segmentação,estratégia
que
forma
para
define diferentes formatações
do conteúdo de acordo com as características do público-alvo, é a linha- guia atual das ações
comunicacionais desenvolvidas pelo Ministério da Saúde (MS6).
No entanto, apesar dos avanços e conquistas em relação às estratégias de
1 Mestre em comunicação social pela UFMG, graduado em Comunicação Social pela Puc Minas e
graduando do curso de Medicina da Universidade Federal de São João Del Rei/CCO.
2 Graduanda do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei/CCO.
3 Graduanda do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei/CCO.
4 Graduanda do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei/CCO.
5 Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora adjunta
do curso de medicina da Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Centro-Oeste Dona Lindu. Email para contato: [email protected].
6 http://www.saude.gov.br
2
comunicação em saúde desenvolvidas pelo MS, é possível perceber discrepâncias em relação à difusão e
discussão da informação em saúde ao analisarmos, por um lado, o conjunto de mídias massivas7
(televisão, rádio, jornal, outdoor) e por outro, o conjunto de mídias de caráter digital e interativo, com
destaque para a explosão recente do uso das mídias e redes sociais. A interatividade, característica
fundamental desse segundo tipo de mídia, considera o contexto dos sujeitos e sua capacidade ativa
de intervir concretamente na realidade que os cerca e consequentemente no processo de
produção social da saúde.
A partir de tais considerações, este trabalho tem como objetivo analisar a experiência brasileira
desenvolvida pelo MS no uso das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC), em
especial as mídias sociais 7, como forma de ampliar a compreensão acerca da importância da
interatividade e participação nos processos de comunicação em saúde. Por fim, a comunicação social
é integrada ao quadro geral dos determinantes sociais da saúde (DSS), de maneira a destacar seu
impacto na diminuição das iniquidades no campo da saúde pública.
2. Educação em saúde - formação médica, falência do modelo biomédico e a importância das
discussões interdisciplinares:
O conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde - OMS conforme discutem Guimarães e
Silva (2010), ainda é capaz de suscitar alguns questionamentos importantes, pois se apóia na
crença de um estado de permanência e completude do homem consigo mesmo, com outros homens e
com o meio ambiente. Ideias como essas ―contrariam o tempo em que vivemos e anulam toda a
abrangência das relações sociais contraditórias, inerentes ao nosso tempo‖ (GUIMARÃES, SILVA,
2010, pg.
2557). Os autores explicam que a compreensão ampliada acerca dos determinantes da saúde e
adoecimento para indivíduos e coletividades deve levar em conta diversos aspectos, tais como o grau
de desenvolvimento social e econômico, os valores e crenças de cada indivíduo e grupo, a
acessibilidade às diversas formas de informação e avanços tecnológicos, aos serviços de saúde,
educação e lazer. Esses elementos indissociados
compõem
uma
realidade
hipercomplexa
e
devem guiar qualquer proposta de formação e atuação em saúde.
Apesar da OMS não definir mais o conceito de saúde como a ausência de doença,
ainda existe um longo caminho para que se consolide, de fato, o modelo ampliado de
7 http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/area/348/redes-sociais.html
3
saúde em nossa sociedade. Sabe-se que a formação dos profissionais de saúde é discutida em
vários países, principalmente em relação à discrepância entre o que se ensina na graduação e o que7
se observa na realidade dos serviços de saúde e na comunidade. O modelo biomédico, segundo De
Marco (2006), ao refletir o referencial técnico-instrumental das biociências, ―exclui o contexto
psicossocial dos significados, dos quais uma compreensão plena e adequada dos pacientes e
suas doenças depende‖ (DE MARCO, 2006, pg. 64). Segundo o autor, a formação tradicional do
médico está ancorada nesse modelo, de forma a desconsiderar os aspectos psicossociais
tanto dele próprio quanto dos pacientes.
Barros (2002) explica que o problema central no modelo biomédico reside no fato de que ele é
demasiado restrito no seu poder explicativo. Apesar dos profissionais médicos perceberem o
impacto das reações psicológicas dos pacientes e dos problemas socioeconômicos na
manifestação das doenças, não são capazes de incorporar essas informações na formulação
diagnóstica e no programa terapêutico. Diante dessas discussões, o currículo do curso de Medicina da
Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Campus Centro-Oeste foi organizado buscando
fomentar uma sistemática de formação de médicos integrada às necessidades sociais,
individuais e coletivas, de maneira a formar profissionais com um olhar diferenciado para o modo de
viver das pessoas. O curso de medicina da UFSJ compromete-se com as novas prerrogativas
apontadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (2001), voltando-se para a formação de
profissionais comprometidos com o planejamento participativo e integrado, orientado por problemas
e necessidades em saúde. As estratégias pedagógicas utilizadas abordam os determinantes e
consequências sociais e psíquicas do processo saúde/doença, de forma integrada à abordagem de
aspectos físicos e biológicos, buscando a compreensão da complexidade da inter-relação entre os vários
níveis que compõem a realidade humana e seu ambiente.
A matriz curricular apresenta os conteúdos das áreas básicas biológicas agrupados na unidade curricular
(UC) denominada Bases Biológicas da Prática Médica (BBPM), integradas ao conhecimento clínico
da unidade curricular de Introdução à Clínica (IC) e ao conhecimento de saúde coletiva, psicologia
social, sociologia, antropologia da saúde, ética e saúde mental agrupados na unidade curricular de
Bases Psicossociais da Prática Médica (BPPM). Já a unidade curricular PIESC (Prática de
Integração: Ensino, Serviço e Comunidade) insere o estudante, desde o primeiro período nas
comunidades de Divinópolis/MG. O acadêmico vivencia a rotina das equipes de saúde
4
da família (ESF), além de conhecer as características da comunidade e trabalhar questões
específicas e prevalentes em cada área.
7
Até o final do segundo ano de curso, as atividades da UC BPPM são desenvolvidas sob a forma de
grupos de discussão, seminários, mesas redondas com especialistas ou exposições dialogadas. A
partir do terceiro ano, até o final do curso, ela são desenvolvidas sob a forma de discussão
psicossocial de casos clínicos, organizadas a partir dos casos acompanhados pelos estudantes em suas
atividades no PIESC.
O currículo do curso de medicina expressa a intenção e as formas de promover mudanças no
enfoque da formação médica, reservando lugar especial para as discussões interdisciplinares
oportunizadas ao longo dos vários períodos do curso. Destacam-se, em especial, as contribuições da
psicologia social e da medicina social para ampliar a compreensão sobre os processos de comunicação
em saúde.
A Psicologia Social contribui para a análise da realidade, do indivíduo, das coletividades e
dos processos saúde-adoecimento a partir de seu enfoque na relação indissociável entre indivíduo e
sociedade em um constante movimento de formação e transformação ao longo da história. Da
psicologia social, especificamente pensando em suas contribuições para a formação e prática médicas,
tomamos de empréstimo as discussões feitas por Martin – Baró sobre a atuação de psicólogos e cujo
raciocínio considera-se válido também para a atuação de médicos e demais profissionais de saúde.
Enfatizando a dimensão crítica a partir da qual o profissional deve conduzir sua prática, o autor afirma
que as perguntas que devem formular a respeito de sua atividade devem centrar-se no papel que
estão
desempenhando
na
sociedade,
a respeito de quem se beneficia com essa atuação e
principalmente, sobre quais são as consequências históricas concretas que suas atividades estão
produzindo.
Nesse sentido, independente da área de atuação, as críticas e reflexões que devem guiar os
profissionais de saúde estão indissociadas do papel que desempenham na sociedade
em
que
estão inseridos, das influências que sofrem e exercem e principalmente das consequências
produzidas por suas formas de atuação.
Ao considerar a importância da Comunicação Social dentro de um contexto de formação médica,
deve-se levar em conta o fato de que comunicação ocorre em contextos sociais de interação entre
indivíduos, de forma a ressignificar sentidos de vida, saúde, doença, bem estar, morte, etc.
Reafirmando
o
valor
dos
contextos biopsicossociais, evidencia-se que o entendimento dos
mecanismos pelos quais se dá a Comunicação Social é de grande interesse à prática médica, visto
que ela ocorre
5
não apenas dentro de instituições ou consultórios, mas em constante jogo com a sociedade e com
os valores e crenças dos indivíduos e das coletividades. O advento das NTIC‘s mudou não somente7
o quadro técnico de referência dos processos comunicativos,
mecanismos
pelos quais
as
mas
também
os
pessoas obtêm informações sobre saúde e
o grau de participação/interação que elas mantêm com os produtores de conteúdo e outros
usuários/membros com os mesmos interesses que elas, disseminados pelas mais diferentes redes
telemáticas. As mídias sociais permitem o questionamento, a interatividade e a modificação do
clássico fluxo de comunicação unidirecional, em que a informação partia do emissor em direção ao
receptor, sem possibilidade de retorno. Dentro do contexto da prática médica, todos esses avanços e
modificações nas relações comunicativas, causadas em boa parte pelo recente desenvolvimento
tecnológico das mídias digitais, desafia os profissionais de saúde a adotarem novas posturas e novos
modos de encarar a realidade, muito menos fragmentada do que poderia parecer à primeira vista.
Das contribuições da Medicina Social, destaca-se a perspectiva de discussão acerca dos determinantes
sociais da saúde (DSS), compreendidos como as condições de vida e de trabalho relacionadas com a
situação de saúde de indivíduos e grupos da população. Os DSS representam fatores sociais,
econômicos,
culturais,
étnicos, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de
problemas de saúde e seus fatores de risco
na população. Buss e
Pellegrini Filho
(2007)
resgatam o conceito de Nancy Krieger (2001), notadamente intervencionista, que define os DSS como
os fatores e mecanismos pelos quais as condições sociais afetam a saúde e que podem ser modificados
através de ações baseadas em informação.
Para
Buss
e Pellegrini
Filho
(2007), o principal
desafio nas
relações
entre
determinantes sociais e saúde está em se estabelecer um certo nível de hierarquia entre os fatores
gerais de natureza econômica, social e política e as mediações através das quais esses fatores
―incidem sobre a situação de saúde de grupos e pessoas, já que a relação de determinação não
é uma simples relação direta de causa-efeito‖ (BUSS e PELLEGRINI FILHO, 2007, pg. 81). O estudo
dessa cadeia de mediações permitiria identificar onde e como devem ser feitas as intervenções,
buscando reduzir as iniqüidades de saúde, entendidas aqui como as desigualdades evitáveis, injustas
e desnecessárias entre os diferentes grupos populacionais.
Os termos informação e mediação, tão caros ao universo da Comunicação Social, prestam-se
também, como se pôde perceber, ao estudo dos DSS. Como já discutido
6
anteriormente, não basta que a informação sobre saúde seja disseminada de forma massiva e
indistinta à população em geral, sem que se leve em conta os contextos psicossociais
e
os7
diferentes processos de interpretação e entendimento das mensagens. É preciso ir além, no
sentido de se entender quais são as especificidades de cada segmento do público, os processos
midiáticos dos quais participam ou não e suas repercussões na sociedade e nas articulações entre
comunicação e cultura. Assim, mais do que simplesmente informar, a Comunicação Social, entendida
como um conjunto de ferramentas a serem utilizadas na modificação de certos DSS, deve ser capaz
de atuar como mediadora em uma série de processos sociais, de forma a ressignificar práticas e
predispor sujeitos e comunidades à promoção da saúde. Cabe ressaltar que o uso do termo
mediações, no universo teórico comunicativo, refere-se ao modelo formulado por Martín-Barbero
(2009), bastante utilizado nos estudos de recepção e nas articulações da comunicação com a
educação.
―A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios,
questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de reconhecimento. Um reconhecimento que foi, de início, operação de
deslocamento
metodológico
para re-ver o processo inteiro da
comunicação a partir de seu outro lado, o da recepção, o das
resistências que aí têm seu lugar, o da apropriação a partir de seus usos‖
(MARTÍN-BARBERO, 2002, pg. 28).
Considerando-se
portanto,
as
contribuições
das
áreas
de
Psicologia
Social,
Comunicação Social e Medicina social para ampliar a compreensão acerca dos processos de
comunicação e educação em saúde, discutiremos, a seguir, a experiência desenvolvida pelo
Ministério da Saúde na difusão e discussão de informações em saúde por meio das mídias sociais.
3. Análise da experiência desenvolvida nas mídias sociais pelo Ministério da
Saúde – Brasil
No atual contexto comunicacional multifacetado e complexo é que surgem as mídias e redes sociais,
fenômeno de proporções globais, marcado pelo conjunto das novas tecnologias de comunicação
mais participativas, rápidas e populares. Segundo Telles (2011), várias pessoas confundem o
significado dos termos redes sociais e mídias sociais, muitas vezes usando-os de forma indistinta,
quando na verdade o primeiro é uma categoria do último. Segundo o autor, os sites de relacionamento
ou redes sociais são ambientes virtuais cujo objetivo principal é reunir pessoas, os chamados membros
6
que, depois de inscritos, podem expor seu perfil e dados como fotos, textos, mensagens e
vídeo, além de interagir com outros membros e comunidades. As redes sociais seriam uma parte das7
mídias sociais, que incluiriam outros sites não ligados diretamente ao relacionamento social, mas
inerentes à cultura participativa, como, por exemplo, o Twitter, Youtube, Digg e Flicker.
Nesse sentido, as mídias sociais, em especial as redes sociais, parecem se constituir como uma nova
possibilidade não só de transmissão e recepção de informações relacionadas à promoção da saúde,
mas efetivamente de compartilhamento, diálogo e apropriação delas por parte de usuários sempre
conectados, distribuídos de forma diversa no território geográfico. De acordo com Erik Qualman (2011),
em poucos anos, as mídias sociais se tornaram a atividade mais popular da Internet, suplantando a
pornografia pela primeira vez na história. Parte desse sucesso é explicado pelo autor a partir da
―dicotômica necessidade psicológica de sermos indivíduos e ainda nos sentirmos conectados e
aceitos por um conjunto social muito maior‖ (QUALMAN, 2001, pg. 45). As pessoas se propõem a
manter um diário aberto nas redes sociais como forma de se manterem conectadas e serem aceitas
pelo grupo, mesmo que isso gere uma constante luta entre a necessidade de proteção da privacidade e a
de aceitação. Estar "online" possibilita algo novo. Diferentes fluxos comunicacionais horizontalizados são
criados, de forma a questionar a edição e o controle vertical assimétrico da informação pelos
meios de comunicação de massa. ―A liberação do polo da emissão está presente nas novas formas
de relacionamento social, de disponibilização da informação e na opinião e movimentação social da
rede‖ (LEMOS, 2009, p. 8).
Segundo o MS (2011), as mídias sociais, com suas novas formas de interação e utilização da
Internet, foram grandes aliadas no enfrentamento de crises e também na mobilização para as grandes
campanhas e esclarecimentos específicos da população. A atividade do MS nas redes sociais já
existe desde 2009, época da criação do primeiro perfil oficial no Orkut. Hoje, o MS possui também
perfis no Orkut, Facebook, SoundCloud, Youtube, Formspring, Flickr, SlideShare, Twitter e o blog
da Saúde, hospedado na plataforma WordPress.
Orkut – mais do que interação: propagação
O MS trabalha não só com a criação de comunidades, mas de modo a influenciar a circulação e o
compartilhamento da informação entre os usuários e seus amigos virtuais.
No
caso
da
comunidade ―Gripe Suína/Influenza A (H1N1)‖, além das
7
possibilidades de resposta às perguntas que eram postadas na página inicial, foram estabelecidas
parcerias com comunidades já existentes criadas por usuários, de modo a ampliar a possibilidade de7
diálogo para fora do perfil oficial da comunidade criada pelo MS. Foi criado também o perfil oficial do
MS, com links para comunidades de outras campanhas oficiais, como a ―Doe órgãos. Doe vida‖.
Talvez a atitude mais interessante estimulada pelo MS no Orkut seja a propagação da informação por
meio da corrente de amigos e parceiros dispostos a apoiar alguma causa. Como afirma Telles
(2011), essa forma de uso faz com que a mensagem chegue com muito mais credibilidade, além de
fomentar o boca a boca.
Facebook e a lógica do compartilhamento
A primeira diferença perceptível em relação à postura adotada pelo MS no Orkut é que,
no
Facebook, existem regras claras para a moderação da participação dos usuários, de forma a coibir
links ou spam de correntes ou mensagens, manifestações de qualquer forma de preconceito, imagens
com conotação sexual ou propaganda político-partidária. Percebe-se, a partir das visitas feitas ao Orkut
e ao Facebook, que a segunda plataforma parece receber atualmente mais atenção por parte do
MS, acompanhando a tendência de migração do público para a plataforma criada por
Zuckerberg8.
Ao invés de trabalhar com um perfil no Facebook, o MS optou por criar uma página, de forma a reunir
todo o seu conteúdo de informação e interatividade em um só local. Nela estão disponíveis diversas
opções. Em seu mural, é possível visualizar as diversas informações postadas pelo Ministério,
como as atualizações da agenda do Ministro Alexandre Padilha, campanhas de saúde pública, notícias
do SUS, dicas para a promoção da saúde e prevenção de agravos.
Formspring: direto ao ponto
Uma das mais interessantes ferramentas de mídias sociais utilizadas pelo MS é o FormSpring,
canal de perguntas e respostas utilizado pelos internautas para tirar dúvidas sobre assuntos ligados
à saúde. A forma de funcionamento é simples: por meio de um formulário presente no Blog da
Saúde (ou por acesso direto ao site da
ferramenta), o usuário faz perguntas para outro usuário, nesse caso o MS, revelando
8 Informação publicada em 17/01/2012 no site do jornal Estado de São Paulo. Disponível em:
http://blogs.estadao.com.br/link/facebook-supera-audiencia-do-orkut-no-brasil
8
ou não o seu perfil. Com 958 seguidores, o perfil ―minsaude‖ é repleto de perguntas e respostas
toda natureza.
Percebe-se
um
efetivo
esforço
por
parte
de
dos 7
administradores da ferramenta em realmente responder às perguntas feitas, e não simplesmente
encaminhar, de forma rápida e mecanicista, o proponente da questão ao médico ou à unidade de saúde
mais próxima. Apenas quando a complexidade ou natureza da questão ultrapassa os objetivos
colocados pelo MS no uso do FormSpring é que são indicadas outras vias de esclarecimento e de
obtenção da informação.
Twitter: comunicação em 140 caracteres
Segundo Telles (2011), comparado ao blog comum, o microblogging satisfaz a necessidade de
um modo de comunicação ainda mais rápido, mediado por um limite de 140 caracteres. O Twitter
funciona a partir do envio de mensagens que são vistas por um grupo de seguidores e ―Além de gerar
conteúdo, o usuário pode compartilhar links de vídeos ou de páginas da web que tenham um conteúdo
interessante e que o usuário acredite ser relevante para seus seguidores‖ (TELLES, 2011, pg. 60).
Existem ainda perfis específicos para campanhas, como o @doeorgaos_MS, @doesanguems,
@dengue_MS e o @aidsMS.
O “blog da saúde”
Segundo informações publicadas no próprio Blog, ele está dividido em abas para melhor organizar
os assuntos dos posts. O objetivo principal é facilitar o diálogo com a sociedade, por meio da
disponibilização de informações que ajudem a melhorar a qualidade de vida, além de ser um
espaço para o envio de sugestões, críticas e qualificações do SUS. Todo conteúdo publicado é de
livre reprodução, podendo ser veiculado em qualquer meio de comunicação. Existe o cadastro de blogs
parceiros, de forma a replicar as matérias e informações do blog da saúde em outros blogs de
natureza pessoal.
Do conjunto de ferramentas em uso pelo MS, brevemente apresentadas, destacam-se as
potencialidades das NTICs para ampliar a difusão de informações em saúde e consequentemente,
ampliar a abrangência, conceito e instrumentos da educação em saúde. No entanto, não podem ser
desconsideradas também as assimetrias existentes no
processo
de
apropriação
das
novas
tecnologias pela população. No Brasil, a
9
pesquisa TIC Domicílios 20109 revelou que apenas 27% dos domicílios têm Internet, o que limita de
certa forma a participação geral da população nas mídias sociais, mesmo se considerando a7
popularidade do acesso feito em lan-houses ou no ambiente de trabalho e celular. O ambiente
doméstico é capaz de oferecer muito mais privacidade e comodidade a esse tipo de comunicação digital,
principalmente se for levada em conta a natureza de algumas das informações compartilhadas por meio
das ferramentas de mídias sociais do MS. Além do computador e dos softwares necessários, que
se constituem como custos fixos, é necessário lembrar que as taxas de manutenção da Internet banda
larga no Brasil são altas, e devem ser pagas mensalmente. Tanto as potencialidades das NTICs
quanto as restrições de seu acesso, desafiam as políticas públicas e os profissionais de saúde
envolvidos cotidianamente nas atividades de educação e comunicação em saúde.
5. Considerações finais
A análise da política de comunicação digital do MS, com destaque para o trabalho desenvolvido
nas mídias e redes sociais, possui sólidas vinculações com as modificações dos DSS, de
forma a não só aumentar o nível de informação geral da população (o que já tinha sido, de certa forma,
alcançado pelos meios de comunicação de massa, apesar de suas falhas já comentadas), mas de criar
uma forma rápida e fluida de transmissão de informações relativas à saúde, permitindo às
pessoas efetivamente participarem de todo o processo, a partir das conexões estabelecidas em suas
redes privadas de
amigos
e
parceiros
virtuais.
O
compartilhamento,
a recomendação, a
chamada para adesão a uma campanha, o esclarecimento direto e objetivo de dúvidas, a
possibilidade de replicação das informações para membros específicos, a interatividade, a não
passividade, a construção digital da alteridade, a criação de novas formas de relacionamento
entre usuários e a divulgação e possibilidade de obtenção, sem qualquer tipo de restrição, dos
materiais utilizados nas campanhas do MS nos levam a acreditar em um ganho fundamental para o
campo da saúde pública no Brasil. Percebe-se, todavia, que a grande parcela da população
brasileira excluída digitalmente encontra-se também privada de uma série de
benefícios e de possibilidades de diálogo frente a diversas questões do campo da
9 Pesquisa que mediu o acesso às Tecnologias da Informação e da Comunicação, uso do computador,
uso da Internet, habilidades na Internet e acesso sem fio (uso do celular). Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação - CETIC.Br. TIC DOMICÍLIOS 2010. Disponível em
http://www.cetic.br
10
saúde.
Logo,
para
que
possa
ocorrer um
processo
de
educação
em
saúde
7
verdadeiramente universal, é imprescindível pensar nas diversas barreiras que precisam
ser superadas.
6.
Referênci
as:
BARROS, J. A. C. Pensando o processo saúde doença: a que responde o modelo
biomédico?. Saúde soc. [online]. vol.11, n.1, pp. 67-84. 2002.
BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. M. A saúde e seus determinantes sociais. Physis
(Rio J.): 17 (1): 77-93, jan-abr. 2007.
DE MARCO, M. A. Do modelo biomédico ao modelo psicossocial: um projeto de
educação permanente. Rev. Bras. educação médica. Rio de Janeiro, v. 30, nº 1, jan./abr.
2006.
GUIMARÃES, D. A. SILVA, E. S. da. Formação em ciências da saúde: diálogos em saúde
coletiva e a educação para a cidadania. Ciência e saúde coletiva. Vol. 15, n. 5.
2010. Pg. 2551-2562. Rio de Janeiro, Brasil.
KRIEGER N. A Glossary for social epidemiology. J. Epidemiology Community Health, n. 55, p.
693-700, 2001.
LEMOS. A. Ciber-cultura-remix. Disponível em http://www.facom.ufba.br
MARTÍN-BARBERO, J. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em
comunicação social. In: SOUSA, Mauro Wilton de (org.). Sujeito, o lado oculto do
receptor. São Paulo: Brasiliense, 2002.
MARTÍN-BARÓ, I. 1997. O papel do psicólogo. Estudos de psicologia, Rio Grande do
Norte, vol. 2, nº 1. Disponível em: http://www.scielo.com.br
Ministério da Saúde. Relatório de ações de comunicação realizada pelo MS de 2007 a
2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/alerta
Projeto pedagógico do curso médico. Universidade Federal de São João Del Rei, Campus
Centro-Oeste Dona Lindu. 2009. Disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal
QUALMAN, E. Socialnomics: como as mídias sociais estão transformando a forma como
vivemos e fazemos negócios. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.
RECUERO, R. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. TELLES,
A. A revolução das mídias sociais. São Paulo: M Books, 2011.
JUVENTUDE E ESTÉTICA*
11
A influência da mídia na busca por cirurgia estética pelos jovens
7
Bárbara Paloma Marques de Luna1
Camila Leonel Nascimento2
Inês Maria Rocha Gomes3
Jéssica Fernanda de Souza Sampaio4
Maria Eduarda das Neves Pereira Silva5
1 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco –
[email protected]
2 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco –
[email protected]
3 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco [email protected]
4 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco –
[email protected]
5 Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco [email protected]
*Trabalho realizado como atividade de avaliação da Disciplina de Psicologia do Desenvolvimento
II do curso de
Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco – Brasil. Recife, jun. 2011.
12
2
Introdução
Tendo em vista a solicitação por parte da professora – como atividade de
avaliação para a disciplina – de que elaborássemos um projeto de intervenção a partir de uma
temática que tem como núcleo a Juventude, refletimos sobre variados temas que se interpõem e
que circulam essa categoria. Dentre eles, optamos por trabalhar a questão da cirurgia estética.
Ou seja, visamos enfocar a cirurgia estética enquanto busca, a todo custo, por se encaixar em
um modelo de beleza, muitas vezes idealizado pela sociedade midiática e até, em certa medida,
colocando em risco a própria saúde.
Fundamentação Teórica
Ao tratar o jovem no contexto da cultura ocidental, o que vemos é uma constante
tentativa de homogeneização das experiências de uma fase ou período da vida,
abarcando conflitos, indecisões, experimentações, transgressões e descobertas. Nesse
sentido, a mídia funciona como meio de propagar essa imagem generalizada do jovem,
excluindo possíveis especificidades socioculturais como, gênero, raça/etnia, classe social,
orientação sexual e se mora em área urbana ou rural, por exemplo. Essa influência da
mídia em geral, especialmente a televisão, sobre o comportamento do jovem não é mais
novidade. Pesquisas revelam (FISHER, 2005a; 2005b) que grande parte dos jovens
brasileiros tem fácil acesso à TV e manifestam interesse por ela que, para além de uma fonte
de lazer, produz valores e participa diretamente da formação deles. Segundo a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no Brasil, em
2009, 95,7% das residências tem pelo menos um aparelho de TV e em Pernambuco a média
se mantém, totalizam 95,5% dos domicílios.
Essa percepção do jovem enquanto uma categoria unificada e homogênea, da qual
não se considera outros fatores que perpassam sua vivência da juventude advém de uma visão
desenvolvimentista da psicologia do desenvolvimento, que o entende como um grupo
característico possuidor de um conjunto de aspectos negativos e definido como uma fase
de turbulência na vida dos sujeitos, a adolescência (COIMBRA, BOCCO & NASCIMENTO,
2005).
Contudo, com o passar do tempo, alguns autores passaram a repensar essa idéia de
adolescência. Margaret Mead foi uma das pioneiras nessa questão, uma vez que ela observou
em suas pesquisas que o fenômeno descrito como adolescência não ocorria em determinadas
culturas ou ocorria de maneira diferente da convencionalmente pensada.
2
3
Ou seja, a adolescência seria, então, em suas manifestações, decorrente da cultura. A partir
disso, deu-se início uma forma de pensar que incluía o contexto social em que o indivíduo vive,
e para dar conta deste novo modo de perceber esse grupo surge o termo ―juventude‖. Este,
por sua vez, propõe uma nova forma de olhar o jovem, sem invisibilisar suas diferenças,
ou seja, considerando sua cultura e o contexto social em que está inserido, sem, contudo,
suplantar ou substituir o uso do termo adolescência (COIMBRA, BOCCO & NASCIMENTO,
2005).
No entanto, acreditamos que o termo juventudes, trazido no plural, definiria melhor
o posicionamento a cerca da multiplicidade de formas de se vivenciar este período. Assim,
admite-se melhor a influência de diversos fatores, desde os biológicos aos culturais.
Entendendo juventude como uma construção social, percebe-se que a maneira que o
jovem busca para afirmar-se e ser reconhecido está atrelada ao momento histórico, ao
estereótipo e, principalmente, à forma de como a sociedade vê esse jovem (ESTEVES &
ABRAMOVAY, 2008).
Neste sentido, o indivíduo mostra-se mais
vulnerável às influências sociais, tentando alinhar-se ao que é socialmente correto e
aceitável. De acordo com uma pesquisa realizada por Conti et al. (2010) com 121 jovens
de ambos os sexos e com idade que variaram dos onze aos dezoito anos, 95% apresentaram
em seus discursos alguma relação entre a influência da mídia no seu cotidiano, e trazendo
à tona questões como a ―cobrança de um ideal físico, tanto para meninos como para meninas
(25%), e o desencadeamento de doenças e sentimentos depreciativos, como a humilhação
(11%)‖ (p. 2097). Assim, é importante refletir sobre que jovem é esse que a mídia,
especialmente a televisão e internet, propaga como modelo que virá ser buscado e almejado
por todos, inclusive por crianças e adultos.
O ―ser jovem‖ (e ―ser belo‖) passa a ser o modelo, o ideal: a criança anseia ser jovem
enquanto o adulto busca formas de prolongar sua juventude.
A mídia, então, propaga e
reforça esse ideal (KEHL, 2007). Se antes o ideal era o adulto, com sua maturidade e
experiência, hoje o jovem ganha o destaque, com sua beleza e vitalidade (KEHL, 2002).
Atualmente
vivenciamos
um
período
de
exacerbado
culto
ao
corpo
e,
compreendemos que este funciona como instrumento de comunicação, ou seja, que a
linguagem está para além da fala oral e escrita, mas também é inscrita nele (no corpo) e
comunica através de gestos movimentos, vestimentas, etc. (LE BRETON, 2009). Não se
3
4
trata aqui apenas do corpo físico, mas também do corpo social, que é constituído social e
culturalmente ou, como explica Queiroz apud Maldonado (2006), ―o corpo é de fato apropriado,
adestrado pela cultura, concebido socialmente, alterado segundo crenças e ideais
coletivamente estabelecidos‖ (p. 61).
Assim, o que temos na nossa cultura é a constante veiculação de corpos
idealmente perfeitos almejados por todos. Jovens belos e corpos sarados, para os
garotos, ou magros, para as garotas, são difundidos midiaticamente como o modelo de beleza
vigente, propagando socialmente o desejo de consumo desse corpo. Como afirma
Fisher (2002):
Os imperativos da beleza, da juventude e da longevidade,
sobretudo nos espaços dos diferentes meios de comunicação,
perseguem-nos quase como instrumento de tortura: corpos de tantos
outros e outras nos são oferecidos como modelo para que
operemos sobre nosso próprio corpo, para que o transformemos,
para que atinjamos (ou que pelo menos desejemos muito) um modo
determinado de sermos belos e belas, magros, atletas,
saudáveis, eternos (p. 160).
Dessa forma, há uma busca desenfreada por meios para atingir esse dito ―padrão de
beleza‖. Nessa busca, é possível encontrar métodos prejudiciais à saúde como o uso de
anabolizantes ou a prática de dietas sem orientação, ou os de rápido resultado, como as
intervenções cirúrgicas. É possível observar que as intervenções cirúrgicas estão de acordo
com o modo capitalista vigente, em que, além de incentivar o consumo, ou seja, haver a crença
de ser possível comprar (quase) tudo, há uma exigência de obter bons resultados em menos
tempo (CRUZ, NILSON, PARDO & FONSECA, 2008). Essa forma de alcançar o corpo
desejado através do método cirúrgico vem crescendo cada vez mais entre os jovens (LEAL,
CATRIB, AMORIM & MONTAGNER, 2010). De acordo com a Sociedade Brasileira de
Cirurgia Plástica, entre 2007 e 2008 foram realizados 37.740 procedimentos cirúrgicos
estéticos em jovens com até 18 anos, correspondendo a 8% do total. Além disso, a
SBCP afirma que enquanto cresce o número de intervenções cirúrgicas neste grupo, a idade
vai diminuindo.
O aumento da procura de jovens por
supervalorização
da aparência
física
cirurgias
e determinados
plásticas
padrões
decorre
de beleza
da
e
comportamentos veiculados pela mídia. É cada vez mais evidente a grande força que a mídia
exerce na definição geral do que é belo e do que não é, mostrados a todo tempo nos
comerciais e programas de TV. Há um estímulo muito grande para que as pessoas se
encaixem em um determinado padrão e o jovem está muito mais vulnerável a esta
4
5
pressão da ditadura da beleza, pois seu corpo e identidade encontram-se em formação ainda.
Numa fase da vida em que as mudanças são constantes, muitos se sentem à margem dos
padrões de beleza vigentes e procuram nas cirurgias plásticas uma melhora na qualidade de
vida.
A forma como a mídia veicula a idéia de beleza física, colocando aquele corpo
esteticamente perfeito como objeto de poder e status, têm levado muitos jovens a uma
rejeição de si mesmos.
O ideal de beleza cria um desejo de perfeição, introjetado e
imperativo. Ansiedade, inadequação e baixa autoestima são os
primeiros efeitos colaterais desse mecanismo. Os mais complexos
podem ser a bulimia e anorexia [também a vigorexia 6], além de
grande parte do orçamento familiar gasto em produtos e serviços
ligados à estética (MORENO, 2008, p. 13).
As diferenças, ao invés de serem valorizadas, são tratadas como um defeito. Dessa
forma, o desejo juvenil de querer mudar a qualquer custo, pode chegar a tornar-se uma
obsessão e, na ansiedade de conquistar uma inclusão social baseada na sua
autoimagem, acaba recorrendo a cirurgias plásticas como o método mais imediato de
corresponder a esses padrões. (BARROS, 2007)
Entretanto, o adolescente que se torna refém dessa ―ditadura da beleza‖ pode sofrer
graves conseqüências a curto e longo prazo. Pois, as cirurgias plásticas estéticas realizadas no
corpo ainda em formação, podem acarretar graves problemas, entre eles, problemas na coluna
e na postura dos ombros, atrofia das glândulas mamárias e, na vida adulta, interferência na
amamentação dos filhos, no caso das mulheres, além de deformação na estrutura óssea
(MATOSO, 2010). Por essas e outras questões, esta nem sempre é a melhor opção para o
jovem que busca essa inserção nos padrões de beleza socialmente vigentes.
Com isso, apesar do tema ser amplamente abordado na mídia, nos propomos
pensar em que medida essas discussões são funcionais? mobilizam os jovens? O que mais
pode ser feito para que mais jovens não se tornem refém da ditadura da beleza? Não
pretendemos, porém, através desse trabalho fornecer respostas para essas perguntas,
apenas incitar reflexões e debates relativos ao tema.
Nesse sentido, visamos não vedar ou extinguir a prática cirúrgica para fins
estéticos para aqueles que ainda não atingiram a maioridade, mas sim buscar
desenvolver um olhar crítico por parte desses jovens, a fim de tornar essa prática mais
6 Grifo nosso.
5
6
consciente, na tentativa de reduzir possíveis danos físicos e psicológicos causados na busca
impulsiva por uma beleza padronizada.
Projeto de Intervenção
Objetivo
Conscientizar e orientar os jovens em relação à estética corporal, a partir de uma
atmosfera crítica, proporcionada pelo ambiente escolar, sendo favorecida por palestras
esclarecedoras em relação à temática.
Público Alvo
Adolescentes do sexo masculino e feminino, estudantes do ensino médio, do 1º
ao 3º ano, com idade média entre 15 e 18, de escolas particulares da cidade do Recife
(Pernambuco - Brasil).
Local
Escolas particulares da cidade do Recife (Pernambuco – Brasil).
Como Pretendemos Trabalhar
Por termos como foco os jovens e os padrões estéticos, iremos desenvolver uma
semana de palestras nas escolas tendo como convidados profissionais especializados
referentes ao tema: cirurgião plástico, esteticista, nutricionista, professor de educação física e
uma psicóloga.
Tais profissionais tratarão de assuntos relevantes ao contexto da estética e
dúvidas levantadas pelos jovens. O evento será divulgado na escola através do encontro inicial
com a equipe de implantação do projeto, que esclarecerá sobre o evento, profissionais
envolvidos e horários das palestras. Também utilizaremos cartazes para divulgação do
projeto.
Número de Encontros (Programação)
Serão, ao todo, sete encontros por escola, sendo sistematizados da seguinte
forma:
6
7
Momento inicial:
Entraremos em contato com os colégios escolhidos de modo a sugerir a
aplicação do projeto de intervenção e a proposta sendo aceita, seguirá nos seguintes
passos:
1º encontro:
Nesse primeiro encontro, iremos até as escolas para fazer a divulgação do projeto
de intervenção, definir quem serão os convidados palestrantes da semana, bem como fixando
cartazes
nas
escolas
participantes,
para
divulgação
dos
horários
e profissionais
envolvidos no projeto.
2º encontro:
Neste dia, dar-se-á início tendo como convidado um cirurgião plástico que irá
esclarecer
alguns
pontos
centrais
sobre
cirurgia
plástica
estética
envolvendo
adolescentes, alguns procedimentos, bem como seus riscos e resultados. Por fim, haverá uma
abertura para perguntas e debate entre o convidado e os alunos ali presentes, a fim de incitar
uma maior reflexão crítica dos jovens sobre o assunto.
3º encontro:
Neste terceiro momento, haverá a participação de uma esteticista, a qual irá
ministrar uma palestra referente a jovens e o surgimento de acnes e celulite, cuidados com a
pele. A palestrante trará como foco do encontro, possíveis tratamentos referentes a essas
questões, abrindo espaço, em seguida, para debates, momento onde os jovens poderão tirar
dúvidas.
4º encontro:
Após os encontros referentes aos processos de estética, haverá a participação de uma
nutricionista, neste quarto encontro. Esta palestra tratará de temas como: alimentação
saudável, fast-food, dietas e possíveis riscos para a saúde. Em seguida, como nos demais
encontros, haverá um espaço para trocas entre profissional e estudantes, referentes a
dúvidas e esclarecimentos sobre questões tocantes ao tema.
5º encontro:
No penúltimo dia teremos como convidado um professor de educação física que
informará sobre a prática de esportes, perda de peso, ganho de músculos, alterações
corporais e jovens sedentários e os riscos pra saúde. Vale salientar a importância de
7
8
trazer um profissional externo, de educação física, para dinamizar um pouco a visão dos jovens
sobre a área, atuação e pontos importantes referentes a esportes.
6º encontro:
No último dia da semana teremos como palestrante final, uma psicóloga. Como
destaque de sua palestra, debaterá sobre questões como anorexia, bulimia e vigorexia entre
jovens, pontos principais dos transtornos, características centrais e como buscar ajuda, como
orientar familiares, amigos e se conscientizar sobre essa realidade. Além de estimular um
debate crítico sobre o ideal de beleza e o desejo de se encaixar nesse padrão a todo custo.
Por fim, haverá debate, como de costume, e uma ressalva: haverá a presença da
equipe de implantação do projeto que irá propor como atividade de conclusão e reflexão a
produção de textos informativos sobre todo o conteúdo apreendido na semana, de forma a
tentar conscientizar, propagar essas informações a outros jovens, em uma linguagem que
se aproxime do mundo dos jovens, não sendo tão teórica, mas ao mesmo tempo sendo
fundamentada pelo discurso dos profissionais versus o olhar crítico do jovem que a escreve.
Tal atividade será proposta aos jovens como conclusão, integração e apreensão dos
conteúdos
ali
debatidos
durante toda a semana,
a fim
de deixar registrado
tal
conhecimento, sendo possível servir para orientação em demais escolas, para outros jovens
de mesma faixa etária. Será indicado que façam um texto informativo, dos quais alguns serão
selecionados para confecção de uma cartilha que será digitalizada e distribuída entre
outros jovens, contendo assim informações relevantes à diversos olhares sobre as práticas
abordadas: cirurgia plástica, tratamentos estéticos, nutrição, esportes e transtornos
psicológicos referentes ao corpo.
7º encontro:
Serão recolhidos os textos produzidos pelos jovens, prometendo haver um retorno
da equipe de implantação do projeto, que trará a cartilha finalizada, contendo os textos
selecionados e sendo assim distribuídas entre os alunos da escola e outros jovens de escolas
públicas e particulares.
8
9
Referências Bibliográficas
BARROS, R. R. Cirurgia
plástica
na
adolescência. [Versão eletrônica], Revista
Adolescência e Saúde, v. 4, n. 1, p. 45-47. 2007. Acedido em 12 de Junho de 2011, em:
http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=120
COIMBRA, C. C.; BOCCO, F.; NASCIMENTO, M. L. Subvertendo o conceito de
adolescência. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 57, n. 1, p. 2-11, 2005.
CONTI, M. A.; BERTOLIN, M. N. T.; PERES, S. V. A mídia e o corpo: o que o jovem tem
a dizer? Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 4, p. 2095-2103. 2010.
CRUZ, P. P.; NILSON, G.; PARDO, E. R.; FONSECA, A. O. Culto ao corpo: as influências
da mídia contemporânea marcando a juventude. Fazendo Gênero 8 – Corpo, Violência e Poder,
2008.
ESTEVES, L. C. G.; ABRAMOVAY, M. Juventude, juventudes: pelos outros e por elas
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FISCHER, R. M. B. O dispositivo pedagógico da mídia: modos de educar na (e pela) TV.
Educação e Pesquisa, v. 28, n. 1, p. 151-162. 2002.
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. Mídia e juventude: experiências do público e do privado na
cultura. Caderno Cedes, v. 25, n. 65, p. 43-58. 2005b.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios. IBGE, 2009.
KEHL, M. R. A juventude como sintoma da cultura. Revista de debates – mandato vereador
Arnaldo Godoy. Outro olhar. Belo Horizonte, 2007.
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. Com que corpo eu vou? Folha de São Paulo, 2002.
LEAL, V. C. L. V.; CATRIB, A. M. F.; AMORIM, R. F. de; MONTAGNER, M. A. O corpo, a
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LE BRETON, D. As paixões ordinárias: Antropologia das emoções. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.
MALDONADO, G. de R. A educação física e o adolescente: a imagem corporal e a
estética da transformação na mídia impressa. Revista Mackenzie de Educação Física e
Esporte, 2006.
MATOSO, R. Cresce o número de adolescentes que realizam cirurgias plásticas
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2010.
Acedido
em
12
de
Junho
de
2011,
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MENDONÇA, E. S. Práticas discursivas sobre participação política juvenil: entre os
prazeres, orgulho e sacrifícios.
Recife, 2008. 150 folhas. Dissertação (mestrado) -
Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Psicologia, 2008.
MORENO, R. A beleza impossível: mulher, mídia e consumo. São Paulo, SP: Ágora,
2008.
VIDA DE CASERNA: UMA OBSERVAÇÃO QUALITATIVA DAS RELAÇÕES NO CORPO DE
BOMBEIROS DE PASSO FUNDO
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO INSTITUTO DE FILOSOFIA E
CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DO TRABALHO II
RELATÓRIO DA ATIVIDADE PRÁTICA
2
3
Amanda Valério
Lessandro Sassi
Marina Lazaretto
Robert dos Passos
Professor Orientador: Dr. Hélio Possamai
Passo Fundo, novembro de 2011.
Este é o relatório da atividade prática realizada pelos alunos Amanda
Valério, Lessandro Sassi, Marina Lazaretto e Robert dos Passos da
disciplina de Psicologia do Trabalho II, do Curso de Psicologia da
Universidade de Passo Fundo. O mesmo foi apresentado, apreciado e
avaliado pelo professor da disciplina e pela banca apreciadora do
trabalho.
3
4
Avaliadores:
Prof. Dr. Hélio Possamai.............................. Professor da disciplina
Daniela Dillenburg........................................Acadêmica do Curso de Fisioterapia
Jocelito Torres do Carmo..............................Psicológo
Wilkinson Kunzler........................................Acadêmico do Curso de Fisioterapia
Vanessa.........................................................Acadêmica do Curso de Ed. Física
4
5
Agradecemos
Ao Professor Hélio, por nos proporcionar essa oportunidade de realizar uma
atividade prática envolvendo a Psicologia do Trabalho e como ela pode melhorar o dia- a-dia e
as relações de trabalho. Ao 7° Comando Regional de Bombeiros da cidade de Passo Fundo
pela disponibilidade de nos receber e nos permitir fazer as observações de maneira sempre
muito descontraída e a vontade.
5
6
RESUMO
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Psicologia do Trabalho mantém-se ainda um tanto distante das demais ciências que
tratam da dinâmica do trabalho, limitando-se muitas vezes a adaptar o homem ao trabalho
sem considerá-lo como sujeito que se relaciona que interage que sente que sofre e que
possui necessidades.
A formação profissional na área da Psicologia do Trabalho está ainda alicerçada numa
concepção estática que não reconhece as implicações subjetivas que o trabalho exerce sobre
as pessoas. Entendemos que o caminho que conduz ao trabalho saudável é aquele que
respeita a identidade do trabalhador em sua construção plena enquanto pessoa,
respeitando potenciais e limites da condição humana.
Serão apresentados dados quantitativos referentes ao Corpo de Bombeiros, no que
se refere a sua estrutura física e humana. Também serão problematizadas questões levantadas
pelos próprios sujeitos que trabalham como Bombeiros, assim como percepções da
equipe em si.
Serão abordados temas como:
-
Processo de trabalho dos Bombeiros;
-
Sentimentos e percepções dos trabalhadores;
-
Trabalho Prescrito X Trabalho Real;
-
Defasagem de pessoal e equipamento.
6
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
7
2 REVISÃO TEÓRICA
8
3 METODOLOGIA
9
3.1 Pressupostos Epistemológicos
9
3.2 Procedimentos Metodológicos
10
3.2.1 Contato com o local observado
10
3.2.2 Técnicas empregadas para coleta das informações
11
4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS OBSERVADOS
13
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS OBSERVADOS
17
6 CONCLUSÃO
19
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
20
7
8
1. INTRODUÇÃO
O presente relatório refere-se à atividade teórico/prático realizado no Corpo de
Bombeiros de Passo Fundo, no período de agosto a novembro de 2011, com o objetivo de
proporcionar aos alunos um maior conhecimento e compreensão da dinâmica das relações
de trabalho que se estabelecem no local entre direção, colaboradores e clientes.
A metodologia usada foi à análise qualitativa de dados de maneira informal através
de observações, entrevistas e filmagem. Nas quartas-feiras no turno da noite. Além dos dias
citados, ocorreram outros dias de visitas que foram previamente avisados ao local da atividade.
A escolha do local foi motiva pelo fato de que no imaginário social, a palavra
"bombeiro", na maioria das vezes, aparece carregada de um sentido de heroísmo e
salvação – concebe-se o bombeiro, portanto, como um ser humano onipotente. O
profissional bombeiro lida constantemente com uma forte carga afetiva em seu trabalho. Durante
a atividade os alunos tinham como objetivo conhecer e compreender a
dinâmica das relações de trabalho que se estabelecem entre os bombeiros, conhecer as
dificuldades e facilidades do trabalho realizado por eles, entender quais as motivações que
levam estes profissionais a atuarem neste segmento, identificar os possíveis riscos que esta
atividade pode causar à saúde física e mental nas pessoas envolvidas neste trabalho,
compreender as implicações emocionais decorrentes do trabalho nas pessoas que ali realizam
suas atividades e conhecer as percepções que os funcionários têm da atividade que exercem.
Com o presente trabalho quisemos mostrar como o a atividade laboral pode ser tanto
fonte de prazer pessoal e profissional, bem como fonte de adoecimento. Além disso
observar como a Psicologia Organizacional e do Trabalho são capazes de colaborar na
construção dos trabalhadores como sujeitos, promovendo a dignidade, igualdade e
integridade do ser humano auxiliando-os na busca por uma qualidade de vida no trabalho.
8
9
2. REVISÃO TEÓRICA
Por meio do trabalho, o sujeito transforma a sua realidade, viabilizando o modo de
sobreviver, de obter realização pessoal, definindo seu padrão de qualidade de vida, como meio
de construção de identidade e como meio de adoecimento. O trabalho ocupa a vida inteira das
pessoas, e hoje as organizações devem ficar atentas com a qualidade de vida no trabalho.
Diante
disto
a
psicologia
é
―solicitada
a
aprofundar sua
produção
de
conhecimentos para colaborar com a compreensão do desempenho e da realização do
trabalhador, dentro de um contexto de condições singulares que frequentemente
demanda adaptações que superam os limites da condição humana. As pessoas têm sido
solicitadas a aprender habilidades em
tempo mais curto que sua condição humana
permite, ou solicitada a alterar suas identidades, sem que isso faça parte de seus planos de
vida‖ (Zanelli e col.).
O objetivo é não pensar que uma função na empresa são apenas técnicas e
tecnologias em busca de resultados, mas que ali estão pessoas desempenhado o seu papel
de trabalhador, desta maneira compreender a complexidade do trabalho e sua contribuição
para a complexidade do ser humano individual e coletivo.
9
10
3. METODOLOGIA
3.1
PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS
Utilizaremos a metodologia com enfoque qualitativo o que configura que teremos
como pressuposto que a conduta humana, em seus aspectos de fala e de ação define seu
mundo. Thompson (1995, p. 357) afirma que existe uma tentação constante, por parte do
pesquisador, de tratar fenômenos sociais em geral e formas simbólicas em particular, ―como se
elas fossem objetos naturais, passiveis de vários tipos de análise formal, estatística e
objetiva‖. Argumenta que, embora vários tipos de análise formal, estatística e objetiva sejam
perfeitamente possíveis e até necessários, de forma geral na análise social e na análise de
formas simbólicas em particular, esses tipos de análise se constituem, quanto muito num
enfoque parcial ao estudo dos fenômenos sociais e das formas simbólicas.
―Elas são parciais, porque, como nos lembra a tradição da hermenêutica, muitos
fenômenos sociais são formas simbólicas e formas simbólicas são construções
significativas
que,
embora
possam
ser
analisadas
pormenorizadamente por métodos formais ou objetivos, inevitavelmente
apresentam
problemas
qualitativamente
distintos
de
compreensão
e
interpretação. Os processos de compreensão e interpretação devem ser
vistos,
pois,
não
como
uma
dimensão
metodológica
que
exclua
radicalmente uma análise formal ou objetiva, mas antes como uma
dimensão que é ao mesmo tempo complementar e indispensável a eles‖.
(Thompson, 1995, p.358).
A subjetividade traduz-se, portanto, na maneira como a pessoa percebe o mundo e o
relata através de sua fala, na sua singularidade de ser único. É fundamental que se possa
construir dessas falas um corpus – (termo utilizado para designar
o
material
coletado e que será utilizado na análise) (Bauer e Gaskell, 2002). A partir disso será possível
registrar, igualmente, o significado que os trabalhadores atribuem ao trabalho como eixo
fundamental na estrutura de suas subjetividades.
1
0
10
3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.2.1 Contato com o local observado
•
Carta de apresentação
Os alunos apresentaram ao responsável pelo local, a Carta de Apresentação,
elaborada pelo professor da disciplina de Psicologia do Trabalho II, como documento
comprovatório de que os alunos representados por esta carta, estavam oficialmente
matriculados na disciplina e em condições de realizar a atividade teórico/prática junto ao local
escolhido.
•
Carta de informação/aceite
Para a realização do presente trabalho teórico/prático foi necessário haver, por parte
da responsável pelo local, uma manifestação, por escrito, confirmando a possibilidade
dos alunos realizarem suas atividades acadêmicas. Esta formalidade se deu através da
Carta de Informação, que autorizou os alunos a realizarem suas atividades práticas no
local.
•
Questões Éticas
Todo o trabalho que os alunos realizaram junto à instituição foi regido pelo
Código de Ética Profissional do Psicólogo.
•
Identificação do local onde foi realizada a atividade prática
O local onde foi realizada a atividade,
foi o 7° Comando Regional dos
Bombeiros da cidade de Passo Fundo localizado na Rua Independência n° 1320 - Passo
Fundo/RS.
O quartel é dividido em cinco setores: seção administrativa, seção de
combate (caminhões de combate a incêndios), a seção das ambulâncias (atendimento de
emergência), a seção de recepção e sala de operação (atendimento de ocorrências), a seção
de fiscalização e prevenção de incêndios (fiscalização de prédios públicos e privados)
contando ainda
com a
área de lazer (cozinha, sala de TV, sala de estar,
campo de Futebol 7, academia, sinuca);
10
11
•
Descrição do local
O local onde foi realizado o trabalho de observação conta com:
-Alojamentos
- Sala de Aula;
- Estacionamento;
- Museu;
- Praça;
- Oficina Mecânica;
- Área de Descontaminação.
•
Participantes
O Comando é composto por 87 servidores efetivos, porém, o trabalho de
observação foi realizado com aproximadamente 12 profissionais de diversas patentes e diversas
funções que estavam de plantão durante nossas visitas.
3.2.2
•
Técnicas empregadas para coleta das informações
Contatos e observações informais
O contatos com as pessoas no local da atividade prática foram realizados pelos alunos
de forma individual e coletivamente, de acordo com a disponibilidade dos profissionais
naquele momento da visita, procurando sempre evitar interferir no trabalho realizado pelas
pessoas que lá trabalham. Os aspectos observados se referiram ao cotidiano do trabalho,
não possuindo caráter de diagnóstico e nem de intervenção, apenas dizendo respeito ao
exercício da aluna em observar e conhecer lugares de trabalho para poder refletir sobre a
prática do psicólogo no mundo das organizações onde muitos, certamente, exercerão suas
atividades como profissionais da psicologia.
•
Avaliação e compreensão das informações coletadas
As falas, as observações e as informações coletadas pelos alunos eram
registradas através de pequenos relatos e também foram realizadas entrevistas com
11
12
alguns profissionais que se dispuseram para coleta de informações a respeito da
percepção dos mesmos com relação ao trabalho, como se deu o desenvolvimento dentro da
profissão, quais os pontos fracos e fortes das atividades que exercem e suas
expectativas e informações a respeito das dinâmicas de trabalho.
Com a análise dos resultados, foi buscado responder aos questionamentos feitos nos
objetivos específicos descritos no Projeto.
12
13
4. APRESENTAÇÃO DOS DADOS OBSERVADOS
•
Histórico do local
O Corpo de Bombeiros da cidade de Passo Fundo teve inicio com uma viatura locada na
estação ferroviária da Gare e, em 1951, foi sediada no quartel dos bombeiros, ainda como
Comando de Bombeiros do Interior.
Em 1970 foi estruturada a Corporação, ainda sob comando dos bombeiros de Caxias do Sul.
Apenas em 1995 a Corporação foi estabelecida como 7º Comando Regional de Bombeiros,
atendendo e comandando outras Corporações e Comandos da região.
•
Características da Organização
O Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul é subordinado da Secretaria
Estadual de Saúde, Justiça e Segurança desse estado. Foi fundado em 27 de junho de
1935, quando o então Interventor do Estado, General Flores da Cunha, decretou que o Corpo
de Bombeiros particular de Porto Alegre (inaugurado em 1895, conduzido pelos ―soldados do
fogo‖) seria transferido à Brigada Militar. É, portanto, uma Corporação ligada à Brigada Militar
do Rio Grande do Sul (BMRS) – os Bombeiros, como todos os outros militares, são selecionados
por concurso público. Após aprovação em concurso, os Bombeiros passam por exames, testes
e cursos que comprovem as habilidades que um Bombeiro deve deter ou a capacidade de
adquiri-las. Passados esses processos, confere-se a ―formatura‖ aos Bombeiros e estes passam
a atuar nos Corpos de Bombeiro do estado, conforme demanda e abertura de vagas.
Ao entrar para uma Corporação, os Bombeiros são condecorados com o título de
Soldado, porém, através de plano de carreira, ato de bravura e concursos internos, podem
subir de posição hierárquica: Segundo Sargento, Primeiro Sargento, Subtenente, SegundoTenente,
Primeiro-Tenente,
Capitão,
Major,
Tenente-Coronel,
Coronel,
Subcomandante e Comandante (as patentes de
A Corporação dos Bombeiros Militares do Rio Grande do Sul está dividida em
12 Comandos Regionais e um Grupo de Busca e Salvamento, são eles:
1º Comando Regional de Bombeiros – Porto Alegre;
2º Comando Regional de Bombeiros – São Leopoldo;
3º Comando Regional de Bombeiros – Rio Grande;
13
14
4º Comando Regional de Bombeiros – Santa Maria;
5º Comando Regional de Bombeiros – Caxias do Sul;
6º Comando Regional de Bombeiros – Santa Cruz do Sul;
7º Comando Regional de Bombeiros – Passo Fundo;
8º Comando Regional de Bombeiros – Canoas;
9º Comando Regional de Bombeiros – Tramandaí;
10º Comando Regional de Bombeiros – Santana do Livramento;
11º Comando Regional de Bombeiros – Santo Ângelo;
12º Comando Regional de Bombeiros – Ijuí;
GBS (Grupo de Busca e Salvamento) – Porto Alegre.
•
Organização do trabalho no local
A organização do trabalho se dá através das atividades que podem ser desenvolvidas variam
de acordo com o local onde o profissional está inserido. No quartel, ocorrem os atendimentos de
ocorrências – imediato, a manutenção dos equipamentos, a gestão da equipe, são realizadas
também vistorias e aval de prédios e construções, a parte administrativa também dispõe de
cursos que são oferecidos a locais como escolas, empresas, condomínios de prevenção a
incêndios, etc.
•
Descrição do trabalho
Atendimento de ocorrências: nessa situação de trabalho os profissionais que cumprem o plantão
de 12 ou 24 horas realizam as atividades no atendimento das ocorrências. As chamadas de
emergências são atendidas pelo profissional que fica na sala de telefones que faz a triagem da
ocorrência (local, situação do risco, número de pessoas envolvidas,etc), onde em seguida aciona
através de um alarme os demais companheiros de serviço para irem até o local da ocorrência. Os
mesmos, ao encaminharem-se a ambulância ou carro de combate, vão equipando-se com os
devidos aparatos para aquele determinado tipo de ocorrência.
Vistorias e aval de prédios e construções: a sessão administrativa do 7° CRB coordena toda a
parte de vistorias de prédios públicos e privados para que os mesmos possuam a garantia de
estarem habilitados dentro das normas de segurança exigidas;
14
15
Cursos para prevenção de incêndios: ainda sob os comandos da parte administrativa, a área de
prevenção planeja suas atividades através dos locais ondem são solicitados seus serviços como
escolas, condomínios, empresas, etc. com o intuito de prestar esclarecimentos, fornecer dicas e
conscientizar as pessoas a fim de evitar maiores complicações em situações de perigo e risco
de vida.
Manutenção de equipamentos: os profissionais além de realizar todas as atividades citadas
acima, são os responsáveis de verificar diariamente os equipamentos utilizados em serviço
(ambulância, carros de combate, roupas, materiais em geral, etc) a fim de constatar qualquer
alteração e falta dos mesmos.
•
Clientes
Por tratar-se de um órgão público o atendimento destina-se a comunidade em geral,
não havendo nenhum critério de exclusão para os atendimentos.
•
Percepção das trabalhadoras sobre seu trabalho
Por meio das observações e das entrevistas não- estruturadas pode-se perceber que
os profissionais bombeiros gostam muito de realizar suas atividades. Sempre que
questionados a respeito das questões relativas à percepção dos mesmos sobre o próprio
trabalho todos trazem que o trabalha ali realizado é gratificante. Percebeu-se também que
todos os profissionais que ali trabalham percebem os colegas como parceiros, trabalham
unidos independentemente da situação e que todos estão sempre dispostos a auxiliar o colega
quando necessário. O ambiente de trabalho segundo eles é agradável mesmo certas vezes
surgirem algumas desavenças. Uma das percepções manifestads pela grande maioria dos
profissionais foi a de que a falta de pessoal e o baixo salário, por muitas vezes, torna o trabalho
um pouco desgastante e desanimador.
•
Cargas de trabalho, que acometem as profissionais do local
Sabe-se que muitas vezes o que está prescrito na conceituação de uma
determinada tarefa em um ambiente de trabalho, não condiz com a realidade na qual o sujeito
que está executando-a está inserido. Por isso, é importante que, ao avaliarmos um
determinado tipo de trabalho, saibamos quais são as cargas exigidas na realização dessa
tarefa e em quais situações elas se apresentam.
15
16
- Carga física: tendo em vista essa noção, percebe-se que é exigido dos profissionais que
trabalham como bombeiros, possuir um bom desempenho físico nas tarefas, sendo
indispensável rapidez, agilidade, boas condições de saúde e preparo físico.
- Carga mental: ao trabalhar com essa percepção, notamos que devido às atividades
desempenhadas pelos bombeiros dentre elas salvar vidas, entrar em contato com
sujeitos entre a vida e a morte, vivenciar momentos onde precisam tomar decisões
rapidamente, agilidade, concentração, entre outras, a carga mental desse tipo de trabalho é
muito grande e exige de seus funcionários uma boa estrutura emocional, capaz de auxiliálos a suportar tantas experiências que lidam com dor, sofrimento e perigo humano.
-Cargas Químicas: exposição a componentes químicos nas ocorrências;
-Cargas Mecânicas: devido à operação e manutenção de equipamentos;
-Cargas Orgânicas: riscos biológicos, por ser uma atividade que manipula bactérias, fungos,
sangue, etc. no momento em que atendem as ocorrências.
•
Relação entre o local e a sociedade
Os profissionais bombeiros buscam atender as demandas solicitadas pela sociedade
como um todo. Segundo durante o mês de julho de 2009, pela 7ª Pesquisa Marcas de Confiança
1.500 pessoas ouvidas nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, , 96% escolheram o
bombeiro como o profissional mais confiável do País. Tendo em vista esse dado percebe-se o
quanto, no imaginário social as pessoas veem os profissionais bombeiros como pessoas que
estão ali para proteger e preservar suas vidas. Percebeu-se muito isso ao longo das observações
e entrevistas onde por exemplo, em uma caso específico, como o dia em que a cidade de Passo
Fundo havia enfrentado uma forte tempestade onde muitas casas foram afetadas pela mesma,
que a população em geral passou a buscar o auxílio do corpo de bombeiros que após o incidente
já estava se preparando para receber a comunidade no quartel em busca de materiais e auxílios
para
a reconstrução de suas casas.
16
17
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS OBSERVADOS
Ao analisar os dados obtidos durante as observações e entrevistas realizadas no
trabalho pode-se perceber que os profissionais bombeiros exercem atividades muito
complexas e que estas exigem dos mesmos uma grande disposição e preparação para
executá-las. Sabe-se que muitas vezes o que está prescrito na conceituação de uma
determinada tarefa em um ambiente de trabalho, não condiz com a realidade na qual o sujeito
que está executando-a está inserido. Por isso, é importante que, ao avaliarmos um
determinado tipo de trabalho, saibamos quais são as cargas exigidas na realização dessa
tarefa e em quais situações elas se apresentam.
É importante a avaliação das cargas de trabalho, pois são elas que nos ―dizem‖ o quão
árduo é determinado tipo de trabalho e o quanto ele acarreta dificuldades na realização
das tarefas que são exigidas de seus trabalhadores. Quando há um desequilíbrio
entre a prescrição da tarefa e a execução da mesma os sintomas surgem dentro do ambiente
de trabalho através de manifestações negativas no que diz respeito ao prazer, produtividade,
qualidade,
absenteísmo,
rotatividade,
as
licenças
pata tratamento de doenças e os
acidentes de trabalho.
No caso dos profissionais do corpo de bombeiros de Passo Fundo, nota-se que essas
manifestações se dão principalmente, quando não se consegue cumprir a tarefa de salvar vidas
com sucesso, porém elas são momentâneas já que o trabalho executado pelos mesmos
preconiza e exige qualidade e produtividade constante, já que os profissionais bombeiros
prestam auxilio e oferecem ―proteção‖ a toda uma sociedade.
Entendemos que o profissional Bombeiro Militar, no exercício da sua atividade
profissional, coloca sua vida em risco para salvar a vida de terceiros e/ou para defender bens
públicos e privados da sociedade. O risco é inerente a essa atividade profissional e, segundo o
Estado Maior das Forças Armadas, ―o exercício da atividade militar, por natureza exige o
comprometimento da própria vida‖ (Brasil, 1995, p. 11). A probabilidade de ocorrer um dano
(riscos potenciais e adicionais) está presente em qualquer situação de trabalho, em diferentes
graus e níveis, dependendo do tipo de organização e da natureza da atividade realizada. Assim,
tratando-se da atividade dos bombeiros como pôde ser observado, os homens e mulheres que
desempenham este trabalho estão sujeitos a todos os riscos que podem ser classificados e
relacionados à ocupações. Riscos esses, das mais diversas classes, sejam eles agentes físicos,
químicos, biosanitários, ergonômicos, fatores de segurança, psicológicos e sociais. Todos eles
17
18
relacionados diretamente com o dia-a-dia do bombeiro. Tendo em vista a natureza do trabalho, é
necessário ao profissional, que desempenha a atividade durante seu turno de serviço, uma
compreensão desses riscos, além da capacidade de saber reconhece-los e trabalhar de forma
consciente para que seja possível diminuir ao máximo a ocorrência de acidentes em virtude
disso. Ainda associado a isso, existe outro fator, o que envolve terceiro no desempenho da
atividade, como no caso dos socorristas que atendem na ambulância, além de estarem atentos
ao que pode ocorrer com eles, existe a figura do sujeito que esta necessitando do socorro, e que
por consequência, também está sujeito aos mesmos riscos.
A atividade desempenhada pelos profissionais que atuam nessa área apresentam
também algumas exigências. Dentre elas destacam-se as físicas, que estão relacionadas à
tarefa e à situação (esforços dinâmicos e estáticos) e relacionadas com o organismo humano
(posturas, movimentos, dispêndio de energia, reações cardiovasculares, reações respiratórias e
térmicas), as ambientais que estão ligadas à iluminação, tarefa, ambiência sonora,
sensório-motoras
relativas
aos dispositivos
sinais-comandos
as
e às
características antropométricas do trabalhador e as mentais que são avaliações relativas às
características da tarefa e relacionadas com o operador.
Assim, essas exigências são testadas quando os profissionais ainda estão em
cursos preparatórios, antes de tornarem-se de fato Bombeiros, para que seja comprovada a
capacidade de dar conta dessas exigências.
Apesar de todos os riscos, exigências, cargas e situações de risco que esse
trabalho acarreta, percebemos que os profissionais bombeiros que se pôde observar tem uma
grande satisfação de trabalhar nesse segmento. A credibilidade que eles têm perante a
toda sociedade e a gratificação existente no momento em que se salvam vidas faz com eles
sintam-se recompensados pelo trabalham que realizam. Isso nos faz pensar que o trabalho,
sendo ele em qualquer segmento, se tiver reconhecimento e valorização pode ser um
importante fator para o desenvolvimento emocional, cognitivo e pessoal saudável.
18
19
6. CONCLUSÃO
Diante do que foi observado, percebe-se a possibilidade de inserção da
Psicologia do Trabalho e suas possíveis intervenções em mais este campo de atuação
profissional, tendo em vista que o Corpo de Bombeiros é, também, uma organização,
composta por trabalhadores estabelecidos hierarquicamente e funcionalmente, razão pela
qual muitos dos bombeiros acreditam que seria interessante para as Corporações que as
patentes superiores, a gestão do Corpo de Bombeiros, tivesse formação superior em
Administração ou Psicologia, por exemplo, além da formação em Direito, única adotada
como pré-requisito para a prova.
Quanto às questões que permeiam a atuação do Bombeiro, conclui-se que este
profissional, respaldado pela confiança socialmente atribuída a ele, é um profissional, em
geral, satisfeito com as funções que deve cumprir, pois, ainda que a compensação econômica
pelas exigências do trabalho seja questionável e o trabalho seja de alto risco, o reconhecimento
da sociedade parece ser mais importante e, por vezes, suficiente para esses profissionais.
19
20
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A FUNÇÃO IMAGINÁRIA DO EU E A ESTABILIZAÇÃO DA PSICOSE
Autoras:
Joana Souza
Mestranda do programa de pós-graduação em
Psicanálise da Universidade do estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Psicóloga graduada pela
Universidade Estácio de Sá. País: Brasil
E-mail: [email protected]
Sonia Leite
Psicanalista. Professora Visitante do Programa de
Pós-graduação em Psicanálise da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro-Brasil. Coordenadora
da Oficina Clínica sobre as Psicoses do Centro
1
2
Psiquiátrico do Rio de Janeira. Doutora em
Psicologia Clínica pela PUC-Rio.
E-mail: [email protected]
Introdução
O presente trabalho faz parte de uma dissertação de mestrado, vinculada ao
Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio de JaneiroBrasil, que está em sua fase inicial de elaboração, cujo tema é A constituição do eu em Freud
e Lacan e a questão da angústia, e que se encontra articulada a uma pesquisa teórico-clínica
sobre as psicoses, em desenvolvimento no Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro.
O objetivo, aqui, é discutir algumas questões dentro desse vasto tema, colocando em
destaque a constituição do eu em suas relações com a temática das psicoses. O que se visa é
delimitar a importância da função imaginária em tais estruturas no que diz respeito ao
recobrimento do real traumático. Parte-se do pressuposto de que as instituições de saúde
mental podem favorecer a recomposição imaginária e simbólica do sujeito psicótico.
O eu e o corpo próprio
Para a psicanálise existe uma distinção fundamental entre o eu (moi) e o sujeito (Je).
Enquanto o eu se articula à função imaginária, o sujeito diz respeito ao acesso a fala e à
linguagem.
2
3
Em Sobre o narcisismo: uma introdução, (1914), Freud afirma que o eu não é o
resultado de um processo natural de maturação biológica, mas sim o resultado de uma nova
ação psíquica, cuja função seria a de unificar as pulsões auto-eróticas numa imagem de
corpo próprio. O eu, portanto, não é um dado a priori, ele precisa ser desenvolvido (Freud, 1914
p. 84) e é exatamente o encontro com outro enquanto semelhante e alteridade aquilo que
possibilita esse processo.
Nesse texto o que Freud destaca é que a imagem do corpo próprio fornece uma
primeira distinção entre interno e externo e de recobrimento do desamparo originário oriundo
da experiência da imaturidade do corpo em sua desarticulação motora inicial. A partir da
identificação da criança com sua própria imagem o eu torna-se objeto de investimento libidinal.
É esse momento de identificação com a imagem e a palavra do Outro, que
simultaneamente inscreve a alienação e a separação promovendo o recalque das
pulsões auto-eróticas e instituindo a divisão radical que caracteriza o sujeito humano.
Leite, (2011) aponta que o fato do Outro ser necessariamente falho em seus cuidados,
introduz o significante da falta para o sujeito, indicando que a satisfação total é impossível. A
falta inscrita no Outro estabelece um limite para os desejos imperiosos e onipotentes do
bebê, ao mesmo tempo em que presentifica a perda do objeto mítico originário. São
esses fatores que viabilizam a estruturação da realidade psíquica para o sujeito, ou seja,
uma posição no mundo simbólico.
Para a psicanálise a realidade psíquica, portanto, é fruto de um processo de
simbolização da realidade objetiva, ou seja, dos objetos que são faltosos desde as origens do
sujeito.
Em síntese, a teoria do narcisismo indica que a constituição do eu se dá através de um
precipitado de identificações, no qual a imagem assume um papel determinante, mas, que
sem a ratificação da palavra não há apropriação da linguagem que possibilita o recobrimento do
encontro com a falta do objeto.
Apesar da indiscutível importância do texto Sobre o narcisismo, no que
tange ao estudo do eu, será no artigo O eu e o isso (1923), que Freud lhe dará um contorno
definitivo. Nesse último, Freud retoma suas elaborações acerca
3
do sistema
percepção-consciencia,
desenvolvido
no
capítulo
VII
de
4
A
interpretação dos sonhos, (1900), para mostrar como o eu se adapta ao principio de
realidade. Nesse sentido Freud afirma que “o eu é, primeiro e acima de tudo, um eu
corporal;
não
é
simplesmente
uma
entidade
de superfície, mas, é ele mesmo a
projeção de uma superfície”. (Freud, 1923 p.39). O eu, portanto, é uma estrutura narcísica
que tem como referencia o corpo que exerce dentre outras a função de estabelecer
defesas contra o excesso de excitações provenientes do mundo (real).
Freud afirma que ―O próprio corpo de uma pessoa e, acima de tudo, a sua superfície,
constitui um lugar de onde podem originar-se sensações tanto externas quanto internas”
(Freud, 1923 p.39). Freud considera que a percepção das sensações exige que o eu estabeleça
um modo de funcionamento que lhe permita fazer uma espécie de distinção entre um
estímulo interno e um estímulo externo. Freud afirma em O eu e o isso que essa distinção
entre um ―dentro‖ e um ―fora‖ depende de uma ação específica do eu que ele chamou de teste
da realidade. (Freud, 1923 p. 67).
Afirma, ainda, que as percepções derivam tanto das imagens motoras das palavras,
ou seja, dos resíduos de memórias derivados das palavras ouvidas, quanto das sensações
sentidas pelo corpo, o que exige que o eu faça uma representação (simbolização) para cada
percepção. (Freud, 1923 p.35). A representação das palavras e, por conseguinte, das
sensações corporais seria então a condição necessária para que o sujeito mantenha
contato com o mundo externo sem ser devastado por ele. Nesse sentido entende-se que são
os registros das imagens, das identificações e fantasias instituídas pelo eu durante a
estruturação do narcisismo que permitirão que a representação da sensação (estímulos,
excitação) seja realizada pelo eu. Conclui-se, portanto, que o teste da realidade só
pode ser realizado pelo
eu
através
do
reconhecimento prévio das inscrições que compõem o que Lacan chamou de registro
imaginário.
Lacan, (1949) retomando a descrição feita pelo psicólogo Wallon, em
1932, acerca do desenvolvimento da inteligência em bebês, elabora o ―estádio do espelho”
onde afirma que a constituição do eu é indissociável da imagem do outro. Considera que o
momento constitutivo do sujeito acontece quando a
4
criança reconhece sua imagem no espelho com uma manifestação de júbilo e com
5
a
efetuação de uma operação de identificação entendida como ―a transformação produzida
no sujeito quando ele assume uma imagem - cuja predestinação para esse efeito de fase é
suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago". Nesse sentido explica
que num primeiro momento, o sujeito vivencia o real de um corpo despedaçado, revelando
que no início não há unidade e, portanto não há ainda um eu constituído. Somente a partir da
identificação com a imagem do outro é que essa imagem de um eu despedaçado pode vir a se
unificar.
A constituição imaginária do eu se efetua em torno da imagem especular do
corpo próprio, ou seja, uma Gestalt onde a criança se identifica, se reconhece e assume a
imagem do corpo como sendo sua. Lacan afirma que nesse primeiro momento acontece uma
fixação narcísica na imagem, onde o sujeito cria uma série de fantasias e alucinações em
relação ao objeto, que caracterizaria o fenômeno imaginário. É a partir dessa imagem
identificatória primária que se constitui o eu ideal, sendo que, nesse momento o que se
produz é uma verdadeira antecipação do psicológico sobre o fisiológico.
Posteriormente, em 1953 no Seminário 1 - Os escritos técnicos de Freud
- Lacan faz avançar suas elaborações a respeito do registro imaginário utilizando o
experimento do buquê invertido retirado da física óptica, conhecido como ―experimento de
Bouasse‖. Utiliza o esquema óptico para demonstrar que a constituição do eu e do sujeito,
depende da presença da palavra que ratifica a imagem no espelho possibilitando a
estruturação psíquica para além da pura imagem alienante.
Apesar de o conceito de sujeito se encontrar implícito na obra de Freud,
foi Lacan quem se preocupou em diferenciá-lo do eu conferindo-lhe o status de conceito. Existe,
portanto, uma diferença fundamental entre o eu (moi) e o sujeito (Je). Enquanto o eu
surge
em
decorrência
da
uma
construção imaginária
(identificações,
imagens
e
fantasias), o sujeito surge em uma referencia direta ao acesso a fala e à linguagem. Para
Lacan o sujeito é regido pelas leis do simbólico. A ordem simbólica pré-existe à sua
constituição o que destaca a dependência do falante aos significantes que vem do Outro
(Lacan,
1954 p.255).
5
6
Os cuidados que no inicio da vida advém dos objetos primários, é que viabilizarão a
humanização do bebê e conseqüentemente sua entrada no universo da linguagem. Tratase, portanto, da relação inaugural do sujeito com o campo da alteridade com o qual é
possível estabelecer identificações simbólicas (Lacan 1953-54, p.207-209).
Em síntese, o esquema óptico nos permite antever que é possível dar aos objetos
reais (imagem real) uma organização imaginária e simbólica. Essa organização, apesar de ser
ilusória, funciona como elemento de estruturação do sujeito que permitirá um contorno do
real. Lacan mostra que o imaginário tem a função de recobrir o real que marca a ausência
total de sentido e que representa o traumático, ou seja, um excesso pulsional irredutível e
impossível de simbolizar. É a presença do Outro enquanto alteridade que introduz a
palavra que permite que a simbolização da imagem refletida no espelho possa ocorrer. Ou
seja, pode-se afirmar que a constituição do mundo simbólico permite ao sujeito um
acesso ao mundo real mediado pela imagem e pela palavra.
A psicose
No artigo Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), Freud ratifica sua tese de que
nas psicoses ocorreria uma regressão da libido ao eu, idéia defendida já no inicio de
suas investigações clínicas, e que foi registrada, dentre outros textos, em uma carta
endereçada a Fliess em 1899 (carta 125) e na análise do caso Schreber (1912). Nesse texto,
Freud opõe a libido do eu à libido do objeto para mostrar que quanto mais uma é empregada,
mais a outra se esvazia, indicando a necessidade de um equilíbrio na distribuição da pulsão
sexual. Nesse sentido, indica que o momento da eclosão da psicose seria aquele em
que
o excesso
de
investimento
da
libido
no
eu
teria
como conseqüência um
rompimento com a realidade.
Considera que a incapacidade do eu em suportar as exigências advindas do
mundo externo, é que causaria o afastamento da realidade, momento que Lacan
denomina de foraclusão do Nome-do-Pai. Nesse artigo, Freud faz uma importante distinção
entre o delírio e a psicose indicando que o
6
7
primeiro não é a psicose, mas sim uma tentativa de restauração dos investimentos
da libido nos objetos, o que significa considerá-lo como tentativa de cura. (Freud, 1914 p.93).
Tal questão é retomada em 1924 no artigo sobre a questão da perda da realidade na
neurose
e na psicose
quando
enfatiza
que
existe
uma
impossibilidade de acesso direto a realidade, pois, algo aí sempre se perde. Com isso
considera que mais do que a perda da realidade o que interessa seria delinear de que
forma o sujeito substitui a realidade faltosa. Destaca que nas neuroses é a fantasia que
estrutura o sujeito possibilitando o acesso a alguma forma prazer parcial. Já no caso da
psicose considera o delírio como o trabalho psíquico que permite o recobrimento daquilo que
é o impossível na realidade. O trabalho de reconfiguração da realidade é operado a partir
de processos psíquicos formados a partir do contato com a realidade, ou seja, sobre os
traços de memória, as representações e os juízos, por meio dos quais a realidade se fazia
representar no mundo psíquico. Essas percepções estão sempre se modificando, assim
para a psicose, coloca-se a tarefa de providenciar percepções que estejam em sintonia
com a nova realidade, o que é conseguido de forma radical pela via do delírio.
Por sua parte, Lacan, (1956), no Seminário 3 – As psicoses – relaciona a questão da
psicose às origens do eu e a uma ausência de transmissão do significante da falta. É por
isso que em algum momento do percurso do sujeito um acontecimento inesperado, que exigiria
a simbolização, pode desencadear a psicose. Nesse momento há uma invasão do
imaginário pelo real, cuja conseqüência é a foraclusão (repúdio) da realidade pelo sujeito.
Em outros termos, é o encontro com o real da castração, da falta do objeto, aquilo que o
sujeito é incapaz de simbolizar (Lacan, 1956 p.105;244). Indica que no momento da
eclosão da psicose há a dissolução do registro imaginário exigindo que o sujeito
empreenda um verdadeiro remanejamento de seu mundo, o que é viabilizado pelo delírio.
A produção da metáfora delirante por parte do sujeito psicótico é uma forma de
estabilização, ou seja, um modo de lidar com real possibilitando que o sujeito volte a se
relacionar com os objetos mesmo que de uma forma
7
persecutória. Com essa indicação, sublinha que o sujeito psicótico é capaz de criar saídas
8
possíveis para o encontro com o traumático.
A Reforma Psiquiátrica, e suas instituições, ao estimular o convívio através da
experiência nas Oficinas Clínicas voltadas para a criação artística, dentre outras, estimula a
reconstrução dos laços sociais do sujeito psicótico. Como
identificações
reforçam
a
indicado
alienação, pois, se sustentam, exclusivamente, na
imagem do outro. A clínica institucional com as psicoses depende,
criação
de
condições
algumas
para que
portanto,
da
as identificações simbólicas, para além
da pura imagem do outro, possam pontualmente se estabelecer e isso depende da
aposta de que na psicose é possível emergir um sujeito capaz de um discurso próprio.
8
9
Referências
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Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
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LEITE, Sonia. Angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
Relacionamentos e a paz mundial: a visão de participantes de um movimento para a paz.
Alvany M. dos S. Santiago1 e Agnaldo Garcia2
A relevância dos relacionamentos para a qualidade de vida das pessoas, sejam eles no âmbito
familiar, organizacional ou internacional, vem sendo discutida em alguns estudos. Não
obstante a inconteste importância deste elo, verifica-se na literatura, assim como no
cotidiano, uma tendência à associação do termo relacionamento, prioritariamente, à sua
dimensão conflitiva. Em outra direção, a pesquisa ora apresentada trata a questão dos
relacionamentos e conflitos de acordo com a abordagem da promoção da paz, com
base nos estudos do Relacionamento Interpessoal e da Psicologia da Paz. O conceito de paz
concebido engloba tanto o seu aspecto negativo, a ausência de violência, quanto o seu aspecto
positivo, à promoção de arranjos sociais que reduzam a injustiça social e econômica, as
desigualdades de gênero, de raça e os desequilíbrios ecológicos como barreiras à paz. Esta
pesquisa tem como objetivo investigar o papel de diferentes níveis de relacionamento
(interpessoal, intergrupal e internacional) para a promoção da paz mundial de acordo com a
visão de participantes da organização/movimento Servas Internacional. Os referenciais
teóricos utilizados caracterizam-se como perspectivas convergentes devido a partirem de
pontos de vistas semelhantes em relação ao comportamento social humano com a proposta
de diferentes níveis de complexidade e suas relações dialéticas, seja na promoção da paz
ou nos relacionamentos interpessoais. Os participantes foram membros do Servas
9
Internacional e utilizou-se de uma abordagem metodológica qualitativa com o uso da entrevista
semiestruturada, que focalizou em analisar diversos contatos pessoais realizados através
10
do Servas. O Servas Internacional é uma organização não governamental,
multicultural, criada na Dinamarca no ambiente pós segunda guerra mundial e administrada
por voluntários em mais de 100 países, com o objetivo de promover a paz e a tolerância
entre os povos. Foram realizadas dez entrevistas com participantes de diferentes países. Os
dados foram analisados de acordo com a análise do conteúdo e organizados em três níveis
dos relacionamentos, pessoal, intergrupal e internacional. Os resultados indicaram a
importância do relacionamento interpessoal para a paz mundial, já que tudo começa com o
contato entre duas pessoas que pode expandir para o grupo e para as nações. Contudo, as
pessoas devem apresentar interesse e motivação para viajar, para se deslocar e se relacionar
com pessoas diferentes, de diversas raças, religiões, culturas, e países para assim poder
superar preconceitos e quebrar estereótipos. O Servas consegue operar modificações e
viabilizar mudanças de perspectivas em pessoas com histórico familiar de ampla percepção e
convívio com o diferente. Ademais, este estudo ressaltou a relevância da predisposição pessoal
para a tolerância e acrescentou o papel das corporações para a promoção da paz neste
mundo globalizado.
1Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo e Professora
adjunta da Universidade Federal do Vale do São Francisco,
[email protected] e [email protected], Brasil.
2 Professor titular da Universidade Federal do Espírito Santo.
1
0
2
Palavras-chave: Relações humanas. Movimentos pelos direitos humanos. Movimentos sociais.
Paz - Sociedades, etc.. Relações internacionais.Servas (Organização).
RESUMEN
Em muchos estudios se ha discutido la importancia de las relaciones en cuanto a la calidad
de vida de las personas, ya sean en el ámbito familiar, internacional o organizativo. Sin
embargo, a pesar de la indiscutible importancia de estos vínculos, puede verse en la
literatura, así como en la vida cotidiana, una tendencia prioritaria a asociar el término
―relación‖ con su dimensión conflictiva. De otro modo, la investigación, aquí presentada,
trata de la cuestión de las relaciones y los conflictos según el enfoque hacia la promoción de la
paz, sobre la base de estudios relativos a la relación interpersonal y a la psicología de la paz.
El concepto de paz así concebido abarca tanto su aspecto negativo: la ausencia de violencia,
como su aspecto positivo : la promoción de acuerdos sociales que reducen la injusticia social
y económica, las desigualdades de género o de raza y los desequilibrios ecológicos como
obstáculos a la paz. Esta investigación tiene como objetivo estudiar el papel de los
diferentes niveles de relaciones (interpersonales, intergrupales e internacionales) para promover
la paz mundial, de acuerdo con la visión de los participantes de
la
organización/movimiento Servas Internacional. En este estúdio se adoptan como base teórica,
los estudios sobre la relación personal, propuestos por Robert Hinde y los estudios sobre la
sicología de la paz realizados por Christie et al. Los referentes teóricos utilizados se
caracterizan como perspectivas convergentes debido a que tienen puntos de vista similares
en cuanto al comportamiento social humano con la propuesta de los diferentes niveles de
complejidad y de sus relaciones dialécticas, tanto en la promoción de la paz como en las
relaciones interpersonales. Se realizó una investigación cualitativa con los participantes de
Servas Internacional. La obtención de datos se llevó a cabo a través de la entrevista
semiestructurada, centrada en el análisis de diversos contactos personales realizados con
membros de Servas. Servas Internacional es una organización no gobernamental,
multicultural, creada en Dinamarca depués de la Segunda Guerra Mundial y administrada
por voluntarios en más de 100 paises, con el objetivo de promover la paz y la tolerancia entre
los pueblos. Está registrada en Suiza como una organización no gobernamental y tiene
representación en la ONU. Se realizaron diez entrevistas con los participantes de la
organización en diez paises diferentes. Ocho entrevistas fueron realizadas personalmente y
dos por Skype. Los datos fueron analizados de acuerdo con el análisis de contenido y
organizados en tres niveles de relaciones : personal, intergrupal e internacional. Los
resultados mostraron la importancia de las relaciones interpersonales para la paz mundial,
considerando que todo comienza con el contacto entre dos personas que puede ampliarse al
grupo y a las naciones. Sin embargo, las personas deben demostrar interes y motivación
para viajar y desplazarse a fin de relacionarse con gentes diferentes, de diversas razas,
religiones, culturas y naciones, para poder superar los prejuicios y romper los estereotipos.
Servas logra operar modificaciones
y
hacer viables cambios de perspectivas en
personas
con antecedentes familiares de percepción amplia y de convivencia con
lo diferente. Además, este estudio destaca la importancia de la predisposición personal para
2
3
la
3
4
tolerancia y pone de relieve el papel de las corporaciones de promoción de la paz en este
mundo globalizado.
Palabras clave: relaciones interpersonales, la Psicología de la Paz, el movimiento por la paz,
relaciones internationales, Servas.
ABSTRACT
This study aims to investigate the role of different levels of relationships (interpersonal, intergroup
and international) to promote world peace in accordance with the vision of participants of the
organization / movement Servas International. The frameworks are the studies about
interpersonal relationship and Peace Psychology. These frameworks presents converging due
from similar points of view in relation to human social behavior with the proposal of
different levels of complexity and their dialectical relations, both to promotion of peace and in
interpersonal relationships. Its approach is qualitative and the sample consisted of 10 Servas
leaders around the world, centering on providing and analyzing a number of personal contacts
each participant has made through Servas and the participants´ perspective on how
relationships (personal, intergroups and international) affect international peace. Servas is an
international, non-governmental, multicultural peace association run by volunteers in over
100 countries. Founded in 1949 as a peace movement, Servas International is a non-profit
organization working to build understanding, tolerance and world peace. Data were collected
through a semi-structured interview, which lasted for about an hour each, and was analyzed by
content analysis . Results indicate the importance of interpersonal relationships to world
peace, since it starts with contact between two people, that can spread to the group and to the
nations. However this contact must be qualified and made between people of different races,
religions, cultures, and countries to overcome prejudices and break stereotypes. The study
also illustrates the importance of intrapersonal aspect and corporations actions to promote
peace in this globalized world.
Keywords: interpersonal relationship, international relations, Peace Psychology, peace
movements, Servas.
Introdução: Este artigo tem por objetivo investigar o papel de diferentes níveis de
relacionamento (interpessoal, intergrupal e internacional) para a promoção da
mundial
de
acordo
com
a
visão
de
participantes
paz
de
um
movimento/organização para a paz. Apesar dessa temática, frequentemente estar associada
ao aspecto conflitivo, esta pesquisa, dialeticamente, trata a questão dos relacionamentos de
acordo com a abordagem da promoção da paz, com base nos estudos do Relacionamento
Interpessoal (Hinde, 1997) e da Psicologia da Paz (Christie, Tint, Wagner e Winter, 2008,
Galtung,1969, entre
4
5
outros). Um aspecto a ser aqui ressaltado é que a Psicologia da Paz, no âmbito da intervenção
apresenta, como foco central a administração de conflitos de forma não violenta (Christie et al,
2008).
Metodologia. Foi adotada uma abordagem metodológica qualitativa. Os participantes
foram dez membros do Servas Internacional de dez diferentes nacionalidades, como
demonstra a Figura 1. Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada que
durou cerca de uma hora. Esses dados qualitativos foram trabalhados através da análise de
conteúdo (Bardin, 2004 e
Minayo, Deslandes, & Gomes, 2010)
Participante
L1
L2
L3
L4
L5
L6
L7
L8
L9
L10
Nacionalidade
Americana
Portuguesa
Singapurense/Americana
Malaia
Israelense
Francesa
Canadense
Argentina
Brasileira
Australiana
Gênero
Masculino
Feminino
Feminino
Feminino
Feminino
Feminino
Feminino
Masculino
Feminino
Feminino
Idade
83 anos
46 anos
70 anos
42 anos
63 anos
51 anos
58 anos
33 anos
35 anos
71 anos
Figura 1 – Relação de participantes, identificando nacionalidade, gênero e idade.
Resultados e discussão: O Servas Internacional (Altieri, s/d; Knowles, 1989; Luitweiler, 1999;
Mulder &
Viguurs,
2001)
é
uma
organização
não-
governamental internacional, criada na Dinamarca após a II Guerra Mundial, em 1949, com o
objetivo de promover a paz, a compreensão e tolerância entre os povos e assim evitar outras
guerras. O Servas está presente em mais de
100
países,
oportunizando
o
contato
entre
pessoas com
diferentes
backgrounds, cultura e nacionalidade. Trata-se de uma rede mundial de anfitriões e
viajantes, criada com o propósito de ajudar a construir a paz mundial e reforçar valores
de boa vontade, entendimento e tolerância mútua por
entre
indivíduos
de
diversas
meio de
contatos pessoais
culturas,
nacionalidades
e
histórias de vida.
5
5
Relacionamento interpessoal e a paz mundial Com base na análise dos dados pode-se afirmar
que o relacionamento interpessoal é considerado pelos participantes como o primeiro
ponto e a forma provável para a promoção da paz entre os povos. A análise dos dados
demonstrou aspectos que influem no comportamento das pessoas e que podem influenciar a
paz mundial. Pode-se relacionar
psicológicos
esses aspectos
aos
no
dos
modelo
processos
diferentes
níveis
de
complexidade de Hinde (1997). De a pessoa ter uma mente aberta e estar disponível, e ir
preparada para conviver com o diferente e se superar. É necessário refletir sobre o grau de
intolerância que cada pessoa apresenta, mesmo participando de um movimento para a paz,
neste caso o Servas. Ainda no que se refere aos relacionamentos interpessoais, os dados
demonstraram que as pessoas que se juntam ao Servas parecem apresentar características
que facilitam os relacionamentos, como mente aberta, simpatia, bom senso de humor (Hinde,
1997). Essas características corroboram para que as pessoas sejam mais hospitaleiras,
acolhedoras e procurem tratar bem umas as outras.
Relacionamentos intergrupal e paz. De acordo com os dados obtidos, a relação entre
grupos
participantes.
parece
ocupar
uma
posição
secundária
na
visão
dos
Assim, as menções a relacionamento entre grupos foram escassas,
como, por exemplo, a consideração de grupos etários, religiosos ou étnicos. Neste caso, os
participantes apontaram para um bom contato entre representantes destes diferentes grupos.
O próprio movimento Servas de cada país foi visto como um grupo, por vezes. Apesar do
relacionamento entre grupos fazer parte do modelo de relacionamentos de Hinde (1997), o autor
não trata especificamente do tema.
Embora os participantes parecessem não entender quando indagados sobre relacionamentos
entre grupos, quando indagados sobre os relacionamentos entre nações, afirmaram que
esses relacionamentos (entre nações) eram permeados pelos
grupos. Convém
do Servas é proporcionar as pessoas
citar
que
interesses
um
entre
dos fundamentos
dos diversos grupos oportunidades de se
conhecerem e de se tornarem amigas, para assim, recusarem a fazer guerra com o país
da outra (Servas, s/d , Mulder & Viguurs,
2001). Esse networking de viajantes e anfitriões facilitaria o contato de pessoas entre diversos
grupos e nações de acordo com os estudos que afirmam que o
5
6
conflito cresce com a ignorância do adversário e que o contato entre grupos em conflito é crucial
para reduzir inimizade e preconceito (Allport, 1954). Esta pesquisa apresenta
convergência
com
a
teoria
do
contato
intergrupos
(Pettigrew, 1998) que afirma que a oportunidade de interação entre pessoas de diferentes
grupos contribui para a diminuição de conflitos tratados de forma violenta.
O grupo constitui um dos níveis de complexidade apresentado no modelo teórico de
relacionamento interpessoal apresentado por Hinde (1997). É importante mencionar que
também sofre a influência e influencia a estrutura sociocultural e o ambiente físico.
Convergente com este modelo, a análise dos dados confirmou a influência dos valores culturais
das pessoas e de cada país nos relacionamentos intergrupais. Neste mesmo sentido,
estudiosos da Psicologia da Paz afirmaram que se pode alterar a característica competitiva
dos relacionamentos, enfatizando a cooperação entre pessoas e grupos que pode
atingida através
de
um processo
de
ser
comunicação eficiente, compartilhamento de
valores e crenças entre outros (Christie et al., 2008). Um exemplo dessa ação foi quando os
Estados Unidos alterou seu sistema de ensino, acabando com a segregação buscando
reduzir o preconceito. Galtung (1969) quando trabalhando os conceitos de paz positiva e
negativa, ressaltou a noção de padrões cooperativos que buscam a colaboração entre
grupos e nações – acrescentando justiça e solidariedade.
Também no relacionamento entre grupos, como aconteceu no relacionamento ao nível
interpessoal, apareceu como destaque às diferentes nacionalidades e a realização de atividades
em conjunto.
Relacionamento internacional e a promoção da paz: O
relacionamento
entre
nações procurando identificar se o contato com o hóspede/anfitrião de outro país alterou a
visão que o participante tinha daquele país efetivou-se geralmente de forma positiva.
Ao falar sobre as nações, os participantes focalizaram também nas características das
pessoas daquele país e aspectos culturais e históricos. No que se refere às diferentes
nacionalidades, foi mencionado que se a pessoa tem uma experiência positiva com um ente de
um país, tem tendência a acreditar que essa experiência vai perdurar com as outras
pessoas daquele país.
6
7
Não houve histórico que o relacionamento entre pessoas de diferentes nações tivesse alterado
a visão do país de forma negativa. Por conseguinte, podemos afirmar que o contato com
pessoas de outros países colabora para a quebra de preconceitos e estereótipos e assim
pode aumentar a tolerância entre as pessoas e as nações, de acordo com os princípios da
Cultura da Paz (ONU
1999, Resolução 53/243), que reconhecem a necessidade de eliminar todas as formas de
discriminação e manifestação de intolerância.
Em suma, a análise dos dados das entrevistas nos faz compreender que os participantes
consideram o relacionamento interpessoal como relevante para a paz mundial, já que, tudo
começa com o contato entre duas pessoas que pode expandir para o grupo e para as nações.
Ademais, foi ressaltado o papel das corporações internacionais como fundamental para a
promoção da paz e a governança global, já que tem poder agir com certa autonomia em
relação aos Estados-Nação.
Considerações finais: Tanto a Psicologia da Paz quanto o estudo do Relacionamento
Interpessoal na perspectiva de Hinde (1997) reconhecem a existência de diferentes níveis de
complexidade. Pode-se dizer que o Conceito de Paz, a Cultura de Paz, a Educação para a
Paz e os Movimentos pela Paz envolvem
como
representantes
basicamente
as
de
país, destacando-
um
pessoas
se sua nacionalidade e a cultura associada a ela. Do ponto de vista do relacionamento
interpessoal, não se pode perder de vista que a nação, a sociedade, a que cada pessoa
pertence afeta o relacionamento com outras pessoas (Hinde, 1997).
Assim, quanto ao papel de diferentes níveis de relacionamento, pode-se propor um movimento
dialético na percepção dos membros do Servas, entre pessoas e seus países, de modo que
relacionar-se bem com outras pessoas de outro país é a base da paz como o movimento
a constrói. O relacionamento interpessoal é a célula do internacional, sendo pouco
percebido o nível intergrupal para a promoção da paz mundial de acordo com a visão
de participantes do Servas, mesmo que em outros momentos, eles mencionaram temas ligados
aos grupos.
7
8
Referências
Allport, G. W. (1954). The nature of prejudice. Reading, MA: Addison-Wesley.
Altieri, A (s/d) Ospitare la pace: le reti di ospitalità e le loro potenzialità nello scambio
interculturale. Tese de doutorado. Università di Pisa. Pisa, Itália.
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Bobbio, N. (2003). O problema da guerra e as vias da paz. São Paulo: UNESP. Christie, D. J.,
Tint, B.S., Wagner, R.V., & Winter, D.D.N. (2008). Peace Psychology for
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Minayo, M.C.S., Deslandes, S. F., & Gomes, R. (Orgs) (2010). Pesquisa social: Teoria, método e
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por Assembléia Geral em 06 de outubro de 1999, nº 53/243. Original: Declaración y Programa
de Acción sobre uma Cultura de Paz. Recuperado em 10 setembro 2009 de www.onu.org.
Pettigrew, T. F. (1998). Intergroup contact theory. Annual Review Psychology, 49,6585.
Rigurosidad en un contexto complejo.
Fco. J. Torres Barrios, mail: [email protected]
Resumen:
El
presente
trabajo
pretende
ser
una
propuesta
teórico-
procedimental que otorgue rigurosidad en un contexto complejo, es decir, hacer del análisis crítico
de discurso, una herramienta con procedimientos inflexibles en su estructura, pero respetuosos
de la diversidad de las formas lingüísticas. Potenciando así, prácticas profesionales con
procedimientos, que si bien serios, reflejen el espíritu de la psicología social desde este lado del
mundo.
8
9
Introducción
Quisiera detenerme en un elemento epistemológico importante, la
inter- relación.
Maturana (2006 p. 99); Gergen (1996, p. 63); Cabruja, Iñiguez y Vásquez (2001, p. 64);
entre otr@s relevan la importancia de lo social como elemento ya sea constitutivo o mediador
de lo individual, esto implica hacer el ejercicio epistemológico de contextualizar las posibles
lecturas de los estudios en
distintas
dimensiones
sociales
difícilmente
escindibles,
propiedad que complejiza y enriquece la construcción del conocimiento social, en la medida
que va mostrando cuales dimensiones sociales, entendiéndolas como el contexto sociohistórico-político particular que engloba y responde diversas preguntas investigativas.
Esto implica entender la acción humana en cuanto a ideológica (Martín-Baró,
1988), entendiendo también a los discursos como coordinaciones de acciones insertas en un
contexto específico que las legitima como posibilidades factibles, es decir, entender la acción
humana inserta en una realidad entre paréntesis, paréntesis que es dado por la sociedad.
Desde esta epistemología se entiende que un aspecto importante para el análisis de la
realidad son los discursos, desde ellos se puede lograr una comprensión de cómo es que
se van construyendo los fenómenos sociales. Este enfoque respeta la posible diversidad
causal de los fenómenos sociales con una fuerte noción de su contexto, sin embargo, plantea
una diversidad de enfoques posibles, los cuales pueden poseer un alto nivel de flexibilidad,
al
9
10
costo de una inespecificidad que abre un espacio a la crítica desde cosmovisiones
distintas, lo que ayuda a deslegitimar un corpus teórico muy valioso para comprender
nuestras realidades.
A continuación, presento una breve propuesta, en parte compilación y en parte creación que
responde a la necesidad surgida en el contexto de tesis de grado (Freire, Moreno y Torres,
2012).
Propuesta teórica:
Fairclough (2008, p. 172) dice que se puede considerar el uso lingüístico como práctica social, lo
que implica considerarlo como un modo de acción, y que es un modo contextualizado sociohistóricamente, por lo que sería menester, estudiar la tensión entre el discurso como un
elemento socialmente constitutivo (acción), pero a su vez normado socialmente.
Debido a la complejidad de interrelaciones implicadas en el uso lingüístico del discurso, este no
puede ser concebido como una estructura monádica, estable y reglada, debido a que
coexisten
distintas
prácticas
discursivas
que
están
compuestas por diversos y a veces divergentes consensos sociales, los cuales adquieren valor
según el contexto. Por ejemplo, en una ciudad urbanizada, si a alguien le duele la muela, el
consenso social y la práctica discursiva dominante sería decir: iré al dentista; sin embargo en
zonas rurales, es posible decir voy al
1
brujo, o la machi , lo cual no excluye que en la ciudad, la gente pueda decir,
que después de ir al médico su dolor se haya ido como por arte de magia, y en lo rural que a la
machi o brujo le pidan remedios. De forma similar Fairclough (2008) enuncia:
Existe una compleja relación entre eventos discursivos particulares (…) y de normas o
convenciones subyacentes del uso lingüístico. En ocasiones, la lengua puede emplearse
‗adecuadamente‘, adhiriendo y aplicando
directamente las convenciones, pero esto no ocurre siempre, ni tan
1 Denominación que dependería de la localidad.
1
0
11
generalmente como lo sugieren las teorías de la adecuación lingüística. (p. 173)
Esta vida social heteroglósica, de los diversos usos lingüísticos del discurso, es ejemplificada por
Vicente Sisto (2003), donde el lenguaje no sería normado y monádico como en un juicio o un
debate ―en que cada parte tiene su tiempo de palabra,
escucha a
la
otra,
y
en que
cada
parte
estructurando argumentativamente su discurso
responsivo‖ (p. 19) sino que sería como una feria caracterizada por:
Gritos
en
la
calle,
algunos
se
escuchan,
otros
no,
sin
orden
e
inacabadamente. No hay un orden que se interponga y subordine a las otras, tal vez
una voz se escuche más fuerte, pero existen otros murmullos, incapaces de lograr
una coherencia ni siquiera argumentativa. (op. Cit.)
Esta heteroglosia en Fairclough (2008) es concebida como una situación que le otorga
complejidad al estudio discursivo.
El orden del discurso de una sociedad es el conjunto de estos órdenes del discurso más
‗locales‘, y las relaciones entre ellos (…). Los límites y separaciones entre, y dentro
de los órdenes del discurso, pueden ser puntos
de
conflicto
y
de
disputas
(Bernstein, 1990), que pueden debilitarse o fortalecerse, como parte de conflictos y
luchas sociales más amplios (…). La categorización de tipos de prácticas discursivas
(…) es difícil y controvertida. (pp. 173, 174)
La solución planteada por el autor y adoptada por esta perspectiva, es el optar por una:
Distinción
entre
discursos (empleando
discurso
como
sustantivo
contable), como modos de significar áreas de la experiencia desde una perspectiva
determinada
(por
ejemplo,
discursos
patriarcales
vs.
discursos feministas de la sexualidad), y géneros, usos lingüísticos
1
1
12
asociados con tipos de actividad socialmente ratificadas, tales como la entrevista de
trabajo o los artículos científicos. Fairclough (2008, p.174)
Propuesta metodológica: Análisis Crítico de Discurso.
Respecto al análisis de discurso existe un corpus teórico significativamente amplio, pese al
reconocimiento de esta técnica, los modelos metodológicos explícitos de análisis de discurso
corresponden más bien a lecturas semiótico- linguísticas de análisis, habiendo solo una
referencia metodológica explicitada por Parker (citado en Gordo y Linaza 1996), sin embargo
ésta proviene de una tradición más lingüística. Antaki, Billig, Edwards y Potter (2003) enuncian
una coexistencia de diversos tipos de análisis de discurso, Garay, Iñiguez y Martínez
(2005) dicen que es posible hablar de una perspectiva discursiva en la psicología social. Esto
implica un contexto heterogéneo de convivencia de distintos tipos de análisis bajo una
misma denominación. Reconociendo que existe una amplia cantidad de hacer análisis de
discurso debido a la gran cantidad de tradiciones desde las cuales se puede abordar el
lenguaje, sin desmerecer ninguna de ellas, este artículo pretende ser una propuesta más, tal vez
con
la
diferencia
de
estar
contextualizada
a
una
epistemología
latinoamericana.
Al hablar de discurso, se hará referencia a Fairclough (2008), quien enuncia que discurso
es una categoría que ha sido ampliamente usada, y en concordancia con varios
lingüistas dice: ―emplearé el término ‗discurso‘ para referirme primordialmente al uso lingüístico
hablado o escrito, aunque al mismo tiempo me gustaría ampliarlo para incluir las prácticas
semióticas en otras modalidades semióticas como la fotografía y la comunicación no verbal‖
(p.
172) y a su vez el mismo autor enuncia: ―al referirme al uso lingüístico como discurso, estoy
señalando un deseo de investigarlo como una forma de práctica social, con una orientación
informada por la teoría social.‖ (op. Cit.)
Para Fairclough (2008) el análisis crítico del discurso es el estudio que ―pretende
explorar sistemáticamente las relaciones a menudo opacas de causalidad‖ (p. 174) dadas
entre las prácticas discursivas y las estructuras,
1
2
13
procesos y relaciones sociales y culturales más amplias. Desde esta compleja causalidad, para
el autor la finalidad del análisis crítico del discurso sería:
Investigar de qué modo esas prácticas, relaciones y procesos surgen y son
configuradas por las relaciones de poder y en las luchas por el poder, y para explorar de
qué modo esta opacidad de las relaciones entre discurso y sociedad es ella misma
un factor que asegura el poder y la hegemonía (…) Al referirme a la opacidad,
estoy sugiriendo que los vínculos entre discurso, ideología y poder pueden muy bien ser
ambiguos, difusos y poco claros para quienes están involucrados en las prácticas
sociales, y en general, que nuestra práctica social está ligada a causas y efectos que
pueden no ser en absoluto visibles y claros. (op. Cit.)
La siguiente propuesta procedimental (Freire, Moreno, Torres 2012) pretende ser fiel a este
contexto teórico flexible, mas con una delimitación procedimental.
1.- Transcripción de las entrevistas.
Si bien pareciera un paso obvio el proceso de transcripción, éste guarda relación con el
cómo se está concibiendo la figura de texto en el presente estudio, lo cual está
relacionado a la definición de discurso a la cual esta investigación adscribe.
Un problema característico que se plantea tras la definición de discurso es qué tipo de
textos lo conforman (…) En pocas palabras, lo que convierte un texto dado en discurso
es el hecho de que define en el espacio social una
que
se
puede
cierta posición
contextualizar
enunciativa
históricamente.
(Iñiguez,
citado en Gordo y Linaza, 1996).
2.- Enumeración de las líneas y codificación de tipos de técnicas de producción de datos.
La enumeración y codificación facilitan la identificación del momento y contexto en los cuales se
seleccionan los textos para su análisis.
1
3
14
3.- Lectura profunda de los datos.
Otro paso que parece obvio es el de la lectura, sin embargo ésta, como refieren Potter y Wetherell
(citados en Gordo y Linaza, 1996), implica el primer paso del análisis propiamente tal.
Nuestra política de codificación en esta etapa del análisis del discurso habitualmente
es inclusiva, aceptando todos los casos límite y anómalos, y el producto final es un archivo
de fotocopias de la transcripción original. Es en este punto donde empieza el análisis
propiamente dicho, con repetidas lecturas cuidadosas de los materiales en búsqueda
de patrones y de organizaciones recurrentes.
4.- Selección de extractos de las transcripciones y tabulación de los mismos en una tabla-matriz.
Este proceso no consiste en seguir unas reglas y unas recetas, sino en guiarse por
corazonadas y desarrollar esquemas interpretativos tentativos que tal vez tengan que
ser abandonados y revisados una y otra vez. (Potter y Wetherell, citados en Gordo y
Linaza, 1996).
A partir de este proceso se obtienen diversos extractos que conforman la columna que es
enunciada como citas en la matriz anexada a este estudio, los cuales en
agrupación preliminar son
denominados
una
como
códigos,
permitiendo éstos los siguientes pasos del análisis crítico del discurso.
Cabe mencionar que los esquemas tentativos varían en función del proceso de triangulación,
tanto en términos teóricos, como de distintos observadores partícipes en la investigación.
5.- Agrupación de extractos de acuerdo a su efecto declarativo.
Cuando
hacemos
declaraciones
no
hablamos
acerca
del
mundo,
generamos un nuevo mundo para nosotros. La palabra genera una
1
4
15
realidad diferente. Después de haberse dicho lo que se dijo, el mundo ya no es el mismo
de antes. Este fue transformado por el poder de la palabra. (Echeverría, 2005 p. 44).
A partir de la noción de declaración del lenguaje es posible referirse al efecto declarativo del
mismo, es decir, el efecto constructor de realidad asociado a los actos lingüísticos. El criterio para
esta agrupación de extractos radica en el tipo de realidad inferible que se está construyendo con
las declaraciones citadas.
Este efecto declarativo facilita la denominación de distintos códigos que permiten agrupar
distintas citas que comparten declaraciones similares.
6.- Denominación del repertorio interpretativo, al cual aluden las declaraciones.
Desde aquí llegamos a nuestra última herramienta analítica: el repertorio interpretativo.
(…)
El discurso es variable, en el sentido de que cualquier hablante
constituye
acontecimientos y personas de maneras distintas según la función. Esto no implica
que no haya ninguna regularidad, sino que la regularidad en el discurso no se puede
probar a nivel de hablante individual. Las inconsistencias y las diferencias en el
discurso son diferencias
relativamente
entre
unidades
vinculadas
e internamente consistentes
hemos denominado (…),
lingüísticas
que
repertorios interpretativos. Potter y
Wetherell (citados en Gordo y Linaza, 1996).
Este repertorio consiste en el conjunto de actos linguísticos para referirse a un mismo discurso,
siendo entonces el repertorio de posibilidades que califica al discurso.
Los repertorios se pueden considerar como los elementos esenciales que los hablantes
utilizan para construir versiones de las acciones, los procesos cognitivos y otros
fenómenos. Cualquier repertorio determinado está constituido por una restringida gama
de términos usados de una manera estilística y gramatical específica. Normalmente
estos términos
1
5
Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
derivan de una o más metáforas clave, y la presencia de un repertorio a menudo está señalada por ciertos
tropos o figuras del discurso. (op. Cit.)
Fín(alidad)
La apuesta es que por medio del conocimiento de los repertorios interpretativos envueltos en los discursos se
puede optar a soluciones que escapen de lecturas monádico-individualistas, la aplicabilidad de esto pareciera
incierta, por lo que ejemplificaré con un suceso en Chile:
El 27 de marzo murió un joven, producto de una golpiza tortuosa propinada por
4 jóvenes con tendencias neo-nazi, esto podría ser leído desde una lógica convencional, en el sentido de
comprender la golpiza como una conducta enfermiza de los 4 jóvenes, pero no es un hecho aislado, y
socialmente es difícil lanzar la primera piedra contra la intolerancia en un país que no dejó adoptar a una
pareja lesbiana, donde humoristas y estudiantes se mofan de los hombres amanerados y las mujeres masculinas,
entre otras situaciones de intolerancia a la divesidad sexual.
Al conocer las dimensiones sociales en cuanto; ideológicas, histórico, políticas, discursivas, etc. accedemos a un
modo de comprensión y solución de dichos problemas, no desde la lógica del control de variables, sino del cambio
social, y entendiendo que dichos cambios tienen elementos que no solo pasan por la política formal, sino
también por los aprendizajes que tenemos desde la relación dialógica con un otr@, y la comunidad. Los
repertorios interpretativos no son monádicos ni estables en el tiempo, y teniendo como referencia un concepto
ampliado de salud, que implique impajaritablemente las sanas relaciones. Como seres sociales que
innegablemente somos, quedamos al debe en el momento de sanarnos de forma colectiva, y para ello,
vamos requerir análisis y diagnósticos pertinentes con la complejidad de nuestras sociedades.
Bibliografía:
Cabruja T., Iñiguez L., Vásquez F. (2000) Cómo construimos el mundo:
relativismo, espacios de relación y narratividad. Revista Análisi nro 25. Echeverría R. (2005). Ontología del
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(adolescentes)
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wArticle/64
A Influênciada Propaganda no Processo de Decisão de Compra do Adolescente Brasileiro
The Influence of Advertising in the Buying Decision-making Process among Brazilian Adolescents
Marcílio Ângelo e SilvaI
Antonio RoazziII
Bruno Campello de SouzaII
Resumo
O presente trabalho versa sobre aspectos referentes ao consumidor e a fatores que podem influenciar sua decisão de
compra, como a propaganda. Concentra-se no comportamento do consumidor adolescente brasileiro recifense, uma
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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vez que poucos estudos têm sido feitos nesta área no Brasil. Aborda inicialmente aspectos relativos ao contexto social
brasileiro, relacionados à adolescência e aspectos do marketing, de forma particular a uma de suas táticas
promocionais, a propaganda. Analisa criticamente as possíveis relações diretas ou indiretas da propaganda com o
processo de decisão de compra do consumidor. Teve como objetivo principal verificar se a propaganda exerce
influência determinante na decisão de compra dos adolescentes. Apoia-se na teoria das facetas e na abordagem qualiquanti, usando como instrumentos a associação livre, a classificação dirigida, situação hipotética de compra e escala
Likert relacionada ao peso da propaganda para decisão de compra. Análises descritivas, de variância Kruskall-Wallis
e multidimensional através da técnica SSA (Smallest Space Analysis) e de entrevista foram realizadas. Verificou-se que a
propaganda não se apresenta, na opinião dos participantes, como uma influência determinante na decisão de compra
dos mesmos.
Palavras-chave: Comportamento
determinante; tomada de decisão.
do
consumidor;
adolescência;
propaganda; influência
Abstract
This work refers to consumers‘ aspects and motives, such as adverts, which can influence the buying decision process.
It focuses on Brazilian adolescent‘s consumer behavior, since only very few studies have explored this field so far. It
initially covers aspects related to adolescence and marketing in the city of Recife (PE) social context, especially
advertising as a promotional strategy. It critically analyses the possible direct or indirect relation between advertising
and buying decision. The main goal was to verify whether adverts can have a determinant influence on the adolescents‘
buying decisions. It draws upon facets theory as its framework, the quali-quanti approach as well as instruments for
data collection such as free associations, directed classifications, hypothetical buying situation, Likert‘s scale and
interviews. Descriptive, variance (Kruskall- Wallis) and multidimensional analysis (Smallest Space Analysis) were also
applied. The findings suggest that commercial advertising are not perceived as a determinant influence on adolescents´
buying decisions.
Keywords: Consumer behaviour; adolescence; advertising; determinant influence;
decision making.
I Universidade Federal de Pernambuco e Instituto Brasileiro de Gestão e Marketing
II Universidade Federal de Pernambuco
De uma forma geral, pesquisas na área do comportamento do consumidor são escassas no Brasil,
ainda mais sobre o consumidor adolescente. Contudo, vem-se notando ao redor do mundo que o adolescente
dos tempos modernos não é mais tão dependente dos seus pais como aquele de algumas décadas atrás. Os
adolescentes estão mais independentes em relação às suas escolhas e são tidos como potenciais consumidores em si
mesmos (Belch
& Belch, 2004; Czinkota & Ronkainen, 2004). No Brasil, um fator bastante sugestivo referente a essa nova realidade
é a redução da idade mínima para a emancipação legal do cidadão, hoje estabelecida em 18 anos (e não 21
como antigamente) pelo novo Código Civil de 2002 (Gonçalves, 2007).
Com o desenvolvimento econômico
recentemente vivenciado no Brasil, o poder aquisitivo do brasileiro aumentou.
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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Novas ascensões sociais ocorreram, o consumo cresceu junto com novos desafios em diversas esferas da
sociedade. Os prazos para financiamentos foram estendidos em razão da baixa inflação e do crescimento do PIB
nacional – apesar do encolhimento recente desses prazos pelo efeito da crise financeira atual, o Brasil ainda é um
dos países menos afetados pela crise e projeta crescimento positivo do PIB para o ano de 2009. Acesso a cartão
de crédito está bem mais facilitado, existe a possibilidade de comprar sem sair de casa (compra via Internet, ainda que
de forma muito limitada por uma questão estrutural, social e de segurança) e voar, em muitos casos, ficou mais
barato do que viajar de ônibus.
Ao mesmo tempo em que essas mudanças ocorrem no Brasil, esses e outros eventos também acontecem
em nível global, novas tendências e valores
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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vãosurgindocom consequências positivas, mas também com as consequências negativas outrora previstas.
A massividade da comunicação, a liberação indiscriminada do conhecimento, a mu- dança rápida de costumes
e de valores éti- cos, morais e a interpenetração de culturas diferentes por intermédio de rápidos e efi- cientes
meios de comunicação tendem a sat- urar o aparelho psíquico. Ante a saturação do aparelho psíquico, este,
como expressou Grimson (1991), ―cede à tentação de um dis- cernimento estético‖ (Levisky, 1998 p.76).
Neste bulício cultural se encontra o adolescente que: ―...vivendo sua crise de identidade, portador de um ego com
características específicas, ele possui um terreno fértil para sofrer induções, sugestões, pregações de toda natureza, podendo ser
utilizado como cidadão de papel, na expressão de Dimenstein (1993)‖ (Levisky, 1998 p.74).
O adolescente estaria assim mais vulnerável a influências socioculturais, de amigos, de situações estressantes
e de dificuldades típicas desse período de desenvolvimento, quando aspectos como a autoestima e o ―self ‖
(Bee, 2003) são postos à prova frequentemente. Momentos de instabilidade e mudanças na personalidade
ocorrem e possíveis desordenamentos do comportamento são intensificados (Donnellan, Conger & Burzette, 2007; Lebelle,
2007; Shaffer, 2002). Desta forma, devido à fragilidade deste período de desenvolvimento e refinamento da
personalidade do indivíduo, é plausível afirmar que seria justamente em tal fase do desenvolvimento do ser humano em
que a propaganda exerce seu maior poder de influência sobre o consumidor. Por outro lado, de um ponto de vista
cognitivo, Piaget (1950) afirma que é durante a adolescência que o indivíduo desenvolve completamente sua capacidade
hipotético-dedutiva, sendo capaz, assim, de utilizar o raciocínio lógico que é a base para o pensamento crítico. Trata-se de
uma capacidade que pode ser usada diante de determinadas situações para direcionar processos decisórios. Todavia, a
qualidade da capacidade crítica do adolescente vai depender também de aspectos relacionados ao processo de
identificação, o qual na perspectiva da teoria social cognitiva pode se dar através do processo de modelagem; de imitação de
um modelo escolhido pelo adolescente
Propaganda e Processo de Decisão de Compra
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(Bandura, 1986). Assim, partindo deste referencial, é plausível afirmar que, se o adolescente toma como modelo
pessoas extremamente influenciáveis e de baixa capacidade crítica, ele assimilará também tais características,
consequentemente tornando-se muito mais passivo diante de influências externas como propagandas. Entretanto,
Bee (2003) referindo-se aos relacionamentos dos adolescentes com seus pares, afirma que eles não imitam cegamente seus
companheiros e tendem a se associar a grupos, que compartilhem seus valores, atitudes e comportamentos. Em que medida
os adolescentes são influenciados por fatores psicológicos intrínsecos e/ou por fatores do ambiente ainda é uma pergunta
difícil de responder.
Pesquisas na área do comportamento do consumidor não têm acompanhado as mudanças no
macrossistema (contexto mundial) e mesossistema (contexto mais local, nacional, regional, etc.), que influenciam o
microssistema (família, vizinhança, amigos, etc.) no qual o adolescente encontra-se inserido, pegando emprestada a
terminologia usada por Urie Brofenbrenner (Shaffer, 2002). Algumas pesquisas nos EUA chegaram a mostrar evidências de
que eles são de fato influenciados por comerciais (Shaffer, 2002), mas a realidade e a cultura norte-americanas são
diferentes da realidade do adolescente brasileiro. Ademais, tais pesquisas tendem a mostrar que os comerciais exercem
maior influência em crianças e não em adolescentes.
Ao que parece, fazem-se necessárias novas iniciativas científicas que tenham como objetivo verificar se a
propaganda influencia de forma determinante a decisão de compra do consumidor adolescente de diferentes
realidades sócio-culturais. Considera-se aqui ―propaganda‖ como toda e qualquer forma de anúncio de um produto (ex:
Outdoors, Bussdoors, Banners, TV, Rádio, Jornal e Internet), pois, a intenção do presente trabalho não é verificar
especificamente o efeito de um dos veículos de propaganda, mas sim se, na opinião do pesquisado, a propaganda
influencia de forma determinante suas decisões de compra.
A Propaganda Influencia a Decisão de Compra de
FormaDeterminanteou não?
Quando um ser humano se depara com um problema, a sua maneira de resolvê-lo, as etapas percorridas,
as estratégias utilizadas para chegar a
Propaganda e Processo de Decisão de Compra
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uma solução, parece estar longe de ser um fenômeno passível de ser compreendido de maneira simplória. Há indicativos de
vários estudos (Gardner, 2003; Damásio,
2003; Tversky & Kahneman, 1974) que apontam para o fato de que indivíduos desenvolvem seus próprios estilos ao engajarem
na resolução de um mesmo problema – apesar da tentativa de alguns modelos em uniformizar o comportamento humano.
Entretanto, a existência de modelos gerais não implica em considerar todas as pessoas como iguais ou na inexistência
de estilos pessoais. Por exemplo, Loewenstein preconiza sistemas decisórios racionais e emotivos em todas as pessoas, mas
cada um tem o seu próprio equilíbrio entre esses dois sistemas (Loewenstein, 1996; Loewenstein & Lerner,
2003; Loewenstein, Hsee, Weber & Welch, 2001).
A possível ilusão da crença na influência determinante da propaganda no processo de decisão de compra pode
estar no fato de se presumir cegamente que o estímulo veiculado pela propaganda serve como um gerador de uma
necessidade, quando faz mais sentido supor que seja uma combinação de vários fatores (biogênicos, psicogênicos, sociais,
culturais, intelectuais, inconscientes, etc.) anteriores à propaganda que o impulsiona ou não um indivíduo a comprar.
Além do mais, supostamente vive-se numa sociedade capitalista onde tudo, desde saúde até diversão, é um produto a
ser comprado. Em outras palavras comprar é uma realidade inevitável nos tempos atuais, com a propaganda servindo
―simplesmente‖ como um agente fornecedor de informações sobre como, onde e quando se obter determinados produtos
que podem ou não coincidir com uma necessidade ou vontade específica do consumidor. Existem, porém, diversos outros
fatores incontroláveis ao marketeiro ou publicitário, tais como o estado emocional do consumidor antes e durante o
processo de decisão da compra, a influência de amigos, da família, de parceiros, a condição financeira do consumidor, fatores
beneplácitos, e valores pessoais, dentre outros. Tais fatores podem ser determinantes na hora da tomada de decisão do
consumidor e levá-lo a tomar decisões completamente diferentes daquelas esperadas a priori.
É comum ser bombardeado por milhares de propagadas todos os dias, mas nem por isso responde-se aos
estímulos veiculados por elas. Ademais, não existe consenso, mesmo entre os pesquisadores da área, em relação aos
efeitos da propaganda sobre o indivíduo. Ora uns afirmam que esta tem poder de persuasão
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sobre o consumidor, ora outros afirmam que não (Willemsens, Perin & Sampaio, 2006). Alguns autores, como Heath e
Nairn (2005), afirmam que estímulos da propaganda podem atuar de forma tardia, prolongada e inconsciente através do que
eles chamam de ―memória implícita‖ e ―aprendizagem implícita‖. Esses autores, no entanto, baseiam-se em poucas
referências sobre o efeito da memória sobre a afetividade e as emoções, além de trazerem à tona afirmações bastante
subjetivas sobre os níveis de atenção do consumidor, e também pouco explicarem exatamente por que é que somente em
baixos níveis de atenção as memória e aprendizagem implícitas dos consumidores são ―acionadas‖. Outras contradições
sobre os supostos efeitos poderosos da propaganda persistem, como no caso do ―DTC Advertising‖ nos EUA
(Spake & Joseph, 2007). Ademais, considerando-se o inconsciente de cada consumidor, que o mesmo age de
forma individual e invisível, que diferença na prática há em afirmar que foram os efeitos tardios da propaganda
absorvidos através das memórias implícitas ou o inconsciente dos consumidores que os fizeram comprar um determinado
produto? Se as afirmações de Heath e Nairn (2005) são plausíveis, então aceitar que propagandas elaboradas
conscientemente por um grupo de pessoas podem influenciar decisivamente o inconsciente de outras, seria uma
façanha difícil de realizar em termos práticos, pois o acesso a alguns conteúdos do inconsciente de uma pessoa pode se
dar apenas através da hipnose (prática esta abandonada pelo próprio Freud), de um esforço individualizado e
consciente de um indivíduo em acessar memórias/fantasias passadas dele mesmo e da interpretação cuidadosa dos
conteúdos de sonhos e falas de alguém por um especialista bem treinado. Em qualquer uma das opções anteriores se
pressupõe uma ação direta e consciente, seja de um especialista que faça um acompanhamento consciente e
individualizado da história da pessoa analisada, seja do próprio sujeito no seu esforço consciente de acessar suas
próprias memórias/fantasias passadas (Frankland, 2005). Sem um acompanhamento pormenorizado da história de um
indivíduo e de interpretações sistemáticas de comum esforço entre terapeuta e analisado, o acesso a conteúdos inconscientes
é praticamente inviável. Há aqui uma relação difícil, dual, e de esforço consciente e deliberado de ambas as partes para se
acessar o inconsciente de apenas uma pessoa. E a dificuldade aumenta quando
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se amplia essa relação a milhares de pessoas ao mesmo tempo e com a tentativa de manipulação desses conteúdos
de maneira massificada.
Como afirma um publicitário entrevistado no estudo feito por Piedras (2006, p.10), ―há indícios de que as pessoas
não se deixam mais enganar... Eu tenho que buscar o consumidor porque ele não quer mais ver propaganda‖ – ou será porque
ele nunca deu mesmo a tão desejada importância às propagandas? Em congruência com os argumentos acima, Maman
(2006) enfatiza que, apesar de massivos investimentos em propaganda e na crença do poder deste instrumento, observa-se
nos últimos anos o desaparecimento de inúmeras empresas: Mappin, Mesbla, VASP, Transbrasil, Banco Econômico, Banco
Bamerindus, Credicard, Vésper, Bancol, Balaio, entre outras recentes como a VARIG. Maman (2006 p.2) ainda aponta o
fato de que agências publicitárias como a WBrasil, DPZ e Fischer América ―criam peças publicitárias focadas em
princípios de sedução e envolvimento do consumidor, propagandas estas com pouca ou nenhuma relaçãocom a realidade‖.
Enfatizando um ou outro aspecto, tanto Maman (2006), quanto Piedras (2006), Giglio (2004) e Willemsens,
Perin e Sampaio (2006), ressaltam aqui e ali elementos importantes como o ceticismo do consumidor em relação a
propagandas e fatores como valores, família, sinceridade, qualidade e preço do produto que influenciam a sua
decisão de compra e que devem ser considerados por profissionais da área. Num estudo sobre produtos que não
danificam o ambiente e sua influência sobre a decisão de compra do consumidor recifense, Melo, Costa e Leite (2007),
apesar de argumentarem que a propaganda pode servir como meio eficiente de divulgação da prática eticamente
correta de empresas e de conscientização do consumidor da importância de proteger o meio ambiente, obtiveram em
seu estudo o achado de que a maioria dos participantes indicou a qualidade e o preço como sendo os fatores mais
importantes na sua decisão. Estes achados, adicionando-se também à lista o elemento ―disponibilidade do produto no
mercado‖, estão em consonância com estudos feitos fora do Brasil (Carrigan et al., 2004; Bhaskaran & Hardley, 2002;
Carrigan & Attalla, 2001; Shaw & Clarke, 1999; Yam-Tang & Chan, 1998).
Existe forte evidência de que a propaganda dirigida e altamente segmentada, ou seja, voltada mais
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para a sintonia com as motivações dos consumidores do que numa tentativa de influenciar as mesmas, é muito mais eficaz do
que as formas massificadas, sendo um dos principais motivos do enorme sucesso comercial de empresas como a Amazon e
Google (Torres & Briggs,
2005; Lacerda, Cristo, Gonçalves, Fan, Ziviani & Ribeiro Neto, 2006; Payne, David, Jennings & Sharifi, 2006; Goldfarb &
Tucker, 2008). Isso contradiz frontalmente o que seria de se esperar caso fosse verdadeira a noção de que a propaganda
tende a criar um efeito psicológico de necessidade ou de ilusão de necessidade em relação a um produto ou serviço
naqueles que originalmente não apresentavam tal disposição. De fato, tais achados sugerem que os melhores impactos
publicitários sobre as vendas surgem quando se tenta fazer chegar informação ao público aprioristicamente interessado, mais
do que aos desinteressados.
Apesar de uma revisão crítica filosófica sobre a propaganda ser fundamental para um melhor entendimento
dela e do seu papel na tomada de decisão de compra, seria interessante também partir para uma exploração
empírica. Foi considerando essa possibilidade que o presente trabalho veio à tona. É importante ressaltar ainda, que,
apesar da tendência crítica contra a crença dos poderes indutores da propaganda aqui expostas, o presente trabalho
pretende ser falseável, ou seja, ele não parte do pressuposto de uma única hipótese possível.
Numa tentativa de conciliar as dificuldades de uma abordagem quantitativa de ser mais compreensiva e
aprofundada no tratamento dos dados e de se fazer uso de uma quantidade grande de variáveis (e de maneira
sistematizada), o que é uma característica dos estudos que envolvem os fenômenos das ciências humanas e sociais,
adotou-se como referência metodológica a teoria das facetas ou Facet Theory, a qual
Primeiro, oferece princípios sobre como delinear pesquisas para a coleta sistemática de dados. Igualmente
oferece um marco de referência formal que facilita o desen- volvimento de teorias. Neste sentido é um
procedimento metateórico. Segundo, apre- senta uma variedade de métodos para ana- lisar dados, métodos
estes que se destacam por um mínimo de restrições estatísticas. Por este motivo, apresentam-se como ad-
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equados para analisar uma grande quanti- dade de variáveis psicológicas e sociais. Finalmente, permite
relacionar sistemat- icamente o delineamento da pesquisa, o registro dos dados e sua análise estatística. Dito
de outra forma, facilita expressar su- posições teóricas, isto é, hipóteses, de tal forma que se pode
examinar empirica- mente sua validade (Bilsky, 2003 p.357).
A Teoria das Facetas é uma teoria que se apoia na teoria dos conjuntos e se constitui como uma vertente
que envolve três perspectivas ou facetas de um universo estudado: os participantes (faceta P), as variáveis que podem
influenciar os mesmos (faceta C) e as possíveis respostas ou amplitude de respostas admissíveis (faceta R) que possam
emanar da interação das duas primeiras facetas (aqui denominada de domain of concern) (Bilsky, 2003). No caso
específico do campo da psicologia, como o número de variáveis, ou facetas do tipo ―C‖, que influenciam a psique e/ ou
comportamento humano são incontáveis, pelo menos se tenta considerar e analisar em interação aquelas diversas
prováveis variáveis, de um contexto específico, que possam influenciar o objeto estudado e as possíveis respostas
comportamentais que possam emanar de tais influências.
Finalmente, levando em consideração o que foi dito anteriormente, surge a seguinte indagação: Na opinião dos
participantes, a propaganda tem influência determinante na decisão de compra do adolescente brasileiro recifense? E
como hipóteses:
• A propaganda não tem influência determinante na decisão de compra do adolescente brasileiro recifense
• A propaganda tem influência determinante na decisãode compra do adolescente brasileiro recifense.
Destarte, o objetivo do estudo realizado foi de verificar, a partir da opinião do pesquisado, se a propaganda
exerce influência determinante sobre suas decisões de compra ou não.
Método
Amostra
Foram incluídas duas escolas na pesquisa, sendo uma pública e outra particular, com o intuito de abranger
de forma mais ampla as classes sociais
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que compõem a estrutura sócio-econômica do Recife. Outro critério utilizado foi a idade dos participantes.
Foram incluídos no estudo 77 adolescentes provenientes dos dois últimos anos do ensino médio, os quais
incluem alunos das classes sociais entre ―A2‖ (renda média de R$6.563,73) e ―D‖ (renda média de R$484,97) - segundo a
classificação da ABEP (2007).
Mesmo com a delimitação inicial baseada no ano de escolaridade do aluno (a), foram incluídos no estudo somente
adolescentes na faixa-etária de 15 a 18 anos. Os motivos para esta decisão foram: 1. Pode ocorrer que pessoas com mais de
18 anos ainda estejam cursando o ensino fundamental (portanto, não mais seriam considerados adolescentes) –
baseado neste critério, sete alunos com idades entre 20 e 23 anos não foram considerados nas análises dos dados desta
pesquisa. 2. Na faixa-etária 15-18 anos os adolescentes tendem a ser mais independentes no que concerne ao sair só e com
amigos, e nas suas decisões de compra do que aqueles maisjovens.
Muitos possuem alguma forma de recurso financeiro, seja proveniente dos pais (a chamada mesada),
seja através de emprego próprio ou ―estágios‖ de meio expediente.
O número final de participantes da pesquisa foi de
73 alunos; sendo 28 do sexo masculino - média de idade
16.22 (DP.78) e 16.88 (DP .78) para escola particular e pública, respectivamente - e 46 do sexo feminino média de idade 16.19
(DP.75) e 16.88 (DP .60) para escola particular e pública, respectivamente. Vários aspectos como, disponibilidade dos
alunos, tempo necessário para a coleta dos dados, permissão por parte da administração das escolas e dos pais,
acarretaram atrasos e uma diminuição do número de participantes.
Procedimentos
Antes da aplicação definitiva dos instrumentos de coleta de dados da pesquisa, foi feito um piloto com dois alunos e
duas alunas (os quais foram excluídos da amostra principal para evitar o risco de bias por parte destes que já
conheciam os instrumentos a ser utilizados) para verificar se os instrumentos eram compreensíveis aos participantes.
Verificou-se então a necessidade de ajustar alguns aspectos como a frase do primeiro protocolo e o valor hipotético em
Reais do protocolo III que foi ajustado para cima (o valor hipotético final disponível foi de R$ 1.500,00).
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A coleta de dados foi dividida em dois dias no período da manhã, na escola particular, e no período da tarde na
escola pública – apenas por uma questão de horário de funcionamento do ensino médio das escolas; com um intervalo de uma
semana entre a primeira fase e a segunda; e em turmas mistas. No primeiro dia aplicou- se o formulário para coleta de dados
demográficos e a atividade de associação livre. No segundo momento, aplicaram-se os protocolos contendo as atividades
de classificação dirigida, atividade hipotética de compra e escalas Likert sobre o peso da propaganda na decisão de compra
dos alunos participantes e de seus amigos. A coleta foi realizada em dias de aula normais com a permissão dos professores
de várias disciplinas e anuência préviada diretoria da escola.
Cada atividade
proposta foi explicada previamente e nenhuma pressão em termos de tempo foi
realizada por parte dos pesquisadores, de forma que os alunos puderam responder cada um, a seu tempo, o que lhes era
pedido. Nenhuma outra atividade foi iniciada antes que todos terminassem de responder os protocolos.
No
total
foram quatro encontros entre os pesquisadores e os alunos; sendo dois encontros na escola pública e dois na particular.
Instrumentos
Para a obtenção dos dados demográficos da amostra envolvida no estudo, utilizou-se um formulário contendo
uma parte para identificação dos participantes (com o uso de um apelido à escolha dos alunos para garantir o anonimato),
ano escolar, data de nascimento, sexo, número de integrantes da família, se os alunos trabalhavam, a profissão dos pais, se
os alunos recebiam mesada, se possuíam cartão de crédito. Na segunda parte do documento, o formulário requisitava
informações sobre a renda familiar,uma autoavaliação por parte dos alunos e os hobbies prediletosdos mesmos.
Foram também realizadas entrevistas na forma de associações livres e classificações dirigidas, situação hipotética
de compra e uso de escalas Likert com espaço para livres justificativas.
Para a atividade de associação livre os alunos receberam um protocolo contendo instruções sobre a atividade
proposta. Pediu-se aos alunos que lessem atentamente o que estava sendo requisitado e que respondessem
imediatamenteaquilo que vinha em suas mentes quando liam a frase ―o que influencia minha
Propaganda e Processo de Decisão de Compra
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decisão de compra é‖. Nas instruções desta atividade havia também a orientação para os alunos apontarem no mínimo
três palavras / motivos em suas respostas.
Para a atividade de classificação dirigida os alunos receberam um protocolo contendo uma figura em forma de
pirâmide com vários níveis divididos da base ao topo; acima deste se encontrava a palavra ―Compra‖. Uma lista contendo os
motivos mais apontados pelos próprios alunos na atividade de associação livre (aplicada no primeiro encontro) foi distribuída
juntamente com o protocolo da pirâmide (protocolo II). Pediu-se então aos alunos que apontassem os itens (apresentados na
lista) que mais tinham relação com a palavra apontada no protocolo, em ordem de importância, da base ao topo; desta
forma, a palavra mais próxima ao nome ―compra‖ indicaria o item de maior relação com a mesma, segundo a opinião dos
estudantes.
Aplicou-se também um terceiro protocolo contendo uma atividade de compra hipotética, onde os alunos
tinham R$ 1.500,00 para gastarem com três produtos de seu agrado. Além dos produtos os alunos deveriam especificar
as marcas dos mesmos e dar uma breve justificativa a respeito das suas escolhas em relação às marcas dos produtos
escolhidos.
Finalmente, aplicou-se quarto e último protocolo contendo duas escalas Likert sobre o peso (variando de 0 a 10,
onde próximo ao ―0‖ constavam as palavras ―peso nenhum‖ e, do ―10‖, as palavras ―muito peso‖) da propaganda na decisão de
compra dos alunos participantes e na decisão de compra de seus amigos. Os alunos deveriam escolher a numeração que
mais se adequasse à opinião deles no que concerne à decisão pessoal de compra e supostamente à decisão de compra de seus
amigos.
Resultados
Foram realizadas análises descritivas, de variância Kruskal-Wallis
e
multidimensionais,
esta última baseando-se na técnica SSA (Smallest Space Analysis) que permite converter distâncias e
similaridades do tipo psicológicas em distâncias geométricas euclidianas, o que por sua vez, permite ao pesquisador
uma comparação direta entre estruturas mentais complexas (Roazzi, 1995). Com base neste tipo de análise é
perfeitamente possível verificar como as categorias se relacionam, entre si e com grupos independentes. As SSAs
foram feitas a partir dos critérios ―MOTIVOS‖ (para decisão de compra)
Propaganda e Processo de Decisão de Compra
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e ―ATIVIDADES‖ (preferidas pelos adolescentes). A partir dos resultados obtidos neste procedimento é possível
verificar quais motivos na perspectiva dos adolescentes estão mais ou menos relacionados entre si e com a decisão de
compra dos deles, distinguindo-se também as relações entre gênero e escolas. O mesmo se aplica à SSA feita para as
atividades preferidas pelos adolescentes, como pode ser verificado nas Figuras 1 e
3 para motivos e atividades, respectivamente.
Atividades preferidas
Pediu-se aosparticipantes paraque eles escolhessem por ordem de preferência, numa escala avaliativa de 1 a
13 (13 = a mais preferida e 1 = a menos preferida), as atividades nas quais os mesmos se envolvem em seu tempo livre.
69 alunos (as) de 74 escolheram “sair com amigos”, com uma média dos escores de 9.7, sendo que
50% destes (37 pessoas) escolheram esse item como sendo uma das três atividades mais preferidas. 68 alunos (as) de 74
escolheram “escutar música”, com média dos escores de 9.2, sendo que 50% destes (37 pessoas) escolheram este item
como sendo uma das três atividades mais preferidas. 67 alunos (as) de 74 escolheram o item “navegar na Internet”, com média
dos escores de 8.2, sendo que 27,5% destes (19 pessoas) a escolheram como sendo uma das três mais preferidas. 58 alunos
(as) de 74 escolheram “praticar esportes”, com média dos escores
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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de 7.7, sendo que 44%,6 destes (33 pessoas) escolheram esse item como sendo uma das três atividades mais preferidas
por eles. 59 alunos (as) escolheram ―assistir televisão‖, com médiados escores de 5.3, sendo que apenas
12,2% destes (09 pessoas) a escolheram como sendo uma das três atividades mais preferidas. O item ―fazer compras‖ foi
mencionado por 51 pessoas, apresentando média de 5.4 com 11 pessoas (21,6% destes) escolhendo-a como uma das três
atividades mais preferidas. O item ―ir ao cinema‖ nem mesmo foi citado como uma das duas primeiras atividades mais preferidas
pelos adolescentes, mas foi escolhido por 59 alunos (as) e apresentou média
5.8. É importante ressaltar que estes dados a respeito das atividades realizadas no tempo livre dos adolescentes são
relevantes, pois apontam para a possibilidade de eles estarem mais ou menos propensos à exposição de propagandas.
Por exemplo, escutar música no MP3 possivelmente expõe os adolescentes a propagandas muito menos do que navegar
na Internet.
No que se refere à atividade ―fazer compras‖, houve diferença significativa entre os grupos ―Ma‖ e ―Fe‖, com o
grupo ―Fe‖ apresentando uma média maior e entre os grupos Pa-Ma, Pa-Fe, Pu-Ma e Pu-Fe, com o grupo Pa-Fe apontando
uma média maior. Aqui também é possível perceber uma preferência do grupo feminino a esta atividade, mas de forma
especial para as estudantes da escola particular. Já a atividade ―jogar vídeo-game‖ apresenta diferenças significativas entre os
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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Figura 1 - Análise SSA das associações à pergunta “O que você gosta mais de fazer?”, considerando como variáveis
externas (e) o tipo de escola (2: pública e particular – Pub e Part, respectivamente) e o sexo (2: masculino e feminino
- Masc e Fem, respectivamente).
grupos ―Pa‖ e ―Pu‖, ―Ma‖ e ―Fe‖ e Pa-Ma, Pa-Fe, PuMa e Pu-Fe, com os grupos masculinos apresentando maiores médias, assim como o grupo ―Pa‖, o que aponta para uma
preferência maior dessa atividade por parte dos alunos da escola particular. No referente à atividade ―ir ao cinema‖, houve
diferença significativa apenas entre os grupos ―Pa‖ e ―Pu‖, com o grupo ―Pa‖ apresentando uma média maior. É importante
notar que para aquelas atividades que requerem maior investimento financeiro, a preferência maior é dos e das alunas da escola
particular, o que aparentemente se justifica pelo maior poder aquisitivo daqueles, o qual é representado através das faixas de renda
das famílias apontadas pelos próprios alunos. Finalmente, no que concerne à atividade ―navegar na internet‖, houve diferença
significativa apenas entre os grupos ―Ma‖ e ―Fe‖, com o grupo ―Ma‖ apresentando uma média maior. Os resultados das análises de
variância estão em consonância com os da MDS SSA (ver Tabela1).
A análise multidimensional SSA feita com as variáveis referentes às ―ATIVIDADES‖ preferidas pelos adolescentes,
aponta relações muito próximas entre os grupos Pub-Fem (pública/feminino) e Part-Fem (particular/feminino) e os
gruposPart-Masc (particular/ masculino)
e Pub-Masc
(pública/masculina).
A
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SSA também aponta uma relação próxima entre as
atividades que caem no campo ―dentro de casa‖ (assistir TV, assistir filmes em casa, navegar na internet, escutar música e
jogar videogame) e os grupos Part-Masc e Pub-Masc e uma relação próxima entre as atividades do campo ―fora de casa‖ (ir
ao cinema, ir à praia, ler, fazer compras, sair com os amigos, ir para balada e viajar) e os grupos Part-Fem e Pub-Fem.
De acordo com os resultados da SSA é possível apontar que as atividades preferidas mais mencionadas pelas
estudantes de ambas as escolas são ―sair com os amigos‖, ―fazer compras‖, mas com uma relação similar com as
atividades ―navegar na internet‖ e ―escutar música‖ (dentro de casa). Já para os grupos dos estudantes de ambas as
escolas, a relação é mais próxima com as atividades ―navegar na internet‖, ―escutar música‖ e ―jogar videogame‖, com
esta última um pouco mais relacionada com o grupo Part-Masc e aquela penúltima com o grupo Pub-Masc. A atividade
―praticar esportes‖ (fora de casa) apresenta uma relação mais próxima com o grupo Pub-Masc. Já a atividade ―ir para balada‖
(fora de casa) está mais relacionada com o grupo Part-Fem. Estes dados são consistentes com a descrição das frequências
das atividades preferidas pelos
Propaganda e Processo de Decisão de Compra
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adolescentes, as quais apontam as três atividades mais
preferidas como sendo: ―escutar música‖, ―sair com os amigos‖, ―navegar na internet‖ e ―praticar esportes‖.
De uma forma geral o que se percebe é um padrão de relação maior entre os grupos masculinos de ambas as
escolas e as atividades da esfera ―dentro de casa‖ mais a atividade ―praticar esportes‖ (fora de casa). No caso feminino de ambas
as escolas a relação é maior com as atividades ―fora de casa‖ mais ―navegar na internet‖ e ―escutar música‖ (dentro de casa).
Assim sendo, pode- se dizer que os grupos femininos apresentam uma preferência por atividades outdoors sociais e
dinâmicas, enquanto os grupos masculinos apresentam uma preferência por atividades indoors e individuais. Com a
exceção da atividade ―praticar esportes‖ que pode ser realizada em grupo e ao ar livre, ―navegar na internet‖ e ―escutar
música‖ que podem ser realizadas fora de casa também. É possível ainda notar que as atividades que exporiam os
adolescentes de forma mais imediata à influência da propaganda, como ―assistir TV e ―ir ao cinema‖, apresentam uma
relação próxima entre si, mas distantes dos quatro grupos das escolas, quando comparado às atividades principais mais
relacionadas
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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aos grupos. No entanto, não se pode afirmar que os
adolescentes pesquisados são imunes à influência da propaganda por preferirem atividades aparentemente sem relação
direta com a mesma. A propaganda pode influenciá-los por outros caminhos, pois ao ―sair com os amigos‖, ―escutar música‖ e
―fazer compras‖, os grupos femininos de ambas as escolas se expõem a influências da propaganda de diversas formas
como outdoors, panfletos, pôsteres, mídia ambiente e merchandising de toda sorte. Assim como os grupos masculinos
de ambas as escolas são expostos à propaganda ―ao navegar na internet‖, ―praticar esportes‖ e ao ―escutar música‖ (é comum
se escutar rádio pelo celular, já que escutar músicas no formato MP3 consome mais rapidamente a bateria dos
aparelhos). No entanto, os motivos principais apresentados pelos adolescentes para a decisão de compra não foram a
propaganda ou a mídia.
Motivos que influenciam a decisão de compra
Da lista dos sessenta motivos apontados pelos próprios adolescentes cinco itens obtiveram as maiores frequências
e médias, quais sejam: “qualidade
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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do produto”, “preço do produto”,
“dinheiro disponível”, “marca do produto” e “conforto pessoal”,
com os motivos “influência da propaganda” e “meios de comunicação” apresentandofreqüências e médias muito baixas.
As frequências apontam que 72,5% dos participantes (55 pessoas) escolheram ―qualidade do produto‖,
apresentando média de 5.03, sendo que
43,2% daqueles (32 pessoas) avaliaram esse item com os três maiores escores (escores vão de 9 a 1 em termos
decrescentes de importância). 71,6% dos participantes (53 pessoas) escolheram
―preço do
produto‖,
apresentando média 4.61, sendo que 40,5% daqueles (30 pessoas) avaliaram esse item como os três maiores escores.
45,9% dos participantes (34 pessoas) escolheram ―dinheiro disponível‖, apresentando média de 2.93, sendo que 25,6% (19
pessoas) avaliaram esse item com os três maiores escores. Apenas 2,7% dos participantes (02 pessoas) citaram ―meios de
comunicação‖, apresentando média de 0.14, das quais uma delas avaliou esse item como sendo o segundo motivo mais
importante de influência na decisão de compra. Em relação ao item ―influência da propaganda‖, 10,8% dos participantes
(8 pessoas) o escolheram, apresentando média de 0.36, sendo que nenhuma pessoa (0%) avaliou esse item com um dos três
maiores escores e uma pessoa o avaliou como sendo o quarto motivo (escore 6) de influência na decisão de compra.
Um reagrupamento posterior das 60 variáveis referentes aos motivos que influenciam a decisão de compra dos
pesquisados foi feito usando-se uma análise de Cluster do tipo ―Pearson r‖ no método de Ward. A partir dos
reagrupamentos realizados, foram geradas
5 variáveis ―mães‖ e 18 subgrupos de variáveis do reagrupamento das 5 principais. O reagrupamento foi feito a partir
das relações de proximidade ou distância, em termos de força de correlaçãoestatística, entre as
60 variáveis. Estas relações foram adotadas como critérios para a geração das 18 subgrupos de variáveis reagrupadas
que foram utilizadas posteriormente nas análises de variância e multidimensionais.
Houve diferenças significativas entre grupos, no que concerne aos motivos escolhidos como sendo os que mais
influenciam a decisão de compra dos adolescentes. Há uma variação significativa entre as escolas, no que diz respeito a
comparações envolvendo as variáveis S.Interesses,
S.Pertencer,
S.Conexões,
V.Aspectos
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Figura 2 - Análise SSA das associações à pergunta “O que influencia minha decisão de compra é ...” considerando
como variáveis externas (e) o tipo de escola (2: pública e particular – Pub e Part, respectivamente) e o sexo (2: masculino e feminino - Masc
e Fem, respectivamente).
Herdados, V.Preferências, V.Contexto e Q.Praticidade, com a escola particular apresentando as maiores médias. Em outras
palavras, os motivos mídia, propaganda, satisfação pessoal, vontade de gastar, festas, bem-estar, histórico do produto,
rendimento do produto, vaidade pessoal, minha personalidade, vontade pessoal, custo- benefício do produto,
funcionalidade do produto, durabilidade do produto, originalidade do produto, mãe, interesse pessoal, sabor do
produto, produtos eletrônicos, irmãos, estilo pessoal, condição financeira, garantia do produto, simplicidade do produto
e praticidadedo produto, foram mais citados pelosalunos da escola particular.
A variação foi significativa também entre as escolas no concernente às variáveis I.Marca, I.Psicossocial,
I.Estímulo Secundário e E.Bem-estar, desta vez com a escola pública apresentando as maiores médias. Ou seja, os
motivos confiança no produto, opção de pagamento, variedade do produto, produtos novos, diversão, mania de
comprar, namorado(a), outras pessoas, satisfação pessoal, vontade de ter, solidão, gosto pessoal e tempo pessoal,
foram mais citados pelos alunos da escola pública.
Houve ainda diferenças significativas entre sexos no que diz respeito às variáveis V.Contexto (motivos:
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irmãos, estilo pessoal e condição financeira) e E.Bemestar (motivos: satisfação pessoal, vontade de ter, solidão, gosto pessoal e tempo pessoal), com o sexo masculino apresentando
uma média maior para o primeiro caso e o sexo feminino para o segundo caso (citando mais os motivos referentes às
variáveis de cada um).
As análises de variância relativas aos motivos para decisão de compra apresentam resultados consistentes com a
análise MDS SSA, mas ressaltam ainda a diferença de intensidade em termos de importância dos motivos para decisão de
compra dos adolescentes. É relevante notar as diferenças entre os grupos (Pa-Ma, Pa-Fe, Pu- Ma e Pu-Fe) no que concerne
à variável ―S.Pertencer‖ (a qual representa o motivo ―Propaganda‖), com o grupo Pa-Ma apresentando as maiores médias
neste caso.
A partir da análise MDS SSA sobre os ―Motivos‖ é possível ressaltar as relações existentes entre os motivos para decisão
de compra, apontados pelos adolescentes. A inspeção da projeção SSA confirma as relações entre as variáveis, as
quais já tinham sido apontadas anteriormente através da Análise de Cluster, mostrando também a relação estrutural entre os
itens. Nota-se que existe uma relação muito próxima entre os grupos que correspondem aos alunos e alunas da escola
particular e pública e a variável ―Emoção‖ que inclui motivos como satisfação pessoal, vontade de ter, solidão, gosto pessoal,
tempo disponível, relação pessoa-produto, design do produto, loja/estabelecimento e cor do produto. Isso sugere que
esses motivos antecedem outros da escala hierárquica daquilo que influencia a decisão de compra dos adolescentes. A variável
―Part-Fem‖, a qual representa as estudantes da escola particular, em relação ao gênero é a que tem uma relação mais próxima
com a variável ―Status‖, que representa os motivos ―Propaganda‖ e
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―Mídia‖, sugerindo que estes têm mais relação com a
decisão de compra dessas estudantes do que as da escola pública e do que para os estudantes de ambas as escolas. Isso é
consistente com o fato de que somente na escola particular foram citadas a propaganda e a mídia como agentes
influenciadores da decisão de compra e aponta para o fato de que, das dez pessoas que citaram esses dois motivos, a
maioria era estudantes do sexo feminino da escola particular.
De uma forma geral, é plausível afirmar, a partir do primeiro exercício realizado pelos adolescentes através dos
protocolos I e II relacionados aos motivos enunciados por eles, que a propaganda representada pelas variáveis
―Propaganda‖ e ―Mídia‖ não está entre os motivos mais relevantes para decisão de compra dos adolescentes de ambas as
escolas.
Baseando-se nas análises estatísticas descritivas, multidimensional SSA e de variância Kruskall-Wallis pode-se
afirmar que, tomando como referência as opiniões dos adolescentes apresentadas na primeira atividade (protocolos
I e II), a propaganda é tida como agente influenciador apenas na decisão de compra de alguns estudantes da
escola particular, sendo que as estudantes citaram a propaganda e a mídia e os estudantes apenas a propaganda.
Ademais, apesar de citarem a propaganda na mesma proporção, os estudantes da escola particular atribuíram um
escore maior à influência da mesma, em relação aos escores atribuídos pelas estudantes. No entanto, no contexto
geral, a propaganda e a mídia nem podem ser consideradas como os aspectos mais importantes, nem sequer como
aspectos muito importantes para decisão de compra da maioria dos adolescentes das duas escolas.
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Produtos e marcas preferidos
Com base nas análises descritivas dos dados obtidos no exercício sobre a situação hipotética de compra,
foi possível identificar, a partir das justificativas dadas pelos pesquisados, se a propaganda está relacionada com a
escolha das marcas escolhidas pelos adolescentes1. Noventa e oito (98) marcas e quarenta (40) produtos
diferentes foram citados pelos adolescentes das duas escolas juntas, sendo que os mais citados dos dois (marcas e
produtos) estão representados em percentuais na tabela 4 abaixo.
Realizou-se também uma análise de variância Kruskal-Wallisparaverificarsehaviadiferençasignificativa entre os grupos
das escolas particular e pública no que diz respeito aos produtos e marcas preferidas. Apenas para o item ―Celular‖ houve uma
diferençasignificativa, com o grupo Pu-Ma que representa os estudantes da escola pública apresentando uma média maior.
Peso da propaganda na decisão pessoal e de amigos
A partir das questões que solicitavam uma avaliação do peso da propaganda para decisão pessoal de compra e
para decisão de compra de amigos, foi possível determinar o peso que a propaganda tem na decisão dos adolescentes,
segundo a opinião dos mesmos. É interessante notar que a média obtida na segunda escala Likert, concernente à
decisão de compra de outras pessoas (dos amigos dos adolescentes), é maior do que a da primeira escala. Quais sejam:
6,05 (DP 2,862) para a primeira escala referente à decisão de compra pessoal e 7,56 (DP 1,840) para a segunda escala
referente à decisão de compra de amigos. No entanto, as médias, tanto de uma como de outra escala, não apontam para
os maiores índices de influência da propaganda que seriam entre os números 8 e 10 da escala.
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De acordo com os resultados obtidos através de análises de variâncias não-paramétricas se constatou que houve
diferença significativa entre os grupos Ma (masculino) e Fe (feminino) e Pa (escola particular) e Pu (pública), no que
diz respeito ao peso da propaganda para decisão pessoal de compra, sendo o grupo feminino e a escola pública mais
afetados pela propaganda. O que aponta para uma maior influência da propaganda na decisão de compra das
estudantes da escola pública. Ver tabela 4 adiante.
Análise da entrevista
Após a aplicação do último protocolo da pesquisa, uma breve entrevista não-estruturada foi realizada na
escola pública, onde a propaganda ou qualquer termo relacionado à mesma não havia sido citado no primeiro exercício
como sendo um motivo de influência na decisão de compra dos adolescentes daquela instituição.
É possível perceber através da transcrição que houve uma dificuldade de se chegar a um consenso entre os
alunos sobre o peso da propaganda na decisão pessoal de compra deles, apesar de haver uma tendência da turma a
concordar com a influência da mesma nas suas decisões de compra. No entanto, é possível também perceber que, de uma
forma geral, apesar dos alunos entrevistados admitirem inicialmente que a propaganda pode ter influência determinante na
decisão de compra deles, esta mesma afirmação torna-se inconsistente quando o pesquisador pergunta por que os
alunos não mencionaram a propaganda na lista de seus motivos para decisão de compra. Ao final da entrevista torna- se
mais claro que a propaganda é importante para a decisão de compra dos adolescentes daquela escola, mas que o produto
em si e aspectos relacionados ao mesmo, como qualidade, preço e características morfológicas são
1
As justificativas para as escolhas das marcas acima são referentes
à qualidade do produto, durabilidade, facilidade no manuseio/
praticidade, beleza/design, conforto, tradição familiar e experiência
com o produto. Nenhum adolescente citou a propaganda ou qualquer
termo como publicidade, mídia ou imprensa nas suas justificativas.
Propaganda e Processo de Decisão de Compra
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mais importantes do que a influência da propaganda, como pode ser verificado adiante em alguns trechos da entrevista. As
afirmações acima vêm ratificadas também pelas justificativas dadas por alunas da escola pública para o peso atribuído à
propaganda na decisão pessoal e dos amigos como apontado após os trechos da entrevista.
Pesquisador: quer dizer, a propaganda é importante, mas o produto tem que ser...
Alunos (as): completam a frase do pesquisador dizendo: “ é mais importante”.
Pesquisador: é mais importante que o produto seja bom e tenha qualidade?
Alunos (as): comentários cruzados.
Aluna “J”: comenta algo sobre os aspectos mais importantes como sendo qualidade, beleza e preço.
Milla apontou peso 9 para decisão pessoal: “ influencia muito minha decisão, e sendo um produto que eu possa
comprar melhor ainda”. E 8 para decisão dos amigos:“ depende da vontade dos meus amigos”
Nane apontou peso 5 para decisão pessoal: “porque nem muitas vezes a propaganda ela diz se o produto é
bom”. E 10 para decisão de compra das amigas: “porque as vezes elas são influenciadas por elas”.
Anny apontou peso 10 para decisão pessoal: “como assisto muito, tenho a oportunidade de ver as novidades, os
preços, que com isso me influencio”. E peso
3 para decisão de compra dos amigos: “acredito que poucos se deixam influenciar pela propaganda”
Bela apontou peso 7 para decisão pessoal: “pelo produto estar na propaganda ele é atual. isso chama minha
atenção”. E peso 8 para decisão dos amigos: “porque a propaganda é um meio de manipulação”
Pamynha apontou peso 9 para decisão pessoal: “pq gosto de me exibir”. E peso 6 para decisão de compra dos
amigos:“porque a maioriavai pelo preço e não a marca ou propaganda”
Nega apontou peso 8 para decisão pessoal: “não influencia muito”. E peso 7 para decisão dos amigos: “ influencia
mais ou menos”
Nany apontou peso 7 para decisão pessoal: “porque nem sempre ela me faz ir a loja e comprar, e sim a necessidade”. E
peso7 para decisão dos amigos; “porque ela adora comprar mas nem sempre vai atras das propagandas” Meury apontou peso 1 para
decisãopessoal: “...
não me influencia, o que me influencia é se caso eu gostar do produto, e ter condições de comprar”. E peso 5 para decisão de
compra dos amigos: “se acaso ela agradar
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pelo produto a propaganda influencia m u ito pra ela”
Ao que parece, levando em consideração todas as análises feitas neste estudo, os adolescentes participantes desta
pesquisa, ainda que se enquadrem na citação ―... vivendo sua crise de identidade, portador de um ego com características
específicas, ele possui um terreno fértil para sofrer induções, sugestões, pregações de toda natureza, podendo ser utilizado
como cidadão de papel, na expressão de Dimenstein (1993)‖ (Levisky, 1998, p.74), estejam vulneráveis a influências
socioculturais, de amigos, de situações estressantes e de dificuldades típicas deste período de desenvolvimento.
Tenham momentos de instabilidade e mudanças na personalidade e possíveis desordenamentos do comportamento são
intensificados (Donnellan, Conger e Burzette, 2007; Lebelle, 2007; Shaffer, 2002). Mesmo assim, baseando- se nos
resultados do presente trabalho, não se pode afirmar que, devido à fragilidade deste período de desenvolvimento e
refinamento da personalidade do indivíduo, a propaganda exerça influência determinante na decisãode compra dos
adolescentes.
Considerações Finais
Tomando como referência os achados deste trabalho e o objetivo nele propostos, a seguir são
apresentadas algumas conclusões que merecematenção:
1. Dentre os motivos para a decisão de compra dos adolescentes de ambas as escolas e sexo, a
Propaganda e a mídia não foram apontadas como sendo os mais relevantes, ficando atrás de outros como qualidade,
preço, características diversas do produto e dinheiro disponível. Ademais, a partir da análise SSA referente aos motivos
apontados espontaneamente pelos adolescentes, as variáveis centrais de grande importância para ambos os sexos e escolas
foram aquelas relacionadas com aspectos emocionais do indivíduo.
2. As atividades preferidas pelos estudantes foram apontadas como sendo, para ambos os sexos, sair com
os amigos e escutar música com escolas, navegar na internet e praticar esporte tendo predileção um pouco maior para
o sexo masculino. É plausível, portanto, afirmar que estas atividades não os isolam da influênciada propaganda.
3. De uma forma geral a propaganda recebeu um peso acima do nível 5 da escala Likert na decisão de compra
pessoal, principalmente para as estudantes da
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escola pública; mas deu-se peso maior para decisão de compra dos amigos. No entanto, ao se verificar os dados das análises
qualitativas, percebeu-se que, mesmo tendo sido apontada como um fator importante de influência na decisão de compra
pessoal, a propaganda não ocupa posição determinante na decisão final dos e das estudantes. Quanto à segunda escala
relativa ao peso da propaganda para a decisão de compra dos amigos, onde houve uma tendência geral em apontar um peso
maior à propaganda, a conclusão que se pode tirar é que um maior peso tenha sido dado simplesmente porque afirmar que a
propaganda influencia mais a decisão dos outros pode fazer parte do imaginário social e de um possível mito criado sobre os
reais efeitos da mesma, além de uma possível preservação do próprio ego - (não é muito elegante se autoclassificar como
influenciável); contudo, tais argumentos merecem ser mais aprofundados em outra iniciativa de pesquisa. Considerando-se
que os alunos se auto-avaliaram e avaliaram seus colegas, não seria inconsistente dizer que muitos dos amigos avaliados eram
os próprios colegas de classe. Destarte, poder- se-ia especular que o peso real da propaganda para decisão de
compra pessoal seria o da segunda escala. No entanto, alguns aspectos devem ser considerados: a) As médias gerais da
primeira e da segunda escala não apresentam uma grande diferença entre si (6,05 e 7,55, respectivamente), o que aponta
para a possibilidade de sinceridade nas respostas dos adolescentes; b) Há apenas uma única diferença significativa entre
grupos, com o Pu-Fe indicando maior peso à propaganda; c) Todos os outros achados indicam que a propaganda não está
entre os motivos mais citados para decisão de compra; d) E as médias gerais das duas escalas, apesar de razoavelmente
diferentes, não representam os maiores escores da escala, que estão entre 8 e 10. Assim sendo, é plausível afirmar que mesmo
os adolescentes apontando que a propaganda teria um peso maior para decisão de compra dos seus amigos, e as estudantes
da escola pública apresentando maiores médias para decisão pessoal de compra, o peso geral atribuído em ambas as
escalas não coloca a propaganda como agente determinante para decisão de compra dos amigos, muito menos para decisão de
compra pessoal dos próprios pesquisados.
4. Dentre as preferências dos adolescentes estão os produtos roupas, celulares, calçados e MPs e as marcas
Sony, Sony-Ericsson, Nokia e Adidas. No que concerne aos objetivos do presente trabalho, nenhuma
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justificativa dada pela maioria dos adolescentes para as escolhas das marcas foi relacionada à propaganda.
Os resultados do presente trabalho estão em consonância com outros estudos feitos por Maman (2006),
Piedras (2006), Giglio (2004) e Willemsens, Perin & Sampaio (2006), os quais ressaltam elementos importantes como
ceticismo do consumidor em relação a propagandas e fatores como valores, família, sinceridade, qualidade e preço
do produto que influenciam a decisão de compra. Os achados desta pesquisa seguem também na mesma direção do
estudo de Melo, Costa & Leite (2007) sobre produtos que não danificam o ambiente e sua influência sobre a decisão de
compra do consumidor recifense, no qual a maioria dos participantes indicou a qualidade e o preço como sendo os fatores
mais importantes na compra de um produto. Todos estes achados, adicionando-se também à lista acima o elemento
―disponibilidade do produto no mercado‖, estão ainda em consonância com outros estudos feitos fora do Brasil (Carrigan
et al, 2004; Bhaskaran & Hardley, 2002; Carrigan & Attalla,
2001; Shaw & Clarke, 1999; Yam-Tang & Chan,
1998 ). Finalmente, os resultados aqui apresentados fornecem suporte à afirmação de Damásio (2003), a qual
enfatiza que as emoções são um meio natural de avaliar o ambiente em que vivemos e de reagir de maneira adaptativa
a este ambiente e com Reimer e Katsikopoulos (2004) e Tversky e Kahneman (1974) que apontam o uso de
procedimentos heurísticos em processos decisórios e avaliação sob incerteza, como se pode perceber claramente nas
justificativas para as escolhas de marcas dos alunos.
Talvez toda argumentação aqui apresentada ainda não seja suficiente para descartar a propaganda como agente
determinante e indutor na decisão de compra, no entanto, mesmo considerando a propaganda como tal, seria aceitável
somente afirmar que a mesma representa um dentre tantos outros elementos a serem considerados no processo decisório do
consumidor. Por se tratar de um estudo de caráter exploratório e de uma amostra muito pequena e ao mesmo tempo
limitada quanto à representação dos gêneros, certamente os resultados do presente trabalho não devem ser generalizados
para toda realidade Recifense, muito menos à brasileira. Outras iniciativas, com um maior e mais equilibrado número (em
termos do sexo) de participantes, que abranjam mais escolas das diversas regiões da cidade do Recife e
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de outros locais do Brasil, são necessárias e bem-vindas para que se possa chegar a uma compreensão mais ampla e ao
mesmo tempo profunda do comportamento do consumidor adolescente brasileiro.
Uma proposta para o futuro seria um estudo de acompanhamento do comportamento do consumidor antes,
durante e depois de um processo decisório de compra real, para que se possa verificar na prática este processo e se
variáveis como a propaganda os influenciam determinantemente. A partir de um estudo como este seria possível comparar se
há disparidades profundas entre o que os adolescentes dizem e o que fazem na prática. Outra possibilidade ainda
poderia ser o uso de várias escalas Likert contendo os motivos já citados pelos adolescentes para que se possa comparar o
peso dado à propaganda com o peso dado a outros motivos como qualidade,preço do produto e dinheiro disponível.
Finalmente, esta iniciativa nunca teve a intenção de diminuir a importância da propaganda para as atividades
comerciais e até mesmo para o crescimento econômico do país, pois como afirmado anteriormente, a propaganda serve
como um meio de informação e de ilustração dos diversos produtos produzidos e oferecidos numa determinada
sociedade. Apenas se questiona o poder de influência da propaganda na decisão de compra do consumidor, a qual,
de acordo com a opinião dos adolescentes envolvidos neste estudo, não se revelou determinante.
Referências
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Endereço para correspondência:
R. Prof. FranciscoTrindade, 96 - Campo Grande
CEP 52031-170 – Recife– PE
E-mail: [email protected]
Recebido em Março de 2010
Revisto em Outubro de 2010
Aceitoem Março de 2011
PRÁTICAS PSICOLOGICAS EM SAÚDE: ESCOLA,
COMUNIDADE, TRABALHO E SAÚDE MENTAL.
Busca-se discutir as práticas de saúde em Psicologia, diante da diversidade de
contextos de trabalho do psicólogo. Neste âmbito de análise, destaca-se o bem estar do ser
humano nos contextos principais de atuação psicológica: ESCOLA, COMUNIDADE,
TRABALHO E SAÚDE MENTAL. Cada contexto intervém com referenciais teóricos e
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
metodologias diferenciadas, oferecidas por cada apresentador em seu campo de atuação
específico.
Tema: Psicologia Latino-americana, Educação e Cultura
ENSINO-APRENDIZADO DE PSICOPATOLOGIA:RETRATOS DA LOUCURA Cociuffo, Tânia
– UNIP. Psicóloga, é psicóloga, mestre em Psicologia Clínica , Professora universitária da UNIP
e PUC em São Paulo- Brasil. Autora do livro Encontro Marcado com a Loucura: Ensinando e
Aprendendo Psicopatologia. [email protected] apresentadora do trabalho em questão.
Este trabalho é uma mostra de fotos criadas por estudantes de Psicologia, na disciplina
teórico/prática de Psicopatologia a partir da compreensão do conceito de loucura. Tal recurso
iconográfico, utilizado há muitos anos como estratégia de ensino, marca para os graduandos um
momento de busca de representação do conhecimento construído a partir do conteúdo
programático obrigatório ministrado no primeiro bimestre letivo do curso. Esse conteúdo
objetiva a compreensão dos
às
pressupostos
epistemológicos relativos
diferentes perspectivas em relação ao conceito de normal e de
patológico. A ênfase da autora recai na compreensão psicanalítica do adoecimento
psíquico. Cada aluno é solicitado, após o primeiro bimestre do curso, a criar uma foto na qual
represente seu conceito de ―loucura‖ - ressaltamos que tal trabalho é anterior ao contato dos
alunos com os usuários dos serviços de Saúde Mental - e, através desse recurso,
pretendemos oferecer mais um elemento de reflexão para a construção de um espaço interno
de acolhimento e escuta aos usuários desses serviços. Neste trabalho, apresentamos uma
série de seis fotos
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
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Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
produzidas pelos graduandos de terceiro e quarto anos do curso de Psicologia, no período de
2005 a 2012. A análise do material demonstra que o conceito de loucura como ruptura, como um
acontecimento psíquico que traz a emergência dos conteúdos inconscientes, destacando um
momento ―diferente‖, de quebra do contato com a realidade, está presente em todas as
representações. A partir da representação, está colocada a questão de como aceitar a
diferença e trabalhar com ela.
A autora conclui que o recurso utilizado (conceito-imagem) proporciona uma busca de
significado que permite aos graduandos a possibilidade de expressar e conservar internamente,
de maneira singular e marcante, a compreensão do significado da loucura.
Palavras - chave: Psicopatologia, Ensino, Aprendizado, Psicanálise, Loucura, Arte.
INTERVENÇÕES
PSICOLÓGICAS
EM
ESCOLAS:
CONSTRUÇÃO
DE NOVAS
PRÁTICAS.
Ribeiro, Mônica Cintrão França. Psicóloga, Doutora e Mestre em Psicologia
na área Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo. Professora e Supervisora de estágio na Universidade Paulista –
UNIP – SP – Brasil – [email protected], apresentadora do trabalho em questão.
O não aprender é uma denúncia de que algo não está bem na instituição escola, se a
criança em seu desenvolvimento infantil pode apropriar-se de um conjunto de
algo ocorre
nas
relações
informações,
institucionais que interrompem
o
processo de aprendizagem do aluno. Da mesma forma, o atendimento psicológico
oferecido
tem
se reduzido
a
um fenômeno
psicopatológico: concepção que entende a queixa escolar como um problema individual, de
pertencimento à criança encaminhada. Com isso abre-se a perspectiva de se investigar
o funcionamento escolar e a dinâmica das relações família-escola-criança por meio do
resgate e construção do significado do aprender. Novas práticas do atendimento psicológico
aos problemas de
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
26
Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
escolaridade buscam o fortalecimento interno do aluno e a desconstrução da queixa, retirando
a criança da condição do não aprender em que foi colocada. Neste
trabalho
são
apresentados resultados referentes a uma intervenção psicopedagógica em escolas na
cidade de São Paulo (Brasil). O objetivo do trabalho foi construir uma perspectiva de
intervenção no atendimento a queixa escolar que se opõe às práticas tradicionais, visando
a
não
redução
dos problemas de escolarização à criança, mas aos funcionamentos
escolares e sua relação com o fracasso e sofrimento dos alunos. Os resultados mostram
uma mudança na dinâmica do fazer pedagógico na escola, possibilitando a construção de
uma rede mais significativa no processo ensino aprendizagem.
Palavras chave: psicologia escolar, queixa escolar, psicologia e saúde.
PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM ESTUDO
SOBRE INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL NA COMUNIDADE
DA FUNERÁRIA (SÃO PAULO, BRASIL)
João Eduardo Coin de Carvalho. Psicólogo, Doutor em Psicologia pelo
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professor e Supervisor na
Universidade Paulista – UNIP – SP – Brasil – [email protected], apresentador do
trabalho em questão.
Desde a Constituição de 1988, a saúde no Brasil é considerada direito fundamental e
universal dos cidadãos, requerendo políticas públicas que garantam a implementação e a
manutenção destes direitos. A atenção primária à saúde se apresenta como dimensão
necessária das políticas públicas e tem buscado na parceria com a população e com as
comunidades as condições necessárias
para
sua
realização.
A
Psicologia, mais especialmente a Psicologia Social Comunitária, tem buscado
ao longo dos últimos anos contribuir para este processo de instalação da saúde como direito,
promovendo trabalhos com grupos e discutindo as condições de parceria na qual população e
trabalhadores
são
protagonistas
de
são apresentados resultados
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
um
mesmo
referentes
projeto
coletivo.
Neste trabalho
a uma intervenção
26
Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
psicossocial junto a uma comunidade de baixa renda na cidade de São Paulo, Brasil (Complexo
da Funerária). O objetivo do trabalho foi instituir um grupo de agentes da própria comunidade
como responsável pelo acompanhamento de mães adolescentes, numa parceria entre
moradores, trabalhadores da saúde e acadêmicos. Os resultados mostram o interesse e a
disposição de todas as partes, mas revela os desafios da construção de um projeto comum
que possa ultrapassar os muitos anos de descaso e desqualificação das demandas
comunitárias em saúde, revelando desconfianças e preconceitos de lado a lado.
Concluímos que, enquanto a comunidade aparece como alvo prioritário das políticas públicas
de saúde, são muitas as dificuldades para a sua efetiva integração
como
parceira,
demandando o desenvolvimento de estratégias específicas que possam dar conta das
condições de exclusão e sofrimento social que recaem sobre estas populações, assim
como das condições técnicas e políticas envolvidas no trabalho dos profissionais da saúde.
Palavras-chave: psicologia social comunitária, psicologia e saúde, comunidade, políticas
públicas, atenção primária.
SAÚDE MENTAL E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO
Zavattaro, Hely Aparecida – UNIP. Psicóloga (1984-UFPr), mestre em
Psicologia Social e do Trabalho (1999-USP), consultora em gestão de pessoas (R&H /
CETEAPRO) e professora universitária (UNIP) em São Paulo - Brasil – [email protected],
apresentadora do trabalho em questão.
A importância da relação saúde-mental e trabalho tem crescido no Brasil, dado o número de
estudos crescentes desenvolvidos sobre o tema e questão. Também existe ênfase da
legislação previdenciária brasileira, a qual determina a prevalência de modelos diagnósticos,
identificando os transtornos mentais e do comportamento
bem
como
o
relacionados
ao trabalho,
necessário estabelecimento de relação causal
entre a doença e o trabalho.
De acordo com estatísticas do INSS, referentes apenas aos trabalhadores brasileiros com
registro formal, os transtornos mentais ocupam a 3ª posição entre
as
causas
de
concessão de benefício previdenciário como auxílio
Silva,M. A., Roazzi,A., & Souza, B. C.
26
Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
doença, afastamento do trabalho por mais de 15 dias e aposentadorias por invalidez (MSBrasil,
2001).
No Brasil, observa-se a presença de algumas das principais abordagens no âmbito da
saúde/doença mental e trabalho e sua interseção com a psicologia. Percebe-se que existem
pressupostos teóricos e metodológicos divergentes quanto à ênfase atribuída ao trabalho no
processo de adoecimento mental, por vezes
teórico
e
técnicas
com
metodológico nas
havendo
um equívoco
pesquisas, combinando-se
conceitos
fundamentos
e
epistemológicos diferentes.
Neste sentido, Jacques (2003) propõe quatro amplas abordagens que se articulam por percursos
diversos com a psicologia e com a psicologia social em particular: as teorias sobre estresse, a
psicodinâmica do trabalho, as abordagens de base epistemológica e/ou diagnóstica e os estudos e
pesquisa em subjetividade e trabalho.
Observa-se, noconjunto de
teorias sobre estresse,
uma
ênfase
nos
cognitivo-comportamentais, na metodologia quantitativa e uma aproximação
postulados da psicologia
social científica.
pressupostos
com
os
Na psicodinâmica do trabalho são
reconhecidos os fundamentos psicanalíticos na concepção teórico-conceitual e de ciência e pesquisa.
Nos estudos e pesquisas com base no modelo epidemiológico e/ ou diagnóstico e nos estudos
e pesquisas em subjetividade e trabalho, pressupostos compartilhados pela psicologia
histórico crítica, com prevalência
para
social
o diagnóstico psicopatológico ou
para as experiências e vivências dos trabalhadores.
Palavras-chave: saúde mental, trabalho, qualidade de vida no trabalho.
ORIENTACIÓN EDUCATIVA, PROFESIONAL Y VOCACIONAL EN AMERICA LATINA:
PROPUESTAS INNOVADORAS.
Participantes: Sergio Rascovan, Daniel Korinfeld, Daniel Levy, Silvio Bock, Marcelo Alfonso, Héctor
Magaña.
Debates pendientes para transformar las
prácticas de la Orientación Educativa
Daniel Korinfeld – Daniel Levy - Sergio Rascovan (*)
Abstract
Las prácticas
genéricamente
denominadas
―Orientación
Educativa‖
están
inscriptas
en
1
Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
territorios de entrecruzamientos institucionales (salud, trabajo, educación, socio-comunitario), de
sistemas (educativo, de salud, de servicios sociales), disciplinares (ciencias de la educación,
psicología,
psicopedagogía)
y
profesionales
(psicólogos/as,
psicopedagogos/as,
trabajadores/as sociales, etc.).
En la actualidad se enfrentan a realidades muy complejas donde las instituciones y sus actores
están cada vez más interpelados y demandados. En este contexto, la especialización de la
función en Orientación Educativa –que incluye sus riesgos-, requiere nuevas perspectivas
teórico-prácticas que la sustenten desde una perspectiva crítica.
Se trata de una perspectiva en construcción conformada por un conjunto heterogéneo y plural de
aportes teóricos y de experiencias que le otorga a la subjetividad un lugar central. Una noción
de subjetividad que se articule con lecturas e intervenciones en el registro de lo institucional y
lo comunitario a través de lógicas complejas que es necesario continuar explorando y
recreando.
Palabras clave: orientación educativa - perspectiva crítica - subjetividad.
Introducción
Existen un conjunto de prácticas en distintos niveles y ciclos del sistema educativo, que
abordan un amplio espectro de problemáticas y de conflictos que atraviesan dimensiones
pedagógicas, institucionales, sociales y subjetivas. Las dificultades en los procesos de
enseñanza-aprendizaje de los alumnos, el denominado fracaso escolar (la llamada ―deserción‖
escolar, los problemas de retención en los ciclos medio y superior), los conflictos de
convivencia en las instituciones, diversas problemáticas psicosociales que atraviesan la vida
cotidiana de las organizaciones educativas algunas de ellas vinculadas con la violencia, nuevas
situaciones y preocupaciones sociales que impactan e interrogan a educadores, niños,
adolescentes y jóvenes con sus familias, tales como los problemas de consumo de alcohol y otras
drogas, las problemáticas de inserción ocupacional, la formación y elección profesional, el concepto y
manejo del tiempo libre, entre otras. Muchas de ellas, son objeto de una intervención
―especializada‖ que han sido nombradas como: psicopedagógicas, de psicología educativa,
educacional o escolar. Sin embargo fue el término orientación educativa el que mayor consenso
ha generado, al menos, en muchos países de Latinoamérica.
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Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
Una primera aproximación definiría a la Orientación Educativa como el conjunto de discursos y
prácticas que colaboran, prestando apoyo técnico profesional específico en el desarrollo de las
funciones de las instituciones educativas.
Acciones que están a cargo de profesionales y agentes de formaciones disciplinares distintas:
psicólogos, psicopedagogos, asistentes educacionales, psicólogos sociales, licenciados en
ciencias de la educación, trabajadores sociales, maestros, profesores. Estos profesionales que
actúan en el campo de la educación suelen denominarse genéricamente orientadores.
Los procesos de institucionalización de estas prácticas son muy variados en el vasto territorio
latinoamericano. En algunos países existe la carrera de grado denominada Orientación, con
cargos creados de orientadores en el sistema educativo y hasta su propio himno y sindicato
(Costa Rica, es un ejemplo de ello).
Departamentos de orientación, departamentos de psicología, gabinetes psicopedagógicos,
equipos de orientación escolar o salud escolar, asesores y consejeros educativos o escolares,
equipos o sistemas de tutorías, son algunos de los diferentes nombres que reciben los
dispositivos al interior de las organizaciones.
Las prácticas de la orientación se enfrentan en la actualidad a realidades muy complejas donde las
instituciones y sus actores están cada vez más interpelados y demandados. En este contexto,
se despliega la especialización de la función en Orientación Educativa, con nuevas perspectivas
teórico-prácticas que la sustentan.
Nuestro desafío es intentar articular y aportar al mejoramiento (veremos más adelante de qué se
trata) del funcionamiento institucional en las circunstancias y situaciones agudas que viven las
sociedades y las instituciones educativas en la actualidad.
El conjunto de perspectivas críticas que se vienen desarrollando en Latinoamérica desde hace
tiempo nos invitan a multiplicar los esfuerzos por reunir y sumar aportes, dándoles mayor
consistencia a estos enfoques
Acerca de las “perspectivas” críticas
Una perspectiva es para nosotros el efecto de una corriente de trabajo e intercambio a partir de
algunas premisas, como aquella que no hace una distinción radical entre teoría y práctica sino que se
plantea la praxis como un continuo dinámico y abierto en interacción, las que parten de que el
pensamiento es capaz de alterar la configuración de las situaciones y la convicción de que ése es el
sentido y el destino del pensamiento (Lewcowicz, 1999, p.174). Una perspectiva crítica cuestiona toda
sustancialización y naturalización de los objetos a analizar y se propone intervenir a partir del análisis
de un campo complejo de determinaciones y condiciones situadas históricamente, que forman parte
de un juego de fuerzas, un campo de disputa social por la imposición de sentidos. Un campo del que
no están por fuera las disciplinas, las instituciones académicas, las agrupaciones corporativas y
gremiales de los profesionales.
El plural de perspectivas nos orienta frente a todo reclamo de exclusividad, pretensiones u
originalidad de nuestras formulaciones. Forman parte de nuestros objetivos articular las
experiencias afines, nos anima la expectativa de crecientes construcciones en red. Se trata más
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bien de un polo, una corriente en permanente intercambio y discusión, aún, de sus propias premisas.
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Cuando hablamos de disputa por los sentidos, incluye al proceso de construcción de los
problemas que se han de investigar y sobre el que se buscan las mejores alternativas de
abordaje e intervención. Supone, sin duda, la construcción de una agenda, la puesta en común de
las prioridades, la relevancia que le damos a determinados problemas y conceptos. Pensamos
que el conocimiento es una construcción social e históricamente situada. También los problemas
se construyen desde esa mirada y ciertas dimensiones presentes en las realidades de los
países de la región latinoamericana nos exigen reconsiderar tanto las matrices de formación
de los profesionales como las modalidades de realización de sus prácticas.
Para nosotros una perspectiva crítica debe otorgarle un lugar central a la noción de
subjetividad. Una noción de subjetividad que se articule con lecturas e intervenciones en el
registro de lo institucional y lo comunitario a través de lógicas complejas que es necesario
explorar. Sin duda, se trata de una perspectiva en construcción conformada por un conjunto
heterogéneo y plural de aportes teóricos y de experiencias.
Si algo tienen en común las búsquedas que venimos sosteniendo desde diversos países
latinoamericanos, es pensar y actuar en una práctica de la orientación que suponga develar la
ideología que comporta el discurso pretendidamente aséptico del tecnicismo pedagógico, desocultar las tramas de poder que lo sostienen, discutir su lugar asignado al servicio del control social,
proponer incesantemente la construcción de ciudadanía y resistir creativamente a las opciones que
imponen como única a la lógica del Mercado.
La construcción de un paradigma crítico en orientación tiene como principal propósito avanzar en la
elaboración de categorías conceptuales que respeten la complejidad de la trama entre los sujetos, las
instituciones y las sociedades. La Orientación Educativa desde esta perspectiva debería integrarse
al conjunto de las políticas sociales en general, promoviendo la coexistencia y la articulación -en el
mejor de los casos- de los dispositivos escolares y clínicos junto a programas de alcance social
y comunitario. Pensar y hacer Orientación Educativa de este modo es integrar esta práctica en
un campo más amplio y de mayor compromiso con los problemas y las demandas socioinstitucionales, recuperando una noción tan significativa del campo educativo y social como es la de
emancipación que implica asumir una ética en tanto parte de un dispositivo de subjetivación.
La Orientación Educativa cuestionada
Como venimos sosteniendo, la orientación así pensada es irreductible a lo pedagógico,
sociológico y lo psicológico. Por ello, insistimos, no se trata de una disciplina sino de un campo de
problemas abordable desde una lógica transdisciplinaria. En sus diferentes matices, con sus
particulares recursos, podemos aventurarnos a sostener que la Orientación Educativa
constituye -en conjunto- una estrategia de acompañamiento de los diferentes actores que
componen la escena educativa.
Partimos de sostener que en cualquier acompañamiento lo decisivo será que al ―acompañado‖, no lo
ubiquemos en posición de receptor. Que el objeto de la política, el programa o la intervención
sea concebido en su condición de sujeto activo. Lo central en cualquier proceso de acompañamiento
es el protagonismo del ―acompañado‖, tanto a nivel individual, grupal, institucional como
comunitario. Esto plantea otro modo de lazo social, un modo de relación que reconoce la condición
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de sujeto del otro, y que permitiría evitar que, bajo el pretexto de la orientación, se filtren formas
refinadas de manipulación, de control social.
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Se trata de ―hacernos cargo‖ entre todos los actores de una institución educativa de reconocer
que la tarea educadora se ha vuelto cada vez más compleja. Que entre todos tenemos que
buscar vías, alternativas para que se pueda cumplir la misión social de dicha institución, esto es,
promover aprendizajes significativos para vivir la vida social – cultural compleja de nuestros tiempos.
La institución educativa puede ser un terreno fértil para producir ―inventos‖. La Orientación
Educativa puede considerarse ser uno de ellos. Ni más ni menos una ―idea‖ transformada en
―dispositivo‖.
En la medida que creamos que lo más importante sea ―aplicar‖ un sistema, institucionalizar una
práctica, podremos perder de vista el valor decisivo, su cualidad más destacada: la
Orientación como proceso más que como resultado. Es decir, recuperar su función
instituyente, su condición de acto de creación. Creemos que será precisamente allí cuando los
actores educativos se dispongan a pensar, a inventar, a crear las formas propias que la
orientación tendrá en cada institución, donde operará fundamentalmente su eficacia.
La institución no funcionará mejor por aplicar tal estrategia o técnica, sino por permitir y
estimular los procesos creativos. Podríamos decirlo del siguiente modo: El propio proceso es,
curiosamente, el resultado. Mientras estamos pensando, creando, haciendo, estamos activos y
comprometidos con aquello que nos preocupa.
Lo definitorio, será pues, no dejar de inventar formas que ayuden a que la institución siga
siendo educadora, es decir, escenario privilegiado de transmisión y apropiación cultural. Así,
cuando en una institución educativa logremos crear un dispositivo de orientación, el desafío será
no ilusionarnos con él, sino tomarlo como base, como sostén para seguir construyendo, deconstruyendo, reconstruyendo a partir de él. Construir, de-construir, reconstruir nos indica la dinámica
de un proceso continuo que se va configurando de un modo inestable y en permanente
cambio. En ese derrotero va logrando formas que se estabilizan, se institucionalizan
pero que no son eternas. Del mismo modo cuando nos incorporamos a un sistema de
Orientación Educativa ya instituido tenemos la posibilidad de recrearlo para mantenerlo con
vitalidad y potencia transformadora.
Lo peor que nos puede ocurrir es que el diseño y la implementación de prácticas de
orientación inhiban o coarten aquello que debería alimentarla, esto es, la capacidad
instituyente de los sujetos.
Sostenemos, también que no habrá programas de Orientación Educativa sin inclusión en un
proyecto educativo institucional que lo sostenga, sin la participación del colectivo institucional y, por
qué no decirlo, sin el debido reconocimiento salarial para la tarea.
En cada uno de los países latinoamericanos, a partir de lineamientos generales precisos de los
organismos estatales, cada jurisdicción y cada una de las instituciones educativas deberán
encargarse de definir cómo organizar los dispositivos específicos de orientación. Esto implica, entre
otras cuestiones, generar espacios de diálogo y conocimiento grupal que favorezcan el intercambio
y la integración de todos los alumnos; del afianzamiento de vínculos que permitan una apertura hacia
la reflexión sobre temas y problemas; de promover espacios de encuentro e intercambio con los
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docentes, las autoridades y los padres; de elaborar los recursos necesarios para anticipar y actuar
frente a situaciones de malestar que puedan generar diversos conflictos; de atender alumnos con
posibles dificultades que involucren el aprendizaje y/o su adaptación a
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la escolaridad a fin de desarrollar estrategias de abordaje posibles en cada situación.
Nuestra propuesta, trata de fundar un espacio diferenciado de un discurso técnico
pedagógico que sobreentiende la escena institucional. Ese discurso que muchas veces viste
diferentes ropajes, a la moda de las distintas corrientes pedagógicas o psicológicas, que basa su
arquitectura en un ideal de adaptación total del sujeto al medio (social cultural) y a la
institución. Decimos que sobreentiende el escenario escolar desde el momento que genera un saber
supuestamente científico y una práctica basada en la exclusiva eficiencia de la técnica.
La escuela tradicional como institución heredera de la modernidad, dirige su accionar a la
formación de ciudadanos. Reproduce, en gran parte sus mecanismos, las lógicas que
dominaban en las sociedades industriales, modos de concepción y de producción intelectual
basados en la centralidad de un saber, sujetos pasivos que se adecuan a una modalidad única de
aprendizaje. Modelos que asignan y confieren autoridad y generan sumisión.
Una práctica que se reduce a un accionar universal, considerando un sujeto centrado en la
conciencia, que define un objetivo, crea modos de clasificación y evaluación. Y planifica en
función de operaciones que apuntan a la completud del otro.
Un discurso que hace cierre sobre lo instituido, que no pone en evidencia la ideología que lo
atraviesa, que confirma plenamente al orden establecido y las estrategias de acomodamiento. Un
modo de operar a partir de la creación de certezas, de la imposición de verdades y de la
transmisión de creencias.
Pensar hoy la escena pedagógica implica un nuevo modo de concebir al sujeto en interrelación con
su medio y con sus pares, un modo de interacción que queda excluido de un pensamiento dual. Pero
el discurso crítico que venimos sosteniendo también corre el riesgo de establecerse de un modo único
o sacralizado.
Puede convertirse fácilmente en el paradigma crítico que establezca categorías del buen hacer
y así llevarnos a una lógica de lo ideal.
Un discurso que genere nuevos ideales sobre la educación y vuelva a quitarle protagonismo a los
sujetos, a la experiencia, al acontecimiento cotidiano. Que devele y no lea, que interprete a ciegas y
codifique, que busque el plácido lugar de lo que debe ser y desde esa concepción cree un poder de lo
posible.
Una discurso que devenga en una técnica hacia el futuro. En contraste con una práctica de lo
cotidiano. Un discurso que renuncie a los pliegues de la contradicción, que se sitúe en los
márgenes de un sistema, pero que no conciba la singularidad de los hechos ni de los
protagonistas.
Existe, decimos, el riesgo de configurar un nuevo espacio de poder, ya no en virtud de un saber
establecido como el que deviene del discurso técnico pedagógico, sino de un lugar de poder por
ser los portadores de los ideales de lo que vendrá.
Entendemos que el antídoto posible, no garantido, ante este riesgo es no renunciar a la
voluntad de deconstruir e interpelar las prácticas y los discursos que atraviesan la escena
pedagógica, vincularlas con condiciones sociales y culturales y animarse a generar espacios donde
surja la posibilidad de una experiencia significativa para los que habitan la escuela.
Orientación Educativa e intersecciones entre salud y educación
Hace tiempo venimos abonando la idea de pensar e intervenir frente a cierto tipo de
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Psicologia em Pesquisa| UFJF | 5(01) | 12-27 | Janeiro-Junho de 2011
problemáticas propias de la Orientación Educativa
como formas de expresión de
intersecciones, de interrelaciones, de entrecruzamientos,
entre salud y educación.
Afirmar que ciertos problemas son propios de las intersecciones entre salud y educación, es
indicar las coordenadas que lo constituyen en los múltiples atravesamientos, sin encasillarlos
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disciplinariamente. De este modo, no sólo nos apartamos de la rigidez disciplinaria (que a
veces domina la práctica de la Orientación), sino que al nominar intersecciones entre salud y
educación, aludimos al nivel social-institucional en el que los problemas se presentan a nuestro
análisis e intervención. Problemas que a su vez, ciertas disciplinas -y sus especialidadespretenden capturar, transformándolos en objetos discretos.
En este procedimiento conformamos un nuevo campo que se presta mejor –creemos- para dar
cuenta de la complejidad de su funcionamiento y, por tanto, de sus conflictos.
Convengamos que a poco de pensarlo, los términos orientación y orientadores suscitan más de un
malentendido y son proclives a las humoradas que alguna vez todo profesional habrá recibido.
Alguna de las figuras a partir de las cuales habrá tomado forma el chiste, referidas a la ubicación o
circulación, a la confusión o a la pérdida del sentido y la dirección, a la oscuridad, o más directamente
al pedido de una palabra ―preclara‖, localizan los puntos por los que esta práctica debe ser
revisada.
Las perspectivas tradicionales de la Orientación Educativa han desplegado posiciones
directivas, centradas específicamente en la atención al alumno o referidas a los aspectos
metodológicos de la práctica educativa. Cuando ampliaron su foco de intervención desde
perspectivas idealistas o tecnicistas, mantuvieron posiciones paternalistas y normalizadoras para
con los sujetos, los grupos, las instituciones. El orientador se comportaba, allí, como el ―corrector‖
respecto de los ideales, el portador de los secretos y soluciones para reencontrar el camino perdido
o, en todo caso, para indicarle al sujeto en qué sector del sistema educativo estaría apto para
continuar. Reforzando y legitimando la tutela educativa moderna, propone y produce un alumno
desde la racionalidad de un saber y bajo el ejercicio de un poder.
Será así una orientación que no orienta
(en el sentido de no definir una dirección
preestablecida desde un lugar de saber, es decir, desde un lugar de poder que anula al otro) sino
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