- Crimes do Colarinho Branco

Transcrição

- Crimes do Colarinho Branco
Teoria Geral do Delito pelo Colarinho Branco
Analogicamente ao Código Penal, a exposição das teses que digladiam-se nas arenas forense e
político-social divide-se em parte geral, abordando debates comuns a todos os delitos do colarinho branco,
e parte especial, elencando as controvérsias específicas da tipicidade imputada.
A argumentação, após exposição genérica sobre o tópico, inicia-se pela Defesa, redargüida pela Acusação.
Permanentemente, as teses deste sítio são aditadas e lapidadas, desde já agradecendo-se a contribuição
dos leitores, cuja autoria da colaboração será expressamente consignada.
• I. PARTE GERAL
º I.I - DA AXIOLOGIA
º I.II - DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL
º I.III - DA DOGMÁTICA (tipicidade, ilicitude, culpabilidade e devido processo legal)
º I.IV - DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL
º I.V - DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO E DA (DES)OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO
PENAL
º I.VI - DA PUBLICIDADE(SIGILO) PROCESSUAL
º I. VII - DO SIGILO BANCÁRIO
º I.VIII - DO FORO PRIVILEGIADO
º I.IX - DO SEQÜESTRO(ARRESTO/CONFISCO) DE BENS
º I.X - DA MATERIALIDADE
º I.XI - DA AUTORIA
º I.XII - DA JURISDIÇÃO
• II -PARTE ESPECIAL
º II.I - DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA/CORRUPÇÃO
º II.II - DOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA
º II.III - DOS CRIMES CONTRA A ORDEM PREVIDENCIÁRIA
º II.IV - DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
º II.V - DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
º I.VI - DA LAVAGEM DE DINHEIRO
I. PARTE GERAL
I.I - DA AXIOLOGIA
"A verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade"(Malatesta).
Cada qual vê o mundo, incluindo o do Direito, de onde está('status' sócio-econômico, profissão, etc.). Enfim,
do seu ponto de vista.
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Somos o que pensamos. Pensamos pelo que valoramos. Interpretamos, lemos segundo nossos valores.
A máxima norte-americana: "we are under a constitution, but the constitution is what the judges say it is
"(vivemos debaixo de uma Constituição, sendo a Constituição, porém, aquilo que os Juízes dizem que é),
bem sintetiza o império do hermeneuta sobre a lei.
A discricionariedade exegética outorga decisivo poder às valorações pessoais do intérprete.
"O Direito é alográfico na medida em que o texto normativo não se completa no sentido impresso pelo
legislador, mas sim quando o seu sentido é produzido pelo intérprete."(Douglas Fischer, percuciente
Produrador Regional da República, 'Delinquência Econômica e Estado Social e Democrático de Direito',
Verbo Jurídico, 2006, p. 24).
"Um texto, depois de ter sido separado do seu emissor e das circunstâncias concretas de sua emissão,
flutua no vácuo de um espaço infinito de interpretações possíveis. Por conseqüência, nenhum texto pode ser
interpretado de acordo com a utopia de um sentido autorizado definido, original e final. A linguagem diz
sempre algo mais do que seu inacessível sentido literal, que já se perdeu desde o início da emissão textual".
(Umberto Eco, "apud", Luís Roberto Barroso, 'Interpretação e Aplicação da Constituição', Saraiva, 1996, p.
01).
A concepção do hermeneuta, Juiz(a), do Direito Penal (v.g., situações e/ou pessoas que ele deve ser
aplicado), bem assim da própria criminalização da delinqüência econômica, agudiza ao extremo a
importância do debate axiológico quando réu o colarinho branco.
Censo do Depen(Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça) aponta 420 mil
presos no país. Pendentes de cumprimento, existem 550 mil mandados judiciais de prisão(Folha de São
Paulo, 07.02.08).
Quantos do 'colarinho branco' aqui no Brasil?
E no 1º mundo?
Nos EUA, um em cada cem adultos está na prisão, chegando a 1,6 milhão. Outras 723 mil pessoas estão
em cadeias locais. O número de americanos adultos é de cerca de 230 milhões. Um em cada 36 adultos
hispânicos está preso, de acordo com os números do Departamento de Justiça para 2006. Um em cada 15
negros adultos também está, assim como um em cada nove homens negros entre 20 e 34 anos. Apenas
uma em cada 355 mulheres brancas entre 35 e 39 anos está presa, contra uma em cada cem mulheres
negras.
Em média, os Estados gastam quase 7% de seus orçamentos em instituições correcionais, perdendo
apenas para saúde, educação e transporte. Segundo a Associação Nacional de Oficiais Orçamentários, os
Estados gastaram US$ 44 bilhões do dinheiro de impostos em prisões em 2007, contra US$ 10,6 bilhões em
1987, um aumento de 127% depois de ajustado à inflação. Cada pessoa presa custava em média US$
23.876 em 2005. Cerca de um em cada nove funcionários de governos estaduais trabalha em prisões(The
New York Times, 29.02.08. matéria de Adam Liptak, reportando o relatório/estudo do Centro Pew para os
Estados, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves para o UOL, Folha de São Paulo).
Na senda das repetidas aparições de colarinho branco presos e algemados, especialmente políticos, o STF
vetou a prática e, inusitadamente, ainda cominou nulidade processual ao seu desacato, mediante a Súmula
Vinculante nº 11, 'verbis':
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'Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade
física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob
pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do
ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado'.
Em 26.06.09, a Folha de São Paulo, reproduzindo peça divulgada na imprensa dos EUA, estampa fotografia
do bilionário Allen Stanford, implicado em delito ecnonômico, prejuízo em torno de US$ 7 bilhões a
investidores, vestuário de presidiário(macacão laranja) e algemado, sendo conduzido ao Tribunal de
Houston(Texas). O Procurador da República Vladimir Aras explica: a fotografia retrata um preso algemado
na sua "perp walk"(perpetrator walk), algo como a "caminhada do acusado" rumo ao foro. No caso,
tratando-se de um bilionário, os americanos costumam denominar esse passeio de "corporate perp walk",
que é, para a alegria de fotógrafos, cinegrafistas e curiosos, a breve aparição de um executivo que acabou
de ser preso antes de sua apresentação em juízo. Uma tradição americana. Com algemas sempre.
No âmbito do Direito Penal Econômico, o delito não seria mais uma 'commodity', ou seja, produto sujeito ao
livre mercado da oferta e procura?!
Afinal, dependendo da oferta, o 'quantum' abiscoitado com o crime, não vale a pena - suave pena! - o '
streptus' do processo judicial, honorários de competente advocacia, na pior das hipóteses, cumprimento de
sanção alternativa, breve prisão temporária, etc. ser um 'player' desse 'business'?!
Mais! Pessoas não são, preponderantemente, 'business'?
A taxa de homicídios intencionais no Brasil é de 25,7 mortes a cada 100 mil habitantes; nos EUA: 5,8; na
Argentina: 5,2; na Palestina: 4; na Índia: 3,4; na China: 2,3; na Inglaterra: 2; no Chile: 1,9; em Israel: 1,8; na
França: 1,5; na Itália: 1,2; na Espanha: 1,1; na Alemanha: 0,98; no Japão: 0,64('Valores destroçados', artigo
de Mauro Chaves, publicado no jornal O Estado de São Paulo, 04.07.09).
Ante esse quadro, no Brasil, é prioridade combater os delitos do 'colarinho branco'?
No contexto do 'crash' global de 2008, equiparado ao dos anos 30(vide tópico DOS CRIMES CONTRA O
SISTEMA FINANCEIRO), 'Freud explica': 'Mercado no divâ. Com prejuízos milionários na bolsa e contratos
canceladodos, grandes investidores e empresários recorrem à psicanálise para amenizar a angústia de
serem 'ex-donos do mundo'... 'O envolvimento dele - megainvestidor - é com o dinheiro e ponto. Agora que
perdeu muito, é como se não tivesse nada. Não sobrou assunto', diz Cristiano Nabuco, coordenador do
ambulatório de transtornos do impulso do Instituto de Psiquiatria da USP(Folha de São Paulo, 21.12.08).
O Direito Penal é o único dotado de coação universal, incidindo sobre toda a pirâmide social, mesmo no
Brasil, recordista da desigualdade, sabidamente habitado por extensa massa de excluídos. Os demais
ramos do Direito(v.g., Civil, Empresarial, Tributário, Administrativo, etc.) tem no patrimônio seu suporte
fático, incidência. O despossuído do bem jurídico patrimônio, em essência, está isento de coação por esses
instrumentos jurídicos. O Direito Penal, não. Incide sobre uma bem universal: o corpo. "Ipso jure", o Direito
Criminal é indissociável da pena corporal(v.g., morte, prisão, prestação de serviços, limitação de fim de
semana, vedação de freqüentar certos lugares, etc.). É a sanção corporal que faz o Direito Penal ser
universal. Toda vez que o Direito Penal lança mão de sanções civis, sem possibilidade de pena corporal,
sequer em sede de conversão pelo descumprimento de pena alternativa, na verdade, trata-se de civilização
do Direito Criminal, qual seja, sanção de outros ramos do Direito(Civil, Empresarial, Tributário,
Administrativo, etc.) aplicada pelo Juiz penal. Nesse diapasão, também a sanção criminal da pessoa
jurídica(v.g., delitos ambientais - Lei nº 9.605/98), dada a impossibilidade da pena corporal, é pena
administrativa imposta pelo Juiz criminal. Igualmente, o atual delito da posse de entorpecente para uso
próprio, isento de - mesmo em sede de conversão! - prisão, na realidade, foi descriminalizado.
Nesse contexto, sendo o colarinho branco, por excelência, alguém dotado -superdotado, na maioria dos
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casos! - do bem jurídico patrimônio, dirão alguns que inexiste porque aplicar o Direito Penal, sanção
corporal. A pena administrativa, mesmo que sancionada pelo Juiz criminal, é suficientemente
repressora(v.g., multa, confisco/perda de bens, vedação de exercer certa atividade, a exemplo da direção de
instituição financeira, etc.). Outros, entretanto, dirão que seria odiosa discriminação. O despossuido que
pratica furto tem sanção corporal(possibilidade de prisão). O colarinho branco que subtrai fortuna, lesividade
social muito maior, sofre suave pena.
Uma ou outra dessas ou das inúmeras demais concepções do Direito Penal influi decisivamente na
dosimetria da pena, balizada pela culpabilidade(art. 59 do CP), juízo de reprovabilidade subjetivado pelo
Magistrado, a quem é outorgado poder extraordinário, v.g., definir a sanção por lavagem de dinheiro
decorrente de crime contra o sistema financeiro entre 03 e mais de 16 anos de prisão - art. 1º, VI, §4º, da Lei
nº 9.613/98 - sabendo-se que a pena até 04 anos, na prática, absolve - art. 44 do CP -, uma vez que sujeita
apenas às punições alternativas, passando ao largo da cadeia, despreocupando o colarinho branco da
defecção de tinturaria na penitenciária.
Mais, muito mais!
A tipicidade do colarinho branco, por excelência aberta, está repleta de elementos normativos, normas
penais em branco, conceitos difusos, controvertidamente enunciados por outros ramos jurídicos(Direito
Tributário, Comercial, Administrativo, Civil, normas infralegais - decretos, resoluções, portarias - ato próprio
dos porteiros, como diria o saudoso Prof. Geraldo Ataliba -,etc.), extrajurídicos (v.g., contabilidade,
economia, administração, etc.), e culturais, ensejando extensa liberdade interpretativa, dando asas à
imaginação, subjetividade (v.g., Lei nº 7.492/86, art. 4º: "... gestão temerária ...", etc. - vide tópico DA
DOGMÁTICA - "lex certa"). Sobre os elementos do tipo, adiante, vide quadro sinóptico da Teoria do Delito.
Essa característica empresta ainda maior discricionariedade ao Julgador(a), ensejando que o menor ou
maior rigor de sua axiologia do colarinho branco, do Direito Criminal, implique não apenas na maior ou
menor penalização, mas sim a própria condenação ou absolvição.
Em suma, por obra do próprio Legislador - premido pela deficiente assessoria técnica, açodado pelas ondas
midiáticas, lóbis(vide 'Estado-espetáculo e o cidadão-espectador' no tópico DA DOGMÁTICA), culminando
com a especial dificuldade em estabelecer conceitos precisos, permanentes, desta delinqüência cuja
característica essencial é o alucinante dinamismo, diária inovação do "modus operandi" - de todo
desautorizada a pregação de Montesquieu, reverberando a irresignação dos franceses com o Judiciário,
dada sua recalcitrância em aplicar o novel ordenamento legislativo, "verbis":
"Os Juízes da Nação não são, como temos dito, mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres
inanimados que não podem moderar sua força nem o rigor das leis"("apud?, Luigi Ferrajoli, Direito e Razão,
RT, 2002, p. 34).
Sendo a tipicidade do colarinho branco aberta, fluída, o Legislador outorga ao Julgador(a) - "a boca que
pronuncia as palavras da lei" - incomensurável abertura à livre interpretação.
Notadamente no Brasil, cuja escuridão da deseducação medra os iletrados, subtraindo da população o juízo
da correção ou não do interpretado, "verbis":
"Educação
Os ?sem?livro?
Setenta e cinco por cento dos brasileiros não dominam o exercício da leitura, e mais de 60% não sabem
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interpretar textos. Especialistas alertam que o hábito tem de começar cedo, ainda na infância."(Jornal
Correio Braziliense, 11.06.06)
As razões que efetivamente convencem o Magistrado(a) nem sempre são as que fundamentam o veredicto.
O cinematográfico 'gangster' Al(phonse) Capone, origem italiana, teve sua juventude no bairro pobre do
Brooklym, Nova York, EUA. O 'Scarface' (rosto com cicatriz decorrente de navalhada), mudou-se para
Chicago, onde, em 1925, 26 de idade, sucedeu Johnny Torrio dirigindo a máfia do álcool(contrabando,
destilarias, cervejarias - vicejando na lei seca), casas de jogos, prostíbulos, clubes noturnos, extorsão,
corrupção, etc. Em 1926, exercia o controle da máfia da cidade e reunia todas as quadrilhas, exceto duas: a
de Aiello e a de Bugs. Capone e seus homens mataram todos os membros da Aiello e os chefes da Bugs,
Calcula-se que o bando de Capone ganhou em 1927 cerca de US$ 100 milhões. Em 1929, honrado como o
homem mais importante do ano, junto a personalidades do físico Albert Einstein e do líder pacifista
Mahatma Gandhi. Embora notórios os atos do 'capobandito', a Justiça nunca conseguiu provar sua
implicação direta nos brutais assassinatos e demais delitos.
Terminou preso por sonegação fiscal em 1931, condenado à pena máxima de 11 anos de prisão pelo Juiz
Federal James H. Wilkerson. Encarcerado em Atlanta(1932), transladado à penitenciária de Alcatraz(1934).
Após, concedida liberdade condicional(1939). Padecia de sífilis. Depois do hospital, viveu em sua mansão,
Miami Beach, até a morte(1947).
Claro está que o Dr. James não aplicou pena máxima a um sonegador. Sancionou ao extremo um notório '
gangster' que, mercê de histórica/cinematográfica organização criminosa, remanesceu impune por outros
delitos de muito maior gravidade(v.g., corrupção, assassinato, extorsão, etc.).
Na sentença, contudo, sua fundamentação não pôde divorciar-se do caso "sub examine", sonegação fiscal.
Embora muitas vezes explicitado (v.g., invocando o minimalismo, o fracasso da cadeia à ressocialização,
restringindo-a, portanto, aos que cometem violência física contra outrem, salvaguardado, assim, o colarinho
branco, etc), freqüentemente, as reais motivações do Julgador(a), porque de problemática sustentação
formal - algumas inconfessáveis, v.g., quando o STF absolveu o ex-Presidente Fernando Collor, "acusando o
acusador", ou seja, imputando ao então Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira, pretextadas
defecções da denúncia, na descrição dos fatos delituosos - são diversas, acabando por fundamentar o "
decisum" em razões aparentemente apenas técnicas "stricto sensu".
Nesses termos, porque decisivo ao convencimento do Magistrado(a), embora às vezes inconfessado, tanto à
Defesa quanto à Acusação, é de fundamental importância contextualizar, valorar, à luz dos princípios gerais
do Direito Criminal e dos valores reitores da Sociedade, expressados pelas diversas correntes de
pensamento, o caso "sub examine".
Por último, nunca é demais rechaçar o maniqueísmo, pecaminosa rotulagem das pessoas, reducionismo da
defesa do bem ou do mal pelas idéias sustentadas, fazendo eco a Zaffaroni, "verbis":
"... Insistimos que não se pode cair no infantilismo de conceber cada pensador como um gênio maléfico,
atuando para justificar uma certa estrutura de poder social, mas, ao contrário, que é a estrutura de poder que
toma de cada pensador aquilo que convém à sua justificação" (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique
Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 242).
I.I.I - DA DEFESA
Desqualifica o "status" criminal da delinqüência econômica, relegando-a, no máximo, à punibilidade apenas
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administrativa e/ou cível, sustentando que a dita criminalidade contra a ordem tributária, sistema financeiro,
consumidor, enfim, empresarial, reflete "streptus", risco, próprio, indissociável do sistema econômico-político
imperante, o capitalismo.
Zaffaroni: "... as penas não podem recair sobre as condutas que são justamente o exercício da autonomia
moral que a constituição e as leis garantem, e sim sobre aquelas que afetam o exercício desta autonomia
ética" (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 90).
Se na política, na esteira do jargão historicizado pela UDN, "o preço da liberdade é a eterna vigilância", na
economia pode-se dizer que "o preço da liberdade é o permanente risco".
Risco de todos, cidadãos e do próprio Estado. Aqueles em sucumbirem com seus investimentos/créditos,
este em partilhar da sorte da sociedade cujos destinos(fortúnio ou infortúnio) a ele incumbe gerir, v.g., não
recebendo os tributos.
Inexiste como compatibilizar os extraordinários progressos ditados pela liberdade econômica com garantias especialmente criminais - contra os prejuízos decorrentes do incompetente uso dessa liberdade. Todo
protegido/tutelado é um dominado.
Nesse diapasão, reconhecido pela própria vitimologia (art. 59, "caput?, do CP), v.g., que em várias
modalidades de estelionato(art. 171 do CP), notadamente naquelas em que a vítima é atraída por
promessas de lucro fácil, concupiscência recíproca, fraude bilateral, a diferença que distingue ofensor de
ofendido é a rapidez/esperteza - o mais ladino será o réu, o tosco a vítima -, no liberalismo econômico,
criminalizar o exercício dessa liberdade, é "contradictio in terminis".
Exemplo clássico é a penalização da gestão temerária de instituição financeira(art. 4º, §único, da Lei nº
7.492/86). O liberalismo, especialmente no mercado bancário, o mais renhido, impõe exatamente a ousadia,
destemor, sendo incongruente sancionar a virtude que o move.
Nesse diapasão, cabe invocar toda rica literatura econômica do liberalismo, concorde-se ou não,
mundialmente hegemônica.
O imortal Roberto Campos, Ministro de Estado desde os anos JK, ainda com superior "status" no período
militar, Deputado Federal, Senador da República, mercê de primorosa agudeza intelectual e ousadia
polemista, com raro talento, sintetiza a defesa do liberalismo.
Seus textos, disponíveis nas suas obras e internet, são fontes de prodigiosa argumentação, "verbis":
"A democracia e o capitalismo têm uma coisa em comum: são os piores regimes do mundo, excetuados,
como dizia Churchill, todos os outros.
(...)
(1) o mercado ocupa-se essencialmente dos bens que podem ser objeto de transações entre agentes
econômicos, vale dizer, que têm valor de troca; se isso coincide ou não com valores de outra ordem,
culturais, humanísticos ou o que seja, depende do que as partes queiram;
(2) o mercado tem também certa tendência a dar mais ênfase ao curto prazo, ou, como diríamos em
economês, aplica uma taxa de desconto alta ao fator tempo; dessarte, a rentabilidade imediata é
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freqüentemente preferida à de longo prazo;
(3) além disso, ele é uma arena implacável: a vantagem vai para quem produza mais e melhor a menores
custos; o princípio da eficiência predomina sobre os aspectos distributivos - o que muita gente acha
alienante e desumano;
(4) o mercado é inerentemente sujeito a perturbações cíclicas, ou seja, o processo de volta ao equilíbrio não
é tão rápido que torne pouco significativos os fenômenos de recessão, falência e desemprego que podem
acontecer durante o período de ajustamento.
Apesar de tudo, é o sistema que até hoje melhor conseguiu atender ao tríplice objetivo da liberdade política,
eficiência econômica e progresso social
(...)
Enquanto o mercado corrige imediata e automaticamente os erros e a incompetência, no Estado isso se faz
(quando se faz) depois de muitas voltas e delongas e ao custo de novas formas de dominação,
inimaginavelmente piores que o mais rude capitalismo do século 19(Uma crítica do capitalismo, Jornal o
Estado de São Paulo, 26.03.95).
Lembra o destacado Procurador Regional da República, Dr. Rodolfo Tigre Maia, "verbis":
"Já se referenciou, inclusive, o caráter ?esquizofrênico? da criminalização de condutas imanentes ao
processo econômico, práticas ?naturais? em uma organização social, cuja lógica interna celebra a obtenção
do lucro a qualquer preço. Esta contradição é apenas aparente, pois, na realidade, ?o Estado desenvolve e
garante o direito privado burguês, o mecanismo monetário, determinadas infra-estruturas, ou seja, em suma,
no conjunto, as premissas para a existência de um processo econômico despolitizado, liberto de
normas éticas e de orientações ligadas ao valor-de-uso. Já que não é o Estado a agir como capitalista,
ele deve conseguir os recursos necessários à sua ação a partir das rendas privadas. O Estado moderno é o
Estado fiscal(Schumpeter)".(Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Malheiros 1996, p. 10 grifei).
Enfim, embora sabido que restringida ou ampliada à mercê da soberania popular(arts.1º, §único, c/c 14 da
Constituição), o certo é que a Constituição da República garante a liberdade econômica(art. 170 da Carta),
sendo ofensivo aos princípios da "Lex Fundamentalis" limitá-la, especialmente mediante o draconiano
instrumento do Direito Penal.
I.I.II - DA ACUSAÇÃO
"Los mayores crímenes de hoy implican más manchas de tinta que de sangre"(Thomas Lynch).
"La ley es como una telaraña, atrapa a las moscas y a los pequeños insectos, pero deja que los abejorros,
ronpiendola, se abran paso a través de ella."(Daniel Drew - "apud", 'Delinquência Econômica e Estado Social
e Democrático de Direito', Verbo Jurídico, 2006, autoria do percuciente Produrador Regional da República
Douglas Fischer).
'Pecuniosus dammari non potest': um endinheirado não pode ser condenado.
'Legum poenas in humilis tantum': só aos pobres se aplicam as penas da lei.
Pela indissociável afinidade à presente abordagem, remete-se ao tópico I.III.II (DOGMÁTICA - ACUSAÇÃO)
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A Acusação destaca o ímpar "status" lesivo da delinqüência econômica, sublinhando sua especial
danosidade à defesa social, muito além da criminalidade comum, carecedora, portanto, de proporcional
repressão penal, sustentando que a dita criminalidade contra a ordem tributária, sistema financeiro,
consumidor, administração pública, enfim, empresarial, não é inerente ao liberalismo, sistema
econômico-político imperante, sendo, antes pelo contrário, o estágio avançado, empresarial, da
delinqüência, a merecer todos os rigores na punição, sob pena de, tal qual o empreendedor da atividade
lícita aspira dominar o mercado, o "business" da criminalidade objetiva submeter as instituições/sociedade.
Em contrapartida a Roberto Campos, baluarte do liberalismo, de trazer-se à colação a rica literatura
econômica que advoga a intervenção estatal na economia, nisso compreendidos mecanismos mais severos
de controle, como o Direito Criminal Econômico, conditio sine qua non à própria liberdade econômica, eis
que, deixado aos seus próprios instintos, tal qual o homem, o mercado - por excelência autofágico, lei do
mais forte -, autodestroi-se.
"Este fundamentalismo de mercado nada mais é que escrachada forma de analfabetismo democrático", já
consagrou o pensador.
Nada, absolutamente nada da atual 'Lex Fundamentalis' autoriza dizer que a Carta Política consagrou o
lieralismo econômico. O valor social do trabalho(art. 1º, IV, da Carta Política) e a função social da
propriedaede (arts. 5º, XXIII, e 170, III, da Constituição) são apenas dois, dos inúmeros fundamentos
socializantes, determinantes da intervenção do Estado. A oscilação deste Estado, optando pela menor ou
maior intervenção, direita ou esquerda, é decidido pela essência do Estado democrático, qual seja, a
soberania popular, voto(art. 1º, §único, c/c 14 da Constituição).
Portanto, a intervenção estatal, valendo-se do Direito Criminal à repressão do colarinho branco,
notadamente como instrumento necessário à efetividade das prestações sociais, não é apenas legítima,
como imperiosa, necessária.
"Partindo-se do fato de ter a ordem constitucional vigente projetado um modelo econômico capaz de
concretizar os direitos sociais (nela sensivelmente alargados), e implementar a justiça social (por ela
almejada), não é difícil concluir que a criminalidade contra a ordem econômico-financeira solapa a
concretização dos direitos sociais e a consecução da justiça social.
Enquanto a criminalidade clássica, em níveis endêmicos, é forma enfurecida de protesto, é patologia social,
como demonstrado pelo citado psicanalista - Freud -, a criminalidade econômica, gerada pela ânsia de
lucros desmedidos, pelo individualismo egoístico, pela falta de solidariedade social é, sem dúvida, causa
sociológica desse protesto criminoso, por aumentar a marginalização social." (Márcia Dometila Lima de
Carvalho, Fundamentação Constitucional do Direito Penal, Sérgio Fabris, 1992, p. 92).
A apregoada liberdade do individuo sempre está subordinada ao coletivo.
"Sequer a liberdade - ora tomada como exemplo de bem jurídico - faz-se metafisicamente considerada como
uma essência, como algo em si. Liberdade é - e sempre será - liberdade em (sociedade). O ser, como ente
de relação, é, sempre, ser em. É o ser-aí (Dasein) (Streck). Dessarte, ao tomarmos a liberdade como um
valor precípuo, ainda que individualmente ostentável, concebemos uma noção de liberdade como "liberdade
em sociedade", o que nos remeterá, inexoravelmente, à consideração acerca da existência de situações
jurídicas ativas e passivas, de direitos e deveres, individuais e sociais."(Luciano Feldens,'sponte propria'
abdicado do Ministério Público em prol dos Ministérios da Advocacia e Academia, Tutela Penal de Interesses
Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 23).
"Segundo nos revelam os dados históricos, o Direito Penal não existiu sempre. Seu aparecimento se dá,
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propriamente, no período superior da barbárie, com a primeira grande divisão social do trabalho e a
conseqüente divisão da sociedade em classes e a implantação do Estado. A comunidade primitiva, baseada
na apropriação comum dos meios de produção e na solidariedade indissolúvel de seus membros, não
oferecia contradições antagônicas capazes de exigir que se adotassem normas penais (...) O Direito Penal
somente se estrutura, quando a produção, já desenvolvida com o emprego de instrumentos de metal e da
agricultura, apresenta considerável quantidade de reservas de excedentes e exige o suplemento de
mão-de-obra, cindindo antiga organização gentílica, alicerçada no trabalho solidário e comum, para
substituí-lo pela propriedade privada dos meios de produção e pelo trabalho escravo. Com isso se
estratificou a sociedade em classes, e, por conseqüência, se criaram contradições antagônicas que
deveriam, agora, ser disciplinadas por um poder central e por normas rígidas, de caráter penal, para garantir
a nova ordem ..."(Johannes Wessels, Direito Penal, Parte Geral, Sérgio Fabris Editor, 1976, p. 2, tradução
do Prof. Juarez Tavares).
Em síntese, a origem do Direito Penal está vinculada à proteção da elite contra a coletividade. Agora,
quando busca-se democratizar o Direito Criminal, fazendo-o também instrumento de proteção da
coletividade contra a elite(colarinho branco), perora-se sua inaplicabilidade.
Discurso em prol do colarinho branco, que faz calhar a máxima latina: "Omnium custos justitia est: omnes
tamen eam suae domi abesse volunt"(A Justiça é a guarda de todos: contudo, todos a querem longe da sua
casa).
Lapidar Lola Aniyar de Castro, enunciando que "a grande miséria da Criminologia é de ter sido somente uma
Criminologia da miséria"(apud, Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho
Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 133). Nesse diapasão, a máxima latina: "pecuniosus damnari non
potest"(um endinheirado não pode ser condenado).
Miserável Justiça que justiça apenas os miseráveis!
Evaristo de Moraes Filho, 'verbis':
"É uma curiosa coincidência que esse movimento da intervenção mínima tenha ganho incremento,
exatamente na fase em que o Direito Penal está se democratizando, exatamente na fase em que o Direito
Penal está deixando de alcançar tão somente aqueles delinqüentes etiquetados seletivamente, que
constituem a clientela tradicional do sistema repressivo. Na hora em que o Direito Penal começa a se voltar
contra uma outra clientela, a que pratica os crimes contra a ordem econômica e contra a economia popular,
fala-se em descriminalização, despenalização, dejudicialização."("apud", Márcia Dometila Lima de Carvalho,
Fundamentação Constitucional do Direito Penal, Sérgio Fabris, 1992, p. 103).
Luciano Feldens, 'verbis':
"Com a autoridade de Catedrático de Direito Penal, Sociologia e Teoria do Direito na Universidade de
Frankfurt, Hassemer, ao abordar a problemática da delinqüência ambiental, organizada, econômica e
tributária, enfatiza que diante de casos tais o Direito Penal, ao revés do que se vinha propugnando, não deve
funcionar com a ?ultima?, mas como a ?prima ratio?. No particular, o autor é categórico:
As áreas sobre as quais se delineia a política do Direito Penal material e os instrumentos dos quais ele
preponderantemente se serve são bastante esclarecedores. Problemas ambientais, drogas, criminalidade
organizada, economia, tributação, informática, comércio exterior e controle sobre armas bélicas - sobre estas
áreas concentra-se hoje a atenção pública: sobre elas aponta-se uma ?necessidade de providências?; nelas
realiza-se a complexidade das sociedades ?modernas?, e delas se encarrega o Direito Penal. Nestas áreas
se espera a intervenção imediata do Direito Penal, não apenas depois que se tenha verificado a
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inadequação de outros meios de controle não penais.
O venerável princípío da subsidiariedade ou da ultima ratio do Direito Penal é simplesmente cancelado, para
dar lugar a um Direito Penal visto como ?sola ratio? ou ?prima ratio? na solução social de conflitos: a
resposta penal surge para as pessoas responsáveis por estas áreas cada vez mais freqüentemente como a
primeira, senão a única saída para controlar os problemas. Os instrumentos de controle amplamente
promovidos pelo Direito Penal são considerados adequados para emprego indiscriminado nestas áreas. Já
não se trata mais de proteção de ultrapassados bens jurídicos individuais concretos, como a vida e a
liberdade, mas dos modernos bens jurídicos universais, por mais vaga e superficial que seja a sua definição:
saúde pública, regularidade do mercado de capitais ou credibilidade de nossa política externa" (Luciano
Feldens, 'Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco', Livraria do Advogado,2000, p.
45)
"... os crimes assim chamados do ?colarinho branco?, de que são exemplos eloqüentes a sonegação fiscal,
a evasão de divisas,a lavagem de dinheiro, etc., são aqueles que, ao lado dos delitos (que atentam
diretamente) contra a vida e também daqueles outros que de forma ou outra tolham (também diretamente) a
liberdade e a dignidade do individuo, merecem uma especial reprovação, por lesarem de forma real - e não
apenas potencial - a sociedade brasileira, atentando, inclusive, contra os mais caros objetivos e
fundamentos do Estado Democrático de direito, dentre os quais sobressae-se a dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CRFB)." (Luciano Feldens, 'Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho
Branco', Livraria do Advogado,2000, p. 88)
"Atente-se, de partida, aos resultados de ampla pesquisa realizada nos Estados Unidos da América,
traduzida na recente obra de Jeffrey Reiman, da American University(Washington, D.C.). Diagnosticaram, na
oportunidade, quatro aspectos comparativos entre a criminalidade do ?colarinho branco? e aquela
emergente das classes pobres dignos de nota. Seriam eles, na perspectiva americana:
1)
o custo do crime do ?colarinho branco? é mais elevado; retira mais dinheiro de nossos bolsos do
que todos os demais delitos combinados catalogados pelo FBI;
2)
os crimes do ?colarinho branco? são muito difundidos, mais que os crimes de pobres;
3)
os criminosos do ?colarinho branco? raramente são presos ou condenados; o sistema desenvolveu
sutis modos de lidar com a delicada sensibilidade de sua ?alta? clientela;
4)
quando os criminosos do ?colarinho branco? são acionados e condenados, as sentenças são
suspensas ou extremamente leves quando comparadas ao custo que seus crimes impuseram à sociedade."
(Luciano Feldens, ex-Procurador da República, 'sponte propria' abdicado do Ministério Público em prol dos
Ministérios da Advocacia e Academia, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco,
Livraria do Advogado,2000, p. 137).
A violência é a parteira da história. Como lembra o Mestre Nelson Hungria, "A opressão passou a ser o útero
do Direito"(Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo I, p. 30), de forma que esta acintosa
recalcitrância em fazer do Direito Penal instrumento tão somente de proteção da elite eclode em
descontrolada irresignação, desviada a toda sorte de violência, a exemplo do ora verificado no Brasil, onde a
impunidade dos estamentos superiores autoriza o desacato às mais primitivas regras de convivência.
Impõe-se resposta do Estado "... impondo ao agente do fato punível um mal em correspondência com o mal
por ele praticado - malum passionis ob malum actionis(Aníbal Bruno, Direito Penal, Forense, 1978, Tomo I,
p. 27).
Todos consideram o rio violento. Ninguém, todavia, consideram violentas as margens que o oprimem,
celebrizou Berthold Bretch.
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Hoje, no Brasil, a serpente da aterrorizadora violência rotulou seu berço infame: a favela. Ela, a favela, que é
violenta, parindo os truculentos.
Apenas um dos inúmeros escândalos financeiros, objeto da CPI do Sistema Financeiro, Marka/Fontocindam,
Salvatore Alberto Cacciola, paradisíacamente homiziado na Itália, extraditado ao Brasil quando preso em
Mônaco, surrupiou do erário, via aporte do Banco Central do Brasil - eufemísticamente, denominado por "
ajuda" - mais de US$ 1,5 milhão("sic" - época da paridade dólar/real)
Com 70 anos de história, o Banestado - Banco do Estado do PR - chegou a 400 agências, 500 postos, com
mais de 15 mil servidores, contribuindo com a economia daquela unidade da federação. No Governo Jaime
Lerner(1995/02), desabou de um lucro de R$ 400 milhões em 1994 a um prejuízo de R$ 1,7 bilhão em 1998,
recebendo aporte de dinheiro público federal no montante de R$ 5,6 bilhões, logo em seguida privatizado,
vendido ao Banco Itaú por R$ 1,6 bilhão, ainda herdando o erário paranaense dívida de R$ 19 bilhões a ser
paga, parcelada e corrigidamente, até o ano de 2029(vide "Histórias sobre Corrupção e Ganância",
Jornalista Wilson J. Gasino, Feller Editora, retratando a CPI Estadual do Banestado na Assembléia Legilativa
do PR).
Desfavelando-se, "alargando as margens que oprimem o rio", quantas casas populares poderiam ser
construídas com tantos bilhões?!
Aníbal Bruno: "... O critério para medir a responsabilidade penal do agente não é a sua intenção, nem a
gravidade do seu pecado. Será apenas o dano que do seu crime resulte para a sociedade."(Direito Penal,
Forense, 1978, Tomo I, p. 96).
No Brasil, conforme bem observa Marcelo Neves, temos duas espécies de pessoas: "O sobreintegrado ou
sobrecidadão, que dispõe do sistema, mas a ele não se subordina, e o subintegrado ou subcidadão, que
depende do sistema, mas a ele não tem acesso".
Merece especial referência "Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco", autoria do
culto e denodado ex-Procurador da República no RS, 'sponte propria' abdicado do Ministério Público em prol
dos Ministérios da Advocacia e Academia, Luciano Feldens, Livraria do Advogado, 2002.
Igualmente, 'Delinquência Econômica e Estado Social e Democrático de Direito', Verbo Jurídico, 2006,
autoria do percuciente Produrador Regional da República Douglas Fischer).
I.II - DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL
"O termo ?white collar crimes? - expressão inglesa a designar os cognominados ?crimes do colarinho
branco? - foi cunhado por Edwin H. Sutherland, a 27 de dezembro de 1939, quando de sua exposição
perante a ?American Sociological Society?.
De trânsito comum em todos os idiomas, o termo batizou a clássica obra de Sutherland - "White Collar
Crime? - em torno da delinqüência do ?colarinho branco?. Conquanto construída, em meados do século XX,
a partir de uma pespectiva sociológica, a tese veio a tornar-se referência no âmbito da criminologia,
fixando-se como um marco científico e merecendo o aplauso e a respeitosa atenção da comunidade jurídica
internacional.
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Edwuin H. Sutherland define os ?weitoralhite collar crimes? à luz de uma perspectiva subjetivo-profissional,
identificando-os como sendo os delitos cometidos por pessoas dotadas de respeitabilidade e elevado status
social, no âmbito de seu trabalho. São dois, portanto, os pontos de apoio do conceito proposto: o status do
autor e a conexão da atividade criminosa com sua profissão."(Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses
Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 225).
Em suma, são os crimes em lugares sofisticados ("crimes in the suítes"). Da elite: 'upper class'.
A identificação da criminalidade com a indumentária típica ao ofício do infrator tem outras versões, a
exemplo dos "blue collar crimes", referindo-se aos delitos dos operários que vestem macacões azuis, e aos
de cor cáqui, reportando-se aos crimes praticados por militares em tempo de guerra. Vale notar que na
China, flexibilizado o socialismo, o qualificativo "colarinho branco" deixa de ser pejorativo, indicando
profissional burocrático, culto e bem remunerado (vide Jornal o Estado de São Paulo, 21.01.01).
Com um bom traje se esconde uma má procedência, já consagrara a máxima latina: "obscurum vestis
contegit ampla genus".
A plebe considera sabido um idota bem vestido: "plebs bene vestitum stultum putat esse peritum."
A veste faz o homem: "vestis virum reddit".
No Brasil, inicialmente, a Lei nº 7.492/86, relativa aos crimes contra o sistema financeiro, restou qualificada
como a do colarinho branco.
Todavia, posteriormente, uma vez ostentando características similares(v.g., autores de elevado status
sócio-intelectual, sofisticação do "modus operandi", alta lucratividade das operações - literalmente,
empreendedores do crime -, organização empresarial, etc.) passam a receber a apropriada rotulagem, a
exemplo dos delitos contra o consumidor(Lei nº 8.078/90), ordem tributária, econômica e previdenciária(Leis
nº 8.137/90, 8.176/91; arts. 168-A, 337-A do CP), mercado de capitais(art. 27 da Lei nº 6.385/76), lavagem
de dinheiro(Lei nº 9.613/98), crime organizado (Lei nº 9.034/95), estelionato coletivo(art. 171 do CP), e
especialmente, dada sua histórica e devastadora destruição da "res publicae", a crônica corrupção(crimes
contra a administração pública), aí incluída a improbidade administrativa(Lei nº 8.429/92)..
Brandindo privilegiada astúcia, explorando a natural credulidade das vítimas, posando envolvente
apresentação, o colarinho branco tem ímpar capacidade de apresentar-se sob as vestes da licitude - "
homem de negócios" -, provido que é de uma espécie de mimetismo delituoso, "legal business".
Mimetismo ainda mais incidente já que no Brasil, naturalmente, independentemente na existência ou não de
"animus delinquendi", o ambiente de negócios é nada hígido.
Segundo relatório do Banco Mundial, elaborado com base em entrevistas com empresas e dados agregados
de consultorias de negocios de vários países, além de informações dos governos, o Brasil figura como um
dos piores do mundo em ambiente de negócios: a)corrupção 66,9 pontos - apenas 3 países estão em
situação pior: Benin, Guatemala e Quênia); b) crime: 52 pontos; c)carga tributária: 84,5 pontos; d)juros e
crédito: 84 pontos - Folha de São Paulo, 16.04.07).
Mimetismo este, ditado, em muito, pelo êxito da impunidade do colarinho branco:
"O sucesso alcançado, e que era a meta desejada reforça o comportamento e, logo, a lei da imitação
funciona para nivelar as condutas de outros indivíduos, justificando assim, também objetivamente, o desvio.
E desde que a grande parte das pessoas do grupo se comportem da mesma maneira, torna-se
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aparentemente não reprovável aquilo que, na verdade, o é." (apud, Márcia Dometila Lima de Carvalho,
Fundamentação Constitucional do Direito Penal, Sérgio Fabris, 1992, p. 109).
Antonio Garcia-Pablos de Molina sintetiza o perfil do colarinho branco:
"el abuso de la credulidad da víctima, la particular astúcia del autor para presentar el hecho como lícito e
impedir su denuncia o descubrimiento, la pertencia de este delincuente a un sector determinado de la
actividad económica, su excelente imagem y tarjeta de presentación - honorabilidad, prestígio, poder, etc.
"(apud, Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do
Advogado,2000, p. 116).
"A fortiori", dada a abstração das vítimas, vez que difusas, alheias à epidérmica sensibilização do "locus
delicti". Sabido que a imediatidade entre agressor e ofendido, acalorada pela flagrância da
delinqüência(concretização), incrementa o clamor da Sociedade e a diligência das autoridades pela Justiça, "
a contrario sensu", o distanciamento(abstração) distensiona a pressão pela Justiça. Ipso facto, no colarinho
branco, fala-se em vítimas abstractas ou distantes - "crime without victms" -(vide Luciano Feldens, Tutela
Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 33).
Esta abstração das vítimas, distensão do clamor por Justiça, é fortemente incrementada pela morosidade da
persecução ao colarinho branco. A começar pelo retardamento nas esferas extrajudiciais(vide tópico DA
(IN)DEPENDÊNCIAS DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL) estendendo-se ao próprio Poder
Judiciário, afora outras razões, mercê de inúmeros recursos em prol da Defesa, especialmente por força da
banalização do habeas corpus.
Delonga essa, que freqüentemente enseja a prescrição, valendo sempre lembrar que apenas o Brasil,
inexistindo no Direito Comparado, consagra a figura da prescrição "in concreto", retroativa(art. 110 do
Código Penal).
Quanto não consumada a extinção da punibilidade pela prescrição, o tempo corrói a poder condenatório da
provas, e da própria culpabilidade, reprovabilidade do colarinho branco.
A delinqüência do colarinho branco não subordina-se aos limites da criminalidade convencional.
Inexiste "locus delicti". É onipresente, difuso. É perpetrado, simultanea ou sucessivamente, em várias
localidades do território, tanto o nacional como o transnacional, a exemplo da sonegação fiscal/lavagem de
dinheiro por grandes corporações multinacionais, cuja evasão consuma-se em cada um dos seus
incontáveis estabelecimentos/representações, além dos conhecidos paraísos fiscais - "off shore" (expressão eufemística, eis que não são asilos apenas fiscais, sim da delinqüência em geral).
Também não há "tempus delicti". O tempo que medeia execução e consumação não é sequer quantificável.
É o real, instantâneo, a reboque da alucinante velocidade das comunicações, como estampado nos
bilionários crimes contra o sistema financeiro. 'Operação ultrarrápida de ações é investigada. Comissão dos
EUA analisa se operações de alta frequência, em que ordens duram milissegundos, são válidas ... essas
operações respondem por 73% do volume diário de transações com ações nos Estados Unidos'(Folha de
São Paulo, 29.07.09).
Inocorre, "ipso facto", "testis delicti". Ausente qualquer testemunha. Se desde a antigüidade consagrou-se a
insuficiência de uma testemunha - testis unus, testis nullus -, a fortiori, sequer dela. No máximo, são
presenciadas frações da empreitada criminosa, isoladamente, atos lícitos(v.g, venda de imóveis ainda a
serem edificados, cujo estelionato em massa, captação fraudulenta de poupança popular, será revelado
apenas bem a posteriori - v.g., caso da Construtora Encol -, etc.).
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No cenário em que perpetradas as condutas testemunháveis/comprometedoras, o empreendedor do
colarinho branco jamais será visto. Pior! Com idêntica otimização em que praticado, são eliminados os
vestígios, provas, "corpus delicti", sabotando a plenitude probatória necessária à condenação.
A propósito da materialidade, ela é fugidia no 'colarinho branco': a)'PF não consegue abrir arquivos de
Dantas - Criptografado, conteúdo de computadores apreendidos no apartamento do banqueiro no Rio não é
acessado pela perícia'('Operação Satiagraha', banqueiro Daniel Dantas - Opportunity, Folha de São Paulo,
22.09.08); b)lavagem de dinheiro em Blumenau/SC, persecução encetada pelo Procurador da República
João Brandão Néto, destacando que o "mecanismo usa apenas o telefone e a internet e não deixa vestígios
".(Folha de São Paulo, 09.05.03).
Fugidio o "persona delicti", o verdadeiro criminoso(empreendedor), goza do anonimato próprio da horda.
Afora a tervigersação mediante pessoas jurídicas - "dummy corporation" do direito norte-americano,
empresa fantasma, criada para encobrir fins ilícitos - amiúde tituladas por "testas-de-ferro", a delinqüência do
colarinho branco fragmenta ao extremo o "iter criminis" - cogitação, preparação, execução, consumação e
exaurimento - segmentando a empreitada criminosa entre inúmeros atores.
Tal qual linha de produção industrial, operários("intermediários", diria Nelson Hungria), circunscritos a urdir
as suas peças, ignoram o produto final("alienados", diria Marx), decidido pelos
gerentes/administradores(v.g., lobistas, assessorias jurídicas, contábeis, econômico-financeiras, informática,
etc.), em benefício do titular da "societas sceleris".
"Assim, já se reconheceu que os crimes do colarinho branco são fatos praticados, em geral, por interpostas
pessoas, testas-de-ferro, homens de palha, fantasmas, para dissimular a participação dos verdadeiros
mentores ou beneficiários da trama." (STJ, Rel. Min. Assis Toledo, Rec.Esp. 20.748-SP, DJU 09.11.92 - "
apud", Rodolfo Tigre Maia, Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Malheiros, 1996, p. 35).
A essa despersonalização, impessoalidade, somam-se as inexoráveis garantias fundamentais, notadamente
às relativas ao "due processo of law", próprias dos acusados por delitos comuns, exacerbadas, ainda, pelo
status do "colarinho branco", financeiramente aparelhado à constituição de excelentes Advogados(a), os
quais levam à plenitude as prerrogativas de seus clientes, provocando as quatro instâncias judiciárias: Juízo
de 1º Grau, TRF?s/TJ?s, STJ e STF.
As duas últimas, valendo-se da incomparável prodigalidade no conhecimento de habeas corpus, a exemplo
dos que contemplam processos de réus soltos ou sequer à mercê de serem presos, eis que, na pior das
hipóteses, estariam beneficiados pelas penas alternativas(art. 44 do CP - v.g., apreciação de tese jurídica:
STF, Rel. Min. Moreira Alves, RT 546/413; indeferimento de prova: STF, Rel. Min. Carlos Madeira, RT
624/383.
Ante esta privilegiada sofisticação do colarinho branco, o Estado padece de qualificação de recursos
humanos e materiais a combatê-lo.
De ver-se, v.g., a extrema dificuldade da doutrina em tratar do colarinho branco. Com exceções que apenas
confirmam a regra, juristas desenvolvem uma teoria geral do delito voltada aos crimes comuns(v.g., roubo,
homicídio, lesão corporal, etc.), tanto assim que esses são os casos tomados a título de exemplificação.
Quando abordam estelionato, corrupção, fraudes em geral, atêm-se às hipóteses mais simples, abstendo-se
de adentrar à singular complexidade do colarinho branco.
De sua parte, a sinfonia da jurisprudência subordina-se à idêntica pauta. Verdade que acometida pela
natural atrofia de quem não exercita-se, ditada pela deficiente provocação, debitável à Polícia Judiciária,
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órgãos de controle(v.g., BACEN, COAF, CVM, FISCO, CADE, etc.) e Ministério Público, eis que as
persecuções do colarinho branco ainda são pífias, muito aquém a intensa delinqüência qüotidiana(vide a
obra da Suprocuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho, 'O Controle Penal nos
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional', Del Rey, 1998).
Sabido da máxima o que não está nos autos não está no mundo - 'quod non est in actis non est in mundo' urge trazer a verdade do mundo à verdade dos autos.
As carreiras jurídicas não destoam. Nas Faculdades de Direito, o enfretamento do 'colarinho branco' é
rarefeito. Nas provas de inscrição à OAB, é assíduo ausente. Nos concursos às carreiras de Estado,
Magistratura, Ministério Público, Procuradorias, Delegados(a) de Polícia, Auditores(a), Policiais, etc.,
também.
Em resumo, embora esboçando sinais de evolução em sentido contrário, não temos preparação voltada ao
colarinho branco.
Atual, portanto, a lapidar enunciação de Lola Aniyar de Castro, enunciando que "a grande miséria da
Criminologia é de ter sido somente uma Criminologia da miséria"(apud, Luciano Feldens, Tutela Penal de
Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 135).
Nota especial do colarinho branco é sua extraordinária capacidade de influência, lóbi, junto a todos os
Poderes do Estado.
No âmbito do Judiciário, muitas vezes o lóbi é sutil, discreto, travestido por fundamentações aparentemente
técnicas, outras tantas de forma explícita, categórica. Vicejam integrantes da Magistratura, Juízes(a),
Desembargadores(a) e Ministros de Tribunais Superiores que, mercê de instantânea aposentadoria,
convolam-se dos Juizes(a) de ontem nos Advogados(a) de hoje. No Ministério Público, identicamente,
agravado por excrescências, a exemplo da advocacia ainda na ativa(art.29, §3º, da ADCT c/c art. 281 da LC
nº 75/93). À miúde, escrachadamente, intitulando-se, quando da defesa, em lugar de Advogados(a), como "
Desembargadores", etc.
Entre ex-Membros do Parquet e Judicatura de ascendente presença na defesa do colarinho branco, têm
destacado-se integrantes que, quando na ativa, estipendiados pelo erário, lapidaram-se intelectualmente,
através de estudos, cursos, mestrados, doutorados, etc., vários no exterior, para, ato contínuo, sob os
auspícios da vitaliciedade, paridade entre vencimentos e proventos dos aposentados, capitalizarem à
fazenda privada o investimento da fazenda pública.
Na seara política, umbilicalmente vinculada ao colarinho branco, quando não diretamente, corrupção, por
vias transversas, a exemplo do financiamento, não apenas das campanhas eleitorais, mas dos próprios
agentes políticos, afora a ascendência natural do poder, há a direta nomeação de Membros do Judiciário
pelo Executivo, a exemplo do recentemente testemunhado pela Nação, quando, sendo do interesse do
Presidente já no ocaso do mandato - açodado pelo interminável périplo de improbidades que marcaram seu
governo, até então coroados pelo total absenteísmo da persecução, sob a real ameaça de serem
"desengavetadas"; síndrome Carlos Menen, ex-Presidente da Argentina, preso após o mandato - os
integrantes por ele nomeados à Suprema Corte capitanearem a "legijurisdição" (jurisdição que avoca poder
legiferante, inovando na ordem jurídica; "bench legislation" do Direito norte-americano) que tranquilizasse o
Príncipe(vide Informativo do STF nº 291), depois ratificada pelo Legislativo, em parte, caudatário de idênticos
temores do Chefe do Executivo, somado a outro contingente, especialmente o oposicionista, então
recentemente vitorioso à sucessão presidencial, que, em contraprestação aos afagos da transição,
barganhou a perpetuação da imunidade/impunidade(Lei nº 10.628/02 - vide, também, tópico DO FORO
PRIVILEGIADO).
Outra característica típica da persecução ao colarinho branco é sua sujeição, na fase pré-processual, às
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instâncias administrativas,
Banco Central, Fisco(Conselho de Contribuintes), CVM, COAF, CADE, etc., todos eles sob a direção do
Executivo, sujeitando-se às naturais influências político-partidárias, incluindo até a fase da persecução ?in
juditio", à medida que a Polícia Judiciária também está sob suas ordens. Vide tópico DA (IN)DEPENDÊNCIA
DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL..
O mimetismo delituoso, "legal business", poder de dissimular atos criminosos como meras ações negociais,
tem na Imprensa um instrumento decisivo.
Ser é o ser percebido. Quem faz a Sociedade perceber ou desperceber - silêncio eloqüente - os
fatos/pessoas é a mídia. A notícia da verdade sucumbe ante a verdade da notícia. A verdade é subalterna
da versão(vide 'Estado-espetáculo e o cidadão-espectador' no tópico DA DOGMÁTICA).
As implicações judiciárias do colarinho branco, quando noticiadas, passam ao largo da estigmatizante
editoria de polícia, ocupando espaço da economia, política, etc.
Sabido do axioma comercial, "o cliente sempre tem razão", tratando-se de efetivo ou potencial patrocinador,
os veículos de comunicação preservam seus parceiros, ungindo-os com a condescendência do silêncio,
notícia discreta, amena, chegando à contra-propaganda, divulgando matérias positivas sobre o
réu/condenado(autocensura).
Por que alguns a Imprensa impresa(acua, soterrando sob impiedosa avalanche crítica) enquanto outros,
implicados em desvios muito mais graves, são obsequiados com eloqüente silêncio da indulgência?
No setor público, fartos patrocínios oficiais e favores - v.g., financiamentos, valendo lembrar o "proer da
mídia?, BNDES, aquinhoando baluartes do liberalismo, como o Jornal o Estado de São Paulo, de secular
ojeriza aos investimentos sociais de Estado - são fulminantes alvejantes, eficazes na assepsia do putrefato
odor da corrupção, alienando a vítima, Sociedade, de seus algozes. aromatizando o "locus delicti" e
engomando o colarinho branco,
"Mídia do PR vende R$ 6,4 milhões em reportagem"(Folha de São Paulo, 02.09.2003). Veículos de
Imprensa no Estado do PR, apenas em 2002, ano eleitoral, Governardor Jaime Lerner, receberam a fortuna
para publicar como reportagem matérias favoráveis ao Executivo.
Advogado Roberto Bertholdo, Conselheiro da Usina de Itaipu entre 2003 e 2005, foi assessor do Deputado
Federal José Boba(PMDB/PR), o qual esteve implicado no "mensalão," tendo renunciado para driblar a
cassação. Mais de 200 horas de gravações das interlocuções entre Bertholdo e seu sócio, o Advogado
Sergio Renato Costa filho, além do "mensalão" distribuído a parlamentares do PMDB advindo de propina
auferida dos fornecedores e clientes de Itaipu, revelou que em 2004 Carlos Massa, ou seja, o apresentador
de TV Ratinho, recebeu R$ 5 milhões para visitar e falar bem de Lula, assim como da então Prefeita de SP
Marta Suplicy(Revista Veja, 05.03.06).
"Verbas compram reportagens em imprensa regional. Divulgação de mandato parlamentar consome 15%
dos recursos indenizatórios, que são usados para fins eleitorais."(Folha de São Paulo, 25.02.07).
O PT, cuja trajetória sempre fora crítica aos gastos públicos com publicidade e patrocínios, no Governo Lula,
em 2006, somadas a administração direta e as estatais federais, gastou R$ 2,2 bilhões em propaganda
oficial, verba assim distribuída: 62% à televisão, 12% rádio, 9% jornal, 8% revista, 1,5% internet, 1,5%
outdoor e 6% outros(Folha de São Paulo, 24.04.07 e 29.03.09).
Conivência essa, senão por interesses econômico-políticos, muitas vezes forçada pelo poder de coação do
colarinho branco, especialmente quanto aos órgãos menores, frágeis às pressões, freqüentemente através
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da Justiça, mediante processos infundados, visando indenizações aberrantes.
Vide "A Voz do Dono e o Dono da Voz: O Direito de Resposta Coletivo nos Meios de Comunicação Social",
Sergio Gardenghi Suiama, Procurador da República em SP, Boletim Científico nº5, 2002, Escola Superior do
Ministério Público da União, www.esmpu.gov.br
"A pequena Imprensa padece ante o poder econômico. A grande Imprensa é o próprio poder econômico
"(lapidar máxima do brilhante Jornalista José Maschio).
Ímprobos os inúmeros favores fiscais usufruídos pela mídia.
A ?ratio essendi" da imunidade tributária a jornais e periódicos não mais subsiste. Foi concebida como
proteção a regimes ditatoriais que censuravam a liberdade de expressão mediante tributação excessiva.
A Carta Magna sempre determinou gratuidade ao horário político-eleitoral, ônus das concessionárias do
serviço público de radiodifusão(rt. 17, §3º, da Constituição).
Todavia, o lóbi fez que a União, mediante compensação fiscal, arcasse com o ônus(art. 52 da Lei nº
9.096/95). Para 2008, a Receita Federal prevê renúncia fiscal de R$ 242 milhões(Folha de São Paulo,
07.07.08)
Em suma, o horário gratuito é muito bem pago!
Nele, a terra brasilis mantém em cartaz o novelesco ficcionismo: a) dos políticos, perorando que combatem
privilégios; b) da radiodifusão, anunciando que a veiculação é graciosa.
Agora, sob eloqüente silêncio dos meios de comunicação - incluindo a aprovação do PT/Governo, o qual, em
passado não distante, sempre vociferou contra os privilégios estatais à mídia -, a dita reforma tributária(EC
nº 42/03) brindou rádio e televisão com a alforria do ICMS(art. 155, X, ?d?, da Constituição)
Na CPI dos Precatórios, tão logo detectada a participação do Banco Bradesco S/A nas fraudes, de imediato,
a TV Globo silenciou a respeito. Coincidentemente, ato contínuo, a instituição financeira figurava como um
dos patrocinadores do Jornal Nacional(vide típico DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO).
Portentoso empreendedor pátrio, ícone das colunas sociais, entre outras efemérides, pelas palaceanas
festas patrocinadas em Punta del Este, República do Uruguai, valeu-se dos serviços do Interbanco, braço
paraguaio do Banco Nacional, megaoperador da lavagem de dinheiro via contas CC5, lançando em sua
contabilidade papainoelesco e milionário mútuo, passivo de difícil imaginação mesmo aos melhores
ficcionistas de Hollywood, à semelhança da "Operação Uruguai" (Presidente Collor).
Condenado por sonegação fiscal, acolhida a imputação de fraude, travestindo o empréstimo, na verdade, em
recursos do caixa 2 sonegados à tributação, noticiada a condenação, de plano, surto de surdez acometeu a
grande Imprensa.
"Furada" por órgãos menores, constrangida, acabou divulgando o veredicto. Tendo o condenado
patrocinado nota oficial de desagravo em todas as grandes publicações do País, vários veículos, até então
silentes, v.g., Folha de São Paulo, 14.12.00, viram-se sob o pitoresca obrigação de, em idêntica edição,
paralelamente à nota, noticiar a sentença condenatória.
De sua parte, o Conselho de Contribuintes, ignorando a amazônica evidência da fraude, entendendo que a
imputação de simulação do mútuo não estava suficientemente provada, mediante telegráfica e crédula
fundamentação, invalidou a autuação fiscal.
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No Brasil, grande parte de sua elite econômica edificou seu império mercê de relações promíscuas com o
Estado, privatizando o lucro e socializando o prejuízo(vide tópico DOS CRIMES CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA/CORRUPÇÃO).
"Devedores da União vão pagar reforma de palácio. Empresas participantes do mutirão privado que vai
reformar o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente, devem dinheiro ao governo ... A obra, ainda
não iniciada, está orçada em R$ 16 milhões. Apenas uma das empresas, a Vale do Rio Doce, deve R$ 41
milhões à Previdência ..."(Folha de São Paulo 24.10.04, tema da manchete principal).
Esses segmentos, a maioria vinculada a concessões de serviços públicos, empreiteiros de obras, grandes
financiamentos oficiais( BNDES, CEF, BB, etc. v.g., caso BNDES/Globo-cabo), incentivos,
anistias/remissões tributárias, informações privilegiadas(art. 18 da Lei nº 7.492/86), as quais tantas vezes
locupletaram os tentáculos da elite corrupta, a exemplo das desvalorizações cambiais, gênios, videntes que,
antevendo radicais mudanças na política monetária, instantaneamente dolarizaram seus milhões ato
contínuo convertidos em bilhões de reais, etc., embora sem qualquer necessidade comercial/institucional
stricto sensu, patrocinam fartos espaços na mídia, notadamente do jornalismo dos "formadores de opinião",
na prática, cooptando o silêncio sobre suas improbidades.
Pululam os exemplos. No Governo FHC, mergulhou-se na privatização das estradas, assassínio da "res
publicae". O caráter público da rua é a maior concreção histórica de Estado. O livre uso da estrada é a
conquista mais objetiva do bem comum, finalidade da existência do Estado. Privatizada a rua, pergunta-se,
para que Estado?! Sem via alternativa, paga-se à concessionária, "rectius", senhor feudal, não pela
conservação, sim pelo simples ato de passar(art. 5º, XV, da Carta Política).
O Feudalismo, a propósito, era melhor, vez que ao senhor da terra incumbia o ônus da estrada. No Brasil,
construiram-se as vias às custas do povo(socializando o prejuízo), posteriormente, obsequiando as
empresas(privatizando o lucro). Pior! Mesmo os pífios investimentos iniciais das concessionárias foram
papainolescamente financidados pelo Estado, BNDES(vide ACP do Parquet Federal, Boletim dos
Procuradores da República, nº 37 - www.anpr.org.br).
O cálculo tarifário é escrachadamente fraudado. Um dos artifícios utilizados é terceirizar a outras empresas todas, é claro, através de ?laranjas?, etc., vinculadas à própria concessionária - a manutenção da rodovia
mediante valores superfaturados. Assim, eleva-se o custo para pressionar o aumento do pedágio,
multiplicando os lucros.
Nas rodovias paulistas, entre julho/1994 e julho/2005, enquanto a inflação(IPC da Fipe) apontou 262,78%,
as tarifas subiram 724,00%(Folha de São Paulo, 26.06.05). Em 2007, o segmento de maior rentabilidade da
economia, superior, inclusive, ao financeiro, telecomunicações, etc., foi o das concessionárias de rodovias,
atingindo 33,9%. O cálculo da Consultoria Austin Rating toma em consideração a relação entre patrimônio
líquido e lucro líquido auferido no período(Folha de São Paulo, 09.03.08).
'Leilão em SP cria 61 pedágios e eleva custo ... No corredor da RaposoTavares(que liga as cidades de
Bauru, Ourinhos e Presidente Epitácio), em que o número de pedágios será multiplicado por cinco(de dois
para dez), o custo de uma viagem de ida e volta será inflacionado em 376,1%. Para rodar os 457,4 km de
ida e volta, o valor passará de R$ 9,20 para R$ 43,80 por eixo.Um caminhão com até nove eixos que tenha
de cruzar todo o trajeto pagará R$ 394,20 ...'(Folha de São Paulo, 02.11.08)
Tamanho o poder de dissuasão dessas concessionárias no meio político, que persuadiu também a oposição,
incluindo a mais renhida.
No Estado do RS, v.g., o PT ascendeu ao poder catapultado pelo contundente slogan: "Britto é o pedágio,
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Olívio é o caminho".
No Governo, capitulou, transigiu. 'Rectius'! Ratificou a barbárie. Iniciada a administração mediante dramática
encenação de inexorável batalha contra as concessionárias, brandindo radical posição pelo rebaixamento
das tarifas, ao final, bisonhamente, negociou com as empresas reajustes menores dos previstos nos
contratos. Todavia, o pedágio, antes cobrado apenas em um sentido de direção, passou a ser nos dois("sic
").
Nas eleições de 2002, teve a resposta. Foi derrotado. No RS, os únicos pedágios que contemplam o
interesse público(tarifas módicas e efetivo benefício com a duplicação das vias, as quais permitem tráfego
expresso, rápido) são os pedágios públicos, instituídos no Governo do PDT, Alceu Collares.
No Estado de SC, o Governo do PP, Esperidião Amin, contemporâneo a FHC, teve a prudência de não
imergir na privatização das estradas.
No Estado do PR, sucedendo Jaime Lerner, PFL - amicíssimo das concessionárias -, Roberto Requião,
PMDB, honrando sua biografia, busca cumprir promessa de campanha estatizando os pedágios, dando cabo
à farra com a coisa(estrada) pública.
No Estado de SP, o PSDB de Mário Covas esbaldou-se, multipedagiando os trilhos da locomotiva
econômica pátria.
Essas concessionárias, diretamente ou através de suas associações, em todo o Brasil, passaram a financiar
todos os espaços jornalísticos(rádio, jornal e televisão). No RS, a CPI dos Pedágios na Assembléia
Legislativa demonstrou que o maior gasto das concessionárias - superior à manutençãs da vias! - é com
propaganda.
Comercialmente, propaganda inútil, despiciendo, vez que, inexistindo via alternativa, defenestrada qualquer
concorrência.
Contrata-se, isto sim, a autocensura. O conivente silêncio com a improbidade.
Caso palmar da promiscuidade entre empreiteiras/concessionárias de pedágios e a "res publicae", Agentes
Políticos, estampou a Revista Isto É Dinheiro, 07.08.02, "O Corretor dos poderosos".
Os bingos, ora na vala comum da contravenção(art. 50 da LCP), afora o seu umbilical entorno, sonegação,
lavagem de dinheiro, degradação de caráter inerente à jogatina, etc., no Estado RS, chegaram a patrocinar
vultosa mídia, inusitadamente, conclamando as autoridades a "legalizar a atividade"("sic"). Nacionalmente,
também, pela Abrabin(Associação Brasileira dos Bingos), com requintes de atores globais nas sofisticadas
peças publicitárias.
Em suma, primor de ousadia. A ilegalidade, "rectius", delinqüência dos bingos, em campanha publicitária
pela sua legalização.
"Lobby do bingo tenta aliciar deputados - Lobista orienta empresários a financiar campanhas eleitorais de
políticos que apoiarem projeto de legalização do setor - Essa é a nossa orientação: não existe restrição nem
indicação de partido, o importante é que o doador tenha acesso ao candidato, diz Olavo Sales, presidente da
Abrabin(Folha de São Paulo, 28.05.06).
Isto não importa desqualificar o crucial papel, não apenas do papel escrito, mídia impressa, mas de toda a
Imprensa, rádio, televisão, internet, etc., à efetividade do Estado Democrático de Direito(vide tópico DO
PUBLICIDADE(SIGILO) PROCESSUAL).
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Bem celebrizou Jefferson, o notável ex-Presidente norte-americano, "verbis":
"Fosse deixado a mim decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não
hesitaria um momento em preferir este último. Mas insistiria em que todo o homem recebesse jornais e os
soubesse ler"("apud", Geraldo Ataliba, República e Constituição, RT, Coleção Temas Fundamentais de
Direito Público, 1985, p. 41).
A Imprensa tem função decisiva, fazendo romper a letargia das instituições judiciárias(vide tópico DA
PUBLICIDADE(SIGILO) PROCESSUAL).
Notadamente ante o naufrágio da Justiça frente o foro privilegiado(vide tópico DO FORO PRIVILEGIADO),
regra geral, a divulgação é a única justiça possível, informando, instrumentando o titular da soberania, o
povo(art. 1º, §único, c/c 14, "caput", da Constituição), a jurisdicionar no tribunal ao qual todos devem
curvar-se, qual seja, as urnas, nelas depositando a resposta ao contubérnio das instituições com a
impunidade.
Embora a democracia econômica ainda capitule frente ao abismo social, a democracia política, liberdade de
expressão, consolidou-se, incrementando a veiculações das diversas versões, rompendo os monopólios.
Mesmo órgãos de histórica parcialidade, a exemplo da Rede Globo, porta-voz da ditadura militar, premidos
pelo mercado da audiência, mais esclarecido, vigilante das intenções sub-reptícias, em natural espírito de
sobrevivência, progressivamente, majoram a fidelidade da notícia aos fatos.
De outra parte, inegável que, em tratando-se de colarinho branco, de per si, contrariamente às persecuções
comuns(v.g., furto, roubo, etc.), passa a ser notícia. Em contraposição aos delitos de mão pobre, que
passam in albis pela Imprensa, balizados pela alucinante reiteração, os de mão rica, colarinho branco, não
serão despercebidos.
Todavia, é dizer-se que o privilégio ao colarinho branco não é peculiaridade brasileira. Cumpre desvestir-nos
dos traumas, "complexo de vira-lata", consoante dizia Nelson Rodrigues, o notável cronista carioca, ferrenho
tricolor das laranjeiras(Fluminense), explicando a contradição do futebol brasileiro ser primoroso e, não
obstante, à época, não vencer competições internacionais.
Embora um pouco melhor, não muito distinta é a situação dos países ditos de 1º mundo.
Tanto é verdade que, quando preso colarinho branco, correm notícias internacionais(v.g., "Ex-executivos da
Enron são condenados por fraude - Sentença sai em 11 de setembro, e acusados podem pegar até 185
anos de prisão" - Folha de São Paulo, 26.05.06, retratando caso da bilionária fraude no mercado de capitais
dos EUA).
Fosse corriqueiro, não seria notícia!
Nos EUA, as prisões estão repletas de negros e latinos. Colarinho branco apenas na indumentária dos
reclusos. Os brancos, olhos azuis, na grade mesmo, tão somente nas telas de Hollywood. Na Itália, v.g., o
atual 1º ministro, Berlusconi, é tido pelos críticos probos como ícone do gangsterismo político.
No Brasil, apesar dos sempre renovados pesares, mediante marchas e contramarchas, temos progredido.
Antes sequer o colarinho branco era objeto de apuração. Posteriormente, investigado, invariavelmente
aquinhoado com a prescrição ainda na fase policial, sequer denunciado.
Hoje, o colarinho branco conheceu o status de réu, vários condenados, alguns cumprindo pena(v.g., Rio
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Grande do Sul vira um inferno para os sonegadores, Jornal Valor Econômico, 06.11.01).
O próprio desavergonhado lóbi, resultando na excrescência dessas leis abolicionistas, é prova cabal que a
Justiça Criminal começa jurisdicionar o "caput" da pirâmide social.
I.II.I - DA DEFESA
Compreendendo a complexidade do "colarinho branco", a Defesa descortina as inúmeras instâncias em que
pode postular em seu favor.
Especialmente o foro extrajudicial(vide tópico DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA
E JUDICIAL). Assim, buscará no Conselho de Contribuintes, Conselho de Recursos do Sistema Financeiro
Nacional, Tribunal de Contas, CADE, COAF, etc., decisões e/ou não decisões(procrastinações) que possam,
senão elidir, travar/retardar, a "persecutio criminis".
Notadamente através das entidades de classe do colarinho branco, o lóbi junto ao Executivo e Legislativo às
leis e manobras infralegais às freqüentes "abolitio criminis". Frente ao aparato da Justiça "lato sensu", Polícia
Judicária, Ministério Público, Poder Judiciário, etc., o lóbi/petição extra-autos.
O ímpar dinamismo do colarinho branco, cuja delinqüência, como visto, derroga os tradicionais conceitos de
"tempus delicti" e "locus delicti", afora a multiplicidade típica, normalmente estando o implicado subsumido a
várias condutas criminosas, sujeitas às diversas competências, Justiça Federal, Estadual, Eleitoral, foro
privilegiado, etc., ensancha à Defesa farto debate sobre competência jurisdicional e atribuições
investigatórias.
Na competência "ratione materiae" e "ratione personae"(foro privilegiado), v.g., pode semear nulidades
absolutas. Todavia, mesmo a competência relativa, "ratione loci", assume extraordinária relevância, à
medida que sua definição pode submeter a persecução a autoridades, Polícia Judiciária, Ministério Público,
Poder Judiciário(1ª e 2ª instâncias, TJ?s e TRF?s diversos), digamos, menos rigorosas, mais palatáveis ao
colarinho branco.
No debate do mérito "stricto sensu", a impessoalidade, terceirização do colarinho branco, é campo fértil à
negativa de autoria bem como a impugnação da denúncia, sabida a dificuldade, quase impossibilidade, da
descrição circunstanciada da conduta do imputado(vide tópico DA AUTORIA/DENÚNCIA) Dogmaticamente,
por sua vez, a multifacetada tipicidade do "colarinho branco" oportuniza amplo debate(vide típico DA
DOGMÁTICA).
I.III.II - DA ACUSAÇÃO
À Acusação cumpre demonstrar as peculiaridades do colarinho branco, de forma a impedir que os estreitos
limites do conhecimento jurisdicional,"capitis deminutio" imposta por quem atrofiou suas faculdades,
exercitando a repressão apenas contra os delitos de mão pobre, não premiem a torpeza do criminoso,
fazendo com que a resposta do Estado à delinqüência seja - ao invés de diretamente - inversamente
proporcional à inteligência do criminoso.
Quanto aos órgãos extrajudiciais, Polícia Judiciária, Fisco, Banco Central, etc., de um lado, deve brandir os
instrumentos de correição(v.g., Lei nº 8.429/92, etc.), de forma a estimulá-los a agir idoneamente.
De outra parte, cumpre ao Parquet utilizar suas atribuições institucionais, de forma a proteger os Agentes
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Públicos desses órgãos, Delegados de Polícia, Policiais, Auditores, etc., regra geral probos, sujeitos,
contudo, à perversa influência política do Executivo, procurando a imprescindível integração com esses
órgãos de investigação - combate crime organizado apenas o Estado organizado -, emprestando efetividade
à persecução.
A complexidade da criminalidade econômica também enseja à Acusação estabelecer estratégias, a exemplo
da discricionariedade do foro competente, buscando encetar a investigação onde a conjuntura(Polícia
Judiciária, Poder Judiciário, etc.) é mais audível ao clamor por Justiça contra o colarinho branco
Além disso, afora a competência e seriedade, premissas as quais deve inexorável obediência, o Ministerium
Publicum deve ser transparente, veiculando informações à Sociedade, instrumentando o controle social
sobre as instituições a quem foi delegado o monopólio da Justiça.
I.III - DA DOGMÁTICA (tipicidade, ilicitude, culpabilidade e devido processo legal)
A dogmática aborda os princípios, os fundamentos gerais do Direito Penal, a teoria do delito.
"A teoria do delito é uma construção dogmática que nos proporciona o caminho lógico para averiguar se há
delito em cada caso concreto" (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro,
RT, 1997, p. 386).
"Rectius", não apenas para "... averiguar se há delito em cada caso concreto", mas, principalmente, se pode
haver delito no caso 'sub judice', se é dado ao Legislador tipificar a conduta como criminosa, a Polícia
Judiciária investigar, o Ministério Público imputá-la como tal e ao Judiciário assim sancioná-la.
A 'persecutio criminis' sustenta-se em dois nortes: a) apuração do crime(materialidade); b) averiguação dos
culpados(autoria).
Tal qual a edificação da moradia, sob pena de ruir, pressupõe sólida sua fundação, antes de paroquializar o
debate ao caso concreto ?sub judice?, impende ferir os fundamentos do próprio Direito Criminal, sabido que
a persecução encontra sustentação(legitimação constitucional) apenas quando fundamentada.
Hoje, mais do que dantes, crucial dominar os fundamentos, eis que diariamente ameaçados pelo '
Estado-espetáculo e o cidadão-espectador'.
"A pós-modernidade se caracteriza por um ritmo extremamente intenso de mudanças e de acontecimentos,
com a redução dos limites de tempo e de espaço.
Também o Estado pós-moderno é um Estado em crise permanente. Não apresenta uma face estável e se
encontra em permanente modificação. As propostas de alteração nem são implementadas e já estão sendo
substituídas por outras. O mesmo se passa com o próprio Direito. As instituições políticas e jurídicas
adquirem as mesmas características do espetáculo(entretenimento) e da moda.
Pode-se falar numa espécie de 'Estado Espetáculo', destituído de objetivos específicos, a não ser produzir
manchetes jornalísticas. Algumas atividades estatais e jurídicas parecem ser desenvolvidas não para
promover mudanças efetivas na realidade, mas para manter a atenção do 'cidadão-espectador'. Há uma
espécie de compulsão pela modificação ou inovação, mesmo que destituídas de qualquer consistência ou
utlidade"(Prof. Dr. Marçal Justen Filho, "Curso de Direito Administrativo", Saraiva, 2006, p. 15)
Pelo sua extraordinária percuciência científica, explicitada por texto de magistral equação entre
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profundidade e síntese, não apenas em relação ao colarinho branco, à teoria do delito em geral,
recomenda-se "A Moderna Teoria do Fato Punível", Freitas Bastos, de Juarez Cirino dos Santos, entre
outros títulos, Doutor em Direito Penal pela UFRJ, Pós-Doutorado em Política Criminal e Filosofia do Direito
Penal na Alemanha.
Igualmente, "Direito Penal Econômico?, RT, autoria de Luiz Regis Prado, entre inúmeros títulos, pós-doutor
em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Zaragoza(Espanha), Promotor de Justiça no
Estado PR, etc., obra que comenta, sucinta e incisivamente, as tipicidades dos delitos econômicos.
O que não é visto, debatido, não é lembrado, mostrado, exigido. Embora a teoria do delito de todas as
tipicidades seja farta em complexidades, no colarinho branco pululam os nós górdios, ditados não apenas
pelas especiais sutilezas da incriminação, mas, principalmente, pela excelência dos Advogados(a) que
provocam o rico debate.
I.III.I - DA DEFESA
Potencializando os princípios do Direito Penal, pressupostos vitais à sanção, primados de sobredireito,
explicita ou implicitamente constitucionalizados, paladina a inaplicabilidade da penalização criminal no caso
concreto.
Prega-se, portanto, a incompatibilidade dos princípios fundamentais - fundantes, inerentes à pessoa
humana, não constituídos, apenas declarados pelo Estado, preponderantes mesmo a despeito de sua
vontade - do Direito Penal com a criminalização de atos próprios do jogo econômico.
A tanto, fonte indispensável é o Professor Luigi Ferrajoli, jurista italiano de projeção mundial,
minimalista(deflação penal), sob luzidio destaque, ora com sua clássica obra, prefaciada por Norberto
Bobbio, 'Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal', traduzida pelos Professores(a) Ana Paula Zomer,
Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes(RT/2002).
Em verdade, Ferrajoli não inova, apenas condensa, detalha, aprofunda, princípios que, embora já
sedimentados no Direito Criminal, quotidiana e veladamente, sob as mais diversas formas, remanescem
ameaçados de violação, sistematizando-os, celebrizando-os, mediante o rótulo de 'Teoria do Garantismo
Penal'.
Em suma, são os requisitos mínimos, premissas de sobredireito, 'norma normarum'(norma das normas), '
conditio sine qua non' a que o Estado deve subordinar-se para legitimar-se à sanção penal.
'El garantismo se opone, pues, al autoritarismo en politica y al decisionismo en derecho, propugnando, frente
al primero, la democracia sustancial y, frente al segundo, en principio de legalidad'('apud', Douglas Fischer)
Ferrajoli, obra cit. pp. 74/75, sistematiza a axiomatização: .
1. "Nulla poena sine crimine";
2. "Nullum crimen sine lege";
3. "Nulla lex(poenalis) sine necessitate";
4. "Nulla necessitas sine injuria";
5. "Nulla injuria sine actione";
6. "Nulla actio sine culpa";
7. "Nulla culpa sine judicio";
8. "Nullum judicium sine accusatione";
9. "Nulla accusatio sine probatione";
10. "Nulla probatio sine defensione";
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Tomando a classificação de Ferrajoli, são desenvolvidos os princípios, incluindo, enriquecendo, todavia, a
abordagem, com as lições de vários outros juristas.
1) "NULLA POENA SINE CRIMINE": é o princípio da retributividade, conseqüência da pena em relação ao
delito. Apenas e tão somente o crime enseja a pena corporal. Todos os demais ilícitos limitam-se a
conseqüências ditadas pelo Direito Civil, do Consumidor, Administrativo, Tributário, etc. Crime, cujo conceito
é profano, originário, expressado/sentido pela Sociedade, que o qualifica apenas às práticas mais abjetas,
radicalmente inconciliáveis com a convivência.
"A pena é a ?ultima ratio? na garantia do mínio ético"(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal,
Forense, Vol. I, Tomo I, 1958, p. 52)
"O crime é a negação do Direito e a pena, que é a negação do crime, é a confirmação do Direito. Essas duas
negações devem ser iguais, para que a segunda anule a primeira".(Hegel, "apud", Aníbal Bruno, Direito
Penal, Forense, Parte Geral, Tomo I, p. 108).
O crime, portanto, não tem sua definição subordinada ao bel-prazer do legislador. Tem natureza própria,
ôntica, vinculada requisitos fundamentais adiante delineados, cuja violação o desqualifica como fato
punível(adiante, vide 'nulla lex(poenalis) sine necessitate').
Nesse âmbito, a Defesa dirá que o colarinho branco, o avesso ao esteriótipo do marginal("cara de bandido"),
já que intensamente socializado, merecedor de destacado "status" pela Sociedade, plenamente incluído, "
rectius?, senhor do "statu quo", também não terá seus atos por ela abominados(reprovados), em
conseqüência, não podendo caracterizarem-se, ontologicamente, como crimes.
2) "NULLUM CRIMEN SINE LEGE": é a clássica reserva da lei(art. 5º, XXXIX da Constituição). O eterno
Mestre Assis Toledo, Coordenador da Reforma do CP/84, in "Princípios Básicos de Direito Penal", Saraiva,
1991, pp. 21/29, disseca este primado:
a) "Nullum crimen, nulla poena sine lege previa": a lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao
fato que quer punir. E só a lei em sentido estrito pode criar crimes e penas criminais. Entre outros, nota-se o
caso da tipicidade por abuso de autoridade, art. 4º, ?i?, da Lei nº 4.898/65, introduzida por medida
provisória, flagrantemente inconstitucional. Hoje, por força da EC nº 2/2001, a Carta Magna vedou
explicitamente (art. 62, §1º, I, ?b?).
A aberrante abertura da tipicidade por vezes afetada ao colarinho branco, por vias transversas, viola esse
princípio, uma vez que, na prática, tem-se uma lei a qual, em lugar de tipificar, definir, a conduta criminosa,
transforma todos os atos em potencialmente criminosos, delegando ao Julgador(a) absoluta liberdade na
sua definição.
Exemplo palmar está no art. 184 do CP: "violar direito autoral".Toda lesão ao Direito autoral(infinidade de
situações, sequer esgotadas pelos 115 artigos da Lei nº 9.610/98), de natureza civil, poderá ser apenado
criminalmente?! Outro, dos inúmeros casos, é o art. 12 da Lei nº 9.609/98: "Violar direitos de autor de
programa de computador"?! Respondendo-se positivamente, poderia ser tipificado: violar direito do trabalho,
violar direito do consumidor, violar direito tributário, violar direito administrativo, etc., e tudo, rigorosamente
tudo, seria crime!
Em última análise, trata-se, não de uma tipificação/restrição do que passa a ser delito, ato punível, mas sim
de uma atipificação/generalização do próprio poder de punir. Lei que usurpa poder sobreconstituinte de
prescindir da própria reserva legal. "... é preciso fazer do juiz árbitro de menos coisas possíveis..."(Luigi
Ferrajoli, obra cit., p. 59). Adiante, vide alínea ?d?(lex certa);
b) "Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta": sujeição apenas à lei escrita, formalizada segundo o
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devido processo legislativo, afastando-se a indefinição do costume como fonte de criação ou agravamento
de crimes.
Nesse âmbito, em favor do colarinho branco, a Defesa repele as exacerbações punitivas, muitas vezes
pautadas pelas ondas midiáticas - opinião publicada pela Imprensa que arroga-se(usurpa) legitimidade de
opinião pública -, catarse da irresignação com a impunidade que pessoaliza um "cristo" à crucificação,
situações nas quais, a exemplo da prisão cautelar que, ilegalmente, invoca o clamor público(STJ, RT
720/536) e do recrudescimento da aplicação da pena a titulo de culpabilidade(art. 59, "caput", do CP - vide,
acima, tópico I.I), na prática, desvios que desbordam da lei escrita, prévia aos fatos, inserindo valores
circunstanciais, 'contra' e 'praeter legem'.
c) "Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta": vedação à analogia (integração do sistema jurídico
ante a ausência de lei) para criar ou agravar pena, não se confundindo com a interpretação analógica
(tem-se presente a norma, apenas que carente de complementação, v.g., tipos em branco), que é permitida.
Admitindo-se, todavia, a analogia in bonam partem - 'ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio'(onde existe
a mesma razão fundamental prevale idêntica regra de direito) -, objetivando beneficiar o réu, v.g., art. 181, I,
do CP, eximindo não apenas o cônjuge, como também o companheiro(união estável).
Analogia 'in bonam partem' amplamente aplicável ao colarinho branco, cujo poderoso lóbi legislativo produz
casuísmos aos borbotões, v.g., o art. 34 da Lei 9.249/95, que extinguiu a punibilidade da sonegação fiscal
quando quitado o valor antes de recebida a denúncia(Leis nº 8.137/90 e 4.729/65), estendida aos delitos
contra a sonegação previdenciária(art. 168-A do CP - STF, HC 73.418-9, Rel. Min. Carlos Velloso,
Informativo STF nº 28), ampliada às hipóteses de mero parcelamento(STJ, Rel. Min. Gilson Dipp, RHC
11.598-SC, Informativo do STJ nº 133).
A farta presença de elementos normativos, técnico-jurídicos, na tipicidade do colarinho branco, remetendo
às diversas áreas extrapenais, sabidamente repletas de casuísmos, dispositivos permissivos, exculpantes,
permite também sua invocação na persecução criminal, com bem aponta Zaffaroni, "verbis":
"Com referência à analogia 'in bonam partem', cabe precisar que no caso de causas de justificação que, por
remissão do direito penal a outros campos legislativos (em virtude do art. 23, III, do CP) sejam outros ramos
do direito que devam precisar seus limites, é lícita a analogia se nestas legislações ela é admitida"((Eugênio
Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 71).
d) "Nullum crimen, nulla poena sine lege certa": "A exigência de lei certa diz com a clareza dos tipos, que
não devem deixar margens a dúvidas nem abusar do emprego de normas muito gerais ou tipos
incriminadores genéricos, vazios". (Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, 1991, Saraiva, p. 29).
A extrema abertura dos tipos que criminalizam o colarinho branco, repletos de elementos normativos,
seguidamente incide neste vício. É a imposição da taxatividade da norma - lex certa - que remonta ao
Iluminismo, Século XIX, o qual reinvindicava a clareza das leis, inteligibilidade por qualquer do povo.
"O Direito é a arte de traçar limites e um limite não existe senão quando é claro"(Scialoja, apud, Enrico Ferri,
Princípios de Direito Criminal, Bookseller Editora, p.86).
Lapidar, uma vez mais, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Volume II, Tomo II,
p. 21, "verbis:
"... Segundo Soler (La formulación actual del principio: ?No hay delito sin ley previa?), a doutrina em torno da
tipicidade assinala um progresso da fórmula nullun crimen sine proevia lege, acentuando que ?la sola
existência de ley previa no basta: esta ley debe reunir ciertos caracteres; debe ser concretamente
definitoria de uma acción, debe trazer uma figura cerrada em si misma, em cuya virtud se conozca no
solamente cual es la conducta compreendida sino también cuál es la no comprendida?. O só requisito
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da lex previa poderia ser iludido pela formulação de um preceptum aberto, ou vago, deixando sem nítidos
contornos o fato incriminado, de modo a ensejar francamente a analogia. Assim, o requisito da tipicidade não
seria apenas um elemento indiciário do crime, senão também um obstáculo a que o legislador penal
desrespeite, indireta ou obliquamente, o princípio de proibição da analogia." (grifei).
"Nullum crimen sine typo": não há crime sem tipo!
Como lembra o Procurador Regional da República, José Alves Paulino(Crimes contra a Ordem Tributária,
Brasília Jurídica, 1999, p. 43), na delimitação de quais seriam os documentos fiscais cujo falsum e/ou
omissão seriam punidos(art. 1º, II, da Lei nº 8.137/90), elemento normativo técnico-jurídico, há (in)definições:
"todos os livros de escrituração obrigatórios, por legislação fiscal específica", ... "os documentos e demais
papéis que serviram de base para apurar os valores"(art. 18, IV, da Lei 8.541/92; art. 3º, § único, da Lei nº
8.023/90; art. 161 do Decreto nº 85.450/80).
Ante tamanha abrangência, quais os documentos cuja falsificação ou omissão não constitui-se em crime?!
Todos?! Então, tudo passa a ser crime?! Sendo tudo, inexiste tipicidade, cuja essência é, precisamente o
inverso à universalidade, ou seja, é a restrição, eleição específica da conduta incriminada.
"Os juízes devem recordar que seu ofício é ?jus dicere? e não ?jus dare?; interpretar o direito e não fazer o
direito ou criar o direito" (Luigi Ferrajoli, Direito e Razão, RT, 2002, p.59).
Intolerável a judiciocracia.
A ilimitada abertura dos tipos outorga ao Juiz(a) o poder de, não apenas dizer, mas conceber/criar o próprio
direito/?jus puniendi".
"A superação do positivismo de nenhum modo pode implicar o abandono da positividade do Direito"(Paulo
Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 10ª edição, Malheiros, p. 237)(A violação à certeza - 'lex certa' -,
na prática, ausência da própria lei, confunde Legislador e Julgador, violação à tripartição dos poderes, '
contra legem, bench legislation', como diria-se o direito norte-americano.
A exorbitante abertura(atipicidade) dos tipos enseja aplicação quando outras normas os fecham,
circunscrevem. Exemplo é o delito de desacato às normas financeiras. O art. 59, §4º, da Lei nº 4.320/64, de
idêntico "status" à penal, diz que a violação àquela norma financeira tipifica o art. 1º, V, do Dec.-Lei nº
201/67.
Exemplo "sui generis" de aberrante extensão é a criminalização da reincidência, sequer definindo sua
caracterização, de infração administrativa "lato sensu", Lei de Introdução ao Código Penal, Dec.-lei nº
3.914/41, "verbis?:
"Art. 6º. Quem, depois de punido administrativamente por infração da legislação especial sobre caça,
praticar infração definida na mesma legislação, ficará sujeito à pena de prisão simples, por 15(quinze) dias a
3(três) meses."
Outro caso da ilimitada abertura dos tipos, verdadeira atipificação da punição penal, é o art. 68 da Lei nº
9.605/98, chegando ao despropósito de criminalizar a violação, não apenas ao dever legal, mas também ao
contratual.
Essa tipicidade do colarinho branco, por excelência aberta, está repleta de elementos normativos, normas
penais em branco, conceitos difusos, controvertidamente enunciados por outros ramos jurídicos(Direito
Tributário, Comercial, Administrativo, Civil, normas infralegais - decretos, resoluções, portarias - ato próprio
dos porteiros, como diria o saudoso Prof. Geraldo Ataliba -,etc.), extrajurídicos (v.g., contabilidade,
economia, administração, etc.), e culturais, ensejando extensa liberdade interpretativa, dando asas à
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imaginação, subjetividade do Julgador(a) (v.g., Lei nº 7.492/86, art. 2º: "... outro documento representativo de
título ou valor imobiliário."; art. 3º: "Divulgar informação ... prejudicialmente incompleta ..."; art. 4º: "Gerir
fraudulentamente ..."; art. 4º, § único: "Se a gestão é temerária"; art. 5º: "... sem autorização de quem de
direito."; art. 22, § único: "... não declarados à repartição federal competente." - Lei nº 8.137/90, art. 1º, "
caput": "... qualquer acessório ..."; art. 1º, II: "... elementos inexatos ..."; art. 1º, III: "... qualquer outro
documento relativo à operação tributável"; art. 1º, IV: "... documento que saiba ou deva saber falso ou
inexato"; art. 5º, IV: "recusar-se, sem justa causa, o diretor ... a prestar à autoridade competente ou prestá-la
de modo inexato, informação sobre o custo de produção ..."- Dec.-lei nº 201/67, art. 1º, V: "... ordenar ou
efetuar despesas ... em desacordo com as normas financeiras pertinentes" - Lei nº 8.078/90, art. 67: "Fazer
ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva" - art. 171, "caput", do CP: "...
qualquer outro meio fraudulento ..."; - art. 317, "caput", do CP: "... vantagem indevida ..."; etc.).
Sobre os elementos do tipo, vide quadro sinóptico da Teoria do Delito.
Estrutura do Tipo Objetivo (Teoria Finalista)
clica no centro do quadro para ampliar
Intimamente vinculada ao princípio da reserva legal está a retroatividade e a ultra-atividade da "lex mitior"
(art. 5º, XL, "in fine", da Constituição).
Uma das características do colarinho branco é a intensa ligiferação (vide tópico DA JURISDIÇÃO),
ensejando farta aplicação deste princípio.
Várias são as hipóteses de benefícios ao colarinho branco, valendo referir o elenco do Mestre Nelson
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Hungrua, Comentários ao Código Penal, 4ª edição, Forense, Tomo I, p. 111/112, "verbis":
"A lei posterior apresenta-se mais favorável que a lei anterior, para o efeito de retroatividade, não só quando
elimina a incriminação de um fato, como quando, de qualquer modo, beneficia o réu. Pode isto acorrer,
notadamente, quando:
a) a pena cominada atualmente ao crime é mais branda, quanto à sua natureza, que a da lei anterior;
b) a pena atual, embora da mesma natureza, é menos rigorosa quanto ao modo de execução;
c) o ?quantum? da pena ?in abstracto? é reduzido ou, mantido esse ?quantum?, o critério de sua medida ?in
concreto? é menos rígido que o da lei anterior;
d) são reconhecidas circunstâncias que influem favoravelmente na gradação ou medida da pena
(atenuantes, causas de especial diminuição de pena ou condições de menor punibilidade), alheias à lei
anterior, ou suprime agravantes ou majorantes (qualificativas, causas de especial aumento de pena ou
condições de maior pnibilidade);
e) institui benefícios (no sentido da eliminação, suspensão ab initio ou interrupção da execução da pena)
desconhecidos da lei pretérita, ou facilita sua obtenção;
f) cria causas extintivas de punibilidade ou torna mais fácil o ser advento;
g) estabelece condições de processabilidade que a lei anterior não exigia;
h) acresce as causas de irresponsabilidade penal, de isenção de pena, de exclusão de crime ou de
culpabilidade;
i) exclui ou atenua penas acessórias;
j) suprime a concessibilidade de extradição."
3) "NULLA LEX(POENALIS) SINE NECESSITATE": traduzido pelo princípio da necessidade da tutela
penal.
"a lei só pode proibir os atos prejudiciais à sociedade ..."(art. 5º da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, França/1789).
Constituição do Império, 1824, art. 179, II, "verbis":
"Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública".
"Pretender a segurança e ignorar o limite que ela mesma impõe à sua tutela é uma incoerência em que o
meio destrói o fim." (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p.
71).
Assim desdobrado:
a) "Ultima ratio regum": o ius puniendi apenas in extremis do bem jurídico protegido. O Direito Penal é a
última razão(ratio), recurso extremo, draconiano, do Estado, limitado a proteger os bens jurídicos cuja tutela
pelos demais ramos(Direito Civil, Comercial, Tributário, Administrativo, Trabalhista, Consumerista, etc.)
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sejam insuficientes.
Nelson Hungria, do púlpito de sua proverbial maestria, pontifica, "verbis":
"A pena é a ?ultima ratio? na garantia do mínio ético" (Comentários ao Código Penal, Forense, Vol. I, Tomo
I, 1958, p. 52)
"Apenas um 'mínimum' de exigências da ordem moral (isto é, somente aquelas que condicionam
necessariamente a paz e a disciplina sociais) é avalizado pela ordem jurídica. O direito em geral, pelo
conteúdo de seus preceitos, é o mínimo ético, podendo dizer-se que o direito penal, em particular, é o
mínimo do mínimo ético, isto, bem entendido, como nota Schmoller, do ponto de vista do seu conteúdo e
extensão. pois, do ponto de vista de sua eficácia e resultado, representa o máximo ético." (Nelson Hungria,
obra cit. Tomo II, p.154).
Binding: "como o Estado só deve chamar a si um mal para afastar outro maior, assim deve servir-se da pena
somente quando o mal de sua não aplicação seja maior que o da sua aplicação" ('apud', Nelson Hungria,
Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I, Tomo II, p. 30).
"... Daí a conhecida afirmativa de Von Ihering de que a história da pena é a da sua constante abolição
"(Anibal Bruno, 'Direito Penal', Forense, 1978, Tomo I,).
Assis Toledo, "verbis":
"Note-se que a gradação qualitativa e quantitativa do injusto, referida inicialmente (supra, n. 123), permite
que o fato penalmente insignificante seja excluído da tipicidade penal, mas possa receber tratamento
adequado - se necessário - como ilícito civil, administrativo, etc., quando assim o exigirem preceitos legais
ou regulamentares extrapenais. Aqui, mais uma vez, se ressalta a maior amplitude e a anterioridade da
ilicitude em relação ao tipo legal de crime." ('Princípios Básicos de Direito Penal', 5ª edição, 1994, p.
133/134).
Zaffaroni, "verbis":
"As relações entre o direito penal e o direito administrativo tornaram-se problemáticas. Uma tendência - no
geral autoritária - pretende ampliar o campo de autuação do direito administrativo às expensas do direito
penal; outra tendência, ao contrário, penaliza verdadeiras questões administrativas. Dentro da primeira
propensão encontra-se a tentativa de levar para o âmbito do direito administrativo, o direito penal militar e o
direito contravencional. Problemas semelhantes encontramos nas propostas do direito disciplinar, do
chamado ?direito penal administrativo?. Do direito penal fiscal e do direito penal econômico..." (Eugênio Raúl
Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 148 - grifou-se).
Aqui, sabido que o colarinho branco, na sua quase totalidade, está sujeito às instâncias administrativas e/ou
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judicial/civil, passíveis de gravosa penalização, incluindo indisponibilidade de bens que garantam a
reparação do dano, v.g., gestores de instituições financeiras(art. 44 da Lei nº 4.595/64; art. 36 da Lei nº
6.024/74), contribuintes(art. 44 da Lei nº 9.430/96; art. 64 da Lei nº 9.532/97; Lei nº 8.397/92), empresários
nas infrações à ordem econômica(arts.23/27 da Lei nº 8.884/94), etc., a Defesa dirá da sua relevância
puramente extrapenal, já suficientemente sancionada, além de não atingir o "status" mínimo à punição
criminal.
"Proibir uma multiplicidade de ações indiferentes não é evitar os delitos que não podem surgir, mas criar
outros novos"(Beccaria, apud, Luigi Ferrajoli, 'Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal', RT, 2002,
p.372)
A Defesa sustentará a ilegitimidade do Direito Criminal que, extravasando a tutela dos direitos individuais, de
primeira geração(v.g., vida, integridade física, liberdade, etc.), adentra à proteção dos de segunda e terceira
gerações(conceitos desses direitos, vide, adiante).
O Professor da Universidade Estadual/RJ, Doutorado em Direito Penal na Alemanha, Procurador Regional
da República, por várias oportunidades tendo integrado comissões destinadas a propor reformas na
legislação penal, Juarez Tavares, na sua 'Teoria do Injusto Penal', Del Rey, 2000, "verbis?:
"A norma penal tem, assim, caráter limitativo e não está associada a qualquer sistema teleológico de
proteção ou de realização social. Esse caráter limitativo deve valer tanto para a fase legislativa de sua
elaboração, quanto para a fase judicial de sua aplicação, refere-se tanto à legalidade quanto à oportunidade
da intervenção.
(...)
Vale destacar também, como condição de uma teoria democrática do injusto penal, que não se pode
confundir a proteção de direitos humanos, os quais se inserem naqueles direitos fundamentais, como
proteção às pretensões políticas e sociais do Estado. Proteger o âmbito de liberdade individual é diferente
de proteger o Estado. Por direitos humanos, acolhendo-se o conceito preciso de Alexy, deve-se
compreender unicamente os direitos do individuo e não os chamados direitos humanos de outras dimensões
ou gerações, que nada mais são do que direitos comunitários ou estatais" (obra cit., pp. 120/121)
(...)
"No fundo, toda evolução do tipo conduz a caracterizá-lo cada vez mais como instrumento de proteção de
políticas criminais do Estado, cuja fusão de metas com os preceitos emanados dos direitos humanos de
segunda e terceira gerações, que são direitos puramente comunitários ou estatais e não verdadeiros direitos
humanos, gera sua desconstituição como instrumento de garantia individual." (obra cit. P. 148).
Luigi Ferrajoli, 'Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal', RT, 2002, p.91, rebatendo a incriminação do
colarinho branco como 'conditio sine qua non' do 'welfare state', "verbis":
"aqui basta dizer que um Estado social máximo pode perfeitamente conviver - como felizmente a história o
demonstra de modo amplo - com um direito penal mínimo; e que, ainda mais, a conjunção entre Estado
social máximo e direito penal mínimo expressa precisamente de deveres públicos dos órgãos estatais positivos (ou obrigações) e negativos (ou proibições) - que caracterizam o Estado de direito em sua forma
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mais complexa e desenvolvida, idônea a maximizar os vínculos do poder estatal e, por sua vez, de suas
funções de garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos."
Sintetizando, Ferrajoli ainda fala da "parábola involutiva da doutrina do bem jurídico: da tutela de direitos
subjetivos à tutela do Estado"(ob.cit. p. 374).
A Defesa dirá que a hipertrofia do Estado está na razão inversa das garantias individuais, valendo lembrar, "
mutatis mutandis", com Nelson Hungria, quanto à Alemanha Nazista, "verbis":
"... que a dialética dos modernos juristas alemães, postulando a absorção do individuo pelo Estado, não tem
outro objetivo que a defesa da legitimidade do incondicionado poder de Hitler"('Comentários ao Código
Penal', Forense, 1958, Vol. I. Tomo I, p. 19).
b) "De minimis non curat praetor" : o princípio da insignificância.
Assis Toledo, "verbis":
"O crime não tem apenas um modo de ser objetivo que o caracteriza, mas também por assim dizer, um
peso, de sorte que há um limite de suficiência, por qualidade e quantidade da empresa criminosa. Aquém
desse limite qualitativo quantitativo, não há racional consistência de crime, nem de justificação de pena."
(Aldo Moro). ... "O Direito Penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a
proteção do bem jurídico. Não deve preocupar-se com bagatelas" ('Princípios Básicos de Direito Penal',
Saraiva, 5ª edição, 1994, p. 133/134).
A Defesa sustentará a exigüidade do dano ou, não obstante existente, reparável civil e/ou
administrativamente.
c) Princípio da proporcionalidade: emanação do "substantive due process of law"(art. 5º, LIV, da Carta
Política), a Constituição da República consagrou o princípio da razoabilidade/proporcionalidade/proibição do
excesso, cuja definição vem enunciada mediante análise tripartida. Primeiro, adequação, se a
medida(incriminação) adotada seja suscetível de atingir o objetivo escolhido(prevenir a reincidência).
Segundo, necessidade, se essa medida(incriminação) escolhida, meio empregado, não excede os limites
indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja, porventura existente outra de menor
lesividade(v.g., sanções administrativas/civis). Entre dois males, mister escolher o menor. Terceiro,
proporcionalidade "stricto sensu", custo-benefício, ponderação entre a medida e o resultado.
Na Inglaterra, Carta Magna de 1215, consagrando o julgamento pelos confrades sociais, bem assim a
proporcionalidade da pena, "verbis":
"Earls and barons shall be fined only by their equals, and in proportion to the gravity of their."
Princípio constitucional da proporcionalidade que, v.g., tem levado a Suprema Corte ao extremo de,
reiteradamente, fulminar leis em sentido formal, acatando a inconstitucionalidade por ofensa à
razoabilidade/proporcionalidade(v.g., ADIMC-1.158/AM, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 26.05.95, p. 15154 ADIMC 1.753/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 12.06.98, p. 51 - ADIMC 2.209/PI, Rel. Min. Maurício
Corrêa, DJU 01.09.00, p. 105 - ADIMC 1.105/DF, Rel. Paulo Brossard, DJU 27.04.01, p. 57 - ADIMC
2.294/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 25.05.01, p. 10 - ADI 609/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU
03.05.02, p. 13 - ADI 2.019/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão -).
Sendo princípio que fulmina comandos legais de outras áreas, v.g., tributária, administrativa, civil, etc., 'a
fortiori', no Direito Penal, instrumento mais gravoso do Estado, ipso jure, sujeito a mais rigores em prol das
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garantias individuais.
Aqui, a Defesa suscitará que o Direito Penal é instrumento desarrazoado à conduta do 'colarinho branco,'
reprimível por outros mecanismos(vide STF, HC 82.969-PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, 20.09.03, Informativo
do STF nº 323).
e)Princípio da adequação social(ação socialmente adequada):
"A teoria da ação socialmente adequada firma-se na consideração de que as ações postas em prática com o
necessário cuidado, embora possam ser perigosas ou até mesmo lesivas, não incidem em nenhuma figura
típica posto que, por sua utilidade social, mostra-se conforme a vida societária num determinado momento
histórico" (Jescheck).
O colarinho branco, por excelência, é um perfeito adaptado à sociedade, regra geral, gozando de prestígio
comunitário. Em razão disso, a Defesa sustentará a ausência de reprovabilidade que justifique a punição.
f)Princípio da laicização do Estado, secularização do Direito
Luciano Feldens, "verbis":
"A título de mera explicitação, traga-se à colação, como barreira imposta ao sistema penal incriminador, o
princípio da secularização - laicização, se tomado o termo em sua acepção derivada (secularisation - de
Létat) - dos sistemas jurídicos, a afastar sua incidência sancionatória em face de condutas que se ponham a
revelar mera inobservância de regras morais e/ou religiosas externadas como manifestação do pensamento.
Rigorosamente, não deve/pode ser esse o alvo do Direito Penal. Como vimos de referir, sob os auspícios do
Estado Democrático de Direito, comportamento criminoso não se confunde com o comportamento
pecaminoso".
Seguindo, Feldens, agora invocando Salo de Carvalho, "verbis?:
"o princípio da secularização foi incorporado em nossa realidade na Constituição Federal de 1988 sob o
signo dos princípios da inviolabilidade e do respeito à vida privada (art. 5º, X); do resguardo da liberdade de
manifestação do pensar(art. 5º, IV); da liberdade de consciência e crença religiosa(art. 5º, VI); da liberdade
de convicção filosófica ou política (art. 5º, VII); e da garantia da livre manifestação do pensar (art. 5º, IX) ..." ('
Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco', Livraria do Advogado,2000, p. 42).
Nesse âmbito, a Defesa dirá que a criminalização do colarinho branco, devassa da intimidade(v.g., quebra
de sigilo bancário, etc.), ferem reservas individuais do cidadão, inexpugnáveis pelo Estado.
4)"NULLA NECESSITAS SINE INJURIA": princípio da lesividade ou da ofensividade do evento. Não basta à
imputação a tipicidade, tampouco a necessidade, relevância da tutela a justificar a sanção penal, sendo
fundamental demonstrar a efetiva agressão ao bem jurídico protegido.
"Summum ius, summa injuria."
Nelson Hungria,"verbis":
"Bem jurídico é tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade da existência humana (existência do homem
individualmente considerado e existência do homem em estado de sociedade), e interesse é a avaliação ou
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representação subjetiva do bem como tal (..). Bem ou interesse jurídico é o que incide sob a proteção do
direito in genere. Bem ou interesse jurídico penalmente protegido é o que dispõe da reforçada tutela
penal(vida, integridade corporal, patrimônio, honra, liberdade, moralidade pública, ..." ('Comentários ao
Código Penal', Forense, 1958, Vol. I., Tomo II, p. 10).
Assis Toledo, "verbis":
"... bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social,
e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas." (Princípios
Básicos de Direito Penal, Saraiva, 1991, p. 16).
Zaffaroni, "verbis":
"A antinormatividade não é comprovada somente com a adequação da conduta ao tipo legal, mas requer
uma investigação do alcance da norma que está anteposta e que deu origem ao tipo legal, e uma
investigação sobre a afetação do bem jurídico. Esta investigação é uma etapa posterior do juízo de
tipicidade que, uma vez comprovada a tipicidade legal, obriga a indagar sobre a normatividade, e apenas
quando esta se comprova é que se pode concluir pela tipicidade penal da conduta." (Direito Penal Brasileiro,
RT, 1997, p. 458).
"... a vida gera interesses; a proteção jurídica desses interesses constitui a ordem jurídica, que assim os
transforma em bens jurídicos" (Binding, "apud", Enrico Ferri, 'Princípios de Direito Criminal', Editora
Boolseller, p. 98).
"A tipicidade penal requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, (obra cit. P. 459), viole a
norma e afete o bem jurídico" (Zaffaroni, 'Direito Penal Brasileiro', RT, 1997, p. 459)
Vide o percuciente "Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição", RT, Ângelo Roberto Ilha da
Silva, Procurador da República no RS, Doutor em Direito pela USP, RT, 2003).
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Nesta seara, a Defesa questionará a lesividade a bem jurídico relevante à defesa social.
5)"NULLA INJURIA SINE ACTIONE(NULLUM CRIMEN SINE CONDUCTA)": o princípio da materialidade
ou exterioridade da ação. Impõe-se ação do imputado voltada ao resultado criminoso. Debate-se desde
situações excludentes da ação, onde o agente é agido(atua sem consciência e/ou vontade), como a coação
física absoluta, movimentos reflexos, estados de inconsciência, etc., perpassando as diversas correntes
sobre a ação humana, informadoras dos ordenamentos jurídicos, Teoria Causal da Ação, Teoria Finalista
da Ação - justificando essa teoria, balizadora da reforma penal de 1984, o Coordenador do anteprojeto,
Assis Toledo, reportando-se a Welzel: "as normas jurídicas não podem, pois, ordenar ou proibir meros
processos causais, mas somente atos orientados finalisticamente, ações ou omissões desses mesmos atos"
- e Teoria Social da Ação, adentrando, após superada a análise da ação, ao nexo causal entre a ação e o
resultado, também sob as diversas correntes de pensamento, Teoria da Totalidade das Condições, Teoria
da Equivalência das Condições("conditio sine qua non"), Teoria da Causalidade Adequada, Teoria da
Predominância e Teoria da Relevância Jurídica, chegando, finalmente, à análise de concausas preexistentes
e/ou concomitantes, bem assim as supervenientes relativamente independentes, que eventualmente possam
ter interferido no nexo causal, elidindo a possibilidade de imputação do resultado ao acusado.
Sobre essa temática, mais recentemente, adveio a Teoria da Imputação Objetiva, tendo como um dos seus
defensores o Catedrático em Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn, Alemanha, Dr.
Günther Jakobs(vide "Imputação Objetiva no Direito Penal", tradução do Prof. André Luís Callegari, RT,
2000), a qual aderiram doutrinários pátrios, a exemplo de Damásio Evangelista de Jesus.
Com a máxima vênia, mediante rotulagem distinta, essa teoria simplesmente reitera debates e soluções
apresentadas por diversas outras(v.g., Teoria da Causalidade Adequada), não apresentando qualquer
evolução dogmática consistente.
Assis Toledo, "verbis":
"... causalidade, ou seja, o elo de ligação entre a ação humana e o evento, não é puramente naturalístico,
pois deve ser valorado, aferido, conjuntamente com o elemento subjetivo do agente. Em outras palavras, a
causalidade relevante para o Direito Penal é aquela que foi(dolo) ou pelo menos deveria(culpa) ter sido
visualizada, prevista, antecipada na mente do agente. Com isso, o dolo e a culpa limitam, na cadeia causal,
que pode ser infinita, o segmente dessa cadeia relevante para o Direito Penal ... ('Princípios Básicos de
Direito Penal', Saraiva, 1991, p. 113).
Dada a especial complexidade do "iter criminis" do colarinho branco(vide tópico DO "MODUS OPERANDI
"/PERFIL), o debate sobre a ação do acusado enseja pródigo campo à Defesa, fartos subsídios à negativa
de autoria(vide tópico DA AUTORIA/DENÚNCIA) notadamente sabendo-se que vicejam condutas omissivas,
nas quais não se afere o nexo de causação entre a ação do acusado e o resultado, mas sim o nexo de
evitação do resultado a que ele estaria obrigado(dever e possibilidade de agir na evitação - vide Eugênio
Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, 'Direito Penal Brasileiro', RT, 1997, p. 541).
6)"NULLA ACTIO SINE CULPA": culpa 'lato sensu', incluindo dolo e culpa 'stricto sensu' (integrantes da
culpabilidade na Teoria Causal e do tipo na Teoria Finalista), e da própria culpabilidade 'stricto sensu'
(reprovabilidade da conduta).
A propósito de culpa, dolo, erro de tipo e de proibição, vide tópico DA AUTORIA.
Inexiste crime sem responsabilidade subjetiva, pessoal, individualizada, contrariamente, v.g., ao Direito
Civil, cuja tendência, visando compensar juridicamente uma desigualdade econômica, é objetivar a
responsabilidade(v.g., Estado na responsabilidade civil, do fornecedor nas relações de consumo, etc.).
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No colarinho branco, caracteristicamente perpetrado mediante interposição de pessoas jurídicas, reincidem
normas explicitando a responsabilidade penal aos gestores(v.g., art. 6º da Lei nº 4.729/65, art. 37 da Lei nº
5.250/67, art. 51 da Lei nº 6.766/79, art. 25 da Lei nº 7.492/86, art. 11 da Lei nº 8.137/90).
Sua hermenêutica, entretanto, não pode prescindir do dogma da culpabilidade, impondo-se à Acusação o
ônus de provar o inequívoco vínculo pessoal(subjetivo) com os fatos criminosos.
A Defesa, explorando a impessoalização do colarinho branco(vide tópico DO "MODUS OPERANDI
"/PERFIL), argüirá a inexistência de vínculos subjetivos necessários à condenação, impugnando a própria
denúncia, suscitando violação à garantia da descrição circunstanciada dos fatos imputados (vide tópico DA
AUTORIA).
Entre os componentes da culpabilidade: a)imputabilidade; b)potencial conhecimento da antijuridicidade;
c)inexigibilidade de conduta diversa, dispõe-se sobre os últimos, vez que o primeiro, no colarinho branco,
excetuados os acometidos de súbita "loucura" pela "insanidade" da Justiça que ousa justiçá-los, tal qual os
demais pobre mortais, não apresenta peculiaridades em relação aos demais delitos.
Culpabilidade é a reprovabilidade(censurabilidade) da conduta. O 'substantive due process of law' impõe o
Direito Penal da culpabilidade. "O princípio da culpabilidade estende-se, assim, a todo o Projeto"(Assis
Toledo, Exposição de Motivos à Reforma do CP/84).
Assis Toledo, "verbis":
"A censura de culpabilidade pressupõe tenha podido o autor formar sua resolução de ação antijurídica mais
corretamente, ou seja, de acordo com a norma. E isto não em um sentido abstrato de algum homem no lugar
do autor, mas no mais concreto sentido de que este homem, nesta situação, tenha podido formar sua
resolução de vontade de acordo com a norma?. (Welzel, 'apud', Francisco de Assis Toledo, Princípios
Básicos de Direito Penal, Saraiva, 1991, p. 233).
Não obstante, a culpabilidade, reprovabilidade da conduta, deva ser examinada no caso concreto, mercê de
suas peculiaridades, não significa olvidar que a censurabilidade sempre é aferida em cotejo com um padrão
de comportamento que seria exigível do imputado - exigibilidade ou não de conduta diversa -, definido pela
Sociedade, qual seja, o 'homo medius'.
No dizer de Hungria, "verbis":
"O direito penal não é formulado tendo-se em vista o super-homem, o herói, o santo; mas o homo medius, o
homem normal. Sobre este já escrevemos alhures: ?O homem normal deve ser entendido sob o ponto de
vista estatístico, isto é, tendo-se em conta id quod plerumque accidit. Não interessa ao nosso tema saber se
há um homem rigorosamente normal, segundo um tipo ideal psicológico; mas apenas que há um homem
normal como símbolo e medida de diligência ordinária. Segundo Dr. Tullio, o homem normal é aquele que
consegue atingir e adquirir, pela influência da educação e de ambiente, uma suficiente capacidade de
prever, de avaliar e de inibir-se, de modo a poder facilmente adaptar-se às exigências complexas da vida
social e, pelo menos, às restrições da moral codificada." (Nelson Hungria, 'Comentários ao Código Penal',
Forense, 1958, Vol. I., Tomo II, p.188).
O 'homo medius' é o "reasonable man" dos anglo-saxões(vide Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique
Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 514).
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Essa individualização da culpabilidade ao caso sub judice é crucial, pois dela emana juízo que vai da
punição gravosa á absolvição com louvor.
"De fato, o estudo da culpabilidade consiste na pesquisa de defeitos na formação da vontade antijurídica
"(Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 214).
A especial característica da tipicidade do colarinho branco, tipos anômalos, repletos de elementos
normativos(acima, vide Nullum crimen sine lege - Nullum crimen, nulla poena sine lega certa), enseja aceso
debate sobre excludente típica da culpabilidade - pertinente à consciência da ilicitude -, o erro de
proibição(art. 21 do CP).
Assis Toledo, agora relativamente à evitabilidade do erro de proibição, ""verbis":
"É o seguinte o quadro que traçamos para a evitabilidade, portanto para a inescusabilidade do erro de
proibição: 1º) exclui-se o erro de proibição relevante quando o agente atue com uma consciência profana do
injusto; 2º) é ele ainda excluído quando o agente: a) atue sem essa consciência, apesar de lhe ter sido fácil,
nas circunstâncias (com o próprio esforço de inteligência e com os conhecimentos hauridos da vida
comunitária de seu próprio meio), atingir tal consciência, profana; b) atue sem essa consciência (ignorantia
affectata do direito cnônico) por ter, na dúvida, deixado propositadamente de informar-se para não ter que
evitar uma possível conduta proibida; c) atue sem essa consciência (ignorantia vincibilis do direito canônico)
por não ter procurado informar-se convenientemente, mesmo sem má intenção, para o exercício de
atividades regulamentadas.?
A Defesa buscará minimizar a censurabilidade do colarinho branco, chegando a justificar, não obstante
presentes tipicidade e ilicitude, a absolvição. Remete-se à argumentação dos tópicos DA AXIOLOGIA e,
acima, 'Nulla lex (poenalis) sine necessitate, Nulla necessitas sine injuria').
Assis Toledo,"verbis":
"O erro do legislador pode levar este a admitir uma culpa ... onde nós não enxergamos nenhuma ... mas a
punição consciente da inocência representa um repugnante assassínio judicial e um ato despótico de
violência"(Binding, 'apud', Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 1991, p.
257).
O tênue limite entre os atos próprios das relações econômicas lícitas e a criminalidade do colarinho branco,
mimetismo delituoso - "legal business" (vide tópico DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL), práticas que, em
lugar de criminosas, são inerentes, indissociáveis aos riscos do tráfego comercial, somada à generalizada
impunidade, solidificam o consenso de sua legitimidade.
Além do mais, os desvios do próprio Estado, titular do "ius puniendi, da "persecutio criminis', a exemplo da
malversação de recursos públicos, enseja motivação, v.g., à sonegação fiscal.
É a desoneração da culpabilidade da pessoa do autor, partilhada por toda a Sociedade, a 'co-culpabilidade'.
Zaffaroni, "verbis":
"Todo sujeito age numa circunstância dada e com um âmbito de autodeterminação também dado. Em sua
própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade por melhor organizada que seja - nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas
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oportunidades. Em conseqüência, há sujeitos que têm um melhor âmbito de autodeterminação,
condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas ao sujeito e
sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma
co-culpabilidade, com a qual a própria sociedade deve arcar. Tem-se afirmado que este conceito de
co-culpabilidade é uma idéia introduzida pelo direito penal socialista. Cremos que a co-culpabilidade é
herdeira do pensamento de Marat(n.118), e, hoje, faz parte da ordem jurídica de todo Estado social de
direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, e, portanto, tem cabimento no CP mediante a
disposição genérica do art. 66." (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, 'Direito Penal
Brasileiro', RT, 1997, p. 613).
Às incidências do colarinho branco, próprias da economia/negócios, também aproveita o argumento
justificante da tipicidade culposa, relativamente a atividades periclitantes por natureza, cumprindo à
Sociedade, destinatária de suas benesses, também suportar os riscos, eventuais lesões.
É a teoria do risco tolerado/risco permitido.
Assis Toledo, "verbis":
"... segundo a qual quanto mais imprescindível seja um tipo de comportamento humano, tanto maior será o
risco que, em relação a ele, se deverá correr, sem que disso resulte uma reprovação jurídica." (Francisco de
Assis Toledo, 'Princípios Básicos de Direito Penal', Saraiva, 1991, p. 303).
07) "NULLA CULPA SINE JUDICIO": é a reserva exclusiva da jurisdição no sancionamento penal. Vide
tópico DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL.
Antes da Constituição de 88, tinha-se, v.g., a prisão administrativa(art.319 do CPP), a imposta por Delegado
de Polícia(art. 240 do CPP - busca pessoal), etc. Vigoram, ainda, vários vestígios de poder penal
extrajudicial. Debate-se, v.g., a constitucionalidade da autoridade administrativa constritar bens (art. 36 da
Lei nº 6.024/74; art. 64 da Lei nº 9.532/97).
É de notar-se que o conteúdo criminal ou extrapenal de uma norma não é definido pela rotulagem, "nomem
iuris" emprestado pelo legislador, tantas vezes distorcido, mas sim pelo seu conteúdo, 'status' da sanção
impingida.
Assim, a indisponibilidade de bens é medida extrema, punitivamente superada apenas pela restrição da
liberdade. Pode, é verdade, ser imposta pela jurisdição cível(v.g., Lei nº 8.397/92). Extrajudicial, contudo,
exorbita ao devido processo legal(art. 5º, LV, da Carta Política).
O inverso, banalização do Direito Penal, infestando-o de sanções administrativas/cíveis, v.g. multas, é uma
realidade pungente. "Civilismo do Direito Penal", no dizer de Luciano Feldens.
Exemplo palmar é o que restringe à multa a penalização por apropriação/sonegação previdenciária nos
casos cujo 'quantum' esteja limitado ao valor mínimo estabelecido pela administração à execução fiscal (art.
168-A, §3º, II, do CP; art. 337-A, §2º, II, do CP).
Ridículo! A jurisprudência já consagrara a hipótese como clássico caso de aplicação do princípio da
insignificância. Mover a jurisdição penal à aplicação de multa, cujo valor sancionado fica aquém ao já
aplicado pela Previdência Social, é infame 'capitis deminutio', vilipêndio à Justiça(Poder Judiciário, Ministério
Público, Polícia Judiciária, etc.). Significa reduzir toda essa estrutura ao reles papel desempenhado, v.g., por
um "pardal" - controlador eletrônico de velocidade - que flagra um veículo além dos limites estabelecidos,
instantaneamente, sancionando-o.
No 'colarinho branco', a Defesa, valendo-se das cláusulas abertas(v.g., proteção da intimidade, art. 5º, X e
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XII da Constituição) buscará levar ao extremo a reserva exclusiva de jurisdição, fato que restringe
sobremaneira o poder da Acusação, especialmente no que tange à produção probatória, coleta
direta/imediata, v.g., de informações bancárias, fiscais, registros de contatos telefônicos pretéritos, etc,
questões essas adiante abordadas.
08) "NULLUM JUDICIUM SINE ACCUSATIONE": é a distinção das funções de Estado entre
Investigador(Polícia Judiciária), Acusador(Ministério Público), Julgador(Judiciário) e da própria Defesa, uma
vez que pilar do devido processo legal galgado pelo Estado de Direito, sabido que dantes confundiam-se,
em idêntica pessoa(inquisição), as atribuições da Acusação(investigação) e Julgamento, com brutais
agressões às garantias individuais.
"Inquisição. Era o nome que se dava ao antigo tribunal de jurisdição eclesiástica, conhecido pela
denominação de Santo Ofício, e estabelecido para conhecer dos crimes contra a fé cristã. Foi introduzido, no
ano de 1.200, pelo papa INOCÊNCIO III, durante a guerra contra os albigenses. Em Portugal, a Santa
Inquisição, designação que lhe era também atribuída, foi instituída em 23 de maio de 1536, por bula do Papa
PAULO III, sendo o primeiro Inquisidor-Geral D. DIOGO DA SILVA, bispo de Ceuta e primaz da África. O
tribunal inquisitorial conhecia dos crimes por delação própria ou mediante denúncia e acusação - inclusive
anônimas, sob a justificação de facilitar a descoberta dos delitos -. Os componentes da Inquisição diziam-se
inquisidores, que eram seus ministros, com autoridade para inquirir sobre a herética pravidade e depravação
dos costumes. Inquirir, aí, quer significar investigar, promover inquérito ou devassa. Era presidida pelo
Inquisidor-geral, que era seu presidente nato e tinha poderes para nomear os inquisidores particulares." ('
Vocabulário Jurídico', De Plácido e Silva, Forense, 15ª edição, p. 435).
Têmis, símbolo da Justiça, além de estática, inerte, tem os olhos vendados para que seu olhar não afete a
independência, eqüidistância das partes.
O agente, olhos e provocação da Justiça é o Parquet, Ministério Público.
Sintetizando a a missão do Parquet, qual seja, investigar e levar o caso e o cidadão ao julgamento do
Judiciário - a quem compete o veredicto, o Procurador da República Angelo Costa lembra que, nos EUA,
'Department of Justice', Washington, inscrição em frente ao gabinete do Attorney-Genreal, 'verbis':
'The United States wins its case whenever justice is done one of its citizens in the court.'
A confusão entre acusação/investigação e julgamento ainda apresenta reminiscências, ensejando à Defesa
impugnar vários atos, v.g., requisição de Inquérito Policial pelo Judiciário(art. 5º, II, do CPP - vide TRF/2ª,
HC 0174-RJ, DJU 31.12.91; "Inconstitucionalidade da Requisição de Inquérito Policial por Magistrado", Mario
Luiz Bonsaglia, Procurador Regional da República/3ª Região, in Boletim dos Procuradores da República nº
08, www.anpr.org.br) e, principalmente, os limites da produção probatória "ex officio" pelo Juiz(a) - art. 156
do CPP, notadamente em face da redação emprestada pela Lei nº 11.690/08 - e na intervenção/delimitação
nas provas pré-processuais(v.g., art. 3º da Lei nº 9.034/95 - vide tópico DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA
INVESTIGAÇÃO), podendo suscitar, entre outros incidentes, sua suspeição.
A Defesa, sustentando a necessária distinção ente investigação(Polícia Judiciária) e acusação(Ministério
Público), ainda poderá impugnar eventuais apurações procedidas pelo Parquet, tão comuns no colarinho
branco(v.g., STF, RHC 81.326-DF, 01.07.03, Rel. Min. Nelson Jobim, Informativo do STF nº 314)
Nesse diapasão, também o direito do Acusado a uma denúncia categórica, explícita, de forma a viabilizar,
efetivamente, seu direito de defesa(vide tópico DA AUTORIA).
9) "NULLA ACCUSATIO SINE PROBATIONE": princípio de que à Acusação impõe-se o inexorável ônus de
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embasar a imputação em provas não apenas suficientes - a presunção de inocência, art. 5º, LVII, da Carta
Política, dita 'in dubio pro reo' da absolvição - mas, especialmente, lícitas e legítimas(art. 5º, LVI, da
Constituição).
De regra, à Acusação cumpre demonstrar os fatos constitutivo-acusatórios(materialidade, traduzida pela
inequívoca demonstração da tipicidade, e a autoria) enquanto à Defesa incumbe provar os fatos
modificativos e/ou extintivos objetados à imputação(excludentes da ação, ilicitude, culpabilidade, etc.).
Em síntese, o "onus probandi" cabe a quem os fatos aproveita.
"O Ministério Público deve provar a prática do fato típico. Feita essa demonstração fundamental, segue-se o
juízo de valor sobre a ilicitude da conduta tipificada. Existindo uma causa excludente da antijuridicidade, o
fato típico não será ilícito.
Ao réu, porém, incumbe provar a existência dessa causa excludente da ilicitude, para que demonstre ter
agido ?secundum jus?. Não lhe cumpre, porém, como lembra Robert Voun, trazer ?uma prova plena e
completa em apoio de sua defesa?, porquanto a prova insuficiente pode mostrar ser provável a existência da
causa excludente e justiuficar assim a absolvição ?pour la raison que lê doute profite à l?inculpé est presume
innocent?.
Idêntico fenômeno ocorre com ônus da prova no tocante às causas de exclusão da culpabilidade..."(José
Frederico Marques, 'Elementos de Direito Processual Penal', Volume II, Editora Millennium, 2000, p. 347).
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À Defesa, além de não incumbir-lhe o ônus da prova inequívoca sobre as excludentes, beneficiando-lhe a
dúvida - 'in dubio pro reo' -, 'ipso jure', bastando semear a incerteza, exacerbando a presunção de inocência,
argüirá que também cumpre à Acusação demonstrar a inexistência das excludentes alegadas.
De sua parte, a ilicitude(incluindo também a ilegitimidade) da prova que, além de inepta a embasar veredicto
condenatório, impõe o desentranhamento dos autos(STF, HC , Rel. Min. Maurício Corrêa, RT 744/510 e RTJ
164/1.010), notadamente no colarinho branco, onde a "persecutio criminis" viabiliza-se apenas mediante
prova invasiva da persona investigada(v.g., dados pessoais, bancários, fiscais, telefônicos, busca e
apreensão domiciliar, etc. - vide tópico DA (DE)JUDICILIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO), agravada pela
especial complexidade do modus operandi(vide tópico DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL), enseja à Defesa
inesgotável argumentação impugnativa.
10)NULLA PROBATIO SINE DEFENSIONE: a prova que embasa a imputação deve estar sujeita ao pleno
contraditório, oportunizando-se à Defesa a mais ampla impugnação, traduzida pela efetiva possibilidade de
rebater a Acusação(art. 5º, LV, da Constituição).
O contraditório, contrapartida que é do sistema acusatório, é invocável apenas pela Defesa, nunca pela
Acusação. Esta, uma vez aduzidos elementos à sua revelia, poderá argüir o cerceamento à imputação,
isonomia de tratamento às partes.
No âmbito da plenitude da defesa, insere-se, v.g., a real oportunização do colarinho branco contraditar a
prova pré-processual, colhida sem o seu crivo, geralmente pelas instâncias administrativas, extrajudiciais
(v.g., Fisco, Banco Central, Ministério Público, Polícia Judiciária, etc.).
Encerrada a abordagem da sistematização defensiva, garantismo penal, sistematizada por Luigi Ferrojoli(10
tópicos), tem-se algumas conclusões sobre sua violação.
A jurisdição constitucional tutela o cidadão não apenas contra os abusos do Acusador, mas, especialmente,
do Legislador, notadamente no âmbito criminal, quando excede os poderes punitivos que o Estado pode
dispor.
"Já não são os direitos fundamentais que valem unicamente na moldura das leis, mas as leis na moldura dos
direitos fundamentais"(Krueger, apud, Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 10ª
Edição, p. 358).
"A velha idéia do século XIX de proteção da liberdade pela lei tende a ser substituída pela necessidade da
proteção das liberdades frente à lei"( Ernesto Pedraz Penalva, apud, Paulo Bonavides, obra cit. P. 386)
A violação a esses princípios sistematizados por Luigi Ferrajoli fere a Carta Magna, incorrendo em
inconstitucionalidade.
Vários deles, explicitamente, a exemplo da isonomia(art. 5º, "caput", da Constituição), intimidade(art. 5º, X,
da CRFB), inviolabilidade das comunicações/dados(art. 5º, XII, da CRFB), reserva legal(art. 5º, XXXIX, e XL
da CRFB), pessoalidade e limites das penas(art. 5º, XLV, XLVI e XLVII), presunção de inocência(art. 5º,
LVII, da CRFB), licitude da prova(art. 5º, LVI, da CRFB), o contraditório(art. 5º, LV, da CRFB), etc.
Todos os demais, implicitamente, uma vez que de direito fundamental, albergados pela cláusula do "due
process of law"(art. 5º, LIV, da Carta Magna), recepcionada do direito comparado, norte-americano, cuja
síntese define-se pelo, "verbis":
"processo legal justo, expressão que não tem sentido fixo, determinado, mas que introduzida pela Emenda
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Constitucional nº 5 à Constituição norte-americana, visando disciplinar a ação do Governo federal e
posteriormente, através da Emenda nº 14, estendida à ação dos Governos estaduais, transformou-se na
mais generosa fonte de jurisprudência constitucional-sociológica norte-americana. Protege os direitos
individuais de estrangeiros e nativos, garantindo-lhes a prestação de uma verdadeira Justiça, não somente
amparando-os em juízo, mas protegendo-os desde o momento da elaboração das leis. O conteúdo da
cláusula se biparte, portanto, nos sentidos substantivo e processual. No primeiro caso ela constitui um limite
ao próprio Poder Legislativo americano, impondo que as leis, quer federais quer estaduais, sejam
elaboradas com justiça e racionalidade, e que a ação estatal, ao procurar atender aos interesses públicos,
restrinja ao máximo possíveis lesões de interesses privados. Procura, assim, intentar que as leis se revistam
de caráter justo, sob pena de serem declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte americana. No seu
sentido processual, ela garante ao individuo um procedimento judicial justo, com direito de acesso aos mais
amplos meios de defesa. A cláusula, que se inspirou na expressão inglesa LAW OF THE LAND (Direito da
Terra, em oposição ao Direito Romano), usada pela primeira vez na Magna Charta, tem sido invocada para
amparar, entre outros, o direito ao defensor público, a liberdade de expressão, a privacidade, ou reprimir a
discriminação de raça e sexo."(Maria Chaves de Mello, 'Law Dictionary', English Portuguese, Elfos, 1998, p.
308).
Os eventuais vícios constitucionais da tipicidade do colarinho branco não implicam, contudo,
necessariamente, na sua declaração 'incidenter tantum', com todas as conseqüências dela decorrentes(v.g.,
art. 97 da Constituição), valendo observar que o princípio da presunção de constitucionalidade recomenda
que o Julgador(a) declare o vício apenas quando, no mérito, não puder decidir em favor da parte que à argúi,
"verbis":
"nenhum tribunal se manifestará sobre a validade de uma lei senão quando isso for absolutamente
necessário para a decisão do caso concreto"(Alfredo Buzaid, "apud", Paulo Bonavides, Curso de Direito
Constitucional, Malheiros, 10ª Edição, p. 274).
Nesse diapasão, a Suprema Corte Norte-Americana, berço da declaração incidente, estabelecendo, entre
outros, os seus requisitos: (1) se não for indispensável adentrar a questão constitucional; (2) se houver
fundamentos alternativos para decidir; (3) se for razoavelmente possível interpretar uma lei evitando a
questão constitucional; ... (Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição,
Saraiva, 1996, p. 168).
Nesses termos, a Defesa propugnará que os vícios de inconstitucionalidade, somados à argumentação de
mérito em favor da acusado, resulte na absolvição deste.
I.II.II - DA ACUSAÇÃO
Pela indissociável afinidade à presente abordagem, remete-se ao tópico DA AXIOLOGIA- ACUSAÇÃO.
Os princípios do Direito Penal enunciados mediante a sistematização proposta por Luigi Ferrajoli,
substancialmente enriquecida por outros juristas(vide tópico DA DOGMÁTICA - DEFESA), no que refere aos
fundamentos do Direito Criminal, está correta.
Seu equívoco não situa-se na premissa, os pilares do Direito Penal, sim na conseqüência, na hermenêutica,
qual seja, a conclusão de que esses primados, inexoravelmente, implicariam em vícios constitucionais/legais
da criminalização ao colarinho branco.
Sua penalização não fere as liberdades públicas, direitos fundamentais. Antes pelo contrário, o
sancionamento do 'colarinho branco' é imposto como 'conditio sine qua non' à efetividade dos direitos
fundamentais da coletividade.
Em verdade, as pretextadas violações à criminalização do 'colarinho branco' emanam, não de óbices
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impostos pelos fundamentos do Direito Penal, e sim pelas dificuldades criadas pelo sofisticado "modus
operandi" desta delinqüência(vide tópico DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL).
Em suma, seria a mais arrematada premiação da própria torpeza - 'nemo auditur propriam turpitudinem
allegans' -, mercê da privilegiada inteligência da delinqüência, brindá-la com a impunidade.
Miserável Justiça Criminal que justiça apenas os miseráveis!
Sabida a lapidar máxima do maior penalista pátrio, Nelson Humgria, delimitando a incidência do direito
criminal tão somente às condutas mais lesivas "verbis":
"a pena é a ?ultima ratio? na garantia do mínimo ético" (Comentários ao Código Penal, Forense, Vol. I,
Tomo I, 1958, p. 52).
Em suma, o ?ius puniendi? apenas ?in extremis?, quando periclitado o mínimo ético (núcleo essencial, sem
o qual é dissolvido direito individual ou social fundamental). O direito penal é a última razão (?ratio?), recurso
extremo, draconiano, do Estado, limitado a proteger os bens jurídicos cuja tutela pelos demais ramos (direito
civil, comercial, tributário, administrativo, trabalhista, consumerista)sejam insuficientes.
Entretanto, pede-se vênia ao Mestre Nelson Hungria para aditar seu lapidar conceito: Direito Penal é a
última e imperativa razão na garantia do mínimo ético.
É apenas a última razão? Em tratando-se de proteger o mínimo ético, além de estar justificada a intervenção
da sanção penal, também não seria imperiosa a tutela criminal?
Seria constitucional a ?abolitio criminis? do homicídio, estupro, roubo, corrupção, aborto, sonegação fiscal,
etc.?
No Brasil, ante os cotidianos desatinos do legislador pátrio (v.g., no governo FHC, tamanho era o
açodamento em repristinar a impunidade dos sonegadores que outorgou-se, através da Lei nº 9.249/95, art.
34, mediante pagamento _ parcelamento _ a impunidade a todos os delitos da Lei nº 8.137/90, incluindo, a
corrupção do agente fiscal, vez que a norma abolitiva reportou-se à extinção "... dos crimes definidos na Lei
nº 8.137 ....") endossado pela tresloucada doutrina abolicionista, escárnio à sociedade vitimada pela
delinqüência, longe de especulação acadêmica, é possibilidade real, concreta.
A Previdência Social é o que de mais nobre faz o Estado Brasileiro. São cerca de 24 milhões de pessoas
que subsistem graças aos seus pagamentos de aposentarias, pensões, auxílios, etc. (sic). É a maior folha
de pagamento do mundo! Outras dezenas de milhões, dependentes desses titulares dos benefícios,
igualmente têm no INSS seu porto seguro. Além dessa vultosa nação, outros 25 milhões de brasileiros são
segurados da Previdência Social.
No país dos excluídos, maior concentração de renda do planeta, a Previdência Social é o que de mais
efetivo o Estado Brasileiro faz à inclusão da dignidade humana (art. 1º, III, da Constituição)!
A Previdência Social, portanto, consubstancia o mínimo ético da sociedade brasileira.
A constante abolitio criminis em favor dos grandes sonegadores, fraudadores do INSS, perpetrada por todos
os governos, incluídos os sedizentes dos trabalhadores (Lula), é constitucional?!
Não, taxativamente não!
Na Alemanha, em 1975, o tribunal constitucional declarou inconstitucional a despenalização do aborto.
Igualmente, o tribunal constitucional da Espanha, em 1985.
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O Direito Penal não é apenas a última razão do mínimo ético. É a última e imperativa ratio! Sua
prescindibilidade na tutela dos direitos individuais e sociais fundamentais é ainda mais lesiva que sua
extensão à punição de condutas sem teor fundamental(alheias ao mínimo ético).
Magistralmente discutindo o tema, peço vênia para recomendar A Constituição Penal", Livraria do
Advogado(Porto Alegre), autoria do destacado procurador da República Luciano Feldens, doutorando em
Direito Constitucional pela Universidade de Valladolid (Espanha).
Sempre vale abeberar-se de Aníbal Bruno, "verbis":
"O Direito Penal não é, assim, pura ciência de conceitos, mas completa e fecunda os seus conceitos com
uma orientação teleológica inspirada nos dados naturalistas e na realidade social onde a norma tem de
atuar; põe-se em contato com a vida, para que nela o Direito realize os seus fins, com a vida, que sugere
novos problemas, quando a dogmática já tem encerrado os seus" (Direito Penal, Forense, 1978, Tomo
I, 44 - grifou-se).
Ainda Aníbal Bruno, "verbis":
"... O espetáculo de um delinqüente corrigido, diz Carrara, é edificante, é utilíssimo à moral pública, mas um
delinqüente corrigido ao preço do abrandamento da pena merecida é um incitamento a delinqüir, é um
escândalo político."(Direito Penal, Forense, 1978, Tomo I, p. 103).
De ver-se, igualmente, a extrema dificuldade da doutrina em tratar do colarinho branco. Com exceções que
apenas confirmam a regra, juristas desenvolvem uma teoria geral do delito voltada aos crimes comuns(v.g.,
roubo, homicídio, lesão corporal, etc.), tanto assim que esses são os casos tomados a título de
exemplificação.
Quando abordam estelionato, corrupção, fraudes em geral, atêm-se às hipóteses mais simples, abstendo-se
de adentrar à singular complexidade do colarinho branco. De sua parte, a sinfonia da jurisprudência
subordina-se à idêntica pauta. Verdade que acometida pela natural atrofia de quem não exercita-se, ditada
pela deficiente provocação, debitável à Polícia Judiciária, órgãos de controle(v.g., Banco Central, COAF,
etc.) e Ministério Público, eis que as persecuções do colarinho branco ainda são pífias, muito aquém a
intensa delinqüência qüotidiana(vide a obra da Suprocuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer
de Castilho, O Controle Penal nos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Del Rey, 1998).
Sabido da máxima o que não está nos autos não está no mundo - "quod non est in actis non est in mundo" -,
urge trazer a verdade do mundo à verdade dos autos!
As carreiras jurídicas não destoam. Nas Faculdades de Direito, o enfretamento do colarinho branco é
rarefeito. Nas provas de inscrição à OAB, é assíduo ausente. Nos concursos às carreiras de Estado,
Magistratura, Ministério Público, Procuradorias, Delegados(a) de Polícia, Auditores(a), Policiais, etc.,
também.
Em suma, embora esboçando sinais de evolução em sentido contrário, não temos preparação voltada ao
colarinho branco. Atual, portanto, a lapidar enunciação de Lola Aniyar de Castro, "verbis":
"a grande miséria da Criminologia é de ter sido somente uma Criminologia da miséria"('apud', Luciano
Feldens, 'Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco', Livraria do Advogado,2000, p.
135).
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Culmina-se, ainda, com a generalizada despreocupação da doutrina com a vítima. Temos um Direito Penal
do criminoso. Não temos um Direito Criminal da vítima. Basta buscar pelo verbete "vítima" nos índices
alfabético-remissivos dos manuais/tratados. Não consta ou, quando presente, reporta-se à justificação do
delito(v.g., vitimologia), mero elemento da culpabilidade, dosimetria da pena, etc.
Exemplo claro é o próprio Professor Luigi Ferrojoli, ícone do minimalismo/garantismo, na sua festejada obra:
"Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal, RT, 2002.
"A fortiori", no colarinho branco, dada a abstração das vítimas, vez que difusas, alheias à epidérmica
sensibilização do "locus delicti".
Sabido que a imediatidade entre agressor e ofendido, acalorada pela flagrância da
delinqüência(concretização), incrementa o clamor da Sociedade e a diligência das autoridades pela Justiça, "
a contrario sensu", o distanciamento(abstração) destensiona a pressão pela Justiça. Ipso facto, no colarinho
branco, fala-se em vítimas abstractas ou distantes - "crime without victms" -(vide Luciano Feldens, 'Tutela
Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco', Livraria do Advogado,2000, p. 33).
Em síntese, desconhece-se o direito subjetivo da vítima, a Sociedade - inexorável contraposição ao
monopólio da Justiça que ela outorgou ao Estado -, à "persecução criminis."
Há, portanto, direito subjetivo da Sociedade - garantia social - à persecução penal(ação penal), de idêntico
status às garantias individuais do perseguido.
Garantia social, enunciada no art. 23 da Constituição da França, 1793, como a "ação de todos para
assegurar a cada um o gozo e a conservação de seus direitos.".
"Reside, pois, no cerne da noção de dever fundamental, a idéia de responsabilidade comunitária dos
indivíduos, conceito instrumental que tende não à valorização do Estado, mas à do próprio ser enquanto
ente de relação, detentor de direitos e deveres perante seus pares." (Luciano Feldens, 'Tutela Penal de
Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco', Livraria do Advogado,2000, p. 84).
De lembar-se que o Título II da Lex Fundmentalis, 'Dos Direitos e Garantias Fundamentais', na sua
essência, Capítulo I, baluarte da mais eloqüente argumentação da Defesa(art. 5º da Constituição), tem por
epígrafe, "verbis":
"Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos"(grifou-se).
Subtraído da autotutela, reserva-se ao cidadão/vítima o elementar direito subjetivo a que o Estado, a quem
ele delegou o monopólio da Justiça, seja inexorável na "persecutio criminis".
Sobre a fiscalização da vítima quanto a "persecutio criminis", a Constituição de Portugal, art. 32, "verbis":
"O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei."
Afora esse irremovível princípio, a presente concepção de Estado de Direito exige atuação efetiva,
interveniente da autoridade, sendo de todo lesiva à Carta Magna o "non facere", não obstante por linhas
transversas, a exemplo da reticência e contaminação da iniciativa penal por interesses extrajuridicos.
A concepção de Constituição, "canal por onde o Poder passa de seu titular, o Estado, para seus agentes de
exercício - os governantes" (Burdeou, "apud", (Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 10ª edição,
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Malheiros, p. 25), no que refere à efetividade dos direitos fundamentais, tem na obrigatoridade da ação
penal, notadamente quando ferida a "res publica", o interesse coletivo como um todo, um de seus princípios
fundantes.
As gerações dos direitos fundamentais, imanentes ao ser humano, além fronteiras, não constituídos apenas
declarados pelo Estado, estão sintetizadas pelos valores da liberdade, igualdade e fraternidade.
A primeira geração, da liberdade, têm por titular o individuo, status negativus, anti-Estado, de resistência ao
Poder Público, tendo na subjetividade pessoa/Estado, alheio à Sociedade, o traço mais importante. Em
última análise, buscando remediar o histórico absolutismo do Príncipe, tolhe-se a potestade, galgando-se ao
pioneiro status do Estado de Direito, qual seja, submeter também o governante aos limites da lei, v.g.,
reserva legal à exação tributária, penalização criminal, expropriação, consagração do liberalismo,
laissez-faire, vedando-se regulação da atividade econômica, etc.
Sem desconhecer o notável e ainda irrenunciável progresso representado pela positividade do Direito, o
extremado culto desse "... positivismo levara a teoria do Estado a um ?nihilismo científico-espiritual? ...
concebendo a sociedade em inteira oposição ao Estado, como se separação tão profunda e radical pudesse
ser ainda admitida" ((Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 10ª edição, Malheiros, pp. 82 e 149).
Em suma, cego de confiança no poder da razão, o absenteísmo do Estado leva a um fundamentalismo de
mercado, nada mais que explícita forma de analfabetismo democrático.
Fundamentalismo neoliberal: existem dois tipos de problema, quais sejam, os que o mercado pode resolver
e os que não tem solução(Gabriel Palma).
A segunda geração de direitos, da igualdade, impõe ação positiva do Estado. "A igualdade material faz
livres aqueles que a liberdade do Estado de Direito da burguesia fizera paradoxalmente súditos"((Paulo
Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 10ª edição, Malheiros, p. 344).
À efetividade da isonomia, insuficiente apenas tolher a potestade, sendo imperioso comportamento
ativo/interventivo do Estado, notadamente campo sócio/econômico, 'status' positivus/activus, v.g., saúde,
educação, direitos trabalhistas, previdenciários, etc.
A terceira geração, da fraternidade, tem por destinatário o próprio gênero humano, v.g., desenvolvimento,
paz, meio-ambiente, comunicação, informação, etc., evidenciando, à saciedade, a plena atuação não
apenas do Estado, também interestatal, dada a globalização desses
Resumindo, invocando Paulo Bonavides, "verbis":
"uma coisa é a Constituição do Estado liberal, outra Constituição do Estado social. A primeira é uma
Constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda uma Constituição de valores refratários ao individualismo
no direito e ao absolutismo no Poder"(Curso de Direito Constitucional, 10ª edição, Malheiros, p. 336).
Evolução essa, a impor atuação positiva do Estado, avessa à inércia, passividade, que atinge toda a ordem
jurídica, incluindo a tutela criminal, tornando inexorável a imposição da demanda penal quando feridos os
bens jurídicos vitais ao interesse da Sociedade, v.g., vida, integridade física/moral,liberdade, etc.,
notadamente no que tange à probidade do Estado, usurpadores da efetividade dos direitos sociais, v.g.,
corrupção, tráfico de influência, locupletamento à custa da "res publica", lesão ao erário, sonegação fiscal,
crimes contra o sistema financeiro, enfim, colarinho branco, especialmente presentadas pelas pessoas de
foro privilegiado nas Cortes Superiores, "a fortiori", destacadas que foram a exercerem cargos de alta
dignidade, devem estar sujeitas a maior vigilância de seus atos.
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Nesse diapasão, vale referir notável obra da Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Márcia
Dometila Lima de Carvalho, Doutora em Direito Penal pela USP, "Fundamentação Constitucional do Direito
Penal", Sergio Fabris Editor, 1992. Identicamente, Lênio Luiz Streck, Procurador de Justiça/RS, Doutor em
Direito Constitucional, coordenador do Dourado/Mestrado da Unisinos/RS, Hermenêutica Jurídica em Crise,
Livraria do Advogado, 2001.
Tutela criminal é imprescindível arma do Estado à garantia dos recursos que o instrumentam às obrigações
sociais, essência da efetividade do Estado Democrático de Direito, perfectibilizado pela cláusula de proibição
do retrocesso social, acolhida pelo Tribunal Constitucional de Portugal:
"(...) a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente
impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de
consistir apenas) uma obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação
negativa. O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado
a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social." ("apud?, Luciano Feldens, Tutela Penal de
Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 89).
"O Direito Penal deve proteger os bens jurídicos fundamentais. E o que é fundamental para a Constituição é
o desenvolvimento da justiça social, dignificando o homem. A proteção exacerbada de bens jurídicos
individuais, em detrimento do bem jurídico justiça social, direito social, foge à nova ordem constitucional"
(Márcia Dometila Lima de Carvalho, Fundamentação Constitucional do Direito Penal, Sérgio Fabris, 1992, p.
100).
Dessa necessária tutela criminal aos deveres fundamentais, advém a concepção de bem jurídico enunciada
por Hassemer, não apenas como limitador à criminalização(acima, vide 'nulla lex(poenalis) sine necessitate'
), devendo também atuar como impositor da penalização, "verbis":
"La protección de bienes jurídicos se transforma así em um mandato para penalizar, em lugar de ser uma
prohibición condicionada de penalización; em um factor positivo para conseguir una correcta criminalización,
em vez de ser um critério negativo para la misma. Este cambio limita, al mismo tiempo, el margen de
decisión del legislador, favoreciendo las opciones criminalizadoras."("apud", Luciano Feldens, Tutela Penal
de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 95).
Na Constituinte de 1988, aventou-se consagrar a ação penal popular, instituto vigente ao tempo do Império,
cuja "Lex Fundamentalis" de 1824, art. 157, declarava que nos crimes de suborno, peita, peculato e
concussão, haveria a ação popular, que poderia "ser intentada dentro de ano e dia pelo próprio queixoso ou
por qualquer do povo, guardada a ordem do processo estabelecida em lei".
A proposição cedeu ante a indefectível atuação do Ministério Público. Ungido com poderes que o
preservariam de qualquer intromissão, v.g., ingresso via concurso público, autonomia
administrativo/financeira, independência funcional, etc., estaria garantida a indeclinável "persecutio criminis".
Contudo, a Carta Magna foi pródiga em demonstrar a obrigatoriedade da persecução. No art. 129, I, não
apenas fixou ser privativo do Parquet o exercício da ação penal pública. Disse mais. Exarou que a ação
deve ser publica, reservando à absoluta excepcionalidade a iniciativa privada, quando o natural streptus do
processo à própria vítima seja tal, rivalizando com a lesividade do delito, que recomende a abstenção do
Estado, v.g., crimes contra a honra, costumes sem violência, etc. Princípio coerente com a histórica
ascensão ao Estado de Direito, que publicizou a persecução penal, antes entregue ao particular. Retratando
a evolução, ainda lê-se na autuação dos processos criminais, apontando o autor, em lugar de Ministério
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Público, a anacrônica expressão Justiça Pública.
Nesses termos, fora das situações extraordinárias elencadas, de per si justificáveis, de absoluta
inconstitucionalidade armar-se o interesse privado com a Espada de Dâmocles da demanda criminal, a
exemplo dos crimes contra a propriedade industrial, art. 199 da Lei nº 9.279/96, na prática,
institucionalizando-se a extorsão.
Coroando a obrigatoriedade da ação penal, a "Lex Fundamentalis", art. 5º, LIX, elevou à garantia
fundamental a ação subsidiária, remediando defecção do Ministerium Publicum. Ensejou a ampla
legitimação, afora a tradicional, art. 31 do CPP, a ampliação, v.g., art. 80 do Código de Defesa do
Consumidor. Bem interpretando a prestação jurisdicional penal, o Supremo Tribunal Federal alterou histórica
posição jurisprudencial, permitindo que o servidor público, vítima de delito contra a honra "propter officium",
possa optar entre a representação ao Ministério Público e a queixa-crime(JSTF 190/288).
Intolerável o reducionismo de alguns, entendendo que o preceito em nada inovou, prestando-se apenas a
preservar a instituto, fadado a desaparecer, dada a privatividade do Parquet, disposto no art. 129, I, da
Constituição. Fosse esse o bizarro objetivo do constituinte, ao estatuir as atribuições do Ministerio Publico,
bastaria ressalvar a iniciativa subsidiária. Foi muito além. Elevou a ação subsidiária à categoria de garantia
fundamental, cláusula pétrea, "status" sabidamente superior à privatividade da ação penal pública incumbida
ao Parquet.
Calha reportar a Constituição da Itália, art. 112, "verbis?:
"Il pubblico ministero ha l?obbligo di esercitare l?azione penale."
Palmar, portanto, o "status" constitucional da obrigatoriedade da ação penal. Tanto que, aberta exceção, a
Carta Política foi explícita, art. 98, I, consentindo a transação.
Nesses termos, tal qual outro direito, v.g., civil, tributário, administrativo, comercial, etc., a subtração da
tutela penal é grave ofensa às garantias fundamentais (art. 5º, XXXV, da Constituição). Precisamente por
isso que juristas, a exemplo de Alberto Silva Franco, enquadram a "persecutio criminis" como "direito de
ação"(Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, RT, 1ª edição, Volume I, p. 200). Vide
"O Ministério Público e o Acesso à Justiça Penal", Denise Neves Abade, Procuradora da República em SP,
Boletim Científico nº1, 2001, Escola Superior do Ministério Público da União, www.esmpu.gov.br
Nessa linha, lapidar doutrina do Min. da Suprema Corte, Dr. Gilmar Ferreira Mendes, "verbis":
"A jurisprudência do Bundesverfassungsgericht tem reconhecido que os direitos fundamentais asseguram ao
individuo não apenas direito de defesa contra intervenção do Estado (Abwehrrencht) e eventual direito a
prestações positivas (Leistungsrecht), mas também um direito de proteção contra lesões ou ameaças a
valores ou bens (vida, saúde, liberdade, propriedade, etc.) provenientes da ação de terceiros."(Jurisdição
Constitucional, Saraiva, 1999, p. 243).
O próprio Luigi Ferrajoli, sobre o conceito de direitos fundamentais também como prestações positivas pelo
Estado:
"(...) son derechos fundamentales todos aquellos derechos subjetivos que corresponden universalmente a
todos los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas com
capacidad de obrar; entendiendo por ?derecho subjetivo? culquier expectativa positiva (de prestaciones) o
negativa (de no sufrir lesiones) adscrita a um sujeito por uma norma jurídica (...)(Los Fundamentos de Los
Derechos Fundamentales, Madrid, Trotta, 2001, p. 19 - "apud" Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses
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Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado, 2000, p. 93).
Conseqüentemente, qualquer espécie de leniência no exercício da ação penal, principalmente com o
colarinho branco, porque impeditiva a que o Estado cumpra com os deveres sociais, implica grave ofensa à "
Lex Fundamentalis".
Atento à antológica classificação de Norberto Babbio quanto à aplicabilidade das normas constitucionais ("
apud", vide Curso de Direito Constitucional Tributário, Roque Antonio Carrazza, Malheiros, 1993, p. 327)) "
verbis":
a) normas que permitem obrigar;
b) normas que obrigam a obrigar;
c) normas que proíbem obrigar;
d) normas que permitem permitir;
e) normas que obrigam a permitir;
f) normas que proíbem permitir;
g) normas que permitem proibir;
h) normas que obrigam a proibir;
i) normas que proíbem proibir.
Nesse linha, o "status" constitucional da obrigatoriedade da ação penal permite dizer que são dispoitivos que
obrigam proibir o colarinho branco.
O Direito Criminal é o mais eficaz e menos lesivo instrumento do Estado no combate ao colarinho branco:
"... similar convicção, é a doutrina de Bajo Fernández e Bacigalupo, ao proclamarem que a subsidiariedade
que informa o Direito Penal, no que respeita à delinqüência econômica, encontra seus limites de um lado no
fracasso das medidas extrapenais e, de outro, no fato de que medidas penais provocam um dano menor à
liberdade do sistema econômico do que outras atividades de prevenção".(Luciano Feldens, Tutela Penal de
Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 46).
René Ariel Dotti, "verbis":
"É fundamental salientar que embora reconhecida a necessidade de limitar o âmbito de ação do Direito
penal, reservando-se as suas formas de reação para as hipóteses mais graves de lesão, seria de todo
inconveniente reduzir-se demasiadamente a sua possibilidade de controle. Com efeito, na criminalidade dos
negócios se manifestam fatores de ordem complexa e violações que se caracterizam como formas de
desobediência ativa e passiva de normas da Administração que exigem a atuação jurisdicional penal.Tal
intervenção é estimulada pela orientação constitucional recente em nosso País que conferiu ao Poder
Judiciário maiores e melhores condições para exercer a sua missão de garantia individual e coletiva." (apud,
Márcia Dometila Lima de Carvalho, Fundamentação Constitucional do Direito Penal, Sérgio Fabris, 1992, p.
103).
É dizer-se, igualmente, que a penalização do colarinho branco não fere os pressupostos à tipicidade
criminal(acima, vide tópico Nullum crimen sine lege).
A perorada aberrante abertura dos tipos, em nada, pode ser tachada de original, írrita. Nos crimes culposos,
v.g., de infinita abertura("culpa est quod cum a diligente provideri poterti non esset provisum" - culpa é não
prever aquilo que é fácil de admitir que aconteça), talvez porque raro na prática forense a punição do
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colarinho branco, nunca causaram tamanho protesto. Cumpre ao Juiz(a), aquilatando os fundamentos do
Direito Penal(v.g., lesão ao bem jurídico protegido, ilegalidade não apenas formal, sim a material, extensão
do dolo, culpabilidade, etc.), fechar a abertura dos tipos. Esta abertura é indispensável, necessário
instrumento a aparelhar o Estado à "persecutio criminis", contraprestação ao imprevisível e alucinante "
modus operandi" do colarinho branco(vide tópico DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL).
A culpabilidade do colarinho branco é a mais gravosa.
"Com a autoridade de Catedrático de Direito Penal, Sociologia e Teoria do Direito na Universidade de
Frankfurt, Hassemer, ao abordar a problemática da delinqüência ambiental, organizada, econômica e
tributária, enfatiza que diante de casos tais o Direito Penal, ao revés do que se vinha propugnando, não deve
funcionar com a ?ultima?, mas como a ?prima ratio?. No particular, o autor é categórico:
As áreas sobre as quais se delineia a política do Direito Penal material e os instrumentos dos quais ele
preponderantemente se serve são bastante esclarecedores. Problemas ambientais, drogas, criminalidade
organizada, economia, tributação, informática, comércio exterior e controle sobre armas bélicas - sobre estas
áreas concentra-se hoje a atenção pública: sobre elas aponta-se uma ?necessidade de providências?; nelas
realiza-se a complexidade das sociedades ?modernas?, e delas se encarrega o Direito Penal. Nestas áreas
se espera a intervenção imediata do Direito Penal, não apenas depois que se tenha verificado a
inadequação de outros meios de controle não penais. O venerável princípío da subsidiariedade ou da ultima
ratio do Direito Penal é simplesmente cancelado, para dar lugar a um Direito Penal visto como ?sola ratio?
ou ?prima ratio? na solução social de conflitos: a resposta penal surge para as pessoas responsáveis por
estas áreas cada vez mais freqüentemente como a primeira, senão a única saída para controlar os
problemas. Os instrumentos de controle amplamente promovidos pelo Direito Penal são considerados
adequados para emprego indiscriminado nestas áreas. Já não se trata mais de proteção de ultrapassados
bens jurídicos individuais concretos, como a vida e a liberdade, mas dos modernos bens jurídicos universais,
por mais vaga e superficial que seja a sua definição: saúde pública, regularidade do mercado de capitais ou
credibilidade de nossa política externa" (Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do
Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 45)
Ainda quanto à culpabilidade(consciência da ilicitude), relativamente ao erro de proibição, o eterno Mestre
Aníbal Bruno:
"Error júris nocet; ignorantia juris non excusat."Para dar fundamento a essa regra, recorreram os autores a
uma presunção absoluta, mas insustentável, porque contradiz o cálculo da probabilidade baseado no que é
comum acontecer, ou a uma ficção jurídica necessária do geral conhecimento da lei. A lei, uma vez
promulgada e publicada, supõe-se conhecida por todos. São razões desconformes com a realidade, e no
Direito moderno tais ficções perderam o prestígio. Para Manzini, o que justifica a regra não é a ficção do
conhecimento da lei, mas falta ao dever de adquiri-lo. Para ele o princípio de que o erro de direito não exime
de pena funda-se na obrigatoriedade de toda lei. Para cumprir a lei é preciso conhecê-la. O conhecimento
da lei é um dever cívico. Se o cidadão falta a esse dever, não pode tirar proveito disso, eximindo-se
da pena. Assim também para Garraud, porque todo o individuo está em condições de conhecer a lei e
procurar instruir-se a respeito dela, sendo culpável de a ter ignorado."(Aníbal Bruno, Direito Penal, Forense,
1978, Tomo II - grifou-se).
Também a propósito do erro de proibição, de destacar-se que o esclarecimento, luzes que o permitam
conhecer os meandros dos intrincados labirintos do mundo econômico, é conditio sine qua non ao seu êxito,
sendo arrematada 'contraditio in terminis' alegar desconhecimento dos comandos normativos. Em suma,
colarinho branco ignorante é um criminoso impossível.
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Juarez Cirino dos Santos, Doutor em Direito Penal(UFRJ), Pós-doutorado em Política Criminal e Filosofia do
Direito Penal na Alemanha, in A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, "... a dúvida sobre a
permissibilidade da ação exclui o erro de proibição"(pg. 235).
I.IV - DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL
Característica peculiar da persecução ao colarinho branco é sua sujeição, na fase pré-processual, às
instâncias administrativas.
Banco Central, Fisco(Conselho de Contribuintes, Conselho de Recursos da Previdência Social, etc.),
CVM(Lei nº 6.385/76), COAF(Lei nº 9.613/98), CADE(Lei nº 8.884/94), diversas agências que controlam
segmentos sob controle/regulação estatal, como ANATEL, ANEEL, ANVISA, ANTT, etc., todos eles sob a
direção do Poder Executivo ou, ainda pior, autônomos, sem qualquer prestação de contas a quem quer que
seja, sujeitando-se às naturais influências político-partidárias e/ou dos interesses econômicos particulares,
incluindo até a fase da persecução ?in juditio", à medida que a Polícia Judiciária também está sob as ordens
do Executivo.
Igualmente fora do aparelho judiciário, existem outros organismos de investigação, a exemplo do Tribunal de
Contas, tanto da União quanto dos Estados e Municípios, cuja função na repressão aos delitos contra a
administração pública/corrupção é vital.
Ainda nesse âmbito da delinqüência contra a "res publicae", o Executivo, que tem função crucial, a ele
cabendo autoinvestigação, pelos seus órgãos de controle interno(art. 74, §1º, da Constituição) apurar as
infrações, bem assim fornecer ás autoridades, Polícia Judiciária e Ministério Público, elementos à instrução
das persecuções, a exemplo do comumente testemunhado na seara política, onde a oposição, quando da
campanha promete devassa e, chegada ao poder, rotineiramente, capitula(negocia), dispõe de poderosos
instrumentos para, na prática, subordinar a instância judicial.
Regra geral dotados de excelentes corpos técnicos, concursados, Auditores/Analistas/Inspetores de nível
superior, multidisciplinar(v.g., Direito, Contabilidade, Economia, Administração, Engenharia, etc.), produzindo
auditorias idôneas, os Tribunais de Contas soçobram pela origem de seus julgadores, Conselheiros e
Ministros, na sua maioria ex-políticos que, na jurisdição, não logram libertarem-se de seus vínculos.
Embora, a bem da verdade é de registrar-se, as Cortes de Contas têm evoluído - como Tribunal de Contas
União, que tem embargado obras irregulares e até afastado autoridades, vide elenco de decisões
www.tcu.gov.br - dobrando-se ao instinto de sobrevivência, saudável dever que a democracia impõe às
instituições de justificarem-se frente à Sociedade.
No âmbito do Legislativo, tem-se o poderoso instrumento investigatório das Comissões Parlamentares de
Inquérito, cujo resultado, no Brasil, contrariamente ao freqüentemente apregoado - "terminar em pizza" -,
traz, sim, resultados, tanto que já levou ao impeachment do ex-Presidente Fernando Collor, cassações de
diversos parlamentares(CPI do Orçamento), demissões de inúmeras autoridades implicadas em
improbidades, aprimoramentos legislativos(v.g., enrijecimento do controle bancário por força das contas
fantasmas no Caso PC Farias), descoberta da megalavagem de dinheiro na tríplice fronteira, Foz do
Iguaçu-PR(CPI dos Precatórios e do SISTEMA FINANCEIRO), etc..
Na verdade, há certas apurações, cujo grau de enfrentamento político-econômico catalisa suficiente poder
investigativo tão somente nas CPI?s. Especialmente dado o afrodisíaco confessório das luzes midiáticas,
certas provas vem aos autos tão somente no palco das CPI?s. Apenas nelas, v.g., testemunhas decisivas,
como o ex-genro do Juiz Lalau(Caso corrupção das verbas do TRT/SP), ex-mulheres(CPI Anões do
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Orçamento), ex-irmão(Pedro Collor no ?impeachment" de Fernando Collor), ex-marqueteiro(na CPI dos
Correios, Duda Mendonça delatando que recera pela campanha do PT à Presidência, via caixa 2 em paraíso
fiscal, Bahamas, R$ 10 milhões), ex-sócios, etc., aduzem contundentes elementos de convicção. A
propósito, sabido que todo "ex" é um "anti", a eficiência da apuração do colarinho branco, comumente, está
na dependência da colaboração de um "ex".
Além do mais, as CPI?s empolgam extraordinário poder de desengavetar persecuções hibernadas nos
obscuros sepulcros do Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Judiciária, Banco Central, Fisco, COAF,
etc., ressucitando-as, fazendo, finalmente, tramitarem.
Essa decisiva função de órgãos extrajudiciais na persecução penal têm duplo viés:
1. de direito, ensejando aceso debate sobre a influência ou não de suas decisões na jurisdição
criminal(v.g., condição de procedibilidade, questão prejudicial, etc.);
2. de fato, à medida que esses órgãos extrajudiciais, na prática, podem subtrair da apreciação judicial o
colarinho branco - sabido da máxima o que não está nos autos não está no mundo: "quod non est in
actis non est in mundo", "a fortiori", o que sequer é objeto de autuação jamais constará do mundo da
Justiça - simplesmente jamais fazendo chegar ao Ministério Público os autos.
Acresça-se que a própria definição de quem será ou não fiscalizado(v.g., Fisco, BACEN, CVM, COAF, etc.)
está subordinada ao alvedrio do Executivo.
Nada mais óbvio e eficiente do que preordenar a impunidade, olvidando de pautar investigações nos
apadrinhados ou, consoante prática recorrente, sucateando os recuros humanos e materiais da fiscalização.
As questões de direito abordam-se adiante: DA DEFESA e DA ACUSAÇÃO. Agora, as de fato.
No Brasil, viceja o original instituto da 'vacatio legis' de fato, ou seja, determinadas leis, especialmente as
que sancionam estamentos privilegiados, embora sob a ótica jurídica stricto sensu em vigor, na prática,
nunca são aplicadas. "Não pegam", no dizer popular. "A contario sensu", quando "pegam", o lóbi faz-se
presente, presenteando o colarinho branco com as graças do Príncipe(vide tópico DA JURISDIÇÃO, "in fine
", sobre o desavergonhado histórico de leis anistiando sonegadores)
Esse fenômeno das leis que ?não pegam", em muito, deve-se ao poder da gaveta, verdadeira instituição
nacional que, enquanto fechada, faz transitar em julgado, coisa julgada, a impunidade.
Os exemplos são fartos, bastando lembrar o episódio envolvendo o ex-Presidente do Senado da República,
Jader Barbalho, relativamente aos ilícitos quando Governador da Pará, desvios de recursos do Banpará,
ensimesmado nas gavetas do Banco Central por mais de 15 anos. Pior! Em 1992, o então presidente do
BACEN, Francisco Gros, emitira declaração pública da inocência de Jader Barbalho("sic").
Sobre a reticência do Banco Central nas representações, vide no ícone CASOS, requisição do Ministério
Público Federal do rol de processos em andamento. Também, Ela Wiecko Volkmer de Castilho, "O Controle
Penal nos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional", Del Rey, 1998
A CPI do Medicamentos, que apurou e comprovou inúmeros delitos de lesa-humanidade praticados pelos
gestores de laboratórios multinacionais, como o superfaturamento de remédios vitais à sobrevivência,
sonegação fiscal e evasão de divisas, mediante o superfaturamento das importações de insumos que
disfarçavam remessas de lucros, adulteração de medicamentos, etc., no final, após os Exmos. Membros da
Câmara Federal produzirem forte estardalhaço midiático pelos crimes detectados, capitulando ao bilionário
lóbi, decidiu, vencida a minoria oposicionista de então, não entregar o fato material probatório ao Ministério
Público("sic"), sob a esdrúxula alegação de que o Parquet, utilizando-se de suas prerrogativas, poderia, ele
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próprio, reproduzir o material, repetindo a titânica apuração. Em resumo, gaveta explícita!
Há vários Estados da Federação onde no respectivo Poder Judiciário praticamente inexistem ações
criminais pela sonegação de tributos estaduais. "A fortiori", dos municipais, como ISS e ITBI.
Os órgãos de fiscalização estaduais e municipais não representam ao Parquet. De outro lado, o Ministério
Público também contribui não requisitando aos órgãos o rol das autuações(v.g., nome da pessoa física ou
jurídica, valor, síntese dos fatos que caracterizam a infração, etc.) de modo a fazer-lhe chegar os casos com
indícios de delinqüência, bem assim determinar a própria fiscalização, notadamente contra os política e
economicamente aquinhoados, consoante lhe é outorgado(art. 129, VI e VII, da Constituição c/c art. 26 da
Lei nº 8.625/93).
Conhecido que, uma vez detectado o ilícito, o agente público tem o dever de noticiá-lo ao Ministério
Público(art. 40 do CPP; art. 116, XII, da Lei nº 8.112/90, etc.), nisso distinguindo-se do particular, qualquer
do povo, que ostenta a mera faculdade da representação ao Parquet, de observar-se que esses órgãos
extrajudiciais elevam a "status" de conteúdo decisório, colegiado de seus integrantes, a remessa ou não ao
Ministério Público, quando deveriam enviar, por iniciativa de qualquer dos seus integrantes e/ou servidores,
ante os mínimos indícios de delitos.
Na prática, usurpam atribuições do Parquet, a quem incumbe privativamente a "opinio delicti", e do próprio
Judiciário, a quem cumpre decidir da existência ou não de delito,
O COAF, criado à apuração da momentosa lavagem de dinheiro, cuja composição tem apenas
representantes do Executivo(art. 16 da Lei nº 9.613/98), é caso típico. O contingente de representações
enviado ao Ministério Público Federal e os dos Estados é ínfimo, quase inexistente, tanto que sequer objeto
de divulgação estatística pelo órgão.
Pior! Sabido que o COAF tem função subsidiária, a ele cumprindo o monitoramento dos segmentos que sem
órgão próprio de controle(art. 11, §3º, e 14 da Lei nº 9.613/98), ao arrepio da lei, firmou acordo 'interna
corporis' com o Banco Central, de modo que as notícias de lavagem de dinheiro do sistema financeiro,
precisamente a área maior incidência, em lugar de serem comunicadas diretamente pelo BACEN ao
Ministério Público, tramitam via COAF. Em suma, mais uma gaveta!
Também exemplos clássicos são os Tribunais de Contas cuja chegada das representações ao Ministério
Público, além de rarefeitas, são seletivas, regra geral, tardias.
Na instância administrativa, a chicana também viceja, bastando lembrar o cabimento de recurso hierárquico
à autoridade superior(v.g., até o Presidente da República no âmbito federal), independentemente de
previsão legal específica(STJ, MS 10.254-DF, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 22/3/06,
Informativo do STJ nº 278).
Vê-se, portanto, a relevância do debate sobre a relação entre a instância administrativa e a judicial.
I.IV.I - DA DEFESA
A Defesa sobrevalorizará a instância administrativa.
Isto porque, pacífico que a condenação criminal é não apenas exclusiva do Poder Judiciário, como de
conhecimento exauriente em favor do réu, ou seja, soberanamente podendo enfrentar e decidir todos os
incidentes, independente de eventual conclusão diversa não só da seara administrativa(v.g., Fisco),
incluindo a própria Justiça, como a instância cível(v.g. legalidade/constitucionalidade do tributo objeto de
imputação por sonegação), contra o acusado, quanto mais óbices extrajudiciais ao eventual veredicto
condenatório, melhor!
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Essa argüição em prol da instância administrativa tem duplo viés: a) interferência/limitação no conhecimento
judicial condenatório (v.g., condição de procedibilidade, questão prejudicial, etc.); b) sabido que muitas
persecuções do colarinho branco são encetadas com base em apurações promovidas por entes diversos
dos órgãos próprios de controle(v.g., Parquet, Imprensa, qualquer do povo, etc.), consideradas algumas
decisões negando, v.g., o poder investigatório ao Ministério Público(STF, RHC 81.326-DF, Rel. Min. Nelson
Jobim, Informativo do STF nº 314), sustentará a privatividade da investigação pelo organismo oficial que, de
ordinário, deveria fazê-lo;
Subordinação do crime contra o sistema financeiro à decisão do Bacen/CRSF(vide STF, HC 81.324-SP, Rel.
Min. Nelson Jobim, 12.03.02, Informativo do STF nº 260). Contra, pela independência das instâncias(STF,
HC 88749/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 08.08.06, Informativo do STF nº 435).
Identicamente, a sonegação fiscal à decisão do processo administrativo-fiscal (STF, HC 81611/DF, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, 10.12.03, Informativo do STF nº 333).
No próprio Judiciário, a subordinação da instância penal à cível. Sonegação fiscal. Suspensão do processo
criminal(art. 93 do CPP) enquanto pendente no juízo cível discussão sobre a existência do crédito
tributário(TRF/4ª, Rec. Sent. Estrito nº 2004.72.01.002174-7/SC, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk
Penteado, 22.09.04, Informativo Criminal do TRF/4ª novembro/2004).
A subordinação da jurisdição criminal à instância administrativa, consoante sacramentado pelo STF, implica
fulminar a possibilidade da ação penal uma vez operada a decadência do lançamento tributário: STJ, Rel.
Min. Laurita Vaz, Rec.Esp.789506/CE, DJU 22.05.2006, p. 245.
Impunidade & tranquilidade! Sequer apreensão(preocupação) com eventual apreensão(busca mediante
ordem judicial) do "corpus delicti"(caixa 2, notas fiscais paralelas, falsas, etc.). Enquanto não exaurida a
instância administrativa, Polícia Judiciária, Ministério Público e o próprio Judiciário estarão reclusos,
inertes(precedentes citados: HC 32.743-SP, DJ 24/10/2005, e HC 31.205-RJ. RHC 16.414-SP, Rel.
originário Min. Hamilton Carvalhido, Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 12/9/2006 Informativo do STJ nº 296). À hibernação no âmbito administrativo, sequer exigível a garantia de instância,
depósito(arrolamento de bens, etc.) à interposição recursal, fulminada como inconstitucional(STF, órgão
plenário, Rec. Extr. 388359/PE, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo do STF nº 462 - ADI's 1922, 1976 e
1074 Inf. do STF nº 461).
I.IV.I - DA ACUSAÇÃO
A Acusação defenderá a soberania total do Poder Judiciário, cabendo-lhe a plenitude do conhecimento da
persecutio criminis, independentemente de avaliações extrajudiciais.
A discussão, mais que a repressão ao colarinho branco "stricto sensu", envolve matéria de sobredireito,
separação e independência dos poderes.
Se o Executivo não pode Legislar, "a fotiori", julgar.
"Na Inglaterra, o Common Law, no início do século XVII, servia de resistência ao absolutismo real,
delimitando competências ente o Parlamento e o Rei, sendo lembrado o ?Case of Praclamation?, em que se
proibiu o Rei de exercer competência legislativa em matéria de crimes."(José Adércio Leite Sampaio, A
Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional?, Del Rey 2002, p. 426).
Aqui, o Rei(Executivo), aceetando-se a subordinação da Justiça à instância administrativa, julga.
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Pontifica o Mestre do Direito Constitucional, Prof. Dr. Paulo Bonavides, "verbis":
"O princípio da sepração de poderes, garantia máxima de preservação da Constituição democrática, liberal e
pluralista."(Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 10ª Edição, pp. 508/513).
Independência das instâncias administrativa e judicial. A impossibilidade da delegação é regra implícita da
independência.
Constituição de 1934, "verbis":
"Art 3º - São órgãos da soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si."
"§ 1º - É vedado aos Poderes constitucionais delegar suas atribuições."
Constituição de 1946, "verbis":
"Art 36 - São Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre
si.
§ 1º - O cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outro, salvo as exceções
previstas nesta Constituição.
§ 2º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições."
O Poder Judiciário será poder efetivo apenas quando, verdadeiramente independente, jurisdicionar o poder.
O que é jurisdicionar o poder?
É fazer submeter-se à Justiça todos os fatores reais de poder, tando de direito, como o aparelho de Estado,
Executivo, Legislativo, Ministério Público, etc. - guardada, é claro, a necessária autonomia indispensável ao
exercício de suas atribuições -, bem assim de fato, como o poder econômico, social, cultural, político, etc.,
de papel efetivamente decisivo na conformação da Sociedade.
Com a vênia dos renhidos cultores do Direito Processual Civil, para dirimir conflitos entre Tício e Mévio
prescinde-se de um Poder Judiciário, de um Juiz(a), bastando um árbitro. Isto porque o conflito entre Tício e
Mévio nunca implicará jurisdicionar um fator real de poder, na medida que o atrito é particularizado,
circunstancial, sem reflexo estrutural.
No Brasil, o Judiciário jamais foi poder! Ele nunca jurisdicionou o poder. Basta ver a história. Sobre ela, a
história do Brasil, incluindo a jurídica, deve-se perguntar, não aos juristas, naturalmente vitimados pela
sobrevalorização de seu ofício, mas sim aos historiadores. Onde está o Poder Judiciário na história do
Brasil?!
Que decisões ele tomou, jurisdicionando os fatores reais de poder, que efetivamente marcaram o curso da
história?! Na ditadura militar de 1964, v.g., excluídos episódios excepcionais, como habeas corpus do STF
em favor do ex-Governador de Pernambuco Miguel Arraes, onde estava o Poder Judiciário frente a tantas
atrocidades?!
Ele não estava! O Poder Judiciário não consta da história do Brasil! Ele não jurisdicionou o poder! Ele
simplesmente chancelou o poder!
Portanto, sempre que enfrentados os fatores reais de poder, oportunidade na qual é discutido o limite de
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conhecimento judicial, põe-se ao Judiciário a crucial questão: ser ou não ser Poder?!
Quando, v.g., o Poder Judiciário estreita, restringe a legitimidade do Ministério Público às ações civis
públicas nas quais o Parquet representa o direito de milhares de cidadãos contra interesses de grandes
grupos econômico-políticos, litígio, este sim, cuja grandeza implica jurisdicionar o poder, na verdade, ele,
Judiciário, está apequenando-se, renunciando ser Poder.
O colarinho branco é precisamente a delinqüência praticada pelos fatores reais de poder, pelo "caput" da
pirâmide social(vide tópico DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL)
Nesse âmbito, sempre que o Poder Judiciário dobrar-se às decisões dos órgãos extrajudiciais está
renunciando ser Poder.
Óbvio dizer que nos de delitos de ?mão pobre", a exemplo do furto, contrariamente aos de "mão rica",
colarinho branco(vide tópico DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL), jamais existirá interesse de órgãos
extrajudiciais interferirem na persecutio criminis.
Zaffaroni: "... Em geral, em quase toda a América Latina se tem observado uma clara tendência em reduzir
ou neutralizar a interferência do Poder Judiciário, para possibilitar a intervenção de organismnos do Poder
Executivo. A centralização do poder punitivo nas mãos dos órgãos executivos é fato comprovado
amplamente, com que se desequilibra seriamente a tripartição dos poderes do Estado democrático.
"(Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 71).
Subordinação da Justiça ao mundo da instância administrativa implica também coonestar seu submundo, os
desvios "interna corporis" do Executivo.
'Fisco 'blinda' grandes grupos em ano eleitoral'. Portaria sigilosa centraliza controle das auditorias em
Brasília e reduz autonomia dos fiscais. Portaria RFB/Sufis, 23.12.09, sujeita à exclusiva deliberação da
cúpula da Receita Federal - impedindo a atuação 'ex officio' das autoridades fiscais das localidades onde
sediadas as pessoas - a fiscalização ou não dos grandes contribuintes, pessoas jurídicas com faturamento
bruto em 2008 a partir de R$ 80 milhões e pessoas físicas com rendimento superior a 1 R$ milhão(Folha de
São Paulo, 21.02.10).
Consultoria Martins Carneiro, pertencente aos Auditores da Receita Federal Sandro Martins da Silva,
assessor especial do então Secretário da Receita Everardo Maciel(Governo FHC), e Paulo Baltazar
Carneiro, Secretário-adjunto de Maciel, abiscoiutaram fortuna, chegando ao requinte de contratar os atos de
improbidade: 1)cadeia de lanchonetes McDonald?s pagou R$ 1,5 milhão("Agilização da aprovação de
portaria da Receita Federal sobre a dedutibilidade dos royalties" - obtiveram, então, ato declaratório de
Everardo Maciel pelo qual passaram a deduzir do imposto de renda royalty pago à matriz norte-americana,
até então limitado a 1%, passando a ser de 5% - Folha de São Paulo, 05.06.05); 2)Construtora OAS pagou
R$ 18,35 milhões("assessoria e patrocínio de defesa administrativa e judicial contra autos de infração da
Receita Federal"); 3)Fiat pagou R$ 2,18 milhões("edição de ato legislativo ou administrativo, que afinal
cancele ou reduza efetivamente os créditos em questão"); 4)Eximbiz pagou R$ 1,3 milhão("elaboração de
defesa na administração federal quanto à não incidência de PIS e Cofins sobre operações (...) conforme
auto de infração" de R$ 21 milhões); 5)Brasil Telecom pagou R$ 881,2 mil("provimento de recurso no
primeiro conslho de contribuintes e impugnações administrativas junto à Receita Federal" no valor de R$
8,25 milhões); 6)Banco Opportunity pagou R$ 70 mil("palestras realizadas na sede do banco Opportunity,
das quais participaram como consultores"- Folha de São Paulo, 21.04.06).
Persecução contra a corrupção na outorga do certificado de instituição filantrópica(blindando com a
imunidade tributária) pelo CNAS(Conselho Nacional de Assistência Social), presos, entre outros, seu
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ex-Presidente(período de 2004/2006) Carlos Ajur Cardoso Costa e o atual Conselheiro Márcio José Ferreira,
escrachou o absurdo(Folha de São Paulo, 13.03.08).
Pela lei, uma vez pago o tributo, não apenas a sonegação, mas também a corrupção tem extinta a
punibilidade('sic' - art. 3º da Lei nº 8.137/90 c/c art. 34 da Lei nº 9.249/95). Pelo STF, apenas após transitado
em julgado na esfera administrativa poderiam ser perseguidos os delitos tributários e conexos, ou seja,
dependeria do prório CNAS consentir na 'autoprisão' de seus membros('sic').
A instância criminal é a prevalente, inclusive sobre a judicial civil, "a fortiori", em relação à administrativa,
extrajudicial(v.g., arts. 200 e 935 do CC e art.110 do CPC).
Tétrico exemplo adveio da Suprema Corte, determinando que a ação penal fica condiconada ao
encerramento do processo administrativo-fiscal(STF, Súmula Vinculante nº 24).
Pá de cal na já moribunda persecução penal(vide histórico da despudorada "abolitio criminis" à sonegação in
tópico DA JURISDIÇÃO)
O STF fez da instância administrativa(Conselho de Contribuintes, Câmera Superior de Recursos Fiscais,
Ministro da Fazenda - Decreto nº 70.235/72) a suprema corte fiscal e criminal do colarinho branco!
Com a unificação da arrecadação da Receita Federal e INSS - 'Super Receita' -, Lei nº 11.941/09, tudo foi
unificado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF.
Tamanha aberração, que a própria instância administrativa, no âmbito cível, exigibilidade do tributo - "a
fortiori", criminal, óbvio monopólio da Justiça - consagra soberania ao Poder Judiciário, "verbis":
"Tendo o contribuinte optado pela discussão da matéria perante o Poder Judiciário, tem a autoridade
administrativa o direito/dever de constituir o lançamento, para prevenir a decadência, ficando o crédito assim
constituído sujeito ao que vier ali ser decidido. A submissão da matéria à tutela autônoma e superior do
Poder Judiciário, prévia ou posteriormente ao lançamento, inibe o ponunciamento da autoridade
administrativa sobre o mérito da incidência tributária em litígio, cuja exigibilidde fixa adstrita à
decisão definitiva do processo judicial."(1º Conselho de Contribuintes, 1ª Câmara, Relatora Sandra Maria
Faroni, Recorrente: Votorantim Celulose e Papel S/A, Processo nº 1.3808.005510/98-06, Recurso nº
136151, sessão de 04.12.03. - grifou-se).
Mais! O Executivo entende que, através da Procuradoria da Fazenda Nacional, em juízo, pode contestar o
Conselho de Contribuintes, Ministro da Fazenda, DOU 23.08.04, "verbis":
"Aprovo o Parecer PGFN/CRJ Nº 1087 /2004, de 19 de julho de 2004, pelo qual ficou esclarecido que: 1)
existe, sim, a possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda,
que lesarem o patrimônio público, serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário, pela Administração
Pública, quanto à sua legalidade, juridicidade, ou diante de erro de fato; 2) podem ser intentadas: ação de
conhecimento, mandado de segurança, ação civil pública ou ação popular e 3) a ação de rito ordinário e o
mandado de segurança podem ser propostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio de
sua Unidade do foro da ação; a ação civil pública pode ser proposta pelo órgão competente; já a ação
popular somente pode ser proposta por cidadão, nos termos da Constituição Federal."
Pelo STF, em favor do sonegador, cabe a tutela do Poder Judiciário. Em favor da defesa social, inciativa que
a Carta Magna outorgou o Ministério Público, não. Deve-se subordinação à instância administrativa.
Em suma, para os delitos de "mão pobre" quem diz o direito é o Judiciário. Para os de "mão rica", colarinho
branco, é o Órgão Fiscal.
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Ante esse monolítico óbice à macrodelinqüência da sonegação, estrategicamente, resta a possibilidade de
imputação paralela de outros crimes(quadrilha, lavagem de dinheiro, falsidade, etc.), de forma que, não
obstante a acusação por sonegação esteja travada à espera da instância administrativa, as demais,
não(STF: HC 88162/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 6.2.2007, Informativo do STF nº 455).
Órgão julgador fiscal que é a negação da imparcialidade, precisamente o maior atributo de qualquer
magistratura digna de nome.
Os conselhos de contribuintes são compostos, paritariamente, por Procuradores da Fazenda e Procuradores
dos Contribuintes(autuados/sonegadores).
A vulnerabilidade do Estado frente aos interesses privados é patente no Conselho de Contribuintes. Os
representantes dos contribuintes no conselho não são remunerados, percebendo tão somente ajuda de
custo(diárias e passagens) para estarem em Brasília nas sessões de julgamento. A alguém é exigível que
labore por diletantismo?! Quem os remunera?! Mais que representantes, são mantidos pelas entidades que
congregam os contribuintes(autuados), sujeitando-se, "ipso facto", à sua vontade, privados de qualquer
independência.
Basta consultar o andamento processual: www.conselhos.fazenda.gov.br, pesquisando pelo nome do
autuado("contribuinte").
Grandes grupos econômicos(v.g., Odebrecht, Gerdau, Itaú, Bradesco, Votorantim, Golden Cross, etc.) tem
extensa ficha processual, várias autuações mais que decenais, inúmeras qüinqüenais.
Grandes empreiteiras que formaram impérios econômicos mercê de contratações com o Poder Público,
como Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, são presença perpétua nas delongas administrativas,
consoante exemplificam processos instaurados há mais 12 anos, ainda pendentes(v.g., 13805.002745/92-45
e 13805.002746/92-6 da Camargo Corrêa).
Ícones do mundo político, sempre às voltas com imputações de improbidade, como o ex-Prefeito e
Governador de SP, Paulo Salim Maluf(Processo nº 10410.000441/93-14, instaurado em 1993,
permanecendo mais de 08 anos apenas na instância recursal), o ex-Senador da República Luiz Estevão de
Oliveira Neto(Processo nº 10166.010690/96-64, instaurado em 1996, julgado no final de 1998), o
ex-Presidente da República Fernando Affonso Collor de Mello(Processo nº 14052.005713/94-59, instaurado
em 1994, berm assim o espólio de sua mãe, Leda Collor de Mello, instaurado também em 1994), a
Construtora OAS Ltda, vinculada à família do Senador da República Antônio Carlos Margalhões, etc., todos
têm presença cativa nas instâncias hierárquicas do Executivo, Poder sempre audível aos seus interesses.
Collor agradece. O leão o preserva do tributo para que ele possa investir em causas mais nobres. Dar-se ao
capricho de R$ 38 mil mensais pelo alugauel de uma mansão em São Paulo, uma delas(Revista Veja,
25.02.04). Agora, inclusive, já ressucitou politicamente, investido que foi como Senador da República por
Alagoas.
Paulo César Cavalcante Farias, o PC Farias - lembram dele, caixa-preta da corrupção na era Collor, que
expirou suicidado pela perícia do Médico Legista Badan Palhares?!? -, talvez como preito de homenagem
aos serviços em favor da Pátria, "in memoriam", não sonegou-se gaveta à sua sonegação, processo
instaurado ainda em 1993, remanescendo mais de 08 anos apenas na instância recursal.
Possivelmente, aguardando que o inferno ateste a purgação dos não poucos pecados do "Morcego Negro".
Não ter delatado os comparsas, o maior deles!
Paulo Octávio, ora Senador da República, titular das maiores fortunas de Brasília, íntimo de Fernando Collor,
juntamente com o ex-Senador Luiz Estevão, avalista da farsa "Operação Uruguai", simulação de milionário e
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papainolesco mútuo pretextadamente outorgado por instituição uruguaia, visando justificar origem de
pecúnia imunda para safar-se do "impeachment", também é cliente assíduo da instãncia rcursal (v.g.,
Processo nº 10168.002148/95-55, instaurado em 1995, até hoje pendente de julgamento definitivo).
Paulo Octávio, que já brilhara na altiloqüente reportagem da Revista Veja, 20.11.00, "BANCADA DA
PREVIDÊNCIA", expondo algumas das milionárias sonegações previdenciárias de Parlamentares, da dele,
Paulo Octávio: R$ 20 milhões, José Sarney Filho: 8,5 milhões, Jader Barbalho: R$ 8,2 milhões, etc.
Isto tudo, sem olvidar que, uma vez julgados pelo Conselho de Contribuintes, ainda não estará exaurida a
instância administrativa, cabendo recursos à Câmera Superior de Recursos Fiscais e ao próprio Ministro da
Fazenda(arts. 25, §4º, e 26 do Decreto 70.235/72)
Mais! O registro é da instauração do processo pela fiscalização.
Os fatos examinados, contudo, são obviamente anteriores, chegando ao extremo do qüinqüênio
decadencial.
Verdade que inúmeros processos são julgados em tempo razoável pelo Conselho de Contribuintes, dele não
podendo ser subtraído os evidentes méritos. O vício essencial não está no órgão fiscal, sim na esdrúxula
subordinação do Poder Judiciário à instância administrativa.
Muitos dessas decisões relativamente céleres do Conselho de Contribuintes, entretanto, são de interesse
dos autuados: a) improvendo recurso "ex officio" do acolhimento da impugnação em 1ª instância; b)
provendo postulações do contribuinte, como a restituição de tributos alegadamente pagos indevidamente
O Regimento da Câmara Superior de Recursos Fiscais e do Conselho de Contribuintes, editados por mera
portaria do Ministério da Fazenda, afrontam o devido processo legal, desdenhando de primados da milenar
labuta forense.
Entre outras, vigoram as seguintes excrescências:
1) veicula por portaria normas processuais em afronta ao princípio da legalidade;
2) a nomeação de conselheiros não obedece qualquer critério, principalmente os princípios que se devem
pautar a administração, a exemplo da moralidade, eficiência, imparcialidade, etc. No âmbito da própria
Receita Federal, é voz corrente que o conselho é espécie de saída honrosa, consolação a ex-Delegado e
ex-Superintendentes;
3) os conselheiros dos contribuintes são nada mais nada menos que advogados de quem os nomeou
4) a distribuição dos processos, seja entre as câmaras ou dentre os membros dessas, não é aleatória. É
dirigida. A Câmara que recebe os processos com valores mais altos é a 1ª do 1º CC ? sempre a Câmara do
Presidente da CSRF ?, 3ª Câmara do 1º CC e 3ª do 2º CC. Com a concentração dentro das diversas
câmaras de processos "especiais" em alguns conselheiros. Dizem que é melhor "concentrar" determinados
processos "especiais" em certos conselheiros porque eles são mais "competentes";
5) a decisão em audiência pode se dar por meio de conferência de portas fechadas. O presidente da câmara
declara em "conferência" e determina que as pessoas se retirem, ficando apenas os conselheiros que
discutirão a causa e, no final, chamam as partes para proclamar o resultado.
Além disso, de referir o retardamento de incidentes judiciais, valendo observar que normas obstaculizadoras
de provocação do Judiciário nesta fase ainda administrativa, a exemplo da que implica renúncia ao
contencioso administrativo(art. 38, §único, da Lei nº 6.830/90), tem sua constitucionalidade discutida(STF,
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Rec. 389893, Rel. Min. Marco Aurélio, 28.10.03, Informativo do STF nº 327)
Igualmente a garantia recursal, cuja medida provisória estabelecera o depósito em dinheiro, na
conversão(Lei nº 10.522/02), fixou-se o requisito de simples arrolamento(garantia, preferencialmente
imobiliária) limitado a dois parâmetros: a)30% da autuação; b)30 % do patrimônio na hipótese daquele ser
maior do que este(art. 33, §2º, do Decreto 70.235/72).
Despiciendo lembrar que o colarinho branco, à sua imunidade, sempre terá disponibilidade de arrolar 30%
dos 100% que amealhou.
De toda sorte, até essa pífia exigência tem sua constitucionalidade contestada(STF, Rec. Extr. 389.383-SP,
Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo do STF nº 323 - MC/MG, Min. Celso de Mello, Informativo do STF nº
456).
Com a unificação da arrecadação da Receita Federal e INSS - 'Super Receita' -, Lei nº 11.941/09, tudo foi
unificado no Conselho Administrativo de Recursos - CARF.
O passívo é brutal, mais de 40 mil processos(Ofício nº 076/GAB/PRES/CARF-MF, 09.04.09, subscrito por
Carlos Alberto Freitas Barreto, Presidente do CARF, respondendo indagação do Procurador da República
Rodrigo Valdez de Oliveira)!
Exaurida a interminável instância administrativa, ainda assim nada garante a "persecutio criminis": a) provido
recurso do autuado, extingue-se; b) improvido, não obstante presente provas de sonegação, o órgão fiscal
pode excluir a representação ao Ministério Público. Nesta hipótese, caberá ao Parquet, "per fas et per nefas
", saber da autuação, valendo-se de seus poderes requisitórios(STF, ADI 1.571/DF, Rel. Min. Gilmar
Mendes, 10.12.03, Informativo do STF nº 333), para, finalmente, encetar a persecução.
Chegado ao Ministério Público, ora ex-titular da ação penal("sic"), tendo em conta que, segundo o STF,
revogado está o art. 129, I, da CRFB, uma vez que compete ao órgão julgador fiscal dizer da persecução ou
não, iniciará outro périplo: inquérito policial, ação penal com inúmeros recursos e intermináveis instâncias,
etc.(sobre a chicana do colarinho branco, vide tópico DA JURISDIÇÃO)
Acaciano lembrar que a sonegação consuma-se quando do fato gerador, sendo o lançamento puramente
declaratório("ex tunc") da obrigação e constitutivo do crédito tributário, requisito apenas da exigibilidade
pecuniária("ex nunc"), sem qualquer relação com o delito.
A pretensa compesação outorgada pelo STF à defesa social, decidindo pela suspensão do curso
prescricional enquanto não encerrado o processo administrtivo, sob a invocação da máxima de que não se
pode opor a prescrição a quem é incapaz de agir("contra non valentem agere non currit praescriptio"), "in
casu", o Parquet, é írrita.
Primeiro, sabidos os rigores das garantias fundamentais no âmbito penal(vide tópico DA DOGMÁTICA - DA
DEFESA - "nullum crimen sine lege"), o STF inova, criando causa de suspensão da prescrição inexistente na
lei.
Pior! Pelo voto condutor do Min. Carlos Velloso, a pendência do processo administrativo sequer seria causa
suspensiva da prescrição, tampouco condição de procedibilidade(questão prejudicial - arts. 92 a 94 do CPP).
Seria "sui generis" causa extensiva da própria tipidade("sic"), "verbis":
"... Considerou-se, ainda, o fato de que, consumando-se o crime apenas com a constituição definitiva do
lançamento, fica sem curso o prazo prescricional ..."(STF, HC 81.611/DF, 10.12.03, Informativo do STF nº
333)
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Em resumo, como diz o Procurador Regional da República Douglas Fischer, "sui generis" elemento do tipo
fora do tipo(exaurimento do processo administrativo). Pior. Além de fora do tipo, perpetrado por terceiro que
não o contribuinte, ou seja, o julgamento pelo órgão administrativo. Na percuciente observação do
Procurador da República Edmar Gomes Machado, no entender do STF, o homicídio consuma-se tão
somente quando expedido o atestado de óbito.
Segundo, o tempo é soberano, não dobrando-se à jurisdição de qualquer corte. Não há como elucubrar
hipóteses suspensivas do curso do tempo!
Terceiro, não é o tempo que passa! As pessoas e os fatos é que passam! O objeto das ações criminais, por
sua vez, são os fatos praticados por pessoas! Se intermináveis anos de tramitação processual fez os fatos e
as pessoas passarem, passou, precluiu, sucumbiu, identicamente, a própria "persecutio criminis".
Sobre a "ratio essendi", justicação ontológica da prescrição, inexorável efeito do tempo nas pessoas, fatos e
Sociedade, enfim, no processo, vide preciosa fundamentação de Aníbal Bruno, tópico DA JURISDIÇÃO
Qual o insano Magistrado(a) que, passados 10, 15, 20, 25 ... anos da sonegação("sic") - até porque quase
impossível que nesse período não opere-se uma das inúmeras causas extintivas da punibilidade(vide tópico
DA JURISDIÇÃO) - , irá encontrar justificativa para fazer aplicar a sanção penal?!
Em resumo, fosse o STF a Suprema Corte dos EUA à época de Al Capone, o gangster jamais teria sido
preso. Estaria aposentado muito antes de ser sequer acionado "in juditio", ainda "sub judice" do Conselho de
Contribuintes(sobre Al Capone, vide tópico DA AXIOLOGIA).
Em última análise, somadas às benesses legais(vide histórico da despudorada "abolitio criminis" à
sonegação in tópico DA JURISDIÇÃO), esta decisão do STF faz do contribuinte probo, que honra sua
obrigações tributárias, um perfeito idiota! "Eremildo, o idiota", diria o Jornalista Elio Gaspari!
A desconstituição - por razões formais, quando o fundamento da nulidade não alcança a materialidade do
crime descrito na denúncia - do auto de infração pelo Conselho de Contribuintes não fulmina a persecução
criminal(TRF/4ª, Ap. Crim. 200.70.07.000074-0/PR, 19.11.03, Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz, Informativo
Criminal do TRF/4ª dez/2003).
Luciano Feldens, ex-Procurador da República, 'sponte propria' abdicado do Ministério Público em prol dos
Ministérios da Advocacia e Academia, apontando as disfunções que acarretam a subordinação da instância
judicial à administrativa:
"a) conferir, na prática, ?efeito vinculante? a uma decisão administrativa, quando sequer as decisões
emanadas do Supremo Tribunal Federal ostentam essa característica, à exceção das que proferidas em
sede de ADC(art. 102, §2º, da CRFB);
b) conferir, na prática, efeito de ?coisa julgada material?, ?erga omnes?, a uma decisão administrativa
(extrajudicial), que não poderia, a partir de sua prolação, ser enfrentada na esfera judicial criminal, mesmo
por aqueles que não tenham participado do procedimento administrativo(v.g., no caso da ação penal, o
Ministério Público), violando, assim, dentre outros, o princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CRFB);
c)subjugar o Poder Judiciário a uma decisão da esfera administrativa, suprimindo-lhe jurisdição, não
obstante a Sociedade tenha justamente no Poder Judiciário a possibilidade, constitucionalmente
consagrada, de ver apreciada qualquer lesão a direito, ou mesmo ameaça de sua ocorrência (art. 5º, XXXV,
da CRFB);
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d) indiretamente, erigir uma decisão administrativa, em condição de procedibilidade para o exercício da ação
penal (o que o STF já disse não ser, v.g., ADIn. 1.571-1, e HC 77.711-9, DJU 28/05/99, p.5), quando sequer
da representação fiscal necessita o Ministério Público para sua propositura, bastando os requisitos do art. 41
do CPP (art. 39, §5º, do CPP c/c art. 16 da Lei nº 8.137/90);
e) conferir à administração o monopólio na interpretação das questões fiscais/tributárias, reconhecendo no
Juiz, ?ipso facto?, uma incapacidade absoluta de apreciá-las;
f) ?tarifamento da prova?, eis que, ainda que presentes na ação penal outros elementos de convicção (os
quais poderiam exsurgir justamente no curso da ação penal), impedido estaria o Poder Judiciário de
conhecê-los."(Tutela Penal de Interesses difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado, 2002,
p. 205).
Em julho/2008, existiam 140 mil processos na Receita Federal do Brasil, sendo 90 mil nas delegacias e 50
mil no Conselho de Contribuintes, somando lançamento de R$ 270 bilhões em tributos. O Conselho recebe
cerca de dois mil processos ao mês, julgando 1,5 mil. Em média, os processos têm tramitação por cinco
anos. Medida de celeridade anunciada é a digitalização, 'e-proc', prevendo-se redução de 50% do
tempo(Diário Catarinense, 13.07.08).
Subordinação da representação fiscal para fins penais ao encerramento do processo administrativo-fiscal.
Art. 83 da Lei nº 9.430/96. Distinção entre "notitia criminis", mera comunicação da autuação pela Receita
Federal ao Ministério Público, submetendo a esse informações necessárias a, assim, decidindo, encetar a
persecução, e "delatio criminis", a tratada pelo dispositivo legal, ocorrida uma vez encerrado o processo
administrativo-fiscal, na qual há expressa manifestação de vontade do Fisco quanto à ação penal, cumprindo
ao Parquet, obrigatoriamente, fazê-la tramitar(v.g., denúncia, arquivamento, Inquérito Policial, diligências,
etc.). Vide "O Artigo 83 da Lei nº 9.430/96: sua compreensão", Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da
República", in Boletim dos Procuradores da República nº 16, www.anpr.org.br
Sobre a independência das instâncias administrativa e judicial em matéria tributária, vale a leitura da
abordagem de Aloísio Firmo Guimarães da Silva, Procurador da República no RJ, Luíza Cristina Fonseca
Frincheisen, Procuradora Regional da República/3ªRegião,e o Cláudio Fonteles, Procurador-Geral da
República, in Boletim dos Procuradores da República nº 49, www.anpr.prg.br
"Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria, indeferiu a ordem, considerada a impossibilidade de
trancamento de ação, não obstante a alegação de que a denúncia fundamentou-se apenas em auto de
infração que posteriormente foi anulado pelo Tribunal Administrativo Estadual, vez que não restou
incontroversa a existência de outros subsídios que embasaram a denúncia do paciente como incurso nas
sanções do art. 1º, I, II, III e IV, da Lei nº 8.137/90(STJ, HC 14.394-PE, Rel. Min. Félix Fischer, 17.05.01,
Informativo do STJ nº 96).
"... O procedimento administrativo de apuração de débitos tributários não se constitui em condição de
procedibilidade para a instauração da ação penal visando à apuração de delito contra a ordem tributária,
tendo em vista a independência das instâncias que se verifica"(TRF/4ª, HC 2003.04.01.028143-6/RS, Rel.
Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrére, 13.08.03, Informativo Criminal agosto/2003 - Identicamente,
caso no qual o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, provendo recurso administrativo do
contruinte, acatou-o, extinguindo o débtio tributário: TRF/4ª, Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Ap. Crim.
200.70.07.000074-0/PR, 19.11.03, Informativo do TRF/4ª nº 179)
STJ, após decisão do STF submetendo a jurisdição ao contencioso administrativo, obtempera, "verbis":
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"Em apelação criminal interposta pelo MP, o paciente foi condenado pela prática de crime contra a ordem
tributária. Trata-se de sócio majoritário de factoring que funcionava como empresa de "fachada", adquirindo
de maneira fictícia lotes de títulos públicos - tal aquisição visava aumentar o custo dos títulos que
posteriormente seriam "vendidos" a outra empresa distribuidora de títulos e valores mobiliários, que teria, em
tese, reduzido o pagamento de tributos e contribuições sociais, além de prestar declarações falsas às
autoridades fazendárias inserindo elementos não exatos em documentos exigidos pela lei fiscal. Aduz o
paciente, na impetração, não haver prova da materialidade do delito, uma vez que a Receita Federal
concluiu não haver crédito tributário a ser pago ou recolhido pela factoring. O Min. Relator ressaltou
que, segundo a nova orientação do STF, nos crimes do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, que são materiais ou de
resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de
punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja
existência ou montante não se pode afirmar até que haja efeito preclusivo da decisão final na sede
administrativa. No caso, a factoring não figurou como parte no processo administrativo fiscal invocado e não
se procedeu à análise do mérito das irregularidades apontadas no auto de infração, que se limitou a aplicar o
benefício da dúvida. Ao contrário, no Tribunal a quo, o conjunto fático-probatório concluiu que o crime contra
a ordem tributária consiste na sonegação de mais de sessenta milhões de reais a título de imposto de renda
e contribuição social. Assim, no dizer do Min. Relator, a dúvida na esfera administrativa restou vencida
na esfera penal e não se pode afastar a condenação do réu sob pena de subordinar-se ao Poder
Executivo a persecução penal para apuração de delitos contra a ordem tributária em quaisquer
casos, indiscriminadamente. Com esses esclarecimentos, a Turma denegou a ordem. Precedente citado
do STF: HC 81.611-DF, DJ 13/5/2005. HC 40.446-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 28/6/2005 Informativo do STJ nº 253
Havendo cumulação de delitos com a sonegção, não obstante inconcluso o processo adminitrativo-fsical,
não há óbice à tramitação da ação penal, STJ, "verbis":
"Trata-se de sócios-gerentes ou funcionários de empresa denunciados por procedimentos fraudulentos para
redução de recolhimento de ICMS com registros a menor. Note-se que, no caso, há indício de falsificação e
pode haver outros desdobramentos. O Min. Relator concedia a ordem, de acordo com os recentes julgados
do STF, no sentido de que somente é possível o início da ação penal em relação a crime de sonegação
fiscal quando o procedimento administrativo for concluído, já que discutível, ainda, o lançamento tributário.
Entretanto os votos divergentes apontavam que os autos não trazem cópia de impugnação ou recursos
manejados no processo administrativo, sem os quais não se pode aferir a apontada ausência de justa causa
para a ação penal. Assim, a instrução criminal, no caso, poderá revelar a existência de outras
condutas típicas, tendo indícios de falsificação, e não somente o delito contra a ordem tributária (art.
383, CPP). Assim, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concluiu que a ação penal deve
permanecer em curso." (HC 40.994-SC, Rel. originário Min. José Arnaldo da Fonseca, Rel. para acórdão
Min. Gilson Dipp, julgado em 8/11/2005 - Informativo do STJ nº 267).
A propósito das indevidas limitações impostas à fiscalização tributária, de modo a subtrair da persecução
fatos sujeitos à obrigatoriedade da ação penal, através da regulamentação do Mandado de Procedimento
Fiscal, vide "A privatização do Espírito Público", Marco Aurélio Dutra Aydos, Procurador da República em
SC, in Boletim dos Procuradores da República nº 36, www.anpr.org.br.
Também no âmbito tributário, bem abordando o indevido controle do Poder Executivo na persecução por
sonegação tributária, vide Sonegação e Impunidade, Marco Aurélio Dutra Aydos, Procurador da República
em SC, in Boletim Científico nº 06, Escola Superior do Ministério Público da União, www.esmpu.gov.br
A independência do Judiciário das instâncias administrativas implica que o Ministério Público também tenha
poder investigatório autônomo àquelas(v.g., TRF/4ª, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, MS
2003.04.01.018493-3/SC, 22.10.03, Informativo Criminal do TRF/4ª dez/2003).
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I.V - DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO E DA (DES)OBRIGATORIEDADE DA
AÇÃO PENAL
Através de imposição legislativa(v.g., art. 2º, IV, da Lei nº 9.034/95 - gravação ambiental -, etc.) e,
principalmente, jurisprudencial, elastecendo-se a tutela da proteção individual(v.g., intimidade/vida privada,
art. 5º, X, da Constituição; domicílio, art. 5º, XI, da CF; sigilo profissional, art. 207 do CPP, etc.), no colarinho
branco viceja crescente sujeição da produção probatória da fase pré-processual, inquérito, à específica
outorga do Poder Judiciário.
Essa tutela dos direitos individuais do implicado, à medida que a ausência de determinada produção
probatória, dada sua essencialidade, na prática, significa renúncia à própria persecução criminal desobrigatoriedade da ação penal! -, já que não será suprida por outro meio de convicção apto à
indispensável certeza que exige o veredicto condenatório, sucumbe a própria obrigatoriedade da ação penal
contra o colarinho branco, soçobrando a defesa social frente as garantias do investigado.
Aspecto ainda mais palpitante pela brutal disparidade de armas, eis que a Defesa, via banalização no
conhecimento de habeas corpus, leva qualquer questiúncula à exauriente discussão até o STF enquanto a
Acusação soçobra ante a denegação da 1ª instância, sequer chegando aos tribunais recursais ordinários.
Simplesmente, inexiste previsão legal de recurso contra o indeferimento de prova crucial(v.g., busca e
apreensão, interceptação telefônica, etc.). Em desespero de causa, lança-se mão do mandado de
segurança(Súm. 701 do STF prevê citação do réu em mandado de segurança do Ministério Público em
matéria criminal), correição parcial, etc., instrumentos estes, além de inapropriados, mesmo quando
excepcionalmente providos, regra geral, ineficazes(v.g., delonga que faz perecer a efetividade da prova, a
exemplo da interceptação telefônica cujo momento da escuta é crucial, contraditório e/ou vazamento da
apuração em instância recursal, de forma que o investigado destrua provas, etc. - vide tópico DA
JURISDIÇÃO).
Exemplo curioso é do INSS que, 'motu proprio', concluiu pela reserva jurisdicional de perícias médicas
efetuadas em segurados sob indicação de terem incorrido em estelionato, fraudando a obtenção do
benefício previdenciário do auxílio-doença(Parecer da Procuradoria-Geral do INSS, Brasília, Processo nº
35000.000147/20008-40, 27.03.08). Em suma, o Estado(Previdência Social), vitimado que é pelo delito,
omite dele próprio, Estado(Polícia Federal e Ministério Público), perícia também por ele efetuada. 'Mutatis
mutandis', adentrando à psicanálise, como se id, ego e superego de idêntica pessoa não pudessem
confabular.
Não obstante mandado judicial, a obtenção da prova pode ser contestada(v.g., violação da razoabilidade na
outorga da interceptação telefônica - art. 2º da Lei nº 9.296/96), a exemplo das provas fortuitas, ou seja,
estranhas ao alvo inicial da persecução, colhidas juntamente com outras(v.g., mandado de busca e
apreensão domiciliar, interceptação telefônica, etc., nas quais são obtidas provas de outros delitos e/ou
pessoas, incluídas as de foro privilegiado, diversas das que motivaram o deferimento pelo Judiciário - vide
HC 84224/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Informativo do STF nº 443).
Abordando o Direito Comparado, jurisprudência norte-americana, o percuciente Procurador da República
Marcelo Miller pontifica: outro caminho é a teoria do encontro inevitável('inevitable discovery'), e não
apenas fortuito, de prova. Uma das ramificações dessa teoria alcança o caso da 'busca além do escopo do
mandado', qual seja, se o executor do mandado iria, como desdobramento natural e obrigatório da diligência,
vasculhar o local onde encontrou o elemento de prova que não era objeto do mandado, a prova seria
considerada lícita. A busca seria razoável, pois, pelo ângulo subjetivo da conduta, não se poderia imputar ao
executor do mandado abuso de autoridade.
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Em várias situações, sustenta-se que, sequer mediante outorga judicial, é possível produzir prova
incriminatória do colarinho branco.
Essa, pois, uma das facetas, tensões, próprias da apuração do colarinho branco.
Na inquisição, as atribuições de investigação, acusação, defesa, julgamento e até mesmo de legislação
fundiam-se em idêntica pessoa(vide típico DA DOGMÁTICA - DA DEFESA - "Nulla culpa sine judicio").
A evolução do devido processo legal fincou seus pilares precisamente na separação dessas funções, de
forma que ao Poder Judiciário, inclusive por imperativo de sua necessária imparcialidade, reservou-se o
julgamento.
Algumas tutelas investigatórias, todavia, dada sua especial relevância à proteção das garantias individuais,
foram afetadas à exclusividade da jurisdição.
Exemplo mais contundente é a prisão processual, antes da "Lex Fundamentalis"/88 atribuída também à
Autoridade Policial - "prisão para averiguações/busca pessoal" - hoje exclusiva do Poder Judiciário(art. 5º,
LXI, da Constituição). Identicamente, a busca e apreensão domiciliar(art. 5º, XI, da Constituição).
Essa expansão desmedida das atribuições do Poder Judiciário na investigação, de certa forma fazendo-o
retroagir aos superpoderes, por um lado, tão perversos ao devido processo legal e, de outra face, inibidores
da defesa social, ?persecutio criminis", em grande parte por construção jurisprudencial(v.g., quebra de sigilo
bancário - vide tópico DO SIGILO BANCÁRIO), também por obra do legislador(v.g., art. 3º da Lei nº
9.034/95), é fenômeno palpitante no colarinho branco.
Precisamente por retroagir o Poder Judiciário aos poderes inquisitoriais, comprometendo a imparcialidade do
Magistrado(a) que emana de sua equidistância das partes - Acusação(investigação) e Defesa - declarou-se
a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.034/95, o qual ungia o Juiz(a) com poderes discricionários na
apuração, espécie de Juizado de Instrução, afrontando o sistema acusatório((ADI 1.570/DF, Rel. Min.
Maurício Corrêa, 12.02.04, Informativo do STF nº 336). Agora, em face da redação emprestada pela Lei nº
11.690/08 ao art. 156 do CPP, a discussão está reativada.
Entendida como sujeita à ordem judicial, a prova que desatender ao requisito será ilícita(art. 5º, LVI, da
Constituição - vide rica abordagem do STF, Informativo do STF nº 197), cabendo seu
desentranhamento(STF, Inq. nº 731-DF, Rel. Min. Néri da Silveira, Informativo do STF nº 32), fato que pode
fulminar a 'persecutio criminis', notadamente nas situações em que inexistirem outras provas idôneas à
condenação ou, embora presentes, tenham sido originadas da ilícita, vício que também as contamina,
consoante a doutrina dos frutos da árvore envenenada, "fruits of the poisonous tree"(STF, HC 74.478-8, Rel.
Min. Ilmar Galvão, Informativo do STF nº 64), ora explicitada no art. 157, §2º, do CPP.
Inspirado no direito norte-americano, foi ressalvada a validade da prova(art. 157, §§1º e 2º, do CPP)
derivada quando advinda de: a)limitação da fonte independente('independent souce limitation'); b)limitação
da descoberta inevitável('inevitable discover limitation'); c)limitação da contaminação expurgada('purged taint
limittion') ou conexão atenuada('attenuated connection limitation').
Palpitante esse debate sobre a origem da prova.
Corriqueiro, notadamente no combate ao tráfico de drogas, flagrância na transporte do entorpecente
viabilizado por interceptaçao telefônica sem, contudo, isso ser trazido aos autos, de forma que a persecução
resume-se ao flagrante. Justifica-se esse procedimento para 'não queimar a escuta', ou seja, ensejar que
outros infratores da oranização criminosa também sejam presos futuramente. Subtraida da defesa a origem
verdadeira da autuação, evenuais vícios passarão impunes, a exemplo da competência do juízo que
outorgou a interceptação, sabido que o tráfico internacional é da Justiça Federal e o interno da Estadual.
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Entre as cláusulas mais invocadas à prévia outorga judicial, está a tutela da intimidade e vida privada(art. 5º,
V, da Constituição).
Percucientemente, José Adércio conceitua os institutos: "... vida privada como autodeterminação da
existência própria, autodefinição pessoal, sexual e familiar; intimidade como um de seus aspectos, relativo a
informações pessoais: seu controle em diversos instantes: da coleta ao uso, na perspectiva tensa da
interação social, comunicativa, e do reconhecimento, aí sim, do recato e da solidão." (José Adércio Leite
Sampaio, Procurador da República em MG, Direito à Intimidade e à Vida Privada, Del Rey, 1998, p.28).
A própósito da imunidade da intimidade ao escrutínio estatal, cláusula da Constituição da Argentina, "verbis":
"Artículo 19 - Las acciones privadas de los hombres que de ningún modo ofendan al orden y a la moral
pública, ni perjudiquen a un tercero, están sólo reservadas a Dios, y exentas de la autoridad de los
magistrados..."
Exemplo palmar da reserva da intimidade é o "marital communications privilege": segredo das comunicações
entre esposos, do Direito norte-americano, também preservado em nosso ordenamento(art. 206 do CPP).
Nesse sentido, de registrar-se que nos escândalos da corrupção política, objeto de tantas CPI?s, pululam
ex-esposas delatando seus cônjuges. Nada mais eterno que a "ex". Ex-ex, apenas se restornar a ser a atual.
Situação bastante comum a geração espontânea de provas pela colaboração de delatores(ex-sócio,
ex-cônjuge, ex-genro, ex-empregado, ex-quadrilheiro, enfim, algum "ex", sabido que todo "ex" é um "anti-ex
"), cuja obtenção ordinária demandaria prévia outorga judicial.
No rumoroso "affaire" entre Bil Clinton e a estagiária Mônica Levinski, paroxismo da intimidade, o Presidente
dos EUA, à convocação de seus guarda-costas a testemunharem, invocou o segredo profissional. Não
levou.
O segredo profissional é baliza extraordinariamente limitadora da prova acusatória. No Direito
norte-americano, v.g., tem-se o "Accountant privilege": segredo profissional do Contador; "Client?s privilege":
segredo profissional do Advogado; Newsman?s privilege: segredo profissional do Jornalista; "
Patiente-physician privilege": segredo profissional do Médico; "Priest-penitent privilege": segredo de
confissão; "Privileged communications": fatos conhecidos no exercício da profissão e protegidos pelo
segredo profissional e o "Attorney-client privilege": segredo profissional do advogado.
Nesse âmbito, do segredo profissional, sequer ordem judicial supre a ilicitude da prova. É vedada sua
produção(art. 207 do CPP), sob pena, inclusive, de crime(art. 154 do CP).
Nelson Hungria, sobre o segredo profissional, ostentando seu proverbial brilhantismo, "verbis":
"Dizia Kant que, para aferir-se da moralidade ou imoralidade de um fato, o melhor critério era imaginá-lo,
hipoteticamente, transformado em norma geral de conduta: se a vida social ainda fosse possível, o fato é
moral; do contrário, é imoral. A antinomia de um fato humano com a moral positiva está na razão direta de
sua nocividade social. É bem explicável, portanto, que entre as ações imorais que, por sua maior gravidade,
constituem o injusto penal, figure a violação do segredo profissional. Se fosse lícita a indiscrição aos que, em
razão do próprio ofício ou profissão, recebessem segredos alheios, estaria evidentemente criado um
entrave, muitas vezes insuperável, e com grave detrimento do próprio interesse social, à debelação de
males individuais ou à conservação e segurança da pessoa. (Comentários ao Código Penal, Forense, 1958,
Vol. VI., p. 236).
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Ainda o insuperável Nelson Hungria, "verbis":
"... É com todo o acerto que nosso estatuto penal classifica a violação do sigilo profissional entre os crimes
que ofendem a liberdade individual. Na preservação de sua pessoa física ou personalidade moral, todo
individuo deve ter plenamente garantido o livre exercício de sua vontade, e tal garantia seria frustrada, se,
tendo forçosamente de recorrer aos conhecimentos técnicos ou à ajuda profissional de outrem, saltasse-o o
receio de que os seus segredos, confiados ou surpreendidos, fossem traídos. O temor da quebra dois
segredos poria em cheque a liberdade de atuação da vontade". (Comentários ao Código Penal, Forense,
1958, Vol. VI., p. 237)".
Santo Agostinho declarava: "o que sei por confissão, sei-o menos do que aquilo que nunca soube" ("apud",
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. VI., p. 239).
A controvérsia irá estabelecer-se quanto aos limites desse sigilo quando, v.g., o Advogado(a), atuando nos
estreitos limites entre a defesa e co-delinquência, traveste o "locus delicti" como o de seu escritório. A
propósito, nunca é demais recordar que o fatídico testemunho contra o gangster Al Capone foi de seu
Contador.
O Estatuto da OAB(Lei 8.906/94), protegendo a oficina profissional do Advogado, impondo que eventual
busca e apreensão judicial seja acompanhada por representante da OAB, teve a constitucionalidade
ratificada pelo STF, ressalvado apenas que '... a exigência do acompanhamento da diligência ficará
suplantada, não gerando ilicitude da prova resultante da apreensão, a partir do momento em que a OAB,
instada em caráter confidencial e cientificada com as cautelas próprias, deixar de indicar o representante
...."(ADI 1105/DF e ADI 1127/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski,
17.5.2006 - Informativo do STF nº 427)
A necessidade da ordem judicial pode não estar diretamente na prova produzida, mas sim na sua
pré-constituição. Exemplo palmar é o testemunho, de per si não exigindo outorga do Poder Judiciário,
viciado, todavia, porque a respeito de fato presenciado mediante ato que demandaria mandado judicial,
como a violação de domicílio(art. 5º, XI, da Constituição).
É o 'eavesdropping', do Direito norte-americano: 'escuta clandestina(delito que consiste em penetrar em
propriedade alheia para escutar conversas ou observar a conduta de outras pessoas, fazendo ou não uso de
aparelhos apropriados para tal fim).' (vide Law Dictionary, Maria Chaves de Melo, Elfos, 1998)
O asilo domiciliar é dos mais caros direitos fundamentais. Sua defesa, em 1.604, na Inglaterra, teve
antológica defesa por Lord Chatam, resultando, v.g., no hoje instituto do "castle doctrine" ou "dwenlling
defense"(direito de defesa do domicílio, mesmo através da violência do direito norte-americano), "verbis":
"O homem mais pobre pode, em sua casa, desafiar todas as forças da Coroa. Essa casa pode ser frágil, seu
telhado pode mover-se, o vento pode soprar em seu interior, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar,
mas o Rei de Inglaterra não pode entrar, seus exércitos não se atreverão a cruzar o umbral da arruinada
morada"(José Adércio Leite Sampaio, Procurador da República em MG, Direito à Intimidade e à Vida
Privada, Del Rey, 1998, p.35).
'Domus tutissimum cuique refugium atque receptaculum sit': a casa é o refúgio e o mais seguro asilo.
Ante a atual "Lex Fundamentalis", que reservou à exclusividade da jurisdição a busca domiciliar(art. 5º, XI,
da CRFB), e a extensão da proteção, "casa", que compreenderia "... compartimento onde alguém exerce
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profissão ou atividade"(art. 150, §4º, III, do CP), situação que condicionaria, v.g., as auditorias fiscais ao
mandado judicial, a discussão da matéria ganha especial relevo.
De extraordinária importância, sabido que a autoacusação impõe-se apenas diante de Deus("accusare nemo
se debet nisi coram deo"), a prerrogativa constitucional ao silêncio(art. 5º, LXIII, da Constituição).
Todos os homens mentem: 'ommi homo mendax'. 'Jamais diga uma mentira que não possa provar'(Millôr
Fernandes).
Sobre o direito constitucional ao silêncio do investigado/acusado, imperdível a rica fundamentação do
sempre consistente Min. Celso de Mello, HC nº 77.704, DJU 18.05.98, Informativo do STF nº 120.
Nesse âmbito, relevante discussão sobre a legalidade da interceptação das comunicações de investigado
quando interrogado ou no curso do processo, já deduzida a imputação: '... asseverou-se que o sigilo próprio
aos dados da interceptação telefônica estaria direcionado a proteger e não a gerar quadro em que alguém
se visse envolvido, devendo comparecer à delegacia policial, sem que se lhe fosse proporcionado, e ao
advogado, conhecer as razões respectivas. Concluiu-se que o sigilo pode estar ligado a investigações em
andamento, mas, a partir do momento em que existe interrogatório dos envolvidos, indispensável o acesso,
à defesa, ao que se contém no próprio inquérito. Fora isso, seria impossibilitar a atuação da defesa, em
violação ao devido processo legal.(STF, Rel. Min. Marco Aurélio, HC 92331/PB, 18.3.2008 Informativo do
STF nº 499).
A interceptação/escuta de conversação - seja a telefônica, seja a pessoal, direta, ambiental - é admitida
como prova apenas mediante prévia autorização judicial(art. 5º, XII, da Constituição c/c a Lei nº 9.296/96 e
art. 2º, IV, da Lei nº 9.034/95).
A exceção é quando uma das partes é vitimada por delito, ou seja, sob o escudo da legítima defesa,
legitimada a gravar.
Sendo o interlocutor que procede a gravação vítima de algum delito, v.g., extorsão(STF, HC 74.678-DF, Rel.
Min. Moreira Alves, 10.06.97, RTJ 167/206), concussão (STF, RE 212.081, Rel. Min. Octavio Gallotti,
Informativo do STF nº 104), etc, situações nas quais a coleta da prova traduz-se em ato de legítima defesa
do ofendido("in casu", contratante, fornecedor dos Correios contra quem exige-se propina), restará excluída
a ilicitude da clandestinidade.
Em sede de repercussão geral - recurso interposto pela Defendoria Pública, todavia, o STF acolheu a
licitude da gravação ambiental por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro(STF, Rel. 583937,
19.11.09, Informativo do STF nº 568).
Também lícita a gravação na hipótese do flagrante esperado, pelo qual alguém faz-se passar por
interessado no ilícito, a exemplo da compra de droga do traficante, sabido que, independentemente da
aquisição pelo usuário, a posse do entorpecente ao tráfico já tipifica a conduta(STF, HC 76397-RJ, Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJU 27.02.98).
A CPI dos Grampos da Câmara dos Deputados apontou banalização da interceptação. Em maio/2008, tão
somente sob as atribuições da Polícia Federal, tínhamos contabilizados 5.813 telefones sob escuta em
andamento no país. Em regra, cada pessoa grampeada conversa com 10 outras pessoas/dia, as quais
também são interceptadas. Em 2007, incluídas todas as esferas do Judiciário(federais e estaduais),
computadas as prorrogações como novas escutas(a ordem judicial é por 15 dias, renovada indefinidamente),
chegamos a 409 mil(Folha de São Paulo, 10.06.08). Na verdade, o número de interceptações é
superestimado. Notadamente no tráfico de entorpecentes, o investigado, visando driblar a apuração, troca
rapidamente de terminal, sempre usando os titulados por teceiros. O CNJ, que estabeleceu oa
contabilização geral das interceptações, também atesta que as escutas são em volume razoável, nada
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exagerado.
Ao afastamento de qualquer sigilo(v.g., bancário, fiscal, telefônico, domiciliar, etc.) pressupõe prévias e
razoáveis provas/indícios do delito, servindo sua quebra à confirmação de delito e não para procurar crime.
Nesse termos, abusivo sempre que o Estado devassa a esmo os dados pessoais à procura de algo a ser
imputado. Assim agindo, ao invés de apurar fatos, o Estado estará devassando pessoas, práxis antípoda ao
Estado de Direito. Nesse sentido, inteceptação telefônica prolongada indefinidamente - meses, anos! contra inúmeros alvos(STJ, HC 76.686-PR, Rel. Min. Nilson Naves, 09.09.08, Informativo do STJ nº 367). '
Quem é que aguenta dois anos grampeado? Nem Jesus Cristo. Você pode pegar o papa Bento 16. Se
grampear durante dois anos, vai achar um monte de pecados. Isso é um abuso do Estado'(Folha de São
Paulo, 09.08.09, p. A12).
Igualmente, mesmo que precedida de ordem judicial, desde que desatenda os pressupostos(v.g., art. 2º da
Lei nº 9.296/96; razoabilidade/proporcionalidade: art. 156, I, do CPP) pode ser revista pelo órgão judiciário '
ad quem', cassada a escuta, busca e apreensão, etc. e excluída a prova dos autos pela ilicitude(STJ, Rel.
Min. Arnaldo Esteves Lima, HC 88.825-GO, 25.10.09, Informativo do STJ nº 411).
Na rumorosa 'Operação Satiagraha', apuração na qual o Juiz Federal Fausto de Sanctis, 6ª Vara de SP, em
duas oportunidades, decretou prisão do banqueiro(Opportunity) Daniel Dantas, sendo que o Presidente do
STF Gilmar Mendes, reiteradamente, 'per saltum', sem decisão dos demais graus, TRF/3ª e STJ, sede de
habeas corpus preventivo impetrado em razão de pretérita notícia jornalística apontando Dantas sob
investigação sigilosa, outorgou liberdade a Daniel, por decisão da judicial da 1ª instância, foi franqueada à
Polícia Federal, mediante senha, acesso: a)consulta aos cadastros completos de assinantes e usuários,
através de pesquisas de nome, CPF ou CNPJ e/ou número de linha e IMEI(dados e voz pela internet) de
eventuais investigados; b)consulta ao histórico de chamadas, abrangendo essas linhas interceptadas e
aquelas que se comunicarem com esses números; c)nesse âmbito da telefonia móvel, através da
ERB(Estação de Rádio Base - torre de retransmissão do sinal) e CCC(Central de Comutação Celular)
também possivel à investigação localizar a posição geográfica do usuário do aparelho quando da
interlocução. Essa permissão genérica, embora não inclua a gravação/escuta dos diálogos, apenas detectar
as ligações, enseja à Polícia Judiciária verificar todas os contatos da telefonia do país, estejam ou não as
pessoas sob investigação(Folha de São Paulo, 03.08.08 - tratando da Operação Castelo de areia,
envolvendo a Construtora Camargo Corrêa: 'Justiça deu à PF acesso geral a dados de clientes de 8 teles',
Folha de São Paulo, 03.04.09). Claro está o abuso!
Na prova mediante interceptação de voz, relevante a discussão sobre o exame espectográfico(perícia de voz
ou fonética; confronto de voz, especialidade da fonoaudiologia) e o ônus da prova. Negada a autoria pelo
imputado, cabe à acusação demonstrar.
Mesmo o simples acesso aos dados cadastrais dos assinantes da telefonia fixa e celular(titular e endereço
dos terminais, etc.), ou seja, a lista telefônica, regra geral publicada, apenas não divulgada quando assim
requerido pelo assinante, é polêmico. STF, decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes, Medida Cautelar nº
1928, suspendendo tutela obtida pelo Ministério Público, em sede de ação civil pública, obrigando as
companhias fornecerem os dados à Polícia e Parquet. Anatel, Parecer nº 1314/09, de sua
Procuradoria-Geral, igualmente.
Além da necessidade ou não de ordem judicial à produção probatória, há os aspectos tecnológicos. A
variedade e sofisticação das interlocuções também enseja multiplicidade de apreensões da comunicação.
Exemplificativamente, abordando os mensageiros instantâneos virtuais(MSN Messenger, Yahoo Messenger,
etc), o Procurador da República Vladimir Aras elenca métodos de interceptação possíveis: a)interceptação
on-line por meio do provedor(aqui ou no exterior); b)inserção de software de cópia no computador-alvo;
c)subtração do sinal/transmissão e utilização de criptografia reversa para decodificação; d)invasão do
computador e inoculação de software leitor de tela.
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À modernização das comunicações, também grassa a evolução das interceptações, notadamente as
clandestinas, sem ordem judicial, criminosas. 'Internet dissemina novos métodos de grampo ilegal. Inseridos
em celular, programas simulam teleconferências e abrem áudio de conversas: 1)programas do tipo
'cavalo-de-tróia' são instalados no aparelho da pessoa espionada. O 'cavalo-de-tróia', diferentemente dos
vírus, não cria cópias. Ele rompe proteções do aparelho e abre as portas para invasores; 2)quando o
aparelho invadido faz um telefonema para um terceiro aparelho, o celular do invasor também recebe a
chamada. Ocorre uma 'teleconferência' sem que o dono do aparelho tenha conhecimento. Uma vez
invadido, o telefone celular passa a ser monitorado pelo invasor por meio de outro telefone celular ou mesmo
por um computador; 3)o telefone invadido pelo 'cavalo-de-tróia' pode também ser acionado remotamente
para fazer gravações, filmagens e fotografias'(Folha de São Paulo, 22.12.08).
Na 'Operação Caixa de Pandora', tramitada perante o STJ, tendo por alvo corrupção na administração do
Distrito Federal, Governador Roberto Arruda, mediante colaboração(delação premiada) do então assessor
do Chefe do Executivo Durval Barbosa, gravados em áudio e vídeo vários políticos recebendo dinheiro em
espécie oriundo de proprina, entre eles, o próprio Arruda - R$ 50 mil, usando equipamento emprestado pela
Polícia Fedral, Barbosa gravou mediante a seguinte estratégia: 1º)conhecer o ambiente, saber se tem eco,
ar-condicionado, se o interlocutor costuma ligar a TV, etc.; 2)se a captação será no local ou à distância.
Como se tratava da casa do governador, um carro para captar imagens e sons poderia despertar atenção;
devido à comunicação entre os seguranças via rádio, poderia haver interferência; sendo da confiança do
governador, Durval não revistado no ingresso na residência oficial, foi escolhida a captação local;
3º)equipamentos: a)microcâmera: capta imagens até quase em lugares escuros e seu controle de
luminosidade é automático. As lentes têm resolução de 400 linhas, quase igual à da TV tubo; b)microfone
imperceptível: captação multidirecional preparado com filtros, capacidde mínima de 48 decibéis - conversa
em tom baixo; c)gravador MP4: possui bateria com autonomia entre quatro e oito horas(Folha de São Paulo,
06.12.09).
Sabido que a telefonia, mediante concessão da União, é operada por empresas privadas, qual a segurança
no sigilo das comunicações, sabido que elas próprias espionam?
"Telecom Italia espionou várias teles no país. Em depoimnetos à Justiça italiana, ex-executivos da TI
revelam que Vivo, Telefônica e Telmex também, foram investigadas'(Folha de São Paulo, 28.09.09).
A intervenção das operadoras de telefonia é fonte de desvios. Seja porque prepostos dessas empresas
terão acesso a informações sigilososas, podendo alertar alvos ou terceiros sobre a investigação judiciária,
seja porque mandados judiciais de escuta podem ser falsificados, além do custo operacional e desperdício
de tempo. Mediante acompanhamento do CNJ(Conselho Nacional de Justiça), a Polícia Federal está
implementando o 'supergrampo', capaz de varredura digital, interceptar sem a colaboração das operadoras.
Além disso, o programa VANT(Veículo Aéreo Não Tripulado), aviões adquiridos de Israel, voando mais de 7
mil metros de altura, poderão davassar mediante gravação de video ambientes terrestres, incialmente
destinados ao controle das fronteiras, narcotráfico em ambiente urbano, etc.(Folha de São Paulo, 16.11.09).
Acolhendo recomendação do Ministério Público Federal, Procurador da República Deltan Dallagnol, a
Anatel, através da Superintendente Executiva Simone Sholze(Ofício nº 192, 09.11.09), expediu orientação a
todas as operadoras no sentido de uniformizar o fornecimento de dados à Justiça quando determinada a
quebra, visando oportunizar seu exame informatizado(utilizado programa de computação próprio à análise),
cruzando as milhares de informações e depurando as úteis à apuração(v.g., data, horário e duração da
chamada, telefones contatados com o alvo sob investigação, declinando o assinante, dados cadastrais,
localização geográfica - ERB, etc.).
Conselho da União Européia impõe que provedores de internet da Europa terão de manter ativo um serviço
de registro on-line para armazenar chamadas telefônicas via web e de envio e recebimento de e-mail por até
12 meses. A nova legislação, que já se aplicava à conservação de dados de prestadores de serviços de
telecomunicações, foi agora estendida ao universo on-line. A princípio, o rastreamento das informações seria
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feito apenas com o registro de dados como data, hora, duração e nomes dos beneficiários das
comunicações,mas sem o armazenamento do conteúdo de e-mails e chamadas telefônicas via
internet(Revista Eletrônica Terra, 07.04.09).
No Basil, inexiste qualquer regulamentação. Os provedores de conteúdo tem acesso ao teor das
comunicações, como os 'e-mails. Não há, contudo, norma sobre armazenamento.
Tão relevante quanto os direitos fundamentais, a exemplo do silêncio, asilo domiciliar, etc., é a ciência,
informação, prévia advertência ao investigado desses seus direitos.
Nesse diapasão, v.g., entendendo que, desinformado de seus direitos, o cidadão teria fraudadas essas suas
prerrogativas, o Direito norte-americano desenvolveu os diversos institutos:
a) "Escobedo rule": princípio de Direito Penal Processual pelo qual, se foi negada a assistência de advogado
ao suspeito ou se ele não foi informado de suas garantias constitucionais no momento da prisão, as suas
declarações prestadas nestas circunstâncias não servem de prova em seu julgamento;
b) "Knockand announce rule": princípio pelo qual a Autoridade Policial somente pode invadir um domicílio
para prender alguém depois de anunciar-se e não ser atendido;
c) "Miranda rule": norma de Direito Processual Penal que consiste na formalidade, a ser cumprida pelo
agente público, de informar ao suspeito, no momento da prisão sobre os seus direitos e garantias
constitucionais: que ele tem o direito de guardar silêncio; que qualquer de suas declarações poderá ser
usada contra ele; que ele tem direito de chamar um advogado; e que ele tem direito a defensor público, se
for carente de recursos. (vide Law Dictionary, Dicionário Jurídico, Maria Chaves de Melo, Elfos, 1998).
Identicamente, no ordenamento pátrio. Corolário do devido processo legal(art. 5º, XIV, LIV e LXIII, da
Constituição, art. 245 do CPP, etc.).
No colarinho branco, frequentemente, os órgãos de investigação extrajudiciais(v.g., Banco Central, Fisco,
etc.), tomam declarações, provas, informações dos investigados, sem qualquer advertência sobre seus
direitos, antes pelo contrário, intimidando-os à auto-acusação(v.g., art. 1º, §único, da Lei nº 8.137/90),
posteriormente o Parquet convertendo-as no sustentáculo de ações penais.
Lei nº 9.779/99, "verbis":
"Art. 16. Compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos
impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o
seu cumprimento e o respectivo responsável."
Baseada nesse outorga indiscriminada, a Receita Federal edita toda sorte de normas infralegais(portarias,
instruções normativas, etc.) obrigando prestação de informações pessoais, inclusive de terceiros,
adentrando a intimidade alheia.
Exemplo é a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias(DIMOB), pela qual as empresas
imobiliárias são obrigadas a declarar ao Fisco todas as operações de seus clientes(v.g., venda, locação,
valores, locadores, locatários, compradores, vendedores, etc.).
Sobre o abuso da Receita Federal do Brasil, de todo pertinente o Código Civil, "verbis":
'Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida
instituída pela família.'
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As hipóteses que podem ser impugnadas a prova sem prévia outorga judicial são infinitas, inimagináveis.
Sobre a interceptação de comunicação(art. 5º, XII, da CRFB), v.g., pondera o STF:
"... Não seria fantasioso, no status de desenvolvimento tecnológico atual, imaginar-se o arquivamento de
informações úteis ao deslinde de uma causa criminal, em um computador portátil (notebook ou palmtop),
sendo a máquina apreendida em poder de mensageiro encarregado de transportá-la de um ponto par outro
do País. Os dados, em tese, estariam paralisados naquele computador. Mas, ao mesmo tempo, estariam
sendo transportados de cidade a cidade ..."(STF, ADIn 1.488-DF, voto do Min. Néri da Silveira, RTJ
171/771).
Em razão da sua transnacionalidade, característica própria do colarinho branco(vide tópico do MODUS
OPERANDI/PERFIL), à persecução criminal eficiente, impõe-se, igualmente, a transnacionalidade da
investigação.
Essa realidade, afora complexas questões pertinentes ao Direito Internacional, a exemplo da aplicação da lei
penal material(art. 7º do CP), trazem ricas controvérsias a propósito da produção probatória, como a
diversidade de requisitos(v.g., outorga judicial) à obtenção da prova nesses diversos países.
Há crescente estabelecimento de tratados de mútua colaboração no trânsito probatório internacional entre
os diversos países(art. 5º, §2º, c/c art. 84, VIII, da CRFB), como da China(Decreto nº 6.340/08),
Colômbia(Decreto nº 3.895/01), EUA (Decreto nº 3.810/01 - "MLAT"), Coréia(Decreto nº 5.721/06,
França(Decreto nº 3.324/00), Itália(Decreto nº 862/93), Mercosul(Decreto/3.468/00), Peru(Decreto nº
3.988/01), Portugal(Decreto nº 1.320/94), Convenção Interamericana de Assistência Mútua em Matéria
Penal(Decreto nº 6.340/08) e, o mais abrangente de todos, a Convenção das Nacões Unidas contra o Crime
Orgnizado Transnacional(Decreto nº 5.015/04).
A cooperação internacional, regra geral, está subordinada à vontade do Executivo(Ministério da Justiça),
com raras exceções, quem mantém a autoridade central dos tratados a ele subordinada, sabido que, muitas
vezes, notadamente quando trata-se de delitos contra a administração pública(v.g., corrupção, sonegação
fiscal, etc.), seus membros ou correligionários estão implicados nos ilícitos.
"Ex-cliente liga Bastos a conta no exterior. Engenheiro afirma ter pago, em 1993, US$ 4 milhões no exterior
para o atual ministro da Justiça, que nega a transação."(Folha de São Paulo 12.06.06).
A propópósito da "republicana"(impessoal, apartidária, etc.) gestão de sua pasta, consoante sempre
apregoou o Exmo. Min. da Justiça: "Bastos acionou PF para descobrir que empregada furtou R$ 180 mil.
Titular da Justiça só notou que era vítima depois de 11 meses meses de desfalques" - na sua conta bancária
pessoal, através de furto mediante fraude na falsificação de cheques, cartões clonados, etc. (Folha de São
Paulo, 16.07.06).
Trânsito probatório internacional também é procedido mediante traslado de autos do estrangeiro para o
Brasil e vice-versa, mediante iniciativa das autoridades investigantes, a exemplo da Polícia Federal
acionando a Interpol, Ministério Público Federal que mantém em Brasília núcleo de interlocução com
autoridades judiciárias dos demais países(CCJI), Ministério da Justiça, através do DRCI, atendendo pedidos
do Parquet, Polícia Judiciária.
O COAF(Lei nº 9.613/98), o qual integra organismo associativo internacional das agências de combate à
lavagem de dinheiro, igualmente, obtém cooperação na produção probatória.
A internacionalidade da prova suscita discussões intrincadas sobre sua legalidade e constitucionalidade,
tanto da produção probatória no país de origem quando no Brasil;
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Os próprios eventuais vícios de legalidade e inconstitucionalidade no estrangeiro podem ser conhecidos pelo
Judiciário brasileiro(vide Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, Saraiva, 1996, p.
48).
Independente de prévio tratado, são possíveis contribuições pontuais, a exemplo de institutos do Direito
Internacional Público, como a promessa de reciprocidade, além da tradicional carta rogatória.
Na persecução à rumorosa lavagem de dinheiro via contas CC5 em Foz do Iguaçu(PR), ora tramitando na
Justiça Federal em Curitiba(vide tópico DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO), entre outros
atuando os Procuradores da República Valdimir Aras e Carlos Fernando dos Santos Lima, procedeu-se
importação de dados bancários dos EUA, Nova Iorque, sede de agência do Banestado, operador da
delinquência.
A recepção dos documentos de autoridades norte?americanas vinculou-se MLAT(Decreto nº 3.810/01).
A possibilidade de validação de documentos obtidos nos EUA dispunha de três vias:
1)a utilização do mecanismo do MLAT, com intercâmbio de papéis entre as autoridades centrais dos dois
países; 2) o recebimento de documentos e a sua legalização consular("consularização"), nos termos da
Convenção de Viena de 1963 e do Decreto Federal n. 84.451/80, após a autenticação por tabelião ou notário
público norte?americano; e 3)o tradicional caminho das cartas rogatórias, entre autoridades judiciárias dos
dois países
Outras provas, ainda, advêm por particulares.
Corolário do devido processo legal, paridade de armas, que a cooperação internacional também sirva a
provas requeridas pela defesa. 'Actori non licet quod reo denegatur': ao autor não é lícito o que ao réu se
negou. No caso do MLAT(Decreto nº 3.810/01), os EUA negam-se a diligenciar pedidos da defesa.
Sabido que, mesmo quando utilizados esses tratados, com exceção da rogatória, não há tramitação via
Superior Tribunal de Justiça, procedendo-se através de autoridades inferiores, inclusive extrajudiciais(v.g.,
Polícia Judiciária - Interpol, Ministério Público, Ministério da Justiça, etc.), situação de constitucionalidade
ainda não avaliada pela Suprema Corte(no HC 85588/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, caso do "propinotudo",
corrupção de fiscais fazendários do RJ, cooperação com a Suiça - país, à época, com quem o Brasil não
mantinha tratado - sem carta rogatória via STJ, foi julgada inconstitucional - Informativo do STF nº 424), o
debate ganha ainda maior extensão. O STJ admite a lealidade, 'in casu', tramitação probatória direta entre o
Procurador-Geral da República(Brasil) e o Procurador-Geral da Fedração russa(STJ, Corte Especial, Rel.
Min. Teori Zavaski, Reclamação nº 2.645/SP, 18.11.09, Informativo do STJ nº 416),
Mesmo mediante rogatória, o requerente deve ser o Judiciário estrangeiro. Nesse sentido, STF, fulminando
rogatória requerida pelo Ministério Público suiço(1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, HC, 91.002-5, 17.04.07).
O próprio trânsito de documentos já não é imprescindível, a exemplo da audiência internacional.
Em 28.06.05, a Justiça Federal em Curitiba, onde tramita persecução por evsão, sonegação e lavagem de
dinheiro via contas CC5 de Foz do Iguaçu(PR), entre outros, atuando os Procuradores da República Vladmir
Aras e Carlos Fernando dos Santos Lima, foi realizada videoconferênccia criminal internacional..
Dois Juízes Federais presidiram a oitiva de Maria Carolina Nolasco, portuguesa naturalizada
norte?americana, testemunha da acusação nos autos de quatro diferentes ações penais.
O "link" foi formado entre a Justiça Federal/PR e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos(AUSAO),
em Newark, Nova Jersey. O ato foi viabilizado no âmbito do MLAT(Decreto/3.810/01).
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I.V.I - DA DEFESA
A Defesa buscará levar ao extremo a necessidade de prévia outorga judicial às provas produzidas.
"Um dos maiores desafios da sociedade moderna é a preservação do direito à intimidade. Nenhum homem
pode ser considerado verdadeiramente livre, se não dispuser de garantia de inviolabilidade da esfera da
privacidade que o cerca" (STF, Min. Celso de Mello, MS 23.669-DF, Informativo do STF nº 185)
"Em Stanley v. Georgia, a Suprema Corte considerou inconstitucional uma lei da Geórgia que considerava
crime a posse de materiais obscenos, ainda que no segredo do lar, argumentando que o poder
regulamentador do Estado não poderia se estender ao que o individuo possuía na ?privacidade do seu lar?
.(José Adércio Leite Sampaio, Direito à Intimidade e à Vida Privada, Del Rey, 1998, p.177).
Se não é dado ao Estado criminalizar atos da intimidade, tanto mais devassá-la sem ordem judicial à busca
de provas.
Entendida como sujeita à ordem judicial, a prova que desatender ao requisito será ilícita(art. 5º, LVI, da
CRFB - vide rica abordagem do STF, Informativo do STF nº 197), cabendo seu desentranhamento(STF, Inq.
nº 731-DF, Rel. Min. Néri da Silveira, Informativo do STF nº 32), fato que pode fulminar a persecutio criminis,
notadamente nas situações em que inexistirem outras provas idôneas à condenação ou, embora presentes,
tenham sido originadas da ilícita, vício que também as contamina, consoante a doutrina dos frutos da árvore
envenenada, "fruits of the poisonous tree"(STF, HC 74.478-8, Rel. Min. Ilmar Galvão, Informativo do STF nº
64)
Mesmo os elementos de convicção acusatórios aduzidos mediante ordem judicial serão impugnados. Seja
porque simplesmente vedada sua juntada à instrução, com ou sem mandado judicial(v.g., segredo
profissional - art. 207 do CPP), seja porque violada a razoabilidade/proporcionalidade na concessão.
Emanação do "substantive due process of law"(art. 5º, LIV, da CRFB), a Constituição da República
consagrou o princípio da razoabilidade/proporcionalidade/proibição do excesso, cuja definição vem
enunciada mediante análise tripartida, a saber:
a) Adequação: se a medida(ordem judicial) adotada seja suscetível de atingir o objetivo escolhido(prova do
delito);
b) Necessidade: se essa medida escolhida, meio empregado(v.g., busca domiciliar, quebra de sigilo
bancário, etc.), não excede os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja(v.g.,
preservação da intimidade), porventura existente outra de menor lesividade(v.g., prova testemunhal,
documentos constantes de registro público, a exemplo do Fisco, etc.). Entre dois males, mister escolher o
menor;
c) Proporcionalidade "stricto sensu": custo-benefício, ponderação entre a medida e o resultado. Não se
abatem pardais com canhões. Inadmissível mobilizar-se aparato probatório gravemente invasivo(v.g., busca
domiciliar, interceptação telefônica, etc.) à repressão de delitos que não sejam proporcionalmente graves.
Princípio constitucional da proporcionalidade que, v.g., tem levado a Suprema Corte ao extremo de,
reiteradamente, fulminar leis em sentido formal, acatando a inconstitucionalidade por ofensa à
razoabilidade/proporcionalidade(v.g., ADIMC-1.158/AM, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 26.05.95, p. 15154 ADIMC 1.753/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 12.06.98, p. 51 - ADIMC 2.209/PI, Rel. Min. Maurício
Corrêa, DJU 01.09.00, p. 105 - ADIMC 1.105/DF, Rel. Paulo Brossard, DJU 27.04.01, p. 57 - ADIMC
2.294/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 25.05.01, p. 10 - ADI 609/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU
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03.05.02, p. 13 - ADI 2.019/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão -).
"A fortiori", tratando-se de medida judicial, sempre passível de revisão.
Na interceptação telefônica, v.g., o Legislador, explicitamente, condicionou a prova aos requisitos da
razoabilidade(art. 2º da Lei nº 9.296/96).
Igualmente, todos os demais meios de prova. As "... fundadas razões ..." e "... fundada suspeita ..." das
buscas domiciliar e pessoal são expressões da razoabilidade(arts. 240, §1º, e 244 do CPP).
Merece leitura acórdão do STF, nulificando a prova, acoimada de ilícita, uma vez que produto de busca
pessoal, popular "revista/batida", pela Polícia, sem que houvesse "... fundada suspeita ..."(STF, HC
81.305-GO, Rel. Min. Ilmar Galvão, Informativo do STF nº 257)
De sua vez, a incompetência absoluta do Juízo que deferiu a produção da prova implica nulidade também
absoluta do provado: STF, RHC 80.197-GO, Rel. Min. Néri da Silveira, Informativo do STF nº 197.
Relativamente ao sigilo profissional, sabido que o colarinho branco tem suas atividades sempre vinculadas a
profissionais - v.g., Banqueiro(a), Advogado(a), Contador(a), Economista, etc. -, a Defesa impugnará as
provas alegando vício da reserva do segredo, indevassável mesmo por orem judicial.
Sobre o sigilo profissional, Nelson Hungria, "verbis":
"Ainda mesmo que o segredo verse sobre fato criminoso, deve ser guardado. Entre dois interesses
colidentes - o de assegurar a confiança geral nos confidentes necessários e o da repressão de um criminoso
- a lei do Estado prefere resguardar o primeiro, por ser mais relevante. Por outras palavras: entre dois males
- o da revelação das confidências necessárias (difundindo o receio geral em torno destas, com grave dano
ao funcionamento da vida social) e a impunidade do autor de um crime - o Estado escolhe o último, que é o
menor."(Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. VI., p.242).
Sobre a inviolabilidade do domicílio, o "leading case" relativo ao ex-Presdiente Fernando Collor, colhido pelo
impeachment, relativamente a provas colhidas em busca contra PC Farias, "verbis":
"Inadmissbilidade, como prova, de laudos de degravação de conversa telefônica e de registros contidos na
memória de micocomputador, obtidos por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da Constituição Federal); no primeiro
caso, por se tratar de gravação realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, havendo a
degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório, e utilizada com violação à privacidade
alheia(art. 5º, X, da CF); e, no segundo caso, por estar-se diante de microcomputador que, além de ter sido
apreendido com violação de domicílio, teve a memória nele contida sido degravada ao arrepio da
garantia da inviolabilidade da intimidade das pessoas (art. 5º, X e XI, da CF)."(STF, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Ilmar Galvão, Aço Penal Originária nº 307-DF,13.12.94, RTJ 162/003 - "leading case" ex-Presdiente
Fernando Collor e outros - grifou-e)
Busca a apreensão "ex officio" pela administração,
'In casu", da Anatel contra serviços clandestinos de radiodifusão(art. 19, X, Lei nº 9.472/97).
Inconstitucionalidade sem ordem judicial(STF, ADIn 1.668-8/DF)
Ainda sobre a tutela do domicílio, incluindo o estabelecimento profissional e asseverando a impossibilidade
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do Judiciário, a posteriori da busca sem prévia outorga, convalidar a prova(princípio da proporcionalidade da
ilicitudade da prova à gravidade do delito), na voz do STF, "verbis":
Prova: alegação de ilicitude da obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em
escritórios de empresa - compreendidos no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio
- e de contaminação das provas daquela derivadas: tese substancialmente correta, prejudicada no caso,
entretanto, pela ausência de qualquer prova de resistência dos acusados ou de seus prepostos ao ingresso
dos fiscais nas dependências da empresa ou sequer de protesto imediato contra a diligência.
Conforme o art. 5º, XI, da Constituição - afora as exceções nele taxativamente previstas ("em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro") só a "determinação judicial" autoriza, e durante o
dia, a entrada de alguém - autoridade ou não - no domicílio de outrem, sem o consentimento do morador.
Em consequência, o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia
constitucional do domicílio, a prerrogativa da auto-executoriedade.
Daí não se extrai, de logo, a inconstitucionalidade superveniente ou a revogação dos preceitos
infraconstitucionais de regimes precedentes que autorizam a agentes fiscais de tributos a proceder à busca
domiciliar e à apreensão de papéis; essa legislação, contudo, que, sob a Carta precedente, continha em si a
autorização à entrada forçada no domicílio do contribuinte, reduz-se, sob a Constituição vigente, a uma
simples norma de competência para, uma vez no interior da dependência domiciliar, efetivar as diligências
legalmente permitidas: o ingresso, porém, sempre que necessário vencer a oposição do morador, passou a
depender de autorização judicial prévia.
(...)
Objeção de princípio - em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal - à tese aventada de que à
garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência
em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou,
em particular, na de determinados crimes: é que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores
contrapostos e optou - em prejuízo, se necessário da eficácia da persecução criminal - pelos valores
fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de
qualquer sorte - salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável - a ponderação de
quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao
juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquele
a quem incumbe autorizar previamente a diligência.(STF, HC N. 79.512-RJ, Relator Min. Sepúlveda
Pertence, Informativo do STF nº 308).
Ainda o STF sobre o domicílio, "verbis":
"A inadmissibilidade processual da prova ilícita torna-se absoluta, sempre que a ilicitude consista na violação
de uma norma constitucional, em prejuízo das partes ou de terceiros.
Nesses casos, é irrelevante indagar se o ilícito foi cometido por agente público ou por particulares, porque,
em ambos os casos, a prova terá sido obtida com infringência aos princípios constitucionais que garantem
os direitos da personalidade. Será também irrelevante indagar-se a respeito do momento em que a ilicitude
se caracterizou (antes e fora do processo ou no curso do mesmo); será irrelevante indagar-se se o ato ilícito
foi cumprido contra a parte ou contra terceiro, desde que tenha importado em violação a direitos
fundamentais; e será, por fim, irrelevante indagar-se se o processo no qual se utilizaria prova ilícita deste
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jaez é de natureza penal ou civil.
(...).
Embora a idéia da proporcionalidade possa parecer atraente, deve-se ter em linha de conta os antecedentes
de País, onde as exceções viram regra desde sua criação (vejam-se, por exemplo, as medidas provisórias).
À vista da trajetória inconsistente do respeito aos direitos individuais e da ausência de um sentimento
constitucional consolidado, não é nem conveniente nem oportuno, sequer de lege ferenda, enveredar por
flexibilizações arriscadas." (grifei)
(...)
Sendo assim, nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração tributária, nem
quaisquer outros agentes públicos podem, a não ser afrontando direitos assegurados pela Constituição da
República, ingressar em domicílio alheio, sem ordem judicial ou sem o consentimento de seu titular (como
ocorreu no caso, segundo reconheceram, em juízo, os próprios agentes policiais - fls. 211/212), com o
objetivo de, no interior desse recinto, procederem a qualquer tipo de perícia (é a hipótese dos autos) ou de
apreenderem, sempre durante o período diurno, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público.
Em suma: a essencialidade da ordem judicial, para efeito de realização de qualquer diligência de caráter
probatório, em área juridicamente compreendida no conceito de domicílio, nada mais representa, dentro do
novo contexto normativo emergente da Carta Política de 1988, senão a plena concretização da garantia
constitucional pertinente à inviolabilidade domiciliar.
Daí a advertência - que cumpre ter presente - feita por CELSO RIBEIRO BASTOS, no sentido de que,
tratando-se do ingresso de agentes estatais, em domicílio alheio, sem o consentimento do morador, "é
forçoso reconhecer que deixou de existir a possibilidade de invasão por decisão de autoridade
administrativa, de natureza policial ou não. Perdeu portanto a Administração a possibilidade da
auto-executoriedade administrativa" ("Comentários à Constituição do Brasil", vol. 2/68, 1989, Saraiva - grifei).
Vê-se, portanto, tendo-se presentes as circunstâncias do caso ora em exame, que a Polícia Judiciária incidiu
em dupla ilicitude em suas diligências probatórias, provendo o Ministério Público com elementos informativos
que não podiam ser utilizados, no processo, contra os ora recorridos, porque contaminados pelo vício da
transgressão constitucional
(...).
(STF, RE 251.445-GO, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 3.8.2000 - 'decisum' semelhante do STF, vide HC
93.050/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Inf. STF nº 514)
Hotel, identicamente, é domicílio, sujeitando-se as buscas à prévia outorga judicial(STF, RHC 90376/RJ, Rel.
Min. Celso de Mello, 3.4.2007, Informativo do STF nº 462.
A garantia contra a auto-acusação - nemo tenetur se detegere -, além do silêncio quando do interrogatório,
implica outras prerrogativas inerentes a faculdade de negar-se a produzir provas contra o interesse do
investigado/acusado, como fornecer padrões gráficos à perícia grafotécnica(art. 174, IV, do CPP - STF, HC
77.135-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Informativo do STF nº 130).
Exemplo de especial proteção à intimidade, intangibilidade do corpo, está na negativa de submeter-se ao
exame de DNA, não obstante em colisão com outro direito igualmente fundamental, qual seja, identificação
da paternidade(STF, HC 71.373-RS, DJU 22.11.96)
Relativamente à Sociedade da informação, extraordinário poder da condensação informatizada de dados,
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sua transcendental importância na atualidade e a lesividade de seu abuso/violação, vide "Aspectos
Econômicos do Crime de Informática", Antonio Fonseca, Procurador Regional da República/1ª Região, in
Boletim dos Procuradores da República nº 58, www.anpr.org.br
I.V.II - DA ACUSAÇÃO
A Defesa sustentará que a prévia outorga judicial circunscreve-se aos meios de prova explicitamente
definidos pelo legislador(v.g., interceptação telefônica), devendo ser interpretados restritivamente, como no
caso do domicílio, limitado à residência, não estendendo-se ao ambiente profissional.
A hermenêutica restritiva deve-se ao princípio geral da liberdade da prova(art. 155 do CPP - vide tópico
Liberdade da Prova, Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, Volume 3, Saraiva, 10ª Edição,
p.206), qual seja, de que, em princípio, todos os meios, exceto os expressamente vedados ou
condicionados(v.g., outorga judicial à interceptação telefônica), são lícitos, legítimos.
Assim, sendo excepcional a limitação, prevalecendo a regra geral da liberdade da prova, interpreta-se
restritivamente a exceção.
A Defesa suscitará que a limitação da prova, na prática, fere de morte a obrigatoriedade da ação penal,
prerrogativa fundamental da defesa social, garantia de idêntico status as do investigado/acusado(vide tópico
I.II - DA DOGMÁTICA - DA ACUSAÇÃO)
Propósito da castração da persecutio criminis mediante a pródiga invocação da vida privada do
investigado/acusado, de reverberar-se contra a tirania da intimidade, "verbis":
"As críticas de Sennet sobre as tiranias da intimidade e o declínio da personalidade pública se aninham a
outras tantas, como as de Harold Bloom, a uma espécie de obsessão americana pelo individualismo e pelo
culto self a se espalhar pelo mundo afora, não apenas no âmbito do direito, mas igualmente na geografia
das cidades e nos destemperos dos cidadãos narcisistas, despojados de preocupações: Sennet. O declínio
do homem público, p. 15 et seq. BLOOM. A religião americana do self, Folha de São Paulo. Mais, 30.10.94,
p. 10"(José Adércio Leite Sampaio, Direito à Intimidade e à Vida Privada, Del Rey, 1998, p.226).
Nesse diapasão, colisão entre o direito à intimidade e defesa social, persecutio criminis, tutela da honra, vale
referir o "leading case" Glória Trevi, detida na Polícia Federal no DF, tendo engravidado no cárcere,
acusando integrantes da Polícia Federal de estupro, sendo deferido exame do DNA mediante o material
biológico da placenta, a pedido dos Policiais caluniados(STF, RCL 2.040-DF, Rel. Min. Néri da Silveira,
21.02.02, Informativo do STF nº 257).
Também nesse sentido, prevalência da defesa social em detrimento do interesse individual, validade da
persecução por delito contra a administração pública, encetada a partir de delação anônima(STF, Rel. Min.
Celso de Mello, MS 24.639-DF, 10.10.02, Informativo do STF nº286)
Além disso, mesmo ante a produção de prova desprovida da prévia ordem judicial, em princípio
indispensável, é de ver-se a possibilidade de ser relativizada a nulidade
Quebra de sigilo sem outorga judicial. Relativização pela presença de outros elementos de convicção: STF,
RHC 74.807-MT, 22.04.97, RTJ 164/1.011, Informativos do STF nº 74 e 75.
O asilo domiciliar, cuja devassa está limitado à ordem judicial, não abrange o ambiente profissional,
tampouco o empresarial. Resume-se, como enfatiza a "Lex Fundamentlis", à "casa"(art. 5º, XI, da CRFB).
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Truísmo dizer-se que interpreta-se a Lei segundo a Constituição, jamais essa subordinada àquela, sob pena
sob pena de absoluto vilipêndio à Carta Política, vértice da ordem jurídica.
Assim, os conceitos constitucionais bastantes em si não podem tratados pela lei ordinária(v.g., art. 110 do
CTN, norma exegética de sobredireito)
É o caso do asilo domiciliar, sempre vinculado à moradia, "casa".
O Mestre Nelson Hungria, "verbis":
"Ainda que com feição mais religiosa que propriamente social, a proteção concedida à casa de moradia
remonta aos mais antigos tempos. Como observa Fustel de cousanges, ?a casa de um grego ou de um
romano encerrava um altar"(Comentário ao Código Penal, Forense, 1945, Volume VI, p. 187)
Seu mais categórico reconhecimento ocorreu na Inglaterra, 1.604, antológica defesa no Parlamento
Britânico, Lord Chatam, resultando, v.g., no hoje instituto do "castle doctrine" ou "dwenlling defense"(direito
de defesa do domicílio, mesmo através da violência do direito norte-americano), "verbis":
"O mais pobre dos homens pode desafiar na sua cabana as forças da Coroa. Embora a moradia ameace
ruína, ofereça o teto larga entrada à luz, sopre o vento através das frinchas, a tempestade faça de toda casa
o seu ludíbrio, nada importa: acha-se garantida a choupana humilde contra o Rei da Inglaterra, cujo poder
vai despedaçar-se contra aquele miserável reduto"("apud", Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal,
Forense, 1945, Volume VI, p. 189)
Portanto, "casa", asilo domiciliar, não se confunde com ambiente profissional, tampouco com
estabelecimento empresarial.
A tutela penal, estendendo a expressão "casa" a "compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce
profissão ou atividade"(art. 150, §4º, I, do CP), não implica dizer que sua devassa esteja sob a exclusiva
reserva da jurisdição.
A extensão da tipicidade da violação do domicílio ao ambiente profissional reporta-se aos particulares. Às
autoridades, não!
Sabido que a Carta Magna protege apenas "casa" "stricto sensu", a ampliação pelo Código Penal, lei
ordinária(decreto-lei, recepcionado como lei ordinária), deve conviver com a outorga às autoridades por
norma de idêntico ou superior "status?, a exemplo da fiscalização tributária, contemplada pelo Código
Tributário Nacional, lex com status de lei complementar.
Portanto, a fiscalização prescinde de outorga judicial à devassa no estabelecimento profissional e/ou
empresarial.
As tutelas ás profissões(v.g., Oficinas de Médicos, Dentistas, Advogados, etc.), diz com a preservação do
sigilo profissional, como muito bem refere o EOAB, preservando "... em nome da liberdade de defesa e do
sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho ..."(art. 7º, II, da Lei nº 8.906/94),
sem relação como asilo domiciliar("casa").
Sigilo profissional indevassável mesmo com ordem judicial. Não confundindo-se, todavia, com a
co-delinquência, oportunidade em que o ambiente profissional é o "locus delicti", situação que não terá
abrigo à investigação.
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Mesmo o corrente que estende a tutela judicial ao ambiente profissional relativiza-a, validando-a pela
ausência de explícita oposição, consoante a Suprema Corte, "verbis":
(...)
Mas, é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do
morador ao questionado ingresso de terceiro: malgrado a ausência da autorização judicial, só a entrada
invito domino a ofende, seja o dissenso presumido, tácito ou expresso, seja a penetração ou a indevida
permanência, clandestina, astuciosa ou franca.
Não supre ausência de prova da falta de autorização ao ingresso dos fiscais nas dependência da empresa o
apelo à presunção de a tolerância à entrada ou à permanência dos agentes do Fisco ser fruto do metus
publicae potestatis, ao menos nas circunstância do caso, em que não se trata das famigeradas "batidas"
policiais no domicílio de indefesos favelados, nem sequer se demonstra a existência de protesto imediato.
(...)
(STF, HC N. 79.512-RJ, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 308)
Igualmente, relativizando a nulidade, o do deferimento de prova sem a devida fundamentação. Nulidade do "
decisum", sem, contudo, o desentranhamento, dada a possibilidade de convalidação pela prolação de nova
decisão(STF, HC 80.724-SP, 20.03.01, Rel. Min. Ellen Gracie, Informativo do STF nº 221)
Prova emprestada. Validade: STF, HC 78749-MS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 170/264). "Leading
case" da 'Operação Furacão', membros do Judiciário implicados na corrupção em prol da jogatina, bingos e
caça-níqueis(Juízes, Desembargadores, Min. do STJ, etc.), no qual o Pleno do STF autorizou utilização das
interceptações telefônicas na esfera administrativa, correicional contra os magistrados(Inq 2424/RJ, Rel.
Min. Cezar Peluso, 25.4.2007, Informativo do STF nº 464).
O direito ao silêncio, prerrogativa contra a auto-acusação, em princípio direito potestativo, à medida
em que não exercido em caráter absoluto, optando-se pela defesa pessoal, também implica ônus ao
acusado, conforme pondera a Suprema Corte, "verbis":
Informação do direito ao silêncio (Const., art. 5º, LXIII): relevância, momento de exigibilidade, consequências
da omissão: elisão, no caso, pelo comportamento processual do acusado.
(...)
III. Mas, em matéria de direito ao silêncio e à informação oportuna dele, a apuração do gravame há de
fazer-se a partir do comportamento do réu e da orientação de sua defesa no processo: o direito à informação
oportuna da faculdade de permanecer calado visa a assegurar ao acusado a livre opção entre o silêncio que faz recair sobre a acusação todo o ônus da prova do crime e de sua responsabilidade - e a intervenção
ativa, quando oferece versão dos fatos e se propõe a prová-la: a opção pela intervenção ativa implica
abdicação do direito a manter-se calado e das consequências da falta de informação oportuna a respeito.
(STF, HC 78.708-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 145, DJU 16.04.99).
O sigilo telefônico, devassável apenas através de mandado judicial, resume-se ao conteúdo da conversação.
Nada mais, "verbis":
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"A simples verificação dos números das últimas chamadas feitas e recebidas, constantes na memória de
telefone celular, não significa, por si só, violação do sigilo telefônico, desde que a apreensão do aparelho
seja legítima. A garantia constitucional da inviolabilidade das comunicações telefônicas refere-se à vedação
de escutas clandestinas, a qual não se configura com a simples checagem dos últimos números registrados
na memória do aparelho, ainda que realizada por outra pessoa que não o proprietário. Com esse
entendimento, a Sétima Turma, por unanimidade, negou provimento a apelações interpostas por réus
condenados por fraudar a União, quanto ao recolhimento de AFRMM, afastando a alegação de nulidade da
prova obtida em sede policial.(TRF/4ª, Rel. Des. Federal Fábio Rosa, Ap. Crim. 2002.04.01.029123-1/PR,
29.04.03, Informativo do TRF/4 ª nº 154).
Igualmente dados em computador, passíveis de apreensão sem mandado judicial, "verbis":
"A apreensão de material de informática em inquérito destinado à apuração de crime contra o sistema
financeiro não é, em si, violadora do direito ao sigilo, nem o indeferimento da restituição (art. 118 e seguintes
do CPP), nos seus estritos termos pleiteada, desatende à lei eis que os bens interessam à instrução,
podendo estar sujeitos à perda e o pedido pressupõe a prova da propriedade."(TRF/4ª, Rel. Des. Federal
Amir Sarti, ACR 2000.71.07.006323-4/RS, Informativo Criminal do TRF/4ª Julho/02)
Quanto ao sigilo fiscal, v.g., Declaração do Imposto de Renda, note-se que, em prol da efetividade da
jurisdição, mera execução cível, a Corte Especial do STJ admite a quebra, "verbis":
"... assim, pacificou-se o entendimento no sentido do paradigma da Quarta Turma, ou seja, é admissível
requisição à repartição competente para fins de localização dos bens do devedor, quando frustrados os
esforços desenvolvidos nesse sentido. EREsp 163.408-RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em
06/09/2000."
"A fortiori", tratando-se de persecução criminal, tutela da defesa social, incomparavelmente de maior
relevância.
No Direito norte-americano, a intimidade, incluindo a intangibilidade corpórea, cede frente ao interesse da
defesa social, "verbis":
"Nesse sentido, a Suprema Corte tem sido por demais tolerante em relação às ações governamentais
intentadas no combate às drogas e ao álcool, ao não reconhecer a razoabilidade da expectativa de
privacidade: no uso de cães farejadores para descobrir cocaína na bagagem de uma pessoa, em United
Sates v. Place; nas buscas policiais realizadas no lixo dos acusados para obtenção de provas de narcóticos,
em Califórnia v. Greenwood; em vistoria corporal realizada em um estudante, com vistas a descobrir cigarro
de maconha, em New Jersy v. T.L.O; na mesma linha, encontramos Skinner v. Railway Labor
Executives?Ass?ns e National Treasury Employees Union v. Von Raab, em que se reconheceu o direito de o
governo submeter certos empregados federais (engenheiros de ferrovias, agentes aduaneiros, etc.) a testes
para verificação do uso de drogas; e ainda Michigan Department of State Police v. Sitz, afirmando a
prevalência de um interesse público em eliminar as mortes nas autopistas em relação ?pequenas intrusões?
da privacidade, reconhecendo a legitimidade de ?testes de bafômetro? para identificação de motoristas
bêbados."(José Adércio Leite Sampaio, Direito à Intimidade e à Vida Privada, Del Rey, 1998, p.180).
"A Gravação Clandestina e o Múnus do Parquet, trazer à Verdade dos Autos a Verdade do Mundo, sem o
que a Justiça Jamais será Efetiva", in Boletim dos Procuradores da República nº 44, www.anpr.org.br.
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A devassa informática, mediante ordem judicial, é, sim possível. Vide "Acesso aos Dados de Computador",
Luiz Carlos S. Gonçalves, Procurador da República em SP, in Boletim dos Procuradores da República nº 02,
www.anpr.org.br
Vide "O Poder Requisitório do Ministério Público e a Inoponibilidade de Sigilo", Luciano Feldens, Procurador
da República no RS, Boletim Científico nº 7, 2003, Escola Superior do Ministério Público da União,
www.esmpu.gov.br
I.VI - DA PUBLICIDADE(SIGILO) PROCESSUAL
A publicidade, divulgação, ou reserva, segredo de justiça, da persecução ao colarinho branco é crucial,
tendo 'status' de elevado grau de importância.
Prova irrefutável dessa relevância são as sucessivas tentativas de impor às autoridades, especialmente o
Ministério Público, vedações à manifestação sobre persecuções - "Lei da Mordaça" -, cujos interessados,
colarinho branco, sempre bem representados no Legislativo e Executivo(vide tópicos DO "MODUS
OPERANDI"/PERFIL e DA JURISDIÇÃO), perseveram em prol do sigilo.
Originariamente, a publicidade processual é garantia do acusado, de transparência da Justiça, sabido, v.g.,
que na Inquisição o sigilo segredava as atrocidades(vide tópico DA DOGMÁTICA - DA DEFESA - "Nullum
judicium sine accusatione"), convolando-se, assim como inúmeras outras garantias individuais, também em
prerrogativa da defesa social, controle da probidade do Estado-Justiça, a quem a sociedade, vítima dos
delitos, delegou o exercício da jurisdição. Ser informada da persecução dos delitos que a vitimam também é
garantia fundamental da sociedade, defesa social.
Constituição da República, art. 93, "verbis":
"IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes
e seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;"
Portanto, explicitamente, a Constituição faz prevalecer o direito à informação da sociedade sobre a
intimidade do acusado/investigado.
Nessa linha, segredo de justiça, tutela da intimidade/vida privada, não em prol do autor do fato e sim da
vítima: 'o juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e
imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados,
depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios
de comunicação'(art. 201, §6º, do CPP).
'O Estado moderno surge expropriando o segredo de duas instituições importantes: as corporações, onde o
segredo é vital, e a Igreja. São dois elementos que integram o acervo do Estado dessa nova instituição. O
Estado começa a utilizar justamente o segredo e procura saber o que ocorre na sociedade para poder,
inclusive, estabelecer o seu domínio'(Roberto Romano, Filósofo, Prof. da Unicamp, Revista nº 7, Abril/2006,
do Ministério Público Democrático).
A propósito do sigilo de dados vs. interesse público, notamente quando implicados atos da gestão pública
objeto de apuração, STF, na palavra do Min. Celso de Mello, "verbis":
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"Pretendida interdição de uso, por Membros de CPI, de dados sigilosos a que tiveram acesso. Inviabilidade.
Postulação que também objetiva vedar o acesso da imprensa e de pessoas estranhas à CPI à inquirição do
impetrante. Inadmissibilidade. Inaceitável ato de censura judicial. A essencialidade da liberdade de
informação, especialmente quando em debate o interesse público. A publicidade das sessões dos
órgãos do poder legislativo, inclusive das CPI?s, como concretização dessa valiosa franquia constitucional.
necessidade de dessacralizar o segredo. Precedentes(STF). Pedido de reconsideração indeferido"(MS
25832, Informativo do STF nº 416).
O poder visível é pressuposto da ordem democrática!
STF, Min. Celso de Mello, "verbis':
"A Constituição da República, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos
básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder
visível.
O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e não tolera o
poder que se oculta. Com essa vedação, o constituinte pretendeu tornar efetivamente legítima, em face dos
destinatários do poder, a prática das instituições do Estado."(Habeas Data 75/DF, Informativo do STF nº
446).
Exemplo palmar da tensão, colidência de direitos fundamentais entre a intimidade/presunção de inocência
do imputado e a publicidade/direito à informação processual da sociedade, cuja harmonização deve ser
sopesada caso a caso, consta da Carta Magna e do Código Civil.
"A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem;"(art. 5º, LX, da Carta Política).
"O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a
exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória."(art. 17 do Código Civil)
Debate-se, igualmente, agora no interesse da defesa social, apuração, a restrição de acesso do investigado
aos autos do Inquérito Policial(art. 20 do CPP).
14ª Súmula Vinculante do STF, 'verbis':
'É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária,
digam respeito ao exercício do direito de defesa'.
Esse amplo acesso da advocacia, multiplicando os detentores dos dados sob segredo, também contribui à
violação do sigilo. Sabido que em sede de inquérito policial não há acusados, apenas potenciais
investigados, todas as pessoas nele referidas, incluídas quem não fora alvo da apuração(v.g., individuos que
tenham conversado com pessoas cujos telefones estavam interceptados por ordem judicial, sujeitos com
domicílio residencial e/ou profissional compartilhado com outras pessoas alvo de busca e apreensão de
documentos, etc.), poderão ter franqueados os elementos da instrução.
Na senda das repetidas aparições de 'colarinho branco' presos e algemados, especialmente políticos, o STF
vetou a prática e, inusitadamente, ainda cominou nulidade processual ao seu desacato, mediante a Súmula
Vinculante nº 11, 'verbis':
'Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade
física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob
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pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do
ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado'.
Em 26.06.09, a Folha de São Paulo, reproduzindo peça divulgada na imprensa dos EUA, estampa fotografia
do bilionário Allen Stanford, implicado em delito ecnonômico, prejuízo em torno de US$ 7 bilhões a
investidores, vestuário de presidiário(macacão laranja) e algemado, sendo conduzido ao Tribunal de
Houston(Texas). O Procurador da República Vladimir Aras explica: a fotografia retrata um preso algemado
na sua "perp walk"(perpetrator walk), algo como a "caminhada do acusado" rumo ao foro. No caso,
tratando-se de um bilionário, os americanos costumam denominar esse passeio de "corporate perp walk",
que é, para a alegria de fotógrafos, cinegrafistas e curiosos, a breve aparição de um executivo que acabou
de ser preso antes de sua apresentação em juízo. Uma tradição americana. Com algemas sempre.
Outra controvérsia relevante é a veiculação de informações obtidas mediante quebra de sigilo por decisão
judicial(v.g., dados bancários, fiscais, busca e apreensão domiciliar, etc.). O próprio Poder Judiciário enseja
a divulgação, inclusive pelas suas assessorias de imprensa, bastando consultar suas páginas oficiais na
internet para inteirar-se dos processados.
Em suma, a vinculação ou não entre quebra de sigilo e segredo de justiça.
Controvertida a veiculação na imprensa de peças processuais, especialmente as sob segredo de justiça(v.g.,
áudio de interceptações telefônicas), ensejando busca de tutelas judiciais à proibição da divulgação(v.g., ao
Jornal o Estado de São Paulo foi vedada a divulgação de conversação na qual o então Presidente do
Senado José Sarney acertava nomeação de parentes a cargos públicos), bem assim a responsabilidade
civil.
Sintetizando a a missão do 'Parquet', qual seja, investigar e levar o caso e o cidadão ao julgamento do
Judiciário - a quem compete o veredicto e não ao órgão de acusação, tampouco a polícia judiciária(!), o
Procurador da República Angelo Costa lembra que, nos EUA, 'Department of Justice', Washington, inscrição
em frente ao gabinete do Attorney-Genreal, 'verbis':
'The United States wins its case whenever justice is done one of its citizens in the court.'
No âmbito da Justiça Federal, a regulamentação da tramitação dos procedimento sob segredo de justiça
e/ou com dados sigilosos(fiscais, bancário, telefônicos, etc.) está regulamentada pela Resolução nº 58/2009
do CJF(Conselho da Justiça Federal). Esse normativo contradiz a presunção constitucional da publicidade
processual: 'Temendo punição, juízes vetam acesso a processos. Conduta é motivada por resolução do
Conselho da Justiça Federal sobre dados sigilosos'(Folha de São Paulo, 28.06.09).
I.VI.I - DA DEFESA
A Defesa sustentará o segredo, reserva, corolário da presunção de inocência(art. 5º, LVII, da Constituição) e
defesa da intimidade(art. 5º, X, da Constituição).
Valendo-se da conhecida metáfora, travesseiro que, um vez rompido, espargidas ao vento suas penas,
nenhuma medida mais será apta a reparar(recolher) o dano(penas), a Defesa dirá que a divulgação da
investigação/processo, etc., trará lesões irreversíveis ao implicado.
Importante amparo legal à Defesa está no novo Código Civil, ao tratar Dos Direitos da Personalidade(arts.
11 a 21), aplicáveis também à pessoa jurídica(art. 52), sabido que, não obstante contra pessoa física, os
processos também atingem as pessoas jurídicas tituladas pelo colarinho branco.
Dirá, a Defesa, que a divulgação submete o acusado a um linchamento moral pela massa ignara.
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Sobre os desvios da Justiça pelas próprias mãos da multidão, sempre atual a antológica análise do Mestre
Nelson Hungria, "verbis":
"Na sua incoerente ou variável condição, a turba é fermento de egoísmo ou eclusão de altruísmo, engendra
delinqüentes ou plasma heróis ou mártires. Elaboram-se no seu regaço anjos e demônios, pelicanos e
hienas, Cristos e Marats. Inconstante e arbitrária, exalta o Nazareno, para depois crucificá-lo; aplaude Bruto,
e, em seguida, Marco Antônio. É capaz de todas as generosidades e renúncias, como de todas as torpezas
e crueldades. Detém-se diante das lágrimas de Mademoiselle de Sombreuil e profana o cadáver de Madame
de Lamble, ou bebe o sangue do general Laleu. Carrega em triunfo a um celerado que lhe sabe explorar a
vaidade e despedaça, como esfaimada alcatéia de lobos, o inocente que lhe cai no desagrado."(Nelson
Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo I
A veiculação que propicia esse linchamento moral remonta à pena medieval que permitia a qualquer do
povo, impunemente, executar o acusado, "verbis":
"A pena mais grave conhecida pelo direito penal germânico foi a ?perda da paz? (Friedlosigkeit), que
consistia em retirar-se a tutela social ao apenado. com o que qualquer pessoa podia matá-lo impunemente.
"(Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 191).
"In casu", divulgado o processo, o sensacionalismo franqueia o espezinhamento coletivo da honra do
imputado. Qualquer um sentir-se-á autorizado
Exemplos não faltam. Bem presente na memória nacional é o episódio da Escola Base em SP, dedicada em
ensino infantil.Seus administradores foram acusados de abusarem sexualmente das crianças. O Delegado a
quem incumbia analisar o caso não detectou o ilícito. Foi então substituído por ato do Chefe de Polícia que
designou um Delegado para "provar o crime", posteriormente demonstrado inexistente. Tarde demais, as
pessoas implicadas já haviam sido destruídas, pessoal e profissionalmente.
À época da CPI do Orçamento(Anões do Orçamento), início dos anos 90, um dos parlamentares destituídos,
figura de expressivo prestígio nacional, teve sua vida desmesuradamente devassada, sendo cassado porque
não conseguira explicar adequadamente algumas modestas remessas de dinheiro ao exterior. Tratavam-se
de recursos destinados à sua amásia. Por razões óbvias, ele jamais poderia confessar o fato, investigado
que foi à luz da mais intensa publicidade. A matéria, todavia, dizia com sua estrita intimidade/vida privada,
nunca podendo ser objeto de questionamento do Estado("in casu", CPI).
Ao acusado, enquanto não condenado definitivamente, gozando da presunção de inocência, sabido que
mesmo após eventual veredicto punitivo não mais subsiste a sanção de divulgação da pena(art. 387, VI, do
CPP), deve-se assegurar, mediante a reserva do processo, o direitos de estar só, não ser molestado, "verbis
":
"Recentes invenções e métodos negociais chamam atenção para o próximo passo que deve ser dado com
vistas à proteção da pessoa e para segurança do individuo, aquilo que o Juiz Cooley chama de o direito?de
ser deixado em paz? (right ?to be let alone?).
Fotografias instantâneas e empresas jornalísticas invadiram o espaço sagrado da vida doméstica; e
numerosos aparelhos mecânicos ameaçam tornar realidade o vaticínio de ?what is whispered in the closet
shall be proclimed from the house-tops". (José Adércio Leite Sampaio, Procurador da República em MG,
Direito à Intimidade e à Vida Privada, Del Rey, 1998, p.57).
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'Estado-espetáculo e o cidadão-espectador'.
"A pós-modernidade se caracteriza por um ritmo extremamente intenso de mudanças e de acontecimentos,
com a redução dos limites de tempo e de espaço.
Também o Estado pós-moderno é um Estado em crise permanente. Não apresenta uma face estável e se
encontra em permanente modificação. As propostas de alteração nem são implementadas e já estão sendo
substituídas por outras. O mesmo se passa com o próprio Direito. As instituições políticas e jurídicas
adquirem as mesmas características do espetáculo(entretenimento) e da moda.
Pode-se falar numa espécie de 'Estado Espetáculo', destituído de objetivos específicos, a não ser produzir
manchetes jornalísticas. Algumas atividades estatais e jurídicas parecem ser desenvolvidas não para
promover mudanças efetivas na realidade, mas para manter a atenção do 'cidadão-espectador'. Há uma
espécie de compulsão pela modificação ou inovação, mesmo que destituídas de qualquer consistência ou
utlidade"(Prof. Dr. Marçal Justen Filho, "Curso de Direito Administrativo", Saraiva, 2006, p. 15)
Quanto ao acesso aos autos do Inquérito Policial, como regra, deve ser franqueado à Defesa(Súmula
Vinculante nº 14 do STF). Excepcionalmente, pode ser restrito quando indispensável à efetividade da
apuração, desde que o investigado não sofra qualquer espécie de constrição(prisão cautelar, seqüestro de
bens, indiciamento, etc.), "verbis":
"... a turma entendeu que os autos de Inquérito Policial que tem seu sigilo decretado pelo Juiz não podem
ser examinados pelos advogados quando não demonstrada nenhuma medida que visasse à restrição
da liberdade ou patrimônio dos constituintes ..."(STJ, RMS 13.010-PR, Rel. Min. Gilson Dipp, 03.12.02,
Informativo do STJ nº 157 - grifou-se).
A advocacia tem direito de vista em todos os inquéritos policiais, sejam sigilosos ou não(STF, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, HC 82354/PR, 10.08.04, Informativo do STF nº 356 - STF, HC 87827/RJ, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, 25.04.06, Informativo do STF nº 424).
Quando interrogado o investigado, previamente, a Defesa também terá direito de acesso aos autos, corolário
do direito ao silêncio(art. 5º, LXIII, da CRFB), sabido que o interrogatório, tanto na fase policial quanto na
judicial, é peça de defesa. Assim sendo, nada mais lógico do que assegurar ao implicado saber do que deve
defender-se.
De observar-se, também, a garantia do investigado/acusado ao processamento em prazo razoável, de forma
a que não estendam-se, "ad infitum", procedimentos, tantas vezes infundados(art. 7º, inciso 5º, da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos; 5º, §2º, da CRFB c/c Decreto nº 678/92)
"Esse direito definido como the right to be let alone não seria absoluto todavia:
a)não impediria a publicação de matéria que fosse de interesse geral ou público - Regra de difícil aplicação,
pois não se traduzir em fórmulas fixas para todos os casos. Haveria de se levar em conta: 1. a finalidade da
lei que visaria proteger ?pessoas, cujos assuntos, a comunidade não teria um interesse legítimo em
conhecer ou ver publicados; enfim, para proteger todas as pessoas, qualquer que fosse sua posição social
ou situação, garantindo-lhes a não-publicidade de assuntos que desejassem manter sob reserva (keep
private), 2. o comportamento dessas pessoas, à medida que agissem de maneira reservada e comedida ou
não, renunciando, em tal hipótese, ao direito. Essa renúncia também se operaria em parte para aqueles que
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pretendessem concorrer a um cargo público, desde que pudessem revelar uma fraqueza do candidato ao
posto pretendido;
b)não proibiria a publicação de certos fatos ainda que de cunho privado se realizada em circunstâncias
autorizadas pela lei (law of slander and libel) - A exemplo daquelas feitas nas cortes de Justiça, nos corpos
legislativos ou em uma de suas comissões; em assembléias municipais ou outras associações de caráter
público, minicipais ou paroquiais, ou quase público, como as entidades benevolentes ou de negócios, etc.
c)não haveria como proteger invasões da ?privacidade? pela divulgação oral na ausência de um dano
especial - pois a violação resultante desse ato seria normalmente tão insignificante que o direito, em nome
da liberdade de expressão, despreza-la-ia;
d)a publicação de fatos da vida privada pelo próprio individuo ou com seu consentimento faria cessar o right
to privacy - Como já se tornara familiar na lei da propriedade artística e literária."(José Adércio Leite
Sampaio, Procurador da República em MG, Direito à Intimidade e à Vida Privada, Del Rey, 1998, p.60).
I.VI.II - DA ACUSAÇÃO
A Acusação invocará os ditames constitucionais da publicidade processual(art. 5º, LX, da Constituição), do
direito à informação/publicidade dos cidadãos sobre todos os atos do Estado, incluindo os da Justiça(arts. 5º,
XIV, XXXIII, c/c 37, "caput", 93, IX, da Carta Política), coroados pela liberdade de expressão(art. 220 da
Carta Magna).
Nesse diapasão, ao Ministério Público cumpre divulgar seus atos(art. 26 da Lei nº 8.625/93).
"Em consonância com a lei local ou com o princípio do direito a julgamento justo, assegurar que todas as
investigações razoáveis e necessárias sejam feitas, e que tenham seus resultados revelados,
independentemente de apontarem para a culpa ou inocência do suspeito"; ("Padrões de
Responsabilidade Profissional e Declaração dos Deveres e Direitos Fundamentais dos Promotores de
Justiça", de autoria da Associação Internacional de Promotores - grifou-se).
Convenção da ONU contra a corrupção(Decreto 5.687/06), art. 13, "verbis":
'b) Garantir o acesso eficaz do público à informação;
c) Realizar atividade de informação pública para fomentar a intransigência à corrupção, assim como
programas de educação pública, incluídos programas escolares e universitários;
d) Respeitar, promover e proteger a liberdade de buscar, receber, publicar e difundir informação relativa à
corrupção. Essa liberdade poderá estar sujeita a certas restrições, que deverão estar expressamente
qualificadas pela lei e ser necessárias para: i) Garantir o respeito dos direitos ou da reputação de terceiros;
ii) Salvaguardar a segurança nacional, a ordem pública, ou a saúde ou a moral públicas.'
A "Lex Fundamentalis" dobra-se à perpétua máxima, gênese do princípio da transparência da "res publicae":
"gravis malae conscientiae lux est"(a luz é insuportável à má consciência).
"A Justiça oral e pública consiste em poder realizar de viva voz este alto mister de decidir a sorte dos
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cidadãos. As vantagens da publicidade não podem ser postas em dúvida. De tempos em tempos, quando se
debatem estas coisas, se repete o aforismo de Mirabeu: não temo os Juízes, nem os mais objetos, nem os
mais depravados, nem mesmo os meus inimigos, pois sua Justiça devem fazê-la em presença do povo.
Todos sabemos bem que o povo é o Juiz dos Juízes."(João Gualberto Garcez Ramos, Procurador Regional
da República no PR, Audiência Processual Penal, Del Rey, 1996, p. 143)
Sabe-se que a pena(processo), no âmbito preventivo, cumpre dupla função: a) prevenção especial, inibindo
a reincidência pelo acusado; b) prevenção geral, prevenindo, dado o exemplo da punição, que outros
perpetuem a infração, simbolismo repressivo de transcendental importância.
Nesse último sentido, Zaffaroni, "verbis":
"Em síntese, o sistema penal cumpre uma função substancialmente simbólica frente aos marginalizados ou
aos próprios setores hegemônicos (contestadores e conformistas). A sustentação da estrutura do poder
social através da via punitiva é fundamentalmente simbólica." (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique
Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 71).
Portanto, o segredo, além de subtrair o controle social, transparência, castra a prevenção geral. Punição
sigilosa jamais será exemplar! É exemplo apenas o que é conhecido! Sanção em segredo soa impunidade,
estimula a delinqüência!
Nesse sentido, torcedor implicado em distúrbios. Sanção de abster-se ao comparecimento a eventos
desportivos. Divulgação do nome(arts. 5º, VI, c/c 39 da Lei nº 10.671/03).
Reportagem que aborda improbidade atribuída a Membro do Judiciário, objeto de representação ao TST.
Direito à informação. Inexistência de dano moral indenizável(STF, RE 208.685-RJ, Rel. Min. Ellen Gracie,
Informativo do STF nº 317)
"Processos contra Juízes: em Landmark Communications, Inc. v. Virginia, a Suprema Corte também julgou
inconstitucional, por violação da 1ªEmenda, uma lei do Estado da Virgínia que considerava crime de
imprensa a publicação de informações relativas a processos confidenciais movidos contra juízes, por
incompetência ou má conduta." (José Adércio Leite Sampaio, Direito à Intimidade e à Vida Privada, Del Rey,
1998, p.168).
Oportuna decisão do STJ sobre a fiscalização da destinação de verbas objeto de convênio por município,
divulgação da auditoria da Controladoria-Geral da União na internet:
"Ao prosseguir o julgamento, a Seção, por maioria, entendeu que o impetrante não tem direito líquido e certo
a impedir, via MS, o ministro de Estado do Controle e da Transparência de fazer publicar, no site de internet
da Controladoria-Geral da União, relatório preliminar a respeito de irregularidades atribuídas àquele na
utilização de verbas federais. Não há que se cogitar em infração aos princípios da ampla defesa, do
contraditório e do devido processo legal, mas sim em fiel observância ao princípio da publicidade, também
declarado pela Constituição, que somente em situações excepcionais, tais como o comprometimento da
segurança nacional, pode ser mitigado. Faz-se necessário aplicar a proporcionalidade entre as regras
constitucionais e a hierarquização do bem a ser tutelado pela jurisdição." Precedente citado: AgRg no MS
9.642-DF, DJ 24/2/1992. MS 9.744-DF, Rel. Min. José Delgado, julgado em 27/10/2004.
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É realidade que o debate é altamente ideológico. As objeções contra as veiculações restringem-se ao
colarinho branco. A ampla e seguidamente escrachada divulgação dos 'delitos de mão pobre'(vide tópico
DO MODUS OPERANDI/PERFIL), perpetrados pelos estamentos inferiores do 'statu quo', não causa '
streptus'.
I. VII - DO SIGILO BANCÁRIO
"O homem é o homem e suas circunstâncias", celebrizou Ortega y Gasset.
Parafraseando, pode-se dizer que o colarinho branco é ele e suas finanças!
Inexiste persecução ao colarinho branco sem dados financeiros/bancários.
Colarinho branco excluído, marginalizado, do mundo financeiro, é crime impossível(art. 17 do Código Penal).
Em contrapartida, forçoso admitir que nas relações financeiras espelha-se relevante parcela da
intimidade/vida privada do cidadão, indevassáveis pelo Estado, devendo ser preservadas.
Além dos dados pessoais, intimidade, estarem explicitamente protegidos pela Carta Política(art. 5º, X e XII),
sua tutela é imanente à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Brasileiro(art. 1º, III, da
Constituição).
Nisto, calha referir a Constituição de Portugal, "verbis":
"A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade
humana, de informações relativas às pessoas e famílias."
Exemplo brutal de violação à dignidade foi do humilde caseiro Francenildo dos Santos Costa, o qual
depusera na CPI dos Bingos apontando desvios do Ministro da Fazenda Antonio Palocci, em represália do
governo tendo a Caixa Federal divulgado que ele recebera R$ 38 mil, dando a entender que fora propina da
oposição, quando era valor repassado por seu pai até então ignorado, o qual negava-se a reconhecê-lo. A
divulgação, vilipendiando a dignidade de Francenildo, eschachou o drama familiar. Lula, quando da
candidatura à Presidência em 1990 vitimado pelo ignóbil golpe de seu adversário, Collor, o qual exibira à
opinião pública filha extraconjugal do petista, agora, no governo, usa de expediente ainda mais ignominioso
para acobertar corrupção. De positivo, a reação da Sociedade que constrangeu à demissão do Ministro da
Fazenda Palocci(Revista Veja, 12.04.06), posteriromente denunciado pelo Procurador-Geral da República
perante o STF(Folha de São Paulo 26.02.08).
Pior. A ópera bufa seguiu com a Polícia Federal inquirindo o Caseiro como "testemunha? e, simultanemente,
como investigado por pretensa lavagem de dinheiro. Testemunha é terceiro em face dos fatos. Inexiste
testemunha de ato próprio. Francenildo não é terceiro. É vítima. Óbvia a impossibilidade absoluta dele ser
ser investigado por lavagem, caso contrário estaria consagrado clássico e crasso caso de persecução
derivada de ato criminoso(quebra de sigilo bancário). "Fruits of the poisonous tree"(árvore dos frutos
envenenados - art. 5º, LVI, da Constituição). O Estado, valendo-se do produto de seu próprio delito(quebra
de sigilo), submete a vítima a objeto de investigação. Na prática, retaliação institucionalizada. O TRF/1ª,
acolhendo habeas corpus impetrado pelo Ministério Público Federal, cassou a estúpida apuração por
lavagem. O STF, não obstante sobradas provas, notadamente em sede de recebimento da denúncia - 'in
dubio pro societate' - por 5 x 4, acabou rejeitando a inicial acusatória('Decsião do STF no caso Paolocci
relega apurações sobre negociatas' , colunista Jânio de Freitas - Folha de São Paulo, 30.08.09).
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Vide tópico DA PUBLICIDADE(SIGILO) PROCESSUAL, caso em que expressivo Membro do Congresso
Nacional, submetido à indevida devassa na sua intimidade(contas bancárias), por razões óbvias, não
podendo confessar o destino de alguns pagamentos, "in casu", à concubina, terminou sendo cassado como
se ímprobo fosse(CPI do Orçamento, idos da década de 90).
De todo relevante a convenção da ONU contra a corrupção(Decreto 5.687/06, arts. 40 e 52), eis que
procede a devida distinção, não apenas flexibilizando o sigilo dos agentes públicos, também impondo
monitoramento de seus ativos, sabido que eles têm o ônus de prestar contas de seus atos, "verbis?:
"Cada Estado Parte velará para que, no caso de investigações penais nacionais de delitos qualificados de
acordo com a presente Convenção, existam em seu ordenamento jurídico interno mecanismos apropriados
para eliminar qualquer obstáculo que possa surgir como conseqüência da aplicação da legislação relativa ao
sigilo bancário.
Sem prejuízo ao disposto no Artigo 14 da presente Convenção, cada Estado Parte adotará as medidas que
sejam necessárias, em conformidade com sua legislação interna, para exigir das instituições financeiras que
funcionam em seu território que verifiquem a identidade dos clientes, adotem medidas razoáveis para
determinar a identidade dos beneficiários finais dos fundos depositados em contas vultosas, e
intensifiquem seu escrutínio de toda conta solicitada ou mantida no ou pelo nome de pessoas que
desempenhem ou tenham desempenhado funções públicas eminentes e de seus familiares e
estreitos colaboradores ..."
A propósito dessa convenção da ONU, o Banco Central editou a Circular nº 3.339/06, estabelecendo a
vigilância bancária sobre as 'pessoas politicamente expostas'.
Nelson Hungria, sobre a relevância do segredo profissional, ?in casu", do banqueiro, "verbis":
"Dizia Kant que, para aferir-se da moralidade ou imoralidade de um fato, o melhor critério era imaginá-lo,
hipoteticamente, transformado em norma geral de conduta: se a vida social ainda fosse possível, o fato é
moral; do contrário, é imoral. A antinomia de um fato humano com a moral positiva está na razão direta de
sua nocividade social. É bem explicável, portanto, que entre as ações imorais que, por sua maior gravidade,
constituem o injusto penal, figure a violação do segredo profissional. Se fosse lícita a indiscrição aos que, em
razão do próprio ofício ou profissão, recebessem segredos alheios, estaria evidentemente criado um
entrave, muitas vezes insuperável, e com grave detrimento do próprio interesse social, à debelação de
males individuais ou à conservação e segurança da pessoa. (Comentários ao Código Penal, Forense, 1958,
Vol. VI., p. 236).
Portanto, o debate sobre a matéria é crucial, volátil. Remete-se ao tópico DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA
INVESTIGAÇÃO.
A controvérsia tem explícito viés ideológico. Note-se que mesmo antes da atual Constituição da República,
quando a Polícia Judiciária detinha o poder de prisão(busca pessoal, prisão para averiguação, etc.), a
quebra de sigilo bancário ficava sob a reserva da jurisdição(art. 38 da Lei nº 4.595/65).
Em tese, portanto, o colarinho branco poderia ser preso por iniciativa da Polícia Judiciária que, todavia, não
poderia quebrar seu sigilo bancário sem outorga judicial.
Diz-se em tese, porque apenas em tese. Na prática, sabe-se que a Polícia jamais prendia o colarinho branco
. Seus poderes eram exercidos frente aos sequer com colarinho, os descamisados.
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Hoje, intensificada a persecução contra o colarinho branco, as incoerências avultam.
O segredo dos dados bancários, tanto na tutela do tomador dos serviços financeiros quanto na do
banqueiro, está protegido em diversas normas. Entre outras, art. 347 do CPC, art. 207 do CPP, arts. 153,
154 e 325 do CP, art. 198 do CTN, art. 44 da Lei nº 5.010/66, art. 4º da Lei nº 4.728/65, art. 38 da Lei nº
4.595/65, arts. 18, 28 e 29 da Lei nº 4.792/86, LC nº 105/01.
De sua parte, a Lei nº 8.021/90, art. 8º, e Lei nº 8.033/90, art. 10, autorizaram, mediante procedimento
próprio, para fins de investigação, as autoridades administrativas(Banco Central, Receita Federal, Polícia
Federal, etc.) obterem dados bancários.
Essas normas que outorgaram a quebra extrajudicial seriam formalmente inconstitucionais porque, tratando
do sistema financeiro(art. 192 da Constituição), deveriam estar sujeitas à lei complementar(vide Carlos
Velloso, Min. do STF, artigo intitulado "A Evolução da Interpretação dos Direitos Fundamentais no STF",
inserto na obra coletiva "Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais", Del Rey, 2003).
Sabidamente, no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, inexiste requisito de lei complementar. De
absoluta incongruência ter-se a própria incriminação(tipificação) do colarinho branco, bem assim a produção
de provas bem mais invasivas que a quebra do sigilo bancário(v.g., interceptação telefônica - telemática, que
pode incluir dados bancários -, prisão temporária, busca domiciliar, etc.), tudo regulado mediante lei
ordinária, exigindo-se, todavia, lei complementar aos dados financeiros.
Além disso, fosse a quebra de sigilo bancário matéria pertinente ao sistema financeiro, galgada à regulação
apenas por lei complementar, assim como a Lei nº 4.595/65, no que refere à obtenção de dados financeiros
para fins de investigação, autorizando requisição direta pelo Ministério Público(art. 29 da Lei nº 7.492/86),
também estaria recepciona pela atual Constituição da República como lei complementar. A Lei Orgânica do
Ministério Público, a propósito, que empresta-lhe poder de requisição de dados sigilosos, é
complementar(art. 8º, II, VIII, §2º, LC nº 73/93).
A Lei Complementar nº 109, relativa à previdência complementar, franqueia a devassa pelo Ministério
Público.
Mais defensável, tal qual peroram autorizadas vozes, seria argüir a inconstitucionalidade pela exclusividade
da jurisdição na devassa das informações bancárias, óbice que viciaria os poderes outorgados ao Fisco,
Banco Central, CVM, CPI?s e até a entidades privadas("centrais de risco"), mesmo mediante lei
complementar(v.g., LC n º 105/01).
Prova cabal do caráter ideológico, classista, do debate está no cadastro de inadimplentes("centrais de risco
"), ou seja, o pleno acesso dos empresários às informações bancárias de seus clientes, de forma a avaliar a
outorga ou não de crédito. Mediante módica mensalidade, sempre obteve-se toda sorte de informações(v.g.,
cheques devolvidos, inadimplências bancárias, etc.)
Esses serviços, v.g., SERASA - Centralização de Serviços dos Bancos S/A,, cujos abusos ocasionou CPI na
Câmara Federal -, etc, sempre foram violação de sigilo bancário(vide ACP do Parquet Federal, André de
Carvalho Ramos, Procurador da República em SP, in Boletim dos Procuradores da República nº 26,
www.anpr.org.br).
Definição da central de risco na palavra do próprio Banco Central, o qual, mercê da Resolução nº 2.390 do
Conselho Monetário Nacional, ainda em 1997, a despeito de inexistir lei autorizativa, o implementou:
"A CRC (Central de Risco de Crédito) do Banco Central do Brasil é alimentada por informações múltiplas
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(positivas e negativas). Ela engloba não somente dados referentes a financiamentos e operações de
crédito(em dia ou atrasadas), mas também a arrendamento mercantil e outras operações com
características de concessão de crédito, bem assim garantias como avais, fianças e coobrigações prestadas
pelas instituições financeiras a seus clientes.
A partir de 17 de agosto de 1998, os dados e informações constantes da CRC tornaram-se acessíveis às
instituições financeiras, fazendo com que a base de dados fosse utilizada para mais um tipo de finalidade. A
Central de Risco de Crédito tem, pois, dupla finalidade: a) uma primeira e originariamente prioritária, de
facilitar a supervisão bancária pelo Banco Central, ao identificar com precisão as instituições financeiras com
problemas em suas carteiras de crédito; b) uma segunda e não menos importante, que é a de registrar
informações para auxiliar as instituições bancárias no processo de avaliação da concessão de crédito a seus
clientes.
O banco de dados que compõe a Central de Risco de Crédito é alimentado por arquivos enviados
mensalmente pelas instituições financeiras, retratando suas carteiras de crédito. O Banco Central é o gestor
do sistema, sendo responsável por armazenar as informações, mas somente as instituições integrantes do
Sistema Financeiro Nacional podem incluí-las na CRC. Elas devem informar todas as operações de crédito
acima de R$ 5 mil."
Melhor, entretanto, a análise de um "expert", Advogado Antonio Luís Guimarães Otero, "verbis":
"a) Todas as dívidas, vencidas e vincendas, superiores a R$5.000,00, de todos os CPFs e CNPJs brasileiros
devem obrigatoriamente constar no SCR;
b)
É irrelevante a constatação da veracidade dos dados do SCR, já que são alimentados
unilateralmente pelo Banco, segundo o seu enfoque e à revelia do Cliente, independentemente deste estar
alegando no Judiciário qualquer abuso ou excesso;
c)
O cliente jamais é informado que lá foi inscrito até porque, ironicamente, autorizou a sua
inscrição, por cláusula abusiva matreiramente inserida, sem qualquer destaque, quando firmou o Contrato de
adesão bancário, mesmo que de conta corrente. Destaque-se que a mesma cláusula abusiva comumente
autoriza o intercâmbio de tais informações (inclusive cadastrais) com outras empresas de proteção ao
crédito
d)
Não existe a prescrição, já que débitos superiores a 5 anos podem lá estar inscritos, no caso do
Banco "entender" ainda haver débito em aberto;
e)
As dívidas inscritas são unilateralmente calculadas e classificadas com "notas" pelos Bancos e
consolidadas pelo BC, no SCR, que as divulga abertamente para todos os integrantes do SFN;
A Lei Complementar nº 105/01, art. 1º, §3º, I e II, ante a ACP do 'Ministerium Publicum' e o sempre ativo lóbi
das instituições financeiras, legitimou a prática.
Razoável que a operacionalidade do crédito necessite acessar informações bancárias. O desarrazoado é
que, a questões cíveis, interesse econômico, seja franqueado às entidades privadas informações bancárias
que, na defesa social, persecuções por crimes perpetrados contra a Sociedade, sejam negadas às
autoridades a quem incumbem a investigação, impondo-lhes limitações que, na prática, castram a apuração.
Razoabilidade/proporcionalidade, parâmetros que balizam a produção da prova, mormente a quebra de
sigilo bancário. A propósito da razoabilidade no deferimento da prova, vide tópico DA
(DE)JUDICIALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO.
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Primorosa a síntese do Juiz Federal em SC, Alexsander Fernandes Mendes, elencando os pressupostos à
quebra de sigilo bancário, em outras palavras, da razoabilidade, "verbis":
"Os pressupostos para a quebra do sigilo bancário e fiscal são: a) o início de prova do ilícito e sua autoria; b)
a pertinência da medida em relação ao delito investigado; c) a demonstração da imprescindibilidade da
prova para o êxito da investigação e a inexistência de outros meios menos danosos para alcançar tal fim."
(Processo nº 2001.72.07.000699-3/SC).
Nesse diapasão, não se pode quebrar sigilo para descobrir um crime. Sua quebra justifica-se para ratificar
um delito que, previamente, já apresente fundados indícios(STF, Petição nº 577, Rel. Min. Carlos Velloso,
25.03.92, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 148/366, "leading case" Rogério Magri, ex-Ministro do Trabalho e
Previdência Social do Governo Fernando Collor).
Exsurge como violador da razoabilidade a compulsória informação ao Fisco de movimentação financeira
mensal que exceda aos parcos limites de R$ 5 mil(pessoa física) e R$ 10 mil(pessoa juríca), cosoante
ordenamento vigente(LC nº 105/01 c/c Decreto nº 4.489/02), apropriadamente acoimada de "big brother"
pelo Min. do STF Marco Aurélio.
"Fisco revela 18 mil pessoas com gastos excessivos, sem renda ou movimentação bancária compatíveis.
(...) Há no Brasil 76 administradoras de cartões. Elas enviaram ao fisco dados referentes a 161.306
contribuintes. São pessoas que gastaram R$ 5.000,00 ou mais num único mês ou em vários meses do
primeiro semestre de 2003."(Folha de São Paulo, 18.04.04).
Estudo do Banco Central apontou que, em 2006, foram 11,4 bilhões as operações de pagamentos em
bancos e comércio em geral. Desse montante, 80,5% foram eletrônicas(cartões de débito, crédito,
transferências bancárias, etc.- Folha de São Paulo, 11.09.07).
Portanto, sendo minudentemente rastreáveis(identificação do estabelecimento empresarial, data e local da
transação, via vínculo com a nota fiscal, capaz de identificar o serviço e/ou mercadoria adquirida, etc.) e
comunicadas ao Fisco essas operações eletrônicas, deveras, a atividade econômica está, sim, sob os olhos
do 'big brother' Estado Brasileiro!
Contraditoriamente, ao Fisco, a quem é outorgado o 'big brother' tão somente à fiscalização, na execeução
do crédito tributário, exigidas outras cautelas, exurimento prévio de outras vias, na decção do STJ, 'verbis':
'A Turma reafirmou que a jurisprudência firmada da Seção só excepcionalmente admite o cabimento de
expedição de ofício às instituições detentoras de informações sigilosas, em busca de dados a respeito de
bens do devedor. Apenas quando esgotadas as vias ordinárias para encontrá-los, é possível se valer de tal
providência.' Precedentes citados: REsp 504.936-MG, DJ 30/10/2006; AgRg no REsp 664.522-RS, DJ
13/2/2006; REsp 851.325-SC, DJ 5/10/2006, e AgRg no REsp 73 - Inoformativo do STJ nº 341)
A tributação(CPMF), somada a este monitoramente extrajudicial da circulação bancária, afora a Receita
Federal, também titulado pelo BACEN e COAF(art. 11 da Lei nº 9.613/98), produziu a impessoalização das
cártulas bancárias, v.g., tramitando cheques mediante endosso sucessivo, sem depósito, em toda cadeia
produtiva(varejista recebe cheque do consumidor repassando-o ao atacadista; este ao industrial; este ao
produtor da matéria prima - v.g., carne -; este ao produtor do insumo - v.g., ração -, etc.).
Questão da maior relevância está na vinculação ou não da quebra à finalidade prevista, ou seja, que a
devassa, v.g., para fins de lançamento tributário também sirva à imputação criminal.
As normas fazem referência à finalidade(art. 38 da Lei nº 4.595/65; art. 3º, "caput", "in fine", da LC nº
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105/01).
Nesse sentido, limitando o uso da quebra à finalidade, "in casu", para fins criminais, "leading case" da CPI do
Orçamento ("Anões do Orçamento"), indeferindo vista à Receita Federal ao lançamento tributário. Plenário
do STF. Inq nº 723-DF. 18.06.96, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 164/477.
A restrição da quebra a determinada finalidade(v.g., espécie de delito, etc.) também faz-se presente nas
relações internacionais, a exemplo da convenção da ONU contra a corrupção(Decreto nº 5.687/01), art. 46,
ao tratar da assistência judiciária recíproca entre os países signatários, "verbis":
"... As autoridades competentes que recebem a informação deverão aquiescer a toda solicitação de que se
respeite seu caráter confidencial, inclusive temporariamente, ou de que se imponham restrições a sua
utilização...
O Estado Parte requerente não transmitirá nem utilizará, sem prévio consentimento do Estado Parte
requerido, a informação ou as provas proporcionadas por este para investigações, processos ou ações
judiciais distintas daquelas indicadas na solicitação."
Outra controvérsia de magnitude está na juntada de dados financeiros fornecidos por outras fontes que não
os bancos.
A situação é bastante comum, especialmente quando tem-se na persecução a colaboração de
delatores(ex-sócio, ex-cônjuge, ex-genro, ex-empregado, ex-quadrilheiro, enfim, algum "ex", sabido que todo
"ex" é um "anti-ex"), buscas pessoal(sem outorga judicial - art. 244 do CPP) e domiciliar(com outorga judicial,
sem expressa menção a dados bancários - art. 240 do CPP) nas quais, de antemão, não havia a perspectiva
da apreensão de documentos financeiros, auditoria fiscal sobre terceiros, os quais fornecem ao Fisco dados
de outrem, etc.
É também o caso de lide a propósito de dissolução de sociedade empresária, na qual foram juntados
documentos bancários, cópia dos quais, ante indícios de ilícitos tributários(art. 40 do CPP), foram enviados
pelo Juízo ao Fisco(STJ, HC 25.749-RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, 11.03.03, Informativo do STJ nº 165)
A transnacionalidade, característica própria do colarinho branco(vide tópico do MODUS OPERANDI
/PERFIL), tem nas operações financeiras internacionais a sua expressão mais contundente obrigando que, à
persecução criminal eficiente, imponha-se, igualmente, a transnacionalidade da quebra de sigilo bancário.
O trânsito internacional de dinheiro é dinâmico, clicar de 'mouse'.
"A transferência interbancária pode ocorrer através das chaves SWIFT, que é um sistema interbancário
internacional(rede internacional) de segurança para transferências de fundos. SWIFT é uma sigla da Society
for Wordlwide Interbank Financial Telecomunication, que existe desde 1973 e é formada por bancos do
mundo inteiro, sendo uma sociedade cooperativa sem fins lucrativos, pertencente e administrada por bancos
que constituem seus membros. A rede SWIFT, uma rede de computadores, serve para que os bancos
troquem mensagens padronizadas, com segurança e rapidez, 24 horas por dia, sendo utilizada para
transferência de dinheiro entre bancos. As operações podem ser feitas não só pelo sistema SWIFT, mas por
outros, como o ABA(American Banker's Association), ou no ambiente FEDWIRE, sistema que serve para
que os bancos americanos façam pagamentos entre si mediante troca de reservas bancárias mantidas no
FED(Federal Reserve), o Banco Central americano."(O Crime de Evasão de Divisas, Luciano Feldens e
Andrei Zenkner, Lumen Juris, 2006, cit. p.224).
Essa realidade, afora complexas questões pertinentes ao Direito Internacional, a exemplo da aplicação da lei
penal material(art. 7º do CP), trazem ricas controvérsias a propósito da produção probatória, como a
diversidade de requisitos(v.g., outorga judicial) à obtenção da prova nesses diversos países.
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Há crescente estabelecimento de tratados de mútua colaboração(art. 5º, §2º, c/c art. 84, VIII, da CRFB),
como da Colômbia(Decreto nº 3.895/01), EUA(Decreto nº 3.810/01 - "MLAT"), França(Decreto nº 3.324/00),
Itália(Decreto nº 862/93), Mercosul(Decreto nº 3.468/00), Peru(Decreto nº 3.988/01), Portugal(Decreto nº
1.320/94). Convenção Interamericana de Assistência Mútua em Matéria Penal(Decreto nº 6.340/08) e, o
mais abrangente de todos, "Convenção das Nacões Unidas contra o Crime Orgnizado Transnacional",
Decreto nº 5.015/04, cujo art. 18, tratando da assistência judiciária recíproca, dispõe que os Estados Partes
não poderão invocar o sigilo bancário par recusar a cooperação.
Sabida a transnacionalidade do lucro da delinquência, riqueza homiziada em diversos países, o Banco
Mundial em colaboração com a ONU, abordando os diveros sistemas judiciários, lançou um guia de boas
práticas para recuperação de ativos por alienação antecipada: vide
http://siteresources.worldbank.org/EXTSARI/Resources/NCBGuideFinalEBook.pdf
Na persecução à rumorosa lavagem de dinheiro via contas CC5 em Foz do Iguaçu(PR), ora tramitando na
Justiça Federal em Curitiba, entre outros atuando os Procuradores da República Valdimir Aras e Carlos
Fernando dos Santos Lima, procedeu-se importação de dados bancários dos EUA, Nova Iorque, sede de
agência do Banestado, operador da delinqüência.
A recepção dos documentos de autoridades norte?americanas vinculou-se MLAT(Mutual Legal Assistence
Treaty - Tratado de Assistência Jurídica Recíproca em Matéria Penal) entre o Brasil e os Estados
Unidos(Decreto nº 3.810/01).
A possibilidade de validação de documentos obtidos nos EUA dispunha de por três vias:
1)a utilização do mecanismo do MLAT, com intercâmbio de papéis entre as autoridades centrais dos dois
países; 2) o recebimento de documentos e a sua legalização consular("consularização"), nos termos da
Convenção de Viena de 1963 e do Decreto Federal n. 84.451/80, após a autenticação por tabelião ou notário
público norte?americano; e 3) o tradicional caminho das cartas rogatórias, entre autoridades judiciárias dos
dois países.
Sobre a mútua assistência judiciária entre os diversos países signatários, a convenção da ONU contra a
corrupção(Decreto nº 5.687/06), art. 46, "verbis":
"Entregar originais ou cópias certificadas dos documentos e expedientes pertinentes, incluída a
documentação pública, bancária e financeira, assim como a documentação social ou comercial de
sociedades mercantis;"
Independentemente de prévio tratado, são possíveis contribuições pontuais, a exemplo de institutos do
Direito Internacional Público, como a promessa de reciprocidade(v.g., art. 8º, §1º, da Lei nº 9.613/98), além
da tradicional carta rogatória.
Outras provas, ainda, advêm independentemente de tratados, aduzidas por autoridades(Polícia, Ministério
Público, Coaf, etc.) e particulares. A propósito da transacionalidade da prova, vide tópico DA
(DE)JUDICIALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO E DA (DES)OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL.
A cooperação internacional fica à mercê de legislações e políticas variadas. Exemplificativamente, até hoje,
a Suíça nega-se à cooperação internacional da repressão a delitos de sonegação fiscal, sabido que naquele
país sonegação não é crime, apenas ilícito administrativo. Igualmente, recusa-se à colaboração da
persecução por evasão de divisas(art. 22 da Lei nº 7.492/86), entendo-o análogo à sonegação.
'O governo da Alemanha disse ontem que pretende comprar informações roubadas de bancos suíços que
mostram que cidadãos alemães teriam cometido crime de evasão fiscal. A chanceler Angela Merkel afirmou
que "tudo deverá ser feito para conseguir os dados", desde que eles sejam relevantes. O governo afirma que
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os dados (que conteriam informações sobre as contas na Suíça de cerca de 1.500 alemães) foram
oferecidos por um informante por 2,5 milhões (US$ 3,5 milhões). Segundo jornais alemães, com a compra, o
governo poderia recuperar 200 milhões em impostos não pagos. Mas ela também pode estremecer as
relações entre o país e a Suíça, que já disse considerar a compra ilegal'(Folha de São Paulo, 02.02.10).
Sabido que, mesmo quando utilizados esses tratados, com exceção da rogatória, não há tramitação via
Superior Tribunal de Justiça, procedendo-se através de autoridades inferiores, inclusive extrajudiciais(v.g.,
Polícia Judiciária - Interpol, Ministério Público, Ministério da Justiça, etc.), situação de constitucionalidade
ainda não avaliada pela Suprema Corte(no HC 85588/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, caso do "propinotudo",
corrupção de fiscais fazendários do RJ, cooperação com a Suiça - país, à época, com quem o Brasil não
mantinha tratado - sem carta rogatória via STJ, foi julgada inconstitucional - Informativo do STF nº 424), o
debate ganha ainda maior extensão.
Exemplo contundente de atos de polícia envolvendo o setor financeiro, sustentados por tratado, foi o
bloqueio de ativos do Talibã, Osama Bin Laden e outros, objeto da Resolução nº1.333/00 do Conselho de
Segurança da ONU, homologado pelo Decreto Presidencial nº 3.755, de 20.02.01.
Que diriam sobre o constitucionalidade desse decreto os que defendem a exclusividade da jurisdição para
acessar dados financeiros, sabido que o seqüestro dos ativos é ato ainda de maior constrição?!
O episódio uma vez mais provou o desaparelhamento do Estado no combate ao crime organizado, cujo
colarinho branco e terrorismo são espécies.
O bloqueio determinado pelo Presidente da República através do Decreto nº nº 3.755, de 20.02.01, foi
cumprido pelo BACEN apenas após o morticínio de 11.09.01 do World Trade Center(NY)!
Identicamente, a carta rogatória da República da Argentina, com exequatur do STF, cumprida pela Justiça
Federal de Brasília(Processo nº 2000.34.00.032684-6/12ª Vara), tendo por objeto investigações a propósito
do genocida ato terrorista, ocorrido em 18.07.94, perpetrado na sede da Associação Mutual Israelita
Argentina - AMIA - e Delegação de Associações Israelitas Argentinas - DAIA -, no qual resultou a barbárie de
86 pessoas assassinadas, visando identificar ativos financeiros em nome de um suspeito brasileiro,
agonizou no sisifismo, produto da brutal incompetência do Estado.
A razão do retardamento foi a absurda inexistência de um cadastro nacional de contas(ativos) bancárias.
Providência simples tanto sob a ótica jurídica, imposição normativa pela BACEN/Conselho Monetário
Nacional, como operacional, sabida a plena informatização do sistema financeiro pátrio.
Contrastando com a instantaneidade do sistema financeiro e a delinqüência que nele viceja, o rastreamento
de ativos bancários era pré-histórico. Determinada quebra de sigilo, busca de ativos, a ordem judicial era
enviada ao Bacen que por sua vez a retransmitia às centenas("sic") de instituições financeiras, as quais
reportavam-se, individualmente, ao Juízo.
Afora o aberrante tempo e custo, não havia qualquer segurança, vez que, dolosa ou culposamente, negado
pelo banco a existência de valores,. não havia instrumento de detecção da inverdade. Restava a Receita
Federal, cujo recolhimento da CMPF, sempre vinculado a CPF?s e CNPJ?s, poderia prestar alguns
dados(banco, agência e conta que originaram os recolhimentos). Todavia, não havendo contribuição,
também é falho.
Não apenas a persecução criminal soçobrava. Sucessores de pessoas falecidas, ignorando a existência de
recursos do "de cujos", também restavam privados de seus direitos.
Recorrente o noticiário de depósitos bancários abandonados, devendo ser recolhidos ao Banco Central(Lei
nº 9.526/97). Normalmente, imputa-se como valores sem origem lícita. Grande parte, não. É numerário
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ignorado pelos seus titulares, a exemplo dos sucessores.
Finalmente, a letargia do BACEN foi suprida pelo legislador, impondo-se o cadastro de correntistas e
procuradores(Lei nº 10.701/03).
Todavia, não obstante a lei, não foi o suficiente.
Embora de facílima implementação, sabido que os bancos dispõe dos dados já informatizados(nome da
pessoa física ou jurídica titular da conta, eventual procurador, CPF, CNP, etc.), bastando requisitá-los e
consolidá-los junto ao Banco Central, anuncia-se sua implementação para julho/2005, dois anos após
vigente a norma(Circular Bacen nº 3.287/05, ora nº 3.347/07).
De positivo, o Bacen-Jud, permitindo à Justiça do Trabalho, maior usuária do sistema, respondendo por 95%
das 467 mil ordens judiciais emitidas em 2004, bloquear os ativos dos condenados em
reclamatórias(penhora on-line), emprestando efetividade à Justiça Laboral, tantas vezes fraudada na
execução. Hoje, o Bacen-Jud está disponível aos demais órgãos do Judiciário(v.g., Justiça Federal, etc.),
'on-line' disponibilizando os dados cadastrais dos correntistas(vg., endereço, atividade econômica,
procuradores, etc.)
Em 2006, segundo dados do Bacen, somadas todas as instituições financeiras, o Brasil fechou com 59,5
milhões de contas correntes e 76,8 milhões de poupanças, crescendo 52% o volume de contas desde
2001(Folha de São Paulo, 15.06.07).
Na quebra de sigilo, vale lembrar a Circular nº 3.030/01 do Banco Central, a qual obriga, no mínimo por 5
anos, manter a identificação de depositantes e destinatários dos recursos que transitam pelas contas,
mesmo que mediante cheques de terceiros, compensados. Útil ao rastreamento requerer as fitas de caixa,
permitindo identificar, nos saques em dinheiro, se, de imediato, foram depositados em outras contas.
Igualmentea a Carta-Circular do Bacen nº 3.030/01, obrigando registro de cheques compensados, doc's e
outros instrumentos de trnsferência por, no mínimo, 5 anos.
Recorrente a necessidade de ser quebrado sigilo bancário de conta no exterrior, sabida a transnacionalidade
dos delitos do colarinho branco.
Ao Judicário brasileiro não é dado quebrar sigilo no exterior.
O Ministério Público pode, com a ação penal ou inquérito instaurados, solicitar as informações necessárias
ao DRCI ? Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério da Justiça,
autoridade central nos acordos e tratados de cooperação judiciária, informando que o sigilo "doméstico" do
investigado foi quebrado aqui no Brasil, juntando cópia.
Posteriormente, peticiona-se ao órgão do Judiciário no Brasil, requerendo que ele oficie ao Ministro da
Justiça manifestando sua concordância com a providência.
Nas apurações administrativas do Banco Central, permitida a apuração "moto proprio" pela autarquia(Lei
6.024/74 e LC 105/01), adentrando às contas dos gestores de instituições financeiras e pessoas vinculadas
à sua gestão(HC 87167, Rel. Min. Gilmar Mendes, Informativo do STF nº 438)
Vide "O Sigilo Bancário e a Necessidade da Ponderação de Interesses", André Barbeitas, Procurador
Regional da República no RJ, Malheiros, 2003)
I.VII.I - DA DEFESA
A Defesa sustentará a exclusividade da jurisdição na quebra de sigilo bancário, não sendo lícita a
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prova emanada do Fisco, Ministério Público, COAF, BACEN, etc.
A quebra não pode ser feita por quem não tem o dever de imparcialidade, somente a autoridade judiciária,
que tem o dever de ser imparcial, por isso mesmo procederá com cautela, com prudência e com moderação,
poderá autorizar a quebra do sigilo(STF, RE n° 215.301-CE, DJ de 28.5.1999, p. 24, RE 261.278-2)..
É farta a jurisprudência nesse sentido(v.g., STJ, HC 2.019/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini,
DJU 09.05.94, p. 10.881 - STJ, HC 2.352/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Assis Toledo, DJU 09.05.94, p. 10.882)
Afrontada a prévia outorga judicial, cabe habeas corpus destinado a desentranhar quebra ilícita(STF, HC
81.294-SC, Rel. Min. Ellen Grecie, Informativo do STF nº 256).
Assim, ainda quando existente norma autorizadora à quebra extrajudicial(v.g, pela Receita Federal, LC nº
101/01 c/c Decretos nº 3.724/01 e 4.489/02), será sustentada sua inconstitucionalidade(art. 5º, X, XII e LIV
da Constituição).
De ver-se, também, se as próprias normas que regulam a quebra extrajudicial(v.g., Decretos nº 3.724/01 e
4.489/02; normativos do BACEN e COAF que regulam a notificação compulsória de operações suspeitas
determinadas pela Lei nº 9.613/98; etc) não foram violadas, fato que, de per si, viciará a prova,
invalindando-a pela ilicitude(art. 5º, LVI, da Carta Política).
Mesmo na hipótese de prévia outorga judicial, a Defesa impugnará a licitude da prova, pleiteando seu
desentranhamento, sustentando que o ato judicial violou o princípio da razoabilidade/proporcionalidade. A
propósito da razoabilidade no deferimento da prova, vide tópico DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA
INVESTIGAÇÃO.
Sabido que todos os dados bancários estão protegidos pelo sigilo(v.g., endereço do correntista, eventuais
procuradores, etc. - STJ, RHC 5.065/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 29.09.97, p. 48.228),
sendo limitada a devassa apenas por ordem judicial, "a fortiori", tratando-se de informações financeiras
advindas por outras fontes(v.g., testemunhas, delatores, etc.).
Pontes de Miranda, invocado por Tércio Ferraz Sampaio Júnior, mencionado pelo Advogado Mário Cordella
Filho, Processo/SC: 1999.04.01.112402-3/SC, buscando identificar a natureza da prerrogativa ao sigilo,
basicamente direito de resistência, "verbis"
"... a liberdade de ?negação? de comunicação de pensamento. O conteúdo, a faculdade específica atribuída
ao sujeito é a faculdade de resistir ao devassamento, isto é, manter o sigilo (da informação materalizada na
correspondência, na telegrafia, na comunicação de dados, na telefonia). A distinção é importante. Sigilo não
é o bem protegido, não é o objeto do direito fundamental. Diz respeito à faculdade de agir (manter sigilo,
resistir ao devassamento), conteúdo estrutural do direito."(in Sigilo de Dados: O Direito à Privacidade e os
Limites à Função Fiscalizadora, RT - Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, nº 1, p. 141).
Nelson Hungria, a propósito do sigilo profissional, "in casu", do banqueiro, "verbis":
"... É com todo o acerto que nosso estatuto penal classifica a violação do sigilo profissional entre os crimes
que ofendem a liberdade individual. Na preservação de sua pessoa física ou personalidade moral, todo
individuo deve ter plenamente garantido o livre exercício de sua vontade, e tal garantia seria frustrada, se,
tendo forçosamente de recorrer aos conhecimentos técnicos ou à ajuda profissional de outrem, saltasse-o o
receio de que os seus segredos, confiados ou surpreendidos, fossem traídos. O temor da quebra dois
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segredos poria em cheque a liberdade de atuação da vontade". (Comentários ao Código Penal, Forense,
1958, Vol. VI., p. 237)".
Nelson Hungria, invocado pelo Advogado Mário Cordella Filho, Processo/SC: 1999.04.01.112402-3, "verbis":
"Notadamente nas operações de crédito o sigilo bancário é uma condição imprescindível, não só para
segurança do interesse dos clientes do banco como para o próprio êxito da atividade bancária. Raros
seriam, por certo, os clientes de bancos, se não contassem com a reserva do banqueiro e seus prepostos.
Em nenhuma outra atividade profissional é de se atender, com mais adequação, à advertência de que a
alma do negócio é o segredo. Pode dizer-se, aqui, em relação a certos fatos, que ?le secret va de soi? (...)
no conhecimento da vida financeira de seus clientes, o banqueiro está adstrito a silêncio em torno de
quaisquer fatos que, se revelados ou comunicados a terceiros, acarretariam àqueles efetivo ou possível
dano. Segundo uma definição corrente, entende-se por sigilo bancário ?o dever que incumbe ao banco de
manter reserva acerca dos negócios e interesses patrimoniais de seus clientes, vindos ao seu conhecimento
em virtude da relação jurídica entre estes e aquele".(in Comentários ao Código Penal, Rio, 1980, p. 271).
Vinculação da quebra à finalidade, "verbis":
"... O Ministério Público investigava a eventualidade de prática de crimes, em razão de movimentaçoes
financeiras feitas pelos suspeitos, tendo o juízo criminal autorizado que a polícia transferisse os dados para
a Receita Federal, sendo, porém, essa troca impedida por outro Magistrado que atuou no feito, ao
fundamento de que não poderia o sigilo quebrado ser veiculado fora da extensão da lide. A decisão
esclarece que a Lei Complementar nº 105/2001, em seu artigo 6º, viabiliza a quebra do sigilo pelo próprio
fisco, diretamente aos bancos, sob a condição de existir processo administrativo instaurado ou procedimento
fiscal em curso. É inadmissível que a Autoridade Fiscal venha tomar ciência de dados de sigilo quebrado em
inquérito policial, sem a comprovação da existêncai de alguns destes procedimentos(TRF/4ª, 7ª Turma, Rel.
Des. Federal Fábio Rosa, MS 2002.04.01.041623-4/PR, 25.03.03, Informativo do TRF/4ª nº 150).
Impossibilidade da quebra para fins criminais ser utilizada pela Receita Federal(TRF/4ª, 4ª Seção, MS
2002.04.01.023849-6/PR, Rel. Des. Vladimir Freitas, 16.06.03, Informativo do TRF nº 161).
Execução de dívida. Quebra de sigilo objetivando encontrar ativos. Impossibilidade(STJ, Rec. Esp.
590.834/MG, Rel. Min. José Delgado, 09.12.03, Informativo do STJ nº 195 - TRF/4ª, AI
2003.04.01.028441-3/SC Relator: Desembargador Federal Amaury Chaves de Athayde,
Sessão do dia 26-11-2003, Informativo do TRF/4º nº 180).
Quanto à dívida, é de fazer-se ponderação sobre sua natureza. Sendo, v.g., débito alimentar, vital à
subsistência do alimentando, situação que a Carta Magna admite mesmo a prisão civil, claro está que
caberá quebra de sigilo bancário à identificação de ativos.
I.VII.II - DA ACUSAÇÃO
A Acusação sustentará que o sigilo bancário não tem sede constitucional, excluído da reserva da jurisdição à
comunicação de dados(art. 5º, XII, da Constituição).
Tanto não é privativo da jurisdição, que pacífico o poder das CPI?s(art. 58, §3º, da CRFB), mediante a
devida fundamentação, quebrarem sigilo bancário(STF, MS 23.843, Informativo nº 216 - MS 23.880,
Informativo nº 218 - MS 23.716, Informativo nº 223 - MS 23.959, Informativo nº 243 - MS 28.835, Informativo
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99/265
nº 247).
Quebra de sigilo bancário determinada pela Assembléia Legislativa(RJ), em sede de CPI que apura
corrupção na LOTERJ, denegada pelo Banco Central. Ação de competência originária do STF, entendido
como potencialmente ofensivo ao pacto federativo, cerceamento ao Legislativo de fiscalizar a
administração(ACO QO/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.08.04, Informativo do STF nº 358).
O Exmo. Ministro da Suprema Corte, Dr. Nelson Jobim, com a autoridade de quem foi constituinte da vigente
"Lex Fundamentalis", lapidarmente explicitando o conteúdo, "ratio essendi" do art. 5º, XII, da CRFB, "verbis":
".... Estava-se protegendo a comunicação, o ato comunicacional é que se protegia e não o resultado do ato
comunicacional. O que era absolutamente proibido e é absolutamente proibido pelo inciso XII, nem mesmo
por autorização judicial, é a quebra da comunicação por correspondência, é a quebra da comunicação
telegráfica, é a quebra da comunicação de dados, mas não está se protegendo o dado, ou seja, o resultado
da comunicação. O que se veda é que alguém intercepte a correspondência, é que alguém intercepte
comunicação telegráfica, é que alguém intercepte a comunicação de dados. Mas o texto constitucional
autorizou a interceptação de uma delas só, que é a interceptação telefônica. Esta foi autorizada. Por que não
autorizou as outras? Por uma razão muito simples e muito clara à época em que discutíamos o texto em
1988. É porque das quatro comunicações, a telefônica é a única que não deixa vestígios, em que o resultado
da comunicação desaparece instantaneamente, porque não fica registro. Da comunicação por
correspondência fica a correspondência, da comunicação por telégrafo fica o telegrama, da comunicação de
dados ficam os dados, da comunicação telefônica não fica nada, só fica o registro, v.g., de que Nélson ligou
para Everardo e conversou com ele durante três minutos. É por isso, exclusivamente por isso, que o texto
constitucional autoriza, e única e exclusivamente, a interceptação da comunicação autorizada pelo Juiz ..."("
apud", Luciano Feldens, 'Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco', Livraria do
Advogado, 2002, pp. 217/218)
Quebra de sigilo sem outorga judicial. Relativização da nulidade(convalidação da prova) pela presença de
outros elementos de convicção: STF, RHC 74.807-MT, 22.04.97, RTJ 164/1.011, Informativos do STF nº 74
e 75.
Identicamente, relativizando a nulidade, "verbis":
"A prova ilícita, caracterizada pela violação de sigilo bancário sem autorização judicial, não sendo a única
mencionada na denúncia, não compromete a validade das demais provas que, por ela não contaminadas e
delas não decorrentes, integram o conjunto probatório ..."(STF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 22.04.97, RTJ
164.1010)
Desvinculação da quebra à finalidade, podendo servir os dados bancários à destinação diversa, no caso,
autuação fiscal pela Receita Federal, quando a devassa tivera outorga judicial à persecução criminal, "verbis
":
"... baseada no fato da Secretaria da Receita Federal ter competência para apurar a ocorrência de ilícitos
fiscais, sendo, dessa forma, a instituição mais adequada para auxiliar na demonstração da materialidade de
delitos dessa natureza. Salienta-se, ainda, que a decisão referente à análise do auto de infração na esfera
administrativa afeta diretamente o resultado da ação penal."(TRF/4ª, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Élcio
Pinheiro de Castro, 24.03.03, Informativo do TRF/4ª nº 150)
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100/265
Nelson Hungria, "verbis":
"O dever de sigilo profissional não é absoluto. Depara toda uma série de exceções declaradas na lei,
explícita ou implicitamente, ou impostas pela necessidade de defesa ou salvaguarda de interesses mais
relevantes. Há deveres jurídicos que superam o dever de sigilo, do mesmo modo que há interesses jurídicos
ou de alta importância moral com primazia sobre o direito ao segredo."(Comentários ao Código Penal,
Forense, 1958, Vol. VI, 246)
Caráter infraconstitucional do sigilo bancário, "verbis":
"... Parece-me, antes de qualquer coisa, que a questão jurídica trazida à Corte neste mandado de segurança
não tem estatura constitucional. Tudo quanto se estampa na Carta de 1988 são normas que abrem espaço
ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não naquela
da Constituição da República, que se consagra o instituto sigilo bancario - do qual já se repetiu ?ad
nauseam?, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo
domínio - de resto nada transcendental, mas bastante prosaico da vida das pessoas e das empresas, contra
a curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma
forma de interesse público reclame sua justificada prevalência ..."(STF, Rel. Min. Francisco Rezek, MS
21.729-DF).
A devassabilidade do segredo bancário, inexistindo requisito do prévio contraditório, "verbis":
"Ementa: - Inquérito. Agravo Regimental. Sigilo bancário. Quebra. Afronta ao Artigo 5º - X e XII da CF;
Inexistência. Investigação criminal. Contraditório. Não prevalece. I - A quebra do sigilo bancário não afronta
o artigo 5º - X e XII da constituição Federal (Precedente: Pet. 577). II - O princípio do contraditório não
prevalece na fase inquisitória (HHCC 55.447 e 69.372; RE 136.239, inter alia). Agravo regimental não
provido"(STF, Rel. Francisco Rezek, Agravo Regimental em Inquérito nº 897-5, DJU 24.03.95, p. 6.806).
Ponderação da proporcionalidade/razoabilidade na quebra do sigilo, "verbis":
"... Ainda que sem conotação de regra absoluta, e especialmente à vista da situação registrada na espécie
destes autos - em que o direito individual à preservação do sigilo opõe-se a um bem jurídico de valor coletivo
(a primazia do interesse público subjacente à investigação penal, à persecução penal, à persecução criminal
e à repressão aos de ilícitos em geral) - torna-se relevante admitir, no que concerne à superação do conflito
entre direitos fundamentais, a adoção de um critério que, fundado em juízo de ponderação e valoração (J.J.
Gomes Canotilho, "Direito Constitucional", p. 660/661, 5ª Ed., 1991, Livraria Almedina, Coimbra; José Carlos
Vieira de Andrade, "Os Direitos Fundmentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 220/224, 1987,
Livraria Almedina, Coimbra), faça prevalecer, em face das circunstâncias concretas, o direito vocacionado à
plena elucidação da verdade real e da pesquisa referente aos fatos qualificados pela nota da ilicitude penal
(...). Desse modo, nada impede que, instaurado o inquérito policial - e observadas as cautelas determinadas
pelo nosso ordenamento normativo -, seja decretada a quebra do sigilo bancário, sem necessidade, em tal
situação, de prévia audiência do indiciado." (STF, Rel. Celso de Melo, Agravo Regimental em Inquérito nº
897-5, DJU 24.03.95, p. 6.806).
Ainda o Exmo. Min. Celso de Mello, "verbis":
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"O direito à inviolabilidade dessa franquia individual - que constitui um dos núcleos básicos em que se
desenvolve, em nosso País, o regime das liberdades públicas - ostenta, no entanto, caráter meramente
relativo. Não assume e nem se reveste de natureza absoluta. Cede, por isso mesmo, às exigências impostas
pela preponderância axiológica e jurídico-social do interesse público ..."
Ainda que sem conotação de regra absoluta, e especialmente à vista da situação registrada na espécie
destes autos - em que o direito individual à preservação do sigilo opõe-se a um bem jurídico de valor coletivo
(a primazia do interesse público subjacente à investigação penal, à persecução penal e à repressão aos
delitos em geral) - torna-se relevante admitir, no que concerne à superação do conflito entre direitos
fundamentais, a adoção de um critério que, fundado em juízo de ponderação e valoração(J.J. Gomes
Canotilho, ?Direito Constitucional?, p. 660/661, 5ª ed., 1991, Livraria Almedina, Coimbra; José Carlos Vieira
de andrade, ?Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976?, p. 220/224, 1987, Livraria
Almedina, Coimbra), faça prevalecer, em face das circunstâncias concretas, o direito vocacionado à plena
elucidação da verdade real e da pesquisa referente aos fatos qualificados pela nota da ilicitude penal ... (STF
, Inquérito nº 895-5)
Também é de ver-se que, freqüentemente, o próprio investigado, explicita ou implicitamente, renuncia ao
sigilo(art. 1º, §3º, V, da LC nº 105/01).
Explicitamente, quando, v.g., intimado pela Receita Federal a apresentar os dados bancários, justifica o
retardamento aduzindo cópia de requerimento à instituição bancária, solicitando a documentação.
Implicitamente, quando invoca os dados bancários como tese de defesa.
Recursos públicos, gravados que estão pela publicidade(art. 37, "caput", da Constituição), permite-se ao
Ministério Público requisitar os dados diretamente à instituição bancária(STF, MS 21.729-RJ, Rel. Min. Néri
da Silveira, DJU 19.10.01, Informativo do STF nº 246). Posição essa, já adotada administrativamente pelo
Banco Central(Despacho 2005/06140/PGBCB/GABIN, de 7 de novembro de 2005, do Procurador-Geral do
Banco Central, ao aprovar o Parecer 2005/00474/PGBCB/PR3SP, de 25 de outubro de 2005).
Sonegação fiscal. Investigação mediante cruzamento de dados com a CPMF. Legalidade:
"O recurso está assentado em alegação de ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla
defesa, bem como na inexistência de crédito tributário constituído, suficiente para configurar crime de
sonegação fiscal. Além disso, está sustentado na impossibilidade da utilização dos informes pertinentes à
CPMF para servir, em relação ao ano de 1988, à constituição de outros tributos. Isso posto, a Turma
entendeu que esses informes podem ser utilizados, visto que o interesse público prevalece sobre o do
particular e que o invocado o art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311/1996 veda a utilização dessas informações para
fins de constituição de crédito fiscal e não para averiguar delito fiscal. Além do que o recorrente está a ser
investigado em segredo de justiça porque movimentou recursos financeiros em montante discrepante com
aqueles declarados ao Fisco, no período considerado, o que indica hipótese de sonegação fiscal.
Precedentes citados: RHC 10.785-SP, DJ 20/5/2002, e MC 5.512-RS, DJ 28/4/2003. RMS 15.922-SC, Rel.
Min. Paulo Medina, julgado em 25/11/2003. - Informativo do STJ nº 193
Quebra de sigilo à investigação da improbidade(Lei nº 8.429/92). Possibilidade: STJ, ROMS 15771/SP, Rel.
Min. José Delgado, 27.05.03 - Rec. Esp. 996.983-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, 18.06.09, Informativo do
STJ nº 399).
"Sigilo Bancário e Ministério Público: da Necessária coabitação entre as Leis Complementares 105/01 e
75/93." (Luciano Feldens, Procurador da República no RS, in Boletim dos Procuradores da República nº 56,
www.anpr.org.br.
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"Inoponibilidade de sigilo bancário contra o MPF: processo de auditoria em licitações do Banco do Brasil
?(José Roberto Pimenta Oliveira, Procurador da República em SP, in Boletim dos Procuradores da
República nº 64, www.anpr.org.br.
I.VIII - DO FORO PRIVILEGIADO
Na Monarquia, o Estado é encarnado pelo Príncipe, que é a expressão terrena da autoridade divina.
Em Roma, sentenciava-se que o Príncipe está isento da observância da lei: "Princeps lege solutus est".
Mais! Além de estar isento ao cumprimento da lei, o que agrada o Príncipe tem força de lei: "quod principi
placuit habet legis vigorem"
Na França, Luís XIV celebrizou: "L'État c'est moi" (O Estado sou eu).
O Rei é incapaz de delinqüir: "the king can do no wrong".
"...porque o Rey he Lei animada sobre a terra, e pôde fazer Lei e revogal?a , quando vir que convem
fazer?se assi".(Ordenações Filipinas, Livro 3, título 75).
A Constituição do Império do Brasil, 1824, bem sintetiza a irresponsabilidade do monarca, "verbis":
"Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma".
Mesmo Montesquieu, célebre pela teorização da tripartição dos poderes, integrante que era da nobreza,
pregou o foro privilegiado, explicitando seu caráter classista, "verbis":
"Os grandes estão sempre expostos à inveja e, se fossem julgados pelo povo, poderiam encontrar-se em
perigo e não gozariam da garantia que, em um estado livre, é devida até ao mais humilde dos cidadãos, de
ser julgado por seus pares. É necessário, portanto, que os nobres sejam denunciados não diante dos
tribunais ordinários da nação, mas diante daquela parte do legislativo que é composta por nobres".("apud",
Luigi Ferrajoli, Diritto e Ragione, p. 673).
Na Inglaterra, Carta Magna de 1215, consagrando o julgamento pelos confrades sociais, bem assim a
proporcionalidade da pena, "verbis":
"Earls and barons shall be fined only by their equals, and in proportion to the gravity of their."
Em sentido oposto, a República tem na responsabilidade do agente público um de seus esteios.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França/1789, por sua vez, bem resume a
responsabilidade republicana, "verbis":
"15. A sociedade tem o direito de pedir, aos agentes públicos, as contas de sua administração."
Intimamente vinculado à possibilidade de responsabilizar os Agentes Políticos pelos seus desvios(vide
tópico DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA/ CORRUPÇÃO) está o debate sobre o foro
em que eles serão processados.
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103/265
No Brasil, grande parte de sua elite econômica edificou seu império mercê de relações promíscuas com o
Estado, privatizando o lucro e socializando o prejuízo.
A Sociologia é pródiga em idôneos atestados dessa realidade. "Os Donos do Poder", do imortal Raimundo
Faoro, intelectual extraordinário, indômito Presidente da OAB nos "anos de chumbo", é clássico do gênero.
Na obra, Raimundo Faoro, invocando o Padre Vieira, reporta-se ao caráter crônico, congênito à
administração pátria, da rapinagem, "verbis":
"Perde-se o Brasil, Senhor(digamo-lo numa palavra), porque alguns Ministros de sua Majestade não vêm
buscar o nosso bem, vêm cá buscar os nossos bens."(Sermão, Padre Vieira, "apud", Raimundo Faoro, Os
Donos do Poder, Globo/POA, 1976).
Estas relações corruptas do Estado Brasileiro, locupletando a fazenda privada mediante a pilhagem da
fazenda pública, tanto diretamente, sendo notório o astronômico fausto de agentes políticos que adentraram
a vida pública franciscanamente, quanto indiretamente, com os ímprobos favores que foram obsequiados
aos particulares pelos prepostos da "res publicae"(v.g., financiamentos oficiais, privilégios em
concessões/contratações de serviços/obras públicas, privatizações, etc.), atinge ímpar "status" de lesividade
à defesa social.
Segundo a 'Transparency International', em 2007, examinados 180 países, o Brasil ocupa o 72º lugar no '
ranking' dos mais corruptos, maior percepção de corrupção. A metodologia, segundo a própria ONG,
consiste em 'pesquisa de pesquisa', que une desde avaliação de especialistas até opiniões de pessoas que
realizam negócios nos países avaliados, notadamente quando interagem com serviçõs públicos. Na
América Latina, o Chile está em 22º lugar e o Uruguai em 25º. Numa escala de zero(mais corrupto) a
dez(menos corrupto), a pontuação brasileira foi 3,5(Folha de São Paulo, 27.09.07).
A "ratio essendi" das imunidades está na preservação da indispensável liberdade no exercício do múnus e,
em contrapartida, pela simetria entre o "status" do órgão julgador e a autoridade julgada, assegurar a
independência do julgamento.
Na primeira razão, garantir o livre exercício do cargo, está a imunidade material, impossibilidade de serem
acionados, e a imunidade processual, estabelecendo-se especiais condições de procedibilidade, a exemplo
do conferido aos Membros do Congresso Nacional(art.53, "caput" e §3º, da Constituição) e ao Presidente da
República(art. 86, §§3º e 4º, da CRFB).
Na segunda razão, estaria o foro por prerrogativa de função, "ratione oficii".
Entretanto, na prática, a teoria é outra. O foro especial é estuário da impunidade.
Convenção da ONU contra a corrupção(Decreto nº 5.687/06), art. 30, "verbis":
"Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias para estabelecer ou manter, em
conformidade com seu ordenamento jurídico e seus princípios constitucionais, um equilíbrio apropriado entre
quaisquer imunidades ou prerrogativas jurisdicionais outorgadas a seus funcionários públicos para o
cumprimento de suas funções e a possibilidade, se necessário, de proceder efetivamente à investigação, ao
indiciamento e à sentença dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção."
No Brasil, com exceção que apenas confirma a regra, a banalização do foro privilegiado tem servido para
emprestar aos ímprobos mecanismos de triagem de seus julgadores e, principalmente, acusadores(vide
tópicos DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL e DA JURISDIÇÃO - vide, também, "Da Inconstitucional
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104/265
Hipertrofia do Procurador-Geral da República", Boletim dos Procuradores da República nº 55,
www.anpr.org.br).
O exercício da ação penal contra todas as pessoas com foro privilegiado nas Cortes Superiores, STF, STJ e
TSE, está ao alvedrio do Procurador-Geral da República, desarmada a defesa social da obrigatoriedade da
ação penal(ação "ad nutum" do titular, na prática, é faculttiva) e o imputado do devido processo
legal(imparcial promotor natural).
Assim, Presidente da República e respectivo Vice, Ministros de Estado, Governadores dos Estados,
Comandantes do Exército Marinha e Aeronáutica, Membros do Congresso Nacional, TCU, TCE?s, STF,
STJ, TSE, TST, TRF?s, TRE?s, TRT?s, TJ?s, Membros do MPU que oficiam perante tribunais, etc. têm a
penalização - ou não(!) - entregue, exclusivamente, ao Chefe do MPU.
Enfim, todas as altas autoridades do Estado Brasileiro, perfazendo milhares("sic") de pessoas que exercem
cargos públicos, no Executivo, Legislativo, Judiciário, Tribunal de Contas, Ministério Publico, a quem a
Sociedade confia a tutela da "res publica", sua condução com a necessária probidade, tem sua
responsabilização ou não exclusivamente à mercê do Procurador-Geral da República.
Sua atuação, positiva ou negativa, quando não encarnada por ele próprio, é delegada, "intuito personae", ao
Suprocurador(a)-Geral que bem lhe aprouver, ausente qualquer distribuição impessoal. Vigente ainda a
vetusta - própria da subordinação hierárquica do Executivo, avessa à independência funcional, "ratio essendi
" do Ministério Público - atuação de Suprocurador(a)-Geral como assessor/delegatário, oportunidade em que
por ele formulada a peça, v.g., denúncia, arquivamento, promoção, etc., deve colher o "de acordo" do Chefe
do MPU. Chega-se ao extremo da designação "ad hoc", na qual o Subrocurador(a)-Geral que oficia em
determinado ato, retornado o processado do Poder Judiciário à Procuradoria-Geral, o Chefe do MPU
redireciona-o a Membro diverso.
Hipertrofia que culmina com a equivocada hermenêutica da imunidade dos atos à revisão, v.g., não
admitindo-se ao STF/STJ/TSE rejeitarem pedido de arquivamento do Procurador-Geral, submetendo a
matéria a nova "opinio delicti" por órgão colegiado do Ministério Público Federal.
Depois do notável Dr. Aristides Junqueira que, sob os tormentos da era Fernando Collor, ostentou
memorável brio e dignidade, no extenso período do Exmo. Presidente FHC repetiram-se os mandatos em
idêntica pessoa. Sua atuação(omissão) valeu-lhe o título de "Engavetador-Geral da República", epíteto que
infelizmente o perpetua na história(pesquisa www.google.com.br, digitando "engavetador-geral").
Vide, exemplificativamente, "Fatos Caracterizadores de Corrupção Ativa e Passiva - Caso Collor/Construtora
Xingo -" PC Farias, Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República, in Boletim dos Procuradores
da República nº 20, www.anpr.org.br.
Não é uma crítica injuriosa, tampouco pessoal, mesmo porque, embora sucumbindo ante o grave estigma,
sua administração teve inúmeros e vultosos méritos, a exemplo da preservação da independência funcional
da 1ª instância, prerrogativa tantas vezes lesada por Procuradores(a)-Gerais de Justiça dos Estados.
É a constatação de um fato notório(art. 334, I, do CPC). Contra fatos, especialmente os notórios, não há
argumentos.
No Governo FHC, a única dúvida era saber se o escândalo de amanhã seria ou não maior que o de ontem e
o de hoje. A corrupção, escrachado desvio(v.g., privataria das estatais, etc.), era banal, quotidiana.
O Dr. Geraldo Brindeiro, à frente do Parquet por 08 anos(1995/2003) não apresentou uma denúncia sequer
ao STF contra o foro privilegiado(Jornal Valor Econômico, 31.03.08).
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105/265
No Governo Lula, nomeado o Dr. Claudio Fonteles com endosso dos membros do Ministério Público
Federal, os quais, em consulta formulada pela respectiva associação de classe(ANPR), o indicaram entre os
mais cotados, teve atuação escorreita, autêntico desengavetador-geral.
Em dois anos titulando a Procuradoria-Geral, Cláudio Fonteles requereu abertura de 44 inquéritos e
ofereceu 58 denúncias perante o STF(Jornal Valor Econômico, 31.03.08).
Dr. Fonteles foi brilhantemente sucedido pelo Dr. Antonio Fernando de Souza, igualmente também aclamado
em consulta aos Membros do MPF, cujo mandato, colhido pelo furacão da corrupção do Governo Lula(CPI
dos Correios, etc.), foi marcado por discrição, imparcialidade e incisão notáveis.
Desde julho/2005, Antonio Fernando requereu instauração de 120 inquéritos e ofertou 33 denúncias junto ao
STF(Jornal Valor Econômico, 31.03.08).
Deixou órfão Ali Babá, denunciando 40 perante o STF, entre eles, o Presidente do PT José Genuíno, o
tesoureiro Delúbio Soares, Ministro Chefe da Casa Civil, Deputado Federal, ícone do PT, José Dirceu,
Ministro das Comunicações Luiz Gushiken, Deputado Roberto Jefferson, publicitário Marcos Valério, etc("
Dos mensaleiros à ?quadrilha dos 40? - Folha de São Paulo, 04.06.06).
Pela primeira vez na sua hisória, em sede de competência originária, aparelhando a apuração, o STF
determinou a prisão processual de alguém. Figuras expressivas, entre elas, o renomado processualista e
Des. José Eduardo Carreira Alvim(TRF/3ª), investigação que teve por objeto a corrupção em tutelas judiciais
em favor da jogatina(bingos e caça-níqueis), também implicado o Min. do STJ Paulo Medina('Operação
Furação').
A propósito, o melhor do Governo Lula são as nomeações na área judiciária. Incomparáveis, v.g., com as de
FHC. A qualificação técnica e, principalmente, ética dos nomeados por Lula à composição do STF,
Procurador-Geral da República, etc. são largamente superiores.
Exceção à nomeção de Dias Toffoli ao STF, sabidamente advogado sem notório saber jurídico - no seu
currículo, duas reprovações em concurso a Juiz de Direito em SP -, galgado o posto pela fidelidade ao
Governo do PT, tendo atuado nas cortes eleitorais em prol do partido. Estreando no STF no caso do
mensalão mineiro, implicado Eduardo Azeredo: 'para isentar tucano, Toffoli usa defesa dos petistas no
mensalão'(Folha de São Paulo 04.12.09).
À sucessão de Antonio Fernado na Procuradoria-Geral da República, Lula nomeou Roberto Gurgel, 1º
colocado em consulta aos Membros do Ministério Público Federal, seguindo idêntica atuação de seu
antecessor.
Nos Estados, embora a lista tríplice à Chefia do Parquet seja salutar(rt. 128, §3º, da Constituição),
contemporizando subordinação aos Governadores(a), a experiência demonstrou claro alinhamento dos
nomeados aos respectivos Chefes do Executivo. Muitos candidatos à lista fazem campanha entre seus
pares, sensibilizando-os precisamente ao argumento de que são os mais simpáticos ao Governador(a),
abrindo portas às conquistas da categoria(remuneração, estrutura funcional, etc.).
No Estado do RS, v.g., exitosa campanha dessa natureza foi levada a cabo por intelectualizado Procurador
de Justiça, então cargo de confiança do Governador. Encerrado o mandato do Chefe do Executivo, também
inativou-se o Chefe do Parquet, passando a advogar em escritório cuja especialidade, entre outras, é a
defesa de empresas estatais privatizadas e concessionárias de serviço público mercê de atos daquele
governo. Mais! O Exmo. ex-Governador, bacharelando em Direito, passou a estagiar na portentosa banca.
São Paulo, v.g., descobriu as improbidades dos Governos Quércia e Fleury apenas quando Mário Covas
ascendeu ao poder.
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Ainda no RS, o Governo do PT, cuja gestão da Segurança Pública foi desastrosa - razão crucial da derrota
eleitoral em 2002, tanto que o próprio candidato situacionista, o excelente Dr. Tarso Genro, na campanha,
prometia radicais alterações no setor - foi contemplada com o sepulcral silêncio do Exmo. Procurador-Geral
de Justiça.
As conclusões da CPI da Segurança Pública/RS, mesmo descontados apontamentos notoriamente produto
da maioria oposicionista e segmentos corruptos do aparelho de Estado, inusitadamente, foi objeto de célere
e unívoco arquivamento em relação às figuras mais expressivas do governo, no qual, não apenas as
matérias privativas do Chefe do Parquet, incluindo as atinentes a outros órgãos da instituição, tiveram
findada a persecutio criminis.
"Beneficium accipere libertatem vendere est": aceitar um favor é vender a liberdade!
Nas demais Unidades da Federação, o diapasão não destoa da uníssona nota.
Contrarimente ao âmbito federal(STJ e STF), nos Estados, há mecanismo de controle dos
Procuradores-Gerais de Justiça, Lei nº 8.625/93, art. 12, afetando ao Colégio de Procuradores de Justiça,
"verbis":
"XI - rever, mediante requerimento de legítimo interessado, nos termos da Lei Orgânica, decisão de
arquivamento de inquérito policial ou peças de informação determinada pelo Procurador-Geral de Justiça,
nos casos de sua atribuição originária";
Todavia, na prática, há pouca, quase nehuma, sindicância sobre os PGJ?s dos Estados. Requerem
arquivamento direto aos Tribunais de Justiça.
Note-se que, embora a rotineira delinqüência contra a "res publicae", no âmbito da jurisdição originária do
STF, sequer há registro de agentes políticos que tenham sido investigados, denunciados, condenados e
cumprido pena pelos seus desvios.
"Eleição para o Congresso ajuda político sob suspeita. Parlamentares só podem ser investigados pelo STF,
que nunca condenou nesses casos."(Folha de São Paulo, 26.06.06). "Nos últimos 10 anos, o STF ...
concluiu apenas 20 ações contra as autoridades. Nenhuma delas, entretanto, foi condenada"(Correio
Braziliense, 07.01.07).
A AMB(Associação dos Magistrados do Brasil), em 05.07.07, divulgou criteriosa pesquisa que procedeu
perante os tribunais superiores, STJ e STF. Desde a vigência da atual Constituição, decorridos cerca de 20
anos, nenhuma autoridade foi condenada pelo STF e apenas cinco pelo STJ. Das 130 ações penais
deduzidas junto STF, apenas seis foram julgadas, 13 prescreveram e 46 foram declinadas a instâncias
inferiores. No STJ, das 483 ações criminais ajuizadas, 71 prescreveram e 126 declinadas a graus inferiores.
No juízo de recebimento da denúncia, instauração da ação penal, aonde sabidamente deve prevalecer o "in
dubio pro societate", sobreleva o "in dubio pro corruptus".
Esta verdade avulta contundentemente demonstrada no cotejo de dois episódios crucias.
Na apuração do "affair" entre a estagiária Mônica Levinski e Bill Clinton, então Presidente dos EUA, País
mais poderoso do planeta, não obstante tratar-se de questão íntima - "mamou ou não mamou?! - de escassa
ou nenhuma agressão à "res publicae", o Chefe de Estado foi submetido à jurisdição de uma Juíza Federal
de 1ª instância.
No Brasil, onde ninguém buscaria devassar intimidades do Príncipe - devassando-se, tão somente, a
devassidão com a coisa pública, consoante acenava a 1ª instância judiciária -, o final do Governo FHC,
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avalizado pelo conivente silêncio do nascituro Governo Lula, foi pautado pela desmesurada obsessão em
repristinar o foro privilegiado a ex-agentes políticos.
A Suprema Corte cancelara a Súmula nº 394 em 25.08.99(vide Informativo do STF nº 159), fundamentando,
corretamente, que o foro privilegiado, tendo sua "ratio essendi" na dignidade do cargo, não na pessoa de
seu titular, uma vez já não no exercício da função pública, inexistiria razão à sua manutenção a processos
posteriores, não obstante que por atos pretéritos "ex officio".
O Governo FHC, acometido da "síndrome Carlos Menen" - Presidente da Argentina, preso após o mandato mobilizou todas as forças nessa campanha.
No âmbito do Judiciário, STF, em acintosa afronta à centenária jurisprudência, no sentido que as
competências da Suprema Corte estão exaurientemente elencadas na Constituição da República, não
podendo o legislador ordinário delas dispor, suscitou-se a competência originária mesmo à ação cível, de
improbidade(vide Informativo do STF nº 291).
Na defesa do foro privilegiado à improbidade, destaca-se o Exmo. Min. Gilmar Mendes
À época em que, v.g., editou-se a Medida Provisória nº 2.088-35, 27.12.00, instituindo-se a esdrúxula
reconvenção do réu contra o Órgão do Parquet que ousasse judicializar as improbidades, o Exmo. Min.
Gilmar Mendes titulava crucial cargo de confiança/importância daquele Presidente, na prática,
maestro/inspirador das estratégias jurídicas do Governo FHC, tanto que aquinhoado pelo Chefe do
Executivo com nomeação à Suprema Corte.
A propósito, afora seu "... notório saber jurídico ..."(art. 101, "caput", da Constituição), o Exmo. Min. Gilmar
Mendes ostenta biografia de irrepreensível fidelidade aos diversos governos dos quais titulou cargos de
confiança, bastando lembrar que paladinou contra o impeachment do Presidente Fernando Collor até a
undécima hora.
Sabedor que o poder inadmite vácuo - "Rei morto, Rei posto"! - e que a sobrevida de seus caudatários está
na razão direta do seu dinâmico fisiologismo, de inopino, o Exmo. Min. Gilmar Mendes aderiu ao PSDB,
quando da era Collor, oposição ao governo que então ele defendera.
Sobre as nomeações do Governo FHC no Judiciário, emblemática a confissão - explicitada em vários
periódicos e, principlamente, frente ao Senado da República - de Eduardo Jorge Caldas Pereira, Exmo.
Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, tesoureiro de companha da reeleição de
FHC bem assim da condidatura à presidência de Geraldo Alkmin, justificando sua sólida relação com o Juiz
Nicolau dos Santos Neto - "Lalau" -, co-autor da corrupção que desviou R$ 169 milhões na construção do
TRT/SP, asseverando que "... todos os meus contatos com o juiz foram sobre indicação de nomes para a
Justiça Trabalhista de São Paulo e outros assuntos de ordem político-institucional ..."(Jornal Valor
Econômico, Jornal Correio Braziliense, etc.)
O Próprio Presidente FHC ratificou dizendo: "... no que eu sabia, o Eduardo Jorge se envolveu na questão
dos tribunais do trabalho, não só no de São Paulo, para que eles fossem bem informados sobre o plano e
não decidissem contra o Real ..."(Revista Isto É)
Em suma, "Lalau", época na qual também o atual Exmo. Min. Gilmar Mendes era o expoente jurídico do
Governo FHC, foi o jurisconsulto do Príncipe à designação dos Juízes(a) da República!
Por seu turno, a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico objetivando materializar provas mais objetivas
do tráfico de influência de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vício demonstrado por vários outros fatos - no
Senado da República ele próprio afirmara: "... Não faço lóbi. Sou contratado apenas para explicar às
empresas como funciona o governo ...."(Revista Isto É, Folha de São Paulo, etc.) -, requerida pelo Ministério
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Publico Federal, através do Procurador Luiz Fancisco de Souza, foi abortada pelo STJ ainda em
setembro/2001, remanescendo no limbo até 28.10.05("sic" - vide tramitação da Reclamação nº 961/DF Processo 2001/0090290-8 - consultando www.stj.gov.br).
Justificou-se a suspensão da quebra sob o argumento de que um dos co-requeridos, irmão de Eduardo
Jorge, Marcos Jorge Caldas Pereira, ostentaria foro privilegiado frente ao STJ já que era suplente de Juiz do
TRE/DF, não obstante - consoante contraditoriamente admitiu o próprio então Presidente do STJ, prolator da
liminar -, jurisprudência mansa e pacífica asseverasse que suplente, substituto eventual, não goza de foro
privilegiado.
Não fosse o bastante, deferida a liminar, o Parquet Federal desistiu das quebras de sigilo em relação a
Marcos Caldas, razão invocada pelo STJ ao foro privilegiado.
Inusitadamente, não foi aceita a desistência("sic").
Tal qual o vinho que envelhece, matura-se, nas pipas das cantinas, o processo amadureceu nas gavetas do
STJ até que, no advento de 2003, por obra e graça da nomeação de FHC já no apagar das luzes de seu
Governo, Marcos Jorge Caldas Pereira assumiu a titularidade do TRE/DF. Entrementes, a Lei nº 10.268/02,
também parida pelo Governo FHC, ungiu com foro privilegiado o próprio Eduardo Jorge.
Em tempo: FHC nomeou 21 dos 30 Ministros do STJ.
Entrementes, Eduardo Jorge e de algumas vozes da Imprensa que o ecoam - pretextando fazer "mea culpa"
de denúncias infundadas - reclamam sua inocência, pois até hoje o Ministério Público nada provou contra
ele. De fato, obstruída a investigação pelo Parquet, remanesce a presunção de inocência.
Conhecida a máxima que simboliza a independência do Judiciário em relação ao Executivo(Príncipe): ?Há
Juízes em Berlim".
Frederico II, o Grande (1712-1786), Rei da Prússia, desejava comprar o moinho que o impedia de alargar o
parque de Sans-Souci, mas o moleiro mantinha-se irredutível em não querer cedê-lo por nenhum preço. O
rei deu-lhe a entender que podia forçá-lo à venda, recebendo então a resposta que ficou nos anais da
história, consignando a confiança na independência do Judiciário: "Há Juízes em Berlim!"(vide
www.jus.com.br)
FHC, triunfalmente, pode dizer: tenho Juízes em Brasília?!
No Parlamento, avalizado pelo nascituro Governo Lula - constrangido pela profanação do discurso que o
elegera - gestou-se a edição da Lei nº 10.626/02, cujo despudor permitiu-lhe até mesmo regular ação de
improbidade no CPP.
A inconstitucionalidade da Lei nº 10.626/02foi ratificada por destacados segmentos do Poder Judiciário, a
exemplo do Órgão Especial do TJ/SP. O STJ, pela sua Corte Especial, rejeitou a argüição de
inconstitucionalidade(APn 247-SP, 10.11.03, APn 282-AC, 04.02.04, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Informativo do
STJ nº 197). Finalmente, em 2005, o Supremo Tribunal Federal fulminou(ADI-2860, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, Informativo do STF nº 401).
O imbróglio da inconstitucionalidade disseminou a impunidade!
Algumas Cortes(v.g.,TJ/RS), por anos, mantiveram suspensas, paralisadas as ações de improbidade até a
definição do STF. No "decisum" final, o STF gravou a inconstitucionalidade com efeitos "ex tunc", de forma
que todas as ações penais(ex-autoridades) e de improbidade que tramitaram no foro privilegiado(consoante
dispunha a Lei nº 10.626/02) foram anuladas(STF, HC 86398/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07.03.06,
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Informativo do STF nº 418).
Assim, na persecução ao colarinho branco, o foro privilegiado ascende a status de especial relevância.
"A competência especial por prerrogativa da função não se estende ao crime cometido após a cessação
definitiva do exercício funcional."(Súmula nº 451 do STF).
Cometido o delito antes do exercício do cargo que atrai a competência especial, durante o exercício do
múnus a persecução deve subordinar-se à jurisdição originária do foro privilegiado. Cessado o exercício
funcional, retorna o processado à 1ª instância(STF, RTJ 121/423 - STF, RT 619/365 - STF, JSTF 188/354).
Estando em curso processo quando investido do foro privilegiado(v.g., diplomação a Deputado Federal),
todos os atos já praticados são válidos(v.g., recebimento da denúncia, instrução processual, etc.), de
imediato, todavia, devendo o processado seu declinado ao foro privilegiado. Entretando, já sentenciado em
1ª instância, falece competência à jurisdição especial, retornando ao órgão recursal próprio(v.g., diplomação
do Parlamentar quando ele já fora condenado em 1º grau, pendente de apelação já interposta - STF, JSTF
178/377-8).
Havendo conexão ou continência com a imputação a quem ostenta foro privilegiado, todos os partícipes e
co-autores serão submetidos àquela instância especial(STF, HC 68.846-2, JSTF 165/297).
Invocando-se a necessária efetividade da persecução penal, considerado o excessivo número de réus e de
incidentes processuais, determinou-se a cisão, permanecendo na instância especial apenas o titular do foro,
desmembrando o processado em relação aos co-réus que seguem respondendo na 1ª instância(STF: AP
336/TO, Rel. Min. Carlos Velloso, 01.09.04, Informativo do STF nº 359 - STJ: AP nº 549/SP, Rel. Min. Félix
Fischer, 20.05.09, Informativodo do STJ nº 395).
Todavia, no rumoso episódio do "mensalão"(CPI dos Correios), denunciados 40, o STF negou a cisão, não
obstante apenas 06 mantivessem status do foro privilegiado(Inq. 2245/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
09.11.06, Inf. do STF 447).
O foro privilegiado prevalece até mesmo nas competências afetas ao Tribunal do Júri(STF, JSTF 223/271).
Todavia, existindo co-réus sem foro privilegiado, haverá cisão, sujeitando-se aqueles ao Tribunal do Júri e o
agente político à instância especial(STF, HC 69.325-3, JSTF 175/346 - STJ: Reclamação nº 2.125-CE, Corte
Especial, Rel. Min. Hamilton Carvalhinho, 03.12.08, Informativo do STJ nº 379).
Não obstante licenciado do cargo que confere-lhe o foro privilegiado, titulando múnus diverso(v.g., Deputado
Federal no exercício de Secretário de Estado), mantém-se a sujeição à instância especial(STF, JSTF
184/379; JSTF 181/337 - STF, Inq. 780-3-TO-DJU de 01.10.93, p. 20.211-2).
A aferição da implicação ou não da pessoa com prerrogativa de foro, incluindo as conseqüências do
exame(v.g., cisão, processando-se em separado partícipes sem a prerrogativa ou processamento conjunto
também desses na superior instância, etc.) está afeta à competência do Juízo Ad Quem (STF, Recl
1258-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 20.09.00, Informativo do STF nº203).
Arquivada a persecução em relação ao agente com foro privilegiado, devolve-se à 1ª instância para
examinar a implicação dos demais partícipes(STF, RTJ 51/1).
Prática de ato por substituto eventual, v.g., Vice-Governador, Secretário de Estado substituto, não enseja
foro privilegiado(STJ, Recl. 980-AP, Rel. Min. Asfor Rocha, 06.03.02,Informativo do STJ nº 125 - STJ, RT
684/376)
Art. 9º da Lei nº 8.038/90(delegação de atos instrutórios à 1ª instância). Os atos decisórios, v.g., quebra de
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sigilo bancário são indelegáveis ao Juízo "A Quo"(STJ, Inq. 366-DF, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro,
07.05.03, Informativo do STJ nº 171). A delegação dos atos de instrução, por sua vez, é constitucional(STF,
HC 82.111-RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, Informativo do STF nº 285).
A manutenção do foro privilegiado, após o exercício do cargo, pertinente a ações perpetradas na sua
vigência(Lei nº 10.628/02), restringe-se aos atos "ex officio", mesmo que implicados recursos públicos(v.g.,
Deputado Federal envolvido em desvio de verbas da União repassadas a entidade por ele dirigida - STF,
Inquérito 718-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 308).
Magistratura e Parquet. A competência ratione personae prevalece sobre a ratione materiae(art. 96, III, da
CRFB). Assim, Juízes e Promotores que cometam delitos afetos à competência federal, são julgados pelos
respectivos Tribunais de Justiça(STF, HC 68.846-2, JSTF 165/297). Exceção feita aos delitos eleitorais e
conexos, inclusive do colarinho branco, prevalente a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais.
As demais autoridades, v.g., Prefeito Municipal, Secretário de Estado, Deputados(a) Estaduais, etc.
vinculam-se à simetria. Assim, no cometimento de crimes sujeitos à competência da Justiça Federal, estarão
submetidos ao julgamento originário pelos Tribunais Regionais Federais respectivos(STF, RT 745/479 - STF,
HC 68.967-PR, JSTF 177/340). Também exceção feita aos delitos eleitorais, incluindo os crimes conexos,
independente de sua natureza, a exemplo do colarinho branco, prevalente a competência dos Tribunais
Regionais Eleitorais(STJ, RSTJ 34/35).
Dado o poder de auto-organização judiciária dos Estados(art. 125, §1º, da Constituição), também pululam
foros privilegiados nas Cartas Estaduais, a exemplo dos Vereadores do Estado do Piauí, validamente
galgados à jurisdição originária do Tribunal de Justiça(STF, RT 741/515 - STF, JSTF 229/249).
Exceção feita às competência do Tribunal do Júri, contra as quais não prevalece o foro especial instituído
pela Constituição Estadual(STF, RHC 80477/PI, Rel. Min. Néri da Silveira, 31.10.00 - Súmula 721 do STF).
De grande relevância a impossibilidade de indiciar em inquérito policial detentor da prerrogativa de foro, cuja
investigação deve estar, 'ab initio', sujeita à judicialização(juizado de instrução) no respectivo tribunal, ou
seja, encetada pelo Procurador-Geral e acolhida pelo Judiciário, sem possibilidade de instauração de
inquérito, 'ex officio', pela Polícia Judiciária(Pet 3825 QO/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, 10.10.2007 Informativo do STF nº 483 - Inq. 2,411-MT, Rel. Min. gilmar Mendes, Inf. do STF nº 503).
O poder de dispor sobre foro privilegiado nas Constituições Estaduais também está vinculado à simetria da
organização federal. Assim, os vereadores podem ser contemplados uma vez que também o são os
parlamentares federais. Todavia, porque ausente privilégio no âmbito federal, inválido o benefício a outros
agentes públicos, como Delegados de Polícia, Procuradores do Estado, etc(STF, ADI 2587/GO, Rel. Min.
Maurício Corrêa, 15.05.02).
Avançando, o STF admitiu outorga de foro privilegiado, pela Constituição Estadual, aos Procurdores do
Estado e Assembléia Legislativa, bem assim aos Defensores Públicos, excluídos, dado o controle externo da
Polícia pelo Ministério Público, os Delegados de Polícia, "verbis":
"O Tribunal concluiu julgamento de ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT contra a alínea
e do inciso VIII do art. 46 da Constituição do Estado de Goiás, na redação dada pela EC 29/2001, que,
ampliando as hipóteses de foro especial por prerrogativa de função, outorgou ao Tribunal de Justiça
estadual competência para processar e julgar, originariamente, "os Delegados de Polícia, os Procuradores
do Estado e da Assembléia Legislativa e os Defensores Públicos, ressalvadas as competências da Justiça
Eleitoral e do Tribunal do Júri" - v. Informativos 340 e 370. Por maioria, acompanhando a divergência
iniciada pelo Min. Carlos Britto, julgou-se procedente, em parte, o pedido, e declarou-se a
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inconstitucionalidade da expressão "e os Delegados de Polícia", contida no dispositivo impugnado.
Entendeu-se que somente em relação aos Delegados de Polícia haveria incompatibilidade entre a
prerrogativa de foro conferida e a efetividade de outras regras constitucionais, tendo em conta,
principalmente, a que trata do controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público.
Considerou-se, também, nos termos dos fundamentos do voto do Min. Gilmar Mendes, a necessidade de se
garantir a determinadas categorias de agentes públicos, como a dos advogados públicos, maior
independência e capacidade para resistir a eventuais pressões políticas, e, ainda, o disposto no §1º do art.
125 da CF, que reservou às constituições estaduais a definição da competência dos respectivos tribunais.
Vencidos, em parte, os Ministros Maurício Corrêa, relator, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Carlos Velloso
que julgavam o pedido integralmente procedente, e Marco Aurélio e Celso de Mello que o julgavam
integralmente improcedente. ADI 2587/GO, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ acórdão Min. Carlos Britto,
1º.12.2004. (ADI-2587) Informativo do STF nº 372
Desde a Emenda Constitucional nº 35/01, abolida a prévia outorga do Parlamento ao processamento de
seus Membros, de imediato, retoma-se o curso da prescrição das persecuções cuja suspensão operara-se
pela negativa de autorização do Parlamento à ação criminal(STF, Inq 1.566-AC, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, Informativo do STF nº 261).
I.VIII.I -DA DEFESA
Regra geral, a Defesa irá pugnar pelo foro privilegiado.
Na instância especial, morosidade e impunidade é cardápio servido regularmente, assíduo prato do dia.
Há exceções, é claro. No Estado do RS, a diligência do TJ, constituindo câmara própria aos prefeitos,
abortou esses vícios(vide tópico I.II - DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL).
A Defesa, então, passou a vociferar contra ao foro que, em lugar de salientar-se pelo caráter privilegiador,
destacou-se pela instância única, desprovida que é, contrariamente ao 1º grau, de sujeição a recurso
ordinário, reexame probatório (apelação, recurso em sentido estrito, etc.), sabido que para as instâncias
extrordinárias(STJ e STF), impõe-se demonstrar lesão à lei federal e Carta Política.
Processado em 1º grau, tratando-se de nulidade absoluta, a Defesa também poderá ser reticente,
suscitando o vício apenas ao final, já vencido precioso tempo, senão à prescrição, à natural fragilização da
prova e disposição condenatória do julgador.
Por vezes, não obstante sem que o titular do foro esteja claramente sendo objeto da investigação(v.g.,
indiciamento em inquérito, quebra de sigilo bancário de suas contas pessoais, etc.) ou da
denúncia(explicitamente imputado), inclusive por estratégia da Polícia Judiciária e Ministério Público, visando
driblar os embaraços da instância especial, suscitando que a apuração esteja sobre os atos do agente
político, a Defesa pode requerer a subida ao Juízo "Ad Quem", conhecido que somente aquele é que
compete decidir da eventual implicação ou não(STF, Recl 1258-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 20.09.00,
Informativo do STF nº203).
Em suma, investigado/acusado 'laranja', o qual cavila sua própria responsabilidade penal para atrair ao seu
foro os demais.
I.VIII.II - DA ACUSAÇÃO
Afora as singulares situações onde a instância do foro privilegiado está aparelhada com Parquet, além de
atuante e independente, materialmente estruturado a empreender persecução idônea, de forma geral, a
Acusação buscará contornar a instância especial.
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Mesmo que seja para - jamais explicitando medidas diretas contra o titular do foro(v.g., indiciamento, quebra
de sigilo pessoal, seqüestro/arresto de bens, etc.) -, fazendo a investigação apenas gravitar sobre seus atos,
sugerindo esquadrinhar conduta de outrem(v.g., partícipes, assessores, etc.), valendo-se do natural
constrangimento que implicará ao agente político suscitar frente ao Juízo "Ad Quem" estar sendo
investigado, soando como espécie transversa de confissão, cuja repercussão quase sempre é negativa, uma
vez devidamente demonstrado o ilícito, apenas então enviar ao foro privilegiado o processado.
I.IX - DO SEQÜESTRO(ARRESTO/CONFISCO) DE BENS
"O bolso é o órgão mais sensível do corpo humano", consagra a máxima popular.
Além de hipersensíveis, especialmente no caso do colarinho branco, cujos bolsos, porque muito salientes,
abarrotados de pecúnia abiscoitada na delinqüência econômica, são órgãos hipertrofiados.
Portanto, alvos ostensivos à persecução penal. Embora seguidamente esquivos, fugidios, uma vez que
exilados(homiziados) no exterior, nos paraísos fiscais, "rectius", paraísos da delinqüência.
Convenção da ONU contra a corrupção(Decreto nº 5.687/06), art. 54, "verbis":
"Considerará a possibilidade de adotar as medidas que sejam necessárias para permitir o confisco desses
bens sem que envolva uma pena, nos casos nos quais o criminoso não possa ser indiciado por motivo de
falecimento, fuga ou ausência, ou em outros casos apropriados."
O bem jurídico mais caro ao colarinho branco, por excelência, "homo pecunia", são seus bens. Sua
subtração é a maior penalização.
Até hoje, não por acaso, o Legislador jamais regulamentou a pena da perda de bens preconizada pela Lex
Fundamentalis(art. 5º, XLVI, ?b?, da Constituição).
Embora por vezes equivocamente qualificada a sanção como perda de direitos e valores(v.g., 7º, I, da Lei nº
9.613/98), são hipóteses, puramente, de produto ou instrumento do delito(art. 91, II, do CP).
A perda de bens propriamente dita significa o confisco patrimonial do infrator independente da origem lícita
ou não dos bens, bem assim da legalidade ou não de sua disponibilidade(uso instrumental) pelo delinqüente.
O Judiciário, tal qual procede com a privação da liberdade, procedendo a dosimetria da segregação(art. 59
do Código Penal), determinará o confisco de acordo com a culpabilidade e a capacidade econômica do
condenado, cumprindo ao Legislador fixar os limites da pena, mínimo e máximo, em percentual do
patrimônio do condenado.
Entretanto, por ora, matéria "de lege ferenda".
De toda sorte, os instrumentos "de lege lata" emprestam efetividade à constrição patrimonial.
Afora as hipóteses em que o bem é "producta sceleris" ou "instrumenta sceleris"(art. 91, II, do CP; art. 125
do CPP; art. 4º da Lei nº 9.613/98, etc.), grande parcela do colarinho branco tem a Fazenda Pública como
vítima, permitindo-se acautelar a reparação do dano à "res publicae", sabido que, entre os efeitos da
condenação, é "tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime"(art. 91, I, do CP c/c art.
142 do CPP) .
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Além disso, a execução das penas de multa, regra geral gravosas(art. 60, §1º, do CP; art. 33 da Lei nº
7.492/86, etc.), destinadas que são também à Fazenda Pública(art. 51 do CP), igualmente são acauteláveis.
Nesse âmbito, tem-se os institutos do seqüestro e hipoteca legal de bens.
A rigor, seqüestro estaria reservado ao produto ou instrumento do delito, enquanto arresto às garantias da
reparação do dano, consoante sempre distinguiu o Código de Processo Penal Militar(arts. 199/219),
aplicável à jurisdição comum(art. 3º do CPP).
Sistematicamente, o seqüestro estaria afeto ao produto ou instrumento do crime(art. 125 do CPP; art. 4º da
Lei nº 9.613/98, etc), enquanto a hipoteca legal seria aplicável à garantia da reparação do dano sofrido pelo
ofendido(art. 134 do CPP; art. 1.489, III, do Código Civil).
Todavia, o Código de Processo Penal empregou também o seqüestro para acautelar a efetividade da
hipoteca legal(art. 136 do CPP), haja vista a natural demora do procedimento de sua especialização e
respectivo registro (arts. 1.489/1.498 do Código Civil).
A Lei nº 11.435/06, alterando o CPP, corrigiu, discernindo seqüestro de arresto.
De forma geral, o seqüestro(produto ou instrumento do delito) cabe na fase pré-processual, do inquérito(arts.
125/132 do CPP), enquanto a hipoteca legal(reparação do dano/arresto), tão somente no correr da ação
penal, pressupondo "... certeza da infração e indícios suficientes da autoria"(art. 134 do CPP), precisamente
os requisitos ao recebimento da denúncia.
Diretamente lesada(ofendida) a Fazenda Pública(v.g., corrupção) ou mesmo para acautelar o pagamento da
pena de multa, estará legitimado o Parquet a requerer a constrição(art. 142 do CPP).
Relevante destacar que, tratando-se de ofensa à Fazenda Pública, puramente reparação do dano(art. 91, I,
do Código Penal), contrariamente ao seqüestro do produto ou instrumento do delito(art. 91, II, do CP), não
controverte-se sobre a origem lícita ou não do bem indisponibilizado, eis que a questão restringe-se à
indenização, tão somente. Assim, não obstante de origem absolutamente legítima, os bens poderão ser
convertidos em garantia. Tecnicamente, arresto.
Na tutela ao erário, de fundamental importância o Dec.-Lei nº 3.240/41, cuja vigência está certificada(STJ,
Rec. Esp. 132.539-SC, Rel. Min. William Patterson, DJU 09.02.98, p. 48).
Identicamente relevante, especialmente nos delitos que envolvem agentes públicos, legitimando o
Ministerium Publicum às cautelares, as Leis nº 3.165/57 e 3.502/58, além, é claro, da Lei de Improbidade, nº
8.429/92.
Importante instrumento da Acusação é a inversão do ônus da prova, de modo que, uma vez seqüestrado o
bem, incumbe à Defesa o ônus de provar sua origem legítima(v.g., art. 4º, §2º, da Lei nº 9.613/98, etc.). A
Defesa, entretanto, suscitará a necessidade da conformação com Constituição, dada a presunção de
inocência(art. 5º, LVII, da Carta Política), "in casu", possivelmente ofendida.
Sendo medidas cautelares(assecuratórias - arts. 125/144 do CPP), urge demonstrar o fumus boni juris e o
periculum in mora.
No "fumus boni juris", o seqüestro do "producta" ou "instrumenta sceleris" estará na consistente
demonstração da origem ilegítima. Na hipoteca legal destinada à reparação do dano, especialmente quando
aparelhada com o seqüestro liminar, além do recebimento da denúncia(materialidade certa e indícios
suficientes da autoria), impõe-se apontar provas idôneas ao juízo condenatório, única hipótese em que a
constrição será ratificada ao final.
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No "periculum in mora", exige-se apontar razões objetivas à concreta ameaça de inocuidade da tutela
judicial final, na hipótese de não ser deferida a cautelar. No "instrumenta sceleris" não há o requisito, uma
vez que, independente da responsabilidade criminal ou não, de per si, sua posse é ilícita(art. 91, II, ?a?, do
CP). O "producta sceleris?, uma vez razoavelmente demonstrada sua matriz criminosa("fumus boni juris"),
basta evidenciar a possibilidade dos bens serem dissipados, sabido que, embora o acusado titular do seu
domínio seja absolvido, mesmo assim poderá ser expropriado, dado o direito de seqüela de quem é vitimado
por qualquer delito. A hipoteca legal, destinada à reparação dano(art. 91, I, do CP), é a mais rigorosa,
exigindo clara evidência de que a ausência da cautelar frustrará a recomposição.
A propósito do arresto/seqüestro/hipoteca legal de bens na sonegação fiscal, tratando do "modus operandi"
através de "off shore", ou seja, simulação da alienação de empresas que operam no território nacional a
sociedades sediadas em paraísos fiscais, objetivando ludibriar a exação tributária, vide "Tutela Criminal
Patrimonial", Boletim dos Procuradores da República nº 49, www.anpr.org.br
Sabida a transnacionalidade do lucro da delinquência, riqueza homiziada em diversos países, o Banco
Mundial em colaboração com a ONU, abordando os diveros sistemas judiciários, lançou um guia de boas
práticas para recuperação de ativos por alienação antecipada: vide
http://siteresources.worldbank.org/EXTSARI/Resources/NCBGuideFinalEBook.pdf
I.IX.I - DA DEFESA
Invocando a presunção da inocência, cujas medidas assecuratórias seriam nada mais que antecipação da
pena, repulsivas ao "due process of law", a Defesa argüirá a inexistência do "fumus boni júri?e "periculum in
mora" necessárias às cautelares.
Além disso, notadamente à hipoteca legal, garantia à reparação do dano, invocará o direito do
executado(cobrado) à exação pelo meio menos gravoso(art. 620 do CPC c/c art. 3º do CPP), alegando que
deveria sê-lo pelos instrumentos extrapenais, sejam administrativos ou judiciais cíveis(v.g., Lei nº 8.397/92).
Brandirá ainda que, uma vez absolvido, o imputado terá direito à indenização contra o Estado,
responsabilidade de todo aquele que obtém constrição cautelar posteriormente improcedente(art. 811 do
CPC c/c art. 3º do CPP e art. 37, §6º, da Constituição).
I.IX.II - DA ACUSAÇÃO
A Acusação, além de argüir a presença dos requisitos às cautelares, sustentará a adequação da medida, por
excelência a menos gravosa ao imputado, já que limitada ao aspecto patrimonial, preservado o "status
libertatis".
No mais, perorá pela efetividade da "persecutio criminis?, sabido que, uma vez escoado o processo até o
trânsito em julgado, raríssimas são as situações onde os danos materiais e o locupletamento advindos do
ilícito encontram execução idônea.
I.X - DA MATERIALIDADE
A condenação criminal é a resultante de uma soma de certezas.
Certeza da materialidade(existência do delito) e certeza da autoria do imputado.
A incerteza sobre qualquer delas faz certa a absolvição.
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A certeza da materialidade, contudo, é a mais rígida. Impõe-se "ab initio", já quando do juízo de delibação da
denúncia. A da autoria, somente ao final da instrução processual, bastando, quando da exordial acusatória,
apenas indícios idôneos.
A materialidade, o "corpus delicti", pode estar representada nos autos, a exemplo do laudo pericial que
atesta a morte violenta na imputação por homicídio doloso, ou presentada, como é a hipótese da moeda
falsa(art. 289 do CP), quando são juntados exemplares das cédulas, sem que isso permita prescindir de
perícia técnica que ateste a falsidade das notas.
Na preciosa definição de João Mendes, o exame de corpo de delito "... é o conjunto de elementos sensíveis
do fato criminoso ..."
O caráter crucial do exame, embora excepcionalmente possa sê-lo indireto, testemunhal(art. 167 do CPP),
sequer permite que seja suprido pela confissão(art. 158 do CPP).
De sua parte, a dificuldade do exame do "corpus delicti" está na razão direta da complexidade do delito.
De ver-se que o estatuto processual penal, quanto especifica providências ao "corpus delicti" de alguns
crimes, restringe-se ao de menor complexidade, como o furto, lesão corporal, homicídio, incêndio, etc.,
passando ao largo dos delitos econômicos(art. 158/184 do CPP).
No colarinho branco, dada a sofisticação, envolvendo complexas fraudes perpetradas mediante o apurado
manejo de artifícios da área econômica, contábil, jurídica, informática, política, etc.(vide tópicos DO "
MODUS OPERANDI"/PERFIL e DA JURISDIÇÃO), a perícia da materialidade exige proporcional
qualificação(v.g., manipulação do mercado de capitais, art.27 da Lei nº 6.385/76).
Não bastasse esse contundente entrave à certificação da materialidade, no colarinho branco, com idêntica
otimização em que praticado o crime, são eliminados os vestígios, provas, "corpus delicti", sabotando a
plenitude probatória necessária à condenação.
Ainda a propósito da fugidia materialidade do 'colarinho branco': a)'PF não consegue abrir arquivos de
Dantas - Criptografado, conteúdo de computadores apreendidos no apartamento do banqueiro no Rio não é
acessado pela perícia'('Operação Satiagraha', banqueiro Daniel Dantas - Opportunity, Folha de São Paulo,
22.09.08); b)lavagem de dinheiro em Blumenau/SC, "modus operandi" dólar-cabo, persecução promovida
pelo Procurador da República João Brandão Néto, destacando que o "mecanismo usa apenas o telefone e a
internet e não deixa vestígios"(Folha de São Paulo, 09.05.03).
Sabido que o 'colarinho branco' sujeita-se à sanção também na instância administrativa(vide tópico DA
(IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS), de ver-se que a prova daquele âmbito(v.g., presunção de receita caixa 2 - na sonegação fiscal, conforme prescreve o Regulamento do Imposto de Renda, art. 287 do Decreto
nº 3.000/99, arbitramento de receita, etc.) é insuficiente à jurisdição penal, onde rebate-se qualquer
presunção de responsabilidade criminal, antes pelo contrário, prevalecendo a presunção de inocência.
Inúmeras persecuções contra o colarinho branco sequer são objeto de denúncia, uma vez que sucumbem
ante a complexidade do delito somada às defecções de recursos humanos e materiais da Polícia Científica,
jamais logrando certificar a materialidade.
I.X.I - DA DEFESA
A Defesa pugnará pelo inexorável rigor quanto à materialidade, corolário do "due process of law".
Sustentará que a instrução pelos órgãos próprios de controle(vide tópico DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS
INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL) não supre a necessidade de perícia técnica(art. 159 do CPP).
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Inúmeros são as persecuções contra o colarinho branco anuladas por vício no atestado da materialidade,
procedido, não por órgão imparcial, mas pela própria vítima, a exemplo do BACEN nos delitos contra o
sistema financeiro.
I.X.II - DA ACUSAÇÃO
A Acusação sustentará que, tal qual todos os demais fatos, no que refere à materialidade, vigora o princípio
universal da liberdade da prova, inexistindo tarifação a respeito.
Tanto assim, que permite-se mesmo o exame do corpo de delito indireto, qual seja, suprido pela prova
testemunhal(art. 167 do CPP).
Sendo aplicável a todos os delitos, incluindo o mais grave de todos, o homicídio(vide Nelson Hungria), "a
fortiori" nos delitos econômicos, onde a materialidade poderá restar demonstrada pro todos os meios de
prova, incluindo a indireta, resultado da prática delitiva imputada(v.g., locupletamento ilegítimo do
denunciado, lesão á coletividade, erário, etc.)..
De ver-se que, no colarinho branco, freqüentemente, mais que atestada, representada por perícia, a
materialidade está presentada nos autos, como na sonegação fiscal, juntando-se o processo
administrativo-fiscal, cuja instrução conste documentação(livro caixa, dados bancários, notas fiscais, etc.)
que materializa os valores sonegados.
I.XI - DA AUTORIA
"Dependendo da verdade psíquica, o simples gesto de alcançar uma esmola a um mendigo pode ser um ato
de filantropia, de ostentação ou de corrupção"(Enrico Ferri).
No mundo jurídico, tão somente o Direito Criminal outorga esta transcendental importância à intangível,
inaudível, invisível, inodora, insípida, em suma, intestável verdade psíquica(vínculo psicológico).
De per si, razão suficiente a fazer do processo penal o de mais complexo exame probatório.
Sobreleva a dificuldade no exame da co-autoria, participação, contribuição criminosa, freqüentemente sutil,
imperceptível, conforme pontifica Nelson Hungria, "... dadas as circunstâncias, um simples olhar ou aceno
expressivo, ou mesmo silêncio a apontar aprovação ..." (Comentários ao Código Penal, Forense, 1958,
Volume II, Tomo II, obra cit. p. 413).
No colarinho branco, ainda mais, fugidio o "persona delicti", o verdadeiro criminoso(empreendedor) goza do
anonimato próprio da horda(vide tópicos - DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL e DA JURISDIÇÃO).
Afora a tervigersação mediante pessoas jurídicas - "dummy corporation" do direito norte-americano,
empresa fantasma, criada para encobrir fins ilícitos - amiúde tituladas por "testas-de-ferro"(v.g., "Parmalat
faz labirinto societário no Brasil", Folha de São Paulo 22.01.04, tratando da quebra fraudulenta da
multinacional italiana), a delinqüência do colarinho branco fragmenta ao extremo o "iter criminis" - cogitação,
preparação, execução, consumação e exaurimento - segmentando a empreitada criminosa entre inúmeros
atores.
Tal qual linha de produção industrial, operários("intermediários", diria Nelson Hungria), circunscritos a urdir
as suas peças, ignoram o produto final("alienados", diria Marx), decidido pelos
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gerentes/administradores(v.g., lobistas, assessorias jurídicas, contábeis, econômico-financeiras, informática,
etc.), em benefício do titular da "societas sceleris".
Embora a vultosa sofisticação hoje alcançada, essa terceirização, difusão do crime por diversos atores, não
escapou à dogmática da antigüidade, conforme noticia Nelson Hungria, relativamente à Idade Média, "verbis
":
"...entre as modalidades de participação distinguiam-se o auxilium (proximum ou remotum, cooperativum ou
non cooperativum, ante delictum, in delicto e post delictum), o consilium (instigatio, persuasio, adhortatio), o
mandatum (determinação para o crime), a ratihabitio (ratificação do crime por aquele em cujo favor foi
praticado), a receptatio (favorecimento post delictum), o não-impedimento do crime (quando houvesse um
vinculum speciale para impedi-lo, ou quando se tratasse de delicta atrocia) e a conscientia (não-denunciação
do crime de que tivesse conhecimento, desde que importasse causa comum com o criminoso)..." (
Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Volume II, Tomo II, obra cit. p. 401).
Intimamente vinculado à autoria está a descrição circunstanciada da denúncia(art. 41 do CPP), narrando
objetivamente as condutas típicas, individualizando os atos dos diversos imputados na autoria coletiva,
fundamento do devido processo legal, sistema acusatório, ônus da Acusação(vide tópico DA DOGMÁTICA,
"nullum judicium sine accusatione"), sede de cruciais controvérsias na persecução ao colarinho branco(v.g.,
STF, RT 738/641, RT 603/463, RT 742/533, JSTF 197/353)
Embora atinente à tipicidade, dolo e culpa também têm estreita relação com a autoria, vez que tal qual esta
última, a existência ou não, especialmente do dolo, sabido que de extrema raridade a imputação culposa do
colarinho branco, é decisiva à condenação ou absolvição.
A propósito da Teoria Finalista, Assis Toledo, "verbis":
"... A finalidade é, pois, ?vidente?; a causalidade ?cega?. E nisso reside, precisamente, a grande diferença
entre o conceito ?clássico? causal da ação e o novo conceito finalista." (Francisco de Assis Toledo,
Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 1991, p. 97).
Sobre o intangível divisor entre culpa consciente e dolo eventual, Juarez Cirino dos Santos, "verbis":
"O caráter complementar-excludente desses conceitos aparece nas seguintes correlações, ao nível da
atitude emocional: quem se conforma com (ou aceita) o resultado típico possível não pode,
simultaneamente, confiar em sua evitação ou ausência(dolo eventual); inversamente, quem confia na
evitação ou ausência do resultado típico possível não pode, simultaneamente, conformar-se com (ou aceitar)
sua produção(imprudência consciente)." (Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível,
Freitas Bastos, p. 71).
"... imprudência consciente e dolo eventual são conceitos simultaneamente excludentes e complementares e
sua distinção constitui uma das mais difíceis questões do direito penal"(Juarez Cirino dos Santos, A Moderna
Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 122).
Não obstante pertinente à culpabilidade, dada a especial característica da tipicidade do colarinho branco, por
excelência elástica, por vezes difusa, repleta de elementos normativos(vide tópico DA DOGMÁTICA - '
Nullum crimen, nulla poena sine lege certa'), o erro sobre elementos do tipo(art. 20 do CP) e o próprio erro
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de proibição(art. 21 do CP) também ganham especial relevo, inclusive porque até mesmo o erro por culpa do
agente, inexistindo responsabilização culposa no colarinho branco, resulta em absolvição(art. 20, §1º, do
CP)..
I.XI.I- DA DEFESA
A Defesa perorará pela garantia fundamental da responsabilidade subjetiva, inexorável 'conditio sine qua
non' ao 'ius puniendi' do Estado.
Toda e qualquer espécie de flexibilização a mais plena, individualizada e circunstanciada prova da atuação
pessoal do imputado à perpetração do delito, mesmo que sob rótulos diversos(Teoria do Domínio Final do
Fato, etc.), significa a objetivação da responsabilidade penal, gravíssima lesão ao Estado Democrático de
Direito(vide tópico DA DOGMÁTICA - "nullum judicium sine acusatione").
Entre as garantias do devido processo legal, despontam o ônus da Acusação em produzir imputação
categórica, individualizada, descrevendo objetiva e fundamentadamente o fato delituoso (art. 41 do CPP) e,
principalmente, provas suficientes à certeza da denúncia, única hipótese que poderá ensejar condenação.
"comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada"(Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto nº 678,, art. 8º,2, ?a? c/c art.
5º, §2º, da Constituição- grifou-se).
Todos os quesitos da denúncia devem estar supridos: a) "quis"(o sujeito ativo do crime); b) "quibus auxiliis
"(ou autores e meios empregados); c) "quid"(o mal produzido); d) "ubi"(o lugar do crime); e) "cur?(os motivos
do crime); f)"quomodo"(a maneira pela qual foi praticado); g)"quando"(o tempo do fato).
"... O que não se aceita é que a descrição seja genérica quando é possível apurar o ocorrido e depois se
argumente que, durante a ação penal, os fatos ficarão melhor esclarecidos. Isto inviabiliza a defesa e até o
término da ação o denunciado sofrerá as agruras de responder um processo criminal ..."(TRF/4ª, 7ª Turma,
Rel. Des. Federal Vladimir Freitas, AP 2001.71.13.001960-1/RS, Informativo do TRF/4ª nº 159).
"O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório,
hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe ao Ministério
Público a obrigação de expor, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação das pessoas
acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o poder Judiciário, ao resolver a controvérsia
penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional
do due process of law, ter consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de
persecução estatal, a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos
elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O ordenamento brasileiro repudia as
acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas.
(...)
A circunstância objetiva de alguém meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não se revela
suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado
dessa particular qualificação formal, a decretação de uma condenação penal."(STF, Rel. Min. Celso de
Mello, HC nº 73.590-SP, 06.08.96, RTJ 163/268)
"Em se tratando crime societário, a denúncia deverá discriminar a relação entre as obrigações
administrativas de cada sócio e o ato ilícito que lhe está sendo imputado, sob pena de violar o princípio da
ampla defesa. Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para trancar
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ação penal e anular denúncia oferecida contra toda a diretoria de sociedade anônima, para apurar suposta
prática de delito contra a ordem tributária, consistente na falta de recolhimento de IPI devido por empresa da
qual os pacientes são diretores. Entendeu-se que, embora não se exija que a denúncia descreva de forma
individualizada a conduta de cada indiciado, exige-se, ao menos, que ela contenha a relação entre o delito
praticado e as responsabilidades administrativas de cada indiciado. Vencido o Min. Néri da Silveira, que
indeferia o pedido, por ausência de ilegalidade a justificar o trancamento da ação (HC 79.399-SP, Rel. Min.
Nelson Jobim, 26.10.99, Informativo nº 168).
'EMPRESA FAMILIAR. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA GENÉRICA. Mesmo na
empresa familiar, é necessário que a denúncia individualize a conduta de cada sócio, a fim de possibilitar
que o denunciado defenda-se. Assim, não havendo a nomeação do autor de cada ato executivo
isoladamente, a denúncia é inepta. Daí, a Turma concedeu a ordem de habeas corpus'(STJ, 6ª Turma, Rel.
Min. Nilson Naves, HC 76.611, 06.03.08, Inf. do STJ nº 347).
À inadequada capitulação oposta pelo Ministério Público quando da denúncia(art. 383 e 384 do CPP) comum no colarinho branco, dada a complexidade típica -, tamanha a irrefletida reiteração, tornou-se lugar
comum argüir que o réu defende-se dos fatos.
Clássica hipótese em que o erro repetido gera o direito: "error communis facit jus".
O réu não se defende dos fatos pela acaciana razão que, de per si, fato não é crime!
Mais, bem mais do que fato, crime é fato dotado de tipicidade legal/constitucional(vide tópico DA
DOGMÁTICA - "nullum crimen sine lege").
Portanto, simples fatos não impõem qualquer ônus defensivo, tampouco legitimam acusação segundo o
devido processo legal(art. 5º, LIV, da Constituição)!
Embora idênticos os fatos, dependendo da subsunção típica, altera-se radicalmente o "thema decidendum?,
v.g., bem jurídico lesado(patrimônio privado, público, delito contra a administração, ordem tributária,
econômica, sistema financeiro, fé pública, etc.) e por conseqüência, o "thema probandi?, sendo essencial á
efetividade da ampla defesa(art. 5º, LV, da CRFB).
Acusação genérica, não individualizada, sucedida de camaleônico mimetismo típico, nada mais é que
kafkiano processo acusatório.
Médico, atendendo pelo SUS, que exige pagamento do paciente. É extorsão(art. 158 do CP)? É
concussão(art. 316 do CP). É estelionato contra a União(art. 171, §3º, do CP)? É estelionato contra o
paciente(art. 171 do CP)? Médico credenciado do SUS é funcionário público par fins penais(art. 327 do CP)?
A competência é da Justiça Federal ou da Estadual? Vide "Concussão Praticada por Médicos Conveniados
ao SUS", Douglas Fischer, Procurador da República no Estado do RS, in Boletim dos Procuradores da
República nº 53, www.anpr.org.br
De outra parte, existe dolo apenas quando clara a disposição e pleno conhecimento do agente em adentrar
a conduta típica.
"O dolo requer sempre conhecimento efetivo; a mera possibilidade de conhecimento (chamado
?conhecimento potencial?) não pertence ao dolo" (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli,
Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 71).
"A teoria objetivo individual exprime o conceito legal de tentativa do Código Penal alemão(§22), assim
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traduzível: tenta um fato punível quem, segundo sua representação do fato, se posiciona imediatamente
para realização do tipo." Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p.
300).
Na dúvida, o universal ?in dubio pro reo?, impõe seja descartado o dolo, remanescendo a hipótese de
imputação culposa uma vez que ela seja prevista, situação rara no colarinho branco, regra geral sendo
conduta atípica.
É bem de ver nos casos em que não se revele inequívoca a atitude psíquica do agente, ou se há irredutível
dúvida, em face dos coligidos elementos de informação, sobre se houve, ou não, aceitação do risco
(consentimento, aprovação, anuência, ratificação ex ante do resultado), a solução, de acordo com o ?in
dúbio pro reo?, deve ser no sentido do reconhecimento da culpa consciente, isto é, da hipótese mais
favorável."(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. II, Tomo II, p. 119).
"Na hipótese de dúvida sobre o tipo subjetivo respectivo, a solução é sempre indicada pelo princípio ?in
dúbio pro reo?, aplicável irrestritamente."(Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível,
Freitas Bastos, p. 124)
O erro de tipo exclui o dolo, valendo salientar que, no colarinho branco, dada a forte presença de elementos
normativos técnico-jurídicos no tipo, o equívoco de sua interpretação, matéria de direito, também traduz-se
em erro de tipo.
"Em qualquer caso, o erro de tipo significa defeito de conhecimento do tipo legal e, assim, exclui o dolo,
porque uma representação ausente ou incompleta não pode informar qualquer dolo de tipo" (Juarez Cirino
dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 81).
Exemplo palmar é imbróglio tributário(sonegação fiscal).
Segundo IBPT(Instituo Brasileiro de Direito Tributário), desde a atual Constituição de 1988, somados os três
níveis de governo, em média, são editadas 36 normas tributárias com 11,2 artigos ao dia, sendo 04 da
união, 11 dos estados e 21 dos municípios(Folha de São Paulo, 06.10.05).
Em síntese, furor legiferante!
O Brasil está em último lugar, 175º, no ranking do tempo gasto pelas empresas para manter tributos em dia,
segundo o Banco Mundial, pesquisa que teve o auxílio da auditoria PricewaterhouseCoopers. Em média, as
empresas consomem 2.600 horas(Folha de São Paulo, 08.11.06). Identicamente, último estudo do Banco
Mundial, brasil em último com as 2.600 horas, agora computados 183 países(Folha de São Paulo, 09.09.09).
Sabido que no colarinho branco há farta tipificação de condutas omissivas, é de ver-se a menor evitabilidade
do erro nessa seara.
"Nos tipos de ação, o dever de omissão da ação proibida é, geralmente, claro, mas nos tipos de omissão de
ação, o dever de realizar a ação mandada é, normalmente, obscuro para o destinatário da norma penal especialmente em crimes contra a ordem econômica, o meio ambiente, ou outros setores do direito penal e, por isso, a evitabilidade do erro é menor, com conseqüente redução do nível de reprovação. Esse
problema está na origem de propostas de tratar o erro de mandado sobre deveres tributários, por exemplo,
como erro de tipo, excludente do dolo." (Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível,
Freitas Bastos, p. 145)
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Juarez Tavares vai além, restringindo a possibilidade de incriminação por condutas omissivas impróprias aos
delitos contra a vida, a integridade corporal e a liberdade, excluído, em conseqüência, o colarinho branco(
apud, Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 134).
"No tipo omissivo não se requer um nexo de causação entre a conduta proibida (distinta da devida) e o
resultado, e sim um nexo de evitação, isto é, a probabilidade muito grande de que a conduta devida teria
interrompido o processo causal que desembocou no resultado. Esse nexo de evitação é estabelecido por
uma hipótese mental similar à que empregamos para estabelecer o nexo de causação na estrutura típica
ativa: se imaginamos a conduta devida e com isto desaparece o resultado típico, haverá um nexo de
evitação; enquanto que, se imaginamos a conduta devida e o resultado típico permanece, não existirá um
nexo de evitação." (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p.
541).
Sendo crime societário omissivo, a suficiência probatória à autoria, mesmo em sede de denúncia, enseja
debate, exigido mais que a demonstração dos poderes de administração/gerência, STJ, 'verbis':
"CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ANULAÇÃO. AÇÃO PENAL.
Cuida a questão de saber a possibilidade de se instaurar ação penal em desfavor de administradores de
pessoas jurídicas inadimplentes perante o Fisco Previdenciário pelo simples fato de serem os denunciados
detentores de poderes de gestão administrativa. A jurisprudência deste Superior Tribunal e do STF entende
que, nos crimes praticados no âmbito das sociedades, a detenção de poderes de gestão e administração
não é suficiente para a instauração da ação penal, devendo a denúncia descrever conduta da qual possa
resultar a prática do delito. Esclareceu a Min. Relatora que, em nosso ordenamento jurídico, não é admitida
a responsabilidade penal objetiva; para haver a procedência da inicial acusatória deve ficar demonstrado o
nexo causal entre a conduta imputada ao denunciado e o tipo penal apresentado. Está-se exigindo apenas
que se exponha, na inicial acusatória, qual a conduta perpetrada pelo denunciado que culminou
efetivamente no delito, porque o simples fato de deter poderes de gestão não tem capacidade (nexo de
causalidade) lógica de se concluir pela prática do delito em questão (art. 168-A do CP), que prescinde de
uma ação específica a ser demonstrada na denúncia. Assim, a Turma, ao prosseguir o julgamento,
concedeu a ordem para determinar a anulação da ação penal instaurada contra os pacientes sem prejuízo
de eventual oferecimento de nova denúncia. HC 53.305-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 24/5/2007."
Dada a complexidade das matérias, ensejando naturais dificuldades na sua exegese, a orientação ao
colarinho branco pode escusá-lo da culpabilidade.
"Enfim, a confiança em informações da jurisprudência, ou de profissionais da área jurídica (advogados,
professores de direito e operadores jurídicos, em geral), pode ser decisiva; erro de proibição inevitável no
caso de tipo de injusto realizado com base em jurisprudência unânime ou dominante dos Tribunais e erro de
proibição evitável no caso de divergência de igual jurisdição; igualmente, a confiança na orientação de
advogados, ou outros profissionais do direito, pode fundamentar erro de proibição inevitável: primeiro,
porque são profissionais legalmente habilitados para o exercício da profissão; segundo, porque o leigo não
tem condição de avaliar a capacidade geral, os conhecimentos e a correção ou não das informações.
"(Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 240).
De ver-se, também, que a orientação jurídica do Advogado, de per si, não autoriza seja ele imputado como
partícipe. "Mutatis mutandis?, relativamente à impossibilidade de co-autoria na improbidade administrativa,
vide STF, MS 24.0373-DF, Rel. Min. Carlos Velloso, Informativo do STF nº 327)
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"A obrigatoriedade/generalidade da lei penal nada tem a ver com o erro de proibição direto: a lei penal é
geral e obrigatória em qualquer ordenamento jurídico, e tais caracteres não impedem que a inevitável
ignorância da lei penal, ou representação da invalidade da lei penal, ou interpretação falsa/errada da lei
penal constituam modalidades de erro de proibição direto plenamente escusáveis na Alemanha e na Itália,
por exemplo - donde se conclui que brocardos do tipo ignorancia legis neminem excusat, perderam todo
prestígio em face do princípio culpabilidade e não valem mais como economia de análise."Juarez Cirino dos
Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 71).
"Separar conhecimento do injusto e conhecimento da lei para atribuir relevância ao desconhecimento do
injusto penal e irrelevância ao desconhecimento da lei penal, é ignorar que o injusto penal só pode existir
como injusto tipificado na lei, hoje generalizado sob o conceito de tipo de injusto que, por força do princípio
da legalidade aparece na lei penal sob a forma de tipo legal (ou tipo penal), como descrição do
comportamento proibido; precisamente porque injusto penal e lei penal representam, respectivamente, as
dimensões concreta e abstrata das proibições ou comandos do direito penal é possível, no direito penal
comum, ter ou atingir o conhecimento da lei através do conhecimento do injusto, mas no direito penal
especial é, freqüentemente, impossível ter ou atingir o conhecimento do injusto, exceto através do
conhecimento da lei penal." (Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p.
245).
"Em conclusão, a regra da inescusabilidade do desconhecimento da lei, como expressão da natureza geral e
obrigatória da lei penal, não tem o poder de suspender o princípio da culpabilidade expresso na exceção do
erro de proibição direto, na modalidade de desconhecimento inevitável sobre a existência da norma penal
".(Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 247).
De resto, inaplicável o simplismo da inescusabilidade da ignorância da lei. Depende o caráter da conduta
proibida. Sendo universal sua criminalização(v.g., homicídio, roubo, furto, etc.), obviamente não haverá
indulgência.
Todavia, tratando-se de tipicidades complexas, muitas vezes confundindo-se com atos negociais lícitos a
exemplo do colarinho branco, é admissível a eximente.
"O artifício generalizado na literatura doméstica, de utilizar situações de necessário conhecimento do injusto
(a proibição de matar alguém) para encobrir situações em que o conhecimento do injusto depende de
conhecimento da lei penal (a proibição de guardar lenha ou carvão, sem licença da autoridade competente,
etc.), criou um buraco negro no princípio da culpabilidade do direito penal brasileiro, no qual estão
desaparecendo todos os casos de condenação criminal em situação de ignorância da lei determinante de
inevitável desconhecimento do injusto." (Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível,
Freitas Bastos, p. 248).
I.XI.II - DA ACUSAÇÃO
À Acusação cumpre demonstrar as peculiaridades do colarinho branco, de forma a impedir que os estreitos
limites da Justiça, "capitis deminutio" imposta por quem atrofiou suas faculdades, exercitando a repressão
apenas contra os delitos de mão pobre, não premiem a torpeza do criminoso, fazendo com que a resposta
do Estado à delinqüência seja - ao invés de diretamente - inversamente proporcional à inteligência do
criminoso(vide tópico I.II - DO "MODUS OPERANDI"/PERFIL).
Na Autoria, sabida a impessoalização, terceirização dos atos concretos da tipicidade, sob pena da sanção
limitar-se aos de menor culpabilidade, na prática, "laranjas" do colarinho branco, urge adotar-se a Teoria do
Domínio do Fato, há muito já preconizada, v.g., por Manoel Pedro Pimentel à sonegação fiscal, "in" Crime de
Sonegação Fiscal, RT 617/259.
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Vale ouvir o Professor Doutor Juarez Cirino dos Santos, "verbis?:
Autoria. "... As raízes da teoria do domínio do fato - hoje dominante na dogmática penal - remontam, por um
lado, o conceito restritivo de autor, porque vincula o conceito de autor à ação do tipo legal e, por outro lado,
à teoria subjetiva de autor, porque incorpora a vontade como energia produtora do acontecimento típico,
mas supera os limites daquelas teorias porque considera a ação na sua estrutura subjetiva e objetiva,
pressuposta no controle do fato típico e necessária para mostrar o fato como obra do autor: subjetivamente,
a vontade criadora do fato típico; objetivamente, o significado da contribuição concreta para o fato típico.
A idéia básica da teoria do domínio do fato pode ser assim enunciada: o autor domina a realização do fato
típico, controlando a continuidade ou paralisação da ação típica; o partícipe não domina a realização do fato
típico, não tem controle sobre a continuidade ou paralisação da ação típica (...)
A lei penal brasileira assume, em princípio, um conceito unitário de autor, mas a adoção legal de critérios de
distinção entre autor e partícipe transforma, na prática judicial, o paradigma monístico em paradigma
diferenciador, admitindo o emprego de teorias modernas sobre autoria e participação, como, por exemplo, a
teoria do domínio do fato, cujos postulados são inteiramente incompatíveis com a disciplina legal de autoria
e participação do Código Penal - aliás, a Exposição de Motivos reconhece que o legislador decidiu optar, na
parte final do art. 29, e em seus dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoria da
participação, reclamada pela doutrina por causa de decisões injustas.
Por essa razão, autoria e participação devem ser estudadas segundo os postulados da teoria do domínio do
fato, generalizados na literatura contemporânea como critérios de definição de autor e de partícipe"(Juarez
Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, pp. 279/280 - grifou-se).
"... O Direito Penal hodierno acolhe a teoria do domínio do fato, em que a autoria é atribuída a quem tem o
poder de comando central do agir da empresa, o que não se confunde com responsabilidade objetiva ...
"(TRF/4ª, Rel. Des. Federal José Luiz B. Germano da Silva, Ap. Crim. 2003.04.01.0033281-3/PR, 16.12.03,
DJU2 14.01.04, p. 471 - Informativo Criminal do TRF/4ª fev/2004).
Sabido que, regra geral, a delinqüência do colarinho branco é perpetrada mediante pessoas jurídicas, é de
ver-se a responsabilidade dos seus gestores, não obstante terceirizem os atos materiais da delinqüência.
A nova legislação societária, Código Civil, aos moldes da responsabilização na gestão das finanças públicas,
"Lei de Responsabilidade Fiscal", traduz-se em autêntica "Lei de Responsabilidade Societária".
O CC é explícito, asseverando às sociedades simples que "no silêncio do contrato, os administradores
podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade", além de definir, em numerus clausus, as
estritas hipóteses nas quais esses administradores podem opor o excesso de seus pares a terceiros,
eximindo-se da co-autoria dos atos sociais(art. 1.015 do CC), acrescentando-se a vedação ao gestor de
fazer-se substituir nas suas funções(art. 1.018 do CC). Mais! Os administradores respondem solidariamente
por mera culpa(art. 1.016 do CC)
Nesse contexto, quem é autor, partícipe?!
Sendo delitos dolosos, inexistindo possibilidade de incriminação por contribuição culposa, o indefinido divisor
de águas entre culpa consciente(quer a ação, prevê o resultado, crendo, entretanto, que o evitará) e dolo
eventual(quer a ação, prevê o resultado, aceitando-o), quem legitima-se à imputação?!?!
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"Cui prodest scelus, is fecit"( comete o crime quem dele tira proveito) -, que capitaliza o polpudo "producta
sceleris", desconhecendo, contudo, o "modus operandi"("circunstâncias" - art. 41 do CPP) do crime que
indocumetandamente encomendara.
Todavia, se à lei, por imposição da própria natureza humana(mundo psíquico, vínculo psicológico), não é
dado predefinir a co-autoria, é conferido a potestade de impor, não apenas a abstenção da ativa participação
criminosa, como, sob pena de incorrer em idêntica imputação, o dever de agir(art. 13 do CP), impedindo a
delinqüência.
A afronta a ostensivos deveres de obstar a criminalidade - cujo "producta sceleris" o beneficia -, zelar pela
lisura societária, não limita-se à culpa consciente. Adentra ao dolo, consoante lapidar lição do Professor
Alberto Silva Franco, "verbis":
"Tolerar o resultado, consentir em sua provocação, estar a ele conforme, assumir o risco de produzi-lo não
passam de formas diversas de expressar um único momento, o de aprovar o resultado alcançado, enfim, o
de querê-lo. Precisa, portanto, a observação de Wessels (Direito Penal, Parte Geral, p.53), no sentido de
que ?existe dolo eventual quando o autor não tenha deixado dissuadir da execução do fato pela
possibilidade próxima da ocorrência do resultado, e sua conduta justifique a assertiva de que ele, por causa
do fim pretendido, se tenha conformado com o risco da realização do tipo, antes até concordado com a
ocorrência do evento do que renunciado à prática da ação?"(Codigo Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, RT, 6ª Edição Volume I, p. 284).
A culpa extrema se equipara ao dolo("Culpa lata dolo aequiparatur")
O Professor Doutor Juarez Cirino dos Santos, "verbis":
"A teoria da possibilidade simplifica o problema, reduzindo a distinção entre dolo e imprudência ao
conhecimento da possibilidade de ocorrência do resultado, eliminando a categoria jurídica da imprudência
consciente, porque toda a imprudência seria imprudência inconsciente: a mera representação da
possibilidade do resultado típico já constituiria dolo, porque uma tal representação deveria inibir a realização
da ação; a não representação dessa possibilidade constituiria imprudência(inconsciente). A crítica fala do
intelectualismo da teoria, que reduz o dolo ao componente intelectual, sem qualquer conteúdo volitivo, mas
seus resultados práticos seriam semelhante aos da teoria dominante, embora mais rigorosos, porque admite
dolo eventual em situações definíveis como imprudência consciente."(Juarez Cirino dos Santos, A Moderna
Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 75).
Von Hippel, "verbis":
"Consentir em determinadas conseqüências de uma ação não importa apenas representação delas, mas sua
influência sobre a conduta do agente, isto é, sobre a vontade do evento. Justamente se pronuncia o Ministro
Campos na sua Exposição de Motivos: ?É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento
vale tanto quanto querê-lo; ainda que sem interesse nele, o agente o ratifica ex ante, presta anuência ao seu
advento."(apud, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo II, 115).
"Para a existência do dolo eventual, basta que o agente, na dúvida sobre se o resultado previsto sobreviria
ou não, atravesse o Rubicon, não se abstendo da ação, pois quem age em tal dúvida assume o risco de
quanto possa acontecer. (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. II, Tomo II, p.
119).
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O direito norte-americano sobre a recusa do agente em saber e proceder consoante os estatutos aponta
dolo eventual: 'willful blindness'(cegueira deliberada) ou 'concious avoidance doctrine'(agiu deliberadamente
para evitar a consciência).
Nesse diapasão, o novo Código Civil, atento ao qüotidiano uso pessoas jurídicas, não apenas à
criminalidade, como também aos ilícitos civis, v.g., lesão aos consumidores, credores, etc., na esteira da "res
publica", que agravou o compromisso dos gestores com a economicidade nos dispêndios do erário (LC
101/00 - conhecida por lei da responsabilidade fiscal, também com decorrências criminais, arts. 359-A/359-H
do CP), dispõe-se chamar à devida prestação de contas os integrantes do quadro societário.
Em suma, estamos diante da Lei da Responsabilidade Societária. Tanto no âmbito cível como no criminal.
Nesse contexto, tal qual vários administradores públicos bradaram contra a LC 101/00, hoje os segmentos
vinculados às pessoas jurídicas, especialmente empresárias(art. 982 do CC), argüem vícios do novo
ordenamento, tendo patrocinado intenso lóbi junto ao Governo Lula, objetivando diferir a sua vigência.
Fracassaram!
O Estatuto das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), subsidiariamente sempre aplicável às demais,
especialmente às de responsabilidade limitada(art. 18 do Decreto nº 3.708/19), tipo jurídico mais freqüente,
já através das alterações aduzidas pela Lei nº 10.303/01, firmou a tendência ora consagrada.
Em síntese, vincula-se, pessoalmente, o sócio à transparência(fidelidade da escrita comercial/fiscal e
registros públicos) e à correção dos atos perpetrados sob a pessoa jurídica. A violação da lisura,
independente de quem seja o autor imediato, acarreta-lhe o ônus de provar sua irresponsabilidade.
Valem ser transcritos os principais ditames do CC, "verbis":
"Art. 1.069. Além de outras atribuições determinadas na lei ou no contrato social, aos membros do conselho
fiscal incumbem, individual ou conjuntamente, os deveres seguintes:
(...)
IV - denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências úteis à sociedade;"
(canon semelhante ao art. 163, IV, da Lei nº 6.404/76)
"Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência
que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.(canon
idêntico ao art. 153 da Lei nº 6.404/76)
§1º Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena
que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação,
peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional,
contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade,
enquanto perdurarem os efeitos da condenação."(canon semelhante ao art. 147, §1º, da Lei 6.404/76).
Do contabilista e Outros Auxiliares
Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos
encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como
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se o fossem por aquele.
Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os
preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos
dolosos.
Art. 1.178. Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, praticados nos seus
estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autorizados por escrito."
Estatuto das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), "verbis":
"Art. 158
§1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for
conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a
sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência
em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito
ao órgão da administração, ao Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral."(grifei)
"Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da
companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do
patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício:
(...)
IV - demonstração das origens e aplicação dos recursos.(detecção de eventual Lavagem de Dinheiro, art. 1º
da Lei 9.613/98 - nota do autor)
(...)
§ 2º Nas demonstrações, as contas semelhantes poderão ser agrupadas ... mas é vedada a utilização de
designações genéricas, como ?diversas contas? ou ?contas correntes?."
"Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:
I - a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os abatimentos e os impostos;
"(grifou-se)
Além disso, reforçam dispositivos explicitando a imputação criminal dos gestores(v.g., art. 6º da Lei nº
4.729/65, art. 37 da Lei nº 5.250/67, art. 51 da Lei nº 6.766/79, art. 25 da Lei nº 7.492/86, art. 14, §1º, da Lei
nº 7.505/86, art. 75 da Lei nº 8.078/90, art. 11 da Lei nº 8.137/90).
Nesses termos, conclui-se que, implicada pessoa jurídica na delinqüência, os sócios, de per si, mercê da lei
da responsabilidade societária, legitimam-se à imputação, cumprindo a eles o ônus do provar sua
irresponsabilidade. Note-se! Não se trata de responsabilidade objetiva. Simplesmente, o natural ônus
probatório de quem, afrontando rigorosa legislação que impõe-lhe agir, zelar, vigiar, pela legalidade, a
desacatou, no mínimo, aceitando o resultado criminoso(dolo eventual).
Sabido que o instituto da autonomia da sociedade empresária, dotada de personalidade jurídica própria,
independente de seus titulares, protegendo o patrimônio pessoal desses, ressalvados da responsabilidade
civil pelos atos daquela, é dos pilares fundamentais da atividade empresarial.
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Mesmo a preservação do patrimônio pessoal do sócio, contudo, tem limites. Conhecida as
despersonalização("disregard", "alter ego"), sempre que a pessoa jurídica for utilizada abusivamente(v.g.,
Na responsabilidade pessoal, contudo, sempre subjetiva, jamais houve distinção entre a pessoa física e a
jurídica. O sócio sempre responde tanto pelos atos pessoais quanto os empresariais.
Os julgados que exacerbam o ônus do Parquet em descrever, detalhada e precisamente o "iter criminis"
incorrem em petição de princípio. Impõem ao Ministerium Publicum explicitar ao denunciado minúncias de
um "modus operandi" que ele próprio ignora. As "circunstâncias" (art. 41 do CPP) são as elementares do
crime. Não as idiossincrasias do criminoso.
A propósito do erro de proibição, igualmente aplicável ao erro sobre elementos técnico-jurídicos do tipo, "
verbis":
"... a teoria tradicional, representada pro JESCHECK/WEIGEND, define consciência do injusto como
consciência da antijuridicidade material, consistente no conhecimento da contradição entre comportamento e
ordem comunitária, que permite ao leigo saber que o comportamento lesiona uma norma jurídica penal, civil
ou pública e, portanto, é juridicamente proibido, independente de conhecer a específica norma jurídica
lesionada ou a punibilidade do fato."(Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas
Bastos, p. 232).
"... na hipótese de atuação em áreas regidas por normas especiais(crimes contra o meio ambiente, o
consumidor, etc.), o erro de profissionais ou de empresários da área é normalmente, evitável ..." (Juarez
Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 239).
I.XII - DA JURISDIÇÃO
A jurisdição(jus dicere: dizer o direito) do colarinho branco é peculiar.
O julgamento não é monopólio do Judiciário. Com o beneplácito da própria Justiça, há intervenção dos
demais Poderes.
O Executivo, de direito e de fato, julga o colarinho branco, subjugando a Justiça ao veredicto de sua
conveniência(vide tópico DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL).
O Legislativo não legisla de forma abstrata, geral, impessoal, em suma, republicana. O casuísmo(leis que
travestem atos típicos de jurisdição), normas sob medida à impunidade do colarinho branco, vicejam
desavergonhadamente. Adiante, vide escandaloso histórico das leis extintivas da punibilidade dos
sonegadores de tributos.
No próprio Judiciário, igualmente, há ingerência de todos os órgãos. Enquanto nos delitos comuns, regra
geral, a jurisdição esgota-se na 2ª instância, no colarinho branco, os graus extraordinários(STJ e STF), na
prática, exercem plena jurisdição ordinária, revisional de mérito, notamente através da deturpação do
habeas corpus.
Exemplificativamente, tomenos a cronologia do caso Edemar Cid Ferreira, titular do Banco Santos, implicado
em bilionários delitos contra o sistema financeiro, fraude que lesou inúmeras pessoas, condenado em 1ª
instância a 21 anos de prisão:
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Decreto de prisão: 12/12/2006.
HC(Habeas Corpus) no TRF 3ª: 12/12/2006.
Indeferimento da liminar no HC do TRF/3ª: 14/12/2006(Advogado Alberto Toron intimado às
20h47min).
HC(nº 72873) no STJ contra o TRF/3ª: 15/12/2006(às 14h27min).
Indeferimento da liminar no HC do STJ: 19/12/2006(às 15h23min).
HC no STF contra o STJ: 26/12/2006.
Apesar do descabimento de HC no STF contra indeferimento de liminar pelo STJ(Súmula nº 691 do
STF), deferida liminar pelo Vice-Presidente, Min. Gilmar Mendes: 27/12/2006.
A rumorosa Operação Satiagraha, apuração na qual o Juiz Federal Fausto de Sanctis - 6ª Vara de SP, em
duas oportunidades, decretou prisão do banqueiro(Opportunity) Daniel Dantas, sendo que o Presidente do
STF Gilmar Mendes, reiteradamente, 'per saltum triplus', sem decisão dos demais graus, TRF/3ª e STJ, sede
de genérico habeas corpus preventivo impetrado em razão de notícia jornalística apontando Dantas sob
investigação sigilosa, o qual, indeferido por insubsistência nas instâncias inferiores, até então dormitava na
Suprema Corte, outorgou liberdade a Daniel(Folha de São Paulo on-line, 13.07.08, matéria do Jornalista
Frederico Vasconcelos).
'Habeas corpus bis in idem': gestores da Daslu - loja ícone do luxo -, foram condenados a 94 anos de prisão
pela 2ª Vara Federal de Guarulhos/SP por delitos contra o fisco, a exemplo de descaminho e falsidade
ideológica, enfim, importação fraudulenta das suntuosas peças. O veredicto de 1º grau determinou a prisão
imediata. Simultanemente, em 27.03.09, os sentenciados foram agraciados por liminares concomitantes,
determinando a imediata soltura. No STJ, pelo Min. Og Fernandes, atendendo pedido de Antônio Carlos
Piva de Albuquerque, decisão 'ex officio' estendida a todos os demais sancionados, entendendo que, em
2006, quando presos preventivamente ao início da instrução e deferido HC pelo STJ, não obstante a
condenação, remanesciam idênticos os pressupostos. Paralelamente, o TRF/3ª, Des. Luiz Stefanini,
outorgou liberdade a pedido de Eliana Tranchesi e outros três réus(STJ HC 108919).
Adiante, vide abordagem mais incisiva sobre a banalização, desvio de finalidade do 'writ'.
Enfim, a "vis attractiva" do "status" sócio-econômico do colarinho branco mobiliza todas as forças do Estado
Brasileiro. Contrariamente ao descamisado, tantas vezes olvidado na masmorra, o colarinho branco jamais
será esquecido ante o mais tênue risco de qualquer sanção, por mais pífia que seja.
Além disso, o Executivo exerce crucial poder na designação dos juízes de instâncias que realmente decidem
a sorte no âmbito recursal - dos não muitos "azarados"(condenados) em 1º e 2º graus, diga-se - do colarinho
branco, quais sejam, STJ e STF(vide tópico DO FORO PRIVILEGIADO).
Quando o Judiciário condena, além de sancionar as quotidianas "abolitio criminis" votadas pelo Legislativo, o
Executivo, "motu proprio", dispõe do indulto, sempre aquinhoando o colarinho branco sob a hipócrita vala
comum dos delitos sem violência à pessoa(vide tópico DA AXIOLOGIA).
Carrara: "Quando a política entra as portas do templo da Justiça, esta foge pela janela, para librar-se ao céu
"(apud, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo I, 71).
A Justiça, igualmente, não é republicana, obsequiando o 'colarinho branco' com órgãos especiais de
julgamento e, tanto ou mais importante quanto, de acusação(vide tópico DO FORO PRIVILEGIADO).
Dado o temor, as críticas ao Judiciário são reticentes: 'ações de juízes contra meios de comunicação têm
valor maior. Análise de 130 processos contra veículos de comunicação no país mostra que as indenzações
por danos morais em ações movidas por juízes valem três vezes o estipulado nos casos dos profissionais de
outras áreas'(Folha de São Paulo, 27.04.08).
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Mesmo propagandeando maior eficiência na persecução(v.g., especialização da jurisdição), com freqüência,
na prática, são estabelecidos órgãos judiciários pautados muito mais pela vaidade das autoridades que as
propõem(destaque na mídia), panacéias sabidamente falsas aos problemas estruturais da recorrente
impunidade, redundando por atropelar o devido processo legal, ensejando prejuízo tanto à Defesa,
notadamente dos "bagrinhos" de roldão confundidos com o colarinho branco(v.g., mutuário agricultor familiar
que não teria aplicado o pequeno empréstimo no seu cultivo - art. 20 da lei nº 7.492/86), quanto à Acusação,
defesa social, desarmadas as autoridades do "locus delicti" do poder de persecução.
É o Estado-espetáculo e o cidadão-espectador
"A pós-modernidade se caracteriza por um ritmo extremamente intenso de mudanças e de acontecimentos,
com a redução dos limites de tempo e de espaço.
Também o Estado pós-moderno é um Estado em crise permanente. Não apresenta uma face estável e se
encontra em permanente modificação. As propostas de alteração nem são implementadas e já estão sendo
substituídas por outras. O mesmo se passa com o próprio Direito. As instituições políticas e jurídicas
adquirem as mesmas características do espetáculo(entretenimento) e da moda.
Pode-se falar numa espécie de 'Estado Espetáculo', destituído de objetivos específicos, a não ser produzir
manchetes jornalísticas. Algumas atividades estatais e jurídicas parecem ser desenvolvidas não para
promover mudanças efetivas na realidade, mas para manter a atenção do 'cidadão-espectador'. Há uma
espécie de compulsão pela modificação ou inovação, mesmo que destituídas de qualquer consistência ou
utlidade"(Prof. Dr. Marçal Justen Filho, "Curso de Direito Administrativo", Saraiva, 2006, p. 15)
Exemplo clássico disso são as chamadas varas - "rectius", foros privilegiados em 1ª instancia, eis
que desaforaram processos de outros juízos, subtraindo-os do interior às capitais - especializadas em crimes
contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e crime organizado no âmbito da Justiça Federal.
Na verdade, esses juízos apuram e julgam o que bem entenderem, eis que competentes a todos os delitos
vinculados por conexão ou continência, ampliado "ad infinitum" pelo conceito indeterminado de crime
organizado(qualquer um de pena a partir de 4 anos de prisão como sanção máxima, mediante quadrilha Decreto 5.015/04).
Sabido que, "a priori", em sede de investigação, incluindo a própria denúncia('in dubio pro societate'), pode
facilmente ser enunciado delito dessa ampla e infindável gama, esses juízos avocam a apuração ao seu
bel-prazer, vilipendiando o devido processo legal(juiz e promotor natural, etc.), surrupiando das autoridades
do "locus delicti" a apuração, desarmando a defesa social, atropelando garantias individuais dos implicados.
Vilipêndio ao princípio da oralidade processual(imediatidade, identidade física do juiz, concentração).
Abstraçao, terceirização da jurisdição, instrução mediante precatórias ao Juízo do "locus delicti", aonde o
Juiz que julgará, o Parquet que acusou e o próprio Advogado que defende(seguidamente dativo, nomeado
pelo Juízo deprecante) jamais sequer verão o imputado.
Buscando preservar autoridades judiciárias vitimadas pela violência dos criminosos(v.g., Colômbia,
assassinatos de magistrados pelo narcotráfico), foi criada a figura do "Juiz sem rosto", processo no qual não
fica consignada a identidade do julgador. No Brasil, essas varas especializadas criaram o "réu sem rosto",
ignorado pelas autoridades(juiz, MP, etc.). "Negro cumpre pena no lugar de homônimo branco"(sítio Terra,
25.08.06).
Na prática, para não deixarem ao abandono a defesa social, as autoridades locais instituem o 'abolitio
criminis' terriorial, ou seja, promovem a persecução do crime originário(v.g., corrupção, estelionato,
sonegação, roubo, etc.), ignorando a intercorrência dos delitos que implicariam o desaforamento(quadrilha,
lavagem, delito contra o sistema financeiro).
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'Brasil não pune a lavagem de dinheiro, diz relatório'(manchete çprincipal da Folha de São Paulo, 15.02.10,
reportando relatório do Gafi - Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro ou FATF - 'Financial
Action Task Force on Money Laundering', organismo internacional criado em 1989, na esfera de atuação da
OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com o fim de examinar medidas no
combate à lavagem)
Verdade a vultosa persecução na "vara especializada" de Curitiba(PR), perante a qual atuou a "Força-tarefa
CC5"(adiante, vide "modus operandi" CC5, notadamente a lavanderia de Foz do Iguaçú-PR), entre outros,
oficando os Procuradores da República Carlos Fernando dos Santos Lima, Deltan Martinazzo Dallagnol,
Januário Paludo, João Francisco, João Vicente, Marcelo Mota, Márcio Barra Lima, Orlando Martello Júnior,
Robson Martins, Rodrigo Poerson, Vladimir Aras, etc.
Síntese da persecução: a)16 acordos de colaboração escritos(21 colaboradores) implicando reversão direta
em favor do Estado de R$ 27,46 milhões; b)aproximadamente R$ 333,5 milhões em bloqueios no Brasil;
c)aproximadamente R$ 34,6 milhões em bloqueios no exterior; d)1,94 bilhão de reais em resultados de
ações fiscais decorrentes do trabalho; e)mais de 200 pedidos de cooperação internacional desde 2004(em
número que, segundo o Ministério da Justiça-DRCI, supera o número de solicitações do resto do país como
um todo); f)mais de 1.170 contas no exterior investigadas; g)631 denunciados em uma centena de ações
penais propostas em casos de alta complexidade; h)denúncias envolvendo valores totalizados de US$ 27,5
milhões mais R$ 40,1 milhões; i)formação de uma base de dados com 1,9 milhão de registros
correspondentes a movimentação superior a US$ 105 bilhões; j)instauração de milhares de inquéritos
policiais no Brasil todo, etc.
O Procurador Vladimir Aras elenca a razões da exitosa persecução: a)disponibilização de pessoal
qualificado e em número suficiente para apoio à Força-Tarefa; b)aquisição de equipamentos e softwares de
investigação; c)conjugação de esforços de membros de todas as esferas do Parquet Federal(1º, 2º graus,
bem assim junto ao STJ e STF); d)apoio efetivo da Procuradoria-Geral da República; e)concentração da
persecução em fatos relevantes, com clara utilização dos critérios de oportunidade; f)formação de banco de
dados gigantesco para retroalimentar a investigação; g)seguimento de trilhas no exterior, com a formação de
uma árvore genealógica de contas e subcontas de doleiros; h)aplicação intensa de técnicas especiais de
investigação, especialmente a delação premiada com pagamento de pesadas multas já previstas como
condição do acordo; i)efetiva coordenação com a Polícia Federal, a Receita Federal e o Banco Central;
j)diuturna cooperação internacional com agências norte-americanas(DHS/ICE e DA/NY, principalmente),
com contatos e intercâmbio de informação quase diário e direto; k) alocação de espaço físico específico para
o funcionamento da Força-Tarefa em modelo realmente colegiado; l)foco no bloqueio e congelamento de
ativos aqui e no exterior.
Portanto, o sucesso da persecução não se deveu à "especialização"(desforamento), sim à
mobilização(Polícia Federal, Ministério Público, Justiça Federal, infra-estrutua operacional, etc.), de forma
que, disponibilizados esses instrumentos no "locus delicti", in casu, Foz do Iguaçu(PR), o resultado seria
igualmente exitoso. Além disso, muitos atropelos ao devido processo legal, garantias individuais, foram
consumados.
Mais! Nos demais Estados(v.g,, SC, exemplar repressão à lavagem/evasão de divisas mediante "dólar-cabo"
levado a efeito em Blumenau, desaforada a Florianópolis, soçobra na impunidade, etc.), regra geral, a
delinqüência do interior, persecução deslocada à capital, remanesce intocada.
Prova cabal do desvio desses desaforamentos às capitais, é que, em nenhum Estado da federação, sabido
que o delito de lavagem(competência definida pelo crime antecedente, originador do dinheiro lavado) e o
crime organizado, na sua quase totalidade, competem à Justiça Estadual, foram "especializadas varas" a
exemplo da Justiça Federal.
Parcialmente audível à berrante aberração, o TRF/4ª(Estados do RS, SC e PR) retrocedeu, revogando o
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desaforamento do crime organizado às capitais, mantendo, todavia, a lavagem de dinheiro e crimes contra o
sistema financeiro no foro privilegiado.
Adiante, vide abordagem mais detida desses órgãos de exceção.
Ao tempo em que o Judiciário é condescendente com a intromissão dos demais Poderes em prol do
colarinho branco, na investigação pré-processual(inquérito policial, etc.), ele, igualmente em favor da
delinquência economica, subordina a apuração à judicialização(vide tópico DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA
INVESTIGAÇÃO E DA (DES)OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL).
A delinqüência do colarinho branco não subordina-se aos limites da criminalidade convencional.
Inexiste "locus delicti". É onipresente, difuso. É perpetrado, simultanea ou sucessivamente, em várias
localidades do território, tanto o nacional como o transnacional, a exemplo da sonegação fiscal/lavagem de
dinheiro por grandes corporações multinacionais, cuja evasão consuma-se em cada um dos seus
incontáveis estabelecimentos/representações, além dos conhecidos paraísos fiscais - "off shore" -(expressão
eufemística, eis que não são asilos apenas fiscais, sim da delinqüência em geral).
Também não há "tempus delicti". O tempo que medeia execução e consumação não é sequer quantificável.
É o real, instantâneo, a reboque da alucinante velocidade das comunicações, como estampado nos
bilionários crimes contra o sistema financeiro.
Inocorre, "ipso facto", "testis delicti". Ausente qualquer testemunha. Se desde a antigüidade consagrou-se a
insuficiência de uma testemunha - testis unus, testis nullus -, a fortiori, sequer dela. No máximo, são
presenciadas frações da empreitada criminosa, isoladamente, atos lícitos(v.g, venda de imóveis ainda a
serem edificados, cujo estelionato em massa, captação fraudulenta de poupança popular, será revelado
apenas bem a posteriori - v.g., caso da Construtora Encol -, etc.).
No cenário em que perpetradas as condutas testemunháveis/comprometedoras, o empreendedor do
colarinho branco jamais será visto. Pior! Com idêntica otimização em que praticado, são eliminados os
vestígios, provas, "corpus delicti", sabotando a plenitude probatória necessária à condenação.
A propósito da materialidade, vide reportagem da Folha de São Paulo, 09.05.03, abordando lavagem de
dinheiro em Blumenau("modus operandi" conhecido por dólar-cabo - vide tópico DOS CRIMES CONTRA O
SISTEMA FINANCEIRO), persecução encetada pelo Procurador da República João Brandão Néto,
destacando que o "mecanismo usa apenas o telefone e a internet e não deixa vestígios".
Fugidio o "persona delicti", o verdadeiro criminoso(empreendedor), goza do anonimato próprio da horda.
Afora a tervigersação mediante pessoas jurídicas - "dummy corporation" do direito norte-americano,
empresa fantasma, criada para encobrir fins ilícitos - amiúde tituladas por "testas-de-ferro", a delinqüência do
colarinho branco fragmenta ao extremo o "iter criminis" - cogitação, preparação, execução, consumação e
exaurimento - segmentando a empreitada criminosa entre inúmeros atores.
Tal qual linha de produção industrial, operários("intermediários", diria Nelson Hungria), circunscritos a urdir
as suas peças, ignoram o produto final("alienados", diria Marx), decidido pelos
gerentes/administradores(v.g., lobistas, assessorias jurídicas, contábeis, econômico-financeiras, informática,
etc.), em benefício do titular da "societas sceleris".
"Assim, já se reconheceu que os crimes do colarinho branco são fatos praticados, em geral, por interpostas
pessoas, testas-de-ferro, homens de palha, fantasmas, para dissimular a participação dos verdadeiros
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mentores ou beneficiários da trama." (STJ, Rel. Min. Assis Toledo, Rec.Esp. 20.748-SP, DJU 09.11.92 - "
apud", Rodolfo Tigre Maia, Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Malheiros, 1996, p. 35).
A essa despersonalização, impessoalidade, somam-se as inexoráveis garantias fundamentais, notadamente
às relativas ao "due processo of law", próprias dos acusados por delitos comuns, exacerbadas, ainda, pelo
status do "colarinho branco", financeiramente aparelhado à constituição de excelentes Advogados(a), os
quais levam à plenitude as prerrogativas de seus clientes, provocando as quatro instâncias judiciárias: Juízo
de 1º Grau, TRF?s/TJ?s, STJ e STF.
As duas últimas, valendo-se da incomparável prodigalidade no conhecimento de habeas corpus, a exemplo
dos que contemplam processos de réus soltos ou sequer à mercê de serem presos, eis que, na pior das
hipóteses, estariam beneficiados pelas penas alternativas(art. 44 do CP - v.g., apreciação de tese jurídica:
STF, Rel. Min. Moreira Alves, RT 546/413; indeferimento de prova: STF, Rel. Min. Carlos Madeira, RT
624/383).
O STF tem vilipendiado seu status de Suprema Corte, contrariamente às demais do mundo civilizado, não
exercitando a auto-restrição indispensável ao caráter extraordinário de sua jurisdição(argüição de relevância,
limitação à matéria de efetivo teor constitucional), ainda remanescendo subjugada ao atávico vício de corte
recursal ordinária, tendendo a arrogar-se poder revisional pleno de todos os julgados das instâncias
inferiores
Prova cabal disso são as dezenas de súmulas editadas pelo STF, normatização que a Suprema Corte não
procedia desde o advento da atual Carta Política. Em grande parte, os enunciados reportam-se à
interpretação de normas infraconstitucionais (v.g, 641, 644, 693, 694, 695, 696, 699, 705, 707, 708, 709,
713, 723 etc.). A minoria diz com a competência própria do STF, qual seja, a Lei Fundamental.
Além disso, aberrantemente, o STF conhece de recurso extraordinário do Juizado Especial, incluindo até
mesmo causas de alçada, quais sejam, as que sequer cabe recurso ordinário (súmulas 640 e 690 do STF).
Também conhecia do habeas corpus, nisso, dada a aberração ululante, retroagindo(STF, HC 86834/SP, Rel.
Min. Marco Aurélio, 23.08.06, Informativo do STF nº 437). Conhece-se de habeas corpus para obstar oitiva
de testemunha, a título de produção antecipada de prova, em processo suspenso porque não citado
pessoalmente o réu(art. 366 do CPP - RHC 85311/SP, Rel. Min. Eros Grau, 01.03.05, Informativo do STF nº
378). Ora, onde está a violação à liberdade de locomoção?Chega-se a conhecer de HC contra processo
suspenso(art. 89 da Lei 9.099/95) com a concordância do réu/impetrante("sic" - vide HC 35.203-SP, Rel.
Min. Laurita Vaz, julgado em 12/6/2006. - Informativo do STJ nº 288).
Em 22.05.09, o próprio STF, buscando demonstrar o caráter democrático de sua jurisdição, abrangente
também dos despossuídos, reportando-se aos dados de 2008, revelando que naquele ano julgara 1.024
habeas corpus, publicou resenha intitulada: 'STF concede 35% dos habeas corpus analisados. Quase 30%
em favor de pessoas de baixa renda.' Ora, notória a concentração de renda no Brasil e sendo apenas 30%
de HC's à baixa renda, acrescida da contundente realidade que a quase totalidade dos encarcerados são
pobres, significa privilegiar, sim, 70% fora da baixa renda. Além disso, absurdo conhecer de 1.024 HC's em
um ano.
É o fenômeno da Supremização do Judiciário, qual seja, o STF dispondo-se ao impossível: conhecer e
julgar todos os casos judicializados.
Pontifica o constitucionalista Luís Roberto Barroso, no meio jurídico e acadêmico dos Estados Unidos,
costuma-se utilizar uma expressão muito reveladora: 'hard cases make bad law'(casos difíceis produzem
mau direito). Precisamente porque neles, dada a repercussão/atenção da mídia/coletividade, exacerba a
influência dos fatores extrajuridicos e extrajudiciais. Assim, o casuismo, vínculo às peculiaridades do caso
concreto a despeito da devida interpretação repúblicana/uniformidade da lei, pululam.
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A Suprema Corte da lei federal infraconstitucional é o STJ (art. 105, III, da Constituição)! Não é o STF! O
STF é a Suprema Corte da Constituição da República (art. 102, III, da Constituição)!
Hoje, o STF continua julgando como o fazia antes da atual Carta Magna de 1988 (atavismo), ou seja,
enfeixando ambas as competências, de intérprete máximo tanto da lei federal quanto da Constituição da
República!
Inadmissível que, hipertrofiando as restritas hipóteses em que funciona como corte ordinária (v.g writs do
habeas corpus e mandado de segurança, art. 102, II, ?a?, da CF, ações civil e penal originárias, art. 102, I, ?
b?, ?c?, ?f?, ?n?, da Constituição), o STF, ignorando o STJ, intérprete da lei federal, usurpe as
competências deste, inovando a jurisprudência.
Ao julgar como corte ordinária (competência originária e recursal ordinária), o STF, deve, sim, sujeitar-se à
jurisprudência do STJ, a quem a Carta Política outorgou a interpretação da lei federal!
Acompanhando os julgados do STF (v.g., informativo semanal), vê-se que a Suprema Corte, solenemente,
ignora o STJ!
O poder revisional do STF deve limitar-se à interpretação dos fatos e à hermenêutica jurídica que encontre
respaldo na Constituição Federal.
A maioria das questões controvertidas no STF (v.g condicionamento da ação penal ao encerramento do
processo administrativo-fiscal, HC 81.611-DF) é puramente infraconstitucional.
O STF cava seu próprio naufrágio, submergindo em picuinhas traduzidas em centenas de milhares de
processos, negligenciando o enfretamento reflexivo e sério das matérias constitucionais, ora relegadas à
abordagem "en passant".
Exemplo patétio foi o STF debruçar-se, longamente, em discutir se a exposição em público das nádegas do
teatrólogo Gerald Thomas, logo após apresentação artística, constituiria ou não tipicidade de ato obsceno
previsto no art. 233 do Código Penal(HC nº 83996, Informativo do STF nº 357).
O processo ainda tramitava na 1ª instância, inexistente qualquer ameaça à liberdade de locomoção de
Gerald, tampouco veredicto do Judiciário, o qual apenas fazia tramitar o processado.
Portanto, a solução do assoberbamento recursal está muito menos na reforma
legal/constitucional,consoante apregoado por Membros do STF, do que na reciclagem mental do membros
da Suprema Corte, reféns de uma ótica estreita, tacanha.
A cada semestre, o STF pátrio julga mais HC?s que a Suprema Corte norte-americana o fez em expressiva
parcela de toda sua história. Suprema Corte, aquela, cujos institutos deveriam ser reproduzidos,
remediando-se os brutais malefícios da precipitação: a)"ripeness doctrine": teoria de causa madura, pela
qual o tribunal não admitirá o recurso antes de esgotadas as demais vias administrativas e judiciais; b)"writ
of certiorari": argüição de relevância; recurso à Suprema Corte norte-americana, espécie de recurso
extraordinário, cuja admissibilidade depende da acolhida de pelo menos quatro de seus membros.
Inepta a jursidição na auto-restrição, emenda constitucional obriga o prequestionamento da 'repercussão
geral'(art. 102, §3º, da Carta Magna c/c Lei nº 11.418/06), STF, 'verbis':
'Repercussão Geral e Recurso Extraordinário em Matéria Criminal
O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada em agravo de instrumento ? interposto contra decisão que
inadmitira recurso extraordinário, em matéria criminal ? da seguinte forma: 1)que é de exigir-se a
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demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas em qualquer recurso
extraordinário, incluído o criminal; 2)que a verificação da existência de demonstração formal e fundamentada
da repercussão geral das questões discutidas no recurso extraordinário pode fazer-se tanto na origem
quanto no Supremo Tribunal Federal, cabendo exclusivamente a este Tribunal, no entanto, a decisão sobre
a efetiva existência da repercussão geral; 3)que a exigência da demonstração formal e fundamentada no
recurso extraordinário da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a
intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 3.5.2007, data da publicação da Emenda
Regimental 21/2007, do RISTF ... (AI 664567 QO/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 18.6.2007. (AI-664567 Informativo do STF nº 472).
Todavia, em sede de HC, o STF conhece de tudo.
No colarinho branco, há a abstração das vítimas, vez que difusas, alheias à epidérmica sensibilização do "
locus delicti"(v.g. na corrupção, sonegação, etc. a lesão ao erário atinge toda a sociedade pela defecção do
Estado nas prestações sociais - abstração; já, na lesão corporal, furto, há a individualização da vítima concretização).
Sabido que a imediatidade entre agressor e ofendido, acalorada pela flagrância da
delinqüência(concretização), incrementa o clamor da Sociedade e a diligência das autoridades pela Justiça, "
a contrario sensu", o distanciamento(abstração) distensiona a pressão pela Justiça. Ipso facto, no colarinho
branco, fala-se em vítimas abstractas ou distantes - "crime without victms" -(vide Luciano Feldens, 'Tutela
Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco', Livraria do Advogado,2000, p. 33).
Esta abstração das vítimas, distensão do clamor por Justiça, é fortemente incrementada pela morosidade da
persecução ao colarinho branco. A começar pelo retardamento nas esferas extrajudiciais(vide tópico DA
(IN)DEPENDÊNCIAS DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL) estendendo-se ao próprio Poder
Judiciário, afora outras razões, mercê de inúmeros recursos em prol da Defesa, especialmente por força da
banalização do habeas corpus.
Delonga essa, que freqüentemente enseja a prescrição, valendo sempre lembrar que apenas o Brasil,
inexistindo no Direito Comparado, consagra a figura da prescrição "in concreto", retroativa(art. 110 do
Código Penal).
Quanto não consumada a extinção da punibilidade pela prescrição, o tempo corrói a poder condenatório da
provas, e da própria culpabilidade, reprovabilidade do colarinho branco.
Sobre a justificação ontológica da prescrição, bem assim da influência do tempo no processo, o célebre
lapidar Aníbal Bruno, "verbis":
"O tempo que passa vai alterando os fatos e com estes as relações jurídicas que neles se apóiam. E o
Direito, com seu senso realista, não pode deixar de atender a essa natural transmutação das coisas.
A indignação pública e o sentimento de insegurança que o crime gerou amortecem com o decorrer dos anos,
do mesmo modo que atenua a revolta e exigência de justiça dos ofendidos. Assim também, com o tempo,
vai-se mudando o réu em outro homem, esquece ou deforma a imagem do seu crime, e a pena, quer como
instrumento de expiação, quer como instrumento de emenda, já não encontrará o mesmo sujeito como saiu,
com sua culpa, da prática do delito, para nele aplicar-se com eficácia e justiça. Perde a pena o seu
fundamento e os seus fins, e assim se esgotam os motivos que tinha o Estado para a punição.
Além disso, o fato cometido foi-se perdendo no passado, apagando-se os seus sinais físicos e as suas
circunstâncias na memória dos homens, escasseiam e se tornam incertas as provas materiais e os
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testemunhos e assim crescem os riscos de que o juízo que se venha a emitir sobre ele se extravie, com
grave perigo para a segurança do Direito"(Direito Penal, Forense, 1978, Tomo III, p. 211).
Enfim, ao Estado não é dado brandir, 'ad perpetuam', a espada de dâmocles, devendo assegurar a
segurança: 'finis sollicitudinis et periculi litium'(fim do cuidado - do desassossego - e do perigo oriundo das
demandas).
Ainda sobre a chicana, tão presente no colarinho branco, vale a leitura de "O Princípio da Ampla Defesa com
Intuito Meramente Protelatório no Procedimento Processual Penal", reportando-se ao "contempt of court" do
direito norte-americano, pelo qual ao Judiciário cumpre reprimir qualquer ato atentatório à efetividade da
Justiça, lavra de Douglas Fischer, Procurador Regional da República no RS, in Boletim dos Procuradores da
República nº 09, www.anpr.org.br.
Em contrapartida, à investigação criminal, o Juízo "A Quo", contra a Acusação, na prática, é Suprema Corte.
Sabido que os elementos de convicção aptos à condenação da criminalidade mais contundente, organizada,
colarinho branco, viabiliza-se apenas com provas invasivas(v.g., interceptação telefônica, dados bancários,
busca domiciliar, etc.), somada à inexorável tendência legal/jurisprudencial de ampliar cada vez mais o rol de
provas condicionadas à reserva da jurisdição(vide tópico DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO),
o indeferimento de qualquer delas pelo Juízo "A Quo", na realidade, fere de morte qualquer possibilidade de
êxito na investigação.
Simplesmente, inexiste previsão legal de recurso contra a denegação. Em desespero de causa, lança-se
mão do mandado de segurança, correição parcial, etc., instrumentos estes, além de inapropriados, mesmo
quando excepcionalmente providos, regra geral, ineficazes(v.g., delonga que faz perecer a efetividade da
prova, a exemplo da interceptação telefônica cujo momento da escuta é crucial, contraditório e/ou
vazamento da apuração em instância recursal, de forma que o investigado destrua provas, etc.).
A propósito dessa brutal disparidade de armas - Defesa leva qualquer questiúncula à exauriente discussão
até o STF enquanto a Acusação soçobra ante denegação da 1ª instância, sequer chegando aos tribunais
recursais ordinários -, ironizando, o percuciente Procurador da República João Brandão Neto sugere ao
Parquet recorrer ao bispo, lembrando a origem da máxima popular da autoridade eclesiástica como o
supremo recurso, consoante legislação dantes vigorante em toda a Península Ibérica, ou seja, o Fuero
Juzgo, Livro 2, Título 1, item XXVIII, "verbis":
"XXVIII. Do poder que têm os bispos sobre os juízes que julgam torto
Nós admoestamos aos bispos de Deus, que devem ter guarda sobre os pobres e sobre os coitados, por
mando de Deus; que eles admoestem os juízes que julgam torto contra os povos, para que melhorem e que
façam boa vida e que desfaçam o que julgaram mal. E se eles não quiserem atender a admoestação dos
bispos, e quiserem julgar torto, o bispo em cuja terra está, deve chamar o juiz que dizem que julgou torto, e
outros bispos, e outros homens bons, e emendar o pleito com o juiz, segundo o que é de direito. E se o juiz
for tão desleal que não queira emendar o julgamento com o bispo, então este pode julgar por si, e faça um
escrito de como emendou o julgamento e envie este escrito ao rei, juntamente com a pessoa que estava
agravada, para que o rei confirme o que lhe parecer que é direito. E se o juiz impedir que vá ao bispo aquele
homem que antes era agravado por ele, juiz, com torto, pague o juiz duas libras de ouro ao rei."
De sua parte, a tipicidade do colarinho branco, por excelência aberta, está repleta de elementos normativos,
normas penais em branco, conceitos difusos, controvertidamente enunciados por outros ramos
jurídicos(Direito Tributário, Comercial, Administrativo, Civil, normas infralegais - decretos, resoluções,
portarias - ato próprio dos porteiros, como diria o saudoso Prof. Geraldo Ataliba -,etc.), extrajurídicos(v.g.,
contabilidade, economia, administração, etc.), e culturais, ensejando extensa liberdade interpretativa, dando
asas à imaginação, subjetividade do Julgador(a) (v.g., Lei nº 7.492/86, art. art. 4º: "Gerir fraudulentamente ...
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gestão temerária ..."etc. - vide tópico DA DOGMÁTICA - DEFESA -"lex certa"). Sobre os elementos do tipo,
adiante, vide quadro sinóptico da Teoria do Delito.
Em suma, por obra do próprio Legislador, premido pela deficiente assessoria técnica, açodado pelas ondas
midiáticas, lóbis, culminando com a especial dificuldade em estabelecer conceitos precisos, permanentes,
desta delinqüência cuja característica essencial é o alucinante dinamismo, diária inovação do "modus
operandi", empresta ao Julgador(a) extraordinária discricionariedade interpetativa, em princípio,
legitimando-se toda sorte de conclusões.(vide tópicos AXIOLOGIA, DOGMÁTICA e ícone PITORESCO).
Nota especial do colarinho branco é sua extraordinária capacidade de influência, lóbi, junto a todos os
Poderes do Estado.
No âmbito do Judiciário, muitas vezes o lóbi é sutil, discreto, travestido por fundamentações aparentemente
técnicas, outras tantas de forma explícita, categórica. Vicejam integrantes da Magistratura, Juízes(a),
Desembargadores(a) e Ministros de Tribunais Superiores que, mercê de instantânea aposentadoria,
convolam-se dos Juizes(a) de ontem nos Advogados(a) de hoje. No Ministério Público, identicamente,
agravado por excrescências, a exemplo da advocacia ainda na ativa(art.29, §3º, da ADCT c/c art. 281 da LC
nº 75/93). À miúde, escrachadamente, intitulando-se, quando da defesa, em lugar de Advogados(a), como
"Desembargadores", etc.
Entre ex-Membros do Parquet e Judicatura de ascendente presença na defesa do colarinho branco, têm
destacado-se integrantes que, quando na ativa, estipendiados pelo erário, lapidaram-se intelectualmente,
através de estudos, cursos, mestrados, doutorados, etc., vários no exterior, para, ato contínuo, sob os
auspícios da vitaliciedade, paridade entre vencimentos e proventos dos aposentados, capitalizarem à
fazenda privada o investimento da fazenda pública.
"Cheguei à conclusão de que bingo é inócuo. Quer dizer, qualquer atividade econômica é suscetível de
lavagem de dinheiro e sonegação, o jogo não é mais suscetível."(Osíris Lopes Filho, ex-Secretário da
Receita Federal no governo Itamar Franco, ora advogando em favor dos bingos, percebendo R$ 20 mil
mensais a tanto - Folha da São Paulo, 28.05.06).
Na seara política, umbilicalmente vinculada ao colarinho branco, quando não diretamente, corrupção, por
vias transversas, a exemplo do financiamento, não apenas das campanhas eleitorais, mas dos próprios
agentes políticos, afora a ascendência natural do poder, há a direta nomeação de Membros do Judiciário
pelo Executivo, a exemplo do recentemente testemunhado pela Nação, quando, sendo do interesse do
Presidente já no ocaso do mandato - açodado pelo interminável périplo de improbidades que marcaram seu
governo, até então coroados pelo total absenteísmo da persecução, sob a real ameaça de serem
"desengavetadas"; síndrome Carlos Menen, ex-Presidente da Argentina, preso após o mandato - os
integrantes por ele nomeados à Suprema Corte capitanearem a "legijurisdição" (jurisdição que avoca poder
legiferante, inovando na ordem jurídica; "bench legislation" do Direito norte-americano) que tranqüilizasse o
Príncipe(vide Informativo do STF nº 291), depois ratificada pelo Legislativo, em parte, caudatário de idênticos
temores do Chefe do Executivo, somado a outro contingente, especialmente o oposicionista, então
recentemente vitorioso à sucessão presidencial, que, em contraprestação aos afagos da transição,
barganhou a perpetuação da imunidade/impunidade(Lei nº 10.628/02 - vide, também, tópico DO FORO
PRIVILEGIADO).
No que refere à Chefia do Ministério Público, órgão que concentra o poder de persecução contra o foro
privilegiado, não é muito diferente. Embora a lista tríplice à Chefia nos Estados seja salutar(rt. 128, §3º, da
Constituição), contemporizando subordinação aos Governadores(a), a experiência demonstrou claro
alinhamento dos nomeados aos respectivos Chefes do Executivo. Muitos candidatos à lista fazem campanha
entre seus pares, sensibilizando-os precisamente ao argumento de que são os mais simpáticos ao
Governador(a), abrindo portas às conquistas da categoria(remuneração, estrutura funcional, etc.).
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No Estado do RS, v.g., exitosa campanha dessa natureza foi levada a cabo por intelectualizado Procurador
de Justiça, então cargo de confiança do Governador. Encerrado o mandato do Chefe do Executivo, também
inativou-se o Chefe do Parquet, passando a advogar em escritório cuja especialidade, entre outras, é a
defesa de empresas estatais privatizadas e concessionárias de serviço público mercê de atos daquele
governo. Mais! O Exmo. ex-Governador, bacharelando em Direito, passou a estagiar na portentosa banca.
São Paulo, v.g., descobriu as improbidades dos Governos Quércia e Fleury apenas quando Mário Covas
ascendeu ao poder.
Ainda no RS, o Governo do PT, cuja gestão da Segurança Pública foi desastrosa - razão crucial da derrota
eleitoral em 2002, tanto que o próprio candidato situacionista, o excelente Dr. Tarso Genro, na campanha,
prometia radicais alterações no setor - foi contemplada com o sepulcral silêncio do Exmo. Procurador-Geral
de Justiça.
As conclusões da CPI da Segurança Pública/RS, mesmo descontados apontamentos notoriamente produto
da maioria oposicionista e segmentos corruptos do aparelho de Estado, inusitadamente, foi objeto de célere
e unívoco arquivamento em relação às figuras mais expressivas do governo, no qual, não apenas as
matérias privativas do Chefe do Parquet, incluindo as atinentes a outros órgãos da instituição, tiveram
findada a persecutio criminis.
"Beneficium accipere libertatem vendere est": aceitar um favor é vender a liberdade!
Nas demais Unidades da Federação, o diapasão não destoa da uníssona nota.
No âmbito federal, dramaticamente agravada pela inexistência de lista tríplice, estando à livre escolha do
Presidente da República(art. 128, §1º, da Constituição), a situação é ainda pior.
Depois do notável Dr. Aristides Junqueira que, sob os tormentos da era Fernando Collor, ostentou
memorável brio e dignidade, no extenso período do Exmo. Presidente FHC repetiram-se os mandatos em
idêntica pessoa. Sua atuação(omissão) valeu-lhe o título de "Engavetador-Geral da República", epíteto que
infelizmente o perpetua na história(pesquisa www.google.com.br, digitando "engavetador-geral").
Vide, exemplificativamente, "Fatos Caracterizadores de Corrupção Ativa e Passiva - Caso Collor/Construtora
Xingo -" PC Farias, Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República, in Boletim dos Procuradores
da República nº 20, www.anpr.org.br.
Não é uma crítica injuriosa, tampouco pessoal, mesmo porque, embora sucumbindo ante o grave estigma,
sua administração teve inúmeros e vultosos méritos, a exemplo da preservação da independência funcional
da 1ª instância, prerrogativa tantas vezes lesada por Procuradores(a)-Gerais de Justiça dos Estados.
É a constatação de um fato notório(art. 334, I, do CPC). Contra fatos, especialmente os notórios, não há
argumentos(vide "Da Inconstitucional Hipertrofia do Procurador-Geral da República", Boletim dos
Procuradores da República, nº 55, www.anpr.org.br)
No Governo Lula, nomeado Dr. Claudio Fonteles com endosso dos membros do Ministério Público Federal,
os quais, em consulta formulada pela respectiva associação de classe(ANPR), o indicaram entre os mais
cotados, teve atuação escorreita, autêntico "desengavetador-geral".
Dr. Fonteles foi brilhantemente sucedido pelo Dr. Antonio Fernando, igualmente também aclamado em
consulta aos Membros do Parquet Federal, cujo mandato, colhido pelo furacão da corrupção petista(CPI dos
Correios, etc.), foi marcado por discrição, imparcialidade e incisão notáveis.
Deixou órfão Ali Babá, denunciando 40 perante o STF, entre eles, o Presidente do PT José Genuíno, o
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tesoureiro Delúbio Soares, Ministro Chefe da Casa Civil, Deputado Federal, ícone do PT, José Dirceu,
Ministro das Comunicações Luiz Gushiken, Deputado Roberto Jefferson, publicitário Marcos Valério, etc("
Dos mensaleiros à ?quadrilha dos 40? - Folha de São Paulo, 04.06.06).
Análise mais detida sobre o exercício da ação penal no foro especial, titulada que é pelo acusador
privilegiado, vide tópico DO FORO PRIVILEGIADO.
É na explícita lei em sentido formal, entretanto, produto do Legislativo e Executivo, que o colarinho branco
encontra seu bill de indenidade. Em suma, a pródiga "clementia principis", clemência, perdão, graça do
Príncipe.
Tomando-se o furto(art. 155 do CP), delito de mão pobre - analogia à reconhecida classificação dogmática
do crime de mão própria, reportando-se àqueles que só podem ser cometidos por ação direta, pessoal, do
agente referido no tipo, v.g., adultério, abandono de cargo público, etc. -, ver-se-á que ele, ressalvado o
agravamento à subtração de veículos(Lei nº 9.246/96), mantém sua redação original emprestada pelo
Código Penal de 1940.
Draconiana, repressiva, refletindo o exacerbado patrimonialismo(coronelismo feudal) que marcava a
Sociedade Brasileira na primeira metade do Século XX, ainda sob a flagrância da escravatura, temerosa
pelo assédio da choldra excluída, mesmo na forma simples, prevê pena superior ao homicídio culposo.
As eventuais mitigações ocorreram por vias reflexas, motivadas pelo benefício a outros segmentos. É o caso
das penas alternativas(Lei nº 9.714/98), cuja real razão da aberrante extensão a até 04 anos de prisão
deve-se à crescente condenação do colarinho branco, especialmente por sonegação fiscal/previdenciária,
registrada com maior ênfase na Região Sul(TRF/4ª).
Em contrapartida, a legislação repressiva do colarinho branco, delito de mão rica, é volátil, sob quotidianas
alterações e/ou projetos com idêntico propósito, ensejando, quando não explícita "abolitio criminis", extinção
da punibilidade, mitigações à insignificância das sanções impostas. etc.
A sonegação fiscal é exemplo dos mais gritantes. Nesse âmbito, vide "Lei como Causa de Impunidade nos
Crimes Fiscais", Mario Luiz Bonsaglia, Procurador Regional da República/3ªRegião, in Boletim dos
Procuradores da República nº 09, www.anpr.org.br
Percucientemente, o Procurador da República Brandão Neto identifica a raiz do vício, lembrando que a pena
aos sonegdores de Portugal era o degredo para o Brasil, consoante as Ordenações Filipinas, Primeiro Livro,
Título XXXIV ? Das Minas e Metais, "verbis":
"5. E todos os metais, que as partes ficarem, depois de pagos os ditos direitos, sendo primeiro marcados,
poderão vender a quem quiserem, não sendo para fora do Reino, fazendo?o primeiro saber aos Oficiais, que
para isso houver, para fazerem assentos das vendas no livro, que hão de ter, em que os vendedores
assinarão. E o que vender, sem lho fazer saber, pagará a quantidade do que vender em dobro, e o
comprador, dois terços para nossa Fazenda, e o outro para quem o descobrir e acusar, e serão presos até
nossa mercê . E o que os vender antes de serem marcados, ou em madre, antes de fundidos, ou para fora
do Reino, perderá a fazenda, e será degradado dez anos para o Brasil."
As fraudes contra o fisco, independente de tipificação própria, sempre foram criminosas, encontrando
adequação na falsidade ideológica e/ou material sucedido pelo uso dessa documentação frente ao
erário(arts. 297/299 e 304 do CP), subsumida, em última análise, ao estelionato qualificado contra a
Fazenda Pública(art. 171, §3º, do CP).
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Em tese('in abstracto'), sonegação sempre foi crime. Diz-se em tese porque restrito à especulação
acadêmica. Inexistia persecução, impensável relegar o 'devedor do fisco'(eufemismo de sonegador) ao vulgo
'171'.
Na esteira do já criminalizado à retenção das contribuições previdenciárias descontadas dos
empregados(art. 5º do Decreto-Lei nº 65, de 1937), a Lei nº 4.357/64 tipificou o não recolhimento do Imposto
de Renda retido na fonte e fraude na dedução de créditos tributários acolhidos nas transações com terceiros
no Imposto de Consumo(hoje ICMS), remetendo-se à pena da apropriação indébita do Código Penal.
Ressalvou, "ab initio" jamais descurando das benesses ao colarinho branco, a extinção da punibilidade com
o pagamento anterior à decisão administrativa de primeira instância no respectivo processo fiscal(art. 11,
§1º).
Quando da Lei nº 4.729/65, enganosamente propagandeada como a criminalização de um fato até então
atípico, de mera relevância tributária(ilítito meramente administrativo), previu-se pena inferior ao Código
Penal, limitada a 2(dois) anos de prisão, aquém, portando, do esteliontato/'falsum'.
Ante o temor do Ministério Público ousar imputar estelionato, inusitadamente, na salvaguarda do colarinho
branco, explicitando que "somente os atos definidos nesta Lei poderão constituir crime de sonegação fiscal.
"(art. 3º da Lei nº 4.729/65).
Ainda insuficiente à preservação do "mal das grades", condecorou-se com absoluta eficácia o
arrependimento às portas do cárcere, consagrando a extinção da punibilidade mediante o pagamento
anterior à ação fiscal, ou seja, início do procedimento administrativo-tributário de fiscalização(2º da Lei nº
4.729/65).
De sua parte, os sonegadores não flagrados pelo Fisco, exitosos empreendedores, jamais estando à mercê
de serem denunciados, óbvio que nunca terão qualquer razão para arrependimento.
Poderão, os mais cautelosos, provisionar na contabilidade a rubrica "sonegação fiscal"("sic") para, na
hipótese de autuados, eximirem-se. Vencido o breve qüinqüênio decadencial(art. 156, V, do CTN), o hábil
sonegador poderá apropriar, definitivamente, à fazenda privada o subtraído da fazenda pública.
Remanescendo alguns resquícios de punibilidade, adveio o Dec.-Lei nº 157/67, cujo art. 18, "caput",
elasteceu a extinção da punibilidade da sonegação prevista na Lei nº 4.729/65 ao pagamento(depósito)
antes da decisão de 1ª instância no processo administrativo-tributário, no art. 18, §2º, dispôs, "verbis":
"Extingue-se a punibilidade, quando a imputação penal de natureza diversa da Lei nº 4.729, de 14 de
julho de 1965, decorra de ter o agente elidido o pagamento de tributo, desde que ainda não tenha sido
iniciada ação penal, se o montante do tributo e multas for pago ou depositado na forma deste artigo.
"(grifou-se).
A enigmática redação, reportando-se à imputação diversa à sonegação, faria pensar referir-se aos
delitos-meio, a exemplo do "falsum" documental, subsumidos na fraude fiscal(v.g., Súm. nº 17 do STJ).
Todavia, o art. 3º da Lei nº 4.729/65 já era explícito, impondo a consunção. Na verdade, o despudorado
Legislador visou também contemplar com a impunidade crimes de outras espécies, a exemplo da corrupção
da Autoridade Fiscal, que tenha contribuído com a sonegação.
Por seu turno, o Decreto-lei nº 326/67, art. 2º, estendeu a extinção da punibilidade à retenção do IPI, uma
vez quitado antes da decisão administrativo-fiscal de 1ª instância.
No Governo Collor, embora deposto pelo impeachment, enrijeceu-se a repressão. As penas foram
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significativamente majoradas, de forma a aproximarem-se do estelionato contra o Fisco(arts. 1º e 12, I, da
Lei nº 8.137/90 c/c 171, §3º, do CP). Manteve-se, todavia, a extinção da punibilidade com o pagamento
anterior à denúncia(art. 14 da Lei nº 8.137/90). Posteriormente, entretanto, revogou-se o benefício
extremo(art. 98 da Lei nº 8.383/91), remanescendo o atrativo da vala comum(arts. 15 e 16 do CP).
No Governo FHC, tamanho era o açodamento em repristinar a impunidade, que outorgou-se, através da Lei
nº 9.249/95, art. 34, a impunidade a todos os delitos da Lei nº 8.137/90, incluindo, v.g., a corrupção do
Agente Fiscal("sic" - art. 3º da Lei nº 8.137/90), uma vez que a norma abolitiva reportou-se à extinção "... dos
crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729. de 14 de julho de 1965 ..."
sem ressalva a qualquer deles.
Além disso, em desespero de causa, ante o poder requisitório do Ministerium Publicum(art. 129, VI e VII, da
Constituição; arts. 7º e 8º da LC nº 75/93; art. 26 da Lei nº 8.625/93), que passou abortar a extensa, muitas
vezes interminável/inexplicável, tramitação na esfera administrativa dos processos fiscais(vide tópico I.IV DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL), editou-se norma tentando
condicionar a ação penal ao encerramento do procedimento extrajudicial(art. 83 da Lei nº 9.430/96).
Vale referir o explícito lóbi, retratado nos debates parlamentares, quando ressucitada a extinção da
punibilidade(art. 34 da Lei nº 9.249/95), Diário da Câmara dos Deputados, 07.11.95, p. 4.529, "verbis":
"Com a palavra o Deputado Luís Roberto Ponte informou que a emenda se referia à introdução de um novo
artigo no texto para corrigir uma deformação("sic") existente na Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991.
Essa emenda limita-se a incorporar na legislação o que havia sido suprimido na citada na Lei. O Deputado
Silvio Torres pediu a palavra para declarar-se favorável ao acolhimento da emenda pelo Relator,
acrescentando, a propósito, que fora procurado em São Paulo por representantes de Federações do
Comércio, os quais lhe relataram muitos problemas que vinham ocorrendo em função daquela lei,
penalizando até mesmo quem estivesse em dia com o fisco, continuando, não obstante, a ser indiciados em
processos-crime ..."(grifou-se - "apud", Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do
Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 191)
Alguém imagina a proposição de extinção da punibilidade pela restituição da "res furtiva", v.g., galinha e/ou
botijão de gás?! Mais! Que os Exmos. Parlamentares, reportando-se à entidade representativa dos gatunos,
proponham o benefício, tachando de "deformação" lei anterior que o tivesse suprimido?!
Pelo emblemático simbolismo da absoluta falta de limites no favorecimento ao colarinho branco, merece
referência publicação de abolitio criminis da sonegação previdenciária que sequer fora aprovada pelo
Congresso Nacional("sic" - art. 11 da Lei nº 9.639/98, DOU 26.05.98 - projeto de lei cuja honrosa iniciativa
coube ao Deputado Federal José Luiz Clerot).
Ante algumas vozes e decisões emprestando eficácia à excrescência, à Suprema Corte coube o ônus de
declarar que os artífices da Imprensa Nacional, responsáveis pela edição do Diário Oficial, não têm poder
legiferante(STF, HC 77.734-9, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 10.08.00, p.51).
Ainda nesta Lei nº 9.639/98, art. 11, editou-se - esta sem qualquer fraude, manifestando assumida vontade
do legislativo e Executivo - enigmática "abolitio criminis", "verbis":
"São anistiados os agentes políticos que tenham sido responsabilizados, sem que fosse atribuição legal sua,
pela prática dos crimes previstos na alínea ?d? do art. 95 da Lei nº 8.212 ..."
O que significa "... sem que fosse atribuição legal sua ..."?! De que não coubesse ao Agente Político,
Prefeito, Diretor-Presidente de empresa estatal, etc. elaborar a folha de pagamento, recolher as
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contribuições, etc?! Absurdo! Notório que a responsabilidade não é de quem executa os atos materiais, mas
sim de quem determina, exerce o poder, enfim, manda!
Em verdade, sequer o próprio Legislativo e Executivo, autores da norma, sabem o que ela significa. Sabem,
entretanto, e muito bem, o que pretenderam com ela: auto-anistia, ou seja, livrarem-se dos crimes
previdenciários que perpetuam rotineiramente. A misteriosa redação nada mais é que confissão de culpa,
grotesco disfarce da impudência.
Altiloqüente reportagem da Revista Veja, 20.11.00, "BANCADA DA PREVIDÊNCIA", expondo algumas das
milionárias sonegações previdenciárias de Parlamentares, a exemplo de Paulo Octávio: R$ 20 milhões, José
Sarney Filho: 8,5 milhões, Jader Barbalho: R$ 8,2 milhões, Armando Monteiro Neto: R$ 75 milhões, José
Carlos Martinez: 26,5 milhões, Lídia Quinan: R$ 75 milhões, etc.
Outro disparate foi a tipificação dos delitos contra a Previdência Social, art. 95 da Lei nº 8.212/91, bastando
lembrar que das 10 condutas tipificadas neste art. 95(alíneas ?a? até ?j?) apenas três tinham cominação de
pena(?d?, ?e?, ?f?).
As demais, o Legislador simplesmente esqueceu("sic"), remanescendo, para gáudio dos colecionadores de
originalidades acadêmicas, como preceitos sem sanção, em outras palavras, meros conselhos à
sensibilidade ética dos delinqüentes.
Em 1997, a Medida Provisória nº 1.571-6, DOU 29.06.97, previu a suspensão da pretensão punitiva
enquanto parcelada a sonegação com a Previdência Social. A partir da reedição 1.571-8, DOU 21.11.97,
suprimiu-se a benesse, igualmente ausente na conversão(Lei nº 9.939/98).
Todavia, tendo em vista a claúsula geral convalidando os atos praticados na vigência das medidas
provisórias originárias à lei de conversão, garantiu-se, uma vez mais, a impunidade(STF, RE 254.818, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 220).
Ainda no âmbito do INSS, a Lei nº 9.983/00 aquinhoou os sonegadores, fraudadores da Previdência Social,
com a extinção da punibilidade, pasmem, mediante a simples confissão - sem qualquer pagamento! - do
crime antes da ação fiscal(art. 337-A, §1º, do CP)!
Benesse da extinção da puniblidade pelo mera confissão(art. 337-A, §1º, do CP) que será estendida aos
tributos administrados pela Receita Federal(arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90).
Elementar aplicação da analogia "in bonam partem", isonomia(art. 5º, "caput", da CRFB), onde existe a
mesma razão fundamental prevalece idêntica regra de direito("ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio").
De lembrar-se que a extinção da punibilidade pelo pagamento anterior à denúncia, repristinada pela Lei nº
9.249/95, art. 34, reportava-se, tão somente aos "... crimes definidos n Lei nº 8.137 ... e na Lei nº 4.729 ...",
sendo omissa quanto à sonegação previdenciária(v.g., art. 95, ?d? da Lei nº 8.212/91), aplicada, contudo,
por analogia, também ao INSS.
Agora, simples contrario sensu. O próprio "caput" do art. 1º da Lei nº 8.137/90 enuncia "contribuição social",
lembrando-se que a Receita Federal arrecada, administra contribuições sociais destinadas à Previdência
Social(art. 195, I, ?b?, da Constituição) a exemplo do FINSOCIAL, COFINS, etc.
Ainda no Governo FHC, os sonegadores abiscoitaram mais privilégios, por ocasião do refis(art. 15 da Lei nº
9.964/00), suspensa a pretensão punitiva enquanto sob o parcelamento "ad eternum", vez que os valores
mensais são decididos pelo próprio sujeito passivo, vinculados ao faturamento da pessoa jurídica, mercê de
sua discricionária declaração, de forma que a projeção à quitação ultrapassa séculos("sic" - caso da
Academia de Tênis-DF, 1.166 anos, vide Revista Veja de 21.02.01, p. 48 - Folha de São Paulo, 01.02.04: "
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União parcela dívida em até 890 mil anos"
Cômico, não fosse trágico!
STJ, 'verbis':
'REFIS. RETROATIVIDADE.
A Turma desproveu o recurso, reiterando o entendimento quanto à aplicação do art. 15 da Lei n. 9.964/2000,
nos termos do art. 5º, XL, da CF/1988 e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, retroativamente às
hipóteses de adesão ao Refis em data posterior ao recebimento da denúncia, não obstante a propositura da
ação penal (persecutio criminis in iudicio) iniciada antes da vigência da lei instituidora do programa.'
Precedentes citados: EREsp 659.081-SP, DJ 30/10/2006; AgRg no REsp 697.072-SP, DJe 8/9/2009, e HC
46.648-SC, DJe 15/9/2008. REsp 699.218-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
10/11/2009, Informativo do STJ nº 415).
No Governo Lula, tão logo chegado ao poder, catapultado pelo brioso desfraldar da bandeira da
moralidade/probidade, promoveu a maior anistia, "abolitio criminis", esbórnia da impunidade, já obsequiada
aos sonegadores na história do Brasil.
Se não sensibilizou-lhe a delinqüência contra o erário, no mínimo, o Partido dos Trabalhadores poderia
comover-se com os trablhadores da nobre Advocacia Criminal, em massa desempregados com a medida.
Freudianamente, recebeu o epíteto de PAES(Parcelamento Especial - Lei nº 10.684/03). Até as "mães"
restariam constrangidas em outorgar tamanha leiência à dileta prole sonegadora.
Tamanho o prurido abolicionista que, embora a Lei nº 10.684/03 não tenha contemplado a pessoa física,
apenas a jurídica, de imediato, a Receita Federal, arrogando-se poderes legislativos, estendeu o benefício
também aos sonegadores da pessoa física.
Reeditando suspensão da 'persecutio criminis' pelo parcelamento, foi-se além, muito além, excluída a
limitação anteriormente salvaguardada, qual seja, aplicação restrita às sonegações ainda não objeto de
denúncia pelo Parquet recebida pelo Judiciário(art. 9º da Lei nº 10.684/03), de forma que o inexorável efeito
retroativo da "lex mitior"(art. 5º, XL, "in fine", da Carta Magna) sepultou todas as persecuções pretéritas("sic
").
Louvável esforço pela probidade argumentará que o benefício restringe-se aos parcelamentos da Lei nº
10.684/03.
Lamentavelmente, todavia, improcede.
Primeiro, a própria norma, explicitamente, contempla todas as espécies de parcelamentos anteriores(art. 1º,
§1º), incluindo o refis(art. 2º), que homiziou toda espécie de sonegação(v.g., fraudes da Lei nº 8.137/90, arts.
1º e 2º, contra a Previdência Social, incluindo a retenção das contribuições descontadas dos segurados,
etc.).
Segundo, elementar aplicação da analogia "in bonam partem", isonomia(art. 5º, "caput", da CRFB), onde
existe a mesma razão fundamental prevalece idêntica regra de direito("ubi eadem ratio, ibi eadem legis
dispositio"), implicaria estender o benefício.
Lembre-se, uma vez mais, que essa fundamentação fez aplicar a extinção da punibilidade também à
sonegação previdenciária, situação não referida pelo Legislador, que limitara-se à sonegação fiscal(art. 34
da Lei nº 9.249/95).
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Portanto, apesar de, como explicitam as razões dos vetos da Presidência da República à Lei nº 10.684/03,
tenha-se buscado excluir do Paes a apropriação previdenciária, para efeitos criminais, não operou-se a
restrição.
De sólido, remanesce a argüição de inconstitucionalidade dessa escandalosa "abolitio criminis" da Lei nº
10.684/03, deduzida pelo notável Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fontelles, podendo ser
suscitada também incidentemente, na respectiva ação penal, pela Acusação.
Brandindo a defesa dos clubes de futebol, instituição nacional('pátria de chuteiras', diria Nelson Rodrigues),
adveio a timemania, parcelando "ad eternum"(Lei nº 11.345/06) o passivo, de quebra, disseminando a
benção às entidades filantrópicas, especialmente às 'pilantrópicas'(art. 4º, §12º, da Lei nº 11.345/06).
Entrementes, outro parcelamento 'amplo, geral e irrestrito'(nos 'anos de chumbo' -ditadura militar, bordão da
oposição clamando perdão aos perseguidos políticos, exilados, agora, aos sonegadores), Medida Provisória
303/06, sequer votada, eficácia exaurida, extinguindo, contudo, a punibilidade de quem solicitou
fracionamento do pagamento quando em vigor a norma.
Entrementes, outro parcelamento 'amplo, geral e irrestrito'(nos 'anos de chumbo' -ditadura militar, bordão da
oposição clamando perdão aos perseguidos políticos, exilados, agora, aos sonegadores), Medida Provisória
303/06, sequer votada, eficácia exaurida, extinguindo, contudo ,a punibilidade de quem solicitou
fracionamento do pagamento quando em vigor a norma.
Novamente, Lei nº 11.941/09, arts. 68 e 69, suspendendo a pretensão punitiva 'ad infinitum'(retroativa e
doravante) pertinente a todos os delitos tributários, incluindo apropriação indébita previdenciária.
Em resumo, fosse o Governo Lula dos EUA à época de Al Capone, o gangster jamais teria sido preso(sobre
Al Capone, vide tópico DA AXIOLOGIA).
Nada surpreendente. No contexto dos escândalos do governo Lula(CPI?s dos Correios, Mensalão, Bingos,
etc.), o próprio Presidente do PT no Estado do RS, David Stival, entrevista à Rádio Bandeirantes de Porto
Alegre, confessou, de público, caixa 2 na campanha eleitoral alimentado pela caixa 2 dos empresários, "
verbis":
" ... Mas é claro [que aceitei contribuição no caixa 2]. Vocês na imprensa sabem, nós do partido sabemos.
Não é dinheiro sujo, não vem do tráfico. Vem do 'plus' que [os empresários] tiram, das relações que eles
têm. Enfim, para não pagar tributos, preferem doar dessa forma..." (Folha de São Paulo, 15.07.05)
Dr. Thomaz Bastos, notório brilhante advogado criminalista, natural que o Exmo.. Ministro da Justiça do
Goveno Lula, pródigo em desvios(vg., CPI?s dos Correios, Bingos, etc), fosse guindado à condição de
primeiro ministro, assoberbado a todo instante em encontrar teses defensivas à quotidiana esbórnia com a "
res publica".
Mais! O Dr. Thomaz bastos, flagrado na expatriação de recusos via CC5 quando da quebra pela CPI dos
Bancos(Sistema Financeiro), ao assumir no Governo Lula, declarou que confessou e pagou cerca de R$ 1
milhão de tributos à Receita Federal. Em síntese, confessou delito valendo-se dos benefícios do colarinho
branco, entre outros, pagar quando interessa( vide tópico DOS CRIMES CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA).
Mais! Há outros milhões não registrados na CC5.
"Ex-cliente liga Bastos a conta no exterior. Engenhiero afirma ter pago, em 1993, US$ 4 milhões no exterior
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para o atual ministro da Justiça, que nega a transação."(Folha de São Paulo 12.06.06).
Eis o porquê de tantas anistias a sonegadores!
Tamanha a absurda e inesgotável pletora de favorecimentos aos sonegadores, que o debate sobre diversos
institutos penais torna-se bizantino, inútil, platonicamente circunscrito à especulação acadêmica.
Casos típicos são a tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior(arts.
14, II, 15 e 16, do CP), somados à prisão em flagrante(arts. 301 a 310 so CPP c/c arts. 337-A do CP, art. 1º
da Lei nº 8.137/90, etc.).
Se mesmo à sonegação consumada basta simplória confissão à impunidade(v.g., art. 337-A, §1º, do CP),
prejudicada qualquer relevância à tentativa, desistência ou arrependimento.
Ao invés de estimular a desistência e arrependimento brandindo a punição, estimula-se a consumação
garantindo a anistia/impunidade.
No que refere à prisão em flagrante, identicamente. Afora aquelas intermináveis hipóteses de extinção da
punibilidade, estando a ação penal condicionada ao encerramento do processo administrativo-fiscal(STF,
HC 81611/DF, 10.12.03, Informativo do STF nº 333), "a fortiori", obstada qualquer ação repressiva do Estado
imediata ao fato.
Em síntese, tamanha a avalancha de normas abolicionistas que perfeitmente defensável a radical assertiva
de que, no Brasil, sonegação não é crime!
Não bastassem as pródigas benesses aos sonegadores quando em curso a pretensão punitiva, aos que
ainda assim tiverem a desventura de serem condenados, o Executivo, quando da pretensão executória, via
indulto, obsequia-os, outorgando extinção da pena mediante cumprimento de apenas a metade das já
afáveis sanções alternativas(v.g., art. 1º, VI, do Decreto nº 4.495/02)
"À la" Nero, incediário de Roma, também presente a insólita extinção da punibilidade do sonegador pela
extinção(cremação) dos autos.
Prédio do INSS em Brasília, sem qualquer segurança preventiva contra incêndios acidentais, muito menos
os dolosos, o qual era repositório das bilionárias autuações contra a pilantropia(entidades que travestem-se
de filantrópicas, fraudando a imunidade tributária), teve cremana vasta documentação irrecuperável,
estimados os prejuízos em R$ 10 bilhões aos cofres da previdência("site" Terra, edição de 29.12.05).
Ao tempo em que a Lei de Responsabilidade Fiscal, norma com "status" de lei complementar, prega no
deserto, repetindo, à exaustão, a imperiosa necessidade de combate à sonegação(arts. 13, 53, §2º, II e 58
da LC nº 101/00), "conditio sine qua non" a que o Estado Brasileiro cumpra suas graves responsabilidades
sociais para com a coletividade mais desigual do planeta, via lei ordinária, da forma mais ordinária e
irresponsável possível, promove-se a orgia da impunidade.
De sua parte, o Poder Judiciário também faz-se presente com substanciosas contribuições.
Uma delas é a notificação do denunciado antes do recebimento da exordial, assinando(oportunizando) prazo
ao sonegador para quitar(parcelar) o débito, "sob pena de recebimento da denúncia"(STJ, Rec. Esp. nº
79.506/DF, DJU 03.08.98, p. 332 - TRF/4ª, Correição Parcial 96.04.60025-7/RS, DJU 14.11.96).
Nesse diapasão, deduzida imputação por estupro, tendo em conta o benefício extintivo da punibilidade(art.
107, VII, do CP - ora revogado), o Judiciário também poderia notificar o acusado a casar-se com a vítima.
Coroando o teatro do absurdo, na hipótese de negativa da ofendida, caberia fazê-la conduzir ao altar sob
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vara!
É o Poder Judiciário apequenando-se, ensejando que o Executivo utilize o Direito Penal à reles cobrança
das contas do Príncipe.
"Prenhe de recenticidade, no particular, a lição de Beccaria, que, há mais de duzentos anos, acentuava: "já
houve tempo em que quase todas as penas eram pecuniárias", de sorte que "os delitos dos homens eram o
patrimônio do príncipe". Naquele contexto, "o juiz era, pois, um advogado do fisco, mais que um investigador
imparcial da verdade, um agente do erário fiscal mais que o protetor e ministro das leis". (Luciano Feldens, T
utela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 200)
A pricipal contribuição do Judicário, entretanto, adveio da Suprema Corte, determinando que a ação penal
fica condiconada ao encerramento do processo administrativo-fiscal (STF, HC 81611/DF, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, 10.12.03, Informativo do STF nº 333 - vide análise do equívoco e desastrosas
conseqüências desta decisão no tópico DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E
JUDICIAL - DA ACUSAÇÃO)
Em suma, para os de "mão rica", colarinho branco, é o órgão fiscal recursal quem diz o direito.
Para os delitos de "mão pobre", sequer com colarinho, descamisados, quem diz o direito é o Judiciário.
Miserável Justiça que justiça apenas os miseráveis!
No Brasil, cujo Legislativo e Executivo não agem, reagem catapultados por escândalos(v.g., Caso
Waldomiro Diniz & José Dirceu e a probição dos bingos, há anos contemplados com a leniência
governamental de FHC e Lula) e tracionados por messianismos circunstanciais, também o Judiciário segue
idêntica toada.
Nesse diapasão, o móvel das instituições são os casuismos, acontecimentos impactantes que empolgam a
berlinda, os quais catapultam panacéias, soluções tão mágicas quanto falsas.
A "bola da vez", onda/avalancha midiática, instantaneamente sentenciou a lavagem de dinheiro como o
delito hediondo, o leviatâ da hora.
Estalando os dedos, o Judiciário deu à luz a panacéia. O CJF(Conselho da Justiça Federal) estabeleceu e
vários TRF?s criaram nas capitais dos Estados "Varas Especializadas?, a elas afetando os crimes contra o
sistema financeiro e lavagem de dinheiro.
Em idêntica toada, o CNJ(Conselho Nacional de Justiça) recomendou, acolhido pelo CJF, implementado
pelos TRF's - sempre de inopino, de roldão, tipo manada que é tocada ao abismo! - que ditas varas também
fossem especializadas em crime organizado - pena máxima a partir de 4 anos de prisão, incluindo todos os
vinculados por conexão ou continência, independentemente da sanção prevista, qualquer espécie de delito
que seja! -, invocando o fluído, indeterminado conceito de delito organizado da convenção da ONU ao
combate do crime organizado transnacional(Decreto nº 5.015/04).
"Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existentes há algum tempo e
atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na
presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro
benefício material"
Portanto, sabido que, "a priori", em sede de investigação, incluindo a própria denúncia('in dubio pro
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societate'), pode facilmente ser enunciado delito dessa ampla e infindável gama, esses juízos avocam a
apuração que bem entenderem, vilipendiando o devido processo legal(juiz e promotor natural, etc.),
surrupiando das autoridades do "locus delicti" a apuração, desarmando a defesa social, atropelando
garantias individuais dos implicados.
O TRF/4ª(Estados do RS, SC e PR) retrocedeu, revogando o desaforamento do crime organizado às
capitais.
Iniciado no sul, âmbito do TRF/4ª, acolhendo orientação do Conselho da Justiça Federal, os TRF?s afetaram
às capitais todas as persecuções por lavagem de dinheiro(Lei nº 9.613/98), delitos contra o sistema
financeiro(Lei nº 7.492/86) e todos os demais crimes conexos.
Em SP, o TRF/3ª foi além, posteriormente recuando. Mais do que desaforar do imenso interior paulista todos
os feitos, inicialmente, também incluiu os do Estado do MS("sic"), de sorte que um simples desvio de
finalidade de financiamento agrícola de pequeno produtor daquele Estado(v.g., pronaf - art. 20 da Lei nº
7.492/86) seria julgado no foro paulistano.
Não se trata de especialização de vara. Sim de deslocamento, desaforamento, da competência dos foros do
interior às capitais.
Quando reúnem-se processos de foros distintos(Circunscrição, Subseção, Comarca, etc.), divisões
judiciárias estanques, portanto, a especialização ou não é um "minus". Fundamental, o "majus", é dizer que
afetou-se a competência de todos eles a uma só, "in casu", a capital.
Especialização, portanto, é dentro do próprio foro. Jamais avocação dos demais foros. Exceto quando
excepcionado pela Carta Magna, a exemplo dos conflitos fundiários(art. 126 da Constituição) e, mesmo na
hipótese, através de lei, nunca de resolução.
Truísmo dizer-se que interpreta-se a lei segundo a constituição, jamais essa subordinada àquela, sob pena
de absoluto vilipêndio à Carta Política, vértice da ordem jurídica.
A "Lex Fundamentalis" é exaustivamente repetitiva quanto à estrita legalidade nas divisões judiciárias.
Confere ao STJ, puramente, a faculdade de propor ao Poder Legislativo "a alteração da organização e da
divisão judiciárias"(art. 96, II, ?d?, da Constituição), bem assim ao Egrégio TRF/4ª "propor a criação de
novas varas judiciárias"(art. 96, I, ?d?, da CRFB)..
Note-se, o STJ!
O Conselho da Justiça Federal tem atribuições exclusivamente administrativas(v.g., critérios de designação
e incorporação de funções gratificadas dos funcionários da Justiça Federal, etc.) e orçamentárias(art. 105,
§único, da CRFB). Inexiste qualquer atribuição quanto à gestão jurisdicional. A Lei nº 8.472/92, obviamente,
extrapolou.
A organização judiciária sequer pode ser objeto de lei delegada(art. 68, §1º, I, da CRFB), tampouco de
medida provisória(art. 62, §1º, ?c?, da CRFB).
Sobre a Justiça Federal, enfatiza, cansativamente, que será institucionalizada por "... varas localizadas
segundo o estabelecido em lei"(art. 110 da CRFB).
Contrastando com essa peroração da Carta Política pela mais estrita legalidade na organização judiciária, o
TRF/4ª edita a Resolução nº 20/03 sem invocar qualquer dispositivo da "Lex Fundamentalis".
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Fundamentou o normativo, tão somente, em atos infraconstitucionais. Em suma, busca submeter a Carta
Magna à interpretação das leis ordinárias.
E que leis ordinárias são essas?
Arts. 11 e 12 da Lei nº 5.010/66, não apenas anterior a atual Carta Política, de notórios avanços no devido
processo legal, mas também editada à época que a Justiça Federal era privilégio das capitais, inexistindo no
interior.
Aduz, também, o art. 11, §único, da Lei nº 7.727/89, que refere a vigência da Lei nº 5.010/66, naquilo em
que recepcionada pela "Lex Fundamentalis"/88, enfatizando "... respeitadas as normas constitucionais
pertinentes."
Embora não referida pela Resolução nº 20/03 do TRF/4ª, poderia ser invocada a Lei nº 9.664/98, "verbis":
Art. 3o Caberá ao Tribunal Regional Federal da 4a Região, mediante ato próprio, especializar Varas em
qualquer matéria, estabelecer a respectiva localização, competência e jurisdição, bem como transferir sua
sede de um Município para o outro, de acordo com a conveniência do Tribunal e a necessidade de
agilização da prestação jurisdicional.
Evidente que, interpretada isoladamente, não subordinada aos ditames constitucionais, tal qual pretende o
TRF/4ª com a Resolução nº 20/03, essa norma vilipendia a Carta Política, arroga-se poderes constituintes
originários, haja vista que derroga até mesmo cláusulas pétreas, a exemplo do Princípio do Juiz Natural.
A regra mais cara à história evolutiva do devido processo penal é a competência pelo local da infração, ou
seja, o "locus delicti commissi" ´é o "forum delicti commissi". "Crimen ibi puniendum ubi commissum"(onde
for comedito o crime, lá deve ser punido).
Sequer a competência "ratione materiae" e "ratione personae", embora hoje gravadas pela nulidade absoluta
diversamente à "ratione loci", tem a relevância histórica da competência pelo lugar da infração.
Tamanha a relevância do "locus delicti commissi" que prevê-se o desaforamento unicamente aos delitos
sujeitos à competência do Tribunal do Júri, mediante incidente próprio, provada sua necessidade(art. 424 do
CPP).
Onde perpetrado o fato, cumpre exercer-se a jurisdição: "ubi facinus perpetravit, ibi pena reddita."
Na capital, não é o local do fato, não é o domicílio do réu, não ... é nada!
No "locus delicti commissi" está o acusado, testemunhas, etc., ensejando a mais ampla defesa.
Mais! Está o Juiz Natural e o Promotor Natural(art. 5º, LIII, da Carta Política), prerrogativas constitucionais
contra o Juízo de Exceção(art. 5º, XXXVII, da CRFB), corolário do Devido Processo Legal(art. 5º, LIV e LV
da CRFB).
?É como se o crime ?agarrasse? o juiz, ?mutatis mutandis? como na sucessão e o conhecido ?droit de
saisine: le serf mort saisit le vif, son hoir de plus proche?, ou, como na fórmula mais conhecida: ?le mort
saisit le vif?(Jacinto Nelson de Miranda, prefácio de "O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal?,
Adelino Marcon, Editora Juruá, 2004).
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Precisa definição do Juiz Natural está na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, vigorante em
nosso sistema(art. 5º, §2º, da CRFB c/c Decreto Presidencial nº 678, 06.11.92), "verbis":
"Art. 8º Garantias Judiciais
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um
juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de
qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de
natureza civil, trabalhista ou de qualquer outra natureza"(grifou-se)
Sabido que o desaforamento à capital, sem qualquer vínculo com o "locus delicti commissi", terceirizará a
instrução, procedida por carta precatória aos Juízos do interior(réus, testemunhas, etc.), espezinhando o
Princípio da Oralidade(imediatidade, identidade física do Juiz, concentração, convencimento racional, "ictu
oculi", do Juiz, etc.), patentes os irreparáveis prejuízos tanto à Defesa quanto à Acusação, defesa social.
Não apenas subtrai-se o Juiz Natural, instituindo Juízo de Exceção, mas, simultaneamente, o Promotor
Natural, instituto reconhecido pela Suprema Corte, uma vez editadas a Lei 8.625/95 e LC nº 75/93(STF, HC
70.290-2, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF n] 75 - Ag. 169.169-CE, Rel. Min. Ilmar Galvão,
Informativo do STF.
Sem enfretar o desaforamento dos foros interioranos ao da capital, caso concreto de deslocamento da
persecução de uma vara da capital à especializada, o STF, órgão plenário, por larga maioria, declarou
constitucional a especialização(Rel. Min. Cármen Lúcia, HC 88660/CE, 15.08.08, Inf. do STF nº 506).
I.II.I - DA DEFESA
Compreendendo a complexidade da jurisdição do "colarinho
branco"(superposição da jurisdição por todos os poderes do Estado), a Defesa
descortina as inúmeras instâncias em que pode postular em seu favor.
Especialmente o foro extrajudicial(vide tópico DA
(IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA E JUDICIAL).
Assim, buscará no Conselho de Contribuintes, Conselho de Recursos do Sistema
Financeiro Nacional, Tribunal de Contas, CADE, Coaf, etc., decisões e/ou não
decisões(procrastinações) que possam, senão elidir, travar/retardar, a
"persecutio criminis".
Notadamente através das entidades de classe do colarinho branco, o
lóbi junto ao Executivo e Legislativo às leis e manobras infralegais às freqüentes
"abolitio criminis". Frente ao aparato da Justiça "lato sensu", Polícia Judicária,
Ministério Público, Poder Judiciário, etc., o lóbi/petição extra-autos.
O ímpar dinamismo do colarinho branco, cuja delinqüência, como
visto, derroga os tradicionais conceitos de "tempus delicti" e "locus delicti",
afora a multiplicidade típica, normalmente estando o implicado subsumido a
várias condutas criminosas, sujeitas às diversas competências, Justiça Federal,
Estadual, Eleitoral, foro privilegiado, etc., ensancha à Defesa farto debate sobre
competência jurisdicional e atribuições investigatórias.
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Na competência "ratione materiae" e "ratione personae"(foro
privilegiado), v.g., pode semear nulidades absolutas. Todavia, mesmo a
competência relativa, "ratione loci", assume extraordinária relevância, à medida
que sua definição pode submeter a persecução a autoridades, Polícia Judiciária,
Ministério Público, Poder Judiciário(1ª e 2ª instâncias, TJ?s e TRF?s diversos),
digamos, menos rigorosas, mais palatáveis ao colarinho branco.
No debate do mérito "stricto sensu", a impessoalidade, terceirização
do colarinho branco, é campo fértil à negativa de autoria bem como a
impugnação da denúncia, sabida a dificuldade, quase impossibilidade, da
descrição circunstanciada da conduta do imputado(vide tópico DA
AUTORIA/DENÚNCIA)
Dogmaticamente, por sua vez, a multifacetada tipicidade do "colarinho branco" oportuniza amplo debate(vide
típico DA DOGMÁTICA).
I.III.II - DA ACUSAÇÃO
À Acusação cumpre demonstrar as peculiaridades do colarinho
branco, de forma a impedir que os estreitos limites do conhecimento
jurisdicional, "capitis deminutio" imposta por quem atrofiou suas faculdades,
exercitando a repressão apenas contra os delitos de mão pobre, não premiem a
torpeza do criminoso, fazendo com que a resposta do Estado à delinqüência seja
- ao invés de diretamente - inversamente proporcional à inteligência do
criminoso.
Quanto aos órgãos extrajudiciais, Polícia Judiciária, Fisco, Banco
Central, etc., de um lado, deve brandir os instrumentos de correição(v.g., Lei nº
8.429/92, etc.), de forma a estimulá-los a agir idoneamente.
De outra parte, cumpre ao Parquet utilizar suas atribuições
institucionais, de forma a proteger os Agentes Públicos desses órgãos,
Delegados de Polícia, Policiais, Auditores, etc., regra geral probos, sujeitos,
contudo, à perversa influência política do Executivo, procurando a
imprescindível integração com esses órgãos de investigação - combate crime
organizado apenas o Estado organizado! -, emprestando efetividade à persecução.
Sabida a imbricação das diversas instâncias do Judiciário, notadamente as extrardinárias(STJ e STF), urge
ao 'Ministerium Publicum' atuar articuladamente(membros de todos os graus).
A complexidade da criminalidade econômica também enseja à
Acusação estabelecer estratégias, a exemplo da discricionariedade do foro
competente, buscando encetar a investigação onde a conjuntura(Polícia
Judiciária, Poder Judiciário, etc.) é mais audível ao clamor por Justiça contra o
colarinho branco.
Além disso, afora a competência e seriedade, premissas as quais deve
inexorável obediência, o Parquet deve ser transparente,
veiculando informações à Sociedade(v.g., apontando projetos de lei
abolicionistas da penalização do colarinho branco, produto do lóbi, etc.),
instrumentando o controle social sobre as instituições a quem foi delegado o
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monopólio da Justiça.
II -PARTE ESPECIAL
II.I - DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA/CORRUPÇÃO
A responsabilidade do agente público pelos seus atos é fundamento da República.
Na Monarquia, o Estado é encarnado pelo Príncipe, que é a expressão terrena da autoridade divina.
Na França, Luís XIV celebrizou: "L'État c'est moi" (O Estado sou eu).
O Rei é incapaz de delinqüir: "the king can do no wrong". O que agrada o Príncipe tem força de lei: "quod
principi placuit habet legis vigorem"
A Constituição do Império do Brasil, 1824, bem sintetiza a irresponsabilidade do monarca, "verbis":
"Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma".
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França/1789, por sua vez, bem resume a
responsabilidade republicana, "verbis":
"15. A sociedade tem o direito de pedir, aos agentes públicos, as contas de sua administração."
Muitos administradores pátrios invejam esta imunidade da Monarquia. Jose Sarney, ex-Presidente da
República, celebrizou esse pensamento: "a Constituição de 88 tornou o País ingovernável".
Na verdade, foram os governantes ímprobos que fizeram o País inconstitucionalizável.
A obsessão pelo foro privilegiado bem revela a atávica avidez pela indenidade monárquica(vide tópico DO
FORO PRIVILEGIADO).
'Cada vez mais difícil vender a alma ao diabo por excesso de oferta'(preciosa sentença do poeta Carlos
Drummond, podendo ser a síntese explicativa da inflação de corrupção no Brasil).
De outra parte, parcela expressiva da sociedade brasileira é corrupta e/ou leniente com a corrupção.
"Somos um país corrupto. Nós vivemos num ambiente de lassitude moral que se estende a todas as
camadas da sociedade. Esse negócio de dizer que as elites são corruptas mas o povo é honesto é conversa
fiada. Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral."(Escritor João Ubaldo Ribeiro
em entrevista à Revista Veja, 18.05.05).
'As pessoas ficaram mais lenientes com os desvios de caráter dos personagens de novela. Estão prontas a
pedoá-los se os interesses finais, como sair da pobreza, lhe parecerem legítimos'(Ricardo Linhares, com
Gilberto Braga co-autor do sucesso Paraíso Tropical, novela da TV Globo, Revista Veja, 20.06.07 - em 2006,
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outro autor recordista em audiência, Silvio de Abreu, entrevista à Veja, fizera assertiva semelhante).
Pesquisa do Ibope sobre ética e corrupção indagou aos entrevistados fossem eles titulares de cargos
públicos, quais dos atos a seguir cometeriam: 1)escolher familiares ou pessoas conhecidas para cargos de
confiança; 2)mudar de partido em troca de dinheiro ou cargo/emprego para familiares/pessoas conhecidas;
3)contratar, sem licitação, empresas de familiares para prestação de serviços públicos; 4)pagar despesas
pessoais não autorizadas(compras no cartõ de crédito ou combustível, etc.) com dinheiro público;
5)aproveitar viagens oficiais para lazer próprio e de familiares; 6)desviar recursos das áreas da saúde e
educação para utilizar em outras áreas; 7)aceitar gratificações ou comissões para escolher uma empresa
que prestará serviços ou venderá produtos ao governo; 8)usar caixa 2 em campanhas eleitorais;
9)superfaturar obras públicas e desviar o dinheiro para a campanha eleitoral do político; 10)superfaturar
obras públicas e desviar o dinheiro para o patrimônio pessoal/familair do político; 11)deputado ou senador
receber dinheiro de empresas privadas para fazer e/ou aprovar leias que as beneficiem; 12)o político
contratar ?funcionários fantasmas?, ou seja, pessoas que recebem salários do poder público sem trabalhar e
ele ficar com esse dinheiro; 13)trocar o voto a favor do governo por um cargo para familiar ou amigo.
Resultado da pesquisa: 75% disseram que cometeriam pelo menos um dos 13 ilícitos(Jornal Diário
Catarinense, 02.04.06).
'50% dos brasileiros toleram nepotismo, aponta pesquisa. Maioria da população diz que se pudesse
contrataria parentes para cargos públicos... Pesquisa - da UNB - a pedido da Comissão de Ética Pública,
órgão vinculado à Presidência da República(Folha de São Paulo, 05.11.08).
Ampla pesquisa foi concretizada pelo instituto Datafolha, publicada na Folha de São Paulo, 04.10.09: a)79%
dizem que os brasileiros vendem voto; b)33% asseveram não ser possível fazer política sem um pouco de
corrupção; c)13% admitem ter negociado voto por dinheiro, emprego ou presente; d)36% pagaram propina
alguma vez; e)onde há corrupção: Prefeituras(81%), Câmaras de Vereadores(81%), PM's Estaduais(81%),
Policias Civis(79%), clubes de futebol(77%); d)onde não há corrupção: a)Poder Judiciário e
Promotoria(15%), Polícia Fedral(14%), Forças Armadas(24%), empreas privadas(12%), imprensa(21%),
Igreja Católica(29%), Igrejas Evangélicas(20%) ...
Contraditoriamente, todavia, os brasileiros atestam envergonharem-se da corrupção estampada no mundo
político. Pesquisa encomendada pela CNT(Confederação Nacional dos Transportes) ao instituto Sensus,
91,1% afirmam ter razões para orgulharem-se do Brasil, entre outros motivos, pelas riquezas naturais,
ausência de guerras e cataclismas. O principal motivo apontado para não orgulharem-se do Brasil foi a
corrupção, com 41,3%, seguido da violência, 17%(Diário Catarinense, 27.06.07).
Estudo patrocinado pela Fiesp(Federação das Indústrias do Estado de SP), considerando dados do Banco
Mundial, Transparência Internacional e da Barro Lee, além dos da própria entidade, mostra que o brasileiro
ficaria 23% mais rico se o país conseguisse reduzir os índices de corrupção aos do Chile, a nação menos
corrupta da América Latina. No Brasil, o custo médio anual da corrupção é de US$ 10,7 bilhões(Folha de
São Paulo, 09.12.06).
O Congresso Nacional é representação melhorada da sociedade. Político não cai do céu, tampouco é
catapultado do inferno. Emerge da urna.
'Há simetria entre o comportamento da população e o dos políticos no Brasil. Existe um divórcio entre a
palavra e a ação. O discurso se autonomiza em relação à ação. A cultura latina favorece essa
autonomização. A palavra e o discurso pesam mais do que o ato. A palavra aceita tudo. A ação, não. O
remédio não se restringe às reformas institucionais, há anos prometidas, e inclui uma mudança radical no
imaginário social sobre a corrupção e o espaço público'.(Psicóloga Social Sandra Jovchelovitch, professora
da LSE('London School of Economics'), no Reino Unido, desde 1995, referindo-se ao seu estudo '
Representações Sociais e a Esfera Pública', publicado pela Editora Vozes, entrevista à Folha de São Paulo,
07.12.09).
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Hipocrisia, portanto, diabolizar o Parlamento, políticos em geral.
Exemplo palmar é a crítica à possibilidade dos parlamentares renunciarem antes de iniciado o processo de
cassação por atos de corrupção(v.g., CPI dos Correios, "mensalão", etc.), sabido que a recondução a novo
mandato está subordinada à votação popular.
Como bem diz João Ubaldo, ladrões estão em todos os extratos sociais, diferenciando-se, não pelo caráter,
mas sim pelo "quantum" do assalto.
Os "tubarões" do colarinho branco amealham milhões. Todavia, os "bagrinhos" da plebe, sempre que
podem, igualmente fraudam(v,g, seguro-desemprego, aposentadorias e pensões do INSS, bolsa-família,
etc.), nas eleições leiloando seu voto, hipocritamente imputando todas as mazelas aos políticos.
Resumindo, a cleptocracia tem raízes das mais representativas na sociedade.
Prova mais ululante do deserto de ética, império da mais perversa corrupção, é que somos a sociedade(ou
superposição de castas?) mais desigual do mundo.
O IDH(Índice de Desenvolvimento Humano), calculado pela ONU, o qual leva em conta a expectativa de vida
da população, PIB "per capita", alfabetização e taxa bruta de matrícula, coloca o Brasil como 63º do mundo,
com 0,792(Folha de São Paulo, 07.09.05).
Em apenas 05 países os 10% mais pobres ficam com uma parcela de renda menor que a dos brasileiros
miseráveis: Venezuela, Paraguai, Serra Leoa, Lesoto e Namíbia. No Brasil, os 10% mais ricos abocanham
46,9% da renda nacional, de forma que os 20% mais pobres ostentam a 115ª posição no IDH mundial(Folha
de São Paulo, 07.09.05).
Afonso de E. Taunay, idôneo historiador, identificou um total de 3,6 milhões de escravos africanos
desembarcados no Brasil: 100 mil no século XVI; 600 mil, no XVII; 1,3 milhão, no XVIII; e 1,6 milhão no
século XIX.
Em meados do século XVII, a população escrava no Brasil superava a população livre: em 1660, o Brasil
contava 74 mil brancos para 110 mil escravos. Situação que prevaleceu até o século XIX, pois os cálculos
efetuados em 1816 acusavam que, dos 3,3 milhões de habitantes do Brasil, 1,4 milhão eram livres, inclusive
pretos e pardos libertos, e 1,9 milhão escravos.
De quebra, dos mais escravocratas que o mundo conheceu, o Brasil foi o último a abolir a barbárie, o
fazendo apenas ontem, sabido que historicamente um século é diminuto a esvanecer tamanha brutalidade.
Porto de Galinhas, paradisíaca praia do Estado de PE, ostenta a denominação porque, quando já proibido o
tráfico negreiro, convencionou-se dizer "galinha no porto" quando lá aportavam navios com negros ao
comércio clandestino, escamoteados sob gaiolas com galinhas, aves então nobres, destinadas à
alimentação da elite.
Há algo mais corrupto, podre, indigno que isso!
Talvez sim. O fato de jamais ter sido minimamente resgatada essa dantesca dívida social. Hoje, o IBGE
aponta 35% de negros no Brasil. Maior nação negra do mundo depois da Nagéria. Considerada apenas o
país dos negros, o Brasil consta na 105ª no 'ranking' do IDH(Índice de Desenvolimento Humano).
Considerada tão somente a nação branca, o Brasil está na 44ª posição(artigo de José Vicente, reitor da
Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, Folha de São Paulo, 25 de abril de 2007). 'Só 3,5% dos
executivos de empresas do país são negros'(pesquisa do Ibope e do Instituto Ethos, Folha de São Paulo,
11.05.08).
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A corrupção não é peculiaridade desta ou daquela nação. A diferença está na solidez das instituições,
punição ou não dos desvios(v.g., "Verba de vítimas do Katrina pagou até troca de sexo ... montante do
desvio pode chegar a US$ 1,4 bilhão" - Folha de São Paulo, 15.06.06, retratando corrupção nos EUA, ajuda
do governo aos flagelados de Nova Orleans, devastada pelo furacão katrina - "Guerra do Iraque consome
US$ 2 bilhões por semana. Levantamento é do Congresso dos EUA; boa parte acaba perdida em corrupção.
Uma única firma americana tem 13 obras sob suspeita ..." - Folha de São Paulo, 09.10.06).
O multimilionário sudanês Mo Ibrahim oferece prêmio de US$ 5 milhões ao ano e aposentadoria vitalícia de
US$ 200 mil anuais aos políticos africanos que não envolverem-se em corrupção(Folha de São Paulo,
27.10.06).
'Propina da Alston chega a US$ 430 milhões, afirma Suiça'. Em maio/2008, o ' Wall Street Journal' revela
que o Ministério Público da França e da Suiça investigam a suspeita de que a empresa francesa Alston teria
pago US$ 6,8 milhões a políticos para ganhar licitação de US$ 45 milhões do metrô de SP. Outros países
também tiveram políticos e funcionários agraciados, a exemplo da Itália, México e Zâmbia(Folha de São
Paulo, 29.10.08).
Pesquisa do Instituto Gallup(entrevistados habitantes de 60 países, representando 1,5 bilhão de 'cidadãos
globais', em dez/2006) encomendada pelo Forum Econômico Mundial(Davos), aponta a descrença da
população nas instituições. São 43% das pessoas do mundo tachando de desonestos os políticos, somados
a outros 33% conceituando-os com falta de ética. Os empresários, 34% da população considera-os
desonestos e 30% sem ética. Na América Latina, 90% dos bolivianos julgam desonestos seus políticos. Peru
e Equador, 89% e Venezuela 80%. No Brasil, não houve pesquisa, eis que sem representação do
Gallup(Folha de São Paulo, 16.01.07).
Aqui, Brasil, a Revista Veja encomendou pesquisa semelhante ao Ibope: a) 84% dos brasileiros entendem
que os congressistas(deputados e senadores) trabalham pouco; b)63% consideram que os membros do
congresso defendem mais os seus próprios interesses; c)questionados a apontarem três características que
melhor definem os parlamentares: 1) 49% das pessoas tacha-os de mentirosos; 2)52% insensíveis aos
interesses da população; 3)55% de desonestos; 4)8% de honestos; 5)4% de dedicados. Além disso, 41% da
população julga que a democracia pode funcionar sem os deputados e senadores, contra 48% que entende
o contrário, ou seja, serem eles indispensáveis à democracia(Revista Veja, 31.01.07).
Esse generalizado descrédito impõe refletir sobre a democracia representativa, cuja limitação ao exercício
do voto, sabidamente distorcido pela cooptação, manipulação de informações pela mídia de massa,
demonstra-se de todo falho.
Neste nosso País, o fato da democracia política sucumbir à ditadura econômica(globalização, etc.), explica a
descrença da população nas instituições.
Além do abissal aumento da violência(em 1980, havia 11,4 homicídios dolosos por 100.000 habitantes; em
2003, 29,1 - Folha de São Paulo, 02.06.05 - verdade houve alguns avanços, a exemplo do Estdo de SP que,
em 1999 era de 35,27 homicídios por 100 mil habitantes, ee, em 2009, baixou para 10,95), a vintenária
democracia(1985-2004) que sucedeu a vintenária ditadura(1964-1984) trouxe ínfimo, quase nulo ganho
social. Em duas décadas de liberdades públicas, o contingente de pobres(aqueles que vivem em domicílios
aonde a renda é insuficiente a uma cesta básica por pessoa) caiu de 33% para 29% da população(Folha de
São Paulo, 08.12.07, retratando estudo do Banco Mundial).
O Brasil é pródigo em instituições e normas destinadas a combater o desvio da coisa pública. A recente
convenção da ONU contra a corrupção(Decreto nº 5.687/06) é exemplo cabal. Basta o leitor examinar com
acuidade seu gigantesco texto(cerca de 107 mil letras) e verá que a quase totalidade das prescrições ali
dispostas, muitas sob rótulo diverso, já existem no ordenamento brasileiro. Mais! Inúmeras outras ali não
contempladas também já foram sancionadas no Brasil.
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Contra a cultura da corrupção, mais do que leis e instituições, precisamos de uma contracultura da
probidade, retidão!
O combate à corrupção é direito fundamental da cidadania, dever inexorável das autoridades a quem
incumbem apurar os ilícitos contra a "res publicae"(Ministério Público, Tribunal de Contas, Polícia Judiciária,
Controle Interno -v.g., Constroladoria-Geral da União - etc.), de idêntico ?status? às qüotidianamente
invocadas liberdades públicas dos investigados por atos ímprobos(vide típico DA DOGMÁTICA - DA
ACUSAÇÃO).
Urge que todos esses órgãos atuem em mútua colaboração, contrariamente ao testemunhado
quotidianamente, quando agem em desarmonia.
Convenção da ONU contra a corrupção(Decreto nº 5687/06), "verbis":
"Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em conformidade com sua legislação
interna, para estabelecer a cooperação entre, de um lado, seus organismos públicos, assim como seus
funcionários públicos, e, do outro, seus organismos encarregados de investigar e processar judicialmente os
delitos."
Para erradicar a miséria, marginalização(art.3º, III, da Constituição), "conditio sine qua non" erradicar a
impunidade da corrupção. Sangra-se do erário a pecúnia indispensável à dignidade da cidadania.
A Convenção Interamericana contra a Corrupção - promulgada pelo Decreto Presidencial nº 4.410/02 -, na
sua justificativa, exara com notável adequação, "verbis":
"... a corrupção solapa a legimitdade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e
a justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos;
... a democracia representativa, condição indispensável para a estabilidade, paz e o desenvolvimento da
região, exige, por sua própria natureza, o combate a toda forma de corrupção no exercício das funções
públicas e aos atos de corrupção especialmente vinculados ao seu exercício."
No Brasil, grande parte de sua elite econômica edificou seu império mercê de relações promíscuas com o
Estado, privatizando o lucro e socializando o prejuízo.
"Res publicae" é sinônimo de "res nullius", domínio de quem primeiro apropriar-se.
A Sociologia é pródiga em idôneos atestados dessa realidade. "Os Donos do Poder", do imortal Raimundo
Faoro, intelectual extraordinário, indômito Presidente da OAB nos "anos de chumbo", é clássico do gênero.
Na obra, Raimundo Faoro, invocando o Padre Vieira, reporta-se ao caráter crônico, congênito à
administração pátria, da rapinagem, "verbis":
"Perde-se o Brasil, Senhor(digamo-lo numa palavra), porque alguns Ministros de sua Majestade não vêm
buscar o nosso bem, vêm cá buscar os nossos bens."(Sermão, Padre Vieira, "apud", Raimundo Faoro, Os
Donos do Poder, Globo/POA, 1976).
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Nessa linha, aforismos ganharam perenidade: a) (re)estebeleçamos a probidade ou locupletemo-nos todos;
b)não querendo resolver o problema, nomeia-se uma comissão para tratar do assunto. Querendo resolver,
paga-se uma comissão ...
Estas relações corruptas do Estado Brasileiro, locupletando a fazenda privada mediante a pilhagem da
fazenda pública, tanto diretamente, sendo notório o astronômico enriquecimento de agentes políticos que
adentraram a vida pública franciscanamente, quanto indiretamente, com os ímprobos favores que foram
obsequiados aos particulares pelos prepostos da "res publicae" (v.g., financiamentos oficiais - BNDES, etc -,
privilégios em concessões/contratações de serviços/obras públicas, privatizações, etc.), atinge ímpar "status"
de lesividade à defesa social.
Prova emblemática são muitos dos dirigentes(presidentes, diretores, etc.) de entidades representantes do
capital(federações da indústria, comércio, etc.). Inúmeros deles são empresarialmente quebrados,
beneficiados por ímprobas anistias tributárias, financiamentos públicos privilegiados, implicados em
sonegação fiscal, crimes contra o sistema financeiro, etc.
Exemplo palmar são as federações de indústria e comércios dos Estados, cujos dirigentes responderam a
vários processos por sonegação fiscal, crimes contra o sistema financeiro, etc. Igualmente, o Estado de SP:
"Vice da FIESP tem prisão decretada. Carlos Liboni e mais cinco sócios são acusados de sonegar R$ 250
milhões"(Folha de São Paulo, 28.01.04) "FIESP descarta saída de vice"(Folha de São Paulo, 29.01.04).
A elite rural, latifundiária, que tanto diaboliza os "Sem Terra?, em grande parte grilou suas ilimitadas
propriedades do Poder Público, especialmente da União.
A corrupção homizia-se no mimetismo delituoso, capacidade de travestir a improbidade como se
lícitos(negócios empresariais, etc.) fossem os atos(vide tópico DO ?MODUS OPERANDI"/PERFIL).
E o Governo Lula, 20 anos de PT desfraldando a bandeira da moralidade?
Pesquisa encomendada pelo próprio PT ao Instituto Criterium revela que a maioria, 50%, entende que a
corrupção continua como dantes, Governo FHC. Os demais, 35% crêem na diminuição, 9% no aumento e
6% não souberam/quiseram responder(Folha de São Paulo, 27.02.05).
"Câmara veta acesso de juiz à CPI inacabada. CCJ só recomenda repasse de dados se juiz não puder
obtê-los diretamente do órgão que o produziu"(Folha de São Paulo, 10.03.05).
Ícones do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, Presidente da CCJ, e José Mentor, relator da CPI da Evasão de
Divisas(Banestado), instituem a gaveta, sonegando do Ministério Público as apurações.
Não é menos verdade que o Governo Lula otimizou os órgãos de persecução, a exemplo do aprelhamento
da CGU(Controladoria-Geral da União) e, principalmente, a Polícia Federal: 'PF prende 4 por dia em
operações do governo Lula. Total de detenções em 357 grandes ações supera 6.200 desde 2003'(manchete
principal da Folha de São Paulo, 02.07.07).
Impressiona é a o idêntico "modus operandi" da corrupção não obstante a alternância do governo.
No Governo Fernado Collor, operadora de cartões de crédito pagou dezenas de milhões a empresas
fastamas de PC Farias, como se elas tivessem vendido mercadorias e serviços a clientes que as pagaram
mediante o cartão.
Na verdade, tratava-se de propina, entre outras razões, pela renovação do contrato entre a operadora e a
Caixa Econômica Federal.
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No Governo Lula, identicamente.
A Visanet administra os cartões de crédito e débito da Visa no Brasil. O Banco do Brasil detém 31,9% da
Visanet. Em 12.03.04, a Visanet deposita R$ 35 milhões em favor da DNA de Marcos Valério por supostos
serviços publicitários da agência àquela empresa. Esse valor é aplicado em um fundo de investimento do
Banco do Brasil, em 22.04.05 sacados R$ 10 milhões em favor do Banco BMG. Passados 4 dias, o BMG
concede empréstimo a Rogério Tolentino & Associados, da qual Marcos Valério é sócio, repassados,
pretensamente também a título de mútuo, ao Partido dos Trabalhadores(Folha de São Paulo, 04.11.05).
Em 2002, o Banco do Brasil gastou R$ 154,4 milhões em publicidade. Em 2004, saltou para R$ 223,1
milhões(Folha de São Paulo, 05.09.05).
Por seu turno, o Banco BMG, não obstante inexpressivo no mercado financeiro, foi o que amealhou o maior
volume de contratos de mútuos a aposentados do INSS mediante garantia da quitação mediante desconto
na folha de pagamento, medida implementada justamente no Governo do PT.
Meados dos anos 90, logo após o "impeachment" de Collor, eclodiu a CPI do Orçamento("anões do
orçamento?), revelando o desvio de dinheiro público através do conluio entre Parlamentares, autores de
emendas destinando investimentos a obras e assistência social, e os gestores desses recursos(prefeitos,
administradores de instituições filantrópicas, empreiteiras, etc.), os quais repassavam valores aos membros
do Legislativo.
O velho filme recalcitra em cartaz.
"Operação Sanguessuga"(alusão á corrupção na aquisição de ambulâncias), empreendida pela Polícia
Federal e Ministério Público da União, detectou o desvio de cerca de R$110 milhões desde 2001 no
Ministério da Saúde. "Modus operandi": 1)parlamentares apresentavam emendas ao orçamento para compra
de UTI?s móveis; 2) no Ministério da Saúde eram autorizados os repasses das verbas aos municípios; 3)as
prefeituras realizavam licitações fraudulentas, superfaturadas, sempre dirigdas à idêntica empresa
vencedora, a Planan; 4)o excedente, superfaturamento, era distribuído aos Parlamentares através dos
assessores. Foram expedidos 56 mandados de prisão. Detidos os ex-Deputados Ronivon Santiago(PP/AC)
e Carlos Rodrigues(PL/RJ), além de assessores dos Deputados Benedito Dia(PP/AP), Edna
Macedo(PTB/SP), Eduardo Seabra`PTB/AP). Elaine Costa(PTB/RJ), João Mendes de Jesus(PSB/RJ),
Maurício Rabelo(PL/TO), Nilton Capixaba(PTB/RO), Pastor Pedro Ribeiro(PMDB/CE), Vieira Reis(PRB/RJ) e
do Senador Ney Suassuna(PMDB/PB - Folha de São Paulo, 05.05.06).
Em síntese, a "saúde" da corrupção segue vigorosa!
Ditadura, de direita ou esquerda, não importa, é sempre ruim. Na primorosa definição de Wiston Churcil,
líder inglês na 2ª Guerra: "a democracia é o pior dos sistemas, excluídos todos os demais".
A assertiva retrata lapidarmente a primazia da democracia, não obstante a angústia gerada pela aparente
insegurança inerente à liberdade e a pseudo-segurança da opressão.
Na ditadura, não saber dos podres é sinônimo de sua inexistência. Assim, todas elas castram a liberdade
expressão. A ignorância é o mais inexpugnável dos calabouços. "A verdade vos libertará", sentenciou o
Messias. A Sociedade não sabe dos desvios, barbáries. Em conseqüência, iludida, por vezes sente-se
segura.
No Brasil, v.g., o lancinante gemido dos torturados/assassinados manteve-se asséptica e hermeticamente
enclausurado nos porões da ditadura. Fora deles, a coletividade vivia sob a ilusão de sua inexistência.
Na democracia, a sociedade sabe do acontecido. Tem a visão, tato, olfato, (des)gosto e audição dos podres.
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Freqüentemente, o desnudar do despudor causa desesperança, angústia.
Cotejando a democracia com a falsa segurança da ditadura, a coletividade pode ser tentada a ver-se
ludibriada por pseudovirtudes desta última.
Todavia, nem por isso um exame desapaixonado pode deixar de reconhecer algumas virtudes em gestores
da ditadura.
Os generais da ditadura instalada em 1964 exerciam poderes incontrastáveis, indevassáveis(Ministério
Público, Tribunal de Contas, etc.). Podiam tudo pela força do fuzil. Se não dispunham, "ipso jure", da força
do direito, empunhavam o direito que, "ipso facto", impõe-se pela força.
Salvo civis que gravitaram à sombra da repressão - filhotes da ditadura, na feliz expressão do
ex-Governador do RS e RJ, Leonel Brizola -, muitos até hoje na ribalta da cena política(a despeito da
democracia, ascendendo no lopcupletamento), os generais não usaram o poder ao enriquecimento pessoal.
Nenhum deles fez fortuna. Jamais, mesmo na redemocratização, ficou demonstrada a improbidade.
Em contraposição, na democracia, em pleno funcionamento das instituições destinadas à
fiscalização(Parlamento, Ministério Público, Tribunal de Contas, etc.), a exemplo do ocorrido Governo FHC,
agentes públicos, incluídos os de 2º, 3º, ... escalões, promoveram escancarada farra do locupletamento
pessoal.
Convenção da ONU contra a corrupção(Decreto º 5.687/06), exposição de motivos, "verbis":
"Convencidos de que o enriquecimento pessoal ilícito pode ser particularmente nocivo para as instituições
democráticas, as economias nacionais e o Estado de Direito."
Nunca é demais lembrar que os agentes públicos, sob pena de sanção por improbidade, entre elas, a
demissão, contrariamente ao cidadão sem vínculo com a administração, têm o ônus de demonstrar a origem
lícita de seu patrimônio(art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92).
A Convenção Interamericana contra a Corrupção(Decreto nº 4.410/02) vai além, no seu art. IX,
determinando a tipificação criminal "... o aumento do patrimônio de um funcionário público que exceda de
modo significativo sua renda legítima durante o exercício de suas funções e que não possa justificar
razoavelmente.". Igualmente, a convenção da ONU contra a corrupção(Decreto nº 5.687/06, art. 20)
Por ora, o Brasil é inadimplente com a convenção, não tendo criminalizado a conduta, não obstante tipificada
como ato de improbidade, cujas sanções são severas, entre outras, destituição do cargo.
Quanto aos agentes públicos federais(palamentares, ministros, juízes, membros do MP, funções
comissionadas dos diversos Poderes, etc.), cumpre ao Tribunal de Contas da União sindicar a evolução
patrimonial(Lei nº 8.730/93). Todavia, a lei agoniza em "vacatio legis" de fato. Inerte o TCU, ela é ineficaz. À
Receita Federal, a renda(patrimônio) é declarada "on-line"(informática da dinâmica atualidade). Ao TCU,
enviada cópia em papel(pergaminho da vetusta antigüidade), cujo destino é o sepultamente no arquivo "
morto" da Corte de Contas.
O termômetro mais fiel do nível de corrupção é o patrimônio dos agentes públicos e seus
circunstantes(familiares, etc.). A vaidade supera autovigilância. Ladrão sempre culmina ostentando o roubo.
Exceto "roubando", não há como enriquecer na função pública, por mais bem remunerado que seja o cargo.
A brutal ascensão econômica de agentes e seus próximos(v.g., filhos, sócios, etc.) é acintosa, sabida sua
origem humilde, fazendo tão somente da política seu 'modus vivendi'.
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"O Senador de 30 milhões de reais"(capa da Revista Veja, 25.10.00, tratando de Jader Barbalho,
ex-Presidente do Senado e Governador do Pará). "O político de 52 milhões de dólares"(capa da Revista
Veja, 11.11.92, referente a Orestes Quércia, ex-Governdor de SP - depois, o próprio Orestes Quércia,
candidato ao Gov. de SP em 2006, declarou patrimônio de R$ 111 milhões à Justiça Eleitoral - Folha de São
Paulo, 08.07.06). 'A herança maldita de ACM'(tratando da cizânia familiar pela sucessão da fortuna de R$
345 milhões do ex-Gov. da BA e Senador Antonio Carlos Magalhões, Revista Veja, 19.03.08).
Chegados ao governo, exibem nada mais que títulos acadêmicos, alguns no exterior, a maioria obtida
mediante subvenções oficiais. Todavia, consoante o dito popular, "virados de cabeça para baixo, de seus
bolsos não solta-se um centavo sequer".
Depois de exibir títulos inerentes aos cargos públicos, magicamente, empolgam transbordantes títulos
financeiros.
O Governo FHC foi pródigo nessa realidade.
Próceres que geriram as bilionárias privatizações - em grande parte estupidamente financiadas com dinheiro
público, v.g., BNDES, fundos de pensões estatais, etc. - tamanho o apogeu galgado que não confiaram a
pecúnia auferida a terceiros.
Fundaram seus próprios bancos, fundos de investimentos, etc., coincidentemente - e nada mais de casual
coincidência! -, convertendo-se em banqueiros dos próprios felizardos aquinhoados com a desestatização
por eles promovodias.
Enfim, foram sábios! Nada mais justo! Simplesmente aproveitram a "opportunity" que o deus mercado enseja
aos mais ladinos.
"Passagem pelo governo alavanca carreira. Economistas e banqueiros saem do setor público para assumir
cargos de destaque no mercado financeiro"(Folha de São Paulo. 22.08.04).
Autoridades a quem incumbia policiar atividades manifestamente dadas a ilícitos, saídas do governo, de
inopino, passam a advogar as causas desses segumentos.
"Cheguei à conclusão de que bingo é inócuo. Quer dizer dizer, qualquer atividade econômica é suscetível de
lavagem de dinheiro e sonegação, o jogo não é mais suscetível."(Osíris Lopes Filho, ex-Secretário da
Receita Federal no governo Itamar Franco, ora advogando em favor dos bingos, percebendo R$ 20 mil
mensais a tanto - Folha da São Paulo, 28.05.06).
As formas de locupletamento à custa de "res publicae" são inúmeras. No Governo FHC, prodigiosa prole de
Ministro das Comunicações Mendonça de Barros galgou fortuna no mercado de capitais, coincidentemente e nada mais de casual coincidência! -, negociando títulos do sistema telebrás. Sequer honrando direito
autoral, o governo do PT plagiou. Fábio Luiz da Silva, vulgo "Lulinha", filho do Presidente Lula, biólogo cujo
exercício profissional jamais alguém teve noticia, desabrochou às façanhas corporativas. Sem qualquer
tostão de capital integralizado, constituiu a Gamecorp, alienando parcela de suas ações à Telemar,
concessionária da telefonia cujo 55% das ações são estatais(BNDES, Banco do Brasil, fundos de pensão
federais, etc.), amealhando, juntamente com estrambótico patrocínio de programa televisivo sem
audiência(Play TV), R$ 15 milhões(Revista Veja, 01.03.06).
Quando da apuração sobre a fraudulenta quebra do Banco Santos, a Polícia Federal apreendeu diversos
documentos na residência do banqueiro Edemar Cid Ferreira, entre eles, a contabilidade da propina eufemisticamente, sob a rubrica de "comissão" - distribuída a gestores dos fundos de pensão estatais, os
quais aplicavam naquele banco quebrado(Folha de São Paulo, 11.12.05).
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Assim, ao Real Grandeza, fundo de Furnas, o qual perdera R$ 151,2 milhões na bancarrota do Banco
Santos, constava R$ 450 mil de propina. Ao Postalis, dos Correios, com perda de R$ 39,7 milhões, R$ 306
mil de propina. Ao Centrus, do Banco Central, prejuizo de R$ 34 milhões, constava R$ 260 mil de propina,
etc.
No âmbito do controle interno(art. 74 da Constituição) do Executivo Federal, alvissareiros sinais de
monitoramento patrimonial.
A CGU(Controladoria-Geral da União) e Receita Federal investigam 86 servidores federais milionários.
Foram mapeados 17 mil funcionários públicos federais em cargos com potencial corrupção. São 364 sob
investigação; 55 afirmam possuir mais de R$ 1 milhão em espécie(conduta própria de dinheiro suspeito); 31
têm patrimônio líquido a descoberto em pelo menos R$ 1 milhão; 6 têm patrimônio a descoberto superior a
R$ 10 milhões(Folha de São Paulo, 02.04.07).
Embora as instituições repressivas jamais tenham funcionado tão intensamente, como o Parlamento(CPI?s,
impeachment, etc.), Ministério Público(ações penais, civis públicas, de improbidade, etc.), Tribunal de
Contas(imposição de multas, ressarcimento, embargo de licitações/contratos, indisponibilidade de bens,
afastamento de autoridades - arts. 70 a 75 da Constituição c/c Lei nº 8.443/92 -, etc.) e pelos próprios
cidadãos(v.g., ação popular - art. 5º, LXXIII, da Constituição), não foi suficiente para estancar a sanha
saqueadora da "res publicae".
A convenção da ONU contra a corrupção também prevê a vigilância da movimentação bancária dos agentes
políticos e seus familiares(arts. 40 a 52 do Decreto 5.687/06), em razão da qual o Banco Central editou a
Cricular nº 3.339/06, estabelecendo o monitoramente sobre as 'pesoas politicamente expostas'. Igualmente,
o Coaf(art. 14 da Lei nº 9.613/98) editando a Resolução nº 16/07 impondo o controle aos demais setores
sujeitos à fiscalização contra a lavagem de dinheiro(v.g., imobiliárias, mercado de capitais, bolsa de valores,
administradoras de cartões de crédito, factoring, seguradoras, jogos, etc.).
A transparência(publicidade) é a melhor profilaxia da corrupção!
"Gravis malae conscientiae lux est"(a luz é insuportável à má consciência).
A corrupção medra da escuridão, seja qual for a sociedade, varrida pela publicidade.
Convenção da ONU contra a corrupção(Decreto 5.687/06), art. 13, "verbis":
"b) Garantir o acesso eficaz do público à informação;
c) Realizar atividade de informação pública para fomentar a intransigência à corrupção, assim como
programas de educação pública, incluídos programas escolares e universitários;
d) Respeitar, promover e proteger a liberdade de buscar, receber, publicar e difundir informação relativa à
corrupção. Essa liberdade poderá estar sujeita a certas restrições, que deverão estar expressamente
qualificadas pela lei e ser necessárias para: i) Garantir o respeito dos direitos ou da reputação de terceiros;
ii) Salvaguardar a segurança nacional, a ordem pública, ou a saúde ou a moral públicas."
A Finlândia é o país que ostenta o menor índice de corrupção do mundo. Um dos testes é disponibilizar em
vias públicas, simulando extravio, carteiras com dinheiro e dados do seu titular(v.g., telefone, endereço, etc.),
contabilizando nas diversas nações comparadas o índice de restituição do achado pela população. Lá,
onde o Estado tem forte presença em todos os setores(saúde, educação, economia, etc.), destacado padrão
de vida, 11º IDH(Índice de Desenvolvimento Humano) do planeta enquanto o Brasil 69º, a transparência da
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coisa pública é o principal instrumento a prevenir a corrupção. Vale a leitura de entrevista de sua
Presidente, a AdvogadaTarja Halonen, quando de sua visita ao nosso País(Folha de São Paulo, 06.09.07).
O ordenamento pátrio é farto, impondo a publicidade, transparência na gestão pública, direito da cidadania
ser informada da "res publica"(v.g., arts. 5º, XIV, 31, §3º, 37, "caput", 74, §2º, da Constituição, Lei nº
9.452/97, Lei nº 9.755/98 - norma essa, vencida quase uma década de vigência, ora de incipiente efetividade
pelo TCU no www.contaspublicas.gov.br - após, etc.).
Tivemos o surrealista - fazendo inveja aos mais obscurantistas dos regimes de Estado! - escândalo dos atos
secretos no Senado da República, eclodido sob a presidência de José Sarney. Entre 1995 e 2009, foram
editados 663 atos sem qualquer publicação, distribuindo benesses(nomeando cargos em comissão,
outorgando verbas, etc. - Folha de São Paulo 15.07.09).
No Brasil, a própria publicidade, ao invés de implementar a transparência, é fonte de corrupção.
Apenas no âmbito do governo federal, a publicidade oficial, administração direta e indireta, computados
apenas os 25 maiores gastos dos diversos órgãos(v.g., Petrobrás, Banco do Brasil, Secretaria de
Comunicação da Presidência da República, etc.), em 2001 foram despendidos R$ 881,6 milhões(Governo
FHC) e em 2004 R$ 865 milhões(Governo Lula - Folha de São Paulo, 05.09.05). Em 2006, Governo Lula,
somadas a administração direta e as estatais federais, gastou R$ 1.015 bilhão em propaganda oficial, verba
assim distribuída: 62% à televisão, 12% rádio, 9% jornal, 8% revista, 1,5% internet, 1,5% outdoor e 6%
outros(Folha de São Paulo, 24.04.07).
Entre 2003 e 2007, apenas a Petrobrás despendeu R$ 874 milhões em publicidade(Folha de São Paulo,
17.12.07).
Piada que mesmo os gastos da propaganda foram tratados como "sigilosos" - 1º mandato de Lula, sob a
esdrúxula alegação de segurança institucional, concorrência das empresas estatais com congêneres
privadas no mercado, etc. Agora, 2º mandato, foram veiculados os dispêndios.
Como dantes referido(caso Banco do Brasil & Visanet), o "mensalão"(CPI dos Correios) foi patrocinado por
fraude(superfaturamento de despesa, direcionamento da licitação) na publicidade estatal, através do
reluzente(careca) Marcos Valério, inédito precedente de marqueteiro de "sucesso" anônimo, desconhecido
do público até as apurações das falcatruas.
Não obstante enfática a Constituição, impondo licitação à contratação de qualquer serviço, incluindo
publicidade(art. 37, XXI), reforçada pelo estatuto respectivo, Lei nº 8.666/93, incisivo quanto à concorrência
na administração direta e indireta, fazendo expressa menção à publicidade(art. 1º), inclusive vedando a o
enquadramento da propaganda oficial na inexigibilidade de licitação(art. 25, II), a licitação da publicidade é
um grande faz de conta, porta esncarada a toda espécie de fraude.
Em crassa afronta à constituição e à lei, mediante decreto(Governo FHC: Decreto nº 3.296/99; Governo
Lula: nº Decreto 4.799/03), foi relegado o milionário dispêndio em propaganda à licitação - vazada pela
subjetividade da "melhor técnica', etc. -, tão somente, da agência de publicidade, a qual contrata ao seu
bel-prazer a veiculação(rádio, jornal, revista, televisão, outdoor, internet, impressão de folhetos, promoção
de eventos esportivos, confecção de camisetas, etc.), ensejando toda sorte de manipulação,
promiscuidade(v.g., o marqueteiro eleitoral de Lula na campanha de 2002, Duda Mendonça, é titular de
poulpudas contas da administração federal).
Óbvio que à agência cumpre a criação da publicidade, sendo, segundo a própria entidade associativa
nacional do setor, no máximo, atribuído a ela 20% de remuneração(incluídas todas as despesas de
produção, custo operacional, tributos, lucro, etc.). A veiculação é outra atividade. Delegado à agência, ao
seu talante, ela contrata veículos(rádio, jornal, etc.) priorizando os mais simpáticos ao governo, muitos que
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não poderiam pactuar com o Poder Público(v.g., sonegadores de tributos), mediante compensação, quita
dívidas de políticos e partidos(v.g., contrata gráfica, prestadora de serviço a eventos, etc. as quais
trabalharam em prol das agremiações partidárias, candidatos, etc.), enfim, direciona o dinheiro público para
o destino que bem entender.
A promiscuidade política é óbvia. No Governo Lula, somada a publicidade tão somente da administrção
direta(esplanada dos ministérios em Brasília) e a Petrobrás, R$ 983 milhões foram destinados a agências de
publicidade ligadas a campanhas do PT: a)Duda Mendonça(R$ 417 milhões); b)Eduardo Godoy,
ex-Secretário de Comunicação do governador Zeca do PT em MS(R$ 339 mihões); c)Paulo de Tarso,
marqueteiro de Lula em 1989 e 1994(R$ 167 milhões); d)Agnelo Pacheco, publicitário da Prefeitura de SP
na gestão Marta Suplicy(R$ 60,3 milhões - Folha de São Paulo, 1712.07).
A vedação à propaganda pessoal, partidária(art. 37, §1º, da Constituição), naufragou, mercê da leniência
dos Tribunais de Contas e do Judiciário, ao não punir em sede das ações populares, civis públicas e de
improbidade. Na prática, o dispositivo constitucional simplesmente afastou a menção explícita do
administrador(v.g., nome/fotografia, do prefeito, governador, presidente, etc.), mantendo a descarada
propaganda de interesse particular dos ocupantes de funções públicas, ausente conteúdo, informativo,
educativo ou de orientação social.
Escárnio, objeto de auditoria pelo Tribunal de Contas da União, foi o episódio das 5 milhões de cartilhas("
2004 - O Brasil na era do desenvolvimento sustentável"), escrachada propaganda do Governo Lula e crítica
ao anterior, seu adversário político(FHC), pelas quais o erário pagou R$ 11 milhões. Ditas cartilhas foram
produzidas pelas agências de Duda Mendonça(marqueteiro de Lula na campanha de 2002) e Paulo de
Tarso Santos(marqueteiro de Lula nas campanhas de 1989 e 1994).
Pior! Inexiste qualquer prova de sua produção e distribuição. Pelo contrário. Em acintosa confissão da
confusão/promiscuidade entre Estado, governo, partido político, interesse público e privado, o Governo Lula
e o PT sustentam que cerca de um milhão de cartilhas foram entregues ao Partido dos Trabalhadores para
que ele próprio distribuísse(Folha de São Paulo, 13.09.06 e 14.09.06).
Coroando o teatro do absurdo, assistimos farta e caríssima propaganda institucional do governo(TV, rádio,
jornal, etc.), exortando os alunos da escola pública e preservarem o livro didático para que outros usem no
ano posterior, eis que não há distribuição suficiente ao alunado.
Ser é o ser percebido. Quem faz a Sociedade perceber ou desperceber - silêncio eloqüente - os
fatos/pessoas é a mídia. A notícia da verdade sucumbe ante a verdade da notícia. A verdade é subalterna
da versão.
A verba pública serve para comprar a mídia(rádio, jornal, TV,etc.), silenciar a crítica, em favor dos gestores
ímprobos, os "formadores de opinião", em verdade, opinião publicada que se traveste de opinião pública.
"Mídia do PR vende R$ 6,4 milhões em reportagem"(Folha de São Paulo, 02.09.2003). Veículos de
Imprensa no Estado do PR, apenas em 2002, ano eleitoral, Governardor Jaime Lerner, receberam a fortuna
para publicar como reportagem matérias favoráveis ao Executivo.
Transparência sempre foi bandeira das correntes que peroram compromisso com a ética.
Nesse diapasão, o Governo do PT, com pompa anunciando o portal da transparência(
www.portaldatransparencia.gov.br). Entretanto, pouco, quase nada, de informação substancial, no governo
anterior aussente, foi acrescida. Na maioria, dados sem maior relevância(v.g., transferências obrigatórias a
estados e Municípios, quotas da arrecadação tributária federal, rubricas financeiras, etc.). Sobre alguns
temas específicos, há fontes idôneas, a exemplo das verbas da saúde(www.fns.saude.gov.br), rol dos
beneficiários do bolsa-família(www.mds.gov.br), etc.
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Urge informação precisa, linguagem clara, intelegível(muitas vezes a terminologia, a pretexto de ser
"técnica", é redigida em sânscrito, sequer quem redige sabe o que significa) de forma a serem apreendidos
os elementos necessários à fiscalização por qualquer do povo.
Repasses de convênio("dinheiro carimbado" com destinação específica), devem expor seu valor,
destinatário, objeto explícito, preciso(v.g., ginásio esportivo na localidade "x", com dimensões/capacidade
"y", obra contratada com a construtora "z", etc.).
Nesse diapasão, a sociedade saberia, v.g., caso da edificação do Aeroporto no Sul do Estado de
SC(Município de Jaguaruna), a cargo da Constutora ARG, afora outras aberrações(v.g., apesar de 7 outras
empreiteiras terem oferecido preço mais baixo ela "venceu" a licitação),
Consoante Auditoria do Tribunal de Contas da União, ocorreu a manobra conhecida como "jogo de planilha
?, ou seja,
apresentação de preços inexeqüivelmente baixos para alguns itens que não serão
executados(objeto de posterior revisão), superfaturando outros que o serão.
Exemplificativamente, na terraplanagem, a ARG cotou por R$ 3,11/m3 o transporte do material removido a
distâncias entre 10 mil e 13 mil metros.
Todavia, nada disso foi realizado!
No aditamento, suprimiu-se integralmente o item, incluindo e majorando outros, a exemplo do transporte do
material removido a distâncias entre 200 e 5.000 metros - inexistente quando da licitação! -, por R$ 3,02/m3,
sendo que mesmo essa distância foi aberrantemente superestimada, comprovado que os depósitos
deram-se a destinos próximos da sua retirada.
O total, segundo comprovou o TCU, o material removido na terraplanagem seria em torno de 16 mil m3 e
não 99 mil m3, consoante atestado no 8º Boletim de Medição pelo ESTADO/SC.
Além disso, manteve-se, ?in totum?, a pavimentação, cuja cotação da ARG fora bem acima a de mercado.
Na medida que a licitação foi por preço global, mesmo com o superfaturamento de etapas que efetivamente
serão realizadas(v.g., pavimentação), compensa-se com o subfaturamento de obras que não o serão, sendo
objeto de revisão posterior à licitação, restando vencedora a ARG.
Claro que os demais licitantes, embora não superfaturando a pavimentação, não foram suficientemente
"visionários" para antever o termo aditivo, faculdade que os permitirá subfaturar!
De sorte que, se as condições em que executada a empreitada fossem as da licitação, a A. teria ficado em
8º lugar no certame, ou seja, 07 licitantes ofereceram preço global inferior!
Tão somente a título de hidrossemeadura("sanscrito": nome empolado para significar a reles providência de
lançar ao solo, com água e adubo, sementes de vegetação às margens da pista, descoberta após a
terraplanagem, medida que, espontaneamente, a própria natureza executa) custou ao erário a bagatela de
R$ 500 mil.
A corrupção da saúde("Operação Sanguessuga", acima detalhada) é emblemática!
Deveria estar tudo dissecado no sítio oficial do governo federal(v.g., Parlamentar autor da emenda
orçamentária que destinou dinheiro à ambulância; a descrição do veículo - capacidade da camionete,
equipamentos médicos, etc.; o beneficiário, ou seja, município, entidade assistencial, etc., preço a ser pago,
o fornecedor da ambulância à prefeitura, etc.).
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Categórico que essa providência castraria a corrupção, cujo idêntico "modus operandi" se perpetuou por
vários anos e governos seguidos. Logo, seria visto o preço aberrante, idêntica empresa fornecedora
vencendo as licitações nas diversas prefeituras(Planan), etc.
No período de 2000 a 2004, a Planan "venceu" licitações em 891 convênios de um total de 3.049 firmados
pelo Ministério da Saúde, perfazendo o montante de R$ 79 milhões de recursos públicos(Folha de São
Paulo, 27.06.06, reportando auditoria da Controladoria-Geral da União).
Pelo contrário. Os operadores da maracutaia,(sócios da Planan, os Vedoin), incrivelmente, é que
ostentavam as senhas secretas dos parlamentares acessarem o sistema oifical e acompanharem a
tramitação do dinheiro.
Espetáculo!
Há anos, a administração federal tem o Siafi(sistema integrado de administração financeira - vide
www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi). Na prática, devem estar ali todos os pagamentos da administração direta
a pessoas jurídicas e físicas, enfim, o destino do dinheiro público. Grande parte dos recursos está alheio ao
siafi(v.g., milionários pagamentos procedidos por interpostas pessoas a terceiros, a exemplo de agências de
publicidade, ONG's, etc., afora a administração indireta, estatais, como Petrobrás, Caixa Econômica Federal,
Correios, etc., também fora do controle).
De início, sequer os membros do Congresso Nacional podiam acessar. Agora, é restrito a agentes
públicos(Parlamentares, Tribunal de Contas da União, Ministério Público Federal, Controladoria-Geral da
União, etc.).
Ora, óbvio está que ele deveria estar franqueado ao público. Inexiste razão alguma do sigilo! Pelo contrário,
a constituição impõe a publicidade.
À difusão das informações basta vontade política(disposição do gestor público expor seus atos à sindicância
popular) e competência gerencial(capacidade de reunir informaçãoes dos diversos órgãos e níveis de
governo).
O custo, notadamente com as facilidades da informática, internet, é baixíssimo, insignficiante. A divulgação,
além da internet, usando ínfimo valor da milionária verba da publicidade, poderia ser veiculada por outras
mídias(encartar nos jornais a destinação de verbas à respectiva região, etc.).
Digno de ser saudado o sítio não governamental www.contasabertas.uol.com.br, de fato, vazando(obtendo,
mediante colaboradores anônimos, agentes públicos que acessam o autêntico teor das contas públicas,
como o siafi) ao cidadão luz sobre a coisa pública.
Entre 2001 até set/2006, o terceiro setor(ONG's, organizações sociais, fundações, entidades filantrópicas,
enfim, entes privados que propõem-se a funções sociais, públicas) recebeu da União R$ 13,4 bilhões(sítio
contas abertas, 05.10.06).
Inexiste sequer um rol seguro de todos os convênios celebrados com as ONG's, inexistindo divulgação dos
repasses dos recursos. Até mesmo a qualificação das ONG's perante o Ministério da Justiça(Leis nº
9.637/98 e 9.790/99) é incerta, segundo aponta auditoria do TCU(Folha de São Paulo, 12.11.06).
Não obstante a existência de organismos sérios e competentes, cumprindo relevante função social, melhor,
bem melhor que o Estado faria diretamente, esse terceiro setor é ascendente artifício de terceirizar o
dinheiro público, de forma a manter o bônus(dinheiro do erário) sem os ônus(prestação de contas, dever de
licitar a contração de bens e serviços, concurso público na admissão de empregados, etc.), dando asas aos
desvios(corrupção, cooptação política, etc.).
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O Tribunal de Contas da União auditou 28 convênios com 10 ONG's, mediante os quais, no período de 1999
a 2005, foram repassados R$ 150,7 milhões de dinheiro público, tendo por objeto a prestação de serviços à
saúde indígena, concessão de bolsas de estudo, programas de capacitação de mão-de-obra, etc.
Exempificativamente, a ONG Urihi - Saúde Yanomami, fundada em 1999 por seis pessoas, tendo por sede a
residência de uma delas, até 2002, recebeu R$ 33,85 milhões(Folha de São Paulo, 12.11.06).
Sabidamente, vicejam ONG's propagandeando a defesa do meio ambiente. Expressiva parte delas
custeadas pelo erário, várias com dirigentes confundindo-se(diretamente ou mediante interpostas pessoas,
parentes, etc.) com agentes públicos que atuam na liberação das verbas. A ISA(Instituto Socioambiental),
entre 1996 e 2005, recebeu do MME(Ministério do Meio Ambiente) R$ 2,5 milhões, a Mater Natura, entre
1995 até 97 e de 2002 a 2005, abiscoitou R$ 752 mil, a RMA(Rede de ONG's da Mata Atlântica), em 2004,
recebeu R$ 365 mil, a SPVS(Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), entre 1994
e 1997, somado a 2002, percebeu R$ 2 milhões, a Apramave(Associação de Preservação do Meio Ambiente
do Alto Vale do Itajaí), foi contemplada com R$ 317 mil, a Fund. SOS Pró-Mata Atlântica R$ 986 mil.
A UNE(União Nacional dos Estudantes), em 2005, auge da CPI dos Correios("mensalão"), recebeu R$ 770
mil quando organizou, em Brasília, passeada em favor do Governo Lula("oposição golpista", etc.).
A Fundação Unitrabalho, que no Governo FHC recebera R$ 840,5 mil, no Governo Lula perceu R$ 18,5
milhões.
Um dos convênios com o Ministério do Trabalho em 2005, valor de R$ 6,8 milhões, teve por objeto a "
execução de atividades inerentes à implementação do projeto de avaliação do Plano Nacional de
qualificação do Ministério do Trabalho."("sic" - Folha de São Paulo, 20.09.06).
O tautológico e sintomático conceito leva a crer tratar-se de avaliação da avaliação da avaliação ...
O que faz, então, a autoridade, Ministério do Trabalho, seus técnicos, se tudo é terceirizado, "rectius",
"onguizado"?!
A Unitrabalho teve em seus quadros o petista Jorge Lorenzetti, figura central o escândalo do dossiê, R$ 1,7
milhão apreendido pela Polícia Federal, o qual custearia a compra de documentos elaborados por
Vedoin(articulador da máfia das sanguessugas), pretensamente comprometedores do José Serra, então
candidato ao Gov. de SP, ex-Min. da Saúde no Gov. FHC.
A própria Unitrabalho se identifica, "verbis":
"É uma rede universitária nacional que agrega, atualmente, 92 universidades e instituições de ensino
superior de todo o Brasil. Constitui-se juridicamente na forma de fundação de direito privado e sem fins
lucrativos. Foi criada, em 1996, com o objetivo de contribuir para o resgate da dívida social que as
universidades brasileiras têm com os trabalhadores."(sítio a entidade, www.unitrabalho.org.br, 24.10.06).
Se é para resgatar a dívida social das universidades com os trabalhadores, por que, então, dinheiro público?
Dívida paga com o dinheiro dos outros? Se é para custear atividades de Estado(ações do Ministério do
Trabalho na qualificação do trabalhador, etc.), por que destinar dinheiro à entidade privada e não às
universidades públicas?
Justificando por ações de alfabetização de trabalhadores e de formação de mão-de-obra, entre 2003 e 2007,
através da União, Petrobrás e Sebrae, foram liberados R$ 42 milhões a centrais sindicais que apoiam o
Governo Lula, quais sejam, a CUT(Central Única dos Trabalhadores, através dos seus institutos: Agência de
Desenvolvimento Solidário, Escola Sindical de São Paulo e Cooperativa Unisol Brasil) e CGTB(Central Geral
dos Trabalhadores do Brasil, através do Instituto do Trabalho Dante Pellacani - Folha de São Paulo,
02.09.07).
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Depois: 'Ex-assessor de Mercadante que ganhava R$ 5 mil agora é sócio em negócio de R$ 1,5 milhão.
Hamilton Lacerda, que levou a mala de R$ 1,7 milhão para petistas comprarem o dossiê anti-PSDB, tem
como sócio ex-assessor de Palocci'(Folha de São Paulo, 04.04.2010)
Brandindo moralização, o Governo Lula editou o Decreto nº 6.170/07, tratando do repasse de recursos da
União a Estados, Municípios e entidades privadas(ONG's, etc.).
Normativo pífio, leniente. Pouco, quase nada de relevante acrescenta. As exigências mais revelantes já
existiam(v.g., tramitação dos recursos via contas bancárias específicas a cada convênio, exigindo
identificação dos sacadores, etc.). No credenciamento das ONG's, sequer impossibilitadas de receberam as
de dirigentes com filiação partidária, vício recorrente. Foi criado sistema próprio de controle dos
repasses(Siconv), inexplicavelmente, porém, restrito o acesso a alguns órgãos(TCU, CGU, MP, etc.),
quando deveria ser transparente a toda sociedade.
Arrematando, o Partido dos Trabalhadores, quando oposição ao Governo FHC, ajuizou ação direta de
inconstitucionalidade contra a Lei nº 9.637/98(ADI 1.923-DF) invocando, principalmente, violação à lisura do
gasto público no dinheiro aportado às ONG's, ausente licitação, prestação de contas idôenea, delegação de
atividade estatal a particulares, etc.
Todavia, consoante demonstrado, no poder, o PT usa e, especialmente, abusa do dinheiro público às
ONG's.
Outra contundente faceta da corrupção brasileira é ser o produto final de várias mãos, algumas atuando
dolosamente e a maioria culposamente.
Em resumo, embora a corrupção seja óbvia, verdadeiro elefante trafegando em butique de cristais, a senda
criminosa dos corruptos é pavimentada pela negligência dos omissos que deveriam zelar pela probidade da
"res publicae?, a exemplo do controle interno(art. 74, §1º, da Constituição), o controle externo(arts. 70 a 73
da CF), Ministério Público(arts. 127 a 130 da Constituição), etc.
Sobre a prova da corrupção, vale referir a convenção da ONU contra a corrupção(Decreto nº 5.687/06), art.
28 , "verbis":
"O conhecimento, a intenção ou o propósito que se requerem como elementos de um delito qualificado de
acordo com a presente Convenção poderão inferir-se de circunstâncias fáticas objetivas."
Dois episódios emblemáticos dessa realidade são os notórios casos do desvio de R$ 160 milhões na
construção do TRT/SP(Juiz Nicolau dos Santos Neto - "Lalau" -, o cassado Senador da República Luiz
Estevão, etc.) e as bilionárias fraudes contra Previdência Social no RJ, à testa a Advogada Jorgina Maria de
Freitas Fernandes, Juiz de Direito José do Nascimento e outros
No TRT/SP, os pares de Lalau, Juízes do Tribunal, jamais perceberam que o dinheiro sempre vinha e a obra
jamais ia?!? O TCU também nada percebeu?! O Executivo, Secretaria Federal de Controle, etc., igualmente
não viu?!. O Ministério Público Federal percebeu. Procuradores da República em SP recomendaram(art. 6º,
XX, da LC 75/93) à Secretaria do Tesouro Nacional o bloqueio dos pagamentos. Todavia,
surpreendentemente, a Câmara do Patrimônio Público, instância recursal do Parquet(art. 62 da LC nº 75/93),
revogou o ato, destampando o ralo por onde escoou o dinheiro público.
Nas frandes contra Previdência Social no RJ, o Ministério Público atuante junto ao Magistrado corrupto
nunca observou as estapafúrdidas indenizações sentenciadas?! O TJ/RJ, afora os eventuais
recursos(reexame necessário), a quem incumbia processar administrativamente os precatórios, em nenhum
instante chamou-lhe atenção os valores esdrúxulos?! No INSS, as diversas instâncias superiores(Estado do
RJ, Brasília, Auditoria Interna, etc.), jamais uma dessas dezenas de autoridades dignaram-se à prosaica
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sindicância de interessar-se do porquê das amazônicas condenações judicias?! O TCU, uma vez mais,
também nada percebeu?
A propósito da corrupção, imperioso referir o belíssimo trabalho da Transparência Internacional,
www.transparencia.org.br, revelando a barbárie da corrupção contra o interesse coletivo.
Segundo a 'Transparency International', em 2007, examinados 180 países, o Brasil ocupa o 72º lugar no '
ranking' dos mais corruptos, maior percepção de corrupção. A metodologia, segundo a própria ONG,
consiste em 'pesquisa de pesquisa', que une desde avaliação de especialistas até opiniões de pessoas que
realizam negócios nos países avaliados, notadamente quando interagem com serviçõs públicos. Na
América Latina, o Chile está em 22º lugar e o Uruguai em 25º. Numa escala de zero(mais corrupto) a
dez(menos corrupto), a pontuação brasileira foi 3,5(Folha de São Paulo, 27.09.07).
O Mestre Nelson Hungria, ainda na década de 50, sobre a corrupção, reportando-se à contumácia de
idêntico filme que perpetua-se em cartaz, "verbis":
"De quando em vez, rebenta escândalo, em que se ceva o sensacionalismo jornalístico. A opinião pública
vozeia indignada e Têmis ensaia seu gládio; mas os processos penais, iniciados com estrépito, resultam, as
mais das vezes, num completo fracasso, quando não na iniqüidade da condenação de uma meia dúzia de
intermediários deixados à sua própria sorte. São raras as moscas que caem na teia de Aracne. O
?estado-maior? da corrupção quase sempre fica resguardado, menos pela dificuldade de provas do que pela
razão de Estado, pois a revelação de certas cumplicidades poderia afetar as próprias instituições.
(...)
... houve tempo em que, na desmoralização de costumes entre os romanos, um cidadão rico estava certo de
que, por maior que fosse o seu crime, não era possível sofrer uma condenação : ?pecuniosum hominem,
quamvis sit nocens, neminem possi damnare."((Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal, Forense,
1959, Volume IX, p. 364/365).
Mais do que nunca, a improbidade/corrupção é "business", "rectius", meganegócio, "verbis":.
"Oportuno referir, lúcida percepção de Luigi Ferrajoli em torno dos aspectos fomentadores do que
denominou crise da atual democracia, a expressar a divergência entre o modelo normativo de Estado
Democrático de Direito e o seu funcionamento de fato. Segundo Ferrajoli, uma das mais graves
deformações da democracia representativa diz com a ascensão ao poder das cognominadas
empresas-partido e empresas-Gobierno, projetando a concentração, em uma mesma pessoas (ou mesmo
grupo de pessoas), de enorme poder político e econômico. Nesse linha, acentua:
"Es claro que una tal confusión entre intereses públicos e intereses privados - y en ese caso sabemos de
qué entidad y variedad: desde l información a la publicidad, de la industria editorial a la el espectáculo, de las
aseguradoras a la distribución comercial - contraviene un principio jurídico elemental, que es aquel que en
todos los países civilizados excluye que las funciones públicas puedan ser desempeñadas por quien se
encuentra privadamente interesado en ellas. (...) esta ocupación del Gobierno directamente por una empresa
significa la ruptura de un principio fundamental del moderno Estado representativo: el de separación entre
Estado y Sociedad, entre esfera pública y esfera privada, entre poderes económicos y poder político. Esta
separación, mucho más importante y fundamental que la intra-institucional entre los tres poderes del Estado,
no está escrita en ninguna Constitución porque forma parte, poder decirlo de algún modo, del
constitucionalismo profundo de toda democracia. Constituye el presupuesto mismo del Estado
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político-representativo, que nace de la superación de la confusión entre soberanía e propiedad que
caracterizaba al viejo Estado patrimonial premoderno y se afirma, sobre la base de la autonomización de la
esfera pública respecto de la esfera privada, como mediación política y representativa entre ambas esferas."
(apud, Luciano Feldens, Procurador da República no RS, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do
Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 192)
Vide "O Combate Internacional à Corrupção e a Lei da Improbidade", André de Carvalho Ramos, Procurador
da República em SP, "Improbidade Administrativa", Del Rey, 2002.
De referir-se o "leading case" da imputação de corrupção ao ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Na
oportunidade, a Suprema Corte sustentou que à condenação por corrupção impõe-se ao Parquet o ônus de
especificar, individualizar, o ato "ex officio" e a respectiva vantagem indevida solicitada ou recebida(AP
307-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 13.12.94).
Óbvio dizer que a corrupção do Presidente da República não assemelha-se aos comezinhos atos, v.g., do
fiscal de trânsito que, nesta ou naquela oportunidade, receba alguns trocados de João e Pedro para não
autuá-los.
O STF, todavia, entendeu que sim.
Outro caso emblemático foi a rejeição da denúncia contra Antônio Carlos Magalhões e José Roberto Arruda
que, na condição de Senadores da República, violaram o painel eletrônico do Senado, devassando os votos
dos Parlamentares quando da sessão em que restou cassado o Senador Luiz Estevão do PMDB/DF.
"... a violação de sigilo funcional pressupõe que o fato revelado tenha chegado ao conhecimento do agente
em razão do exercício do cargo, o que não ocorrera na espécie, já que nenhum dos denunciados possuía
acesso à informação violada, sigilosa para todos, em razão da função exercida (...) considerando que a
conduta praticada pelos acusados - consistente na alteração dos programas de informática do Senado, a fim
de que o extrato da votação secreta, que não é transmitido para nenhum meio magnético, permanecendo no
sistema apenas o tempo necessário à totalização dos votos, após o que é automaticamente perdido,
pudesse subsistir no sistema, possibilitando a obtenção dos dados sigilosos - não implicara destruição,
supressão ou ocultação de documento, mas, pelo contrário, impedira a destruição automática das
informações ..."(Inquérito 1.879-DF, 10.09.03, Informativo do STF nº 320)
ACM, Presidente do Senado, e Arruda, Senador, não valeram-se das prerrogativas do cargo para determinar
a quebra de sigilo?!
A proteção eletrônica do sigilo do voto dos Senadores inserta no painel, visando precisamente
resguardar(impedir) fosse capturado "... extrato da votação secreta ...", uma vez violada não significa
destruição de documento público?!
Fosse a votação manual, mediante urna e cédulas convencionais, a violação do lacre da urna não seria
violação de documento público?! É porque, em sendo o lacre eletrônico, não caracteriza-se como
documento?! Quando da edição do Código Penal em 1940, certamente não! O Legislador, entretanto,
pressupõe que os julgadores não fiquem enclausurados em 1940! Supõe hermenêutica atualizadora!
Será que a invenção da pólvora, raio laser, etc,. tecnologias modernas utilizáveis em homicídio, obriga que o
Legislador as preveja, especificamente, como instrumento de morte, sob pena de restar impune o assassino
que delas utilizar-se?! Matar com pedra lascada é "matar alguém"(art. 121 do CP)! Com arma de fogo, raio
laser, vírus HIV, não?!
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O episódio da violação do painel foi ignominioso, símbolo indelével do desmesurado espezinhamento da "res
publicae" mercê dos mais mesquinhos caprichos pessoais.
Decisão de todo infeliz, tolhendo o combate à corrupção, foi a decisão do STF, declarando inconstitucional a
preservação da identidade do denunciante em representações ao TCU, prevista na sua Lei Orgânica, nº
8.443/92, art. 55, §1º, sob a justificação que a Carta Política veda o anonimato e que o representado teria o
direito de saber da autoria, visando instrumentar sua prerrogativa de responsabilizá-lo por danos morais(art.
5º, IV, e X, da CF - MS 24405/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, 03.12.03, Informativo do STF nº 332).
O dispositivo apenas instrumentava prerrogativa da cidadania, em prol da probidade, de provocar o TCU,
inserta na "Lex Fundamentalis"(art. 74, §2º, da Constituição).
O sigilo processual da investigação, previsto na Lei Orgânica do TCU, de per si, afasta eventual dano moral
contra o representado na hipótese de ser vitimado por denúncia leviana.
Óbvio que, uma vez exposto o cidadão delator a toda sorte de retaliações(v.g., processos judiciais
infundados, perseguição funcional de servidores que delataram seus superiores, ameaças, etc.), jamais irá
representar às autoridades.
A vedação ao anonimato é tão somente a contrapartida da livre manifestação do pensamento, consoante a
literalidade da Carta Magna, art. 5º, IV.
Franqueada a livre divulgação das idéias, natural que imponha-se a quem dela faz uso a identificação, sob
pena de subtrair a responsabilização por terceiros eventualmente lesados por ofensas.
Não há qualquer relação com a correição de agente publico, direito subjetivo da cidadania! Quem, a
qualquer título(v.g., mandato eletivo, concurso público, nomeação a cargo em comissão, etc.), busca
investidura na "res publica", "ipso jure", submete-se à permanente sindicância de seus atos.
Quem quiser privacidade na gestão pública que mantenha-se no ofício privado!
Histórico vezo de ler os direitos fundamentais apenas como óbice à atuação do Estado, direito individual do
investigado que espezinha o direito coletivo à probidade, olvidando-se a epígrafe do Título II, Capítulo I, da
Constituição: "DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS"(grifou-se)
É direito fundamental da cidadania, de idêntico status ás liberdades públicas do investigado, a investigação
da corrupção!
Independente de representação, qualquer Agente Público está ordinariamente, "ex officio", sujeito à devassa
pelo TCU(arts. 70 a 65 da CRFB). "A fortiori", quando provocada a Corte de Contas, seja mediante
denúncia, reportagem jornalística, etc.
Não fosse o bastante, lembre-se que a Carta Magna é explícita, resguardando o sigilo da fonte sempre que
necessário ao exercício profissional(art. 5º XIV da Constituição), "in casu?, à efetividade das atribuições do
TCU. Anteriormente, o próprio STF legitimara persecução iniciada por delação anônima(MS 24369, Rel. Min.
Celso de Mello, 16.10.02, Informativo do STF nº 286).
Lamentavelmente, o STJ seguiu o STF, "verbis":
"A Corte Especial, em questão de ordem, por maioria, decidiu arquivar a notícia-crime contra conselheiro de
Tribunal de Contas estadual acusado, por carta anônima, da prática de crime de improbidade administrativa,
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falsidade ideológica com simulação de venda de imóvel e favorecimento de contrato de locação com o Poder
Público estadual, fatos esses passíveis, não obstante, de inquérito criminal, caso comprovados por
informante identificado e qualificado devidamente, ex vi do art. 5, IV, da CF/1988."(STJ, NC 280-TO, Rel
Min. Nilson Naves, julgado em 18/8/2004 - Informativo do STJ nº218)
Os diversos serviços mantidos pela Polícia, tanto a Judiciária quanto a Militar, recebendo delações anônimas
de delitos, são todos inconstitucionais?!
Decisão anterior do STF acatara a legitimidade de apuração iniciada mediante delação anônima(MS 24369,
Rel. Min. Celso de Mello, 16.10.02, Informativo do STF nº 286).
Finalmente, a Convenção Interamericana contra a Corrupção(Decreto nº 4.410/02), no seu art. III, prescreve,
"verbis":
"Sistemas para proteger funcionárioos públicos e cidadãos particulares que denunciarem de boa-fé atos de
corrupção, inclusive a proteção de sua identidade ..."(grifou-se).
O STF esqueceu, não apenas da convenção(tratado) contra corrupção, mas, principalmente, de
comprometer-se em reverter a convenção(vezo de histórica contumácia) da própria corrupção, remediando
a impunidade.
Depois, a convenção da ONU contra a corrupção(Decreto nº 5.687/06), arts. 8º, 13 e 33, "verbis":
"Cada Estado Parte também considerará, em conformidade com os princípios fundamentais de sua
legislação interna, a possibilidade de estabelecer medidas e sistemas para facilitar que os funcionários
públicos denunciem todo ato de corrupção às autoridades competentes quando tenham conhecimento deles
no exercício de suas funções."
Cada Estado Parte adotará medidas apropriadas para garantir que o público tenha conhecimento dos órgão
pertinentes de luta contra a corrupção mencionados na presente Convenção, e facilitará o acesso a tais
órgãos, quando proceder, para a denúncia, inclusive anônima, de quaisquer incidentes que possam ser
considerados constitutivos de um delito qualificado de acordo com a presente Convenção.
Cada Estado Parte considerará a possibilidade de incorporar em seu ordenamento jurídico interno medidas
apropriadas para proporcionar proteção contra todo trato injusto às pessoas que denunciem ante as
autoridades competentes, de boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos relacionados com os delitos
qualificados de acordo com a presente Convenção."
Obtemperando, vale transcrever as conclusões do Min. Carlos Velloso, Inq. 1957/PR, Informativo do STF nº
393, "verbis":
"(a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata
instauração da "persecutio criminis", eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao
processo, salvo quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem,
eles próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante
seqüestro, ou como ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que
corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o "crimen falsi", p. ex.);
(b) nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima ("disque-denúncia", p. ex.),
adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, "com prudência e
discrição", a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de
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conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a
formal instauração da "persecutio criminis", mantendo-se, assim, completa desvinculação desse
procedimento estatal em relação às peças apócrifas; e
(c) o Ministério Público, de outro lado, independentemente da prévia instauração de inquérito policial,
também pode formar a sua "opinio delicti" com apoio em outros elementos de convicção que evidenciem a
materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de sua autoria, desde que os dados
informativos que dão suporte à acusação penal não tenham, como único fundamento causal, documentos ou
escritos anônimos.
II.II - DOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA
"O homem, deixado aos seus próprios instituntos, autodestrói-se", sabiamente alguém já sentenciou.
Portanto, embora a faculdade de enriquer - aumentando ou concentrando a riqueza, não importa! - seja o
instinto essencial do liberalismo, sabido que, deixado livremente a reger-se por ele encontrará a destruição,
autofagia, admite limitações, entre elas, a defesa da concorrência.
A propósito, qual o teor da "Lex Fudamentalis"?!
Capitalista, socialista, social-democrata, etc.?!
Irrefletidamente, em autômato reboque à avalancha neo-liberal, responde-se ser capitalista.
Nada autoriza o entendimento!
Preservados o núcleo essencial - mínimo necessário à subsistência, efetividade do instituto - da propriedade
privada, concorrência, etc., a Carta Política enseja ao Estado Brasileiro, depdendendo da opção da
soberania popular, voto, caráter social-democrata, socialista, exacerbando a função social da propriedade,
redução das desigualdades, etc..
Decididamente, o Brasil é "sui generis?. Revoga até mesmo a lei da oferta e da procura("sic).
A crise do setor elétrico("apagão") do Governo FHC(2001 e 2002) é a prova cabal.
Os cidadãos foram submetidos à privação(compulsória menor procura) e, surrealisticamente, em razão
disso, a pagar mais para suprir o prejuízo das companhias elétricas - privatizadas, é claro! - pela menor
oferta. Total de R$ 2,8 bilhões adicionados às tarifas, arcados, como sempre pelos tolos cidadãos (Folha de
São Paulo, 20.01.04).
O sistema repressivo às infrações econômicas, integrado pela SDE - Secretria de Direito Econômico - e
CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica -, ora regulados pela Lei nº 8.884/94, já antigo(Lei nº
4.137/62), é de absoluta ineficácia!
Prova cabal disso é que sequer divulga-se qualquer dado sobre representações criminais desses
organismos ao Ministério Público, noticiando apurações de crimes contra a ordem ecômica. O nada, nem
mesmo estatística gera.
Ante a inércia, chega a ser irônico - sem prejuízo da grotesca inconstitucionalidade, eis que subtraído o
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titular privativo da ação penal, o Ministério Público(art. 129, I, da CRFB), bem assim a homologação do
Poder Judiciário(art. 5º, XXXV, da Constituição) - a composição de leniência da persecução penal entre
aqueles órgãos e a delinqüência econômica (art.35-C da Lei nº 8.884/94).
Ironia pela redundância. Inoperência repressiva, de per si, independente da formalização de acordos,
sublima a leniência.
Registre-se, todavia, evolução, persecuções promovidas, especialmente pelo Ministério da Justiça(SDE Seceretaria de Direito Econômico) no Governo Lula.
Investigação da SDE, mediante auxílio da Advocacia-Geral da União e Polícia Federal, obtendo mandado
judicial de busca e apreensão de documentos em várias empresas exportadoras do suco de
laranja(Montecitrus, Coinbra, Cutrale, Citrovita, Abecitrus), objetivando reprimir cartel dessas companhias, as
quais fixam unilateralmente o preço de compra da laranja, asfixiando os produtores(Folha de São Paulo,
25.01.06).
O cartel do cimento já tem décadas. Investigação do Ministério da Justiça(Secretaria de Direito Econômico,
Advogacia-Geral da União e Polícia Federal) demonstrou tentáculos do acordo entre Votorantin, Camargo
Corrêa, Cimpor, Lafarge, Holcim, Itabira, Soelcom, Itambé, etc. "Modus operandi": 1)representantes de
cimenteiras, em reuniões mensais, combinariam os preços que deveriam ser praticados na venda do
cimento, os aumentos, a divisão do mercado e a quantidade produzida; 2)quando uma das cimenteiras
atingia sua meta mensal, deveria interromper a linha de produção, geralmente dando desculpa de que uma
das máquinas quebrou; 3)uma cimenteira que por acaso 'roubasse' o cliente de outra deveria repará-la com
um outro, cuja encomenda tivesse valor 10% superior à primeira, como forma de compensação; 3)as
empresas teriam acesso à base de clientes das demais a cada mês, para monitorar a participação de cada
uma; 4)as cimenteiras se organizaram de forma a reduzir a substituição do concreto pelo aço nas
construções. No Brasil, cerca de 3% das construções de prédios de mais de 5 andares utilizam aço, contra
50% nos EUA(Folha de São Paulo, 09.03.07).
Cartel dos compressores à refrigeração(geladeiras, freezers, bebedouros, ar-condicionados, etc.),
envolvendo multinacionais, entre outras, Whirlpool, Brasmotor, Danfoss, Tecumseh, ACC e Panasonic, de
atuação no Brasil, EUA e Europa, prejuízo estimado de R$ 1,5 bilhão aos consumidores ao longo de 12
anos. A investigação da Secretaria de Direito Econômico(Ministério da Justiça) mobilizou, pela vez primeira,
mútua colaboração de órgãos de defesa da concorrência e polícia judiciária dos EUA, Europa e Brasil.
Mediante a indulgência da delação premiada, uma das empresas do cartel apresentou as provas do
ilícito(Folha de São Paulo, 16.07.09).
Na agricultura, especificamente fertilizantes, o Min. da Agricultura aponta o oligopólio da multinacional
Bunge, a qual domina: 1)98% da produção de ácido fosfórico; 2)94% da produção de superfosfato triplo;
3)88% da demanda de cloreto de potássio; 4)87% da demanda de sulfato de amônia; 5)76% da produção de
rocha fosfáltica; 6)69% da produção de ácido sulfúrico. Em conseqüência, v.g., nos EUA, o concentrado
fosfático(preço em dólares) é metade do Brasil(Folha de São Paulo, 12.02.08).
No setor financeiro, Visanet(Visa) e Redecard(MasterCard e Diner's) domimam 94% do mercado de
cartões(crédito e débito). No exterior, a média entre a compra pelo consumidor e o crédito da operadora do
cartão ao comerciante é de dois dias. No Brasil, 30 dias. Lá também são compartilhadas as
máquinas/terminais. No Brasil, não. O empresário deve pagar locatícias a ambas, além de percentual sobre
as vendas, deságio nos créditos(Folha de São Paulo, 07.06.09).
Demonstrando que cartel não é 'brinquedo', brinquedo também é cartelizado. Investigação da SDE Secretaria de Direito Econômico, com base nas importações de brinquedos da China(origem de 70% dos
internados no Brasil) e gravação da reunião da Abrinq(Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos)
em 2006, demonstra a fixação de cotas de importação e preços mínimos entre seus filiados, os quais
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deveriam ser concorrentes(Folha de São Paulo, 12.11.09).
Cartel do ácool/cana combustível(etanol) em São Paulo: 1)refinaria não aceita comprar cana de fornecedor
que também venda para outra usina; partir da divisão geográfica, criam-se quintais de fornecedores entre as
indústrias; 2)usinas combinam o preço da cana(nível de açúcar por tonelada); 3)o mercado é concentrado;
refinarias de pequeno e médio portes são adquiridas por multinacionais; 70% da cana produzida é própria da
usina ou arrendada, sendo apenas 30% de fornecedores independentes(Folha de São Paulo, 13.04.10).
O próprio Cade evoluiu. 'Cade multa a AmBev em R$ 352 milhões. Órgão decide por unanimidade que
empresa praticou 'concorrência desleal' e aplica maior multa e uma empresa'(Folha de São Paulo, 23.07.09).
Notoriamente, o Brasil vive sob o flagelo de todas as perversidades inerentes à impunidade na delinqüência
econômica.
"País do cartel. Tudo está cartelizado, o leite, o pão, o cigarro, a cerveja, o remédio, ai de quem ferir os
preços uniformes quando os produtores são múltiplos; quando não o são, pobres dos que se sentem
impotentes para enfrentar os monopólios. E os agentes desta verdadeira exploração que são os preços
únicos só falam em liberdade mas só pensam em dinheiro.....Que economia de mercado é esta? Que país é
este? Mas será que não estão vendo que isto tudo vai ter que explodir? ..." (Paulo Sant´Ana, Jornal Zero
Hora, 28.05.93, pág. 67)
Entre tantos exemplos, tem-se o caso da Parmalat que, sob o mais indene olhar das autoridades, cartelizou
a indústria leiteira, chegando a adquirir vários laticínios tão somente para, de imediato, fechá-los(v.g.,
Lacesa/RS), etc.) - os que recalcitraram em dobrar-se à transnacional sucumbiram, quebraram, esmagados
pelo seu atroz poder, concorrência mediante preços inferiores aos de custo -, subjugando o consumidor e
asfixiando os produtores. Sobre o assunto, v.g., no Estado de Goiás, a Assembléia Legislativa promoveu a
CPI do Leite.
De quebra, já no atual Governo Lula, a Parmalat foi brindada por fomento público à sanha cartelizadora,
agraciada com mútuo de R$ 27,3 milhões do BNDES(Folha de São Paulo, 18.12.03).
Justo que o governo do cambate à fome também saciasse o apetite da a Parmalat. Afinal, entre 1996/02,
apenas através das contas CC5 - dando-se ao capricho de perigrinar pelos paraísos fiscais, a exemplo do
Uruguai, "off shore" Whishaw Trading S/A, sempre sob os complacentes olhos do BACEN - a transnacional
enviou lucros(gorduras) de R$ 1,7 bilhão(Folha de São Paulo, 18.01.04), restando, em conseqüência,
carente de suplementação alimentar, suprida, como sempre, pela ?viúva?!
Na toada da leniência terra brasilis, paraíso da delinqüência econômica, Gianfranco Bocchi, ex-contador da
Parmalat, recomenda: "investigue o Brasil"!(Folha de São Paulo, 20.01.04).
De quebra, o Banco do Brasil colocará R$ 200 milhões nas fazendas dos produtores, dinheiro da fazenda
pública para cobrir a falcatrua da fazenda privada(Folha de São Paulo, 20.01.04).
Isso tudo, é claro, regado à caudalosa sonegação da Parmalat: "Receita Federal autuou multinacional 21
vezes"(Correio Braziliense, 23.01.04). No total, apenas de tributos federais, a sonegação da Parmalat é de
R$ 800 milhões(Folha de São Paulo, 13.03.04).
Sobre providências contra autoridades coniventes com os desvios da Parmalat, o Governo Lula desfila
silêncio eloqüente.
De positivo - com a natural discordância dos corintianos -, a Parmalat teve tão somente o patrocínio ao
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Palmeiras. Repita-se, teve, já não tem, sendo que mesmo o calvário da 2ª divisão não sensibilizou o
conglomerado italiano.
Depois de quebrar a todos, a Parmalat também quebrou. Com rombo, fraude, de R$ 10 bilhões, o "
Imperador, César, do Leite", Calisto Tanzi, foi preso na Itália por falência fraudulenta.
Com a falência, o Governo da "bota" interveio na empresa, ora sob gestão pública, objetivando preservar
direitos dos trabalhadores, investidores na bolsa de valores, fornecedores(produtores de leite, ...), etc.
E os empregados e empreendedores brasileiros, desempregados e desempreendidos pela Parmalat, como
ficam?!
A ver navios, como sói acontecer. Eles que busquem seus direitos frente à Justiça/Governo - italianos, é
claro!
O setor público, erário, é largamente vitimado pelos carteis, fornecedores de bens e serviços à
administração. A Secretaria de Direito Econômico(Ministério da Justiça) estima em R$ 40 bilhões ao ano o
prejuízo à União, Estados e Municípios. Apenas em insumos e obras, a administração pública brasileira
contrata R$ 300 bilhões/ano. Estima-se que R$ 100 bilhões estejam sob cartel(Folha de São Paulo,
31.05.07).
Sinais da cartelização entre os fornecedores de bens e serviços ao Poder Público:
a)as propostas apresentadas possuem redação semelhante ou idênticos erros e rasuras;
b)certos fornecedores não apresentam propostas ou desistem, inesperadamente, de participar da licitação;
c)há empresas que, apesar de qualificadas para a licitação, não costumam apresentar propostas a um
determinado órgão e/ou região, embora o façam para outro;
d)existe um padrão claro de rodízio entre vencedores das licitações, caracterizandoo o 'loteamento' das
contratações;
e)existe uma margem de preço estranha e pouco racional entre a proposta vencedora e as outras propostas;
e)alguns licitantes apresentam preços muito diferentes nas diversas licitações que participam, apesar de o
objeto e as características desses certames serem parecidos;
f)o valor das propostas se reduz significativmente quando um novo concorrente entra no
processo(provavelmente não integrante do cartel);
g)um determinado concorrente vence muitas licitações que possuem igual característica ou se referem a um
tipo especial de contratação;
h)existe um concorrente que sempre oferece propostas, apesar de nunca vencer as licitações;
i)licitantes vencedores subcontratam concorrentes que participaram do certame;
j)licitantes que teriam condições de participar isoladamente do certame apresentam propostas em consórcio;
k)propostas fictícias(cobertura, simbólicas) aduzidas para dar a aparência de competitividade: a)concorrente
aduz proposição sabiamente mais elevada; b)sob condições de antemão conhecido que não será acatada;
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Além de não reprimir, o Estado Brasileiro ainda financia delitos contra a ordem econômica("sic").
Exemplos clássicos são os milionários financiamentos - incluindo pródigos refinanciamentos obsequiando o
calote - do BNDES.
A cartelização da siderurgia - Grupo Gerdau - e de supermercados - Grupo Sonae(BIG, Nacional, etc.),
Estados do PR e RS -, entre tantos outros, teve seu decisivo fomento pelo BNDES.
No Brasil, supermercados multinacionais dominam 70% do verejo(Folha de São Paulo, 05.05.05)
O Grupo Sonae é arrematado escândalo. Notório aos rudimentos da economia que o setor de
supermercados é auto-suficiente, não havendo qualquer razão à intervenção do Estado ao seu
desenvolvimento.
"In casu?, financiou-se com dinheiro público estrangeiros que àqui quase nada aportaram. Pior! Os
supermercadistas brasileiros, especialmente os pequenos empreendedores(v.g., mercearias, minimercados,
etc.), foram dizimados pela atroz concorrência. Ainda pior! Os fornecedores, produtores, especialmente do
setor primário(v.g., hortifrutigranjeiros, etc.), foram estrangulados pelo aviltamento de preços. No Paraná, a
Assembléia Legislativa procedeu CPI a respeito. Por último, é claro que o consumidor também ficou à mercê
do humor português, "rectius", de apenas um português, o Sonae. Hoje, tudo do americano Wal-Mart.
Não obstante a desmesurada delinqüência econômica, a repressão é pífia, insignificante. As esparsas
persecuções criminais, com exceções que apenas confirmam a regra, resumem-se a situações locais
particulares, empreendedores de menor significação no contexto da economia.
Embora a Carta Política, art. 109, VI, prescreva competência da Justiça Federal aos crimes contra a ordem
econômica, limita-a "... nos casos determinados por lei ...", sendo que, por ora, ante o silencio da
tipicidade(art. 1º, I, da Lei nº 8.176/91 - arts. 4º a 6º da Lei nº 8.137/90), remanesce competente a Justiça
Estadual (STJ, CC 15465/MG, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJU 05.08.96, p. 23.309).
O legislador ordinário, tal como já procedeu em relaçáo à Autoridade Policial, outorgando poder
investigatório à Polícia Federal(Lei nº 10.446/02), deveria, em cumprimento à "Lex Fundamentalis?,
consagrar a competência da Justiça Federal e, por consqüência, a atribuição acusatória do Parquet Federal.
'Justiça nunca deu sentença definitiva de prisão por formação de cartelno país'(Folha de São Paulo,
26.04.09).
Certamente, a repressão aumentaria substancialmente. Todavia, ao menos por ora, não é este o interesse
preponderante no Parlamento da República, tampouco no Executivo.
II.III - DOS CRIMES CONTRA A ORDEM PREVIDENCIÁRIA
A Previdência Social é o que de mais nobre faz o Estado Brasileiro!
São mais de 26 milhões de benefícios, pessoas que subsistem graças aos seus pagamentos de
aposentarias, pensões, auxílios, etc.
A Previdência Social pagou: a)em 2005: R$ 146 bilhões; b)em 2006: R$ 165 bilhões; c)em 2007: R$ 185
bilhões; d)em 2008: R$ 201 bilhões; e)em 2009: projetados R$ 228 bilhões(Folha de São Paulo, 09.11.08).
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É a maior folha de pagamento do mundo!
Outras dezenas de milhões, dependentes desses titulares dos benefícios, igualmente têm no INSS seu porto
seguro.
Além dessa vultosa nação, outros 42 milhões de contribuintes pessoas físicas, somados aos seus
dependentes, são segurados da Previdência Social.
No País dos excluídos, maior concentração de renda do planeta, a Previdência Social é o que de mais
efetivo o Estado Brasileiro faz à inclusão da dignidade humana(art. 1º, III, da Constituição)!
Segundo o Banco Mundial, em 2005, o Brasil fechou como a 10ª economia do mundo, PIB de US$ 1.585
trilhão. Em 1º, EUA com US$ 12.376 trilhões, 2º China: 5.333 trilhões, 3º Japão: 3.870 trilhões, 4º Alemanha:
2.515 trilhões; 5º Índia: 2.341 trilhões, 6º Reino Unido: 1.902 trilhão, 7º França: 1.862 trilhão, 8º Rússia:
1.698 trilhão e 9º Itália: 1.626 trilhão.
Anulando os efeitos do câmbio, tantas vezes artificial, no cálculo das economias, o Banco Mundial equaliza o
"ranking" pela paridade do poder de compra, ou seja, um dólar internacional utilizado na comparação tem
idêntico poder de compra em qualquer país que um dólar tem nos EUA(Folha de São Paulo, 19.12.07).
Razoável. Todavia, camufla a chaga da concentração de renda.
Estudo do Banco Mundial abrangendo 129 países posiciona o Brasil como o 125º mais desigual(Folha de
São Paulo, 21.09.05).
Quanto à renda global dos domicílios(Pnad 2002 e 2006, atualizado até julho/2007): Classe A(renda do
domicílio superior a R$ 5.722): 5% dos domicílios; Classe B(renda de R$ 2.861 até R$ 5.721): 10%; Classe
C(renda de R$ 1.144 a R$ 2.860): 29%; Classe D(renda de R$ 572 a R$ 1.143): 30%; Classe E(renda até
R$ 571): 26% dos domicílios(Folha de São Paulo, 24.03.08).
O IDH calculado pela ONU, o qual leva em conta a expectativa de vida da população, PIB "per capita",
alfabetização e taxa bruta de matrícula, embora tenha evoluído na cotação , o Brasil está na 70ª posição no
mundo, com 0,800(Folha de São Paulo, 28.11.07).
Portanto, não somos um país pobre. Somos um país de pobres dada a dantesca distribuição de renda.
Nesse contexto, vale repetir, a Previdência Social é o que de mais digno faz o Estado Brasileiro!
Reconhecido que a culpabilidade está na razão direta do bem jurídico tutelado, de incomparável vileza,
reprovabilidade, qualquer atentado à Previdência Social, instituição estatal de maior nobreza.
"O crime é a negação do Direito e a pena, que é a negação do crime, é a confirmação do Direito. Essas duas
negações devem ser iguais, para que a segunda anule a primeira".(Hegel)
Vale ouvir o Dr. Lênio Streck, Procurador de Justiça/RS, Doutor em Direito, Prof. Coordenador do Mestrado
e Doutorado da Unisinos/RS, "verbis":
"No campo do Direito Penal, em face dos objetivos do Estado Democrático de Direito estabelecidos
expressamente na Constituição (erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e regionais,
direito à saúde, previdência social, etc.), os delitos que devem ser penalizados com (mais) rigor são
justamente os que, de uma maneira ou outra, obstaculizam/dificultam/impedem a concretização dos
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objetivos do Estado Social e Democrático ("A Sociedade, a Violência e o Direito Penal", coletânea
organizada pelo Prof. Ney Fayet Júnior, Livraria do Advogado, 2000, p. 125/126).
Na toada do fundamentalismo neoliberal, contudo, não poderiam faltar os empedernidos críticos da
Previdência Social.
Um deles, Antônio Ermírio de Moraes - Votorantin, etc. -, nos seus pronunciamentos de reticente memória
dos benefícios que sempre obteve do Estado(v.g., financiamentos do BNDES, anistias fiscais, leniência com
o cartel do cimento - vide tópico DOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA, concessões de obras e
serviços públicos, etc.), desborda irascível censura ao pretextado deficit INSS.
Primeiro, em tempos de superavit, sabido que a União desviou recursos da Prividência Social a finalidades
diversas(v.g., Usina de Itaipu, etc. - inexistia a vedação hoje constante no art. 167, XI, da Constituição).
Segundo, há brutal sonegação, quotidianamente sendo aquinhoados os delinqüentes com
anistias(vergonhoso histórico da abolitio criminis, vide tópico DA JURISDIÇÃO). Terceiro, a Previdência
suporta extenso ônus que a ela não pertence(v.g., pagamento de anistiados políticos, pagamentos de até R$
71,7 mil mensais - vide Folha de São Paulo, 09.12.06, prestações asistencias, art. 203, V, da Constituição,
etc.). Quarto, ao INSS não impõe-se superavit. Cumpre ser gerido com exação, competência e
responsabilidade, é inegável. Porém, sabida a histórica e perversa conivência do Estado Brasileiro com as
desigualdades, o INSS talvez seja a única atuação objetiva em busca de minimizar o abissal deficit social,
reduzindo as desigualdades(art. 3º, III, da Carta Magna).
Mais! A Previdência Social não é deficitária, consoante prova estudo da ANFIP(Associação dos Auditores
Fiscais da Previdência). O superavit é desviado à cobertura do superávit primário, ou seja, pagamento da
dívida pública(Folha de São Paulo, 11.04.05).
Em 2004, a arrecadação teve: Cofins(R$ 77,29 bilhões), CSLL(R$ 19,31 bilhões), Contribuição sobre a folha
de pagamento(R$ 93,77 bilhões), CPMF(R$ 26,39 bilhões), Concurso de prognóstico(R$ 1,45 bilhões),
Receita própria do Ministério da Saúde(R$ 0,81 bilhões), outras receitas do INSS(R$ 1,24 bilhões), Outras
contribuições sociais(R$ 0,07 bilhões). Total: R$ 220,34 bilhões
Em contrapartida, as despesas de 2004: Benefícios(R$ 134,07 bilhões), Saúde(R$ 32,15 bilhões),
Assistência Social(R$ 5,67 bilhões), Custeio e pessoal dos Ministérios da Saúde e da Previdência(R$ 4,07
bilhões), outras ações da Seguridade Social(R$ 1,84 bilhões). Total: R$ 177,80 bilhões.
Superávit da Previdência em 2004: R$ 42,53 bilhões(Folha de São Paulo, 11.04.05).
Em 2004, despendeu-se R$ 74 bilhões na área social: a) R$ 5,9 bilhões do fundo de combate à
pobreza(bolsa família); b)R$ 5,8 bilhões do Loas, art. 203, V, da Constituição; c) R$ 9,8 bilhões
seguro-desemprego; d)R$ 1,8 bilhões renda mensal vitalícia, INSS(invalidez/idade); e)R$ 48,7 pagamentos
do INSS até 01 salário mínimo(rurículas, etc., que geralmente não contribuíram a aposentadoria). Todavia,
apenas os juros e encargos da dívida pública somaram R$ 74,1 bilhões, ou seja, cerca de 7% do PIB (Folha
de São Paulo 11.03.05).
Em 2006, considerados os valores pagos, tivemos a seguinte distribuição por benefício pago pela
Previdência Social: a)20,32% do montante dispendido à aposentadoria por idade; b)21,77% pensão por
morte; c)29,09 aposentadoria por tempo de contribuição; d)10,13 aposentadoria por invalidez; e)7,48%
auxílio-doença; f)3,62% prestação assistencial ao portador de necessidade especial; g)3,34% prestação
assistencial ao idoso(Folha de São Paulo, 23.04.07).
Embora sob responsabilidade diversa, Ministério do Trabalho, pela sua natureza igualmente assistencial,
vale apontar o seguro-desemprego(art. 7º, II, da Constituição) custeado pela União: ano de 2000: pagos R$
4,1 bilhões; em 2001: R$ 4,6 bilhões; em 2002: R$ 4,8 bilhões; em 2003: R$ 4,9 bilhões; em 2004: R$ 4,8
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bilhões; em 2005: R$ 5,4 bilhões; em 2006: R$ 5,7 bilhões; em 2007: R$ 6 bilhões(Folha de São Paulo,
21.01.08).
Em 10 anos(1994 a 2004), o erário despendeu R$ 728 bilhões com pagamento de juros e encargos da
dívida pública. Nesse período, a dívida líquida do governo federal aumentou de R$ 65,8 bilhões(dez/2004)
para R$ 601,4 bilhões(dez/2004 - Folha de São Paulo, 21.04.05 - retratando estudo da Consultoria de
Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados).
Entre 1999 e 20005, correr de seis anos, o Brasil pagou R$ 1,2 trilhão de dívida pública. Em 1995, a dívida
consumia 18,75% do orçamento da União, chegando a 42,85% em 2005. Comparada com as gastos da
Previdência Social, em 1995, ela gastava 34,05% do orçamento, baixando a 31,6% em 2005(cálculos da
Unafisco/SP, Folha de São Paulo, 24.10.06).
O bolsa-família, maior programa de distribuição de renda, em 2003 despendeu R$ 3,4 bilhões(3,6 milhões
de famílias atendidas), em 2004 R$ 5,7 bilhões(6,5 milhões de famílias), em 2005 R$ 6,5 bilhões(8,7 milhões
de famílias), em 2006 projetados R$ 8,5 bilhões(11,1 milhões de famílias - Folha de São Paulo, 11.06.06).
Em razão desses programas assistenciais(v.g., bolsa-família, prestações assistências do INSS, etc.), entre
2001 e 2004, a parcela mais miserável da população teve majoração de 23% nos rendimentos(Folha de São
Paulo, 11.06.06).
Verdade que alguns benefícios têm majoração insuportável ao longo do tempo.
Em 1997, a 650 mil idosos e portadores de necessidades especiais(Loas: art. 203, V, da Constituição),
foram pagos R$ 800 milhões de reais. Em 2005, o Loas pagou R$ 7,5 bilhões a 1,1 milhão de deficientes e 1
milhão de idosos. A majoração anual de beneficiados(1 salário mínimo "per capita") é de 10%(Folha de São
Paulo, 26.03.06). Em 2006, pagou R$ 9,7 bilhões a um total(deficientes e idosos) de 2,4 milhões de
pessoas(Folha de São Paulo, 15.04.07)
Igualmente, o brasileiro carece de cultura previdenciária.
Quando ativo, mesmo contribuições de pequena monta não são honradas. Depois, acometido da velhice,
doença, invalidez, etc., bate às portas do Estado, regra geral através da Judiciário, pleiteando benefício para
o qual não honrou a contrapartida.
Pesquisa da Universide de Oxford encomendda pelo Banco HSBC revelou dados comparativos a propósito
de questionamentos relevantes: a)já poupou dinheiro para a aposentadoria? Sim: Brasil(24%), EUA(34%),
México(34%), Índia(31%), China(29%), Reino Unido(53%); b) o governo é que deveria bancar
aposentadoria? Sim: Brasil(52%), EUA(16%), México(6%), China(35%), Índia(7%), Reino Unido(34%); c) já
calculou necessidades e fontes de renda? Sim: Brasil(24%), EUA(66%), México(34%), China(29%),
Índia(31%), Reino Unido(53% - Folha de São Paulo, 26.04.06).
Segundo o Ipea(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, órgão do Ministério da Fazenda), metade dos
trabalhadores estão na informalidade(sem carteira profissional assinada e por conta própria). Em 2004,
foram 48,39%, correspondente a 37% do PIB(Folha de São Paulo, 10.08.06).
Em 2004, a população economicamente ativa era cerca de 92 milhões de pessoas. Destes, apenas 39
milhões(48%) contribuíram para a Previdência. Os outros 45 milhões de trabalhadores nada
recolheram(Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência, Diário Catarinense, 13.08.06).
Em 2006, tivemos avanços. Estudo do Ministério da Previdência baseado nos dados do Pnad(Pesquisa
Nacional de Amostra de Domicílios - IBGE/2006) aponta a existência de 32,7 milhões de pessoas
'socialmente desprotegidas', ou seja, sem cobertura da Previdência Social. A cobertura da INSS atinge 64%
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da população. Comparativamente, em 1992, alcançava 66,4% e, em 2002, 61,7%(Folha de São Paulo,
30.10.07).
Segundo o IBGE, a expectativa de vida do brasileiro subiu para 72 anos. Embora nada de extraordinário,
considerado que ocupamos apenas a 80ª posição no 'ranking' de 192 países da ONU, tendo em vista que o
Brasil é das raras nações do mundo sem idade mínima à aposentadoria, mesmo que a maior longevidade
afete o valor do benefício pago pelo INSS('fator previdenciário'), há crescente oneração da Previdência pela
maturidade da população(ano de 2000, 9,9 milhões de pessoas acima de 65 anos), eis que desde 2003 a
taxa de fecundidade é de tão somente 2,1 filhos por mulher(Folha de São Paulo, 04.12.06).
Vale conferir o idôneo estudo "Determinantes da Sustentabilidade e do Custo Previdenciário: Aspectos
Conceituais e Comparações Internacionais", produzido pelo Ipea(www.ipea.gov.br).
No 'ranking' mais usual, qual seja, proporção dos gastos previdênciários com o PIB, o Brasil está em 14º no
mundo, com despesa de 11,7% do PIB. Estudo do Ipea, considerando outros fatores, como a estrutura etária
da população, contigente de contribuintes, alíquotas de contribuição e idade mínima dos benefícios, coloca o
Brasil em 1º, empatado, todavia, com outras nove nações(Folha de São Paulo 25.12.07)
Diagnóstico mais confiável(v.g., demais cálculos superestimaram a exclusão da Previdência, não
considerados incluídos os 8,49 milhões de trabalhadores rurais sob regime próprio e os 1,3 milhão de
aposentados que retornaram ao mercado de trabalho), todavia, é do próprio Ministério da Previdência(Folha
de São Paulo, 02.06.07).
No total, o Brasil ostenta, economicamente ativa(ocupada - 16 a 59 anos), 78,93 milhões de pessoas.
Desse montante, 5,26 milhões contribuem para os regimes de aposentadoria dos servidores públicos; 35,07
milhões de pessoas contribuem para o INSS, sendo que 8,49 milhões são segurados
especiais(trabalhadores rurais sob regime específico).
Quem não contribuem com a Previdência, somam 30,11 milhões de pessoas. Desse contigente, 28,8
milhões não têm proteção previdenciária, popular informalidade(12,26 milhões percebem abaixo do salário
mínimo; 16,26 ganham mais que um salário mínimo; 0,29 milhão tem rendimento ignorado). O restante 1,3
milhão goza de benefício previdenciário, tendo retornado ao mercado de trabalho.
Entre a população idosa(60 anos ou mais), a proteção previdenciária(incluída também a assistencial, Loas art. 203, V, da Constituição) atinge 82%. Dos 18,2 milhões de idosos, 3,2 não contam com benefício.
Também há graves distorções tributárias. Talvez a mais gritante seja a contribuição social incidente sobre a
folha de salários(art. 195, I, ?a?, da Constituição).
Quanto mais emprego gerar o empreendedor, maior a tributação. Desempregando, automatizando, muitas
vezes estimulado pelo Poder Público(v.g., financiamentos oficiais do BNDES, incentivos fiscais, etc.), o
empresário é aquinhoado com a desoneração tributária.
Exemplo clássico da barbárie foi o setor bancário. Enquanto o País agonizava na inflação e juros
escorchantes, os bancos lucravam geometricamente, desempregando no alucinante ritmo da informatização.
Quando em dificuldades, sabido que Estado-Providência não poderia deixar os banqueiros ao léo, adveio o
PROER(vide tópico DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO).
Bancos como Bradesco e Itaú, aposentadoria de empregado convolou-se em emblema de mito, inexistência.
Inexoravelmente, tais quais câmaras de gás nazistas, ex-jovem é ex-empregado, demitido. Segundo o
respeitado DIEESE(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), em 1989 o
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setor bancário empregava 824 mil pessoas, reduzindo para 497 mil em 1996.
Em 2002, o Itaú amealhou lucro líquido de R$ 2,3 bilhões, ultrapassando a marca do Bradesco que, em
2001, abiscoitara R$ 2,17 bilhões(Revista Isto É Dinheiro). Em 2003, o Itaú lucrou R$ 3,1 bilhões e o
Bradesco 2,3 bilhões(Revista Veja, 25.02.04). Em 2004, lucro do Bradesco de R$ 3,06 bilhões, Unibanco R$
1,3 bilhões(Folha de São Paulo, 18.02.05).
Notório que, devendo-se estimular o emprego, a tributação deve fincar colunas na renda ou faturamento(art.
195, I, ?b?, da Carta Política).
Aos delitos contra a Previdência Social remetemos ao tópico DOS CRIMES CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA.
Através da Lei nº 9.983/00, gestada no Ministério da Previdência Social, buscou-se aprimorar a tipicidade da
repressão aos crimes contra o INSS.
Melhorou, remanescendo, contudo, graves deficiências. Melhorou, até porque piorar seria impossível. Basta
lembrar que das 10 condutas tipificadas no art. 95 da Lei nº 8.212/91(alíneas ?a? até ?j?) apenas três
tinham cominação de pena(?d?, ?e?, ?f?). As demais, o Legislador simplesmente esqueceu("sic").
Para gáudio de quem espiolha preciosidades acadêmicas, preceitos sem sanção. Meros conselhos, apelos
candentes à sensibilidade ética dos delinqüentes.
Honrando a tradição do esquecimento, a Lei nº 9,983/00 também olvidou de revogar o §2º, art. 95 da Lei nº
8.212/91. Revogados o "caput" e todos os demais dispositivos, tal qual membro sem corpo, no limbo
permaneceram as penas acessórias(v.g., inabilitação para contratar com o Poder Público, financiamentos
oficiais, etc.).
Introduziu-se no codex falsidades próprias da Prividência Social(art. 297, §3º, do CP). Entretanto, sabido que
o delito fim, material, absorve o meio, formal, quando este, de per si, não tem potencialidade lesiva(Súmula
nº 17 do STJ), a conduta estará subsumida à fraude tributária(art. 337-A do CP) ou a do benefício(art. 171,
§3º, do CP).
Assim, regra geral, inócua a alteração.
Imperdoável, a propósito, a omissão em adotar tipificação própria, cominando-se pena mais gravosa, à
fraude aos benefícios(v.g., aposentadorias, pensões, auxílios, etc.), cujo efeito deletério(v.g., "case"
Advogada Jorgina de Freitas, etc.) tem sido devastador ao INSS.
"São pagos por ano R$ 107 bilhões em benefícios, desses cerca R$ 3,15 bilhões são fraudados"(Ministérios
da Justiça e Previdência Social, 09.12.03, anunciando forças-tarefa de combate às fraudes nos diversos
Estados, conjugando Polícia Federal, Ministério Público Federal, Auditoria do INSS, etc.).
Traçando perfil dos benefícios com maior incidência de fraude, o INSS selecionou 473.628, convocando
seus titulares ao recadastramento. Desses, em três etapas(1ª: 80.989 mil; 2ª: 50.127 mil e 3ª: 34,4 mil)
foram suspensos(Folha de São Paulo, 14.04.06).
Por amostragem, aferindo 7.053 benefícios, entre outras irregularidades, o Tribunal de Contas da União
identificou 1.000 pagamentos a mortos e o acúmulo de até 73 benefícios em nome de uma só pessoa,
Magna dos Santos Lucena(Folha de São Paulo, 09.12.06).
Expressiva parcela da fraude deve-se à identificação. Brasileiro não tem identidade. Prova disso é que o
CPF, simples matrícula fiscal, ter sido convertido em registro de identidade, mercê da ausência de uma
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identificação nacional fidedigna, redundando na surrealista declaração de isento do imposto de
renda(declaração de nada a declarar), sabido que sem confiabilidade as carteiras fornecidas pelos órgãos
de segurança dos Estados(RG?s expedidos por 27 unidades da federação, mediante certidão de nascimento
de precária certificação: testemunhas de ocasião, em qualquer recanto do País, possível registrar "novas"
pessoas, inclusive adultos, com identidade diversa), não obstante determinação de registro único nacional,
até hoje descumprido(Lei nº 9.454/97). Veículos(renavan), armas(sisnar), etc. têm registro(identidade)
nacional unificado. Pessoas, não! Mesmo quando registrado óbito no registro civil(sequer impera exigência
de certidão de óbito ao sepultamento, regra geral, apenas do atestado médico da morte), comunicado ao
INSS consoante determinado pela legislação, dissonâncias de grafia, filiação, etc., outorgam a mortos vida
eterna na folha de pagamento da Previdência.
O desaparelhamento material e humano do INSS, catapultado pela corrupção(v.g, no Estado de SC,
Florianópolis, "sumiram" cerca de 100 mil processos administrativos que geraram pagamentos de
benefícios), agiganta o custo da Previdência.
Tão somente em 2006, até 23.11.06, a Previdência Social pagou absurdos R$ 12,3 bilhões de
auxílio-doença a segurados, vulgo "encostados" no INSS(sítio contas abertas, 27.11.06). Óbvio está a
indústria da doença.
Não obstante a gravidade, a fraude dos benefícios contra a Previdência Social remanesceu na vala comum
do estelionato qualificado(art. 171, §3º, do Código Penal).
Nesse estelionato, crucial questão diz com o "dies a quo" da prescrição, sabido que prestações produto de
estelionato protraem-se por longos anos(v.g., aposentadorias mediante simulação do tempo de serviço,
etc.).
O STJ, definindo-o sob o título de delito instantâneo de efeitos permanentes, sob os auspícios do imortal
Min. Assis Toledo(v.g., Rec. Esp. 463299/GO, Rel. Min. José Arnaldo, DJU 23.06.03). O STF teve
precendentes nessa linha(HC 83.252/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, Informativo do STF nº 329)
Em contrapartida, acohida a natureza de delito instantâneo de efeitos permanentes, ?ipso jure?, o crime terá
natureza permanente, afastada, em compensação, o agravamento da pena pela continuidade
delitiva((TRF/4ª, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Ap. Crim. 2002.71.00.019366-6/RS, Informativo
Criminal do TRF/4ª, março/2004)
Sobre este tema, vide "Prescrição no Estelionato contra a Previdência", Paulo Bajer Fernandes Martins
Costa, Procurador da República em SP, in Boletim dos Procuradores da República nº 99, www.anpr.org.br.
A Defesa, entretanto, perorá que essa classificação, delito instantâneo de efeitos permanentes, é inovadora,
ausente da doutrina clássica(Nelson Hungria, Aníbal Bruno, Heleno Fragoso, etc.). Em realidade, o delito
consuma-se com a obtenção do ato administrativo concessivo do benefício. As prestações, pagamentos, são
mero exaurimento, pós-fato impunível.
Nesse sentido, corroborando a Defesa, STF, órgão plenário, HC 86467/RS, Rel. Min. Marco Aurélio,
23.4.2007, Informativo do STF nº 464.
Outras condutas virulentamente lesivas à Previdência Social ficaram ao largo da Lei nº 9.983/00.
Clássico caso são as portentosas fraudes mediante a simulação dos requisitos necessários à imunidade da
filantropia(art. 150, VI, ?c?, art. 195, §7º, da Constituição; art. 14 do CTN,etc.), popular "pilantropia",
segmento de caudaloso tráfico de influência política, especialmente em prol das entidades educionais de 3º
grau, a inibir o Executivo, Ministério da Previdência, CNAS, etc., de fazer valer a "ratio essendi" do benefício,
qual seja, efetiva prestação social à coletividade.
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Vale o palmar exemplo referido pelo Jornalista Josias de Souza, Folha de São Paulo, 28.12.03,
reportando-se à persecução promovida pelo Procurador da República Uendel Domingues Ugatti, "verbis":
"Fraude filantrópica custa R$ 246,9 mi ao erário
(...)
1) criada em 1950, a Fundação Sinhá Junqueira foi reconhecida como entidade de "utilidade pública federal"
em 1968. Utilizava-se dessa condição "com a finalidade exclusiva de fraudar a fiscalização tributária";
2) sob o manto da filantropia, a fundação foi transformada "em uma empresa controladora e administradora
de outras pessoas jurídicas". Gere ao todo cinco firmas;
3) atuam "na operação de usina de açúcar, destilaria de álcool, cultivo de cana-de-açúcar e prestação de
serviços rurais". Têm a contabilidade tonificada por repasses financeiros da falsa entidade social;
4) pela lei, os administradores de filantrópicas são proibidos de receber salário. Mas os gestores da Sinhá
Junqueira são também funcionários das firmas "coligadas". E delas receberam entre 1998 e 2002
vencimentos que oscilam de R$ 410 mil a R$ 551 mil. Sem mencionar assistência médica, hospitalar,
farmacêutica e educacional;
5) a Sinhá Junqueira foi isentada de todos os tributos. Não pagou Imposto de Renda, Contribuição Social
sobre o Lucro, PIS, Cofins, o diabo. Só entre 1998 e 2002, sonegou ao erário R$ 30,4 milhões;
6) Receita e Previdência levantaram os débitos da fundação ainda não alcançados pela decadência. Somam
R$ 115 milhões;
7) tem nome de santa a principal "coligada" da Sinhá Junqueira. Chama-se Fazenda Santa Cristina. É
integralmente controlada pela fundação, de quem recebe repasses financeiros, maquinário, tratores e
caminhões. Tem sede no mesmo endereço da "filantrópica". Contrata mão-de-obra de outra empresa sob
controle da fundação, a Valgran Ltda;
8) restou evidenciado que a Santa Cristina é uma "empresa virtual". Toda a sua "atividade empresarial [...] é
de fato praticada pela Fundação Sinhá Junqueira". Inexiste "separação física" entre uma e outra;
9) em dois anos (1997 e 1998), a Santa Cristina fraudou o Imposto de Renda em R$ 66,4 milhões.
Referem-se a despesas operacionais e encargos indevidamente glosados do Fisco. Entre eles uma doação
de R$ 30 mil para campanha eleitoral do PFL. No mesmo período (1997 e 1998), a Santa Cristina sonegou
R$ 65,4 milhões em contribuições sociais sobre o lucro;
10) somando-se a face visível da burla fiscal da Santa Cristina ao logro tributário da Sinhá Junqueira,
chega-se à cifra de R$ 246,9 milhões. Imagine-se o q ue não terá sido sonegado desde 1968, ano em que
os negócios açucarados de Igarapava passaram a ser recobertos pelo diáfano véu da "utilidade pública";
11) são oito os administradores da Sinhá Junqueira e "coligadas". Por decisão da Justiça Federal,
encontram-se com todos os bens sequestrados -mais de uma centena de imóveis, veículos, aplicações
financeiras, ações e cotas de empresas;
12) em procedimento iniciado no dia 20 de novembro, a Justiça começou a colher os depoimentos dos
gestores da "filantrópica";
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13) simultaneamente, a Receita e a Previdência tentam reaver os R$ 246,9 milhões sonegados. Não há
vestígio de um único centavo restituído aos cofres públicos. O débito é contestado pelos devedores."
Perante o Ministério da Previdência, existem cerca de sete mil entidades qualificadas como filantrópicas,
cuja imunidade exime a arrecadação de R$ 4 bilhões(Folha de São Paulo, 23.02.08).
Essa falcatrua, ante a abrangência típica, incluindo "contribuições sociais" - tituladas pelo INSS, embora
adminsitradas pela Receita Federal -, estará capitulada no art. 1º da Lei nº 8.137/90.
Ampliando os benefícios ao sonegador pretensamente arrependido, a Lei nº 9.983/00 ressucitou parâmetros
dantes já adotados(art. 2º da Lei nº 4.729/65, revogado pela Lei nº 8.383/91), qual seja, a extinção da
punibilidade mediante a confissão/quitação do débito antes de iniciada a ação fiscal(procedimento
administrativo investigatório do INSS).
Cometeu heresias, a exemplo da que beneficia o fraudador, falsário, pela simples confissão(art. 337-A, §2º,
do CP), exigindo do que reteve as parcelas descontadas dos empregados - sem, entretanto, perpetrar
qualquer fraude, aduzindo ao Fisco Previdenciário documentos que espelham a verdade - também o
pagamento(art. 168-A, §2º, do CP).
Elementar aplicação da analogia "in bonam partem", isonomia(art. 5º, "caput", da CRFB), onde existe a
mesma razão fundamental prevalece idêntica regra de direito("ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio"),
implica estender o benefício da simples confissão também à apropriação previdenciária. Nesse sentido, vide
Alberto Silva Franco e Rui Stoco, Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial", RT, 2001, p. 2.785).
Outra profanação da Lei nº 9.983/00 é a que restringe à multa ou, muito pior, a reles perdão judicial,
penalização por apropriação/sonegação previdenciária nos casos cujo 'quantum' esteja limitado ao valor
mínimo estabelecido pela administração à execução fiscal (art. 168-A, §3º, II, do CP; art. 337-A, §2º, II, do
CP).
Além disso, criou nova figura, espécie de empregador insignificante - 'quantum' da folha de pagamento -,
também apregoando idêntica resposta criminal(art. 337-A, §3°, do CP)
Ridículo!
A jurisprudência já consagrara a hipótese como clássico caso de aplicação do princípio da insignificância.
Mover a jurisdição penal à aplicação de multa, cujo valor sancionado fica aquém ao já aplicado pela
Previdência Social, é infame capitis deminutio, vilipêndio à Justiça(Poder Judiciário, Ministério Público,
Polícia Judiciária, etc. - vide tópico DA DOGMÁTICA - "nulla lex(poenalis) sine necessitate").
Significa reduzir toda essa estrutura ao reles papel desempenhado, v.g., por um "pardal" - controlador
eletrônico de velocidade - que flagra um veículo além dos limites estabelecidos, instantaneamente,
sancionando-o.
Pior, bem pior! O "pardal" ao menos não vilipendia a dignidade de sua função, perdoando o infrator!
Crônica do caos anunciado!
O patamar era de R$ 5 mil(Portaria MPAS nº 4.943, 04.01.99). O Ministério da Previdência, através da
Portaria MPAS nº 1.105/02, estabeleceu R$ 10 mil. Posteriormente, Portaria MPAS nº 1.013/03,
restabeleceu R$ 5mil além de, caprichosamente, para fins do art. 337-A, §3°, do Código Penal, fixar a
decimal da tipicidade em R$ 2.118,81("sic"). Finalmente, a Portaria MPAS 296/07 uma vez mais fixou em
R$ 10 mil.
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183/265
Sem validade a ressalva da Portaria 1.013/03: que "... não se aplica aos créditos originários de crime, que
serão ajuizados independentemente de seu valor."
A lei não autorizou o discrimen entre exceção de crédito originário de crime ou não. A legislação fical não
contempla(Lei nº 6.830/80) qualquer distinção. Pelo contrário, se o legislador penal referiu a insignificância,
inadmissível que, via portaria - "ato próprio dos porteiros", diria o célebre Prof. Geraldo Ataliba -, seja
nulificada a norma.
Vedado pela constituição o salário mínimo regional, chegou a ser regionalizada a insignificância. Mínimo à
execução nos casos de decisões da Justiça do Trabalho. Portaria Ministério da Previdência Social nº 1.293,
DOU 06.07.05, estabeleceu valores diferenciados(R$ 120,00, R$ 150,00 e R$ 140,00), de acordo com o
Estado da federação.
À luz da economicidade(art. 70, "caput?, da Constituição), sequer o executivo fiscal admite-se: "Executar um
valor menor que o gasto com a própria cobrança da dívida ativa evidencia a inutilidade do procedimento
administrativo-fiscal"(TRF/4ª, Ap. Cível 2003.04.01.053551/RS, Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria,
04.02.04, Informativo do TRF/4ª nº 185).
A Lei nº 10.522/02, art. 20, prescinde de execução débitos para com a Fazenda Nacional até R$ 10 mil.
Para o réu, na pior das hipóteses, pena restrita à multa, ainda resta invocar a transação(art. 2º da Lei nº
10.259/01).
Da introdução da sonegação previdenciária nos delitos contra a administração pública(art. 337-A do CP),
todavia, inseriu o produto da sonegação previdenciária na lavagem de dinheiro, qualificando-o como delito
antecedente(art. 1º, V, "ab initio", da Lei nº 9.613/98).
Sabido o poderoso lóbi para que a lei de lavagem não figurasse a sonegação, foi uma vitória. Mais! A
progressão de regime prisional fica condicionada à reparação do dano, ou seja, quitação da sonegação(art.
33, §4º, do CP).
Tamanha a absurda e inesgotável pletora de favorecimentos aos sonegadores, que o debate sobre diversos
institutos penais torna-se bizantino, inútil, platonicamente circunscrito à especulação acadêmica(vide
histórico da despudorada "abolitio criminis" da sonegação in tópico DA JURISDIÇÃO).
Casos típicos são a tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior(arts.
14, II, 15 e 16, do CP), somados à prisão em flagrante(arts. 301 a 310 so CPP c/c arts. 337-A do CP, art. 1º
da Lei nº 8.137/90, etc.).
Se mesmo à sonegação consumada basta simplória confissão à impunidade(v.g., art. 337-A, §1º, do CP),
prejudicada qualquer relevância à tentativa, desistência ou arrependimento.
Ao invés de estimular a desistência e arrependimento brandindo a punição, estimula-se a consumação
garantindo a anistia/impunidade.
No que refere à prisão em flagrante, identicamente. Afora aquelas intermináveis hipóteses de extinção da
punibilidade, estando a ação penal condicionada ao encerramento do processo administrativo-fiscal(STF,
HC 81611/DF, 10.12.03, Informativo do STF nº 333), "a fortiori", obstada qualquer ação repressiva do Estado
imediata ao fato.
Em síntese, tamanha a avalancha de normas abolicionistas que perfeitmente defensável a radical assertiva
de que, no Brasil, sonegação não é crime!
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184/265
Excrescência aferível por simples equação aritmética: a uma lei incriminadora opõem-se inúmeras
descriminalizadoras, afora decisões judiciais também abolicionistas, a exemplo do STF, condicionando a
ação penal ao encerramento do processo administrtivo-fiscal(vide tópico DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS
INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL - DA ACUSAÇÃO)
Sabido que preceito(tipo incriminador) sem sanção(pena) é autorização(conduta lícita), temos o decálogo
do sonegador prescrito pelo legislador e o julgador(vide tópico DOS CRIMES CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA).
Se não é crime impossível(art. 17 do CP), sonegação previdenciária do ?colarinho branco? é de punição
impossível!
Essa criminosa(delito de lesa-pátria, "rectius", lesa-dignidade humana) impunidade conferida à sonegação
previdenciária converte o crime contra a Previdência Social em "business" dos mais atrativos - mercado
sempre em expansão! -, onde o lucro certo tem sobrada compensação pela punição, mais que incerta,
remota, quase impossível, na pior das hipóteses, restrita aos desfortunados de alguma pecúnia - v.g.,
parcelamento do débito a perder de vista, garantia para recorrer na instância administrativa, etc - e/ou da
Advocacia de parcas luzes.
Pior, bem pior! O Estado Brasileiro faz do empresário probo, que honra sua obrigações previdenciárias, um
perfeito idiota!. "Eremildo, o idiota", diria o Jornalista Elio Gaspari!
O sonegador, de antemão sabedor das despudoradas anistias, sequer ri por último, já ri "ab initio"!
Retroatividade do PAES(Lei nº 10.684/03). Vide TRF/4ª, AC 2001.04.01.065975-8/SC, Rel. Des. Federal
Élcio Pinheiro de Castro, Informativo do TRF/4ª nº 168.
"A Seção, por maioria, decidiu que, nos crimes de sonegação fiscal, o parcelamento da dívida com o Estado
antes do oferecimento da denúncia extingue a punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei nº 9.249/1995,
ainda que restando eventual discussão extrapenal dos valores"(STJ, RHC 11.598-SC, Rel. Min. Gilson Dipp,
08.05.02, Informativo do STJ nº 133).
Controversa a tipicidade da omissão de anotação na CTPS(Carteira de Trabalho e Previdência Social) do
vínculo empregatício(art. 297, §4º, do CP), sabida a extensa informalidade vigente no Brasil. Segundo o
Ipea(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, órgão do Ministério da Fazenda), metade dos
trabalhadores estão na informalidade(sem carteira profissional assinada e por conta própria). Em 2004,
foram 48,39%, correspondente a 37% do PIB(Folha de São Paulo, 10.08.06).
II.III. I - DA APROPRIAÇÃO PREVIDENCIÁRIA(art. 168-A do CP)
Pela sua especial relevância, constituindo-se na grande maioria das persecuções, não apenas dos delitos
contra a Previdência Social, mas de natureza criminal tributária como um todo, valem referências específicas
sobre o delito.
Enfaticamente, pela sua ímpar completude, recomenda-se a monografia "O crime de omisssão no
recolhimento de contribuições sociais arrecadadas", Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, autoria do
destacado Juiz Federal no RS, Dr. José Paulo Baltazar Júnior.
Súmula TRF/4ª nº 69: "A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização da
conduta prevista no art.95, "d", da Lei 8.121/91"
Súmula TRF/4ª nº 68: "A prova de dificuldades financeiras, e conseqüente inexigibilidade de outra conduta,
nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de
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documentos, sendo desnecessária a realização de perícia"
Sobre a excludente da culpabilidade, inexigibilidade de conduta diversa pela impossibilidade financeira, tese
defensiva mais corrente, adiante, vide a respectiva abordagem.
Súmula TRF/4ª nº 67: "A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições
previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização
de perícia."
Súmula TRF/4ª nº 66: "A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos, não
aproveitando aos administradores de empresas"(Posição ratificada pelo STF, Rec. Extr. 263.011-SP, Rel.
Min. Ocatio Gallotti, Informativo do STF nº 206).
"... Outrossim, a circunstância de o Prefeito não ter obrigação de elaborar a folha de pagamento não o exime
de responsabilidade, por ter o dever legal de controlar e fiscalizar os seus subordinados"(STJ, Rec. Esp.
303.439-PE, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 06.03.03, Informativo do STJ nº 164).
Vide "O Alcance da anistia Concedida aos Agentes Políticos", - art. 11 da Lei nº 9.639/98 - Francisco Dias
Teixeira, procurador Regional da República/2ª Região, in Boletim dos Procuradores da República nº 14,
www.anpr.org.br
Vide "Prefeito. Valores descontados dos Servidores Municipais em Favor do INSS e não Recolhidos.
Questões Controvertidas". Pedro Henrique Távora Niess, Procurador Regional da República/1ª Região, in
Boletim dos Procuradores da República nº 37, www.anpr.org.br.
Súmula TRF/4ª nº 65:A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições
previdenciárias não constitui prisão por dívida.
Aplicabilidade do PAES(Lei nº 10.684/03) à apropriação previdenciária(art. 168-A do CP), não obstante veto
ao projeto de lei propuse-se à excluí-la(TRF/4º, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, HC
2003.04.01.046581-0/SC, 19.11.03, Informativo do TRF/4ª nº 179 - Em sentido contrário, pela
inaplicabidade: TRF/4ª, Rel. Des. Élcio Prinheiro de Castro, Ap. Crim. 1999.71.00.031437-7/RS, 05.11.03,
Informativo Criminal do TRF/4ª, dez/2003).
PAES(art. 9º da Lei nº 10.684/03). Impossibilidade de suspensão pela retenção de contribuições
previdenciárias, uma vez que vedado tal parcelamento(Lei nº 10.666/03), bem assim a condenações
definitivas, vez que limitada a suspensão à pretensão punitiva (STF, HC 81134/RS, 03.08.04, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 355).
Todavia, chega-se ao extremo de admitir a extinção da punibilidade fundada em parcelamento concedido
pela administratação tributária "contra legem", ou seja, em hipótese vedada, a exemplo dos valores objeto
de apropriação previdenciária, art. 168-A do CP(Habeas Corpus 85.452/SP, Rel. Min. Eros Grau, Informativo
do STF nº 390).
Continuidade delitiva (art. 168-A do CP c/c art. 71 do CP). Continuidade delitiva sob persecução em dois
processos. Um, com suspensão da pretensão punitiva pelo ingresso no REFIS antes do recebimento da
denúncia. Outro, não, vez que a adesão ao REFIS ocorreu posteriormente ao recebimento da exordial.
Considerada a unidade da continuidade, extensão da suspensão também à última ação penal(TRF/4ª, Rel.
Des. Paulo Afonso Brum Vaz, Ap. Crim. 2002.04.01.021399-2/PR, Informativo do TRF/4ª nº 174).
Com a Lei nº 9.964/00(REFIS), a extinção da punibilidade somente pode ocorrer com o pagamento integral
do débito:
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186/265
"O entendimento jurisprudencial majoritário no sentido de que o mero parcelamento do débito tributário
autoriza a aplicação do benefício previsto no art. 34 da Lei nº 9.249/95 não merece mais prevalecer. Após a
edição da Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, instituindo o REFIS, além da recente Lei nº 10.684, de 30 de
maio de 2003, estabelecendo a reimplantação do aludido Programa, revela-se cristalina a intenção do
legislador de somente extinguir a punibilidade dos crimes tributários com o pagamento integral do débito, e
não com o simples parcelamento que enseja apenas a suspensão do processo bem como da prescrição.
Entendimento contrário significa prestigiar a impunidade, estimulando comportamento irresponsável do
devedor que poderia aderir ao parcelamento e, logo em seguida, interromper o adimplemento das
prestações, visando unicamente evitar os efeitos da ação penal. Mantida a decisão que, frente ao
parcelamento efetuado, determinou a suspensão da pretensão punitiva do Estado e da prescrição, nos
termos do artigo 15 da Lei nº 9.964/2000, o qual, em face do princípio constitucional da isonomia, aplica-se
aos débitos referentes à pessoa física. (Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Recurso em Sentido
Estrito nº 2003.71.05.002264-1/RS - Informativo Criminal do TRF/4ª nov/2003)
Aborda-se a excludente da culpabilidade, inexigibilidade de conduta diversa pela impossibilidade financeira,
tese defensiva mais corrente,
Raramente a Advocacia tem sustentado defesa alternativa de todo oportuna, qual seja, a expressiva
minorante de 1 a 2/3 da pena, cabível inclusive quando rebatid a excludente da exigibilidade(art. 24, §2º, do
CP).
A propósito da excludente de inexigibilidade, o Mestre Nelson Hungria, "verbis":
"... Ao Juiz incumbe apreciar os fatos 'ex ante', e não 'ex post', para decidir se havia possibilidade de outro
recurso para debelar o perigo e se ao seu emprego estava adstrito, em idênticas condições, o homo medius,
o homem de tipo comum."(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo II,
276).
"... Ora, essa reprovação deixa de existir e não há crime a punir, quando, em face das circunstâncias em que
se encontrou o agente, uma conduta diversa da que teve não podia ser exigida do 'homo medius', do comum
dos homens. A abnegação em face do perigo só é exigível quando corresponde a um especial dever jurídico
?(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo II, p. 277).
"... A inexigibilidade diz também com a proporção objetiva entre o quantum do perigo e o fato necessitado.
Assim, se um pequeno sacrifício parcial do bem alheio, apresenta-se aquele como razoavelmente exigível.
Em suma: o Juiz deve colocar-se hipoteticamente, na situação em que se encontrou o agente e, apreciando
em conjunto as circunstâncias, decidir como teria procedido em idênticas condições, um homem de tipo
médio"(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo II, 278).
Aníbal Bruno, "verbis":
"Como diz Goldschmidt, o reconhecimento de causas supralegais de exclusão da culpabilidade decorre do
conceito fundamental de que há motivos que a ordem jurídica deve reconhecer como superiores, para um
homem médio, ao motivo do dever, causas que resultam da motivação anormal, tipicamente da motivação
por necessidade"(Aníbal Bruno, Direito Penal, Forense, 1978, Tomo II, 104)
"... não se discute se o autor poderia agir diferente, mas se a ação antijurídica e culpável do autor mereceria
ou não pena ..."(Juarez Cirino dos Santos, A Moderna Teoria do Fato Punível, Freitas Bastos, p. 254).
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Questão crcucial está na prova da impossibilidade financeira.
É "onus probandi" do acusado, devendo fazê-lo documentalmente(v.g., dívidas bancárias, trabalhistas,
pessoais, inexistência de bens móveis e imóveis que puessem demonstrar eventual desvio da empresa ao
patrimônio pessoal, etc.).
"Na demonstração das dificuldades financeiras da empresa, como causa da excludente de culpabilidade dos
réus, é possível exigir-se a prova de que também a situação do sócio era difícil e comprometeu-lhe o
patrimônio, pois esse é um indicador objetivo das dificuldades daquela"(TRF/4ª, Rel. Des. Federal Amir Sarti,
EIACR 2000.04.01.139961-2 -RS, 4ª Seção, 19.06.02, Informativo Criminal do TRF/4ª Junho/02)
Uma vez demonstrada a mendicância financeira, cumpre ao Parquet infirmá-la, "verbis":
"... indica dificuldades que excluem culpabilidade, nesse caso cabendo à acusação demonstrar que o
recolhimento das contribuições previdenciárias era possível ou que havia, no patrimônio pessoal dos
administradores, bens suficientes para saldar o débito, o que não ocorreu ..." (TRF/4ª, ACR
2001.04.01.057284-7, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Fábio Rosa, Informativo Criminal Junho/02).
A nova redação do estatuto processual pertinente à senteça de improcedência, reportando-se às eximentes
de culpabilidade, entre elas, inexigibilidade de condudta diversa, fixou absolvição '... mesmo se houver
fundada dúvida sobre sua existência'(art. 386, VI, do CPP, redação da Lei nº 11.690/08).
Em suma, de ser absolvido o imputado mesmo que a prova da impossibilidade financeira produzida pela
acusado não seja hegemônica, bastando semear a dúvida.
Embora a hegemônica posição jurisprudencial, no sentido do caráter omissivo próprio da apropiração
previdenciária, ausente o requisito do "animus rem sibi habendi", esboçam-se reações contrárias, a exemplo
do STJ, "verbis":
"... inexistindo a prova inequívoca da ocorrência de dolo específico, consistente no fim de agir o réu com
intenção de não restituir aos cofres públicos a contribuição previdenciária da folha de salários, torna-se
atípica a ação inquinada de ilegalidade e, por conseqüência, ausente a antijuridicidade, não caracterizando,
assim, o crime previsto no art. 95, d, da lei nº 8.212/1991(Resp. 409.457-AL, Rel. Min. Fernando Gonçalves,
05.12.02, Informativo do STJ nº 157).
STF, órgão plenário, sublinhando, ainda, o requisito de exaurimento da instância administrativa, 'verbis':
'Apropriação Indébita Previdenciária e Natureza
O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Marco Aurélio, que
determinara o arquivamento de inquérito, do qual relator, em que apurada a suposta prática do delito de
apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A: "Deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:"). Salientando que a apropriação
indébita previdenciária não consubstancia crime formal, mas omissivo material ? no que indispensável a
ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva ?, e tem por objeto jurídico
protegido o patrimônio da previdência social, entendeu-se que, pendente recurso administrativo em que
discutida a exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a propositura da ação penal quanto a manutenção do
inquérito, sob pena de preservar-se situação que degrada o contribuinte.' (Inq 2537 AgR/GO, rel. Min. Marco
Aurélio, 10.3.2008, Inf. do STF nº 498).
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A tipicidade omissiva própria da apropriação previdenciária(v.g., STF, HC 76.978/RS) é quase tão antiga
quanto a própria Previdência Social, ou sjea, o longevo tipo, não obstante andarilho em diversos diplomas
legais, sobrevive às portas de 70 anos("sic"), sem jamais ter consagrado o "animus rem sibi habendi", "
verbis":
Art. 5º do Decreto-Lei n.º 65/37, "verbis":
"O empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus empregados e não as recolher na época
própria incorrerá nas penas do art. 331, n. 2, da Consolidação das Leis Penais, sem prejuízo das demais
sanções estabelecidas neste decreto-lei.".
Art. 86 da Lei n.º 3.807/60, "verbis":
"Será punida com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento, na época própria, das
contribuições e de quaisquer outras importâncias devidas às instituições de previdência social e arrecadadas
dos segurados ou do público".
A remissão à apropriação indébita, única e exclusivamente, restringe-se à sanção, sem qualquer
interferência no preceito.
Art. 2º, II, da Lei n.º 8.137/90, "verbis":
"Constitui crime da mesma natureza:
.................................
deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na
qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;"
Art. 95, ?d?, da Lei 8.212/91, "verbis":
"Constitui crime:
......................................
deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e
arrecadada dos segurados ou do público;"
Art. 168-A, §1º, I, do CP, "verbis":
"Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
..................................
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recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido
descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadadas do público;"
A inserção da criminalização no capítulo da apropriação indébita não acrescenta qualquer elemento ao tipo.
Assim como a "apropriação indébita" tem sua previsão normativa própria (art.168, "caput", do CP), delito
comissivo, dotado do "animus rem sibi habendi", a "apropriação indébita previdenciária" tem a sua
específica(art. 168-A, "caput", §1º, I, do CP), delito omissivo próprio, em conseqüência, sem o requisito do
elemento subjetivo, "animus rem sibi habendi".
O novo dispositivo, que apenas incorporou ao Código Penal o crime anteriormente previsto no Art. 95, alínea
"d", da Lei 8.212/91, trouxe singela alteração ao tipo penal, subsumida à nominação e ao quantum de pena
máxima aplicada, não alterando, contudo, a descrição típica da conduta.
Sobre a nova tipicidade da omissão de repasse das contribuições descontadas, vide "Lei nº 9.983/2000 Crimes em Detrimento da Seguridade Social", Wellington Cláudio Pinho de Castro, Juiz Federal, in Boletim
dos Procuradores da República nº 27, www.anpr.org.br
A tese da Defesa mais consistente não é o "animus rem sibi habendi" e sim o ?onus probandi" em ser
demonstrado todos os elementos constitutivos da tipicidade omissiva, entre eles, a possibilidade de agir.
Não basta à Acusação comprovar a omissão do imputado, impondo-se também ao Parquet o ônus de provar
a possibilidade de agir conforme o preceito(art. 13, §2º, do CP), uma vez que cumpre ao Ministério Público o
encargo de provar a tipicidade, incluídos todos os elementos do tipo, sendo a possibilidade de agir um
desses elementos no tipo omissivo.
Rebatendo a sustentação, vide "Notas ao Crime Previsto no art. 95, ?d?, da Lei nº 8.121/91 e o Poder de
Atuar", Roberto Santos Ferreira, Procurador Regional da República/2ªRegião, in Boletim dos Procuradores
da República nº 24, e "Crime de Omissão de Recolhimento de Contribuições Previdenciárias - Possibilidade
de Agir", Rodolfo Tigre Maia, Procurador Regional da República/2ª Região, in Boletim dos Procuradores da
República nº 17, www.anpr.org.br.
Crime societário omissivo, a suficiência probatória à autoria, mesmo em sede de denúncia, enseja debate,
exigido mais que a demonstração dos poderes de administração/gerência, STJ, 'verbis':
"CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ANULAÇÃO. AÇÃO PENAL.
Cuida a questão de saber a possibilidade de se instaurar ação penal em desfavor de administradores de
pessoas jurídicas inadimplentes perante o Fisco Previdenciário pelo simples fato de serem os denunciados
detentores de poderes de gestão administrativa. A jurisprudência deste Superior Tribunal e do STF entende
que, nos crimes praticados no âmbito das sociedades, a detenção de poderes de gestão e administração
não é suficiente para a instauração da ação penal, devendo a denúncia descrever conduta da qual possa
resultar a prática do delito. Esclareceu a Min. Relatora que, em nosso ordenamento jurídico, não é admitida
a responsabilidade penal objetiva; para haver a procedência da inicial acusatória deve ficar demonstrado o
nexo causal entre a conduta imputada ao denunciado e o tipo penal apresentado. Está-se exigindo apenas
que se exponha, na inicial acusatória, qual a conduta perpetrada pelo denunciado que culminou
efetivamente no delito, porque o simples fato de deter poderes de gestão não tem capacidade (nexo de
causalidade) lógica de se concluir pela prática do delito em questão (art. 168-A do CP), que prescinde de
uma ação específica a ser demonstrada na denúncia. Assim, a Turma, ao prosseguir o julgamento,
concedeu a ordem para determinar a anulação da ação penal instaurada contra os pacientes sem prejuízo
de eventual oferecimento de nova denúncia. HC 53.305-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 24/5/2007."
"Para efeito penal considera-se insignificante o valor das contribuições previdenciárias retidas e não
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recolhidas cuja inscrição ou cobrança são dispensadas pela lei ou ato administrativo, reconhecendo-se o
limite atual no valor consolidado de R$ 5.000,00 para fatos acontecidos até o advento do art. 168-A do CP."
(TRF/4ª, Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho, ACR 2001.04.01.063592-4/RS, 4ª Seção, 16.10.02,
Informativo Criminal Outubro/02).
A Portaria MPAS nº 1.105/02, permitiu dispensa de execução até R$ 10 mil. Depois de retroagir a R$ 5 mil,
Portaria MPAS nº 296/07, restabeleceu os R$ 10 mil.
Sobrepondo-se aos atos infralegais, a Lei nº 10.522/02, art. 20, prescinde de execução débitos para com a
Fazenda Nacional até R$ 10 mil.
Sobre a extinção do crédito tributário até R$ 1.000,00. Vide "A Lei 9.441/97, Anistia ou remissão? Qual sua
repercussão nos crimes do art. 95, alínea ?d? da Lei nº 8.212/91?", André Libonati e Pedro Antonio de
Oliveira Machado, Procuradores da República em SP, in Boletim dos Procuradores da República nº 12,
www.anpr.org.br.
II.IV - DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
"Quae sunt Caesaris, Caesari": a César o que é de César(resposta de Cristo aos herodianos quando lhe
perguntaram se era justo pagar tributo a César).
'Na vida, há duas coisas certas: morte e impostos'!(máxima popular norte-americana)
'Morte, impostos e parto! Nunca há hipótese que seja conveniente para qualquer dessas coisas'!(Margaret
Mitchell).
'... ei Al Capone, vê se te orienta, já sabem do teu furo, nego, no imposto de renda ...!'(Al Capone, Raul
Seixas, música dele, composta em co-autoria com Paulo Coelho - sobre a história de Al Capone,
cinematográfico 'gangster' norte-americano, preso por sonegação, vide tópico DA AXIOLOGIA)
Fosse agradável, desejoso, o principal tributo não se chamaria imposto e sim espontâneo!
Sobre o relevante consequência da irresignação tributária, lembra Hermes Marcelo Huck, "verbis":
"... para não pagar impostos arbitrários, revoltaram-se os ingleses; a Revolução Francesa resultou do
inconformismo da burguesia contra um sistema de tributos com uma única mão de direção, isto é, do bolso
do povo para o tesouro da monarquia; a indenpendência dos EUA teve como estopim a revolta contra um
tributo, assim como a derrama, no Brasil, deu causa à Inconfidência Mineira ..."(Evasão e Elisão, Saraiva,
1997, p. 2).
Segundo o Banco Mundial, em 2005, o Brasil fechou como a 10ª economia do mundo, PIB de US$ 1.585
trilhão. Em 1º, EUA com US$ 12.376 trilhões, 2º China: 5.333 trilhões, 3º Japão: 3.870 trilhões, 4º Alemanha:
2.515 trilhões; 5º Índia: 2.341 trilhões, 6º Reino Unido: 1.902 trilhão, 7º França: 1.862 trilhão, 8º Rússia:
1.698 trilhão e 9º Itália: 1.626 trilhão. Igualmente, em 2009.
Anulando os efeitos do câmbio, tantas vezes artificial, no cálculo das economias, o Banco Mundial equaliza o
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"ranking" pela paridade do poder de compra, ou seja, um dólar internacional utilizado na comparação tem
idêntico poder de compra em qualquer país que um dólar tem nos EUA(Folha de São Paulo, 19.12.07 28.03.10).
Segundo a Receita Federal, considerados todos os tributos(União, Estados e Municípios), em 2005 chegou
a 37,7% do PIB, em 2006 34,23%, em 2007 34,72% e em 2008 35,8%(Folha de São Paulo, 25.08.06,
22.08.07, 07.06.09).
Arrecadação federal, sem contar estados e municípios. Ano de 2003 somou R$ 527 bilhões; em 2004: R$
544,6 bilhões; em 2005: R$ 577,7 bilhões; em 2006: R$ 611,6 bilhões; em 2007: R$ 679,5 bilhões; em 2008:
R$ 731,6 bilhões; em 2009: R$ 710 bilhões(Folha de São Paulo, 22.01.10).
Distribuição por espécie de tributo/receita da arrecadação da União em 2007: a)contribuição previdenciária:
26,29%; b) outros(dividendos de estatais, receitas não tributárias, etc.): 23,46%; c)Cofins e Pis/Pasep:
22,17%; d)Imposto de Renda(pessoas física e jurídica) e Contribuição sobre o Lucro Líquido: 20,20%;
e)Imposto sobre Produtos Industrializados: 4,4%; f)Imposto de Importação e IPI sobre
exportação/importação: 3,41%(Folha de São Paulo, 29.06.08).
Note-se! Trata-se da carga pelo valor efetivamente arrecadado. O montante formal, previsto em lei, ou seja,
não fosse a sonegação e inadimplência, seria muito superior, em 2005, atingindo, segundo o IBPT(Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário), aberrantes 59% do PIB(Folha de São Paulo, 17.09.06).
Na verdade, mesmo o percentual da carga arrecadada é superior.
O Estado demite-se de suas funções, a exemplo da manutenção de rodoviais, privatizando estradas
construídas com dinheiro público, outorgando-as a particulares(concessionárias), os quais cobram
escorchante pedágio. Essa tarifa, pedágio, tributo disfarçado(feudal pagar para passar, eis que, regra geral,
inexiste via alternativa despedagiada - atropelo crso ao art. 5º, XV da Constituição), não integra o cálculo
oficial.
A carga tributária de outros países(dados de 2004): Suécia(50,7% do PIB), Noruega(44,9%), França(43,7%),
Itália(42,2%), Reino Unido(36,1%), Brasil(35,9%), Nova Zelândia(35,4%), Espanha(35,1%),
Alemanha(34,6%), Canadá(33%), Correia do Sul(25,5%), México(19,05%), Argentina(20,07%), EUA(25,4%)
e Japão(25,8% - Folha de São Paulo, 14.08.05 e 25.08.06)
Claro está que o Brasil, Estado com desempenho de 3ºmundo(v.g., precariedade da segurança, educação,
saúde, justiça, etc.), ostenta carga tributária de 1º mundo!
Verdade que o cotejo com as demais nações é tarefa complexa pela disparidade da organização financeira
estatal. Exemplo categórico é a previdência social. No Brasil, ela é essencialmente pública, tanto dos
servidores da administração do estado Brasileiro quanto da atividade privada, vinculados ao INSS. As
contribuições a essa previdência são vultosas na composição da carga tributária. Em muitos países, a
previdência tem preponderãncia nos fundos de pensões, não sendo computados no montante tributário. Por
vezes também computado como tributo o FGTS, sabidamente exação(parafiscal) compensatória do
trabalhador, não destinada ao Estado.
A nossa carga tributária cresceu dos patamares de 24% do PIB no final dos anos 80 para cerca de 30% do
PIB na metade dos anos 90, saltando acima 36% do PIB nos anos recentes.
Um salto brutal!
Vale notar que o discurso neoliberal dos anos 90(Governos Collor e FHC), com privatizações, redução do
Estado, etc., ao nés de dimunuir, aumentou a carga tributária.
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Agravando a situação, essa majoração contrasta com o crescimento do Brasil, pífio, muito aquém à média
mundial.
Governo Figueiredo(1979-85): crescimento médio de 3,5% do PIB ao ano(média mundial de cresimento do
PIB no período: 2,8%); Sarney(1985-89): 4,3%(mundial:3,8%); Collor(1990-1992): -1,3%(mundial: 2,3%);
Itamar(1992-94): 5,4%(mundial: 3,1%); FHC(1995-98): 2,6%(mundial: 3,7%); FHC(1999-02): 2,1%(mundial:
3,6%); Lula(2003-06): 2,6%(mundial: 4,8%) - Revista Veja, 07.03.07. Fontes da reportagem: IBGE, Ipea e
FMI.
Em 2007, o IBGE alterou o cálculo do PIB(v.g., nova fórmula atribui 64,0% de peso na composição total do
PIB aos serviços e 30,3% à indústria, ao passo que a anteior 54,1% aos serviços e 37,9% à indústria, etc.),
revisando o crescimento brasileiro. Assim, em 1996 passou a 2,2%; 1997: 3,4%; 1999:0,3%; 2000: 4,3%;
2001: 1,3%; 2002: 2,7%; 2003:1,1%; 2004:5,7% e 2005:2,9% e 2006:3,7%(Folha de São Paulo, 22.03.07).
Em 2007, o PIB brasileiro cresceu 5,4%(Folha de São Paulo, 13.03.08).
A revisão do PIB, regra geral aumentando seu percentual, influencia na carga tributária, proporcionalmente
reduzindo-a.
O melhor período brasileiro foi o do Governo Médici(1969-74), crescendo em média 11,9% do PIB ao ano(
'milagre econômico' dos 'anos de chumbo'), contra 4,4% da média mundial.
Além da exorbitância, a carga tributária é perversa, injusta!
A tributação, extrafiscalidade(tributo não apenas como instrumento de arrecadação, sim de justiça social),
cujo manejo vinculado aos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro(art. 3º da Constituição) seria o
instrumento mais idôneo(eficiente e pacífico) das reformas sociais do País mais desigual do mundo, é
perversa(sobre a injustiça tirbutária, com estudos que a demonstram, vide www.unafisco.org.br).
Leciona o Mestre Alfredo Augusto Becker, "verbis":
"... a tributação extrafiscal tanto pode ser utilizada como instrumento de reforma social, quanto instrumento
para alcançar objetivo exatamente oposto: impedir a reforma social e conservar ..."(Teoria Geral do Direito
Tributário, Lejus, 1998, p. 595).
Estudo do Banco Mundial abrangendo 129 países posiciona o Brasil como o 125º mais desigual(Folha de
São Paulo, 21.09.05).
No início do império brasileiro, os 10% mais ricos concentravam 68% da riqueza nacional. Hoje, os 10%
mais ricos concentram 75% da renda nacional(Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Folha de
São Paulo, 16.05.08).
Quanto à renda global dos domicílios(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE - Pnad 2002 e
2006, atualizado até julho/2007): Classe A(renda do domicílio superior a R$ 5.722): 5% dos domicílios;
Classe B(renda de R$ 2.861 até R$ 5.721): 10%; Classe C(renda de R$ 1.144 a R$ 2.860): 29%; Classe
D(renda de R$ 572 a R$ 1.143): 30%; Classe E(renda até R$ 571): 26% dos domicílios(Folha de São Paulo,
24.03.08).
A tributação direta, patrimônio e renda(v.g., IR, IPVA, IPTU, ITBI, etc.), sabidamente a mais justa, pois
individualiza o tributo consoante a capacidade econômica do contribuinte(art. 145, §1º, da Constituição), é
muito aquém à indireta, sobre o consumo(v.g, IPI, ICMS, Confins, etc.), repassadas ao consumidor final de
forma linear, de modo que, v.g., o alimento consumido pelo rico e o pobre tem igual tributação.
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Em 2005, o Presidente dos EUA, George W. Bush e sua esposa, Laura, cujos rendimentos somaram US$
1,5 milhão, pagaram US$ 187.768 de IR(imposto de renda - Jornal Zero Hora, 16.04.06).
Em países desenvolvidos(v.g., EUA, Suécia, etc.), a tributação mais expressiva recai sobre o patrimônio e a
renda, exação apta à equalização social. No Brasil, sobre o consumo(vide percuciente estudo da Receita
Federal, publicado no sítio contas abertas, ícone notícias, 23.01.07).
Estudo do Ipea(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - órgão do Ministério da Fazenda) e do
Cebrap(Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) demonstrou que empregado paga mais tributo direto
que o patrão. O patrão contribui com 32,6% sobre a empresa e o empregado com 68,4% sobre sua
renda(Folha de São Paulo, 04.07.05). Na prática, porém, a diferença é ainda maior, sabido que os
empresários/executivos inserem nos custos da empresa despesas pessoais('Receita inicia devassa no uso
de cartões corporativos', ou seja, benefícios indiretos pagos pelas empresas, os 'fringe benefits',
remuneração à margem da tributação - Folha de São Paulo, 26.12.07)
Também estudo do Ipea, baseado em dados de 2002 e 2003, aponta que, entre as pessoas físicas, os 10%
mais pobres consomem 32,8% de sua renda em impostos(v.g., 16% de ICMS indireto, incidente sobre seu
consumo; 1,8% de IPTU) enquanto os 10% mais ricos gastam 22,7% da sua renda em tributos(v.g., 5,7% de
ICMS e 1,4% de IPTU - Folha de São Paulo, 16.05.08).
Classe média - rendimento familiar entre R$ 3 mil e R$ 10 mil - gasta 1/3 da renda com serviço. Familias
destinam 116 dias de trabalho por ano para comprar serviços privados que o Estado deveria fornecer com
eficiência, quais sejam, saúde, educação, segurança, previdência e pedágio(Folha de São Paulo, 13.09.07,
reportando esuto do IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).
Carga tributária sobre empresas na Europa: Alemanha(38,3%), Bélgica(34%), Espanha(35%),
França(33,3%), Irlanda(12,5%), Itália(37,3%), Reino Unido(30% - Folha de São Paulo, 10.03.07, fontes da
reportagem: Banco Mundial e Banco Central Europeu)
A extrafiscalidade do IPTU e ITR também seria apta a emprestar justiça social à dantesca concentração
fundiária no País, consoante prescreve a Carta Política(art. 153, §4°, e 182 da Constituição).
No setor rural, tributação efetiva sobre a terra improdutiva distensionaria o conflito agrário, além de
incrementar a produção.
Contraditando todo seu histórico discurso, o Partido dos Trabalhadores anui à Emenda Constitucional nº
42/03, que conferiu aos municípios o poder de exação do ITR. Assim também ocorreu em passado não
distante. O resultado também não será diferente. Vassalos dos coronéis da terra, as autoridades municipais
jamais cobrarão o ITR tal qual abstêm-se de exigir o IPTU, ISS, taxas, etc.
Delegando aos municípios o ITR, renuncia-se a extraordinário instrumento de reforma agrária previsto no
art. 1.276 do Códgio Civil, o qual prevê sejam apropriados pela União áreas rurais abandonadas, entendida
como presunção de abandono a inadimplência tributária por um triênio.
Censo agropecuário de 2006, procedido pelo IBGE, pertinente à década anterior(1995/96-2006), revlevou
agravamento na concentração de terra no Brasil. Os latifúndios - mais de 100 mil hectares - são 44%(Folha
de São Paulo, 01.10.09).
Em contrapartida, na toada do descarado plágio da política de FHC, o governo Lula, para gáudio, fortuna
dos abastados, manteve como letra morta o imposto sobre as grandes fortunas(art. 153, VII, da
Constituição), poupando a elite de qualquer sobressalto.
Em suma, tributação sobre a plebe: "misera contribuens plebs"
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Na aplicação dos recursos arrecadados, identicamente presentes as graves disfunções!
De uma parte, pela subserviência política, escorchantes juros de uma dívida externa várias vezes paga e
jamais auditada(art. 26, ADCT, da Constituição),
Em 10 anos(1994 a 2004), apesar de pagos R$ 728 bilhões, a dívida líquida do governo federal aumentou
de R$ 65,8 bilhões(dez/1994) para R$ 601,4 bilhões(dez/2004 - Folha de São Paulo, 21.04.05 - retratando
estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados).
Sobre a dívida pública, vide DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO.
Estudo da FGV(Fundação Getúlio Vargas) revela que R$ 160 bilhões seria o investimento necessário a
acabar com o déficit habitacional no país, estimado em 7,9 milhões de moradias, 91,6% situado na faixa da
população com renda até 5 salários mínimos. Em 2005, foram edificadas 69.621 unidades habitacionais com
recursos do FGTS. Contudo, para eliminar a carência, seria necessário, no correr de 16 anos, construir 400
mil moradias/ano(Jornal Zero Hora, 23.07.06).
Ainda no segmento da injustiça tributária, medram incentivos fiscais criminosos, bárbaras renúncias de
receitas em favor de privilegiados, a exemplo das montadoras de automóveis, em face das quais, disputando
a instalação de parques fabris, estabeleceu-se fratricida guerra fiscal entre os Estados no Brasil, sob olhar
passivo, criminosamente conivente da União, notadamente no Governo FHC.
Além das absurdas isenções de ICMS, o Poder Público aportou recursos às montadoras(v.g., empréstimos,
participação de capital, infra-estrutura, etc.).
Quando da instalação da Ford na Bahia, sob os auspícios do Senador ACM, o BNDES emprestou mais de
US$ 1,5 bilhão!
Além de gerar pífios empregos, todas demitiram, espoliando do Estado seu lucro: "Volks ameaça fechar
fábrica e demitir 6.100"(Folha de São Paulo, 22.08.06).
A Zona Franca de Manaus é outro exemplo. Em 2006, a renúncia fiscal(ICMS, IPI, IR, Pis, Cofins, etc.) em
favor da Coca-Cola, Pepsi-Cola e AmBev somou R$ 1,1 bilhão, sendo que naquelas unidades, adicionadas
as três empresas, são mantidos apenas 236 empregos diretos(Folha de São Paulo, 27.05.07).
Auditoria do TCU(Tribunal de Contas da União), apenas de tributos federais, apontou renúncias fiscais de
R$ 34,7 bilhões em 2003, R$ 36,0 bilhões em 2004, R$ 43,8 bilhões em 2005 e R$ 53,8 bilhões em 2006,
projetando R$ 65,5 bilhões para 2007, inquinando falta de transparência(fiscalização) dos incentivos(aferição
se o beneficiário, de fato, cumpre seus compromssios, a exemplo da produção; emprego, etc.) e avaliação
dos resultados(defecção da arrecadação vs. ganhos econômico-sociais - Folha de São Paulo, 01.07.07).
Para 2008, a Receita Federal, em razão dos incentivos, prevê um total de R$ 78 bilhões em renúncias
fiscais: a)micro e pequenas empresas: R$ 19,5 bilhões; b)zona franca de manaus: R$ 11,1 bilhões;
c)entidades em fins lucrativos(filantropia): R$ 8,9 bilhões; d)rendimentos isentos e não tributáveis da pessoa
física: R$ 5,8 bilhões; e)agricultura e agroindústria: R$ 5,2 bilhões; f)deduções no imposto de renda da
pessoa física: R$ 4,5 bilhões; g)desenvolvimento regional: R$ 4 bilhões; h)benefícios ao trabalhador: R$ 3,9
bilhões. i)informática: R$ 2,3 bilhões; j)medicamentos: R$ 2,1 bilhões; k)setor automobilístico: R$ 1,5 bilhão;
l)infra-estrutura: R$ 1,3 bilhão; m)pesquisa científica e inovação tecnológica: R$ 1,3 bilhão; n)cultura e
audiovisual: R$ 1 bilhão; o)petroquímica: R$ 545 milhões; p)incentivo à formalização do emprego doméstico:
R$ 527 milhões; q)Prouni: R$ 326 milhões; r)seguro de vida: R$ 278 milhões; s)horário eleitoral gratuito: R$
242 milhões(Folha de São Paulo, 07.07.08)
De outra face, afora a incompetência gerencial, a praga da corrupção canibaliza o erário(vide tópico DOS
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CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA/CORRUPÇÃO).
A sonegação fiscal é oceânica(vide dados do passsivo tributário ?in? www.receita.fazenda.gov.br). Trilhões
de reais estes, não computada a sonegação de tributos dos Estados e Municípios, além, é claro, da
incalculável evasão sem registro oficial, que passou ao largo de qualquer fiscalização. Em 2008, o montante
das autuações da Receita Federal atingiu R$ 75,2 bilhões; em 2009: R$ 90,4 bilhões(Folha de São Paulo,
02.02.10). Tão somente na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, lançado em dívida ativa, pendente de
execução, em 2006, chegamos ao montane de R$ 380 bilhões("Crise Institucional da Procuradora-Geral da
Fazenda Nacional', publicação do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional). No sítio
oficial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional está disponibilizado o rol das pessoas físicas e jurídicas
devedoras do fisco federal, cujo montante, em 2009, ultrapassa R$ 600 bilhões.
O IBPT(Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) estima em R$ 1 trilhão anual o volume de caixa 2 no
Brasil(Folha de São Paulo, 04.06.06).
No âmbito dos Estados e Municípios, a sonegação medra ainda com maior impunidade. Na Justiça Estadiual
de várias unidades da federação praticamente inexiste ?persecutio criminis? por sonegação.
Responsabilidade do Executivo, que subtrai do Parquet as representações criminais, e do próprio Ministério
Público, passivo ante a prevaricação.
Nos Municípios, a improbidade generaliza-se. A promiscuidade política "isenta" da exação de IPTU, ISS,
taxas, etc, os aquinhoados. No ITBI, é instituição nacional subfaturar o valor para sonegar o tributo.
Apesar da monstruosa carga tributária, o desatino da despesa pública(v.g., juros da dívida pública,
corrupção, etc.), subtrai investimentos do Estado(infra-estrutura, como rododvias, inversão maciça na
educação, etc.) consumindo os tributos tão somente no custeio.
Temos, portanto, os fatores que catapultam ao extremo a sonegação: 1)espafúrdia carga tributária;
2)perversa injustiça fiscal; 3)inaptidão do Estado na hora de gastar, investir(v.g., corrupção, incompetência,
subordinação à especulação financeira da dívida pública, etc.); 3)colossal impunidade dos
sonegadores(adiante, vide "decálogo do sonegador prescrito pelo legislador e o julgador"); 4)prevaricação,
leniência das autoridades na exação tributária.
"A figura do Estado decorre da necessidade do convívio ordenado em busca do progresso social. Na
concepção de Kant, é o conjunto de condições mediante as quais à vontade de cada um pode coexistir com
a vontade dos demais, segundo uma lei geral de liberdade(?in? Do Estado Liberal ao Estado social, Paulo
Bonavides, forense, 1980, p. 100).
Razão pela qual, o incomparável Constitucionalista J.J.Gomes Canotilho qualifica de fundamental, imposto
pela Carta de Princípios, o dever de pagar impostos ("Direito Constitucional e Teoria da Constituição",
Almedina, 3ª edição, p. 493).
Em contrapartida aos direitos sociais devidos pelo Estado(v.g., saúde pública, segurança, previdência social,
etc.), vigora o inexorável dever de contribuição.
Vale referir a primorosa síntese entre direitos e deveres sociais da cidadania consignados na Constituição da
Itália, art. 2º, "verbis":
"La Repubblica riconosce e garantisce i diritti inviolabili dell?uomo, sia come singolo sia nelle formazioni
sociali ove si svolge la sua personalità, e richiede l?adempimento dei doveri inderogabili di solidarietà
politica, economica e sociale."
Sobre o dever de honrar a tributação, art. 53, "verbis":
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" Tutti sono tenuti a concorrere alle spese pubbliche in ragione della loro capacità contributiva. "
Vale ouvir o Dr. Lênio Streck, Procurador de Justiça/RS, Doutor em Direito, Prof. Coordenador do Mestrado
e Doutorado da UNISINOS/RS, "verbis":
"No campo do Direito Penal, em face dos objetivos do Estado Democrático de Direito estabelecidos
expressamente na Constituição (erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e regionais,
direito à saúde, previdência social, etc.), os delitos que devem ser penalizados com (mais) rigor são
justamente os que, de uma maneira ou outra, obstaculizam/dificultam/impedem a concretização dos
objetivos do Estado Social e Democrático ("A Sociedade, a Violência e o Direito Penal", coletânea
organizada pelo Prof. Ney Fayet Júnior, Livraria do Advogado, 2000, p. 125/126).
De sua parte, o Fisco também é pródigo em kafkianismos.
Emblemático o delírio fiscal da Lei nº 10.892/04, cujo art. 2º, §2º, submeteu qualquer forma de pagamento
parcelado, crediário(v.g., contas/carnês de qualquer bem, consumo ou durável, do varejo, etc.) ao
pagamento via sistema financeiro(v.g., cheque, cartão de crédito, etc.) visando, obviamente, a tributação da
CPMF(Lei nº 9.311/96).
Não chegaram, certamente por defecção imaginativa, jamais por escrúpulo, a taxar a ?movimentação
financeira" intrafamiliar (v.g., mesada dos pais aos filhos, etc.)
Conseguiu-se a proeza de extinguir a primeira manifestação de autoridade do Estado, qual seja, o curso
forçado da moeda sonante como meio de pagamento(art. 43 da Lei de Contravenções Penais)
Equivale a proibir que as pessoas confabulem diretamente, obrigando-as a usar a telefonia, meio sujeito à
tributação. Impedir que o cidadão valha-se de fonte natural, própria de iluminação(v.g., fogo), forçando-o a
utilizar a energia elétrica, serviço igualmente subordinado à tributação. Vetar que os individuos produzam
seu próprio alimento, devendo vender a produção própria e, ao seu consumo, adquiri-lo de terceiro,
transações sujeitas ao gravame fiscal.
Tamanho o ridículo, que a Receita Federal, constrangida, não obstante a norma impositiva, não exerce
qualquer exação.
Outra aberração foi - suspensa a partir de 2009! - declaração de isento,"à la" Armando Falcão, Ministro da
Justiça na ditadura militar, sempre em silêncio eloqüente quanto às barbáries do regime("... nada a declarar
..."), o cidadão obriga-se - todos os anos, pasmem! - a declarar à Receita Federal que nada tem a declarar
tão somente par manter o CPF ativo.
A excrescência deve-se à distorsão do CPF, simples matrícula fiscal, ter sido convertido em registro de
identidade, mercê da ausência de uma identificação nacional fidedigna, sabido que sem confiabilidade as
carterias de identidade fornecidas pelos órgãos de segurança dos Estados, não obstante determinação de
registro único nacional, até hoje descumprida(Lei nº 9.454/97). Veículos(renavan), armas(sisnar), etc. têm
registro(identidade) nacional. Pessoas, não! Veiculos furtados/roubados têm cadastro nacional, instruindo os
órgãos de segurança e a sociedade. Pessoas desaparecidas, não! O absurdo ganha a apoteose quando,
sem CPF, o sujeito é sancionado com a morte civil, extinção da cidadania, impedido de ajuizar ação
judicial(art. 15 da Lei nº 11.419/06).
Eleita a pirataria e o contrabando(descaminho) como a bola da vez da hediondez, "blitz? do fisco no mecado
paulistano(Promocenter), o Superintendente-adjunto da Receita Federal em SP, Guilherme Adolfo Mendes,
declara que os fiscais passarão a abordar os consumidores que portem produtos, deles exigindo nota fiscal
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sob pena de apreensão(Folha de São Paulo, 15.03.06).
Ridículo! Inexiste qualquer dever do adquirente em provar a tributação do bem, tampouco responsabilidade
tributária. Ele não é contribuinte. Cumpre ao fisco fiscalizar o empresário, jamais repassar ao cidadão
exação cujo cumprimento ele, fazenda pública, é inepto.
Embora ainda muito aquém do devido, na sonegação fiscal é onde exercita-se mais intensamente a
persecução do colarinho branco.
Digna e nota foi a megaoperação em face da sonegação da Cervejaria Schincariol, possivelmente a maior
da história, persecução por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão superior a R$ 1 bilhão, com
70 pessoas vinculadas à empresa presas preventivamente. "Com diretoria presa, Schincariol pode parar
"(Folha de São Paulo, 20.06.05).
Em contrapartida, flagrando a promiscuidade do colarinho branco com o Legislativo e Executivo, também é
onde exercita-se a mais despudorada legiferação abolicionista, esbórnia da impunidade. Vide histórico dessa
aberrante realidade no tópico DA JURISDIÇÃO.
O Poder Judiciário, embora em menor escala, igualmente contribui à impunidade da sonegação dos
contribuintes. Pelo seu incomparável efeito destrutivo da "persecutio criminis", vale referir o condicionamento
da ação penal ao encerramento do processo administrativo-fiscal(STF, HC 81611/DF, Pleno, 10.12.03,
Informativo do STF nº 333),
Sobre o tema, dissecando seu brutal equívoco e estupendo fomento à impunidade, vide tópico DA
(IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL - DA ACUSAÇÃO
Pá de cal na já moribunda persecução penal!
O STF fez da instância administrativa(Conselho de Contribuintes, Câmera Superior de Recursos Fiscais,
Ministro da Fazenda - Decreto nº 70.235/72) a suprema corte fiscal e criminal do colarinho branco!
Sabido que a Justiça Criminal é prevalente sobre a própria Justiça Cível - v.g., sentença criminal absolutória
que negar a materialidade, sonegação, impedirá execução do tributo: arts. 200 e 935 do Código Civil -, o
STF chegou ao extremo de relegar o Poder Judiciário à instância administrativa.
Acaciano que o fato típico da sonegação consuma-se simultaneamente ao fato gerador do tributo, sendo o
procedimento administrativo(lançamento) constitutivo apenas do crédito tributário(exigibilidade cível - "ex
nunc?) e não da obrigação fiscal(bem jurídico lesado, sonegado à tributação), da qual ele é meramente
declaratório("ex tunc").
Em suma, segundo o STF, para os delitos de "mão pobre"(v.g., furto, etc) quem diz o direito é o Judiciário.
Para os de "mão rica"(sonegação, colarinho branco), é o Órgão Fiscal(definição de "mão rica" e "mão pobre"
vide tópico DA JURISDIÇÃO).
Ante esse monolítico óbice à macrodelinqüência da sonegação, estrategicamente, resta a possibilidade de
imputação paralela de outros crimes(quadrilha, lavagem de dinheiro, falsidade, etc.), de forma que, não
obstante a acusação por sonegação esteja travada à espera da instância administrativa, as demais,
não(STF: HC 88162/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 6.2.2007, Informativo do STF nº 455).
Quando imprescindível à instrumentalização de outorga judicial à fiscalização tributária(v.g., quebra de sigilo
bancário, busca e apreensão de documentos, etc.), admite-se instauração de inquérito policial antes de
esgotada a instância administrativa(STF, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, HC 95443/SC, 02.02.10,
Informativo do STFnº 573).
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Tamanha a absurda e inesgotável pletora de favorecimentos aos sonegadores, que o debate sobre diversos
institutos penais torna-se bizantino, inútil, platonicamente circunscrito à especulação acadêmica.
Casos típicos são a tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior(arts.
14, II, 15 e 16, do CP), somados à prisão em flagrante(arts. 301 a 310 ao CPP c/c arts. 337-A do CP, art. 1º
da Lei nº 8.137/90, etc.).
Se mesmo à sonegação consumada basta simplória confissão à impunidade(v.g., art. 337-A, §1º, do CP),
prejudicada qualquer relevância à tentativa, desistência ou arrependimento.
Sobre a "ratio essendi" da desistência voluntária e arrependimento eficaz, vale a sempre preciosa palavra do
Mestre Nelson Hungria, "verbis":
"Entre dois males - o da consumação do crime e o da impunidade do delinqüente - o legislador prefere o
último, prometendo o perdão, na esperança de evitar o primeiro. Melius est occurrere in tempore quam post
exitum vindicare"(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo II, 94).
No Brasil, em prol do colarinho branco, faz-se precisamente o contrário. Ao invés de estimular a desistência
e arrependimento brandindo a punição, estimula-se a consumação garantindo a anistia/impunidade.
No que refere à prisão em flagrante, identicamente. Afora aquelas intermináveis hipóteses de extinção da
punibilidade, estando a ação penal condicionada ao encerramento do processo administrativo-fiscal(STF,
HC 81611/DF, 10.12.03, Informativo do STF nº 333), "a fortiori", obstada qualquer ação repressiva do Estado
imediata ao fato.
Outra conseqüência da aberrante "abolitio criminis" é a perplexidade causada pela subsistência de delitos
menos gravosos, contrastando com a impunidade dos mais lesivos.
É o caso da extinção da punibilidade(v.g., pagamento, parcelamento, confissão, etc.) aplicável ao delito
material, com supressão tributária(art. 1º da Lei n º 8.137/90), que não enseja aplicação ao delito formal, já
que nele inexiste redução de tributo(art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90 - art. 297, §3º, III, do CP). Pior. Sendo
formal, a persecução penal não está condicionada ao prévio exaurimento da instância administrativa(STF,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, RHC 90532 ED/CE, 23.09.09, Informativo do STF nº 560).
Inexistindo obrigação principal, o tributo sonegado, restará a kafkiana situação de esperar a fixação da
obrigação acessória, multa administrativa pelo "falsum", quitando-a como forma de extinguir a punibilidade.
Exemplo quotidiano é o de contribuinte declarar à Receita Federal despesas médicas que, posteriormente,
por meio do procedimento administrativo fiscal, são rejeitadas pela falsidade, reduzida restituição do imposto
de renda, não havendo, portanto, constituição de crédito tributário, e sim apenas redução do valor a restituir.
Hipótese seria de sonegação na forma tentada(art. 1º da lei 8.137/90 c/c art. 14 do CP).
Todavia, sabido que a sonegação consumada, sequer pagamento integral, bastando parcelamento à
extinção da punibilidade, depropositada a ação penal contra quem já "pagou?, ou seja, o Fisco reteve o
tributo que buscava-se suprimir.
Em normas especiais, pululam tipicidades que, arvorando-se incriminatórias, na prática, são
descriminilizadoras, a exemplo do mecenato(Lei nº 8.313/91), de incentivo à cultura, cujas milionárias
falcatruas na subtração ao Fisco de valores pretextadamente investidos na cultura tem a ridícula sanção de
02 a 06 meses(art. 40), notoriamente já pré-prescrita o "jus puniendi".
Tamanha a avalancha de normas abolicionistas que perfeitamente defensável a radical assertiva de que, no
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Brasil, sonegação não é crime!
Sabido que preceito(tipo incriminador) sem sanção(pena) é autorização(conduta lícita), temos o decálogo
do sonegador prescrito pelo legislador e o julgador:
1º) provisiona na contabilidade a rubrica "sonegação". Caso você seja autuado no breve qüinqüênio(art. 156,
V, do CTN - a subordinação da jurisdição criminal à instância administrativa implica fulminar a possibilidade
da ação penal uma vez operada a decadência do lançamento tributário: STJ, Rel. Min. Laurita Vaz,
Rec.Esp.789506/CE, DJU 22.05.2006, p. 245 - STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 13.09.07,
Informativo do STJ nº 331 - STF, HC 84555/RJ, Min. Cezar Peluso, 07.08.07), basta usar a poupança para
livrar-se, não apenas da sonegação, mas também por eventual corrupção(propina) que tenha oferecido à
autoridade fiscal(arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 8.137/90 e art. 34 da Lei nº 9.249/95);
2º) prisão em flagrante jamais! Quem furta uma galinha está sujeito à detenção em flagrante(art. 301 do
CPP). O sonegador, nunca! O crime estará consumado tão somente após o término do interminável
processo administrativo-fiscal(STF, Súmula Vinculante nº 24). Impunidade & tranquilidade! Sequer
apreensão(preocupação) com eventual apreensão(busca mediante ordem judicial) do "corpus delicti"(caixa
2, notas fiscais paralelas, falsas, etc.). Enquanto não exaurida a instância administrativa, Polícia Judiciária,
Ministério Público e o próprio Judiciário estarão reclusos, inertes(HC 32.743-SP, DJ 24/10/2005, e HC
31.205-RJ. RHC 16.414-SP, Rel. originário Min. Hamilton Carvalhido, Rel. para acórdão Min. Nilson Naves,
julgado em 12/9/2006 - Informativo do STJ nº 296);
3º)sequer pagar é preciso! Sem contar inúmeras outras formas extintivas do crédito tributário(v.g.,
prescrição, decadência, compensação por força de tributos diversos pretensamente recolhidos
indevidamente - Lei 10.637/02 com efeitos retroativos: STJ, REsp 720.966-ES, Rel. Min. Eliana Calmon,
julgado em 22/2/2006, Informativo do STJ nº. 275), basta parcelar e estará extinta a punibilidade(STJ, RHC
11.598-SC, Rel. Min. Gilson Dipp, 08.05.02, Informativo do STJ nº133). Decretada a extinção da
punibilidade, manda a Fazenda Pública "ver navios", deixando que o restante do parcelamento seja honrado
pelo "bispo";
4º) sequer parcelar é necessário! Suficiente a mera confissão (art. 337-A, §1º, do CP), direito do sonegador
que, via princípio da isonomia(art. 5º, "caput", da Constituição), assim como ocorrido com o art. 34 da Lei nº
9.249/95, embora não reportando-se à sonegação previdenciária(v.g., art. 95, ?d?, da Lei nº 8.212/91, ora
art. 168-A do CP), a ela foi aplicado, estende-se aos tributos administrados pela Receita Federal, notamente
agora quando extinto o fisco previdenciário, unificado à Receita Federal(arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90);
5º)sequer confessar é exigido! A instância administrativa a qual está subordinada a ação penal é fonte
inesgotável de chicana(STF, Súmula Vinculante nº 24; arts. 25, §4º, e 26 do Decreto nº 70.235/72). Mesmo
garantia de instância, depósito(arrolamento de bens, etc.) ao recurso administrativo é imposto, fulminada a
exigência pela inconstitucionalidade(STF, Súmula Vinculante nº 21).
São inúmeros recursos, sem contar a possibilidade de, em curso a controvérsia administrativa, suscitar toda
sorte de incidentes judiciais protelatórios(vide STF: "utilização simultânea das vias administrativa e judicial",
RE 233582, 389893, etc., Informativo do STF nº 349 - Nota: posteriormente, em sessão plenária, o STF
rejeitou a inconstitucionalidadeda norma que faz perempta a instância administrativa sempre que o
contribuibnte recorrer ao Judiciário, RE 233582/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.08.07, Inf. do STF nº
476).
Basta consultar o andamento processual: www.conselhos.fazenda.gov.br, pesquisando pelo nome do
autuado("contribuinte").
Grandes grupos econômicos(v.g., Odebrecht, Gerdau, Itaú, Bradesco, Votorantim, Parmalat, Golden Cross,
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etc.), ícones do mundo político, sempre às voltas com imputações de improbidade, como o ex-Prefeito e
Governador de SP, Paulo Salim Maluf(Processo nº 10410.000441/93-14, instaurado em 1993,
permanecendo mais de 08 anos apenas na instância recursal), o ex-Senador da República Luiz Estevão de
Oliveira Neto(Processo nº 10166.010690/96-64, instaurado em 1996, julgado no final de 1998), o
ex-Presidente da República Fernando Affonso Collor de Mello(Processo nº 14052.005713/94-59, instaurado
em 1994), a Construtora OAS Ltda, vinculada à família do ex-Senador da República Antônio Carlos
Margalhões, etc., todos têm presença cativa nas instâncias hierárquicas do Executivo, Poder sempre audível
aos seus interesses.
Isto tudo, sem olvidar que, uma vez julgados pelo Conselho de Contribuintes, ainda não estará exaurida a
instância administrativa, cabendo recursos à Câmera Superior de Recursos Fiscais e ao próprio Ministro da
Fazenda(arts. 25, §4º, e 26 do Decreto 70.235/72).
Com a unificação da arrecadação da Receita Federal e INSS - 'Super Receita' -, Lei nº 11.941/09, tudo foi
unificado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF.
O passívo é brutal, mais de 40 mil processos com índícios de crime fiscal, fora os demais sem indicativo de
delito(Ofício nº 076/GAB/PRES/CARF-MF, 09.04.09, subscrito por Carlos Alberto Freitas Barreto, Presidente
do CARF, respondendo indagação do Procurador da República Rodrigo Valdez de Oliveira)!
Exaurida a interminável instância administrativa, ainda assim nada garante a "persecutio criminis": a) provido
recurso do autuado, extingue-se; b) improvido, não obstante presente provas de sonegação, o órgão fiscal
pode excluir a representação ao Ministério Público.
No próprio Judiciário, também a suspensão do processo criminal(art. 93 do CPP) enquanto pendente no
juízo cível discussão sobre a existência do crédito tributário(TRF/4ª, Rec. Sent. Estrito nº
2004.72.01.002174-7/SC, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 22.09.04, Informativo Criminal
do TRF/4ª novembro/2004).
Possível reiniciar o périplo extrapenal ajuizando ação anulatória de débito fiscal, cuja exigência de depósito
do 'quantum' devido constante da LEF(art. 38 da Lei de Execução Fiscal) é inconstitucional, ferindo o art. 5º,
XXXV, da CF(STJ, decisão em sede de recurso repetitivo, 1ª Seção, REsp 962.838-BA, Rel. Min. Luiz Fux,
25.11.09, Informativo do STJ nº 417)
Al Capone, cinematográfico 'gangster' norte-americano, assumiu o controle do crime organizado de Chicago,
final dos anos 20, enriquecendo, entre outros ilícitos, com a venda de bebidas ilegais('lei seca'). Terminou
preso por sonegação fiscal em 1930, condenado a. 11 anos de prisão e multa de US$ 80 mil pelo Juiz
Federal James H. Wilkerson Mais dados sobre o 'capo', vide tópico DA AXIOLOGIA.
Fosse o STF a Suprema Corte dos EUA à época de Al Capone, o gangster jamais teria sido preso. Estaria
aposentado muito antes de ser sequer acionado "in juditio", ainda "sub judice" do Conselho de Contribuintes.
Enquanto o processo administrativo-fiscal amadurece, tal qual o vinho que envelhece em barris(prateleiras)
de carvalho, não faltarão as corriqueiras anistias, consenso suprapartidário da impunidade, honrado governo
após governo
Governo FHC, o Refis(art. 15 da Lei nº 9.964/00), suspensa pretensão punitiva enquanto sob o
parcelamento "ad eternum", vez que os valores mensais são decididos pelo próprio sonegador, vinculados
ao faturamento da pessoa jurídica, mercê de sua discricionária declaração, de forma que a projeção à
quitação ultrapassa séculos ("sic"?, caso da Academia de Tênis-DF, 1.166 anos, publicado na Revista Veja,
21.02.01, e na Folha de São Paulo, 01.02.04: "União parcela dívida em até 890 mil anos").
Governo Lula, o paes(art. 9º da Lei nº 10.684/03). Reeditando suspensão da "persecutio criminis" pelo
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parcelamento(refis), foi-se além, muito além, excluída a limitação anteriormente salvaguardada, qual seja,
aplicação restrita às sonegações ainda não objeto de denúncia pelo Parquet recebida pelo Judiciário (art. 9º
da Lei nº 10.684/03), de forma que o inexorável efeito retroativo da lex mitior (CF, art. 5º, XL, in fine)
sepultou todas as persecuções pretéritas, incluindo as de trânsito em julgado("sic"). Nesse sentido, STF, 1ª
Turma, HC 81929/RJ, 16 de dezembro de 03 (Informativo do STF nº 334). RF/4ª, Rel. Des. Federal José
Luiz Germano da Silva, Agravo em Execução Penal 2003.04.01.040610/RS(Informativo do TRF/4ª nº 199).
Se não sensibilizou-lhe a delinquência contra o erário, no mínimo, o Partido dos Trabalhadores poderia
comover-se com os trablhadores da nobre Advocacia Criminal, em massa desempregados com a medida.
Freudianamente, recebeu o epíteto de PAES(Parcelamento Especial - Lei nº 10.684/03). Até as "mães"
restariam constrangidas em outorgar tamanha leniência à dileta prole sonegadora.
Tamanho o prurido abolicionista que, embora a Lei nº 10.684/03 não tenha contemplado a pessoa física,
apenas a jurídica, de imediato, a Receita Federal, arrogando-se poderes legislativos, administrativamente,
estendeu o benefício também aos sonegadores da pessoa física.
Paes sem perder as benesses do refis, como o milenar parcelamento. Entre outros artifícios, reduzir o
faturamento da empresa, repassando a atividade a outras, em nome de familiares, "laranjas", etc._ até ser
enquadrada em micro ou de pequeno porte, situação em que não há limite (art. 1º, §3º, I, da Lei nº
10.684/03).
Exemplo do ex-Senador da República(DF) Luiz Estevão, com sonegação superior a R$ 200
milhões(Previdência Social e Receita Federal), terá 432 mil anos de prazo("Ex-Senador Luiz Estevão vira
pequeno empresário", Folha de São Paulo, 23.01.05).
Na verdade, o parcelamento da Paes(Lei nº 10.684/03) não suspendeu a pretensão punitiva. Extinguiu a
punibilidade.
Depois, o Paex: parcelamento excepecional. Piada nominar de excepcional a prática de todo ordinária.
Sabido que esses programas são retroativos(Refis, Paes), ou seja, sempre reportam-se a fatos geradores
tributários(fatos típicos criminais sonegação) pretéritos. Ora, quando esses fatos ocorreram, vigorava o art.
34 da Lei nº 9.249/95 extinguindo a punibilidade mediante o pagamento anterior ao recebimento da
denúncia. Todavia, o STJ, para fins de extinção da punibilidade, equiparou o parcelamento a
pagamento(RHC 11.598-SC, Rel. Min. Gilson Dipp, 08.05.02, Informativo do STJ nº 133).
Dessa forma, parcelado o débito antes da denúncia, extinta está a punibilidade. É a ultra-atividade da "lex
mitior"(art. 34 da Lei nº 9.249/95 c/c art. 5º, XL, "in fine", da Constituição - vide tópico DA DOGMÁTICA: "
Nullum crimen sine lege"). Irrelevante que o Paes seja norma especial alegadamente prevalente sobre a
norma geral. Em Direito Penal, por comando constitucional, sempre prevalece a lei mais benigna.
Brandindo a defesa dos clubes de futebol, instituição nacional('pátria de chuteiras', diria Nelson Rodrigues),
adveio a timemania, parcelando "ad eternum"(Lei nº 11.345/06) o passivo, de quebra, disseminando a
benção às entidades filantrópicas, especialmente às 'pilantrópicas'(art. 4º, §12º, da Lei nº 11.345/06).
Entrementes, outro parcelamento 'amplo, geral e irrestrito'(nos 'anos de chumbo' -ditadura militar, bordão da
oposição clamando perdão aos perseguidos políticos, exilados, agora, aos sonegadores), Medida Provisória
303/06, sequer votada, eficácia exaurida, extinguindo, contudo ,a punibilidade de quem solicitou
fracionamento do pagamento quando em vigor a norma.
Novamente, Lei nº 11.941/09, arts. 68 e 69, suspendendo a pretensão punitiva 'ad infinitum'(retroativa e
doravante) pertinente a todos os delitos tributários, incluindo apropriação indébita previdenciária.
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202/265
E o resultado arrecadatório dessas infindáveis anistias?
'Empresa refinancia, mas não paga tributos'. Ao Refis aderiram 129 mil empresas, excluídas 110 mil por
inadimplência. Ao Paes, 374 mil ingressram, excluídas 186 mil. Ao Paex anuiram 220 mil empresas(Folha de
São Paulo, 07.05.09).
Digno de nota foi o ocorrido no Governo Lula, demissão da Secretária da Receita Federal Lina Vieira, cuja
gestão fixara alvo nas evasões tributárias de maior vulto. Após perda do cargo, Lina acusara a Ministra da
Casa Civil, Dilma Roussef, de tentar interferir em processos fiscais da familia de José Sarney - à época,
presidente do Senado envolto em vários escândalos. Protestando contra o recuo no cerco aos grandes
sonegadores, coletivamente, vários dirigentes da Receita Federal pediram exoneração de suas
funções(Superintendentes, Delegados, etc. - Folha de São Paulo, 28.08.09).
6º) na hipótese da antiguidade da autuação desfalecer a memória do sonegador, somada à desventura da
condenação na instância administrativa e a inexistência de anistia, sem "streptus"! Caso o Ministério Público
apresente denúncia, o Judiciário afetará ainda mais um prazo ao pagamento antes de seu recebimento
(STJ, recurso especial nº 79.506/DF, DJU 03.08.98, p. 332 - TRF-4ª, Correição Parcial 96.04.60025-7/RS,
DJU 14.11.96).
Como se, antes do advento da Lei nº 11.106/05, deduzida imputação por estupro, tendo em conta o então
benefício extintivo da punibilidade (art. 107, VII, do CP), o Judiciário também poderia notificar o acusado a
casar-se com a vítima. Coroando o teatro do absurdo, na hipótese de negativa da ofendida, caberia fazê-la
conduzir ao altar sob vara!
7º)recebida a denúncia pelo Judiciário, fugir do Oficial de Justiça, evadir-se da citação, mais do que Direito
Natural, tem pleno amparo processual(art. 366 do CPP). Enquanto não citado pessoalmente, suspenso
estará o processo e a prescrição. Não, todavia, "ad eternum". Tão somente até prescrita a ação "in abstracto
"(Súmula nº 415 do STJ). Até a prescrição consumar a impunidade, basta o sonegador não cometer o
desatino de, de dedo em riste, adentrar o cartório judicial anunciando ali estar para ser citado. Nenhum risco
de prisão preventiva, eis que ela pressupõe os requisitos do art. 312 do CPP, inaplicáveis, de per si, ao
sonegador não localizado(STJ, RSTJ, 104/408);
8º) tamanha a pródiga impunidade que ela faz obsoletos institutos que premiam a reconsideração da
delinqüência. Casos típicos da tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento
posterior(arts. 14, II, 15 e 16, do CP).
Se mesmo à sonegação consumada basta simplória confissão à impunidade(v.g., art. 337-A, §1º, do CP),
prejudicada qualquer relevância à tentativa, desistência ou arrependimento.
9º) na pior das hipóteses, condenado em 1ª e 2ª instâncias, nada a temer. Pendência de recurso na
instância extraordinária(STJ, STF), impede a execução provisória da pena(STF, órgão plenário, pacificando
a questão, vide Informativo do STF nº 535; 1ª Turma, HC 84677/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, 23.11.04,
Informativo do STF nº 371 - STF, HC 86498/PR, Rel. Min. Eros Grau, 18.4.06, Informativo do STF nº 423 STF, HC 69754/BA, Min. Celso de Mello, Informativo do STF nº 454). "A fortiori", o caso de pena substituva
alternativa(art. 147 da LEP - STJ, HC 41.703/PR, Rel. Min. Nilson Naves, 17.11.05, Informativo do STJ nº
268).
Basta cavilar argumentos a propósito das centenas de normas tributárias e/ou penais para ensejar recurso
especial e/ou extraordinário, cuja admissibilidade, de per si, obsta a execução da pena(STF, 1ª Turma, HC
84677/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, 23.11.04, Informativo do STF nº 371).
Afinal, na instância extraordinária, as extraordinárias picuinhas são irresistivelmente apetitosas. Exemplo
patético o da Suprema Corte debruçar-se sobre obsceno ou não na exposição das nádegas do teatrólogo
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203/265
Gerald Thomas(STF, HC 83996/RJ, Informativo do STF nº 357). Processo ainda sob instrução em 1ª
instância, o STF entrega-se à ridícula questiúncula. Certamente, também não negará ao sonegador qualquer
discussão, por mais ínfima que seja.
Mesmo quando inadmitido na origem(tribunal recorrido) recurso especial e/ou extraordinário, a prisão
mantém caráter processual, cautelar, podendo ser decretada apenas quando presentes os pressupostos da
preventida(art. 312 do CPP), vedada a excução provisória da pena(STF: HC 69754/BA, Min. Celso de Mello,
Informativo do STF nº 454).
O sonegador pode ser o mais tranparente possível, qual seja, certificar, firmar mediante escritura pública
que, não apenas sonegou, como continua e assim permanecerá sonegando por todo o sempre. Porventura
decretada sua prisão antes de transitado em julgado, a qual sempre terá caráter preventivo(art. 312 do
CPP), poderá fugir, solenemente comunicando sua evasão ao Judiciário e advertindo que todas as
instâncias deverão conhecer de seus intermináveis recursos, sabido que ~sem recepçção constitucional o
art. 595 do CPP(pleno do STF, Rel. Min. Cármen Lúcia, HC 85369/SP, 26.03.09, Informativo do STF nº 540).
Entrementes, enquanto a defesa social cumpre a via crúcis dos intermináveis escaninhos recursais, a
prescrição corre resoluta, inexorável!
10º) não bastassem as pródigas benesses aos sonegadores quando em curso a pretensão punitiva, aos que
ainda assim tiverem a desventura de serem condenados, o Executivo, quando da pretensão executória, via
indulto, obsequia-os, outorgando extinção da pena mediante cumprimento de apenas a metade das já
afáveis sanções alternativas(v.g., art. 1º, VI, do Decreto nº 4.495/02).
Caso a Procuradoria da Fazenda Pública consiga ajuizar execução do débito tributário - ainda pior, penhorar
bem móvel ou imóvel! - venda, sem pestanejar, e ria, ria escrachadamente da Corte(Poder Judiciário), pois
ela, a Corte, será o próprio 'bobo da corte', nada podendo fazer senão quedar-se passiva ante o acinte, uma
vez que inconstitucional prisão civil do depositário infiel(STF, Súmula Vinculante nº 26). Não identificados
bens penhoráveis em breves cinco anos, pprocesso extinto(Súmula nº 314 do STJ).
Finalmente, se, não obstante estas incomensuráveis impunidades, o sonegador ainda for apenado,
realmente, merece!
Se não pelo delito contra o fisco, certamente pela estratosférica incompetência de seu Advogado(a), seu
oceânico azar, "case" digno de ser mancheteado, ou a conversão do infrator à "Igreja dos Sonegadores
Arrependidos".
O sonegador, por definição quem substrai do poder público, pode receber do erário('sic'). As vedações a
quem definitivamente em débito com fisco, a exemplo da probição de licitar e contratar com a fazenda
pública, encerrar e abrir novas empresas(v.g., Lei nº 7.711/88 e Lei 8.666/93), é inconstitucional(STF, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, ADI's 172/DF e 394/DF, Inf. do STF nº 551 - depois o STF explicitou que o óbice da
regularidade fiscal à contratação com o Poder Público é inconstitucional enquanto a dívida tributária é
controversa administrativa ou judicialmente: vide Informativo do STF nº 539).
Ao tempo em que a Lei de Responsabilidade Fiscal, norma com "status" de lei complementar, prega no
deserto, repetindo, à exaustão, a imperiosa necessidade de combate à sonegação(arts. 13, 53, §2º, II e 58
da LC nº 101/00), "conditio sine qua non" a que o Estado Brasileiro cumpra suas graves responsabilidades
sociais para com a coletividade mais desigual do planeta, via lei ordinária, da forma mais ordinária e
irresponsável possível, promove-se a orgia da impunidade!
A extinção da punibilidade pelo parcelamento, consagrada pelo STJ, teve discordância do STF, asseverndo
que apenas o pagamento integral antes da denúncia extingue a punibilidade(v.g., HC 74.133/DF, Rel. Min.
Celso de Mello - HC 74.754-0, Rel. Min. Néri da Silveira, 05.11.99, Informativo do STF nº 62).
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204/265
Discordância, na prática, inócua, uma vez que do deferimento de habeas corpus pelo STJ não cabe recurso
ordinário ao STF, apenas extraordinário, cujos requisitos e ônus que opõem ao Ministério Público já
assoberbado, quase sempre, subtraem sua interposição.
Chega-se ao extremo de admitir a extinção da punibilidade fundada em parcelamento concedido pela
administratação tributária "contra legem", ou seja, em hipótese vedada, a exemplo dos valores objeto de
apropriação previdenciária, art. 168-A do CP(Habeas Corpus 85.452/SP, Rel. Min. Eros Grau, Informativo do
STF nº 390).
STJ, 'verbis':
'REFIS. RETROATIVIDADE.
A Turma desproveu o recurso, reiterando o entendimento quanto à aplicação do art. 15 da Lei n. 9.964/2000,
nos termos do art. 5º, XL, da CF/1988 e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, retroativamente às
hipóteses de adesão ao Refis em data posterior ao recebimento da denúncia, não obstante a propositura da
ação penal (persecutio criminis in iudicio) iniciada antes da vigência da lei instituidora do programa.
(Precedentes citados: EREsp 659.081-SP, DJ 30/10/2006; AgRg no REsp 697.072-SP, DJe 8/9/2009, e HC
46.648-SC, DJe 15/9/2008. REsp 699.218-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
10/11/2009, Informativo do STJ nº 415.)
Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade nos termos do PAES(art. 9º, §2º, da
lei nº 10.684/03), mesmo que não tenha sido incluído no programa. Se o menos despenaliza(parcelamento
até o pagamento integral), "a fortiori" o mais(quitação integral). Em suma, ampla retroatividade da extinção
da punibilidade, abrangendo toda e qualquer sonegação até a expiração do prazo de adesão ao PAES,
desde que quitado o débito tributário a qualquer tempo(TRF/4ª, Ap. Crim. 2002.71.07.000744-6/RS, Rel.
Otávio Roberto Pamplona, 03.03.04, Informativo Criminal do TRF/4ª março/2004).
Paes e Refis. Retroatividade, TRF/4ª, "verbis":
"O réu denunciado por crime contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, arts. 1º e 2º) parcelou o débito por meio
do ingresso no PAES (Programa de Parcelamento Especial), instituído pela Lei 10.684/2003, fazendo jus à
suspensão da pretensão punitiva estatal, conforme dispõe o art. 9º, uma vez que a novel legislação não
reproduziu a anterior exigência de ingresso no REFIS antes do recebimento da denúncia para gozo do
benefício. Questão de ordem resolvida pela concessão da suspensão da pretensão punitiva do Estado e da
prescrição, enquanto a empresa do réu permanecer incluída no programa. (TRF/4ª, Rel. Des. Federal
Volkmer de Castilho, AC 2001.71.08.002008-0/RS, Informativo Criminal set/03, julg. 27.08.03 - DJU 2ª,
10.09.03, p 1155).
Em sentido contrário, não aplicando os benefícios do PAES a outros parcelamentos, a exemplo do
Refis(TRF/4ª, 4ª Seção, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Emb. Infr. 2002.04.01.052332-4/PR,
15.04.04, Informativo do TRF/4ª nº 193).
Por seu turno, os benefícios do Paes aplicam-se também ao parcelamento convencional(v.g., Lei nº
10.522/02).
Eureca! A Lei nº 11.941/09, arts. 68 e 69, suspendeu a pretensão punitiva 'ad infinitum'(retroativa e
doravante) pertinente a todos os delitos tributários, incluindo apropriação indébita previdenciária.
Não incidência da suspensão à imputação de delito de quadrilha em concurso material com o de sonegação
fiscal, vez que o primeiro precede, autonomamente, o segundo(STF: HC 84223/RS, 03.08.04, Rel. Min. Eros
Grau, Informativos do STF nº 355 e 358 - HC 88162/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 6.2.2007, Informativo do
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STF nº 455).
Na produção probatória da persecução à sonegação tem-se duas questões cruciciais.
Uma, o debate sobre quais provas demandariam prévia outorga judicial, não podendo o Fisco produzi-las "
moto próprio". Nesse âmbito, com especial destaque, a equiparação de estabelecimento empresarial a
domicílio, situação que obrigaria o Fisco a obter mandado judicial a qualquer auditoria(STF, RE 33103,
10.02.04, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 336). Abordando amplamente o tema, vide
tópico DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO E DA (DES)OBRIGATORIDADE DA AÇÃO PENAL.
Duas, uma especificidade da primeira, as informações bancárias, sempre presentes, cuja produção
probatória também enseja farta controvérsia. Quanto a este tema, vide tópico DO SIGILO BANCÁRIO.
Note-se que a quebra de sigilo fiscal permite-se mesmo a simples identificação de bens executáveis:
"Assim, pacificou-se o entendimento no sentido do paradigma da Quarta Turma, ou seja, é admissível a
requisição à repartição competente para fins de localização dos bens do devedor, quando frustrados os
esforços desenvolvidos nesse sentido." (EResp. 163.408-RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado
em 06/09/00.
A propósito da autoria na sonegação, TRF/4ª, "verbis":
"... A autoria do delito de sonegação fiscal pode ser comprovada pelo contrato social e respectivas
alterações, nos quais resta demonstrado quem exercia a gerência da empresa no período denunciado. A
responsabilidade penal dos administradores ou sócios-gerentes está consubstanciada tanto na prática do
fato delituoso como na permissão de sua ocorrência, quando presente a obrigação e a possibilidade
concreta de evitar o ilícito. (Rel. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrére, Apel. Crim.
2002.04.01.052320-8/PR, 26.08.03 - DJU2, 17.09.03, p 977 - Informativo Criminal do TRF/4ª out/2003).
Autoria, STJ, "verbis":
"... em tema de crime de sonegação de tributos, a responsabilidade, em tese, é dos dirigentes da empresa,
não se exigindo na peça acusatória inicial a precisa individualização da conduta dos agentes, remetendo-se
para a instrução criminal a apuração completa da culpa, o que não acarreta ofensa aos princípios do
contraditório e da ampla defesa."(STJ, HC 7.846/PE, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 22.03.99).
Ainda sobre a autoria, abordando seus vários aspectos correlatos, entre eles, o dolo indispensável à
tipicidade, vide título próprio, tópico DA AUTORIA/DENÚNCIA.
Auto de infração. Poder de requisição do Parquet, "verbis":
"O envio de auto de infração pela autoridade fiscal ao Ministério Público Federal não constitui quebra do
sigilo fiscal do contribuinte. Em tais casos, tem o Ministério Público Federal poderes de requisitar o início da
ação fiscal com vista a angariar mais informações acerca da existência de crimes contra a ordem tributária,
conforme dispõe o art. 7º, inciso III, e art. 8º, inciso II, ambos da Lei Complementar n.º 75/93. A alegação de
quebra de sigilo fiscal não pode ser oposta à própria fiscalização tributária, sob pena de inviabilização de
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suas atividades. (TRF/4ª, Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrére, Apel. Crim. HC
2003.04.029151RS, DJU 7.09.03, p 977 - Informativo Criminal do TRF/4ª out/2003 - STF, ADI 1.571/DF, Rel.
Min. Gilmar Mendes, 10.12.03, Informativo do STF nº 333).
Possibilidade do Parquet requisitar diretamente à Receita Federal documentos fiscais(TRF/4ª, Rel. Des.
Maria de Fátima Freitas Labarrére, Correição Parcial nº 2004.04.01.005131-9, 09.11.04, Informativo Criminal
do TRF/4ª dez/2004).
Por seu turno, o EXECUTIVO, através da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Parecer PGFN nº 2.317,
sustentou que o fornecimento de informações fiscais ao Ministério Público deve ser precedido de outorga
judicial. A Receita Federal, contrariamente, editou normativo dispensando qualquer requisito(Nota Cosit nº
200, de 10.07.03), posteriormente enrijecido, impondo instauração de procedimento contra o sujeito passivo
das informações fiscais requisitadas pelo Parquet(Nota Cosit nº 372, 29.10.07). De imediato, atendendo
postulação do Procurador-Geral da República, Nota Cosit nº 01, de 16.01.08 restabeleceu a de nº 200.
O dever de informar ao Fisco(art. 1º, §único, da Lei nº 8.137/90) e a imunidade à auto-incriminação(art. 5º,
LXIII, da Constituição), "verbis?:
"É atípica a conduta de prestar declaração falsa em procedimento fiscal. A garantia contra a
auto-incriminação prevista no inciso LXIII do art. 5º da CF/88 se estende a qualquer indagação por
autoridade pública, de cuja resposta possa advir a imputação da prática de crime pelo declarante." (TRF/4ª,
Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, HC 2003.04.01.024851-2/RS, julg. 03.09.03 - DJU2, 17.09.03, p
986 - Informativo Criminal do TRF/4ª out/2003).
Sobre a essa imunidade contra a auto-incriminação - "nemo tenetur detegenere propriam turpitudinem" - vide
tópico DA (DE)JUDICIALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO E DA (DES)OBRIGATORIDADE DA AÇÃO PENAL
Na sonegação de informações ao Fisco, é de valorar-se a lesividade da omissão(vide tópico DA
DOGMÁTICA - "nulla necessitas sine injuria").
Às vezes ela pode ser inócua, não implicando supressão tributária, insubsistindo relevância criminal(idôneo
embaraço à tributação).
Clássico exemplo da omissão de rendimentos da pessoa física. Todavia, declarados à Receita Federal do
Brasil pelas fontes pagadoras do contribuinte omisso, declinando nome e CPF do recebedor. Ou seja, a
Fazenda Pública foi comunicada da auferição da renda, inexistindo sonegação.
Talvez seja a hipótese da omissão de transação imobiliária na declaração do imposto de renda, haja vista
que o Tabelião é obrigado comunicar à Receita Federal, 'on-line', todas as transações por ele lavradas(art.
15, §§1º e 2º, do Dec.-Lei nº 1.510/76).
Além disso, a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias(DIMOB), pela qual as empresas
imobiliárias são obrigadas a declarar ao Fisco todas as operações de seus clientes(v.g., venda, locação,
valores, locadores, locatários, compradores, vendedores, etc.)..
Pode ser o caso da própria disponibilidade financeira, sabido o monitoramento da Receita Federal "pari
passu?.
Além da arrecadação da CPMF(Lei nº 9.311/96), pela qual o Fisco acompanha os ativos do cidadão, a
compulsória informação à Receita Federal de movimentação financeira mensal que exceda R$ 5 mil(pessoa
física) e R$ 10 mil(pessoa jurídica), consoante ordenamento vigente(art. 5º da LC nº 105/01 c/c Decreto nº
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4.489/02), apropriadamente acoimada de "big brother" pelo Min. do STF Marco Aurélio, pode significar a
atipicidade da sonegação na delcaração de imposto de renda(pessoa física e jurídica), uma vez que, ?ope
legis?, comunicado o fisco de toda a movimentação bancária, suprida estará a informação, não tendo
qualquer relevância eventuais omissões do contribuinte(vide tópico DO SIGILO BANCÁRIO).
Em razão da disponibilização informatizada das informações fiscais(declarações das pessoas físicas e
jurídicas, dados bancários, aduaneiros, etc.), a Receita Federal pode vigiar o contribuinte em tempo real.
Recentemente, o fisco federal adquiriu um supercomputador, capaz de processar 2.860 milhões de
instruções por segundo, o T-Rex(abreviação de Tiranossauro Rex, em inglês), o qual operará com software
Hárpia(ave de rapina), cruzará instantanemanete CNPJ?s, CPF?s, capital sociais das empresas,
movimentação econômica de sócios e contratantes, etc.(Folha de São Paulo, 16.10.05).
"Receita intima 2.000 por gasto no cartão. Consumidores de SP que gastaram acima da renda declarada
serão intimados a dar explicação e multados ... pelo menos 2.000 contribuintes(pessoas físicas) que, juntos,
gastaram R$ 400 milhões em 2004, mas informaram em suas declarações de Imposto de Renda terem
rendimnentos de R$ 70 milhões ...?(Folha de São Paulo, 24.03.06).
"Estabelecimentos declararam menos de 50% do informado por administradoras de cartão. Segundo a
Fazenda paulista, empresas informaram ter recebido R$ 11,2 bi, contra R$ 24,2 bi repassados pelas
administradoras de cartões. A Secretaria da Fazenda de São Paulo começou ontem a notificar 93,6 mil
empresas no Estado que, no ano passado, podem ter sonegado até R$ 1,5 bilhão de ICMS. De acordo com
a Fazenda paulista, elas efetuaram operações com cartões de crédito ou débito e declararam valores
inferiores em suas informações fiscais'(Folha de São Paulo, 26.09.07).
Demais autoridades, igualmente. A Receita Federal firmou convênio com o CNJ, ensejando às diversas
instâncias do Poder Judiciário(Justiça Estadual, Trabalho e Federal), mediante certificação judicial dos
magistrados, 'on-line', passando a disponibilizar o inteiro conteúdo das declarações de tributos ao Fisco('
Juízes terão acesso rápido a banco de dados da Receita Federal', Folha de São Paulo, 16.06.07 e
26.06.07).
Em suma, o Estado disponibilizando de tantos dados, criminalizar a reticência na entrega deles é
arrematado abuso.
Lei nº 9.779/99, "verbis":
"Art. 16. Compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos
impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o
seu cumprimento e o respectivo responsável."
Baseada nesse outorga indiscriminada, a Receita Federal edita toda sorte de normas infralegais(portarias,
instruções normativas, etc.) obrigando prestação de informações pessoais, inclusive de terceiros,
adentrando à intimidade alheia(v.g., dados do cônjuge/companheiro, pagamentos a advogados, arquitetos,
etc.).
Para 2011, a Receita Federal exigirá que os profissionais da saúde(médicos, psicólogos, odontólogos,
hospitais, etc.) declarem ao Fisco a identidade(nome, CPF, etc.) e os valores recebidos de clientes('
Declaração de Serviços Médicos'), devassando a intimidade médico-paciente, valendo lembrar que a matéria
é sigilo profissional, imune, inclusive, ao dever de testemunho judicial.
Em verdade, o Fisco busca compelir o cidadão a servir de fiscal da Fazenda Pública, vigiando a renda
alheia. Abusiva a imposição: a)não consta de lei, apenas normas sublegais; b)extropola o dever do
contribuinte, qual seja, declinar sobre sua renda, não a das demais pessoas; c)viola a
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razoabilidade/proporcionalidade(vide tópíco DA DOGMÁTICA - nulla lex(poenalis) sine necessitate). Vide art.
145, §1º, da Constituição.
Quanto aos documentos de entrega compulsória pelos próprios investigados, a norma penal obriga apenas
os fiscais "stricto sensu".
Todos os demais, incluídos os livros da escrituração empresarial e demais documentos, estão
salvaguardados pela imunidade contra a auto-incriminação.
Essa é a exegese que harmoniza os deveres tributários com a garantia contra auto-acusação.
Note-se!
Esses documentos estão imunes à entrega compulsória, autoincriminação, pelos próprios réus. Podem, uma
vez descoberto seu paradeiro pelas autoridades, serem objeto de busca e apreensão mediante mandado
judicial.
Exemplificando, na atividade empresarial existem vários livros obrigatórios e outros facultativos(v.g. livro
caixa, livro razão, livro contas-correntes, livro da produção, livro de entradas, saídas, livro de
estoques/inventário, apuração de ICMS, de ISS, de IPI, etc.).
O diário, individualizando, dia a dia, as operações da empresa é impositivo(arts. 1.180 e 1.184 do Código
Civil).
No âmbito fiscal, há livros impositivos, vários deles previstos pelo Convênio celebrado em 15.12.70 do
CONFAZ(Conselho Nacional dos Secretários da Fazenda).
Apenas esses, os estritamente fiscais, estão obrigados à entrega compulsória.
Os demais, incluindo os empresariais, não.
O fisco também institui a delação premiada. Caso do Estado de SP, o qual permite que até 30% do ICMS
recolhido pelo contribuinte(estabelecimento comercial) seja devolvido ao consumidor que informar a
operação à fazenda estadual. O consumidor pode receber em dinheiro, na conta corrente, crédito no cartão
ou abater no IPVA. 'Fazenda de SP fiscaliza loja que não registra nota fiscal; 1.029 estabelecimentos são
alvo de operação devido a denúncia de consumidores'(Folha de São Paulo, 20.06.08).
Os artifícios à sonegação são os mais variados, mutantes, dinâmicos, fugidios à persecução(vide tópico DA
JURISDIÇÃO).
Há os inusitados, a exemplo de casais que forjam separação judicial ou divórcio, mantendo vida em comum,
tão somente para abater do imposto de renda pensão alimentícia pretextadamente paga ao cônjuge e
dependentes. Agora, permitido separação consensual, divórcio, partilha e fixação de alimentos extrajudicial,
pela livre convenção das partes, a prática é ainda mais corrente(Lei nº 11.441/07). Ainda na seara familiar, a
invenção de dependentes(companheiro, filhos, irmãos, pais, avós, etc.) fictícios, apenas destinados ao
abatimento do tributo. Em 2007, tendo a Receita Federal passado a exigir o CPF dos dependentes a partir
de 21 anos de idade, 5 milhões deles 'desapareceram', gerando arrecadação aproximada de R$ 1
bilhão(Folha de São Paulo, 07.09.2007).
O descalabro administrativo do Fisco contribui ao êxito de práticas simplórias, a exemplo da declaração em
DCTF(Declaração de Débitos e Créditos Federais) do próprio contribuinte à Receita Federal sobre a
suspensão da exigibilidade de débitos por força de decisões judiciais, na verdade, inexistentes(Folha de São
Paulo, 07.04.07).
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Os tributos estaduais e municipais, sabida a diversidade de alíquotas, enseja simulação de local do fato
gerador, a exemplo das empresas prestadoras de serviço, forjando a sede em municípios interioranos.
O IPVA, igualmente, emplacando aonde menor a tributação: "Fazenda de SP caça fraudadores de IPVA.
Contribuinte que tem carro em São Paulo com chapa de outro Estado pode responder por crime e pagar
multa"(Folha de São Paulo, 13.03.06). "Modus operandi": 1)empresas frotistas paulistas abrem filiais de
fachada com endereços falsos em Estados com alíquotas de IPVA menores que SP; 2)elas compram a frota
de veículos de concessionárias ou montadoras; 3)os veículos são entregues em SP, embora destinados
para outros Estados; 4)a documentação do carro vai a despachantes desses outros Estados para o
emplacamento(em SP o IPVA é de 4% sobre o valor venal do veículo contra 1% no PR e TO); 5)os
despachantes do Paraná e do Tocantins mandam documentação dos veículos para SP e as placas por meio
dos Correios para as empresas(Folha de São Paulo, 15.05.07).
Entre os mais tradicionais, podem ser citados: a) venda sem nota fiscal; b) emissão de nota fiscal que
acompanha a mercadoria ou serviço e, uma vez não retida via pela autoridade fiscal, posteriormente
anulada; c) nota fiscal calçada, consignando-se valor inferior do real na via oferecida à tributação; d) nota
fiscal paralela, em co-autoria com gráficas que imprimem documentos fiscais com idêntica numeração.
Relevante lembrar a ausência de qualquer certificação(digital) na declaração dos tributos á Receita Federal
via Internet, ensejando toda sorte de argumentos pela negativa de autoria.
O 'colarinho branco' vale-se de formas as mais sofisticadas.
Entre as principais e mais recorrentes, está o "passivo fictício?, pelo qual são simulados débitos(dívidas). De
um lado, reduz-se a tributação suprimindo faturamento e/ou lucro, e, por outra banda, empresta-se
origem(lavagem) ao caixa 2, autêntica instituição nacional.
Exemplo histórico desse artifício foi a conhecida "Operação Uruguai" pretextada pelo ex-Presidente Collor
que, em desespero de causa, buscando justificar dinheiro sujo, suscitou que a pecúnia fora amealhada em
papainolesco(juros ínfimos, ausência de garantias, prazo infinito, etc.) mútuo originário da República do
Uruguai.
Nestas simulações de mútuos internacionais, a comprovar seu falsum, freqüentemente, olvida-se do
respectivo registro no Banco Central(Lei nº 4.131/62 c/c Resoluções nº 1.946/92, 2.242/92 e 2.409/94 do
BACEN), bem assim a anotação perante aquela Autarquia Financeira dos pagamentos expatriados, situação
criminalmente típica(art. 22, §único, da Lei nº 7.492/86). Muitos, entretanto, cumprem a formalidade, ainda
mais aperfeiçoando a falcatrua.
É a sonegação ?off shore?, ancorada no exterior, preferncialmente nos paraísos fiscais - "treaty shoppings",
"tax havens", "forum shopping" -, "rectius?, asilos de criminosos. Visando eximir-se da exação tributária,
forja-se a própria alienação da empresa à instituição pretextadamente estrangeira, sediada no exterior, em
verdade, titulada pelos sócios pátrios.
Bastante comum é o "leasing-back?, pelo qual simula-se a alienação e a contrapartida do arrendamento
mercantil mediante pagamentos pífios que, ao final, fazem retornar a empresa aos donos originários. A
Justiça Federal tem reconhecido a fraude em alguns casos(vide vide "Tutela Criminal Patrimonial", Boletim
dos Procuradores da República nº 49, www.anpr.org.br
A Rede de Justiça Fiscal("Tax Justice Network") do Reino Unido estima que existem US$ 11 trilhões
escondidos em paraísos fiscais.
Essa estrutura de dinheiro sujo consiste em paraísos fiscais, jurisdições sigilosas, cobrança de preços por
transferências, empresas de fachada, fundações anônimas, contas secretas, solicitação de lucros obtidos de
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fontes ilegítimas, propinas e brechas remanescentes nas leis dos países ocidentais que encorajam a entrada
de dinheiro criminoso e decorrente da sonegação de impostos(Folha de São Paulo, 16.10.05, traduzindo
artigo de Raymond Baker e Jennifer Nordin).
Recorrente é o fracionamento da empresa, inserção de "testas-de-ferro", parentes, etc. em sociedades
empresárias formalmente distintas, simulando enquadramento no simples(Lei nº 9.317/96).
Também corriqueiro o superfaturamento de importações - disfarçando remessa de lucro como despesa,
especialmente nas empresas trnasnacionais nas relações entre seus estabelcimentos de diversos países,
como a importação de insumos com sobrepreço("preços de transferência" - vide art. 19 da Lei nº 9.430/96),
consoante detectado nos laboratórios multinacionais pela CPI dos Medicamentos.
Lopes de Sá, Dicionário de Contabilidade, Atlas, pg. 225, identifica a fraudes contábeis mais recorrentes, "
verbis":
"As fraudes nos balanços são praticadas com vários objetivos, sendo os principais:
1 - burlar o fisco;
2 - bular os credores;
3 - burlar outros sócios ou acionaistas;
4 - burlar os financiadores, etc.
Exempos de fraudes:
1 - faturar as vendas à vista(que deveriam constar como vendas à vista, passando, então, a constar como
vendas a prazo) para clientes inexistentes e depois protestar as duplicatas, lançando tais títulos em
devedores duvidosos, diminuindo o luicro e, conseqüentemente, a tributção do imposto de renda;
2 - diminuir o valor dos estoques, apresentando um inventário de valor inferior à realidade, ou seja, um
estoque fictício, menor que o real;
3 - aumentar as despesas, como as de viagem, onde muitas provas podem ser indiretas, consoante faculta a
legislação, diminuindo o lucro e a tributação;
4 - comprar a dinheiro sem dar a entrada da compra. Isto diminui as possibilidades de controle do estoque e
possibilita também as vendas à vista sem nota ou com a nota em branco, deixando de registrar a receita;
5 - lançar como despesa a compra de bens móveis ou instlações, diminuindo o resultado e a tributação;
6 - adquirir recibos graciosos de comissões, transportes, etc. e lançá´-los como despesa, diminuindo o lucro
e evitando a taxação do Imposto de Renda;
7 - fazer pagamentos de salários e empregados inexistentes, pagando o INPS, o que representa menor taxa
que a do Imposto de Renda;
8 - subfaturmento nas vendas realizadas;
9 - admitir dívidas fictícias, com notas promossórias fictícias e pagamentos de juros fictícios.
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10 - admitir sócios fictícios só para usufruírem de retiradas e gratificações, etc."
Fraudes ancoradas em incentivos fiscais pululam. Exemplo é a Zona Franca de Manuais(AM), cujas
sociedades empresárias lá instaladas gozam de privilégios tributários. "Modus operandi": 1)empresa
fantasma é montada em região dotada de incentivo fiscal; 2)firmas do centro do país emitem notas fiscais
como se estivessem fornecendo mercadorias para essa sociedade inexistente; 3)a mercadoria é enviada
para outros destinos do Brasil, onde não há incentivos fiscais; 4)com isso, a empresa ganha cerca de 30 a
40% do faturamento, correspondente aos tributos sonegados(Folha de São Paulo, 20.01.06).
Caso da Cervejaria Schincariol(Schin), a qual teve 78 pessoas denunciadas pelo Parquet Federal. "Modus
operandi" 01: a)a Schin vendia a mercadoria para distribuidora de bebidas; b)a distribuidora, por sua vez,
declarava à Receita Federal venda aquém à real, tributando também menos; c)a diferença, sonegação,
retornava ao caixa da Schin. "Modus Operandi" 02: a)empresa forncedora de insumos declarava vender
parte de sua matéria prima para a Schin e outra à empresa fantasma; b)todavia, na verdade, a empresa
fantasma nada recebia. Tudo era enviado à Schin, remanescendo com a sociedade empresarial fictícia o
tributo que jamais era adimplido; 3)assim, a Schin, além de cotizar o lucro decorrente da sonegação do
fornecedor do insumo, sonegava o ingresso de matéria prima à industrialização da bebida cuja venda à
distribuidora também era sonegada("modus operandi" 01), fechando a contabilidade do estoque(matéria
prima adquirida = bebida vendida - Folha de São Paulo, 17.03.06).
Na área dos destilados, a renomada Cachaçaria Tatuzinho: 1)a destilaria compra matéria-prima 'extrato
concentrado não-alcoólico', alíquota de IPI de 40%, e acumula créditos(IPI e ICMS), falsamente pago pelo
fornecedor, abatendo seu débito fiscal incidente quando da venda da bebida; 2)esse fornecedor emitia nota
fiscal "fria" para a Tatuzinho e sacava duplicata contra a cachaçaria para ser paga no Banco Luso, do grupo
Tavares Almeida, que também controla a Tatuzinho; 3)cachaçaria vende o insumo 'composto concentrdo
especial', que tem alíquota de IPI zero(Folha de São Paulo, 02.04.06, 28.11.08: 'Receita autua Tatuzinho em
R$ 100 milhões').
Em suma, Tatuzinho e Schin deram um porre no fisco!
Sonegação de cerca de R$ 500 milhões no correr de 5 anos. A MAN(Marco Antonio Mansur), em Miami,
EUA, controlava 2 empresas(All Trade e Feca), as quais compravam equipamentos e exportavam para o
Brasil por preço abaixo de mercado(subfaturado), sendo que a diferença era quitada clandestinamente, à
margem da tributação, via contas CC5 e doleiros(vide tópico DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA
FINANCEIRO). No Brasil, o desembaraço aduaneiro era feito mediante corrupção das autoridades
alfandegárias, notadamente nos portos de Paranaguá(PR), Sepetiba(RJ), Itajaí(SC), São francisco do
Sul(SC) e Santos(SP), além dos aeroportos do RJ e Curitiba(Folha de São Paulo, 17.07.06).
Sonegação transnacional de R$ 1,5 bilhão, envolvendo a Cisco, maior empresa do mundo em redes para
computadores: 1)empresa brasileira faz uma encomenda de equipamentos da Cisco; 2)Cisco repassa à
Mude(distribuidora dos produtos da Cisco o Brasil) a tarefa de importar as máquinas; 3)a Mude USA, em
Miami, faz a encomenda para a Cisco Systems, em San José, na Califórnia; 4)a Cisco nos EUA entrega
equipamento para a Mude USA pelo preço de tabela. A partir daí, a Mude USA repassa o produto para uma
cadeia de empresas que ela controla; 5)dentro dos EUA, o equipamento sofre uma série de descontos no
preço, para evitar o pagamento de todos os impostos no Brasil. O subfaturamento no valor declarado na
importação chega a 75%; 6)dentro do Brasil, a Mude usa uma série de empresas de fachada para dificultar
que a fraude seja descoberta; 7)além disso, Mude simula que o equipamento é parcialmente industrializado
em Ilhéus(região beneficiária de incentivos fiscais), para pagar menos ICMS(Folha de São Paulo, 17.12.07).
Sonegação através da apropriação de créditos fiscais fictícios(v.g., ICMS) obtidos mediante exportação
simulada: 1)empresa é procurada por consultoria que oferece serviços de exportação de derivados da soja
para obter créditos fiscais, que serão descontados no pagamento de impostos; 2)consultoria oferece um
'pacote tributártio fechado' que inclui operações de compra de grãos, industrialização e exportação de farelo
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e óleo de soja; 3)a trading que cuida da exportção faz uma operação real simulando uma fictícia a partir de
notas fiscais clonadas e emite comprovantes da exportação falsa; 4)a empresa que foi atraída pelo esquema
montado pela consultoria usa esses comprovantes para obter desconto nos impostos a pagar(Folha de São
Paulo, 18.11.07).
Bancos atuaram fortemente na sonegação da CPMF. Clientes com grande recepção de cheques(v.g.,
varegistas, como supermercados, postos de combustíveis, redes de lojas, etc.), entregavam às instituições
financeiras as cártulas de que eram credores e também os títulos que eram devedores(boletos, duplicatas).
Os bancos, operando contabilidade paralela, não compensavam os cheques nas contas dos destinatários,
fazendo-o em apartado, quitando as dívidas, dessa forma sonegando a CPMF, devida sempre que houver
saque/débito da conta.
"Quae sunt Caesaris, Caesari": a César o que é de César(resposta de Cristo aos herodianos quando lhe
perguntaram se era justo pagar tributo a César).
Não obstante a milenar advertência, além da ira santa do filho do Criador, chicoteando os vendilhões do
templo, os quais mercadejavam nas dependências da Casa do Senhor, segue o vilipêndio, brandindo a
imunidade fiscal dos templos(art. 150, VI, ?b?, da Constituição), a exemplo da Igreja Universal do Reino de
Deus & TV Record, capitaneada pelo seu "Papa", Edir Macedo, "verbis":
" ... duas empresas registradas em paraísos fiscais remeteram pelo menos US$ 18 milhões para o Brasil,
entre 1992 e 94. O dinheiro entrou pelo Uruguai, onde os dólares eram trocados por moeda brasileira, para
dificultar o rastreamento. A TV Record do RJ foi adquirida em 92, em nome de seis membros da Igreja
Universal. Como eles não tinham recursos para assumir o compromisso(equivalente a US$ 20 milhões, na
época), a emissora foi paga com supostos ?empréstimos? da Investholding e da Cableinvest. Em 1996, a
emissora foi transferida para bispos da cúpula da igreja. As provas de que a Investholding e a Cableinvest
são vinculadas à Igreja Universal do Reino de Deus estão nos arquivos do Banco Central e na Junta
comercial de SP. Segundo a junta, as duas empresas são representadas no Brasil por Alba Maria da Silva e
Osvaldo Sciorilli, executivos da Universal em SP ... há papéis indicando que o sócio controlador da
Investholding seria o bispo Marcelo Bezerra Crivella - ora Senador da República pelo RJ - sobrinho de Edir
Macedo ..."(Folha de São Paulo, 10.08.99).
A "diabólica" Receita Federal, vendo na Igreja Universal quase nada de templo e quase tudo de "business",
autuou-a em cerca de R$ 100 milhões(valores de 1997) de sonegação. Entre outros veniais pecados fiscais,
os "Bispos" Edir Macedo, Marcelo Crivella, Carlos Rodrigues, Paulo Guimarães e outros mais, tão somente
em 1994, receberam da Universal, a título de "empréstimo", espécie de graça divina, a bagatela de R$ 21
milhões. Igreja dada às instalações "sacras", a exemplo da aquisição do imóvel de deleite(Vila dos Ingleses)
na turística Campos do Jordão(SP). A TV Record, benção do "Criador", titulada por Edir Macedo e esposa,
Ester Eunice, assim como inúmeros outros negócios da família eclesiástica, custeado pelos perdulários
investidores "externos"(paraísos fiscais), bem assim milionários espaços publicitários(madrugada, quando
dormem os crentes, sonhando com a vida eterna), concidentemente, negociados entre a Igreja e a TV
Record, ou seja, Edir Macedo em nome dele e por ele próprio. Sensibilizado com a perseguição dos fiés, o
celestial Conselho de Contribuintes reduziu a sonegação da Universal a um dízimo de R$ 6 milhões.
Inconformado, o herege Ministério Público Federal, Procurador da República Lauro Neto, ajuizou ação civil
pública para restabelecer a "César o que é de César".
Entrementes, a Universal, resoluta em levar a voz de "deus" a todos os recantos, incluído o pampa gaúcho,
bagatela de R$ 100 milhões, arremata a tradicional empresa jornalística Caldas Júnior(Rádio/TV Guáiba e
Jornal Correio do Povo, Estado do RS).
O milagre da TV. Como o dinheiro da Igreja Universal do Reino de Deus chega à Record e termina na conta
de Edir Macedo: 1)a igreja tem cerca de 5 mil templos no Brasil. Cálculo conservador, o dízimo que recolhe
entre os fiés é de R$ 2 bilhões de reais por ano, imune a qualquer tributação; 2)a Universal compra horários
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de televisão, sendo 80% de tudo o que gasta dessa forma vai para a Record, à qual paga R$ 140 mil por
hora, faixa da madriugada, cujo Ibope é de apenas 1 ponto. Comparativamente, em idêntico horário, a TV
Globo fatura R$ 40 mil com Ibope 4 vezes maior; 3)anualmente, a Universal investe R$ 300 milhões na
Record. Isso equivale a quase um terço de tudo o que a emissora arrecada no mercado publicitário.
Estima-se que a TV Record - titulada por Edir Macedo, 90% do capital social, e sua esposa, 10% - valha R$
4 bilhões(Revista Veja, 10.10.07).
O Parquet de SP deduziu imputação por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha contra Edir Macedo e
oito de seus sócios('bispos'). Segundo o Coaf, entre 2001 e 2008, as tansferências atípicas de valores entre
pessoas físicas e jurídicas ligadas e os depósitos em espécie da Universal somaram R$ 8 bilhões. De
operações caracteristicamente supeitas de lavagem: R$ 4 bilhões. Segundo a Receita Federal, a Universal
arrecada cerca de R$ 1,4 bilhão em dízimos/ano. 'Modus operandi': 1)Universal recolhe o dízimo dos fiéis;
2)dinheiro é repassado a duas empresas do grupo(Unimetro e Cremo); 3)por seu turno, elas remetem a
duas sociedades em paraísos fiscais: a)Investholding(Ilhas Cayman - Caribe); b)Cableinvest(Ilhas do Canal Reino Unido); 4)os recursos retonam ao Brasil sob a forma de empréstimos para pessoas físicas vinculadas
à Universal, adquirindo vultoso patrimônio: a)Investholding(via EUA, Banco Holandês Unido, Miami e Nova
York); b)Cableinvest(via Uruguai, casa de câmbio Val, Montevidéu). A Universal tem 23 emissoras de
TV(Rede Record), 42 emissoras de rádio próprias e mais 36 rádios arrendadas(Rede Alelulia). Em 11.07.05,
no aeroporto de Brasília, a Polícia Federal apreendeu R$ 10,2 milhões em espécie, dinheiro de dízimo, com
o Deputado Federal João Batista Ranos da Silva, 'bispo' da Universal(Folha de São Paulo, 11.08.09).
Relevante instrumento de combate à sonegação é o instituto da substituição tributária(art. 150, §7º, da
Constituição), qual seja, quando o contribuinte originário da cadeia(industrial, importador) recolhe a
tributação de todas as etapas posteriores, até o imposto devido pelo varegista na venda ao consumidor final,
a exemplo do adotado nos setores de bebidas, medicamentos, cigarros, automóveis, etc.: 'Ação contra
sonegador rende R$ 2 bilhões a SP'(Folha de São Paulo, 23.11.08)
A divisão entre Advocacia Criminal e Advocacia Tributária tem subtraído da persecução criminal rico debate
sobre a tipicidade, eis que toda farta argumentação dos sábios tributaristas quanto à inexigilidade do tributo
é oportuna na seara criminal. Sobre os elementos do tipo, no caso da sonegação, técnico-jurídico-tributários,
vide tópico DA DOGMÁTICA - DA DEFESA -"Nullum crimen sine lege".
Como bem cunhou o o extraordinário Mestre Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, no
Brasil, tamanho os desatinos legais e jurisprudenciais, estamos permanentemente subjugados a um
autêntico ?manicômio jurídico tributário."
Também segundo o IBPT, desde a atual Constituição de 1988, somados os três níveis de governo, em
média, são editadas 36 normas tributárias com 11,2 artigos ao dia, sendo 04 da união, 11 dos estados e 21
dos municípios(Folha de São Paulo, 06.10.05).
Em síntese, furor legiferante!
O Brasil está em último lugar, 175º, no ranking do tempo gasto pelas empresas para manter tributos em dia,
segundo o Banco Mundial, pesquisa que teve o auxílio da auditoria PricewaterhouseCoopers. Em média, as
empresas consomem 2.600 horas(Folha de São Paulo, 08.11.06).
Segundo relatório do Banco Mundial, elaborado com base em entrevistas com empresas e dados agregados
de consultorias de negocios de vários países, além de informações dos governos, o Brasil figura como um
dos piores do mundo em ambiente de negócios: a)corrupção 66,9 pontos - apenas 3 países estão em
situação pior: Benin, Guatemala e Quênia); b) crime(52 pontos); c)carga tributária(84,5 pontos); d)juros e
crédito(84 pontos - Folha de São Paulo, 16.04.07).
A Defesa dirá que, em sendo loucura a exação tributária, "a fortiori?, a repressão criminal.
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Situação palmar é a crucial distinção entre elisão, evasão e sonegação fiscal.
A matéria é por demais controversa, notadamente quanto aos delicados limites entre uma e outra espécie,
valendo observar o advento da norma geral anti-evasiva(art. 116, §único, do CTN). Recomenda-se a bela
obra do Prof. Hermes Marcelo Huck, "Evasão e Elisão", Editora Saraiva.
Elisão é a licitude plena, civil e criminal. O planejamento, engenharia tributária, de forma a instrumentar,
mediante artifícios legais, lícitos, aspiração legítima, qual seja, pagar menos tributos.
Evasão é a licitude parcial. Ilícito tributário, sem, contudo, adentar à tipicidade criminal. Enseja autuação do
Fisco mas não a repressão criminal.
Elisão é não entrar na relação fiscal. A evasão consiste em dela sair após ter entrado. "... o comando - tu
deves pagar imposto - está sempre ondicionado à frase: se tu realizas a hipótese de incidência(não: se tu
visas um determinado efeito econômico."(Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, Lejus,
1998, p. 137).
No Direito norte-amerciano tem-se, v.g., a "fruit and tree doctrine", "teoria pela qual os frutos de uma
propriedade ou do trabalho, pertencem a quem os produziu e não podem ser transferidos para outrem para
fins de não pagamento de imposto." (vide Law Dictionary, Dicionário, Maria Chaves de Melo, Elfos, 1998).
Identicamente, o "instrumentality rule, princípio pelo qual não será considerada a individualidade de uma
pessoa jurídica que serve de instrumento para os negócios de outra.(opus citatum, p. 352)
A sonegação é a ilicitude plena, civil e criminal. É um ?plus" em face do ilícito tributário, devendo revestir-se
de todos os requisitos necessários á sanção do Direito Penal(vide tópico DA DOGMÁTICA). O "in dubio pro
fisco" do Direito Tributário é antinômico ao "in dubio pro reo" do Direito Criminal, não podendo aquele
sobrepujar este.
Fulminada a exigibilidade do tributo, restará atípica a imputação da sonegação(sobre os elementos do tipo,
entre eles, o técnico-jurídico tributário, vide quadro sinótico no tópico DA DOGMÁTICA).
A circulação das mercadorias objeto da imputação por sonegação não constavam da lista de
semi-elaborados, sendo, portanto, industrializados, imunes ao ICMS nas exportações. Deferido habeas
corpus para trncar ação penal(STF, HC 71.7881-PR, Rel. Min. Paulo Brossard, DJU 04.11.94).
"... Considerando que a cobrança de contribuições previdenciárias incidentes sobre o ?pro labore? foi
declarada inconstitucional pelo STF em julgamento do R.E nº 166.772-9/RS, impõe-se reconhecer a
atipicidade do não-pagamento das contribuições relativas ao ?pro labore? ..."(TRF/3ª, Ap. Crim.
97.03.023238-8/SP, Rel. Des. Aricê amaral, DJU 01.03.00).
"A simples promessa de cessão de direitos, não gera, na concepção jurídica da Egrégia 1ª Seção deste STJ,
a obrigação do pagamento do ITBI, cujo fato gerador é o registro do respectivo título. Sendo assim, descabe
imputar o crime de sonegação fiscal a quem porta, apenas, promessa de cessão de direitos."(STJ, HC
5.178/SP, Rel. Min. William Patterson, DJU 13.05.96)
Embora não seja tributariamente inexigível o total do ?quantum? objeto da imputação, a argüição poderá
implicar na sua redução, ensejando vários benefícios, como a exclusão da qualificadora(art. 12, I, da Lei nº
8.137/90) ou mesmo a extinção da punibilidade pelo pagamento do efetivamente devido.
Exemplo é a inconstitucionalidade da multa .
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Inconstitucionalidade do art. 3º, §único, da Lei nº 8.846/94, o qual impõe multa de 300% sobre o valor da
operação, quando omitida a emissão de nota fiscal. Multa confiscatória(STF, ADIn-MC 1.075-DF, Rel. Min.
Celso de Mello, Informativo do STF nº 115).
Multa punitiva. Excesso desarrazoado(STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, 24.10.02, ADIn-551, Informativo do STF
nº 287).
A CFEM - Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - incide sobre o "faturamento
líquido das empresas" (art. 6º, da lei 7.990/89), entendido como sendo "o total das receitas das vendas,
excluídos os tributos incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as despesas de transporte e as
de seguros" (art. 2º, da lei 8.001/90). O "quantum debeatur" desta compensação é um percentual deste
faturamento líquido (de 1% a 3%, nos termos do § 1º, do art. 2º , da lei 8.001/90).
A Suprema Corte certificou que a CFEM não tem natureza tributária, excluída, portanto, a tipicidade criminal
da sonegação(STF, Rec. Extr. 228800/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU, 16.11.01, p.21)..
Vários empresários foram processados por sonegação dado o creditamento de IPI referente a insumo de
rerigente isento do imposto, adquirido da Zona Franca de Manaus.
Posteriormente, decidiu o STF, "verbis":
"A aquisição de insumo isento de IPI gera direito ao creditamento do valor do imposto que teria sido pago
caso não houvesse a isenção. Com base nesse fundamento, o Tribunal reconheceu a indústria de bebidas o
direito ao creditamento do imposto, nas aquisições de concentrado de refrigerante produzido na Zona
Franca de Manaus, operações, estas, beneficiadas por isenção. Vencido o Min. Ilmar Galvão, relator, que
não admitia o crédito do IPI sem a devida autorização legislativa. (RE 212.484-RS, Rel. Min. Nelson Jobim,
5.3.98. Informativo do STF nº 101).
A compensação de tributos diretos cuja exação foi declarada inconstitucional é plena, não podendo ser
limitada, seja pela via administrativa, seja em virtude de lei(STJ, Rec. Esp. 189.052-SP, Rel. Min. Paulo
Medina, 12.03.03, Informativo do STJ nº 165).
A subordinação do Poder Judiciário à instância administrativa, consoante decidido pelo STF, implica que
eventuais nulidades(v.g., prova ilícita, incompetência da autoridade fiscal, cerceamento da defesa do
contribuinte, etc.) do próprio processo administrativo-fiscal(v.g.. Decreto nº 70.235/72) possam ser
conhecidas e declaradas "incidenter tantum" pelo Juízo Criminal, fulminando o elemento normativo do tipo crédito tributário - e, por conseqüência, a
imputação criminal.
A própria controvérsia cível poderá convolar-se em questão prejudicial que aproveita à Defesa, "verbis":
"ocorrendo questão prejudicial acerca do débito previdenciário, em discussão judicial, buscando sua extinção
através do instituto da compensação, com crédito de contribuição recolhida ao INSS, em curso no Juízo
Cível, correat a decisão da origem suspendendo o processo por 6 meses, na forma do art. 93 do Código de
Processo Penal."(TRF/4ª, Rec. Crim 1998.04.01017482-8/RS, Rel. Desa. Tânia Escobar, DJU 02.09.98).
Mesmo que a tese da defesa tributária não seja procedente, acolhida pelo Poder Judiciário, em sendo
verossímil, dará ensejo à defesa criminal, tanto pela fragilização do dolo, indispensável á tipicidade, bem
assim, principalmente, exculpante da culpabilidade, debilitando a potencial consciência da antijuridicidade erro de proibição - especialmente naquelas situações em que o contribuinte seguiu orientação de assessoria
jurídica(vide tópico DA AUTORIA).
A Acusação rebaterá, STJ, "verbis":
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"No crime de sonegação fiscal como, de resto, nos demais crimes, o depósito judicial da quantia alcançada
para posterior discussão da exigência tributária em ação civil,
como, também, a reparação do dano, não elide a caracterização da figura típica, caso ela seja encontrada
"(STJ, RHC 1.145/MT, Rel. Min. José Cândido, DJU 19.08.91 - STJ, Rec. Esp. 17.776-0/RS, Rel. Min.
Flaquer Scartezzini, DJU 20.03.95).
STF, "verbis":
"... As teses defendidas pelos impetrantes para justificar as condutas típicas deveriam ter sido submetidas ao
contencioso administrativo ou judicial, e não exercidas mediante alguma coisa parecida com o exercício
arbitrário das próprias razões porque, quando em detrimento do fisco, configuram crime contra a ordem
tributária, por expressa manifestação de vontade do legislador ..."(HC 74.420-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa,
Informativo nº 118).
A propósito do instante da consumação da sonegação, "verbis":
"O crime do art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/90 se consuma com a supressão do tributo ou sua redução,
sendo insuficiente para sua ocorrência a simples não-emissão de nota fiscal. Em conseqüência, não há
crime se ainda não esgotado o prazo para apuração do tributo e seu pagamento."(TRF/1ª, Ap.Crim.
95.01.28793-9/BA, Rel. Des. Osmar Tognolo, DJU 08.08.97).
Extinção da punibilidade pelo pagamento e delitos conexos, bem assim a absorção do "falsum" pela
sonegação.
Na sonegação fiscal, o falso não é delito autônomo, absorvido que é pelo crime-fim(STJ, HC 1.207/SP, Rel.
Min. Assis Toledo, DJU 24.06.91 - STF, HC 76.847/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 04.09.98).
O pagamento antes da denúncia extingue toda a punibilidade, inclusive dos delitos conexos, a exemplo da
quadrilha(TRF/4ª, Rel. Des. Federal Vladimir Freitas, 7ª Turma, 08.10.02, Informativo Criminal Julho/02).
Questão também recorrente é a sonegação de ganho produto de crime(v.g., tráfico, corrupção, roubo, etc.).
A sonegação de disponibilidade econômica( art. 43 do CTN) é crime(art. 1º da Lei nº 8.137/90). Tenha
origem lícita ou não."Non olet", expressão proferida pelo Imperador Vespasiano para refutar o seu filho Tito,
que pregava a extinção do imposto sobre mictórios públicos(Gilberto Caldas, Novo Dicionário de Latim
Forense, 4ª edição, p. 178).
Nesse diapasão, o STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, HC 77.530RS, DJU 18.09.98, p. 07). Seria premiar a
torpeza - nemo turpitudinem suam audire potest - eximir o produto de crime da sonegação fiscal e sancionar
a evasão resultante de atividade lícita.
Contra, "verbis":
"Por mais que se queira achar caminho outro para obtenção de resultado condenatório, chegar-se-á,
inarredavelmente, à conclusão de que o apelante está sendo condenado pelo mesmo fato duas vezes,
porquanto não cabe processar-se por sonegção quem já foi condenado por peculato, pois a sonegação, no
caso, é o ?post factum? não punível, absorvido pelo crime anterior".(TRF/2ª, Ap. Crim 96.02.28075-1/RJ,
Rel. Des. Fedral Castro Aguiar, DJU 18.11.97).
A propóstio da prova emprestada entre os fiscos:
"... não poderia o Fisco federal valer-se de infração lavrada pela Fazenda estadual para imputar omissão de
receita à empresa recorrida. É certo que, a partir das informações do Fisco estadual, poderia haver
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investigações para, com as suas próprias provas, chegar-se à conclusão de que houve omissão de receita
."(STJ, Resp. 310.210-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, 20.08.02, Informativo do STJ nº 143).
A Acusação registrará a incoerência.: sendo admissível prova emprestada - desde, é claro, que preservados
os valores fundamentais, a exemplo do contraditório, judicialização, etc. - à condenação de qualquer delito,
por que não à sonegação?!
Autuação mediante permuta de informações entre os fiscos de diversas unidades da federação(art. 199 do
CTN). Validade (STJ, Rec. Esp. 81.094/MG, Rel. Min. Castro Meira, 05.08.04, Informativo do STJ nº 216).
De toda sorte, matéria superada pela Emenda Constitucional nº 42/03, dando nova redação ao art. 37, XXII,
da Constituição, estabelecendo o compartilhamento de dados.
Comum na persecução por sonegação é a argüição da Defesa de prisão por dívida, vedada pela Carta
Política(art. 5º, LXVII).
Através da Lei nº 8.866/94, tentou-se enquadrar como depositário infiel o contribuinte que retivesse tributos
de terceiros(v.g., Imposto de Renda descontado na fonte, Cofins do prestador de serviço, contribuição
previdenciária de empregado, etc.).
O STF, ADIMC 1.055-7/DF, na prática, fulminou a medida, eis que nulificou a possibilidade de prisão civil,
tachando de inconstitucionais os §§ 2º e 3° desta Lei nº 8.866/94.
Mais tarde, sepultada qualquer possibilidade. O STF, fundamentado no Pacto de San José da Costa Rica, o
qual admite a prisão por dívida apenas ao devedor de alimentos, julgou inconstitucional qualquer detenção
por dívida diversa, incluindo o depositário infiel, seja por força de contrato(v.g., alienação fiduciária, etc.) ou
ato judicial(depositário designado pelo Juízo - RE 46634313/SP, Min. Cezar Peluso, 03.12.08 - HC
92566/SP, Min. Marco Aurelio, 03.12.08 - Inf. do STF nº 531).
Inexiste "abolitio criminis" da sonegação pela superveniência da Lei nº 8.866/94, que dispõe sobre a prisão
infiel de valores pertencentes à Fazenda Pública, "lex mitior", que alegadamente teria revogado a tipicidade
criminal anterior(STJ, HC 5.633/RS, Rel. Cid Flaquer Scartezzini, DJU 18.10.96).
Sobre a inexistente caracterização de prisão por dívida no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, vide substanciosa
fundamentação no HC 77.631, Rel. Min. Celso de Mello, 03.08.98, Informativo do STF nº 134.
A assertiva enunciada, entre outros, pelo do Exmo. Min. Celso de Mello, de que a vedação à prisão civil por
dívida não obsta a criminalização da dívida, deve ser vista "cum grano salis".
Em suma, simples inadimplência pode ser criminalizada?!
Dependendo da inadimplência, cuja subtração do pagamento possa ser altamente lesiva, ferindo a própria
subsistência alheia, a exemplo da sonegação que subtrai do Estado meios à saúde, previdência social, etc.,
alça suficiente relvância a legitimar o uso do Direito Penal.
De per si, a tipicidade criminal de uma dívida não significa burlar a vedação da prisão civil por idêntica
inadimplência. Isto porque, à sanção criminal, opõem-se inúmeras garantias fundamentais inexistentes na
sanção civil(vide tópico DA DOGMÁTICA).
De fazer-se, todavia, imprescindível distinção quanto à tipicidade do art. 2º. II, da Lei nº 8.137/90, no que
refere a condutas bem diversas: "descontado" ou "cobrado".
O "descontado" reporta-se à situação em que o contribuinte é responsável pela retenção de tributos de
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terceiros(v.g., IR e ISS descontados na fonte, Cofins do prestador de serviço, etc.).
Nesse, a simples omissão de repasse ao erário consuma o delito.
Todavia, no "cobrado", hipótese mais comum, como do IPI e ICMS, a situação é diversa.
"Cobrado" não é sinônimo de destacado na nota fiscal. A Defesa dirá que é ônus da Acusação provar que,
além de "cobrar"(destacar na nota fiscal, emitir duplicata, etc.), o imputado recebeu o "quantum?.
O Estado, vitimado pela dívida, não poderá criminalizar a simples inadimplência de alguém(contribuinte) que
foi igualmente vitimado por idêntica inadimplência, não recebendo do adquirente de seus produtos e/ou
serviços o respectivo pagamento!
Acusação, rebatendo, dirá que, no máximo, será dado à Defesa o "onus probandi" de que não percebeu o
numerário.
No delitos de omissão do recolhimento de IPI, não aplica-se a exculpante da inexigibilidade de conduta
diversa pela mendicância financeira, própria às contribuições previdenciárias(TRF/4ª, Rel. Des. Federal
Fábio Rosa, 7ª Turma, ACR 2002.04.01.012419-3/RS, Informativo Criminal Abril/03).
Na sonegação, comina-se a causa geral de aumento, "causar grave dano à coletividade"(art. 12, I, da Lei nº
8.137/90).
Primeiro, dever inexorável da Acusação fazer constar, explicitamente, da denúncia, sob pena de não
conhecimento.
Segundo, não obstante a previsão formal cominando-a, a Defesa rebaterá sua aplicação. Seja porque
inexiste parâmetro objetivo: o que é causar dano à coletividade?! É o "quantum" sonegado e/ou o 'quantum'
da riqueza do sonegador? O "modus operandi"? O sujeito passivo(Previdência Social, União, Município,
etc.)?
Seja porque o dano da sonegação à coletividade é indireto sendo direto ao Estado, justificando assim a
ponderação que a majorante tem aplicação restrita aos delitos contra o consumidor e a ordem econômica,
outras tipicidades contantes da própria lei, cujo sujeito passivo é, aí sim, a "coletividade".
Insignificante à execução fiscal, "a fortiori?, à repressão criminal(vide tópico DA DOGMÁTICA, DA
DEFESA, "Nulla Lex(Poenalis) Sine Necessitate), TRF/4ª, "verbis":
"Aplica-se o princípio da insignificância quando o valor do tributo exigido não ultrapassa o limite que o Erário
considera como dispensável para a cobrança do crédito fiscal, nos termos do art. 20 da Lei n.º 10.522/2002
(R$ 2.500,00). Em recente julgamento, a 4ª Seção desta Corte pacificou a orientação de que a multa
prevista no art. 17 da Instrução Normativa SRF nº 117/98, incidente sobre o valor das mercadorias no que
exceder a quota de isenção de U$150,00, não deve agregar-se ao valor do imposto devido, para fins de
perquirir a insignificância do débito". (Rel. Des. José Luiz B. Germano da Silva, julg. 30.09.03 - DJU2,
15.10.03, p 976 - Informativo Criminal do TRF/4ª nov/2003).
Portaria do Ministério da Fazenda nº 49/2004, DOU 05.04.04, dispensa o ajuizamento de dívidas fiscais
inferiores a R$ 10.000,00, em consonância com o art. 20 da Lei nº 10.522/02.
Na carona, o descaminho(art. 334 do CP) foi 'descriminalizado'.
"RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA. ART. 20 DA LEI 10.522/02, COM ALTERAÇÃO
DA LEI Nº 11.033/04. Segundo a melhor orientação desta Corte, a dívida sobrevinda do descaminho, cujo
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valor encontra-se no limite estatuído pelo art. 20, da Lei 10.522/02, com alteração da Lei 11.033/04, impede
a condução da ação penal, porquando compreende a falta de lesividade aos cofres públicos em ordem a
deflagrar a persecutio criminis. Recurso não conhecido"(RESP 675989/RS, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, DJ 21.03.2005, p. 431).
A Suprema Corte, identicamente, entendendo descaminho de até R$10 mil de tributos
suprimidos(v.g.,impostode importação, sobre produtos industrializados) - implicando dizer valor das
mercadorias de até R$ 20 mil - é insignificante(HC 924434/PR, Rel. Min.Joaquim Barbosa, 19.08.08, 2ª
Turma, Inf. do STF nº 516).
Completando, o STJ impondo à persecução penal o exaurimento do processo administrativo-fiscal, requisito
inusitado, eis que o descaminho não tem autuação fiscal(lançamento de débito tributário), sendo restrito à
pena administrativa do perdimento das mercadorias(HC 109.205-PR, Rel. Min. Jane Silva, 6ª Turma,
02.10.08, Inf.do STJ nº 370).
Parâmetro de insignificância também pode ser invocável é a Lei nº 9.481/97, a qual estabeleceu que, para
pessoa física, créditos bancários individuais não superiores a R$ 12 mil, desde que a soma deles estejam
limitados a R$ 80 mil no ano-calendário, devem ser desprezados como renda à tributação.
'COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. IR. SERVIDOR MUNICIPAL.
Conforme o art. 158, I, da CF/1988, pertence ao município o produto de arrecadação do imposto de renda
incidente na fonte devido pelos servidores municipais. Assim, na ação penal, a competência para julgar o
ex-prefeito acusado de não recolher, na fonte, o imposto de renda devido pelos servidores municipais é do
Juízo de Direito com jurisdição no município eventualmente lesado'. CC 57.518-CE, Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, julgado em 27/6/2007, Informativo do STJ nº 325).
Recomenda-se "CRIMES TRIBUTÁRIOS - Aspectos Criminais e Processuais", Livraria do Advogado, Porto
Alegre, autoria do Dr. Alécio Adão Lovatto. Afora a qualificação técnica, produto de sua vasta cultura e
percuciência, o Dr. Alécio tem invulgar autoridade ética para tratar do tema. Membro do Parquet
Estadual/RS, foi pioneiro em organiar a repressão ao crime organizado - historicamente impune! - da
sonegação fiscal.
II.V - DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
Os delitos contra o sistema financeiro, mais propriamente, restaram conhecidos como "crimes do colarinho
branco"(Lei nº 7.492/86).
O sistema financeiro brasileiro é composto: a)órgãos normativos(Conselho Monetário Nacional - CMN,
Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP e Conselho de Gestão da Previdência Complementar CGPC); b)entidades supervisoras(Banco Central - BC, Comissão de Valores Mobiliários - CVM,
Superintendência de Seguros Privados - SUSEP e Secretaria de Previdência complementar- SPC);
c)operadores(instituições financeiras/bancos, seguradoras, resseguradoras, bolsas de valores, bolsas de
mercadorias e futuros, fundos de pensão, sociedades de capitalização, arrendamento mercantil - 'leasing',
corretoras de títulos e valores mobiliários, consórcios, casas de câmbio, etc.).
Em 2008, a crise financeira dos EUA, reverberando também na Europa e no mundo todo, das maiores da
história - mais vultosa após o 'crash' dos anos 30! -, relativamente à generalizada inadimplência dos
financiamentos imobiliários, levou ao socorro do erário aos bancos: 1)Inglaterra: BC inglês injetou US$ 100
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bilhões, garantindo os depósitos do Northem Rock, estatizado pelo governo britânico após a crise; no total,
o governo inglês disponibilizou US$ 870 bilhões à salvaguarda do sistema financeiro(v.g., estatização do
Bradford & Bongley, Royal Bank of Scotland, Lioyds TSB, HBOS, etc); 2) BC americano injetou US$ 200
bilhões em prol da 'Fannie Mae' e da 'Freddie Mac'(gigantes do mercado de imóveis, as quais adquirem dos
bancos seus empréstimos hipotecários, transformando-os em títulos, negociando-os no mercado de
capitais); a seguradora - garantidora da adimplência dos empréstimos - AIG, ora estatizada, em 2008, teve
perdas de US$ 99,2 bilhões, a ela aportados pelo erário dos EUA US$ 170 bilhões, ou seja, 1% do PIB
americano; sarcasmo que, em 2009, a AIG anuncia destribuição de prêmios a funcionários e, principalmente,
executivos no montante de US$ 165 milhões; no total, sob as mais diversas formas(v,g, aquisição das ações
de bancos, aquisição de títulos de instituições financeiras, empréstimos, etc.- a operação para salvar o
Citibank foram US$ 800 bilhões)o aporte de dinheiro público nos EUA chega a US$ 5 trilhões, cerca de 4
vezes o PIB anual do Brasil; 3)BC europeu injetou 211 bilhões de euros; 4)estatizações também na
Alemanha com US$ 677 bilhões(Hypo Real State, etc.), Áustria com US$ 136 bilhões, Bélgica com US$ 272
bilhões(Dexia, Fortis, etc), Espanha com US$ 136 bilhões, França com US$ 490 bilhões, Holanda(Fortis),
Islânca(Glitnir e Landsbankio), Luxemburgo(Fortis) e Portugal com US$ 27 bilhões. No total, os aportes
estatais diretos superaram US$ 3 bilhões(Folha de São Paulo, 22.04.08, 08.09.08, 18.09.08, 09.10.08,
14.10.08, 26.11.08, 25.11.08, 03.03.09, 17.03.09, 13.09.09).
Resumindo, a mão visível do Estado para consertar o desastre que a mão invisível que o mercado
produziu('Mão invisível': termo consagrado por Adam Smith em "A Riqueza das nações" para descrever
como numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse
comunal, a interação dos indivíduos parece resultar numa determinada ordem, como se houvesse uma "mão
invisível" que os orientasse)
Entendendo a crise: a)corretora empresta dinheiro para um cliente de alto risco, o 'subprime'(pessoas com
crédito desproporcionalmente maior à riqueza que dispõem); b)clientes financiam o imóvel, ou hipotecam o
que já têm, e usam o dinheiro para quitar dívidas ou gastar mais; c)com facilidade de conseguir crédito, mais
clientes de alto risco pegam dinheiro emprestado, inflando o preço dos imóveis; d)bancos e fundos compram
títulos 'subprime' das corretoras; e)na hora de pagar, inadimplência dos clientes alto risco, 'subprime';
f)inadimplência que enseja ciclo vicioso no qual bancos, companhias hipotecárias e os milhares de
acionistas - mecado de capitais - soçobram; g)todo o mercado passa a ter medo de emprestar e comprar '
subprime'; h)a oferta supera a demanda e o preço dos imóveis, garantia oferecida à execução pela
inadimplência, cai aquem do valor da hipoteca(Folha de São Paulo, 17.09.08, 10.08.08).
Os prejuízos financeiros sofridos pelos EUA com a crise de crédito deverão alcançar US$ 3,6 trilhões,
metade dos quais seriam perdas dos bancos e das corretoras credenciadas como operadoras primárias, ou
seja, o sistema bancário está "insolvente na prática", disse Nouriel Roubini, professor da Universidade de
Nova York, quem previu a crise econômica do ano passado(Folha de São Paulo, 21.01.09).
Bernard Madoff, investidor do dinheiro alheio, ex-presidente da Bolsa Nasdaq(das empresas de alta
tecnologia), perpetrou fraude já constatada de US$ 20 bilhões, podendo chegar a US$ 50 bilhões, segundo a
promotoria de alcançado US$ 65 bilhões. Madoff está recluso, condenado a 150 anos de prisão. Entre os
lesados, Bancos HSBC, Santander, UBS e Royal Bank of Scotland. fundos de caridade, a exemplo do
cineasta Steven Spielberg, fundos de hedge, como Fairfield Greenwich, etc., consumado o efeito Ponzi
(referência a Charles Ponzi, estelionatário que, nos EUA dos anos 20, tomava dinheiro emprestado mediante
taxas de juros elevadas pagando mediante outros mútuos ainda mais onerosos até quebrar todos - Folha de
São Paulo, 16.12.08, 13.03.09 e 30.06.09).
O 'laissez-faire' do mercado financeiro, Estado ausente de qualquer controle/normatização gerou o monstro
global. Agora, consoante explicitado no discurso de posse do Preidente dos EUA Barack Obama(20.01.09),
urge policiar o setor. '... acabou a farra de wall street ...' é o bordão da vez. 'Mundo chega a consenso de
mais regulação no mercado'(Jean-Claude Trichet, Presidente do Banco Central Europeu, entrevista à Folha
de São Paulo, 10.11.08). 'Era do segredo bancário acabou, diz G20' Comunicado após cúpula - encontro
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dos líderes munciais em Londres - menciona ações contra paraísos fiscais e fortalecimento de controles
sofre o setor financeiro'(Folha de São Paulo, 03.04.09)
Qual controle? Administrativo, penal ...?!
No 'crash', tivemos aberrante alavancagem, ou seja, desabrida multiplicação do crédito sem acautelar o
risco. Ausente regulação/controle, sequer é sabido quanto de alavancagem ostenta o sistema, chegando até
40 vezes os comprometimentos da instituições financeiras comparativamente aos seus ativos.
Na regulação do mercado financeiro mundial, importante é o Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia('
Committee on Banking Supervision' - BCBS, grupo formado pelos 13 países mais desenvolvidos). Segundo
esse órgão, seriam três os pilares: a)capital mínimo requerido do banco(v.g., risco do crédito + risco do
mercado + risco operacional = % mínimo do capital em provisão); b)supervisão(governança, tanto 'interna
corporis ' do banco, quanto a estatal, da autoridade); c)disciplina de mercado(transparência, disponibilização
de informações idôneas à avaliação da instituição financeira).
O megasespeculador Geoge Soros(para os eufemistas/amantes do deus mercado financeiro, "
megainvestidor"), em apenas um dia(16.09.1992), apostando na desvalorização da libra esterlina, lucrou
US$ 1 bilhão, de quebra, quebrando o Banco da Inglaterra, bem assim levando à bancarrota o governo Jhon
Major, dando a vitória aos trabalhistas(Folha de São Paulo, 06.08.06). Soros também quebrou países, a
exemplo da Tailândia e Malásia. Seu fundo, o 'Soros Fund Management', titula US$ 20 bilhões(Folha de São
Paulo, 11.09.08).
Alguma casa de tolerância seria tão tolerante com o assalto ao interesse público quanto o Estado Brasileiro
o é com os bancos?!
Objeto da CPI dos Bancos, Bancos FonteCindam, titulado por Luiz Antonio Gonçalves, e Marka, de
Salvatore Alberto Cacciola, paradisíacamente homiziado na Itália, posteriormente preso em Mônaco e
extraditado ao Brasil, surrupiou do erário, via aporte do Banco Central do Brasil - eufemísticamente,
denominado por "ajuda" - mais de US$ 1,5 bilhão("sic" - época da paridade dólar/real).
A esdrúxula justificativa do Banco Central foi de que, não aportasse recursos a que Marka e FonteCindam
honrassem seus ruinosos compomissos da venda de dólar futuro, firmados na iminência da desvalorização
cambial de 1999, por efeito dominó, haveria uma quebradeira generalizda no sistema financeiro.
Pretexto de fazer inveja aos maiores ficcionistas.
Exceto eles próprios e alguns especuladores, quem Marka e FonteCindam iriam quebrar, dado que
instituições sem qualquer representatividade no mercado produtivo(nanicos)?
Pior!
Afora este assalto ao erário, sob os complacentes olhos do Bacno Central, já que diariamente ali eram
registradas as operações com todos os seus dados(v.g., data, remetente, destinatário no exterior, valor,
natureza da operação, etc.), estes bancos lavavam dinheiro de terceiros(v.g., sonegação fiscal, corrupção,
etc.), como o FonteCindam, através da Cindam Enterprises S/A, Ilhas Cayman, consoante comprovaram as
quebras de sigilo das contas CC5 procedidas, tanto pela Justiça Federal, a pedido do Ministério Público,
como pela CPI dos Bancos(adiante, vide "modus operandi" da CC5).
Em suma, George Soros, golpe de US$ 1 bilhão, foi humilhado pelos "soros" pátrios.
Tudo bem. O empregado de George Soros, Armínio Fraga, passou a ser o Presidente do Bacen no Governo
FHC. Hoje, Armínio Fraga títula o Banco Gávea Investimentos, entre outros, titular de 45,9% da empresa
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aérea BRA; 25% da controladora dos terminais de contêineres dos portos do RJ e Santos, cujo faturamento
anual é de R$ 206 milhões; 23,5% da Aliansce Administradora de Shoppings, faturamento de R$ 2,5 bilhões
em 2006; rede MC Donald´s na América Latina com 1.600 restaurantes, etc(Folha de São Paulo, 09.05.07).
O Governo Lula também não decepcionou Soros e seus confrades especuladores. Investiu no Bacen
Henrique Meirelles, a quem aquinhoou com o foro privilegiado, 'status" de Ministro de Estado(Medida
Provisória nº 207/04) para savlaguardar da persecução por lavagem de dinheiro/evasão de divisas via
contas CC5(adiante, vide informações detalhadas do ocorrido).
Abaixo, vide episódio da CPI dos Precatórios, no qual a fazenda pública(Governo FHC) resolveu, ao invés
de ser ressarcida pela delinqüência do Bradesco, partícipe nas fraudes na emissão de títulos, indenizar o
"prejuízo", qual seja, não ter sido aquele banco exitoso na empreitada criminosa, sendo flagrado pela
investigação("sic"). Ao final desse tópico, vide consistente artigo de Cesar Benjamin(Folha de São Paulo,
03.07.08) a propósito das dantescas operações de 'swap' do Banco Central, pouco mais de dois
anos(2006/08), causando rombo de R$ 18 bilhões.
No Brasil, os bancos mandam no Bacen, este manda no governo e o povo nada manda.
No mundo da economia civilizada, o banco central regula, controla, policia, enfim, manda nos bancos.
Aqui, ao contrário, os bancos mandam no Banco Central.
Pior!
O Bacen, mandado pelos bancos, manda nos governos(v.g., FHC, Lula, etc.).
Em suma, vivemos não na democracia, muito menos meritocracia, e sim sob a 'bancocracia', o governo dos
bancos.
Surrealisticamente, vozes da especulação financeira especulam deva ao Banco Central ser assegurada total
independência, livrando-o de eventuais interferências políticas, consideradas perversas.
Ora, mais que independente, o Bacen é um enclave, verdadeiro estado soberano incrustado no Estado
Brasileiro - 'imperium in imperio', a ninguém prestando contas.
A questão é inversa: quando o povo elegerá governo que proclame a independência do Bacen dos
banqueiros, bem assim do Estado em face do imperialismo financeiro?
O Banco Central é a prova mais contundente da fraude da tão decantada democracia brasileira. Em suma, o
povo vota, mas nada decide. A questão crucial, destinação da parcela substancial do dinheiro arrecadado
pela fazenda pública, está imune à vontade das urnas.
O Congresso Nacional, representação da soberania popular, não exerce qualquer poder relevante sobre o
Banco Central, o qual, impunemente, desacata as raras leis saneadoras editadas pela Casa do Povo, regra
geral agindo ao seu bel-prazer, editando normas e agindo da forma mais irresponsável e lesiva ao erário.
Entrementes, o Parlamento esvai suas forças em questiúnculas, debate sobre a destinação das migalhas do
orçamento, pífios programas econômico-sociais, etc.
Basta ver os dados da prostituta dívida pública em prol do gigolô do mercado financeiro.
Em 10 anos(1994 a 2004), o erário despendeu R$ 728 bilhões com pagamento de juros e encargos da
dívida pública. Nesse período, a dívida líquida do governo federal aumentou de R$ 65,8 bilhões(dez/1994)
para R$ 601,4 bilhões(dez/2004 - Folha de São Paulo, 21.04.05 - retratando estudo da Consultoria de
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Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados).
Entre 1999 e 2005, correr de seis anos, o Brasil pagou R$ 1,2 trilhão de dívida pública. Em 1995, a dívida
consumia 18,75% do orçamento da União, chegando a 42,85% em 2005. Comparada com as gastos da
Previdência Social, em 1995, ela gastava 34,05% do orçamento, baixando a 31,6% em 2005(cálculos da
Unafisco/SP, Folha de São Paulo, 24.10.06). Em 2009, o montante a dívida pública fechou com R$ 1,49
trilhão(Folha de São Paulo, 27.01.09).
Entendendo o ralo do dinheiro público.
Selic(Sistema Especial de Liquidação e Custódia), criada em 1979 pelo Banco Central, sistema eletrônico
que permite a atualização diária das posições das instituições financeiras, identificando a taxa de juros que
reflete a média da remuneração dos títulos federais negociados com os bancos. É considerada taxa básica
porque usada em operações entre bancos(custo da troca de reservas), por isso tendo influência em toda a
economia(Folha de São Paulo on-line, 16.02.05).
Para entender a operacionalidade da selic: 1)meta: quando o COPOM(Comitê de Política Monetária, na
prática, o próprio Bacen), estabelece o juro básico da economia(selic), na verdade, define uma meta dos
juros a ser persequida; 2)taxa efetiva: o Banco Central opera no mercado financeiro para fazer com que a
taxa selic efetiva fique o mais próximo possível da meta; 3)compra e venda: para colocar a taxa efetiva
próxima da meta(agosto/2006, em 14,25% ao ano), o Banco Central vende e compra títulos públicos a taxas
de 14,25%; 4)mercado: o volume operado pelo Bacen é tão grande que o mercado tende a seguir as taxas
cobradas pelo bacen nas negociações com títulos(Folha de São Paulo, 31.08.06).
Justificando o aumento do juro ofertado pelos títulos públicos, o Banco Central diz buscar controlar a
inflação. Desde 1999, quando o governo adotou o sistema de metas de inflação e o câmbio
flutuante(Decreto nº 3.088/99), a taxa de juros é o principal mecanismo de contenção de preços.
Juro alto aumenta a atratividade por títulos da dívida pública do governo e, conseqüentemente, majora os
juros cobrados por instituições financeiras na outorga de empréstimos, inibindo investimentos privados(Folha
de São Paulo on-line, 16.02.05).
Em resumo, o cidadão paga ao sistema financeiro(tributos cobrados da sociedade os quais custeiam os
juros da dívida pública) para que a ele próprio, o contribuinte, os bancos neguem crédito, preferindo
emprestar à fazenda pública, asfixiando o consumo, refreando a inflação.
Espetáculo!
Nos EUA, todavia, de onde tudo é copiado, notadamente nas crises(v.g., quebradeira de bancos pela
generalizada inadimplência do crédito imobiliário), a taxa básica, por vezes, fica aquém da inflação: 'EUA
ficam com juros reais negativos'(Folha de São Paulo, 19.03.08).
'Com dólar fraco, EUA 'exportam' inflação, afirmam economistas. Enxurrada de moeda americana fez
emergentes comprarem mais commodities: pela teoria monetarista, os governos e seus Bancos Centrais,
quando querem controlar a inflação, costumam subir os juros e retirar dinheiro de circulação por meio da
colocação de títulos de sua dívida. O custo é aumentar o endividamento. A equação só não é totalmente
verdadeira para os EUA, donos da máquina que imprime dólares, aceitos em todo o mundo. Ante a
necessidade de reduzir a liquidez do país, em vez de subir os juros e emitir títulos, os EUA podem liberar a
importação. Com isso, conseguem ajustar oferta do mercado com a demanda e ainda mandam dólares para
o exterior, retirando dinheiro de circulação.'(Folha de São Paulo, 20.07.08).
'Para custear socorro, Fed imprime dinheiro, e déficit público cresce'(Folha de São Paulo, 28.11.08, referindo
ao brutal aporte de recursos público do BC americano em razão do 'crash' do sistema financeiro)
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A próprio FMI imputa o vício dos juros no Brasil('sic'). 'Juro alto torna país mais vulnerável, diz FMI. O FMI vê
o real valorizado principalmente em razão das operações conhecidas como 'carry trade'. O jargão denomina
uma manobra financeira na qual os investidores tomam empréstimos em países nos quais a taxa de juros é
baixa e aplicam o dinheiro em outros, onde o juro é bem maior ... entrada maciça de dólares atrás dos juros
altos derruba a cotação do dólar ... diminuindo a competitividade do setor exportador''(Folha de São Paulo,
09.04.08).
Superavit primário: receitas menos despesas do erário, excluído serviço da ívida pública, os juros.
"Spread": é a diferença entre a taxa de juros paga pelos bancos na captação(poupança, demais aplicações
das pessoas) e a taxa por eles cobrada no empréstimo. Nela, além do lucro da instituição financeira, estão
incluídos os riscos da inadimplência, os custos operacionais-administrativos, os tributos diretos e indiretos,
compulsório dos depósitos recolhido ao Banco Central(Folha de São Paulo 1º.02.09).
Dívida líquida do erário: exclui os empréstimos feitos entre os diferentes membros do setor público(v.g.,
débitos dos Estados com o governo federal não são considerados).
'Ganho de banco no país é o mais alto do mundo. Spread bancário no Brasil é 11 vezes o dos países ricos'
(Pesquisa do Iedi - Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial - a pedido da Folha de São Paulo,
baseado em dados de 2008, publicado em 1º.02.09). Mundo: 1º Brasil: 34,88%; 2º Madagáscar: 32,49%;
Paraguai: 19,38; Peru:17,95%; Quirguistão: 17,69% ... Países em desenvolvimento: Argentina: 7,85%;
Índia: 7,10%; Rússia: 6,47%; China: 3,36% ... Países desenvolvidos: Espanha: 6,59%; Itália: 6,455; Nova
Zelândia: 5,37%, EUA: 3,13%; Alemanha: 2,09%, Japão: 1,42%. Identicamente, estudo do Fórum
Econômico Mundial, cuja análise abrangeu 127 países, deixando o Brasil como o 2º maior do
mundo(35.6%), superado apenas pelo Zimbábue(Folha de São Paulo, 10.09.09).
Em fev/2008, incluídas todas as instituições financeiras, computadas apenas as pessoas físicas, 80 milhões
de brasileiros têm dívidas com os bancos, somando R$ 442,4 bilhões(dados oficiais do Banco Central a
partir do Sistema de Informações de Crédito do BC, alimentados pelas instituições financeiras - Folha de
São Paulo, 22.06.08).
Em 2008, o 'spread' dos bancos cobrados das pessoas físiucas e jurídicas tomadoras de empréstimos
somou R$ 134, 5 bilhões, correspondente a 4 vezes o montante do orçamento do Ministério da Educação ou
2,5 vezes o do Ministério da Saúde(Folha de São Paulo, 05.04.09, repercutindo estudo da Federação do
Comércio do Estado de SP).
Precavidos com a hermenêutica judiciária de tamanho assalto, os bancos investem na "qualificação" do
Judiciário.
Febraban(federação dos bancos) custeia encontro de magistrados(15 Min. do STJ, sendo 2 aposentados,
mais 31 desembargadores dos TJ's) no paradisíaco hotel da Ilha de Comandatuba(BA), tendo por objeto a
"discussão" do "spread" bancário(Folha de São Paulo, 12.09.06).
Segundo pesquisa do próprio Banco Central(Bacen, contemplativo, no máximo pesquisa, jamais vigia os
juros), "spread" médio em set/2006 atingiu os seguintes níveis(anuais): 1)pessoa física: cheque
especial(143,%), crédito pessoal(75,9%), crédito consignado(34,7%); 2)pessoa jurídica: desconto de
duplicata(37,%), capital de giro(32,2% - Folha de São Paulo, 25.10.06).
No Brasil, o mais voraz dos agiotas cobra dos mutuários menos de 50% dos juros oficiais e remunera os
mutuantes com taxas de rendimentos igualmente muito acima às do mercado regular.
Todavia, kafkianamente, ele, o agiota, e não os banqueiros, é processado por usura(art. 4º da Lei nº
1.521/51; art. 8º da Lei nº 7.492/86).
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Infálível forma de desbaratar o narcotráfico seria levar os traficantes a contratarem finaciamentto de sua
atividade nos bancos brasileiros. Inexoravelmente, todos quebrariam! Sequer "business" da cocaína resistiria
aos juros deste cassino.
Em 2002, o Itaú amealhou lucro líquido de R$ 2,3 bilhões, ultrapassando a marca do Bradesco que, em
2001, abiscoitara R$ 2,17 bilhões(Revista Isto É Dinheiro). Em 2003, o Itaú lucrou R$ 3,1 bilhões e o
Bradesco 2,3 bilhões(Revista Veja, 25.02.04). Em 2004, lucro do Bradesco de R$ 3,06 bilhões, Unibanco R$
1,3 bilhões, Itaú R$ 4,9 bilhões. Em 2005, Bradesco lucrou R$ 5,5 bilhões e o Itaú R$ 5,5 bilhões(Folha de
São Paulo, 18.02.05, 10.03.06). Em 2006, o Bradesco lucrou R$ 6,3 bilhões, Itaú R$ 6,19 bilhões e
Unibanco R$ 2,21 bilhões(Folha de São Paulo, 15.02.07). Em 2007, Itaú lucrou R$ 8,4 bilhões e Bradesco
R$ 8 bilhões(Folha de São Paulo, 13.02.08)
A rentabilidade(total do lucro sobre o patrimônio líquido) dos bancos brasileiros é recorde superior ao dos
EUA. No Brasil, 17%. Nos EUA, 15,1%(Folha de São Paulo 27.02.05).
Em 1996, os bancos privados nacionais somaram lucro líquido de R$ 2,7 bilhões, rentabilidade de 13,5%
sobre seus patrimônios. Em 2004, o lucro subiu para R$ 12,5 bilhões, rentabilidade de 21,9%. Em 2006, o
lucro líquido das 104 instituições que atuam no Brasil atingiu R$ 33,4 bilhões(Folha de São Paulo, 27.11.05
e 12.03.07, baseada nos balanços que os próprios bancos entregam ao Banco Central).
Sobre os juros pagos pelos cidadãos aos bancos e os juros cobrados dos bancos pelo Banco Central,
nenhuma lei limitativa!
Afinal, consoante o rei mercado especulativo, isso seria intromissão política indevida. O povo que não ouse
exigir dos seus representntes eleitos qualquer regulação. Como dito, aqui, o Congresso Nacional, a
democracia inexiste!
A assistência financeira de liquidez, isto é, empréstimo do Banco Central a bancos em dificuldade, tem juros
entre 2% a 10% acima da selic(taxa de juros que o erário paga pelos títulos da dívida pública), ou seja,
abaixo, muito abaixo do mercado.
Em suma, um grande negócio para os bancos mesmo quando tomadores de empréstimos!
O programa microcrédito(MP 226/04 c/c Dec 5.288/04), fixando a obrigatoriedade dos bancos investirem no
mínimo 2% dos recursos captados em conta corrente no crédito a pessoas de baixa renda(R$ 600,00 à
pessoa física e R$ 1.000,00 à jurídica), taxa limitada a 2% ao mês foi inócua. Os bancos preferiram
submeterem-se à penalidade pelo descumprimento, qual seja, deixar os recursos no Banco central, sem
remuneração(Folha de São Paulo, 26.03.05)
Lucros dos bancos, em grande parte produto da especulação com a dívida pública. Eles, os bancos, detêm
44% dos títulos da dívida pública(Folha de São Paulo, 18.01.07).
O Brasil sempre figurou em 1º no "ranking" dos juros reais anuais(taxa nominal de juros paga pela dívida
pública, descontada a inflação do período), 9,3%; em 2º, Turquia 6,2%; em 3º, China: 4,8%; em 4º, Israel:
4,3%; em 5º, Canadá: 2,9%; em 6º, México: 2,8%; em 7º, Cingapura: 2,8%; em 8º, Inglaterra: 2,6%; em 9º,
Tailândia: 2,5 e em 10º a Austrália: 2,5%(Folha de São Paulo, 19.10.06).
Perfil da dívida em títulos públicos federais em março/2005: a)pós-fixada(selic): 56,98%; b) prefixada:
21,52%; c) índice de preços: 13,99%; d) cambial: 4,94%.(Folha de São Paulo, 21.04.05).
Portanto, superada a cantilena que atribuía ao unilateralismo estrangeiro a impagabilidade da dívida, vez
que contratada mediante juros, em última análise, fixados pelos credores(mercado internacional).
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Considerado que 56,98% é pós-fixada pelo próprio Brasil, através do Banco Central, cujos aumentos da selic
- maiores juros do mundo! -, para gáudio dos banqueiros, potencializam bilhões ao capital especulativo.
Entretanto, presente a pressão popular(eleição presidencial de 2006, etc.) pela baixa dos juros, o Banco
Central, atropelado a reduzir a selic - 11,25%, a mais baixa da história -, muda o perfil da
dívida(novembro/2007): a)pós-fixada(selic): 34,8%; b) prefixada: 36,1%; c) índice de preços: 25,8%; d)TR:
2,2%: e)câmbio: 0,9%(Folha de São Paulo, 21.12.07).
'Título público rende o dobro a estrangeiro. Com queda do dólar e isenção de IR, aplicação de investidor
externo dá ganho de 89% desde fevereiro de 2006, ante 42% de brasileiros'(Folha de São Paulo, 22.10.07).
Em 2003, início do Governo Lula, o Brasil pagou R$ 145,205 bilhões de dívida pública. Em 2004, 128,3
bilhões(Folha de São Paulo, 29.01.05). Em 2005, R$ 157,1 bilhões(Folha de São Paulo, 31.01.06).
Verdade que o governo Lula chegou ao mais baixo patamar da selic em toda a história, 7,7% reais(taxa
nominal, descontada a inflação do período), ainda, todavia, muito alta, a 2ª do mundo, superada apenas pela
Turquia, com 8,2%(Folha de São Paulo, 19.07.07).
O bolsa-família, maior programa de distribuição de renda, trunfo do Governo Lula, reponsável pelo maior
índice de redução da miséria nos últimos 60 anos, em 2003 despendeu R$ 3,4 bilhões(3,6 milhões de
famílias atendidas), em 2004 R$ 5,7 bilhões(6,5 milhões de famílias), em 2005 R$ 6,5 bilhões(8,7 milhões de
famílias), em 2006 projetados R$ 8,5 bilhões(11,1 milhões de famílias - Folha de São Paulo, 11.06)
Em 2005, apenas a arrecadação federal, sem contar estados e municípios, somou R$ 364,1 bilhões(Folha
de São Paulo, 29.01.06). Em síntese, quase a metade da tétrica voracidade arrecadatória do fisco pátrio foi
tragada pela dívida pública.
De quebra, o saque ao erário tem o condimento da barbárie aos direitos sociais. Bancos como Bradesco e
Itaú, aposentadoria é emblema de mito, inexistência.
Inexoravelmente, tais quais câmaras de gás nazistas, ex-jovem é ex-empregado, demitido. Pior! Basta a
mulher cometer o sacrilégio de engravidar que sua demissão, inexoravelmente, já estará em contagem
regressiva.
Tão logo dá-se à luz nova geração de máquinas(computadores, etc.), dá-se às trevas do
desemprego(desmanche) gerações de "máquinas" humanas, "ipso facto", sucateadas!
Segundo o respeitado DIEESE(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), em
1989 o setor bancário empregava 824 mil pessoas, reduzindo para 497 mil em 1996.
Em 2004, o Brasil atingiu o 6º maior superavit primário do mundo(Folha de São Paulo, 29.01.05). Em 2005, o
superávit foi de 4,84% do PIB, ou seja, R$ 93,5 bilhões(Folha de São Paulo 31.01.06). Portanto, nada mais
garantido que o pagamento dos banqueiros.
Não é à toa que, muito antes da eleição presidencial, Olavo Setúbal, presidente do Itaú, já "tranquilizava o
mercado", aclamando a identidade das políticas de PSDB e PT, ambas generosas com os banqueiros: "Lula
ou Alckmin é a mesma coisa. Os dois são conservadores."(Folha de São Paulo, 13.08.06).
"Juro alto transfere mais renda para ricos"(Folha de São Paulo, 15.06.05).
Sucessivamente, governo pós governo, para onde vão(retornam) os diretores do Bacen?
"Passagem pelo governo alavanca carreira. Economistas e banqueiros saem do setor público para assumir
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cargos de destaque no mercado financeiro"(Folha de São Paulo. 22.08.04).
Em 2003, início do Governo Lula já sob confessa submissão ao império financeiro, o PT anui à revogação da
redação original do art. 192 da Constituição(EC nº 40/03), o qual apregoava controles cruciais, a exemplo da
limitação de juros, requisitos à investidura de diretores do Bacen, restrição à migração da poupança de
regiões pobres às mais ricas da nação, controle sobre o Banco Central, etc.
O Bacen, como agência reguladora do sistema bancário, deveria tutelar o interesse público, protegendo o
cidadão, consumidor dos serviços bancários.
Quais os normativos no Bacen em prol dos consumidores de serviços bancários?
Resoluções 2.747/00, 2.878/01 e 2.892/01.
Examinando seu conteúdo, afora pífios direitos, a exemplo do fornecimento gratuito de um talão de cheques
e cartão magnético, as disposições são tímidas e parciais reproduções de textos legais, a exemplo do
Código do Consumidor, Estatuto do Idoso, tutela dos portadores de necessidades especiais(v.g., Lei nº
10.098/00), etc.
Matérias fundamentais, a exemplo da demora(fila) no atendimento bancário(certificado pelo STF que até os
municípios podem normatizar a respeito: Rec. Extr. Nº 432789), segurança contra roubos que vitimam
clientes e empregados(obrigatoriedade de porta com detector de metais, etc.), limitação contra tarifas
abusivas/explosivas(em 2006, os bancos arrecadaram mais de R$ 52,8 bilhões em tarifas, a exemplo da
manutenção de conta corrente, extratos, saques, compensação de cheques, etc., contra R$ 6,3 bilhões em
1994 - cálculo da consultoria Austin Ratings baseado nos balanços apresentados pelos bancos ao Bacen Diário Caterinense, 28.03.07 - no total, são cobradas dos clientes 74 espécies de tarifas pelos bancos, Folha
de São Paulo, 16.09.07; constrangido, o Conselho Monetário Nacional, Resoluções do Banco Central nº
3.516/07 e 3.518/07, anunciou limites as tarifas; pífios, todavia), proteção ao crédito, credibilidade do
cheque, cártula hoje desmoralizada dada a irresponsabilidade dos bancos na concessão do documento a
caloteiros reincidentes, etc., nada, absolutamente nada!
Sequer ISS aos municípios os bancos estão obrigados a tributar(STF, Rel. Min. Carlos Velloso, Rec. Extr.
361829/RJ, 13.12.2005).
O lucro dos bancos - é óbvio! - sacrossantamente privatizado, consoante mandamento do deus mercado,
remanesce intocável por qualquer destinação social.
E se advir a desventura do prejuízo ao banqueiro? Sem "streptus"! o Estado cobre o passivo!
Clássico caso do Proer, programa que injetou cerca de R$ 24 bilhões do erário em bancos
quebrados(Econômico, Nacional, Bamerindus, etc.).
Completados 13 anos do Proer, a União tem a receber R$ 24 milhões de três bancos, Nacional, Econômico
e Mercantil de Pernambuco. À época, Pedro Malan, então Ministro da Fazenda, afirmou que os cofres
públicos não teriam prejuízo(Folha de São Paulo, 22.09.08).
Verdade que não é apenas no Brasil.
A crise financeira dos EUA, reverberando também na Europa e no mundo todo, das maiores da história mais vultosa após o 'crash' dos anos 30, relativamente à generalizada inadimplência dos financiamentos
imobiliários, levou ao socorro do erário aos bancos: 1)Inglaterra: BC inglês injetou US$ 100 bilhões,
garantindo os depósitos do Northem Rock, estatizado pelo governo britânico após a crise; no total, o
governo inglês disponibilizou US$ 857 bilhões à salvaguarda do sistema financeiro(v.g., estatização
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doBradford & Bongley, etc); 2) BC americano injetou US$ 200 bilhões em prol da Fannie Mae e da Freddie
Mac(gigantes do mercado de imóveis, as quais adquirem dos bancos seus empréstimos hipotecários,
transformando-os em títulos, negociando-os no mercado de capitais); no total, o aporte de dinheiro público
nos EUA chega a US$ 1,5 trilhão, cerca de 10% do PIB; 3)BC europeu injetou 211 bilhões de euros;
4)estatizações também na Bélgica(Dexia e Fortis), Holanda(Fortis), Luxemburgo(Fortis), Alemanha(Hypo
Real State), Islânca(Glitnir e Landsbankio) - Folha de São Paulo, 22.04.08, 08.09.08, 18.09.08, 09.10.08).
A persecução aos crimes contra o sistema financeiro está oceanicamente aquém dos delitos perpetrados
qüotidianamente.
A Justiça não é republicana, obsequiando o colarinho branco com órgãos especiais de julgamento e, tanto
ou mais importante quanto, de acusação(vide tópico DO FORO PRIVILEGIADO).
Mesmo propagandeando maior eficiência na persecução(v.g., especialização da jurisdição), com freqüência,
na prática, são estabelecidos órgãos judiciários pautados muito mais pela vaidade das autoridades que as
propõem(destaque na mídia), panacéias sabidamente falsas aos problemas estruturais da recorrente
impunidade, redundando por atropelar o devido processo legal, ensejando prejuízo tanto à Defesa,
notadamente dos "bagrinhos" de roldão confundidos com o colarinho branco(v.g., mutuário agricultor familiar
que não teria aplicado o pequeno empréstimo no seu cultivo - art. 20 da lei nº 7.492/86), quanto à Acusação,
defesa social, desarmadas as autoridades do "locus delicti" do poder de persecução.
Exemplo clássico disso são as chamadas varas - "rectius", foros privilegiados em 1ª instancia, eis que
desaforaram processos de outros juízos, subtraindo-os do interior às capitais - especializadas em crimes
contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e crime organizado no âmbito da Justiça Federal.
Na verdade, esses juízos apuram e julgam o que bem entenderem, eis que competentes a todos os delitos
vinculados por conexão ou continência, ampliado "ad infinitum" pelo conceito indeterminado de crime
organizado(qualquer um de pena a partir de 4 anos de prisão como sanção máxima, mediante quadrilha Decreto 5.015/04).
Sabido que, "a priori", em sede de investigação, incluindo a própria denúncia('in dubio pro societate'), pode
facilmente ser enunciado delito dessa ampla e infindável gama, esses juízos avocam a apuração ao seu
bel-prazer, vilipendiando o devido processo legal(juiz e promotor natural, etc.), surrupiando das autoridades
do "locus delicti" a apuração, desarmando a defesa social, atropelando garantias individuais dos implicados.
Vilipêndio ao princípio da oralidade processual(imediatidade, identidade física do juiz, concentração).
Abstraçao, terceirização da jurisdição, instrução mediante precatórias ao Juízo do "locus delicti", aonde o
Juiz que julgará, o Parquet que acusou e o próprio Advogado que defende(seguidamente dativo, nomeado
pelo Juízo deprecante) jamais sequer verão o imputado.
Buscando preservar autoridades judiciárias vitimadas pela violência dos criminosos(v.g., Colômbia,
assassinatos de magistrados pelo narcotráfico), foi criada a figura do "Juiz sem rosto", processo no qual não
fica consignada a identidade do julgador. No Brasil, essas varas especializadas criaram o "réu sem rosto",
ignorado pelas autoridades(juiz, MP, etc.). "Negro cumpre pena no lugar de homônimo branco"(sítio Terra,
acesso em 25.08.06).
Na prática, para não deixarem ao abandono a defesa social, as autoridades locais instituem o 'abolitio
criminis' terriorial, ou seja, promovem a persecução do crime originário(v.g., corrupção, estelionato,
sonegação, roubo, etc.), ignorando a intercorrência dos delitos que implicariam o desaforamento(quadrilha,
lavagem, delito contra o sistema financeiro).
Verdade a vultosa persecução na "vara especializada" de Curitiba(PR), perante a qual atuou a "Força-tarefa
CC5"(adiante, vide "modus operandi" CC5, notadamente a lavanderia de Foz do Iguaçú-PR), entre outros,
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oficando os Procuradores da República Carlos Fernando dos Santos Lima, Deltan Martinazzo Dallagnol,
Januário Paludo, João Francisco, João Vicente, Marcelo Mota, Márcio Barra Lima, Orlando Martello Júnior,
Robson Martins, Rodrigo Poerson, Vladimir Aras, etc.
Síntese da persecução: a)16 acordos de colaboração escritos(21 colaboradores) implicando reversão direta
em favor do Estado de R$ 27,46 milhões; b)aproximadamente R$ 333,5 milhões em bloqueios no Brasil;
c)aproximadamente R$ 34,6 milhões em bloqueios no exterior; d)1,94 bilhão de reais em resultados de
ações fiscais decorrentes do trabalho; e)mais de 200 pedidos de cooperação internacional desde 2004(em
número que, segundo o Ministério da Justiça-DRCI, supera o número de solicitações do resto do país como
um todo); f)mais de 1.170 contas no exterior investigadas; g)631 denunciados em uma centena de ações
penais propostas em casos de alta complexidade; h)denúncias envolvendo valores totalizados de US$ 27,5
milhões mais R$ 40,1 milhões; i)formação de uma base de dados com 1,9 milhão de registros
correspondentes a movimentação superior a US$ 105 bilhões; j)instauração de milhares de inquéritos
policiais no Brasil todo, etc.
Exemplificando, o Jornalista Josias de Souza, 04.08.07, 'verbis':
"Brasil traz de volta dólar desviado para os EUA
Um acordo inédito permitirá ao Brasil trazer de volta parte dos recursos remetidos por doleiros, ilegalmente,
para os EUA. Graças a um trabalho conjunto de procuradores brasileiros e promotores norte-americanos,
bloquearam-se US$ 20,5 milhões em 35 contas abertas no Merchants Bank, de Nova York. Parte desse
dinheiro, algo como US$ 5,766 milhões (ou R$ 13,7 milhões) virá para os cofres do Tesouro do Brasil.
Não se trata de uma repatriação clássica, mas de uma repartição de verbas ilícitas entre os governos
norte-americano e brasileiro. Algo que jamais havia ocorrido antes. Deu-se o seguinte:
1. O Departamento de Segurança Interno de New Jersey (DHS, na sigla em inglês) mapeou e bloqueou 35
contas abertas no Merchants Bank. Juntas, somam US$ 20,5 milhões. Simultaneamente, o Ministério
Público Federal protocolou na Justiça brasileira 31 ações penais contra os doleiros, titulares das contas. O
grosso das ações corre no Paraná, origem da investigação. Levaram-se aos autos documentos trazidos dos
EUA (aberturas de contas, extratos e ordens de transferência bancária);
2. Os donos de 14 das 35 contas bloqueadas desistiram de reclamar o dinheiro. Cerca de US$ 3,145
milhões. A grana foi declarada "perdida". Deveria ser revertida aos cofres do governo dos EUA. Porém,
mercê da colaboração dos procuradores brasileiros, o DHS se dispôs a dividir os recursos com o Brasil.
Acionado, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos) do Ministério da Justiça já remeteu aos EUA
ofício candidatando-se à divisão. A expectativa do Ministério Público é a de o Brasil receberá US$ 1,572
milhão, 50% do total;
3. Restaram outros US$ 17,3 milhões, em 21 contas. Os promotores de New Jersey desinteressaram-se
pelo caso. E o DHS procurou Adam Kaufman, promotor de Nova York. Velho conhecido dos procuradores
brasileiros, com quem já estabeleceu várias parcerias, Kaufman farejou a possibilidade de recuperar o
dinheiro. Reuniu-se com procuradores brasileiros, lotados no Paraná. E ingressou com ações na Justiça dos
EUA. Logrou manter o bloqueio das contas.
4. Emparedados no Brasil pelas ações do Ministério Público, um grupo de doleiros desistiu de impugnar o
bloqueio judicial obtido por Adam Kaufman, em Nova York. A desistência levou ao confisco definitivo de mais
US$ 4,8 milhões. O Departamento de Recuperação de Ativos do ministério da Justiça prepara novo ofício às
autoridades norte-americanas candidatando-se, de novo, a receber a parte que cabe ao Brasil. Neste caso,
a divisão deve se dar em três partes iguais: um naco relativo à participação da DHS; outro referente às
iniciativas de Kaufman e uma terça parte do bolo (cerca de US$ 1,6 milhão) para o Brasil, como prêmio pela
cooperação.
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5. Sobraram US$ 12,5 milhões. Embora bloqueados, foram objeto de impugnação dos doleiros brasileiros.
Caso a lei prevaleça sobre os lavadores de dinheiro, a divisão será feita, de novo, em três partes: DHS,
promotoria de NY e Brasil. Mais US$ 4,16 milhões para o tesouro nacional.
Embora os valores já recuperados ou em fase de recuperação não são expressivos, há muito a festejar: "No
meu entender, já conseguimos uma grande vitória, seja em virtude do resultado obtido * o perdimento de
parte dos valores apreendidos no exterior -, seja pelo aperfeiçoamento dos canais de cooperação
internacional, situação que somente foi possível com a sensibilidade do Judiciário Federal e ajuda do DRCI",
comemora o procurador da República Orlando Martello, do Paraná, um dos agentes públicos envolvidos na
operação.
O Procurador Vladimir Aras elenca a razões da exitosa persecução: a)disponibilização de pessoal
qualificado e em número suficiente para apoio à Força-Tarefa; b)aquisição de equipamentos e softwares de
investigação; c)conjugação de esforços de membros de todas as esferas do Parquet Federal(1º, 2º graus,
bem assim junto ao STJ e STF); d)apoio efetivo da Procuradoria-Geral da República; e)concentração da
persecução em fatos relevantes, com clara utilização dos critérios de oportunidade; f)formação de banco de
dados gigantesco para retroalimentar a investigação; g)seguimento de trilhas no exterior, com a formação de
uma árvore genealógica de contas e subcontas de doleiros; h)aplicação intensa de técnicas especiais de
investigação, especialmente a delação premiada com pagamento de pesadas multas já previstas como
condição do acordo; i)efetiva coordenação com a Polícia Federal, a Receita Federal e o Banco Central;
j)diuturna cooperação internacional com agências norte-americanas(DHS/ICE e DA/NY, principalmente),
com contatos e intercâmbio de informação quase diário e direto; k) alocação de espaço físico específico para
o funcionamento da Força-Tarefa em modelo realmente colegiado; l)foco no bloqueio e congelamento de
ativos aqui e no exterior.
Portanto, o sucesso da persecução não se deveu à "especialização"(desforamento), sim à
mobilização(Polícia Federal, Ministério Público, Justiça Federal, infra-estrutura operacional, etc.), de forma
que, disponibilizados esses instrumentos no "locus delicti", in casu, Foz do Iguaçu(PR), o resultado seria
igualmente exitoso. Além disso, muitos atropelos ao devido processo legal, garantias individuais, foram
consumados.
Mais! Nos demais Estados(v.g,, SC, exemplar repressão à lavagem/evasão de divisas mediante "dólar-cabo"
levado a efeito em Blumenau pelo Procurador da República Brandão Neto, desaforada a Florianópolis,
soçobra na impunidade, etc.), regra geral, a delinqüência do interior, persecução deslocada à capital,
remanesce intocada.
Prova cabal do desvio desses desaforamentos às capitais, é que, em nenhum Estado da federação, sabido
que o delito de lavagem(competência definida pelo crime antecedente, originador do dinheiro lavado) e o
crime organizado, na sua quase totalidade, competem à Justiça Estadual, foram "especializadas varas" a
exemplo da Justiça Federal.
Sem enfrentar o desaforamento dos foros interioranos ao da capital, caso concreto de deslocamento da
persecução de uma vara da capital à especializada, o STF, órgão plenário, por larga maioria, declarou
constitucional a especialização(Rel. Min. Cármen Lúcia, HC 88660/CE, 15.08.08, Inf. do STF nº 506).
Abordagem mais detida desses órgãos de exceção, vide tópico DA JURISDIÇÃO.
Razão fundamental da defecççao na persecução está no Banco Central, órgão responsável pela fiscalização
e apuração administrativa das ocorrências.
De um lado, o corpo de fiscalização é diminuto, sem a mínima condição de fazer face ao controle. Em suma,
já que o fiscal descobre o crime, extinga-se o primeiro para jamais aparecer o segundo.
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De outra banda, a cúpula do Banco Central, enpedernidamente, recalcitra em representar ao Ministério
Público. Processos administrativos protraem-se por mais de década, tibetanamente cultivando a impunidade.
Sobre essa realidade, vide a obra acadêmica O Controle Penal dos Crimes Contra o Sistema Financeiro
Nacional, Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Subprocuradora-Geral da República, Editora Del Rey, 1998.
Vide, também, o tópico DA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL.
Atendendo recomendação do Parquet Federal, o Presidente do Bacen editou normativo fixando prazo
razoável à comunicação dos delitos, 60 dias, cingindo a análise aos aspectos objetivos da conduta, sem
adentrar no subjetivo do agente autor do fato(dolo), matéria afeta ao 'dominus litis'(Portaria nº 43.834,
01.04.08)
O Banco Central é independente de tudo, notadamente da lei e do bem.
Atendendo resolução da ONU, no Brasil, desde 30.11.99(Decreto Presidencial nº 3.267), reiterado pelo
Decreto 3.755, de 19.02.01, havia determinação ao bloqueio de eventuais ativos bancários titulados pelo
Talibã, Osama Bin Laden e outros.
Foi cumprido pelo Banco Central?
Claro que sim. Após o morticínio de 11.09.01 do World Trade Center nos EUA(NY)!
Absurdamente, o Bacen jamais impôs cadastro nacional de contas bancárias. Providência simples tanto sob
a ótica jurídica, notória sua competência normativa, poder de obrigar os bancos fornecerem os dados que
determinar(art. 37 da Lei nº 4.595/64), como operacional, sabida a plena informatização do sistema
financeiro pátrio.
O rastreamento de ativos bancários agonizou na pré-história. Determinada quebra de sigilo, busca de ativos,
a ordem judicial era enviada ao Bacen que a retransmitia às centenas("sic") de instituições financeiras, as
quais reportam-se, individualmente, ao juízo.
Afora o aberrante tempo e custo, não há qualquer segurança, vez que, dolosa ou culposamente, negado
pelo banco a existência de valores,. inexiste instrumento de detecção da inverdade.
Não apenas a persecução criminal soçobra. Sucessores de pessoas falecidas, ignorando a existência de
recursos do "de cujos", também restam privados de seus direitos.
Precisou do Congresso Nacional votar a Lei nº 10.701, de 09.07.03, impondo o cadastro.
Apenas dois após a vigência, em agosto/05, o Bacen implementou a medida(Circular Bacen nº 3.287/05).
Providência de simplicidade constrangedora, sabido que os bancos têm todos esses dados
informatizados(nome do correntista e eventual procurador, CPF/CNPJ, agência, nº da conta, etc.), bastando
o Bacen requisitá-los e armazená-los.
Embora simples, o Bacen conseguiu a proeza de gastar mais de R$ 20 milhões do erário nesse cadastro.
Em 2006, segundo dados do Bacen, somadas todas as instituições financeiras, o Brasil fechou com 59,5
milhões de contas correntes e 76,8 milhões de poupança(Folha de São Paulo, 15.06.07).
Prova cabal da passividade do BACEN é a megalavagem via contas CC5(Foz do Iguaçu/PR - tríplice
fronteira em Brasil, Paraguai e Argentina), por onde foram expatriados/lavados via EUA, entre 1996/03, US$
20 bilhões("sic" - "64 doleiros remeteram par o exterior US$ 20 bi em 8 anos - Valor apurado pelo Ministério
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Público foi obtido com ajuda da Justiça dos EUA", Folha de São Paulo, 04.06.06, retratando persecução
desenvolvida pela Força-Tarefa CC5, Ministério Público Federal e Polícia Federal, atuante em Curitiba-PR),
também objeto da CPI?s dos Bancos(Sistema Financeiro), Evasão de Divisas(Banestado).
O Banestado - Banco do Estado do PR -, com agências em Nova Iorque e Grand Cayman foi o grande canal
da lavagem.
Com 70 anos de história, o Banestado chegou a 400 agências, 500 postos, com mais de 15 mil servidores,
contribuindo com a economia daquela unidade da federação. No Governo Jaime Lerner(1995/02), desabou
de um lucro de R$ 400 milhões em 1994 a um prejuízo de R$ 1,7 bilhão em 1998, recebendo aporte de
dinheiro público federal no montante de R$ 5,6 bilhões, logo em seguida privatizado, vendido ao Banco Itaú
por R$ 1,6 bilhão, ainda herdando o erário paranaense dívida de R$ 19 bilhões a ser paga, parcelada e
corrigidamente, até o ano de 2029(vide "Histórias sobre Corrupção e Ganância", Jornalista Wilson J. Gasino,
Feller Editora, retratando a CPI Estadual do Banestado na Assembléia Legilativa do PR).
Na verdade, defenestraram o Banestado pois interessava aos Governos Estadual do PR e do Brasil de
então enterrar o corpus delicti da bilionária falcatrua, sabido que lavada pecúnia da alta corrupção do Estdo
Brasileiro.
As contas CC5 - orginárias da Carta Circular nº 5, de 27.02.69, do Banco Central - tinham por objetivo
originário o registro da entrada e saída de ativos pertencentes a pessoas(físicas e jurídicas) com domicílio
no exterior.
Portanto, seriam utilizadas caracteristicamente para remessa de lucros de multinacionais às suas sedes, etc.
Na prática, entretanto, passou a ser um canal destinado a toda sorte de operações. Mercê da leniência do
Bacen, leito impune à lavagem.
De sua parte, repetitivamente, a legislação sempre foi rígida quanto à imposição ao Banco Central
representar ao Ministério Público e Receita Federal havendo indícios de ilícitos(v.g. art. 4º, §2º, da Lei nº
4.728/65; art. 28 da Lei nº 6.358/76; art. 28 da Lei nº 7.492/86; art. 65 da Lei nº 9.069/95; Lei 9.613/98).
Exemplificativamente, Lei ainda de 1965, "verbis":
"Quando, no exercício de suas atribuições, o Banco Central tomar conhecimento de crime definido em lei
como de ação pública, oficiará ao Ministério Público para instalação de inquérito policial"(art. 4º, §2º, da Lei
nº 4,728/65).
O Regulamento do Imposto de Renda, ainda anterior e sempre em vigência, "verbis":
"Art. 934. O Banco Central do Brasil não autorizará qualquer remessa de rendimentos para fora do País,
sem a prova de pagamento do imposto(Decreto-Lei nº 5.844/43, art. 125, parágrafo único, ?c?, e Lei nº
4.595/64, art. 57, parágrafo único)."
Diariamente(Resolução Conselho Monetário Nacional nº 1.946/92; Circular Bacen nº 2.242/92; Circular
Bacen 2.409/94, etc.), os bancos que operam as CC5 informam ao Bacen 12(doze) dados sobre a
remessa(data, banco, praça, número, natureza da operação - v.g., remessa de lucros, pagamento de
empréstimo, etc. -, valor e identidade do remetente, país, banco e pessoa destinatários no exterior, etc.).
Notória a plena informatização do sistema financeiro, "on-line", o Banco Central pode solicitar e obter,
instantaneamente, toda sorte de informações compelementares sobre o remetente, disponibilizadas no
banco que acolheu os ativos expatriados(v.g., endereço, profissão, rendimento, etc. Resolução do Conselho
Monetário Nacional nº 2.025/93), sendo crime a falsidade de qualquer deles(Lei nº 8.383/91).
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Não obstante a extrema facilidade no monitoramento, o Banco Central jamais representou ao Ministério
Público e Receita Federal.
Representou atropelado pela CPI dos Precatórios, a qual, investigou a corrupção na emissão de títulos
públicos(Estado de SC e PE, Município de SP, etc.), autorizados emitir as letras para captar recursos ao
pagamento de dívidas judiciais, desviados, vendidos com aberrante deságio.
A própria permissão de operação das contas CC5 em Foz do Iguaçu foi ímproba, autorizadas pelo Bacen na
gestão de Gustavo Franco(ilícito certificado por condenação do Tribunal de Contas da União). A justificativa
econômica foi pela necessidade de serem otimizados mecanismos de reingresso, no Brasil, dos reais
usados no Paraguai, Ciudad del Este, pelos compristas(muambeiros, sacoleitos) brasileiros que lá acorrem
diariamente. Caso contrário, os comerciantes do Paraguai, não aceitando reais, exigiriam dólares, aumento
cotação da moeda americana no câmbio paralelo. Assim, foram outorgadas às instituições financeiras
paraguais que abrissem contas CC5 em bancos de Foz do Iguaçu, as quais seriam depositárias dos reais,
diariamente ingressados no Brasil transportados por carro forte.
Ora, óbvio que mais contrabando que haja, inusitado que ele posssa afetar o câmbio. Segundo, o
repatriamento, via caminhão, de moeda, no mínimo, é pré-histórico. Claro está que poderia ter sido
autorizado ao Banco do Brasil, agências no próprio Paraguai(Ciudad del Este) que ele lá mesmo fizesse o
câmbio. Coroando a ópera bufa, pretextando assegurar que as CC5 das finaceiras paraguaias em bancos
brasileiros receberiam apenas os reais advindos do Paraguai, na ponte da fronteira(Rio Paraná), seria aberto
o caminhão e conferido o dinheiro("sic' - Declaração de Porte de Valores à Receita Federal). Piada! Óbvio
que impossível, sabida a brutal criminalidade da região, trânsito frenético, etc., abrir caminhão para contar
fortuna em dinheiro. Coisa de filme, faroeste americano, séc. XIX, carroças(diligências) tracionadas a cavalo,
escoltadas por xerifes, transportando dinheiro ...
Na prática, pretextando ser dinheiro dos sacloeiros, toda espécie de dinheiro sujo trafegou pelas
CC5(corrupção, tráfico, sonegação fiscal, etc.).
Seguindo um córrego de lavagem de dinheiro dos títulos, quebrando sigilo bancário, a CPI desaguou em Foz
do Iguaçu(PR), autêntico oceano da lavagem.
Despertado pela CPI, o Bacen "acordou", enviando ao Ministério Público Federal casos esdrúxulos, óbvios,
de lavagem, dezenas de milhões de dólares expatriados em nome de "laranjas", vendedores ambulantes,
despossuídos.
Porque fartamente provada a prevaricação do Bacen, a Justiça Federal em Cascavel, determinou a quebra
de sigilo bancário de todas as remessas ao exterior, via CC5, entre jan/1992 a dez/1998, quebra depois
reiterada pela CPI dos Bancos(Sistema Financeiro).
No perído de 1992/98, abrangidos os envios de todo os Brasil, foram expatriadas pelas CC5 cerca US$ 124
bilhões.
Não obstante a expressiva parcela de remessa lícitas(v.g., lucros de multinacionais, capitais estrangeiros
especulativos, etc.), com a quebra do sigilo, o mar de lavagem sob os complacentes olhos do Banco Central
veio à luz.
Inúmeros bancos anões, a maioria sediados no RJ, sem capital(ativos), tampouco operações no mercado,
eram óbvios "laranjas", em nome próprio, remetendo bilhões ao exterior.
O Centrus, fundo de pensão dos servidores do próprio Bacen, cuja maior contribuição vem do erário,
expatriou aos borbotões via CC5.
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Quando da apuração sobre a fraudulenta quebra do Banco Santos, obra do seu titular, Edemar Cid Ferreira,
a Polícia Federal apreendeu diversos documentos na residência do banqueiro, entre eles, a contabilidade da
propina distribuída a gestores dos fundos de pensão estatais, os quais aplicavam naquele banco
quebrado(Folha de São Paulo, 11.12.05).
Ao Centrus, que perdera R$ 34 milhões no Banco Santos, constava R$ 260 mil de propina.
Matéria da posterior CPI dos Medicamentos demonstrou a aberrante remessa dos laboratórios
multinacionais, sempre via CC5, simulando pagamento das importações de insumos de suas sedes no
exterior, a preços amazonicamente superfaturados, disfarçando remessa de lucros(preços de transferência),
sonegando a tributação devida, etc.
Atropelado pelos escândalos(CPI's, quebras de sigilo determinadas pela Justiça Federal a pedido da
Procuradoria da República, etc.), Banco Central ao menos passando a teatralizar efetivo monitoramento, é
largamente incrementado o "dólar-cabo".
Em síntese, dólar-cabo é um sistema internacional, reundindo doleiros e/ou bancos, operando
clandestinamente, procedendo transações recíprocas sem registro oficial.
Tem mão dupla:
a)o doleiro recbe no Brasil depósito em reais de determinado cliente, imputando o débito de sua conta no
exterior de valor correspondente para o crédito em dólares em favor de tal cliente ou de pessoas por ele
indicada;
b)o doleiro recebe em sua conta no exterior depósito em dólares(direta ou indiretamente) por ordem de
determinado cliente, entregando no Brasil o correspondente crédito em reais.
Vale o detalhamento do "modus operandi" em denúncia subscrita pelos Procuradores da República Carlos
Fernando dos Santos Lima, Deltan Martinazzo Dallagnol, Januário Paludo, Orlando Martello Junior e
Vladiumir Aras, ajuizada perante a Justiça Federal em Curitiba, "verbis":
"No caso de não possuir o 'doleiro' disponibilidade externa suficiente naquela data específica, vale-se das
disponibilidades de um 'doleiro' parceiro, recompensando-o em reais ou mesmo em dólares num momento
posterior(mercado paralelo de compensações e trocas de posições em dólar). Se essa conta de destino dos
recursos for dentro do mesmo país onde o 'doleiro' tem sua conta, a operção será uma transferência
doméstica, um cabo doméstico('domestic wire transfer' ou 'domestic wire payment'). Se a conta destino for
um país diverso do da origem, as transferências serão internacionais('in'l wire transfer'), sendo 'incoming
wire' no crédito e 'outgoing wire' no débito. Num sentido inverso, quando o 'doleiro' fecha um negócio de
compra de moeda estrangeira por cabo, p. ex., dólar, ele indica para o fornecedor dos dólares(seja uma
empresa de remessa internacional de recursos, um outro 'doleiro' de seu conhecimento ou alguma pessoa
de sua confiança), em qual conta sua receberá o cabo('incoming wire'), simultanemanete entregando reais
que detém no Brasil para o fornecedor, no câmbio combinado, seja fisicamente('cash') ou através de um
cheque ou depósito na conta indicada pelo cliente. Outro modo de atuação dos 'doleiros' é como banco de
compensações('clearance'), realizando operações casadas de compra e venda. aproveitando-se do fato de
que em muitos momentos há no mercado compradores e vendedores de dólares pretendendo realizar
operações de dólar-cabo. Dificultando ou impedindo qualquer rastreamento, o 'doleiro' como banco de
compensações satisfaz simultaneamente os dosi pólos, indicando simultaneamente ao tomador de dólares
que pretende receber recursos no exterior, as contas em que o fornecedor de dólares, deseja seja creditado
no Brasil, e ao fornecedor de dólares, as contas no exterior do tomador, que deverão ser beneficiárias de
créditos a cabo('incoming wire'), além da conta para depósito de sua parte('spread'), que receberá como
intermediário. Essa espécie de operação ganha maior complexidade quando dois 'doleiros' estão envolvidos
na negociação, casos em que freqüentemente há cobertura de posições, empréstimo de recursos e
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compensações entre os 'doleiros'. Na maior parte dos casos, o 'doleiro' possui um gerente de
confiança('private banking': gerentes de grandes clientes), que atende suas ordens, realizando as
transações financeiras determinadas, mediante transferências domésticas ou internacionais operadas
através do sistema 'swift' ou outro"("apud", Luciano Feldens e Andrei Zenkner, p. 223, obra adiante
recomendada)
Caso do banqueiro Daniel Dantas('Opportunity'): 1)pessoas físicas e jurídicas no Brasil enviavam recursos
para o 'Oppoortunity Fund', illhas Cayman, por meio do sistema dólar-cabo; 2)o fundo reinvestia no Brasil
através de outro fundo, o 'Opportunity Luxor', que tem apenas um cotista, ou da empresa IMI(International
Markets Investiments); 3)a rentabilidade dos investimentos era paga aos cotistas no exterior. Além de
ocultarem os recursos de autoridades brasilieras, eles não recolhiam os impostos devidos(Folha de São
Paulo, 03.08.09).
"Modus operandi" esse, que asfixia a persecução penal, sucumbindo a materialidade, eis que o o "
mecanismo usa apenas o telefone e a internet e não deixa vestígios"(Folha de São Paulo, 09.05.03,
retratando persecução empreendida em Blumenau-SC, Procurador da República João Brandão Néto).
Há, também, o 'modus operandi' das empresas exportadoras fantasmas: importadoras e exportadoras são
abertas por doleiros e empresários em nome de laranjas; 2)essas empresas simulam contratos com
companhias estrangeiras que também não existem de fato; 3)com o documento de importação fictício, a
empresa vai até o banco e assina contrato de câmbio, enviando para o exterior dinheiro a pretexto de pagar
a importação(Folha de São Paulo, 21.12.09).
Delito contra o sistema financeiro dos mais notórios é a evasão de divisas, ou seja, enviar ou manter no
exterior dinheiro não delcarado à autoridade(art. 22 da Lei nº 7.492/86), bem assim a fraude camial, falsa
identidade na operação de câmbio(art. 21 da Lei nº 7.492/86).
O trânsito internacional de dinheiro é dinâmico, clicar de mause.
"A transferência interbancária pode ocorrer através das chaves SWIFT, que é um sistema interbancário
internacional(rede internacional) de segurança para transferências de fundos. SWIFT é uma sigla da Society
for Wordlwide Interbank Financial Telecomunication, que existe desde 1973 e é formada por bancos do
mundo inteiro, sendo uma sociedade cooperativa sem fins lucrativos, pertencente e administrada por bancos
que constituem seus membros. A rede SWIFT, uma rede de computadores, serve para que os bancos
troquem mensagens padronizadas, com segurança e rapidez, 24 horas por dia, sendo utilizada para
transferência de dinheiro entre bancos. As operações podem ser feitas não só pelo sistema SWIFT, mas por
outros, como o ABA(American Banker's Association), ou no ambiente FEDWIRE, sistema que serve para
que os bancos americanos façam pagamentos entre si mediante troca de reservas bancárias mantidas no
FED(Federal Reserve), o Banco Central americano."(Luciano Feldens e Andrei Zenkner, obra cit. p.224)
Crime rotineiro do alto escalão social, a exemplo do imputado aos ex-Prefeitos de SP Paulo Maluf e Celso
Pitta("Pela 1ª vez, Justiça repatria dinheiro atribuído a Pitta - Cerca de R$ 2,3 milhões, que estavam em
conta que seria do ex-prefeito de São Paulo, voltarão aos cofres da cidade" - Folha de são Paulo, 27.05.06),
etc.,
Igualmente, Duda Mendonça, publicitário que capitaneou a campanha eleitoral do Presidente Lula e outras
do Partido dos Trabalhadores, empolgando a tribuna da CPI dos Correios, confessando à nação que, em
2003, clandestinamente, recebeu cerca de R$ 10,5 milhões no conhecido paraíso fiscal das Ilhas Bahamas,
pagamento originário desse partido por serviços prestados por ocasião das eleições(Folha de São Paulo,
13.08.05).
Presidente do Bacen na gestão Lula, Henrique Meirelles, a quem o Governo do PT aquinhoou com o ridículo
"status" de ministro de estado para ungi-lo com o foro privilegiado, blindando investigação de seus desvios,
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foi um dos pró-homens precisamente do BankBoston, instituição que recepcionou o dinheiro do PT a Duda
Mendonça. Não apenas do publicitário. Inúmeros outros. Entre junho/98 e fevereiro/99, Meirelles expatriou
R$ 1,372 bilhão de terceiros(Folha de São Paulo, 11.11.06).
Impõe-se recomendar a notável monografia "O Crime de Evasão de Divisas - A Tutela Penal do Sistema
Financeiro Nacional na Perspectiva da Política Cambial Brasileira", Lumen Juris, 2006, Profs. Andrei
Zenkner, Advogado Criminalista, e Luciano Feldens, ex- Procurador da República, 'sponte propria' abdicado
do Ministério Público em prol dos Ministérios da Advocacia e Academia, autores de excelsas técnica e ética,
dissecando o tema, adentrando mediante precisão cirurgica tanto na tipicidade criminal quanto nos labirintos
da normatização cambial.
Em princípio, sendo a tutela da política cambial o bem jurídico protegido na criminalização da evasão de
divisas, urge entender seus fundamentos, bem assim a própria política monetária, contexto maior no qual
aquela(cambial) está inserida, tudo vazado pela retrospectiva histórica, decisiva à correta hermenêutica do
tipo incriminador, editado já há 20 anos.
Notoriamente, o câmbio é crucial na economia(v.g., cotação do real vs. dólar, afetando diretamente a
rentabilidade e competitividade das exportações, intensidade das importações, nível de emprego, etc. - '
Importação tira quase 2 pontos do PIB. Crescimento de 2,8% previsto para 2006 poderia chegar a 4,5%;
expansão potencial é transferida a países que exportam ao Brasil' - Folha de São Paulo, 04.02.07).
Nesse sentido, corriqueira a intervenção do Banco Central no mercado, comprando ou vendendo dólar,
visando ajustar o câmbio à política econômica.
Apenas no 1º semestre de 2006, nessas operações do Bacen da compra de dólares visando obstar a queda
da moeda norte-americana, o erário registrou prejuízo de R$ 3,8 bilhões(Folha de São Paulo, 30.08.06).
Entre janiero/2004 e maio/2007, o Banco Central comprou US$ 108,60 bilhões no mercado, gastando, para
isso, R$ 238,95 bilhões. Isso equivale à cotação média de R$ 2,20 ao dólar. Pela cotação atual, de R$ 1,90,
equivaleria a uma perda de R$ 32,6 bilhões em todo o período(Folha de São Paulo 10.07.07).
Desvalorização cambial essa, catapultada pelo próprio governo, estimulando o "investimento
estrangeiro"(dinheiro, em grande parte, dos próprios brasileiros que os mantêm clandestinamente no
exterior; inversões especulativas no Brasil, capital sem vínculo com a produção), mediante altas taxas de
juros pelos títulos públicos e isenção do imposto de renda. Em 2006, o ingresso desses dólares somou R$
9,2 bilhões(Folha de São Paulo, 15.01.07)
A política monetária pode ser definida como o controle da oferta da moeda, bem como das taxas de juros de
curto prazo(obra cit., p.11).
Os instrumentos clássicos de controle monetário são:
a)depósito compulsório(percentual incidente sobre os depósitos captados pelos bancos comerciais
colocados à disposição do Bacen);
b)o redesconto ou empréstimo de liquidez(socorro oferecido pelo Bacen aos bancos comerciais para atender
às suas necessidades momentâneas de caixa, diante de um aumento mais acentuado de demanda por
recursos de seus depositantes);
c)as operações de mercado aberto(open market): operações fundamentadas por meio da compra e venda
de títulos da dívida pública no mercado, processadas pelo Bacen na qualidade de agente monetário do
governo. Acima, vide explicação dessa intervenção do Banco Central(taxa selic, etc.),
Por seu turno, a política cambial está baseada, essencialmente, na administração da taxa de câmbio e no
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controle das operações de compra e venda de moeda estrangeira, das transferências internacionais em
reais e das operações envolvendo o ouro-instrumento cambial.
A expatriação e ingresso de recursos sempre esteve submetido à obrigatoriedade de registro no Banco
Central(Bacen).
Ainda em 1920, a Lei nº atribuia ao Poder Executivo(Ministro da Fazenda) o poder de "exigir provas de que
as operações de compra e venda de cambiais são reais e legítimas, proibindo-as em caso contrário."
O Decreto nº 23.258/33, outorgado por Getúlio Vargas, estabelecia "... prévia autorização da fiscalização
bancária ...? às operações internacionais.
Também de Getúlio, vigora o monopólio do Bacen em manter reservas em moeda estrangeira e a cobertura
cambial, ou seja, obrigatoriedade dos exportadores, em dado prazo, venderem suas divisas em moeda
estrangeira para o governo, ensejando que o Bacen a disponibilize aos importadores.
Todavia, esse monopólio das reservas pelo Banco Central, na prática, inexiste. É livre a aquisição de moeda
estrangeira, exigido apenas o registro da operação em instituição financeira autorizada operar no mercado
de câmbio(art. 10 da Resolução Bacen nº 3.265/05).
Apesar da vetusta lei, início do século passado - apenas agora, em 2006, alterada pela Medida Provisória nº
315/06(Lei 11.371/06) -, a política cambial brasileira passou por inúmeras vicissitudes, sempre balizadas
pelos normativos infralegais do Banco Central, os quais, na prática, a despeito da Constituição e da lei,
dispõem livremente.
Nas diversas políticas, a existência de ágio entre o câmbio oficial(identificados comprador e vendedor
perante o Bacen, obediência à cotação fixada pelo Banco Central, etc.) e o paralelo(clandestino) - que, em
1991, atingiu cerca de 160%! - sempre foi estimulante à fraudes cambiais(obra cit., p. 57).
Na década de 60(edição da Carta-Circular nº 5 do Banco Central), o Governo João Goulart sinalizava o
controle da remessa de lucros pelas multinacionais em atividade no Brasil. Assim, o capital estrangeiro teve
mais razões a apoiar o golpe militar de 1964. Agora, os tempos são outros. Liberdade(libertinagem) total. Em
2002, o envio de dividendos do capital estrangeiro foi de US$ 5,1 bilhões. Em 2006, mais de US$ 16
bilhões(Folha de São Paulo, 25.12.06).
No anos 80, tivemos o cãmbio de taxas flutuantes(vulgar 'dólar-turismo'), assentado em quatro
fundamentos(Resolução Bacen 1.552/88): a)a cotação da moeda estrangeira flutuaria conforme a sua oferta
e a sua procura, sem intervenção direta do Bacen e em termos somelhantes ao que ocorria no câmbio
paralelo; b)ao contrário do câmbio paralelo, contudo, todas as operações cambiais seriam relizadas em
instituições credenciadas previamente pelo Bacen e, diariamente, registradas no Sistema de Informações do
Banco Central(SISBACEN); c)os limites para cada tipo de operação, embora continuassem presentes, foram
ampliados a US$ 4 mil para o turismo e US$ 8 mil a compras pelo cartão de crédito; d)os agentes que
houvessem adquirido moeda estrangeira no mercado paralelo poderiam vender essa moeda,
independentemente de identificação, às instituições financeiras credenciadas(obra cit., p.58).
Em síntese, nessa década de 80, o regime cambial brasileiro dividia-se: a)câmbio oficial, cotação
diretamente controlada pelo Bacen e sujeito a imposições quanto à identificação da titularidade das
operações; b)câmbio de taxas flutuantes(dólar-turismo), cotação livremente estabelecida pelo mercado e
sem necessidade de declaração da identidade de quem vendia a moeda estrangeira à instituição
financeira(obra cit. p, 61).
Se a autoridade monetária prescinde de qualquer identificação em operação de câmbio, legitimando o
anonimato e, em conseqüência, o tráfico institucional do dinheiro de domínio inconfessável(lavagem), aonde
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subsistirá bem jurídico tutelável(art. 5º, "caput", da Constituição: isonomia) à punição de outros que
incorrerem em falsa identidade(art. 21 da Lei nº 7.492/86)?!
"Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio": onde existe a mesma razão fundamental prevalece idêntica
regra de direito.
Nesses anos 80, 1986, adveio a lei do colarinho branco, sendo que a infração, até então ensejadora apenas
de multa administrativa, foi criminalizada a evasão de recursos sem registro no Banco Central(art. 22,
§único, "in fine", da Lei nº 7.492/86).
O elemento normativo do tipo "... sem autorização legal ..?(art. 22, §único, da Lei nº 7.492) justifica-se
porque, à época de sua edição(1986), havia controle de capitais, ou seja, a expatriação de divisas por
residentes ou não no Brasil sofria condicionamentos(v.g., arts. 9º e 28 da Lei nº 4.131/62).
Todavia, a partir dos anos 90, na esteira do neoliberalismo, extinguiu-se qualquer limitação - autorização
prévia - às remessas, de sorte que o único requisito remanescente foi o registro no sistema financeiro oficial.
A China, o mais emergente dos países, mantém controle de capitais, salvaguardando suas finanças de
ataques especulativos(Folha de São Paulo, 26.07.05). No Brasil, os economistas da especulação tacham de
anacrônico, ruinoso o controle.
Em suma, expatriação de dinheiro/divisas é direito potestativo. sujeito apenas a registro, verificação "a
posteriori'.
A evasão é de moeda ou divisa. Divisas são as disponibilidades que um país - ou mesmo um
particular(pessoa física ou jurídica) - possui em moedas estrangeiras obtidas a partir de um negócio que lhe
dá orgiem(exportações, empréstimos de capítais, etc.). Sob tais circunstâncias, o termo divisa compreende
as próprias moedas estrngeiras e seus títulos imediatamente representativos, como letras de câmbio, ordens
de pagamento, cheques, cartas de crédito, saldos das agências bancárias no exterior, etc. ... O Ouro, antes
da CF/88, já era considerado como ativo financeiro ou instrumento cambial, conforme o disposto no Dec.-Lei
nº 581/69 e na Lei nº 4.393/94, sendo que a sua remessa irregular para o exterior configura o crime de
evasão de divisas ... Cheques sacados contra bancos nacionais integram o conceito de moeda para fins do
crime de evasão ... cheques sacados contra praças do exterior integram o conceito de divisas ...(vide
Luciano Feldens e Andrei Zenkner, obra cit. pp. 168/9).
Na década de 90(Resolução Bacen nº 1.690/90), substituição do câmbio oficial pelo de taxas livres("dólar
comercial").
Assim, passamos a ter o mercado de câmbio taxas flutuantes(MCTF - "dólar turismo") e o mercado de
câmbio taxas livres(MCTL - "dólar comercial"),sujeitos a cotações cambiais distintas. O objetivo do primeiro
era registrar o câmbio manual(em espécie ou "traveller's-cheks", normalmente operado por corretoras - art.
16 do Decreto nº 42.820/57) que se verificava em nosso País; o do segundo, registrar operações comerciais
internacionais por meio do câmbio sacado(compensação contábil ou de títulos, normalmente operado entre
bancos - obra cit., p.63)
Síntese do Governo Collor:
a)o Bacen não mais fixava taxa alguma. As taxas seriam determinada pelo livre jogo do mercado, isto é,
conforme as pressões da oferta e da demanda;
b)o Banco Central não mais se obrigaria a comprar e vender moeda estrangeira, ainda que mantendo o
direito de comprar e vender quando lhe aprouvesse, sem que qualquer banco se obrigasse a vender-lhe, a
não ser que interessasse, estando aí implícito que o Bacen respeitaria estritos limites de expansão
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monetária que ele próprio se impôs;
c)não existiriam mais os limites de posições compradas ou vendidas(quanto os bancos podem comprar ou
vender de moeda estrangeira).
d)a saída de capital estrngeiro investido no Brasil poderia ser livremente objeto de operação de câmbio,
devidamente controlada pelo Bacen, por meio de conta corrente de instituição financeira estrangeira aberta
em banco brasileiro credenciado a operar em câmbio de taxas flutuantes(obra cit., p. 64)
No Plano Real, Governo FHC, tivemos a figura das bandas cambiais, pelas quais o Bacen fixava faixa de
flutuação(paridades mínima e máxima do real diante do dólar), superada a qual promovia intervenções de
compra ou de venda no mercado de taxas livres(dólar comercial).
Imitando a Argentina(Plano Cavalo, "rectius", jegue, eis que quebrou aquele país: em 2001, no correr de 12
dias, teve 5 Presidentes da República), manteve a paridade dólar com o real, inundando o Brasil de
importações, quebrando a indústria nacional.
Do plano real, regulamentação em lei(reforçando o Decreto nº 23.258/33), "verbis':
"Art. 65. O ingresso no País e a saída do País, de moeda nacional e estrangeira serão processados
exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento bancário a perfeita
identificação do cliente ou do beneficiário.
§ 1º Excetua-se do disposto no caput deste artigo o porte, em espécie, dos valores:
I - quando em moeda nacional, até R$ 10.000,00 (dez mil reais);
II - quando em moeda estrangeira, o equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais);
III - quando comprovada a sua entrada no País ou sua saída do País, na forma prevista na
regulamentação pertinente.
§ 2º O Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes do Presidente da República, regulamentará o
disposto neste artigo, dispondo, inclusive, sobre os limites e as condições de ingresso no País e saída do
País da moeda nacional.
§ 3º A não observância do contido neste artigo, além das sanções penais previstas na legislação
específica, e após o devido processo legal, acarretará a perda do valor excedente dos limites referidos no §
1º deste artigo, em favor do Tesouro Nacional"(Lei nº 9.069/95).
A administração do câmbio sempre foi ferramenta vital dos países periféricos(emergentes, etc.) contra o
poder dos centrais(moeda hegemônica, EUA, dólar).
Vale ler o respeitado Economista Yoshiaki Nakano:
"Taxas de câmbio depreciadas e competitivas aumentam as exportações, geram emprego, aumento de
produtividade e aumento persistente do salário real. Vejamos duas experiências históricas, do Japão e da
China, analisadas por Ronald McKinnon. O Japão, para reconstruir o estoque de capital destruído era guerra
e reempregar seus trabalhadores, desvalorizou o iene e manteve fixo o câmbio em 350 ienes por dólar de
1951 a 1971 para que as exportações dessem início ao processo de crescimento. Nesse período, o
crescimento anual médio do PIB foi de 9,45% ao ano, a produtividade do trabalho aumentou 8,92% anuais, e
o salário, 10% ao ano. Nos EUA, nesse mesmo período, a produtividade do trabalho cresceu 4,5%, e o
salário, 2,5%. Da mesma forma, a China, para absorver milhões de trabalhadores desempregados ou
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subempregados, desvalorizou o câmbio de 5,5 yuans para 8,5 yuans por dólar e, em seguida, estabilizou a
taxa desde 1994. Desde então, até 2004, a produtividade do trabalho e o salário vêm crescendo à média
anual de 12,3% e cerca de 13%, respectivamente. Esses dados se comparam com os EUA, onde a
produtividade e os salários aumentam 2,7% e 3%, respectivamente. Vale lembar que, no caso do Japão, a
apreciação subseqüente do iene desembocou na deflação e na estagnação dos anos 90."(Folha de São
Paulo, 16.07.06).
Curioso que Yoshiaki Nakano é vinculado ao PSDB, ex-Secretário da Fazenda de SP no Governo Mario
Covas, e seu partido, no âmbito federal, fez precisamento o inverso.
A suicida paridade dólar-real afundou a nação no déficit comercial(muita importação, pouca exportação),
esvaziou suas reservas em dólar(valor disponível pelo Banco Central para garantir a liquidez das contas do
país), catapultada pela bancarrota da Russia, em 1999, o "tsunami" da especulação financeira mundial
atropelou o Brasil, presa dócil, indefesa(subalterno do capital especulativo, dinheiro de "motel", ingressa
como bem entender e sai do país quando quiser, no dia seguinte, etc.).
"A forceps", a partir de 1999, houve a desvalorização do dólar em face do real.
Foi extinto o sistema de bandas cambiais, retornando ao câmbio flutuante, cotação do dólar formada pelo
mercado, contemporizada por intervenções do Bacen visando remediar a volatilidade(variação brusca).
Política essa, seguida até a 1ª metade do Governo Lula, ou seja, o mercado de câmbio taxas
flutuantes(MCTF - "dólar turismo") e o mercado de câmbio taxas livres(MCTL - "dólar comercial"), sujeitos a
cotações cambiais distintas.
Em 2005, Resolução Bacen 3.265/05, regulamentada pela Circular nº 3.280/05, adveio a decantada 1ª
reforma cambial do Governo Lula. Note-se! Sempre por ato infralegal(resolução, circular, portaria .... ato
próprio dos porteiros, diria o Prof. Geraldo Ataliba).
Em síntese, essa reforma cambial unificou o mercado de câmbio(comercial).
Em 1999(Governo FHC), Resolução Bacen 2.588, já haviam sido unificadas as posições de câmbio dos
mercados de taxas livres e flutuantes: os bancos que operavam nos dois segmentos passaram a ter um
limite unificado equivalente à soma dos limites de ambos os segmentos, tanto na posição comprada quanto
na posição vendida. O registro de operações nos segmentos de taxas livres e taxas flutuantes no
SISBACEN(registro no Bacen), entretanto, permaneceu separado, situação essa que perdurou até
2005(Governo Lula), com a edição do RMCCI(Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais
Internacionais - Circular Bacen nº 3.280/05), o qual regula três segmentos: mercado de câmbio, capitais
brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no Brasil(Luciano Feldens e Andrei Zenkner, obra cit. p. 63).
Explicitando a reforma de 2005, nota oficial do Bacen, depois de anunciar a fusão do câmbio turismo e
comercial, declara, "verbis":
"5)Também por força da unificação de mercados, as transferências de moeda estrangeira ao exterior por
meio das contas de instituições financeiras não-residentes(CC5) deixam de existir."
Ora, óbvio que CC5 nada tem a ver com cotação e/ou espécie de câmbio. Simples registro de ingresso e
saída de valores dos domiciliados no exterior(acima, vide explicação sobre CC5).
Posteriormente, o Diretor da Área Internacional do Bacen, Alexandre Schawartsman, retratando-se da nota
oficial, asseverou que as CC5 continuriam existindo.
Nesta reforma cambial, o Banco Central decantou que a partir de então a remessa de dinheiro para o
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exterior, via contas CC5, não mais poderia ser feita em nome de terceiros(art. 28 da Resolução Bacen nº
3.265/05).
Em suma, o Bacen asseverou que doravante não mais aceitará "laranjas"(financeiras enviando dinheiro de
terceiros). Então, antes aceitava?
Em consonância com o Banco Central, Luciano Feldens e Andrei Zenkner Schmidt asseveram, "verbis":
"Durante a vigência das Circulares nº 2.242/92 e 2.677/96(ou seja, entre 07/10/1992 e 09/03/2005), as
contas de instituições financeiras comportavam depósitos em moedas nacional, não provenientes de anterior
operação de câmbio, que, por conta e ordem de terceiro que não o titular da conta, poderiam ser convertidos
em moeda estrangeira para envio ao exterior. Signfica dizer que, nesse período, não poderíamos falar em
crime de evasão de divisas sempre que o legítimo proprietário dos valores enviados ao exterior, após
operação de câmbio, fosse devidamente identificado segundo as normas administrativas que
regulamentavam tal operação."(obra citada, p. 219).
Os "testas-de-ferro" sempre foram ilegais! Já própria Carta Circular nº 5, de 27.02.1969(origem da expressão
CC5), vedava o trânsito de recuros de terceiros.
De que vale a secular exigência de expatriação apenas via sistema financeiro com respectiva identificação
do titular(v.g., Decreto nº 23.258/33, art. 65 da Lei nº 9.069/95) se admitido que, perante o Bacen,
terceiro(instituição financeira) registre(SISBACEN: sistema de informações do Banco Central, existente
desde 1992) como sua a remessa?!
Mesmo que a instituição financeira mantenha os registros dos autênticos titulares nas suas dependências,
estarão distantes do Banco Central, acessados apenas por esporádica e eventual auditoria(na prática,
inexistente).
Prova cabal da imunidade à fiscalização é o próprio Presidente do Bacen, Henrique Meirelles, o qual,
buscando esquivar-se da apuração de seus ilícitos perante o STF, pertinentes à época que comandou o
BankBoston, argumenta que não poderia ser quebrado o sigilo das remessas, pois isso implicaria devassar
a identidade de inúmeros expatriadores de rcursos. Em resumo, sequer o próprio Judiciário poderia acessar
os dados(Folha de São Paulo, 11.11.06 - vide Inq. 2206/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 10.11.06, Informativo
do STF nº 447 - caso análogo, vide STF, Inq. 2245/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, Inf. do STF nº 450).
Qual, então, a eficàcia das exaustivas imposições ao Bacen em representar ao Ministério Público e Receita
Federal havendo indícios de ilícitos(v.g. art. 4º, §2º, da Lei nº 4.728/65; art. 28 da Lei nº 6.358/76; art. 28 da
Lei nº 7.492/86; art. 65 da Lei nº 9.069/95; Lei 9.613/98)?!
Consoante explicitado na quebra de sigilo das CC5(acima, vide relato pertinente às instituições financeiras
ínfimas, a maioria sediadas no RJ, sem ativos, as quais assumiram a expatriação de fortunas), confessado
pelo próprio Bacen, dizendo regular envio em nome de terceiros, dezenas de bilhões de reais foram
remetidos ao exterior sem identificação, perante o Banco Central, do autêntico titular.
O próprio autor da reforma cambial(ato infralegal, CMN & Bacen), Presidente do Bacen Henrique Meirelles,
presidiu o BankBoston, instituição que, em nome próprio, entre junho/98 e fevereiro/99, expatriou mais de
R$ 2,5 bilhões de terceiros(Folha de São Paulo, 08.04.05 e 11.11.06).
Portanto, ele próprio, presentando o Estado Brasileiro, declarou que ele mesmo não cometeu delito algum.
Primor de auto-anistia! Inveja aos mais medievais poderes imperiais. Em desesperada salvaguarda da
persecução, o Governo Lula investiu-o com o foro privilegiado, esdrúxulo status de Ministro de Estado a
diretor de autarquia, administração indireta(Medida Provisória nº 207/04).
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Se era lícito aos bancos enviarem recursos de outros assumindo, junto ao Bacen, a titularidade, por que,
então, é delito idêntica prática operada pelos doleiros?!
Afinal, os doleiros, uma vez instados, também poderão declinar ao Banco Central, Justiça, etc., a identidade
dos autênticos titulares do dinheiro!
O Regulamento do Imposto de Renda, status de lei em sentido formal, "verbis":
"Art. 934. O Banco Central do Brasil não autorizará qualquer remessa de rendimentos para fora do País,
sem a prova de pagamento do imposto(Decreto-Lei nº 5.844/43, art. 125, parágrafo único, ?c?, e Lei nº
4.595/64, art. 57, parágrafo único)."
A terceirização do remetente(institucionalização do "laranja") fere de morte o bem jurídico protegido pelo tipo
incriminador do art. 22 da Lei nº 7.492/86, eis que a ciência do simples montante de divisas expatriadas, sem
identificação dos titulares, em hipótese alguma justificaria a sanção penal(vide tópico DA DOGMÁTICA - DA
DEFESA: "nulla lex(poenalis) sine necessitate" e "nulla necessitas sine injuria").
Ante e incisiva imposição do controle tributário(art. 934 do Regulamento do Imposto de Renda acima
transcrito), o Bacen esvazia a exigência, demitindo-se do ônus, indebitamente, mediante genérica e confusa
normatização, impingindo o encargo às instituições financeiras, "verbis":
"7. As operações de que trata este título devem ser realizadas com base em documentos que comprovem a
legalidade e a fundamentação econômica da operação, bem como a observância dos aspectos tributários
aplicáveis, cabendo ao banco interveniente verificar o fiel cumprimento dessas condições, mantendo a
respectiva documentação em arquivo no dossiê da operação, na forma da regulamentação em vigor.
"(Resolução Bacen 3.265/95 - Regulamento do Mercado de Câmbio, Capitais Brasileiros no Exterior,
Disposições Gerais)
O Banco Central lembra do imposto de renda apenas para proteger o titular de ativos no exterior, garantindo
o sigilo(art. 1º, §único, da Resolução 2.911/01, invocando o art. 201, §1º, do Dec.-Lei nº 5.844/43).
Questão crucial está na tipicidade de quem, não enviando dinheiro do Brasil - ou, pelo menos, sem prova de
que o teria feito -, tem depósitos no exterior não declarados(art. 22, §único, ?in fine", da Lei nº 7.492/86).
Apesar do Dec.-Lei nº 1.060/69, repisando imposição já constante do art. 17 da Lei nº 4.131/62, sempre
tenha exigido a declaração ao Bacen de todos os bens e valores no exterior, draconianamente impondo ao
infrator o ônus da prova de sua procedência legítima, presumindo-se locupletamento ilícito, com seqüestro
dos valores e até prisão civil, reforçado por pesada multa administrativa(Medida Provisória 2.224/01), o
Banco Central jamais implementou a exigência!
O fez muito restritivamente(vide Resolução do CMN-Conselho Monetário Nacional- nº 2.337/96), sendo que
o de depósito no exterior de forma geral - pessoas física e jurídica -, conforme Resolução do Conselho
Monetário Nacional nº 2.911/01, em 2001, devendo ser declarados, coerente com o art. 65 da Lei nº
9.069/95, vaslores superiores a R$ 10 mil(Carta-Circular Bacen nº 3.071/01).
Verdade que, sabido o caráter de norma penal em branco "...para o exterior, ou nele mantiver depósitos não
declarados à repartição federal competente" (art. 22, §único, ?in fine", da Lei nº 7.492/86), invoca-se como
típico a omissão na declaração do imposto de renda à Receita Federal.
Discutível! "A repartição competente" do bem jurídico tutelado pelo tipo - controle cambial/monetário - é o
Banco Central. De outra parte, conta no exterior, de per si, não significa rendimento tributável. Em última
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análise, poderia caracterizar-se sonegação, não, porém, evasão de divisas.
Tão somente em 2006, através da Medida Provisória nº 315/06(Lei nº 11.371/06), especificamente aos
exportadores que mantenham recursos no exterior, é que foi desginada a Receita Federal como destinatária
da informação.
Portanto, antes da Carta-Circular Bacen nº nº 3.071/01, controversa a tipicidade da conduta de quem tenha
mantido no exterior dinheiro não declarado.
Em 2003, à revelia da lei(Dec.-Lei nº 1.060/69; art. 22, da Lei nº 7.492/86; Medida Provisória 2.224/01), o
Bacen dispensou a declaração de ativos aquém de R$ 300 mil. Em 2004, 2005 e 2006, ativos aquém de
US$ 100 mil(Circulares BACEN nº 3.181/03, 3.225/04, 3.278/05, 3.313/06, 3.384/08 e 3.342/09).
Provando a total ausência de vinculação à lei, tampouco à razoabilidade, ficando tudo ao capricho da
autoridade, note-se que o montante dispensado de 2003(aquém de R$ 300 mil) é maior que os anos
seguintes(aquém de US$ 100 mil).
Como fica a retroatividade da norma penal em branco mais benéfica? O "quantum" a declarar é norma
temporária(art. 3º do CP)? Qual a fundada razão de direito(economia), excetuado o capricho da autoridade
monetária, a justificar a variação?
Se é prescindida a declaração de ativos no exterior até esse montante, defensável que também a remessa
clandestina, não registrada no Bacen, até o dito valor igualmente não venha caraterizar o ilícito, sabido que
ambas as condutas, evasão e manutenção de depósitos no exterior, são criminalizadas não apenas em
idêntico tipo como de igual bem jurídico protegido(art. 22, §único, da Lei nº 7.492/86).
"Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio": onde existe a mesma razão fundamental prevalece idêntica
regra de direito.
No Brasil, compulsória informação à Receita Federal de movimentação financeira mensal que exceda R$ 5
mil(pessoa física) e R$ 10 mil(pessoa jurídica), consoante ordenamento vigente(art. 5º da LC nº 105/01 c/c
Decreto nº 4.489/02), apropriadamente acoimada de "big brother" pelo Min. do STF Marco Aurélio.
No exterior, US$ 100 mil, "à la" Armando Falcão(Ministro da Justiça da ditadura militar), "nada a declarar".
Razoável fosse dispensada a declaração de ativos no exterior até US$ 10 mil, idêntico parâmetro ao envio
não declarado(art. 65 da Lei nº 9.069/95).
Sobreleva de importância, à medida em que franqueado a todos, via mercado de câmbio, a remessa de
qualquer soma ao exterior(art. 10 da Resolução Bacen nº 3.265/05).
A propósito da "ratio essendi'(bem jurídico tutelado) das declarações de dinheiro(bens, segundo estrapolam
as circulares do Bacen) no exterior, o próprio Banco Central, "verbis":
"O levantamento de capitais brasileiros no exterior vem completar a contabilidade do total de ativos e de
passivos externos do Brasil, permitindo a aferição da Posição Internacional de Investimentos(PII) importante fonte de informações para a formulação de política econômica nacional. Adicionalmente, os
dados obtidos permitem ao País atender à Pesquisa Coordenada sobre Investimentos em
Portfólio("Coordinated Portofolio Investiment Survey - CPIS), gerenciada pelo Fundo Monetário
Interncional(FMI) e que envolve mais de 80 países comprometidos com a divulgação do quadro total de
ativos, desagregados por diferentes rubricas."(www.bcb.gov.br, apud, Luciano Feldens e Andrei Zenkner,
obra cit. p.184)
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Sendo assim, sob a ótica econômica(política monetária/cambial), inexiste diferença entre o dólar
clandestino(sem registro no Bacen) no exterior ou no Brasil.
Segundo o IBPT(Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), o mercado paralelo do dólar movimenta
cerca de US$ 30 bilhões anuais no Brasil(Folha de São Paulo, 24.09.06).
Por que, então, isso também não é criminalizado? Por que, periodicamente, além disso, é anistiado(lavado)
pela autoridade monetária, admitindo sua regularização, sequer exigida a identificação do titular, tampouco
sua origem?
À luz dos pressupostos de sobredireito impostos ao Estado sempre que ele vale-se do Direito Penal(vide
tópico DA DOGMÁTICA - DA DEFESA: "nulla lex(poenalis) sine necessitate" e "nulla necessitas sine injuria
"), absurdo, ridículo, sanção criminal a simples estatística de moeda(capital, divisas, etc.)!
No Brasil, sequer a vida humana tem estatístca confiável, muito menos é sancionada sua distorção. No
trânsito, v.g., são computadas as mortes apenas aquelas ocorridas na estrada. Inúmeros que perecem nos
hospitais passam ao largo.
Todavia, montante de moeda(divisas, capital, etc.) é criminalizada a defecção de sua notificação.
Em 2004, pessoas físicas e jurídicas do Brasil declararam ao Bacen disponibilidades no exterior no montante
de US$ 93 bilhões. Cerca de 45% desse montante, US$ 42 bilhões, em paraísos fiscais, sendo US$ 34
bilhões nas Ilhas Cayman, US$ 10,7 bilhões nas Bahamas e US$ 8,5 bilhões nas Ilhas Virgens(Folha de São
Paulo, 04.11.05). O montante, todavia, incluído o dinheiro clandestino de brasileiros no exterior, não
declarado às autoridades nacionais, chega a US$ 150 bilhões, segundo estima o governo federal(Folha de
São Paulo, 11.10.08).
Dinheiro esse que apenas transita nos paraísos fiscais, posteriormente lavado, grande parte retornado ao
Brasil sob forma de investimento externo, locupletando-se com a especulação da dívida pública.
Atropelado pela depreciação do dólar e o conseqüente prejuízo nas exportações, competitividade dos
produtos brasileiros, o Governo Lula, agora através de "lei", Medida Provisória nº 315/06(Lei nº 11.371/06).
Em síntese, o decantado objetivo seria reduzir a disponibilidade de dólares, sabido que o crescente
superavit comercial(exportações ascendentes) fez adentrar muito dinheiro estrangeiro no Brasil, assim como
certa desvalorização mundial da moeda norte-americana, a qual, gradativamente, começa a ter concorrência
de outras(v.g., euro), não obstante ainda cerca de 80% das transações comerciais internacionais estejam
vinculadas ao dólar.
Nesse diapasão, foi permitida a manutenção, no exterior, de recursos provenientes da exportação. Até
então, era obrigatória a internação, pelos exportadores, dos pagamentos por eles recebidos.
A reboque, entretanto, a exemplo do reiteradamente ocorrido no passado(v.g., década de 80, Resolução
Bacen nº 1.552/88, acima referido), foi anistiado(lavado) o dinheiro não declarado, permitindo o registro de
capital estrangeiro investido em pessoas jurídicas no País, até então oculto.
A integração econômica internacional(mercados comuns, etc.) e a consistência da moeda subtrai a
justificação para criminalizar a evasão de divisas, remanescendo a repressão apenas quando haja
sonegação fiscal. A Suiça, v.g., nega-se à cooperação internacional à repressão do delito, dizendo ele ter
natureza tributária, infração que naquele país é meramente administrativa, penalmente atípica(v.g., caso
Paulo Maluf, ex-Prefeito de SP).
Justificando a descriminalização na Espanha, Luis Arroyo Zapatero, "verbis":
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" ... lo que antes se entendia como beneficioso resulta ser ahora disfuncional al desarrollo econômico. De
este modo la superveniência de estas infracciones, al menos en el marco de Decrecho Penal, carece de
sentido en cuanto que ahora la única finalidad de um sistema de control de cambios es la de evitar otros
delitos, principalmente, el delito fiscal o el blanqueo de capitales."(apud, Luciano Feldens e Andrei Zenkner,
obra cit. p.145).
No Brasil, notadamente pela atuação do Banco Central, órgão que detém a competência normativa
imperiosa a complementar o tipo incriminador fixado pelo legislador(norma penal em branco), perfeitamente
defensável que isso também já tenha ocorrido.
Não obstante ainda formalmente em vigor o art. 22 da Lei nº 7.492/86 seu bem jurídico está fulminado(vide
tópico DA DOGMÁTICA - DA DEFESA: "nulla lex(poenalis) sine necessitate" e "nulla necessitas sine injuria
") pela política econômica superveniente à sua edição e, especialmente, os desvios do Bacen.
Sintetizando as razões da insubsistência do delito de evasão: a)anos 80, quando redigido o tipo, subsistiam
limitações, controles à expatriação de recursos, razão do elemento do tipo " ... operação de câmbio não
autorizada ...", logo após, na esteira do neoliberalismo, globalização, extinto o controle, sendo direito
potestativo o envio de moeda, restando apenas o registro; b)apenas em 2001 o Banco Central passou a
exigir a declaração de ativos no exterior. Antes, atípica a omissão; c)até 2005, o Bacen permitiu que
instituições financeiras, inclusive a então presidida pelo seu atual Presidente Henrique Meirelles(BankBoston
- vide Inq. 2206/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 10.11.06, Informativo do STF nº 447), enviassem bilionários
recursos de seus clientes, registrando no sisbacen como sua a titularidade(na prática, legalizando "laranjas
"). À luz da isonomia(art. 5º, "caput", da Constituição), imperativa ao Direito Penal, intolerável, odioso, que
os não escolhidos pelo Banco Central sejam punidos; d)periodicamente(última com a Medida Provisória nº
315/06 - Lei nº 11.371/06, anteriores via normativos sublegais do Bacen) é limpado(lavado) o mercado,
sendo aceito moeda estrangeira sem identificação do titular, tampouco origem. Também aqui violada a
isonomia, não sendo dado ao Príncipe(Estado) escolher apaniguados para brindar com a alforria,
ressalvando o cárcere aos que não privam dos palácios.
Questão palpitante, sabido que elencado delito contra o sistema financeiro como crime antecedente(art. 1º,
VI, da Lei nº 9.613/98), a caracterização de lavagem de dinheiro quando flagrado, no exterior, dinheiro
clandestino, tendo sido invocada a tipicidade da lavagem como amparo ao seqüestro dos valores, eis que
pertenceriam à União(arts. 4º e 7º, I, da Lei nº 9.613/98).
Embora crime contra o sistema financeiro enseja lavagem, distingue-se o "status" de objeto do de produto("
... valores provenientes ...": art. 1º, "caput", da Lei nº 9.613/98) do delito.
Objeto é o dinheiro evadido. Produto seria o lucro obtido com a ilicitude.
Lavagem é apenas a do produto. Não do mero objeto, dinheiro, "in casu", evasão de divisas mediante fraude
cambial.
Assim, mais apropriado, o seqüestro com base no Dec.-Lei nº 1.060/69.
Reporta-se, também, ao bruital equívoco de vincular a competência dos crimes contra o sistema financeiro á
magnitude da lesão e/ou do ferimento direto a entes federais, a exemplo de algumas decisões do STJ, "
verbis":
"O posicionamento firmado na Terceira Seção desta Corte é no sentido de que a Lei n. 7.492/1986 só
considera como crime financeiro, relativamente a consórcio, o seu funcionamento sem autorização legal hipótese que atrairia a competência da Justiça Federal. In casu, os pacientes, na condição de
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administradores da empresa, desviavam, em tese, recursos de poupanças populares em proveito próprio e
de terceiros por meio de procedimentos fraudulentos, conduta que efetivamente não se enquadra na
previsão da referida lei, pois não há qualquer evidência de práticas contra gestão financeira, execução
política do governo ou contra o mercado de títulos mobiliários, por exemplo - o que foge da previsão do art.
109, VI, da CF/1988. Inexistindo lesão ou perigo de lesão à União ou a entidades federais, mas tão-somente
a particulares, não se vislumbra a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito. A
Turma concedeu a ordem para anular a ação penal movida contra os ora pacientes, determinando a
remessa dos autos à Justiça estadual. Precedentes citados: CC 29.237-SP, DJ 28/8/2000, e CC 19.951-GO,
DJ 9/8/1999. HC 23.026-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 10/12/2002.
Ora, a competência da Justiça Federal nos crimes contra o sistema financeiro é específica, própria, art. 109,
VI, da Constituição, em nada confundindo-se com a competência geral, independente da tipicidade, quando
vitimado órgão federal(art. 109, I, da CRFB). Assim, estabelecida a competência da Justiça Federal pela Lei
nº 7.492/86, nada resta questionar-se.
Igualmente aberrante fixar o discrímen pela magnitude da lesão, como se a menor ou maior extensão do
dano fosse critério de fixação da competência entre o âmbito da Justiça Federal e Estadual.
A Construtora Encol, capitaneda pelo proeminente Pedro Paulo de Souza, fraudou 42.000 famílias, cerca de
500 prédios inconclusos em todo o País("sic").
Nem por isso, converte-se em delito contra o sistema financeiro, tampouco afeta o delito falimentar,
estelionato, etc. à competência da Justiça Federal, retirando-os da Justiça Estadual. Contra o sistema
financeiro, sempre associado à corrupção, foram os R$ 200 milhões que o Banco do Brasil contribui à
quebra.
Pior! No caso julgado pelo STJ, tratava-se do Consócio Planalto - Gramado(RS) -, o qual fraudou mais de
26.000 consorciados, causando prejuízo à popupança popular acima de US$ 12 milhões("sic").
Fraude em consórcios é, sim, competência da Justiça Federal(STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, HC 84270/SP,
24.08.04, Informativo do STF nº 358).
Entidades fechadas de previdência complementar são instituições financeiras, incidindo a Lei nº
7.492/86(STF, RHC 85094/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 15.02.05, Informativo do STF nº 376).
Relevante a distinção entre empréstimo(atípico) e financiamento(típico - art. 19 da Lei nº 7.492/86), "verbis":
"Segundo a doutrina comercialista, financiamento é mútuo com finalidade vinculada (COELHO, Fábio Ulhoa.
Manual de Direito Comercial. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações
Comerciais. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999), não estando abrangido em seu campo conceitual o
contrato de mútuo simples, assim entendido aquele desprovido de qualquer finalidade empreendedora. Se
alguém obtém, mediante fraude, empréstimo em instituição financeira, sem se obrigar a dar ao dinheiro
finalidade específica (desenvolvimento de atividade econômica, aquisição de casa própria etc.), comete, em
tese, o crime de estelionato, e não aquele previsto no art. 19 da Lei que define os Crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional. Competência estadual reconhecida."(TRF/4ª, Rec. em Sentido Estrito
2003.71.00.062833-0/RS, Rel. Dês. Federal. PAULO AFONSO BRUM VAZ, DJU2, 05.05.04, p 1482 Informativo Criminal maio/2004 do TRF/4ª)
No que refere às atribuições do Banco Central na investigação administrativa dos delitos contra o sistema
financeiro, de per si, não pode quebrar o sigilo bancário.
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A competência do BACEN em exercer a fiscalização do sistema financeiro(auditoria nas instituições
financeiras) não outorga-lhe a possibilidade de quebrar o sigilo bancário(STJ, AgRg no REsp 325.997-DF,
Rel. Min. Castro Meira, 23.03.04, Informativo do STJ nº 203).
Revista Isto É, 29.07.98, "verbis":
"Econômico, Nacional, Bamerindus e outros bancos socorridos com recursos do Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) são responsáveis por um dos
maiores calotes do século no Brasil. Deixaram de honrar empréstimos superiores a R$ 10 bilhões, feitos
pelo Banco Central, ao amparo do Proer.
Esse valor é próximo do preço mínimo estipulado pelo governo para a aquisição de todo o Sistema
Telebrás, que será privatizado nesta semana. Somente o Banco Nacional deu um calote de R$ 4,98 bilhões,
deixando de pagar um empréstimo vencido em 13 de novembro de 1996. No Banco Econômico, o primeiro
mamute privado do sistema bancário a quebrar, o calote atinge R$ 2,9 bilhões. O Bamerindus, último grande
banco a ser socorrido com o Proer, deve outros R$ 3 bilhões. O empréstimo venceu em 16 de março e
também não foi honrado"(grifou-se)
Consultor Jurídico, 16.12.00, "verbis?:
"... Depois de ouvir 300 pessoas, os peritos da PF constataram a existência de um rombo de R$ 9,2 bilhões
e não R$ 5,2 bilhões, como havia sido apurado pelo Banco Central. As contas fantasmas somavam 1.046 e
não 652. Para o então presidente do BC Gustavo Loyola era natural que essa diferença surgisse. "O papel
da Polícia Federal era mesmo o de aprofundar as investigações iniciadas pelo Banco Central", justificou
Loyola.
As fraudes começaram a ser praticadas a partir de 1988. Na ocasião, após o fracasso do Plano Cruzado,
muitos pequenos e médios empresários estavam em dificuldades financeiras. A alternativa, então, era
recorrer aos bancos pedindo empréstimos para saldar dívidas.
A fraude consistia em receber o pagamento dos empréstimos sem lançar o recebimento nos computadores
do banco. Dessa forma, encobria-se os rombos da instituição. A tática foi batizada pelos peritos de "Contas
Sempre Vivas". Segundo o relatório entregue ao Ministério Público Federal, o saldo médio dessas contas em
1988 era de US$ 8 mil. Sete anos mais tarde, saltou para astronômicos US$ 8 milhões, uma vez que os
créditos eram permanentemente renovados, numa fraude que crescia segundo o tamanho do rombo das
contas do Nacional.
Como em nenhum momento apareciam no balanço do banco indicadores negativos, lucros fictícios eram
repassados normalmente aos acionistas, como se o Nacional não estivesse naufragando em dificuldades.
Nesse período, os dividendos distribuídos chegaram a R$ 145 milhões.
Ainda segundo o relatório da PF, publicado pela revista Istoé, os ex-controlados do banco usaram a
Nacional Seguros e duas outras holdings particulares para receber esses fartos dividendos. Dos US$ 145
milhões, cerca de US$ 40 milhões foram parar no caixa da seguradora - criada para administrar os negócios
particulares dos Magalhães Pinto."
Além do saque direto ao erário produzido por estes bancos - primeiro, sonegando tributos, depois
socorrendo-se do PROER -, eles canalizaram a delinqüência alheia, a exemplo da lavagem de dinheiro,
amazonicamente praticada pelo Banco Nacional, especialmente pelo seu braço paraguaio, o Interbanco,
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sediado em Ciudad del Este, junto à tríplice fronteira(Foz do Iguaçu - vide edição especial da Revista Carta
Capital, 30.05.98, "Brasil: a maior lavagem de dinheiro do mundo", a 1ª a divulgar a megalavagem, objeto da
CPI dos Bancos, ora retornando à berlinda com a CPI da Evasão de Divisas - Banestado -, reportagem do
Jornalista Bob Fernandes).
Em junho/02, o montante da dívida ativa do Banco Econômico S/A com a Fazenda Nacional somava R$
1.175.281.864,00("sic" - vide Revista Isto É Dinheiro, 12.06.02).
Ainda não é tudo! No Reino de Ali Babá, sempre cabem mais ladrões!
Quando da liquidação do Banco Econômico, em 1997, sob intervenção do Banco Central, contratou-se os
serviços advocatícios com a "V. G. Advogados Associados", cujos sócios são os Causídicos F. V. G., 950
cotas, e S. L. F. O, 50 quotas, em bases leoninamente ruinosas, lesivas à instituição financeira - destinatária
de vultosos recursos públicos federais, Proer -, notadamente na repactuação ocorrida em 1999, de forma
que aquele Escritório de Advocacia percebeu R$ 12.513.899,77 do Banco Econômico("sic")
Parcela expressiva desses recursos foram creditados em favor de J. C. Z., Procurador do Banco Central e
seus familiares que, entre outros atos, anuiu às contratações propostas por F. C., o liquidante.
Logo que apropriou-se dos recursos, J. C. Z. requereu e obteve licença para tratamento de interesses
particulares, assumindo como sócio da V. G. Advogados Associados.
Em favor da Banco Central, sob cujas hostes perpetuou-se a falcatrua, de registrar que a Autarquia
Financeira apurou o ocorrido, representando ao Ministério Público Federal.
Fiel à maquieavélica máxima que ao povo basta pão e circo - "panem et circences" -, surrupiado dele(erário)
bilionárias somas em favor dos banqueiros, a ela, plebe, xoldra, restituiu-se algum circo, a exemplo do
sucessor do Banco Econômico, o Banco Excel - desfilando o eldorado do PROER - cuja fugaz existência
teve a benemerência de patrocinar o Corinthians/SP, ato contínuo criminosamente quebrado(condenada a
diretoria, entre outros, Ezequiel Edmond Nasser, Folha de São Paulo, 22.02.06), prejuízo de US$ 124
milhões em 1998, situação que ensejou sua alienação ao Banco Bilabao Vcaya pelo simbólico valor de R$
1("sic?).
A propósito das intervenções do Banco Central, vale ver julgado do STJ: '... recorrente pretende ver-se
indenizada pelo substancial prejuízo que alega advindo da gestão temerária de prepostos do Banco Central
durante a intervenção no grupo empresarial. Alega que, quando da intervenção, deixou patrimônio superior a
100 milhões de dólares, o que foi reduzido a cinco quando de seu término, cerca de quatorze anos após
... No mérito, ... para a indenização, basta o balanço consolidado do grupo elaborado na ocasião em que
houve a intervenção, documento que não sofreu qualquer impugnação(art. 300 do CPC) por parte do Bacen,
bem como o parecer da Consultoria-Geral da União, confeccionado a partir de documentos elaborados pelo
próprio Bacen, pois o primeiro consigna o prejuízo e seu montante e o segundo, as falcatruas e a
administração temerária, as transações fraudulentas e as perdas inexplicáveis de receita, o que impõe a
restauração da sentença de primeiro grau, que julgou procedente a ação, e a remessa à liquidação por
arbitramento da apuração do 'quantum debeatur'. (REsp 569.985-DF, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em
20/6/2006. Informativo do STJ nº 289).
Outro, dos inúmeros escândalos financeiros, objeto da CPI dos Bancos, Bancos FonteCindam, titulado por
Luiz Antonio Gonçalves, e Marka, de Salvatore Alberto Cacciola, ora paradisíacamente homiziado na Itália mercê de monocrática liminar em habeas corpus conhecida pelo Min. Marco Aurélio, imediatamente
revogada pelo Min. Carlos Velloso -, surrupiou do erário, via aporte do Banco Central do Brasil eufemísticamente, denominado por "ajuda" - mais de US$ 1,5 bilhão("sic" - época da paridade dólar/real).
Comparando, basta ver que, v.g., o Estado do RS, com 10 milhões de habitantes, percebe do orçamento
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geral da União menos de R$ 500 milhões.
A esdrúxula justificativa do Banco Central foi de que, não aportasse recursos a que Marka e FonteCindam
honrassem seus ruinosos compomissos da venda de dólar futuro, firmados na iminência da desvalorização
cambial de 1999, por efeito dominó, haveria uma quebradeira generalizda no sistema financeiro.
Pretexto de fazer inveja aos maiores ficcionistas.
Francisco Lopes, então Presidente do BACEN por ocasião da falcatrua, sem qualquer pejo, era sócio de
consultoria financeira, a Macrométrica S/A, em plena atividade paralela ao exercício do cargo público, ainda
desfilava petulância de imputar à inépcia da Justiça a impunidade dos crimes contra o sistema financeiro.
Mediante mandado de busca domiciliar da Justiça Federal, a Polícia Federal, acompanhada dos
Procuradores da República Bruno Aciolly, Raquel Branquinho, Artur Gueiros e Davy Lincoln Rocha,
devassaram a residência de Francisco Lopes no RJ.
O Presidente FHC, do exterior - "viajando Henrique Cardoso", no dizer do Casseta & Planeta - não mediu
termos para diabolizar a ação do Ministério Público Federal.
Apreendidos vários documentos incriminadores, entre eles, a respeito dae conta de Francisco Lopes no
exterior, Bank of New York, US$ 1, 673 milhões, somada à tácita confissão do ex-Presidente do Banco
Central frente à CPI dos Bancos(silêncio), FHC remanesceu em silêncio eloqüente.
Tão escrachada a contaminação do Bacen que, afora este estúpido assalto ao erário, sob os complacentes
olhos da Autarquia Financeira, já que diariamente ali eram registradas as operações com todos os seus
dados(v.g., data, remetente, destinatário no exterior, valor, natureza da operação, etc.), estes bancos
lavavam dinheiro de terceiros(v.g., sonagação fiscal, corrupção, etc.), como o FonteCindam, através da
Cindam Enterprises S/A, Ilhas Cayman, consoante comprovaram as quebras de sigilo das contas CC5
procedidas, tanto pela Justiça Federal, a pedido do Ministério Público, como pela CPI dos Bancos.
Em 2005, a Exma. Juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, 6ª Vara Federal Criminal do RJ, condenou Salvatore
Cacciola, à revelia, a 13 anos de prisão pelos crimes de peculato e gestão fraudulenta.
O ex-Presidente do Bacen, Francisco Lopes, recebeu pena de dez anos e a diretora de Fiscalização do
Banco Central, Tereza Grossi, pegou seis anos.
Também foram condenados Cláudio Mauch, Madureira, Luiz Augusto Bragança(cinco anos), Luiz Antonio
Gonçalves (dez anos) e Roberto José Steinfeld (dez anos).
Da série "raposa cuidando do galinheiro".
Luiz Augusto Candiota, Diretor de Política Monetária do Banco Central no Governo Lula. Em 2001 e 2002,
omitiu declaração sobre conta no Citibank(EUA), com US$ 1,02 milhão. Posteriormente, o dinheiro foi
enviado a uma conta no CBC, que pertence a "offshore" com sede em Montevidéu, Uruguai. O CBC, antigo
MTB Bank, é investigado por lavagem de dinheiro(Folha de São Paulo, 30.07.04). Pelo menos Candiota foi
demitido, "rectius", demitiu-se.
"Ex-cliente liga Bastos a conta no exterior. Engenheiro afirma ter pago, em 1993, US$ 4 milhões no exterior
para o atual ministro da Justiça, que nega a transação."(Folha de São Paulo 12.06.06).
Infâmia! Sabidamente, o Exmo. Min. da Justiça sempre foi inexorável, impondo às instituições, a exemplo da
Polícia Federal, cuja gestão sempre bradou de "republicana"(impessoal) rigidez com os desvios.
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"Bastos acionou PF para descobrir que empregada furtou R$ 180 mil. Titular da Justiça só notou que era
vítima depois de 11 meses meses de desfalques" - na sua conta bancária pessoal, através de furto mediante
fraude na falsificação de cheques, cartões clonados, etc. (Folha de São Paulo, 16.07.06).
Desvios com a fazenda privada(dele próprio), não a fazenda pública, entenda-se.
Henrique Meirelles, Presidente do Bacen, identicamente. Implicado com sonegação fiscal(art. 1º da Lei nº
8.137/90), ocultação de recursos no exterior(art. 22º, §único, da Lei nº 7.492/86) e transações com banco
objeto de investigação por lavagem de dinheiro(art. 1º da Lei nº 9.613/98) teve um tratamento exemplar do
Governo Lula.
Exemplar porque seguiu o exemplo da impunidade. Imitando o Governo FHC, quando eclodiram as
revelações do tráfico de influência de seu secretário pessoal Eduardo Jorge Caldas Pereira, oportunidade na
qual, via medida provisória, converteu-o em Ministro de Estado, galgando foro privilegiado, Lula editou a MP
207, 13.08.04, atribuindo o esdrúxulo "status" de ministro ao presidente de uma autarquia, Banco Central,
órgão da administração indireta.
Entrementes, na Ásia, "verbis":
"China executa banqueiros por fraude de US$ 15 milhões
VINICIUS ALBUQUERQUE da Folha Online
O governo chinês executou hoje quatro pessoas, entre elas, executivos de dois dos quatro maiores bancos
estatais do país, condenados por fraude bancária no valor de US$ 15 milhões, segundo a agência oficial de
notícias Xinhua.
Os casos envolvem o China Construction Bank e o Bank of China.
O executivo da agência do China Construction Bank na província de Henan (região central da China), Wang
Liming, e um cúmplice, Miao Ping, roubaram US$ 2,4 milhões utilizando documentos falsos, segundo a
Xinhua. Um outro oficial do banco, Wang Xiang, foi condenado por outro roubo no mesmo valor.
O executivo da agência do Bank of China da cidade de Zhuzai (sul do país), Liang Shihan, foi acusado do
desvio de US$ 10,3 milhões, disse a Xinhua.
Os casos foram as mais recentes em uma série de prisões e execuções por crimes do colarinho branco que
o governo chinês vem fazendo às vésperas da vendas de ações de seus bancos estatais.
Em fevereiro, o ex?chefe da agência de Hong Kong do Bank of China, Liu Jinbao, foi preso. Em dezembro, o
ex?chefe do China Construction Bank, Wang Xuebing, foi sentenciado por 12 anos por aceitar propinas."
No Brasil, seria impensável!
Menos pela vedação constitucional à pena de morte, mais pela impossibilidade de tantos patíbulos.
Ao tempo em que o País sucumbe sob as vagas da recessão/depressão econômica, os bancos navegam de
vento em popa sobre seu mar de lucros.
Caso explícito de socialização do prejuízo - incluindo o ressarcimento do frustrado investimento criminoso("
sic") - é o detectado na CPI dos Precatórios.
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Emissão de títulos públicos que deveriam ser destinados a amealhar ativos destinados à quitação de
precatórios, dívidas judiciais(art. 33, §único, ADCT, da Constituição), envolvendo os Estados de SC, PE e o
Município de SP.
No total, saqueada a Fazenda Pública no montante aproximado de R$ 3 bilhões.
Procedeu-se negociação dos títulos públicos mediante várias artimanhas, v.g., simulação de dívidas judiciais
inexistentes para justificar a emissão dos títulos, desvio dos valores arrecadados a outras finalidades que
não a quitação de dívidas decorrentes das condenações judiciais, inexistência de licitação, venda
preordenada aos partícipes do conluio mediante aberrante deságio, propina a agentes políticos,
intermediação de instituições financeiras "laranjas? -v.g., Vetor, Split, Paper, etc. - de outras maiores - v.g.,
Bradesco, etc. - que, ao final da "cadeia da felicidade", adquiriram os títulos por preço vil(deságio), ato
contínuo, locupletando-se à custa do erário, negociando as letras do tesouro pelo valor de face,
especialmente com fundos de pensão estatais, incluindo-as nos fundos de investimentos ou resgatadas,
antecipadamente ao vencimento, pelos próprios entes públicos emissores dos títulos
Palmar a implicação do Bradesco, destinatário de 76,5% dos títulos emitidos pelo Estado de Pernambuco,
intermediados pela testa-de-ferro "Paper", sendo denunciado pelo Ministério Público Federal, entre inúmeros
outros, Katsumi Kihara, Diretor do Bradesco.
O Senado da República, trazendo à luz a corrupção, dada sua absoluta nulidade - "producta sceleris" -,
fulminou os títulos, não podendo ser resgatados pelos entes públicos emissores, cumprindo ao destinatário
da "cadeia da felicidade" - v.g., o Bradesco - assim como a qualquer delinqüente deve ser confiscado o
produto do crime(art. 96, II, ?b?, do CP), arcar com o prejuízo, ficando com o ?mico", na linguagem do
mercado financeiro.
Permitiu, entretanto, à medida que alguns títulos negociados o foram legitimamente, regularmente
destinados à quitação dos precatórios, mediante reconhecimento judicial, fossem eles resgatados(arts. 52,
VII e IX da CRFB).
Todos os títulos de Pernambuco eram fraudulentos. Afora o estúpido deságio, venda dirigida, sem licitação,
etc., os poucos destinados ao pagamento de precatórios referiam-se a dívidas de natureza alimentar,
explicitamente excluídas(art. 33, §único, ADCT, da CRFB).
União, Bacen e Estado de Pernambuco, despudoradamente, armaram concluio para salvaguardar o
Bradesco.
Na Justiça Federal, o Estado de Pernambuco ingressou contra a União e Bacen com ação declaratória de
validade dos títulos por ele emitidos("sic"). Jogada mais que ensaiada, somada à glacial passividade do
Douto Juízo, homologou-se acordo já pré-acordado nesse sentido.
Pretextando que essa barbaridade seria o rconhecimento judicial exigido pela Senado da República ao
resgate dos títulos, pagou-se ao Bradesco, mediante títulos federais, o valor integral das letras por ele
fraudulentamente adquiridas, sub-rogando valor equivalente na dívida de Pernambuco com a União("sic").
O Bradesco recebeu na íntegra os R$ 480 milhões do valor de face, cuja correção pela taxa selic, resultou
em R$ 647 milhões.
Em suma, a União, que é a destinatária(beneficiária) do produto do crime((art. 96, II, ?b?, do CP), garante a
liquidez do delinqüente, frustrado que foi na sua empresa criminosa pela atuação da CPI dos Precatórios("
sic").
Dourando a pílula, o Bradesco restitui R$ 56 milhões ao Estado Pernambuco, parcela do deságio(diferença
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entre o valor de face e o pago a Pernambuco quando da venda). Aos incautos, ingênuos, crédulos na
probidade dos gestores públicos, prova de lisura.
Na toada do "a gente faz você ver o que queremos que seja visto", o Bradesco, na época, assumiu como
novo patrocinador do Jornal Nacional e a TV Globo é vitimada por eloqüente silêncio a respeito.
Distribuição dos dividentos, sempre, é claro, à custa da "res publicae"(vide pronunciamentos do do então
Senador da República, Roberto Requião, indômito relator da CPI dos Precatórios, "in" www.google.com.br ,
digitando "Requião precatórios Bradesco")
Como entoaria a notável cantora Simone: "... isso aqui tá brincadeira, ou será que não está?! Ta, tá, tá!!!
Brasileiro, brasileira, tá na hora de virar!!! ..."
Folha de São Paulo, 03.07.08, 'verbis':
'O BANCO Central (BC) vem realizando operações heterodoxas e desnecessárias que resultam em
prejuízos reiterados de bilhões de reais repassados ao Tesouro Nacional. É o chamado "swap" cambial. A
tecnicalidade dos procedimentos e a blindagem nos meios de comunicação têm garantido a impunidade.
Economistas e jornalistas, implacáveis com qualquer aumento nos gastos públicos, ignoram a suspeitíssima
sangria.
Na linguagem do sistema financeiro, agentes privados fazem uma operação de "swap" quando trocam ativos
com diferentes rentabilidades e prazos de vencimento. Problema deles. O "swap" cambial é uma aposta nas
variações das taxas de câmbio e de juros: ganha quem acerta no comportamento futuro dessas duas
variáveis.
É uma operação puramente especulativa: um lado ganha exatamente o que o outro perde. No Brasil, porém
- e só no Brasil -, quem oferece o negócio é o BC. É, pois, problema nosso. Estranha operação. Pois o
próprio BC, numa ponta, fixa a taxa básica de juros; na outra, como gestor das reservas cambiais, interfere
decisivamente na taxa de câmbio. É como se, em um jogo qualquer, um dos times pudesse escalar também
o juiz. Os especuladores aceitam uma aposta contra um adversário que controla as regras do jogo.
Incrivelmente, ganham!
Essas operações foram introduzidas por Armínio Fraga, então presidente do BC, em pleno curso da
campanha eleitoral de 2002. Com a crescente possibilidade de vitória de Lula, temia-se uma corrida para o
dólar.
Fraga decidiu inaugurar uma operação heterodoxa em que o BC arbitraria suas perdas, garantindo aos
especuladores o reembolso de prejuízos com a desvalorização do real, de modo a induzi-los a permanecer
na moeda nacional. Lançou operações de "swap" em que o BC ganharia se houvesse valorização do real,
cabendo aos especuladores a posição oposta.
Quando a pressão dos credores internos paralisou o refinanciamento da dívida pública a partir de maio
daquele ano, a cotação do dólar disparou, como se previa, subindo de R$ 2,50 em abril para R$ 3,63 em
novembro. Quem tinha contratos de "swap" cambial ganhou com essa diferença, dando um prejuízo de R$
10,9 bilhões ao Banco Central.
Nos dois primeiros meses do governo Lula, o prejuízo com essas operações foi de R$ 4,6 bilhões. Porém, as
condições mudaram. A rápida recuperação da balança comercial e dos saldos externos induziu à
valorização do real. Como os contratos de "swap" cambial haviam sido estabelecidos no regime anterior,
quando o real se desvalorizava, os especuladores começaram a perder.
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Já sob o comando de Henrique Meirelles, o BC alterou gentilmente as condições dos contratos, oferecendo
o chamado "swap" reverso. O BC e os especuladores trocaram de posição, e o BC recomeçou a perder.
Estamos diante do único caso, no mundo, em que um banco central aposta contra a sua própria moeda.
Operações de "swap" realizadas por bancos centrais são uma heterodoxia brasileira. Já não existem mais,
há muito tempo, os motivos alegados por Fraga para justificar a invenção, mas ela continua a existir e a
fazer milionários. Em 2006 e 2007, nessas operações, o BC repassou aos especuladores R$ 14,3 bilhões.
De janeiro a maio de 2008, já havia entregue mais R$ 4 bilhões. As perdas são crescentes, pois as taxas de
juros voltaram a subir e o real continua a se valorizar.
Na contabilidade do Banco Central, esses resultados têm sido escondidos no meio de números que tratam
da contração ou expansão da base monetária, de um modo que ninguém consegue entendê-los.
A política atual do BC só aumenta essas doações. Com o pretexto, agora, de conter a inflação. O papel dos
juros no controle da inflação é controverso, para dizer o menos. E a valorização continuada do real, como
todos sabem, é o suicídio do país em médio prazo. Quem ganha, com certeza, são os apostadores no
"swap".
Recapitulemos: o BC propõe uma aposta viciada, em que ele mesmo pode manipular as variáveis decisivas.
Os especuladores aceitam. E o BC perde a aposta! Joga porque quer -pois isso nada tem a ver com política
monetária- e perde porque quer.
O prejuízo - cerca de R$ 18 bilhões em pouco mais de dois anos - é repassado ao Tesouro Nacional.
Nos jornais, sob aplausos dos defensores da responsabilidade fiscal, os dirigentes do BC criticam o aumento
dos gastos públicos e solicitam um superávit primário maior. Precisam de mais recursos, retirados da
sociedade, para cobrir as bondades que fazem à turma da especulação.
Se diretores de bancos centrais dos Estados Unidos ou da Europa, formalmente independentes,
agissem assim, sairiam algemados dos seus escritórios, no mínimo, por gestão temerária. Aqui,
provavelmente nada acontecerá.
Sabíamos, há muito tempo, que o Banco Central brasileiro está acima dos Poderes da República. Agora
sabemos que também está acima da lei. O Ministério Público deveria agir'.(CÉSAR BENJAMIN , 53, editor
da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua - Venezuela, é autor
de "Bom Combate" - Contraponto, 2006. É colunista do caderno Dinheiro).
A melhor doutrina sobre a Lei nº 7.492/86 ainda é a do imortal Mestre Manoel Pedro Pimentel, "Crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional", RT, obra não mais editada. Vale conferir "Crimes do Colarinho
Branco", Malheiros, autoria de Agapito Machado, Juiz Federal, Professor de Direito e Processo Penal, que,
afora outras contribuições, reproduz expressiva doutrina de Pimentel.
Igualmente digna de referência é "Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional", Malheiros, autoria de
brilhante Procurador Regional da República, Dr. Rodolfo tigre maia.
I.VI - DA LAVAGEM DE DINHEIRO
"Romae omnia venalia esse": em Roma tudo tem seu preço.
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"... firmas prestadoras de serviços ao dinheiro": nomenclatura utilizada pela agência de inteligência francesa
de repressão à lavagem de dinheiro, a "Renseignement et Action Contre les Circuits Financiers Clandestins Tractin" - aos doleiros, pessoas que, na clandestinidade, lavam dinheiro sujo - Revista Carta Capital,
19.05.04.
No capitalismo, o dinheiro não tem adjetivos, tampouco certidão de nascimento. Bom, ruim, origem legítima
ou escusa, é irrelevante. A pecúnia é, puramente, substantivo. Vale pelo que pode comprar. Dinheiro e ética,
tal qual água e óleo, mesmo misturados, jamais fundem-se.
Criminalizar a lavagem significa tentar emprestar ética, adjetivo, ao dinheiro. Elogiável, sem prejuízo da
quase insuperável contradição com o sistema econômico hegemônico.
Prova dessa contradição é o país mais poderoso do planeta, EUA, meca do capitalismo.
Ao contrário do que ele proclama, forçando as demais nações, a exemplo do Brasil, a adotarem repressão à
lavagem de dinheiro, sempre brandindo os horrores dos narcotraficantes e terroristas - nossa Lei nº 9.613/98
reproduz o sistema norte-americano! -, locupleta-se com a pecúnia imunda do mundo, sendo conivente com
a lavagem no seu território.
Exemplo é a megalavagem via contas CC5(Foz do Iguaçu/PR - tríplice fronteira em Brasil, Paraguai e
Argentina), por onde foram expatriados/lavados via EUA, entre 1996/03, US$ 20 bilhões("sic" - "64 doleiros
remeteram par o exterior US$ 20 bi em 8 anos - Valor apurado pelo Ministério Público foi obtido com ajuda
da Justiça dos EUA", Folha de São Paulo, 04.06.06, retratando persecução desenvolvida pela Força-Tarefa
CC5, Ministério Público Federal e Polícia Federal, atuante em Curitiba-PR, também objeto da CPI?s dos
Bancos - Sistema Financeiro, Evasão de Divisas-Banestado).
Em Nova Iorque, por vários anos, funcionou agência do Banestado - banco estatal, então pertencente ao
Estado do PR - cujo objetivo quase exclusivo era lavar bilhões de dólares de dinheiro sujo advindo do Brasil,
via CC5 de Foz do Iguaçu-PR(vide tópico DOS CIMESCONTRA O SISTEMA FINANCEIRO).
Jamais os tão decantados controles norte-americanos detectaram o delito, tampouco reprimiram.
Notoriamente, a Suíça, asilo de toda espécie de riqueza suja, é país que enriqueceu mercê da torpe
pecúnia. Nisto, a Confederação Helvétiva fez jus à tradição de isenção nos conflitos mundiais. Recebeu
dinheiro sujo de todos os corruptos, ditadores, gângsteres do planeta, sem qualquer discriminação de credo,
ideologia, raça, etc.
Recebeu e ainda recebe!
'Suiça resiste à pressão para quebrar sigilo ... Especialistas calculam que um terço das contas offshore do
mundo - de clientes que residem no exterior - esteja na Suiça - líder absoluto ...Dos 331 bancos instalados
no país, 149 são de outros países. O volume operado chega a US$ 1,3 trilhão, e cresce cerca de 6,5% ao
ano, diz a organização suiça Declaração de Berna ... 'O mecanismo mais importante para os bancos suiços
hoje não é mais o sigilo. O principal é a diferença entre evasão e fraude fiscal, já que aprimeira é permitida e
a segunda é dificílima de provar', diz Andreas Missbach, chefe do programa financeiro da organização ... De
acordo com James Nason, da Associação dos Banqueiros Suiços, pelo menos 5% da força de trabalho do
país trabalha no setor financeiro, responsável por 10% do PIB'(Folha de São Paulo, 12.11.07).
Juntos, os bancos UBS e Credit Suisse administram US$ 3,2 trilhões, seis vezes o PIB suiço(Folha de São
Paulo, 25.10.08).
"Suiça defende UBS em disputa com EUA. Governo promete até confiscar informações sobre 52 mil clientes
para que não sejam entregues à Justiça america'(Folha de aão Paulo, 09.07.09).
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'O governo da Alemanha disse ontem que pretende comprar informações roubadas de bancos suíços que
mostram que cidadãos alemães teriam cometido crime de evasão fiscal. A chanceler Angela Merkel afirmou
que "tudo deverá ser feito para conseguir os dados", desde que eles sejam relevantes. O governo afirma que
os dados (que conteriam informações sobre as contas na Suíça de cerca de 1.500 alemães) foram
oferecidos por um informante por 2,5 milhões (US$ 3,5 milhões). Segundo jornais alemães, com a compra, o
governo poderia recuperar 200 milhões em impostos não pagos. Mas ela também pode estremecer as
relações entre o país e a Suíça, que já disse considerar a compra ilegal'(Folha de São Paulo, 02.02.10).
Incontáveis os banqueiros, no Brasil e pelo mundo, que igualmente prosperaram empresariando dinheiro
torpe.
Nisto, emblemática a contradição entre capitalismo e combate à lavagem de dinheiro. O banqueiro, que tem
no sigilo talvez o principal garantia oferecida ao investidor, está obrigado a delatá-lo às autoridades toda vez
que deparar-se com operações suspeitas(art. 11 da Lei nº 9.613/98 c/c Carta-Circular nº 3.461/09 do Banco
Central).
Paradoxo esse, que não significa invalidar a correção do combate à lavagem, sabido que a história do
capitalismo é a de sua permanente adequação, reforma, ?conditio sine qua non? à própria sobrevida
histórica.
Segundo a ONU, Relatório Mundial sobre Drogas de 2005, os entorpecentes movimentam US$ 321,6
bilhões ao ano no planeta(Folha de São Paulo, 30.06.05).
Óbvio que essa bilionária riqueza é lavada, merecendo, pela brutal gravidade da delinqüência do
estupefaciente contra o ser humano, gravosa repressão.
A Rede de Justiça Fiscal("Tax Justice Network") do Reino Unido estima que existem US$ 11 trilhões
escondidos em paraísos fiscais.
O Fundo Monetário Internacional - FMI estima que, anualmente, lavem-se cerca de 2 a 5% da produção
mundial, o que eqüivale a, pelo menos, US$ 600 bilhões. O Gafi(Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem
de Dinheiro ou FATF - 'Financial Action Task Force on Money Laundering', é organismo internacional criado
em 1989, na esfera de atuação da OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico,
com o fim de examinar medidas no combate à lavagem) calcula um número de US$ 300 a 500 bilhões em
todo o mundo, enquanto que a revista Business Week aponta para mais de US$ 2 trilhões o fluxo diário de
?dinheiro sujo? na economia norte-americana(Tribunal de Contas da União, Acórdão 1213/2005, Processo
020.664/2003-2, cujo objeto é auditoria operacional realizada no Coaf pelo TCU).
Faturamento da máfia italiana('Cosa Nostra', Sicília/Palermo) em euros: a)chantagem: 10 bilhões; b)roubo: 7
bilhões; c)fraudes: 4,6 bilhões; d)jogos e apostas: 2,5 bilhões; e)contrabando: 2 bilhões. Cerca de 80% dos
empresários da Sicília são vítimas de extorsão(Jornal A Notícia, 06.11.07).
Em 2004, pessoas físicas e jurídicas do Brasil declararam ao Banco Central disponibilidades no exterior no
montante de US$ 93 bilhões. Cerca de 45% desse montante, US$ 42 bilhões, em paraísos fiscais, sendo
US$ 34 bilhões nas Ilhas Cayman, US$ 10,7 bilhões nas Bahamas e US$ 8,5 bilhões nas Ilhas
Virgens(Folha de São Paulo, 04.11.05).
Dinheiro esse, que apenas transita nos paraísos fiscais, posteriormente lavado, grande parte retornado ao
Brasil sob forma de investimento externo, locupletando-se com a especulação da dívida pública.
Essa estrutura de dinheiro sujo consiste em paraísos fiscais, jurisdições sigilosas, cobrança de preços por
transferências, empresas de fachada, fundações anônimas, contas secretas, solicitação de lucros obtidos de
fontes ilegítimas, propinas e brechas remanescentes nas leis dos países ocidentais que encorajam a entrada
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de dinheiro criminoso e decorrente da sonegação de impostos(Folha de São Paulo, 16.10.05, traduzindo
artigo de Raymond Baker e Jennifer Nordin).
Entretanto, pululam os desatinos, a exemplo da proposição do Executivo em obrigar Advogados(a) a
comunicarem transações de seus clientes catalogadas como suspeitas("sic" - Folha de São Paulo,
05.09.04).
Algum gênio ainda ampliará o ônus aos sacerdotes em relação às confissões dos fiéis.
Igualmente írritas, as chamadas varas - "rectius", foros privilegiados em 1ª instancia, eis que desaforaram
processos de outros juízos, subtraindo-os do interior às capitais; especialização é em idêntico foro! especializadas em crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e crime organizado no âmbito da
Justiça Federal.
Na verdade, esses juízos apuram e julgam o que bem entenderem, eis que competentes a todos os delitos
vinculados por conexão ou continência, ampliado "ad infinitum" pelo conceito indeterminado de crime
organizado(qualquer um de pena a partir de 4 anos de prisão como sanção máxima, inseridos todos os
demais vinculados por conexão ou continência, mediante quadrilha - Decreto 5.015/04).
Sabido que, "a priori", em sede de investigação, incluindo a própria denúncia('in dubio pro societate'), pode
facilmente ser enunciado delito dessa ampla e infindável gama, esses juízos avocam a apuração ao seu
bel-prazer, vilipendiando o devido processo legal(juiz e promotor natural, etc.), surrupiando das autoridades
do "locus delicti" a apuração, desarmando a defesa social, atropelando garantias individuais dos implicados.
Vilipêndio ao princípio da oralidade processual(imediatidade, identidade física do juiz, concentração).
Abstraçao, terceirização da jurisdição, instrução mediante precatórias ao Juízo do "locus delicti", aonde o
Juiz que julgará, o Parquet que acusou e o próprio Advogado que defende(seguidamente dativo, nomeado
pelo Juízo deprecante) jamais sequer verão o imputado.
Buscando preservar autoridades judiciárias vitimadas pela violência dos criminosos(v.g., Colômbia,
assassinatos de magistrados pelo narcotráfico), foi criada a figura do "Juiz sem rosto", processo no qual não
fica consignada a identidade do julgador. No Brasil, essas varas especializadas criaram o 'réu sem rosto',
ignorado pelas autoridades(juiz, MP, etc.). "Negro cumpre pena no lugar de homônimo branco"(sítio Terra,
acesso em 25.08.06).
Na prática, para não deixarem ao abandono a defesa social, as autoridades locais instituem o 'abolitio
criminis' terriorial, ou seja, promovem a persecução do crime originário(v.g., corrupção, estelionato,
sonegação, roubo, etc.), ignorando a intercorrência dos delitos que implicariam o desaforamento(quadrilha,
lavagem, delito contra o sistema financeiro).
Prova cabal do desvio desses desaforamentos às capitais, é que, em nenhum Estado da federação, sabido
que o delito de lavagem(competência definida pelo crime antecedente, originador do dinheiro lavado) e o
crime organizado, na sua quase totalidade, competem à Justiça Estadual, foram "especializadas varas" a
exemplo da Justiça Federal.
Os ilustres Procuradores da República Vladimir Aras e Carla Veríssimo de Carli, baseados nos dados do
Ministério Público Federal(MPF), Polícia Federal(PF) e Conselho da Justiça Federal(CJF) apuraram a
persecução contra a lavagem de dinheiro entre os anos de 2004 e 2008 objetivando apresentá-los ao
Gafi(Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro ou FATF - 'Financial Action Task Force on
Money Laundering'.)
Em 2004, foram recebidas 350 notificações de operações suspeitas(originárias do Coaf e Bacen). O MPF
instaurou 235 procedimentos insvestigatórios. Não foram apurados dados sobre o número de inquéritos,
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ações penais ou sentenças.
Em 2005, recebidas 324 comunicações de operações suspeitas. O MPF instaurou 195 apurações. Não
foram apurados dados sobre o número de inquéritos, ações penais ou sentenças.
Em 2006, recebidas 370 comunicações de operações suspeitas. O MPF instaurou 204 investigações. A
Polícia Federal abriu 2.228 inquéritos. Ajuizadas 462 ações penais pelo MPF. Sentenciados pela Justiça
Federal 21 processos, com 14 condenações e 7 absolvições. Não há dados sobre as instâncias recursais.
Em 2007, recebidas 489 comunicações de operações suspeitas. O MPF instaurou 286 investigações. A
Polícia Federal abriu 1.311 inquéritos. Ajuizadas 187 ações penais pelo MPF. Sentenciados pela Justiça
Federal 33 processos, com 30 condenações e 13 absolvições. Não há dados sobre as instâncias recursais.
Em 2008, recebidas 347 comunicações de operações suspeitas. O MPF instaurou 294 investigações. A
Polícia Federal abriu 1.289 inquéritos. Não houve ajuizamento de qualquer ação pelo MPF, tampouco
sentença da Justiça Federal. Vale notar nesse 2008, além da lavagem de dinheiro, estão incluídos nos
dados os delitos contra o sistema financeiro, fato que eleva a estatística.
'Data venia', demonstrada está a baixa persecução. Ainda mais se considerado que não apontadas
persecuções relativas a fotos ocorridos no interior dos Estados e desaforados às capitais, sedes das varas
pespecilizadas em lavagem - VELD's.
Varas na capital, impunidade no interior.
'Brasil não pune lavagem de dinheiro, diz relatório'(manchete principal da Folha de São Paulo, 15.02.10,
reportando relatório do Gafi).
Havendo transnacionalidade, lavagem mediante trânsito de numerários entre vários países, regra geral, será
competente a Justiça Federal. Como pontifica o Procurador da República Vladimir Aras, o Brasil é signatário
de várias convenções que preveem criminalização da lavagem(v.g., Mérida, Palermo e Viena), incidindo o
art. 109, V, da Constituição.
Sem enfrentar o desaforamento dos foros interioranos ao da capital, caso concreto de deslocamento da
persecução de uma vara da capital à especializada, o STF, órgão plenário, por larga maioria, declarou
constitucional a especialização(Rel. Min. Cármen Lúcia, HC 88660/CE, 15.08.08, Inf. do STF nº 506).
Vide abordagem mais detida desses órgãos de exceção no tópico DA JURISDIÇÃO.
A lavagem de dinheiro é a criminalização do pós-delito.
A reserva legal, tipicidade, é das conquistas mais caras das garantias individuais, submetendo o ?jus
puniendi? do Estado ao devido processo legal substantivo(vide tópico - DA DOGMÁTICA - DA DEFESA - "
nullum crimen sine lege")
A tipicidade não circunscreve, restringe, apenas as condutas puníveis, mas também exime da sanção
antefatos e pós-fatos desses comportamentos incriminados.
Assim, do "iter criminis", qual seja, cogitação, preparação, execução, consumação e exaurimento, típicos
são apenas a execução e consumação.
Todas as demais etapas são impuníveis.
Todavia, a gravidade de determinados delitos impõe que a defesa social seja acautelada mediante a
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criminalização de "ante factum" e "post factum" daqueles comportamentos.
Exemplo clásico de antefato é o delito de quadrilha(art. 288 do CP), ato preparatório ao fim buscado(v.g.,
crime do 'colarinho branco', roubo, estelionato, homicídio, etc.).
De "post delictum", é o caso da receptação(art. 180 do CP), conduta que seria mero exaurimento dos crimes
contra o patrimônio.
Nesse âmbito, situa-se a criminalização da lavagem de dinheiro, ou seja, pós-fato de delitos especificamente
indicados pelo legislador(art. 1º da Lei nº 9.613/98).
Relevante identificar a natureza da lavagem para valorar adequadamente sua real
reprovabilidade(culpabilidade). Sendo pós-delito, obviamente que não é de exceder ao do crime originário da
pecúnia imunda(v.g., corrupção, tráfico, etc.).
Note-se que as penas da lavagem, notadamente quando considerada causa de aumento(art. 1º, §4º, da Lei
nº 9.613/98), com freqüência, ultrapassam as sações dos delitos originários.
Embora o Magistrado possa fazê-lo na fixação da pena base(art. 59 do CP), erroneamente, não houve
qualquer equalização explícita entre as penas, de sorte que a lavagem do narcotráfico e a de contrabando
de cigarros tem cominação idêntica de sanção.
De outra parte, cometeram-se imperdoaveis omissões no elenco dos crimes originários(art. 1º da Lei nº
9.613/98). Exemplo contundente é o dinheiro advindo de crime hediondo, assassinato mediante
pagamento(art. 121, §2º, I, do CP c/c art. 1º da Lei nº 8.072/90). Aqui, reedita-se filme em cartaz há década.
Quando da edição desta lei dos crimes hediondos(8.072/90), incrivelmente, também esqueceram de incluír o
delito de maior hediondez, o homicídio qualificado. Precisou o "streptus? pelo assassinato da atriz global
Daniela Perez para remendar-se(Lei nº 8.930/94).
Verdade que, uma vez perpetrado mediante organização criminosa(art. 1º, VII, da Lei nº 9.613/98), qualquer
delito que gere recursos enseja imputação por lavagem de dinheiro: homicídio mediante paga, sonegação
fiscal, etc.
Em suma, embora lesiva a lavagem, jamais pode-se perder de vista que a prioridade sempre deve ser a
repressão ao crime originário: corrupção, 'colarinho branco', tráfico de entorpecentes, extorsão mediante
seqüestro, etc.
De per si, a Lei nº 9.613/98 é instrumento mais do que suficiente á idônea repressão. A dificuldade, como
sempre, está no precário funcionamento das instituições, ?in casu', do Coaf.
Nesta Lei nº 9.613/98, há dois instrumentos de grande eficiência no combate à lavagem: a)registros, bancos
de dados, dos segmentos econômicos mais propícios à lavagem, emprestando vasto subsídio à instrução
criminal(art. 10 da Lei nº 9.613/98); b)comunicação compulsória de operações suspeitas(art. 11 da Lei nº
9.613/98).
A definição do conteúdo dos registros, bancos de dados, bem assim das operações suspeitas é normatizado
por atos sublegais.
Aonde há órgão próprio de controle, a exemplo do sistema financeiro(Banco Central), mercado de
capitais(Comissão de Valores Mobiliários), mercado segurador(Susepe), etc., essas instituições normatizam.
Residualmente, inexistindo órgão específico, cumpre ao Coaf.
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Assim, há regulamentação no comércio imobiliário(Resolução 001/99), "factoring"(Resolução 02/99),
distribuição de prêmios mediante sorteio(Resolução nº 03/99), comércio de jóias, pedras e metais
preciosos(Resolução nº 004/99), jogos de bingo e assemelhados(Resolução nº 05/99), cartões de
crédito(Resolução nº 06/99), bolsa de mercadorias(Resolução nº 07/99), comércio de obras de arte e
antigüidade(Resolução nº 08/99), monitoramento das 'pessoas politicamente expostas', ou seja, agentes
políticos que exercem funções cruciais no Estado Brasileiro(Resolução nº 16/07). etc.(vide
www.fazenda.gov.br/coaf aonde também constam os normativos dos demais órgãos de controle tipificando
conduts suspeitas de lavagem, sujeitas à notificação compulsória)
Embora esses segmentos econômicos sejam os mais propícios, evidente que a lavagem de dinheiro não
restringe-se a eles. Há infinitas formas de perpetrar o delito, inclusive valendo-se do Poder Judiciário, v.g.,
ajuizando ações indenizatórias aberrantes, mediante prévio concluio com o réu à condenação, visando dar
orgem à pecúnia imunda.
Através dos demais ramos do Poder Público, igualmente.
Caso típico das loterias oficiais, cujos cartões premiados não são identificados(loto, sena, etc.), permitindo
sua livre alienação a titulares de dinheiro sujo. "Loteria ou lavanderia? Relatório mostra que 75 pessoas, em
sete anos, ganharam 4.300 vezes na loteria, R$ 32 milhões."(Revista Veja, 07.03.07). Vide Folha de São
Paulo, 12.09.04, retratando políticos "sortudos", repetidamente acertadores da loteria oficial.
A identificação, além de prevenir a lavagem, daria segurança ao apostador, cuja perda ou furto do bilhete
priva-o do prêmio.
Rico documentário sobre o ?modus operandi" da lavagem, compilado por organismos internacionais de
combate ao ilícito, está condensado na obra: "100 Casos de Lavagem de Dinheiro"(vide
www.fazenda.gov.br/coaf)
Simples conta de laranja, de per si, pode caracterizar o ilícito, "verbis":
"Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização.
O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes
de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de "lavagem de capitais"
mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º,
caput): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a
complexidade dos exemplos de requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a
literatura(HC 80.816-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 226 -DJU 18.06.01
O Coaf integra vários organismos internacionais que congregam agências de combate à lavagem de
dinheiro, com eles interagindo, permutando informações, investigações (vide www.fazenda.gov.br/coaf).
São as FIU - "financier intelligence unity" -, ou seja, unidades financeiras de inteligência de diversos países
que associam-se para auxílio mútuo, sabida a transnacionalidade da delinqüência organizada, "a fortiori", da
alucinando dinâmica da lavagem de dinheiro.
Essas FIU atuam como filtros, ou seja, tal qual o Coaf, recebendo comunicações suspetias de lavagem,
procedendo breve apuração, enviando-as, após, às autoridades judiciárias.
Sobre as defecções do Coaf, vale conferir a tese de mestrado de Gerson Luís Romantini. Entre 1998 e 2002,
das mais de 18 mil notificações de operações suspeitas recebidas pelo COAF, apenas 02 foram
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encaminhadas à Polícia Federal(vide www.unicamp.br)
Em apenas 03 anos o sistema financeiro procedeu 15 mil notificações de operações suspeitas("sic"). A
fonte é oficial, do então Presidente do Coaf, Marcos Caramuru, e do então Chefe-Adjunto do Departamento
de Combate a Ilícitos Cambiais - DEFIC - do Banco Central, Celso Gomes de Souza, por ocasião do
Seminário Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro, realizado em 27.08.03(sítio Consultor Jurídico,
28.08.03).
Em 2004, o sistema financeiro procedeu 7 mil notificações de operações suspeitas. Em 2005, entre janeiro e
outubro, foram 11 mil. Dessas, até out/2005, o Coaf encaminhou às autoridades judiciárias 1.500
representações(dados fornecidos pelo Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, na
abertura da Reunião Plenária conjunta sobre Tipologias, encontro de representantes do Gafi, Grupo de Ação
Financeira sobre Lavagem de Dinheiro, no RJ - Folha de São Paulo, 29.11.05).
A maioria dessas delações de operações suspeitas advém do sistema financeiro. Elas estão tipificadas pelo
Banco Central, Carta-Circular nº 3.461/09.
Atendendo a Convenção da ONU contra a Corrupção(Decreto nº 5.687/06), vale destacar a Circular Bacen
nº 3.461/09, a qual determina especial vigilância bancária sobre ativos de agentes políticos e familiares, '
pessoas politicamente expostas'. Igualmente, a Resolução 16/07 do Coaf.
Segundo levantamento do DRCI(Departamento de Recuparação de Ativos e cooperação Jurídica
Intrnacional), órgão do Ministério da Justiça, o montante de pessoas investigadas e processadas por
lavagem de dinheiro subiu de 1.008 para 5.414 no ano de 2005, atingindo 866 condenados entre 2005 e
2006(Folha de São Paulo, 01.12.06).
O montante das notificaçãos por Estado está divulgado no sítio oficial do Coaf.
Aberrantemente, o Coaf, órgão de Justiça, persecução criminal, está vinculado ao Ministério da Fazenda,
órgão de arrecadação. Óbvio que deveria estar subordinado ao Ministério da Justiça!
Pior! Sua composição é exclusiva de subordinados do Executivo(art. 16 da Lei nº 9.613/98). Sendo o Coaf
órgão destinado à apuração de delito sujeito à ação pública incondicionada, lavagem de dinheiro,
incrivelmente, o titular privativo da ação penal, o Ministério Público, seja o Federal ou dos Estados, não está
representado.
Implicados agentes políticos, especialmente o situacionista, comprometida a independência do Coaf.
No Governo FHC, o obscuro corretor que enriqueceu à sombra do tucanato, a cuja investigação pela
Procuradoria da República o Coaf sonegou providências(vide "O Corretor dos Poderosos" - Revista Isto É
Dinheiro, 07.08.02).
No Governo Lula, escândalo do "mensalão", milionária distribuição de propina a base aliada no Congresso
Nacional, o Coaf não notiticiou ao Ministério Público os vultosos saques em espécie de Marcos Valério(Belo
Horizonte-MG), clássica e crassa evidência de dinheiro sujo.
Criado para ser a polícia da lavagem de dinheiro, o Coaf passou a policiar o Ministério Público, a quem
incumbe processar os autores da lavagem, opondo toda sorte de embaraços à obtenção de dados às
respetivas persecuções.
Desde sua criação, reuniu-se em raras oportunidades.
Além disso, o Coaf, integrando entidades internacionais que congregam agências de combate à lavagem -
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FIU -, permuta informações sob o compromisso de elas não serem usadas para fins judiciários("sic").
Em resumo, arapongagem.
Óbvio que o Coaf não confunde-se com a ABIN, cujas apurações tem fins institucionais extrajudiciais, fora
do nececessário controle judicial, uma vez que sob a vigilância do Congresso Nacional(Lei nº 9.883/99).
Demonstração cabal da confusão de identidade do Coaf(órgão de investigação judiciária vs. inteligência), é
expresso nas representações ao Ministério Público, através do RIF('Relatório de Inteligência Financeira'), no
qual são destacadas operações suspeitas(v.g., movimentações em conta corrente desprovidas da
comprovação de capacidade financeira, saques em espécie na conta corrente, etc.), bem destacado, "verbis
":
"NÃO DEVE SER DADA CIÊNCIA DAS INFORMAÇÕES CONSTANTES DESTE RELATÓRIO ÀS
PESSOAS ENVOLVIDAS OU SEUS REPRESENTANTES"
Ora, claro que, "ab initio', como garantia da eficàcia da apuração, mormente medidas probatórias incisivas,
mediante outorga judicial(v.g., busca e apreensão domiciliar de documentos, quebra de sigilo bancário,
prisão temporária, interceptação telefônica, etc.), por excelência unilaterais, do investigado seja subtraída a
ciência do apurado.
Entretanto, procedida a instrução, notadamente em sede de imputação(ajuizada denúncia) ou constrição de
direitos(v.g., prisão, seqüestro de bens, etc.), claro está que à Defesa deve ser franqueado, na íntegra, a
investigação, incluindo sua origem, a fim de ser sindicada sua legalidade, podendo ser impugnada, v.g., por
desvios do Coaf, fato que pode fulminar a 'persecutio criminis', especialmente nas situações em que
inexistirem outras provas idôneas à condenação ou, embora presentes, tenham sido originadas da ilícita,
vício que também as contamina, consoante a doutrina dos frutos da árvore envenenada, "fruits of the
poisonous tree"(STF, HC 74.478-8, Rel. Min. Ilmar Galvão, Informativo do STF nº 64)
Coroando o desvio de função, é invocada pelo Coaf a Lei nº 8.159/91, a qual trata da "Política Nacional dos
Arquivos Públicos"("sic"), notadamente art. 23, §1º, o qual dispõe sobre informações que afetem a
segurança da sociedade ou do Estado, bem assim a intimidade das pessoas.
Nenhuma relação! O Coaf é orgão de investigação judiciária, destinado a subsidiar a apuração dos delitos
de lavagem de dinheiro, auxiliando a Polícia Judiciária e o Ministério Público. Nada tem com "inteligência" de
Estado!
O poder visível é pressuposto da ordem democrática!
STF, Min. Celso de Mello, "verbis':
"A Constituição da República, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos
básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder
visível.
O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e não tolera o
poder que se oculta. Com essa vedação, o constituinte pretendeu tornar efetivamente legítima, em face dos
destinatários do poder, a prática das instituições do Estado."(Habeas Data 75/DF, Informativo do STF nº
446).
Portanto, além de arvorar-se em "dominus litis", ao seu bel-prazer decidindo o que pode ou não ser lavagem,
pouco enviando ao Parquet, permite-se a apurações sobre delitos de ação pública, devassando a intimidade
de pessoas, eximindo-se de qualquer controle judicial.
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A legislação é categórica, restringindo a atuação do Coaf às áreas "... para as quais não exista órgão próprio
fiscalizador .."(art. 11, §3º, 14, §1º, da Lei nº 9.613/98)
O maior volume de notícias sobre operações supeitas advém do sistema financeiro. Embora muito aquém do
delatado, o Banco Central estava representando ao Parquet.
Percucinte diagnóstico do Coaf foi elaborado pelo Tribunal de Contas da União, auditoria operacional
disponível no sítio oficial do órgão(Acórdão 1213/2005, Processo 020.664/2003-2).
Descoberta megaquarilha no Estado de SC, especializada em roubo, receptação e desmonte, inclusive
transnacional(Argentina), de veículos luxuosos, descobriu?se categórica movimentação suspeita de lavagem
de dinheiro que não fora delatada ao Banco Central. Conta de octagenária aposentada do INSS, salário
mínimo, testa-de-ferro que titulava mais de 40 Camionetes Toyota/Hillux 4x4, movimentando, através de
procurador, acima de R$ 8 milhões, etc.
O co-gestor da empresa criminosa era o ex-gerente da própria agência do Banco do Brasil mantenedora da
conta, então já aposentado.
O 'Parquet' representou ao Banco Central para fins de aplicação da multa administrativa ao Banco do Brasil
pela omissão na delação.
Em resposta, Ofício Decif/Gabin 2004/36, 21.01.04, Ricardo Liao, Chefe do Departamento de Combate a
Ilícitos Cambiais e Financeiros, embora o explícito comando pela multa(art. 12, §2º, IV, da Lei nº 9.613/98),
respondeu que a pena pecuniária é aplicada apenas quando, detectada a omissão pelo Banco Central,
advertida a instituição financeira, esta não sana o ilícito(art. 12, §2º, I, da Lei nº 9.613/98).
Em suma, a omissão é penalizada apenas quando, uma vez descoberta, o banco, posteriormente, não
remete a comunicação do que já foi descoberto("sic").
De forma geral, as representações do Coaf ao Ministério Público trazem. tão somente, face ao sigilo
bancário, a notícia do crime, com discriminação do quantum movimentado e período.
Ao Coaf, as instituições financeiras bancos enviam a notícia da operação suspeita, restando a
documentação que lastreia as operações ilícitas nos bancos.
Assim, ao Parquet o Coaf remete um calhamaço de papéis, como se fosse um extrato bancário pulverizado:
cada folha traz um lançamento bancário, a crédito ou a débito, sem nenhuma identificação maior(origem e
destino). Vale dizer, nada de apuração.
De positivo, refira-se que, quando não implicadas as alta autoridades da República, o Coaf é diligente na
prestação de informações requisitadas pelo Ministério Público e Judiciário, inclusive em tempo real, ?on-line
", às autoridades devidamente cadastradas. Elabora preciosas peças investigativas, a exemplo do
RIF(Relatório de Inteligência Financeira), através do qual cruza inúmeros dados(v.g., depósitos e saques de
pessoas físicas e jurídicas que ostestam algum vínculo negocial, antecedentes criminais constantes do
Infoseg, etc.).
Identicamente, o DRCI(Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional)
criado no âmbito do Ministério da Justiça, objetivando concretizar os acordos entre o Brasil e outros países
na seara criminal(v.g., produção de provas, extradição de criminosos, repatriamento de dinheiro produto de
delito, etc.) tem seu funcionamento pautado pelos interesses do Executivo, Folha de São Paulo on-line, "
verbis":
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"Comando da operação abafa é de Márcio Thomaz Bastos
Funcionários do Ministério da Justiça, a mando do ministro Márcio Thomaz Bastos, são os principais
responsáveis pelo ritmo lento das investigações a respeito da origem do dinheiro do mensalão. Fazem tudo
como se obedecessem os ritos legais necessários, mas abusam dos cuidados com o objetivo de esfriar a
crise até o abafa final *a CPI dos Correios termina na metade de dezembro.
Na semana passada ocorreu um fato emblemático a respeito da lentidão das apurações. Estavam em Nova
York duas equipes brasileiras em busca de documentos para identificar a origem do dinheiro ilegal que
abasteceu o valerioduto e os partidos aliados de Lula dentro do Congresso.
Uma equipe em Nova York era a do delegado da Polícia Federal Luiz Flávio Zampronha. A outra equipe era
a de Antenor Pereira Madruga Filho, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça.
O chefe de Zampronha e de Madruga é a mesma pessoa: Márcio Thomaz Bastos. Ocorre que o controle da
PF é muito menor do que se imagina. Já o tal departamento comandado por Madruga é um órgão sempre a
serviço do governo.
Zampronha tentava convencer as autoridades responsáveis de Nova York a respeito da necessidade de o
Brasil receber imediatamente os documentos de contas bancárias e empresas suspeitas de terem
abastecido o valerioduto. Só esses documentos poderão deixar claro de onde veio a dinheirama ilegal
recebida pelo marqueteiro malufo?petista Duda Mendonça.
No meio do caminho de Zampronha apareceu a equipe de Antenor Madruga. O funcionário do DRCI (na
realidade, uma mulher), a mando de Márcio Thomaz Bastos, alegou ser temerário entregar a documentação
para a PF brasileira ou para os integrantes das CPIs em curso no Congresso. Com outras palavras, o DRCI
deixou escapar que "vazaria tudo para a imprensa".
O resultado foi o óbvio. As autoridades de Nova York decidiram entregar os papéis apenas para o Supremo
Tribunal Federal do Brasil. Daí, até esses documentos chegarem à PF e às CPIs o caminho é longo e
demorado.
Quem esteve em Nova York e apurou com as autoridades locais teve a sensação de que a equipe de
Madruga insinuou não ser uma má idéia se os papéis chegassem ao Brasil só em janeiro do ano que vem. A
CPI dos Correios já teria terminado. O Congresso estaria em recesso. Melhor do que isso, impossível. Abafa
total.
Esse prazo de janeiro não deve ser atendido. Até o início de novembro a documentação deve chegar ao
STF. O próximo passo será o ministro do Supremo Joaquim Barbosa analisar os papéis e encaminhá?los
para onde achar necessário. A CPI vai pedir. A PF vai pedir. E o Ministério da Justiça vai recomendar
cautela.
Como estará muito em cima da hora do final da CPI, a chance de abafa dos dados não é pequena. Se assim
ocorrer, será mais uma vitória de Márcio Thomaz Bastos. Ele já foi um dos mais acionados governistas no
período em que se divulgou a versão do caixa 2 para toda a dinheirama do valerioduto. Agora, prestará mais
um serviço para Lula ajudando a esfriar de uma vez o clima da crise."
Dr. Thomaz Bastos, notório brilhante advogado criminalista, natural que o Exmo.. Ministro da Justiça do
Goveno Lula, pródigo em desvios(vg., CPI?s dos Correios, Bingos, etc), fosse guindado à condição de
primeiro ministro, assoberbado a todo instante em encontrar teses defensivas à quotidiana esbórnia com a "
res publica".
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Mais! O Dr. Thomaz bastos, flagrado na expatriação de recusos via CC5 quando da quebra pela CPI dos
Bancos(Sistema Financeiro), ao assumir no Governo Lula, declarou que confessou e pagou cerca de R$ 1
milhão de tributos à Receita Federal. Em síntese, confessou delito valendo-se dos benefícios do colarinho
branco, entre outros, pagar quando interessa(vide tópico DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA).
Mais! Há outros milhões não registrados na CC5. "Ex-cliente liga Bastos a conta no exterior. Engenhiero
afirma ter pago, em 1993, US$ 4 milhões no exterior para o atual ministro da Justiça, que nega a transação.
"(Folha de são Paulo 12.06.06).
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