Ensaio Introdutório - Development in Practice

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Ensaio Introdutório - Development in Practice
Desenvolvimento e o Setor Privado: Interesses do Consumo
Editado por Deborah Eade e John Sayer
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Faça mais o bem, prejudique menos: o desenvolvimento e o setor privado
John Sayer
Nenhuma discussão fundamentada sobre crescimento eqüitativo, conquista dos direitos,
efeito da globalização sobre as pessoas pobres ou conquista das Metas de
Desenvolvimento do Milênio (MDGs) podem ocorrer de maneira adequada sem levar
em conta o papel do setor privado. Contudo é surpreendente o quanto o debate sobre
pobreza, tanto em conferências como em publicações, concentra-se nas tarefas e
responsabilidades de governos, ONGs e organismos de ajuda internacional. Em tais
discussões, o mundo dos negócios está escondido nas sombras, visto
desconfortavelmente como um homem tatuado em um encontro para tomar chá.
Esta edição do Development in Practice examina alguns dos debates a respeito do papel
dos negócios privados no processo de desenvolvimento. Esses debates vão desde
acusações que o setor empresarial é parte do problema até argumentos de que ele pode,
ou deve, fazer parte da solução.
As empresas estão conosco nessa longa empreitada. O debate sobre se o setor privado
deve ou não ser substituído por algum outro sistema de produção e distribuição tem se
tornado marginal. Longe de estar sendo consumido por suas próprias contradições
internas, as empresas estão se expandindo e agora exercem influência em escala global.
As vendas conjuntas das 200 maiores corporações do mundo são maiores do que as
economias somadas de todas as nações excetuando-se as dez maiores nações (Anderson
e Cavanagh 2000). Essa vasta economia deveria oferecer às corporações uma imensa
influência política e social. Embora os governos nacionais e instituições internacionais
não tenham conseguido desenvolver mecanismos de governança adequados a um
sistema econômico globalizado, as empresas têm prosperado nesse playground
planetário.
Os debates de hoje em dia estão preocupados com o lugar que as empresas e mercados
ocupam na sociedade, e em como controlar os excessos e fracassos, em vez de se
preocuparem com a necessidade fundamental ou substituição possível do capital
privado. Para países em desenvolvimento, o desafio da política é criar um ambiente que
incentive o crescimento dos negócios, comércio e investimento estrangeiro, enquanto
garante que as políticas sociais compartilham os benefícios do crescimento mais
eqüitativamente, no que Andrew Sumner chama de um "dilema precário entre atrair
investimento direto estrangeiro e manter instrumentos de política para extrair
benefícios”.
A natureza do setor privado
É tentador, ao discutir o setor privado e o desenvolvimento, concentrar-se totalmente no
papel das corporações transnacionais (CNTs) dos países em desenvolvimento. É aqui
que as mais apaixonadas discussões ocorrem sobre o bem e o mal, o humilde versus o
hegemônico e onde observações sobre o impacto de tais corporações possuem uma
grande clareza para os admiradores e detratores.
Na verdade, porém, a maioria das atividades do setor privado em qualquer economia é
pequena e doméstica. O setor privado inclui os conglomerados locais bem-sucedidos,
empresas de pequeno e médio porte (EPMs) e cooperativas de mulheres do tipo
elogiado por aqueles que podem condenar empresas maiores, assim como a amorfa − e
vital − economia informal. Até mesmo empresas locais de pequeno porte operam no
mercado. Elas também são guiadas pela maximização do lucro e são capazes de fugir de
suas responsabilidades quanto ao meio ambiente ou aos seus funcionários quando
acham que podem fazê-lo impunemente. Em muitos aspectos, a distinção entre a CNT e
a microempresa é apenas de escala de influência e impacto.
Até mesmo divisões aparentemente claras como os negócios locais em oposição aos
negócios estrangeiros tornam-se indistintos quando se examina joint ventures,
investimentos em ações, licenças, franquias e produção subcontratada. Em alguns casos,
o setor privado é em grande parte controlado por membros itinerantes da diáspora de
uma nação. Investimento comercial, financeiro e indireto não requerem que uma
empresa coloque uma placa em um dado país, mas eles certamente afetam o
desenvolvimento econômico do país.
Os economistas diferem de opinião quanto a se a pequena ou grande empresa é quem dá
a maior contribuição ao crescimento econômico nacional. Questões de influência
política injusta e forte impacto econômico são menos provavelmente levantadas em
relação às pequenas e médias empresas, embora elas sejam responsáveis por cerca de 90
por cento das empresas na maioria das economias de mercado, tipicamente empregando
metade da população ativa (International Finance Corporation 2004). As pequenas e
médias empresas tendem a ser favorecidas por aqueles preocupados com o
desenvolvimento porque elas são normalmente intensivas em mão-de-obra e assim
criam mais empregos − normalmente na ponta inferior do mercado, mais adequada às
pessoas pobres e em áreas onde não existem outras oportunidades de emprego. Uma
assistência ao desenvolvimento significativa cria condições para promover o
crescimento de pequenas e médias empresas e Julian Oram e Deborah Doane
argumentam em apoio a elas como um caminho para o desenvolvimento sustentável.
Além disso, como empresas locais, as pequenas e médias empresas não podem tão
facilmente ser acusadas de introduzir valores estranhos; de fato, Tim Coward e James
Fathers destacam o papel que o desenho industrial pode desempenhar no incentivo ao
artesanato local.
As pequenas e médias empresas são freqüentemente mais vulneráveis às mudanças nas
condições políticas ou econômicas do que seus irmãos e irmãs corporativos maiores.
Linda Loebis e Hubert Schmitz oferecem o exemplo dos exportadores de móveis da
região central de Java, Indonésia e examinam uma série de problemas que esses
produtores enfrentam, além de algumas intervenções positivas possíveis. Discutindo o
caso de Timor Leste, Takayoshi Kusago analisa a promoção do desenvolvimento do
setor privado em prol dos pobres em locais pós-conflito, enquanto Ben Moxham alerta
que intervenções que visam dar apoio ao crescimento das pequenas e médias empresas
não serão sustentáveis se elas forem impostas de cima para baixo e apressadamente. Um
grande impedimento que as pequenas e médias empresas enfrentam nos países em
desenvolvimento diz respeito ao acesso desigual ao crédito, que por sua vez tem
aumentado cada vez mais a importância do microcrédito dentro das despesas gerais de
desenvolvimento. Begoña Gutiérrez Nieto revela algumas das questões envolvidas em
uma intervenção de desenvolvimento destinada a estimular a ponta menor do setor
privado.
Analisando respectivamente as políticas dentro da África do Sul e as parcerias entre
firmas na Dinamarca e em Gana, Søren Jeppesen, John Kuada e Olav Jull Sørensen
ilustram que o contexto em que as corporações operam, assim como as próprias firmas,
varia consideravelmente de natureza. Uma série de políticas precisa ser empregada para
extrair benefícios de desenvolvimento dessa diversidade complexa, que inclui o
contexto histórico específico. O setor privado opera em uma posição muito diferente em
economias abertas do que ele opera, por exemplo, em economias sob reforma que estão
emergindo de décadas de planejamento central e estão agora buscando políticas de
liberalização econômica. Empresas privadas que estão crescendo da base para cima
enfrentam desafios bem diferentes daquelas que estão tentando transformar os
monopólios do Estado em empresas privadas, em que parte dos ganhos imediatos do
crescimento pode ser caracterizada como potencial econômico não realizado de
"equiparar-se", artificialmente restringido por sistemas anteriores de controle
econômico. Algumas economias em reforma estão simultaneamente liberalizando
sistemas políticos e sociais, desenvolvendo a transparência política e a sociedade civil
tão importantes para controlar a corrupção, exploração e marginalização que a
liberalização econômica pode causar. Outras mantêm o poder político centralizado, o
que por sua vez suscita questões sobre as conexões entre a liberalização econômica e
política. Henrik Schaumburg-Müller oferece idéias sobre o processo de reforma no
Vietnã.
O setor privado e o crescimento
O desenvolvimento, no sentido de aliviar a pobreza generalizada e permitir que a grande
maioria de pessoas obtenha seus direitos, envolve a criação de riqueza e sua
distribuição.
Existe prova convincente de que o crescimento econômico é uma pré-condição para o
alívio sustentável da pobreza. Em economias de mercado, o setor privado é a principal
máquina desse crescimento. As corporações desempenham um papel-chave na criação
de empregos, na contribuição de receitas de impostos, nas divisas internacionais, na
geração de finanças, na conquista do acesso a novos mercados, na transferência ou
desenvolvimento de tecnologia e habilidades administrativas e na provisão de bens e
serviços em maior quantidade, melhor qualidade e mais baratos.
Os produtores rurais, a economia informal, os empregados autônomos e as remessas de
trabalhadores migrantes certamente contribuem para a criação de riqueza nos países em
desenvolvimento. Mas todos os casos significativos de países desenvolvendo-se até o
ponto onde a pobreza foi dramaticamente reduzida ocorreram em situações onde
empresas maiores tornaram-se uma parte importante da economia e, mais geralmente
ainda, onde essas empresas estão envolvidas com o comércio internacional e onde o
setor privado tem atraído investimento estrangeiro substancial.
Há pouca evidência de que o desenvolvimento pode ser alcançado a partir de uma base
não-industrial, descentralizada, desvinculada do comércio e do investimento
internacional (Kitching 1982). Os exemplos mais notáveis de países que têm retirado
um número impressionante de suas populações da pobreza desde a década de 1950,
mais notavelmente as economias do Leste Asiático, têm também experimentado altas
taxas de crescimento que são atribuídas, pelo menos em parte, ao estímulo criterioso do
comércio internacional e do investimento internacional. Alguns argumentariam que
outros fatores, tais como os altos níveis de investimento social com eqüidade, foram os
responsáveis pelo sucesso. China e Vietnã realmente fizeram esse tipo de investimento,
mas embora esse último tenha sido acompanhado por políticas de planejamento central,
autonomia econômica e regulação do mercado, os níveis de pobreza permaneceram
inaceitavelmente altos. Foi quando esses governos implementaram reformas de mercado
em suas economias domésticas e abriram as portas ao comércio e ao investimento
internacional que a pobreza caiu dramaticamente.
O argumento de que o crescimento do Leste Asiático ocorreu sob condições de proteção
e oportunidades de comércio que não podem ser reproduzidas hoje merece exame. O
acesso aos mercados dos países desenvolvidos está se tornando mais fácil uma vez que
a via dupla do comércio tem sida liberalizada. A defesa da garantia de termos de troca
favoráveis para os países menos desenvolvidos é reconhecido por todos, exceto os mais
extremados adeptos do livre comércio. Contudo, os tipos de controle de importação e
exportação sob os quais as economias de Hong Kong, Malásia e Vietnã experimentaram
altas taxas de crescimento foram muito distintos (Watkins 1998; Stiglitz 1996).
Mas embora a riqueza que as corporações produzem possa estimular o crescimento
nacional, tal crescimento possui seus críticos. Ainda que não apresente uma alternativa
claramente articulada ou amplamente consensual aos negócios privados ou ao mercado,
o atual movimento anti-capitalista incorpora conceitos do feminismo e ambientalismo
em adição ao socialismo, argumentando que colocar a busca do crescimento econômico
acima de outros objetivos é desnecessário e mesmo prejudicial à obtenção de uma
sociedade justa e sustentável.
O crescimento traz com ele mudanças nos padrões de emprego e desorganiza as frágeis
oportunidades produtivas que as pessoas pobres têm conseguido estabelecer. Aqueles
setores tradicionais, superados pelas mudanças, incapazes de ajustar-se e sujeitos aos
preços elevados que freqüentemente acompanham o crescimento, podem tornar-se ainda
mais pobres em economias de elevado crescimento. O meio-ambiente, e aqueles que
dependem de ecossistemas vulneráveis para sua sobrevivência, podem também ser
vítimas do crescimento econômico. Os teóricos da Economia podem considerar as
dificuldades que alguns grupos sociais encontram em economias em rápida
transformação como problemas puramente transitórios ou de ajustes de curto-prazo.
Mas as pessoas pobres que enfrentam essas transições econômicas de curto-prazo
poderiam sugerir uma variação da famosa frase de Keynes: “no curto-prazo, todos nós
estaremos mortos”.
A questão aberta para os governos é equilibrar crescimento macroeconômico com
medidas para dar apoio àqueles cujos meios de sobrevivência são destruídos pelo
impacto transitório daquele crescimento. É na distribuição dos benefícios do
crescimento que a maior parte das críticas ao setor privado é concentrada.
O setor privado e a distribuição equânime
Todos aqueles preocupados com as questões reais do desenvolvimento olham além do
desempenho do crescimento macroeconômico. O desenvolvimento em um sentido pleno
diz respeito às vidas de todas as pessoas, particularmente os mais pobres cuja
sobrevivência imediata é associada mais à questão do acesso a recursos produtivos e
oportunidades do que ao produto nacional bruto. O desenvolvimento envolve alcançar
os direitos de toda a população aos meios de vida e serviços, bem como às condições
que permitem e o viabilizam.
Claramente, o crescimento sozinho não leva automaticamente à redução da pobreza. Há
muitas países em que a elite rica usufrui os benefícios do crescimento enquanto milhões
vivem em terrível pobreza. Existem países em que as empresas, particularmente
empresas extrativas, fazem fortunas acima das cabeças das comunidades, que não vêem
nenhum benefício ou, pior, tornam-se pobres pela perda da terra e degradação de seu
meio-ambiente.
Os termos que governam a aceitação do investimento estrangeiro e comércio serão a
base que sustenta o nível de benefício que é trazido. E nós esperamos que os governos
tomem medidas, através de impostos, normas de emprego, regras de investimento,
serviços sociais, etc, a fim de garantir que o crescimento seja associado à melhor
distribuição da riqueza e das oportunidades para o benefício de toda a população.
Tudo isso parece interessante: as empresas produzem crescimento econômico, enquanto
os governos implementam legislação social que garanta que a riqueza produzida
também beneficie aqueles em maior necessidade. Mas esse cenário desconsidera duas
questões. Primeiro, as empresas também realizam negócios em Estados falidos, Estados
em guerra e Estados com governos fracos, corruptos ou incompetentes. Aqui, elas
podem ativamente explorar a situação, subornando governos ou estimulando guerras ao
pagar líderes militares por direitos de exploração de minerais ou outros bens. Segundo,
mesmo onde o governo é adequado, as corporações são propensas a usar todos os meios
para mudar as condições externas em seu favor.
Atividade corporativa em detrimento do desenvolvimento
Trabalhadores: condições, direitos e salários
As empresas são, naturalmente, criticadas sob o argumento de que elas exploram
trabalhadores, mulheres e crianças em sua força-de-trabalho. As empresas nos países
industrializados, embora ainda realizando lucros, de fato oferecem salários que
garantem um padrão de vida que vai além das necessidades básicas, permitindo que os
trabalhadores participem e exercitem seus direitos na sociedade. Nos países em
desenvolvimento, muitas vezes esse não é o caso e pessoas que trabalham para o setor
privado são empregadas sob condições que não proporcionam a elas habitação
adequada, saúde, nutrição, serviços educacionais, segurança e outros direitos.
Os marxistas argumentariam que a exploração ocorre igualmente em economias em
desenvolvimento e desenvolvidas, representando uma contradição fundamental,
insolúvel entre trabalho e capital. A incidência de uma crescente disparidade entre os
salários ordinários e a grande riqueza da classe dirigente, e o hiato crescente entre ricos
e pobres, mesmo em países ricos, pareceriam dar apoio ao renascimento da boa e velha
análise de classe.
Mas a questão do desenvolvimento é talvez mais adequadamente enquadrada em termos
de se as empresas oferecem salários e condições de trabalho justos e decentes, antes de
se ou não elas estão explorando seus empregados. Além do trabalho corrente do
movimento sindical, a OIT possui um programa detalhado que examina o conceito de
trabalho decente (International Labour Office 2000; Somavía 1999).
O movimento sindical é a força mais antiga de oposição ao setor privado, funcionando
igualmente em países desenvolvidos e em desenvolvimento com variados graus de
efetividade. Compreensivelmente, os sindicatos têm tendido a concentrar suas energias
na obtenção de melhores salários e condições de trabalho para seus membros, além da
expansão de seu número de filiados. Ao fazer isso, eles têm freqüentemente enfrentado
a repressão do setor privado assim como dos governos.
Fundamentais para a questão dos direitos dos trabalhadores são o direito de organização
e a liberdade de associação. Contudo, o fator de atração das zonas livres de comércio
estabelecidas em vários países em desenvolvimento, com o propósito de estimular o
investimento privado, tem sido a suspensão explícita dos direitos dos sindicatos dentro
delas. A China, destino de uma maciça proporção da indústria manufatureira leve
mundial, permite o funcionamento apenas de sindicatos oficiais, administrados pelo
governo. Os esforços dos trabalhadores para organizar sindicatos independentes ou
protestar contra más condições de trabalho têm sido enfrentados violentamente (Human
Rights Watch 2002).
Se o desenvolvimento é visto como um esforço para tornar as vidas das pessoas
progressivamente melhores, então a avaliação da qualidade do emprego deve ser
comparada aos modos de sobrevivência alternativos disponíveis aos trabalhadores das
fábricas. Por exemplo, as condições de trabalho enfrentadas pelas mulheres operárias
migrantes devem ser comparadas às suas vidas nas propriedades rurais e vilas. Apesar
dos baixos salários, jornadas longas e más condições de vida, o trabalho na fábrica pode
comparar-se favoravelmente à vida de desempoderamento econômico e social e
dominação masculina na unidade familiar rural (Kabeer 2000). Esse não é um
argumento contra a luta pelo avanço dos direitos dos trabalhadores, mas sim contra as
demandas para o fim da migração em busca de emprego industrial como um
componente do desenvolvimento.
Competição injusta
A competitividade das corporações, particularmente quando ela envolve empresas
maiores e mais poderosas, não é benigna. Nós vemos isso em nossas próprias
sociedades: grandes cadeias de lojas sufocam as lojas individuais locais, enquanto o
poder de compra dos supermercados tornam impossível a competição dos pequenos
proprietários rurais ou que os produtores negociem preços justos.
Em países em desenvolvimento, o problema é uma questão de vida ou morte ainda mais
séria. A diferença em tamanho entre as grandes corporações e pequenos produtores é
ainda mais pronunciada. Simplesmente competindo legalmente dentro do mercado, as
grandes corporações podem ter um impacto enorme sobre os produtores pequenos e
sobre preços de terras e propriedades, oportunidades de trabalho, condições de trabalho
e migração. Em outras palavras, as grandes empresas exercem um impacto profundo
sobre as pessoas pobres. Corporações estrangeiras, com todos os seus recursos extras,
podem destruir pequenos competidores locais e monopolizar mercados. A diferença
maciça em tamanho entre firmas ou produtores em competição freqüentemente resulta
na negação de acesso aos menores.
Em termos de comércio internacional, como oposto ao investimento, as empresas são
acusadas de destruir os negócios locais ao venderem produtos baratos aos países em
desenvolvimento. A maior crítica se concentra nas exportações de produtos subsidiados,
particularmente produtos agrícolas da União Européia e dos Estados Unidos. Mas
mesmo onde os produtos não são subsidiados, há um debate acerca da justiça em
permitir que enormes empresas estrangeiras entrem em competição com pequenos
produtores locais, na medida em que as primeiras usufruem de vastas vantagens em
termos de economias de escala, tecnologia, sofisticação de marketing e reservas
necessárias para manter os preços baixos e promover guerras de preços.
Fazendo lobby para obter primazia
Além de intimidar e assediar, as grandes corporações também são capazes de dar a
maçã mais bonita de presente para a professora. Grandes empresas possuem um bemsucedido histórico de pressionar governos nacionais pelos seus interesses, influenciando
leis, licenças, regulamentos e acordos internacionais em seu favor. Quando fracassa uma
ofensiva baseada no charme, as empresas são bastante capazes de intimidar e assediar
governos também. As ameaças de transferência de produção para outro lugar podem
produzir resultados na forma de suspensão de impostos, infra-estrutura subsidiada,
relaxamento das regras sobre poluição ou legislação anti-sindical.
O poder do lobby corporativo estende-se além dos governos nacionais para incluir
organismos internacionais como a OMC, o FMI e o Banco Mundial, que podem por sua
vez impor regras comerciais ou condições de empréstimos a governos nacionais. As
empresas também exercem enorme, freqüentemente não supervisionada, influência
sobre órgãos menos destacados e que estejam envolvidos em pesquisa científica. As
empresas de alimentos e farmacêuticas têm influenciado os relatórios e recomendações
de agências especializadas das Nações Unidas para que favoreçam suas vendas.
Empresas de petróleo e de energia têm buscado influenciar a opinião científica a
respeito da seriedade do aquecimento global (Korten 1995; Oxfam et al. 2002).
Quando as atividades empresariais privadas são mostradas como causando problemas
ambientais, de saúde, de segurança ou de outro tipo para trabalhadores ou
consumidores, surge uma conhecida seqüência de respostas, através das quais as
empresas buscam desorganizar e atrasar qualquer ação sobre a questão:
• Ιgnorar os relatórios e falar de outras coisas.
• Contestar os fatos e procurar desacreditar a pesquisa ou o pesquisador.
• Reivindicar mais pesquisa.
• Financiar e influenciar organismos de pesquisa e pesquisadores.
• Estabelecer organizações e coalizões de defesa da indústria.
• Reivindicar auto-regulação.
• Lobby para regulação mais leve.
Tal comportamento vem sendo testemunhado em empresas engajadas na produção e
marketing de farmacêuticos, cigarro, produtos químicos, petróleo, alimentos,
automóveis, leite infantil e álcool, entre outros
Em alguns casos, a motivação para tal comportamento escorregadio envolve medo de
maciças ações compensatórias, tais como aquelas enfrentadas pelas indústrias de
amianto e cigarro na Europa e Estados Unidos. Nos países em desenvolvimento, as
corporações podem ser capazes de modificar essa estratégia, confiantes que fumantes do
Terceiro Mundo ou vítimas do amianto não possuam recursos para entrar com processos
judiciais bem-sucedidos.
De forma mais animadora, nós temos encontrado algumas empresas que têm dado
passos adiante na sua resposta às críticas.
• Chamando os críticos ao diálogo sobre a questão e possíveis soluções.
• Anunciando novos códigos, estratégias, participando em coalizões éticas e
realizando mudanças nos valores corporativos.
• Divulgando essa nova “abordagem de responsabilidade” como parte da
identidade e produtos da companhia.
• Integrando sistematicamente (mainstreaming) políticas socialmente responsáveis
por todas as cadeias de oferta e distribuição.
Destruição ambiental
Uma outra importante crítica da atividade do setor privado diz respeito à destruição do
ambiente natural e poluição do planeta. As corporações transnacionais enfrentam
acusações de transferência de processos sujos e poluentes para países em
desenvolvimento, onde as leis são frouxas, parcamente cumpridas e o acompanhamento
público é pequeno. Por outro lado, deve ser lembrado que, segundo algumas medidas,
os países mais poluídos do mundo encontram-se no antigo bloco soviético da Europa
Oriental e na antiga URSS. Naturalmente, tal poluição foi um produto da
industrialização, não da atividade do setor privado como tal. Uma vez que as empresas
são agora os instrumentos incontestáveis da industrialização, elas são hoje a causa da
maciça poluição. As questões de controle e regulação são centrais para resolver esse
problema, mas também os são os debates acerca da forma e extensão da industrialização
como um todo, independentemente de se isso envolve a indústria estatal ou privada.
Para os países em desenvolvimento, a questão diz respeito ao grande número de
demandas e aos recursos escassos. Qual o nível que se pode permitir de deterioração do
meio-ambiente em um corrida pelo crescimento antes de que o custo humano e
ecológico supere os benefícios e mesmo reduza tal crescimento? Os países devem
desenvolver-se ao ponto de que eles possam fugir do problema ambiental, ou isso é um
enorme, irreversível passo à beira do precipício? Os países em desenvolvimento estão
cometendo os mesmos erros que os países industrializados, mas mais rapidamente? Ou
os avanços em tecnologia podem permitir uma limpeza mais efetiva assim que a
economia tiver crescido e antes de que um dano irreversível ocorra? Nós podemos
esperar que o setor privado possa tornar-se o instrumento para resolver as questões da
poluição e a confusão ambiental, assim como foi o instrumento pelo qual a poluição foi
levada a tais níveis?
A dívida e o setor privado
Os que se dedicam às campanhas contra a dívida do Terceiro Mundo notam que os
bancos comerciais estimularam previamente boa parte daquela dívida. Várias das
iniciativas de alívio da dívida envolvem empréstimos de governos nacionais ou agências
multilaterais tais como o Banco Mundial, enquanto os bancos comerciais têm até agora
evitado muito da ira do movimento anti-dívida.
O setor financeiro é também atacado por facilitar o pagamento de baixos impostos
através da criação de paraísos fiscais e de estruturas corporativas e financeiras
complexas que minimizam as obrigações fiscais. As empresas financeiras são acusadas
de expor os países em desenvolvimento a enormes riscos ao especularem
agressivamente em suas moedas, commodities e preços de ações. A crise financeira do
Leste Asiático em 1997 foi considerada responsável por um forte crescimento na
pobreza em países como a Indonésia, destruindo anos de melhorias sociais. Muitos
atacaram a especulação internacional e as instituições e estruturas financeiras como
causadoras do problema.
O impacto social de produtos e processos
Para as empresas produtoras de armas ou cigarros, pode-se dizer que seu negócio central
ou produto principal tem um impacto negativo sobre o desenvolvimento. A campanha
contra a promoção de leite infantil em pó nos países em desenvolvimento é o exemplo
mais lembrado ao definir-se como meta um produto que se considera ter tal impacto
negativo. Mas quando o principal produto é por si só intrinsecamente ou potencialmente
prejudicial, tal fato suscita questões fundamentais sobre o que deveria ser a
responsabilidade social corporativa (RSC) para tais empresas.
Além da destruição ambiental, as empresas são acusadas de destruir culturas, tradições e
modos de vida à medida que elas conduzem seus negócios. O impacto da indústria
extrativa sobre o uso ou propriedade de terras tradicionais é uma questão controversa,
assim como é o impacto mais amplo da rápida abertura das áreas remotas sobre os
povos locais que ali vivem.
A introdução e promoção de novos produtos buscam alterar o gosto e estilos das
pessoas. Sociedades, processos e produtos mais antigos e tradicionais podem ser
particularmente vulneráveis ao marketing agressivo dos novos produtos, que são
freqüentemente dirigidos às mulheres. No caso de roupas, remédios ou itens
alimentícios, por exemplo, os produtos e práticas tradicionais, muitos dos quais com
significado cultural e social, podem ser ameaçados.
Mais extremo ainda é o impacto social das empresas que negociam com uma ou outra
das facções em guerra no contexto de um conflito armado, a fim de obter direitos de
exploração mineral ou de outro tipo. Em tais casos, as empresas têm sido acusadas de
financiar violência e destruição.
Governos, sociedade civil e o setor privado
O papel reduzido dos governos
Muitos governos passaram a acreditar que a desregulamentação dos mercados,
privatização, diminuição dos impostos e leis trabalhistas e ambientais mais frouxas são
a única forma de manter a competitividade internacional (Marsden 2004). Nos países
em desenvolvimento, tal desregulamentação não foi necessariamente uma estratégia
econômica apoiada com simpatia, mas foi antes uma condição para receber a muito
necessária assistência das instituições financeiras internacionais ou para qualificar para
a participação como membro da OMC. Embora os governos do hemisfério norte podem
decidir não exercer controles adequados sobre as empresas como um meio de atrair
investimentos, os governos do hemisfério sul freqüentemente não possuem capacidade e
recursos para assumir uma papel regulatório mais efetivo, se eles escolherem isso ou
não.
No espaço deixado por governos menores as ONGs têm ocupado um lugar. Elas, como
o setor corporativo, têm crescido em tamanho e influência na era da globalização. Elas
têm expandido seu papel e se tornado uma força que se contrapõe ao poder corporativo
sem controle. Através de sua capacidade de influenciar a mídia e a opinião pública, e
mesmo de mobilizar as pessoas nas ruas, as ONGs têm exercido pressão sobre o setor
corporativo. Alguns acreditam que elas têm alcançado o poder de garantir ou retirar uma
“licença social” (Warhurst 2001) e agora representam uma forma de “regulação civil”
(Bendell 2000). (Bob Frame sugere, porém, que a integridade de uma agência é
colocada em xeque a menos que ela acompanhe os padrões exigidos pelas empresas.)
O ativismo da sociedade civil contra os excessos das corporações tem sido ajudado
pelas rápidas transformações na tecnologia de informação. Notícias de comportamento
inadequado das corporações alcançam o público quase imediatamente e aqueles
afetados adversamente podem comunicar-se e realizar campanhas internacionais mais
facilmente e barato do que antes. Com a intermediação das estruturas sindicais e redes
de ONGs, moradores de vilas que se deparam com a mortandade de peixes nos rios
devido à ação de mineradoras, ou trabalhadores da indústria de vestuário cujos cartões
de ponto são confiscados antes do início das horas extras, podem levar rapidamente seus
problemas à atenção dos consumidores do mundo desenvolvido e colegas trabalhadores
no escritório central.
O engajamento de dois setores em ascensão da sociedade globalizada – CNTs e ONGs –
em questões do desenvolvimento equânime e sustentável possui significado profundo
para o destino do processo de desenvolvimento como um todo. A resolução desse
relacionamento será um fator determinante no alcance do objetivo de aliviar a pobreza
em massa neste mundo pequeno e interdependente.
O setor privado e os serviços vitais
No mundo inteiro, as empresas têm cada vez mais sido contratadas para fornecer
serviços antes considerados de responsabilidade do Estado ou do governo local. Em
países em desenvolvimento, isso pode não corresponder necessariamente à crença do
governo na efetividade da privatização, mas antes a de constituir uma resposta à pressão
externa para liberalizar e desregular o setor de serviços. Independentemente dos
motivos, a tendência é de envolvimento do setor privado no fornecimento de água,
educação, transporte, comunicações e saúde. Como resultado, o setor privado cada vez
mais tem se envolvido em componentes essenciais do processo de desenvolvimento,
que pode levar as empresas a lidar diretamente com as pessoas pobres e comunidades
necessitadas.
Quando uma empresa privada fornece um serviço, ela freqüentemente se concentrará
naqueles aspectos que oferecem os melhores retornos. O desejo de obter lucro pode
resultar em corte de serviços em áreas onde as pessoas sejam menos capazes de pagar e
em áreas mais remotas onde os custos indiretos sejam maiores. Em ambos os casos, isso
significa menos serviços para as pessoas pobres.
A privatização da oferta de serviços assume diferentes formas. Em alguns casos, o setor
privado engaja-se em desenvolvimento infra-estrutural de larga escala. Gabriel Tati
descreve os sucessos e fracassos dessa estratégia no Congo. Os riscos econômicos
relacionados ao investimento estrangeiro em serviços privatizados são retratados no
artigo de Leopoldo Rodríguez-Boetsch sobre a Argentina. Kevin Tayler oferece uma
abordagem bem diferente, baseada na observação de que quando o governo falha em
fornecer serviços para as pessoas mais pobres, fornecedores de água e saneamento
pequenos, informais e geralmente ilegais muitas vezes parecem atender a demanda.
Uma estratégia eficiente em termos de custo pode ser a de legitimar e apoiar esses
serviços, provendo empregos para as pessoas pobres e serviços mais confiáveis para a
comunidade. David Hall, Emanuele Lobina e Robin de la Motte explicam como a
sociedade civil e a oposição política têm desafiado abordagens de cima para baixo
relativas ao abastecimento de água e saneamento privatizados.
O que é claro a partir dessas contribuições é que a chave para a privatização bemsucedida é, paradoxalmente, o efetivo envolvimento do governo. Os termos
estabelecidos quando os serviços são privatizados e a gestão cotidiana da atividade por
órgãos reguladores são cruciais para o sucesso do processo de privatização.
Pressão por mudança
A antiga divisão de papéis, em que as empresas concentravam-se exclusivamente no
crescimento, dentro da lei, enquanto os governos davam atenção às questões de
eqüidade, através da lei, está chegando ao fim. Paralelo ao crescimento do poder
corporativo tem havido um crescimento nas demandas e expectativas de que as
empresas sejam transparentes e acessíveis, em escala global, com relação ao impacto de
suas ações sobre o meio-ambiente, trabalho e direitos humanos.
Os acionistas podem agora ser participantes (stakeholders) e diferentes tipos de
participantes podem ser acionistas, como ilustrado por Barbara Hayes e Bridget
Walker. Os acionistas de uma empresa podem agora incluir os tipos de pessoas que
tomariam parte de um boicote de consumidores ou escolheriam um produto de comércio
justo (Simpson 2002). Tais acionistas não querem ouvir que seu investimento está
prejudicando o meio-ambiente ou explorando crianças no mundo em desenvolvimento.
A concentração de poder e riqueza representada pela globalização está sendo
confrontada por um crescente movimento de oposição, que também é global em escopo.
Protestos de grande estaque são agora dirigidos para organismos multilaterais tais como
a OMC, o Banco Mundial, a OCDE, a UE e os encontros do G8. Os que protestam
argumentam que essas organizações são controladas pelas grandes empresas e usam sua
autoridade global primariamente em seu interesse (Juniper 1999; Newell 2000). O
recente colapso da Enron e WorldCom devido à desonestidade financeira, bem como
revoltas de acionistas no Reino Unido contra enormes pacotes de vencimentos de
executivos, têm trazido a atenção para a ética e a responsabilidade social das
corporações internacionais gigantes. Os críticos mais radicais vêem as CNTs como uma
força anti-social que é responsável por poluição e pobreza. Diversas campanhas
populares são dirigidas contra empresas específicas, como aquelas envolvidas na
produção de sementes geneticamente modificadas ou produtos esportivos de marca
produzidos por trabalhadores mal pagos (Canadian Democracy and Corporate
Accountability Commission 2002).
Os argumentos econômicos em favor da ação pró-desenvolvimento das empresas
Os argumentos econômicos para a responsabilidade corporativa com relação à pobreza e
ao desenvolvimento são apoiados em várias pilares.
A primeira é a proposição de que sociedades robustas tornam possível a existência de
empresas bem-sucedidas. Qualquer organização legal que espera operar no mercado se
beneficiará de sociedades estáveis, bem governadas, que possuam trabalhadores e
consumidores saudáveis e com formação educacional. Há um interesse generalizado em
sistemas de comércio e financeiros abertos, previsíveis e baseados em regras claras.
Operar em uma sociedade com ambiente deteriorado, altos níveis de doenças,
vulnerabilidade à mudança climática e segurança precária leva a maiores custos com
pessoal, segurança e seguros. Os negócios não podem desenvolver-se em sociedades
que estão falindo. A perda humana e o conflito social que resultam da pobreza minam o
potencial do mercado.
O problema com o fato de apelar ao setor privado para que invista em um sociedade que
seria favorável para o seu próprio sucesso é que as empresas tendem a comportar-se
como os prisioneiros em um dilema. Elas adorariam que todas outras empresas
pagassem altos salários a seus trabalhadores, que são seus consumidores potenciais, e
que pagassem por um meio-ambiente limpo e saudável em que elas pudessem operar.
Mas para maximizar seus próprios lucros, elas gostariam de educadamente desculpar-se,
externalizar todos os custos que puderem e pagarem a seus trabalhadores os menores
salários possíveis. Melhorar a sociedade em geral é um investimento de longo prazo,
enquanto muito do comportamento empresarial é de curto prazo.
Um segundo aspecto dos argumentos econômicos para a RSC das empresas diz respeito
à gestão do risco de reputação. Existem riscos de mercado e financeiros associados com
a operação em uma sociedade com condições de trabalho, ambientais e sociais
deterioradas. Mas há também um risco de reputação associado com a obtenção de lucros
e contratação de trabalho barato em um país onde os pais não possuem recursos para
mandar seus filhos à escola e onde as pessoas estão morrendo devido à inexistência de
cuidados médicos, habitação ou alimentos adequados. Em uma era de crescente
escrutínio público da conduta corporativa, campanhas maiores e cobertura mais efetiva
na mídia das ONGs e sindicatos mais destacadas, as empresas não podem realizar seus
negócios tão confortavelmente em países pobres se não forem vistas como enfrentando
a desigualdade. Enquanto a pressão por controles mais rígidos sobre a conduta das
empresas aumenta nos países em desenvolvimento, aquelas que agirem voluntariamente
ganharão a vantagem de ser “pioneiras”. As empresas que são forçadas a reagir após a
legislação ou crítica, arriscam-se a ter maiores custos e pior reputação. Uma empresa
que seja vista como parte do problema antes do que parte da solução sofrerá prejuízos
em sua reputação ou sua marca, o que irá afastar consumidores.
Uma boa reputação traz benefícios internos e externos. As empresas que possuem
respeito público terão mais facilidade de recrutar e preservar os melhores e mais
inteligentes trabalhadores assim como de manter elevado o estado de espírito de sua
força de trabalho. Tanto trabalhadores como gerentes, continua o argumento, estão mais
e mais desinteressados em separar sua moralidade pessoal e profissional.
Terceiro, o desenvolvimento de produtos e serviços que enfrentam os desafios sociais e
ambientais apresenta novas oportunidades comerciais. Como um mercado, as pessoas
pobres compensam sua falta relativa de poder de compra com seu peso em número.
Concentrar-se no atendimento das necessidades das pessoas pobres pode, como se
argumenta, ser uma forma de lidar com importantes necessidades de desenvolvimento
ao mesmo tempo em que são abertos novos mercados lucrativos.
O mercado na base da pirâmide
Prahalad e Hart (2002) argumentam que as empresas podem descobrir novos mercados
lucrativos na “base da pirâmide” entre as pessoas mais pobres da sociedade (agora
renomeadas como a “base da pirâmide” pelos politicamente pudicos). As CTNs, os
autores sugerem, são particularmente bem posicionadas para implementar tal
orientação, uma vez que elas possuem os recursos, habilidades gerenciais e
conhecimento necessários para construir a infra-estrutura comercial, além de serem
melhor situadas para atender as necessidades do setor mais pobre do mercado. Prahalad
and Hart desafiam cinco premissas corporativas: os pobres não são a meta corporativa;
os pobres não têm os meios para consumir os produtos; somente mercados
desenvolvidos pagarão por nova tecnologia; a faixa inferior do mercado não é
importante para os interesses corporativos de longo prazo; e que a excitação intelectual
encontra-se nos mercados desenvolvidos (Waddell 2000).
Outros argumentos econômicos para a responsabilidade social geral das empresas são
que uma companhia que é vista como tendo um efeito benéfico no hemisfério sul será
capaz de elevar suas vendas para consumidores eticamente conscientes e atrair
investidores eticamente sensíveis no hemisfério norte. Isso é particularmente verdadeiro
no caso das “marcas” de roupas e roupas esportivas que estão vendendo uma imagem
além da utilidade imediata, um argumento apresentado por Carolina Quinteros como
central para a sobrevivência da indústria manufatureira de vestuário da América Central.
As empresas que não lidam diretamente com o público são correspondentemente menos
expostas ao escrutínio do público. O público normalmente não compra máquinasferramentas, grânulos de poliestireno, navios ou ração para gado. Igualmente, muitas
empresas locais e mesmo CTNs baseadas nos países em desenvolvimento, onde a
sociedade civil e a mídia são menos avançadas, podem evitar a escala de escrutínio ou
crítica enfrentada pelas CNTs do hemisfério norte.
Em certos setores, em certos períodos da evolução corporativa, várias partes do
argumento econômico para a responsabilidade ativa das empresas em relação aos países
em desenvolvimento podem ser válidas. Mas os argumentos econômicos para a RSC
vão somente até aqui. Analistas céticos sugerem que a maior parte da atividade de RSC
é motivada muito mais pela busca de redução de risco do que pelo aumento de
reputação. Algumas análises de custo-benefício muito rígidas são feitas antes de as
empresas decidirem pagar por melhor conduta ambiental ou social, ou mesmo obedecer
a lei. Se a penalidade é menor do que o custo de instalar equipamentos mais limpos, tem
sido registrados casos em que as empresas pagam a multa e continuam poluindo.
A despeito de muitas versões de um argumento econômico para o comportamento
corporativo responsável, as empresas freqüentemente se deparam com a escolha entre
lucros e ética. Pode-se fazer dinheiro pressionando, sendo evasivo, acobertando,
desviando a atenção, minimizando ou simplesmente desconsiderando as normas
ambientais, trabalhistas e sociais. Isso é feito ainda mais facilmente em países menos
desenvolvidos onde governos, sindicatos e associações de consumidores são menos
capazes de descobrir e denunciar as transgressões.
Os críticos das soluções para a pobreza baseadas no mercado são diretos: a lógica do
mercado é imutável e é certo que ele volte suas costas para a África e, na verdade, para
qualquer área pobre, remota e subdesenvolvida. O mercado concentrará as vendas onde
os consumidores estão concentrados, acessíveis e prósperos. O mercado concentrará a
produção onde os custos são menores em termos de trabalho adequadamente
qualificado, matérias-primas, regulação, impostos e as necessárias estruturas técnicas,
gerenciais e financeiras, ou onde a produção tem melhor acesso aos consumidores.
Podem haver alguns mercados menores que valham a pena desenvolver entre os muito
pobres, mas esses são limitados. Teorias de acumulação endógena e teorias tradicionais
de acumulação do capital não se aplicam às partes pobres, remotas, esparsamente
habitadas, acometidas por doenças, do planeta.
(Sachs 2004). O mercado nunca foi o mecanismo para enfrentar problemas sociais
sérios, nem o será.
Joe Bakan (2004) refere-se às corporações como psicopatas institucionais, que são
exigidas por lei a externalizar o quanto possível dos seus custos. Assim, o autor
argumenta que é absurdo esperar que elas voluntariamente dêem prioridade à
responsabilidade social ou ao comportamento motivado pelas preocupações éticas.
Os céticos da reforma argumentam que qualquer empresa que dê um passo para assumir
mais responsabilidade social será vista como ineficiente e tornar-se-á suscetível à
aquisição por empresas especializadas em fusões e aquisições. Uma vez que os
investimentos em ações ocorrem internacionalmente, as empresas que investem em
preocupações ambientais e sociais podem ser acusadas de gestão ineficiente, sendo
devoradas por invasores sem piedade vindos de longe do horizonte. Os proponentes da
regulação sustentam que, em tais circunstâncias, é somente através da imposição de
normas compulsórias internacionais que as empresas se tornarão, de maneira
simultânea, socialmente responsáveis e lucrativas.
Em última instância, contudo, se os argumentos econômicos ou empresariais para uma
boa conduta corporativa forem insuficientes, os cidadãos e seus governos devem
continuar a defender o argumento moral, social e político da CSR.
Iniciativas corporativas: faça mais o bem, faça menos o mal
Existem três áreas abrangentes em que as empresas podem prestar a atenção quanto ao
seu impacto sobre o processo de desenvolvimento: a atividade econômica central,
programas filantrópicos e advocacy de política (Nelson 1996). A área mais importante e
imediata delas envolve mudanças de uma atividade econômica central da companhia,
sendo que muitos autores deste número discutem os sucessos e fracassos dos programas
de CSR.
O impacto das operações de uma companhia envolve bens e serviços que ela produz,
bem como o impacto sobre o trabalho, meio-ambiente e sociedade resultante da maneira
com que ela se organiza para produzi-los. É possível conceber uma empresa produzindo
óculos baratos para o mercado africano enquanto polui os rios locais com metais
pesados, ou uma que agressivamente comercialize leite em pó para crianças no Terceiro
Mundo ao mesmo tempo em que possua um excelente histórico de relações de trabalho
e bem-estar de seus empregados.
Historicamente, a filantropia foi a manifestação central da preocupação social
corporativa e ela ainda ocupa um papel importante na definição e análise da RSC nos
EUA, onde a tradição filantrópica é forte. Nos anos recentes, empresas importantes têm
reconhecido que a responsabilidade social deve em primeiro lugar preocupar-se com sua
área de negócios central, devendo atingir a organização como um todo, da sala da
direção ao galpão das caldeiras. Para diferenciar as dimensões filantrópicas e internas da
RSC daquele papel social mais pró-ativo que as empresas podem exercer como parte de
uma estratégia central, alguns autores têm proposto o termo “investimento social
corporativo” e “liderança social corporativa”.
O empreendedorismo social é uma outra área de crescente interesse. A definição de uma
empresa social está longe de ser fixa, mas elas são organizações que possuem algumas
características tanto de ONGs quanto de empresas privadas. Uma empresa com valores
sociais fortemente articulados, e um compromisso de prover bens e serviços que
contribuam para as necessidades da seção desfavorecida da comunidade, pode ser
considerada uma empresa social. Assim também podem ser classificadas as ONGs que
são financiadas mais através de taxas e vendas do que por auxílios, que possuam
algumas das características organizacionais e gerenciais mais comuns no setor privado.
Embora haja claramente espaço para o crescimento, o movimento da empresa social tem
ainda de enfrentar os desafios da escala, dos interesses econômicos e políticos
arraigados e a tendência das ONGs, sem contar as empresas sociais, de colocar a saúde
financeira organizacional à frente da missão e dos valores ao igualar e confundir ambos.
O termo “responsabilidade social corporativa” é ainda um útil termo geral para a
necessidade das corporações levarem em conta as questões ambientais e sociais. Entre a
maioria das grandes CTNs, o debate acerca da forma, extensão e sinceridade da
responsabilidade social corporativa permanece vibrante e significativo. Quando uma
corporação importante faz uma mudança incremental em suas políticas e práticas, isso
tem um impacto mais profundo sobre as vidas de mais pessoas do que as posições mais
espetaculares de empresas menores que criam um nicho de mercado baseado em suas
abordagens éticas de destaque, como sorvetes Ben and Jerry ou The Body Shop. Essas
últimas empresas podem no entanto apontar o caminho ou oferecer inspiração que será
um dia acolhida pelas grandes do petróleo.
Para cada entusiasmado expoente de programas de RSC, porém, existe um crítico cético
e articulado. Os críticos da natureza voluntária da RSC, e os perigos dela tornar-se algo
superficial, clamam por “transparência social corporativa”, enfatizando a necessidade de
padrões externamente determinados, geralmente de natureza compulsória.
Filantropia corporativa
Embora os debates correntes sobre RSC sejam dirigidos para o impacto das práticas
empresariais centrais, nós não deveríamos desconsiderar as contribuições filantrópicas
que as corporações podem fazer para um desenvolvimento equânime. Programas
filantrópicos e sociais estão também começando a refletir uma maior consciência do
impacto ambiental e social que pode resultar da principal atividade da empresa. Certos
produtores de automóveis e empresas de geração elétrica têm introduzido programas
compensando as emissões de carbono de suas atividades e seus produtos mediante
financiamento, por exemplo, de projetos de reflorestamento. Várias empresas de
mineração têm concentrado seus programas de saúde e ambientais mais diretamente nas
comunidades afetadas pela sua atividade (veja, por exemplo, a contribuição de Trevor
Goddard).
Outras empresas, em vez de doarem fundos para entidades de caridade tradicionais e
conhecidas, têm percebido que sua filantropia pode refletir suas qualificações e
capacidades. Empresas de telecomunicação e de informação estão crescentemente
tornando técnicos e equipamentos disponíveis para as agências de ajuda. Empresas
farmacêuticas têm destinado estoques de produtos para doações e têm ajudado com os
planos de contingência das agências de ajuda. Bancos e outras empresas financeiras
estão olhando para questões do microcrédito para produtores pobres, remessas e outros
serviços financeiros pró-pobres, bem como sistemas de transferências que reduzam a
corrupção.
Códigos de conduta
Até os anos 1990, a RSC foi vista como envolvendo o pagamento de impostos, o
fornecimento de um produto de qualidade, a oferta de emprego e a obediência da lei.
Hoje, códigos de conduta tratam de uma grande quantidade de questões referentes à
responsabilidade corporativa quanto ao meio-ambiente, aos trabalhadores e a sociedade
como um todo. Os códigos têm proliferado em vários níveis. Iniciativas globais incluem
o Pacto Global da Secretaria Geral das Nações Unidas e as normas da OCDE. As
iniciativas em indústrias incluem o Conselho Florestal de Representantes e o Conselho
Marinho de Representantes das indústrias de madeira e DIY, abrangendo pesca e frutos
do mar. Além desses, há uma grande quantidade de códigos individuais internos de
empresas.
A relação entre códigos de conduta e desenvolvimento requer o exame dos beneficiários
desejados e reais. Como Sumi Dhanarajan mostra, os códigos com padrões que soam
bonito sobre as condições ambientais e de trabalho não necessariamente tratam
diretamente de questões dos salários justos, pobreza ou desigualdade no país
hospedeiro. Muito freqüentemente, as empresas pagam a implementação dos padrões
ambientais e instalações no local de trabalho que estão previstas no código e repassam o
custo extra para as empresas na forma de salários mais baixos. Mesmo onde os códigos
garantem o bem-estar dos empregados na fábrica da companhia ou na cadeia de
produção, esses trabalhadores podem representar uma elite da força-de-trabalho entre a
pobreza generalizada.
É mais fácil para os produtores maiores atenderem as exigências dos códigos, assim
como é muito mais fácil e mais eficiente em termos de custo para um comprador auditar
e monitorar produtores maiores. Mesmo aqui, o custo de auditoria é algumas vezes
assumido pelo fornecedor. Existem também economias de escala em coisas como
manipulação segura e estocagem de materiais, de modo que os custos de atendimento
das exigências novamente favorecem os produtores maiores. Há um perigo, portanto, de
que os códigos de conduta levem a uma concentração da produção em fábricas maiores
de fornecedores ou fazendas maiores. Pequenas oficinas, propriedades rurais familiares
e trabalhadores domésticos tendem a perder encomendas de empresas com códigos de
conduta amplos e bem monitorados. Entretanto, esses grupos estão entre os
trabalhadores mais pobres, para quem os códigos de conduta são elaborados para
beneficiá-los.
Valerie Nelson, Adrienne Martin e Joachim Ewert argumentam pela necessidade
de estudos mais rigorosos dos impactos dos códigos de conduta sobre seus beneficiários
pretendidos. Eles também examinam a crítica de que os códigos são criação das
corporações baseadas nos países industrializados, muitas vezes representando
exageradamente as preocupações dos consumidores, ativistas sociais e executivos mais
responsáveis naqueles países, em vez das necessidades expressas pelas pessoas que os
códigos têm por objetivo apoiar.
Jem Bendell sugere uma abordagem mais representativa para definir o que constitui o
comportamento socialmente responsável pelas empresas em uma chamada pela
democracia dos participantes (stakeholders). Helen Campbell sustenta que as
demandas por transparência corporativa devem ser baseadas em uma detalhada
compreensão dos impactos econômicos das empresas, enquanto Niamh Garvey e Peter
Newell examinam as relações de poder que cercam as demandas por tal transparência,
argumentando que mais poder deveria emergir das comunidades afetadas. Anne
Tallontire, Catherine Dolan, Sally Smith e Stephanie Barrientos
exploram o impacto dos códigos de conduta na posição das mulheres, concluindo que os
códigos sozinhos não necessariamente produzem as melhorias almejadas, e que é
realmente o trabalho na sociedade, em vez do campo dos códigos de conduta
corporativos, que irá melhorar a situação de emprego das mulheres.
Embora os códigos de conduta possam não conter todas as soluções, a compreensão
ampliada e adoção de códigos sinalizam percepções em mudança do que constitui uma
conduta corporativa aceitável.
Comércio justo e comércio ético
O movimento do comércio justo tem tido mais impacto do que a maioria das iniciativas
recentes ao elevar a consciência pública, entre jovens e mais velhos, acerca das
injustiças e desigualdades no sistema de comércio que fornece os bens que nós
compramos. O movimento tem conseguido criar empresas de comércio justo ao ponto
dessas agora competirem com empresas tradicionais em certos produtos, como café e
chocolate. O movimento está beneficiando um crescente número de pequenos
produtores em todo o mundo e aumentando o número de mercadorias elegíveis à
condição de comércio justo. A importância das ONGs em advogar e divulgar o
comércio justo entre os consumidores é examinada por April Linton.
Porém, o movimento se depara com diversos dilemas e escolhas cruciais, enquanto ele
cresce em escala e reconhecimento. As seções de comercialização do movimento de
comércio justo querem uma participação sempre maior no mercado ou elas deveriam
buscar maior influência sobre todo o comércio? O quão significativo é o perigo de que o
crescimento e fortalecimento das empresas de comércio justo se tornarão um fim em si
mesmo, obscurecendo a missão original de tornar o comércio mais justo?
O processo de desenvolver padrões internacionais para o que constitui o comércio justo
em um dado produto é cada vez mais complexo, exigindo acordos entre as numerosas
empresas e as ONGs que constituem a organização internacional de comércio justo que
define esses padrões. Uma vez que os padrões sejam definidos, um processo de
treinamento, auditoria e reconhecimento oficial é exigido antes de que o produto possa
ostentar a marca do comércio justo. Tanto o desenvolvimento de padrões e sua
implementação representam custos de transação para o movimento de comércio justo.
Embora os produtores freqüentemente recebam um preço pré-estabelecido, com o preço
mínimo garantido para seus produtos, muito do prêmio cobrado ao consumidor final dos
produtos de comércio justo precisa cobrir os custos necessários para assegurar que os
padrões adequados sejam obtidos e sustentados. Essa é uma questão estranha para um
movimento que fala em cortar os custos intermediários do comércio internacional.
Produtores no mundo em desenvolvimento investem em estruturas, conhecimento e
instalações que os permitam ganhar certificação como fornecedores de produtos de
comércio justo. Na verdade, o mercado para tais produtos não é grande suficiente para
todos terem seu produto vendido para organizações de comércio justo, especialmente no
preço garantido. As ONGs e empresas de comércio justo receberam auxílios e subsídios
substanciais para viabilizar o desenvolvimento inicial do movimento. Organizações
financiadoras ainda colocam muito dinheiro para ajudar os produtores a elevar seus
padrões com o intuito de atender aos critérios do comércio justo. Alguns vêem isso
como o apoio inicial para um sistema de mercado sustentável, enquanto outros vêem
como um subsídio apoiando o projeto de comércio justo na sua totalidade.
Com relação aos códigos de conduta corporativos, a questão central é se as iniciativas
têm melhorado as vidas das pessoas comuns. Karla Utting-Chamorro examina o
impacto do comércio justo nas vidas de pequenos produtores de café na Nicarágua,
frente a outras pressões, como dívida externa, mercados voláteis de commodities e
ausência de serviços do governo.
Diversos varejistas importantes em todo o mundo, particularmente aqueles que têm sido
objeto de campanhas críticas como a de vestuário, bens esportivos e varejistas de
alimentos, estão envolvidos em iniciativas com sindicatos e ONGs para olhar as
maneiras de fazer seu comércio mais ético. As atividades de “comércio ético” têm por
objetivo melhorar os direitos dos trabalhadores na cadeia produtiva e melhorar o
impacto ambiental e social das atividades comerciais internacionais. Aprendendo com
as políticas, procedimentos e padrões do movimento do comércio justo, os critérios para
o comércio ético normalmente representam metas e aspirações. Levando em conta as
pressões e condições atuais vividas pelos principais varejistas, eles enfrentam questões
práticas como “De que maneira nós sairemos de onde estamos agora para onde nós
desejaríamos estar?”. O trabalho, portanto, busca formas de avançar e medir as
melhorias, enquanto o objetivo é fazer todo o comércio tradicional mais ético.
Voluntarismo versus regulação
Peter Utting elabora os argumentos para a RSC voluntária e a regulação compulsória
das corporações. Ele demonstra como a co-regulação, envolvendo sindicatos, ONGs e
empresas em iniciativas multi-setoriais para desenvolver, implementar e medir
programas de RSC, reside em algum lugar entre auto-regulação e leis formais sobre a
conduta corporativa.
Existem outras áreas cinzentas entre os controles voluntários e compulsórios. Certos
mercados acionários e agências oficiais de serviços, como os serviços governamentais
de garantia de crédito de exportação, exigem adesão aos códigos internacionais de
conduta. Embora isso não constitua regulação compulsória, no sentido de que uma
empresa poderia continuar a operar sem registrar-se em uma mercado de ações
particular ou procurar certos benefícios governamentais, essas iniciativas certamente
vão além da auto-regulação.
Há os que acreditam que empresas que lideram em termos de RSC irão no final ser
motivadas a aliar-se com ONGs e sindicatos para pressionar por códigos compulsórios
de conduta corporativa, um argumento defendido por Peter Williams. Enquanto líderes
de mercado em CSR aprofundam seus próprios programas, eles desenvolverão uma
crescente aversão em perder seus negócios para empresas trapaceiras e caronas que não
fizeram os mesmos tipos de investimentos sociais. Se leis forem introduzidas, as
empresas pioneiras terão as vantagens de tornar-se as que primeiro entraram no
mercado.
O estímulo de bom comportamento em uma base voluntária não é uma alternativa à
cobrança dos governos nacionais para que as corporações prestem contas, nem às
estruturas regulatórias internacionais sustentadas por instituições internacionais fortes
que possam prevenir o surgimento do equivalente de paraísos fiscais nas questões
ambientais e trabalhistas. Códigos voluntários são uma forma imediata de reduzir o
prejuízo ambiental e o sofrimento causado pelo impacto social negativo da atuação das
empresas. Mas os códigos voluntários são também um método de elaboração e teste de
termos de referência, idéias factíveis, normas e padrões para mais conduta econômica
ética que irá, no futuro, informar a regulação nacional e internacional. Há muito em
disputa para perseguir o objetivo de longo prazo de uma melhor regulação corporativa
enquanto prejuízos continuam sendo causados, ou para acreditar que abordagens
voluntárias para esses problemas levarão a soluções sustentáveis. Nós não temos o luxo
da escolha; nós devemos implementar os dois.
Corporações e as Metas de Desenvolvimento do Milênio
Na Cúpula do Milênio em setembro de 2000, líderes políticos do mundo todo
estabeleceram um conjunto de Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs). De
várias formas, esses objetivos são um teste de nossa humanidade coletiva, nossa
moralidade comum e nossa vontade política. Eles irão se manter ou cair como pedras
em relação à genuína civilização humana.
Virtualmente ninguém pode discordar do intuito das MDMs. Elas têm como meta
reduzir a pobreza extrema e fome pela metade, alcançar educação primária universal,
eliminar a desigualdade de gênero na educação, reduzir a mortalidade em dois terços,
reduzir a taxa de mortalidade maternal em três quartos, reverter a propagação da AIDS,
reverter a incidência de malária e outras doenças e reduzir pela metade a proporção de
pessoas sem acesso à água potável até 2015.
Embora os governos tenham se comprometido com esses objetivos, a sociedade civil –
ONGs locais e internacionais – os tem abraçado como um conjunto concreto de metas
para as quais elas podem contribuir e para as quais elas poderiam fazer os governos
responsáveis.
Os resultados intermediários não são bons, mesmo se você acreditar em algumas das
menos confiáveis estatísticas estatais de regimes auto-congratulatórios. Os governos e a
sociedade civil estão bem atrás das metas enquanto o tempo passa e nós temos apenas
dez anos para o final. Os objetivos não serão alcançados sem uma maior participação e
coordenação de governos, sociedade civil e, mais importante, sem uma injeção de
energia, idéias e apoio do setor privado.
As empresas podem desenvolver produtos e serviços baratos e acessíveis. As empresas
alimentícias podem oferecer produtos que enfrentem as deficiências nutricionais. As
empresas farmacêuticas podem concentrar-se em medicamentos básicos. Empresas de
infra-estrutura podem trazer água mais limpa e energia mais barata para comunidades
pobres e remotas. Programas para reduzir o trabalho infantil podem colocar as crianças
na escola. A tecnologia pode promover a educação. As mulheres podem ser empregadas
e treinadas em maneiras que as empoderem (Nelson and Prescott 2003).
Existe uma forma perversa em que os governos algumas vezes parecem necessitar de
guerras para cristalizar vontade política e dar sentido a eles. As corporações precisarão
de mais protestos, mais escândalos, mais colapsos e mais tragédias como a de Bhopal,
antes de perceberem o papel que elas devem ocupar para ganharem um lugar à mesa em
um mundo que aspira as MDMs? Se nós ficarmos aquém dessas metas em 2015, a
comunidade de pessoas comuns em todo o mundo que questiona o significado da
globalização irá crescer. A frustração e a raiva aumentarão diante do fracasso em prover
alimento, escola e saúde para as crianças com as quais nós nos sentimos cada vez mais
próximos – todas as crianças do mundo. Nossos sistemas econômicos, instituições
políticas e estruturas sociais estarão sujeitas a revisão aos olhos de uma população
desiludida. Além de líderes políticos, as pessoas apontarão os dedos para culpar as
grandes empresas do mundo.
Impacto econômico e além
A influência das empresas sobre o desenvolvimento de nossas sociedades suscita
questões que alcançam o coração de nosso comportamento e nossas relações humanas.
A cultura corporativa não pode ser definida simplesmente como a imposição dos
interesses de uma classe dominante, ou mesmo alguma classe gerencial masculina
iluminada, sobre o resto de nós. As corporações têm evoluído em suas próprias normas
e valores de comportamento se ou não seus proprietários são grandes magnatas ou
fundos de pensão ligados aos sindicatos.
É essa cultura corporativa que nós merecemos – um reflexo do estado atual da
civilização humana, guiada pelos seus imperativos institucionais não-humanos?
Apresentando a questão de maneira diferente, estão as necessidades corporativas
moldando a sociedade ou é a sociedade capaz de moldar o comportamento corporativo?
Se a verdade reside no meio, com algum tipo de processo interativo, o quão equilibrada
é a reciprocidade? Nós queremos, de fato, que a cultura corporativa influencie nossa
cultura pessoal?
Necessariamente o impulso para competir e crescer que essencialmente orienta o
sistema de mercado limita nossa própria imaginação de um mundo onde a cooperação,
modéstia e equilíbrio teriam um papel dominante? Foi a cultura corporativa capaz de
nos deslumbrar com uma frenética multiplicidade, amplitude e diversidade, deixandonos incapazes de perceber a verdadeira estreiteza de seu propósito?
Se as corporações representam uma visão de mundo de que a acumulação de riqueza
deveria reinar suprema, pode o indivíduo solitário resistir? Os sindicatos, grupos de
consumidores e o resto da sociedade civil representam um contrapeso robusto, coletivo
e organizado à hegemonia corporativa, ou são eles somente capazes de uma reação
desesperada, ineficaz?
A identidade cultural é uma potente força social motivadora. O mundo corporativo é
relativamente estranho quando ele mostra sua face cultural. Virá a nova oposição ao
poder corporativo não daqueles economicamente empobrecidos ou explorados pela ação
corporativa, mas antes daqueles que também se sentem culturalmente ou
espiritualmente destituídos, marginalizados ou humilhados pelas mudanças de suas
vidas, mais tangivelmente representadas pelo marketing hegemônico das CTNs?
O desafio é colocar as empresas a serviço da sociedade e criar riqueza para ela, não
concentrar riqueza. É possível imaginar novas formas de propriedade e controle que
mantenham o poder e dinamismo das corporações para inovar e mobilizar recursos
eficientemente sem a necessidade de adotar um caráter cruel e buscar concentrações
obscenas de riqueza. No final, as empresas são máquinas programáveis e nós o povo,
através de nossos princípios morais, expectativas, demandas e leis, devemos escrever o
programa. Nós devemos garantir que não criemos máquinas com uma missão tão
estreita em uma escala tão grande que elas esmaguem seus criadores, os fracos e os
vulneráveis. Nós devemos programá-las para operarem a serviço de todos nós,
particularmente daqueles que estão morrendo por seus bens e serviços.
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O autor
John Sayer foi um produtor rural no País de Gales antes de mudar-se para a Ásia em
1976, realizando trabalho de desenvolvimento na Índia e depois mudando-se para o
Asia Monitor Resource Centre (AMRC) em Hong Kong, onde pesquisou o impacto da
atividade das empresas estrangeiras sobre o desenvolvimento da Ásia. Durante sua
gestão como Co-diretor da AMRC, o centro trabalhou crescentemente com os
movimentos trabalhistas da região em temas envolvendo sistemas de informação, novas
tecnologias, questões de saúde ocupacional e segurança e direitos trabalhistas. Ele
juntou-se à Oxfam Hong Kong em 1991 para liderar seu departamento de programas,
tornando-se depois seu Diretor. Ele retornou ao Reino Unido em 2001 como diretor
temporário da Oxfam Internacional, subseqüentemente dando assessoria nas relações
com o setor privado. Ele é atualmente Diretor da África Agora, uma ONG que fornece
serviços de desenvolvimento empresariais e conhecimento de mercado e financeiro para
pequenos produtores na África, e que também promove o comércio ético em favor dos
pobres. Detalhes para contato: Africa Now, 3 Collins Street, Oxford OX4 1XS, UK.
<[email protected]>