O Evangelho da Prosperidade - Alan B. Pieratt - IBM

Transcrição

O Evangelho da Prosperidade - Alan B. Pieratt - IBM
O evangelho da
PROSPERIDADE
Alan B. Pieratt
tradução de
Robinson Malkomes
Digitalizado e revisado por Micscan
Para: semeador.forumeiros.com
SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA
Caixa Postal 21.406 • CEP 04698-970 • São Paulo-SP
Copyright • 1993 de Alan B. Pieratt
Arte de capa: Melody Pieratt e Íbis Roxane
Coordenação editorial: Robinson Malkomes
Coordenação de produção: Eber Cocareli
Primeira edição: abril de 1993
Todos os direitos de publicação reservados por
SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA
Caixa Postal 21486 - 04698-970 São Paulo-SP
Conteúdo
Capítulo 1. Considerações Introdutórias 08
1. Visão Geral 09
2. Antecedentes Históricos 16
3. Prévia do Conteúdo 28
Capítulo 2. Os Ensinos da Teologia da Prosperidade 31
1. Autoridade Espiritual 33
2. Saúde e Prosperidade 47
3. A Confissão Positiva 61
Capítulo 3. Respostas ao Evangelho da Prosperidade 90
1. Autoridade Espiritual 95
2. Saúde e Prosperidade 125
3. A Confissão Positiva 153
Capítulo 4. A Cosmologia da Prosperidade 173
1. O Dualismo do Corpo e do Espírito 176
2. O Dualismo no Conhecimento 183
3. O Dualismo na Salvação 196
4. O Dualismo de Deuses 203
5. O Problema do Mal 209
Capítulo 5. A Espiritualidade do Evangelho da Prosperidade 220
1. Promessas e Exigências 221
2. Teologia da Glória — Teologia da Cruz 228
Bibliografia 230
PREFÁCIO DOS EDITORES
Uma das características do século XX na esfera teológica é a
extensa produção das chamadas "teologias de genitivo". A
elaboração de reflexões cada vez menos sistemáticas e mais
especulativas fez surgir no cenário teológico do nosso tempo as
Teologias "do Processo", "da Esperança", "da Morte de Deus",
"da Libertação", dentre outras. Por meio de um processo
progressivo de fuga da teologia sistemática tradicional, essas
teologias, com suas diversas ênfases, alcançaram autonomia em
relação às diferentes confissões de fé cristãs, tornando-se, em
maior ou menor grau — dependendo da cultura onde estão
inseridas — objetos de opção pessoal.
Esse método de fazer teologia influenciou e incentivou, ainda
que não intencionalmente, o surgimento de "novas descobertas"
no campo das relações entre Deus e o homem. Há alguns anos,
por exemplo, descobriu-se que determinados ensinos que nos
foram transmitidos desde a era apostólica estavam errados. Os
filhos de Deus são filhos do Rei, e é nessa condição que devem
viver. A perspectiva de uma vida cristã repleta de restrições,
sofrimentos e tribulações por amor a Cristo não corresponde ao
verdadeiro plano de Deus para Seus filhos amados. Ao contrário,
Ele deseja que Seus filhos sejam em tudo bem sucedidos,
vitoriosos e triunfantes sobre todas as vicissitudes da vida.
Afinal, toda espécie de mal — incluindo as doenças e a pobreza
— é fruto da ação direta de Satanás e, portanto, destinada apenas
aos que se encontram sob o seu sinistro domínio, nunca aos
verdadeiros crentes. A razão de existirem muitos cristãos que
ainda padecem dos males deste mundo tenebroso é a sua
ignorância quanto a seus direitos como filhos de Deus e ao poder
divino disponível nas palavras daqueles que conhecem os
segredos da confissão positiva. Os méritos dessa descoberta são
reivindicados pelo norte-americano Kenneth Hagin, autor de
vários livros sobre o assunto, muitos deles já traduzidos para o
português.
No Brasil, essa nova teologia tem recebido designações
variadas, tais como: "Movimento Palavra da Fé", "Teologia da
Confissão Positiva" ou "Teologia da Prosperidade". Travamos
conhecimento com esses novos ensinos inicialmente por meio do
tele-evangelista norte-americano Rex Humbard e, atualmente,
mediante pregações em rádio e televisão e nos púlpitos de
grandes igrejas que se encontram em evidência. Milhares de
cristãos, membros de denominações tanto pentecostais quanto
históricas, tem abraçado com entusiasmo os ensinamentos dessa
nova teologia. Há também variantes mais místicas do mesmo
pensamento, representadas por aqueles que enfatizam à exaustão
a necessidade de o crente conhecer os mistérios ligados à batalha
espiritual e à ministração de cura interior. O impacto disso tudo
se faz sentir no grau de confusão, desorientação e assombro
presentes em quase toda a comunidade evangélica brasileira.
Mesmo a atividade pastoral tem se ressentido da falta de
referenciais teológicos, bíblicos e eruditos que confrontem
satisfatoriamente o problema.
O Evangelho da Prosperidade — Análise e Resposta tem por
objetivo iniciar um debate sério, honesto, bíblico e imparcial
sobre o tema. Para tanto, o autor analisa criteriosamente a tríplice
base da nova doutrina: 1) as alegações de Hagin sobre sua
autoridade espiritual de caráter profético; 2) as promessas de
saúde e riqueza; e 3) o método da confissão positiva. Cada uma
dessas bases é analisada separadamente, com numerosas citações
que enriquecem sobremaneira esta obra. No capítulo 4, discute-se
a cosmologia do evangelho da prosperidade, analisando-se seus
pressupostos ontológicos, antropológicos e. epistemológicos
de forma altamente elucidativa. Ali o autor também expõe a
teodicéia de Hagin, apresentando sua solução para o problema do
mal e contrapondo-a à solução cristã tradicional de origem
agostiniana.
O Dr. Alan Pieratt, teólogo, Ph.D. em Ciências da Religião,
professor na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, onde
leciona as disciplinas de Hermenêutica e Teologia
Contemporânea, traz com seu O Evangelho da Prosperidade —
Análise e Resposta uma contribuição inestimável ao labor
teológico atual, marcado por tantas controvérsias absolutamente
desnecessárias e por uma injustificável ausência de erudição.
Edições Vida Nova espera, com este livro, ajudar àqueles que
sinceramente procuram trilhar o caminho apertado e estreito que
conduz à salvação.
Rev. Eber Cocareli
Capítulo
Um
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
De onde veio o evangelho da prosperidade? Como ele se
relaciona com o pentecostalismo? Quem são Kenneth Hagin e
E. W. Kenyon e por que são importantes para este
movimento? Fornecemos aqui uma breve introdução histórica ao movimento da prosperidade.
1. Visão Geral
A igreja protestante no Brasil de hoje enfrenta numerosos
problemas inerentes à América Latina, incluindo catolicismo
cultural, pobreza, analfabetismo, espiritismo, religiões africanas,
corrupção política, etc. Do lado de fora, cada um desses desafios
confronta a igreja como uma forma diferente do "mundo" contra
o qual o apóstolo João advertiu que nos preveníssemos (1 Jo
2.15). Entretanto, como o próprio título indica, esta obra trata de
um desafio para a igreja, que está surgindo dentro dela e,
portanto, constitui uma ameaça de natureza completamente
distinta. Uma interpretação do evangelho, nova e extremamente
atrativa, cruzou as fronteiras para invadir o cristianismo
brasileiro. Ela tem recebido vários nomes, a saber: "Palavra da
Fé", "Ensino da Fé", "Confissão Positiva" ou "Evangelho da
Prosperidade". Destes, o último parece o mais exato, pois esse
movimento surge para oferecer uma compreensão distinta do
evangelho de Cristo como um todo. A semelhança do conhecido
evangelho, ele proclama boas novas. Mas as novas não são de
que temos o perdão dos pecados e paz com Deus por meio de
Cristo. São de que podemos ter a solução de nossos problemas e
viver com saúde e prosperidade. Esta mudança no conteúdo da
esperança cristã, passando do porvir para o aqui e agora, tem
conseqüências de tão grande alcance que o nome "evangelho da
prosperidade" parece apropriado.
As raízes desse evangelho encontram-se no Primeiro Mundo.
Talvez isto seja justo, uma vez que sua ênfase está naquilo que os
países do norte tanto parecem ter — prosperidade financeira.
Mas ele foi rapidamente bem recebido aqui no Brasil e, apesar de
ainda estar em sua infância, parece crescer a passos gigantescos.
É claro que a atração no contexto brasileiro não é exercida pela
presença da prosperidade, mas por sua ausência. De qualquer
forma, o evangelho da prosperidade é uma mensagem de muito
poder e esperança que não está limitada a nenhum continente,
igreja ou denominação.
O propósito deste livro é analisar esse novo movimento e
oferecer uma resposta a ele. O leitor atento perceberá que, ao
chamá-lo "novo", colocamo-lo sob suspeita desde o princípio.
Em matéria de fé, raramente o novo é melhor. Voltaremos a esse
ponto no capítulo três. Basta afirmar agora que a teologia tem
como tarefa principal a transmissão fiel da mensagem recebida
pelos Doze (1 Co 15.3). O leitor que concordar comigo neste
ponto desejará então saber qual é meu ponto de vista sobre a
teologia. De que perspectiva serão feitas essa crítica e essa
análise? Esta é uma pergunta justa e necessária. A teologia que
está por trás deste livro foi formulada na Reforma e pode ser
chamada "protestantismo clássico". Seu princípio fundamental é
de que somente a Bíblia é o único guia para conhecermos a Deus
e apenas Cristo é a única esperança de salvação. Desses dois
critérios, o primeiro é suficiente para fornecer a base da crítica à
teologia da prosperidade. O leitor que se encaixa na tradição
protestante logo se sentirá à vontade com essa abordagem.
Entretanto, quaisquer que sejam suas convicções teológicas,
espero que ele se digne a ler o argumento até o fim. Qualquer
pessoa que tenha desembolsado dinheiro para comprar este livro
deve ser um pastor, um obreiro cristão ou um leigo inteligente.
Neste caso, você é um dos líderes de sua igreja e, conforme
Paulo afirmou há muito tempo, tem a responsabilidade tanto de
"exortar pelo reto ensino como para convencer os que
contradizem" (Tt 1.9). Para realizar essa tarefa, precisamos, em
primeiro lugar, entender com clareza nossa própria teologia e,
depois, a de nosso opositor.
Algumas obras norte-americanas, escritas contra a teologia da
prosperidade, tratam-na como se fosse uma heresia ou uma seita
(McConnell, 1988). A posição que adotamos aqui é de que,
certamente, ela não é uma seita. Uma seita é composta por um
grupo bem definido de pessoas, assim como as testemunhas de
Jeová ou os mórmons, que se chamam cristãos, mas negam
doutrinas básicas da Bíblia, tais como a trindade e a divindade de
Cristo. A compreensão defeituosa que têm do cristianismo é
suficientemente séria para colocá-las fora do círculo da fé. Isso,
porém, não se aplica aos ensinos do evangelho da prosperidade.
Seus adeptos não negam nenhuma doutrina básica nem buscam
outro fundamento que não seja Cristo e os apóstolos. Antes,
trata-se de uma forma de compreender a Bíblia que, conforme
mostrarei, abandona em alguns pontos as possibilidades de
interpretação permitidas pela própria Bíblia. 1 Eu acrescentaria
que ela e uma forma bem moderna de interpretação, que reflete
pressuposições contemporâneas sobre aquilo que o homem pode
esperar da vida. Seus ensinos podem ser comparados a outro
fenômeno moderno: o vírus de computador. Ambos são capazes
de se espalhar em qualquer sistema, danificando aquilo que
1
O autor não deseja usar a palavra "heresia" para rotular a doutrina da prosperidade, pois
tal julgamento é severo e deve ser feito somente com muita cautela e por muitas vozes
juntas. Vale observar que, na Bíblia, a palavra heresia é usada para se referir a três coisas:
1) um partido ou facção dos judeus, como os saduceus ou os fariseus (At 5.17); 2) um
partido ou facção dos cristãos (At 24.14; 1 Co 11.19) — aqui, a palavra é sinônimo de
cisma; e 3) uma opinião ou doutrina contrária à crença da igreja (Gl 1.8; 5.20; 2 Pe 2.1).
Em grego, "allos" significa "outro" do mesmo tipo ou numa série. "Heteros" significa
"outro" de um tipo diferente. Em alguns contextos, as palavras são intercambiáveis. Mas,
em Gálatas, o sentido de "heteros" é claro. Além disso. Pedro classifica como destruidoras
as heresias que chegavam ao ponto de negar Jesus Cristo (2 Pe 2.1). Paulo afirma que o
homem que causa divisões na igreja é "herege", pervertido e autocondenado (Tt3.10; ARC).
tocam, mas raramente destruindo por completo o objeto da
infecção. De modo semelhante, esta interpretação do evangelho
altera a mensagem cristã, mas não a torna irreconhecível ou
irrecuperável.
Na história da igreja, novas interpretações da Bíblia ou de uma
única doutrina apareceram em dimensões e formas diferentes.
Algumas começaram em círculos pequenos e continuam assim,
tal como o reduzido grupo de igrejas "apostólicas" de hoje, que
crêem que a doutrina da trindade não é bíblica. Outros, tais como
os adventistas do sétimo dia, desenvolvem interpretações o
bastante para atrair adeptos que chegam a formar uma
denominação por si mesmos. Cada caso e diferente, mas, de
modo geral, uma nova interpretação da Bíblia irá se expandir se
atender uma ou mais das seguintes condições: 1) ter um líder
"carismático" (ou líderes) que expresse com eloqüência a nova
doutrina; 2) satisfazer as necessidades e esperanças das pessoas;
e 3) corresponder bem ao ambiente cultural. A teologia da
prosperidade atende com excelência cada uma dessas três
condições. É dirigida por um grupo relativamente pequeno de
líderes talentosos e que estão em evidência. Ela tem resposta para
algumas das esperanças mais profundas que as pessoas têm na
vida, ou seja, o desejo de ter saúde e prosperidade financeira.
Além disso, encaixa-se bem nas pressuposições culturais da
sociedade ocidental, no sentido de que as boas coisas da vida não
devem ser evitadas, mas buscadas e aproveitadas. Dentre esses
fatores, os mais importantes são o segundo e o terceiro. O
evangelho da prosperidade está fadado a se expandir por algum
tempo e a ser ouvido e acatado por muitos, pois diz aquilo que as
pessoas querem escutar. Novos movimentos crescem porque
satisfazem alguma necessidade do coração humano expressa na
cultura de determinada época. Na igreja primitiva, os primeiros
convertidos eram quase todos judeus. Durante décadas os
apóstolos lutaram contra a inclinação que eles apresentavam,
como seguidores de Cristo, de continuar sendo judeus antes de
mais nada. No segundo e terceiro séculos, o gnosticismo dizia
aos gregos e romanos recém-convertidos que havia um
conhecimento secreto que estava à disposição daqueles que o
buscassem. Isso exercia uma enorme atração sobre aqueles que
haviam sido educados segundo o pensamento grego, pois tais
pessoas haviam aprendido que as verdades mais elevadas sobre
as realidades espirituais estavam à disposição daqueles que as
buscassem. Em nossa época, parece que a promessa de saúde e
riqueza vai de encontro às mais profundas esperanças culturais e
pessoais do homem atual.
O evangelho da prosperidade aproveita-se das pressuposições de
nossa cultura e das esperanças pessoais de forma extremamente
agressiva. Observe o seguinte anúncio, colocado em dois jornais
que atendem a colônia brasileira da costa leste dos Estados
Unidos, o Brazilian Voice e o Brazilian Times. O anúncio
prometia solução para os seguintes casos:
Desemprego, caminhos fechados, dificuldades financeiras,
depressão, vontade de suicidar, solidão, casamento
destruído, desunião na família, vícios (cocaína, crack,
álcool, etc), doenças incuráveis (câncer, aids, etc), dores
constantes (de cabeça, coluna, pernas), insônia, desejos
homossexuais, perturbações espirituais (você vê vultos,
ouve vozes, tem pesadelos, foi vítima de bruxaria,
macumba, inveja ou olho grande), má sorte no amor,
desânimo total, obesidade, etc. ... Nós! Sim, nós temos a
solução para você! (Ultimato, janeiro de 93, 14.)
Dificilmente existe um problema conhecido pela humanidade que
não esteja incluído nessa lista. Qual a pessoa que, à margem de
uma sociedade estranha, sentindo-se deslocada e alienada, não
ficaria curiosa para buscar maiores informações?
Parte da fascinação dos ensinos sobre prosperidade está no fato
de eles, aparentemente, prometerem tantas coisas e exigirem tão
pouco em troca. Eles afirmam que a saúde e as riquezas são
nossas; basta que sigamos os passos apropriados da confissão
positiva. A maioria das religiões e pseudo-religiões exige mais de
seus seguidores. O marxismo oferece um bom contraste. No
início e até meados deste século, ele exerceu forte atração sobre
as sociedades que estavam desencantadas com a liberdade
política de que gozavam e cansadas da pobreza econômica. O
marxismo atraía seus adeptos por meio de promessas quase
religiosas de justiça, liberdade e cumprimento para toda a
sociedade do futuro. Entretanto, ele não prometeu que a utopia
futura viria sem um preço. Dificuldades econômicas, perda de
liberdade pessoal e governos ditatoriais faziam parte do preço
que a geração daquele momento deveria pagar. Muitos aceitaram
aquilo de boa vontade, pensando que assim trariam uma
sociedade melhor para seus filhos (Hyde, 1966). Mas isso não
aconteceu. A questão é que, ao contrário do marxismo, os
pregadores do evangelho da prosperidade parecem oferecer tudo
e exigir quase nada em troca, exceto, talvez, que o fiel seja mais
generoso na hora de abrir a carteira durante a oferta. No último
capítulo, verificaremos que as reais exigências são bem maiores
do que essa, embora, a princípio, sejam ocultadas.
Com esse tipo de mensagem é possível formar uma igreja grande
em pouco tempo. Dos que estão doentes, quem não virá para
ouvir promessas de cura? Satanás observou há muito tempo que a
oferta de cura é irresistível: "... e tudo quanto o homem tem dará
pela sua vida" (Jó 2.4). Dentre os pobres, quem não virá para
ouvir promessas de prosperidade? Dentre aqueles que não têm
certeza do que fazer e de qual direção dar à vida, quem não
seguirá prontamente os que afirmam ter autoridade divina? Resta
saber por quanto tempo essas pessoas permanecerão fiéis a tal
mensagem.
Iniciamos este exame do evangelho da prosperidade com a
consciência de que, junto com este trabalho, aparecem duas
responsabilidades. Primeira, os ensinos do evangelho da prosperidade devem ser apresentados da forma mais justa e exata
possível. Não deve haver exageros ou distorções daquilo que está
sendo dito e pensado. Segunda. aqueles que consideram este
novo evangelho atraente devem ser tratados como irmãos.
Qualquer um que afirme ser cristão deve ser tratado como tal, até
que atos ou palavras provem o contrário. A responsabilidade dos
pastores e líderes na igreja é de examinar e avaliar
cuidadosamente qualquer doutrina que desafie o cristianismo
bíblico. Mas essa responsabilidade não envolve, o questionamento da salvação de alguém. Aqueles que afirmam ser
seguidores de Cristo devem ser recebidos, tanto quanto possível,
como irmãos na fé. Isso significa que eles devem ser amados, não
odiados, incentivados por meio da correção, não amaldiçoados
ou expulsos. É à luz dessas considerações que devem ser lidos os
comentários críticos presentes nesse trabalho.
2. Antecedentes Históricos
O evangelho da prosperidade é algo novo na história da igreja.
Parece que nada como ele já foi visto antes. Mas isso não quer
dizer que ele tenha surgido de modo repentino ou aparecido
totalmente formado. Como todo movimento, ele se desenvolveu
com o tempo, e isso significa que tem raízes ligadas a pessoas,
épocas e lugares diversos. Nesta parte, identificaremos alguns de
seus personagens principais e estabeleceremos o papel que
tiveram na expansão do movimento. Uma vez feito isso, o leitor
terá um fundamento histórico a partir do qual poderá entender
melhor a ramificação brasileira desse movimento contemporâneo.
Amplas pesquisas feitas nos Estados Unidos sobre o assunto
revelam que existem duas raízes históricas e filosóficas do
evangelho da prosperidade: pentecostalismo (Barron, 1987) e
várias seitas metafísicas do início do século XX, que floresceram
na área de Boston (McConnell, 1988). Dessas duas fontes, o
pentecostalismo forneceu a base ou o grupo onde a teologia
encontrou a maior parte de seus adeptos, enquanto os
pressupostos filosóficos propriamente ditos foram fornecidos
pelas seitas metafísicas. É de suma importância que o leitor
pentecostal inquiridor perceba essa importante distinção. Desde
seu início, a teologia da prosperidade encontrou nas igrejas
pentecostais e carismáticas uma acolhida maior do que a de
qualquer outro contexto, mas foram as seitas metafísicas que
forneceram os ensinos distintivos e a cosmovisão geral que
deram forma ao evangelho da prosperidade. Desses dois
elementos, estamos mais preocupados com o último, ou seja, a
cosmovisão estranha que a doutrina da prosperidade absorveu.
Entretanto, antes de passarmos a considerá-la em detalhes,
precisamos olhar brevemente para as raízes históricas nas
denominações pentecostais e carismáticas.
2.1 A Conexão Pentecostal
O movimento pentecostal é um fenômeno relativamente novo e
teve suas origens no início do século XX, nos Estados Unidos.
Mas o evangelho da prosperidade é ainda mais novo. Suas
origens remontam com certeza até, no máximo, os dias de E. W.
Kenyon, que alcançou o auge de sua carreira nos anos 30 e 40. A
doutrina da prosperidade é tão recente que apenas nos anos 70 ela
havia se desenvolvido o bastante para ser identificada como um
movimento constituído. No Brasil, ela é ainda mais recente.
Entretanto, a questão histórica mais importante não é o fato de
ela ser nova, mas que o pentecostalismo não foi o pai desse novo
evangelho, embora talvez possa ser chamado de padrasto, por
causa da forma como o abraçou e seguiu seus ensinos. Então, a
primeira pergunta que se levanta é por que as denominações
pentecostais têm sido mais abertas a esse ensino do que qualquer
outro grupo protestante. A resposta parece estar na tendência que
elas têm de aceitar dons de profecia e profetas dos dias atuais que
afirmam exercer esses dons. Por causa da abertura para visões,
revelações e orientações espirituais contínuas fora da Bíblia, criase um espaço para a entrada das afirmações do evangelho da
prosperidade. Isso traz uma importante implicação para o leitor
que está tentando identificar as raízes e sutilezas da doutrina da
prosperidade — não há necessariamente nenhuma ligação entre o
pentecostalismo e os ensinos do evangelho da prosperidade.
Todavia, por causa das associações históricas, em vez de
conceptuais, vale a pena traçar brevemente a história do
pentecostalismo, com ênfase sobre aqueles que, dentro do
movimento, afirmavam curar pela fé e apoiavam essa prática.
As raízes históricas do movimento pentecostal remontam aos
meados do século XIX na Europa e início do século XX nos
Estados Unidos. Os primeiros pregadores que afirmavam ter os
atuais dons de cura e de línguas apareceram nas décadas de 1850
e 1860, na Inglaterra e na Alemanha. Entre eles estavam o
pregador escocês Edward Irving, Dorothea Trudel, uma
camponesa suíça, Johann Christian Blumhardt, ministro luterano,
e Otto Stockmayer, pastor suíço (Holleweger, 1988). Esses
indivíduos não estavam ligados como partes de um movimento
constituído, mas a fama do ministério deles espalhou-se pelo
mundo e chamou atenção para suas afirmações de cura por meio
da fé somente. Embora afirmassem possuir o dom espiritual da
cura, aquelas pessoas não ensinavam completamente um
evangelho de saúde e prosperidade. Isso apareceu muito mais
tarde.
No final do século XIX, vários pregadores na América do Norte
também começaram a afirmar que possuíam dons de cura e, além
disso, que todos os cristãos tinham direito à saúde como parte da
expiação. A. J. Gordon, fundador de uma respeitada instituição
de ensino teológico, e A. B. Simpson, fundador da Aliança Cristã
e Missionária, foram dois líderes importantes. Ambos escreveram
livros sobre cura que até hoje são utilizados como fontes básicas
por aqueles que ensinam a cura pela fé (Gordon, 1881; Simpson,
1925). Por meio da liderança deles, junto com muitos outros que
pregavam idéias semelhantes, o número de pessoas que
curavam pela fé havia crescido dramaticamente no final do
século XIX, e a expressão "cura pela fé" havia se tornado quase
um chavão na Europa e nos Estados Unidos. Alguns pregadores
da cura ganharam reconhecimento nacional, incluindo Dowie,
Parham, McPherson, Wigglesworth, Seymour, Bosworth e
alguns outros. Esses homens (e mulheres) trabalhavam de modo
independente, como evangelistas itinerantes que afirmavam ter
vários dons especiais, incluindo invariavelmente línguas e
cura. (Eles também partilhavam da característica de não terem
treinamento teológico formal.) Embora tenham levado grandes
multidões a seus encontros, o principal segmento da igreja
evangélica nunca aceitou realmente suas afirmações de que
tinham poder para curar. É surpreendente que nesse segmento
estavam incluídas as jovens denominações pentecostais daquela
época. Aparentemente elas consideravam sem substância e muito
radicais as afirmações dos detentores de dons de cura (Barron,
1987). Mais ou menos em meados da década de 1930, parecia
que a cura pela fé iria cair no esquecimento. Em vez disso, ela
encontrou nova vida no movimento carismático.
O leitor se lembrará de que a palavra "carismático" aplica-se
àqueles que afirmam ter o dom de línguas ou outros dons
espirituais extraordinários, mas que permanecem filiados às
denominações tradicionais. Nos Estados Unidos, o movimento
carismático floresceu nos anos 50 e 60, e foi nas principais
igrejas que a mensagem de cura e prosperidade encontrou um
novo público. Esse foi um ponto crítico para aqueles evangelistas
e pregadores que utilizavam o rádio, tais como Osborn, Lindsay e
Hagin, pois lhes conferiu uma audiência muito mais ampla e um
acesso bem maior às contribuições financeiras. Foi com o
impulso dado pelo movimento carismático que a mensagem de fé
e prosperidade não desapareceu, mas cresceu em alcance e
influência.
Resumindo, os ensinos de prosperidade não tiveram origem
dentro do pentecostalismo. Todavia, a tendência das denominações pentecostais de aceitarem afirmações de autoridade
profética criou um espaço teológico onde a doutrina da
prosperidade pôde se firmar e crescer. Após um período de
rejeição, muitos que faziam parte das denominações pentecostais
estavam seguindo os líderes que afirmavam ter tal autoridade e
que, com base nela, ensinavam a doutrina da prosperidade. Nossa
primeira conclusão histórica, então, é que o pentecostalismo foi o
portador dessa doutrina, mas ela necessariamente não faz parte
das crenças pentecostais.
2.2 As Raízes nas Seitas Metafísicas
A crença de que a cura é um direito do cristão há muito tempo
faz parte de várias igrejas. Mas o ensino de que o cristão também
tem direito à prosperidade e de que deve reivindicá-lo por meio
da confissão positiva encontra raízes diferentes. O núcleo
conceptual do evangelho da prosperidade está numa cosmovisão
que remonta não à doutrina pentecostal, mas a alguns pequenos
movimentos heterogêneos do início do século XX conhecidos
como "seitas metafísicas" (McConnell, 1988). Talvez essas seitas
possam ser consideradas o equivalente antigo daquilo que hoje
conhecemos como movimento da Nova Era. Nesta parte de nossa
introdução, verificaremos brevemente como as crenças dessas
seitas puderam influenciar as idéias de milhões de cristãos de
nossa época. A ligação doutrinária entre elas e o ensino do
evangelho da prosperidade converge para apenas dois homens:
Kenneth Hagin e E. W. Kenyon.
Kenneth Hagin
Hagin nasceu em 1918, prematuro de alguns meses. Parece que
isso o deixou com uma lesão congênita no coração que nunca foi
exatamente diagnosticada. É certo que ele foi frágil e doente em
sua infância. Para complicar mais as coisas, ele foi educado num
ambiente de relativa pobreza, porque aquela foi uma época difícil
na história dos Estados Unidos e também porque seu pai
abandonou a família, quando Hagin tinha seis anos de idade.
Quando ele atingiu a adolescência, sua saúde piorou. Aos 16
anos foi confinado a uma cama e recebeu esperança de pouco
tempo de vida. Segundo seu testemunho, ele ficou ali durante 16
meses, antes que sua vida mudasse radicalmente para melhor.
Aconteceram duas coisas para inverter sua sorte: primeira, ele
afirma ter recebido uma série de visões nas quais foi levado
primeiro ao inferno e depois ao céu, três vezes em seguida. As
viagens para o inferno afugentaram-no para o arrependimento, e
as visitas ao céu conduziram-no à fé e à conversão. Discutiremos
com mais detalhes essa e outras visões nos capítulos dois e três.)
Ele diz a seus seguidores que, logo depois disso, recebeu uma
revelação do "verdadeiro" significado de Marcos 11.23, 24 e da
natureza da fé cristã. A essência dessa revelação era que, para
obter resultados da parte de Deus, o fiel deve confessar em voz
alta seus pedidos e nunca duvidar de que tenham sido
respondidos, mesmo que as evidencias físicas não indiquem que
a oração foi atendida. Uma vez feita a oração, o fiel deve afirmar
constantemente a resposta, até que surja a prova. Essa é, por
certo, a essência daquilo que é hoje ensinado como "confissão
positiva". Hagin afirma que a fonte disso não foi outra senão o
próprio Senhor.
Ele nos conta que, na condição de um adolescente preso à cama,
começou a colocar em prática essa nova compreensão do
evangelho. Depois de pedir ao Senhor que o curasse, ele
começou a declarar todos os dias que havia sido curado,
repetindo sempre para si próprio que Deus tinha respondido à sua
oração e que ele estava bem, não importando como se sentisse.
Por fim, depois de afirmar sua saúde durante oito meses, ele saiu
da cama e deu alguns passos. A cada dia ele andava um pouco
mais e foi se fortalecendo aos poucos. Embora Hagin tenha tido
uma saúde frágil durante muitos anos depois daquilo, ele
realmente não morreu como os médicos haviam previsto e,
segundo seu testemunho, nunca mais ficou doente.
As visões na adolescência de Hagin e as melhoras posteriores em
sua saúde foram um ponto crítico em sua vida. Ele decidiu que
iria consagrá-la ao Senhor e ganhar a vida pregando o evangelho.
Ele não freqüentou um seminário, mas depois de se formar no
segundo grau começou imediatamente a pastorear uma igreja
batista. O primeiro pastorado não durou mais do que alguns
meses depois de sua posse e, após recontar suas histórias das
visões de Deus, afirmou também ter recebido o dom de línguas.
Foi então convidado a sair. Ele se juntou à Assembléia de Deus,
pelo fato de haver ali uma política de maior abertura diante de
visões e dons espirituais. Nos 12 anos seguintes, ele pastoreou
várias igrejas pentecostais na região sul dos Estados Unidos.
Com a idade de 30 anos, decidiu deixar o pastorado e se tornar
pregador da cura itinerante. Aqueles eram os anos 50, época nos
Estados Unidos em que, como observamos acima, o movimento
carismático estava crescendo rapidamente, e assim começaram a
aparecer os grandes nomes de hoje da cura pela fé. Hagin fez um
pouco de sucesso e, tendo facilidade de ensinar num estilo
simples e despretensioso, começou a circular um boletim mensal.
Seu público leitor cresceu com o passar do tempo e, no início dos
anos 70, seu ministério tinha tamanho suficiente para justificar a
construção de sua própria escola, conhecida até hoje como
Instituto Bíblico Rhema.
É bom enfatizar que Hagin não tem nenhum treinamento
teológico formal. Ele nunca estudou os pais da igreja, nem os
reformadores, nunca teve de prestar um exame de teologia
sistemática ou fazer uma lista das regras básicas de hermenêutica. Pelo contrário, Hagin afirma ter superado a necessidade
de tal treinamento. À semelhança do apóstolo Paulo, ele diz que
nenhum homem lhe ensinou sua doutrina, uma vez que ele a
recebeu diretamente de Cristo. (Em contraste com isso, temos
Paulo, que, antes de se converter, era um rabino judeu altamente
treinado.) De importância fundamental é a alegação de, instrução
divina feita por Hagin. Antes de qualquer outra coisa, isso coloca
o selo de aprovação de Deus sobre sua mensagem e ministério.
Com efeito, discutir com Hagin é discutir com Deus. Em
segundo lugar, ele nega qualquer ligação com grupos ou pessoas
ou mesmo influência da parte deles. Tendo se originado na boca
de Deus, seu ensino de prosperidade não tem raízes históricas,
mas simplesmente caiu pronto do céu. Pelo menos é isso que ele
afirma. Entretanto, aqueles que têm pesquisado a doutrina da
prosperidade percebem que os ensinos de Hagin são
notavelmente parecidos com os de E. W. Kenyon, pregador da
cura que viveu uma geração antes. E para ele que agora nos
voltamos.
E. W. Kenyon
Kenyon participa de nossa história, porque parece que ele foi a
verdadeira fonte dos ensinos de Hagin sobre a confissão positiva.
Mais ou menos como Hagin, ele teve pouco treinamento
teológico formal e começou seu ministério pastoreando várias
igrejas, incluindo metodistas, batistas e pentecostais. Contudo,
sua teologia era diferente das de todas elas e, por fim, tornou-se
um evangelista itinerante sem vínculos com nenhuma
denominação. Com o passar do tempo, começou a atingir um
grande público por meio de seu programa de rádio e de um
boletim periódico, tendo chegado ao ponto máximo de audiência
no final dos anos 30 e início da década de 40. Para nós, o que
mais importa é que ele produziu 18 livretos sobre seus ensinos.
São esses livretos que nos permitem traçar sua ligação com
Hagin. Antes de discutirmos o conteúdo deles, será bom saber
algo mais dos antecedentes teológicos de Kenyon.
Embora não tenha freqüentado um seminário teológico, ele
estudou em uma escola de nível inferior ao universitário. Quando
jovem, matriculou-se no Emerson College, em Boston, o núcleo
do movimento "transcendental" do final do século XIX e início
do XX. As várias sociedades filosóficas que floresceram durante
certo tempo naquele campus, àquela época, são hoje reunidas sob
o título "seitas metafísicas". Muitas tiveram vida curta, e poucas
sobreviveram depois da Segunda Guerra Mundial. Mas durante
os anos 20 e 30, quanto estavam em seu auge, elas incluíam em
seu rol pequenas sociedades conhecidas como "Escola da
Unidade do Cristianismo", "Ciência Divina", "Igreja da Ciência
Religiosa", "Lar da Verdade", "Igreja da Verdade", "Liga da
Igreja de Cristo", "Sociedade do Cristo que Cura" e "Assembléia
Cristã". Para o leitor brasileiro é difícil compreender as sutilezas
dessas seitas orientais e as distinções entre elas, assim como não
é fácil explicar para um norte-americano os diferentes tipos de
espiritismo aqui no Brasil. Cada um desses grupos é
característico de sua própria cultura. Para nossos fins, não é
necessário conhecer detalhes de suas crenças, mas apenas captar
a maneira como eles enxergam o mundo.
Em primeiro lugar, aqueles grupos eram conhecidos como
"metafísicos", por ensinarem que a verdadeira realidade é "metafísica", ou seja, vai além da realidade física. Isto significa que a
esfera do espírito não somente é maior do que o mundo físico,
mas também controla cada aspecto dele e é a causa de todos os
efeitos por ele sofrido. Alguns de seus ensinos centrais foram
registrados como declarações com efeito de credo e incluem as
seguintes proposições:
Todas as causas primárias são forças internas... A mente é
primária e causativa... A solução para todo defeito ou
desordem é metafísica, além do elemento físico, na esfera
das causas, que são mentais e espirituais... Deus é
imanente, Espírito que habita, Todo-Sabedoria, TodoBondade, sempre presente no universo. Portanto, o Mal não
pode ter espaço no mundo como realidade permanente; ele
é a ausência do bem... (McConnell, 1988, 39, 40).
O leitor notará que o destaque dado à esfera espiritual foi casado
com a crença de que a mente humana pode controlá-la. É
fundamental para as crenças desses grupos sustentar que o
homem tem a capacidade inata de controlar o mundo material por
meio de sua influencia sobre o espiritual. Bastam conhecimento e
fé. Se o homem compreender corretamente as leis espirituais da
vida e tiver fé para agir segundo elas, poderá atingir resultados
espantosos,
Em segundo lugar, para eles a cura constituía o principal ponto
de destaque. No artigo sobre essas seitas metafísicas, a
Encyclopedia Britannica descreveu-as como um "movimento de
cura pela mente..." (15a edição). Diziam eles que, se pensarmos
de modo certo, podemos controlar nossa saúde e, se nossa
capacidade mental for especialmente grande, podemos dar forma
a cada aspecto de nossa vida, decidindo-nos por ter saúde e
prosperidade. O leitor perspicaz observará que alguma coisa
parecida com isso está sendo ensinada hoje pelo movimento da
Nova Era e, em sua forma secular, pela grande variedade de
livros de auto-ajuda e de motivação ao sucesso. A maioria das
pessoas que lê esses livros não tem consciência de que eles
contêm uma visão metafísica distinta, que pressupõe que a mente
humana tem controle sobre a esfera espiritual. Kenyon, enquanto
estudava no Emerson, tornou-se um seguidor fiel desses ensinos
"transcendentais". Ele acreditava que essa forma de ver o mundo
não somente era compatível com o cristianismo, mas também
oferecia um aperfeiçoamento da espiritualidade cristã tradicional.
Decidiu, então, reunir a fé cristã na redenção por meio de Cristo
e o ensino transcendental de que a mente pode controlar a
realidade. Mediante o uso correto da mente, os benefícios da
redenção podiam ser reivindicados pelo fiel. Durante o restante
de sua vida, ele fez questão de ensinar essa nova interpretação
das Escrituras, certo de que aquilo representava um
aperfeiçoamento maravilhoso da tradição cristã e de que traria à
tona um cristianismo melhor, no qual todos os que seguissem a
Cristo gozariam de saúde e prosperidade durante toda a vida. Não
havia limite para as possibilidades — talvez surgisse uma superraça de cristãos que não mais estariam presos à doença ou a
pobreza. Conscientes do poder que estava à disposição deles na
esfera espiritual, esses cristãos poderiam assumir o controle do
mundo nos últimos dias antes da volta de Cristo (McConnell,
1988, 51).
Retornemos agora a Hagin e à sua interpretação de Marcos 11,
que ele afirma ter recebido enquanto estava doente, em 1934. Ele
diz que aquela visão foi o início de sua nova compreensão da
Bíblia e, tendo saído da boca do Senhor, era a Palavra de Deus
autêntica. Entretanto, existe outra explicação, que deriva do fato
de que os escritos de Hagin são muito parecidos com os de
Kenyon, e isso não é coincidência. Parece que, enquanto era
jovem. Hagin leu muita coisa escrita por Kenyon. As
semelhanças entre os livros que Kenyon escreveu sobre cura,
prosperidade, e confissão positiva e aqueles que Hagin mais tarde
escreveu, afirmando terem vindo diretamente de Deus, ficam
evidentes para qualquer pessoa que tenha em mãos as duas
coleções de livros. De fato, em alguns casos, Hagin não
somente leu os textos de Kenyon; ele copiou palavra por palavra
e, depois, lançou os resultados como se fossem fruto de seu
trabalho. Por exemplo, quase 75% da edição original do livro A
Autoridade do Crente coincide palavra por palavra com um
livreto anterior de Kenyon, publicado em sua origem com o
mesmo título. Desse modo, não nos causa nenhuma surpresa o
fato de os ensinos de ambos serem os mesmos. É claro que nem
todos os livros de Hagin são cópias dos de Kenyon mas as
semelhanças são grandes. Depois de fazer uma comparação entre
os escritos dos dois, McConnell escreveu: "Até as doutrinas
que fizeram de Kenneth Hagin e do Movimento da Fé uma força
poderosa e distintiva dentro do movimento carismático
independente são plagiadas de E. W. Kenyon" (1988, p.7).
Hagin nega de modo inflexível que isso seja verdade. Ele diz que
nunca plagiou Kenyon e que seus ensinos vieram diretamente da
boca do Senhor. Somente depois de 1979, quando as
semelhanças entre os livros foram apontadas por vários leitores,
ele veio a admitir ter lido as obras de Kenyon. Mesmo assim, ele
tem certeza de que não estudou nenhum dos escritos de Kenyon
antes de 1950, ou seja, 13 anos depois de ter recebido a revelação
que fez seu ministério decolar. Então, como ele explica as
semelhanças? Hagin diz que elas se devem ao fato de ambos os
escritos serem a Palavra de Deus.
A conclusão dessa história é que a teologia de Hagin tem suas
raízes nos escritos de Kenyon, os quais, por sua vez, estão
baseados numa cosmovisão estranha ao cristianismo. Por isso,
constitui ponto de destaque nessa introdução dizer que, apesar de
o evangelho da prosperidade ter se difundido dentro do círculo
pentecostal, ele não teve ali sua origem e não faz
obrigatoriamente parte de seus ensinos. Parte do alvo deste
trabalho é isolar essa influência estranha e demonstrar sua
incompatibilidade com o cristianismo bíblico.
3. Prévia do Conteúdo
Os quatro capítulos restantes deste livro assumem a seguinte
forma: no capítulo dois, os ensinos da teologia da prosperidade
serão apresentados de maneira sistemática. As fontes estarão
quase inteiramente limitadas aos escritos de Hagin, muitos dos
quais se encontram em português. Estes serão ocasionalmente
complementados com aquilo que escrevem R. R. Soares ou Ken
Copeland, mas Hagin é merecidamente conhecido como o pai da
doutrina da prosperidade, e até esta data seus escritos fornecem a
melhor exposição de suas idéias.
O leitor poderá fazer a objeção de que existem diferenças
importantes entre Hagin e outros indivíduos que pregam a
doutrina da prosperidade. É verdade que o evangelho da
prosperidade é antes um movimento, não uma denominação, e,
portanto, cada pessoa faz e ensina aquilo que acha mais
apropriado. Entretanto, parece haver um grau razoável de
homogeneidade nas crenças. Este livro teve origem num
ambiente de aulas de seminário, e uma das tarefas que cada aluno
recebeu foi a de ir a uma igreja que estivesse ensinando a
doutrina da prosperidade e depois fazer um relatório sobre aquilo
que ouviu. Os resultados confirmaram a suspeita de que o
evangelho da prosperidade pode ser um movimento que cruza as
fronteiras denominacionais, mas seus verdadeiros ensinos variam
muito pouco e são muito bem abrangidos pelos escritos de Hagin.
O capítulo dois considerará a teologia da prosperidade sob três
aspectos diferentes: l) autoridade espiritual; 2) saúde e
prosperidade; 3) confissão positiva. Os mesmos títulos serão
usados como temas divisores no capítulo três, onde será
oferecida uma resposta a cada ponto em particular. Na divisão
intitulada "Autoridade Espiritual", provarei que as afirmações de
Hagin e outros quanto à autoridade profética não resistem ao
escrutínio. Em segundo lugar, na seção chamada "Saúde e
Prosperidade", tentarei mostrar que as promessas feitas são
baseadas numa exegese da Bíblia que se revela defeituosa e de
qualidade inferior. Em terceiro lugar, na parte intitulada
"Confissão Positiva", procurarei demonstrar que as regras e os
métodos dessa prática tem suas raízes numa cosmovisão que tem
mais a ver com as seitas metafísicas do que com o cristianismo
bíblico.
O capítulo quatro analisará com mais detalhes a cosmovisão que
está por trás da doutrina da prosperidade. Embora os tópicos
desse capítulo raramente sejam pregados nos púlpitos da
prosperidade, eles são essenciais para compreendermos a razão
pela qual essa teologia faz as afirmações que vemos. A discussão
será dividida em cinco áreas: o dualismo da natureza humana, do
conhecimento humano, da salvação, dos deuses e, por fim, do
problema do mal.
No final, no capítulo cinco será oferecido um resumo que
compara a espiritualidade da doutrina da prosperidade com a
espiritualidade da Bíblia.
Capítulo
Dois
OS ENSINOS DA TEOLOGIA DA
PROSPERIDADE
Qual é a mensagem do evangelho da prosperidade como um
todo? Como ele justifica sua afirmação de que é uma nova e
melhor interpretação da Bíblia? O que o cristão precisa fazer
para conseguir gozar a promessa de saúde e prosperidade?
Neste capítulo, tentaremos apresentar de forma ordenada os
ensinos da doutrina da prosperidade, começando com sua
alegação de autoridade espiritual, seguida pelas promessas
feitas com base nessa autoridade, até chegarmos às regras ou
método necessário para a obtenção daquilo que é prometido.
Introdução
Conforme observamos acima, o evangelho da prosperidade será
considerado de acordo com as três divisões seguintes:
"Autoridade Espiritual", "Saúde e Prosperidade" e "Confissão
Positiva". Juntas, elas perfazem um sistema coeso. É claro que o
leitor não irá encontrar esse tipo de apresentação em nenhum dos
livros de Hagin nem ouvi-lo num sermão, pois essas categorias
são extraídas a partir de uma análise cuidadosa de seus livros,
vistos como um todo e organizados de maneira lógica. O leitor
descobrirá que, uma vez que a teologia de Hagin e assim
organizada, seus escritos fazem mais sentido.
Presume-se que muitos leitores deste livro leram poucos ou
nenhum dos livros sobre prosperidade que se encontram à venda.
Talvez você tenha tido contato com a doutrina da prosperidade
somente por meio do rádio ou da televisão ou ouvido falar sobre
ela em conversas com amigos e membros de sua igreja, sem
nunca havê-la conhecido de forma direta. Por isso, forneceremos
citações extensas das obras de Hagin. Isso dará condições ao
leitor de julgar por si próprio se as análises e respostas aqui
oferecidas são justas e convincentes. O leitor deve manter em
mente que o propósito do capítulo dois é somente de expor a
doutrina da saúde e da prosperidade e não apresentar uma
resposta a ela. Todos os comentários críticos foram colocados no
capítulo seguinte, onde se encontra uma resposta a cada questão
levantada.
Uma palavra sobre as citações: as de Hagin serão seguidas pela
palavra principal extraída do título do livro que está sendo citado.
Para localizar o texto, o leitor precisa simplesmente encontrar o
título completo do livro na bibliografia no final deste volume e,
então, verificar o número da página. Por exemplo, a referência
(Unção, 9) significa que a citação foi extraída da página 9 do
livro de Hagin chamado Compreendendo a Unção. Todos os
demais livros citados seguirão este padrão: nome do autor, data
de publicação e, se necessário, número da página. 2
1. Autoridade Espiritual
A semelhança de muitas igrejas carismáticas e pentecostais,
Hagin ensina que Deus está ungindo profetas nos dias de hoje.
Tais homens são porta-vozes de Deus e, portanto, trazem consigo
a autoridade do próprio Senhor. "Deus ainda está ungindo
profetas hoje. Esses profetas são porta-vozes dEle..." (Unção, 9).
Ele ridiculariza aquelas denominações que ensinam que a
autoridade apostólica cessou com a morte dos Doze, dizendo que
"o diabo já ludibriou denominações inteiras", fazendo-as pensar
que esse dom cessou com os Doze (Nome, 51), Não nos
surpreende o fato de Hagin afirmar ser um desses porta-vozes
escolhidos, e seus sermões e escritos estão repletos de mensagens
e visões da parte de Deus. As expressões encontradas com maior
freqüência em seus livros são: "tive uma visão", "tive uma visão
espiritual rápida" ou "o Senhor me disse". Algumas vezes essas
visões são de natureza espetacular, à semelhança da vez em que
ele foi levado ao inferno três vezes num único dia.
2
Os textos extraídos dos livros de Hagin em português e os do livro de R. R. Soares serão
citados na íntegra, incluindo os erros gramaticais, freqüentes naquelas publicações (nota do
tradutor).
... conforme já preguei muitas vezes, eu mesmo fui para o
inferno. Foi no dia 22 de abril de 1933, às 19:30 do
sábado... meu coração parou em meu peito, e senti a
circulação desligada... tive a sensação de pular para fora
do meu corpo... Comecei a descer. Desci cada vez mais
fundo, como se fosse em direção ao fundo de um poço.
Olhei para cima, e ainda via as luzes da Terra, muito acima
de mim. Quanto mais descia, tanto mais escuro ficava.
Finalmente, as trevas me envolveram... Minha mente, minha
alma, estava intacta... Vi lá longe, na minha frente, uma
chama alaranjada gigante, com uma crista branca. Então
cheguei ao portão, à entrada, aos portais do próprio
inferno. Algum tipo de criatura estava me esperando no
fundo do poço... a criatura... agarrou o meu braço... No
momento em que aquela criatura me pegou pelo braço para
me escoltar para dentro, uma voz falou... Não consegui
compreender o que a voz dizia... Quando, porém, Ele falou
aquilo, seja o que for... aquele local inteiro tremeu e
estremeceu como uma folha no vento. Então aquela criatura
largou o meu braço, e alguma coisa como uma sucção,
puxando-me irresistivelmente pelas costas, sem me virar,
me puxou para trás, para longe da entrada do inferno e das
trevas do abismo, e subi... O cenário inteiro repetiu-se três
vezes (Crescimento, 38-40).
A mesma experiência repetiu-se algum tempo depois, mas dessa
vez a direção foi para cima, em vez de para baixo:
E quatro meses mais tarde, no dia 16 de agosto de 1933, às
13:30, fiquei sabendo de novo que estava morrendo... tive a
mesma sensação que já tivera antes. Mas desta vez, eu era
salvo!... Dessa vez a viagem não era para baixo, mas para
cima (Crescimento, 41; veja também Nome, 63).
Muito mais importantes do que essas viagens para o céu e para o
inferno são suas afirmações de ter sido instruído pessoalmente
por Jesus em assuntos de doutrina. Ele alega ter recebido não
menos do que oito visitas pessoais de Jesus que visavam ensinarlhe a verdade. As seguintes passagens são bem características:
Em dezembro de 1952, enquanto eu e um pastor orávamos
na cozinha da sua casa pastoral, o Senhor Jesus Cristo
apareceu diante de mim numa visão. Disse: "Vou-lhe
ensinar a respeito do diabo, dos demônios, e dos espíritos
maus"... Fiquei arrebatado naquela visão durante uma hora
e meia enquanto Jesus me ensinava. (Nome, 78.)
Certa noite, enquanto alguns amigos se preparavam para
servir um lanche depois de um culto em Phoenix, Estado da
Arizona, recebi da parte do Espírito Santo um impulso
excepcionalmente forte para orar... "Estou obrigado a orar
agora", falei aos meus amigos. "Oremos todos nós,
portanto", concordaram. Mal meus joelhos tocaram no
chão, e eu já estava no Espírito... Durante 45 minutos, orei
em línguas, com gemidos... Em seguida, tive uma visão...
Então, o próprio Senhor Jesus apareceu a mim. Vi-O tão
claramente quanto poderia ver você. Ele ficou menos de um
metro de distância de mim. Tratou de assuntos que diziam
respeito ao meu ministério e à minha situação financeira, e
até mesmo ao nosso governo dos Estados Unidos...
Terminando, Ele me exortou: "Seja fiel e cumpra seu
ministério, meu filho, pois o tempo está curto". Essa visão
me foi dada em dezembro de 1953. Jesus virou-Se, e
começou a afastar-Se, mas falei: "Querido Senhor Jesus,
antes de ires embora, posso fazer-Te uma pergunta? Jesus
deu uns passos de volta, ficou em pé perto de onde me
ajoelhava, e disse: "Pode." (Crescimento, 75, 76.)
Quero voltar... para aquilo que Jesus me disse em fevereiro
de 1959 em El Paso, Texas. Eram seis e meia da tarde. Eu
estava sentado na cama, estudando... Ouvi passos. A porta
do meu quarto estava semi-aberta, uns 30 ou 40
centímetros. Olhei, portanto, para ver quem estava
entrando no meu quarto. Esperava ver alguma pessoa
física, literal. Mas quando olhei para ver quem era, vi
Jesus. Parecia que os cabelos do meu pescoço e da minha
cabeça ficaram eriçados, totalmente em pé. Caroços de
arrepio surgiram de repente em todas as partes do meu
corpo. Vi-O. Ele estava usando vestes brancas. Estava
usando sandálias romanas. (Jesus apareceu na minha frente
oito vezes. Em todas as demais ocasiões, senão esta, Seus
pés estavam descalços. Desta vez, Ele usava sandálias;
foram as sandálias que eu escutara). Ele parecia medir
cerca de 1 metro 80 centímetros, e dava a impressão de
pesar cerca de 82 kg. Ele passou pela porta e a empurrou
para trás até quase fechá-la. Andou em derredor do pé da
minha cama. Eu O seguia com os olhos — quase fascinado.
Ele pegou uma cadeira de costas retas e a puxou para perto
da minha cama. Depois, sentou-se nela, dobrou as mãos, e
começou Sua conversa, dizendo: "Disse-lhe anteontem à
noite no automóvel pelo Meu Espírito"... (Dirigido, 29, 30;
veja também Planos, 99; Unção, 39.)
Tais sessões educativas devem ter grande importância no reino
celestial, pois Hagin relata que, às vezes, demônios tentam
impedir que ele tenha percepção do ensino de Jesus durante essas
visitas.
Em 1952, o Senhor Jesus Cristo me apareceu numa visão...
No final daquela visão, um espírito maligno que parecia um
macaquinho ou um duende correu entre mim e Jesus,
espalhando alguma coisa parecida com fumaça ou nuvem
escura. Então este demônio começou a pular, gritando com
uma voz estridente: "Iaqueti-iac, iaqueti-iac, iaqueti-iac".
Eu não podia ver a Jesus, nem entender o que Ele dizia.
(Durante todo o tempo dessa experiência, Jesus estava me
ensinando alguma coisa... Não podia compreender por que
Jesus permitia ao demônio fazer tanta algazarra...
(Autoridade, 37.)
As entrevistas de Hagin com o Senhor são tão profundas e ele é
levado para tão longe da terra que, às vezes, tem medo de entrar
demais na dimensão espiritual, a ponto de não poder voltar.
Não sei se você já teve alguma experiência no Espírito, ou
não, mas eu já tive muitas, e posso falar-lhe com a mais
perfeita sinceridade: Quando vem aquela unção, quase
ficamos com medo do ponto de vista natural, porque temos
medo de não podermos voltar. (Unção, 145.)
A autoridade espiritual de Hagin é apoiada não apenas por
afirmações de visões do céu e do inferno e instruções pessoais
com Cristo. Ele também descreve com alguns detalhes unções
especiais de espiritualidade. Estas apresentam vários aspectos
diferentes; por exemplo, ele diz que, às vezes, fica em oração
durante horas, sem ter noção do tempo que passa (Planos, 36,
99). Outras vezes, ele sente uma unção de grande poder,
enquanto prega, e descreve-a como sendo semelhante a uma capa
ou manto caindo sobre seus ombros. Há oportunidades em que tal
sentimento é muito intenso, e ele entra em êxtase:
Às vezes no ministério, quando a unção vem sobre mim,
parece que um manto desce sobre mim. Parece que estou
vestindo um manto, um casaco, quando na realidade, não
estou. Mas o poder de Deus — a unção — me envolve tanto
que me sinto vestido assim. (Unção, 99; veja também 125.)
... veio sobre mim a unção. De novo, era como se alguém
tivesse passado por mim correndo e jogado uma capa sobre
mim. Sentia-a em todo o corpo. Sabia, de novo, que a unção
não duraria por muito tempo, porque eu não poderia
agüentá-la fisicamente... Fiquei arrebatado naquela glória,
e me contaram depois, que toda pessoa tocada por mim
caiu... (Unção, 141.)
Em Dezembro de 1962, eu estava pregando em Houston...
De repente, senti um vento soprando sobre mim. Veio com
tamanha força que me derrubou ao chão e caí em êxtase...
Vi... Jesus. (Planos, 34.)
Há vezes em que ele se vê cercado por uma nuvem de glória,
enquanto prega.3
Certo domingo de noite... tinha pregado durante uns 15
minutos, ungido pelo Espírito Santo, quando, então, o poder
de Deus entrou naquele auditório da igreja e o encheu
3
A presença de uma nuvem de glória era uma afirmação comum entre os pregadores,
durante os avivamentos de cura que vieram depois da Segunda Guerra Mundial, nos
Estados Unidos (McConnell, 74).
como nuvem. Não consegui ver nem um só membro —
estava dentro da nuvem. Escutava o som da minha voz, mas
não reconhecia uma única palavra daquilo que dizia...
Finalmente, consegui enxergar pessoas nas três primeiras
fileiras de assentos. Então, a unção começou a desaparecer.
(Unção, 50; veja também 54, 83.)
Hagin afirma que há vezes em que seus seguidores vêem seu
rosto brilhar, pelo fato de estar na nuvem de glória (Unção, 51).
Ele diz que, depois dessas experiências de êxtase, não consegue
andar durante algum tempo nem dirigir um carro. Antes, prefere
simplesmente ficar sozinho, sem falar com ninguém nem ser
tocado por nenhuma pessoa, a fim de que não seja trazido de
volta muito rapidamente de seu êxtase espiritual (Unção, 143).
Além de uma espiritualidade profunda e poderosa, Hagin
também alega ter recebido dons especiais de inteligência e
presciência. Depois de sua conversão, sua inteligência aumentou
entre 30 e 60% (Dirigido, 54), e ele recebeu o dom de uma
memória perfeita (Unção, 58). Como se isso não bastasse para
transformá-lo num erudito de primeira linha, ele também recebeu
diretamente do Senhor o dom de ensino e o de cura:
Lembro-me, porém, de certa quinta-feira às três horas da
tarde... Enquanto atravessava a sala... e estava bem no
centro dela, algo caiu sobre mim e para dentro de mim.
Desceu dentro de mim com um "clique," como quando a
ficha telefônica é recebida... Sabia do que se tratava. Era
um dom de ensino... Falei: "Agora sei ensinar". (Unção, 58,
59.)
Quando o Senhor apareceu a mim naquela primeira visão
em 2 de setembro de 1950... Ele tocou nas palmas das
minhas mãos com o dedo da Sua mão direita... e disse:
"Chamei-te e te ungi e te dei uma unção especial para
ministrar aos enfermos". (Unção, 137, 138.)
Hagin sempre recebe conhecimento do futuro, principalmente
quando se trata de prever uma desgraça iminente. Por exemplo,
ele diz que Deus o avisa de um problema que se aproxima,
sempre que se hospeda na casa de alguém:
Na realidade, até agora nunca fiquei hospedado na casa de
ninguém sem Deus me advertir no tocante a qualquer
tragédia iminente. Se estivesse para haver alguma morte
entre aquela família dentro dos dois anos futuros, Ele me
contava. (Unção, 89.)
Ele soube com antecedência, por meio de uma visão, com quem
iria se casar e os filhos que iria ter (Planos, 33).
Os mais espetaculares milagres de Hagin encontram-se relatados
nos boletins enviados regularmente aos seguidores nos Estados
Unidos. Eles ainda não foram publicados no Brasil, mas
apresentam afirmações muito mais dramáticas, incluindo
milagres de levitação e até ressurreição dos mortos. D. R.
McConnell, responsável pela produção dos mais bem
pesquisados relatos do ministério de Hagin, descreve alguns
desses acontecimentos miraculosos:
Em 1937, Hagin foi ordenado ministro da Assembléia de
Deus e pastoreou várias igrejas pequenas no estado do
Texas. Por ser pentecostal, seu ministério cresceu ainda
mais para o lado abertamente sobrenatural. Além da nuvem
de glória e das pregações em estado de suspensão
temporária das funções vitais, Hagin descreve reuniões em
que, numa delas, uma mulher levitou à meia-altura,
enquanto dançava, e outra ficou fisicamente congelada,
num transe de catalepsia, durante 8 horas e 40 minutos. As
curas eram freqüentes, e no ministério pastoral de Hagin
chegaram a acontecer até supostas ressurreições dos
mortos. (McConnell, 1988, 60.)
Talvez a afirmação mais notável de Hagin seja a de que, em 45
anos, ele nunca ficou desanimado, preocupado ou enfrentou
alguma luta.
Ouço as pessoas, Deus abençoe o coração delas, que falam
a respeito de estar no vale, e depois, de estar na montanha,
para então voltarem ao vale. Eu nunca fui para o vale. Faz
45 anos que sou salvo, e nunca fui para lugar algum senão
para o cume das montanhas... Oh, sim, tem havido provas e
provações, mas eu fiquei no cume da montanha, gritando a
vitória o tempo todo — vivendo acima dos problemas!
(Dirigido, 73, 74.)
Muito mais pode ser dito. Na verdade, se extraíssemos todos os
relatas de sinais e maravilhas daqueles textos já publicados no
Brasil poderíamos formar um livreto de tamanho razoável.
Aqueles citados aqui servem para que o leitor tenha um quadro
geral. A esta altura, precisamos nos lembrar do motivo dessas
visões, sinais e maravilhas. Eles são fornecidos para dar
substância à alegação de Hagin no sentido de ser um profeta de
Deus dos dias de hoje, que recebeu uma revelação nova para os
últimos tempos. Suas afirmações de visões e dons de profecia
justificam seu ministério público e colocam o selo de aprovação
divina sobre seus ensinos.
Vale notar que Hagin não tolera qualquer questionamento de seus
ensinos. Ele não permite que suas visões sejam objeto de
discussão por parte de seus seguidores. O relato seguinte de um
confronto com sua própria esposa ilustra dramaticamente essa
questão:
Após um caso sobrenatural de levitação em um de seus
cultos, a própria esposa de Hagin, o irmão e a esposa do
pastor, em cuja igreja ele estava ministrando, questionaram
se aquele fenômeno era de Deus. No dia seguinte, enquanto
ele orava, a "palavra do Senhor" veio a Hagin, instruindo-o
a tocar levemente a testa dos três com seu dedo mínimo. Ao
tocar sua esposa, ela caiu de costas no chão, "como se
tivesse sido atingida por um taco de beisebol". À
semelhança dela, os outros dois também foram "abatidos no
Espírito". As três vítimas paralisadas ficaram "coladas no
chão". Quando o pastor, logicamente preocupado, tentou
levantar sua esposa, ele "não conseguiu sequer levantar o
braço dela do chão, muito menos seu corpo". Então, uma
voz deu instruções a Hagin para que se ajoelhasse diante de
cada um deles. Diga-lhes que tentem se levantar. Depois,
pergunte-lhes se admitem que o que está acontecendo devese ao poder de Deus". Ao tentarem se mexer e verem que
estavam completamente imobilizados, os três, é claro,
dispuseram-se a admitir que o poder e o ministério de
Hagin eram de Deus. Então, a voz instruiu a Hagin para
que os "soltasse", tocando novamente a testa de cada um
com seu dedo. Eles haviam sido convencidos. Se,
obedecendo à voz interior, Hagin podia fazer tudo isso
somente com seu dedo mínimo, era inevitável que tais
julgamentos proféticos aumentassem, à medida que seu
ministério crescia. Em 1959, em sua sexta visão de Jesus, o
Senhor disse a Hagin... (que) se uma igreja se recusasse a
aceitar seu ministério, Deus iria retirar dela seu candeeiro.
Por mais sérias que sejam essas conseqüências para a
igreja, elas não são nada se comparadas ao julgamento
pronunciado sobre o ministério de um indivíduo que desafie
o trabalho profético de Hagin. Afirmando que "se um pastor
não aceitar essa mensagem, então lhe sobrevirá
julgamento", Hagin escreve; "O Senhor me disse: Se eu lhe
der uma mensagem destinada a um indivíduo, igreja ou
pastor e eles não a aceitarem, você não será responsável.
Eles serão responsáveis. Haverá ministros que não a
aceitarão e cairão mortos no púlpito".
Aqueles que pensam que essas declarações não passam de
vãs ameaças ou de hipérbole profética devem ouvir mais o
"profeta": "Digo isso com relutância, mas realmente
aconteceu num lugar onde eu havia pregado. Duas semanas
depois da reunião, o pastor caiu morto no púlpito. Eu havia
saído chorando da igreja e disse ao pastor da igreja
seguinte, onde eu fora dirigir uma reunião: "Aquele homem
vai morrer no púlpito". E isso aconteceu pouquíssimo tempo
depois. Por quê? Porque ele não aceitou a mensagem que
Deus me deu para lhe entregar diretamente do Espírito". Se
um ministro pode ter um destino assim, o que dizer de um
mero leigo que ouse questionar a mensagem de Hagin? Na
publicação original deste material, Hagin também avisou
que "nos últimos dias, haverá leigos que cairão mortos na
igreja, à semelhança de Ananias e Safira. Eles mentiram
para Deus". (McConnell, 1988, 66. 67.)
Hagin diz que aqueles pregadores e leigos que rejeitarem seu
ensino serão atingidos de morte, como Ananias e Safira, e que a
ira divina cairá sobre aqueles que não seguem suas idéias. Desse
modo, não somente sua teologia vem diretamente de Jesus, mas
também a ira divina arde contra aqueles que se opõem a seu
ministério de ensino.
Hagin é um bom exemplo do tipo de autoridade que os líderes do
movimento da prosperidade alegam ter, e seus escritos
demonstram bem o destaque extraordinário que é dado aos sinais
e maravilhas dentro do movimento. Visões, profecias, entrevistas
com Jesus, curas, palavras de conhecimento, falar em línguas, ser
abatido no Espírito, nuvens de glória, rostos que brilham com luz
sobrenatural, conhecimento do futuro, rejeição de dores de
cabeça e gripes por meio de uma palavra de comando, etc; esses
são os elementos que tornam emocionante a doutrina da
prosperidade. Eles não apenas verificam que Deus está presente e
em atividade, mas também contribuem para sermões fascinantes.
Entretanto, essas histórias e casos não estão sozinhos. Eles são
sustentados pelo pressuposto teológico de que sinais e maravilhas
têm um lugar importante na igreja, pois se afirma que o poder de
Jesus para operar milagres foi cedido para o uso da igreja. O
argumento que apóia essa afirmação tem dois aspectos diferentes.
Primeiro, observa-se que os milagres são um fator importante do
ministério de Jesus, a maioria dos quais constituída de curas. Na
verdade, dos 33 milagres registrados nos evangelhos, 17 são
curas e quatro outros são exorcismos que envolviam cura. A
leitura dos autores dos evangelhos deixa claro que Jesus era
capaz de curar quando quisesse e que ele curou todos os que o
procuraram com esse propósito. Mateus 9.35 diz que "percorria
Jesus todas as cidades e povoados, ensinando... pregando... e
curando toda sorte de doenças e enfermidades". Em nenhum
lugar se vê Jesus mandar embora uma pessoa que desejasse ser
curada. Nas ocasiões em que se diz que Jesus operou poucos
milagres ou mesmo nenhum, a incredulidade é apresentada como
causa imediata daquilo, embora isso não queira dizer que Jesus
não poderia ter exercido seu poder se quisesse (Mc 6.5, 6). Com
base nessa ênfase no Novo Testamento, a doutrina da
prosperidade afirma que o mesmo poder para realizar milagres
encontra-se hoje à disposição da igreja. O raciocínio é este: uma
vez que Jesus permanece o mesmo (Hb 13.8), ele deve estar
disposto a curar agora, como estava naquela época. Sobretudo, o
próprio Jesus afirmou que seus seguidores fariam obras maiores
do que as dele (Jo 14.12). Assim, alega-se que a conclusão disso
tudo é a seguinte: os cristãos devem ser capazes de realizar
aquilo que Cristo realizou enquanto estava presente em seu corpo
sobre a terra (Duffield, 1983, II: 137-218).
O segundo aspecto desse argumento é que o poder de cura
revelado pelos apóstolos, enquanto viveram, mostra que Jesus, de
fato, concedeu seu poder à igreja. A missão que Cristo deu aos
doze (Mt 10.1; Lc 9.1) e aos setenta (Lc 10.9), ao enviá-los para
pregar, inclui a ordem de curar os doentes. Essa incumbência é
renovada pelo Cristo ressurreto, em Marcos 16.18, que ordena a
imposição de mãos sobre os doentes e acrescenta a promessa de
que estes serão curados. Afirma-se que Lucas registra o
cumprimento dessa promessa em seu livro de Atos, pois ele está
repleto de milagres, incluindo as narrativas em que Pedro cura o
homem coxo, na porta do templo (3.1ss.), da cura de Enéias, em
Lida (9.32ss.), e de Tabita, em Jope (9.36ss.). Lucas também
registra a cura de um paralítico em Listra (14.8ss.), do pai de
Públio, em Malta (28.7, 8), e a restauração de Êutico à vida, em
Trôade (20.9ss.). Conclui-se que Atos revela aquilo que Deus
espera de sua igreja, pois o mesmo poder concedido aos
apóstolos também foi dado à igreja. Portanto, o poder de Jesus
para a realização de milagres é um dom permanente concedido à
igreja, e esta deve manifestar tais sinais e maravilhas em seu diaa-dia.
Os próprios escritos de Hagin são incomuns, por causa da
quantidade e de sua natureza dramática, mas não deixam de ser
coerentes com a teologia que se encontra por trás deles, a qual
garante a possibilidade de autoridade e autenticação apostólicas
nos dias de hoje. Isso traz duas implicações para aquelas igrejas e
pastores que seguem Hagin e os ensinos sobre prosperidade.
Primeira, eles são obrigados a aceitar a responsabilidade que
decorre do fato de crerem que a autoridade profética ou
apostólica encontra-se presente na igreja de hoje, pois é
exatamente isso que Hagin afirma. Qualquer pessoa que aceite a
doutrina da prosperidade, está aceitando Implicitamente a
afirmação de Hagin de que essa nova doutrina foi-lhe ensinada
por Jesus Cristo em pessoa. Segunda, as alegações de Hagin de
autoridade apostólica são apoiadas por suas histórias miraculosas. Aquelas igrejas e pastores que seguem os ensinos da
prosperidade são obrigados a aceitar a responsabilidade de
garantir a validade dos sinais e maravilhas entre seus membros.
Voltaremos a esse ponto no capítulo seguinte para oferecer
algumas idéias que recomendam prudência no consentimento
com tais afirmações.
2. Saúde e Prosperidade
Chegamos agora às promessas centrais da doutrina da
prosperidade: o direito que todo cristão tem de gozar de saúde e
riqueza. Hagin não se cansa de dizer que as duas coisas
representam sempre a vontade de Deus para o cristão:
Nós, como cristãos, não precisamos sofrer reveses
financeiros; não precisamos ser cativos da pobreza ou da
enfermidade! Deus proverá a cura e a prosperidade para
Seus filhos se eles obedecerem aos Seus mandamentos...
Deus quer que Seus filhos... tenham o melhor de tudo.
(Limiares, 66.)
São essas promessas que tornam tão atraente o evangelho da
prosperidade. Embora estejam logicamente ligadas, faremos
distinção aqui entre as afirmações quanto à saúde e aquelas que
dizem respeito à riqueza ou prosperidade.
2.1 Saúde
A teologia da prosperidade não se cansa de repetir que nem
doenças nem problemas financeiros são da vontade de Deus para
o cristão, nem é necessário que este se confronte com eles
durante a vida.
As doenças e as enfermidades não são da vontade de Deus
para o Seu povo. Ele não quer que a maldição paire sobre
os Seus filhos por causa da desobediência; Ele quer
abençoá-los com a saúde... Não é da vontade de Deus que
fiquemos doentes. Nos dias do Antigo Testamento, não era
da vontade de Deus que os filhos de Israel ficassem doentes,
e eles eram servos de Deus. Hoje, somos filhos de Deus. Se
Sua vontade era que nem sequer Seus servos ficassem
doentes, não pode ser Sua vontade que Seus filhos fiquem
doentes! As doenças e as enfermidades não provêm do
amor. Deus é amor... Nunca diga a ninguém que a
enfermidade é a vontade de Deus para nós. Não é! A cura e
a saúde são a vontade de Deus para a humanidade. Se a
enfermidade fosse a vontade de Deus, o céu estaria cheio de
enfermidades e doenças. (Redimidos, 18-20.)
Se a vontade de Deus é sempre de que o cristão esteja bem, então
o contrário deve ser verdade; a doença nunca é da vontade de
Deus para o fiel. O testemunho de Hagin nesta área é um bom
exemplo. Ele alega não ter sofrido mais do que uma dor de
cabeça em toda a fase adulta de sua vida: "A última dor de
cabeça que senti foi em agosto de 1933" (Unção, 31). Mas, o que
falar daquelas passagens bíblicas que se referem aos problemas
na vida, tais como, por exemplo, 2 Coríntios 6.4-6, onde Paulo
diz que o cristão pode esperar aflições de todo tipo? Isso não
inclui as várias espécies de doença? Hagin diz que não. O cristão
pode passar por problemas, embora Hagin não os defina, mas
eles nunca incluem as doenças.
Falamos em pessoas "aflitas" com enfermidades. Mas a
palavra grega aqui traduzida "aflições" significa "nas
provas" ou "nas provações". (Necessário, 12.)
Quando a Bíblia fala no sofrimento, não se refere à
"enfermidade". Não temos nenhum motivo para sofrermos
com enfermidades e doenças, porque Jesus nos redimiu
delas. (Necessário, 8.)
Sim, há sofrimento, mas não doença e enfermidades.
Graças a Deus que não precisamos padecer tais coisas,
porque Cristo carregou sobre Si as nossas enfermidades.
(Necessário, 43.)
A interpretação de 2 Coríntios 11.23-31, onde Paulo se refere aos
sofrimentos que ele suportou por Cristo, é da mesma natureza.
Paulo conclui, no versículo 30: "Se tenho de gloriar-me, gloriarme-ei no que diz respeito à minha fraqueza". Hagin diz que a
idéia que Paulo tem de fraqueza, nessa passagem, "nada tem que
ver com enfermidades; trata-se das provas e provações que o
apóstolo acaba de mencionar" (Necessário, 13). Outras passagens
que se referem a aflições são interpretadas de maneira
semelhante. Salmos 34.19, por exemplo, diz: "Muitas são as
aflições do justo, mas o Senhor de todas o livra". Este é o
comentário que Hagin faz dessa passagem:
No Antigo Testamento, essa palavra "aflição" não significa
doença nem enfermidade; a palavra hebraica realmente
significa "teste" ou "provação". É isso que nossos
problemas são: testes e provações". (El Shaddai, 22.)
E aquelas passagens nas Escrituras onde alguém é mencionado
de forma específica como estando doente, a exemplo de Timóteo
(1 Tm 5.23), Epafrodito (Fp 2.27) e Trófimo (2 Tm 4.20)? Hagin
responde a isso de duas maneiras diferentes em ocasiões
distintas. Uma resposta diz que as referências à enfermidade no
Novo Testamento sempre destacam a cura, em vez da doença.
Esta é mencionada apenas para mostrar que a cura de Deus
estava a caminho. A segunda resposta, sem demonstrar
necessária coerência com a primeira, afirma que aquelas poucas
passagens que se referem a um cristão doente devem ser
interpretadas no sentido de que faltava fé à pessoa enferma. Se
esta possuísse fé suficiente, não haveria qualquer registro de
enfermidade. Permanece a passagem onde Paulo descreve a si
próprio como tendo um espinho na carne (2 Co 12.7). Mas
aparentemente, esse trecho não apresenta tamanha dificuldade,
pois Hagin responde que o espinho de Paulo não se referia a uma
enfermidade física. Antes, ele está falando de algum outro tipo de
problema, tal como perseguição, um demônio ou alguma
tentação ao pecado.
Essas respostas podem ser satisfatórias se aplicadas aos
personagens bíblicos, mas o que dizer de um cristão que adoece
nos dias de hoje? Como ele deve interpretar a doença, se a saúde
faz parte de seus direitos como cristão? A resposta mais comum,
seja de Hagin ou de qualquer outro pregador da doutrina da
prosperidade, é esta: a doença não é um problema com o qual
devamos nos preocupar. Se alguém ficar doente, essa pessoa
sempre terá a cura à sua disposição. Um pregador da cura dos
dias de hoje é citado como autor das seguintes palavras: "Ser
curado de câncer é tão fácil quanto ter os pecados perdoados"
(Biederwolf, 1934, 10). Entretanto, é óbvio que muitos cristãos
adoecem e alguns deles morrem. Por que isso acontece? Razões
diversas são mencionadas por diferentes pregadores da cura, mas
todas elas se encaixam numa lista de cinco: primeira, à
semelhança dos personagens bíblicos, as pessoas de hoje
adoecem por falta de fé. Se elas crerem, a cura estará à espera
dela. Segunda, muitas pessoas estão doentes por desconhecerem
seus direitos como cristãs. Elas seriam curadas imediatamente, se
conhecessem a interpretação correta da Bíblia. Terceira, alguns
estão doentes simplesmente porque não pedem ajuda. Em quarto
lugar, em alguns casos, existe pecado não confessado, e isso
bloqueia o poder da cura. Por fim, há quem permaneça doente
por deixar de expulsar a Satanás mediante a confissão positiva. É
provável que esta última razão seja a mais ouvida. São freqüentes
os casos em que o pastor da prosperidade afirma que há um
"espírito de miséria que paira sobre as pessoas" e, então, faz um
verdadeiro show de expulsão de demônio(s) e de libertação das
enfermidades por eles causadas. Entretanto, de qualquer modo, a
causa principal está no cristão ou no diabo; nunca se trata de uma
questão da vontade de Deus. Com efeito, Hagin insinua que,
além do sofrimento que procede do fato de estar doente, o cristão
tem de enfrentar a realidade de que as doenças exaltam o diabo.
Muitos cristãos nascidos de novo e cheios do Espírito vivem
num baixo nível de vida, vencidos pelo diabo. Na realidade,
falam mais no diabo do que em qualquer coisa. Cada vez
que contam uma desventura, exaltam o diabo. Cada vez que
contam quão doentes se sentem, exaltam o diabo (ele é o
autor das doenças e das enfermidades — e não Deus). Cada
vez que dizem: "Parece que não vamos conseguir", exaltam
o diabo. (Nome, 19.)
Conclui-se que é desnecessária toda e qualquer enfermidade entre
cristãos:
Por que, pois, o diabo — a depressão, a opressão, os
demônios, as enfermidades, e tudo mais que provém do
diabo — está dominando tantos cristãos e até mesmo
igrejas? É porque não sabem o que pertence a eles. (Nome,
37.)
A Morte e os Médicos
Embora os cristãos tenham direito à saúde, isso não significa que
possamos evitar a morte ou que ela não seja real, conforme
ensina a Ciência Cristã. Hagin interpreta a morte como parte da
maldição decorrente da queda de Adão, a qual todos temos de
enfrentar. Mas, embora o cristão precise morrer, a morte deve ser
uma experiência indolor, não ligada às doenças, que ocorre
depois de uma vida "plena e longa" (Zoe, 37), sendo que sua
duração é de "70 ou 80 anos" (El Shaddai, 39). Uma
conseqüência disso e que há pouca necessidade de médicos entre
os cristãos adeptos da doutrina da prosperidade. É exatamente
essa a conclusão a que Hagin chega. Para aqueles que atingiram
uma fé madura, nem a medicina nem os conselhos médicos
devem ser necessários.
É claro que estamos a favor da ciência médica, e que damos
graças a Deus por aquilo que ela consegue fazer.
Certamente não nos opomos aos médicos. Mas algumas
pessoas confundem a ciência médica com os dons de curas.
Já ouvi alguns dizerem que os dons de curas eram os
médicos e os conhecimentos da medicina que Deus lhes deu.
Se a ciência médica é o método divino da cura, no entanto,
os médicos não deviam cobrar — seus serviços deviam ser
gratuitos... Além disso, a ciência médica estaria livre de
erros. Os médicos não cometeriam enganos. (Dons, 102.)
Não me compreenda mal: não sou contra os médicos. Dou
graças a Deus por eles. A ciência médica ajudará as
pessoas tanto quanto puder. Se eu tivesse tido necessidade
de ir a um médico nestes últimos cinqüenta anos, teria ido
— mas nunca foi necessário. Por outro lado, já mandei
outras pessoas aos médicos, paguei as contas, e comprei os
remédios (muitas vezes, os médicos conseguem manter as
pessoas com vida até que possamos colocar dentro delas
uma dose suficiente da Palavra para receberem a cura
divina total). (Unção, 31.)
Outros pregadores da prosperidade, tais como R. R. Soares,
assumem uma posição mais rígida e defendem a idéia de que,
para o cristão, é errado procurar um médico, sob quaisquer
circunstâncias. Aqueles que apelam para um médico, que são
internados em hospitais, demonstram uma falta de fé que desonra
a Deus. Os médicos destinam-se apenas aos descrentes, e a
profissão que eles exercem é um testemunho da bondade de Deus
para com o mundo pagão.
Alguém uma vez me disse: Mas, Deus não colocou os
médicos no mundo?... Eu respondi: É verdade. Ele é tão
bom que pensou nos crentes incrédulos. (Soares, 1987. 40.)
R R. Soares oferece sua própria experiência como norma para
todos os cristãos, dizendo que, desde que entendeu o ensino da
prosperidade, nunca mais ficou doente.
Um dia li o livro "O Nome de Jesus" de Kenneth Hagin.
Acabei de lê-lo no dia 2 de dezembro de 1984 e de lá para
cá nunca mais tomei um comprimido sequer, com exceção
de um antiácido que tomei 15 dias após, numa madrugada
por causa de uma indisposição estomacal... (Soares, 1987,
16.)
O ensino do evangelho da prosperidade é claro e sem
qualificações: todo cristão deve gozar de saúde durante toda sua
vida. Qualquer coisa que esteja aquém disso só pode significar
que existe um problema espiritual na vida do cristão. Ele
desconhece o meio de obter a saúde, ou não tem fé, ou está em
pecado, ou encontra-se sob o domínio do diabo.
2.2 Prosperidade
No campo das finanças, Hagin segue exatamente o mesmo
raciocínio que utiliza em suas afirmações sobre saúde. A
prosperidade financeira é um direito do cristão, pois faz parte da
expiação efetuada por Cristo. Assim como o cristão tem direito à
saúde, ele também tem direito de ser próspero. Exatamente da
mesma forma como as enfermidades nunca representam a
vontade de Deus para o fiel, assim também a pobreza ou as
dificuldades financeiras de qualquer espécie. O pastor de hoje
tem o dever de pregar essa mensagem com toda sua força, pois
no passado a igreja deu destaque demasiado ao lado espiritual da
salvação. O direito de sermos financeiramente prósperos precisa
ser cada vez mais proclamado dos púlpitos. Depois de citar Josué
1.8, Hagin diz:
Você quer ser bem sucedido? Deus nos conta como
prosperar, neste versículo. Ele diz que se a Sua Palavra
enche o nosso coração ao ponto de "meditarmos nela dia e
noite", acharemos prosperidade. Subentende-se que o
homem cheio da Palavra de Deus prosperará
espiritualmente. Mas o aspecto que quero enfatizar aqui é a
promessa que Deus deu da prosperidade física, e não
somente espiritual. (Espírito, 15.)
Para defender sua idéia, Hagin aponta várias passagens bíblicas.
Em Filipenses 4, por exemplo, onde Paulo diz que havia
aprendido a "viver contente em toda e qualquer situação", Hagin
afirma que deve ser dado destaque não tanto ao contentamento,
mas à provisão que Deus faz de nossas necessidades financeiras e
materiais.
Paulo disse, escrevendo à igreja em Filipos: "E o meu
Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir em
Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades" (Fp 4.19).
Todas as suas necessidades incluem as necessidades
financeiras, materiais, e as demais. Na realidade, nesse
capítulo, Paulo está falando a respeito das coisas
financeiras e materiais. (Redimidos, 5, 6.)
Ele oferece uma interpretação semelhante de 3 João 2: "Amado,
acima de tudo faço votos por tua prosperidade e saúde, assim
como é próspera a tua alma". Hagin afirma que, nesse versículo,
João não está simplesmente fazendo uma saudação ou
expressando um desejo pessoal, mas revelando a vontade de
Deus no sentido de que todos os cristãos gozem de prosperidade
financeira.
A oração aqui traduzida "faço votos" é "orar" no grego
original. Logo, João disse aqui. Amado, acima de tudo
ORO por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera
a tua alma. Se ele foi motivado pelo Espírito para orar
assim, esse deve ser o desejo do Espírito para todas as
pessoas. É correto, portanto, orar pedindo prosperidade
financeira, porque João disse: Acima de tudo ORO... A
oração de João aqui diz respeito a três dimensões da nossa
vida: a física, a espiritual, e a material. Ele disse: ... oro
por tua prosperidade [bênçãos materiais] e saúde [bênçãos
físicas] assim como é próspera a tua alma [bênçãos
espirituais]. Assim, vemos que Deus deseja abençoar todas
as partes da vida do crente. (Paz, 99.)
É comum ouvirmos os pregadores da prosperidade afirmarem
que "Deus quer que seus filhos comam a melhor comida, vistam
as melhores roupas, dirijam os melhores carros e tenham o
melhor de todas as coisas". Hagin diz que Jesus dirigiria um
Cadillac, se estivesse desempenhando seu ministério messiânico
nos dias atuais:
... muitos crentes confundem humildade com pobreza. Um
pregador certa vez me disse que fulano possuía humildade,
porque andava num carro muito velho. Repliquei: "Isso não
é ser humilde — isso é ser ignorante!" A idéia que o
pregador tinha de humildade era a de dirigir um carro
velho. Um outro observou: "Sabe, Jesus e os discípulos
nunca andaram num Cadilac." Não havia Cadilac naquela
época. Mas Jesus andou num jumento. Era o "Cadilac" da
época — o melhor meio de transporte existente. Os crentes
têm permitido ao diabo lesá-los em todas as bênçãos que
poderiam usufruir. Não era intenção de Deus que
vivêssemos em pobreza. Ele disse que éramos para reinar
em vida como reis. Quem jamais imaginaria um rei vivendo
em estrita pobreza? A idéia de pobreza simplesmente não
combina com reis. (Autoridade, 48.)
É natural que Hagin ouça críticas contra uma pregação que
parece tão materialista. Sua resposta é que somos filhos do rei e,
nessa posição elevada, devemos esperar viver não apenas com as
necessidades básicas da vida, mas abundantemente. Devemos
aproveitar todas as coisas boas do mundo, sem impor limites às
riquezas que os cristãos podem acumular. A história a seguir
ilustra bem esse fato:
Tenho uma fita-cassete de ensino que ajudou muitas
pessoas neste âmbito. Certo jovem, que conheço bastante
bem, deu seu testemunho de como a fita o ajudou, durante
uma de nossas reuniões recentes. Há apenas uns poucos
anos, quando ele tinha 31 ou 32 anos de idade, entrou nos
negócios. Deixou seu emprego assalariado, tendo em mãos
um total de USS 5.500... Deu o seguinte testemunho:
"Escutei as fitas do irmão Hagin. Havia três sobre a fé e a
confissão, e uma que se chamava: Como Treinar o Espírito
Humano. Deitava-me todas as noites ouvindo aquela fita.
Ligava-a de manhã e a escutava enquanto fazia a barba.
Escutei-a repetidas vezes — provavelmente centenas de
vezes — até que aquela mensagem entrasse no meu espírito.
Depois, por meio de escutar o meu espírito e de usar a
minha fé, já tenho um patrimônio cujo valor total ultrapassa
USS 30 milhões. Este jovem senhor tem apenas 38 anos,
mais ou menos, hoje. Ele não é pregador. É negociante.
Contou-me como seu espírito lhe tem falado e lhe ensinado
como investir e como comprar terras. (Dirigido, 129, 130.)
Isto se aplica aos ministros da palavra e também às pessoas
leigas. Um pregador que possua cem casas, por exemplo, é
coerente com o cristianismo bíblico.
Você já deve ter lido a respeito de pessoas que murmuram
porque um pregador tem uma casa bonita. E se ele tivesse
uma centena de casas? Isto seria bíblico. (Necessário, 20.)
Se somos filhos do rei e temos não apenas o privilégio, mas o
dever de ser prósperos, então, novamente, o contrário deve ser
verdade: um cristão que seja pobre tem somente a si para culpar.
Amigos, vocês sabem que a maioria de nós não é tão pobre
por ter honrado a Deus — mas por tê-lo desonrado. Vocês
devem também dizer amém, pois isso é assim. Dei-lhes
passagens bíblicas como prova. (Authority, 22.)
Com todas essas promessas bíblicas de riqueza e prosperidade, a
mente inquiridora é levada a indagar, como fizemos acima, na
parte sobre saúde, por que tantos cristãos não estão prosperando
financeiramente. Se há um motivo, este deve ser que os cristãos
de todo o mundo, aparentemente, procedem mais das classes
baixas e continuam a sofrer todos os problemas financeiros
próprios da posição social. Por que isso é assim? Uma vez que
esta pergunta tem a mesma essência daquela formulada acima,
sobre saúde, então a resposta parece ser a mesma aqui. Ou o
cristão desconhece seus direitos à prosperidade ou falta-lhe fé
para afirmar tais direitos ou o diabo o está impedindo de recebêlos. Se houver uma suspeita de que a última causa é o problema,
uma sonora repreensão irá liberar tudo aquilo que o cristão tem
por direito. "... tudo quanto você precisa fazer é dizer: 'Satanás,
tire suas mãos do meu dinheiro'. (Limiares, 67.)
Nas mensagens pregadas sobre o assunto, existe mais uma razão
que freqüentemente aparece para explicar a falta de prosperidade
entre cristãos. Ela surge na mesma hora, a cada domingo, quando
se diz, durante a oferta, que alguns cristãos estão sofrendo com
dificuldades financeiras porque não estão dando o suficiente para
a obra de Deus. A regra espiritual das finanças e essa: se
queremos mais, precisamos dar mais.
Você gostaria de ver maiores bênçãos financeiras na sua
vida? Aumente suas contribuições e ofertas, porque as
Escrituras dizem que a sua colheita será... recalcada,
sacudida, transbordante... porque com a medida com que
tiverdes medido vos medirão também. Por outro lado,
podemos estorvar nossas orações em prol da prosperidade
financeira, se não cooperamos com Deus; se não entramos
pelas portas que Deus abriu para nós. (Paz, 111.)
Não é uma questão de graça, mas de lei, pois se afirma que o
retorno é proporcional à oferta do indivíduo. Muitos pregadores
da prosperidade fazem uso de Marcos 10.29, 30 como a principal
passagem sobre finanças para a igreja:
Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que
tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou
filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do
evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de
casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com
perseguições; e no mundo por vir a vida eterna.
Essa é a chamada lei do retorno cem vezes maior: receberemos
cem vezes mais do que damos. Kenneth Copeland, herdeiro
provável de Hagin nos Estados Unidos, usa muito essa passagem
em suas pregações. Ela faz parte integrante de sua cosmovisão
financeira, evidenciando-se a partir da interpretação que ele dá a
Marcos 10.17-23, onde o jovem rico se recusa a vender suas
propriedades e se tornar um discípulo de Cristo:
E, pondo-se Jesus a caminho, correu um homem ao seu
encontro e, ajoelhando-se, perguntou-lhe: Bom Mestre, que
farei para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por
que me chamas bom? Ninguém é bom senão um só, que é
Deus. Sabes os mandamentos: Não matarás, não
adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, não
defraudarás ninguém, honra a teu pai e a tua mãe. Então
ele respondeu: Mestre, tudo isso tenho observado desde a
minha juventude. Mas Jesus, fitando-o, o amou e disse: Só
uma cousa te falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos
pobres, e terás um tesouro no céu; então, vem, e segue-me,
Ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste,
porque era dono de muitas propriedades. Então Jesus,
olhando ao redor, disse aos seus discípulos: Quão
dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!
Essa história parece oferecer excelentes instruções sobre o valor
do dinheiro e preço do discipulado. Mas Copeland encontra nela
outro significado. Ele diz que, em seu estudo dessa passagem, o
Senhor lhe falou e explicou que aquele jovem era rico por ter
sido fiel na observância da lei judaica. Ele teria se tornado ainda
mais rico, se tivesse dado suas riquezas ao Senhor. Copeland
conclui: "Aquela era a maior transação financeira que poderia' ter
sido oferecida ao jovem, mas ele se afastou dela, por não
conhecer o sistema financeiro de Deus" (Copeland, 1985, 62).
Concluímos o resumo das promessas do evangelho da
prosperidade na área de saúde e riquezas, fazendo uma
observação sobre sua coerência. Uma vez que se afirma que a
vontade do Senhor para o cristão envolve todas as coisas boas da
vida, não há imposição de condições nem se volta atrás naquilo
que é prometido, mas apenas a promessa clara de que qualquer
um que recorrer a Cristo receberá o que pede. As promessas têm
uma amplitude maravilhosa e uma extensão sem limites. Mas há
um porém: a "confissão positiva".
3. A Confissão Positiva
Nunca é demais enfatizar que o direito que o cristão tem às
riquezas e à saúde não é desfrutado automaticamente. Há
condições a serem satisfeitas e procedimentos a serem seguidos.
Conforme gostam de dizer os economistas, "não existe almoço
gratuito". Isto se aplica até mesmo ao evangelho da prosperidade.
Não basta apenas crer em Cristo, ser batizado, freqüentar uma
igreja, orar e viver uma vida piedosa. Esses elementos sozinhos
não podem trazer aquilo que o cristão tem por direito. A maneira
como vive a maioria dos cristãos torna isso óbvio. A maior parte
deles em todo o mundo é pobre e, à semelhança dos não-cristãos
que os cercam, passa por todos os problemas físicos e doenças
conhecidos pela sociedade em que vive. Na questão da saúde ou
da prosperidade, há poucas diferenças entre cristãos e nãocristãos. Sempre foi assim. Se existe alguma diferença, esta se
encontra no fato de, através dos séculos, os cristãos tenderem a
ser, como observam Paulo e Tiago (1 Co 1.26; Tg 2.5), menos
sábios, menos poderosos, menos prósperos. Entretanto, segundo
a doutrina da prosperidade, os apóstolos estavam enganados
quanto à vontade de Deus nesse sentido. Deus pode ter escolhido
os pobres e os de condição inferior deste mundo, mas nunca
pretendeu que eles continuassem assim.
A grande descoberta de Hagin e dos mestres da prosperidade foi
a do elemento perdido do cristianismo, um elemento que pode
livrar os cristãos da condição miserável em que vivem, e ele nada
mais e do que certo conjunto de regras e procedimentos muito
simples, porém rígido. A doutrina da prosperidade entende que
este conjunto faz parte da expressão "confissão positiva". Desse
modo, a confissão positiva atua em ambas as direções; é a dádiva
por meio da qual a saúde e a prosperidade são recebidas, mas, ao
mesmo tempo, é uma exigência que não pode ser evitada. Se,
para Lutero a justificação pela fé é vista como a tônica do
evangelho, assim como a predestinação para Calvino, então é
nesse ponto, nessas regras e procedimentos, que se encontra o
coração do evangelho da prosperidade.
A fim de esclarecer tudo o que é englobado pelo termo
"confissão positiva", ele será dividido em três categorias:
conhecimento, fé e confissão propriamente dita. Para antecipar
nossa conclusão, diremos que a confissão positiva ensina que o
cristão será próspero segundo aquilo que ele conhece sobre seus
direitos, de acordo com a firmeza com que ele acredita neles e
pelo modo como os confessa.
3.1 O Conhecimento de Nossos Direitos
Hagin diz que a razão de muitos cristãos continuarem a sofrer
com os problemas na vida, depois de se converterem, está em
desconhecerem aquilo que lhes pertence por direito.
Por que, pois o diabo — a depressão, a opressão, os
demônios, as enfermidades, e tudo mais que provém do
diabo — está dominando tantos cristãos e até mesmo
igrejas? É porque não sabem o que pertence a eles. (Nome,
37.)
No Velho Testamento, afirmou Deus: O meu povo está
sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento (Oséias
4.6). Em outras palavras, o Senhor está dizendo que, se os
israelitas tivessem consciência do que realmente
representavam e do que Deus representava para eles, não
seriam destruídos. Se conhecessem seus direitos, privilégios
e domínios não teriam sido submetidos a tantas angústias...
você tem direitos garantidos junto a Deus. (Zoe, 71, 72.)
Conforme vimos na seção anterior, não precisamos esperar a
outra vida para usufruir desses direitos. Eles visam nosso
benefício aqui e agora.
Bem, graças a Deus, iremos para o céu e será maravilhoso,
mas não precisamos esperar até chegarmos lá para
desfrutar dos direitos e privilégios que temos em Cristo!
(Combater, 56.)"
Como a cura se encaixa na obra da expiação? A expiação
perfeita, realizada por Jesus Cristo, resolveu o problema do
pecado de forma tão completa que remove também as
conseqüências dele. À passagem de Isaías 53 bem como a
citação dela em Mateus e sua inspirada interpretação
constituem uma afirmação bíblica bastante direta no
sentido de que a cura está contida na expiação. Esse ensino
de que a cura se acha contida na obra da expiação não é
uma afirmação, porém, de que a cura divina esteja à
disposição de todos os homens, universalmente, mas que se
acha à disposição dos crentes, com base na expiação do
sangue de Cristo. O sangue de Cristo é o preço por meio do
qual o crente obtém a cura. (Bailey, 1977, 50.)
A raiz do problema, quando sofremos a falta de alguma coisa,
está obrigatoriamente na ausência de conhecimento. Não
entendemos aquilo que nos pertence por direito.
Uma razão por que nós, cristãos, vivemos em descrença e
nossa fé tem sido obstruída, é a falta do conhecimento da
redenção e dos nossos direitos na redenção, e essa falta de
conhecimento é a maior inimiga da fé. (Combater, 9.)
Na Bíblia, os grandes homens de fé foram capazes de realizar
tantas coisas não por causa da providência de Deus ou por fé e
força de vontade, mas, sim, porque eles conheciam aquilo que
lhes pertencia por direito.
Os homens que fizeram grandes coisas no passado não
eram especiais, privilegiados... A diferença entre eles e nós,
é que eles tinham o entendimento de como as coisas
espirituais funcionam. (Soares, 1987, 56.)
A idéia de que nosso êxito no mundo baseia-se em direitos que
temos perante Deus pode parecer estranha ao leitor acostumado
com o Novo Testamento, pois este sabe que a Bíblia fala de
nossa relação com Deus como algo baseado na graça. Mas Hagin
deixa bem claro que nossa posição como cristãos deve ser
interpretada em termos de direitos legais. As citações que vêm a
seguir são extraídas de quatro livros diferentes de Hagin, e em
cada um deles o Antigo Testamento e o Novo são descritos como
documentos legais que explicam tais direitos.
Graças a Deus, temos o documento jurídico da Nova
Aliança, o Novo Testamento, selado pelo sangue de Jesus
Cristo. (Nome, 53.)
A Palavra de Deus é um documento jurídico. O Novo
Testamento... é a vontade de Deus para eu ter tudo quanto a
Sua Palavra diz que me pertence. (Perdida, 102.)
Todo homem e mulher neste mundo tem o direito legal à
salvação. (Limiares, 92.)
Se eu permanecer em Deus e junto dEle, meus direitos
estarão plenamente assegurados. (Zoe, 79.)
Esses direitos estão garantidos porque Deus os estabeleceu como
parte das leis espirituais que regem o mundo. É dever do cristão
compreender essas leis espirituais e, por meio da fé, ter controle
sobre elas. E. W. Kenyon afirmou por escrito, com a maior
clareza possível, que seu trabalho como pregador do evangelho
era de ensinar "as leis básicas da existência humana, as grandes
leis espirituais que regem as forças invisíveis da vida"
(McConnell, 1988, 45; veja também 136). Essas leis estão à
disposição do cristão, para serem usadas e manipuladas, assim
como usamos e manipulamos as leis da gravidade e de circulação
do ar, quando viajamos de avião.
Precisamos entender que há leis que regem cada coisa que
existe. Nada se dá por acidente. Há leis do mundo espiritual
e leis do mundo natural... Precisamos compreender que o
mundo espiritual e suas leis são mais poderosos do que o
mundo físico com suas leis. Leis espirituais geram leis
físicas. O mundo e as forças físicas que o regem foram
criados pelo poder da fé — uma força espiritual... é esta
força da fé que ativa as leis do mundo espiritual... A mesma
regra aplica-se à prosperidade. Há certas leis que regem a
prosperidade na Palavra de Deus. A fé faz com que elas
atuem... As fórmulas de sucesso na Palavra de Deus
produzem resultados, quando utilizadas segundo
orientação. (Copeland, 1985, 18-20.)
Portanto, a primeira condição para termos saúde e sucesso é
conhecer aquilo que nos pertence. A passagem-chave que Hagin
emprega para explicar isso é Gálatas 3.13, 14:
Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele
próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito:
Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; para
que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus
Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito
prometido.
Esta é a passagem citada com mais freqüência por Hagin, porque
sua dialética entre a maldição da lei e a bênção de Abraão parece
corresponder à compreensão que ele tem da redenção. Por um
lado, Hagin identifica a maldição da lei, nessa passagem, como
sendo aquelas maldições que Moisés proclamou à nação de
Israel, no Monte Ebal, em Deuteronômio 28. Ele resume as
maldições a três:
Somos redimidos da maldição da lei. Para descobrir
exatamente qual é a maldição da lei, devemos voltar aos
cinco primeiros livros da Bíblia. Ali, vemos que a maldição,
ou o castigo pela quebra da Lei de Deus, é tríplice: a
pobreza, a doença, e a segunda morte. (Limiares, 57.)
Desses três elementos, Hagin está preocupado principalmente
com a pobreza e a doença e afirma com insistência que a doença
é resultado da desobediência à lei:
Percebemos facilmente nesses versículos bíblicos que a
enfermidade é uma maldição da lei. As doenças horríveis
enumeradas aqui — e, na realidade, todas as demais
enfermidades e pragas, de acordo com o v. 61 — fazem
parte do castigo pela quebra da lei de Deus. (Redimidos,
16.)
Por outro lado, a bênção de Abraão também é identificada como
sendo tríplice: financeira, física e espiritual.
Assim como a maldição é tríplice na natureza, assim
também era a bênção de Abraão. Primeiro, era uma bênção
material e financeira. Segundo, era uma benção física.
Terceiro, era uma bênção espiritual. (Limiares, 64.)
Para ajudar a apoiar essa interpretação da bênção de Abraão,
Hagin volta-se para Gênesis 17, onde Deus promete a Abraão
que ele seria extraordinariamente fecundo (v. 6). Ele afirma que
essa expressão tem o objetivo claro de se referir às riquezas
materiais. Para ampliar isso um pouco mais, ele apela à primeira
metade de Deuteronômio 28, onde encontramos uma lista de
bênçãos que seriam conferidas à nação de Israel, se eles fossem
fiéis a Jeová. Segundo Hagin, essas bênçãos representam uma
ampliação da bênção dada a Abraão, em Gênesis 17.
O tratamento incomum que ele dispensa a Gálatas 3 é o
fundamento exegético da teologia da prosperidade ensinada por
Hagin. Resumindo-o, a obra redentora de Cristo, por um lado,
retirou as maldições da lei mosaica, principalmente a doença e a
pobreza. Por outro lado, trouxe a bênção de Abraão, representada
basicamente pela prosperidade financeira. Teremos muita coisa a
dizer sobre essa exegese, no capítulo seguinte. No momento,
basta observar que identificar a maldição como sendo a lei
mosaica e a bênção como prosperidade financeira e física é um
ato que coloca a doutrina da prosperidade fora do círculo da
interpretação bíblica e protestante. Esse ponto é de importância
fundamental. Tanto o catolicismo quanto o ensino protestante
entendem que a maldição de Deus sobre a humanidade originouse na queda de Adão. A doutrina da prosperidade nega isso
afirmando que a queda adâmica trouxe para o mundo apenas os
três elementos mencionados de forma específica em Gênesis 3:
dores de parto, inimizade com serpentes e morte física. Estes
permanecerão até o dia do juízo, quando o mundo será
restaurado. Gálatas 3, segundo Hagin, não está fazendo
referência à maldição sobre a humanidade, mas à lei de Moisés.
A conclusão é esta: a doença e a pobreza faziam parte da
maldição mosaica, a qual foi retirada pela expiação; assim, o
cristão não precisa passar novamente por doenças, mas, como
filho de Abraão, está livre para gozar de saúde e riquezas
abundantes.
Ao encerrar esta parte, voltamos a nosso ponto de origem. Evitar
a maldição de Gálatas 3 e gozar a bênção de Abraão constituem
um direito do cristão, mas não um direito gozado
automaticamente. A primeira condição para usufruí-lo é saber
que ele existe. Se um cristão está doente, é provável que isso se
deva ao fato de ele desconhecer que a expiação tomou
providências que visavam sua cura. Hagin diz que teve uma
infância com doença exatamente por causa de sua ignorância
acerca disso. Se ele conhecesse os passos certos a serem
seguidos, teria sido curado bem antes.
Felizmente, após muito estudo da Palavra, percebi os
passos exatos a seguir na oração e como liberar minha fé
para receber a cura. Se tivesse sabido e compreendido isso
meses antes, poderia ter saído daquela cama há muito mais
tempo... O problema não estava com Deus, estava comigo.
Era minha falta de conhecimento da Palavra de Deus que
obstruía minha fé. Assim que descobri o que a Palavra de
Deus dizia e agi de acordo com suas palavras, obtive
resultados! (Combater, 12.)
Portanto, a tarefa da teologia da prosperidade é eliminar a falta de
conhecimento acerca de nossa real condição como cristãos e,
desse modo espalhar saúde e prosperidade pelo mundo.
Antes de passarmos à segunda condição para o exercício desses
direitos, devemos observar que essa interpretação de Gálatas
3.13, 14 fornece o padrão interpretativo de todos os outros textos.
Os escritos de Hagin estão recheados de citações de várias
passagens que devem ser entendidas segundo o pensamento da
prosperidade. Mateus 8.17, Isaías 53.9, 2 Coríntios 8.9, 1 Pedro
2.24 e 3 João 2 talvez sejam seus textos favoritos, mas não há
passagem que não possa ser vista da perspectiva dialética de
maldição/benção. Até mesmo Jó é reinterpretado à luz da
doutrina da prosperidade. Hagin afirma que o significado de Jó
não está no fato de ele ter sofrido como justo e inocente, mas em
ter sido curado.
Alguém disse: "Irmão, acho que sou outro Jó". O que você
quer dizer com ser outro Jó? Louvado seja Deus, se você é
o Jó de Deus, você receberá sua cura. Jó foi curado.
(Redimidos, 12.)
Se você pensa que você é outro Jó, isso significa que você
vai ser uma das pessoas mais ricas das redondezas... Se
você for outro Jó, prosperará. (Limiares, 63.)
Se Jó é reinterpretado dessa forma, não há livro ou versículo da
Bíblia que não possa ser lido sob a ótica da prosperidade.
3.2 A Firmeza de Fé
Depois do conhecimento de nossos direitos, a segunda condição
para usufruirmos de saúde e riqueza é a fé. Não qualquer tipo de
fé, mas uma fé que possua certa qualidade. R. R. Soares refere-se
ao tipo normal de fé como "a fé da sorte" e descreve-a nos
seguintes termos:
A gente ora, se Deus responder, ficamos alegres, pois
recebemos a bênção. E, se a resposta não vier, a gente não
fica zangado. Afinal, temos recursos humanos que nos
ajudam a aliviar o fardo. É claro que este não é o método
bíblico. (Soares, 1987, 86.)
A verdadeira fé não fica simplesmente esperando para ver se
Deus irá responder à oração. Ela exige seus direitos e pressupõe
que eles foram respeitados por causa da força da oração feita.
Portanto, a verdadeira fé tem três características: 1) exige seus
direitos; 2) exige-os em nome de Jesus; 3) nunca duvida. Quanto
à primeira característica, os cristãos devem ter fé suficientemente
forte para exigir aquilo que lhes é devido por meio da expiação.
Hagin diz que Jesus, ao ensinar seus discípulos a orar e fazer
pedidos a Deus, instruiu-os a exigir aquilo que desejavam.
Descobri que o modo mais eficaz de se orar é aquele pelo
qual você requer os seus direitos. É assim que eu oro:
"Exijo meus direitos” (Autoridade, 30.)
Não precisamos esforçar-nos para ter fé. É simples questão
de reivindicar os nossos direitos e de usar com ousadia
aquilo que sabemos pertencer-nos. (Paz, 23.)
Corno bom aluno de Hagin, R. R. Soares dá destaque à mesma
coisa:
Deus já fez o que tinha que fazer para você... Agora é você
que tem que fazer algo. (Soares, 1987, 26.)
Quando começamos a agir por este método de Deus não só
estamos... entrando por um caminho que nos fará possuir o
que quisermos. (Soares, 1987, 35.)
... somos nós que decidimos o que teremos ou não. (Soares,
1987, 36.)
A insistência em que a oração seja dirigida a Deus não como
pedido, mas como exigência, tem uma justificativa exegética:
"pedir" realmente significa "exigir". Essa explicação lexical
repete-se muito nos escritos de Hagin e aparece invariavelmente
como parte de sua exegese de João 14.12-14.
Examinemos esses textos bíblicos no Novo Testamento
Grego. A palavra grega, aqui traduzida como "pedir"
significa "exigir". Ou: "Se exigirdes alguma coisa em meu
nome, eu o farei." (Paz, 82.)
A palavra "pedir" também significa "exigir". "E tudo quanto
exigirdes em Meu Nome, isso /Eu, Jesus/ farei"... A
Concordância de Strong ressalta este significado da
palavra grega que aqui é traduzida por "pedir": "exigir
algo que é devido." (Nome, 70.)
Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em
mim, fará também as obras que eu faço, e outras maiores
fará, porque eu vou para junto do Pai. E tudo quanto
pedirdes EM MEU NOME, isso farei, a fim de que o Pai
seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa EM
MEU NOME, eu o farei. Embora usamos os versículos
acima em relação à oração, eles não se referem à oração...
A palavra grega traduzida "pedir" aqui significa
"reivindicar". Então Jesus estava realmente dizendo: Aquilo
que você reivindicar em meu Nome, eu farei. Jesus, aqui,
não está falando sobre orar ao Pai para que Ele possa fazer
alguma coisa a nosso favor. Não, Jesus está falando sobre
usar o nome dEle contra o inimigo e contra circunstâncias
da vida diária. (Combater, 74.)
3.3 O Uso do Nome de Jesus
Ao cristão não basta apenas compreender seus direitos e exigi-los
de Deus; ele também precisa fazer isso utilizando a expressão
"em nome de Jesus". Esse nome, assim empregado, coloca em
atividade a força das leis espirituais na esfera celestial.
Ha uma chave à oração que destravará as portas e as
janelas do céu e satisfará todas as nossas necessidades...
Jesus mandou pedir ao Pai em Seu Nome. Essa é a chave
que destravará o céu em nosso favor. (Paz, 16.)
(O nome dele)... é legalmente nosso... Se você é filho de
Deus, logo, é um herdeiro de Deus — um co-herdeiro com
Cristo — tem direito ao uso do Nome de Jesus, e se você
tem este Direito, é por causa do seu lugar na família.
(Nome, 110.)
Novamente, conforme Hagin afirma na citação acima, constitui
direito do cristão o acesso ao poder que esse nome traz. Um dos
livros de Hagin tem um capítulo intitulado "Compreendendo
nosso Direito Legal do Nome de Jesus" (Combater, 63-77). Ele
escreve o seguinte nesse capítulo: "Veja bem, Jesus nos deu o
nome dEle. Legalmente é para nosso uso, e não precisamos ter fé
para usar o que é nosso" (p. 71). Em outro lugar, Hagin compara
o direito de usarmos o nome de Jesus a um tipo de procuração.
A oração deve ser dirigida ao Pai em nome de Jesus. Essa é
a chave para recebermos a resposta às nossas orações...
Jesus nos deu a procuração, ou o direito de usar o Seu
Nome. Usamos o Seu Nome, quando oramos em favor das
nossas necessidades individuais e quando lidamos com o
diabo. (Paz, 20.)
Em outros lugares ainda, os direitos implicados no uso do nome
de Jesus são comparados a uma conta bancária. Receber resposta
a uma oração é o mesmo que emitir um cheque.
Use este Nome com a mesma liberdade que você usa seu
talão de cheques. O dinheiro já está depositado, você emite
o cheque sem exercer qualquer fé especial; ou seja: você
não está consciente de exercê-la — embora você a esteja
usando. (Nome, 120.)
Com efeito, uma das expressões favoritas de Hagin é "como
preencher seu próprio cheque com Deus", título de dois capítulos
de seus livros (Crescimento, 75-94; Limiares, 99-102). No
primeiro, Hagin reconta uma visão na qual o próprio Jesus
emprega essa expressão e a figura de um talão de cheque:
"Mas agora, Tu disseste que se qualquer pessoa, em
qualquer lugar, der aqueles quatro passos, receberia de Ti
qualquer coisa que desejasse. Queres dizer que as pessoas
podem receber a plenitude do Espírito Santo daquela
maneira?" Ele disse: "Sim, com absoluta certeza". Falei,
então, a Ele: "Senhor, e o que dizer a respeito dos
cristãos?... Tu me dizes que qualquer crente, em qualquer
lugar, pode escrever seu cheque de vitória sobre o mundo, a
carne, e o diabo? Eles mesmos podem fazê-lo?" Ele disse
enfaticamente: "Sim!" Jesus continuou: "Se eles não o
fizerem, não será feito. Seria uma perda de tempo deles
orarem para Eu lhes dar a vitória. Precisam preencher seu
próprio cheque". (Crescimento, 86.)
Jesus já depositou o dinheiro para nós e não somente para nós,
mas para qualquer um que saiba usar seu nome. As leis
espirituais são como as leis físicas, pelo fato de serem impessoais
e funcionarem para qualquer um que saiba como empregá-las.
Não há limite para aquilo que pode ser pedido ou obtido. Desse
modo, o nome de Jesus pode ser usado não somente para
expulsar demônios, mas também dores de cabeça.
Eu disse: "Em Nome de Jesus (você entende, o Nome
representa toda a Sua autoridade e poder!), não tenho dor
de cabeça. Em Nome de Jesus, não vou ter dor de cabeça.
E, em Nome de Jesus, saia, dor!" Nem sequer as palavras
saíram da minha boca, e a dor saiu. Simplesmente
desapareceu. Alguém disse: "Gostaria que isto funcionasse
para mim". Não funciona por meio do desejo — funciona
por meio do conhecimento. (Nome, 38.)
O conhecimento de nosso direito ao uso do nome de Jesus não é
somente um elemento informativo, mas também um
procedimento que não admite variações. Muitos sofrem desnecessariamente por não usarem o nome de Jesus, enquanto outros
sofrem por empregá-lo de forma incorreta. Assim como um
cheque precisa ser preenchido da maneira certa, o nome de Jesus
também precisa ser proferido corretamente. Frases como "por
amor de Jesus" não podem ser usadas. Muitas orações já foram
destruídas por não terem sido feitas da maneira certa.
Não, não pedimos por amor de Jesus. Pedir por amor de
Jesus não é pedir em Seu Nome. Estamos pedindo em prol
de nós mesmos... Devido a uma falta de conhecimento neste
sentido, muitas orações têm sido destruídas e não
funcionaram, porque foram oradas por amor de Jesus, ao
invés de em Nome de Jesus. (Nome, 12.)
Uma conseqüência básica desse poder inerente que o nome de
Jesus tem para atender as orações de forma automática é que a
resposta não está associada a uma decisão pessoal de Deus, mas
ao poder concedido ao nome de Jesus e ao direito que temos de
reivindicá-lo. Deus retira-se para as sombras, enquanto nosso
acesso às leis espirituais coloca-se em primeiro plano. Hagin não
hesita em tirar exatamente essa conclusão. Citando E. W.
Kenyon, ele escreve:
Quando Jesus nos deu o direito legal de usar este Nome, o
Pai sabia tudo quanto o Nome subentenderia quando fosse
sussurrado na oração... e é a Sua alegria reconhecer este
Nome. (Nome, 18.)
Tudo que o cristão tem a fazer e proferir o nome de Jesus, e nada
lhe será negado. Recorrer a seu poder espiritual é como
preencher um cheque para sacar dinheiro de um banco.
Falemos de Jesus! Falemos do Nome de Jesus! Ele nos deu,
individualmente, um cheque assinado, dizendo: "Preencha-
o". Deu-nos um cheque assinado, cobrável aos recursos do
céu. (Nome, 19.)
Nada poderia ser mais fácil ou impessoal.
3.4 Não Duvidar
O tipo de fé que obtém resultados não apenas exige seus direitos
em nome de Jesus, mas também faz isso de uma forma que nunca
demonstra hesitação ou dúvida. A fé precisa ser segura de si
mesma, tão segura que, ainda que pareça que o pedido não foi
atendido, o fiel continua a fazer um quadro mental daquilo que
ele quer e não pára de crer que obterá o que deseja.
Muitas pessoas desejam obter algo, para então crer que o
receberam. Mas precisamos crer que recebemos algo, e
então o recebemos. (Crescimento, 19.)
Deixe todo pensamento e desejo afirmar aquilo que você
tem pedido em oração. Nunca permita que um quadro
mental de fracasso permaneça na sua mente. Nunca duvide
por um só momento de que você tem a resposta. Se as
dúvidas persistirem, repreenda-as. A Bíblia diz ''Resisti ao
diabo, e ele fugirá de vós" (Tiago 4.7). A dúvida é do diabo.
Resista as dúvidas e repreenda-as. Fixe a sua mente na
resposta. Erradique qualquer imagem, sugestão, visão,
sonho, impressão, sentimento, e todo e qualquer
pensamento que não contribui para a sua fé no sentido de
que você recebe o que você disser. Erradicar significa
desarraigar ou remover. (Perdida, 81.)
É crucial que se continue a pensar de maneira positiva, acreditando que o pedido foi atendido, mesmo que as circunstâncias
mostrem o contrário.
Recuse-se a duvidar. Faça com que cada pensamento e
desejo afirme que você recebeu aquilo que pediu. Nunca
permita que um quadro mental do fracasso permaneça na
sua mente. Nunca duvide, nem sequer por um momento, de
que você recebeu a resposta... Erradique todo quadro
mental, sugestão, sentimento ou pensamento que não
contribuam para sua fé. (Paz, 11.)
A quantidade de força que a fé produz para atingir seus alvos é
determinada pela quantidade de confiança e de ausência de
dúvida que o fiel confere a seu pedido. Qualquer espécie de
dúvida destruirá o poder que a oração possui de obter o que pede.
Lembre-se de que, no momento em que você se pergunta
por que Deus não respondeu, ou olha em derredor
procurando alguma razão por que Ele não ouviu a sua
oração, ou você começa a aceitar a demora na resposta
como a vontade de Deus para você não ter aquilo que você
pediu, você está derrotado. Você está automaticamente
derrotado porque você deixou de manter-se firme, tendo fé
inabalável em Deus de que receberia a resposta. (Perdida,
101.)
Assim, ao orar, o cristão nunca deve usar a expressão ''se for de
tua vontade", pois isso é uma demonstração de dúvida.
Quando oro uma ''oração para receber algo da parte de
Deus," não posso colocar um "se" no meio e ainda esperar
que algum dia receberei uma resposta. Nesse tipo de
oração, o "se" indica a descrença — "se” é o distintivo da
dúvida. (Perdida, 78.)
Hagin é incisivo neste ponto. Ele diz que, no Novo Testamento,
não se encontra nenhuma oração que utilize dessa forma a
partícula condicional. Em vez disso, ele diz que, quando oramos,
sempre "adicionamos outra coisa. 'Deus fará, se for a Sua
vontade — mas pode não ser a Sua vontade,' temos dito. Não se
acha este tipo de conversa no Novo Testamento" (Nome, 13). O
raciocínio é este: "se" é um sinal de dúvida, não de fé, e duvidar é
um erro, um pecado.
A dúvida não é revelada apenas pelo "se" em nossas orações; ela
também emerge quando repelimos uma oração. Isso fica bem
ilustrado na história a seguir:
Durante uma convenção em Texas, certa vez, ouvi o Rev.
Raymond T. Richey dirigir orações em favor de um homem
que estava no hospital, morrendo. Depois de termos orado,
demos graças a Deus porque Ele nos atendera. O irmão
Richey começou a descer do púlpito, mas depois voltou até
ao microfone. Perguntou quantos na congregação iriam
continuar orando por esse homem no hospital. Quase todos
levantaram a mão. "Para que vocês vão querer fazer isso?"
perguntou o irmão Richey. "Já oramos por ele. Agora,
continuemos louvando a Deus porque Ele já curou esse
homem." (Paz, 14.)
O raciocínio aqui parece ser este: uma vez que nossos direitos já
foram garantidos na expiação, a vontade de Deus para nós
sempre será de que tenhamos saúde e prosperidade. Hagin
acrescenta seu próprio testemunho de que isso é realmente assim:
Não orei uma só oração em 45 anos (quero dizer, para
mim e para meus filhos enquanto eram pequenos) sem obter
uma resposta. Sempre recebi uma resposta — e a resposta
foi sempre "sim". Algumas pessoas dizem: "Deus sempre
responde às orações. Às vezes diz: "Sim," e às vezes diz:
"Não". Nunca li isto na Bíblia. Trata-se apenas de
raciocínio humano. (Nome, 13, 14.)
Portanto, precisamos orar apenas uma vez por alguma coisa; se
sentirmos necessidade de repetir a oração, isso se deve ao fato de
estarmos duvidando. Devemos ser como a mulher que teve fé
para tocar as vestes de Jesus (Mt 9.21) e ser curada no primeiro
toque.
3.5 Confessar em Voz Alta
A terceira e última qualificação para recebermos saúde e
prosperidade como nossos direitos é confessar em voz alta que
obtivemos aquilo que desejávamos. Conforme diz Hagin,
precisamos proclamar "em voz alta... [que] a minha fé funciona"
(Perdida, 31). Isso significa que confessamos aos outros que já
recebemos a resposta, mesmo que faltem evidências físicas. A
ordem correta das coisas na dimensão espiritual é primeiramente
fé, confissão e somente depois resultados visíveis. Portanto,
precisamos sempre agir e falar como se nosso pedido tivesse sido
atendido, mesmo que isso não pareça verdade. Em seu livro O
Que Fazer Quando a Fé Parece Fraca e a Vitória Perdida,
Hagin fornece dez passos sobre como obter a vitória. O passo 9
diz: "Dê glória a Deus antes mesmo de a bênção manifestar-se".
O passo 10 recomenda: "Aja como se você já tivesse recebido
aquilo que você pediu" (pp. 95, 99). A fé eficaz, portanto,
despreza a evidência física e concentra-se na resposta que se
deseja. Se o cristão permanecer firme nessa atitude, a resposta
que se espera finalmente aparecerá. "A fé do coração crê
primeiramente na Palavra de Deus; depois, a evidência física
cuidará de si mesma" (Crescimento, 54; veja também Unção,
30, 31; Soares, 1987, 10). Em outro lugar, ele escreve:
... os princípios da fé são assim em qualquer âmbito —
espiritual, físico, material. No que diz respeito às
necessidades financeiras, por exemplo, aprendi a chamar as
coisas que não eram como se já fossem — e assim se
tornaram! A fé chama as coisas que não são como se já
fossem! (Perdida, 89, 90.)
Provavelmente é este o aspecto da confissão positiva que recebe
mais atenção, e é isso que se tem em vista quando um pregador
começa a falar sobre o assunto.
O verdadeiro teste da confissão positiva está na atitude do cristão
depois de orar pela cura. Geralmente a dor e a fraqueza persistem
durante um tempo e, se isso acontece, a reação do fiel não pode
ser de dúvida ou incerteza. Deve-se ignorar a dor, mantendo-se a
confissão positiva de que a cura já foi efetuada. A dor precisa ser
negada, pois, embora seja real, ela não é a verdade. A verdade
que deve ser abraçada é de que a cura está garantida, apesar de
sintomas que mostrem o contrário. Se a crença for mantida contra
a evidência, mais tarde esta dará sustentação à crença. Hagin
conta como ele reage quando parece que está cedendo a uma
enfermidade.
Certa vez, enquanto pregava numa igreja pequena, fiquei
quente demais. Quando saí do templo depois do culto, meu
corpo estava pingando suor. Quando o ar frio lá fora
atingiu meu rosto, comecei a sentir dores de garganta, e até
chegar ao estacionamento, estava falando com dificuldade.
No dia seguinte, sentia dores nos pulmões, e só falava
sussurrando. Comecei a ler as Escrituras a respeito da
cura. Com minha Bíblia aberta na minha frente, orei
silenciosamente... Quando chegou a hora do culto da noite,
fui até ao microfone e falei que queria dar graças a Deus
porque estava curado. A congregação olhava para mim
como se eu estivesse louco, porque quase nem conseguia
sussurrar. Comecei a contar a eles o que a Palavra de Deus
diz a respeito da cura. Demonstrei-lhes pela Palavra que eu
estava curado. Falei-lhes que aquilo que Deus diz é
verdade, e que se eu dissesse que não estava curado, estaria
mentindo. Falei-lhes, ainda, que desejava que ficassem em
pé e louvassem a Deus comigo, porque eu estava curado.
Quando começamos a louvar a Deus em pé, minha voz
voltou antes de eu ter falado "aleluia" três vezes. Em
seguida, preguei o meu sermão com uma voz forte e nítida.
(Paz, 9, 10.)
Assim como obtemos a resposta desejada para nossa oração por
meio de uma recusa obstinada de duvidar, o contrário também é
verdade. Se duvidamos, criamos uma confissão negativa e o
pedido é destruído. Se uma pessoa, por exemplo, afirma que está
curada e mais tarde admite que a dor persiste, a segunda
admissão anula a primeira confissão e dá a Satanás o direito de
infligir a dor. Quando um cristão se preocupa com uma doença
ou dela reclama, ele perde o direito à cura contida na expiação.
Até mesmo dizer "estou ficando resfriado" faz com que o
resfriado se instale. Por isso, mesmo que haja dúvida interior, ela
deve ser rapidamente negada e nunca admitida perante os outros.
A dúvida é sempre do diabo e, portanto, jamais deve ser
compartilhada com alguém.
Não confesse as suas dúvidas... A dúvida é do diabo... A
dúvida é maligna. O cristão não deve falar a respeito da
dúvida, pois ela não pertence a ele. (Limiares, 61.)
A esta altura deve estar claro por que dizer "se for de tua
vontade" não é aceitável na confissão positiva. Isso indica
dúvida, e dúvida destrói a eficácia da fé como força. Por isso, os
membros do movimento da prosperidade que se encontram
doentes nunca admitem ou falam sobre os sintomas da doença.
Em uma seção intitulada "O Medo Abre a Porta Para o Diabo",
Hagin diz:
Há alguns anos, minha esposa e eu fomos visitar alguém
que soubemos estar doente. "Se você está com medo", essa
pessoa advertiu, "é melhor vocês não virem até aqui.
Contraí um vírus e estou numa fase difícil da doença". "Não
permita que isso a incomode nem um pouco", eu disse, "Eu
nunca terei esse vírus". Mas minha esposa disse: "Bem,
talvez seja melhor eu não entrar. Poderia pegá-lo". Eu disse
para que ela fizesse a escolha própria. Ela continuou e
entrou comigo, mas certamente ficou doente, como disse
que ficaria. Eu não fiquei doente. Mencionei isso para ela e
disse: "Você disse a coisa errada". Ela falou com hesitação.
Ela ficou indecisa. Ela foi acometida daquela doença quase
antes de chegarmos em casa. A doença sobressaltou-a
assim tão rápido. (Combater, 116.)
Por meio de histórias como essas, o leitor pode perceber quão
rígido é o cumprimento das regras da confissão positiva na esfera
espiritual. Não é uma simples questão de a pessoa conhecer seus
direitos nem de ter muita fé. Há procedimentos a serem seguidos,
e qualquer falha ocasiona a perda da bênção desejada. Hagin diz
exatamente isso, ao escrever: "Muitas pessoas perdem a bênção
que Deus tem para elas, simplesmente por fazerem uma
confissão errada" (Limiares, 60).
Diante dessa visão de mundo, explica-se por que Hagin descreve
a fé eficaz como "fé do tipo de Deus", a espécie de fé que Deus
usou para criar o mundo.
... por que Deus chama à existência as coisas que não
existem? Porque Ele é um Deus da fé... Devemos, portanto,
agir como Deus e chamar as coisas que não existem como
se existissem. (Perdida, 86.)
Ele amplia sua explicação num capítulo chamado "A Fé do Tipo
de Deus", onde, comentando Hebreus 11.3, escreve:
Pela fé entendemos que foi o universo formado pela palavra
de Deus... Como Deus fez isso? Ele falou a Palavra, e aí
estava a Terra... Ele falou, e assim foi. Aquela é a fé do tipo
de Deus. Deus creu que aquilo que Ele falou se realizaria,
e assim foi! (Crescimento, 96.)
R. R. Soares reforça essencialmente o mesmo ponto:
Só existe este caminho — o caminho da fé. Foi deste modo
que o Senhor no princípio criou os céus e a terra. Mesmo
sendo Deus, Ele não podia ficar pensando em criar as
coisas que elas logo existiriam. Ele usou a fé e soltou a Sua
Palavra, e tudo se fez. (Soares, 1987, 91.)
A fé verdadeira é chamada fé do tipo de Deus, pois é totalmente
autoconfiante, tal como a fé que Deus empregou ao criar o
mundo. Deus estava exercitando sua fé, pois cria na existência de
coisas que ele ainda não havia visto, mas que sabia que viriam a
existir. O fiel deve ter esse mesmo tipo de fé que Deus tem, isto
é, confiança em si mesmo, conforme Hagin recomenda:
"Aprenda a depender dAquele que está em você. Aprenda a
desenvolver o seu próprio espírito. Tenha fé na sua fé" (Dirigido,
68).
Esse tipo de fé coloca em atividade nossos direitos espirituais no
céu. Assim como Deus nunca duvidou ao chamar o mundo à
existência, também nós devemos recusar a hesitação, a despeito
das evidencias em contrário que possam vir dos sentidos físicos.
Chegamos ao fim de nossa exposição sobre a idéia de confissão
positiva. Assim como Gálatas 3 forma a base teológica de nossos
direitos à saúde e prosperidade, também a confissão positiva é o
segredo para recebermos tais direitos. É de importância vital que
o cristão conheça esses direitos e então os confesse em cada
necessidade ou problema na vida. As leis espirituais que regem o
universo não entram em funcionamento de modo automático e só
exercem sua força em nosso favor quando seguimos os devidos
passos. As regras da confissão positiva são inflexíveis. Falhar em
alguma delas é o mesmo que perder nossa bênção. Se usamos um
"se" em nossas orações, se duvidamos, se deixamos de confessar
ou se reclamamos do fato de nossos pedidos não serem
atendidos, fazemos com que qualquer desses erros perpetue
nosso problema ou até o torne pior. Se satisfizermos da forma
correta todas essas condições, poderemos reivindicar qualquer
desejo de nosso coração.
Resumo
Consideramos até agora os principais temas do evangelho da
prosperidade. Quando visto em sua totalidade, percebemos que
se trata de um sistema surpreendentemente complexo. Em geral,
um sermão baseado na doutrina da prosperidade tocará apenas
um ou dois pontos centrais, especialmente os que dizem respeito
à confissão positiva. Raramente, ou mesmo nunca, o sistema é
visto como um todo. Antes de passar para a análise crítica,
consideramos aqui o lugar apropriado para alguns breves
comentários sobre certos pressupostos espirituais que estão por
trás dessa teologia.
Antes de tudo, vale repetir que embora o evangelho da
prosperidade esteja se difundindo principalmente entre as igrejas
pentecostais, sua cosmovisão é extraída de várias seitas
metafísicas obscuras. Essa cosmovisão tem dois pontos fáceis de
declarar, mas com conseqüências de longo alcance. Primeiro,
pressupõe-se que o mundo material está debaixo do controle de
forças espirituais. Segundo, ensina-se que essas forças podem ser
manipuladas e controladas por meio da fé. O primeiro
pressuposto significa que sempre que o cristão se encontra
doente, sem dinheiro ou passando por algum problema na vida,
alguma coisa está espiritualmente errada. O segundo implica que
o cristão sempre é culpado, pelo menos em parte. Pode ser que
ele desconheça seus direitos espirituais, não os exija com firmeza
suficiente ou, talvez, permita que surjam dúvidas, criando, desse
modo, forças negativas que destroem a confissão. Em qualquer
caso, trata-se da responsabilidade do cristão, pois Deus colocou
em nossas mãos o uso e o controle dessas forças espirituais.
Quando os pressupostos são declarados com tal clareza, torna-se
evidente por que a confissão positiva é uma parte tão importante
dessa mensagem. Aquilo que confessamos acontecerá, para o
bem ou para o mal, pois nossa confissão cria mesmo a realidade.
Segundo Hagin afirma,
Tudo que Deus diz que você é e tudo que Deus diz que você
tem, já é real na dimensão espiritual. Mas você deseja que
se torne real na dimensão física para então desfrutar o que
já é seu em Cristo. (Combater, 35.)
... a confissão da fé cria a realidade. (Limiares, 54.)
A fé é apanhar as irrealidades da esperança e trazê-las
para a dimensão da realidade. (Crescimento, 17.)
Tudo quanto precisamos, está providenciado para nós na
dimensão espiritual... Aquilo que está na dimensão
espiritual fica sendo real na dimensão natural, mediante a
fé. A fé o capta e cria a realidade dele na nossa vida. (Paz,
9.)
Essa espiritualidade que concebe a fé como "uma força"
(Necessário, 34) está por trás de toda exegese feita pelos
pregadores da prosperidade. A idéia é de que a fé apodera-se das
forças da esfera invisível e coloca-as em atividade no mundo
visível. Não importa se gostamos ou sabemos disso, mas criamos
nossa própria realidade por meio da força espiritual de nossas
esperanças e desejos.
Quando você faz uma confissão positiva da fé, é criada uma
realidade na sua vida. E então, você caminha na realidade
das bênçãos de Deus... Se confessamos fraquezas,
fracassos, e doenças, destruímos a fé... Quando
conservamos firme nossa confissão, trazemos Deus para o
cenário. Nossas confissões nos governam. Essa é uma lei
espiritual que poucos de nós percebem... Eu falo para as
pessoas o tempo todo: "Se você não está satisfeito com o
que tem na vida, então mude o que você está dizendo. Você
criou o que tem em sua vida com suas próprias palavras".
(Combater, 110. 111.)
Essa visão de mundo é parecida com a da Ciência Cristã, que
ensina que todas as doenças físicas são uma ilusão e, portanto,
podem ser superadas pelo modo certo de pensar. A "maneira
correta" de entender as doenças e a dor resume-se na simples
negação de que elas são reais. Hagin soube dessa comparação e
fez questão de negar qualquer semelhança entre as duas crenças:
Algumas pessoas dizem: "Irmão Hagin, ore por mim. Creio
que estou ficando gripado". Não haveria nenhum proveito
na minha oração, porque se crêem que estão ficando
doentes, vão ficar doentes. "Seja feito convosco segundo a
vossa fé". Se você continuar tendo fé para ficar com a
doença, ficará mesmo. Não considere nem veja a coisa
errada. Algumas pessoas captam apenas parte daquilo que
estou dizendo. Acham que estou ensinando como a Ciência
Cristã, e mandando negar a existência de todos os sintomas
e continuar vivendo como se os sintomas não fossem reais.
Há, porém, tanta diferença entre os meus ensinos e os da
Ciência Cristã, quanto há diferença entre a luz do dia e as
trevas noturnas. Conforme disse certo médico: "Não se
trata da Ciência Cristã; trata-se do bom-senso cristão".
Não negamos existência dos sintomas, pois são reais.
Certamente a dor é real. O pecado é real. E o diabo é real.
Mas note o que a Palavra de Deus diz: "Abraão não
considerou seu próprio corpo". Não considere, pois, seu
próprio corpo, mas olhe para Jesus, nosso Sumo Sacerdote,
o Autor e Consumador da nossa fé. (Crescimento, 24.)
Entretanto, a questão essencial permanece: tanto a Ciência Cristã
quanto o ensino da prosperidade afirmam que o mundo é regido
por forças espirituais que, por sua vez, são controladas por
pensamentos humanos. É exatamente por isso que Hagin ensina
que a fé do cristão é do mesmo tipo da fé que Deus possui. Por
mais ridícula que essa idéia pareça, ela é coerente com uma
cosmovisão em que as leis espirituais são regidas pela vontade
humana. O que realmente está por trás da doutrina da
prosperidade é uma mensagem utilitarista: é bem melhor
controlar o grande poder da esfera espiritual, tendo o bem como
alvo, e gozar daquilo que Deus colocou à nossa disposição em
Cristo.
Terei alcançado êxito em minha exposição se, a esta altura, o
leitor já tiver percebido a força e a atração da mensagem da
prosperidade. Sua fascinação vem pelas promessas de capacitação para obtermos saúde e riquezas, se seguirmos certas leis
espirituais rígidas que, embora não sejam fáceis, estão ao alcance
de todos os cristãos. Nos capítulos seguintes, teremos
oportunidade de comparar essa mensagem com a do gnosticismo,
tão popular durante algum tempo nos segundo e terceiro séculos,
e que, de longe, era a mais atraente interpretação rival do
cristianismo daquela época. Irineu, um dos pais da igreja do
segundo século, foi prolífico em seus escritos contra o
gnosticismo. Ele observou seu poder de atração e a dificuldade
de refutá-lo. Uma de suas observações tem uma pertinência
especial aqui.
De fato, o erro nunca se apresenta claramente deformado,
pois, assim exposto, seria detectado de imediato. Mas ele é
astuciosamente vestido de maneira atraente para que,
mediante sua forma exterior, pareça ao inexperiente (por
mais ridícula que seja a expressão) mais verdadeiro do que
a própria verdade. (Contra Heresias, 1:2.)
O mesmo se dá com o evangelho da prosperidade; é uma
distorção do verdadeiro evangelho, em alguns casos muito sutil,
mas recebe ampla credibilidade a priori, por parecer que
corresponde aos ensinos cristãos de que Deus é amor, deseja o
melhor para seu povo e de que, por meio da redenção que temos
em Cristo, seremos renovados tanto no corpo quanto na alma.
Por isso, trata-se de uma doutrina que está arrebanhando grande
número de seguidores.
Agora estamos prontos para passar para o capítulo três, onde
ofereceremos uma resposta.
Capítulo
Três
RESPOSTAS AO EVANGELHO DA
PROSPERIDADE
Como devemos entender as visões de Hagin? Existem meios
para testar as alegações de autoridade espiritual? Será que a
Bíblia promete saúde e riquezas nesta vida para aquele que
crê? Pode o cristão ter controle sobre forças espirituais por
intermédio das regras da confissão positiva? Daremos neste
capítulo uma resposta a cada ponto dos ensinos da teologia
da prosperidade.
Introdução
Neste capítulo tentaremos responder a cada um dos pontos
levantados no capítulo anterior. Antes de começarmos, fazem-se
necessárias várias observações. Em primeiro lugar, deve ficar
claro que o evangelho da prosperidade é uma compreensão
realmente nova da fé cristã. Isso só pode significar que a igreja
esteve pregando a mensagem errada durante todos esses séculos.
Toda a tradição teológica estava errada e deve ser abandonada.
Os que foram criados nas denominações tradicionais precisam
desaprender o que lhes foi ensinado na igreja e na Escola
Dominical.
Muitíssimas vezes temos sido derrotados porque não fomos
ensinados... ou fomos ensinados para algo que não é assim,
e tivemos que "desaprendê-lo". É muito mais difícil
"desaprender" do que aprender. Antes de podermos
prosseguir em nossa caminhada com Deus, às vezes
precisamos "desaprender" algumas coisas. (Unção, 25.)
Creio que quase toda a nossa "teologia" tem que ser
mudada. Fomos mal ensinados e por isso estamos sendo
destruídos. (Soares, 1987, 49; veja também 85, 89.)
Essas alegações audaciosas expressam da maneira mais clara
possível o desafio da doutrina da prosperidade à teologia
protestante. A "velha" teologia precisa ser desaprendida e o
evangelho da prosperidade instalado em seu lugar. Tal exigência
é característica de todos os movimentos e seitas que oferecem
uma nova interpretação da Bíblia. Todas as seitas e heresias que
apareceram desde os dias de Cristo, sejam os gnósticos,
montanistas, bogomilos ou, em nossa época, os mórmons ou
testemunhas de Jeová, afirmavam que a tradição da igreja precisa
ser rejeitada. O antigo deve sair de cena para dar lugar ao novo.
Nesse particular, o evangelho da prosperidade não é diferente. A
tradição protestante inteira, desde Lutero e Calvino até os dias de
hoje, precisa ser totalmente descartada. Conforme diz Hagin,
precisamos "desaprender" a velha teologia, pois, segundo R. R.
Soares, "fomos mal ensinados".
Entretanto, a teologia não é como a ciência moderna, que atingiu
enorme sucesso em sua compreensão do reino natural,
apreendendo novos fatos e formulando uma visão cada vez mais
completa dele. Esse tipo de descoberta criativa simplesmente não
é possível na teologia. Deus não optou por fazer continuamente
acréscimos à revelação que ele concedeu à igreja há dois mil
anos. Um dia o conhecimento sobre Deus irá outra vez crescer
rapidamente, quando o Senhor voltar. Mas esse dia ainda não
chegou. Portanto, a "velha" teologia não pode ser substituída por
algo mais novo e melhor, como se esse fosse o curso natural das
coisas. É claro que o evangelho precisa ser reafirmado em cada
geração e em cada cultura, de modo a ser compreensível, mas ele
não pode ser renovado ou reinventado, apesar de muitos haverem
tentado isso.
Nosso segundo comentário introdutório é que é muito mais fácil
ensinar o erro do que refutá-lo. Apesar de a teologia de Hagin ser
muito simples e seus muitos livros, fáceis de ler, isso não
significa que seja simples refutar sua interpretação da Bíblia.
Qualquer idiota pode fazer uma declaração simples que exija
uma equipe de eruditos para provar que ela está errada.
Considere a seguinte declaração: "Não há Deus". Essa oração
consiste de apenas três palavras, mas, mesmo assim, quanto
esforço precisa ser feito para provar que ela é falsa? Poderia ser
oferecida uma resposta baseada em argumentos racionais
extraídos da teologia natural ou da experiência pessoal ou da
citação de um dos mestres da teologia na história da igreja. Mas,
qualquer que fosse o método escolhido, ele exigiria, para que
fosse convincente, raciocínio cuidadoso e ampla pesquisa. Da
mesma forma, é fácil dizer que todos temos direito à saúde e à
riqueza, mas é difícil provar que isso não é verdade. Portanto,
este trabalho não pretende ser exaustivo ou especialmente
profundo. Ainda há muita coisa a ser dita e escrita em resposta à
doutrina da prosperidade. Este livro é somente um estudo
introdutório, e espera-se que muitos outros desse tipo apareçam
em breve para o benefício do cristão de língua portuguesa.
Em terceiro lugar, deve-se observar que a presença da Bíblia não
garante ortodoxia. Isso é aplicável a qualquer sistema teológico.
Até mesmo as seitas usam as Escrituras para firmar suas
posições. Algumas, como a dos meninos de Deus, exigem com
rigor que seus membros decorem passagens bíblicas. Mas,
embora a Bíblia seja muito citada, os textos raramente recebem
atenção cuidadosa. Quase não se encontra um trabalho exegético
sério. Nesse sentido, os escritos de Hagin são semelhantes aos
das seitas. Eles estão repletos de citações bíblicas seguidas de um
ou dois parágrafos incisivos sobre o trecho em questão. Mas não
existe nenhum argumento sustentável ou qualquer análise
cuidadosa. Apesar das afirmações de Hagin quanto a seus dons
de conhecimento, memória e entendimento, sua teologia presta
muito pouca atenção nos textos bíblicos que ele cita. 4
4
Continua válido hoje o comentário de William James sobre os escritos dos pregadores da
cura de sua época, no início do século XX. Ele escreveu que podemos pôr de lado "... a
verbosidade de boa parte da literatura sobre cura pela mente, algumas de um otimismo tão
Por fim, permitam-me acrescentar uma palavra de incentivo. Há
muitos pastores frustrados nas igrejas, perguntando que tipo de
resposta devem dar à congregação quanto à doutrina da
prosperidade. A intenção desse capítulo é exatamente fornecer a
espécie de material necessário para uma resposta detalhada,
extensa e convincente. Um pouco dele é ligeiramente técnico,
mas sua maior parte é dirigida ao uso em sermões ou para o
ensino na Escola Dominical. Espera-se que o pastor que busque
orientação ache esta análise útil e convincente.
Antes de começar, vale o esforço de olhar mais uma vez para a
estrutura geral da doutrina da prosperidade. Ela tem três
aspectos: 1) o fundamento da autoridade espiritual; 2) as
promessas de saúde e riqueza; e 3) o método ou procedimento
para a obtenção das bênçãos prometidas, por meio da confissão
positiva. A autoridade espiritual alegada por Hagin fornece a
base para as promessas que são feitas. Estas se resumem em
saúde e riqueza para todos os fiéis que estejam prontos a seguir o
ensino da prosperidade. O método ou as regras da confissão
positiva descrevem, então, como obter a bênção e completam o
sistema. Consideremos esses pontos em sua seqüência.
lunático e expressas de forma tão vaga que até a mente com perícia acadêmica acha quase
impossível lê-las" (Variety of Religious Experience, 94).
1. Autoridade Espiritual
A alegação que Hagin faz de autoridade espiritual é bem clara:
ele não defende sua interpretação da Bíblia com base na erudição
teológica, no raciocínio filosófico cuidadoso ou na pesquisa
sobre a história das doutrinas na igreja. Antes, ele alega possuir a
autoridade de um profeta que falou com Deus. A semelhança de
Paulo, ele foi instruído diretamente por Jesus (Gl 1.12). Essa
afirmação sublime de conhecimento por meio de revelação é
ratificada por muitas histórias de poder espiritual para curar e
operar sinais e maravilhas de todos os tipos. Essa afirmação é
séria tanto hoje quanto nos dias de Moisés, quando foram feitas
as primeiras advertências contra profetas que surgiriam no futuro
(Dt 13.1-3).
Como respondemos a essas alegações de autoridade espiritual? A
primeira coisa que devemos perceber é que não somos os
primeiros a fazer essa pergunta. Antes de nós, outros já
consideraram cuidadosamente esse problema, de sorte que
podemos edificar em cima da resposta que eles ofereceram.
Como protestantes, olhamos para os reformadores, os principais
articuladores da compreensão que temos sobre a Bíblia. Eles
enfrentaram a mesma pergunta, pois, por um lado, tiveram de se
confrontar com o enorme poder da antiga tradição da igreja
católica e dizer: "isso está errado". Por outro lado, os
reformadores também precisaram enfrentar os "profetas de
Zwickau", os radicais daquele tempo que afirmavam que Deus
estava lhes dando uma nova revelação da Bíblia e de sua vontade
para suas vidas (Williams, 1962). Tanto católicos quanto radicais
indagaram aos reformadores onde eles haviam buscado
autoridade para julgá-los. A resposta dos reformadores foi a
mesma nos dois casos: o único padrão de julgamento para
qualquer ensino na igreja de Cristo devem ser obrigatoriamente
as Escrituras e somente as Escrituras (Calvino, 1985, I. IX. 1;
Pieper 1950, 193-213). Não há outra fonte para onde devamos ir
a fim de conhecer a mente de Deus para a igreja. Em sua análise
do evangelho da prosperidade e das alegações feitas por seus
líderes de que trazem novas revelações e novas interpretações das
Escrituras, esta crítica apela para o mesmo padrão. Como cristãos
e protestantes, nossas crenças devem ser julgadas e limitadas de
todos os lados por aquilo que a Bíblia ensina.
Assim como na Reforma, hoje também a afirmação de Hagin de
estar recebendo novas revelações é extremamente séria para a
igreja, porque o ofício de profeta (Antigo Testamento) ou de
apóstolo (Novo Testamento) é caracterizado por autoridade
fundamental. Nada pode ser dito contra o ensino de um
verdadeiro profeta ou de um apóstolo escolhido, exceto a palavra
de outro apóstolo ou das próprias Escrituras. Algumas igrejas
fazem um cavalo de batalha em cima das passagens que nos
dizem que, nos últimos dias, haverá profecias e visões na igreja
(Jl 2.28). Sem dúvida elas existirão, pois a Bíblia declara que
assim será. Mas creio que as visões desse tipo são bem diferentes
de ensino apostólico. Elas aparecerão no fim dos tempos para
encorajar a igreja em períodos difíceis, não para dar mais
instruções em matéria de fé.
As visões de Hagin não são do tipo que simplesmente confirma a
fé e exorta os irmãos. Elas têm a natureza de revelação e trazem
novo conteúdo doutrinário que exigem uma compreensão da
Bíblia inteiramente distinta. Tais alegações não são feitas por
muitos líderes do movimento da prosperidade. A maior parte dos
pastores que prega essa doutrina simplesmente acolheu o
evangelho da prosperidade como algo que exerce atração e
colocou-o em prática no ministério. Poucos têm pensado
seriamente nas implicações daquilo que estão dizendo e em como
isso se coaduna com a fé histórica. Portanto, devemos dizer da
maneira mais clara possível que qualquer pessoa que aceite a
interpretação que Hagin faz da Bíblia está também aceitando
implicitamente suas alegações de autoridade como apóstolo dos
dias atuais.
Nesta seção colocaremos à prova as alegações de autoridade
espiritual feitas por Hagin. Esse é o ponto de partida lógico para
nossa resposta, pois se ele foi verdadeira e pessoalmente
instruído por Deus quanto à interpretação correta da Bíblia, então
devemos segui-lo e acatar sua orientação. Mas se suas pretensões
de autoridade espiritual não suportarem nosso escrutínio, então
seus ensinos doutrinários também deverão ser considerados
espúrios. O leitor atento observará que estamos invertendo o
procedimento habitual. Geralmente, os grupos ou ensinos
heréticos são testados apenas com referência à ortodoxia
doutrinária. Uma vez demonstrado que os novos ensinos
fracassam na área da doutrina, a tarefa de refutar as visões é dada
por encerrada. Não há nada de errado com esse método. De fato,
a doutrina é nosso guia seguro em matéria de fé, e nas seções 2 e
3 deste capítulo seguiremos exatamente esse procedimento.
As afirmações de Hagin serão confrontadas com as Escrituras e
com a visão protestante dela. Todavia, nesta seção, deixaremos
de lado por um momento a questão da veracidade ou falsidade da
doutrina de Hagin, para nos concentrarmos somente em suas
visões e alegações de sinais e maravilhas. Creio que se verificará
que essas visões são reprovadas em vários testes que qualquer
revelação procedente de um verdadeiro profeta poderia suportar.
Testes como esses funcionam não apenas com as visões de
Hagin, mas também para qualquer um que afirme ser amigo
especial de Deus.
1.1 Visões: as da Bíblia e as Atuais
Nosso primeiro teste para as alegações de autoridade apostólica
de Hagin será feito por meio da comparação de suas visões com
as visões registradas pelos profetas e apóstolos na Bíblia. Talvez
devamos antes perguntar se esse teste é justo. Há justiça numa
comparação de Hagin com um profeta do Antigo Testamento ou
com um apóstolo do Novo? Parece que a resposta é afirmativa,
uma vez que, como Paulo, ele declara ter visto o Cristo ressurreto
e dele ter recebido instruções. Sobretudo, à semelhança dos
profetas antigos, ele alega operar sinais e maravilhas que
confirmam sua autoridade. Ele é como Moisés, pelo fato de ter
sido cercado por nuvens de glória e de seu rosto ter brilhado. Ele
é como Elias ou Eliseu, pois pode humilhar seus oponentes com
o toque de seu dedo. De certa forma, algumas de suas alegações
superam até mesmo aquelas dos maiores profetas da Bíblia.
Lembre-se, por exemplo, que ele afirma nunca ter recebido uma
resposta às suas orações que não fosse um "sim" de Deus.
Nenhum dos apóstolos fez tal afirmação, e Paulo diz abertamente
que algumas de suas orações não foram atendidas (2 Co 12.8, 9).
Portanto, por suas próprias afirmações, parece justo julgá-lo em
comparação com os maiores santos da Bíblia.
Portanto, nosso primeiro teste será comparar as muitas visões de
Hagin com três visões escolhidas na Bíblia, uma em Isaías, outra
em Daniel e outra em João. Comecemos com a leitura de uma
parte dessas visões nos capítulos seguintes: Daniel 10, Isaías 6 e
Apocalipse 1. Enquanto lê essas passagens, o leitor deve
concentrar sua atenção na qualidade emocional das visões. Que
tipo de sentimento elas trazem à tona? Qual a impressão que se
recebe do profeta acerca da natureza de sua experiência
visionária? Observe também que esses três grandes profetas
reagiram de formas semelhantes à visitação do Senhor.
Daniel 10.1-19
No terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia, foi revelada uma
palavra a Daniel, cujo nome se chama Beltessazar; a
palavra era verdadeira, e envolvia grande conflito; ele
entendeu a palavra, e teve a inteligência da visão. Naqueles
dias eu, Daniel, pranteei durante três semanas. Manjar
desejável não comi, nem carne nem vinho entraram na
minha boca, nem me untei com óleo algum, até que
passaram as três semanas inteiras. No dia vinte e quatro do
primeiro mês, estando eu a borda do grande rio Tigre,
levantei os olhos, e olhei, e eis um homem vestido de linho,
cujos ombros estavam cingidos de ouro puro de Ufaz; o seu
corpo era como o berilo, o seu rosto como um relâmpago,
os seus olhos como tochas de fogo, os seus braços e os seus
pés brilhavam como bronze polido, e a voz das suas
palavras como o estrondo de muita gente. Só eu, Daniel,
tive aquela visão; os homens que estavam comigo nada
viram, não obstante, caiu sobre eles grande temor, e
fugiram e se esconderam. Fiquei, pois, eu só, e contemplei
esta grande visão, e não restou força em mim; o meu rosto
mudou de cor e se desfigurou, e não retive força alguma.
Contudo, ouvi a voz das suas palavras; e, ouvindo-a, caí
sem sentido, rosto em terra. Eis que certa mão me tocou,
sacudiu-me e me pôs sobre os meus joelhos e as palmas das
minhas mãos. Ele me disse: Daniel, homem muito amado,
está atento às palavras que te vou dizer, e levanta-te sobre
os pés; porque eis que te sou enviado. Ao falar ele comigo
esta palavra, eu me pus em pé tremendo. Então me disse:
Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia, em que
aplicaste o coração a compreender e a humilhar-te perante
o teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras; e por causa das
tuas palavras é que eu vim. Mas o príncipe do reino da
Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um
dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive
vitória sobre os reis da Pérsia. Agora vim para fazer-te
entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias;
porque a visão se refere a dias ainda distantes. Ao falar ele
comigo estas palavras, dirigi o olhar para a terra, e calei. E
eis que uma como semelhança dos filhos dos homens me
tocou os lábios; então passei a falar, e disse àquele que
estava diante de mim: Meu senhor, por causa da visão me
sobrevieram dores, e não me ficou força alguma. Como,
pois, pode o servo do meu senhor falar com o meu senhor?
porque, quanto a mim, não me resta já força alguma, nem
fôlego ficou em mim. Então me tornou a tocar aquele
semelhante a um homem, e me fortaleceu; e disse: Não
temas, homem muito amado, paz seja contigo; sê forte, sê
forte. Ao falar ele comigo, fiquei fortalecido, e disse: Fala,
meu senhor, pois me fortaleceste.
Isaías 6.1-5
No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado
sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes
enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um
tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria
os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os
outros, dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos
Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. As bases do
limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se
encheu de fumaça. Então disse eu: Ai de mim! Estou
perdido! porque sou homem de lábios impuros, habito no
meio dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o
Rei, o Senhor dos Exércitos!
Apocalipse 1.9-17
Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no
reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha
chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do
testemunho de Jesus. Achei-me em espírito, no dia do
Senhor, e ouvi por detrás de mim grande voz, como de
trombeta, dizendo: O que vês, escreve em livro e manda às
sete igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes,
Filadélfia e Laodicéia. Voltei-me para ver quem falava
comigo e, voltado, vi sete candeeiros de ouro, e, no meio
dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com
vestes talares, e cingido à altura do peito com uma cinta de
ouro. A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã,
como neve; os olhos, como chama de fogo; os pés
semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa
fornalha; a voz como de muitas águas. Tinha na mão direita
sete estrelas, e da boca saía-lhe uma afiada espada de dois
gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua força.
Quando o vi, caí a seus pés como morto.
Poderíamos usar muito espaço, fazendo uma exegese cuidadosa
dessas visões, mas para nossos objetivos aqui, é suficiente
observar somente algumas características principais que elas têm
em comum. Em primeiro lugar, o mensageiro, seja um anjo,
Cristo ou o próprio Senhor, traz consigo um senso de grande
poder e glória. O profeta que se encontra, de repente, perto de um
ser assim tem uma enorme consciência de sua própria fraqueza.
Daniel e João professam ter sentido tamanha fraqueza que não
conseguiram ficar de pé, tendo os dois caído com o rosto em
terra. João diz que se sentiu como se estivesse morto. Daniel
declara que, mesmo depois de fortalecido pelo Ser divino, ainda
tremia e sentia-se fraco. Isaías pode muito bem ter tido a mesma
sensação, mas não se incomoda em descrevê-la em seu relato
bastante conciso do evento. De qualquer modo, a sensação de
fraqueza na presença de um ser santo é esmagadora, ao ponto de
incapacitar totalmente o profeta. Eles nos dizem que, sem uma
infusão de força, não seriam capazes de receber o visitante
divino. A sensação de estar na presença de uma grandeza
inefável e coerente com a idéia sublime que a Bíblia sustenta, em
todos os lugares, quanto ao Senhor ou a seus seres santos. O
reino do céu é bem mais grandioso do que a ordem atual, e
qualquer contato com ele é suficiente para atordoar os profetas e
os apóstolos.
Em segundo lugar, em cada caso, a reação do profeta inclui um
sentimento de temor santo. Os homens que acompanhavam
Daniel fugiram apavorados, sem saber de onde vinha tamanho
temor. Isaías exclamou: "Ai de mim! Estou perdido!" Seu senso
de pecado é tão forte que ele não apenas se sente indigno de ficar
na presença do Senhor, mas também teme por sua própria vida.
Destruição completa e repentina parece algo provável e iminente.
Na Bíblia, em todos os 75 casos em que uma pessoa entra na
presença de Deus ou um mensageiro santo é enviado por ele, a
reação inclui esse sentimento de temor.
Em terceiro lugar, em todas as passagens o centro de atenção está
no Senhor ou no mensageiro divino e em sua mensagem. Nos
três exemplos acima, a descrição feita do Senhor ou do anjo é
breve, porém apresenta grande força literária. "... e as abas de
suas vestes enchiam o templo", afirma Isaías. Nas descrições
mais detalhadas de Daniel e João, ambas parecem estar à busca
de superlativos na tentativa de retratar de modo adequado a
glória do visitante celestial. No caso de João, o esplendor e o
brilho terríveis do Senhor ressurreto são particularmente
instrutivos, pois essa é a única descrição que a Bíblia oferece do
Senhor após a ascensão. Seria uma inferência razoável supor que
esta é agora a aparência de Cristo em seu estado de exaltação
como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Em todos os casos,
concentra-se inteiramente no visitante divino, nunca no profeta
que tem a visão.
Por fim, como resultado dessas visões, os profetas e apóstolos
falavam com grande autoridade. Não se questionavam suas
mensagens nem seus mandatos. Suas palavras não se
caracterizam por um "bem, acho que...", mas por um "assim diz o
Senhor". Eles falam com muita autoridade, pois a impressão
deixada sobre eles pela visitação trazia consigo grande dose de
certeza. O profeta que recebia a visão poderia, depois daquilo,
duvidar de tudo na vida, até de sua existência, mas ele nunca
duvidaria do mensageiro nem da mensagem que lhe havia sido
trazida.
Cada uma dessas características forma um contraste com as
visões de Hagin. Esse ponto não precisa ser atacado. O leitor
pode voltar por si mesmo e comparar as passagens acima com
aquelas que se encontram nas obras de Hagin. A diferença será
notada imediatamente ou nunca. Entretanto, para poupar tempo e
esforço ao leitor, podemos observar brevemente que nas visões
de Hagin existe uma ausência quase completa da sensação de
estar na presença de um Ser santo que é mais poderoso do que
ele. O leitor até procura isso, mas não consegue encontrar
nenhum sentimento de temor santo nas visões dele. Pelo
contrário, Hagin demonstra tanta confiança em si mesmo na
presença do Senhor que chega a nos dizer que sempre discute
com Jesus sobre a interpretação de uma passagem da Bíblia. É
claro que, em suas histórias, Jesus sempre sai vitorioso nas
discussões, mas isso se deve ao fato de Hagin defender a posição
ortodoxa ultrapassada e Jesus as doutrinas de saúde, prosperidade
e confissão. Parece que Hagin não tem nenhuma dificuldade em
ser levado para o céu ou para o inferno ou em estar na presença
do Senhor glorificado. Com efeito, a aparência de Jesus nas
visões dele e muito comum, sem qualquer vestígio de algum
elemento divino. Essas descrições de Jesus formam o contraste
mais agudo possível com a glória descrita por João.
Em segundo lugar, o conteúdo das visões de Hagin está muito
concentrado nele mesmo. Por isso, ao terminar de ler uma dessas
histórias, o leitor não se sente como se tivesse lido alguma coisa
pertinente às Escrituras Sagradas. Não há nenhuma sensação de
que ali se encontra algo especial. Antes, o sentimento é mais o de
ter lido uma notícia interessante no jornal da manhã. Creio que
isso se deve à ausência de temor santo e ao fato de a atenção nas
visões estar concentrada principalmente em Hagin.
Por fim, como resultado dessas visões, Hagin afirma trazer à
igreja o verdadeiro entendimento das Escrituras, algo que nunca
foi visto em dois mil anos de história eclesiástica. Tal afirmação
deveria ser feita com a autoridade de um Moisés que se encontra
no Monte Sinai, de um João que escreve de Patmos ou de um
Paulo que discute com os gregos. Em vez disso, ouvimos as
palavras de um velho simpático e bondoso conhecido como
"vovô Hagin". (Ninguém duvida da sinceridade ou da simpatia de
Hagin.)
Antes de passar para o segundo teste, consideremos agora uma
passagem da experiência de Paulo ao ser levado ao céu,
registrada em 2 Coríntios 12.1-6. Ali ele fala brevemente de seu
arrebatamento ao céu:
Se é necessário que me glorie, ainda que não convém,
passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um
homem em Cristo que, há catorze anos foi arrebatado até
ao terceiro céu, se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus
o sabe. E sei que o tal homem, se no corpo ou fora do
corpo, não sei, Deus o sabe, foi arrebatado ao paraíso e
ouviu palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem
referir. De tal coisa me gloriarei; não, porém, de mim
mesmo, salvo nas minhas fraquezas. Pois se eu vier a
gloriar-me não serei néscio, porque direi a verdade: mas
abstenho-me para que ninguém se preocupe comigo mais do
que em mim vê ou de mim ouve.
O aspecto mais impressionante desse relato é o tom de
humildade. Paulo diz: "De tal coisa me gloriarei; não, porém, de
mim mesmo". Ele também não descreve com detalhes o que
realmente aconteceu. Em vez disso, há uma resistência de sua
parte em falar sobre algo intensamente pessoal como foi o
encontro com Deus no céu. Registrar uma experiência dessas
seria o mesmo que expor sua alma ao mundo. É evidente o
contraste com a prontidão de Hagin em relatar tudo o que ele vê e
sente em suas visões.
Em pelo menos mais um ponto Hagin é diferente daqueles que
recebem revelações no Novo Testamento — ele não aceita
questionamentos ou críticas. No tempo dos apóstolos não era
assim. A discussão crítica fazia parte dos relacionamentos
apostólicos. Apesar de cada um dos apóstolos ter sido ensinado
por Cristo, nenhum deles alegava ter plena compreensão do que o
Mestre havia dito. Depois da ascensão do Senhor, ainda houve
muita discussão e pesquisa cuidadosa das Escrituras. Em Atos
15, encontramos o registro de uma discussão acalorada entre os
apóstolos a respeito do assunto central da primeira igreja: a
relação entre a lei e o evangelho. No fim, o grupo chegou a um
novo entendimento. A questão é que os apóstolos não se
colocavam acima de todo e qualquer questionamento. É evidente
que o próprio João está respondendo a questionamentos que ele
havia enfrentado muitas vezes, ao escrever, em 1 João, que havia
ouvido, visto e tocado o verdadeiro Jesus. Isso estabelece um
contraste com Hagin e outros pregadores da cura de hoje, que
rejeitam qualquer questionamento. Hagin vai mais longe e coloca
medo em seus seguidores, fazendo-lhes ameaças. Isso lhes tira a
capacidade de pensar por si mesmos. Eles acreditam que Hagin é
profeta e mestre, visionário místico e erudito bíblico, tudo ao
mesmo tempo. Sua autoridade é intocável. Aqueles que o
desafiam são repreendidos, por estarem rejeitando a palavra de
Deus. Eles dizem que não devemos tocar no ungido do Senhor.
Esse tipo de demagogia forma um contraste gritante com a
humildade de Paulo.
Como em todas as outras questões de fé e doutrina, o leitor terá
de decidir por si mesmo, mas este autor acha que existe uma
enorme diferença em termos de qualidade entre as visões de
Hagin e as dos profetas e apóstolos da Bíblia. As de Hagin
parecem ficar muito aquém do poder, da glória e do temor santo
daqueles que foram portadores de uma nova e verdadeira
revelação da parte de Deus. Em nossos dias, parece que está
crescendo o número dos que não têm medo de afirmar que
trazem sobre seus ombros um manto divino. As visões descritas
na Bíblia formam um padrão a ser seguido por outros. O profeta
dos dias atuais tem esse sentimento de temor santo? Suas visões
se concentram no Santo? Ele retorna dessas visões exaltado pelo
orgulho ou humilhado com uma sensação de pecado? É
necessário que existam menos ingenuidade e mais comparação
das visões de hoje com o padrão estabelecido pela Bíblia.
O segundo teste que aplicaremos é muito mais simples. Ele
consiste de perguntarmos se as afirmações que Hagin faz quanto
à sua posição de profeta de Deus autonomeado são coerentes
umas com as outras. A coerência interna é um teste importante
em qualquer trabalho teológico ou filosófico e aplica-se também
a testemunhos pessoais. Num tribunal, é comum o promotor usar
a tática de fazer o réu tropeçar em alguma incoerência em seu
testemunho, demonstrando assim que ele está mentindo ou pelo
menos escondendo parte da verdade. Portanto, vale a pena notar
que o testemunho de Hagin quanto a seu ministério pessoal
apresenta incoerências. Por um lado, temos suas afirmações de
que ele sempre viveu numa elevada condição espiritual, nunca
sofreu uma derrota, nunca teve problemas, sempre teve resposta
para suas orações, foi cercado por nuvens de glória, curou todas
aqueles que o procuraram. Por outro lado ele admite tanto em
seus sermões quanto em seus livros que seus primeiros 12 anos
de ministério pastoral foram um fracasso total e, por isso, ele
precisava do perdão divino (McConnell, 1988, 60). Esses dois
conjuntos de afirmações não se harmonizam. Um ou outro
precisa ser modificado. Por si só, esta única contradição é
suficiente para colocar em dúvida tudo o mais que Hagin afirma,
pois é o próprio testemunho dele que dá credibilidade às suas
visões e profecias. Portanto, questionar a veracidade de seu
testemunho é o mesmo que questionar o fundamento de sua
alegação de ser profeta.
O terceiro e último teste a ser aplicado é de natureza moral.
Como vimos, Hagin não foi totalmente honesto em sua
explicação das origens de seus ensinos. Ele afirma que eles
vieram exclusivamente do Senhor e não de algum autor humano.
Todavia, conforme notamos na introdução, ele plagiou ampla e
repetidamente a E. W. Kenyon, durante anos, antes de admitir ter
lido os livros de Kenyon. Somente depois de ter sido desafiado
(1978-1979), Hagin começou a mudar seus escritos, editando a
fraseologia e dando crédito aqui e ali a Kenyon. Esse tipo de
plágio intelectual não é algo sem importância. Ele não é tolerado
em escolas seculares, muito menos em seminários. Seria isso
coerente com a vida e o ensino de um profeta ou apóstolo?
Novamente o leitor terá de tomar sua decisão sobre como
responder a essa pergunta. A conclusão que oferecemos aqui é de
que, pelos testes de moralidade, coerência interna e pela
comparação das visões de Hagin com as da Bíblia, suas
alegações de ensino apostólico caem por terra. Com base nesses
testes somente, descontando seus verdadeiros ensinos doutrinários, suas afirmações de autoridade espiritual podem ser
declaradas espúrias.5
5
Remetemos o leitor ao livro de Jonathan Edwards, A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais
de Autenticidade (Vida Nova, 1992). Ele apresenta testes semelhantes pelos quais podem
ser feitos julgamentos relacionados a um avivamento ou a alguma obra espiritual.
1.2 Sinais e Maravilhas
Visões, profecias, visitas de Jesus, curas, palavras de conhecimento, falar em línguas, ser abatido no Espírito, nuvens de
glória, rostos que brilham com luz sobrenatural, conhecimento do
futuro, dons espirituais que descem com um "clique"; estes são
os sinais e maravilhas. Na igreja atual, muitas pessoas tendem a
acreditar que esse tipo de coisa é algo novo. Ele sempre está
associado a sinais do fim dos tempos ou, no mínimo, a provas de
uma unção especial do Espírito. Mas o fato é que tais relatos
sempre foram comuns na história da igreja, desde cerca do quarto
século. A história dos sinais e maravilhas é fascinante e traz uma
lição para a igreja de hoje. O propósito dessa parte é mostrar a
natureza dessa lição.
Sinais e Maravilhas no Passado
É ponto pacífico que os milagres de cura fizeram parte do
ministério dos apóstolos, enquanto eles continuaram a
evangelizar, embora haja quem diga que, mesmo enquanto eles
estavam vivos, a freqüência deles diminuiu. A questão é se o
poder de realizar milagres na igreja foi transferido para seus
seguidores. Será que, no final do primeiro século e início do
segundo, os seguidores dos apóstolos também realizaram
milagres de cura? O poder de curar e de realizar sinais e
maravilhas teria sido conferido à igreja?
Essas perguntas têm recebido diferentes respostas. Lutero,
Calvino, Zuínglio e outros reformadores disseram sim: o poder
de operar milagres continuou na igreja depois da morte dos
apóstolos, mas somente durante algum tempo. Eles pressupunham que o poder para realizar milagres era necessário para a
edificação da igreja, mas, à medida que ela cresceu em número e
força, tal necessidade diminuiu e, finalmente, cessou. Pelo menos
era esse o argumento que eles usavam em suas discussões contra
opositores católicos. Por sua vez, os católicos apontavam para os
milagres atribuídos aos santos que viveram na Idade Média. As
histórias miraculosas daquele período são abundantes e os
debatedores católicos argumentavam contra os teólogos
protestantes que os milagres registrados eram prova da
autenticidade da doutrina católica. Afinal, se Deus operava
milagres por intermédio dos santos católicos, isso vindicava
claramente a verdade da igreja católica.
Se os reformadores estavam certos em dizer que os milagres
desapareceram lentamente, á medida que a igreja primitiva se
firmava, então não pode ter existido nenhum milagre autêntico
durante a Idade Média (Calvino, 1989, IV. XIX. 18). Portanto, a
igreja católica não poderia apelar aos milagres como prova de
que era a única igreja verdadeira. O mesmo argumento foi usado
contra a ala radical da Reforma e contra visionários como
Thomas Müntzer, que, à semelhança dos modernos pregadores
da cura, afirmava ter recebido todo tipo de visão e poderes
especiais de Deus. Nos dois casos, nos debates contra a igreja
católica ou contra os radicais, os reformadores fizeram uso do
mesmo argumento. Os milagres continuaram durante certo tempo
na era pós-apostólica e, então, começaram a desaparecer aos
poucos, como uma luz que lentamente perde intensidade. De
modo geral, o fim deles é fixado no início do quarto século, com
o surgimento de Constantino.
Os reformadores estavam enganados. A partir do século XVIII,
os escritos da igreja primitiva começaram a ser objetos de uma
pesquisa mais cuidadosa. Deve ser lembrado que os reformadores
tiveram pouco ou nenhum acesso a esses primeiros registros.
Eles estavam arriscando um palpite, ao dizerem que os milagres
desapareceram lentamente depois da era apostólica. A facilidade
de acesso a esses primeiros documentos, obtida pelos
historiadores atuais, permitiu uma apreciação mais exata daquilo
que aconteceu. B. B. Warfield, o grande teólogo evangélico do
seminário de Princeton durante as décadas de 1920 e 1930,
pesquisou meticulosamente a história dos sinais e maravilhas. Ele
provou que, depois da era apostólica, os sinais e maravilhas
deixaram de ser relatados quase completamente.
Nos dois séculos posteriores à morte do último dos apóstolos, a
literatura da época apresenta relatos de milagres que podem ser
classificados de muito vagos. 6
Há pouca ou absolutamente nenhuma evidência de
operação de milagres durante os primeiros 50 anos da
igreja pós-apostólica; nos 50 anos seguintes, ela é pequena
e sem importância, começando a crescer durante o século
seguinte (o terceiro); ela se tornou abundante e precisa
somente no quarto século, aumentando ainda mais no
quinto século e depois. Assim, se as evidências valem
alguma coisa, em vez de uma diminuição progressiva e
regular, desde o início houve um crescimento contínuo da
operação de milagres. (Warfield, 1972, 10.)
Portanto, em vez de encontrarmos abundância de relatos
miraculosos, o tom dos escritos das décadas posteriores à morte
dos apóstolos foi cauteloso e conservador. Parece que houve da
6
Veja Justino Mártir, Apology, I, cap. 6; Irineu, Contra Heresies, I, cap. 34; Tertuliano, Ad
Scap IV, 4; Orígenes, Contra Celsum B, III, cap. 24; Clemente de Alexandria, Epis C, XII.
parte dos pais pós-apostólicos um esforço deliberado de não
alegar qualquer tipo de poder especial para operar sinais e
maravilhas. Por isso. Warfield considera aqueles primeiros
líderes cristãos
dignos do lugar que ocupam como seguidores imediatos dos
apóstolos. A ansiedade que tinham com relação a si
próprios era no sentido de que não fossem supervalorizados ou confundidos com os apóstolos em suas
pretensões, em vez de arrogarem a si posição, dignidade ou
poderes parecidos com os dos apóstolos. (Warfield, 1972,
10.)
Uma coisa é certa: se aqueles primeiros líderes da igreja tivessem
realizado milagres de cura ou pensado como muitos na igreja
atual, seus escritos estariam recheados de referências a curas e
dons espirituais. A falta de comentários como esses demonstra
como suas expectativas e preocupações eram diferentes. A
semelhança dos apóstolos, eles se concentravam na salvação da
alma e não na cura do corpo.
Foi somente muito mais tarde, no quarto século, que milagres
começaram a ser relatados em números significativos. Naquela
época houve um aumento repentino de relatos miraculosos,
especialmente de milagres de cura. Há duas razões que justificam
esse surgimento repentino de casos na literatura da época.
Primeira, ele se deveu à emergência de livros seculares sobre os
poderes que bruxos, mágicos e todos os tipos de heróis tinham
para realizar milagres. Aquelas histórias tornaram-se
extremamente populares. Assim como milhões de brasileiros
lêem hoje Paulo Coelho, envoltos por uma fascinação supersticiosa, naquela época também os contos de milagres eram
lidos como explicações daquilo que realmente podia acontecer.
Algumas daquelas histórias eram pura ficção, escritas apenas
para fins de diversão. Quanto às outras, pretendia-se que fossem
levadas a sério como prova das alegações de verdade feitas por
grupos e religiões. Também não eram apenas sacerdotes pagãos e
bruxos que relatavam milagres de todos os tipos. Grupos
heréticos como os arianos ou os montanistas também afirmavam
ter poder como prova de seus ensinos. No todo, o aparecimento
dessa literatura de histórias fantásticas exerceu uma enorme
influência sobre as expectativas da igreja. O cristão característico
daquele tempo começou a ver as histórias de curas miraculosas
como parte de sua religião.
O fato fundamental que deve ser mantido em nossa mente é
que o cristianismo, ao entrar neste mundo, entrou num
mundo pagão. À medida que ele se impunha, via-se cada
vez mais imerso numa atmosfera pagã repleta de milagres.
É claro que essa atmosfera penetrou com toda força no
cristianismo e alterou sua interpretação da existência em
todos os fatos da vida do dia-a-dia... Os próprios cristãos
batizados saíram do paganismo e levaram os conceitos
pagãos para dentro da igreja... Quem era supersticioso
continuava supersticioso; quem havia vivido num mundo
cheio de elementos miraculosos procurava e achava
maravilhas acontecendo a seu redor... Talvez igualmente
subestimemos o quanto dessa cosmovisão pagã passou para
a igreja... O cristianismo não trouxe para o mundo a crença
em milagres; ele a encontrou ali. Toda a religião dos
pagãos dependia dela; eles tinham seus deuses visando
somente os milagres. (Warfield, 1972, 74.)
A segunda razão que levou ao aumento repentino do número de
histórias miraculosas foi a decisão tomada pelos líderes da igreja
de começarem a fazer uso de objetos como relíquias. Estas
tinham o propósito expresso de responder às orações e de operar
milagres. O poder de atração desse tipo de promessa sempre foi
grande, e a igreja primitiva percebeu esse fato por volta do tempo
de Agostinho, no final do quarto século. Ao oferecer ao público
objetos dos santos que, supostamente, realizavam milagres de
cura, multidões de pessoas, que teriam permanecido em suas
religiões pagãs, foram atraídas para a igreja. Então, os líderes
eclesiásticos sentiram-se obrigados a produzir, junto com as
relíquias, modos de verificação do poder que elas tinham,
primeiramente em forma oral e, depois, em forma de histórias
escritas sobre seus poderes para operar maravilhas.
O raciocínio das autoridades daquele tempo parece ter sido este:
se pagãos e hereges têm seus milagres, por que não a verdadeira
igreja de Deus? Foi esse tipo de pensamento que levou os líderes
eclesiásticos a copiar e produzir histórias miraculosas em forma
cristianizada. Temos bons exemplos na literatura apócrifa da
Igreja Católica Romana, tais como Atos dos Apóstolos (apócrifo);
Vida de Antônio, de Atanásio; A Vida de Paulo, Hilário e Malco,
de Jerônimo; e o Evangelho de Pedro, anônimo. Por volta do
século sexto, os contos miraculosos como forma literária haviam
sido completamente adotados de suas origens pagãs e eram
pressupostos da igreja. Resumindo essa situação, Warfield
escreve:
Pode-se dizer que, de modo geral, os cristãos transferiram
para si e apropriaram-se de cada bem religioso possuído
pelos pagãos. Um dos resultados disso foi que todo o
conjunto de lendas pagãs, de uma forma ou de outra,
reproduziu-se em solo cristão... Com o século sexto
encontramos já cristianizado todo o sistema antigo de
lendas. (Warfield, 1972, 83.)
A essência dessas lendas ou contos miraculosos estava na
atribuição de milagres a heróis ou, no caso da igreja, aos santos
ou a seus objetos nos relicários. Uma vez naturalizadas na igreja,
essas histórias cristianizadas desenvolveram-se junto com a
igreja propriamente dita, crescendo em grau e número.
Quando passamos da literatura dos três primeiros séculos
para a do século quarto e seguintes, deixamos de vez a
região das referências indefinidas e superficiais às obras
miraculosas que teriam ocorrido em algum lugar ou outro
— sem dúvida as referências aumentam em número e
tornam-se mais específicas com o passar dos anos — e
entramos em contato com um conjunto de escritos
simplesmente saturado de maravilhas. Enquanto, no
período anterior, encontramos poucos escritores que
professavam ter sido testemunhas oculares de milagres e
ninguém que atribuísse a si a operação deles, no período
posterior todo mundo parece ter testemunhado milagres, e
aqueles que os realizam não são apenas identificados, mas
revelam-se como os mais famosos missionários e santos da
igreja... Eles são... os eruditos eminentes, teólogos,
pregadores e organizadores da época. (Warfield, 1972, 37,
38.)
O leitor deve ter em mente que as histórias miraculosas da Idade
Média são diferentes das histórias bíblicas em dois aspectos
fundamentais. Em primeiro lugar, elas são narradas invariavelmente na terceira pessoa e não representam relatos de
testemunhas oculares. Ninguém alega ter realizado um milagre
ou visto alguém realizá-lo. Também é digno de nota que, embora
as lendas e histórias miraculosas tenham se espalhado muito na
Idade Média, nenhum dos principais teólogos jamais apelou a
milagres para defender uma idéia no campo teológico (Warfield,
1972, 250). Em segundo lugar, parece que muitos daqueles que
receberam o crédito pela operação de algum milagre não tinham
consciência, durante seu tempo de vida, de ter feito aquilo. Por
exemplo, nas biografias escritas depois de sua morte, São
Francisco de Assis recebe crédito pela ressurreição de 14
pessoas. A julgar de seus próprios escritos, ele próprio não teve
consciência disso enquanto viveu.
É importante fazer uma última observação histórica. Os relatos
de sinais e maravilhas continuaram existindo desde que foram
incorporados à igreja, no começo da Idade Média. Warfield faz o
seguinte comentário:
Com aquelas histórias miraculosas algo novo penetrou no
cristianismo, algo desconhecido pelo cristianismo dos
apóstolos, pelas igrejas apostólicas e por seus sucessores
sóbrios; e esse elemento novo penetrou no cristianismo
tendo vindo de fora, não pela porta, mas subindo por algum
outro caminho. E trouxe consigo uma infinidade de obras
miraculosas que vieram para ficar. (Warfield, 1972, 20.)
Tendo esses fatos em mente, fica ao leitor a tarefa de tirar suas
próprias conclusões quanto à fidedignidade daquele número
enorme de histórias sobre sinais e maravilhas dos tempos
passados. Quanto a Warfield, ele não tem dúvida sobre como
responder à pergunta acerca da veracidade desses milagres: "Há
somente uma resposta histórica que pode ser dada, Eles
representam uma infusão do pensamento pagão na igreja"
(Warfield, 1972, 61).
Sinais e Maravilhas nos Dias de Hoje
A exemplo da Idade Média, também em nossa época não nos
faltam relatos de sinais e maravilhas, muitos dos quais
provenientes de igrejas que pregam a doutrina da prosperidade.
Sem variações, os líderes desse movimento vêem seu próprio
trabalho como uma seqüência natural da atuação miraculosa dos
ministérios de Jesus e dos apóstolos. Mas é importante observar
que os milagres registrados no Novo Testamento limitam-se aos
apóstolos. Todos os milagres em Atos são atribuídos aos
discípulos imediatos de Cristo (At 5.12). Por exemplo, quando
Tabita morre, os cristãos que viviam naquele local não tentam
trazê-la de volta à vida, mas mandam buscar Pedro (At 9.38).
Essa atitude vai contra a afirmação de que o poder para operar
milagres havia se espalhado na igreja. Sobretudo, por tradição, a
teologia cristã tem se baseado principalmente nas passagens
didáticas do Novo Testamento, e as epístolas têm muito pouco a
dizer sobre curas. Assim, o Novo Testamento não dá apoio à
alegação de que sinais e maravilhas eram ou deviam ser
amplamente difundidos na igreja. Além dessas observações
neotestamentárias, acabamos de ver que o registro histórico apóia
a conclusão de que os poderes miraculosos limitaram-se aos
apóstolos e à sua época.
Vale a pena observar também que os milagres hoje registrados e
os da Bíblia têm diferenças importantes. Estas se evidenciam na
velocidade, dificuldade e qualidade das curas efetuadas. Isso se
revela quando as características das curas realizadas por Cristo
são comparadas com aquelas que a igreja relata hoje. As curas
miraculosas de Cristo eram 1) instantâneas; 2) completas; 3)
desvinculadas da fé da pessoa afligida — em muitos casos, não
há nenhuma menção de qualquer fé que seja (Mt 9.32; 12.10, 22;
20.30; Mc 8.22; Lc 4.39; 5.19; 14.12); Jesus curou pessoas
incapazes de exercer fé e, certa vez, até mesmo debaixo do
protesto delas (Mt 8.23; Mc 5.7; Lc 4.33; 8.28); ele exigiu a
presença de fé somente em um caso (Mt 9.29) e apenas uma vez
repreendeu os discípulos por causa da falta de fé (Mt 17.14-20);
4) Jesus curava todos os que iam até ele; e 5) ele curava sem
fazer daquilo um espetáculo (Biederwolf, 1934, 36, 37).
Essas cinco características estão em franca oposição às
tendências das curas dos dias de hoje, as quais sempre são
graduais, incompletas ou as duas coisas juntas. Os pregadores da
cura pela fé olham para a Bíblia procurando exemplos de cura
gradual, mas não existe nenhum. 7 Em segundo lugar, os
pregadores da cura exigem fé daquele que busca o milagre. Já
vimos as exigências rígidas feitas pela doutrina da prosperidade
quanto à confissão positiva. Não se permite que o suplicante se
afaste nem um pouquinho da exigência de crer sem duvidar e de
confessar sem hesitar. Em terceiro lugar, a cura está à disposição
apenas dos cristãos. Hoje ninguém afirma ter poder para curar
onde e quando quiser. Quarto, a cura pela fé dos dias de hoje
sempre envolve muito espetáculo.
É digno de nota que, a exemplo da Idade Média, também hoje
poucas pessoas viram pessoalmente um milagre de cura. Embora
sejam feitas muitas alegações, quando se busca uma confirmação
posterior, pouquíssimos casos mostram ter alguma importância.
7
Os exemplos de cura instantânea têm duas exceções: Lucas 17.11-14 e Marcos 8.22-26,
mas até mesmo esses casos foram de cura relativamente rápida.
Talvez seja por isso que muitos pregadores da cura pela fé evitem
o escrutínio. O próprio Hagin ameaça aqueles que desafiam suas
afirmações nessa área. Mas o que há para ser temido? O Espírito
pode ser analisado da forma mais crítica possível. Se aquilo é de
Deus, a obra suportará qualquer tipo de escrutínio. O apóstolo
João recomenda; "... provai os espíritos se procedem de Deus".
Como na Idade Média, muitas curas relatadas hoje ocorrem por
meio de processos naturais, sem dúvida com a ajuda da resposta
do Senhor à oração. Grande parte da melhora parece ter mais a
ver com o poder de sugestão do que com qualquer outra coisa
que possa ser realmente chamada de miraculosa. Sempre foi
assim. Warfield estudou as afirmações dos adeptos da Nova Era
de seus dias, os mesmerianos, e as dos pregadores da cura. Ele
chegou à seguinte conclusão:
... o que vem à tona... é que uma linha nítida é traçada entre
as categorias de cura que podem ser obtidas e as categorias
que não podem ser obtidas pela fé, e essa linha é traçada
aproximadamente no exato ponto onde passa a linha que
separa as curas que são obtidas daquelas que não são
obtidas pela mente... Há categorias de doenças que a cura
pela fé pode resolver e categorias que ela não pode. Num
exemplo específico, ela não consegue curar ossos
quebrados, restaurar mutilações ou fazer algo tão simples
quanto recuperar dentes perdidos. (Warfield, 1972, 191.)
É difícil negar o argumento de Warfield que os cristãos que
curam pela fé podem fazer somente aquilo que fazem a Ciência
Cristã, os hipnotizadores e outras abordagens de cura mental.
Por isso, "providência" e "milagre" devem ser vistos como duas
coisas separadas.8 "Providencia" é a atuação da vontade de Deus
no mundo, mediante meios naturais, de forma que não pode ser
discernida sem fé. Isto se contrapõe ao "milagre", que é a ação de
Deus sem o emprego dos meios normais e naturais. Em outras
palavras, um verdadeiro milagre é a atuação direta e imediata de
Deus sobre o objeto. É a criação de novas terminações nervosas
no homem que nasceu sem visão, de carne nova e ossos para a
cura de um braço atrofiado. É o fogo que cai do céu sob a ordem
de Elias. Esses atos de Deus são bem diferentes de sua
providência, a qual está oculta, por atuar mediante as leis da
natureza, como, por exemplo, quando o Senhor usa o sistema
imunológico do corpo para vencer uma doença.
A experiência da grande maioria dos cristãos através da história
não tem sido com o elemento miraculoso, mas com o poder que
Deus, em sua graça, concede por meios naturais. A maior parte
dos milagres relatados na história da igreja, incluindo aqueles da
era moderna, podem ser mais bem compreendidos dessa forma.
A distinção entre o elemento verdadeiramente miraculoso e a
providência de Deus elimina uma porção de idéias vagas e
confusas e guarda os milagres da Bíblia como atos distintos da
intervenção divina que não podem ser interpretados simplesmente como processos naturais. Desse modo, Deus é glorificado
sem baratear aquilo que é verdadeiramente miraculoso. Warfield
comenta esse ponto:
8
Em geral são admitidos três propósitos para os milagres na Bíblia: primeiro, eles
autenticavam a mensagem daquele que o efetuava (1 Rs 18.21; Jo 5.36); segundo, eles
mostravam que o reino de Deus estava presente (Mt 12.28); e terceiro, revelavam o caráter
de Deus (Jo 9.35). Jesus curava e realizava milagres porque era Deus e, portanto, doença e
opressão eram suas inimigas.
Os milagres não surgem errantes nas páginas das
Escrituras, aqui, ali e acolá, indiferentemente, sem razão
justa. Eles pertencem a períodos de revelação e aparecem
somente quando Deus está falando a seu povo por meio de
mensageiros dignos de crédito... A priori, de fato poderia
ser concebível que Deus deva lidar com os homens
atomisticamente, revelando a si e a sua vontade a cada
indivíduo, através de todo o curso da história, no recesso de
sua própria consciência. Este é o sonho do místico... Ele
escolheu, em vez disso, lidar com a raça como um todo e
dar a ela a revelação completa de si mesmo num conjunto
orgânico... e quando o conhecimento total de Deus... havia
sido absorvido pelo corpo vivo do pensamento do mundo —
ali permaneceu; é claro, nenhuma revelação mais existe
para ser feita e, conseqüentemente, nenhuma outra foi feita.
O Deus Espírito Santo fez de sua obra posterior não a
introdução de revelações novas e desnecessárias no mundo,
mas a divulgação dessa revelação completa através do
mundo e a condução da humanidade ao conhecimento que
salva. (Warfield, 1972, 25, 26.)
Há quem afirme que fazer essa distinção entre milagres e
providência tira a motivação de orar pela cura nos dias de hoje
(Bailey, 1977). Outros assumem uma posição mais forte e dizem
que negar ou minimizar o poder que a igreja tem para curar
miraculosamente é o mesmo que retirar uma parte essencial do
evangelho (Duffield, 1991; McNutt, 1976). Há algo de válido
nessas acusações. Com muita freqüência deixamos de orar pelo
doente, em particular ou em público, exceto em casos extremos,
quando um membro da igreja se encontra hospitalizado. Mais à
frente, olharemos para o capítulo 5 de Tiago, onde temos um
conselho apostólico quanto à forma e significado da oração pelos
enfermos.
Nosso último comentário é que não se pode aceitar nenhuma
alegação de operação de milagre em apoio a um erro teológico.
Em outras palavras, não se pode aceitar nenhum milagre que vá
contra a verdade, e qualquer milagre afirmado em favor de uma
falsa doutrina está se autocondenando. Esse princípio pode ser
declarado de forma inversa: uma doutrina errada destrói um
suposto milagre. Duas citações de Warfield expressam bem esse
princípio:
Deus não é só onipotência. Ele também é onisciência
absoluta. É impossível que ele seja o agente imediato numa
ação em que fica evidente um erro grosseiro de
"sabedoria"... Muito menos pode-se supor que ele seja o
sujeito imediato em ocorrências onde estão envolvidas
imoralidades ou em que... existam implicações
incorporadas de, por assim dizer, irreligião ou
superstição... Portanto, um princípio básico é que nenhum
evento pode ser realmente miraculoso se houver
implicações incompatíveis com a verdade religiosa
fundamental. (Warfield, 1972, 121, 122.)
Este último ponto é de suma importância. O fato de não
entendermos como alguma coisa acontece não nos dá o direito de
chamá-lo de milagre. Conforme observa Warfield, "o
inexplicável e o miraculoso não são exatamente sinônimos" (p.
118). Dito de uma forma mais abstrata,
minha ignorância não pode ser a medida da realidade... A
natureza foi feita por Deus, não pelo homem, e nela pode
haver forças atuantes que nossa filosofia jamais imaginou
que existissem e que, além disso, fogem à compreensão
humana. (Warfield, 1972, 120.)
Por si só esse critério elimina a grande maioria dos milagres
registrados pela história, pois estavam associados às formas mais
grosseiras de superstição, sendo atribuídos ao poder de relíquias
ou às orações feitas para santos que há muito haviam morrido.
Portanto, devemos estabelecer como princípio geral que o
elemento miraculoso deve sempre ser questionado. Jesus disse
que, no dia do julgamento, haverá aqueles que terão feito sinais e
maravilhas, mas que lhe serão estranhos (Mt 7). Mesmo que um
milagre seja feito diante de nossos olhos, em si ele não valida a
mensagem. Assim como Faraó teve seus imitadores de Moisés,
também hoje devemos fazer distinção entre o elemento
miraculoso e a mão de Deus. O que importa é a mensagem, não o
mensageiro.
O que podemos concluir a partir da presença de sinais e
maravilhas na igreja de nossos dias? Para este autor, três coisas
ficam evidentes. Primeira, o elemento verdadeiramente miraculoso é muitíssimo raro. A escassez de referencias à cura como
parte da vida da igreja primitiva revela que a presença de Deus na
igreja torna os milagres possíveis, mas não necessários. Devemos
permanecer abertos para essa possibilidade, mas não insistir nela.
As Escrituras ensinam que Deus, em sua liberdade soberana, faz
uso de milagres, mas a própria Bíblia, a história e a experiência
pessoal confirmam que Deus raramente utiliza meios que não
sejam os normais na execução de sua vontade. Também em
outras áreas, Deus não atua por meio de milagres, tais como
evangelização, ensino, etc. Em vez disso, ele emprega em seu
trabalho nossa fé, mente, capacidade, treinamento, etc. Por que,
então, deveria Deus realizar sinais e maravilhas hoje, para
edificar sua igreja? É claro que Deus é soberano e pode, em
lugares e épocas diferentes, fazer uso de milagres. Mas o mínimo
que podemos dizer é que seus meios habituais de atuação não
incluem milagres. Também não parece que os milagres
necessariamente edificam a igreja. A cura pela fé, que dá tanto
destaque ao elemento miraculoso, muitas vezes leva a um
desprezo dos meios, isto é, inteligência humana e trabalho árduo.
Isso se verifica na história daqueles grupos que valorizam os
milagres e na maneira como subestimam o treinamento teológico.
Hagin ilustra bem essa verdade. Seus escritos revelam da
maneira mais clara possível a falta de estudo teológico ou
pastoral. A igreja nunca foi edificada nas costas daqueles que dão
pouco ou nenhum valor ao trabalho intelectual.
Em segundo lugar, os sinais e maravilhas ligados ao evangelho
da prosperidade precisam ser considerados espúrios, por serem
utilizados em apoio a doutrinas defeituosas. Isso não significa
que alguma coisa incomum ou mesmo miraculosa não tenha
acontecido quando sinais e maravilhas são relatados. Não
queremos afirmar que tudo que é relatado é fictício. Mas não
podemos raciocinar a partir daquilo que é incomum e assombroso
para chegarmos à conclusão de que a mensagem que o
acompanha vem de Deus.
Em terceiro lugar, o pastor protestante deve ser lembrado de que
o protestantismo, desde seus primórdios, tem rejeitado a
importância de sinais e maravilhas na igreja. Cremos num Deus
que opera maravilhas, não numa igreja que opera maravilhas.
Warfield observa o seguinte:
Em questão de interpretação, a história do protestantismo é
uma negação uniforme de qualquer promessa bíblica no
sentido de que poderes miraculosos continuariam a existir
na igreja. (Warfield, 1972, 127.)
O tipo de espiritualidade incentivado pela doutrina da
prosperidade é estranho ao espírito do protestantismo. Portanto, o
pastor protestante que examina de modo crítico os sinais e
maravilhas na igreja está sendo coerente com sua fé e encontra-se
na boa companhia dos reformadores e de seus sucessores. É
necessário que essa posição seja tomada com muita humildade,
sempre admitindo que Deus age neste mundo de acordo com seu
desejo.
2. Saúde e Prosperidade
Ao passarmos da questão da autoridade espiritual para as
promessas da doutrina da prosperidade, precisamos ter cuidado
com aquilo que está sendo questionado. A questão não é se Deus
responde às orações de seu povo. Adoramos e servimos a um
Deus de amor que se preocupa conosco, tanto com a alma como
com o corpo. Somos convidados a levar-lhe nossas necessidades
(1 Pe 5.7) e cremos que ele ouve nossas orações e está conosco,
na saúde ou na doença (Mt 28.20). Portanto, o que está em jogo
nesta seção não é o caráter de Deus nem o valor da oração. A
questão aqui é a validade das promessas feitas ao cristão que crê
na doutrina da prosperidade. Seria válido esperar saúde e riqueza
como parte de nossos "direitos" com Deus? Doença e pobreza
fazem parte da maldição da lei, a qual foi substituída pela bênção
de Abraão? Responderemos a essas perguntas, olhando
primeiramente para Gálatas 3 e, depois, para os textos
específicos usados para defender a idéia de saúde e riqueza.
2.1 A Bênção e a Maldição de Gálatas 3
Vimos que o fundamento exegético da teologia de Hagin
encontra-se em Gálatas 3.13, 14:
Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele
próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito:
Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; para
que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus
Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito
prometido.
Mediante essa passagem, Hagin tenta justificar biblicamente as
promessas de prosperidade. O argumento aqui concentra-se no
fato de que sua exegese comete vários erros básicos, mas também
profundos.
Em primeiro lugar, Hagin identifica mal a lei na passagem.
Admite-se que qualquer discussão sobre a natureza da lei logo se
torna complexa, pois ela tem muitos aspectos. No Novo
Testamento, a palavra "lei" pode referir-se a todo o Antigo
Testamento ou, com maior freqüência, aos cinco primeiros livros
de Moisés, conforme a citação de Jesus, em Mateus 5.17, 18. Em
outros contextos, como nos escritos de Paulo, "lei" pode referirse a um único estatuto (Rm 7.3), a um princípio (Rm 2.14) ou à
exigência de santidade moral feita por Deus (Gl 2.15, 16; 3.2, 5).
Devido a essa flexibilidade na aplicação, sempre ao falar sobre a
"lei", o interprete da Bíblia precisa ter o cuidado de identificar
com clareza seu referente.
Em Gálatas 3, Hagin identifica a lei como sendo a lei de Moisés.
Ele afirma que, uma vez que fomos redimidos dela, não estamos
mais debaixo dos efeitos de sua maldição tríplice: pobreza,
doença e morte espiritual. Todavia, Gálatas 3 não está se
referindo à lei mosaica, mas, sim, à lei universal de Deus que o
homem infringiu. Paulo deixa claro que esse tipo de lei existe,
nos primeiros capítulos de Romanos. Ele escreve: "... todos
pecaram e carecem da glória de Deus" (3.23). A lei de Moisés
está incluída na lei universal, mas a "lei" não se limita a ela. Por
isso, os gentios também estão condenados diante de Deus, e é
exatamente a eles que Paulo dirige suas palavras em Gálatas 3.
Portanto, a "lei'' nesse texto representa a vontade de Deus
revelada no Antigo Testamento e gravada no coração dos
homens, não a lei mosaica de Deuteronômio 28, como Hagin
gostaria que acreditássemos.
Em segundo lugar, Hagin comete mais um erro, ao identificar a
maldição da lei como sendo doença e pobreza (Fung, 1988). Ele
tenta achar em Deuteronômio 28 apoio para essa interpretação
estranha, onde Deus promete ferir os israelitas com pobreza,
doença e morte, caso fossem infiéis à seu pacto com eles. Mas a
maldição a que Paulo está se referindo em Gálatas é a
condenação de Deus, debaixo da qual se encontram todos os
homens sem Cristo. Nessa condição, eles permanecem em seus
pecados, culpados de terem infringido a lei gravada no coração.
Aqui se revela o propósito real e mais profundo da lei. Ela foi
outorgada para nos mostrar nossos pecados e despertar em nós a
percepção de que precisamos de um salvador. E por isso que
Paulo chama a lei veterotestamentária de aio (feitor) que nos
conduz a Cristo (Gl 3.24). Ela é um feitor porque nos traz
consciência de nosso pecado e, portanto, de nossa culpa diante de
Deus (Rm 3.20). James Boice expressa bem essa verdade, ao
escrever:
Uma visão característica da lei é de que ela tem como
propósito nos ensinar a sermos bons. Esse não é o destaque
da Bíblia. É verdade que a lei instrui o perverso, a fim de
refrear o mal, e instrui até aquele que crê, como expressão
da vontade e do caráter de Deus, pelos quais eles podem ser
instados a viver a vida cristã. Mas seu propósito principal é
convencer-nos de que somos pecadores e de que precisamos
de um Salvador. (Boice, 1978, 219.)
Ao identificar a lei em Gálatas como sendo a lei mosaica de
Deuteronômio 28, Hagin entendeu de forma completamente
errônea a natureza da salvação e tornou insignificante a
necessidade que o homem tem de um salvador. Não é somente da
pobreza e da doença que precisamos ser redimidos, mas, acima
de tudo, da culpa do pecado cometido.
Em terceiro lugar, Hagin interpreta de forma errada o
relacionamento entre o Antigo Testamento e o Novo. Ele afirma
que, hoje, os cristãos passam por doenças e pobreza como
resultado da maldição da lei mosaica. Isto só pode ter um
significado: a lei mosaica aplica-se à igreja cristã de hoje. Mas,
seguramente, isso representa uma completa confusão entre Israel
e a igreja e revela que ele confunde o Antigo Testamento com o
Novo. A igreja não se encontra debaixo da lei de Moisés (cf. Rm
3.19 e Ef 2.14). Se fosse assim, todos os homens deveriam se
submeter à circuncisão, as festas judaicas deveriam ser
observadas, poderíamos ingerir apenas comida kosher, sacrifícios
deveriam ser oferecidos no templo, etc. Mas a lei foi abolida para
a igreja e portanto, as maldições de Deuteronômio 28 não têm
aplicação direta para ela.
Quarto, Hagin interpreta mal a natureza da doença. Ele diz que o
cristão passa por doenças, porque a maldição da lei mosaica
sobrevém àquele que não afirma seus direitos por meio da
expiação. Mas se é assim, qual a razão que leva o restante da
humanidade a sofrer doenças e pobreza? A resposta bíblica para
esta pergunta está no fato de que o mundo não é aquilo que
deveria ser, por causa da queda de Adão, registrada em Gênesis
3. Com Adão, a raça humana inteira ficou sujeita a doenças,
miséria e morte. As doenças alistadas em Deuteronômio 28 não
faziam parte desse julgamento divino sobre o mundo como um
todo, mas representavam o julgamento prometido aos judeus que
desobedecessem. Ele não está ligado à fraqueza do corpo, que faz
parte de nossa natureza decaída. Paulo disse que habitamos um
"corpo de humilhação" (Fp 3.21) e que nosso homem exterior
está se corrompendo (2 Co 4.16). Ele afirma que toda a criação
"geme" debaixo da maldição do sofrimento (Rm 8.19, 20),
incluindo os cristãos. O corpo humano será transformado um dia,
para ser como Cristo (Fp 3.21), mas esse dia ainda não chegou.
Finalmente, assim como Hagin não entendeu o significado da lei
em Gálatas 3, ele também identificou de forma errada a bênção
de Abraão como sendo prosperidade material. Ele escreve: "A
primeira coisa que Deus prometeu a Abraão foi que iria
enriquecê-lo. 'Você quer dizer que Deus vai enriquecer todos
nós?' Sim, é isto que quero dizer" (Redimidos, 8). Mas isso perde
totalmente de vista aquilo que Paulo está tentando dizer nessa
passagem. Ele está explicando que as nações gentílicas foram
incluídas na esperança da salvação por meio de Abraão. Isso fica
muito claro em Gálatas 3.7-9:
Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. Ora,
tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os
gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti serão
abençoados todos os povos. De modo que os da fé são
abençoados com o crente Abraão.
A expiação abriu as portas para que os gentios fossem contados
como filhos de Abraão, que é sempre mencionado no Novo
Testamento como exemplo de um homem que, por meio de sua
fé, encontrou salvação, não riqueza. Ele ficou conhecido como o
pai dos que crêem, exemplo supremo de um homem de fé (Rm
4.12-16; Gl 3.6, 9), não por ser rico e próspero, mas porque teve
fé para deixar sua terra (Hb 11.8), para confiar na promessa que
Deus fez de lhe dar um filho em sua velhice (Hb 11.11) e até para
sacrificar seu próprio filho, quando este lhe foi solicitado (Hb
11.17; Tg 2.21). O ponto central de Hebreus 11 é que os santos
de Deus, incluindo Abraão, foram fiéis apesar dos problemas,
não por serem prósperos. A maioria deles nem levou uma vida de
prosperidade, mas, em vez disso, morreu martirizada. A fé que
eles demonstraram honrou a Deus por ser fé apesar das
circunstâncias, não uma fé que muda as circunstâncias para
melhor.
Por outro lado, em oposição à interpretação de Hagin, a
prosperidade física de Abraão nunca é um assunto de interesse na
Bíblia. Nos 216 versículos que mencionam o patriarca, não existe
qualquer indício de que a riqueza que lhe foi dada fosse
importante para ele como pessoa ou elemento essencial de sua
relação com Deus. Portanto, ver na promessa de Deus a Abraão
uma referência básica às riquezas materiais não passa de uma
interpretação grosseira.
A conclusão dessa exegese de Gálatas 3 é que Hagin identificou
erroneamente tanto a maldição quanto a bênção referidas na
passagem. A maldição debaixo da qual a humanidade se encontra
sofrendo não é simplesmente a doença ou a pobreza, mas a ira de
Deus dirigida ao homem por causa do pecado. Assim como a
maldição de Gálatas 3 é muito mais profunda e mais terrível do
que Hagin supõe, igualmente a bênção é muito mais maravilhosa.
Hagin coloca-a dentro dos limites da riqueza e prosperidade
física, mas, de fato, ela é nada mais nada menos do que a
salvação. Somos abençoados porque, pela fé, tornamo-nos filhos
de Abraão e herdamos o direito de nos assentar com ele no reino.
Embora o próprio Hagin possa não ser um materialista que busca
lucro pessoal, ao destacar a prosperidade material e as bênçãos
físicas como resultado da fé, ele está transformando o
cristianismo numa religião de supermercado, onde as pessoas
vão, pagam e esperam receber em troca a satisfação de suas
necessidades.
Antes de passar para as promessas de saúde e prosperidade, devese notar que esta compreensão errônea de Gálatas 3 é a chave
para a interpretação da Bíblia, segundo os ensinos da
prosperidade. Identificar a lei como sendo a lei mosaica e a
bênção como prosperidade material torna-se a base interpretativa
de todos os outros textos que versam sobre salvação. Por
exemplo, Mateus 8.17, referindo-se a Cristo, diz o seguinte:
"... para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do
profeta Isaías: Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e
carregou com as nossas doenças". Esta citação de Isaías 53.4, 5 é
interpretada da perspectiva da doutrina da prosperidade e
considerada como prova de que a redenção inclui a promessa de
saúde perpétua para o cristão. Não pode haver dúvida de que
Mateus (veja também 1 Pedro 2.24) está se referindo aos
benefícios físicos e espirituais da expiação. Mas a questão não é
se a redenção envolve o homem como um todo. E claro que sim.
Tanto o corpo quanto a alma serão um dia redimidos (Rm 8.23).
A questão é se essa redenção aplica-se completamente aqui e
agora, nesta vida. Ela será discutida com mais detalhes na
próxima divisão. Por ora, basta observar que, nesse versículo, a
expressão "para que se cumprisse" não significa que a profecia
foi completamente cumprida naquela época ou no tempo vivido
hoje pela igreja, sendo que nada mais resta. Tanto em sua
execução quanto em seus benefícios, a redenção é um processo, e
nem todos esses benefícios já foram alcançados.
Outros dois versículos geralmente interpretados por Hagin da
perspectiva da doutrina da prosperidade são Mateus 15.26 e
Êxodo 15.26. Sobre este último afirma-se que se trata da primeira
promessa de cura na Bíblia. Junto com textos como Salmos 103.3
(Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades; quem sara todas as
tuas enfermidades), afirma-se que a cura estava e está à
disposição de todos os que crêem. Mas não se explica como
essas promessas do Antigo Testamento se relacionam com a
expiação de Cristo, que apareceria somente séculos depois. Na
passagem de Mateus, a cura da enfermidade efetuada por Jesus é
chamada de "o pão dos filhos". Há quem afirme que isso pode
significar só uma coisa: a cura é uma norma para os cristãos de
hoje (Bailey, 1977; Soares, 1987), uma vez que todos os cristãos
são filhos de Deus. Nos dois versículos, o que está em jogo são
os benefícios da expiação.
Eles foram plenamente recebidos? Teríamos nós o direito de
esperar a cura completa do corpo e da alma quando nos tornamos
cristãos?
Precisa ser observado que em nenhum dos versículos existe a
promessa de que todas as enfermidades serão curadas, mas
apenas uma declaração de fé no sentido de que, quando a cura
acontece, Deus é sua fonte. Dizer que Deus é quem cura não é o
mesmo que dizer que Deus é quem sempre opta por curar, ou
quem cura automaticamente, ou quem confere o direito à cura. Ê
simplesmente dizer que, quando existe cura, ela vem de Deus.
Resumindo, o erro básico da doutrina da prosperidade está em
pressupor que a expiação de Cristo removeu não somente a culpa
do pecado, mas também suas conseqüências. Em outras palavras,
ela afirma que não apenas fomos perdoados de nossos pecados,
mas os efeitos do pecado também foram removidos. Mas Paulo
deixa claro que as conseqüências do pecado não serão removidas
nessa vida. É exatamente por isso que toda a criação geme (2 Co
5.4), aguardando o dia em que a redenção se completará. Por
enquanto, o mundo continua decaído em natureza, e a vida ainda
é curta e difícil. Muita coisa da expiação está no futuro. Esse
ponto constitui nossa primeira grande resposta à teologia de
Hagin e, portanto, precisa receber toda atenção.
2.2 O Processo de Expiação
A afirmação central da teologia da prosperidade é que saúde e
riquezas são benefícios da expiação que podem ser usufruídos
aqui e agora. Isso quer dizer que a expiação é uma dádiva plena,
e todos os benefícios decorrentes dela, com exceção do céu, já
estão à nossa disposição. Mas a Bíblia diz que a expiação é um
processo que se desdobra no tempo, parte de um plano que Deus
estende da eternidade passada até a eternidade futura. Muita coisa
ainda está reservada ao futuro: Cristo terá ainda de voltar, julgar
o mundo e estabelecer seu reino. Isso só pode significar que
embora o preço da redenção já tenha sido pago na cruz, o
processo da redenção ainda está em andamento. Nem tudo o que
Deus tem em mente para seu povo já surgiu. No presente,
gozamos só alguns benefícios da salvação. Ao optarmos por crer
em Cristo, fomos declarados justos aos olhos de Deus (Rm 3.2224) e selados com o Espírito (Ef 4.30). Mas nossa natureza
pecaminosa permanece, assim como os milhares de problemas
que temos de enfrentar na vida. Aguardamos para o futuro a
remoção de todos os efeitos de nossa natureza pecaminosa, tanto
aqueles que nos atingem como os que atingem o mundo. No fim,
a Bíblia promete que haverá cura completa, tanto física quanto
espiritual. Não haverá enfermidade, morte, pecado ou condições
que imponham limites. A promessa de Mateus 8.17 será
completamente cumprida e o pão de Mateus 15.26, oferecido em
abundância. Paulo nos diz que não temos noção da realidade que
aguarda os cristãos no futuro (1 Co 2.9, 10). O ponto principal é
que muita coisa que nos foi prometida está reservada para depois.
Os teólogos referem-se a esse aspecto da expiação como "viver
entre os tempos". Vivemos entre o tempo da cruz e o da segunda
vinda de Cristo. Nessa época da história, homens e mulheres são
redimidos por meio da igreja, mas o reino ainda não chegou em
sua plenitude (veja as parábolas de Mateus 13). Fomos
crucificados com Cristo, mas ainda não completamente
redimidos (Gl 2.20; Cl 3.1-3). Ressuscitamos com Cristo, mas
permanecemos num mundo decaído, esperando nosso corpo
glorificado (Rm 8.2). Já fomos libertados da lei do pecado e da
morte, mas continuamos a pecar e não temos experiência da
redenção plena. Por enquanto, "gememos" em nossos corpos
propensos ao pecado (Rm 8.25; 2 Co 5.2) e vivemos em vasos
terrenos sobre os quais a morte ainda atua (2 Co 4.7, 8).
Por outro lado, o cristão recebe agora alguns benefícios da
expiação: ele goza de paz com Deus. O peso do pecado foi
retirado. Sua vida recebe significado e propósito. Seu caráter está
em processo de restauração. Ele é mais honesto, mais
disciplinado, pois todas as coisas são feitas tendo Deus em
mente. A alma recebe um antegozo da vida do porvir. Muitas
vezes, a redenção da alma leva à restauração do caráter e,
portanto, a uma melhora nas condições de vida (Marcom, 1990).
O homem que antes era bêbado, mulherengo e ladrão, agora é um
pai de família honesto e trabalhador. Em vez de gastar seu
dinheiro com bebida, ele gasta com a família. Esses são os efeitos
do evangelho nessa vida. Portanto, as promessas feitas no âmbito
de saúde e prosperidade não atingem o alvo nem das Escrituras
nem da experiência. É para elas que agora nos voltamos.
2.3 Promessas de Saúde
A doutrina da prosperidade afirma que o cristão tem direito a
uma saúde completa e perpétua e que deve esperar viver uma
vida plena, isenta de doenças, e adormecer com a idade de 70 ou
80 anos, sem dor ou sofrimento. Aqueles que ficam aquém
dessas expectativas não entenderam seus direitos ou deixaram de
reivindicá-los com fé suficiente. Entre os mestres da prosperidade, essa posição é defendida com muita firmeza. Não se
admitem exceções. Hagin concede que os cristãos podem passar
por problemas na vida, mas estes nunca representarão algo muito
sério (o exemplo pessoal que ele fornece é o de pregar numa
igreja hostil, dificilmente um fardo muito pesado [Nova, 69]).
Outros pregadores da cura refletem a mesma promessa, dizendo
que a única cruz que Jesus deseja que o cristão carregue é a
perseguição que vem de fora (MacNutt, 1976, 64-84). O cristão
também não precisa ter medo de passar por coisas piores como
incêndios, assaltos ou acidentes sérios. Os problemas podem
surgir, mas eles representam vales temporários entre os cumes da
vitória. Sob hipótese alguma a enfermidade fará parte das
provações que precisamos enfrentar na vida.
Nossa resposta para esses ensinos assumirá a forma de um debate
imaginário que começa apontando para o mundo real,
observando que os cristãos passam por sofrimentos e ficam
doentes como resultado do curso normal da vida. Quem, com
exceção de Hagin, já não ficou doente uma vez ou outra? (É
digno de nota que alguns dos mais famosos pregadores da cura
sofreram de doenças sérias durante toda a vida [veja Frost,
1984].) Os mestres da prosperidade respondem a essa
observação, dizendo que a vida pode ser assim, mas não precisa
ser assim, se o cristão simplesmente reivindicar seus direitos pela
fé. Isso nos leva à nossa segunda resposta, que diz que não
somente a experiência pessoal vai contra tais afirmações, mas
também a própria Bíblia, que diz: "No mundo passais por
aflições" (Jo 16.33). Não são feitas qualificações nessa
declaração de Jesus registrada por João. Até os cristãos que
vivem no centro da vontade de Deus passam por problemas e
enfermidades.
É fácil encontrar exemplos disso na Bíblia, e o próprio Paulo
constitui a prova número um. Em 1 Coríntios 4.11, o apóstolo diz
que, junto com os outros apóstolos, passou por fome, sede, falta
de roupa, agressões físicas e falta de moradia. Qual a conclusão
que ele tira desse nível de prosperidade extremamente baixo? Foi
a de que eles haviam se esquecido de reivindicar seus direitos
perante Deus? Ou talvez de que haviam perdido a bênção porque
demonstraram dúvida? Ou será que eles não haviam usado
corretamente o nome de Jesus? A resposta é negativa em cada
caso, pois, bem ao contrário da doutrina da prosperidade, Paulo
exorta os Coríntios a serem seus imitadores nos sofrimentos.
Existe aqui uma enorme contradição, mas ela não está no
pensamento de Paulo. Ele não se esqueceu de incluir uma frase
como esta: "sejam meus imitadores — exceto em meus
sofrimentos". A contradição está entre a espiritualidade paulina e
a da doutrina da prosperidade. Paulo nunca insinuou que os
cristãos devem se dirigir a Deus, exigindo dele a solução dos
problemas; antes, devem se voltar para Deus para saber como
podem servir em gratidão. Apesar das dificuldades, a doutrina do
serviço ensinada por Paulo nega e contradiz completamente as
promessas de prosperidade.
Os pregadores da prosperidade cedem um pouco a essa réplica da
Bíblia, admitindo que o cristão pode passar por problemas na
vida, mas estes nunca envolverão qualquer doença. Em
contrapartida, respondemos que a Bíblia está cheia de exemplos
de homens e mulheres fiéis que sofreram doenças de vários tipos.
Alguns poucos exemplos serão suficientes para provar o que
dizemos.9 Por exemplo, em 2 Reis 13.14, 20, vemos a morte de
Eliseu provocada por uma doença não identificada, embora ele
continuasse sendo porta-voz de Deus até o fim. Em Atos 7.9-11,
a tribulação se refere ao desconforto mental sofrido por José,
enquanto era escravo no Egito, e aos sofrimentos físicos
decorrentes da fome. Em 2 Coríntios 1.3-11, Paulo fala de uma
tribulação sofrida na Ásia, usando palavras que lembram uma
9
Um fato significativo é que no Antigo Testamento nunca houve sacrifício pela
enfermidade, somente pelo pecado. Eram oferecidos sacrifícios pela lepra e por vários tipos
de pestes (Lv 14.1-32), mas eles tinham natureza cerimonial, eram ações de graça pela
pessoa que havia sido curada. A oferta restaurava a comunhão primeiramente com a
comunidade judaica e, depois de oito dias, com Deus, mas não se tratava de um sacrifício
que visasse a cura do mal.
enfermidade física. Em Gálatas 4.13, Paulo diz que estava
doente. Em outras passagens, escreve que seus colaboradores na
obra, Epafrodito, Timóteo e Trófimo, adoeceram em uma ou
outra oportunidade. Filipenses 2.30 afirma que Epafrodito quase
morreu. Timóteo tinha uma doença estomacal crônica (1 Tm
5.23), e parece que Trófimo teve de ser deixado para trás por
causa de uma doença séria (2 Tm 4.20).
Esses exemplos bíblicos não convencem os pregadores da
prosperidade. Eles respondem a esses casos de doença entre os
santos da Bíblia, dizendo que a culpa era deles. Se Paulo,
Epafrodito, Timóteo e Trófimo estavam doentes, a culpa era
deles, pois não reivindicaram a benção que tinham por direito. O
leitor pode perceber aqui até que ponto chegarão Hagin e os
mestres da prosperidade para defender sua teologia. Essas
passagens referem-se a homens no ministério, que estavam
trabalhando para o Senhor. Será possível que eles não satisfaziam
as condições para terem suas orações atendidas? A Bíblia afirma
que existe oração eficaz quando duas ou mais pessoas concordam
numa coisa (Mt 18.19), confessam seus pecados (Tg 5.15, 16),
afastam-se de toda forma conhecida de pecado (Sl 66.18), oram
em nome de Jesus (Jo 14.13) e fazem a oração da fé (Tg 5.15).
Será possível que aqueles homens não satisfaziam essas
condições? Com essa afirmação chegamos às raias do absurdo, e
a doutrina da prosperidade sucumbe como argumento coerente.
A contradição entre os ensinos da prosperidade e a visão bíblica
de fé deve ser deixada assim mesmo. Não haverá conciliação. O
leitor deverá escolher por si o lado que for mais convincente.
Nesse momento estamos prontos para deixar de lado o ensino da
prosperidade na área de saúde e tentar desenvolver uma visão
bíblica sobre a saúde e a doença. Essa tentativa será feita sob dois
aspectos: primeiro, a mão de Deus no sofrimento e, segundo, a
mão de Deus na cura.
A Mão de Deus no Sofrimento
Ao contrário de Hagin, que afirma que Deus nunca deseja que o
cristão esteja doente ou sofrendo, a Bíblia diz que esse tipo de
aflição pode vir até mesmo da mão de Deus. Não é só como
resultado da ordem natural que ficamos doentes nem se trata
simplesmente do diabo correndo cheio de fúria homicida através
do mundo. Em muitas passagens bíblicas, fraquezas, enfermidades e até defeitos congênitos são vistos como resultado da
escolha pessoal de Deus. Tais aflições nunca são arbitrárias.
Deus tem uma razão para elas e, embora muita coisa ainda não
nos tenha sido revelada, nos textos bíblicos podemos distinguir
pelo menos três razões para o sofrimento e as doenças.
Em primeiro lugar, a Bíblia diz que Deus emprega as aflições,
incluindo doenças, com fins disciplinares ou punitivos, tanto para
cristãos como para incrédulos, e isso pode incluir até a morte. Os
exemplos bíblicos são muitos e, embora possam envolver casos
em que existe pecado inconfesso na vida do cristão, eles não se
limitam a isso. Convidamos o leitor a fazer uma consideração
cuidadosa das seguintes passagens: Gênesis 12.17; 20.3, 4;
Êxodo 4.22, 23, 29; 12.12, 29; Levítico 10.1, 2; Números 12.9,
10; 16.31-33; 21.5, 6; 1 Samuel 5.6; 6.19; 2 Samuel 24.15; 2 Reis
15.5; 2 Crônicas 21.18; 26.19, 20; Salmos 31; 38; 66.18; 103.3;
107.17-20; Isaías 33.24; Daniel 4.31, 32; João 5.14; Atos 5.5;
9.8; 12.23; 1 Coríntios 6.28-30; 11.27-31; Hebreus 12,5-13;
Tiago 5.16. Consideraremos uma passagem dessa lista: 1
Coríntios 11.28-31, onde, com referência à participação na ceia
do Senhor na igreja, Paulo diz que alguns estavam doentes e
outros haviam morrido:
Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do
pão e beba do cálice; pois quem come e bebe, sem discernir
o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há
entre vós muitos fracos e doentes, e não poucos os que
dormem. Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não
seríamos julgados.
Essa passagem ensina com clareza que Deus está julgando os
cristãos no tempo presente. Portanto, nem todo julgamento está
reservado para o futuro. Esse único trecho é suficiente para
refutar o ensino da prosperidade no sentido de que os cristãos
nunca ficam doentes.
Em segundo lugar, aflições de toda espécie são empregadas para
nos provar e para que possamos crescer. Pedro recomenda:
"Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de
vós, destinado a provar-vos" (1 Pe 4.12). Paulo e Barnabé avisam
seus convertidos nas cidades de Listra, Icônio e Antioquia de que
"através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de
Deus" (At 14.22). Hagin afirma que, em todas as suas aplicações,
a palavra "aflições" ou "tribulações" pode significar um teste da
parte de Deus, mas isso jamais envolverá doença. Entretanto, um
estudo das aplicações da palavra na Bíblia revelará que ela é um
termo amplo que inclui quase todo tipo de experiência difícil ou
dolorosa, até mesmo as doenças (Brown, 1971). Na teologia
paulina, o sofrimento por Cristo ou com Cristo (Rm 8.17; Fp
3.10) inclui todos os problemas e provações que sobrevêm ao
cristão nessa era, e as doenças não estão excluídas. Isto se aplica
ao próprio Paulo, conforme revela sua lista de dificuldades e
sofrimentos, em 2 Coríntios 6.4-10:
Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós mesmos
como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições,
nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos
tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns... como se
estivéssemos morrendo e contudo eis que vivemos; como
castigados, porém não mortos; entristecidos, mas sempre
alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo,
mas possuindo tudo.
Essa lista pode ser dividida em três grupos de três elementos: os
termos gerais são: aflições, privações e angústias; as
perseguições específicas envolvem açoites, prisões e tumultos; as
dificuldades auto-impostas são trabalhos, vigílias e jejuns.
Observe ainda que, no v. 10, ele descreve a si mesmo como
pobre e nada tendo. Mais à frente, em 11.23ss., ele fala do que
sofreu em termos um pouco diferentes, mas não menos severos:
"prisões", "açoites", "apedrejamento", "naufrágio", etc.
Dificilmente isso pode ser chamado de teologia da prosperidade.
Em terceiro lugar, Deus usa a doença humana para sua glória.
Das verdades espirituais relacionadas com o ensino bíblico sobre
sofrimento, esta é a mais difícil de entender. Mas pelo menos
quatro exemplos demonstram que ela é verdadeira: a história de
Jó, o cego de nascença (Jo 9), a morte de Lázaro (Jo 11) e o
espinho na carne de Paulo (2 Co 12). Afirma-se em cada caso
que o sofrimento é para a glória de Deus. Jó foi declarado
inocente (1.8), mas, assim mesmo, perdeu tudo o que possuía, até
a saúde. Em sua reação de confiança e fé, Deus foi glorificado e
Satanás, humilhado. Em face do ensino da prosperidade, nunca é
demais destacar que Satanás foi derrotado não pela remoção do
sofrimento de Jó, mas por sua fé e confiança obstinadas, apesar
do sofrimento. Em João 9, os discípulos perguntam a Jesus por
que o mendigo cego havia nascido naquela condição infeliz.
Aquilo se devia a seus próprios pecados ou aos pecados de sua
família? Jesus disse não às duas conjecturas. Ele estava sofrendo
para que a glória de Deus pudesse ser vista (v. 3). Em João 11,
Lázaro, amigo pessoal e íntimo de Jesus, adoece. O texto diz que
quando apelaram a Jesus para que ele fosse rapidamente ver o
amigo, ele permaneceu onde estava, esperando que a doença
prosseguisse em seu curso e Lázaro morresse. Não apenas Marta
e Maria, mas também os discípulos perguntavam por que ele
havia esperado e deixado que Lázaro sofresse e morresse daquele
modo. Em sua explicação, Jesus respondeu que aquilo visava a
"glória de Deus" (v. 40).
Finalmente, voltamo-nos para 2 Coríntios 12.7-10, onde Paulo
descreve seu "espinho na carne", uma passagem crucial para a
doutrina da prosperidade, pois não se pode admitir que o espinho
era um problema físico. Ela não pode ceder nesse ponto, pois tal
acarretaria a prova bíblica definitiva de que nem sempre Deus
remove as enfermidades de seus fiéis e de que ele, às vezes, tem
um propósito ao permitir que seus servos sofram. Portanto, os
pregadores da prosperidade normalmente dizem que o espinho
era uma dessas três coisas: 1) algum tipo de perseguição da qual
Paulo estava fugindo; 2) um ataque demoníaco; e 3) uma
tentação ao pecado, sendo que Paulo estava passando por um
difícil período de resistência. Devemos olhar mais de perto para a
passagem. Paulo começa com uma breve descrição de suas
visões de Deus e, depois, passa a explicar o problema:
E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das
revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro
de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte.
Por causa disto três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de
mim. Então ele me disse: A minha graça te basta, porque o
poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois,
mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim
repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas
fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições,
nas angústias por amor de Cristo. Porque quando sou
fraco, então é que sou forte.
No versículo 7, Paulo diz que o problema era "na carne". Hagin
afirma que o caso dativo não está no texto grego e, portanto, não
se pode empregar a preposição "em". Ele também diz que a
palavra traduzida por "espinho" é utilizada no Antigo Testamento
em relação aos adversários de Israel. Ele está certo em ambas as
observações. A frase não está no dativo, e a palavra traduzida
como "espinho" aparece na Septuaginta aplicada aos adversários
de Israel. Mas isso não significa, em absoluto, que seja correto
concluir que o espinho não era um problema físico. Quatro
observações mostram que, aqui, Paulo está se referindo a uma
enfermidade física. Primeira, o estilo da frase lembra as formas
literárias helenísticas, nas quais a fraqueza física aparece como
sujeito (Bultmann, 1964; Brown, 1982). Segunda, Paulo refere-se
de modo geral ao problema como sendo uma "fraqueza", palavra
comumente utilizada no sentido dos aspectos corruptíveis e
incapacidades dessa era. Terceira, o modo pelo qual ele atribui o
espinho a Deus e a Satanás lembra outros textos onde se
descrevem incapacidades físicas (1 Co 5.5; Jó 2.1-10). Quarta,
para este autor, parece claro que o fato de as duas palavras,
"espinho" e "carne", aparecerem juntas significa que se tem em
vista uma doença física. Paulo só poderia ser mais direto se
dissesse "estou doente". Não se sabe qual era a doença, mas
Gálatas revela que ele tinha um problema com sua visão e,
possivelmente, também com seu aspecto físico (4.13, 15; 6.11).
Para piorar as coisas para a doutrina da prosperidade, Paulo
acrescenta: "foi-me posto". Em outras palavras, seu problema
veio da própria mão de Deus. Ele nos diz que isso tinha um duplo
propósito: mantê-lo humilde e enriquecê-lo espiritualmente. Isso
dá sustentação ao ponto que Hagin tenta negar, isto é, de que
Deus utiliza a enfermidade para testar, julgar e fortalecer os
cristãos e, assim fazendo, glorifica seu santo nome.
Por fim, ao delinearmos nosso último pensamento nessa divisão,
apelamos outra vez para Paulo: se a cura física fizesse parte dos
benefícios da expiação para esta vida, com certeza ele teria
declarado isso de forma bem clara em suas epístolas. Paulo era
um mestre em lógica e argumentação e esforçou-se muito para
explicar a natureza da salvação. Mas em nenhum lugar ele fala
em cura ou prosperidade como parte de nossos "direitos" em
Cristo. Em vez disso, o destaque sempre fica para o perdão dos
pecados e para o que significa ganhar ou perder a vida eterna. Se
Paulo quisesse pregar um evangelho da prosperidade, ele
certamente teria feito isso.
A Mão de Deus na Cura
Em contraposição às promessas que o evangelho da prosperidade
faz em excesso, conferimos grande destaque ao fato de que Deus
nem sempre opta pela cura. Isso foi assim mesmo nos dias de
Cristo e dos apóstolos. Nem todo mundo foi curado em Israel
nem mesmo em Jerusalém. É verdade que nem Jesus nem os
apóstolos mandaram embora alguém que tivesse vindo para ser
curado. Mas também não se diz que eles tenham curado todos os
enfermos com os quais tiveram contato. Uma multidão de
enfermos jazia nos pavilhões do tanque de Betesda, mas Jesus,
pelo que sabemos, curou apenas uma pessoa ali (Jo 5.1ss.).
Também vimos que há vezes em que Deus envia doenças para
testar ou punir seu povo; outras vezes, o objetivo é demonstrar a
sua glória.
Chegou a hora de descrever brevemente o outro lado da moeda.
Muitas vezes, Deus responde com um "sim" a nossos pedidos de
cura e saúde (Sl 103). Tal fato não nos deve causar surpresa, pois
as Escrituras são claras em dizer que Deus se preocupa não
somente com nossa alma, mas também com nosso corpo. Na
discussão de Paulo sobre a função do corpo, em 1 Coríntios 6, ele
afirma no espaço de alguns poucos versículos que nossos "corpos
são membros de Cristo" (v. 15), "santuário do Espírito Santo" (v.
19) e que "o corpo... é... para o Senhor, e o Senhor para o corpo"
(v. 13). O Senhor se interessa por nosso bem-estar físico e,
falando de modo geral, a vontade de Deus é que tenhamos saúde.
Portanto, ninguém que seja cristão na acepção da palavra duvida
de que Deus ouve e responde às nossas orações pela cura dos
enfermos.
Tiago 5.13-15 é a passagem que mais informações fornece sobre
a vontade de Deus quanto à cura. Tiago ordena que oremos pelo
enfermo, a fim de que ele possa ser curado.
Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração. Está alguém
alegre? Cante louvores. Está alguém entre vós doente?
Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre
ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da
fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver
cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.
Essa é a única passagem do Novo Testamento que expressa com
clareza o privilégio que o cristão tem de orar por si próprio e a
responsabilidade dos líderes da igreja de orarem quando lhes é
pedido que assim façam. Convém observar que não se promete
nenhuma resposta especial nem se exige algum tipo específico de
fé. O uso do óleo pode ter vários significados,10 mas qualquer
que seja ele, a frase crucial é esta: "E a oração da fé salvará o
enfermo". Isso faz com que a passagem dê destaque não à unção,
mas ao fato de ser feita em nome do Senhor. Warfield faz o
seguinte comentário:
A passagem não fica por si mesma em isolamento: ela tem
um contexto, o qual lança luz sobre a simplicidade do
significado. Tiago pergunta: "Está alguém entre vós
sofrendo?" e aconselha; "Faça oração". "Está alguém
alegre? Cante louvores. Está alguém entre vós doente?"...
Existe aqui alguma coisa que não se repita diante de nossos
olhos todos os dias, sempre que um cristão está doente —
10
O óleo pode ser símbolo do poder do Espírito ou ser entendido literalmente como recurso
medicinal. Nesse caso, a passagem indica que se devem utilizar todos os remédios
disponíveis em conjunto com a oração. Há muitos versículos que dão apoio a essa idéia.
Isaías 38.21 mostra a recomendação de Isaías a Ezequias para que colocasse um emplastro
de pasta de figo sobre sua úlcera (cf. 2 Rs 20.7). Paulo disse a Timóteo que fizesse uso de
um pouco de vinho para seu estômago, não como bebida, mas como remédio para seu mal.
Em Colossenses 4.14, ele se refere a Lucas como o médico amado. O óleo também pode ser
símbolo da própria oração. Sua aplicação seria um ato simbólico destinado a assegurar á
pessoa doente que ela estava sendo separada para receber atenção especial do Senhor. Há
muitas opiniões em apoio às duas interpretações (veja Biederwolf, 1934. 76, 77). Warfield
defende a idéia de que o óleo é símbolo de remédio e crê que Tiago também poderia ter
escrito simplesmente "dêem-lhe o remédio em nome do Senhor" (Warfield, 1972, 171).
com exceção do fato de que permitimos que a intercessão
formal da igreja caísse em desuso? (Warfield, 1972, 170.)
Encerramos essa discussão sobre saúde e cura, retornando ao
pensamento que já demonstramos quanto à expiação: a teologia
de Hagin é uma "escatologia ultra-realizada" (Moo, 1988), pois
traz para o presente as promessas que pertencem ao futuro. Hagin
tem razão quando diz que Deus prometeu remover todas as
enfermidades físicas, mas está errado ao afirmar que isso
acontecerá agora. É por isso que a esperança é um dos três
elementos que Paulo menciona em 1 Coríntios 13 como sendo
essenciais para nossa fé.
2.4 As Promessas de Riqueza
Passamos agora a considerar os ensinos sobre prosperidade
financeira. O raciocínio é exatamente o mesmo empregado para
as afirmações sobre saúde. Assim como o cristão tem direito à
saúde, ele também tem direito às riquezas materiais. Da mesma
forma como as enfermidades fazem parte da maldição da lei
removida pela cruz, também as riquezas integram a bênção
reservada àquele que crê. Se não há prosperidade, a causa está na
ignorância do cristão ou no fato de ele não seguir corretamente os
procedimentos da confissão positiva.
Antes de analisarmos a riqueza no Novo Testamento, e essencial
que estabeleçamos o princípio de que não existe nenhuma regra
econômica especial que se aplique somente aos cristãos. Em
outras palavras, não estamos imunes às leis econômicas da vida.
Simplesmente não procede a afirmação de que, pelo fato de um
cristão seguir os mandamentos e crer de todo coração,
obedecendo a todas as regras da confissão positiva, ele será rico
ou terá saúde. Se fosse assim, poderíamos dizer que o fato de
obedecer aos mandamentos e crer torna o cristão imune à lei da
gravidade. Todos os homens vivem num complexo de forças
chamadas leis da natureza, e ninguém está livre delas. Não
importa o quanto uma pessoa seja santa — se ela pular da janela
do décimo andar de um prédio, cairá com a mesma velocidade de
aceleração de qualquer outra pessoa. A lei da gravidade não é
cancelada por nosso caráter moral, pelo conhecimento de
princípios espirituais ou pela força da fé. O mesmo se aplica à
saúde e prosperidade. No caso do cristão, há leis de economia
que regem a aquisição de bens, assim como no caso de qualquer
outra pessoa. De forma semelhante, quando o vibrião da cólera
aloja-se num corpo, seja o de um cristão ou de um ateu, ele, com
toda certeza, produz os mesmos efeitos terríveis. Vivemos num
mundo regido por leis materiais, sociais e econômicas das quais
não podemos escapar e das quais Deus não prometeu que nos
livraria, até que chegasse o dia final, quando todas as leis serão
refeitas. À semelhança de Trófimo em Mileto (2 Tm 4.20), fomos
todos deixados doentes aqui. Se insistirmos em ser aliviados
dessa enfermidade, poderemos esperar apenas a resposta dada a
Paulo: "A minha graça te basta" (2 Co 12.9).
A Riqueza no Novo Testamento
O Novo Testamento tem muita coisa a dizer sobre a riqueza, mas
em nenhum lugar ela é apresentada como algo que deva ser
buscado. Em vez disso, quase sempre é apresentada como uma
armadilha ou um perigo. Jesus disse que era difícil ao rico entrar
no céu (Mt 19.23) e que não podemos servir a Deus e às riquezas
(Lc 16,13). Ele desafiou seus discípulos a seguirem seu exemplo
de simplicidade e pobreza, respondendo a alguém que pretendia
segui-lo que não tinha lugar nem mesmo para dormir (Mt 8.20).
Ele deu destaque ao preço do compromisso cristão nessa vida,
não à sua lucratividade (Mt 16.24; Lc 14.28). Pela lógica da
doutrina da prosperidade, os discípulos deveriam ter sido os mais
ricos dos homens. Mas, pelo contrário, eles viveram uma vida
simples e fizeram advertências contra a riqueza (Tg 2.5; 1 Jo
2.15). Paulo lamentou as conseqüências trágicas que sobrevêm
àqueles que anseiam por dinheiro (1 Tm 6.9, 10) e condenou com
rigor os homens de mente corrompida que pensam que a piedade
é um meio de ganhar dinheiro (1 Tm 6.5, 6). Ele mesmo seguiu o
exemplo de Jesus, gloriando-se não na riqueza, mas em
fraquezas, perseguições, perigos, fome, fadiga (1 Co 4.9-13). Ele
ensinou que a força de Deus revela-se nas necessidades e
fraquezas, não na fartura (2 Co 11.23ss.). Segundo a teologia
paulina, o que manifesta a presença do reino não são as coisas
espetaculares, confortáveis ou triunfantes, mas as discretas, os
sofrimentos e a aparente derrota (2 Tm 2.3; 4.5; Hb 12.7). Em
sua lista do fruto do Espírito (Gl 5.22ss.) não estão incluídos nem
saúde nem prosperidade.
Num contraste gritante com a visão de Paulo sobre os bens
materiais, Hagin e outros pregadores da prosperidade dão muito
destaque à posse das melhores coisas: os melhores carros, as
melhores casas, as melhores roupas, tudo que contribua para uma
vida de luxo. A ingenuidade da doutrina da prosperidade pode ser
vista com total clareza na tentativa ridícula de Hagin no sentido
de justificar a busca das riquezas, quando diz que Jesus andou no
Cadillac de seus dias — um jumento. É difícil acreditar que ele
não saiba que um jumento, ainda mais emprestado, estava muito
abaixo da dignidade e do luxo conferidos por um cavalo ou uma
carruagem. É a mesma coisa que chamar cimento de ouro. Nos
dias de Jesus, os soldados romanos reclamavam de que seus
salários eram muito baixos. Mas João Batista disse-lhes que
deviam se contentar com o que recebiam (Lc 3.14). Paulo fez uso
de uma expressão semelhante, ao dizer: "... aprendi a viver
contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado,
como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias
já tenho experiência, tanto de fartura, como de fome; assim de
abundância, como de escassez (Fp 4.11, 12). No Novo
Testamento, o que anda ao lado da piedade é o contentamento,
não a riqueza (Hb 13.5; 1 Tm 6.8). Deus prometeu que atenderia
nossas necessidades, mas ele nunca disse que satisfaria nossos
desejos. Em vez disso, a ordem é para que os crucifiquemos (Rm
6.1-14; 8.12, 13; Gl 5.16-24). Jesus afirmou que temos
"necessidade" de muito pouca coisa no mundo. O Sermão da
Montanha menciona apenas três: alimento, bebida e roupa. Paulo
reduz as necessidades para duas: alimento e roupa (1 Tm 6.8).
Em outra ocasião, Jesus declara que, na realidade, só uma coisa
era necessária na vida, e esta era gastar tempo com Deus e sua
palavra (Lc 10.42).
Por outro lado, a igreja não deve cair no erro de dizer que a
pobreza é boa em si mesma e que, de alguma forma, traz até nós
a graça de Deus. No passado, esse foi o erro do monasticismo, o
qual permanece entre nós até hoje na teologia da libertação. Na
cosmovisão da Bíblia nem a pobreza nem a prosperidade são
virtudes, mas, entre as duas, um acesso relativo à prosperidade
constitui o ideal bíblico. É isso que João desejou para seus
leitores de 3 João 2. A prosperidade contra a qual a Bíblia prega
é aquele acúmulo de bens que vem com a riqueza e que engana a
mente e a alma, fazendo com que se sintam auto-suficientes,
pensando que não devem nada a Deus ou aos homens. A
prosperidade é um bem, se for concebida no sentido de uma vida
ordeira e decente, sem uma preocupação excessiva com
pagamento de contas, consumo e educação, onde sobra o
necessário para ajudar o próximo.
Muitas vezes, Satanás é culpado pelos problemas que um cristão
pode estar enfrentando, seja doença ou pobreza. Mas, na Bíblia,
Satanás não é caracterizado somente como opressor ou como
causa da miséria. Há casos, como no livro de Jó, em que ele é o
grande destruidor. Mas ele também é visto como doador de
riquezas, tendo-as oferecido até para Cristo (Lc 4.6). É muita
ingenuidade pensar que riqueza e prosperidade vêm somente das
mãos de Deus ou que os bens espirituais são a causa ou a
conseqüência delas.
Dar e Receber
Algumas passagens bíblicas relacionadas com ofertas são muito
usadas nas igrejas da prosperidade. Naquela hora do culto, a
ênfase muda repentinamente, passando do receber para o dar.
Com muita freqüência é citado 2 Coríntios 9.6: "Aquele que
semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com
fartura, com abundância também ceifará". Hagin interpreta essas
palavras, dizendo que aquilo que recebemos é proporcional ao
que damos. Se damos mais, receberemos mais de volta.
Entretanto, essa passagem não deve ser entendida como se fosse
uma regra matemática. É um princípio geral que não tem a
mesma aplicação em todos os casos, além do que não são
necessariamente as finanças que estão sendo consideradas. Na
vida há muito mais do que finanças para ser semeado e colhido.
O mais importante é que a noção de que receberemos somente se
dermos e uma perversão da idéia cristã de caridade. Isso tem
mais a ver com o utilitarismo pagão, que avalia todas os atos
morais da vida segundo o benefício recebido por aquele que o
pratica. A ética cristã declara que devemos dar porque Deus nos
deu primeiro. Para o cristão, o dar deve ser um ato de adoração,
gratidão e amor, não um exercício em que se calcula o quanto
receberemos de volta (1 Jo 4.19).
Marcos 10.29, 30 também é muito usado para estimular as
ofertas. O texto diz:
Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que
tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou
filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do
evangelho que não receba, já no presente, o cêntuplo de
casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com
perseguições; e no mundo por vir a vida eterna.
Algumas vezes esse versículo é citado do púlpito e interpretado
de forma a dizer que se dermos $1 receberemos $100. Grande
destaque é conferido à taxa de 100 por 1, como se o reino fosse
um jogo de roleta que sempre remunera bem. Seguramente essa é
uma imitação burlesca de exegese. Em primeiro lugar, a
promessa de retorno cem vezes maior tem condições restritas.
Não é para aqueles que preencheram um cheque, mas para os que
deixaram tudo para trás. O verdadeiro assunto dessa passagem
não é dar ou receber, mas o preço e os benefícios do discipulado.
Jesus disse que o custo é alto: perda de casa e família por amor
ao evangelho. Mas ele acrescenta que as recompensas também
são grandes, embora envolvam perseguições.
Em segundo lugar, o ponto central desse trecho não é o dinheiro,
mas os relacionamentos. Todas as sete coisas ali mencionadas
têm a ver com lar, família e nação. Não se fala nada sobre
riqueza. Pelo contrário, a passagem como um todo deve ser vista
como uma advertência contra as riquezas materiais. No versículo
21, Jesus não disse: "Você aplicou bem seu dinheiro, vá e ganhe
mais". Em vez disso, ele falou o seguinte: "Só uma coisa te falta:
Vai, vende tudo o que tens, dá-o as pobres, e terás um tesouro no
céu". Essa ordem pressupõe uma inversão total dos valores
humanos (v. 31). Aquilo que hoje é considerado de natureza
humilde, um dia será exaltado; aquilo que hoje é exaltado será
um dia humilhado.
Antes de encerrarmos a resposta às promessas de saúde e
prosperidade, vale a pena dizer que esse tipo de pensamento
teológico defeituoso não é nenhuma novidade. Ele já foi
encontrado há muito tempo, na argumentação dos amigos de Jó,
e está conosco desde então. Eles pressupunham que se você for
fiel e bom, será abençoado. Se você é pobre, doente e sofre, isso
só pode ser atribuído a algum pecado, pois a lei do espírito diz
que você recebe aquilo que merece. É exatamente esse o
argumento usado pelos pregadores da prosperidade. Ele coloca a
lei como base de nosso relacionamento com Deus — olho por
olho. Não devemos nos esquecer de que, por causa da teologia
que abraçaram, os amigos de Jó receberam condenação (Jó 42.7).
3. A Confissão Positiva
Chegamos agora à terceira e última categoria — os métodos e as
regras da confissão positiva. No capítulo dois, vimos que as
promessas de saúde e prosperidade não são colocadas em
funcionamento de forma automática, mas recebidas somente por
meio de alguns procedimentos agrupados pela frase "confissão
positiva". Encontramos aqui os meios ou métodos pelos quais o
cristão consegue ou merece saúde e prosperidade. Eles envolvem
a afirmação dos direitos em voz alta, nunca duvidar, nunca
repetir uma oração, negar qualquer sintoma negativo, etc. O
pressuposto é que essas regras e procedimentos refletem as leis
espirituais que regem o mundo. Uma vez que descubra essas leis,
o cristão pode colocá-las em funcionamento para seu próprio
bem. Elas existem para que o homem de fé possa utilizá-las e
manipulá-las da mesma forma como usa e manipula a lei da
gravidade e da circulação do ar ao andar de avião. Empregando
uma metáfora mais comum para Hagin, é o mesmo que fazer uso
das vantagens das leis da atividade bancária quando preenchemos
um cheque.
A pressuposição crucial nessa cosmovisão é que Deus criou leis
espirituais que reagem à fé daquele que crê, seja ela firme e
positiva ou fraca e negativa. Nossas orações são respondidas
rigorosamente de acordo com nossa fidelidade às regras da
confissão positiva. Isso quer dizer que Deus não precisa tomar a
iniciativa para decidir qualquer coisa que seja, pois sua decisão
pessoal é desnecessária ao atendimento das orações. Esse papel é
cumprido de forma automática pelas leis espirituais criadas para
reger o mundo.
Não é a primeira vez que essa idéia aparece na história da igreja.
Nos séculos XVII e XVIII, alguns teólogos ingleses receberam o
nome de "deístas", por proporem idéias parecidas com essa.11 A
11
A principal marca registrada do deísmo não era a noção de que o mundo funciona
automaticamente, mas o racionalismo, que afirma que, pelo uso da razão somente, podem
ser deduzidas todas as verdades do cristianismo, sem a ajuda da Bíblia. Como resultado, o
deísmo caracterizou-se por um anti-sobrenaturalismo muito acentuado e afirmava que os
milagres na natureza não ocorrem nem podem ocorrer. Um corolário dessa crença é a
pressuposição de que o mundo funciona de acordo com um conjunto de leis que agem
automaticamente nas esferas física e sobrenatural. No artigo sobre deísmo, no Dictionary of
the History of Ideas, a terceira característica do deísmo é definida como "os poderes ativos
de Deus, os quais são revelados no mundo, criados, sustentados e ordenados por meio de
figura que eles usavam para explicar o modo como Deus conduz
o mundo era de natureza mecânica: o universo é como um
relógio ao qual ele deu corda no início dos tempos. Desde então,
ele não precisa mais de nenhuma atenção, mas funciona
automaticamente, livrando Deus da necessidade de intervir no
curso natural da história humana.
Mais recentemente, as seitas metafísicas analisadas no capítulo
introdutório defenderam uma idéia semelhante. Na visão que elas
têm do mundo, Deus não é um ser pessoal que rege o universo
com soberania, mas sim uma força impessoal que faz o mundo
funcionar por meio de leis espirituais imutáveis. De modo geral,
um tipo de deísmo evidencia-se quando são feitas referências a
Deus como a "Força Infinita", o "Espírito da Vida Infinita", "o
Absoluto", o "Espírito Absoluto", a "Inteligência Infinita", etc.
Embora o evangelho da prosperidade não faça uso dessas
expressões, geralmente é a mesma interpretação do mundo
espiritual que atua em sua teologia.
3.1 Princípios da Providência
Assim como o deísmo do século XVIII representava uma
compreensão errônea de Deus e de sua providência, tal visão
continua errada hoje. Deus não se afastou do mundo, como se
este fosse uma máquina que ele criou no início para funcionar de
leis naturais, tanto morais como físicas, divinamente sancionadas". O evangelho da
prosperidade é deísta na medida em que acredita que o mundo funciona de acordo com um
conjunto de leis espirituais. Por outro lado, a quinta característica diz: "Não há nenhuma
providência especial; milagres ou outras intervenções divinas não infringem a ordem
natural legal". Nesse sentido, o evangelho da prosperidade não acompanha o padrão de
pensamento deísta. Veja E. G. Waring, ed., Deism and Natural Religion, Ungar, 1967. A
Encyclopedia of Philosophy, Macmillan, 1967, fornece uma extensa bibliografia.
forma autônoma. A Bíblia deixa bem claro que Deus mantém sua
autoridade soberana para tomar decisões em cada área da vida,
incluindo as enfermidades e o sofrimento (cf. Êx 4.11; Dt 32.39;
Jó 5.17, 18; Is 45.7; Lm 3.37). Isso quer dizer que não existem
leis espirituais que funcionem automaticamente, à parte da
vontade pessoal de Deus (Dn 4.34ss., Ef 1,11).
O termo utilizado pela teologia protestante para descrever de
forma bíblica e correta o relacionamento de Deus com o mundo é
"providência" (Berkouwer, 1952), com três aspectos distintos: 1)
Deus sustenta o mundo diretamente pelo seu poder (Rm 11.36;
Cl 1.17; 1 Co 8.6; Hb 1.3); 2) Deus conduz o mundo em direção
a um fim predeterminado (Ef 1); e 3) Deus atua junto com o
homem para realizar seus propósitos, sem lhe negar o livrearbítrio, mas atingindo seus objetivos. O primeiro e terceiro
pontos vão diretamente contra a teologia da prosperidade e
fornecem o critério para uma análise crítica tanto do deísmo
quanto de seu equivalente moderno.
3.2 Oração não é Mágica
A tendência do pensamento deísta é de reduzir o envolvimento
de Deus com o mundo, ao substituir a decisão soberana pelas leis
espirituais impessoais. Qualquer teologia ou movimento, por
mais popular que seja, que separe Deus do envolvimento com o
mundo é antibíblico. Essa idéia continua a surgir na igreja, pois a
manipulação de leis espirituais impessoais por parte do homem é
algo que exerce muita atração. É muito mais fácil lidar com leis
do que ter uma relação com um Deus santo e sublime. Isso
sempre produz uma espiritualidade infinitamente mais previsível
e controlável. A doutrina da prosperidade oferece suas promessas
de saúde e riqueza com tanta confiança exatamente porque
acredita que as regras de confissão positiva manipulam e
controlam não as decisões pessoais de Deus, mas as regras que
ele criou. Isso apresenta dois problemas: por um lado, a Bíblia
em nenhum lugar se refere à esfera espiritual como se ela fosse
uma reserva de forças espirituais passíveis de controle. Essa é a
cosmologia da série Guerra nas Estrelas, em que Lucas
Skywalker aprende a manipular "a força" com o controle de sua
mente. Por outro lado, em todo canto a Bíblia declara que Deus
está pessoalmente envolvido com o mundo.
É de importância fundamental que o cristão perceba que fórmulas
e métodos não têm lugar na espiritualidade cristã, como se leis
espirituais pudessem ser assim controladas e manipuladas. Uma
cosmovisão dessas tem mais a ver com magia do que com o
cristianismo, uma vez que magia é a tentativa de controlar forças
e seres espirituais em benefício próprio (Shuster, 1987). Seria um
exagero acusar Hagin de estar se rebaixando a ponto de seguir
princípios de magia, mas continua a semelhança entre os
métodos e pressupostos da magia e os da confissão positiva.
Observe a afirmação de Hagin de que "muitas orações têm sido
destruídas e não funcionaram, porque foram oradas por amor de
Jesus, ao invés de em Nome de Jesus (Nome, 12). O que é isso, a
não ser um modo de tratar o nome de Jesus como se fosse uma
fórmula mágica que tem de ser proferida da maneira exata? Veja
também a citação seguinte, onde o uso do nome de Jesus está
ligado ao conhecimento de seu poder:
Eu disse: "Em Nome de Jesus (você entende, o Nome
representa toda a Sua autoridade e poder!), não tenho dor
de cabeça. Em Nome de Jesus, não vou ter dor de cabeça.
E, em Nome de Jesus, saia, dor!" Nem sequer as palavras
saíram da minha boca, e a dor saiu. Simplesmente
desapareceu. Alguém disse: "Gostaria que isto funcionasse
para mim". Não funciona por meio do desejo — funciona
por meio do conhecimento.
Observe nessa citação que Hagin afirma que a oração que não foi
respondida fracassou por falta de conhecimento. As regras e
procedimentos da magia também afirmam invariavelmente que
recebemos poder mediante o conhecimento de fórmulas secretas
que invocam forças sobrenaturais.
A Bíblia é muito clara ao ensinar que o nome de Jesus não pode
ser utilizado como se portasse algum poder secreto ou atuasse
como uma expressão mágica que traz resultados por meio de sua
repetição. Veja o exemplo dos sete filhos de Ceva, em Atos
19.13-18:
E alguns judeus, exorcistas ambulantes, tentaram invocar o
nome do Senhor Jesus sobre possessos de espíritos
malignos, dizendo: Esconjuro-vos por Jesus a quem Paulo
prega. Os que faziam isto eram sete filhos de um judeu
chamado Ceva, sumo sacerdote. Mas o espírito maligno
lhes respondeu: Conheço a Jesus e sei quem é Paulo; mas
vós, quem sois? E o possesso do espírito maligno saltou
sobre eles, subjugando a todos, e, de tal modo prevaleceu
contra eles, que, desnudos e feridos, fugiram daquela casa.
Chegou este fato ao conhecimento de todos, assim judeus
como gregos, habitantes de Éfeso; veio temor sobre todos
eles e o nome do Senhor Jesus era engrandecido. Muitos
dos que creram vieram confessando e denunciando
publicamente as suas próprias obras.
Aqueles jovens pensaram que podiam acrescentar o nome de
Jesus ao repertório de ritos e magias que utilizavam para
exorcizar demônios. Os resultados foram desastrosos. Observe
que aquele fracasso e a surra a que foram submetidos
ocasionaram o temor de Deus e a exaltação do nome de Cristo
não porque o nome funcionou, mas exatamente por não ter
funcionado. A magia nunca resulta em temor a Deus. Ela produz
apenas a exaltação do homem, pois faz parecer que este pode
controlar forças sobrenaturais. O nome de Cristo passou a ser
mais temido e honrado por causa desse fracasso, pois ficou
patente que Jesus não tem nada a ver com magia.
Não adianta muito Hagin negar que o nome de Jesus atue como
magia (Nome, 37). Isso não impede que ele o trate como se fosse
algo mágico. Hagin diz que é importante orar apenas e
exatamente "em nome de Jesus", sem qualquer variação. Mas não
existe diferença lógica entre declarações como "em nome de
Jesus", "por amor de Jesus", "por Jesus" ou qualquer outra
variável. Em cada caso, a frase representa uma sinédoque, figura
de linguagem em que uma expressão mais curta é usada em lugar
de outra mais longa. A sinédoque, nesse caso, está no uso de "em
nome de Jesus" ou "por amor de Jesus" em lugar da frase mais
longa "peço que esta oração seja respondida por amor daquilo
que Jesus fez por mim e afirmo isso como um de seus
seguidores".
Jesus prometeu a seus discípulos que se pedissem em seu nome,
eles receberiam (Jo 16.24). Mas isso nunca quis dizer que a
promessa seria automaticamente cumprida. Ela foi acompanhada
de exigências rigorosas. Devemos permanecer nele e permitir que
sua palavra permaneça em nós (Jo 15.7); devemos guardar seus
mandamentos (1 Jo 3.22) e orar de acordo com sua vontade (1 Jo
5.14). Acima de tudo, Tiago observa que os motivos e objetos
pelos quais oramos são cruciais: "... pedis, e não recebeis, porque
pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres" (Tg 4.3).
Alguns eruditos observaram que o pensamento religioso
primitivo compartilha de muitas características da cosmovisão da
magia. O ponto essencial de comparação é que ambos acreditam
que toda a natureza opera segundo forças pessoais, em favor de
fins individuais. Em outras palavras, o mundo está cheio de
poderes espirituais ocultos que podem ser influenciados e
controlados pelo homem, se este tiver o conhecimento certo e
seguir os procedimentos corretos. No âmbito secular, a cura pela
fé nos dias de hoje emprega uma visão semelhante e acredita que
a mente pode controlar a natureza, especialmente o corpo
humano (James, 1902, 117). Algo parecido com isso é
encontrado no conceito de fé adotado pela doutrina da
prosperidade, em que a fé é uma ferramenta que pode ser usada
para a manipulação de forças espirituais. Todavia, contrariando
tanto o deísmo quanto a magia, a Bíblia ensina que Deus detém o
controle soberano total para decidir quando deve dizer sim e
quando deve dizer não a uma oração. Não existe nada parecido
com o uso da fé como uma "força" para recebermos nossos
direitos. Até mesmo na Bíblia, alguns dos grandes homens de
Deus não foram atendidos em suas orações. Moisés não orou
para ver a terra prometida? João Batista não orou para ser
libertado da prisão? Deus disse não a ambos os pedidos. Até
alguns desejos de Jesus não foram atendidos como, por exemplo,
quando ele chorou sobre Jerusalém ou quando o jovem rico foi
embora ou quando ele cedeu, depois de uma noite de oração no
Jardim das Oliveiras, dizendo: "... não seja como eu quero, e,
sim, como tu queres". É certo que Paulo nem sempre foi atendido
em seus pedidos. O espinho na carne é um bom exemplo. Uma
vez que se admita que Deus não atende a alguns pedidos, nega-se
toda a idéia de fé como força que sempre atinge seu objetivo.
Portanto, o estudante da Bíblia que se esforça para entender a
doutrina da prosperidade deve manter como ponto fundamental
que todas as orações, incluindo aquelas em favor da cura, estão
subordinadas às decisões pessoais de Deus. Isso nega, desde o
princípio, todas as idéias de magia ou confissão positiva.
Nenhuma oração será eficaz, se Deus não optar por respondê-la,
não importa quanta fé esteja envolvida da parte dos que oram ou
quantos procedimentos sejam seguidos da maneira certa.
Podemos voltar a Jó para reforçar essa verdade. Os mestres que
atribuem o fracasso em receber cura ou prosperidade a algum
problema com a fé ou à falta de algum elemento na confissão
podem ser comparados aos três amigos desorientados que
chegaram para confortar Jó no meio de sua tragédia. A teologia
de Elifaz, Bildade e Zofar não cogitava a possibilidade de o justo
sofrer. Se Jó estava sofrendo, então ele merecia sofrer. Mas Deus
já havia considerado a Jó como "íntegro e reto" (1.8). A única
contenda de Deus com Jó era que ele, um simples mortal, exigia
uma explicação completa dos propósitos que estavam por trás do
sofrimento. A lição de Jó reforça a crença cristã de que as
respostas às nossas orações não são obtidas pela reivindicação de
direitos espirituais; elas são recebidas de acordo com a decisão
pessoal de um Deus vivo e santo.
Resumindo, a doutrina da prosperidade está errada porque faz
uma separação entre Deus e o mundo, por meio da imposição de
leis espirituais. Essa idéia tem mais a ver com deísmo ou magia
do que com cristianismo. Passamos agora a considerar o
pensamento de Hagin sobre fé e dúvida.
3.3 A Fé não Exige
Hagin diz que, quando oramos, devemos exigir corajosamente
nossos direitos e nunca mostrar qualquer indício de dúvida de
que nossa oração será atendida. A questão da soberania de Deus
é totalmente abafada pelo destaque conferido aos direitos da
pessoa que crê. Um crítico dessa opinião escreve o seguinte:
A soberania de Deus é a doutrina que afirma que Deus é
supremo, tanto em governo quanto em autoridade sobre
todas as coisas. Nos círculos dos Ensinos da fé, ela não é
levada muito a sério. Verbos como exigir, decretar,
determinar, reivindicar, freqüentemente substituem os
verbos pedir, rogar, suplicar, etc. (Romeiro, 32.)
O pastor ou mestre cristão bem versado na Bíblia dificilmente
pode deixar de ficar chocado ao extremo com os ensinos de
Hagin sobre a oração. Será que a fé sempre tem o direito de
exigir? Será que os papeis de Deus e do homem foram de alguma
forma invertidos? Será que o arcanjo mais santo e mais sublime
alguma vez já se aproximou do Criador com tais afirmações?
Vale observar que no texto de Isaías 6, passagem já utilizada na
análise das visões de Hagin, seres especiais conhecidos como
serafins são descritos como estando na presença de Deus, cuja
santidade eles proclamam continuamente, dizendo: "Santo, santo,
santo é o Senhor dos Exércitos". O nome daqueles seres especiais
indica que eles ardiam com fogo santo, uma vez que serafim
significa "aquele que queima". O estudante da Bíblia atento
observará que eles foram criados com seis asas: duas para voar,
duas para cobrir o rosto e duas para cobrir os pés. A humildade e
o respeito profundos daqueles seres na presença do Santo
dificilmente poderiam ser mais bem representados do que pela
cobertura do rosto e dos pés. Diante dessas cenas celestiais, que
mais poderíamos dizer sobre aqueles que oram exigindo seus
direitos de Deus?
Embora não pareça necessário, devemos acrescentar aqui que
dizer "se for de tua vontade" é totalmente certo e bíblico. Orar
assim não é um sintoma de dúvida ou de incredulidade, mas o
reconhecimento humilde de nossa incapacidade de conhecer a
mente de Deus ou de fazer suposições acerca de seus propósitos.
A dúvida não é uma virtude, mas é aceitável quando confessada
(Mc 9.24). Até mesmo os apóstolos pediram ao Senhor:
"Aumenta-nos a fé" (Lc 17.5). Tiago também recomenda que
oremos assim, pois não temos sabedoria para conhecer o futuro
(4.15). Jesus ficou satisfeito com a oração do leproso que foi até
ele, implorando: "Senhor, se quiseres, podes purificar-me" (Mt
8.2; Mc 1.40). No Getsêmani, ele próprio disse: "... não seja o
que eu quero, e, sim, o que tu queres" (Mc 14.35); e nós também
devemos orar, dizendo sempre "faça-se a tua vontade" (Mt 6.10).
Qualquer discussão sobre o uso da partícula "se" na oração deve
incluir a história registrada em Daniel 3.17, 18 referente a
Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Talvez este seja o maior e
melhor uso do "se" na Bíblia.12 Depois de serem ameaçados de
morte certa na fornalha de fogo ardente, caso não se prostrassem
imediatamente diante da imagem de ouro, eles responderam ao
rei:
12
Bruce Barron escreve o seguinte: "A conhecida história dos três homens na fornalha de
fogo ardente... deu ocasião a algumas interpretações fascinantes no movimento da fé...
Ironicamente, Gloria Copeland cita essa mesma passagem como exemplo da "postura
mental correta". Ao citá-la, ela deixa de fora as palavras cruciais "se não" (se Deus não nos
quiser livrar), do v. 18... sem apoio da passagem, ela afirma que os três "foram para o fogo
com plena intenção de voltar" (p. 108).
Ó Nabucodonosor, quanto a isto não necessitamos de te
responder. Se o nosso Deus a quem servimos, quer livrarnos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas
mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos
a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que
levantaste.
Esta é a fé que não presume conhecer a vontade de Deus quanto à
vida ou à morte, mas que, assim mesmo, confia e obedece.
3.4 A Confissão não Cria a Realidade
Seguindo seu método de costume, Hagin usa várias passagens
fora de contexto para mostrar que a fé deve ser agressiva ao
ponto de oferecer testemunho público da resposta da oração,
antes mesmo que ela apareça. Provérbios 6.2 é muito citado fora
de seu contexto, para sustentar a afirmação de que a confissão
positiva é necessária, porque a confissão negativa cria uma
realidade igualmente negativa. Do modo como Hagin a cita, a
passagem diz o seguinte: "... estás enredado com o que dizem os
teus lábios". Mas, ouçamos o provérbio como um todo (vv. 1-3):
Filho meu, se ficaste por fíador do teu companheiro, e se te
empenhaste ao estranho, estás enredado com o que dizem
os teus lábios, estás preso com as palavras da tua boca.
Agora, pois, faze isto, filho meu, e livra-te, pois caíste nas
mãos do teu companheiro; vai, prostra-te e importuna o teu
companheiro.
Quando o provérbio todo é ouvido, fica claro que seu significado
é que não devemos assumir compromissos insensatos em
questões financeiras. O primeiro pecado da hermenêutica é
interpretar o texto fora de seu contexto.
Hebreus 3.1 é outra passagem muito citada. Ela diz: "...
considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa
confissão, Jesus". Os pregadores da prosperidade dizem que a
palavra grega traduzida por "confissão" significa literalmente
"dizer a mesma coisa". Assim, eles afirmam que devemos
proferir com nossa boca a mesma coisa que Deus diz a nosso
respeito, a fim de sermos abençoados. Mas esse é apenas um dos
significados da palavra "confissão" e dificilmente é o que o autor
de Hebreus tinha em mente. O contexto da passagem mostra que
"confissão" aqui refere-se ao compromisso do leitor com Cristo e
não alguma forma de confissão positiva.
Hebreus 11.1 é freqüentemente mencionado como prova de que
podemos obter favores divinos nesta vida, pois fé "é a certeza de
coisas que se esperam". Mas a definição de fé oferecida aqui é de
crença em Deus e em seu reino, a esfera invisível, mas que
cremos ser verdadeira. Hagin também identificou de forma
errada aquilo que é esperado pela fé, ao dizer que as "coisas" são
saúde e prosperidade. No restante do capítulo essas "coisas" são
descritas e não envolvem riquezas ou saúde. Em vez disso, elas
se referem a Cristo e sua glória. Essa interpretação de Hebreus 11
é particularmente grosseira, porque, depois de Jó e do salmo 73,
esse capítulo contém o material mais incisivo em toda a Bíblia
contra a doutrina da prosperidade, uma vez que descreve aqueles
homens e mulheres que morreram sem receber a resposta para
suas orações (v. 13). A fé que eles tinham honrou a Deus, porque
se manteve durante as dificuldades e privações, não em meio à
saúde e prosperidade.
Finalmente, consideraremos Marcos 11.22, muito citado por
Hagin como prova de que devemos ter a fé do tipo de Deus. Esse
versículo aparece no meio da história em que Cristo amaldiçoa a
figueira por causa da falta de fruto. O texto diz:
Então Pedro, lembrando-se, falou: Mestre, eis que a
figueira, que amaldiçoaste, secou. Ao que Jesus lhes disse:
Tende fé em Deus; porque em verdade vos afirmo que se
alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e
não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz,
assim será com ele. Por isso vos digo que tudo quanto em
oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim
convosco.
O ponto central está no v. 22: "Tende fé em Deus". Ele é assim
traduzido por Hagin: "Tende a fé do tipo de Deus". Ele escreve:
Focalizemos nossa atenção na declaração Tende fé em
Deus (v. 22) ou, alternativamente: "Tende a fé de Deus." Os
estudiosos da língua grega dizem que uma tradução
possível seria: "Tende a fé do tipo de Deus."... É esse o tipo
de fé que falou, e o mundo veio a existir!... Deus... falou a
Palavra, e aí estava a Terra... Ele falou e assim foi!... Deus
creu que aquilo que ele falou se realizaria, e assim foi!...
Vemos aqui o princípio básico inerente à fé do tipo de
Deus: crer com o coração e dizer com a boca. Jesus creu e
falou. Deus creu e falou, e o mundo veio a existir pela Sua
palavra. (Limiares, 90-92.)
Essa interpretação errônea é compatível com Hagin e seu
conceito de fé como uma força que cria a realidade. Ele escreve
em seu livro sobre a natureza de Deus:
O Senhor Deus é um Deus de fé... De igual modo, criou o
homem: um homem de fé. Por isso, o ser humano pertence à
mesma categoria de Deus. Um homem de fé vive no domínio
criativo de Deus. (Zoe, 51.)
Segunda essa opinião, nosso Deus que cria tem uma grande
quantidade de fé, porque fé é isso: força que cria. O homem é
como Deus, ao partilhar com ele a capacidade de criar pela fé.
Portanto, a verdadeira fé é como a fé que Deus tem: poderosa,
livre de dúvidas e, por isso, capaz de trazer à existência aquilo
que deseja.
É óbvio que existe uma série de coisas extremamente erradas
nessa compreensão da fé e de Deus. Em primeiro lugar, Hagin
inverte a frase "tende fé em Deus" para afirmar "tende a fé do
tipo de Deus". Isto é erro de tradução puro e não há nada que
possa ser dito em seu favor. Em segundo lugar, a idéia de que
Deus exerce fé é estranha ao cristianismo. Dizer que Deus tem fé
naquilo que vai fazer é algo que não tem sentido, a menos que se
tenha um conceito inferior de Deus. O Deus da Bíblia é TodoSabedoria e Todo-Poderoso, capaz de ver o fim desde o começo.
O conceito de Hagin tem mais afinidade com a idéia gnóstica do
demiurgo ou deus inferior do que com o Pai do Senhor Jesus
Cristo que aparece no Novo Testamento.
Em terceiro lugar, a idéia de Hagin de que fé é uma força que
cria a realidade também é estranha ao cristianismo. Já tivemos
oportunidade de ver que ela tem mais a ver com magia ou com a
cosmologia do tipo Guerra nas Estrelas do que com a
espiritualidade bíblica. Há outros grupos, como a Ciência Cristã,
que defendem idéias semelhantes de fé, ou seja, o meio pelo qual
fazemos com que o invisível se torne realidade. Hagin, é claro,
não gosta de ser associado a esses grupos. Entretanto, ele pode
negar de todas as formas que existam semelhanças entre seu
ensino e os da Ciência Cristã, mas permanece inalterado o fato de
que, exatamente como a Ciência Cristã, sua teologia retrata o
mundo regido por leis espirituais que podem ser controladas por
aquele que crê.
3.5 A Medicina e seus Meios de Cura
Muitos pregadores da prosperidade dizem que, em caso de
doença, o cristão deve descartar os recursos da medicina e
confiar somente na oração. Duas razões são apresentadas:
primeira, recorrer a um médico revela falta de fé e destrói a força
da confissão da pessoa. Segunda, uma vez que a medicina é uma
ciência física, ela não pode tratar das verdadeiras causas da
doença, que são espirituais. Na melhor das hipóteses, a ciência
médica pode tratar do aspecto físico, mas fica longe da cura
espiritual. Nossa resposta a isso remete-nos ao terceiro ponto do
ensino bíblico sobre providência, ou seja, Deus atua junto com o
homem no cumprimento de sua vontade. Esta é uma daquelas
verdades tão óbvias que facilmente são esquecidas. As Escrituras
poderiam fornecer inúmeros exemplos. Aqui mencionaremos
apenas um: na primeira vez em que Deus desejou um templo
onde seu povo pudesse adorá-lo, foram necessárias duas gerações
para o planejamento e a construção. Deus poderia tê-lo criado já
pronto, mas escolheu atuar por meio de projetistas, artífices,
sacerdotes e figuras políticas da época. O mesmo acontece no
campo da cura. Deus usa a ciência médica e os médicos para
efetuar a cura do doente.
Essa verdade é aplicável a todas as áreas da vida. Deus espera
que trabalhemos com o máximo de nossa capacidade. Isso é
ponto pacífico. O agricultor que ora pela colheita e não ara nem
semeia nem colhe é um idiota ou um fanático. O mesmo acontece
na esfera espiritual. Quando Jesus disse "pedi e recebereis" (Jo
16.24), ele certamente não queria dizer que seríamos alimentados
com maná do céu. Em vez disso, temos de trabalhar muito e
pedir que Deus abençoe nosso trabalho. Pense em Tiago 1.5, que
diz: "Se... algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus..."
Será que isso significa que o conhecimento de Deus pode ser
obtido sem que se freqüente a escola e o seminário? Será que a
sabedoria nos é dada numa bandeja ou precisamos aprender a
pensar e raciocinar cuidadosamente, mesmo quando pedimos a
Deus capacidade para pensar com sabedoria? De acordo com a
lógica da prosperidade, Deus não utiliza esses meios, mas cura
sem intervenção dos médicos e distribui riquezas sem que se
trabalhe muito. Essa forma de pensar é tão insensata quanto
aquela do agricultor que ora mas não prepara a terra. Em
oposição a toda essa tolice, o cristão que ora pela restauração da
saúde deve empregar todos os meios de cura que estiverem a seu
alcance, tais como higiene, remédios, enfermagem, repouso ou
cirurgia.
Concluímos que uma falsa compreensão da providência de Deus
pode nos levar a erros de todo tipo. Por um lado, pode fazer com
que as pessoas pensem que têm condições de controlar o mundo
espiritual como se Deus não fosse soberano e pessoal em suas
decisões. Por outro lado, ela pode causar uma rejeição ingênua da
ajuda humana, como a que é oferecida pelos médicos e pela
medicina, como se Deus não atuasse por meio do mundo natural
para ajudar seu povo e responder às suas orações. Em nenhum
outro lugar uma compreensão elevada e santa da providência está
mais bem ligada à ordem de trabalhar arduamente do que nesta
declaração de Paulo: "... desenvolvei a vossa salvação com temor
e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como
o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.12, 13).
Existe ainda outro aspecto sombrio na posição do evangelho da
prosperidade quanto aos cuidados médicos. Por causa da rejeição
da ajuda da medicina como sinal de fraqueza na fé, devendo,
portanto, ser evitada, o movimento da prosperidade não tem
nenhuma base para oferecer cuidado pastoral ao enfermo. Se a
doença é algo de que devemos nos envergonhar, a única resposta
que um pastor da prosperidade tem para o enfermo é no sentido
de exortá-lo a crer mais e/ou de uma condenação por ignorância
ou pecado. O pastor da prosperidade é como um dos amigos de
Jó, que vieram para oferecer conforto, mas acabaram trazendo
apenas condenação. Àqueles que continuam doentes depois de
exortados a ter mais fé, não resta nada a dizer. Hagin pergunta se
as pessoas com doenças sérias realmente são cristãs:
É muito freqüente, no entanto, deixarmos de receber aquilo
que pedimos; não achamos aquilo que buscamos, e a porta
em que batemos não nos é aberta. Por quê? Quando não
recebemos, estamos fazendo algo errado, pois o versículo
seguinte promete: Pois todo o que pede recebe; o que
busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á... Qual é a
razão do nosso fracasso?... Se, quando pedimos, não
recebemos; se, quando buscamos, não achamos; se, quando
batemos, a porta não nos é aberta, devemos perguntar a nós
mesmos se o Senhor da casa nos conhece. (Paz, 74.)
O membro da igreja da prosperidade que tem a infelicidade de
ficar doente precisa enfrentar a enfermidade sozinho. Ele é uma
pessoa que está fora da vontade de Deus e isolada da igreja,
alguém de fé inferior. As doutrinas do amor e da graça de Deus,
que deveriam lhe servir de conforto durante o tempo de
enfermidade, tornam-se-lhe estranhas e voltam-se contra ele,
condenando-o por falta de fé. Numa ironia, para o cristão
seriamente enfermo, o evangelho da prosperidade e da saúde só
tem palavras de condenação. Quando essa pessoa adoece e
morre, ela morre sozinha.
Conclusão
O leitor que caminhou até aqui já recebeu uma sólida
compreensão do ensino da prosperidade e de nossa resposta a ele.
Em vez de seguir a estrutura desconexa dos livros de Hagin, sua
teologia foi organizada sob três aspectos: autoridade espiritual,
promessas de saúde e prosperidade e método da confissão
positiva. No primeiro aspecto da autoridade espiritual,
analisamos as alegações que Hagin faz no sentido de ser um
apóstolo dos dias de hoje, que tem o direito de proclamar um
novo tipo de cristianismo. Respondemos às suas afirmações por
meio do princípio protestante da "sola scripturae", somente a
Escritura. Como protestantes, rejeitamos em princípio qualquer
autoridade espiritual que não seja a Bíblia. Além disso, vimos
que existem boas razões para rejeitarmos como espúrias as visões
de Cristo que Hagin alega ter tido. Oferecemos ainda razões para
questionarmos os sinais e maravilhas usados para ratificar Hagin
e sua condição elevada de profeta dos dias atuais.
Em segundo lugar, respondemos às promessas de saúde e
prosperidade, observando sua exegese defeituosa de Gálatas 3 e
destacando que a redenção é um processo ainda incompleto.
Portanto, nem todos os seus benefícios estão hoje à nossa
disposição. A cruz encontra-se no passado e, portanto, nossa
redenção está assegurada, mas muita coisa que faz parte dela
ainda aguarda o futuro, quando o reino virá em poder. Um dos
benefícios que estão no futuro é a saúde perpetua. Também
dissemos que a "bênção" da prosperidade material tem como
base uma espiritualidade estranha a Jesus e aos apóstolos.
Finalmente, respondemos aos métodos da confissão positiva,
afirmando que eles se baseiam em falsas pressuposições sobre o
relacionamento de Deus com o mundo. A imposição de leis
espirituais colocadas em atividade por meio da confissão positiva
vai diretamente contra a idéia bíblica de providência e soberania
de Deus. Vimos ainda que as noções de direitos, de pensamento
positivo, de negar o elemento negativo e de usar o nome de Jesus
como uma fórmula são todas baseadas numa cosmovisão
estranha à Bíblia. Estamos prontos para passar para o capítulo
quatro, onde consideraremos com mais detalhes a natureza dessa
cosmovisão e seus efeitos sobre a teologia cristã.
Capítulo
Quatro
A COSMOLOGIA DA PROSPERIDADE
Quais são os pressupostos sobre o mundo espiritual que estão
por trás dos ensinos da prosperidade? Qual a natureza do
homem que deve ter o direito de controlar forças espirituais?
Como ele adquire conhecimento sobre o mundo espiritual?
Como esses pressupostos afetam sua compreensão da cruz de
Cristo? Como a doutrina da prosperidade responde ao
problema da presença do mal no mundo? Neste capítulo
analisaremos a cosmovisão dessa teologia. Uma visão
altamente dualista da realidade é o que dá forma ao
significado e torna possível tudo que é ensinado acerca do
reino espiritual.
Introdução
Ao iniciar essa análise final, voltamos ao capítulo um, onde
traçamos brevemente a história e os antecedentes do evangelho
da prosperidade. Dissemos que suas principais crenças sobre o
reino espiritual não são extraídas nem da Bíblia nem do
pentecostalismo, mas de várias seitas metafísicas que floresceram
na área de Boston, nos Estados Unidos, no início do século XX.
Aquelas seitas faziam uma estranha mistura de crenças sobre o
mundo espiritual com a capacidade que a mente humana tem de
controlá-lo. Vimos que essas idéias foram transmitidas a Kenneth
Hagin por intermédio de E. W. Kenyon e, a partir de Hagin,
tornaram-se partes essenciais dos ensinos sobre prosperidade,
principalmente aqueles que falam de leis espirituais, de direitos
diante de Deus e de regras e procedimentos na confissão positiva.
Neste capítulo voltamo-nos para essas crenças básicas sobre a
esfera espiritual, a fim de completar os dados sobre a doutrina da
prosperidade.
O ponto de partida para entendermos a cosmovisão de Hagin está
no fato de que ela é dualista, à semelhança das seitas metafísicas
analisadas no capítulo um. Ela sustenta que toda realidade é
dividida em dois tipos fundamentalmente distintos que, de modo
geral, estão em oposição mútua. A oposição mais básica é vista
entre os reinos espiritual e material. O primeiro é visto como
tendo superioridade inerente em relação a todos os elementos do
reino material. Tal idéia é compatível com o ensino bíblico, que
também entende que o reino é de natureza principalmente
espiritual e maior do que o mundo presente. Na visão de Hagin,
porém, existe este outro elemento de oposição colocado entre os
dois reinos. Aqui se encontra o problema, pois a Bíblia não
coloca o elemento espiritual acima do físico, como se os dois
fossem incompatíveis. Pelo contrário, a compatibilidade entre
eles é afirmada na Bíblia, tanto na criação, quando o homem se
tornou ser vivente, quanto na encarnação, quando Deus assumiu
a natureza humana.
A idéia de que o mundo espiritual não somente é maior do que o
físico, mas também de que o material é indigno, inferior ou
insignificante em comparação com o espiritual é um pensamento
antigo que tem sido defendido por muitas religiões diferentes em
épocas diversas. Na história ocidental, ele remonta aos primeiros
filósofos gregos e, no oriente, é ainda mais antigo. Essa
cosmovisão sempre exerceu atração sobre os pensadores
religiosos, pois ela invariavelmente se faz acompanhar da
pressuposição de que o ser humano, em essência, é espiritual.
Isso quer dizer que, dependendo da filosofia ou religião que
elabora a visão, o homem, por natureza, tem um pé no céu e/ou
que ele tem a capacidade de moldar a realidade por meio dos
poderes de sua mente. Essa idéia é muito importante no
movimento da Nova Era e é responsável por grande parte de seu
poder de atração.
O dualismo de Hagin é de natureza semelhante. A divisão que ele
faz da realidade em esferas espiritual e física pressupõe que o
homem é essencialmente espiritual e, portanto, esse lado é mais
importante e pode ter acesso aos poderes da esfera espiritual e
controlá-los.
Os dois lados desse ensino são atraentes, mas também vão contra
a doutrina bíblica. As idéias de Hagin serão consideradas sob
quatro aspectos diferentes: primeiro, o dualismo da natureza
humana; segundo, o dualismo do conhecimento humano;
terceiro, o dualismo da redenção; e quarto, uma tendência
dualista à exaltação de Satanás. Por fim, antes de encerrar este
capítulo, veremos que resposta os ensinos da prosperidade
oferecem ao problema do mal.
1. O Dualismo do
Corpo e do Espírito
Hagin ensina que o homem é constituído de três partes: espírito,
alma (ou mente) e corpo: "O homem é um espírito — tem uma
alma — e vive num corpo" (Nome, 89). Cada uma dessas três
partes tem uma função que corresponde aos aspectos espiritual,
mental e físico da vida humana. O espírito lida com a esfera
espiritual, a alma fornece as funções mentais e o corpo provê a
corporalidade.
Resumidamente, a natureza tríplice do homem é a seguinte:
(1) espírito — a parte do homem que lida com a dimensão
espiritual, (2) a alma — a parte do homem que lida com a
dimensão mental: seu raciocínio e seus poderes
intelectuais; (3) o corpo — a parte do homem que lida com
a dimensão física. (Espírito, 9; veja também 11, 13.)
Embora os ensinos de Hagin estejam longe de ser claros, é
evidente que ele coloca a diferença básica entre esses três
aspectos da natureza humana entre o espírito e os outros dois,
isto é, o corpo e a alma ou mente. Nas citações seguintes, o leitor
poderá observar como Hagin divide a natureza humana, fazendo
da mente/alma e do corpo elementos interiores ao espírito.
Paulo indicou que há um homem exterior e um homem
interior. O homem exterior é o corpo. O homem interior é o
espírito... O homem exterior que olhamos não é o homem
verdadeiro, mas apenas a casa onde moramos. (Limiares,
35; veja também Dirigido, 18.)
Antes de podermos entender a morte, porém, devemos
entender que o homem não é um ser físico. O homem é um
espírito que possui uma alma e que habita num corpo (1 Ts
5.23)... O homem real é o espírito... O "eu" real (seu
espírito) e sua alma habitam num corpo físico. (Redimidos,
27, 28; veja também Soares, 1987, 70.)
Há um homem interior. E há um homem exterior. O homem
exterior não é o eu verdadeiro. O homem exterior é apenas
a casa que você habita. O homem interior é o eu
verdadeiro. O homem interior nunca envelhece. É renovado
de dia em dia. Ele é o homem espiritual. (Dirigido, 12, 13.)
Fazer essa separação entre corpo e mente/alma e o espírito traz
conseqüências incalculáveis, pois a teologia pressupõe a
capacidade da pessoa inquiridora de entender a Deus e seus
caminhos de forma lógica e ordenada, por meio da razão.
Voltaremos mais tarde a esse ponto. No momento, a atenção
concentra-se na crença de Hagin de que apenas o lado espiritual
do homem se relaciona com Deus. A mente e o corpo não têm
nada a ver com a realidade espiritual e, portanto, não mantêm
contato com o Criador.
O homem encoberto do coração é o espírito, o verdadeiro
homem. Esse verdadeiro homem, o homem encoberto, o
homem interior, é espírito. Ele tem uma alma e mora num
corpo. Com o corpo13, contatamos a dimensão espiritual.
Com a alma, contatamos a dimensão intelectual. Com o
corpo, contatamos a dimensão física. Não podemos
contatar Deus com nossa mente. Não podemos contatá-lo
com nosso corpo. É somente com o nosso espírito que
podemos entrar em contato com Deus. (Crescimento, 48.)
A cosmovisão de Hagin é muito clara nesse ponto. Ele traça a
linha mais nítida possível entre os mundos espiritual e
físico/mental. Ao fazer tal distinção, Hagin demonstra toda sua
ingenuidade filosófica, pois ele é totalmente incapaz de explicar
como o espírito pode desempenhar atividades que associamos
com o pensamento, vontade, memória, imaginação e até com o
próprio raciocínio. Por isso, na maioria dos sistemas dualistas, a
mente é em geral colocada em pé de igualdade com o espírito ou
pelo menos intimamente ligada a ele. Caso contrário, criam-se
problemas insuperáveis em explicar como o espírito pode atuar
em independência total. Com efeito, cria-se uma espécie de
homem duplo, com uma natureza inferior, que pensa apenas por
meio da esfera sensorial, e outra superior, a espiritual, que pensa
apenas no mundo espiritual, qualquer que seja ele.
Uma conseqüência básica do dualismo de Hagin é que, uma vez
que a realidade é espiritual, todos os problemas que o homem
enfrenta também precisam ser fundamentalmente espirituais. Isso
inclui a doença, que não é nada mais do que o efeito físico de
uma causa espiritual mais profunda. Essa é a pressuposição que
que está por trás da rejeição da ajuda médica. Se todas as
doenças, em última análise, vêm do mundo espiritual e do poder
13
É evidente aqui a presença de mais um erro na edição em português desse livro de Hagin.
Onde se lê "corpo", leia-se "espírito" (nota do tradutor).
de Satanás, nossa abordagem em relação à cura também precisa
ser espiritual.
O pressuposto de que o homem é basicamente um ser espiritual
com acesso às forças espirituais que regem o mundo material é o
que também se encontra por trás das regras e métodos da
confissão positiva. Por causa de nossa natureza espiritual, nossa
confissão cria a realidade espiritual que, por sua vez, controla o
mundo físico. Isso atua em duas direções. Se duvidamos e, desse
modo, fazemos uma confissão negativa, o bem que desejamos se
perde. Se nos mantemos firmes e negamos todos os sinais físicos
que parecem contrariar nosso desejo, recebemos aquilo que
pedimos. Assim, tanto o medo quanto a fé criam realidades. A
verdade nua e crua é que o fator determinante daquilo que
acontece na vida da pessoa que crê não é tanto a decisão de um
Deus soberano, mas o tipo de atitude que temos diante de nossa
posição no mundo. Esse dualismo representa a estrutura básica
da cosmovisão de Hagin. Tendo-o observado em seus aspectos
essenciais, estamos prontos para apresentar uma resposta. Nesse
ponto devemos justificar nossos limites. A análise de qualquer
cosmologia é uma questão muito ampla e poderia facilmente
envolver um manuscrito inteiro em sua discussão plena. O
propósito aqui é mais modesto. Tentaremos observar três ou
quatro pontos centrais que, pela Bíblia ou pelo senso comum,
surgem de imediato contra a cosmologia da prosperidade.
Em primeiro lugar, Hagin está dentro dos limites da Bíblia,
quando diz que a natureza humana consiste de corpo, alma e
espírito (1 Ts 5.23). Mas ele erra ao deixar de observar que, na
Bíblia, os três são concebidos como um elemento. Gênesis chama
o homem de "alma vivente", que recebeu vida a partir da
combinação do pó da terra com o sopro de Deus (Gn 2.7). Aqui,
a figura do pó e do sopro divino ilustra tanto o aspecto físico
como o espiritual do ser humano (Delitzsch). O homem não é
apenas pó, a matéria, ou apenas sopro, o espírito. Ele é uma
criação de Deus distinta, pois matéria e espírito aparecem juntos
para formar uma unidade permanente. Isso é afirmado em muitas
promessas da Bíblia quanto à ressurreição dos mortos (Mt 22.30;
Jo 11.25; 1 Co 15.42). Exatamente essa crença é que foi motivo
de zombaria por parte dos gregos que ouviram a pregação de
Paulo no Areópago (At 17.32). Eles também acreditavam que o
homem era de natureza essencialmente espiritual e que o corpo
era apenas um invólucro. Mas a Bíblia ensina que o homem não é
um espírito que espera ser libertado do corpo. Não apenas a
promessa de ressurreição dos mortos, mas também a de
glorificação de nossos corpos (Rm 8.30; 1 Co 15.35ss.)
certificam-nos de que nossa unidade de matéria e espírito em um
único ser continuará a existir na vida por vir.
Portanto, é errado dividir a natureza humana em três aspectos
separados, como se o homem fosse três coisas distintas e coladas
numa unidade desigual. Também não se pode dizer que o espírito
é a sede de nosso ser e a única parte que se relaciona com Deus.
Além disso, é errado dizer que a alma é a base de nossas
faculdades emocionais e intelectuais e, pior ainda, que o corpo é
simplesmente um invólucro ou aparência externa que nos permite
ter sentimentos e nos movimentar no mundo material. De fato,
com todos nossos avanços, hoje sabemos quase nada sobre o ser
chamado homem. Não conhecemos a natureza da distinção entre
espírito, alma e corpo, se é que ela existe. Não sabemos nem
como estão inter-relacionados. Não podemos nem dizer onde um
começa e o outro termina ou quais são as funções específicas de
cada um. Sabemos que todos os processos mentais têm um lado
físico e outro espiritual, todos profundamente interligados. Em
tudo isso, seguimos o que a Bíblia ensina e por meio dela
estabelecemos os limites até onde podemos ir.
Uma coisa é clara: a cosmologia cristã não é dualista, pois crê
num Deus único que criou o mundo e tudo o que nele há.
Portanto, espírito e matéria não são dois princípios opostos, mas
eles se unem debaixo de um Deus que está acima de tudo. Isso
nos leva a nosso segundo ponto: o espírito não é superior ao
corpo de alguma forma que negue a posição vital tanto do
elemento espiritual quanto do material. A Bíblia não admite
qualquer dualismo entre mente/corpo que separe o corpo e o
espírito, tornando este superior àquele. O corpo tem um lugar
importantíssimo nas coisas espirituais. Isso pode ser contemplado
na encarnação e na expiação, ambas de natureza física e a mais
sublime revelação de Deus. João diz que "o Verbo se fez carne"
(Jo 1.14) e que os apóstolos tocaram com as mãos o "Verbo da
vida" (1 Jo 1.1). Paulo afirma que em Jesus "habita
corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Cl 2.9) e, junto
com Pedro, mostra que fomos reconciliados por meio de seu
corpo e de seu sangue (Cl 1.22; 1 Pe 1.19).
Em sua crença de que o espírito é completamente superior ao
físico e de que somente ele constitui a parte essencialmente
humana do homem, Hagin está à beira de ensinar que só o
espírito será salvo. Contra tais opiniões, a Bíblia afirma que a
salvação é tanto física quanto espiritual. Na verdade, o Novo
Testamento dá certo destaque ao lado físico da redenção, dizendo
que somos salvos "pelo sangue" de Cristo (Cl 1.20) e que somos
reconciliados com Deus "no corpo da sua carne, mediante a sua
morte" (Cl 1.22). Portanto, desvalorizar os aspectos físico e
mental do ser humano é uma atitude contrária à visão cristã da
salvação e causa danos à espiritualidade cristã, a qual envolve
corpo e alma em todos os aspectos da salvação e do serviço a
Deus.
Em terceiro lugar, a espiritualidade hierárquica de Hagin (a idéia
de que o espírito é superior à alma e de que esta se encontra
acima do corpo) implica que a natureza da realidade espiritual é
panteísta, pois baseia-se no pressuposto, que ele não tem medo
de afirmar, de que a natureza do homem é do mesmo tipo da de
Deus. Isso tem de ser negado da maneira mais firme possível. O
espírito do homem não é divino, porque salvação não é
deificação. O homem redimido continua sendo homem e não
Deus (Ef 2.10). O homem sem salvação não é um demônio, nem
o homem restaurado é Deus. Sempre que falamos da natureza do
Espírito, devemos tomar cuidado, pois aqui há mistérios
profundos que não conhecemos. Partilhamos do Espírito de
Deus, mas não somos idênticos a esse Espírito. Ensinar que
fazemos parte de um Espírito é panteísmo, não cristianismo.
Em último lugar, antes de passarmos a considerar o dualismo
epistemológico de Hagin, ou seja, de que existem dois tipos de
conhecimento, precisamos fazer a observação de que o evangelho
da prosperidade contém uma ironia profundamente encravada em
seu sistema. Por um lado, ele afirma que o cristianismo
tradicional é por demais espiritualizado, pois não dá atenção
suficiente à vida que vivemos agora e não ensina que as bênçãos
materiais de saúde e prosperidade encontram-se hoje à disposição
de quem crê. Por outro lado, a doutrina da prosperidade ensina
que a parte mais importante da realidade é de natureza espiritual
e que tudo aquilo que é essencialmente verdadeiro nos
ensinamentos do cristianismo é recebido pelo espírito humano,
não pela mente ou pela alma. Isto é uma ironia, pois parece
conter princípios opostos sem reconhecer a contradição entre
eles. Qualquer sistema teológico ou filosófico tem o direito de
conter elementos paradoxais ou dialéticos, desde que sejam
declarados e admitidos. Mas ironia dessa espécie é destrutiva. Ela
fica encravada no sistema, feito uma rachadura no alicerce,
esperando ser encontrada como sinal de que o próprio sistema
está condenado.
2. O Dualismo no Conhecimento
Conceitos hierárquicos da natureza humana são quase sempre
acompanhados por uma hierarquia equivalente no campo do
conhecimento humano, e a doutrina da prosperidade não constitui
exceção. Assim como o universo se divide em duas partes, uma
espiritual e outra física, sendo a primeira superior, também o
conhecimento apresenta a mesma divisão. Existe um
conhecimento superior, o espiritual, e outro inferior, o físico. O
primeiro é chamado de "verdade revelacional", enquanto o
inferior é chamado de "conhecimento dos sentidos" (Paz, 9).
Como o leitor poderia prever, Hagin ensina que somente o lado
espiritual do homem pode ter percepção do conhecimento mais
elevado. A mente não tem capacidade de perceber ou entender as
coisas do espírito nem qualquer outra coisa que tenha a ver com
conhecimento de revelação do mundo espiritual (Crescendo,
107).
Um corolário desse conceito de dois níveis do conhecimento é a
rejeição da razão humana em matéria de fé. Uma vez que o
conhecimento de revelação é de natureza espiritual, ele não pode
ser julgado meramente pela razão. Ele somente pode ser seguido
pela fé:
Não podemos entender coisas espirituais com nossa mente
natural... A Palavra de Deus foi dada pelo Espírito de
Deus... É por isso que a mente natural não pode entender a
Palavra de Deus. A Bíblia pode ser entendida somente com
o coração. Precisamos receber a revelação dela em nosso
espírito". (Espírito, 7; veja também Crescimento, 59.)
Sua mente natural não pode aceitar as coisas do Espírito de
Deus. São discernidas espiritualmente. (Nome, 108).
Por outro lado, a forma inferior de conhecimento conferida pelos
cinco sentidos físicos não deixa de ter valor para a vida humana,
porque é o conhecimento científico do mundo que inclui todas as
coisas envolvidas na razão humana e nas funções normais da
mente. É claro, esse aspecto inferior do conhecimento do homem
limita-se àquilo que nossos sentidos podem perceber nesse
mundo e fica aquém de qualquer capacidade de reconhecer coisas
espirituais. Por meio do raciocínio, não podemos entender a
Bíblia nem perceber a direção de Deus.
Com a nossa mente, não compreendemos a Bíblia. Ela é
compreendida espiritualmente. Nós a compreendemos com
nosso espírito, ou nosso coração... Crer com o coração
significa crer independentemente daquilo que nosso corpo
físico nos diz, ou que nossos sentimentos indicam...
(Limiares, 39, 40.)
Seu espírito sabe coisas que sua cabeça não sabe. Porque o
Espírito Santo está no seu espírito. (Dirigido, 65.)
O Espírito Santo, que habita em nosso espírito, deve
comunicar-Se conosco mediante o nosso espírito — e não
através da nossa mente. É por isso que seu espírito conhece
coisas que sua cabeça não sabe. (Dirigido, 125.)
À guisa de resposta, o leitor observará, em primeiro lugar, que a
separação que Hagin faz do conhecimento em dois níveis
funciona como uma espada de dois gumes em seu sistema. As
duas faces são igualmente afiadas. Por um lado, mediante o
conhecimento de revelação, Hagin afirma receber e ensinar
somente o conhecimento verdadeiro do mundo espiritual. Por
outro lado, ele é capaz de negar o valor de qualquer argumento
que seja levantado contra ele, rotulando-o de conhecimento
inferior baseado simplesmente na razão humana. Não há crítica
contra seus ensinos que não seja rotulada de conhecimento
sensorial. Esse é o argumento que Hagin levanta contra teólogos
que se opõem ao evangelho da saúde e da prosperidade. Eles
tentaram entender Deus e a Bíblia fazendo uso da mente e, por
isso, cometeram erros.
Quando a razão toma o lugar do milagroso, o Cristianismo
perde a sua virilidade, o seu fascínio, e a sua capacidade de
dar frutos... A Igreja nunca foi erguida dos seus tropeços
pelos grandes mestres filosóficos, mas por leigos humildes
que têm tido uma nova visão de Cristo... (Nome, 106.)
Há vezes em que ele acusa seus opositores de não estarem
caminhando pela fé. Mas o significado é o mesmo: eles estão
seguindo uma forma de conhecimento inferior e menos espiritual.
Devemos andar por fé, e não pelo que vemos (2 Co 5.7). A
vista nunca chama as coisas que não são como se já fossem.
Andar pelo que vemos significa andar segundo a razão. A
razão nunca chama as coisas que não são como se já
fossem. (Perdida, 91,)
Esse tipo de argumento nega qualquer campo comum sobre o
qual possamos discutir teologia com Hagin. Suas afirmações
sempre são completa e automaticamente verdadeiras, pois se
baseiam no conhecimento de revelação. Afirmações contrárias
são sempre falsas e carentes de elemento espiritual, pois têm
como base o conhecimento sensorial. Pelas regras desse jogo,
não há ponto de contato nem apelação. Trata-se de um sistema
fechado em si mesmo que deve ser aceito ou abandonado.
Em segundo lugar e intimamente relacionado com o ponto acima,
a distinção que Hagin faz entre duas espécies de conhecimento é
de natureza fideísta, isto é, rejeita o uso da razão em matéria de
fé. Isso significa que seus ensinos são baseados apenas na fé e no
conhecimento de revelação e não são apoiados pela razão, pela
evidência sensorial ou pela história. Segundo essa opinião, não
existe simplesmente nenhum valor em qualquer tipo de
raciocínio filosófico, teológico ou científico. A razão nunca será
capaz de nos ajudar a ter fé ou de entendê-la melhor. A primeira
conseqüência dessa posição é que o conhecimento de Deus e
irracional ou, como diz Hagin, espiritual. Essa visão força o
cristão a ficar suspenso no ar, aparentemente sem apoio de
qualquer tipo que não seja aquele fornecido pelas alegações de
sinais e maravilhas. Claro, esta conclusão é muito conveniente
para qualquer pessoa que alegue operar maravilhas como única
portadora do conhecimento de revelação.
Entretanto, a Bíblia nega todos esses argumentos contra o valor
da razão humana (Pieratt, 1992). Ela não ensina nem que a razão
é inimiga da fé nem que Deus é um ser irracional que não pode
ser compreendido por nossa mente. Em vez disso, ela declara que
nossa mente foi feita para conhecer a Deus e gozá-lo para
sempre. O grande shema em Deuteronômio 6.5 diz: "Amarás,
pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua
alma, e de toda a tua força". Jesus alterou-o levemente em sua
citação, dizendo: "Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda
a tua força (Mc 12.30). Pedro diz que devemos cingir nosso
entendimento para a ação (1 Pe 1.13). Paulo fez questão de
arrazoar com os judeus para convencê-los a crerem em Cristo (At
17.2) e escreveu aos colossenses: "Pensai nas coisas lá do alto"
(3.2). Tiago diz que a sabedoria divina é "cheia de pensamentos
misericordiosos"
(Tg 3.17, Phillips, 1.993). No Antigo
Testamento, Provérbios recomenda que busquemos a sabedoria, e
o profeta Isaías cita o convite de Deus, dizendo: "Vinde, pois, e
arrazoemos" (Is 1.18). John Stott escreve, resumindo o ponto de
vista bíblico:
O conhecimento é indispensável para a vida e o serviço
cristãos. Se não fazemos uso da mente que Deus nos deu,
condenamo-nos à superficialidade espiritual e abrimos mão
de muitas riquezas da graça de Deus. Ao mesmo tempo, o
conhecimento nos é dado para ser usado, para nos conduzir
a uma adoração mais sublime, a uma fé maior, a uma
santidade mais profunda a um serviço de melhor qualidade.
Precisamos não de menos conhecimento e, sim, de mais
conhecimento, enquanto o estivermos aplicando. (Stott,
1978, 60.)
Em terceiro lugar, à semelhança do dualismo entre o espírito e a
mente observado na última divisão, também aqui vemos outra
vez semelhanças entre o pensamento de Hagin e os dos gnósticos
e das religiões de mistério do segundo e terceiro séculos
(Bultmann, 1964). Ambos davam um lugar importante para o
conhecimento espiritual secreto ou mais elevado. Com efeito, o
termo "gnóstico" vem da palavra grega "gnosis", que significa
conhecimento. Como os gnósticos, Hagin ensina que hoje
também existe um conhecimento secreto ou mais elevado à
disposição do fiel que o aceite. Tal conhecimento não apenas se
encontra à disposição, mas é necessário para aqueles que querem
receber a plenitude das promessas do reino. Os gnósticos
declaravam que todos os que possuíam esse conhecimento
espiritual mais elevado formavam uma classe especial de
pessoas. De modo semelhante, as afirmações que Hagin faz de
conhecimento de revelação colocam suas visões e interpretações
numa categoria de conhecimento superior e isolada. Essa idéia, a
princípio, exerce atração, porque todos nós queremos ter
orientação segura na vida. Mas, uma vez que se aceite o
dualismo, não há mais regras que limitam nem critérios pelos
quais as afirmações verdadeiras possam ser diferenciadas das
falsas. Quem aceita que alguns profetas de hoje possuem
conhecimento especial não tem como verificar ou julgar seus
ensinos ou os de qualquer pessoa ou grupo que apareça, dizendo
saber mais coisas sobre Deus. Por exemplo, como Hagin
argumentará contra um profeta que surja daqui a cinco anos
dizendo que também recebeu visões de Jesus, o qual lhe ensinou
algo completamente diferente e, é lógico, muito melhor do que a
doutrina da prosperidade? Por isso o protestantismo tem sempre
se mantido firme contra supostas revelações fora da Bíblia.
Hagin não parece ter consciência do fato de sua distinção entre
conhecimento sensorial e de revelação causar o surgimento de
uma classe de profetas autonomeados que interpretam a Bíblia e
a vontade de Deus para os leigos. Nesse ponto, as alegações de
revelação especial ou de orientação divina feitas por Hagin
colocam-se em oposição direta aos reformadores, os quais
insistiam em dizer que o conhecimento de Deus deve se limitar à
Bíblia e está à disposição de todos os cristãos para ser estudado e
crido.
Por fim, encerramos essa discussão, observando que o argumento
de Hagin simplesmente não faz sentido. Analise como um todo
as afirmações que ele faz quanto ao conhecimento. Ele nega o
valor de qualquer tipo de raciocínio ou argumento contra a
revelação e também nega à mente qualquer papel na percepção
da realidade espiritual. Mas, sem nossa razão e nossos sentidos,
como entendemos ou conhecemos qualquer coisa que seja sobre
Deus e seu reino? Veja por um momento algo que tomamos por
certo ao ler a Bíblia. Como isso pode ser feito, sem nossos olhos
e sem a capacidade que a mente tem de interpretar o que vemos?
Como poderíamos sequer perceber ou entender o que lemos?
Como, então, nosso espírito poderia ser tocado com os ensinos da
Bíblia? A mesma linha de questionamento estende-se a cada área
da racionalidade humana. Sem a lógica, como ordenamos nossos
pensamentos para orar ou pregar? Sem o uso da mente, que
processos mentais existem que nos permitam pensar em Deus e
contemplar as coisas do reino ou mesmo decorar versículos?
Hagin é incoerente nesse ponto também, pois seus próprios livros
demonstram ordem e, portanto, lógica. A divisão que ele faz do
conhecimento humano, atribuindo-lhe aspectos superiores e
aspectos inferiores, simplesmente não funciona.
2.1 A Orientação Espiritual
Este é o local apropriado para fazermos uma digressão
momentânea e analisar a orientação espiritual, pois ela faz parte
do tema mais amplo do conhecimento propriamente dito. Muita
coisa que se diz hoje nos púlpitos da prosperidade sobre a
orientação do Espírito baseia-se no dualismo entre raciocínio
espiritual e atividade mental normal. Hagin, por exemplo, alega
que todos os cristãos podem receber visões e ser guiados pelo
Espírito, por meio da voz interior. "Vamos aprender que Deus
orienta todos os Seus filhos, primariamente, por um testemunho
interior" (Dirigido, 46). Ele não hesita em dizer que essa voz
interior é um guia totalmente confiável.
A sua consciência e um guia seguro? Sim, se o seu espírito
se tornou novo homem em Cristo. Porque a sua consciência
é a voz do seu espírito... se seu espírito é um novo homem
que tem nele a Vida e a Natureza de Deus, é um guia
seguro. (Dirigido, 51.)
A maior alegação que se pode fazer a favor da luz e direção
interiores é aquela que diz que os estímulos e impressões da
mente do cristão são idênticos à voz do Espírito de Deus.
Crucial para uma opinião dessas é o pressuposto de que o espírito
humano não está corrompido. Quaisquer que sejam as condições
das partes física e mental, sua natureza espiritual está de acordo
com Deus. Hagin ensina exatamente isso:
O nosso espírito torna-se criatura totalmente nova em
Cristo Jesus. Nossa alma, no entanto, pode ser renovada ou
restaurada... (Dirigido, 23.)
Não é o homem interior do cristão que quer praticar o mal
— é o homem exterior. Você deve saber distinguir se é a
carne que quer fazer alguma coisa, ou o espírito. (Dirigido,
95.)
O espírito do homem é a parte do homem que nasce de
novo. É a parte do homem que recebe a Vida Eterna, que é
a Natureza e a Vida de Deus... Não é a alma que nasce de
novo. A salvação da alma é um processo. (Dirigido, 21.)
Meu espírito não me dirá alguma coisa errada. Tem nele a
Natureza de Deus, a Vida de Deus, o Amor de Deus e o
Espírito de Deus... Tudo quanto seu espírito lhe disser será
certo. (Dirigido, 97; veja também Espírito, 29.)
Mas como o cristão pode saber se a voz interior que ele ouve é
verdadeiramente o Espírito de Deus? Não poderia ser aquela a
voz de sua natureza inferior e não completamente redimida?
Hagin responde, dizendo que, para o cristão, não se faz
necessária nenhuma distinção entre seu espírito e a orientação
direta do Espírito de Deus.
Alguém poderia perguntar: "Como posso perceber se é o
meu próprio espírito, ou o Espírito Santo que está me
mandando fazer alguma coisa? O espírito do homem é a
lâmpada do Senhor. "Mas pode ser apenas o próprio-eu
querendo fazer algo." Defina seus termos. Se com o
"próprio-eu" você quiser dizer a carne, é lógico que nem
sempre pode obedecer a carne. Mas se com o "próprio-eu"
você quiser dizer o homem interior, o verdadeiro eu então
está tudo bem. Vá adiante e faça o que ele quer que você
faça. Se o seu espírito é nova criatura em Cristo... não vai
mandar que você faça algo que não está certo. (Dirigido,
95; veja também 33, 47, 81, 100; Limiares, 110;
Crescimento, 61.)
No capítulo dois vimos histórias que Hagin conta sobre pessoas
que obedeceram à voz interior e ficaram ricas. Ele atribui seu
grande sucesso no ministério à sua prontidão em seguir a voz
interior e incentiva outros a fazerem o mesmo. Ele conta o
episódio em que perguntou a um amigo, "um ministro muito
bem-sucedido", a causa do sucesso dele, tendo recebido a
seguinte resposta: "Sempre sigo as minhas premonições mais
profundas". Hagin explica isso com as seguintes palavras:
O que [ele) queria dizer? Estava simplesmente dizendo:
"Sempre escuto o meu espírito. Faço o que o meu espírito
me manda fazer. Sigo aquele testemunho interior." O
testemunho interior é tão sobrenatural quanto a orientação
mediante visões, etc.; só que não é tão espetacular.
(Dirigido, 35.)
A idéia de que a consciência do cristão é um guia seguro para a
verdade e na tomada de decisões é muito popular nos dias de
hoje, mas, é claro, este não é o ponto de vista da Bíblia. Em
primeiro lugar, a Bíblia diz que a natureza do homem e decaída:
corpo, alma e espírito. Portanto, nem o coração nem o sentimento
revelam-se totalmente confiáveis. De todas as passagens na
Bíblia que advertem contra os caprichos do coração humano,
Jeremias 17.9 é a que dá a expressão mais sucinta a isso, em
forma de pergunta retórica: "Enganoso é o coração, mais do que
todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o
conhecerá?" A pergunta de Jeremias continua válida nos dias de
hoje. Como podemos distinguir entre a orientação do Espírito de
Deus e as impressões do coração humano, as quais variam do
sublime ao ridículo?
A resposta não é fácil, pois precisamos colocar um pouco de
confiança na capacidade de raciocínio de nossa mente e garantir
o lugar essencial dos sentimentos, atuando junto com a fé, para
contemplarmos o reino de Deus. O problema aparece quando as
pessoas supervalorizam os sentimentos e deixam de diferenciálos dos impulsos que realmente procedem do Espírito. A
adoração vigorosa, seja na igreja ou em particular, sempre
desperta emoções e, em algumas pessoas, estimula em suas
mentes a percepção de visões de todos os tipos. Em certos casos
essas impressões são tão reais que parece que a pessoa foi levada
ao céu e discutiu alguns assuntos com o próprio Senhor. Nem
sempre é preciso atribuir isso ao diabo. Contudo, não há
necessidade de supor que essas visões têm a mesma natureza das
visões de Paulo ou dos profetas. A natureza humana, debaixo de
emoções intensas, especialmente aquelas provocadas pela
adoração a Deus, pelo arrependimento de pecados ou por pedidos
de oração ansiosamente desejados é tudo que se precisa para
explicar esses fenômenos. O mesmo se aplica às impressões e
orientações de todos os tipos.
Em segundo lugar, aquilo que sentimos ser verdade nem sempre
está de acordo com a verdade. Isso vale principalmente para a
esfera das emoções. Os sentimentos isolados dificilmente
constituem um guia seguro para qualquer escolha importante na
vida. William James foi um famoso psicólogo e estudioso das
religiões mundiais que viveu no início do século XX. Depois de
estudar durante toda a sua vida a experiência religiosa, ele
escreveu o seguinte sobre a orientação do espírito:
Aquilo que de imediato parece o "melhor" nem sempre é
mais "verdadeiro", quando avaliado pelo veredicto do resto
da experiência. Isso é provado pelo exemplo clássico da
diferença entre o Filipe bêbado e o Filipe sóbrio. Se
simplesmente "sentir-se bem" fosse o critério para a
decisão, a embriaguez seria a experiência humana de valor
supremo. Mas suas revelações, por mais satisfatórias que se
mostrem no momento, são inseridas num ambiente que se
recusa a corroborá-las por qualquer período de tempo. A
conseqüência dessa discrepância dos dois critérios é a
incerteza que ainda prevalece sobre tantos de nossos
julgamentos espirituais. Há momentos de experiência
mística e sentimental... que, quando surgem, trazem junto
um enorme sentimento de autoridade e iluminação
interiores. Mas eles raramente acontecem e não acontecem
para todos; e o restante da vida ou se desliga deles ou tende
a contradizê-los mais do que confirmá-los. (James, 1902,
17.)
Resumindo, sentimentos vêm e vão e raramente têm alguma
ligação firme com a realidade, especialmente a do lado espiritual
da vida. Portanto, não devemos segui-los ingenuamente, sem
reflexão cuidadosa, como se fossem auto-suficientes para nos
orientar em alguma decisão importante.
Em terceiro lugar, um erro muito comum entre os cristãos é
pensar que um sinal ou maravilha, ou mesmo uma orientação
espiritual, vem sempre de Deus e de seu Espírito. Quase nunca o
conteúdo de um sinal ou ato poderoso nos informa sua origem.
Não há nenhuma ligação visível entre o milagre ou a orientação e
o espírito que lhe deu origem, seja ele humano, satânico ou
divino. Se houvesse, não aconteceriam enganos na esfera
espiritual nem haveria necessidade de testar os espíritos, segundo
João avisa (1 Jo 4.1).
Em outras palavras, os seres humanos deixam-se enganar
facilmente pelas aparências. Na Bíblia, essa ingenuidade sobre a
verdade espiritual é vista atuando nas duas direções. Por um lado,
há muitos exemplos de pessoas que seguiram deuses estranhos e
seus profetas que, sem dúvida, operavam sinais e maravilhas para
convencer os outros quanto às suas alegações. Essas maravilhas
eram erroneamente aceitas como prova suficiente de que o
profeta era um legítimo representante de Deus. Por outro lado, os
fariseus que viram Jesus curar o braço atrofiado de um homem
não foram capazes de admitir que aquilo era um sinal verdadeiro
da presença do Filho de Deus (Mc 3.1-6). No final, acabaram
atribuindo o poder de operar maravilhas ao diabo (Mc 3.22). Só
podemos concluir que o aspecto externo do milagre não traz
consigo nenhum sinal confiável da fonte de seu poder.
Por essa razão, o engano espiritual é um tema importante na
Bíblia. Jesus avisou que, nos últimos dias, surgiriam falsos
cristos e falsos profetas fazendo grandes sinais e maravilhas (Mt
24.24; veja também 2 Ts 2.9-10; Ap 13.13). Paulo disse que
nossa mente é obscurecida por Satanás (2 Co 4.4; Tt 3.3; Hb
3.13). Uma falha séria da doutrina da prosperidade está em não
reconhecer Satanás como um enganador conceptual. Ouve-se
muito sobre o poder que Satanás tem para reter as bênçãos na
área de finanças e causar enfermidades e doenças, mas a obra que
ele realiza não pode se limitar somente a isso. O poder de Satanás
também se estende às doutrinas, fazendo com que aquilo que é
falso pareça verdadeiro e vice-versa. Apesar de todo o destaque
que o ensino da prosperidade confere a Satanás como fonte do
mal, não se menciona sequer uma palavra de advertência contra o
engano no campo dos ensinos e das visões.
Portanto, é melhor ter muita precaução em assuntos de orientação
espiritual. Só porque uma pessoa é influenciada por impressões
na mente, isso não quer dizer que a fonte delas seja o Espírito
Santo. Há muitos espíritos falsos que influenciam a mente das
pessoas. Além disso, algumas têm sentimentos fortes e
personalidades sensíveis, revelando-se mais susceptíveis a
impressões de vários tipos, tanto temporais quanto espirituais.
Assim como alguém que dorme tem sonhos dos quais não é o
autor consciente, muitas pessoas, de forma semelhante, são
objetos de impressões involuntárias mesmo quando estão
acordadas. Também é possível que a pessoa receba impressões
na mente a partir da influência comum do Espírito de Deus sobre
a humanidade (Hb 6.4, 5). Muitas pessoas referidas pela Bíblia
foram iluminadas e tiveram experiências com o Espírito, mas,
mesmo assim, continuaram estranhas às coisas que acompanham
a salvação. A conclusão a que chegamos é esta: deve-se usar de
muita precaução quando se segue a orientação interior de
alguém, mesmo que seja a nossa ou a de algum profeta de Deus
autonomeado.
3. O Dualismo na Salvação
Deixamos agora as opiniões dualistas de Hagin sobre a natureza
humana e acerca do conhecimento para olharmos sua
compreensão da expiação de Cristo na cruz. Nesse ponto, em
vista de suas pressuposições dualistas, Hagin ensina de forma
coerente que, pelo fato de a natureza humana ser basicamente
espiritual, a expiação também teve um aspecto espiritual. O
sofrimento físico de Cristo podia fazer expiação por nossa
natureza física, mas nosso espírito precisava de algo mais. A
conclusão é de que Jesus morreu duas vezes, uma fisicamente e
outra espiritualmente. Afirma-se que isso aconteceu em duas
etapas. Primeira, Cristo sofreu e teve a morte física na cruz.
Então, ele desceu para o inferno, onde sofreu e morreu
espiritualmente.
O apoio exegético para a "morte dupla" de Cristo encontra-se em
Isaías 53.9, onde se diz que "designaram-lhe a sepultura com os
perversos, mas com o rico esteve na sua morte". Observa-se que,
nesse versículo, a palavra hebraica equivalente a "morte"
encontra-se no plural, a partir do que se deduz que Jesus morreu
duas vezes.
Uma vez que Jesus foi feito pecado por nós, Ele teve de
pagar a pena do pecado. Ele teve de morrer espiritual e
fisicamente, o que o levou às regiões dos condenados...
Isaías 53.9 afirma: "designaram-lhe a sepultura com os
perversos... com o rico... na sua morte"... A palavra "morte"
no original hebraico está literalmente no plural. Jesus
passou por duas mortes. Ele morreu física e
espiritualmente. Ao ser feito pecado, ele foi separado de
Deus... Jesus passou três dias e três noites horríveis nas
entranhas dessa terra, readquirindo os direitos e a
autoridade dos homens, ao pagar o preço do pecado
humano. (Copeland, 1983, 35.)
Além disso, Cristo não somente morreu duas vezes, mas sua
natureza foi transformada na natureza de Satanás. Realmente
aconteceram duas transformações. A ordem é esta: primeiro,
Jesus foi para a cruz com sua natureza divina intacta. Depois, na
hora em que ele pergunta a Deus por que o havia desamparado,
ele assumiu a natureza satânica, a mesma do homem decaído. Por
fim, depois que a expiação estava encerrada tanto no aspecto
físico quanto espiritual, a natureza divina de Jesus lhe foi
restaurada. Hagin chega a essa conclusão em seus comentários
sobre Atos 13.33 e pela frase "hoje eu te gerei".
Por que precisava de ser gerado, ou de nascer? Porque Se
tornou como nós éramos; separado de Deus. Porque provou
a morte espiritual por todos os homens, Seu espírito, Seu
homem interior, foi para o inferno em nosso lugar... A
morte física não removeria os nossos pecados. Provou a
morte por todo homem — a morte espiritual... A morte
espiritual significa ter a natureza de Satanás... Lá embaixo
na masmorra do sofrimento — lá nos fundos do próprio
inferno — Jesus satisfez as reivindicações da Justiça para
todos nós. (Nome, 25, 26, 28.)
A conclusão de Hagin é de que Jesus foi o primeiro a nascer de
novo, e todos os que crêem passam pelo mesmo processo de
transformação das naturezas.
Em resposta a isso, observamos primeiramente que em nenhum
lugar a Bíblia faz qualquer insinuação de que Jesus sofreu depois
de morrer na cruz. Um estudioso da Bíblia muito cuidadoso
estudou a seqüência dos eventos na cruz e chegou a conclusões
muito diferentes das de Hagin. Estudando as palavras de Jesus,
ele observa que apenas alguns momentos depois do grito de
abandono do Senhor, "meu Deus, meu Deus, por que me
desamparaste", é que foram ouvidas as palavras "tenho sede".
Isso parece indicar que havia chegado um momento crítico. A
sensação de abandono espiritual e a agonia parecem ter chegado
ao fim, e as palavras de Jesus indicam que ele havia voltado sua
atenção para as necessidades físicas. Se esta interpretação é a
correta, ela mostra que o sofrimento verdadeiro havia terminado.
Edersheim escreve o seguinte:
É provável que, depois do grito do salmo 22, que marcou o
auge de sua agonia, não tenha passado mais de um minuto
ou dois, até que as palavras "tenho sede" parecem indicar,
pelo predomínio do aspecto meramente humano do
sofrimento, que o outro aspecto mais terrível, de carregar
os pecados e do abandono de Deus, havia terminado.
Portanto, para nós, esse parece o começo, se não da
Vitória, pelo menos do Descanso, do Fim. (Edersheim,
607.)
Ao aceitar o vinagre, Jesus parece estar consciente de que o fim
de seu sofrimento está próximo, pois então ele diz: "está
consumado". Esse grito não é de desespero, mas de realização.
Os outros evangelistas confirmam essa interpretação. Mateus
27.50 diz: "E Jesus, clamando outra vez com grande voz,
entregou o espírito". Da mesma forma, João 19.30 registra:
"Quando, pois, Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado! E,
inclinando a cabeça, rendeu o espírito". Lembre-se também de
que Jesus disse ao ladrão da cruz: "Em verdade te digo que hoje
estarás comigo no paraíso" (Lc 23.43). Essas passagens
demonstram que Jesus morreu uma única vez na cruz, que isso
encerrou a missão para a qual ele viera e que ele terminou sua
vida com uma consciência renovada de comunhão com Deus.
Nas últimas palavras de Jesus não existe lugar para a suposição
de que ele sofreu depois daquilo ou de que a expiação não estava
encerrada.
Em segundo lugar, a frase "morte espiritual" não é encontrada em
nenhum lugar na Bíblia nem parece ser uma metáfora apropriada
para expressar alguma coisa que acontece na esfera espiritual. Os
seguintes versículos podem ser consultados: Atos 20.28; Ef 1.7;
Cl 2.13-15; Hb 2.14, 15; 10.22, 23; 1 Pe 1.9; 2.24; 4.1; Ap 1.5.
Em terceiro lugar, o uso que Hagin faz de Isaías 53.9 como prova
da morte dupla de Cristo não resiste ao escrutínio, Realmente
esse versículo traz a palavra "morte" no plural, mas uma
característica da língua hebraica é colocar no plural substantivos
que devem ser destacados. Em outras palavras, o plural "mortes"
confere intensidade à palavra. Na linguagem de hoje, diríamos
que ele "realmente" morreu (Keil & Delitzsch, 1976).
Um pouco do ímpeto da crença de que Jesus sofreu no inferno
procede da frase do Credo Atanasiano que diz que Jesus desceu
ao inferno. Essa frase apareceu primeiramente em 400 A. D. e
não é encontrada em nenhum credo anterior, incluindo o dos
Apóstolos e o de Nicéia. Mesmo no Credo Atanasiano, as
palavras no original em latim são estas: "descendit ad infernos",
significando simplesmente "desceu ao mundo inferior". Uma
segunda morte não é afirmada nem insinuada.
A idéia de uma morte dupla é vagamente insinuada num pequeno
grupo de passagens: Salmos 16.10, 11; Atos 2.24-32; 13.34-37;
Rm 10.6, 7; Ef 4.8-10; 1 Pe 3.18-20; 4.6. Entretanto, nenhum
desses versículos revela clareza nesse ponto. Por outro lado, não
há nenhum indício de tal coisa em 1 Coríntios 15.3-5, onde a
essência do evangelho é declarada por Paulo: "Antes de tudo vos
entreguei o que também recebi; que Cristo morreu pelos nossos
pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou
ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas, e,
depois, aos doze". Um estudioso bíblico perspicaz escreveu o
seguinte a respeito dessa passagem:
Paulo, ao demonstrar a humildade de Cristo em seu mais
profundo nível de auto-rebaixamento, aponta para os
limites da humilhação com a frase "obediente até à morte, e
morte de cruz". Ele não diz "e morte espiritual" ou "e morte
eterna" ou "e morte dos condenados ao inferno". Pode-se
concluir com segurança que essas frases extremas não são
necessárias a uma declaração correta da verdadeira
doutrina, bastando que seja dito, em termos gerais, que
Cristo sofreu em corpo e alma todo o sofrimento possível a
um Ser santo. (Bruce, 347.)
Por último, precisamos nos opor ao ensino de Hagin de que a
natureza de Cristo foi transformada na de Satanás. A passagem
básica usada como apoio é 2 Coríntios 5.21, que diz: "Aquele que
não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós..." Afirma-se que
o fato de Cristo ter sido feito pecado significa que ele assumiu a
natureza satânica decaída. Uma interpretação literal dessa
passagem, é claro, não faz sentido. Cristo, um ser, não poderia se
tornar um pensamento, palavra ou ato contra Deus. Em vez disso,
essa passagem está fazendo uso de uma figura de linguagem para
expressar uma verdade espiritual. A oração "ele o fez pecado" é
uma metonímia em que um elemento abstrato é empregado em
lugar de uma ação concreta (Bullinger, 1968). A ação concreta
está em Cristo sofrer pelo nosso pecado, e a abstração está na
expressão dessa verdade por meio da frase "ele o fez pecado".
Em outras palavras, Cristo foi feito pecado no sentido de ter sido
divinamente apontado para sofrer as conseqüências penais de
nossas transgressões. O significado de que a natureza de Jesus foi
transformada em algo pecaminoso, satânico, ou de que ele de
alguma forma morreu espiritualmente, não faz nenhum sentido
nem a passagem o justifica gramaticalmente. A verdadeira
interpretação desse texto é oferecida em Isaías 53.5: "Mas ele foi
traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas
iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas
suas pisaduras fomos sarados". Cristo foi feito pecado no sentido
de que levou sobre si a pena de nossos pecados. De modo
semelhante, Gálatas 3.13 diz que "Cristo nos resgatou da
maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso
lugar", e isso não significa que ele tenha assumido uma natureza
maldita, mas que carregou sobre si a pena de nosso pecado. A. B.
Bruce diz o seguinte sobre esse aspecto da expiação:
Não obstante essa mudança, a personalidade (de Jesus)
continuou a mesma. Kenosis não significa auto-extinção ou
a metamorfose de um Ser Divino que se transforma num
simples homem. Aquele que se esvaziou é o mesmo que se
humilhou: kenosis e tapeinosis (humilhação) são dois
aspectos de uma única mente que reside no mesmo sujeito
(p. 22).
Também não faz sentido dizer que Cristo nasceu de novo para
uma nova natureza divina. Ele é o autor do novo nascimento, não
seu beneficiário (cf. Jo 1.12, 13; Gl 3.26). Ao encerrar essa
discussão, vale notar que, em cada caso, seja na natureza
humana, no conhecimento ou na expiação, o erro básico da
doutrina da prosperidade começa com sua visão dualista do
mundo. Por considerar a esfera espiritual sempre primária e mais
importante, ela procura uma realidade espiritual mais profunda
por trás de cada ensino. No caso da cruz. pressupõe-se que a
morte física não foi suficiente para fazer a expiação pela
realidade espiritual. Paulo refletiu árdua e demoradamente sobre
o evento e significado da cruz, chegando à conclusão de que não
somos salvos por meio de duas mortes, uma física e outra
espiritual, mas pelo sangue de Cristo (Cl 1.20) ou, como ele
afirma dois versículos à frente, somos salvos "no corpo da sua
carne". Embora tenhamos verificado que Hagin não gosta de ser
comparado com a Ciência Cristã, negar que o sofrimento e a
morte física foram suficientes para fazer expiação pelos nossos
pecados é ensinar a mesma coisa que ela também ensina. Nos
dois casos, trata-se da espiritualização da obra de Jesus, impondo
à Bíblia um ensino que não se encontra nem está insinuado em
suas páginas.
4. O Dualismo de Deuses
Fechamos nossa análise da cosmovisão dualista dos ensinos da
prosperidade, olhando para a tendência de enxergar Satanás
como um deus oposto e quase igual a Jeová. Hagin diz que
"Satanás é o deus deste mundo. Satanás é um deus negativo.
Tudo neste mundo é negativo" (Perdida, 55.) É claro que Hagin
não quer dizer que Satanás é um deus igual ao criador do mundo
e, por essa razão, o leitor deve notar que estamos afirmando que
a teologia da prosperidade tende apenas a enxergar Satanás como
igual a Deus. Ela realmente não ensina que seja assim.
Entretanto, essa é uma tendência forte e ocorre em dois sentidos
distintos. Primeiro, Satanás é acusado de todos os problemas,
sofrimentos e aflições na vida.
Deus não é o deus deste mundo. 2 Coríntios 4.4 chama
Satanás de o deus deste mundo. E as leis que hoje governam
a Terra vieram a existir, em grande medida, com a queda
do homem e a maldição sobre a Terra. É porque as pessoas
não entendem isso que acusam Deus de acidentes, de
doenças, da morte de entes queridos, de tempestades, de
catástrofes, de terremotos, e de inundações. Deus não é
responsável por nenhuma dessas coisas, nem é autor delas.
(Perdida, 9, 10.)
Kenneth Copeland, herdeiro provável de Hagin nos Estados
Unidos, concorda, dizendo:
Seu inimigo não são as outras pessoas. Satanás é a fonte de
todos os seus problemas. Algumas pessoas acreditam que
Deus envia provas e tribulações. Mas ele forneceu as armas
e a armadura que nos livram dos problemas! Satanás é o
criador de problemas! Não Deus! Nem seu vizinho! Nem
seu colega de trabalho! (Copeland, 1983, 22.)
Por causa de sua condição de deus deste mundo, exaltamos o
diabo sempre que estamos doentes, duvidamos ou falhamos em
viver uma vida vitoriosa.
Nas vidas individuais, a mesma verdade é aplicável. Muitos
cristãos nascidos de novo e cheios do Espírito vivem num
baixo nível de vida, vencidos pelo diabo. Na realidade,
falam mais no diabo do que em qualquer outra coisa. Cada
vez que contam uma desventura, exaltam o diabo. Cada vez
que contam quão doentes se sentem, exaltam o diabo (ele é
o autor das doenças e das enfermidades — e não Deus).
Cada vez que dizem: "Parece que não vamos conseguir",
exaltam o diabo. (Nome, 19.)
Até a própria morte é colocada aos pés de Satanás:
Devemos nos lembrar que a morte física não é de Deus, é
do inimigo. (Autoridade, 55.)
É o diabo quem é o autor da morte, e não Deus.
(Crescimento, 43.)
Em segundo lugar, afirma-se que Satanás é a origem da natureza
humana decaída. Copeland diz que quando Adão pecou, ele
morreu espiritualmente e recebeu a natureza de Satanás.
Adão fez sua escolha. As conseqüências dela afetaram toda
a raça humana. O homem perdeu a vida e a natureza de
Deus... Desde Adão, a natureza de Satanás é passada a
cada membro da raça humana. Satanás tornou-se o
padrasto ilegítimo da humanidade. (Copeland, 1983, 34.)
A morte espiritual significa possuir a natureza de Satanás,
assim como receber a vida eterna significa que temos em
nós a natureza de Deus. Quando Adão e Eva prestaram
ouvidos ao diabo... o homem passou a estar unido ao
diabo... O homem é espiritualmente um filho do diabo, e
participa da natureza do seu pai. (Redimidos, 29, 30; veja
também Crescendo, 106.)
Até hoje, a natureza humana sem redenção continua satânica.
Somente por meio da conversão o homem pode ser transformado
e ocupar seu lugar de direito como participante da natureza de
Deus.
Algumas pessoas acham que a vida eterna é a vida que
terão quando chegarem ao céu. A vida eterna, no entanto, é
algo que possuímos agora mesmo! A vida eterna é a vida de
Deus. É a vida do tipo de Deus. A vida eterna é a natureza
de Deus, que entra em nosso espírito para nos recriar e nos
transformar em nova criatura; para transformar a nossa
natureza. Então, temos dentro em nós a natureza de Deus...
Deus é Espírito. O homem, que foi feito à imagem e
semelhança de Deus, também é uma criatura espiritual. Ele
está na mesma classe de existência que o próprio Deus.
(Espírito, 8, 13.)
Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância
(João 10.10). A palavra grega traduzida por "vida" neste
versículo é zoe. Zoe é a própria vida de Deus... Já sabemos,
portanto, que o homem é espírito. Sendo espírito, encontrase na mesma categoria de Deus, porque Deus é espírito... A
vida eterna que Ele me proporcionava era a sua própria
natureza... A corrupção da qual escapamos é a morte
espiritual; é a natureza satânica. Agora, porém, tornamonos participantes da natureza divina: a vida de Deus está
em nós... aprendemos que a vida eterna é a natureza de
Deus; e, que se tomar filho de Deus significa participar da
natureza divina e da vida eterna. Quando recebemos a vida
eterna, a natureza satânica retira-se de nós. (Zoe, 9, 15, 28,
39, 40.)
Como resposta, devemos dizer, em primeiro lugar, que Satanás é
poderoso, mas ele não é igual a Deus nem o senhor intocável da
morte e destruição. Houve vezes em que Satanás recebeu poder
para matar as pessoas. Mas ele não é a origem da morte nem
pode exercer seu poder à toa. Se assim fosse, há muito tempo ele
teria destruído toda a raça humana. Pelo contrário, a Bíblia é
clara em afirmar que somente Deus é a origem da morte, a qual é
a punição pelo pecado (Gn 3; Rm 5). Jesus advertiu seus
discípulos para que não temessem o mal mas somente a Deus,
que tem poder sobre a morte e o inferno (Lc 12.5). No fim, Deus
se revelará Senhor sobre a morte e sobre o diabo, e ambos serão
destruídos (Ap 20).
Em segundo lugar, a doutrina da prosperidade acusa Satanás de
todos os problemas do mundo, desde dores de cabeças, divórcio,
imoralidade, até desemprego. Culpar os outros por nossos
problemas é conveniente, pois reduz nossa responsabilidade.
Essa atitude também é emocionalmente satisfatória, porque,
quando se responsabiliza Satanás, reconhece-se a existência da
culpa, mas a responsabilidade é retirada. Mas a Bíblia sempre
coloca sobre o homem a responsabilidade pelo pecado e pela
maldade. Adão e Eva escolheram livremente o mal, e todos nós
os acompanhamos nessa escolha. Além disso, não precisamos do
diabo para explicar muito daquilo que está errado na vida. Basta
olharmos para dentro de nós, para nossa natureza pecaminosa,
fonte de tantos problemas no mundo.
Em terceiro lugar, a Bíblia ensina que Deus detém o controle
soberano sobre aquilo que Satanás pode fazer. A história de Jó
revela isso da maneira mais clara possível. Vemos ali o poder de
Satanás sobre o homem, para ferir e matar e, ainda assim, fica
evidente que ele não podia fazer nada sem a permissão de Deus.
O diabo oprime (Jó 1.2; 2.6, 7; Lc 13.16; At 10.38), mas somente
na medida em que recebe permissão divina. Às vezes, Deus lhe
dá autoridade para matar, mas isso não é um direito absoluto
dele. O próprio Satanás é um ser finito, criado pela vontade de
Deus e, portanto, como todas as outras criaturas, deve sua
existência ao próprio Deus (Ez 28.15). Somente Deus é autoexistente. Isso significa que a idéia de que o homem participa de
duas naturezas, satânica e divina, é pura fantasia e está
duplamente errada. Por um lado, isso exigiria que Satanás tivesse
poderes para criar por si próprio, como se fosse Deus e não uma
criatura que lhe deve sua existência. Em lugar disso, a Bíblia é
muito clara em afirmar que a natureza humana teve sua origem
em Deus, criada à imagem dele, e essa imagem permanece
mesmo depois da queda (Gn 9.6). A imagem foi danificada pelo
pecado de Adão, mas não erradicada. Calvino disse que, depois
da queda, a imagem de Deus estilhaçou-se no homem, à
semelhança de um espelho quebrado. Mas, mesmo assim, o
reflexo de Deus pode ser visto numa imagem distorcida dentro
do homem (Calvino, 1985). Se a imagem de Deus tivesse sido
substituída por uma natureza satânica, não haveria qualquer
reflexo dela. Pelo contrário, restaria apenas uma pequena
diferença entre os homens e os demônios. Em nenhum lugar a
Bíblia insinua que a natureza humana seja semelhante à dos
anjos, sejam eles divinos ou decaídos.
Por outro lado, a natureza do homem restaurado pela redenção
não é divina. Salvação não é deificação. Em Cristo seremos
restaurados a tudo que se pretendia que Adão fosse (1 Co 11.7),
mas, mesmo glorificados na presença de Deus, continuamos
sendo criaturas (2 Co 5.17), não pequenos deuses em
desenvolvimento, conforme crêem os mórmons. Em Cristo, o que
é restaurado no homem é a imagem de Deus, não o próprio Deus.
O novo homem em Cristo continua sendo humano (Ef 2.10). Por
fim, como observamos acima, a experiência de Cristo não é um
padrão para a nossa, pois Cristo assumiu nossa natureza, mas nós
não assumimos a dele.
Como comentário final nessa divisão, observaremos uma
segunda ironia profundamente arraigada na doutrina da
prosperidade, desta vez sobre o poder e posição de Satanás. Por
um lado, ele é acusado de tudo que dá errado na vida. Parece que
seu poder e influência não têm limites. Ele é tanto o deus deste
mundo como a origem da natureza humana decaída. Por outro
lado, apesar do enorme poder de Satanás, afirma-se que é fácil
remover sua influência da vida daquele que crê. Este é o alicerce
emocional de muita coisa que se prega nas igrejas da
prosperidade. Dentro de um ambiente de grande espetáculo, o
diabo é expulso e recebe ordens para sair, presumindo-se assim
que os problemas da vida do indivíduo estão resolvidos. Observe
como Hagin, citando as palavras de E. W. Kenyon, torna fácil o
descartar-se de Satanás, dizendo que "no momento em que
confesso que Satanás colocou em mim uma doença ou
enfermidade, exatamente naquele momento, Ele/ Deus/ é fiel e
justo para curar-me, e estou curado" (Nome, 119). De modo
semelhante, R. R. Soares conta a história de um homem que
estava enfrentando problemas em sua propriedade. Ele
determinou que se livraria da perseguição de Satanás e, tão logo
tomou essa decisão, aquilo realmente aconteceu. Segundo
conclusão de R. R. Soares, "isto é fácil" (Soares, 1987, 24).
Parece profundamente irônica a facilidade com que o deus deste
mundo, com sua intenção de ferir e destruir, é impedido de
influenciar a vida de alguma pessoa.
5. O Problema do Mal
Uma das questões centrais que qualquer teologia deve enfrentar é
a razão da existência do mal no mundo. Por que coisas ruins
acontecem às pessoas boas, até para cristãos que vivem no centro
da vontade de Deus? Antes de encerrar nossa análise e resposta à
teologia da prosperidade, vale a pena olhar brevemente para a
resposta oferecida por ela. De fato, não se trata de uma resposta,
mas, sim, de uma negação de que o problema surja na vida
daquele que crê. Segundo a doutrina da prosperidade, não há
razão por que o cristão não esteja sempre bem e prosperando. Ele
pode sofrer um pouco, mas isto são apenas vales entre as
montanhas de saúde e prosperidade. Aqueles que passam por
problemas e enfermidades têm somente a si para culpar: ou estão
em pecado ou desconhecem seus direitos ou não têm fé
suficiente. Portanto, o problema do mal não existe para o cristão
vitorioso que conhece seus direitos e deles se apropria. A
intenção dessa divisão é mostrar que essa resposta ao problema
do mal é totalmente inadequada, fornecendo um breve esboço da
solução tradicionalmente oferecida pelo cristianismo.
Nosso ponto de partida é a observação de que problemas e
enfermidades fazem parte da vida de cristãos e de não-cristãos.
Hagin e os pregadores da prosperidade dão a entender que o
cristão pode viver fora do mundo, acima dos problemas dos
outros homens. Mas é óbvio que isso não é assim. Doença e
pobreza fazem parte do mundo que conhecemos e, nesse aspecto,
não há diferença entre cristãos e não-cristãos. Assim como
estamos sujeitos à lei da gravidade, também estamos debaixo dos
efeitos da ordem natural das coisas. Tanto para cristãos quanto
para não-cristãos, trabalhar é difícil, e não é fácil enfrentar as
contas e a idade de nosso corpo, à medida que envelhecemos.
Quando chove na praia, a chuva cai igualmente sobre cristãos e
não-cristãos. Quando o inverno é rigoroso, o frio atinge a todos.
Todos nós, cristãos ou não, estamos sujeitos a acidentes e
desastres naturais de todos os tipos.
A mesma igualdade de existência aplica-se ao mundo humano da
interação social. Os cristãos não estão isentos das condições
políticas e sociais da época e cultura em que vivem. Isso pode ser
facilmente provado, se olharmos para qualquer período da
história humana. Se quisermos ser dramáticos, poderíamos
apontar para as ondas de perseguição que varreram o império
romano nos primeiros dois séculos da igreja. Milhares de cristãos
foram pegos no meio dessas decisões políticas. A fé que eles
tinham não impediu que os dentes dos leões nos coliseus
romanos fossem afiados e mortais. Observe o negro norteamericano dos séculos XVIII e XIX, nos Estados Unidos. É fato
histórico que aqueles escravos aceitaram o cristianismo em
grupos numerosos. Eles são conhecidos por uma fé simples,
porém forte. Mas a fé não os livrou da vida de escravidão. Hoje
também, o cristão que vive na Bósnia ou na Somália sofrerá
igualmente os efeitos das guerras que estão despedaçando
aqueles países.
Portanto, a questão do mal não desaparecerá, se simplesmente
dissermos que ela não se aplica aos cristãos. A história e a
experiência não permitiriam uma resposta tão fácil. O problema
em si é extremamente profundo e exigente. O curso da história e
de nossa própria vida quase sempre parece sem sentido, ambíguo
e, às vezes, cruel. Raras são as vezes em que conseguimos
harmonizar aquilo que vemos na vida com aquilo que
aprendemos sobre Deus na Bíblia. A vida e a história fariam mais
sentido, se enxergássemos em Deus não um ser santo, mas
alguém dado a caprichos.
Na Bíblia, a inclusão de livros como Eclesiastes, Habacuque, Jó e
do salmo 73 prova a profundidade do problema e a luta de
homens fiéis à procura de uma resposta para ele. Será que Deus
não sabe que não existe justiça no mundo? Será que ele não sabe
que o mal prospera e que o justo sofre? pergunta Asafe. O
homem piedoso pode encontrar na vida um significado melhor do
que aquele que o pagão encontra, já que todos parecem ter o
mesmo destino? pergunta Salomão. Por que Deus permite que a
nação escolhida sofra, enquanto o mal recebe mais e mais poder?
pergunta Habacuque. Por que eu, crente fiel e servo do Altíssimo,
preciso sofrer sem motivo? protesta Jó. Cada uma dessas
perguntas é uma acusação formal à maneira de Deus conduzir o
mundo.
Então, o ponto inicial é que o evangelho da prosperidade oferece
apenas a resposta mais ingênua e infantil à questão do mal e do
sofrimento no mundo. Hagin raciocina como se fosse uma
criança, dizendo com efeito: "Vou ignorar o que há de mau,
porque isso não se aplica a mim". Deixemos o ensino da
prosperidade e olhemos brevemente, em primeiro lugar, algumas
respostas que os autores bíblicos oferecem ao problema. No
fundo, a pergunta é essa: por que sofremos, se Deus realmente
nos ama? Em segundo lugar, analisaremos a resposta fornecida
por Agostinho, a qual, desde então, tem sido seguida pela igreja.
O Problema do Mal em Jó, em Asafe e nos Evangelhos
Jó e seus amigos oferecem uma resposta à complexa questão do
mal no mundo. O argumento dos três amigos de Jó, Bildade,
Elifaz e Zofar, tem importância especial em nossa discussão aqui,
pois é bastante parecido com o de Hagin. Em essência, o
argumento era que o homem recebe aquilo que merece na vida. O
justo será abençoado, e o mau irá sofrer. Há justiça nos dois
casos. Isso tem só um significado: se Jó estava sofrendo, ele não
era justo.
Parece que Hagin não tem a menor consciência de que está
usando o mesmo tipo de raciocínio. A história de Jó aparece
várias vezes em seus escritos, mas em todos os casos a atenção
está no fato de que Jó foi curado ou de que ele era próspero.
Hagin diz que poderíamos ser abençoados se fôssemos como Jó,
pois, então, seríamos prósperos. Penso no que Jó acharia dessa
avaliação de sua vida.
O problema com o argumento de Bildade, Elifaz e Zofar e que
Deus já havia classificado Jó como justo, no início da provação
(1.8). Portanto, seu sofrimento não tinha nada a ver com seu
pecado, sua ignorância ou sua falta de fé — os três elementos aos
quais a doutrina da prosperidade atribui os problemas na vida do
cristão. Jó estava sofrendo na condição de inocente. Além disso,
sua fé robusta e sua vida íntegra eram a base do teste pelo qual
ele estava passando. Portanto, a causa de seu sofrimento não era
seu pecado, mas sua justiça. Isso vai em cheio contra o
argumento dos amigos de Jó. No caso dele, a fé não evitou a
doença, mas, na verdade, ocasionou-a.
O fim da história de Jó mostra que ele manteve sua fé e deu
glória a Deus. Por essa razão, ele é mencionado por Deus como
um dos três maiores homens, junto com Noé e Daniel (Ez 14.14,
20). Seus amigos foram condenados por não entenderem as
coisas da maneira certa, e Jó orou em favor deles, pedindo que
fossem poupados. No caso de Jó, o mínimo que se pode dizer é
que o justo pode sofrer de acordo com a vontade de Deus, que
pode ser glorificado em tal sofrimento. Qualquer resposta ao
problema do mal que negue essa verdade não pode ser
plenamente bíblica.
Jó não é o único homem que sofreu inocente ou injustamente. No
salmo 73, a queixa de Asafe é no sentido de que ele é um homem
justo que está sofrendo, enquanto o perverso prospera. Ele se
queixa amargamente, dizendo que isso é uma injustiça. Se ele
tivesse parado aí, seu pensamento jamais teria se tornado um dos
salmos de sabedoria. Mas Asafe percebe que não está
raciocinando da forma certa e, então, deixando de lado sua
queixa no versículo 3, passa a ponderar que a fé não traz
prosperidade nem o mal tem retribuição nessa vida. O acerto de
todas as contas aguarda o julgamento e a vida do futuro. Asafe
percebe, então, que, a longo prazo, na perspectiva da eternidade,
o que importa é a fé e a fidelidade a Deus, apesar da injustiça da
ordem presente.
Mesmo com os relatos canônicos de Jó e Asafe, os judeus não
entenderam bem por que o inocente sofre, enquanto o perverso
prospera. Vemos que os discípulos de Jesus fizeram uso do
mesmo raciocínio equivocado de Bildade, Elifaz e Zofar. Eles
achavam que as coisas ruins aconteciam às pessoas porque elas
as mereciam e que a riqueza vem para aqueles que são justos.
Jesus corrigiu essa idéia em duas passagens diferentes. Em Lucas
13.1-5, ele se refere aos 18 homens que morreram num acidente
de construção. Eles morreram por serem pecadores? Jesus diz
que não. Não podemos raciocinar dessa forma. Todos nós somos
pecadores, e acidentes, problemas e sofrimentos sobrevêm a
todos nós. Em segundo lugar, em João 9, Jesus foi interrogado a
respeito do cego de nascença. Aquele homem estava sofrendo
pelo pecado de quem? perguntaram os apóstolos. De quem era a
culpa? De ninguém, disse Jesus. Aquilo acontecera como parte
do sofrimento do mundo presente e, no caso daquele homem, sua
doença iria manifestar a glória de Deus.
A Resposta de Agostinho
Os teólogos da igreja consideraram o problema do sofrimento e
do mal como uma das questões fundamentais da teologia cristã.
Para o ateu, a questão não existe. Não há Deus e, portanto, o
mundo é assim mesmo. Mas qualquer um que creia em Deus
deve responder à pergunta sobre o porquê de ele permitir que o
inocente sofra. Albert Camus tocou nesse assunto da maneira
mais nítida possível em seu livro A Peste (1980). A história
conta, da perspectiva de um médico, o efeito da peste bubônica
sobre uma cidade francesa, logo depois da Segunda Guerra
Mundial. Ao ver seus pacientes adoecerem e morrerem um a um,
o médico é forçado a tomar uma decisão. Ou ele segue o
sacerdote, que acredita que Deus iria usar aquela situação para o
bem, ou é obrigado a concluir que não existe sentido na presença
do mal no mundo. Ele escolhe a última alternativa: se Deus
existe, ele deve ser mau e inimigo do homem.
Para aquele que opta pela fé, a resposta de Camus não serve. Mas
o que o cristão tem a dizer sobre a presença de tanto sofrimento
no mundo, que parece não ter nada a ver com o pecado da pessoa
que está sofrendo? O sofrimento parece não ter propósito e
exceder a culpa daqueles que passam pelo pior, como, por
exemplo, as crianças. O problema pode ser apresentado de modo
sucinto. Como podemos acreditar num Deus que é TodoPoderoso e Todo-Amor, mas que também permite tanta dor e
sofrimento, principalmente no caso de pessoas inocentes? Se ele
é Todo-Poderoso, tem a capacidade de eliminar o sofrimento; se
ele é Todo-Amor, deve querer acabar com o sofrimento. Então
por que ele não faz nada? Muitos teólogos já escreveram sobre
esse assunto, e a maioria reflete variações do pensamento de
Agostinho.14
14
No segundo século, Irineu ofereceu uma alternativa à teodicéia de Agostinho, afirmando
que Deus criou um mundo bom que continha em si um pouco de mal. O propósito disso era
edificar o caráter moral do homem, dando-lhe oportunidade na vida de escolher entre o bem
e o mal. Portanto, o mal neste mundo tem o propósito de edificar o caráter. No fim, ele terá
cumprido seu papel e todas as almas serão salvas. Essa é a resposta do que hoje chamamos
de visão liberal da Bíblia. Ela argumenta que o mal, em última análise, é algo bom, pois é o
educador da raça humana.
A resposta de Agostinho concentra-se na queda, de Gênesis 3.
Ele observa que Deus não criou o mundo com o mal nele, mas
este apareceu como resultado do pecado do homem. Ao criar o
homem, Deus o criou com a possibilidade de pecar, como
conseqüência da liberdade de escolha. Deus não podia, ao mesmo
tempo, negar a possibilidade do mal e criar o homem com livrearbítrio. Sem essa liberdade, o homem teria sido um autômato e
não uma criatura que poderia escolher amar e servir a Deus. Uma
vez que ele foi assim criado, o mal era uma possibilidade desde o
início e, depois da queda de Adão, tornou-se inevitável. Então, a
origem do pecado e do sofrimento está na escolha do homem no
sentido de pecar. Junto com essa opção vieram todas as
conseqüências que recaem sobre a ordem de um mundo
amaldiçoado e decaído. Desde que Agostinho a formulou, esta
tem sido a resposta conservadora tradicional.
Tal solução tem sido aceita pela igreja como a resposta teológica
básica ao problema do mal. Entretanto, para que se complete o
ensino bíblico, é necessário que seja acrescentado um elemento:
a cruz. Nela percebemos que Deus não abandonou o homem para
que este simplesmente sofresse as conseqüências de seu pecado.
Na redenção oferecida por meio de Cristo, Deus tomou sobre si o
pecado do homem e pagou o preço exigido pela justiça. O
homem não foi abandonado depois da queda. Deus participa de
seu sofrimento, providenciando a resposta definitiva para ele
(Pannenberg, 1973). Tal pensamento não é encontrado em
nenhuma outra religião. Creio que ela coloca o conceito cristão
de Deus num nível superior a qualquer outro conhecido pelo
homem. É por essa razão, pela redenção de alto preço da raça
humana, que as multidões no céu cantarão "digno e o Cordeiro"
(Ap 5.12, 13).
A resposta cristã completa para o sofrimento não é no sentido de
ignorá-lo ou de considerá-lo inaplicável. Em vez disso, ela crê
que Deus se preocupa conosco. Esta é a confissão do povo que
não vê, mas assim mesmo crê, pois, ainda que a cruz esteja no
passado, a plenitude da redenção encontra-se no futuro.
Conclusão
Examinamos aqui os ensinos da doutrina da prosperidade que
ficaram de fora da discussão dos capítulos anteriores, incluindo a
visão dualista do mundo e do conhecimento, sua forma de
entender Satanás e a ausência de resposta ao problema do mal.
Embora esses aspectos do ensino da prosperidade não se
encaixem na estrutura central de três pontos dos capítulos dois e
três, isto é, autoridade — promessa — método — eles não são
meros apêndices na teologia da prosperidade. O dualismo nítido
entre o espírito e o mundo constitui o fundamento filosófico
sobre o qual é edificado o evangelho da prosperidade. Esse
dualismo começa com a estrutura do próprio ser e, então,
estende-se à natureza humana, ao conhecimento humano e até á
expiação.
O efeito disso é sentido em todas as áreas do sistema de Hagin.
Veja, por exemplo, seu ensino de que a fé é uma força que cria a
realidade. Uma idéia dessas não é possível, se por trás dela não
houver uma cosmovisão dualista que lhe dê sustentação. Observe
seu ensino de que os remédios e a ajuda dos médicos são
recursos indesejáveis, por tratarem apenas da causa física e não
atingirem as raízes espirituais da questão. Isso também requer
uma cosmovisão dualista em que o elemento espiritual é mais
importante do que o aspecto material. Da mesma forma, as
afirmações de Hagin de que seus ensinos são verdadeiros por
terem como base o conhecimento espiritual dependem de uma
hierarquia dualista de conhecimento espiritual/material. A visão
das duas mortes na expiação também é construída de modo
explícito em cima de uma oposição entre as esferas espiritual e
material.
O pseudo-dualismo entre Satanás e Deus tem uma base diferente.
Ele se revela de grande importância na pregação do dia-a-dia da
igreja, pois encontra um bode expiatório para os problemas do
homem, sendo a fonte de grande parte do entusiasmo do
ministério de pregação naquelas igrejas. Por fim, a falta de
resposta para o problema do mal simplesmente revela que os
ensinos de Hagin não são bem ponderados em todos os seus
pontos. Isto se confirma pelas duas ironias não admitidas em seu
sistema: a primeira é o contraste entre as promessas materiais de
saúde e prosperidade e a desvalorização do reino físico como
inferior em si mesmo. A segunda é a maneira pela qual Satanás é
exaltado como quase onipresente e onipotente, mas também
facilmente expulso da vida de uma pessoa.
No início desse capítulo, dissemos que muitas dessas crenças
subjacentes foram extraídas das seitas metafísicas que
floresceram nos Estados Unidos, na região de Boston, no início
do século XX, e foram transmitidas ao ensino da prosperidade
por meio de Kenyon e Hagin. Essa ligação é particularmente
visível em seus conceitos dualistas do mundo e no pressuposto de
que a mente humana tem capacidade de alterar o reino espiritual
e, desse modo, controlar a esfera física. Traçar maiores detalhes
dessa ligação é uma tarefa que exigiria muita pesquisa além da
que fizemos. Basta dizer aqui que a doutrina da prosperidade está
construída sobre um alicerce que não apenas apresenta
rachaduras mas que também carece de peças importantes, além
de incluir material estranho e indigno de constar num
empreendimento cristão. Disso resulta um edifício que tem
somente uma fachada cristã.
Capítulo
Cinco
A ESPIRITUALIDADE DO EVANGELHO
DA PROSPERIDADE
Qual o caráter geral ou a espiritualidade da doutrina da
prosperidade? Como ela se compara com a espiritualidade
bíblica? Neste último capítulo, faremos uma breve
comparação das promessas e exigências que cada um
apresenta a seus seguidores.
1. Promessas e Exigências
O propósito deste capítulo final não é repetir declarações já feitas
ou dar acabamento a idéias que possam não ter ficado bem
claras. Os resumos das divisões e dos capítulos foram escritos
com esse propósito. Também não se pretende aqui abrir uma
nova linha de investigação de algum outro aspecto do ensino da
prosperidade. Em vez disso, o objetivo é descrever de modo
sucinto a espiritualidade do evangelho da prosperidade como um
todo, comparando-a com a espiritualidade bíblica e protestante.
Todo mundo conhece o sentido da palavra "espiritualidade", mas
isso não impede que ela seja uma palavra difícil de descrever.
Um dicionário grande dirá, entre outras coisas, que
espiritualidade é o caráter geral de uma religião. Mas essa
definição é muito vaga para nossos fins aqui. Uma enciclopédia
como a de Elwell (1988) é mais clara e define espiritualidade
como "o estado de relacionamento profundo com Deus". A
palavra chave aqui é relacionamento e, se trocarmos esse
substantivo por um verbo, poderemos dizer que espiritualidade é
o meio pelo qual nos relacionamos com Deus. Pode-se restringir
um pouco mais essa definição para dizer que a espiritualidade de
uma religião pode ser vista naquilo que ela oferece a seus
seguidores por meio do relacionamento deles com Deus e no que
Deus exige deles em troca. Temos assim uma diretriz concreta
pela qual poderemos ordenar nossos pensamentos neste último
capítulo.
Nessas poucas páginas finais, será feita uma comparação entre
aquilo que é oferecido pela teologia da prosperidade e aquilo que
se exige em troca de seus adeptos. Então, isso será colocado ao
lado das promessas e exigências encontradas na Bíblia,
principalmente no Novo Testamento. Um exemplo ajudará a
esclarecer o procedimento que temos em vista. No capítulo um,
foi feita uma comparação entre o marxismo e o pensamento da
prosperidade. Observamos que o marxismo prometeu muitas
coisas a seus seguidores, mas também exigiu muito em troca. O
ensino da prosperidade é semelhante pelo fato de oferecer muito,
mas difere nas poucas exigências feitas em troca; pelo menos
estas são as aparências. Pensar nele nesses termos ajuda a
explicar seu rápido crescimento em popularidade. A dialética de
promessa e exigência ajuda a destacar as diferenças entre a
espiritualidade do Novo Testamento e a do evangelho da
prosperidade. Nas páginas seguintes, o leitor fará bem em manter
esta pergunta em sua mente: o que Deus dá àquele que crê e o
que exige em troca? Nossa discussão seguirá as mesmas divisões
por assunto utilizadas na análise e crítica anteriores.
Começamos considerando as promessas e as exigências no
campo da autoridade espiritual. O evangelho da prosperidade é
encabeçado por líderes que afirmam ser porta-vozes de Deus para
os dias atuais. Hagin é um excelente exemplo desse estilo de
liderança. Ele afirma ser o recipiente de um conhecimento mais
elevado, pessoalmente instruído por Cristo e conhecedor da
mente de Deus. Embora ele fale muito na Bíblia como fonte de
sua fé e a empregue inúmeras vezes, trata-se sempre da Bíblia
vista com os óculos da revelação da prosperidade. Portanto, a
atenção se fixa não no real estudo da Palavra, mas em suas visões
particulares e nos sinais e maravilhas que ele afirma acompanhálas. Como amigo especial de Deus, ele dirige seus seguidores
com grande autoridade. Isso conta muito para aqueles cristãos
que buscam um líder forte que possa dar direção para suas vidas.
Se liderança é a promessa, submissão é a exigência, pois os
mestres da prosperidade não admitem que seus seguidores
questionem suas visões ou capacidade de operar maravilhas.
Hagin é bem claro em afirmar que desafiá-lo e o mesmo que
atrair a ira de Deus. O seguidor também não é incentivado a
examinar os ensinos da liderança, comparando-os com a Bíblia.
Qualquer investigação dessas seria rotulada, na melhor das
hipóteses, como conhecimento sensorial, que está muito aquém
do conhecimento de revelação que o líder possui.
Tal demagogia não pode ser comparada com a Bíblia nem com a
visão protestante a respeito dela. Na espiritualidade do
protestantismo, o fiel não encontrará apóstolos dos dias de hoje
dirigindo seus seguidores com base em visões. Em vez disso, a
única fonte de autoridade e direção espiritual é a Palavra de Deus
encontrada na Bíblia, nem mais nem menos. Os reformadores
criam com firmeza que as Escrituras são suficientes em matéria
de fé como guia seguro para cada área da vida e da doutrina, e
essa convicção continua sendo fundamental para as igrejas
protestantes de hoje. É claro que isso exige que o fiel se esforce
para aprender e estudar a Bíblia. Ele precisa estudá-la por si e,
desse modo, conhecer a vontade de Deus para sua vida. Por isso
o protestantismo sempre tem dado apoio a livros e programas que
ajudem o membro da igreja a aprender sobre sua fé. Sobretudo,
ele desenvolveu uma longa tradição de estudo bíblico cuidadoso,
porque acredita que a Bíblia resistirá a qualquer escrutínio e
permanecerá para oferecer sempre novas percepções sobre Deus
e sua criação (Mt 13.52). Muitos cristãos de gerações do passado
estudaram as Escrituras com um alto grau de confiança na
inspiração e produziram teologias sintonizadas com a Bíblia e
abertas ao estudo ou questionamento de qualquer fiel.
A aceitação da Bíblia como única fonte de orientação e
autoridade também significa que não pode existir nenhum
conhecimento secreto ou mais elevado que esteja à disposição do
cristão ou de qualquer líder espiritual autonomeado. Não se
permitem revelações externas. Isso quer dizer que qualquer novo
ensino ou interpretação que surja na igreja deve passar
obrigatoriamente pelo crivo do cânon das Escrituras. Nesse
aspecto, a exemplo do apóstolo João, o protestantismo faz uso de
uma hermenêutica de suspeita com relação a novas afirmações
(cf. 1 Jo 4.1). É justamente por ser novo que é motivo de
suspeita, pois não se esperam novas revelações até que o Senhor
volte, mas admite-se que Satanás é um anjo de luz capaz de
transmitir boas novas dos mais diferentes tipos para enganar os
menos atentos.
Em segundo lugar, consideramos a promessa e a exigência
quanto à saúde e às riquezas. O neófito que ouve pela primeira
vez a pregação da prosperidade pressupõe que as promessas não
têm limites. Ele ouve que o fiel pode ter sempre saúde e ser
próspero ou pelo menos tem direito a isso. Quanto mais ouve, o
discípulo da prosperidade aprende que existem regras ou
procedimentos a serem respeitados: não duvidar, reivindicar a
bênção em voz alta, exigir seus direitos, usar sempre o nome de
Jesus, etc. Entretanto, o fato é que as exigências não param
quando essas regras já foram obedecidas. Há um peso maior a ser
carregado. O fiel passa a entender que ele não somente tem o
direito, mas a obrigação de ser próspero, pois a posse dessas
bênçãos prova que ele é uma pessoa de fé que está debaixo da
aprovação e da bênção de Deus. Em outras palavras, as próprias
promessas dos ensinos da prosperidade transformam-se em
exigências. Este é o segredo dessa doutrina. Se o fiel fica doente
ou está longe do sucesso, ele está falhando como cristão. É por
isso que não há lugar para visitas em hospitais no ensino da
prosperidade. A pessoa doente é como Jó: encontra-se debaixo
dos olhares de acusação de seus amigos. Saúde e sucesso
perpétuos são tanto promessas quanto exigências da doutrina da
prosperidade. Este é um peso muito grande para ser carregado,
porque, mais cedo ou mais tarde, todo cristão enfrentará
problemas. Quando eles aparecem para o seguidor dos ensinos da
prosperidade, culpa e dúvida surgem como conseqüências. Com
o passar do tempo, muitos abandonam o movimento, ao
perceberem que aqueles ensinos não resolverão seus problemas,
mas farão somente com que se sintam culpados por causa da
presença deles.
Contrastando com isso, na espiritualidade bíblica o cristão tem o
direito de falhar. A Bíblia exige que perseveremos na fé e no
amor por Deus e pelos homens, mas em nenhum lugar ela insinua
que saúde e prosperidade são sinais da graça de Deus. Pelo
contrário, o sucesso não é critério pelo qual o favor de Deus pode
ser medido. Jó, Asafe, Paulo e o autor de Hebreus foram
extremamente claros nesse ponto. Em outras palavras, as
promessas que a Bíblia faz ao cristão são bem diferentes
daquelas concedidas no ensino da prosperidade, pois o
cristianismo é uma religião da vida do porvir, não da vida do
agora. Isso é bem expresso por Warfield, que escreve:
Nosso Senhor nunca permitiu que se imaginasse, sequer por
um momento, que a salvação que ele trouxe é
fundamentalmente para esta vida. Sua religião destacava-se
por ser de outro mundo. Ele com freqüência apontava para
o além, fazendo com que os homens vissem ali seu
verdadeiro lar e nele colocassem suas esperanças e
aspirações. (Warfield, 1972, 177.)
Com respeito a esta vida, a Bíblia tem pouco a oferecer em
termos de promessas de melhorias. Ela não promete que pelo fato
de uma pessoa ter se arrependido de seus pecados e crido em
Cristo, o salário dela irá aumentar ou sua saúde melhorar.
Pelo contrário, a palavra do Senhor nas Escrituras, diante da
doença, freqüentemente é essa: "a minha graça te basta" (2 Co
12.9). Cristo nunca foi visto enriquecendo qualquer de seus
seguidores. Em vez disso, o único conselho de economia que a
Bíblia oferece é no sentido de que lancemos sobre ele nossa
ansiedade, pois ele tem cuidado de nós (1 Pe 5.7). Melhorias na
saúde ou no padrão de vida podem ocorrer na vida do cristão,
mas caso ocorram, elas se devem ao abandono de velhos hábitos
e à adoção de outros.
Em todo este livro, principalmente no capítulo três, destacamos
que as promessas do evangelho verdadeiro não incluem bênçãos
materiais para esta vida. Dissemos que essas coisas aguardam o
futuro, quando será completado o processo da redenção. Todavia,
esse destaque ao futuro pode ser entendido de forma errônea ou
exagerada. As promessas do evangelho têm uma natureza
diferente daquelas descritas pela doutrina da prosperidade.
Observe frases como "remissão dos pecados" (Cl 1.14), "paz com
Deus" (Rm 5,1), "galardão no céu" (Lc 6.23), "não pereça, mas
tenha a vida eterna" (Jo 3.16), "tomarão lugares à mesa... no
reino dos céus" (Mt 8.11). Elas descrevem um mundo vindouro
que, em todos os seus aspectos, é melhor do que a presente
ordem. O cristão pode fazer uso de toda a sua imaginação para
contemplar o significado dessas palavras e assim mesmo não será
capaz de perscrutar a profundidade delas. Portanto, o leitor não
deve ficar com a impressão de que as promessas do evangelho
são pobres ou de que, de alguma forma, estão aquém do
esplendor descrito no último livro da Bíblia.
Por outro lado, embora na espiritualidade bíblica seja oferecida
muita coisa ao cristão, as exigências também não são poucas.
Começamos por dizer que a fé deve ser do tipo que se caracteriza
por humildade e gratidão e que reconhece que tudo que vem da
mão de Deus é pura dádiva (Ef 2.8-19). Não há lugar para coisas
como "reivindicar direitos diante de Deus". Em segundo lugar,
ela deve ser do tipo que procura servir a Deus e aos homens. Na
espiritualidade bíblica, Deus nunca é procurado como meio para
se atingir um fim, como se o cristão viesse buscar a bênção que
ele pode oferecer, em vez de buscar o próprio Deus. O "eu"
nunca é o centro de atenção na espiritualidade bíblica. Antes, a
verdadeira espiritualidade olha para o lado de fora, na direção de
Deus e de nosso semelhante. Portanto, o alvo da vida cristã é
servir a Deus e aos homens (Fp 2.12; 1 Pe 4.2), e revela-se de
grande importância o fato de Paulo ter usado as mais fortes
imagens que pôde achar para declarar essa verdade (1 Co 9.19; 2
Tm 2.2-5).
Nesse ponto, a diferença entre a espiritualidade bíblica e a da
doutrina da prosperidade pode se expressar em termos de
expectativas: aquilo que o fiel espera conseguir (a promessa) e
aquilo de que ele espera abrir mão ou oferecer em troca (a
exigência). Quando a pergunta é assim formulada, a resposta vem
em duas frases contrastantes: a "teologia da glória" e a "teologia
da cruz". Em nossa última divisão, passamos a considerar o que
cada uma significa.
2. Teologia da Glória
Teologia da Cruz
A expressão "teologia da glória" serve bem para caracterizar o
evangelho da prosperidade, pois este prega e ensina que a vida do
cristão deve ser uma vida de vitória. Hagin expressa exatamente
esse ponto, ao escrever:
Nosso problema é que temos pregado uma religião de
"cruz", sendo que precisamos pregar uma religião de
"trono"... Na verdade, a Cruz é um lugar de derrota, ao
passo que a Ressurreição é um lugar de triunfo. Quando se
prega a cruz, está-se pregando morte e deixa-se o povo na
morte. Morremos, sim, mas ressuscitamos com Cristo.
Estamos assentados com Ele. Essa é a nossa posição atual:
Estamos assentados com Cristo no lugar de autoridade, nos
lugares celestiais. (Autoridade, 23, 24.)
Observe bem a frase "a nossa posição atual... nos lugares
celestiais". É exatamente isto que significa a teologia da glória.
Essa espiritualidade foi encontrada primeiramente entre os
cristãos coríntios (McConnell, 1988). De fato, talvez eles possam
ser chamados os primeiros defensores da prosperidade, pois
pensavam em si mesmos como filhos do rei que já haviam
começado seu reinado nesta vida. Eles não se sentiam bem com a
vida sacrificial e o sofrimento de Paulo, pois o fraco, o doente e o
pobre não têm lugar nessa espiritualidade. Por essa razão, Paulo
teve de defender seu ministério apostólico várias vezes (2 Co
10.7-18; 11.5-33; 12.1-6). Eles se impressionavam apenas com
pregadores que revelavam poder, prestígio e prosperidade.
Em contraste com isso, a teologia da cruz mede todas as coisas
pelo padrão do sofrimento de Cristo. Ela diz que as exigências do
cristianismo são grandes porque o sacrifício de Cristo foi grande.
Ela também diz que o discípulo não é maior do que seu mestre e,
se Cristo teve de sofrer, seus discípulos também precisam estar
dispostos a fazer o que for necessário a serviço dele (Mc 8.34).
Aquele que não age assim, não é digno de Cristo (Mt 10.38). Isso
significa que devemos crucificar nossos desejos pelas coisas do
mundo, em vez de exigi-los como parte de nossos direitos (Gl
5.24; Tg 4.4; 1 Jo 2.15-17). Por causa da cruz, Cristo tem todo o
direito de insistir em obediência, serviço, autonegação e
sacrifício. Paulo disse: "... pregamos a Cristo crucificado" (1 Co
1.23; 2.2). Esta era a primeira verdade do cristianismo e tinha de
ser estabelecida antes que fosse ensinada qualquer outra doutrina
ou insinuado algum outro estilo de vida.
A exemplo dos coríntios de tanto tempo atrás, o evangelho da
prosperidade fala da cruz somente em termos dos benefícios que
dela podemos auferir, nunca das exigências que ela nos faz.
Pressupõe-se que Jesus foi para a cruz a fim de que a pessoa que
crê não precisasse ir para lá e que o fiel pode colher a glória sem
participar da vergonha. Esta é a essência da teologia da glória. É
a teologia de outro evangelho.
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