1 introdução

Transcrição

1 introdução
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SOCIEDADE DOM BOSCO DE EDUCAÇÃO E CULTURA S/C
FACULDADE DE ARTE E DESIGN
CURSO DE DESIGN DE MODA
ANA FLÁVIA GOMES RIBEIRO
NAYARA LUIZA MACIEL
RAFAEL RODRIGUES FARIA
LUXO, ARTE E LUXÚRIA: TRÊS SUBSTANTIVOS EM FAVOR DA MODA
CONTEMPORÂNEA, ANALISADOS ATRAVÉS DAS OBRAS DE HENRI DE
TOULOUSE LAUTREC
DIVINÓPOLIS
2013
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ANA FLÁVIA GOMES RIBEIRO
NAYARA LUIZA MACIEL
RAFAEL RODRIGUES FARIA
LUXO, ARTE E LUXÚRIA: TRÊS SUBSTANTIVOS EM FAVOR DA MODA
CONTEMPORÂNEA, ANALISADOS ATRAVÉS DAS OBRAS DE HENRI DE
TOULOUSE LAUTREC
Monografia apresentada à Sociedade Dom Bosco de
Educação e Cultura, Faculdade de Arte e Design do
Curso de Design de Moda.
Orientadores: Prof (a): Dardânia Glayse
Prof. Ms: Rodrigo Bessa
Prof (a): Liliane Monteiro
DIVINÓPOLIS
2013
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ANA FLÁVIA GOMES RIBEIRO
NAYARA LUIZA MACIEL
RAFAEL RODRIGUES FARIA
FOLHA DE APROVAÇÃO
LUXO, ARTE E LUXÚRIA: TRÊS SUBSTANTIVOS EM FAVOR DA MODA
CONTEMPORÂNEA, ANALISADOS ATRAVÉS DAS OBRAS DE HENRI DE
TOULOUSE LAUTREC.
MONOGRAFIA APRESENTADA À SOCIEDADE DOM BOSCO DE EDUCAÇÃO E
CULTURA S/C FACULDADE DE ARTE E DESIGN, CURSO DESIGN DE MODA
COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU BACHAREL EM
DESIGN DE MODA.
BANCA EXAMINADORA
Prof.. _______________________________________________
Prof (a): Dardânia Glayse
Prof.. _______________________________________________
Prof. Ms: Rodrigo Bessa
Prof.. _______________________________________________
Prof (a): Liliane Monteiro
Prof.. _______________________________________________
Prof (a): Janine Segurado Nunes
Divinópolis, _____,___________,_____
3
Aos nossos amados pais presentes e
ausentes, sem os quais nada seria
possível; e aos fiéis companheiros!
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos primeiramente a Deus, por todas as realizações e conquistas,
sem o qual nada seria possível. Aos pais amados que se doaram por inteiro e
renunciaram aos seus sonhos, para que pudéssemos realizar os nossos. Que
depositaram em nós toda a confiança, e nos deram a vida nos ensinando a vivê-la
com dignidade. Aos queridos companheiros que sabem dizer palavras certas em
momentos tão difíceis e compartilham conosco nossas pequenas e grandes alegrias.
Aos mestres que nos incentivaram a sabedoria e amigos que nos acompanharam
nessa trajetória amenizando e dividindo os problemas. A vocês não bastaria dizer,
que não temos palavras para agradecer tudo isso. Mas é o que nos acontece agora,
quando procuramos uma forma verbal de exprimir uma emoção ímpar.
Amamos vocês!
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Estou sempre a ouvir a palavra bordel! E, então!
Não existe outro lugar onde me sinta tão à vontade
(LAUTREC, ARNOLD, 2005, p.68)
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RESUMO
A presente pesquisa tem por objetivo principal trazer a tona uma realidade
vivenciada no final do século XIX e início do século XX, período conhecido por Belle
Époque. Naquela época, Paris era considerada centro cultural, cujas manifestações
artísticas e novas formas de entretenimento começaram a se evidenciar, como os
cabarés e o can can, entre eles o cabaré Moulin Rouge, que era um dos mais
famosos na França. Por detrás do cabaré descobre-se um renomado artista francês,
que através de suas obras de arte evidenciou a sensualidade e a boemia francesa,
fazendo com que a propagação do Moulin Rouge fosse maior. Realizado estudo a
respeito de elementos históricos da época, sobretudo proposta de se é possível
através das obras de Toulouse Lautrec, identificar detalhes da indumentária das
meretrizes do Moulin Rouge.
PALAVRAS-CHAVES: Toulouse Lautrec. Arte. Moda. Meretrizes. Moulin Rouge.
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ABSTRAC
This article's main objective is to bring forth a reality experienced in the late
nineteenth and early twentieth century, a period known as Belle Époque. At that time
Paris was considered the cultural center, whose artistic expressions and new forms
of entertainment began to show, how can can and cabarets, including the Moulin
Rouge cabaret, which was one of the most famous in France. Behind cabaret
discovers a renowned French artist, who through their works of art showed sensuality
and bohemian French, causing the spread of the Moulin Rouge was bigger. We
conducted a study about the historical elements of that era, especially the proposal is
to analyze whether it is possible through the works of Toulouse Lautrec, identifying
details of clothing whores Moulin Rouge.
KEYWORDS: Toulouse Lautrec. Art. Fashion. Whores. Moulin Rouge.
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Henri de Toulouse Lautrec ....................................................... 13
FIGURA 2 – A Amazona ................................................................................. 16
FIGURA 3 – Moulin Rouge La Goulue .......................................................... 17
FIGURA 4 – Jane Avril ................................................................................... 19
FIGURA 5 – Dança no Moulin Rouge ............................................................ 19
FIGURA 6 – Bordados .................................................................................... 22
FIGURA 7 – Cantora francesa Polaire .......................................................... 23
FIGURA 8 – Vestidos para noite.................................................................... 24
FIGURA 9 – Anáguas ..................................................................................... 24
FIGURA 10 – Borzeguins ............................................................................... 25
FIGURA 11 – A dança no Moulin Rouge ....................................................... 29
FIGURA 12 – O Moulin Rouge La Goulue ..................................................... 31
FIGURA 13 – Jane Avril no jardim de Paris.................................................. 32
FIGURA 14 – Goulue entrando no Moulin Rouge ........................................ 32
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SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10
2
TOULOUSE LAUTREC E AS MERETRIZES, SUAS HISTÓRIAS DE VIDA E
EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS .............................................................. 12
2.1 As vedetas ........................................................................................................ 18
3
BELLE ÉPOQUE E A INDUMENTÁRIA COMPREENDIDAS ENTRE O FIM DO
SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX NA FRANÇA.....................................20
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ARTE E MODA: A IDENTIFICAÇÃO DA INDUMENTÁRIA DAS MERETRIZES
DO MOULIN ROUGE NAS OBRAS DE TOULOUSE LAUTREC......................26
4.1 Análise da indumentária das meretrizes do Moulin Rouge através das
obras de Toulouse Lautrec...............................................................................27
5
CONCLUSÃO.....................................................................................................32
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................34
ANEXO...............................................................................................................35
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1 INTRODUÇÃO
A moda está presente no cotidiano da sociedade e se faz cada dia mais
importante, deixando de ser apenas o necessário, mas ainda um objeto de
identidade de cada ser humano.
Na presente pesquisa tem-se por objetivo conhecer sobre a indumentária
compreendida entre o fim do século XIX e início do século XX, exclusivamente de
um grupo da sociedade francesa, as vedetas do cabaré Moulin Rouge. Para que
essa análise seja realizada, antes se faz necessário um estudo sobre o período em
questão, com foco na relação moda e arte. Levando-se em consideração que entre
os séculos XIX e XX, surgiu a Belle Époque na França, e neste mesmo período
diversos elementos culturais entre eles a arte, movimentos como Art Noveau e o
pós-impressionismo.
Dentre os artistas da época, Henri Marie de Toulouse Lautrec Monfa, que
desde criança possuía um incontestável talento artístico e contava com elementos
marcantes e incomuns para a época, considerado, dentre os “ismos” da arte, pósimpressionista, este movimento “Longe de indicar um grupo coeso e articulado, o
termo se dirige ao trabalho de pintores que, entre 1880 e 1890, exploram as
possibilidades
abertas
pelo impressionismo,
em
direções
muito
variadas”
(MACKENZIE, 2011, p. 48).
Lautrec sempre buscou inspirações em fotografias japonesas e gostava de
pintar ações cotidianas e não cenários ou paisagens, mas naturalidades do ser
humano ou de animais. Pertencente a uma família de condes da região de Toulouse
na França, ainda jovem tomou gosto pela vida boêmia e as inspirações que ela
apresentava, contrariando a todos.
Foi quando Lautrec conheceu o cabaré Moulin Rouge, e ficou extasiado com
o ambiente, onde se percebia traços personalíssimos de um grupo da sociedade
francesa. No Moulin Rouge, fez grandes amizades, principalmente com as vedetas,
por elas o artista possuía admiração pelo jeito desinibido de ser, encontrava
naquelas mulheres amantes e confidentes, as pintava em pleno espetáculo ou ainda
em momentos íntimos, sempre retratava da melhor forma sem se preocupar com os
acabamentos mas retratando detalhes específicos como o ambiente e o vestuário.
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A finalidade da pesquisa é identificar se nas obras de Toulouse Lautrec podese ou não perceber traços que definam a riqueza de detalhes da indumentária do
grupo proposto, frisando sempre as dançarinas de can can, que contribuíam para as
espetaculares noites do Moulin Rouge.
Posterior à compreensão do período histórico; e das análises e estudos das
obras, poderemos aprofundar, detalhadamente, o desenvolvimento das coleções de
moda que serão produzidas a partir desta pesquisa, onde o foco será extrair das
obras de Lautrec elementos como formas, cores, tecidos, texturas para as criações.
Toulouse Lautrec contribuiu não somente com suas obras de arte, mas com a
divulgação do Moulin Rouge, suas extensas limitações que serão compreendidas no
decorrer do texto não o impediram de pintar e nem de ficar então conhecido e
admirado.
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2 TOULOUSE LAUTREC E AS MERETRIZES, SUAS HISTÓRIAS DE VIDA E
EXPERIÊNCIAS COMPARTILHADAS
Henri Marie de Toulouse Lautrec Monfa, mais conhecido por Henri de
Toulouse Lautrec, nasceu no dia 24 de novembro de 1864 na cidade de Albi na
França, filho da condessa Adéle de Toulouse Lautrec e Alphonse de Toulouse
Lautrec Monfa.
Lautrec possuía uma grande afeição por sua mãe, com quem manteve um fiel
relacionamento, trocavam confidências e ensinamentos e passavam horas
conversando sobre seu futuro. O pai tinha grande orgulho do filho, por tê-lo como
seu herdeiro; preocupava-se muito com sua formação e estudo, presenteava o filho
com muitos livros e apresentava-o a todos como um homem que seria grande e de
futuro precioso, mas ambos eram indomáveis e teimosos. Mas apesar de todo o zelo
a relação entre pai e filho era mais profissional do que afetiva (ARNOLD, 2005, p. 9 11).
A origem da família dos condes de Toulouse possuía participação relevante
na sociedade francesa desde a época das cruzadas, mas o período que interessa na
pesquisa é bem colocado pelo autor Mathias Arnold:
Os membros viviam despreocupadamente em boas condições materiais em
diversas propriedades do sul da França, cultivavam a ociosidade e
praticavam os passatempos dos ricos: caça, criação de animais, festas e
diletantismo musical. Para evitar partilhas e, consequentemente, a redução
da propriedade, seguiam, desde há muito, o costume de contrair
casamentos consanguíneos, o que, além das agradáveis consequências
materiais, podia também trazer consigo consequências biológicas
desastrosas (ARNOLD, 2005, p.7)
A família era de um alto nível social, portanto, o pai de Toulouse homem
excêntrico e extravagante, prezava por essa continuidade familiar; e fazia de tudo
para que o filho também se interessasse por tais assuntos, pois almejava que um dia
Lautrec pudesse realmente assumir tal postura.
De acordo com Arnold (2005, p. 7-11), Toulouse levava uma vida
perfeitamente normal, apesar de tantos problemas de saúde e desestrutura familiar.
Ainda jovem, com 10 anos, visíveis sintomas de uma doença óssea hereditária
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começaram a surgir, entre 13 e 14 anos uma tragédia veio a se abater sobre ele,
Lautrec fraturou o fêmur das duas pernas e foi quando a doença se confirmou, ele
sofria de picnodisostose1, a suposta causa diagnosticada pelo médico era o grau
parentesco dos pais. Após a fratura de tudo foi tentado, inclusive terapias um tanto
duvidosas, mas não se obteve resultados, o que causava a má cicatrização das
pernas. Não havia cura, sendo cruelmente obrigado a conviver pelo resto de sua
vida com 1 metro e 52 centímetros de altura, (FIGURA 1), pois só desenvolvia a
parte superior de seu corpo. Toulouse tinha porte de homem, no corpo de um
menino, mas tinha um modo natural de enfrentar a doença.
Figura1 - Henri de Toulouse Lautrec,1892
Fonte: ARNOLD, 2005, p. 94
Seu talento artístico já se dava desde seus 6 anos, foi quando começou a
pintar, inicialmente em cadernos escolares, ou ainda blocos, ele desenhava tudo o
que lhe surgia em mente, ou observava em suas andanças, principalmente pessoas
e animais, os desenhos de criança evidenciavam que Lautrec não era exatamente
um prodígio, mas extremamente dotado. No período da doença, ele teve muito
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Pycnodysostosis foi cunhado pelo médico francês Maroteaux e Lamy em 1962. A palavra "pyknos",
no grego significa "denso" e da palavra "disostose" significa a formação óssea anormal. É
caracterizada por osteoslerosis, baixa estatura, ossos Wormian, último osso dos dedos geralmente
curtos, fontanela aberta e várias manifestações orofaciais. Ele caracteriza-se por fractura
espontânea. Este manuscrito ilustra esta condição com características clínicas e de gestão relatados
na literatura. <http://www.scopemed.org/?mno=26211>Acessado em: 20 de julho de 2013
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tempo para por o seu dom em prática e com isso sua paixão pela arte se
evidenciava (ARNOLD, 2005, p.11-12.)
Em seus primeiros quadros pintados com tinta óleo, surgiam as herdades da
família, seus pais e tios pintavam em horas vagas, mas para ele pintar era muito
mais. Toulouse possuía grande amor pelos animais, portanto foram seus primeiro
pivôs; e como ele não podia montar a cavalo, queria pelo menos pintá-los bem,
posteriormente seu apreço era pintar a mãe ou ainda outras pessoas da fazenda.
Estas pinturas ainda eram uma forma desesperada para chamar a atenção do pai.
Seus pais perceberam logo o seu dom e com o intuito de incentivá-lo
buscaram o auxílio de um amigo, René Princeteau, se embalando na oportunidade
de que faria uma prova em Paris, encontrou tal artista, acabou não passando na
prova, mas numa segunda oportunidade exatamente em novembro de 1881 ele
passou na primeira fase do curso de Liceu (ARNOLD, 2005, p. 15.)
No ateliê de Princeteau, Henri aprendeu como era a vida de um artista
profissional. Diferentemente de seu pai e de seus tios, Princeteau ganhava
seu sustento com sua arte vendendo quadros, recebendo encomendas e
exibindo regularmente em todas as principais mostras. Ele esperava que
sua “criança de estúdio” exibisse a mesma espécie de profissionalismo, ás
vezes atribuindo a Henri tarefas concernentes à preparação e pesquisa de
seu próprio trabalho (FREY, 1997, p.7.)
O pai de Toulouse, com seus amigos pintores foi orientado a procurar um
curso acadêmico para o filho. Finalmente com a ajuda de seu professor Princeteau,
que já havia ensinado tudo ao jovem, pressionou-o até que Lautrec conseguiu
ingressar no ateliê do pintor da moda parisiense, Léon Bonmat. Nas palavras do
próprio Toulouse Lautrec: “Ele disse-me: A sua pintura não é nada má isso é
notável, mesmo nada má, mas o seu desenho é absolutamente medonho. Temos
que nos encher de coragem e começar desde o princípio sempre em frente [...]”
(ARNOLD, 2005, p.15). Toulouse retratou este episódio em cartum. E parecia
apreciar esta rigorosidade do professor. No início de sua aprendizagem Henri
conquistou três amigos Henri Rachou, Louis Anquetin e Albert Grenier. No meio das
férias de Toulouse, ele recebe a notícia de que Bonmat fora nomeado professor na
Ecole Des Beaux Arts, deixando assim seu próprio ateliê; e levou consigo alguns
alunos, Henri não estava entre eles, escreveu ao pai relatando o fato através de um
telegrama que Rachou foi convidado para o ateliê de Cormom, aceitou e assim o
fez, tendo como professor Fernand Piestre (FREY, 1997, p 23-29).
15
As influências predominantes na vida de Lautrec se deram através de
Princeteau, Brown, Forain e dos impressionistas. A partir daí, Toulouse Lautrec
passou a assumir um estilo próprio.
Efetivamente, o estudante Lautrec submeteu-se formalmente as
regras e costumes do ensino acadêmico, mas parece ter tido, desde
o início, ideias pessoais acerca de desenhos e pinturas. Partido dos
primeiro estudos a óleo, o observador é confrontado com uma
técnica e uma concepção pictoricamente livres que estavam em
desacordo com a arte de salão dominante (ARNOLD, 2005, p.15.)
Naquela época Lautrec que até então morava com a mãe, condessa Adéle,
começa a romper os laços com ela e passa a formar uma turma de amigos artistas.
Exatamente em 1884, Toulouse Lautrec junto com alguns amigos mudaram para a
região de Montemartre, e assim o artista liberta-se do academicismo e suas
repressões, pois sentia que isto era necessário apesar de ser difícil, então para
esclarecer e arrumar uma desculpa para os pais ele próprio diz:
É claro que o papá iria considerar-me marginal... tenho de fazer um
grande esforço, pois sabes tão bem como eu que é contra a minha
vontade que faço uma verdadeira vida de boêmio, à qual tenho
dificuldade a me habituar, pois pesa sobre mim um monte de
considerações sentimentais de que tenho de me libertar se quero
conseguir alguma coisa [...]
(ARNOLD, 2005, p.16).
Naquele momento Toulouse já estava com seus 23 anos, entre sua trajetória
conheceu Vicente Van Gogh, com quem construiu grande amizade e teve como uma
das fontes de inspiração. Até então o ateliê de Carmom ao qual Lautrec e seus
amigos estavam inseridos foi um dos principais difusores da pintura pós
impressionista, mais tarde tal arte foi rotulada de “Cloisonismo”, técnica de esmalte
onde as cores são separadas por filetes de metal (ARNOLD, 2005, p.19.)
Em 1888, Toulouse Lautrec pinta sua primeira grande obra de arte a qual
recebeu o nome de “A Amazona” (FIGURA 2), uma obra fortemente inspirada na
arte japonesa, que retrata o circo, tema que estava em voga nesta época. “Lautrec
tratou o tema de uma maneira nem acadêmico-realista e nem impressionista, mas
sim com meios de composição únicos, quer em termos de forma quer de cor”
(ARNOLD, 2005, p.21.)
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Figura2 - a Amazona, 1888 Au cirque Fernando:
L’écuyère Óleo sobre tela, 100,3 x 161,3 cm
Chicago, The Art Institute of Chicago
Fonte: (ARNOLD, 2005, p. 20.)
Outro artista importante e que também utilizava de tal influência era Degas,
no qual Lautrec buscou suas principais inspirações. “Na boemia de Montemartre,
nas casas de diversão, nos pontos de diversão obrigatórios e de aventuras
amorosas passageiras, no espaço livre dos desalojados, Lautrec encontrou seu
mundo sem convenções encontrou-se a si próprio” (ARNOLD, 2005, p.24).
De acordo com a autora Julia Frey (1997, p.149), a noite de Montemartre não
seria mais a mesma, inaugura-se o Moulin Rouge em 05 de outubro de 1889. A
inspiração para o projeto do antro noturno era uma referência aos vários moinhos de
vento existentes em um bairro de Paris chamado Montemartre; e em sua decoração,
possuía referências circenses, no jardim podia-se encontrar a estátua de um grande
elefante e em seu interior uma orquestra, muitos macacos zanzando entre os
espectadores, dançarinas do ventre, barracas de tiro ao alvo e uma cartomante.
Além disso, possuía uma enorme sala, onde aconteciam os espetáculos.
Em 1900, um guia para turistas descrevia o Moulin Rouge como:
uma estação de trem transformada por milagre em salão de baile [...]
À esquerda, em pequenas mesas, sentam-se as petites dames, que
estão sempre sedentas e compram bebidas por conta própria
enquanto esperam alguém que faça isso por elas. Quando isso
acontece, sua gratidão é tão esmagadora que elas imediatamente
lhe oferecem seu coração – se o senhor estiver disposto a pagar o
preço (FREY, 1997, p.149).
No dia da inauguração, foi exposta a grande obra de arte de Toulouse Au
Cirque Fernando, a já antes citada a Amazona, Toulouse participou da inauguração.
A partir daí, passou a vivenciar o estabelecimento e fez do espaço a inspiração para
17
suas obras, onde se dedicou a criação dos cartazes de inauguração (FREY, 1997,
p.147).
Lautrec cuidadosamente promovia o Moulin Rouge através de quadros,
desenhos em aquarela, ou esboços em litografias a cores (FIGURA 3), “o cartaz
Moulin Rouge de Lautrec podia, com razão, ser o cartaz mais célebre da história da
arte” (ARNOLD, 2005, p.34).
Figura3 - Moulin Rouge, La Goulue, 1891.
Litografia a cores (cartaz), 191 x 117 cm
Milão, Cívica Raccouta di Stampe Bertarelli.
Fonte: (ARNOLD, 2005, p. 28.)
Lautrec estava fascinado com a vida no Moulin Rouge, cada vez mais se
aproximava do lugar, dentro dos espetáculos se reservava em locais estratégicos e
colocava seus desenhos em prática, pintava artistas, cantores, frequentadores e
dançarinas do lugar. Ele tinha apreço por pintar as pessoas em plenos atos e
performances, pois assim conseguia transmitir em pintura mais do que uma pose ou
um cenário, mas um pouco da personalidade de cada um (FREY, 1997, p.153 –
154).
Como tinha escolhido a vida dos cabarés para tema principal da sua
arte, todas as noites alimentava a sua memória visual, captando
sensa-ções e impressões e assistindo as cenas que o homem se
encontrava no centro – muitas vezes a sua verdadeira natureza só se
revelava na embriaguez do álcool ou no delírio da dança
(ARNOLD, 2005, p.50).
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Ficara conhecido e se tornou um freguês assíduo, por ali encontrara tudo
aquilo que gostava de pintar, sendo assim, já possuía um lugar sempre na primeira
fila, onde nos intervalos as meretrizes o aguardavam para conversas e drinks,
naquele momento Lautrec podia comprar-lhes bebidas e desenhá-las, era muito
amigável e gostava de boas conversas, conhecia quase todos do Moulin Rouge,
tantos os frequentadores, quanto os trabalhadores. Com as vedetes a sua amizade
crescia a cada dia, pois o artista chegava a manter relações íntimas com essas
mulheres e depois as pintava. Eram amantes, amigos e profissionais (FREY, 1997,
p.150).
2.1 As vedetas
As modelos preferidas pelo artista eram Jane Avril (FIGURA 4) e La Goulue
(FIGURA 5), pois eram muito performáticas. Jane e Lautrec eram bem íntimos, ela
dançava graciosamente e ao mesmo tempo agressivamente, era muito flexível e
gostava muito de dançar, Lautrec pintou-a muitas vezes. Na visão de Arthur
Symons:
Ela tinha um gênio perverso, além de ser absolutamente adorável e
sensível, mórbida e sombria, mordaz e picante, uma criatura de
temperamento cruel, de paixões cruéis. Tinha fama de ser lésbica; e
a parte isso e sua fascinação, nunca em minhas experiências de
mulheres semelhantes conheci alguma que tivesse uma paixão tão
absoluta pela própria beleza. Dançava diante do espelho sob a
galeria da orquestra porque era folle de son corpes(...) Era tão
incrivelmente delgada e flexível de corpo que conseguia curvar-se
para trás – como Salomé ao dançar diante de Herodes e Herodíades
– até esfregar o chão com os ombros. Uma das razões pelas quais
Lautrec pintou tantos retratos seus foi porque ela permaneceu uni
grande amoureuse des ateliers, e outra porque obedecia a todos os
caprichos do pintor e, por fim, porque era irascível e tão arrebatada
quanto incomum. Será que apreciava o gênio de Lautrec? Suponho
que sim, porque adorava o cheiro de pintura
(FREY, 1997, p.160 – 161.)
19
Figura4 - Jane Avril, 1899.
Litografia a cores (cartaz), 91 x 63.5 cm
Coleção particular
Fonte: FREY, 1997, p. 233
Figura5 - Dança no Moulin Rouge (La Goulue e
Valentim-le-Désossé), 1895
Baraque de la Gouloue à la Foire du Trône: La
danse au Moulin Rouge (La Goulue et Valentimle-Désossé)
Óleo sobre tela, 298 × 316 cm
Paris,Musée d’Orsay
Fonte: (ARNOLD, 2005, p. 28.)
As dançarinas eram as suas principais modelos para as pinturas, o que
sempre era um desafio, no ato da dança quando estavam rodopiando no salão e se
movendo a todo instante com acrobacias ousadas e pernas pro ar a todo o
momento, ainda sim Lautrec conseguia registrá-las das mais diversas formas e com
ricos detalhes da indumentária ou do comportamento.
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3 BELLE ÉPOQUE E A INDUMENTÁRIA COMPREENDIDAS ENTRE O FIM DO
SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX NA FRANÇA
A história mundial pode ser facilmente associada à história da moda e ao
comportamento da sociedade. Reflexos destas mudanças podem ser observados
diretamente no contexto europeu, uma vez que este ditava as mudanças, nos mais
variados segmentos, como social, econômico e cultural. Pode-se citar a revolução
industrial e francesa, como fatores determinantes para modificar os hábitos da
população tanto no âmbito local, quanto mundial, uma vez que existia uma
‘dependência’ do que se vivia e fazia na Europa, exatamente ali surge a Belle
Époque conhecida pela ostentação, luxo e a alegria de viver, compreendida como
um período histórico que deu início no ano de 1870 e se estendeu até 1914. Porém
não se pode ao certo delimitar datas, levando-se em consideração que a “Bela
Época” foi uma época considerada um estado de espírito.
Passou a existir o trem a vapor que substituiu as carruagens e navios, o
telégrafo que aproximava os continentes, inovações tecnológicas como o automóvel
e o avião, movimentos culturais como cinema, teatro, ballet, óperas, livrarias, alta
costura, o cabaré e o can can que fervilhavam por toda a Paris considerada o centro
produtor e exportador da cultura mundial.
Naquele período estabeleciam-se critérios de elegância para as mulheres, a
alta costura contribuiu muito para isso. Os ateliês eram frequentados pelas diversas
classes sociais inclusive pelas cortesãs, conhecidas como “cocottes”. Era
considerado símbolo de status ter um modelo exclusivo desenhado por costureiros
franceses, mulheres de vários países iam até Paris para obter seus vestidos
glamorosos (FIGURA 6) (MOUTINHO, 2000, p.27).
21
Figura6 - Bordados, muitos
bordados. Assim se determinava
a elegância das mulheres.
Fonte: (Moutinho, 2000, p. 30.)
Nas artes nascia um novo estilo chamado Art Nouveau que rompia com as
representações artísticas da época, e instaurava uma nova arte, ou seja, uma nova
forma de se apropriar da arte e, consequentemente, da forma de vida, como é
evidenciado por Marie Louise Nery, “a Art Nouveau foi uma manifestação da era
industrial em massa que ofuscou o artesanato tradicional, expressando-se pela
valorização das linhas curvas inspiradoras nas formas vegetais”. (NERY, 2004, p.
185).
A Art Nouveau influenciou na criação de diversos elementos como joias,
enfeites de cabelo, tecidos e até mesmo na moda, as roupas eram extremamente
bordadas, pois o que importava não era exatamente o corte, mas o enfeite, pois
assim se determinava a elegância das mulheres. O autor João Braga aponta que a
Art Nouveau influenciou diretamente a moda, de forma que “o corpo feminino tornouse também um verdadeiro repositório de linhas curvas, onde a cintura nunca tinha
sido tão afunilada como nesse momento” (BRAGA, 2007, p.66.)
A silhueta da época tomava a forma de “S” devido aos espartilhos que
comprimiam a cintura exageradamente concretizando o busto realçado, os quadris
arqueados e o ventre contraído, ainda segundo João Braga “o ideal de beleza da
mulher era o de ter aproximadamente 40 cm de circunferência na cintura [...]
algumas delas se submetiam a cirurgias para serrarem suas respectivas costelas
22
flutuantes [...]” (BRAGA, 2007, p. 66). Como podemos observar na imagem abaixo
(FIGURA 7).
Figura7 - A cantora francesa Polaire,
1890. No período da Belle Époque, as
mulheres atingiam ao máximo o
afunilamento das cinturas. (Hulton
Getty Picture Collection , Londres.)
Fonte: (BRAGA, 2007, p. 66)
Os tecidos mais utilizados naquele período eram cetim, renda, musseline,
crepe da china, chiffon e tule, as saias eram longas e lisas, possuíam formato de
sino e se abriam das coxas para baixo, prolongando-se até formar uma calda, em
sua maioria tinham a barra bordada. Conferindo ao traje maior sensualidade,
usavam-se anáguas com as barras acabadas em renda e fita que acompanhavam o
andar da mulher com um provocante frufru para dar volume. Nas mangas usava-se
um formato amplo na altura dos ombros e ajustada no restante, sendo bem
comprida chegando ao meio da mão, denominada manga presunto (MOUTINHO,
2000, p. 29 – 31).
Os vestidos se diferenciavam para o dia e para a noite, por exemplo, para
noite usava-se muitos bordados e profundos decotes (FIGURA 8), as cores
preferidas eram rosa, azul e lilás, mas o preto também possuía amabilidade,
bordado com lantejoulas e paetês que lhe atribuíam brilho; para o dia mantinha-se a
discrição com golas altas de renda estruturadas com barbatanas.
23
Figura8 - Nos vestidos para noite
usavam-se grandes decotes e alguns
eram bordados com paetês.
Fonte: (MOUTINHO, 2000, p. 33.)
A roupa íntima era composta por anágua, calças abertas e longas,
espartilhos e um tipo de corpinho de lingerie chamado de cache-corsets – esconde
espartilho. Além disso, era usada uma espécie de camisola longa que descia até os
joelhos chamada chemise. Segundo o intelectual Frances Jean Cocteau “despir uma
mulher era uma empreitada análoga à conquista de uma fortaleza”. (MOUTINHO,
2000, p. 34).
Figura9 - As anáguas também
recebiam acabamentos especiais.
Fonte: (MOUTINHO, 2000, p. 31.)
24
Nos pés usava-se um tipo de botinha com cadarço e pontas finas, enfeitadas
com laços e fivelas ideais para serem usadas com roupas elegantes.
Outro tipo de calçado usado era os borzeguins (FIGURA 10), calçado mais
esportivo com fechamento lateral de saltos grandes ou baixos. “As atrizes tinham
direito a sapatos de cores escandalosas, saltos altíssimos e outras extravagâncias,
que eram malvistas pela alta sociedade”. (MOUTINHO, 2000, p. 36). Segundo
Moutinho posteriormente aos espetáculos às atrizes calçavam sapatos de cetim,
para como de costume os fãs beberem champanha dentro deles. As meias de seda
sempre bordadas e adornadas com renda completavam o traje.
Figura10 - Borzeguins
Fonte: http://designinnova.blogspot.com.br/2012/09/abelle-epoque-da-novela-lado-lado.html
Acessado em: 26 de setembro de 2013
Os acessórios e complementos eram usados como parte integrante de uma
roupa e deram um caráter particular na Belle Époque. Os chapéus eram pequenos,
presos no alto de coques com grandes alfinetes e muitas vezes enfeitados com
belas peças de bijuteria. Em 1904 tornaram-se cada vez maiores com abas gigantes
e flexíveis, enfeitados com plumas de avestruz e flores. Com o passar dos tempos
os chapéus foram perdendo sua pompa e se tornando cada vez menores, surgia
também o turbante e pela primeira vez as mulheres cortaram os cabelos curtos
(MOUTINHO, 2000, p. 36.)
Vale ressaltar, que também fazia parte do traje das mulheres da Belle Époque
acessórios de uso obrigatório com sombrinhas de cabo longo, para preservar a
brancura da pele símbolo de beleza na época, bolsas pequenas de tecidos
25
bordados, leques enormes confeccionados com plumas, papel pintado á mão ou
rendas decoradas, luvas longas, boás de plumas de avestruz e um acessório muito
curioso chamado regalo envolto no braço para aquecer as mãos.
As joias também tiveram seu prestigio na Belle Époque eram marcantes
anéis, pulseiras e gargantilhas enfeitavam tanto as damas da sociedade como as
cortesãs que recebiam como presentes dos homens ricos pelos quais elas eram
sustentadas. (MOUTINHO, 2000, p. 38.)
Outro aspecto daquele período, entretanto, é como a moda pode ser
analisada, tortuosa para as mulheres, onde o padrão de beleza exigia sacrifícios e
elas eram obrigadas a usar. As classes sociais eram bem distintas através do
vestuário onde o encanto feminino, o melhor casamento e o vestido mais luxuoso
garantiam um lugar de prestigio na sociedade.
26
4 ARTE E MODA: A IDENTIFICAÇÃO DA INDUMENTÁRIA DAS MERETRIZES
DO MOULIN ROUGE NAS OBRAS DE TOULOUSE LAUTREC
É inegável o fato de que as artes e a moda estiveram ligadas desde a
antiguidade, vale ressaltar que nesse período não existia o termo moda e sim modos
de vestir, ou seja, a indumentária. Não é possível citar uma data exata, mas o fato é
que conseguimos perceber registros e provas claras desta ligação há muito tempo.
Segundo as ideias de Walter Benjamim:
A moda, o vestuário, os ambientes e os objetos sempre foram
registrados nas obras de arte de diversas civilizações, nos diferentes
tempos históricos. Portanto, são encontrados, podem estar presentes
e ser estudados, resgatados e citados a partir do universo da arte
(MOURA, 2008, p. 41.)
A partir desse princípio vale ressaltar que, se faz possível o entendimento
proposto anteriormente analisar as obras de Toulouse Lautrec, e encontrar vestígios
da indumentária das meretrizes do Moulin Rouge e até mesmo da indumentária de
um grupo isolado da sociedade.
É plausível então, em diversas manifestações de arte como, pinturas,
esculturas ou gravuras perceber claramente um estilo de vida ali representado por
detalhes da vestimenta ou mesmo cenário, sem se esquecer de detalhes como:
acessórios, joias, móveis, paredes ou mesmo as características físicas de uma
determinada pessoa, todo o contexto ali representado nos transmite uma época, ou
um comportamento (MOURA, 2008, p. 41 – 43.)
Por diversas vezes, a arte se faz presente na moda ou no design, conforme
nos mostra o trecho abaixo:
A arte tem servido como fonte de pesquisa e referência para a
criação e o desenvolvimento de projetos e produtos na esfera da
moda ou do design. Por sua vez vários artistas da história da arte
desenvolveram objetos de moda ou de design. Talvez tenham
utilizado o campo da moda ou do design como referência ou foram
despertados pelo objeto utilitário e de uso cotidiano para a criação de
obras artísticas (MOURA, 2008, p. 45.)
Vários estilistas se inspiram em obras de arte para produzir seus trabalhos, o
que os enriquecem pela qualidade de detalhes, cores ou outros elementos buscados
27
nas obras, sejam quais for. E em vários momentos artistas pintavam nada mais nada
menos do que vestuário, com ricos detalhes das indumentárias, acessórios, objetos
diversos, que qualificam a obra de acordo com sua época. É possível dizer que
design e arte se fundem e resultam em trabalhos, recobertos de detalhes. Mais
importante do que as extensas tentativas de diferenciar ou distanciar arte e moda,
seria o reconhecimento inegável de que ambas contribuem em aspectos ou áreas
diversas da outra. Uma análise crítica de uma obra nos permite vivenciar uma
infinidade de acontecimentos, com seus minuciosos detalhes.
4.1 Análise da indumentária das meretrizes através das obras de Toulouse
Lautrec
Com maior clareza sobre esta ligação, entende-se que nas obras de Toulouse
Lautrec, existem elementos claros que definem como eram as vestimentas das
dançarinas de can can do Moulin Rouge e de demais frequentadores da casa
noturna, senhoras e homens da sociedade, e alguns dançarinos, que compunham
as performances das meretrizes.
No quadro “A dança no Moulin Rouge, de 1890, óleo sobre tela, (FIGURA 11)
assim descrito pelo autor Arnold:
Aqui, a profundidade do espaço é largamente sugerida pela posição
das figuras, umas de frente e outras de costa. No plano central, à
esquerda, no meio de clientes a assistir, dançam La Goulue (a
glutona) e Valentin-Le-Désossé (Valentim o contorcionista), duas
estrelas de cabaré que, através de Lautrec, entrarão na história da
arte, tal como o Moulin Rouge (ARNOLD, 2005, p. 27.)
De um modo geral os traços mais marcantes na pintura de Toulouse se
tratando do Moulin Rouge percebem-se salões espaçosos, vastos, com iluminação
média e detalhes de decoração em madeira, luminárias arredondadas e amareladas,
janelas grandes e altas em vidro e madeira, chão bem lustrados com brilho e linhas
longitudinais colocadas em perspectiva; e alguns elementos de decoração na
fachada das paredes que pouco aparecem ao fundo.
A respeito dos frequentadores, o traje comum entre os homens visitantes e
também do dançarino, é possível perceber com clareza tecidos planos com certa
rigidez, alguns com risca de giz como vemos na calça da meia figura em movimento
localizada a direita da imagem (FIGURA 11), as cartolas sempre pressentes ou
28
ainda chapéus mais baixos e arredondados com a aba levemente virada. Nas
mulheres da sociedade também visitantes a esquerda do quadro, percebemos nesta
pintura, tecido plano com certo brilho, fluidos com algum movimento, o espartilho
comprime a cintura e eleva os glúteos formando a silhueta em S, pele na altura dos
ombros e chapéu de abas grandes com boás, percebe-se ainda cabelos bem presos
e batom.
Figura11 - A Dança no Moulin Rouge, 1890
La danse au Moulin Rouge, Óleo sobre tela, 115,5 x 150 cm
Filadélfia, Philadelphia Museum of Art
Fonte: (ARNOLD, 2005, p. 27.)
Na dançarina em questão, observa-se camadas de tecidos leves e fluidos
com certa transparência e brilho, protuberantes babados na barra do vestido, meia
colorida constituinte da roupa de baixo ou lingerie que ficava exposta durante a
dança, sapato fechado com salto baixo e fino, cabelo preso com leves mechas
caídas ao rosto. As cores comuns nas vestimentas são o bege, o marrom, vermelho,
rose, cinza e preto.
Uma só imagem é capaz de nos fornecer uma gama de informações que
muitas das vezes passam despercebidas, mas quando analisada calmamente, podese perceber detalhes minúsculos que fazem diferença ou ainda interpretar uma série
de informações subjetivas, que o pintor consegue transmitir com pinceladas de luz
ou sombra que transmitem a ideia de profundidade ou até mesmo brilho, levando-se
em consideração que a variedade da paleta de cores não era grande, o artista
precisava ser um tanto perspicaz para transmitir tais ideias.
29
Outra obra que merece certa atenção é o cartaz de litografia a cores, criado
por Toulouse com objetivo de divulgar o Moulin Rouge, seu nome é “Moulin Rouge:
La Goulue de 1891” (FIGURA 12). Nessa obra podemos perceber detalhes novos
como uma fita usada como gargantilha, comum em algumas obras, outro detalhe
também bem visto na maioria das pinturas é o penteado de La Goulue, um coque
alto no topo da cabeça e fios caídos ao rosto. Em seu vestido se evidencia a
presença da estampa de poá e mais uma vez pomposos babados na barra do
vestido, levantados com auxílio de algumas camadas de tecidos ou anáguas de tule.
Na imagem abaixo mais uma vez a performance da dançarina mostra a roupa de
baixo, a chamada fofoquinha que se alongava até a altura dos joelhos e era presa
com elástico proporcionando um leve babado na barra. Ao fundo apresenta a
silhueta representada com sombras de vários espectadores, homens portados de
cartola, uma senhora de chapéu com pena e outra mulher com um penteado
audacioso, o cabelo amarrado ao topo da cabeça caindo no formato de fonte.
A figura a frente da imagem, Valentin-Le-Désossé chama a atenção,
curiosamente mais do que a própria La Goulue a única figura em cores presente no
cartaz. O pomposo homem representado em primeiríssimo plano de forma estilizada
por Lautrec mostra personalidade de charlatanice e certa pomposidade.
Com a afixação deste cartaz de grande formato nas paredes e
colunas da cidade, Lautrec tornou-se célebre, de um dia para o outro.
Em outubro de 1891, escreve à mãe: O meu cartaz foi hoje colocado
nas paredes de Paris e vou fazer outro dentro em breve
(ARNOLD, 2005, p.29.)
Figura12 - 0 Moulin Rouge: La Goulue, 1891
Litografia a cores (cartaz), 191 x 117 cm
Milão, Cívica Raccolta di Stamp Bertarelli
Fonte: (ARNOLD, 2005, p.28).
30
Observa-se que a nudez e a exposição de partes do corpo é bem comum
entre as dançarinas, que nas danças erguem as pernas a alturas absurdas deixando
a mostra sua roupa debaixo, pernas e joelhos o que para a época era um tanto
ousado, além disso, muitas das vezes deixavam o colo a mostra com profundos
decotes. Como se pode ver na figura comentada a seguir.
A pintura se chama Jane Avril Dançando, de 1893 (FIGURA 13), nela nota-se
novos detalhes como a manga presunto de grande volume, boás no chapéu de abas
grandes e no pescoço, a saia do vestido com várias camadas esvoaçantes, muitos
detalhes de transparência, possivelmente os tecidos dos trajes seriam seda, renda,
cetim, musseline, tafetá, crepe, chiffon, tule e pequenos pontos que lembram o
bordado, comum do período da Belle Époque.
Figura13 - Jane Avril no jardin de Paris, 1893
Jane Avril ou Jardin de paris
Litografia a cores (cartaz), 130 x 95 cm
Colecção particular
Fonte: (ARNOLD, 2005, p.39).
Toda esta sensualidade exposta sem o menor pudor pelas cortesãs é
indiscutivelmente o traço mais marcante nas obras de Toulouse Lautrec, afinal para
que as vedetes conseguissem conquistar seus clientes, precisavam apresentar-se
sem pudor e deixar à mostra as partes do corpo de interesse. Outra obra de arte a
ser analisada se chama “A Goulue Entrando no Moulin Rouge”, de 1892, (FIGURA
14) nessa obra La Goulue adentra o salão, acompanhada por duas senhoras; e
conforme Tony Arnold “O porte e a expressão do rosto da Goulue determinam a
mensagem desta obra: a entrada triunfal da vedeta” (ARNOLD, 2005, p. 52).
31
Figura14 - Goulue Entrando no Moulin Rouge, 1892
Óleo sobre cartão, 79,4 x 59 cm
Nova Iorque, The Museum of Modern Art
Fonte: (ARNOLD, 2005, p. 51).
Na obra pode-se observar outra inusitada característica do salão, um grande
espelho ao fundo que reflete o ambiente e o faz parecer mais amplo, na figura traços
da indumentária se fazem marcantes, o vestido de La Goulue com as bufantes
mangas presunto e um imenso decote profundo e sensual, a já antes comentada
que agora, porém aparece ainda mais claramente, a gargantilha de fita, o tecido que
bem poderia uma rica mistura de tule e seda onde se vê, às vezes, fluidez e às
vezes rigidez, outro detalhe inovador na figura é o enfeite localizado no decote á
altura do seio esquerdo de La Goulue, o que podem ser boás, bordado ou até um
pequeno arranjo de flores. Mais uma vez o aparente penteado é o coque no topo da
cabeça, mechas soltas caídas na lateral e ainda uma franja cheia na altura das
sobrancelhas, ao que tudo indica, ela ainda usava um brinco pequeno de formato
arredondado, o que poderia ser uma pérola ou uma pedra.
Conforme analisado, inúmeros detalhes de moda podem ser identificados em
diversas obras de Henri de Toulouse Lautrec, onde observamos não só tecidos, mas
uma vasta composição da vestimenta como, roupas de baixo, acessórios, calçados,
chapéus e anáguas. A forma como os tecidos foram pintados é capaz de transmitir
ainda fluidez e brilho, pode-se facilmente definir os tecidos ali representados após o
entendimento dos tecidos utilizados na época, bem como modelagens comuns
vistas repetidamente nas obras de arte. Toulouse Lautrec proporciona em suas
pinturas um verdadeiro estudo acerca de moda e comportamento não só das
vedetas, mas de uma sociedade em determinada época.
32
5 CONCLUSÃO
Antes mesmo que a moda pudesse chegar a ser o que é hoje e ter tomado a
dimensão e o significado que tem atualmente, o comportamento precisou passar por
diversas mudanças de acordo com a necessidade do ser humano e sua cultura.
Entender como isso se deu, como esta transição aconteceu, é de suma importância
para o direcionamento da moda hoje.
A proposta apresentada neste trabalho contribuiu para a definição e
conhecimento sobre a indumentária de um determinado grupo da sociedade
francesa, compreendido entre o fim do século XIX e início do século XX. A
problemática foi esclarecida e analisados os registros feitos por Toulouse Lautrec é
possível sim, identificar características singulares do estilo das vestimentas das
meretrizes do cabaré Moulin Rouge no período Belle Époque.
A compreensão de arte e moda nos possibilitou fazer este reconhecimento
através das obras de arte de Toulouse Lautrec, nas quais foram resgatados e
citados ricos detalhes a respeito da indumentária, com pontos marcantes, percebese a desinibição na hora da dança, pernas ao ar, lingeries a mostra, camadas de
tecido proporcionando pomposos babados, transparências, mangas bufantes e
decotes fartos.
Com traços rápidos e precisos, Lautrec nas suas representações do cotidiano
nos cabarés consegue nos transmitir a sensação de estar dentro da obra na casa de
shows e mostra claramente a todo o momento um salão vasto com inúmeros
frequentadores e ainda suas vestimentas, damas e senhores da sociedade, artistas,
boêmios e bêbados, naquele local todos se misturavam e apreciavam os
espetáculos.
O presente trabalho foi de grande valor, na formação acadêmica em design
de moda, pois além de proporcionar um grande aprendizado nas áreas de arte e
moda, nos possibilitou ver como a moda pode ser estudada em vários aspectos,
neste caso em importantes pinturas que mostram a realidade do cabaré e da vida
das dançarinas, o que proporcionou um melhor entendimento em especial no que se
refere às obras de artes e das obras de Toulouse Lautrec. Este artista que nos
possibilitou não somente esse estudo, mas ainda o prazer de conhecer e apreciar
cada uma de suas obras; e a partir desse conhecimento desenvolver coleções de
33
moda a partir desse universo de referencias. As três coleções que serão
desenvolvidas abordarão temas em comum como o luxo, a luxúria e a boemia das
noites no Moulin Rouge.
34
REFERÊNCIAS
ARNOLD, Matthias. Toulouse – Lautrec, O teatro da vida. Rio de Janeiro:
Paisagem, 2003;
BARNARD, Malcolm. Moda e comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 1996;
BRAGA, João. História da moda, uma narrativa. São Paulo: Anhembi Morumbi,
2007;
FREY, Julia. Toulouse Lautrec, uma vida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997;
LA MURE, Pierre. Moulin Rouge. São Paulo – Rio de Janeiro: Mérito S. A, 1954.
LAZER, James. A roupa e a moda. São Paulo: Companhia das letras, 2005;
LURIE, Alison. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997;
MACKENZIE, Mairi. Ismos, para entender a moda. Rio de Janeiro: Globo, 2011;
MOUTINHO, Maria Rita. A moda do século XX. Rio de Janeiro: Senac, 2001;
NERY, Marie Louise. A evolução da indumentária, Rio de Janeiro: Senac, 2003;
PIRES, Dorotéia Baduy. Design de moda olhares diversos. São Paulo: Estação
das Letras e Cores, 2008;
STEVENSON, M.J. Cronologia da moda – de Maria Antonieta a Alexander
Macqueen. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012;
JUNIOR, JOÃO LIMA. A belle epoque da novela lado a lado – Disponível em:
http://designinnova.blogspot.com.br/2012/09/a-belle-epoque-da-novela-ladolado.html Acessado em: 26 de setembro de 2013.
35
ANEXOS – A
A DISTORÇÃO, POR ANA FLÁVIA GOMES RIBEIRO:
Tendo como ponto de partida o absinto, bebida apreciada por Toulouse
Lautrec.
AS DANÇARINAS DE CAN CAN SONHOS, REALIDADES E INFORTÚNIOS
DO DESTINO, POR NAYARA LUIZA MACIEL:
As meretrizes poderiam também ser chamadas “as melhores amigas do
diamante”, isto seria o sonho loucamente desejado por todas elas, o dinheiro, a
fama, o brilho. Mas a realidade são as vontades do dono do cabaré Moulin Rouge,
que elas se submeteriam sem pensar. Cada sonho desfeito se tornava uma lástima
da vida. E por infortúnio do destino a realidade a que cada meretriz se submetia era
a doença, a dor e o ultraje. Na coleção será retratado este sonho de ser, o que elas
são na realidade; e o fim de cada uma delas.
OS CINCO SENTIDOS, POR RAFAEL RODRIGUES FARIA:
O ponto de partida para a coleção são os cinco sentidos que o ser humano
necessita para se sentir inserido no ambiente. As sensações causadas pelo Moulin
Rouge são aguçadas através do tato pelo toque na silhueta feminina, o olfato pelo
cheiro da luxúria e do prazer, o paladar o doce e o amargo das noites, a audição
ouvir o som do sedento prazer, e visão ver as formas e cores da noite boemia, que
trazem as sensações da luxúria e do desejo que cada um poderia sentir.

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