Controle Leiteiro e Qualidade do Leite
Transcrição
Controle Leiteiro e Qualidade do Leite
Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. Controle Leiteiro e Qualidade do Leite Humberto Monardes, Ph.D., Associate Professor, McGill University, Canadá Introdução Neste século XXI, a agricultura continuará sendo um instrumento fundamental para o desenvolvimento sustentável e para a redução da pobreza (FAO, 2000). A Agricultura emprega mais de 65% da força laboral nos países pobres e só 5% nos países ricos. A contribuição da agricultura ao PIB varia de 36% nos países menos desenvolvidos para 2% nos países ricos. A contribuição direta da agricultura ao crescimento econômico do Brasil é de aproximadamente 15%. O crescimento agrícola tem uma capacidade especial para reduzir a pobreza em todos os países. Se calcula, por exemplo, que o crescimento total originado na agricultura na China tem sido 3,5 vezes mais eficaz em reduzir a pobreza que o crescimento gerado em outros setores da economia. Na América Latina tem sido 2,7 vezes mais eficaz. (World Bank, 2008). O crescimento da agricultura no Brasil, de 5,3% por ano entre 1990 e 2004, foi liderado pelas exportações agrícolas do sul e centro do país. Mas este desempenho não é um reflexo de todo o país. Tem outro Brasil rural, o Nordeste, de baixo potencial agrícola, de pobreza extensiva e agricultura de semi-subsistência. A escasez de recursos naturais e a instabilidade climática do Nordeste (com secas a cada cinco anos), são acentuadas pelo frágil equilíbrio dos seus ecossistemas e um acesso desigual à terra (World Bank, 2008). A agricultura pode ajudar a reduzir a pobreza rural se os pequenos agricultores passam de uma atividade de subsistência a de fornecedores dos mercados modernos. Para isto várias transformações devem ocorrer nos pequenos agricultores. Uma delas é um aumento geral da produtividade das pequenas propriedades agrícolas como base essencial para o crescimento econômico e o desenvolvimento. A agricultura só ajuda ao desenvolvimento quando está sustentada por um acesso à terra, à água, à educação e à saúde. Só nessas condições é possivel esperar um aumento na produtividade e na sustentabilidade das unidades de produção. Sem esquecer que com as pressões da globalização e do crescimento demográfico, o futuro da agricultura está ligado a um melhor manejo dos recursos naturais. O leite e os lácteos vão continuar sendo componentes essenciais da dieta humana e a demanda crescerá mais rapidamente que a produção! Desde os começo dos anos 70 até os 90, a demanda e o consumo combinados, per capita, de carne e ovos nos países em desenvolvimento tem crescido quase 50%, e do leite quase 60%, e a previsão é que esta tendência, sustentada pelo crescimento da população, a urbanização e o aumento nos ingressos, vai se manter até o ano 2020. Para 2030, o consumo per cápita de produtos pecuários poderia aumentar outros 44 por cento. Os aumentos significativos na produção animal como resposta à uma maior demanda, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, são conhecidos como a Revolução Pecuária (Delgado et al., 1999; Rosegrant et al., 2001; FAO, 2003). A produção pecuária representa atualmente 40 por cento do valor bruto da produção agropecuária mundial e sua proporção está em aumento. A pressão por aumentar a produção está colocando em xeque a utilização racional dos recursos. As mudanças em Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 1 Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. produção de leite nos países em desenvolvimento desde 1984 até 1998 têm sido estudadas por Nicholson et al., (2001). Em geral, nos países em desenvolvimento, os aumentos em produção foram igualmente influenciados pelo aumento no número total de animais assim como os aumentos em produtividade por animal. Porém, na América Latina a resposta em aumento de produção foi mais a consequência de um aumento em número de animais que na produtividade. Esta tendência deve reverter-se objetivando aumentos em produtividade por animal e por hectare, dentro de uma estrutura de mercado organizado e de uma cadeia integrada e forte (Phelan and Henriksen, 1995). Os desempenhos zootécnicos devem melhorar, aumentando a produção, sem ter que aumentar o número de cabeças de gado e diminuindo o dano ambiental (queimas e resíduos). Estima-se que nos países em desenvolvimento a demanda crescerá mais rapidamente que a produção, gerando um déficit comercial. Este déficit passará de 20 (1997-99) para 39 (2030) milhões de toneladas de leite. (FAO, 2003). A produção e o consumo de lácteos As estatísticas da FAO para 2007 indicam uma produção mundial de leite de vaca de quase 676 milhões de toneladas (85%) e de búfala (12%). A produção mundial tem aumentado numa base contínua desde 1992, em quase 10 milhões de toneladas por ano. Espera-se que esta tendência continue. Segundo as projeções, a produção mundial de leite alcançará 693 milhões de toneladas em 2008 (FAO, 2008), e 768 milhões de toneladas em 2020 (IFPRI, 2002), com um crescimento anual médio de 1,5%. Estima-se que o maior aumento será em regiões com uma demanda crescente de leite e produtos lácteos, majoritariamente países em desenvolvimento. Em conseqüência, a parte correspondente aos países em desenvolvimento na produção mundial de leite passará a ser 44% do total (era 39% em 1996-1997 e 32% no começo dos anos 90). Seguindo neste ritmo, estima-se que em 2020 os países em desenvolvimento produzirão 63% da carne e 50% do leite produzidos no mundo (IFPRI, 2002; USDA, 2008). Da mesma forma, as projeções de consumo apontam para um aumento significativo até 2030 (FAO, 2003). Para atender esta nova realidade a cadeia leiteira deve se profissionalizar, a produção primária em especial. Os produtores devem fazer uso de todas as ferramentas técnicas a sua disposição para aumentar a produtividade e desenvolver uma pecuária leiteira sustentável e responsável. O cadastramento dos animais, o registro, o monitoramento e a avaliação do desempenho produtivo devem ser incorporados nas regras de eficiência de toda empresa leiteira para o aumento da produção e da produtividade O mundo consumidor muda de modo surpreendente e rápido no que diz respeito a quantidade de consumidores e aos hábitos de consumo. Estima-se que no período 20002030, a população total da América Latina e Caribe crescerá de 512 milhões para 725 milhões de pessoas. O Brasil, segundo as tendências atuais, deverá ser o principal fornecedor de leite para a América Latina. Então, pelas tendências atuais sabemos que o leite e os lácteos vão continuar sendo componentes essenciais da dieta humana, porém esse não é um cheque em branco da parte dos consumidores. Os alimentos de origem animal são hoje vistos como problemas particulares, cada vez mais presentes entre as preocupações dos consumidores. Particularmente quanto a produção leiteira, os consumidores se preocupam pelos efeitos sobre a saúde humana Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 2 Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. (inocuidade e funcionalidade), sobre o meio ambiente (degradação ambiental) e sobre o bem-estar dos animais. Os consumidores exigem sanidade e qualidade dos alimentos. Consequentemente, a reação dos fornecedores deve ser criar sistemas de controle de qualidade e de certificação (garantia) de qualidade. Além disso, os padrões de qualidade e inocuidade deveriam ser uniformes através dos países, tranquilizando a percepção do público e facilitando o processamento dos alimentos, tanto no âmbito nacional como internacional. Nenhuma dessas inovações e criações da indústria de transformação tem longevidade no mercado se a matéria-prima não apresenta os elementos, os ingredientes e a qualidade necessários para ser transformada. O leite produzido e consumido no Brasil tem se caracterizado pela informalidade e por uma qualidade questionável, muitas vezes fora dos padrões internacionais. A necessidade de implementar medidas para melhorar a qualidade do leite no país motivou a elaboração do Plano Nacional da Qualidade do Leite (PNQL), iniciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) com o apoio de órgãos de ensino e pesquisa. “Promover a melhoria da qualidade do leite e derivados, garantir a saúde da população e aumentar a competitividade dos produtos lácteos em novos mercados” são os objetivos do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNQL). Logo depois, em 2002, o Ministério da Agricultura publica a Instrução Normativa 51 (IN51), na qual se definiram regulamentos técnicos para a produção e qualidade dos diversos tipos de leite, bem como as condições para sua refrigeração na propriedade rural e transporte do leite a granel até a indústria. As iniciativas como a da Instrução Normativa 51/2002, do MAPA, tem uma importância fundamental para monitorar, controlar e, eventualmente, melhorar a qualidade composicional, higiênica, nutricional, sensorial e tecnológica do leite crú. Em outras palavras, alcançar a qualidade total (Walfrè e Moretti, 1991, 1997). A garantia da permanência de pequenos produtores na cadeia produtiva do leite está atrelada ao volume de produção e a qualidade do leite produzido, tornando-se necessário uma maior especialização e adaptação às novas exigências de mercado. Devido à exigência dos consumidores os produtores devem assumir um maior compromisso com a sanidade e qualidade dos alimentos, (Monardes, 2004). Entre as novas regras da IN51, estão o refrigeramento do leite feito pelo próprio produtor, em tanques de expansão e sendo transportado em caminhões com temperatura máxima de até 7 graus centígrados. A análise do leite entregue na indústria deve ser feita, mensalmente, em um dos laboratórios credenciados pelo MAPA para conferir a Contagem Bacteriana Total (CBT), a Contagem de Células Somáticas (CCS), e os nutrientes (gorduras, proteína, extrato seco e desengordurado) de todo leite cru produzido no país e processado em estabelecimentos sob fiscalização federal. Para atender a demanda por estas análises, o MAPA criou a Rede Brasileira de Laboratórios de Análise da Qualidade do Leite (RBQL), composta atualmente por laboratórios localizados em diferentes regiões do país. Como o Brasil está se preparando para a fiscalização do cumprimento dos padrões estabelecidos pela Normativa 51/ 2002 ? Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 3 Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. Resposta: "É preciso, antes, entender que a fiscalização do atendimento à nova legislação será desenvolvida muito mais no sentido da "orientação" do que na "punição fiscal": é só observar que os dados analíticos eventualmente irregulares podem ou devem ser corrigidos dentro de determinados e adequados prazos. Uma vez bem claro esse ponto, adotar-se-ão as ações fiscais de rotina quando se fizerem necessárias. (Celso Versiani Velloso, chefe do SELEI/DIPOA, do Ministério da Agricultura, 2003). Como os produtores estão preparados para o cumprimento dos padrões estabelecidos pela Normativa 51/ 2002 ? Produtores de diversas regiões enfrentam muitas dificuldades para adequar-se as novas normas. Sem dúvida que a refrigeração na propriedade e a coleta a granel da produção serão muito importantes para garantir a qualidade microbiológica do leite. Porém, a refrigeração e a granelização não são suficientes na melhoria da qualidade, sendo de grande importância desenvolver programas de capacitação e assistência técnica para os produtores. A IN51 padroniza a análise do leite do tanque da propriedade. Os resultados destas análises mensais servirão para monitorar a qualidade do leite crú (o grande interesse da indústria), mas teria que servir também para corrigir o manejo geral da propriedade (alimentação, sanidade, reprodução, genética) para melhor atender as normas da IN51. A análise do Leite do Tanque. A análise do Leite do Tanque (bulk-tank) é amplamente aceita como uma ferramenta de grande utilidade para avaliar a qualidade do leite crú, monitorar a prevalência da mastite no rebanho e como um indicador das condições gerais de higiene na produção do leite. O CBT e a CCS do tanque (CBTT e CCST) fornecem uma base importante para avaliar qualidade do leite e detectar problemas de mastite no rebanho. Mesmo que a análise do leite em vacas individuais é mais definitivo para o diagnóstico de doenças e para detectar fontes específicas de problemas dentro do rebanho, a análise do tanque é mais barata, menos trabalhoso e mais rápido de obter; também é uma ferramenta de trabalho de primeira linha para os profissionais e técnicos que dão assistência técnica à propriedade. (Jayarao e Wolfgang, 2003). Porém, um uso abusivo e errado dos resultados das análises do tanque pode acontecer quando o pessoal técnico não está capacitado para interpretar os resultados. A interpretação deve basear-se em vários resultados consecutivos mensais, para evitar as variações causadas por mal amostragem, mistura de leites e falta de um cadastramento adequado dos produtores. As análises do leite do tanque não são um substituto das análises de vacas e quartos mamários individuais. Exemplo: O CCST é uma medida do número de glóbulos brancos per ml de leite crú. A CCS do tanque muda significativamente segundo o nível da infecção, segundo a estação do ano, estágio da lactação dos animais, e segundo a qualidade da amostragem! Por isso a CCS do tanque só deve usar-se como indicador da saúde geral do rebanho. Pesquisas no Canadá indicam que a habilidade da CCS do tanque para estimar a porcentagem de quartos mamários infectados se duplica (80% vs 45,5%) quando a estimação se faz baseada em seis amostras mensais em lugar de uma só (Stiles R, and Rodenburg, 1984). CCST é também um indicador de qualidade do leite já que altas contagens de células estão associados com uma menor vida de prateleira, menor rendimento industrial e Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 4 Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. menor qualidade tecnológica. A pesquisa tem achado uma correlação direta entre a CCST e a presença de resíduos de antibióticos. A CCS do tanque é um indicador da proporção de quartos infectados, das perdas em produção e da qualidade geral do leite do rebanho. Porém, ela não serve para identificar os animais nem sua contribuição na média do tanque. Então, como proceder para melhorar a qualidade e a produtividade a partir dos resultados das análises de leite feitos pela rede laboratorial que suporta a IN51? Quais são as ferramentas que permitem ao produtor melhorar a qualidade do seu leite e o desempenho de seus animais, aumentar a eficiência de produção e ajustar-se às novas exigências? “quod scriptum est manet”, o que está escrito permanece (o motto da ICAR), isto expressa a idéia que na produção leiteira moderna, só um registro produtivo dos animais permite um manejo racional e eficiente. Se conhece isto como Controle Leiteiro. Controle Leiteiro é a medição periódica (mensal ou bimensal) de diversos indicadores produtivos nos animais leiteiros (peso, idade, produção, fertilidade, saúde, etc.), durante a vida produtiva dos mesmos. Inicialmente, o controle leiteiro serviu para identificar os melhores animais na propriedade para serem usados como reprodutores (melhoramento genético). Mais tarde, foi o ponto de partida para analisar a produtividade (gerenciamento) das propriedades leiteiras! Mal compreendido, às vezes mal utilizado, o controle leiteiro é olhado como um luxo desnecessário por aqueles que não o conhecem. O maior problema para a expansão dos sistemas de registro de animais e controle leiteiro nos países com setor leiteiro menos desenvolvido tem sido a dificuldade dos produtores em visualizar os beneficios esperados de tal atividade. Os países e economias com leiteiras desenvolvidas fazem um uso intensivo do controle leiteiro para manter uma alta produtividade nas fazendas e controlar a qualidade do leite. Na América do Norte, o controle zootécnico de desempenho dos animais leiteiros, tem mais de cem anos de história. Começou como uma maneira de identificar os melhores pais para assegurar a transmissão da melhor genética e depois se converteu na principal ferramenta de manejo da propriedade. Hoje, frente as preocupações causadas pelos problemas de inocuidade dos alimentos, o controle leiteiro se apresenta como um método interessante para assegurar a rastreabilidade do gado e dos produtos de origem animal. Un benefício adicional é ajudar a identificar as melhores práticas de manejo do rebanho. Tabela. Proporção de animais em controle leiteiro em diferentes países (ICAR, 2004). Países % de animais em % de propriedades em controle leiteiro controle leiteiro África do Sul 22 19 Alemanha 84 64 Australia 47 55 Austria 69 57 Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 5 Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. Canadá* Denmark Egito Espanha Estônia Finlândia França Holanda Itália Japão México Nova Zelândia Noruega Polônia Repúb. Checa Suécia Suíça Turquia USA 75 93 0,2 48 88 77 67 85 73 53 2 73 95 17 96 85 100 16 45 70 90 48 29 69 59 79 42 41 76 94 25 77 100 0,6 Os países em desenvolvimento têm em geral limitações econômicas e organizativas para desenvolver sistemas de registro e controle leiteiro sustentáveis. Em alguns destes países o controle leiteiro tem se desenvolvido graças as iniciativas isoladas de universidades, ministérios e associações de criadores e produtores. Projetos de colaboração internacional têm servido a promover estas atividades, mas a sustentabilidade dos mesmos não é por isso assegurada. Operation Flood na India e Milk Vita em Bangladesh, são alguns dos poucos bons examples de histórias bem sucedidas nesta área nos países em desenvolvimento (ICAR, 1998). Sem dúvida que condições climáticas extremas de estiagem e calor, higiene deficiente, caminhos inexistentes, mercados inexistentes e preços injustos, minimizam os efeitos benéficos de um sistema de registro de desempenho. As Agências de Controle Leiteiro devem jogar o papel fundamental de apoiar os produtores de leite na tomada de decisões da empresa. O Controle Leiteiro Canadense (CDHI) O CDHI fornece serviços para processar os dados de controle leiteiro de mais de 10300 rebanhos e mais de 718 000 vacas no Canadá. Além disso o CDHI representa as duas entidades de controle leiteiro no Canadá, CanWest DHI e Valacta. A metade do Controle Leiteiro Canadense é responsabilidade de Valacta, cuja missão é melhorar a produtividade e lucratividade da empresa leiteira. Valacta, o centro de expertise em produção leiteira da província de Quebec e três das províncias marítimas (IPE, NS, e NB), é o sucessor do bem conhecido Programa de Análise dos Rebanhos Leiteiros de Quebec (PATLQ), que por sua vez foi sucessor do Dairy Herd Analysis Service (DHAS), criado pela McGill University nos anos 1960’s. História. Em 1905, o governo canadense cria um programa nacional de controle leiteiro, o ROP (Record Of Performance), para identificar os melhores animais puros no Canadá. Logo as províncias começam a criar seus próprios programas provinciais a fim de Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 6 Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. aumentar a participação dos produtores. Quebec, a maior província leiteira, em 1966, seguindo uma iniciativa do Professor John E. Moxley da McGill University, combina um laboratório automatizado de análise de leite com a tecnologia informática emergente nesses anos, para entregar aos produtores uma análise acurada e precisa da sua propriedade e fornecer ferramentas de manejo para melhorar a produtividade, a qualidade e a lucratividade. Esta iniciativa coincidiu felizmente com a adoção da Lei dos Mercados Agrícolas que estabelecia as condições de comercialização, abastecimento regular, sistema de fixação de preços e compromisso dos produtores de fornecer leite de alta qualidade para a indústria de pasteurização e transformação. O controle leiteiro passou então a assumir sua condição de “programa de gerenciamento” para os Rebanhos Leiteiros em Quebec, Canadá, conhecido como Programme d’Analyse des Troupeaux Laitiers du Québec (PATLQ). O PATLQ tem se preocupado de expandir seus serviços, fornecendo não só controle leiteiro de base, mas também análise do nitrogênio ureico (MUN), análise do tanque para o pagamento do leite, processamento informatizado de todas as vacas em controle leiteiro no Canadá, acesso a relatórios via internet, desenvolvimento de softwares, treinamento e capacitação de técnicos e produtores, e serviços de planejamento estratégica nas fazendas. Depois de 40 anos de serviços ininterruptos o PATLQ decidiu acolher sob o mesmo teto todas as disciplinas do saber leiteiro, aumentando a eficiência da assistência técnica para benefício dos produtores da província. Foi o nascimento de Valacta, o centro de expertise em produção leiteira, propriedade dos produtores de leite de Quebec, do governo da província e da McGill University. O controle leiteiro Canadense e atividades associadas têm sido fundamentais para levar o Canadá de uma posição desconhecida, na indústria leiteira há 50 anos, para um lugar de liderança mundial em desempenho produtivo, qualidade dos produtos, desempenho da indústria e desenvolvimento do meio rural. A realidade canadense na qualidade do leite. No Canadá, 17.000 produtores de leite colocam no mercado a cada ano um terço da produção do Brasil, ao redor de 8 milhões de toneladas de leite. Isto com uma população de aproximadamente um milhão de vacas leiteras. Esta atividade rende R$ 7 bilhões aos produtores. São gerados 26 mil empregos no campo e mais 20 mil usinas de transformação (Gregoire, 2002). Os produtores canadenses, em colaboração com outros participantes, têm trabalhado desde 1998 na elaboração de um programa de sanidade dos alimentos na fazenda fundamentado nas normas APPCC, homologados pelo Codex Alimentarius. Espera-se que em 2012 o programa estará funcionando em todas as propriedades leiteiras do Canadá. O programa foi concebido para prevenir e reduzir os perigos associados à sanidade dos alimentos, reduzindo riscos de contaminação do leite por bactérias e produtos químicos e produzir leite de qualidade. Os produtores também adotam técnicas e processos de produção sustentáveis e não agressivos ao meio ambiente. O programa está sendo validado pela Agência Canadense de Inspeção de Alimentos, que é o organismo federal responsável pela sanidade dos alimentos. Esta validação é feita em cada fazenda por inspetores especialmente treinados para assegurar que as explorações cumpram com as condições do programa. “Não apenas asseguramos a qualidade, mas também mostramos a nossos consumidores que fazemos tudo o que é necessário para entregar-lhes um produto saudável e nutritivo”. Os produtores compreenderam muito Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 7 Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. bem as vantagens desta atividade, a qual vai lhes proporcionar uma melhor posição competitiva frente a outros mercados. O programa se chama “Leite Canadense de Qualidade”, com um capítulo específico para a produção leiteira sobre higiene da ordenha e sistemas de ordenha (leite coletado e conservado higienicamente com equipamento apropriado), saúde animal (os animais que produzem leite devem estar saudáveis e um programa sanitário deve ser seguido), ambiente (a exploração deve estar em equilíbrio com o meio ambiente), água e alimentos (usar produtos de qualidade apropriada e seguros), e bem-estar animal (animais mantidos segundo as cinco liberdades fundamentais: livres de fome e sede, livres de desconforto, livres de dor, feridas e doenças, livres de estresse e livres para ter padrões normais de comportamento). Esta iniciativa na fazenda, permite aos produtores chegar nas usinas com um leite limpo, rico em componentes, em ótimo estado para sua industrialização. Os produtores canadenses possuem estruturas tradicionais de apoio que lhes permitem assumir esta nova tarefa com maior facilidade: uma organização nacional forte, uma legislação que os protege, outra que lhes dita normas, outra que os apóia em suas decisões administrativas, um controle leiteiro que acompanha todas suas decisões técnicas, uma estrutura de análise laboratorial que lhes permite rastrear animais e produtos, um sistema de educação rural que funciona e um desejo fervoroso de progresso como atividade econômica. Ao mesmo tempo, os produtores tem um compromisso social e moral com a produção de leite e derivados de qualidade. Considerações finais. O leite e seus derivados continuam sendo quase insubstituíveis nas dietas da maioria dos seres humanos em função de suas propriedades nutricionais, fisiológicas e sensoriais. O setor leiteiro continua altamente localizado, com a maioria dos produtos sendo consumidos no país ou região onde são produzidos, o que aumenta a importância das indústrias locais no abastecimento de produtos frescos. No entanto, a cadeia permanece frágil se a matéria-prima carece dos elementos, ingredientes e qualidade necessários para sua industrialização. Para assegurar a estabilidade da cadeia, devem-se promover programas de preço e incentivos para os fornecedores de matéria-prima, os produtores. Os produtores precisam também de ajuda para poder assegurar a qualidade no primeiro elo da cadeia produtiva.Os produtores familiares produzem 80% da produção agrícola na região da América Latina e Caribe. Ampliar sua participação no comércio é, portanto, primordial para o crescimento do setor agrícola e o próprio crescimento econômico em geral (FAO, 2004). A padronização das normas de qualidade está impondo uma grande disciplina nos mercados mundiais de lácteos, exigindo um importante compromisso social, econômico e político de todos os membros da cadeia leiteira. Quando os produtores melhoram seu acesso aos mercados, suas receitas melhoram e sua mentalidade muda no que toca à responsabilidade social. Ao mesmo tempo, são promovidos mais investimentos em técnicas e tecnologias para aumentar a produtividade, o que fortalece sua competitividade e estabilidade. A cadeia leiteira brasileira tem iniciado um processo sério de monitoramento da qualidade do leite in natura (a IN51). Ele deve servir não só para observar e qualificar a matéria-prima, mas também para melhorar os processos produtivos das propriedades leiteiras. É a hora de profissionalizar a atividade, de registrar o desempenho individual Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 8 Como citar este capítulo: MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H. III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127. dos animais, de respeitar as normas de higiene, de conhecer seus custos de produção, de tomar conta dos mercados, dos preços justos, da capacitação, do uso da assistência técnica, do gerenciamento da propriedade…é a hora do controle leiteiro Referências Delgado C., Rosegrant, M., Steinfeld, H., Ehui, S. & Courbois, C. (1999) Livestock to 2020: The Next Food Revolution. Food, Agriculture, and the Environment Discussion Paper 28. International Food Policy Research Institute, Washington, D.C. FAO. 1998. Animal Recording for Medium Input Production Environment. FAO. 2002. Agricultura Mundial - Hacia los años 2015/2030. Gregoire, J. 2002. Le programme lait canadien de qualité. 26th World Dairy Congress – Congrilait. ICAR. 1997. International Workshop on Animal Recording for Smallholders in Developing Countries. Anand, India. Jayarao, B.M. e D.R. Wolfgang. 2003. Bulk-tank milk analysis: A useful tool for improving milk quality and herd udder health. The Veterinary clinics of North America. Food animal practice v19(1):75-92. Monardes, H. 2004. Reflexões sobre a qualidade do leite. I Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Setembro, Passo Fundo, RS. Nicholson, C., Tambi, E., Staal, S. & Thorpe, W. 2001. Patterns of Change in Dairy Production and Consumption in Developing Countries from 1985 to 1998. ILRI Market-oriented Smallholder Dairy Working Document No. 7. Phelan, J. A. and J. Henriksen. 1995. "Global issues in the supply of livestock food products to urban populations", In: Kim, W. Y. and J. K. Ha (eds.) Supply of livestock products to rapidly expanding urban populations. Proceedings of WAAP/FAO International Symposium, Seoul, Korea, May 16-20 pp. 3044. Rosegrant, M. W., Rosegrant, M.S. Paisner, S. Meijer and J. Witcover et al., 2001. Global Fodd Projections to 2020. Emerging Trends and Alternative Futures. Stiles R, Rodenburg J. 1984. Bulk tank somatic cell counts. Available at http://www.gov.on.ca/ OMAFRA/english/livestock/dairy/facts/84–031.htm. Accessed October 2002. USDA. 2008. Dairy Production and Consumption. USDA Foreign Agricultural. 2008. Dairy: World Markets and Trade - July 2008 Report. Valfrè, F. and V.M. Moretti. 1991. Characteristic, quality and control of animal products for human consumption. EAAP Publ. 57. pp 144-148. World Bank. 2008. World Development Indicators. World Bank, 2008. Informe sobre el desarrollo mundial. Agricultura para el desarrollo. Disponível em: http://www.cbql.com.br/biblioteca.php 9