Controle Leiteiro e Qualidade do Leite

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Controle Leiteiro e Qualidade do Leite
Como citar este capítulo:
MONARDES, H. Controle leiteiro e qualidade do leite. In: BARBOSA, S.B.P., BATISTA, A.M.V., MONARDES, H.
III Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Recife: CCS Gráfica e Editora, 2008, v.1, p. 115-127.
Controle Leiteiro e Qualidade do Leite
Humberto Monardes, Ph.D.,
Associate Professor, McGill University, Canadá
Introdução
Neste século XXI, a agricultura continuará sendo um instrumento fundamental para
o desenvolvimento sustentável e para a redução da pobreza (FAO, 2000). A
Agricultura emprega mais de 65% da força laboral nos países pobres e só 5% nos países
ricos. A contribuição da agricultura ao PIB varia de 36% nos países menos
desenvolvidos para 2% nos países ricos. A contribuição direta da agricultura ao
crescimento econômico do Brasil é de aproximadamente 15%. O crescimento agrícola
tem uma capacidade especial para reduzir a pobreza em todos os países. Se calcula, por
exemplo, que o crescimento total originado na agricultura na China tem sido 3,5 vezes
mais eficaz em reduzir a pobreza que o crescimento gerado em outros setores da
economia. Na América Latina tem sido 2,7 vezes mais eficaz. (World Bank, 2008).
O crescimento da agricultura no Brasil, de 5,3% por ano entre 1990 e 2004, foi liderado
pelas exportações agrícolas do sul e centro do país. Mas este desempenho não é um
reflexo de todo o país. Tem outro Brasil rural, o Nordeste, de baixo potencial agrícola,
de pobreza extensiva e agricultura de semi-subsistência. A escasez de recursos naturais
e a instabilidade climática do Nordeste (com secas a cada cinco anos), são acentuadas
pelo frágil equilíbrio dos seus ecossistemas e um acesso desigual à terra (World Bank,
2008). A agricultura pode ajudar a reduzir a pobreza rural se os pequenos agricultores
passam de uma atividade de subsistência a de fornecedores dos mercados modernos.
Para isto várias transformações devem ocorrer nos pequenos agricultores. Uma delas é
um aumento geral da produtividade das pequenas propriedades agrícolas como base
essencial para o crescimento econômico e o desenvolvimento. A agricultura só ajuda ao
desenvolvimento quando está sustentada por um acesso à terra, à água, à educação e à
saúde. Só nessas condições é possivel esperar um aumento na produtividade e na
sustentabilidade das unidades de produção. Sem esquecer que com as pressões da
globalização e do crescimento demográfico, o futuro da agricultura está ligado a um
melhor manejo dos recursos naturais.
O leite e os lácteos vão continuar sendo componentes essenciais da dieta
humana e a demanda crescerá mais rapidamente que a produção!
Desde os começo dos anos 70 até os 90, a demanda e o consumo combinados, per capita,
de carne e ovos nos países em desenvolvimento tem crescido quase 50%, e do leite
quase 60%, e a previsão é que esta tendência, sustentada pelo crescimento da população,
a urbanização e o aumento nos ingressos, vai se manter até o ano 2020. Para 2030, o
consumo per cápita de produtos pecuários poderia aumentar outros 44 por cento. Os
aumentos significativos na produção animal como resposta à uma maior demanda, tanto
nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, são conhecidos como a Revolução
Pecuária (Delgado et al., 1999; Rosegrant et al., 2001; FAO, 2003).
A produção pecuária representa atualmente 40 por cento do valor bruto da produção
agropecuária mundial e sua proporção está em aumento. A pressão por aumentar a
produção está colocando em xeque a utilização racional dos recursos. As mudanças em
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produção de leite nos países em desenvolvimento desde 1984 até 1998 têm sido
estudadas por Nicholson et al., (2001). Em geral, nos países em desenvolvimento, os
aumentos em produção foram igualmente influenciados pelo aumento no número total
de animais assim como os aumentos em produtividade por animal. Porém, na América
Latina a resposta em aumento de produção foi mais a consequência de um aumento em
número de animais que na produtividade. Esta tendência deve reverter-se objetivando
aumentos em produtividade por animal e por hectare, dentro de uma estrutura de
mercado organizado e de uma cadeia integrada e forte (Phelan and Henriksen, 1995).
Os desempenhos zootécnicos devem melhorar, aumentando a produção, sem ter que
aumentar o número de cabeças de gado e diminuindo o dano ambiental (queimas e
resíduos). Estima-se que nos países em desenvolvimento a demanda crescerá mais
rapidamente que a produção, gerando um déficit comercial. Este déficit passará de 20
(1997-99) para 39 (2030) milhões de toneladas de leite. (FAO, 2003).
A produção e o consumo de lácteos
As estatísticas da FAO para 2007 indicam uma produção mundial de leite de vaca de
quase 676 milhões de toneladas (85%) e de búfala (12%). A produção mundial tem
aumentado numa base contínua desde 1992, em quase 10 milhões de toneladas por ano.
Espera-se que esta tendência continue. Segundo as projeções, a produção mundial de
leite alcançará 693 milhões de toneladas em 2008 (FAO, 2008), e 768 milhões de
toneladas em 2020 (IFPRI, 2002), com um crescimento anual médio de 1,5%. Estima-se
que o maior aumento será em regiões com uma demanda crescente de leite e produtos
lácteos, majoritariamente países em desenvolvimento. Em conseqüência, a parte
correspondente aos países em desenvolvimento na produção mundial de leite passará a
ser 44% do total (era 39% em 1996-1997 e 32% no começo dos anos 90). Seguindo
neste ritmo, estima-se que em 2020 os países em desenvolvimento produzirão 63% da
carne e 50% do leite produzidos no mundo (IFPRI, 2002; USDA, 2008). Da mesma
forma, as projeções de consumo apontam para um aumento significativo até 2030 (FAO,
2003).
Para atender esta nova realidade a cadeia leiteira deve se profissionalizar, a produção
primária em especial. Os produtores devem fazer uso de todas as ferramentas técnicas a
sua disposição para aumentar a produtividade e desenvolver uma pecuária leiteira
sustentável e responsável. O cadastramento dos animais, o registro, o monitoramento e a
avaliação do desempenho produtivo devem ser incorporados nas regras de eficiência de
toda empresa leiteira para o aumento da produção e da produtividade
O mundo consumidor muda de modo surpreendente e rápido no que diz respeito a
quantidade de consumidores e aos hábitos de consumo. Estima-se que no período 20002030, a população total da América Latina e Caribe crescerá de 512 milhões para 725
milhões de pessoas. O Brasil, segundo as tendências atuais, deverá ser o principal
fornecedor de leite para a América Latina.
Então, pelas tendências atuais sabemos que o leite e os lácteos vão
continuar sendo componentes essenciais da dieta humana, porém esse
não é um cheque em branco da parte dos consumidores.
Os alimentos de origem animal são hoje vistos como problemas particulares, cada vez
mais presentes entre as preocupações dos consumidores. Particularmente quanto a
produção leiteira, os consumidores se preocupam pelos efeitos sobre a saúde humana
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(inocuidade e funcionalidade), sobre o meio ambiente (degradação ambiental) e sobre o
bem-estar dos animais. Os consumidores exigem sanidade e qualidade dos alimentos.
Consequentemente, a reação dos fornecedores deve ser criar sistemas de controle de
qualidade e de certificação (garantia) de qualidade. Além disso, os padrões de qualidade
e inocuidade deveriam ser uniformes através dos países, tranquilizando a percepção do
público e facilitando o processamento dos alimentos, tanto no âmbito nacional como
internacional.
Nenhuma dessas inovações e criações da indústria de transformação tem longevidade no
mercado se a matéria-prima não apresenta os elementos, os ingredientes e a qualidade
necessários para ser transformada.
O leite produzido e consumido no Brasil tem se caracterizado pela informalidade e por
uma qualidade questionável, muitas vezes fora dos padrões internacionais. A
necessidade de implementar medidas para melhorar a qualidade do leite no país motivou
a elaboração do Plano Nacional da Qualidade do Leite (PNQL), iniciativa do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) com o apoio de órgãos de ensino e
pesquisa. “Promover a melhoria da qualidade do leite e derivados, garantir a saúde da
população e aumentar a competitividade dos produtos lácteos em novos mercados”
são os objetivos do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNQL).
Logo depois, em 2002, o Ministério da Agricultura publica a Instrução Normativa 51
(IN51), na qual se definiram regulamentos técnicos para a produção e qualidade dos
diversos tipos de leite, bem como as condições para sua refrigeração na propriedade
rural e transporte do leite a granel até a indústria. As iniciativas como a da Instrução
Normativa 51/2002, do MAPA, tem uma importância fundamental para monitorar,
controlar e, eventualmente, melhorar a qualidade composicional, higiênica,
nutricional, sensorial e tecnológica do leite crú. Em outras palavras, alcançar a
qualidade total (Walfrè e Moretti, 1991, 1997).
A garantia da permanência de pequenos produtores na cadeia produtiva do leite está
atrelada ao volume de produção e a qualidade do leite produzido, tornando-se
necessário uma maior especialização e adaptação às novas exigências de mercado.
Devido à exigência dos consumidores os produtores devem assumir um maior
compromisso com a sanidade e qualidade dos alimentos, (Monardes, 2004).
Entre as novas regras da IN51, estão o refrigeramento do leite feito pelo próprio
produtor, em tanques de expansão e sendo transportado em caminhões com temperatura
máxima de até 7 graus centígrados. A análise do leite entregue na indústria deve ser
feita, mensalmente, em um dos laboratórios credenciados pelo MAPA para conferir a
Contagem Bacteriana Total (CBT), a Contagem de Células Somáticas (CCS), e os
nutrientes (gorduras, proteína, extrato seco e desengordurado) de todo leite cru
produzido no país e processado em estabelecimentos sob fiscalização federal. Para
atender a demanda por estas análises, o MAPA criou a Rede Brasileira de Laboratórios
de Análise da Qualidade do Leite (RBQL), composta atualmente por laboratórios
localizados em diferentes regiões do país.
Como o Brasil está se preparando para a fiscalização do cumprimento dos padrões
estabelecidos pela Normativa 51/ 2002 ?
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Resposta: "É preciso, antes, entender que a fiscalização do atendimento à nova
legislação será desenvolvida muito mais no sentido da "orientação" do que na "punição
fiscal": é só observar que os dados analíticos eventualmente irregulares podem ou
devem ser corrigidos dentro de determinados e adequados prazos. Uma vez bem claro
esse ponto, adotar-se-ão as ações fiscais de rotina quando se fizerem necessárias. (Celso
Versiani Velloso, chefe do SELEI/DIPOA, do Ministério da Agricultura, 2003).
Como os produtores estão preparados para o cumprimento dos padrões estabelecidos
pela Normativa 51/ 2002 ?
Produtores de diversas regiões enfrentam muitas dificuldades para adequar-se as novas
normas. Sem dúvida que a refrigeração na propriedade e a coleta a granel da produção
serão muito importantes para garantir a qualidade microbiológica do leite. Porém, a
refrigeração e a granelização não são suficientes na melhoria da qualidade, sendo de
grande importância desenvolver programas de capacitação e assistência técnica para os
produtores.
A IN51 padroniza a análise do leite do tanque da propriedade. Os resultados destas
análises mensais servirão para monitorar a qualidade do leite crú (o grande interesse da
indústria), mas teria que servir também para corrigir o manejo geral da propriedade
(alimentação, sanidade, reprodução, genética) para melhor atender as normas da IN51.
A análise do Leite do Tanque.
A análise do Leite do Tanque (bulk-tank) é amplamente aceita como uma ferramenta de
grande utilidade para avaliar a qualidade do leite crú, monitorar a prevalência da mastite
no rebanho e como um indicador das condições gerais de higiene na produção do leite.
O CBT e a CCS do tanque (CBTT e CCST) fornecem uma base importante para avaliar
qualidade do leite e detectar problemas de mastite no rebanho. Mesmo que a análise do
leite em vacas individuais é mais definitivo para o diagnóstico de doenças e para
detectar fontes específicas de problemas dentro do rebanho, a análise do tanque é mais
barata, menos trabalhoso e mais rápido de obter; também é uma ferramenta de trabalho
de primeira linha para os profissionais e técnicos que dão assistência técnica à
propriedade. (Jayarao e Wolfgang, 2003). Porém, um uso abusivo e errado dos
resultados das análises do tanque pode acontecer quando o pessoal técnico não está
capacitado para interpretar os resultados. A interpretação deve basear-se em vários
resultados consecutivos mensais, para evitar as variações causadas por mal amostragem,
mistura de leites e falta de um cadastramento adequado dos produtores. As análises do
leite do tanque não são um substituto das análises de vacas e quartos mamários
individuais.
Exemplo: O CCST é uma medida do número de glóbulos brancos per ml de leite crú. A
CCS do tanque muda significativamente segundo o nível da infecção, segundo a estação
do ano, estágio da lactação dos animais, e segundo a qualidade da amostragem! Por isso
a CCS do tanque só deve usar-se como indicador da saúde geral do rebanho. Pesquisas
no Canadá indicam que a habilidade da CCS do tanque para estimar a porcentagem de
quartos mamários infectados se duplica (80% vs 45,5%) quando a estimação se faz
baseada em seis amostras mensais em lugar de uma só (Stiles R, and Rodenburg, 1984).
CCST é também um indicador de qualidade do leite já que altas contagens de células
estão associados com uma menor vida de prateleira, menor rendimento industrial e
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menor qualidade tecnológica. A pesquisa tem achado uma correlação direta entre a
CCST e a presença de resíduos de antibióticos.
A CCS do tanque é um indicador da proporção de quartos infectados, das perdas em
produção e da qualidade geral do leite do rebanho. Porém, ela não serve para identificar
os animais nem sua contribuição na média do tanque.
Então, como proceder para melhorar a qualidade e a produtividade a partir dos
resultados das análises de leite feitos pela rede laboratorial que suporta a IN51?
Quais são as ferramentas que permitem ao produtor melhorar a qualidade do seu
leite e o desempenho de seus animais, aumentar a eficiência de produção e ajustar-se
às novas exigências?
“quod scriptum est manet”, o que está escrito permanece (o motto da ICAR), isto
expressa a idéia que na produção leiteira moderna, só um registro produtivo dos animais
permite um manejo racional e eficiente. Se conhece isto como Controle Leiteiro.
Controle Leiteiro é a medição periódica (mensal ou bimensal) de diversos
indicadores produtivos nos animais leiteiros (peso, idade, produção, fertilidade, saúde,
etc.), durante a vida produtiva dos mesmos.
Inicialmente, o controle leiteiro serviu para identificar os melhores animais na
propriedade para serem usados como reprodutores (melhoramento genético). Mais
tarde, foi o ponto de partida para analisar a produtividade (gerenciamento) das
propriedades leiteiras! Mal compreendido, às vezes mal utilizado, o controle leiteiro é
olhado como um luxo desnecessário por aqueles que não o conhecem. O maior
problema para a expansão dos sistemas de registro de animais e controle leiteiro nos
países com setor leiteiro menos desenvolvido tem sido a dificuldade dos produtores em
visualizar os beneficios esperados de tal atividade.
Os países e economias com leiteiras desenvolvidas fazem um uso intensivo do controle
leiteiro para manter uma alta produtividade nas fazendas e controlar a qualidade do leite.
Na América do Norte, o controle zootécnico de desempenho dos animais leiteiros, tem
mais de cem anos de história. Começou como uma maneira de identificar os melhores
pais para assegurar a transmissão da melhor genética e depois se converteu na principal
ferramenta de manejo da propriedade. Hoje, frente as preocupações causadas pelos
problemas de inocuidade dos alimentos, o controle leiteiro se apresenta como um
método interessante para assegurar a rastreabilidade do gado e dos produtos de origem
animal. Un benefício adicional é ajudar a identificar as melhores práticas de manejo do
rebanho.
Tabela. Proporção de animais em controle leiteiro em diferentes países
(ICAR, 2004).
Países
% de animais em
% de propriedades em
controle leiteiro
controle leiteiro
África do Sul
22
19
Alemanha
84
64
Australia
47
55
Austria
69
57
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Canadá*
Denmark
Egito
Espanha
Estônia
Finlândia
França
Holanda
Itália
Japão
México
Nova Zelândia
Noruega
Polônia
Repúb. Checa
Suécia
Suíça
Turquia
USA
75
93
0,2
48
88
77
67
85
73
53
2
73
95
17
96
85
100
16
45
70
90
48
29
69
59
79
42
41
76
94
25
77
100
0,6
Os países em desenvolvimento têm em geral limitações econômicas e organizativas para
desenvolver sistemas de registro e controle leiteiro sustentáveis. Em alguns destes
países o controle leiteiro tem se desenvolvido graças as iniciativas isoladas de
universidades, ministérios e associações de criadores e produtores. Projetos de
colaboração internacional têm servido a promover estas atividades, mas a
sustentabilidade dos mesmos não é por isso assegurada. Operation Flood na India e
Milk Vita em Bangladesh, são alguns dos poucos bons examples de histórias bem
sucedidas nesta área nos países em desenvolvimento (ICAR, 1998). Sem dúvida que
condições climáticas extremas de estiagem e calor, higiene deficiente, caminhos
inexistentes, mercados inexistentes e preços injustos, minimizam os efeitos benéficos de
um sistema de registro de desempenho.
As Agências de Controle Leiteiro devem jogar o papel fundamental de apoiar os
produtores de leite na tomada de decisões da empresa.
O Controle Leiteiro Canadense (CDHI)
O CDHI fornece serviços para processar os dados de controle leiteiro de mais de 10300
rebanhos e mais de 718 000 vacas no Canadá. Além disso o CDHI representa as duas
entidades de controle leiteiro no Canadá, CanWest DHI e Valacta.
A metade do Controle Leiteiro Canadense é responsabilidade de Valacta, cuja missão é
melhorar a produtividade e lucratividade da empresa leiteira. Valacta, o centro de
expertise em produção leiteira da província de Quebec e três das províncias marítimas
(IPE, NS, e NB), é o sucessor do bem conhecido Programa de Análise dos Rebanhos
Leiteiros de Quebec (PATLQ), que por sua vez foi sucessor do Dairy Herd Analysis
Service (DHAS), criado pela McGill University nos anos 1960’s.
História. Em 1905, o governo canadense cria um programa nacional de controle leiteiro,
o ROP (Record Of Performance), para identificar os melhores animais puros no Canadá.
Logo as províncias começam a criar seus próprios programas provinciais a fim de
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aumentar a participação dos produtores. Quebec, a maior província leiteira, em 1966,
seguindo uma iniciativa do Professor John E. Moxley da McGill University, combina
um laboratório automatizado de análise de leite com a tecnologia informática emergente
nesses anos, para entregar aos produtores uma análise acurada e precisa da sua
propriedade e fornecer ferramentas de manejo para melhorar a produtividade, a
qualidade e a lucratividade. Esta iniciativa coincidiu felizmente com a adoção da Lei
dos Mercados Agrícolas que estabelecia as condições de comercialização,
abastecimento regular, sistema de fixação de preços e compromisso dos produtores de
fornecer leite de alta qualidade para a indústria de pasteurização e transformação. O
controle leiteiro passou então a assumir sua condição de “programa de
gerenciamento” para os Rebanhos Leiteiros em Quebec, Canadá, conhecido como
Programme d’Analyse des Troupeaux Laitiers du Québec (PATLQ).
O PATLQ tem se preocupado de expandir seus serviços, fornecendo não só controle
leiteiro de base, mas também análise do nitrogênio ureico (MUN), análise do tanque
para o pagamento do leite, processamento informatizado de todas as vacas em controle
leiteiro no Canadá, acesso a relatórios via internet, desenvolvimento de softwares,
treinamento e capacitação de técnicos e produtores, e serviços de planejamento
estratégica nas fazendas. Depois de 40 anos de serviços ininterruptos o PATLQ decidiu
acolher sob o mesmo teto todas as disciplinas do saber leiteiro, aumentando a eficiência
da assistência técnica para benefício dos produtores da província. Foi o nascimento de
Valacta, o centro de expertise em produção leiteira, propriedade dos produtores de
leite de Quebec, do governo da província e da McGill University.
O controle leiteiro Canadense e atividades associadas têm sido fundamentais para levar
o Canadá de uma posição desconhecida, na indústria leiteira há 50 anos, para um lugar
de liderança mundial em desempenho produtivo, qualidade dos produtos, desempenho
da indústria e desenvolvimento do meio rural.
A realidade canadense na qualidade do leite.
No Canadá, 17.000 produtores de leite colocam no mercado a cada ano um terço da
produção do Brasil, ao redor de 8 milhões de toneladas de leite. Isto com uma
população de aproximadamente um milhão de vacas leiteras. Esta atividade rende R$ 7
bilhões aos produtores. São gerados 26 mil empregos no campo e mais 20 mil usinas de
transformação (Gregoire, 2002).
Os produtores canadenses, em colaboração com outros participantes, têm trabalhado
desde 1998 na elaboração de um programa de sanidade dos alimentos na fazenda
fundamentado nas normas APPCC, homologados pelo Codex Alimentarius. Espera-se
que em 2012 o programa estará funcionando em todas as propriedades leiteiras do
Canadá. O programa foi concebido para prevenir e reduzir os perigos associados à
sanidade dos alimentos, reduzindo riscos de contaminação do leite por bactérias e
produtos químicos e produzir leite de qualidade. Os produtores também adotam técnicas
e processos de produção sustentáveis e não agressivos ao meio ambiente. O programa
está sendo validado pela Agência Canadense de Inspeção de Alimentos, que é o
organismo federal responsável pela sanidade dos alimentos. Esta validação é feita em
cada fazenda por inspetores especialmente treinados para assegurar que as explorações
cumpram com as condições do programa. “Não apenas asseguramos a qualidade, mas
também mostramos a nossos consumidores que fazemos tudo o que é necessário para
entregar-lhes um produto saudável e nutritivo”. Os produtores compreenderam muito
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bem as vantagens desta atividade, a qual vai lhes proporcionar uma melhor posição
competitiva frente a outros mercados. O programa se chama “Leite Canadense de
Qualidade”, com um capítulo específico para a produção leiteira sobre higiene da
ordenha e sistemas de ordenha (leite coletado e conservado higienicamente com
equipamento apropriado), saúde animal (os animais que produzem leite devem estar
saudáveis e um programa sanitário deve ser seguido), ambiente (a exploração deve estar
em equilíbrio com o meio ambiente), água e alimentos (usar produtos de qualidade
apropriada e seguros), e bem-estar animal (animais mantidos segundo as cinco
liberdades fundamentais: livres de fome e sede, livres de desconforto, livres de dor,
feridas e doenças, livres de estresse e livres para ter padrões normais de
comportamento). Esta iniciativa na fazenda, permite aos produtores chegar nas usinas
com um leite limpo, rico em componentes, em ótimo estado para sua industrialização.
Os produtores canadenses possuem estruturas tradicionais de apoio que lhes
permitem assumir esta nova tarefa com maior facilidade: uma organização nacional
forte, uma legislação que os protege, outra que lhes dita normas, outra que os apóia
em suas decisões administrativas, um controle leiteiro que acompanha todas suas
decisões técnicas, uma estrutura de análise laboratorial que lhes permite rastrear
animais e produtos, um sistema de educação rural que funciona e um desejo
fervoroso de progresso como atividade econômica. Ao mesmo tempo, os produtores
tem um compromisso social e moral com a produção de leite e derivados de qualidade.
Considerações finais.
O leite e seus derivados continuam sendo quase insubstituíveis nas dietas da maioria dos
seres humanos em função de suas propriedades nutricionais, fisiológicas e sensoriais. O
setor leiteiro continua altamente localizado, com a maioria dos produtos sendo
consumidos no país ou região onde são produzidos, o que aumenta a importância das
indústrias locais no abastecimento de produtos frescos. No entanto, a cadeia permanece
frágil se a matéria-prima carece dos elementos, ingredientes e qualidade necessários
para sua industrialização. Para assegurar a estabilidade da cadeia, devem-se promover
programas de preço e incentivos para os fornecedores de matéria-prima, os produtores.
Os produtores precisam também de ajuda para poder assegurar a qualidade no primeiro
elo da cadeia produtiva.Os produtores familiares produzem 80% da produção agrícola
na região da América Latina e Caribe. Ampliar sua participação no comércio é, portanto,
primordial para o crescimento do setor agrícola e o próprio crescimento econômico em
geral (FAO, 2004).
A padronização das normas de qualidade está impondo uma grande disciplina nos
mercados mundiais de lácteos, exigindo um importante compromisso social, econômico
e político de todos os membros da cadeia leiteira. Quando os produtores melhoram seu
acesso aos mercados, suas receitas melhoram e sua mentalidade muda no que toca à
responsabilidade social. Ao mesmo tempo, são promovidos mais investimentos em
técnicas e tecnologias para aumentar a produtividade, o que fortalece sua
competitividade e estabilidade.
A cadeia leiteira brasileira tem iniciado um processo sério de monitoramento da
qualidade do leite in natura (a IN51). Ele deve servir não só para observar e qualificar a
matéria-prima, mas também para melhorar os processos produtivos das propriedades
leiteiras. É a hora de profissionalizar a atividade, de registrar o desempenho individual
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dos animais, de respeitar as normas de higiene, de conhecer seus custos de produção, de
tomar conta dos mercados, dos preços justos, da capacitação, do uso da assistência
técnica, do gerenciamento da propriedade…é a hora do controle leiteiro
Referências
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