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ÁGUAS DO
SÃO FRANCISCO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
REITOR
JOSUÉ MODESTO DOS PASSOS SUBRINHO
VICE-REITOR
ANGELO ROBERTO ANTONIOLLI
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
COORDENADOR DO PROGRAMA EDITORIAL
PÉRICLES MORAIS DE ANDRADE JUNIOR
CONSELHO EDITORIAL
ANTÔNIO PONCIANO BEZERRA
DILTON CÂNDIDO SANTOS MAYNARD
EDUARDO OLIVEIRA FREIRE
LÊDA PIRES CORRÊA
MARIA BATISTA LIMA
MARIA DA CONCEIÇÃO V. GONÇALVES
MARIA JOSÉ NASCIMENTO SOARES
RICARDO QUEIROZ GURGEL
ROSEMERI MELO E SILVA
VERA LÚCIA CORRÊA FEITOSA
VERUSCHKA VIEIRA FRANCA
Editora afiliada:
Direitos desta edição reservados à
EDITORA UFS - Universidade Federal de Sergipe – UFS
Cidade Universitária “Prof. José Aloísio de Campos”
Rua Marechal Rondon, S/N - Jardim Rosa Elze
49100-000 – São Cristóvão – SE
ARIOVALDO ANTONIO TADEU LUCAS
ANTENOR DE OLIVEIRA AGUIAR NETTO
(ORGANIZADORES)
ÁGUAS DO
SÃO FRANCISCO
SÃO CRISTÓVÃO, 2011
Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, com finalidade de comercialização ou aproveitamento de lucros ou
vantagens, com observância da Lei de regência. Poderá ser reproduzido
texto, entre aspas, desde que haja expressa menção do nome do autor,
título da obra, editora, edição e paginação. A violação dos direitos de
autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código
Penal.
Editoração Eletrônica
Adilma Menezes
Revisora
Ana Marcia Barbosa dos Santos
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
A282
Águas do São Francisco/Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas,
Antenor de Oliveira Aguiar Netto (organizadores). São Cristóvão: Editora UFS, 2011.
312 p
ISBN. 978-85-7822-188-1
1. Bacias hidrográficas. 2. São Francisco. Rio, Bacia.
I. Lucas, Ariovaldo Antonio Tadeu. II. Aguiar Netto,
Antenor de Oliveira.
CDU 556.51 (282.281.5)
APRESENTAÇÃO
Os professores da Universidade Federal de Sergipe têm privilegiado a
realização de atividades que materializam o princípio constitucional da
indissosiabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, ao mesmo
tempo em que buscam contribuir para formação de profissionais críticos e cidadãos. Estas observações podem ser evidenciadas no livro “Águas
do São Francisco”.
A publicação é uma obra coletiva, no sentido mais geral do termo,
pois é constituída por reflexões produzidas por professores, técnicos especialistas na temática e estudantes, além de incorporar manifestações
oriundas das comunidades ribeirinhas do São Francisco, demonstrando que aqueles que participam da construção do livro, “Águas do São
Francisco”, entendem que a reflexão produzida pela academia deve promover uma interação permanente entre as comunidades envolvidas com
o fenômeno em estudo e as instituições de ensino e pesquisa visando a
construção de uma sociedade em que a harmonia entre os humanos e a
natureza seja elementos instituidores do processo histórico.
Os objetivos das reflexões contidas no livro “Águas do São Francisco”, podem ser resumidas na frase: “Pretende-se assim, fornecer subsídios para entender a problemática local e regional e colaborar na construção
de propostas para um desenvolvimento pautado pela sustentabilidade na
bacia hidrográfica do rio São Francisco.” Essa é a preocupação presente
nos onze artigos que compõem o corpo do livro, que é escrito de forma
simples e com argumentos sólidos possibilitando uma leitura agradável
tanto para leitores conhecedores da temática como para os iniciantes.
Assim, nos resta desejar uma boa leitura, que “Águas do São Francisco” conquiste maior número de partidários para a defesa do princípio
da sustentabilidade como elemento condutor dos projetos que visam ao
desenvolvimento da bacia hidrográfica do rio São Francisco.
Ruy Belém de Araújo
Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários UFS
PREFÁCIO
“Nas margens do São Francisco nasceu a beleza..”, como cantou em
verso e prosa o poeta nordestino Jorge de Altinho. Essa bela frase enseja
toda a paixão dos ribeirinhos e dos visitantes pelo rio, outrora chamado
de rio da integração nacional. Assim, é com grande alegria que entregamos à comunidade da bacia hidrográfica, e por que não dizer de toda a
região nordeste e do Brasil, o livro Águas do São Francisco.
Este livro integra o programa de extensão universitária, também,
chamado de Águas do São Francisco, realizado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), coordenado pelo professor doutor Antenor de Oliveira Aguiar Netto lotado no Departamento de Engenharia Agronômica,
financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico. O programa está capacitando profissionais para a compreensão e incorporação dos conhecimentos de engenharia, sociais e econômicos referentes à água, bem como o aprendizado dos instrumentos
legais que favoreçam a gestão integrada dos recursos hídricos e do meio
ambiente, no baixo São Francisco.
O livro constitui, assim, de uma atividade de extensão integrada ao ensino e pesquisa, uma vez que o mesmo apresenta textos de professores da
UFS, de outras instituições universitárias, produzidos a partir de experiências acadêmicas e de experimentações científicas. A extensão faz-se do relacionamento Universidade-Sociedade. É uma das maneiras em que a instituição cumpre seu papel de formadora de profissionais capazes de assumir suas responsabilidades sociais, realizando seu ideal e cumprindo sua
vocação social, servindo de mudança em função do desenvolvimento.
O livro Águas do São Francisco é composto de três partes: reflexões,
aplicações e o programa. A primeira encontra-se composta por cinco
capítulos. No Capítulo 1, os autores Antenor de Oliveira Aguiar Netto,
Ariovaldo Antônio Tadeu Lucas, Anne Grazielle Costa Santos e Carlos
Alberto Prata de Almeida abordam questões referentes aos recursos
hídricos e meio ambiente, no baixo São Francisco sergipano, com ênfase para a situação atual dos seus afluentes.
8
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
No capítulo 2, Luiz Carlos da Silveira Fontes analisa e discute, com
embasamento técnico e científico, as mudanças recentes no regime
hidrosedimentólogico e na dinâmica fluvial do baixo curso do rio São
Francisco, após a construção de grandes barragens. Em Viajem pelas
margens do São Francisco Luisa Pfau relata de forma poética a paisagem do rio da Serra da Canastra, em Minas Gerais, até a foz, entre
Sergipe e Alagoas.
Os autores Robério Anastácio Ferreira, Alexsandro Guimarães Aragão,
Antônio Marcos da Silva Rezende, Thadeu Ismerim Silva Santos, Paula
Luiza Santos, Sheila Valéria Álvares Carvalho e Renata Silva Mann
escrevem sobre as áreas ciliares na região do baixo rio São Francisco,
detalhando seu processo de ocupação e recuperação. Para encerrar a
Parte I do livro intitulada de “Reflexões”, Flávia Moreira Guimarães Pessoa trabalha aspectos relativos ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, especialmente o instrumento jurídico ação popular para
a proteção da bacia hidrográfica do rio São Francisco.
A Parte II do livro Águas do São Francisco, também compõe-se de cinco capítulos e denomina-se Aplicações. Isso porque traz resultados oriundos de pesquisas realizadas por instituições universitárias no espaço
da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Francisco Adriano de Carvalho Pereira, Ronaldo Pedreira dos Santos, Luciano Mateos Iñiguez,
Vital Pedro da Silva Paz e João Fonseca Gomes trazem o artigo Avaliação da qualidade da irrigação e caracterização físico-hídrica em lotes
do perímetro irrigado do Formoso, Bom Jesus da Lapa, Bahia. Único
trabalho que trata do submédio São Francisco representa uma interessante e atual discussão sobre a eficiência de uso da água.
Processo chuva-vazão em bacia hidrográfica do semiárido nordestino: evento extremo é o nome do Capítulo 7 escrito por Jorge Luiz Sotero
de Santana, Antenor de Oliveira Aguiar Netto e Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas. Trata-se de parte do resultado de dissertação de mestrado
em Desenvolvimento e Meio Ambiente defendida pelo primeiro autor, na
UFS. O Capítulo 8, também fruto de dissertação de mestrado defendida
na UFS aborda o uso da técnica SEBAL para a estimativa da
evapotranspiração regional, na bacia hidrográfica do rio Jacaré – SE.
Continuando a abordagem sobre o tema de evapotranspiração, os
autores Gregorio Guirado Faccioli, Edson Leal Menezes Neto e Roberto
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
9
Pereira de Oliveira, calculam e discutem a demanda evapotranspirométrica em Neopólis-SE. Para finalizar a Parte II, o Capítulo 10, escrito por
Nádia Batista de Jesus, Luciano Lima Santana e Laura Jane Gomes,
aborda o extrativismo da aroeira no baixo São Francisco-SE/AL, e propõe alternativas para a gestão dessa importante espécie florestal.
Finalmente, a Parte III encerra com o capítulo que descreve o desenvolvimento do programa Águas do São Francisco, realizado entre dezembro de 2009 e junho de 2011. Antenor de Oliveira Aguiar Netto e
Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa analisam como se estabeleceu
estratégica, didática e cientificamente o programa, através de levantamento de dados estatísticos e observações de campo. Os resultados possibilitaram aos autores estender o olhar acuradamente para as questões de gênero na ciência e nos espaços de poder.
Convidamos os/as leitores/as a se debruçarem na leitura do livro
Águas do São Francisco em sequência ou por capítulos. Esperamos que
alguns/as ou que todos/as tenham a mesma satisfação que experimentamos ao escrever e organizá-lo. Mais do que isso, desejamos que o
mesmo sirva de reflexão sobre o passado, o presente o futuro das águas
do São Francisco!
Antenor de Oliveira Aguiar Netto
Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas
SUMÁRIO
PARTE I
1
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO 15
Antenor de Oliveira Aguiar Netto
Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas
Anne Grazielle Costa Santos
Carlos Alberto Prata de Almeida
2
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
Luiz Carlos da Silveira Fontes
33
3
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
Luisa Pfau
69
4
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO:
PROCESSO DE OCUPAÇÃO E SUA RECUPERAÇÃO
85
Robério Anastácio Ferreira
Renata Silva-Mann
Alexsandro Guimarães Aragão
Antônio Marcos da Silva Rezende
Thadeu Ismerim Silva Santos
Paula Luiza Santos
Sheila Valéria Álvares Carvalho
5
A PROTEÇÃO A BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO
POPULAR AMBIENTAL E A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO
FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO
Flávia Moreira Guimarães Pessoa
127
PARTE II
6
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO
FÍSICO-HÍDRICA EM LOTES DO PERÍMETRO IRRIGADO DO
FORMOSO, BOM JESUS DA LAPA, BAHIA – BRASIL
149
Francisco Adriano de Carvalho Pereira
Ronaldo Pedreira dos Santos
Luciano Mateos Iñiguez
Vital Pedro da Silva Paz
João Fonseca Gomes
7
PROCESSO CHUVA-VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO
SEMI-ÁRIDO NORDESTINO: EVENTO EXTREMO
189
Jorge Luiz Sotero de Santana
Antenor de Oliveira Aguiar Netto
Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas
8
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA
BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO JACARÉ – SE MEDIANTE
IMAGENS ORBITAIS
Wagner Roberto Milet
Antenor de Oliveira Aguiar Netto
Inajá Francisco de Sousa
9
10
CARACTERIZACAO DA DEMANDA
EVAPOTRANSPIROMETRICA DE NEÓPOLIS-SE
Gregorio Guirado Faccioli
Edson Leal Menezes Neto
Roberto Pereira de Oliveira
209
233
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL
DA AROEIRA (Schinus terebInthifolius Raddi)
NO BAIXO SÃO FRANCISCO-SE/AL
253
Nádia Batista de Jesus
Luciano Lima Santana
Laura Jane Gomes
PARTE III
11
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO: EXTENSÃO,
CIÊNCIA E GÊNERO
Antenor de Oliveira Aguiar Netto
Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa
OS AUTORES
291
309
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
PARTE I
REFLEXÕES
13
1
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO
FRANSCISCO SERGIPANO
ANTENOR DE OLIVEIRA AGUIAR NETTO
ARIOVALDO ANTONIO TADEU LUCAS
ANNE GRAZIELLE COSTA SANTOS
CARLOS ALBERTO PRATA DE ALMEIDA
1. INTRODUÇÃO
O Brasil, para planejar e gerenciar sua expressiva disponibilidade
hídrica, elegeu a bacia hidrográfica como unidade territorial. Baseando-se na teoria geral dos sistemas, entende-se que a bacia hidrográfica
deve ser observada a partir do todo, suplantando a fragmentação e o
isolamento do objeto, qualquer que seja a disciplina e a natureza dos
elementos.
Assim, a bacia hidrográfica do rio São Francisco vem se tornando
um singular espaço geográfico no qual as dimensões ambiental, social
e econômica podem e devem interagir num movimento de desenvolvimento pautado pela sustentabilidade. De acordo com Brasil (2008), esSa
unidade de planejamento e gestão tem grande importância para o país
não apenas pelo volume de água transportada em uma região semiárida,
mas também, pelo potencial hídrico passível de aproveitamento e por
sua contribuição histórica e econômica para a região.
Os fundamentos da política nacional de recursos hídricos preconizam, entre outros aspectos, que a água é um recurso natural limitado,
dotado de valor econômico e que a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. A bacia hidrográfica do rio São Francisco
vivencia um momento singular, uma vez que, a partir desses funda-
16
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
mentos, construiu um Comitê atuante e instituído há dez anos e com
relativa autonomia financeira, após a implementação da cobrança no
segundo semestre de 2010. Esse parlamento da águas pode e deve iniciar um trabalho de recuperação e conservação ambiental.
De acordo com Brasil (2004), “os aproveitamentos da água para geração de energia, desencadeados a partir da construção da barragem
de Sobradinho, modificaram as condições de escoamento no Baixo São
Francisco, onde a navegação comercial praticamente desapareceu. Além
disso, a construção da barragem de Sobradinho também provocou mudanças na atividade econômica no Baixo São Francisco, a qual era função das oscilações do nível do rio, entre o período de cheias e vazantes,
e da coincidência com a estação chuvosa, para exploração da rizicultura
e para procriação dos peixes. Mesmo com a adoção de medidas artificiais
para tentar restabelecer as condições anteriores à construção do reservatório, por meio de proteção das grandes várzeas com diques e
bombeamento, ora para levar água do rio para elas, ora para drená-las,
a base econômica não foi restabelecida. Posteriormente, com a construção da barragem de Xingó, pela falta de carreamento de sedimentos, a
situação da ictiofauna se agravou, e praticamente extinguiu a pesca
como atividade econômica sustentável”.
Assim, o presente capítulo tem por objetivo abordar as questões relativas aos recursos hídricos no mundo e no Brasil; descrever os cenários dos corpos d’água no baixo São Francisco Sergipano e destacar
trabalhos técnicos e científicos relacionados aos seus problemas ambientais. Pretende-se assim, fornecer subsídios para entender a problemática local e regional e colaborar na construção de propostas para um
desenvolvimento pautado pela sustentabilidade na bacia hidrográfica
do rio São Francisco.
2. RECURSOS HÍDRICOS
O abastecimento de água no mundo está em crise, apesar dos diversos planos grandiosos realizados pelas Nações Unidas e por outros organismos internacionais, desde a década de 1970. Existe um problema
básico: o volume de água doce na superfície do planeta Terra é fixo, não
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
17
podendo aumentar nem diminuir. Desse modo, à medida que a população cresce, e as aspirações individuais aumentam, há cada vez menos
água disponível por pessoa (CLARKE; KING, 2005).
De acordo com Brasil (2011) “as avaliações realizadas permitiram
identificar que 55% das cidades estudadas requerem investimentos em
ampliações e adequações de sistemas produtores ou no aproveitamento
de novos mananciais, resultando num aporte de investimentos de R$
22,2 bilhões e no atendimento a 139 milhões de habitantes até o ano de
2025”.
Embora o Brasil possua expressivo potencial hídrico, é importante
destacar a significativa variabilidade temporal e espacial das águas em
suas diversas regiões, estreitamente associada à variação das precipitações e à sua sazonalidade, entre outras características naturais. Contudo, as bacias hidrográficas localizadas em áreas que apresentam uma
combinação de reduzida disponibilidade e grande utilização dos recursos hídricos passam por situações de escassez e estresse hídrico, associadas à variação das precipitações e à sua sazonalidade.
Em Brasil (2009) pode-se ler que “a vazão média anual dos rios em
território brasileiro é de 179 mil m3/s, o que corresponde a aproximadamente 12% da disponibilidade hídrica superficial mundial, que é de 1,5
milhão de m3/s. Levando-se em consideração as vazões oriundas de
território estrangeiro que entram no País (Amazônica – 86.321m3/s, Uruguai – 878m3/s e Paraguai – 595m3/s), essa disponibilidade hídrica
total atinge valores da ordem de 267 mil m3/s (18% da disponibilidade
hídrica superficial mundial)”.
Essa água, no entanto, é distribuída de forma irregular, apesar da
abundância em termos gerais. A região hidrográfica da Amazônia, onde
estão as mais baixas concentrações populacionais, possui 73,6% da
água superficial. Enquanto isso, no Sudeste, essa relação se inverte: a
maior concentração populacional do País tem disponíveis 6% do total
da água (BRASIL, 2009).
Em termos de distribuição per capita, a vazão média de água no Brasil é de aproximadamente 33 mil metros cúbicos por habitante por ano;
esse volume é 19 vezes superior ao piso estabelecido pela Organização
das Nações Unidas (ONU), de 1.700 m3/hab/ano, abaixo do qual um
país é considerado em situação de estresse hídrico. Nem toda a vazão
18
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
média dos rios está efetivamente disponível ao longo de todo o ano, o
que faz com que a estimativa de disponibilidade hídrica efetiva no Brasil seja menor: cerca de 92 mil m3/s. Mesmo assim, tal volume de recursos hídricos é suficiente para atender cerca de 57 vezes a demanda
atual do País, e poderia abastecer uma população de até 32 bilhões de
pessoas, quase cinco vezes a população mundial (BRASIL, 2007).
Em três grandes unidades hidrográficas: Amazonas, São Francisco
e Paraná estão concentrados cerca de 80% da produção hídrica do país.
Essas bacias hidrográficas cobrem cerca de 72% do território brasileiro, dando-se destaque à Bacia Amazônica, que representa cerca de 57%
da superfície do País.
3. O RIO SÃO FRANCISCO
A bacia hidrográfica do rio São Francisco abrange 639.219km2 de
área de drenagem (7,5% do país) e vazão média de 2.850m3/s (2% do
total do país). O rio São Francisco tem 2.700km de extensão e nasce na
Serra da Canastra em Minas Gerais, escoando no sentido sul-norte
pela Bahia e Pernambuco, quando altera seu curso para o leste, chegando ao Oceano Atlântico através da divisa entre Alagoas e Sergipe. A
bacia abrange sete unidades da federação - Bahia (48,2%), Minas Gerais (36,8%), Pernambuco (10,9%), Alagoas (2,2%), Sergipe (1,2%), Goiás
(0,5%), e Distrito Federal (0,2%) - e 504 municípios, cerca de 9% do total
de municípios do país (BRASIL, 2008).
O rio São Francisco (Figura 1) liga o Brasil de Sudeste a Nordeste,
razão pela qual é chamado de “rio da integração nacional”. Seu curso
pode ser dividido em quatro trechos de fisiografia distinta: o alto São
Francisco, que se estende das nascentes, na Serra da Canastra, à cidade de Pirapora, em Minas Gerais; o médio São Francisco, que vai de
Pirapora à cidade de Remanso, às margens do lago de Sobradinho, na
Bahia; o submédio São Francisco, entre Remanso e Paulo Afonso, ainda
na Bahia; e o Baixo São Francisco que vai de Paulo Afonso à foz, na
divisa entre Sergipe e Alagoas (FRANÇA et al., 2007).
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
Figura 1. Rio São Francisco e principais afluentes.
19
20
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
A bacia hidrográfica do rio São Francisco tem uma precipitação média anual de 1003mm de acordo com a série histórica, mas na região
semiárida, a qual corresponde a 57% da bacia, a precipitação varia de
500 a 700 mm. Esta área abrange 218 municípios, ocupando, inclusive,
parte do norte de Minas Gerais. É uma área importante, visto que parte
de sua população emigra constantemente, em função das prolongadas
estiagens que atingem aquela região (BRASIL, 2004). Na Tabela 1 podem-se observar as principais características físicas e hidroclimáticas
da bacia do rio São Francisco.
Tabela 1
1. Principais características físicas e hidroclimáticas da bacia do rio São
Francisco.
Regiões Fisiográficas
Características
alto
médio
submédio
baixo
Área (km2)
99.387
401.559
115.987
19.987
Altitude (m)
1.600 a
600
1.400 a
500
800 a
200
480 a 0
Trecho principal (km)
1.003
1.152
568
140
Declividade do rio (m/km)
0,70 a
0,20
0,10
0,10 a
3,10
0,10
41,7
54,6
1,9
1,8
Contribuição da vazão média
anual máxima (m3/s)
Pirapora
1.303
Juazeiro
4.393
Pão de Açúcar
4.660
Foz
4.680
Contribuição da vazão média
mínima (m3/s)
Pirapora
637
Juazeiro
1.419
Pão de Açúcar
1.507
Foz
1.536
Sedimentos (106 t/ano)
Pirapora
8,3
Morpará
21,5
Juazeiro
12,9
Propriá
0,41
1.372
1.052
693
957
23
24
27
25
1.000
1.300
1.550
1.500
Contribuição da vazão
natural média (%)
Precipitação média anual (mm)
Temperatura média (oC)
Evapotranspiração média (mm)
Fonte: Adaptado de Brasil, 2004
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
21
A vazão natural média anual do rio São Francisco é de 2.850 m3/s.
Entre 1931 e 2001, essa vazão oscilou entre 1.461 e 4.999 m3/s. Ao
longo do ano, a vazão média mensal pode variar entre 1.077 e 5.290 m3/s.
Na bacia hidrográfica, as descargas costumam ter seus menores valores entre os meses de setembro e outubro. Em 95% do tempo, a vazão
natural na foz do São Francisco é maior ou igual a 854 m3/s. As maiores descargas são observadas em março (BRASIL, 2004).
Pruski et al. (2004) afirmam que “as precipitações diminuem da nascente para a foz do São Francisco, sendo a maior precipitação média anual
observada na área de drenagem da estação Porto do Passarinho-MG, igual
a 1.506mm, e a mínima precipitação média anual observada na área de
drenagem pertinente a Traipu-AL, igual a 902mm. Já as vazões específicas médias de longa duração diminuem ao longo do rio São Francisco, da
sua nascente para a foz, sendo a máxima vazão específica média de longa
duração igual a 22,61L.s-1.km-2, observada em Iguatama (área de drenagem de 4.846 km2), primeira estação situada neste, e a mínima vazão específica igual a 4,22L.s-1.km-2, evidenciada em Traipu (área de drenagem de
622.600km2), última estação estudada ao longo do São Francisco”.
Considerando a série de vazões naturais, estimada para o período
compreendido entre 1931 e 2001, a barragem de Três Marias garante
uma vazão regularizada a jusante de 513 m3/s. A partir da barragem de
Sobradinho, a vazão regularizada passa a ser de 1.815m3/s. Este valor
é inferior à estimativa anterior (considerada para o período 1931 a 1998),
que era de 2.022 m3/s. A bacia hidrográfica do rio São Francisco tem
uma disponibilidade hídrica de 1.849m3/s (vazão regularizada em
Sobradinho, mais a vazão incremental com permanência de 95%). Com
relação à contribuição para a vazão natural média do rio São Francisco, destacam-se os seguintes aspectos: contribuição estadual: Minas
Gerais (73,5%), Bahia (20,4%), Pernambuco (3,2%), Goiás (1,2%), Alagoas (0,7%), Distrito Federal (0,6%) e Sergipe (0,4%) (BRASIL, 2004).
Medeiros at al. (2007) afirmam que as “as diversas barragens em
cascata construídas ao longo do tempo, desde a década de 1970 do século XX, provocaram grandes modificações da pulsação natural e nas
vazões interanuais do médio baixo e baixo São Francisco”. Esses autores conseguiram separar as vazões da estação de Traipu-AL, Tabela 2,
em quatro períodos históricos, de acordo com as construções das bar-
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
22
ragens e identificaram uma redução da ordem de 62,24% da vazão máxima anual. Medeiros et al. (2007) complementam que “concomitantemente a alterações dos padrões naturais de vazão, ocorreu grande diminuição do aporte de material em suspensão, assim, o rio São Francisco apresenta atualmente pequena descarga líquida de sedimentos,
devido à retenção de matéria em suspensão nas barragens”. Continuando seus estudos sobre o rio São Francisco Medeiros et al. (2011) “concluem que, entre 1985 e 2001, ocorreu uma redução de 94% na saída
de nitrogênio orgânico dissolvido (amônia + nitrato + nitrito) e de 31%
de silicato dissolvido do rio para o estuário, sendo este agora oligotrófico
e transparente”.Outras informações sobre os efeitos das barragens no
Baixo São Francisco podem ser lidas no capítulo 2 deste livro.
Tabela 2. Média anual, desvio padrão, mínimos e máximos da vazão, dos quatro
estágios hidrológicos, da estação fluviométrica de Traipu-AL.
Estágio
Média
Desvio padrão
(m3/s)
Mínimo
Máximo
1938-1973
3008
852
1768
5244
1977-1985
3136
824
1916
4019
1986-1994
2204
749
1498
3779
1995-2001
1758
235
1405
1980
Fonte: Medeiros et al., 2007.
4. CENÁRIO DOS CORPOS D’ÁGUA
França et al.(2006) registram que no estado de Sergipe, o baixo São
Francisco tem área de 7.289,86km2, representando 33,06% da área estadual. Já Assis et al.(2006), descrevem que o rio São Francisco, em
Alagoas, apresenta uma área de 14.286,56km2, o que corresponde a
51,45% da superfície estadual.
De acordo com Aguiar Netto et al. (2010), a bacia hidrográfica do rio
São Francisco é a maior em área, apresentando em Sergipe, na sua
margem direita, inúmeros afluentes, muitos intermitentes. Dentre eles
destacam-se do Sertão para o Litoral, os rios Curituba, Jacaré, Capivara,
Gararu, Salgado, Jacaré (Propriá) e Betume (Figura 2).
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
Figura 2. Mapa de localização dos afluentes do rio São Francisco, em Sergipe.
Fonte: Os autores
23
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
24
A caracterização hidrológica das principais bacias hidrográficas,
afluentes do São Francisco Sergipano, está regida por um conjunto de
variáveis que podem ser visualizadas na Tabela 3. A variação sazonal
corresponde a rios perenes com vazões máximas acontecendo entre
maio e julho.
Tabela 3. Características hidrológicas e fisiográficas das bacias hidrográficas do
baixo São Francisco Sergipano.
Bacia
hidrográfica
Curituba
Vazão média Vazão mínima Vazão máxima Coeficiente de Ordem de
anual (m3/s)
(m3/s
(m3/s)
Compacidade Strhaler
1,32
0,002
205,2
1,580
4
Gararu
0,956
0,00
89,71
3,25
4
Jacaré*
2,06
0,008
173,6
1,30
4
Salgado
0,752
0,00
70,61
3,60
4
Jacaré
1,038
0,04
129,61
1,45
4
Betume
4,227
0,02
521,92
3,97
4
Fontes: AGUIAR NETTO et al. (2008), BRASIL, 2008 e SANTANA, 2006.
*Ver capítulo 7
O rio Curituba com 73km de extensão, nasce na Serra do Manezinho,
nas proximidades do povoado Monte Alegre, na Bahia, a uma altitude
de aproximadamente 440m. Este rio tem o seu curso orientado no sentido Nordeste da sua nascente a sua foz no rio São Francisco. As
declividades mais acentuadas ocorrem no trecho inicial com desnível
de 90m em 4km de extensão. O rio Jacaré com 73,5km de comprimento,
apresenta sua nascente principal no município de Poço Redondo, próximo a divisa entre Bahia e Sergipe. O rio Gararu com 72,5km de extensão, nasce perto da fazenda São Lourenço a 4km da cidade Feira Nova
em Sergipe. O rio Salgado, também chamado Canhoba, com 48km de
extensão, nasce perto do povoado de Ponto Chique em Gracho Cardoso.
O rio Jacaré possui uma extensão de 44km, com nascente próximo ao
povoado de Pau Alto no município de Muribeca. O rio Betume, também
chamado de Aterro ou Poxim, maior rio da região, possui extensão total
de 148km, nascendo próximo ao povoado Tiririca, em Japaratuba.
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
25
A perenidade dos afluentes do rio São Francisco só é notada no seu
curso inferior a partir do município de Própriá em direção a foz no município de Brejo Grande. Sendo as sub-bacias de maior destaque a do
riacho Jacaré (Município de Própria), e o rio Betume. São originárias de
nascentes dos contrafortes terciários da formação Barreiras onde se
encontram estreitos e encaixados nos vales fluviais, desaguando e espraiando-se pela planície costeira, onde se tornam largos e caudalosos.
A vazão dos cursos d´água varia de 20 à 200L.s-1 em média, porém alguns como o riacho de Nossa Senhora e o rio Santo Antonio, apresentam potabilidade para consumo humano (AGUIAR NETTO et al., 2010).
4. QUESTÕES AMBIENTAIS
Para Aguiar Netto et al. (2010) a problemática ambiental do rio São
Francisco extrapola os limites dos Estados de Sergipe e Alagoas. Contudo, é importante assinalar a realidade local, pois nessas terras percorre seu último trecho, no presente totalmente artificializado em decorrência dos sucessivos barramentos realizados pelo programa energético
dos governos federais de 1950-60. Essa situação tem trazido
consequências econômicas para a população ribeirinha e para a economia sergipana, sobretudo por acarretar problemas sociais, dentre os
quais, os relacionados à pesca e à erosão marginal. A aquicultura se
não está em extinção, vem alcançando índices mínimos, insustentáveis
para a subsistência de uma população representativa e a erosão marginal, devido à redução da vazão, decorrente das barragens, vem causando prejuízos até mesmo nos perímetros irrigados, com perda de terras.
Na Figura 3, encontra-se o mapa de ocupação da terra e uso do solo
do Baixo São Francisco Sergipano, confeccionado para este capítulo. O
mosaico para a identificação dessas classes foi confeccionado a partir
de imagens orbitais, cenas CBERS de 05/12/2008 e 03/01/2009, sendo classificadas por meio do programa computacional Spring e identificação de áreas em campo.
26
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 3. Mapa de uso do solo do baixo São Francisco Sergipano.
Fonte: Os autores.
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
27
Para fins de comparação da evolução do uso do solo no Baixo São
Franscico Sergipano construiu-se a Tabela 4, que compara a situação
atual com os valores representados em Sergipe (2004). Apesar da data
recente, o Atlas de Recursos Hídricos de Sergipe registra a ocupação da
terra atualizada por Sergipe (2001), com base nos trabalhos da SUDENE
do Exército, no início da década de 1970, que foi executado com informações coletadas em campo. Ambos os trabalhos podem ser interpretados em escala de macro planejamento e devem servir de estímulo para
uma nova e detalhada interpretação do uso da terra nessa região.
Tabela 4. Comparação do uso da terra e ocupação do solo para o baixo São
Francisco Sergipano.
Classes de Uso da Terra
e Ocupação do Solo
Área Agrícola Cultivada
Década de 1970
Atualizada em
2001(ha)
Atual 2009
(ha)
Diferença
percentual
37.240,74
54.667,54
46,79
4.928,25
4.460,45
-9,49
875,44
2.015,93
130,28
372.879,27
503.153,95
34,94
Solos Expostos
9.580,91
5.957,52
-37,82
Manguezais
3.682,60
3.319,00
-9,87
219.488,03
151.422,27
-31,02
1.166,40
1.063,18
-8,85
Área Embrejada
Áreas Urbanas
Pastagens
Vegetação Nativa
Vegetação de Restinga
Vale esclarecer que, na classe pastagens, foram englobadas áreas
com pastagens cultivadas de forma intensa e extensa; na vegetação
nativa foram consideradas áreas com remanescentes de mata atlântica, caatinga e em regeneração (ou capoeiras). Retirou-se, ainda,
76.129,15ha da classificação encontrada em Sergipe (2004), que estavam registrados como área cultivada, porque se entendeu que não eram
adequados.
28
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Assim, uma comparação entre as duas classificações permite inferir, em escala regional, que ocorreu incremento da área cultivada, representada pelo avanço do cultivo da cana-de-açúcar, especialmente
no entorno de Neopólis-SE e dos perímetros irrigados. Califórnia, Propriá,
Cotinguiba-Pindoba e Betume, e na área de pastagem, enquanto ocorreu uma perda equivalente a 68.075,75ha na vegetação nativa, sendo
que esse padrão se repete em toda a área analisada.
No leito principal do rio São Francisco os principais problemas ambientais são a redução da vazão e de sedimentos, enquanto que na área de
influência de seus afluentes, em Sergipe, outros impactos ambientais
também devem ser evidenciados: I) Enriquecimento nutricional de corpos hídricos que percorrem áreas de plantio, especialmente nitrogênio
e fósforo; II) Contaminação de corpos hídricos com agrotóxicos; III) Erosão; IV) Salinização de solos, com ênfase para áreas irrigadas; IV)
Desmatamento; V) Deposição inadequada de resíduos sólidos e VI) Lançamento de efluentes domésticos e industriais “in natura”.
Bandeira et al. (2005) “Verificaram uma grande diferença entre os
valores da condutividade elétrica e de sólidos totais dissolvidos entre os
pontos localizados no riacho Pilões, em Japaratuba-SE, e os demais
pontos onde foi realizada a coleta de água. Esses parâmetros são indicadores da presença de dejetos agrícolas e urbanos. Observou-se, então, que a parte inicial do riacho possui uma maior concentração de sais
e sólidos totais dissolvidos”. Machado et al. (2001) também encontraram
uma maior valor de condutividade elétrica na parte inicial do riacho da
Onça, afluente da margem direita do São Francisco em Sergipe.
Guimarães (2004) relata que “o processo de erosão marginal no Baixo São Francisco apresenta-se bastante acelerado com paisagem alterada ou modificada principalmente em direção aos lotes do Perímetro
Irrigado Cotinguiba-Pindoba e Perímetro Irrigado Betume localizados
respectivamente nos municípios de Propriá e Neópolis. Nesse trecho a
erosão provocou diminuição de áreas agricultáveis, lazer da população
ribeirinha e dificuldades a navegação. A presença de vegetação ciliar é
quase inexistente ressalvas para algumas plantas invasoras como a
umbaúba (Cecropia pachystachya), e mangueiras que associadas a
outras espécies (bambu) plantadas pelos ribeirinhos desempenham o
papel de recomposição e contenção das margens”.
ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
29
De acordo com Santana (2006), na sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré, Poço Redondo-SE, “os caminhos executados pelas comunidades
da região e a falta de manutenção das estradas vicinais e rodovias, de
responsabilidade do poder público, afetam a drenagem das águas pluviais e os fluxos de água dos córregos, riachos e rios, através da
inexistência e/ou obstrução dos bueiros, das galerias, das bocas de
lobo e pontas de ala, que fazem com que as estradas funcionem como
microbarragens, gerando impactos semelhantes às represas e reservatórios. Esses impactos ambientais já conhecidos, como a alteração drástica dos fluxos e cursos d’água na sub-bacia hidrográfica, acentuam o
déficit hídrico da região, principalmente nos períodos de seca prolongadas. A tendência perante o atual quadro em que se encontra é de
gradativa degradação ambiental, com práticas que levam ao comprometimento dos recursos hídricos da sub-bacia. As represas, as rodovias, estradas e os caminhos, bem como o desmatamento das áreas, com
a retirada da cobertura vegetal nativa, para cultivos agrícolas e criação
de gado são práticas que desgastam o solo, propiciando um maior escoamento superficial, desencadeando a erosão hídrica, não só das vertentes, mas também das margens dos rios e principais tributários, ocasionando o assoreamento dos recursos hídricos”.
Aguiar Netto et al. (2007), avaliando “os atributos físicos e químicos
dos solos do perímetro irrigado Califórnia, localizado no extremo noroeste do estado de Sergipe, realizando amostragens em 42 lotes, correspondendo a 16,4% dos lotes desse perímetro, observaram que a maior
parte dos solos estudados encontram-se com problemas de salinosodicidade, caracterizando risco de queda na produção das culturas,
devendo-se adotar medidas imediatas de manejo da água e do solo para
impedir o avanço das áreas salinizadas”.
“A sub-bacia hidrográfica do riacho Jacaré apresenta-se com grandes impactos ambientais, principalmente na sua foz, onde se localiza o
maior centro urbano – Propriá, em virtude do descaso da sociedade,
que lança os dejetos domésticos nos corpos hídricos, além do lixo que é
jogado nas proximidades e nas margens dos riachos, bem como ao ar
livre. Encontram-se presentes nesta unidade de planejamento problemas de poluição e de mau uso dos recursos naturais. Como exemplos
de poluição, vêem-se focos de lixo, lixões e esgotos; já quanto ao mau
30
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
uso dos recursos naturais, são reconhecidos através do uso indevido
da terra que associado à retirada da cobertura vegetal ao longo dos rios
– mata ciliar – e das vertentes, reflete essa alteração no assoreamento
dos corpos hídricos, com o possível comprometimento dos mesmos”
(AGUIAR NETTO et al., 2008).
-
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ÁGUA E AMBIENTE NO BAIXO SÃO FRANSCISCO SERGIPANO
31
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32
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
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2004.
2
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
Mudanças recentes no regime hidrosedimentólogico
e na dinâmica fluvial do baixo curso
LUIZ CARLOS DA SILVEIRA FONTES
O baixo curso do rio São Francisco, a região da sua foz e zona costeira adjacente, vem passando por uma série de transformações de natureza hidrosedimentológica e morfodinâmica nas últimas décadas, com
grandes implicações para o ecossistema e a sócioeconomia da região.
As modificações de ordem física mais visíveis são a intensificação dos
processos erosivos nas margens do rio e na sua foz, o aparecimento de
inúmeros bancos de areia na calha do rio e as mudanças no regime
hidro-sedimentológico, com a regularização das vazões do rio e a drástica diminuição da ocorrência de cheias.
O quadro de mudanças no meio físico do canal fluvial e nas margens
do baixo curso do rio São Francisco, após a construção e operação das
grandes barragens, tem sido objeto de estudos por parte de pesquisadores das universidades federais regionais. Os estudos da Universidade
Federal de Sergipe foram conduzidos pelo grupo de pesquisa em Geologia Sedimentar, Fluvial, Costeira, Marinha e de Gestão Hidroambiental
através do Laboratório Georioemar (Núcleo de Engenharia de Pesca).
Desde 1999 essa equipe vem se dedicando ao desenvolvimento de pesquisas de geomorfologia fluvial, sedimentologia, hidrologia e de gestão
hidroambiental, no trecho do vale fluvial compreendido entre a cidade
de Canindé do São Francisco (Sergipe), onde se situa a barragem de
Xingó, e a foz, no Oceano Atlântico, em uma extensão aproximada de
240 quilômetros (Figura 1). O foco principal dos estudos tem sido a
caracterização do regime hidrosedimentológico e dos controles
34
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
geomorfológicos naturais do sistema fluvial e a compreensão das mudanças que ocorreram no meio físico desde a implantação das grandes
barragens ao longo do rio.
A síntese é apresentada a seguir prioriza a análise dos dados de
natureza hidrológica, sedimentológica e geomorfológica, disponibilizados principalmente nos inúmeros relatórios técnicos produzidos pela
SUVALE, CODEVASF, ANEEL, CHESF e ANA ou por empresas por elas
contratadas e nas pesquisas acadêmicas produzidas pela UFS e UFAL.
A releitura das informações já existentes nesses trabalhos, no sentido
de extrair novas interpretações, adicionado aos novos dados obtidos
nos levantamentos de campo (amostragem de sedimentos de fundo e
das margens, observações de processos geológicos atuantes, perfis
geofísicos de batimetria e sísmica rasa) e os estudos de laboratório (analises granulométricas, analises geomorfológicas, processamento e interpretação de imagens de satélites, etc.) permitiram uma melhor compreensão das mudanças hidrológicas e geomorfológicas que ocorreram
após a construção das barragens (Fontes, 2002, 2003). Como produto
desses estudos foram elaborados mapas geomorfológicos das margens
sob erosão e mapa da compartimentação geomorfológica do baixo curso
do rio São Francisco, os quais são comentados no presente trabalho.
Figura 1
1. Subdivisões fisiográficas da Bacia do São Francisco e localização da área
estudada no baixo curso do rio (GEF SÃO FRANCISCO, CODEVASF, 2002)
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
35
Os dados primários das séries históricas de vazão, cotas e perfis
batimétricos transversais ao canal fluvial foram obtidos junto à ANA
(Agência Nacional de Águas) e ANEEL (Agência Nacional de Energia
Elétrica), referentes às estações fluviométricas de Piranhas(AL), Pão de
Açúcar (AL), Traipu (AL), Propriá (SE) e Piaçabuçu (AL). Os primeiros
registros nesses postos datam de 1926 e o único posto que atualmente
não se encontra em operação é o de Piaçabuçu. Apenas a estação
fluviométrica de Propriá possui dados de sedimentos em suspensão,
mesmo assim restritos ao período 2000-2002.
O REGIME HIDROLÓGICO NATURAL DO BAIXO CURSO DO RIO SÃO
FRANCISCO
Um ponto importante a ser ressaltado é a extrema dependência do
baixo curso do rio São Francisco e de suas áreas inundáveis em relação
ao suprimento de água proveniente das porções da bacia situadas rio
acima. Mais de 95% do total das suas águas provem das sub-bacias do
alto São Francisco (que sozinha contribui com cerca de 80 %), complementada pela contribuição das sub-bacias do médio e submédio. A
participação das sub-bacias afluentes do baixo São Francisco, na sua
maioria formada por rios intermitentes, normalmente não alcança 5 %,
valor este que era ainda proporcionalmente muito menor antes de 1993,
quando nos períodos de enchentes do rio São Francisco, as vazões chegavam a atingir entre 4.000 e 12.000 m3/s.
Em seu regime hidrológico natural, o baixo curso do Rio São Francisco apresentava uma nítida variação sazonal ao longo do ano, marcada
por dois períodos bem distintos: um de altas vazões, estendendo-se de
dezembro a maio (coincidente na sua maior parte com o verão) e outro
de baixas vazões entre junho a novembro, coincidente na sua maior
parte com o inverno (Figura 2).
Essa flutuação sazonal das vazões estava diretamente condicionada
ao regime pluviométrico das sub-bacias do alto e médio São Francisco,
uma vez que nessas regiões a maior parte das precipitações
pluviométricas ocorrem no verão e o inverno corresponde ao período de
estiagem. O sistema de produção de chuvas do baixo São Francisco tem
36
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
um comportamento exatamente inverso: as chuvas estão concentradas
no período de inverno. O período chuvoso tem início em fevereiro-março
e se estende até agosto e o período mais seco corresponde aos meses de
primavera e verão (setembro a janeiro). Assim, o período de maior
pluviosidade no Baixo São Francisco (abril a julho/agosto) coincidia
com os meses de menor vazão média do rio.
Figura 2. Variação sazonal das vazões médias mensais durante o período 01/1927
a 12/1929 na Estação Fluviométrica de Pão de Açúcar.
VARIAÇÃO INTERANUAL DAS VAZÕES E O PAPEL DAS ENCHENTES
NA DINÂMICA FLUVIAL
O regime hidrológico natural do rio, pode ser caracterizado pelos dados disponivéis do período 1926 a 1976, no qual o comportamento das
vazões mais se aproxima das condições naturais, uma vez que ainda
era baixo o nível de controle do homem sobre as condições hidrosedimentológicas do seu baixo curso.
Os gráficos das variações interanuais evidenciam um padrão caracterizado pela extrema variabilidade das vazões, mas com picos de cheias
sazonais, em praticamente todos os anos do período 1926 a 1976, nos
quais as médias mensais atingiam valores acima de 4.000 m3/s, entre os
meses de dezembro de um ano a março do ano seguinte (Figura 3).
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
37
Figura 3. Variação interanual das vazões médias mensais durante o período 12/
1926 a 12/1976, na Estação Fluviométrica de Pão de Açúcar. Fonte de dados: ANA
(2002).
Os estudos da gênese das vazões e das das grandes cheias da Bacia
do Rio São Francisco (DNAEE, 1983) constataram que as regiões do Alto
São Francisco e a vertente ocidental do segmento Médio da bacia, respondem pela produção de 85% das vazões de estiagem e também são as
maiores geradoras das vazões de cheias.
Entretanto, algumas das enchentes de maior repercussão no baixo
São Francisco, se formaram devido à conjunção das altas vazões provenientes do Alto São Francisco, com precipitações pluviométricas anormais nos afluentes do Submédio, como foi o caso da grande enchente de
abril de 1985 (CEEIVASF, 1985).
Os picos de altas vazões médias correspondem aos períodos de enchentes que invariavelmente provocavam o transbordamento do rio,
ocupando toda a extensão do seu leito maior. O nível das águas se elevava entre 2 e 5 metros, alcançando vez por outra 8m de altitude em
relação ao nível normal (SUVALE, 1973).
A inundação das terras baixas marginais levava ao acúmulo de água
nas depressões (várzeas) e a deposição de sedimentos finos (siltes e
argilas) e matéria orgânica, fertilizando o solo. Quando do retorno das
águas ao leito menor, parte das várzeas permanecia preenchida com
38
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
águas, se constituindo nas chamadas lagoas marginais, abundantes
em ambas as margens do baixo curso.
As enchentes anuais aportavam, além de grande volume de material em suspensão e nutrientes para a ictiofauna, partículas arenosas
como carga de fundo. Dessa forma, desempenhavam um papel importante na reposição do material removido anteriormente pela erosão
fluvial e as fortes correntezas provocavam a remobilização do material
arenoso anteriormente depositado no leito. Nesse estágio ocorria a
maior mobilidade das barras arenosas, inclusive daquelas que se encontravam anteriormente emersas, promovendo muitas mudanças na
geometria do talvegue, e consequentemente, nos sítios diretamente
sujeitos a ação direta e intensa do fluxo do canal. Ocorria, portanto,
uma renovação anual, irregularmente distribuída ao longo dos anos,
na medida em que se alternavam as características e intensidades
das cheias.
HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO E OPERAÇÃO DA CASCATA DE
GRANDES BARRAGENS RIO ACIMA
Os aproveitamentos hidrelétricos construídos e operantes ao longo
do curso fluvial principal e que afetam as vazões no baixo São Francisco, são as barragens e respectivos reservatórios do Alto, Submédio e
Baixo, ordenadas de montante para jusante: Três Marias, Sobradinho,
Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso e Xingó.
Dois represamentos possuem reservatórios com boa capacidade de
regularização das vazões do rio São Francisco: Três Marias, em Minas
Gerais, e Sobradinho, na Bahia. Por este motivo, são peças chaves no
sistema de geração de energia elétrica da CHESF, atualmente submetido ao controle da ONS (Operadora Nacional do Sistema Elétrico).
As outras usinas hidrelétricas (Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso e
Xingó) operam de forma complementar, porém sem a mesma capacidade de regularização, pois operam a fio d´água. Fio d’água significa dizer
que, considerando-se um determinado período, a quantidade de água
afluente é aproximadamente a mesma efluente, pois o reservatório praticamente não dispõe de capacidade de armazenamento, além daquela
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
39
necessária para manter a altura mínima de coluna d’água necessária
ao funcionamento das turbinas.
No caso da UHE Xingó, por exemplo, a coluna mínima de água que
permite o funcionamento das turbinas é de 137,20 metros, enquanto o
nível d’água máximo maximorum é de 139,00 metros. A diferença entre
elas (1,80 m) é intervalo que pode ser gerenciado pelos operadores dos
reservatórios e corresponde ao volume útil do reservatório (0,05 x 109 m3).
A operação conjunta dessas usinas permite modular as descargas
de forma conveniente a atender às necessidades do sistema de geração
de energia elétrica. O resultado é um eficiente controle sobre as vazões
rio abaixo, particularmente no baixo São Francisco. Esse controle foi
paulatinamente sendo alcançado, à medida que foram sendo construídas as diversas usinas que formam a “cascata de barragens” do rio São
Francisco.
Após a conclusão do conjunto de barragens à jusante de Sobradinho,
incluindo Itaparica, Moxotó e, finalmente, Xingó, em 1994, a CHESF
otimizou o uso das disponibilidades hídricas de seus reservatórios para
a geração de energia elétrica, ampliando consideravelmente a eficiência da operação do sistema, e obtendo como resultado um maior controle dos picos de vazão produzidos durante a estação chuvosa do alto,
médio e submédio São Francisco, cujas consequências para a dinâmica fluvial do Baixo São Francisco serão analisadas a seguir.
AS GRANDES BARRAGENS E O NOVO REGIME
HIDROSEDIMENTOLÓGICO DO BAIXO CURSO
Dentre os diversos usos das águas do Rio São Francisco rio acima, o
que mais diretamente afeta o seu baixo curso, é, sem dúvida alguma,
aquele relacionado à geração de energia elétrica, não só pela necessidade de construção de barragens e formação de grandes reservatórios,
mas também pela sua forma de operação, resultando em alterações do
padrão e características dos fluxos efluentes das usinas hidrelétricas.
Cinco aspectos dessas alterações exercem influência direta ou indireta sobre a hidrodinâmica fluvial do baixo curso do São Francisco, e,
consequentemente, sobre a erosão marginal:
40
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
1) a drástica diminuição da carga sólida;
2) a elevação das vazões mínimas;
3) a manutenção de vazões aproximadamente constantes durante
longos períodos (regularização);
4) a alteração da sazonalidade;
5) o controle das cheias.
Na literatura internacional, encontram-se relatos de mudanças semelhantes e suas consequências em vários rios do mundo. Nesse item,
serão discutidas as peculiaridades encontradas no baixo São Francisco e as possíveis relações com o fenômeno da erosão marginal.
As análises das séries históricas das variações do nível do rio e de
vazões médias diárias, mensais e interanuais, para efeito de estudos
comparativos com as mudanças observadas na morfologia e na erosão
marginal, foram conduzidas considerando os períodos de implantação
das grandes barragens, ao longo do rio. Desta forma, evitou-se considerar uma média geral que mascarava a influência exercida pela implantação de cada barramento, evidenciando o impacto gerado por cada
barragem ou pelo efeito cumulativo de várias delas.
Assim, a análise hidrológica foi dividida em quatro períodos, com
base nas datas de entrada em operação das usinas hidrelétricas de
Sobradinho, Itaparica e Xingó (1926-1977, 1978-1987, 1988-1993 e
1994-2001), de modo a permitir a comparação do comportamento
fluviométrico antes e depois da construção das barragens (Quadro 1).
Na análise a seguir, não será considerado o período 1963-1978, fase
correspondente à influência exclusiva do reservatório de Três Marias,
devido à baixa repercussão da sua operação sobre as vazões do baixo
São Francisco, em função da existência de importantes afluentes não
regulados à jusante da mesma.
O primeiro período (1978-1987) corresponde à fase em que se
iniciou a influência da Usina/Barragem de Sobradinho sobre o regime
hidrosedimentológico de todo o estirão do rio à jusante, inclusive o baixo São Francisco, mas que ainda era afetado pelas eventuais contribuições dos afluentes situados no Submédio São Francisco, apesar da existência das barragens de Moxotó e Paulo Afonso.
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
41
Sobradinho constitui-se em um marco na história hidrológica e
sedimentológica do São Francisco e representa a mais significativa intervenção e controle do homem sobre essas condições. Sob esse enfoque
é plausível considerar Sobradinho como uma segunda “nascente” (artificial, neste caso) do São Francisco, na qual as vazões são controladas
pelo homem, e, apenas parcialmente dependentes dos índices
pluviométricos e deflúvios de montante.
Quadro 01. Ordem cronológica da entrada em operação das Usinas Hidrelétricas
construídas ao longo do rio São Francisco.
USINAS HIDRELÉTRICAS NO RIO SÃO FRANCISCO - EM
ORDEM CRONOLÓGICA DE CONSTRUÇÃO E INÍCIO DE OPERAÇÃO
Usina Hidrelétrica
Início de Tempo de residênOperação cia das águas no
reservatório
Área do
reservatório km2
Potência
(MW)
PAULO AFONSO PILOTO
Empresa
CHESF
PAULO AFONSO I
1955
TRÊS MARIAS
1963
PAULO AFONSO II
1965
PAULO AFONSO III
1968
8 dias
180
CHESF
396
CEMIG
8 dias
445
CHESF
8 dias
800
CHESF
400
CHESF
1.050
CHESF
15
2.460
CHESF
834
1.500
CHESF
60
3.000
CHESF
330
CHESF
PERÍODO 1978-1987
APOLONIO SALES/
MOXOTÓ
1978
SOBRADINHO
1978
PAULO AFONSO IV
1980
5 dias
5 dias
89
PERÍODO 1988-1993
ITAPARICA
1988
2,4 meses
PERÍODO 1994-2001
XINGÓ
PAULO DE AÇUCAR
(à construir)
1994
(2015)
previsão
16 dias
A represa de Sobradinho foi projetada a fim de ser operada de modo
a se obter a máxima utilização das águas do rio São Francisco para a
geração de energia elétrica (DR, 1974), através do represamento de água
42
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
suficiente para prover uma descarga contínua mínima de 2.060 metros
cúbicos por segundo, como forma de aumentar o potencial hidroelétrico
do trecho a jusante, onde se situam as demais usinas hidrelétricas da
cascata de barragens da CHESF.
A barragem de Sobradinho foi dotada de um descarregador de fundo
para liberação esporádica de sedimentos acumulados no leito do reservatório. Entretanto, esse descarregador está desativado, impedindo que
uma parcela das partículas sedimentares provenientes de montante,
originadas das cargas de fundo e suspensa, possa ser fornecida para o
segmento a jusante.
O segundo período (1988-93) corresponde à fase em que são somadas as participações de Sobradinho e Itaparica, além de Paulo Afonso IV e Moxotó (este, um reservatório de regularização semanal), ampliando o controle sobre as vazões e a retenção de sedimentos no trecho
abaixo de Sobradinho. Para o baixo São Francisco essa fase reveste-se
de importância, pois, além de significar uma maior redução no aporte
de sedimentos, representa um maior controle sobre as altas vazões e
eventuais cheias, cuja gênese está relacionada à contribuição dos afluentes do submédio São Francisco.
Quanto à carga sedimentar e de nutrientes, além da sucessiva retenção promovida por cada barragem, a ausência de descarregadores
de fundo impossibilita uma reposição, mesmo que parcial. As exceções
seriam os períodos de vazões muito elevadas, com eventuais
extravasamentos pelos vertedouros das barragens, em que a velocidade da correnteza e o pequeno período de permanência da água no reservatório não é suficiente para promover a deposição das partículas.
O ter
ceiro período (1994-2003) correspondente à fase sob influênterceiro
cia direta da UHE de Xingó. Pela sua posição e influência, Xingó pode
ser considerada como uma nascente artificial do rio para o trecho compreendido até a Foz, que a rigor não pode mais ser considerado um rio
natural.
Apesar de Xingó ser uma usina que trabalha a fio d’água, ela representa um marco significativo na artificialização e controle das condições hidrosedimentológicas do trecho compreendido até a foz. Primeiro,
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
43
por reter a pequena contribuição de sedimentos aluviais do trecho Paulo Afonso-Xingó, o que representa o elo final da cadeia de bloqueio da
quase totalidade das partículas provenientes de rio acima. Segundo,
porque, apesar de gerenciar uma lamina d’água de apenas l,8 metros
(mas que multiplicada pela área representa um volume útil de 0,05 x
109 m3), sua operação produz flutuações artificiais das vazões diárias
que desempenham um papel importante na dinâmica atual do rio.
Em termos práticos, para o trecho do baixo São Francisco entre Xingó
e a foz, é essa hidrelétrica que controla praticamente todo o fluxo do rio,
na medida em que é mínima a contribuição dos afluentes situados à
jusante da mesma. Apesar disso, faz-se a ressalva que o controle real
encontra-se em Sobradinho, pois a operação de Xingó é totalmente dependente das liberações de água por parte de Sobradinho.
A construção da Usina Hidrelétrica de Xingó representa um marco
definitivo em relação ao controle do homem sobre o comportamento do
segmento do sistema fluvial situado a jusante desta barragem. Não é
exagero afirmar que o fechamento da barragem para fins de enchimento do reservatório de Xingó (nessa ocasião, durante algumas poucas
horas, o fluxo do rio foi interrompido, enquanto espectadores emocionados observavam o rio secar no trecho imediatamente a jusante de Xingó)
selou de forma bastante simbólica as condições ainda remanescentes
de canal natural para o baixo curso do rio São Francisco.
Naquele momento, pode-se dizer, em termos figurativos, que morria
de forma simbólica o “Velho Chico” tal como presente no imaginário
popular. Com a entrada em operação da usina de Xingó, concluía-se a
parte essencial do sistema de barragens construído pela CHESF e estabelecia-se um elevado nível de controle sobre o comportamento o segmento do canal abaixo desta usina.
Iniciava-se naquela ocasião, de forma mais enfática, a fase de rio
artificializado que caracteriza atualmente as condições hidrológicas do
rio São Francisco abaixo de Xingó.
De fato, fazendo uso de um canal aberto e aprofundado durante a
fase de rio natural, o que se observa hoje são fluxos liberados pelo
homem através das turbinas de geração de energia elétrica. Por isso,
alguns pesquisadores se referem aos mesmos como efluentes
“turbinados”.
44
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Tendo por base o quadro descrito acima, não é exagero, afirmar que
a barragem/usina de Xingó se comporta desde então como uma “nascente” artificial para todo o segmento de canal situado à jusante.
Apesar da operação do sistema de barragens não ser totalmente independente das flutuações das condições climáticas e hidrológicas naturais, já apresenta um alto grau de controle e um elevado nível de
regulação nos períodos em que essas condições não excedem os limites
normais. Convém ressaltar que tal afirmativa é reforçada pela ínfima
contribuição em termos de descargas líquidas e sólidas que o rio São
Francisco recebe de seus afluentes, tanto de margem esquerda quanto
direita, situados no segmento da bacia abaixo da barragem de Xingó.
Assim, praticamente 97% da descarga líquida desse segmento do rio
São Francisco, provém das áreas situadas rio acima e que, portanto,
encontram-se amplamente controladas pela cascata de barragens existente de Sobradinho a Xingó.
A VARIAÇÃO INTERANUAL DAS VAZÕES APÓS A CONSTRUÇÃO DE
SOBRADINHO
A observação das variações interanuais das vazões médias mensais
nas estações fluviométricas do baixo São Francisco, permite constatar
que no período imediatamente posterior à construção da barragem de
Sobradinho (1978-1987) ocorreu uma elevação das vazões mínimas, mas
que permaneceram os fortes picos anuais de vazão característicos do
verão. Apesar de grande capacidade de regularização de Sobradinho,
as cheias continuaram a ocorrer anualmente, atingindo vazões médias
mensais da ordem de 6.000 m3/s em praticamente todos os anos do
período (Figura 4).
As consequências das grandes cheias do São Francisco, sob o ponto
de vista dos prejuízos antrópicos, levou os diversos organismos governamentais envolvidos com a questão, a considerar de forma integrada
o planejamento de utilização e controle dos recursos hídricos, em especial no que se refere às grandes obras de barramento, ensejando uma
revisão nos seus propósitos originais, voltados exclusivamente para a
geração de energia elétrica.
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
45
Figura 4. Detalhamento das variações interanuais das vazões médias mensais, em
um período de 10 anos (1977-1987), na estação fluviométrica de Propriá. Fonte de
dados: ANA (2002).
A experiência mais marcante, com respeito aos efeitos das inundações provocadas por cheias no baixo São Francisco, foi aquela verificada
em 1979. Naquela ocasião, o nível do rio na altura da cidade de Propriá
(SE) atingiu a cota de 9,40 metros.
Naquela grande cheia, a barragem de Sobradinho conseguiu reduzir
o pico de enchente em cerca de 30%, de 18.000 para 13.000 m3/s, embora na concepção original de seu projeto não estivesse prevista a finalidade de controlar enchentes. É importante notar que em uma barragem projetada com a finalidade prioritária de geração de energia elétrica, procura-se manter o nível d’água o mais próximo possível de sua
cota máxima normal operativa no final da estação chuvosa. Por outro
lado, um reservatório projetado para contenção de cheias, deve ser
mantido total ou parcialmente vazio, utilizando-se o volume propositadamente deixado disponível para a limitação das descargas.
Essas informações mostraram a necessidade na época de se
reexaminar os planos de operação dessas barragens, voltando-os mais
para o controle de enchentes e, inclusive, motivaram a criação em 1982,
de uma Comissão Interministerial de Estudos para Controle das Enchentes do Rio São Francisco e de uma CPI das Cheias no Senado Fede-
46
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
ral, as quais apresentaram recomendações específicas para o
equacionamento do que era considerado um grande problema. Aliás,
era só dessa forma que as cheias eram encaradas, como um problema,
e não como parte fundamental na manutenção do ecossistema do baixo
São Francisco, um elemento importante no ciclo de vida e na dinâmica
fluvial.
O controle das cheias por meio das barragens, em especial
Sobradinho, é realizado deixando-se no reservatório um “volume de espera”, que fica vazio e disponível na estação chuvosa para amortecer
uma cheia com tempo de recorrência pré-estabelecido. Em conjunto com
o “volume de espera”, define-se uma “descarga de restrição”, que é a
maior vazão que pode ser liberada do reservatório sem causar danos
nas áreas ribeirinhas à jusante.
No decorrer das enchentes, procura-se liberar vazões que não ultrapassem a descarga de restrição, retendo-se no reservatório o excesso de
águas que afluem de montante, utilizando-se para esse fim o volume de
espera. No caso de Sobradinho, a Comissão Interministerial (1980) recomendou um volume de espera de 8,2 bilhões de m3 (30% do volume
útil do reservatório) e uma descarga de restrição de 8.000 m3, com o
intuito de controlar cheias com até 30 anos de recorrência.
De fato, a frequência das enchentes no Baixo São Francisco foi substancialmente reduzida após 1987-1888, como pode ser visualizado na
Figura 5, época coincidente com o período sob a influência da barragem
de Itaparica. Essa barragem apesar de possuir apenas uma pequena
capacidade de regularização (variação de 5,00 na cota), desempenha
um papel importante na retenção das vazões produzidas no submédio
São Francisco, abaixo de Sobradinho, e que eram, ciclicamente, as responsáveis pela potencialização de cheias, como a de 1985 (CEEIVASF,
1985).
Após 1988, ocorreu uma cheia em 1992, quando a vazão atingiu
10.500 m3/s, e um pequeno evento no ano seguinte, quando chegou a
aproximadamente 5.000 m3/s.
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
47
Figura 5. Variações interanuais das vazões médias mensais na estação fluviométrica
de Pão de Açúcar, entre 01/1987 e 12/1994. Fonte: ANA (2002).
VARIABILIDADE DAS VAZÕES APÓS A CONSTRUÇÃO DE XINGÓ
O período pós-construção de Xingó (1994-2001) foi marcado pela
total ausência de cheias ou mesmo de picos de vazões elevadas até 2003.
A Figura 6 enfatiza esse quadro hidrológico.
Figura 6. Variações interanuais das vazões médias mensais na estação fluviométrica
de Propriá, entre 01/1994 e 12/2000. Fonte: ANA/ANEEL.
48
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Esse fato levou à falsa conclusão por parte de diversos técnicos e da
população ribeirinha, de que cheias não mais ocorreriam no baixo São
Francisco, devido ao controle das vazões. Existe, inclusive, um relacionamento equivocado entre o aparente desaparecimento das cheias e a
construção da barragem de Xingó. De fato, existe uma coincidência temporal entre os dois fatos, mas Xingó não é responsável, conforme já
exposto, pela contenção de eventuais cheias.
A análise da série histórica de vazões demonstra claramente que
aportaram ao reservatório de Sobradinho, em diversas ocasiões após
1994 (ano da entrada em operação da Usina de Xingó), vazões naturais
que poderiam resultar em cheias no baixo São Francisco (Figura 7), a
depender do volume de água envolvido. Entre 1994 e 1998, em três anos,
as vazões afluentes em Sobradinho superaram 5.000 m3/s (atingindo
até 6.000), o que significaria pequenas cheias no Baixo São Francisco,
se não houvesse a participação do reservatório de Sobradinho.
Por outro lado, a produção de grandes volumes de água provenientes das chuvas, inclusive aquelas com período de retorno superior a 10
anos, pode superar o volume de espera da barragem de Sobradinho e
produzir cheias no baixo São Francisco.
Figura 7. Vazões naturais afluentes em Sobradinho entre 1993 e 1998. Fonte: ANA
(2002).
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
49
Na Figura 8, elaborada pela CHESF (2001),, pode-se visualizar melhor
os efeitos da regularização parcial (com a participação apenas da barragem de Três Marias) e da regularização plena (efeitos somados das
barragens de Três Marias e Sobradinho), comparadas com as vazões
que seriam esperadas na cidade de Piranhas (Alagoas) situada à jusante
da barragem de Xingó, e representativa do baixo curso do rio São Francisco, caso não existissem os grandes reservatórios de montante (situação sem regularização).
Figura 8. Vazões médias observadas no posto hidrométrico de Piranhas, no período
1994-2000 (efeito da regularização plena) e simulações das vazões que seriam esperadas
no mesmo período caso não existissem os reservatórios de Sobradinho e Três Marias
(sem regularização) e as vazões com regularização parcial apenas através da barragem de
Três Marias (caso não existisse a barragem de Sobradinho). Nestas duas últimas situações não foram consideradas as contribuições dos afluentes à jusante de Sobradinho.
Fonte: CHESF, 2001
Para a construção dos gráficos da figura 8, a CHESF (op. cit.) utilizou
o histórico de vazões naturais médias mensais afluente a Sobradinho, o
qual reflete as vazões que ocorreriam no local onde está situado o citado empreendimento, se não existisse o reservatório de Três Marias. Nesse
caso, não se considerou a ocorrência de possíveis vazões incrementais
no trecho entre Sobradinho e Piranhas, ao se adotar como sendo observada em Piranhas, exatamente as vazões naturais a Sobradinho. Portanto, existe a possibilidade de que as vazões ali observadas, nesse caso,
50
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
sejam maiores no período úmido (novembro-abril) do que as consideradas para a elaboração do gráfico.
Na análise conduzida pela CHESF (2001), a respeito da influência da
operação das usinas hidrelétricas sobre as vazões no Baixo São Francisco, nos últimos anos, a fim de subsidiar discussões concluiu que:
a) A redução na variabilidade das vazões observadas no Baixo São
Francisco pode ser caracterizada pela diferença média entre as
máximas e mínimas que caiu de 1311 m3/s (sem regularização)
para 898 m3/s (com regularização de Três Marias) e finalmente
para 700 m3/s (com regularização plena). Portanto, com o reservatório de Três Marias, houve uma redução de aproximadamente
32%, que passou a ser de 50%, quando da construção dos demais
reservatórios.
b) Para os períodos secos (maio/out), verifica-se que a regularização
plena proporcionou um acréscimo nas médias das vazões. Para
as mínimas, esse acréscimo foi de 56%, para as máximas foi de
72% e, no caso das médias, 69%. Já nos períodos úmidos, observa-se que a regularização plena, ocasionou um decréscimo nas
médias das vazões que, no caso das mínimas foi de 23%, para as
máximas 50% e para as médias 39% (Quadro 2).
Convém chamar a atenção para o fato de que não se levou em conta
na análise as possíveis vazões incrementais do trecho entre o reservatório de Sobradinho e a cidade de Piranhas. Logo, para os períodos úmidos, o decréscimo ocasionado nas médias de vazões, pela regularização
plena, poderá ser maior que o aqui apresentado.
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
51
Quadro 02. Média das vazões mínimas, máximas e médias (m3/s), para os períodos seco e úmido, nas situações de vazões sem regularização, parcialmente regularizada e com regularização plena, para o período 1994-2000, no posto hidrométrico de
Piranhas. Fonte: CHESF, 2001
Período
Seco
Úmido
Vazões
Com regularização
plena
Sem
regularização
Com regularização
de TRM
Mínimas
1.469
941
1.312
Máximas
2.139
1.240
1.590
Médias
1.812
1.070
1.439
Mínimas
1.506
1.960
1.944
Máximas
2.226
4.463
3.678
Médias
1.879
3.093
2.731
Em relação às variações sazonais anuais, verifica-se que, nos últimos 10 anos, a regularização fez com que as vazões médias mensais se
situassem, na maior parte do tempo, abaixo ou próximo de 2.000 m3/s,
inclusive nos períodos em que deveriam ocorrer vazões naturais muito
elevadas (novembro a março), eliminando assim a sazonalidade anual,
deixando de obedecer ao calendário natural.
Na realidade, ainda persiste uma discreta variação sazonal de vazões, conforme pode ser visualizada no gráfico da variação da vazão
média mensal, durante o ano de 1999 (Figura 9).
Apesar dos meses de maior vazão coincidirem com aqueles de maior
disponibilidade hídrica na bacia (período chuvoso no alto e médio São
Francisco), em termos locais essa variação ocorre devido à maior ou
menor liberação de água através das turbinas da Usina Hidrelétrica de
Xingó, provavelmente muito mais em função do padrão de comportamento das demandas energéticas do nordeste brasileiro (onde o consumo de energia elétrica é maior no verão), do que propriamente em decorrência da maior disponibilidade hídrica.
É verdade que no período de verão, como já visto, aumenta o afluxo
e acúmulo de água nos reservatórios, mas, como desde 1993, não verte água nos corpos das barragens, nem o armazenamento de água nos
reservatórios tem atingido sua capacidade máxima de segurança, se-
52
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
ria teoricamente factível para os operadores do sistema elétrico continuar liberando a mesma quantidade de água turbinada ao longo de
todo o ano. Isto não ocorre porque há necessidade de aumentar a liberação de fluxo, devido à imposição das regras operacionais dos reservatórios, controladas pelas necessidades do mercado consumidor de
energia elétrica no Nordeste que apresenta, como já dito, maior demanda no verão.
Essas variações na vazão se traduzem em flutuações centimétricas
no nível do rio, ao longo do ano, que embora estejam muito aquém dos
valores anteriormente alcançados, mesmo assim contribuem para o fenômeno da erosão marginal.
Figura 9. Variação sazonal das vazões regularizadas no baixo curso do rio São
Francisco, na estação fluviométrica de Propriá, no período de fevereiro 1999 a janeiro
2000. Fonte: ANEEL.
A RETENÇÃO DOS SEDIMENTOS NAS BARRAGENS E AS
ALTERAÇÕES NO TRANSPORTE À JUSANTE
Entre os diversos impactos resultantes da construção de grandes
barramentos em um rio, a retenção no reservatório de grande parte dos
sedimentos provenientes de montante, modifica substancialmente as
características dos fluxos efluentes da barragem e interfere na dinâmica do segmento do rio situado à jusante da barragem.
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
53
As barragens geram redução da velocidade da corrente, e, consequentemente da capacidade de transporte de sedimentos, provocando
a deposição das partículas finas (transportadas como carga suspensa)
e grosseiras (transportadas como carga de fundo). Além disso, os minerais que compõem os sedimentos são catalisadores, carreadores e agentes
fixadores de compostos químicos e de matéria orgânica. A depender do
tempo de residência da água no reservatório, por decantação acumulam-se no fundo juntamente com os sedimentos, o que configura uma
retenção dos nutrientes que seriam utilizados para alimentação da fauna
aquática de jusante.
No caso específico do rio São Francisco, uma grande parte da carga
sólida fica retida em Sobradinho e na cascata de barragens rio abaixo.
A barragem de Xingó representa o elo final da cadeia de retenção de
sedimentos provenientes de montante.
Rio abaixo de Xingó, tanto o aspecto excessivamente límpido da água,
quanto as medições efetuadas durante o programa de monitoramento
ambiental da UHE Xingó (CHESF, 1997) indicam uma retenção quase
total da carga em suspensão. Dados da campanha de monitoramento
ambiental de qualidade da água, realizada em 1997 (CHESF, op. cit),
revelaram valores de sólidos em suspensão de apenas 0,2 mg/l em 13/
07, próximo a cidade de Piranhas, situada logo à jusante de Xingó.
O Quadro 03 apresenta uma compilação realizada pela equipe da
UFAL no Projeto GEF São Francisco dos valores obtidos para a Taxa de
Sedimentos em Suspensão, desde 1970 até 2002, evidenciando mais
uma vez a drástica redução na carga suspensa, após a construção da
barragem de Sobradinho.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
54
Quadro 03. Teores médios de sedimentos em suspensão no baixo curso do rio São
Francisco entre 1970 e 2002. Modificado de Oliveira, 2001 (Universidade Federal de
Alagoas-UFAL/Projeto GEF São Francisco)
ANO
TEOR MÉDIO (mg/l)
Referência
1970
70
Milliman, 1975
1984-85
27
Santos, 1993
2000
4
Projeto GEF SF/UFAL
2001
5
Projeto GEF SF/UFAL
2002
~8
Projeto GEF SF/UFAL
De acordo com dados da ANEEL, obtidos na estação hidrosedimentológica de Propriá (Sergipe), durante o ano 2000, a concentração de sedimentos em suspensão variou entre o mínimo de 5,2 ppm (nos meses
junho a setembro) até 22,3 ppm (em fevereiro) e 35,6 ppm (em maio).
Os valores mais elevados podem ser atribuídos à contribuição dos
afluentes à jusante de Xingó, por ocasião dos aguaceiros de verão ou da
estação chuvosa local (inverno) quando a água fica turva e de coloração
amarelada. Este mesmo fenômeno eventualmente pode ocorrer em algum período da estação chuvosa das regiões de montante (verão), principalmente através da contribuição de afluentes à jusante de Sobradinho
(região do submédio), em função de um menor período de residência das
águas nos reservatórios de Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso e Xingó.
No restante do tempo, quando essa contribuição dos afluentes é insignificante, predominam as condições em que a água é liberada pela
usina de Xingó, isto é, praticamente sem carga em suspensão, límpida
e de coloração esverdeada.
A possibilidade de mudança nesse quadro, em relação à carga
suspensa, é a ocorrência de episódios de altas vazões por ocasião de
chuvas excepcionais no alto, médio ou submédio São Francisco, implicando em uma drástica diminuição do tempo normal de permanência
da água no reservatório.
O aumento esporádico da concentração de sedimentos em suspensão, eleva as médias anuais e conduz a falsas interpretações sobre a
carga total transportada pelo rio, pois rapidamente o rio volta a apre-
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
55
sentar águas límpidas alguns dias, após o período de chuvas intensas
nas sub-bacias do Baixo São Francisco.
Em alguns estudos, cometeu-se o erro de estabelecer médias utilizando-se séries históricas de dados que englobam tanto condições pré e
pós-construção da cascata de barragens entre Sobradinho e Xingó. É o
caso, por exemplo, dos resultados apresentados no estudo sobre o diagnóstico de sedimentos em suspensão na Bacia do Rio São Francisco
(Lima et al., 2001), onde se conclui que aparentemente não ocorreu
nenhuma mudança drástica na descarga sólida em suspensão no trecho Propriá-foz após a construção de Xingó.
Ainda assim, considerando-se as médias anuais para o período
1986-1999 apresentadas neste trabalho, constata-se que as altas concentrações médias de sedimentos em suspensão encontradas na Estação Morpará, à montante de Sobradinho (média anual de 189 mg/l)
sofriam uma drástica redução no baixo São Francisco, de forma que
nas estações fluviométricas à jusante de Xingó (Traipu e Propriá) a
média anual calculada para esse período foi apenas 14 % deste valor
(26 mg/l). Dados obtidos pelo Bureau of Reclamation/Suvale (1970)
indicavam uma concentração média entre 180 e 230 ppm, em Juazeiro,
nos anos 1960/61.
Quanto à carga de fundo, a pequena contribuição advinda do trecho
entre as barragens Paulo Afonso e Xingó deposita-se na porção mais à
montante do reservatório, não tendo possibilidade de entrar nas tomadas
d´água das turbinas da usina de Xingó, situadas a 138,0 metros de altura.
Estudos hidrológicos anteriores à construção da barragem de
Sobradinho (OEA/PLANVASF) já demonstravam que existia uma diminuição natural da carga sólida transportada entre Médio e o Baixo São
Francisco. Isso sugere a existência de sítios deposicionais expressivos
entre tais regiões e que, portanto, apenas uma parcela da carga
sedimentar advinda do alto e médio, aportava à região costeira, ao longo da história geológica do rio. Essa hipótese, entretanto, ainda carece
de confirmação.
Um outro aspecto a ressaltar é que essa redução na carga sólida, no
período histórico considerado no Quadro 4 era de apenas 40%, e,
atualmente, como exposto no parágrafo anterior, alcança aproximadamente o dobro, isto é, 86 %.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
56
Quadro 04. Variações no transporte de sedimentos no rio São Francisco no período
anterior à construção da barragem de Sobradinho.
VARIAÇÕES NO TRANSPORTE DE SEDIMENTOS NO RIO SÃO FRANCISCO
Estação
Fluviométrica
Período
analisado
Quantidade total de
sedimentos transportados por ano
PIRAPORA (1)
ALTO
1972 - 75
8
(x 106 ton. / ano )
MANGA (1)
MORPARÁ (1)
MEDIO
1972 – 75
1968 – 75
21
20
( x106 ton. / ano )
(x 106 ton. / ano )
JUAZEIRO (1)
(2)
SUB-MÉDIO
1967 – 75
1960 - 61
25
( 106 ton. / ano )
17,3 (106 ton / ano)
BAIXO
P. DE AÇÚCAR (1)
1966 – 68
12
( 106 ton. / ano )
Fontes de dados: (1) OEA/PLANVASF (1986) e BUREAU OF RECLAMATION/SUVALE
(1970). Modificado de Oliveira (2001).
Dados recentes de transporte de sedimentos obtidos pela equipe de
pesquisadores da UFAL, entre Propriá e a foz, permitiram elaborar uma
estimativa de transporte total de sedimentos da ordem de apenas 0,466
x 106 toneladas no ano de 2000, resultante do somatório do transporte
por arrasto e por suspensão (Quadro 5).
Quadro 05. Estimativa do transporte de sedimentos no ano 2000. Fonte: Projeto
GEF São Francisco/UFAL. Modificado de Oliveira (2001).Quadro 57. Estimativa do
transporte de sedimentos no ano 2000
Vazão média da amostra
1.681 m3 /s
Concentração média
7,5 g/ m3
Transporte em suspensão
12 kg /s
Transp. anual em suspensão
391 x 103 ton
Transp. anual pelo fundo
75 x 103 ton
Transporte.total
0,466 x 10 6 ton / ano
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
57
Comparando-se os dados atuais com aqueles obtidos em anos anteriores, verifica-se uma notável diminuição da carga transportada, pois
esses valores representam apenas 3,8% da carga sólida total transportada antes da implantação das barragens rio acima (12 x 106 t/ano) e
6,8%. da carga sólida transportada após a implantação da barragem de
Sobradinho, porém antes da construção de Itaparica e Xingó (Quadro 6).
Quadro 07. Alterações na carga total de sedimentos transportada anualmente no
baixo curso do rio São Francisco, entre 1966 e 2000. Fontes de dados: (1) OEA/
PLANVASF (1986). Modificado de Oliveira (2001). (2) Millliman (1983) e (3) PROJETO GEF SÃO FRANCISCO/UFAL
PERÍODO PRÉ-BARRAGEM DE SOBRADINHO
P. DE AÇÚCAR (1)
66 – 68
12
( x 106 ton. / ano )
PERÍODO PÓS-BARRAGEM DE SOBRADINHO
FOZ (2)
1983
6
(x 106 ton. / ano )
PERÍODO PÓS-BARRAGEM DE XINGÓ
PROPRIÁ (3)
2000
0,466 (x 106 ton. / ano )
Na medida em que as partículas sólidas ficam quase que totalmente
retidas nos reservatórios rio acima, apresenta-se a questão: de onde
provem atual carga sedimentar transportada pelo rio? Possivelmente
essa pequena produção se deve ao material retirado pela erosão das
margens da calha principal do rio, das margens de ilhas e barras
emersas, da erosão do próprio leito do rio e, em pequena escala, da
erosão dos solos das sub-bacias afluentes.
A participação efetiva da erosão dos solos só ocorre durante os períodos de fortes chuvas, haja vista que, a maior parte dos afluentes nessa
parte da bacia é intermitente ou de pequena vazão.
Nos períodos de maior produção de chuvas o rio fica barrento indicando aumento no transporte de carga em suspensão, mas logo em
seguida, volta ao seu estado anterior, de águas límpidas e claras. Não
se dispõe até o presente momento de dados que permitam quantificar a
contribuição da carga sólida dos afluentes.
58
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
A contribuição advinda da erosão das margens foi ressaltada por
Casado (2000), que em apenas um trecho restrito de margem (Perímetro Irrigado Cotinguiba-Pindoba), calculou a retirada de um volume de
aproximadamente 37.000 m3/ano.
Considerando a existência de mais de setenta focos erosivos marginais no trecho do rio entre Garro e a foz, abrangendo uma extensão
aproximada 30 km de margens sob erosão ativa (Fontes, 2002), é possível ter-se uma ideia de que é grande o volume total retirado dessas margens. Estudos posteriores poderão vir a calcular o volume total erodido
nos últimos anos, mediante o estudo de imagens aéreas e de satélite.
Conforme exposto no item a seguir, esse incremento na carga sólida
transportada pelo rio não se reflete no aumento do aporte de sedimentos à sua foz em razão do modelo de resposta que o canal está dando às
alterações no seu regime hidrosedimentológico. As respostas do canal à
diminuição no aporte de carga sólida: novo comportamento da dinâmica fluvial e as formas de propagação dos ajustes morfodinâmicos.
O desencadeamento de processos erosivos e de assoreamento ao longo
estirão do rio situado à jusante da barragem de Xingó são evidências do
complexo reajustamento da morfologia do canal em busca de um novo
equilíbrio dinâmico.
O primeiro ponto a considerar, nesta análise, é que as respostas do
canal ao impacto de 1ª ordem representado pela retenção da carga sólida proveniente das porções da bacia rio acima, não é necessariamente
uniforme em toda a extensão à jusante da barragem.
Essas respostas morfosedimentares serão analisadas a seguir, em
um contexto espacial de montante para jusante, desde o trecho logo à
jusante da barragem até a foz do rio São Francisco.
Para se estabelecer uma compreensão adequada do comportamento do sistema fluvial perante as mudanças hidrosedimentológicas impostas à jusante das grandes barragens, se fez necessária uma análise abrangente, tanto do ponto de vista espacial como temporal. Concluiu-se que as respostas morfodinâmicas a essas mudanças dependem dos condicionantes morfoestruturais e da história geológica que
condicionou a evolução do sistema fluvial e do sistema litorâneo adjacente.
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
59
Concluiu-se nos estudos da UFS (Fontes, 2002), que o baixo do rio
São Francisco à jusante de Xingó caracteriza-se por uma evolução controlada por uma compartimentação morfosedimentar, podendo ser dividido em 5 compartimentos geomorfológicos delimitados por pontos nodais
(Figura 10) e definidos por controles litológicos, topográficos e estruturais que provavelmente controlaram a evolução do sistema fluvial.
Figura 10. Compartimentação geomorfológica do baixo curso do rio São Francisco.
Os compartimentos I, II, III, IV e V mantém estreita correspondência com as unidades geológicas e as unidades de relevo regionais.
De montante para jusante, o padrão de canal passa sucessivamente
de um canal único encaixado no relevo (canyon) em compartimentos (I e
II) que tem atuado fundamentalmente como corredor de sedimentos não
se registrando feições deposicionais fluviais de importância, para um
padrão de canal ligeiramente sinuoso e com baixo coeficiente de entrelaçamento entre ilhas e barras arenosas e apresentando uma planície
aluvial pouco desenvolvida (Compartimento III).
No compartimento IV apresenta-se menos encaixado, com uma planície aluvial bem mais larga e desenvolve um modelo mais complexo,
com um padrão multicanal entrelaçado (Figura 11). A maior densidade
de ilhas e barras arenosas emersas e submersas indica provavelmente
60
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
que, ao longo da história geológica do rio, esse compartimento funcionou como zona de acúmulo de sedimentos aluviais provenientes de
montante. No compartimento final (V) o canal se caracteriza por assumir um padrão anastomosado em que os canais são mais profundos e
predominam amplamente as grandes ilhas fixas formadas por materiais finos (silte e argila) e estabilizadas pela vegetação.
Figura 11. Modificações nos padrões de canal e na granulometria dos depósitos
fluviais de montante para jusante.
Fonte: Fontes (2002)
Os estudos permitiram concluir que o rio não respondeu de forma
linear às mudanças no regime hidrosedimentológico. As respostas do
canal ao impacto de 1ª ordem representado pela diminuição no aporte
de carga sólida (que fica retida nos reservatórios) não é uniforme em
toda a extensão a jusante da barragem de Xingó. Esse trecho está sendo submetido a reajustamentos morfohidraúlicos e sedimentares com-
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
61
plexos que avançam progressivamente e de forma encadeada, de montante para jusante, até a foz.
As formas de propagação dos ajustes variam de acordo com os Compartimentos Geomorfológicos do baixo curso do rio São Francisco. Os
cinco compartimentos permitiram ao rio, após as sucessivas construções de barragens, em especial, após a construção da barragem de Xingó,
efetuar o início de um ajuste diferenciado.
O desencadeamento de processos erosivos e de assoreamento ao longo
estirão do rio situado à jusante da barragem de Xingó são evidências do
complexo reajustamento da morfologia do canal em busca de um novo
equilíbrio dinâmico. Essas respostas morfosedimentares devem ser entendidas em um contexto espacial desde o trecho próximo à jusante da
barragem até a foz do rio São Francisco.
O compartimento I responde de acordo com o modelo disponível na
literatura internacional sobre impactos de barragens. O comportamento típico do segmento do canal logo à jusante da barragem, a partir da
drástica diminuição da carga sólida é o entalhamento do leito. Comprovou-se, através de analise da série histórica de perfis batimétricos, o
aprofundamento e alargamento do vale neste compartimento (Figura
11), com a erosão do leito móvel do rio e provavelmente a exposição do
substrato duro rochoso.
Nos compartimentos geomorfológicos logo à jusante, entre Pão de
Açúcar e Propriá (Compartimentos II e III), está ocorrendo entalhamento
do leito e migração de formas de leito (barras de canal), associada à
erosão das margens. No reconhecimento de campo foi constatada a existência de inúmeros focos erosivos nas margens da calha quando constituídas por sedimentos aluviais e nas margens de ilhas e barras
emersas.
No compartimento seguinte (Compartimento IV), entre Propriá e Penedo, está ocorrendo de acúmulo dos sedimentos retirados dos segmentos anteriores. O assoreamento verificado nesse trecho pode, em parte,
ajudar a explicar por que o mesmo é exatamente o mais atingido pela
erosão marginal. Em canais fluviais, a diminuição da profundidade tende
a ser acompanhada pelo aumento da largura do canal ou tendência a
migração lateral do canal, que se traduz em erosão das margens, como
formas de manter o equilíbrio dinâmico do sistema.
62
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 12. Perfis batimétricos transversais na estação fluviométrica de Pão de
Açúcar, baseado em dados da ANEEL/ANA. Fonte: Fontes (2002)
No compartimento final (Compartimento V), entre Penedo/Ilha das
Flores e a foz, aparentemente é o setor do rio menos atingido pelo processo de ajuste. Comparado ao compartimento geomorfológico anterior,
a erosão é menos acentuada e mais localizada. As feições morfológicas
diferenciadas que ocorrem nesse compartimento poderão vir a se modificar, em virtude da migração dos setores de erosão e sedimentação, na
direção de jusante, uma vez que, com o passar do tempo, o assoreamento
do canal poderá ultrapassar os limites entre os compartimentos IV e V.
Nesse caso, mudanças na morfodinâmica poderão ser expressivas,
levando, à semelhança do compartimento IV, à acentuação do processo
erosivo marginal e assoreamento progressivo de montante para jusante.
Tais mudanças certamente se refletiriam na biota e nos usos do rio pelo
homem (pesca, turismo e navegação).
A compreensão de que os reajustamentos em curso obedecem a condicionamentos morfo-estruturais poderá vir a ser utilizado no direcionamento de futuros monitoramentos, intervenções, manejo do
ecossistema fluvial e previsão de evolução das mudanças
hidroambientais.
O entendimento de que essa fase de reajuste do sistema fluvial possivelmente resultará no estabelecimento de um novo equilíbrio dinâmi-
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
63
co com as novas condições decorrentes da construção e operação das
grandes barragens, ressalta a importância em se estabelecer mecanismos permanentes de monitoramento da evolução dos sistemas
ambientais, precedido de levantamentos geomorfológicos e batimétricos,
inclusive como forma de possibilitar a predição de cenários futuros,
permitindo a formulação de propostas de ações mitigadoras
hidroambientais, bem como a mensuração dos seus efeitos, a exemplo
dos estudos para a produção de cheias artificiais e de contenção da
erosão marginal.
REPERCUSSÕES NA ZONA COSTEIRA: EROSÃO NA FOZ E RECUO DA
LINHA DE COSTA
A manifestação mais dramática dos processos erosivos acelerados
que vem se manifestando no baixo curso do rio São Francisco ocorreu
na região da foz, onde o recuo da linha de costa levou à destruição do
povoado Cabeço (Sergipe), situado na margem sul (Figura 13) com uma
população estimada de 400 pessoas, na sua maioria pescadores (CPERH,
1997)
Até o final década de 1970, essa região gozava de uma certa estabilidade da posição da linha de costa, apesar de eventuais variações, corroborada pelos testemunhos dos moradores com mais de 50 anos de
residência no povoado (CPERH, op. cit.) e pela presença do farol situado
no extremo da rua principal do povoado construído, no século XIX (1870)
durante o reinado de D. Pedro II.
As mudanças aceleradas de recuo da linha de costa passaram a
ocorrer a partir do final da década de 1980. Em 1987, o farol que em
1956 encontrava-se a 280 metros da linha de costa, já se achava a
apenas 130 metros da praia.
A destruição do povoado Cabeço, entre 1997-1999, resultou na perda de cerca de 100 casas, escola, igreja, cemitério, além de uma grande
área de praia. Apenas o farol resistiu à ação das ondas e marés e permanece, ainda hoje, semi-intacto, já cerca de 200 metros dentro do oceano, como testemunho dos eventos erosivos e da antiga posição da linha de costa.
64
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 13. Fotomontagem evidenciando a evolução do processo erosivo e recuo da
linha de costa no Povoado Cabeço na foz do rio São Francisco.
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
65
Sob o ponto de vista social, os efeitos da erosão trouxeram muitos
transtornos à população do povoado que, após intervenção do poder
público municipal, foi remobilizada para uma nova vila, perdendo parte
de seus referenciais históricos.
Os estudos conduzidos pelas Universidades Federais de Sergipe e
Alagoas, no âmbito do Projeto GEF São Francisco (Fontes, 2002 e 2003 e
Oliveira, 2002), demonstraram os mecanismos envolvidos nos processos erosivos da zona praial da porção sul da foz, bem como que o recuo
da linha de costa está associado a episódios de marés de sizígia e marés
meteorológicas.
Apesar de serem observados ciclos sazonais de engordamento da praia
durante a primavera-verão (predomínio de ventos de E e NE), e recuo
durante o outono-inverno (predomínio de ventos de SE), o resultado final anual é o recuo continuo da linha de costa.
Apesar de não ter sido identificada uma correlação direta entre as
intervenções antrópicas e as modificações na linha de costa, fica evidente que antes da diminuição drástica da sazonalidade do rio e da
descarga sólida aportada à foz, os episódios de recuo da linha de cota
eram alternados por episódios de avanço da mesma, uma vez que o rio
aporta grande quantidade de sedimentos durante os períodos de enchentes e que, portanto, o sistema tinha grande capacidade de reposição do material erodido pelas ondas e transportado pelas correntes litorâneas, em algum episódio anterior.
A partir do final da década de 1980, com a drástica diminuição da
carga sedimentar transportada pelo rio e a ausência de cheias (com
exceção da cheia de 1992), o sistema diminui consideravelmente a sua
capacidade de reposição dos sedimentos perdidos durante os episódios
de erosão intensa da zona de praia.
Além disso, a manutenção de uma mesma vazão e de um mesmo aporte
de sedimentos durante todo o ano, deve ter inibido o processo de
engordamento das praias durante o verão (épocas das tradicionais cheias
do rio São Francisco) que serviam para compensar o recuo normalmente
observados durante o inverno, quando predomina o fenômeno da erosão.
A partir da análise dos estudos de casos internacionais e das condições
especificas da dinâmica costeira da região da foz do rio São Francisco, é
razoável prever que, a partir de um certo tempo (não estimado), é possível
66
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
ocorrer uma redução ainda maior no aporte descarga sólida à foz, na medida em que o rio atingir uma nova condição de equilíbrio dinâmico. Estima-se
que a partir desse momento, provavelmente ocorrerá um agravamento do
desequilíbrio entre a ação das águas do rio e ação da águas do oceano.
Assim, haveria uma tendência ao aumento da erosão nas praias a
sul da desembocadura. O que poderia ser apenas o início de um processo mais amplo, onde a erosão tende a se propagar, atingindo uma extensão considerável de praias no litoral norte de Sergipe, eventualmente distantes muitos quilômetros da foz do rio São Francisco.
Na dinâmica geológica recente da zona costeira adjacente à foz é de se
supor que os episódios de erosão acentuada das praias eram anteriormente
compensados pelos sazonais aportes de sedimentos, durante as enchentes
advindas do rio São Francisco, ocasião em que as faixas de praias voltavam a se recuperar. Com a drástica diminuição da contribuição fluvial à
zona costeira, visualiza-se o risco das perdas de áreas costeiras, por erosão, se tornarem irreversíveis nas condições ambientais atuais.
Caso o quadro ambiental evolua nesse sentido, os prejuízos e os impactos sobre os ecossistemas (inclusive manguezais desenvolvidos nos
estuários do litoral norte sergipano) e as atividades socioeconômicas do
Estado de Sergipe e essa porção do Atlântico Sul serão relevantes, afetando a pesca, o turismo e as construções civis na faixa de praia.
Esses possíveis impactos poderão ampliar a gravidade e a abrangência geográfica dos problemas ambientais enfrentados pela região, em
decorrência das mudanças impostas ao rio São Francisco pela construção e operação das grandes barragens. Nesse sentido, a região exige
um monitoramento contínuo e pormenorizado, de fundamental importância para a proposição de medidas para atenuar essas modificações.
CONCLUSÕES
Os estudos confirmaram que o baixo curso do rio São Francisco vem
sofrendo uma série de ajustes morfohidraúlicos como respostas aos
impactos diretos promovidos pelas grandes barragens. Tais ajustes avançam progressivamente e de maneira encadeada, de montante para
jusante, e as suas formas de propagação ocorrem de maneira diferen-
O RIO SÃO FRANCISCO APÓS AS GRANDES BARRAGENS
67
ciada em cada um dos cinco compartimentos geomorfológicos
controladores da evolução do baixo curso do rio São Francisco. As grandes barragens, na medida em que estabeleceram um novo regime
hidrosedimentológico e induziram um novo comportamento
morfodinâmico para o rio, podem ser consideradas como as responsáveis primárias pela atual fase de erosão marginal acelerada e de disseminação de focos erosivos no baixo curso do rio e na sua foz.
A análise da distribuição dos sedimentos quaternários na planície
costeira adjacente à foz do rio São Francisco revelou uma posição pretérita ocupada pelo rio, à sul da atual e alinhada com o canyon submarino.
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68
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
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Final. Maceió: UFAL, 2002
Relatório Final
3
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
LUISA PFAU
Quando ainda em Águas Mornas, pequeno município de Santa
Catarina, me preparava para fazer essa viagem, pois ainda não tinha
ideia do que iria encontrar, o tempo que levaria e o que esperava dela.
Apenas me informei na internet quanto aos dados básicos do percurso
por onde passaria, tais como quilometragem, afluentes do rio, e a época
de chuvas em cada região. Em 222 dias de viagem, presenciei apenas
dois dias de chuva, em Juazeiro, na Bahia.
Comecei no dia 14 de maio de 2009, em São Roque de Minas, Minas
Gerais, e terminei dia 23 de dezembro do mesmo ano, em Piaçabuçú,
Alagoas. O trecho alagoano e sergipano da foz à Piranhas eu já conhecia e achava deslumbrante as dunas do Peba, além de apreciar as delícias gastronômicas, tais como as “pituzadas”, em Piranhas, prato típico a base de pitus frescos num molho simples, que há trinta anos eram
servidas com fartura, mas de seu povo, costumes ou lidas, nada sabia.
Escolhi o rio São Francisco pela afeição ao nordeste seu clima e povo.
Também por ser o maior e mais brasileiro, pela sua importância história e cultural. Nasce em Minas Gerais, que é famosa pela hospitalidade,
e continua pelo nordeste, região que eu escolhi para ser minha terra.
Para mim, o rio São Francisco sempre representou muito mistério, e
isto já seria o suficiente para mergulhar em sua história. Na minha
ignorância, acreditava que por ser navegável estava repleto de barcos
que subiam e desciam freneticamente de cidade em cidade, que poderia
pendurar minha rede e deixar o rio me levar por dias, semanas, me-
70
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
ses... quem sabe a vida inteira, uma vez que não planejei o afastamento
de seus barrancos.
No início me senti totalmente perdida e maravilhada, mas logo em Três
Marias, ao ver num lindo por do sol a imensa fábrica da Votorantim esparramada na margem do rio, recém purificado pela represa, me doeu a alma e
decidi que queria ver o lado real e sofrido as águas, das cidades e do povo.
Fui deixando me levar, não nos grandes barcos, que já não mais
existem, mas em suas histórias, lendas e magia. Sem me informar sobre a cidade seguinte, onde iria dormir ou como chegaria lá, procurava
viver e desvendar o máximo possível sobre o ponto em que me encontrava sem data para partida. Sempre algum fato, oportunidade ou evento
ditava o dia de prosseguir assim como as informações sobre o que era
relevante ver e saber.
Desta forma que fui aprendendo sobre o desmatamento, a relação
entre o carvão e o ferro gusa, os vazanteiros desapropriados, os envenenados nas plantações de cebola, a poluição e o estrago das mineradoras,
os assentamentos desumanos e mal estruturados pelo INCRA, as veredas pisoteadas pelo gado e aprisionadas em açudes pelos grandes fazendeiros. Fui adivinhando nas margens do rio suas belezas e testemunhando sua destruição. Compreendi porque os peixes sumiram das
águas que fedem e que têm gosto tão ruim que o povo prefere passar
sede, e mais outras tantas tristezas que por várias vezes nem eu mais
sabia por que continuava nessa viagem.
Foi assim em Canindé-SE, aonde cheguei tão triste com a destruição
do cânion as cachoeiras de Paulo Afonso e tudo que este pedaço do rio
representava em termos históricos, geológicos e culturais que tive ânsias de parar. Para me dar novo ânimo fiquei sabendo que exatamente
naquele lugar e em poucos dias haveria o I SIMPÓSIO ÁGUAS DO SÃO
FRANCISCO e o CURSO de GESTÃO AVANÇADA DE RECURSOS
HÍDRICOS, ente os dias 3 a 12 de dezembro, uma realização da Universidade Federal de Sergipe, no qual tive oportunidade de aprender o que
talvez nunca aprenderia e principalmente me conscientizar de quanto
é grave a situação não somente do rio São Francisco mas de todos os
recursos hídricos do planeta, e a urgente necessidade de economizar e
frear o consumismo, não somente da água e energia mas de tudo e
qualquer coisa que dependam delas para serem produzidos.
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
71
Dormi em hotéis simples ou casa de pessoas que não me conheciam.
Em nenhum momento precisei apresentar minha identidade, apenas
dizer que meu nome era Luisa. Não foram poucas as oportunidades em
que encontrava pessoas que tanto eu como elas jurávamos nos conhecer, era simplesmente normal que eu perambulasse sozinha nos barrancos ou pelo meio do mato ou do rio, fotografando árvores, flores, pedras.
Somente encontrei gente boa que me ajudou, acolheu e ensinou. Não
senti medo por um instante sequer por estar em terras desconhecidas.
Meu único medo foi de ser devorada por Sobradinho, que desde o primeiro instante, já de Xique-Xique até Remanso, me parecia muito sinistro.
De Piunhí a São Roque de Minas, passei pela primeira vez sobre o
rio, mas foi na Vargem Bonita que me assombrei quando vi a Serra da
Canastra estampada no infinito. Entender como pode nascer o Grande
Rio desse gigantesco bloco de pedras foi como desvendar um milagre.
Como pode a água brotar das pedras secas lá nas alturas?
Somente lá em cima, sentindo o vento gelado fui descobrindo a magia daquela imensa caixa d’água natural e entendi que é do céu que cai
o rio São Francisco, gota por gota, até juntar o suficiente para despencar pela Cachoeira Casca D’Anta e sair serpenteando, se avolumando,
rasgando o cerrado, a caatinga, as várzeas, e desaguando no mar quase três mil quilômetros depois.
Começa gelado, fininho e cristalino, vai pegando força colhendo água
de outros riachos e rios que encontra pelo caminho. Na Lagoa da Prata,
passa barrento e com medo. Foi lá que lhe cortaram a Grande Volta, era
apenas como um apêndice, mas o rio ficou cabreiro. Talvez por isso
corra tão feliz depois de Pompéu onde encontra seu primeiro grande
afluente, o rio Pará, e com ele se funde e cria forças.
Passa todo orgulhoso pelas cidades que se alteram as suas margens,
ora do lado direito, ora do esquerdo, logo percebi que é falso dizer que as
da margem direita prosperam mais ou são mais bonitas. Primeiro por ser
difícil atualmente falar sobre prosperidade, uma vez que a maioria decresceu com o fim da navegação e construção das grandes barragens, e
depois por cada uma ter sua beleza particular que pode estar na geografia, nas serras em volta, casarios, praias, povo e sempre no mesmo rio
que nunca é menos bonito, tanto no nascer como no pôr do sol. Difícil
somente é encará-lo no sol a pino quando corta a caatinga seca.
72
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Em Minas, os antigos entrepostos de avanço no Caminho dos Currais, afastados em média 50km um do outro, tornaram-se cidades com
características particulares, mas o espírito do rio atinge a todas da mesma forma. O barranqueiro, da nascente à foz sofre a mesma influência
do rio, como se um selo do “ser-do-rio” fosse cravado nele, não se pode
privá-lo de banhar-se em suas águas, sem privá-lo também de sua identidade. Mudam alguns costumes, hábitos alimentares, até o nome dos
peixes, mas os filhos do Grande Rio, de Iguatana à Ilha das Flores-SE,
choram as mesmas lágrimas de tristeza e falam a mesma língua quando relembram as grandes enchentes que fertilizavam e davam fartura à
terra e muito peixe em suas águas. Os antigos ainda sonham com o
apito de seus vapores ou as velas dos barcos de tolda, o rio tinha vida,
serventia, levava arroz, boi, gente, cachaça, farinha e muita alegria do
meio do Brasil até o litoral. Isso sem falar das festas que não faltavam
rio acima ou rio abaixo, e quase sempre para agradecer aos padroeiros
e ao rio que todo feliz levava sem esforço as canoas improvisadas do
tronco das barrigudas, cheia de novidades coloridas até Bom Jesus da
Lapa, Cidade da Barra, São Romão, Curaçá, não se podia era permitir
que as tradições se acabassem. Mas no turbilhão da ganância e do
descaso estão morrendo uma a uma, no fundo das barragens ou nas
areias do assoreamento.
Impressionou-me toda a história do Brasil que está impressa nessas
margens e que nem os anos e todos os estragos conseguiram apagar.
Dos grandes sertões, com suas sagas descritas por Guimarães Rosa; a
navegação e a ferrovia em Pirapora, que facilitou o êxodo do nordestino
ao Sul do país; a lenda de Fernão Dias Paes Leme que terminou em
Guaicuí no encontro do rio das Velhas com o São Francisco; o cangaço
de Lampião em Canindé, Piranhas, Cabrobó e Juazeiro. O antigo se
entranha no novo, e pode ser apalpado nos escombros dos grandes vapores, nas pedras e adobe dos barrancos.
Antes de iniciar minha viagem, deveria ter lido a Seara Vermelha, de
Jorge Amado; Richard Burton e João Emanuel Pool, sobre navegação; a
História da Casa da Torre, de Pedro Calmon; o Eng. Henrique Guilherme Fernando Halfeld e João Zinclair, que andaram pelo cerrado e nascente do São Francisco; também Augusto de Saint-Hilaire – 1816/1822
– Naturalista, botânico francês; e mais Fernando da Mata Machado; as
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
73
pesquisas de Celito Kestering, arqueólogo da UNIVASF, para ter noção
do que foi afogado nas represas; o Pe. Martinho de Nantes, de 1.706,
para ter ideia do que fizeram com nossos índios; e tantos outros livros,
que ainda os estaria lendo e não teria descido com o rio até o mar.
Fui ignorante de tudo, ver com meus próprios olhos e sentir em minha alma o que significa e significou esse rio para seu povo e suas
cidades. E é por isso que posso afirmar que ele não pode ser esquartejado
em mapas políticos ou geográficos, no máximo pode ser observado mais
atentamente num ou outro ponto, como faz um médico especialista, mas
o rio São Francisco é um todo, um inteiro que não obedece a classificações étnicas e credos. O que fazem em Santa Maria da Boa Vista, São
Roque de Minas, Xique-Xique da Bahia, Traipú das Alagoas, vai interferir em Piaçabuçú, Canindé de Sergipe, Cabrobó, Petrolina do Pernambuco, não tem um pedaço rio acima ou abaixo que fica imune quando se
mexe num pedacinho dele, por menor que seja.
Em Carinhanha - BH, um pescador relembrou a grande enchente de
1979, que chegou a 10 metros de altura. “A água foi subindo e parecia
não querer parar, mas aqui não chovia, a água vinha das cabeceiras,
trazendo de tudo com ela, vi vacas boiando, canoas só com almas dentro, pedaços de casas e currais, mas o que mais me impressionou foram
os peixes. Nunca antes tinha visto tanta fartura e diversidade, vinham
peixes grandes e velhos que foram arrancados com tanta força dos subterrâneos da terra que subiam ralados, machucados de brigar com a
força do rio”. Foi uma das maiores enchentes de que se têm notícias,
noventa dias que destruíram tudo que ficou embaixo d’água, quando
secou, deu pra plantar muito milho, feijão, jerimum, mandioca, criar
gado, bode, foi tanta riqueza que ninguém se lembra do que perdeu.
Os relatos sobre as enchentes mudam de cidade a cidade, isso por que
a mesma enchente, no mesmo ano atingia de forma diferente cada lugar (o
que é muito lógico, pois dependia da geografia e dos grandes afluentes),
mas a de 1979 parece ter atingido a todos. O rio das Velhas contribui com
muita água, mas o São Francisco tem também muito trabalho para limpálo, a poluição já diminuiu um pouco, mesmo assim tem gente que não
come seu peixe e afirma que ele já começa a apodrecer ainda agonizando.
O ribeirinho criou suas próprias regras e leis há muitos mil anos
atrás, deixou isso registrado com inscrições tanto em cavernas como
74
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
nas pedras ao longo de todo seu percurso, foi adaptando no passar dos
anos sua medicina, hábitos alimentares e pescaria. Em Pirapora e
Buritizeiro ainda se pesca dourado no meio da grande ponte da ferrovia
desativada. O pescador prende numa linha muito comprida o Matrinxã
que permanece vivo, mesmo fisgado por horas, joga-o na água e vai
dando linha ao rio até chegar nas corredeiras, muitos metros mais abaixo.
É no tremer da linha no dedo que o pescador sente a hora de puxar o
peixe e nessa hora para tudo, e como num bailado solitário, puxa ora
com uma mão, ora com outra, o interminável náilon, para só no final
ver lá em baixo, pulando freneticamente seu peixe de ouro.
É essa ponte que leva os trilhos da grande ferrovia para atravessarem o rio e morrerem logo do outro lado em Buritizeiro. Também foi lá
em Buritizeiro que construíram o grande Hospital Regional, que é realmente grande, onde se recuperavam os nordestinos que vinham nos
vapores e depois seguiam pela ferrovia até o Rio de Janeiro e São Paulo,
pois o sul já se recusava a receber tantos moribundos.
Relembrei as corredeiras entre Pirapora e Buritizeiro quando do alto
de uma queda livre de mais de 80 metros vi as corredeiras que o Monte
Carmelo forma em Santa Maria da Boa Vista, do alto se avista e se ouve
o rio correndo cristalino sobre as pedras que vai devorando. A beleza
desses espetáculos é indescritível, não há máquina que possa capturála. Ouvi falar que é exatamente lá, perto de Curaçá, que estão planejando construir uma nova barragem e acabar com tudo isto. Tomara
que seja mentira.
Desde Pompéu e Morada Nova de Minas me falaram das mulheres
que tiveram o poder nos barrancos do rio e com ele influenciavam toda
região. Em Morada Nova de Minas, foi Dona Inácia Maria do Rosário,
muito influente e religiosa, mandou construir a igreja que tem Nossa
Senhora do Loreto como padroeira, e que hoje olha para um lago, dando
as costas para cidade nova, pois a antiga lhe foi roubada e afogada na
represa de Três Marias.
Em Pompeu, Dona Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Cascco
Branco Souto Mayor de Oliveira Campos, nascida em 1752, é considerada fundadora da cidade. Muito rica, lhe atribuem 53 filhos. Casou
com 12 anos de idade. Com grande tino para os negócios, plantava e
criava quando todos queriam garimpar, trocava carne por ouro. Dizem
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
75
que seus descendentes são os Vargas, Maciel, Valadares, Campos e
tantas outras famílias ainda hoje importantes na região. O marido era o
Coronel Inácio de Oliveira Campos, patente que lhe foi conferida por ter
lutado na Guerra da Independência na Bahia. Sobre a mesma contam
muitas histórias, inclusive que abasteceu a Família Real enquanto esta
permaneceu no Brasil. A Coroa, em agradecimento, lhe enviou um cacho de bananas todo em ouro. Gracejo que ela entendeu como ofensa e
o mandou de volta com um abacaxi também em ouro, mas cravejado de
diamantes. Quando cheguei a São Romão, após várias cidades e quilômetros rio abaixo, soube que a cadeia que até hoje lá existe e foi transformada em museu, foi construída a mando dessa Dona Joaquina, e
que em seu porão, existia uma cela forrada com sal, onde ficou
trancafiado o assassino que matou seu marido, porque não o queria
morto ou preso em seus domínios.
Na cidade de São Francisco, novamente ouvi falar de uma Dona
Joaquina, dessa vez de Urucuia, muito cruel, que roubava e matava os
tropeiros de quem comprava o gado. Não sei qual das duas serviu para
o marido os peitos da escrava para os quais ele tinha olhado, além de
ter quebrado com uma pedra todos os dentes de outra só porque ela
tinha sorrido pra ele. Talvez até as duas sejam uma só que foi ganhando nomes, história, filhos, e feitos ao longo dos anos.
Na cidade de Xique-Xique, ouvi pela primeira vez falar da Viúva da Casa
da Torre, muito rica, poderosa e de bom coração, que deu a ilha do Miradouro aos que nela habitavam. Semanas depois, em Santa Maria da Boa Vista,
soube que se tratava de Dona Brígida Maria das Virgens, senhora de toda
região da Casa da Torre. Nessa região eu deveria ter lido Pedro Calmon e a
História da Casa da Torre para melhor entender todo o desenvolvimento
desde o litoral até as margens do rio São Francisco na Bahia.
Em Curaçá, é Dona Feliciana Maria de Santa Tereza de Jesus quem
merece os méritos de ter fundado uma das cidades mais cultas das
margens do rio. Servia de exemplo e inspiração na área da educação,
cultura e artes, como a música e a representação. Até hoje, preserva
um museu bem organizado, seu casario, festas tradicionais e exibe com
orgulho seu teatro.
Dona Maria da Cruz veio provavelmente de Penedo das Alagoas,
deixou sua história na atual Pedra da Maria da Cruz, cidade vizinha a
76
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Januária, fundada por Januário Cardoso, descendente de Mathias
Cardoso. A família Cardoso tinha sua sede e Casa Grande no Brejo do
Salgado, mas Dona Maria, como nascera nas margens do São Francisco e adoecia longe dele, ganhou do marido uma outra Casa Grande
e formou em torno de sua morada um novo povoado no qual era admirada e tinha influência. Dizem que quem nasce às margens do rio São
Francisco não vive feliz longe dele. Não importa em que pedaço do barranco, mas dentro dos domínios do espírito do rio que é um só, da
cabeceira a foz.
Essas foram apenas algumas das mulheres do passado que entrelaçaram suas vidas à do rio, exemplo seguido por centenas delas atualmente em comunidades que lutam para resgatar e preservar sua
identidade ao mesmo tempo em que tentam salvar o rio tão devastado
pelas represas e agronegócios. Com as nascentes e lagoas marginais
destruídas ou aprisionadas, matas inteiras do cerrado queimadas para
aquecer fornalhas, pouco resta para acender esperança no coração
dos jovens. São as mulheres que ensinam os mistérios da sobrevivência aos seus filhos, e com eles choram a falta do peixe na mesa, a
morte das veredas, as doenças que não sabem explicar. São elas também que não deixaram morrer a infinidade de receitas feitas com mandioca; a diferença da Quenga verdadeira, que é com charque, e da
falsa, que é com carne fresca; o Bambá de couve; o doce de Cidrão
(mamão, coco e laranja cidra), tudo que pode ser feito com feijão Pambú,
Murici, Pequi, Babaçu, Umbu, do qual se aproveita até as batatas das
raízes para fazer farinha; que a semente do Chicha é comestível, e a
semente da Moringa purifica a água; que não se pode deixar vaca
prenha debaixo de um pé de Tamboril e nem cavalo perto de Cagaita
em flor; que do Tingui se faz sabão, e Nó de Cachorro é bom para alegrar a noite dela e do marido.
Da flora do cerrado o que mais me fascinou foi a Barriguda, árvore
que, conforme me informei, pertence à família dos Baobás, dos Embarés
que habitam a Croácia, Turquia, Madagascar e é o símbolo do Senegal.
As Paineiras rosa e vermelha também criam barriga, mas são menores
que as Embarés. Conta a lenda que a Barriguda desafiou os deuses e
estes como vingança a arrancaram e novamente cravaram no chão com
as raízes para o céu, por isso seus galhos tão exóticos.
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
77
Assim que caem as primeiras chuvas, o umbuzeiro e as barrigudas
são umas das primeiras a lançarem suas flores. Impressiona a rapidez
com que o fenômeno da reprodução pode ser visto nessas árvores, que
antes mais pareciam mortas, de repente estão floridas, espalham suas
sementes e só então, se ainda tiverem água suficiente, se encherão de
folhas. Ambas têm gigantescos depósitos de água, as barrigudas em
seu tronco e os umbuzeiros nas batatas que criam em suas raízes. As
barrigudas somente são encontradas no cerrado, na mata seca, e quando floridas, são fonte de alimento para muitas espécies animais, inclusive o veado campeiro. Em época de grande seca, seu tronco pode ser
cortado em pedaços para alimentar o gado. Os umbuzeiros podem ser
vistos da nascente à foz do São Francisco. Na caatinga, em época de
frutos, encontrava-se com facilidade perto deles cágados da terra.
Vendo atualmente a flora que cerca o rio, apenas se pode imaginar o
que fora outrora, mas ainda encontramos o Babaçu, Favela, que dá
vagens medicinais que são exportadas, Angico, que contem uma resina
contra câncer, coco do Babaçu, do qual dá pra fazer carvão, além de
farinha, óleos, palmeira da Carnaúba, da qual se tirava muita cera e
hoje está quase abandonada, Imburana de Cheiro, para dar gosto e
perfume a cachaça, Baru, que tem uma castanha mais nutritiva que a
do Caju ou do Pará, Tamboril, conhecida como orelha de macaco, boa
pra fazer canoa, Pau-ferro, que é para toda vida, e mais tantas árvores
e arbustos espinhentos e cascudos entre os quais se escondem bodes,
carneiros, jegues, e toda sorte de animal que consegue sobreviver num
lugar tão quente e árido. No pó do cerrado e na areia da caatinga,
contrastante mesmo somente o colorido dos pássaros, como o tucano
em São Roque de Minas, araras azuis de peito amarelo em São Romão,
o sofrê de peito laranja, que pode ser visto em quase toda margem, o
galo de campina, com sua cabeça vermelha, e grande variedade de gaviões, principalmente o carcará. Na Serra da Canastra e poucas regiões
do cerrado ainda se encontram emas e seriemas.
De todas as tristezas que encontrei, a mais desoladora mesmo é ausência de vida nas águas. Os peixes até em fotografias nas colônias de
pescadores era difícil encontrá-los. Somente em Pirapora, Januária, São
Francisco, Xique-Xique e Manga, tive o privilégio de ver o Surubim, o
Pacamã, feio feito um sapato velho, o Dourado, o Piramucaba, o
78
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Curimatã, o Pirá, o Mandim o Cascudo, a Piranha, a Caranha, e mais
tantos que já estão em extinção no Rio São Francisco.
Um pescador me contou que numa noite escura, pescou um Cari
Voador totalmente branco, albino. Todo pescador sabe que o Cari Cascudo é preto como a noite, tem escamas como a serpente e é estranho.
Logo, o pescador ao ver o peixe branco como uma alma ficou com medo,
o soltou rapidamente, e passou anos sem comentar o assunto por acreditar ter pescado uma assombração de gente disfarçada em peixe.
É difícil falar do rio que corre para cima no mapa do Brasil sem contar suas lenda ou repetir incansavelmente, que ele é muito lindo e assombroso. Tem centenas de braços e pernas, como são chamados seus
canais, mais tantas ilhas e lagoas marginais que várias vezes me vi perdida sem saber se me encontrava à margem direita ou à esquerda, ou
ainda quem sabe até dentro dele, sobre uma ilha. Por isso não posso
confirmar a tese de que as terras da margem esquerda são mais barrentas, assim como a água de seus principais afluentes. Vi o Urucuia lindo
de encantar, o Carinhanha misterioso. Não sei se os cedros do lado
esquerdo são mais fibrosos, nem achei suas cidades menos bonitas.
Um professor da faculdade de Engenharia de Pesca de Recife-PE, há
quarenta anos dizia aos seus alunos: “O rio São Francisco está morto”.
Nem quero imaginar o que diria agora depois que as usinas se multiplicaram. As barragens isolaram o povo e suas cidades, acabaram com os
peixes, quase extinguiram veredas, navegação, afundaram cidades com
cemitérios, igrejas e sítios arqueológicos, desapropriaram índios,
quilombolas e vazanteiros, mexeram nas tradições e culturas do ribeirinho. Mesmo assim, enquanto o deixarem inteiro, não o retalharem e o
dividirem em pedaços, o rio São Francisco viverá. Agonizante, mas um
“todo”, com a cabeça na Canastra e a ponta dos pés nas águas do mar.
Há quarenta anos, ainda arrombava com força as águas salgadas, hoje
cerceado em sua liberdade pelos exploradores, pede permissão para
adoçar as dunas do Peba.
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
Figura 1. Serra da Canastra-MG
Figura 2. Januaria-MG
79
80
Figura 3. Pirapora-MG
Figura 4. Lagoa da Prata-MG
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
Figura 5. Sobradinho-BA
Figura 6. Curaça-Ba
81
82
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 7. Monte Carmelo, em Santa Maria da Boa Vista-PE
Figura 8 - Entrada para trilha de Angicos, em Canindé de São Franscisco-SE
VIAGEM PELAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO
Figura 9. Traipu-AL
83
4
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO
FRANCISCO: PROCESSO DE OCUPAÇÃO E SUA
RECUPERAÇÃO
ROBÉRIO ANASTÁCIO FERREIRA
RENATA SILVA-MANN
ALEXSANDRO GUIMARÃES ARAGÃO
ANTÔNIO MARCOS DA SILVA REZENDE
THADEU ISMERIM SILVA SANTOS
PAULA LUIZA SANTOS
SHEILA VALÉRIA ÁLVARES CARVALHO
1. INTRODUÇÃO
A bacia hidrográfica do rio São Francisco estende-se desde a sua
nascente na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até sua Foz, situada
entre os estados de Sergipe e Alagoas (Figura 1). Ao longo de seu curso,
percorre os Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e
Alagoas e, também, o Distrito Federal, no Planalto Central.
O rio São Francisco apresenta em toda a sua extensão 2.700km,
formando uma bacia hidrográfica que abrange 634.000km², composta
por 32 sub-bacias hidrográficas, totalizando 168 cursos d’água, numa
área equivalente a 7,6% do Território Nacional. Essa importante unidade de planejamento é composta de 504 municípios, abrigando uma população de 13 milhões de habitantes, sendo que destes municípios, 101
estão situados na calha do rio (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO, 2011).
Considerando-se a sua divisão geopolítica (Figura 2), esta bacia hidrográfica encontra-se subdivida em quatro regiões: a) alto São Francisco, cuja extensão vai desde a sua nascente até a cidade de Pirapora
- MG; b) médio, que constitui o trecho situado entre Pirapora e Sobradinho
- BA; c) submédio, indo de Sobradinho até Paulo Afonso – BA e d) baixo,
86
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 1. Localização da bacia hidrográfica do rio São Francisco.
Fonte: PNF/CODEVASF/FAO, 2007
constituindo o trecho que vai de Paulo Afonso até o Oceano Atlântico.
Os seus principais afluentes estão situados na margem direita e o seu
curso superior corresponde à faixa tropical úmida, enquanto o médio
curso passa pelo polígono das secas e o inferior tem início no semi-árido
e estende-se até à faixa costeira úmida (DAVIDE et al., 2008).
Deve-se considerar que a Foz do rio São Francisco está situada entre
os estados de Sergipe e Alagoas, correspondendo aos municípios de Brejo
Grande e Piaçabuçu, respectivamente.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
87
Figura 2.
2 Divisão fisiográfica da bacia hidrográfica do rio São Francisco.
Fonte: ZEE Bacia do São Francisco – CODEVASF, 2003
A região do baixo São Francisco, cuja extensão vai de Paulo Afonso BA até a foz do rio no oceano Atlântico apresenta uma área total de
25.523km², incluindo áreas pertencentes aos estados da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO, 2011). A
altitude observada nesse trecho apresenta variação de 250m até o nível
do mar, mas, em alguns divisores de água, essa altitude pode atingir
até 500m. Grande ênfase deve ser dada à planície costeira, com altitudes inferiores a 100m, e aos tabuleiros costeiros formados pelo Grupo
Barreiras, cuja altitude apresenta uma variação de 100 até 200m. A
temperatura média anual é de 25ºC e a precipitação média anual varia
de 800 a 1.300mm (PNF/CODEVASF/FAO, 2007).
Em se tratando da cobertura vegetal observada ao longo da bacia
hidrográfica do rio São Francisco, pode-se encontrar três grandes biomas
(Figura 3). Dentre estes, vários ecossistemas fazem parte de sua forma-
88
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
ção vegetacional: Cerrados (46%), Caatinga (38%), Florestas Estacionais
(4%), Ecossistemas Costeiros (1,5%) e Zonas de Transição (11%). Uma
parte considerável desses ecossistemas foi destruída ou profundamente alterada, encontrando-se em avançado grau de degradação. Estimase que, somente ao longo dos rios, existam aproximadamente 600.000ha
de matas ciliares que foram alteradas em relação a sua condição original (PNF/CODEVAS/FAO, 2007).
Figura 3. Representação da bacia hidrográfica do rio São Francisco e caracterização
dos biomas brasileiros
Fonte: PNF/CODEVASF/FAO, 2007
A vegetação predominante na região do baixo São Francisco é a Caatinga nos dois terços superiores, indo de Paulo Afonso - BA a Propriá SE, onde tem início a zona de tensão ecológica entre a Caatinga e a
Mata Atlântica, que se estende até o município de Piaçabuçu - AL. A
partir desse ponto, as tipologias vegetacionais observadas são de man-
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
89
guezais e restingas até a região da Foz do São Francisco. No estado de
Sergipe, a região que corresponde ao baixo São Francisco ocupa 37% do
Estado e representa 1,2% de toda a bacia hidrográfica, enquanto a área
correspondente do Estado de Alagoas representa 2,2%.
Como consequências diretas do processo de ocupação das terras no
estado de Sergipe, o uso das áreas marginais ao rio para a construção
das cidades ribeirinhas, os desmatamentos indiscriminados para o uso
com agricultura e pecuária, a construção da barragem de Xingó e das
rodovias que ligam os municípios ocasionaram um grave processo de
degradação ambiental nestas áreas.
Nesse contexto, a vegetação ciliar foi o recurso mais afetado, apresentando na atualidade uma fisionomia bastante modificada em todo o
seu trecho no baixo Curso, desde Canindé do São Francisco até a sua
Foz, no município de Brejo Grande.
Face à significativa supressão da vegetação ciliar, muitas espécies da
flora nativa da região estão desaparecendo ou sendo ameaçadas de extinção
e, na grande maioria dos ambientes ciliares, não há resiliência para a
vegetação se restabelecer por mecanismos naturais de regeneração.
Em decorrência da ausência de vegetação ou de fragmentos
vegetacionais grandes que proporcionem a manutenção da diversidade
genética das espécies da flora dessa região, também pode se verificar
que em quase todo local, existe um acelerado processo de erosão nas
margens do rio, promovendo como consequência imediata o
assoreamento em seu leito. Porém, esse quadro vai mais além da perda
da vegetação e dos processos erosivos em suas margens, pois também
promove perda de recursos da fauna tanto locais como regionais, redução dos pescados que mantinham a sustentabilidade dos ribeirinhos e
redução das terras férteis e produtivas, gerando um quadro de empobrecimento das comunidades que residem às margens do rio.
Na região do baixo rio São Francisco, face ao quadro apresentado,
observam-se grandes desequilíbrios ambientais, mudanças significativas na dinâmica do rio e perda do seu patrimônio genético da vegetação e da fauna. Considerando-se a necessidade de se reverter todo
esse quadro de degradação, há necessidade premente de se realizar
projetos de recuperação de áreas degradadas ou de restauração dos
ecossistemas nessa região. Porém, existem somente algumas poucas
90
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
experiências exitosas entre os estados de Sergipe e Alagoas que podem ser mencionadas.
Face ao apresentado, é necessário fomentar parcerias com Instituições e Órgãos Governamentais e Não Governamentais para desenvolver ações relacionadas a propostas metodológicas de implantação de
matas ciliares (em nascentes, cursos d’água e reservatórios) e áreas de
recarga nas sub-bacias hidrográficas, que compreendem a região do
baixo São Francisco. Somente a partir de um grande arranjo institucional e envolvimento da sociedade e da elaboração de políticas de desenvolvimento que contemplem o uso sustentável dos recursos naturais,
será possível promover melhorias ambientais e todo um resgate da qualidade de vida dos ribeirinhos e do patrimônio da diversidade biológica
da região.
2. ASPECTOS DA OCUPAÇÃO DAS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO
BAIXO SÃO FRANCISCO
Assim como se observa em diversas regiões do País, no Nordeste brasileiro, as matas ciliares também são fortemente impactadas pelo modelo de exploração, desde a sua colonização. De acordo com Machado
(2008) e Gonçalves et al. (2007), essa vegetação associada aos cursos
d’água vêm sendo substituídas desde o século XVI pela a implantação
de grandes monocultivos de cana-de-açúcar e pela implantação de pastagens com pecuária extensiva, o que tem ocasionado uma significativa
supressão destas e redução das áreas ocupadas originalmente pela Mata
Atlântica, estimando-se hoje que existam apenas em torno 5% de sua
vegetação original. Apesar de se observar esse baixo percentual, de acordo com Carvalho et al. (2005), essas áreas encontram-se muito perturbadas e distribuídas em fragmentos esparsos. Deve-se entender também,
que em muitas das situações pode-se observar que, além de pequenos e
esparsos, tem-se apenas faixas estreitas e descontínuas de vegetação
margeando os cursos d’água. A ausência de grandes fragmentos de vegetação pode comprometer no futuro toda a biodiversidade da região.
Como um fator de grande impacto ambiental na região do baixo São
Francisco, a construção das grandes barragens promoveu mudanças
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
91
significativas. Além dos danos ambientais observados, também se verifica que essas afetaram tanto a flora quanto a fauna locais (desaparecimento das espécies) e alteração do sistema hidrológico do rio (mudanças no ciclo da cheias e alteração das áreas de vazantes), causando
impactos na economia, pela redução da pesca artesanal e da agricultura de subsistência (ISMERIM, 2005). Sob o aspecto vegetacional, as áreas que foram ocupadas a partir da inundação dos lagos e a regularização da vazão do rio, também sofreram mudanças na composição das
espécies e na estrutura das comunidades vegetacionais, devido à ausência das cheias regulares.
O rio São Francisco na região do baixo curso é explorado para diferentes finalidades tanto sociais quanto econômicas, tais como: uso da
água para o abastecimento das populações urbanas ribeirinhas, como
depósito dos efluentes domésticos, uso para irrigação em pequenas propriedades ou nos grandes projetos implantados na região, como fonte
de pescado e para implantação de projetos de aquicultura, desenvolvimento do ecoturismo, navegação e exploração no comércio pluvial entre
as cidades vizinhas e exploração da hidroeletricidade através da Usina
de Xingó, pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco – CHESF (FONTES et al., 2002).
Quanto aos aspectos do relevo regional, observa-se que de Propriá
até Neopólis este é caracterizado predominantemente pelos tabuleiros
costeiros, que foram formados sobre os sedimentos terciários do Grupo Barreiras. No trecho que vai de Neopólis até À foz do rio São Francisco, no município de Brejo Grande, o relevo é caracterizado pela planície litorânea. Nessa região, em seu baixo curso o rio São Francisco
percorre inicialmente uma grande faixa semi-árida e, que gradualmente passa a subúmida a partir de Propriá indo até à foz (FONTES et
al., 2002).
Considerando-se as tipologias de vegetação presentes no baixo São
Francisco, no estado de Sergipe, pode-se encontrar: Caatinga, localizada na região do semi-árido, estendendo-se de Canindé do São Francisco até Propriá (Figura 4); zona de transição ou ecótono, também denominada regionalmente de Agreste (Figura 5), que ocupa uma extensa
área em todo o estado entre a Mata Atlântica e a Caatinga, encontrando-se também, Mata Atlântica e ecossistemas associados (Figura 6), em
92
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
áreas correspondentes à proximidade da foz, entre os estados de Sergipe e Alagoas, conforme as tipologias propostas na Classificação da Vegetação Brasileira (VELOSO et al., 1991).
Figura 4
4. Aspectos da vegetação ciliar em área de Caatinga, no município de Canindé do São Francisco – SE. Fotos: Itamara Bomfim Gois, em 2009.
Figura 5
5. Vegetação ciliar em área de transição, entre a Mata Atlântica e a Caatinga,
também denominada de Agreste, no Povoado Saúde, Assentamento Sambambira,
município de Santana do Francisco – SE. Foto: Paula Maria Guimarães Marroquim,
em 2010.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
93
Figura 6. A - Área próxima à foz do rio São Francisco com vegetação característica
de Manguezal e B – Área da foz com tipologia característica de vegetação de restinga,
no município de Piaçabuçu – AL. Fotos: Robério A. Ferreira, em Dezembro de 2009.
Com o intuito de preservar as florestas e as demais formas de vegetação do território brasileiro, foram instituídas as Áreas de Preservação
Permanentes (APP’s), de acordo com o Código Florestal brasileiro (Lei
4.771/65). Nesta Lei, a vegetação nativa, seja considerando-se a sua
função protetora ou sua relevância ecológica, precisa ser mantida em
sua integridade, proibindo-se qualquer foram de exploração econômica
que implique em sua alteração fisionômica ou supressão.
Tais APPs conforme a Medida Provisória nº 2166.67/01, que acrescentou o inciso II, do § 2º, ao Art. 1º da Lei Federal 4.771/65, são definidas como as áreas protegidas nos termos dos Arts. 2º e 3º dessa Lei,
cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservação dos recursos hídricos e da paisagem, manutenção da estabilidade geológica, manutenção da biodiversidade e do fluxo gênico de flora
e fauna locais e regionais; proteção do solo e, ainda, com a função de
assegurar o bem-estar das populações humanas. As APPs são distintas
das áreas de “Reserva Legal”, que também são definidas no mesmo Código, por não serem objeto de exploração de nenhuma natureza, como
se permite no caso da Reserva Legal, a partir de um plano de manejo
para a exploração sustentável (JACOVINE et al., 2008).
Apesar de toda uma Lei de proteção, observam-se em todo o País os
usos indevidos das APPs, em especial as zonas ripárias ou de vegetação
ciliar. Deve-se considerar que as ações antrópicas realizadas nesses
ambientes ripários para atender as diversas necessidades humanas,
94
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
tanto nas áreas do entorno de nascentes ou nas margens de cursos
d’água e reservatórios são consideradas ilegais. No Brasil, esses ambientes são protegidos pela Lei desde 1934, quando foi instituído o primeiro
Código Florestal, em seu artigo 4°, que é considerado o primeiro instrumento jurídico de proteção às Matas Ciliares e de Galeria.
Posteriormente, com o novo Código Florestal (Lei 4.761/65) conferiuse maior proteção às Áreas de Preservação Permanentes (APP’s), sendo
estas consideradas como sendo tanto as florestas quanto as demais
formas de vegetação existentes ao redor dos cursos d´água, nas nascentes, nos lagos e lagoas e nos reservatórios, sejam eles naturais ou
artificiais (SOUZA, 2002).
Apesar do termo mais genericamente empregado para as formações
vegetacionais ciliares como sendo “mata ciliar”, de acordo com Ab’Sáber
(2000), todas as formas de vegetação ciliar correspondem àquelas associadas aos cursos e reservatórios de água, independente da área ou
região em que essas ocorrem, da composição florística e da sua localização. Essa vegetação que ocupa as margens da rede hidrográfica desempenha diversas funções sobre a hidrologia de uma bacia hidrográfica.
Apesar da alta diversidade biológica associada a ela, é considerada como
sistema frágil. Em decorrência da intensa exploração promovida pelas
ações antrópicas nessas áreas, tais formações vegetais vêm sendo muito afetadas em termos de redução da diversidade biológica aí existente
devido à retirada das espécies e, também pelas mudanças ocasionadas
em seus sistemas pela dinâmica erosiva e de sedimentação dos cursos
d’água.
As matas ciliares “latu sensu”, como as formações vegetais que ocorrem ao longo dos cursos d’água e nascentes, apresentam características bem definidas e dependentes das condições ambientais marginais
aos cursos d’água. Nesse aspecto, elas são consideradas estratégicas
para o equilíbrio desses ecossistemas, uma vez que desempenham diversas funções: mantém maior estabilidade dos recursos hídricos; protegem diretamente o solo minimizando ou impedindo os processos
erosivos; abrigam flora e fauna (terrestre e aquática); são importantes
por funcionarem como corredores ecológicos, facilitando ou permitindo
que haja um fluxo gênico entre os fragmentos da região ou nas faixas
que acompanham os cursos d’água; são consideradas depositários de
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
95
grande biodiversidade local e regional (flora, fauna e microrganismos);
formam o banco de patrimônio genético, propiciando que a reserva aí
contida gere possibilidades de resgates de genes importantes, em caso
de necessidades futuras, e deve-se também considerar, que essa se
apresenta como um importante componente de paisagem na região.
Várias podem ser as terminologias associadas à vegetação ciliar,
sentido Ab’Sáber (2000). Também denominadas florestas ribeirinhas
por Rodrigues e Gandolfi (2004) como as “florestas ocorrentes ao longo
dos cursos d’água e no entorno das nascentes”, são essenciais para
que se tenha uma efetiva proteção dos mananciais a elas associados,
pois permitem formar uma zona de proteção controlando a chegada de
nutrientes e de sedimentos; impedem os processos de erosão das ribanceiras ou taludes marginais; atuam também interceptando e absorvendo a radiação solar, contribuindo assim para que haja uma maior estabilidade térmica da água, consequentemente, mantendo as características físicas, químicas e biológicas dos cursos d’água (DELITTI, 1989).
Considerando-se a elevada freqüência de alterações que ocorrem normalmente nos sistemas ripários, a vegetação que se estabelece nesta
zona ciliar, em geral, apresentam grande heterogeneidade, tanto em
termos de estrutura quanto em distribuição espacial (LIMA e ZAKIA,
2004).
Historicamente, o desenvolvimento da região do baixo São Francisco
sergipano está intrinsecamente relacionado ao uso das áreas marginais ao longo do rio. As áreas ciliares foram incorporadas ao processo
de produção agropecuária; ocupação urbana com o estabelecimento das
cidades, assentamentos rurais e, em toda região com a construção das
regionalmente conhecidas prainhas (Figura 7); exploração da madeira
para diversos usos (consumo residencial ou na forma de lenha e carvão
para padarias, indústrias e olarias da região); extração de argila para a
confecção de artesanatos e para as grandes olarias (Figura 8). E ainda,
como prováveis fatores de impactos significativos em toda a região, podem-se citar: a construção de estradas (Figura 9), a implantação dos
grandes projetos de irrigação mal dimensionados e a construção da
barragem hidroelétrica de Xingó, que alterou a sua vazão original, promoveu mudanças na sua dinâmica fluvial e provocou alterações na
fisionomia da paisagem regional sob sua influência (Figura 10).
96
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 7. Construção de bares (prainhas) e uso para pecuária em margem do rio São
Francisco, no Povoado Saúde, município de Santana do Francisco – SE. Foto: Robério
Anastácio Ferreira em Dezembro de 2010.
A
B
Figura 8. A - Atividade ceramista de artesãos em área de mata ciliar do rio São
Francisco, no município de Santana do São Francisco – SE; B – Atividade ceramista
de olaria situação à margem do rio, no município de Neópolis - SE. Fotos: Robério
Anastácio Ferreira, em Dezembro de 2010.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
97
Figura 9. Construção de estrada em área marginal ao rio São Francisco, no município de Santana do São Francisco – SE. Fotos: Robério Anastácio Ferreira, em Dezembro de 2010.
Figura 10. Usina de Xingó, no município de Canindé do São Francisco. Foto: Robério
Anastácio Ferreira, em 2007.
Deve-se considerar que o modelo de exploração adotado promoveu
mudanças significativas em toda a região do baixo São Francisco. Gradativamente, observou-se a redução da fertilidade natural das áreas marginais ao curso do rio pela exportação massiva de nutrientes, sem que o
rio pudesse repor a sua carga natural de sedimentos, à semelhança de
quando ocorriam as cheias sazonais naturais. Além disso, do ponto de
vista ecológico, a biodiversidade da flora e fauna nativas também foram
severamente perturbadas, pois as espécies vegetais de maior interesse
98
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
econômico foram exploradas indiscriminadamente, comprometendo as suas
populações naturais, seja por isolamento promovido pelo grande número
de pequenas ilhas vegetacionais formadas, ou pela supressão significativa dessas, em alguns casos, deixando-as em caráter de raridade.
Por fim, provavelmente, a mudança mais significativa vivenciada pelas
populações ribeirinhas é que as mesmas se tornaram mais empobrecidas, uma vez que, com a redução do suporte vegetacional, observa-se o
afugentamento da fauna terrestre que era usada na base da alimentação e redução dos pescados, que, além de alimentar as populações ribeirinhas, era uma de suas principais fontes de renda.
D ponto vista hidrológico, observam-se alterações na vazão natural,
no sistema de cheias e maior deposição de sedimentos ao longo do seu
leito, tornando o rio sem condições de navegação em alguns trechos,
pela formação dos grandes bancos de areia, chamadas regionalmente
de barras arenosas (Figura 11).
Figura11. Aspectos da formação de bancos de areia, ocasionando o assoreamento
na região do baixo Curso do rio São Francisco, decorrente dos processos erosivos em
suas margens. Foto: Autor Desconhecido.
A implementação de ações que visem reverter o quadro de degradação ambiental observado na região do baixo São Francisco, requer a
realização de estudos detalhados das significativas mudanças ecológicas promovidas ao longo de sua ocupação, das mudanças históricas
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
99
sociais e econômicas e dos aspectos silviculturais para que se possa
acelerar o desenvolvimento de espécies para reverter tal situação. Vários aspectos devem ser considerados para isso, dentre eles está a necessidade de recuperar uma grande quantidade de áreas que se tornaram
improdutivas e perderam a sua resiliência, comprometendo os mecanismos naturais de regeneração da maioria das espécies vegetais de
interesse econômico para as populações ribeirinhas e, principalmente,
o resgate da qualidade de vida dessas comunidades.
Inicialmente, a realização de trabalhos para identificar as espécies
ainda remanescentes e resgatar seu histórico dever contemplar estudos de ecologia da paisagem, da estrutura e da dinâmica das comunidades vegetais ainda existentes, nos pequenos fragmentos florestais. E
ainda, reforça-se a importância de se estudar as populações naturais
das espécies remanescentes a partir de estudos de genética de populações, conforme proposto por Silva-Mann et al. (2010).
Deve-se entender que a base para realização de trabalhos de recuperação de matas ciliares na região, além dos aspectos mencionados, é
assegurar que as espécies ainda existentes sejam preservadas para
que se possam estabelecer programas de produção de sementes, com
número representativo de indivíduos e com boa variabilidade genética,
como sugerido por Kageyama e Gandara (1999). Desse modo, é possível
se produzir sementes com boa qualidade, física, fisiológica e genética,
que é a matéria prima para tais programas.
3. ASPECTOS DA PRODUÇÃO DE SEMENTES VISANDO À
CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE EM ÁREAS DE VEGETAÇÃO
CILIAR NA REGIÃO DO BAIXO SÃO FRANCISCO
Em função dos constantes desmatamentos ocorridos na faixa de vegetação ciliar na região do baixo São Francisco, além da construção das
grandes barragens em toda a extensão do rio ao longo da bacia
hidrográfica, várias mudanças podem ser observadas na dinâmica dessa região. Como resultado de várias ações antrópicas que promoveram
grandes desmatamentos para a retirada de madeira ou para ocupação
humana nas suas margens, poucas populações de espécies florestais
100
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
podem, ainda, ser encontradas com número de indivíduos que possam
assegurar a regeneração natural e o seu estabelecimento.
De acordo com Santos (2001), os desmatamentos para expansão das
fronteiras agrícola e pecuária constituem a principal causa da significativa redução das populações arbóreas nessa região. Como consequência imediata dessas ações antrópicas, observa-se que a produção de
sementes nessas áreas, das espécies de maior interesse ecológico, econômico e social vem decrescendo, comprometendo assim o equilíbrio de
tais ambientes. Deve-se considerar que o baixo número de indivíduos
das populações naturais pode comprometer as gerações futuras dessas
espécies por reduzir a sua variabilidade genética, em função da acentuada endogamia a qual podem estar submetidas.
Para assegurar um fluxo contínuo de produção de sementes e produção de mudas, com fins de recuperação de áreas degradadas ou de
restauração ecológica nessas áreas de vegetação ciliar, a semente é o
principal meio de propagação das espécies florestais para manter uma
considerável diversidade genética. Nesse aspecto, grande ênfase tem
sido dada às estratégias de manejo ambiental que possam de forma
segura manter tal diversidade. Portanto, a necessidade urgente de se
realizar estudos de diversidade para assegurar as gerações futuras das
populações das espécies de maior interesse nessa região é premente,
assim como também é enfatizada por vários pesquisadores (KAWAGUICI
e KAGEYAMA, 2001; AGUIAR et al., 2001; KAGEYAMA et al., 2003 e
SEBBENN et al., 2003) em diversas regiões do país.
Considerando-se os aspectos mencionados, há a necessidade de se
realizar mais estudos na Região do baixo São Francisco que possam
contemplar uma avaliação da estrutura das populações das espécies
que ocorrem naturalmente nos fragmentos ainda existentes. Tal avaliação possibilitará de forma segura, entender o nível de intervenções
antrópicas ocorridas e o grau de sustentabilidade ecológica de tais ambientes.
Dentre os poucos trabalhos realizados na área do baixo São Francisco que buscaram enfatizar a estrutura genética das espécies arbóreas,
foi observado em cinco fragmentos, que a espécie Schinus terebinthifolius
apresenta-se em nível ruim na avaliação do grau sustentabilidade. Além
disso, todos os fragmentos apresentaram alto nível de intervenção
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
101
antrópica, devido ao grande potencial exploratório da espécie na região,
principalmente de seus frutos (CARVALHO, 2009).
Assim, a estrutura genética da S. terebinthifolius nos referidos fragmentos sugere a necessidade emergente de um plano de manejo visando à conservação da espécie na região, uma vez que os mesmos apresentam-se na paisagem de forma isolada, dificultando o fluxo alélico
entre os indivíduos, sendo agravado diante dos níveis críticos de sustentabilidade dos fragmentos. Portanto, foi enfatizado que a diversidade
genética das populações remanescentes em cada fragmento tende ao
declínio, tornando-se necessária a coleta de sementes em todos os fragmentos na busca de nível de sustentabilidade genética satisfatório para
a espécie em populações futuras (CARVALHO, 2009).
Pouco se conhece sobre o comportamento fenológico das espécies,
considerando-se a produção e a maturidade fisiológica de sementes das
espécies nativas da região. Dentre os principais aspectos que devem
ser considerados no sistema de produção de sementes florestais, de
acordo com Aguiar et al. (1993), podem-se citar: a) número de matrizes
para se realizar a colheita das sementes; b) distância entre as matrizes;
c) número de ocasiões em que a árvore produz sementes durante o seu
ciclo de vida; d) intervalo entre os eventos de produção; e) quantidade
de sementes produzidas em cada período de produção; f) duração do
período de produção; g) classificação da árvore dentro dos povoamentos
florestais e h) grupo ecológico ao qual a espécie pertence.
Na maioria dos programas de restauração ecológica de florestas nativas, pouca atenção tem sido dada ao aspecto da qualidade das sementes, na tentativa de que estas representem a máxima qualidade genética
da população de cada espécie. Desse modo, Kageyama e Gandara (1999)
mencionam que é necessário se conhecer o tamanho efetivo das populações (Ne), uma vez que esse representa o potencial genético que um indivíduo tem, em função de seu sistema reprodutivo e da sua genealogia.
Portanto, o tamanho efetivo de uma população implicará na sua capacidade de manter as características genéticas ao longo de sucessivas gerações, de maneira que um programa de produção e colheita de sementes
deverá priorizar esse critério para que os futuros ecossistemas formados,
a partir das sementes das espécies selecionadas para tal finalidade, representem a máxima variabilidade genética possível de cada espécie.
102
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Para as espécies que apresentam um sistema reprodutivo alogâmico,
comum na maioria das espécies arbóreas, o mais recomendado é que se
realize a colheita em 12 ou 13 matrizes para aquelas populações naturais
que apresentam mais de 500 indivíduos, ou devem-se colher sementes de
várias populações, quando estas forem de tamanho pequeno (KAGEYAMA
e GANDARA, 1999). Para tentar assegurar a máxima variabilidade genética das populações, as árvores-matrizes devem ser selecionadas mantendo-se uma distância mínima de 50 a 100 metros entre as mesmas. Considerando-se os aspectos mencionados, recomenda-se selecionar as árvores
mais vigorosas, sadias e boas produtoras de sementes das populações
naturais na região onde os trabalhos serão realizados. Deve-se então estabelecer áreas de produção de sementes (APS) em que a composição florística
apresente o máximo de semelhança possível à da futura floresta a ser
formada e amplamente adaptada à região a ser restaurada (AGUIAR et al.,
1993). Por outro lado, alguns pesquisadores sugerem que não apenas as
árvores mais vigorosas e mais produtivas devem ser selecionadas em projetos de recuperação de áreas degradadas ou restauração ecológica, mas
sim o maior número de indivíduos possível, sem descartar mesmo aqueles
que podem ser considerados mais frágeis.
Pode-se observar que, na região do Baixo São Francisco Sergipano
algumas espécies, por exemplo, Tabebuia impetiginosa, Caesalpinia
ferrea, Hymenaea courbaril, Spondias lutea, Erythrina velutina, Hymenaea
courbaril, Zizyphus joazeiro e Cassia grandis, encontram-se com um baixo
número de indivíduos, fato esse que pode vir a comprometer a sua regeneração natural e o estabelecimento dessas no meio ambiente. Apesar
de sua comprovada importância econômica e ecológica para a região, o
modelo de ocupação humana nas margens do rio São Francisco, em
seu baixo Curso, torna-se um fator impeditivo para o sucesso dos indivíduos jovens no estabelecimento, em decorrência dos fortes fatores de
pressão e seleção nessa região.
A partir dos aspectos mencionados, evidencia-se cada vez mais a necessidade de se realizar estudos relacionados às populações de espécies
florestais nativas na região, com o intuito de preservar ou ampliar a diversidade genética das espécies ainda remanescentes nos poucos e pequenos fragmentos florestais no rio São Francisco. Ou ainda, de forma mais
comum nas faixas descontínuas de vegetação, ao longo da sua margem.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
103
A preocupação no presente reside em se encontrar alternativas que
possam favorecer à conservação “in situ” e “ex situ” e a utilização adequada de sementes das espécies florestais locais e regionais, em programas de recuperação de áreas degradadas ou restauração ecológica
de matas ciliares. Tais programas devem ser realizados em consonância com as necessidades sociais e econômicas das comunidades ribeirinhas alí residentes, pois, na maioria das vezes, essas dependem exclusivamente dos recursos naturais para a sua subsistência.
Uma das principais preocupações para se recomendar mais adequadamente as espécies florestais que devem ser empregadas em trabalhos de
recuperação ou restauração das áreas ciliares é identificar corretamente
as espécies de uma dada região. Nesse sentido, os estudos de análise de
vegetação para se conhecer a composição florística de uma determinada
área são imprescindíveis. E ainda, em muitas das situações, os estudos
florísticos e fitossociológicos fornecem informações de grande relevância
para a identificação precisa das espécies e para o entendimento das comunidades vegetais dos remanescentes ainda existentes na região.
A partir de uma correta identificação das espécies na região do Baixo São Francisco, essas devem ser georeferenciadas, etiquetadas, caracterizadas fenotipicamente em relação à altura, circunferência do tronco a altura do peito (CAP) e área de copa, e observadas suas características fenológicas (floração e frutificação). A caracterização das plantas
matrizes tem importância fundamental na obtenção de informações sobre
as espécies que serão utilizadas nos programas de recuperação ou restauração das áreas ciliares. Assim, os dados fenológicos são indispensáveis para o conhecimento da época da maturação dos frutos e, consequentemente, da dispersão de sementes, tornando-se fundamental para
a elaboração de um programa de produção de sementes.
Considerando-se um trecho de mata ciliar representativo no Baixo São
Francisco, correspondendo a uma área de 100ha (10km de extensão e 100m
de largura a partir da margem do rio), entre os municípios de Neópolis e
Santana do Francisco, foi realizado um censo de 21 espécies que podem ser
consideradas representativas da flora arbórea regional e que apresentam
potencial ecológico, silvicultural e econômico para as comunidades ribeirinhas da região. Essas espécies também foram mencionadas por Santos
(2001) como presentes nesta região e de relevância para tais comunidades.
104
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
As espécies foram identificadas a partir da coleta de material botânico, sendo então comparadas com material existente em Herbários e
também, por meio de comparações com a literatura específica para esta
finalidade (LORENZI, 1992 e 2002). A relação das espécies, o número de
indivíduos de cada população e as medidas dendrométricas avaliadas
são apresentadas na Tabela 1, com as médias, e os valores máximos e
mínimos de cada variável.
Considerando-se a necessidade de ser ter um grande número de indivíduos dentro das populações naturais para que se possa assegurar
uma máxima representatividade da variabilidade genética, como é recomendado por Kageyama e Gandara (1999), na área estudada, verifica-se que o número de indivíduos existentes em algumas populações,
pode não apresentar a variabilidade genética esperada e desejada. Das
21 populações estudadas 14 apresentam menos de 25 indivíduos. Nesse caso, esse fato pode vir a comprometer de forma significativa a estrutura genética dessas espécies para manter as futuras gerações. É relevante entender também, que para se obter sucesso da regeneração natural destas, no meio, é necessário que todos os fatores de pressão antrópicas sejam excluídos desta área. E ainda, deve-se assegurar a preservação destas, impedindo que mais indivíduos sejam retirados.
O fato mais contundente vivenciado é que todas as populações estudadas apresentam número de indivíduos bem inferiores ao recomendado para a implantação de programas de produção de sementes,
com vista a se ter uma máxima representação da variabilidade genética destas espécies, conforme é sugerido por Kageyama e Gandara
(1999). Algumas delas, pode-se imaginar já se encontrarem em caráter de raridade.
Isso evidencia a necessidade urgente de realização de estudos que
contemplem uma avaliação mais criteriosa, quanto aos aspectos genéticos de tais populações, uma vez que recomenda-se observar a necessidade de se colher sementes em 12 ou 13 indivíduos de uma população
grande com 500 indivíduos. No entanto, devido à grande fragmentação
da vegetação na região, não foi possível encontrar tal número de matrizes e nem de indivíduos para todas as espécies dentro das populações
ainda existentes, pois as matrizes relacionadas correspondem a toda a
população existente na região estudada.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
105
Tabela 1 – Avaliações dendrométricas de indivíduos de espécies florestais, em populações naturais situadas em trecho de mata ciliar na região do Baixo São Francisco sergipano
(área de 100ha), entre os municípios de Neópolis e Santana do São Francisco.
Obs.: * Dados não mensurados.
106
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Vale reforçar que para se estabelecer um programa de produção de
sementes das espécies que serão selecionadas para recuperação ou
restauração das áreas ciliares na região, deve-se colher sementes de
pelo menos 5 a 10 árvores-matrizes, distantes no mínimo 50 a 100m
entre si, e devem ser feitas avaliações genotípicas das matrizes através
de comparações com seus respectivos genótipos. Uma criteriosa seleção
deverá ser realizada com base nas características fenotípicas, aspectos
fitossanitários e aspectos da produção de frutos de cada árvore-matriz.
A partir da situação observada realça-se a importância de se tentar
introduzir novos genótipos nessas populações. Com exceção de araticum,
embaúba, falso-ingá, ingá e jenipapo, as demais espécies apresentamse de forma preocupante nessa região, pois o baixo número de indivíduos é limitante para uso em futuros projetos na região, uma vez que
imagina-se que mesmo existindo ainda uma certa variabilidade genética, o número de genótipos é muito baixo, ou seja, são populações que
podem apresentar muita endogamia. Isto pode comprometer seriamente as futuras gerações dessas espécies.
4. ESTRATÉGIAS PARA RECUPERAÇÃO DE VEGETAÇÃO CILIAR:
CRESCIMENTO INICIAL DE ESPÉCIES FLORESTAIS EM DIFERENTES
MUNICÍPIOS DE SERGIPE
Desde o princípio das civilizações humanas, os recursos florestais
foram explorados de forma irracional ou destruídos pelos diversos povos, promovendo um prejuízo incalculável à fauna e à flora dos ecossistemas naturais (LEÃO, 2000). Deste modo, a questão ambiental nas
últimas décadas tem sido um assunto de grande relevância, principalmente em relação à conservação, recuperação e restauração de vegetação ciliar.
A forte ação antrópica nas áreas ciliares no estado de Sergipe, ao
longo de sua história, ocasionou uma significativa redução dos seus
recursos naturais, especialmente a flora e fauna regionais. Outros aspectos evidentes desse processo são os vários pontos de erosão nas
margens dos rios e assoreamento de seus cursos, tornando as regiões
severamente degradadas. Considerando-se tais aspectos, essas áreas
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
107
devem ser priorizadas para programas de recuperação ambiental ou
enriquecimento florestal.
Segundo Ab’Saber (2000), a terminologia vegetação ciliar deve ser
aplicada para todas as formas fisionômicas de vegetação que estarão
associadas aos cursos (córregos, riachos, rios de pequeno, médio e grande porte) e reservatórios d’água (naturais ou artificiais), independente
da região em que esteja localizada ou da sua composição florística. Do
mesmo modo, Rodrigues (2000) conceitua vegetação ciliar como sendo a
vegetação que ocorre ao longo de cursos d’água e no entorno das nascentes. E ainda, também pode ser definida como a vegetação florestal
que acompanha as margens dos rios (RIBEIRO e WALTER, 2001). De
acordo com Martins (2001), esse ambiente é caracterizado por apresentar uma grande heterogeneidade fisionômica, florística e estrutural.
A vegetação ciliar apresenta importantes funções na manutenção
da qualidade dos ambientes aquáticos, uma vez que essa é responsável por filtrar a água que pode estar contaminada, além de funcionar
como corredores ecológicos para a flora e a fauna; fornecer fontes de
alimentação e abrigo para a fauna e, ainda, proteger as fisionomias
vegetais adjacentes (FONSECA et al., 2001). Conforme Galli e Gonçalves (2000), protegem os mananciais, evitam o assoreamento e interceptam o excesso de radiação solar, influenciando nas características
químicas, físicas e biológicas dos corpos d’água. Estes ecossistemas
exercem, em especial, ainda, uma função de tamponamento, protegendo os rios e mantendo o ambiente mais estável, promovendo uma
melhoria na qualidade da água (ALMEIDA, 2000). Sendo assim, a recuperação destes ambientes torna-se cada vez mais uma necessidade
frente ao ritmo acelerado e crescente dos processos de degradação
(MARTINS, 2001).
O trabalho de recuperação de vegetação ciliar não envolve simplesmente o plantio de mudas das espécies de interesse para tal finalidade, consiste na realidade, na adoção de um conjunto de medidas que
devem ser utilizadas para acelerar o processo de sucessão natural, visando sempre uma maior eficiência dos métodos empregados e a redução dos custos envolvidos (OLIVEIRA-FILHO, 1994). De acordo com Wilson e Lowe (2003), os planos de conservação em grande escala e de
relevância ecológica são importantes, pois ajudam a proteger a
108
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
biodiversidade para a recuperação de habitats e auxiliam nos processos biofísicos que podem manter um maior número de espécies.
Para se atingir o principal objetivo que é a recuperação da vegetação, em áreas ciliares, é necessário observar fatores como umidade,
características físico-químicas do solo, temperatura e luminosidade, uma
vez que esses fatores podem afetar diretamente o desenvolvimento inicial das mudas no campo, tornando-se imprescindível o estudo do comportamento das espécies florestais em diferentes sítios. Para tanto, de
acordo com Lorenzi (1998) e Paiva e Vital (2003), as espécies selecionadas
nos programas de recuperação ambiental devem apresentar características potenciais, respeitando-se os aspectos ecológicos dessas.
Nesse contexto, são apresentados dois estudos de caso que foram
realizados com o objetivo de implantar e avaliar modelos de recuperação de mata ciliar em dois municípios do estado de Sergipe, na
região do Baixo São Francisco. Os estudos foram feitos por meio do
plantio de mudas de espécies nativas da região, considerando-se os
aspectos econômicos envolvidos no processo, silviculturais buscando um crescimento mais rápido das espécies e maior recobrimento
do solo e os aspectos ecológicos para a sustentabilidade ambiental
dos recursos naturais, com prioridade para as pequenas propriedades rurais da região.
4.1. Material e métodos
Os estudos de caso foram realizados em dois municípios do estado de
Sergipe, representando dois Sítios distintos.
O Sítio I, situado na fazenda Mãe Natureza, povoado Saúde, município de Santana do São Francisco, com latitude 10o18’56’’ (S) e longitude
36o52’58’’ (W), apresenta temperatura média anual de 26ºC e precipitação anual variando de 800 a 1.050mm, com média de 950mm.
O Sítio II, situado no povoado Borda-da-Mata, município de Canhoba,
com latitude 10o12’48’’ (S) e longitude 36o50’2’’ (W), apresenta temperatura média anual de 27,5ºC e precipitação anual variando de 700 a
1.000mm, com média de 850mm. Deve-se considerar que o período de
maior concentração de chuvas corresponde aos meses de maio a gosto
nos dois Sítios.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
109
As espécies florestais foram selecionadas em função da ocorrência
natural nas duas regiões, dos aspectos silviculturais e do potencial ecológico para estudos de recuperação de vegetação ciliar. Consideraramse, ainda, os aspectos sócioeconômicos relacionados por Santos (2001).
As espécies testadas foram: angico (Anadenanthera colubrina (Benth.).
Brenan), aroeia (Schinus terebinthifolius Raddi), canafístula (Cassia
grandis L.f.), craibeira (Tabebuia caraiba (Mart.) Bureau), falso-ingá
(Lonchocarpus sericeus (Poir) Kunth), ingá (Inga vera Willd.), jenipapo
(Genipa americana L.), jatobá (Hymenaea courbaril L.), mulungu (Erythrina
velutina Willd.), pau-ferro (Caesalpinia leiostachya (Benth.) Ducke), paupombo (Tapirira guianensis Aubl.) e tamboril (Enterolobium contortisiliquum
(Vell.) Morong).
As mudas foram produzidas no Horto Florestal da Universidade Federal de Sergipe, tendo como recipientes sacos de polietileno preto
(14x21cm), contendo substrato composto de terra de subsolo, areia e
esterco de curral curtido na proporção de 3:1:1. A adubação inicial, no
substrato, foi realizada com 5kg de superfosfato simples, 500g de cloreto
de potássio, 300g de FTE para cada m3 de substrato, conforme sugestão
feita por Faria (1999).
O plantio das mudas foi realizado considerando-se dois modelos
sucessionais, com base nos trabalhos realizados por Durigan e Nogueira (1990); Davide (1994) e Kageyama e Gandara (2000), levando-se em
consideração o sistema de plantio em quincôncio, associando-se espécies de crescimento rápido com espécies de crescimento lento.
As operações realizadas na implantação foram: a) combate às formigas cortadeiras em toda a área de plantio, o qual foi realizado por meio
de iscas granuladas mirex; b) abertura de covas manualmente com
auxílio de cavador, enxada e enxadão, as quais apresentaram medidas
de 30x30x30cm e realizou-se o coroamento (limpeza) no entorno dessas
em raio de aproximadamente 50cm; c) adubação inicial na cova antes
de ser realizar o plantio, fazendo a aplicação de 200g de superfosfato
simples; d) plantio das mudas e e) replantio das mudas após 30 dias
quando houve mortalidade superior a 10%.
Após 60 dias do plantio das mudas, foi realizada uma adubação de
cobertura, utilizando-se para isso uma composição de 80g de cloreto de
potássio + 20g de sulfato de amônio que foi aplicada por planta.
110
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Foram avaliadas, mensalmente, a sobrevivência das mudas (por meio
de contagem direta em campo) e as características de crescimento até
o12o mês. Após esse período, as plantas foram avaliadas a cada três
meses, quanto às características de crescimento: altura da parte aérea
(H), diâmetro do colo (DC) e taxa de crescimento relativo (TCR).
Os experimentos foram instalados em julho de 2004, em delineamento em blocos casualizados (DBC) com três blocos no Sítio I, onde
foram instaladas 2 parcelas por bloco com espaçamento 3x3m e 3x1,5m.
Enquanto, no Sítio II, o delineamento empregado foi inteiramente
casualizado (DIC) com 6 parcelas, em espaçamento de 3x3m.
Para a realização das análises estatísticas, foi empregado o programa SANEST, sendo essas submetidas à análise de variância. As médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.
4.2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Observando-se os dados da precipitação média mensal ocorrida nos
18 meses, após o plantio nos sítios estudados (Figura 12), verificou-se
que ocorreu baixa precipitação, após três meses do plantio. Esse período de baixa precipitação pode ter influenciado no desempenho das espécies em campo.
Conforme dados históricos sobre a pluviometria da região, a estação
chuvosa nesse período correspondeu àquele característico da região.
Assim, as maiores taxas foram observadas entre os meses de maio e
junho, e a estação adequada para plantio ocorreu no período de abril a
agosto, observando-se um decréscimo a partir desse mês. Vale salientar que uma das alternativas mais viáveis de plantio com fins de recuperação ou restauração é recomendar plantios com essa finalidade nesse
período. Isso favorecerá o rápido estabelecimento e desenvolvimento inicial da mudas em campo mais rápido, dispensando-se o uso de irrigação e, consequentemente, reduzindo-se o custo de implantação.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
111
Figura 12 - Precipitação média mensal (mm) no período de Janeiro de 2004 a
Dezembro de 2005, correspondendo a 18 meses após plantio de mudas nos municípios de Santana do São Francisco – SE (Sítio I) e Canhoba – SE (Sítio II). Fonte:
CPTEC – INPE e SEPLANTEC – SRH (SERGIPE, 2006).
Deve-se salientar que, na região do Baixo São Francisco, nas áreas
de transição e semiárido, esse é o período em que os plantios devem ser
realizados mais rapidamente, na tentativa de se favorecer o rápido estabelecimento das mudas para suportarem o período de maior déficit
hídrico na região, que corresponde aos meses de dezembro a fevereiro.
4.2.1. Experimento realizado na Fazenda Mãe Natureza Santana do São Francisco – SE (Sítio I)
Ao se analisar o desenvolvimento inicial das espécies utilizadas no
plantio experimental, em espaçamento 3x3m (Figura 13), após 18 meses verificou-se que para o crescimento em altura, A. colubrina e T.
guianensis apresentaram maior crescimento quando comparadas às
demais espécies, com incremento significativo a partir do 12o mês do
plantio. Por outro lado, para o crescimento em diâmetro do colo, E. velutina
foi superior às demais espécies. Enfatiza-se nesse caso, que o rápido
crescimento em diâmetro do colo é uma característica natural dessa
112
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
espécie que pode ser observada desde a fase inicial do desenvolvimento
de plântulas e mudas, em condições de viveiro. É importante observar
também que entre o terceiro e o nono mês, as espécies apresentaram
uma fase de estabilidade no crescimento, com um baixo incremento das
varáveis mensuradas, sendo isto atribuído ao período de baixa precipitação na região.
Essa é uma característica ecológica da região que não pode ser esquecida. Assim, realça-se a importância de que os plantios devem ser
realizados bem no início do período chuvoso, entre os meses de abril e
maio. Espera-se com isso que a sobrevivência das mudas seja
maximizada, à semelhança do crescimento inicial, tanto em altura como
em diâmetro do colo.
Figura 13 - Crescimento em altura e diâmetro do colo de espécies florestais empregadas para recuperação de mata ciliar, em espaçamento 3x3m, após 18 meses do
plantio, realizado na Fazenda Mãe Natureza, no município de Santana do São Francisco (Sítio I).
Quando plantadas em espaçamento de 3x1,5m, as espécies apresentaram desenvolvimento semelhante ao observado no espaçamento
de 3x3m (Figura 14). A. colubrina e C. leiostachya foram aquelas que
mais se desenvolveram em altura, enquanto E. velutina apresentou
maior diâmetro do colo. As espécies apresentaram melhor desenvolvimento nos três meses iniciais, e retomaram o crescimento de forma
expressiva a partir do 12o mês.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
113
Figura 14 - Crescimento em altura e diâmetro do colo de espécies florestais empregadas para recuperação de mata ciliar, espaçamento 3x1,5m, após 18 meses do plantio,
realizado na Fazenda Mãe Natureza, no município de Santana do São Francisco (Sítio I).
Deve-se considerar que nesse tempo, mesmo em pequenos
espaçamentos, ainda não se observa um nível de competição entre os
indivíduos e entre as espécies que proporcionem interferência significativa no crescimento inicial e desenvolvimento destas.
Com base nos resultados obtidos para o crescimento em altura (Tabela 2), verificou-se que C. leiostachya apresentou maior altura média
(185,17cm) e A. colubrina (209,92cm), nos espaçamentos de 3x3m e de
3x1,5m, respectivamente, enquanto G. americana apresentou menor
altura média (47,50cm e 55,00cm) nos dois espaçamentos, 3x3m e
3x1,5m, respectivamente.
Para a taxa de crescimento relativo (TCR) em altura, as espécies não
apresentaram diferença significativa no seu desenvolvimento inicial,
quando comparados os dois espaçamentos. No entanto, apresentaram
diferenças significativas entre elas, dentro de cada espaçamento. T.
aurea com TCR de 207,55% espaçamento 3x3m e A. colubrina com TCR
de 193,51% no espaçamento 3x1,5m foram significativamente superiores às demais espécies. G. americana no espaçamento 3x3m com TCR
de 10,77% e C. grandis com TCR de 35,87% no espaçamento 3x1,5m
apresentaram crescimento inferior às demais espécies, caracterizando-se, assim, como espécies de crescimento mais lento nas condições
do Sítio estudado.
114
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Tabela 2 - Valores médios inicial e final de altura e taxa de crescimento relativo
(TCR) de espécies florestais utilizadas em recuperação de mata ciliar no município de
Santana do São Francisco – SE (Sítio I), em espaçamentos de 3x3m e de 3x1,5m,
após 18 meses do plantio.
Médias seguidas da mesma letra não diferem entre si a 5% de probabilidade, pelo
teste de Tukey. Letras minúsculas comparam os resultados nas colunas e maiúsculas nas linhas.
* Espécies não avaliadas estatisticamente. Coeficiente de variação do fator espaçamento
(36,29%).
Quanto ao crescimento em diâmetro do colo, verificou-se que E.
velutina com diâmetro médio de 50,32mm e 56,48mm nos espaçamentos
3x3m e 3x1,5m, respectivamente, foi superior a todas as espécies, enquanto G. americana com 13,55mm e 11,40mm apresentou menor diâmetro do colo inicial, nos espaçamentos 3x3m e 3x1,5m, respectivamente (Tabela 3).
Em relação à TCR para o diâmetro do colo, não houve diferença significativa para os espaçamentos empregados, diferenciando-se apenas
para o fator espécie. S. terebinthifolius com TCR de 390,84% no
espaçamento 3x3m e A. colubrina com 442,29% apresentaram desenvolvimento significativamente superior às demais, caracterizando-se
como espécies melhor adaptadas a ambientes que apresentam estação
com baixa precipitação.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
115
Tabela 3 - Valores médios inicial e final do diâmetro do colo e taxa de crescimento
relativo (TCR) de espécies florestais utilizadas em recuperação de mata ciliar no município de Santana do São Francisco – SE (Sítio I), em espaçamentos de 3x3m e de
3x1,5m, após 18 meses do plantio.
Médias seguidas da mesma letra não diferem entre si a 5% de probabilidade, pelo teste de Tukey.
Letras minúsculas comparam os resultados nas colunas e maiúsculas nas linhas.
* Espécies não avaliadas estatisticamente.
1
Coeficiente de variação do fator espécies.
Levando-se em consideração os aspectos estudados, as espécies exigentes em luz apresentaram resultados significativamente superiores,
enquanto as demais apresentaram crescimento inferior, corroborando
as características comuns aos grupos ecológicos a que pertencem.
A sobrevivência constituiu-se num parâmetro importante de avaliação e seleção das espécies nesse local (Tabela 4). A. colubrina e L. sericeus
com 100,00% de sobrevivência nos espaçamentos 3x3m e 3x1,5m, respectivamente, apresentaram características de boa adaptação a ambientes de baixa umidade no solo. De modo contrário, T. guianensis e E.
contortisiliquum não sobreviveram nessas condições (0,00%).
Em relação às observações quanto à fenologia reprodutiva das espécies empregadas nesse Sítio, observou-se que S. terebinthifolius apresentou floração a partir do 8o mês do plantio com posterior frutificação.
Isto caracteriza essa espécie como sendo típica do grupo ecológico das
pioneiras, apresentando potencial para utilização em programas de recuperação de vegetação ciliar, uma vez que essa característica é importante para propiciar condições satisfatórias para o início da regeneração natural na área implantada.
116
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Tabela 4 - Valores médios de sobrevivência de espécies florestais utilizadas em
recuperação de mata ciliar no município de Santana do São Francisco – SE (Sítio I),
em espaçamentos de 3x3m e de 3x1,5m, após 18 meses do plantio.
4.3.2. Experimento realizado no Assentamento de Borda-daMata, município de Canhoba – SE (Sítio II)
Com base nos resultados observados no Sítio II (Figura 15), C.
leiostachya e C. grandis, com altura média de 361,75cm e 354,67cm,
respectivamente, apresentaram desenvolvimento inicial superiores às
demais espécies, podendo-se associar isso a uma melhor adaptação às
condições do local. H. courbaril, com altura média final de 125cm, apresentou o menor desenvolvimento inicial nas condições do Sítio, quando
ocorreu uma inundação sazonal na área de estudo.
Figura 15 - Crescimento em altura e diâmetro do colo de espécies florestais empregadas para recuperação de mata ciliar, espaçamento 3x3m, após 18 meses do plantio, realizado no Assentamento Borda-da-Mata, município de Canhoba – SE (Sítio II).
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
117
Para o diâmetro do colo, E. velutina e S. terebinthifolius destacaramse com diâmetro médio final de 71,71mm e 68,60mm, respectivamente.
De modo inverso, H. courbaril com 22,00mm foi significativamente inferior.
Para a taxa de crescimento relativo (TCR) avaliada para altura e diâmetro do colo (Tabela 5), verificou-se que C. grandis e S. terebinthifolius
apresentaram incremento significativo em relação às demais espécies.
Para a altura, obteve-se 543,01% e 408,96% e para o diâmetro do colo
926,22% e 873,86%, respectivamente. H. courbaril apresentou nesse
Sítio a menor TCR, tendo 59,24% e 136,56% para diâmetro e altura,
respectivamente. Estatisticamente E. velutina apresentou resultado inferior às demais nos dois parâmetros, com TCR para altura de 188,86%
e 245,84% para o diâmetro do colo.
Avaliando-se a sobrevivência das mudas nas condições estudadas,
verificou-se que o período de inundação sazonal ocorrido na região, entre os meses de janeiro a março, pode ter contribuído diretamente para
a seleção das espécies, destacando-se T. aurea com 92,31%, C. Grandis
com 91,67% e C. leiostachya com 91,67%, respectivamente.
A adaptação ao ambiente sazonalmente inundado pode estar relacionada às características ecológicas dessas espécies. As espécies que não
toleraram o período de inundação foram T. guianensis e E.
contortisiliquum, uma vez que 100% dos indivíduos morreram no período estudado e, àquelas que apresentaram-se mais susceptíveis foram
E. velutina com 44,12% e G. americana com 40,91% de sobrevivência,
respectivamente.
Em relação ao comportamento dos aspectos fenológicos reprodutivos
das espécies, S. terebinthifolius apresentou floração a partir do oitavo
mês do plantio nos dois sítios, demonstrando características potenciais
para recomposição de áreas ciliares. A precocidade para a produção de
flores e frutos pode ser considerada um evento importante para facilitar
os aspectos da regeneração natural nas áreas, uma vez que podem atrair
polinizadores e dispersores, fornecendo alimentos para animais que
realizam tais funções.
118
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Tabela 5 - Valores médios inicial e final de altura e diâmetro colo, taxa de crescimento relativo (TCR) e sobrevivência (S) no Sítio II (Canhoba – SE), em espaçamento
3x3m para as espécies estudadas, após 18 meses do plantio.
Médias seguidas da mesma letra nas colunas não diferem entre si a 5% de probabilidade, pelo teste de Tukey.
* Espécies não avaliadas estatisticamente
Com base nos resultados apresentados, as espécies apresentam características distintas para cada sítio, visto que as diferenças ambientais influenciaram no desenvolvimento inicial delas. Dentre as espécies
estudadas, verificou-se que T. guianensis apresentou alta mortalidade,
tanto em Sítio passível de inundação quanto em Sítio propenso a longo
período de baixa precipitação. Também pode ser observado que espécies exigentes em luz apresentaram melhor desenvolvimento, enquanto
as espécies consideradas como clímax, a exemplo de H. courbaril e G.
americana apresentaram menor desenvolvimento inicial nos dois Sítios
estudados.
Considerando-se a necessidade de se realizar estudos de
revegetação ou recuperação de matas ciliares no estado de Sergipe,
necessário se faz testar um maior número de espécies e de condições
de Sítios. A escassez de informações dessa natureza dificulta a tomada de decisão na seleção de espécies que possam promover mais rapidamente o recobrimento do solo em áreas degradadas e, também, restabelecer a vegetação nas áreas de preservação permanentes, princi-
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
119
palmente as ciliares em nascentes e pequenos cursos d’água da região do Baixo Francisco.
Assim, espera-se que essas experiências possam contribuir nestes casos, pois as informações apresentadas podem servir como indicativo na
seleção e recomendação dessas espécies para áreas com condições semelhantes às estudadas. Deve-se ressaltar que há a necessidade de se testar
um maior número de espécies possíveis, visando uma maior representação de espécies florestais potenciais para trabalhos em que seja necessário a adoção de modelos com alta diversidade vegetal, à semelhança dos
trabalhos realizados por Durigan e Nogueira (1990), Davide (1994),
Kageyama et al. (1994), Santarelli (1996) e Kageyama e Gandara (2000).
A orientação das espécies e o esquema de plantio, considerando-se a
dinâmica de sucessão dos grupos ecológicos, associando-se espécies de
crescimento rápido e crescimento lento tiveram como preocupação a
necessidade de se recobrir rapidamente o solo. Essa necessidade também foi mencionada por Davide et al. (2000) para selecionar espécies
adaptadas às condições de solo, clima e umidade, atendendo-se assim,
às características ambientais onde serão plantadas. Os autores mencionam também que podem ser testados outros espaçamentos, obtendo-se
maiores ou menores densidades, mas considerando-se as características das espécies selecionadas, os espaçamentos maiores somente devem ser adotados para sítios que proporcionem ótimas condições de
crescimento inicial.
A partir da escolha dos diferentes Sítios selecionados para realização deste trabalho, que correspondem a duas regiões distintas no estado de Sergipe, a escolha de espécies para trabalhos futuros pode levar
em consideração as diferentes condições ambientais que exercem uma
forte pressão de seleção. Assim, pode-se utilizar as características de
desenvolvimento dessas e indicar mais adequadamente aquelas que se
adaptaram melhor às diferentes condições ambientais.
De acordo com Botelho et al. (1995), a avaliação das características
locais para implantação ou recomposição de matas ciliares e recuperação de áreas degradadas constitui-se no primeiro passo do processo.
De acordo com os autores, a interação dos fatores climáticos, edáficos e
bióticos que afetam diretamente o desenvolvimento das espécies determinam a qualidade dos Sítios.
120
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Assim, o conhecimento das condições inerentes a cada Sítio definirá
as práticas de plantio (preparo do solo, adubação e espaçamento), as
espécies selecionadas e as técnicas silviculturais para condução dos
povoamentos recém implantados. Deve-se considerar que os principais
fatores que afetam diretamente o desenvolvimento das espécies são as
características químicas e físicas dos solos, o regime hídrico, umidade
do solo, topografia da área e competição com ervas daninhas (BOTELHO
et al., 1995).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do processo histórico de ocupação humana na região do
Baixo Rio São Francisco sergipano, as atividades antrópicas promoveram mudanças significativas na dinâmica do rio e também no componente vegetacional associado às margens, tanto pelo uso direto dessas,
quanto pela supressão da vegetação natural;
Observa-se na atualidade uma extrema fragmentação da vegetação,
com áreas de tamanho pequeno e com baixo número de indivíduos nas
populações florestais remanescentes, fato esse preocupante em se tratando da regeneração natural dessas espécies, pois os ambientes, em
geral, apresentam baixa resiliência;
Considerando-se os estudos de caso apresentados, pode sugerir
que: a) As espécies estudadas apresentaram melhor desenvolvimento em altura e diâmetro do colo no Sítio II, exceto Tapirira guianensis
e Enterolobium contortisiliquum que apresentaram alta mortalidade;
b) No Sítio I, as espécies Anadenanthera colubrina, Caesalpinia
leiostachya, Tabebuia aurea, Lonchocarpus sericeus e Schinus
terebenthifolius, se destacaram no ambiente estudado, apresentando-se potenciais para recomposição de áreas ciliares e c) Pelo rápido
crescimento, após 18 meses do plantio, as espécies estudadas apresentam-se potenciais para serem trabalhadas em programas de recomposição florestal, em ambientes de vegetação ciliar com características semelhantes às estudadas.
Novas pesquisas devem ser priorizadas para outras espécies florestais nativas, visando sempre o sucesso em tais programas.
AS ÁREAS CILIARES NA REGIÃO DO BAIXO RIO SÃO FRANCISCO
121
Agradecimentos: ao Programa de Bolsas Iniciação Científicas - PIBIC/
UFS/CNPQ pela concessão das bolsa durante a realização do trabalho,
ao Ministério Público de Sergipe pelo apoio Institucional e ao Sr. Francisco Barreto por ceder área da sua propriedade; ao BNB/ETENE/
FUNDECI pelo financiamento do Projeto “Revitalização do rio São Francisco” e ao INCRA por permitir a realização do estudo no Assentamento
de Borda-da-Mata, município de Canhoba – SE.
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A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO
SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL
E A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL
AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO
FLÁVIA MOREIRA GUIMARÃES PESSOA
1- INTRODUÇÃO
O presente artigo visa analisar a aplicação da ação popular ambiental para promover a concretização do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Para atingir o objetivo proposto, o artigo divide-se
em cinco partes, sendo ao final expostas as conclusões. Na primeira, é
analisado o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Na segunda, é analisada a necessidade de tutela judicial específica para a
proteção da bacia do São Francisco. Na terceira, são observados os pontos
fundamentais do controle judicial de políticas públicas, seus obstáculos e superações. Na quarta, tecidas considerações processuais sobre
a ação popular ambiental. Na quinta, é abordada, de forma específica,
a efetivação judicial de políticas públicas ambientais através da Ação
popular, especificando os casos relativos à bacia hidrográfica do São
Francisco. Finalmente, são apontados os pontos principais do texto.
2- DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO
A conceituação do que sejam direitos fundamentais é particularmente
difícil, tendo em vista a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico. Aumenta essa dificuldade, o
fato de se empregarem várias expressões para designá-los, como “direi-
128
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
tos naturais”, “direitos humanos”, “direitos públicos subjetivos”, “liberdades fundamentais”, entre outros conceitos1.
Cumpre frisar que o conteúdo dos direitos fundamentais foi sendo
paulatinamente alterado, a partir da verificação do seu caráter histórico. Com efeito, consoante assinala Canotilho (2003, p. 1395), os direitos
fundamentais “pressupõem concepções de Estado e de Constituição
decisivamente operantes na atividade interpretativo-concretizadora das
normas constitucionais”.
Entre os direitos fundamentais, destaca-se o referente ao do meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da Constituição
Federal como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida e cuja preservação visa a evitar conflitos entre gerações2.
1
2
Ingo Sarlet (2006, p. 35-37) estabelece a distinção entre “direitos fundamentais”,
“direitos humanos” e “direitos do homem”. Nesse sentido, segundo o autor, o
termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, enquanto que a expressão direitos humanos seria relativa aos documentos de direito internacional, por referir-se às posições jurídicas que se reconhece ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação a determinado Estado. Já a expressão “direitos do homem” seria, segundo Sarlet (2006,
p. 37) marcadamente jusnaturalista, de uma fase que precedeu o reconhecimento dos direitos no âmbito do direito positivo interno e internacional.
“Meio ambiente – Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) – Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade – Direito de terceira geração
(ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade – Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais – Espaços territoriais especialmente protegidos (CF,
art. 225, § 1º, III) – Alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente –
Medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei – Supressão de vegetação em área de preservação permanente – Possibilidade de a administração pública,
cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a
integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial – Relações
entre economia (CF, art. 3º, II, c/c o art. 170, VI) e ecologia (CF, art. 225) – Colisão
de direitos fundamentais – Critérios de superação desse estado de tensão entre
valores constitucionais relevantes – Os direitos básicos da pessoa humana e as
sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) – A
questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação
constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) – Decisão não referendada – consequente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservação
da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas.” (ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 1º-9-2005, Plenário, DJ de 3-2-2006.)
A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...
129
Com efeito, disciplina o referido dispositivo constitucional que impõe-se ao poder público e à coletividade o dever de defender o meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Segundo o STF, “O direito à integridade do meio ambiente – típico
direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos
direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não
ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social”
Prossegue o STF demonstrando a lição clássica de dimensões dos
direitos fundamentais: “enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o
princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas
as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto
valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial
inexauribilidade.” (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em
30-10-1995, Plenário, DJ de17-11-1995). No mesmo sentido: RE 134.297,
Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma, DJ
de 22-9-1995.
Com o objetivo de concretizar o mandamento constitucional, devem
ser desenvolvidas políticas públicas, que são ações desencadeadas pelo
Estado, em suas diferentes esferas, com vistas à efetivação dos mandamentos constitucionais da administração pública, em especial, com o
objetivo de concretização dos direitos fundamentais insertos na Constituição Federal.
O caput do art. 18 da Carta Magna determina que “A organização
político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. No centro do conceito de federalismo está a repartição de competências entre os entes federativos, de
130
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
forma que a adoção da repartição de competências administrativas e
legislativas é pressuposto da autonomia das entidades federativas e,
por consequência, garantia do Estado Federal.
A competência administrativa cabe em geral ao Poder Executivo e diz
respeito à faculdade para atuar com o objetivo da concretização dos
valores constitucionais através da adoção de políticas públicas concretas, ao passo que a competência legislativa cabe ao Poder Legislativo e
diz respeito à faculdade para legislar a respeito dos temas de interesse
da coletividade. Nesse sentido, a competência administrativa é a atribuição que o Poder Executivo tem de proteger o meio ambiente, enquanto a competência legislativa é a atribuição que o Poder Legislativo tem
para legislar a respeito de temas ligados ao meio ambiente.
No âmbito da competência administrativa referente ao meio ambiente, estabelece o art. 23, VI e VII da Constituição Federal que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas e VII - preservar as florestas, a fauna e a flora.
No que ser refere à competência legislativa o art. 24, inciso VI da
Constituição Federal estabelece que compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VI - florestas, caça,
pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos
naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.
Vê-se, claramente, a partir da leitura dos dispositivos constitucionais apresentados, que as políticas públicas na área ambiental são
desenvolvidas pelas três esferas do poder público, federal, estadual e
municipal.
No presente artigo, porém, a análise será restrita à aplicabilidade da
Ação Popular Ambiental para efetivação das políticas públicas na área
ambiental o que será visto nos tópicos seguintes.
3. A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO:
NECESSIDADE DE TUTELA JUDICIAL ESPECÍFICA
O rio São Francisco, historicamente conhecido como rio da integração nacional, tem sua nascente na Serra da Canastra em Minas Ge-
A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...
131
rais e foz no Oceano Atlântico, entre os estados de Sergipe e Alagoas,
com um comprimento aproximado de 2.700 km.
A bacia hidrográfica do rio São Francisco ocupa uma área de
64.000.000 ha, abrangendo os estados de Minas Gerais, Bahia, Goiás,
Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Distrito Federal. Dessa área, 235.471,3
km2 situam-se na região Sudeste, no estado de Minas Gerais, 4.477,4
km2 na região Centro-Oeste, no estado de Goiás e Distrito Federal e
399.270,7 km2, ou seja, 62,5% situam-se no Nordeste.
Por se tratar de bacia tão importante e por estar envolvida nas obras
de transposição do rio São Francisco, que foram objeto de grande atuação do Governo Federal, o rio São Francisco foi objeto de diversas Ações
Judiciais, ajuizadas principalmente nos Estados da Bahia e Sergipe,
com o objetivo de impedir a realização da referida obra.
Dentre as Ações ajuizadas, merece destaque a ACO 876, em
tramitação no Supremo Tribunal Federal, ajuizada pelo Ministério Publico estadual, Ministério Publico Federal e várias organizações da sociedade civil. Em 18 de dezembro de 2006, o ministro do STF Sepúlveda
Pertence revogou as liminares que suspendiam o projeto de transposição, autorizou a continuidade das obras e considerou ilegítimas as organizações civis para questionar o projeto no STF.
Tal Ação atualmente encontra-se na relatoria do Ministro Ricardo
Lewandowski e a ela encontram-se distribuídos por prevenção as ACO’s
nºs 820,857,858,870,872,873,886,953,996,1003,1052,1209 e das RCL’s
nº 3883,3945,4062,4409, todas em tramitação na corte suprema.
Muita discussão foi gerada pelo ajuizamento de inúmeras Ações
Judiciais e a prolação de várias liminares em graus inferiores de jurisdição, todas com o objetivo de paralizar a realização da obra de transposição.
O principal questionamento referia-se à ausência de legitimação democrática e também falta de abrangência territorial da jurisdição dos
prolatores das respectivas decisões, o que foi entretanto sepultado pela
reunião de Ações no Supremo Tribunal Federal através da ACO 876.
O debate, contudo, envolve não apenas a questão pontual do rio São
Francisco, mas sim a discussão mais ampla acerca do controle judicial
de políticas públicas, o que será analisado no tópico que se segue.
132
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
4. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: OBSTÁCULOS E
SUPERAÇÕES.
A partir do reconhecimento de que o Direito ao Meio Ambiente Equilibrado exige do Estado não apenas uma atuação negativa, como também uma atuação positiva, cumpre analisar qual o meio necessário
para efetivá-los.
A expressão políticas públicas, para Eros Grau (1997, p.21), “designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social.”. Américo Bedê Freire Junior (2008,
p.48) traz um conceito mais específico como os meios necessários para
a efetivação dos direitos fundamentais, “uma vez que pouco vale o mero
reconhecimento formal de direitos se eles não vêm acompanhados de
instrumentos para efetivá-los”.
O controle judicial de políticas públicas volta-se para o controle da ação
ou omissão estatal em si, na medida em que essa atuação ou omissão
contribua ou dificulte a efetivação dos direitos fundamentais de segunda
dimensão em seu viés transindividual (JORGE NETO, 2008, p. 54).
Do exposto, depreende-se que, como o direito ao meio ambiente equilibrado não possui, em nível constitucional, suficiente conteúdo
normativo, ou seja, não contém em si a garantia da aplicabilidade desses
direitos, cabe aos Poderes Legislativo e Executivo, mediante uma atuação positiva, elaborar e executar políticas públicas voltadas para a sua
efetivação.
Ocorrendo omissão ou deficiente atuação dos poderes públicos, surge a figura do juiz, devendo ser salientado que a maioria dos recentes
acórdãos do Supremo Tribunal Federal3 e do Superior Tribunal de Justiça4 traduzem uma postura ativa do Judiciário quanto ao planejamento e execução de políticas públicas voltadas para a implementação dos
direitos fundamentais sociais, principalmente nos campos da saúde,
da educação e dos direitos das crianças e dos adolescentes.
3
4
RE 410715 AgR / SP. Rel. Ministro Celso de Mello; RE 401023 AgR / SP. Rel.
Ministro Carlos Britto e RE 410715 AgR/SP. Rel. Ministro Carlos Britto.
AgRg no REsp 1136549. Rel. Ministro Humberto Martins; REsp 1041197. Rel.
Ministro Humberto Martins.
A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...
133
No entanto, alguns autores afirmam que a própria democracia estaria açodada diante do referido controle, já que ante a clássica divisão
de poderes ao Juiz cabe o dever de apenas dizer a lei. Não lhe seria
conferido o poder de elaborar e executar políticas, pois não teria ele
qualquer respaldo popular para tanto, diferentemente do que ocorre
com o Legislativo e com o Executivo5
Acrescenta-se ainda o fato das prestações-objeto dos direitos sociais
corresponderem a bens materiais economicamente relevantes e consideráveis, cuja efetivação depende de disponibilidade econômica do Estado, o principal destinatário dessas normas constitucionais. Neste
diapasão, há os que sustentam que os direitos sociais sujeitam-se aos
limites da “reserva do possível”. Este, em verdade, é um dos principais
argumentos levantados pelos opositores do controle judicial de políticas
públicas, os quais alegam não caber ao judiciário determinar ações a
serem tomadas pelos órgãos públicos (CUNHA JUNIOR, 2008, p. 298).
Em suma, pode-se afirmar que a questão da judicialidade das políticas públicas é polêmica, havendo três correntes bem definidas que discorrem acerca do assunto. A primeira delas é a dos que entendem que
o Poder Judiciário tem legitimidade para intervir nas políticas públicas
sempre que estiver em xeque a efetividade de Direitos Fundamentais
Sociais. O fundamento mor dessa tese está na aplicabilidade imediata
desses direitos, consoante o art.5º, §1º da CRFB.
Na segunda corrente estão aqueles que não admitem a referida
intervenção, uma vez que as Políticas Públicas estariam na esfera de
competência apenas dos Poderes Legislativo e Executivo. Somente os
agentes eleitos para o exercício desses poderes estariam legitimados
pelo voto popular a realizar o juízo de necessidade e oportunidade da
sua implementação, em respeito ao princípio da separação dos poderes
e ao art.2º da CRFB.
5
Eduardo Appio ressalta com clareza esse fundamento ao asseverar que: [...] o
controle judicial da forma através da qual os governos irão distribuir bens sociais
fundamentais, como educação e saúde pública, ou ainda de que maneira o Estado irá intervir na economia privada remete a uma discussão sobre a própria
democracia, pois juízes não eleitos estariam limitando a vontade de representantes eleitos da população (2009, p.152).
134
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Por último, encontra-se a corrente dos que acreditam ser possível tal
intervenção judicial, sempre com o intuito de garantir a integridade e a
intangibilidade do núcleo irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e em observância ao núcleo essencial dos
direitos fundamentais a prestações. Entretanto, a sua implementação
deve estar condicionada à reserva do possível, ou seja, à capacidade
econômico-financeira do Estado para a sua imediata implementação.
Conclui-se, então, que dentre os obstáculos levantados contra a possibilidade do controle estão a reserva do possível, a falta de legitimidade
do Judiciário e o princípio da separação dos poderes.
O princípio da separação de poderes encontra-se positivado no art.2º
da Constituição brasileira, ao prever que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Entretanto, observa-se uma imprecisão na expressão separação de
“Poderes”. Isso porque todo poder é uno e indivisível, ou seja, não pode
ser fracionado, sendo um atributo do próprio Estado. O poder é, portanto, manifestado através de órgãos que exercem funções.6
O próprio Montesquieu quando da definição da teoria da separação
de poderes previu que eles deveriam ser independentes e harmônicos
entre si, ou seja, previu que le pouvoir arrête le pouvoir. Esse sistema
de interferências recíprocas deu origem à conhecida teoria dos “freios e
contrapesos” (checks and balances).
Saliente-se que a garantia da independência entre os poderes do
Estado deve advir da própria Constituição, devendo as suas atribuições
serem ditadas pela mesma. Disso resulta que, para o exercício das funções que lhe são típicas, um Poder não necessita consultar o outro.
Levando em consideração a necessidade de dar efetividade às normas constitucionais sociais definidas pela CF/88, Américo Bedê Junior
elucida que à medida em que a Constituição brasileira prevê que com-
6
Pedro Lenza (2009. P.339) elucida a diferença entre poder, função e órgão: a)
Poder: uno e indivisível, um atributo do Estado que emana do povo; b) Função: a
função constitui, pois, um modo particular e caracterizado de o Estado manifestar a sua vontade; c) Órgão: os órgãos são, em consequência, os instrumentos de
que se vale o Estado para exercitar suas funções, descritas na Constituição, cuja
eficácia é assegurada pelo Poder que a embasa.
A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...
135
pete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, automaticamente “determina que haja mecanismos para o cumprimento desta
missão, não sendo possível invocar a separação de funções como limite
(impedimento) ao pleno exercício da missão constitucional do Poder
Judiciário” (FREIRE JUNIOR, 2008, p. 45).
Dessa forma, sempre que a atividade dos outros “poderes” se mostre
contrária aos mandamentos da Lei Maior, impõe-se a atuação do Judiciário, que deve coibir a ilegalidade e impor o caminho correto quando
verificada omissão estatal relevante. O papel político que o Judiciário
vem assumindo e deve assumir torna-se claro a partir dos fundamentos acima.7 Na sociedade contemporânea, portanto, a “politização do
juiz” é uma necessidade incontestável, que resulta da sua alta independência e criatividade para concretizar e assegurar os preceitos constitucionais (CUNHA JUNIOR, 2008, p.350).
Dessa forma, os juízes passam a ser co-responsáveis pela elaboração e execução de políticas púbicas voltadas para a efetivação das direitos conferidos à população como um todo. Assim, a tendência contemporânea não é mais de falar em separação, mas em equilíbrio entre
os “poderes”. No entanto, não se está aqui a querer que o Poder Judiciário interfira a qualquer momento e em qualquer caso, tomando o lugar
da administração pública quando a esta cabe realizar o seu próprio
juízo de conveniência e oportunidade. Somente quando os Poderes Legislativo e Executivo se mostram incapazes ou totalmente omissos em
garantir o cumprimento adequado dos direitos é que caberá uma inevitável intervenção judicial.
O outro obstáculo teórico à efetivação judicial de políticas públicas é
a ideia de que a democracia restaria violada, já que ante a clássica
divisão de poderes, ao Juiz cabe o dever de apenas dizer a lei. Não lhe
7
Sérgio Cruz Arenhart (2005, p.08) aponta nesse sentido quando observa que: “A
noção de que a lei é ato abstrato e genérica, enquanto a decisão judicial é concreta e específica, vem cedendo, a cada momento, à realidade em que as sentenças
assumem, também, caráter genérico e abstrato. O caráter geral da decisão judicial, a condenação genérica preconizada pela lei (art.95, da Lei n. 8.078/90) e a
indeterminação dos sujeitos a serem atingidos pela sentença são provas de que
este ato se assemelha em muito à lei.
136
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
seria conferido o poder de elaborar e executar políticas, pois não teria ele
qualquer respaldo popular para tanto, diferentemente do que ocorre com o
Legislativo e com o Executivo, admitidos mediante votação popular.
É importante salientar que quando se fala em legitimidade democrática não se pode pensar na vontade da maioria. A verdade é que a legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição, assim, a sua legitimidade não se enquadra como política, mas
constitucional, e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos
direitos fundamentais (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.60).
Com isso, não se pretende uma nova ditadura, agora de juízes, muito pelo contrário, o que se busca é a supremacia dos direitos fundamentais. Em contrapartida, a regra da maioria não pode ser absoluta, sob
pena de se superar a ditadura de um tirano e criar-se a ditadura da
maioria. A decisão judicial, através do controle de políticas públicas
pelo judiciário, acaba por efetivar, em verdade, o próprio princípio democrático, uma vez que tal julgamento não é oriundo da vontade individual do juiz, mas resultado de um discurso dialético. No entanto, é necessário que a decisão judicial deva se pautar na moderna hermenêutica constitucional e na teoria da argumentação jurídica (FREIRE
JÚNIOR, 2005, p.60).
Desta maneira, possibilita-se ao Poder Judiciário realizar, com maior grau de legitimidade, o que a complexidade do Estado contemporâneo exige: uma nova configuração da repartição dos poderes(JORGE
NETO, 2008, p.105).
Com efeito, uma vez que a decisão judicial se utiliza de argumentos
exclusivamente jurídicos, é assertivo afirmar que esse fato possibilita o
consenso racional e por isso, o controle das políticas públicas pelos
próprios cidadãos. A decisão judicial é aberta ao discurso, ou seja, é
pautada por uma argumentação racional que tem compromisso com a
integração social, com o consenso e com a pacificação social e, consequentemente, aberta para a participação democrática dos cidadãos no
preenchimento axiológico dos princípios constitucionais (JORGE NETO,
2008, p.119).
A estrutura do Poder Judiciário, capilarizada, está presente na maioria
das cidades do país e constitui-se, por meio do discurso racional, em um foro
de discussão e implementação de políticas públicas. A possibilidade de con-
A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...
137
trole de políticas públicas pelo judiciário tem seu fundamento não apenas na
efetivação dos direitos fundamentais e não apenas na releitura do princípio
da separação dos poderes, mas também na teoria do discurso, que legitima
a atividade jurisdicional enquanto atividade criadora do Direito. Esse mesmo fundamento legitimador confere ao Judiciário poderes para preencher o
conteúdo axiológico dos direitos fundamentais e concretizá-los por intermédio da judicialização de políticas públicas. (JORGE NETO, 2008, p. 132)
Finalmente, no tocante ao obstáculo relativo à reserva do possível,
essa doutrina foi desenvolvida na Alemanha, e entende que o reconhecimento de direitos subjetivos a prestações (saúde, educação, assistência, etc) depende da disponibilidade dos recursos econômicos do Estado. Por consequência, afirma que a decisão sobre a disponibilidade e
aplicação dos recursos financeiros do Estado está inserida no espaço
discricionário das opções do governo e do parlamento, através da elaboração dos orçamentos públicos (CUNHA JÚNIOR, 2008, p.315).
Segundo os defensores da restrição da reserva do possível, considerando-se que o orçamento é elaborado pelo Estado, possuidor do poder
discricionário e da legitimidade popular para definir as suas prioridades de investimentos, não poderia o Judiciário tomar o seu lugar para
ditar a forma como o dinheiro público deve ser prioritariamente gasto.
Desse modo, não haveria maneira de impor ao Poder Público um dever
de agir, se, para tanto, existem restrições de ordem material, ou seja,
orçamentárias, que não podem ser transpostas.
Ocorre que na Alemanha e nos países centrais, em geral, o nível de
desenvolvimento é significativamente diferente do brasileiro, país ainda em desenvolvimento. A diferença do contexto político-social entre
esses países e o Brasil faz com que os mesmos textos legais e procedimentos jurídicos produzam efeitos distintos. Nessa toada, na Alemanha não há uma enorme quantidade de pessoas que não são atendidas
nos hospitais mal equipados da rede pública, não há alto índice de crianças e jovens fora das escolas, não há enorme quantidade de pessoas
morando nas ruas e passando fome, dentre outras mazelas encontradas no Brasil (KRELL, 2002, p.108-109).
O que se pode inferir é que num país em que o povo carece de um
mínimo de prestações sociais para sobreviver, a ação judicial positiva
voltada para a efetivação desses mínimos essenciais não pode estar
138
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
condicionada a qualquer tipo de reserva do possível. Sobretudo porque
o dinheiro existe, somente não está tão bem distribuído.
O que se está aqui a propor é que o Judiciário possa, quando na
atividade de controle das omissões do poder público em sede de políticas públicas, redistribuir os recursos públicos existentes, retirando-os
de outras áreas8 para destiná-los ao atendimento das condições mínimas necessárias para a existência do homem, o chamado “mínimo existencial”. Isso porque condicionar a realização dos direitos sociais constitucionalmente conferidos a “caixas cheios” significaria reduzir a zero
a eficácia dos direitos fundamentais (CUNHA JÚNIOR, 2008, p.318).
Dessa forma, a reserva do possível acaba por constituir limite à
atuação judicial na implementação de políticas públicas, posto que, de
fato, pode restar provado que não existe verba para concretizar tal determinação. Quando, porém, as prestações exigidas do poder público se
voltarem para a satisfação do mínimo existencial ao indivíduo, jamais
será admissível que o Estado se valha da reserva do possível.
Por fim, quando verificada a ausência de qualquer limitação orçamentária ou ainda que há aplicação de recursos públicos em finalidades claramente menos importantes do que aquela a ser tutelada pelo
Judiciário, cabe afastar o limite aqui em destaque, tornando-se imponível
a prestação para o Estado.
4. A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL: ASPECTOS PROCESSUAIS
Estabelece o art. 5 LXXIII da Constituição Federal que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
8
Dirley da Cunha(2008, p.318) elenca uma série de áreas de onde o dinheiro
poderia ser remanejado para suprir a falta de recurso em caso efetivação de
políticas públicas pelo judiciário: “fomento econômico a empresas concessionárias
ou permissionárias mal administradas; serviço da dívida; mordomias no tratamento de certas autoridades políticas, como jatinhos, palácios residenciais, festas pomposas, seguranças desnecessários, carros de luzo blindados, comitivas desnecessárias em viagens internacionais, pagamentos de diárias excessivas, manutenção
de mordomias a ex-Presidentes da República; gastos em publicidade, etc”
A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...
139
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico
e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas
judiciais e do ônus da sucumbência.
A redação da Constituição dirimiu inúmeras dúvidas quanto à amplitude da ação popular e inclusive, quanto à natureza juridica de seu
provimento. Isso porque inicialmente se verificava uma idéia de natureza meramente declaratória a seu provimento, tendo esse evoluído inclusive para a natureza condenatória, nos termos do art. 11 da Lei 4717/
659. No entanto, o que se verifica é que não apenas a indenização,
como também a condenação do Estado à efetivação de políticas públicas ambientais pode ser empreendida através da ação popular ambiental, como se verá no item seguinte.
Cumpre, então, de plano, verificar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça perfilha orientação de que a ação popular é cabível para a proteção da moralidade administrativa, ainda que inexistente
o dano material ao patrimônio público. Precedentes: REsp 474.475/SP,
Rel. Ministro Luiz Fux,Primeira Turma, julgado em 9/9/2008, DJe 6/
10/2008; e AgRg no REsp774.932/GO, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Segunda Turma, julgado em 13/3/2007, DJ 22/3/2007.
Outra questão de relevo é a da legitimidade ativa, em especial, na
ação popular ambiental. Isso porque embora a jurisprudencia se oriente que legítimos são apenas os cidadãos strictu sensu (eleitores) no caso
da ação popular ambiental, a diferenciação do conceito de cidadão da
ação popular na proteção de patrimônio público e de cidadão na proteção ambiental tem especial relevo. Desse modo, alguns entendem que
quando é citada a palavra cidadão no art. 5º, LXXIII, não se apreende a
noção de restrição; pelo contrário, o legislador reforça a sua vontade, ao
acrescentar o termo qualquer, não exigindo nenhuma condição especial. Assim, a Lei 4717/65 não teria sido recepcionada, neste ponto, pela
Ordem Constitucional vigente, diante da incompatibilidade entre o de-
9
Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade
do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis
pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os
funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.
140
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
sejo da lei ordinária em restringir e o da Lei Maior em ampliar a noção
de cidadania.
Independentemente de tal discussão, a jurisprudência do STJ vem
se orientando no sentido de não permitir a extinção sem julgamento do
mérito por ilegitimidade, tanto no caso da ação civil pública, quanto na
popular, sem a prévia consulta a co-legitimados, sufragando o princípio da primazia do conhecimento do mérito do processo coletivo.
No tocante à legitimidade passiva, na ação popular há necessariamente que figurar no polo passivo um ente da administração pública
direta, indireta, ou pessoa que administre verba pública. No entanto,
no caso da ação popular ambiental, autores como Celso Pacheco Fiorilo
(2000) e Heraldo Garcia Vitta (2000) entendem que pode ser intentada
em face de qualquer pessoa, física o juridical, particular ou pública,
nacional ou estrangeira, que tenha cometido ou ameace cometer danos
ao meio ambiente, independentemente de recebimento de dinheiro público.
São requisitos específicos da ação popular o binônimo ilegalidade e
lesividade da ação ou omissão do poder público. No caso da ação popular ambiental, conforme salienta Rodrigues (2006, p. 224), basta o dano
ao meio ambiente e nexo de causalidade entre a conduta e o dano, independentemente de culpa.
A atuação do Ministério Público na ação popular é peculiar, um vez
que na forma do parágrafo 4 XX do art. 6 da Lei 4717/65, é vedado ao
Ministério Público assumir a defesa do ato impugnado, o que significa
dizer, numa leitura adequada das atribuições do Ministério Público,
que, na realidade, esse órgao não pode ter uma participação ativa contraria ao autor da ação popular, podendo, no entanto, se manifestar
contrariamente ao pedido autoral em seu parecer (RODRIGUES, 2006,
P. 242).
Na ação popular, é possivel ampla produção probatória, podendo a
sentença emanar provimento de natureza declaratória, constitutiva e
condenatória, devendo ser salientado que, na hipótese de improcedência ou extinctão sem julgamento do mérito, o autor não sera condenado em custas, salvo má-fé autoral, hipótese em que pagará não
apenas as custas, como também poderá ser condenado em multa por
litigância de má-fé.
A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...
141
5. EFETIVAÇÃO JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS
ATRAVÉS DA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL: O CASO DO RIO SÃO
FRANCISCO
Dentre os instrumentos jurídico constitucionais para efetivação de
políticas públicas, o que mais vem sendo usado é a ação civil pública,
em virtude de sua aplicação pelo Ministério Público , defensoria pública
e associações.
No entanto, a ação popular surge com o apelo democrático da possibilidade de ajuizamento por qualquer cidadão, o que torna o seu uso
particularmente útil em certos casos de novas demandas não abrangidas
pela atuação dos órgãos citados.
No que se refere à tutela ambiental, tem-se o grande questionamento da possibilidade de condenação em obrigações de fazer e não fazer.
Com efeito, tradicionalmente, sempre se entendeu que a ação popular
não poderia ter esse tipo de pedido. No entanto, no caso da Ação popular ambiental, alguns autores como Vita (2000), vem defendendo que,
na Ação popular ambiental, é possível o pedido de condenação na obrigação de fazer ou de não fazer consistente tanto na reparação efetiva,
quanto na prevenção da lesão ao meio ambiente.
Conforme esclarecido quando se discutiu o direito fundamental ao
meio ambiente equilibrado expresso no art. 225 da Constituição Federal, tem-se que não é sustentável posição no sentido de que a legislação
ordinária subtraísse a tutela constitucional adequada na vertente
ambiental, até porque, conforme ressalta Rodrigues (2006, p. 231), o
Parágrafo terceiro do art. 225 da Constituição Federal dispõe que as
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente ecologicamente equilibrado sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemtne da obrigação de reparar o dano.
Assim, impõe-se o entendimento no sentido de que a Ação popular
pode ser ajuizada para forçar o poder público a implementar as políticas públicas que vem previstas no § 1º do art. 225 da Constituição
Federal.
Com efeito, dispõe a Constituição que, para assegurar a efetividade
do direito ao meio ambiente equilibrado, incumbe ao Poder Público, na
142
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
forma dos incisos do § 1º do art. 225: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas. II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético. III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei,
para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a
fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Dessa forma, pode o poder judiciário, provocado mediante pedido formulado em ação popular, determinar ao poder público a adoção de políticas públicas específicas que visem a concretizar os mandamentos constitucionais insertos nos incisos do art. 225 da Constituição Federal, ou
no mínimo, a adoção de medidas que visem a impedir ações contrarias
a concretização do direito ao meio ambiente equilibrado.10
10
Importante salientar, no entanto, que tal posição não é majoritária na doutrina,
mesmo em se cuidando de material ambiental. Assim, existem posicionamentos
no sentido de se atribuir uma possibilidade mais restrita à ação popular, limitando seu campo de atuação:Mesmo em matéria ambiental a ação popular mantém a
sua característica fundamental de instrumento processual destinado a provocar
o controle jurisdicional de atos do Poder Público. Por via de consequência, não se
presta ela à prevenção, à correção ou à reparação de lesões decorrentes de
atividades ou omissões atribuídas exclusivamente aos particulares, ou à prevenção e à reparação de danos que não se vinculem à prévia invalidação de atos
administrativos “(MIRRA, 2010, p. 225).
A PROTEÇÃO, A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ...
143
Nesse sentido, no tocante à transposição do rio São Francisco, encontra-se pendente de Julgamento no STF uma ação popular (ACO nº
996), ajuizada por mais de 170 cidadãos ribeirinhos da bacia hidrográfica
do São Francisco, durante acampamento em Brasília, contra a transposição em março de 2007. A ação encontra-se distribuída por prevenção e vinculada à ACO 876, já analisada no item anterior.
Também em 2007, a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Sergipe
(OAB-SE), ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Cível Originária (ACO 1003) contra o projeto de integração do rio São Francisco
para o semiárido nordestino. Na ação, a OAB requer antecipação de tutela
para que a União Federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA)
e a Agência Nacional de Águas (ANA) paralisem imediatamente a
implementação do projeto. A ação popular afirma que a imposição da transposição da bacia hidrográfica do rio São Francisco ignora a gestão da bacia doadora e traz sérios riscos para seu futuro. Acrescentam os autores
da ACO que existem diversas ilegalidades no projeto governamental de
transposição das águas do rio, tais como a usurpação da competência do
Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, violação ao plano de
recursos hídricos, a falta de provas na argumentação da União, a não
observância dos limites das outorgas de consumo concedidas, as falhas
do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto no Meio
Ambiente (RIMA), a total falta de sustentabilidade da obra, a ausência de
pacto federativo para a transposição, dentre outras irregularidades. A
ofensa aos princípios da prevenção, moralidade e eficiência ambientais é
o argumento para a OAB-SE propor a decretação pelo Supremo da ilegalidade do projeto de transposição do rio São Francisco. A Liminar requerida
foi indeferida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, a quem o processo foi
distribuído por prevenção, em razão da ACO 876, encontrando-se assim,
hoje na relatoria do Ministro Francisco Ricardo Lewandoski.
Vê-se assim que, no caso da transposição do rio São Franciso, o instrumental jurídico da Ação Popular foi inteligentemente utilizado para
a tentativa de controle de políticas públicas ambientais. O certo é que
embora se cuide de instituto antigo, a ação popular encontra-se em
fase de revisão de sua interpretação, o que ainda mais se acirra no
período de discussões em torno da tramitação do projeto do novo código
de processo civil.
144
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
No entanto, é importante procurar-se dar ao instituto, dada a sua
ampla legitimação democrática, a interpretação que conduza a sua
maxima efetividade, pois tem se mostrado instrumento eficaz nas hipóteses de falta de atuação dos legitimados à ação civil pública.
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apos todas as análises empreendidas no presente artigo, podese fixar que, em primeiro lugar, o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é direito fundamental de terceira dimensão que deve
ser efetivado através de políticas públicas garantidoras de sua preservação.
No caso específico da preservação da bacia hidrográfica do rio São
Francisco, é possível a utilização do controle judicial de políticas públicas para a concretização do direito ao meio ambiente equilibrado.
No que tange ao instrumental processual para a tutela coletiva do
meio ambiente, é possível a utilização da Ação Popular para sua
efetivação, pois se cuida de instrumento com ampla legitimidade democrática dado a ser atribuída a qualquer cidadão.
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PARTE II
APLICAÇÕES
6
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E
CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA EM LOTES DO
PERÍMETRO IRRIGADO DO FORMOSO, BOM JESUS DA
LAPA, BAHIA – BRASIL
*
BRASIL*
FRANCISCO ADRIANO DE CARVALHO PEREIRA
RONALDO PEDREIRA DOS SANTOS
LUCIANO MATEOS IÑIGUEZ
VITAL PEDRO DA SILVA PAZ
JOÃO FONSECA GOMES JÚNIOR
INTRODUÇÃO
A agricultura irrigada é o setor mais demandante por água e provavelmente o que mais desperdiça. Em muitas regiões do mundo, a agricultura só é possível com o auxílio da irrigação, tornando-se um imprescindível fator de desenvolvimento econômico e estabilidade social.
A sustentabilidade da agricultura irrigada requer avaliações periódicas do manejo e desempenhos dos sistemas de irrigação, visando evitar
ações degradadoras sob o meio ambiente.
Estima-se que em media 45% da água derivada da natureza para
fins de irrigação não é efetivamente aproveitada pelas culturas, no atendimento de suas necessidades hídricas. Porém, nem toda a água perdida
é efetivamente desperdiçada, levando a definição de usos benéficos e nãobenéficos da água no contexto da agricultura irrigada bem como das definições de uso consultivo e não consultivo da água (BURT et al., 1997).
*
Trabalho realizado com o apoio da CAPES por meio da disponibilização de
bolsa de estágio de Pós-Doutoramento no exterior. IAG/CSIC. Cordoba Espanha.
150
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
São muitos os atributos físicos do solo que se pode determinar, entretanto, nenhum parâmetro possui importância maior que textura do
solo. A textura do solo auxilia o entendimento das propriedades físicas e
químicas do solo, nutrição mineral de plantas, assim como a caracterização de perfis de solos para uso em levantamentos e classificação
(EMBRAPA, 1999). Possui, também, estreita relação com a fixação de
íons (íon fosfato, como exemplo) e moléculas, retenção de água e manifestação de forças físicas de adesão e coesão e troca catiônica (RESENDE
et al., 1999). Além disso, a textura do solo pode influenciar e modificar
outras propriedades como porosidade total, macro e microporosidade,
densidade do solo, consistência do solo, e superfície específica (COSER
et al.,2007). Dessa forma, a determinação da textura do solo e de extrema importância agrícola, ambiental e civil.
O solo e um corpo tridimensional formado por uma parte sólida e
pelos espaços porosos (ZUCOLOTO et al., 2007). As partículas sólidas
do solo variam, enormemente, quanto a sua natureza e tamanho, sendo que a distribuição do tamanho das partículas ou granulometria do
solo define a sua textura (EMBRAPA,1997).
A porosidade do solo interfere na aeração, condução e retenção de
água, resistência à penetração e a ramificação das raízes no solo e,
consequentemente, no aproveitamento de água e nutrientes disponíveis (TOGNON, 1991). O solo ideal deve apresentar um volume e
dimensão dos poros adequados para a entrada, movimento e retenção de água e ar para atender às necessidades das culturas (HILLEL,
1980).
A compactação do solo pelo uso de práticas inadequadas de manejo
resulta diretamente em aumento na densidade do solo e, por consequência, em alterações detrimentais em outras propriedades físicas, tais como:
a porosidade do solo, a retenção de água, a aeração e a resistência do
solo a penetração das raízes (LETEY, 1985).
O conhecimento das propriedades hídricas do solo é fundamental
para o estabelecimento de boas práticas agrícolas, bem como de técnicas de irrigação e drenagem. Entretanto, a determinação convencional
da curva de retenção da água no solo e tão trabalhosa e demorada que
inviabiliza análises de numerosos conjuntos de amostras, requeridos
pela agricultura de precisão para o manejo do solo. (VAZ et al., 2004)
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
151
Segundo Malavolta (1989), o conhecimento dos teores de nutrientes
disponíveis no solo orientam na formulação das recomendações mais
acertadas para a adubação das plantas, evitando-se o desperdício e o
uso inadequado de adubos e corretivos e prejuízo, que haveria tanto
nas despesas com adubação como na redução das colheitas.
O sucesso da agricultura irrigada depende, além da qualidade da
água fornecida as plantas, da drenagem da área e do manejo da fertilidade do solo (CHAVES, et al., 2004). De acordo com Mello et al., (1983),um
solo pode ser considerado fértil, quando, além de conter quantidades
suficientes e em proporções adequadas dos nutrientes essenciais as
plantas e livre de elementos tóxicos, apresentar, também, propriedades
físicas satisfatórias.
A demanda hídrica para irrigação supera a soma de todas as demandas dos demais setores usuários da água no contexto de uma bacia
hidrográfica. Em termos globais, 70% dos recursos hídricos disponíveis
são derivados para irrigação, em detrimento dos demais setores. Na
medida em que esses se desenvolvem, a disponibilidade de água para
irrigação tende a diminuir no futuro. Por outro lado, a importância da
agricultura irrigada é inegável, tendo em vista que 36% da produção
mundial de alimentos e fibras originam-se de áreas irrigadas que
correspondem apenas 15% da área total cultivada (PAZ, 2003).
A uniformidade da irrigação tem efeito no rendimento das culturas e
é considerada um dos fatores mais importantes no dimensionamento e
na operação de sistemas de irrigação. O conceito de uniformidade de
distribuição foi introduzido por Christiansen em 1942, referindo-se à
variabilidade da lâmina de água aplicada ao longo da extensão da superfície do terreno irrigado. Reduzidos valores de uniformidade determina em geral, maior consumo de água e energia, maior perda de nutrientes e, ao mesmo tempo, podem proporcionar plantas com déficit hídrico,
em significativa proporção da área irrigada (SCALOPPI; DIAS,1996).
A utilização de sistemas de irrigação mais eficientes é uma busca
constante na agricultura irrigada, pois existe tendência de aumento no
custo da energia e de redução da disponibilidade hídrica dos mananciais (AZEVEDO,1986).
Eljanini (1963) informa que o valor do Coeficiente de Uniformidade
de Christiansen, da ordem de 84%, geralmente e considerado satisfatório.
152
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Merriam et al., (1973) recomendam que, para culturas de alto valor econômico e com sistema radicular pouco profundo, o coeficiente de uniformidade de Christiansen deve ser superior a 88%; para culturas com sistema radicular medianamente profundo, o CUC deve variar entre 82 e
88% e, para culturas com sistema radicular profundo, em locais onde a
quantidade de chuva e substancial, o CUC pode variar entre 70 e 82%.
A uniformidade de distribuição de água em áreas irrigadas influencia diretamente o manejo, a qualidade, a eficiência e o custo da irrigação, assim como o desempenho da cultura no campo. Uma reduzida
uniformidade de distribuição de água faz com que determinadas plantas irrigadas pelo sistema recebam mais água do que outras, resultando em desenvolvimento desuniforme da cultura. Acrescenta-se a isso o
fato de que o excesso de água no solo provoca a lixiviação de nutrientes,
a redução na concentração de oxigênio disponível para as raízes e pode
aumentar a incidência de pragas e doenças, enquanto que a escassez
aumenta os riscos de salinização do solo e inibe o potencial produtivo
da planta (SANTOS et al., 2003), apud (BARROS et al., 2008).
Os perímetros irrigados da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF), no Estado da Bahia exercem papel relevante no cenário econômico do Nordeste, pois, além de
gerar emprego e renda para uma parte significativa da população, contribuem com parte expressiva da receita proveniente da atividade agropecuária. Apesar de o agronegócio ser considerado rentável, são vários
os problemas enfrentados pela cadeia produtiva, destacando-se as relações entre as propriedades físico-hídricas e químicas dos solos, além
dos indicadores de uniformidade, cuja combinação, se inadequada, poderá promover quedas significativas na produtividade e elevação dos
custos de produção, principalmente em sistemas irrigados.
Dentro desse contexto, o presente trabalho tem como objetivos: avaliar a qualidade da irrigação com base em indicadores de performance
nas condições atuais de manejo e operação dos sistemas de irrigação,
adotados no perímetro irrigado do Formoso em Bom Jesus da LapaBahia, bem como caracterizar os solos do ponto de vista físico-hídrico.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
153
MATERIAL E MÉTODOS
Áreas de Estudo
O estudo foi desenvolvido a partir de dados coletados no perímetro
irrigado da CODEVASF, localizado no Projeto Formoso em Bom Jesus da
Lapa-Bahia.
No Projeto Formoso, foram avaliados lotes representativos do Perímetro Irrigado, cultivados com culturas anuais e perenes. Dentre as
culturas exploradas, destacam-se: banana, cacau, uva, melancia,
goiaba, limão etc, como apresentado na tabela 1.
PERÍMETRO IRRIGADO DO FORMOSO
O Perímetro Irrigado do Formoso agrupa dois projetos de irrigação da
CODEVASF, o Projeto Formoso A e o Projeto Formoso H; os mesmos localizam-se no Pólo de Desenvolvimento de Formoso/Correntina, Bahia,
que abrange mais quatro perímetros: Correntina, Formosinho,
Jaborandi, Vale do Iuiú. O Perímetro situa-se no município de Bom Jesus da Lapa, na bacia do Rio Corrente, médio São Francisco, no oeste
baiano, com capacidade de uma área irrigável de 12.716 ha, englobando os dois projetos. Os lotes avaliados correspondem a aproximadamente 2% do projeto.
Na Figura 1 está apresentada a localização dos Perímetros Irrigados,
o qual faz parte dos Projetos de Irrigação da Área da 2ª Superintendência Regional da CODEVASF.
O Projeto Formoso A possui área total de 8.373 ha, encontrando-se
em final de implantação e iniciado o processo de ocupação. A divisão da
área do projeto está compreendida em 705 lotes de pequenos produtores e 112 lotes empresariais. Em 1998, uma área de 2.615 ha já tinha
sido ocupada por 620 pequenos irrigantes, 3.084 ha por 68 empresas,
58 ha por 12 técnicos em ciências agrárias.
154
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Tabela 1
1: Descrição dos lotes representativos do Perímetro Irrigado de Formoso.
O Projeto Formoso H abrange uma área total de 4.343 ha, encontrando-se em fase final de implantação e ocupação. A divisão da área do
projeto estabelece 218 lotes para pequenos irrigantes, 52 lotes para
técnicos em ciências agrárias, 25 lotes para microempresas e 43 lotes
para empresas. Há uma área de 1.730 ha que constituem reserva legal
e preservação permanente.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
Figura 1 - Projetos de Irrigação na Área da 2ª Superintendência Regional.
155
156
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Nas Figura 2 e 3 estão apresentados os croquis das áreas dos Perímetros Irrigados de Formoso A e Formoso H com a distribuição das áreas irrigáveis, de preservação permanente, de reservas legais, inundáveis
e áreas construídas.
Figura 2 – Croqui do Perímetro Irrigado de Formoso A.
Figura 3 – Croqui do Perímetro Irrigado de Formoso H
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
157
A principal fonte hídrica desse projeto é o rio Corrente. O projeto teve
início de funcionamento em 1989, e início da co-gestão com o Distrito de
Irrigação de Formoso (DIF), no mesmo ano.
O clima da região, segundo a classificação de Thornthwaite, é
semiárido. Temperatura média anual 25,3ºC. Pluviosidade média anual 830,5 mm, índice de aridez de 44,7; índice de umidade de 3,3 e índice
hídrico de -23,5. Mais de 90% da precipitação ocorrem de novembro a
março, demarcando duas estações climáticas distintas: a chuvosa e a
seca. O clima no Vale do São Francisco (Oeste da Bahia) é influenciado
por diferentes massas de ar, com movimentação geral de aproximadamente NE-SW na primavera e E-W no outono e inverno. A altitude é de
aproximadamente 483,8 m.
Com uma evapotranspiração potencial média, segundo Hargreaves,
para o posto de Bom Jesus da Lapa, da ordem de 1.880 mm anuais, o
déficit hídrico médio é de 1.055 mm/ano.
Os solos da região tem formação a partir de coberturas detríticas, que
está relacionada com depressões pediplanas do Vale do São Francisco com
modelados de topografia aplainada, relevo plano e suave ondulado, onde
se desenvolvem os solos classificados como: NEOSSOLO QUARTZARÊNICO
(NQ), LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico (LVAd), ARGISSOLO
VERMELHO-AMARELO Distrófico (PVAd) e ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO Eutrófico (PVAe), (JACOMINE et al., 1976).
Segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA,
1999) atualmente são classificados, respectivamente, como NEOSSOLO
QUARTZARÊNICO (NQ), LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico
(LVAd), ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico (PVAd) e
ARGISSOLO VERMELHO-AMARELO Eutrófico (PVAe).
CARACTERÍSTICAS AVALIADAS NOS SOLOS
Granulometria
Utilizaram-se amostras com estrutura deformada, retiradas por meio
de trato tubular tipo sonda nas profundidades de 0-30 e 30-60 cm. Os
locais de retiradas dessas amostras simples foram obtidos de maneira
158
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
aleatória, numa proporção de 3 amostras por hectare, estas foram adicionadas a um balde. Ao final da coleta, retirou-se uma amostra composta para cada uma das profundidades amostradas. Após serem secas ao ar, desagregadas e passadas por peneira com 2mm de abertura
de malha, as amostras foram utilizadas para determinação da
granulometria e densidade das partículas, com base em metodologia
descrita no manual de métodos de análises físicas (EMBRAPA, 1997).
Curva de retenção, densidade do solo, porosidade, água disponível
Para determinação das curvas de retenção de água, densidade do
solo e porosidade foram utilizadas amostras com estrutura indeformada,
coletadas em duas camadas de solo. Foram retiradas duas amostras
nas profundidades de 0-0,30 e 0,30-0,60m, por meio de um trado para
amostras de solo indeformadas, com anéis de aço com 26,5mm de altura com volume de 50cm3. A escolha do ponto de amostragem foi realizada após percorrer o lote, a fim de identificar o local de maior representatividade do mesmo. Para a coleta da amostra 0-30m, foi aberta uma
trincheira até a profundidade de 15cm e então procedeu-se a coleta
(Figura 4). Para a retirada da amostra de 0,30-0,60m, a mesma trincheira foi reaberta, até a profundidade de 0,45m. Após a coleta as amostras foram identificadas e embrulhadas em papel alumínio e postas individualmente em um saco plástico com objetivo de evitar a perda de
umidade e assim acondicionadas em caixa de isopor.
Figura 4 – Coleta de amostra de solo indeformada.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
159
Após feitas as coletas, as amostras foram devidamente enviadas para
o IAC (Instituto Agronômico - Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de
Solos e Recursos Ambientais - Laboratório de Física do Solo), onde foram realizadas as análises.
Os ajustes das curvas de retenção da água no solo se deram com
base na equação de Van Genuchten (1980), equação (1)
(1)
onde θs e θr são as umidades na saturação e residual, respectivamente e α , n e m parâmetros de ajuste, os quais são obtidos neste
trabalho, através do ajuste com a técnica de mínimos quadrados com a
ferramenta Solver do Microsoft Excel.
Considerou-se capacidade de campo (CC), a umidade do solo em equilíbrio com com a aplicação da tensão de -10 kPa e, como ponto de murcha permanente (PMP), a obtida com a tensão de -1500 kPa. A água
disponível foi determinada pela diferença entre CC e PMP. Para determinação da porosidade total, macro e microporosidade, utilizaram-se
funis de placa porosa para a aplicação individual da tensão de -5 kPa.
ÁGUA DISPONÍVEL
Os valores de Disponibilidade Total de Água (DTA), Capacidade Total
de Água (CTA), Capacidade Real de Água (CRA) e Água Disponível (AD),
foram calculados a partir das equações 2, 3, 4 e 5 respectivamente.
(2)
(3)
160
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
(4)
(5)
Onde θcc, θpmp e θua são as umidade na capacidade de campo,
umidade no ponto de mucha permanente e umidade atual (para o ψm =
-500 kPa), respectivamente e Z profundidade efetiva.
Quadro 1
1: Características, variáveis e indicadores usados no levantamento de alguns aspectos físicos, sócioeconômico e ambientais do Projeto Formoso.
KLUTE (1986), LEMOS e SANTOS (1996); 2BRADY (1989); 3DANIELSON e SUTHERLAND (1986);
JAMILSON (1953) e REICHARDT (1988); 5REICHARDT e TIMM (2004) e 6BERNARDO et al., (2005).
1
4
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
161
CARACTERIZAÇÃO DOS LOTES AVALIADOS
Os testes de campo para avaliação da irrigação foram conduzidos em
lotes onde os sistemas de irrigação encontrados foram: aspersão convencional, microaspersão e gotejamento.
No Projeto Formoso, treze lotes foram avaliados, contemplando áreas e
culturas representativas em exploração no perímetro. Dos sistemas avaliados, sete foram com aspersão convencional e oito com microaspersão
PROCEDIMENTO PARA AVALIAÇÃO DOS SISTEMAS DE IRRIGAÇÃO
Aspersão convencional
Em relação ao método de irrigação por aspersão, o sistema por aspersão semiportátil, caracterizou-se como o modelo predominante nos
lotes avaliados. Esse sistema é composto por uma linha principal fixa e
linhas laterais com movimentação manual em torno da linha principal.
A operação da irrigação se dava pelo funcionamento de uma linha lateral por vez, com uma linha de espera na posição seguinte. O
espaçamento mais comumente empregado entre os irrigantes eram os
seguintes: 12 x 12m, 18 x 12m e 18 x 18m entre linhas laterais e
aspersores na lateral, respectivamente.
Para a avaliação do sistema em campo, foram distribuídos 14 pluviômetros em linhas radias espaçados de 1,0 metro entre si a uma altura
de 1,0 m em relação ao nível do solo (Figura 5).
Em cada lote selecionado, avaliou-se apenas uma linha lateral, sendo escolhidos os aspersores situados no início, 1/3 do comprimento e
no final da linha. O teste para coleta dos dados de pricipitação em linhas radiais, tiveram a duração de uma hora por posição. Para os
aspersores selecionados foram coletados também dados de pressão por
meio de manômetro de glicerina diretamente no bocal do aspersor. A
vazão foi medida utilizando-se um tubo coletor o qual conduziu toda a
água aspergida para um balde de 13 litros, onde, simultaneamente
cronometrou-se o tempo para completar esse volume; para cada medição foram realizadas três repetições.
162
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Os testes foram realizados nas primeiras horas da manhã, de maneira que a velocidade de vento não interferiu na coleta dos dados. O
registro da velocidade do vento foi monitorado por meio de um
anemômetro portátil.
O procedimento para a composição do funcionamento dos aspersores
a partir das precipitações superpostas, para diferentes combinações de
espaçamento, foram realizadas por meio do Catch-3D sprinkler pattern
analysis software (ALEN, 1992).
Figura 05 – Esquema de distribuição dos coletores em torno dos aspersores ao
longo da linha lateral
MICROASPERSÃO E GOTEJAMENTO
Para o sistema de irrigação por microaspersão e gotejamento,utilizouse a seguinte metodologia: a coleta de dados foi realizada em seis linhas
laterais, três à direita e três à esquerda da tubulação de distribuição,
conforme figura 6. Foram selecionas, as primeiras laterais, as laterais
medianas e as últimas laterais. Em cada uma das laterais, foram selecionados três emissores, localizados no início, a 1/3 e ao final do comprimento da linha lateral, totalizando 18 emissores por subunidade de
irrigação avaliada. Em cada sistema de irrigação foram avaliadas quatro subunidades de irrigação. Os subunidades selecionadas situavam-
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
163
se no início da unidade de irrigação, a 1/3 terço do comprimento, 2/3
do comprimento e no final da linha de distribuição de água da unidade
de irrigação.
Figura 06 - Caracterização do sistema de amostragem para avaliação dos sistemas
de irrigação por microaspersão e gotejamento.
Com o auxílio de um manômetro, cronômetro e coletores foram obtidas as pressões e as vazões de cada emissor selecionado. Para cada
medição foram realizadas três repetições.
Os procedimentos descritos acima foram utilizados com objetivo de
obter o Coeficiente de Uniformidade de Christiansen (CUC), uniformidade de Distribuição de Água com base no menor quartil (UD) e Eficiência de Aplicação da Água.
Com base nos dados obtidos através da avaliação do desempenho dos
sistemas de irrigação, indicadores de performance foram calculados.
164
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
INDICADORES DE DESEMPENHO
Para avaliação do desempenho dos sistemas de irrigação utilizou-se
o Coeficiente de Uniformidade de Christiansen (Christiansen, 1942) e a
Uniformidade de Distribuição de Água (UD) (KELLER & BLIESNER, 1990)
definida matematicamente a seguir:
(6)
onde CUC = Coeficiente de Uniformidade de Christiansen (%); Lj =
lâmina d’água no coletor de ordem j (mm) com todos os coletores, regularmente espaçados no campo; Lm = média das lâminas coletadas (mm)
e n = número de coletores.
(7)
onde UD = Uniformidade de Distribuição do menor quartil (%); L25 =
média dos 25% menores valores de lâmina coletada (mm); Lmc = lâmina
média coletada (mm).
(8)
onde CUE = Coeficiente de Uniformidade Estatístico de Irrigação, em
% (ASAE, 1996), e CVT - Coeficiente de Variação Total de Vazão, na
Subunidade (ASAE, 1996), dado pela seguinte equação;
(9)
em que: S - Desvio padrão das vazões medidas, kPa; Xm - média das
lâminas coletadas, mm;
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
165
Para a avaliação a partir das informações de uniformidade obtidas
nos testes realizados nos sistemas de aspersão e microaspersão, considerou-se o grau de aceitabilidade proposto pela NRCS (1997) como apresentado na tabela 2.
Tabela 2
2: Classificação dos Coeficientes de Uniformidade.
UD2 (%)
UE3 (3)
Classe
UC1 (%)
Excelente
Acima de 90
Acima de 84
100 – 95
Bom
80 – 90
68 – 84
90 – 85
Rezoalvel
70 – 80
52 – 68
80 – 75
Ruim
60 – 70
36 – 52
70 – 65
Inaceitável
Abaixo de 60
Abaixo de 36
Abaixo de 60
Fonte: (1) Smajstria et al., (1990), citados por Almeida (1997), (2) Bernado (2005), (3)
ASAE (1996).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Irrigação por microaspersão
Os resultados obtidos para carcterização da pressão de operação,
vazão e coeficientes de uniformidade em oito lotes analisados encontram-se na tabela 3.
Tabela 3: Pressão de operação e vazão do aspersores e indicadores de performance
(CUC, UD, CUE e CVT) para a irrigação por microaspersão no Projeto de Irrigação de
Formoso, Bahia.
PRESSÃO
EMISSOR
(kPA)
VAZÃO
EMISSOR
(L/h)
131
391
858
919
1140
1152
1462
1585
128,31
196,68
172,85
183,06
107,33
156,12
129,72
149,01
Máximo
Mínimo
Média
Desvio padrão
196,68
107,33
152,89
30,40
LOTES
CUC (%)
UD (%)
CUE (%)
CVT (%)
84,18
127,67
100,24
73,14
43,11
52,83
61,42
65,60
87,10
82,16
93,42
91,93
95,12
91,50
93,11
94,69
79,18
70,17
89,09
86,68
93,94
86,58
89,09
92,56
79,43
76,13
85,49
82,83
90,91
86,14
87,67
91,98
20,57
23,87
14,51
17,17
9,09
13,86
12,33
8,02
127,67
43,11
76,02
27,44
95,12
82,16
91,13
4,40
93,94
70,17
85,91
7,77
91,98
76,13
85,07
5,43
23,87
8,09
14,92
5,43
166
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
A velocidade média do vento foi desconsiderada, uma vez que os
emissores estão dispostos entre as linhas de plantio de uma cultura de
porte alto. A ação do vento pode tornar desuniforme a distribuição da
água na área irrigada (FRIZZONE, 1992), especialmente quando aplicada por sistemas de aspersão sobrecopa, no caso do projeto, o sistema de
irrigação, está aplicando água por sistema de microaspersão subcopa.
Observou-se que o CUC variou de 82,16% a 95,12%, com média de
91,13%, seguindo a UD a mesma tendência, com máximo de 93,94%,
mínimo de 70,17% e média de 85,91%. Os menores valores de CUC
(82,16% e 87,10%) foram obtidos nos sistemas de irrigação dos lotes
391 e 131, respectivamente.
Com os altos indicadores de uniformidade vistos na Tabela 3, espera-se que as perdas de água por percolação profunda sejam
insignificativas nos lotes avaliados, além de não gerar problemas de
molhamento deficitário nos setores da área (KELLER & BLIESNER, 1990;
WILSON & ZOLDOSKE, 1997).
Os resultados dos coeficientes de uniformidade (tabela 3) indicam
tratamentos com elevados valores de CUC, acima de 90 % em 75% dos
lotes, o que representa uma classificação excelente para essas áreas.
Verificou-se, ainda que as variações no UD permitiram classificar os
mesmos como bons. Esse fato demonstra que a dispersão das lâminas
de irrigação ao longo dos setores, encontrava-se bastante reduzida, significando que a aplicação de água em média estava bastante uniforme.
O valor obtido do CUE corrobora com os resultados dos coeficientes
de uniformidade (Tabela 3), alcançando a classificação de razoável (lotes 391 e 131) a bom (demais lotes), confirmando a qualidade da aplicação de água em todos os oito lotes estudados. Para Bralts e Kesner (1983),
numa linha lateral o coeficiente de variação de vazão dos emissores,
resultantes apenas dos efeitos hidráulicos é, em geral, da ordem de 3,7
a 7,8%. O CVT variou de 9,09% a 23,87%. Esse fato decorre de variações de vazão de 10% a 20%, normalmente utilizados em projetos de
irrigação. Zanini et al., (1998), avaliando um sistema de irrigação por
microaspersão em cultura de bananeira, encontraram CVT de 8,5% a
11,0%. Em relação ao CVT nos lotes estudados, o resultado obtido de
23,87% foi considerado alto, como era esperado devido à elevada variação de pressão.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
167
A Figura 7 apresenta o comportamento dos coeficientes de uniformidade avaliados e sua variação entre os lotes, referentes à microaspersão.
Observou-se que os coeficientes CUE e UD seguiram as mesmas tendências de CUC, sendo que os valores de UD e CUE foram sempre
menores. Observa-se também que os lotes 1140 e 1585 foram os que
apresentam menores CVT.
Relacionando-se CUC e CUD, Rezende (1992) afirma que o fato de
CUD ser sempre menor que CUC é inerente às variáveis das equações
utilizadas na determinação desses coeficientes, pois no cálculo de CUD
consideram-se apenas 25% da área que recebeu menos água. Essas
conclusões foram afirmadas por Keller & Bliesner (1990), acrescentando que CUD pode estar relacionado a CUC, pela expressão:
CUD = 100 - 1,59 (100 - CUC).
Segundo Hart (1961), quando as lâminas de irrigação têm distribuição normal, CUD = UDH.
Figura 7: Variação dos coeficientes de uniformidade
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
168
Os valores e classificação do UD obtidos nos sistemas de irrigação
por microaspersão dos lotes estudados são apresentados na tabela 4. O
valor médio de UD foi de 85,91%, variando de 70,17% a 93,94%.
Em 25% dos sistemas avaliados o coeficiente de uniformidade de distribuição de água, segundo a ASAE (1996), pode ser classificado como
“bom” e em 75% o valor foi considerado “excelente”.
Os dois lotes empresariais (1140 e 1152), foram considerados como
excelente, segundo a tabela de classificação de uniformidade de distribuição.
Tabela 4: Valores e classificação do UD em lotes irrigados por microaspersão no
Perímetro de Formoso.
LOTES
391
131
1152
919
858
1462
1585
1140
Média UD
UD (%)
70,17
79,18
86,58
86,68
89,09
89,09
92,56
93,94
85,91
Classificação
Bom
Fração dos lotes
25%
Excelente
75%
IRRIGAÇÃO POR ASPERSÃO CONVENCIONAL
Os resultados obtidos para a avaliação dos coeficientes de uniformidade nos sete lotes irrigados por aspersão convencional, encontram-se
na Tabela 5, 6 e 7.
Podemos verificar nas tabelas 5, 6 e 7, que os piores resultados foram encontrados principalmente nos lotes 149 e 468, em todos os
espaçamentos simulados. Esse baixos rendimentos, estão relacionados
aos vazamentos decorrentes dos desgastes das borrachas de vedação
na linha adutora e nas linhas de distribuição, associado a aspersores
com bocais e molas desgastadas, conferindo variações de vazão e velocidades de rotação não uniforme. Contariamente, os lotes 858 e 919,
foram os que apresentam melhores valores de CUC nos 3 espaçamentos
analisados.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
169
Com base na tabela 5, os valores encontrados para o Coeficiente de
Uniformidade de Christiansen, simulados para os espaçamentos 12 x
12m, em 57% dos lotes avaliados classificam-se como razoáveis, ficando os demais lotes classificados como bons.
Tabela 5
5: Média dos resultados obtidos dos coeficientes de uniformidade de
Christiansen dos sistemas de irrigação por aspersão convencional, para espaçamento
de 12 x 12m no Perímetro Irrigado de Formoso.
LOTES
1448
149
1096
468
CUC (%)12 x 12
71,30
73,45
73,97
79,87
Classificação
Razoável
Fração dos lotes (%)
57,0
1516
919
858
81,93
85,13
87,30
Bom
43,0
Analisando-se as simulações realizadas com o espaçamento 12 x 18m,
tabela 6, verificou-se que 28,5% dos sistemas avaliados por aspersão convencional, classificam-se segundo as normas propostas pelo NRCS (1997)
como “ruim”, ficando 43% dos sistemas como razoável, e 28,5% como bons.
Tabela 6
6: Média dos resultados obtidos dos coeficientes de uniformidade de
Christiansen dos sistemas de irrigação por aspersão convencional, para espaçamento
de 12 x 18m no Perímetro Irrigado de Formoso.
LOTES
468
149
CUC (%)12 X 18
46,50
67,35
Classificação
Ruim
Fração dos lotes (%)
28,5
1448
1096
1516
72,17
72,23
79,27
Razoável
43,0
919
858
85,17
85,70
Bom
28,5
Para as simulações realizadas com o espaçamento de 18 x 18 m, a
performance geral decresce para todos os lotes analisados. Conforme
demostrado na tabela 7, 57,0% dos lotes avaliados, classificam-se como
ruins e 28,5% com razoáveis, ficando o resultado do lote 468 considerado como inaceitável.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
170
Tabela 7: Média dos resultados obtidos dos coeficientes de uniformidade de
Christiansen dos sistemas de irrigação por aspersão convencional, para espaçamento
de 18 x 18m, no Perímetro Irrigado de Formoso.
LOTES
468
CUC (%)18 X 18
56,20
Classificação
Inaceitável
Fração dos lotes (%)
14,5
1096
149
1448
1516
63,70
64,45
67,37
69,67
Ruim
57,0
919
858
77,03
79,70
Razoável
28,5
Os baixos valores de CUC encontrados para o lote 468, também podem ser melhor caracterizados por meio da figura 8. Analisando-se os
perfis tridimensionais da uniformidade de aplicação de água no lote
468, é possível observar uma maior aplicação de água no centro da
área de sobreposição dos aspersores, quando se utiliza o espaçamento
12m x 18m, contrariamente ao que ocorre no espaçamento 18m x 18m,
cuja aplicação é mais concentrada em torno dos aspersores, resultados
semelhantes foram encontrados por ROCHA et al., (1999).
Figura 8: Desenho esquemático em 3D da simulação da Uniformidade de precipitação com os espaçamentos, 12m x 18m e 18m x 18m no lotes 468, obtido com o
programa Catch 3D.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
171
SOBREPOSIÇÃO
Com os resultados da performance do aspersor, em condições normais de operação no campo, foram confeccionados os gráficos (figura 6)
que mostra a média do perfil de distribuição de água do emissor. Notase que os mesmos apresentam perfil ligeiramente decrescente, a medida que se distancia do emisor, onde os maiores valores de intensidade
de precipitação se encontram na região mais próxima ao aspersor, enquanto que, aproximadamente, 70% do volume aplicado incide a partir
de 1,0 m a 9,0 m de distância do emissor (figura 9).
Figura 9: Perfil de distribuição do aspersor em condições de campo.
172
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Soares et al., (1989) em trabalho realizado no Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho, avaliando o desempenho do sistema de irrigação por
aspersão móvel a nível de parcela, constataram que o valor do Coeficiente de Uniformidade de Christiansen - CUC, variou de 60 a 86,10% e
que a eficiência de irrigação variou de 37,30 a 63,30%. Esses resultados foram decorrentes de vários fatores, como: pressão de serviço deficiente ou excessiva, devido à não automatização das estações de
bombeamento; e b) uso de espaçamentos excessivos, uma vez que a
deficiência de água era bastante expressiva na área solo central entre
duas linhas laterais consecutivas.
Vargas (1990) quatro anos após, em nova avaliação do desempenho
do sistema de irrigação por aspersão no Perímetro Irrigado Senador Nilo
Coelho, nas mesmas parcelas usadas por Soares et al., (1988), constatou que houve aumento significativo da pressão de serviço, da ordem de
39,13%, em que a pressão média passou de 230 para 320kPa, devido à
automatização das estações de bombeamento; por outro lado, constatou-se redução da ordem de 8,55% no Coeficiente de Uniformidade de
Christiansen, cujo valor médio reduziu de 77,20 para 70,60%.
A análise de desempenho dos sistemas de aspersão convencional e
microaspersão basearam-se em apenas um único evento de irrigação. Se
por um lado, trata-se de uma amostragem temporal não representativa,
por outro, a realização dos testes em lotes representativos do Projeto Formoso pode representar uma amostragem espacial razoável, no sentido de
fornecer um diagnóstico confiável da situação naqueles lotes, servindo
de subsídio para inferir informações sobre a qualidade da irrigação praticada pelos agricultores. Dentre as críticas levantadas, ressalta-se a
necessidade de aumentar o número de avaliações ao longo de várias linhas laterais, visando uma redução dos erros de amostragens.
De uma maneira geral, nas atuais condições de dimensionamento,
operação e manejo da irrigação pressurizada, em relação aos sistemas
avaliados, o sistema de irrigação por microaspersão mostrou-se mais
eficiente que o da irrigação por aspersão convencional. Apesar de os
resultados da avaliação dos sistemas de irrigação por aspersão convencional terem apresentado um desempenho inferior aos sistemas localizados, algumas considerações devem ser levantadas, ao se analisar o
efeito da eficiência da irrigação como um todo.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
173
Em estudo sobre o diagnóstico socioeconômico e ambiental do
Perimetro de Irrigação Formoso, desenvolvido pela empresa Plena Consultoria e Projetos no ano 2008, verificou-se que o estado de conservação dos equipamentos de aspersão convencional, encontravam-se em
situação sofrível a regular em 42% dos lotes avaliados, ressaltando a
ocorrência de muitos vazamentos e aspersores com diâmetros de bocais
diferentes na linha lateral. Associada a essa situação, verificou-se uma
redução do tempo de operação dos equipamentos em relação ao originalmente previsto em projeto, caracterizando a aplicação de lâminas de
irrigação inferiores as necessidades hídricas das culturas. Situação
semelhante foi também verificada por Santos e Soares (1991), ao avaliarem o estado de conservação dos sistemas de irrigação por aspersão
móvel de todos os lotes do núcleo 1 do Perímetro Irrigado Senador Nilo
Coelho, no Estado de Pernambuco, e constataram que os aspersores se
destacaram, como as peças que se encontravam em pior estado de conservação; ressaltando que o estado de conservação dos equipamentos
de irrigação, principalmente dos aspersores, tinham influência marcante
no desempenho do sistema de irrigação.
Avaliando-se a distribuição de pressão de operação dos emissores
no início e final das linhas laterais, em noventa e dois lotes do Projeto
Formoso A, verificou-se que 91% dos lotes avaliados operavam com a
pressão de serviço dos emissores abaixo do valor preconizado em projeto de 250 KPa. A média das pressões de operação dos emissores entre o
início e o final de linha lateral variaram entre 174 a 156 KPa, PLENA
CONSULTORIA E PROJETOS (2008).
Diversos autores têm questionado a avaliação da uniformidade da
água dos sistemas de irrigação, pela lâmina de água aplicada na superfície do solo, considerando que a planta retira água do volume de solo
no qual o seu sistema radicar se encontra; portanto, pode-se supor que
a uniformidade de distribuição de água no perfil do solo é mais importante que na superfície.
Segundo (MATEOS et al., 1997), a variabilidade da aplicação da lâmina de irrigação é reduzida à medida que a água se infiltra no solo,
redistribuindo-se no perfil devido os gradientes de potencial e ao padrão de extração de água pelo sistema radicular. Hart & Reynolds (1965),
estudando a influência de diversas variáveis de irrigação na
174
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
redistribuição de água no perfil do solo,por meio de um modelo matemático, concluiram que a avaliação de sistemas de aspersão, pelas medidas de superfície, subestima a sua uniformidade. Rezende et al., (1992),
analisando a uniformidade de distribuição acima e abaixo da superfície
do solo irrigado por pivô-central, utilizando os coeficientes de CUC e
CUD, concluiram que, em todas as profundidades, os coeficientes de
uniformidade foram superiores foram superiores aos obtidos acima da
superfície do solo. Em outro estudo, Rezende et al., (1998), avalaindo o
efeito do espaçamento entre aspersores em sistemas convencionas de
aspersão, na uniformidade de distribuição de água acima e abaixo da
superfície do solo, concluíram que a redistribuição de água no solo promove uniformidade da umidade do solo maior que a identificada para a
lâmina aplicada. Segundo Perrens (1984), a intensidade de
redistribuição da água no solo está inteiramente relacionada à textura.
Cintra et al., (2004), ressalta a importância das relações entre as propriedades físicas do solo e os fatores de crescimento das culturas, cuja
combinação, se inadaquada, poderá promover quedas significativas na
produtividade e elevação dos custos de produção, principalmente em
sistemas irrigados. Reforçando essa importância, Matsura et al., (2001)
assinalam que áreas extensas dos distritos de irrigação do Brasil são
cultivadas de maneira uniforme, trazendo problemas nas estratégias
de manejo, em virtude da variabilidade espacial e temporal dos atributos relacionados ao sistema solo-água-planta-atmosfera.
Nesse contexto, avaliaremos a caracterização físico hídrica dos solos
do Perímetro Irrigado do Formoso, com vistas a uma análise mais detalhada do manejo da água no solo e suas implicações futuras.
DISTRIBUIÇÃO DO TAMANHO DAS PARTÍCULAS “GRANULOMETRIA
GRANULOMETRIA
GRANULOMETRIA”
Os dados da análise granulométrica permitiram separar os solos em
três grupos distintos, quanto à textura: a) argilosa, argilo arenosa e franco
argilo arenosa (Tabela 8). Os dados ora obtidos aproximaram-se da maioria daqueles citados por Jacomine et al., (1976), para os referidos solos.
Na Tabela 8, é possível observar que existe uma homogeneidade entre os teores granulométricos, tanto nas profundidades de 0-0,30m quan-
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
175
to nas profundidades de 0,30-0,60m, classificando assim, alguns lotes
como franco argilo arenoso. Segundo Reichardt (1990), os torrões mostram-se duros quando secos e quando molhados apresentam-se plásticos, podendo ser manuseados sem se romper.
Os demais lotes apresentam uma maior percentagem de argila em
sua composição granulométrica e os teores granulométricos se mostram mais heterogêneos. Os solos dos locais de coleta são pedogeneticamente bem desenvolvidos e apresentam grande quantidade de frações
de argila e areia fina na sua composição, principalmente nos de textura
Franco Argila Arenosa.
Observa-se, no entanto, com base na segmentação da fração areia
(Tabela 8), maior concentração de areia fina e areia grossa e grandes
percentuais de argila na maioria dos lotes, o que deve contribuir para
promover diferenciações nos atributos físicos dos solos avaliado. Diferenças entre solos a partir do fracionamento da areia total, foram também observadas por Souza et al., (2001), que reforçam a contribuição
dessa prática na distribuição do tamanho dos poros.
DENSIDADE DO SOLO
As médias das densidades do solo para as diferentes profundidades
foram, 1,60 Mg.m-3, na profundidade de 0-0,30m e 1,47 Mg.m-3 na profundidade 30-60cm, vistos na tabela 9, observa-se também os desvios
que foram de 16,19 % para a profundidade de 0-0,30m e de 18,33%, na
profundidade de 0,30-0,60m, sendo considerado alto, havendo uma grande variação entre os valores de densidade do solo, tendo essa variação
devido as diferentes texturas do solo. Valores semelhantes foram encontrados por (SOUZA, 2007).
A densidade global do solo, juntamente com a porosidade, dá uma
ideia do seu grau de compactação. A densidade global varia de valores
menores que 1,0 Mg.m-3, geralmente em solos turfosos, a valores de até
1,9 Mg.m-3, para solos com elevado grau de compactação. Em latossolos
não compactados, o valor da densidade global gira em torno de 1 a 1,3
Mg.m-3. Esse termo é também inadequadamente denominado densidade aparente.
176
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Tabela 8: Análise granulométrica do solo.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
177
Pode-se observar também que os lotes com textura franco-argilo-arenosa, possuem valores de densidade do solo maior que os argisolos,
considerados normais segundo Reinert (2006), que aponta como valores normais para solos arenosos densidades de 1,2 a 1,9 Mg.m-3, enquanto que para solos os argilosos valores mais baixos, entre 0,9 a 1.7
Mg.m-3. Elevados valores de densidade global estão associados à presença de camadas compactadas com alta probabilidade de oferecer riscos de restrição ao crescimento radicular. Valores de densidade em torno de 1,65 Mg m-3 para solos arenosos e 1,45 Mg.m-3 para solos argilosos afetam a infiltração e armazenamento de água no solo.
POROSIDADE
Na Tabela 9 estão apresentados os resultados de porosidade dos solos nos lotes avaliados, confirmando a predominância de solos de textura Franco Argilo Arenosa e Argilas, o que comprova os resultados observados na porosidade. Esses resultados permitem inferir que os solos
apresentam presença significativa de microporos, maiores do que 50%
da porosidade total, indicando que os solos sofreram adensamento.
Em metade dos lotes avaliados, nas profundidades de 0,30-0,60m, a
macroporosidade é maior do que nas camadas superiores, indicando
que a compactação ocorre apenas nas camadas superficiais, com exceção dos lotes 391, 1140, 1152, 1448, 1462, 1516 e 1537, onde a macroporosidade diminui com a profundidade ou continua a mesma que na
camada de 0-0,30m.
Considerando os valores de densidade do solo observados, a predominância de textura argilosa, argilo arenosa e franco argilo arenosa, nos
solos avaliados e, também, considerando que o cultivo é sob irrigação, é
de esperar-se resistência mecânica do solo ao crescimento radicular.
A maioria dos dados de porosidade total observados (tabela 9) estão
situados em torno do valor médio da faixa de 0,45 a 0,60 m3/m3, citada
por Hillel (1970) e Kiehl (1979) como sendo aquela normalmente
verificada para a maioria dos solos minerais.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
178
Tabela 9
9: Densidade do solo, porosidade total, microporosidade e macroporosidade
nos lotes do projeto formoso.
Identificação da amostra
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
Lote
131- Prof. 0,0-0,30 m
131 - Prof. 0,30-0,60 m
149 - Prof. 0,0-0,30 m
149 - Prof. 0,30-0,60 m
391 - Prof. 0,0-0,30 m
391 - Prof. 0,30-0,60 m
468 - Prof. 0,0-0,30 m
468 - Prof. 0,30-0,60 m
858 - Prof. 0,0-0,30 m
858 - Prof. 0,30-0,60 m
919 - Prof. 0,0-0,30 m
919 - Prof. 0,30-0,60 m
1096 - Prof. 0,0-0,30 m
1096 - Prof. 0,30-0,60 m
1448 - Prof. 0,0-0,30 m
1448 - Prof. 0,30-0,60 m
1516 - Prof. 0,0-0,30 m
1516 - Prof. 0,30-0,60 m
1585 - Prof. 0,0-0,30 m
1585 - Prof. 0,30-0,60 m
1462 - Prof. 0,0-0,30 m
1462 - Prof. 0,30-0,60 m
1537 - Prof. 0,0-0,30 m
1537 - Prof. 0,30-0,60 m
1140 - Prof. 0,0-0,30 m
1140 - Prof. 0,30-0,60 m
1152 - Prof. 0,0-0,30 m
1152 - Prof. 0,30-0,60 m
Densidade
do solo
Mg.m-3
1,75
1,62
1,71
1,43
1,38
1,41
1,56
1,33
1,59
1,34
1,67
1,37
1,37
1,23
1,70
1,86
1,64
1,48
1,85
1,50
1,61
1,51
1,40
1,35
1,41
1,39
1,82
1,83
Porosidade
Microporosidade Macroporosidade
total
————————— m³ m-3———————————
0,50
0,57
0,49
0,55
0,57
0,59
0,64
0,65
0,56
0,60
0,55
0,58
0,62
0,65
0,50
0,49
0,57
0,55
0,50
0,59
0,56
0,54
0,65
0,65
0,61
0,62
0,45
0,47
0,35
0,35
0,36
0,38
0,39
0,40
0,50
0,45
0,38
0,40
0,39
0,38
0,39
0,39
0,28
0,33
0,36
0,37
0,31
0,35
0,34
0,35
0,45
0,46
0,38
0,41
0,27
0,28
0,15
0,22
0,13
0,17
0,19
0,18
0,14
0,20
0,18
0,20
0,16
0,20
0,23
0,26
0,22
0,16
0,21
0,19
0,19
0,25
0,21
0,19
0,21
0,19
0,24
0,21
0,18
0,19
Quanto à distribuição do tamanho dos poros, de maneira geral, os
solos apresentaram valores de macroporosidade superiores a 10%, que
geralmente é considerado o limite abaixo do qual começam a ocorrer
problemas de aeração e de crescimento radicular. O equilíbrio entre
macroporosidade (poros > 0,05 mm) e microporosidade (poros < 0,05
mm) também pode ser considerado satisfatório em todos os solos, permitindo-se pressupor uma boa redistribuição da água, ao longo do perfil, sem que ocorram problemas de aeração para as raízes. A possibilidade de que ocorram tais problemas é maior nos solos, com predominância de microporosidade sobre macroporosidade.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
179
De acordo com Reinert, (2006), em solos arenosos há predominância
de macroporos, enquanto em solos argilosos a tendência é predominar
microporos. Nesse aspecto, a origem do tamanho de poros relaciona-se
ao tamanho de partículas e são considerados de natureza textural ou
porosidade textural.
Observa-se nos lotes avaliados, a microporosidade variando de 59,32%
a 78,5%, e macroporosidade variando entre 21,5 % e 41,37% da
porosidade total, onde, o máximo de microporos e o mínimo de macroporos
foi observado no lote 468, profundidade 0-0,30m, e o contrário no lote
1585 na profundidade de 0,30-0,60m.
Segundo Kiehl (1979), o volume e a natureza da porosidade de um solo
estão correlacionados com outras propriedades, como a textura, a estrutura, a densidade aparente, a umidade do solo, etc., influenciando direta
ou indiretamente, na infiltração, na permeabilidade ao ar e à água, na
temperatura, na tensão da água e no crescimento das plantas.
RETENÇÃO DE ÁGUA NO SOLO
As curvas de retenção de água apresentadas nas tabelas 10 e 11 são
típicas de solos argilosos, em que o conteúdo de água do solo está situado entre 0 e -300 KPa.
Tabela 10 Parâmetros da equação de Van Genuchten ajustados com os dados da
análise do solo, para a profundidade de 0-0,30 m.
LOTE
131
149
319
468
858
919
1096
1140
1152
1448
1516
1585
1462
1573
θs
0,3765
0,3576
0,3867
0,5149
0,3776
0,4027
0,3940
0,3794
0,2794
0,2940
0,3740
0,3402
0,3679
0,5050
θr
0,1954
0,1700
0,1985
0,3023
0,1507
0,2351
0,2135
0,2012
0,1020
0,0720
0,1919
0,1209
0,1651
0,2103
α
1,5433
0,9987
1,4330
2,1230
1,3299
1,6506
1,4506
1,5059
1,6506
1,8506
1,5327
1,3274
1,6519
2,0986
n
2,1098
1,8766
2,0109
1,7194
2,0987
1,6548
1,5488
1,4883
1,6548
1,5488
1,5710
1,6874
1,4085
1,3738
m
0,5260
0,4671
0,5027
0,4184
0,5235
0,3957
0,3543
0,3281
0,3957
0,3543
0,3634
0,4073
0,2900
0,2721
r²
0,7967
0,8586
0,8437
0,8634
0,8380
0,8286
0,8178
0,8459
0,8638
0,8035
0,8024
0,7365
0,8208
0,7361
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
180
Tabela 11 Parâmetros da equação de Van Genuchten ajustados com os dados da
análise do solo, para a profundidade de 0,30-0,60 m.
LOTE
131
149
319
468
858
919
1096
1140
1152
1448
1516
1585
1462
1573
θs
0,3676
0,3776
0,4038
0,4581
0,3943
0,3971
0,4097
0,4209
0,3020
0,3402
0,3786
0,3578
0,3592
0,4658
θr
0,1530
0,1507
0,1985
0,2159
0,1599
0,1898
0,1790
0,1898
0,0819
0,0919
0,1906
0,1109
0,1200
0,2159
α
1,5433
1,3299
1,3433
1,9508
1,3004
1,8327
1,2345
1,4532
1,8765
1,7653
1,5123
1,4512
1,4955
1,8508
n
2,1098
2,0987
2,0010
1,5412
2,1001
2,1912
1,7891
1,7128
1,5712
1,7102
1,7662
1,6624
1,4233
1,4123
m
0,5260
0,5235
0,5003
0,3511
0,5238
0,5436
0,4411
0,4162
0,3636
0,4153
0,4338
0,3985
0,2974
0,2919
r²
0,8176
0,8032
0,8499
0,8236
0,8257
0,8065
0,8272
0,8335
0,8267
0,8029
0,7988
0,8381
0,8343
0,8180
Pode-se verificar nas tabelas 10 e 11, a partir dos parâmetros da
equação de Van Genuchten que as curvas apresentam uma mesma
tendência, com isso, podemos definir a capacidade de campo e o ponto
de murcha permanente para todos os lotes nas duas profundidades,
onde apresentaram bom ajuste (r2 > 0,79) a uma equação exponencial.
A partir da análise granulométrica do solo e das curvas de retenção,
considerou-se como indicativo do ponto de murcha permanente o teor de
água retida no solo sob tensão de -1500 KPa e o da capacidade de campo,
o retido a -10 KPa, segundo Richards (1947), para solos argilosos.
Com relação a tal atributo, Libardi (2002) ressalta a importância de
estudos detalhados da caracterização hídrica dos solos, em particular
no que diz respeito às propriedades de retenção (curva de retenção) de
água no solo; alerta, ainda, que os estudos devem ser realizados por
longo período para que se tenha uma ideia correta do regime hídrico no
perfil.
Tais dados serão muito úteis no manejo da irrigação, de forma a
melhorar a eficiência no uso da água, além de evitar o consumo elevado
de energia, encharcamento e aeração deficiente para o sistema radicular
das plantas, além de lixiviação de nutrientes.
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
181
ÁGUA DISPONÍVEL NO SOLO
Nas tabelas 12 e 13, pode-se observar os valores de percentagem de
água disponível nas respectivas tensões e umidades.
A quantificação da água disponível às plantas, situada entre a capacidade de campo (CC) e o ponto de murcha permanente (PMP), é necessária para o manejo da água do solo em agricultura irrigada, com
reflexos nos cálculos da lâmina de água de irrigação; contudo, esses
limites têm sido objetos de crítica e estudos (REICHARDT, 1988;
CARLESSO, 1995; SOUZA & REICHARDT, 1996).
Todos os lotes do projeto, por se tratar de solos com classes texturais
tendendo de argiloso à franco argilo arenoso, têm o mesmo comportamento, sendo que só apresentam água disponível para as plantas até a
tensão de -100 KPa. Em todos os lotes, os mesmos apresentam até 8%
de água disponível, sendo que nessa situação, as plantas já estão sofrendo com déficit hídrico. A capacidade de campo nos perfis dos lotes
foi definida em tensão de -10 KPa.
Tabela 12 Valores de umidade e distribuição de água disponível no perfil do solo em
todos os lotes do perímetro na profundidade de 0 - 0,30m.
LOTES
131
149
391
858
919
ψm
(KPa)
È ua1
(m3/m3)
AD %
θua
AD %
θua
AD %
θua
AD %
0
10
30
60
100
300
500
800
1000
1500
0,36765
0,26406
0,19135
0,17102
0,16323
0,15599
0,15468
0,15397
0,15375
0,15346
100,00
34,26
15,88
8,84
2,29
1,10
0,47
0,26
0,00
0,37764
0,28260
0,1989
0,17371
0,16388
0,15465
0,15295
0,15204
0,15175
0,15137
100,00
36,25
17,02
9,53
2,50
1,20
0,51
0,29
0,00
0,40386
0,32109
0,24790
0,223759
0,21373
0,20360
0,20157
0,20043
0,20004
0,19954
100,00
39,79
19,92
11,67
3,34
1,67
0,73
0,42
0,00
0,39430
0,21078
0,21078
0,18414
0,17376
0,16401
0,16222
0,16126
0,16096
0,16056
100,00
100,00
46,96
26,29
6,88
3,32
1,41
0,79
0,00
ψm
(KPa)
È ua1
(m3/m3)
AD %
θua
0
10
30
60
100
300
500
800
1000
1500
1
È ua -
0,40971
0,42097
0,33416
100,00
0,33827
100,00
0,25783
49,60
0,26814
51,14
0,22592
28,53
0,23864
30,59
0,21057
18,39
0,22392
20,34
0,19231
6,33
0,20542
7,45
0,18789
3,41
0,20065
4,12
0,18512
1,59
0,19755
1,96
0,18413
0,93
0,19640
1,16
0,18272
0,00
0,19473
0,00
Umidade atual; AD = água disponível
1096
1140
1152
AD %
θua
AD %
0,39717
0,27844 100,00
0,21664 30,11
0,20164 13,15
0,19624
7,04
0,19151
1,69
0,19071
0,79
0,19030
0,32
0,19017
0,18
0,19001
0,00
1448
1516
θua
AD %
θua
AD %
0,30209
0,21889
0,16205
0,13667
0,12299
0,10390
0,09833
0,09446
0,09296
0,09067
100,00
55,67
35,88
25,20
10,31
5,98
2,96
1,78
0,00
0,3402
0,2370
0,16614
0,13801
0,12411
0,10670
0,1022
0,09927
0,09819
0,09662
100,00
49,51
29,48
19,58
7,18
3,97
1,89
1,12
0,00
θua
AD %
0,37862
0,30607 100,00
0,24793 48,33
0,22499 27,95
0,21397 18,16
0,20070
6,36
0,19743
3,46
0,19536
1,62
0,19461
0,95
0,19354
0,00
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
182
A umidade média para o potencial matricial de -10 KPa, representando
a condição de capacidade de campo foi de 0,265 m3.m3 para a profundidade de 0-0,30 cm e de 0,26 m3.m3 para a profundidade de 0,30-0,60 m. Já os
valores de umidade para o potencial matricial de -1500 kPa, assumido
como ponto de murcha permanente foi de 0,185 m3.m3 para a profundidade de 0-0,30 m e de 0,165 m3.m3 para a profundidade de 0,30-0,60m.
Tabela 13 Valores de umidade e distribuição de água disponível no perfil do solo em
todos os lotes do perímetro na profundidade de 0,30 - 0,60m.
LOTES
131
149
391
858
919
ψm
(KPa)
È ua1
(m3/m3)
AD %
θua
AD %
θua
AD %
θua
AD %
0
10
30
60
100
300
500
800
1000
1500
0,50226
0,28916
0,22469
0,21069
0,20412
0,19801
0,19690
0,19631
0,19612
0,19588
100,00
30,88
15,88
8,84
2,29
1,10
0,47
0,26
0,00
0,48640
0,30585
0,2329
0,20847
0,19484
0,17956
0,17613
0,17407
0,17336
0,17237
100,00
45,38
27,05
16,84
5,39
2,82
1,28
0,74
0,00
0,57248
0,30577
0,23682
0,21977
0,21125
0,20272
0,20103
0,20008
0,19977
0,19935
100,00
35,21
19,18
11,18
3,17
1,58
0,69
0,39
0,00
0,56116
0,33733
0,26588
0,24568
0,23453
0,22179
0,21883
0,21702
0,21638
0,21548
100,00
41,36
24,78
15,64
5,18
2,75
1,26
0,74
0,00
ψm
(KPa)
È ua1
(m3/m3)
AD %
θua
AD %
θua
AD %
θua
AD %
0
10
30
60
100
300
500
800
1000
1500
0,61964
0,33917
0,28768
0,2679
0,25487
0,23625
0,23070
0,22679
0,22526
0,22292
100,00
55,71
38,69
27,49
11,46
6,69
3,33
2,02
0,00
0,614085
0,32776
0,28038
0,26135
0,24839
0,22896
0,22286
0,21844
0,21667
0,21391
100,00
58,38
41,67
30,28
13,22
7,86
3,98
2,43
0,00
0,45037
0,21271
0,15912
0,14118
0,13018
0,11577
0,11186
0,10925
0,10827
0,10681
100,00
49,40
32,46
22,07
8,46
4,77
2,31
1,38
0,00
0,49917
0,21310
0,15255
0,13075
0,11656
0,09648
0,09050
0,08630
0,08465
0,08213
100,00
53,77
37,12
26,31
10,96
6,39
3,18
1,93
0,00
1096
1140
1152
θua
AD %
0,54901
0,33974 100,00
0,28911 49,40
0,27216 32,46
0,26178 22,07
0,24816
8,46
0,24447
4,77
0,24200
2,31
0,24107
1,38
0,23969
0,00
1448
1516
θua
AD %
0,56620
0,31471 100,00
0,26211 54,12
0,24263 37,13
0,23002 26,14
0,21234 10,71
0,20717
6,21
0,20358
3,07
0,20218
1,85
0,20006
0,00
È ua - Umidade atual; AD = água disponível
1
Adotando-se os valores obtidos em cada curva de retenção apresentada, pode-se calcular a Disponibilidade Total de Água (DTA), apresentada na Tabela 14. Em média, a DTA desses solos variou de 1,0 a 0,45
mm.cm-1. De uma maneira geral, verificou-se que não houve grandes
variações na capacidade de água disponível nos solos nas profundidades avaliadas. Entretanto, deve-se atentar de maneira criteriosa para a
análise das curvas de retenção de água, dentro das faixas de potencial
matricial que permitem às culturas exteriorizar máxima produtividade.
Analisando-se a faixa de potencial matricial entre -10 a -100 KPa, verificou-se que a disponibilidade de água é muito pequena, caracterizan-
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA IRRIGAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA...
183
do a necessidade de grande acuidade no manejo da irrigação. Essas
estimativas permitem inferir que o manejo da irrigação deve seguir o
critério de aplicação de água em menores volumes com maior frequência,
maximizando o aproveitamento da água pelas culturas e minimizando
as perdas por percolação profunda.
Tabela 14 Valores de Disponibilidade total de água (DTA), Capacidade total de água
(CTA) e Capacidade Real de Água (CRA).
LOTES
131
149
391
468
858
919
1096
1140
1152
1448
1462
1516
1537
1585
DTA (mm.cm-1)
0,45
0,65
0,85
0,70
0,60
0,60
0,70
0,80
0,75
0,75
0,80
0,75
1,00
0,75
CTA (mm)
27
39
51
42
36
36
42
48
45
45
48
45
60
45
CRA (mm)
3
9
18
15
12
6
12
6
9
9
3
3
6
6
CONCLUSÕES
Nas atuais condições de dimensionamento, operação e manejo da
irrigação pressurizada, em relação aos sistemas avaliados, o sistema
de irrigação por microaspersão mostrou-se com melhor performance de
uniformidade que o da irrigação por aspersão convencional.
Os sistemas de irrigação por aspersão convencional apresentaram valores de coeficiente de uniformidade abaixo dos padrões recomendados.
Em relação ao sistema de aspersão convencional, os melhores resultados
alcançados foram para o espaçamento 12 x 12m, ficando os espaçamentos
de 18 x 18 m com valores de CUC inferiores ao mínimo recomendado.
Os atributos físicos e hídricos avaliados permitiram uma caracterização adequada dos solos para fins de manejo de irrigação, indicando
que os valores de umidade para capacidade de campo e ponto de murcha foram semelhantes nas duas profundidades estudadas.
184
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
De uma maneira geral, os solos analisados apresentam uma boa
capacidade de armazenamento de água DTA (amplitude de 0,45 mm/
cm a 1,00 mm/cm), entretanto a maior parte da água disponível para
as culturas encontra-se entre os potencias matriciais de -20 a -30 KPa.
Os elevados valores de densidade global apontam para a existência
de camadas compactadas próximas à superfície do solo, essa ocorrência poderá provocar limitações ao desenvolvimento das culturas pela
resistência mecânica que oferecem à penetração das raízes, reduzindo
o volume de água e nutrientes disponíveis.
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188
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
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Universidade do Vale do Paraiba,
Paraiba São José dos Campos – SP, p. 34243427, 2007.
7
PROCESSO CHUV
A VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA
CHUVA
DO SEMIÁRIDO NORDESTINO: EVENTO EXTREMO
JORGE LUIZ SOTERO DE SANTANA
ANTENOR DE OLIVEIRA AGUIAR NETTO
ARIOVALDO ANTONIO TADEU LUCAS
INTRODUÇÃO
A ação antrópica é o primeiro passo na geração de efeitos em cascata
sobre os recursos naturais, tal como o desmatamento que influencia e
altera o regime hidrológico das bacias hidrográficas, ocasionando a degradação ambiental através da erosão hídrica, perda de fertilidade dos
solos, contribuindo para a desertificação e interferindo no processo de
mudanças climáticas.
O estado de Sergipe é uma região que apresenta um alto padrão de
utilização de sua base física, marcado pela destruição dos ecossistemas naturais e por alterações de qualidade e quantidade de água nos
mananciais. A gênese desse padrão, todavia, não representa um processo próprio da região. Ele se insere no processo mundial de ampliação do capital cujas características nos espaços subdesenvolvidos são
delineadas pela progressiva utilização dos recursos e que colabora com
o processo de mudanças climáticas (MOREIRA et al., 2005)
A sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré constitui-se numa dessas áreas
de marcante exploração das fontes naturais de produção. Afluente da
margem direita do rio São Francisco, essa unidade de planejamento
encontra-se localizada na região semiárida da porção norte do estado
de Sergipe e apresenta preocupantes índices de desenvolvimento hu-
190
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
mano. Nesse cenário, a escassez de água constitui um forte entrave ao
desenvolvimento socioeconômico e, até mesmo, à subsistência da população.
Nessa região, em janeiro de 2004, ocorreu um evento extremo, caracterizado por fortes e contínuas precipitações pluviais, responsáveis
pela geração de grandes vazões no rio Jacaré, que ocasionaram inundações e destruições. Eventos extremos, como esse, registrados na região do semi-árido, são de grande impacto na economia local e da região,
pois os mesmos são responsáveis pela destruição das plantações, das
moradias, de barragens, de estradas, rodovias e das cabeceiras de pontes.
Precipitações máximas e inundações consideradas como eventos excepcionais e extremos são resultantes da conjugação de diversos fatores, dentre os quais a intensidade das precipitações, duração, frequência e respectiva distribuição espacial, bem como as ações antropogênicas, descaso dos órgãos públicos e ausência de educação ambiental da população.
Para melhor entender e compreender detalhadamente o comportamento hidrológico e as alterações que as ações antrópicas causam no
mesmo, as últimas décadas registraram o desenvolvimento de metodologias de auxílio à tomada de decisões, baseada na intensa utilização
de bases de dados e modelos matemáticos. Segundo Oliveira (2002),
essa metodologia, genericamente conhecida por Sistemas de Suporte a
Decisões (SSD), vem sendo aplicada, com sucesso, em diversos campos
da atividade humana em que o problema da decisão é muito complexo,
como é o caso do gerenciamento e do planejamento de sistemas de recursos hídricos.
O modelo ABC, baseado em Sistemas de Suporte a Decisões tem por
objetivo ajudar indivíduos que tomam decisões na solução de problemas não estruturados (ou parcialmente estruturados). Problemas não
estruturados são aqueles para os quais não existem soluções através
de algoritmos bem definidos, o que ocasiona não serem facilmente tratáveis por computador. Em consequência, a solução de tais problemas
exige uma estreita interação entre homem e máquina, fato que constitui uma das principais características dos SSD..
As rotinas hidrológicas da nova versão do modelo ABC foram, em
grande parte, adaptadas do programa ABC4 (PORTO et al., 1993) e
ABC5win (PORTO et al., 1997), no qual estão organizadas em módulos.
PROCESSO CHUVA VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO SEMIÁRIDO NORDESTINO
191
Os principais módulos são: Módulo Topologia, que permite a entrada
de dados relativos à estrutura do sistema em análise (ligação dos diversos elementos do sistema), utilizando-se um formato de rede de fluxo
composta de nós e arcos formando uma rede de drenagem; Módulo Intervalo permite ao usuário entrar com o intervalo de tempo de
discretização dos cálculos. Esse intervalo é obrigatoriamente o mesmo
para todos os trechos da bacia hidrográfica; Módulo Modelo, nesse
módulo é possível escolher entre quatro modelos de uso consagrado
para o cálculo da chuva excedente, hidrograma de projeto e risco de
enchente, cheias de projeto para obras hidráulicas, através do modelo
Soil Conservation Service, fundamentados no hidrograma triangular
do SCS. O modelo possui diversos parâmetros CN – Curve Number, no
qual correlaciona valores para o uso e o tipo de solo, bem como as condições de umidade antecedente dos solos na área de estudo (TUCCI, 1998);
Módulo Dados, esse módulo recebe informações do usuário a respeito da
bacia hidrográfica tais como a área de drenagem, forma, declividade, uso
do solo, características de infiltração e outras necessárias para determinar o hidrograma de cheias a partir de uma tormenta de projeto.
No módulo dados, é possível determinar a tormenta de projeto a partir de precipitações fornecidas diretamente pelo usuário ou por meio de
relações Intensidade-Duração-Frequência. Para tanto, o Sistema ABC
6 dispõe de uma base de dados que permite não só acessar as relações
IDF já publicadas, mas também introduzir outras de interesse do usuário, além de ser possível atualizar este banco de dados pela Internet.
Esse módulo contém também rotinas que distribuem a chuva no espaço e no tempo.
Este estudo foi estruturado com o objetivo de aplicar um modelo
hidrológico, do tipo Chuva x Vazão na sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré para uma compreensão mais detalhada do comportamento
hidrológico da região com o modelo ABC, bem como sua resposta às
precipitações máximas observadas, no tocante aos eventos extremos
ocorridos, em janeiro de 2004, no município de Poço Redondo e regiões
circunvizinhas do semiárido sergipano.
192
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
METODOLOGIA
O município de Poço Redondo está localizado na região noroeste do
Estado de Sergipe e apresenta uma área de 1.220 km2. A área de estudo
se insere no baixo São Francisco sergipano que está dividido em subbacias hidrográficas que drenam a região contribuindo para a manutenção do volume hídrico do rio São Francisco, já comprometido pelos
barramentos e outras ações antropogênicas e degradações ambientais
a montante, a área da sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré (Figura 1)
perfaz 943,98km2 de área, correspondente a 3,99% da área de Sergipe
(SRH, 2004).
Figura 1 - Sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré (Poço Redondo-SE)
PROCESSO CHUVA VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO SEMIÁRIDO NORDESTINO
193
Na região, as principais atividades desenvolvidas são as agroindústrias e atividades agrícolas diversificadas, como a pecuária, a lavoura
de algodão, feijão, mandioca e milho e a lavoura de subsistência. O maior
percentual da população, por domicílio, está residindo no espaço rural,
com 61,36% da população, conforme censo de 2000.
Na área de estudo, o regime pluviométrico é do tipo mediterrâneo,
tendo um período seco de primavera-verão com déficit hídrico elevado,
que aumenta de sudeste para noroeste. Segundo Pinto et al., (1998), a
estação seca é de sete a oito meses, e a chuvosa de cerca de quatro
meses. As alturas pluviométricas médias anuais variam entre 368mm
a 630mm/ano. A irregularidade da pluviometria na região é bastante
acentuada, devido à má distribuição das chuvas, baixa precipitação,
duração e outros fatores que acentuam a aridez na região.
O modelo hidrológico escolhido foi o denominado de Sistema ABC Análise de Bacias Complexas Porto et al., (1997), devido a sua
formatação, aplicabilidade e às variáveis necessárias para o referido
modelo hidrológico.
Para a realização deste estudo foram utilizados os seguintes documentos, elementos, dados e instrumentos: 1) Atlas Digital sobre os Recursos
Hídrico de Sergipe, Sergipe, (2004); 2) Dados meteorológicos relacionados à
série histórica das precipitações, do período de 1963 a 2005, pertencentes
à Companhia e Desenvolvimento Industrial e de Recursos Minerais de
Sergipe - CODISE, DEAGRO (Departamento de Desenvolvimento
Agropecuário), SRH (Superintendência de Recursos Hídricos), CODEVASF
(Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) e DER – SE
(Departamento de Estradas e Rodagens); 3) Dados pontuais coletados em
campo, relacionados às seções de interesse da sub-bacia hidrográfica do
rio Jacaré e demais localidades e; 4) Tecnologias de geoprocessamento –
softwares de Cartografia Automática Digital (CAD), Sistemas de Informações Geográficas (SIG’s) e Sistema Global de Posicionamento (GPS).
No caso das precipitações obtidas na região, destacam-se as estações pluviométricas da Sede do município de Poço Redondo que se localiza no Posto de coleta da DEAGRO, nas coordenadas de valores (8915674;
644443) GNW e altitude de 181m, no Escritório regional da Secretaria
de Estado de Agricultura e a estação de Sítios Novos, nas coordenadas
(8902882; 0650205), com elevação de 275m.
194
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Os registros das precipitações no referido posto de coleta foram realizados a cada período de 24:00 horas, às 09:00 horas do respectivo dia,
registrando o valor como sendo a precipitação do dia anterior ao da
coleta. A precipitação média diária do município de Poço Redondo foi
obtida pela média aritmética do Posto pluviométrico da Sede do município de Poço Redondo e do posto pluviométrico do povoado Sítios Novos.
Elaboram-se as alturas pluviométricas anuais, determinando-se os
valores extremos, a média, desvio padrão e o coeficiente de variação. As
distribuições das freqüências das precipitações totais mensais e anuais foram calculadas por meio da Distribuição de Gumbel e por meio de
papel de probabilidade aritmético.
A análise das variações anuais e mensais das precipitações máximas e médias também foi realizada por meio da repartição das freqüências acumuladas no período, no qual, por meio de papel de probabilidade aritmético, ajustam-se as freqüências à curva de distribuição normal (GARCEZ, 2002).
Para estudo e análise do posto de Poço Redondo, conforme Relatório
do Departamento de Estradas e Rodagens de Sergipe (DER/SE), que se
encontra em Sergipe (1992), utilizaram-se os dados obtidos para as
precipitações máximas diária, por um período de 19 anos, para cada período de recorrência, provenientes do método estatístico de Gumbel.
A precipitação máxima foi determinada com base no risco ou tempo
de retomo escolhido para o projeto. A vazão resultante não possui necessariamente o mesmo risco, se comparado aos métodos anteriores,
devido aos diferentes fatores que envolvem a transformação da precipitação em vazão. Os principais fatores são as condições iniciais de perdas do solo, de escoamento dos rios e reservatórios, além da distribuição temporal e espacial da precipitação.
As precipitações máximas podem ser obtidas pontualmente pelas
curvas de intensidade, duração e frequência (I-D-F) e/ou por meio da
Precipitação Máxima Provável (PMP). Segundo Tucci (2002), as curvas
I-D-Fs relacionam a duração, a intensidade e o risco da precipitação ser
superada. Com relação à PMP é definida como a maior coluna
pluviométrica, correspondente a uma dada duração, fisicamente possível de ocorrer sobre uma determinada área de drenagem ou bacia hidrográfica, em uma determinada época do ano (TUCCI, 2002).
PROCESSO CHUVA VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO SEMIÁRIDO NORDESTINO
195
Conforme Garcez (2002), a fórmula empírica empregada para definir
as precipitações máximas, em função da sua duração e tempo de
recorrência, foi a equação de Pfafstetter, no qual a Precipitação Máxima
é definida:
(1)
onde:
P = Intensidade da Precipitação Máxima (mm);
T = Período de Retorno (anos);
a, b, c e γ - são valores obtidos para a Cidade de Aracaju, sendo (a) 0,6; (b) 33;
(c) 20 e γ 0,25, para todos os postos (TUCCI, 2002).
Contudo, para a região do semiárido sergipano, foi considerado o
valor de (b) = 18, correlacionando-se a equação da chuva diária, com a
precipitação máxima observada de 24 horas, de uma hora e de 6 minutos, apresentado em Sergipe (1992). Já para os outros valores, têm-se:
α e β – Valores (Pfafstetter, 1957);
D – Duração da Precipitação (Horas).
Após os cálculos das precipitações máximas, foram confeccionados
os gráficos correspondentes às mesmas para os Períodos de Retorno –
(TRs) de 15, 25, 50 e 100 anos, das seções de interesses: bueiros, cabeceiras da ponte, área de drenagem da sub-bacia hidrográfica e outros.
De posse dos dados e das informações foram determinadas as vazões
máximas de projeto e os hidrogramas.
A rede esquemática utilizada no modelo Sistema ABC6 é formada
pelos elementos: 1) Nó: ponto de controle no qual se pode importar ou
exportar hidrogramas. Quando está no início da rede, é possível importar um hidrograma ou entrá-lo manualmente, podendo ser de um período de retorno diferente da rede e, quando estiver no meio ou no final,
pode-se exportar ou gravar o hidrograma e; 2) Bacia: será a representação da própria bacia ou de canais naturais ou artificiais. O estado poderá ser real (quando existe amortecimento, translação e contribuição)
ou fictícia (o hidrograma a jusante é exatamente igual ao hidrograma a
montante).
196
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
As precipitações e as tormentas máximas são elementos fundamentais nos Sistemas ABC anteriores e no ABC6, no qual poderão ser definidas manualmente ou através das precipitações máximas observadas, na
forma de tabela (tempo x precipitação) ou por meio das curvas de IDF
selecionadas num mapa do território nacional no qual estarão dispostas
geograficamente (MARCELLINI, 1994; PORTO et al., 1997; OLIVEIRA, 1999).
RESULTADOS
A coleta e o registro das informações relacionadas às alturas das
precipitações, por meio dos pluviômetros no município de Poço Redondo, permitiram fazer as correlações necessárias das alturas precipitadas anuais e mensais, para o período de 1963 a 2005.
Na Tabela 1, são apresentados as alturas máxima, média e mínima,
precipitadas observadas e o seu respectivo desvio padrão.
De acordo com o método da distribuição de Gumbel, puderam-se determinar os diversos períodos de retorno correlacionados às precipitações anuais
observada e calculada. Conforme precipitações e dados observados. Constatou-se que a precipitação máxima observada de 1089,7 mm/ano, correspondeu
ao período de retorno de 21,1 anos, a qual ocorreu em janeiro de 2004. Para a
distribuição das frequências acumuladas o valor máximo observado
corresponde a um período de retorno de 25 anos, demonstrando semelhanças entre os métodos escolhidos. Constatou-se também que a altura
pluviométrica média anual do município de Poço Redondo é de 535,20 mm.
Analisando as séries anuais e o pluviograma observados na região
de estudo, observou-se que a média pluviométrica calculada no período
estudado, de 535,20 mm/ano, está próximo da média interanual apresentado nas referências bibliográficas e pelos órgãos públicos (tabela
1). Para Fonseca & Bastos (1998), a precipitação média anual encontra-se entre 368 mm a 630 mm/ano e para a SRH (2004), a média varia
entre 500 a 700 mm. Dessa maneira, às precipitações médias observadas comprovou que os meses de maiores precipitações na região do semiárido sergipano (Poço Redondo) corresponderam aos meses de abril, maio
e junho, este último com altura média máxima precipitada de 71,90
mm. Já os meses de menor precipitação média, corresponderam a setembro, outubro e novembro, respectivamente (Figura 2).
PROCESSO CHUVA VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO SEMIÁRIDO NORDESTINO
197
Com relação à máxima precipitação mensal observada na região da
sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré, dá-se ênfase ao mês de janeiro de
2004, conforme Figura 2. O fato deveu-se ao evento extremo ocorrido
quando foram registradas as maiores chuvas, devido a intensas precipitações da época, responsáveis por fortes tormentas no município de Poço
Redondo e consequentemente na referida unidade de planejamento.
Tabela 1 – Valores anuais das alturas precipitadas no município de Poço Redondo –
Baixo São Francisco (Período de observação 1963 a 2005).
Valor Mínimo:
Valor Máximo:
Valor da média – X:
178,40 mm
1089,70 mm
535,20 mm
Desvio - S:
X+S
X-S
254,3525
794,6525
285,9475
Figura 2 – Pluviograma das alturas precipitadas mensais observadas no período de
1963 a 2005 (Poço Redondo-SE, baixo São Francisco)
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
198
A precipitação total mensal, acumulada no mês de janeiro de 2004
extrapolou o esperado para os diversos períodos de recorrência, ou seja,
as precipitações observadas totalizaram um valor de 587 mm / mensal,
que superou ao período de retorno TR de 1000 anos (321,79 mm / mensal), conforme distribuição de Gumbel e (286,00 mm / mensal) conforme distribuição de frequências acumuladas.
Portanto, esses eventos ocorridos em janeiro de 2004, foram comprovadamente extremos, responsáveis por grandes impactos na região, incrementos intensos nas vazões dos riachos da sub- bacia hidrográfica
do rio Jacaré e consequências graves na região do semiárido sergipano,
no tocante, nos municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco, situados no semiárido sergipano.
As análises das precipitações diárias e os respectivos períodos de
retorno foram realizados e obtidos por meio da distribuição de Gumbel e
através das curvas de intensidade-duração-frequência (I-D-Fs).
De acordo com o método da distribuição de Gumbel, pôde-se determinar os diversos períodos de retorno relacionados às respectivas precipitações, assim como as médias das precipitações diárias correspondente a 2,30 mm/dia e o desvio padrão de 46,27 mm, Tabela 2.
Tabela 2 – Alturas Precipitadas diárias do município de Poço Redondo – Baixo São
Francisco (Período de observação de 1963 a 2005).
Variável
Prec. mm
2,30
55,72
112,00
125,00
154,00
Discriminação
Variáveis
Prec. Média obs
Prec. De 5 anos
Prec. obs. 18/01/04
Prec. obs. 11/01/04
Prec. Secular
Per. Retorno
TR – anos
2,27
5,00
19,33
28,00
100,00
A Tabela 3 demonstra as precipitações máximas de acordo com a
equação 1. Essas precipitações também podem ser obtidas pontualmente
pelas curvas de intensidade, duração e freqüência (I-D-F), as quais relacionam a duração, a intensidade e o risco da precipitação ser superada (GARCEZ, 2002; TUCCI, 2002).
PROCESSO CHUVA VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO SEMIÁRIDO NORDESTINO
199
TABELA 3 – Precipitações Máximas - Equação do Eng. Otto Pfafstetter.
Período
de
Retorno
15 anos
25 anos
50 anos
100 anos
100 anos
100 anos
100 anos
T Horas
durações
(Hs)
24,00
24,00
24,00
24,00
144,00
168,00
192
Precipitações/Duraçoes
Prec. máx
Duração
PMP(mm)
Horas/Dias
110,883
1
121,558
1
137,106
1
154,09
1
336,376
6
364,898
7
395,542
8
As Figura 3 correlacionam as precipitações máximas prováveis com
a duração da chuva, para os períodos de retorno (TRs) de 25 e 100 anos,
respectivamente, de acordo com as curvas de intensidade, duração e
frequência (I-D-Fs).
A análise dos eventos extremos que ocorreram em janeiro de 2004,
comprovou que a precipitação total diária do dia 11 de janeiro de 2004,
de 125mm, correspondeu a um período aproximado de retorno de 25 anos,
para uma precipitação de 24 horas de duração, conforme distribuição de
Gumbel e as curvas de intensidade, duração e frequência (I-D-Fs)
Tem-se o mesmo raciocínio para o dia 18 de janeiro de 2004, no qual
foi observada a precipitação de 112mm diária, para um período de retorno de 15 anos, conforme as curvas de intensidade, duração e
frequência (I-D-Fs). Na análise diária e isolada das precipitações de 24
horas de duração, verificaram-se, em ambos os casos, que as precipitações diárias do dia 11 e 18 de janeiro de 2004, estão dentro de uma
normalidade de eventos, visto que as mesmas ocorrem para períodos de
retorno de 15 a 25 anos de observações, sendo valores comuns no Estado de Sergipe e no semiárido sergipano.
As durações totais e as precipitações acumuladas são imprescindíveis na análise de vários projetos, dentre eles, as obras hidráulicas e de
drenagem das águas pluviais. Logo, a precipitação acumulada para sete
e/ou oito dias consecutivos vão afetar diretamente as condições dos solos, influenciando na infiltração e saturação dos mesmos. Essas características são essenciais na vida útil das obras de infraestrutura hídrica:
bueiros, vãos livres de pontes, cabeceiras e aterros de proteção entre
outros empreendimentos (LINSLEY & FRANZINI, 1978; MENESCAL, 2005).
200
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Segundo Garcez (2002), para a definição das precipitações máximas
prováveis com base em durações superiores a 1,0 dia, a exemplo de
precipitações variando de 07 a 08 dias consecutivos e respectivo tempo
de retorno, pode-se utilizar da equação 1, e as curvas IDFs, conforme
Figura 3. Portanto, de acordo com cálculos efetuados para as precipitações máximas prováveis para o período de 08 dias consecutivo, correspondente a 192 horas, tem-se um total de 395,54mm, referente a um
período de retorno de 100 anos. Logo, o evento extremo ocorrido na referida data, com o total precipitado observado de 08 dias consecutivos, de
11 a 18, na sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré, com um total de 395,54
mm extrapolou o período de retorno de 100 anos, conforme as curvas
IDFs da região comprovando a intensidade do evento. Este evento culminou com a destruição (solapamento) dos encontros e proteções dos
aterros (cabeceiras) da ponte do rio Jacaré, ocorrido dia 18 de janeiro
de 2004. Também foi responsável pela destruição de muitas barragens,
rodovias e estradas da região de Poço Redondo - SE.
Precipitações máximas, eventos extremos e enchentes como as de
janeiro de 2004, consideradas como evento excepcional é resultante da
conjugação de diversos fatores, dentre eles, a intensidade das precipitações, duração, frequência e respectiva distribuição espacial, no qual
poderão gerar fortes tormentas na região e grandes deflúvios na subbacia hidrográfica do rio Jacaré, sendo responsável pelo forte incremento das vazões nos principais cursos d’água da região, dentre eles,
os riachos da referida unidade de planejamento e o rio Jacaré de Poço
Redondo, no semiárido sergipano.
A caracterização hidrológica na sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré
é regida por um conjunto de variáveis e fatores. Dentre eles tem-se, de
acordo com Brasil (1998), a vazão média anual - calculada como sendo
a média de todas as vazões médias diárias. Para o período de 1935 a
1983 a vazão média diária assume o valor de 2,06 m3/s, fornecendo
uma idéia do volume médio escoado em um ano; a Vazão Máxima - esta
variável, média da série anual das vazões máximas diárias registradas,
no respectivo período, assume o valor de 202,95 m3/s; a Vazão Mínima
- média da série anual, das vazões mínimas médias de sete dias, período de 1935 a 1983, assume o valor de 0,008 m3/s nessa unidade de
planejamento.
PROCESSO CHUVA VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO SEMIÁRIDO NORDESTINO
201
Figura 3 – Precipitações máximas provável no município de Poço Redondo-SE, baixo
São Francisco
Segundo Brasil (1998), o rio Jacaré possui um regime intermitente,
com vazões máximas acontecendo entre janeiro e março. Outro parâmetro
avaliado é a permanência, que indica o percentual da ocorrência dos
valores de vazão no decorrer do tempo.
A vazão de permanência (Qp) indica o tempo p, em percentagem, no
qual as vazões da seção considerada tomam valores iguais ou superiores a Qp. As vazões Q90 e Q95 assumem valores nulos para o rio Jacaré. Enquanto a disponibilidade hídrica, que representa o volume médio
anual escoado calculado a partir da vazão média anual, apresenta o
valor de 65,10 hm3.
De acordo com Brasil (1998), a vazão específica, ou seja, àquela
que representa a relação entre as vazões médias e a respectiva área,
dessa região, assume o valor de 2,185L/s/km2. As vazões mensais
características média e máxima da sub-bacia hidrográfica do rio Ja-
202
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
caré são respectivamente, 4,879 e 47,30 m3 s-1 que ocorre geralmente
no mês de julho.
Para determinação das vazões de projetos, pode também ater-se a
importância da regionalização hidrológica, que corresponde à transposição de dados e outras características, obtendo-se assim a
regionalização de vazões. Logo, no presente estudo de determinações
das vazões extremas e médias, bem como das precipitações máximas,
mínima e média anual, há possibilidade de transferência de dados de
uma região para a outra, a exemplo das sub-bacias e bacias hidrográficas,
dentro de uma região hidrológica com características fisiográficas semelhantes, face à não disponibilidade ou exigüidade de informações no
local de interesse do estudo (BRASIL, 1998).
No que se refere à área total, destaca-se a área de drenagem de toda
a sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré, desde a nascente até a desembocadura, no rio São Francisco. Já com relação à área de interesse,
destaca-se a área de drenagem correspondente a 741,02km2, no qual
ocorrerá a contribuição de todas as precipitações na referida seção,
gerando vazões de suma importância sob a ponte sob o rio Jacaré, localizado na sede do município de Poço Redondo, no semiárido sergipano.
Partindo-se dos dados coletados, das precipitações máximas prováveis e das características fisiográficas da sub-bacia hidrográfica do rio
Jacaré, pôde-se determinar as vazões máximas e os hidrogramas de
projeto, de acordo com as áreas de drenagem, bem como de suas respectivas áreas de interesse, utilizando-se o modelo hidrológico chuvavazão Sistema de Análise de Bacias Complexa – ABC6 (OLIVEIRA, 1999).
A Figura 4 demonstra o fluxograma da área de interesse da subbacia hidrográfica do rio Jacaré e suas especificações: a) Bacia_1: Correspondente a área de drenagem total (741,02 km2) e demais características fisiográficas da sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré; b) O Nó_1:
representa a seção da ponte do rio Jacaré e o ponto de passagem das
vazões provenientes das precipitações de projetos; c) Já o Nó_2, representa a área a montante e entrada das precipitações na unidade de
planejamento e área de interesse.
PROCESSO CHUVA VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO SEMIÁRIDO NORDESTINO
203
Figura 4 - Fluxograma da rede de drenagem da sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré.
Conforme análises das precipitações máximas prováveis, mais relevantes para as respectivas vazões, correspondente aos períodos de retorno (TR’s) 15, 25 e 100 anos, com duração de 24 horas, têm-se os
seguintes dados, referentes às precipitações máximas de projeto de
110,88 mm, 121,56 mm e 154,07 mm diários, para os respectivos períodos de retorno. Para o TR 100 anos e chuva com duração de 24 horas,
têm-se uma precipitação máxima de projeto de 154,07mm, gerando uma
vazão de Q12 =1.136,87 m3/s. A Figura 5 apresenta as vazões máximas
obtidas para o evento extremo ocorrido em janeiro de 2004, na subbacia hidrográfica do rio Jacaré.
Após análise dos diversos dados, das precipitações máximas de projeto e as características fisiográficas da sub-bacia hidrográfica do rio
Jacaré e dos gráficos obtidos e que foram apresentados, constatou-se
que um evento extremo, segundo Oliveira (1999) e Tucci (2002), também é gerado por condições médias de umidade antecedente. No caso
em questão, as intensas precipitações que ocorreram nos cinco ou seis
dias anteriores na região, causaram uma enorme saturação dos solos
da região da sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré de Poço Redondo, no
semiárido sergipano, potencializando e proporcionando a geração de
fortes vazões nos corpos de sua rede de drenagem.
Na seção de interesse da sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré ocorreram vazões superiores àquelas obtidas no Relatório do DER-SE (1992),
bem como àquelas vazões obtidas pelo Sistema ABC. Os valores são
devidos às precipitações máximas obtidas para diversas durações que,
no caso, foram superiores a um dia de duração e estão relacionadas à
saturação do solo, chegando até o oitavo dia. Como consequências desses fatores críticos e extremos, formaram-se fortes vazões no período de
204
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
11 a 18 jan./2004, com valores que vão de Q12 =1.136,87m³/s (vazão
máxima - dia 12/Jan) a vazão máxima de projeto observada na seção do
rio, Q18 = 1.399,61m3/s (Vazão máxima - dia 18/Jan de 2004), com
período de retorno que extrapolou - TR – 100 anos.
Figura 5 – Vazão de projeto com chuva de duração igual a 24h e vazão de projeto do
rio Jacaré (Poço Redondo-SE), período de retorno de 100 anos.
Correlacionando-se os dados e gráficos obtidos, obteve-se a vazão
máxima específica, de acordo com área total e seção de interesse. Logo,
a vazão máxima específica na seção de interesse, da ponte sob o rio
Jacaré, perfaz em QEsp = 1.399,61 / 741,02 = 1,89 l/s/km2, com TR –
100 anos.
Portanto, eventos extremos como os de janeiro de 2004 alteraram
o comportamento hidrológico de várias bacias hidrográficas da região do semiárido sergipano, no qual geraram grandes vazões na subbacia hidrográfica do rio Jacaré e de outras áreas com mesmas ca-
PROCESSO CHUVA VAZAO EM BACIA HIDROGRÁFICA DO SEMIÁRIDO NORDESTINO
205
racterísticas, trazendo como consequências inundações, destruição
de estradas, cabeceiras e outras obras, causando assim grandes danos e prejuízos para as populações. De acordo com Damé et al. (2005)
evento extremo ocorrido em Pelotas-RS, no dia 07 de maio de 2004,
precipitação de 216,5 mm, teve como consequência o rompimento de
um trecho do canal Santa Bárbara, ligado à barragem (Santos, 2004),
provocando alagamentos em muitas áreas da cidade, a qual entrou
em estado de calamidade pública. Além disso, a água invadiu a estação de tratamento deixando a cidade sem água potável por alguns
dias.
As vazões máximas de projeto calculadas e observadas, bem como as
enchentes e as inundações como as de janeiro de 2004, consideradas
como eventos extremos foram resultantes da conjugação de diversos
fatores, dentre eles, destacaram-se os seguintes: a) fatores climáticos,
principalmente a intensidade das precipitações; b) duração, frequência
e respectiva distribuição espacial; c) ações antrópicas, como barramentos, barragens, estradas, outros; d) características fisiográficas da região; e) falta de manutenção e descaso dos órgãos públicos; e f) inconsciência e falta de educação ambiental da população e das comunidades, nas referidas unidades de planejamento.
Dentre os aspectos no estudo do caso, destaca-se a destruição das
rodovias, das cabeceiras de diversas pontes e pontilhões, ocorridas nos
pontos de encontro entre as obras e as estradas. Com ênfase às cabeceiras da ponte sob o rio Jacaré, localizado na sede municipal de Poço
de Redondo-SE. Logo, constatou-se que, após fortes precipitações, as
mesmas não resistiram e foram destruídas (arrastadas) pelas fortes
vazões geradas durantes as intensas precipitações.
As consequências da destruição foram imediatas: o isolamento das
cidades e localidades da região do semiárido sergipano, o custo sócioambiental e os prejuízos materiais e financeiros para recuperação das
cabeceiras e das estradas.
206
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
CONCLUSÃO
Os resultados deste trabalho permitiram concluir que a determinação e compreensão de eventos extremos são imprescindíveis à gestão
dos recursos hídricos. Essas fortes precipitações, conjuntamente com a
situação e os aspectos ambientais foram os principais responsáveis pelas
fortes vazões geradas na sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré, ocasionando a destruição de estradas, barragens, de cabeceiras das pontes,
inundações, isolamento de localidades, povoados, cidades, interrupção
das atividades econômicas e outros imprevistos, responsáveis por grandes prejuízos para região e custos para todos, além de perdas de vidas e
traumas físicos e psicológicos.
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8
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL
NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO JACARÉ – SE
MEDIANTE IMAGENS ORBITAIS
WAGNER ROBERTO MILET
ANTENOR DE OLIVEIRA AGUIAR NETTO
INAJA FRANCISCO DE SOUSA
1. INTRODUÇÃO
A evapotranspiração (ET) inclui a evaporação da água da superfície
do solo e transpiração da vegetação. A ET é um dos principais componentes do ciclo hidrológico e elemento chave na gestão dos recursos
hídricos, principalmente nas regiões semiáridas. Segundo Shih (1985),
a ET corresponde aproximadamente a 75% do total da precipitação que
ocorre sobre superfícies continentais. Desta forma, 25% do montante
precipitado infiltram no solo e/ou escoa superficialmente para os mananciais, enquanto que 75% é evapotranspirada pela cobertura vegetal, retornando para a atmosfera. Brutsaert (1986) afirma ser o conhecimento da evapotranspiração, em escala de bacia, indispensável nas
estimativas de seca e previsões de cheias, pois a capacidade de armazenamento de água proveniente de uma precipitação, no perfil do solo,
depende de sua umidade antecedente e, portanto, da evapotranspiração que ocorre na área em estudo. Portanto, para propósitos hidrológicos,
é indispensável ter informações da evapotranspiração.
Para a determinação dessa variável, existem inúmeros métodos com
boa margem de precisão, a exemplo do uso de equipamentos como os
lisímetros ou estimados por meio do balanço hídrico no solo ou dados
meteorológicos aplicados em equações, como a utilizada pela FAO - 56
210
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Penman-Monteith (ALLEN et al., 1998). Entretanto, esses métodos estão limitados pelo fato de que eles estimam valores pontuais de ET para
um local específico e não para uma escala regional, exigindo por sua
vez, uma série de variáveis climáticas, que, na maioria das vezes, necessitam de extensas campanhas de experimentos em campo. Esse panorama de limitações motivou o desenvolvimento do uso de dados obtidos por sensoriamento remoto para a avaliação da ET em grandes áreas. O emprego de técnicas de sensoriamento remoto há tempos, vem se
mostrando como um campo promissor, com a vantagem da determinação dos componentes do balanço de radiação e de energia com grande
cobertura espacial de forma rápida e precisa.
Muitos algoritmos, nos últimos 10 anos, estão sendo desenvolvidos
com as mais variadas aplicações. Alguns desses são destinados às estimativas dos fluxos de calor sensível e vaporação. Um dos mais destacados que vem sendo utilizado por alguns pesquisadores (Bastiaanssen
et al. 1998 e 2000), em várias partes do mundo, é o Surface Energy
Balance Algorithm for Land (SEBAL). O SEBAL destaca-se nesse segmento por sua simplicidade e precisão do algoritmo, que tem como meta
principal o cômputo da evapotranspiração e requer poucos dados da
superfície para que possa ser empregado, além de possibilitar facilmente a calibração das equações que o integram, resultando em aumento
da precisão dos resultados.
O SEBAL é um modelo matemático simples e de alta precisão para
determinação dos mapas de evapotranspiração para grandes áreas e que
requer poucos dados da superfície. O SEBAL é processado por meio de
passos computacionais que predizem um balanço completo da radiação
e da energia, ao longo da superfície da Terra. Ele utiliza imagens coletadas
pelo sensor Landsat ou outro sensor que colete imagens em comprimentos de onda na região do infravermelho reflectivo e termal. A base teórica
do SEBAL utiliza imagens obtidas a bordo dos satélites Landsat 5 e 7. No
entanto, a teoria é independente do tipo de satélite e o uso do modelo
SEBAL pode ser aplicado para outras imagens de satélites desde que se
utilizem os parâmetros de forma apropriada (BASTIAANSEEN, 2000).
Diante do exposto, este artigo tem como objetivo estimar a evapotranspiração da bacia hidrográfica do rio Jacaré, por meio do uso imagens dos satélites Landsat 5-TM e do algoritmo SEBAL.
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
211
2. MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
A área selecionada (Figura 1) para a pesquisa ocupa parte dos municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco, no Estado de Sergipe,
fazendo parte do baixo São Francisco Sergipano, configurando-se num
afluente da margem direita do rio São Francisco. Segundo Fonseca &
Bastos (1998), a hidrografia da região tem padrão dentrítico, orientandose no sentido NNE e é formada por cinco sub-bacias, dentre elas as subbacias hidrográficas: do Curituba; das Onças; do Jacaré e de Campos
Novos. A Figura 2 apresenta o mapa da bacia hidrográfica do rio Jacaré,
com seus principais afluentes. Esse nasce próximo à fronteira Bahia/
Sergipe, na serra do Bonito, de acordo com Santana et al. (2007), o rio
Jacaré tem uma extensão de 73,5km, a área da bacia é de 943,9 Km2, o
perímetro da área é de 142,7km, o desnível entre a nascente e a foz é de
270m, a declividade média da bacia é de 4,8m/km, declividade na foz
maior que 20%, o índice de forma é igual a 0,53 e o índice de compacidade
é igual a 1,3. Segundo o autor, esses índices indicam que a sub-bacia
tende a sofrer enchentes e inundações.
Figura 1
1- Projeção da localização geográfica da bacia hidrográfica do rio Jacaré, no
Brasil e em Sergipe
212
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 2 – Bacia hidrográfica do rio Jacaré e seus afluentes principais. Fonte: Atlas
Digital sobre Recursos Hídricos do Estado de Sergipe – 2004
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
213
A vegetação nativa dominante, de acordo com Santos (2001), na área
da Bacia hidrográfica do rio Jacaré é a caatinga hiperxerófita. Verificando-se nessa formação vegetal indivíduos de porte arbóreo, isoladamente ou em pequenos grupos, com predominância de arbustos e árvores baixas e um grande número de cactáceas e bromeliáceas. A vegetação ciliar do rio Jacaré apresenta-se de forma descontínua, reduzida a
pequenos remanescentes. As espécies de maior ocorrência na área percorrida foram: Caesalpinia pyramidalis Tul. (catingueira), Sideroxylon
obtusifolium (quixabeira), Amburana cearensis (imburana), Anadenanthera
macrocarpa (angico), Myracrodruon urundeuva Allem (aroeira), Erythrina
dominguezii (mulungu), Tabebuia aurea (craibeira), Ceiba speciosa (barriguda), Mimosa hostilis (jurema), Schinopsis brasiliensis Engl (baraúna),
Ziziphus Joazeiro Marth (juazeiro), Spondias tuberosa (umbuzeiro),
Aspidosperma macrocarpon (pereiro), Bromélia laciniosa (macambira),
Melocactus zehntneri (coroa de frade) e Cereus jamacaru (mandacaru).
Os solos da Bacia hidrográfica do rio Jacaré são rasos, pouco permeáveis, apresentando afloramentos rochosos na superfície e no perfil, o
que contribui para restrições do seu uso e propensão à erosão e
salinização. Os solos identificados na região foram o Neossolo Litólico,
Planossolo, Vertissolos e Luvissolo (BRASIL, 2003).
Na área de estudo, o regime pluviométrico é do tipo mediterrâneo,
tendo um período seco de primavera-verão com déficit hídrico elevado,
que aumenta de sudeste para noroeste. De acordo com Pinto et al. (1998),
a estação seca é de sete a oito meses, e a chuvosa de cerca de quatro
meses (Figura 3). Segundo a classificação climática de GAUSSEN, o clima da Subárea é do tipo 3aTh – mediterrâneo quente ou nordestino, de
seca acentuada no verão e segundo KOPPEN, Bssh’ – clima muito quente,
semiárido, tipo estepe, com estação chuvosa no inverno. O índice
xerotérmico oscila entre 100 e 150, com 7 a 8 meses considerados mais
secos e cerca de 4 meses período chuvoso.
214
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 3 – Normal climatológica da precipitação pluviométrica média mensal do
município de Poço Redondo - SE, região do Baixo São Francisco, no período de 1963
a 2010. Fonte: (DEAGRO)
BASE DE DADOS
As imagens utilizadas nesta pesquisa foram obtidas pelo Mapeador
Temático do Satélite Landsat 5 (Landsat TM 5), órbita 215 e ponto 67,
fornecidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Utilizou-se
duas imagens, nos dias 17 de outubro de 1999 e 07 de dezembro de
2006 dia Juliano, DJ=290 e DJ=341, respectivamente. Também foram
utilizadas informações meteorológicas (temperatura do ar, umidade relativa, radiação global e velocidade do vento) de uma estação automática pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE situada no Centro de Formação Dom Brandão de Castro (latitude 09º 50’
28" Sul, longitude 37º 40’ 13" Oeste e 260 m de altitude).
O sensor TM mede a radiância espectral dos alvos e armazena-os na
forma de níveis de cinza ou número digital (ND), cujos valores variam de
0 a 255 (8 bits), tendo uma resolução espacial de 30 m x 30 m nas
bandas 1, 2, 3, 4, 5 e 7, e resolução de 120 m x 120 m no canal termal,
banda 6. Todo o processamento das imagens foi realizado com o software
ERDAS Imagine v. 9.2, da Leica Geosystems. Inicialmente as bandas
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
215
foram empilhadas, seguindo a ordem crescente, formando um único
arquivo de imagem. O recorte da área de interesse foi extraído da cena
Landsat 5 TM, a partir de um arquivo vetor digital (shapefile) o qual
continha a delimitação da bacia em estudo. Tanto a extração da cena
quanto a elaboração dos mapas confeccionados nesta pesquisa foram
feitos utilizando o software ArcGis v. 9.3. O mesmo recorte foi mantido
para todas as imagens.
APLICAÇÃO DO SEBAL
A evapotranspiração diária foi obtida inicialmente através da equação:
(1)
em que: FET0_24 é a fração da evapotranspiração de referência diária, que segundo Trezza (2002), pode ser considerada igual à fração de
evapotranspiração de referência horária, FET0_h, obtida por:
(2)
em que: ETr_h é a evapotranspiração real horária e a ET0_h é evapotranspiração de referência horária. Tanto a ET0_24 como a ET0_h foram
calculadas pelo método da FAO-Penman-Monteith (Allen et al., 1998), com
dados que incluam radiação global, temperatura do ar, velocidade do vento
e umidade relativa do ar, coletados na estação meteorológica do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais -INPE localizada em Poço Redondo- SE. A
ETr_h (mm h-1) foi obtida, em cada pixel da imagem, segundo expressão:
(3)
em que: LE (W m-2) é a densidade de fluxo de calor latente, estimado
no momento da passagem do satélite, como resíduo da equação do balanço de energia (LE = Rn – G – H) e L (J kg-1) é o calor latente de vaporização da água. A densidade de fluxo de calor no solo (W m-2) foi calculada segundo a relação (Bastiaanssen, 2000):
216
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
(4)
em que: Ts é a temperatura da superfície (°C), α é o albedo da superfície e NDVI – Normalized Difference Vegetation Index. O saldo de radiação (W m-2) foi obtido segundo critérios do SEBAL e estão bem explicitados
em Silva et al. (2005).
A densidade de fluxo de calor sensível H (W/m2) foi obtida através de
processo iterativo, conforme ilustrado na Figura 4. Inicialmente, utiliza-se a velocidade do vento – u (m s-1) e a altura média da vegetação – h
(m) que envolve a estação meteorológica, no caso específico do presente
estudo foi utilizada a altura média da grama, 0,1 (m), o que possibilita
estimar o coeficiente de rugosidade ao transporte de momentum - Zom
(m). Então, é possível obter a velocidade de fricção – u* (m s-1), segundo
expressão (ALLEN et al., 2002; TREZZA, 2002; SILVA e BEZERRA, 2006):
(5)
em que: k é a constante de Von Karman, u a velocidade do vento (m
s-1) e z a altura (m) em que ocorreu a medição da velocidade do vento.
Considerando-se a atmosfera em equilíbrio neutro e o perfil logaritmo
do vento, projeta-se a velocidade do vento a 200 m (blending heigh), altura
esta em que a rugosidade da superfície já não mais interfere na velocidade
do vento, admitindo-se, portanto, que naquele nível essa velocidade é espacialmente constante. Logo, a velocidade de fricção de cada pixel é obtida
segundo (ALLEN et al., 2002a; TREZZA, 2002; SILVA e BEZERRA, 2006):
(6)
em que u200 (m s-1) é a velocidade do vento a 200 m e zom (m) é obtido
pixel a pixel em função da imagem do SAVI – Soil Adjusted Vegetation
Index, segundo equação desenvolvida por Bastiaanssen (2000). De posse dos valores de u*, estimou-se a resistência aerodinâmica ao transporte de momentum – rah, segundo expressão (ALLEN et al., 2002;
TREZZA, 2002; SILVA e BEZERRA, 2006):
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
217
Figura 4 - Esquema representativo do processo iterativo para obtenção do fluxo de
calor sensível (H)
218
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
(7)
em que: Z1 e Z2 são as alturas acima da superfície, normalmente
tomados 0,1 m e 2,0 m, respectivamente. O cômputo da diferença da
temperatura do ar em dois níveis próximos à superfície é feito admitindo-se que essa diferença pode ser obtida em função da temperatura
radiométrica de cada pixel, ou seja:
(8)
em que: a e b são coeficientes obtidos com base das condições
verificadas nos píxeis âncoras e Ts é a temperatura de cada pixel (°C).
Para a estimativa da evapotranspiração real, utilizou-se os dados
coletados na estação meteorológica do INMET.
O pixel “frio” foi usado no SEBAL para definir a quantidade de evapotranspiração que ocorreu na imagem de uma área bem irrigada e completamente vegetada. Já o pixel “quente”, foi localizado em uma área
seca ou em área onde se encontram campos vazios (áreas já colhidas
ou em preparo agrícola), considerando assim que não há evaporação
nessas áreas. Foram evitadas áreas impermeabilizadas (asfaltos), telhados e áreas extremamente quentes. Os píxeis âncora, nesta pesquisa, foram selecionados mediante a verificação das cartas de temperatura da superfície em conjunto com a carta da composição R, G, B das
bandas 3, 4 e 5. No pixel de temperatura mínima, assumiu-se que o
fluxo de calor sensível é considerado nulo (H=0) e, consequentemente,
dT=0 e a densidade de fluxo de calor latente foi calculado por LE= Rn –
G. Já para o pixel de temperatura máxima, o fluxo de calor latente (LE=0)
é que é considerado nulo (Bastiaanssen et al., 1998a; Bastiaanssen et
al., 1998b) e, portanto, o valor de H nesse pixel é dado por:
(9)
em que: ρar (kg m-3) é a massa específica do ar, cp o calor específico a
pressão constante (J kg-1 k-1) e Ts (°C), Rn (W m-2) e G (W m-2) são obtidos
o pixel quente de cada imagem. Com base nesses valores, obtém-se:
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
219
(10)
Como no pixel frio dT = 0, ou seja, dT = a + b Ts = 0, tem-se um sistema
de duas equações e duas incógnitas, no caso a e b, possibilitando, portanto, a determinação de dT em todos os píxeis da imagem, segundo:
(11)
em que: Ts e rah representam a temperatura (°C) e a resistência aerodinâmica ao transporte de calor sensível (s m-1), respectivamente, de
cada pixel das imagens. Os valores de H obtidos até então, no entanto,
não representam adequadamente o fluxo de calor sensível de cada pixel
e servem, conforme mencionado, como valores iniciais de um processo
iterativo em que, nas etapas seguintes, se considerada, efetivamente, a
condição de estabilidade de cada pixel. Nesse sentido, o comprimento de
Monin-Obukhov L (m) foi utilizado na identificação da condição de estabilidade atmosférica de cada pixel e, na sequência, foram obtidas as funções
adimensionais para correção da estabilidade para o transporte de
momentum e calor sensível, que uma vez determinados (BASTIAANSSEN,
1995; MORSE et al., 2000; ALLEN et al., 2002a; SILVA e BEZERRA, 2006)
possibilitaram corrigir a velocidade de fricção u* (m-1), segundo:
(12)
em que: u200 e k são constantes, z0m já fora definido anteriormente, é
o fator de correção de estabilidade atmosférica para o transporte de
momentum, obtido pixel a pixel, em função da imagem do comprimento
de Monin-Obukhov L (m), de acordo com Allen et al. (2002).
De posse do u* corrigido, foi obtida a resistência aerodinâmica ao
transporte de calor corrigido - rah, de acordo com equação
(BASTIAANSSEN, 1995, MORSE et al., 2000; ALLEN et al., 2002a):
(13)
220
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
em que: Z1 e Z2 e são as funções adimensionais para correções da
estabilidade para o transporte de calor a 2,0 m e 0,1 m, respectivamente, calculadas em função do comprimento de Monin-Obukhov pixel a
pixel conforme Allen et al.(2002).
Após a obtenção dos valores desses parâmetros, retorna-se ao cômputo do dT e, na sequência, de H com os novos valores de rah. Esse
processo deve ser repetido até que seja verificada estabilidade dos valores sucessivos da diferença de temperatura (dT) e da resistência aerodinâmica (rah) no pixel quente. Para tanto, foram necessárias de cinco
a sete iterações com as imagens.
Com objetivo de facilitar entendimento, todas as análises futuras
estarão contidas nas Figuras 4a e 4b sendo também considerados quatro alvos da cena estudada para uma análise mais detalhada da estimativa da evapotranspiração regional da bacia hidrográfica do rio Jacaré e da acuidade da técnica: (A) área com pouca cobertura vegetativa
(caatinga), (B) área com vegetação irrigada, (C) área com bioma Mata
Atlântica e (D) Área da foz do rio Jacaré.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização Geral da Cena Estudada
As Figuras 5 (a) e (b) representam a composição falsa cor Red Green
e Blue (RGB) das bandas espectrais 3, 4 e 5 do Mapeador Temático – TM
do Landsat 5 referente à área de estudo, com quatro píxeis
preestabelecidos para uma análise mais detalhada da evapotranspiração regional e da acuidade da técnica. Os píxeis selecionados foram: (A)
área com pouca cobertura vegetativa (caatinga), (B) área com vegetação
irrigada, (C) área com bioma Mata Atlântica e (D) Área da foz do rio
Jacaré, respectivamente, para os dias 17/10/1999 e 07/12/2006.
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
221
De modo geral, observa-se as diferentes tonalidades de cinza, para
os diversos tipos de alvos imageados pelo TM. Observa-se, com precisão, a densidade e geometria das áreas com vegetação, representadas
na imagem pela coloração verde. Na parte superior da imagem, em tons
de cinza bem claro, destacam-se áreas com solos expostos e ou apresentando afloramentos rochosos na superfície típicos da região. Ainda
na porção superior, mais precisamente na posição noroeste, percebe-se
uma pequena área do perímetro irrigado Califórnia situado no município de Canindé de São Francisco em tons de verde. Na parte inferior
uma pequena faixa de terra algo em torno de aproximadamente 100
hectares, conserva-se uma vegetação em parte bastante densa e de
grande porte, diferente da vegetação nativa predominante na cena, trata-se da Serra da Guia área de Mata Atlântica com tonalidade
esverdeada intensa.
Ao longo da bacia hidrográfica, percebe-se a existência de alguns
barramentos, que servem tanto para captação de água, como passagens para ‘’cruzar’’ o rio. Esses barramentos, além de impedir o fluxo
natural do rio, facilitam a formação de algas, empoçamentos, estagnação de água, que aliada aos despejos domésticos e aos despejos das
atividades da região, poluem e contaminam o curso d’água do rio em
questão e estão representados pelos tons em azul escuro. Percebe-se
também a existência de tons em cinza claro em áreas adjacentes ao
longo do rio Jacaré, evidenciando-se uma elevada supressão da vegetação ciliar, possivelmente devido ao acelerado processo de degradação
ambiental, proveniente da ação antrópica que altera por sua vez, os
processos físico-ambientais, e contribui de modo mais acelerado para o
transporte de sedimentos, desencadeando com isso, um processo de
assoreamento de alguns trechos ao longo da Bacia hidrográfica.
222
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
FIGURA 5 (A) – Composição RGB do Mapeador Temático do satélite Landsat 5 na
bacia hidrográfica do rio Jacaré, para o dia 17/10/1999.
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
223
FIGURA 5 (B) – Composição RGB do Mapeador Temático do satélite Landsat 5, na
bacia hidrográfica do rio Jacaré, para o dia 07/12/2006.
Analisando as figuras, percebe-se que não houve, entre os anos estudados, uma mudança significativa na resposta espectral dos alvos, o
que podemos observar são pequenas alterações pontuais, ao longo de
toda a cena. Nota-se que as áreas com tonalidade esverdeada representam áreas com vegetação e aparecem em maior quantidade e bem
melhor distribuídas na imagem de 2006, enquanto na imagem de 1999
224
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
em algumas dessas mesmas áreas apresentam uma coloração mais clara indicando a não mais existência da vegetação. Essa análise supõe
em outras palavras, que no instante do imageamento da área em estudo para esse dia de 1999, as áreas com vegetação poderiam estar num
estádio de desenvolvimento menos avançado e ou variou conforme o
tipo de vegetação ou da cultura implantada naquele local ou até mesmo
pela não mais existência de diques, barragens, reservatórios típicos na
região impossibilitando por sua vez, o surgimento de áreas outrora vegetada como presenciado na imagem de 2006. Um bom exemplo do que
foi explicitado anteriormente pode ser visto no canto superior esquerdo
da imagem (assinalado nas imagens com um círculo), visto que para o
ano de 1999, esse reservatório não mais existe corroborando assim com
as observações supramencionadas.
Na Figura 6 são apresentadas as cartas de estimativas da evapotranspiração (ET) do Landsat-5 para os dias 17/10/1999 e 07/12/2006
em milímetros por dia (mm.dia-1), respectivamente. Observa-se nessas
cartas um padrão de distribuição diferente nas tonalidades quando
comparado entre os anos. Observa-se também que as áreas com tonalidade azul representam áreas da superfície que apresentaram valores
de ETr menores que 1,0/mm.dia-1, que correspondem a áreas de solo
exposto e/ou de vegetação nativa muita rala e sem folhas, visto que a
época do ano aqui estudada corresponde ao período de estiagens. Esses
resultados corroboram com os obtidos por Wang et al. (2005) aplicando
o SEBAL a imagens ASTER em áreas desérticas e/ou de vegetação
esparsa no estado americano do Novo México. Já as áreas em vermelho-escuro, representam áreas vegetadas, mas com melhor disponibilidade hídrica e possuem valores de ETr superiores a 4,0/mm.dia-1. Observa-se que esses valores concentram-se predominantemente na área
remanescente de Mata Atlântica denominada de Serra da Guia, é composta por vegetação bastante densa, com NDVI acima de 0,65 e nos
espelhos de água presentes na parte superior próxima a foz do rio Jacaré e em áreas com boa disponibilidade hídrica, que estão bem espalhadas nas cenas estudadas, tendo porém, uma maior incidência no
imageamento do dia 17/10/1999.
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
225
FIGURA 6 - Mapa de evapotranspiração real (ETr) mm dia-1, obtido para bacia hidrográfica do rio Jacaré para o dia 17/10/1999 e 07/12/2006.
226
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
As áreas com tonalidade em azul claro representam valores de ET
entre 1,4/mm.dia-1 e 2,2/mm.dia-1. Os valores mínimo, médio e máximo
encontrados para 1999 foram: 0,0/mm.dia-1, 2,6/mm.dia-1 e 6,0/mm.dia-1
respectivamente. Para o ano de 2006 o valor mínimo foi 0,0/mm.dia-1,
1,7/mm.dia-1,para o valor médio e 6,0/mm.dia-1, para o valor máximo.
Visualiza-se na imagem de 2006 uma área maior com tons de azul em
relação à imagem de 1999, que corresponde a áreas de vegetação nativa muito rala e que apresentaram valores de ETr no range de 0,0/mm.dia-1 a
0,9/mm.dia-1. Costa filho (2005), avaliando a componente evapotranspiração em regiões semiáridas, utilizando imagens orbitais Landsat – 5
TM e Terra-Modis obteve valores médios semelhantes aos encontrados
nesta pesquisa. O referido autor obteve valores mínimo, médio e máximo da ET estimados pelo Landsat em 2003, na ordem de 0,0/mm.dia-1,
2,1/mm.dia-1 e 4,2/mm.dia-1, respectivamente. Nesse mesmo ano as estimativas da ET pelo Modis apresentaram um valor mínimo de 0,0.mm.dia-1,
um valor médio de 1,8/mm dia-1 e um valor máximo de 4,5/mm.dia-1. No
ano de 2004 os valores mínimo, médio e máximo da ET determinados
pelo Landsat foram 0,0/mm.dia-1, 1,9/mm.dia-1 e 5,3/mm.dia-1 e pelo
Modis de 0,0/mm.dia-1, 1,8/mm.dia-1 e 4,9/mm.dia-1.
Entre os alvos selecionados, observa-se na Tabela 1, que para o pixel
pouca vegetação (A) os valores encontrados para as imagens foram 1,09/
mm.dia-1 e 0,8/mm.dia-1, respectivamente, para o ano de 1999 e 2006 e
segue uma tendência já prevista para esse tipo de vegetação, concordando com resultados obtidos por Trezza (2002), em estudo sobre o estado de Idaho, nos Estados Unidos, estimou por meio do SEBAL como
sendo nulos os eventos de evapotranspiração nas áreas com essas características. O Alvo com vegetação densa Mata Atlântica (C) por sua
vez, apresentou valores superiores ao alvo (A) e foram semelhantes entre os anos estudados com valores superiores a 4,0/mm.dia -1, possuindo o ano de 2006 o maior valor pontual. Em estudo sobre uma região
que apresentava cobertura vegetal muita heterogênea no Sri Lanka,
aplicando o algoritmo SEBAL a imagens NOAA-AVHRR, Hemakumara
et al. (2003) obtiveram valores de 3,0/mm.dia-1 a 4,0/mm.dia-1. Ayenew,
por sua vez, obteve valores de ET entre 3,2/mm.dia-1 e 4,0/mm.dia-1
para uma floresta completamente densa na época da desfolha. Bezerra
(2006) obteve ET oscilando de 4,0/mm.dia-1 a 6,0/mm.dia-1 em áreas
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
227
densas de florestas da reserva florestal da chapada do Araripe, Estado
do Ceará. Para a área vegetada submetida ao manejo da irrigação (B), o
alvo escolhido situa-se no perímetro irrigado Califórnia localizado em
parte do município de Canindé do São Francisco. O perímetro Califórnia
é o campo irrigado mais importante nessa área da bacia sendo explorada por quiabo, goiaba, uva, manga, feijão caupi, milho entre outras.
Para essa área foi obtido valores de 3,1/mm.dia -1 e 4,0/mm.dia-1 para
os anos de 1999 e 2006, respectivamente. Bastiaanssen (2000) avaliou
a ET em uma área com cultivo de algodão irrigado no oeste da Turquia
nos dias 26 de junho e 29 de agosto, e verificou que a ET variou de 2,4/
mm.dia-1 (26 de junho) a 4,4/mm.dia-1 (29 de agosto). No ano seguinte
Bastiaanssen et al.(2001) avaliaram o desempenho do SEBAL, na região do Projeto Nilo Coelho em Petrolina-PE, numa área com vários tipos
de cultivos submetidos ao manejo da irrigação e encontraram uma ET
média diária de 3,3/mm.dia-1. Silva (2000), num estudo mais criterioso
avaliou a ET em pomar de mangueira através do método do balanço de
energia na região de Petrolina, durante dois anos, e encontrou um valor
médio diário de 4,2/mm.dia-1. O referido autor também observou que a ET
aumentou de um valor 2,4/mm.dia-1, no início da floração a 7,9/mm.dia-1,
no final da formação de frutos, decrescendo em seguida, para um valor de
3,5 mm dia-1, no estádio de maturação dos frutos. Trezza (2006) obteve
valores de ET, para o dia 14/03/2001, que oscilaram entre 0,0/mm.dia-1 a
8,2/mm.dia-1, em áreas agrícolas que abrangem o reservatório do Rio
Guárico, localizado no Estado de Guarico, na Venezuela, sendo que, em
áreas irrigadas, onde o arroz é o principal cultivo, a ET média foi de
4,43/mm.dia-1.
Os maiores valores de evapotranspiração real entre alvos foi obtido
para o pixel (D) para o ano de 2006, 5,8/mm.dia-1 conforme observado
na Tabela 1, e correspondem à tonalidade vermelha e se localizaram
principalmente próximo a foz do rio Jacaré. A ETr diária foi elevada
sobre a foz do rio Jacaré devido à disponibilidade de energia (Rn) ser
maior sobre superfícies líquidas, para esse alvo o saldo de radiação foi
de 777,6w.m2 também o maior entre alvos. Isso concorda com o que
Lima (2005) relatou, ou seja, que o processo de evapotranspiração é
determinado pela quantidade de energia disponível para vaporizar a
água. Ayenew (2003) aplicou o SEBAL na estimativa da evaporação de
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
228
lagos e da evapotranspiração diária de superfícies vegetadas, utilizando dados do sensor Advanced Very High Resolution Radiometer (AVHRR),
na Etiópia. O autor cita que a evaporação diária dos lagos é altamente
variável, variando de 4,9 a 5,9/mm.dia-1.
Tabela 1 - Evapotranpiração real diária (ETr) e saldo de radiação instantâneo (Rn)
determinados usando o Algoritmo SEBAL, para cinco diferentes alvos, para os dias
17 de outubro de 1999 e 07 de dezembro de 2006, na hora de passagem do satélite.
Parâmetros
ETr (mm.dia -1 ) 17/10/1999
07/12/2006
Rn (W.m- 2 )
17/10/1999
07/12/2006
A
Caatinga
B
Cultivo Irrigado
C
Mata atlântica
D
Foz do rio Jacaré
1,1
0,8
3,1
4,1
4,4
4,2
3,5
5,9
544,9
570,5
622,9
639,8
635,1
666,7
674,7
777,6
Nas Figuras 7 (a) e (b) estão representados os histogramas de frequência das cartas de ET para os dias de estudo na área da bacia do rio
Jacaré.
Observando os histogramas percebe-se que os valores nos dois extremos são os menos frequentes para cena de 17/10/1999, pois representam poucos píxeis referentes à água ou à superfície totalmente desprovida de vegetação, diferentemente da cena de 07/12/2006.
Para o ano de 1999, os maiores valores de ET se concentraram nas classes 4, 5 e 6, as quais apresentaram valores superiores a 2,0/mm.dia-1 e
inferiores a 3,12/mm.dia-1. Para o histograma da cena de 2006, os maiores valores encontrados estavam presentes nas classes 2 e 3 e apresentaram valores inferiores a 2,0/mm.dia-1. Analisando as curvas dos
histogramas da ET para a bacia hidrográfica do rio Jacaré, percebe-se
uma significativa diferença na distribuição dos píxeis entre os anos. O
histograma do ano de 2006 apresentou uma curva com deslocamento
para a esquerda indicando baixos valores de ET e que podem ser explicados pelas boas condições de umidade presente nessa data.
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO REGIONAL NA BACIA HIDROGRÁFICA...
229
FIGURA 7 (a) - Histograma de frequência da evapotranspiração real (ETr) mm dia-1,
determinado para a bacia hidrográfica do rio Jacaré para o dia 17/10/1999.
FIGURA 7 (b) - Histograma de frequência da evapotranspiração real (ETr) mm dia-1,
determinado para a bacia hidrográfica do rio Jacaré para o dia 07/12/2006.
4. CONCLUSÕES
A metodologia proposta para determinação da evapotranspiração na bacia hidrográfica do rio Jacaré foi muito consistente e os resultados obtidos
neste trabalho são compatíveis com informações reportadas na literatura,
assim como os produtos gerados a partir de imagens orbitais. Portanto, a
aplicação de técnicas de sensoriamento remoto em imagens do satélite Landsat
5 TM permitiu avaliar os resultados obtidos e obter as seguintes conclusões:
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
230
a) A evapotranspiração real apresentou variações entre os anos estudados, obtendo-se 0 a 6,0/mm.dia-1, com média de 2,58/mm.dia-1
para o ano de 1999 e de 0 a 6,0/mm.dia-1, com média de 1,76/
mm.dia-1 para 2006.
b) As menores taxas de evapotranspiração diária (ETdiária < 1,0
mm.dia-1) foram registradas em áreas de vegetação nativa muito rala
e/ou solos expostos, e as maiores nas áreas com boa disponibilidade
hídrica, expressando a sensibilidade do algoritmo SEBAL na estimativa da evapotranspiração em escala de bacias hidrográficas.
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9
CARACTERIZA
ÇÃ
O DA DEMANDA
CARACTERIZAÇÃ
ÇÃO
EVAPOTRANSPIROM
ÓPOLIS-SE
EVAPOTRANSPIROMÉÉ TRICA DE NE
NEÓ
GREGORIO GUIRADO FACCIOLI
EDSON LEAL MENEZES NETO
ROBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA
O desenvolvimento agrícola exige novas estratégias, no sentido de
potencializar a produtividade e minimizar os riscos na produção. Com o
aumento da população mundial, a produção de alimentos com base
apenas na estação chuvosa não é suficiente. Um dos importantes desafios da agricultura atual é o aumento da competitividade e qualidade
dos produtos, associado à preservação dos recursos hídricos e do meio
ambiente, permitindo benefícios sustentáveis nas explorações agrícolas. NessSe contexto, é importante avaliar e adequar cada um dos fatores que compõem o sistema de produção, incluindo a eficiência e o manejo da água de irrigação. Para determinar as necessidades hídricas
das culturas, o método mais usual está baseado na estimativa da evapotranspiração da cultura (ETc), que envolve um processo em duas etapas. Na primeira, estima-se a evapotranspiração de referência (ETo),
geralmente utilizando uma equação empírica. Na segunda, a ETc é obtida ao multiplicar ETo por um coeficiente de cultura (kc) que integra as
características da cultura e do clima local. Atualmente, a agricultura
tem sido responsável por grande parcela da água utilizada, tornando
necessária a implantação de sistemas de irrigação eficientes, além da
utilização de métodos que quantifiquem as necessidades hídricas das
culturas, para que não haja desperdício. Essa quantificação permite
projetar sistemas de irrigação mais adequados, o que, consequentemente, reduz o consumo de água e de energia. Nos Perímetros irrigados
do estado de Sergipe, a água tem sido aplicada quase sempre em défi-
234
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
cit ou excesso, sem que sejam considerados aspectos relativos ao clima, às características físico-hídricas do solo e à fenologia da cultura,
resultando em perdas imensuráveis de produção e água e energia bem
como na contaminação dos lençóis freáticos.
Para entender e poder predizer a quantidade de água necessária em
uma irrigação de forma precisa e acurada, o contínuo solo-planta-atmosfera deve ser considerado como um sistema dinâmico, fisicamente
integrado, onde os processos de transporte ocorrem interativamente.
Nesse, os fatores meteorológicos de superfície controlam a força de demanda hídrica, daí um sistema de monitoramento e controle baseado
em medições, em tempo real, de parâmetros ligados ao contínuo soloplanta-atmosfera devem ser usados para determinar as necessidades
hidricas das culturas e estabelecer estratégias de manejo de irrigação,
visando otimizar e racionalizar a utilização da água e da energia com
melhoria de produtividade das culturas (FARIA, 1998).
O objetivo do presente trabalho foi estimar a demanda evapotranspirométrica (ETo) a partir de variáveis meteorológicas registradas em estações convencionais, no Distrito de Irrigação Platô de Neópolis, através
da utilização de dados históricos da Estação Meteorológicas de Propriá
e comparar a estimativa da ETo obtida pelo método de Penman-Monteith
com as estimadas por métodos de caráter mais empíricos através da
determinação do EPE (Erro Padrão de Estimativa) e EPEA ( Erro Padrão
de Estimativa Ajustado ).
EVAPOTRANSPIRAÇÃO
A evapotranspiração é a quantidade de água evaporada e transpirada por uma superfície vegetada, durante um determinado período.
Thornthwaite e Holzman (1942) conceituaram a evapotranspiração potencial como a perda de água de uma superfície completamente coberta
por vegetação em fase de desenvolvimento ativo e com extensão suficiente para minimizar o efeito-oásis, citado por Faccioli (1998 ).
Visando padronizar a evapotranspiração para uma região em função das suas características climáticas, verificou-se a necessidade de
definir a evapotranspiração potencial para uma cultura de referência
CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA EVAPOTRANSPIROMÉTRICA DE NEÓPOLIS-SE
235
(ETo), que, segundo Doorenbos e Pruitt (1977), definida como a quantidade de água perdida por uma superfície de solo, coberta totalmente
por grama, de altura uniforme entre 8 e 15cm, em crescimento ativo e
sem restrições hídricas.
Vários são os fatores que podem interferir na evapotranspiração das
culturas. Pruitt et al. (1972), verificou que a abertura dos estômatos a
refletância e a rugosidade aerodinâmica, bem como a extensão da área
coberta pelo vegetal e a estação do ano são fatores significativos no
processo.
A advecção foi definida como a troca de energia, umidade ou
“momentum”, em virtude da heterogeneidade horizontal. MILLAR (1964),
trabalhando com um campo irrigado de Trifolium repens L., concluiu
que a advecção ocasiona um consumo de calor latente superior ao suprimento de radiação local para uma considerável faixa, após a interface
seco/úmido e que há um decréscimo da evaporação medida que se afasta
da interface seco/úmido. Assim, a evapotranspiração que ocorre na
interface é muito superior à evapotranspiração potencial, sendo denominada de evapotranspiração de oásis. Pelton et al., (1960), denominaram-na efeito-varal.
Na literatura, encontram-se as duas definições mais comuns para
evapotranspiração de referência: uma relacionada com a cultura de
referência grama (ETo) e outra com a cultura de referência alfafa (ETr).
Doorenbos e Pruitt (1977), definiram Eto como sendo a evapotranspiração que ocorre em uma extensa superfície de grama, com porte de 8 a
15cm, em crescimento ativo, cobrindo totalmente o solo e sem restrição
de água. Por sua vez, Jensen (1973), definiu Etr como sendo a
evapotranspiração que se verifica em uma cultura de alfafa, com 30 a
50cm de altura e bordadura mínima de l00m, cultivada sem deficiência
hídrica. Embora se reconheça que a alfafa possui características aerodinâmicas mais representativas que a grama, esta última mais utilizada, pelo simples fato de a grande maioria das estações agrometeorológicas ser gramada (JENSEN, 1973; SMITH 1991).
Para determinar as necessidades hídricas das culturas, o método
mais usual está baseado na estimativa da evapotranspiração da cultura (ETc). A estimativa da ETc envolve um processo que se desenvolve
em duas etapas. Na primeira, estima-se a evapotranspiração de uma
236
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
cultura de referência (ETo), geralmente utilizando uma equação
empírica. Na segunda, a ETc e obtida ao multiplicar ETo por um coeficiente de cultura (kc) que integra as características da cultura e do clima
local (DOORENBOS e PRUITT, 1977).
O kc assume valores baixos na fase de emergência e valores máximos durante o período de desenvolvimento vegetativo, os quais declinam na fase de maturação. Pruitt et al., (1972), constataram que os
coeficientes, para uma planta cultivada sob diferentes condições climáticas e épocas de plantio, podem variar, já que os parâmetros locais,
como temperatura, umidade relativa, vento e radiação solar, e as variações fiosiológicas e aerodinâmicas da cultura influenciam diretamente
a evapotranspiração. O kc varia, também, com o método de estimativa
de ETo (BARBIERI, 1981), citado Faccioli (1998).
A evapotranspiração pode ser determinada por métodos diretos ou
estimada de forma indireta, a partir de elementos climáticos utilizandose modelos ou métodos teóricos e empíricos. Segundo Mantovani (1993),
os métodos de determinação direta envolvem equipamentos denominados lisímetros, parcelas experimentais onde é feito o balanço hídrico,
entre outros.
Dentro das determinações indiretas, da Evapotranspiração de Referência, há ainda, de acordo com Jensen et al., (1990), uma série de
métodos teóricos e empíricos usados para estimar a evapotranspiração,
como os de Penman-FAO, Penman-Monteith, FAO-radiação, FAO-BlaneyCriddle, Hargreaves e Samani, Priestley-Taylor, entre outros, que utilizam elementos meteorológicos (temperatura, umidade relativa, insolação, velocidade do vento, radiação, entre outros) e variáveis da cultura
(resistência estomática e resistência aerodinâmica). A utilização de determinado método depende da disponibilidade de informações climáticas e da precisão de cada uma delas para as condições específicas de
uso. Doorenbos e Pruitt (1977), apresentam 31 métodos para estimativa
da evapotranspiração, o que evidencia o grande número de métodos
existentes. Sediyama (1987), relatou a existência de cerca de 50 métodos e os dividiu em quatro classes: 1º) os métodos que têm como base a
temperatura, dentre os quais se destacam o de Thornthwaite e o de
Blaney-Criddle; 2º) os métodos com base em temperatura e radiação
destacando o de Jensen-Haise, a equação de Makkink modificada pela
CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA EVAPOTRANSPIROMÉTRICA DE NEÓPOLIS-SE
237
FAO e a equação de Hargreaves e Samani; 3º) os métodos combinados,
que compreendem o fato de as equações propostas associarem os efeitos do balanço de energia à superfície e os termos de energia convectiva
para estimar as perdas de água de superfícies cultivadas, sendo a equação de Penman a mais conhecida entre os pesquisadores; e 4º) os métodos de evaporação em tanques, em que o tanque USWB (United States
Weather Bureau) classe A é o mais utilizado.
Smith (1991) propôs que se adote uma definição padronizada para a
evapotranspiração de referência com vistas, principalmente, à utilização do modelo de Penman-Monteith. A evapotranspiração de referência
seria aquela que ocorre em uma cultura hipotética, apresentando as
seguintes características fixas: altura de l2 cm, resistência do dossel de
69s.m-¹ e poder refletor (albedo) de 23%) Faccioli ( 1998 ).
O modelo de Penman é amplamente utilizado, porque facilita o entendimento dos processos físicos da evaporação de superfícies naturais
e, também porque se utiliza de informações meteorológicas coletadas
em um único nível acima da superfície evaporante (THOM e OLIVER,
1977). Porém, verifica-se que o modelo original de Penman não é um
caso geral para estimativa da evapotranspiração, mas sim um caso muito
particular, aplicado a superfícies de água livre, como lagos, tanques
classe A e superfícies molhadas (vegetação após a chuva ou irrigação
por aspersão) (MONTEITH, 1985; OKE, 1992).
Muitos pesquisadores procuraram superar essa falta de generalidade da fórmula de Penman, cabendo a Monteith (1985) a obtenção de
uma equação geral válida para qualquer tipo de vegetação, sob qualquer condição de estresse hídrico. O autor generalizou o modelo de
Penman por meio de analogia com a lei de Ohm para os circuitos elétricos, introduzindo no termo aerodinâmico duas resistências à transferência do vapor de água: a resistência do dossel e a resistência aerodinâmica. A primeira como descritora das características fisiológicas da
planta, e a segunda, do papel da turbulência atmosférica no processo
de transporte do vapor de água (OKE, 1992, citado por FACCIOLI ( 1998).
Monteith (1985) sugeriu que se adote para resistência do dossel (rc)
rc = 50 sm-1, para determinação da evapotranspiração potencial das
plantas cultivadas. Esse valor concorda com os valores apresentados
por OKE (1992), para grama (70sm-1) e culturas agrícolas (50sm-1).
238
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
A Comissão Internacional de Irrigação e Drenagem (ICID) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), consideram o método de Penman-Monteith como referência para a estimativa da evapotranspiração de referência (ETo) a partir de dados
meteorológicos (ALLEN et al., 1998, p. 18).
Segundo Doorenbos e Pruitt (1977), os elementos meteorológicos
agem de forma conjunta no processo de evapotranspiração, sendo difícil a sua distinção de importância. De maneira geral, em uma dada
região, quanto maior for a disponibilidade de energia solar, temperatura do ar e velocidade de vento, e quanto menor for a umidade relativa,
maior deverão ser as taxas de evaporação e evapotranspiração.
Chang (1971) caracterizou a importância relativa da radiação líquida, umidade relativa e velocidade do vento sobre o processo da evapotranspiração, estabelecendo a respectiva ordem de grandeza para esses elementos: 80:6:14, evidenciando o principal efeito da radiação solar global.
OBSERVAÇÕES METEOROLÓGICAS
As observações meteorológicas de superfície são de suma importância na determinação da evapotranspiração (ET). Nesse processo de transferência de vapor d’água, os elementos climáticos controlam a demanda hídrica da atmosfera, atuando, no contínuo solo-planta-atmosfera,
como dreno. A automação dessas medições, em tempo real, facilita o
obtenção da ET e, consequentemente, permite estabelecer estratégias
de manejo de irrigação, determinar o volume de água necessário aos
sistemas agrícolas e dimensionar sistemas de distribuição e de armazenamento de água (FARIA, 1998).
Para fins de manejo de irrigação, uma configuração típica deveria envolver medições das seguintes variáveis meteorológicas: temperatura e
umidade relativa do ar, irradiância solar global e saldo de radiação, velocidade e direção de vento, precipitação, albedo e temperatura do solo.
TANNER (1990) fornece detalhes de características de operação, funcionamento, resolução, precisão, sensitividade, estabilidade, tipo de sinal
gerado de vários sensores usados em estações automáticas (FARIA, 1998).
CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA EVAPOTRANSPIROMÉTRICA DE NEÓPOLIS-SE
239
METODOLOGIA
Localização e Área
O trabalho foi desenvolvido no Distrito de Irrigação Platô de Neópolis
(7000 ha irrigados), tendo sido utilizados os dados meteorológicos da
estação do INMET, localizada no município de Propriá.
ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO DE REFERÊNCIA
Para a estimativa da evapotranspiração de referência (demanda
REF-ET da FAO. O
evapotrans-pirométrica), utilizou-se o software REF-ET,
software estima a demanda evapotrans-pirométrica pelos métodos:
Penman-Montheith (equação 1), Penman 63 (equação 2), FAO-Penman
corrigido (equação 3), FAO-radiação (equação 4), FAO-Blaney-Criddle
(equação 5) e Hargreaves e Samani (equação 6). Sendo que o método de
Penman-Monteith, considerado padrão, é o modelo recomendado pela
FAO e apresentado no documento FAO 56.
Os dados de entrada no REF-ET são: informações meteorológicas
diárias, latitude, altitude, longitude da localidade, altura de monitoramento da temperatura do ar e da velocidade de vento e a bordadura
vegetada ou não para o tanque Classe A.
A radiação foi estimada a partir dos valores de horas de sol, obtidos
das informações históricas da estação meteorológica de Propriá, por meio
da equação (A), utilizada pelo aplicativo REF-ET.
(1)
em que:
Rs = radiação solar à superfície (MJ/m2.d);
Ra = radiação no topo da atmosfera (MJ/m2.d);
n = número de horas de brilho solar diária (h); e
N = duração astronômica do dia (h).
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
240
Penman-Montheith:
(2)
em que:
ETo = evapotranspiração de referência (mm/d);
Rn = saldo de radiação à superfície (MJ/m2.d);
G = fluxo de calor no solo (MJ/m2.d);
T = temperatura do ar (ºC);
U2 = velocidade do vento a 2,0m de altura (m/s);
(ea - ed) = déficit de pressão de vapor ( kPa);
Δ = declividade da curva de pressão de vapor de saturação (kPa/ºC);
λ = calor latente de evaporação (MJ/kg);
γ = constante psicrométrica (kPa/ºC); e
γ* = constante psicrométrica modificada (kPa/ºC).
Penman 63 :
(3)
FAO-Penman corrigido:
(4)
em que:
c = fator de ajuste (tabelado - FAO 24).
FAO-radiação:
(5)
CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA EVAPOTRANSPIROMÉTRICA DE NEÓPOLIS-SE
241
em que:
a = -0,3 mm/d; e
b = fator de ajustamento, que depende da umidade relativa média
(URm) e da velocidade do vento do período diurno (Ud):
(6)
Blaney-Criddle:
(7)
em que:
a = fator de correção, que depende do valor mínimo de umidade relativa diária (URm) e da relação de horas de brilho solar (n/N);
(8)
b = fator de correção, que depende do valor mínimo de umidade relativa diária (URm), da relação de horas de brilho solar (n/N) e da velocidade do vento no período diurno (Ud):
(9)
em que:
a0, a1, a2, a3, a4 e a5 valem 0,8197; -0,0040922; 1,0705; 0,065649; 0,0059684; e -0,0005967, respectivamente;
p = percentagem das horas de luz solar possível em relação ao total
anual, para um dado mês e latitude; e
T = temperatura média diária mensal (ºC).
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
242
Hargreaves e Samani:
(10)
em que:
Ra = radiação no topo da atmosfera (MJ/m2.d);TD = diferença das
temperaturas médias máxima e mínima do mês (ºC); e TS = temperatura média do ar (ºC).
COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS
Para comparação e análise dos resultados, foram utilizados os critérios propostos por JENSEN et al. (1990), envolvendo erro-padrão de
estimativa (EPE) (equação 7) e erro-padrão de estimativa ajustado (EPEA)
(equação 8), coeficiente de ajustes das equações lineares completas,
como também seus respectivos coeficientes de determinações (R2).
(11)
em que:
EPE = erro-padrão de estimativa;
Yi = evapotranspiração estimada pelo método (mm/d);
Ym = evapotranspiração estimada pelo método padrão (mm/d); e
n = número total de observações.
(12)
em que:
EPEa = erro-padrão de estimativa ajustado; e
Yic = evapotranspiração estimada pelo método, corrigida pelos coeficientes da regressão linear (mm/d).
CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA EVAPOTRANSPIROMÉTRICA DE NEÓPOLIS-SE
243
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Figura 1 está representado o cadastro da cidade de Neópolis no
software Irriga,
Irriga indicando a latitude, longitude, altitude e a utilização
da estação meteorológica do INMET de Propriá. Para efeito de preenchimento, considera-se uma fazenda com uma área de 200 ha. Esta informação não altera os resultados da simulação.
Figura 1 - Cadastro do município de Propriá - SE, no Softwarte Irriga
Para a caracterização climática histórica da cidade de Neópolis, utilizou-se as informações históricas da estação meteorológica do INMET
instalada em Propriá (10 anos). Essa estação encontra-se a 31,41km de
Neópolis e com um desnível de -15,85 m , sendo escolhida por representar melhor o clima de Neópolis.
5.1. Demanda evapotranspirométrica
Para a estimativa da evapotranspiração de referência (demanda
evapotrans-pirométrica), utilizou-se o modelo de Penman-Monteith. Este
modelo é o recomendado pela FAO e apresentado no documento FAO 56.
Na Figura 2 está representada a estimativa da demanda evapotranspirométrica ou evapotranspiração de referência, utilizando o modelo de
244
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Penman-Monteith, através do software REF-ET
REF-ET. Como este modelo
necessita de informações meteorológicas diárias, utilizou-se os valores
diários de temperatura do ar, umidade relativa do ar, velocidade de vento
e radiação solar. Os valores diários dessas variáveis meteorológicas representam uma média diária obtida, ao longo da série. Observa-se que
o valor mínimo da estimativa da demanda evapotranspirométrica foi de
2,8 mm e o máximo foi de 6,2 mm.
O software REF-ET (FAO) também estima a demanda evapotranspirométrica pelos métodos de FAO Penman Corrigido, Penman 63,
Hargreaves & Samani, FAO Radiação e FAO Blaney Cridlle.
Figura 2 – Demanda evapotranspirométrica de Neópolis-SE, pelo método PenmanMontheit
Na Figura 3 está representada a estimativa da demanda evapotranspirométrica, utilizando o modelo de FAO Penman Corrigido em comparação ao modelo de Penman-Monteith. Observa-se pela Figura 03, que o
método de FAO Penman Corrigido superestima a demanda evapotranspirométrica em 38,63%.
CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA EVAPOTRANSPIROMÉTRICA DE NEÓPOLIS-SE
245
Figura 3 – Comparação dos resultados obtidos para a evapotranspiração de referência em Neópolis-SE pelo método Penman-Monteith versus FAO Penman Corrigido
Na Figura 04 está representada a estimativa da demanda evapotranspirométrica, utilizando o modelo de Penman 63 em comparação ao
modelo de Penman-Monteith. Observa-se pela Figura 4, que o método
de Penman 63 superestima a demanda evapotranspirométrica em
19,16%.
Figura 4 – Comparação dos resultados obtidos para a evapotranspiração de referência em Neópolis-SE, pelo método Penman-Monteith versus Penman 63
246
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Na Figura 5 está representada a estimativa da demanda evapotranspirométrica, utilizando o modelo de Hargreaves & Samani em comparação ao modelo de Penman-Monteith.Observa-se pela Figura 19, que o
método de Hargreaves & Samani superestima a demanda evapotranspirométrica em 11,16%, porém o ajuste matemático não foi adequado.
Figura 5 – Comparação entre os resultados obtidos para a evopotransposição de
referância em Neópolis-SE, pelo método Penman-Monteith versus Hargreaves &Samani
Na Figura 6 está representada a estimativa da demanda evapotranspirométrica, utilizando o modelo de FAO Radiação em comparação ao
modelo de Penman-Monteith. Observa-se pela Figura 6, que o método
de FAO Radiação superestima a demanda evapotranspirométrica em
13,15%.
CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA EVAPOTRANSPIROMÉTRICA DE NEÓPOLIS-SE
247
Figura 6 – Comparação entre resultados obtidos para a evapotransposição de referência em Neópolis-Se, pelo método Penman-Monteith versus FAO Radiação
Na Figura 7 está representada a estimativa da demanda evapotranspirométrica, utilizando o modelo de FAO Blaney Cridlle em comparação
ao modelo de Penman-Monteith. Observa-se pela Figura 7, que o método de FAO FAO Blaney Cridlle superestima a demanda evapotranspirométrica em 6,05%.
Figura 7 – Comparação entre os resultados obtidos para a avapotransição de referência em Neópolis-SE, pelo método Panman-Monteith versus Blaney-Cridlle
248
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
As análises anteriormente apresentadas permitem uma visualização
qualitativa das estimativas da ETo, que, apesar de importantes, limitam as conclusões. Para permitir uma análise quantitativa, fez-se um
estudo comparativo com base em uma análise de regressão de cada um
dos métodos estudados, em relação aos valores medidos pelo método
Penman-Monteith.
No Quadro 1, são apresentados os resultados da análise de regressão linear, erros associados de um dia para elementos meteorológicos
medidos. Apresenta-se, também, um “rank” (classificação) dos métodos
estudados.
Como já descrito anteriormente, o erro-padrão da estimativa (EPE)
representa uma variação média dos valores de evapotranspiração de
referência, estimados pelos diferentes métodos, em relação aos valores
obtidos pelo método de Penman - Monteith.
Pelo Quadro 1, verifica-se que os valores de EPE, com base em valores diários de ETo, apresentaram uma variação de 0,314 a 1,704 mm/
dia, com o menor valor para o método de FAO – Blaney-Criddle e o maior
valor, para o método FAO - Penman.
O erro-padrão de estimativa ajustado (EPEA) representa uma variação média dos valores de evapotranspiração de referência estimados
pelos diferentes métodos, corrigidos pelos coeficientes da regressão linear completa.
Verificou-se que os valores de EPEA, com base em valores diários de
ETo, apresentaram menor variação, entre 0,169 e 0,255 mm/dia, para
os métodos FAO-Blaney-Criddle e Hargreaves - Samani, respectivamente. Observou-se que a correção foi notadamente efetiva para os métodos
de FAO-Penman, Penman 63, pois os valores de EPEA para esses métodos foram bem inferiores aos valores de EPE.
CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA EVAPOTRANSPIROMÉTRICA DE NEÓPOLIS-SE
249
Quadro 1 - Valores do erro-padrão da estimativa (EPE), coeficientes a e b da regressão linear, com respectivo coeficiente de determinação (R2), erro-padrão da estimativa
ajustado (EPEA) e classificação (‘rank’) dos métodos, para os elementos meteorológicos.
O Blaney-Criddle foi considerado o melhor método de estimativa de
ETo (dados diários), uma vez que ocupou o primeiro lugar no “rank”1 e
no “rank”2, sendo o que melhor se adapta ao tipo de clima da região.
Os métodos de Blaney-Criddle e Penman 63, com base em valores
diários de ETo, foram os que apresentaram também o maior coeficiente
de determinação(R2).
O método de FAO-Penman ( c=1 ), com base em valores diários de
ETo, foi o que apresentou maior correção, pois o valor de EPE passou de
1,704 mm/dia para um EPEA de 0,192 mm/dia.
A correção para o método de Hargreaves e Samani, com base em
valores diários de ETo, não foi efetiva, o que lhe proporcionou a última
colocação no “rank”2.
CONCLUSÕES
É importante ressaltar que os cálculos do erro padrão da estimativa
(EPE) e do erro padrão da estimativa ajustado (EPEA) foram realizados
para todo o período de análise. Uma análise mais detalhada poderá ser
realizada em trabalhos posteriores, separando o período seco do período chuvoso, uma vez que alguns métodos de estimativa da evapotranspiração de referência se ajustam melhor para determinados períodos.
250
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
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10
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO
FLORESTAL DA AROEIRA (SCHINUS
TEREBENTHIFOLIUS RADDI) NO BAIXO SÃO
FRANCISCO-SE/AL
*
FRANCISCO-SE/AL*
NÁDIA BATISTA DE JESUS
LUCIANO LIMA SANTANA
LAURA JANE GOMES
INTRODUÇÃO
O processo de modernizações da região do baixo São Francisco realizado pelo Governo Federal fez intervenções através de programas de
desenvolvimento regionais, com “ênfase na industrialização e na construção de infra-estrutura”, como a criação da Comissão do Vale do São
Francisco (CVSF) e da Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(CHESF), na década de 1940. A posteriori, criou a Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e os planos de desenvolvimento regional que transformaram a natureza em ambiente criado (DINIZ, 2001).
Com a concentração de grandes investimentos financeiros que modernizaram a agricultura a partir da década de 1970, a região do Baixo
São Francisco ganha novas configurações com projetos hidroagrícolas
e sistemas automatizados de irrigação, e, mais recentemente, na década de 1990, o platô de Neópolis, com condicionantes externos, numa
*
Esta pesquisa faz parte do projeto “Estratégias para o manejo sustentável da
aroeira (Shinus Terebenthifolius Raddi) no baixo São Francisco - SE/AL, financiado pelo MCT/CNPq.
254
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
relação local/global (MOTA, 2003; 2005). Nesse sentido, de um lado temse empreendimentos com uso de tecnologias (perímetros irrigados, hidrelétricas, adutoras) convivendo, de outro, com práticas sociais baseadas em tecnologias tradicionais de agricultura de autoconsumo, o artesanato e a pesca artesanal.
Desse modo, os pescadores enfrentam dificuldades para manter a
reprodução social no lugar, por causa dos impactos socioambientais
que colocam as comunidades de pescadores em situação de risco social
gerando, devido à crescente diminuição do pescado no baixo São Francisco SE/AL, incertezas sobre a continuidade da atividade da pesca e
outras que a esta se relaciona. Por outro lado, o baixo São Francisco
continua um local onde os atores sociais se movimentam em percursos
cotidianos, regionalizando locais por meio do tempo-espaço. Dessa maneira, pratica-se o extrativismo da aroeira (Schinus Terebenthifolius
Raddi).
O extrativismo da aroeira nessa região teve início em 2003, como
demanda das indústrias processadoras localizadas no estado do Espírito Santo. Indústrias que exportam o fruto da espécie para diversos
países da União Européia, bem como para os Estados Unidos, Canadá e
Argentina. No caso aqui estudado, destina-se a fabricação da pimentarosa, com uso especialmente na culinária e na indústria de cosmético
onde é utilizada para fabricação do óleo essencial. A aroeira (Schinus
terebenthifolius Raddi) é uma espécie nativa, cujos conhecimentos científicos são recentes. Algumas pesquisas acadêmicas demonstram interesse científico-tecnológico por esta espécie, tendo por motivação o seu
potencial terapêutico (RIBAS, et. al, 2006); a atividade antioxidante
(DEGÁSPARI, et. al, 2004; CERUKS, et. al, 2007); a atividade
antimicrobiana (DEGÁSPARI et. al, 2005) e parâmetros genéticos (CARVALHO, 2009).
Alguns estados brasileiros contribuem para a cadeia produtiva da pimenta-rosa, e em 2008, a participação segundo empresários, foram as
seguintes: Rio de Janeiro (42%); Espírito Santo (26%); Bahia (13%); Pernambuco e Ceará (7% cada) e Sergipe e Alagoas (5% cada). Embora as
indústrias estejam a caminho de obter maior controle da produção e regularidade com o estabelecimento de plantios dessa espécie, no estado
do espírito Santo, o extrativismo é a base da produção e tem garantido o
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
255
atendimento da demanda da indústria exportadora até que se adquira
auto-suficiência por meio do estabelecimento de plantios. Deve-se destacar, também, a possibilidade do surgimento de novos mercados, com o
próprio crescimento do mercado interno (JESUS e GOMES, 2010).
Este estudo procurou descrever o sistema extrativista preponderante na região a fim de lançar um debate para gestão florestal no Baixo
São Francisco SE/AL.
REFLEXÕES SOBRE A SUSTENTABILIDADE DO EXTRATIVISMO
VEGETAL NO BRASIL
O extrativismo é uma prática que a humanidade ao longo do tempo e
de diferentes formas, utiliza como atividade laboral para garantir a reprodução social. No entanto, Homma (2002) questiona a sustentabilidade presente na falsa concepção de que todo produto não-madeireiro
seria sustentável. Segundo o autor, essa foi uma defesa levantada a
partir do assassinato de Chico Mendes, mas do ponto de vista econômico ou biológico nem sempre é possível.
Esse autor também põe em cheque a sustentabilidade do extrativismo
e utiliza o conceito definido pelo IBGE, como “processo pelo qual o homem
realiza a coleta ou apanha de produtos provenientes dos recursos florestais nativos, tais como: madeiras, látex, sementes, folhas, resinas, óleos,
frutos, raízes e outros” (IBGE, 1976, Apud HOMMA, 2002, p. 139).
Conforme afirma Homma (2002; 2004), o colapso do extrativismo vegetal em vários locais do país, deve ser analisado a partir da capacidade em atender uma crescente demanda, sendo esse o caminho natural
para a domesticação da espécie. Para o autor, os estados do Maranhão
e Tocantins são exemplos da importância da atividade, considerando
que atendem mercados cativos de cosméticos, de produtos orgânicos e
como ação de justiça social, no entanto, sem a dimensão pretérita. Entretanto, o surgimento de novas alternativas e conquistas sociais, como
aumento do salário mínimo, de um lado e, de outro, a baixa produtividade da terra, tornam inviável a permanência do extrativismo.
Algumas espécies, a exemplo da castanha-do-pará, no sudeste
paraense, relacionam-se diretamente ao conflito de ocupação comum
256
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
do espaço geográfico, sendo disputados por diferentes atores sociais, a
partir da década de 1970, na região amazônica. Nesse caso, de um lado
há o Estado cujo interesse era a exploração dos recursos minerais, de
outro os extrativistas. Nesse entendimento, a própria atividade extrativa
em si torna-se conflituosa, marcadamente entre a oferta natural e a
demanda, ou seja, entre os estoques disponíveis e o caráter predatório
(HOMMA, 2004).
Entrementes, foi justamente devido ao caráter predatório na utilização dos recursos naturais que os movimentos sociais ambientais iniciaram a discussão a partir da década de 1980, pois até então a luta
ecológica não constava da pauta de prioridades dos movimentos sociais
rurais no Brasil. Suas reivindicações estavam centradas na luta pela
terra, por política agrícola e fixação de preços mínimos, melhoria salarial e condições de trabalho, a exemplo da luta pela reforma agrária comandada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
No entanto, o movimento dos atingidos por barragens passa a articular
a luta pela conservação dos recursos naturais, como também diversos
movimentos sociais camponeses, indígenas e seringueiros começam a
lutar pela garantia de seus modos de vida (SCHERER-WARREN, 1996;
GRZYBOWSKI, 1987).
Nesse sentido, Dias (2005), pesquisou sobre o processo de organização das mulheres “quebradeiras de coco” no estado do Tocantins. Mulheres que vieram do estado do Maranhão nos idos da década de 1960, em
busca de melhores condições de vida e se lançaram nesse extrativismo.
Destarte, o conflito entre oferta natural e demanda (HOMMA, 2004), contribui para o entendimento das relações sociais que se estabelecem em
atividades extrativas. No caso, em voga, o baixo consumo na época, por
ser utilizado somente pelas quebradeiras de coco, foi visto por fazendeiros como sem serventia. Por isso, entre 1984 e 1986, ocorreu a derrubada dos babaçuais em propriedades privadas e nas matas.
A derrubada das plantas nativas serviu como estopim para o conflito
entre fazendeiros e “quebradeiras de coco”, no Bico do Papagaio (TO).
Essas mulheres perceberam a necessidade de levar suas reivindicações ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STRs), espaço que se tornou insuficiente para atender as reivindicações do grupo, ensejando a
criação de um fórum específico: a Associação Regional das Mulheres
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
257
Trabalhadoras Rurais do Bico de Papagaio (ASMUBIP). Percorreu-se um
longo caminho até chegarem à década de 1990 organizadas de forma
social, política, econômica e cultural, motivadas pela necessidade de
garantir seus modos de vida (DIAS, 2005).
Embora o extrativismo seja uma atividade conflituosa (HOMMA, 2004),
isso não se dá necessariamente por insuficiência da oferta do recurso
natural, mas como se observa no caso das “quebradeiras de coco”, a
motivação do conflito ocorre justamente para impedir a pressão sobre o
recurso natural e garantir a continuidade da oferta, uma vez que esse
extrativismo conserva a planta de pé, ao contrário da fabricação do palmito, cuja extração se faz necessária com a derrubada da planta. Como
observa DIAS (2005), não existe domesticação da espécie babaçu
(Orbignya phalerata Martius).
Nesse aspecto, as “quebradeiras de coco”, em oposição à instalação
da fabricação de palmito da espécie, lutaram pela criação da Lei do
Babaçu Livre e a criação de Reservas Extrativistas (Resex) como instrumentos de acesso ao ecossistema, sem depredá-lo (DIAS, 2005). Quanto
a continuidade e o êxito desse extrativismo, a autora destaca a diversidade dos grupos sociais e nichos ambientais que integram o processo de
identidade, criando a categoria “quebradeira de coco”, além das condições
de gestão ambiental baseada na autonomia. Nesse caso, a autonomia cultural é o que dará subsídio ao etnodesenvolvimento (LITTLE, 2002).
Dias (2005) afirma que a teoria do desenvolvimento pretere o
extrativismo. Essa afirmação pode ser entendida com a experiência
extrativista da cera da carnaúba (Copernicia cerifera ou Copernicia
prunifera), cuja política de modernização da agricultura empreendida
pelo Estado não alterou a estrutura fundiária e criou benefícios desproporcionais que causaram impactos sociais, econômicos e ambientais
negativos. Por meio de investimentos financeiros e fiscais, difusão de
tecnologia e de capital externos, o objetivo era tornar uma sociedade
rural e atrasada em urbano-industrial e moderna. Assim, modos de
vida que comportam outra lógica produtiva, como a extrativista, tornaram-se, além de obstáculo físico, também econômico diante do “contingente populacional em atividades extrativas e artesanais, e principalmente um obstáculo sociocultural, na medida em que, em torno da
carnaúba, estruturava-se todo um modo de vida” (D’ALVA, 2007, p. 73).
258
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
O autor observa dois aspectos contraditórios em relação à carnaúba:
de um lado, os incentivos à industrialização para exportação da cera,
de outro, o estímulo ao desmatamento, entre as décadas de 1960 a 1980
no vale do Curu e vale do Jaguaribe (CE), com a implantação do perímetro irrigado e cultivo de arroz nas terras de várzeas para atender interesses econômicos de mercado interno e externo.
No entanto, esse extrativismo persiste como “fonte essencial de sobrevivência para amplas populações que vivem no campo e opção de
trabalho remunerado durante os períodos de estiagem”. Segundo D’Alva,
(2007), enfrentam, a partir da década de 1990, a fruticultura irrigada e
a produção de camarão, cuja permanência desse extrativismo está associada às condições de miséria dos trabalhadores rurais envolvidos
diretamente nessa prática.
Daí, mantém-se o paradoxo na atividade: de um lado trabalhadores
extrativistas em péssimas condições socioeconômicas; do outro a conexão
com o mundo globalizado, com a produção para o processo de fabricação
de “chip” de computadores de última geração a partir da utilização da cera
da carnaúba, no uso de tecnologias para informação (D’ALVA, 2007).
Por conseguinte, diferente da situação encontrada no extrativismo
das “quebradeiras de coco babaçu”, cujas mulheres se organizaram para
melhorar as condições e garantir seus modos de vida. No extrativismo
da carnaúba não há organização política para luta por melhores condições na atividade e consequente melhoria da qualidade de vida, o que
contribui para manutenção das condições de miserabilidade dos atores
(DIAS, 2005; D’ALVA, 2007).
A discussão feita por Homma (2004) aponta que a lógica do mercado
direciona para substituição com a domesticação ou por produtos sintéticos, consequentemente ocorrerá o declínio do extrativismo. No entanto, a cera extraída da carnaúba, ao contrário do noticiado, não foi integralmente substituída pelas ceras sintéticas, mas as exportações crescem de forma contínua, demandada pelas principais economias industriais do mundo, o que trás a “requalificação da cera no mercado mundial das ceras”, portanto, segundo D’Alva (2007), a produção de sintéticos não levou ao declínio desse extrativismo.
Esses diversos exemplos de extrativismo, de diferentes aspectos, suscitaram vários tipos de conflitos que não se relacionam necessariamen-
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
259
te à escassez do recurso por um aumento da demanda, mas interesses
conflitantes quanto aos usos e apropriação dos recursos naturais, como
o acesso às áreas de ocorrência e conhecimentos referentes a esses
recursos. Em geral os grupos envolvidos não possuem propriedade privada da terra, apenas a posse e não têm acesso a informações necessárias que garantam seus direitos sociais.
Como afirma Little (2002), as novas biotecnologias e a manipulação
genética na onda da globalização geram novos conflitos que, no caso
brasileiro, está em jogo grande quantidade de biodiversidade alvo de
multinacionais biotecnológicas. Essa biodiversidade está diretamente
relacionada à diversidade sociocultural e fundiária encontrada nos territórios sociais dos povos tradicionais. Identificadas nas principais atividades exercidas por esses grupos, como parte de um campesinato diversificado e polivalente, composta por: “agricultores, agroextrativista,
seringueiros, pescadores, coletores e caçadores, garimpeiros,
castanheiros, quebradeiras de coco” (CASTRO, 2000).
Segundo Scherer-Warren (1996), movimentos sociais de cunho
identitários: sejam seringueiros, indígenas, quilombolas, extrativistas
encontram-se em pontos de interseção quando lutam pelo reconhecimento de modos de vida. O cerne de suas lutas parte da relação homemnatureza, partindo desse foco garantem a reprodução social e criam identidades. Nesse aspecto, ocorre uma articulação entre a luta pela continuidade dos modos de vida e a preservação ambiental. Conforme Little
(2002), formam-se territórios sociais que conformam saberes, formas de
manejo e garantem a biodiversidade existente nos lugares.
ABORDAGEM METODOLÓGICA DESTE ESTUDO
A pesquisa foi realizada a partir do Povoado Saúde, município de
Santana do São Francisco (SE), na região do baixo São Francisco (coordenadas geográficas 10º 17’ 28" de latitude sul e 36º 36’ 29", de
longitude oeste), distante a 126km de Aracaju, capital de Sergipe. Nessa localidade a atividade predominante na renda da maioria das famílias é a pesca, acompanhada da agricultura de subsistência (GOMES,
et. al., 2005).
260
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
A escolha do povoado Saúde como área de estudo partiu do fato de lá
localizar-se o atravessador-local, servindo de base para a atividade
extrativista da aroeira que abrange os diversos municípios na região do
Baixo São Francisco. Assim, foram identificados os demais locais de
coleta, os atores envolvidos nas relações sociais no extrativismo da
aroeira no estado de Alagoas (Piaçabuçu: Peba e Sudene), no estado do
Espírito Santo (São Mateus – Guriri: Nativo, Barra Nova e Gameleira;
Nova Venécia: Km 41 e Linhares: Km 137) e Sergipe (Neópolis: Pov. Passagem; Brejo Grande: Brejão dos Negros, Pacatuba: Brejo da Itioca; e
Ilha das Flores: Bolivar). Em entrevistas com os atores do extrativismo
da aroeira e no segmento da cadeia produtiva da pimenta-rosa. No estado de Sergipe foram totalizadas 34 (trinta e quatro) entrevistas; em Alagoas 12 (doze) entrevistas e no Espírito Santo 10 (dez) entrevistas.
Esta pesquisa teve um enfoque qualitativo, pois o planejamento variou de acordo com as situações que foram apresentadas nas fases de
coleta e análise das informações. Porquanto, durante todo o processo a
retroalimentação entre a coleta e a análise ocorre permanentemente.
A análise dos dados está orientada em uma interpretação hermenêutica (GIDDENS, 1978), em que a descrição dos atos gerados integram a produção e práxi, sendo inseparáveis. Essa perspectiva torna
possível a intersubjetividade que realiza a interação comunicativa a
ser considerada Verstehen, sendo que, nas Ciências Sociais, ocorre duplamente, pois que a conduta social humana é pré-interpretada pelos
atores, assim essa ciência faz uma reinterpretação.
Desse modo, com o objetivo de descrever o extrativismo da aroeira,
foram realizados durante os meses de coleta do fruto (maio a julho do
ano de 2008), por meio de observação direta e registro fotográfico desde
a coleta dos frutos até o beneficiamento. Nesse momento, deu-se início
ao mapeamento das áreas de acesso, por meio de uma oficina de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) em que utilizamos um mapa topográfico do Baixo São Francisco. A referida oficina contou com a participação de 50 pessoas, foram indicadas as áreas de coleta, classificadas em
áreas de acesso livre e acesso proibido. Convém destacar que o uso do
Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), através navegada transversal e
do calendário sazonal, foi fundamentado em WEINGAND & PAULA (1997)
apud GOMES e SANTANA (2004).
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
261
O uso da observação direta possibilitou acompanhar as atividades
desenvolvidas pelos atores sociais no extrativismo e as interações sociais decorrentes da atividade com aqueles participantes, desde o início
da prática extrativista na região, conduzindo-nos em barco e/ou veículo até os locais no Baixo São Francisco. Isso nos permitiu “checar” respostas dadas durante as entrevistas e traçar o perfil dos atores (ALVESMAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 2002, p. 150).
Com vistas a análise da importância socioeconômica do extrativismo
para os pescadores artesanais da região, foram realizadas oficinas de
DRP com a elaboração do calendário sazonal nas localidades Povoado
Brejão dos Negros (SE), com 40 participantes; Povoado Sudene (AL),
com 07 (sete) pessoas. No povoado Saúde foi feito um levantamento mais
detalhado da renda familiar anual, com 10 famílias, por meio de calendário sazonal do ano de 2008, bem como um acompanhamento mensal
das atividades geradoras de renda de março a julho de 2009.
A seleção dos 10 atores entrevistados foi realizada por meio da
amostragem não-probabilística, por conveniência, escolhidos pela acessibilidade, por se disponibilizarem a fornecerem as informações. Ao mesmo tempo, as percepções e explicações da realidade que são manifestas
pelos atores em situações sociais são relevantes e objeto de interesse no
sentido de entender (interpretar) o fenômeno social (ALENCAR, 1996).
Para preservar os entrevistados, suas identidades foram substituídos por nomes fictícios ou pelo número de entrevista.
O EXTRATIVISMO DA AROEIRA NO BAIXO SÃO FRANCISCO
Forma de coleta das aroeiras
Segundo os entrevistados, após o contato com o comprador local (Sr.
João), os representantes das indústrias processadoras do fruto da aroeira
durante a mobilização fazem reuniões nas comunidades para dar orientações sobre a forma de fazer a coleta e distribuem folhetos com informações
para a primeira etapa de beneficiamento. A coleta é feita com as mãos,
utilizando as ferramentas denominadas de gancho e/ou ganchinho preso
a uma vara para prender o galho da planta e, em seguida, com um podão
corta-se os cachos do fruto (Figura 1), depois é ensacada (Figura 2).
262
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 1 Coleta da aroeira com uso de
gancho
Figura 2 Ensacamento da aroeira no
baixo S.Francisco
Outras ferramentas são utilizadas durante a coleta: facão e a tesoura. Também são exigidos aos coletores cuidados quanto à qualidade do
fruto […] “querem descontar quando chega molhada” (7ª entrevista, 2009).
Não devem ser entregues frutos molhados e/ou machucados, devem
estar com a cor vermelha e/ou vermelhinha, inteira e nunca com a cor
preta, pois são rejeitadas no momento de entrega ao responsável pela
compra.
REGRAS DE PARTICIPAÇÃO NA COLETA
Algumas regras estabelecidas entre os compradores e os extrativistas
orientam a participação dos atores durante a coleta como não cortar os
galhos, derrubar e subir nas plantas, dito: “que não pegue, não é pra
cortar porque no próximo ano a gente precisa” (4ª entrevista, 2009). Outros informam os cuidados a serem observados, conforme os responsáveis pela organização da coleta, orientam antes de adentrarem às propriedades onde coletam as aroeiras:
[…] só pra nós não reinar quando entra num canto […] o que
vocês vê lá, deixa lá, não pega em nada […] na Itioca mesmo, é
muito pé de muito coco, muita mangaba, o pessoal, muito carvão, o pessoal faz carvão […] mas não pegue em nada, e nem
negócio de safadeza, essas coisas seu João, porque eu não gosto
pra nós não ser chamado, ele avisa (5ª entrevista, 2009).
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
263
Há, também, orientação quanto à participação de menores durante
a coleta, somente é permitida nos arredores do povoado Saúde (SE).
Dessa forma, ficam limitados as ilhas das proximidades: “se for de menor
não vai […] sabe tirar...tem que procurar João” (3ª entrevista, 2009). Mesmo limitados aos locais mais próximos de suas residências as crianças
participam das coletas são acompanhados de seus familiares.
MEIOS DE TRANSPORTE UTILIZADOS DURANTE A COLETA
Os meios de transporte utilizados para chegar às diversas ilhas fluviais, ao longo do rio São Francisco e fazer a coleta dos frutos das aroeiras
citados foram: o barco a remo, a motor, a vela/pano; lancha; jangada;
ônibus, caminhão e carro, dependendo da distância entre localidadedestino (Figura 3): […] “lugares próximo depende do carro da gente, longe,
vai depender dos outros a hora de voltar” (1ª entrevista, 2009) podendo
ser feita uma combinação dos diversos tipos, ou ainda longas caminhadas até os locais de ocorrência natural das aroeiras. Nos locais distantes onde existe a necessidade de aluguel de veículo (Figura 4), as despesas com o fretamento e combustível ficam por conta da empresa.
Figura 3. Transporte da aroeira em barco
no Baixo São Francisco (SE/AL)
Figura 4. Transporte da aroeira em carro
no baixo São Francisco (SE/AL)
264
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
BENEFICIAMENTO
Os frutos chegam para o beneficiamento em pequenos cachos, dentro de sacos de nylon, transportados de barco ou em veículos do campo
até o povoado Saúde (SE). Outro grupo algumas vezes se envolve na
etapa do processo de limpeza, retirando as folhas e os galhos para que
restem apenas os frutos a granel. Mas existem aqueles que se envolvem
nas duas etapas, a coleta e o pré-beneficiamento, com duração de três
a quatro dias para secagem. A empresa nos últimos anos instalou um
depósito no município de Carmópolis (SE), onde coloca a aroeira na
máquina para realizar a limpeza e separação (Figuras 5 e 6) “batê na
máquina, processa antes, coloca em saco de 60kg, enche, só não pode
apilá porque fica pesado” (8ª entrevista, 2009).
Figura 5. Separação da aroeira na máquina
Figura 6. Limpeza da aroeira na máquina
Nessa primeira fase do beneficiamento, utilizam-se alguns utensílios como peneiras e luvas para o processo de separação e limpeza dos
frutos (Figuras 7 e 8), como disse um dos entrevistados: “tem uns que
trabalha aqui mesmo, botano no sol as aroeira, móde secar e outro grupo
tirando” (9ª entrevista, 2009).
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
Figura 7. Beneficiamento da aroeira em
peneira em Carmópolis (SE)
265
Figura 8. Beneficiamento e secagem da
aroeira Povoado Saúde – Santana do São
Francisco (SE)
Após os frutos serem colocados ao sol, tanto em cachos como a granel, sobre lonas ou em telas (Figuras 9 e 10), informam:
[…] aqui mesmo as pessoas que coloca no sol, pra os bichos não
chegar perto: galinha, cachorro; outros vão pra balança” (4ª entrevista, 2009), de forma que “algumas pessoas tem delas que vão
pra o mato, tem delas que fica só aqui, coloca no sol, eles vão
trabalhar por dia, só ganham aquele dinheiro, a gente que vai pra
o mato, as vezes ganha até mais (6ª entrevista, 2009).
Figura 9. Pré-secagem da aroeira - Povoado Saúde - Santana do São Francisco
Figura 10. Pré-secagem da aroeira no
Povoado Saúde - Santana do São Francisco
266
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Depois do processo de pré-secagem, o armazenamento é feito em caixas de madeiras, colocadas em um galpão alugado no Povoado Saúde
(SE) até o momento de enviar toda a produção obtida no Baixo São Francisco ao estado do Espírito Santo. Segundo um dos representantes das
indústrias, desde o extrativismo até a chegada dos frutos no estado do
Espírito Santo ocorre perda de 60% de toda a produção adquirida.
FORMAS DE ACESSO AS ÁREAS DE OCORRÊNCIA NATURAL DA
AROEIRA
A entrada em algumas áreas depende da permissão dos que detêm a
posse das ilhas (proprietários). Como condição exige-se o pagamento
sobre a estimativa de fruto a ser colhido. Segundo os entrevistados:
“João vai lá e fala com o dono (organiza), tem deles que libera, mas tá
sendo mais comprada. Ele sempre pagava, esse pessoal que vinha de fora
era quem pagava” (1ª entrevista, 2009). No extrativismo da aroeira, o
pagamento de até R$ 500,00 às pessoas que detêm a posse das ilhas
fluviais no Baixo São Francisco e/ou os caseiros, muitas vezes, é
intermediado pelo comprador-local do Povoado Saúde-SE (Sr. João), juntamente com o representante da empresa processadora e/ou exportadora do estado do Espírito Santo. Mas também realizam a coleta sem a
feitura de pagamento, apenas com a permissão dos “proprietários”.
Processo diferente daquele utilizado para exploração do pescado. Na
pesca artesanal os atores têm acesso ao rio e às ilhas, nessas montam
cabanas de palha para o pernoite durante os dias dedicados ao trabalho da pesca, sem a necessidade de permissão. Ao contrário da situação encontrada com a coleta do recurso natural aroeira, cujo acesso
não é permitido em todas as ilhas, da mesma forma. Nesse extrativismo,
a força de trabalho é a principal ferramenta que os atores detêm.
Segundo Godelier (s.d, p. 334-335), cada sociedade estabelece a repartição dos fatores de produção em relação à sua forma de apropriação, uso das mesmas e o resultado do produto social. As regras em
relação aos recursos (terra – solo; hídrico: água - rio; natural – aroeira)
comportam aspectos diretamente econômico (efeitos da produção), os
fatores de produção (condições ecológicas - M; uso de tecnologias - I;
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
267
homens – força de trabalho - H), a reprodução social e a motivação econômica direta ou indireta.
Os fatores de produção (M-I-H), de acordo com Godelier (s.d.), em seu
aspecto diretamente econômico, referem-se aos efeitos da produção do
produto final; significa extrair uma parte para renovar e assegurar a
continuidade da produção e das condições materiais da existência social. Nesse caso, em relação ao extrativismo da aroeira a porção à renovação como efeito da extração, não são asseguradas condições que renovem o produto social entre os envolvidos no Baixo São Francisco.
Tal afirmação pode ser constatada pelo estudo de Lisboa (2010), o
qual verificou em campo que devido ao extrativismo dos frutos, em todas as populações de aroeira, existiram modificações nas características dendrométricas, apresentando em quase a sua totalidade indivíduos bifurcados até 2,5m. O resultado do inventário florestal realizado
pelo mesmo autor apontou que os municípios de Propriá, Ilha das Flores e Pacatuba obtiveram a menor quantidade de indivíduos na região
do Baixo São Francisco, refletindo em maior intensidade o grau de
antropização na área de estudo. O número reduzido de indivíduos (pés
de aroeira) indica a necessidade de estabelecimento estratégias de conservação da espécie na região.
MANEJO, USOS E SABERES SOBRE A ESPÉCIE AROEIRA
O manejo, usos e saberes sobre a espécie (Schinus terebenthifolius
Raddi) decorrem entre os extrativistas, predominantemente, do informado através dos representantes das indústrias processadoras e/ou exportadoras. Embora seja uma espécie nativa encontrada em áreas de preservação permanente (matas ciliares da região), os seus usos eram desconhecidos pelas comunidades locais do Baixo São Francisco (SE/AL)1.
1
Convém ressaltar que o uso da aroeira pela população do Baixo São Francisco
não foi o objetivo desta pesquisa. Para conhecer tais usos, recomenda-se a realização de pesquisa em etnobotânica.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
268
Durante os encontros com os representantes dessas empresas, quando chegam às comunidades para fazer o processo de mobilização, fornecem informações equivocadas relativas à outra espécie, a aroeira do
sertão, com a qual se produz sabonete e shampoo às comunidade locais. Nas entrevistas disseram:
[…] a gente conhecia, mas não sabia pra que servia essas coisa,
depois que a gente comecemos a colher, o rapaz ensinou remédio
pra sabonete pra coloral (5ª entrevista-SE, 2009). Também disseram que: eles tiraram, os donos pra fazer estaca (9ª entrevista,
2009)
Ou seja, não fazem distinção, como se todos os produtos fossem feitos
da aroeira (Schinus terebenthifolius Raddi), cujo processamento transforma em condimento pimenta-rosa. Os representantes das indústrias procuram dar informações que despertem o interesse dos futuros extrativistas,
motivando-os. Entretanto, o desconhecimento é evidente, pois
[…] foi quando veio o pessoal aqui com João foi que a gente veio
sabê, aí foi explicar pra que era, pra onde ia, até pra fora do
Brasil. Eles dizem que é comida, fazer sabonete, o pessoal que
veio comprar que trazia a firma pra aqui (4ª entrevista-SE, 2009).
No entanto, a partir do extrativismo de demanda de mercado, os atores envolvidos na prática passaram a observar, construir e socializar
saberes com seus pares na interação com o meio ambiente. Quando distinguem qualidades do fruto e o diferenciam, associam aos locais de acordo
com o tipo de solo onde nascem às plantas em “terra fresca, de lagoa, terra
baixa, misturada barro e mais areia (só areia não dá), água de maré que
entra e sai” (1ª entrevista Piaçabuçu-AL, 2009). Características como frutos por tipo de cor, indica raridade ou não, diferentes tamanhos, frutos
de cor vermelha mais próxima da cor rosa, tempo de maturação para
coleta, “fica madura, os cachos, toda vermelha, umas rosinha […] depende,
porque tem umas pequenas, outras grandes, depende, pelo peso dela” (3ª
entrevista-SE, 2009). Esses saberes recém construídos possibilitaram a
construção do calendário sazonal da espécie na região.
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
269
No baixo São Francisco, as aroeiras iniciam o processo de frutificação
no mês de abril, a partir do município de Propriá. Entre o início e final
existem diferenças de acordo com as localidades. Segundo entrevista
com um representante de uma das indústrias, as condições climáticas
favorecem que frutifique primeiro nesse município. Após, elas frutificam nos municípios de Santana do São Francisco e Neópolis (SE), por
último ocorre nos municípios mais próximos da foz do rio São Francisco
(SE/AL): Pacatuba, Ilha das Flores e Brejo Grande (SE), Piaçabuçu (AL).
O calendário sazonal (Quadro 1), apresenta o início, duração e final
da coleta da aroeira. No município de Propriá, os frutos estão na
maturação para coleta a partir do mês de abril até maio e entre o final
de maio e início do mês de junho em Santana do São Francisco e
Neópolis. Em seguida, de junho ao mês de agosto, nos municípios de
Pacatuba, Ilha das Flores e Brejo Grande (SE) e Piaçabuçu (AL). Influenciados pelas condições climáticas, como a precipitação de chuvas em
menor ou maior volume, bem como a sua regularidade, uma vez que
explicam que a aroeira não gosta de água em excesso. Ao receber grande volume de água da chuva, isso escurece o fruto queimando-o, passando a não servir para ser coletado.
Quadro 1: Calendário sazonal realizado do início da produção da aroeira (Schinus
terbenthifolius Raddi) no baixo São Francisco (SE/AL) Fonte: Pesquisa de campo
(2008-2009)
MUNICÍPIOS
ABRIL
MAIO
Propriá (SE)
X
X
JUNHO
Santana do São Francisco (SE)
X
X
Neópolis (SE)
X
X
JULHO
AGOSTO
Pacatuba (SE)
X
X
X
Ilha das Flores (SE)
X
X
X
Brejo Grande (SE)
X
X
X
Piaçabuçu (AL)
X
X
270
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
ORGANIZAÇÃO LOCAL DO PROCESSO EXTRATIVISTA DA AROEIRA
A partir da confirmação através de contato telefônico entre o comprador-local, no povoado Saúde (SE), e o empresário do Espírito Santo,
o local como fronteira tempo-espaço de copresença torna-se ampliado
para além do contexto imediato de interação. Iniciam-se procedimentos
como a divulgação na comunidade, a seleção das pessoas que participarão e visitas aos locais de coleta: “às vezes ele proíbe, tem pessoas que
ele judia, ele diz: esse eu não quero, não, ele que sabe o motivo (...) João
quem decide” (11ª entrevista, 2009).
Segundo os entrevistados:
João vai olhá onde já tem, marca uma reunião com a gente, dá
sacos, o transporte e a gente cata; o pagamento é a mulher, dona
Maria. (2ª entrevista, 2009).
Com a chegada do representante da empresa, as pessoas são reunidas: “quando chega mais perto faz uma reunião com o rapaz de São Paulo
pra dizer quanto vai pagar pra nós, o dia certo que vai começar o caminhão
que vai levar nós pros cantos” (3ª entrevista, 2009). Os atores desconhecem a cadeia produtiva e indicam que “João e a esposa é os encarregados” (10ª entrevista, 2009). Informam que o controle, seleção de pessoas
e pontos de coleta são responsabilidades da família do atravessadorlocal, mas “quem opina mesmo, os grandolas (...) não sei o nome do grandola
(...) ele nem vem aqui, só manda só os dois comparsa dele, todo ano vem”
(9ª entrevista, 2009).
A divisão do trabalho no extrativismo da aroeira no Baixo São Francisco diferencia-se das atividades da pesca, cuja centralidade está restrita à unidade familiar, com cooperação entre pai e filhos, marido e
mulher. No extrativismo, embora com o uso de técnica pouco complexa
e a unidade familiar seja fundamental, o comprador-local controla a
atividade orientando a divisão das atividades e funções: aqueles que
coletam, os responsáveis pela pré-secagem e os que realizam a pesagem. Porém, está presente a cooperação entre os grupos, como expressado pelos atores, cujo pertence à mesma família. Aqueles que conse-
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
271
guem coletar primeiro costumam ajudar os que ainda não preencheram os sacos com o fruto da aroeira, as crianças não participam do
processo de secagem.
Em relação à forma de organização local, a empresa, através de seus
representantes, procura utilizar os meios da melhor forma que avaliam
para alcançar a produção necessária e atender seus interesses.
As regras de acesso, os direitos à propriedade privada da terra e/ou
permissão de acesso através de arrendamento, cessão e empréstimo, cada
recurso obedece a uma regra. A propriedade privada do solo, esses atores
praticam a agricultura, mas não detêm a posse da terra. No entanto, a
terra para o plantio (milho, mandioca, feijão) para alguns é acessível,
pois as pessoas da comunidade com a propriedade privada, como parentes e/ou vizinhos, permitem o uso sem nenhum tipo de cobrança.
No caso do extrativismo da aroeira, não identificamos nas ações dos
atores envolvidos (empresários, coletores de aroeira, posseiros de ilhas)
uma prática extrativista sustentável. Para os empresários, o interesse
é a maior quantidade de quilos coletados. Apesar da orientação da melhor forma de coletar os frutos, quanto mais for adquirido se assegura a
produção para suprir a demanda da empresa para exportação, a perda
durante o processo de beneficiamento e processamento, a cobertura
dos custos e os lucros do empreendimento e pagamento aos posseiros
de ilhas que arrendam as áreas para coleta.
Por outro lado, os extrativistas-pescadores artesanais procuram obter o máximo possível e são incentivados a fazer isso. Referente a esse
aspecto, como disse um empresário do segmento: “coloquei uma lei, chego no ônibus e aviso: quem coletar menos de 20kg não pago pela coleta,
pois muitos ficam satisfeitos em fazer R$20,00 e isso não compensa as
despesas como o fretamento de transporte, deslocamento até os locais” (3ª
entrevista empresário, 2009). Afirma que uma pessoa pode chegar a
coletar até 120kg de frutos da aroeira. Dessa forma, o produto social
não se mostra suficiente para permitir a renovação dos fatores de produção, assegurando a reprodução social em unidades de produção2 familiar, mas garante os lucros do empreendimento empresarial.
2
Segundo Godelier (s.d, p. 329), pode ser a pequena exploração familiar, a comunidade da aldeia, uma empresa industrial, etc.
272
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
ASPECTOS LEGAIS REFERENTES AO EXTRATIVISMO DOS FRUTOS
DA AROEIRA
Sabe-se que, no Brasil, não existem leis referentes ao extrativismo
de Produtos Florestais não Madeireiros, o que acaba gerando fragilidades e ameaças à espécie explorada.
O agir ou não agir dos agentes públicos traz consequências que fazem diferença para a conservação ou perda dos recursos naturais. Nesse sentido, os órgãos ambientais, nos estados de Sergipe e Alagoas apresentam postura diferenciada um do outro. O IBAMA, em Alagoas, autorizou e produziu Informação Técnica (N0 023/2005 – IBAMA/DITEC/
AL), para a realização da coleta de aroeira, na área de APA/AL a ser
seguida pelas empresas. O mesmo órgão federal, em Sergipe, emite autorização provisória, mas não fiscaliza, ao mesmo tempo afirma desconhecer a atividade no local (baixo São Francisco), embora tenha realizado ações de educação ambiental com os atores da prática extrativista
da aroeira no povoado Saúde (SE).
Quanto ao órgão estadual, ADEMA em Sergipe, devido à
descentralização das competências do órgão federal estão em processo
de transição há pouco mais de 01 (um) ano e meio. No entanto, a atividade extrativista se desenvolve a oito anos. Esse órgão informa que está
se adequando, mas coloca em dúvida se a ele competem as ações de
fiscalização na área, tendo em vista ser a atividade realizada em Áreas
de Preservação Permanente (APP) em domínio da União, e por estar às
margens do rio São Francisco. Assim, identificamos o conflito de competência entre os dois órgãos. Por outro lado, nos locais onde se realiza
o extrativismo da aroeira, necessita-se de acompanhamento das ações
dos atores no modo de produzir, pois a organização do espaço deve ser
garantido pelo Estado.
Desse modo, pode-se afirmar que a pressão sobre o recurso natural
gera degradação ambiental, uma externalidade negativa, pois não segue orientações técnicas para atividade, torna-se não sustentável
ambientalmente nas áreas de preservação permanente (APP) e nas
Unidades de Conservação existentes na região (APA Piaçabuçu – AL e
APA Litoral Norte - SE).
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
273
IMPORTÂNCIA SOCIOECONÔMICA DO EXTRATIVISMO DA AROEIRA
E O PERFIL DAS FAMÍLIAS
A produção extrativista da aroeira tem uma participação importante
na cadeia produtiva da pimenta-rosa. A fim de conhecer a importância
socioeconômica do extrativismo da aroeira para os pescadores, acompanhamos a renda mensal de 10 (dez) famílias do povoado Saúde/SE.
Essas apresentam uma média de 07 pessoas por unidade familiar, mas
observado individualmente algumas são compostas por até 14 (quatorze)
membros no núcleo familiar. Dos entrevistados apenas um declarou o
estado civil como solteiro, no entanto, reside, com irmãs, cunhados e
sobrinhos, uma família extensa. A escolaridade dos entrevistados varia
entre somente o domínio de assinatura do nome 02 (dois); 05(cinco) o
antigo primário (ensino fundamental incompleto); 02 (dois) com ensino
médio completo e 01 (um) o 2º ano do ensino médio.
Entre os entrevistados 50% são chefes de famílias (marido e/ou
mulher). O local de nascimento não é o próprio povoado, município de
Santana do São Francisco, mas outras localidades da região do Baixo
São Francisco, como Canhoba/SE, Gararu/SE, Igreja Nova/AL e Porto
Real do Colégio/AL, além de outros locais do estado como Itabi/SE e do
país, São Paulo. Com isso, confirmamos a existência de migração interna nessa região em busca de melhores condições de vida nos municípios próximos ao Baixo São Francisco SE/AL, em concordância com
(MOTA, 2005) e, ainda, fruto de uniões familiares.
A faixa etária desses atores pode ser classificada em três grupos: a)
03 (três) 21 – 30 anos de idade; b) 01 (um) de 31– 40 anos; 05 (cinco) de
41 -50 anos e; c) 01 (um) de 51 – 60 anos de idade. Esses entrevistados,
em tese, estão na faixa etária considerada economicamente ativa, ou
seja, nenhum deles com idade para aposentadoria. Quanto à situação
profissional, podem ser denominados como pescadores e, do ponto de
vista socioeconômico, não detêm propriedade privada da terra.
Vale ressaltar a necessidade de oportunidades de emprego e renda
das famílias de pescadores, sobretudo pelos indicadores socioeconômicos constatados na região, como o Índice de Gini, que demonstra elevada concentração fundiária no município. Por outro lado, o baixo Índice
de Desenvolvimento Humano - IDH e Índices de pobreza que contribu-
274
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
em para a existência de uma migração3, em busca de melhores oportunidades de trabalho, visando adquirir alguma renda.
Durante a pesquisa, os atores disseram:
[…] o desemprego é grande, o platô que não tá tendo, a pesca, e
agora a aroeira que é uma ajuda […] do rio, vem o alimento, onde
muitos tira o pão de cada dia, a prainha dia de domingo é uma
ajuda pra tanta gente (2ª entrevista, 2009)
Segundo os entrevistados, em relação às oportunidades de trabalho
no lugar: “emprego, se tivesse emprego a Saúde era outra, mas não gera
emprego” (5ª entrevista, 2009). A compreensão dos atores sociais em
relação à situação socioeconômica local nos fornece os motivos da adesão dos pescadores nos períodos sazonais à atividade de coleta da
aroeira.
Os atores se autoreconhecem pescadores: “poucos trabalham de roça,
é mais pescar, quem trabalha alugado” (9ª entrevista, 2009), inclusive,
integrados à associação da pesca. Outros dizem que: “Aqui, sabendo
pescar, vai na beira do rio, pega uma piaba e come e nos outro lugar, como
no sertão, se não viver de gado...como é?” (3ª entrevista, 2009). Assim,
alguns foram em busca de melhores condições de vida no local, como:
“lá onde eu morava, eu não tinha o que eu tenho e graças a Deus eu adquiri minha casa aqui” (4ª entrevista, 2009).
Buscam melhorar a renda familiar em período sazonal. Sem conhecimentos sobre o mercado global, no qual o extrativismo da aroeira participa da cadeia produtiva da pimenta-rosa, “eu sei que vai fora, não sei se é
pra São Paulo ou Rio, sai de caminhão carregado, acho que é um homem que
vem, porque João é quem sabe, acho que tem fábrica” (1ª entrevista, 2009).
Outros compreendem ser a mesma relação de troca realizada entre eles e
3
Segundo Brüseke (2002), a migração intercontinental da população supérflua
que diminui a pressão social interna em países como Inglaterra, Alemanha, França, Itália etc., durante a fase da sua industrialização. A migração, como resultado
da modernização desestruturadora, afeta o Brasil na forma da migração interna,
como a não solução de questões agrárias e urbanização selvagem e, que, freqüentemente os problemas aparecem na cidade, mas a sua solução tem que ser procurada e encontrada no campo.
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
275
o empresário, quando compra a produção extrativa do baixo São Francisco e descreve da seguinte forma a cadeia produtiva:
[…] daqui vai pra São Paulo, de lá pra fora do Brasil […] tem vez que
sai daqui duas carreta, a Saúde fica cheia, lá de Brejo Grande vem
pra cá, tem que sair daqui, ele aluga um galpão móde botar elas […]
essa empresa ela já vende pra outra fábrica, que é de remédio,
sabonete, vende pra tudo, que nem a gente aqui essas pimenta (9ª
entrevista, 2009).
Para Godelier (s.d.), à medida que a divisão social do trabalho se
torna complexa o grupo de parentesco ou a comunidade perdem parte
de suas funções econômicas e o controle direto do produto por produtores e proprietários, pois parte da produção se desenvolve fora do grupo
ou comunidade, mesmo que parte dessa produção seja no local – baixo
São Francisco SE/AL.
Nessa fragmentação do processo produtivo, os atores perdem a noção de totalidade do trabalho executado, diante de outras fases desempenhadas e complementadas fora do local. Isso implica na exclusão dos extrativistas do processo e a maximização monetária do lucro
com o “recurso natural” transformado em valor de troca, mercadoria;
apropriado individualmente pela empresa, ou seja, a natureza da racionalidade econômica4, própria de sociedades de mercado capitalista. A racionalidade5 dos extrativistas nas localidades os fazem buscar
alternativas para melhorar a renda familiar, combinando várias atividades, ao longo dos meses do ano, além do que recebem com auxílio de
políticas sociais (bolsa família, seguro na época de defeso da pesca),
4
5
Essa racionalidade prima pela utilização eficiente de meios para realização de fins
pré-determinados pelos agentes, que coordenam suas ações por meios não lingüísticos, mas dinheiro e poder (HABERMAS, 1990).
Com base em Godelier (s.d), podemos entender a racionalidade intencional na
forma como utilizam o seu meio ambiente socioambiental de acordo com conhecimento rudimentar ou complexo das propriedades e objetos e suas relações. Nesse caso, não sendo possível maximizar a pesca para satisfação das necessidades,
a racionalidade se expressa através das ações dirigidas em que os atores combinam meios para atingir fins, para reprodução social.
276
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
conforme confirmado no calendário sazonal (Quadros 2, 3 e 4). Os atores dedicam-se à agricultura de subsistência, ao artesanato e à pesca
de peixe/camarão, o que torna a apropriação do território diversificada
e a relação homem-natureza se dá por meio de diferentes práticas,
seja pelo conhecimento que elaboram, ou pelas oportunidades que
surgem.
Segundo Godelier (s.d.) nas estruturas produtivas o sistema tecnológico depende da diversidade de condições naturais existentes no território. No caso das comunidades ribeirinhas a estrutura produtiva local
está diretamente relacionada e dependente dessa diversidade, como o
rio com a pesca que desdobra no artesanato (rede de pesca e covo), a
terra com a agricultura de autoconsumo e as terras secas e úmidas que
alagam para coleta de aroeira. Nessa situação, a economia é encaixada6 na estrutura social.
À vista desse aspecto, Diegues (2000) observou em comunidades tradicionais a dependência e alguma simbiose do meio ambiente com os
ciclos da natureza; tendo as atividades de subsistência papel importante com reduzida acumulação e, o aspecto sociocultural com a unidade familiar, doméstica ou comunitária com relações de parentesco ou
apadrinhamento que se expressam no exercício de atividades econômicas, o social e cultural. No entanto, chama a atenção para o fato de
essas culturas não serem estáticas.
Nesse sentido, a construção do calendário sazonal (Quadros 2, 3 e
4) nas comunidades do baixo São Francisco (SE/AL), que praticam o
extrativismo da aroeira demonstrou a diversidade de atividades nas
quais os atores se envolvem durante todo o ano. Concordamos com
Diegues (2000), em relação à dependência dessas atividades dos ciclos
da natureza, tendo em vista o que ficou evidenciado nas três localidades (Povoado Saúde, Povoado Sudene e Brejão dos Negros.
Assim, algumas das atividades no povoado Saúde como a pesca, o
artesanato dos utensílios da pesca ou a produção de farinha, muitas
6
“Embedded” sociedades de economia encaixada, mas não concorda com o termo
seguinte “disembedded” nas sociedades de mercado, entende que neste caso
exclui o não-econômico desse tipo de sociedade, como usado por K. Polany
(GODELIER, s.d, p. 332).
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
277
vezes produzidas em propriedade de parentes e amigos da comunidade,
não têm como objetivo a acumulação de capital, mas simples base material para a subsistência com o uso de tecnologias simples. De forma
semelhante, também nas localidades de Sudene (AL) e Brejão dos Negros (SE), nas atividades indicadas no calendário sazonal.
Quadro 2: Calendário sazonal das atividades geradoras de renda e de subsistência
de famílias de pescadores do baixo São Francisco - Povoado Saúde/SE (2009)
Fonte: Pesquisa de campo, 2009.
Quadro 3
3: Calendário sazonal das atividades geradoras de renda para subsistência
de famílias de pescadores do Baixo São Francisco - Povoado Brejão dos Negros/SE
(2009)
Fonte: Pesquisa de campo (2009)
278
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Quadro 4: Calendário sazonal das atividades geradoras de renda e de subsistência
de famílias de pescadores do baixo São Francisco - Povoado Sudene/AL (2009).
Fonte: Pesquisa de Campo (2009)
O acompanhamento da renda mensal das famílias do Povoado Saúde (SE) mostrou que a média de rendimento em 2008, com o extrativismo
da aroeira foi em torno de R$531,00/mês, durante o período de coleta, o
menor ganho foi de R$45,00 (quarenta e cinco reais) e o maior de
R$1.600,00 (hum mil e seiscentos reais).
Para analisar as possibilidades de ganhos nessa atividade, realizamos uma estimativa em mês comercial (26 dias úteis), quanto à produção/coletada/pessoa e o valor pago por kg. Nessa hipótese, seria possível ao coletor receber no mês comercial a produção/coleta 871,285kg x
R$ 1,50kg, podendo atingir o valor de R$1.306,92 (hum mil, trezentos e
seis reais e noventa dois centavos) mês por pessoa.
No entanto, essa possibilidade se encontra sujeita à irregularidade
no período de coleta: quantidade coletada por pessoa, distância em relação ao recurso natural e a quantidade do recurso disponível nas áreas de ocorrência natural da aroeira, bem como a vinda da empresa
para adquirir a produção dos locais. Entretanto, durante as coletas em
2008, alguns extrativistas conseguiram atingir valores equivalentes ou
superiores ao salário mínimo vigente.
Porém, a irregularidade quanto ao início e a duração da coleta nos
últimos dois anos e a realização em 45 dias em 2008 e, em 2009, apenas
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
279
uma semana, altera os possíveis ganhos a serem alcançados com o
extrativismo pelas famílias. Mas os atores expressam em relação à coleta que “é bom e dá uma rendazinha pra dentro de casa. No tempo que vai
pegá tá mais frio, o peixe não anda a maneira que tem de criar os nossos
filhos” (8ª entrevista, 2009).
Dito pelos atores que:
[…] muitos que criticam... a gente vai os maridos fica em casa,
mas fica porque os maridos pesca, saí à noite, ficam em casa […].
Eu tenho marido, mas muitos que nem bolsa família tem, nem
isso. Então, já compra uma ropinha, já come uma coisinha melhor, por isso que pra gente é importante (4ª entrevista, 2009).
Mencionada pelos atores como uma renda importante a estrutura
de repartição baseada em Goldelier (s.d.), para a unidade de exploração
da aroeira forma-se com: o proprietário de terras, os “donos ou posseiros de ilhas”, “proprietários de ferramentas”, os empresários, os proprietários da “força de trabalho” e os extrativistas da aroeira. Existe, além
desses, os atores que desempenham papéis específicos como “pontos” e
“representantes das indústrias” (Figura 6.35), as pessoas que detêm ou
supostamente têm a posse das ilhas fluviais na região, ganham com
um tipo de arrendamento. Nesse caso, o valor recebido varia de acordo
com a estimativa de quilos a serem extraídos nas áreas de ocorrência
natural da espécie, entre R$300,00 a R$1.200,00 por área extrativa.
O extrativismo da aroeira para comunidade do povoado Saúde (SE)
contribuiu em 2008 com percentual de 22,05% na renda das famílias
pesquisadas. Em 2009, esse percentual correspondeu a 1,09%, nesse
ano, o extrativismo esteve quase ausente, com curta duração, apenas
uma semana. A comparação entre os anos de 2008 e 2009 demonstra o
baixíssimo impacto na renda das famílias, em 2009. No entanto, um
ator extrativista conseguiu no curto período de três dias receber o valor
de R$250,00 (duzentos e cinquenta reais).
Outras fontes de renda como a bolsa-família (2008-2009) e o segurodesemprego (defeso) participam na renda das famílias, respectivamente, com 17,46% e 13,72%. Em relação ao seguro-desemprego base 2008,
280
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
não compõe nossos dados, mas referente a 2009 corresponde a 17,05%.
As três maiores fontes de renda em 2008, em ordem decrescente, foram
a pesca com 39,28%; o extrativismo da aroeira com 22,05% e a bolsafamília com 17,46%.
No que se refere ao ano de 2009, a pesca participou com 31,24%; o
seguro-desemprego com 17,05% e; a bolsa-família com 13,72%. Nesse
último ano, praticamente ausente, o extrativismo da aroeira em relação
ao ano anterior contribuiu com 22,05% na renda. As duas primeiras
fontes de renda para as famílias esteve restrita a ganhos advindos de
políticas sociais (bolsa-família e seguro-desemprego). Mesmo assim, a
pesca ainda se mantém como a principal fonte de renda, embora com
um decréscimo em relação a 2008. Quanto ao trabalho temporário, ausente no ano anterior, esteve presente em 2009, e representou 33%,
mas não contribuiu na renda de 67% das famílias.
Em relação à comunidade ribeirinha de Alagoas praticante do
extrativismo da aroeira, através da utilização de metodologia participativa (DRP), identificamos a participação na renda das famílias com o
extrativismo referente ao ano de 2008. O percentual dessa atividade na
comunidade do povoado Sudene (AL) representou 22,00% na renda das
famílias. Muito próximo ao obtido na Saúde em 2008 (PESQUISA DE
CAMPO, 2009), os ganhos alcançados pouco se diferenciam de uma localidade para outra no baixo São Francisco. Valêncio (2003), ao analisar a renda de pescadores no sub médio do rio São Francisco, verificou
que em boa fase da pesca não alcançam a média de quatro salários
mínimos e em períodos de baixa não atingem a média de dois salários
mínimos. Cabe ressaltar que esses pescadores se encontram no curso
do rio em melhores condições para pesca, ao contrário do Baixo, isso
confirma as queixas dos entrevistados sobre a situação dificultosa da
pesca.
Em outra comunidade ribeirinha de Sergipe, o povoado Brejão dos
Negros, município de Brejão (quilombola), o extrativismo da aroeira também contribui na renda das famílias. No período de coleta, a primeira
maior renda correspondeu a 27,50%. A pesca de peixe e camarão, respectivamente, correspondem a 22% da renda das famílias em 2008.
Nessa comunidade afirmam que poucos recebem a bolsa-família, embora façam cadastro, mas não sabem explicar a razão de grande número
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
281
de pessoas na localidade não serem atendidas. Nas localidades de
Sudene (AL) e Brejão dos Negros (SE), em 2009, não ocorreu a coleta da
aroeira.
A empresa detém recursos alocativos e cria recursos autoritários
nos locais. Para tanto, combina o que detém com os existentes nas
comunidades, nas relações estabelecidas entre os atores apoiadas
nas experiências de vida socioambiental: relações de parentesco, vizinhança, confiança e redes de interconhecimento no tempo vivido.
Assim, o comprador-local ator social-chave nessa relação, combina
recursos ao coordenar e administrar as ações nos locais para coleta
proveniente de recursos materiais, como dinheiro da empresa e da
comunidade e, com os extrativistas, controlam informações: o conhecimento local.
A indústria adota a estratégia da informalidade com a ausência de
qualquer contrato formal e registro em base local nos municípios da
região, a exemplo de uma filial. Coordena seus interesses através de
representantes e do comprador-local. Os extrativistas, na base da pirâmide, encontram-se distantes para negociar junto à indústria os
valores por quilo da aroeira in natura. No período de oito anos, entre
2001-2009, os valores foram pouco alterados, somente entre 2001-2002
houve alguma mudança significativa, pois de R$0,60/kg o valor passou a ser pago a R$2,00/kg.. Porém, entre os anos de 2003-2009 com
poucas oscilações, entre R$ 1,50/kg a R$ 2,00/kg, estando em 2009 a
R$1,50/kg.
Quanto aos valores pagos pela indústria processadora do Espírito
Santo por quilo da aroeira de plantio (Tabela 1), ao produtor rural, e da
aroeira nativa, ao extrativista, são os mesmos, entre R$2,50 a R$3,00.
No que se refere aos custos de produção em gastos com adubos, mudas,
tempo dedicado ao trato com a espécie no plantio, o agricultor não consegue agregar ao preço pago pela indústria processadora. Por outro lado,
no baixo São Francisco em Sergipe e Alagoas, os valores pagos aos
extrativistas são inferiores em relação tanto ao produtor rural, quanto
ao extrativista no estado do Espírito Santo. Nesse caso, os custos do
empresário com recursos alocativos, em parte, explica o valor inferior
pago ao extrativista reduzindo os custos, o que justifica o empreendimento.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
282
Porém, a indústria incentiva os plantios, com isso adquire vantagens, como a melhor produtividade durante o processamento e redução
de seus custos. Isso não significa a socialização dos benefícios adquiridos. Em relação a esse aspecto o mesmo fenômeno foi constatado com
outras espécies, caso do Jaborandi (HOMMA, 2003).
Tabela 1
1: Produção do plantio de aroeira por dois agricultores no município de São
Mateus – Espírito Santo em 2009
Produtores Rurais
Produtor 1
Produtor 2
Total
Preço Unit
2.982
2,5
Produção
5068 kg
12000 kg
17068 kg
Fonte: Pesquisa de campo (2009)
Desse modo, constata-se que entre os diversos atores da cadeia
produtiva da pimenta-rosa as indústrias processadoras-exportadoras,
orientam as ações em interações com os demais atores, em uma relação
de dependência do mercado externo. Os demais atores da cadeia produtiva têm sujeição semelhante no que se refere às indústrias. Ademais,
as transações em valores se diferenciam bastante entre os elos da cadeia até o destino final. Os “pontos” estabelecem subpontos que no baixo São Francisco recebem R$0,20(kg), o extrativista e o diarista recebem R$1,50, todos repassam ao “ponto” (atravessador-local) que recebe
R$0,40 (kg), em seguida, entrega a produção ao representante da indústria, que recebe desta R$0,70 a R$1,10(kg). A indústria compra a
produção extrativista e de plantio para processamento e comercializa
por R$29,877(kg) como pimenta-rosa exportada.
Entre os valores pagos aos extrativistas e aos “pontos”, os últimos
recebem sobre a produção daqueles e com menor labor e exposição ao
risco, o que se torna mais vantajoso, embora também acompanhem os
extrativistas durante as atividades. Essa produção passa por vários
intermediários e/ou atravessadores, sendo que os extrativistas são os
que recebem, proporcionalmente, os menores valores. A relação de com-
7
O dólar comercial dia 26.08.2009 em R$1,867
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
283
pra da força de trabalho em horas trabalhadas aos extrativistas não se
configura nos valores recebidos, uma vez que não se refere a horas
trabalhadas, como dispêndio de energia empregada na atividade de coleta da aroeira, pois a quantidade por quilo coletado não está baseada
em horas trabalhadas. No entanto, mesmo em condições de exploração,
ainda assim, os valores recebidos pelos extrativistas contribuem na renda
das famílias nas comunidades locais.
Contudo, essas comunidades precisam construir as oportunidades de
mudança na relação entre a empresa e os extrativistas, que perpassa por
um processo de participação e autonomia dos atores envolvidos. As
interações estabelecidas face a face são importantes em trocas recíprocas,
redes de solidariedade, de amizade que extrapolam o grupo familiar e se
estendem em reuniões, encontros, associações, festas, comemorações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ondas de modernização dos projetos de desenvolvimento regional
no Baixo São Francisco SE/AL, não consideraram os valores culturais
que dão significado e sentidos, por isso não resultou em desenvolvimento local com justiça social e cidadania para as comunidades ribeirinhas economicamente desfavorecidas em recursos socioeconômicos, sem
propriedade privada da terra e em risco social. Assim, os diversos locais
onde se dá a prática extrativista da aroeira se configuram em contradições, desigualdades sociais e a degradação socioambiental. Com as relações estruturais do capitalismo que penetram de forma parcial, em
circunstâncias da vida social dos atores, incluindo-os no processo de
produção de mercadoria e excluindo-os do processo de ampliação do
capital na racionalidade econômica. Em contexto de interações e práticas sociais se inserem nas esferas de tempo e espaço nos locais em
cada comunidade de pescadores artesanais no baixo São Francisco.
Os extrativistas-pescadores da aroeira, motivados em melhorar a
renda familiar, considerando as condições socioambientais do baixo São
Francisco, com poucas alternativas para reprodução social; a prática
extrativista contribui na renda, embora se desenvolva em meio a incerteza de continuidade e regularidade da atividade. Ao mesmo tempo, tor-
284
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
na-se contraditória diante das relações sociais entre a empresa e os
atores que fazem a coleta, sem contrato formal, sem direitos sociais e
trabalhistas garantidos pela Constituição Federal Brasileira.
A sustentabilidade socioambiental, com a participação dos diferentes atores e suas ações, cria cenários locais: os extrativistas, os posseiros das ilhas e a indústria, cada um por motivações que diferem entre
si: o primeiro uma alternativa de melhorar a renda familiar, o segundo
para adquirir renda da terra com o arrendamento e o empresário, agente econômico, para atender seus interesses no mercado exterior com as
exportações e ampliação do capital privado. Esses atores contribuem
para a perda da biodiversidade em relações socioambientais no
extrativismo da aroeira no baixo São Francisco e se privam dos efeitos
das normas estabelecidas nas leis ambientais diante da omissão do
Estado por causa da ausência dos órgãos ambientais.
O Estado, no cumprimento de suas competências, deve abrir espaço
ao diálogo participativo com os atores, criando fóruns, oficinas e diagnósticos participativos para planejar e formular ações, coordenandoas. Além disso, é dever do Estado estabelecer parcerias com as esferas
de governo dos diversos municípios do Baixo São Francisco, o Comitê
da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, CODEVASF, as associações, igrejas, conselhos, empresas públicas e privadas instaladas na
região, Organizações não governamentais e interagir com pesquisadores de Universidades que realizam pesquisa sobre a região em busca de
uma gestão florestal participativa, que leve em consideração os contextos locais, as necessidades sócioeconômicas dos atores e a sustentabilidade socioambiental. Assim, estará assumindo e compartilhando responsabilidades nos locais em questão.
Na perspectiva de uma gestão florestal participativa, como primeiro
passo, deve-se realizar um levantamento junto ao órgão da União a GRPU,
para que o Estado possa tomar conhecimento da real situação fundiária
referente aos termos de concessão de uso, exploração e o marco temporal das concessões nas ilhas do baixo São Francisco. A partir daí, devese discutir com o IBAMA e a ADEMA um plano de uso e/ou manejo dos
recursos naturais existentes para as áreas, bem como definir a competência de atuação, se do órgão ambiental federal ou estadual nas áreas
de APP do baixo São Francisco.
EXTRATIVISMO: REFLEXÕES PARA A GESTÃO FLORESTAL DA AROEIRA...
285
Em segundo lugar, buscar parcerias com os pescadores, tendo em
vista que em um universo em torno de 300 associados à colônia de
pescadores, recentes projetos coordenados pela CODEVASF, a exemplo
de tanque rede, apenas três ou quatro pescadores no povoado Saúde
(SE) fazem parte, segundo informações da secretaria do município. Considerando que existe um histórico na região de exclusão dos atores locais dos projetos coordenados por essa empresa pública e a inclusão de
outros, cuja lógica difere dos contextos locais. Assim, torna-se fundamental, trazer os atores sociais pescadores artesanais-extrativistas da
aroeira para discutir possíveis projetos que gerem renda nas comunidades, que potencializem a riqueza cultural presente nas sociabilidades nas localidades.
No entanto, a aroeira (Schinus terebenthifolius Raddi) como componente da biodiversidade, poderia fazer parte de uma proposta de desenvolvimento sustentável. Essa pode ser construída a partir das redes
de solidariedade existente nos locais, as quais são usadas a partir dos
interesses dos envolvidos, o empresário e os extrativistas com as parcerias empreendidas no processo extrativista da aroeira. No entanto, uma
proposta sustentável deve seguir outra lógica, a da economia solidária,
contando com as próprias redes locais, baseada nas redes de
interconhecimento. Uma vez que os empreendimentos solidários se pautam nos princípios da autonomia, sustentabilidade, respeito ao meio
ambiente e justiça social, estimulando a formação de cooperativas e
valorização da identidade local. Sobretudo, diante das condições paupérrimas das populações nos locais de coleta. Assim, uma gestão baseada em outros princípios, com outra lógica econômica, até então ausente nesses lugares. Sendo assim, deve envolver as comunidades locais
como parceiras, criando políticas públicas para melhorar as condições
de sobrevivência.
AGRADECIMENTOS
Aos atores sociais que se disponibilizaram a contribuir com relatos, dados
e informações. A FAPITEC/SE e PIBIC/UFS/CNPq pela concessão de
bolsas de mestrado e iniciação científica.
286
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
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PARTE III
O PROGRAMA
11
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO:
EXTENSÃO, CIÊNCIA E GÊNERO
ANTENOR DE OLIVEIRA AGUIAR NETTO
PATRÍCIA ROSALBA SALVADOR MOURA COSTA
“Que ninguém se engane, só se consegue
a simplicidade através de muito trabalho”
Clarice Lispector
1. INTRODUÇÃO
Uma das discussões que permeia a sociedade moderna na atualidade, pauta-se em torno dos benefícios gerados pelo avanço do conhecimento científico, que contribuiu, sobremaneira, para as reduções de
algumas carências e inseguranças dos seres humanos, mas que, por
outro lado, também provocou consequências difíceis de serem remediadas em curto prazo.
Apenas para configurar alguns exemplos, pode-se citar a preocupação com o perigo da proliferação de bombas nucleares e demais armamentos, as mudanças climáticas e o esgotamento dos recursos naturais. Todas essas questões envolvem a sociedade em um espectro de
dúvidas e desconhecimento sobre diversos problemas sociais, políticos,
econômicos, científicos, culturais, éticos e morais, os quais contribuem
para uma disputa de poder na esfera pública entre indivíduos, comunidades e nações. Sendo assim, torna-se primordial a inclusão de tais
292
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
questões na agenda científica e política, a fim de empreender ações que
contribuam para o conhecimento desses problemas e, consequentemente, para a erradicação ou minimização dos mesmos.
As civilizações humanas estabelecem com os recursos naturais uma
relação de dependência e exploração, muitas vezes, sem o cuidado de
manter preservado o meio ambiente. O olhar acurado sobre as condições em que se encontram os recursos hídricos é urgente, pois a exploração humana tem afetado a quantidade e a qualidade desse recurso
natural, possibilitando a extinção do mesmo. Para Magalhães Junior
(2007), a água, fator estruturador do espaço e condicionador da localização e da dinâmica das atividades humanas, possui importância estratégica no desenvolvimento e expressão dos povos.
A preocupação com a formação de profissionais na área de recursos
hídricos e na gestão do Sistema é, em si mesma, uma inovação, decorrente em primeira instância da nova legislação federal e estadual de
recursos hídricos; em segunda instância, da maior consciência dos governos federal e estadual quanto ao seu papel para a preservação das
águas e da necessidade de gerenciamento responsável dos recursos
hídricos e do meio ambiente.
Nesse contexto, o presente capítulo descreve o programa Águas do
São Francisco, atividade de extensão universitária, realizado pela Universidade Federal de Sergipe, por meio do grupo Acqua ligado ao Departamento de Engenharia Agronômica e ao Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento e Meio Ambiente, em parceria com Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco e a Superintendência de Recursos
Hídricos de Sergipe e financiado pelo fundo setorial de Recursos Hídricos,
sob a interveniência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre 2009 e 2011.
Esse Programa tem por objetivo capacitar profissionais para a compreensão e incorporação dos conhecimentos de engenharia, sociais e
econômicos referentes à água, os meios didáticos para disseminação
desse conhecimento, bem como os instrumentos legais que favoreçam a
gestão integrada dos recursos hídricos e do meio ambiente, no baixo
São Francisco.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
293
2. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES
Após a aprovação e liberação dos recursos financeiros, em junho de
2009, realizou-se divulgação do programa Águas do São Francisco e foi
estabelecido com os gestores estaduais e municipais e, sobretudo, com
o Comitê da Bacia hidrográfica do São Francisco a sistemática de oferta
dos cursos programados, determinando prioridades, locais de execução
(em cidades do baixo São Francisco e do submédio), datas apropriadas
e horários de execução programada, sempre em consonância com os
instrutores previstos para cada atividade. Vale ressaltar, que os cursos
foram realizados em articulação com a câmara consultiva regional do
baixo São Francisco do Comitê da Bacia Hidrográfica.
As atividades do programa se iniciaram em 3 de dezembro de 2009,
com o I Simpósio Águas do São Francisco realizado na cidade de Canindé
do São Francisco. O evento contou com a palestra de abertura intitulada
“Aspectos filosóficos da Hidrologia”, ministrada pelo professor Masato
Kobiyama (UFSC). Seguindo a programação, houve uma Mesa Redonda
abordando assuntos relacionados ao baixo São Francisco sergipano tendo como preletores Maria Augusta Mundim Vargas (UFS) e Ailton Francisco da Rocha (SRH/SE). A Figura 1 mostra uma parte do público e dos
palestrantes reunidos no auditório do Hotel Águas do Velho Chico.
Na Tabela 1 pode-se observar a quantidade de alunos inscritos,
matriculados e certificados através da participação nos eventos. Os alunos certificados foram aqueles que apresentaram frequência igual ou
superior a 75% (setenta e cinco por cento) das atividades desenvolvidas. Da mesma maneira, é possível verificar as datas e locais de realização de cada atividade programada. Talvez, a qualidade dos cursos e a
importância da temática tenham sido percebidas pela comunidade e se
tornado fatores essenciais para que a procura por vagas fosse aumentando no decorrer do desenvolvimento dos mesmos.
294
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Tabela 1. Participantes dos eventos do programa Águas do São Francisco, realizado
pela Universidade Federal de Sergipe
CURSOS
ACADÊMICOS
Inscritos matriculados certificados
I Simpósio Águas do São Francisco
(dezembro 2009)
37
23
17
Gestão avançada de recursos hídricos
(dezembro 2009)
48
27
20
Gestão participativa de bacias hidrográficas
(maio2010)
80
40
36
138
42
41
89
40
33
Dinâmica fluvial e sedimentometria
(setembro 2010)
Eficiência de uso da água
(dezembro 2010)
Gestão participativa de bacias hidrográficas
(março 2011)
126
60
57
Eficiência de uso da água
(maio 2011)
56
52
51
Hidrologia aplicada
(junho 2011)
70
40
33
Na Tabela 2 pode-se observar o corpo docente que ministrou aulas
no programa Águas do São Francisco. Verifica-se assim, a participação
de 33 docentes, oriundos de 18 instituições, sendo que 19
professores apresentam o título de doutor. Registra-se, dessa maneira, uma
significativa rede de parcerias institucional e entre grupos de pesquisa,
bem como a participação de acadêmicos cursando pós-graduação. Vale
ressaltar, ainda, que para o bom andamento dos trabalhos ocorreu a
participação de 14 discentes da UFS enquanto integrantes da comissão
organizadora.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
295
Tabela 2. Relação de docentes, com respectiva instituição de origem e titulação, que
ministraram aulas no programa Águas do São Francisco.
DOCENTES
INSTITUIÇÂO
Ailton Francisco da Rocha
Alan Cunha Barros
Ana Alexandrina Gama da Silva
TITULAÇÃO
SRH / SE
UFAL
Embrapa/Tabuleiros Costeiros
Antenor de Oliveira Aguiar Netto UFS
Mestre em Agronomia
Doutor em Agronomia
Doutora em Agronomia
Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas
Carlos Alexandre Borges Garcia
Carlos Amilton Silva Santos
Daniel Brito de Andrade
UFS
UFS
Amil Engenharia
Faculdade Pio
Décimo
Doutor em Ecologia Aplicada
Doutor em Química
Mestre em Agronomia
Especialista em
Gestão Ambiental
Eduardo Matos
UFS
Mestre em Desenvolvimento
e Meio Ambiente
Doutor em Engenharia Agrícola
Pós-doutor em Agrometeorologia
Everardo Chartuni Mantovani
UFV
Francisco Adriano Carvalho Pereira UFRB
Pós-doutor em Recursos Hídricos
Gregório Guirado Faccioli
Hiran Medeiros Moreira
Inajá Francisco de Souza
Jacó Araújo de Oliveira
João Bosco Souza Mendonça
João Carlos Santos da Rocha
José Cândido Steveaux
Laura Jane Gomes
UFS
Irriger
UFS
IFS
UFS /FAPESE
SRH / SE
UEL
UFS
Doutor em Engenharia Agrícola
Mestre em Engenharia Agrícola
Doutor em Recursos Naturais
Mestre em Educação Agrícola
Mestre em Geologia
Mestre em Geologia
Doutor em Geociências
Doutora em Conservação da
Natureza
Luis Carlos da Silva Ferreira
Luís Fernando Sousa
Magno Campeche
DESO
Mestre em Geografia
IFPE
Doutor em Agronomia
Maria Augusta Mundim Vargas
Maria Isidória Silva Gonzaga
Embrapa/
Semi-árido
John Deere
Embrapa / Tabuleiros Costeiros
UFS
UFS
Maria Nogueira Marques
Marinoé Gonzaga da Silva
Masato Kobiyama
Neuma Rubia Figueiredo Santana
ITPS / SE
IFS
UFSC
UFS
Ricardo de Aragão
Thiago Lima da Silva
Wagner Roberto Milet
UFS
UFS
Agrocana
Luís Henrique Bassoi
Luis Otávio Carvalho de Souza
Marcus Aurélio Soares Cruz
Pós-doutor em Solos
Mestre em Engenharia Agrícola
Doutor em Recursos
Hídricos e San. Ambiental
Doutora em Geografia
Doutora em Ciência do Solo
e da Água
Doutora em Tecnologia Nuclear
Mestra em Agoecossistemas
Doutor em Engenharia Florestal
Mestra em Desenvolvimento e
Meio Ambiente
Doutor em Engenharia
Mestre em Agroecossistemas
Mestre em Agroecossistemas
296
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
O Curso de Gestão Avançada de Recursos Hídricos realizado em
Canindé do São Francisco-SE, em dezembro de 2009, com 40 horas de
aulas teóricas e práticas transcorreu conforme preconizado, contando
com a presença de 6 professores/as. A visita técnica ao riacho das onças, afluente sergipano do rio São Francisco (Figura 2), serviu para as
atividades de localização geográfica em bacias hidrográficas e a identificação de problemas ambientais. Em maio de 2010 foi realizado o curso
de Gestão Participativa de Bacias Hidrográficas, em Propriá-SE, que
teve a participação de 8 docentes (Figura 3).
Já devidamente estabelecido como uma atividade de extensão universitária, o curso de Dinâmica Fluvial e Sedimentometria obteve uma
relação entre inscritos e matriculados de 3,36. Essa atividade integrou aulas teóricas e práticas em setembro de 2010, em Aracaju-SE e
Propriá-SE, com a colaboração de 4 professores e realização de medição de vazão por meio de medidor ultrasônico (ADCP) e ecobatimetria
no leito principal do rio São Francisco (Figura 4). Em dezembro de 2010,
em Aracaju e Neópolis-SE, foi ministrado o curso de eficiência de uso
da água contando com a participação de 5 docentes e tendo aulas
práticas sobre gestão da água em propriedades rurais no distrito de
irrigação Platô de Neopólis (Figura 5). Vale salientar, que esse último
curso foi realizado em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária / Tabuleiros Costeiros.
O II Curso de Gestão Participativa de Bacias Hidrográficas realizado
entre março e abril de 2011, em Penedo-AL, representou a melhor
integração entre o programa Águas do São Francisco e o Comitê da
Bacia Hidrográfica, especialmente a câmara consultiva regional do baixo. Participaram desse curso10 professores e 13 membros de Comitês.
A aula prática consistiu de observação participativa da paisagem do rio
São Francisco entre a cidade de Penedo e a foz (Figura 6).
Em maio de 2011 foi realizado o II Curso de eficiência de uso da água,
dessa vez realizado na região do submédio São Francisco, conforme planejado no projeto original, em parceria com o Instituto Federal do Sertão Pernambucano. O evento contou com o envolvimento de 8 professores, sendo realizadas as seguintes atividades práticas: monitoramento
do clima por estação agrometeorológica (Figura 7), instalação e uso de
tensiometria e uniformidade de sistema de irrigação localizada.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
297
Também, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária/Tabuleiros Costeiros, o último treinamento realizado dentro do programa “Águas do São Francisco”, até junho de 2011, foi o
curso de Hidrologia aplicada com público específico de Engenheiros e/
ou membros de comitês de bacias hidrográficas, nos municípios de
Aracaju e Neópolis, Estado de Sergipe. Com a participação de 10 docentes e aula prática versando sobre medida de vazão por meio de ADCP no
rio São Francisco (Figura 8).
O Programa Águas do São Francisco será conduzido como atividade
de extensão universitária até dezembro de 2011, com a previsão de realização de mais três eventos, sendo que estão marcados os seguintes
eventos: um curso sobre Gestão Participativa de Bacias Hidrográficas,
em julho de 2011, e o Seminário Internacional Opará I: Impactos das
barragens no baixo São Francisco, em agosto de 2011. Isto constitui na
primeira atividade do plano de capacitação intitulado “OPARÁ: Saberes
e Práticas na Gestão Socioambiental de Bacias Hidrográficas”, que será
realizado pela Câmara Consultiva do Baixo São Francisco do Comitê da
Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, em parceria com o Ministério
Público do estado de Sergipe e as Universidades Federais de Sergipe e
Alagoas.
Figura 1.Abertura do I Simpósio Águas do São Francisco, em dezembro de 2009, em
Canindé do São Francisco-SE.
298
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 2. Aula prática ministrada pelo professor Antenor Aguiar (UFS) sobre bacias
hidrográficas no riacho da Onça, em Canindé do São Francisco-SE, em dezembro de
2009.
Figura 3. Aula teórica no Curso de Gestão Participativa de Bacias Hidrográficas ministrada pelo professor Luis Carlos Sousa (DESO), em maio de 2010, em Propriá-SE.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
299
Figura 4. Docentes e discente do curso de dinâmica fluvial e sedimentometria, reunidos em Propriá-SE, em setembro de 2010, após medida de vazão no rio São Francisco.
Figura 5. Aula prática sobre aplicação de fertilizantes via água de irrigação, em propriedade no Platô de Neopólis-SE, em dezembro de 2010.
300
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 6. Aula teórica ministrada pela professora Maria Isidória (UFS) no curso de
Gestão Participativa de Bacias Hidrográficas, em março de 2011 em Penedo-AL
Figura 7. Aula prática sobre estações agrometeorológicas ministrada pelo professor
Gregorio Faccioli (UFS), em maio de 2011, em Petrolina-PE.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
301
Figura 8. Aula prática sobre medida de vazão no rio São Francisco, em Neopolis-SE,
em junho de 2011.
3. ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
FRANCISCO:: REFLEXÕES SOBRE CIÊNCIA E GÊNERO
À medida em que o projeto era desenvolvido e os cursos ministrados,
chamou a atenção a participação do público feminino, que embora significativo, ainda está aquém do desejado. O debate em torno da temática
gênero, ciência e participação política tem apontado que mesmo havendo maior envolvimento e presença das mulheres nos campos científicos, tecnológicos e políticos na atualidade, ainda assim é necessário
que as mesmas passem a ocupar mais efetivamente tais espaços de
poder, cuja tradição aponta ainda para um maior domínio masculino.
O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – II PNPM divulgado em 2008 destaca que é imprescindível a formulação de políticas públicas no âmbito da União, Estados e Municípios que versem sobre o
aumento da participação de mulheres na produção de conhecimento
científico e tecnológico.
O estímulo à educação, sobretudo, em seu processo de formação inicial e continuada, é um dos itens postulados pelo II PNPM, cujo objetivo
é promover o acesso de mulheres ao campo profissional, visando redu-
302
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
zir a desigualdade de gênero nas formações, carreiras e profissões. Outro objetivo importante e que se liga diretamente a essa discussão, iz
respeito ao fortalecimento da participação igualitária das mulheres nas
esferas de poder e decisão. Sendo assim, um dos objetivos específicos
do referido documento elucida a importância de investimentos em cursos que priorizem a formação de gestoras para atuar em diversos espaços de decisões:
Estimular a ampliação da participação de mulheres nos cargos de
liderança política e de decisão no âmbito das entidades representativas de movimentos sociais, sindicatos, conselhos de naturezas diversas, e todos os tipos de associação onde mudanças nesse
sentido se façam necessárias (2011, p. 20).
São poucas as mulheres que participam como representantes do
comitê da bacia hidrográfica do Rio São Francisco atualmente. De um
total de 56 membros, apenas 7 são mulheres. Ao se considerar a divisão
do comitê por região fisiográfica, no baixo São Francisco existe apenas
uma representante mulher, em um total de doze membros. Esse comitê
que representa o parlamento das águas é um órgão de decisão e deliberação sobre os diversos aspectos relacionados à gestão e manejo do rio
São Francisco e seus afluentes, e no dia 7 de julho de 2011 completou
dez anos de existência. É possível constatar que, apesar do pouco número de mulheres presentes no comitê, houve procura significativa por
parte das mulheres pelos cursos oferecidos na temática de gestão
participativa de bacias hidrográficas, o que demonstra interesse na
temática, e também maior possibilidade de ocupação de espaços de poder e decisão.
Quando as informações estão relacionadas à pesquisa científica,
Felício (2010) usando como base dados do Diretório de Grupos de Pesquisa-DGP e da Plataforma Lattes mostrou que:
Há mais mulheres mestras do que mulheres doutoras. O número
de doutoras está abaixo de 50%. Mestres estão acima de cinqüenta por cento. E finalmente a porcentagem cai quando nós olhamos as bolsistas de produtividade em pesquisa. Aí, a porcenta-
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
303
gem é menor. Isto está por volta de trinta por cento, ou pouco
mais. E quando olhamos para o topo da carreira, pesquisador de
nível- 1 A, essa taxa de participação cai para perto de vinte por
cento. Naturalmente que isso não é para todas as áreas. Há uma
diferença clara entre áreas de ciências Humanas e áreas de Engenharia e assim por diante (FELÍCIO, 2010.p. 46-47).
Essa citação evidencia que a divisão entre áreas de conhecimento
por representação de gênero ainda permanece forte. As ciências humanas ainda são reconhecidas como um espaço em que há maior presença e apropriação feminina, e campos como a Psicologia, Linguística,
Nutrição, Serviço Social, Fonoaudiologia, Economia Doméstica e Enfermagem estão entre as áreas de conhecimento nas quais as mulheres
apresentam-se com maior participação, conforme relata Felício (2010).
Os resultados apresentados por Felício (2010) podem ajudar a compreender os dados referentes à participação e certificação das mulheres nos cursos do programa Águas do São Francisco, cursos cuja base
pauta-se, em sua maioria, nas discussões dos campos das engenharias, em especial, a Agrícola. A Figura 9 evidencia a certificação de 60%
de homens e 40% de mulheres.
Essa análise não pode deixar de considerar que no total de inscritos, houve mais matrículas de pessoas do sexo masculino, e que a
temática pode ter sido o fator determinante da maior procura masculina. No entanto, é interessante destacar também que o maior aproveitamento dos cursos se deu pela participação das alunas, sobretudo, quando
se analisa o percentual de desistência. Esses números podem ajudar
na compreensão de algumas questões, dentre elas, ainda a tímida participação das mulheres em temas relacionadosàs ciências exatas. Por
outro lado, é possível observar que o percentual de aproveitamento das
mulheres no curso é extremamente relevante, o que sinaliza para uma
mudança de perfil e de tradução nas profissões.
304
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Figura 9. Representação percentual dos/as alunos/as certificados pelo programa
Águas do São Francisco, entre dezembro de 2009 e junho de 2011.
Através da Figura 9, é possível retomar o debate estabelecido por
Felício (2010) quando põe em evidência as áreas de conhecimento em
que as mulheres são minoria, dessa maneira, os campos da Astronomia, Física, Geociências, Matemática, Engenharias, Ciência da computação, Agronomia, Engenharia Agrícola, Recursos e Engenharias Florestais, Zootecnia, Filosofia e Economia são os mais representativos e
com maior presença masculina. Talvez decorra disso o fato de que a
maioria dos/as professores/as que ministrou aula nos cursos sejam
também do sexo masculino, representando 79%, enquanto apenas 21%
eram mulheres, conforme Figura 10.
Figura 10. Representação percentual dos/as professores/as que ministraram aulas
pelo programa Águas do São Francisco, entre dezembro de 2009 e junho de 2011.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
305
Outro debate pode ser empreendido a partir dessa discussão e se
relaciona às desigualdades de gênero presentes no campo científico. O
conceito de campo científico pauta-se na elaboração de Bourdieu (2004),
como um universo no qual estão inseridos os/as agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a ciência, “O campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações etc.,
que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do
mundo social global que o envolve” (BOURDIEU, 2004. p. 21).
Dessa maneira, a partir dos dados apresentados neste texto, e do
diálogo proposto por Felício (2010), é possível evidenciar formas de desigualdades de gênero no campo científico, e na institucionalização de
algumas áreas. Bitencourt (2011) chama atenção para o fato de que o
campo científico foi construído por uma representação de Ciência e de
cientista vinculada culturalmente ao masculino, e na própria
institucionalização da ciência, historicamente, a presença dos homens
foi percebida como “natural”, possibilitando a caracterização desse campo
como um espaço em sua maioria, chefiado por homens.
Por outro lado, é muito significativa a participação e a qualificação
das mulheres no campo científico, o que demonstra que “as mudanças
lentamente vão legitimando-se e, por isso, é necessário que estudos e
pesquisas desmistifiquem a imagem partida feminina e demonstrem
que a ciência não é um lugar exclusivo dos homens, mas de quem tem
talento para desempenhar essas funções, seja homem ou mulher”
(FREIRE, 2010. p. 10). Entre as sete professoras que ministraram aulas
no Programa Águas do São Francisco,seis possuem doutorado, com produção acadêmica expressiva, sendo que suas áreas distribuem-se entre as seguintes: Química (duas professoras), Engenharia Florestal (uma
professora), Agronomia (uma professora), Geografia (uma
professora),Meteorologia (uma professora) e Biologia (uma professora).
4. PARA NÃO FINALIZAR
A execução do Programa Águas do São Francisco é uma experiência
importante, na medida em que põe em pauta a discussão sobre a gestão
dos recursos hídricos e ambientais, especialmente, na bacia hidrográfica
306
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
do São Francisco, e possibilita um elo maior entre a academia e sociedade.
Entre dezembro de 2009 e junho de 2011foram ofertados sete cursos
e realizado um Simpósio, o que permitiu a certificação de 288 alunos
pelo programa Águas do São Francisco, demonstrando a efetividade de
atividades de extensão universitária dessa natureza. Outra questão
importante diz respeito ao plano de capacitação intitulado “OPARÁ: Saberes e Práticas na Gestão Socioambiental de Bacias Hidrográficas”,
que por decorrência desse programa, encontra-se em fase de negociação entre a Câmara Consultiva do Baixo São Francisco do Comitê da
Bacia Hidrográfica do rio São Francisco e Universidades dos estados de
Sergipe e Alagoas.
Embora a elaboração do programa tenha como foco a disseminação
de conhecimentos sobre gestão, o desenvolvimento dos eventos e seus
respectivos dados chamaram a atenção para a temática de gênero e a
participação feminina nesse campo de conhecimento, sendo assim, este
último capítulo aponta para um debate importante na contemporaneidade, que envolve reflexões que estão sendo realizadas seja por organismos do governo e/ou através de núcleos e grupos de pesquisas sobre a importância de mulheres ocuparem mais espaços de poder e decisão que envolve a ciência, a tecnologia e até mesmo a gestão recursos
ambientais.
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MAGALHÃES JUNIOR, A. P. Indicadores Ambientais e Recursos Hídricos,
realidade e perspectiva para o Brasil a partir da experiência francesa
sa. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, 686p.
II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília, 2008. In: http://
200.130.7.5/spmu/docs/Livreto_Mulher.pdf, acesso em: 05 de julho de 2011.
OS AUTORES
Alexsandro Guimarães Aragão, Engenheiro Florestal, Mestre em
Agroecossistemas.
Anne Grazielle Costa Santos – Universidade Federal de Sergipe,
Tecnóloga em Saneamento Ambiental, Mestranda em Desenvolvimento
e Meio Ambiente – UFS.
Antenor de Oliveira Aguiar Netto – Universidade Federal de Sergipe,
Engenheiro Agrônomo, Pós-doutor em Recursos Hídricos.
Antônio Marcos da Silva Rezende, Engenheiro Florestal.
Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas – Universidade Federal de Sergipe,
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ecologia Aplicada.
Carlos Alberto Prata de Almeida – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis, Engenheiro Agrônomo.
Flávia Moreira Guimarães Pessoa – Universidade Federal de Sergipe,
Advogada, Doutora em Direito Público.
Francisco Adriano de Carvalho Pereira – Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia, Engenheiro Agrônomo, Pós-doutor em
Agrometeorologia.
Gregorio Guirado Faccioli – Universidade Federal de Sergipe, Engenheiro
Agrícola, Doutor em Irrigação e Drenagem.
João Fonseca Gomes – Engenheiro Agronômo, mestrando em Agricultura
Irrigada e Sustentabilidade de Sistemas Hidroagrícola - UFRB.
Jorge Luiz Sotero de Santana – Instituto Federal de Sergipe, Engenheiro
Civil, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
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ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
Laura Jane Gomes – Universidade Federal de Sergipe, Engenheira
Florestal, Doutora em Conservação da Natureza.
Luciano Lima Santana – Engenheiro Florestal.
Luciano Mateos Iñiguez – Instituto de Agricultura Sostenible - Córdoba,
Espanha, Engenheiro Agrônomo, Pós-Doutor em Agronomia.
Luiz Carlos da Silveira Fontes – Universidade Federal de Sergipe,
Geólogo, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Nádia Batista de Jesus – Cientista Social, Mestre em Desenvolvimento
e Meio Ambiente.
Paula Luiza Santos – Engenheira Florestal, Mestre em Agroecossistemas.
Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa – Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Sergipe. Socióloga, Doutoranda em Ciências
Humanas - UFSC.
Renata Silva-Mann – Universidade Federal de Sergipe, Engenheira
Agrônoma, Pós-doutora em Genética Vegetal.
Robério Anastácio Ferreira – Universidade Federal de Sergipe,
Engenheiro Florestal, Doutor em Fitotecnia.
Ronaldo Pedreira dos Santos – Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia Baiano, Engenheiro Agrônomo, Mestre em Ciências
Agrárias.
Sheila Valéria Álvares Carvalho –Engenheira Florestal, Doutoranda em
Engenharia Florestal.
Thadeu Ismerim Silva Santos –Engenheiro Florestal, Mestre em
Agroecossistemas.
ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
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Vital Pedro da Silva Paz – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Engenheiro Agrícola, Pós-Doutor em Irrigação.
Wagner Roberto Milet Batista – Agrocana, Engenheiro Agrônomo, Mestre
em Agroecossistemas.
Este livro foi impresso em Aracaju, em julho de 2011
pela Gráfica J Andrade e editado pela Editora da UFS
A fontes usada é ITC Bookman Light, corpo 10/14,2
O papel é apergaminhado 72g/m2.