Apneia e Roncopatia

Transcrição

Apneia e Roncopatia
7/16/10
11:11 AM
Page 1
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Capa:Layout 1
J. R. ESTEVES MARCOS
Apneia
e Roncopatia
de A a Z
Livro Roncopatia-Capa:Layout 1
7/16/10
11:11 AM
Page 2
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
11:00 AM
Page 1
JOSÉ RUI CÊA ESTEVES MARCOS
Clínica ORL Dr. Eurico de Almeida
ILUSTRAÇÕES CIENTÍFICAS
FERNANDO VILHENA DE MENDONÇA
Apneia
e Roncopatia
de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
11:03 AM
Page 2
FICHA TÉCNICA
AUTORES
Dr. José Rui Cêa Esteves Marcos
EDIÇÃO
Círculo Médico - Comunicação e Design, Lda
ILUSTRAÇÃO CIENTÍFICA
Dr. Fernando Vilhena de Mendonça
DIRECÇÃO DE ARTE
Rui Lis Romão
DIRECÇÃO DE PROJECTO
Vanessa Silva
DESIGN GRÁFICO
Maria João Coelho
PAGINAÇÃO
Nuno Silva
José Artur Almeida
REVISÃO
Dra. Maria Teresa Egídio de Sousa
Maria do Céu Lopes
IMPRESSÃO E ACABAMENTOS
0000000
TIRAGEM
0.000 exemplares
1ª EDIÇÃO
2010
DEPÓSITO LEGAL
000000/00
Av. Prof. Dr. Fernando da Conceição Fonseca, nº 41-A
Massamá – 2745-767 QUELUZ – PORTUGAL
Tel.:+351 214 307 830 a 8 Fax: 214 307 839
[email protected] – www.circulomedico.com
©2010, Círculo Médico todos os direitos reservados.
Nenhuma ilustração científica pode ser utilizada ou reproduzida
sem autorização expressa do autor.
O conteúdo desta obra é da responsabilidade dos seus autores.
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida sem a sua autorização.
Agradecimentos ao Laboratório Bial
pelo apoio que tornou possivel esta publicação.
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:43 AM
Page 3
À minha mulher Laura Tarouca
por todo o seu amor, afecto e precioso auxilio.
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:43 AM
Page 4
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:43 AM
Page 5
ÍNDICE
07
INTRODUÇÃO
08
RONCOPATIA E RESSONAR
11
01
PERSPECTIVA HISTÓRICA
15
02
ANATOMIA E FISIOPATOLOGIA RESPIRATÓRIAS
21
03
SONO E FASES DO SONO
31
04
AVALIAÇÃO DO DOENTE
43
05
DOENÇA DE APNEIA DO SONO
57
06
APNEIA CENTRAL
63
07
APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO
77
08
SELECÇÃO DO DOENTE/ESCOLHAS TERAPÊUTICAS
83
09
TRATAMENTO DA DOENÇA DE APNEIA DO SONO
93
10
FUTURO
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:43 AM
Page 6
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:43 AM
Page 7
INTRODUÇÃO
Parece ter sido Charles Dickens, o primeiro a abordar na escrita
o problema da roncopatia e da apneia do sono, através duma personagem dos seus livros, Pickwick, uma criança obesa que passava o dia a dormitar de boca aberta. Desta descrição de Dickens
resultaria, posteriormente, a designação de Síndrome de Pickwick, aplicável a crianças com estas características.
Um século mais tarde, em França, a revista “Marie Claire”, chamava
a atenção para um “problema feminino” - “Mon mari, il ronfle”.
Só nos anos 80, nos Estados Unidos, Shiro Fujita, um eminente
Otorrinolaringologista americano, publicava o primeiro livro científico sobre ressonar, com o título: - “Snoring and Obstructive
Sleep Apnea“.
7
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:43 AM
Page 8
RONCOPATIA E RESSONAR
Roncopatia é uma das patologias mais frequentes nos dias de
hoje, e provoca durante a inspiração um ruído produzido pela vibração do palato mole, dos pilares amigdalinos e de outros tecidos da orofaringe; a obstrução nasal é também em parte
responsável por esse ruído. Ressonar é o fenómeno acústico provocado ao longo duma inspiração durante o sono. Apneia é a paragem respiratória ao longo do sono e com a duração de, pelo
menos, 10 segundos.
Roncopatia e apneia do sono são, portanto, uma evolução do
mesmo problema, conhecido como Doença Obstrutiva do Sono.
Considera-se que o ressonar resulta de uma obstrução parcial das
vias respiratórias superiores e a apneia de uma obstrução total.
As estatísticas apresentadas na literatura internacional, mostram
uma percentagem de roncopatia em 20% de homens e 5% de mulheres na faixa etária dos 30 aos 35 anos; de 60% de homens e
40% de mulheres, por volta dos 60 anos1.
O tratamento é médico e cirúrgico, e contempla além do emagrecimento e da utilização de aparelhos de pressão aérea positiva e
contínua durante o sono, várias abordagens cirúrgicas.
O entendimento de que os problemas de obstrução respiratória
estão frequentemente associados a alterações morfológicas estruturais ou adquiridas da faringe, cavidade oral, fossas nasais e
face, torna o tema claramente de natureza multidisciplinar.
8
Introdução
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:43 AM
FIGURA 1
As vias respiratórias superiores.
9
Apneia e Roncopatia de A a Z
Page 9
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:44 AM
Page 10
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:44 AM
Page 11
01
PERSPECTIVA HISTÓRICA
Ressonar é uma característica animal e quando Immelmann2, um naturalista alemão, refere nos seus trabalhos que os animais selvagens não
ressonam porque dormem ou em posição ventral ou decubito lateral, é
naturalmente contrariado pelos donos dos cães de raça Bulldog que, por
ressonarem, têm por vezes necessidade de submeter os seus cães a
uma cirurgia denominada palatoplastia (semelhante à efectuada nos
humanos).
Também conta a História, que os homens das cavernas protegiam as
suas famílias enquanto dormiam, produzindo “sons terríveis”, cujo propósito era afugentar os animais selvagens.
A História dos Estados Unidos refere-se a um famoso pistoleiro do Texas,
de seu nome John Wesley, que em determinada noite, não conseguindo
dormir, tal era o barulho provocado pelo ressonar vindo do quarto contíguo, disparou uma arma de fogo várias vezes através da parede até imperar o silêncio, e nessa noite descobriu um dos primeiro tratamentos da
Roncopatia.
11
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:44 AM
Page 12
Sabemos também que, pelo menos 20 Presidentes Americanos3 ressonavam de tal modo que era difícil o descanso para os outros habitantes
da Casa Branca.
Winston Churchill4 era um ressonador de 35dB, medidos por um oficial
da Marinha em Agosto de 1944, e o Guinness Book of World Records tem
como registo mais elevado o valor de 87,5dB avaliado em Kent, no Reino
Unido, a Melvyn Switzer, casado com uma senhora com surdez total unilateral e que conseguia dormir deitando-se sobre o ouvido bom.
Também na nossa prática clínica ouvimos histórias fantásticas acerca
de ressonadores. A que recordamos aqui é a de dois familiares que nos
consultaram por apneia do sono. A história passa-se no Reino Unido,
onde estes nossos pacientes tinham negócios. Após o jantar, e não habituados aos horários britânicos, recolheram ao quarto, que dividiam por
economia, onde continuaram a conversa, algo animada, que se prolongava desde o jantar. Algum tempo depois, foram interrompidos por um
funcionário do hotel, que os advertia que os hóspedes do mesmo piso
não conseguiam dormir e que aquelas horas eram já, pelo menos para
os britânicos, de recolhimento e silêncio. Optaram então pelo sono, não
sem antes dizerem ao empregado que, porventura tal seria ainda pior,
algo que este, obviamente, não entendeu na altura. Algum tempo depois, os hóspedes solicitaram ao mesmo funcionário que lhes pedisse,
por favor, para continuarem a conversar, porque, afinal, a intensidade do
ressonar de ambos era bem mais perturbadora do que a animação da
conversa tida anteriormente.
FIGURA 2
Na figura da esquerda podemos observar os músculos dilatadores da orofaringe: tensor do palato, genioglosso, e músculos do hióide. À direita, os locais de obstrução na doença obstrutiva do sono.
12
Perspectiva Histórica
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:44 AM
Page 13
Algo também muito curioso e que reflecte a preocupação com o ressonar ao longo do tempo, são as mais de 300 patentes registadas na The
U.S. Patent and Trademark Office e que vão desde a bola de ténis colocada no bolso do pijama, previamente cosido nas costas, até aos variados tipos de almofadas, passando pelo dilatador de narinas e até
aparelhos mais sofisticados, em que o doente é acordado por um choque
eléctrico sempre que ressona.
Bibliografia
1. Lugaresi E. Cirignotta F, Coccagna G, Baruzzi A. Snoring and the obstructive apnea syndrome. Electroencefalogr Clin Neurophysiol 1982;35(suppl):421-430.
2. Immelmann K. Schlafverhalten bei Mensch und Tier. Konstanz: Byk-Gulden-Lomberg, 1964.
3. Dugan H, Bedlam in the boudoir. Collier’s 1947 Feb 22.
4. Boulware MH. Snoring: new answers to an old problem. Rockaway, NJ. American Faculty Press, 1974.
13
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:44 AM
Page 14
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:44 AM
Page 15
02
ANATOMIA E FISIOPATOLOGIA RESPIRATÓRIAS
A Roncopatia e a Apneia do Sono, podem ser consideradas como uma
evolução do mesmo problema – doença obstrutiva do sono (DOS) - em
que o ressonar é uma obstrução parcial e a apneia uma obstrução total.
Na ausência desta patologia, verifica-se um equilíbrio entre as forças
que tendem a colapsar as vias respiratórias e as forças que as mantêm
abertas1.
1.1.
Anatomia e Fisiologia
da Doença Obstrutiva do Sono
ANATOMIA
As vias aéreas dividem-se em superiores e inferiores. As inferiores começam nas cordas vocais e continuam inferiormente ao longo dum tubo
semi-rígido que dificilmente colapsa (traqueia). As superiores começam
no nariz e prolongam- se até às cordas vocais, cabendo-lhe três funções
essenciais: respiração, deglutição e fonação.
15
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 16
FISIOLOGIA
Para levar a bom termo estas funções, existem uma série de músculos:
constritores faríngeos, glossofaríngeo (língua), palatofaríngeo, salpingofaríngeo, estilofaríngeo, elevador do véu do paladar e músculo da úvula.
Quando estamos acordados, o tónus muscular mantém o espaço respiratório aberto e, quando estamos a dormir, há um relaxamento que vai
aumentando conforme o sono se vai tornando mais profundo, e que faz
colapsar as vias respiratórias superiores.
PATOLOGIA
Mas não são só os músculos que provocam obstrução respiratória; existe
também uma camada adiposa ao longo do palato mole e da região amigdalina, que envolve praticamente todos os músculos da face e pescoço e
cuja espessura está directamente relacionada com o excesso de peso.
A acção da força da gravidade e a pressão negativa durante a inspiração,
são outras das causas que provocam obstrução das vias aéreas superiores.
As teorias que explicam o ruído provocado pelo ressonar, podem resumir-se essencialmente a duas: uma está relacionada com a vibração do
palato mole, esquecendo um pouco os outros tecidos que existem ao nível da orofaringe - amígdalas, pilares amigdalinos, base da língua e outros tecidos da orofaringe; a outra, tem como exemplo o ruído
aerodinâmico provocado pela passagem do ar ao longo da asa dum avião
e está relacionada com leis da Física e da Dinâmica, que aqui nos abstemos de tentar explicar2.
A estrutura rígida das vias aéreas superiores tem também um papel importante, daí resultando a utilidade da avaliação cefalométrica nos estudos de roncopatia, que abordaremos mais tarde.
Os elementos a considerar são a mandíbula, a maxila e o nariz, tanto no
que diz respeito à relação entre eles, como à estabelecida com a coluna
cervical e a base do crânio.
Sabemos que a grande maioria dos músculos desta zona estão inseridos
nestes ossos e a sua localização determina pois, a localização muscular.
O comportamento destes músculos, aquando do relaxamento é particularmente importante sobretudo no que diz respeito à língua.
16
Anatomia e Fisiopatologia Respiratórias
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 17
A morfologia destes ossos pode ser alterada cirurgicamente, e assim
será alterada também a posição dos tecidos moles, nomeadamente dos
tecidos musculares.
Apesar do nariz não ser habitualmente a causa mais importante da obstrução respiratória, pode ser uma das causas de obstrução, e a sua correcção é importante para a melhoria respiratória no benefício da doença
obstrutiva e para a criação de melhores condições de utilização da máscara nasal, quando o tratamento passa pela CPAP (“continuos positive
airway pressure”).
1.2.
Fisiopatologia da Doença Obstrutiva do Sono
Como já foi referido, o som produzido pelo ressonar é da responsabilidade de quase todos os tecidos que não têm um suporte rígido e que vão
desde a choana até à epiglote3.
Factores que Contribuem para o Agravamento do Ressonar
1 – INSUFICIENTE TÓNUS MUSCULAR – nos estadios profundos do sono, o relaxamento muscular é acentuado, o que dá origem a que o efeito dilatador dos músculos faríngeos deixe de existir e que o efeito protusivo do
músculo genioglosso desapareça4. Esta situação provoca a queda da língua que vai vibrar juntamente com o palato mole, a úvula e os tecidos faríngeos. Constituem factores de agravamento o consumo de álcool e a
toma de relaxantes musculares (sedativos, tranquilizantes, hipnóticos e
os antigos anti-histamínicos).
Também doenças neurológicas como paralisia cerebral, miastenia e distrofia muscular, e doenças endócrinas como o hipotiroidismo ao provocarem uma diminuição do tónus muscular podem provocar roncopatia.
2 – EXCESSO DE TECIDO NA OROFARINGE – encontramos esta alteração em
crianças e alguns adultos com acentuada hipertrofia adeno-amigdalina5,
em obesos pelo excesso de gordura na orofaringe, na síndrome de Down,
na acromegalia em que existe uma língua anormalmente grande, e em
tumefacções que provocam obstrução respiratória.
3 – RETROGNATISMO E MICROGNATISMO – provocam habitualmente queda da
língua no relaxamento, e criam um espaço aéreo posterior (PAS) pequeno, mesmo com língua de tamanho normal.
17
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 18
4 – TAMANHO EXCESSIVO DO PALATO MOLE E DA LÍNGUA – na flacidez do palato e
no excesso de tamanho, existe um deslocamento inferior e posterior que
vai cair sobre a língua e obstrui, por vezes quase na totalidade, a respiração bucal.
5 – MÁ RESPIRAÇÃO NASAL – desvio do septo, hipertrofia dos cornetos, rinossinusites, pólipos nasais ou mesmo tumores do nariz, vão aumentar
o vácuo ao longo da inspiração; esta pressão negativa vai provocar o colapso dos tecidos da orofaringe6.
6 – REFLUXO GASTROINTESTINAL – quando lutamos contra uma via respiratória fechada provocamos uma pressão negativa intratorácica, que por sua
vez vai comprimir o estômago e empurrar o seu conteúdo para o esófago
torácico com consequente aspiração de ácido. Este vai estimular os receptores de pH ao nível da traqueia, provocando no sistema nervoso autónomo um prolongamento da apneia (pensa-se que como mecanismo
de defesa reflexo, para evitar maior aspiração de ácido).
Outros Factores de Agravamento da Doença Obstrutiva do Sono
1 – IDADE – ao longo da vida existem causas diferentes que contribuem
para a obstrução respiratória. Nos recém-nascidos as apneias são habitualmente centrais, de curta duração7 e resolvem-se espontaneamente
com o desenvolvimento cardiorespiratório da criança. Síndromes, como
Down e Treacher Collins, aparecem também associadas a esta patologia,
assim como a laringomalácia que desaparece habitualmente com o
crescimento. Mais tarde, a hipertrofia adeno-amigdalina é a principal
causa de obstrução respiratória, e se o tamanho das adenóides habitualmente diminui com o crescimento, o das amígdalas pode manterse ao longo da vida. O que se agrava ao longo da vida é a flacidez dos
tecidos da orofaringe, que por vezes vem acompanhada por modificações a nível esquelético por perda de dentes e consequente modificação
da estrutura anatómica; modificações na coluna cervical e torácica também podem provocar obstrução respiratória.
2 – SEXO – a DOS é mais frequente nos homens sendo a percentagem de
1 homem para 10 mulheres, apesar do motivo porque tal acontece ser
desconhecido. Pensa-se que possa existir uma relação entre roncopatia
e hormonas femininas: 5 anos após a menopausa ou após a histerectomia total, a mulher tem as mesmas probabilidades de desenvolver DOS.
Sabe-se também, que o homem quando medicado com progesterona,
diminui a roncopatia8, assim como a mulher medicada com testosterona
18
Anatomia e Fisiopatologia Respiratórias
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 19
aumenta a probabilidade de ressonar9. A deposição de gordura no homem ao nível do pescoço, e na mulher ao nível das coxas e ancas pode
constituir factor de justificação de tal circunstância.
3 – HEREDITARIEDADE - obesidade, diabetes, e hipoplasia mandibular e maxilar são predisposições habitualmente herdadas.
4 – DOENÇAS NEUROLÓGICAS - a malformação de Arnald-Chiari pode provocar paresia ou paralisia duma corda vocal ao pressionar o nervo vago;
esta situação pode ser observada em crianças. Enfartes cerebrais, esclerose múltipla, doença de Parkinson, e outras do foro neurológico, podem estar associadas com DOS.
Bibliografia
1. Young T, Palta M, Dempsey J, et al. The occurrence of sleep-disordered breathing among middle
aged adults. N Engl J Med 1993;328:1230-1235.
2. Quan SF, Howard BV, lber C, et al. The Sleep Heart Health Study: design, rationale, and methods.
Sleep 1997;20:1077-1085.
3. He J, Whelton PK. Epidemiology and prevention of hypertension. Med Clin North AM 1997;81(5):10771097.
4. Stamler J, Stamler R, Neaton JD. Blood pressure, systolic and diastolic, and cardiovascular risks:
US population data. Arch Inter Med 1993;153:598-615.
5. Peppard PE, Young T, Palta M, Skatrund J. Prospective study of the association between sleep-disordered breathing and hypertension. N Engl J Med 2000;342:1378-1384.
6. Nieto JF, Young TB, Lind BK, Shahar E. Association of sleep-disordered breathing, sleep apnea and
hypertension in a large community-based study. JAMA 2000;283:1829-1836.
7. Leung RS, Bradley TD. Sleep apnea and cardiovascular disease. Am J Respir Crit Care Med
2001;164:2147-2165.
8. Lindberg E, Janson C, Gislason T, et al. Snoring and hypertension: a ten year follow-up. Eur Respir
J 1998;11:884-889.
9. Palomaki H. Snoring and the risk of ischemic brain infarction. Stroke 1991;22:1021-1025.
19
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 20
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 21
03
SONO E FASES DO SONO
Importa saber o que é um sono normal para entendermos o que é um
sono patológico. A definição não é fácil, mas podemos considerar um
sono normal como uma relação entre um sono repousante e a ausência
de sonolência diurna.
Também o número de horas necessárias para dormir bem é variável, e
pensa-se que o factor essencial que separa os “short-sleepers“ dos
“long-sleepers“ é a hereditariedade1.
Nem sempre se pensou desta forma.
Com o advento da electroencefalografia em l930 por Hans Berger, chamou-se a atenção para a existência de actividade eléctrica cerebral durante o sono, pensando-se que o sono era semelhante ao estado de
coma, com o cérebro hipofuncionante.
Em 1938, Loomis define os padrões electroencefalográficos, e relacionaos com os níveis de profundidade do sono.
Nos anos 50 Kleitman e Dement descrevem a existência de sono REM e
duma sequência organizada de fases2.
21
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 22
1.1.
Fases do Sono
Para entendermos as fases do sono em termos da actividade electroencefalométrica, temos necessidade de conhecer as várias ondas e as suas
frequências.
ALPHA – actividade entre 8 a 13 Hz (ciclos por segundo); situa-se numa
fase de relaxamento, olhos fechados, mas acordado.
BETA – actividade superior a 13 Hz, acordado e activo.
DELTA – actividade entre 0,5 e 2 Hz; é conhecida como onda lenta e representa o estado mais profundo do sono.
THETA – actividade entre 3 e 7 Hz; corresponde ao sono superficial (NREM
estado 1).
VIGÍLIA E DESPERTARES – o ritmo normal em vigília (W), com os olhos fechados, é o ritmo alpha, sinusoidal, e como já referido com uma frequência de 8 a 13 ciclos por segundo. Durante o sono existem períodos
de vigília que aqui são denominados despertares (arousals) e que podem
ocorrer em qualquer fase do sono, sendo no entanto mais frequentes
nas Fases 1 e 2 (sono superficial) e na fase REM. Os despertares são
acompanhados de aumento de frequência cardíaca, respiratória, e do
movimento corporal; quando são superiores a 15 segundos denominamse fase W; entre 3-15 segundos são micro-despertares (Fig. 3).
FASE 1 – NREM - denominada sonolência, há uma diminuição e redução
de amplitude do ritmo alfa, substituído por ritmo teta; os movimentos
oculares são lentos e há uma diminuição da amplitude de EMG (Electromiograma) em relação ao padrão de vigília (Fig. 4).
FASE 2 – NREM - fase caracterizada pelo aparecimento de “fusos de
sono” e “complexos K”. Os fusos de sono são surtos breves, de ondas de
frequência rápida, de 12 a 14 Hz e de duração de 0,5 a 3 seg. Latência do
sono é o período de tempo compreendido entre o momento em que o
examinado se deita e o primeiro fuso de sono. Complexos K são grafoelementos de alta voltagem com uma duração de 0,5 a 2 seg., e constituídos por uma fase negativa predominante, seguida por uma pequena
positividade, e por vezes por um fuso do sono. Tanto os fusos do sono
22
Anatomia e Fisiopatologia Respiratórias
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 23
como os complexos K são muito abundantes na Fase 2 e podem persistir na Fase 3 e 4, embora diminuindo progressivamente4 (Fig. 5).
FASE 3 E 4 – considera-se Fase 3 quando ao longo de 30 seg. existem mais
de 20% de ondas delta de amplitude superior a 75 microvolts; com mais
de 50%, Fase 4.
Existem no entanto autores que classificam as Fases 1 e 2 como Sono
Superficial, e as Fases 3 e 4 como Sono Lento Profundo (SWS-slowwave-sleep) (Fig. 6).
SONO REM OU PARADOXAL – na transição do sono NREM para REM, observa-se um desaparecimento dos fusos e dos complexos K, e as ondas
lentas são substituídas por frequências rápidas, de predomínio beta;
neste estado são característicos os movimentos oculares rápidos que
definem o início do período REM. Existe também uma acentuada diminuição do tónus muscular detectada no EMG, envolvendo a musculatura
da face, pescoço, tronco e músculos respiratórios (Fig. 7).
Depois da análise por fases, vamos então interpretar um hipnograma
normal.
Um dos primeiros parâmetros a avaliar é a latência do sono, que não é
mais do que o tempo que se leva a adormecer, e que vai desde o início
do registo até ao início da Fase 2 (normal 30 min.). Após alguns minutos
em Fase 2, entra-se em sono profundo, Fase 3 e 4, e chega-se assim à
fase REM, que surge habitualmente 90 min. depois do início do sono;
este período de sono NREM, seguido de REM, denomina-se primeiro ciclo do sono. Esta característica, a ciclicidade, é própria dos humanos,
que formam entre 3 e 5 ciclos por noite5. Estes ciclos têm uma evolução
ao longo da noite.
Assim, o primeiro ciclo tem uma maior percentagem de sono lento profundo, ou SWS-fase 3 e 4, e o primeiro período REM é mais curto; os períodos REM vão aumentando ao longo da noite e vão diminuindo os SWS.
Um sono normal é constituído por 20% de sono REM, 80% de sono
NREM, [50% de sono superficial (Fase 1 e 2), e 30% de sono profundo
(Fase 3 e 4)]; a vigília deve ser inferior a 10% e a eficácia do sono superior a 90%6.
23
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 24
FIGURA 3
Representação de 20 segundos de um traçado poligráfico do sono nocturno com 2 canais de EEG (C3 e
C4), 2 canais de EOG, o EMG, os canais da respiração: fluxo nasal (flow), movimentos torácicos (Effort
T) e abdominais (Effort A), sonograma (snore), movimentos dos membros inferiores (Leg E e D), ECG,
oximetria (SpO2), Pulso (Pulse) e posição (Position). Nos canais de EEG, e mesmo no EOG, observamos
o ritmo alfa, sinusoidal, próprio do estado de vigília.
FIGURA 4
Registo de 20 segundos de sonolência ou Fase 1. Nos canais de EEG observamos uma redução da amplitude do ritmo alfa e aparecimento de ritmos mais lentos, da banda teta.
24
Anatomia e Fisiopatologia Respiratórias
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 25
FIGURA 5
Registo de 20 segundos de sono em Fase 2. Repare-se, nos 2 canais de EEG, no aparecimento dos complementos K, amplos e de frequência rápida, os chamados fusos de sono.
FIGURA 6
Representação de 20 segundos de um traçado poligráfico do sono, em sono lento profundo (SWS). O
traçado inclui 4 canais de EEG (C3, C4, P3 e P4), 2 canais de EOG e o EMG. O EEG é constituído predominantemente por ondas lentas, delta.
25
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 26
FIGURA 7
Registo de 20 segundos de sono paradoxal ou sono REM. O EEG (2 primeiros canais) mostra um traçado
de baixa voltagem, e o terceiro e quarto canais, do electrooculograma, mostram movimentos oculares
rápidos (REMs). Notam-se os movimentos musculares “fásicos” no EMG, quinto canal.
Bibliografia
1. Parkes JD. ( 1985), “Normal Sleep, its variants and related states” in JD. Parkes, ed. Sleep and its disorders, WB Saunders Company, 3-71.
2. Niedermeyer E, (1993), “Sleep and EEG” in Ernest Niedermeyer and F Lopes da Silva (eds). Electroencephalography - basic principles, clinical applications and related fields, Williams and Wilkins,
third edition, 153-167.
3. Rechtschafen A and Kales A, (1968), A manual of standardized terminology, techniques, and scoring
system for sleep stages of human subjects. Brain Information Service/Brain Research Institute, Los
Angeles. (FALTA ESTA REF. NO TEXTO OU TIRAR DAQUI E RENUMERAL AS SEGUINTES)
4. Aldrich MS, (1999), “Normal Human Sleep” in Michael S. Aldrich, ed. Sleep Medicine, Oxford University Press, 3-27.
5. Rosenthal Leon, (2000), “Normal sleep and its variations” in Kryger, Roth and Dement (eds) Principles and Practice of Sleep Medicine, WB Saunders Company, third edition, 1-93.
6. Rente P and Pimentel T, “A Patologia do Sono”, Lidel.
26
Anatomia e Fisiopatologia Respiratórias
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 27
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:45 AM
Page 28
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 29
04
AVALIAÇÃO DO DOENTE
História Clínica, Exame Físico,
Polissonografia e Imagiologia
A história clínica dum doente com Doença Obstrutiva do Sono (DOS) deve
ser realizada na presença do/a companheiro/a de quarto. Habitualmente
o doente não tem a percepção nem da roncopatia nem de outros sintomas que acompanham esta patologia.
Utilizamos habitualmente um questionário que contempla a História
Clínica e o Exame Físico.
29
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 30
1.
História Clínica
Os sintomas mais frequentes são a roncopatia, a apneia e a hipersónia.
ESCALA DE EPWORTH
Situação
Sentado a ler
Ver televisão
Passeio de automóvel como passageiro
e depois de uma hora
Após o almoço deitado num sofá
Sentado e a conversar com alguém
Sentado calmamente após almoço
sem ingestão de álcool
Como condutor dum automóvel parado no trânsito, alguns
minutos
0 - não adormece; 1 - possibilidade remota de adormecer;
2 - possibilidade de adormecer; 4 - adormece sempre
A avaliação do doente através do estudo polissonográfico do sono está indicada quando, além de ressonar, tem apneia nocturna. A estes sintomas
devemos acrescentar um questionário sobre:
POLAQUIÚRIA1, associada por vezes à quantidade de líquidos ingeridos, e à
hipertrofia da próstata, pode no entanto ser provocada por patologia do
sono. Nos despertares nocturnos, existe uma diminuição da pressão
esofágica e hipoxemia com aumento do factor natriurético auricular
(ANP) “atrial natriuretic peptide“ que estimula a excreção urinária. A
enurese nocturna nas crianças pode estar associada à apneia do sono.
INSÓNIA (frequente), o doente adormece com facilidade por exaustão e
acorda agitado ao fim de algum tempo, tendo a partir dessa altura dificuldade em conciliar o sono.
HIPERSÓNIA, deve-se essencialmente aos múltiplos despertares, à fragmentação do sono e à redução das fases “delta” e “REM”2,3. Este sintoma, difícil de reconhecer pelo doente, é no entanto um dado muito
importante para determinar a gravidade da patologia e pode pôr em perigo a vida do doente e de quem o acompanha (ex. acidente de viação).
30
Avaliação do Doente
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 31
Na nossa prática utilizamos a Escala de Epworth4 para avaliação da hipersónia. Trata-se de classificar, numa escala de 0 a 4, a possibilidade
de adormecimento diurno.
Quando o somatório não ultrapassa os 6 considera-se que o doente
dorme bem ao longo da noite; entre 7 e 8 deve estar atento; se ultrapassa 9 deve consultar um especialista de sono.
Falhas de memória, esquecimentos, dificuldade de concentração e irritabilidade são sintomas comuns.
CEFALEIAS, apesar de não estar provado que sejam mais frequentes do
que na população em geral, a cefaleia matinal pode estar relacionada
com a diminuição da saturação do oxigénio ao longo da noite.
IMPOTÊNCIA E DISFUNÇÃO SEXUAL podem estar associadas a esta doença, e
neste caso melhoram com o tratamento.
OBESIDADE, existe, como já referimos, uma relação muito estreita entre
obesidade e apneia, definida pelo Índice de Massa Corporal (IMC) elevado. No entanto, a gravidade da apneia parece estar mais relacionada
com o perímetro cervical.
ÁLCOOL E SEDATIVOS podem provocar ou exacerbar a Doença da Apneia Obstrutiva do Sono.
2.
Exame Físico
Devemos excluir a existência de várias patologias através da anamnese:
- Patologia do foro psiquiátrico - depressão, ansiedade, fobias, etc.
- Patologia do foro neurológico - Arnald-Chiari, esclerose múltipla, D.
Parkinson, etc.
- Patologia do foro endócrino - acromegalia (dedos muito longos e aumento do tamanho dos pés e mãos), hipotiroidismo (alterações no timbre da voz, pele e cabelo muito secos, obstipação, anemia, função
mental diminuída).
- Álcool e droga - aumento das glândulas parotídeas, súbitas modificações do humor e telangiectasias faciais.
- Patologia cardiorespiratória - dispneia, cianose das extremidades, hipertensão, edemas periféricos, etc.
31
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 32
Exame Objectivo
Exame da via aérea superior - A observação da morfologia da via aérea superior, e a possibilidade de modificações da sua anatomia devem merecer
muita atenção. Existem, por isso, várias classificações sendo que nenhuma
é universalmente aceite. A que utilizamos é a classificação de Friedman,
mas também as classificações de Fujita e Ikematsu podem ser utilizadas.
Classificação de Friedman5
Para definirmos esta classificação temos primeiro que conhecer a Classificação de Mallampati6; esta está dividida em classes, e diz respeito
ao tamanho da língua e morfologia da faringe.
O doente deve estar sentado, com a cabeça em posição neutra, a boca
bem aberta e a língua o mais saída possível (Fig. 8).
FIGURA 8
Classificação de Mallampati.
Classificação de Mallampati
Classe 1 - observação de todo o palato mole, úvula, parede lateral da
orofaringe e pilares anteriores e posteriores.
Classe 2 - observação do palato mole, úvula e parede lateral da orofaringe.
Classe 3 - observação do palato mole e base da úvula.
Classe 4 - não se observa o palato mole.
32
Avaliação do Doente
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 33
Classificação de Friedman
Friedman 1 = Mallampati classe 1 ou 2 + Índice de Massa Corporal (IMC)
inferior a 40 kg/m2.
Friedman 3 = Mallampati classe 3 ou 4 + IMC superior a 40 kg/m2.
Friedman 2 = entre os dois últimos.
Esta Classificação de Friedman propõe estabelecer uma relação directa
entre estes estadios e o sucesso da uvulopalatofaringoplastia:
- Friedman 1 - 70%
- Friedman 2 - 30%
- Friedman 3 - 10%
Exame Nasal
Este exame deve ser efectuado através da observação microscópica e
endoscópica.
Pode existir obstrução nasal por alterações a nível do septo, cornetos,
válvula nasal e cavidade nasal7. Esta obstrução pode estar relacionada
com anomalias do maxilar e do espaço aéreo posterior (PAS). (Sabemos
que obstrução respiratória nasal provoca respiração bucal com queda
da mandíbula e deslocamento inferior do osso hióide, o que agrava o colapso faríngeo).
Concluímos pois, que na maioria dos casos, o tratamento da obstrução
respiratória nasal está indicado na doença da obstrução respiratória
(DOS) (Fig. 9).
FIGURA 9
À esquerda, anatomia nasal evidenciando em cima o septo, lâmina perpendicular do etmóide e vómer,
em baixo os cornetos, e à direita a válvula nasal.
33
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 34
Exame da Orofaringe
Nas crianças, as amígdalas têm um papel importante na DOS.
A classificação que utilizamos é a seguinte: 0-ausentes, 1-prolongamse para trás do pilar amigdalino, 2-hipertrofiadas mas não tocam a linha
média, e 3-tocam a linha média (kissing tonsils).
Nos adultos o tamanho das amígdalas é bastante menos importante,
pois existe habitualmente uma hipertrofia da parede lateral da faringe
com empurramento das amígdalas para a linha média.
A classificação que utilizamos neste caso, é a de Mallampati, já descrita,
inicialmente utilizada pelos anestesiologistas para avaliar as dificuldades
de entubação orotraqueal.
Valorizamos também o tamanho da língua associado ao Índice de Massa
Corporal (IMC) e a morfologia do palato mole8 (já abordados) (Fig. 10).
FIGURA 10
Orofaringe com evidência das amígdalas.
34
Avaliação do Doente
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 35
Manobra da Müller
Terminamos o exame físico com a realização da manobra de Müller.
O doente está sentado e é introduzido um nasofaringoscópio por qualquer das narinas. Pedimos ao doente para realizar uma inspiração vigorosa com a boca fechada e as narinas fechadas pelo examinador; vai ser
criada, assim, uma pressão negativa com consequente oclusão da via
respiratória. Esta é avaliada tanto ao nível da região faríngea superior
(retro palatina) como ao nível da região hipo-faríngea/supraglótica (base
da língua)9.
Esta manobra vai-nos identificar a tendência ao colapso das paredes da
faringe quando em pressão negativa, situação habitual ao longo do sono.
O colapso é avaliado subjectivamente pelo examinador, e o valor é determinado em percentagem.
Avaliação de Doente com Roncopatia
1 - HISTÓRIA PESSOAL E FAMILIAR
a) Conflitos Familiares
(mulher, marido, outros familiares)
(S/N)
b) Ressona menos de 2 dias por semana
(S/N)
c) Apneias
esporádica frequente d) Hipersónia
(Classificação de Epworth
normal -6,
moderado -7-8,
grave -9
____ pontos
e) Agitação Nocturna
esporádica frequente f) Polaquiúria Nocturna
esporádica frequente g) Outras Doenças que possam
estar relacionadas com Roncopatia
_____________
35
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 36
2 - HÁBITOS
a) Tabágicos
menos 10 cigarros/dia menos 20 - mais de 20 b) Alcoólicos
ligeiros moderados acentuados c) Sedativos/Relaxantes
menos 2 vezes por semana mais 3 vezes 3 - EXAME CLÍNICO
A-Biometria
Peso_____ Kg; Altura _____ m.
Índice de Massa Corporal_____ Kg/m2 (normal- 25Kg/m2).
Peso Ideal _____
B-Pescoço
Largura do pescoço______ cm.
(normal: homem até 42,5cm/mulher até 37,5cm)
Morfologia do pescoço alto curto largo C-Nariz
Septo
Cornetos
normal desviado normais hipertrofiados Outros factores de Obstrução Respiratória Nasal
(pólipos, tumores, etc.) _____________________________
D-Oclusão dentária
Oclusão Tipo 1
normal
Oclusão Tipo 2
retrognatismo
Oclusão Tipo 3
prognatismo
36
Avaliação do Doente
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 37
E-Orofaringe
Língua
Posição
Volume
normal anterior posterior
normal hipertrofia normal ogivado -Palato Ósseo
-Palato Mole
Posição
Volume
-Úvula
normal alto baixo espesso fino normal grande (maior de 1cm) -Amígdalas Palatinasausentes grandes pequenas -Amígdalas Linguais ausentes grandes pequenas -Parede Posterior da Orofaringevisível não visível Classificação de Mallampati
Classe 1 (palato mole, úvula e pilares amigdalinos)
Classe 2 (palato mole e úvula)
Classe 3 (palato mole e base da úvula)
Classe 4 (só palato duro)
Manobra de Müller ______ %
Nome __________________________________________________
Número __________
Data ___ /___ /___
3.
Polissonografia
Indicações para a realização dum exame polissonográfico do sono:
Na teoria, todos os doentes com apneia nocturna devem realizar este
exame que nos permite confirmar o diagnóstico da doença e sua severidade. No entanto, 72% dos doentes que pensam ter só roncopatia apresentam apneia objectivada no estudo do sono. Devemos, por este motivo,
alargar um pouco as indicações para a polissonografia. A sintomatologia
que pode justificá-la baseia-se na existência de hipersónia, hipertensão,
hipotiroidismo, doença cardiovascular e passado de enfarte10.
37
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 38
Um índice de massa muscular elevado deve também orientar-nos para
a realização do exame.
Indicações para a não realização deste exame:
1. Criança não obesa, que ressona, com acentuada hipertrofia adenoamigdalina, não tendo qualquer patologia do foro cardíaco, neurológico, ou craniofacial. Esta criança poderá resolver o seu problema
respiratório através duma adeno-amigdalectomia.
2. Adulto jovem, não obeso, ressonador, sem hipersónia, sem apneias
confirmadas pelo/a companheiro/a de quarto, com língua e pescoço
dentro dos valores considerados normais, sem doença cardiovascular
e sem alterações da morfologia da mandíbula. Este doente terá unicamente necessidade de uma palatoplastia com ou sem amigdalectomia.
3.1.
Objectivos da Polissonografia
1 - Estabelecer o diagnóstico.
2 - Determinar a frequência e severidade dos distúrbios respiratórios.
3 - Avaliar as alterações fisiológicas ao longo do sono, motivadas pelos
distúrbios respiratórios.
3.2.
Tipos de Estudo
TIPO 1 – Polissonografia em Laboratório do Sono
Teste efectuado ao longo de pelo menos 6 horas, assistido por um técnico que coloca e ajusta todos os eléctrodos e toma nota do comportamento do doente, actuando em situações potencialmente graves.
Este é o estudo mais completo. Avalia os estadios do sono, os despertares e a fragmentação do sono, distingue apneia central e obstrutiva,
mede a frequência e duração dos distúrbios respiratórios, saturação do
oxigénio e arritmias.
Estes parâmetros são avaliados através de: electroencefalograma, electrooculograma, electromiograma do queixo, respiração nasal e oral, movimentos torácicos e abdominais, saturação do oxigénio, electrocardiograma,
movimento das pernas, roncopatia e posição do corpo11.
38
Avaliação do Doente
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 39
- O estadio do sono, assim como os despertares e acordares são determinados pelo electroencefalograma, electrooculograma e electromiograma do queixo. Um sono considerado normal contempla ciclos de
90-120 min ao longo da noite, alternando períodos REM e NREM. O
NREM inclui os estadios 1 e 2 (sono superficial), e 3 e 4 (sono delta,
profundo, restaurador). Os despertares e acordares provocam fragmentação do sono que, por sua vez, vai provocar hipersónia12 (já abordado em Fases do Sono, Capítulo III).
- A respiração nasal e oral é avaliada por um sensor térmico (thermistor).
- Os movimentos torácicos e abdominais são avaliados em situações de
esforço respiratório. Numa respiração considerada normal, os movimentos abdominais e torácicos são síncronos; o mesmo não acontece
nas situações respiratórias obstrutivas. A distinção entre apneias centrais, mistas e obstrutivas, assim como entre apneias e hipopneias é
determinada pela avaliação da respiração nasal e oral, pelos movimentos do tórax e abdómen.
- A saturação do oxigénio é avaliada por sensor digital.
- As arritmias são avaliadas por electrocardiograma.
- Os movimentos das pernas são importantes no estudo dos despertares
e da fragmentação do sono.
- A roncopatia é avaliada por microfone.
- Posição do corpo: a posição de supinação provoca invariavelmente,
como facilmente se entende, um agravamento da sintomatologia.
TIPO 2 – Polissonografia em Ambulatório
Estudo muito semelhante ao primeiro, com todos os parâmetros atrás
abordados, mas efectuado em casa, no “habitat natural”. As opiniões dividem-se quanto à fiabilidade deste estudo: há autores que defendem
que o doente só no ambiente usual é que tem um sono semelhante ao
habitual; outros argumentam que este estudo perde muita informação
pela possibilidade que existe de não ser efectuado correctamente (eléctrodos que se descolam, más ligações após ida à casa de banho, etc.).
TIPO 3 – Polissonografia em Ambulatório (7 canais)
É um estudo mais simples, mas que dá um tipo de informação que é
suficiente para o estudo do sono. Estudo efectuado com 7 canais,
39
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 40
1- saturação de oxigénio, 2- frequência cardíaca, 3- fluxo respiratório,
4- esforço respiratório, 5- roncopatia, 6- marcador de distúrbios respiratórios, 7- posição corporal.
Bibliografia
1. Fletcher EC. Obstructive sleep apnea and the kidney. J Am Soc Nephrol 1993;4:1111-1121.
2. Bonnett MH. Performance and sleepiness as a function of the frequency and placement of sleep
disruption. Psychophysiol 1986;23:263-271.
3. Colt HG. Haas H, Rich GB. Hypoxemia vs sleep fragmentation as cause of excessive daytime sleepiness in obstructive sleep apnea. Chest 1991;100:1542-1548.
4. Johns MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth Sleepiness Scale. Sleep
1991;14:540-545.
5. Friedman M, Tanyeri H, La Rosa M, et al. Clinical predictors of obstructive sleep apnea. Laryngoscope 1999;109:1901-1907.
6. Friedman, M. Prognostic
2000;23(Suppl)A268.
indicators
for
successful
uvulopalatopharyngoplasty.
Sleep
7. Cistulli P, Sullivan C. Influence of maxillary morphology on nasal airway resistance in Marfan’ s syndrome. Acta Otolaryngol 2000;120:410-413.
8. Do K Ferreyra H, Healy J, et al. Does tongue size differ between patients with and without sleep-disordered breathing? Laryngoscope 2000;110:1552-1555.
9. Shear AE, Thorpy MJ, Shprintzen RJ, et al. Predictive value of Müller maneuver in selection of patients for uvulopalatopharyngoplasty. Laryngoscope 1985;95:1483-1487.
10. Tami TA, Duncan HJ, Pfleger MS. Identification of obstructive sleep apnea in patients who snore.
Laryngoscope 1998;108:508-513.
11. Standards of Practice Committee of the American Sleep Disorders Association. Practice parameters
for the indicators for polysomnography and related procedures. Sleep 1997;20(6):406-422.
12. Atlas Task Force of the American Sleep Disorders Association. EE. Arousals: Scoring rules and examples. Sleep l992;15:174-184.
13. Report of an American Academy of Sleep Medicine Task Force: Sleep-related breathing disorders in
adults: recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research.
Sleep 1999;22(5):667-689.
4.
Imagiologia na Doença Obstrutiva do Sono
Estudo Cefalométrico
É um estudo que efectuamos habitualmente. Trata-se de uma radiografia simples, em perfil, da cabeça e pescoço, e que avalia a estrutura óssea e tecidos moles. No entanto, e apesar de simples, deve ser efectuado
com a cabeça estabilizada e no fim da expiração (Fig. 11).
Esta avaliação é importante para a determinação do espaço aéreo posterior (PAS) tanto ao nível da base da língua como da úvula, e da distância entre o plano mandibular e o osso hióide.
É também importante em situações de retrognatia e micrognatia, e para
a classificação do tipo de classe esquelética1.
40
Avaliação do Doente
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 41
Este exame foi durante algum tempo relacionado com a garantia do sucesso da cirurgia denominada uvulopalatofaringoplastia (UPP): se os valores cefalométricos estivessem dentro do normal, isso indiciava um bom
resultado cirúrgico. É fácil entender que o valor do PAS, tanto ao nível da
base da língua como da úvula é importante para o resultado cirúrgico2;
já a distância entre o plano mandibular e o hióide (MP-H) é mais difícil
de entender. Efectivamente, essa distância deve ser inferior a 21mm porque se pensa que quanto maior for esta distância, maior é a instabilidade da via aérea, e consequentemente menor o sucesso da UPP3,4.
FIGURA 11
Cefalometria lateral.
Bibliografia
1. Lowe AA, Fleetham JA, Adachi S, et al. Cefalometric and computed tomographic predictors of obstructive sleep apnea severity. Am J Orthod Dentofac Orthoped 1995;107:589.
2. Ryan CF, Dickson RI, Lowe AA, et al. Upper airway measurements predict response to uvulopalatopharyngoplasty in obstructive sleep apnea. Laryngoscope 1990;100:248-253.
3. Woodson BT, Conley SF, Dohse A, et al. Posterior cephalometric roentgenograph analysis in obstructive sleep apnea. Annals of Otolaryngology 1997;106:310-313.
4. Woodson BT, Conley S. Prediction of uvulopalatopharyngoplasty response using cephalometric radiographs, Amer J Otolaryngol 1997;18:170-184.
41
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 42
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 43
05
DOENÇA DE APNEIA DO SONO
1.
Na Criança
A doença obstrutiva do sono (DOS) foi estudada no caso das crianças
mais tardiamente que nos adultos, na forma de apneia, de roncopatia ou
simplesmente de distúrbios respiratórios.
Apesar de 10% das crianças ressonarem, os episódios de apneia são
mais breves, mas mais frequentes, com despertares menos óbvios. Por
outro lado, também as repercussões diurnas são mais ténues. Assim, a
hipersónia é sempre ligeira quando comparada com os adultos1-3.
Já referimos anteriormente que no Sec. XIX Charles Dickens descreve
uma criança obesa que dormia ao longo do dia, de seu nome Pickwick,
daí o termo Síndrome de Pickwick que associa obesidade a Doença de
Apneia do Sono.
43
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 44
Pensa-se que a DOS provoca nas crianças atraso no crescimento, hipertensão sistémica e patologia cardiovascular, como falência do coração direito e “cor pulmonale“4-7. Estudos mais recentes estabelecem
ainda uma relação entre DOS, alterações neurocognitivas e perturbações de comportamento8-10.
As definições de apneia são iguais no adulto e na criança.
- Apneia Central - paragem respiratória total sem esforço respiratório.
- Apneia Obstrutiva - paragem respiratória com esforço respiratório.
- Apneia Mista - a combinação entre as duas anteriores.
Parece ainda que as crianças têm mais apneias centrais (AC) que os
adultos, e mais frequentes durante a fase REM11. Estão descritos casos
em que apneias centrais têm uma duração de 25 seg. sem que isso esteja associado a qualquer sintoma, nem implique diminuição da saturação de oxigénio. No entanto, quando os episódios de AC duram mais de
20 seg., e estão associados a descidas de saturação do oxigénio abaixo
de 90%, bradicardia e despertares nocturnos, aceita-se estar na presença de doença de apneia do sono6-10.
Entre os 2 e os 8 anos, as crianças com DOS têm habitualmente acentuada hipertrofia adeno-amigdalina, sendo o tratamento mais indicado,
o cirúrgico12.
1.1.
Roncopatia na Criança
Situação totalmente benigna, se não associada a DAS, não alterando a
arquitectura do sono nem as saturações de oxigénio e dióxido de carbono. No entanto, convém não esquecer que crianças com roncopatia
podem ter doença de apneia do sono13.
1.2.
Doença da Apneia do Sono na Criança (DAS)
Esta é a situação mais grave da doença obstrutiva do sono na criança. É
acompanhada de roncopatia, fragmentação do sono, com alterações na
ventilação e respiração de que resultam dessaturações acentuadas de
oxigénio com possibilidade de existência de hipercapnia14.
44
Doença da Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 45
1.3.
Diagnóstico e Definição de Doença Obstrutiva
do Sono na Criança
Iniciamos a consulta por um questionário muito simples continuado
por um exame físico: avaliação de mudanças de humor, hiperactividade, agressividade e sonolência diurna, e possíveis locais de obstrução respiratória.
Nos adultos, a polissonografia (PSG) é o “Golden Standard” para avaliação de doença obstrutiva do sono (DOS); nas crianças, este exame nem
sempre tem a importância conclusiva que tem nos adultos3. No entanto,
permite-nos avaliar os mesmos parâmetros com conclusões baseadas
em valores diferentes.
Assim, recordando a classificação no adulto, esta era denominada de Ligeira quando o índice de apneia/hipoapneia (IAH) não era superior a 15,
de Moderada se o IAH se encontrava entre 15 e 30 e Severa a partir de
30. Nas crianças um IAH é considerado Ligeiro até 5, Moderado de 5 a
10 e Severo a partir de 10.
Nas crianças, os níveis normais de oxigénio ao longo do sono são habitualmente superiores a 94%; logo, qualquer descida de O2 entre 3 a 5%
é considerada anormal15.
1.4.
Arquitectura do Sono na Criança
Conforme já descrito anteriormente, também aqui a arquitectura do sono
nos mostra as várias fases ao longo da noite e suas alterações, nomeadamente interrupções e despertares que afectam a qualidade do sono.
Ao contrário dos adultos, as crianças com doença de apneia do sono (DAS)
têm uma distribuição normal das fases ou estadios do sono. As apneias
obstrutivas ocorrem ao longo das fases profundas de REM, isto, porque as
crianças passam mais tempo na fase REM do que os adultos. É nesta fase
que diminui o tónus muscular intercostal e das vias aéreas superiores,
provocando as apneias. Com o aumento do número de apneias, as crianças desenvolvem a mesma sintomatologia que os adultos com fragmentação do sono, despertares e hipersónia16. De notar que crianças com DAS
têm um período de sono normal superior ao dos adultos.
45
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 46
1.5.
Fisiopatologia da Doença Obstrutiva do Sono
na Criança
É semelhante aos adultos com relaxamento em determinadas fases do
sono dos músculos genioglosso e estilofaríngeo (dilatador da faringe),
associada a causas anatómicas, como hipertrofia adeno-amigdalina e
excesso de peso (que ao provocar um estreitamento das vias aéreas superiores origina o seu colapso aquando da inspiração).
1.6.
História Clínica, Exame Objectivo
e Avaliação Polissonográfica
Até agora, avaliação e diagnóstico de DOS ou DAS em crianças eram tardiamente efectuados. Actualmente a possibilidade da realização de polissonografias no domicílio, e um interesse aumentado dos pais alertados
para esta patologia, permite avaliar em tempo certo esta doença17. Desde
há 3-4 anos que realizamos estes estudos sempre que a sintomatologia
assim o justifique.
Os sintomas referidos pelos pais ao longo do dia são habitualmente: respiração oral, rinorreia, voz nasalada, cefaleias principalmente matinais
(hipoxia e hipercapnia nocturna) e dificuldades de deglutição de alimentos
sólidos. A hipersónia é pouco referida em virtude da grande maioria das
crianças dormir à tarde. As modificações de comportamento, como irritabilidade e dificuldade de concentração, também são referidas. Mas, é ao
longo da noite que a sintomatologia é mais exuberante e alarma os pais.
Estas crianças ressonam alto, têm paragens respiratórias frequentes,
acompanhadas de tosse e movimentos do corpo, por vezes terrores nocturnos e sonambulismo, têm posições anormais para dormir, sentadas
ou com a cabeça e pescoço em hiperextensão “na busca de ar”, e por
vezes enurese nocturna. Os pais referem ainda cianose e períodos de
apneia com retracção torácica3-10,13-14.
Ao contrário dos adultos, estas crianças são habitualmente magras ou
com peso normal.
Factores também importantes são as alterações de desenvolvimento da
face. Há um estreitamento do terço médio da face, o queixo é pequeno e
46
Doença da Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 47
triangular, a mandíbula é retrognática, palato ósseo ogivado, e a face é
habitualmente ovalada18.
Existem ainda outros factores que predispõem a DOS e a DAS: aumento
de tamanho da língua (Síndrome de Down), rinites e rinossinusites, desvios de septo, imperfuração das choanas, laringomalácia, paralisia das
cordas vocais, e outros.
Existe, contudo alguma controvérsia no que diz respeito à realização de polissonografia em crianças. Apesar de alguns autores aconselharem a sua
realização sempre que exista uma indicação para adeno-amigdalectomia
por DOS, outros aconselham a cirurgia com ou sem polissonografia porque
a melhoria a nível alimentar, e a menor probabilidade de existirem problemas de má oclusão (frequentes em respiradores orais), é uma realidade.
O estado da arte actual sugere que a polissonografia deve ser realizada em
crianças com patologia neuromuscular, anomalias craniofaciais e obesas,
e naquelas em que se supõe a existência de DAS severa com base na possibilidade de desenvolvimento de complicações pós-operatórias graves.
No exame de rotina otorrinolaringológico observamos o nariz, cavidade
oral, nasofaringe e laringe, e encontramos com facilidade o local de obstrução respiratória; nas crianças é causado habitualmente pela hipertrofia das amígdalas e adenóides. Realizamos também com muita
frequência o exame endoscópico nasal e nasofaríngeo, particularmente
útil em crianças com paralisias cerebrais e malformações craniofaciais,
onde podemos encontrar o factor obstrutivo localizado a nível do palato
e região retroglóssica12.
Aparecem-nos por vezes crianças que mantêm a sintomatologia apesar
de já terem sido submetidas a adeno-amigdalectomia. Nestes casos é
aconselhável a realização duma endoscopia durante o sono. A criança é
submetida a sedação/anestesia geral e a endoscopia realiza-se através
da própria mascara facial. A obstrução mais frequente encontra-se ao nível da base da língua e epiglote.
TRATAMENTO NÃO-CIRÚRGICO
antibióticos/corticóides
tratamento da alergia
tratamento do refluxo
CPAP
perda de peso
47
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 48
TRATAMENTO CIRÚRGICO
adeno-amigdalectomia
cirurgia nasal
cirurgia craniofacial
uvulopalatoplastia
traqueostomia
1.7.
Criança com Doença Obstrutiva do Sono
Não-Tratada
Como os adultos, as crianças podem desenvolver “Cor Pulmonale“ e hipertensão no ventrículo direito; no entanto as complicações cardiovasculares que encontramos no adulto são raras na criança.
Esta patologia pode estar relacionada com a Síndrome da morte súbita
do recém-nascido19.
É um facto, que o tratamento cirúrgico da DOS, nomeadamente a adenoamigdalectomia, provoca uma melhoria da sintomatologia a quase todos os níveis. Há trabalhos que mostram que o crescimento após a
cirurgia está relacionado não só com a ausência de dificuldade de deglutição, mas principalmente com a diminuição do esforço respiratório20,
também parece haver um aumento da “hormona I like insulina”, que é libertada ao longo da noite, muito importante no crescimento21. Outros
trabalhos evidenciam o incremento da memória, atenção e mesmo da
inteligência após a cirurgia.
1.8.
Tratamento na Doença de Apneia do Sono
na Criança
O tratamento médico tem resultados só em situações muito ligeiras,
que não justificam a cirurgia; corticoterapia endonasal22; tratamento de
alergias por anti-histamínicos (os anti-histamínicos mais recentes têm
marcado efeito anti-inflamatório com ausência quase total de efeito colinérgico-secura da boca e efeito sedativo) e tratamento do refluxo gastroesofágico e redução do peso. A utilização do CPAP (nasal continuos
positive airway pressure) e do BiPAP (bilevel positive airway pressure),
apesar de existirem estudos que revelam serem bem tolerados por
48
Doença da Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 49
crianças6,10, estão proibidas, pela Food and Drug Administration, em
crianças com menos de 30 kg. Não temos qualquer experiência da utilização destes aparelhos em crianças, mas parece-nos que, se por vezes é difícil a realização duma polissonografia nestas idades, mais difícil
será convencer uma criança a utilizar o CPAP. Alguns autores defendem a possibilidade de existência de deformidades faciais e depressão
no terço médio da face por utilização das máscaras nasais do CPAP em
crianças23.
O tratamento cirúrgico mais frequente é a amigdalectomia, e só 13% das
crianças não melhora após esta cirurgia24, o que acontece quando a obstrução se localiza ao nível do palato, da base da língua e epiglote. Nas
crianças com paralisia cerebral pode haver indicação para a realização
de uvulopalatofaringoplastia; outras cirurgias, como a miotomia do
hióide, ou o avanço do genioglosso, são raramente usadas. Também o
tratamento cirúrgico nasal é raro25 (Fig. 12).
FIGURA 12
Amigdalectomia.
49
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 50
Por vezes, observamos crianças que aparentemente parecem ter uma
moderada hipertrofia amigdalina. Algumas amígdalas podem ter o seu
diâmetro maior ântero-posterior, o que significa que ao rodarem medialmente, irão provocar obstrução. Nestes casos, é preciso pedir à
criança para fazer um movimento anterior da língua ou deglutir26.
Nas Síndromes de Crouzon e Apert o estudo cefalométrico é importante
para avaliação da hipoplasia maxilar. A realização de traqueotomia pode
ter que ser realizada, embora raramente em crianças com DAS.
1 - O diagnóstico de Doença de Apneia do Sono baseia-se em parâmetros
diferentes nas crianças e nos adultos.
2 - As crianças raramente têm hipersónia.
3 - A polissonografia é o exame de eleição para avaliação da existência
de DAS e sua gravidade.
4 - A DAS é mais frequente em crianças dos 4 aos 8 anos.
5 - A adeno-amigdalectomia melhora a sintomatologia em mais de 85%
dos doentes.
6 - Em crianças com problemas neurológicos, Síndrome de Down e anomalias craniofaciais, a DAS pode persistir após o tratamento cirúrgico.
Bibliografia
1. Wetmore RF. Infant and pediatric apnea. In: Wetmore RF. Muntz HR. McGill TJ. Pediatric otolaryngology. New York: Thieme Medical Publishers, 2000:827-843.
2. Rosen CL. Obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) in children: diagnostic challenges. Sleep
1996;19(10):S274-S277.
3. Bower CM, Gungor A. Pediatric obstructive sleep apnea syndrome. Otolaryngol Clin North Am
2000;33:49-75.
4. Morton S, Rosen C, Larkin, et al. Predictors of sleep-disordered breathing in children with a history
of tonsillectomy and/or adenoidectomy. Sleep 3001 ;24(7):823-829.
5. Carrol J, Loughlin G. Obstructive sleep apnea syndrome in children: clinical features and pathophysiology. In: Ferber RKM. ed. Principles and practices of sleep medicine in the child. Philadelphia: WB
Saunders, 1995:163-191.
6. Marcus CL. Sleep-disordered breathing in children. Am J Respir Crit Care Med 2001;164:16-30.
7. Bate T, Price D, Holme C, et al. Short stature caused by obstructive sleep apnea during sleep. Arch
Dis Child 1984;59:78.
8. Goldstein NA, Post JC, Rosenfel RM, et al. Impact of tonsillectomy and adenoidectomy on child behavior. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2000;126:494-498.
9. Bluden S, Lushington K, Kennedy D. et al. Behavior and neurocognitive performance in children
aged 5-10 years who snore compared with controls. J Clin Exp Neuropsychol 2000;22:554-568.
10. Bower CM, Buckmiller L. What`s new in pediatric obstructive sleep apnea? Curr Opin Otolaryngol
Head Neck Surg 2001;9:352-358.
11. Marcus CL, Omlin KJ, Basinki DJ, et al. Normal polysomnographic values for children and adolescents. Am Rev Respir Dis 1992;146(5,Ptl):1235-1239.
50
Doença da Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 51
12. Myatt HM, Beckenham EJ. The use of diagnostic sleep nasoendoscopy in the management of children with complex upper airway obstruction. Clin Otolaryngol Allied Sci 2000;25:200-208.
13. Gislason T, Benediktsdottir B. Snoring, apneic episodes, and nocturnal hypoxemia among children
6 months to 6 years old. Chest 1995;963-966.
14. Sher AE. Obstructive sleep apnea syndrome: a complex disorder of the upper airway. Otolaryngol Clin
North Am 1990;23:593-608.
14. God DYT. Marcus CL. Changes in obstructive sleep apnea characteristics in children through the
night. Am J Respir Crit Care Med 1998;157:a533.
15. American Thoracic Society. Standards and indications for cardiopulmonary sleep studies in children.
Am J Respir Crit Care Med 1997;153:866-878.
16. Sleep Disorders Atlas Task Force. Guilleminault CC. EEG arousals: scoring rules and examples.
Sleep 1992;15:173-184.
17. Richards W, Ferdman RM. Prolonged morbidity due to delays in the diagnosis and treatment of obstructive sleep apnea in children. Clin Pediatr 2000;39:103-108.
18. Guilleminault C, Pelayo R, Leger D, et al. Recognition of sleep-disordered breathing in children. Pediatrics 1996;98:871-882.
19. Tal A, Leiberman A, Margulis G, et al. Ventricular dysfunction in children with obstructive sleep apnea: radionuclide assessment. Pediatr Pulmonol 1998;4:139-143.
20. Marcus CL, Carrol JL, Koerner CB, et al. Determinants of growth in children with the obstructive
sleep apnea syndrome. J Pediatr 1994;125:556-562.
21. Bar A, Tarasiuk A, Segev Y, et al. The effect of adenotonsillectomy on serum insulin-like growth factor-I and growth in children with obstructive sleep apnea syndrome. J Pediatr 1999;135:76-80.
22. Demain JG, Goetz DW. Pediatrics adenoidal hypertrophy and nasal airway obstruction: reduction
with aqueous nasal beclomethasone. Pediatrics 995;95:355-364.
23. Robertson NJ, McCarthy LS, Hamilton PA, et al. Nasal deformities resulting from flow driver continuos positive airway pressure. Arch Dis Child 1996;75:F209-F212.
24. Donnelly LF. Strife JL, Myer CM III. Glossoptosis (posterior displacement of the tongue) during sleep:
a frequent cause of sleep apnea in pediatric patients referred for dynamic sleep fluoroscopy. Am J
Roentgenol 2000;175:1557-1560.
25. Utley D, Shin E, Clerk A, et al. A cost-effective and rational surgical approach to patients with snoring, upper airway resistance syndrome, or obstructive sleep apnea syndrome. Laryngoscope
1997;107:726-734.
26. Hulcrantz E. Svanholm H, Ahlqvist-Rastad J. Sleep apnea in children without hypertrophy of the tonsils. Clin Pediat 1988;27:350-352.
2.
No Adulto
Vivemos ou em estado de sono ou de vigília. Estes dois estados reflectem
duas fases de actividade cerebral, separadas uma da outra por diferentes comportamentos fisiológicos e psicológicos. Contudo, embora separados, influenciam-se tremendamente um ao outro.
É importante lembrar que vivemos entre um terço e metade da nossa
vida a dormir.
Na cultura ocidental, só na segunda metade do século XX é que os chamados distúrbios do sono começaram a ser valorizados e estudados. A
dificuldade residia na avaliação do comportamento ao longo do sono (que
nessa altura só poderia ser avaliada acordando o doente).
51
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 52
Foi Caton, que em 1875 descobriu actividade cerebral em cães1 através
do electroencefalograma. Berger, em 1928 detectou ondas no humano2
e em 1953 Aserinsky da Universidade de Chicago descreveu a fase REM
(Rapid Eye Movement)3.
Mais tarde, em 1970, na Universidade de Stanford, os doentes começaram a ser avaliados por rotina com estudos englobando electroencefalograma, electrooculograma, electromiograma associados a avaliação
cardíaca e respiratória. Nasceu assim o estudo polissonográfico, tendo
Holland4 como pioneiro.
A “The International Classification of Sleep Disorders Diagnostic and Coding Manual“ formou-se com o fim de uniformizar a classificação dos
distúrbios respiratórios ao longo da noite. Era constituída pela “American Sleep Disorders Association“, “European Sleep Research Society“,
“Japanese Society of Sleep Research“ e “Latin American Sleep Society“.
Estas entidades, ao longo de 5 longos anos num trabalho verdadeiramente hercúleo, conseguiram classificar os distúrbios respiratórios nocturnos em 4 grandes categorias:
1 - DISOSMIAS – distúrbios do sono que provocam ora insónia (dificuldade
em iniciar e manter o sono), ora sono excessivo.
2 - PARASONIAS – despertares, despertares parciais e alteração dos estadios do sono são o resultado da activação do sistema nervoso central,
habitualmente associado à activação dos músculos esqueléticos e do
sistema nervoso autónomo.
3 - DISTÚRBIOS ASSOCIADOS COM PATOLOGIA MÉDICA E PSIQUIÁTRICA – nomeadamente em situação de perturbações mentais e neurológicas.
4 - DISTÚRBIOS DO SONO MAL CARACTERIZADOS – laringospasmo nocturno, hiper-hidrose do sono, distúrbios do sono associados à menstruação, e
outros, como sono extremamente curto e extremamente longo.
Os episódios detectados ao longo duma polissonografia também foram
uniformizados. Vamos, por isso, rever os termos utilizados no estudo polissonográfico:
1 - APNEIA OBSTRUTIVA – cessação da passagem do ar secundária à obstrução da via respiratória provocando um esforço respiratório a nível do
tórax e abdómen, habitualmente associada a um despertar que aparece
no fim do episódio obstrutivo. Se a paragem respiratória for superior a 10
seg., temos uma apneia (Fig. 13).
52
Doença da Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
Page 53
2 - APNEIA CENTRAL – cessação da passagem de ar secundária à cessação
dum esforço respiratório, isto é, não há resposta a nível abdominal nem
torácico. Se dura mais de 10 seg., é considerada apneia e também é seguida dum despertar (Fig. 14).
3 - APNEIA MISTA – inicia-se por uma apneia central sem qualquer resposta torácica ou abdominal, e continua com esforço respiratório ao nível do tórax e abdómen; também é acompanhada por um despertar que
aparece no fim do distúrbio respiratório (Fig. 15).
4 - HIPOAPNEIA – trata-se dum período de hipoventilação secundário a
uma obstrução parcial da via aérea. Apesar de se tratar duma obstrução
parcial, os efeitos perniciosos para o doente são iguais (Fig. 16). A história clínica deve englobar: (CAP. IV) hábitos alimentares, alcoólicos, Índice de Massa Corporal, manobra de Müller, exame físico e escala de
Epworth para definir o tipo de obstrução.
Polissonografia
Os vários tipos de exame já foram descritos no capítulo IV, e o “Golden
Standard“ é naturalmente o tipo 1. Há autores que defendem que os episódios de apneia são mais frequentes, têm maior duração e maior dessaturações de oxigénio na fase REM, logo, o polissonógrafo deverá
avaliar electroencefalograficamente esta fase do sono.
Outro parâmetro considerado importante é a avaliação electrocardiográfica porque as apneias e consequentes dessaturações de O2 provocam
arritmias, bradicardia e taquicardia, quando ultrapassado o factor obstrutivo.
Também é importante a avaliação da posição ao longo do sono, uma vez
que a posição de supinação provoca maior número de episódios apneicos e de maior importância, em consequência da força da gravidade que
empurra inferiormente os tecidos moles do palato e da língua.
Bibliografia
1. Caton R. The electric currents of the brain. BMJ 1875;2:278.
2. Loomis A, Harvey E, Hobart G. Cerebral status during sleep as studied by human brain potentials.
Journal of Experimental Physiology 1937;21:127-144.
3. Aserinsky E. Kleitman N. Regularly occurring periods of eye motility and concomitant phenomena during sleep. Science 1953;118:273-274.
4. Holland V, Dement W, Raymond D. Polysomnography Responding to a Need for Improved Communication. Presented at the annual meeting of the Sleep Research Society, Jackson Hole, Wyoming,
1974.
53
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
FIGURA 13
Apneia obstrutiva.
FIGURA 14
Apneia central.
54
Doença da Apneia do Sono
10:46 AM
Page 54
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:46 AM
FIGURA 15
Apneia mista.
FIGURA 16
Hipopneia obstrutiva.
55
Apneia e Roncopatia de A a Z
Page 55
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 56
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 57
06
APNEIA CENTRAL
Ao observarmos os gráficos dos estudos polissonográficos (páginas 54 e
55), entendemos que apneia central é a ausência de respiração sem esforço respiratório, e hipopneia central é uma redução da passagem do ar
pelas vias aéreas superiores associada a uma redução do esforço respiratório. Como estas duas situações, em termos de avaliação e mesmo de
complicações para o doente, são semelhantes, passaremos unicamente
a referi-las como apneia central (AC).
As nossas necessidades respiratórias e de saturação de oxigénio são determinadas, através de mecanismos complexos, pelas necessidades metabólicas.
Em repouso, o “Volume Tidal” (Vt) ou volume corrente é o volume respiratório que varia em cada respiração e está diminuído nas hipopneias e
ausente nas apneias. A “Ventilação por minuto” (Ve) é o produto do Volume Tidal pela frequência respiratória (f), Ve=Vt x f.
57
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 58
Estes conceitos são interessantes porque nos ajudam a entender o que
se passa em esforço.
Nos atletas, em esforço físico, há inicialmente um aumento do Volume
Tidal e só depois um aumento da frequência respiratória. Como nestes
casos há um aumento do consumo de oxigénio e um aumento da produção de dióxido de carbono, como resultado do aumento do trabalho cardíaco, o esforço é unicamente limitado por factores hemodinâmicos.
Em situações patológicas e de envelhecimento, o doente com dificuldades ventilatórias, aumenta primeiro a frequência respiratória como resultado duma dificuldade de adaptação em resposta ao esforço físico.
Em situação de dificuldade ainda maior, o doente poderá aumentar inclusive a frequência sem que isso corresponda a um aumento do “Ve”
(ventilação por minuto), e isto porque não consegue aumentar o “Vt”.
Esta situação faz com que o “Ve” baixe não respondendo por isso às necessidades metabólicas.
A capacidade de resposta às necessidades aeróbicas metabólicas é
muito maior quando estamos acordados do que durante o sono, isto porque quando estamos acordados existe uma antecipação do cérebro às
necessidades metabólicas. Segundo Fink, existe uma certa excitabilidade respiratória conhecida pela “excitabilidade do acordado” que é independente das necessidades metabólicas e voluntárias, e que se pensa
estar dependente da excitabilidade de determinada zona reticular do cérebro, não específica, mas associada a estímulos somáticos, visuais e
acústicos1,2. Durante o sono, a capacidade de resposta é muito menor
porque o controlo respiratório é alterado ao longo das fases de acordar,
de REM (Rapid Eyes Movement) e de NREM (Non Rapid Eyes Movement)
o que determina naturalmente uma resposta menos eficaz.
Pensa-se também que a morfologia da face, e consequentemente das
vias respiratórias, está relacionada com a capacidade respiratória ao
longo da vida. 60% da face está desenvolvida aos 4 anos de idade, e existe
uma adaptação contínua ao longo de toda a vida que se pensa estar relacionada com o controlo de sistemas neurológicos.
Independentemente destas considerações, pensamos que existem dois
sistemas ao nível do sistema nervoso central que controlam a respiração3.
- SISTEMA NERVOSO COMPORTAMENTAL (behavioral) – relacionado com a região
cortical e frontal do cérebro, onde existe uma zona de controlo voluntário.
58
Apneia Central
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 59
Este sistema tem como via de transmissão o tracto cortico-espinhal. É
importante retermos este facto para entendermos, por exemplo, que lesões ao nível do sistema “behavioral”, provocam apraxia respiratória.
- SISTEMA NERVOSO AUTÓNOMO – responde às necessidades metabólicas e
é controlado pela região central do cérebro. Localiza-se na região lateral da medula espinhal. Por isso, lesões neste sistema provocam hipoventilação de causa neurológica.
O sistema nervoso autónomo recebe indicações cerebrais, nomeadamente de pH, PCO2, quimiorreceptores de PO2 e PCO2, mecanorreceptores existentes nos pulmões, parede torácica e vias aéreas superiores, e
receptores de pressão. Os receptores mais conhecidos são o receptor de
CO2 do corpo carotídeo, o receptor de O2 do corpo aórtico e os receptores centrais de pH e PCO2.
Conceitos importantes para o entendimento
da fisiopatologia da Apneia Central
O limiar de PCO2 necessário para provocar uma apneia é definido pela
pressão de dióxido de carbono (CO2) produzido pela hiperventilação passiva4. Quando estamos acordados, uma pressão de PCO2 de 20 mmHg
não provoca qualquer apneia, devido à excitabilidade diurna explicada
anteriormente. Quando estamos a dormir, uma pressão de PCO2 de 38
mmHg pode provocar uma apneia de 10 a 20 segundos, o que irá provocar uma longa expiração com mudança de fase do sono, seguida dum
despertar com consequente hiperventilação, que por sua vez, irá provocar uma nova apneia por hipocapnia (diminuição de CO2). Esta sequência pode reaparecer impedindo um sono consolidado. Como tradução
num estudo polissonográfico, do que foi descrito, temos a Apneia Central Repetitiva.
Tudo isto significa que uma combinação de resistência respiratória nas
vias aéreas superiores, associada a uma pressão baixa de PCO2 ao longo
do dia, se traduz em grande dificuldade de consolidação do sono, pelo
menos no seu início5.
Síndromes responsáveis por Apneia Central
A apneia central pode existir provocada por lesões que afectem os sistemas neurológicos sensoriais, de integração e execução, os sistemas motores e os sistemas neurológicos de controlo respiratório.
59
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 60
HIPOVENTILAÇÃO CENTRAL DE CAUSA CONGÉNITA6 – também chamada de Ondine, aparece nos primeiros dias de vida, é caracterizada por hipoventilação alveolar com retenção de CO2 e apneias centrais repetitivas de duração
variável. Pensa-se estar associada com o componente sensorial.
HIPOVENTILAÇÃO CENTRAL DE CAUSA ADQUIRIDA7 – é secundária a lesões medulares postero-laterais e bilaterais, esta, associada a lesões do componente de integração e execução.
ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA8 – é causa muito frequente de apneias centrais; por vezes o doente morre por agravamento da ventilação alveolar.
Trata-se duma lesão do sistema motor.
DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÓNICA (DPOC)9,10 – provoca uma redução da
ventilação ao longo do sono por um aumento da resistência das vias aéreas inferiores durante o dia. É uma apneia central de causa não neurológica.
FALÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA11,12 – doente com insuficiência cardíaca esquerda, desenvolve respiração de tipo Cheyne-Stokes, conhecida por hiperventilação, seguida de hipoventilação e pausa. Esta situação provoca
uma alteração do mecanismo ventilatório com estimulação dos quimiorreceptores provocada por mudanças na composição dos gases do
sangue. É também uma apneia central de causa não neurológica.
Diagnóstico e Tratamento
O diagnóstico pode ser facilmente confirmado pela avaliação da pressão
esofágica ao longo do sono (que é um índice de esforço respiratório)13.
O tratamento inclui substâncias químicas como o Acetato de Medroxiprogesterona14, conhecido estimulante respiratório, até à utilização de
BiPAP e CPAP.
Bibliografia
1. Fink BR. Influence of cerebral activity in wakefulness on regulation of breathing. J Appl Physiol
1961;16:15.
2. Fink BR, Hanks EC, Ngai SH, et al. Central regulation of respiration during anesthesia and wakefulness. Ann NY Acad Sci 1963;109:892-900.
3. Phillipson EA. Control of breathing during sleep. American Review of Respiratory Disease,
1978;118:909-939.
4. Dempsey JA, Skatrud JB. A sleep induced apneic threshold and its consequences. American Review of Respiratory Disease, 1986;133:1163-1170.
5. Longobardo GS, Goethe B, Goldman MD, et al. Sleep apnea considered as control system instability.
Respir Physiol, 1982;50:311-333.
60
Apneia Central
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 61
6. Severinghaus JW, Mitchell RA. Ondine´s curse: Failure of respiratory center automaticity while asleep – Clinical research, 1962;10:122.
7. Deveraux MW, Kleane JR, Davis RL. Automatic respiratory failure associated with infarction of the
medulla. Arch Neurl, 1973;29:46-52.
8. Guilleminault C, Motta J. Sleep apnea syndrome as a long squelae of poliomyelitis. In Guilleminault
C, Dement WC (eds): Sleep Apnea Syndromes. New York, Allan R. Liss, 1978;pp309-315.
9. Catterral JR, Calverly PMA, MacNee, et al. The mechanism of transient nocturnal hypoxaemia in
hypoxic chronic bronchitis and emphysema. J Appl Physio, 1985;59:1698-1703.
10. Douglas NJ, Calverly PMA, Leggett, et al. Transient hypoxaemia during sleep in chronic bronchitis
and emphysema. Lancet, 1979;1:1-4.
11. Biot C. Étude Clinique et experimentale sur la respiration de Cheyne-Stokes. Paris, JB Ballie, 1878.
12. Lange R, Hecht H. The mechanism of Cheyne-Stokes respiration. J Clin Invest, 1962;41:42-52.
13. Flemale A, Ghillard C, Dierckx JP. Comparison of central nervous, esophageal and mouth occlusion
pressure with water-filled catheters for estimating pleural pressure changes in healthy adults. Eur
Respir J, 1988;1:51-57.
14. Lyons H, Haung CT. Therapeutic use of progesterone in alveolar hypoventilation associated with obesity. Am J Med 44:881.
61
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 62
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 63
07
APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO
1.
A Obesidade
Em Portugal, temos alguma dificuldade em obter dados estatísticos no
que respeita à avaliação de situações patológicas, mesmo sendo elas
responsáveis por grande mortalidade e morbilidade. Recorremos, por
isso, a estatísticas de outros países, quer a realidade desses países seja
ou não sobreponível à nossa.
Reportando-nos à obesidade, a realidade americana é muito diferente
da nossa, no entanto, em virtude duma certa “globalização” dos hábitos
alimentares, com a rotina alimentar baseada no chamado “fast food”, ao
longo dos últimos anos tem-se verificado um aumento da obesidade na
Europa, especialmente centrada nos adultos, adolescentes e crianças.
Estes grupos etários são os nossos doentes futuros, e por isso não nos
parece descabido abordar este tema, com base nas estatísticas e estudos realizados nos Estados Unidos.
63
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 64
Aqui, sabe-se que 61% da população sofre de excesso de peso ou obesidade1, e que rapidamente irá ultrapassar o tabaco tornando-se a causa
mais frequente de morte. A obesidade aumenta o risco de hipertensão,
dislipidemias, diabetes tipo 2, doença coronária, enfarte do miocárdio,
patologia respiratória, e alguns tipos de cancro.
A obesidade, principalmente a que se localiza acima do abdómen,
provoca um agravamento da doença da apneia do sono (DAS), e está
presente em 60-90% destes doentes2. Também todos conhecemos a
melhoria da sintomatologia respiratória quando o obeso, através de
dietas de emagrecimento ou tratamento cirúrgico, adquire o peso
adequado3.
1.1.
Avaliação do Doente Obeso
e com Excesso de Peso
O Risco associado à obesidade e ao excesso de peso assenta em 3
factores:
1 – IMC – Índice de Massa Corporal, já abordado noutros capítulos, é determinado pela proporção entre o peso em kilogramas e a altura em
metros. IMC=kg/m2.
2 – Perímetro Abdominal.
3 – Existência de outros factores de comorbilidade.
Utilizamos habitualmente uma tabela em que o Índice de Massa Corporal desejável se encontra entre 18,5 e 24,9kg/m2, o excesso de peso entre 25 e 29,9kg/m2, e a obesidade acima de 30kg/m2. A obesidade de grau
1 corresponde a valores entre 30 e 34,9kg/m2, a de grau 2, entre 35 e 39,9
kg/m2, e a de grau 3, superior a 40kg/m2.
O perímetro abdominal é medido a nível da crista ilíaca superior; é considerado anormal se > 102cm no homem ou > 88cm na mulher, podendo
estar associado a diabetes tipo 2, refluxo gastroesofágico e doença de
apneia do sono (DAS).
O Quadro I mostra os órgãos envolvidos na obesidade e sua relação com
doenças e sintomas4.
64
Apneia Obstrutiva do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 65
Existe uma forte relação entre hipertensão e obesidade, e entre hipertensão e doença obstrutiva do sono e apneia, pelo que todos os doentes
com estas patologias devem ser cuidadosamente avaliados sob ponto de
vista tensional5.
Damos também ênfase à medição do perímetro cervical. Pescoço largo
em doentes que ressonam significa a possibilidade de existência de DAS;
assim valores superiores a 42,5cm nos homens e 37,5cm nas mulheres
apontam-nos para DAS. Existem alguns estudos que referem ser mais
importante o perímetro cervical para o diagnóstico de DAS do que o IMC
e o perímetro abdominal6,7.
1.2.
Tratamento do Doente Obeso e com Excesso
de Peso
É hoje completamente aceite e indiscutível que o excesso de peso provoca DAS e que o tratamento da obesidade melhora a sintomatologia da
DAS. Também se entende que quer o tratamento seja médico ou cirúrgico, o número de eventos respiratórios (apneias e hipopneias) diminui e
há uma melhoria da saturação do oxigénio8. Existem trabalhos que referem que o tratamento cirúrgico da obesidade é bastante mais eficaz
no controlo e normalização do Índice de Apneia do Sono (IAH) que o tratamento dietético.
Apesar de não existirem até ao momento dados concretos que nos permitam quantificar o peso que é necessário perder para obter uma melhoria da DAS, há autores que sugerem que diminuições do IAH de 30 a
75% podem corresponder a uma diminuição de IMC de 9 a 18%.
QUADRO I
Sintomas e Doenças Associadas à Obesidade.
Sistema
Cardiovascular
Sistema
Respiratório
Sistema
Neurológico
Hipertensão
Dispneia e fadiga
AVC
Falência cardíaca congestiva
APNEIA DO SONO
Hipertensão
intracraniana
Cor pulmonale
Síndrome Pickwick
65
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 66
Sistema
endócrino
Sistema
gastrointestinal
Psico-social
Síndrome
metabólica
Refluxo
gastroesofágico
Dificuldades de
concentação laborais
Intolerância
à glicose
Esteatose hepática
Discriminação
social
Diabetes
Fígado gordo
Depressão
Sistema
musculoesquelético
Sistema
genitourinário
Outros
Imobilidade
Incontinência
urinária
Estase venosa dos membros inferiores
Artrites
Hipogonadismo
Celulite
Dores musculares
Cancro do útero
e da mama
Dificuldade
de higiene
QUADRO II
IMC
< 24,9
kg/m2
25-27 kg/m2
28-30 kg/m2
31-35
kg/m2
36-40 kg/m2
> 40
kg/m2
TRATAMENTO
Dieta/exercício
0
se
doenças
associadas
se
doenças
associadas
SIM
SIM
SIM
Farmacoterapia
0
0
se
doenças
associadas
SIM
SIM
SIM
Cirurgia
0
0
0
0
se
doenças
associadas
SIM
66
Apneia Obstrutiva do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 67
O Quadro II mostra a relação entre o tipo de orientação terapêutica e o
IMC, sendo que não compete ao Otorrinolaringologista definir esta orientação, mas somente ter dela conhecimento para poder dar ao doente o
melhor aconselhamento profissional.
Sem querer aprofundar demasiadamente as orientações que estarão a
cargo de outras áreas da Medicina, existem alguns conceitos que parecem importantes.
1 – O objectivo é uma diminuição do IMC, não a perfeição.
2 – A dieta deve ter algumas modificações sem ser radical. Transmitir a
noção de que podemos comer quase tudo desde que com moderação
e praticando exercício físico.
3 – Pedir a elaboração de um plano a um especialista e depois controlálo em conjunto.
4 – Cada doente tem uma personalidade própria; por isso a mensagem
deve ser adaptada a cada um.
A farmacoterapia deverá ser iniciada a partir de um IMC de 27kg/m2 se
houver doenças associadas ou de 30kg/m2 se o doente não tiver outras
doenças associadas. A Cirurgia Bariátrica, bem como as técnicas como
a colocação de bandas e balões gástricos, têm como função a diminuição do tamanho do estômago e a redução da quantidade de alimentos ingeridos. Esta cirurgia só deve ser efectuada com IMC superior a 35kg/m2
ou a 40 kg/m2, cabendo ao cirurgião a avaliação caso a caso.
Concluindo, diria que o IMC é hoje considerado um importante auxiliar
na avaliação de doentes com DAS, sendo que a optimização do peso
corporal é hoje um dado inquestionável para o sucesso do tratamento
destes doentes.
Bibliografia
1. National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion. Obesity and overweight: a public health epidemic. http:/www.cdc.gov/nccdphp/dnpa/obesity/epidemic.htm.
2. Stohl KP, Redline S. Recognition of obstructive sleep apnea. Am J Crit Care Med 1996; 154:279-289.
3. Stobel RJ, Rosen RC. Obesity and weight loss in obstructive sleep apnea: a critical review. Sleep
1996;19:104-115.
4. Ford ES, Giles WH, Dietz WH. Prevalence of the metabolic syndrome amoung US adults: findings
from the third national health and nutrition examination survey. JAMA 2002;287:356-359.
5. Must A, Spadano J, Coakley EH, et al. The disease burden associated with overweight and obesity.
JAMA 1999;282:1523-1529.
6. Davies DJO. Ali NJ, Stradling JR. Neck circunference and other clinical features in the diagnosis of
obstructive sleep apnea syndrome. Thorax 1992;47:101-105.
67
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 68
7. Resta O, Foschino-Barbaro MP, Legari G, et al. Sleep-related breathing disorders, loud snoring and
excessive daytime sleepiness in the obese subjects. Inst J Obesity 2001;25:669-675.
8. National Heart, Lung, and Blood Institute. Appendix IV. Obesity and sleep apnea. Education initiative electronic textbook-appendices. http://nhlbi.nih.gov/guidelines/obesity/e_txbk/appndx/apdn/apdndx4.htm.
2.
A Respiração Nasal
Devemos ter a noção que má respiração nasal é provavelmente a queixa
mais frequente dos doentes no mundo civilizado, e não sendo este o lugar para desenvolver a anatomia, fisiologia e patologia nasais, lembrava
unicamente que enquanto alguns se queixam sempre, todos nos queixamos alguma vez.
Mais importante é saber que a má respiração nasal, além de contribuir
para a roncopatia e para a doença de apneia do sono (DAS), por vezes
impossibilita a utilização do CPAP (o tratamento mais utilizado actualmente) (Fig. 17).
FIGURA 17
Imagem do septo, lâmina perpendicular do etmóide e vomer.
68
Apneia Obstrutiva do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 69
2.1.
Perspectivas Históricas
Existem relatos muito curiosos acerca do problema da má respiração
nasal.
William Hill, 1889, aconselha o tratamento da obstrução nasal para diminuir o número do “miúdos estúpidos”, e caracterizava-os assim: “a
criança estúpida tem aspecto preguiçoso, cefaleias na escola, é um respirador bucal, ressona e não descansa de noite e acorda de manhã com
a boca seca”1.
Já em 1978, Cottle2, grande rinologista, cujas técnicas cirúrgicas são
ainda hoje usadas, descreve aquilo que intitulou “Síndrome nasal nocturna”: uma associação de sono não retemperador com roncopatia, respiração irregular e obstrução nasal.
Sempre foi discutida a real importância da respiração nasal na roncopatia e na doença obstrutiva do sono (DAS), e apesar do estado da arte
actual a subestimar, a evidência clínica faz-nos pensar de outro modo.
É um dado adquirido que doentes que habitualmente não ressonam, o façam em situação de constipação e agravamento da sua rinite. McNicholas3 tem trabalhos que mostram a existência de fragmentação do sono
e DAS em doentes com agravamento da rinite alérgica e consequente
obstrução nasal. Conhecemos também trabalhos bem documentados
que nos mostram a relação entre desvio do septo nasal, patologia valvular nasal e DAS4 (Fig. 18).
FIGURA 18
Desvios do septo nasal.
69
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:47 AM
Page 70
2.2.
Fisiopatologia da Obstrução
da Via Aérea superior
Na nossa experiência, a maioria de doentes submetida a septoplastias e
hemi-turbinectomia tem uma melhoria da hipersónia e roncopatia.
Contudo, existem outros locais de obstrução respiratória. Ao nível da
naso e orofaringe, a hipertrofia das amígdalas e adenóides provocam invariavelmente DAS em crianças. O seu tratamento cirúrgico é de indiscutível sucesso5.
Roncopatia e doença da apneia do sono, resultam do colapso parcial ou
total dos tecidos moles das vias aéreas superiores, onde não existem locais de suporte rígido. Anatomicamente, estes locais vão desde a nasofaringe até à epiglote, e o colapso existe quando a pressão negativa
intratorácica necessária para a inspiração é contrariada por uma resistência ao nível das vias aéreas superiores. Esta resistência começa no
nariz6.
A válvula nasal, em circunstâncias normais, é o local mais estreito do
nariz, e por isso, qualquer estreitamento complementar desta zona provoca um acentuado aumento da resistência nasal. A cirurgia e os dilatadores nasais resolvem habitualmente este problema7. É por isso, que
nos mais idosos em que há também flacidez das cartilagens alares e
consequente patologia valvular, está indicada a utilização dos dilatadores nasais (se bem colocados) para utilização do CPAP8 (Fig. 19).
A resistência nasal é dinâmica, e um produto de vários factores, incluindo
a estrutura da pirâmide nasal, septo nasal, válvula nasal, conforme já
referido, e o tecido eréctil dos cornetos.
Este tecido está directamente relacionado com o ciclo nasal caracterizado por uma hipertrofia da mucosa nasal dum corneto com a vasoconstrição do corneto oposto, o que resulta no aumento da resistência nasal
dum lado, com a diminuição do outro. Este ciclo dura aproximadamente
90 minutos e justifica as mudanças de posição ao longo da noite.
Sabemos, desde os Romanos (que dormiam sentados), que na posição
de decúbito dorsal as resistências respiratórias aumentam e que doentes sem grandes queixas ao longo do dia, experimentam noites terríveis
por má respiração nasal9.
70
Apneia Obstrutiva do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 71
Outro facto curioso e relacionado com a má respiração nasal, é a dos
respiradores bucais. Estes doentes, ao respirarem pela boca ao longo do
dia para melhorar a sua respiração, também o fazem de noite, e por estranho que pareça, vão ter ainda mais agravado o seu IAH. Isto, porque
a resistência ao nível da cavidade oral aumenta com a boca aberta e em
decúbito, em virtude do movimento posterior e superior da língua aumentar a obstrução respiratória oral.
FIGURA 19
Válvula nasal.
Bibliografia
1. Hill W. On some causes of backwardness and stupidity in children. Br Med J 1889;711-712.
2. Cottle M. Nasal nocturnal syndrome. Paper presented at the meeting on Current Medical, Surgical
and Physiologic Aspects of Rhinology, Rochester, MN June 1-3, 1978.
3. McNicholas WT, Tarlo S, Cole P, et al. Obstructive apneas during sleep in patients with seasonal allergic rhinitis. Am Rev Respir Dis 1982;126:625-628.
4. Dayal VS, Phillipson EA. Nasal surgery in the management of sleep apnea. Ann Otol Rhinol Laryngol
1985;94:550-554.
71
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 72
5. Young T, Finn L, Kim H. Nasal obstructive as a risk factor for sleep-disordered breathing (The University of Wisconsin Sleep and Respiratory Research Group). J Allergy Clin Immunol 1997;99:s757s762.
6. Kerr P, Millar T, Buckle P, Kryger M. The importance of nasal resistence in obstructive sleep apnea
syndrome. J Otolaryngol 1992;21:189-195.
7. Bachman W, Legler U. Studies on the structure and function of the anterior section of the nose by
means of the intraluminal impression. Acta Otolaryngol (Stockh) 1972;73:433-442.
8. Hoijer U, Ejnell H, Hender J et al. The effects of nasal dilation on snoring and obstructive sleep apnea. Arch Otolaryngol Head and Neck Surg 1992;118:281-284.
9. Miljeteig H, Cole P, Haight JS. Nasal resistance in recumbency and sleep. Rhinology 1995;33:82-83.
3.
As Drogas
Todas as drogas que actuam, directa ou indirectamente, no sistema nervosa central, podem causar alterações no sono. Estas alterações podem
ser causadas tanto no período em que as drogas estão a ser tomadas
como no período imediatamente após a sua interrupção.
Importa por isso saber a sua natureza, pois tanto podem ser causas primárias de distúrbios do sono, como causas adjuvantes.
Vamos, resumidamente, avaliar cada uma delas e os seus efeitos.
3.1.
Álcool
Apesar de serem conhecidos os seus efeitos sedativos, é provavelmente
a droga mais utilizada com efeitos importantes na modificação do sono.
Assim, os efeitos agudos do álcool estão associados a um aumento da
onda lenta do sono (slow wave sleep – SWL), e a uma diminuição do REM
durante a primeira parte da noite. Na segunda parte da noite, com o natural declínio do nível de alcoolémia, existe um aumento da fase REM
conhecido como REM sleep rebound e habitualmente acompanhado por
fragmentação do sono.
Nos alcoólicos crónicos que deixam de beber, existe uma acentuada diminuição do tempo de sono e o aparecimento de insónia.
Concluindo, diríamos que o álcool aumenta a roncopatia e agrava a DAS,
sendo também responsável pelo aumento das parasónias como o sonambulismo, terrores nocturnos, enurese e pesadelos.
72
Apneia Obstrutiva do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 73
3.2.
Anticonvulsivantes
A sedação é um efeito colateral conhecido dos anticonvulsivantes. Quer
barbitúricos como benzodiapezinas são conhecidos por modificações importantes no sono1,2.
3.3.
Antidepressivos
Os antidepressivos afectam o sono tanto indirectamente, tentando diminuir a depressão e efeitos associados de perturbações do sono, como
directamente. Neste último caso, actuam suprimindo a fase REM do
sono, aumentando a latência de REM3.
Quando há uma interrupção abrupta na toma de antidepressivos, existe
um aumento da fase REM rebound (tal como no álcool) com queixas de
pesadelos e má qualidade de sono.
A associação de doses baixas de antidepressivos e sedativos actua favoravelmente na insónia.
Concluindo, diríamos que tratamentos com antidepressivos podem provocar o aparecimento e exacerbação de distúrbios do sono que se traduzem
em movimentos descoordenados das pernas e alteração da fase REM4.
3.4.
Anti-histamínicos
Os antigos anti-histamínicos tinham efeitos anti-colinérgicos, provocando secura da boca, eram lipofílicos, atingindo o SNC por se dissolverem na gordura e assim ultrapassarem a barreira hemato-encefálica
provocando sedação e alterações no ECG. A nova geração de anti-histamínicos não provoca sedação, não tem efeitos anti-colinérgicos e tem
marcado efeito anti-inflamatório.
Por isso, os actuais anti-histamínicos podem ser prescritos sem que na
maioria dos doentes se produza qualquer perturbação do sono5,6,7.
73
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 74
3.5.
Anti-hipertensivos
Em virtude da sua actuação no sistema central adrenérgico, alguns antihipertensores podem modificar a arquitectura do sono.
Bloqueadores ß-adrenérgicos provocam fragmentação do sono e alteram a fase REM, provocando hipersónia, pesadelos, terrores nocturnos
e alucinações. Estes sintomas são mais frequentes nos agentes lipofílicos, como o propranolol, do que nos hidrofílicos como o atenolol.
Os agonistas-adrenérgicos, como a metildopa e a clonidina, provocam
acentuada sedação originando naturalmente fragmentação do sono8,9.
3.6.
Agentes Antipsicóticos
Actuam de duas maneiras; por um lado, provocam um efeito directo no
sono prolongando-o, por outro, atenuam outros sintomas que impedem
o sono, como a psicose e a agitação.
3.7.
Corticóides
É muito modesta a actuação dos corticóides no sono. Pensa-se que a hidrocortisona pode provocar uma diminuição da fase REM, o que não
acontece com a dexametasona.
3.8.
Nicotina
Apesar de ser uma das drogas mais utilizadas, o estudo da relação com
o sono é muito limitado. Sabe-se, no entanto, que provoca dificuldade
em conciliar o sono, e que o sono não é retemperador10. Sabe-se também que o abandono do tabaco, inicialmente, provoca descontinuidade
do sono e hipersónia.
3.9.
Opióides
Tanto os agentes opióides (que têm marcado efeito analgésico, tranquilizante e de hiporreflexia) como os narcolépticos, actuam aleatoriamente
74
Apneia Obstrutiva do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 75
no sono; contudo, parece que os utilizadores de heroína e morfina têm
distúrbios inespecíficos do sono, com diminuição da sua eficácia11.
3.10.
Sedativos e Hipnóticos
As benzodiapezinas são os fármacos mais conhecidos desta classe. Os
seus efeitos são semelhantes ao álcool com diminuição da capacidade de
conciliar o sono, diminuição da qualidade de sono e ligeira diminuição da
fase REM. A interrupção da droga pode provocar um efeito rebound com
aparecimento de insónia e de REM sleep rebound.
É muito importante ter a noção de que os sedativos são provavelmente
os agentes farmacológicos que mais agravam a doença de apneia do
sono.
3.11.
Estimulantes
Todos os estimulantes como as xantinas (o café e o chá), anfetaminas e
cocaína, provocam aumento do tempo de vigília, aumento da latência do
sono e diminuição da onda lenta do sono (SWS).
A interrupção destes fármacos provoca hipersónia, REM sleep rebound,
e por vezes, podem mascarar uma narcolepsia.
Bibliografia
1. Roder-Wanner U-U, Noachtar S, Wolf P. Response of polygraphic sleep to phenytoin treatment for epilepsy: A longitudinal study of immediate, short and long-term effects. Acta Neurol Scand, 1987;76:157.
2. Wolf P, Roder-Wanner U-U, Brede M. Influence of therapeutic phenobarbital and phenytoin medication on the polygraphic sleep of patients with epilepsy. Epilepsia, 1984;25:467.
3. Vogel GW, Buffenstein A, Minter K, et al. Drug effects on REM sleep and on endogenous depression.
Neurosci Biobehav Rev, 1990;14:49.
4. Schenck CH, Mahowald MW, et al. Prominente eye movement during NREM sleep and REM sleep behavior disorder associated with fluoxetine treatment of depression and obsessive-compulsive disorder. Sleep, 1992;15:226.
5. Nicholson AN. Antihistamines and sedation. Lancet, 1983;2:211.
6. Nicholson NA. New antihistamines free of sedative side-effects. Trends Pharmacol Sci, 1987;8:247.
7. Roth T, Roehrs T, Koshorel G, et al. Sedative effects of antihistamines. J Int Med Res, 1979;7:583.
8. Buyesse DJ. Drugs affecting sleep, sleepiness and performance. In Monk TH (ed): Sleepiness and
Performance. New York, John Wiley & Sons, 1991, p250.
9. Dunleavy DLF, Oswald I. Phenelzine, mood response, and sleep. Arch Gen Psychiatry, 1973;28:353.
10. Wetter DW, Young TB. The relation between cigarette and sleep disturbance. Prev Med 1994;23:328.
11.Pickworth WB, Neidert GL, Kay DC. Morphinelike arousal by methadone during sleep. Clin Pharmacol Ther, 1981;30:796.
75
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 76
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 77
08
SELECÇÃO DO DOENTE E ESCOLHAS
TERAPÊUTICAS
O tratamento ideal é o que associa a máxima eficácia com o menor risco
para o doente.
A sintomatologia do doente com apneia do sono e roncopatia é habitualmente relatada ao médico pelo/a companheiro/a de quarto. Logo aí, importa avaliar o grau de irritabilidade, a estabilidade afectiva, o risco de
pôr em perigo a vida (ex. hipersónia aquando de condução de veículos).
Importa também saber se existem doenças que possam ser agravadas
por esta patologia, como doenças cardiovasculares, hipertensão, história de enfarte, depressão, etc.
A avaliação e exame físico do doente foram detalhadamente expostos no Cap.
4, no entanto, é importante explicar que quanto mais elevado o IA/H (Índice
de Apneia/Hipopneia), menor será o sucesso do tratamento cirúrgico e maior
será a indicação para o tratamento com CPAP e BiPAP. Também o IMC (Índice de Massa Corporal) tem um papel determinante na escolha terapêutica, uma vez que é hoje um dado indiscutível que o aumento de peso provoca
um estreitamento da via aérea na região da naso-faringe e retrolingual.
77
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 78
No exame objectivo podemos encontrar anomalias anatómicas, que
sendo frequentes na criança e no adulto jovem, o são raramente no
adulto com IA/H elevado. Neste caso, encontramos dismorfias e zonas de
obstrução respiratória.
Vamos então classificar os distúrbios respiratórios nocturnos em 3 partes (Quadro III).
QUADRO III
Algoritmo para Tratamento de Doença de Apneia do Sono
DAS ligeira
IA/A 5-15
DAS moderada IA/H
16-30
DAS severa
IA/H >30
Amigdalectomia
CPAP ou BiPAP
CPAP ou BiPAP
Adenoidectomia
UPP/
amigdalectomia
UPP/
amigdalectomia
UPP/
amigdalectomia
avanço do
genioglosso
cirurgias maxilares
UPP-laser,
radiofrequência,
esclerose
suspensão
do hióide
traqueostomia
1.
Doença Obstrutiva Ligeira do Sono
É caracterizada por índice de apneia/hipopneia entre 5 e 15, saturação
mínima de oxigénio entre 86-92% e hipersónia inexistente ou ligeira.
Neste grupo deverão ser tratados os doentes com anomalias anatómicas ou que apresentem hipersónia, sono não retemperador e patologias
associadas agravadas pela doença.
ÚVULA E PALATO MOLE – se existe um prolapso do palato mole, com úvula
longa, sem hipertrofia amigdalina, ou mesmo sem amígdalas, está indicada uma Uvulopalatoplastia (UPP). A UPP pode utilizar laser, radiofrequência ou injecções esclerosantes. Estas últimas, de utilização pouco
78
Selecção do Doente e Escolhas Terapêuticas
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 79
frequente no nosso país, injectadas no palato mole, provocam uma fibrose com subsequente elevação deste. Têm indicação apenas em casos
muito específicos.
AMÍGDALAS E ADENÓIDES – se hipertrofiadas devem ser removidas cirurgicamente1.
AMÍGDALAS, ÚVULA E PALATO MOLE – se a obstrução da via aérea é provocada
por estas estruturas, deve ser efectuada amigdalectomia e UPP.
NARIZ – com obstrução respiratória nasal, deve ser efectuada terapêutica
médica ou cirúrgica, conforme abordado no Capítulo VII, 2.
MANDÍBULA, LÍNGUA E BOCA – se existe uma disgnacia é aconselhável uma
goteira ou correcção cirúrgica. O CPAP poderá também estar indicado
nesta situação, mas com resultados pouco satisfatórios2.
2.
Doença Obstrutiva Moderada do Sono
É caracterizada por um IA/H entre 16 e 30, saturação mínima de oxigénio de 70 a 85% e moderada hipersónia.
Indicações para cirurgia:
1. Existência de anomalias anatómicas a nível do palato e da faringe.
2. Obstrução no palato ou orofaringe com ausência de colapso posterior
da língua3,4.
3. IMC igual ou inferior a 25kg/m2.
4. Não idosos.
5. IA/H não muito elevado.
Há a possibilidade de combinar UPP com avanço do genioglosso e suspensão do hióide5,6.
Estas cirurgias de avanço têm indicação quando o doente tem unicamente um valor muito baixo de PAS (espaço aéreo posterior), ou em
doentes já submetidos a UPP. A redução cirúrgica da língua pode também ser usada, mas é pouco frequente em virtude das complicações
pós-operatórias. A utilização de goteiras é habitualmente mais bem tolerada que o CPAP.
79
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 80
3.
Doença Obstrutiva Severa do Sono
É caracterizada por um IA/H superior a 30, saturação mínima de oxigénio inferior a 70% e hipersónia grave ao longo do dia.
Estes doentes são maioritariamente obesos e por isso está unicamente
indicado o CPAP. Neste caso a eficácia do tratamento pode ser de tal ordem, com acentuada melhoria da qualidade de vida e grande diminuição
ou mesmo ausência de hipersónia, que a maioria opta pelo CPAP para o
resto da vida. Em alguns doentes mais magros poderemos realizar UPP,
por vezes associada a amigdalectomia, e avanços dos genioglosso e
hióide7.
Em casos extremos está indicada a traqueostomia.
Bibliografia
1. Verse T, Kroker BA, Pirsig W, Brosch S. Tonsillectomy as a treatment of obstructive sleep apnea in
adults with tonsillar hypertrophy. Laryngoscope 2000;110:1556-1559.
2. Guilleminault C, Kim Y, Palombini L, et al. Upper airway resistance syndrome and its treatment. Sleep
2000;23(suppl 4):5197-5200.
3. Woodson BT. Predicting which patients will benefit from surgery for obstructive sleep apnea: the ENT.
Exam. Ear Nose Throat J 1999;78:792-800.
4. Shear AE, Schechtman KB, Piccirillo JF. The efficacy of surgical modifications of the upper airway in
adults with obstructive sleep apnea. Sleep 1996:156-177.
5. Vilaseca I, Morello A, Montserrat JM, et al. Usefulness of uvulopalatopharyngoplasty with genioglossus and hyoid advancement in the treatment of obstructive sleep apnea. Arch Otolaryngol Head Neck
Surg 2002;128:435-440.
6. Riley RW, Powell NB, Li KK, Guilleminault C. Surgical therapy for obstructive sleep apnea-hypopnea
syndrome. In: Kryger MH, Roth T, Dement WC, eds. Principles and practice of sleep medicine. Philadelphia: WB Saunders, 2000:913-928.
7. Li K, Powell NB, Riley RW, et al. Morbidly obese with severe obstructive sleep apnea: is airway reconstructive surgery a viable treatment option? Laryngoscope 2000;110:982-987.
80
Selecção do Doente e Escolhas Terapêuticas
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 81
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:48 AM
Page 82
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 83
09
TRATAMENTO DA DOENÇA DE APNEIA
DO SONO
1.
Cirúrgico
Os tratamentos cirúrgicos foram-se alterando ao longo do tempo, aliás,
como as indicações operatórias. Começámos a interessar-nos por esta
patologia há cerca de 15 anos, e nessa época a DAS, qualquer que fosse
a sua gravidade, tinha indicação operatória.
Ao longo dos anos apercebemo-nos que nem todos os doentes com roncopatia e apneia do sono beneficiavam com o tratamento cirúrgico.
Nesse período, e se o doente só tivesse como elemento obstrutivo o palato, realizávamos palatoplastias por laser com anestesia local, e Uvulopalatofaringoplastias (UPPP) com anestesia geral.
Mais tarde surgiu a radiofrequência e começámos a utilizá-la.
83
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 84
As conclusões a que chegámos foram:
1. A eficácia terapêutica era superior com UPPP.
2. Nos doentes obesos, os resultados eram habitualmente maus.
3. As palatoplastias com anestesia local por laser ou radiofrequência só
tinham bons resultados em doentes magros, jovens e com palato flácido e fino.
O aparecimento de polissonógrafos portáteis e a valorização dum dado
até então subestimado, o Índice de Massa Corporal, alteraram a nossa
orientação terapêutica. Actualmente a cirurgia é efectuada, apenas, em
situações muito específicas.
1.1.
Uvulopalatofaringoplastia
A técnica de Shiro Fujita1, descrita pela primeira vez há 20 anos, foi por
nós utilizada durante algum tempo. O objectivo era remover o excesso de
tecido que existia ao nível do palato mole, pilares amigdalinos, e amígdalas ou vestígios amigdalinos. A cirurgia efectuada sob anestesia geral
iniciava-se injectando na zona de incisão um vasoconstritor associado a
um analgésico. As incisões efectuadas com bisturi ao longo dos pilares
amigdalinos e prolongando-se até ao palato e úvula criavam após a remoção do excesso tecidual retalhos que se suturavam (Fig. 20).
1.2.
Palatoplastia por Laser (LAUP)
ou Radiofrequência
A LAUP é efectuada2 sob anestesia local com spray de lidocaína, e injecção de epinefrina com lidocaína nos locais de incisão. Faz-se a remoção de grande parte da úvula continuando com duas incisões no
palato mole, sem qualquer remoção de tecido. O objectivo é criar uma
zona de cicatrização com subsequente elevação do palato mole. Esta técnica foi muito utilizada durante alguns anos e desenvolvida pelo Dr. Kamami3 (Fig. 21).
Mais tarde, com a radiofrequência, a cirurgia é efectuada com incisões
semelhantes, e difere apenas da anteriormente descrita porque a úvula
não é removida mas sim diminuída de tamanho por fibrose4.
84
Tratamento da Doença de Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 85
FIGURA 20
Uvulopalatofaringoplastia pela técnica de Shiro Fujita.
85
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 86
FIGURA 21
À esquerda, fibrose da úvula por radio-frequência, à direita Laser Assisted Uvulopalatoplasty (LAUP)
pela técnica de Kamami.
FIGURA 22
Avanço de músculo genioglosso.
86
Tratamento da Doença de Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 87
1.3.
Avanço do Genioglosso
Cirurgia efectuada sob anestesia geral, indicada habitualmente em duas
situações: doentes com PAS (espaço aéreo posterior) muito pequeno, e
doentes já submetidos a UPP5.
A cirurgia inicia-se por uma incisão gengivo-labial e descolamento na região mentoniana, continuando-se com a realização duma osteotomia em
rectângulo na região do tubérculo geniano (onde se insere o músculo genioglosso). Esse rectângulo ósseo avançado anteriormente é rodado 90o,
ficando assim apoiado e fixo pela tensão do próprio genioglosso6 (Fig. 22).
1.4
Suspensão do Hióide
Esta cirurgia está baseada no conceito de que a posição do hióide em
doentes com apneia do sono é muito baixa, e por isso deve ser elevado
ou suspenso7,8.
A cirurgia efectuada sob anestesia geral inicia-se com uma incisão sobre o osso hióide. O osso é exposto, os músculos supra e infra-hioideus
são seccionados verificando-se a mobilidade do hióide. Seguidamente
expõe-se a região superior da cartilagem tiróide e efectua-se uma sutura
entre o osso hióide e esta cartilagem9 (Fig. 23). O objectivo é a diminuição do espaço entre o osso hióide e a cartilagem tiroide.
1.5
Retalho Uvulopalatino
Esta é a cirurgia que actualmente realizamos, associada ou não amigdalectomia, septoplastia e hemiturbinectomia.
Os músculos envolvidos são:
- MÚSCULO DA ÚVULA – localiza-se na úvula e actua no encerramento central do palato.
- MÚSCULO ELEVADOR DO PALATO – é o principal elevador do palato e provoca
uma pequena concavidade no palato quando se contrai. É importante
preservá-lo; a sua lesão provoca alterações da voz e subida de líquidos
para o nariz – rinolália aberta.
87
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 88
FIGURA 23
Técnica de suspensão de hióide.
A cirurgia é efectuada sob anestesia geral, a incisão deve ser feita sempre inferior e posteriormente ao local da concavidade do palato e nunca
para cima (esta concavidade encontra-se a 2cm do palato duro) (Fig. 24).
A cirurgia inicia-se pelo desenho dum ponteado que vai servir para indicar a incisão que vamos desenvolver; levantamos o retalho ao nível do
palato, pilares amigdalinos e úvula. Removemos esse retalho e rebatemos o tecido existente de modo a fazer um “lifting” do palato com encerramento posterior.10,11 (Fig. 25).
88
Tratamento da Doença de Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
FIGURA 24
Retalho uvulopalatino – incisão.
89
Apneia e Roncopatia de A a Z
Page 89
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 90
FIGURA 25
Retalho uvulopalatino.
2.
Tratamento Não-cirúrgico
Goteira: promove um movimento anterior da mandíbula, fazendo com
que haja um aumento do espaço aéreo posterior (PAS).
CPAP ou Auto-CPAP: o modelo habitualmente utilizado é o REMstar, de
emissão de pressão positiva que funciona a uma pressão de 4 a 20cm de
H2O, cujo ruído de funcionamento é inferior a 30db, com humidificador
térmico acoplado a uma máscara nasal, e armazenamento digital da informação através de cartão.
90
Tratamento da Doença de Apneia do Sono
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 91
Bibliografia
1. Fujita S, Conway WA, Zorick F, et al. Surgical corrections of anatomical abnormalities in obstructive
sleep apnea syndrome: uvulopalatopharyngoplasty. Otolaryngol Head Neck Surg 1981;89:923-934.
2. Kamami YV. Laser CO2 for snoring: preliminary results. Acta Otorhinolaryngol Belg 1990;44:451456.
3. Kamami YV. Outpatient treatment for sleep apnea syndrome with CO2 laser: laser-assisted UPPP.
J. Otolaryngol 1994;23:395-398.
4. Han JK, Woodson BT. Effects of prednisone and ibuprofen on radiofrequency volume tissue reduction in a rabbit model. Annals Oto Rhino Laryngol 2002.
5. Riley R, Guilleminault C, Powell N, et al. Palatopharyngoplasty failure, cephalometric roentgenograms, and obstructive sleep apnea. Otolaryngol Head Neck Surg 1985;93:240.
6. Powell NB, Riley RW, Guilleminault C. The hypopharynx: upper airway reconstruction in obstructive
sleep apnea syndrome. In: Fairbanks DNF. Fujita S, eds. Snoring and obstructive sleep apnea. 2nd
Ed. New York: Raven Press, 1994:193-209.
7. Riley RW, Powell NB, Guilleminault C. Inferior sagittal osteotomy of the mandible with hyoid myotomy-suspension: a new procedure for obstructive sleep apnea. Otolaryngol Head Neck Surg
1986;94:589-593.
8. Kaya N. Sectioning the hyoid bone as a therapeutic approach for obstructive sleep apnea. Sleep
1984;7:77-78.
9. Van de Graaf WB, Gottfried SB, Mitra J, et al. Respiratory function of hyoid muscles and hyoid arch.
J Appl Physiol 1984;57:197-204.
10. Huntley T. The uvulopalatal flap. Op Tech Otolaryngol Head Neck Surg 2000;11:30-35.
11. Powell N, Riley R, Guilleminault C, et al. A reversible uvulopalatal flap for snoring and sleep apnea
syndrome. Sleep 1996;19:593-599.
91
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 92
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 93
10
FUTURO
A roncopatia isolada e a roncopatia associada a apneia do sono, são situações patológicas importantes pela consequente morbilidade e mortalidade.
Ao longo deste trabalho tentámos explicar a etiologia, a patogenia e o
tratamento desta situação clínica.
Aquilo que vamos expor neste capítulo poderá ser, ou não, o futuro do
tratamento da doença da apneia do sono (DAS), mas representa uma
evolução.
O princípio é simples.
Depois do exposto anteriormente sabemos que DAS está em grande medida associada a elevados índices de apneia/hipopneia. Um dos principais
factores de agravamento da DAS é a obesidade com repercussões no aumento do tamanho da língua1.
O novo método de tratamento consiste em fazer contrair o músculo genioglosso através da estimulação do nervo hipoglosso, aumentando o tónus da língua. Esta estimulação provoca uma protusão da língua com
93
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 94
movimento para o lado contrário, permitindo ao doente respirar2. Vários
trabalhos foram apresentados, mas todos de difícil aplicação.
O laboratório Medtronic desenvolveu o modelo “Inspire I”3. Trata-se dum
estimulador do nervo hipoglosso implantável, já aprovado pela “Food and
Drugs Administration”.
O “Inspire I” é constituído por um sensor de pressão respiratória, um implante gerador de impulsos nervosos e um eléctrodo de estimulação do
nervo periférico (Fig. 26).
FIGURA 26
Colocação do “Inspire I”.
Este sistema é implantado sob anestesia geral e são efectuadas três incisões: uma no pescoço para exposição do nervo hipoglosso, onde é colocado um eléctrodo no ramo que inerva o genioglosso, uma segunda,
inferiormente na linha média do pescoço para abordagem do manúbrio
esternal, onde é colocado o sensor de pressão inspiratória, e por último,
a terceira incisão localiza-se na região infraclavicular superficial à fáscia do grande peitoral4,5.
94
O Futuro
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 95
O “Inspire I” funciona do seguinte modo: quando se inicia uma inspiração (detectada pelo sensor de pressão colocado no manúbrio esternal),
existe um estímulo que vai directamente para o implante gerador de impulsos (colocado na região supraclavicular), provocando uma estimulação do nervo hipoglosso com consequente protusão da língua. É esta
protusão da língua que permite a inspiração com consequente entrada
de ar (Fig. 27).
FIGURA 27
“Inspire I”.
Bibliografia
1. Remmers JE, de Groot WJ, Sauerland EK, Anch AM. Pathogenesis of upper airway occlusion during
sleep. J Appl Physio 1978;44:931-938.
2. Schwartz AR, Eisele DW, Hari A, et al. Electrical stimulation of the lingual musculature in obstructive sleep apnea. J Appl Physiol 1996;81:643-652.
3. Eisele DW, Smith PL, Alam DS. Direct hypoglossal nerve stimulation in obstructive sleep apnea. Arch
Otolaryngol Head Neck Surg 1997;123:57-61.
4. Eisele DW, Schwartz AR, Smith PL. Electrical stimulation of the upper airway for obstructive sleep apnea. Op Teach Otolaryngol Head Neck Surg 2000;11:59-65.
5. Schwartz AR, Bennett ML, Smoth PL, et al. Therapeutic electrical stimulation of the hypoglossal
nerve in obstructive sleep apnea. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2001;127:1216-1223.
95
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Miolo:Layout 2
7/16/10
10:49 AM
Page 96
Livro Roncopatia-Capa:Layout 1
7/16/10
11:11 AM
Page 2
7/16/10
11:11 AM
Page 1
Apneia e Roncopatia de A a Z
Livro Roncopatia-Capa:Layout 1
J. R. ESTEVES MARCOS
Apneia
e Roncopatia
de A a Z

Documentos relacionados

clínica - O JornalDentistry

clínica - O JornalDentistry e inferior a 90% com uma duração superior a 10 segundos. Quando o paciente está em decúbito dorsal, o espaço da faringe reduz-se porque a gravidade desloca para trás os músculos e o maxilar, o que ...

Leia mais