A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima

Transcrição

A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS
HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
A herança dos descaminhos na formação do
Estado de Roraima
Reginaldo Gomes de Oliveira
São Paulo
2003
Reginaldo Gomes de Oliveira
A herança dos descaminhos na formação do
Estado de Roraima
Tese apresentada ao Programa de
História Social da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
da Universidade de São Paulo, como
requisito parcial à obtenção do título
de Doutor em História.
Orientadora: Professora Dra. Marlene Suano
São Paulo, 2003
2
Para minha avó materna,
Lucinda Amélia Bezerra (in memoriam)
com quem aprendi as primeiras letras.
3
FICHA CATALOGRÁFICA
OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de.
A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima. São Paulo, Universidade
de São Paulo/ Reginaldo Gomes de Oliveira. São Paulo. Programa de Pós-Graduação em
História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP, 2003.
xv, 405 pp.: il., mapas e fotos.
Fontes e Bibliografia pp. 327-358
1. Roraima. 2. Amazônia Contemporânea. 3. História Cultural. 4. História das
Representações Políticas. 5. Geopolítica. 6. Relações Interétnicas. 7. Etno-história. I. Teses. II.
Título.
CAPA – Coletânea de fotos (da direita para esquerda) Cachoeira na região de Uiramutã, Monumento
ao Garimpeiro, Cruzamento das avenidas Santos Dumont e Ville Roy, jovem índio de Roraima.
Fotos do Guia Turismo em Roraima 2000. Boa Vista/RR. Publicação do Instituto FECOR.
Abril de 2000. Montagem em Scan pelo autor.
4
Agradecimentos
O presente trabalho encerra uma fase de vida repleta de satisfações,
saudades, inquietações, conquistas e percalços. Nesse percurso muitas pessoas
foram importantes e a elas expresso meu reconhecimento.
Ao apoio financeiro da CAPES, através de bolsa do Programa de Incentivo
a Capacitação e Desenvolvimento Tecnológico (PICDT), para a concretização
deste trabalho.
Ao Reitor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), através da PróReitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, que me proporcionou o afastamento
integral das atividades de docência.
Aos funcionários e professores do Centro de Ciências Sociais e
Geociências, do Departamento de História da UFRR, pela convivência e
incentivos que viabilizaram a realização desta tarefa.
Aos funcionários e professores do Departamento de História, do Núcleo
de Estudos de História Oral e da Coordenação de Pós-Graduação da
Universidade de São Paulo (USP), pela forma carinhosa que me acolheram. Pelas
várias oportunidades de diálogos com os professores Ulpiano T. Bezerra de
Menezes, Maria Helena R. Capelato, José Carlos S. Bom Meihy, Maria Aparecida
de Aquino (DH/USP), Dominique T. Gallois (DA/USP) e Francisco Carlos T. Silva
(DH/UFRJ), cujas discussões e sugestões durante o curso foram esclarecedoras
para o trabalho.
A todos os funcionários de Bibliotecas pela atenção especial, indicação e
localização dos documentos. O acolhimento na Biblioteca e Arquivo da Fundação S.O.S
Mata Atlântica e do Instituto SocioAmbiental também foi significativo.
Os senhores Jerônimo Pereira da Silva (Coordenador do Conselho Indígena de
Roraima), Martinho Alves de Andrade Júnior (Administrador Regional da FUNAI/RR) e
5
Artur Nobre Mendes (Secretário Técnico do PPTAL-Brasília/DF) foram solícitos e suas
contribuições encurtaram o caminho da pesquisa.
Aos membros da Banca de Qualificação Professores Ulysses Telles
Guariba Neto e Marcos Antonio Silva (DH/USP), com observações críticas e
sugestões ajudaram a definir, com maior precisão, a forma e o conteúdo do
trabalho.
Essa tese deve muito aos amigos pela colaboração e afeto. Minha gratidão
a Claudia Alves, Déborah Freitas, Heloisa Marques, Maria Helena Oyama, Sonia
Lobato, Maria Helena Bezzi (in memoriam), Antônio Lobo Stevens, Lourival Néto,
Paulo Silva, Ricardo Vagner Oliveira e Roberto Ramos, que contribuíram de
várias formas e cada uma à sua maneira para que o projeto se realizasse. A leitura
e sugestões de Júlio Galharte foram valiosas.
Aos membros da Banca de Defesa Professores Dalmo de Abreu Dallari
(FD/USP), Ulysses Telles Guariba Neto, Lincol Ferreira Secco (DH/USP) e Paulo
Henrique Martinez (convidado), com observações críticas e sugestões para estudos
futuros.
Marlene Suano (DH/USP), orientadora e amiga, acompanhou este trabalho
lendo-o inúmeras vezes com paciência inesgotável. Durante todo esse percurso
manteve diálogo, fez sugestões, mais do que isso, em sua convivência tomei mais
gosto pela história.
Um agradecimento particular aos meus pais, Paulino e Delzira, de quem
tenho recebido nestes anos de tantos esforços, seu carinho, apoio e
compreensão. Compartilho com eles as alegrias do final; aos queridos irmãos,
Rinaldo, Ranieri e Richard (in memoriam) e irmãs, Rosângela, Rossinete e Rosanir,
com quem compartilho a vida; aos demais familiares pela demonstração de afeto.
6
SUMÁRIO
Lista de Mapas, Figuras, Fotos e Quadros
09
Lista de Abreviaturas
11
INTRODUÇÃO
18
CAPÍTULO 1
RORAIMA: um olhar histórico e sócio-político do XVI ao XIX
35
1.1
Amazônia Setentrional, perspectivas históricas dos séculos XVI
e XVII
36
1.2
Rio Branco, a expansão política e econômica portuguesa com o
Maranhão e Grão-Pará
58
1.3
A construção da Amazônia brasileira, séculos XVIII e XIX
1.4
As Tropas de Resgates e as Aldeias Missionárias na conquista
da rota fluvial e povoamento
75
1.5
Forte São Joaquim e a consolidação da conquista do Rio
Branco
90
1.6
A reação indígena contra o Estado português e a denominada
“Praia do Sangue”
96
1.7
As fazendas na bacia do Rio Branco
101
1.8
Roraima no Império
109
CAPÍTULO 2
RORAIMA no século XX: perspectivas históricas, culturais, e políticas
69
118
2.1
O retorno das expedições científicas ao Rio Branco
128
2.2
2.3
O retorno do mito “El Dorado”
A Igreja Católica de Roraima e a causa indígena
131
139
7
2.4
Organização e reação indígena
2.5
Ação do Estado, organização e reação da sociedade nãoindígena
166
2.6
Povoamento e meios de comunicação
CAPÍTULO 3
A gênese do Estado: do Território Federal à Constituição Federal
150
171
175
3.1
Rio Branco, a criação do Território Federal
3.2
Os municípios e as áreas indígenas: desencontros dos
caminhos da memória
208
3.3
A Constituição Federal de 1988
219
3.4
A criação do Estado de Roraima
230
CAPÍTULO 4
A primeira década do novo Estado
177
239
4.1
Os legisladores estaduais e suas propostas
241
4.2
Os novos municípios
263
CAPÍTULO 5
Um laboratório de História Social a céu aberto: lideranças e suas ações
276
5.1
As lideranças e seus projetos
278
5.2
Questões emanentes
283
CAPÍTULO 6
Considerações Finais
6.1
Ruptura da monoconsciência indígena
6.2 O Estado proprietário
6.3 Soluções possíveis?/ Possíveis destinos?
325
326
331
335
8
FONTES E BIBLIOGRAFIA
347
MAPAS, FIGURAS, FOTOS E QUADROS
Mapa 01 -
Forte de São Joaquim
93
Mapa 02 -
Antigos e Novos Fortes na Amazônia, século XVIII
95
Mapa 03 -
Migração Indígena, século XVIII
99
Mapa 04 -
Territórios atribuídos ao Brasil e à Grã-Bretanha, em 1904
113
Mapa 05 -
Geopolítica de Roraima, em 1995
269
Mapa 06 -
Áreas Indígenas em Roraima, em 1993
270
Mapa 07 -
Projeto Calha Norte
296
FIGURA
Figura 01 -
Vista aérea do Rio Branco
74
Figura 02 -
Maloca Macu
89
Figura 03 -
Forte São Joaquim e Povoamento
92
Figura 04 -
Bacia do Rio Branco: cenas de trabalho indígena
115
Figura 05 -
Escola em Boa Vista, professores e alunos
126
Figura 06 -
Seminário de Educação Indígena
164
Figura 07 -
Reivindicação indígena
165
Figura 08 -
Reivindicação dos não-indígenas
170
Figura 09 -
Vista aérea de Boa Vista
187
FOTO
Foto 1 Foto 2 -
Município de Alto Alegre
Município de Bonfim
213
213
Foto 3 -
Município de Caracaraí
214
9
Foto 4 -
Município do Mucajaí
215
Foto 5 -
Município de Normandia
215
Foto 6 -
Município de São João da Baliza
216
Foto 7 -
Município de São Luiz do Anauá
217
Foto 8 -
Município de Amajari
264
Foto 9 -
Município de Cantá
265
Foto 10 -
Município de Caroebe
265
Foto 11 -
Município de Iracema
266
Foto 12 -
Município de Pacaraima
266
Foto 13 -
Município de Rorainópolis
267
Foto 14 -
Município de Uiramutã
268
Quadro Demonstrativo
Quadro 01 -
Estado de Roraima. Estimativa da população indígena
154
Quadro 02 -
Roraima, população residente
201
Quadro 03 -
Roraima, população rural e urbana: importância relativa (%)
1940/1950/1960/1970/1980/1991
201
Quadro 04-
Terras da União em Roraima
206
Quadro 05 -
População do Estado de Roraima
260
Quadro 06 -
Eleitorado de Roraima entre 1990 a 2001
271
Quadro 07 -
Distribuição do Eleitorado por municípios
272
Quadro 08 –
Distribuição do Eleitorado no Estado
272
Quadro 09 –
Organização Não-Governamental Indígena (ligadas ao CIR)
278
Quadro 10 -
Organização Não-Governamental Indígena (não ligadas ao CIR)
279
Quadro 11 -
Organização Não-Governamental Não-Indígena (a favor do índio)
279
10
Quadro 12 -
Organização Não-Governamental Nacional
279
Quadro 13 -
Organização Não-Governamental Internacional
280
Quadro 14 -
Igreja ou Instituição Religiosa
280
Quadro 15 -
Área Federal
281
Quadro 16 -
Representantes da sociedade roraimense
283
Quadro 17 -
Terras indígenas em Roraima
332
ABREVIATURAS
ABA
: Associação Brasileira de Antropólogos.
ADCT
: Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.
AMBTEC
: Fundação do Meio Ambiente e Tecnologia de Roraima.
BID
: Banco Interamericano de Desenvolvimento.
BIRD
: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento.
BN
: Jornal Brasil Norte (Boa Vista/RR).
CAPH/USP
: Centro de Apoio à Pesquisa em História da Universidade de São Paulo.
CEDI
: Centro Ecumênico de Documentação e Informação.
CIDR
: Centro de Informação Diocese de Roraima.
CIMI
: Conselho Indigenista Missionário.
CIR
: Conselho Indígena de Roraima.
CNBB
: Conselho Nacional dos Bispos do Brasil.
COIAB
: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.
CPI
: Comissão Parlamentar de Inquérito.
CSN
: Conselho de Segurança Nacional.
DNPM
: Departamento Nacional de Produção Mineral.
DOU
: Diário Oficial da União.
EMBRAPA
: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
11
FBV
(grifo nosso)
FLONA
: Jornal Folha de Boa Vista (Boa Vista/RR)
FOIRN
: Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.
FUNAI
: Fundação Nacional do Índio.
GTA
: Grupo de Trabalho Amazônico.
IBAMA
: Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis.
IBGE
: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico.
INCRA
: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
INPA
: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
ISA
: Instituto SocioAmbiental.
JB
: Jornal do Brasil
MEAF
: Ministério Especial de Assuntos Fundiários.
MEVA
: Missionários Evangélicos da Amazônia.
MINTER
: Ministério do Interior.
MMA
: Ministério do Meio Ambiente.
NDI
: Núcleo de Direito Indígena.
OAB
: Ordem dos Advogados do Brasil.
OD
(grifo nosso)
OIT
: Jornal O Diário (Boa Vista/RR)
ONG
: Organização Não-Governamental.
ONU
: Organização das Nações Unidas.
OPAN
: Operação Anchieta.
PCN
: Projeto Calha Norte.
PND
: Plano Nacional de Desenvolvimento.
PUC/SP
: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
RBG
: Royal Botanical Gardens.
SADEN
: Secretaria de Assessoramento de Defesa Nacional.
SAE
: Secretaria de Assuntos Estratégicos.
SEBRAE
: Serviço de Apoio ao Micro e Pequenas Empresas.
: Floresta Nacional.
: Organização Internacional do Trabalho.
12
SEPLAN/RR
: Secretaria de Planejamento do Governo de Roraima.
SIPAM
: Sistema de Proteção da Amazônia.
SIVAM
: Sistema de Vigilância da Amazônia.
SPI
: Serviço de Proteção ao Índio.
SUDAM
: Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia.
SUFRAMA
: Superintendência da Zona Franca de Manaus.
UFRR
: Universidade Federal de Roraima.
UNESCO
: Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
WWF
: Fundo Mundial para a Natureza.
ZFM
: Zona Franca de Manaus.
13
RESUMO
O Estado de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela e a Guiana,
apresenta um relevo acidentado e localiza-se entre ambientes com problemáticas
ecológicas distintas: serra, lavrado e floresta. Existe nessa região uma
multiplicidade social e cultural indígena e não-indígena em que as relações se
mostram marcadas por violências culturais, políticas, sociais, extorsão econômica
e deterioração ambiental.
Roraima foi transformado de Território Federal em Estado da União com
a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988. A partir da década de
1980, com o processo de “Abertura Política” e as manifestações sociais
vinculadas ao movimento das “Diretas Já”, surgiu no Estado uma discussão
sobre cidadania, direitos civis, demarcação de reservas indígenas e implantação de
novos municípios, com a participação de Organizações Não-Governamentais
(ONGs) indígenas e não-indígenas, como também de instituições governamentais.
O objetivo deste trabalho é analisar como essa sociedade roraimense
incorporou essas transformações sócio-culturais e políticas, caracterizadas por
inovações previstas na nova Carta Magna brasileira, por mudanças de posturas e
concepções não apenas em relação à infra-estrutura do novo Estado mas pelas
exigências de novos comportamentos da população local frente à presença do
índio (pró-tradição e pró-nacional), o qual tem reivindicado o reconhecimento de
seus direitos (Arts. 231 e 232 da CF/88 e art. 173 da CE/91), respeitando o tratamento
diferente entre os índios e não-índios tanto na construção da nova sociedade
como na formação do Estado de Roraima.
Ao se analisar os confrontos estabelecidos dentro da pluralidade sóciocultural e geopolítica de Roraima, não se destaca um certo e um errado, mas o
que atende ao movimento de construção do conhecimento e do exercício da
cidadania, conseqüente à busca de valores permanentes no contexto sócio14
cultural e na nova ordem institucional surgida com a Constituição Federal de
1988 e, depois, com a Constituição Estadual de 1991.
Nesse sentido, considerou-se fundamental a publicação na imprensa local
das idéias dos atores sociais e sujeitos políticos de Roraima que se constituíram
como uma de nossas fontes. Analisamos suas visões e posturas associadas às
novas formas de relações e vivências, identificando os conflitos presentes entre
os vários segmentos sociais roraimenses. Esses discursos veiculados na imprensa,
justamente por serem ideológicos, mostraram-se importantes na compreensão
dos dois projetos, o da cultura “branca”, de integração nacional, e o das nações
indígenas, divididas inelutavelmente entre a manutenção de seu estatuto original e
a integração nacional, nas últimas décadas da história de Roraima.
Esse confronto da história “branca” com a história nativa que, ao mesmo
tempo, mesclou-se e dividiu-se etnicamente, por interferência da administração
econômica do Estado, pela ação religiosa da Igreja, gerando conflitos entre o
cristianismo e as religiões tribais e, também, pela ação educativa “branca” que
perduram na história do tempo presente roraimense. Dessa maneira, as
conseqüências advindas de tal confronto, que historicamente favoreceu o poder
do Estado “branco”, mostra-se em uma situação de verdadeiro “laboratório”
para entendermos a formação tanto de Roraima como do Brasil contemporâneo.
PALAVRAS-CHAVE:
Roraima; Amazônia Contemporânea; História Cultural; História das
Representações Políticas; Geopolítica; Relações Interétnicas.
15
ABSTRACT
Sharing borders with Venezuela and Guyana, the State of Roraima
presents an uneven topography as it is located among areas with distinctive
ecological problems such as hills, valleys and forests. There exists a social and
cultural multiplicity involving indigenous and non-indigenous people, with the
relationships being marked by cultural violence, political and social problems,
economic extortion, and environmental deterioration.
In 1988, along with the Brazilian Federal Constitution, Roraima was
transformed from a Federal territory into a Union State. At the beginning of the
1980's, a discussion regarding citizenship, civil laws, demarcating of Indian
reserves and the establishment of municipal districts came about as a result of the
"Political Opening" process and social manifestations associated with the
movement for direct elections during the colonel years. Along with this, there
was the participation of non-governmental organizations (indigenous and nonindigenous) as well as governmental institutions.
This work intends to analyze how the Roraima society incorporated those
socio-cultural and political transformations characterized by the innovations in
the new 1988 Brazilian Charter. The changing conceptions and postures not only
related to the new State's infrastructure, but also the demands of the local
population's behavior regarding the presence of the Indian, now demanding the
recognition of the indigenous right for the construction of the new society.
Analyzing the confrontations established inside the socio-cultural and
geopolitical plurality of Roraima, there does not appear to be a right and a wrong
side. Consequently, in the search of permanent values in the socio-cultural
context and in the new institution order, there is an increase in knowledge and
the exercise of citizenship.
16
In that sense, it was considered fundamental the local press publication of
the social and political ideas of roraimense citizens as one of our sources. We
analyzed their visions and postures associated with the new form of relationships
and existences, identifying the existing conflicts among the several segments
social roraimenses. Those speeches published in the press, because of their
ideological connotations, are very important for the understanding of the last two
decades of the history of Roraima. A history of the present time roraimense as a
true "laboratory" for our fundamental understanding of the establishment and
process of the mentality and of political institutions in Roraima and in
contemporary Brazil.
Key Words:
Roraima, Contemporary Amazon, Cultural history, History of the Political
Representations, Geopolitical, Interethnic relationships.
17
Introdução
... a posse da terra gerou o poder
e a propriedade gerou o Estado.
DALLARI, 2002:55
Este trabalho tem por finalidade apresentar investigações sobre o mundo
amazônico no qual o atual Estado de Roraima vem sendo sedimentado. Ele
surgiu da ansiedade peculiar em si de lançar um olhar histórico-cultural e sóciopolítico do século XVI ao século XX sobre o Estado supracitado.
O mesmo foi desenvolvido por meio de estudos, depoimentos e pesquisas
realizadas em livros, revistas, jornais e outros documentos ligados ao contexto
histórico ou sócio-político-econômico e cultural de Roraima.
Sua divisão abrange os seguintes passos: metodologia e fontes usadas no
processo de investigação, ênfase na trajetória histórica e sócio-política do século
XVI ao XIX; as perspectivas históricas, culturais e política de Roraima no século
XX; a gênese do Estado, as lideranças sociais e suas ações e enfoques finais.
O estudo justifica-se pela possibilidade de reinterpretar as contradições
envolvendo o Estado, os índios e os não-índios e de revisar importantes
questões, como o desenvolvimento e as estratégias políticas na condução dessa
situação de conflito, das forças constituintes do Estado e das ONGs indígenas e
não-indígenas. Essa questão se dá não só em Roraima, mas em várias regiões do
Brasil contemporâneo, que após a Constituição Federal de 1988 se abriram num
espaço de novas reordenações políticas e econômicas na construção da cidadania,
influenciadas pelo processo de redemocratização do país.
De início, é importante ressaltar que, embora promova uma discussão a
respeito do comportamento das diferentes formas de representação e
organização na formação do Estado e da sociedade roraimense, a nossa
18
investigação não privilegia o estudo mais complexo de suas organizações internas
(índios e não-índios), mas sua trajetória na construção do Estado e da sociedade
local entre 1988 a 2002, quando Roraima se transforma em Estado Federado,
vivenciando suas três primeiras legislaturas.
Nesse processo de construção, tanto do Estado como da sociedade, como
momento “histórico imediato”, os representantes do Estado e da sociedade local
ampliaram seu poder, possibilitado pelo exercício democrático do novo tempo.
Trata-se, portanto, de uma realidade histórica interagindo na experiência de vida
que implica no reconhecimento de si mesmo como objeto e sujeito da história.
“Ela quer se elaborar a partir desses arquivos vivos que são os homens”
(LACOUTURE, 1993:217).
Assim sendo, estuda-se aqui o tempo presente e um momento emerso da
multiplicidade sócio-cultural em conflito, que abrange uma população indígena
(constituída por diferentes etnias), uma população não-indígena (formada por fazendeiros,
empresários produtores, pequenos agricultores, garimpeiros, militares, religiosos, políticos,
administradores, funcionários públicos, entre outros grupos brancos e já mestiçados, mas com
titulatura de brancos) e considerável massa de mestiços que, via de regra, se
identificam como brancos.
Nesse espaço de tempo (1998 a 2002), investigou-se Relatórios do Grupo
de Trabalhos Amazônicos (GTA) e de outros grupos que abriram debates em
Seminários e Fóruns no tratamento dessa questão indígena na Amazônia Legal.
Apesar dos resultados apresentarem sugestões com certos avanços nas reflexões
políticas e sociais, direcionadas para processos produtivos auto-sustentáveis, os
depoimentos dos participantes índios e não-índios ainda se mostravam presos às
dificuldades financeiras e aos problemas conceituais e metodológicos, ditados
pelas regras técnicas de um mercado local mundializado.
19
Por isso, ao interpretarmos o significado da contemporaneidade
roraimense, seguimos os caminhos indicados por certo viés da historiografia
francesa associada à história imediata, social, cultural e política, como também de
historiadores que enfatizando a importância da cultura na ação social,
preocupados em recuperar as experiências da vida contemporânea1.
Tudo isto aponta formas de interpretação histórica que marcaram o
aparecimento de uma nova visão formulada pela percepção de que, em uma
determinada realidade social, a população experimenta suas situações cotidianas e
relações “instantâneas em sua apreensão, simultânea em sua produção do fazer a
história imediata” (LACOUTURE, 1993:214). Esse domínio “imediatista”, ligado a
um objeto de estudo bastante recente, coloca o historiador e seu campo de
pesquisa, como “arquivos humanos”.
Esse novo enfoque, no processo histórico, voltado sobretudo para o nosso
campo de estudo em Roraima, mostrou indícios significativos entre as situações
sócio-culturais e as relações políticas e econômicas, no processo de formação do
Estado. Tal como a percebemos, essas situações aparecem determinadas por
diferentes necessidades e interesses que se mesclaram em antagonismos, inseridos
em um dinamismo de apreensão simultânea. E, em seguida, observamos que
essas “situações e relações não param de se mexer, recusando um verdadeiro
enquadramento, bem como uma acomodação satisfatória” (LACOUTURE,
1993:222).
Jean Lacouture (1993) sugere que o historiador desse processo do tempo
presente, como é o caso citado acima, seja, ao mesmo tempo, um “coletor” de
situações e “produtor de efeitos”, ou seja, o pesquisador é, ao mesmo tempo,
sujeito e objeto da história. Portanto, podemos dizer que, para o historiador
1. Como Edward H. Carr (1996) que exprime certa preocupação em termos de desenvolvimento humano
numa abordagem mais ampla da história. Nessa linha de ação temos também as obras de THOMPSON (1998) que
desmistificam a história e mostram que o uso de entrevistas, como fonte oral, pode ser utilizado juntamente com
as fontes tradicionais da história, na construção de uma memória mais democrática do passado.
20
contemporâneo, é muito mais difícil situar e entender a realidade de seu próprio
tempo do que a do século XVIII, por exemplo. Desse modo, os “efeitos”
reveladores dos conflitos sócio-culturais e políticos podem ser analisados como
“bibliotecas vivas”, o que torna um desafio para se escrever a história de hoje.
Essa percepção histórica associada à contemporaneidade, com caminhos teóricometodológicos dividindo-se em muitas direções, fez com que nossas experiências
locais contribuíssem para as descobertas da pesquisa, mesclando a relação
“sujeito-objeto” desse dinamismo da história contemporânea.
Outra possibilidade de análise que condiz com o estudo em questão é de
Roger Chartier (1988), que propõe levar-se em consideração as experiências
humanas, em que os estudiosos buscam seus argumentos teóricos. O autor
apresentou reflexões que apontaram para concepções mais sensíveis às
desigualdades sócio-culturais, tomando como ponto central da apreensão
histórica a cultura de um determinado contexto social. Tal apreensão se dá por
meio das lutas e suas formas de organizações e representações sócio-culturais,
cujos mecanismos de atuação contribuem para o entendimento da concepção e
do mundo social investigado. Nesse contexto, acreditamos que “as percepções
do social não são de forma alguma discursos neutros (...). Por isso esta
investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas
num campo de concorrências e de competição” (CHARTIER, 1988:17).
Todos esses aspectos deram origem a um conjunto de situações
problemáticas na história atual, em que a História de Roraima não é a exceção e
que permitiu a inclusão de novos instrumentos da vida cotidiana suscitados pelas
diferentes práticas sócio-culturais e do novo enfoque teórico-metodológico no
processo da História Contemporânea. Após a década de 1980, intensificaram-se
trabalhos de historiadores que retomaram aspectos do domínio tradicional da
história e deram novos enfoques metodológicos no campo historiográfico,
21
incluindo os “novos objetos” que foram definindo a denominada História Nova
(LE GOFF, 1993:44).
Essa nova concepção historiográfica de exploração aberta das experiências
da cultura humana propõe um diálogo mais próximo com as outras áreas do
conhecimento científico. Nesse sentido, as representações mentais ganharam
importância nessa mediação da história nova, ampliando condições ao aprendizado
e conhecimento histórico. Essa orientação de pesquisa histórica, em diálogo com
as outras áreas das ciências humanas, influencia determinados estudos que, nesse
modelo, escolhem um procedimento teórico-metodológico adequado ao seu
corpus documentário (ARIÈS, 1993:161).
Há quem considere que o historiador não precisa fazer uma “escolha
definitiva” entre as estratégias interpretativas para conduzir a sua pesquisa
(HUNT, 1992:21). Embora existam muitas diferenças, tanto nas tendências teóricas
como nas metodológicas, a ênfase na história da cultura está no exame minucioso
dos documentos (textos, imagens, práticas sociais, etc.) e da abertura crítica
diante do que será mostrado por esse exame.
Assim, tanto Chartier (1988) quanto Hunt (1992) enfatizam a importância
do significado e dinamismo sócio-cultural revelando e recuperando as expressões
e interpretações do passado-presente no processo contemporâneo da história
cultural. Na verdade, eles apresentaram uma linha de pesquisa que expõe um
campo novo de apreensão histórica, intimamente relacionada num diálogo com
as outras áreas do conhecimento humano. Nesse sentido, os autores mostraram
que as concepções das quais partimos não são apenas teorias, mas também novos
problemas da nossa história contemporânea que devem ser recuperados nos
movimentos históricos do tempo presente.
Tais contribuições historiográficas reiteram nossa crença na necessidade de
estudos mais aprofundados do contexto contemporâneo da história de Roraima,
22
que vivencia múltiplas organizações e formas de representações sociais e políticas
(indígenas e não-indígenas), entre práticas e apropriações de novos paradigmas da
cultura política na criação desse novo Estado amazônico.
Essa temática intrigante remete à questão do conceito de nação que foi
pensado, sobretudo, em meio às efervescências da Revolução Francesa, como um
“conceito político territorial, cuja base era a existência de uma lei comum e de um
corpus de cidadania...” (SALIBA, 1993:310). Tal lei de caráter universal
proporcionaria aos indivíduos uma unidade mais ampla que propiciaria benefícios
comuns a todos os cidadãos. No entanto, percebe-se que existe um prejuízo, em
termo de direitos, com relação aos índios que perderiam sua identidade específica
relativa a cada grupo indígena.
A isto se contrapôs a uma outra interpretação da nação, fruto de reflexões
contemporâneas, pelas diferentes correntes da história e da antropologia, de
nação pensada pela memória cultural. Tal concepção formula uma unidade mais
ampla à qual o coletivo, como fonte de valor e conduta, desfrutaria de muitas
coisas em coesão: terra e cosmo (ANDERSON, 1989; CANETTI, 1995; SALIBA, 1993;
CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000; VIVEIROS DE CASTRO, 1998). Nesse contexto, de
caráter peculiar e de um povo organizado culturalmente em uma relação de
parentesco com a terra interligada ao cosmo, revivificada nos mitos e ritos da
coletividade e da memória, estão as etnias indígenas.
Existem autores, entre eles Berta Becker (1994), que se esforçam por
mostrar esse conceito partindo da idéia “Nação & Região” num cenário de
fragmentação contemporânea:
O conceito de Região é bem mais antigo, mas foi redefinido com a formação do Estado
Territorial Moderno. Corresponde à territorialização do Estado-Nação: a nação se
concretiza em combinações diferenciadas de frações de classes e de grupos no território
nacional, constituindo sociedades locais variadas. E a Região passa a ser esta dimensão
territorializada do Estado-Nação (BECKER, 1994:103).
23
Considerando
o
posicionamento
dos
pensadores
anteriormente
mencionados e as temáticas pesquisadas nos capítulos, em função de suas
especificidades, apresentam recortes entre os séculos XVI até o início do XXI.
Assim, o tempo geo-histórico, geo-político e as relações etno-históricas do nosso
estudo estão marcados por três momentos: o primeiro conjunto de problemas
diz respeito aos séculos XVI e XVII que registraram os primeiros contatos entre
índios e europeus nessa região das Américas, sob o poderio da Coroa da Espanha
e depois de Portugal com os séculos XVIII e XIX dentro de um conjunto de
problemas sócio-políticos, econômicos e fundiários; o segundo relaciona-se aos
impactos sociais, culturais, políticos, econômicos, relativos à construção do
espaço social roraimense com a criação do Território Federal do Rio Branco e a
transformação em Estado Federado; o terceiro se liga às questões sociais e
étnicas relativas aos conflitos envolvendo o Estado/União, os índios e os nãoíndios no século XX e começo do XXI, que registraram diferentes momentos de
modelos desenvolvimentistas para a região, definindo objetivos na geopolítica
administrativa e defesa da região pelo governo local e governo Federal.
Procura-se, também, desvendar o processo político vivido pela sociedade
local (índios e não-índios), atrelada a diversas esferas governamentais do poder
central. Como tais esferas fizeram da região Território Federal (Constituição
Federal de 1937, no período conhecido como Estado Novo) e, 45 anos depois,
Estado Federado, por meio da Constituição brasileira de 1988 (durante o
processo de redemocratização do país).
Além disso, deseja-se avaliar o conflito das forças constituintes do Estado
de Roraima frente a questões da terra e dos confrontos envolvendo o
Estado/União, os índios e os brancos, no decorrer das duas últimas décadas do
século XX e como tal assunto vem sendo tratado na esfera do Estado e pela
sociedade roraimense (índios e não-índios).
24
Nesse sentido, nosso recorte abrange até a segunda metade dos anos de
1990, quando houve, de forma mais intensa, a comunicação rodoviária nacional e
internacional na região, o movimento de imigração não-indígenas e indígenas, o
posicionamento dos líderes e representantes da sociedade local (índios e nãoíndios), com a marcante presença do índio pró-tradição (vinculada à Diocese de
Roraima) e do índio pró-nacional (ligado ao Estado), que reivindicaram direitos
segundo os princípios da Constituição brasileira/88 e da Estadual/91.
Almeja-se que esta pesquisa venha abrir caminho para que novos estudos
sejam realizados neste foco histórico do Brasil setentrional e que não fiquem
só em caracterização e análises, mas busquem soluções efetivas em escala
abrangente; levando, desta forma, este trabalho a contribuir um pouco mais
com o desenvolvimento histórico deste Estado.
Fontes e Métodos
Um
dos
elementos
de
desvelamento
desse
processo
histórico
contemporâneo de Roraima em expansão e intimamente vinculado ao
pensamento nacional será um exame da imagem do índio e do não-índio como
texto narrativo, incorporado nas múltiplas explicações em forma de
documento escrito e entre outras publicações sobre o tema em estudo. Para
situar essa visão do índio e branco na trajetória histórica, a partir do século
XVI até o XX, buscar-se-á, nas fontes escritas, evidências de dados portadores
desses aspectos registrados pelos viajantes, expedições exploratórias, referentes
tanto ao processo histórico de Roraima como associados às narrativas
presentes nos diferentes interesses com a terra que estão representados na
cultura e na consciência indígena e não-indígena roraimense.
25
Por outro lado, constituem nossa base documental, todos os textos
produzidos e veiculados na região nesse período que faz referência à questão
proposta que é analisar a formação desse Estado e da sociedade nacional local
(multicultural), indicando aspectos que podem ter provocado o conflito das
forças constituintes e a questão da terra entre Estado e União, os índios e a
sociedade local.
Trata-se de entender a política integracionista, que deu, pela primeira vez,
com a Constituição brasileira de 1934 sendo reiterado com a de 1988, o status
jurídico ao índio. Daí, os territórios das nações indígenas poderiam ser utilizados
como usufruto, em seus benefícios. Contudo, tais normas jurídicas que tratam
dos direitos dos índios geraram entre as famílias indígenas (pró-tradição e prónacional) e a sociedade nacional local, violentos conflitos e distintas posturas
políticas em relação a essa situação de reivindicação de direitos que ganharam
proporções nacionais e internacionais.
Diante de tal diversidade, nesse contexto sócio-cultural, devemos fazer um
balanço dos dez anos da transformação de Território Federal em Estado da
União, ao longo desse processo de redemocratização do sistema político
brasileiro, tanto na estrutura do Estado como do país, com o fim de
compreender qual é a dinâmica social do índio e do não-índio nesse processo
político e econômico que foi reordenando a construção de Roraima. Como
exemplo, identificamos, nos programas de desenvolvimentos para Roraima,
discutidos nos fóruns em Boa Vista, ações voltadas para incentivos fiscais,
tributários e de créditos beneficiando empresários decididos a investir no Estado.
Dessa forma, percebemos como o poder executivo estadual teve grande
26
influência nos fóruns em favor da elite, sem se comprometer com uma política
indigenista2.
Essa problemática ganhou novos significados políticos e se destacou como
importante tema de debates em fóruns realizados por distintas organizações
(oficiais e não-governamentais) locais, nacionais e internacionais. Tais debates
produziram documentos3 que buscamos em algumas bibliotecas, arquivos de
órgãos oficiais e não-governamentais, na imprensa local e em sites na internet
envolvidos com essa questão social, cultural e ambiental amazônica.
Nesses documentos, buscar-se-á dados para a compreensão dos discursos
dos representantes das organizações governamentais e não-governamentais,
como fontes que aproximem as múltiplas concepções e a plural experiência de
vida da população roraimense.
Para estudar tal questão, reexaminar-se-á todos os dados de algumas
propostas e documentos relacionados às políticas públicas, sociais e ambientais,
que procuraram incorporar em seus conteúdos os elementos dessa tendência
contemporânea. Essas propostas, de interesse do governo federal para a
Amazônia tendo o apoio de ONGs nacionais e internacionais, apresentaram
objetivos vinculados aos interesses do Grupo dos Sete4 na questão dos povos
indígenas e das florestas tropicais do Brasil. Citamos algumas:
2.
Alguns conceitos relacionados ao histórico da situação do índio aparecem com freqüência no objeto da
pesquisa como: Indigenista, segundo estudos antropológicos, significa política de atuação adotada pelo governo
ou organização não-governamental em relação aos índios. Indigenismo, conjunto de idéias e valores favoráveis em
relação ao índio dentro da política Indigenista.
3. Relatórios, projetos, dossiês, anais, artigos, notas, pareceres, cartas abertas, discursos, revistas, boletins,
jornais, sites (Internet), entre outras publicações sobre o tema em estudo. Esse material foi levantado, entre 1998 a
2002, na Biblioteca da Universidade Federal de Roraima, Biblioteca Pública de Roraima, Biblioteca Pública do
Amazonas, do Instituto Nacional de Pesquisa do Amazonas, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas,
Biblioteca da Universidade de São Paulo e no Centro de Apoio à Pesquisa em História (CAPH/USP), Biblioteca da
PUC/SP, Biblioteca do Centro Cultural São Paulo. Coletamos informações na Secretaria de Planejamento de
Roraima, Coordenadoria de Turismo de Roraima, Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social (RR), Fundação
Nacional do Índio em Roraima, Diocese de Roraima, Conselho Indígena de Roraima, Grupo de Trabalho
Amazônico, Instituto SocioAmbiental (SP), Fundação S. 0 . S. Mata Atlântica (SP).
4. G-7, representa os sete países mais ricos do mundo e lidera políticas públicas sociais e ambientais no
planeta: Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Japão. O interesse pelas florestas
27
a) Proposta Preliminar para um Programa Piloto para a Conservação da
Floresta Amazônica. IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis). Brasileira. Brasília-DF: Editor IBAMA,
novembro de 1990;
b) Projeto Piloto para o Programa de Proteção das Florestas Tropicais do
Brasil. FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Brasília-DF: FUNAI, 1992;
c) Projeto do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais
Brasileiras: projetos demonstrativos – PD/A. Governo do Brasil, Banco
Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Comunidade
Européia. Brasília-DF, dezembro de 1992;
d) Projeto Piloto Ambiental de Desenvolvimento Auto-Sustentado para a
Área Indígena Raposa Serra do Sol. PPTAL5. Brasília-DF: FUNAI, abril de
1994.
e) Pilot Program to Conserve the Brazilian Rain Forest: Indigenous Lands
Project. World Bank. Washington-USA/World Bank, June 6,1995;
f) Projeto de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia. Projeto de Apoio ao
Manejo Florestal na Amazônia. IBAMA. Brasília-DF: IBAMA, jan/1996;
g) Projeto de “Capacitação em questões Indígenas”. PPTAL. Brasília-DF:
PPTAL, 1997.
tropicais do Brasil surgiu durante uma reunião do G-7, em julho de 1990 em Houston, na qual a cúpula do G-7 e
os representantes do Brasil desencadearam entendimentos para propostas ambientais e sociais em parcerias:
Governo do Brasil, a Comissão das Comunidades Européias e o Banco Mundial.
5. PPTAL, termo que passou a identificar o projeto do “Programa Piloto para Proteção das Florestas
Tropicais para toda a Amazônia Legal”. A Comissão do PPTAL, composta por representantes nacionais e
internacionais ligados ao G-7 e o governo federal tem sede em Brasília-DF, analisa os interesses em jogo e dá o
parecer aprovando ou não os projetos elaborados com propostas de desenvolvimento social e ambiental que são
de responsabilidades do PPTAL.
28
h) Projeto de “Gestão Integrada do Estado de Roraima”. Governo de
Roraima/Secretaria de Planejamento. Boa Vista-RR: SEPLAN, setembro de
1997.
Esse universo de fontes apresentavam metas de interesse única e
exclusivamente voltadas para o ambiente como se este estivesse apartado da
questão social. No entanto, depois, surgiram Relatórios de Avaliação dessas
fontes com preocupação tanto ambiental quanto social. Estudaremos alguns:
a) Relatório Anual com o título: “Políticas Públicas para a Amazônia”.
Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais (IEA). Brasília-DF, janeiro. 1993;
b) Relatório da Segunda Reunião dos Participantes do “Programa Piloto para a
Proteção das Florestas Tropicais do Brasil”. Ministério do Meio Ambiente,
dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA). Belém/Pará, 67.julho.1995.
c) Relatório com sugestões para um Projeto Integrado de “Proteção das Terras
Indígenas e Populações Indígenas na Amazônia Legal”. Oficina de
Trabalho/FUNAI/GTZ6. Brasília-DF, setembro.1995.
d) Report of the International Advisory Group (IAG) of the G7 Pilot
Programme to Conserve The Brazilian Rainforest (PPG7), Eighth Meeting.
Brazil: Brasília-DF, 7-8.July.1997. Relatório do Grupo Assessor Internacional
para acompanhar e orientar a implementação dos programas governamentais
voltados para questões ambientais e questões indígenas.
Entre essas fontes, circularam também outras informações (anais, dossiês,
carta aberta, atas, jornais de Roraima, boletins informativos, revistas, etc.)
revelando a posição dos atores sociais e sujeitos políticos envolvidos nas
propostas de políticas públicas para a Amazônia:
6. GTZ, German Agency for Technical Cooperation. Os participantes desse evento (representantes
indígenas, da sociedade nacional, de órgãos oficiais e não-governamentais nacionais e internacionais)
estabeleceram sugestões de possível cooperação em Projetos Integrados na Amazônia Legal, com apoio de
Cooperação Técnica alemã.
29
a) Anais do Seminário de Estudos sobre o Programa Piloto para a
Amazônia. Belém/Pará: FASE/IBASE, fevereiro. 1993. O documento
apresentou discussões para melhor compreensão do “Programa Piloto” (PPG7)
direcionado para os problemas sociais e ambientais amazônicos;
b) Ofício n. 541/DAF/97, de 22 de julho de 1997. Políticas Indigenistas e
Demarcação de Terras Indígenas com a contratação de ONGs sem licitação.
FALEIROS, Áureo Araújo. Dossiê. Brasília-DF: FUNAI, 22.julho.1997. O
documento apresentou anexos (Memorando n. 181/PPTAL/97) relacionados à
complexa realidade dos direitos dos índios e de suas terras;
c) Carta Aberta dos Índios de Roraima sobre “Demarcação de Terras
Indígenas”. Boa Vista/RR, janeiro. 1981. Assembléia Geral dos Tuxauas, na
região do Surumu/RR;
d) Carta Aberta. “Posição do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)”.
Brasília-DF: GTA, 27.agosto.1991. “Programa Piloto” (PPG7) para a proteção
das florestas tropicais do Brasil, especialmente, associadas à idéia de uma
transformação sócio-cultural e ambiental amazônica;
e) The Indian Declaration Against The Pilot Plan. “A Conference about the
Pilot Plan was held in Luxemburg, 8-9.June.1991”. (It was promoted by Action,
Third World Solidarity and mediated by allies of Earth International). Foi
apresentada, pelos representantes indígenas do Brasil, no referido evento;
f) Declaração “Desafios para o sucesso do Programa Piloto” (PPG7).
Documento elaborado durante o “Terceiro Encontro dos Participantes do
Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil”.
Bonn/Alemanha, 10-12.setembro.1996;
g) Resolução n. 68, de 1993, publicada no DOU, Brasília-DF, 30 de agosto de
1993, p. 12823, do Senado Federal/Brasil. O documento fez um breve relato da
autorização do “acordo-quadro” entre o Brasil e o BIRD relativo ao PPG7;
h) Atas da Assembléia Geral dos Tuxauas, realizadas na região do
Surumu/RR, em janeiro de 1981/82/85. Fazem referência aos temas conflitantes
entre índios e não-índios: demarcação de terras, reorientação educacional dos
jovens, propostas de desenvolvimento sustentável em terras indígenas, o
problema do alcoolismo e da prostituição entre outras medidas políticas para o
30
reconhecimento da organização social e cultural do índio diferenciado do
nacional.
Coletar-se-á, nas fontes escritas, referências às múltiplas relações culturais
e interesses políticos no contexto da gestão do novo Estado, a questão central em
torno da qual se organiza a nossa análise, num diálogo entre história, cultura,
política, direito, economia e sociedade, evidenciando a formação de Roraima
como Estado da União. Tal questão, não apenas pode oferecer possibilidades de
apreensão do aspecto cultural e social na história contemporânea como, também,
elucidar disputas geopolíticas e econômicas do novo Estado.
A utilização do material publicado pela mídia roraimense (jornais, rádio,
televisão, entre 1980/90), como um dos vieses de nossas fontes, evidencia
situações em que as vozes do Estado e da população (indígena e não-indígena)
oferecem suas idéias à análise e, por sua participação no debate, podemos melhor
compreender o universo do Estado em formação.
Os jornais locais de maior circulação na capital Boa Vista são: Folha de
Boa Vista (FBV) que é de propriedade da Editora Boa Vista Ltda (do
empresário e fazendeiro Getúlio Cruz) e o Brasil Norte (BN) que é vinculado ao
governo do Estado. A Crítica de Manaus é o mais conhecido jornal regional,
além dos nacionais como o Jornal do Brasil (JB), O Globo, O Estado de São
Paulo, a Folha de São Paulo, que ampliam a discussão do conflito local por
meio da publicação de textos dos editores, dos jornalistas e dos líderes e
representantes da política e da sociedade local e nacional.
Grande parte das publicações analisadas foi retirada do jornal FBV,
motivamos as nossas escolhas por esse jornal, pela sua proposta de tentar
democratizar o registro das opiniões nos artigos, entrevistas que apresenta
diariamente ao leitor dessa região. A edição do jornal FBV é composta por dois
cadernos:
31
Caderno 1
Pág.
Capa
Opinião
Política
Política
Cidade
Cidade
Cidade
Variedades
Social
Geral
Editais
Polícia
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
Caderno 2
Pág.
Capa
Política
Indicador
Classificados
Classificados
Classificados
Classificados
Classificados
Classificados
Brasil
Esporte Nacional
Esporte Local
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
Site: www.folhabv.com.br
As seções e conteúdos analisados foram dos textos publicados7 no jornal
Folha de Boa Vista (FBV) no seguinte período:
Componentes
Seções Analisadas
Jornal Publicado
Demarcação de terras, conflito de terras, cidadania,
autonomia, identidade étnica, autodesenvolvimento,
Funai, Diocese de Roraima, Assembléias e
Conselhos Indígenas, soberania nacional, Igreja,
Ongs, entidades (CIMI), tutela, “royalties”,
dizimação,
resistências,
território,
reservas
indígenas, municípios, eleições, empresários e
entidades do comércio, governo de Roraima,
Prefeito de Boa Vista, OAB/RR, Assembléia
Legislativa, prefeitos, Constituição Federal/88
Editorial e matéria
assinada,
artigos,
reportagem,
entrevista e geral.
1992 – Outubro
1996 - Novembro
1997 – Ago/Nov/Dez
1998 - Abr/Maio
Jun/Dez
1999 – Jan/Fev/Nov/Dez
2000 - Jan/Fev/Ago/Set
Out/Nov/Dez
2001 – Jan/Fev/Abr/Nov
2002 - Jan/Fev/Dez
As mudanças e transformações tanto sociais como políticas nessa região
foram veiculadas nesse jornal que defendeu ora o não-índio, ora o índio, ora o
Estado. Em geral, os textos registraram as experiências da imprensa local vividas
de forma dialética e vistas com preocupação por parte dos intelectuais, escritores,
jornalistas, editores, entre outros, que expressaram diferentes leituras acerca do
conflito fundiário, valores culturais, políticos e sobre a situação em questão no
Estado de Roraima.
7. Além dos textos do jornal FBV, utilizamos outros textos que foram elaborados pelos jornais locais
“Brasil Norte” (BN) em janeiro/99/00, em dezembro/01/02; pelo jornal “O Diário de Roraima” (OD), em
agosto/97; pelo “Jornal do Brasil” (JB), em junho/99, pelo “O Estado de São Paulo”, maio/03; dando
cobertura dos acontecimentos locais, referentes ao conflito fundiário e exploração dos recursos naturais.
32
Durante o mês de setembro de 2000, realizou-se entrevistas com o
Administrador Regional da FUNAI/RR e com o Coordenador do Conselho
Indígena de Roraima (CIR), nessa ocasião, as informações sobre essa temática
política, econômica e sócio-cultural, sem uma efetiva definição fundiária,
mostrou-se confusa e esparsa. Apesar das organizações indígenas participarem
dos fóruns de discussões que buscam alternativas e soluções para essa questão
em Roraima, seus representantes não deixaram claros os fundamentos e os
recursos
para
implementação
de
programas8
indígenas
em
parcerias
governamentais e não-governamentais, que almejam por meio dos projetos a
melhoria social e exploração ambiental9.
Desse modo, o presente trabalho foi dividido em seis capítulos. No
primeiro capítulo, procuramos analisar as políticas governamentais vinculadas às
idéias de expansão da fronteira e defesa da terra ocupada a partir, principalmente,
das representações e suas atuações políticas administrativas nas transformações
sócio-culturais da região, iniciadas no século XVI indo até o XIX. No segundo,
discutimos as perspectivas históricas, culturais e políticas na montagem e na
organização espacial e social da região, no século XX. No terceiro, procuramos
mostrar, a gênese do Estado: do Território Federal ao Estado Federado com a
promulgação da Constituição Federal de 1988 e, depois, com a instalação
político-administrativa com a promulgação da Constituição Estadual de 1991. O
principal enfoque está voltado tanto para os textos constitucionais, relacionados à
problemática político-administrativa e sócio-cultural (índios e não-índios), como
para o conflito fundiário. O quarto capítulo, analisa os dez anos do Estado de
8.
Propostas na área da educação, saúde, agricultura, piscicultura, pecuária, entre outros.
Nos procedimentos do Projeto “Ambiental e Desenvolvimento Sustentável”, para a reserva indígena
Raposa Serra do Sol, determinou para a região de serra a “recuperação ambiental concomitante a mineração no
curso médio do igarapé Capim e imediações de sua confluência com o rio Maú, produzindo 1.500 quilates por
ano ao final do terceiro ano do projeto”. PPTAL-FUNAI, Brasília-DF, abril de 1994. Por divergências políticas,
econômicas e culturais, entre os representantes governamentais (locais, nacionais, internacionais) esse projeto não
foi aplicado.
9.
33
Roraima, por meio das ações do executivo estadual e suas propostas para
melhorar a vida da sociedade roraimense (índios e não-índios), a partir de 1991,
com a instalação do Estado. O quinto, analisa a participação dos representantes e
lideranças indígenas e não-indígenas e os seus projetos na questão fundiária, por
intermédio da imprensa local. O sexto, apresenta nossas considerações finais
sobre o levantamento de dados referentes ao nosso estudo, a ruptura da
monoconsciência indígena (pró-tradição e pró-nacional) e a morfologia sóciocultural do novo Estado.
Cumpre, assim, examinar algumas lacunas que marcaram esse processo
histórico de Roraima. Tal estrutura instituiu, nas últimas décadas do século XX,
novas idéias de direitos constitucionais, incorporando fundamentos de
transformação do conteúdo ideológico de concepção do Estado e da sociedade
local. É nossa intenção, nesta pesquisa, entender como o aparelho de Estado
recém-criado, por exemplo, lida com as questões acima apontadas. Além disso,
observar-se-á como se dão as relações atuais entre Estado, índios, brancos e terra,
de acordo com os pressupostos de dois textos constitucionais: a Constituição
Federal de 1988 e a Constituição Estadual de 1991.
Cabe ressaltar que, em se tratando de um processo histórico do tempo
presente, é impossível detectar, com maior precisão, as fontes teóricas
esclarecedoras dessas práticas e suas respectivas representações e formas de
organizações em Roraima, de suas atuações intergovernamentais e dos setores da
sociedade, na formação do novo Estado.
34
CAPÍTULO 1
RORAIMA: um olhar histórico e sócio-político do
século XVI ao XIX
A região de Roraima possui cerca de 230 mil quilômetros quadrados, com
diversificado ecossistema na bacia do Rio Branco, é uma área maior do que a do
Estado do Paraná e muitos países da Europa. Afigura-se entre terra com relevo
acidentado e terra plana, situando-se acima da linha do equador (Hemisfério Norte),
entre florestas amazônicas e as primeiras elevações do sistema orográfico das
Guianas. Desse modo, seu espaço geográfico apresenta uma grande diversidade:
floresta, savana, serras, rios, lagos, cachoeiras, fauna, etnias indígenas, homens da
sociedade nacional que habitam distintos povoados ribeirinhos e povoados
esparsos das terras firmes.
O Rio Branco é considerado o mais importante afluente da margem
esquerda do Rio Negro que, junto com o Rio Solimões, forma o Rio Amazonas
desaguando no Atlântico. A bacia do Rio Branco é o divisor de águas entre as
bacias dos rios Orinoco (Venezuela), Essequibo (Guiana) e Amazonas (Brasil).
Em Roraima, existem áreas de rica tradição indígena e outras de plural
manifestação não-indígena. As regiões de savana, de serras e de florestas,
incontestavelmente, expressam formas de sociabilidade com traços semelhantes
ao modo de ser da vida amazônica. Essas áreas, porém, convivem à sua maneira
e, no campo das relações sócio-culturais, algumas foram ampliadas, outras
modificadas e muitas desapareceram no processo de povoamento ou colonização
“civilizada”10 iniciada no século XVI, alongando-se até o nosso tempo presente,
início do século XXI. Esse processo histórico, de formação sócio-cultural e
10. Estamos nos referindo ao conjunto de aspectos da cultura ocidental, das características de uma
sociedade com o indivíduo bem-educado, cortês, civil, urbano, como elementos peculiares à vida intelectual,
artística, moral e material, fruto de concepção da sociedade européia do século XIX.
35
política do Estado, será o objeto de nossa reflexão nesse primeiro capítulo que
tratará do momento da expansão. Para compreendermos tal questão, o contato
entre índios e brancos acirrando a luta pela posse dessa terra, conduziremos
nossas reflexões para os acontecimentos da primeira fase colonial européia, a
partir do século XVI.
1.1. Amazônia Setentrional11, perspectivas históricas dos séculos XVI e
XVII
Entre os séculos XVI e XVII devemos considerar as múltiplas tensões
sociais e culturais que se fizeram presentes nas diferentes transformações do
sistema político com aspirações de expansão territorial da cultura ocidental,
cultivadas pelas monarquias ibéricas e pelas elites tanto da nobreza como da
burguesia européia que disputavam a partilha do poder estatal e o monopólio do
comércio no Atlântico.
Esse período foi definido pelo abandono dos barcos a remo (as galeras)
que circulavam no Mediterrâneo, para os navios atlânticos, para a navegação que
se tornou à vela no mar aberto. Tais mudanças, alteraram o sistema político e
econômico dominante na Europa, que, baseado no acúmulo de divisas e metais
preciosos pelo Estado, por meio de um comércio exterior de caráter
protecionista, resultou na disputa marítima entre as forças imperialistas em jogo,
com as duas monarquias rivais impondo uma divisão do oceano e das terras
“descobertas” no Novo Mundo.
Assim, o Papa Alexandre VI expediu uma Bula, a 04 de maio de 1493,
atribuindo ao Rei espanhol o domínio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes,
já descobertas ou que se viessem a descobrirem situadas a ocidente de uma linha
meridiana traçada de pólo a pólo e que passasse cem léguas a oeste de qualquer
11. Terras da Amazônia Legal que estão localizadas na parte norte, hoje, fazem parte do Estado de
Roraima (Extremo Norte brasileiro). No século XVI, deu-se início ao processo civilizador dos nativos dessa
região amazônica, sendo inseridos nos problemas do mundo moderno capitalista.
36
das ilhas dos Açores e Cabo Verde. No entanto, o Monarca português (D. João
II) recusou-se a aceitá-la e essa questão tornou-se um dos dilemas entre os reinos
ibéricos, com concessões e recuos diplomáticos, na tentativa de aumentarem o
poder no Atlântico.
Para solucionar o embate entre as duas monarquias competidoras do
mundo ultramarino foi assinado, em 07 de junho de 1494, o Tratado de
Tordesilhas12. Esse acordo foi considerado um marco histórico nesse processo da
partilha política e econômica de competição internacional crescente, na rota
oceânica e nas terras que foram divulgadas pela expedição de Colombo. O
referido Tratado, demarcando o litoral brasileiro por meio do meridiano que
passa por Belém (ao Norte) e Laguna (ao Sul), deu ao Império português
domínio de quase toda a bacia do Atlântico afro-brasileiro e parte de terra firme
que ficava ao Leste da linha meridional (o Brasil só foi ocupado pelos
portugueses seis anos depois, a partir de 1500).
O final do século XV e todo o transcurso do XVI ofereceram ao Império
português enormes possibilidades internacionais de expansão. Lisboa era
considerada como um importante centro de renovações de conhecimentos e
valores políticos e econômicos. Estava ligada à Índia e ao Extremo Oriente sem
interrupção de comunicação pela rota oceânica, usada para exploração de
especiarias asiáticas, e impunha-se ao domínio do Atlântico Sul, aos
ancoradouros da costa afro-brasileira.
Por sua vez, o Império espanhol desfrutava da expansão e conquista do
mercado e matérias-primas (minerais e vegetais) no Atlântico Norte. Nessa
perspectiva, a expansão dos reinos ibéricos se fez sob o signo do capitalismo
comercial. Esses colonizadores tinham como meta fornecer ao mercado europeu
12. Esse Tratado alterou a linha divisória dos territórios “descobertos” e explorados pelos espanhóis e
portugueses, que fora promulgada pela Bula Inter Coetera de 1493. Com o Tratado de Tordesilhas o limite foi
ampliado para 370 léguas.
37
produtos exóticos e tropicais de valor comercial, principalmente os metais
nobres, as pedras preciosas e os “paus de tinta” (pau-brasil, diferentes raízes e
frutos usados na tintura pelos índios).
Apesar da diversificação dos produtos tropicais comercializados pelos
portugueses, as duas nações ibéricas constituíram instrumentos colonizadores
semelhantes na Amazônia: aldeamentos e escravização indígena. Essa ação
envolveu tanto o processo de povoamento como o de organização de uma
economia complementar voltada para o mercado das metrópoles.
A europeização do mundo amazônico aconteceu com a descoberta da rota
fluvial interligada ao Rio Amazonas (com entradas pelo Oceano Pacífico, Atlântico e
Mar do Caribe). Até o início do século XVI, o Rio Amazonas mal figurava na
cartografia de expansão do homem europeu. A sistemática navegação
fluvial/marítima entre o Rio Amazonas e o Atlântico foi de fundamental
importância para as trocas e contatos entre os índios e os europeus.
Na história do Brasil, quando se fala em região amazônica, são logo
lembradas as Entradas e Bandeiras, ignorando-se todo esse dinamismo político e
econômico internacional do século XVI, ligado ao Tratado de Tordesilhas e à
União Ibérica13, por exemplo. Existe uma ausência ou um embate de paradigmas
na historiografia brasileira, o que se relaciona às pendências fronteiriças entre os
portugueses e as outras nações européias (Espanha, França, Holanda e Inglaterra)
na Amazônia setentrional.
Em geral, os documentos apenas relatam os feitos corajosos dos homens
do Brasil colonial que abriram os caminhos do interior, criando novas formas de
vida política e econômica, ampliando o espaço físico da terra portuguesa no
Novo Mundo. Nesse processo histórico, as “entradas” e “bandeiras” com que se
13. Relativo ao período histórico entre 1580 até 1640, quando da morte do cardeal Dom Henrique (1580),
rei de Portugal, sem deixar herdeiros diretos, o reino português passou para o poder de Felipe II, rei de Espanha.
A união entre as duas Coroas (portuguesa e espanhola) ampliou o poder político ibérico nas terras do Novo
Mundo e despertou reação agressiva entre as outras nações européias, que disputavam o comércio internacional.
38
procurava “desbravar” as zonas ignoradas do sertão aproximando a Amazônia do
litoral, tornaram-se estratégias importantes tanto na busca de novas riquezas
como na captura dos indígenas.
Assim, do ponto de vista da política expansionista, do conhecimento dos
pioneiros “desbravadores” servindo os interesses do poder colonial, os
bandeirantes foram considerados “ícones autênticos” dos exploradores
portugueses e paulistas (que vieram em busca de ouro no Mato Grosso e se fixaram no sul
da bacia amazônica) favorecendo a penetração e a conquista do “Rio-Mar”, o
Amazonas pela Coroa Lusa.
Nessa perspectiva, o século XVI é visto como um período rico de relatos
ou informações difundidas por viajantes e cronistas, que tinham como base essa
curiosidade do homem europeu, e as sucessivas visões que circundavam a cultura
e a natureza do Novo Mundo, atraindo homens em busca do metal aurífero na
terra luso-americana.
As primeiras notícias sobre essa região amazônica foram divulgadas em
documentos que relatavam as viagens de aventureiros, militares, missionários,
naturalistas, cronistas, geólogos, que procuravam atualizar seus conhecimentos
científicos e cartográficos, percorrendo essas terras do Novo Mundo com
viagens sistemáticas após os anos iniciais do século XVI. As obras configuradas
por esses homens engendraram uma história de múltiplos pontos de vista do
mundo natural e de seus habitantes indígenas.
Desse modo, a região foi divulgada pela primeira vez, sob o olhar da
expedição do espanhol Francisco Orellana, ocorrida entre 1539 e 1542. O
explorador espanhol buscava notícias que confirmassem a existência da Terra da
Canela (o país do Príncipe El Dorado) ou da Cidade de Manoa14. Orellana foi o
14. Mito que se fez presente no imaginário do homem europeu do século XVI, explicando a existência de
uma cidade (com palácios cravejados de pedras preciosas, ruas e rios cobertos de ouro) governada por um
príncipe que cobria todo o corpo de ouro (IBGE, 1981). Em outra publicação, o mito (El Dorado – homem de
ouro) se refere ao príncipe inca, filho caçula de Huayanacapa, que conseguiu escapar dos espanhóis Francisco
39
descobridor da rota fluvial integrada ao Rio Amazonas, percorrendo o rio desde a
cabeceira até sua foz no Atlântico.
A expedição de Orellana navegou por diferentes labirintos aquáticos entre
rios e igapós, pretendendo elaborar uma carta topográfica com o mapa preciso da
viagem, mas não descobriu qual dos rios navegados teria ligação com o caminho
que o levaria para Manoa. Sem entender direito a língua dos índios, o chefe da
expedição nunca tinha certeza do melhor caminho fluvial a ser seguido. Ao
encontrar o rio de águas pretas, os homens de Orellana o denominaram de
Negro.
Gaspar Carvajal (1542), o cronista que fez os relatos da expedição de
Orellana, descreveu com detalhes a existência de densas populações indígenas ao
longo das margens do rio, dando notícias também da sofisticação de suas
cerâmicas. Essa notícia envolvendo a região amazônica com o mito branco El
Dorado atraiu imigrantes/aventureiros de nações européias que visavam não só a
participação nesse mercado expansionista, mas derrubar o poderio econômico e
marítimo internacional mantido pela Espanha no Atlântico Norte.
Nesse percurso fluvial, um outro mito do imaginário europeu foi
difundido por Orellana: o seu encontro com as “mulheres guerreiras”, as
Pizarro, Diego Almagro e outros durante a conquista do Império do Peru. Esse príncipe partiu protegido por um
batalhão de guerreiros, de diferentes etnias indígenas, abrindo caminho pela floresta amazônica em direção ao mar
do Caribe. Nessa região intransponível, entre as bacias do Amazonas, do Orinoco e do Essequibo, o príncipe inca
fundou o Império da Guiana à beira de um lago salgado com duzentas léguas de comprimento. Esse Império
seguiu as mesmas regras governamentais do antigo Império do Peru. Todo ano, durante um ritual mítico, o corpo
do príncipe inca era coberto de ouro e, num cerimonial de revitalização dos súditos indígenas, era mergulhado em
um lago para depois emergir (cf. MANTHORNE, 1996). A confirmação do mito e da existência de tal lago, nessa
região setentrional da Amazônia, foi descrita pela expedição do inglês Walter Raleigh de 1594 a 1596, na
publicação “The Discovery of the Large, Rich and Bewtiful Empire of Guyana”. Essa publicação teve
diversas reimpressões e no ano de 1597 foi simultaneamente traduzida para o francês, holandês e italiano,
tornando-se o primeiro best-seller internacional da cultura européia (cf. RALEIGH, Walter. O Caminho de
Eldorado, adaptação e notas de E. San Martin, 2002). De acordo com as citações de Sir Raleigh, o caminho para
o El Dorado conduzia para as planícies que circundavam as montanhas entre os rios Essequibo e Orinoco. Os
registros faziam referência à região da bacia do Rio Branco (Roraima) como o possível lago denominado Parimé.
No século XVIII, com a entrada dos portugueses na região, tal lago não foi encontrado, porém, depararam-se
com um rio de nome Parimé.
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amazonas, caracterizadas como cruéis e sanguinárias, que teriam acumulado
grande fortuna em pratos de ouro trazidos do El Dorado.
Ao final do século XVI e começo do XVII, com o aumento da posse de
terras no Novo Mundo e dos bens do poder real, tanto da Espanha como de
Portugal, gerou intensas disputas pelo poder crescente e valioso mercado de
exportação, em face de sua extensão do mar mediterrâneo para o mar aberto do
Atlântico (dominado ao Norte pelos espanhóis e ao Sul pelos portugueses). Desse modo,
os Estados-Nações em formação no velho mundo europeu, voltaram-se para a
exploração mercantilista na região amazônica.
Contudo, vários fatores dificultaram a conquista e a ocupação da terra
amazônica (não só pelos espanhóis, como pelos seus inimigos ingleses, franceses e
holandeses), entre os quais:
a) a variedade lingüística indígena dificultando o entendimento entre os
intérpretes;
b) a imprecisão das informações cartográficas;
c) as Cordilheiras dos Andes e o sistema Parimo-Guiano, formando uma espécie
de muralha;
d) o clima úmido e quente no vale, frio nas montanhas e o aumento do calor com
a proximidade da imaginária linha do Equador;
e) as diferentes bacias dos rios Orinoco, Essequibo e Branco com movimentação
de suas águas controladas pelas duas estações: seca (período de verão entre
outubro e abril) e chuva (período de inverno entre maio e setembro).
Além disso, no período chuvoso, a correnteza dos rios fica mais forte, as
praias desaparecem por conta da cheia do rio, as margens ficam cobertas por
mata cerrada, os barcos parecem mais pesados e os remadores cansados
dificilmente enxergam um lugar tranqüilo para ancorar. Havia o pavor sobre as
doenças desconhecidas que dizimavam tripulações das expedições.
41
A idéia de medo ou temor dos mistérios da Amazônia surgiu no período
após a “Era dos Descobrimentos”. Depois da divulgação das notas de viagens de
Sir Raleigh (1596), houve rumores de que muitos homens europeus morreram de
“febrões misteriosos” e “constipações tropicais”. Outros, perderam a vida em
combate com os índios, principalmente contra os guerreiros do grupo lingüístico
Karib que eram considerados canibais. Além disso, as savanas estavam cheias de
viveiros de “vermes constipantes” e serpentes de “peçonha sem remédio”. Em
alguns locais, beber daquela água era suicídio porque causava “infecções com o
mais aflitivo corrimento” (SAN MARTIN, 2002:67/69). Nesse sentido, os serviços
de um guia indígena conhecedor da região era imprescindível para sobreviver
nessa empreitada.
Tais boatos coincidiram com o momento da implantação de estratégias
para o controle territorial no Novo Mundo. Os holandeses e ingleses apareceram
nesse cenário amazônico fazendo alianças comerciais com os índios, usando
mecanismos políticos distintos dos espanhóis e portugueses que impunham a
cultura e a religião, construindo uma sociedade amazônica com o trabalho
escravo do índio. Nesse processo de colonização e disputa geopolítica, os
protestantes holandeses e ingleses ofereciam “guarda militar” aos nativos,
justamente contra as tentativas ibéricas de “escravizar e eliminar os hábitos e
costumes dos índios em nome do cristianismo” (SAN MARTIN, 2002:13),
percebidos claramente como mecanismos de conquista da terra pelos reinos
ibéricos católicos.
Nessa vivência de confronto político-cultural, as incursões sociais e trocas
comerciais na região eram quase exclusivamente indígenas por toda a primeira
metade do século XVI. Diferentes famílias do grupo lingüístico Arawak
(Wapixana) e do grupo Karib (Makuxi e outras pequenas etnias), que fugiam da
42
colonização espanhola e depois dos portugueses, realizavam pactos inter-tribais e
trocas, havendo também guerras entre si na disputa do território.
O processo da “mundialização” sócio-econômica indígena, nessa fase
histórica da região, encontrava-se sob a égide dos índios denominados
“Caribes”15 que monopolizavam as relações inter-tribais e que:
(...) desenvolveram, a partir do médio curso do Orinoco, uma enorme atividade comercial
e, em muitos casos, verdadeiras conquistas. Navegadores incansáveis, eles já tinham
alcançado não só os rios Caura, Paragua e Caroni, mas também o alto Orinoco, o rio
Uraricoera, o Tacutu e Rupununi, (...) A partir do rio Orinoco, os Caribes deixavam o
curso do Caura, desembocavam no Rio Paragua e, deste, penetravam nos rios Uraricoera e
Branco. Pode-se supor que, em alguns casos, realizadas as trocas e os pactos inter-tribais
que tinham motivado aquela viagem, voltavam atrás; ou, na maioria das vezes, prosseguiam
a pé no “lavrado”, até chegarem no rio Tacutu, e depois deste, no Essequibo. Daí tornavase fácil voltar ao Orinoco (CIDR, 1989: 5).
O modo tradicional de apropriação do espaço coletivo, auxiliado pela
relação mítica de parentesco com o ciclo da natureza (VIVEIROS DE CASTRO,
1998), usado pelas etnias indígenas, era redimensionando e até reconstruído pelo
coletivo de uma identidade única como os denominados “Caribes”. No processo
das relações inter-tribais, os “Caribes” transformaram em território de seu
domínio as vastas regiões pertencentes às bacias dos rios Orinoco (Venezuela),
Essequibo (Guiana) e Branco (Brasil), dentro de um processo ecossistêmico
distinto do modo de apropriação do mundo natural pelo branco, de modelo
econômico e interesse individualista na relação com a terra.
Na visão do índio, essa área territorial amazônica definida pela interrelação entre os seres vivos e o ambiente, respeitando-se o espaço de tempo
durante o qual ocorrem os fenômenos naturais relativos aos períodos cíclicos
(chuvas, verão, caça, pesca, colheita, etc.), existia como se fosse totalmente uma imensa
maloca. A unidade habitacional indígena era mudada de lugar seguindo o ciclo da
15 Somente no século XIX, com auxilio dos textos antropológicos, o termo Karib ou “Caribes” passou a
denominar de modo claro o grupo lingüístico e não o grupo étnico, como era difundido de maneira confusa nos
textos etno-históricos referentes aos relatos dos viajantes e dos cronistas da fase colonial (CIDR, 1989; REIS,
1989).
43
natureza, desvinculado da idéia de posse de um determinado espaço físico para
fixação e exploração, concepção esta da cultura do branco, que delimitou áreas
territoriais particulares para usufruto dos espanhóis, portugueses, holandeses,
ingleses, entre outros grupos da cultura européia.
De acordo com o olhar dos primeiros brancos, os distintos habitantes da
Amazônia eram denominados de “índios” e constituíam dois grandes grupos
sociais: os caçadores-coletores, que eram nômades; e os agricultores que, com
uma organização social mais complexa, eram fixos à terra.
O conjunto de idéias do olhar cultural ocidental não alcançou, contudo, o
sentido da dimensão simbólica e social indígena, que era distinto da dimensão
simbólica e social ocidental. Desse modo, o povo ameríndio se diferenciava de
tudo o que o europeu conhecia sobre organização social e cultural:
Os espíritos xapiripê dançam para os xamãs desde os primórdios e assim o fazem até hoje.
Eles parecem seres humanos, mas são tão minúsculos quanto partículas cintilantes de
poeira. (...) Os espíritos são tão numerosos porque são as imagens dos animais da floresta.
Todos na floresta têm uma imagem utupê: quem anda no chão, quem anda nas árvores,
quem tem asas, quem mora na água (...). São essas imagens que os xamãs invocam e fazem
descer para virar espíritos xapiripê. Essas imagens são o verdadeiro centro, o verdadeiro
interior dos seres da floresta. As pessoas comuns não podem vê-los, só os xamãs. Mas não
são imagens dos animais que conhecemos agora; são imagens dos pais desses animais, são
imagens de nossos antepassados. Nos primórdios, quando a floresta ainda era jovem,
nossos antepassados eram humanos com nomes de animais, e acabaram virando caça. São
eles que flechamos e comemos hoje. Mas suas imagens não desapareceram, e são elas que
agora dançam para nós como espíritos xapiripê. Esses antepassados são muito antigos.
Viraram caça há muito tempo, mas seus fantasmas permanecem aqui (KOPENAWA
YANOMAMI, 1998: 08)16.
Esse pensamento simbólico, retirado de um depoimento do índio
Yanomami, de final do século XX, foi mitificado por meio da narrativa oral ao
longo dos séculos passados. Essa narrativa explica a forma de representar e
apreender o mundo natural do índio e faz aparecer um conhecimento que não se
16.
Davi Kopenawa Yanomami, em depoimento recolhido, traduzido e editado por Bruce Albert. Os
Yanomami são caçadores-agricultores e ocupam a região do interflúvio Orinoco-Amazonas (Rio Branco e Negro).
São cerca de 9.500 no Brasil e 12.600 na Venezuela. Segundo Davi Yanomami, o xamanismo, enquanto
intermediação ritual com todas as formas de alteridade que ameaçam a comunidade humana e a ordem do mundo,
é o centro de gravidade de sua cosmologia e filosofia social.
44
restringe ao pensamento cartesiano. Tais imagens do pensamento mítico indígena
só poderão ser compreendidas recorrendo-se a esse princípio de representações.
Nesse sentido, podemos arriscar em dizer que, tanto no século XVI como
no século XX, para o índio não existe o conceito de direitos individuais e
propriedade como corriqueiros na cultura ocidental. Existe uma complexa
organização social e uma relação de parentesco com o espaço geográfico (terra,
fauna, flora), recriado no cotidiano indígena que dá significado a tudo o que
acontece entre a esfera humana e a natural (DIEGUES, 2001:54/57). Essa
organização social do índio é explicada por meio das narrativas e dos rituais
míticos conectando o mundo sócio-cultural ao mundo cosmológico.
Sobre os primeiros encontros dos europeus (espanhóis, holandeses e ingleses)
com essas etnias indígenas amazônicas nos séculos XVI e XVII as fontes na
historiografia brasileira são escassas, mas os poucos documentos revelaram a
incontestável confiança e audácia desses europeus enfiando-se durante meses na
selva amazônica, apenas com pequenos barcos e botes a remo, enquanto grande
parte da tripulação aguardava no navio ancorado na “costa selvagem”17.
Dentre os hábitos indígenas relatados pelo olhar dos primeiros
exploradores europeus, o de maior impacto foi a notícia sobre a antropofagia.
Alguns viajantes acreditavam terem chegado ao tão almejado “paraíso perdido” e
outros de terem desembarcado numa terra demoníaca, habitada por “bestasferas”. Passou-se a questionar se a Amazônia era o “imaginário Paraíso ou o
Inferno” (LEITE, 1996:35). Após o contato dos índios com as expedições de
Colombo e Cabral, as boas impressões sobre as riquezas das terras do Novo
Mundo divulgadas por esses viajantes, suscitaram no mundo europeu idéias sobre
o “mito do paraíso terrestre” (PERRONE-MOISÉS, 1996). O mais impressionante,
aos seus olhos, era essa “gente idílica e sadia em sua nudez” (LEITE, 1996).
17.
MARTIN,
Expressão que identificava o Nordeste da América do Sul banhada pelo Mar Caribe, nessa época (SAN
2002).
45
Esse tema necessita de maiores estudos, mas existem observações de
viajantes europeus (especialmente franceses) do século XVI, na disputa da terra
ameríndia, apontando para uma visão etno-histórica, condenando os hábitos
culturais e morais dos índios (incesto, preguiça, luxúria, canibalismo, entre outros)18.
Nesses documentos, há uma discordância da visão paradisíaca divulgada pelos
primeiros viajantes católicos (espanhóis/portugueses), pois os novos relatos
(viajantes protestantes) deram ênfase ao hábito antropofágico do índio,
contrariando a idéia de que o índio vivia em um cenário semelhante ao dos
“primeiros dias da criação”. Essa divergência político-religiosa foi usada pelos
protestantes para desautorizar os católicos (papa-hóstia), igualando-os aos
antropófagos e solidificando sua reivindicação na posse da vida do índio e da
terra conquistada (PERRONE-MOISÉS, 1996:86/90; LEITE, 1996:35-36).
Essa estratégia político-religiosa na disputa do domínio colonizador
europeu enfrentou outros “poderes” de um sistema que fundamentava as
relações indígenas. Na área amazônica do mundo indígena também ocorria
mudança e disputa pelo poder e posse do território. Essa área do Rio Branco
recebeu múltiplas etnias indígenas nos últimos milênios que instituíram seus
espaços sócio-culturais e os variaram de acordo com os diferentes modelos de
adaptação ambiental, “sem causar danos irreparáveis” à natureza circundante
(MEGGERS, 1987). Com a chegada de novas famílias indígenas gerou uma série de
lutas entre as próprias etnias indígenas pela posse da terra e do monopólio nas
trocas comerciais entre essas etnias.
Entretanto a maioria dos documentos, que registraram essas primeiras
explorações dos recursos naturais pelos europeus em fins do século XVI, deu
poucas notícias sobre esses primeiros confrontos interétnicos amazônicos. Ora
18. Considerações extraídas de estudos sobre esses documentos do século XVI relatando as
circunstâncias das viagens e as características gerais dos relatos resultantes (cf. PERRONE-MOISÉS, 1996:86; LEITE,
1996:34).
46
descrevem os acontecimentos sob a visão fantasiosa dos viajantes e ora na visão
dos “desbravadores do sertão”, não deixando clareza sobre o embate entre índios
e não-índios na formação do processo histórico associado à idéia de conquista e
expropriação da terra que era habitada pelos índios.
Outros estudiosos19 da região deram uma interpretação de “efeitos” sobre
a paisagem natural do lugar, construindo um mundo praticamente desabitado e
desconhecido, fazendo referência às densas florestas “virgens” formadas por
montanhas, vales, cachoeiras e rios sem fim. Apresentaram cartografias com
detalhes sobre riquezas minerais e destacaram a abundância de madeira, de frutas
típicas (cacau, caju, banana, buriti, açaí, etc.) e peixes de variados tamanhos (pirarucu,
tucunaré, curimatá, pescada, etc.). Percebe-se um silêncio sobre um dos mais
lucrativos “produtos” encontrados pelo colonizador nesse mundo natural: a
“caça ao índio”, seguida pela apropriação de suas terras e a busca pelo ouro.
Nessa marcha do tempo, criando novas forças e relações sociais, a
sabedoria dos povos indígenas foi se misturando ao saber dos povos nãoindígenas que chegavam nessa região. Junto com as transformações da natureza,
a cada época, os confrontos sociais e culturais, as reações de admiração ou de
medo diante do inusitado e a dificuldade para entender a nova ordem aceleraramse:
Nos primeiros tempos, os brancos viviam como nós na floresta e seus ancestrais eram
pouco numerosos. Omama (herói cultural) transmitiu também a eles suas palavras, mas
não o escutaram. Pensaram que eram mentiras e puseram-se a procurar minerais e petróleo
por toda parte, todas essas coisas perigosas que Omama quisera ocultar sob a terra e a água
porque seu calor é perigoso. Mas os brancos as encontraram e pensaram fazer com elas
ferramentas, máquinas, carros e aviões. Eles se tornaram eufóricos e se disseram: “Nós
somos os únicos a ser tão engenhosos, só nós sabemos realmente fabricar as mercadorias e
as máquinas!”. Foi nesse momento que eles perderam realmente toda sabedoria. Primeiro
estragaram sua própria terra antes de ir trabalhar nas dos outros para aumentar suas
19.
Um exemplo que mostra bem essa questão está no texto da “Carta de Caminha”, mas os relatos de Sir
Raleigh (1595/96), de Carvajal (1542) descreveram a existência de riquezas naturais (minérios, madeiras, entre
outros produtos tropicais). Os textos de Humboldt (1825) ou de Bastide (1980) enfatizaram a riqueza da fauna e
da flora amazônica, como também os relatos sobre os feitos dos desbravadores das “terras virgens” apontadas
por Serrão (1968), entre outros que propagaram uma visão econômica dessa natureza amazônica “intocável”.
47
mercadorias sem parar. (...) Quando conheci a terra dos brancos isso me deixou inquieto.
Algumas cidades são belas, mas seu barulho não pára nunca. (...) Há muito barulho e gente
por toda parte. O espírito se torna obscuro e emaranhado, não se pode mais pensar direito.
(...) O pensamento desses brancos está obstruído, é por isso que eles maltratam a terra,
desbravando-a por toda parte, e a cavam até debaixo de suas casas. (...) Nós, nós queremos
que a floresta permaneça como é, sempre. Queremos viver nela com boa saúde e que
continuem a viver nela os espíritos xapiripê, a caça e os peixes. Cultivamos apenas as
plantas que nos alimentam, não queremos fábricas, nem buracos na terra, nem rios sujos
(KOPENAWA YANOMAMI, 1999:20).
A concepção de periculosidade ou da não necessidade daquilo que está
“escondido”, por desígnio divino, mostra a posição etnocêntrica do homem em
relação à criação do mundo. Esse mundo, que fora criado por ele e para seu bemestar, deveria ser mantido igual para sempre. Por outro lado, o artificialismo do
branco é visto como negativo, com capacidade de embotar sua percepção e seu
raciocínio, embora ele não seja visto como ruim por natureza: ele foi pretensioso
e sua criação agora o sufoca.
Torna-se, portanto, clara, a profundidade da diferença entre as sociedades
indígenas e a sociedade européia que, nos séculos XVI-XVII, via o nascimento
do capital. Tratou-se de um confronto cultural de pensamento políticoeconômico entre homens com distintas relações não só culturais, mas de critérios
no usufruto dos recursos naturais do seu meio ambiente.
Por exemplo, a organização da maloca20 é distinta da organização do
Aldeamento de estrutura urbana européia. Na visão do índio, a “casa de morada” e o
meio-ambiente fazem parte do mesmo ciclo natural. Tanto a maloca como a terra
são renovadas pela própria natureza, enquanto que para o homem branco o
20.
Há uma discussão sobre os dois conceitos: Aldeia, representa uma pequena povoação indígena
dirigida por missionários ou índio “civilizado”. É uma organização semelhante a um pequeno núcleo urbano
europeu, inferior à Vila. Maloca, representa uma unidade habitacional indígena tradicional dirigida pelos índios, é
uma organização comunitária e espacial distinta da Aldeia. Na Maloca a “casa” representa uma unidade comum
para o grupo indígena, que vivencia sua própria organização cultural, enquanto que na Aldeia a “casa” representa
a unidade, com princípios organizacionais e unificadores sócio-culturais da família indígena, que vivencia hábitos
“civilizados”. Em Roraima, os termos Maloca e Aldeia são utilizados como sinônimos, em decorrência do
processo “civilizador” do índio. Antigas Malocas, por meio dos contatos com a sociedade nacional e local,
transformaram-se em Aldeamentos, Vilas, Municípios, enquanto que o índio tornava-se cidadão brasileiro nato.
Esse processo é percebido desde o período colonial, chegando até os nossos dias (2003).
48
sentido de renovação da residência e da propriedade territorial passa pelo viés da
tecnociência, da economia e do status social.
A introdução do indígena nesse universo de inclusão do Capital em que o
equilíbrio dependia de extenuante prática comercial, que o tinha como simples
títere, deu espaço a conflitos alheios à sua história. Nesse processo, a bacia do
Rio Branco mostra, ainda hoje, essas diferentes formas de olhar o sócio-cultural,
o ambiental e as maneiras no usufruto dos recursos naturais, como também a
produção de conhecimentos relacionados à percepção e à cultura desses seres
humanos.
No centro de tais conflitos, no fim do século XVI e durante o século
XVII, a etnia Makuxi, que estava em constante guerra com a etnia Wapixana,
começou a ganhar espaço e aumentar o poder dos grupos “Caribe” no
monopólio comercial da rede dos negócios entre as bacias dos rios Branco e
Essequibo, expandindo também para a região do Rio Negro com os índios
Manao que monopolizavam as relações inter-tribais na região do Negro com
extensão para o Amazonas (CIDR, 1989; REIS, 1989).
Os holandeses já haviam se instalado na região, por volta de 1581,
estabelecendo uma feitoria numa área denominada Pomeroon Coast, hoje
República Cooperativista da Guiana. Ali, os holandeses iniciaram uma exploração
comercial com os índios por meio de troca, tanto de tabaco como de algodão e
os “paus-de-tinta” obtidos dos indígenas, consolidando a exploração desse
comércio e a circulação de manufaturados europeus (BOXER, 1961:7).
Aproveitando a boa relação de amizade com os índios, o holandês alargou um
pouco mais tal comércio e, a partir da ação dos indígenas, organizaram a política
mercantil em toda a região do Rio Branco, do Negro, do Amazonas, etc. Pode-se
dizer que, utilizando estratégias de cooptação, o campo de poder holandês
penetrou no interior da selva, por meio dos rios navegáveis ou das trilhas na
49
selva/savana, a fim de intensificar e expandir tanto a rota comercial como o
aumento dos lucros.
A inexistência de uma estrutura de poder intermediária facilitou para os
holandeses investirem numa política comercial, apoiada numa rede de domínio
“capitalista”, sobre as populações indígenas dos rios Orinoco, Essequibo,
Branco, Negro e Amazonas. Esse controle do poder branco sobre essa região de
paisagem complexa, intercalada por serras, savanas e florestas, plena de rotas para
longas e perigosas caminhadas até os rios navegáveis tornou possível o
gerenciamento das relações indígenas, em favor do holandês, que souberam se
aproveitar das fragmentações interétnicas.
Nesse contexto, de exploração econômica e alianças culturais, o habitante
holandês fez do mercado de trocas a sua arma de dominação colonizadora. Desse
modo, as diferentes etnias indígenas se articulavam numa estrutura política de
poder pelo comércio, que se dava por meio dos casamentos e estreitavam os
laços entre os índios. Tal processo político, enfraquecendo as alianças intertribais, acentuou consideravelmente as disputas, incentivando as guerras ligadas à
posse de terra e o aprisionamento de índios derrotados nesses confrontos, que
eram traficados como escravos.
Dentro desse jogo de força exercido pelo Estado holandês, para fazer valer
o direito político e econômico sobre o universo do índio, existiam grupos
indígenas que fugiam para o interior da região e lutavam pelo direito de preservar
a sua organização sócio-cultural. Tais grupos, contudo, acabavam “seduzidos”
pelas alianças inter-tribais e integravam-se nessa rede de poder comercial
tornando-se um membro dessa coletividade de representação da rota holandesa
amazônica (CIDR, 1989:5/8).
Difundindo novos hábitos e comandando o fluxo de manufaturados nessa
complexa paisagem, os holandeses consolidaram sua presença na Amazônia com
50
a construção de um forte (denominado Kijkoveral) no ponto de junção dos rios
Cuyuni e Mazaruni na região do Essequibo, no início do século XVII, sob a
liderança de Groenewagen (DREYFUS, 1993: 21)21.
Esses empreendimentos na fase do colonialismo, estabelecendo mudanças
geopolíticas e sócio-culturais indígenas na Guiana Ocidental, foram estratégias
significativas de conquista pelos primeiros europeus nas terras dos ameríndios.
Esse poder branco favoreceu a fundação da Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais em 1621, oficializando o comércio de escravos tanto africanos como
indígenas.
Os mercadores holandeses diversificavam seus negócios e ampliavam os
tratados de paz e comércio entre os índios, os quais desenvolviam inter-relações
não apenas entre as diferentes etnias que habitavam a região, mas também com
particulares espanhóis na troca dos manufaturados. As distâncias e o tempo para
o percurso, o transporte de mercadorias, de escravos índios e, naturalmente, dos
grandes lucros, formavam novas polarizações nas relações comerciais na região.
Assim, tendo a base de seu poder na foz do Essequibo e com saída para o
mar Caribe/Atlântico Norte, os holandeses controlavam a demanda que incidia
sobre canoas, madeiras, tinturas (especialmente o urucu usado na indústria têxtil
européia), redes, gomas e escravos índios. Nessa troca conjunta em favor do
branco, os índios recebiam armas de fogo, facas, machados, anzóis, além de
“espelhos e contas de coral ou vidro que eram disputados pelas mulheres”
(FARAGE, 1991:89). Foi com base nessa forma de coalizões, que os holandeses
introduziram a diferença no processo colonizador europeu: nunca buscaram
converter ou “aldear” as etnias indígenas. Nessa conjuntura, entre choques de
21.
Groenewagen, desertor dos estabelecimentos espanhóis, colocou-se a serviço de seus compatriotas.
Casado com uma índia Karinya, teve um filho, o qual foi encarregado do posto holandês no Demerara.
Diferentemente das concubinas, às quais os outros europeus só atribuíam um status inferior, as mulheres índias
eram freqüentemente consideradas (mesmo se não o fossem legitimamente) como as esposas dos holandeses, para
grande escândalo dos espanhóis, que se queixavam à Corte da Espanha (Reclamação de 1637) das relações
privilegiadas com afins indígenas (cf. DREYFUS, id.:37).
51
interesses políticos e econômicos, eles visavam vantagens financeiras, sendo
indulgentes com os interesses culturais do índio em um nível por eles
considerado superficial de manifestações religiosas e de manutenção lingüística.
Desse modo, o homem colonizador deu início a novos modelos de
relações político-econômicas com o indígena. Essas relações transcodificavam
estruturas sociais, culturais e políticas seguindo modalidades de aproximação das
semelhanças e das diferenças entre os dois mundos (Velho e Novo) em
confronto e seus respectivos valores sócio-culturais e religiosos.
Essa escolha e estratégia, que caracterizaram a ocupação e exploração
holandesa na bacia do Rio Essequibo com extensão para a do Rio Branco, eram
vistas com preocupação pelos espanhóis (e, mais tarde, pelos portugueses) que
reconheciam o poder de atuação das nações do norte no trato e alianças com os
ameríndios. Tanto no contexto das guerras tribais e do apresamento22 indígena
para os holandeses estabelecidos na bacia do Essequibo, quanto no contato para
a colonização e as tentativas dos espanhóis na bacia do Orinoco de se instalarem
na bacia do Rio Branco, observamos o forte aparato militar nas estratégias de
consolidação tanto comerciais por meio da cooperação indígena; como de
segurança na posse da terra por meio da construção dos postos ou feitorias.
Dessa maneira, esses pioneiros brancos teceram nessas regiões uma rede
flutuante de significados sócio-políticos e culturais (religiosos e comerciais),
permitindo várias interpretações e negociações da sociedade e ambiente indígena,
dependendo da contextualização e do interesse europeu em questão.
Por volta de 1621, um frade franciscano, que desenvolveu trabalho
missionário nessa região, denunciou ao Conselho das Índias o comportamento
não cristão e o aumento das violências praticadas pelos espanhóis aos índios
22. O apresamento no contexto holandês (cf. pp. 32-3, acima) significava “seduzir” os índios para
integrar-se à rede comercial. Já na realidade espanhola, o apresamento era a prisão do índio fugido da aldeia,
transformado em escravo.
52
(BOXER, 1961:191). O referido frade reconheceu que nesse contexto de disputa
política, econômica e religiosa entre os colonizadores europeus, os protestantes
(holandeses) eram beneficiados pela diferença de procedimentos: ambos (católico
e protestante) encaminhavam o ameríndio à reconstrução da identidade cristã
ocidental, mas o holandês não usava o aldeamento e nem escravizava o índio, que
eram os pilares (aldeamento/escravização) de dominação indígena pelos espanhóis.
Dentro dessa estrutura básica de povoamento e comércio, a partir do
século XVI até o XVIII, os postos holandeses, como um importante setor de
tráfico tanto dos produtos comerciais como de escravos índios, eram lugares que
desencadeavam agressivas disputas entre brancos e índios. Os Aldeamentos
espanhóis ou encomiendas23, como lugar de “civilização” dos índios tornando-os
súditos da Coroa ibérica, eram lugares de exploração compulsória do trabalho
indígena por meio das trocas comerciais. Ao longo desse período, grandes
porções de terras do Novo Mundo ocupadas por indígenas tornaram-se objeto
de exploração lucrativa, estimulando a imigração de novos grupos europeus
(CAMPOS, 1991; MAURO, 1998).
Nesse empreendimento, a população indígena era utilizada ora como
colaboradora no contato com outras etnias indígenas, ampliando o mercado
consumidor, ora como produto comercial aumentando o capital. Essa ordem
colonizadora fez surgir, na época, campanhas contra essa histórica situação do
índio colonizado. Entre as mais conhecidas estão as movidas por Bartolomé de
Las Casas e outros intelectuais humanistas que ficaram impressionados com essa
brutal violência contra o índio, empregada pelo europeu no Novo Mundo. Tal
23.
Por esse regime de poder político e econômico, o Estado espanhol transferiu aos colonos habitantes
da bacia do Orinoco (e para as outras regiões) a cobrança de tributos que os súditos da Coroa, os índios deviam
pagar. Tal cobrança poderia ser em prestação de serviços, abrindo-se mecanismos de poder econômico para a
escravização do índio. O “encomendeiro” ficava obrigado a proteger e cristianizar ou “civilizar” o índio (cf.
NOVAIS, 1971:47).
53
oscilação perturbava ainda mais a já frágil compreensão que o indígena tinha do
processo a que era submetido e tornava as cicatrizes ainda mais insuturáveis.
Nesse embate pelo poder de monopólio e de privilégios, o Império Ibérico
articulava-se entre alianças com mercadores e nobres numa trama de troca de
serviços que garantissem os interesses comuns (expansão comercial e armazenamento
de ouro e prata) e o estabelecimento do Estado suficientemente forte para proteger
a terra conquistada.
O Brasil português, na virada do século XVI para o XVII, assentou suas
raízes na América do Sul ampliando e aproximando o seu território da costa
amazônica. A “União Ibérica”, com duração de sessenta anos, foi um fator
importante na construção do Brasil português na Amazônia, pois facilitou aos
portugueses a penetração e a conquista de terras espanholas na região Norte,
desrespeitando o Tratado de Tordesilhas, um dos primeiros instrumentos
normativos sobre as terras em litígio no Novo Mundo.
Contudo, não era fácil estabelecer com exatidão um território para iniciar a
ocupação e a exploração econômica, viabilizando o enriquecimento fácil, para se
impor ao domínio mercantil e partilhar dos privilégios concedidos pela Coroa. A
desigualdade foi uma das marcas dessa sociedade ibérica unificada pela dinastia
dos Habsburgo que, dentro do quadro da qualificação social e política, estabelecia
os privilégios e as prerrogativas do indivíduo detentor de terras e do monopólio
comercial.
Nessa busca, que levava em conta a conquista dos territórios no Novo
Mundo, o Brasil português, visto em dimensão “atlântica”, transformou-se no
objeto de interesse entre diferentes homens do “Velho Mundo”, na partilha das
terras e dos índios para o trabalho. Porém, esses fatores e a fragilidade das
economias ibéricas foram decisivos para aproximarem os interesses de ambos os
54
impérios católicos sobre as terras e o poder em expansão marítima (CAMPOS,
1991:27).
Favorecidos por esses acontecimentos, o Brasil português se estendeu,
pela costa, entre a bacia do Amazonas até a bacia do Prata, criou novos
aglomerados urbanos e ativou os lucros financeiros por meio de linhas de
expansões comerciais, especialmente relacionados ao açúcar e pau-brasil. Os
portugueses precisavam de prata e ouro para os seus negócios com as Índias e
para a manutenção administrativa da terra Luso-brasileira. O colonizador
português não tinha capital e nem contingente suficiente para empreender esses
objetivos dos primeiros anos da exploração e do povoamento. Esses fatores
influenciaram a vida do homem português que não deixou de buscar pistas
concretas sobre os tesouros existentes na selva.
O fato é que os acontecimentos decorrentes da União Ibérica, do
desenrolar da expansão ultramarina, do enfraquecimento das fronteiras políticas
entre as duas nações ibéricas, da crescente importância da economia, do
surgimento de novos mercados com a introdução do sistema capitalista foram
eixos básicos que abriram caminhos para que os portugueses se articulassem e
procurassem condições para ampliar não somente o espaço geopolítico da Terra
do Pau-brasil em direção à Amazônia, mas a efetiva ocupação desse complexo
universo que ganhava distintos contornos simbólicos e culturais no imaginário do
Império Ibérico Cristão.
Aos olhos da sequiosa sociedade européia, inquieta pelas notícias de
organização sócio-política do Novo Mundo divulgadas pelos documentos
produzidos pelos viajantes estudiosos da região, os índios eram considerados
como os “selvagens” que viviam sem roupas, “sem lei, sem fé, sem rei”24. No
entanto, existiam informações sobre o diversificado mercado indígena que era
24.
Referência à célebre fórmula cronista quinhentista de Pero de Magalhães Gandavo (cf. FAUSTO,
1999).
55
explorado pelos holandeses no possível lugar do mito El Dorado, apresentando
possibilidade de exploração auríferas.
Assim, esse espaço amazônico era disputado tanto pelo favorecimento
comercial inter-tribal como pela possibilidade de mineração, apresentando-se aos
olhos dos portugueses como um “sonhado” e fascinante lugar de enriquecimento
fácil. Tal aspiração era decorrente da busca da riqueza pelas expedições das
Entradas, das Bandeiras e dos Resgates25 portadoras dessas notícias amazônicas.
A Amazônia apareceu, então, como um cenário de diferentes representações de
interesses políticos e valores econômicos que formou o centro de disputas nos
séculos XVI e XVII, fazendo surgir uma nova ordem internacional por meio dos
múltiplos contatos entre as sociedades colonizadoras e os índios, que se
estenderam, também, aos séculos XVIII e XIX.
Além desses conflitos interétnicos, havia também uma genérica
modalidade de escravização indígena pelos portugueses que, por meio das
“guerras justas” diversificavam o empreendimento e a circulação da “fé cristã”
entre os índios. As etnias indígenas que impedissem a entrada dos representantes
do Brasil português e a pregação do Evangelho seriam aprisionadas por esse
sistema de guerra e seus integrantes se tornariam escravos legítimos. O Resgate
foi utilizado como um outro instrumento português contra as etnias indígenas, na
dominação de escravização sistemática do índio, por meio da compra de
prisioneiros de guerra entre as próprias etnias indígenas (MONTEIRO, 1994). Tais
procedimentos favoreceram a efetiva consolidação da sociedade luso-brasileira
sobre o desenraizamento do índio e apropriação de suas terras.
Nesse processo de caça ao índio, usurpação de suas terras e busca por
tesouros no imaginário dos colonizadores europeus, o índio pertencia ou ao
grupo do “bom selvagem” ou do “mau selvagem”, sendo todos considerados
25. O apresamento ou apropriação direta do cativo indígena, fugido do Aldeamento, era mecanismo da
Tropa de Resgate (cf. MONTEIRO, 1994:107).
56
sem organização social e sem governo. Em geral, era destacada a imagem do
“selvagem canibal” violento, sem história, carente de “civilização” (LEITE, 1996;
VIVEIROS DE CASTRO, 1988).
A insistência de políticas do Estado português para povoar o Maranhão,
desde 1617, gerou a imigração de degredados e uma rearticulação de interesses
que se firmou em pactos entre homens da burguesia mercantil, da nobreza e o
monarca ibérico para facilitar a viagem de casais das ilhas da Madeira e dos
Açores tanto para as terras do Maranhão como do Grão-Pará. Os representantes
da elite portuguesa necessitavam garantir não apenas a ocupação e defesa, mas o
direito de exploração comercial e poder no denominado mundo pagão, por gente
de sua confiança.
Beneficiados pela União Ibérica, as expedições portuguesas penetraram o
território espanhol e alargaram suas fronteiras na Amazônia, aproximando-a das
estruturas político-administrativa do litoral brasileiro. Após a Restauração da
Coroa de Portugal (1640), o Brasil português soube catalisar esforços para
expulsar os espanhóis e holandeses entre outros “corsários” de nações européias
que se faziam presentes nessa região da Amazônia em litígio.
O enérgico e bem sucedido propósito português, impulsionado pelos
acontecimentos que levaram à desintegração da união nas Coroas, acirrou os
ressentimentos mútuos entre espanhóis e portugueses, decorrentes de questões
européias, como o orgulho nacional, o sentimento anti-semítico e a teoria
monopolística de império.
O pensamento político do homem ocidental dos séculos XVI e XVII não
aceitava o outro que era diferente da cultura do civilizado ocidental. Assim, os
colonizadores da Amazônia, originários de sociedades do “Ancien Régime”. Tal
modelo transformava a natureza e o nativo em patrimônio de riqueza, base do
Estado colonizador na Amazônia.
57
Apenas no século XX é que a Antropologia disponibilizou dados e
reflexões sobre os povos primitivos em geral e as organizações indígenas
amazônicas em particular que se contrapõem à orientação de “selvagens”:
A evidência lacônica proporcionada por Orellana, que em 1541-2 viajou rio abaixo até o
estuário, e ainda mais a existência de tradições orais nativas, cuja extrema complexidade,
composição artificial e tom místico sugerem que devam ser atribuídos a escolas de sábios e
a homens instruídos, constituem testemunhos em favor de um nível muito mais elevado de
organização religiosa, social e política do que jamais fora observado antes. (...) Esses
documentos antigos (...) são os restos de uma civilização genuína, comum a toda a bacia
Amazônica (...) (LÉVI-STRAUSS, 1973: 271-2).
Essa preocupação com a população tradicional (entre ela o índio) apontada
por Lévi-Strauss (1973), no texto acima, é uma visão oposta ao olhar dominante
dos colonizadores. Nesse sentido, esse antigo território da bacia do Rio Branco,
após inúmeras explorações com resultados desconhecidos pela sociedade local26,
além de se tornar palco de confrontos entre brancos e índios, foi alvo de
incansáveis interpretações teóricas e interesses na exploração do ouro e riquezas
biológicas.
1.2. Rio Branco, a expansão política e econômica portuguesa com o
Maranhão e Grão-Pará
Após a Restauração, os espanhóis aspiravam o recuo dos povoados
portugueses até a denominada linha de Tordesilhas. Mas, utilizando-se da política
Uti Possidetis27 os portugueses conquistaram a rota fluvial do Rio Amazonas e
ocuparam pontos estratégicos do seu território, ampliando as fronteiras do Brasil
português na virada do século XVII para o XVIII.
26. Sobre essa fase histórica da região, temos notícias de uma vasta documentação de difícil acesso,
porque está distribuída em diferentes arquivos científicos e literários. Encontram-se não apenas em Manaus,
Belém, São Luis, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, mas também em Portugal, Espanha, Holanda,
Inglaterra, Alemanha, Itália, França, Estados Unidos. Todos os documentos estão merecendo uma análise e
metodologia apropriada para entendermos esse processo na história de Roraima no século XXI.
27. Segundo o Tratado de Madri (1750) tinha o direito ao território o povo que o povoara, que o
conquistara dos índios habitantes da região.
58
Havia diferenças nas estratégias colonizadoras da região: enquanto as
nações européias (fora da Península Ibérica) fomentavam as disputas dos
mercados numa linha de expansão do capitalismo, por meio dos produtos
manufaturados, a Coroa portuguesa mantinha sua política dentro do antigo
sistema mercantil. Assim, o cacau, por exemplo, foi o produto que monopolizou
a comercialização no Estado do Grão-Pará, a exemplo do lucro monopolista do
açúcar em Pernambuco (NOVAIS, 1971:57).
O modelo de colonização comercial dos impérios europeus, estabelecendo
projeto “modernizador” nas áreas ultramarinas, não reformou o essencial na
forma de relações vividas na esfera do universo indígena da região do Rio
Branco. Embora o esquema de “patronagem”, que monopolizara um produto
que se ajustava aos interesses dos lucros da Coroa de Portugal (e conseqüente
monopólio do universo indígena), os portugueses enfrentavam dificuldades
na expansão amazônica em direção ao Rio Branco. Dessa maneira, a implantação
do Estado do Maranhão e Grão-Pará se constituiu numa peça de poder
legislativo importante para a conquista amazônica.
A relação político-administrativa do “Brasil Filipino”, delineando um novo
modelo de Estado, não sacrificou o alargamento geopolítico aspirado pelos
representantes da Monarquia portuguesa na Amazônia. No entanto, interesses
portugueses perceberam, quase imediatamente, a impossibilidade de implantar
uma administração efetiva que atendesse o Estado do Brasil colonial. Os recursos
financeiros e humanos para a defesa de uma longa costa contra os ataques dos
“piratas estrangeiros”, a política religiosa de assimilação dos indígenas e a
necessidade de “impor a voz” do Governador-Geral numa comunicação eficaz
mostraram as vantagens de se optar por dois governos no Brasil português,
alternativa que asseguraria um certo monopólio da navegação marítima/fluvial,
do jogo político e da extensão do comércio nas bacias fluviais da Amazônia.
59
Então, por carta régia de 13 de julho de 1623, Felipe III redesenhou o
mapa do Brasil português, fortalecendo a região norte com a criação de uma
capitania destinada a ser um Estado de um novo Governo: o governo do
Maranhão foi “desanexado do Estado do Brasil, sem dependência do governo
deste” (SERRÃO, 1968: 166).
As imensas fronteiras do Maranhão e Grão-Pará ganharam autonomia
com a sua unidade administrativa ligada diretamente à Lisboa. Em razão da
direção dos ventos e das correntes marinhas que diminuíam o tempo de viagem,
esse Estado tinha mais facilidade de comunicação com Lisboa do que com
Salvador ou com o Rio de Janeiro. São Luís do Maranhão, de onde os franceses
tinham sido expulsos em 1615, tornou-se a sede principal. Contudo, o povoado
sobrevivia de reduzidos recursos e da espera de homens investidores no
desenvolvimento da região. Apesar disso, ganhou importância nas estratégias
militares de ocupação das fronteiras, na efetivação do novo Estado do Brasil
colonial, que teve o seu florescimento no decorrer do século XVIII, com o
chamado período pombalino.
Assim, com a implantação do Estado do Maranhão e Grão-Pará abriramse possibilidades para que o Brasil português, agora senhor da entrada do Rio
Amazonas no Atlântico, fosse mais longe no embate com as outras nações
européias pela partilha amazônica. O Estado português mostrava-se cada vez
mais capaz de resistir e de, sozinho, encontrar mecanismos políticos e
econômicos necessários para o povoamento e a montagem de novos
empreendimentos na Amazônia. Essa nova fase de conquista e integração da
Amazônia ao poder português iniciou o processo de expansão e soberania
portuguesa na rota comercial amazônica dos séculos XVIII e XIX.
Portanto, ao consolidar a expansão territorial para a Amazônia no começo
do século XVII, o governo colonial procurou ajustar estratégias político-
60
administrativas de defesa e ocupação dos novos territórios conquistados. Apesar
da fragilidade do poder governamental do Maranhão e Grão-Pará, pela
instabilidade da administração pública que ora se encontrava em São Luiz e ora
estava em Belém, desenrolada pela falta de pessoal habilitado, o governo
português instalou, ao mesmo tempo, novas extensões administrativas na bacia
amazônica, impondo soberania e condições do maior lucro possível dos recursos
naturais dos rios Amazonas, Solimões e Negro.
Além disso, tentavam bloquear o avanço dos espanhóis, holandeses,
ingleses, franceses instalados na costa caribenha, concentrando o poder na capital
da Capitania do Rio Negro, num primeiro momento em Barcelos28. Os outros
pequenos núcleos urbanos, na busca de consolidar a ocupação e competitividade
econômica, conduziam suas práticas de forma lenta, tanto em relação aos lucros
como na subordinação do mundo natural e indígena a critérios ecossistêmicos
opostos ao modo de vida do branco.
A complexidade das relações, nesse quadro administrativo amazônico sob
o poder do governo do Maranhão e Grão-Pará, devido à distância do poder
central e dificuldades de comunicação, diversificou o campo de possibilidades de
formação e interação desses núcleos políticos, que empobrecia e enfraquecia o
novo Estado português amazônico.
No processo político administrativo, posterior ao Tratado de Madri (1750),
de fomento dos núcleos urbanos ribeirinhos, os documentos que revelaram esse
avanço português, com a nomeação dos administradores para os novos centros
urbanos amazônicos, nada propunham para a região do Rio Branco. As notícias
de efetivação da conquista portuguesa na Amazônia são datadas de 1616,
28.
A Carta régia de 3 de março de 1755 criou a Capitania de São José do Rio Negro. No entanto, existe
uma outra de 18 de julho que fala em Capitania de São José, localizada perto da boca do Rio Javari, onde seria
instalada a capital. Contudo, uma vez esta estabelecida em Barcelos, a Capitania voltou a ter o nome de São José
do Rio Negro. Mais tarde essa capital foi transferida para o povoado denominado “Lugar da Barra” no baixo Rio
Negro, próximo ao entroncamento com o Rio Solimões. Em fins do século XIX, esse povoado transformou-se
na capital do Estado do Amazonas, Manaus (cf. REIS, 1989).
61
apontando para a fundação do Forte Militar em Belém do Pará e a instalação de
postos de comércio na região (BOXER, 196:164). Em decorrência da diversidade
lingüística indígena, as explicações e parcas informações cartográficas nem
sempre eram entendidas pelos intérpretes (índios) que auxiliavam as investigações
e os contatos do Estado português.
Dessa forma, à margem das negociações políticas, religiosas e explorações
comerciais desenvolvidas por holandeses e espanhóis na Amazônia, os
portugueses radicados na região se viam numa capitania incipiente e localizada na
porta de uma paisagem complexa (desembocadura do Amazonas no Atlântico),
de difícil navegação e comunicação. Os poucos dados que dispomos e a
construção imaginária do colonizador do Brasil português na conquista da
Amazônia deixaram dúvidas sobre a presença de Aldeamentos e postos militares
portugueses nos dois primeiros séculos de colonização na bacia do Rio Branco.
Observou-se que, em 1624, havia uma população de 300 indivíduos
brancos, composta em sua grande maioria por funcionários coloniais, militares e
missionários, com quatro fortalezas e nove Aldeamentos indígenas que
asseguravam certo domínio da posse portuguesa nesse território amazônico
(SERRÃO, 1968:167). Apesar do crescimento urbano e da terra mostrar-se fértil, da
disponibilidade da mão-de-obra indígena para os diversos trabalhos, faltava o
homem português com capital para estimular a economia dessa complexa
paisagem de rios sem fim e diversificada etnia e cultura indígena.
Com o entusiasmo ufanista da administração colonial, na prática, o Estado
do Maranhão e Grão-Pará, no seu isolamento geopolítico, convivia com as
tensões sociais e as crises financeiras que impediam a chegada de novos colonos.
Além disso, o açúcar e o tabaco, como produção base da região, não conseguiam
entrar no mercado de exportação liderado pelas capitanias do litoral nordestino
brasileiro. Outros obstáculos eram os altos custos financeiros para investimentos
62
tanto na região como na mão-de-obra escrava negra, que eram mais altos do que
em Pernambuco ou na Bahia, além da pesada política fiscal imposta pela Coroa.
Em conseqüência dessa difícil situação social e econômica, iniciaram-se
atividades extrativistas no vale amazônico, que foram as grandes geradoras de
recursos necessários para a sobrevivência desse Estado amazônico, com o cacau
e o algodão normatizados como moeda de troca. Nesse sentido, a “civilização”
da Amazônia, como a do Brasil, já se iniciou dentro dessa estrutura monopolista
do sistema colonial, do domínio da rota fluvial/marítima e exploração social e
econômica, que propiciassem capital para a Coroa.
Desse modo, com a introdução de uma política econômica com base no
extrativismo29 o Grão-Pará ganhou destaque no alargamento da fronteira
amazônica portuguesa. No jogo de legitimidade e construção desse Estado, a
Coroa de Portugal, após a epopéia da Restauração 30, ampliou o poder
administrativo na Amazônia. Contrariando os interesses da orientação anterior,
essa reformulação social no âmbito da política para a Amazônia concedeu, aos
representantes das ordens missionárias, participações junto às autoridades civis
na condução da vida dos moradores e dos índios na região.
Assim, em 1693, uma nova estrutura político-administrativa dividiu o
Maranhão e Grão-Pará em províncias missionárias entre as diversas ordens
religiosas da Igreja Católica. Nesse contexto, tornava-se fundamental, para o
êxito da reformulação do poder administrativo, um pacto de lealdade com o
29. Os produtos obtidos por extração, as chamadas “drogas do sertão”, consistiam em uma gama variada
de frutos e raízes silvestres, principalmente cacau, baunilha, salsaparrilha, urucu, cravo, andiroba, almíscar, âmbar,
gengibre e piaçava; havia, além disso, a pesca e a viração de tartarugas, cuja produção se voltava em grande parte
para o consumo interno da colônia. Tal mercado ganhou maior proporção de lucros a partir da virada do século
XVII para o XVIII, especialmente, após as reformas pombalinas para a Amazônia. Em 1751, sob o governo do
meio-irmão do Marquês de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, decretos e instruções régias foram
programadas para intensificar as demarcações fronteiriças e tirar o poder político e econômico dos religiosos
sobre os índios (REIS, 1989).
30. Em 1640, Lisboa viveu uma revolução que originou a sua independência. Foi conduzida pelo duque
de Bragança, proclamado rei de Portugal, dando início à nova dinastia portuguesa com o título de D. João IV. A
grande maioria dos portugueses, não só do Brasil, como de qualquer outra parte, recebeu com entusiasmo a
notícia da queda do regime espanhol ibérico (cf. BOXER, 1961).
63
Estado português, para adquirir não só os recursos como garantir a manutenção
dos interesses da Coroa necessários ao seu avanço amazônico.
Mas os administradores locais, distantes do olhar fiscalizador do poder
central, defendiam seus próprios interesses. Relatos da época denunciaram que os
missionários da Ordem do Carmo, responsáveis pelo território dos Rios Negro e
Solimões, melhoraram suas finanças após essa reforma do Estado português.
Além disso, eles não tinham um projeto próprio administrativo referente aos
índios. Numa ação permeada pelo interesse político-econômico e religioso, as
missões carmelitas tornaram-se provedoras de mão-de-obra indígena para os
moradores brancos. Ampliando a crise entre as tarefas evangélicas e as tarefas
comerciais, os missionários individualmente acabavam se envolvendo não apenas
nas disputas de poder sobre as rotas comerciais como também no tráfico
clandestino de escravos indígenas (REIS, 1989; FARGE, 1991; CIDR, 1989).
Nessa realidade, tornando frágil a política administrativa que misturava
poder político, poder espiritual com poder dos negócios, evidenciou-se o
surgimento de acusações sobre duvidosas ações de religiosos e colonos
administradores na Amazônia. Além do considerável poder econômico, os
missionários e colonos eram acusados de atuarem como empresários do Estado
português, detendo o monopólio dos negócios nos Aldeamentos, nos fortes e da
mão-de-obra indígena, misturando “leis de Deus” com “estilo de vida” em
proveito próprio.
Essa atuação dos católicos portugueses contrastava com o procedimento
dos protestantes holandeses que se instalaram na região da Guiana e mantinham
monopólio mercantil com os nativos, dando aparente liberdade sócio-cultural ao
indígena (REIS,1989; CIDR, 1989).
Preocupado em proteger o ameaçado Estado do Grão-Pará e Maranhão,
com permanente presença de franceses, holandeses, ingleses, o governo
64
português retomou o processo de reorganização e defesa das terras amazônicas.
Os representantes da Coroa portuguesa empreenderam esforços na construção
de fortes, em pontos geográficos importantes, para impedir a fixação dos
espanhóis, holandeses e ingleses nessa região. Nesse sentido, no transcurso do
século XVII, os portugueses colocaram em prática a estratégia de reorganização
administrativa militar, edificando em alguns pontos da Amazônia pequenos fortes
marcando sua posse territorial31.
O Estado português, cujas finanças eram sempre deficitárias, diversificava
suas alianças para legislar sobre essa terra de complexo contexto político-cultural
e sofisticada dispersão geográfica. Contudo, não há registros claros sobre essas
alianças ou dos encontros entre os portugueses e índios nos séculos XVI a XVII
nessa região. A historiografia brasileira, de acordo com a visão tradicional da
história, traçou uma narrativa apoiada no olhar interpretativo dos viajantes e nas
concepções associadas à dicotomia “selvagem-civilizado” (LEITE, 1996).
Temos notícias sobre as guerras nativas32 que produziram tanto mão-deobra como recursos financeiros para o poder administrativo do Brasil português
(MONTEIRO, 1994). Dentre essas condições, destacou-se o aumento de poder
político dos Makuxi, de filiação lingüística Karib e aliados dos holandeses (no
Essequibo), que impuseram seu poder administrativo sobre os Wapixana, de
filiação lingüística Arawak e que recebiam apoio dos portugueses, instalados no
Forte de São José do Rio Negro (REIS, 1989; CIDR, 1989).
De certo modo, parte da história de Roraima, nos três primeiros séculos de
contato entre europeus e índios, está associada à história de Portugal e sua
disputa por terras que se localizavam além do chamado Meridiano de
31.
Em Belém com o Forte do Presépio ou do Castelo (1616), na região do Grão-Pará com a Fortaleza
do Gurupá (1623) e com os Fortes de Santarém (1697) e de Óbidos (1697), na região do Rio Negro com a
Fortaleza de São José do Rio Negro (1669), na região de Macapá com a Fortaleza de São José de Macapá (1688)
(cf. MANSUY-DINIZ SILVA, 1998).
32. O grupo indígena derrotado na guerra, movida pelos indígenas aliados aos portugueses, tornava-se
escravo solucionando o suprimento de mão-de-obra.
65
Tordesilhas, tornando violento o conflito nessa região, cujas florestas e savanas
eram habitadas por incalculável número de índios que se constituíram em aliados
dos holandeses, detentores de extensa rota comercial, ou foram aldeados pelos
espanhóis.
A documentação histórica desse período (séculos XVI e XVII) não nos
permite vislumbrar como o índio percebia esse processo de encontro étnico33, já
que os europeus se auto-representavam como os primeiros habitantes
civilizadores da região. Contudo, em nossa atualidade, existem narrativas
indígenas com dados sobre a consciência do índio nesse processo de mudança do
mundo natural amazônico:
Os brancos são engenhosos, têm muitas máquinas e mercadorias, mas não têm nenhuma
sabedoria. Não pensam mais no que eram seus ancestrais quando foram criados. Nos
primeiros tempos, eles eram como nós, mas esqueceram todas as suas antigas palavras.
Mais tarde, atravessaram as águas e vieram em nossa direção. Depois, repetem que
descobriram esta terra. Só compreendi isso quando comecei a compreender sua língua.
Mas nós, os habitantes da floresta, habitamos aqui há longuíssimo tempo, desde que
Omama34 nos criou. No começo das coisas, aqui só havia habitantes da floresta, seres
humanos35. Os brancos clamam hoje: “Nós descobrimos a terra do Brasil!”. Isso não passa
de uma mentira. Ela existe desde sempre e Omama nos criou com ela. Nossos ancestrais a
conheciam desde sempre. Ela não foi descoberta pelos brancos! Muitos outros povos,
como os Makuxi, os Wapixana, os Waiwai, os Waimiri-Atroari, os Xavante, os Kayapó e os
Guarani ali viviam também. Mas, apesar disso, os brancos continuam a mentir para si
mesmos pensando que descobriram esta terra! (KOPENAWA YANOMAMI, 1999:18).
Após quinhentos anos de história na Amazônia colonial, tanto os brancos
como os índios ainda disputam formas de apropriação do espaço social e dos
recursos naturais. Na concepção do índio, interpretada por Davi Yanomami, no
texto acima, além de serem pretensiosos, os brancos são dotados de imaginação,
de comportamento indiferente em relação ao homem-ciclo da natureza, que se
33. Existem registros de narrativas indígenas, transcritas no século XVIII, em alemão, inglês, holandês,
entre outras línguas européias descrevendo tradições e parte da memória cultural do índio amazônico, mas são
interpretações feitas pelo europeu.
34. Omama é identificado como o herói cultural, o civilizador Yanomami.
35. A autodesignação dos Yanomami – yanomae thëpë – significa antes de tudo “seres humanos”, e se
aplica também aos outros índios, opondo-se aos animais, aos seres sobrenaturais e, em certa medida, aos nãoíndios (napëpë) (cf. KOPENAWA YANOMAMI, 1999).
66
relacionavam como iguais no período da criação. Assim como eles não
entendiam as etnias indígenas, estas nunca os entendiam e nem sua formação
histórica. Na concepção da história do branco o “descobrimento” é real e efetivo
e não apenas a cultura indígena detém o direito de ser etnocêntrica (cf. texto acima,
p. 48).
As idéias de conquista, aplicadas nessa região após o século XVI,
mantendo a coesão do interesse político, econômico e assegurando a obediência
ao Estado e proprietários de terras, presentes na história amazônica, mostram o
mundo atual tomando forma, definindo lugares e características indígenas e nãoindígenas, situadas em um tempo das origens, mas referidas no tempo presente.
Na virada dos séculos XVII-XVIII, os portugueses foram adentrando pelo
interior do Rio Branco e expandindo a estrutura administrativa da colônia muito
além da linha do Equador. Nesse processo, o índio não poderia ter direitos
porque sua cultura não era reconhecida pelo português e as relações entre índio e
europeu ganharam novos enfoques após a conquista:
Os brancos foram criados em nossa floresta por Omama mas ele os expulsou porque temia
sua falta de sabedoria e porque eram perigosos para nós. Ele lhes deu uma terra, muito
longe daqui, pois queria nos proteger de suas epidemias e de suas armas. Foi por isso que
os afastou. Mas esses ancestrais dos brancos falaram a seus filhos dessa floresta e suas
palavras se propagaram por muito tempo. Eles se lembraram: “É verdade! Havia lá, ao
longe, uma outra terra muito bela!”, e voltaram para nós. Na margem desta terra do Brasil
aonde eles chegaram viviam outros índios. Esses brancos eram pouco numerosos e
começaram a mentir: “Nós, os brancos, somos bons e generosos! Damos presentes e
alimentos! Vamos viver ao seu lado nesta terra com vocês! Seremos seus amigos!”. Era
com essas mesmas mentiras que tentavam nos enganar desde que também chegaram a nós.
Depois dessas primeiras palavras de mentira, eles foram embora e falaram entre si. Depois
voltaram muito numerosos. No começo, sem casa nesta terra, ainda mostravam amizade
pelos índios. Tinham visto a beleza desta floresta e queriam se estabelecer aqui. Mas desde
que se instalaram realmente, desde que construíram suas habitações e abriram suas
plantações, desde que começaram a criar gado e a cavar a terra para procurar ouro,
esqueceram sua amizade. Começaram a matar as gentes da floresta que viviam perto deles.
Nos primeiros tempos, os seres humanos eram muito numerosos nesta terra. É o que
dizem nossos mais velhos. Não havia doenças perigosas, sarampo, gripes, malária.
Estávamos sozinhos, não havia garimpeiros para queimar o ouro, fábricas para produzir
ferro e gasolina, carros e aviões (KOPENAWA YANOMAMI, 1999:19).
67
O discurso do índio Davi Yanomami sobre o processo civilizador do
branco no Novo Mundo, que também teve influência de idéias da cultura
ocidental/nacional, expõe tanto o pensamento do branco que julgava o índio
inferior (como animais) como também do índio que pensava o mesmo do
branco. Contudo, apesar de julgar os brancos “sem sabedoria”, o índio acredita
que o branco é seu igual, como “humano”.
Nesse percurso historiográfico, observamos alguns vestígios sobre essa
construção da nova ordem social e cultural amazônica, iniciada no século XVI
com forte presença da concepção portuguesa, como o desaparecimento de etnias
indígenas provocadas não só pelas guerras inter-tribais, como, também, pelo
processo de conquista e povoamento europeu da região.
Sabe-se que o destemido homem português caçou e escravizou o índio,
buscou ouro e drogas no sertão amazônico, aprendeu novos hábitos alimentares
para sobreviver nesse ambiente hostil ao seu modo de vida europeu. Todavia,
nunca chegou a descobrir as trilhas condutoras aos veios auríferos, ao popular El
Dorado e sua cidade com uma monumental arquitetura cravejada de pedras
preciosas. O comércio extrativista foi seu único tesouro, proporcionando a
sobrevivência, mas a caça ao índio foi o mais lucrativo. Os Aldeamentos e as tropas
de Resgates, devidamente licenciados pelas autoridades régias de Portugal,
forneceram mão-de-obra indígena para os trabalhos agrícolas, industriais,
serviços públicos e domésticos, além da venda de índios como escravos no
mercado: “essa gente toda se alimentava da caça, da pesca e dos produtos
naturais, que os índios ensinavam a aproveitar em vinhos saborosos” (REIS,
1989:130).
Ainda sob esse aspecto, datando do século XVI ao XVII, seria oportuno
passarmos a examinar alguns pontos evidentes:
68
a) longa trajetória de desenraizamento cultural, mesmo quando sem conflito
direto: caso holandês/relações comerciais (pp. 39/41);
b) o contato, na região, com o branco, é esquizofrênico por natureza: o holandês
não interfere fisicamente, mas manipula alianças e desestrutura as relações intertribais (pp. 46-7); o espanhol interfere fisicamente, aldeando, cristianizando,
mudando a língua e desestrutura a cultura em seu todo. São dois tipos diferentes
de interferência e, conseqüentemente, palco onde se digladiavam forças
infinitamente superior à sua capacidade de resposta em um “tempo” que se
acelerava em mudanças de todo tipo;
c) a Igreja Católica participa ao lado do poder branco: provedora de mão-de-obra
(pp. 37-8);
d) pressões brancas sobre os índios em territórios distantes repercutiam na região
(pp. 42/45).
1.3. A construção da Amazônia brasileira, séculos XVIII e XIX
No século XVIII, as concepções acerca dos índios como “selvagens” ou
gente sem história começaram a mudar36. Tais mudanças partiram de estudos e
questionamentos da natureza humana (Rousseau) e do relacionamento estadoindivíduo (Hobbes) e, assim, acabou-se vendo o indígena como parte da história
natural. (DESCOLA, 1999:108-9).
Essa concepção é redutora por excelência e pavimenta o caminho para a
crença na possibilidade de transformação do indígena em “civilizado”.
Sedimenta, também, a incompreensão do universo social e cultural indígena e,
portanto, não alteraram as relações entre europeus e índios na Amazônia, que, no
século XVIII, ainda, identificavam o índio relacionado ao ambiente natural, fora
36. Na Europa do século XVI e XVII, as concepções sobre o índio eram de “idílico” ou canibal. A partir
do século XVIII, surgiram outros conceitos que influenciaram novos olhares sobre o índio. Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), em sua obra “O Contrato Social”, elaborou modelos de sociedades exaltando valores da
vida natural e reprovando o comportamento da sociedade “civilizada”, caracterizando o governo como exercício
da vontade geral, criando a idéia da soberania popular. As concepções de Thomas Hobbes (1588-1679), em sua
obra “Leviatã”, defendendo que, embora vivendo em sociedade, o homem não possuía o instinto natural de
sociabilidade (homo homini lupus). Os pensamentos de Hobbes e Rousseau incentivaram teorias sobre direitos,
sociedade e Estado, modificando as diretrizes políticas e econômicas européias dos séculos XVIII e XIX.
69
da visão sistematizada da vida “civilizada” (ausência de Estado e sem Lei) e
devendo a ela ser incorporado.
Diante do conquistador europeu, transferindo seu poder de governar e dar
ordem no conturbado universo indígena, as etnias indígenas, que formavam a
grande maioria da população, foram consideradas propriedades do Estado, junto
com as terras conquistadas. Nesse contexto, o índio é reificado, ou seja, visto
como uma coisa pertencente ao Estado: o que é confirmado pelo sistema de
apresamento do índio e sua comercialização como escravo.
Na segunda década do século XVIII, o colonizador português deu início à
posse da vida indígena e da terra na bacia do Rio Branco. O interesse português
pela floresta e pelos campos amazônicos decorria das notícias sobre a
possibilidade de mineração, da prática mercantil holandesa, do incalculável
número de índios, que supria de escravos o mercado colonial português,
estimulando o desejo de expansão e fixação da fronteira. Todavia, o número
reduzido de homens brancos e o déficit financeiro da Monarquia ibérica
dificultavam o empreendimento português.
Nessa época, a colônia portuguesa na Amazônia, representada pelo Estado
do Grão-Pará e Maranhão, tinha legislação indigenista que proibia a escravização
do índio, mas, ao mesmo tempo, fazia uso do trabalho escravo do índio
justificando-se com parâmetros de “civilização”: o índio vivendo em coletividade
e sem domínio sobre o outro, precisava ser introduzido na ordem da
sociabilidade.37 Podemos dizer que, nessa ação do Estado português, as idéias do
índio, seus sentimentos ou desejos, não estavam na ordem de preocupações da
legislação colonial.
Nesse princípio indigenista do Estado português, percebemos que, a partir
do século XVIII, a região do Rio Branco tornou-se o caminho aberto para o
37. Referimo-nos aos textos de historiadores (REIS, 1989) e de antropólogos (FARAGE, 1991), que
estudaram a legislação indigenista portuguesa na Amazônia do século XVIII.
70
apresamento do índio e aplicabilidade da política integracionista. Esse projeto do
Estado Luso-brasileiro, que tirou do índio o direito à terra e destruiu sua
organização cultural, travestindo-o de branco, acabou por submetê-lo às leis
régias para que desfrutasse e “vivesse debaixo das justas e humanas leis que
regem os povos” (MARÉS, 1999:54). Tal concepção colonial com relação ao índio
chegou aos nossos dias atuais, apesar da Constituição Federal de 1988 ter
rompido formalmente essa prática política de integração indígena na sociedade
nacional.
Auxiliando esse processo colonizador, os missionários empreendiam, em
nome da fé e do Estado, imposições de hábitos cristãos aos índios para que
gozassem dos direitos civis. No embate pelas terras amazônicas, o modelo de fé
cristã, tanto da Igreja Católica quanto da Igreja Reformada por Lutero e Calvino,
modificaram as interpretações do homem índio segundo o interesse colonizador.
Nesse ínterim, a Coroa portuguesa instituiu Aldeamentos missionários, na região
do Rio Branco, com o auxílio da Ordem do Carmo, visando a ocupação da terra
e a propagação da “fé cristã”, intensificando as disputas políticas e econômicas
entre as nações européias (Espanha, Holanda, Inglaterra, França).
Nesse processo de construção da Amazônia portuguesa, ampliaram-se as
expedições das tropas de resgates e as informações cartográficas de integração do
Rio Amazonas com as rotas dos rios Negro e Branco. Favorecidos por esses
mecanismos, os navegadores portugueses foram conquistando a região, lutando
contra os denominados “aventureiros” espanhóis, instalados no Orinoco e Alto
Amazonas, e os “hereges” holandeses, ingleses e franceses que se instalavam na
Amazônia, a partir da costa caribenha (CIDR, 1989). Enquanto isso, os
portugueses permaneciam ancorados entre a boca do Atlântico, no Grão-Pará
(Belém) e o Forte de São José do Rio Negro (Manaus). Nesse cenário de luta
pelo monopólio territorial e comercial amazônico, no início do século XVIII, o
71
Brasil português se colocava em vantagem sobre as outras colônias européias por
usufruir o poder sobre a rota marítima do Atlântico integrada à rota fluvial da
Amazônia.
Estudos etno-históricos sobre os índios da região do Rio Branco
descreveram os primeiros contatos entre portugueses e índios na segunda metade
do século XVIII, especificamente a partir da edificação do Forte São Joaquim em
1775, da introdução do gado por Lobo D’Almada e dos novos Aldeamentos,
também no final do século XVIII. Os vários estudos, tanto os desenvolvidos
pelo cronista Ribeiro Sampaio (1777) como os elaborados por Joaquim Nabuco
(1903), empenhados em justificar a antigüidade portuguesa na posse da região do
Rio Branco38, descrevem como principal apoio documental os relatos divulgados
pela viagem portuguesa de Pedro Teixeira (1639) durante exploração no Rio
Negro. Embora se acredite na expedição de Pedro Teixeira (NABUCO, 1941; REIS,
1989; ANDRADE, 2001) que teria chegado ao Rio Branco via Rio Negro, os
documentos sobre ela são escassos.
Não restam dúvidas que a ausência de informações mais detalhadas nos
relatos do padre Acuña39 sobre o Rio Branco dificultava a legitimação da posse
portuguesa sobre a região a partir da expedição de Pedro Teixeira. Essa questão
litigiosa sempre se apresentou como um grande desafio geopolítico para os
portugueses do século XVIII, que se empenhavam em buscar conhecimentos
cartográficos com relação à rota fluvial entre o Grão-Pará e o Essequibo, no
percurso do Rio Amazonas e seus afluentes: Negro e Branco. Contudo, tais
vagos conhecimentos geográficos só foram ampliados com as informações
passadas pelo desertor holandês Nicolas Horstman, que, ao ser preso e levado ao
38.
Sobre essa problemática de demarcação das fronteiras brasileiras na fase colonial, o Ouvidor Ribeiro
de Sampaio, respondendo às alegações espanholas de posse do Rio Branco na década de 70 do século XVIII,
reuniu provas da soberania portuguesa na área. Do mesmo modo procedeu Joaquim Nabuco, como defensor do
direito brasileiro frente às pretensões inglesas à mesma área no início do século XX (cf. NABUCO, 1941; REIS,
1989; FARAGE, 1991; ANDRADE, 2001).
39. Cristóbal de Acuña foi o cronista que divulgou a viagem de Pedro Teixeira.
72
Grão-Pará (século XVIII), foi longamente interrogado sobre o percurso
amazônico atravessado (HORSTMAN, 1911:167/171).
O depoimento de Horstman se transformou no primeiro documento
escrito, de 1739/41, com informações detalhadas sobre a rota fluvial do
Amazonas, via Negro e Branco ao Essequibo. Com isso, os portugueses
ampliaram tanto os conhecimentos cartográficos como os esclarecimentos sobre
uma expedição de prospecção mineralógica na região do Alto Essequibo,
chefiada pelo referido holandês. Tais informações descritas por Horstman foram
divulgadas na Europa pelo viajante francês Charles Marie de La Condamine40
(1745) que navegou pelo Rio Amazonas, transformando o depoimento de
Horstman em instrumento básico para a cartografia do século XVIII (REIS, 1989).
Assim, após várias incursões do Brasil português na região do Rio Negro,
os exploradores luso-brasileiros expandiram sua posse para a região do Rio
Branco. Esse rio é o mais importante eixo fluvial de penetração na Amazônia
Setentrional, com extensão de 584 km a partir da junção do Rio Tacutu com o
Rio Uraricoera e correndo de norte para o sul em direção ao Rio Negro, afluente
do Amazonas. É um rio de difícil navegação por conta das inúmeras cachoeiras
e/ou corredeiras. No período de seca (verão) é impossível trafegar com
embarcações de maior porte até o seu porto principal que está em Caracaraí.
O explorador Hamilton Rice, geógrafo inglês que desenvolveu estudos
durante uma viagem pela Guiana Brasileira, efetuada em 1924-25, descreveu a
importância de maior reconhecimento das rotas fluviais decorrentes das
dificuldades na comunicação do Amazonas com seus afluentes. A expedição de
Rice tinha como objetivo detalhar a cartografia da bacia do Rio Branco e,
sobretudo, da região dos rios Uraricoera e Tacutu (o suposto lugar referente
40. La Condamine esteve na região amazônica em 1743 e a percorreu de Oeste a Leste. Comissionado
pela Academia das Ciências de Paris, tinha como finalidade medir os graus terrestres. Após essa experiência, ele
registrou tudo numa publicação feita em Paris com o título “Relation abregée d’um Voyage dans-l’interieur de
l’Amerique Meridionale”, em 1745.
73
ao El Dorado), um ambiente amazônico que ainda apresentava curiosidades
fluviais ao homem navegador do início do século XX.
FIGURA 01
Vista aérea do Rio Branco. Expedição Rice (1924/30). (Foto: RICE, 1978).
Nesse aspecto, os rios que se localizam ao sul da linha do Equador no
período de chuvas (inverno) são de fácil navegação, mas os rios que estão ao
norte da linha do Equador vivem o período de seca (verão), dificultando a
navegação por conta dessa movimentação da rota fluvial entre os diferentes
fenômenos vividos ao mesmo tempo. Tais informações41 nem sempre eram
compreendidas ou conhecidas pelo homem branco do século XVIII.
41.
Os relatos sobre essa paisagem “selvagem” entre floresta, montanha e savana, desenhada por
diferentes caminhos aquáticos e inexplorados pelo homem “branco”, despertou em variados autores originais e
criativos textos. “The Lost World” de Arthur C. Doyle (1987) como o mais popular dá notícias da existência de
dinossauros nessa região de Roraima. A notícia dos dinossauros na Amazônia é outro polêmico assunto e pouco
estudado. Cf. SCHWARTZMAN, 1997. Após o acelerado processo de urbanização amazônica, na virada dos séculos
XX/XXI, os vestígios de nossa pré-história estão desaparecendo. Tal processo, segundo a visão do índio,
acontece porque o “branco” rompeu sua relação de parentesco com os ancestrais que habitavam essa terra desde
os primeiros tempos. Nesse processo histórico de comercialização da terra, o “branco” esqueceu as antigas
palavras que ainda se fazem presentes na memória cultural do índio. (KRENAK, 1999; KOPENAWA YANOMAMI,
1988 e 1999).
74
Essa paisagem da bacia do Rio Branco era vista como fonte potencial de
lucro, funcionando como o principal caminho de poder sobre as distintas
incursões de negócios entre os índios e os colonizadores: as trocas de
manufaturados e tráfico de escravos índios, com possibilidades de encontrar o
ouro e as pedras preciosas (REIS, 1989; CIDR, 1989).
Esse caminho das águas foi o principal responsável pela transformação
desse lugar, que era percorrido com intimidade pelas etnias indígenas e
considerado pelos pioneiros brancos, até a primeira metade do século XX, como
um universo aquático e de terra firme envolvidos com figuras do medo (índios
canibais, mulheres guerreiras, monstros das águas e das florestas, etc.), do
desconhecido que também se misturou com a visão de riqueza fácil. O caminho
das águas entre diversificada fauna e flora, que apresentou uma infinidade de
elementos da biodiversidade, ora visíveis e ora invisíveis, foram mesclados no
movimento da sua trama social e cultural ao longo de seu processo histórico.
1.4. As Tropas de Resgates e as Aldeias Missionárias na conquista da
rota fluvial e povoamento
O papel dos povos indígenas na consolidação do Brasil português
amazônico é pouco estudado pela nossa historiografia. Em geral, a história oficial
brasileira registra o deslumbramento europeu pelo mundo natural amazônico e a
dificuldade que os portugueses/brasileiros tiveram em dominar o índio, civilizálo e colocá-lo em regimes de trabalho.
Existem poucas referências na produção literária colonial sobre o processo
de mudança da “mística e selvagem” Amazônia que ganhou aspectos
“civilizados” com as alterações geopolíticas, comerciais e culturais introduzidas
pelo colonizador europeu nos três primeiros séculos de competição política e
expansão dos mercados ultramarinos. Essas potências expansionistas européias
75
se fixavam na “terra brava” e mudavam as diferentes formas de vida presente na
região, segundo os seus próprios interesses. Foi neste contexto que os
mecanismos políticos de instalação dos postos comerciais, militares e os
aldeamentos missionários foram se transformando em vilas, povoados, capitanias,
províncias, municípios e estados do Brasil português e depois do Brasil
republicano com o final do século XIX.
No decorrer do século XVIII, entre os diferentes interesses em jogo, na
posse da vida indígena e da terra amazônica, o governador do Grão-Pará, João da
Maia da Gama, recebeu notícias que na região do Rio Negro próxima ao Rio
Branco havia um território dos índios Manao. Eram conhecidos como índios
canibais e com práticas de incesto. Tinham um chefe de nome Ajuricaba42, o qual
carregava na sua canoa uma bandeira da Holanda. Esses índios enfrentavam os
portugueses, lançando-se sobre as missões do Rio Negro e tomando como
prisioneiros os índios aldeados pelo português. De acordo com as notícias, esses
violentos43 índios de comportamento “herege” possuíam armamento e eram
aliados dos holandeses da região do Essequibo, na denominada Costa
Selvagem44, mantendo com eles um intenso comércio de escravos indígenas e
produtos tropicais.
Os registros portugueses, buscando interpretações da organização cultural
dos Manao, identificavam relações de “vassalagem” dos Manao sobre os outros
grupos indígenas, derrotados nas guerras tribais (REIS, 1989:93). As normas de
comportamento do índio estão concebidas na coletividade e vinculadas ao
42. Segundo as narrativas, Ajuricaba era um valente guerreiro, filho de Huiuiebéu um dos maiores tuxauas
dos índios Manao, neto de Caboquena, que votava o mais decidido ódio aos portugueses.
43. No embate com índios inimigos, os Manao esmagavam-nos completamente, exigindo dos dominados
relações de “vassalagem” (REIS, 1989:93).
44. Termo que denominava a costa amazônica no mar caribenho em permanente confronto social e
mercantilista (grupos espanhóis, holandeses, ingleses, franceses, alemães disputavam o poder sobre a rota
Atlântico Norte).
76
mundo natural, sem uma explicação política, jurídica e “visível”. Essa forma de
vida era interpretada pelo português como semelhante à sociedade feudal.
A narrativa desses acontecimentos denunciando a etnia Manao como
obstáculo para a penetração missionária portuguesa e a evangelização católica no
Rio Branco, constituía-se em um conjunto jurídico-político favorável a um
combate militar contra os Manao, por sua vez armados pelos holandeses. Nesse
sentido, essa situação envolvendo holandeses, índios Manao e portugueses,
necessitava de soluções e a encontrada foi a de se pedir autorização e recursos
financeiros do Reino para uma guerra “justa” contra os Manao. Era sabido que o
Estado Grão-Pará não contava com o auxílio de tropa e nem armamento para
uma guerra. A ordem real era favorável à solução de guerra, mas o rei alegou falta
de verbas, transferindo a realização efetiva da guerra para os moradores do GrãoPará. Para o rei, os moradores eram “tão interessados nos lucros do Certões que
contribuiriam para a sua defença” (FARAGE, 1991:63).
A declaração de guerra foi resolvida pelo governador local, com a anuência
da Junta das Missões45. Assim, os obstáculos e problemas que colocavam em
risco a riqueza de possibilidades comerciais foram resolvidos: Ajuricaba foi preso
e enviado para Belém. Entretanto, durante o percurso da viagem, provocou uma
rebelião na canoa que conduzia os índios presos, mas o motim foi logo reprimido
de maneira violenta. Não mais suportando o jugo português e o peso dos ferros
que o prendiam, Ajuricaba atirou-se na água e sumiu (REIS, 1989:98).
A falta de documentação mais explícita, bem como estudos históricos
sobre o povoamento português na região dos Manao, chefiados por Ajuricaba,
faz perdurar lacunas sobre o confronto entre as tropas portuguesas, chefiadas
45.
Uma comissão que foi convocada pelo governador do Grão-Pará dividindo a responsabilidade da
guerra “justa”, pois, em Portugal tinham-se dúvidas da justiça da campanha. Faziam parte dessa comissão
autoridades civis e religiosas e das presentes, foi registrado que apenas o reitor do colégio dos Jesuítas votou
contra e o bispo, dando o seu voto, posteriormente, recomendou o feito. Sobre essa questão e os critérios da
guerra, falta documentação mais explícita e estudos históricos aprofundados sobre as guerras “justas” contra os
índios amazônicos (cf. REIS, 1989:97).
77
pelo capitão Belchior Mendes de Morais, contra Ajuricaba e sua gente, por volta
de 1723. Após esse episódio com os índios Manao, a rota fluvial em direção ao
Rio Branco ficou livre e os povoados e aldeamentos começaram a render lucros
para os portugueses.
Desse modo, os Carmelitas passaram a reunir em Aldeamentos índios
Manao e foram ampliando as relações amistosas com os índios Wapixana e
organizando novas aldeias em direção à bacia do Essequibo via Rio Branco.
Tendo como aliados os índios Wapixana, os representantes do Estado português
mantiveram-se na bacia do Rio Branco (de fronteiras não demarcadas), que era
território disputado por grupos antagônicos de europeus46, e instalaram fazendas
e aldeias na região.
Durante a segunda metade do século XVIII, no decorrer desses
confrontos europeus pela posse da terra, foram divulgadas também notícias de
insurreições entre as diferentes etnias indígenas dos troncos lingüísticos Arawak e
Karib47. Os grupos Arawak eram os mais representativos, com maior poder de
organização, considerada superior à dos Tupi-Guarani e dos Karib e mantendo
poder governamental sobre os indígenas da região (bacia dos rios: Orinoco,
Essequibo e Branco). Eram também excelentes guerreiros e usavam a estratégia
de extinguir os grupos inimigos, matando os homens e incorporando as mulheres
dos vencidos ao seu grupo48. Os grupos Karib eram identificados como
experientes navegadores e guerreiros. Eles penetravam os diferentes rios entre as
bacias do Orinoco (Venezuela) e do Branco (Brasil), desenvolvendo novas
estratégias militares e alianças inter-tribais, buscando derrubar o monopólio dos
46. Auxiliados pelos soldados das tropas de resgates e índios aldeados, os portugueses tentavam ocupar
terras na região do Rio Tacutu e Uraricoera; os holandeses monopolizavam o comércio na região do Rupununi; os
espanhóis instalavam fortes e aldeias nas margens do Uraricoera; além dos ingleses, franceses e alemães que
sempre rondavam a denominada “Costa Selvagem” ou o Rio Amazonas.
47. Da família linguística Arawak identifica-se a etnia Wapixana e da família Karib temos o Makuxi.
Haviam, também, outros grupos: Paraviana, Sapará, Maku, Waiká, etc. (cf. DINIZ, 1972; CIDR, 1989; FARAGE,
1991; SANTILLI, 1994) .
48. Cf. Textos de historiadores (REIS, 1989) e etno-hsitóricos (CIDR, 1989 e 1990; FARAGE, 1991).
78
Arawak. Esses confrontos inter-tribais receberam apoio dos colonizadores
europeus, que delineavam a ocupação e a defesa da terra aproveitando-se desse
conflito entre os próprios índios49.
Seguindo esse modelo de expansão e ocupação do Brasil português na área
do Rio Branco, com uma percepção de mundo que misturava evangelização com
o mercado de negócios, os missionários da Ordem do Carmo entraram também
na parceria e comercialização com os holandeses da área do Rio Essequibo por
intermédio dos índios. Esses índios percorriam com facilidade os rios Orinoco,
Caroni, Demerara, Essequibo, Rupununi, Tacutu, Uraricoera, Branco, Negro,
Solimões e Amazonas, ora em canoas, ora caminhando até alcançarem o mar
Caribe e o oceano Atlântico (o mais importante elo marítimo de expansão
européia no Novo Mundo).
Nesse contexto de tensões sociais e competição de mercado, prevaleceu o
domínio do branco nas terras e negociações amazônicas, o sistema de alianças e o
papel das ordens religiosas foram significativos não só na evangelização como no
processo de escravização indígena, garantindo tanto a prestação de serviços aos
colonizadores europeus como o produto para o comércio. Essas ações políticas e
religiosas na disputa do monopólio e privilégios, nos mais variados setores do
Estado português de política expansionista, criaram um clima favorável ao
contrabando fazendo crescer a rede comercial em proveito próprio.
Nesse sentido, existem registros da primeira metade do século XVIII que
denunciavam as atividades do frei carmelita Jerônimo Coelho, que atuava como
grande “empresário” em parceria com Francisco Ferreira, chefe de tropas de
resgate de índios. Nesse empreendimento, Frei Jerônimo aglutinava populações
indígenas na aldeia Aracary, na região entre o Rio Negro e a bacia do Rio Branco,
vendendo índios recrutados como escravos, desrespeitando o princípio de
49.
Id., ibid.
79
“descimento” da legislação indigenista que considerava escravo apenas os índios
aprisionados nas “guerras justas” ou rebelados nos “resgates” (SWEET, 1974,
II:659).
Dessa forma, o aldeamento de Aracary ancorava nessa pequeníssima base
local, uma organicidade programática, mais em razão dos interesses do religioso
Carmelita que a lealdade e aliança com o Serviço Real em favor do Estado
português. Assim, longe do poder central e do olhar fiscalizador, Frei Jerônimo
instituiu na missão uma empresa de coleta de cacau, fabrico de canoas, tecidos e
manteiga de tartaruga. Aumentou o seu próprio poder político-religioso e
econômico, articulando-se com seu sócio Francisco Ferreira e expandiu a rede de
negócios entre os rios Negro, Branco e Essequibo, tornando-se elo das alianças
comerciais com os protestantes holandeses (SWEET, id.,ibid.).
Monopolizando os negócios na região, por volta de 1750, Frei Jerônimo
exerceu atividades religiosas junto com o Frei José de Magdalena, no aldeamento
de Muriuá que mais tarde transformou-se na cidade de Barcelos (1755). Por
conseguinte, as negociações comerciais foram intensificadas com os descimentos
indígenas (atuação do processo de cooptação do índio), tanto para as missões
como para as fazendas pertencentes aos Carmelitas na região do Grão-Pará
(FARAGE, 1991:61). Nessa ação de atração do índio pelo colonizador, os próprios
missionários ou representantes do Estado português (brancos ou índios
“civilizados”) convenciam os índios a se deslocarem de suas terras de origem e se
estabelecerem nos Aldeamentos constituídos pelos religiosos ou civis50.
No desenrolar desses acontecimentos, as incursões portuguesas foram
intensificadas tanto nas rotas fluviais da bacia do Rio Branco como nas da bacia
do Amazonas. Nesse processo, foram registradas notícias sobre a diminuição das
etnias indígenas sob o domínio das potências rivais (Espanha e Holanda)
50.
Cf. Textos que analisaram essa fase histórico-antropológica amazônica: CIDR, 1989; FARAGE, 1991.
80
motivadas pela estratégia e domínio português na região. Nesse sentido, a
conquista portuguesa no Rio Branco foi marcada pelo pavor que se espalhou
entre a população indígena, decorrência da repercussão de suas estratégias na
escravização e comercialização indígena, buscando riqueza fácil.
Observando a atuação portuguesa na região entre os rios Branco, Orinoco
e Essequibo, espanhóis e holandeses denunciavam que os portugueses não
zelavam pela evangelização missionária, visando a “civilização” e a fé cristã aos
índios, mas eram movidos unicamente pela ambição pessoal (CIDR, 1989; REIS,
1989). Essas denúncias, implicando em maiores conflitos nas relações com os
índios que estavam rejeitando qualquer contato com os brancos, eram resultantes
das violências aplicadas pelos portugueses. Tais acusações foram levadas pelo
comandante da colônia holandesa do Essequibo, em 1746, à Companhia das
Índias Ocidentais.
A explicação para tal situação, discórdia entre os brancos e o pavor51 entre
os índios, era evidenciada na disputa geopolítica e no embate comercial que
impulsionavam as experiências de domínio europeu nesse trecho da Amazônia.
Dessa maneira, a colonização portuguesa tornou-se tirânica e o Estado tendeu a
ser impotente na legislação da política indigenista.
Esses representantes das nações européias, longe de suas metrópoles,
envolviam-se em violentas lutas, não só entre si, mas também contra as
populações indígenas amazônicas, conciliando os interesses de evangelização
com os negócios de mercado. Favorecido por todo esse mecanismo de alianças e
negociações, as tropas de Lourenço Belfort, exemplo de liderança isolada, muito
comum no período, conduziram da região do Rio Branco para fazendas de suas
propriedades no Rio Mearim (Maranhão) uma população de mais de mil índios.
51. No cruel processo de escravização indígena pelos portugueses e espanhóis, aliado às doenças, os
índios viam-se obrigados a assumir nova identidade cultural dentro do novo contexto social europeu (MONTEIRO,
1994:105).
81
Nessa articulação lucrativa de Belfort, não temos registro do número do
contingente indígena que foi destinado aos membros da expedição, aos serviços
da “Fazenda Real” e do Colégio da Companhia de Jesus, além dos moradores
dos distintos povoados ribeirinhos.
Nessa perspectiva, não encontramos com nitidez reflexões históricas sobre
o desalojamento paulatino do domínio holandês na Amazônia setentrional.
Apesar dessas lacunas, temos notícias sobre medidas políticas administrativas que
o Estado português tomou a partir da segunda metade do século XVIII,
momento em que os portugueses constituíram condições histórico-políticas 52
vantajosas para anularem as presenças tanto holandesa como espanhola na
Amazônia setentrional.
Entre essas medidas tomadas pelo Estado do Grão-Pará e Maranhão
estava a que conduzia explorações de reconhecimento do Rio Amazonas e seus
afluentes, evidenciando-se estratégias políticas e postos/ancoradouros para as
incursões portuguesas na Amazônia, efetivando a posse da terra. Após o ano de
1750, ficou bem evidenciada a necessidade de uma medida que resolvesse a
questão fronteiriça na Amazônia. A Coroa portuguesa precisava documentar sua
presença na região, obtendo títulos de propriedade com base na posse da terra
conquistada.
A política dos Aldeamentos transfigurando os índios em brancos,
instituindo-os como súditos da Coroa, comprovando a ocupação portuguesa,
nem sempre funcionou. Os índios sentiam-se estranhos nesse exercício de
cidadania portuguesa/brasileira, rebelavam-se e fugiam para o interior da floresta
(sua morada e parente natural). As comissões mistas (espanhóis e portugueses)
responsáveis pelos estudos e demarcação dos limites e os militares que
acompanhavam o reconhecimento dos direitos entre as duas nações ibéricas,
52. Com o acordo entre Portugal e Espanha, através do Tratado de 1750, o português foi beneficiado
com a posse dos povoados criados além do Meridiano de Tordesilhas, instituídos pelo uti possidetis.
82
entravam, constantemente, em discórdia ou envolviam-se em lutas por não
aprovarem determinados marcos, limitando as fronteiras. Em conseqüência, o rei
português ordenou ao Governo do Grão-Pará toda a severidade contra os
missionários ou colonos (responsáveis pelas aldeias) que se mostravam infiéis a
Portugal: pessoas competentes e fiéis ao rei deviam ser envidas para traçarem o
mapa dos rios em que penetravam para, em seguida, tomarem posse da terra
(REIS, 1989).
Assim, a instalação da Capitania de São José do Rio Negro com capital em
Barcelos53, como um elo dessa rede de expansão político-administrativa,
favorecia uma melhor compreensão tanto dos “mistérios” da selva e sua
cartografia aquática como dos “selvagens” habitantes da região, além da presença
do Estado português. Nessa nova Capitania, os representantes de Portugal
organizaram as expedições de reconhecimento das rotas fluviais de passagens
tanto para a bacia do Rio Branco como para as do Rio Essequibo e do Rio
Orinoco, garantindo o controle da aproximação dos colonizadores das nações
rivais (espanhóis e holandeses).
Desse modo, a Reforma Indigenista para o Estado do Grão-Pará e
Maranhão feita pelo ministério do Marquês de Pombal, no século XVIII,
assinalou princípios num esforço de monopolizar ou revigorar a política
econômica amazônica, em favor dos interesses da Coroa portuguesa, que estava
sendo prejudicada por esses entendimentos diplomático-jurídicos em relação à
posse e usufruto das terras.
Um dos pressupostos da Reforma do Marquês tinha como meta povoar a
região amazônica no Rio Negro com expansão até o Rio Branco, contando, para
isso com o apoio de seu meio-irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o
53.
Antiga aldeia missionária fundada pelos carmelitas foi transformada em vila e capital com o nome de
Barcelos. Tal mudança política e denominação eram um cumprimento ao programa governamental que se traçara
para renomear todas as povoações da Amazônia recorrendo-se aos nomes das vilas da Casa dos Bragranças. Tais
ordens e procedimentos de fundação da Capitania estavam contidos na Carta Régia de 3 de março de 1755 e nas
Instruções posteriores (cf. REIS, 1989:119).
83
governador e capitão-mor do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Em 1757,
Mendonça Furtado nomeou seu sobrinho, o Coronel de Infantaria Joaquim de
Melo e Povoas para governar a Capitania de São José do Rio Negro.
No entanto, a instalação desse novo sistema administrativo na Amazônia
não foi bem aceito pelos antigos administradores (civis degredados, militares e
religiosos), envolvidos no tráfico de escravos índios e no contrabando de produtos
tropicais amazônicos, privilegiando seus próprios interesses. Mendonça Furtado
fez valer a soberania do Real Serviço de Sua Majestade, regulando as instruções
político-econômicas e estabelecendo condições para a “civilização” do índio,
buscando mecanismos políticos/diplomáticos para garantir a soberania de
Portugal, que estava enfraquecida pelo jogo de interesses dos antigos
administradores dos povoados ou aldeias, ambiciosos de poder estatal e riqueza
fácil.
A trama de negociações, alianças políticas e administrativas constituídas
por comerciantes da elite de Belém e São Luiz, que também estavam interessados
nas drogas do sertão, era definida no financiamento das viagens de “coletores”
que, com a conivência de administradores corruptos, permitiam que esses
viajantes comercializassem escravos indígenas (MONTEIRO, 1994:112). Essas
expedições com os “coletores” representavam o poder estatal e, à revelia,
vivendo no interior amazônico, coordenavam o abastecimento da mão-de-obra
indígena (REIS, 1989; MONTEIRO, 1994).
A Reforma Indigenista do Marquês de Pombal (Lei de 7/6/1755) criou
mecanismo de poder sobre o índio aldeado que, por meio do Regimento do
Diretório, seria administrado por um índio “livre” e “súdito” do Rei de Portugal,
denominado “Principal”. Esse novo administrador do Aldeamento substituiria o
missionário que se tornaria apenas o capelão dos índios aldeados. Assim, o índio
“livre” era o índio “civilizado” e protegido pelo Estado português. Com essa
84
medida, a Reforma pombalina retirou o poder tutelar dos missionários sobre os
Aldeamentos e seria auxiliado pelo “Principal” que exercia entre os índios distintas
funções políticas em favor do Estado português (cf. CIDR, 1989; REIS, 1989;
FARAGE,1991).
Dando continuidade às reformas administrativas e políticas, Mendonça
Furtado normatizou e aplicou um conjunto de medidas relativas à vida do índio
na região: retirou a administração das aldeias da mão dos missionários, concedeu
“liberdade” aos índios aldeados. Em alguns povoados, o índio “civilizado”
exercia as funções políticas (administrador, juiz ordinário, vereador das câmaras,
entre outras). Assim, em maio de 1757, Mendonça Furtado regularizou a situação
do índio “livre”, criando o Regimento do Diretório. Nessa concepção, revelando
um novo modelo de prática ilegal contra a vida e a terra do índio amazônico, o
governo português impôs um novo sistema político administrativo: os antigos
Aldeamentos ou missões seriam governados pelo índio “livre” que auxiliaria o
vigário na “civilização” indígena, tornado-os aptos para os serviços régios, civis,
militares e religiosos, transformando os Aldeamentos em vilas e povoados (CIDR,
1989; REIS, 1989; FARAGE, 1991).
Embora tenha havido certa mudança nas leis sobre as etnias indígenas na
bacia do Rio Branco, o Estado português não contribuiu para que o índio fosse
reconhecido como um cidadão étnico diferenciado do europeu. As idéias
contidas na Reforma pombalina faziam referência à ordem para que fosse
destruído todo o vestígio da cultura “não-civilizada” presente nesse mundo
natural em transformação urbana integrada ao distante reino ibérico. A partir
disso, podemos dizer que, nesse contexto, o índio saiu do controle missionário e
não foi devolvido ao seu estatuto anterior. Apenas foi mudado o tipo de molde
segundo os parâmetros de interesse do colonizador, de visão etnocêntrica,
predominando a negação da cultura diferente, numa tentativa de eliminá-la.
85
Segundo os novos princípios enunciados, cabia aos missionários “civilizar”
os índios habitantes dos aglomerados populacionais ribeirinhos, conforme o Real
Serviço de Sua Majestade (representado pelo poder público das Capitanias e do
Estado do Grão-Pará) continuando o índio “cristianizado” a ser introduzido nas
diferentes prestações de serviços do Estado e dos moradores colonos. Essa
reforma pombalina, que redirecionou a dinâmica sócio-cultural, geopolítica e
comercial estava apoiada em um modelo político de poder colonizador com
flexibilidade suficiente para a incorporação da iniciativa privada, tendo em vista a
possibilidade do aumento da receita fiscal do Estado português.
Os missionários Carmelitas e Franciscanos, entre outras Ordens católicas,
cederam às novas medidas que tornavam o missionário em capelão do povoado,
mas os religiosos jesuítas não aceitaram perder o poder político-administrativo
das aldeias para um “Principal” e, auxiliados pelos índios aldeados, tomaram-se de
hostilidades contra o Estado português. O Marquês de Pombal criou novas
ordens régias e a lei de 03 de setembro de 1758 expulsou de Portugal e suas
Colônias a Ordem Jesuíta. Os índios rebelados abandonaram as aldeias e fugiram
para o interior da região amazônica (REIS, 1989:117).
Tais reformas em relação à “civilidade” ou “liberdade” do índio deixavam
dúvidas em certos segmentos da sociedade colonial amazônica, pois era sabido
que as ordens régias e instruções políticas estavam sempre no âmago dos
interesses do momento do poder público amazônico (REIS, 1989). Assim, no
processo de civilização do índio se expandia nesse território, transfigurava-se em
súdito e, conseqüentemente, ocupava o cargo de “Principal”. Como trabalhava em
favor do Estado português, o índio não via sentido nas suas funções, originando
fuga ou abandono do cargo e aldeia para o interior da floresta, pois lá, ele tinha
alimento mais farto, além do prazer de conviver com os parentes, contrariando as
86
instruções das cartas e leis régias54. Para o português/brasileiro, morador dos
vilarejos ou povoados ribeirinhos, o índio “livre” na figura do “Principal” não
estava qualificado para tais cargos ou funções a serviço do Rei, porque era
analfabeto na língua e cultura portuguesa.
Nesse processo de expansão portuguesa, o retorno das tropas de Resgates
e os novos Aldeamentos representavam mecanismos políticos necessários à defesa
da terra e soberania de Portugal. Desse modo, podemos expor que a conquista da
região pelos portugueses foi favorecida, tanto pelas novas informações
cartográficas da rota fluvial, como pelos novos mecanismos sociais, políticos,
jurídicos e sua complexa parceria comercial, com o apoio dos representantes do
Estado nas diferentes localidades ribeirinhas que mantinham uma mão-de-obra
indígena ainda farta, apesar das deserções para a selva.
Com relação à política indigenista, a legislação sobre as etnias indígenas
que vigorou até meados do século XVIII classificava os índios em duas
categorias: os livres e os escravos. As etnias consideradas “livres” eram as dos
índios que se encontravam nas aldeias missionárias, enquanto consideradas
“escravas” eram aqueles rebelados e aprisionados pelo que se denominou de
“guerras justas” ou apresamento indígena pelas tropas de “resgates”.
Nesse processo dos Aldeamentos, a estrutura de sobrevivência do branco
apoiada na desestruturação da cultura do índio, com ausência de escrita,
organização social e estatal, facilitou ao Estado português montar os seus
mecanismos políticos de imposição na expansão de seus domínios, fazendo uso
da força de “coerção” sobre o direito da terra e do índio.
54.
Cf. textos de autores que analisaram legislações indigenistas, do século XVIII, na Amazônia:
1989; FARAGE, 1991.
REIS,
87
Apesar das mudanças de mentalidade política e social pelo europeu55, no
século XVIII e começo do XIX, reconhecendo novas formas estruturais do
Estado-Nação e da sociedade, o ameríndio ainda era observado pelo habitante
europeu do mundo amazônico como incapacitado de fixar-se nos elementos e
regras de sociabilidade transferidas da Europa para os Aldeamentos, que
impunham normas educacionais e profissionalizantes, encaminhando o índio
para um mercado de trabalho, que o índio não compreendia.
Diante do histórico dessa situação, podemos dizer que durante os séculos
XVIII e XIX, a história da Amazônia setentrional, como de toda a América
Latina, confundiu-se com a própria história das ordens religiosas e do poder do
Estado colonizador, com ênfase na evangelização, na posse e na segurança da
terra. À vista de tal quadro social “conquistador/civilizador” o índio era parte da
terra, um bem a mais a ser explorado. Mágica e dadivosa terra, que já trazia os
braços para explorá-la, a mão-de-obra representada na figura do índio, o mais
importante “produto” da terra amazônica.
Tal desejo alentava o processo de imigração para a região no século XVIII,
onde, após as reformas do Marquês de Pombal, sustentavam-se aspirações
europeizadas e aristocráticas na competição por poder político e recursos
econômicos extraídos da Amazônia. Dessa maneira, multiplicou-se o número de
particulares e religiosos que, auxiliados pelas tropas de resgates, aventuraram-se
neste contexto de enfrentamentos e posse da vida humana e da terra amazônica.
Tal realidade em construção ainda perdura e influi nas relações contemporâneas.
Não é difícil entender a razão dos conflitos, da posse da terra amazônica e
da vida humana como parte integrante na construção do Estado Luso-brasileiro,
na bacia do Rio Branco. A forma como o Estado moderno passou a ser
55. Mudanças provocadas pela difusão das idéias (iluministas, positivistas, materialistas, evolucionistas,
entre outras) que deram novas interpretações políticas e sociais, exaltando conceitos como os de liberdade,
igualdade, dominação, forças de produção, etc.
88
concebido, individualista de concepção burguesa, em oposição à coletividade não
compreendida do índio, de relação coesa entre terra e cosmo, não reconhecida e
nem incluída no sistema de direito estatal, obrigando o índio a integrar-se no
Estado, como propriedade, foi uma das principais razões dos conflitos.
FIGURA 02
Maloca Macu exatamente acima do desfiladeiro de Toquiximauaíte, na margem esquerda do Rio Parima. Expedição Rice
(1924/87). (Legenda e Foto: RICE,1978). A maloca, ainda, apresenta quase as mesmas características das malocas edificadas
nos séculos passados (grifo nosso).
Isto quer dizer que o projeto integracionista do Estado, por meio dos
Aldeamentos, do ponto de vista dos índios aldeados era um cruel processo de
escravização e morte. Na seqüência, os índios cooptados na aspiração
civilizadora, enquanto prática de cidadania, foram vivendo uma cruel realidade de
discriminação e preconceito na figura do “caboclo” ou “brasileiro nato”. Nesse
contexto do Rio Branco em construção, a “nova sociedade local” (brancos)
89
expropriou o índio de tudo que lhe era essencial - identidade e terra – postulando
que estaria convertido em cidadão e protegido por um Estado justo56.
Nesse cenário de tensões e competições entre “brancos” e índios, o
contexto sócio-cultural da maloca foi se urbanizando, influenciado pela aspiração
“civilizadora”. Tratava-se de grande perda, embora o establishment político o visse
como “ganho”.
1.5. Forte São Joaquim e a consolidação da conquista do Rio Branco
Após a guerra entre os portugueses e os índios Manao, que deu início às
constantes revoltas entre as diferentes etnias indígenas, bem como a presença de
Aldeamentos da Coroa espanhola, estabelecidas após o Tratado de Madri, em 1774,
o diversificado comércio dos holandeses na bacia do rio Branco, atingindo os
rios Amazonas e Solimões, significou obstáculos para o Brasil português efetivar
o seu pleno domínio nessa região.
Por sua vez, na busca de alternativas para a mudança política em favor da
Coroa portuguesa na disputa por terras, durante a segunda metade do século
XVIII, o missionário da região do Rio Negro, Frei José de Magdalena 57, fez um
relato ao governador do Grão-Pará, solicitando atenção especial para a região do
Rio Branco.
O referido religioso alertava sobre a constante presença holandesa na
região do Rio Branco, dominando os negócios de trocas e o tráfico de escravos
índios. Dessa forma, a multiplicação de alianças, que aumentava o poder políticoeconômico holandês, deveria ser combatida de forma enérgica para que eles não
56. Promessas fundadas nos ideais liberais experimentadas nos primórdios do Estado Moderno,
firmando-se nos direitos humanos, no reconhecimento da liberdade e da igualdade para todos, expressões
máximas da dinâmica social francesa de final do século XVIII.
57. O Frei José de Magdalena tinha como auxiliar o missionário carmelita Frei Jerônimo Coelho, o qual
fazia tráfico de escravos índios e parceria comercial com os holandeses na bacia do Rio Branco, monopolizando
esse comércio clandestino nas regiões dos rios Branco, Negro, Amazonas e Solimões (cf. Nosso comentário nas
pp. 60/62).
90
se tornassem os “Senhores” das terras dos rios Branco e Negro. Nesse jogo de
interesse e estratégia individual de cada administrador dos aldeamentos
missionários, era perceptível o desejo de aumentar seu poder de barganha e
influência no poder central. Nessa barganha, poderiam até estabelecer alianças
pontuais com os competidores inimigos na busca de uma meta imediata comum.
No entanto, dificilmente buscavam formar uma aliança ampla, porque prevalecia
a conduta individualista e não de política central bem definida.
Diante dessas notícias, o governo do Estado do Grão-Pará ampliou o
poder político da Capitania de São José do Rio Negro58, em 1775, com uma
extensão administrativa militar na bacia do Rio Branco. Efetivou tal proposta
construindo um forte, no ponto de encontro dos rios Tacutu e Uraricoera59,
sendo que na construção do Forte60 (1775 e 1776), denominado de São Joaquim,
a mão-de-obra foi fornecida pelo vizinho Aldeamento São Felipe localizado no Rio
Tacutu. Parte do armamento do Forte foi trazido do Grão-Pará e outra parte foi
tomada aos espanhóis durante confrontos entre soldados espanhóis habitantes
do Rio Branco que foram expulsos pelos portugueses61.
A estratégia portuguesa, com pretensão expansionista, buscava não só
ocupar militarmente, mas também utilizar as etnias indígenas como “fronteiras
vivas” e defensoras dos sertões amazônicos (FARAGE, 1991). Um dos fatores de
maior preocupação para essa empreitada portuguesa era o de legalizar o
povoamento na região, trazendo para sua esfera índios que tinham um bom
58. O pequeno aglomerado urbano que foi se desenvolvendo ao redor do Forte de São José do Rio
Negro (1669) que sempre esteve isolado do Grão-Pará, após a tomada de decisão do governador, a pequena
Capitania, unificada ao poder Monárquico, direcionou-se para conquistar o Rio Branco com a instalação do Forte,
Aldeamentos e Fazendas, antes da conclusão dos trabalhos das Comissões de Demarcações das fronteiras
amazônicas.
59. O Rio Tacutu faz ligação com a bacia do Essequibo habitada por holandeses e o Rio Uraricoera faz
ligação com a bacia do Orinoco habitada por espanhóis.
60. Desempenhando uma frágil presença militar e administrativa portuguesa, o Forte se manteve até o
final do século XIX.
61. Em fins do século XVII, os espanhóis disputavam essa região com os holandeses. Na primeira
metade do século XVIII, os espanhóis fundaram nessa região os povoados de Santa Rosa e São João Batista e
uma pequena fortificação, cujos objetivos eram o de firmar o domínio comercial e a soberania espanhola no Rio
Branco.
91
relacionamento com holandeses e ingleses, evidenciado na comercialização dos
produtos manufaturados holandeses que eram trocados tanto por escravos índios
como as drogas do sertão.
FIGURA 03
Forte São Joaquim e Povoação de Santa Maria
1. Prospecto da Fortaleza de São Joaquim, Rio Branco, feito por Alexandre Rodrigues Ferreira,
em sua viagem entre os anos de 1783 e 1792. (Prancha: Ferreira, A.R. 1971. Viagem Filosófica
pelas Capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá: 1783-1792. Iconografia
vol.1.Geografia-Antropologia. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro). Apud
BARBOSA, Reinaldo et alii, 1997:198.
2. Povoação de Santa Maria, Rio Branco, desenho de Alexandre Rodrigues Ferreira, feito em
sua viagem entre os anos de 1783 e 1792. (Prancha: Ferreira, A.R. 1971. Iconografia
vol.1.Geografia-Antropologia. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro). Apud
BARBOSA, Reinaldo et alii, 1997:198.
92
MAPA 01
Forte São Joaquim e Aldeamentos na bacia do Rio Branco, século XVIII (FARAGE, 1991).
93
Tal ação indígena, aliada aos holandeses, fez parte das preocupações do
Ouvidor da Capitania do Rio Negro, Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio.
Durante uma expedição exploratória ao vale do Rio Branco, buscando reunir
provas da soberania da Coroa de Portugal na região, o Ouvidor Ribeiro de
Sampaio registrou sua impressão sobre a cultura indígena e as grandes vantagens
dos recursos minerais na região sendo que, para o Estado usufruir desses
produtos da natureza, ele reafirmava a importância de uma fortaleza nesse
território como um dos marcos da presença do Brasil português. Essa
representação militar administrativa a serviço da Coroa portuguesa favoreceria
sobretudo a Capitania do Rio Negro, mas, também, em menor medida a do
Grão-Pará.
Posteriormente à instalação do Forte São Joaquim, o governo do Brasil
português voltou sua preocupação para os mecanismos políticos educacionais
que deveriam “civilizar” os índios aldeados que, assim, unificados pela língua
portuguesa, em substituição às diferenças lingüísticas62 (dos próprios índios e
das demais dos colonizadores europeus) serviriam para dar a impressão de
mudar a concepção de índio como “objeto” para a do índio como “fronteira ou
muralha viva”63 contra os interesses não-portugueses. Nesse sentido, as nações
rivais de Portugal/Brasil presentes nessa região amazônica protestaram e
acirraram a competição política e religiosa entre protestantes e católicos pelo
monopólio tanto da terra como da vida humana nativa.
Os representantes do ministério de Pombal sabiam da existência das vastas
terras desconhecidas pelo Estado do Grão-Pará, que faziam fronteiras com
colônias ocupadas por holandeses, franceses, ingleses e espanhóis na Amazônia e,
62.
Entre as distintas famílias indígenas do tronco lingüístico Karib, a etnia Makuxi, intermediando o
comércio de trocas com os holandeses, comunicava-se também com os espanhóis e, depois, com os portugueses.
A etnia Wapixana (grupo de língua Arawak) auxiliava os portugueses nos contatos inter-tribais e comunicavam-se
com o holandês/ingleses.
63. “Fronteiras Vivas”, esse conceito de termo corrente na Antropologia, fez-se presente pela primeira
vez na Geografia Social (cf. VALLOUX, 1914).
94
no contexto referente à demarcação das fronteiras, eram necessários normatizar
instruções régias e civilizar o índio na língua portuguesa para confirmar
politicamente a soberania Luso-brasileira.
MAPA 02
Localização das antigas e das novas unidades militares (no século XVIII). Os trabalhos das
comissões que determinavam os limites entre Portugal e Espanha eram sempre interrompidos
por falta de clareza nos documentos (relatórios, memoriais, acervos cartográficos), além dos
constantes conflitos armados entre soldados espanhóis e portugueses dificultando a obra de
reconhecimento das terras amazônicas (MANSUY-DINIZ SILVA, 1998:484).
Desse modo, o governo português reforçou seu poderio político e
econômico com a posse da terra e a ampliação da rede de fortes nos principais
rios da Amazônia. Além disso, incentivou a imigração branca para as regiões
escassas de população “civilizada”64. Assim, o Estado monárquico desenvolveu
64. Nesse processo de invasão da região e rebatizando tudo com nome português, as etnias indígenas
eram consideradas “brancas” quando aldeadas e batizadas com nome português e sendo tomadas como aliadas
95
mecanismos de exploração comercial e colonial, efetivando, por meio dessas
medidas régias, a presença portuguesa na Amazônia, com expansão política e
militar.
Entre costumes “selvagens” mesclados aos hábitos europeus, eliminando
parte da memória cultural indígena e agregando parte da cultura ocidental, índios
e brancos, cada um a seu modo, foram aumentando a violência dos contatos,
redefinindo lugares e o papel destes sob o domínio do Estado, protagonista de
conflitos pela terra. Essa realidade dual (ser ou não ser índio/branco) assumiu
novas configurações na bacia do Rio Branco, dificultando a imposição
geopolítica portuguesa na região, constituindo-se em várias reformulações de
estratégias portuguesas para fixar os índios em aldeamentos, fazendas ou vilas sob
o comando do Forte São Joaquim.
1.6. A reação indígena contra o Estado português e a denominada
“Praia do Sangue”
A entrada administrativa militar portuguesa e (compartilhando com os
administradores dos aldeamentos) a luta pela partilha política e econômica no Rio
Branco incitaram as tensões entre índios e não-índios, por negar a aqueles o
direito de convivência diferenciada da organização européia. À mercê dos
interesses políticos e econômicos, os pioneiros brancos implantaram as novas
formas de poder social e de direitos que foram legitimados por instâncias do
Estado, tornando o índio sua propriedade65.
importantes no povoamento e nos contatos com os outros grupos indígenas (rebeldes ou isolados, “selvagens”) e
na formalização da posse da terra.
65. Fazemos referência às Reformas Indigenistas do Marquês de Pombal (século XVIII) que tornou o
índio tutelado pelo Estado. Tal direito do Estado sobre o índio perdurou até o século XX fazendo-se presente nas
Reformas Indigenistas do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) em 1910 e da FUNAI (Fundação Nacional do Índio)
que substituiu o SPI (Lei 5.371 de 05.12.67). O índio tornou-se cidadão diferenciado do nacional, somente, com a
Constituição Federal de 1988 que reconheceu a cultural e o direito de posse da terra habitada pelo índio.
96
Essa proposta governamental, por meio dos resgates e aldeamentos, fazia
tábula rasa das diferenças sociais e culturais de cada etnia indígena e, para tornar
essa população “cortês” ou escrava, desenvolveu rivalidades e fortaleceu o desejo
dos índios de combater o domínio do governo português. Essas ações e medidas
envolvendo brancos e índios criaram novas tensões.
Tais crises do processo “civilizador” deram origem a uma série de
movimentos conspiratórios dos índios contra o Estado português. Em geral,
todas as formas de vida na bacia do Rio Branco experimentaram um
impressionante desgaste ao longo desse processo colonial vinculado à experiência
etnocêntrica da cultura ocidental.
Ignoramos, todavia, as circunstâncias de tal contexto em guerra entre
índios e não-índios no plano colonial português, por conta da escassez de
documentos históricos sobre essa situação colonial do século XVIII na bacia do
Rio Branco. Há, no entanto, alguns registros etno-históricos que dão conta da
reação
indígena
contra
o
processo
de
evangelização
católica
(aldeamentos/povoados) e o fortalecimento do capitalismo monárquico pelos
portugueses (CIDR, 1989; FARAGE, 1991).
Esses documentos fazem referência, também, a índios rebelados presos no
Forte e que o motivo de tais revoltas era o não cumprimento, por parte do índio,
das instruções régias na “civilidade” indígena (Id., ibid.). Nesse embate, o
colonizador português incitava guerras entre os próprios índios, que vinham se
envolvendo em lutas pelo monopólio comercial holandês, entre famílias do
tronco Arawak e Karib, as etnias Wapixana, Makuxi, Sapará, Paraviana e outros
grupos menores que foram seduzidos por este processo de aldeamento.
Nesse contexto, o número reduzido de brancos não impedia as deserções
dos índios que fugiam das aldeias missionárias e povoados, deslocando-se para o
interior da selva/lavrado ou para os núcleos de comercialização holandesa.
97
Assim, os portugueses estavam sempre recomeçando o trabalho de “atração” dos
índios para o aldeamento. Nesse processo, os índios tentavam se organizar em suas
etnias e os portugueses tentavam “civilizá-los” ou “escravizá-los”, tornando-os
mercadorias lucrativas.
Na conjuntura colonial de confronto das aspirações e dos interesses, os
portugueses implementaram políticas indigenistas duras contra os índios
aldeados. Mas o efeito da política que buscava controlar a rebeldia indígena não
foi a esperada pelo colonizador português. Em 1790, os poucos documentos
relatam uma sangrenta batalha entre índios e tropas portuguesas (Id., ibid.). Por
motivos desconhecidos, um “Principal”66 Makuxi, denominado Parajuijamari,
matou um soldado que o conduzira do aldeamento vizinho ao Forte para o
Aldeamento São Martinho67. Quando retornou para o aldeamento residente, junto
ao Forte, ali matou também o soldado administrador dessa unidade militar. Esse
gesto do índio Makuxi desencadeou um efeito multiplicador e os índios aldeados
se organizaram e emboscaram mais dois soldados, depois disso todos os índios
fugiram para a região de serra.
Ao ter conhecimento dessa rebelião, uma tropa partiu para o Rio Branco
com ordens do governo da Capitania do Rio Negro, Lobo D’Almada, para
capturar os fugitivos e forçá-los a retornar aos aldeamentos. Essa operação fechou
o cerco sobre o território Makuxi e, com a morte de Parajuijamari, durante uma
“resistência armada” contra as tropas portuguesas, desencadearam-se inúmeras
revoltas indígenas ao longo dos anos 90 do século XVIII (CIDR, 1989; FARAGE,
1919).
As denúncias feitas pelos índios sobre a falta de cumprimento dos pactos
realizados entre os colonizadores e os índios aldeados não eram reconhecidos
pelas autoridades régias, que tinham como meta a ordem social e soberania
66.
67.
Cf. Comentários feitos acima, pp. 84/87.
Para melhor compreensão desse contexto consultar Mapa 01, p. 93.
98
portuguesa na região. Nesse contexto de guerra, as margens do Rio Branco se
tornaram palco de batalhas e os índios foram quase completamente dizimados.
Foi nessa época que se registrou a mais conhecida de todas as rebeliões, a
denominada “Revolta da Praia do Sangue”, quando as povoações ao longo do Rio
Branco, com exceção da N. S. do Carmo, foram destruídas na luta dos índios
contra os soldados do Brasil português (IBGE, 1954 e 1957).
MAPA 03
Migrações das Etnias Indígenas no século XVIII (FARAGE, 1991).
99
Muito pouco se sabe sobre os empreendimentos nos povoados/aldeias,
das revoltas indígenas, das rotas seguidas pelos manufaturados, das estratégias
militares portuguesas e das políticas culturais na alteração da vida e da paisagem
nestas terras amazônicas. Apesar disso, observamos que até hoje esse processo de
colonização é ensinado, nas escolas de Roraima, sob o ponto de vista da
historiografia brasileira tradicional68, como a “conquista” e povoamento pelos
colonizadores portugueses. Essa historiografia exalta a figura dos “heróis
pioneiros” que desbravaram as selvas e afastaram outros grupos europeus.
Nos diferentes relatos de cronistas que acompanharam as expedições
colonizadoras na região, não há notícias detalhadas sobre essas etnias presentes
no Rio Branco. As denominações são confusas, como os “Caribes” também
chamados de “Canibais”, aparecendo como supostos “Caripunas” que
negociavam com os Makuxi e holandeses na bacia do Rio Essequibo. A própria
legislação indigenista de Pombal não enuncia com clareza a função do índio
aldeado: ele é “livre” e usufrui o exercício de cidadania, mas, ao mesmo tempo,
não tem direito de propriedade, ao contrário, ele é propriedade do Estado.
Dentro dessas controvérsias na história da situação do índio, não só de
Roraima como do Brasil, acreditamos na possibilidade de algumas áreas das
ciências humanas reunirem-se para estudar e propiciar alternativas para essa
questão: estudos de antropólogos, juristas, cientistas políticos e sociais, entre
outros, poderão auxiliar no entendimento desse processo histórico.
A partir dessa questão, seria necessário entender quando e como
ocorreram a conversão e Aldeamento dos Makuxi e de outras etnias, que em
períodos anteriores travavam intensas relações com holandeses. Não existem
68. A historiografia de Roraima, em geral, é deficitária no trato dessa questão étnica na região, desde o
século XVI aos nossos dias, século XXI. Uns dos problemas são, ainda, as poucas pesquisas por historiadores.
100
estudos a respeito dessa situação interétnicas, pois desconhecemos a presença de
documentos a tal situação colonial em arquivos holandeses69.
No contexto da transfiguração do índio em branco e de uma série de
episódios dramáticos de resistência indígena, o caráter autoritário de atuação do
Estado português apaziguou as revoltas dos aldeados. Assim, diferentes famílias
Makuxi (Karib) não só assumiram a cultura do Brasil português, como também
os pactos de paz com os Wapixana (Arawak) por meio de casamentos e trocas
comerciais. Em algumas malocas os índios passaram a denominarem-se como
“Makuxi-Wapixana” (cf. OLIVEIRA, 1991:21).
Tais amalgamentos empanam a identidade indígena e reforçam o poder do
Estado sobre o índio que, transformado em “branco”, perde-se nos desvãos da
sociedade que se propôs “integrá-lo”.
1.7. As Fazendas na bacia do Rio Branco
A conquista da bacia do Rio Branco pela Coroa de Portugal desenvolveuse com a introdução sistemática do gado no final do século XVIII, momento da
fundação das primeiras fazendas particulares que integravam a região ao Império
português. Essa nova dinâmica colonizadora por meio da pecuária apareceu
como uma solução para o programa de exploração e expansão comercial
executada por Manoel Sá Gama Lobo d’Almada, Governador da Capitania de
São José do Rio Negro:
Explorando o vale do Rio Branco, por ordem do governo em 1787, Lobo d’Almada
percebera o valor daquelas campinas verdejantes que se estendem até os contrafortes
69.
Um pouco da etno-história dessa região, das transformações ocorridas no período colonial, já foi
divulgada por estudiosos da antropologia e da história social, considerando os problemas interétnicos e o poder
da cultura branca sobre o índio. Contudo, não apresentam de modo claro às formas de governo indígenas no
processo de trocas comerciais entre os próprios índios e desses com os europeus, nos séculos XVI e XVII. Além
disso, não há referências detalhadas sobre a repressão exercida pelo Estado português, no século XVIII, na
política de assimilação das famílias indígenas associadas aos holandeses ou espanhóis na região do Rio Branco (cf.
DINIZ, 1972; RICE, 1978; REIS, 1989; CIDR, 1989 e 1990; FARAGE, 1991; SANTILLI, 1994 e 1997).
101
guianos. (...) mostrando a conveniência do estabelecimento de fazendas de criação (REIS,
1989:144).
De fato, com o reconhecimento da posse portuguesa na área do Rio
Branco, pelo Tratado de Madri (1750), a implantação das fazendas nos campos
dessa região atendia um dos programas governamentais do Brasil português de
valorização econômica da terra, garantindo-lhe a ocupação, alimento e a defesa:
As carnes secas com que se poderiam fornecer as diferentes povoações da Capitania em
que há trabalhos públicos, como são as fábricas de anil, aonde a falta do necessário
sustento embaraça o seu maior programa, (...) cresceriam as rendas reais com os dízimos
do gado (REIS, id., ibid.).
Esse caráter de exploração mercantil e povoamento incorporou novas
forças sociais (religiosas, civis e militares) apoiadas no trabalho indígena. A
liberação do poder sobre a força do trabalho indígena, dividido entre o Estado e
os militares, estendeu-se aos missionários e aos moradores colonos. Isso fez
surgir uma variação nessa rede de poder político-administrativo, nos serviços e
negócios (agricultura e pecuária) da nova política econômica e de fixação do
homem colonizador no vale do Rio Branco. A europeização do Rio Branco deuse, então, com a colonização firmada na cultura pastoril (SOUZA, 1969).
Esse vale amazônico, uma vez integrado ao Brasil português, tornou-se
logo um fecundo lugar de contato entre índios e não-índios. O processo
“civilizador” português, acentuado pela violência contra os índios, recorreu ao
escravismo e ao tráfico de índios como o eixo em torno do qual se estruturou a
vida nessa região que se abria para o grupo comercial pecuário e agricultor.
É importante ressaltar, neste ponto, os inúmeros grupos indígenas
ilustrados no Mapa 03 (acima, p.81) que foram amplamente usados como mão-deobra nos distintos serviços da cultura do gado. Podemos afirmar que nesse
processo a cultura do gado foi um mecanismo importante para o Brasil português
redefinir a geopolítica frente às outras nações européias envolvidas em litígios na
bacia do Rio Branco, o desejo de tutela sobre essa porção de terra amazônica e
102
seus habitantes índios pela monarquia portuguesa se fez, também, com apoio dos
outros mecanismos: a unidade militar/religiosa e a escravização do índio.
Embora as ordens religiosas, via Pombal, tenham perdido o papel de
comerciantes de índios, elas não perderam sua capacidade de desestruturar a
cultura indígena, pelo viés não só religioso quanto de certas práticas cotidianas,
interferindo na cultura material.
O projeto do gado se concretizou com a posse do gado bovino deixado
pelos espanhóis expulsos, em 1793, das margens do Rio Solimões, em Tefé 70
(REIS, 1989:145), e rebanhos trazidos do nordeste brasileiro, região que vivia
dificuldades com a seca. Assim, o Coronel Lobo d’Almada fundou na região uma
das primeiras fazendas particulares, denominada São Bento. Seguindo o mesmo
modelo, o próprio comandante do Forte São Joaquim, Sá Sarmento, instalou
uma fazenda (São Marcos) nas proximidades do Forte. Ao mesmo tempo, um
rico morador do Rio Negro, o capitão José Antonio Évora, instalou também uma
fazenda denominada São José (SOUZA, 1969).
Estas três fazendas particulares constituíram o cenário que facilitaria o
desenvolvimento da cultura do gado, contribuindo ainda para o fortalecimento
do poderio português. Contudo, esse poder político, fornecendo aos fazendeiros
um poder maior de barganha, não serviu para que obtivessem autonomia
financeira, pois dependiam do mercado da Capitania do Rio Negro, de um
eficiente transporte fluvial, da mão-de-obra indígena que executava diferentes
serviços, de negociações e alianças para obter certo equilíbrio sócio-cultural entre
colonos, religiosos e índios.
Esse “pacto social” como uma fórmula política e econômica, de uma
imperiosa necessidade de expansão amazônica e soberania portuguesa, colocava
70. Embora a Ordem Religiosa espanhola continuasse, até os anos de 1950, ainda recebendo jovens
noviças européias que ensinavam “bordados” às índias (Ref. Irmã Dolores, madre da Ordem no Brasil, Casa S.
Francisco, J. Bonfiglioli, São Paulo, inf. Pessoal).
103
as sedes das fazendas num imenso território com baixa população branca que se
organizava com privilégios do grupo dominante juridicamente definido. Com
recursos financeiros incipientes, essa pequena burguesia agropecuarista mantinha
a condição escrava dos trabalhadores índios que desenvolviam a agricultura de
subsistência e uma pecuária de limitada relevância para o mercado da região.
Um outro fator importante nesse processo “civilizador” foi a não
necessidade de mão-de-obra abundante. Nesse sentido, a presença do escravo
negro não deu caráter especial no empreendimento do Estado português nessa
região amazônica.
Os relatos dos pioneiros brancos deram notícias, também, com o início da
ocupação pela sociedade “civilizada”, da falta de mulheres brancas na bacia do
Rio Branco. A administração colonial do Grão-Pará precisava instalar
povoamentos nessa nova fronteira sempre ameaçada de invasão por “corsários
estrangeiros” que rondavam essa terra. Desse modo, as relações amorosas com as
índias, a poligamia do homem branco, a mestiçagem, era uma alternativa nesse
processo de alargamento da fronteira e sua ocupação, em relações que se foram
regularizando pouco a pouco, pela influência dos missionários católicos, e que
chegaram até a casamentos.
A partir de 1793, quando se efetivou o programa de povoamento do Rio
Branco, após a instalação das “Fazendas Reais”71 e dos Serviços de Extrativismo
e Roças, o Estado português buscou novas medidas regenciais que pudessem
fortalecer a frágil relação política administrativa do Rio Branco. Dessa forma, o
Estado colonizador voltou seus interesses para o incentivo da imigração
71. Essas fazendas eram de particulares, mas ficaram conhecidas na região como “Fazendas Reais” e
depois “Nacionais”. Estavam localizadas na confluência dos rios formadores do Rio Branco: o Rio Tacutu
(fronteira com a Guiana) e o Rio Uraricoera (fronteira com a Venezuela). Para os portugueses esse era um ponto
importante na redefinição geopolítica de ocupação e defesa da terra amazônica em favor do Estado português.
104
(brasileiro, cristão-novo e degredado)72 e da política de casamentos com
nativos. Nesse processo, o Estado português abria possibilidades para que o
índio saísse da condição de escravo73 e estreitasse os laços familiares na
consolidação dessa região amazônica, fortalecendo as “fronteiras vivas” e
reorganizando o sistema sócio-cultural e geopolítico do Brasil português.
Essa política reformista foi elaborada por Lobo d’Almada, cumprindo
determinações recebidas do governador do Grão-Pará, general Pereira Caldas,
que buscava proteger os interesses do Brasil português. Em relação à política
indigenista para o Rio Branco foram estabelecidas as seguintes medidas:
a) persuadir os índios das vantagens do sistema de vida português e, por isso,
“sustentá-los, vesti-los, não os fatigar”, etc.;
b) dar o que se promete e pagá-los “prontamente e sem usura”;
c) deixar que cultivem as próprias roças e alimentarem-se segundo seus próprios
costumes;
d) não obrigá-los a trabalhos forçados;
e) não “arrancar” os filhotes e mulheres das famílias índias;
f) favorecer os casamentos entre soldados e índias, até incentivando-os com
donativos de vacas (CIDR, 1989:20).
A partir de tais medidas indigenistas, podemos considerar que nesse
processo de instituição do espaço social, o pioneiro branco foi organizando as
relações sociais, nas quais o fazendeiro e seus empregados (não-índios e índios)
acabavam se tornando membros de uma mesma família por meio de casamentos
ou relações de compadrio. Assim, de acordo com os critérios políticos
72. “Brasileiro” era o termo que identificava os mercadores de pau-brasil (no século XVI) e mais tarde os
filhos de europeus e “mestiços” de europeus nascidos no Brasil colonial; “Cristão-Novo” era o termo que
identificava os lusitanos (judeus) convertidos ao catolicismo; “Degredado” eram os lusitanos condenados por
diferentes crimes e desterrados.
73. Em 1757, com base na Reforma Indigenista do Marquês de Pombal, o governador do Grão-Pará,
Mendonça Furtado, normatizou medidas relativas à vida do índio, criando o Regimento do Diretório. Tal
regularização tornava o índio “livre” (considerado branco) sob a proteção do Estado, sendo encaminhado para
diferentes serviços do Estado e dos moradores do povoado (REIS, 1989).
105
regulamentados pelo Estado Luso-brasileiro, o fazendeiro74 era o chefe dessa
“família portuguesa/brasileira”, era o senhor da terra e de seus familiares
trabalhadores da terra. Esses novos donos da terra traziam parentes ou amigos,
formando uma corrente migratória e constituindo-se na sociedade local, onde um
indivíduo estava conectado ao outro por laços familiares ou de compadrio.
Diante disso, é preciso considerar também o contexto em que se foi
construindo essa região do norte brasileiro. Isto é, precisa-se verificar o contexto
em que a história cultural do Rio Branco está inserida, pois evidenciou a presença
de diferentes famílias indígenas que se uniram ao branco e deram uma raça
mestiça de vaqueiros e domadores do lavrado amazônico. Dessa forma, iniciouse um processo que mostrou, por exemplo, o trabalho de “mulheres silenciosas”
e um pouco “selvagens”, indígenas de pouca fala e muita coragem, resistentes ao
serviço na casa de fazenda e na roça. Os homens índios, por seu lado, galopavam
a cavalo atrás do gado, nômades malgrado a ligação estreita com a terra. Nesse
cenário da fazenda, homens e mulheres indígenas se identificavam como
“brancos” desbravadores da região75.
A chegada do médico, do professor, do juiz, de novos missionários,
militares e comerciantes, entre outros atores sociais presentes nessas relações, fez
surgir uma nova ordem sócio-cultural no final do século XIX e começo do XX.
Nessa reformulação, expandiram-se os laços de parentescos que se aglomeravam
ao redor da casa principal da fazenda. Nessa perspectiva, a sede da fazenda se
transformou em vila. A partir das ampliações entre as relações sociais e familiares
74.
Esses pioneiros brancos eram ao mesmo tempo: comandante do Forte São Joaquim e fazendeiro,
proprietários de postos comerciais e fazendeiros, ou funcionários públicos e fazendeiros. Em geral, esses militares,
comerciantes e funcionários públicos proprietários de terras eram descendentes de portugueses e foram dando
origem a denominada “elite tradicional” da bacia Rio Branco. Exemplificando essa situação social, temos o
capitão Inácio de Magalhães (1830) comandante do Forte e proprietário da Fazenda Boa Vista, o capitão Bento
Brasil (1852) também comandante do Forte e fazendeiro, os quais originaram as denominadas “tradicionais
famílias”: Magalhães e Brasil.
75. Considerações apoiadas no texto “Brasil terra de contrastes” de BASTIDE, 1980:87, que fez
referência ao trabalho escravo do índio (id.:21) e, apesar de reconhecer a organização social do índio, Roger
Bastide exalta a integração no processo de mestiçagem: “surgiu uma saborosa mistura de duas civilizações, a do
português e a do índio (...) a Amazônia mestiça” (id.:45).
106
foi renovado o papel do chefe familiar. Nesse aspecto, deu-se abertura para a
presença de novas lideranças na vila, surgiu uma nova arrumação no lugar social
e outras alianças foram realizadas, resultando na divisão do poder político e
administrativo com o fazendeiro76.
O Estado português representado no Grão-Pará, não chegou a ser
beneficiado pelos negócios econômicos da região do Rio Branco, apesar dos
incentivos agropecuários decorrentes da política de desenvolvimento do Marquês
de Pombal, a fragilidade nas transações comerciais eram constantes e sempre
dependiam da intermediação da Capitania do Rio Negro (depois Estado do
Amazonas). Essa prática política e sócio-econômica foi uma das características
que se fez notar em outras estruturas regionais da política e da econômica do
Brasil português: a dependência metropolitana.
As relações entre o Estado colonizador e as aldeias, os povoados e as
fazendas ao longo do Rio Branco eram debilitadas pela dificuldade de
comunicação fluvial e pela distância até o Grão-Pará. Nesse contexto, avançou-se
muito pouco na política de expansão e ocupação para a região, que não
conseguiu estabilizar uma produção econômica. A pecuária não chegou a firmar
uma política de mercado monopolista que garantisse participação nos privilégios
concedidos pelo Estado colonizador aos moradores fazendeiros, que instituíam a
enfraquecida sociedade burguesa, que mostrava interesse em fixar residência na
região do Rio Branco.
Distante das articulações financeiras em torno da cultura do café,
favorecendo o olhar de exploração econômica para as regiões do eixo centro sul
do Brasil português, a região do Rio Branco permaneceu em seu estado letárgico
durante quase todo o desenrolar do século XIX. Nesse sentido, parece que o
76. Nessa fase da Primeira República (1889-1930), tanto o fazendeiro como as demais autoridades civis
eram popularmente denominadas de “coronéis”. Esses líderes da elite local controlavam os privilégios da política
do favor ou mais conhecido como coronelismo sustentando a “frágil” elite no poder estatal. Essa ação da elite
urbana atingiu as diferentes regiões do Brasil republicano.
107
Estado colonizador abandonou o habitante dessa parte amazônica deixando-o
entregue à própria sorte.
A pequena sociedade moradora do Rio Branco, com seus poucos recursos
financeiros, investiu na criação do gado e na agricultura com auxílio da força de
trabalho de índios e não-índios, os quais recebiam o pagamento dos serviços
prestados num sistema denominado de Quarta. Com a falta de moedas ou capital
na região, essa prática de salário foi comum até o século XX. Assim, o regime de
“sorte ou de Quarta foi o mais usado” e por meio dessa modalidade de contrato,
“um quarto das crias nascidas durante o ano pertencia ao vaqueiro” (DINIZ,
1972:37).
Essa prestação de serviços e as formas de pagamento nessa longínqua terra
da Amazônia despertavam dúvidas entre os interessados patrões e trabalhadores,
em relação à valorização dos serviços e a deliberação de verbas justas que
pudessem atender as necessidades da população menos favorecida. Na verdade, a
população indígena era explorada em sua força de trabalho, os patrões tiravam
proveito impondo regimes e contratos de trabalho em perverso mecanismo de
exploração. Os salários modestos (quando havia) eram apresentados sempre com
grandes descontos, sem clareza de critério normativo, tornando o índio
constantemente um credor (RICE, 1978:32).
Nesse processo de expansão colonial em direção à bacia do Rio Branco, os
critérios que definiram a legalidade da terra em favor do português/brasileiro
foram a ocupação e as benfeitorias. A situação legal das fazendas particulares era
apenas de posse, motivo que, na segunda metade do século XX, gerou novos
conflitos em relação ao novo processo de ocupação da terra entre os colonos, os
fazendeiros e os índios. Na verdade, durante os anos do século XIX e início do
século XX, o governo português, e depois o brasileiro, fizeram pouco mais do
108
que repelir as incursões estrangeiras a seu território e tentar efetivar sua posse nas
fronteiras constantemente ameaçadas.
1.8. Roraima no Império
Para que possamos melhor compreender as mudanças na Amazônia e no
Brasil nos fins do século XVIII e no decorrer do XIX, necessário se faz
analisarmos essas transformações conectadas aos acontecimentos na América do
Norte, que adquiria condições para sua autonomia, como também para alguns
países da Europa que assistia às transformações importantes em sua estrutura
política, social e econômica77.
Desse modo, as tensões e lutas, ocorridas nesse espaço brasileiro,
alteraram o sistema colonial na América Latina. No Brasil, após a Proclamação da
Independência em 1822, a diversificada sociedade brasileira do centro Sul apoiava
D. Pedro I na tentativa de preservar a unidade brasileira, mas as províncias do
Norte e Nordeste que mantinham ligações diretas com Lisboa, rebelavam-se.
A notícia da independência não foi recebida com agrado pelas tropas e
pelos comerciantes portugueses do Grão-Pará e Maranhão. Desencadeou-se,
nessa região, uma resistência das juntas governistas, controladas por latifundiários
e comerciantes portugueses, mais interessadas em manter os laços com a Coroa
de Portugal do que se submeter ao governo Imperial do Rio de Janeiro. Para
impor o reconhecimento da independência e manter sob sua tutela esse imenso
território, D. Pedro I contou com o auxílio financeiro da Inglaterra, que não
77. Em fins do século XVII e durante o século XVIII, a Inglaterra industrializou-se e expandiu seus
mercados e círculos sociais de influência política internacional. Seguindo estratégias semelhantes, a França
impregnada dos ideais liberais, tendo a burguesia que disputava o aumento de poder no comércio internacional,
buscava derrubar o monopólio britânico. Essas duas nações européias que agitavam os espíritos americanos
latinos admiradores do eurocentrismo, competiam o poderio político mercantil sobre as terras do Novo Mundo
que eram dominadas pelos reinos ibéricos. A França invadiu Portugal e a Corte portuguesa veio para o Brasil
(1808) tornando-o “Reino Unido” em 1815. Em 1822, com a Proclamação da Independência do Brasil tornandoo Império, D. Pedro I empenhou-se em manter unidas as províncias brasileiras. Tal modelo político se repetiu na
1ª República com a criação do Estado Federal e a troca da figura do Imperador pela figura do Presidente.
109
gostaria de perder seu vantajoso mercado nas terras brasileiras, e contratou tropas
mercenárias para assegurar o domínio político sobre todas as províncias.
Assim, após o estabelecimento da ordem provocada pelos conflitos
político-sociais entre os moradores da Amazônia (Belém e Manaus), os
representantes régios do Império brasileiro, em agosto de 1823, as autoridades
civis e militares (representando a sociedade da Província do Pará) num ato
solene, prestaram juramento de fidelidade e adesão a D. Pedro I. Os poucos
documentos78 sobre esses acontecimentos na Amazônia, deram notícias também
que os moradores da Província do Amazonas (civis, militares, comerciantes,
colonos, etc.), em novembro de 1823, reconheceram solenemente a
Independência política do Brasil e juraram obediência ao Imperador D. Pedro I.
A Constituição de 1824 procurou garantir ampla liberdade79, mas a
organização do Brasil Monárquico, de representação limitada pelos critérios
políticos e sociais, estabelecia a igualdade de todos perante a lei e na prática a
maioria da população permanecia escravizada. Isto aconteceu, porque a elite
europeizada mantinha a ordem estabelecida no sistema colonial preservando seus
próprios interesses econômicos e políticos.
Diante dessas circunstâncias, vários movimentos insurrecionais liderados
por brasileiros, das classes baixas, descontentes com o Império de D. Pedro I
foram violentamente combatidos, de forma a ser conservada tanto a unidade
territorial como o poder régio. No Pará, o movimento mais conhecido foi o da
Cabanagem, com agitações e revoltas entre 1835 a 1840 (REIS, 1989).
Apesar dessas transformações estruturais no Estado português/brasileiro,
ao longo do século XIX, o ambiente social e econômico na condução da vida na
78.
Ofícios, Circulares, Instruções Régias dirigidas aos habitantes do Grão-Pará e Capitania do Rio Negro
informando sobre a Proclamação da Independência e a instituição do novo Império do Brasil, com datas entre
janeiro a novembro de 1823 (cf. REIS, 1989:149/156).
79. Inspirada na “Declaração dos Direitos do Homem”, elaborada pelos revolucionários franceses (agosto
de 1789), não se referiu ao índio ou negro (cf. MARÉS, 1999).
110
região do Rio Branco não chegou a ter mudanças significativas. Registrou-se um
fluxo migratório de pessoas e de novos rebanhos bovinos ocupando os campos
da região. O governo monárquico do Brasil Imperial (de D. Pedro I e D. Pedro
II) não encontrou ressonâncias consideráveis para uma eficaz mudança das
condições internas, firmando uma autonomia econômica nesta região. A
economia do Rio Branco continuava com base na lavoura e criação de gado, com
um precário comércio que dependia do mercado externo ligado a Manaus80.
Na realidade, nessa fase do Brasil imperial, os conflitos entre índios e
brancos ficaram mais distantes do poder governamental concentrado no Rio de
Janeiro. Conforme o regime monárquico transplantado da Europa, propagava-se
que o índio estava integrado como cidadão. Na prática, essa nova ordem estatal
era apenas teórica: o índio “integrado” continuava discriminado na figura do
“caboclo” e os rebelados reafirmavam sua etnicidade no interior da selva
desconhecida pelo branco.
Apesar de ter recebido especial atenção da Província do Pará, em razão da
distancia e precária comunicação, até os anos de 1850, a Província do Amazonas
permaneceu relativamente isolada tanto de Belém como de Boa Vista do Rio
Branco. No entanto, entre 1850 e 1870, medidas do governo imperial alteraram
essa situação de isolamento com a introdução da navegação a vapor na bacia do
Rio Amazonas e da abertura do porto de Manaus para a navegação internacional.
Tal medida da Coroa brasileira fazia parte da meta de consolidação tanto da
unidade monárquica quanto do reconhecimento do território amazônico.
Contudo, essa região amazônica (especificamente Belém e Manaus) teve
seu apogeu no cenário comercial internacional no final do Império e início da
80. Em 1852, a capital da Capitania do Rio Negro (Lugar da Barra), tornou-se capital da Província do
Amazonas e, em 1856, uma lei provincial mudou o nome dessa capital para Manaus.
111
República com o denominado ciclo da borracha81. A borracha da Amazônia foi
divulgada para os europeus no século XVIII, quando a expedição de La
Condamine (1743) descreveu sua aplicação pelos índios amazônicos nos diversos
fins: na fabricação de utensílios de uso cotidiano, como sapatos e garrafas ou no
revestimento de tecidos. Esse produto tropical chamou a atenção de cientistas e
empresários pela qualidade de impermeabilização e elasticidade. Desse modo, a
borracha tornou-se o produto industrial de expressivo avanço na produção de
bens dos mais modernos, com diferentes formas de consumo associado à idéia
de “civilização” e “progresso” (REIS, 1989; DAOU, 2000).
Porém, nem esse curto ciclo da borracha em fins do século XIX e início
do século XX, que deu certo poder político e econômico ao Amazonas,
conseguiu tirar a região do Rio Branco desse estado desalentado no processo
“civilizatório” e de integração amazônica. A sociedade do Rio Branco continuava
envolvida nos conflitos de terras, sempre em litígio. No final do século XIX, o
governo do Brasil Imperial observou com preocupação essa situação fronteiriça
da Amazônia que se fragmentava com a reconstrução das repúblicas espanholas e
da passagem das terras da Guiana para o poder britânico (por volta de 1803).
A área de fronteira em litígio no Essequibo foi neutralizada com a
assinatura de um acordo em 1842, entre o Brasil e a Grã-Bretanha, que não
abdicou de seus direitos sobre a região alegando que as terras herdadas dos
holandeses iriam até onde se estendiam suas alianças com os índios. Ao contrário
dos portugueses, que usava o índio como fronteira viva, para provar a posse da
terra (Tratado de Madri), o direito de posse da terra, pelos ingleses, era reclamado
com base na relação comercial tribal. Em 1904, essa questão foi resolvida por um
81. O apogeu da borracha aconteceu entre 1880-1910 atraindo empresários estrangeiros (ingleses,
franceses, americanos, libaneses e também portugueses e brasileiros) e ampliando tanto a disputa pelas terras de
seringueiras quanto a complexidade da sociedade amazônica de comportamento individualista (DAOU, 2000).
112
acordo diplomático entre Brasil e Inglaterra e tendo como árbitro o rei italiano
que reconheceu e delimitou a posse inglesa na região (NABUCO, 1941).
Atendendo as mudanças administrativas do Brasil Imperial, uma lei da
Província do Amazonas, em 1858, ampliou a divisão de governo do Rio Branco
elevando o aglomerado populacional ao redor da Fazenda Boa Vista para
Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, edificando uma paróquia. Mas a presença
da Igreja, na condução da vida social e religiosa no Rio Branco, exerceu pouca
influência na modificação dessa estrutura social e política do século XIX.
MAPA 04
Territórios atribuídos ao Brasil e à Grã-Bretanha em 1904 (J. Nabuco, 1941)
113
Diante do exposto, podemos dizer que a formação social na construção
desse núcleo urbano de Boa Vista, em grande parte, só foi possível com o auxílio
do índio. A população indígena foi coagida a incorporar-se no projeto de
cidadania (com mudança da aldeia em núcleo urbano), mas na prática continuava
escravizada e tutelada pelo Estado. O pioneiro branco não encontrou os
sonhados veios auríferos e, para sobreviver, transformou os campos da região em
colônia agro-pecuária e lançou no mercado produtos extrativistas. Contudo, a
documentação82 que registrou a origem da cidade dá pouco esclarecimento sobre
essa dinâmica entre índios “civilizados” e “não-civilizados” e os brancos que se
faziam presentes na antiga Freguesia de Nossa Senhora do Carmo.
A pequena burguesia, constituída por fazendeiros, comerciantes e
funcionários do Estado, interessados na preservação de seus privilégios, esboçava
critérios políticos e socio-econômicos para estabelecer a representação limitada
da elite local, mantendo distante a população inculta, composta de mestiços
(brancos e índios) e “caboclos” (índios) vivendo na pobreza. Calculava-se que na
bacia do Rio Branco, aproximadamente 80% da população era indígena. Por
causa do pouco contato com as regiões de serra, onde habita a maioria dos
índios, não sabemos ao certo o total dessa população indígena no século XIX.
Tal contexto social e cultural foi descrito pelo francês Henri Coudreau
(1887) que desenvolveu estudos nessa região e comentou, surpreso, sobre o
grande número de Makuxi. De acordo com essa informação, essa etnia indígena
parecia ser a mais expressiva do Rio Branco, contando entre três a quatro mil
índios convivendo com uma população branca que não chegava a mil habitantes.
Ao final do século XIX, a inexistência de estrutura política administrativa
na região do Rio Branco ainda persistia. Dos cinco povoados, apenas o de Nossa
82. A Lei nº 92, de 9 de novembro de 1858, designou as províncias do Amazonas e estabeleceu que a
sede da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo deveria ser no lugar chamado Boa Vista, localizado acima das
cachoeiras do Rio Branco. Tal lugar era o aglomerado urbano que se formou na fazenda Boa Vista, fundada em
1830, de propriedade de um oficial português do Forte São Joaquim, Inácio Lopes de Magalhães.
114
Senhora do Carmo sobreviveu com o nome de Boa Vista. Nessa época, a
unidade militar (São Joaquim) não desempenhava mais nenhuma função de
defesa geopolítica. As fazendas espalhadas no imenso território do Rio Branco
dependiam dos índios como única mão-de-obra para os serviços domésticos e
trabalho braçal. O atendimento religioso continuava incerto, sendo realizado
pelos franciscanos que visitavam Boa Vista e algumas malocas (COUDREAU,
1887:257).
FIGURA 04
Região do Rio Branco: cenas do trabalho indígena Expedição Rice (1924/110.1 e 128.1). (Legenda e Foto: RICE,
1978).
Índia Macu ralando mandioca, um dos principais produtos alimentícios indígena. Essa é uma das fases do preparo da farinha.
115
Com a instituição da República, a redivisão do território brasileiro foi
discutida e aprovada na primeira Constituição Republicana de 1891, que criou o
Estado Federal, impôs a forma federativa de governo, para assegurar a ordem
política num território tão vasto e heterogêneo. Contudo, todos os direitos
estaduais estavam instaurados e vinculados ao poder central: unidade territorial,
política e de direitos (SOUZA, 1971). Nesse sentido, a Monarquia influiu até
mesmo na “mudança” do novo sistema de governo brasileiro: “entregaram o
poder Executivo a um só homem, o Presidente da República, (...) um verdadeiro
‘monarca eletivo’.” (DALLARI, 1986:32).
Em relação à política indigenista, a idéia constituinte do Brasil republicano
traduzia, no integracionismo, a absorção da cultura indígena, sendo omissa nessa
questão do índio. No entanto, tal questão foi levantada durante a discussão pela
Assembléia constituinte, mas na prática o Estado brasileiro continuava
desprezando essa questão (MARÉS, 1999:56-7).
Sem perder o apoio da elite política e econômica, o governo republicano
por Decreto Lei de 1906 criou o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) que foi
efetivado em 1910, sendo dirigido por um militar de espírito humanista, o
marechal Cândido Rondon. Em 27 de junho de 1928, foi aprovado o decreto (n.
5484) legislativo do índio. Todavia, mesmo com esse conjunto de normas
protetoras indígenas, as relações entre Estado, sociedade nacional e índio não
mudaram.
Esse caráter ambíguo (oligárquico e liberal) parece ser uma das
características sempre presente no processo de formação social e democrática
brasileira, que apoiado num projeto que aspirava unidade territorial e dualidade
social (brancos e índios) de regime representativo democrático, não abriu
caminho para o reconhecimento diferenciado da cultura indígena. Embora,
116
teoricamente, o índio estivesse integrado à sociedade nacional no quadro social
de Roraima, ele era olhado como “caboclo” de propriedade do Estado.
Nesse jogo econômico e disputa política de participação do poder estatal,
embora o quadro teórico liberal difundisse a equivalência dos direitos entre os
brasileiros e todos os Estados federados, na prática (semelhante aos acontecimentos
vividos com a Constituição de 1824 e 1891), revelava a supremacia dos representantes
da elite política e econômica do Brasil. Nesse caso, os Estados mais fortes (São
Paulo e Minas Gerais) formavam o grupo de controle dos privilégios e sustentação
do governo federal. Vale lembrar que, no interior desse embate político, as elites
militares disputavam contra as elites econômicas a participação no governo
republicano, cujos temas segurança nacional e desenvolvimento econômico
barganhavam recursos e partilha no poder central (SOUZA, 1971:163).
Sabemos, contudo, que a construção desse Estado amazônico passou por
mais de quatrocentos anos de injusta supremacia de brancos sobre índios que
implacavelmente desconstruiu a cultura indígena. Identificamos que nesse
processo de aculturação, Makunaima83, o herói cultural das famílias indígenas de
filiação lingüística Karib, como os Makuxi, por exemplo, foi dando lugar ao
Deus-Cristão das potências européias que disputavam a região. Nessa
perspectiva, o Aldeamento, um lugar criado pelo Estado dentro de uma política de
proteção, transfigurava os índios em “brancos” enfatizando a integração na
sociedade nacional e destruindo seus direitos territoriais.
83.Makunaima
(em Roraima, diz-se Makunáima) termo de origem Karib. Os ancestrais indígenas
revivificavam, em alguns momentos da festa/ritual, a figura do herói e por meio da narrativa mítica explicavam os
seus feitos sobre os primeiros tempos. Para o Makuxi, de nosso tempo atual, Makunaima é a própria criação, é o
próprio momento em que todas as coisas passaram a existir em coesão: terra e cosmo. O Monte Roraima,
representa na memória cultural dessas etnias, de origem Karib, a morada do herói (cf. OLIVEIRA, 1991:15).
117
CAPÍTULO 2
RORAIMA no século XX: perspectivas históricas, culturais
e políticas
Nos primeiros anos do século XX, o panorama político e econômico no
Rio Branco não apresentava grandes mudanças. A pequena elite local, cuja
maioria era descendente dos “pioneiros brancos”, não fazia oposição ao poder
federal, pois era fiel e passiva aos seus objetivos pessoais, como sempre
acontecera antes dos períodos sucessórios. Isolada, tanto geograficamente quanto
do jogo das forças de poder na capital, Rio de Janeiro, essa elite atrelava-se ao
mercado internacional, comercializando com os ingleses (habitantes da Guiana) e
com os espanhóis (habitantes da Venezuela).
O município de Boa Vista do Rio Branco, nascido com a Constituição de
1891, transformou-se no núcleo político, administrativo e militar de maior
relevância na região. Por outro lado, continuava subordinado ao Estado do
Amazonas, não firmando tomadas de decisões de nível local, as quais eram
definidas em Manaus. No entanto, dentro do jogo “democrático” da Primeira
República (1889-1930), disputado sob a hegemonia dos representantes das
regiões economicamente mais fortes, o Estado do Amazonas ficava de fora e
aguardava as grandes decisões e partilha dos privilégios no poder central,
apoiadas na política de favor ou do coronelismo (SOUZA, 1971; ABRUCIO, 1998).
Essa estrutura do Brasil republicano herdou da monarquia84 o jogo de
poder político e econômico centralizado no representante do Estado-Nação
firmado na unidade federativa e na política autoritária. Inseridos na cultura do
individualismo e da vontade política coronelista, os habitantes desse contexto
urbano, que surgiram do aglomerado de pessoas instaladas na sede da fazenda
84. O Estado, representado pelo imperador (Pedro I e II), controlava a unidade territorial exercendo
poder de mando sobre as províncias com apoio da elite política e econômica, detentora de grandes propriedades.
118
Boa Vista, esperavam exercer a cidadania nesse lugar de infra-estrutura precária,
sem estradas, sendo fluvial a única via de comunicação com Manaus (via Rio
Branco e Negro). A energia elétrica era um sonho distante e as políticas que
pudessem impulsionar o desenvolvimento a partir da utilização dos recursos
locais, o projeto de incentivo agro-pastoril e agro-florestal, mostravam-se frágeis
e não chegavam a produzir o suficiente para colocar a região no mercado
amazônico. A maior parte da produção era de subsistência local, com pouca
exportação para Manaus.
Todavia, foi reiterada a aspiração “civilizadora”85 da elite boavistense: viver
em um espaço urbano diferente das precárias ruas localizadas em zona plana, de
baixa altitude. Essa elite era composta por descendentes de brancos e mestiços 86
vivendo entre uma grande massa de “caboclos” (índios “civilizados”), nas
proximidades do porto, denominado Rampa do Cimento, à margem direita do
Rio Branco, com três ruas paralelas próximas da paróquia Nossa Senhora do
Carmo. A topografia da zona urbana boavistense poderia ser definida como uma
grande superfície plana com sulcos formados por igarapés e pequenos lagos.
Nessa infra-estrutura urbana, do Brasil republicano, não se podia conceber
dispositivo cultural próprio de coletividade não reconhecida em sua
individualidade e pseudamente integrada na unidade nacional87. O processo
histórico de construção dessa região brasileira, que foi eliminando o que era
diferente, por meio do integracionismo, (índios e europeus rivais: holandeses, espanhóis,
ingleses), transformou tudo em língua e cultura portuguesa. Portanto, a massa
85.
Por meio dos relatos de uso da História Oral, é voz corrente entre os habitantes de Boa Vista que a
elite local sempre “sonhou” em transformar esse pequeno núcleo urbano (Boa Vista) em capital moderna e de
fácil comunicação com as grandes metrópoles nacionais e internacionais. Tal desejo, alimentado pela busca dos
veios auríferos divulgados pelo El Dorado, permanece no tempo contemporâneo.
86.Estamos nos referindo aos habitantes descendentes de europeus nascidos no Brasil que se mesclaram
ao negro e ao índio nas regiões centro-sul e nordeste brasileiro e chegaram nessa região no final do século XIX e
na primeira metade do XX. Entre esses mestiços imigrantes estavam, também, os descendentes da bacia do Rio
Branco (mistura do branco com o índio).
87. Cf. A Constituição republicana brasileira de 1891 que é omissa nessa questão do índio e não
abandonou a idéia integracionista (MARÉS, 1999:57).
119
indígena, vista sem organização estatal e social, foi usurpada pelo próprio Estado
que havia propagado direitos iguais para todos, e proposto o exercício de
cidadania ao índio “livre”88. Nessa empreitada de unificação federativa, caboclos
(índios civilizados/integrados) sob coerção social do Estado e brancos
(privilegiados pelo Estado) foram recriando os espaços e a teia social nacional,
formando a paisagem urbana e social roraimense.
Essa relação do Estado brasileiro com os índios, denominados “caboclos”
pela sociedade nacional, ganhou um novo conjunto de normas por meio da
instalação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) em 1910, um órgão federal sob a
direção do Marechal Rondon que, numa visão na época considerada humanista,
trataria da política indigenista (COUTINHO, 1975). Não podemos, porém, nos
esquecer que o SPI nasceu como SPILTN: Serviço de Proteção ao Índio e
Localização de Trabalhadores Nacionais, órgão do Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio. Os objetivos últimos eram a aculturação gradual e a
capacitação do indígena como camponês (ARRUTI, 1995:57-8).
Deve-se ao SPI e à política rondoniana a idéia de transitoriedade da
situação do índio, de “isolado” a “integrado” para o que se introduziu no Código
Civil Brasileiro, em 1916, a figura da “tutela”. No artigo 5º do referido Código
dispõe que: “as pessoas menores de 16 anos são absolutamente incapazes de
exercerem pessoalmente os atos da vida civil.” No inciso III do artigo seguinte
(6º) considera que “as pessoas maiores de 16 anos e menores de 21 são
relativamente incapazes a certos atos ou maneiras de os exercer”. Do ponto de
vista jurídico, os índios deveriam ser “tutelados” por serem, como os menores,
de relativa incapacidade por seus atos e por não conhecerem o código nacional
de conduta, sendo necessário o Estado protegê-los.
88.
Cf. acima, Capítulo 1, pp. 86/89.
120
O órgão federal responsável pelos índios (SPI) envolveu-se, nos anos de
1950, numa rede de corrupção roubando a terra do índio em favor da
propriedade privada, dos novos titulares integrantes da oligarquia local e
tornando-se instrumento de opressão (SOUZA FILHO, 1994; MONTEIRO, 1994;
MARÉS, 1999).
Nessa fase inicial do século XX, aos poucos, ou de repente, conforme as
estratégias e interesses dos representantes do executivo federal, as etnias
indígenas foram desaparecendo, famílias de índios foram integrando-se pelo
processo de “pacificação” e outras famílias indígenas fugiram para o interior da
região. Entre os séculos XVIII e o XX (momento de conquista e povoamento lusobrasileiro), calcula-se um total superior a 50% das etnias indígenas89 que sumiram
nesse processo de construção dessa região amazônica. Não se sabe quantos
índios morreram, não só para defender suas terras e famílias nas lutas contra os
colonizadores, como também nos conflitos entre as próprias etnias cooptadas
por religiosos e comerciantes e levadas a participar de competições mortais que
não eram suas.
O discurso de integração do índio na sociedade nacional, assumindo
proporções ambíguas (regime tutelar ou amalgamados pelos cruzamentos)
desencadeou reações de estudiosos, especialmente antropólogos, que chamavam
a atenção para o massacre desses povos tribais amazônicos. A questão da
territorialidade desses povos, cuja forma de divisão da terra é ancestral e respeita
os limites da cosmovisão indígena, agora ocupada e povoada pelo Estado,
ganhou novas interpretações com a instalação do SPI/local.
Esse primeiro órgão federal criado para gerenciar uma política indigenista,
deu continuidade à ação integracionista da fase Imperial e não reconheceu as
89. Não há censo das etnias indígenas dessa região amazônica, os dados levantados pelo SPI (Serviço de
Proteção ao Índio), pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e outros órgãos ou entidades não governamentais,
interessados na causa do índio do Rio Branco/Roraima, apresentam dados aproximados e nem sempre
concordam com o total estipulado.
121
especificidades culturais do índio (SOUZA FILHO , 1994; SANTOS, 1994a). Apesar
disso, surgiram discussões sobre o falso discurso da integração nacional: qual
seria a categoria do índio no quadro social nacional? Para alguns representantes
do Estado, o índio “ganhava civilidade” segundo sua “proximidade” com os
hábitos da “cultura nacional” (MARÉS, 1999).
Evidencia-se nesse discurso o poder de coerção do Estado eliminando a
“diferença” cultural, reconhecendo todas as distintas etnias como brasileiros.
Apesar disso, algumas famílias, tanto as isoladas ou integradas, reconheciam-se
como índios, guardando parte da memória cultural que era revivificada no
encontro com o parente “arredio ou isolado”90. O jovem índio, condicionado à
política integracionista partia para Boa Vista em busca de estudos que o
qualificassem para o mercado urbano. Esse jovem, quando regressava à maloca
para visitar os parentes revivifica relações lingüísticas e culturais independentes
do meio urbano em que vivia como “cidadão brasileiro”.
Diante disso, o discurso de integração compulsória do índio na sociedade
nacional, propagando que ele desfruta das benesses estatais e dos direitos civis,
não é totalmente verdadeira. Na prática cotidiana, observou-se que no processo
de relação entre Estado e índio, com existência de uma “invisível” cultura na
cultura nacional, alguns “caboclos” passaram a reivindicar os seus direitos étnicos
e outros romperam a relação com os parentes “isolados”, assumindo a identidade
nacional. Os que assumiram a cultura branca, no exercício do dia-a-dia,
continuavam sem definição étnica: não eram índios porque não se reconheciam
como tais e não eram brasileiros porque nasceram índios (Makuxi, Wapixana,
90.
Esses termos deram caráter ambíguo nas representações e nas relações entre o Estado e os indígenas.
Percebe-se que as noções de isolamento ou integração dos índios, as intervenções dos recém-contactos com
índios amazônicos estimularam discussões no campo da Antropologia e nos movimentos sociais em favor dos
povos tribais, fortalecendo a noção de etnicidade, permitindo aos grupos indígenas reconstruírem suas
organizações culturais diferenciadas da cultura nacional (cf. GALLOIS, 1994:121/132).
122
Wai Wai, etc.) e, em geral, eram discriminados ou não eram reconhecidos pela
sociedade branca local.
Contudo, do ponto de vista jurídico todo índio é reconhecido como
brasileiro e está contemplado pelas leis do país, que desde a Constituição do
Império (1824) inseriu os índios e os outros brasileiros como cidadãos brasileiros
porque nasceram no território nacional.
Ainda nesse período (primeira metade do século XX), apareceram notícias
sobre a educação formal, a partir de professores desvinculados das carreiras
eclesiásticas, desenvolvendo um ensino elementar para os filhos dos moradores
colonos (brancos e mestiços) e dos índios “civilizados” (caboclos). Essa nova
atribuição, no processo de colonização brasileira, dada ao papel do professor
“leigo” na formação da sociedade roraimense, buscou efetivar a unificação
cultural, eliminando os visíveis elementos “selvagens”91 na relação social local,
ainda existentes.
No contexto da oralidade são comuns as histórias sobre a coragem e
honradez dos primeiros mestres como o Sargento João Capistrano da Silva Mota,
Alfredo Venâncio de Souza Cruz92 e Diomedes Pinto Souto Maior. Esses
homens, desde o final do século XIX, souberam aplicar um projeto de
aprendizado ávido por mudanças numa região longínqua e carente de políticas
educacionais (SOUZA, 1969:38). Eram imigrantes representantes do poder político
estatal, com atuações no processo educacional e tinham como meta transformar
a região num único corpo social rio-branquense. Esses professores leigos
discursavam e valorizavam a diversidade93 de hábitos na cultura nacional local,
91.
Fora do convívio urbano-patriótico, na maloca o índio praticava a língua e suas próprias
manifestações culturais.
92. João Capistrano da Silva Mota (popular Coronel Mota) foi o primeiro prefeito de Boa Vista, quando
da instalação do município em 1890, subordinado ao Estado do Amazonas. Alfredo Venâncio de Souza Cruz foi
o sucessor do “Coronel Mota”.
93. Descendentes de diferentes grupos indígenas pertencentes ao tronco lingüístico Karib ou Arawak.
Esse processo educacional unificador da língua e cultura luso-brasileira, eliminou a identidade do índio. Na visão
antropológica, o uso do próprio termo “índio” é generalizador, pois unifica as diferenças étnicas.
123
mas enfatizavam a necessidade de “civilizar” as crianças e jovens indígenas,
profissionalizando-as para o convívio no núcleo urbano.
No entanto, colocam-se em questão os temas da identidade e etnicidade
presentes nesses discursos educacionais, que preconizavam o respeito à diferença
cultural dentro de uma prática pedagógica de desconstrução da identidade do
índio em favor da construção de identidade nacional.
Verificou-se, nessas propostas do aprendizado das “primeiras letras”, que a
problemática indígena, como elemento cultural distinto e de difícil compreensão
pela sociedade nacional local, não fazia parte das preocupações que eram
cristalizadas na escola (OLIVEIRA, 1991). Porém, na prática, fora da escola,
apegava-se ao índio como mão-de-obra escrava no trato da terra e nos serviços
domésticos. Nessa relação ambígua, as múltiplas diferenças (indígenas e nãoindígenas) presentes nesse processo humano e social, numa parte “invisível” das
relações de poder sobre o outro, eram apresentadas como inexistentes na prática
pedagógica da escola roraimense.
O aprendizado era estruturado em torno do reconhecimento de um
sistema de valores culturais e identitários próprios a um estilo de vida
“civilizado”. Contudo, no cotidiano de atuação dessa metodologia autoritária,
surgiam caboclos (índios “civilizados”) que, na medida do possível, resistiam ao
assédio da dependência do Estado e das perdas culturais, enquanto outros
integravam a dinâmica social nacional. Os documentos94 que relatam essa
temática não estipulam o total de índios e não identificam as etnias que
assumiram a cultura européia95 dentro dessa política sistemática de assimilação
forçada e de desenraizamento cultural (CIDR, 1989).
94.
Fazemos referência aos Relatórios e Informativos da Diocese de Roraima, aos programas da escola
indígena sob a responsabilidade da Missão do Surumu. Além desses, existem os Relatórios e Programas referentes
às escolas indígenas e não-indígenas tuteladas pelo Estado, através da Secretaria de Educação de Roraima.
95. Estamos nos referindo às etnias indígenas do tronco lingüístico Karib e Arawak, que no confronto
cultural e na política do contato (índios, holandeses, espanhóis, ingleses, portugueses, franceses, etc.), de atuação
124
Desta forma, o que esses primeiros professores convencionaram como
ensino voltado para questões sócio-culturais do Brasil não passou de cópia de
modelos pedagógicos dos missionários que “civilizavam” os índios nos
Aldeamentos: cantigas para o ensino da tabuada, da soletração, narrativas orais
sobre heróis, fadas, príncipes e santos, sem se esquecer das histórias e lendas dos
mistérios amazônicos. Em tudo era geralmente exaltado o “amor e respeito ao
próximo”, assim como a “honestidade e obediência aos superiores” (OLIVEIRA,
1991).
Esse aprendizado, ministrado por professores não religiosos, assumindo
certos significados numa educação de prática sistemática, que visava à unidade
territorial e a europeização do lugar, perdurou até bem pouco tempo e não há
evidências de que já tenha sido totalmente superado, e, certamente, mereceria um
estudo específico. Com o mesmo propósito, os missionários das ordens religiosas
(carmelitas, capuchinhos, franciscanos e outros) desenvolviam projetos para
escolas, instaladas em regime de internato, com objetivo de ampliar o
comportamento “de boas maneiras”, por meio de escolas primárias para as
crianças indígenas. Nessa prática pedagógica, O SPI (Serviço de Proteção ao
Índio) desenvolvia, também, atividades educacionais e profissionalizantes junto
aos índios, que eram classificados, pela política indigenista, em: “selvagens” e
“civilizados”, havendo, também, os “semi-civilizados”. Todos deveriam adaptar-se
nos costumes da civilização para “torná-los úteis ao engrandecimento da Pátria e
ao bem da família” (cf . CIDR, 1989:31).
Para inserir a bacia do Rio Branco no mundo da cultura nacional, os
beneditinos, sob a orientação do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro,
transformaram esse lugar construindo igrejas, hospitais e colégios, como o São
José na cidade de Boa Vista (em 1924). Fundaram, na região do Rio Surumu
protecionista e estratégias eliminadoras da cultura indígena, foram envolvidas nas relações de dominação, no
decorrer dos últimos séculos.
125
(1911-1912), um posto missionário e depois um internato misto para jovens e
escola para crianças indígenas, almejando colocar em prática a política
educacional pleiteada pelo governo brasileiro (CIDR, 1989).
Figura 05
Cidade de Boa Vista. Escola dirigida por religiosos beneditinos. A maioria das crianças é mestiça (branco com
índio). Expedição Rice (1924/96.2). (Legenda e Foto: Rice, 1978).
No entanto, durante a prática pedagógica dos religiosos beneditinos, podese observar que, de maneira sutil, foram sendo introduzidas concepções
humanistas implicando em discussões, por parte dos índios, de conteúdos
culturais diferentes do nacional referentes aos direitos humanos. Tal prática era,
também, aplicada pelos indigenistas do SPI que começaram a atuar nessa região,
com maior intensidade a partir dos anos de 1920 (CIDR, 1989, OLIVEIRA, 1991;
LIMA, 1993).
O maior contingente indígena habitante do Surumu é o Makuxi e o local é
considerado como importante ponto de passagem para as fazendas e os
garimpos. Assim sendo, esse processo “civilizador” que introduzia o índio na
sociedade nacional, desenvolvido pelos religiosos católicos, ganhou força,
especialmente nessa região do Surumu, a partir de 1915, após a atuação do SPI
126
(Serviço de Proteção ao Índio), quando o governo federal elaborou estratégias
indigenistas para a região do Rio Branco (DINIZ, 1972; CIDR, 1989; SANTILLI,
1994).
Isto significou que a inserção inexorável das etnias indígenas da bacia do
Rio Branco na sociedade nacional abriu caminho à força e transformou tanto a
terra como a vida social e cultural. Tal processo retomou a antiga medida
intervencionista pombalina, valorizando a importância dos hábitos europeus e
dos intercasamentos. Essa estratégia assimilacionista do Brasil português era um
dos modos de assegurar o povoamento e a soberania portuguesa/brasileira nestes
vastos campos. Portanto, é possível dizer que a estratégia de integração do índio
desestruturou sua cultura no plano de miscigenação96 brasileira.
O Estado conduziu parte dos moradores (índios e não-índios) para as
regiões “desabitadas” em constante litígio e, aos poucos, foi domesticando os
hostis e transformando malocas em núcleos urbanos/municípios. Essa ação tinha
como meta salvaguardar o interesse do Estado, a propriedade e a defesa do
território brasileiro.
Até certo ponto, o grande reabilitador desse processo era o
estabelecimento das alianças e o incentivo dos laços de parentesco com os índios,
que eram introduzidos na “civilização” pela cultura do gado. Roger Bastide
exaltou essa união entre índio e branco quando analisou o universo da fazenda
amazônica, como uma “saborosa mistura” que “deu uma raça mestiça de
vaqueiros e domadores do espaço” (BASTIDE, 1980:87).
Mesmo assim, esse autor reconheceu a escravização do índio na lida com o
gado. Tais contrastes e conflitos sócio-culturais, relativos ao distanciamento
econômico entre a elite e a massa social do Rio Branco, eram esfacelados no
96. É comum em Roraima falar da miscigenação branco com negro, como o imigrante de outras regiões
do Brasil. Não fazem referência ao mestiço de índio com branco que, em geral, é identificado como “caboclo” ou
índio “civilizado”.
127
convívio na “Grande Família”97. Nesse processo, ocorriam barganhas políticas,
alianças de amizades, casamentos e compadrio, possibilitando soluções
alternativas e normatizações de questões de direitos civis entre índios e nãoíndios. É sabido que tal modalidade política de integração do índio na sociedade
nacional foi tradicionalmente estabelecida e construída por uma elite
“monocultural”, desde a fase colonial, inspirada no espírito de liberdade e
igualdade previstas na Constituição e nas suas leis98 que foram sendo elaboradas
na estruturação do Estado português/brasileiro e atravessaram o sistema político
do Brasil contemporâneo, até o começo do século XXI.
2.1. O retorno das expedições científicas ao Rio Branco
No início do século XX, registrou-se a presença de novas expedições de
naturalistas que buscavam detalhar informações sobre essa região amazônica99 de
fronteiras indefinidas. Eram novas expedições voltadas para interpretações desse
97.
No processo de construção do território amazônico, a Reforma pombalina (século XVIII) incentivou
o casamento entre brancos e índios, reunindo em um único grupo os diferentes grupos culturais, garantindo a
ocupação e a defesa da terra em nome de Portugal/Brasil, como se todos fossem uma grande família
portuguesa/brasileira. Após a Constituição de 1891, o poder central, preocupado com a unificação federativa,
recorreu a essa política unificadora das diferenças sociais e culturais. Assim, os distintos grupos presentes na bacia
do Rio Branco e outras regiões do Brasil, foram unidos na relação de poder estatal (patriarcal) com a sociedade
nacional, onde a concepção de família mascarou os conflitos culturais e de posse da terra, como filhos da nação
brasileira, que teoricamente estão irmanados, representando uma “grande família” brasileira defensora da
soberania nacional (OLIVEIRA, 1991).
98. Referimo-nos aqui: a) às medidas régias políticas, sociais e econômicas promulgadas por D. João VI
após a instalação (no Rio de Janeiro) da família Real em 1808, que transformou o Brasil em “Reino Unido”
(1815); b) a Constituição de 1824 e as medidas régias do Brasil Imperial (decretadas por D. Pedro I e II) na
unificação e defesa das províncias; c) a Constituição de 1891, (governo do Marechal Deodoro) estabelecendo a
unidade federada e a defesa soberana do novo Estado-Nação; d) a Constituição de 1937 e as medidas do governo
federal (Getúlio Vargas) oferecendo possibilidades do povo brasileiro participar de um sistema político voltado
para o povoamento dos “espaços sociais vazios” (criação dos Territórios Federais) e defesa da soberania nacional;
e) a Constituição de 1988 (governo de José Sarney) também apresentou fundamentos semelhantes oferecendo
possibilidades de reconstrução da sociedade e de um sistema político mais justo e democrático para todo cidadão
brasileiro (esses objetivos fizeram parte também da Agenda Política do ex-presidente, Fernando Henrique
Cardoso, na gestão de seus dois mandatos consecutivos: janeiro de 1995 a dezembro de 2002).
99. Alexander von Humboldt estudou o “mundo selvagem” da bacia do Oricono até a fronteira do Brasil,
entre 1799 a 1804, e suas contribuições foram significativas para o avanço no campo da História Natural (cf.
HUMBOLDT, 1825). Nesse sentido, os dados levantados por Robert Schomburgk entre 1838-39, por Henri
Coudreau em 1887 e Joaquim Nabuco em 1904, com minuciosos estudos sobre a região do Rio Branco,
forneceram parâmetros voltados para as questões políticas, econômicas e jurídicas relativas à posse dessas terras e
direito tutelar sobre as etnias indígenas em favor do Estado (Brasil, Guiana ou Venezuela).
128
universo natural amazônico, cujo objeto principal era o índio, uma fonte de
referência semelhante a um “arquivo vivo” (LACOUTURE, 1993), com um
extraordinário acúmulo de conhecimentos impressos na memória cultural. No
entanto, toda essa memória dos velhos índios não era reconhecida pelo Estado e
sociedade local, pois o índio continuava sendo olhado como “povo natural”,
incapaz de “desprender-se” sozinho do seu “habitat” (DESCOLA, 1999:112-3).
Essa nova onda de idéias naturalistas, influenciada pelo pensamento
iluminista, mesclada com concepções românticas do mundo natural, além das
contribuições etnográficas, despertaram o interesse por novos aspectos do
mundo amazônico. Tal interesse, representado por estudos científicos, que
marcaram as antigas e as novas expedições exploratórias, reapareceu como
bandeira do conhecimento dos elementos naturais, camuflando sutis desejos de
posse ou domínio da terra e dos atributos culturais indígenas. Desse período
registramos algumas:
a) entre 1911 e 1912, Theodor Koch-Grümberg, etnologista e geógrafo alemão,
estudou os rios Branco, Uraricoera, Araracá e penetrou na bacia do Rio Orinoco
pelo Merevari, explorando a região da Serra dos Imeniaris, no extremo noroeste
de Roraima. Essa expedição estudou a cultura do índio revelando sua variação
lingüística e organização familiar, registrou diferenças étnicas numa coleção
fotográfica;
b) Em 1924, a expedição do geógrafo inglês Hamilton Rice100, reafirmou que Boa
Vista era o único núcleo populacional do Rio Branco que podia ser denominado
de “Vila”. A presença de militares (em grande parte soldados) chamou a atenção
de Rice porque numa região onde a “autoridade judicial” parecia ser “exercida à
revelia”101, uma força “semi-oficial” era quase inoperante (RICE, 1978:25). A
expedição de Rice contava com especialistas em solos, como geólogo e topógrafo
e fotógrafo (por terra e aéreo), permitindo minuciosos estudos minerais;
100. Hamilton Rice era membro da “American Geographical Society” e no regresso para Nova York,
após as pesquisas nessa região amazônica, ele fundou um “sindicato” voltado para a exploração de minérios na
bacia do Rio Branco que, em troca do direito à exploração do solo e subsolo, obrigava-se a construir uma estrada
de ferro ligando Manaus a Boa Vista. (SOUZA, 1969:54). Tal proposta não foi levada em consideração pelo
governador do Amazonas, Sr. Rego Monteiro.
101. Para Rice, a autoridade local deixava ao acaso a problemática política e jurídica envolvendo brancos e
índios, negligenciava contestações contra o poder “coronelista” do representante estatal.
129
c) na década de 1920, a expedição chefiada pelo General Rondon, designada
também para efetuar estudos de reconhecimento na região (1927), com o
propósito de demarcar as novas fronteiras com a Guiana e a Venezuela. Rondon
chegou à região do Rio Branco e entrou em contato com os inspetores do
Serviço de Proteção do Índio102 (SPI/local) fazendo graves denúncias de
violências e abusos sexuais das índias por parte dos “brancos”. Tais denúncias
foram baseadas nos relatos das lideranças das etnias Makuxi, Taurepang e
Wapixana, feitos ao General.
Retomando essa questão do interesse branco pelo mundo natural
amazônico, podemos observar, que de modo geral, essas expedições avançaram
nas questões relacionadas aos entendimentos dessa realidade natural e seu
habitante, o índio. Surgiram concepções e metáforas que tentaram explicar a
relação cotidiana indígena, associando terra e cosmo, mitos e ritos. No entanto, o
que mais impressionou essas expedições foi a beleza natural da região, atraindo
diferentes europeus e brasileiros que aqui chegaram e buscaram “transformar o
outro em si mesmo”103. Apesar da existência de um grande número de textos
sobre o índio e seu habitat natural, na verdade, tornou-se difícil ao branco o
entendimento das questões políticas e jurídicas referentes ao outro (índio) que se
mostrou diferente de tudo que ele havia encontrado. Assim, eliminando o que
não compreendia, o português/brasileiro abriu o caminho da política
integracionista, com um discurso liberal propagador do reconhecimento do índio
“livre” (civilizado) e declarando-o apto ao direito de usufruir da sociedade
nacional.
O universo indígena foi identificado pelo europeu e brasileiro como parte
de uma terra que cumpre dominar. Os índios apresentaram aos brancos suas
102. SPI – Serviço de Proteção ao Índio, um órgão federal criado em 1916 para oferecer assistência aos
povos indígenas. Em 1968, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) substituiu esse órgão.
103. Essa visão de cunho antropológico foi desenvolvida por Lévi-Strauss (1991), no livro Histoire de
lynx, no qual ele considera o encontro entre brancos e índios como um “trágico mal entendido”: de um lado os
ameríndios e o seu habitat natural aberto ao Outro (o branco) que se apossou do ameríndio transfigurando-o em
branco. Apud. PERRONE-MOISÉS, 1999: 348-9. Dentro desse contexto, todos os povos desenvolvem concepções e
metodologias para entender o Outro e o mundo.
130
organizações sociais sem Estado (CLASTRES, 1990), modos de produção, formas
de conhecimento e cosmologia, constituídos em princípios de troca coletiva
(homem ciclos da natureza), que não foram respeitados.
2.2. O retorno ao mito “El Dorado”
As expedições de reconhecimento da região amazônica, durante os séculos
XVIII-XIX, regressaram no século XX e difundiram informações cartográficas e
indícios de riquezas minerais. Essas informações mescladas às notícias sobre o
canibalismo indígena, à hostilidade do ambiente natural ao mundo do branco,
entre outras questões políticas e econômicas, ampliaram a disputa por terras
amazônicas e não se constituíram em obstáculos insuperáveis para novas
investidas imigratórias nessa região. Por volta da década de 1930, divulgaram-se
notícias sobre abundância de ouro e diamantes nessa região amazônica, nas
fronteiras de Roraima com a Venezuela e de Roraima com a Guiana.
A partir disso, grupos de comerciantes e fazendeiros investiram na
mineração, como também chegaram garimpeiros de várias regiões brasileiras
buscando riqueza sem esforço. A maior parte da mão-de-obra nessa empreitada,
sobretudo os carregadores de mercadorias a partir do núcleo urbano de apoio do
Surumu, era indígena. “Em 1943, a produção de ouro e diamantes representou
cerca de 59,6% do valor total da produção de Roraima. A pecuária contribuiu
com apenas 26,8% deste total” (BARROS, 1995:56).
Nessa “invisível” guerra de poder econômico, de posse e usufruto das
áreas de mineração, essa região do Rio Branco viveu um momento de intensa
atividade ligada a viagens de garimpeiros em variadas localidades de seu território.
Na disputa pelo metal aurífero, os diferentes homens, com interesses comuns,
percorreram os afluentes e nascentes, mapeando as antigas trilhas conectadas
131
entre terra e água, que haviam sido exploradas por missionários, militares e
cientistas, nos divisores de águas com o Essequibo e com o Orinoco.
O índio, como parte dessa região em disputa, servia de guia e, nesse
contexto da pluralidade étnica e lingüística indígena, o branco (europeu e
brasileiro) perdia-se entre as diversas informações cartográficas que apontavam
rotas fluviais e trilhas, tanto na orientação territorial como na prática garimpeira
(RICE, 1978). Por outro lado, por meio da leitura natural do índio, esse vasto
território era visto como um velho amigo, um parente e, ao mesmo tempo,
como abrigo. No entanto, para o branco, toda aquela área era sinônimo de
incompreensão.
Como essas visões diferenciadas, acrescidas à oposição entre interesses
coletivos (do índio) e particulares (do branco), estruturaram a relação de poder
do “eu” sobre o “outro”?
Do ponto de vista histórico, não encontramos estudos amazônicos que
mostrem com maior clareza esse processo o qual foi a unificação dessa região à
cultura nacional, mas podemos dizer que parte dessa questão está fundada no
modo de relação envolvendo Estado, índios e sociedade nacional, na modalidade
de conduzir propostas políticas e econômicas sem reconhecer as diferenças,
privilegiando o interesse individualista e a propriedade privada.
Nessa perspectiva, desde 1930, a maneira como foi conduzida a prática da
mineração na bacia do Rio Branco, com grandes contingentes de garimpeiros e
mineradoras, não deixou registro da exata quantidade de ouro e diamantes que
foi extraído dessa região. Tal prática se estendeu entre as décadas de 1940 a 1950,
quando se registrou uma diminuição do fluxo de garimpeiros na região.
A partir de 1943, com a instalação do Território Federal do Rio Branco 104,
a responsabilidade da mineração passou para o governo local, mas os dados
104. Após a Constituição brasileira de 1937, durante o governo Vargas, foram criados os Territórios
Federais, entre eles o do Rio Branco que será o assunto do próximo capítulo.
132
continuaram imprecisos. Entretanto, levantamentos do IBGE registraram uma
produção de diamantes em 1947 de 19.029 quilates105 e em 1950 um total de
13.719 quilates. Em relação ao ouro, não encontramos registros. Segundo o
IBGE, a dificuldade no registro da mineração aurífera decorre da sonegação de
informações pelos empresários do ramo e da clandestinidade da garimpagem. Às
vezes, ocorre também a conivência das autoridades locais.
Entre as décadas de 1960-70 a mineração continuou gradativamente e teve
novo impulso, especificamente a produção de ouro, no final da década de 1980 e
início de 1990. Apesar do registro dessa prática de mineração em Roraima, a
sociedade local não tem conhecimento claro sobre a mineração e os registros das
implicações ambientais e sócio-culturais causadas nessa região com a instalação e
operação de mineradoras que parecem preocupadas apenas com seus lucros e
não com o bem-estar da sociedade local. Novamente, o IBGE registrou dados
aproximados de 12.871 quilates de diamantes, em 1986 e de 104 quilogramas de
ouro, também, em 1986. Em 1990, a produção de diamantes foi 100.000 quilates
e a de ouro foi 5.646 quilogramas, também, no mesmo ano.
Tornou-se voz corrente em Roraima que toda essa atividade garimpeira,
especialmente do ouro, com investimentos de empresas mineradoras
privilegiadas pelo poder político e econômico, não deixou lucros para o
desenvolvimento da região, ao contrário, aumentou os bolsões de miséria. Foi
intensificado, nessa região, o contato com os índios, que foram desaparecendo
por enfermidades ou foram abandonando a região, migrando para Boa Vista,
engrossando a periferia urbana como mão-de-obra disponível e maior
dependência do governo estadual (CIDR, 1989 e 1990; FERRI, 1990; EUSEBI, 1991).
Sobre essas implicações citadas, pouco foi discutido pelas autoridades
governamentais e não-governamentais responsáveis por esse modelo de
105.
A comercialização do diamante é em quilates e um quilate equivale a 200 miligramas de peso.
133
desenvolvimento na Amazônia. A sociedade local (índios e não-índios)
desconhece o resultado de tal processo desenvolvimentista de exploração de
minérios. Tudo parece ser apenas uma mera transferência de matéria-prima que
não traz desenvolvimento para Roraima, pois não a torna auto-sustentável nem
melhora as condições de vida para sua população.
Apesar da falta de informações concretas sobre essa temática, a partir de
1975, foi divulgado o mapeamento mineral das terras de Roraima procedido pelo
Projeto Radam-Brasil. Esse mapeamento revelou que a reserva indígena
Yanomami, por exemplo, possuía ouro, urânio, cassiterita e estanho. Após a
divulgação dessa notícia, no final de seu governo, o presidente José Sarney
franqueou à iniciativa privada o direito de minerar, abrindo uma incontrolável
exploração mineral na região de Roraima (EUSEBI, 1991:43/46).
Essa ação do governo federal recebeu o apoio político e institucional do
governador nomeado para Roraima, Romero Jucá Filho (ex-presidente da FUNAI)
que governou o Estado de outubro de 1988 até abril de 1990106, durante a fase
final de transição de ex-Território Federal para Estado Federado.
Na ocasião, foram divulgadas para o Brasil e para o mundo a descoberta
de novas jazidas de ouro na região norte e oeste do novo Estado. Propagou-se
por meio da imprensa que 50 mil garimpeiros107 haviam chegado a Roraima,
buscando confirmação sobre a existência desse imenso solo aurífero na bacia do
Rio Branco.
Desse modo, entre os anos de 1987 até 1990, a capital de Roraima foi
considerada a “cidade do ouro”. O movimento migratório na busca do ouro
provocou violentas tensões sociais, culturais e econômicas na vida do homem
106.
Nessa data, Romero Jucá deixou o governo para concorrer às eleições que elegeriam o primeiro
governador do Estado. Na disputa do segundo turno, Romero Jucá (PDS) obteve 44,89% dos votos, perdendo
para Ottomar Pinto (PTB) que foi eleito com 50,33%.
107. Grande parte dessa massa social era constituída de homens com idade entre 15 e 30 anos, analfabetos
e desempregados, aventureiros, traficantes, bandoleiros, criminosos, pistoleiros, prostitutas (os), entre outros.
Assim como os índios, os garimpeiros eram também explorados e vítimas das desigualdades sociais.
134
roraimense. O Aeroporto Internacional de Boa Vista recebeu um grande fluxo de
pequenas aeronaves que se deslocavam para os garimpos espalhados em várias
localidades da região. Não há informações nítidas sobre o total de pistas de
pouso clandestinas, nesse período.
Várias mudanças ocorreram: o comércio foi ampliado; houve maior
investimento nos materiais utilizados na prática do garimpo, os pontos e
escritórios de negociação aurífera ganharam ruas inteiras, conhecidas como
“Ruas do Ouro”. Além do grande aumento demográfico, a cidade de Boa Vista
viveu o seu maior período de inflação, com as transações comerciais negociadas
no peso de ouro como unidade monetária. A mídia nacional divulgou que
somente a região de Roraima que faz fronteira com a Venezuela (área da reserva
Yanomami) possuía reservas de bilhões de dólares só em ouro e cassiterita, a
matéria-prima do estanho e outros bilhões em diamantes, cobre, prata, bismuto,
zinco, nióbio, molibdênio e minerais radiativos:
O direito de exploração de toda esta riqueza está requerido por 21 grupos, que reúnem das
mais importantes empresas mundiais de mineração aos maiores pilantras brasileiros. A
população é pequena e primitiva: 7 mil índios (Yanomami) e 45 mil garimpeiros, que
invadiram a região nos últimos 2 anos, vindos dos mais diversos pontos do Brasil. De
agosto de 1987 até agora, este país produziu 25 toneladas de ouro, qualquer coisa em torno
de 300 bilhões de dólares, mais do que faturou a Votorantin, a 96ª maior empresa
brasileira. Um PIB per capita de US$ 5.769, sem contar a produção local de bens e
serviços. O ouro é a moeda e, nas relações de troca com os países vizinhos, se vive aqui
um período de deflação: as coisas custam cada vez menos. Culturalmente, é um país muito
estranho: convivem uma civilização comunista da idade da pedra e as últimas aventuras
capitalistas do final do século 20, que empregam rudimentares sistemas de recuperação de
ouro e o que há de mais moderno em termos de tecnologia de transporte aéreo e
comunicações. Com base na Constituição, e para poder mandar no seu próprio nariz,
Roraima quer a transferência, do governo federal para o governo estadual, de todos os
títulos de requerimentos de áreas minerais na região do Projeto Meridiano 62º. A partir daí,
os idealizadores do projeto pretendem fazer o que acham que o governo federal devia ter
feito: regularizar a atuação dos garimpeiros que já estão na área, transformando-os em
cooperativas ou pequenas e médias empresas mineradoras, com prioridade para as que
atuam no estado; disciplinar a atividade de mineração em moldes modernos; e pagar aos
índios 10% de royalties sobre o total do minério retirado de suas terras (JB, 25/06/89, p.
14, 1º caderno).
135
Para o jornalista, João Sant’Ana do Jornal do Brasil, essa situação
conflitante entre índios, mineiros e empresários em Roraima, na fronteira com a
Venezuela, foi decorrente da “ausência de governo”. Tal fato possibilitou o
surgimento de um “país independente” em plena Amazônia Legal, a oeste do
meridiano 62º, no Estado de Roraima. João afirmou que reinou um clima de
“faroeste”, no qual prevaleceu o poder econômico e os interesses individuais de
governos e organizações não-governamentais (locais, nacionais, internacionais).
O jornalista denunciou que não houve respeito por parte do órgão responsável
por essa problemática que seria o Ministério das Minas e Energia. Contudo, tal
Ministério pareceu omisso e de acordo com as notícias veiculadas na mídia
local/nacional, com apelos para que esse órgão federal “fizesse alguma coisa”,
sob alegação de que “faltavam recursos e o setor estava sempre no déficit”.
A Constituição Federal de 1988, no art. 231, § 3º, dispõe:
O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização
do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada
participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
Assim, ao estabelecer princípios sobre essa questão, a autorização de
exploração mineral em terras indígenas deveria ser submetida, caso a caso, à
decisão do Congresso, sendo necessário ouvir os índios.
Contudo, transcorridos os últimos anos do século XX, ainda não tinham
sido decididos (em legislação ordinária) critérios específicos para que essa
exploração pudesse ser efetivada de maneira eficaz, atendendo às necessidades da
população roraimense (índios e não-índios). Em vez disso, novamente a região
de Roraima foi transformada num campo de “guerra” entre as forças de poder
político e econômico. No meio desse fogo cruzado, estavam os índios que não
têm na sua cultura a prática de circulação do capital.
Segundo o texto do jornalista acima citado, o governo estadual solicitou ao
governo federal, com base na Constituição Federal/88, “transferência dos títulos
136
de requerimentos de áreas minerais na região do Projeto Meridiano 62°”. Em
agosto de 1987, o projeto produziu “25 toneladas de ouro”, cerca de “300
bilhões de dólares”. Habitavam na região 7 mil índios Yanomami e 45 mil
garimpeiros. Essa área do projeto estava inserida numa área contínua de 54.691
km² delimitada para os índios Yanomami, que estavam em litígio com os
municípios de Boa Vista, Alto Alegre, Mucajaí e Cararcaraí, que tinham parte de
seus territórios dentro da reserva108.
Diante da situação de complexa trama de interesses político e econômico,
o governo estadual pretendia “regularizar a atividade de mineração, criar
cooperativas ou médias empresas mineradoras, pagar aos Yanomami 10% de
royalties do total do minério extraído de suas terras”. Uma dúvida surgiu: como o
governo estadual iria garantir tais direitos aos índios e dar apoio político e
institucional à invasão dos garimpeiros?
Sabe-se pela mídia local que as mineradoras e garimpeiros não receberam
autorização do Congresso Nacional. No entanto, soube-se que os governos
federal e estadual liberaram uma “franquia” para as mineradoras sem autorização
dos Yanomami para essa exploração em suas terras. O governador, ex-presidente
da Funai, em 1988, assinou o decreto que dividiu a “área contínua dos
Yanomami109 em 19 ilhas”, reduzindo 70% da referida área (cf. EUSEBI, 1990:45),
favorecendo as mineradoras.
Na ampliação da disputa de poder político e econômico, viabilizada pelas
agências financeiras e organismos políticos associados ao G-7110 e pela pressão
das organizações ambientalistas internacionais, a equipe administrativa do
governo brasileiro retomou o assunto da mineração em Roraima. Assim, em
108.
Essa questão envolvendo os limites dos territórios municipais e das reservas indígenas será tratada no
capítulo 4 e retomada no 5. Os comentários feitos aqui tiveram como referência fontes da Funai de 1993.
109. Yanomami, etnia de tronco lingüístico não identificado, habitando mais de 200 aldeias e subdivididos
em quatro grupos lingüísticos: Yanã, Yanomã, Yanomamé, Sanumá.
110. Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão (cf. Introdução, Nota 4, p. 27).
137
1990, por ordem do Presidente Fernando Collor, o garimpo entrou em
desarticulação, com bombardeamento de dezenas de pistas de pouso pela polícia
federal, quando foi desmontada, na capital Boa Vista, toda a estrutura dos
comerciantes do garimpo: compra e vendas do ouro, de maquinário, serviços de
vôo, entre outros. No entanto, de forma lenta e clandestina o garimpo continuou.
No decorrer do ano 2000, novos focos de exploração de minério (ouro)
nas terras Yanomami111 foram divulgados pela mídia local/nacional. Tanto no
passado como no presente, os representantes em favor dos direitos do índio
acusavam as autoridades do poder público como “co-responsáveis” por essa
situação violenta envolvendo as etnias indígenas e garimpeiros. Em alguns casos,
torna-se evidente a omissão, impotência e conivência estatal:
Durante reunião do colegiado do Núcleo Interinstitucional da Saúde Indígena (NISI), no
dia 14/setembro passado, o presidente da URIHI (Ong de Saúde Yanomami), Cláudio
Esteves fez denúncias ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Presidente da FUNAI
Glênio Alvarez e ao Administrador Regional da FUNAI, Martinho Alves de Andrade
Júnior, sobre a crescente escalada de violência entre os Yanomami, incitada pelos
garimpeiros que fornecem armas e munições aos grupos rivais. Há índios que tentam reagir
contra o garimpo e são assassinados. Há também ameaças dos garimpeiros contra a equipe
de saúde. (...) O Antropólogo responsável pela URIHI disse que há na região cerca de 400
garimpeiros atuando na região Yanomami. Afirmou que cerca de uma hora de caminhada
da aldeia Wathë-u, localizada a menos de 20 quilômetros do 4º Pelotão Especial de
Fronteira do Exército e do Posto da FUNAI, em Surucucu, há pista de pouso. Há
divergências sobre o garimpo entre índios Yanomami orientados e manipulados por
garimpeiros. Os Yanomami que recebem os presentes apóiam a exploração do ouro (FBV,
20/09/00, p. 7).
Neste cenário de defesa tanto da etnia indígena (cidadão étnico) como da
sociedade nacional local (cidadão brasileiro), os órgãos federais responsáveis
possuem duplicidade na função. Como primeiro habitante da terra em disputa,
com reconhecimento de direitos pela Constituição Federal de 1988, o índio não
consegue compreender porque o branco criou normas indigenistas que não
cumpre. Nesse embate, o não-índio também está amparado pela referida
111.
Esse assunto será retomado no Capítulo 4.
138
Constituição e denuncia que os órgãos federais não fazem cumprir as leis
existentes dando assim uma solução para os impasses inserindo o Estado, os
índios e os não-índios, transformando esse panorama negativo de Roraima.
Contudo, esse conflito envolvendo direitos de propriedade e respeito
cultural, após a Constituição de 88, não deixou claro para a sociedade nacional
local que a figura do “caboclo”112 tinha mudado e ganhou o reconhecimento
diferenciado do nacional e direitos na participação, no poder político e
econômico, na distribuição da riqueza, especificamente, a posse e usufruto da
terra. Na mídia local, surgiram debates que tentaram esclarecer tal problemática
relativa aos direitos dos índios.
2.3. A Igreja Católica de Roraima e a causa indígena
Após três séculos de “conquista” e de “civilidade” portuguesa/brasileira
na bacia do Rio Branco, não sabemos ao certo o número de etnias ou o total da
população indígena sobrevivente desse tirânico processo colonizador, mas não
chegam a quarenta mil indivíduos, em nosso tempo presente. O Estado, apoiado
pela Igreja Católica, instituiu canais de influência e transformação da cultura
indígena em cristão nacional. Os Aldeamentos e as escolas indígenas, pouco a
pouco, foram transmutando o índio em branco/cidadão comum, eliminando
progressivamente os mitos, os ritos e a língua da cultura indígena.
A política indigenista do Brasil monárquico incentivava a escravização do
índio e organizava tropas armadas para caçá-los em nome da defesa e
povoamento das terras já ocupadas pelos índios. A união entre a Igreja e a Coroa,
que compartilhavam do poder sobre os Aldeamentos e os índios, foi rompida, em
112. Em Roraima, após a Constituição Federal de 1988, o caboclo transfigurou-se, novamente, e ganhou
status de cidadão étnico reatando os laços de parentesco com a terra, reconhecidos nos artigos 231 e 232 da
referida Constituição. Trataremos desse assunto no próximo item e, também, no Capítulo 3.
139
1758, pela Reforma Indigenista do Marquês de Pombal113, que tirou o poder
temporal dos missionários sobre os índios aldeados. Tal ação, diminuindo o
poder político-religioso dos missionários católicos sobre a população indígena,
era causada pela mudança evangelizadora da Igreja que passou a disputar com o
Estado o poder político-econômico da aldeia. Em 1759, o Marquês expulsou a
Ordem Jesuíta do Brasil, ameaçadora da política pombalina, e os missionários das
diferentes ordens católicas na Amazônia tornaram-se apenas os catequizadores
dos Aldeamentos, que tinham como administrador um “principal”114, o índio súdito
do rei e representante do interesse da Monarquia em sua própria terra.
No entanto, nesse processo de pacificação do índio pelos religiosos
católicos, observa-se no cotidiano prático que eles foram ganhando participação
tanto no poder político estatal como nas discussões de políticas indigenistas, ao
longo do século XX. A partir de 1911, com o apoio do Estado, os missionários
beneditinos fundaram uma escola profissionalizante indígena à beira do Rio
Surumu. Nessa missão do Surumu, em função da política humanista adotada, a
profissionalização dos índios gerou discussões entre religiosos e índios aldeados,
cujo tema central era o destino dos índios de Roraima.
A Constituição de 1891 não fez referencia ao índio, mas na reorganização
do Estado federativo com os olhos voltados para as fronteiras, os constituintes
pensaram nos índios (fronteiras vivas) e, em 1910, criaram o SPI (Serviço de
Proteção ao Índio) com visão humanista dos índios, sob a chefia do Marechal
Rondon. Dessa forma, o papel da Igreja continuava atrelado às normas
pombalinas: função única de catequizar o índio, deixando de fora as questões
políticas indigenistas que eram funções do Estado, que tinha o apoio do índio na
figura do “Principal”. No entanto, não sabemos como e porque a Igreja Católica
de Roraima foi assumindo parte nesse jogo de poder político indígena na região.
113.
114.
Cf. Capítulo 1, item 1.4.
Cf. Capítulo 1, p. 86/89.
140
Foi nesse período, que se acirraram as disputas pelo controle de certas
áreas de atuação política sobre os índios. Mas foi com a Missão Consolata, na
segunda metade do século XX, que o movimento dos índios teve maior
solidariedade em favor de sua causa. Os religiosos da Consolata deram
continuidade aos projetos dos beneditinos e ampliaram os programas (educação,
saúde, agricultura, pecuária, religião) estabelecendo novos convênios com o
Governo do Território Federal do Rio Branco.
Desse modo, os convênios estabelecidos entre Igreja e Estado na
condução de uma política indigenista voltada para qualificar os índios e integrálos à sociedade nacional local marcaram, na primeira metade do século XX,
disputas entre o SPI e a Igreja Católica de Roraima, representada, inicialmente,
pela Ordem Beneditina. Os inspetores do SPI local passaram a ver os
missionários beneditinos como concorrentes no processo de poder político
econômico da intervenção legisladora dos povos indígenas. Nessa competição de
poder sobre a população indígena, os inspetores denunciavam que o educandário
católico para meninas na cidade de Boa Vista era mais uma casa de escravização
de menores, pois eram obrigadas a serviços pesados por horas a fio (CIDR,
1989:32).
Essas duas instituições desenvolveram projetos de intervenção local junto
a vários grupos indígenas na área da saúde, educação, atividades agrícolas,
formando quadros de pessoal especializado para o mercado local. No entanto, os
ataques entre os representantes das duas instituições tornaram-se acirrados,
especificamente, em relação às escolas e aos internatos indígenas. Os
missionários não se entendiam com as lideranças políticas da região que
apoiavam o SPI. Nesse cenário de denúncias e ameaças, a opinião pública de Boa
Vista, influenciada pelos discursos dos inspetores do SPI, que alertavam para a
141
necessidade de transformar esses “selvagens” em “civilizados”, engrossava os
conflitos entre civis e religiosos115.
Nesse contexto, as pressões dos inspetores do SPI visavam barganhar uma
parte das vultosas verbas governamentais que eram destinadas à Prelazia do Rio
Branco, no apoio e assistência educacional do índio. Para alcançar tal objetivo, a
inspetoria tinha resolvido transformar o sanatório “General Rondon” em um
instituto para menores indígenas. Contudo, essa transformação do sanatório para
instituto de menores indígenas não aconteceu. Apesar dos inspetores do SPI
manterem boas relações com a elite e as lideranças políticas de Boa Vista,
enfrentavam problemas financeiros e inquéritos sobre escândalos de violências
sexuais envolvendo funcionários do SPI e adolescentes indígenas (CIDR, 1989).
A partir de 1949, o Instituto Missionário da Consolata, originário de
Turim, na Itália, assumiu o trabalho religioso que vinha sendo exercido pelos
beneditinos e a nova ordem religiosa alargou os projetos de evangelização
católica e escolas para os índios e os não-índios. O ginásio Euclides da Cunha,
como exemplo, foi fundado em 1950, com quatro salas de aula e um total de 120
alunos, oferecendo curso ginasial, em regime de externato misto para os filhos da
sociedade roraimense.
Em fins da década de 1960 e começo de 1970, surgiram, no Brasil,
movimentos populares e de esquerda em busca de liberdade cultural e direito do
exercício de cidadania116. Eles enfrentaram, porém, dificuldades para romper o
cativeiro político, ideológico e, também, espiritual. Foi um período de embates
entre a classe civil, militar e religiosa brasileira, de ruptura entre setores da Igreja
115. Essa temática não está devidamente documentada, merecendo maiores estudos. Porém, é corrente
entre relatos e entrevistas de uso da História Oral que esses conflitos políticos e religiosos na primeira metade do
século XX foram marcados por violentos confrontos entre representantes religiosos, representantes
governamentais e da sociedade local. De maneira sutil, Rice (1978) fez referência a essa disputa do poder local
incorporando grupos civis, militares e religiosos, durante exploração de reconhecimento na região, em 1924.
116. Movimentos estes bastantes ligados ao genérico ideais e práticas das propostas marxistas-leninistas,
dos movimentos de guerrilha na América Latina, da revolução cubana, dos comportamentos de contracultura, do
maio francês (1968), do pós-64 brasileiro, das representações e organizações sociais de postura nacionalista, etc.
142
Católica e do Estado, que abriu uma discussão envolvendo os grandes
proprietários de terra e a grande massa de trabalhadores do campo, expulsa das
áreas rurais e que aumentou os bolsões de miséria nas periferias urbanas
(MARTINS, 1989).
Nesse período de crise, aconteciam conflitos envolvendo tanto disputas
político-ideológicas quanto embates entre escalões diversos (grupos políticos,
intelectuais, missionários católicos). Foram conflitos envolvendo diferentes
segmentos sociais, em geral, pertencentes às classes médias intelectualizadas
(artistas, jornalistas, professores, estudantes, etc.), partidos de esquerda, esferas
do movimento estudantil, do operário, do camponês e parte da Igreja Católica
compromissada com a Pastoral da Terra e Teologia da Libertação. Toda essa
movimentação social e política, no campo e na cidade, possibilitaram a
participação dos movimentos indígenas que também se organizavam.
Nesse embate político e sócio-cultural, os representantes católicos
(defensores da teologia da libertação) denunciavam a opressão tanto do homem
camponês como do índio na sociedade nacional. Os índios, que teoricamente
estavam tutelados117, na prática, continuavam marginalizados e vistos como um
grupo social “não-civilizado”, em vias de extinção.
Do ponto de vista jurídico, o índio que não solicitar ao juízo competente a
sua liberação do regime tutelar, preenchendo um conjunto de requisitos, de idade
mínima de 21 anos, não estará habilitado para o exercício de cidadania civil. Todo
esse processo que considera o índio capaz de exercer os atos da vida civil é
denominado de emancipação. Tal termo, que para certos segmentos da sociedade
tinha o caráter unicista da cultura nacional, abriu novas discussões:
117. Buscando definir uma política indigenista que não alternasse, de acordo com o interesse do
momento, entre “paternalismo” e “integracionismo” , a FUNAI ganhou nova função que foi estabelecida pela lei n.
6001 (19.12.73), identificada como Estatuto do Índio.
143
Indígena é no Brasil de hoje, essencialmente, aquela parcela da população que apresenta
problemas de inadaptação à sociedade brasileira, em suas diversas variantes, motivados pela
conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição précolombiana (RIBEIRO, 1979:254).
A ironia do antropólogo situa com precisão a que levou o “caminhar rumo
ao nacional” de grande parcela de nossos indígenas. Nessa situação de contato a
estrutura de poder do Estado forçou a destribalização desses povos indígenas.
Em Roraima, esses acontecimentos adversos associados ao processo de
políticas indigenistas, envolvendo os missionários católicos, as lideranças políticas
e os representantes da sociedade local, repercutiram em variadas posturas entre
esses representantes. Observou-se, no interior desses posicionamentos,
insuficiência teórica e presença de concepções preconceituosas, em razão dos
antigos problemas interpretativos da cultura do índio, que não foram resolvidos
ao longo do processo de integração indígena na sociedade nacional, camuflando
essa problemática da posse da terra e da cultura do índio com tratamento
diferente do nacional e parecendo não existir.
No bojo dessas discussões, surgiram outros conceitos como o de
“necessidades das sociedades”, o de “direitos” que se apoiavam em regras
universais. Algumas lideranças católicas e indígenas resolveram apelar para os
fundamentos nos direitos internacionais e autóctones elaborados pela
Organização das Nações Unidas (ONU) e no de modelo de desenvolvimento
chamado de “auto-sustentável”118. Preocupados em legalizar a situação dos índios
e de suas terras, buscando propagar esperança na superação das desigualdades
sociais e econômicas, essas lideranças reconheceram os limites e as ações políticas
e culturais de cada grupo, em um amplo processo democrático (CASTORIADES &
COHN-BENDIT, 1981).
118.
Esse tema será abordado no Capítulo 4, item 4.3.
144
Nessa região amazônica, onde emergiam preocupações latifundiárias,
tensões culturais e políticas entre índios e não-índios, esses novos conceitos
ampliavam as confusas interpretações entre as lideranças dos índios, da Igreja
Católica, do Estado e da sociedade local que, num discurso liberal, preconizavam
a participação de todos os habitantes da região, na política governamental.
Foi nesse período (final de 1960 e decorrer de 1970) que apareceram
referências da realização de encontros entre os líderes indígenas (Makuxi,
Wapixana, Taurepang, Ingarikó), na escola da missão de Surumu119, com apoio da
Igreja Católica, pela busca de direitos da identidade étnica, numa reestruturação
da sua própria cultura no contexto nacional (CIDR, 1989). Os índios passaram a
mostrar, por meio de suas reivindicações, que o momento político era outro, que
o período da “sujeição” do índio ao branco era uma situação do passado.
Nesses debates, as lideranças e os missionários procuravam anular a
imagem do índio como o “não civilizado” ou em vias de extinção, duas
representações que caracterizaram a compreensão das etnias indígenas pelo senso
comum. Os índios apresentaram modelos de necessidades distintas do modelo
capitalista/nacional, com base na exploração agrícola e pecuária. No modelo
indígena, o centro das necessidades era o reconhecimento da cultura: os ritos, os
mitos que organizavam o social satisfazendo formas de necessidades da vida
coletiva e de parentesco com a terra.
Contudo, surgiram índios que, na relação de pacificação/integração na
sociedade nacional local, na introdução das necessidades econômicas do sistema
capitalista, abandonaram essas formas sócio-culturais coletivas e de parentesco
119. Por meio dos cursos profissionalizantes e discussões sobre o papel do índio na sociedade local, os
índios que freqüentavam a missão do Surumu ganhavam certos entendimentos sobre “liberdade” identitária e
cultura indígena. Nessa região, os líderes indígenas realizavam encontros para discutirem sobre a problemática
situação do índio, no processo de integração na sociedade nacional, especialmente as questões relacionadas à terra,
alcoolismo e prostituição. As reuniões recebiam apoio dos missionários católicos e leigos vinculado ao CIMI
(Conselho Indigenista Missionário) defensores dos direitos dos índios como primeiros habitantes da região (CIDR,
1989 e 1990).
145
com a terra. Eles apresentaram um modelo indígena vinculado a uma rede de
interesses (individual/coletivo), com um conjunto de necessidades, no qual o
econômico tornou-se o centro.
Diante dessa nova postura, as reações dos índios em busca de direitos e
desenvolvimento com apoio dos missionários católicos, sem respaldo jurídico
nacional, não eram aceitas pelo Estado e nem pela sociedade local durante essa
fase de condução política para um sistema democrático. A política indigenista e o
conflito entre reivindicações de direitos e desenvolvimento, presentes na
contemporânea história local, não se desvinculou da herança cultural de não
saber lidar com o outro que é diferente, “eliminando o que incomoda”
(VERHELST, 1992) na realização do interesse estatal em jogo.
Desta forma, outra vez, o exercício de direito por coerção social, que
garantiram os princípios de usurpação da terra amazônica (e do índio como parte
dela) pelos europeus no século XVI e legalizada (como direito de posse) em favor
dos portugueses com o Tratado de Tordesilhas (1750), aqui interpretado como
extinção dos direitos do índio sobre a terra e sua organização sócio-cultural,
parece perdurar no início do século XXI em Roraima. Para o exercício do direito
por índios e brasileiros, na busca de solucionar o impasse de identidade e da
propriedade, o desafio deverá ser o de fundamentar modelos de reconhecimento
dessas mudanças e das novas necessidades sociais em Roraima, diante do novo
tempo: quem é e quem não é índio? Como usufruir os recursos da terra
respeitando-se os direitos de concepções individuais e coletivas?
Sem respostas e uma efetiva solução para os impasses, as etnias indígenas,
com o apoio da Diocese de Roraima120, a partir da segunda metade dos anos 70,
120. A Diocese foi instalada na segunda metade dos anos de 1970, tendo como primeiro Bispo Diocesano
D. Aldo Mongiano (da Missão Consolata), momento de maior discussão da causa indígena e ampliação da
solidariedade aos índios, tanto pela Diocese como por instituições oficias e não-governamentais (nacionais e
internacionais).
146
registraram nos seus encontros (reuniões ou assembléias indígenas no Surumu)
reações de descontentamento com relação aos seguintes pontos:
a) à questão do direito de usufruto e posse da terra;
b) o processo educacional do governo local que eliminava os atributos da cultura
do índio;
c) o não reconhecimento de seus direitos sociais e culturais, com base no
processo etno-histórico amazônico, com organização social diferenciada
(ausência de Estado) e primeiros habitantes (a terra era ao mesmo tempo abrigo e
parente).
Neste horizonte de conscientização identitária do índio, as figuras do
tuxaua121 e dos líderes122 indígenas ganharam força política como novas formas
de representação e organização sócio-cultural que passaram a conduzir e alterar a
nova ordem política e organização da vida na maloca. Mesmo assim, o
sentimento de insatisfação tem se mostrado muito forte entre os índios que não
vêm encontrando apoio governamental para solucionar esse conflito entre índios
e não-índios, com as mudanças ocorridas nas últimas décadas do século XX.
Durante a realização de Assembléias Indígenas, na missão Surumu, com o apoio
da Diocese de Roraima, destacamos alguns conteúdos desse novo momento:
O Tuxaua Laurindo, Makuxi da Maloca Cantagalo, afirmou: Meu avô dizia que, desde o
começo da maloca do Limão até o Monte Roraima, a terra é dos índios. Como é que,
então, tem muitas fazendas? Eles sabem que a terra é nossa. Tem muitos cajueiros no pé da
serra da Memória, e foram os meus avós que plantaram (CIDR, 1990:57).
O Tuxaua Chico Ernesto, Wapixana da Maloca do Livramento, disse: Temos o problema
da terra; somos poucos, mas temos que segurar o que é nosso. A FUNAI prometeu muitas
vezes a demarcação das terras, mas é só papo furado. Os gaúchos chegam, cercam muita
terra e querem sempre mais, provocando brigas. Os velhos tuxauas falam do tempo de
Rondon, que deu para eles uma farda e uma corneta. Rondon dividiu as terras entre os
índios (CIDR, 1990:57).
121. De acordo com as narrativas de alguns velhos Makuxi e Wapixana, o termo “Tuxaua” foi criado
pelos missionários da Guiana e para outros foi pelo General Rondon, que ao nomear o líder indígena deu uma
farda militar e uma trombeta. Hoje o Tuxaua identifica o chefe da maloca e é eleito pela comunidade indígena.
Antes do contato com o “branco”, a maloca era governada por um “conselho de anciãos”.
122. Jovens índios, instruídos no ensino formal, que foram se destacando como auxiliares dos tuxauas nas
articulações políticas entre a maloca e o Estado ou entre a maloca e as organizações oficiais e não-governamentais
nacionais e internacionais.
147
Os índios não concordam com a política desenvolvida pela Funai que não
consegue proteger os direitos dos índios e nem expulsar os brancos das áreas
demarcadas para as etnias indígenas. Ao interpretar o momento presente, o índio
faz uso da memória cultural tribal que é, ao mesmo tempo, o documento
histórico sobre o passado e o presente, “desde o começo a terra é do índio” dizia
o avô. Fizeram denúncias sobre cobranças de impostos e taxas da propriedade,
mas a Funai alertou que o índio não paga imposto:
O Tuxaua Severino, Makuxi da Maloca de São Jorge, comentou que: Os fazendeiros
cercaram as terras e nós mesmos permitimos isso. Antes o SPI defendia as terras dos
índios, depois chegaram os brancos dizendo que o SPI não existia mais e ocuparam as
nossas terras. Meu pai não deixou entrar ninguém e foi cadastrar a nossa terra. Depois
chegou o IBRA e disse que devíamos pagar e eu paguei. Depois chegou o INCRA e foi a
mesma coisa. Paguei quatro vezes nestes quatro anos. Por fim veio a FUNAI. O delegado
me nomeou tuxaua e disse que o índio não devia pagar nada, porque a terra é nossa ( CIDR,
1990:58).
Esse texto, publicado pelo Centro de Informação da Diocese de Roraima,
nos mostra como o indígena ainda não consegue entender o Estado brasileiro e a
necessidade de mantê-lo com taxas, inclusive sobre a propriedade. Ou seja,
embora ser cobrado, neste caso, justifica que a posse da terra lhe é reconhecida, a
leitura indígena é incapaz de compreender sua realidade inserida no processo
social nacional, o que provoca sofrimento. Por outro lado, a FUNAI não legalizou
a terra e nem expulsou os invasores das áreas reivindicadas pelos índios. Assim, é
possível considerar que os mecanismos políticos e jurídicos do Estado, na
dominação do índio e da terra, passam pela coerção, capital e conhecimento que
transformam a cultura e dividem as famílias indígenas:
O Tuxaua Alcides, Wapixana da Maloca da Barata, afirmou: Também na minha maloca as
pessoas não estão unidas, mas acredito que, continuando o nosso trabalho, todas irão
entender. Muitos pedem para trabalhar para os brancos. Eu sou contra, porque no lugar de
defender o que é nosso, vamos aumentar o dinheiro do bolso dos brancos (C IDR, 1990:
55).
O Tuxaua Jacó, Makuxi da Maloca do Arai, argumentou que: Muitas das nossas filhas
casam com civilizados e depois nos tratam como bichos. Um dia fui na casa de um
148
civilizado, pai do meu genro. Fui com meu genro para pedir-lhe um empréstimo. Ele nem
me convidou para entrar, deixou-me debaixo de chuva. Quando soube que era eu ainda
disse: - Ah!, pensava fosse gente mas é só um caboclo. Por isso que eu digo às minhas
filhas que não casem com civilizados (CIDR, 1990:55).
Os textos acima evidenciam a consciência político-econômica do índio que
faz denúncias sobre a ruptura de sua própria estrutura organizacional, motivo de
sofrimento ao pensar nos parentes integrados. Desta forma, “muitos trabalham
para o branco”, aspiram desfrutar das benesses da vida do branco que o vê como
“bicho” e, aparentemente, recusa relações de dependência. No conjunto de
necessidades123 do índio, utiliza-se dois caminhos: necessidades “coletivas” ou
necessidades “individuais/privadas”.
Por meio dessas Assembléias Indígenas, em geral realizados na missão do
Surumu, a Diocese de Roraima reordenou sua política indigenista e buscou apoio
nacional e internacional para resolver essa problemática indígena. Para os
missionários católicos, os índios e os não-índios podem conviver em consenso
numa mesma região. No entanto, em razão da indefinição fundiária e de uma
política econômica privilegiando a elite social, a história do tempo presente
roraimense é definida por violentos confrontos envolvendo Estado, índios e nãoíndios na disputa de propriedade da terra e no usufruto dos recursos ambientais.
Em meio aos sentimentos de insatisfação, é voz corrente na sociedade
local indagar por que o pensamento humanista da Diocese de Roraima, que
optou radicalmente a favor do reconhecimento identitário e da terra do índio,
abandonou a massa populacional pobre, habitando os bolsões de miséria da
periferia de Boa Vista, abrindo caminho para as missões protestantes. Tal
questão, evidentemente, merece tratamento autônomo, não possível no presente
trabalho.
123. O conceito faz parte da proposta de desenvolvimento sustentável de exploração ambiental em prol
da coletividade, que satisfaz “as necessidades do presente sem comprometer as das gerações futuras” (cf. WCED.
Our Common Future. 1987).
149
2.4. Organização e reação indígena
O processo histórico e jurídico revelou o regime tutelar indígena desde o
século XIX, com as normas expressas na lei de 27.10.1831, dando ao Estado o
poder de proteção dessa população. Assim, o Estado delegou por intermédio de
um órgão federal (primeiro o SPI e depois a FUNAI) o direito de defesa e
assistência ao índio.
Após as modificações nas relações políticas e sociais, entre segmentos da
sociedade nacional, geradas pelo movimento em favor da massa trabalhadora
(urbana e rural) nos anos de 1960, setores vanguardistas da Igreja Católica e
leigos vinculados ao CIMI (Conselho Indigenista Missionário)124 iniciaram campanhas
de solidariedade em favor do índio e da sua terra, acentuando o preconceito e a
não aceitação no contexto local: quem é e quem não é “branco”? Quem é o dono
da terra?
Desse modo, diante da possibilidade de modificação da política
indigenista, na qual o Estado não consegue aceitar as diferenças entre índios e
brancos, colocando todos os habitantes de Roraima como iguais, negando a
diversidade cultural, o índio aventurou-se a discutir a sua inserção na sociedade
nacional local, definindo-se pela etnicidade e não pelo nome genérico “índio”.
Assim, no final da década de 1960, começaram, sem solidez, uma
organização e uma reação indígenas contra o programa governamental de não
reconhecimento do índio. Por meio do processo educacional, alguns missionários
e líderes indígenas tornaram-se interlocutores dessas questões, referentes aos
direitos dos índios, que tinham interesse em romper com o poder estatal e o
domínio branco:
124. O CIMI é um órgão anexo da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que é a instância
máxima da Igreja Católica no Brasil. Atuam no CIMI todos aqueles que exercem atividades de forma direta junto
aos índios pela Igreja Católica. A “bandeira” do CIMI é a “defesa das terras e a autodeterminação” (cf. SUESS,
1989:30).
150
A partir de 1968, por iniciativa dos padres da Consolata, os tuxauas de algumas regiões
começaram a reunir-se. A ocasião era dada pelos cursos de instrução religiosa que os
padres desenvolviam, geralmente, na missão de Surumu, onde funciona o internato. Estas
reuniões anuais davam aos tuxauas a oportunidade de encontrarem-se e, fora das palestras
dos padres, discutirem os problemas das malocas (CIDR , 1990:43).
Essa iniciativa dos índios foi influenciada pelos movimentos sociais que
vinham acontecendo dentro e fora do país. As reuniões indígenas no Surumu
foram o marco desencadeador de significativos confrontos culturais e políticos
entre os próprios índios e de suas relações com segmentos da sociedade
roraimense. Entres os movimentos que instigaram as reivindicações dos índios
estavam os de atuação das esquerdas (intelectuais nacionalistas, dos operários e
camponeses) que buscavam uma identidade nacional de interesse comum,
inspirados nas manifestações culturais e populares, e nas revisões sócio-políticas
defendidas por intelectuais que apontavam novos caminhos em defesa da
liberdade e justiça social.
Por isso, as reuniões dos tuxauas e líderes indígenas com discussões
voltadas para a questão da identidade étnica, fomentando reações contra o não
reconhecimento da cultura do índio pelo branco, ganharam força política após a
solidariedade da Diocese de Roraima, em fins dos anos 70. Assim sendo, no
desenrolar dessas reuniões, ampliaram-se os argumentos humanitários de defesa
da cultura e do direito da terra para usufruto das nações indígenas que ganharam
novos adeptos:
Em 1977 a situação mudou sensivelmente. Naquele ano os padres convidaram pessoas do
CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e modificou-se a metodologia da reunião: foi
deixado todo o tempo para que os tuxauas apresentassem, livremente, problemas,
sugestões, etc. Para sublinhar e reforçar a mudança, naquele ano a FUNAI e a polícia federal
interviram para proibir a continuação da reunião. Mas a idéia de reuniões diferentes já
estava lançada e não era possível voltar atrás. Em 1978, seja por medo de atritos com a
FUNAI, seja por divisões internas, os padres não organizaram a reunião anual dos tuxauas.
Recomeçou-se em 1979 e continuam a ser realizadas, todos os anos, no mês de janeiro, na
missão de Surumu. Participam tuxauas e secretários das malocas Makuxi, Wapixana,
Taurepang e Ingarikó. Ultimamente são coordenados pelos próprios tuxauas e servem para
traçar linhas comuns de ação e procurar, juntos, soluções aos problemas que as
151
comunidades indígenas estão enfrentando. Além destas reuniões gerais, nestes últimos
anos, realizaram-se também encontros regionais, para a solução de problemas relativos à
região ou em preparação para a assembléia geral (CIDR, id., ibid.).
A FUNAI,
órgão
federal
responsável
pela
política
indigenista,
teoricamente, atua no projeto de proteção e emancipação do índio. O texto
publicado pela Diocese de Roraima, anteriormente citado, forneceu indícios
sobre o papel desse órgão em Roraima, com apoio da polícia federal teve, no
evento indígena mencionado, uma reação opressora, proibindo as reuniões dos
índios do Surumu, que diferentemente dos demais, não seguiam o programa
de emancipação.
Na década de 1980, realizando assembléias e reuniões, elegendo diretorias,
registrando estatutos em cartórios, as etnias indígenas de Roraima foram se
apropriando de novas formas de representação política. Ao mesmo tempo,
acirraram-se as disputas pelo poder de controlar as novas representações
indígenas, pelo direito de interferir em determinados assuntos como educação
e demarcação de terras. Nesse ínterim, surgiram novos líderes e novas
possibilidades de alianças e encaminhamento de reivindicações junto a órgãos
do governo e entidades de apoio ao índio:
Na reunião geral de 1983 participaram cerca de 250 índios, entre os quais 72 tuxauas.
Nesta, conseguiu-se dar um passo à frente na organização da defesa contra a invasão dos
brancos: foi decidido, seguindo o exemplo das malocas das serras, organizar, em cada
região, um “Conselho das Comunidades” formados por alguns tuxauas da respectiva área.
Este conselho tem a tarefa de coordenar as atividades das várias malocas e, em ocasião de
brigas ou problemas com os brancos, apoiar as comunidades para resolverem juntos todas
as questões. Nos meses sucessivos à reunião, foram formados conselhos nas regiões de
Surumu, Cotingo, Normandia, Taiano e Serra da Lua. No contexto das reuniões dos
tuxauas, além dos conselhos, nasceram novas estratégias indígenas perante a invasão: as
cantinas e os projetos125 de gado para as comunidades dos índios (CIDR, 1990:44).
125.
As cantinas, chefiadas pelo tuxaua, comercializavam por meio de trocas, vendas e compras de
produtos para os índios na maloca. Essas cantinas substituíram os pequenos comércios de propriedade dos
fazendeiros que exploravam o trabalho do índio na troca de produtos. O preço dos produtos era decidido pelo
fazendeiro e o índio estava sempre na dependência econômica. O projeto de criação de gado comunitário
coordenado pelos índios desenvolveu-se com base na experiência da cantina. Com apoio da Diocese de Roraima e
152
A partir da referida década, as etnias indígenas foram, paulatinamente,
ganhando espaço na mídia local, nacional e internacional, realizando campanhas
de defesa da identidade étnica e denúncias das ameaças contra os direitos dos
índios diferenciados da sociedade nacional local. Contando com ajuda da Diocese
de Roraima, os índios promoveram encontros com a finalidade de redescobrirem
a sua identidade e os seus direitos étnicos (Makuxi, Wapixana, Ingarikó,
Taurepang, Yanomami, Wai Wai), fazendo valer a memória cultural que registrou
a vivência dos ancestrais instalados há milhares de anos sobre o solo amazônico e
organizados em sociedades estruturadas, sendo revitalizada nos contatos com os
parentes “isolados”, habitando o interior da região.
Nessa retomada de consciência identitária, o índio não buscava apenas
uma nova continuidade étnica, mas o “reconhecimento da diferença cultural” que
afirma a sua própria identidade (SEMPRINI, 1999:14).
Apesar dessas articulações organizacionais e de representação entre os
índios, com relação ao percentual da população indígena em Roraima, não há um
registro recenseador indígena. A dificuldade de um censo indígena decorre da
idéia de que a figura do índio pertence ao nosso passado e porque boa parte dos
indígenas recenseados se vêem como brancos. Nessa confusa realidade e
identidade indígena, existem, também, os grupos isolados ou recém-contactados,
que fugiram ou que não foram envolvidos no processo de “pacificação”. O
termo “mestiço” (branco com índio) não é usado nessa região, quando isso
acontece faz referência ao mestiço imigrante de outras regiões do país.
Os poucos levantamentos feitos sobre os índios apresentam variação
numérica entre os órgãos. No entanto, fala-se de uma população aproximada de
25 mil pessoas, distribuídas em diversas etnias. As principais são: Ingarikó,
tendo o Conselho Indígena como responsável pelo projeto, os índios receberam ajuda financeira do exterior e
executaram o projeto do gado ganhando certa autonomia econômica, gerando disputas com o fazendeiro na posse
da terra (CIDR, 1990:44-7).
153
Maiongong, Makuxi, Taurepang, Wai Wai, Waimiri-Atroari, Wapixana,
Yanomami, entre outros grupos menores, não documentados.
Patrícia Ferri (1990) apresentou um estudo sobre essa temática em
Roraima e identificou uma população aproximada de 37 mil índios, distribuídos
entre as oito etnias. O ISA (Instituto Socioambiental), uma organização nãogovernamental, voltada para essas questões da população indígena no Brasil,
apontou alguns dados estimativos sobre o total de índios de cada etnia mais
conhecida no Estado:
Etnia
Roraima
e
vizinhos População
(Estados e Países)
Ingarikó
Censo/estimativa
Roraima
Maiongong/Ye’kuana
Makuxi
Taurepang/Pemon
Wai Wai
Wapixana
Waimiri Atroari
Yanomami
Ano
Guiana
Venezuela
Roraima
Venezuela
Roraima
Guiana
Roraima
Venezuela
Roraima/Amazonas/Pará
Roraima
Guiana
Roraima/Amazonas
Roraima/Amazonas
Venezuela
1.000
4.000
728
180
3.662
15.000
7.500
200
20.607
1.366
5.000
4.000
611
9.975
15.193
1994
1990
1992
1990
1992
1994
1990
1989
1992
1994
1994
1990
1994
1988
1992
Quadro Demonstrativo 01
Estado de Roraima. Censo/Estimativa da População Indígena
Fonte: CEDI/Instituto SocioAmbiental, novembro de 1994.
O período de 1975 a 2000 foi assinalado por violentos embates entre o
Estado e a Igreja Católica na disputa de poder sobre o índio. Por sua vez, o índio
se organizava em Assembléias e Conselhos, ganhando apoio de ONGs nacionais e
internacionais, solidárias a sua causa. A Igreja, representada pela Diocese de
Roraima, adotou novas normas com base nas instruções da Declaração universal
154
dos direitos humanos, das normas internacionais enunciadas pela Convenção de
Genebra Nº 107 da OIT (1957), das revisões parciais da Convenção Nº 169 126
(1991) e das recomendações relativas às populações “aborígenes e tribais”, além
de outros instrumentos internacionais referentes à discriminação dos povos
indígenas, que foram elaborados entre os anos de 1950 e 1980.
Essa política indigenista do governo do Território, que visava o processo
de segregacionismo, passou a disputar, com a Diocese de Roraima, o controle
nesse processo pelo qual o índio era absorvido na cultura nacional.
Nessa tarefa indigenista, a FUNAI desempenhou papel ambíguo, não se
diferenciando da função do SPI, que na teoria tinha visão humanista e na prática
tornou-se instrumento opressor do índio. Algumas vezes, junto com a Diocese
de Roraima, a FUNAI apoiara e financiara formas comunitárias de criação de gado
nas malocas, visando a autonomia dos índios. Em outros momentos, junto ao
governo local, ampliou o número de postos indígenas nas malocas e a instalação
de escolas indígenas (com professores brancos) mantidas pelo governo, visando
qualificação profissional indígena para o mercado roraimense.
Mas, em geral, o índio enfrentava dificuldades na condução desses
projetos, tanto por conta dos programas assistencialistas do governo
(local/federal) como pelos conflitos na disputa de terra com o fazendeiro e
mineradoras, que olhavam o índio como posseiro/grileiro 127. A solução das
dificuldades esbarra na revisão constitucional e elaboração do Estatuto Indígena
que tramita no Congresso Nacional desde a última década do século XX,
geradora da manutenção ideológica integracionista que não o reconhece como
organização social diferenciada do quadro social nacional.
126. Convenção da Organização Internacional do Trabalho referente aos Povos Indígenas e Tribais nos
países independentes. A Convenção contou com o apoio da Organização das Nações Unidas e do Instituto
indigenista interamericano (cf. BARBOSA, 2000).
127. Esse tema será tratado no Capítulo 3 e retomado no Capítulo 4.
155
Ressalta-se que as etnias indígenas de Roraima iniciaram o movimento de
reconhecimento étnico cultural desde a década de 1960 e tiveram que esperar até
o final dos anos de 1980, momento da promulgação da nova Constituição
Federal, para, na teoria, ganhar o reconhecimento de sua organização social e
cultural enunciados nos artigos 231 e 232. Nessa realidade concreta, o índio
emprega elementos de sua cultura em suas práticas cotidianas, que o branco
julgava que já fossem extintos.
Além dessas questões, a migração do índio para a cidade de Boa Vista
preocupou as organizações indígenas. As constantes secas reduzindo a pesca e a
caça, a baixa produtividade da roça, causando insatisfação e muita pobreza, a
invasão das mineradoras em áreas dos índios, levaram grande contingente
indígena para a capital Boa Vista. Vivendo nesse ambiente estranho que é a
cidade, os índios reclamavam que a sociedade branca não oferecia melhores
condições para trabalhos estáveis128. Diante dessas dificuldades, as lideranças
indígenas, por meio do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e outras ONGs
indígenas, buscavam dar apoio aos “parentes”129 que migraram para a capital,
faziam denúncias sobre os conflitos entre o Estado, os índios e não-índios
envolvendo questões referentes aos garimpos e violências várias (alcoolismo,
prostituição)130.
Essa população indígena que chega à Boa Vista nem sempre procura a
FUNAI ou o CIR (Conselho Indígena de Roraima) ou APIR (Associação dos
Povos Indígenas de Roraima) que são os órgãos e as duas maiores entidades nãogovernamentais que dão apoio ao índio. Durante uma das várias entrevistas
128. A máquina de fazer política do Estado, envolvida nas barganhas eleitoreiras, oferecia funções ou
atividades no serviço público, por meio de projetos das secretarias e pago por comissão, visando à captação de
votos na eleição de 1990.
129. Parente é um termo usado pelo índio para identificar a relação familiar entre os próprios índios. Essa
relação de parentesco envolve os distintos troncos lingüísticos porque todos descendem dos mesmos ancestrais
possuidores de vínculos de parentesco com a terra (mitos e ritos unificando o mundo cósmico e o terreno).
130. Essas considerações são baseadas em nossas entrevistas junto ao CIR e a FUNAI/RR , durante o ano de
2000, e notícias veiculadas na mídia local, nesse mesmo período.
156
concedidas à mídia local, o administrador da FUNAI/RR, Walter Blós,
comentou que, em muitos casos, o índio que abandona a maloca e chega à Boa
Vista não se vê como índio, já que fala português e tem hábitos distintos da
maloca. Sobre essa mesma questão, o Coordenador do CIR, Jerônimo Pereira,
afirmou que o índio quando chega à cidade tem vergonha de identificar-se como
índio por causa do preconceito “branco” contra o índio 131. Segundo o
Coordenador do CIR existe uma grande dificuldade de vencer esse forte
preconceito e conquistar seus direitos como prevê a Constituição Federal de
1988 e a Estadual de 1991.
Essa questão constitucional tornou-se um outro impasse político-jurídico,
na relação do Estado com os índios, que não compreendem o porquê da
Constituição Estadual (1991) que no artigo 173 reconheceu os “Direitos dos
Índios”, conforme os enunciados nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal
(1988), e não são aplicados: por que o Estado/União conserva a política de
domínio sobre o índio e suas terras?
Os direitos dos índios enunciados nos referidos artigos constitucionais, o
processo educacional indígena (da Igreja, da FUNAI e do Governo de Roraima) e a
demarcação das terras tornaram-se temas polêmicos dentro das organizações
indígenas e das esferas do governo e da sociedade roraimense132. Durante os
encontros dos índios133 aconteceram descompassos interpretativos das normas e
divergências de interesses em jogo e não se conseguia avançar no fortalecimento
da Assembléia Indígena, que começou a se fragmentar com as famílias indígenas
divididas: algumas apoiavam o programa emancipatório do governo, outras
defendiam o resgate de etnicidade diferenciada do nacional.
131.
Esse tema será retomado no Capítulo 4.
Os artigos constitucionais, a tentativa de aplicabilidade dos artigos e a questão fundiária serão
retomados nos capítulos 3 e 4.
133. A região do Surumu, como o lugar politizador e multicultural indígena, deu início as reuniões dos
líderes e representantes dos índios de Roraima e inspirou a organização de conselhos e assembléias nas malocas
das distintas regiões (serras, florestas e lavrados).
132.
157
Nesse processo de politização do índio, foi implantada uma Associação
Geral dos Tuxauas (chefes indígenas) vinculada à Diocese de Roraima. Essa
associação, com estrutura e organização semelhante às associações da cultura
ocidental, constituiu-se em importante instrumento de representação política do
índio, estimulando entre as etnias indígenas a formação de associações e
reorganizações de escolas bilíngües. Tal associação dos Tuxauas desenvolveu, ao
mesmo tempo, uma reordenação na formação de professores índios e buscou
alternativas para reativar a identidade étnica, principalmente entre os jovens que
tinham vergonha de se identificarem como índios.
Rearticulando uma política indigenista mais próxima dos anseios dos
índios, essa associação dos tuxauas foi a responsável pela fundação do Conselho
Indígena de Roraima (CIR)134 e demais associações: Associação dos Povos
Indígenas de Roraima (APIR), Organização dos Professores Indígenas de Roraima
(OPIR), Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), entre outras
pequenas organizações indígenas na região.
No começo desse processo de representação e organização indígena, todos
os índios estavam vinculados aos missionários católicos. Todavia, com a entrada
dos missionários protestantes (Missão Evangélica da Amazônia - MEVA), da instalação
da Diocese de Roraima (final de 1970) assumindo postura radical em favor da
etnicidade e da terra do índio diferenciado do nacional, da função ambígua da
FUNAI (ora em favor do índio e ora contra), dos programas assistencialistas do
governo (federal/local), as famílias indígenas ficaram divididas: índios defensores
da Diocese (pró-tradição), índios a favor do Estado e sociedade nacional local
(pró-nacional).
134.
O CIR é composto pelos seguintes órgãos: (I) Assembléia Geral; (II) Coordenação Geral; (III)
Conselhos Regionais; (IV) Coordenação Aplicada. A Assembléia Geral do CIR se tornou o órgão máximo de
decisões e suas decisões serão tomadas sempre pela maioria simples de seus membros presentes na reunião. O
CIR deverá intermediar os entendimentos entre índios e não-índios na sociedade local (cf. “Estatuto Social do
CIR”, Boa Vista/RR: CIR, 1992).
158
Passado mais de quatrocentos anos, manteve-se um conflito entre os
índios: apoiar ou não os colonizadores. Entre os séculos XVI e XVII, os
holandeses tentavam seduzir os índios para ficarem ao seu lado, atuando na rota
comercial. No século XVIII, os portugueses, por meio dos Aldeamentos, tentavam
civilizar o índio e tomar posse de sua terra. Assim, esse processo dilacerador da
cultura dos índios, que os divide entre si, perdura até o início do século XXI.
No entanto, apesar das divisões internas entre as próprias etnias
indígenas135, todos os tuxauas e líderes dos índios de Roraima concordavam que
essa discussão estava vinculada a um movimento social, político, antropológico e
jurídico mais amplo.
Os índios de Roraima, seguros de sua memória cultural e organização
social (interpretadas pela cultura nacional como “ausência de Estado e sem organização
social”, portanto, sem existência) e diante do jogo de interesses entre esferas do
governo estadual e federal, cobram das autoridades responsáveis pelo
reconhecimento de seus direitos étnicos, posturas mais definidas em relação ao
conflito.
No auge dessas articulações e reivindicações, os povos indígenas, que
desde a Constituição do Império foram considerados cidadãos brasileiros porque
nasceram no território do Brasil, tendo documento de registro nacional ou não,
procuram alternativas para uma convivência mais pacífica, embora, as possíveis
soluções se restrinjam às teorias:
O líder indígena e presidente da SODIUR, Lauro Barbosa, está convencido que o atual
presidente da FUNAI, Carlos Frederico Marés, apesar dos laços profissionais e amizade
com o Conselho Indígena de Roraima (CIR), vai ouvir as duas correntes de pensamento
indígena sobre o relacionamento entre índios e não-índios. Marés deve vir a Roraima ainda
este mês. Lauro conversou com o Presidente da FUNAI, no final do ano passado, durante o
encontro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), em
135. Essa divisão interna dentro das próprias famílias indígenas, sejam elas Makuxi (Karib), Wapinaxa
(Arawak) ou qualquer outra, foram comentadas na primeira parte desse trabalho (XVI-XVII), no Capítulo 1, e
serão retomadas no Capítulo 5.
159
Manaus (Am) e expôs seu ponto de vista sobre o processo de demarcação Raposa/Serra
do Sol. Lauro ressaltou que o presidente da FUNAI não pode conduzir os destinos dos
índios de Roraima ouvindo só as sugestões das lideranças do CIR que tem posições mais
radicais que as lideranças da SODIUR. Para o CIR a demarcação é em área única e expulsão
dos não-índios da reserva; para a SODIUR a demarcação é em ilhas e busca de conciliação
entre os direitos dos índios e dos não-índios (FBV, 15 e 16/01/00, p. 7).
A posição do presidente da SODIUR (Sociedade de Defesa dos Povos
Indígenas Unidos de Roraima) mostra outra visão do índio de Roraima diante das
mudanças políticas e econômicas envolvendo o Estado, a sociedade local e o
índio, na virada do terceiro milênio. Após a Constituição Federal de 1988, o
representante da FUNAI apresenta-se como um defensor dos direitos do índio
(cf. arts. 231 e 232), que reconheceram o tratamento diferente entre índio e nãoíndio. Contudo, contrariando esse princípio constitucional, existem famílias
indígenas integradas na sociedade nacional local que não desejam usufruir desse
direito diferenciado. Esse posicionamento indígena ampliou os conflitos entre os
próprios índios e atende aos interesses de certos setores da sociedade local e
governamental na condução do interesse político e econômico sobre as terras dos
índios como propriedade privada.
Outro questionamento que tem gerado polêmica: quem é e quem não é
índio em Roraima:
O procurador da FUNAI/Local, advogado Wilson Précoma, pediu à Polícia Federal que
investigue suposta emissão ilegal de registro de indígena para o vice-prefeito eleito de
Pacaraima, Francisco Roberto do Nascimento, que não teria esse direito por não ser índio.
Ele pede que o vice-prefeito responda por falsidade ideológica e que o administrador
regional da FUNAI, Martinho Alves de Andrade Júnior, seja responsabilizado também, mas
por crime de responsabilidade. Para Précoma, Francisco Roberto não é reconhecido pelas
lideranças indígenas e não tem vivência entre os índios. Ao contrário, é uma pessoa de
destaque na sociedade nacional/local, brilhante jogador de futebol, conhecido como
“Chico do Baré”, e depois, conhecido como o Chico Roberto do Banco do Brasil, por ter
trabalhado nesta instituição financeira. Para o procurador da FUNAI, a forma como são
concedidos os registros para índios pode abrir precedentes para quem não é índio e tem
propriedades em áreas pretendidas pela FUNAI para permanecerem nas reservas indígenas
(FBV, 06/11/00, p. 4).
160
Essa polêmica reavivou o sentimento de racismo por parte da sociedade
“branca” que entre os difusos interesses enxergava a presença física do índio
como uma ameaça à sua posição no espaço social de Roraima. Essa questão,
que parece ter trazido uma crise de identidade local, colocou em dúvida os
critérios que legalizam a identidade étnica:
O administrador regional da FUNAI, Martinho Alves de Andrade Júnior, respondeu ao
procurador do próprio órgão que o registro emitido para Francisco Roberto obedeceu a
critérios legais. “Para ser índio é preciso de duas questões básicas. A primeira é se
reconhecer como índio. E a segunda é a comunidade o reconhecer como indígena.” Para
Martinho Andrade, além de Chico Roberto se reconhecer como índio, a FUNAI tem uma
declaração do tuxaua, que é o representante da comunidade, atestando que o vice-prefeito
eleito é índio. Para o administrador regional, o tuxaua responde pela comunidade. Para ele
é complicado o questionamento sobre quem é ou não índio. Há casos em que a
comunidade apontou uma pessoa como índio, e a pessoa negou que era índio (FBV,
06/11/00, p. 4).
Esse questionamento dos representantes da FUNAI/RR apontou para
antigos mecanismos de dominação cultural “branca” sobre os índios. Fica difícil
para a sociedade local (índios e não-índios) entender os mecanismos de poder
que legitimam, em um processo democrático, tanto a defesa do território como a
proteção de uma cultura étnica diferenciada da nacional:
Francisco Roberto, vice-prefeito de Pacaraima, mostrou documentos comprovando sua
descendência e o registro foi concedido em 1º de setembro, numa ação itinerante realizada
em Pacaraima. Para Chico Roberto, “O Estatuto do índio diz que até a terceira geração é
considerada indígena”. Contesta também a afirmação de Wilson Précoma sobre a falta de
vivência indígena, e afirma ter vivido na região de Surumu onde estudou inclusive com
alguns dos atuais tuxauas da região. Ficou por lá até os 15 anos de idade e veio para Boa
Vista, onde passou a trabalhar no Banco do Brasil, estudar e nunca perdeu contato com os
índios da região. Para Chico Roberto se o procurador da FUNAI não aceita o documento,
vai ter que provar que ele não é índio (FBV, 09/11/00, p. 4).
Essa discussão necessita de maiores aprofundamentos para que a
sociedade local possa superar a visão etnocêntrica européia e revisar o seu
próprio papel no processo histórico, sua própria vida e destino, descobrindo
161
nesse processo a cidadania ou identidade étnica136. O desafio parece ser o de
amadurecer as ideais constitucionais e não o de expropriar o índio que deseja
reatar relações de parentesco com a terra, resgatando o direito originário.
Preocupados com uma educação indígena voltada para conteúdos
programáticos relacionados à organização sócio-cultural e lingüística indígena, os
líderes da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR)
promoveram também um Seminário para discutir essa formação dos professores,
que ensinam nas escolas da rede pública (instaladas nas malocas) e são mantidas
pela Divisão de Educação Indígena (DEI/SEC) do governo estadual:
No II Seminário de Educação Indígena, na Maloca Canauanin, com participação de
professores do Chile, Quito, Mato Grosso e Venezuela, o professor Enilton André,
Coordenador da OPIR, disse que os professores indígenas encontram dificuldades para
realizar o vestibular tradicional. Uma delas é a diferença entre os critérios do vestibular e a
formação dos índios que freqüentam cursos de formação diferenciada (Magistério
Indígena). A legislação permite e garante ao índio uma formação diferenciada. Para o
coordenador a UFRR (Universidade Federal de Roraima) não tem professores
especializados na formação diferenciada para o índio, a OPIR deverá participar da seleção
de professores para o curso superior, um dos critérios é o comprometimento com a causa
indígena. Além do curso de Pedagogia voltado para a formação específica do índio, já há
propostas para formação nas áreas de agronomia, saúde, veterinária, direito e economia
(FBV, 15/09/00, p. 10).
Durante essa discussão, foi analisada uma proposta de Curso Superior de
Pedagogia Indígena e para alcançar esse objetivo buscaram parceria com a
Universidade Federal de Roraima (UFRR). Os representantes das organizações
indígenas exigiam um curso diferenciado da pedagogia dos brancos e para
enriquecer tal tema, assegurando um compromisso em favor do índio, ampliaram
os debates:
Cerca de 400 professores indígenas que participaram do II Seminário de Educação
Indígena decidiram fazer parceria com a Universidade Federal de Roraima ( UFRR) para
implantação do Curso Superior de Pedagogia Indígena. O evento foi promovido pela
OPIR, na Maloca Canauanin, município do Cantá. O tema principal foi discutir o ingresso
de professores indígenas no ensino de terceiro grau. Foi criada uma Comissão conjunta,
136. Embora a etnia possa ser estabelecida por simples mapeamento de DNA, o “pertencimento” duplo
(reconhecer-se e ser reconhecido) é a base de qualquer identidade, apesar de que ele possa tornar-se mecanismo
politicamente manipulado para fins de exclusões e/ou inclusões sociais.
162
entre representantes da OPIR, UFRR, FUNAI e outras entidades parceiras, para elaboração de
um projeto de criação do Curso Superior de Pedagogia Indígena. A Comissão tem até
dezembro para apresentar o projeto que será analisado pela coordenação da OPIR. O
Coordenador da OPIR, professor Enilton André, esclareceu que a preocupação dos
professores indígenas não está restrita ao curso de Pedagogia, mas às demais áreas de
estudos. “Queremos formação de qualidade em todos os níveis de ensino.” Para o
coordenador, esta é a primeira vez que se discute no Brasil uma formação superior
diferenciada para professores índios (FBV, 18/09/00, p. 11).
Nessa linha de ação, a Organização de Professores Indígenas de Roraima
(OPIR) continuou as discussões para formular uma proposta viável ao desejo de
melhorar a formação dos professores que atuam nas malocas indígenas. Tais
reformulações educacionais para os índios tinham como subsídios os
fundamentos da Constituição de 1988, que prevê não só o reconhecimento da
organização sócio-cultural dos índios como também um tratamento diferenciado
para as etnias indígenas:
Reunidas num II Seminário de Educação Indígena de Roraima, na Maloca do Canauanin,
no Município do Cantá, as lideranças indígenas disseram que não querem somente o curso
de Magistério como teto para os professores lecionarem em áreas indígenas. O
coordenador da OPIR, Prof. Enilton André disse que o objetivo do Seminário foi discutir
a formação universitária do professor índio. Existem 426 professores índios nas escolas das
malocas de Roraima. A OPIR tem procurado habilitar os professores indígenas para
pesquisar a sua própria história, discutir alternativas sociais e econômicas auto-sustentáveis
para as comunidades indígenas (FBV, 19/09/00, p. 10).
As discussões sobre essa proposta pedagógica das organizações indígenas,
que por meio da educação desejam reorganizar/resgatar sua própria etnicidade,
continuam por mais dois anos137. Elas esbarraram em normas do MEC
(Ministério da Educação e Cultura) que tem dificuldades jurídicas na condução
dessa questão, apesar dos cursos fundamentais e cursos médios em pedagogia já
funcionarem diferenciados do nacional.
137. No primeiro semestre de 2003 o curso Superior Indígena foi implantado na Universidade Federal de
Roraima (UFRR). Após a realização de um vestibular específico, deu-se início a primeira turma. Esse tema será
retomado no Capítulo 5.
163
FIGURA 06
II Seminário de Educação Indígena de Roraima, realizado durante Assembléia Indígena. O tema principal foi a
“formação superior de professores indígenas”.
Foto: Folha de Boa Vista, 19/09/00, p.10.
Aproveitando o evento indígena de discussão educacional, o governador
de Roraima pronunciou-se afirmando que:
Pretende criar um Instituto Superior de Ensino para preparar o professor para as escolas
de Roraima. Durante o encerramento do II Seminário de Educação Indígena de Roraima,
na Maloca Canauanin, no Cantá, o Governador disse aos participantes do Seminário que o
Estado tem interesse na formação do professor índio e que a OPIR está convidada a fazer
parte da equipe que está discutindo a formação do Instituto. O instituto tem a coordenação
de uma equipe da França em convênio com o Instituto Francês. Para Neudo Campos, os
índios terão papel importante na formação do Instituto e afirmou que terão vagas em
cursos diferenciados. O governador disse que “Sou Macuxi, nasci aqui, e não vou sair
daqui. Mas sei que tenho esse compromisso com a preparação do futuro de Roraima, que
está na educação, uma educação de qualidade, que prepare o nosso aluno de forma a que
ele pense no futuro de Roraima” (FBV, 19/09/00, p. 10).
Apesar de algumas alterações nos mecanismos do sistema político estadual
em favor do índio, percebeu-se o comportamento ambíguo do executivo estadual
por meio de seu discurso: “Sou Makuxi...”. Essa fala, sustentada na relação de
domínio, com mecanismo estratégico da “máquina” de fazer política, mascarava
o conflito (índios e não-índios) e o interesse de ordem política e econômica. Ao
164
apropriar-se da identidade Makuxi (maior contingente étnico no Estado, cf. Quadro 01,
acima, p. 136), no sentido amplo de “ser índio”, o governador nega aos demais
grupos étnicos a possibilidade de convivência plural, num mesmo território, de
sistemas políticos jurídicos diversos, já que privilegia a etnia majoritária. O
discurso do governador de Roraima nos mostra, justamente, a manipulação do
“pertencimento” mencionado no texto acima.
Em forma muito resumida e simplificada, podemos dizer que, aos olhos da
sociedade nacional local, tornou-se difícil compreender a transição entre a prática
de pacificação indígena (eliminação da identidade do índio) por uma política de
reconhecimento sócio-cultural indígena. Dentro do histórico da situação dos
índios, aos olhos das lideranças indígenas, não ficou claro porque as terras não
são demarcadas e porque também são disputadas pelo governo de Roraima.
FIGURA 07
Os índios reivindicam homologação da Reserva Raposa/Serra do Sol em área única. Manifestação na Maloca
Maturuca. Foto: Folha de Boa Vista, 28/12/98, p.04.
165
Um número crescente de perguntas sem respostas vai ampliando esse
contexto: quem está conduzindo o interesse na omissão do governo federal e
estadual e quais são as forças políticas que protegem os omissos? Por que os
projetos de segurança para a Amazônia, a presença do Exército e da Polícia
Federal não conseguem impedir que as mineradoras se instalem nas terras
indígenas e nelas permaneçam?
2.5. Ação do Estado, organização e reação da sociedade não-indígena
A luta dos índios contra o totalitarismo “branco” e a defesa de seus
direitos dentro do Estado roraimense foram os elementos centrais de inquietação
da elite social e política local, nas duas últimas décadas do século XX. Tais
elementos, com propostas de redefinição territorial, assumindo diversificadas
posturas dos habitantes de Roraima (índios e não-índios), ligados a diferentes
relações culturais e econômicas com a terra, aglutinaram determinados setores da
sociedade não-indígena de Roraima em torno de um ideal político comum à
oposição ao movimento em favor do índio, que estava, cada vez mais, ocupando
espaços na mídia e nas discussões teóricas.
Nesse panorama social de encontros interculturais, com diferentes
concepções econômicas de posse da terra, a sociedade roraimense, por meio de
suas lideranças e representantes políticos, mostrou reações contrárias em relação
às propostas138 de posse e uso dos recursos naturais pelos índios, que foram
138. As ONGs indígenas vinculadas ao Conselho Indígena de Roraima defendem uma política de
reconhecimento e respeito da cultura e da língua indígena (pró-tradição). A tomada de consciência da identidade
étnica denotou o fortalecimento prioritário na demarcação das terras indígenas em área única e da expulsão dos
não-índios da reserva demarcada. Ao contrário dessas ONGs, existem ONGs indígenas não vinculadas ao Conselho
Indígena de Roraima que defendem a demarcação das terras indígenas em ilhas e o respeito à posse dos nãoíndios na região, como também parcerias em projetos de desenvolvimento governamental (pró-nacional). Além
disso, mais de 70% das terras do Estado pertencem ao domínio da União como: IBAMA, INCRA, EXÉRCITO, FUNAI.
Nesse contexto de indefinição fundiária, nem o Estado e nem a sociedade local conseguem atrair verbas para seus
projetos seja na área social, econômica ou cultural. Esse assunto será retomado no próximo capítulo, item 3.2.
166
identificados como “bode expiatório” das atuais condições políticas econômicas
do habitante de Roraima.
Para a elite social local139, essa condição de pobreza no Estado,
desencadeada pela indefinição latifundiária causou o impedimento da não
exploração dos recursos naturais, privou a região de um desenvolvimento que
melhorasse o orçamento estatal e a distribuição de renda social local.
Mediante a disputa, a questão étnica transformou-se no tema polêmico
entre o Estado e a sociedade de Roraima. Tal problemática étnica, que se fez
presente em vários momentos do processo histórico da região, nutre, no seu
interior, tensões sociais no gerenciamento da diferença cultural, nos mecanismos
de partilha política e econômica de um novo espaço de poder policêntrico, que o
movimento de redemocratização do país, nas duas últimas décadas do século XX,
colocou como desafio à sociedade roraimense do tempo presente.
Conjuntamente ao movimento de reação dos índios em favor de seus
direitos, o fortalecimento de oposição liderado pela sociedade não-indígena
unificou interesses do governo estadual e dos setores representativos da
sociedade roraimense. Instrumentalizados com as benesses da máquina de fazer
política governamental, esses representantes conduzindo o monopólio e o poder
da política local, apontaram propostas alternativas de desenvolvimento e
buscaram recursos para definir a questão fundiária de Roraima, mas sem sucesso:
Ao assumir o seu segundo mandato o Governador de Roraima, Neudo Campos (PPB),
afirmou, durante o discurso de posse, que irá devolver o emprego aos que foram demitidos
do Estado e dar àqueles que não o tinham, só que na iniciativa privada. (...) que vai buscar
investimentos para trazer indústrias de outros estados para que se instalem em Roraima e
reforçou que vai privatizar principalmente a CODESAIMA (Companhia de
Desenvolvimento de Roraima). (...) vai fechar, definitivamente, os órgãos que representam
uma sobrecarga demasiado pesada para dar prioridade aos seguintes setores: Educação,
Saúde, Segurança, Bem-Estar e adotar políticas de estímulos à Agricultura, Indústria,
139. Esse grupo social de poder político e econômico, partilhando dos privilégios da esfera
governamental, é constituído por descendestes dos pioneiros “brancos” e de novos grupos imigratórios que
chegaram após os anos de 1970: nordestinos, sulistas, do centro-oeste, sudeste. Grande parte desse novo
contingente tem escolaridade universitária, são micro-empresários, profissionais liberais ou fazendeiros.
167
Comércio e Turismo. (...) Para alcançar essas metas, o governador disse que a infraestrutura básica como o asfaltamento da BR-174 e a energia de Guri (Venezuela) são
essenciais. (...) o comércio roraimense precisa romper as divisas em direção a República da
Guiana. (...) a bancada federal apresentou emenda de R$ 18 milhões para que o 6º BEC
(Batalhão de Engenharia e Construção) pavimente a BR-401, do quilômetro 100 até
Normandia. “Precisamos conquistar e nos integrar com a Guiana, Paramaribo e Guiana
Francesa”, afirmou. A questão indígena é colocada por Neudo Campos como um dos
empecilhos, principalmente a demarcação da Raposa/Serra do Sol, em área única e a
desapropriação das propriedades da reserva São Marcos. As demarcações, segundo ele,
estão sendo tratadas pelo Governo na esfera judicial “para que não se cometam os
exageros praticados de forma unilateral quando da demarcação da reserva Yanomami”
(FBV, 04/01/99, p.03).
A mistificação do interesse relevante para o desenvolvimento do Estado e
o bem-estar da sociedade local é flagrante, principalmente, no momento de
explicação das propostas governamentais pelo Executivo local, registrados no
texto acima. Os discursos do governador mudam segundo a platéia (índios e nãoíndios), utilizando idéias e justificativas, cujo traço comum não revela o desejo,
economicista e eleitoreiro, da posse e exploração da terra em nome do povo e do
interesse de Roraima.
Essa abordagem etno-histórica marcada pela defesa da definição fundiária
e redefinição geopolítica em Roraima foi também o principal enfoque no
discurso de posse dos Deputados Estaduais, nesta 3ª administração Legislativa do
Estado140. O Deputado do PFL, Iradilson Sampaio, fez um caloroso discurso em
nome dos deputados que se reelegeram, tecendo elogios sobre a imagem dos
“bravos pioneiros colonizadores” e comentando que a demarcação em área
contínua da Raposa Serra do Sol maculava os acontecimentos do “processo
histórico do recente passado”. Segundo o parlamentar, o governo federal deveria
reorientar a problemática fundiária no Estado, adotando um programa inspirado
nas reivindicações do povo roraimense, principalmente nos setores econômicos,
segurança e descentralização estatal.
140. Representantes políticos, eleitos no pleito eleitoral de 1998, tomaram posse no dia primeiro de
janeiro de 1999, para o período de 1999-2002, prometendo resolver a questão fundiária. Nos Capítulos 4 e 5 esse
tema será retomado.
168
Com o objetivo de auxiliar no acompanhamento do caso em questão
(Raposa/Serra do Sol) foi criada uma Comissão da OAB/Local (Ordem dos
Advogados do Brasil), tendo como presidente Silvino Lopes, e mais os membros
Hitler Lucena e Alcides Lima. Em depoimento oferecido à comissão, o rizicultor
Paulo César Quartiero disse:
Estamos aqui em Roraima gerando emprego e pagando todos os impostos durante 21 anos
de trabalho e vem um arrastão da FUNAI que não dá nenhuma chance de individualidade e
particularidades do Estado (FBV, 07/01/99, p. 04).
Mediante tal situação, para a FUNAI, a posse de um território pelo índio é
condição coletiva à sobrevivência étnica, inclusive ao que diz respeito ao
sepultamento dos parentes, pois a terra está coesa aos seus ritos e mitos de fé.
Para o não-índio que está na região há 21 anos e paga imposto a relação com a
terra é de negócios, de propriedade, onde a terra de sepultamento de seus
familiares pode ser trocada de dono na relação comercial de domínio
governamental.
A respeito do processo de demarcação da reserva indígena da
Raposa/Serra do Sol, o advogado Hitler Lucena fez o seguinte comentário:
A demarcação foi feita de “cima para baixo” porque seria uma imposição de países como
Inglaterra e Estados Unidos. Essa demarcação sempre teve um aparato de entidades
ambientalistas e organizações anglo-americanas (FBV, 07/01/99, p. 05).
Isso significa que se desloca, portanto, a responsabilidade de opção,
atribuindo-as às forças estrangeiras e não as decisões “nossas”.
Entretanto,
surgiram
manifestações
populares
coordenadas
por
representantes políticos e dos setores econômicos, com discursos proferidos de
forma simplista, reduziam a problemática social, política e econômica do Estado
a esse conflito entre minoria indígena e maioria não-indígena.
A reação da sociedade não-indígena habitante de Roraima revela-se como
um sintoma do tempo presente e indicador da necessidade de uma mudança não
só teórica, mas prática desse sistema político, social e econômico de grande
169
importância para a derrocada da cultura paternalista estatal, que impede a
concretização do que diz a lei maior.
Apesar da retórica do respeito ao pluralismo sócio-cultural e
reconhecimento do direito de posse da terra pelo índio, é visível a forma de
“apartheid”, que mantém distante da partilha política estatal os índios contrários
ao processo “aceitável”141 de integração na sociedade nacional.
FIGURA 08
Manifestação por não-índios contra a demarcação Raposa/Serra do Sol, na praça do Centro Cívico, em Boa Vista.
Protesto de empresários com distribuição de carne e arroz para os populares.
Foto: Folha de Boa Vista, 08/01/99, p. 05.
Diante do que já foi exposto, podemos considerar que essa diferença
cultural do índio, na formação da sociedade brasileira, assumiu formas confusas
numa situação de mistura racial que tradicionalmente foi incorporada nos
discursos governamentais de “espírito igualitário”. Nesse processo, tal como no
141. Estamos falando sobre o processo de “civilização” que introduzia o índio na sociedade como
“brasileiro-nato”. Apesar do processo apresentar o índio como um membro natural da sociedade nacional, essa
convivência entre “brancos” e índios mostrou-se não salutar aos povos indígenas.
170
passado, em que o Estado e a sociedade não aceitam o outro que é diferente, o
índio deverá perder seu referencial étnico, abandonando a idéia de reivindicação
identitária cultural diferenciada que gerou, nos últimos vinte anos do século XX,
violentos conflitos sociais e incertezas políticas econômicas no processo de
formação do Estado, da normatização dos direitos e do exercício democrático.
Desta maneira, o êxodo rural indígena reforçou a seguinte idéia de alguns
segmentos da sociedade local: “há muita terra para pouco índio”, sem
compreender o processo de migração indígena para o centro urbano, os
discursos e propostas de solução desse conflito tornaram-se incompreensíveis:
como grupos sociais, políticos, religiosos que atuam na sociedade local trabalham
os fundamentos constituintes previstos para a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária?
2.6. Povoamento e meios de comunicação
Paralelo às mudanças sócio-culturais e políticas na região do Rio Branco,
no campo da comunicação, os serviços de correios e telégrafos
se fazem
presentes nessa região desde o final do século XIX, quando da instalação do
município de Boa Vista. Hoje, a agência principal dos Correios (EBCT – empresa
brasileira de correios e telégrafos)142 está localizada na praça do Centro Cívico (a praça
que aglomera as edificações de poder estatal e religioso).
A Companhia Telefônica de Roraima (CTR), que inaugurou os serviços de
telefonia, foi criada em 1966. Em 1972, a Lei Federal 5.792 (11/julho/1972)
incorporou a Companhia no Sistema Nacional de Telecomunicações (Telebrás),
sendo denominada de Telaima (Telecomunicações de Roraima Sociedade Anônima).
142. Até a década de 1970, a figura do operador de telégrafo era fundamental nesse processo de
telecomunicações em Roraima. O Telex foi um serviço muito utilizado nesse sistema de transmissão e recepção
de mensagens escritas.
171
Mas foi o rádio que exerceu grande importância no processo histórico de
comunicação na bacia do Rio Branco.
A primeira emissora de radiodifusão sonora de Boa Vista surgiu na década
de 1950. Era a Rádio Difusora de Roraima, com capacidade de 1 KW, que levava
ao ar programas musicais, sentimentais, educativos, noticiosos e outros.
Acompanhavam-se, ainda, pelo rádio143, as notícias do mundo através da “Hora
do Brasil” e da BBC de Londres.
Até o início da década de 1970, o meio de transporte mais importante que
ligava Roraima às outras regiões do Brasil eram transportes fluviais, que
percorriam o caminho das águas (Branco, Negro, Amazonas, Atlântico). No trecho
entre Manaus e Boa Vista eram utilizadas as balsas e pequenas embarcações por
causa das cachoeiras e corredeiras que dificultavam a navegação. Esse traçado
acidentado da rede hídrica roraimense não permite navegação de embarcações de
grande porte e, em conseqüência, o único porto fluvial existente na região está
localizado em Caracaraí e está em más condições. Durante o período das cheias,
pequenas embarcações chegam até Boa Vista, no “Porto do Cimento”.
A comunicação por meio de transportes aéreos para Boa Vista tiveram
início nos anos de 1920. Nesse período, foram registrados os primeiros vôos
realizados por missões militares. Contudo, o maior destaque ficou para o
hidroavião da expedição de Alexander Hamilton Rice, que em 1924 sobrevoara a
região efetuando estudos de reconhecimento. Essa expedição exploratória
popularizou, em Roraima, a primeira foto aérea da pequena cidade de Boa Vista
com suas três principais ruas paralelas ao Rio Branco (Figura 09).
143.
Hoje, o rádio continua a ter importância no Estado, mas a estação de TV Roraima (Canal 4.
funcionando desde 1974 e oficialmente inaugurado em 1975) vem ampliando sua influência sobre a maneira de
ser e viver do morador da bacia do Rio Branco. Até o ano de 1987, a TV Roraima foi a única estação de televisão
na região a retransmitir quase toda a programação da Rede Amazônica e Rede Globo. Hoje, operam: TV Boa
Vista (Rede Manchete), TV Tropical (Rede Tropical e SBT), TV Caburaí (Rede Bandeirantes), TV Diamante
(Rede Record), TV Makuxi (universitária-TVE) (cf. Ambtec, 1993:158).
172
Os registros sobre os primeiros vôos comerciais entre Boa Vista e Manaus
e para os países vizinhos (Boa Vista/Georgetown, na Guiana; Boa Vista/Caracas, na
Venezuela) são dos anos de 1970. Nesse contexto aéreo, a empresa Cruzeiro do
Sul que foi substituída pela Varig144 estabeleceu vôos regulares ligando Boa Vista
as outras regiões do Brasil.
Ainda nos anos de 1970, foi inaugurada a rodovia BR-174145 ligando Boa
Vista a Manaus e Caracas, construída na direção norte e sul de Roraima e
seguindo a rota fluvial do Rio Branco. Para ligar o município de Boa Vista à
Guiana foi construída a BR-401. Não existe uma rede ferroviária na Região, mas
a partir da construção das rodovias federais foi possível conectar diferentes
estradas e caminhos estaduais criando um sistema rodoviário que aumentou o
fluxo de transporte e pessoas nessa região.
É importante acrescentar que o governo de Roraima buscou integrar-se na
malha viária nacional, com propósito de aumentar as benesses da população
branca e dos negócios comerciais. Sem clareza nos objetivos de desenvolvimento
para a Amazônia, desde o governo militar do pós-1964 através do PAEG
(Programa de Ação e Estratégia do Governo) e do PND (Plano Nacional de
Desenvolvimento)
enfatizava a necessidade de correntes imigratórias no
povoamento de regiões fronteiriças “desabitadas”, estabelecendo a integração e a
soberania nacional. Dentro desse enfoque, o plano econômico seguia a meta da
integração dos mercados (regionais/nacionais) aproveitando as hidrovias e as
rodovias, favorecendo a comunicação e a segurança do país (cf. FREITAS,
1991:71/76).
144. No final da década de 1980 e começo de 1990, as empresas aéreas Transbrasil e Vasp tentaram
operar nessa linha comercial roraimense sem sucesso. A Varig continua até o atual momento (2003) como a única
empresa monopolizadora do transporte de passageiros de Boa Vista. Apesar disso, existe um fluxo de pequenos
aviões tanto de particulares como de empresas de táxi-aéreo na região.
145. Essa rodovia federal, com 1.000 km em território brasileiro e 800 km em terras venezuelanas, liga
Boa Vista à cidade portuária da Venezuela, Puerto Ordaz, em conexão com os países caribenhos, Estados Unidos
e Europa.
173
Tais medidas serviram para, além de assegurar a conquista e a defesa,
fomentar as atividades agro-industriais (fábrica de rações e indústrias processadoras de
alimentos e refrigerantes) explorando as matérias primas da região. Serviram,
também, para o levantamento de dados relativos aos problemas fundiários,
promover uma política de colonização (novas correntes imigratórias) que organizasse
e mantivesse os antigos e os novos núcleos agrícolas (que produzem milho, arroz,
feijão, banana, mandioca, soja, etc.) sem esquecer a pecuária que auxiliou na unificação
da cultura luso-brasileira.
Essa ação do governo de Roraima em parceria com o governo federal,
ampliando a rede viária estadual/federal com o objetivo de revalorizar a terra e
consolidar a meta geopolítica de integração e soberania nacional (com o auxílio e
modernização das comunicações e dos transportes) favoreceu a incorporação dos novos
contingentes imigratórios (não-indígenas e indígenas) que foram reabsorvidos
num espaço social mais homogêneo. Tal ação política de tradição coronelista,
fortalecedora do poder governamental frente às lideranças e elite social local, deu
continuidade à estrutura agrária arcaica por meio dos novos assentamentos
agrícolas. Alguns desses assentamentos tinham irrigação mecanizada, para o
cultivo de grãos, sendo a soja e o milho os líderes dessa produção.
Após o exposto, pode-se dizer que o índio era como joguete indefeso de
uma estrutura social poderosa que o manipulava em função de seus interesses.
Ora era visto como parte da natureza (séculos XVI-XVII), ora como propriedade
associada à terra e, portanto, escravizado a quem a explorava economicamente
(séculos XVIII-XIX). Desde o início do século XX até 1988, o índio era
observado como parte integrante do todo nacional e, de 1990 ao início do século
XXI, para alguns segmentos sociais como empecilho ao “desenvolvimento”.
174
CAPÍTULO 3
A gênese do Estado: do Território Federal à
Constituição Federal de 1988
O cenário brasileiro dos anos de 1920 até os iniciais de 1940 apresentou
bruscas mudanças na sua trajetória político-social: o Tenentismo, a formação da
Aliança Liberal, o movimento Revolucionário e o golpe de Estado, todos
defensores de um conjunto de propostas de transformações sociais empenhados
na disputa do poder central do Brasil.
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro delimitou suas fronteiras em
expansão e construiu o seu território, restando porém a necessidade de sua
ocupação efetiva.
Na ocasião, o Brasil, teoricamente uma federação, funcionava na prática
como uma república unitária, na qual os Estados fracos estavam praticamente à
mercê do governo federal (SOUZA, 1971). Tal governo tinha no seu interior uma
combinação de aspectos progressistas, industriais, liberais, conservadores e
militares, integrando instrumentos políticos que resultaram em novas medidas
sócio-políticas e governamentais para a região amazônica.
Na segunda metade da década de 1930, a equipe de poder administrativo
do Presidente do Estado Novo defendia o controle sobre o território brasileiro e,
especificamente, aquele relacionado à Amazônia. A instabilidade política e as
crises financeiras internacionais causadas pelo início da II Guerra Mundial (os
interesses e as relações de dependência na Era Vargas entre os grupos financeiros
e a burguesia do café) impulsionaram a retomada de discussões sobre as
fronteiras amazônicas.
Estabeleceram-se, portanto, novos mecanismos nesse projeto político,
oriundos, também, do desejo dos representantes intelectuais de construir uma
175
identidade nacional. As bases desse projeto eram “integração racial e reforço da
unidade territorial” (CAPELATO, 1998). Além disso, os políticos aspiravam
justificar a ocupação e a integração das terras “desabitadas”, as quais eram já
tradicionalmente ocupadas por outras etnias (DIEGUES, 2001).
Esse modelo unificador de tendência política e econômica trouxe à tona
antigo conflito em relação ao território e às fronteiras nacionais. Essas terras
eram vistas como possíveis espaços de exploração capitalista estrangeira, que
estava aliada a grupos nacionais. Difunde-se a necessidade de unificação tanto da
sociedade brasileira quanto do seu território e a compatibilização dos interesses
em prol do desenvolvimento e da soberania nacional, sob a égide do governo
federal:
O nacionalismo brasileiro, de caráter sociológico positivista, forneceu instrumental
para explicar e apontar soluções para os problemas de natureza racial/étnica e de
ordem material relacionada ao desenvolvimento econômico. Nos anos 30, as teses
raciais foram associadas a um projeto de tentativa de recuperação do homem do
campo, que se dirigia para a cidade em virtude do grande êxodo rural ocorrido no
período. No discurso nacionalista, a figura do caboclo, sertanejo, jeca-tatu, caiçara,
caipira, variantes da imagem do elemento rural (...), até então depreciado, passou a ser
visto como cerne e vigor da raça (CAPELATO, 1998:216-7).
O texto acima utiliza idéias marcantes do conflito amazônico, como os
problemas étnicos enfrentados pelo Estado-Nação e pelos representantes da elite
política e econômica, especificamente, pelos líderes do município de Boa Vista
do Rio Branco. Estes tentavam soluções para uma sociedade (índios e nãoíndios) cujos interesses e posições ideológicas eram encaminhados segundo o
desejo do momento e nem sempre respeitavam as normas oficiais do país em
relação à situação e ao reconhecimento do direito territorial do índio.
Nessa construção da sociedade e do Estado no governo Vargas, Capelato
(1998) apontou para uma das preocupações do projeto do Estado Novo com os
problemas da etnicidade e do desenvolvimento. Tal projeto tinha como um de
seus objetivos a recuperação do homem do campo/natureza, fixando-o na região
176
de fronteira e valorizando elementos da cultura rural. Boa Vista do Rio Branco,
que na década de 1930 era município do Amazonas, constituiu-se em importante
pilar da construção da nova identidade nacional “coletiva”. O projeto do Estado
Novo, com discurso nacionalista, valorizou a figura do “caboclo” que nesse
município nada mais era do que o “índio pacificado”, transformado em peça
fundamental na defesa da fronteira nacional. Esse projeto fortalecia a urgente
“necessidade de se criar um Estado forte”, sempre ameaçado por interesses de
grupos internacionais associados com corruptos locais/nacionais (LAUERHASS,
JR., 1986:83-84).
Com base nessas aspirações, a criação de novos Territórios Federais iria
garantir tanto o povoamento das áreas “desabitadas”, quanto o controle do
Estado brasileiro de suas áreas fronteiriças, um dilema recorrente desde o século
XVIII.
3.1. Rio Branco, a criação do Território Federal
O Estado Novo usou o discurso propagandístico da “Segurança
Nacional”, mostrando interesse na redivisão e ocupação do território amazônico.
Esse discurso apontou para a necessidade de povoamento e colonização desse
território brasileiro e revelou, em nome do Brasil, interesses pessoais alojados no
próprio poder central:
O Estado que nasce em 1930 e se configura ao longo da década deixa de representar
diretamente os interesses de qualquer setor da sociedade. (...) O Estado encontrará
condições de abrir-se a todos os tipos de pressões sem se subordinar exclusivamente aos
objetivos imediatos de qualquer delas. (...) O governo assume o papel de árbitro das
diferentes disputas locais, embora dependa das novas oligarquias que se vão formando ou
sobem ao poder, sobretudo nas regiões mais atrasadas (FAUSTO, 1971, 253-254).
Nesse contexto de interesse do Estado pela integração nacional, apareceu
o medo do governo brasileiro de perder a Amazônia para estrangeiros que
clandestinamente exploravam a região. Esse medo tinha como base as supostas
177
informações de colaboração indígena e conivência das autoridades corruptas
locais com os grupos internacionais. A Amazônia estaria perdendo sua riqueza
vegetal e mineral (FERREIRA, 1994:100-101).
Assim, podemos dizer que se fundamentou a idéia constituída pela “união
perpétua e indissolúvel dos Estados, Distrito Federal e Territórios em Estados
Unidos do Brasil”146, buscando-se novas armas teóricas e legitimidade jurídica no
programa de povoamento e defesa fronteiriça brasileira. Para isso, a criação dos
Territórios Federais147 foi considerada como peça importante nesse mosaico
sócio-político brasileiro da terceira década do século XX. O governo precisou
rever seus mecanismos políticos para conservar unificado o imenso corpo físico e
cultural da Nação brasileira.
Essa proposta tinha como apoio os princípios enunciados na Constituição
Federal de 1937, que propagava fundamentos de interesses voltados para a
ocupação e a defesa do território nacional. Tais questões subjacentes à
problemática de regulamentar e instaurar a unidade brasileira fez parte, também,
do antigo e sutil objetivo militar-administrativo proposto pelo programa
governamental do período colonial e que se estendeu até a Primeira República na
incorporação da bacia do Rio Branco: uma imigração “branca”, que estabeleceu
procedimentos de “civilidade”, eliminando qualquer vestígio indígena/“nãocivilizado”. Contudo, tal proposta tinha como apoio a mão-de-obra do índio, que
participaria da construção de um espaço social direcionado para defender a terra
em favor do Estado Luso-brasileiro.
146.
Esse enunciado, previsto no artigo primeiro da Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil de 1934, não previa a criação de novos Territórios Federais (na época só existia o Território do Acre). Mas,
como foi usado o plural (Territórios), revelou-se a constante preocupação dos constituintes em manter a forma de
governo controlando por meio da ocupação o território unificado, que desde o século XIX vivia conflitos nas
suas fronteiras sempre em litígio. Tal preocupação do governo Vargas se fez presente, também, nos governos
coloniais (Constituição de 1824 e a unificação das províncias) e da Primeira República (Constituição de 1891 e a
unificação dos Estados) (cf. FREITAS, 1991; MARÉS, 1999).
147. A noção de Território Federal, com administração controlada pelo poder governamental central,
surgiu com a incorporação do “Estado Independente do Acre”, após negociações diplomáticas com a Bolívia.
Isso fez aumentar a expansão territorial do país e a defesa de uma longínqua fronteira, dando subsídios políticos e
jurídicos para que o presidente do Estado Novo repensasse a divisão geopolítica do Brasil (cf. FREITAS, 1991).
178
Desse modo, a idéia de ocupação dos espaços amazônicos “vazios” ou
“desabitados” determinava a antiga concepção dos conquistadores ibéricos: índio
e terra estavam coesos na visão de mundo natural/selvagem, que deveria ser
apossado e cristianizado. O Estado mostrou um discurso elitista em relação ao
trabalho do índio, ora exaltando-o como “civilizado” e ora considerando-o como
um canibal/“selvagem”.
Nessa experiência de amor e ódio do Estado com relação ao índio,
protegendo-o ou escravizando-o, a Constituição do Brasil de 1934 definia no Art.
129 princípios de direitos para os índios:
Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente
localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las (Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil, de 1934. Apud. MARÉS, 1999:66).
Esta Constituição identificava o índio como “silvícola” (sem Estado, sem
organização sócio-cultural), concedendo-lhe o direito de posse da terra, vista
como “abrigo” fixo148 e destinada ao uso exclusivo dos índios. Nesse texto
constituinte, o índio não era visto como um elemento étnico distinto, mas como
um “habitante da selva”, que teria a posse da terra desde que dela não saísse.
Tendo a posse e não a propriedade, o índio não possuía o direito efetivo à terra.
Ele era considerado “hóspede” do Estado proprietário e era usado como
“fronteira viva”, como guardião do território nacional.
A Constituição brasileira de 1937 forneceu ao governo Vargas
instrumentos de poder político que permitiram a centralização do governo e a
implantação do projeto de integração nacional. A relação político-jurídica entre o
Estado e os índios não foi alterada nessa Constituição, pois conservou no artigo
154 a mesma redação constitucional posterior.
148. A faixa de terra habitada pelo índio não é igual ao território circundante da fazenda, pois a idéia de
espaço-social do índio é distinta do espaço-social do branco. Daí o Estado prendera o índio, na forma da lei e no
interesse da soberania da Nação, fixando-o numa faixa de terra limitada.
179
Durante o governo militar, em 1967, quando foi extinto o SPI (Serviço de
Proteção ao Índio), o governo federal incluiu entre os bens da União as “terras
ocupadas pelos Silvícolas” (cf. MARÉS, 1999) e criou a FUNAI (Fundação Nacional
do Índio) para gerenciar as questões indígenas.
Essas características ambíguas na relação política entre Estado e índio
marcaram as propostas para o planejamento de políticas públicas e a criação dos
Territórios Federais durante a gestão do Estado Novo149, conforme a perspectiva
de metas do Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa
Nacional, de 1939. A organização e a prática desse plano definiram formas para
promover a ocupação e a defesa do território nacional, respeitando os princípios
da Constituição de 1937.
Não faremos uma discussão comparativa sobre o entendimento de
“Território” de domínio federal ou de domínio estadual no Brasil e em outros
países, embora tenhamos conhecimento de Constituições de Estados com
organizações federadas sem uma rigidez nas alianças das unidades federativas,
como o modelo norte-Americano. Na Argentina, por exemplo, a figura do
“Território”, governado sob o poder Central em concordância com o Senado,
teve representação num curto estágio pelo qual passaram algumas regiões, antes
de se transformarem em províncias (TEMER, 1975).
Nesse sentido, os problemas do município de Boa Vista do Rio Branco
foram transferidos do Estado do Amazonas para o poder central instalado no
Rio de Janeiro. O Presidente Getúlio Vargas, em 1943, assinou o Decreto Lei n.
149.
As idéias que serviram de base ao Estado Novo já tinham animado discussões teóricas politicamente
representadas em imagens, gestos e ritos, durante a “Semana de Arte Moderna” realizada por artistas brasileiros,
no Teatro Municipal de São Paulo, em fevereiro de 1922. Na referida “Semana”, iniciou-se um discurso
ideológico e um movimento de reconstrução da identidade brasileira, da busca de uma “cor nacional” que
simbolizasse o povo brasileiro. As escolhidas foram: o “verde” das florestas e o “amarelo” simbolizando as
riquezas da “mãe pátria”, especialmente o ouro. Figuras populares (caipira, caboclo e índio) foram exaltadas como
elementos da cultura nacional. Nesse sentido, tal discurso ideológico e imagens idealizadas da figura do índio,
também, foram usados e glorificados no Estado Novo. As figuras populares e indígenas foram cantadas por meio
do “canto orfeônico”, disciplina obrigatória nas escolas públicas até os anos 50, unificando as diferentes vozes em
“coro nacional”.
180
5.812, criando os territórios do Amapá, Rio Branco, Guaporé (Rondônia), Iguaçu
e Ponta Porã, os dois últimos extintos pela Constituição de 1946
(CAVALCANTE,
2000).
Essa medida governamental resultou na criação do Território Federal do
Rio Branco em 13 de setembro de 1943, assim denominado graças ao curso
d’água que banha a cidade de Boa Vista. No entanto, em decorrência da
coincidência toponímica entre esse Território e a capital do Acre, em 13 de
setembro de 1962, o seu nome foi mudado para Roraima150.
A proposta de instauração do Território Federal, do presidente Getúlio
Vargas, considerou vital para o desenvolvimento econômico o povoamento que
recuperaria e integraria o índio à sociedade nacional. Assim sendo, a ordem
geopolítica e a exploração dos “sertões” do Rio Branco, como base para fixar o
“civilizado” nessa terra distante e hostil, favoreceria a integração e a defesa dessa
fronteira que definiria o território nacional. O presidente prometia que todos os
brasileiros participariam dessa nova ação estrutural do sistema político do Estado
Novo. Afirmava o governo: “todos são iguais; o que vem do povo brasileiro é
bom”. Esses foram os lemas dos projetos educacionais que partiam do tom
patriótico ordenando a unificação cultural brasileira sob a “batuta” do poder
central (cf. OLIVEIRA, 1991:36-7).
Sob essa perspectiva, o governo do Território Federal do Rio Branco
reativou, na virada dos anos de 1940 para 1950, programas de desenvolvimento
tanto urbano como rural: as novas construções públicas, a reforma urbanística,
incentivos ao comércio e à agropecuária. Essas propostas faziam parte das metas
governamentais instituídas no planejamento das políticas públicas, que foram
apoiadas na Constituição Federal de 1937. Observou-se, no conteúdo político
150.
Roraima é o nome do monte mais expressivo da região, localizado na fronteira entre Brasil,
Venezuela e Guiana. A troca do nome se deu por causa dos transtornos causados no envio, muitas vezes para o
lugar errado, de correspondências ou cargas com destino ao Rio Branco (capital ou Território?), como também do
embarque de passageiros, em Manaus, com destino ao Rio Branco, que, chegando à localidade descobriam
frustrados que estavam no “Rio Branco” errado (cf. OLIVEIRA, 1991:9).
181
dessas propostas, a idéia de “conquista” e defesa dos limites fronteiriços da nação
brasileira. Para implementação dessa ação, o governo do Território Federal
recrutou, para os trabalhos rurais e de mineração, toda a população indígena que
ainda se fazia presente nesse contexto amazônico151. Com isso, novas estratégias
foram formuladas para a caça ao índio.
Os ideólogos do Estado Novo e o próprio governo federal demonstraram
interesse na valorização da imagem do índio, que atuaria como uma defesa da
fronteira amazônica. O discurso político da administração era favorável aos
índios, mas na prática não o era. O Estado via o índio como mão-de-obra sempre
disponível, tomando como justificativa a defesa do Estado e dos valores
nacionais. Nesse caso, as instruções de defesa da terra eram mais destacadas do
que um efetivo desenvolvimento sócio-ambiental dessa região fronteiriça que
pudesse beneficiar a população local.
Acompanhando esse pensamento, podemos dizer que a formação do
Território Federal do Rio Branco firmou-se em três pressupostos:
a) defesa da terra;
b) povoamento;
c) civilizar o índio.
O projeto político do Estado Novo de transformar o índio naquele que é
ideal e forte152, possibilitou, teoricamente, a valorização do índio como elemento
importante da construção e delimitação dessa fronteira amazônica. Contudo, o
projeto não reconhecia o próprio direito indígena, ligado à noção de “família
étnica” ou de “coletividade indígena”, que deveria ser abandonada ou eliminada.
151. As primeiras notícias sobre a abundância em ouro e diamantes foram divulgadas na década de 1930.
Durante a fase de criação do Território Federal, a região contava com um grande contingente de garimpeiros que,
auxiliados pelo trabalho do índio, desenvolviam a mineração. Como exemplo, no ano de 1943, a produção de
ouro e diamantes representou cerca de 59,6% do valor total da produção, enquanto que a pecuária contribuiu com
26,8% desse total. Esse tema foi abordado no Capítulo 2, no item 2.2.
152. Na imagem idealizada pelo romantismo brasileiro, veiculada durante o século XIX, o índio era visto
como herói, modificado e “civilizado”, nos personagens de José de Alencar e Gonçalves Dias.
182
Assim, as diretrizes da política indigenista do SPI pareceu atuar de forma
expressiva na transformação do índio em branco, auxiliando e legitimando a
proposta de unidade nacional, que fez parte dos fundamentos e das justificativas
dos projetos de ação da era Vargas, tanto da política federal como da local. Essa
sistematização e eliminação da figura do índio na região foram peças
fundamentais na aplicabilidade da fórmula do projeto pedagógico para o
território nacional:
Nesse contexto de preocupações com a formação da nova identidade política, a educação
foi considerada como elemento prioritário para a introdução de valores criados para
conformar a identidade nacional coletiva (...) A composição dos livros didáticos passou a
ser orientada pelos objetivos estabelecidos pelo novo regime em relação ao papel da
educação (...) (CAPELATO, 1998:218).
Na visão do projeto pedagógico, que associava ao índio valores patrióticos,
o essencial era diminuir as diferenças culturais integrando todos (índios e nãoíndios) ao projeto de unidade nacional de concepção humanista em que os sinais
da Segunda Guerra Mundial conduziam novos posicionamentos nas relações
internacionais, alterando o cotidiano nacional e cobrando uma posição do
governo Vargas, dadas as circunstâncias do momento.
Posteriormente, a Constituição brasileira de 1946, enunciando ideais
democráticos, manteve, em parte, a situação do Estado Novo, embora tenha
feito certas mudanças, como eleições livres e garantias individuais (DEUS &
BERCITO, 1999:69). Do ponto de vista jurídico, o direito do índio seguia as
mesmas orientações constitucionais passadas (1934, 1937, 1946) e, na prática, a
memória histórica do índio era folclorizada ou idealizada na figura do
hospitaleiro, do “caboclo” usado como mão-de-obra disponível para todos os
serviços.
Caracterizado pela absoluta centralização do poder e tendo os Estados
Unidos como referência, o projeto do governo brasileiro, oscilava entre
desenvolvimento e nacionalismo. O avanço da industrialização nacional esboçou
183
novo padrão de comportamento dos grupos sociais e dos diversos movimentos
políticos que atravessaram o governo Vargas até Kubitschek (RODRIGUES, 1996).
No conjunto de mobilização política e aspiração de desenvolvimento econômico,
as metas para a Amazônia continuavam presas ao programa de integração e
soberania nacional (povoamento e defesa da terra). Tudo isso criava condições ao
Estado para a política de embranquecimento do índio, a qual redimensionava a
destruição cultural indígena, que estava sendo incorporada no projeto sóciocultural dos Estados ocidentais.
Esse modelo político, econômico e jurídico do Estado em relação ao índio
se fazia presente desde a reforma do Marquês de Pombal no século XVIII (cf.
Capítulo 1). O Marquês não conseguiu ver ou entender o modelo de organização
tribal, interpretado na época como não-civilizado ou sujeito sem direito. Assim
posto, podemos considerar que a cultura e concepção do pensamento burguês na
formação do Estado, que é defensor da propriedade e direito individual, não têm
mecanismos para o reconhecimento de direitos próprios de coletividade, nesse
caso, do índio.
Na política de estruturação do Estado, os governadores dos Territórios
eram nomeados pelo Presidente da República, que atendia às indicações políticas
segundo os interesses da elite social e econômica. Nesse jogo da nova ordem
político-administrativa, quando havia desentendimentos entre os aliados federais
(Congresso Nacional) e os do Rio Branco, o governador do Território era
exonerado e o “padrinho político” indicava outro para ocupar o lugar. Nunca as
diferenças foram tão evidentes entre os governadores e os governados, pois os
governadores indicados eram estranhos à região e passavam pouco tempo no Rio
Branco, fundamentalmente peças do jogo político federal.
Mais uma vez, na gestão do Território Federal, o governo central e o seu
representante na administração pública local, recorreram ao antigo projeto
184
facilitador da modernização do lugar com técnicas reformistas para melhorar a
vida dos não-índios:
A caminhada indígena se tornou extremamente sofrida e marcada por um sem número de
acontecimentos violentos. Sem dúvida, que o branco pioneiro, que chegou a Roraima,
lutou e sofreu para sobreviver. Mas, muitas vitórias do branco foram alcançadas à custa do
índio. (...) os índios denunciaram a situação de injustiça e a opressão em que viviam ao
Serviço de Proteção ao Índio (SPI), sem nunca melhorar a situação indígena (CIDR,
1990:5).
O texto acima, foi elaborado por pesquisadores católicos do Centro de
Informação da Diocese de Roraima 153, denunciou o drama vivido pelo índio dos
anos 20 até os iniciais dos 60, quando o silêncio escondeu a situação real: o
“fazendeiro começa a cercar as terras, ocupando, progressivamente, a terra
indígena” (CIDR, id.:8). Dessa maneira, o relacionamento entre fazendeiro e índio
revelava uma relação entre senhor e servo e não entre patrão e empregado, isto é,
nenhum direito trabalhista é observado para os índios (id. ibid.:10).
Nesse sentido, o projeto do período de Território Federal, preocupado
mais com o controle de poder sobre a terra, redimensionou a ocupação por meio
da implantação de novos núcleos agrícolas154, com apoio local na figura do
governador. Este buscou dar uma nova urbanização à capital do Território, com
o objetivo de enfatizar o caráter “branco” da cidade. Assim, em 1945, o traçado
primitivo da cidade (em área mais elevada e livre das enchentes) foi aumentado e
estruturado segundo critérios urbanísticos. O planejamento seguiu um projeto
semelhante ao que foi realizado posteriormente no centro urbano de Goiânia ou
de Brasília. Tendo como base o Rio Branco, o novo planejamento ganhou forma
153. São Boletins (mimiografados) publicados pela Missão Consolata sobre as atividades realizadas com os
índios de Roraima. Entre 1979-81 foram publicados um total de 16 Boletins e no período de 1982-83 um total de
3. Nesse último período, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) iniciou a publicação (esporádica) de Boletins e
Carta Aberta (mimiografados) sobre as atividades realizadas nas Assembléias indígenas de Roraima.
154. O governo e os colonos estavam envolvidos em projetos de combate à saúva e ao cupim, mas,
contavam com instalação de máquinas de beneficiamento do arroz e de um aviamento para farinha de mandioca.
A prática de mineração nos anos quarenta era intensa, no entanto, não aparece oficializada nos projetos
governamentais (cf. pp. 128/139).
185
de um leque, com a implantação de avenidas radiais iniciadas na ampla praça
circular do Centro Cívico, por sua vez cortadas por ruas circulares155.
Essa operação urbanística estendeu-se por toda a década de 1950 e dividiu
a cidade em cinco bairros: Centro, Porto da Olaria, Rói-Couro, Caxangá e Ipase.
Nessa década, a circulação interna seguia a mesma tradição cultural anterior: a
pequena população caminhava a pé ou era conduzida pelos poucos carros de
aluguel e bicicletas; a carga era transportada por cavalos ou carro de boi
(OLIVEIRA, 1991:26). A nova feição urbana ajudava a romper com o habitat
“silvícola”.
Com as reformas urbanísticas e a tentativa de “embranquecer o índio”,
algumas famílias Makuxi, Taurepang e Ingarikó demonstraram resistência à
integração na sociedade nacional, e ficaram temerosas com relação às ações
violentas dos brancos, deslocando-se para o interior das regiões de lavrados ou
serras. Nesse sentido, o governo tinha o apoio do SPI local de intervenção na
esfera cultural do índio que era inserido na cultura urbana. Como não existem, na
realidade indígena, documentos escritos, pois as famílias de índios estratificam
seu passado/presente de acordo com a consciência mítica registrada na memória
corrente das tribos da região, não temos dados sobre o número total de famílias e
quais as etnias que foram integradas ou que estão em vias de integração na
sociedade nacional, como também daquelas que buscam direitos originários
(terra, língua, tradições sociais e culturais).
155. Projeto do engenheiro Darci Aleixo Deregusson e implantado pelo governador do Rio Branco, Ene
Garcez, em 1945.
186
FIGURA 09
Vista aérea de Boa Vista do Rio Branco, em 1924. Expedição Rice (1924/41). (Legenda e Foto: RICE,
1978)
Vista aérea de Boa Vista, com as transformações após a década de 1960-70. Fotos: D. Nogueira
Admitindo o apoio da sociedade local, o governo do Território Federal
fortaleceu as alianças políticas com a elite social rio-branquense. É importante
dizer que a distribuição de cargos públicos foi um dos principais elos das alianças
no domínio governamental, privilegiando segmentos sociais coniventes com o
187
projeto. Nesse jogo político e econômico, comandado pelo governo local, muitas
famílias indígenas demonstraram uma capacidade de incorporar elementos da
cultura nacional, que vão dos aspectos lingüísticos, da saúde, da habitação, da
educação, sem um total rompimento com as raízes culturais, quando os seus
efeitos começaram a se manifestar nas reuniões dos tuxauas no Surumu, em fins
da década de 1960, em pleno sistema político do governo militar.
Novas intervenções físicas no espaço construído voltariam a se apresentar
nos anos de 1960, para marcar a presença do Estado central na Amazônia.
Assim, o plano urbano da cidade de Boa Vista foi aumentado, sendo suas ruas
ampliadas e asfaltadas e as praças gramadas e arborizadas. Contabilizou-se, nesse
período, um total de novecentos carros nacionais, oitocentas motocicletas
importadas e alguns Mini-Mokes156, bem como muitas bicicletas.
Nas décadas de 1960 e 1970, o Território Federal de Roraima viveu a
euforia das novas imigrações (cf. p. 175), atraídas pelas obras do governo local em
parceria com o federal na renovação de infra-estruturas e construção de rodovias
federais e estaduais, dos novos núcleos de assentamentos157, das construções
militares (unidades administrativas e vilas) e civis (unidades residenciais). O
governo local e o central, em ações conjuntas ou paralelas, receberam apoio da
FUNAI, que substituiu o SPI em 1968, desenvolvendo uma política de
emancipação do índio e controlando as malocas para garantir a “civilização” de
seus membros.
À medida que essa situação ia mais e mais se consolidando, a elite local
barganhava os privilégios na esfera do governo e não participava nas definições
dos rumos da União. Nesse sentido, a burocracia central de interesse
desenvolvimentista passou a alterar o cenário local após a instauração do regime
militar de 1964. A construção de caminhos terrestres capazes de assegurar o
contato fácil e permanente de Roraima com o restante do país, promovendo o
aproveitamento dos potenciais econômicos da região, tornou-se prioritário no
plano desenvolvimentista para essa região amazônica.
156.
Mini-Moke era um pequeno veículo australiano com tração dianteira, que podia flutuar nos rios e
igarapés. No final dos anos 60, com o movimento revolucionário na ex-colônia britânica, famílias inglesas
(brancas) conseguiram fugir da Guiana nesses pequenos veículos e chegar até Boa Vista (cf. OLIVEIRA, 1991:26).
157. O projeto de colonização era dirigido pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária) que promoveu uma intensa propaganda para atrair colonos para essa região amazônica, distribuindo
terras para as famílias que desejavam povoar essa região.
188
A ordem era integrar o espaço físico e unificar a cultura: estradas cortando
lavrados e florestas ligando a cidade de Boa Vista a malocas e núcleos agrícolas,
com outras estradas e vias vicinais. No entanto, por falta de clareza na execução
dessa rede viária, algumas estradas eram interrompidas no meio da floresta por
esbarrarem em reservas indígenas, a BR-210 sendo um exemplo. Esse projeto
político e econômico criou mais tensão158 entre colonos e índios159 na disputa por
terras e competição por recursos entre os diferentes projetos agrícolas e
pecuários, controlados pelo Estado. Homens e máquinas abriram os caminhos da
integração e inauguraram o “milagre” da nova conquista amazônica.
O governo reconhecia a presença dos índios integrados ou em vias de
integração nas áreas das novas colônias agrícolas. Para o Estado, a terra destinada
para exploração agrícola e pecuária, como colônia agrícola, poderia incorporar o
trabalho e a convivência de índios e não-índios, na tentativa de torná-los
pequenos empreendedores.
O projeto traçado no papel possibilitava a incorporação dessa região ao
território nacional. Dessa maneira, o índio era compulsoriamente incluído no
projeto e, se protestasse, seria “considerado obstáculo ao progresso de Roraima e
de toda a Nação” (CIDR, 1990:8). Alguns líderes indígenas, principalmente os das
etnias Wapixana e Makuxi, manifestaram o desejo de se urbanizarem, levando
essa aspiração “civilizadora” aos demais parentes. De outro lado, sem deixar a
relação de parentesco com a terra, outros líderes indígenas (Wapixana, Makuxi,
Ingarikó, Taurepang) contrapropuseram-se à forma do projeto de integracionista
158. A fronteira do Brasil com a Guiana vivia em alerta, pois os habitantes da colônia inglesa lutavam pela
independência. Além disso, havia, também, momentos conflitantes entre brasileiros e venezuelanos por conta da
mineração de ouro em regiões de fronteiras entre os dois países, nos anos 60 e 70.
159. Em fins dos anos 60, os índios começaram a organizar-se em Assembléias com o apoio da Igreja
Católica de Roraima, e surgiram, além disso, os confrontos armados na disputa pela terra entre fazendeiros e
índios. A partir dessa época, os índios começaram o projeto de criação comunitária de gado e roças mecanizadas
(CIDR, 1989:51).
189
do governo federal, defendida pelos parentes e começaram a organizar-se em
Assembléias reivindicando os direitos de primeiros habitantes da região.
Esse desacordo entre as famílias indígenas sinalizou ao Estado nacional o
fortalecimento da política tutelar, de incorporação do índio na cultura nacional.
Tal política reativou o conflito interno indígena após 400 anos de envolvimento
compulsório nos problemas comuns sobre posse da terra e identidade cultural
(indígena/nacional). Os ideólogos governistas, por meio do projeto que alterou o
traçado urbanístico, desejavam apagar as marcas da antiga fazenda Boa Vista.
Reinstalaram a infra-estrutura governamental, programaram o corredor de
exportação e importação, que era de grande valia para ligar Roraima à esfera
comercial nacional e internacional. Nessa situação, o conflito interno indígena e o
embate entre índios e não-índios (fazendeiros, políticos) disseminaram violências
e incertezas na solução do conflito.
É importante lembrar que, após a instauração do governo militar, os três
Territórios Federais passaram ao comando das Forças Armadas: Amapá era
governado pela Marinha, Rondônia pelo Exército e Roraima pela Aeronáutica,
com tudo disposto para que se tornassem áreas de segurança máxima nacional,
deixando de fora uma proposta política e econômica favorável ao campo social
local.
Assim, com a instauração do governo militar, o novo grupo de coalizão
governista (local/federal) procurou sustentação política para a execução dos
programas econômicos. Em 1972, novas metas foram implantadas com o I PND
(Plano Nacional de Desenvolvimento) que previa a execução do Programa
Corredores de Transportes. Nele, seria montado um complexo integrado de
rodovias, ferrovias e portos, que funcionariam como “Corredores de
Exportação” (MARQUES, 1972:40). Além do PND, foi criado, também, o PIN
(Programa de Integração Nacional), cujos lemas eram “Desenvolvimento com
190
segurança” e “Integração Nacional”. A bandeira dessa campanha política do
governo federal foi baseada no slogan: “Há terra para todos na Amazônia”
(KOHLHEPP, 1984). Essa campanha atraiu para os assentamentos agrícolas de
Roraima, um grande contingente de nordestinos que fugiam da seca, cujo ápice
aconteceu em fins dos anos 70.
Essa intenção política e econômica do governo militar denominada como
“alternativa para a reforma agrária” (KOHLHEPP, 1979), transferiu para as terras
da Amazônia Legal os problemas sociais não resolvidos de outras regiões do país.
Ao implementar-se esse modelo de desenvolvimento econômico, ampliaram-se
os conflitos já existentes em Roraima.
As estratégias contidas no planejamento do PIN (Programa de Integração
Nacional),
disponibilizando
o
território
amazônico
como
pólo
de
desenvolvimento, incentivaram atividades para integrar todo o território nacional
por meio de grandes projetos de exploração econômica, da colonização liderada
pelo INCRA, promovendo a expansão da rede de transporte e comunicação.
Nesse programa, a rodovia Transamazônica160 foi um dos projetos mais
expressivos do governo central para a Amazônia (cf. HABERT, 1996:20). Na época
(1970-85), a FUNAI emancipava o índio que abandonava a maloca migrando para
a capital (Boa Vista), deixando a terra que era disputada por fazendeiros e por
índios que buscavam os direitos à etnicidade:
Para os índios, é só com a mudança de gestão das fazendas e a conseqüente nova relação
que vai se instaurando com os fazendeiros que a questão da terra torna-se tal, isto é, até
que o fazendeiro não cerque a terra e não impeça a caça e a pesca, o problema não é
percebido. Para os fazendeiros, só a partir das novas pretensões dos índios e da categoria
de sujeitos que estes vão, cada dia mais, assumindo. Assim, começa-se a falar de
demarcação das terras indígenas e o problema começa a preocupar os fazendeiros, com
reações diferentes segundo a geração à qual pertencem (CIDR, 1990:35).
160.
A Rodovia Transamazônica, cujas obras foram iniciadas em setembro de 1970, era a mais extensa das
conexões rodoviárias nacionais de interligação amazônica. Horizontalmente, ela ligaria a cidade de João Pessoa, na
Paraíba, às estradas do Acre, até atingir as fronteiras com o Peru. Tal projeto não foi concluído e a rodovia foi
engolida pela floresta sem ligação com lugar nenhum, tornando-se um dos exemplos de grandes projetos não
efetivados.
191
Essa reação reivindicatória dos índios com relação à terra surgiu no final
dos anos 60, na região do Surumu (cf. Cap. 2, pp. 132-33). Nessa época, o governo
do Território Federal negou a existência de conflito fundiário entre índios e
fazendeiros, pois, segundo sua visão, todos viviam numa relação de compadrio
ou de trocas de serviços sem delimitação rígida entre a fronteira das propriedades
e das relações sócio-culturais. As sedes das fazendas e Malocas conviviam sem
atritos fundiários, os índios circulavam sem obstáculos pelas terras, cultivavam
roças, caçavam e chegavam aos rios e lagos para usufruírem da água e da pesca.
Com a chegada dos novos fazendeiros (paulistas, paranaenses, gaúchos),
nos anos 70, evidenciou-se a mudança no gerenciamento das fazendas, com o
fechamento da circulação indígena pelas terras cercadas. Os novos empresários
da agropecuária, sem entender o conjunto de significações culturais do índio
nessa região, inauguraram uma nova fase de embates envolvendo índios, nãoíndios e o Estado. Após o bloqueio com cerca, o índio foi proibido de transitar
pela terra que originariamente lhe pertencia e a única solução para as etnias
indígenas parecia ser a de integração no projeto social nacional.
Para o governo, os índios dividiram-se em dois grupos: os que buscavam
emancipação (pró-nacional) e os que buscavam direito étnico (pró-tradição); o
primeiro era digno de sedução do Estado, visto como um cidadão brasileiro e o
segundo, representava um problema. A FUNAI tinha uma relação paternalista e
autoritária com os índios, haja vista que o indigenismo oficial tinha por fim a
transformação de todo índio em branco:
Qualquer que seja a forma assumida localmente pelo conflito, a FUNAI, com poucas
exceções, parte do pressuposto que o culpado é sempre o índio e, por isso, é ele que tem
que demonstrar a sua inocência e não o fazendeiro. Chega-se ao absurdo de que é o índio a
invadir as terras do fazendeiro, (...) O advogado da FUNAI obrigou os índios a assinarem
um documento onde reconheciam, de fato, serem os invasores (CIDR, id.:17).
Os fazendeiros tinham proposto ao governo deslocar os índios para as
terras ao norte de Roraima, mas todas as áreas pretendidas (pelos índios) foram
192
invadidas por novos imigrantes fazendeiros e empresários da agro-indústria,
posseiros (pequenos agricultores/comerciantes) ou pelo Estado por meio dos
projetos/assentamentos do INCRA. Assim, novas propostas pediam a
transferência do índio para o interior da mata (CIDR, 1990:35). Tal idéia foi
rejeitada pelos índios, que buscavam identidade cultural indígena e passaram a
exigir da FUNAI um posicionamento em relação à demarcação das reservas
indígenas.
Os índios tinham respaldo jurídico, mas existia uma lacuna na orientação
da matéria acompanhada pela legislação ordinária (desde a Constituição brasileira
de 1934) referente aos direitos indígenas. Esses dispositivos constitucionais
dependem de legislações regulamentadoras garantindo o exercício jurídico do
índio.
A FUNAI não apresentava uma solução de cunho coletivo para as etnias e
para os postos indígenas administrados por ela. Em todo o Território Federal de
Roraima, esses postos desenvolviam atividades de dependência do índio, pois a
política indigenista do Estado acreditava que ele deixaria de ser índio e se
amalgaria no sistema nacional, tornando-se capaz de exercer os direitos da vida
civil (MARÉS, 1999).
Diante de tais impasses, no decorrer do projeto governamental, tornou-se
necessário implementar órgãos gestores para garantir a aplicabilidade desse
programa na Amazônia. Desse modo, o presidente da República, marechal
Castelo Branco, criou instituições e órgãos oficiais para auxiliar na tarefa políticoadministrativa da região, visando o seu progresso de cunho capitalista. Tal visão
de desenvolvimento amazônico tinha como meta garantir a “segurança nacional”
e integrar todo o território brasileiro. O objetivo do governo federal era o de
construir um Brasil que se tornaria uma “Grande Potência” até o final do século
XX (HABERT, 1996), já que era visto por ele como um país próspero e pacífico.
193
Assim, promoveu-se um grande projeto de exploração econômica, de
colonização e de integração da região amazônica à rede viária nacional. Para o
sucesso do projeto nacional, firmando a presença do Estado nessa região, o
índio, identificado como incapaz de produzir qualquer excedente, deveria ser
“libertado” dessa forma “atrasada” de subsistência se tornado um aliado do
Estado nacional, na instituição da nova necessidade econômica e política de um
“Brasil Grande” e fraterno.
Essa retomada governamental contribuiu para a instalação do Banco da
Amazônia S. A. (BASA), em substituição ao Banco de Crédito da Amazônia (BCA),
pela lei 5.122 (28.09.66); a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM), pela lei 5.173 (27.10.66); e, por fim, a Zona Franca de Manaus, pelo
decreto-lei de 28.02.67, com sua respectiva superintendência, a SUFRAMA. Além
desses órgãos, pela lei 5.174 (27.10.66), foram criados novos incentivos para
expansão dos negócios, isenções e deduções tributárias para investimentos na
região amazônica (cf. COSTA SOBRINHO, 2001:23).
As parcerias entre o governo central e o de Roraima foram aos poucos
criando estratégias para a convivência entre o governo militar e a base políticoeconômica local, promovendo uma melhor integração com a expansão das redes
de transporte e comunicações. A pequena burguesia roraimense necessitava
reorganizar o sistema de alianças mantenedoras do sistema político do Brasil após
1964. Para consolidar e organizar o poder administrativo roraimense, as
principais intenções governamentais (federal/local) de desenvolvimento para a
região estavam apoiadas nas seguintes metas:
a) propagandas do governo gerenciadas pelo INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária) reorganizando as novas correntes
imigratórias de diferentes regiões brasileiras;
194
b) reativação dos assentamentos que foram abandonados pelos colonos161 e
implementação de novos núcleos agrícolas;
c) instituição de diretrizes162 que favorecessem a permanência do colono no
núcleo agrícola;
d) facilitar comunicação, por meio de estradas, com o projeto rodovia
Transamazônica e Perimetral Norte163.
Construir a região em espaço social “civilizado” era, também, parte dos
objetivos contidos no programa da Secretaria Geral do Território Federal que
não eram diferentes do Plano Nacional de Desenvolvimento e do Plano de
Integração Nacional: a ocupação das terras promovendo a integração e defesa
territorial, tratando de fazer do índio um aliado e, ao mesmo tempo, um
“brasileiro-nato”. Entre os anos de 1964 a 1985, o governo de Roraima e o
governo brasileiro centralizaram ações e planejamentos voltados para ocupar as
áreas de fronteira, com imigrantes brancos, e para desenvolver a agricultura e a
pecuária, na tentativa de integrar essa região à federação brasileira. O INCRA era
o órgão federal que conduzia o programa. Por meio dessa política governamental
foram instalados, entre 1982 a 1991, seis municípios164.
Para tanto, o governo ofereceu os seguintes incentivos ao migrante colono
e ao índio emancipado: apoio financeiro, doação de ferramentas agrícolas,
sementes e mudas, assistência técnica por parte de agrônomos e veterinários,
assistência médica e hospitalar, transporte gratuito para a produção chegar ao
161. Com a década de 1960, as atividades no garimpo clandestino (ouro e diamante) entravam em
decadência, mas as novas construções urbanas (obras de infra-estrutura), aberturas de estradas e rodovias, os
novos núcleos agrícolas e incentivos financeiros abriram outras oportunidades de trabalhos na região.
162. O programa econômico, com base para a exploração agrícola, preconizava a construção de estradas
vicinais, usinas hidrelétricas, exploração mineral e florestal, criando um clima de “progresso” e satisfação pessoal.
163. A Perimetral Norte (BR-210) atravessaria toda Amazônia brasileira de leste a oeste, percorrendo
4.650 km em plena selva para estabelecer nova ligação entre o oceano Atlântico e a fronteira do Acre no Peru,
dando cobertura a todos os acessos às regiões de fronteira com as Guianas, Venezuela, Colômbia e Peru,
cruzando a BR-174 interligada a BR-401 (em Roraima). A Perimetral Norte partiria de Macapá, capital do Estado
do Amapá, cruzando os Estados do Pará, Roraima, Amazonas até o Acre. Esse projeto não foi efetivado, ficando
toda a área construída dentro do Estado de Roraima, ao leste em litígio com a reserva Wai Wai e a oeste com a
reserva Yanomami.
164. Esse tema será tratado no item 3.3, abaixo.
195
distante mercado consumidor. Esses e outros benefícios eram fundamentais para
garantir a fixação do homem branco e do índio “civilizado” na terra que ainda era
considerada “selvagem”. Esse modelo de unidade, seja de assentamentos ou de
conservação, reacendeu antigos conflitos fundiários entre índios e não-índios,
pois as áreas ditas “desabitadas” ou “intocadas” eram já tradicionalmente
ocupadas por índios considerados “isolados/selvagens”, como os WaimiriAtroari.
O índio, no século XVIII, era visto como um animal selvagem. Todavia
alguns índios aderiram à cultura do gado introduzida no Rio Branco, deixaram de
ser considerados “não-civilizados”. Esse pensamento de desvalorização da
cultura do índio, reapareceu, no final do século XIX e por todo o século XX, na
idéia de parques nacionais concebidos pelo Estado e demarcados em imensas
áreas de terra “desabitada ou selvagem” para preservação da vida em seu habitat
natural (DIEGUES, 2001).
As correntes migratórias dos anos 70 (em grande parte militares e
funcionários públicos com graduação universitária) chegavam na capital
Boa Vista com objetivos de desenvolverem atividades ou ocuparem cargos nas
áreas da administração e da segurança de Roraima. Além disso, nesse mesmo
período, continuavam chegando os imigrantes (especialmente, grupos de
nordestinos e sulistas) em busca dos assentamentos agrícolas. Integrando essa
nova onda imigratória, chegaram também muitos ingleses que fugiam do
processo revolucionário na Guiana165.
165.
Em 1964, a fronteira brasileira com a ex-Guiana Inglesa viveu um conflito em razão da revolução
entre os ingleses habitantes da Guiana e o Império Britânico. Os ingleses defensores da autonomia estatal
entraram em luta contra a Grã-Bretanha, transformando a Guiana em um Estado independente. Em 1968,
surgiram novos incidentes na reorganização do espaço social e da política interna, na qual os habitantes “nativos”
(maioria negros) expulsaram do poder administrativo a elite britânica local (branca). Muitas famílias fugiram para
Roraima, depois se deslocaram para outras regiões do Brasil, dos Estados Unidos, Canadá e Europa.
196
A nova dinâmica sócio-cultural, com imigrantes166 de diferentes
experiências culturais, ampliou o grupo social de oposição ao índio. Esse grupo
encarnou a concepção burguesa clássica de que o Estado nacional e o direito
privado não tinham lugar para o direito coletivo do índio que, deveria ser
eliminado dando lugar ao exercício de direito do “cidadão livre” (MARÉS, 1999).
O governo (local/federal) buscava compatibilizar os diferentes interesses
políticos e econômicos das elites tradicionais167 locais, dos missionários, dos
administradores da FUNAI e dos líderes indígenas. Teria que possibilitar a
participação de todos na esfera governamental da região, aglutinando os
interesses da nova forma de representação (setores da sociedade constituída
por representantes do comércio, da agro-pecuária, dos militares, dos
políticos e dos religiosos).
Para eliminar esses conflitos fundiários no Estado foram tomadas as
primeiras iniciativas governamentais, com a elaboração e implantação de uma
política de divisão de terras mais abrangente: o Projeto Fundiário Boa Vista 168 de
1972, foi criado para nortear uma política agrária e solucionar a questão das terras
em Roraima. Tal objetivo não foi alcançado e os técnicos responsáveis pelo setor
esperavam que o tema fosse retomado com a instalação do Estado em 1991 (cf.
Fundação AMBTEC, 1994). Nessa época, apesar do frágil avanço econômico, os
166.
Os militares que chegavam e atendiam as instruções para a defesa da fronteira nacional em conflito,
a elite civil que chegava e atendia a emergência tecnoburocrática com as novas instituições e órgãos
governamentais instalados em Boa Vista, as famílias britânicas que chegavam fugindo dos conflitos armados na
Guiana (o Estado Independente e desestruturado em sua vivência política, social e econômica). Do ponto de vista
teórico, a presença física desses grupos sociais e suas vivências e interesses diferentes em Roraima, em fins dos
anos 60 e começo dos 70, aumentavam a difícil experiência sócio-cultural (entre índios e não-índios) que estava
em curso.
167. Os descendentes dos pioneiros brancos.
168. Tal projeto tinha por finalidade transferir para Roraima o gerenciamento das terras da União. O
INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) fora criado pelo poder federal em 1970 e era o
órgão responsável pelas terras dessa região.
197
conflitos entre índios e não-índios na disputa das terras aumentaram e ganharam
repercussão nacional e internacional169.
Esse projeto não ofereceu uma solução ao desafio existente: um mosaico
sócio-cultural e diferentes interesses econômicos no usufruto da terra. Sem
avanços concretos nessa questão, em 1976, o referido projeto sofreu novas
mudanças e foi denominado Projeto Fundiário Roraima. Ele estava subordinado
à Coordenadoria Regional do Extremo Norte, com sede em Manaus, que detinha
o poder jurídico sobre toda a região do então Território Federal de Roraima.
Com uma frágil atuação decorrente da distância do foro de decisões e da
precariedade entre as comunicações internas e externas (como no recente
passado), esse projeto também não solucionou os impasses fundiários. Tal
situação não aconteceu só em Roraima mas também em outras regiões brasileiras
que viviam em conflito fundiário, causado pelos movimentos sociais, ocorridos
na fase de transição política, iniciada nos anos 70.
Nesse sentido, a partir da década de 1970, com o processo de
redemocratização do país, o Estado nacional percebeu que as etnias indígenas
haviam crescido e se organizado, pressionando, por meio de movimentos
políticos, o reconhecimento de seus próprios direitos originários e de organização
cultural distinta da nacional.
Com a publicação do Estatuto do Índio em 1973, as organizações
indígenas de Roraima começaram a pensar na possibilidade de demarcação de
suas terras, entrando em litígio com os fazendeiros. Estes, por sua vez,
organizados
em
Cooperativa
dos
Pecuaristas,
protestaram
contra
as
169. Cf. Comentários nossos e nota do Jornal do Brasil (25/06/89) no Capítulo 3, pp. 130/133.
Campanhas em prol dos índios contra a permanência de mineradoras e garimpeiros em terras indígenas pela
Diocese de Roraima com apoio de ONGs nacionais e internacionais, entre 1987-90. Relatório da ONG FOEI
(Friends of the Earth, em 14/04/91) de apoio ao projeto do Programa Piloto (PPTAL) do governo brasileiro em
parceria com o G-7, para a Amazônia Legal. “Declaração Indígena”, em Luxemburgo/Bélgica, durante a
Conferência sobre o Programa Piloto (PPTAL) do governo brasileiro em pareceria com o G-7, para as florestas
amazônicas, em 9/06/91. “Briefing on the G-7 Pilot Programme for Brazil”. Relatório da ONG OXFAM, em
12/07/91.
198
reivindicações dos índios e solicitaram ao governo uma redefinição fundiária,
salvaguardando os seus próprios negócios com a terra:
Se excluirmos as fazendas históricas que obtiveram títulos de propriedade ainda na época
da Colônia (Grão-Pará) ou do Estado Republicano do Amazonas, o restante das fazendas
ou está sem nenhum reconhecimento oficial, ou tem apenas título de posse e não de
propriedade. Nestes casos, sendo difícil a transição de um dono para outro, os fazendeiros
que querem vender (ou comprar), agem da seguinte maneira: vendem ao comprador as
“benfeitorias” (barracos, árvores frutíferas, cercados, curral, etc.) e, com isso, o novo dono
adquire, automaticamente, o uso da terra. Assim os índios vêem mudar de “patrão” a terra
que, no fim das contas, reconhecem como “própria”. E, claramente, o novo dono, talvez,
nem sabia que havia índios nas terras “compradas” (CIDR, 1990: 8).
Nesse quadro, acentuando a imagem de um aparente processo
“civilizatório” de Roraima, tornaram a emergir os dois grandes focos de atritos
na sociedade local: os conflitos entre identidades/culturas e a indefinição
fundiária. A derrota do governo e da elite nacional local nesse processo se dava
pela quase agregação das etnias indígenas na sociedade brasileira. O governo do
Território Federal acreditava que os enfrentamentos étnicos seriam dissolvidos
no contexto social roraimense estreitamente inserido na herança histórica, que
obrigava o índio a abandonar sua própria identidade étnica, assumindo a
nacionalidade brasileira e a tutela do governo:
O tuxaua Bento, Wapixana, da maloca de Araçá denunciou: “chegou um fazendeiro e disse
que ele tinha muito dinheiro no banco e podia matar qualquer índio como se mata
cachorro.” (...) a superioridade dos brancos compõe-se do elemento principal da sociedade
dos brancos: aquele que tem dinheiro domina. É o dinheiro que permite aos brancos
dominarem os índios. Esta ideologia acaba envolvendo também o índio: é por meio do
dinheiro que o branco convence o índio a trabalhar para ele e assim consegue dividir a
maloca (CIDR, 1990:55).
No que se refere ao registro acima, é perceptível a repetição com que é
imposta ao índio a noção de que tudo tem um valor econômico. O índio seria
então como uma propriedade, uma parte da terra, integrado à sua fauna. Em
outro momento, na medida que os grupos indígenas eram considerados
semelhantes aos pequenos produtores pobres - os posseiros - a questão fundiária
199
teve equívocos constitucionais quanto à regulamentação da matéria, que foram
herdados das normas de organização do poder brasileiro.
Nesse jogo de poder, os incentivos governamentais foram aplicados às
necessidades das correntes imigratórias e aos negócios da agropecuária. Nessa
tradição monocultural, o governo local foi buscar alianças políticas e jurídicas
para a transformação do espaço social, criando novos municípios, com vistas à
retomada da “pacificação” dos índios170 e apoio aos migrantes colonos com a
instalação de novos núcleos urbanos.
O principal objetivo desse planejamento governamental era fixar o homem
branco na região. Todavia, com as precárias condições dos núcleos agrícolas e a
dificuldade de transporte para colocar no mercado consumidor os seus
produtos171 os imigrantes colonos abandonavam a atividade agrária. Esses
núcleos estavam constantemente recebendo novas famílias de colonos
“brancos”, que chegavam em busca de melhores condições de vida, seduzidos
pelas propagandas governamentais. Sem conseguirem firmar uma autonomia
econômica, essas levas imigratórias, isoladas geograficamente, formavam uma
outra corrente migratória interna. Instalavam-se em outras áreas de assentamento
com melhores condições de infra-estrutura ou migravam para a capital,
engrossando os bolsões de miséria na periferia urbana de Boa Vista.
Entre os anos de 1960 até os de 1980, essas estratégias políticas do
governo Federal em parceria com os governadores172 de Roraima, tornaram
perceptíveis as reformas na região por meio do planejamento infra-estrutural
urbano e do programa viário, abrindo conexões entre as estradas e as rodovias.
Essas reformas possibilitariam a melhoria dos serviços públicos e do transporte
170.
171
O processo de “civilização” do índio estava constantemente voltando ao ponto zero.
Devido à longa distância entre o núcleo agrícola e o mercado, muitas vezes os produtos pereciam no
local.
172. Entre os governadores construtores estavam: o Coronel Hélio da Costa Campos, o Coronel
Fernando Ramos Pereira e o Brigadeiro Ottomar de Souza Pinto.
200
da produção agrícola, reduzindo os custos e o tempo em relação ao sistema
fluvial, oferecendo ao homem do capital oportunidade de investimentos para
acelerar o desenvolvimento econômico de Roraima.
ANO
1940
1950
1960
1970
1980
1991
TOTAL
10.541
18.116
28.304
40.885
79.159
217.583173
Quadro Demonstrativo 02
Estado de Roraima: população residente
Fonte: IBGE. Censo do Estado do Amazonas 1940. Censos Roraima (vários anos).
Ano
Pop. Urbana. (%)
Pop. Rural (%)
Total
1940
1950
1960
1970
1980
1991
11,06
28,33
32,70
42,97
61,57
64,63
88,94
71,67
67,30
57,03
38,43
35,37
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
Quadro Demonstrativo 03
Estado de Roraima. População Rural e Urbana: importância relativa (%)
1940/ 1950/ 1960/ 1970/ 1980/ 1991
Fonte: IBGE. Censo Estado do Amazonas (1940). Censo Roraima (vários anos). Apud BARROS, 1995.
Embora não claramente definidas, nem nas leis nem nos programas, as
medidas políticas e econômicas governamentais beneficiavam a elite local,
enquanto a massa populacional e, inserida nela, o índio ficava de fora.
Observamos que, nos anos 70, Roraima contava com um total de 40.883
habitantes residentes e, em 1980174, o total aumentou para de 79.159, sendo que
61,57% desses habitantes estavam concentrados na capital Boa Vista.
173. O Censo faz referência à população branca e, como já foi dito, não há um recenseamento sobre as
etnias indígenas: Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang, Yanomami, Mayongong, Wai Wai, Waimiri-Atroari,
entre outras menores. No entanto, há alguns dados levantados por pesquisadores, da FUNAI e de ONGs
comentados no Capítulo 2, pp. 135-136 e demonstrados no Quadro 01. De acordo com o Censo acima, do total
de 217.583 habitantes no Estado, 122.600 eram residentes na capital Boa Vista (IBGE, vários Censos).
174. Até 1980, o Território Federal de Roraima contava apenas com dois municípios: a capital Boa Vista e
Caracaraí como cidade-porto que recebe os transportes fluviais de carga destinados à capital. O transporte entre
201
Ao longo do processo de conquista e colonização dessa região amazônica,
verificamos três diferentes posturas indígenas. Algumas famílias dos grupos
indígenas (Yanomami, Wai Wai, Ingarikó, Waimiri-Atroari) preservaram sua
tradição cultural (organização social, língua, mitos, ritos), representante da sua
relação com o mundo natural. Já outras famílias indígenas dos grupos (Makuxi,
Wapixana, Tauerpang) e também dos mesmos grupos étnicos anteriores optaram
por romper com o passado cultural, não mais vendo a terra como um ente
familiar e sim como um referencial para o comércio. O terceiro contingente de
famílias indígenas (Maiongong e, também, dos mesmos grupos étnicos citados),
por um lado conservou parte da memória dos velhos de forte relação com a terra
mas, igualmente, em menor grau passou a vê-la como fonte possível de
comercialização.
Nessa história contemporânea das relações entre as famílias indígenas,
divididas pelo novo tempo de relações político-sociais com o Estado, a
tradicional guerra e troca tribal, parte constituinte da cultura original, apareceram
como ações conflitantes entre os grupos indígenas. O conflito interno entre as
famílias indígenas já estava presente no século XVIII, quando a administração
portuguesa, por meio dos Aldeamentos e Fortes, impôs novas formas políticas e
culturais dividindo as famílias Wapixana, Makuxi, Sapará, Paravilhana e outras
que se deslocaram para os núcleos de comercialização holandesa, ou fugiram dos
brancos indo para o interior da selva ou tentaram ser iguais aos brancos,
“civilizando-se”.
Esse processo desencadeador de significativos confrontos políticos e
culturais entre as famílias indígenas instigou novos conflitos de identidade e
questionamentos ligados aos direitos indígenas nos últimos trinta anos do século
Caracaraí e Boa Vista é feito por estrada, por causa das cachoeiras e/ou corredeiras no trecho do Rio Branco
entre os dois municípios dificultando a navegação de embarcações de maior porte. Após a abertura da BR-174, o
fluxo de transportes, mercadorias e pessoas aumentou.
202
XX, dividindo as próprias famílias e aumentando os seus sofrimentos em relação
à identidade cultural.
Os índios indagavam o intérprete (FUNAI) e o julgador (Poder Judiciário) e
não conseguiam entender o que dizia o texto constitucional e os equívocos na
sua aplicabilidade. Para o índio, o final da década de 1980 se apresentou como
um novo tempo, distinto das cruéis e desumanas ações do antigo SPI (Serviço de
Proteção ao Índio), que nem sempre aplicava a política indigenista em favor do
índio:
O SPI, a partir de 1950, iniciou um processo de decadência administrativa, fruto de
corrupção, uso indevido das terras indígenas e suas utilidades, venda de “atestados de
inexistência de índios”, que possibilitavam o extermínio e legitimavam a usurpação das
terras, tornando-se um instrumento de opressão do Estado contra as populações indígenas,
exatamente o contrário dos objetivos para os quais fora criado quarenta anos antes
(MARÉS, 1999:58).
A situação de desmando e injustiça, geradas pela agência indigenista oficial,
permitiram a aplicação de mecanismos opressores ao índio, em desrespeito à
legislação então vigente e, na maior parte das vezes, não era considerada a
existência indígena. Entre os anos 40 até os iniciais dos 80, a política indigenista
punia com normas do Direito Penal o índio que reagia contra esse projeto social
nacional. Na realidade, quando não havia “entendimento oficial, doutrinário ou
jurisprudencial discordante”, na aplicação de pena ao índio, o Direito “se
mantinha em um silêncio envergonhado” (SOUZA FILHO, 1994:164).
A leitura político-jurídica estabeleceu novos entendimentos sobre o índio
contra a emancipação, que ganhara força após a troca do SPI pela FUNAI (1968).
Nesse sentido, a política indigenista do Estado ganhou, também, algumas
alterações após a elaboração do Estatuto do Índio, criado com a Lei n. 6001, de
19 de dezembro de 1973, ainda em vigor175.
175.
Desde a década de 90 está tramitando no Congresso Nacional o novo Estatuto do Índio.
203
Esse Estatuto apresentou um conjunto de regras para o entendimento das
diversas organizações sócio-culturais dos índios, de suas crenças e línguas indígenas,
indicando um tratamento diferente de acordo com o seu grau de emancipação, na
tentativa de romper com o projeto de integração indígena na sociedade nacional.
Contudo, sem apoio constitucional e legalização pelo Poder Judiciário, as normas
desse Estatuto eram aplicadas pelo juiz segundo o princípio do “grau de integração”
do índio na sociedade nacional.
Assim, ofereceu subsídios para a compreensão do próprio termo que
identifica a população tribal e previa, no artigo 4º, uma classificação de três
categorias indígenas:
a) isolados (famílias que vivem na maloca sem contato com branco,
preservando a cultura original);
b) em vias de integração (famílias que vivem na maloca ou no centro urbano,
recém contactadas e com aspiração a “civilização”);
c) integrados (famílias que assumiram a cultura nacional, vivem nos centros
urbanos e não desejam ser identificadas como indígenas).
Tal classificação não foi alterada após a Constituição Federal de 1988 e todos são
reconhecidos pelo termo genérico de “índios”. Quando os “índios” são
incorporados na sociedade nacional exercem os mesmo direitos civis, ainda que
conservem suas próprias organizações sócio-culturais (cf. SOUZA FILHO,
1994:153/168; MARÉS, 1999:53/78). De qualquer maneira, é patente a concepção de
marginalidade em que é visto, pelos dirigentes, o índio que preserva sua cultura:
isolado.
204
Como nos programas176 anteriores do poder central, novamente, a
proposta governamental de cunho político e econômico para a Amazônia, na
gestão dos presidentes militares, tinha, também, o interesse voltado para a
“ocupação” e a defesa da terra “desabitada”. Na tentativa de estabilizar a crise
econômica, um dos objetivos governista era o expurgo dos sujeitos políticos e
atores sociais corruptos com medidas duras para o “fechamento de todas as
torneiras de recursos para o clientelismo”177 (ABRUCIO, 1998:60). Além disso, os
governos militares, em nome da ordem e defesa da nação, apoiaram campanhas
contra a “ameaça comunista”.
Assim sendo, as reuniões realizadas pelos tuxauas e líderes indígenas na
missão Surumu eram também consideradas como “ameaça” ao projeto de
emancipação indígena. A FUNAI, que olhava tais encontros como “subversão”
antipatriótica, definiu uma linha de ação em que deveriam ser ignorados os
tuxauas e líderes indígenas e proibiu as reuniões (id., ibid.).
Esse conflito entre índios e não-índios, envolvendo a organização do
poder público local, ganhou mais complexidade com o surgimento do INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Esse órgão federal,
criado pelo Decreto-Lei n. 1.110 de 1970, tornou-se responsável pelas terras em
Roraima. Em parceria com o governo, estadual esse órgão gerencia os projetos
de colonização/assentamento, sendo auxiliado pelas prefeituras dos municípios
estaduais.
Nessa realidade fundiária, existem algumas áreas destinadas a particulares,
algumas possuindo títulos e outras esperando uma definição competente e
176. Esses programas eram voltados para os núcleos agrícolas, criados para garantir a posse da terra pelo
Estado que gerenciava tudo por meio do INCRA. Como não apresentavam infra-estrutura adequada, tais núcleos
eram, em geral, abandonados. Contudo, alguns, sobreviveram desenvolvendo criação de animais (porco, carneiro,
galinha) e lavoura de subsistência.
177. Um exemplo de “fechamento das torneiras” é a extinção do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em
1967, causada por escândalos relacionados à corrupção, pelo uso indevido das terras indígenas, possibilitando
usurpação de legitimidade (ocupação de boa-fé) em favor dos não-índios (cf. MARÉS, 1999:58).
205
registro oficial. Além disso, existem as terras sob domínio de outras instituições
federais: sob jurisdição da FUNAI estão as áreas reivindicadas para as reservas
indígenas, enquanto as que estão sob jurisdição do Exército aquelas destinadas a
se tornarem áreas de defesa das fronteiras, com fortificações e construções
militares. As terras demarcadas como unidades de conservação e preservação
ecológica, como também os parques nacionais, são gerenciadas pelo IBAMA.
As normas que reconheciam a reivindicação das terras, envolvendo índios,
não-índios e instituições governamentais em Roraima foram, na maior parte,
elaboradas após os anos 80, principalmente com a promulgação da Constituição
Federal de 1988. No entanto, não dispomos do percentual da divisão de terras
entre os segmentos sociais já citados, entre 1970-80178. Porém, no início dos anos
90, foi divulgado o seguinte percentual das áreas sob tais entes:
Órgão
Percentual
Área (ha)
INCRA
28,02
6.447.052,5
FUNAI
39,40
9.067.438,4
EXÉRCITO
2,85
656.000,0
IBAMA
2,11
487.000,0
DEVOLUTAS
5,41
TOTAL
77,79
16.657.490,9
Quadro Demonstrativo 04
Terras sob o domínio da União em Roraima. Fonte: Ambtec, 1993.
Diante dessa situação fundiária, o Executivo estadual disputa com o
federal o aumento do percentual de terras estaduais que somam um pouco
mais de 10% de sua área territorial total.
178. Esse período foi de tensões sociais crescentes por causa da organização dos índios ligados à Diocese
de Roraima, dos programas para o desenvolvimento e integração da Amazônia Legal ao território nacional (PND
e o PIN, p. 187) que atraíram contingentes que fugiam da seca e do desemprego, como também, burocratas,
militares e civis, os quais foram inseridos numa situação sócio-cultural e fundiária desconhecida.
206
A situação do índio, sem uma efetiva garantia de direito como primeiro
habitante, permitiu ao executivo estadual dar a tal situação uma importância
política. Os interesses dos índios eram regulados segundo os interesses do
próprio governo e da elite local e disso se tinha clara consciência:
No começo de 1982, com a presença de autoridades civis e religiosas, foi inaugurada uma
agência do Bamerindus em Boa Vista. Parecia ser um banco a mais no meio dos muitos
que já funcionam em Boa Vista, mas não foi bem assim. O Bamerindus começou a
comprar as terras localizadas às margens das estradas BR-174 e BR-401. Assim chega
também em Roraima esta maneira de usar a terra: o investimento imobiliário. Além do que,
o banco poderá realizar investimentos concretos nas propriedades, bem como servir de
testa-de-ferro para outros capitalistas do sul do país. Quilômetros de cercados já foram
construídos para delimitar estas terras e instalaram placas proibindo a entrada de estranhos.
No começo de 1983, essa privatização de terras já incluía parte da área dos índios
Wapixana da região do Taiano e fica difícil prever o que acontecerá no futuro (CIDR,
1989:78).
Contudo, a percepção do grupo de pesquisadores do Centro de
Informação da Diocese de Roraima, que delineava a consciência dos problemas
pendentes da década de 80, não atingiu políticos e governantes. Os mesmos
problemas chegaram até os anos 90, e de novo sem voz e sem vez, o índio
continuou perdendo seu território à exploração imobiliária do capital, nesse
projeto econômico voltado para a privatização da terra. Ao buscar recursos para
projetos de exploração agro-florestal e agropecuária, o governo, apregoando
benefícios para todos, não abria mão das terras que poderiam dar lucros ao
Estado/União, introduzindo um processo de especulação, de concentração
fundiária e invasão por grupos de exploração de minérios:
Desde 1983, com a promulgação do Decreto n. 88.985, pelo então presidente Figueiredo,
abrindo as terras indígenas à mineração179, as pressões contra os índios têm evoluído de
forma crescente, embora com variações de táticas por parte dos setores envolvidos. “De
um lado, as empresas de mineração tentam ganhar no papel a legalização das áreas de
pesquisa de lavra como condição de segurança para seus investimentos de capital. De
179.
O projeto Radam-Brasil de aerofotometria divulgou, em 1975, notícias dando existência de minérios
preciosos (ouro, urânio, cassiterita) na área territorial reivindicada pelos índios Yanomami. Em 1983, com o
Decreto do Presidente João Figueiredo, regulamentando mineração branca em terras indígenas, grandes grupos de
mineração foram estimulados para atividades de exploração nas terras de Roraima. Em 1988, essa atividade
extrativa mineral, em terras consideradas indígenas, ganhou força com autorização do Presidente José Sarney, em
parceria com o governo de Roraima (Romero Jucá).
207
outro, os empresários do garimpeiro fomentam invasões e intrusões de garimpeiros em
várias áreas indígenas, buscando por meio do fato consumado, antecipar-se às empresas.
Entre os dois tipos de invasores estão os índios, acossados e desinformados, sujeitos a
manobras de cooptação e forçados a negociar em condições extremamente desiguais”
(Dossiê CEDI-CONAGE, 1988. Apud ROCHA, 1994:218).
Semelhante aos acontecimentos do passado, os invasores saqueavam as
terras dos índios em busca do ouro e diamantes, e, no processo, destruíam ou
dividiam as famílias (a favor ou contra o branco) forçando-os ao trabalho em
prol de projeto econômico alheio. Esse modelo de desenvolvimento foi
acentuado após 1985, quando garimpeiros atuaram em diversas áreas180 de
Roraima.
O governo local, em parceria com o federal, deu um novo arranjo
geopolítico a Roraima no início da década de 80. Novas áreas territoriais de
municípios181 foram instaladas, embora contestadas pelas etnias indígenas (cf.
Mapas 05 e 06, abaixo pp.250-251), que aguardavam pela legalização de seus direitos
como primeiros habitantes. Essa dramática realidade experimentada pelo índio,
que era expulso da terra onde sempre viveu, foi novamente ignorada na
cristalização da divisão política, exclusivamente branca, da terra de Roraima.
3.2. Os municípios e as áreas indígenas: desencontros dos caminhos da
memória
A Constituição Federal de 1988 já encontra em curso um amplo processo
de reorganização política do Território Federal de Roraima. De fato, desde 1982,
o governo local, por meio de negociações com as elites políticas, econômicas e o
governo central, tomara medidas para fortalecer alianças geopolíticas
180.
181.
Território dos Yanomami, dos Makuxi, dos Ingarikó, dos Wapixana, dos Wai Wai, entre outros.
Esse tema será retomado abaixo, no item 3.2.
208
aumentando o poder de barganha do executivo roraimense, privilegiado pelo
trajeto da redemocratização brasileira.
Tais medidas se cristalizaram na Lei Federal n. 7.009 de 1º de julho de
1982 que instalara seis municípios: Mucajaí, São Luís do Anauá, São João da
Baliza (com terras desmembradas de Caracaraí), Normandia, Bonfim e Alto
Alegre (com terras desmembradas de Boa Vista).
A partir desse desmembramento das imensas terras pertencentes aos
municípios de Boa Vista e Caracarai, dentro de um sistema governamental de
controle tanto administrativo como geopolítico, o governo de Roraima ampliou o
seu poder formando coalizões com os governos e os representantes políticos dos
novos municípios. Essa estratégia política governamental, com características da
antiga prática cultural coronelística, assegurou ao executivo do Território Federal
e seus aliados políticos, poder de atuação conjunta tanto na esfera das relações
locais como na esfera Federal.
Esse modelo político roraimense, aparentemente descentralizado, foi
adotado não só nessa região amazônica mas também em outras regiões
brasileiras. Isso possibilitou uma ilusória participação dos municípios e da
sociedade local (índios e não-índios) nas políticas públicas e administrativas do
governo. Contudo, o projeto político de criação de novos municípios pelo
governo entrou em choque com as reivindicações de demarcação de áreas
indígenas pelos índios ligados à Igreja Católica. As instituições governamentais
(local e central) passaram a disputar entre si e com os índios as mesmas áreas
territoriais.
Em 1983, o Bispo Diocesano escrevera uma carta aos católicos de
Roraima pedindo para que olhassem essa situação indígena e convidara os fiéis
para uma avaliação das injustiças de que os índios eram vítimas. Embora tenham
decorrido quase dez anos, a situação não fora alterada e a carta do Bispo foi
209
reimpressa em 1990, momento de grande tensão envolvendo o Estado, empresas
mineradoras e índios que tiveram suas terras invadidas por um grande
contingente de garimpeiros (cf. Cap. 2, item 2.2). Diante do quadro de violência e
perseguição aos índios, o Bispo Diocesano, novamente, fazia um convite aos fiéis
para refletirem sobre essa questão da terra e da angústia do índio:
Têm acontecido coisas de difícil explicação. Em áreas indígenas continua-se incentivando a
fazenda fazer benfeitorias e proíbe-se muitas vezes o índio de atuar. Na Maloca do
Temerém um fazendeiro tocou fogo na residência do índio. O mesmo aconteceu no
Mudubim e Xeriqui. As providências tomadas para moderar estes excessos foram quase
nulas e pelo contrário por uma ação de defesa realizada pelos índios da Barata, para se
proteger das ameaças do fazendeiro, foi logo aprisionado o Tuxaua e mantido quinze dias
incomunicável, alegando imaginária emboscada (Carta Pastoral sobre os índios, 1983,
Apud, CIDR: 1990: 83).
Abria-se, assim, discussão sobre o amplo confronto de interesses pelas
terras de Roraima, com a União, o Estado, os índios e os não-índios (fazendeiros
e empresários da agro-indústria, comerciantes) disputando as mesmas áreas, com
objetivos diversos.
Entre 1980 a 1982, a FUNAI tinha sido pressionada pelos índios ligados ao
CIR (Conselho Indígena de Roraima) e à Diocese de Roraima e, com isso,
formalizou a situação jurídica com a demarcação de pequenas áreas indígenas182
(ilhas) dentro dos territórios que não estavam envolvidos em grandes conflitos. A
FUNAI havia prometido pagar indenização das benfeitorias existentes, mas não
cumpriu o combinado e os índios não aceitaram a presença de brancos nas áreas
demarcadas. Assim, eles retiraram os marcos colocados pelos técnicos da FUNAI
que delimitavam o terreno (CIDR, 1990). A confusão foi ampliada: a FUNAI não se
entendia com a Igreja Católica, os índios e os não-índios reagiam contra os
decretos de delimitação da FUNAI, o governo do Estado criava municípios e o
182. Área Indígena Mangueira, Ponta da Serra, Araçá e Manoá-Pium, com grande contingente Makuxi,
localizadas dentro de terras que eram de posse (ocupação de boa-fé) (cf. CIDR, 1989:78).
210
Federal projetava parques nacionais e programas de exploração do ecoturismo.
Essa situação perdura até o nosso momento (2003) na Justiça Federal.
Esse modelo, envolvido em processo de impedimento ou ameaça,
intensificou a tal ponto a confusão fundiária em Roraima, que, após 1991, as
áreas de fronteiras internacionais (Guiana e Venezuela) reivindicadas pelos índios
e o governo local ganharam novos adeptos na disputa, com a entrada do Exército
na construção de Pelotões de Fronteira, por meio da implantação do Projeto
Calha Norte do governo federal.
Os textos constitucionais (Federal/Estadual) e os vários desencontros
envolvendo os interesses políticos e econômicos dos habitantes de Roraima, não
eram percebidos – ou, mesmo, escamoteados, que, apesar deles, o território é
reprogramado, à feição branca, em novas divisões políticas.
3.2.1. Boa Vista, capital de Roraima
Com uma área de aproximadamente 230 mil quilômetros quadrados, o
Estado de Roraima e sua população, um total de 217.538 habitantes (IBGE,
1991), foram redistribuídos em novo contexto político. No entanto, o maior
contingente de moradores se encontram na capital Boa Vista, com um total
estimado em 122.600 residentes (id., ibid.). Desse contingente urbano faltam
dados sobre o total de índios e quais as etnias que migraram para Boa Vista, onde
fizeram documentos de cidadão brasileiro e disputaram empregos, abandonando
a maloca e a sua própria identidade étnica.
Em 1980 a população de Boa Vista possuía aproximadamente 44 mil
habitantes. Em fins de 1991, como capital do novo Estado, o número
aproximado de habitantes passou para 123 mil, concentrando o maior número da
população do Estado. Esse salto de 300% mostra, de forma tristemente concreta,
como a capital se tornou o palco dos descaminhos governamentais do Estado de
211
Roraima. Contudo, não temos notícias de recenseamento dos índios
concentrados nos bairros periféricos da capital ou nos bolsões de miséria urbana,
embora saibamos que seu contingente aumenta, com grupos vindos até do
exterior:
Os “ingleses”, como são chamados os índios vindos da República Cooperativista da
Guiana, representam para a sociedade boavistense a nova mão-de-obra barata. São
explorados e discriminados. “Não sabem nem falar português”, comenta muita gente.
Aceitam qualquer tipo de trabalho. Muitos acabam sendo presos. Parecem repetir a mesma
triste história dos “parentes” brasileiros que moram na cidade (FERRI, 1990:39).
Também Wapixana ou Makuxi, residentes nas terras que delimitam a
fronteira entre o Brasil e a Guiana, aviltados em seus direitos étnicos, fogem dos
conflitos com os não-índios pela posse do território da maloca e buscam
melhores condições de vida na capital do Estado, onde estão situados nas
camadas mais baixas da sociedade.
Essa situação do índio na capital do Estado, entre 1988-91, gerou, outra
vez, a necessidade de criação de novas alianças mediadoras entre índios e nãoíndios no contexto urbano:
Em todo caso, nunca os brancos conseguiram colocar-se como únicos mediadores das
trocas e, onde o fizeram, introduziram a monetarização que “degradou” o sistema. Os
índios continuaram a relacionar-se entre si, mas utilizando as novas mercadorias dos
brancos junto a seus produtos tradicionais. Contudo, sendo agora as mercadorias de
origens culturais diferentes (indígenas e branca), à atribuição de valor tradicional, misturouse ao valor dos brancos, isto é, o dinheiro. Isso acontece mesmo quando o dinheiro não
entra diretamente na troca (CIDR, 1989: 81).
As duas maiores organizações indígenas ligadas à Diocese de Roraima, o
CIR (Conselho Indígena de Roraima) e APIR (Associação dos Povos Indígenas de
Roraima), tentam impor-se como mediadoras entre os índios que migraram para
Boa Vista. Mas, por causa do preconceito que essas ongs indígenas encontram na
cidade, em geral, o índio foge dessa solidariedade.
212
Assim, o contato entre índios e não-índios nos outros municípios não são
diferentes do que ocorre na capital Boa Vista, embora ocorram variações
localizadas, em função de problemas específicos.
3.2.2 – Alto Alegre
Foto 1183: Corredeiras no Rio Mucajai, entre Alto Alegre e Mucajai.
A cidade surgiu em 1953, a partir de um pequeno aglomerado de moradias
da colônia agrícola Coronel Mota. Em 1977, o povoado foi transformado em vila
e, em 1982, com a Lei Federal n. 7.009 foi criado o município de Alto Alegre. Sua
área territorial é de 26.109,70 km². Parte de seu território está dentro da reserva
indígena Yanomami. Distância de Boa Vista: 80 km. Em 1991, a população184 era
estimada em 11.211 habitantes, sendo 3.356 moradores urbanos (IBGE, 1991).
3.2.3 – Bonfim
Foto 2: Avenida central da cidade de Bonfim.
A cidade, que fica na fronteira com a Guiana, surgiu no final do século
XIX. É a porta rodoviária (BR-401) entre Brasil e Guiana. Tornou-se município
183. A partir daqui, todas as fotos que ilustram os Municípios são do Instituto Fecor de Pesquisa e
Desenvolvimento. Boa Vista/RR. Abril de 2000.
184. O censo do IBGE (1991) não fez referência à população indígena.
213
em julho de 1982 pela Lei Federal n. 7.009. Na década de 1960, fora instalado o
Primeiro Pelotão Especial de Fronteira, aumentando o contingente militar na
região. Possui uma área territorial de 8.131 km², 21% da qual (1.756,73 km²) é
indígena. Distância de Boa Vista: 124 km. Em 1991, o total de habitantes era de
5.436, sendo que 1.221 eram moradores urbanos (IBGE, 1991).
3.2.4 – Caracarai
Foto 3: Avenida Central de Caracarai.
A pequena “cidade porto” surgiu como um lugar de descanso para tropas
de gado que saíam do antigo município de Moura 185, o qual deu origem ao
Território Federal do Rio Branco e depois Roraima. As primeiras habitações
datam do início do século XIX. Em maio de 1955, pela Lei 2.495, fora
transformada em município. Sua área territorial é de 47.623,6 km², da qual
7.638,06 km² são dos índios Yanomami. Distância de Boa Vista: 134 km. Em
1991, a população era de aproximadamente 8.773 habitantes, sendo 5.139
moradores urbanos (IBGE, 1991).
185.
Faltam estudos sobre esse importante município na consolidação do Estado português nessa região
do Rio Branco. O nome de Freguesia de Moura aparece no século XIX, no Decreto n. 132 de 09 de julho de
1865. Nesse Decreto, o território de Moura foi desmembrado, tendo seu limite abaixo das cachoeiras do Rio
Branco, dando origem ao território da nova Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Boa Vista), com limite a
partir dessa área das cachoeiras até a fronteira com a Venezuela e Guiana, na época indefinidas.
214
3.2.5 – Mucajaí
Foto 4: Vista parcial do município de Mucajaí.
A cidade surgiu com a instalação de uma unidade do 6º Batalhão de
Engenharia e Construção nas margens do Rio Mucajaí, para construir a BR-174
que ligaria Boa Vista ao Porto de Caracaraí, em meados da década de 1970. Na
época, já havia um pequeno núcleo comercial e de repouso, conhecido como
colônia agrícola Fernando Costa, criada em 1951. Com a chegada do 6º BEC, dos
operários e seus familiares, o vilarejo aumentou o número de moradias e foi
transformado em município em julho de 1982 pela Lei Federal n. 7.009. Possui
área territorial de 9.740 km² e uma parte dessa área está na reserva indígena
Yanomami. Distância de Boa Vista: 52 km. Em 1991, a população era de 11.272
habitantes, sendo que 5.222 eram moradores urbanos (IBGE, 1991).
3.2.6 – Normandia
Foto 5: Entrada da cidade de Normandia.
Contam os antigos moradores que o pequeno núcleo urbano recebeu esse
nome em homenagem a um grupo de condenados liderados por Henri Charriére
(Pappillon). Ele teria escapado de uma prisão de segurança máxima na ilha do
215
Diabo, no litoral norte da Guiana Francesa, conseguindo chegar nessa região.
Resolveu fixar residência no local, dando-lhe o nome de Normandia. O povoado
foi transformado em município em julho de 1982 pela Lei Federal n. 7.009.
Sua área territorial é de 7.007,9 km², sendo que 6.913,58 km² são de área
indígena Raposa Serra do Sol, correspondendo a 98,65% do total. Distância de
Boa Vista: 183 km. Em 1991, a população era estimada em 5.223 habitantes,
sendo 1.146 moradores urbanos (IBGE, 1991).
3.2.7 – São João da Baliza
Foto 6: BR-210 (Perimetral Norte) atravessa o ponto central da cidade.
O povoado surgiu nos primeiros anos da década de 1980, com a abertura
da BR-210 (Perimetral Norte). Em julho de 1982 foi transformado em município
pela Lei Federal n. 7.009. Sua área territorial é de 4.324,70 km², desse total
1.797,56 km² são de área indígena Wai Wai. Distância de Boa Vista: 327 km. Em
1991, a população era de 6.328 habitantes, sendo que 2.309 eram moradores
urbanos (IBGE, 1991).
216
3.2.8 – São Luiz do Anauá
Foto 7: Uma das praças da cidade de São Luiz do Anauá.
O vilarejo surgiu com o projeto político e econômico do governo
brasileiro de ocupação e integração da Amazônia Legal, com a expansão das
fronteiras agrícolas nacionais e a construção da BR-210. O lugar faria parte da
nova transamazônica de integração do Atlântico (Macapá) ao Peru, como
corredor de importação/exportação já que atravessaria os Estados do Pará,
Roraima, Amazonas e Acre. Esse projeto não foi efetivado e toda a área
construída está no Estado de Roraima. A vila foi transformada em município, em
julho de 1982, através da Lei Federal n. 7.009. Sua área territorial é de 1.533,9
km², sendo 23,94 km² de área indígena Wai Wai, que corresponde a 1,56 do total.
Distância de Boa Vista: 305 km. Em 1991, a população tinha um total de 3.778,
sendo que 2.268 eram moradores urbanos (IBGE, 1991).
3.2.9. O uso da terra nesses municípios
De maneira geral, historicamente, a década de 80 e o começo de 90 iniciou
um novo tempo na vida dos habitantes de Roraima e instaurou-se um novo
espaço social, com a criação de seis novos municípios, como vimos acima.
Todavia, a política econômica no uso da terra continuou centrada na exploração
agro-pecuária. Entre 1975 a 1980 o Estado totalizava acima de 300.000 cabeças
de gado, momento em que muitas fazendas de gado começaram a modernizar os
mecanismos para corte. Nesse período, todos os oito municípios desenvolveram
217
“pastos cultivados e suplementação alimentar, e intensos tratos sanitários”
(BARROS, 1995).
Os Municípios de Boa Vista, Alto Alegre, Bonfim e Normandia
concentram o maior número de pastagem natural e criatório de gado. Os outros
municípios, por se localizarem em áreas de floresta, desenvolveram a pecuária
com pastos plantados e ampliaram o desmatamento para a produção agrícola.
Até o início dos anos 90, a produção agrícola nesses municípios era concentrada
no arroz, mandioca, milho, feijão e banana. Nesse período, os incentivos fiscais
da SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) em Roraima,
além de quase inexistente, atenderam grupos de fazendeiros remanescentes dos
pioneiros e setores do comércio em Boa Vista (id., ibid.).
O órgão Federal competente para o exercício da legislação indigenista, que
vigorou até o final dos anos 80, pós-Constituição Federal, não conseguiu
proteger e nem dar aos índios os direitos assegurados por lei. Ao contrário, em
alguns momentos, esse órgão responsável por essa política indigenista, como o
SPI (Serviço de Proteção ao Índio) ou a FUNAI (Fundação Nacional do Índio),
foi opressor ou deixou os índios serem escravizados, como mão-de-obra sempre
disponível e barata, como fronteiras vivas na defesa dos interesses do Estado
(Roraima/União), segregando-os pelo modelo pedagógico de espírito unificador
nacional.
Nessa conjuntura corporativista e nacionalista, as etnias indígenas de
Roraima começaram a última década do século XX acreditando estar, finalmente,
munidas de instrumentos legais, no âmbito tanto Federal quanto Estadual, para
encaminhar questões há 400 anos pendentes.
No passado, o Estado e o branco disputavam o poder de propriedade
sobre o índio e a terra “selvagem”, hoje, o índio e o branco disputam o poder de
propriedade sobre a terra que é da União. Nesse percurso, existem muitos pontos
218
contraditórios merecendo estudos jurídicos, em relação aos textos da
Constituição Federal de 1988 e da Constituição Estadual de 1991, referentes à
política indigenista. As etnias indígenas de Roraima estão cada vez mais se
organizando, especificamente após a promulgação das referidas Constituições.
Observamos as formas de representações e organizações entre as línguas e
culturas das oito etnias186 mais conhecidas. Notamos que essas etnias se dividem:
ou se associam ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), em busca da identidade
étnica e dos direitos coletivos, ou se ligam ao Estado, em busca da brasilidade e
dos direitos privados/civis. Essas questões serão tratadas no próximo capítulo
(4).
3.3. A Constituição Federal de 1988, seus conteúdos e rumos
Ao lançar mão de nosso principal documento, a Carta Magna, devemos
ver como o próprio encaminhamento dos títulos, seus capítulos e menções neles
existentes sobre os índios, já nos preparam para o real significado do Capítulo 8
do Título 8, onde eles serão efetivamente tratados em detalhe.
Essa Constituição do Brasil, que entrou em sua segunda década,
compreende 9 títulos187 num total de 33 capítulos que deverão condicionar e
orientar a aplicabilidade de todas as suas normas, bem como as atividades
legislativas, executivas e judiciárias, enunciadas em um total de 250 artigos.
Observamos que os artigos (1º a 4º) do Título I que tratam dos Princípios
Fundamentais constituintes da nação, como um “Estado Democrático de
Direito”, mencionam genericamente a “pessoa humana”, “nação”, “sociedade
livre”, “justa e solidária”, “o bem de todos sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e, na clara intenção
de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
186.
187.
Wapixana, Makuxi, Taurepang, Ingarikó, Maiongong, Wai Wai, Waimiri-Atroari e Yanomami.
Além dos 83 artigos dispostos no Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias e das Emendas.
219
regionais” (art. 3, III), revela o patente conhecimento de tal quadro. Claro está
que o ordenamento jurídico brasileiro garante aos índios a proteção das leis do
país, sujeitos a regulamentação especial com o objetivo de reconhecer medidas
jurídicas adequadas em defesa de seus direitos de povos indígenas.
De qualquer forma, é interessante notar que “povos” são mencionados, na
Carta Magna, apenas como estrangeiros (art. 4º); ou seja, os princípios de
igualdade, “autodeterminação dos povos” (art. 4º, III), regem apenas as “relações
internacionais” e não as internas, uma vez que os povos indígenas não são
reconhecidos como tal.
Os artigos (5º a 17) do Título II, que determinaram os Direitos e Garantias
Fundamentais, apresentam a igualdade de todos perante a lei. O Capítulo I, desse
título, dispõe dos “Direitos e deveres individuais e coletivos”. É importante notar
que os nascidos no Brasil são brasileiros e, desse modo, a cidadania, o “Direito
Coletivo do Índio” estão assegurados como membros da sociedade organizada
pelo Estado.
Da mesma forma, o Capítulo II (Título II), em seus artigos 6º e 7º, que
versa sobre os “Direitos Sociais e do Trabalho” deixa implícito que medidas
jurídicas apropriadas devem garantir aos índios, segundo suas culturas, o
cumprimento de seus direitos perante a lei. O artigo 8º, do referido Capítulo e
Título, que trata da organização do “Direito Coletivo do Trabalho” apresenta a
organização sindical e os interesses coletivos dos trabalhadores associados. Há de
se observar que tais dispositivos constitucionais devem ser aplicados também aos
índios, ressalvando-se, no entanto, as suas particularidades sócio-culturais em
relação aos demais brasileiros.
O artigo 12 do Capítulo III, Título II, que discorre sobre a “nacionalidade”
é um ato declaratório do reconhecimento do índio como “brasileiro nato”, uma
vez que nasceram em território brasileiro.
220
Os índios foram colocados também nas regras gerais dos artigos (18 a 43)
referentes à “Organização do Estado”, dispostos no Título III, necessitando de
um ordenamento jurídico em relação a presença de uma organização políticoadministrativa indígena diversa da nacional. Existe uma orientação no Capítulo II
do referido título, que tem por assunto a União, no artigo 20, ao tratar sobre o
assunto terra, os legisladores se recordaram de inserir que a propriedade das
terras “tradicionalmente ocupadas pelos índios” é da União (inciso XI). A seguir,
no mesmo título e capítulo, no artigo 22, determina-se a competência da União
para legislar sobre as “populações indígenas” (inciso XIV), bem como sobre
naturalizações (inciso XIII), emigração, imigração, extradição e expulsão de
estrangeiros (inciso XV).
A inserção das populações indígenas (XIV), emblematicamente situadas
entre naturalizações (XIII) e expulsões (XV) deve orientar e preparar nossa
percepção para o que ainda deve ser esclarecido e regulamentado, assegurando ao
índio o exercício de seus direitos perante a ação do Estado.
Assim é que, nos 91 artigos do Título IV (arts. 44 a 135), apenas três deles
tratam de medidas jurídicas específicas aos índios, ao estabelecerem a
competência exclusiva do Congresso Nacional em relação à “exploração” (sic)
das terras indígenas (art. 49, XVI). A competência processante no julgo das
“disputas sobre direitos indígenas” é dada aos juízes federais (art. 109, XI) e a
defesa dos “direitos e interesses das populações indígenas” é realizada pelo
Ministério Público (art. 129, V).
Os artigos (136 a 144) do Título V que versam sobre a “Defesa do Estado
e das instituições democráticas” garantem a aplicação das normas de direito
comum a todos os brasileiros. É claro que o bom senso em defesa do direito do
índio dita limites prudentes à ação jurídica brasileira.
221
Tais orientações constitucionais devem ser apreciadas no ordenamento
jurídico referente aos índios no cumprimento dos artigos (145 a 169) do Título
VI que tratam da “Tributação e do Orçamento”. O indígena não tem direito
tributário.
Ao expressar competências legais nos 22 artigos do Título VII (170 a 192)
a Constituição Federal orienta direito comum para todos os brasileiros,
proporcionando aos índios, igualmente, o pleno exercício dos direitos nacionais.
No entanto, há orientação legal específica as populações indígenas referentes a
proteção de suas terras e observações para a exploração de seus recursos
minerais188. De maneira geral, a problemática do índio brasileiro caracterizada por
visões ideais, fruto do processo histórico e das condições de vida na comunhão
nacional, necessita de legislação ordinária, pois existe inequívoca manifestação de
reconhecimento do potencial perigo de ações em terras indígenas.
No Capítulo III, do referido título, onde são expostos princípios da
“política agrícola e fundiária e da reforma agrária” (arts. 184 a 191), as normas
constitucionais orientadoras da matéria indígena, apesar de serem contempladas
de forma comum aos demais brasileiros, aguardam ordenamento jurídico
complementar em face as suas especificidades culturais, sujeitas ao regime tutelar,
quando o povo indígena ainda não for emancipado.
Do mesmo modo, para não ocorrer erros interpretativos das normas sobre
o direito do índio, os artigos (193 a 232) do Título VIII, da “Ordem Social”,
precisam de regulamentação ordinária para o entendimento e o exercício comum
dos índios e não índios.
188.
Art. 176, § 1º. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se
refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no
interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se
desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
222
O Capítulo III, desse título estabelece os princípios da “Educação, da
Cultura e do Desporto” (arts. 205 a 217) e, na Seção I – “Da Educação”,
somente o artigo 210 que fixa o conteúdo mínimo do ensino fundamental insere
normas referentes aos índios. No parágrafo 2º, desse artigo, é assegurado ao
índio, além do português, a “utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem”. No mesmo capítulo, na Seção II – “Da Cultura”, em
conformidade com o artigo 215, § 1º, é assegurado proteção às “manifestações
das culturas populares, indígenas” e dos de outros grupos. A partir dos capítulos
IV, V, VI até o VII, os textos constitucionais foram expostos de modo a
considerar as orientações legais comuns a todos os brasileiros.
Vê-se, assim, que as populações indígenas, marginalmente contempladas
ao longo do texto constitucional, o são quase sempre em função de suas terras e
conseqüente “exploração” das mesmas.
Chegamos, assim, à discussão do Capítulo que trata exclusivamente das
populações indígenas, dispostos nos dois últimos artigos do Título VIII – Da
Ordem Social, que é, também, o último da Constituição, o Capítulo VIII:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física
e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a
pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com
autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes
assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre
elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do
Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua
223
população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional,
garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por
objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a
exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado
relevante interesse público da União, segundo o que dispuser a lei complementar, não
gerando a nulidade e a extinção direito à indenização ou a ações contra a União, salvo, na
forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o dispositivo no art. 174, §§ 3º e 4º.189
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar
em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos
os atos do processo.
Em tais artigos é fundamental termos consciência de certos pontos nodais
e analisá-los em função das expectativas de direito por eles gerados e dos
descaminhos provocados por tais expectativas.
3.3.1. Expectativas de direito
O enunciado sistemático do direito do índio, orientado no artigo 231, é o
resultado de um assunto discutido amplamente pela Comissão Constituinte que
contou com participações de antropólogos e juristas, além de outros profissionais
envolvidos nessa questão. Equívocos sobre conceitos e interpretações retratando
a realidade indígena, com aplicação de normas jurídicas observando e
assegurando os valores sócio-culturais e as tradições desses povos, são
perceptíveis e compreensíveis decorrentes da complexidade no ordenamento
jurídico e político do índio e dos demais cidadãos do país. Se não bastasse, a
própria trajetória do índio dentro da nação brasileira – ora escravo, ora “isolado”,
189. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma
da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.
§ 3º O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do
meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4º As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para
pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas
de acordo com o art. 21, XXV, na forma da Lei. “Compete à União:”...(XXV) estabelecer as áreas e as condições
para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa.
224
ora “integrado” - sempre manipulado – estruturou diferenças, significativas nesse
contexto, por demais graves para serem ignoradas.
Assim, tratar de “índios”, genericamente, responde a interesses do Estado
nacional, e causa conflitos insolúveis, como veremos a seguir:
a) a expressão “habitadas em caráter permanente”, enunciada no teor do § 1º, e o
termo “terras tradicionalmente ocupadas” (§ 2º) esbarram na diferente concepção
de “tradição” e de “tempo” conforme percebidas na cultura branca dominante e
nas indígenas. Nesse sentido, revelam uma diferença interpretativa em relação à
tradição indígena que é semi-nômade, fundada no ciclo da natureza e em
situações políticas inter-tribais. A relação do índio com a terra, incorporada na
dialética entre homem-mundo natural e seus conseqüentes deslocamento pelo
território ficam anulados pela definição de uma “permanência” inexistente. Ao
índio deve-se garantir, sobretudo, a circulação, já que obrigá-lo a uma fixação alheia
à sua cultura é, obviamente, contribuir para o conflito. Ora, a segunda parte do
parágrafo primeiro revela o conhecimento de tais necessidades, anuladas,
juridicamente, pelo termo “permanente” ali usado no conceito branco, enquanto
que, para o índio, sua permanência na terra significa seu direito básico de circular
por vastas áreas. O contexto sócio-espacial indígena marca os caminhos da
memória contextualizados por seus deslocamentos cíclicos (que refazem a relação
homem-natureza) pontuados em distintos lugares do seu território, de dimensões
não acessíveis aos critérios sócio-espaciais do branco. O fazendeiro de Roraima,
por exemplo, que habita uma área de lavrado há 50 anos, não entende a chegada
das famílias indígenas, dos remanescentes das antigas nações habitantes daquele
lugar, retornando ao ponto inicial dos seus deslocamentos cíclicos iniciados há
bem mais de 500 anos. A “posse”, para o índio, não é, portanto, a imobilidade
que caracteriza a ação de posse do branco. Por outro lado, dentro da cultura
jurídica dos estados ocidentais, a posse difere radicalmente da propriedade e, ao
índio, original e inegável ocupante destas terras, oferece-se a posse permanente,
com proibição de qualquer negociação comercial ou seu usufruto por não-índio;
b) o dito “ouvidas as comunidades afetadas” e a palavra “participação”, entre os
enunciados que definem o § 3º, que orienta normas de exploração da terra, são,
na forma da lei, favoráveis ao Estado, pois essa redação constitucional não foi
normatizada em função do índio mas sim de quem “os ouve” e, claramente,
decide. Aos índios é negada a faculdade de decisão sobre o mais importante
elemento constituinte de sua cultura, a terra;
c) a expressão “são inalienáveis e indisponíveis”, disposta no enunciado do § 4º,
significa a responsabilidade do Estado na política indígena em comunhão com o
225
projeto social nacional. Assim, a “inalienabilidade” e “indisponibilidade”, além da
“não prescrição” de tais direitos, que aparentemente dão ao índio sua eterna
segurança, não admite, em princípio, que o índio nunca poderá vender ou trocar
sua terra. Ou seja, caso o índio for inexoravelmente empurrado rumo à cidadania
nacional e, quando atingi-la, com direito a voto, ao alistamento militar, a estudo, a
viver “civilizado”, ele não perderá seus direitos originais, impenhoráveis os seus bens;
d) o § 5º estabelece nada mais, nada menos do que algo absolutamente banal e
corrente em relação a todos os cidadãos de um país e não apenas a minorias
étnicas: a remoção de populações em eminência de catástrofes ou epidemias e
seu retorno passado o perigo;
e) no início do texto do § 6º, o termo “são nulos e extintos” os atos de
povoamento e de poder político-econômico branco em terras destinadas aos
índios, ainda não adquiriram existência real para as nações indígenas. A
marginalização do índio encontra apoio no próprio texto constitucional do
referido parágrafo, quando é especificado, além de qualquer dúvida, que tal será
“ressalvado” diante de “relevante interesse público da União”. No final desse
parágrafo, o texto constitucional não assegura o pagamento de indenização, pela
União, ao branco invasor, a não ser aquela referente às benfeitorias feitas na
“ocupação de boa-fé”. Tal dispositivo, que em princípio parece privilegiar o
branco, na realidade assume, mesmo que não claramente, as responsabilidades do
Estado na indução de ocupações de terras “virgens”, algo que, como estamos
vendo, vem se repetindo há mais de 400 anos. Ao mencionar “boa-fé”, princípio
claramente de ordem moral e de foro íntimo, o texto constitucional abre
caminho para solicitações baseadas em pretensões impossíveis de serem
contestadas em mais de 90% dos casos190. Tais ocupações, ocorridas ao longo
dos últimos 100 anos, deram-se de maneira claramente ilegal, sem títulos de
qualquer natureza e, muitas vezes, em terra sabidamente indígena. Se um dos
princípios do Código Civil é que “não é dado ignorar a lei”, dar abertura, na
Carta Magna, as indenizações provenientes de “ocupação de boa-fé” a quem a
ignora é, salvo melhor juízo, o Estado ignorando suas próprias leis. Não
demarcando as terras indígenas e não criando mecanismos de real vigilância
sobre elas, a União se oferece como palco à reprodução de situações de conflitos
insolúveis. Em termos claros: o poder público convida o branco a ocupar terras
“virgens” que não o são, sem mostrar-lhe as fronteiras das possibilidades legais.
Tais ocupações têm a brecha constitucional de serem consideradas “de boa-fé” e
190.
As fazendas instaladas em Roraima no período colonial (séculos XVIII-XIX) possuem títulos dados
pelo Governo do Grão-Pará ou do Estado do Amazonas (período republicano). Assim, as demais fazendas
instaladas na região, nos últimos 100 anos, aguardam decisão fundiária e não têm reconhecimento oficial,
possuindo apenas título de posse e não de propriedade (cf. ALMEIDA & MOURÃO, 1976:75 e comentários nas pp.
179/81).
226
a União deve pagar por elas. Se não bastasse tal quadro surrealista, o branco, na
maior parte das vezes, recusa-se a aceitar as indenizações da União e o círculo
vicioso se mantém. Os casos de maiores evidências nos enfrentamentos estão
relacionados às reservas indígenas Raposa/Serra do Sol, Yanomami, WaimiriAtroari e Wai Wai.
3.3.2. Os descaminhos provocados por tais expectativas de direito
A questão indígena em Roraima, hoje, está intimamente ligada não só ao
reconhecimento da cidadania étnica como às demarcações das terras indígenas.
Essa questão exige um exercício de compreensão desses enunciados geradores de
expectativas de direito do índio e do não-índio, após a promulgação da Carta
Magna de 1988.
As expectativas de direito geradas pela Carta Magna iludem não apenas o
índio como o branco, sobretudo porque o poder público também as têm. O
gráfico abaixo procura expor quão intrincadas são as expectativas, relacionadas
sobretudo à questão fundiária.
Participantes do Conflito
Índios
CIR193 e ONGs
Indígenas
Manutenção
de direito
indígena
ONGs indígena
contrárias ao CIR
Manutenção
de direito à
integração nacional
União191
Brancos
Posseiros
Fazendeiros
Mineradoras
Setores empresariais
e comerciais
Estado192
OAB/RR
Políticos e
Lideranças sociais
191.
Como proprietária.
Estado de Roraima como “mediador” com partido tomado.
193. Conselho Indígena de Roraima ligado à Diocese local.
192.
227
O texto constitucional elaborado, entre 1987-88, por constituintes que se
imaginavam de perfil humanista, capazes de dar ao país a sonhada democracia
nacional, gerou expectativas de direito provocadoras do aprofundamento dos
canais de desencontro entre as próprias famílias indígenas e entre os índios e os
brancos, além dos já existentes entre o Estado e a União. Os índios não são
ouvidos (direito garantido no art. 231, §3º) e enfrentam-se com mineradoras e
garimpeiros em terras consideradas áreas indígenas, ali estabelecidos sem o aval
do Congresso Nacional (id., ibid.).
Esses diferentes grupos sociais e representantes governamentais aguardam
diretrizes do setor jurídico que, junto ao Estado/União deverá regulamentar
medidas legais do direito dos índios, esclarecendo o direito à diferença de sua
“organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” e os “direitos
originários” de posse da terra. Inclusive, diante dos novos tempos, a posse da
terra pela nação indígena, de cunho coletivo e dinâmico, que deverá ser fixada em
caráter perpétuo, não fora tratada em pormenores jurídicos para sua
aplicabilidade.
Tal conflito é experimentado tanto no contexto rural como urbano de
Roraima. Uma das mais sérias polêmicas geradas por esses postulados jurídicos é
o caso194 da reserva São Marcos (antiga fazenda particular do século XVIII), que
desde 1916 era administrada pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) como se
fosse uma área indígena. Com a Portaria n. 1.149, de 22/11/80, a FUNAI
legalizou o território da fazenda, demarcando-o como área para usufruto
exclusivo dos índios. No entanto, foi questionado pelos brancos habitantes de
São Marcos se essa ação era justa, pois essa reserva continha 50 fazendas de
194.
Na mesma época (1979-82), surgiram, também outros casos envolvendo conflitos entre as
delimitações das terras pertencentes ao município de Normandia com as pertencentes à reserva indígena
Raposa/Serra do Sol. Além dessa, a confusão fundiária envolveu as delimitações das terras pertencentes ao
município de Boa Vista com as da reserva indígena Yanomami. Esse tema foi mencionado no item 3.2 e será
retomado no Capítulo 4.
228
pecuaristas, agrovila, importante posto comercial e de segurança denominado vila
do BV-8 (transformado no município de Pacaraima, em 1995), etc. Toda essa
estrutura branca seria desmontada?
Os argumentos abordados nos textos constitucionais, legais e reguladores
sobre ocupação da terra tradicional pelo índio, deram espaços para parâmetros
antropológicos discutíveis. Os problemas de interpretação da necessidade da
produção física e cultural do índio, conforme seus usos, costumes e tradições,
ampliaram os interesses da posse da terra entre o Estado (Roraima/União) e os
segmentos da sociedade roraimense. Conforme a Lei Maior todos serão
contemplados.
No que se refere ao termo “posseiro” criou-se na região uma nova
situação relacionada ao conflito fundiário, onde os povos indígenas passaram a
ser vistos como grileiros. O índio que espera a concretização de seus direitos não é
mais olhado como primeiro habitante, mas como usurpador da terra alheia.
Some-se a isso, como mais elementos de desacertos, os projetos
desenvolvimentistas (assentamentos, agro-pecuária, agro-indústria, mineradoras,
com grau e formas de intrusamento nos territórios indígenas) cada vez mais
agressivos, com interesses voltados para os recursos de valor econômico
existentes nas terras em litígio, que generalizaram a crise com cooptação de
algumas lideranças e famílias indígenas. A desfiguração que o Estado e segmentos
da sociedade nacional fazem da Lei Magna amplia a confusão conceitual jurídica,
política e econômica onde ninguém abre mão de sua pretensa propriedade: nem
mesmo o poder público.
A leitura dos recentes dispositivos constitucionais cristalizadores desse
conflito, os fundamentos do Estatuto do índio em relação à própria conceituação
de índio e sua organização cultural (cf. SOUZA FILHO, 1994; MARÉS, 1999, citados
acima, pp. 184/187), nos indicam que a Lei Magna adota princípios cujas
características distinguem a população indígena da sociedade nacional. O índio é
229
culturalmente diferente, mas é assegurada a sua cidadania nacional. O índio,
integrado ou em vias de integração ou o “isolado” (estabelecido no contexto da
memória cultural), que deseja ter reconhecido o direito de exercer a cidadania
brasileira (possuir documentos, prestar serviço militar, etc.) tem, em princípio,
assegurados tais direitos na Carta Magna, sem perder a sua identidade indígena.
No entanto, pode-se observar que o índio só perderá a identidade racial quando
ele solicitar juridicamente, junto ao órgão competente, a sua emancipação.
3.4 A criação do Estado de Roraima
O Estado de Roraima foi criado, pela Constituição Federal de 1988, dentro
de princípios e de regras que deveriam normatizar a nova função da máquina
burocrática do Executivo estadual e as interações entre os poderes da esfera
Estadual em parceria com a esfera Federal. Nesse sentido, essa Constituição
brasileira, que favoreceu o projeto político de redemocratização do Brasil,
transformou o Território Federal de Roraima em Estado da União e, também,
fez surgir a idéia de entidade guardiã da fronteira nacional. O governo Federal
continuou indicando os governadores durante a fase de transição de Território
Federal para Estado, até dezembro de 1990.
A nova situação institucional procurou dar fundamentos às linhas
estruturais de governabilidade, sobretudo a partir do governador eleito para o
período entre 1991 e 1994, respeitando o enunciado do parágrafo primeiro do
artigo 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da
Constituição Federal de 1988, referentes às mudanças geopolíticas:
Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são
transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites
geográficos.
§ 1º A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos Governadores eleitos em 1990.
230
§ 2º Aplicam-se à transformação e instalação dos Estados de Roraima e Amapá as
normas e os critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia, respeitando o disposto
na Constituição e neste Ato.
§ 3º O Presidente da República, até quarenta e cinco dias após a promulgação da
Constituição, encaminhará à apreciação do Senado Federal os nomes dos Governadores
dos Estados de Roraima e do Amapá que exercerão o Poder Executivo até a instalação dos
novos Estados com a posse dos Governadores eleitos.
§ 4º Enquanto não concretizada a transformação em Estados, nos termos deste artigo,
os Territórios Federais de Roraima e do Amapá serão beneficiados pela transferência de
recursos prevista nos arts. 159195, I, a, da Constituição, e 34196, § 2º, II, deste Ato.
Procurando agir dentro da nova ordem política de estruturação do poder
administrativo do novo Estado, o governador197 e o seu vice estabeleceram, por
medida provisória, a estrutura do poder Executivo de Roraima. Do mesmo
modo, usando prerrogativas constitucionais, instalaram-se o Tribunal de Justiça e
o Tribunal de Contas. Os componentes dos dois Tribunais foram designados
pelo governador, que nomeou, também, o Procurador-Geral de Justiça para o
Ministério Público Federal. Em dezembro de 1991, a Assembléia Legislativa
promulgou a primeira Constituição do Estado de Roraima.
Os constituintes que elaboraram os textos asseguraram aos índios direitos
diferentes daqueles pertinentes à sociedade nacional, tanto na Constituição
Federal quanto na Estadual, acreditando, salvo melhor juízo, que tais enunciados
constitucionais fossem dispostos de forma clara para que o Estado/União os
cumprissem, na forma da lei.
A Constituição Estadual de 1991 acabou corporificando grande parte das
expectativas e dos desencontros de direito presentes na Carta Magna, como
veremos abaixo.
195.
Art. 159. A União entregará: (I) do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de
qualquer natureza e sobre produtos industrializados, quarenta e sete por cento na seguinte forma: (a) vinte e um
inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;
196. Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês
seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada
pela Emenda n. 1, de 1969, e pelas posteriores. (§ 2º) O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal
e o Fundo de Participação dos Municípios obedecerão às seguintes determinações: (II) o percentual relativo ao
Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal será acrescido de um ponto percentual no exercício, até
1992, inclusive, atingindo em 1993 o percentual estabelecido no art. 159, I, a;
197. Ottomar de Souza Pinto e o vice Antônio Airton Oliveira Dias.
231
Essa Constituição roraimense compreende 7 títulos198 num total de 27
capítulos enunciando os fundamentos e os objetivos que deverão orientar as
funções do legislativo, executivo e judiciário, determinados sistematicamente em
um total de 184 artigos.
Ao definir os artigos (1º a 3º) o Título I refere-se aos Princípios
Fundamentais de formação do Estado como “unidade inseparável” da União e
aos objetivos para “incentivar o intercâmbio sócio-econômico, cultural, político e
ambiental, no âmbito dos Estados da Amazônia Legal” (art. 3º, III). Semelhante
ao disposto na Constituição Federal (88), trata genericamente do Estado, da
sociedade livre, justa e solidária, do desenvolvimento regional e do bem comum
de todos, reconhecendo a crise do quadro não só brasileiro como roraimense. Do
mesmo modo que a Lei Magna, os povos indígenas são reconhecidos na
comunhão nacional, como habilitados para o exercício da vida civil.
Nesse sentido, no Título II, que menciona os princípios dos “Direitos e
Garantias Fundamentais”, o Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos) apresenta todos os habitantes do Estado como “iguais perante a Lei”
(art. 4º) e, seguindo os mesmos rumos da Carta Magna (arts. 5º a 17), incorporou
os índios nesses princípios.
O Capítulo II (Título II), que no artigo 5º trata dos “Direitos Sociais” 199,
também reitera, em parte, a forma disposta na Constituição Federal (Título VIII
– Da Ordem Social) onde o povo indígena tem os mesmos direitos, objetivando
à melhoria de sua condição de vida, como orienta os dispositivos do referido
artigo.
Nenhum dos 24 artigos do Título III (arts. 6º a 29) estabelece
ordenamento específico para as populações indígenas. O referido título define a
198.
Além de 17 artigos dispostos nos Atos das Disposições Constitucionais.
Os direitos sociais, nesse artigo da Constituição do Estado, foram definidos como: a educação, a
saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados.
199.
232
“Organização do Estado”, dos “Municípios” e da “Administração Pública” e,
nesse caso, a organização de uma administração indígena deverá ter as mesmas
orientações da nacional, repetindo, assim, os dispostos no Título III da
Constituição Federal referentes, também, à “Organização do Estado”, já
comentada.
O Capítulo I (arts. 6º a 14), do título acima, no artigo 11 (inciso XI)
estabeleceu ao Estado competência para “proteger e conservar as florestas, a
fauna, a flora e os campos gerais e lavrados”, privilegiando a produção
“agropecuária e industrial” (id., inciso XII) e também combatendo a pobreza e a
marginalização, estabelecendo políticas de “integração social dos setores
desfavorecidos” (id., inciso XIV). Os princípios propostos nesse capítulo fazem,
também, referência genérica das populações indígenas, como pessoas nascidas no
território do Brasil.
Os artigos (30 a 103) do Título IV que versam sobre os fundamentos da
“Organização dos Poderes” (Legislativo, Executivo e Judiciário) e das instituições
democráticas, legisladoras de princípios e regras que envolvem o cotidiano de
todos os habitantes de Roraima, incluem aí uma alusão aos povos indígenas,
acatando grande parte dos dispostos no Título IV (Organização dos Poderes) da
Constituição Federal, que mencionou de modo específico os índios em apenas
três200 dos 91 artigos do referido título da Lei Magna.
Os artigos (104 a 116) do Título V que contempla princípios da
“Tributação e do Orçamento” tem como base a Carta Magna e Leis
Complementares federais e, assim sendo, incluem genericamente as populações
indígenas em seus dispositivos tanto nos fundamentais para o Estado como nos
demais municípios roraimenses. Isso é comprovado na Seção VI (Capítulo I,
Título V) que trata da “Política de Incentivos” com metas de apoio aos
200. Constituição Federal de 1988, Título IV, artigo 49 (inciso XVI), artigo 109 (inciso XI) e artigo 129
(inciso V), já comentados.
233
“estabelecimentos de micro e pequeno porte dos setores agropecuários,
agroindustrial, comercial e da prestação de serviços” (art. 110), não
regulamentando medidas adequadas em tal política os índios e suas terras.
Nos 16 artigos do próximo Título VI (arts. 111 a 132) que enuncia
princípios da “Ordem Econômica e Financeira”, nem em seu Capítulo III (Das
Políticas Agrícolas, Fundiária, Pesqueira e Mineraria) observa fundamentos e
valores necessários ao desenvolvimento
das populações indígenas. A
Constituição Estadual foi formulada de modo a reiterar a idéia de cautela nas
ações em terras indígenas, em conformidade com Título VII (Da Ordem
Econômica e Financeira) da Lei Magna, mas nada acresce para resolver a questão.
Essas Constituintes (Federal/Estadual), como resultado de um equilíbrio
de forças e de interesses, necessitam de uma análise jurídica dos conflitos
internos as Constituintes e externos a elas, para que todos os brasileiros tenham
maior garantia e defesa mais eficazes perante a lei.
Assim, chegamos aos últimos capítulos e artigos (133 a 184) dispostos no
Título VII que aborda fundamentos da “Ordem Social”. Semelhante aos
enunciados da Constituição Federal, esse título confirmou os princípios
observados no Título VIII (Da Ordem Social) da Carta Magna. Essa
comprovação ficou evidenciada quando da fixação de paradigmas constitucionais
referentes aos povos indígenas estarem inseridos abaixo de capítulos que
enunciam fundamentos “Da Seguridade Social”, com princípios específicos à
assistência social “Da Família, Da Criança, Do Adolescente e do Idoso”, sendo
acrescido os “Portadores de Deficiência”. Esse título foi o único que considerou
as nações indígenas, apresentando-as no Capítulo VII (Dos Indígenas, Art.
173)201.
201. Seguido de Capítulos que tratam “Da Defesa do Consumidor” (Cap. VIII), “Da Segurança Pública”
(Cap. IX), “Da Política Habitacional” (Cap. X), “Do Sistema de Transporte” (Cap. XI) e “Da Comunicação
Social” (Cap. XII), os quais incorporam os índios em comunhão nacional.
234
Assim, o único artigo que referencia o índio juridicamente é o de nº. 173.
Art. 173. O Estado e os Municípios promoverão e incentivarão a proteção aos índios em
conformidade com o que dispõe a Constituição Federal.
Parágrafo único. Será assegurada à população indígena promoção à integração sócioeconômica de suas comunidades, mediante programas de auto-sustentação considerando as
especificidades ambientais, culturais e tecnológicas do grupo ou comunidade envolvida.
A novidade que parece assumir tal descompasso normativo aos direitos
dos índios se observa nos termos “população” e “índios”. Essas complexas
nomeações e conceituações aumentaram as confusões, pois há algumas
divergências nas interpretações entre os estudiosos que tentam elucidar tais
termos, relevantes para a tomada de decisões no âmbito do universo indígena.
Não abriremos uma discussão sobre os dois termos. No entanto, os estudos
etnológicos definem o “índio” como o indivíduo nascido na etnia indígena,
designando desse modo o nativo do Novo Mundo desde o século XV. Esse
nativo compartilha de um conjunto de traços e elementos básicos, que são
comuns a todos indígenas e os diferenciam entre si e, também, da sociedade
branca. A língua, como exemplo, é um dos aspectos da diversificação cultural
indígena. Já o temo “população” aparece nos estudos fazendo referência ao
conjunto de indivíduos habitantes de determinado lugar, região, país. Designa,
em geral, sociedades organizadas em Estado mas, quando se referem à população
indígena ou tribal dão tratamento de categoria particular e inserida no Estado
branco, município ou região de controle estatal. A sociedade branca tolhe,
portanto, ao termo “população indígena”, a idéia de organização sócio-cultural
do índio: são apenas números dentro do universo mais vasto da sociedade
nacional.
Os textos constitucionais (Federal e Estadual) instituíram uma nova idéia
tanto de Direito como de Estado (o Estado Democrático) e incorporaram
princípios de transformações da situação existente. Esses textos inovaram por
demonstrarem certo interesse em incluírem os índios como grupos culturais
235
distintos da sociedade nacional. No entanto, as concepções jurídicas que lhes
servem de fundamento não apresentaram orientações jurídicas específicas sobre
o “Direito Coletivo” ou o “Direito Originário”, absolutamente vitais para a
questão indígena.
Na literatura jurídica (cf. MELLO, 1984; SIDOU, 1990; NUNES, 1995)
encontramos referências sobre “Direitos Coletivos”, no plural, mas referindo-se
às garantias dispostas na Constituição Federal (88) em conformidade com o
artigo 5º202 que trata genericamente de princípios do “Direito Coletivo do
Trabalho” (o mesmo que “Direito Sindical”), relacionado com as associações de
empregados e empregadores. Quando citam “Direito dos Povos” estão usando
os mesmos princípios universais dos “Direitos Humanos”203 e dos “Direitos
Fundamentais”204, sem que nenhum desses conteúdos jurídicos revelem
concepções de “Direito Coletivo” ou “Direito Originário” dos índios.
A real questão subjacente às dificuldades de se definir os direitos indígenas
é a idéia de identidade coletiva. A cultura branca nacional, de caráter segregacionista
não dispõe, no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico), de
mecanismos para o recenseamento de cidadania coletiva. O índio identificado como
parte de famílias indígenas integradas, em vias de integração ou isoladas (em distintos
modos de vida “tradicional” num contexto de desenvolvimento econômico e de
mobilidade crescente) são conduzidos inexoravelmente à cidadania brasileira.
202.
Art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...” dispostos em 77 incisos.
203. Direitos com base na história e Declaração aprovada por Assembléias Constituintes após a
Revolução Francesa (1789,1793 e 1795). Inspirados na Declaração de Independência dos Estados Unidos da
América de 1776. São direitos considerados inerentes ao homem como ser social, independentemente de sua raça,
sexo, idade e religião, que lançam os fundamentos teóricos das modernas democracias liberais e socialdemocratas. Assim, os Direitos Humanos são reivindicações de liberdade e igualdade para todos os seres
humanos (cf. SIDOU, 1990).
204. Cf. Constituição Federal de 1988, artigos 1º a 4º: “Dos Princípios Fundamentais”. Artigos 5º a 17:
“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.
236
A reflexão sobre identidade ou direito coletivo inseridos no contexto da
cultura ocidental vem recebendo crescente atenção por parte dos estudiosos que
apontam, justamente, a negação do princípio de igualdade do cidadão, dentro dos
princípios de direito ocidentais:
O fator crítico parece ser o desenvolvimento ou não de idéias – além da reapropriação da
auto-estima da identidade coletiva da minoria – de constituir uma comunidade não só
diferente, mas essencialmente separada da sociedade da maioria; ou pior ainda, encarregada
de uma “tarefa” religiosamente sancionada contra esta sociedade. (...) Depende do diálogo
entre as várias culturas coabitando o mesmo espaço decidir quais tendências se tornarão
predominantes. (...) Atribuir direitos coletivos especiais a grupos culturais ou
biologicamente fechados, quaisquer as justificativas, não condiz facilmente com a cidadania
que, no sentido ocidental do conceito, nega privilégios grupais e reconhece como cidadão
só o indivíduo destituído de (ou ao menos fazendo abstração de) suas identidades
comunitárias (DEMANT, 2003:380).
Assim, essa nova idéia identitária conduzindo formalmente à cidadania
coletiva a nossa minoria indígena, não pode ser construída tendo-se em mente as
normas e instâncias atuais da cultura branca, que necessitaria de profundas
alterações:
A expressão Política Identitária tornou-se moeda corrente nos Estados Unidos. Ela
significa as reivindicações de determinadas minorias para que sua especificidade e sua
identidade sejam reconhecidas e leis sejam criadas, podendo ir da simples concessão de
direitos ou privilégios especiais até a concessão de formas de autonomia política e
governamental (SEMPRINI, 1999:56).
Nesse sentido, a inclusão do direito comunitário indígena no contexto de
Roraima, comprovadamente fracassou durante a década de 1990 porque tal
direito ainda não tem um ordenamento jurídico e os interesses da prática política
do Brasil não incorporam formas de autodeterminação distinta da forma nacional
branca.
Além desses conflitos, que envolvem interesses econômicos em relação ao
território indígena, há outros envolvendo questões ideológicas associadas à
“Segurança Nacional”. A divisão das opiniões na sociedade roraimense se
237
estabelece entre os que querem a defesa do território nacional contra estrangeiros
e se opõem à demarcação de terras indígenas em área única e aqueles que
defendem os princípios da lei que assegura os direitos de demarcação de terras
aos índios. Com isso, tanto os interesses políticos e econômicos que atuam no
Estado como o desejo de ver aplicado os direitos indígenas aumentaram os
conflitos, que chegaram ao seu ápice com a criação de novos municípios, tratada
no item 3.2 (acima) e, também, será retomada no Capítulo 4.
Nesse novo momento político em que há a busca do modelo
“civilizatório”, das “virtudes cristãs” e das motivações econômicas mundiais, os
índios do Território Federal do Roraima viram distanciar-se, principalmente com
a instalação do Estado Federado em 1991, a possibilidade de manutenção de sua
cultura, em função de projetos governamentais voltados exclusivamente para o
branco.
238
CAPÍTULO 4
A primeira década do novo Estado
Os direitos constitucionais enunciados nos artigos 1º e 3º do Título I (Dos
Princípios Fundamentais) da Constituição Federal de 1988 e reiterados pela
Constituição Estadual de Roraima de 1991 (cf. Capítulo 3, itens 3.3 e 3.4), eram, sem
dúvida, os principais orientadores para a atuação dos governantes, tanto de
Roraima quanto do Brasil, referentes às legislaturas205 da década de 1990 até
dezembro de 2002 e, como tal, deveriam ter sido aproveitados.
O despertar do novo Estado de Roraima vê os pequenos campos de
pouso no meio da floresta roraimense bombardeados pelo governo federal, que
acabava com o sonho do El Dorado dos garimpeiros e empresas mineradoras
que viviam o “boom” do ouro em áreas indígenas. Em 1991, a população do
Estado era de 217.583 habitantes (IBGE, 1991) e boa parte dela era envolvida
direta ou indiretamente com os garimpos.
Nesse referido ano, Roraima enfrentava dificuldades em manter os
colonos nos assentamentos pela carência de infra-estrutura tanto econômica
como social. A capital Boa Vista recebia os colonos que abandonavam os lotes e
aumentavam a miséria urbana, necessitando de investimentos e ampliação da
infra-estrutura para atender cerca de 122.600 habitantes (IBGE, 1991). Não existe
um censo sobre as famílias indígenas que migraram, também, para Boa Vista
fugindo dos confrontos (índios, fazendeiros, garimpeiros, empresários) nas áreas
das malocas.
205.
Em Roraima, a primeira é referente ao período de janeiro 1991 a dezembro de 1994; a segunda, de
janeiro de 1995 a dezembro de 1998; a terceira, de janeiro de 1999 a dezembro de 2002. Os representantes do
executivo estadual foram: Brigadeiro Ottomar de Souza Pinto e engenheiro Neudo Campos nas duas últimas
legislaturas. Na Presidência da República tivemos Fernando Collor de Melo e, depois do Impeachment, Itamar
Franco até 1994, nas duas últimas Fernando Henrique Cardoso.
239
Para mudar essa situação, novas medidas governamentais foram tomadas
no ano de 1992, tendo por fim o fortalecimento do poder local, em parceria com
o federal, na solução do conflito envolvendo o Estado, índios e não-índios. No
dia 8 de setembro de 1992, o governo federal editou a Instrução Normativa nº 3,
com novos preceitos legais, considerados por técnicos governistas como um ágil
e eficiente mecanismo para normatizar a situação fundiária em Roraima.
Contudo, o instrumento governamental, que visava a solução equilibrada na
estruturação do novo espaço social roraimense, também enfrentou dificuldades
para sua aplicação. Considerando a localização geográfica roraimense, com
limites fronteiriços internacionais, tornou-se difícil o recurso cabível na
legalização das terras estaduais.
A Fundação do Meio Ambiente e Tecnologia de Roraima (AMBTEC),
embora mesclando informações e normas, apontava dados da atual situação das
terras em Roraima, lançando dúvidas sobre a solução fundiária, pois mais de 76%
do território é de propriedade da União, sendo administrado por órgãos federais
impedidos de abrir mão da jurisdição sobre esse território (cf. Cap. 4, p. 201):
Segundo o Inciso II, do Artigo 20206, e do Parágrafo 2° da Constituição Federal, e
conforme o Artigo 1° da Lei 6.634, de 2 de maio de 1979, todas as terras localizadas em
faixa de fronteira, numa largura de 150 km, são propriedades da União. Igualmente são
patrimônio federal as terras que margeiam rios e igarapés. Além disso, também são
propriedades da União todas as terras que tenham sido registradas em seu nome, durante
os 19 anos de vigência do Decreto-Lei 1.164/71. Dessa forma, mais de 76 por cento das
terras de Roraima pertencem, legalmente, ao patrimônio da União, estando elas sob
jurisdição da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, do Instituto Nacional do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA e do Ministério do Exercito (AMBTEC, 1993: 35).
Some-se a isso que as terras habitadas pelas diferentes etnias indígenas são
de propriedade da União.
206.
Art. 20. São bens da União ...(II) as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das
fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, ...(§ 2º) A faixa
de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de
fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão
reguladas em lei.
240
Em meio a esses problemas, contudo, a última década do século XX dava
esperanças aos habitantes de Roraima, com a inauguração do novo governo, que
prometia respeitar os direitos constitucionais, vistos como propiciadores oficiais
de soluções. Para alguns estudiosos, essa Constituição Federal garante a
construção de uma sociedade mais justa, pois respeita os direitos da população
indígena: “é a mais democrática de todas que o Brasil já teve, e se inscreve na
linha das Constituições democráticas européias elaboradas depois da Segunda
Guerra Mundial, das quais, aliás, sofreu bastante influência” (DALLARI, 2001:49).
No entanto, essas Constituições (Federal e Estadual) provocaram situações
violentas e discussões sobre legalidade e injustiça, na relação entre Estado, índios
e não-índios, em função de suas incoerências de base, como apontado acima, às
págs. 187. Como implantar a Constituição Estadual de 1991? As referidas
incoerências de base não são percebidas e nem discutidas pela sociedade e o
poder público é omisso frente a elas.
Na fase final de transição política – previamente às Constituições, os
governadores indicados para Roraima tinham ganho certa autonomia e controle
sobre as bases políticas e as bancadas federais. Tal situação desagregadora de
coalizão política nacional fortalecendo a local ganhou força após a Constituição
Federal de 1988 e o modelo unificador do federalismo foi se tornando frágil em
conseqüência da democratização do novo sistema político do Brasil dos anos 90
(ABRUCIO, 1998).
4.1. Os legisladores estaduais e suas propostas
No pleito eleitoral de 1990, somente 68.720 dos 86.226 eleitores
habilitados em Roraima votaram e elegeram o primeiro governador do Estado. A
abstenção representou um total de 20,3%. Os resultados das votações para
governador no primeiro turno foram: Ottomar de Souza Pinto (PTB) com 27.143
241
(39,49%), Romero Jucá Filho (PDS) com 22.349 (32,58%), Getúlio Alberto de
Souza Cruz (PSDB) com 8.407 (12,23%), Neudo Ribeiro Campos
(PRN)
com
3.025 (4,40%), Roberto Dragon da Silva (PT) com 1.195 (1,73%), Belgerac Vilela
Batista (PSC) com 659 (0,95%). No segundo turno, Ottomar Pinto207 foi eleito
com 32.506 votos (50,33%), ultrapassando Romero Jucá que obteve 28.993 votos
(44,89%) (Fundação Ambtec, 1993:271).
Após a instalação do aparato institucional e organizacional das diversas
esferas do poder governamental estadual, o governador tomou posse em 1º de
janeiro de 1991 e em dezembro do mesmo ano a Constituição Estadual foi
promulgada. Essa Constituição enunciou dispositivos gerais da administração
pública, no seu artigo 19, encaminhando ao executivo estadual o cumprimento
dos “princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”.
A primeira legislatura da Assembléia Legislativa de Roraima ganhou o
reforço de 24 deputados estaduais eleitos nesse pleito de 1990. Do total de
deputados estaduais eleitos, apenas 30% era nascido em Roraima, enquanto que do total
da bancada federal208 (deputados e senadores) nenhum era nascido em Roraima, embora
todos se dissessem empenhados em concretizar o grande anseio da sociedade
roraimense: soluções para os conflitos fundiários entre índios e não-índios.
Não que se deva considerar o local de nascimento como credencial para
empenho político. Estes dados, contudo, apontam para uma situação de
207. O pernambucano Ottomar de Souza Pinto fez parte, também, do grupo dos governadores militares
indicados para o Território Federal de Roraima pela Aeronáutica no período de 1964 até 1985. Como governador
nomeado pelo presidente do Brasil, o Brigadeiro Ottomar assumiu o Governo do Território Federal em abril de
1979, substituindo o Coronel Fernando Ramos Pereira. Com as mudanças políticas no cenário brasileiro
decorrente das eleições de 1982, a abertura política acelerando o fim do governo militar, o movimento “Diretas
Já”, apontaram Roraima como o novo campo político propulsor ao federalismo. Nesse sentido, ex-governadores
do ex-Território Federal, retornaram para Roraima e estabeleceram alianças com as elites locais, instituíram
“currais” eleitorais, estratégias para usufruto da “máquina pública” na política local e no controle da bancada
federal, entre outros mecanismos da política de troca de favores propícios aos interesses pessoais e à estruturação
de poder da nova base política roraimense, favorecida pela redemocratização brasileira.
208. Entre os Deputados Federais eleitos no pleito de 1990, Tereza Jucá (PDS, esposa de Romero Jucá,
ex-governador), concorreu às eleições municipais de 1992, sendo a primeira mulher eleita para governar Boa
Vista, tomando posse em 1º de janeiro de 1993, para o período de 1993-96, assumindo na Câmara dos Deputados
o seu suplente, Luciano Castro.
242
configuração dos destinos roraimenses a pessoas de recente e parcial vivência dos
problemas da terra e da sociedade que representam.
No decorrer dos quatro anos de mandato, observou-se que o governo
estadual esqueceu os dispositivos constitucionais e voltou sua atenção para a
questão fundiária, reivindicando a transferência das terras da União para o poder do Estado
de Roraima, alimentando os debates entre os representantes dos setores
governamentais e econômicos na busca de recursos para ampliar os negócios da
agropecuária e da agroindústria, melhorando a situação dos não-índios,
especialmente os da área comercial e empresarial.
Com relação aos índios, o governo em parceria com a FUNAI continuou
o projeto pedagógico de intervenção “civilizadora” para “educar” o índio
segundo a idealização do Estado. Foram instaladas escolas em todas as malocas
indígenas com a finalidade de emancipar todas as crianças e conduzir o índio à
sociedade nacional local:
(...) são escolas multi-séries, isto é, agregam alunos de diferente nível escolar numa única
sala. (...) Freqüentemente o ensino só vai até a 4ª série do 1º grau. Quando existem
fazendas na área, também os filhos dos fazendeiros freqüentam a escola da aldeia. A
programação escolar é imposta pelo governo e tem conteúdos típicos de cultura européia
(história da Grécia e de Roma antiga, por exemplo). A língua falada é o português e não é
reconhecido o uso da língua indígena (FERRI, 1990:47).
Nesse processo governamental, a FUNAI local viveu uma duplicidade na
sua atuação política, ora apoiando o governo estadual no projeto de integração
do índio na cultura nacional e ora apoiando o Conselho Indígena de Roraima
(CIR) na tentativa de legalizar os direitos constitucionais dos índios.
O projeto pedagógico antes mencionado queria eliminar a figura do índio
seminômade e sem escrita. O sistema educacional do governo transformou-se em
sistema de combate à língua e ao processo próprio de aprendizagem indígena,
provocando cisão entre os líderes e tuxauas das malocas. Na prática, o projeto do
executivo estadual não era coerente entre a fala (quando afirmava o exercício das
243
funções de um Estado democrático) e a aplicabilidade do projeto que cumpria
funções de um Estado ainda autoritário e marcadamente homogeneizado.
Para efetivar tal proposta governamental, utilizou-se a idéia oriunda do
projeto político gerado no Estado Novo, que apresentava o índio na ótica
idealizada do herói209, visando integrá-lo na sociedade “civilizada” e, ao mesmo
tempo, com a eliminação dos traços culturais do índio em Roraima, usurpar os
seus direitos constitucionais negociando a questão da terra com a figura do
emancipado o qual não entendia que a emancipação cancela definitivamente tal
direito:
Nunca os políticos e os governantes de Roraima se preocuparam com as peculiaridades e
as diferenças das populações indígenas que passam por um processo de integração. Só se
quer utilizar a força de trabalho que os índios oferecem em troca de garantias mínimas de
sobrevivência. Políticos e governadores se preocupam apenas com o potencial eleitoral dos
índios. Presentes, subornos, ameaças, politicagem e cachaça entram nas malocas e nos
bairros pobres de Boa Vista todas as vezes que se aproxima um pleito eleitoral (FERRI,
1990:78).
O texto acima mostra a consciência quanto à atuação dos políticos dentro
e fora da maloca, usando o índio segundo os interesses do momento eleitoral.
Essa estrutura do poder estatal não propicia a superação dos problemas que
envolvem índios (pró-tradição e pró-nacional) e não-índios. Tal situação pode ser
compreendida a partir da identificação da ideologia emancipacionista que orienta
a tutela do índio por meio de órgãos assistencialistas de apoio ao governo:
Enquanto isso, a ASTER e LBA desenvolviam as suas ações integracionistas, sobretudo
nas malocas indígenas localizadas perto de Boa Vista. Em particular a LBA não esconde as
suas finalidades e a sua campanha de documentação para os índios, comprova-as
claramente: um índio com carteira de identidade, título de eleitor, CPF, etc., está já
“integrado” e em nada difere, segundo este órgão, de qualquer outro morador de Roraima.
Além do mais, no tribunal o juiz da comarca local considera oficialmente “emancipados”
os índios que possuem esses documentos (CIDR, 1990:5).
209. Nessa visão a figura do índio é colocada no passado, na figura romântica do nativo viril que auxiliou
os colonizadores luso-brasileiros na conquista e defesa do território nacional. Nessa perspectiva, hoje, o índio é
identificado como emancipado e brasileiro-nato. O índio “isolado” é visto como parte da terra “selvagem”,
necessitando “civilizá-la” instalando e modernizando o novo espaço social.
244
Esse texto denuncia, claramente, os mecanismos da eliminação do índio
pelo projeto de emancipação, que foi rejeitado pelas famílias indígenas as quais se
organizaram e integraram o Conselho Indígena de Roraima (CIR) na virada dos
anos 80 para os 90. Até o final dessa primeira legislatura (1994), os ideólogos do
governo federal e do estadual envolvidos na solução do conflito da transferência
legal das questões da alçada federal para o poder estadual, não haviam resolvido
tal conflito que perdura até o início do século XXI.
No bojo dessa questão, podemos considerar três aspectos que dificultaram
o entendimento entre a esfera de poder governamental (estadual e federal) e a
sociedade local (índios e não-índios):
a) a visão cultural e de parentesco com a terra experimentada pelo índio210, como
valorização da organização social, onde predomina a solidariedade coletiva e que
emprega, independente do poder governamental, formas de autogestão;
b) a forte relação capitalista de exploração e de monopólio da terra
experimentada pelo “branco” e famílias indígenas integradas ao projeto social
nacional, como um valor comercial, onde predomina o interesse pessoal, um
modelo político econômico que reifica a terra;
c) a importância dada à defesa da terra, privilegiando o interesse da soberania do
Estado-Nação segundo as estratégias políticas do governo federal em parceria
com o estadual, os quais propagam discursos com possibilidades do exercício
democrático pela sociedade local e na prática usam a cultura do coronelismo.
O Estado e a sociedade local (indígenas e não-indígenas) eram de opinião
que a impossibilidade de demarcação e titulação das terras impediam a entrada de
recursos para o desenvolvimento e a consolidação política do novo Estado. Tal
questão foi amplamente debatida por técnicos e representantes governamentais
quando da discussão da “Reforma Constitucional”, em fins de 1993. Todavia,
sem uma coesão dos interesses em jogo entre o grupo representativo do Estado,
210.
De acordo com o Estatuto do Índio de 1973, essa visão citada acima seria do índio considerado
“isolado”, sem contato com o branco, pois a visão mítica do índio com a terra foi sendo eliminada da cultura do
índio em “vias de integração” e dos “integrados” na sociedade nacional. Dentro desses dois últimos grupos de
índios surgiu um outro grupo que busca resgatar a identidade étnica, por meio da memória cultural preservada
pelos parentes “isolados”.
245
dos índios e dos não-índios, a equipe do governo estadual não alcançou um
ponto conciliador dos interesses e nem conseguiu superar o impasse fundiário 211
que continuou.
Desse modo, parece que o primeiro legislador observou apenas o
enunciado do parágrafo primeiro212 do artigo 14 do ADCTC/88 (Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, cf. acima, p.212), pois propagou o exercício democrático e
justiça para todos, mas, na prática, deu continuidade à dominação política e
econômica. Assim, o executivo estadual em parceria com o federal, não fez
referência aos direitos constitucionais dos índios, tratados na Constituição
Federal (88) e na Constituição Estadual (91) (cf. acima, pp. 205-206 e 216). Além
desses artigos, não foram respeitados os dispostos no art. 67 do ADCT213, que
enunciou: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de
cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Ou seja, reconheceu a
posse da terra pelo índio e deu limite entre 1988-1993 para concluir toda a
demarcação das reservas indígenas, o que não aconteceu.
Contudo, nesse contexto da situação do índio de Roraima posterior às
organizações e às reivindicações em prol do reconhecimento dos direitos
constitucionais dos índios, o CIR (Conselho Indígena de Roraima), OPIR
(Organização do Professores Indígenas de Roraima), APIR (Associação dos
Povos Indígenas de Roraima), OMIR (Organização das Mulheres Indígenas de
Roraima), entre outras pequenas organizações indígenas na região, recebendo
ajuda da Diocese de Roraima, conseguiram introduzir nas escolas indígenas um
modelo pedagógico diferenciado do nacional, valendo-se do reconhecimento do
direito à educação bilíngüe (português-indígena) lhes está garantido pela
211.
Esse tema será tratado no próximo capítulo.
O Parágrafo Primeiro do Art. 14 do ADCT, da Constituição Federal de 1988, enunciou que “a
instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos governadores eleitos em 1990”.
213. Dos 83 artigos dispostos no ADCT da CF (88), apenas o artigo 67 mencionou dispositivos
específicos aos direitos dos índios e a União não cumpriu tal direito criado pela sua Lei Magna.
212.
246
Constituição Federal de 1988, no Capítulo III – Da Educação (art. 210, cf. Cap. 3,
item 3.3).
Essa realidade dual (português-indígena) de um ensino comum com
valores da cultura nacional e regional, formados segundo a tradição cultural
ocidental, dando chance ao índio de vivenciar a sua própria experiência cultural,
funciona ainda, contudo, sob o mesmo modelo pedagógico para integrar o índio
ao projeto social nacional, com conteúdos de base nacional, sem considerar as
especificidades regionais.
Nesse processo de dominação sobre o outro, as mediações estabelecidas
entre o governo estadual e o federal privilegiando interesses econômicos em
nome do povo e da soberania nacional, beneficiaram a elite e a pequena
burguesia, pois o projeto político definiu como núcleo central de suas estratégias
a “civilização” da região para integrá-la ao nacional:
a) a modernização urbana de Boa Vista;
b) a construção das rodovias: BR-174 (ligando Manaus até Caracas/Venezuela,
passando por Boa Vista), BR-401 (interligada com a BR-174, liga Boa Vista a
fronteira da Guiana) e BR-210 que se popularizou como Perimetral Norte. Além
dessas, a construção de pontes e novas estradas estaduais e as estradas vicinais,
instaurando uma ampla rede viária em Roraima;
c) a elaboração e a instalação, em parceria com o Incra, de vários projetos de
assentamento agrícola ao longo das rodovias, principalmente na Perimetral Norte
e nas denominadas vicinais;
d) o aumento de serviços/cargos em Boa Vista, controlados pelo poder da
máquina burocrática governamental, conseqüência das correntes imigratórias;
e) o fluxo de garimpeiros que tornou evidente os problemas associados às áreas
indígenas214;
f) os movimentos de reações indígenas e não-indígenas, após a Constituição
Federal de 1988, influenciadas pelas pressões de grupos ambientalistas (nacionais
e internacionais) com perspectivas de pôr fim a essa situação conflitante entre os
214.
Tema tratado no Capítulo 2, nos itens: 2.2 e 2.3.
247
habitantes roraimenses (índios e não-índios) com vistas ao desenvolvimento
sustentável como ponto de partida.
As controvérsias políticas, culturais e jurídicas referentes à essa questão,
envolvendo Estado, índios e sociedade nacional local, apontaram para a
necessidade de redefinir-se a posse da terra e o papel do índio no Estado.
Contudo, às vezes a terra é entendida como propriedade individual e às vezes
como usufruto coletivo. Tais características enunciadas nos textos constitucionais
da cultura escrita reorganizando elementos da memória de uma cultura não ligada
às concepções de tempo “brancas”, com registros de terras gerenciados pelo
INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e direitos de posse
conduzidos pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é estranha aos índios, gerando
mais confusão e sofrimento àquele que procura os direitos originários (cf. Capítulo
2, p. 129/131).
O novo governador215 revelou certa preocupação com as pressões das
diferentes
formas
de
representações
(indígenas
e
não-indígenas)
que
reivindicavam normas constituintes216 favoráveis aos direitos e exercício
democrático. Esses direitos são enunciados nos artigos 1º e 3º do Título I (Dos
Princípios Fundamentais) da Constituição brasileira de 1988 e reiterados pela
Constituição Estadual de 1991, cobrando da administração pública obediência
aos “princípios de legalidade, impessoalidade e moralidade217”, na esfera pública
215. O segundo governador eleito no pleito eleitoral de 1994 (Neudo Campos, PPB) e o seu vice (Airton
Antônio Soligo Cascavel), para o período de 1995-98, ganhou a eleição com o apoio do governador Brigadeiro
Ottomar Pinto (PTB), mas por divergências tanto políticas como de interesses pessoais no usufruto da “máquina
burocrática estatal”, após a posse do novo executivo estadual, houve um rompimento nas relações entre Neudo e
seu padrinho político (Ottomar), os quais passaram a liderar grupos opositores na disputa de poder sobre a base
política local e a bancada federal. O Brigadeiro Ottomar Pinto foi eleito Prefeito Municipal de Boa Vista, no pleito
municipal de 1996, para o período de 1997-2000. Nas eleições municipais de 2000, o Brigadeiro tentou reelegerse, mas perdeu para Tereza Jucá (PSDB) que foi novamente eleita para governar Boa Vista, tomando posse em 1º
de janeiro de 2001, com término do mandato em dezembro de 2004.
216. Constituição Federal de 1988 e Constituição Estadual de 1991, assegurando princípios (Arts. 1º e 3º)
para o governo adotar como programa democrático, na construção de uma sociedade justa e solidária.
217. Cf. Seção I, do Capítulo VII – Da Administração Pública, no seu Art. 37. A administraçõa pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ... Os
248
roraimense. Houve, assim, uma tentativa de coibir os conflitos do Estado de
Roraima, oriundos da política coronelista, que não respeitava as normas
democráticas apontadas nas referidas Constituições.
Mas, no segundo pleito eleitoral do novo Estado, realizado em 1994, não
houve significativas mudanças na renovação da bancada dos deputados eleitos
para a Assembléia Legislativa Estadual (a maioria foi reeleita), apesar de terem
sido reduzidos para 17218 o número de deputados diplomados. Das duas vagas
para o Senado Federal, uma foi ocupada por Romero Jucá 219 (PFL) e a outra por
Marluce Pinto (PMDB), que conquistou sua reeleição.
Dessa maneira, ao tomar posse em janeiro de 1995, o governador elaborou
metas para o seu programa enunciando as seguintes idéias:
a) valorização do ser humano e oferecimento de possibilidades para o exercício
democrático, no seu período de comando estadual. Para tanto, atribuiu
prioridade para questões sociais tanto das etnias indígenas como dos milhares de
imigrantes que haviam chegado em Boa Vista após 1985, aumentando os bolsões
de pobreza na periferia da capital do Estado;
b) programas sociais (saúde, educação, habitação, agropecuária e agroindustriais),
na melhoria da qualidade de vida dos índios e dos não-índios, como indivíduos
pertencentes à sociedade nacional local;
c) transformar Roraima no corredor de importação e exportação, na busca de
autonomia econômica, consolidando o transporte rodoviário pela BR-174 na
construção de uma ponte sobre o Rio Branco, no trecho próximo de Caracaraí,
que é realizado por balsa220, além de uma proposta que viabilize a importação de
enunciados foram distribuídas de I a XXI incisos e, também, entre dez parágrafos, normatizando os princípios da
administração pública (cf. Constituição Federal de 1988). Tal dispositivo desse artigo foi reiterado pela
Constituição Estadual de 1991, no art. 19.
218. Na primeira legislatura tomaram posse 24 deputados estaduais, mas por questões de interpretações
das normas eleitorais, na segunda legislatura foram diplomados somente 17, enquanto aguardavam-se uma
definição do processo e os cabíveis recursos relativos ao número de deputados para a ALE/RR, que tramitava no
Tribunal Regional Eleitoral/RR.
219. Romero Jucá, pernambucano, ex-presidente da FUNAI, ex-governador do Território Federal de
Roraima, indicado pelo poder político central, no período de transição para estado (durante a segunda metade da
década de 1980). A Senadora Marluce Pinto (esposa do Brigadeiro Ottomar Pinto) faz parte do grupo político
opositor tanto ao Senador Jucá quanto ao governador Neudo Campos.
220. Tal ponte sobre esse trecho próximo de Caracaraí foi inaugurada em outubro de 2000, durante o
segundo mandato do governador Neudo Campos, custando ao governo federal um valor de R$ 23,8 milhões. Cf.
FBV, 31/10/00.
249
energia elétrica da Central Hidrelétrica da Macágua, do complexo de GURI, na
Venezuela.
As idéias contidas no programa do executivo estadual fundiam-se num
confuso jogo político e econômico que integrava princípios democráticos,
“programas sociais para melhorar a qualidade de vida dos índios e dos nãoíndios”, demonstrando certa preocupação com a massa popular atribuindo
prioridade para os bolsões de miséria na periferia da capital surgidos com os
fluxos imigratórios (nordestinos, sulistas e índios). Para resolver esses problemas,
melhorando a vida dos habitantes de Roraima, o governo se valeria da compra de
energia elétrica da Venezuela, privilegiando o setor agroindustrial, que alimentaria
as pretendidas exportações. Contudo, o principal recurso para tal ação do
governador provê do poder central, pois o grande afluxo de verbas na região
continua sendo gerado pelo funcionalismo público que, evidentemente não
comporta o trabalho indígena.
Para o administrador regional da Funai, Walter Blós, no centro urbano de Boa Vista e
demais municípios de Roraima estão espalhados cerca de 11 mil índios. Os índios chegam
em busca de outras oportunidades que não sejam plantar e fazer peças artesanais. Walter
Blós diz que a responsabilidade por esta população indígena não é só da Funai, mas das
organizações indígenas como o CIR (Conselho Indígena de Roraima) e APIR (Associação
dos Povos Indígenas de Roraima). Para o administrador, quando a Funai foi criada era um
órgão de integração do índio na sociedade nacional. A Constituição de 1988 mudou isto e
o papel da Funai é de assistir e garantir os direitos dos índios. Ele comenta que a maioria
dos índios que chegam na cidade não procura a Funai. O índio que está fora da maloca não
se vê como índio, ele fala português e não se reconhece índio. Esse comportamento foi
constatado pelo Coordenador do CIR, Jerônimo Pereira da Silva, o qual comenta que o
índio quando chega à cidade tem vergonha de identificar-se como índio. Sem emprego e
um lugar decente para morar, muitos índios entram nas drogas e as índias se prostituem
para conseguir dinheiro. Há em Roraima um forte preconceito com a cultura do índio
(FBV, 30/12/1997, p. 05).
Assim, o índio que abandonou a maloca apresenta não só a falta de uma
nítida política indigenista governamental como as incoerências dos fundamentos
dos direitos constitucionais do índio221, dentro do contexto político-social do
221.
Tema tratado no Capítulo 3, itens 3.3 e 3.4.
250
Estado. A FUNAI e as duas maiores ONGs indígenas (CIR e APIR) não possuem
dados exatos sobre as etnias indígenas que deixaram as malocas e se envolveram
com drogas e prostituição no centro urbano de Boa Vista e demais municípios de
Roraima.
Na última matéria da FBV, fica claro que o projeto político do Estado não
parece disposto a resolver o sofrimento do índio que, desprovido de instituições
políticas em favor de sua própria identidade, submeteu-se ao submundo urbano.
Das três idéias centrais do programa proposto pela segunda legislatura
estadual, somente a construção da ponte sobre o Rio Branco e a importação da
energia elétrica de GURI/Venezuela foram efetivadas: a primeira, como
facilitadora do transporte rodoviário entre Manaus e Caracas passando por Boa
Vista; a segunda, resolvendo o problema enérgico de Roraima com possibilidade
de atrair investimentos para a agroindústria. No entanto, no decorrer da gestão
governamental
a
região
não
foi
transformada
em
corredor
importador/exportador e as melhores condições de vida de seus habitantes não
foram efetivadas.
Contudo, foi nessas inter-relações de circunstâncias que o executivo
estadual222 reelegeu-se e conseguiu seu segundo mandato numa acirrada disputa
com os opositores. Dentro dessa rede de lealdade submetida ao domínio de
patronagem e após os resultados da eleição de 1998, o governador e o seu vice 223
tomaram posse no dia primeiro de janeiro de 1999. Como outra peça importante
na engrenagem de atuação política nessa terceira legislatura do novo Estado, a
222. O governador Neudo Campos (PPB) e seu vice Flamarion Portela (PSL) ganharam as eleições no
pleito eleitoral de 1998, para o período de 1999-2002.
223. Com apoio de Neudo Campos, Flamarion Portela foi eleito governador de Roraima, no pleito
eleitoral de 2002, para o período de 2003-06, depois de ter disputado o segundo turno com Ottomar Pinto (PTB).
Essa característica particular na política local conectada com a bancada federal, no que se refere ao cargo de
governador de Roraima, parece firmar-se a continuidade do poder governamental que é passado entre o atual
governador e seu afilhado político, candidato a sucessor, na condução do poder. O Brigadeiro Ottomar, primeiro
governador, passou o cargo para seu afilhado Neudo que ficou no cargo por duas legislaturas, e, por sua vez,
passou para o seu afilhado Flamarion, a quarta legislatura estadual.
251
Assembléia Legislativa Estadual passou a contar novamente com um total de 24
parlamentares, aumentando para 42% o percentual de parlamentares nascidos em
Roraima. Desse total, onze deputados foram eleitos pela primeira vez, cinco pela
segunda vez, seis pela terceira vez e dois que retornaram após uma frustrada
candidatura para reeleição, em 1994.
Durante o discurso de posse, o governador retomou o tema referente a
uma administração pública voltada para ações sociais que favorecessem a todos
os habitantes do Estado:
(...) Vou à luta em busca dos investimentos para que as indústrias aqui se instalem. Vou
assumir o ônus de atitudes pouco populares, mas extremamente necessárias. (...) Será um
governo orientado para a busca do bem-estar das pessoas mais carentes. Bem-estar
representado, por exemplo, por um eficiente sistema de atendimento à Saúde. Bem-estar
representado também por uma boa educação que o Estado deve proporcionar às nossas
crianças (BN, 02/01/99, p. 03).
O executivo estadual afirma que vai “em busca dos investimentos para
indústrias que se instalem” no Estado, como se o Estado não estivesse envolvido
em graves conflitos fundiários. Ao fazer referência sobre a massa pobre da
sociedade que vive na periferia de Boa Vista, o governo não cita o contingente
indígena que divide com o migrante pobre esses bolsões de miséria. O direito ao
“bem-estar” e a “boa educação”, comum como direito a todos os habitantes de
Roraima, não cita como será a participação do índio (integrado, em vias de
integração ou em busca da identidade étnica). Isso significa que, ao falar de
“nossas crianças”, supõe-se que as crianças indígenas tenham desaparecido no
processo de integração na sociedade nacional, abandonando o direito à etnicidade
indígena.
Em seu discurso, o governador mascara sua responsabilidade na condução
de proposta eficaz para melhores condições de vida da sociedade e autonomia do
Estado e, ao citar os fundamentos constitucionais no seu programa político,
promete:
252
(...) Transformar Roraima num estado pujante, cheio de oportunidades para o seu povo é
tudo o que quero. O tempo em que isso vai se tornar uma realidade, infelizmente, não
depende só de mim. Vocês mesmos são testemunhas de que nosso trabalho sofre
interferências da crise internacional e nacional. Aliás, a recente demissão de funcionários
que tivemos que fazer neste final de ano foi uma prova disso. Os cortes na folha de
pagamentos foram uma exigência do Governo Federal para que nos enquadrássemos nas
novas regras do ajuste fiscal. (...) Vou trabalhar cada dia deste governo para devolver a
renda daqueles que perderam seu emprego e dar emprego àqueles que não tinham, não no
Governo, mas na iniciativa privada produtiva (BN. id, ibid).
No discurso do governo estadual, há fortes promessas para um futuro
diferente em meio a um presente em crise, com o governo federal pedindo ao
estadual que enxugasse a máquina pública. No entanto, o amanhã promissor não
contará com a ajuda do Estado, já que ele transferiu para a iniciativa privada a
responsabilidade de empregar os roraimenses:
(...) Informo que o problema fundiário e a grave questão das demarcações de reservas
indígenas no nosso estado, especialmente a gleba São Marcos e a pretensa reserva Raposa
Serra do Sol, estão sendo tratadas por este Governo não mais na esfera administrativa, mas
sim, para fazer valer a decisão do sentimento do povo de Roraima, na área judicial. (...) vou
ter que bater na porta dos investidores e industriais para mostrar a todos a ótima opção
que Roraima representa; vou usar de todos os argumentos; vou ser o maior vendedor deste
estado; vou trabalhar duro, e podem estar certos, nossas chances são muitas! Conheço bem
este País e sei o que cada estado tem para oferecer (BN. id, ibid., grifos nossos).
O executivo estadual, ao se referir à política indigenista de cumprimento
aos textos constitucionais, deixa claro, de maneira pouco velada, sua não
aceitação das demarcações das terras em questão. Para tanto, privilegiando o
Estado dentro de um ilusório cenário democrático, o governo reorganizou as
alianças com as bases locais e a bancada federal contra o índio que não deseja ser
emancipado.
A política indigenista, em especial aquela desenvolvida com base nos
direitos constitucionais, não aparece nos conteúdos de enfoque dos
representantes governamentais, dos setores políticos e econômicos da sociedade
local, das organizações indígenas vinculadas ao Estado (pró-nacional). As
253
manifestações dos índios ligados ao CIR (Conselho Indígena de Roraima, pró-tradição),
contudo, são claras:
Assembléia Geral das lideranças do Conselho Indígena de Roraima (CIR) reuniu cerca de
800 índios e aproximadamente 150 tuxauas na Maloca Pium, a 130 quilômetros ao norte de
Boa Vista, no Município de Alto Alegre. Definindo a política indígena para o ano 2000, um
dos pontos principais defendidos pelas lideranças do CIR é a demarcação da Raposa/Serra
do Sol. Na área da política partidária, eles decidiram que os coordenadores do CIR não
podem se candidatar a nenhum cargo eletivo nas eleições no período em que durar o
mandato da diretoria. Os índios vão aumentar a pressão para o Governo Federal
homologar a reserva em área única e também pressionar a Funai na demarcação de todas
as terras indígenas em Roraima. As lideranças indígenas não vão aceitar nenhuma
imposição de projetos elaborados (Governo, Funai, ONGs) e executados nas áreas
indígenas sem a consulta dos índios. Será criada uma Comissão do CIR e da FNS (Fundação
Nacional de Saúde) para discutir projetos de saúde. Na educação, uma política educacional
diferenciada no ensino público. Há escolas indígenas que estão na Divisão do Interior e
eles propõem que todas sejam repassadas para a Divisão de Educação Indígena da
Secretaria de Educação. As lideranças querem que as comunidades façam a indicação dos
professores índios para as escolas. O CIR não vai mais aceitar pesquisas científicas dentro
das reservas sem autorização das ONGs indígenas e da comunidade envolvida (FBV,
11/02/99, p. 3).
Inserida na mesma questão indigenista, a Diocese de Roraima, as
lideranças do CIR, o executivo estadual e representantes da política local/federal
registraram suas divergências em relação à política indigenista.
A principal questão é que as lideranças e representantes das ONGs
indígenas ligadas ao CIR reivindicaram a posse da terra com base na Constituição
(Federal/Estadual), enquanto que as lideranças e representantes das ONGs
indígenas associadas ao Estado reivindicam a posse da terra dentro da visão de
propriedade privada, sem fazer referência aos artigos constitucionais dos direitos
indígenas.
As lideranças e representantes do Estado e da sociedade local (governo
estadual, prefeitos, senadores, deputados estaduais/federais, vereadores, dos
setores da economia/empresarial, etc.) reivindicaram a posse da terra
respeitando-se o processo de colonização pelo Estado que conquistou a terra e
que tem a tutela do índio.
254
O Estado adotou medidas para favorecer os seus suportes políticos,
semelhantes aos que vinham sendo usados durante a fase de transição
governamental (1985-90) e, com apoio da FUNAI, intervinha em quase todas as
malocas e assumia a gestão financeira para os índios aliados ao projeto eleitoreiro.
Ainda que os juristas de Roraima achassem que o sistema jurídico deveria
contemplar a regulamentação das questões indígenas a omissão persistiu:
Foi no curso das últimas eleições que emergiu, com clareza, a atitude do governo perante
as malocas indígenas. Em três anos de atividades o governador Ottomar de Souza Pinto
conseguiu que 30% dos índios tornassem-se eleitores e apoiassem suas escolhas eleitorais.
Começa, assim, também nas malocas, o “carnaval” das campanhas eleitorais, realizadas
com presentes e ameaças, viagens contínuas de políticos e cabos eleitorais, etc. (...) Os
vários políticos tentavam ganhar os votos dos índios e, mesmo que a Funai tenha proibido
os comícios nas malocas, estas foram continuamente invadidas (CIDR, 1990:15).
Esse particularismo, nos últimos anos do século XX, não permitiu
aos índios um fortalecimento em prol de seus próprios direitos étnicos e acabou
por dividir as famílias indígenas que se reconheciam no projeto governamental de
integração nacional. Uma parcela dos índios que desejarem integração é alvo dos
interesses eleitoreiros, enquanto outra, que busca direitos originários, rebelam-se
contra o poder executivo local.
Nesse quadro, a política educacional tornou-se outro ponto de discórdia
entre as distintas formas de representação e lideranças. O Estado, por meio da
Divisão de Educação Indígena, mantém escolas nas malocas com ensino
diferenciado das escolas para os não-índios, ministrando aulas em português e
também na língua indígena. Contudo, existem também escolas nas malocas que
estão vinculadas à Divisão do Interior, que são mantidas, também, pelo Estado,
com ensino igual para índios e não-índios, sem fazer referência à língua e cultura
do índio.
Na briga pela mudança do modelo pedagógico ministrado nas escolas
indígenas, as divergências internas entre as famílias indígenas persistiram: os
255
representantes do CIR (Conselho Indígena de Roraima) que reivindicavam
identidade étnica desejavam que todas as escolas indígenas fossem administradas
pela Divisão de Educação Indígena, com ensino diferenciado dos não-índios,
enquanto que os representantes das ONGs contrários ao CIR, que estavam em
processo de integração ou integrados na sociedade nacionais local, não queriam
tratamento diferenciado na política educacional.
O poder governamental, juntamente com a elite local, estabeleceu
mecanismos de poder sobre os “seus eleitores” que eram trazidos de diferentes
pontos da região, urbana e/ou rural, estreitamente vigiados, cada qual munido de
sua cédula de voto, até o local de votação e, em seguida, o candidato eleito
oferecia uma festa para todos com churrasco e bebidas, para celebrar a vitória.
Nessa disputa, o índio não associado ao CIR entrou na política local, como
candidato (vereador, prefeito, deputado estadual) e registrou o seu discurso
contra a identidade étnica e tratamento diferenciado do cidadão brasileiro:
O líder indígena Jonas de Souza Marcolino, integrante da SODIUR (Sociedade de Defesa
dos Povos Indígenas Unidos de Roraima), eleito vereador (PSL) na primeira eleição do
município, favorável ao entendimento entre brancos e índios, coloca seu nome como
candidato a vice-prefeito, numa chapa que deverá ser encabeçada pelo vereador João
Valdêr (PSL). Jonas destaca a “atenção especial” do Governo de Roraima para a sede do
Município de Pacaraima e vilas (malocas), em especial a do Contão, onde há projetos de
parcerias. Faz crítica ao atual executivo municipal que se mostra ausente e as ações de
desenvolvimento em Pacaraima são do Estado ou exclusivamente com recursos federais.
Como líder indígena, Jonas pensa diferente das lideranças do CIR (Conselho Indígena de
Roraima) e TWM (ONG do povos Taurepang, Wapixana, Wai Wai, Waimiri-Atroari,
Makuxi, Mayongon). Para ele é uma ironia, lideranças radicais lançarem candidaturas a
prefeito e para a Câmara Municipal. Jonas discorda da idéia do CIR de que a sede do
Município de Pacaraima deve ser indenizada e os não-índios retirados da área São Marcos e
Raposa Serra do Sol. Para Jonas é possível a convivência entre brancos e índios (FVB,
06/01/00, p. 7).
A situação de o índio está, ao mesmo tempo, ligado à relação coletiva e à
idéia de ver-se como “civilizado” continua mantendo-o em posição ambígua. O
índio oscila entre o protecionismo estatal, marcado pela ideologia de
“unificação”, de defesa da terra em favor do Estado e da sociedade nacional, e na
256
sua própria vivência na diversidade e especificidade cultural. As ongs indígenas
não vinculadas ao CIR participam na política local, fortalecem o Estado e as
bases políticas, contra os parentes que desejam direitos constitucionais:
Em Roraima não existe só a opinião do CIR e da Igreja Católica. A SODIUR (Sociedade de
Defesa dos Índios Unidos de Roraima) defende demarcação em ilhas e parcerias com o
governo federal, estadual e municipal, para que os índios encontrem o caminho do
desenvolvimento. O presidente da SODIUR, Lauro Barbosa, disse que ouviu denúncias de
outras lideranças indígenas e outros Estados de que as ONGs pressionam pela demarcação
e depois abandonam as comunidades, atendendo somente os interesses externos. Em
Roraima o CIR trabalha para massacrar outras ONGs indígenas e lideranças, com tentativa
de implantar um “perigoso domínio único, um espaço de governo ditatorial” (FBV,
29/12/99, p. 7).
Em diferentes momentos da década de 90, essa temática da demarcação
em ilhas opondo-se à área contínua, que faz parte do projeto da
FUNAI/CIR/Diocese de Roraima, tornou-se a questão central que atravessou a
maior parte das reflexões e preocupações dos habitantes de Roraima, discutidos
nos distintos fóruns da região. Os textos publicados e divulgados pela mídia local
contribuíram para a divulgação, denúncia e crítica, informando e formando
grande parte da sociedade de Roraima sobre essa histórica situação fundiária da
caminhada dos povos indígenas, divididos na busca por direitos originários e
emancipação, mas esquecendo-se que todos querem, basicamente, melhores
condições de vida.
A questão fundiária marcou os discursos de posse dos governadores e
deputados estaduais por toda a década de 90. Durante a posse dos parlamentares
da Assembléia legislativa do Estado (ALE), em janeiro de 1999, o deputado
Iradilson Sampaio (PFL), por exemplo, falou em nome dos reeleitos e fez um
pronunciamento acalorado em favor do “branco”:
A demarcação em área contínua Raposa Serra do Sol nos dá a impressão de que o manto
da ignorância obscureceu os fatos históricos e presentes. A imagem dos bravos pioneiros
colonizadores é propositadamente denegrida, como se fossem especuladores de terra. Na
atual política adotada pelo Governo Federal, nas demarcações de reservas, abandona-se
quem produz e revigoram-se imagens obsoletas e preconceituosas contra o homem do
257
interior. É como se fossem eles sonegadores de esperanças. Roraima espera que o Brasil e
o Governo Federal tenham a coragem e o discernimento político de reorientarem tudo o
que até hoje foi feito, estão para fazer, em termo de demarcações. É simplismo e
ingenuidade, talvez má-fé, imaginar combater a miséria, a fome e as doenças que campeiam
nas comunidades indígenas, reservando a elas apenas grandes áreas (FBV, 04/01/99, p. 05).
Essas idéias representam a visão da quase totalidade da Assembléia
Legislativa do Estado que, sem uma ampla análise dos direitos indígenas
previstos na Constituição Federal/88 e na Estadual/91, abordou a questão da
posse da terra baseando-se em uma unilateralidade histórica que não pode ser
senão prejudicial aos interesses gerais.
De fato, o acirramento do partidarismo pró e contra as demarcações,
obscurecem razões sérias presentes nos dois pólos de argumentações:
A Comissão mista da ALE formada por deputados estaduais e produtores rurais deverá
ouvir o procurador-geral do Estado e lideranças indígenas na busca de soluções para os
problemas econômicos e sociais decorrentes da demarcação da reserva indígena Raposa
Serra do Sol. O ex-prefeito de Normandia, deputado Gelb Pereira (PDT) comentou: “Há
uma pressão internacional (G7) contra o Brasil, os índios e a ecologia são usados pelos
interesses econômicos estrangeiros” (FBV, 07/01/99, p. 3).
Uma delas – não há que ignorá-la – é a da ingestão estrangeira, muitas
vezes motivada por internacional “boa vontade” mas, de qualquer forma,
igualmente mal informada de nosso processo histórico e, quase sempre,
inaceitavelmente desinteressada pelo elemento “branco” da contenda. Ou seja,
concepções de “bandido” e “mocinho”, que servem para resolver culpas
passadas de nações amigas, não podem intervir em nossa realidade,
independentemente de qualquer fantasma de pretensão econômica.
Coerentes com sua unilateralidade, os representantes da ALE tomaram
algumas medidas na tentativa de reverterem a decisão do Ministério da Justiça
que assinou a Portaria n. 820 (dez/98) demarcando a Raposa Serra do Sol. Nesse
sentido, as formas de representação e lideranças são inerentemente frágeis e
negociadas entre os envolvidos na partilha do poder político e posse da terra.
258
Na visão dominante está a ideologia integracionista, na qual as
reivindicações pelo reconhecimento dos direitos constitucionais dos índios eram
reguladas pelo governo estadual segundo os interesses políticos e econômicos em
favor do Estado. Assim, o Estado, apesar de sua Constituição reconhecer os
direitos indígenas, tem sido o algoz da situação dos índios:
O prefeito de Boa Vista, Ottomar Pinto (PTB), afirmou que se Brasília não ouvir as
reivindicações de Roraima é preciso usar da violência para contestar a demarcação da
reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Para o prefeito a demarcação obedece a pretensões
de ONGs internacionais para “congelar” as áreas mais ricas em minérios do mundo. É
uma “orquestração” de entidades anti-nacionais para tomar a Amazônia e o Exército do
Brasil não tem como confrontar as nações como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha.
Lembrou o tempo em que foi Governador de Roraima, há seis anos, que conseguiu reunir
forças políticas e convencer o então Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, a “engavetar a
demarcação Raposa/Serra do Sol.” Para o prefeito a demarcação em área única é legal
porque obedece à lei, porém ele entende que não é legítima porque vai impedir o
desenvolvimento de Roraima (FBV, 08/01/99, p.3, grifo nosso).
É, assim, visível a concepção de que grupos internacionais manipulam os
índios desprotegidos do Estado, dos grupos que se encontram isolados sem o
controle da FUNAI, usufruindo ilegalmente dos recursos naturais que devem ser
explorados pelo Estado. Tal posição consolida ainda mais o ideal da tutela sobre
o índio e suas terras, que devem ser geridas pelo branco, em defesa do interesse
nacional (cf. Cap. 3, item 3.1).
A terceira legislatura do novo Estado esbarrou em divergências conceituais
presentes nas propostas de desenvolvimento, nos constantes conflitos jurídicopolíticos e violentos embates armados entre índios e não-índios que disputavam a
posse de uma mesma terra, em uma luta acirrada, uns pela demarcação de
reservas indígenas e outros pela municipalização das mesmas áreas.
Os projetos de assentamento de colonos, gerenciados pelo INCRA, em
parceria com o governo estadual, continuavam apresentando dificuldades na
manutenção dos assentados. Apesar de o projeto político governamental
incentivar apoio financeiro para a permanência do colono na terra “brava”, o
259
abandono era constante em decorrência da precariedade das estradas e
rodovias224, além das longas distâncias e da falta de transporte para o escoamento
dos produtos (arroz, milho, feijão, banana, soja, etc.) no mercado.
O Projeto de Assentamento na região do Jatapu, por exemplo, ao Sul do
Estado e próximo à reserva indígena Wai Wai, fora criado em setembro de 1983
para atender cerca de três mil famílias de imigrantes, com uma área de 230.800
hectares. Cada família receberia um lote aproximado de 60 hectares. Em 1991,
após a retomada desses assentamentos com a instalação do Estado, havia um
total de 1.091 famílias assentadas e habitando as terras do Município de são João
da Baliza, não atingindo, portanto, o objetivo inicial. A proximidade com a
reserva gerou conflitos e a maioria dos brancos não se adaptou ao local,
sobretudo em vista à proibição de mineração.
Esse projeto de ação do governo estadual de acordo com as prioridades do
federal, no povoamento e defesa da terra não extinguiu o conflito entre o
governo central, o estadual e a sociedade local (índios e não-índios), criado pela
diversidade de interesses na posse e no usufruto da terra que é de propriedade da
União.
Ano
TOTAL
1991
1996
1997
1998
1999
2000
2001
217.583
247.13
254.499
260.7.05
266.922
324.152
337.237
Quadro Demonstrativo 05
População do Estado de Roraima (IBGE, 2001)
224. A BR-174 está completamente asfaltada, mas a sua “capa de asfalto” é muito precária existindo vários
buracos ao longo de seu trecho, como também falta de sinalização. Em outubro de 2000, foi concluída a
construção da ponte sobre o Rio Branco, na cidade de Caracaraí, substituindo a travessia pela balsa, melhorando o
tempo de espera na margem do rio para dar continuidade no trajeto pela BR-174 (ligando Boa Vista a Manaus e a
Caracas). A BR-210 também está praticamente asfaltada, mas por causa das constantes chuvas existem muitos
buracos em vários pontos de seu trecho. A BR-401, que liga Boa Vista à Guiana, também apresenta problemas
para conclusão de seu asfaltamento.
260
Nesse sentido, no conjunto das organizações sociais e das legislaturas,
merece maiores estudos a participação do índio, pois, observamos que existem,
ainda hoje, a cultura e a língua de famílias do tronco lingüístico Karib (Makuxi)
ou Arawak (Wapixana), documentadas desde o período colonial por holandeses,
espanhóis, ingleses e portugueses. Tais práticas culturais se encontram inseridas
na história do tempo presente roraimense embora não sejam compartilhadas por
alguns grupos dessas próprias famílias Makuxi ou Wapixana, já integradas na
sociedade nacional e vivendo da relação comercial com a terra225.
No embate pela posse da terra, o executivo estadual espera que a União
lhe consigne a parte do território que lhes cabe de conformidade com a
transformação de Território Federal em Estado Federado. A sociedade local
(índios e não-índios) necessita da compatibilização das ações do governo estadual
e federal como mediadores do conflito e não como parte interessada. Em
nenhum momento, entre o período 1988-2002, a sociedade local percebeu a
alteração profunda do status quo do governo (local/central) ou da lógica de
sobrevivência dos representantes políticos e da elite boavistense.
Para melhor compreensão da postura assumida por esses governantes, na
primeira década de Roraima, como Estado Federado cabe, de início, colocar
algumas indagações de ordem mais geral: qual a função atribuída ao Estado em
relação aos princípios fundamentais da Constituição Federal (88) e da
Constituição Estadual (91)? Qual a concepção de exercício de cidadania expressa
pelos representantes do poder estatal e da sociedade local (índios e não-índios)?
Tais questões suscitam uma reflexão sobre o significado de Estado democrático
de direito, o poder do Estado e os interesses em jogo ao qual ele serve.
225.
Em nossa atualidade, existem pequenos núcleos familiares de makuxi, por exemplo, habitando parte
do território de Roraima como o da Guiana comunicando-se somente em língua Makuxi. No entanto, seus líderes
e representantes étnicos comunicam-se tanto em Makuxi e Português como Makuxi e Inglês, nas distintas relações
fora do convívio da maloca, cujo limite territorial é distinto do limite do Estado-Nação. Outro exemplo, é o
Yanomami que habita o Brasil e a Venezuela.
261
A atuação do executivo estadual em relação ao controle das lideranças
políticas na bancada de Roraima na esfera federal controlava também parte dos
deputados estaduais e prefeitos, que se constituíram em importantes peças na
máquina pública de fazer política, como cabos eleitorais para as eleições tanto
dos deputados federais como dos senadores, além dos representantes da
Assembléia Legislativa (ALE) e do executivo estadual. Assim, o governo estadual
fornecia a logística necessária para as campanhas eleitorais e, depois das eleições,
reordenava o controle de poder para governar, apoiado nessa malha de alianças
individuais e não partidárias/coletivas.
O deputado federal de Roraima, Salomão Cruz (PSDB), vai propor que em sinal de
protesto contra a demarcação em área única da Raposa Serra do Sol, a bancada de Roraima
vote contra todas as matérias que o Governo Federal apresentar durante esse período de
convocação extraordinária no Congresso Nacional. A proposta deverá ser feita aos demais
parlamentares da bancada da Amazônia. Boicotando as propostas do Palácio do Planalto, é
uma forma de chamar atenção para as defesas dos representantes do povo de Roraima.
Não temos a intenção de ser contrários as matérias do Governo Federal, mas é
fundamental ouvir as propostas da população de Roraima (empresários, fazendeiros,
índios) que está envolvida na área pretendida, que defendem a demarcação da reserva em
ilhas. Salomão Cruz vai procurar o líder do partido, deputado Aécio Neves (PSDB-MG),
para colocá-lo a par da situação de Roraima, quanto aos problemas sociais e econômicos
que serão acarretados com a demarcação Raposa Serra do Sol. O relato a Aécio Neves será
entregue à Comissão de Meio Ambiente e Minorias, da Câmara dos Deputados, propondo
nova avaliação da problemática indígena em Roraima (FBV, 09 e 10/01/99, p. 4, grifo nosso).
Ou seja, a estruturação das forças políticas, em nome do Estado de
Roraima, valorizou argumentos em nome do bem-estar da “coletividade”,
embora fique claro tratar-se apenas daquela branca. Os “representantes” do povo
de Roraima (empresários, fazendeiros, índios “civilizados”) não aceitaram as diferenças
sócio-culturais e isolaram o problema do índio ligado ao CIR (Conselho Indígena de
Roraima) que reivindicava direitos constitucionais.
Nessa visão política, o Sistema Judiciário trata a realidade sócio-cultural de
modo homogêneo e isso tornou o conflito local mais complexo, pois os
argumentos escondiam interesses difusos em favor do Estado, que aparecia mais
262
como um concorrente na posse da terra do que um mediador na busca de uma
solução para esse conflito.
Diante de tal situação, a conjuntura roraimense dos últimos dez anos do
século XX, para essa sociedade local que tem como desafio conciliar os interesses
político-econômicos e culturais, foi surpreendida com a entrada do
Estado/União na contenda, tornando o embate mais violento.
4.2. Os Novos Municípios
Em 1991, o Estado contava com um total de oito municípios226, cujas
terras eram pretendidas pelas etnias indígenas (Makuxi, Wapixana, Taurepang,
Ingarikó, Wai Wai, Yanomami) integrantes do Conselho Indígena de Roraima
(CIR), que não concordavam com a geopolítica do Estado sem respeitar as áreas
de posse reivindicadas pelos índios. Como exemplo, temos o caso da reserva
Yanomami:
Existem diversos diplomas legais definindo a área ianomami. Ela varia, dependendo da
decisão, de 2,4 milhões de hectares até 9,4 milhões de hectares. É essa área que as
entidades de defesa indígena acham a mais apropriada. O Estado brasileiro tem posições
conflitantes a respeito.227
A política do novo Estado, em função da ideologia branca de
ocidentalização dos índios e posse da terra, deu ao indígena integrado ou em vias
de integração, na sociedade nacional, um papel essencial, o de seduzir os
“parentes rebeldes” para ingressarem no novo poder estatal.
Cristalizando esse conflito gerado pelos descaminhos de mais de 400 anos
de história e desacertos dos textos constitucionais, que não apenas medeiam os
conflitos como deles são partes interessadas, o governador de Roraima fez novas
mudanças físicas no Estado, favorecendo o projeto de embranquecimento
226. Esses municípios estaduais foram descritos no Cap. 3, item 3.2. Os antigos e os novos municípios
estão ilustrados no Mapa 05 e as áreas indígenas no Mapa 06, baixo, pp. 250-51.
227. Cf. Reportagem “A morte ronda os índios na floresta: a febre do ouro está dizimando velozmente os
ianomamis, o povo mais primitivo e isolado da Terra”, publicada na Revista Veja, edição 1148 de 19/09/90.
263
político da região. Em 1994, as Leis Estaduais (82 e 83 de novembro de
1994) criaram dois novos municípios: Iracema (com terras desmembradas
de Mucajaí) e Caroebe (com terras desmembradas de São João da
Baliza).
Em 1995, instalaram-se mais cinco municípios, criados pelas Leis estaduais
de números 96, 97, 98 e 100 de outubro de 1995, Amajari, Pacaraima, Uiramutã,
Cantá e Rorainópolis.
4.2.1 – Amajari
Foto 8: Serra do Tepequém228.
Em 1975, com a instalação de um bar de propriedade do Senhor Brasil na
região, deu-se origem ao pequeno aglomerado urbano. Em outubro de 1995, a
pequena vila denominada Brasil, que dista 154 km de Boa Vista, foi transformada
em município de Amajari pela Lei Estadual n. 097. Tem área territorial de
28.558,4 km², com 58,71% dela delimitada por terras indígenas Yanomami. Com
o fluxo de garimpeiros alterando a massa imigratória entre 1987-90, a população
do município em 1991 era de 10.903 habitantes e, em 2001, era estimada em
5.455 habitantes (IBGE, 2001).
228. A Serra do Tepequém, pela rodovia RR-203, está 100 quilômetros distante do município de Amajari,
É um vulcão extinto e tem 1.100 metros de altitude. Faz parte da região fronteiriça com a Venezuela. Entre as
décadas de 1930 até 1950 atraiu numerosos grupos de garimpeiros com a exploração de diamantes. Entre 198790, viveu a “febre” do ouro e essa prática garimpeira continua com menor intensidade.
264
4.2.2 – Cantá
Foto 9: Praça central do município de Cantá.
Esse núcleo urbano, distando 32 km de Boa Vista, originou-se da colônia
agrícola Brás de Aguiar, pertencente ao vilarejo do Bonfim, em meados do século
XX. Em outubro de 1995, pela Lei Estadual n. 099, tal colônia foi denominada
Cantá e transformada em município. Tem área territorial de 7.691 km² dos quais
419,13 km² são de área indígena. Em 1991, tinha uma população de 4.042
habitantes e em 2001 era de 8.922 habitantes (IBGE, 2001).
4.2.3 – Caroebe
Foto 10: Praça central do município de Caroebe.
O núcleo urbano, que dista 354 km de Boa Vista, surgiu com as pequenas
vilas denominadas Entre Rios e Jatapu, que apareceram com a construção da BR210 (Perimetral Norte, na década de 70) e da usina hidrelétrica que fornece
energia para a região sul do Estado. Com o desmembramento das terras do
município de São João da Baliza, em novembro de 1994 pela Lei Estadual n. 82,
esse aglomerado urbano foi transformado no município Caroebe. Sua área
territorial é de 12.098,5 km², dos quais mais da metade (6.376,32 km²) são áreas
de reserva indígena Wai Wai. Em 1991, a população era de 3.647 habitantes e em
2001 foi estimada em 5.775 habitantes (IBGE, 2001).
265
4.2.4 – Iracema
Foto 11: Cachoeira do “Leonardo”.
O município de Iracema, distando 92 km de Boa Vista, está localizado
entre a margem do Rio Branco e a BR-174; no seu território de floresta e serras
existem inúmeras cachoeiras. O imigrante maranhense Militão Pereira Costa
comprou um lote agrícola nessa região e doou parte da terra para os parentes que
chegavam da terra natal. O primeiro povoado surgiu dessa grande migração do
Maranhão na década de 1970 e a vila tornou-se município em 1994. Possui uma
área territorial de 14.403,9 km², dos quais 80% (11.585,84 km²) são de área
indígena Yanomami. Em 1991, apresentou um total de 2.163 habitantes e em
2001 era estimada em 5.027 habitantes (IBGE, 2001).
4.2.5 – Pacaraima
Foto 12: Fronteira entre o Brasil e a Venezuela.
O povoado, que dista 212 km de Boa Vista, era conhecido como BV-8
(marco Brasil/Venezuela n° 8), fora desmembrado do município de Boa Vista e
transformado em município de Pacaraima, pela Lei Estadual n. 096, em outubro
de 1995. É a porta rodoviária (BR-174) entre o Brasil e a Venezuela e tem em
área territorial de 12.098,5 km², dos quais 66% (8,063,90 km²) estão em área
indígena São Marcos. Nessa área há um conjunto de fazendas, malocas, vilas
266
agrícolas e a sede municipal. Distância de Boa Vista: 212 km. Em 1991, contava
com uma população de 4.099 habitantes e em 2001 era estimada em 7.229
habitantes (IBGE, 2001).
4.2.6 – Rorainópolis
Foto 13: Rorainópolis as margens da BR-174.
Distando 219 km de Boa Vista, o aglomerado urbano surgiu com a vila de
assentamento do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), nos anos
70. Foi transformado em município, em 17 de outubro de 1995 pela Lei Estadual
n. 100, com o desmembramento das terras do município de São Luiz do Anauá.
Possui uma área territorial de 33.745 km² e, deste total, 18, 53% (6.254,25 km²)
são de área indígena Waimiri-Atroari que fica no sul do município. Em 1991
tinha uma população de 5.496 habitantes e em 2001, contava com um total de
18.803 habitantes (IBGE, 2001).
267
4.2.7 – Uiramutã
Foto 14: Vista aérea do município de Uiramutã.
A vila que deu origem ao município de Uiramutã, emancipado em 17 de
outubro de 1995, pela Lei Estadual n. 98, pertencia ao município de Normandia.
A população do município é quase toda pertencente às etnias indígenas Makuxi e
Ingarikó. Das 40 escolas mantidas pelo município, 38 ministram aulas para
crianças indígenas, em português-makuxi e português-ingarikó. O município está
a 315 km de Boa Vista e possui uma área territorial de 8.090,7 km², da qual
97,97% (7.925,95 km²) são da reserva indígena Raposa/Serra do Sol.
268
MAPA 05
Divisão geográfica de Roraima, em 1995.
(FREITAS, 1997)
269
Nº
01
Área Indicada
Yanomami
Área/Km²
54.691
Situação
Delimitada
02
Raposa/Serra do Sol
13.478
Identificada
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
São Marcos
Anta
Santa Inês
Ananás
Cajueiro
Araçá
Ponta da Serra
Pium
Xururuetamú
Barata/Livramento
Ouro
Raimundão
Sucuba
6.539
31
296
17
43
500
155
36
487
132
135
43
59
Demarcada
Demarcada
Demarcada
Demarcada
Demarcada
Demarcada
Demarcada
Demarcada
Interditada
Delimitada
Demarcada
Delimitada
Demarcada
Município
Boa Vista/Alto
Alegre/Mucajai
Caracarai
Normandia/Boa
Vista
Boa Vista
Alto Alegre
Boa Vista
Boa Vista
Boa Vista
Boa Vista
Boa Vista
Boa Vista
Normandia
Mucajai
Boa Vista
Mucajai
Alto Alegre
* estende-se por mais cerca de 20.700 Km² pelos Estados do Pará e
Amazonas.
Nº
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
Área Indicada Área/Km²
Bom Jesus
8
Jaboti
80
Serra da Moça
116
Manoá Pium
433
Recanto
da
Saudade
137
Jacamim
1.070
Wai Wai
3.300
Trombetas/
Mapera*
4.500
Malacacheta
161
Canauani
63
Taba lascada
70
Truaru
56
WaimiriAtroari
6.640
Boqueirão
139
Mangueira
40
Amingal
76
TOTAL
93.531
Situação
Demarcada
Delimitada
Demarcada
Demarcada
Município
Bonfim
Bonfim
Boa Vista
Bonfim
Delimitada
Delimitada
Delimitada
Bonfim
Bonfim
S.J. Baliza
Interditada
Demarcada
Delimitada
Delimitada
Delimitada
S.J. Baliza
Bonfim
Bonfim
Bonfim
Alto Alegre
Demarcada
Delimitada
Demarcada
Demarcada
São Luiz
Alto Alegre
Mucajai
Alto Alegre
MAPA 06 Áreas Indígenas em Roraima, situação jurídica em 1993 (BARROS, 1995).
270
Com esse processo de desconcentração espacial do sistema político e
administrativo que visava apoio federal ao governo estadual, o Estado de
Roraima viu-se composto por quinze municípios no curto espaço de 13 anos
(1982-1995). O censo de 1995 estimou o total da população do Estado em
262.200 habitantes, sendo 70,5% residentes na área urbana de Boa Vista e
somente 29,5% moradores da zona rural (IBGE, 2000).
Ou seja, alocar 14 municípios para apenas 29,5% da população indica a
fragmentação política do espaço como mecanismo de oposição aos direitos
indígenas.
Desta forma, o crescimento do eleitorado nos últimos anos do século XX,
relacionado ao processo de imigração para o novo Estado, foi significativo para
esse aparato da agenda política do governo estadual e municipal, tanto na
reordenação das bases políticas como no controle das lideranças na bancada
federal de Roraima. Essa ação do executivo estadual e do prefeito de Boa Vista
tornou-se um importante mecanismo de domínio sobre o “curral eleitoral” e
efetivou estratégias de poder na sobrevivência dos privilégios da elite política
roraimense.
Ano Eleitores
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
86.226
101.722
119.888
140.504
170.621
186.047
187.266
Crescimento Absoluto Crescimento (%)
15.496
18.166
20.616
30.117
15.426
1.219
15,23
15,15
14,67
17,65
8,29
0,65
Quadro Demonstrativo 06
O Crescimento do Eleitorado 1990 a 2002
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, em 05/02/2002.
271
ZE
Municípios
1 Boa Vista
Total 1ª ZE
2 Caracaraí
2 Iracema
2 Mucajaí
Total 2ª ZE
3 Alto Alegre
3 Amajari
3 Boa Vista (Rural)
3 Bonfim
3 Cantá
3 Normandia
3 Pacaraima
3 Uiramutã
Total 3ª ZE
4 Caroebe
4 Rorainópolis
4 São João da Baliza
4 São Luiz do Anauá
Total 4ª ZE
Totais da UF
Locais
Seções
134
134
16
4
8
28
12
8
5
12
18
11
8
7
81
6
10
4
6
26
269
331
331
34
12
34
80
29
17
5
21
30
15
16
9
142
14
28
11
17
70
623
Aptos
112.493
112.493
9.131
3.672
7.244
20.047
7.976
4.288
893
4.681
7.820
3.782
4.432
2.236
36.108
3.656
7.220
3.653
4.089
18.618
187.266
Quadro Demonstrativo 07
A Distribuição do Eleitorado por Município e Zona Eleitoral
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, em 05/02/2002.
Ano
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
Capital
60.746
69.218
83.020
88.741
108.948
109.454
112.493
(%)
70,45
68,05
69,25
63,16
63,85
58,83
60,07
Interior
25.480
32.504
36.868
51.763
61.673
76.593
74.773
(%)
29,55
31,95
30,75
36,84
36,15
41,17
39,93
Total
86.226
101.722
119.888
140.504
170.621
186.047
187.266
Quadro Demonstrativo 08
A Distribuição do Eleitorado no Estado
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, em 05/02/2002.
Essa sociedade eleitoral já fez denúncias sobre o executivo estadual,
procurando respostas para o não cumprimento dos enunciados na Constituição
Federal/Estadual, especialmente, em seu artigo primeiro, incisos III (a dignidade
da pessoa humana) e IV (os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa) e não
conseguem compreender a permanência desse jogo de interesse políticoeconômico, centralizado no governo estadual que controla parte das lideranças da
272
elite/política local, no velho esquema da política de favor, não evidenciando uma
política indigenista para a solução dos impasses fundiários.
Ao longo dos anos 90, fazendo uso de mecanismos governamentais na
multiplicação dos municípios e solicitando do governo federal a reforma
fundiária, o governo estadual encampou luta pela titulação de terras para os
cidadãos do Estado, que em conjunto, buscavam recursos e viabilidade de
entrarem no mercado nacional e internacional. Assim, o governo afirmava:
“É equivocado o sentimento pessimista que invadiu expressiva parcela da sociedade
roraimense. Roraima é viável e comporta investimentos, principalmente na relação com o
mercado internacional”, disse ontem, o secretário estadual de Planejamento do governo de
Roraima. (...) hoje, a Secretaria de Planejamento tem função estratégica buscando viabilizar
investimentos, que não sejam necessariamente com recursos da União ou do Estado.
Segundo ele, nesse sentido, existem contatos com vários empresários. “Isso não quer dizer
uma empresa, mas, um aglomerado delas, interessados na localização do Estado e
facilidade de colocar os produtos por ele gerado no mercado internacional. (...) “Assim,
nos queremos inverter a equação hoje existente, quando as transferências do governo
federal representam 80% dos recursos do Estado”, destaca (FBV, 12/01/99, p. 4).
Isto quer dizer que, o impasse para o desenvolvimento da região estaria em
como estabelecer revisões legais na definição fundiária, para atrair investidores
possibilitando a independência do Estado que sobrevive de verbas da União.
O governo estadual aponta a posição geográfica de Roraima como
bandeira para entrar no mercado internacional:
Dos R$ 85 milhões que o Governo do Estado pretende usar neste ano para as áreas de
infra-estrutura e investimentos, mais da metade deverá ser destinado para o setor da
Agricultura. A informação é do secretário de Planejamento, Sérgio Pillon, que assegurou
que a aplicação do dinheiro só vai ocorrer a partir do segundo semestre do ano. (...) Assim,
embora ainda não se tenha o valor exato de quanto deve ser gasto com incentivos à
Agricultura, o secretário anuncia que este setor é o que reúne o maior número de projetos
de desenvolvimento, entre os quais, o Grão-Norte, que quer plantar em Roraima 200 mil
hectares de soja, milho e feijão. Outro programa que está sendo proposto ao Governo,
segundo Pillon, é a implantação de um pólo de tecelagem, a partir da plantação de algodão.
Ele explicou que investidores de Taiwan estão propondo a compra de algodão produzido
em Roraima para abastecer o pólo de tecelagem que deverá ser criado com incentivos do
Estado e importado para os Estados Unidos e Europa. (...) com a chegada da energia de
Guri, a Agricultura deve dar um grande salto na produção de pelo menos três tipos de
273
fruta: manga, melão e melancia. (...) geograficamente Roraima está bem localizada para
atingir o mercado internacional”, finalizou (FBV, 25/01/99, p. 3).
Ou seja, não haveria, na região, obstáculos à plena ocupação de seu
território e à exploração das riquezas naturais, podendo ser área estratégica para a
exportação, para o mercado consumidor não só dos estados do Amazonas e Pará
mas da Venezuela e Guiana, e ainda aos mais distantes, Caribe, Estados Unidos e
as nações européias.
Em linhas gerais, o registro desse discurso governamental constitui o
correlato ideológico considerado eficaz pelo poder administrativo e não
percebemos, na mídia, interpelações por parte da população local (índios e nãoíndios) sobre esse assunto ou o engajamento consciente dessa população, no
esforço de mudança dessa situação local. Os programas governamentais pareciam
não implementar uma política que libertasse a grande parcela dessa sociedade
presa a uma conhecida economia do contra-cheque229 e da dependência das ações
dos governos, federal e estadual:
Grande parte dos bens consumidos em Roraima tem procedência externa e supre a vida
comercial do Estado que volta à realidade anterior ao garimpo sustentada em grande parte
pelo salário dos servidores públicos. Essa situação agrava a saúde financeira da maioria das
empresas, pois, como herança do “auge” do garimpo, a rede de abastecimento, hoje, é
maior do que a necessária. (...) Dessa forma, são freqüentes as vendas através do “cheque
pré-datado”, uma transação onde o cliente desfruta de crédito devido ao seu
relacionamento com o comerciante e por sua condição de funcionário público. A atividade
comercial em Roraima sempre enfrentou fases de expansão e fases de desaceleração. (...) A
integração com os países vizinhos, caminho vislumbrado para a retomada do crescimento
da atividade comercial é a grande meta para acelerar e construir uma sociedade
economicamente forte em Roraima (AMBTEC, 1993: 315).
Contudo, apesar do discurso governamental, o quadro se agrava ainda
mais, graças à presença de contingentes indígenas obrigados a lidar com a
circulação da moeda, experiência que, até então, não fazia parte do seu cotidiano.
229
Em Roraima o hollerith do funcionário público é popularmente conhecido como contra-cheque. O comércio
local é movimentado, em grande parte, pelo cheque pré-datado dos servidores públicos tendo como aval os seus
próprios contra-cheques.
274
O final do ano 2002 chegou e o governo da terceira legislação não cumpriu
a sua própria agenda política de solução do conflito fundiário entre índios e nãoíndios, bem como de transformação de Roraima em um pólo exportador e
importador. Isso não aconteceu e os conflitos foram transferidos para a nova
gestão do governo estadual e federal, que prometeram analisar tal situação, que
ainda continua presa à antiga prática colonial do século XVIII.
Em grande parte, toda essa situação conflitante na histórica construção
desse Estado parece estar relacionada aos últimos acontecimentos dos anos 90: a
redemocratização do país, a criação de comissões de inquéritos parlamentares, a
denúncia a respeito dos políticos corruptos, o processo eleitoral sob o controle
da máquina pública, a política de exclusão, os fenômenos financeiros
internacionais agravando a economia brasileira/local.
275
CAPÍTULO 5
Um Laboratório de História Social a céu aberto:
lideranças e suas ações
A realidade social de Roraima deixou registrada a situação da história do
tempo presente em um vasto território (serras/lavrados/florestas) e tem
produzido diversas experiências de vida (indígena e não-indígena) conflitantes e,
mesmo assim, complementares. Seguramente pelo fato de sua origem comum – a
gestão do território pelo Estado, desde o século XVI – os conflitos se entrelaçam
e as mudanças que ocorreram, em função de tomadas de posições por parte dos
grupos envolvidos, configuram-se em outros novos conflitos. Nesse sentido, as
vozes dessa sociedade tornaram-se objeto-sujeito da história, os arquivos vivos da
construção desse espaço sócio-cultural (LACOUTURE, 1993), que vem passando
por diversas experiências, inclusive por tentativas de auto-determinação por parte
das comunidades indígenas (cf.Cap. 2, itens 2.3 e 2.4).
A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima pode ser
auscultada seguindo-se o entrelaçamento das posições e contradições das
lideranças que agem em Roraima e que se manifestam sobretudo em função da
questão fundiária.
Estamos vendo como no decorrer dos últimos anos do século XX, essa
região amazônica, marcada pela relação de dominações, enfrentou intensos
conflitos relativos à construção tanto do Estado como da sociedade local. Essa
ação desenrola-se, de modo especial, em torno do conflito entre demarcações de
terras indígenas e limites territoriais dos municípios, conduzindo os interesses do
Estado em relação aos índios e não-índios por distintos percursos. Os
representantes e líderes do Estado, que vem tratando do conflito fundiário, têm
276
julgado e determinado alternativas que, na maioria dos casos, ditam a política
pelos caminhos do coronelismo.
Nesse sentido, no que diz respeito à questão da terra, por toda a década de
90, circulou documentação230 de defesa da demarcação das terras indígenas, que
continha, também, denúncia de invasão de territórios reivindicados pelos índios.
Esse movimento em favor do índio foi se desenvolvendo nas mais
diversas direções. Cresceu o interesse entre os próprios índios pela posse da terra
e preservação da identidade étnica, pela presença física e interpretação da cultura
do índio, em princípio asseguradas pelas Constituições (federal/88 e
estadual/91). Contudo, nesse trajeto de organização em Assembléias e Conselhos
surgiram, entre as próprias famílias indígenas, controvérsias em relação à
identidade cultural. Famílias Makuxi ou Wapixana, por exemplo, associaram-se
ao projeto de emancipação nacional e, ao lado do Estado, buscaram condições de
participação na partilha e reconstrução do quadro social, político e econômico
roraimense/brasileiro, enquanto parentes Makuxi ou Wapixana, junto ao
Conselho Indígena de Roraima (CIR), lutam contra o projeto de emancipação e
buscam reconhecimento dos direitos originários.
230. Esses documentos são: a) Ação de protesto e abertura de processos pelos fazendeiros, rizicultores,
empresários em favor do Estado e contra os índios que desejam direitos constitucionais; b) ações de protestos,
cartas, pedidos de inquéritos pelos índios ligados ao Conselho Indígena de Roraima enviados ao governo federal,
Ministéiro da Justiça, FUNAI, ONGs em favor dos índios; c) liminares, portarias do Ministério da Justiça em favor
dos índios que lutam pelos direitos constitucionais; d) pedidos de abertura de inquéritos pelo Conselho
Indigenista Missionário (CIMI), Conselho Indígena de Roraima (CIR), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) ao
Ministério Público sobre agressões sofridas pelos índios; e) ações de protestos, cartas em favor do Estado pelas
organizações indígenas ligadas ao governo estadual e contrárias ao CIR; f) ação popular e liminar em favor do
Estado contra os direitos constitucionais dos índios pela Ordem dos Advogados do Brasil local (OAB/RR); g) ação
e pedido de anulação pelo procurador-geral do Estado contra o Ministério da Justiça que demarcou reservas
indígenas em área única; h) ações de protestos, abertura de processos por prefeitos, vereadores, deputados
(estaduais e federais), senadores em favor do Estado contra os direitos constitucionais dos índios que reivindicam
terras em área única, etc.
277
5.1. As lideranças e seus projetos
Destacamos, no Quadro Demonstrativo231 abaixo, os líderes e os
representantes das organizações oficiais e não-governamentais (indígenas e nãoindígenas) envolvidos nesse movimento de reorganização da sociedade em
função da posse da terra e do desempenho dos direitos de cidadania.
Identificação
Representação
Conselho Indígena de Índios vinculados
Roraima (CIR).
Igreja Católica.
Associação dos Povos Índios vinculados
Indígenas de Roraima Igreja Católica.
Causas de Defesa
à Desenvolvimento
social,
saúde, educação, política,
demarcação em área única,
preservação da cultura do
índio.
à Propostas semelhantes a
do CIR.
Causas
opõem
a
que
se
Demarcação das áreas
indígenas em ilhas e
permanência dos nãoíndios dentro da reserva.
Idem.
(APIR).
Organização
dos Professores
Professores Indígenas vinculados
de Roraima (OPIR).
Católica.
Formal Educação Formal com
indígenas Educação
à Igreja diferenciada para o índio grade curricular igual para
em todas as áreas do
conhecimento.
Preservação da cultura do
índio.
preservar,
Etnias Taurepang, Wai Índios de Roraima Reviver,
divulgar a cultura dos
Wai, Waimiri-Atroari, vinculados ao CIR.
ancestrais índios.
Wapixana,
Makuxi
(TWM).
Organização
das Mulheres indígenas de Reivindicam direitos sócioMulheres Indígenas de Roraima vinculadas ao culturais e políticos para as
mulheres indígenas.
CIR.
Roraima (OMIR).
índios e não-índios.
Desrespeito à cultura do
índio. Demarcação das
terras indígenas em ilhas.
Desrespeito à organização
sócio-cultural do índio,
demarcação das terras em
ilhas.
Quadro Demonstrativo 09
Organizações Não-Governamentais Indígenas (ONGs Locais)
231. Todas as informações dos quadros demonstrativos são provenientes de artigos e notas, que foram
veiculadas na imprensa local, como também das considerações retiradas de depoimentos em diversos fóruns de
discussão, realizados em Boa Vista por órgãos oficiais e não-governamentais, sobre a temática indígena e a
sociedade nacional local, durante os últimos dez anos do século XX.
278
Identificação
Representação
Causas de Defesa
Causas
opõem
a
que
se
Sociedade de Defesa Índios de Roraima não Desenvolvimento social, Demarcação das reservas
dos Índios Unidos do vinculados à Igreja saúde, educação, política, indígenas em área única,
demarcação das áreas em separação entre índios e
Monte
Roraima
– Católica.
ilhas, integração do índio
na sociedade brasileira.
em
Aliança de Integração e Índios de Roraima não Desenvolvimento
todas
as
áreas
do
Desenvolvimento das católicos.
conhecimento
e
integração
Comunidades Indígenas
do índio na sociedade
de Roraima - ALIDICIR.
nacional/local,
e
demarcação das áreas em
Associação Regional dos
ilhas
respeitando
a
Índios do Rio Quinô,
permanência dos nãoCotingo
e
Monte
índios.
SODIUR.
não-índios.
Demarcação das reservas
indígenas em área única,
separação entre índios e
não-índios.
Roraima - ARICOM
Quadro Demonstrativo 10
Organizações Não-Governamentais Indígenas (ONGs Locais não vinculadas ao CIR)
Identificação
Representação
Causas de Defesa
Causas
opõem
a
que
se
Comissão para Criação Índios Yanomami e os Preservação da cultura e Garimpeiros em áreas
do
Parque indígenas dos Yanomami.
não-índios defensores criação
do Parque Yanomami –
Yanomami.
da causa Yanomami.
CCPY.
Saúde
Yanomami
URIHI.
– Índios Yanomami e os Programas de Saúde Mineração aurífera em
indígenas
dos
não-índios
e Yanomami, preservação da áreas
cultura
Yanomami.
Yanomami.
profissionais
que
defendem a saúde e a
cultura Yanomami.
Quadro Demonstrativo 11
Organizações Não-Governamentais em favor da causa indígena (ONGs Locais)
Identificação
Grupo
de
Representação
Trabalho
Amazônico – GTA.
Instituto Sócio-
Causas
opõem
a
que
se
nacional na região Defensora do Programa Desrespeito ao meio
Piloto Ambiental do PPG- ambiente e às populações
Amazônica.
ONG
ONG
ambientalista.
Ambiental – ISA.
Causas de Defesa
7, faz intermediação entre
discursos e projetos das
ONGs nacionais com as
internacionais.
nacional Preservação e conservação
do
meio
ambiente.
Demarcação de terras
indígenas em área única.
Independência do índio.
da floresta.
Desrespeito
ao
meio
ambiente. Demarcação da
Raposa Serra do Sol em
ilha e permanência dos
não-índios na área.
Quadro Demonstrativo 12
Organizações Não-Governamentais Nacionais (ONGs com influência local)
279
Identificação
Representação
MOVIMONDO/Itália.
ONGs
e
Causas de Defesa
Causas
opõem
a
que
se
da
elite
da Comunidade Plano de ajuda aos índios e Discurso
aos
pequenos
agricultores
nacional/local
contra
a
Européia
de solidariedade
da
Comunidade
Européia
que
Bretanha.
representa perigo para a
soberania do Brasil.
Plano
de
ajuda
na
área
de
Idem.
Médicos
Sem ONG da Comunidade
saúde
aos
índios.
Fronteiras/Holanda.
Européia.
Intermediação entre a Idem.
União Européia no ONG transnacional.
solidariedade nacional com
Brasil (ECHO).
a internacional. Plano de
ajuda aos índios e aos
pequenos agricultores nãoíndios, vítimas de estiagem
e queimadas.
OXFAM
da
não-índios, vítimas
estiagem e queimadas.
Grã-
Quadro Demonstrativo 13
Organizações Não-Governamentais Internacionais (ONGs com influência local)
Identificação
Representação
Causas de Defesa
Diocese de Roraima.
Índios católicos e fiéis Preservação da cultura do Demarcação das reservas
não-índios defensores índio. Demarcação das indígenas em ilhas e
reservas indígenas em área permanência dos nãoda causa indígena.
única. Respeito ao índio
que queira continuar sendo
ou não índio.
Missionários
Igreja
Protestante, Evangelização do índio e
integração
na
Evangélicos (MEVA)232. índios e fieis não-índios sua
sociedade
nacional
local.
evangélicos.
Conselho
Indigenista Igreja Católica e índios Respeito e preservação da
cultura
do
índio.
Missionário (CIMI).
católicos.
Demarcação das reservas
indígenas em área única.
Causas
opõem
a
que
se
índios dentro das reservas.
Índio não-cristão.
Demarcação das reservas
indígenas em ilhas e
permanência dos nãoíndios nas reservas.
Quadro Demonstrativo 14
Igreja ou instituição Religiosa que influencia as comunidades indígenas locais
Identificação
Representação
Fundação Nacional do FUNAI/local
Índio (FUNAI), vinculada Governo Federal
ao Ministério da Justiça. Índios de Roraima
Causas de Defesa
Causas
opõem
a
que
se
Antes da Constituição/88, Conflitos
sociais
e
a integração do índio na culturais entre índios e
sociedade nacional. Pós- não-índios.
Constituição/88
prestar
assistência e garantir o
direito do índio.
232. MEVA (Missionários Evangélicos da Amazônia) é um grupo de missionários mantidos por diferentes
correntes protestantes de igrejas dos Estados Unidos. Esses missionários, com sede em Boa Vista, têm atuado em
várias malocas indígenas, como a dos índios Makuxi, Taurepang, Wapixana, entre outros, e propiciaram a criação
de conflitos familiares dentro de uma mesma etnia indígena convertida ao catolicismo.
280
Instituto Brasileiro dos IBAMA/local
Recursos Naturais e Governo Federal
Renováveis
(IBAMA),
vinculado ao Ministério
do Meio Ambiente.
Instituto Nacional de
Colonização e Reforma
Agrária
(INCRA),
vinculado ao Ministério
do
Desenvolvimento
Agrário.
Universidade Federal de
Roraima
(UFRR),
vinculada ao Ministério
da Educação.
INCRA/local
Governo Federal
Núcleo
Interinstitucional
de
Saúde do Índio (NISI),
setor da Fundação
Nacional de Saúde
(FNS), vinculada ao
Ministério da Saúde.
Secretaria Técnica do
Programa de Proteção
às Florestas Tropicais
para toda a Amazônia
Legal (PPTAL), com
Coordenação vinculada
ao Ministério do Meio
Ambiente.
Presidente do Brasil,
Fernando
Henrique
Cardoso.
NISI/FNS
Coordenadoria Regional
de Roraima.
Ensino Superior/local
Governo Federal
Representa no Brasil os
interesses do Programa
Piloto do Grupo dos Sete
Países mais ricos do
Mundo – PPG7 (Estados
Unidos,
Canadá,
Alemanha, França, Itália,
Reino Unido e Japão).
Governo do Brasil.
Parcerias com o Banco
Mundial e ONGs em
projetos ecológicos e autosustentáveis dos recursos
naturais.
O discurso da elite
roraimense de que as áreas
“congeladas”
são
prejudiciais
ao
desenvolvimento
do
Estado.
Política fundiária que Conflitos pela posse da
possa atender o fluxo terra entre índios e nãomigratório
e
o índios em Roraima.
deslocamento de nãoíndios retirados das áreas
indígenas em Roraima.
Parcerias e discussão na
Comissão para Criação do
Núcleo de Formação
Superior
Indígena
vinculado à Pró-Reitoria
de
Graduação,
com
representação da OPIR, do
CIR, da CCPY, da OMIR,
FUNAI, Divisão de Ensino
Indígena/SEC/Est/de
Educação,
Cultura
e
Desporto (DEI-SECD).
Empenho
dos
parlamentares (senado e
câmera) e Governo de
Roraima na obtenção dos
recursos de apoio aos
projetos e agentes de
saúde que atuam nas
reservas indígenas.
Projetos
e
políticas
públicas
do
governo
brasileiro envolvidos na
conservação e proteção
ambiental. Programas de
proteção às populações e
terras indígenas.
Ensino com critérios iguais
para índios e não-índios.
Conflitos entre lideranças
indígenas e lideranças
políticas de Roraima.
Presença de garimpeiros
em áreas indígenas.
Degradação ambiental.
Conflitos sociais que
dificultem a demarcação
das terras dos índios.
Parceria do G7 no Brasil Discursos de um segmento
na demarcação de reservas da sociedade local que
indígenas em Roraima.
afirmam que o governo
federal não tem condições
de terminar a obra de
demarcação das áreas
indígenas, solucionando os
impasses entre índios e
não-índios.
Quadro Demonstrativo 15
Área Federal que influencia políticas públicas ou programas de desenvolvimento para
Roraima
281
Identificação
Representação
Causas de Defesa
Causas
opõem
a
que
se
Demarcação de reserva
Governador de Roraima Governo do Estado de Desenvolvimento
sustentável. Programa de indígena em área contínua.
Neudo Campos (PPB).
Roraima.
Prefeito do município Governo Municipal da
de Boa Vista Ottomar Capital de Roraima.
Pinto (PTB).
Prefeito do município Governo
Municipal
de Normandia Vicente fronteira Brasil/Guiana.
Adolfo Brasil (PSDB).
Prefeito do município Governo
Municipal
de Pacaraima Hipérion fronteira
Oliveira (PFL).
Brasil/Venezuela.
Senadores de Roraima. O povo de Roraima no
Romero Jucá (PFL), Senado Federal.
Marluce Pinto (PMDB),
Mozarildo
Cavalcanti
(PFL).
Educação
Formal
diferenciado para o índio.
Demarcação das áreas
indígenas em ilhas.
Uso da violência para
contestar a homologação
da Raposa Serra do Sol em
reserva indígena em área
única. A região é rica em
minérios e deve ser
explorada pelos brasileiros
e
não
por
ONGs
internacionais.
É a favor da reserva
indígena
e
defende
parcerias com os índios.
Necessidade de investir em
áreas fora das reservas
indígenas.
Parcerias com os índios.
Propõe
projetos
da
prefeitura na área de
agricultura.
Desenvolvimento
sustentável. Demarcação
das reservas indígenas em
ilhas
respeitando
a
permanência dos nãoíndios na região.
Desapropriação
de
fazendeiros e pequenos
agricultores.
Demarcação
indígena em
Não aprova
internacionais
“congelar”
indígenas.
Conflitos
sociais
e
separação entre índios e
não-índios.
Conflitos
sociais
e
separação entre índios e
não-índios.
Demarcação das reservas
indígenas em área única.
Desapropriação dos nãoíndios da região.
Deputados Federais de O povo de Roraima na Idem.
Roraima.
Câmara Federal.
Idem.
Deputados Estaduais de O povo de Roraima na Idem.
Roraima.
Assembléia Legislativa
Estadual.
Idem.
O povo de Roraima na Idem.
Câmara Municipal de
Boa Vista.
Idem.
Vereadores de Roraima
de terra
área única.
pretensões
para
as
áreas
Demarcação das reservas
Empresários
de Produtores
agrícolas, Desenvolvimento
socioeconômico.
indígenas em área única.
Roraima: Federação do pecuaristas,
Demarcação
das
reservas
Desapropriação
dos
Comércio
(FECOR), comerciantes.
indígenas
em
ilhas
produtores
e
fazendeiros
Federação
da
respeitando a permanência da região.
Agricultura (FAER) e
dos não-índios na região.
Associação Comercial e
Industrial de Roraima
(ACIR).
282
Ordem dos Advogados OAB/local.
de Roraima (OAB).
Ação popular para impedir
homologação da reserva
indígena Raposa Serra do
Sol em área única com
expulsão de todos os nãoíndios da região.
Demarcação das reservas
indígenas em área única.
Anulação de Decretos
estaduais que criaram
municípios
em
áreas
indígenas.
Quadro Demonstrativo 16
Representantes da Sociedade Nacional local
5.2. Questões emanentes
Embora todas as questões estejam entrelaçadas, é possível tratá-las dentro
de certos eixos, produzidos pelos pontos de encontro desta complexa rede de
tendências e ações.
5.2.1. Demarcação de terras indígenas em área única ou em ilhas
As Constituições, Federal de 1988 e Estadual de 1991, deram um
tratamento privilegiado ao índio, em um capítulo, e outros dispositivos ao longo
dos textos constitucionais (cf. Capítulo 3, itens 3.3 e 3.4), os quais ofereceram apoio
ao movimento e às organizações indígenas que vinham estabelecendo campanhas
em prol da ruptura assimilacionista, a partir do final dos anos 70, com o
denominado processo de redemocratização do país.
Nesse contexto de nova visão e legitimidade, para os índios defenderem e
conquistarem seus direitos originários sobre as terras que sempre ocuparam e o
reconhecimento de suas organizações sócio-culturais, as pretensões de direitos
entre as famílias indígenas trilharam por dois caminhos de reivindicações da
devida remarcação de suas terras: em área única ou em ilhas.
5.2.1.1. Demarcação das terras em área única
A demarcação da terra em área única, viabilizando a criação de uma unidade
territorial destinada apenas aos índios (segundo suas línguas e organizações sócio-
283
culturais), tendo como apoio projetos com estratégias não-indígenas de usufruto
sustentável de recursos naturais, aproxima-se do padrão do Parque Indígena do
Xingu (Mato Grosso) de garantia, ao índio, de um espaço sócio-cultural
permanente e geograficamente contínuo.
Temos, até o momento, cinco ONGs indígenas (CIR, APIR, OPIR, TWM,
OMIR) e quatro ONGs não-indígenas (CCPY, URIHI, GTA, ISA) que, com o aval da
FUNAI e participação de instituições católicas (Diocese de Roraima e CIMI), vêm
defendendo a demarcação em área única.
Em contraposição, a defesa da demarcação em ilha, que é uma
reivindicação dos índios integrados e de segmentos da sociedade nacional,
significa uma área dividida em partes cuja ocupação seria entremeada por índios e
não-índios, constituindo-se num território fragmentado em lotes, com uma clara
política compensatória por parte do Estado em favor da sociedade nacional que
vem sendo, há séculos, instada a ocupar o “vazio amazônico”.
Os projetos da União para a demarcação das terras sempre considerou –
mesmo que não claramente explicitado – o modelo de áreas únicas. Tal modelo se
firma na convicção de que só a área única é capaz de garantir proteção à
manutenção da cultura indígena, inclusive rechaçando os contatos com os
brancos.
Em 1992, por ocasião das manifestações pelos 500 anos de resistência
indígena na América Latina, diante das dificuldades dos índios, deslocados de
suas malocas e terras para a capital Boa Vista, o Conselho Indígena de Roraima
(CIR) e a Diocese de Roraima tentaram romper com o paradigma tradicional do
projeto assimilacionista do Estado, ainda presente nos anos 90. Em termos
concretos, os índios ligados a estas duas entidades, manifestaram seu protesto no
centro da capital, chamando atenção para o reconhecimento oficial dos
284
fundamentos de seus direitos constitucionais, reivindicando do Estado
mecanismos legais para o reconhecimento de seus direitos originários:
“Ao índio o que sempre foi do índio”, é a palavra final do Conselho Indígena de Roraima
(CIR) quando o assunto é terra indígena. No último dia 12 de outubro, os índios se
reuniram no Centro Cívico para o lançamento da campanha pela demarcação da Área
Indígena Raposa Serra do Sol (AIRASOL). ‘É mais uma promoção em defesa da causa
indígena no Estado de Roraima”, explicou o coordenador do CIR, Clóvis Ambrósio. Ele
esclareceu que o direito à terra é necessário à sobrevivência física e cultural das
comunidades indígenas. Direito esse que é anterior à formação do Estado Brasileiro e
significa o reconhecimento de que os colonizadores portugueses quando chegaram ao
Brasil em 1500 encontraram povos que eram detentores de direitos, como a terra que
possuíam (FBV, 15/10/92, p. 4).
O líder e coordenador do CIR, que foi também o idealizador do
lançamento dessa campanha em favor da demarcação da Área Indígena Raposa
Serra do Sol (AIRAROL, cf. Mapa 06, p. 251), acreditava na solidariedade dos nãoíndios de Roraima. Os índios associados ao CIR esperavam o apoio do Estado e
da sociedade em favor do seu direito como primeiro habitante. No entanto, a
recepção da manifestação do índio contra o não cumprimento dos direitos
constitucionais pelo Estado foi desastrosa, pois expôs não apenas a dificuldade
do Estado em lidar com essa situação histórica de sua própria relação com o
índio como, também, as reivindicações dos não-índios que pretendiam
“conquistar/legalizar” o que era de propriedade da União em Roraima: as terras.
Essa campanha indígena, liderada pelo CIR em prol da AIRASOL, provocou
uma crescente organização das lutas por direitos entre índios e não-índios e ainda
muitas rupturas internas entre as famílias indígenas: as que buscavam junto ao
CIR o resgate dos direitos de organização sócio-cultural originária (com a posse
coletiva da terra) e aquelas que estavam ao lado do Estado e aspiravam a seus
próprios direitos civis e de propriedade privada.
Os índios Makuxi, Ingarikó, Wapixana, Taurepang, Wai Wai e outros
pequenos grupos vinculados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR) pedem a
demarcação em área única e expulsão de todo branco do território demarcado.
285
A União, evidentemente, não ignora tais necessidades indígenas e nem os
conflitos por elas gerados, buscando introduzir cunhas de ação paliativa, que
contemplassem todas as partes envolvidas.
Nesse sentido, a criação do Parque Nacional Monte Roraima, como área
de preservação ecológica dentro da área reivindicada pelos índios Ingarikó com
clara intenção de contentar a gregos e troianos, não convence as lideranças
indígenas:
O parque foi criado pelo decreto presidencial em 28 de junho de 1989. As lideranças
indígenas Ingarikó querem as terras demarcadas e ameaçam prender quem está explorando
o turismo sem autorização da comunidade. O líder indígena Dílson Ingarikó disse que a
comunidade Ingarikó é contra a instalação do Parque Nacional Monte Roraima, ao norte
do Estado, porque os índios não foram consultados233 pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente). “Nós somos contra o parque. A maioria das pessoas ainda não sabe o
que isso significa. Para nós, o que mais interessa no momento é a homologação da
Raposa/Serra do Sol, em área contínua”, afirmou durante a segunda Assembléia Geral do
Povo Ingarikó (FBV, 08/11/00, p. 6).
Parte das terras da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, a área dos
Ingarikó, é ferrenhamente defendida por seus líderes contra a aproximação do
Estado, mesmo que esta se dê de modo “politicamente correto”, na forma de um
Parque Nacional que tem estatutos jurídicos de preservação contra ocupação
econômica permanente.
A atuação da União vem, de fato, incidindo negativamente, de há muito
tempo e com insistente presença nos dias de hoje, no quadro dos conflitos,
acirrando-os:
No dia 29 de abril de 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto,
em Brasília, de criação de mais dois parques nacionais no município de Caracaraí – Viruá e
Serra da Mocidade. Em Roraima, são 3.827.128 hectares de terras destinadas somente a
unidade de conservação. O Parque Nacional de Viruá tem 227 mil hectares e o Parque
Nacional de Serra da Mocidade 350,4 mil hectares de extensão. As duas localidades ficam
na região do Baixo Rio Branco, entre a Estação Ecológica de Niquiá e a região de
Catrimani, que faz parte da reserva indígena Yanomami. O Estado de Roraima tem ainda
em seus 225.131 quilômetros quadrados, áreas de domínio do Incra (28%), Funai (40%),
233. Consulta essa prevista na Constituição Federal de 1988, estabelecendo a competência exclusiva do
Congresso Nacional em relação à “exploração” (sic) das terras indígenas, com aval das etnias afetadas (Art. 231, §
3º).
286
Exército (2,85%), Ibama (2,11%) e de terras devolutas que tomam cerca de 5% do
Território. O Estado dispõe apenas de 10% da sua área, mas ainda não regulamentada
(FBV, 02 e 03/05/98, p. 6).
União, Estado, instituições públicas, Igreja e organizações nãogovernamentais entram, assim, em choque frontal:
O Ministro da Justiça, Renan Calheiros julgou improcedentes todas as contestações dos
fazendeiros. A Portaria n. 820 (11.12.1998) que demarca a reserva Raposa Serra do Sol em
área única e assinada pelo Ministro Renan Calheiros, desconsidera o despacho do Ministro
Nelson Jobim excluindo áreas habitadas por não-índios. A Portaria exclui dos limites da
terra indígena apenas uma área militar onde será implantado o 6° Pelotão Especial de
Fronteira, em Uiramutã. Para o Ministro Renan Calheiros e para os índios da Raposa Serra
do Sol, o Município de Uiramutã, vilas e fazendas deixaram de existir com a Portaria n.
820. Para Renan Calheiros, seria muita contradição o Estado entrar com uma ação contra o
Governo Federal e depois ir até Brasília pedir recursos (FBV, 15/12/98, p. 5).
Indubitavelmente, a tentativa de compatibilizar interesses tão divergentes
acaba retirando o poder até mesmo dos institutos legais mais sérios e, neste
quadro, despachos e portarias se sucedem, se confundem e se anulam e o poder
da União e do Estado se enfrentam e se desmoralizam mutuamente.
Sem determinações precisas e diante da baixa respeitabilidade do poder
público, a sociedade toma nas próprias mãos a “solução” dos conflitos:
O Coordenador do CIR (Conselho Indígena de Roraima) e o Coordenador do CIMI
(Conselho Indigenista Missionário) foram até a Procuradoria Geral da República pedir ao
Ministério Público Federal providências para evitar novos conflitos no Município de
Uiramutã, que fica dentro da área indígena Raposa/Serra do Sol. O Coordenador Regional
do CIMI fez denúncias também sobre a agressão que sofreu quando quase levou uma
facada, em Uiramutã. O CIR também pediu a Polícia Federal que investigue as mortes de
dois adolescentes índios que ocorreram no período do conflito (FBV, 13 e 14/02/99, p. 3).
Não nos cabe, aqui, elencar e discutir a tipologia e qualidade dos conflitos,
nem mesmo em termos de perdas de vidas humanas, embora, evidentemente, a
tal não sejamos alheios. A veiculação de tais “soluções” pessoais, contudo, é de
tão grande constância que acaba desmontando qualquer posição civil de
estabelecimento de equilíbrio por meios legais, como que tornando aceitável os
caminhos da violência física “miúda”, em contrapartida àquelas institucionais.
287
Se perde, assim, a possibilidade de defesa séria da questão real, aquela da
reserva em área contínua.
5.2.1.2. Demarcação das terras em ilhas
A demarcação das reservas indígenas em ilhas e a permanência do branco
dentro da reserva são reivindicadas, até o momento, por quatro instituições
(ALIDICIR, SODIUR, ARICOM e OAB/RR), o governo de Roraima, prefeitos
municipais de Roraima, e a totalidade da representação política (senadores,
deputados federais e estaduais e vereadores), empresários e fazendeiros.
Ganha corpo, assim, a reação contra a área contínua, concretizada em vago
projeto de demarcação em ilhas, com o Estado de Roraima tomando a frente de
tal posição:
O secretário estadual de Planejamento, Sérgio Pillon, garante que há disposição política
do governo em sair do discurso para a prática. (...) No setor produtivo primário o
secretário de Planejamento afirma que a indefinição fundiária é o principal nó que impede
o desenvolvimento rural. Ele destaca que o governo do Estado é contra a demarcação da
reserva Raposa Serra do Sol em área contínua (FBV, 12/01/99, p. 4).
Tal posição busca suporte legal em contestações oficiais:
O procurador-geral do Estado comentou sobre a conclusão da ação contra o ato
administrativo do Ministro da Justiça, Renan Calheiros, que demarcou a reserva indígena
Raposa/Serra do Sol com 1 milhão e 678 mil hectares. Desde o início de janeiro um grupo
de advogados contratados pelo Estado, trabalha em Brasília na elaboração do documento
que deverá reverter juridicamente a Portaria 820 (FBV, 13 e 14/02/99, p.3).
Em função de tal afrontamento, embora a referida Portaria 820 não tenha
sido cancelada, as demarcações da Raposa Serra do Sol não foram ainda
homologadas.
No decorrer do período, o Estado tem recebido o apoio não só de
entidades “brancas”,
Uma comissão da OAB (Ordem do Advogados do Brasil) criada para acompanhar o caso
Raposa Serra do Sol decidiu que vai aprontar hoje uma Ação Popular contra a
homologação da reserva indígena para ser impetrada o mais rápido possível na Justiça
288
Federal. Segundo o presidente da OAB, Ednaldo Nascimento, a ação será com pedido de
liminar, o que vai garantir uma decisão rápida, antes que o presidente Fernando Henrique
Cardoso homologue a demarcação em área única. (...) Ele acredita que poderá colocar a
homologação sub júdice. “Um juiz federal aqui mesmo em Roraima pode apreciar a ação
com rapidez e então a demarcação ficará suspensa até que se decida o mérito”, disse
Nascimento (FBV, 07.01.99, p. 4).
como daquelas entidades que representam os indígenas desejosos e decididos a se
incorporarem na estrutura nacional:
Um grupo de aproximadamente 70 índios ocupou ontem à tarde a sede da Administração
Regional da FUNAI em Boa Vista/RR, para protestar contra a demarcação em área única da
reserva Raposa Serra do Sol e da reserva São Marcos. As lideranças indígenas fizeram
várias denúncias contra a atuação do órgão indigenista e exigiram dos diretores do órgão
uma conversa por telefone com o presidente da FUNAI/Brasília-DF, Sulivan Silvestre ou
com autoridades do Ministério da Justiça. Os índios representam 44 malocas da região das
Serras, na Raposa Serra do Sol, e de outras comunidades da reserva indígena São Marcos,
além de 28 tuxauas. A Polícia Militar foi chamada para garantir a Segurança dos
funcionários, porém não conseguiu impedir a ocupação das salas da Operação Yanomami
e a do administrador regional. A ocupação foi pacífica, mas não houve atendimento.
Homens e mulheres acampam na sede até uma decisão oficial no atendimento das
reivindicações. O administrador Walter Blós está de férias e o interino Délcio Ignácio dos
Santos alegou que não tinha conhecimento do problema. A ocupação da sede da
FUNAI/RR foi organizada por três ONGs indígenas (SODIUR, ARICOM, Aliança de
Integração Indígena) que são contra a demarcação da reserva em área contínua. Para o
presidente da ARICOM, Gilberto Makuxi, a demarcação das reserva em área única é desejo
da Igreja Católica e de entidades internacionais. Gilberto Makuxi disse que o Ministro da
Justiça e o presidente da FUNAI devem vir a Roraima para ouvir “o outro lado da história”
das comunidades indígenas contrárias à demarcação em área única. Estes grupos de índios
denunciam que estão sem assistência de saúde, educação e agricultura, e por isso defendem
a permanência de produtores rurais na região e assistência do Governo de Roraima. Para o
presidente da SODIUR, Lauro Barbosa, há 4.858 índios associados à sua entidade que
preferem parceria com o Governo do Estado porque estão abandonados pela FUNAI. Eles
não querem seguir o caminho dos Yanomami que têm muita terra e estão abandonados. O
tuxaua da Maloca Bananal, Marcolino de Souza, foi uma das lideranças que mais fez
denúncias sobre a falta de assistência da FUNAI/Local (FBV, 14/01/99, p. 6).
Nota-se, como ponto de partida na consideração do documento acima, a
tomada de posição indígena contra a FUNAI, justa representante dos indígenas
“pró-tradição” e, portanto, isolacionistas em relação ao Estado nacional.
Dessa manifestação tomaram parte as mais importantes ONGs indígenas
contrárias à demarcação da Raposa Serra do Sol em área única e conseqüente
289
expulsão de seus ocupantes brancos: SODIUR (Sociedade dos Índios Unidos do Monte
Roraima), ARICOM (Associação Regional dos Índios do Rio Quinô, Cotingo e Monte
Roraima) e ALIDICIR (Aliança de Integração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas
de Roraima).
No desenrolar da manifestação em pauta, tomando posições e definindo
ações para solucionar o conflito, as mulheres indígenas opinaram e a mulher do
tuxaua Cláudio Barbosa alertou que “as mulheres indígenas recusam a tutela da
FUNAI que é de pouca utilidade para os interesses indígenas e que não se importa
se elas e os seus filhos estão doentes ou com fome” (cf. FBV, id., ibid.).
A própria inclusão das mulheres em tal protesto pode nos apontar um
dado de fato em nada irrelevante: a efetiva participação do elemento feminino em
um conflito de caráter político, algo estranho à cultura indígena e perfeitamente
presente naquela nacional à qual tais grupos, a propósito, visam se integrar.
As mulheres vêm sendo, aliás, uma presença cada vez mais constante nas
reivindicações e, como contrapartida, o movimento pró-área única também
começa a tê-las organizadas (cf. p. 259, Quadro 09).
A fala dos representantes das três maiores ONGs indígenas do Estado não
ligadas ao CIR e à Diocese de Roraima (Gilberto Macuxi da ARICOM, Lauro
Barbosa da SODIUR, tuxaua Marcolino de Souza da ALIDICIR) evidenciou o
desejo de proteção e integração do índio na sociedade nacional, proteção esta que faz
parte da agenda política local, do governo estadual e municipal com apoio dos
senadores e deputados federais/estaduais e representantes de segmentos da
sociedade local (fazendeiros, comerciantes, agricultores). Essas organizações
indígenas são constituídas pelos Makuxi, Wapixana, Taurepang e outros que são
identificados como “brasileiros natos”, de idéias e práticas culturais diferenciadas
de grupos de suas próprias etnias vinculadas ao CIR. Há que se compreender,
portanto, que as menções à “proteção aos índios” nos discursos políticos
290
roraimenses se prendem exclusivamente aos índios partidários da própria
integração no projeto nacional.
O texto destacava, também, a percepção da caminhada desses índios como
objeto-sujeito de sua própria história na formação desse Estado, da situação atual
do país e os seus problemas, ainda pendentes desde a fase inicial de Território
Federal: a situação das terras; o conflito interno entre os próprios índios; o
conflito envolvendo índios, não-índios e o Estado/União; a política indigenista
do Estado/FUNAI que não soube resolver a posse da terra pelo índio; o projeto
político do Estado que não proporcionou ao índio “civilizado” as prometidas
benesses na sociedade brasileira e posse da terra segundo os limites
individualistas do direito privado, que, também, já se faziam presentes na política
pombalina do século XVIII (cf. Cap. 1, itens 1.4 e 1.7).
Os segmentos das etnias indígenas associados ao processo político
estadual/nacional procuraram oficializar o seu papel nesse processo histórico em
formação, combatendo os parentes índios que desejam a expulsão dos brancos
vizinhos e a demarcação da reserva em uma unidade territorial (cf. Cap. 2, itens 2.3, 2.4
e 2.5) e a ruptura de uma monoconsciência indígena tornou-se definitivamente
clara:
O produtor Vicente Gianluppi afirmou que o Governo Federal promove o esvaziamento
econômico do Estado, a partir da indisponibilidade das terras. O presidente da APIR
(associação dos povos indígenas de Roraima), o tuxaua Firmino Alfredo da Silva, defendeu
a demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol em área única porque o índio é nômade,
precisa se movimentar na área em busca de caça e pesca. A demarcação em ilhas implica
no isolamento do índio. O tuxaua José Lauriano, membro da SODIUR (sociedade dos
povos indígena do norte de Roraima), declarou-se favorável a demarcação em ilhas porque
os índios querem espaço para ter acesso à modernidade, ter oportunidade de emprego,
crescer como ser humano e não ser dominado pela Funai e pela Igreja Católica que pregam
o retorno ao primitivismo. Laurindo disse que não querem ser iguais aos Yanomami. Ele
disse que os estrangeiros não estão interessados no índio, mas os têm como escudo. Prova
disso são os Yanomami que estão isolados, morrendo de fome, doentes. Para o Vereador
Jonas Marcolino (PSL), que é tuxaua da Maloca Contão, o índio é um cidadão brasileiro que
quer e deve ter o direito de viver em harmonia, de forma pacífica junto com os não-índios.
Ele enfatizou que nasceu índio e vai morrer índio, mas quer continuar crescendo como ser
humano e este isolamento é não querer que o índio cresça como cidadão. O vereador
291
Parimé Brasil (PSDB) fez críticas aos políticos descompromissados com os interesses de
Roraima. Ao afirmar que a demarcação destas áreas iniciou em 1974, disse que desde então
ninguém reagiu para evitar o continuado avanço das pretensões, especialmente os políticos
que chefiaram o executivo e também tiveram mandato no parlamento federal. O
representante do Governo explicou que o Estado quer conquistar na Justiça o direito da
demarcação em ilhas e apresentou três argumentos que dão base as teses jurídicas:
Roraima, índios e a soberania. Para o Governo é inviável ao desenvolvimento de Roraima
com demarcação em área contínua. O índio precisa ter garantido os direitos à educação,
saúde, progresso, evoluindo como ser humano e não como tratam muitas Ongs
internacionais que olham o índio como animal. A questão da soberania do Governo
brasileiro de não gerenciar sobre as áreas indígenas depois de homologadas sob pressões
internacionais (FBV, 28/01; 99, p. 3).
Além do rompimento da monoconsciência indígena, o texto acima nos
leva à discussão de outra vertente subjacente ao conflito, que é o medo e a recusa
da internacionalização.
5.2.1.3. Questão subjacente: a “soberania”
A questão fundiária, a biodiversidade cultural e ambiental, a disputa de
poder sobre “royalties” de espécies medicinais presente nessa região amazônica
conduziu discussões entre representantes do Estado e da sociedade local sobre a
provável manipulação do índio por grupos estrangeiros na exploração dessa terra:
“Dá para entender por que eles lutam tanto para a demarcação de imensas áreas
indígenas?” Pesquisadores do INPA alertam que empresas dos Estados Unidos estão
levantando plantas medicinais da Amazônia para extrair essências e patentear
medicamentos. Até satélites estão sendo utilizados para localização dessas plantas (FVB,
07/11/96, p. 3).
A este contexto se somam notícias de diverso teor:
As entidades OXFAM (da Grã-Bretanha), MOVIMONDO (da Itália), LIBERTEÈ (da
França) e Médicos sem Fronteira (da Holanda) disponibilizaram um milhão de ecos –
moeda da Comunidade Européia -, equivalente a R$ 1,160 milhão. Representantes dessas
ONGs e mais o coordenador da Coordenação da União Européia no Brasil (ECHO)
participam de várias reuniões desde ontem com entidades ligadas aos índios e os
agricultores para discutir a melhor forma de colocar em prática o plano de ajuda. A reunião
foi na sede do CIR (Conselho Indígena de Roraima) com a participação das entidades
locais que trabalham com os índios: Comissão Pró-Yanomami (CCPY), CIR, Diocese de
Roraima e Fórum dos Atingidos pela Seca e Queimadas. (...) O Coordenador do CIR,
Jerônimo Pereira, disse que parte da verba liberada pelas ONGs européias o CIR e a
292
Diocese de Roraima compraram alimentos para 182 comunidades indígenas e famílias de
pequenos agricultores. Ontem iniciou a segunda fase de distribuição de 130 toneladas de
alimentos que irão alimentar 3.524 famílias, incluindo também índios Yanomami (FBV,
21/05/98, p. 6).
Nesse caso, tais ONGs se fizeram presentes em Roraima para ajudar os
índios e os pequenos agricultores que foram vítimas das queimadas e da estiagem
que castigou o Estado entre fevereiro e março daquele ano.
Além da solidariedade internacional para o abastecimento de água e
alimentos, outras ações se voltaram para saúde e agricultura nessa primeira fase
do projeto. Explicando o interesse das ONGs européias em Roraima, durante
entrevista na mídia local, o representante da MOVIMONDO, Vicenzo Pira, disse
que essas ONGs dariam, também, um apoio técnico a projetos de tecnologia
auto-sustentável para as entidades envolvidas com os índios.
Tal solidariedade internacional provocou desconfianças entre as lideranças
políticas e segmentos da sociedade roraimense:
Vicenzo Pira classificou como “fofoca” da elite local que a ajuda da Comunidade Européia
representaria um perigo a soberania do Brasil. Para citar um exemplo de que há uma
sintonia internacional de ajuda ao país, ele disse que o presidente Fernando Henrique
Cardoso assinou um acordo, em outubro de 1997, com a ONU (Organização das Nações
Unidas) para preservar as florestas tropicais. “A soberania do Brasil não está em discussão
nesse momento”, destacou. “O que estamos discutindo agora é a autonomia das
comunidades indígenas que precisam também que suas terras ocupadas sejam
demarcadas”. Para ele, as populações indígenas precisam ter a garantia da terra para
continuar sobrevivendo (FBV, id., ibid., grifo nosso).
Para além da óbvia afirmação da Comunidade Européia não pretender
cindir a soberania brasileira, devemos observar o postulado do auxílio que levaria
à “autonomia” indígena. Tal autonomia, em princípio econômica e baseada em
projetos ecologicamente corretos e auto-sustentáveis, é também defendida por
entidades brasileiras tais quais o GTA, ISA, CIMI, CCPY, URIHI, CIR, APIR, OPIR,
TWM, OMIR (cf. Quadros, 09, 11 e 12, pp. 259-60).
Claro está que, em se tratando de colaboração internacional, a questão da
soberania sempre se coloca. Contudo, independentemente do ponto de partida
293
desses processos de ajuda, solidariedade ou, até mesmo, estudos envolvendo
contato com a terra, gente e instituições de um país, é óbvio que tal país deve
necessariamente e sempre, exercer controle sobre tais ações.
O medo em relação aos projetos de estudos amazônicos com a
colaboração científica internacional não é novo. Nos anos de 1950, surgiram
debates e protestos relacionados à criação do Instituto Internacional da Hiléia
Amazônica (IIHA)234. Violentas discussões eram realizadas no Congresso e na
Câmara e, também, na Imprensa, lideradas pelo ex-presidente Artur Bernardes
(presidente da Comissão de Segurança Nacional) que acusava o IIHA de
ser a ponta de lança de uma intervenção colonial das grandes potências para tomar a
Amazônia:
... possuímos um império sem rotas oceânicas, a separar a metrópole da colônia, que é o
nosso interior despovoado que vamos colonizando aos poucos, conforme nossas
necessidades: não há razão alguma que indique a necessidade de superlotamento da escória
da Europa dos nossos reservatórios de expansão futura (Revista do Clube Militar, junho de
1950; grifo nosso).
No contexto da guerra fria, com a campanha nacionalista do petróleo
ganhando corpo desde 1947, as representações européias da ONU e UNESCO
eram apontadas como bolcheviques: perdia-se a Amazônia e o país ficaria nas
mãos dos comunistas (PEPITJEAN & DOMINGUES, 2000).
Esse medo sufocou o projeto do IIHA que tinha todos os elementos de um
grande projeto de colaboração científica internacional, idealizado, desde 1942,
por Paulo Carneiro, um cientista brasileiro sério, bioquímico com pós-graduação
em Paris, trabalhos no Instituto Pasteur, onde sintetizou o curare.
Contudo, os dois anos de funcionamento provisório do IIHA, sob
presidência de Heloisa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional do Rio de
Janeiro, tinha mostrado várias perspectivas aos pesquisadores brasileiros e, em
234. Tal Instituto seria mantido pelos países da Hiléia (França, Inglaterra, Estados Unidos, etc.) e contaria
com verbas da UNESCO e colaboração de cientistas ingleses, franceses, americanos, entre outros.
294
1951, criava-se o CNPq que, em 1954, revivia os ideais do extinto IIHA com a
criação do INPA: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. A colaboração
científica internacional, que já contara com o interesse pela Amazônia de nomes
como Humboldt, Wallace, Dates, Darwin e Agassiz, tinha agora um centro
nacional para controlá-la e incentivá-la.
Todavia, observa-se que o temor militar nunca aplacou, mostrando-se no
projeto oficial que o abriga: o Calha Norte.
O pretendido povoamento amazônico com apoio de unidade militar não é
algo novo, pois fizeram parte do projeto do poder central colonial do século
XVIII, quando foram fundados os primeiros aldeamentos e as primeiras fazendas
particulares, tendo o suporte administrativo-militar do forte São Joaquim, na região
do Rio Branco (cf. Cap. 1), atual Estado de Roraima.
Tal modelo de soberana do Estado Luso-brasileiro era fundamental para o
êxito da posse e defesa da terra em nome do governo central. Essa idéia de
salvaguardar e ocupar as fronteiras amazônicas fez parte, também, do programa de
governo federal em fins dos anos de 1970-80, quando o Conselho de Segurança
Nacional projetou o Calha Norte. Esse projeto para defesa da fronteira Norte
brasileira, do controle do narcotráfico e contrabando, de coibição da exploração
mineral e vegetal ilegal e, também, de possíveis incursões de guerrilheiros, foi
divulgado pela mídia somente no ano de 1986, momento em que:
O Ministério do Exército instalou na faixa de fronteira da região Norte, quatro Pelotões
Especiais de Fronteira. Há outros dois em implantação e mais cinco são previstos
(ALMEIDA, 1992: 97).
Esse programa do governo federal recebeu apoio jurídico com os
dispositivos constitucionais do artigo 20, XI, § 2º que dispõe: “a faixa de até
cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres,
295
designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do
território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”235.
MAPA 07 Calha Norte (EUSEBI, 1991:37)
Assim, o projeto Calha Norte, implantando unidades militares na fronteira
norte amazônica, eliminaria as pretensões estrangeiras e integraria essa “isolada”
região ao centro econômico e político brasileiro. O papel do Calha Norte como
cunha “nacionalizadora” capaz de desestruturar e dificultar ainda mais o já difícil
processo de sobrevivência das comunidades indígenas alarmou todos os
interesses pela questão, que o viam como uma “abertura à penetração do capital
235.
Constituição Federal de 1998, Título III (Da Organização do Estado), Capítulo II (Da União).
296
brasileiro e multinacional na Amazônia, que poderia avançar como um rolo
compressor sobre as populações indígenas” (EUSEBI, 1991:36-37).
Esse rolo compressor “civilizador” precisava, antes de qualquer coisa, afastar o “obstáculo”
indígena, impedindo a demarcação de suas terras e concentrando os diversos grupos étnicos
em pequenos núcleos, algo mais propício ao trabalho de integrá-los no projeto social
nacional (id., ibid.).
A proteção do território amazônico e, ao mesmo tempo, sua ocupação,
foram claras preocupações do governo militar entre 1964 e 1985 (cf. Capítulo 3, pp.
170/179) e o Calha Norte foi um dos pontos de sustentação de sua política. A
construção de suas bases, sendo, a maioria delas dentro de territórios indígenas,
passou por muitos percalços, inclusive de ordens jurídicas, com várias
impugnações legais que retardaram sua implantação física.
Assim, dezessete anos após a divulgação de sua criação, tal projeto ainda
padecia de incompreensão no âmbito da sociedade de Roraima:
Com surgimento do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), o projeto Calha Norte
perdeu importância no Governo Federal e parlamentares querem saber o que está sendo
feito. Se continuar a demarcação de terras indígenas nas áreas de fronteira, na Amazônia, o
projeto Calha Norte está fadado à falência. A opinião é do deputado federal Jair Bolsonaro
(PPB-RJ), conhecido por defender os militares e combater no Congresso a criação de novas
reservas. Bolsonaro diverge de Romeu Tuma (PSC-SP). O senador acredita que o Calha
Norte precisa ser redimensionado, porque é de importância vital para a Amazônia. “Isso fica
cada vez mais claro, porque o Calha Norte não é um projeto militar, é um projeto do estado para ocupação
da Amazônia pela sociedade civil”. Os dois parlamentares integram a Comissão Mista do
Congresso que desde terça-feira visita unidades militares da Amazônia, principalmente os
pelotões de fronteira que fazem parte do Calha Norte. Completam a Comissão os
senadores Carlos Patrocínio, Ernandes Amorim, João França e Marluce Pinto, e os
deputados federais Antonio Feijão, Carlos Airton, Geovani Queiroz, Hilário Coimbra, Luiz
Fernando e Salomão Cruz. A visita começou por Roraima e encerra hoje em Tabatinga,
após serem visitadas as bases do Calha Norte em Surucucus (RR) e Maturucá, Auaretês e
São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, além de unidades militares sediadas em Boa Vista
e Manaus. Falando com o conhecimento de quem chefiou várias operações no interior da
Amazônia nos nove anos em que foi diretor da Polícia Federal, o senador Romeu Tuma
disse que só as Forças Armadas estão cumprindo com sua parte no Calha Norte. “O
projeto tem que ser reequacionado para vingar”. Para ele, o Sivam – Sistema de Vigilância
da Amazônia, e o Sipam – Sistema de Proteção da Amazônia, não sobrevivem se o Calha
Norte não for implantado em toda a sua extensão. O papel da Comissão Mista, para o
senador, é o de trabalhar em cima da liberação de recursos para que o projeto tenha
continuidade. “Já que todas as verbas passam pela aprovação do Congresso”. Bem mais
297
pessimista Jair Bolsonaro diz que o Calha Norte é inócuo. “Não há como transformar pelotões
em pólos de colonização dentro de terras indígenas. Está na hora de acabar com estas demarcações imensas,
ou o Calha Norte não tem esperanças”. O deputado disse ainda que protocolou pedido na
Câmara para que projeto seu que prevê a redução da Terra Indígena Yanomami seja
votado em regime de urgência. “Os deputados não vão votar a tramitação em caráter de
urgência porque são venais e não vão ficar contra o governo” (FBV, 07/11/96, p. 3, itálico
nosso).
De fato, a Comissão Mista do Congresso (senadores e deputados),
apresentou clara cisão de compreensão e fins do Calha Norte, com posições
favoráveis e outras que o vêem como inócuo. Em ambas, no entanto, fica-se
evidente a crença na necessidade da “colonização” das terras em questão, com a
manifestação contrária às demarcações vindo claramente a público.
Passados quinze anos da divulgação do Calha Norte, algumas vitórias são
obtidas por seus oponentes:
O juiz federal Helder Girão Barreto concedeu liminar anteontem que proíbe a construção
de um Pelotão Especial de Fronteira do Exército na região de Uiramutã, próximo aos
limites da área indígena Raposa Serra do Sol, a nordeste do Estado. Há muito tempo as
lideranças indígenas ligadas ao Conselho Indígena de Roraima (CIR) tentam impedir a
continuidade das obras, que estão sob a responsabilidade do 6º BEC (Batalhão de
Engenharia e Construção). Os líderes indígenas alegam que não são contra a obra, mas
justificam que o quartel iria “perturbar a tranqüilidade das aldeias e causar problemas como
prostituição juvenil236 e inserção de bebidas alcoólicas”. (...) A construção do Pelotão de
Fronteira em Uiramutã faz parte do projeto Calha Norte, do Governo Federal, que tem
como principal objetivo ocupar a faixa de 150 quilômetros na área de fronteira (FBV,
05/01/01, 5).
Entretanto, as notícias do embate chegam à mídia sem apontarem as
questões de base e sem especificar com clareza os pontos em choque. Por outro
lado, na formação da consciência que leva os grupos locais à ação, existe o velho
fantasma da fase colonial (século XVIII, cf. Cap. 1): o medo em relação aos
interesses de grupos internacionais na ocupação da região.
236. A prostituição dos índios, gerada pelos brancos, é um assunto antigo nessa região. Na década de
1920, os relatórios do Marechal Rondon, que esteve reunido com os índios e inspetores do SPI (Serviço de
Proteção ao Índio), registraram as denúncias dos líderes Makuxi, Taurepang e Wapixana sobre os atos abusivos
sexuais juvenis e de mulheres indígenas por parte dos brancos, em alguns casos, envolvendo inspetores do SPI.
298
Nessa instância, o projeto Calha Norte teria como um de seus objetivos
impedir a entrada no território nacional desses grupos estrangeiros que, valendose da questão indígena, estariam se apropriando do território amazônico:
Para o Conselheiro e Vice-Presidente do Tribunal de Contas/RR Amazonas Brasil, o
projeto Calha Norte, implantado pelo governo brasileiro, a partir de 1986, seria a única
alternativa contra a internacionalização da Amazônia. Ele cita trechos do documento
Diretrizes Brasil Nº 4, elaborado em 1981 pelo Conselho Mundial de Igrejas Cristã, em
Genebra-Suíça durante uma reunião do Conselho e liderado por várias Organizações NãoGovernamentais. “Item I – É nosso dever garantir a preservação do território da Amazônia e de seus
habitantes aborígines, para o seu desfrute pelas grandes civilizações européias, cujas áreas naturais estejam
reduzidas a um limite crítico”. Esse documento definia estratégias para a ampliação de terras
indígenas na Amazônia. Para Amazonas Brasil, “Nessa perspectiva, uma vez feita a
conquista geográfica, os agentes inspiradores passarão a uma segunda fase, a de dominar,
pela via econômica, os povos autóctones”. Amazonas Brasil garante que esta visão trágica
vislumbra-se, exclusivamente, a partir do documento que será votado na ONU garantindo
aos índios completo domínio das áreas onde vivem, “ou aonde venham a viver, conforme
o interesse de seus tutores”. O Calha Norte contrariava todas as intenções destes
organismos internacionais para impedir a colonização da Amazônia. De acordo com o
documento Diretrizes Brasil Nº 4, o Conselho Mundial de Igrejas comenta que, esse imenso
território e os seres humanos que o habitam são patrimônio da humanidade e não patrimônio dos países
cujos territórios, pretensamente, dizem lhes pertencer (FBV, 07/11/96, p. 3).
Para além de confusão na data – a referida reunião do Conselho Mundial
de Igrejas Cristãs teria se dado em 1991 e não em 1981 – chama atenção o fato
do documento, Diretrizes Brasil nº 4, só ter começado a circular pela internet,
livremente, em 2003 e, mesmo assim, fora do site do Conselho Mundial de
Igrejas Cristãs, onde não está presente. O referido documento circula, sob a égide
da Revista do Clube Militar (1991), no site www.geocities.com e sua
reprodução é importante para se entender a formação de opinião em termos de
indignação nacional:
299
Revista do Clube Militar - Nov/Dez-91
Amazônia III
DIRETRIZES BRASIL
Diretrizes do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs para a Amazônia Brasileira -
DIRETRIZES BRASIL No 4 - ANO "0”
PARA: ORGANIZAÇÕES SOCIAIS MISSIONÁRIAS NO BRASIL
1 - Como resultado dos congressos realizados neste e no ano passado, englobando 12
organismos científicos dedicados aos estudos das populações minoritárias do mundo, emitimos
estas diretrizes, por delegação de poderes, com total unanimidade de votos menos um dos
presentes ao "I Simpósio Mundial sobre Divergências Interétnicas na América do Sul".
2 - São líderes deste movimento:
a) Le Comité International de la Defense de l'Amazonie;
b) Inter-American Indian Institute;
c) The International Ethnical Survival;
d) The International Cultural Survival;
e) The Workgroup for Indigenous Affairs;
f) The Berna-Geneve Ethnical Institute e este Conselho Coordenador.
3 - Foram contemplados com diretrizes especificas os seguintes países: Venezuela No 1;
Colômbia No 2; Peru No 3; Brasil No 4, cabendo a Diretriz No 5 aos demais países da
América do Sul.
A AMAZÔNIA É PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE E NÃO DOS PAÍSES QUE A
OCUPAM
DIRETRIZES:
A - A Amazônia Total, cuja maior área fica no Brasil, mas compreendendo também parte dos
territórios venezuelano, colombiano e peruano, é considerada por nós como um
patrimônio da Humanidade. A posse dessa imensa área pelos países mencionados é
meramente circunstancial, não só por decisão de todos os organismos presentes ao
Simpósio como também por decisão filosófica dos mais de mil membros que compõem os
diversos Conselhos de Defesa dos Índios e do Meio Ambiente.
B - É nosso dever: defender, prevenir, impedir, lutar, insistir, convencer, enfim esgotar todos
os recursos que, devida ou indevidamente, possam redundar na defesa, na segurança, na
preservação desse imenso território e dos seres humanos que o habitam e que são patrimônio
da humanidade e não patrimônio dos países cujos territórios, pretensamente, dizem lhes
pertencer.
300
É NOSSO DEVER INDEPENDER, POR RESTRIÇÃO DE SOBERANIA, AS ÁREAS
OCUPADAS PELOS INDÍGENAS. É NOSSO DEVER PROMOVER A REUNIÃO DAS
NAÇÕES INDÍGENAS
EM REUNIÕES DE NAÇOES.
C - É nosso dever: impedir em qualquer caso de agressão contra toda a área amazônica,
quando essa se caracterizar pela construção de estradas, campos de pouso, principalmente
quando destinados a atividades de garimpo, barragens de qualquer tipo ou tamanho, obras de
fronteira, civis e militares, tais como quartéis, estradas, limpeza de faixas, campos de pouso
militares e outros que signifiquem a tentativa de modificações ou do que a civilização chama de
progresso.
D - É nosso dever: manter a floresta amazônica e os seres que nela vivem, como os índios, os
animais silvestres e os elementos ecológicos, no estado em que a natureza os deixou antes da
chegada dos europeus. Para tanto, é nosso dever evitar a formação de pastagens, fazendas,
plantações e culturas de qualquer tipo que possam ser consideradas como agressão ao meio.
E - É nosso principal dever: preservar a unidade das várias nações indígenas que vivem no
território amazônico, provavelmente há milênios. É nosso dever: evitar o fracionamento do
território dessas nações, principalmente por meio de obras de qualquer natureza, tais como
estradas públicas ou privadas, ou ainda alargamento, por limpeza ou desmatamento, de faixas
de fronteira, construção de campos de pouso em seus territórios. É nosso dever considerar
como meio natural de locomoção em tais áreas apenas os cursos d'água em geral, desde que
navegáveis. É nosso dever permitir apenas o tráfego com animais de carga, por trilhas na
floresta, de preferência as formadas pelos silvícolas.
F - É nosso dever definir, marcar, medir, unir, expandir, consolidar, independer por restrição
de soberania, as áreas ocupadas pelos indígenas, considerando-as suas nações. É nosso dever
promover a reunião das nações indígenas em uniões de nações, dando-lhes forma jurídica
definida. A forma jurídica a ser dada a tais nações incluirá a propriedade da terra, que deverá
compreender o solo, o subsolo e tudo que neles existir, tanto em forma de recursos naturais
renováveis como não renováveis. É nosso dever preservar e evitar, em caráter de urgência até
que as novas nações estejam estruturadas, qualquer ação de mineração, garimpagem,
construção de estradas, formação de vilas, fazendas, plantações de qualquer natureza, enfim,
qualquer ação dos governos das nações compreendidas no item 3 destas diretrizes.
G - É nosso dever: a pesquisa, a identificação e a formação de líderes que se unam à nossa
causa, que é a sua causa. É nosso dever principal transformar tais líderes em líderes nacionais
dessas nações. É nosso dever identificar personalidades poderosas, aptas a defender os seus
direitos a qualquer preço e que possam ao mesmo tempo liderar os seus comandados sem
restrições.
É NOSSO DEVER GARANTIR A PRESERVAÇÃO DO TERRITÓRIO DA
AMAZÔNIA PARA O SEU DESFRUTE PELAS GRANDES CIVILIZAÇÕES
EUROPÉIAS.
301
H - É nosso dever: exercer forte pressão junto às autoridades locais desse país, para que não só
respeite o nosso objetivo, mas o compreenda, apoiando-nos em todas as nossas diretrizes. É
nosso dever conseguir, o mais rápido possível, emendas constitucionais no Brasil, Venezuela e
Colômbia para que os objetivos destas diretrizes sejam garantidos por preceitos
constitucionais.
I - É nosso dever: garantir a preservação do território da Amazônia e de seus habitantes
aborígenes, para o seu desfrute pelas grandes civilizações européias, cujas áreas naturais
estejam reduzidas a um limite crítico.
Para que estas diretrizes sejam concretizadas e cumpridas, com base no acordo geral de julho
passado, é preciso ter sempre em mente o seguinte:
a. Angariar o maior número possível de simpatizantes entre pessoas poderosas, políticos,
sociólogos, antropólogos, jornalistas e seus veículos de imprensa. Cada simpatizante deve ser
instruído para que consiga mais dez colaboradores, e estes, por sua vez, aliciem mais dez e
assim sucessivamente, até formarmos um verdadeiro exército de simpatizantes.
b. Enfatizar o lado sensível das comunicações, permitindo que o lado básico permaneça
embutido no bojo do objetivo, evitando discussões em torno do tema. No caso dos países
abrangidos por esta ação, é preciso levar em consideração a pouca cultura de seus povos, a
pouca perspicácia de seus políticos, ávidos por votos que a Igreja prometerá em abundância.
c. É preciso infiltrar missionários e contratados, inclusive não religiosos, em todas as nações
indígenas, para aplicar o Plano Base destas Diretrizes, infiltrando-os também em todos os
setores da atividade pública, a fim de viabilizarem a boa execução desse plano." (grifo nosso)
Fonte: http://www.geocities.com/toamazon/toafato3diretrizes.htm
visitado em: 23/02/03
302
Basta controlar rapidamente os textos oficiais do Conselho Mundial de
Igrejas Cristãs para perceber a extrema discrepância de estilo com o documento
acima. A provocação do brio nacional é por demais primária (“garantir a
preservação do território da Amazônia para o seu desfrute pelas grandes
civilizações européias”) e alheia às auto-definições da Europa, onde os países, via
de regra, não se proclamam “grandes civilizações européias”. Os termos “aliciar”
e “infiltrar” também não fazem parte da tônica dos documentos oficiais do
Conselho Mundial de Igrejas Cristãs. Mais interessante ainda é perceber que, a
Igreja Católica, grande defensora dos interesses dos índios na Amazônia não faz
e nunca fez parte do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs!
Todavia, serve aos propósitos dos inculcadores de medo, a característica
“mundial” do Conselho.
Buscadas referências junto às entidades que, em princípio, assinam o
documento Diretrizes Brasil Nº 4, nada foi encontrado sobre ele, embora outras
referências ocorram sempre em termos de “inimigos do Brasil” em sites
particulares237.
O fenômeno da cobiça internacional pela Amazônia, como algo ocorrente
desde o século XVII, é perfeitamente detectada como montagem ideológica nas
monografias dos cursos da ECEME-RJ - Escola do Estado Maior do Exército
(LEIRNER, 1995:130).
Líderes políticos e representantes do Estado baseiam-se nesses
“documentos” para defender os interesses dos não-índios e do Estado. No
entanto, pressupõem um confronto com a troca tutelar do índio de “patrimônio”
brasileiro para “patrimônio da humanidade”, sob a égide de grupos internacionais
237. Cf. sites: geocities.com/toamazon; Inter-American Indian Institute; International Ethnical Survival;
International Cultural Survival; Workgroup for Indigenous Affairs. Agradecemos ao padre José Bizon, da Casa da
Reconciliação, em São Paulo, pela referência do documento Diretrizes Brasil (n.4 – Ano “0”), na Revista do Clube
Militar (1991), no site www.geocities.com
303
atrelados a grupos nacionais que estão se apropriando da biodiversidade genética,
de conhecimento das etnias indígenas e das terras amazônicas que deveriam ser
desfrutadas pelo governo e pela sociedade nacional, nela incluída os índios:
O prefeito de Boa Vista, Ottomar Pinto (PTB), afirmou que a demarcação da área indígena
Raposa Serra do Sol obedece a pretensões de ONGs internacionais para “congelar” as áreas
mais ricas em minérios do mundo. É uma “orquestração” de entidades anti-nacionais para
tomar a Amazônia e o Exército do Brasil não tem como confrontar as nações como
Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. Para o prefeito faltou iniciativa do Estado durante
os últimos anos para continuar a ter “pulso firme” diante do preconceito da FUNAI e de
padres da Diocese de Roraima que armaram uma conspiração contra Roraima (FBV,
08/01/99, p. 3)238.
O medo da presença internacional na Amazônia abriu vários fóruns de
discussões locais, organizados por instituições e órgãos oficiais e nãogovernamentais, sobre os riscos de internacionalização de Roraima por meio das
medidas do governo federal que criou novos parques nacionais interligados a
reservas indígenas e parques ecológicos (cf. acima, pp. 267-68), aumentando o
conflito.
Frente aos impasses dessa trajetória política e fundiária, e tendo em vista
entender o novo papel do índio na sociedade roraimense, o prefeito de
Normandia, Vicente Adolfo Brasil239 (sem partido) manifestou opinião favorável
à demarcação da reserva Raposa Serra do Sol e defendeu parceria com os índios,
como forma de garantir a permanência do município que está dentro da reserva.
Contudo, sem uma clara análise política da situação e dos direitos indígenas240, ao
ser pressionado pelas lideranças políticas e da elite local, o prefeito de Normandia
238. Esse assunto foi comentado no Capítulo 4, item 4.1, p. 241, quando abordamos sobre os legisladores
estaduais e suas propostas.
239. Conhecido como “Gute Brasil” o descendente dos pioneiros brancos, Vicente Adolfo foi reeleito
prefeito no pleito eleitoral de 2000 com a sigla do PSDB.
240. O prefeito não deseja perder o município e não se inteirou da nova condição do índio num contexto
multicultural, privilegiado pelo reconhecimento de seus direitos originários, enunciados nos artigos 231 e 232 da
Constituição Federal de 1988 e reconhecidos pela Constituição de Roraima de 1991, no artigo 173 (cf. Cap. 3, pp.
223-224 e 235).
304
mudou o seu discurso em relação a essa polêmica situação roraimense, que no
geral, vê o índio como propriedade:
Depois de admitir a demarcação na forma pretendida pela FUNAI, o prefeito de
Normandia, Gute Brasil (Vicente Adolfo Brasil), recuou e quer aparar as arestas que,
naturalmente, surgiram. Depois de afirmar que nunca se declarou favorável à área contínua
afirma: “Considero irreversível a demarcação porque acho tardia e frágil nossa mobilização,
perante as poderosas pressões internacionais junto ao governo brasileiro. Acredito ser
necessário à parceria e o apoio aos nossos índios, para que se produza riqueza nas extensas
reservas indígena” (FBV, 16 e 17/01/99, p. 3).
À vista dessa situação em conflito, surgiram programas de governo
(federal/estadual/municipal) voltados para políticas públicas com propostas
ecodesenvolvimentistas241 local/regional e
nacional,
conectados com a
globalização. Houve, portanto, uma ampliação dos interesses e argumentos,
contidos nos textos dos programas que fazem referência à defesa da Amazônia,
como patrimônio nacional. Assim, nas últimas décadas do século XX, foram
divulgadas discussões de especialistas da área tecnocientífica alertando sobre a
perda dos ecossistemas e da biodiversidade na Amazônia que acontecerá a perda
do bem-estar material não só dos amazônidas, mas dos habitantes de toda parte
da terra:
(...) lembra-nos que um em cada quatro produtos vendidos nas farmácias, seja medicinal ou
farmacêutico, é fabricado a partir de materiais extraídos de plantas das florestas tropicais.
Tais produtos incluem antibióticos, antivirais, analgésicos, tranqüilizantes, diuréticos,
laxativos e muitos outros itens. As vendas comerciais desses diversos produtos no mundo
inteiro atingem atualmente cerca de 20 bilhões de dólares por ano. Por isso mesmo, a
ênfase no valor medicinal da biodiversidade tornou-se uma constante nas advertências dos
experts – mas há ainda outros “benefícios” que poderiam ser considerados: aqueles ligados
à agricultura e à indústria (SANTOS, 1994:136-7).
Observamos nesse texto de Laymert dos Santos, citado acima, a nítida
preocupação que deveria ter o governo brasileiro em regulamentar critérios para
a questão da biodiversidade amazônica, vista como fonte natural de vantagens
241. Ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, conceitos que propõem modelos alternativos
de desenvolvimento, sublinhando a utilização dos recursos naturais de cada ecossistema, com a participação da
população alvo/local, descentralizando tomadas de decisões e defende também a solidariedade em relação às
gerações futuras (cf. DIEGUES, 1992; PIETILÄ, 1990; PERROT, 1991).
305
econômicas, rica em espécies biológicas e em ecossistemas. Além disso, não
podemos nos esquecer do valor da memória cultural preservada pelos habitantes
nativos, que deveria implementar as concepções de desenvolvimento sustentável
na área agro-industrial amazônica. Em outras palavras, esse conhecimento
indígena tem valor inclusive para o mundo do capital, uma vez que pode abreviar
enormemente os tempos das pesquisas242.
Todavia, o programa ecodesenvolvimentista não estabelece com clareza
como e quais povos seriam beneficiados por tais políticas243. A região de
Roraima, que faz fronteira internacional com a Venezuela e a Guiana, apresentou
problemática ecológica distinta entre florestas, serras e lavrados e uma
multiplicidade social indígena e não-indígena.
Questionamentos como esse ganharam força política nos anos 90 e
acentuaram ainda mais os confrontos sociais e multiculturais com a chamada
“revolução do verde”244. A partir daí várias lutas se intensificaram: a social, a
ecológica e a dos direitos dos povos tradicionais, entre eles os índios. Essas lutas
não ocorreram só em Roraima mas em outras regiões do mundo e, a Amazônia,
claramente, apresenta um grande atrativo para entes de toda espécie.
Essas
teorias
ecológicas,
como
pressupostos
facilitadores
do
desenvolvimento, visando a exploração dos recursos naturais e o uso do trabalho
humano, ganhou popularidade através dos documentos como a “Estratégia
Mundial para a Conservação”245, o informe “Nosso Futuro Comum”246, da
242. Nesse sentido, trabalhos de Antropologia Cognitiva são conhecidos no meio acadêmico já desde
1985: GARCIA, Wilson Galhego. Introdução ao universo botânico dos Kayová de Amambaí (Tese de
doutorado/USP, 1985).
243. A proposta de desenvolvimento sustentável divulga o direito de utilização sustentada das espécies e
ecossistemas, na sua produção de alimentos e de certos produtos farmacológicos.
244. Expressão que denominou uma das crises da relação histórica e social com o meio ambiente. Termo
que denominou também as campanhas e discussões dos movimentos envolvendo atores sociais e sujeitos
políticos implicados com o mercado e com as reivindicações sociais e ecológicas. Cf. WALDEMAR, 1998; VIOLA,
E. et alii, 1998.
245. Cf. documentos elaborados por: UICN, PNUMA, WWF. World Conservation Strategy. Gland. 1980.
Cuidar la Tierra. Estrategia para el futuro de la vida. Gland. 1991. Tais documentos de organismos
internacionais registraram amplo questionamento sobre a exploração ambiental aproveitando a mão-de-obra local,
306
Comissão Brundtland (ONU, 1987), “Cuidar da Terra” (UINC, WWF e PNUMA,
1991) e o informe da “Comissão de Desenvolvimento e Meio Ambiente da
América Latina e Caribe” (1991).
É interessante salientar como a idéia de nossos indigenistas e defensores
da causa indígena, fincada em mentalidade do aval internacional como
testemunho de valor à sua causa, traz ao debate pontos que, vistos como
positivos, só o dificultam:
O coordenador do CIR (Conselho Indígena de Roraima), Jerônimo Pereira da Silva,
comentou que o Programa Piloto dos Sete Países mais ricos do mundo ( PPG7) está
financiando verbas para a demarcação das reservas indígenas. O PPTAL (Programa de
Proteção às Florestas da Amazônia Legal) que é financiado pelo PPG7, financia tanto o
Governo Federal como o Governo Estadual no desenvolvimento de projetos econômicos
e recursos para a demarcação. Explica que a Comissão do PPTAL que acompanha os
trabalhos desenvolvidos pelo programa de demarcação é formada por Representantes da
FUNAI, CIR, FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e UNIACRE
(União Indígena do Acre). Há um empenho para que o presidente Fernando Henrique
Cardoso homologue a reserva indígena Raposa Serra do Sol, mas há também o empenho
na demarcação das áreas menores, localizadas nas regiões de Alto Alegre e Serra da Lua
(FBV, 29/12/98, p. 4).
Assim, por mais interessante e sério que pudesse ser o referido PPTAL247, a
simples menção a financiamento pelo G-7 acende e agita os temores da
internacionalização e perda da soberania. Tal questão assume proporções que
demandam menção presidencial:
Durante solenidade de assinatura da portaria de demarcação da reserva indígena Raposa
Serra do Sol, no dia 12 de janeiro, o presidente Fernando Henrique Cardoso deixou bem
mas não deixaram claro o entendimento sobre o conceito “sustentável” e sua relação com o conceito
“desenvolvimento”.
246. Cf. WCED. OUR COMMON FUTURE. Oxford University Press, 1987. Esse documento também
apresenta propostas auto-sustentáveis, contudo, não deixou claro o processo de relações que se estabelece entre o
homem e o meio ambiente enunciado pelos conceitos “sustentável” e “desenvolvimento”. Com base nesse
documento vários estudiosos empreenderam reflexões sobre tais propostas de preservação e exploração ambiental
em prol do coletivo social, sem mostrar, também, uma clareza na sua aplicabilidade e quem seria o beneficiado
com tais programas auto-sustentáveis. (cf. PIETILÄ, 1990; PERROT, 1991; DIEGUES, 1992; BALÉE, 1993; DESCOLA, 1996).
247. PPTAL termo que passou a identificar o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais para
toda a Amazônia Legal. A Comissão do PPTAL tem sede em Brasília e é composta por representantes nacionais e
internacionais ligados ao Grupo dos Sete Paises mais ricos (G-7) que lideram políticas públicas sociais e
ambientais no planeta: Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Japão. Tal assunto já foi
mencionado na Introdução, Nota n. 5 e n. 6, p. 11.
307
claro que as ONGs (Organizações Não Governamentais) são parceiros imprescindíveis
para continuar demarcando terras indígenas. “Eu faltarei ao meu dever se não dissesse
também que houve apoio internacional para essas demarcações”, discursou o presidente.
“E nós queremos que esse apoio se mantenha. A cooperação do PPG-7 (Programa Piloto
do Grupo dos Sete Países Mais Ricos) é importante para que nós possamos fazer mais
depressa a demarcação”. Segundo FHC, havia no passado muita divergência entre as
entidades internacionais e o governo na questão da demarcação das reservas. “Eu sei o que
aconteceu, recentemente, lá no Alto Rio Negro (AM), na demarcação de uma área imensa,
com o incentivo de organizações não-governamentais”, continuou o presidente. “Acho que
passou a época em que Estado e não-governamentais guerreavam. É preciso que os dois se
unam para resolver os problemas das populações que precisam de solução”, afirmou.
“Acho que nós temos as melhores condições para terminar essa obra de demarcação”. A
parceria do Brasil com o PPG-7 está também na demarcação de novas áreas indígenas em
Roraima. O governo brasileiro está disponibilizando verbas para o Programa de Proteção
às Florestas Tropicais (PPTAL), para demarcar sete novas reservas indígenas que estão em
processo de reconhecimento. Três dessas áreas indígenas já foram identificadas
recentemente pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio): Boqueirão, Jacamim e Muriru.
As demais foram identificadas ao longo dos últimos dez anos, mas estão em processo de
reestudo para aumentar o tamanho físico das áreas: Barata/Livramento, Tábua Lascada,
Moscou e Wai-Wai (FBV, 25/01/99, p. 4).
No entanto, nem mesmo as tentativas pacificadoras do presidente da
República ocorridas durante a referida solenidade serviram para acalmar os
ânimos. Assim, embora assinada a Portaria Nº 820 (11.12.98) de demarcação da
Raposa Serra do Sol, pelo Ministro da Justiça, ela foi contestada pelo Estado,
ONGs indígenas pró-nacional, representantes da bancada federal, da estadual, da
municipal, entidades do setor comercial e empresarial, OAB/RR e não foi até hoje
homologada pelo governo federal e a questão continua a girar sobre os mesmos
eixos até aqui apontados.
5.2.2. Educação Formal Indígena
Um dos pontos-chave no reconhecimento da diferença entre índios e nãoíndios é o universo do domínio da língua. Faz-se desnecessário aprofundar-se no
conhecimento do papel da língua como ponto-chave para a percepção e
veiculação de uma cultura. No caso presente, a alfabetização na língua nacional
308
constitui um poderoso mecanismo de integração e elemento sine qua non para a
cidadania plena.
No caso indígena, este é um novo ponto de conflito, já que as lideranças
tradicionais lutam pela concretização dos direitos constitucionais à própria língua
e ao ensino diferenciado248, enquanto que os integracionistas vêem o domínio do
português como parte fundamental do caminho em direção à assimilação do
índio no projeto nacional.
As ONGs indígenas CIR, APIR, OPIR, TWM e OMIR (cf. Quadro 09, p. 259), as
ONGS nacionais CCPY, URIHI, GTA, ISA (cf. Quadros 11 e 12, p. 260), as entidades
católicas CIMI e Diocese de Roraima (cf. Quadro 14, p. 261), com o apoio da
FUNAI, vêem na educação formal indígena um pilar a mais para a discussão do
ensino diferenciado que vem sendo ministrado nas escolas indígenas vinculadas à
Divisão de Ensino Indígena (DEI/SECD) do governo estadual.
As ONGs indígenas SODIUR, ALIDICIR, ARICOM (cf. Quadro 10, p. 260), o
governo estadual, executivos municipais de Roraima, e a totalidade da
representação política (senadores, deputados federais e estaduais e vereadores),
dos empresários e dos fazendeiros são favoráveis à educação formal oficial, que
integra o índio ao projeto social nacional. Tal ensino é ministrado nas escolas
indígenas cujas comunidades estão em processo de emancipação, sendo de
responsabilidade da Divisão de Ensino do Interior (rural) da SECD/RR249.
Essa questão retrata o problema fundamental da opção pela tradição ou
pela integração ao nacional.
248. O percurso histórico da situação do índio, a Constituição Federal de 1988, no Capítulo III (Da
Educação, da Cultura e do Desporto) do Título VIII, em seu artigo 210 que fixa o conteúdo mínimo do ensino
fundamental e nele insere dispositivos referentes aos índios, estabeleceu no § 2º, desse artigo, a “utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (cf. Capítulo 2, item 2.4; Capítulo 3, item 3.3 e Cap. 4).
249. A política educacional indigenista dos índios pró-tradição foi abordada no Capítulo 4, pp. 234-35,
quando os índios ligados ao CIR e a OPIR apresentaram estratégias para as escolas indígenas da rede pública de
Roraima, sob a responsabilidade da D.E. Indígena/SECD, que não coincidem com as defendidas pela SODIUR e as
outras ONGs indígenas pró-nacional, sob a responsabilidade da D. E. do Interior/SECD.
309
A opção pela integração ao nacional tem se revelado, até hoje, ilusória:
Diariamente se registram, em Boa Vista, casos de abuso de poder por parte das
instituições, onde as vítimas são os índios. Nos hospitais, escolas, repartições públicas, eles
sempre sofrem discriminações. Os casos se repetem: a enfermeira índia que é rejeitada
pelos médicos e colegas; o doente grave que fica na frente do hospital porque não tem
dinheiro para pagar um médico; a velha Wapixana que continua a limpar as ruas e não
recebe aposentadoria; a menina Makuxi de onze anos que já trabalha nas casas dos ricos,
sendo utilizada para qualquer tarefa e a qualquer hora do dia (FERRI, 1990:66).
Ora, como a questão indígena é polarizada entre grupos de defensores e
detratores, ambos igualmente apaixonados, perde-se o pé de questões banais e
vitalmente importantes, quais o censo da população indígena nas cidades, suas
situação sócio-econômica, sua filiação étnica, etc., etc., etc.
Como vimos no capítulo 2, item 2.4 – Reação e organização indígena – a
manutenção da língua indígena leva à manutenção da própria cultura e, como tal, vem
sendo implementada, com o apoio do CIR, da Diocese de Roraima e da
Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Assim sendo, durante o período de 2000 até 2002, o CIR (Conselho
Indígena de Roraima) e a OPIR (Organização dos Professores Indígenas de
Roraima), em parceria com a UFRR, organizaram discussões com apoio de ONGs
indígenas, não-indígenas e da FUNAI na criação do referido curso Superior
Indígena vinculado à Pró-Reitoria de Graduação (cf. Capítulo 2, item 2.4), com
ensino exclusivo para os índios. Tal curso teve seu primeiro vestibular diferente
do nacional e iniciou sua primeira turma em março de 2003:
No período de 6 a 14 de janeiro, a Universidade Federal de Roraima (UFRR) vai estar com
inscrições abertas ao processo seletivo para ingresso no curso de Licenciatura Intercultural,
chamado de “vestibular indígena”. O curso é específico para professores índios atuantes
nas escolas indígenas da rede pública de ensino. Será a primeira turma, com oferecimento
de 60 vagas. A taxa de inscrição (R$ 25,00) será paga no Bradesco em nome da
Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR). Os documentos necessários
são: carteira de identidade, registro administrativo de índio expedido pela FUNAI, cópia do
diploma ou certificado de conclusão do curso de ensino médio e declaração original
emitida pelo Departamento de Educação Indígena (DEI), especificando que é docente em
escola indígena da rede pública. Também deverá apresentar declaração original de apoio da
310
comunidade indígena ao candidato, laudo médico original (em caso de o candidato portar
deficiência física e necessitar de algum atendimento especial). A seleção será feita em três
fases, cada uma com valor de 10 pontos: prova de redação, entrevista e prova de títulos.
Redação e entrevista são eliminatórias e a de título é classificatória. A redação e entrevista
poderão ser feitas nas línguas Makuxi, Wapixana, Taurepang, Yekuana, Ingarikó e Wai Wai.
O candidato deve indicar a preferência na ficha de inscrição (FBV, 21 e 22/12/02, p.10).
As características do curso, como a do domínio da língua indígena, o abre
apenas a elementos indígenas ainda não dissociados de suas comunidades
originais, uma vez formados, tais professores poderão ensinar, indistintamente,
tanto nas escolas pró-tradição, vinculadas à Divisão de Ensino Indígena quanto
nas integracionistas, vinculadas à Divisão de Ensino do Interior.
As diretrizes na condução da Educação Indígena foram discutidas pelo
Comitê de Educação Escolar Indígena do MEC que fez, em 1998, a primeira
versão dos Referenciais Curriculares Nacionais para as Escolas Indígenas (GRUPIONI,
1998). Existem impasses porque as escolas indígenas vêm sendo absorvidas pelos
sistemas estaduais e municipais de educação e, nesse sentido, o Comitê diz ser
preciso: um estatuto próprio; responsabilidades divididas entre União, Estado e
Município; parâmetros250 para a formação de professores indígenas.
Nesse processo de aprendizagem formal, seja ela com técnicas indígenas
ou brancas, o uso da escrita é fundamental. Contudo, a própria formalização da
educação indígena, pelo viés da escrita, envolve riscos notáveis para sua cultura,
uma vez que se choca com as formas de “leitura” indígena, baseada em grafismos
e não em estruturas alfabéticas. Será possível, portanto, capacitar o índio para
conviver com a sociedade branca – mesmo que seja para rejeitá-la – sem alterar
seus padrões de percepção e de comunicação? Introduzidas tais alterações, a
nosso ver inevitáveis, é ainda possível manter a “indianidade”? Há como permitir
a opção pela capacitação ou não? Pode-se educar sem que o educando perceba
inteiramente o significado final do processo a que está sendo submetido? É
250. Referências curriculares tanto para a formação do professor como para a escola indígena que
incorporem a problemática intercultural, bilíngüe e diferenciada.
311
possível falar em “indigenismo” e em defesa da causa indígena sem discutir tais
questões e para elas achar uma resposta, mesmo que provisória?
Ora, como nem mesmo nos fóruns mais abertos tais questões são tratadas,
somos levados a pensar na necessidade premente de organizar a discussão em
função de questões básicas de fundo e não naquelas contingentes de curto prazo.
5.2.3. Progresso econômico x degradação ambiental e sócio-cultural
Entre as várias alternativas em jogo, e os descaminhos governamentais, os
líderes e os representantes dos índios e dos não-índios, durante toda a década de
90, envolveram-se em violentos protestos na defesa de seus direitos e receberam
novos aliados (cf. Quadro 16, p.264):
A Federação do Comércio (FECOR), a Federação da Agricultura (FAER), a Associação
Comercial e Industrial de Roraima (ACIR), são as entidades que entraram no apoio aos
protestos contra a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol. Essas entidades estão
buscando o apoio junto às instituições nacionais no protesto iniciado pelos produtores de
arroz em Roraima. O presidente da FECOR, Aírton Dias, diz que está buscando junto à
Confederação Nacional do Comércio (CNC) apoio para defesa dos interesses dos
manifestantes. A CNC deverá mobilizar gestões junto aos parlamentares federais para que
defendam a manutenção das áreas produtivas (FBV, 07/01/99, p. 3).
Em apoio às ONGs indígenas e ao Estado contra a demarcação das terras
em área única, essas três grandes entidades do setor econômico estadual (FECOR,
FAER, ACIR) aderiram ao movimento pró-nacional que já vinha recebendo a
solidariedade dos representantes políticos, das lideranças da elite e da OAB local.
Embora as matérias divulgadas na mídia local também apresentem a ótica
dos indígenas pró-tradição251,
As lideranças do Conselho indígena de Roraima (CIR) decidiram em Assembléia Geral a
política que vão adotar até o início do ano 2000 nas questões que envolvem
desenvolvimento social, saúde e educação. Um dos principais pontos é relacionado à
demarcação de terras. Os indígenas vão aumentar a pressão para o governo federal apressar
251. As estratégias políticas a serem adotadas pelos índios pró-tradição, na pressão ao governo para
demarcar as terras indígenas, foram apresentadas no Capítulo 4, pp. 234-35.
312
a homologação da reserva Raposa Serra do Sol em área única e também pressionar a
FUNAI (Fundação Nacional do Índio) a demarcar todas as terras indígenas de Roraima
(FBV, 11/02/99, p. 3).
a imensa maioria das chamadas oferece argumentos ao habitante roraimense para
juntar-se às manifestações contra os direitos constitucionais dos índios:
Para o grupo empresarial, a demarcação compromete mais de 70% da produção de gado de
corte no Estado. (...) Os produtores de arroz devem perder para a reserva indígena 80% de
suas terras que produzem hoje cerca de 50 mil toneladas por ano. Para o pecuarista, José
Lopes, “O ato público é em defesa do desenvolvimento de Roraima, (...) Toda a produção
na área que vai do município de Normandia à região do Surumu, já foi comprometida”
(FBV, 07/01/99, p. 5).
O texto acima foi publicado na seção Cidade (jornal Folha de Boa Vista),
com o título “Protesto Pecuaristas distribuem carne hoje”, como um alerta aos
habitantes desse Estado Federado sobre o “perigo” de Roraima se transformar
numa grande maloca, comprometendo a “civilização” e o desenvolvimento dessa
região da Amazônia Legal. Prejudicados em seus empreendimentos, os
empresários tentavam mobilizar a opinião pública e o Estado contra a
demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol em área única.
Em termos efetivos, isso se resume nos interesses da massa branca da
população, arrastada para Roraima ao longo de séculos de má-administração
territorial (cf. Capítulos 1, 2, 3, e 4), sem uma orientação política equilibrada e de real
consideração pelo índio (seja isolado, seja “integrado”), chafurda em um pântano de
individualismo e propostas imediatistas.
Além disso, é preciso levar em consideração as várias abordagens de
campos científicos em que a História, entre outras ciências, faz parte. Entretanto,
no geral, as abordagens apresentam uma visão de exploração da Amazônia por
meio de seus recursos econômicos e sustentáveis sob uma trama de
interdependências científicas, de homogeneidade geográfica e ecológica. Alguns
313
textos, como “Amazonia sin mitos (cap. V)”252, mostram um discurso
ambientalista que não explica esta vivência amazônica por intermédio do
desenvolvimento sustentável que satisfaça as necessidades de índios e não-índios
da região.
Nesse sentido, STAVENHAGEN (1984) também apresenta idéias genéricas
sobre esse assunto e defronta-se com a questão étnica e etnicidade, da
problemática contemporânea em relação ao desenvolvimento social e ambiental.
Todavia, STAVENHAGEN (1991) amplia o entendimento de desenvolvimento
evidenciando três aspectos: política, etnicidade e etnocídio
253
. Esse autor aponta
outras teorias com preocupações desenvolvimentistas tendo como base o
dinamismo evolucionista. Porém, essas pretensões conceituais não revelam com
clareza o que STAVENHAGEN defende em relação ao desenvolvimento e as
comunidades locais que serão beneficiadas com a exploração dos recursos
ambientais.
Assim, o desenvolvimento sustentável para essa realidade amazônica
apresenta uma tarefa que se supõe por vários caminhos: a delimitação e
apreensão da etnicidade e etnocídio são elos importantes para o aprendizado
sobre essa realidade multicultural amazônica, quando do planejamento de
projetos de desenvolvimento.
Nas três últimas décadas do século XX, o governo de Roraima, em
parceria com o Federal, visou o planejamento de infra-estrutura que possibilitasse
tanto a construção como a melhoria (asfalto e pontes) das BRs 174, 401 e 210, no
252.
O documento apresenta propostas da Comissión sobre Desarollo y Medio Ambiente de América
Latina y el Caribe (s/d).
253. De acordo com estudos antropológicos, a etnicidade faz referência à condição ou consciência de
pertencer a um grupo étnico (mesma língua, mesma organização cultural, etc.). Já o conceito de etnocídio referese a destruição da cultura de uma etnia por outro grupo étnico. Ou seja, pela imposição forçada de um processo
de aculturação a uma cultura por outra mais poderosa, fazendo-a desaparecer (cf. STAVENHAGEN, 1991;
BARAZAL, 2001).
314
transporte da produção agrícola para o mercado amazônico (Manaus, fronteira
com a Venezuela e com a Guiana).
Nesse sentido, existem referências ao compromisso do governo federal
com o PPG-7 (Programa Piloto do Grupo dos Sete países mais ricos, cf., acima, p. 288) no
desenvolvimento de projetos econômicos sustentáveis e na demarcação de terras
indígenas. Tais propostas com metas de proteção ao habitante roraimense (índios
e não-índios) propagam a descentralização com a participação da sociedade local
organizada.
Existem também mega-projetos de desenvolvimento da Amazônia Legal
do governo federal, com enormes interesses de participação de empresas
privadas, e, entre esses o programa “Avança Brasil” (2000 com perspectivas até
2007) planeja investir US$ 40 bilhões (KOHLHEPP, 2002:48). O Estado de
Roraima, que está ligado por rodovia à Venezuela e à Guiana, deverá ser um
entre os privilegiados no programa de agro-negócios: produção de grãos (soja,
milho, feijão, etc.). Todavia, verifica-se que em grande parte esses programas
dificilmente são aplicados ou a população local nem sempre chega a ter
conhecimento dos resultados, visto que a indefinição fundiária é uma questão de
difícil resolução.
Dessa maneira, o índio parceiro do CIR/APIR (Conselho Indígena de
Roraima/Associação dos Povos Indígenas de Roraima) e da Diocese de Roraima
(que reivindica direito originário), em geral, é entendido como um estorvo ao
“desenvolvimento” e os projetos que o defendem como um “retorno ao
primitivismo”. Cabe, assim, ao governo estadual torná-lo “ser humano” e
garantir-lhe o acesso ao progresso/modernidade nacional, “libertando-o da
manipulação internacional”.
Contudo, a preocupação maior do executivo estadual consiste em
disponibilizar as terras da União em Roraima e criar uma política unificadora para
315
todos os índios, como cidadãos brasileiros, assegurando o desenvolvimento
econômico e a demarcação das terras “ilhas” que garantam a propriedade privada
dos brancos ali estabelecidos. Tal intenção foi sutilmente expressa por
representantes governamentais quando afirmaram que a solução está na posse da
terra pelo Estado de Roraima em nome da soberania nacional.
Há forte oposição, portanto, às lideranças e formas de representações das
etnias indígenas ligadas ao CIR/APIR que buscam manter ou reconstituir a própria
memória cultural, abandonando a nacional no caso dos grupos que já sofreram o
processo de “integração”.
Nesse jogo de forças, os índios ligados ao CIR/APIR acusam os fazendeiros
e afirmam temer agressão:
O tuxaua Jaci José de Souza, da maloca Maturuca afirmou que os índios não estão
cometendo nenhum tipo de violência nem ameaçando os fazendeiros da área Raposa Serra
do Sol. “Eles cometem violência e colocam a culpa em nós”, disse. No final da tarde de
ontem ele retornou a Boa Vista e disse que as 60 reses (do fazendeiro de Uiramutã) estão
retidas em sua maloca por decisão das lideranças indígenas. Segundo ele, o gado fora
apreendido para que os parentes do indígena baleado possam pagar seu tratamento. (...) As
lideranças da região também querem de volta o caminhão apreendido ilegalmente pela
Polícia Militar, quando a comissão de 40 tuxauas retornava da Assembléia Geral do
Conselho Indígena de Roraima (CIR), e visitava a maloca Willimound, onde ocorreu o
atentado (FBV, 12/02/99, p. 3).
Ainda sobre esse conflito na Raposa Serra do Sol/município de Uiramutã,
o vereador de Uiramutã Francisco Rodrigues afirmou que são as lideranças
indígenas do CIR que estão promovendo as invasões:
O presidente da Câmara de Uiramutã, vereador Francisco Rodrigues (PPB), disse que os
índios estão agindo de forma organizada para ocupar áreas próximas das fazendas e
roubarem o gado como tática para expulsar os não índios da região. “Não devo nada ao
CIR e nem ao Tuxaua de Maturuca”, disse. “A única coisa que eu fiz de errado foi ajudar os
moradores e os índios do meu município”, complementou. Rodrigues é proprietário da
Fazenda Retiro, onde os índios invadiram para pegar cerca de 70 reses. Para o vereador o
CIR está promovendo esta invasão (...) O conflito entre índios e fazendeiros no Município
de Uiramutã durou cinco dias. Os fazendeiros acusaram os índios da Maloca Willimound,
sete quilômetros da cidade de Uiramutã, de roubarem cinco cabeças de gado do sítio São
José, (...) em busca de informações, houve um desentendimento entre o fazendeiro e
irmão do vereador de Uiramutã que baleou um índio. Em represália, no mesmo dia, um
grupo de índios da Maloca Villemound foram até o sítio São José e destruíram a casa e
316
saquearam os açudes de criação de peixe, levando 11 mil alevinos e um cavalo ( FBV, id,
ibid.).
No conjunto do conteúdo divulgado acima, percebemos que, no primeiro
texto, as etnias indígenas integrantes do CIR (Conselho Indígena de Roraima)
denunciaram que o confronto tivera início pelos não-índios. Já o segundo texto,
que também é um texto denunciador, acusou os líderes do CIR como mentores
do conflito contra os fazendeiros destruindo suas propriedades. Tal embate teve
sua origem na suposta invasão dos índios nas terras dos fazendeiros/vereador e
no roubo de gado, resultando no confronto armado entre os representantes dos
índios e dos fazendeiros.
Nesse embate, as lideranças e os representantes dos índios pró-tradição,
dos índios pró-nacional e dos não-índios deverão colocar em prática um modelo
de desenvolvimento mais amplo que possa abranger princípios humanísticos,
possibilitando mudanças nesse conflito em curso (LOUREIRO, 2002:119) que seja
compatível com o novo momento político-cultural do Brasil democrático, da
tomada de consciência e reivindicação de direitos.
No entanto, na esfera governamental, já entrando em sua segunda
legislatura, o Estado de Roraima, a partir de 1995, ainda não se demonstra capaz
de equacionar as necessidades de sua população “nacional” com aquela indígena.
Em grande parte, o índio pró-nacional depois de perder sua identidade indígena e
relação tradicional com a terra, engaja-se no garimpo e concretiza a autodestruição (LOUREIRO, 2002:114).
Nesse sentido, o desmatamento para exploração da pecuária extensiva, dos
projetos com a exploração de madeira na região amazônica que está atraindo
empresas internacionais, como da Malásia, que “tentam obter concessão para
extração de madeira em larga escala” (KOHLHEPP, 2002:45), são modelos
econômicos que abrem discussões sobre a preservação/exploração da
317
biodiversidade amazônica. Do mesmo modo, a exploração do garimpo254
também atrai empresas mineradoras de grupos transnacionais que disputam
concessões para exploração da terra ampliando o conflito local e a degradação
sócio-cultural e ambiental (SINGER, 1994:174).
As confusas interpretações e as discussões definindo idéias e estratégias de
propostas ecodesenvolvimentistas não deixam evidentes os entendimentos de sua
aplicabilidade, das relações sócio-culturais e das formas de produção e os lucros
que tornariam, por exemplo, o Estado de Roraima auto-sustentável. O conceito
mais conhecido que é o da Comissão Brundtland255, quando se refere ao
desenvolvimento sustentável, aponta duas estratégias: “a prioridade na satisfação
das necessidades das camadas mais pobres da população, e as limitações que o
estado atual da tecnologia e da organização social impõe sobre o meio ambiente”
(DIEGUES, 1992:22/25).
As controvérsias teóricas e as intenções para implantarem-se programas
de preservação e exploração ambiental, envolvendo distintas relações sócioculturais e políticas econômicas, não apresentaram entendimentos na tarefa de
compreensão e implementação do desenvolvimento local. Os líderes e
representantes do Estado e da sociedade defrontam-se com essa nova ordem que
prega concepções de uma política da diferença e da participação da sociedade nas
políticas públicas tanto para o território nacional como para o regional e local
(VERHELST, 1992; SMERALDI, 1994). E no nosso caso, tais programas devem
incorporar a satisfação das necessidades e dos direitos das populações indígenas
(pró-tradição e pró-nacional) e das não-indígenas, pois, em geral, são comumente
pensados de maneira homogeneizante deixando de fora a discussão
254.
Cf. Capítulo 2, item 2.2; Capítulo 3. p. 190.
Os representantes das Comissões do Relatório Brundtland (1987), presentes nas discussões
internacionais, não resolveram essas questões teóricas e práticas sobre a “satisfação das necessidades básicas” e
nem as diretrizes para que a população possa participar de tais programas sociais e ambientais auto-sustentáveis.
255.
318
multiculturalistica amazônica ou brasileira (RIBEIRO, 2000). Assim como a política
não se realiza, o estudo científico também não.
Aumentando as mudanças da cultura indígena, as reivindicações de índios
(pró-tradição e pró-nacional) e não-índios implicaram num processo de
centralização de poder tanto no executivo estadual como no federal e se perdem
em projetos paralelos e duplicidade de propostas para uma mesma área territorial,
situação que persiste até hoje:
a) programas de desenvolvimento social e econômico dos índios pró-tradição
com aval da FUNAI para área dos índios da Raposa Serra do Sol256, ao mesmo
tempo, existem programas de desenvolvimento social e econômico dos índios
pró-nacional com aval do executivo roraimense para os munícipes de Uiramutã e
Normandia, além da instalação da unidade militar que faz parte do Calha Norte e
do Parque Nacional Monte Roraima, que são projetos do executivo federal;
b) programas de desenvolvimento social e do Parque Yanomami pela CCPY e na área de saúde
pela URIHI com aval da FUNAI para os índios pró-tradição da área Yanomami, ao mesmo
tempo, existem programas de desenvolvimento social e econômico do executivo estadual, em
parceria com os executivos municipais, para os índios pró-nacional e os munícipes envolvidos
nessa área indígena (Amajari, Alto Alegre, Mucajaí, e Iracema), além das propostas das
mineradoras que tramitam no poder federal, do Calha Norte e do Parque Nacional do governo
brasileiro;
c) programas de desenvolvimento social e econômico dos índios pró-tradição
com aval da FUNAI para a área dos Wai Wai, que também recebem propostas
desenvolvimentistas do executivo estadual, em parceria com os executivos
municipais, para os índios pró-nacional e munícipes do Caroebe e de São João
da Baliza;
d) programas de desenvolvimento social e econômico dos índios pró-tradição com aval da
FUNAI para a área dos Waimiri/Atroari, ao mesmo tempo, existem programas
desenvolvimentistas do governo de Roraima, em parceria com o governo do município de
Rorainópolis, para os índios pró-nacional e os munícipes, além desses territórios existem
outras áreas em conflitos.
256. A região da Raposa Serra do Sol, entre serras e lavrados, é habitada por etnias Makuxi e Ingarikó,
convivendo entre 90 malocas, tendo uma população aproximada de dez mil índios (FUNAI, 1993). Cf. Mapas 05
sobre a geopolítica de Roraima, em 1995 (p. 250, acima); Mapa 06 sobre as áreas indígenas, em 1993 (p. 251).
319
Na medida em que esses projetos são enunciados, como persiste sem
solução a sobreposição física de área indígena a ser demarcada e municípios que
a ocupam, sua implementação acaba abortada e os conflitos ganham maior peso:
Dizem que a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em área única vai acabar com
2.500 empregos. São seis usinas de beneficiamento de arroz que poderão fechar, fazendo
com que cerca de 60 milhões de dólares deixem de ser investidos anualmente em Roraima.
Esses representantes irão mobilizar um protesto contra a demarcação com uma carreata e
distribuição de arroz para o povo na praça do Centro Cívico. Durante o protesto será
lançado o “Manifesto pela paz em Roraima”, com a participação das entidades como:
Associação Comercial e Industrial de Roraima, Ordem dos Advogados do Brasil,
Federação do Comércio do Estado e a Associação dos Arrozeiros (FBV, 30/12/98, p. 5).
Contudo, para impedir tais perdas, as expectativas de direito das
populações indígenas pró-tradição não seriam respeitadas – como não o vem
sendo desde 1988. O texto acima apresentou de forma convincente
argumentações contra a política indigenista da FUNAI e do CIR, apontando para
as perdas da massa branca da população.
O executivo local manifestou o desejo de usar mecanismos políticos e
jurídicos para reverter a lei:
O procurador-geral do Estado de Roraima, Luciano Queiroz, disse que o Estado não tem
prazo para entrar com ação contra a homologação da reserva indígena Raposa/Serra do
Sol em área contínua. Argumenta que a Constituição Federal (88), no parágrafo 6º do
artigo 231, que fala sobre os direitos dos índios, “não gera nulidade nem torna extinto
nenhum direito às propriedades tituladas”. Há vários títulos definitivos de propriedades
dentro da área e qualquer ato administrativo, qualquer portaria, não tem poderes para
anular esses títulos (FBV, 29/12/98, p. 4).
Ora, as terras, de propriedade da União, que foram disponibilizadas aos
índios da Raposa/Serra do Sol pela Portaria n. 820 (11.12.1998), assinada pelo
Ministério da Justiça, que demarcou a reserva em área única com a saída de todos
os não-índios da região, não contempla, de fato, muitas posses legais de cidadãos
brasileiros. A defesa da Procuradoria-Geral do Estado de Roraima, em nome da
320
população branca, leva à confiança na impunibilidade do desrespeito às terras já
demarcadas257.
Para os representantes e lideranças do Estado e da sociedade nacional local
o Ministério da Justiça deveria ter respeitado a existência do município de
Uiramutã258 e dos empresários e fazendeiros investidores na região. A publicação
da Portaria n. 820 favorecendo os direitos dos índios ligados ao CIR fez aumentar
os descontentamentos entre os representantes e lideranças das ONGs prónacional e segmentos da sociedade local.
O Ministério Público Federal recebeu denúncia sobre a ocupação de
centenas de garimpeiros na reserva indígena e que estariam ocorrendo conflitos
armados:
Uma representação do NISI (Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena)259 denunciou ao
procurador da República em Roraima, Felipe Bretanha, que centenas de garimpeiros
invadiram a reserva Yanomami, e que estão fornecendo arma de fogo e munição para que
os índios apóiem as atividades de extração de ouro. O Secretário Executivo do NISI,
Clóvis Ambrósio, disse que os profissionais de saúde que trabalham na área indígena
Yanomami, já presenciaram mortes entre os índios por desentendimentos sobre a questão
do garimpo e os presentes (FBV, 20/11/00, p. 7).
Os diferentes líderes e representantes do Estado e da sociedade local
(índios e não-índios) não se mostraram solidários em eliminar legalmente esse
cenário de guerra na área Yanomami.
No jogo das forças de poder (federal e estadual) a dependência de verbas
da União colocou o Estado numa situação de submissão. No entanto, a
duplicidade de propostas para uma mesma área territorial de Roraima estimulou
mecanismos de sustentação da política coronelista. Assim, o governo estadual foi
atuando conforme o interesse do momento, postergando a resolução do conflito.
257.
A descrição dessas áreas territoriais foram apresentadas nos itens 3.2.1 e 4.2.1, acima.
Nesse município, está localizado o maior número de escolas indígenas financiadas pelo governo
estadual, das 40 escolas existentes, 38 ministram ensino diferenciado em português/makuxi e português/ingarikó
para as crianças das referidas etnias indígenas (cf. Instituto FECOR/RR, abril/2000).
259. Cf. Quadro 15, p. 262, o NISI/FNS, com apoio do governo federal e da bancada federal de Roraima
(Senado e Câmera), desenvolve projetos na área de saúde, enviando profissionais da saúde para atuarem nas
reservas indígenas.
258.
321
Esse novo Estado Federado, que não entende o índio e nem as distorções
constitucionais, centralizou a governabilidade na formulação de uma política
econômica, alegando que a aplicação do direito constitucional do índio 260
impedirá a vinda de empresários que possam investir na região. Contudo, sem
aplicar uma ação com diretrizes eficientes para a auto-sustentação do Estado a
questão da demarcação das terras continua:
O Secretário de Planejamento do Estado de Roraima afirmou que há contatos com várias
empresas que querem instalar em Roraima negócios e produtos para entrarem no mercado
internacional. (...) Para o Secretário o empresário só investe onde ele tem garantia e, neste
caso, as terras de Roraima necessitam de definição (FBV, 12/01/99, p. 4).
Na medida em que esse jogo de interesses foi sendo expandido, o dilema
do Estado e da sociedade roraimense, entre teoria e ação intergovernamental,
ganhou novos mecanismos delimitados pelo gerenciamento entre as parcerias do
governo do Brasil com o G-7 e o Banco Mundial, no apoio de políticas públicas
ambientais, em projetos que colidem com o temor da perda da soberania
nacional (cf. acima, pp. 273/281).
Mas, ao mesmo tempo, notamos também que existem outras intervenções
resultantes da parceria envolvendo o governo do Brasil com os governos dos
Estados e dos Municípios. Nesse caso, as intervenções261 aparecem nas propostas
políticas de consolidação de suas plataformas eleitorais locais vinculadas ao apoio
da bancada federal roraimense, buscando tanto o apoio como o financiamento de
políticas públicas, que possam favorecer a ampliação ou a instalação de novos
municípios, legitimando a posse da terra entre a elite econômica da região de
apoio governamental.
260. Previstos nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal/88 e reiterados no art. 173 da Constituição
Estadual/91 (cf. Capítulo 3, p. 205-206 e 216).
261. Dentro do jogo de forças políticas locais vinculadas ao nacional/internacional, o grupo de poder
estatal busca apoio em ações que possam efetivar as antigas alianças políticas fortalecendo as suas próprias bases
locais, na relação “clientelista” entre a elite local, os governos estadual e federal. Nesse jogo da política de mando
não se leva em consideração a participação popular como prevê a Constituição Federal, mas o interesse pessoal
que elimina a possibilidade do exercício democrático.
322
Tal aparato na manutenção de lealdades eleitorais e na articulação de
propostas na esfera do governo local e nacional elimina o exercício democrático,
não escapa a um olhar atento à extremamente fácil aprovação de novos
municípios em Roraima, parte do movimento causado pela Constituição Federal
de 1988, que provocou seu aumento de 4.189 (em 1988) a 5.437 (1995) e 5.507
em 1977 (ABRUCIO, 1998: 32).
Vemos, portanto, como o uso “branco” de certos direitos constitucionais
se dá de maneira acelerada, provocando no caso de Roraima, a institucionalização
de certos impasses que impedem o funcionamento de um Estado voltado para o
interesse comum e público.
A organização econômica, política e sócio-cultural do Estado se degrada,
portanto, frente a algumas questões cuja resolução não está sequer encaminhada:
a) as resistências contra o cumprimento da Constituição Federal de 1988 por
parte de alguns representantes dos segmentos privilegiados tanto da sociedade
como do setor governamental;
b) o caráter de controle do conjunto das operações que envolvem a política local
por parte do governo estadual/municipal, no uso da “máquina pública” como
instrumento de fazer política, de troca de favores;
c) o uso de mecanismos dominadores ditos como politicamente corretos, no
controle dos grupos indígenas, quando da impossibilidade de “civilizar” todos os
índios, tornando-os “brasileiros natos”, desejando o desaparecimento da figura
do índio tutelado para facilitar a posse da terra;
d) os interesses pessoais dos representantes políticos do Estado e o conflito
sócio-político que acarreta o aumento dos bolsões de miséria urbana que
agravam ainda mais as tensões e os conflitos sociais entre índios e não-índios, em
grande parte imigrante/migrante, na periferia da capital;
e) a garantia dos direitos da massa de população branca legalmente estabelecida
na região.
323
Numa sociedade local heterogênea e de interesses contraditórios, após o
decorrer de dez anos de Estado Federado, os envolvidos nesse cenário, Estado,
índios e não-índios, deverão considerar que a Constituição (Federal/Estadual)
não “ensina a governar, apenas assegura os princípios e preceitos que se põem
para a realização possível do bom e democrático governo” (ROCHA, 2001:9).
A palavra Estado tem sido usada com tão variados sentidos que sem um conceito
esclarecedor não se fica sabendo em que sentido ela está sendo usada. (...) Na realidade, a
noção de Estado, para ser completa, pode dar ênfase maior ao fator jurídico, sem, no
entanto, ignorar os fatores não-jurídicos. (...) parece-nos que se poderá conceituar o Estado
como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado
território. Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado, e
só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é
referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada
na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e,
finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente
na menção a determinado território (DALLARI,2002: 115/118).
O Estado e a sociedade roraimense (índios e não-índios) dotados de
interesses diversos com relação à posse e ao usufruto da terra deveriam nortearse por fundamentos comuns e normas existentes para que o Estado pudesse
atuar em prol do bem comum a todos os habitantes de sua própria jurisdição.
Contudo,
(...) por expressar a vontade de uma sociedade muito heterogênea e cheia de contradições,
o texto da Constituição de 1988 revela a existência de novos fatores de influência social
que já não podem ser ignorados, mas revela também a permanência parcial de uma herança
colonial negativa, preservando-se em pontos substanciais a dominação de elites
conservadoras e reacionárias (DALLARI, 2001:50).
Ora, é justamente tal herança colonial negativa e o domínio das elites
conservadoras e reacionárias, acasteladas em princípios de individualismo, que
impedem a ação fundamental: o estabelecimento do que seja, bem comum, que
contemple brancos e índios.
324
CAPÍTULO 6
Considerações Finais
As terras do atual Estado de Roraima entram para a história do mundo
ocidental no século XVIII, sob a égide da colonização portuguesa que a via como
região estratégica para seu expansionismo na América do Sul. Que em tal terra
existissem criaturas humanas (“Caribes”, Makuxi, Wapixana, Macu, Paraviana,
Guaripuna, Sapará, Jaricuna, Ingarikó, Taurepang, Yanomami, Wai Wai, WaimiriAtroari, Maiongong, entre outras) nunca representaram nenhum obstáculo às
intenções de apropriação do Estado português bem como, com a independência,
às do Estado brasileiro.
Após 400 anos de ocupação branca e de ter passado por várias estruturas
de organização e administração política [como Forte São Joaquim do Rio Branco
(1775/1788), ligado a Capitania de São José do Rio Negro; Freguesia de Nossa
Senhora do Carmo, da Província do Amazonas (1858); Município de Boa Vista do Rio
Branco, com a Constituição de 1891; Território Federal do Rio Branco (1943), Território
Federal de Roraima (1962) e Estado em 1988], Roraima viu seus habitantes indígenas e não-indígenas - se mesclarem e, ao mesmo tempo, se estranharem e
afrontarem, sempre em busca de ideais conflitantes com os interesses dos outros
segmentos dessa sociedade pluri-composta.
Hoje, finalmente, no início do século XXI, podemos compreender o
quadro dos resultados do choque de dois projetos, aquele “branco”, de
integração nacional, e aquele indígena, dividido inexoravelmente entre a
manutenção de seu estatuto original e a integração nacional.
Explorado, escravizado, abandonado, tutelado, ao longo do processo, o
índio começa a fazer ouvir sua voz nos últimos 30 anos. E o que ouvimos, e
325
como a sociedade nacional roraimense acata o que ouve é o que nos guia nas
presentes conclusões.
6.1. Ruptura da monoconsciência indígena
Essa região amazônica setentrional caracteriza-se pelo desenraizamento do
índio, tanto pelo processo da colonização e da evangelização como pelo modelo
educacional “civilizador”, que teve o seu percurso acentuado após o Estado
Novo, momento da idealização do índio, transformado em branco “forte e
puro”, cantado em prosa e verso nos modelos pedagógico e político que
pretendia integrá-lo à sociedade nacional (cf.Cap. 3, pp. 164-165).
A ruptura do processo sócio-cultural indígena surgiu com a colonização
européia, no século XVI, quando holandeses, ingleses e espanhóis se fizeram
presentes nessa região (cf.Cap. 1, item 1.1) e, tanto o território quanto seus
habitantes, passaram a ser submetidos a pressões amalgamantes, facetadas por
diversas políticas nacionais, em diversos momentos de interesses econômicos
divergentes.
No processo colonizador, a disputa pela terra e pela vida do índio alterou
seu modo tradicional de ocupação do espaço coletivo, sua relação mítica e de
parentesco como mundo natural foi sendo redimensionada e reconstruída pelo
projeto “civilizador” do Estado luso-brasileiro, de modelo econômico e interesse
individualista na relação com a terra.
Estudos sobre essa situação colonial amazônica devem ser encetados,
merecendo especial atenção a Reforma indigenista do Marquês de Pombal
(1755), na condução dos habitantes índios e não-índios, na conquista e defesa do
Rio Branco (cf. Cap. 1, itens 1.4 e 1.7), e a utilização da força administrativa lusobrasileira com apoio das missões religiosas, que gerou a segregação territorial do
índio e a segregação social dos cidadãos “integrados” (BALANDIER, 1955).
326
Não podemos mais ignorar que a introdução do índio a este universo
hostil fez surgir conflitos alheios à sua história. O processo de confronto sóciocultural pelo qual essa sociedade amazônica construiu o Estado de Roraima,
desde o Território Federal ao Estado Federado, mostra, ainda hoje, as cicatrizes
desse processo.
O falso discurso da integração do índio no projeto social nacional
encobriu essa perda das raízes culturais indígenas e as desestruturações internas
dos diversos grupos. A simples interferência da ação educadora nacional na
Amazônia, reclama levantamentos e detida reflexão. As relações dominaçãosubordinação das nações tribais habitantes da terra invadida com o colonizador
europeu reforçam a submissão dos mais fracos e alteram a consciência de um
número considerável deles (BALANDIER, 1955). Em outras palavras, a relação
dominação-subordinação tanto leva à rebelião quanto à cooptação do mais fraco,
que aspira a igualar-se ao dominador para escapar da dominação. Mecanismo
psico-social incidioso e silencioso (MOLES & ROHMER, 1978), ele mina
inexoravelmente as estruturas sociais dos dominados, provocando cizânias
irreparáveis.
Roraima é um perfeito laboratório para se observar tal fenômeno, com as
facções indígenas pró-tradição e pró-nacional combatendo-se e, nesse processo,
perdendo força em relação às elites brancas, que continuam a ocupar
implacavelmente os espaços tribais.
Nessa marcha, o nacional trata os grupos indígenas de maneira uniforme,
generalizando e homogeneizando situações sob a eterna égide do índio como
obstrução ao “progresso”, manipulando os grupos pró-nacional (sobretudo em
momentos eleitorais) e ignorando-os logo a seguir.
Em decorrência disso, a sociedade roraimense como um todo é mantida
refém do conflito:
327
O presidente da ARICON (Associação Regional Indígena dos Rio Kinô, Cotingo e Monte
Roraima), Gilberto Makuxi, alertou que os conflitos na região da Raposa Serra do Sol, vão
recomeçar, bem como em outros pontos do Estado, com o que já está acontecendo na
região de São Marcos, município de Pacaraima porque, segundo ele, o Conselho Indígena
de Roraima (CIR), e a Igreja Católica, com apoio de ONGs internacionais, vão fazer pressão
e terrorismo, com o que vem ocorrendo em Pacaraima, antes que o novo Presidente da
República assuma, como forma de pressionar para homologar a área Raposa Serra do Sol.
Ele e os representantes da ALIDICIR (Aliança de Integração para o Desenvolvimento das
Comunidades Indígenas de Roraima) e da SODIUR (Sociedade de Defesa dos Índios
Unidos de Roraima) farão mobilização de alerta as autoridades em Boa Vista e em Brasília.
Ameaçam invadir a Catedral Cristo Redentor como forma de frear as ONGs e a Igreja
Católica que começaram a criar tumultos e mais uma vez semear a discórdia entre os nossos
irmãos. Gilberto Makuxi deixa claro que a invasão a Catedral, embora não revele dia nem
hora que vai acontecer, não é nenhuma ameaça, é apenas fazendo valer o velho ditado que
diz “olho por olho, dente por dente” (BN, 17/12/02, p. 9).
Com apenas três dias de diferença, o mesmo veículo noticiava que:
O governador Flamarion Portela262 se reuniu na manhã de ontem, no Salão Nobre do
Palácio Senador Hélio Campos, com mais de 50 tuxauas e lideranças indígenas do Estado.
Durante a reunião, os tuxauas entregaram ao governador uma carta de agradecimento pelo
apoio dado durante os oito meses do seu governo. (...) O governador Flamarion Portela,
agradeceu o apoio dado pelos tuxauas e se comprometeu a realizar um trabalho voltado
para a garantia de uma vida melhor a todas as comunidades do Estado. “O nosso
propósito é atender as solicitações feitas pelos líderes indígenas, de acordo com a nossa
disponibilidade de recursos”, explicou Flamarion. “A Secretaria do Índio é a casa de todos
os índios de Roraima, é a porta que se abre para essas pessoas serem ouvidas e buscarem as
melhorias para as suas comunidades. Dessa forma, com a participação de todos, ouvindo
sugestões, nós temos certeza que vamos alcançar bons termos nas políticas públicas
traçadas para as comunidades indígenas”. Finalizou Flamarion (BN, 20/12/02, p. 11).
Todas as facções, assim, se mobilizam, em detrimento do bem comum,
com a questão fundiária sempre em primeiro plano:
A Fundação Rainforest, dos Estados Unidos, encabeçou uma campanha pedindo para que
o presidente Fernando Henrique Cardoso homologue a reserva indígena Raposa Serra do
Sol, demarcada em 1998, antes de deixar o governo. Um grupo de 76 ONGs (Organizações
Não-Governamentais) da Europa, Indonésia, Malásia, Estados Unidos, Canadá, Suriname e
Brasil assinaram o documento entregue a FHC. A iniciativa partiu após o Conselho Indígena
de Roraima (CIR) receber, dia 12, o prêmio Direitos Humanos 2002, e, no dia 10, o prêmio
Chico Mendes. Os prêmios foram concedidos como forma de reconhecer as lutas e
trabalhos junto aos povos indígenas de Roraima (FBV, 20/12/02, p. 6).
262. Flamarion Portela (PSL) foi eleito governador no pleito eleitoral de 2002, mas, como vice do
governador Neudo Campos (durante a terceira legislatura do Estado, de 1999-2002) assumiu o governo de
Roraima em 2002, com a saída de Neudo para as campanhas eleitorais pleiteando um cargo no Senado Federal.
328
A participação estrangeira, usada como aval pela facção pró-tradição e
como prova de perigo de internacionalização pela facção pró-nacional, completa
o quadro de rupturas.
A produção acadêmica local, que deveria servir para subsidiar decisões da
União, em geral não alcança tais reflexões históricas, sociológicas e
antropológicas, associando-se ao panorama político e econômico, desenvolvendo
perspectivas ora de orgulho exacerbado pela colaboração da cultura indígena na
formação desse Estado ora expressando vergonha pelo atraso da cultura e pela
pobreza instalada em Roraima, vistos (tanto pelos defensores quanto pelos
detratores da causa dos índios) como decorrência da questão indígena não
resolvida.
A
organização
de
relações
antagônicas,
alicerçada
nos
papéis
desempenhados por indivíduos diferentes, numa situação de contato, como é o
caso de índios e não-índios, é estudada pela etnologia sob distintos pontos de
vista. Roberto Cardoso de Oliveira (1996), por meio da investigação
sistematizada sobre o índio e o mundo do branco, destacou três vertentes: a de
mudanças sociais, de orientação britânica (que analisa as mudanças nas instituições e
não entre os homens propriamente ditos), os estudos de aculturação, de orientação
norte-americana (que analisa o contato interétnico e os fenômenos aculturativos
decorrentes da situação de domínio de uma cultura sobre outra), e os estudos de
situação, desenvolvidos pela escola francesa, que buscam avançar um pouco mais
sobre essa sistematização do contato interétnico em seu processo históricoestrutural, por meio de uma metodologia dialética entre uma denominada
“cultura superior” e uma “cultura inferior” (id.:38).
No caso de Roraima, a utilização da metodologia francesa propiciaria uma
compreensão da estrutura social de brancos e índios, colocando em evidência o
processo de povoamento europeu que pode explicar historicamente as
329
transformações sócio-culturais decorrentes de tal situação interétnica. Essas três
metodologias de estudo revelam a complexidade da dimensão das relações
interétnicas e as possibilidades de se redimensionar o conhecimento e de se
reconstruir um conjunto de idéias favoráveis aos programas interculturais e de
solidariedade tanto para índios (pró-tradição e pró-nacional) quanto para nãoíndios, sem nos esquecermos dos habitantes frutos de 400 anos de miscigenação
étnica.
Nessa perspectiva, há estudiosos que, de longa data, como o próprio
Roberto Cardoso de Oliveira (1978), não descartam a idéia da integração do índio
na sociedade nacional, desde que sejam consideradas as especificidades de cada
grupo étnico.
A historiografia, quase sempre maniqueísta, que analisa as relações
interétnicas
desse
universo
intercultural
amazônico,
não
transmite
a
complexidade do conflito pois não leva em conta as diferentes posições entre os
próprios indígenas. Mas, já há pesquisadores que buscam sistematizar estudos de
etno-ciências e melhorar o conhecimento interétnico observados na Amazônia
venezuelana, onde existem propostas para os indígenas com estratégias políticoculturais implementadas para valorizar e divulgar os parques nacionais e o
ecoturismo coordenados pelas próprias famílias indígenas (ARVELO-JIMÉNEZ,
1991).
Ora, considerando-se que os Yanomami, por exemplo, ocupam parte do
Brasil e Venezuela, é linear concluir-se que qualquer tratamento de “proteção de
fronteira” dado por estes dois países à região, vai cindir o território desse grupo
indígena. O lícito seria se pensar na importância de programas bi-nacionais, o que
pouco a pouco começa a ocorrer (cf. abaixo, pp. 324-325).
Mas, enquanto isso, sem qualquer visão de conjunto, as autoridades
constituídas carecem não só de dados mas da própria percepção de que deveria
330
buscá-los, sobretudo aqueles referentes à estatística das opções indígenas pela
tradição ou pelo nacional. Sem eles, os problemas subjacentes às opções
continuarão sendo mal formulados, mal apresentados e não resolvidos.
6.2. O Estado proprietário
As idéias de conquista, aplicadas a essa região desde o século XVI,
revelaram a coesão do interesse político e econômico, assegurando a submissão
indígena ao Estado. Proprietários de terras amazônicas influenciaram o poder
político, definindo espaços e alterando aspectos culturais indígenas e nãoindígenas (cf. Cap. 1, item 1.3).
Nessa perspectiva, o projeto político do Estado Novo, de transformar o
índio em branco, possibilitou teoricamente a valorização do índio e o uso de seus
serviços na ocupação e defesa da terra, em nome do Estado nacional. Para isso, o
Estado deu ao índio a garantia na posse da terra sem o direito de negociá-la (cf.
Constituição de 1934, Cap. 3, p. 161) e a chance de beneficiar-se como um “cidadão
livre” das benesses do Estado, sem deixar evidente a intenção de reconhecê-lo
como proprietário de suas próprias terras (BARAZAL, 2001:153), visto que é o
Estado nacional o proprietário último das terras em questão.
De fato, o Estado nacional e suas políticas de perspectivas emancipatórias,
após a Constituição Federal de 1988, tomou medidas favoráveis em relação ao
índio reconhecendo sua multiplicidade sócio-cultural e direito na posse da terra,
na condição “inalienável e indisponível” (art. 231, § 4º). Mas a União é a legítima
proprietária de mais de 70% das terras disputadas por índios e não-índios em
Roraima (cf. Cap. 3, p. 189), sem nunca ter dado sinal de mediar efetivamente o
conflito, com projetos que beneficiassem índios e não-índios de maneira
equânime e contemporaneamente.
331
Assim sendo, o processo de demarcação e/ou homologação das terras
indígenas que tramitam no setor jurídico, encontram-se, ainda, num quadro
semelhante ao de dez anos atrás:
Situação
Área em km²
Homologadas
Identificadas
Demarcadas
Interditadas
TOTAL
67.079,70
22.475,00
4.000,00
6.000,00
99.544,70
Quadro Demonstrativo 17
Situação atual das terras indígenas em Roraima263
Fonte: FUNAI/RR. Situação no ano 1993
Tais terras são de propriedade da União e o direito dos índios é o de posse
e usufruto permanente, sem nenhuma perspectiva legal de tornarem-se seus
legítimos proprietários. Seguindo os meandros dos textos legais, veremos que o
índio, mesmo transformado em cidadão brasileiro com CIC, RG e TE, jamais
viverá plenamente um dos pilares da sociedade que o “integrou”: aquele de
propriedade privada.
Assim, demonstrado que o índio não usa a terra “permanentemente” (cf.
Cap. 3, item 3.3) estará aberto o caminho para a reintegração de posse pelo Estado
proprietário. Em outras palavras, o “tutelado” se emancipa mas o “tutor” não lhe
entrega sua propriedade. Sob tal ótica, toda e qualquer discussão sobre os direitos
indígenas é ilusória. Mesmo órgãos como a ONU (Organização das Nações
Unidas), ao tentar auxiliar os índios na condução de seus próprios direitos, não
atenta à questão fundamental do Estado proprietário.
Durante encontro realizado em Nova Iorque, em 1992, com mais de 120
delegações de povos indígenas de diferentes regiões do mundo, organizado pelo
263. O Estado de Roraima possui uma área de 225.116,1 km². Assim, a área total que é reivindicada pelos
índios é superior a de alguns Estados como Pernambuco (98.937), Paraíba (56.584), Rio Grande do Norte
(53.306), Alagoas (27.050), Rio de Janeiro (43.909), Santa Catarina (95.442), Distrito Federal (5.822).
332
Conselho Indígena Estadunidense, que é um órgão subsidiário da ONU, após
sérios debates, elaborou-se dois documentos oficiais, sob chancela da ONU: a
Declaração de Organizações, Povos e Nações Indígenas e a Declaração dos
Direitos dos Povos Indígenas. Denunciando desrespeito e contradições às
próprias leis de países que ainda alojam “First Peoples” e “First Nations”264,
foram solicitadas medidas concretas dos governos de tais países em doze pontos:
1º O reconhecimento dos direitos indígenas a seus territórios ancestrais,
incluindo sua recuperação e sua demarcação.
2º O reconhecimento, o respeito e a elaboração documental, de acordo
com o direito internacional, de todos os tratados, convênios, acordos e outros
pactos estabelecidos com os povos indígenas, como prioridade por parte das
Nações Unidas e seus estados membros.
3º O reconhecimento e o respeito às formas de governo indígenas que se
orientam pelos costumes e leis tradicionais.
4º O fomento e fortalecimento dos direitos de propriedade cultural e
intelectual indígena, de acordo com o direito internacional e seus princípios.
5º A consulta às organizações e nações indígenas para a ratificação da
Convenção 169 da organização Internacional do Trabalho.
6º A disposição em garantir assistência legal e formação técnica às
organizações e nações indígenas.
7º O fomento à reforma de leis e políticas para que se reconheçam os
direitos soberanos dos povos indígenas, tanto no plano nacional quanto
internacional.
8º O fomento e consolidação da educação, da cultura, da arte, da religião,
da filosofia, da literatura e da ciência das nações indígenas.
9º A devolução dos lugares históricos, os locais e objetos sagrados que
pertencem às nações indígenas.
10 A demonstração sincera de compromisso para com os povos indígenas,
facilitando-lhes os recursos econômicos adequados para a tomada de medidas
que sejam consideradas procedentes.
11 Que o secretário geral das Nações Unidas e seus órgãos, comissões e
programas especializados, consultem os povos indígenas do mundo em nível
mais regionalizado possível.
12 Que o secretário geral das Nações Unidas crie imediatamente um
programa indígena específico que seja administrado e aplicado com a
participação direta das nações indígenas.
264.
Aliás, terminologia oficial do Canadá, que aboliu o termo “indian” e “indigenous”.
333
Para além da postura indubitavelmente correta de tais exigências, perdeuse uma oportunidade privilegiada de se avançar o conceito de propriedade
coletiva da terra como um dos “direitos” mencionado no item 1, algo que nem os
especialistas que comentaram os documentos se deram conta (BARAZAL,
2001:149).
Queremos crer que se trata de um dos problemas basilares da questão
indígena no Brasil a longo termo e que deveria ser estudada de maneira mais
profunda, inclusive comparando-a com a recente legislação sobre os
remanescentes dos Quilombos.
A Constituição Federal de 1988 faz duas referências aos Quilombos:
a) primeira, inserida na Seção II dedicada à cultura, do Capítulo III – Da Educação, Da
Cultura e Do Desporto, em seu Art. 216, dispõe: “Constituem patrimônio cultural
brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de
expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico. § 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos.”
b) a segunda está enunciada no Art. 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias), da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.
O texto do artigo 216 não faz referência aos negros fugidos da escravatura,
mas diz respeito aos negros seus descendentes e aos lugares ocupados por
sucessores dos grupos de remanescentes quilombolas, enquanto que o artigo 68
do ADCT enuncia o reconhecimento das terras que os descendentes negros ainda
ocupam, podendo ser demarcadas em áreas certas ou determinadas, ou em área
comum, sem divisões internas, de acordo com a situação encontrada nos locais
334
selecionados, que depois de ouvidos os interessados, a União expedirá os títulos
para permitir o respectivo registro imobiliário (CENEVIVA, 1996).
Existe uma discussão sobre o tratamento constitucional dado ao negro e
ao índio, com alguns juristas, entre eles Walter Ceneviva (1996), ressaltando que a
Constituição de 1934, no seu artigo 129 dera ao índio “dignidade constitucional”
ao reconhecer à posse de suas terras, algo que os negros só teriam reconhecida
com a Constituição Federal de 1988.
Mesmo no caso dos remanescentes dos Quilombos, a situação é
contraditória pois o Projeto de Lei (1995) que visa regulamentar o Art. 68 do
ADCT, embora falando em “propriedade coletiva: condomínio” (item IV),
determina sua “inalienabilidade sob qualquer pretexto” (Cap. II, art, 12) o que uma
leitura jurídica apressada pode concluir pela semelhança com a situação das terras
indígenas, pelo igual significado prático de “posse definitiva” e de “propriedade
inalienável”.
É de se convir, contudo, que a legislação vê os remanescentes dos
quilombos como patrimônio cultural da sociedade brasileira, tendo a Constituição
Federal, inclusive tombado edificações e sítios (cf. acima, art. 202).
São as aldeias indígenas patrimônio cultural da sociedade brasileira?
6.3. Soluções possíveis/ Possíveis destinos
Todos esses aspectos sócio-culturais e geopolíticos, até aqui apontados,
herança dos descaminhos na formação e integração dessa região ao nacional,
deixaram os distintos grupos sociais (índios e não-índios) fragilizados na sua
organização sócio-cultural. Após a instalação do Território Federal, o índio
pacificado (integrado ao projeto social nacional) vem atuando como mão-de-obra
335
barata na construção civil, nos serviços de transportes de cargas e nos afazeres
domésticos urbanos, da capital Boa Vista (cf. Cap. 2, Cap. 3 e Cap. 4).
Como o próprio Estatuto do índio (1973) aponta esse caminho via
emancipação, classificando o índio em integrado, em vias de integração e o isolado (cf.
Cap. 3, pp. 186-187), trata-se, em primeiro lugar, de distinguir e definir bem a opção
final, discutindo a presente “integração” que, simplesmente, incorpora o índio às
camadas mais carentes da população brasileira, despossuído de suas terras, sua
cultura e seus laços de família tribal.
Os índios brasileiros empreenderam a caminhada rumo à retomada de sua
consciência identitária e os quatro segmentos envolvidos (isolados e
inconscientes de tal luta; pró-tradição; pró-nacional e urbanitas alienados)
merecem igual respeito do Estado, da União, da Igreja e da Sociedade civil.
Contudo, o Estado de Roraima, já em sua quarta legislatura, não leva a
cabo o cumprimento dos direitos indígenas enunciados nas Constituições
(Federal e Estadual), privilegiando entendimentos para a demarcação das terras
em ilhas, dentro de um ilusório cenário democrático, organizando alianças com
os índios pró-nacional e a bancada Federal e Estadual contra o índio que não
deseja integrar-se no processo de emancipação. Nesse sentido, as manifestações
dos índios pró-tradição (ligados ao CIR – Conselho Indígena de Roraima) são claras (cf.
Cap. 4, p. 235).
A publicação da Portaria n. 820/98, do Ministério da Justiça, favorecendo
os direitos dos índios pró-tradição (ligados ao CIR) fez aumentar os
descontentamentos entre os representantes e as lideranças das ONGs prónacional e os segmentos da sociedade local. Assim sendo, o executivo estadual
manifestou o desejo de usar mecanismos políticos e jurídicos para reverter tal
portaria (cf. Cap. 5, p. 301), pressão ainda presente hoje:
A não homologação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua no final do mandado
do presidente FHC e um acordo para titularização de terras em Roraima foram os dois
336
temas principais das reuniões esta semana entre o governador Flamarion Portela (PSL)265
com o ministro da Reforma Agrária e equipe de transição do governo federal. (...) Todos os
seguimentos interessados no assunto, na opinião de Flamarion, devem sentar na mesma
mesa e buscar um entendimento, evitando prejuízos para um lado ou para o outro. “A
decisão precisa ser tomada com maturidade. Sabemos que a pressão de Organizações NãoGovernamentais e da Igreja é muito grande, mas acreditamos que conseguiremos deixar a
definição sobre a reserva Raposa Serra do Sol para o ano que vem”, enfatizou o
governador. Flamarion Portela propôs ao ministro José Abrão uma solução “amigável” para
que as terras da União em Roraima sejam transferidas para o Estado ou tituladas pelo
Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) (BN, 21/12/02, p. 4).
6.3.1. Polêmica cultural x território
Ora, para além da inação política do governo roraimense, o grande
problema está na defasagem das idéias defendidas, sobretudo pelos partidários da
área contínua. Os próprios antropólogos dedicados à causa indígena já admitem,
de público, que o maior dos parâmetros que serviram para reflexão e ação, não
mais se sustenta: o próprio conceito de culturas puras, isoladas da história, cuja
impermeabilidade devia ser defendida, sobretudo em suas fronteiras de contato
(FAUSTO, 1998).
A luta pela criação do Parque Nacional do Xingu, anteprojeto de Darcy
Ribeiro de 1952, partia das premissas da imutabilidade cultural e de sua
preservação no tempo, premissas essas vistas hoje como falsas já que sua defesa
leva à reprodução estereotipada de cultura. Tendo perdido, ou estando em vias
de perder a conformação cultural que possuía pré-contato com o branco, o
indígena vê-se agora defendido e protegido em direção a uma vivência cultural
que é uma construção simbólica do branco: as reservas demarcadas, “zoológico
de índio”, no dizer contrariado do zoólogo Paulo E. Vanzolini, que acompanha a
“glamourização” e “estilização” das culturas indígenas xinguanas desde os anos
40266. Seja de uma maneira que de outra, parece ocorrer sempre “o
265. Após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Flamarion trocou sua sigla partidária e
adotou a sigla do partido do presidente.
266. Cf. Informação pessoal à orientadora.
337
encarceramento espacial do nativo”, na pobreza ou na reserva (APPADURAI,
1988).
De fato, não é necessariamente o trinômio: alcoolismo, prostituição e
drogas que provocam a desagregação das comunidades indígenas. No caso dos
Yanomami de Roraima, teve sua parte a Lei do Menor Esforço, ou “Law of the
Least Effort”, com a qual o antropólogo Leslie White guindou a Antropologia,
em 1949, ao estatuto de ciência: os Yanomami se desestruturaram, também,
graças à fácil obtenção de farinha, feijão, carne seca e roupas oferecidos pelos
garimpeiros. Com a expulsão dos garimpeiros, pela FUNAI e Polícia Federal, o
caminho para a fome e a inanição foi rápido e os agentes da FUNAI e
missionários empenharam-se em re-ensinar malocas inteiras a voltar a reproduzir
o próprio sustento.
Como bem se discute, hoje, na A.B.A., aquele conceito de cultura que
serviu de base às lutas contra missionários, contra os contatos com a sociedade
nacional, não recebe mais a concordância e apoio da Antropologia pois
prescindia da história e história é mudança.
Os índios não são passivos mas co-agentes de sua história e sua interação
com a sociedade nacional deixou de ser vista, a partir dos anos 90, como um
mecanismo de extinção a ser evitado a ferro e fogo. Passa-se da defesa do
isolacionismo dos anos 1910-1970 à valorização dos processos de transformação,
pelo fortalecimento e preparo de um dos agentes históricos: o índio (FAUSTO,
1998).
A questão também reside no distanciamento que os antropólogos deram
ao debate indigenista. No Seminário “Idigenismo: Fim de Século”267, o líder
indígena Marcos Terena (funcionário da FUNAI) abriu os trabalhos saudando a
retomada do diálogo entre antropólogos e lideranças indígenas “adormecido”
267. Universidade de Brasília, 22 de maio de 1998, entre antropólogos, lideranças indígenas, institutos de
apoio à causa indígena, juristas.
338
desde o surgimento do movimento indígena e necessitando ser retomado.
“Temos conversa atrasada”, lembrou ele (BARRETO FILHO, 1998:16).
Um dos atrasos é, justamente, discutir as relações e o papel da academia,
das ONGs, das lideranças indígenas, dos missionários, da Igreja e do Estado.
A mesma Igreja que foi tão combatida por seu proselitismo religioso, hoje
é a principal defensora da causa indígena que vê a preservação do território em
área contínua como parte consistente da solução da questão indígena no Brasil.
Ora, a tradição e o isolamento de fronteiras são vistos, hoje, pela
Antropologia como irreais e estereotipificadores. A Igreja continua, assim, na
contramão da ciência e da história?
Ocorre que número consistente de missionários de há muito deixou de
lado o proselitismo religioso para defender o índio da asma, da diarréia, do
raquitismo ... “Os índios são puros como crianças e crianças tem seu lugar
assegurado no céu, mesmo que não sejam versadas em religião”, declarou o
missionário Carlo Zacchini, missionário da Ordem italiana da Consolata, à revista
VEJA em 1990268.
Assim, o foco se desloca, hoje, da preservação da cultura à preservação
pura e simples do índio e de seu patrimônio genético e conhecimento tradicional
do ambiente: “Ao direito à terra sobre a qual os índios não tem juridicamente
propriedade, devemos somar agora a preocupação com o direito à propriedade
intelectual” (FAUSTO, 1998:22).
A academia está, finalmente, acordando, como diria Marcos Terena?
6.3.2. A Construção social do espaço
Nos últimos 20 anos, a chamada geografia social, espécie de história
ecológica contemporânea (não nos esqueçamos que Lucien Febvre, um dos
268.
VEJA, Ano 23 (1148), set. 1990, p. 82.
339
maiores historiadores do século XX, era geógrafo) tem estudado mudanças
sociais em termos e em função do espaço. Essa nova categoria de mercadoria do
mundo capitalista, o espaço, continua ditando normas de ação, hoje, tanto quanto
na pré-história. O que não se pode é continuar admitindo que o comportamento
do homem do século XXI difira tão pouco daquele pré-histórico...
Exatamente da base do mundo capitalista – os EUA – nos chegam
exemplos de como o espaço e sua concepção indígena, devem ser estudados
(PINXTEIN et alii, 1983), justamente por ser parte integrante de nossa percepção e
cognição do ambiente (ITTELSON, 1973).
Como bem estabelece a nova geografia, uma teoria do espaço é uma teoria
da sociedade (LEFÈBVRE, 1974). O espaço é o mundo material socialmente
produzido e portanto, como a sociedade, a produção do espaço é dinâmica e
permanente (ANDRADE, 1984).
Ora, tal dinamismo provoca conflitos, cabendo ao Estado e à sociedade
civil geri-los, com projetos e ação participativa contínua.
O processo de produção do espaço é, assim, um permanente movimento
histórico dos grupos sociais dominantes entre si (por hegemonia no poder) e
contra as classes subalternas (POULANTZOS, 1980:141-177). Isso gera a criação de
espaços diferenciados já que diferentes setores da sociedade se apóiam no Estado
em defesa de seus interesses imediatos. Assim, o Estado de Roraima, veículo que
a sociedade usa para atingir seus fins, como bem aponta Andrade (1984:20), não
tendo projeto próprio, tem ficado à mercê das pressões dos mais fortes:
O deputado estadual Mecias de Jesus (PSL) disse que a relação entre índios e brancos é
desigual, com ampla vantagem para o índio. “Existem milhares de ONGs, os paises ricos
(G7), parte significativa do Governo Federal e da Igreja e Seitas, que exploram a
problemática indígena e a simpatia do Judiciário e dos Ministérios Públicos Federal e
Estadual. Estes órgãos não sabem diferenciar quando estão defendendo os direitos dos
índios e massacrando outros direitos, contrariando até a Constituição/88”. (...) As
lideranças indígenas se multiplicaram e mais de 50% da área geográfica de Roraima foi
transformada em terra indígena. O deputado desconfia da conduta de governadores do
Estado que não tomaram nenhuma providência contra o avanço das reservas indígenas. O
340
brasileiro que defende o seu país hoje é marcado por uma espécie de crime, quando não é
processado por alguém dessas instituições (ONGs, Igreja Católica, IBAMA) beneficiadas
pelas bandeiras ecológicas. (...) Segundo Mecias é fácil enxergar o silêncio obsequioso de
órgãos como o Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores que sempre
preteriram os interesses nacionais em nome de queixas externas e da própria sociedade que
em sua maioria desconhece os reais interesses que movem essas discussões (FBV,
04/01/00, p. 7).
Nessa luta por aquilo que Moles & Rohmer (1978:103) chamaram de
cristalização geopolítica do espaço, é possível criar-los no âmbito da
racionalidade ou num “espaço racional”, partindo dos conceitos de Weber e
Godelier, como sugerido por Santos (1978). Deste espaço racional deve fazer
parte a noção de co-presença, conceito sociológico de (GIDDENS, 1987) que,
associado à noção da realidade geográfica de vizinhança nos leva ao conceito de
território compartilhado que as interdependências sociais, inevitáveis, usam como
base de operação da comunidade (PARSONS, 1952), Apud SANTOS, 1996:255-56),
“que se constitui em uma mediação inevitável para o exercício dos papéis
específicos de cada um” (WERLEN, 1993, Apud SANTOS, id., ibid.).
Em outras palavras, é só a “adequada percepção das limitações” (MOLES &
ROHMER, 1978:33) que nos dá liberdade espacial e autonomia social sem ferir
interesses divergentes.
Segundo Gubta (2000:33) “se partirmos da premissa de que os espaços
(como construções sociais diversas) sempre estiveram interligados hierarquicamente, em
vez de naturalmente desconectados, então a mudança cultural e social não se
torna mais uma questão de contato e de articulação cultural, mas de repensar a
diferença por meio da conexão”.
Esses conceitos são abundantes no setor acadêmico há mais de 30 anos
(DIAS & GALLAIS, 1968) e auxiliam a Antropologia a rever suas formulações de
cultura (cf. acima, item 6.3.1), embora suas pistas estejam longe de atingir a
consciência dos defensores da causa indígena e mesmo das autoridades
constituídas.
341
6.3.3. Cidadão nacional x Cidadão étnico
Há muito tidas como extintas, as comunidades indígenas do nordeste
brasileiro comparecem a este estudo para nos auxiliar na formulação do conceito
de cidadania étnica. Redescobertas em 1935, as comunidades situadas nos
Estados da Bahia e Alagoas, começaram a ver suas terras demarcadas nos anos
40, com pendências que duraram até os anos 90. A partir dos anos 40 teve início
o caminho de volta, as chamadas “emergências” de cidadãos brasileiros de quinta
categoria, camponeses analfabetos e destituídos, para “grupos étnicos”
resgatando suas aldeias, sua memória e sua cultura. Esse foi um movimento
contrário ao do indigenismo oficial, revitalização do que se visava apagar, e que
está ainda hoje na base do projeto de construção nacional (ARRUTI, 1995:70/84).
Esses grupos não buscaram resgatar a categoria jurídico-administrativa de
“índios” mas se auto-denominaram grupos étnicos, que são categorias sociais de
atribuição que se aproximam do conceito de nação, como “comunidade
imaginada” (ANDERSON, 1989, Apud ARRUTI, 1995:88).
Assim, entre essas duas representações “imaginadas”, uma nacional e outra
étnica, os índios do nordeste optaram por compatibilizá-las e sobrepô-las.
Sua militância está na constituição de territórios que permitam sua
reprodução
sócio-cultural
como
grupos
étnicos
distintos,
mas
classificatoriamente subordinados ao coletivo nacional, já que suas reivindicações
passam pela ampliação de sua participação no que eles chamam de “direitos” e
que caracterizam o que chamamos de “cidadania”.
Ao invés de proporem uma separação da ordem vigente, buscam o
mínimo que ela possa lhes oferecer, paradoxalmente “não como iguais, mas
como diferentes” (ARRUTI, 1995:88). Buscam a cidadania étnica, algo que o nacional
dever permitir e incentivar.
342
6.3.4. A viabilidade do entendimento
A estrada que leva de mim
a mim mesmo faz o giro do mundo (KEYSERLING).
Na busca de reformulações teóricas para o entendimento dessa situação,
da relação entre sociedades e a convivência num mesmo território, nos
deparamos com estudos semelhantes ao de LEFORT (1991:27) quando faz
referência ao “conjunto de princípios geradores das relações que os homens mantêm entre si e
com o mundo”. Concordando com esse autor, necessário se faz, em começo de
milênio, repensarmos as tradicionais posturas políticas influenciadas pelas teorias
hegelianas e marxistas da história e ficarmos atentos às novas propostas que os
homens mantêm entre si em caráter local, nacional e internacional. Ou seja,
verificar as novas relações interétnicas entre um material empírico diverso e o
referencial teórico que permita compreender os determinantes internacionais e
nacionais nas propostas para essa região amazônica.
Refletindo sobre o papel da Amazônia nessa virada do milênio, Hélio
Moura (1996), organizando pesquisas sociais na Amazônia, sugeriu como solução
ao conflito social uma “profunda mudança de atitude com respeito à política de
desenvolvimento” (MOURA, 1996:202).
Que o interesse comum começa a tomar corpo entre os defensores da
postura pró-tradição é algo bastante visível nos últimos anos, em agosto de 1997,
o Conselho Indígena de Roraima (CIR) organizou um Seminário “Internacional
dos Povos Indígenas”, realizado em Boa Vista, com o propósito de buscar
alternativas para os impasses entre índios (pró-tradição e pró-nacional) e nãoíndios. Estiveram presentes nesse evento representantes políticos tanto de
Roraima como de outras regiões da Amazônia envolvidos na temática indígena e
recursos naturais (exploração do ecoturismo, mineração, madeira, medicina),
além dos líderes e representantes das etnias indígenas, da Diocese de Roraima, de
343
universidades e outros representantes da sociedade local (advogados, militares,
comerciantes, empresários):
O Conselho Indígena de Roraima (CIR), a Confederação Nacional Indígena da Venezuela
(CONIVE) e a Associação dos Povos Ameridian (AP) da República Cooperativista da
Guiana, vão promover de 27 a 30 deste mês na Casa Paulo VI, o primeiro Seminário
Internacional dos Povos Indígenas do Brasil, Venezuela e República Cooperativista da
Guiana. Além, das autoridades locais, o Seminário vai trazer ao Estado, autoridades
brasileiras, como a senadora Marina Silva, o governador do Amapá, o reitor da
Universidade do Amazonas, o presidente da Eletronorte, o prefeito do Oiapoque, entre
outros. O seminário vai reunir também grande número de autoridades estrangeiras,
ambientalistas, representantes de Organizações Internacionais, e duas redes de televisão
Americanas, que vem exclusivamente fazer cobertura do evento. Segundo o vicecoordenador do CIR, José Adalberto da Silva, um dos coordenadores do Seminário, a
Venezuela e Guiana e o Suriname trarão cada, 20 representantes indígenas. Na pauta do
encontro; Exploração de Minérios, Madeira, Meio Ambiente, Biodiversidade, Hidrovias,
Linhão de Guri e Estradas. Para Adalberto da Silva, esses projetos que vem sendo
desenvolvidos pelos governos, são importantes, mas todos passam pela faixa de fronteiras,
onde existem terras indígenas. Por isso os índios têm que tomar conhecimento deles, da
importância, e, principalmente, que benefícios trarão para as comunidades indígenas dessas
localidades. Até agora, segundo o vice-coordenador do CIR, os índios só têm visto
pesquisadores entrando em suas terras para estudar isso e aquilo, sem trazer nenhuma
melhoria para a população indígena. A primeira palestra terá como tema; os Direitos
Indígenas (Terra/Meio Ambiente), os palestrantes serão o procurador da República em
Roraima, Ageu Florêncio da Cunha, Fergus Mackay da Guiana e Jesus Bello da Venezuela.
Sobre os projetos internacionais (hidrovias e estradas) que fazem parte do Corredor de
Exportação Brasil Venezuela, Guiana e outros, o palestrante será o reitor da Universidade
do Amazonas. A senadora Marina Silva, o governador do Amapá, João Capiberibe, além de
representantes de ONGs internacionais vão debater sobre Mercosul, Ecoturismo e
Biodiversidade (OD, 08/97).
Embora os representantes e líderes indígenas pró-nacional não se tenham
feito presentes naquela ocasião, hoje, foram aumentando as posições tendentes
ao bem comum:
O deputado federal, Airton Cascavel (PPB), propôs ao Governo de Roraima e bancada
federal que se unam e defendam junto ao Ministério de Justiça e à Presidência da República
uma reavaliação da questão indígena e o processo de demarcação da Raposa Serra do Sol.
Para o deputado todos os políticos de Roraima devem deixar de fora as divergências,
picuinhas políticas e cor partidária e lutarem juntos em defesa dos interesses de Roraima.
Para Cascavel o Governador Neudo Campos (PPB) deve assumir o comando desse
processo, tanto para a melhoria da qualidade de vida dos índios quanto para o
desenvolvimento do Estado. Para Cascavel a exploração das áreas de reserva pelo setor do
Ecoturismo e parcerias nas áreas agrícolas podem muito bem render bons resultados às
comunidades indígenas e ao Estado (FVB, 13/11/99, p. 03).
344
O prefeito de Pacaraima, Hipérion Oliveira (PDT), disse ser a favor da demarcação da área
urbana do município de Pacaraima, pois a cidade tende a crescer na esfera diagonal em
direção à fronteira com a cidade de Santa Elena de Uairén, na Venezuela, e não descendo a
serra. Essa questão da demarcação dos limites do município tem gerado conflitos
constantes entre os moradores da cidade e os povos indígenas da região de São Marcos, que
não aceitam a presença de não-índios naquela área. Ele reconhece que o município de
Pacaraima não possui instrumentos legais para planejar de forma ordenada o crescimento da
sua sede. Disse ser necessária a preservação do meio ambiente, respeitando a área indígena.
“O povo indígena tem razão em demarcar com uma cerca a área urbana, pois a forma como
o crescimento [da cidade] vem ocorrendo não está correto”, disse (FBV, 17/12/02).
O juiz federal, Helder Girão, entende que o direito de demarcar reservas indígenas não é
absoluto e deva ser aplicado o princípio da proporcionalidade. “Demarcação não é só uma
questão dos índios, também é do País, do meio ambiente, econômico, do Estado e do
Município”. A declaração foi dada pelo juiz federal, para quem o diálogo entre todos os
segmentos é fundamental para a solução do problema. A Constituição Federal de 1988 –
disse o magistrado – é uma Carta de compromissos pontuais, entre os quais a demarcação
das terras indígenas – artigo 231 – que deve ser cumprido, pelo menos até que se mude a
Constituição. (...) Segundo Helder Girão, “o que há que se encontrar é o equilíbrio. Sempre
tenho dito que é preciso superar o radicalismo, afastar os preconceitos, e, sobretudo, o
alarmismo, o imaginário de que a demarcação de terra indígena é um passo para a
internacionalização da Amazônia. Só perdemos este território se quisermos, ou, se formos
fracos o suficiente para perder” (FBV, 24/12/02, p. 03, grifo nosso).
Trata-se, portanto, de conseguir dirigir as forças da sociedade para longe
do confronto que tende a perseverar pela inércia das autoridades e pela ausência
de um efetivo projeto político que distanciasse as partes do centenário confronto.
Distanciar-se do confronto não significa ignorá-lo ou evitá-lo mas anulá-lo
em sua razão de ser, “encontrando fronteiras muito vizinhas umas das outras sem
justapô-las totalmente” (MOLES & ROHMER, 1978).
No dizer de Ana Valéria Araújo, especialista em direito indígena, Diretora
e Membro do Conselho de Diretores da Rain Forest Foundation, “o ideal é
que, ao invés de integrá-los nós conseguíssemos interagir com eles”269.
Estamos nos aproximando do momento de decisões que o país e nossos
primeiros habitantes merecem que sejam firmes e ponderadas:
269.
Cf. Entrevista à Revista Superinteressante. Maio de 2003, 188:80-81.
345
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, afirmou nesta terça-feira em Brasília que a
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é passível de revisão. “Há uma
demarcação e falta homologação. A demarcação é administrativa, mas, por natureza, pode
ser revisada”, disse na Comissão da Amazônia, na Câmara. Da audiência participou o
governador de Roraima, Flamarion Portela, que se filiou recentemente ao PT. Ele defende
a revisão da demarcação por considerar muito extensa a área reservada aos índios. Thomaz
Bastos antecipou que vai a Roraima em junho para ver de perto a situação. “Vou com
papel em branco, minha idéia é não ter opinião. Vou fazer um levantamento, levando em
conta que existe a demarcação”. A demarcação de 1,6 milhão de hectares ocorreu no
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (O Estado de São Paulo, 20/05/03).
Quem dera o presente trabalho pudesse contribuir para tanto.
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