TCC FERNANDO - Água, Mulheres e Desenvolvimento

Transcrição

TCC FERNANDO - Água, Mulheres e Desenvolvimento
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
PROEX – PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO
PROGRAMA EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE
ESPECIALIZAÇÃO EM GESTAÕ DE POLÍTICAS
PÚBLICAS EM GÊNERO E RAÇA
FERNANDO SILVEIRA DE ABREU
A INSERÇÃO DO HOMEM NEGRO NO MERCADO DE
TRABALHO BRASILEIRO
OURO PRETO
2012
FERNANDO SILVEIRA DE ABREU
A INSERÇÃO DO HOMEM NEGRO NO MERCADO DE
TRABALHO BRASILEIRO
Monografia apresentada ao Programa de
Pós- Graduação em Educação para a
Diversidade da Universidade Federal de
Ouro Preto, como requisito parcial à
obtenção do grau de Especialista em
Gestão de Políticas Públicas.
Área de concentração: Gênero e Raça
Orientador: Rafael Dias de Castro
Ouro Preto
Instituto de Ciências Humanas e Sociais / UFOP
2012
AGRADECIMENTOS
Como não poderia deixar de ser, agradeço primeiramente a Deus, pela
oportunidade de estar concluindo mais uma etapa na construção do conhecimento,
principalmente com relação no trato ao ser humano, reconhecendo e respeitando a
cada um na sua diversidade.
Não posso deixar de reconhecer o importante papel da minha querida
esposa Mariene, pelo incentivo no início dos estudos. Dedico este trabalho a ela.
Enfim, a todos os professores, tutores presenciais e à distância, pelo apoio
e atenção em todas as fases do curso. O meu profundo respeito e apreço a todos.
RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso propõe-se analisar o processo de
admissão do homem negro no mercado de trabalho brasileiro, tomando como
parâmetro o cenário nacional e restringindo a pesquisa para o cenário regional
e/ou local. Movido pela oportunidade de expor uma provável situação de
discriminação racial no momento de competir no mercado de trabalho, decidimos
trabalhar sobre essa temática, pelo fato de que essa possibilidade, se atentamente
estudada, proporcionará aberturas para futuras discussões e reflexões, o que
poderá ocasionar numa diminuição dos índices de discriminação do homem negro
nesse ponto específico. Procuraremos identificar quais são as barreiras que
impedem o homem negro de competir de forma isonômica com os outros
cidadãos, além de fazer uma avaliação sobre os possíveis conflitos enfrentados
pelos funcionários negros no que tange à sua aceitação e discriminação no
ambiente de trabalho. O projeto se apropriará de levantamento de dados apontados
por indicadores sociais de institutos de pesquisas brasileiros e outros, haja vista,
que eles contribuem para possibilidades analíticas. O ponto de partida será a
pesquisa bibliográfica, consultando obras de diversos autores, periódicos e as
apostilas estudadas e debatidas durante o curso.
Palavras-chave: homem negro, inserção, mercado de trabalho.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................6
1- BREVE COMENTÁRIO HISTÓRICO: DA ABOLIÇÃO DA
ESCRAVATURA AOS DIAS ATUAIS............................................................8
2- FATOS QUE ANTECEDEM A INSERÇÃO DO HOMEM NEGRO NO
MERCADO DE TRABALHO
2.1-Antecedente Étnico-Racial............................................................................14
2.2- Antecedente Sócio-Familiar.........................................................................16
2.3- Antecedente Escolar.....................................................................................18
3- AÇÕES AFIRMATIVAS PRÓ-MERCADO DE TRABALHO
3.1- Política de Cotas Universitárias...................................................................20
3.2- Políticas de Cotas nas Empresas..................................................................24
4- CONFRONTANDO DADOS..........................................................................27
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................30
5
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo discutir e analisar a participação do
homem negro no mercado de trabalho. A relevância deste estudo se dá na medida
em que busca contribuir para a verificação do número de negros empregados, sua
ocupação mercadológica, e como se estabelece o grau hierárquico dentro das
empresas.
É necessário ressaltar que a presente pesquisa, se restringe ao gêneroétnico masculino/negro, como pessoa de referência familiar, haja vista que se
fôssemos abranger a mulher negra, desdobraríamos para outras problemáticas
como a dupla discriminação de gênero e raça que recai sobre essa outra classe.
Desse modo, o destaque para esse tema trará um enriquecimento para os projetos
de pesquisa como um todo, já que com a pesquisa específica sobre cada assunto,
teremos a oportunidade de nos aprofundarmos mais acerca das causas e
apontarmos políticas públicas de ações afirmativas focais.
Enfim, com o desenvolvimento desse trabalho pretende-se conhecer a
trajetória de lutas e conquistas em que o homem negro se engajou para alcançar os
seus objetivos, além de continuar desbravando esse longo e árduo caminho, na
constante e incansável luta pela conquista da igualdade racial no mercado de
trabalho.
Segundo apontam as pesquisas:
Apesar dos negros constituírem 48% da população (IBGE,
1990), corresponde a apenas 1% dos que ocupam postos
estratégicos do mercado de trabalho; o salário médio pago aos
trabalhadores negros equivale à metade do salário dos
trabalhadores brancos; os brancos também têm 30% a mais de
chances de conseguir emprego, e o dobro de chances de manter
a qualidade de vida das suas famílias, do que os negros (VEJA,
1998: p. 12).
No Brasil é notável a pouca presença de políticas públicas que procure
inserir o negro na sociedade de forma igualitária às demais pessoas. Na verdade,
conforme afirma Romualdo Dropa, “o Brasil é o país com a segunda maior
população negra do mundo, não justificando o grande preconceito existente em
relação a essa etnia”. (DROPA, 2000: 1)
6
Em minha atuação profissional como Policial Civil na cidade de Ipatinga
(MG), consigo perceber, inclusive, ser bastante notório que nos sistemas
penitenciários a presença de presos negros é sempre maior que a de brancos, o que
pode ser reflexo de uma menor oportunidade de acesso ao mercado de trabalho
desse grupo etnicamente excluído.
Então, percebemos a necessidade de políticas públicas com objetivo de
reverter essa condição, haja vista que o negro é vítima dessa situação excludente,
que mesmo após a abolição, não houve preocupação do governo em desenvolver
uma política pública de igualdade, preservando a dignidade do negro, e incluindoo no mercado de trabalho. Ao contrário, foi realizada até mesmo uma campanha
valorizando o trabalho de imigrantes em fins do século XIX e início do século
XX, e extirpando o negro dessa tão importante oportunidade.
Contudo, o negro mostrou que nas suas veias corre o sangue de Zumbi, e
em busca de igualdade e justiça, conseguiu avançar na conquista do seu espaço
dentro da sociedade. Porém, ainda permeiam muitas desigualdades e injustiças no
meio desse grupo social. E para que realmente essas ditas desigualdades possam
ser corrigidas leva tempo, pois os resultados dos movimentos negros em favor do
resgate de sua cidadania ocorrem em longo prazo e com muita persistência.
Embora a Constituição Federal de 1988 advogue o princípio da Igualdade1,
ainda vivemos o Brasil das desigualdades, sendo os negros o grupo social ainda
mais prejudicado, vistos como incipientes pela sociedade, carregando o fardo da
discriminação. Entretanto, vale ressaltar que os serviços prestados por eles em
nossa sociedade é na maioria das vezes os mais procurados pelas classes médias,
que recorrem a eles de forma ostensiva e sistemática. Há que se questionar se tais
serviços não deveriam ser mais valorizados. E por que não terem as mesmas
oportunidades dos brancos? Mediante as poucas oportunidades que o negro
possui nessa sociedade colonizada por bancos europeus, em que prevaleceu uma
visão etnocêntrica, as políticas públicas são na verdade um instrumento básico
para reverter esta situação, ainda que seja em longo prazo.
1
A Constituição Federal de 1988 traz escrito em seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (SENADO
FEDERAL, 2010, p.5)
7
Desse modo, o presente trabalho estará analisando a participação do
homem negro no mercado de trabalho, contribuindo para identificar as
dificuldades que esse grupo historicamente excluído encontra para ser
reconhecido, e assim, contribuindo para diminuir as discriminações que vicejam
no convívio social dessa etnia, haja vista que o campo de atuação profissional é de
grande relevância para a conquista da autonomia das pessoas no que tange a
construção da identidade e reconhecimento social, para acesso a bens de consumo,
status social e moral, e enfim, pela busca da plena igualdade social.
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1- BREVE COMENTÁRIO HISTÓRICO: DA ABOLIÇÃO DA
ESCRAVATURA AOS DIAS ATUAIS
A escravidão negra que existiu no Brasil até a abolição da escravatura
(1888), foi um período onde os negros eram subordinados aos seus senhores,
tratados e negociados como objetos ou animais de carga, e não tinham perspectiva
de alcançar uma situação financeira confortável e respeitada no seio da sociedade.
Sobre este assunto, muitos estudiosos realizaram suas pesquisas, como por
exemplo, Boris Fausto que afirmou que “o negro escravizado não tinha direitos,
mesmo porque era considerado juridicamente uma coisa e não uma pessoa.”
(FAUSTO, 2001: 1).
Outro importante autor que argumentou sobre a realidade do negro no
Brasil foi Gilberto Freyre que, por sua vez, assevera que:
Havia também, para o transporte de pessoas ou de fardos, os
chamados negros de ganho; pretalhões munidos sempre de
rodilhas e às vezes vestidos só de tangas, prontos a acudirem
aos psius de quem quisesse se utilizar de seus serviços. Como
carregadores de café, carregavam pesos absurdos (FREYRE,
2004: 633).
Com a abolição da escravatura, marcada pela Lei Áurea assinada pela
Princesa Isabel em 1888, deixou-se uma grande incógnita de como incluir
efetivamente o grande contingente de negros ex-escravos na sociedade, se eles
ainda não possuíam qualificação alguma para concorrer ao mercado de trabalho
com os filhos de famílias ricas, instruídos e dotados de conhecimento. Diante
dessa situação, e sem pouca ou nenhuma opção de trabalho, o negro se viu
obrigado a permanecer trabalhando para seus antigos donos e alguns deles se
submeteram a trabalhos braçais ou de pouca relevância (FAUSTO, 2001).
Durante muitos anos pós-abolição, o homem negro enfrentou desafios
ainda maiores para ser incluído de forma digna no mercado de trabalho.
Atualmente, apesar de terem superado algumas barreiras, ainda perduram desafios
a serem vencidos, pois vivemos num mundo globalizado onde a economia está
voltada para um sistema capitalista, que de certa forma exclui aqueles que não
tiveram oportunidades de acompanhar os avanços tecnológicos e científicos que
norteiam esse sistema. E nesse grupo de trabalhadores excluídos, é notável que a
grande maioria seja negra (VEJA, 1998).
9
Em suma: é bem sabido acerca de toda a discriminação e abusos a que
foram submetidos os negros, desde o processo de colonização, passando pelo
processo escravista e pós-abolicionista. Todavia, ainda nessas épocas, essa etnia
foi em busca de seu espaço nos diversos setores da sociedade, inclusive no
mercado de trabalho. Contudo, após a Lei Áurea, o negro foi impedido de ocupar
cargos de destaque profissional, pois não tinha condições de competir com os
brancos, principalmente com aqueles que haviam estudado na Europa. Diante
desse quadro, o negro não teve alternativa, se não aceitar o trabalho e o salário que
foram impostos pela sociedade, ficando dessa forma, no prejuízo e desvalorizado
(FAUSTO, 2001).
E estes desafios eram insipientes na sua inclusão no mercado de trabalho, e
muitos outros vieram, sendo um deles o processo de embranquecimento que foi
proposto no país nas primeiras décadas do século XX, criando uma identidade
onde a verdadeira raiz do povo brasileiro estava sendo posta em segundo plano.
Uma parcela da elite brasileira considerava que no interior do país, nos
sertões, existiria apenas uma população mestiça, que causaria a ruína da
sociedade. Trabalhando o tema da imigração no Brasil, Ana Venâncio e Cristiana
Facchinetti afirmaram que dentro desta elite havia correntes que apostavam em
um progressivo branqueamento da população como saída favorável para permitir
“o processo de modernização e normalização da sociedade, o que se daria através
de um programa intenso de imigração (...). Apontavam como o principal problema
da nacionalidade um povo que deveria ser paulatinamente substituído”
(VENANCIO; FACCHINETTI, 2005: 359). Ou seja, o embranquecimento, a ser
alcançado principalmente através da imigração européia, era a opção para o
progresso do país: era a tese do branqueamento.
E nessa situação, o trabalho dos escravos foi sendo substituído pelo dos
imigrantes europeus, eliminando assim as chances de incluir o negro, agora
liberto, em cargos que pudessem suprir suas necessidades básicas. Na realidade,
desde então, o homem negro colhe os frutos amargos da discriminação racial,
baseado mais na era considerada pós-abolicionista do que no período da
escravização propriamente dita. Foi no momento da pós-abolição que ele começou
a sentir “na pele” a rejeição em todos os campos da vida social, principalmente na
área trabalhista, e que se reflete até aos dias atuais.
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Alguns estudiosos afirmam que apesar de se deixar de reconhecer que o
legado do escravismo está relacionado com as relações de subordinação racial de
hoje, há uma tendência em afirmar que o racismo e a discriminação pós-abolição
são os principais causadores da subordinação social dos negros (HEILBORN et
al: 2011: 120). Foram sendo trazidas à tona também, questões relativas ao impasse
racial, como constituir uma nação habitada majoritariamente por ex-escravizados
negros e mestiços, elevados à categoria de cidadãos juridicamente. Desse modo, o
negro teve poucas chances de estudar e se preparar para competir com os brancos
no mercado de trabalho, pois reconhecimento jurídico de cidadãos não lhes
garantia os direitos para exercerem sua cidadania de fato na sociedade.
No entanto, foram travados diversos debates acerca dessa temática com
objetivo de incluí-los de forma digna no meio social, para atuarem como
verdadeiros cidadãos, com objetivo de usufruírem dos direitos que lhes foram
assegurados por lei. Mas o que constatamos é que a discriminação racial é mais
que um legado de uma colonização escravista, são resquícios de pensamentos e
ações que ainda permanecem de forma histórica no convívio social (FRANCO,
1997).
Destarte, mesmo após mais de um século do fim do escravismo, há ainda
um forte racismo estrutural vigente em nossa sociedade, que conseqüentemente
promove um abismo socioeconômico que separam negros e brancos no Brasil. Até
aos dias atuais, infelizmente, apesar de nosso país ser a segunda maior nação
negra do mundo, todos os indicadores sociais continuam desfavoráveis aos
negros, (mortalidade infantil, analfabetismo, expectativa de vida etc); e todo esse
desfavorecimento se reflete também no mercado de trabalho.
Assim, a incidência de pobreza e indigência na população negra é duas ou
três vezes mais alta que entre os brancos, sem contar as taxas de desemprego,
informalidade, condições de moradia, acesso a cargos de chefia etc. Desse modo,
não temos alternativa, senão considerarmos que mecanismos de exclusão,
baseados unicamente na cor dos indivíduos, exercem um papel determinante na
divisão social do trabalho no Brasil, pois depois de mais de um século de pósabolição da escravatura, os serviços manuais, mal remunerados e insalubres
continuam sendo o lugar reservado para a população negra no mercado de
trabalho.
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Então, se fazem necessários debates que pontuem estratégias da inserção
dessa etnia no mundo do trabalho. Análises e questionamentos sobre a temática
apresentada contribuem para eliminação de preconceitos e discriminações, pois o
combate a ações que estereotipam e estigmatizam outras etnias devem ser ações
de comprometido de autoridades governamentais e da sociedade de uma forma
geral, pois de acordo com Maria Franco:
A escravidão deu origem a uma formação sui generis de
homens livres e expropriados, que não foram integrados à
produção mercantil. [...] Numa sociedade em que há
concentração dos meios de produção, onde vagarosa, mas
progressivamente, aumentam os mercados, paralelamente
forma-se um conjunto de homens livres e expropriados que não
conheceram os rigores do trabalho forçado e não se
proletarizaram. Formou-se, antes, uma “ralé” que cresceu e
vagou ao longo de quatro séculos: homens a rigor dispensáveis,
desvinculados dos processos essenciais à sociedade. A
agricultura mercantil baseada na escravidão simultaneamente
abria espaço para sua existência e os deixava sem razão de ser.
(FRANCO, 1997: 14).
Assistimos então, durante décadas e décadas, a luta do negro em busca da
igualdade de direitos e o reconhecimento enquanto cidadão. No ano de 1988, foi
promulgada a atual Constituição da República Federativa do Brasil. Considerada
como a Constituição cidadã, porque houve a participação de inúmeros
seguimentos sociais na sua elaboração, e da qual, entre tantas categorias de
pessoas, o negro participou ativamente. Assim, através da Lei Maior, observamos
a conquista da garantia de direitos do negro, e em anos posteriores à sua
promulgação, foi criado também um Grupo de Trabalho Interministerial de
Valorização da População Negra, vinculado ao Ministério da Justiça. No ano
seguinte, foi instituído outro grupo, voltado ao combate à discriminação no
mercado de trabalho, o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no
Emprego e na Ocupação (GTEDEO), no Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE). No cenário internacional, em 2001, houve a realização da III Conferência
Mundial contra o Racismo, a Discriminação, Xenofobia e Intolerância Correlatas,
em Durban, África do Sul.
Houve avanços e conquistas, e muitos negros ocuparam cargos de
destaque no mercado de trabalho, até mesmo no mundo do entretenimento, onde
atores/atrizes passaram a atuar também no papel de protagonistas, de destaque.
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Mas, é necessário ainda, que o tema da inclusão no mercado de trabalho na vida
laboral seja discutido, e pontuadas algumas questões que permitam uma
consolidação dos direitos garantidos na nossa Constituição, e principalmente, que
essa etnia historicamente excluída, seja reconhecida como parte integrante da vida
social.
Que possam fazer jus aos direitos garantidos na nossa Constituição, a fim
de que eles sejam reconhecidos como parte integrante na construção histórica de
uma nação, podendo exercer sua cidadania de forma digna e plena. Assim, os
direitos elencados na nossa Constituição Federal deixariam de ser utópicos,
tornando uma realidade na vida dessas pessoas. Há quem diga que a nossa
Constituição Federal têm direitos demais e garantias “de menos”. Eis o grande
problema, não basta elencar direitos e mais direitos no corpo de uma constituição,
se não houver como garantir o acesso a esses direitos. O direito acaba se tornando
ineficaz, sem nenhum efeito. Nesse momento é que entra em cena o papel das
políticas públicas de ação afirmativa, que visam exatamente colocar esses direitos
em prática, tirando-os do papel.
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2- FATOS QUE ANTECEDEM A INSERÇÃO DO HOMEM
NEGRO NO MERCADO DE TRABALHO
2.1-Antecedente Étnico-Racial
A discriminação étnico-racial no mercado de trabalho não é um fato
isolado, que acontece somente no momento de inserção do homem negro na
atividade laboral. Durante a sua vida, uma série de fatos já foram desencadeados,
sobrepujando-o a uma condição de inferioridade. Esses fatos dizem respeito não
somente à cor da pele, mas também à sua realidade social, cultural e econômica.
Vivemos uma discriminação velada, onde as pessoas não assumem que são
“racistas”, mas tratam o negro, ainda que em tom de brincadeira, como alguém
subalterno, sem inteligência. Esse tipo de comportamento se torna até mais difícil
de ser combatido, pois ele não é declarado, pelo contrário, é praticado pelo
famoso “jeitinho brasileiro”.
Apesar dos avanços na luta pelo pleno direito de igualdade do negro,
percebemos que o resultado de sucesso no mercado de trabalho, regra geral, ainda
tem seu nascedouro baseado num determinismo de classe social, ou seja, a origem
familiar associada à raça/ etnia, irá determinar a sua trajetória de vida até chegar
ao momento de concorrência no mercado de trabalho. Isso, porque a idéia de raça
se vale de inúmeros outros argumentos, conforme mencionado por pesquisadores:
“A persistência da idéia de raça se valeu ao longo do tempo de argumentos
religiosos, biológicos, culturalistas e nacionalistas, muitas vezes entrelaçados”.
(HEILBORN et al, 2011: 16).
Desse modo, ainda permeiam inúmeras consequências dessa discriminação
étnico-racial, colocando o homem negro em posição subalterna, e que no passado
era firmada por conclusões em pesquisas científicas, justificando a classificação
do indivíduo pela sua origem étnica.
Estudos afirmam que:
Nesse contexto, as pessoas brancas eram vistas como biológica,
moral e intelectualmente superiores ao negros/as e amarelos/as,
sendo a miscigenação compreendida como algo que enfraquecia
os grupos, pois os filhos/as mestiços/as incorporariam as
qualidades do grupo racial inferior. (HEILBORN et al, 2011:
71)
14
O negro carregou consigo um estigma até mesmo sob o prisma sanguíneo,
a ponto de já ter sofrido, juntamente com índios e judeus, uma classificação
conhecida por “pureza de sangue”, que dentre outras consequências, classificavam
os negros como impuros, sendo por isso, impedidos de ocuparem cargos de
destaque social.
É o que pondera Boris Fausto:
Um princípio básico de exclusão distinguia determinadas
categorias sociais, pelo menos até uma carta-lei de 1773. Era o
princípio de pureza de sangue. Impuros eram os cristãos-novos,
os negros, mesmo livres, os índios em certa medida e as várias
espécies de mestiços. Eles não podiam ocupar cargos de
governo, receber títulos de nobreza, participar de irmandades de
prestígio etc. (FAUSTO, 2001: 65)
Pois bem, é cediço afirmar que o homem negro encontra entraves em
todos os graus de sua vida, o impedindo de galgar posições pelo menos em pé de
igualdade com as outras raças, principalmente a raça branca. Somente o fato de
ser negro, é o suficiente para considerá-lo inferior, incapaz e indigno de compor
posições importantes no meio social, sobretudo no mercado de trabalho.
Importantes movimentos sociais foram deflagrados mundo afora em favor
do reconhecimento dessa etnia tão excluída por razões nada óbvias. Entretanto,
nos ateremos aos movimentos nacionais, haja vista o nosso estudo se inspirar na
história, movimentos sociais e conquistas do homem negro brasileiro, sem nos
esquecermos, é claro, de tantas outras lutas até mesmo sangrentas, que
subsidiaram os nossos movimentos nacionais.
Apesar de tantas lutas e batalhas já terem sido transpostas, o homem negro
ainda continua na sua incansável luta pelo pleno direito de acesso, aceitação,
permanência, e igualdade de salário no competitivo mercado de trabalho
brasileiro. Quando dizemos competitivo, estamos apenas realçando que além de
todas as qualificações intelectuais e esforço pessoal, o homem negro ainda
compete pela cor de sua pele, onde ele já inicia numa concorrência em situação de
desigualdade com o homem branco simplesmente pela sua origem étnico-racial
Mesmo depois de tantas evoluções em diversos setores, sobretudo no
campo científico/filosófico, a sociedade contemporânea ainda carrega resquícios
de uma ideologia etnocêntrica e estigmatizante em relação ao homem negro, com
15
grande desvantagem para esse grupo social, principalmente no que tange à
inclusão nas atividades laborais.
2.2- Antecedente sócio-familiar
Depois de uma breve análise sobre a questão étnico-racial, faremos uma
abordagem naquilo que toca à realidade familiar e social do homem negro, ou
seja, considerando-o enquanto produto do meio. A cultura, a religião, os
costumes, dentre outros fatores, compõem um conjunto de elementos responsáveis
pela formação do indivíduo enquanto parte de um determinado seio familiar.
Vários aprendizados são repassados de pais para filhos e assim sucessivamente.
Entre esses aprendizados, existem aspectos positivos, mas muitos também são
eivados de caráter negativo.
A geografia social brasileira retrata claramente essa estratificação social,
onde é bastante comum a maior incidência de pessoas negras nas regiões norte e
nordeste, em condições de inferioridade social, enquanto nas regiões sul, oeste e
centro-oeste a maioria da população se trata de pessoas brancas e em situações de
uma privilegiada realidade social (SILVA, 2005).
Isso acaba se refletindo nas grandes capitais brasileiras, só que agora sob
um enfoque local, ao receber milhares de pessoas de outras partes do país, em
busca de melhores oportunidades no mercado de trabalho. Geralmente, pessoas
oriundas de regiões do país com alto índice de pobreza ocupam bairros mais
pobres ou regiões menos favorecidas do ponto de vista de investimentos estatais
mínimos, como saneamento básico, água tratada, postos de saúde etc. Isso ocorre,
em situações de invasões territoriais clandestinas, aumentando ainda mais a
proliferação de favelas nas grandes metrópoles.
Nessas regiões, ditas menos favorecidas, é comum que a maioria das
pessoas seja negra, o que acaba perpetuando a situação de miserabilidade dessa
etnia, pois como já afirmado, o ambiente sócio-familiar irá conduzir o indivíduo,
passando pela educação familiar e social, e todas essas, na grande maioria das
vezes, irá desaguar numa desigual oportunidade no mercado de trabalho, se
comparado a indivíduos de origem familiar e social mais favorecida. Ou seja, “a
desigualdade educacional entre brancos e não brancos irá se refletir
16
posteriormente em padrões diferenciados de inserção desses grupos de cor na
estrutura ocupacional” (HEILBORN et al, 2011: 122).
A Declaração dos Direitos Humanos no seu artigo I, afirma: “Todas as
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem proceder uns para com os outros com espírito de
fraternidade”. Todavia, para que este direito de igualdade seja respeitado e
praticado é necessário a implementação de políticas públicas de ações afirmativas,
que tenha como finalidade eliminar as injustiças e os preconceitos derivados
dessas desigualdades. Segundo a definição do Ministro do Supremo Tribunal
Federal, Joaquim Barbosa Gomes, políticas de ações afirmativas, são:
Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter
compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas
ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência
física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar
os efeitos presentes da discriminação praticadas no passado,
tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade
de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego
(GOMES, 2001: 8).
Como muito bem conceituado pelo respeitoso ministro do STF, as ações
afirmativas tem como escopo corrigir os efeitos presentes da discriminação
praticada no passado. E não tem como programar essas ações sem passar pela
igualdade de acesso à educação e ao emprego, dois fatores importantíssimos na
definição dos rumos a serem tomados por qualquer ser humano, inclusive por
aqueles oriundos de famílias de baixa renda e sem instrução. Desse modo, as
políticas públicas de ações afirmativas tem um caráter preponderante no resgate
do homem negro, discriminado pela sua origem sócio-familiar.
2.3- Antecedente Escolar
Vivemos num país em que ainda impera a desigualdade em vários
aspectos, seja ela social, econômica, étnica ou educacional. As escolas públicas
estão muito aquém de oferecer uma educação qualificada, enquanto o ensino
privado investe cada vez mais na qualidade pedagógica, até por uma questão de
lógica de concorrência no mercado educacional. E a regra é bastante simples,
aqueles que podem, matriculam os filhos na melhor escola, regra geral, particular
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e paga, e terão que desembolsar caro por isso. Já aqueles que mal fazem para
comer, não lhes restam opção, senão colocarem seus filhos na escola que
encontrarem vaga, ou naquela mais próxima de sua casa, e não raras vezes, de
péssima qualidade. O pior é que esse círculo vicioso se perpetua de geração a
geração, onde quem não tem oportunidade hoje, dificilmente poderá dar
oportunidade aos seus descendentes amanhã.
Trazendo essa triste realidade para o contexto étnico-racial, percebemos
que o negro tem ocupado uma posição de inferioridade histórica, praticada,
sobretudo, pela discriminação velada. Apesar de a grande maioria das pessoas não
admitir que carregue em suas entranhas alguns resquícios de preconceito contra
pessoas de pele negra, não é o que se vê na realidade. Durante o curso de
Especialização em Gestão de Políticas Públicas, pudemos perceber o quanto a
discriminação racial ainda se faz presente no nosso cotidiano, a ponto dos
próprios negros já se sentirem inferiorizados desde a infância, talvez por ouvirem
relatos ou afirmações dos pais sobre a posição hierárquica inferior que os eles
ocupam. É o caso, por exemplo, de um onde meninas negras tinham preferência
por bonecas brancas, quando apresentado a elas bonecas negras e brancas, pelo
simples fato de serem condicionada social e culturalmente a acreditar que ser
branco é melhor.
Se fizermos uma análise ainda que superficial, notaremos que em escolas
particulares de alto nível, a maioria dos alunos é de cor branca, enquanto em
escolas públicas, principalmente em regiões de periferia, encontraremos um
número bem maior de alunos negros. A própria realidade social da maioria das
famílias negras não lhes permite ter acesso a uma instituição de ensino
qualificada. O pior, é que essa estratificação social vem se perpetuando há
décadas, onde a própria visão crítica de quem não teve oportunidade educacional,
é um forte impeditivo para quebrar esse ciclo negativo de acesso a uma boa
educação para essas famílias.
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3- AÇÕES AFIRMATIVAS PRÓ-MERCADO DE TRABALHO
3.1- Política de Cotas Universitárias
A título de reflexão faremos uma pequena abordagem acerca do sistema de
cotas nas universidades, considerada uma das políticas de ação afirmativa de
inclusão do negro no sistema de ensino superior no Brasil. Há de se ressaltar que
existe um grupo de pessoas que se posicionam e argumentam contra tal sistema,
alegando inclusive, que as cotas acabam sendo uma forma de discriminação e
preconceito de forma invertida, além de alegarem que tais cotas acabam por
prejudicar os brancos, pois a vaga tem que ser conquistada pelo esforço pessoal, e
não pela cor da pele. Não se trata aqui de advogar uma ou outra posição, mas de
refletirmos sobre o resultado dessa política afirmativa, ainda que em médio e
longo prazo sobre todos, sejam brancos, negros, orientais, indígenas ou outra
classificação étnica. Outro ponto a analisar, é acerca de ser ou não justo o
percentual de cotas universitárias para negros. Como se pode perceber, trata-se de
um tema que tem gerado uma discussão travada entre aqueles que defendem e
aqueles que discordam de tais cotas.
Independente de posicionar contra ou favor, vejo o sistema de cotas pelo
menos como uma tentativa de se corrigir e extirpar as desigualdades entre brancos
e negros praticadas desde a era da escravidão. Todavia, em tempos modernos não
há argumentos, sejam eles científicos, religiosos ou filosóficos, que possam
confrontar com os princípios norteadores da declaração dos direitos humanos, da
dignidade da pessoa humana, dentre outras diretrizes, que enaltece a figura
humana sem classificá-la pela sua cor, origem ou condição social.
A Constituição da República Federativa do Brasil prescreve em seu artigo
5º, caput:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade. (ANGHER,
2007).
E a mesma CF/88, no seu artigo 6º, caput, assevera:
19
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição (ANGHER, 2007).
Conforme argumentado por Carlos Ignácio Pinto, os discursos contrários à
política de cotas se pautam basicamente em dois elementos que não se sustentam:
o primeiro seria que ao invés do ingresso de negros através da
política de cotas, o fundamental seria a melhoria substancial do
ensino médio no Brasil que garantiria uma equiparação de
saberes para os alunos que pretendem ingressar em uma
universidade através do vestibular; e o segundo, como
desdobramento do primeiro, seria que no Brasil a diferenciação
entre os ingressantes em uma universidade e aqueles que não
conseguem sucesso no vestibular estaria pautada na diferença
econômica, ou seja, a entrada em uma universidade pública
dependeria exclusivamente do poder aquisitivo do aluno e a
economia despendida em sua formação escolar (PINTO, 2012).
Estes dois argumentos, aponta Carlos Pinto, fazem parte do discurso
comum daqueles que se pronunciam contrários ao sistema de cotas. O primeiro
argumento de que “é necessário uma melhoria do ensino no Brasil” é um discurso
de décadas, ou seja, aguarda-se a melhoria também a décadas ao passo em que a
exclusão permanece. Sobre a política de cotas, o autor é enfático ao afirmar:
Não peça aos movimentos de inserção do negro que abandonem
suas políticas efetivas em troca da espera; não espere a
acomodação na esperança da equiparação da formação escolar
dos alunos oriundos de escolas públicas em relação aos
oriundos de escolas particulares. A exclusão do negro da
Universidade Pública é latente!!!!!!!! Percebam o perigo deste
argumento, na medida em que nos reduz a paciente do processo,
sendo que o que a comunidade negra no Brasil precisa é da
aplicação de medidas imediatas, independente se for para
reparação do mal que se faz até hoje a esta comunidade ou se
para realmente começarmos a dar um fim a exclusão do negro
no ensino superior brasileiro (PINTO, 2012).
Sobre o segundo argumento que trata sobre a desigualdade social, Carlos
Pinto tem a opinião de que é claro que o pobre é que não consegue ingressar em
uma universidade pública, entretanto mesmo entre os pobres, o número de negros
pobres está 47% acima dos brancos, ou seja, existem mais pessoas miseráveis
negras do que brancas, e entre estas, os negros são os de menor salário e poder
aquisitivo – a remuneração para um mesmo cargo é diferente entre negros e
brancos: “a maioria (na realidade, uma minoria) dos alunos oriundos de escolas
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públicas que conseguem entrar em uma universidade pública no Brasil são
brancos, ou seja, mesmo entre aqueles que conseguem vencer a diferença, os
negros são minoria”. (PINTO, 2012).
O sistema de cotas universitárias, na realidade, nada mais é do que uma
importante política de ação afirmativa, com vistas a inserir o negro nas
universidades brasileiras, como forma de promover a tão buscada e sonhada
igualdade de oportunidade entre pessoas de diferentes etnias, com destaque para o
afro-descendente. Essa igualdade de oportunidade, na realidade, é um arcabouço
de sua trajetória profissional, ou seja, poderá delinear a sua condição profissional,
econômica e financeira pelo restante da vida, até porque, na maioria das situações,
ainda não foi lhe dada a oportunidade de preparação educacional para concorrer
em condições isonômicas com o branco num teste de vestibular, dada a sua
precária realidade de vida sob os pontos de vida étnico-racial, escolar, social e
familiar anterior.
Como já tivemos a oportunidade de estudar e debater, o sistema de cotas
universitárias, sem fugir à polêmica que o assunto desperta, trás consigo um
sentimento de compensação pelos longos anos de exploração e discriminação que
o negro sofreu ao longo da história. Independente das posições contrárias ou
favoráveis, o discurso se baseia na questão de se tentar fazer justiça frente a esse
problema enfrentando pelo negro, e que a médio e longo prazo, depois de se
atingir certo grau de igualdade entre brancos e negros, talvez nem haja mais
necessidade da aplicação das ditas cotas universitárias. Esse é o verdadeiro ideal
de justiça, que todos tenham igualdade de oportunidade em todos os níveis da
vida, sem precisar de uma intervenção estatal tão polêmica para se promover a
isonomia entre as diferentes classes de pessoas.
Apesar de parecer algo novo para a maioria das pessoas, o sistema de cotas
universitárias para negros é um tema debatido há muitos anos em outros países.
Segundo comentários de Thiago Lauria, as cotas universitárias já eram discutidas
nos Estados Unidos nas décadas de 60 e 70 do século passado:
A discussão acerca da política de cotas para negros em
universidades públicas é apenas um exemplo das chamadas
“ações afirmativas”. Tais ações, que estiveram muito em voga
nos Estados Unidos, nas décadas de 50 e 60 do século passado,
consistem em intervenções governamentais diretas, extremas,
em uma determinada realidade social, com o fim de promover a
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igualdade material dentro de um cenário de preconceito
(LAURIA, 2006).
Assim, o sistema de cotas não pode ser visto isoladamente, mas conjugado
com outras políticas de ação afirmativa, que proporcione ao homem negro não
somente o ingresso numa instituição de ensino superior, mas a continuidade desse
processo de reconhecimento e aceitação também no mercado de trabalho. E não
somente na sua inserção, mas também no seu crescimento e desenvolvimento
dentro das empresas, ocupando cargos de chefia e recebendo os mesmos salários
que qualquer outra pessoa de pele branca.
Concordo com a afirmação de Renato Vicentini da Silva quando afima que
as cotas para negros nas universidades são um importante avanço, mas não
podem, de maneira alguma, serem um fim em si mesmas:
Pelo contrário, as políticas de cotas devem ser endossadas com
outras políticas de ação afirmativa no mercado de trabalho; pois
os negros depois de formados terão mais dificuldades em
conseguir emprego em relação aos brancos; e quando
conseguirem receberão menos que estes, com mesma
escolaridade e exercendo mesma função; terão mais problemas
em assumir postos de chefia, etc.; e todos esses empecilhos só
têm uma motivação: a cor de suas peles, nada mais. Os números
revelam isso, e contra fatos não há argumentos (SILVA, 2012).
3.2- Políticas de Cotas nas Empresas
Apesar de tratar-se de um tema bastante atual, a luta pela igualdade entre
negros e brancos percorre séculos e ultrapassa fronteiras internacionais. Inúmeros
movimentos internacionais já foram deflagrados mundo afora, e dentre muitos
nomes importantes na história de luta pela busca da igualdade em favor dos
negros, podemos mencionar a relevante contribuição de um homem negro norteamericano, que se destacou pela sua incansável batalha em defesa dos direitos de
sua classe, e já naquela época já se discutia sobre o fim das práticas
discriminatórias na política de contratação de pessoas negras, é claro, nas
empresas, a fim de lhes garantir o emprego e conseqüente sobrevivência,
conforme mencionado por Thiago Lauria:
Naquela época, o líder negro Martin Luther King defendia a
promoção da igualdade entre negros e brancos, de forma que a
regulamentação estatal das atividades civis e políticas não mais
discriminasse os negros americanos. Para se ter uma idéia, em
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determinados estados americanos existiam leis que defendiam,
ainda que implicitamente, uma supremacia branca, como um
diploma legal que obrigava que os negros se levantassem dos
ônibus caso entrasse um branco e não houvesse outros lugares
vazios. Cristão, formado em teologia e seguidor das idéias de
Gandhi, Luther King venceu o prêmio Nobel da Paz em 1964,
pois defendia sempre os direitos civis dos negros a partir de
uma perspectiva pacifista. Uma de suas bandeiras foi a luta pelo
fim das práticas discriminatórias dentro da política de
contratação de pessoal pelas empresas. A vida, a luta e a obra de
Martin Luther King culminaram na promulgação de duas leis
importantíssimas para a história norte-americana: a Lei dos
Direitos Civis (1964) e a Lei dos direitos de Voto (1965).
(LAURIA, 2006)
No Brasil, o assunto começa a ser discutido ainda timidamente, já sendo
firmados alguns acordos internacionais, conforme depreendido abaixo:
O Presidente Lula afirmou que se eleito cumpriria todos os
acordos internacionais firmados anteriormente. Pois bem,
sempre é bom lembrar, que dentre tantos acordos
internacionais, o Brasil também é signatário da Convenção 111
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que trata
sobre formas discriminação no mercado de trabalho – sem falar
da Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, da ONU. Diz o art.. 2º da Convenção
111: “Qualquer membro para o qual a presente Convenção se
encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma
política nacional que tenha por fim promover, por métodos
adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade
de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e
profissão, com objetivo de eliminar toda discriminação nessa
matéria.”. Assim, não é nenhum absurdo que a população negra
do Brasil – 45% da nação de acordo com o IBGE – exija que o
governo adote políticas que ataquem frontalmente nossas
discrepâncias raciais. (SILVA, 2012)
Pois bem, apesar da necessidade do envolvimento de toda a população,
entendemos que administração pública exerce um papel preponderante no
combate a toda forma de discriminação racial, sobretudo no tocante às empresas.
Como detentora do poder estatal de criar leis de incentivo a determinadas posturas
sociais, o governo pode incentivar as empresas na contratação de pessoas negras,
como muito bem ponderado por Renato Vicentini da Silva:
Logo, é obrigação do governo forçar as empresas privadas a
diversificarem etnicamente seus quadros de funcionários –
incluindo postos de chefia, necessariamente–;emitindo
certificados para empresas que pratiquem a diversidade. Dessa
forma o consumidor, especialmente o negro, poderá optar de
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qual empresa ele vai adquirir um produto ou serviço. Empresas
que recebam o tal certificado também deveriam ter preferência
ao concorrer pelos processos de licitação pública. (SILVA,
2012)
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4- CONFRONTANDO DADOS
Mesmo após mais de um século de abolição do escravismo brasileiro,
infelizmente a população negra não tem muito o que comemorar:
Após mais de um século do fim do escravismo, há ainda um
forte racismo estrutural vigente em nossa sociedade, que
promove um abismo socioeconômico que separa negros e
brancos no Brasil. Lastimavelmente ainda hoje no Brasil – a
segunda maior nação negra do mundo – todos os indicadores
sociais permanecem desfavoráveis aos negros (mortalidade
infantil, analfabetismo, expectativa de vida, etc.); e todo esse
desfavorecimento se reflete no mercado de trabalho. Não é por
acaso que a renda per capita das famílias negras situa-se em
torno de 40% da renda das famílias brancas; logo, a incidência
de pobreza e indigência na população negra é duas a três vezes
mais alta que entre os brancos; isso sem falar das taxas de
desemprego, informalidade, condições de moradia, acesso a
cargos de chefia, etc. (SILVA, 2012)
Analisando os dados, podemos perceber que as informações exibidas
acima podem levar o leitor à conclusão enganosa de que as disparidades
apresentadas têm sua principal causa apenas nas distinções de classe, logo,
elevando-se o nível de vida dos pobres resolve-se a questão dos negros. Porém
analisando esses números de inferioridade social do negro e a permanência desse
quadro – que se mantém quase que estático ao longo de décadas de estudo
estatístico (mesmo nos períodos de prosperidade econômica) – não resta outra
opção senão considerarmos que mecanismos de exclusão, baseados unicamente na
cor dos indivíduos, exercem um papel determinante na divisão social do trabalho
no Brasil.
Podemos explicar que mais de um século depois da abolição da
escravatura os serviços manuais, mal remunerados e insalubres continuem sendo o
lugar reservado para o negro no mercado de trabalho. Para endossar essa
afirmação, mostramos abaixo um resultado de uma pesquisa sobre o negro no
mercado de trabalho. Trata-se de um estudo realizado pelo Dieese e pela
Fundação Seade em 1999, por encomenda do Instituto Interamericano Sindical
pela Igualdade Racial (Inspir). O objeto do estudo é a situação dos trabalhadores
negros em seis capitais (São Paulo, Salvador, Recife, DF, Belo Horizonte e Porto
Alegre).
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Os resultados são reveladores. Percebemos que nas regiões pesquisadas os
trabalhadores brancos recebem, em média, mais que o dobro dos negros – exceto
Belo Horizonte. Negros são maioria entre os desempregados pois a duração do
emprego é sempre maior para os brancos, bem como o tempo de desemprego para
estes também é menor. Negros são minorias em funções de planejamento, assim
como constituem maioria na força de trabalho não qualificada, alocados nas
atividades de execução e de apoio em serviços gerais. Em Salvador o número de
trabalhadores negros em funções não-qualificadas é quase três vezes maior que o
de brancos. Negros ingressam mais cedo que os brancos no mercado de trabalho:
o percentual médio de crianças negras trabalhadoras de 10 a 14 anos é de quase
15%, em Salvador esse número aumenta. Negros também são os últimos a deixar
o mercado de trabalho e a jornada de trabalho do negro é de uma a duas horas
maior que a do branco: 44 horas semanais contra 42. O número de negros
ocupados com trabalhos domésticos é quase quatro vezes maior do que o número
de brancos. (Cf.: SILVA, 2012).
Muita gente pensa que essa conjuntura se dá devido apenas às
desigualdades educacionais entre as “raças”, logo, um investimento maciço em
educação corrigiria tais disparidades. Infelizmente tal argumento não se justifica
pois em todas as capitais pesquisadas os diferenciais de salário aumentam na
medida em que aumenta a escolaridade entre brancos e negros. Conforme aponta
Renato da Silva:
O prof. Marcelo Paixão, fez um trabalho sobre o
desenvolvimento humano dos negros brasileiros utilizando a
mesma metodologia do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud). Separou assim o Brasil em dois:
“Brasil dos brancos” e o “Brasil dos negros” para levantar o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das duas
populações. Conclusão: em nenhuma região brasileira o IDH
dos negros é maior ou igual ao dos brancos. Se o “Brasil dos
negros” fosse um país à parte, ele ocuparia a 108ª posição no
ranking da ONU; o “Brasil dos brancos” ocuparia a 49ª posição.
Lembrando que o Brasil ocupava oficialmente naquele ano a
posição 74 num ranking que ia até o número 174. (Paixão,
1998). Podemos, assim, concluir que precisamos urgentemente
formular um conjunto de políticas públicas voltadas
exclusivamente à população negra com o objetivo de incorporála no mercado de trabalho. (SILVA, 2012)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pois bem, diante de todos os pontos pesquisados e analisados, pudemos
perceber o quanto o homem negro já evolui em sua trajetória, naquilo que toca ao
seu reconhecimento enquanto ser humano, possuidor de direitos tanto quanto as
outras etnias. Não obstante, devemos admitir que ainda existe um longo e árduo
caminho a se percorrer, na constante busca de igualdade entre os povos.
Respeitando a sua diversidade e falando em diversidade, vivemos num país que se
destaca pela sua diversidade étnica, cultural e religiosa. E essa diversidade tem
que ser vista, reconhecida e valorizada, pois ela torna o Brasil um país rico na
arte, na dança, na música, no esporte etc. Se todos entendessem a riqueza que
possuímos em meio a toda essa diversidade, valorizando e dando oportunidade
igualitária a todos, descobrindo talentos que nos elevaria ainda mais, e ainda
sermos reconhecidos pelo mundo, além de estar extirpando esse “câncer” do
preconceito e discriminação contra a população negra.
Acredito num ideal de justiça e equidade com a contribuição da sociedade
civil organizada, mas, principalmente por meio de uma intervenção estatal, com a
implementação de políticas públicas de ação afirmativa, sejam por cotas “raciais”
nas universidades e nas empresas, ou ainda por outras vias que se pensarem mais
justas e eficientes. E por que não pensar em ações afirmativas com cotas também
em reconhecidas escolas privadas de educação infantil, de ensino médio e
fundamental?
A transformação social começa pela educação, com igualdade de
oportunidade para todas as pessoas, independente de sua condição étnica,
econômica ou social, com acesso igualitário a uma formação de qualidade, que
permita a cada ser humano mostrar o seu potencial naquilo que for exercer
profissionalmente. Quantos talentos são desperdiçados, devido à ignorância de
alguns que ainda insistem em praticar, mesmo que de forma velada, o preconceito
e a discriminação contra o homem negro.
Por mais que se estude, discuta e implemente políticas de ação afirmativa
em favor da população negra, os indicadores sociais mostram que há muito ainda
a ser feito. Não podemos fechar os olhos ante a preocupante e triste realidade em
que vive grande parte das famílias negras no Brasil.
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Apesar dos obstáculos, barreiras e preconceitos ainda vigentes num
racismo estrutural, não podemos nunca desistir de lutar e sonhar com dias
melhores. Que todos, brancos, pardos, amarelos, negros ou qualquer outra etnia,
levante a bandeira da paz e da igualdade entre os povos. Somos todos seres
humanos, formados de corpo, alma e espírito, dotados de intelecto e sentimentos,
e não há mais espaço para esse comportamento tão deplorável e repugnante.
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