Revista Hist Prof Mat n2

Transcrição

Revista Hist Prof Mat n2
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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RHMP
REVISTA
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
PARA PROFESSORES
Revista de História da Matemática para Professores
Ano 2 – nº 2, Setembro de 2015
ISSN 2317-9546
EXPEDIENTE
Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat)
Presidente: Sergio Roberto Nobre
Vice-presidente: Clovis Pereira da Silva
Secretário geral: Iran Abreu Mendes
Tesoureiro: Bernadete Morey
Editoras Responsáveis
Bernadete Morey
Ligia Arantes Sad
Comitê editorial
Iran de Abreu Mendes
Sergio Roberto Nobre
Comitê Científico
- Antonio Carlos Brolezzi (USP)
- Antônio Henrique Pinto (IFES)
- Antonio Vicente Marafiotti Garnica (UNESP)
- Carlos Henrique Gonçalves (USP-ABC)
- Circe Mary Silva da Silva Dynnikov (UFES)
- Giselle Costa de Sousa (UFRN)
- Iran de Abreu Mendes (UFRN)
- John Andrew Fossa (UFRN)
- Luciele Maria Trivizoli da Silva (UEM)
- Moysés Siqueira Filho (UFES)
- Romélia Mara Alves Souto (UFSJ)
- Rosa Sverzut Baroni (UNESP)
- Sergio Roberto Nobre (UNESP)
- Tércio Girele Kill (UFES)
- Ubiratan D’Ambrosio (UNIBAN/USP)
- Wagner Valente (USP)
ASSESSORIA
Projeto gráfico e Diagramação
Fabrício Ribeiro
Capa
Edilson Roberto Pacheco
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SEÇÕES
Editorial ................................................................................................................ 5
Bernadete Morey e Ligia Arantes Sad
Diálogo com um educador
Entrevistado: Professor Jarbas da Silva
Entrevistadora: Marina Gomes dos Santos
Histórias da Matemática
Artigo 1: De Morgan, Brougham e a SDUK:
Matemática a Serviço da Religião...................................................................... 23
John A. Fossa
Artigo 2: A contribuição da geometria dinâmica na resolução geométrica
de equações do segundo grau como proposto por Descartes ............................ 33
Rony C. O. Freitas; Lauro Chagas e Sá; Vito Rodrigues Franzosi
Artigo 3: Legitimação de um discurso matemático: um estudo sobre a
Geometria Hiperbólica......................................................................................... 43
Camila Libanori Bernadino; Juliana Martins; Marta Figueredo dos Anjos
Sugestões para sala de aula
Proposta 1: A matemática por trás da balestilha............................................. 53
Ana Carolina Costa Pereira e Antonia Naiara de Sousa Batista
Proposta 2: A História da Matemática subsidiando contextos de abordagem
para a resolução de problemas: o caso do “truque de Fibonacci”....................65
Tercio Girelli Kill e Andressa Cesana
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Proposta 3: A Perspectiva Sociocultural da História da Matemática como
uma Lente Metodológica para o Estudo de Funções...................................... 73
Davidson Paulo Azevedo Oliveira; Milton Rosa; Marger da Conceição Ventura Viana
Merece ser lido, visto, divulgado
A abordagem historiográfica presente no livro “A História dos grandes
matemáticos: as descobertas e a propagação do conhecimento através das vidas
dos grandes matemáticos”................................................................................... 83
Tiago Bissi
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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EDITORIAL
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Caro leitor,
m nome da Sociedade Brasileira de História da Matemática –
SBHMat, temos a satisfação de trazer à luz o terceiro número da
Revista de História da Matemática para Professores (RHMP), o segundo
número a sair em 2015.
Na sequência das seções damos continuidade a apresentação de
um conjunto de textos para servir de reflexão e propostas aos leitores,
especialmente aos professores interessados nas perspectivas de conhecimento, indicação de fontes e articulação didática entre a Matemática e a
História da Matemática.
O entrevistado neste número da RHMP na sessão Diálogo com
um educador é o Prof. Jarbas da Silva, que tem uma experiência de mais
de 30 anos no ensino básico, grande parte como professor de matemática em escolas públicas. Ele traz em suas narrativas desafios inerentes
ao dia a dia da profissão, instigante a muitos colegas professores que
viveram ou conhecem realidade semelhante ou até bem diversa, inclusive sobre a utilização da História da Matemática em sala de aula.
A sessão Histórias da Matemática traz três artigos: o primeiro
fala sobre a visão de De Morgan sobre a matemática e sua ligação com
a religião; o segundo é sobre o uso de tecnologias como recursos didáticos na educação e, para isto, discute uma parte do trabalho do filósofo
e matemático René Descarte; o terceiro artigo nos conta como vários
matemáticos contribuiram para consolidar a geometria hiperbólica.
A sessão Sugestões para sala de aula apresenta três propostas: o
primeiro artigo propõe introduzir trigonometria em sala de aula aliada
à história das navegações nos séculos XV e XVI; o segundo aborda
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resolução de problemas e a História da Matemática entra como subsídio; por último, o terceiro artigo examina atividades a partir da perspectiva sociocultural da História da Matemática para o estudo de funções.
E fechando o presente número temos a resenha do livro“A
História dos grandes matemáticos: as descobertas e a propagação do
conhecimento através das vidas dos grandes matemáticos”.
Ao pensar sempre em como tornar nossa revista mais completa
e atrativa, abrimos aqui chamada para uma nova sessão: a Sessão de
Problemas Históricos.
Renovamos nossa expectativa de que professores com experiências de sala de aula, relacionadas à História da Matemática, possam
valorizar esta revista e torná-la cada vez mais significativa aos colegas
leitores, aceitando o convite para submeter propostas que sejam pertinentes às seções das futuras publicações.
Bernadete Morey e Ligia Arantes Sad
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DÍALOGO COM UM EDUCADOR
Entrevista com Professor da Educação Básica
1) RHMP [Professora entrevistadora]: Por favor, diga seu nome, a formação inicial e acadêmica.
JARBAS - Jarbas da Silva, tenho 51 anos, trabalho na educação há
31 anos, completei esse ano [2015]; bastante tempo. Não todo em
Matemática.
Trabalhei uma época com Educação Física, uns 10 anos e, depois,
pela oportunidade que tive, aproveitei e fiz faculdade de Matemática.
Gostei muito. Foi no Centro Universitário São Camilo, em Cachoeiro
de Itapemirim, na época outro nome (...) Madre Gertrudes de São
José.
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É uma Faculdade específica para formação de professores, e eu me
dei muito bem por que... o jeito como lecionava já indicava que eu
tinha essa habilidade, ou esse dom ou esse talento de ensinar. Então,
foi só me aperfeiçoar.
2) RHMP - Inicialmente, por que Educação Física?
JARBAS - Interessante... Por que em 1983, quando eu estava me preparando para um novo trabalho, eu tinha terminado o Ensino Médio
e tinha sido presidente do Grêmio naquele ano de 1982, e, a nossa
diretoria, da qual eu fazia parte, fez um trabalho muito bom, voltado
para a área esportiva e cultural. A diretora da escola EEFM “Antônio
Acha”, que assumiu em 1983, desconfiou que eu sabia Educação
Física. Então, me deu a oportunidade, me chamando para trabalhar
com Educação Física, mesmo sem formação, até que um novo professor comparecesse.
Por isso que trabalhei alguns anos, e esse professor demorou uns 5
anos para aparecer. Enquanto isso, fui dando aula de vôlei, handebol... Aprendendo e ensinando, foi assim. Fiz uns cursos preparatórios de fins de semana.
3) RHMP - E você começa a lecionar matemática antes da graduação
ou depois que você termina?
JARBAS - Muito interessante essa pergunta, porque as coisas foram
tão “casadinhas”... Em 1989 o prefeito da cidade, na época, Fernando
Resende, ofereceu bolsa de estudos para quem quisesse se habilitar.
E eu embarquei nessa.
Quando eu estava concluindo a primeira fase do curso de Licenciatura
curta, ah... uma professora estava se aposentando em Matemática.
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E o governo do Estado estava fazendo uma alteração no quadro do
magistério. Pois eu sou do regime jurídico único. Que era uma categoria de professores que tinham sido contratados sem habilitação e
depois foram se habilitando no decorrer da sua trajetória profissional. E foi o meu caso!
Então veja que tudo coincidiu. O governo querendo efetivar aqueles
do regime jurídico único na área em que eram habilitados, eu me
habilitando em matemática, e uma professora de matemática se aposentando na escola, tudo no mesmo momento. Então foi muito legal!
4) RHMP - Isso tudo em Cachoeiro [cidade do sul do Espírito Santo]?
JARBAS - Mimoso do Sul. Porque eu morava em Mimoso do Sul,
uma cidade que fica, aproximadamente, a 55 km de Cachoeiro. Uma
cidade pequena (...)
5) RHMP - E esse tempo que você leciona tanto Educação Física
quanto Matemática é lá em Mimoso?
JARBAS - Em Mimoso, (...) Ah, o tempo total, 25 anos. Porque já tem
7 que estou lecionando aqui [em Pinheiros, cidade do norte do ES].
Mas eu passei um período também na direção de escolas – 3 anos
na direção EEEF “Professor Carlos Mattos”, e, 2 anos na EEEM
“Elizabete Nazário Laurentino”, lá em Mimoso, e depois retornei
para a docência, porque não tem jeito, é o meu caminho. (...)
6) RHMP - Me responde outra coisa a esse respeito, como você escolheu Matemática para sua graduação?
JARBAS - Como que foi essa escolha (risos)?
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Outra pergunta também curiosa. Percebe-se que muitos alunos
ainda hoje chegam na fila para uma inscrição de uma faculdade, e
alguns ainda indecisos.
Eu, na época, foi tão rápida essa decisão de bolsa de estudo e o dia do
vestibular, pois, fiquei sabendo muito em cima da hora. E eu escolhi
o curso por uma simples graduação. Pelo fato de não ser graduado
na época, não tinha Educação Física em Cachoeiro de Itapemirim.
Então, eu tinha que pelo menos me habilitar em alguma coisa.
E eu escolhi no dedo assim: - Ma... mamãe mandou...
Aí olhei no folder de inscrição dos cursos... ah... tinha lá: Ciências
para o primeiro grau, 3 anos. Que era um curso de licenciatura curta,
voltada para Física, Química, Biologia e Matemática para Ensino
Fundamental.
Mas quando comecei a fazer o curso, eu me identifiquei pela
Matemática. E aí fui me concentrando mais em Matemática. Depois
dos três anos, eu imediatamente já completei os dois anos de específicos de complementação de carga horária em Matemática. Logo
em sequência, também formamos um grupo na minha turma para
já fazer a Pós-Graduação. Daí meu curso de 3 anos, escolhido assim
aleatório, acabaram virando 7 anos, entre Pós-Graduação e a complementação do curso.
7) RHMP - Você já falou um pouco sobre seu período na docência.
Então, esse tempo que você passou lecionando tanto em Mimoso do
Sul, quanto aqui em Pinheiros, em quais níveis de ensino?
JARBAS - Ensino Fundamental e Médio somente.
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8) RHMP - Você falou um pouco sobre as motivações que te conduziram para sala de aula, que fizeram com que você escolhesse lecionar. Mas, só foi a questão dessa paixão pela Matemática? Ou existia
também o viés da facilidade com relação a disciplina de Ciências
Exatas, ou alguma outra coisa nesse sentido?
JARBAS - Não... Eu creio que foi mais, essa paixão mesmo; quanto
mais eu ensinava a Matemática no Ensino Fundamental, e, ao mesmo
tempo trabalhando com Ensino Médio. Porque eu tenho carga horária de 50 horas. Então, eu tinha esse privilégio de poder escolher
turmas de Ensino Fundamental, ao mesmo tempo trabalhar com
Ensino Médio.
Ver essa relação bacana que existe entre os conteúdos lecionados no
Ensino Fundamental e Ensino Médio, e as possibilidades. Poder preparar um aluno para exercer isso, para fazer isso funcionar... tanto
na sua vida prática, onde muitos conteúdos de matemática tem uma
aplicação muito direta no dia-a-dia do aluno, como também a possibilidade de sei lá, abrir possibilidades para que ele visse algo mais na
frente, e refletir: “Não, eu posso investir em um curso que me permita
usar esses conhecimentos”.
Até porque, a gente sabe, que ainda hoje, a maioria dos vestibulares,
ainda são muito conteudistas. Isso tudo me motivou. Eu via outras
disciplinas trabalhando textos, trabalhando interpretações, que eu
acho que isso ajuda demais a Matemática, a Matemática também é
interpretativa.
9) RHMP - Você falou aí do Ensino Fundamental e Médio. Você gostava de dar aula para algumas séries específicas no ensino fundamental? Ou não?
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JARBAS - Não, não... Eu inclusive tenho uma filosofia gosto de aplicar, é que eu sempre gosto de pegar séries diferentes. Ultimamente
eu tenho trabalhado com 1º e 3º ano no “Nossa senhora de Lourdes”,
porque ali só tem o Ensino Médio. Mas para ano que vem, por exemplo, eu já estou planejando pegar 1º e 2º ano.
10) RHMP - Você me falou que trabalhou 31 anos, quantos dedicados a lecionar matemática?
JARBAS – 21 (vinte e um). Eu trabalhei 10 anos com Educação Física.
Então, são 21 anos só com Matemática.
11) RHMP - É nessa escola de Mimoso do Sul que você trabalhava
com Educação Física e foi trabalhar com Matemática?
JARBAS - Exato. Exato... Eu estudei lá, trabalhei lá, e... enfim quando
eu saí de lá em 2007, foi diferente... Sair de uma escola que trabalhei
tanto tempo.
12) RHMP - Quando inicia um assunto ou no processo de ensino
de algum conteúdo, você enquanto docente privilegia alguma metodologia para ensinar? (Por exemplo: Aula expositiva, seguida de
exercícios, Resolução de problemas, Jogos, História da Matemática,
Etnomatemática)
JARBAS - Olha, eu já fui muito conteudista. Eu já fui muito expositivo. Houve um momento na minha carreira... E a Formação da gente
muitas vezes é assim né? (...) Pouco se fala em metodologias. Então
uma boa parte disso vai da sua criatividade, da sua pesquisa, você vai
ter que buscar isso quase que sozinho. E para que eu busque alternativas, dependendo do assunto, é muito legal... Você levar o aluno pra
rua, para ele ver primeiro. Geometria, geometria espacial, primeiro,
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nós fomos para praça Baiana. Olhar as estruturas, olhar o modelo do
jardim, olhar a fachadas das lojas. Fotografamos. Os próprios alunos
montaram um trabalho deles, tentando falar na linguagem deles o
que tinham visto, né? (...) Depois nós partimos para os termos e as
definições matemáticas.
Mas, tem determinados momentos que não dá tempo de você fazer
isso. Então você tem que ser mais específico, aula expositiva. (...) Em
outros momentos, a gente tem na nossa escola um quadro digital,
que permite você fazer algumas investigações.
Ahh... o Lied [Laboratório da escola] atualmente está desativado.
Por falta dos profissionais que atuam lá direto para dar assistência
da Internet na escola. Então, você observa que tem hora que não dá
pra caminhar muito. Nossa escola tem alguns materiais didáticos,
de jogos, por exemplo. Eu amo utilizar jogos como introdução de
algum conteúdo, ou no momento em que o conteúdo está andando.
Às vezes para fixar uma determinada situação.
O Ensino Médio hoje você tem que retomar muitas vezes temas
do Ensino Fundamental. O menino está lá estudando, ah... função
exponencial, mas você precisa retomar potenciação, propriedades de
potenciação, retomar frações, entre outras coisas. Nesse momento,
permite que você use um vídeo, que você use uma vídeo-aula. Eu por
exemplo, gosto de utilizar uma estratégia onde os próprios alunos
reapresentem algum tema que eles estudaram. Como temas revisão.
3º ano eu gosto demais de fazer isso em algum momento. Na questão
da pergunta... Eu acredito que é necessário a gente estar com esse
olhar assim:
-Qual é o momento certo? Todo o conteúdo eu preciso utilizar uma
estratégia? Ah! eu vou usar jogos, eu tenho que usar jogos sempre?
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Eu tenho que mostrar material na sala sempre? Eu acho que isso vai
muito da sua criatividade. Da percepção em ver qual é o momento
mais ideal para usar isso ou aquilo.
13) RHMP - Me chamou atenção quando você falou da questão dessas vídeo aulas. Onde você se apoia nesse sentido?
JARBAS - As próprias editoras estão montando alguns materiais
interessantes sobre isso, né? Infelizmente o livro que nós estamos
usando, atualmente, a editora não tem esse programa ainda. Mas,
eu me lembro de uma editora que fez uma proposta para gente ano
passado, onde ela tinha um site disponível com aulas, com alguns
materiais de apoio para aulas já gravadas. Existe alguns sites confiáveis, né? Inclusive, os livros trazem uma relação de sites voltados
para Matemática. Veja bem, hoje pra que você pesquise, existe muita
fonte confiável. O que antes a gente ficava muito limitado, por que
você só tinha livros, livros, livros... Hoje o mercado tá muito legal. É
só você saber onde procurar. E saber selecionar também o material
que você quer.
14) RHMP - Pelas recentes Diretrizes Curriculares Nacionais, com
reflexos nas matrizes curriculares, há uma proposta para as escolas
básicas ensinarem os alunos a compreender o que é ciência, qual a
sua história e a quem ela se destina. Portanto, pensando na ciência
matemática, você vê importância de pensar o que é a matemática e
qual a sua história?
JARBAS - Com certeza. Eu creio que ensinar o conteúdo só pelo
conteúdo é como você esquecer os grandes personagens, as grandes
pessoas, e filósofos e matemáticos que gastaram seu tempo pesquisando e inovando, propondo sugestões para que a gente pudesse ter
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acesso a informação, e ao mesmo tempo criar e redescobrir em cima
daquilo que já estava ali.
Então, não dá para esquecer a História da Matemática, não dá para
deixar de falar nos caras que colocaram lá “os ossinhos” organizados,
as pedrinhas organizadas. A Matemática já estava lá impregnada de
certa forma.
(...) Muitas vezes a gente fica preso a repassar conhecimentos, e muitas vezes nos falta essa oportunidade, talvez essa iniciativa de criar
novas coisas, criar novas metodologias, ou criar novas soluções,
buscar novas soluções. A gente vive um momento muito corrido.
E aí acaba que você não tem muito tempo voltado para pesquisa,
para investigação. Mas, volto afirmar que não podemos esquecer a
História da Matemática. (...) As grandes descobertas que nós usufruímos e aperfeiçoamos hoje, elas partiram de uma ideia às vezes
simples.
15) RHMP - Já utilizou a História da Matemática na abordagem ou
explicação de algum conteúdo em sala de aula?
JARBAS - Olha essa pergunta ela é intrigante, porque ela me faz também refletir a minha prática. (...) Às vezes em alguns conteúdos, você
fala de Pitágoras, você fala de Tales. Os próprios livros hoje já trazem
um resumo. É o resumo, do resumo sobre essas pessoas. Parece que
é para atender à necessidade, a demanda dessa nova geração, a coisa
tem que ser em 5 linhas. Assim, já não se lê mais tanto Matemática.
Um aluno esses dias me surpreendeu quando ele disse: - Professor
achei um livro lá sobre a História da Matemática. Ele mostrou qual
era a espessura do livro. E ainda brincou: Já pensou se só a História
da Matemática é isso aqui, imagine o resto da Matemática!
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É uma prática que eu admito precisar investir um pouco mais nela.
Admitindo já, que eu sei da necessidade, mas, ao mesmo tempo, a
prática vai fazendo a gente deixar isso um pouco de lado. Você está
tão preocupado por vezes com o menino aprender o básico, que você
acaba esquecendo que talvez essa história possa até ajudá-lo, né?
16) RHMP - Nesse tempo que você leciona, percebeu alguma
mudança nas diretrizes do ensino de matemática?
JARBAS - Se você for olhar do ponto de vista do conteúdo, não
vejo nenhuma mudança. Não vi assim mudanças muito relevantes,
mudanças importantes. Agora, a forma de se trabalhar isso, sim. O
grau de dificuldade desse ou daquela diretriz, daquele conteúdo. A
aplicabilidade dele. Hoje muitos conteúdos são ensinados quase que
superficialmente.
Eu vou trabalhar Função Exponencial, simplesmente para que o
menino aprenda a analisar um gráfico de Função Exponencial, para
que veja o que é uma curva exponencial? E todas as outras coisas
que estão caminhando junto com a Exponencial? E aí, certo cuidado
que nós professores de matemática temos que ter, que eu creio que
nós temos que criar até certa resistência quanto a isso. Criar até uma
barreira: - Espera aí, espera um pouquinho... Não dá pra ensinar matemática assim.
Não dá pra ensinar ao menino função e ir pulando etapas. Função,
definição de função, de repente eu já estou lá em análise de gráfico,
daqui a pouco eu já estou lá em construção de gráfico, já estou lá em
máximos e mínimos. E todo o resto da função? E toda análise que ele
tem que fazer. Às vezes, o menino não sabe nem marcar pontos no
plano cartesiano. Ele tem dúvidas ali, faz confusão entre x e y, e eu
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vou abandonar isso, e ensinar como já se fazia há alguns anos atrás:
-Vamos ensinar os macetes da Matemática?
Quantos alunos que conhecemos, e até professores de Matemática, que
resolvem as coisas por macetes. E quando você busca a Matemática,
quem está por traz daquilo ali, ele encontra uma certa dificuldade
em representar isso, em analisar, matematicamente falando.
17) RHMP - Como você hoje percebe e ao longo da sua trajetória
na docência, a questão dos livros didáticos? Como você analisa os
livros didáticos que são recebidos pela escola para auxiliar o processo
ensino aprendizagem pelos alunos?
JARBAS - Eu amo livros didáticos. Tenho uma coleção que é fantástica. Cada vez que uma editora chega na escola e me oferece, me presenteia com uma coleção, eu fico muito satisfeito, por que livros são
essenciais. Eu tenho um profundo respeito pelos autores dos livros.
Não são pessoas que escreveram ao seu bel prazer, há pesquisa ali,
fundamentação, estratégia, cuidado com a relação que eu estava te
falando a pouco.
Quando você vai para um livro didático, existe uma sequência didática. Embora se diga que o livro, e eu acredito nisso também, não é a
minha única fonte, o livro não é a minha cartilha de sala de aula. Mas,
creio que um bom autor de um livro didático segue uma sequência
didática, ele segue um caminho do aprendizado. Nenhum autor e
nenhum professor faria isso, ensinar trigonometria sem antes ensinar Teorema de Pitágoras, sem antes passar pelas Relações Métricas,
por Semelhança de Triângulos, ensinar o menino a entender essa
relação lá dos ângulos de um triângulo, para depois a fundamentação
de Trigonometria.
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E a gente que tem ter uma sequência, uma didática a ser seguida,
para o ensino de qualquer conteúdo de Matemática, você se sente
meio que pressionado. Por que parece que o sistema quer que você
dê conta disso tudo. Mas... e o tempo do aluno? Então, isso me preocupa muito. Tenho uma certa resistência a isso. Por isso, eu sigo a
minha programação, sigo os meus alunos, meus alunos estão entendendo o que eu estou falando? Eu não me preocupo se eu chegar
ao fim do ano, e alguém me questionar assim: - Poxa, você não concluiu o programa, o Plano de Ensino que você organizou no início do
ano. E a minha resposta é sempre a mesma: - Isso aqui era um Plano
de Ensino. Plano de Ensino é uma coisa, realização de ensino é outra
coisa.
18) RHMP - Eu lhe pergunto outra coisa, nos livros que você foi recebendo ao longo do tempo, como você vai percebendo a questão da
História da Matemática presente ali? Como era antes e como você vê
isso agora nos livros didáticos?
JARBAS - Eu vejo que, alguns livros enfatizam mais. Alguns autores
antecedem por vezes um conteúdo falando um pouco da história.
Alguns autores, até fazem uma relação dessa história com outros
momentos da História, não da História específica de Matemática,
mas com a História Geral. E outros autores são mais sucintos nisso.
Sinceramente, eu tenho livros que os autores não falam nada sobre
História da Matemática.
(...) Matemática e a sua relação com a Física, com a Biologia, com
História, com Geografia, alguns conteúdos, e ao mesmo tempo da
história. Você vai começar Trigonometria, tem lá um “capitulozinho”, um trechinho, falando sobre Pitágoras. Você tinha Funções,
por exemplo, ali um pouco da história disso. Enfim, vai de autor pra
autor.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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19) RHMP - Pegando esse gancho, se hoje algum professor chegasse
pra você e falasse: - Jarbas, eu preciso preparar uma aula utilizando
História da Matemática. Você indicaria a esse professor fazer isso de
que maneira? Como?
JARBAS - Nossa! Primeiro é pesquisar bastante, eu confesso. Vai
depender do tipo de pessoa. Acho que se fosse uma pessoa que já
está inserida nessa didática, nessa dinâmica da sala de aula, ele já
teria certo conhecimento disso.
Se fosse um professor que eu percebesse que tem o meu estilo, eu
ia dizer pra você assim: - Olha, vamos pesquisar! Pois tem algumas
coisas que eu sinceramente, mesmo tendo 31 anos de magistério, e
21 anos de professor de matemática, não vou usando ali no dia-a-dia,
e aí tem que pesquisar de novo. Acho que a sugestão que eu daria é
essa.
Se você quer História da Matemática, vamos procurar alguns autores, vamos procurar alguns sites. Porque a facilidade que a gente
tem hoje de informação ela é grande, muito grande. (...) Acho que
o caminho seria esse. Alguém que fosse querer conhecer História da
Matemática, a indicação que eu daria seria essa: - Olha, vamos procurar juntos. Por que se você me perguntasse agora assim: - Me fala
sobre... Eu teria certa dificuldade, entendeu?
20) RHMP - Nos livros utilizados quando você iniciou sua carreira
e alguns anos após, como você percebia a História da Matemática?
Existia? Não existia? Nesses livros do início da década de 1990.
JARBAS - Não, existia muito pouco. Quando eu queria algo mais
específico, eu tinha que buscar, mesmo em História da Matemática.
Os livros didáticos são muito sucintos. Eu acredito também, que
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seja pelo próprio fato de que se você for inserir muita História
da Matemática, acaba ampliando muito a obra. Quando eu queria alguma coisa mais específica, estudar um autor, por exemplo,
Pitágoras (....) tinha que buscar outras fontes específicas.
Se você me pedir para buscar na memória, realmente não tem um
livro que você possa falar: - Não, esse livro aqui se eu quiser História
da Matemática, eu posso usar esse livro por que ele tem uma história.
Não! Você vai ter que buscar fontes alternativas mesmo.
RHMP - Jarbas quero agradecer, não vou tomar mais seu tempo não!
Muito obrigada!
HISTÓRIAS DA MATEMÁTICA
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••• Artigo 1 •••
De Morgan, Brougham e a SDUK:
Matemática a Serviço da Religião
John A. Fossa
Q
uando pensamos nas relações entre a matemática e outras disciplinas geralmente pensamos nas ciências e na tecnologia.
Ocasionalmente podemos lembrar-nos das relações entre a geometria
e a arte (pintura), mas dificilmente atinamos para a influência da matemática sobre a filosofia ou a religião. No entanto, a referida influência
tem sido de grande importância, como pode ser constatada, no primeiro caso, por Erickson e Fossa (2006) e, no segundo, por Koetsier
e Bergmans (2005). No presente trabalho, apresentaremos um exemplo, do século XVIII, desta relação que não foi abordado em Koetsier
e Bergmans (2005). Trata-se do pensamento de Augustus de Morgan e
Henry Peter Brougham em referência à Sociedade para a Propagação
de Conhecimento Útil (SDUK – Society for the Diffusion of Useful
Knowledge).
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De Morgan
Augustus De Morgan (Figura 1) nasceu, em 1806, em Madura
no sul da Índia, onde seu pai, John De Morgan, era um coronel no exército inglês. A família voltou para a Inglaterra quando De Morgan tinha
sete meses de idade. Sofreu bullying na escola, devido ao fato de que
havia perdido um olho e não podia participar nas brincadeiras dos
outros alunos. Certo dia, contudo, pôs fim ao problema, dando uma
surra num dos seus atormentadores. Formou-se na Universidade de
Cambridge, em 1827, mas parecia que não poderia continuar na carreira acadêmica, devido a escrúpulos religiosos. De fato, embora os pais
fossem evangélicos convictos, De Morgan simpatizava com os unitarianos, um grupo dissidente cuja marca principal era a negação da Trindade
de Deus. Era necessário, para continuar em Cambridge, jurar fidelidade
aos 39 artigos da igreja anglicana e, visto que não podia fazer o juramento em sã consciência, decidiu entrar na profissão de direito.
Foi, no entanto, exatamente nesta época que se fundou uma
nova universidade “secular”, a Universidade de Londres. De Morgan,
recém-graduado e com apenas 21 anos de idade, venceu o concurso
aberto pela nova instituição e, em 1828, foi contratado como o primeiro
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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Professor de Matemática da Universidade de Londres. Em 1831, porém,
a Universidade demitiu o Professor de Anatomia sem explicação e De
Morgan, indignado com tal procedimento, se demitiu. Foi, contudo,
recontratado em 1836, depois de averiguar que a Universidade tinha
reformado seus estatutos de forma satisfatória. Ficaria na Universidade
de Londres para mais 30 anos, onde se dedicou à Matemática, à Lógica
e à Educação Matemática. Faleceu em 1871 depois de alguns anos de
enfraquecimento gradual.
Brougham e a Fundação da SDUK
Henry Peter Brougham nasceu, em 1778, em Edimburgo, na
Escócia. Formou-se na Universidade de Edimburgo, onde ficou encantado com a matemática. Mesmo assim, estudou as humanidades e a filosofia, exerceu, por pouco tempo, a profissão de advogado e entrou na
política, sendo eleito ao parlamento em 1810, em oposição ao governo.
Através da sua habilidade em defender tais propostas como a abolição
da escravidão e o fortalecimento da liberdade da imprensa, sua influência cresceu bastante e, em 1830, foi designado, pelo Rei William IV,
Lorde Chanceler. A posição é a segunda mais poderosa no gabinete
inglês, pois o Chanceler é responsável pelo sistema judiciário e ainda,
no século XIX, era presidente da Câmera dos Lordes. Manteve a referida
26
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
posição até 1834. Voltou ao parlamento por alguns anos, mas eventualmente se dedicou a uma vida literária, escrevendo muitas crônicas para
tais revistas como a Edinburg Review. Faleceu em 1868.1
Como vários outros pensadores da época, Brougham estava
preocupado com a moralidade do povo inglês. Para melhorar a situação, concebeu a formação de uma sociedade que forneceria materiais
baratos, adequados para a autoinstrução, para os operários ingleses. O
referido material, contudo, não rezaria sobre questões éticas e religiosas,
mas sobre a matemática e a ciência, pois Brougham acreditava que a
ciência, eleva o cientista do mundano para o divino.
Para efetuar seu plano, Brougham precisava de colaboradores que confeccionariam o material proposto. Felizmente, ele também
estava envolvido na organização da nova Universidade de Londres, onde
De Morgan já estava enfrentando, segundo Richards2 (2002, p. 139), “o
desafio fundamental ... de achar maneiras de redefinir a razão de forma
que a compreensão religiosa pudesse ser separada de outros tipos de
conhecimento”. Assim, a aliança entre Brougham e De Morgan foi quase
inevitável; de fato, De Morgan se tornou um dos principais escritores da
SDUK, produzindo, por exemplo, mais do que 850 artigos somente para
a Penny Cyclopaedia, uma publicação da referida sociedade.
Antes de investigar mais cuidadosamente as ideias de Brougham
e De Morgan sobre a relação entre a matemática e a religião, devemos
observar que a caracterização da Universidade de Londres feita por
Richards e citada no parágrafo anterior, não é completamente correta.
Quando essa Universidade era chamada uma instituição “secular”, a
intenção não era apontar para o afastamento dela da religião (que, aliás,
não seria consoante com as ideias de Brougham e De Morgan), mas
apenas o afastamento dela de uma ligação mais estreita com a igreja
anglicana. De fato, Sophia De Morgan (2010, p. 25) indicou que a
1 Os dados sobre a vida de Brougham foram retirados de Hunt (2011).
2 Todas as citações no presente trabalho são traduções minhas.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
27
Universidade era, em primeiro lugar, para os “judeus e Dissenters3” e,
em segundo lugar, para alunos de famílias que não podiam arcar com os
custos das universidades tradicionais. Assim, não se trata da ausência da
religião, mas da tolerância de várias formas de religião.
Matemática e Religião
Já vimos que a ideia básica de Brougham e De Morgan foi a
de que a matemática e a ciência elevam o homem do mundano para o
divino. Em si, a referida ideia era muito comum na história da humanidade, sendo compartilhada, por exemplo, pelos antigos pitagóricos
e sendo também à raiz da prova cosmológica da existência de Deus.
Assim, devemos investigar um pouco mais como a ideia básica foi elaborada pelos dois mencionados pensadores ingleses. Phillips (2005)
resume o pensamento deles nos seguintes termos:
1. A matemática revela a perfeição de Deus.
2. A matemática é prazerosa e, portanto, moralmente correta.
3. A matemática revela a glória de Deus.
Explicaremos cada um desses conceitos a seguir.
1. A matemática revela a perfeição de Deus.
A matemática é conhecimento perfeito, absolutamente claro e
indubitável. Mas, toda a perfeição tem como fonte Deus, o ser perfeito.
Portanto, o raciocínio racional é uma maneira de participar na perfeição
divina. De Morgan insistiu sobre esse ponto em várias das suas produções para a SDUK. Em De Morgan (1830, p. 2), por exemplo, ele afirma
que “hábitos de investigação e julgamento apurado são mais úteis do
que o conhecimento de qualquer fato”. Na verdade, ele continua, a
3 Isto é, cristãos que, como os unitarianos, não eram membros da igreja anglicana.
28
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
matemática seria útil mesmo se não tivesse qualquer aplicação prática,
pois sua verdadeira utilidade consiste no fato de que promove o pensamento racional.
É interessante ver como a questão religiosa afetava a controvérsia sobre os números negativos. Os anglicanos do século XIX, de modo
geral, aceitavam os números negativos porque, como algo inexplicável, refletiam, para eles, os mistérios de Deus. Nessas alturas, o principal defensor do repúdio aos números negativos era William Frend
(1757-1841), sogro de De Morgan. Como unitariano, Frend rejeitava os
números negativos, pois, como sendo menores do que o nada, eram ininteligíveis. Assim, rejeitava o mistério dos números negativos da mesma
forma em que rejeitava o mistério da Trindade. De Morgan, porém,
um dos maiores matemáticos do seu tempo, não conseguia rejeitar os
negativos, mas aceitava a rejeição de Frend de tudo que era “misterioso”.
Assim, ele se empenhava, em De Morgan (1910), por exemplo, a fazer
uma explicação absolutamente clara e racional dos referidos números.
2. A matemática é prazerosa e,
portanto, moralmente correta.
Uma das mais importantes teorias éticas do século XIX era a de
utilitarismo. Segundo a referida teoria, o moralmente correto é o que
proporciona o maior prazer para o maior número de pessoas. O maior
prazer, no entanto, para, entre outros, Brougham e De Morgan, era o
que resultava do pensamento racional. De Morgan (em Anderson, 2006,
p. 6) afirmou que “... os poderes de raciocínio, que todo mundo precisa
usar para distinguir entre o certo e o errado, não são adequados para
esse fim, a não ser que o hábito de usá-los corretamente tenha sido formado previamente”. Quando o referido hábito estiver alcançado, porém,
o homem sentirá o prazer em racionalmente discernir o que é moralmente correto, o que, por sua vez, promove comportamento moral.
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3. A matemática revela a glória de Deus.
Finalmente, a matemática nos ajuda a compreender a obra de
Deus, ou seja, a criação. Isto proporciona ao homem a possibilidade de
estabelecer relacionamentos apropriados com o próprio Deus e com a
sua criação, infundindo, assim, a sua vida com o sagrado.
Conclusão
Em todo seu trabalho de Educação Matemática, De Morgan
enfatizou que a matemática não é um conjunto de fatos, mas um processo de pensamento. É nesse sentido que a matemática é verdadeiramente útil, pois eleva o homem do mundano para o divino, no sentido
de que ele é levado a
1. pensar como Deus,
2. regozijar como Deus
3. e viver como Deus.
Desta forma, a religião fará parte da vida do homem no seu dia a
dia, não como uma doutrina imposta por uma seita ou outra, mas como
uma presença divina que regerá sua vida.4
Referências
ANDERSON, Ronald. Augustus De Morgan’s Inaugural Lecture of 1828. The
Mathematical Intelligencer, v. 28, p. 19-28. 2006. [Contém transcrito do discurso
de De Morgan.]
4 Agradeço à colega Enne Karol Venâncio de Sousa pelas sugestões referentes à correção
gramatical do presente trabalho.
30
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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[Originalmente 1831.]
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Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
33
••• Artigo 2 •••
A contribuição da Geometria
Dinâmica na Resolução
Geométrica de Equações
do Segundo Grau como
proposto por Descartes
Rony C. O. Freitas (Instituto Federal do Espírito Santo)
Lauro Chagas e Sá (Instituto Federal do Espírito Santo)
Vito Rodrigues Franzosi (Instituto Federal do Espírito Santo)
Introdução
H
á algum tempo que o uso de tecnologias como recursos didáticos na educação tem sido objeto de estudos e pesquisas, seja
por causa do caráter motivador que esse uso tem sobre os estudantes,
ou por poder introduzir novas formas de ensinar e aprender, haja vista,
por exemplo, as mudanças incorporadas pelos softwares de geometria
dinâmica. Contudo, a lenta inserção desses novos artefatos nas escolas,
acrescida de dificuldades encontradas por professores, sobretudo por
questões metodológicas, tem dificultado o processo de incorporação
das tecnologias na educação. Isso tem levado a mudanças relativamente
modestas na prática docente, que continua mergulhada em métodos
tradicionais de ensino, os quais dificultam a inserção da tecnologia de
forma a motivar a criatividade dos estudantes.
34
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
Os programas gráficos de Geometria Dinâmica fornecem ao
professor meios ativos para abordar e explorar conceitos importantes como o comportamento de funções e seus gráficos. House (1995)
defende que o efeito dessa mudança se fará sentir não apenas nas classes
de matemática da escola secundária, mas também nos níveis anteriores, no currículo pré-algebra, ou até na escola elementar. Alunos que
planejam um fluxograma ou programam um algoritmo, que coletam
dados para organizar com eles uma tabela, que acham o valor de uma
expressão variável com o computador, ou que formulam perguntas “E
se...”, como “E se mudasse o argumento da função?” ou “E se mudasse a
hipótese para?” estão lançando fundamentos importantes para o estudo
da álgebra. McConnell (1995) e Flanders (1995) também apontam que a
influência da tecnologia se fará sentir tanto no currículo como no processo educacional.
O GeoGebra1 é um software de Geometria Dinâmica que relaciona geometria, álgebra e cálculo. Ele foi desenvolvido principalmente
para o ensino e a aprendizagem da matemática nas escolas básicas e
secundárias, por Markus Hohenwarter, na universidade americana
Florida Atlantic University. O GeoGebra é um sistema de geometria
dinâmica que permite construir vários objetos: pontos, vetores, segmentos, retas, secções cônicas, gráficos representativos de funções e
curvas parametrizadas, os quais podem depois ser modificados dinamicamente. Ainda assim, equações e coordenadas podem ser introduzidas
diretamente com o teclado. As contribuições do GeoGebra permitem
abordagem de diversos temas, paralelogramos (MENEGOTTO; DE
LARA, 2011), cálculo diferencial e integral (RICHT et al., 2012) e até
mesmo trigonometria (LOPES, 2011).
Trazemos nesse texto a proposta de uma atividade que faz uso
do GeoGebra para discussão de álgebra, utilizando como contexto a
1 Para fazer o download do GeoGebra, acesse http://www.geogebra.org/cms/pt_BR/
download
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
35
história da Matemática, mais especificamente a proposta de resolução
geométrica de equações de segundo grau.
Pressupostos teóricos
Uma reflexão sobre a utilização da História na Educação
Matemática nos conduz a uma escolha teórica. Os pontos de vista são
variados e dependem da visão que cada professor e pesquisador tem da
História e dos valores que estão presentes nesta metodologia. Dynnikov
e Sad (2007) apresentam três opções para o emprego de fontes históricas em sala de aula: de modo factual, de modo processual e como fonte
de significado. Neste último modo de se utilizar da História em sala de
aula, que nos orienta metodologicamente, o papel das fontes históricas
é produzir significados em meio às próprias experiências dos alunos,
proporcionando, principalmente, uma ampliação da maneira com que
eles entendem e lidam com a Matemática.
No âmbito curricular, respaldamo-nos nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), que defendem que
a História da Matemática é uma rica fonte de experiências e produções
humanas, que oportuniza um diálogo entre práticas atuais e fontes históricas originais:
A utilização da História da Matemática em sala de aula
também pode ser vista como um elemento importante no
processo de atribuição de significados aos conceitos matemáticos. É importante, porém, que esse recurso não fique
limitado à descrição de fatos ocorridos no passado ou à apresentação de biografias de matemáticos famosos. A recuperação do processo histórico de construção do conhecimento
pode se tornar um importante elemento de contextualização
dos objetos e de conhecimento que vão entrar na relação
didática. (BRASIL, 2006, p. 86)
36
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
Quanto ao uso de tecnologias, destacamos que a informática
pode contribuir para o cenário de ensino em diferentes situações. A
sua utilização no contexto da Matemática é particularmente motivada
por algumas facilidades, como capacidade computacional, visualização
gráfica, cálculos algébricos, descoberta e confirmação de propriedades,
possibilidades de executar experimentos com coleta de dados e modelagem de problemas, especulações, entre outros.
As potencialidades tecnológicas podem ser notáveis se estruturadas para realizar situações de aprendizagem significativas que
envolvem ativamente os alunos no processo de construção do conhecimento, estimulando sua curiosidade, encorajando-os a explorar, descobrir, experimentar e provar os caminhos percorridos para encontrar
a solução.
Gravina e Santarosa (1998) enfatizam que as tecnologias ajudam
e aceleram o processo de construção do pensamento matemático.
O suporte oferecido pelos ambientes não só ajuda a superação dos obstáculos inerentes ao próprio processo de
construção do conhecimento matemático, mas também
podem acelerar o processo de apropriação de conhecimento.
(GRAVINA; SANTAROSA, 1998, p. 21).
Nesse cenário, propomos uma adequação do processo de resolução de equações polinomiais do segundo grau de Descartes a uma
construção no software GeoGebra. Essa transposição é defendida por
Mendes (2009), quando afirma que as informações históricas podem
passar por “adaptações pedagógicas que, conforme objetivos almejados,
devem se configurar em atividades a serem desenvolvidas em sala de
aula” (idem, p.109).
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
37
Discussão da resolução proposta por Descartes
A atividade que discutiremos neste trabalho foi proposta originalmente por René Descartes (1596-1650) no livro A Geometria, que foi
publicado primeiramente como um apêndice de O Discurso do Método,
em 1637. Essa obra é considerada um marco na história da Matemática
e faz com que muitos considerem Descartes como o pai da Geometria
Analítica, embora outros atribuam esse feito a Fermat (1601?-1665).
Descartes dividiu A Geometria em três livros: Livro primeiro: Dos problemas que podem ser construídos sem usar mais do que linhas retas e
círculos. Livro segundo: Da natureza das linhas curvas. Livro terceiro:
Da construção de problemas sólidos e supersólidos. A atividade aqui
apresentada pode ser encontrada no Livro primeiro, que fala como as
operações aritméticas se relacionam com operações geométricas, utilizando apenas régua e compasso.
Descartes consegue aproximar álgebra e geometria ao propor a
resolução de equações utilizando esquemas geométricos, o que denominou “problemas planos”, aqueles que poderiam ser resolvidos utilizando
nada mais do que segmentos de reta. Ele parte de equações algébricas
de segundo grau e mostra como achar suas raízes geometricamente. Os
problemas considerados por Descartes nessa categoria são todos aqueles que podem ser reduzidos à expressão z2 = az ± b2 (com a > 0 e b > 0)
descartando as raízes negativas (chamadas de falsas) não consideradas
por ele e pela maioria dos autores de sua época.
Para analisar as resoluções de Descartes, podemos classificar as
equações em dois grupos, que podem ser escritas nas formas z2 = az + b2
e z2 = – az + b2 ou z2 = az – b2. Observe que as equações do tipo z2 = – az
– b2 não estão contempladas. O motivo da exclusão desse tipo de equações pode ser encontrado quando se as escreve na forma mais tradicional, ou seja, como z² + az + b² = 0 e, a partir daí, se analisam os sinais de
suas raízes. Sabemos que o produto e a soma das raízes dessa equação
podem ser expressos como b2 e -a, respectivamente. Como premissa
38
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
básica, dada no parágrafo anterior, a e b são coeficientes positivos, o
que implica que o produto das raízes seja positivo – tendo, portanto,
sinais iguais – e que a soma seja negativa. Assim, podemos concluir que
as raízes das equações do tipo z2 = – az – b² não são contempladas por
serem todas negativas, o que é inviável em uma construção geométrica,
pela impossibilidade de se trabalhar com medidas negativas.
A solução do primeiro tipo de equação (z2 = az + b2) foi assim
descrita por Descartes:
Esta raiz ou linha desconhecida pode ser facilmente encontrada. Eu construo um triângulo retângulo NLM com um
cateto LM, igual a b, a raiz quadrada da quantidade conhecida b2, e o outro cateto, LN, igual a 1 a , isto é, a metade
2
da outra quantidade conhecida que estava multiplicada por
z, a qual eu suponho ser a linha desconhecida. Então prolongando MN, a hipotenusa desse triângulo, até o ponto O,
encontramos a linha OM, onde OM é a linha procurada z.
Ela se expressa dessa maneira:
1974, p. 245).
z=
1
a+
2
1 2
a + b2
4
(BOYER,
A tradução do que foi dito por Descartes em desenho pode ser
feita utilizando GeoGebra de acordo com as seguintes orientações:
•
Construa um segmento de reta LM (equivalente ao valor de b);
•
Pelo ponto L, construa uma reta perpendicular ao segmento b;
•
Obtenha um ponto N sobre a reta;
•
Crie uma circunferência com centro em N e raio NL;
•
a
Crie um segmento NL (equivalente ao valor de 2 );
•
Trace uma reta definida pelos pontos M e N;
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
39
•
Defina as interseções entre a reta MN e a circunferência NL e
chame o ponto mais distante de M de O;
•
Crie o segmento MO (equivalente ao valor de z – raiz positiva –
única aceita);
•
Esconda as duas retas criadas (clique com o botão direito sobre
cada uma delas, escolha Propriedades e desmarque o quadrinho
na frente de Exibir Objeto);
•
Meça os segmentos NL, LM e MO (basta ir em propriedades
pedir para Exibir Rótulo - Nome & Valor).
A construção deverá ficar como a Figura 1 mostrada a seguir:
Figura 1 – Solução Geométrica
Fonte: acervo dos autores
40
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
Por meio do desenho, é possível justificar que a medida do segmento MD é a raiz positiva da equação dada, uma vez que, geometricamente, é possível mostrar que essa medida pode ser expressa como
.
1
1 2
2
z=
2
a+
4
a +b
Algumas conclusões
As equações quadráticas propostas por Descartes relacionam a
geometria e a álgebra e nos fazem refletir sobre a contribuição da abordagem simultânea desses dois campos. Nesse sentido, a geometria dinâmica torna-se um importante meio através do qual se dá essa relação.
A oportunidade de manipulação promovida pelos softwares de
geometria dinâmica contribui para que alunos se coloquem em posição
ativa no processo de ensino e aprendizagem, despertando o interesse e
a curiosidade. Além disso, por meio de atividades como a exposta neste
trabalho, os alunos podem atribuir novos significados aos cálculos tradicionais com equações quadráticas, que muitas vezes são maçantes e
mecanicamente realizados.
Neste trabalho, fizemos uso do software GeoGebra, mas há
outros aplicativos livres, como DrGeo, CarMetal e Tabulae, que também permitem esse tipo de manipulações e que estão disponíveis para
download na internet.
Referências
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Editora da Universidade de São Paulo, 1974.
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set. 2012.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
43
••• Artigo 3 •••
Legitimação de um discurso
matemático: um estudo sobre
a Geometria Hiperbólica
Camila Libanori Bernardino
Juliana Martins
Marta Figueredo dos Anjos
Pensando o processo de legitimação
de um discurso matemático
A
o negar uma visão de progresso científico ou progresso da razão,
de superioridade do presente em relação ao passado, Foucault
revoluciona a história (VEYNE, 1995). De fato, Foucault apresenta a
atividade histórica como inquietações de um olhar do presente. Busca
por meio delas um estudo das práticas sociais em sua descontinuidade
histórica, mergulhadas em relações de poder e produzidas discursivamente, e ao mesmo tempo, desta forma produtoras de discursos e de
saberes (FISCHER, 2001).
Na história da matemática podemos ter acesso a vários exemplos
que nos apresentam possibilidades de discussão a respeito das relações
de poder estabelecidas na consolidação de um discurso matemático.
Relações essas que, seguindo as discussões apresentadas por Foucault,
atravessam as esferas políticas, econômicas e sociais. Nessa perspectiva,
as forças atuam nas relações, entre indivíduos e grupos, de maneira sutil
e móvel e dificilmente são percebidos pelos seus próprios agentes. A
44
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
própria tentativa de lançar o olhar sob o passado também é impregnado
de ações que atuam como agentes de forças que forjam uma interpretação dos acontecimentos.
Cientes desses pressupostos teóricos, assumimos o fazer histórico como possibilidades de compreensão do presente e como elemento
provocador de discussão a respeito da construção de critérios que legitimam um discurso na matemática.
Para Clareto e Fernandes (no prelo)o processo de legitimação
passa por um inevitável jogo de negociações que envolve processos
socioculturais, políticos, epistemológicos, históricos e pedagógicos.
Assim, para um exercício que se destina a identificar algumas forças que
atuam na consolidação de teorias matemáticas, examinaremos como se
estabeleceu o discurso da geometria hiperbólica, no campo de pesquisa
em matemática.
O caso da geometria hiperbólica
O discurso matemático construído diante da geometria de
Euclides, ou, geometria Euclidiana, foi construído e continuamente
reforçado, ao longo de muitos séculos, como exemplo de perfeição em
matemática. Seu caráter dedutivo e a exposição pelo modelo axiomático
a tornou, sem dúvida, um dos campos mais tradicionais na história da
matemática. Essa geometria, forjada sob a filosofia platônica, tornou-se
a base inquestionável e segura da matemática. Entretanto, em muitos
momentos ao longo dos séculos, a estrutura e base sólida apresentadas
por Euclides na obra Os Elementos (escritopor volta de 300 a.c) foram
questionadas.
Nesse texto Euclides procura escrever a matemática de modo
dedutivo, partindo das definições, postulados e noções comuns, ou seja,
todas as afirmações não questionadas, para demonstrar as proposições.
No todo a obra possui 465 proposições distribuídas nos treze livros que
compõe Os Elementos (EVES, 2011).
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
45
Comenta-se que os questionamentos iniciaram-se na própria
época de Euclides, quando os matemáticos não entenderamse o 5º postulado do Livro I decorria das afirmações anteriores, sendo que sua
própria escrita já se apresentava mais complexa do que as dos demais.
Desse modo, a incapacidade de dedução, seguida de tentativas incansáveis de demonstração do famoso postulado das paralelas a partir dos
quatro postulados anteriores, ocasionou o desenvolvimento de outras
geometrias. Vejamos o que diz o quinto postulado:
E, caso uma reta, caindo sobre duas retas, faça os ângulos interiores e do mesmo lado menores do que dois retos,
sendo prolongadas as duas retas, ilimitadamente, encontrarem-se no lado no qual estão os menores do que dois retos
(EUCLIDES, 2009, p. 98)
Ocorre que até o século XVII as forças que atuaram na manutenção da ordem estabelecida do discurso da geometria euclidiana
sobressaíram-se diante daquelas que causavam algumas inquietações.
Embora já se evidenciasse nesse episódio forças reacionárias, o
momento histórico, o modo de existir e de fazer pesquisa estavam fortemente influenciadas pela filosofia Kantiana, isto é, as forças atuantes
nos espaços acadêmicos mais importantes estavam impregnadas dessa
forma de ver e de fazer pesquisa. Tal filosofia apoiava-se na geometria
euclidiana, até então tida como verdade absoluta, além disso, conforme
Barone (2011, p. 14), tais ideias foram absorvidas pela Igreja Romana e,
devido a Inquisição, qualquer manifestação contrária à filosofia dominante poderia ser perigosa.
Nessa perspectiva, vozes destoantes ao tradicional podem nos
fornecer indícios de composição de elementos que atuaram contra
aquele discurso estabelecido.
Uma dessas vozes foi Girolamo Saccheri (1667 - 1733), um dos
primeiros a investigar cientificamente o postulado das paralelas. De
46
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
acordo com Eves (2011), Saccheri ao ler Os Elementos se encantou com
o poderoso método de reductio ad absurdum e, assim, teve a ideia de
aplicar seu método preferido ao estudo do postulado das paralelas de
Euclides.
Aceitando as 28 proposições iniciais dos Elementos de Euclides
que não necessitavam do postulado das paralelas, em sua demostração
Saccheri traçou as diagonais AC e BD e utilizou um teorema de congruência para mostrar que os ângulos C e D são iguais.
Sendo C e D iguais existem 3 possibilidade: ambos agudos,
ambos retos ou ambos obtusos. Saccheri queria mostrar que as possibilidades de serem ambos agudos ou ambos obtusos eram contraditórias e assim, por absurdo ambos deveriam ser retos. Assumindo a
infinitude da reta conseguiu eliminar a opção de ambos serem obtusos.
Percebendo a dificuldade de eliminar a opção de ambos serem agudos,
e provavelmente, influenciado pelos pressupostos da época, forçou uma
contradição para chegar ao resultado que era seu objetivo desde o princípio. Caso não tivesse forçado uma contradição poderia ter sido um
dos primeiros a desenvolver a geometria não euclidiana.
Por volta de 1832, longe dos ambientes intelectualmente “viciados”, um jovem húngaro Janos Bolyai (1802-1860), resolveu substituir o
Axioma das Paralelas por uma de suas negações. Desse modo, admite-se que por um ponto fora de uma reta passam pelo menos duas retas
paralelas à reta dada, com isso Janos dá um passo importante em direção à uma nova geometria. Além dele e, em alguns anos antes, outro
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matemático, o russo Nikolai Lobachewski (1793-1856), sem manter
contato algum com Janos, chega a resultados semelhantes ao do jovem
húngaro.
Sobre os estudos de Lobachewski, Eves (2011) comenta: “devido
às barreiras da língua e à lentidão com que as informações de novas
descobertas se propagavam naqueles dias, seu trabalho permaneceu
ignorado na Europa Ocidental por vários anos” (p. 542). O matemático russo possivelmente percebendo essa barreira escreveu em anos
posteriores outros resultados sobre geometria em alemão e também em
francês.
Um aspecto a ser considerado é o papel da autoridade legitimadora da produção matemática, um exemplo é o aval de um matemático reconhecido pela comunidade acadêmica. Para ilustrar esse
aspecto podemos tomar como exemplo o “silêncio” do matemático Carl
Friedrich Gauss (1777-1855), também conhecido por “Príncipe dos
Matemáticos”, que ao ter deduzido uma outra geometria autoconsistente preferiu arquivar suas descobertas.
Homem de estofo e talento matemáticos impressionantes,
Carl Friedrich Gauss sobressai-se nos séculos XVIII e XIX
como um Colosso de Rodes da matemática. Ele é universalmente considerado como o maior matemático do século
XIX e, ao lado de Arquimedes e Isaac Newton, como um dos
maiores de todos os tempos. (EVES, 2011, p. 519)
Atualmente e, graças a historiografia moderna da matemática, a
glória da descoberta dessa geometria diferente da Euclidiana é dividida
entre Bolyai e Lobachewsky, considerando-se que Gauss não publicou
suas descobertas.
As forças que operaram para o estabelecimento dessa verdade
são inúmeras e, como assumidas no início desse texto, se constituem de
forma sutil e móvel. Entretanto, no exercício apresentado aqui, por meio
48
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
da história da, hoje chamada, Geometria Hiperbólica, revisitamos os
eventos históricos de forma a considerar algumas relações de poder em
meio ao processo de construção da legitimidade em matemática. Para
finalizar essa seção destacamos a opinião do historiador da matemática
Howard Eves (2011):
A criação das geometrias não-euclidianas, puncionando
uma crença tradicional e rompendo com um hábito de pensamento secular, desferiu um golpe duro no ponto de vista
da verdade absoluta em matemática. Nas palavras de Georg
Cantor: “A essência da matemática está em sua liberdade”.
(EVES, p. 545, 2004)
Teria essa geometria se propagado e sido aceita mais rapidamente se Gauss tivesse divulgado seus estudos? Um ponto a se pensar;
Pela história da geometria hiperbólica e, de acordo com os
aspectos da prática discursiva de Foucault, podemos conjecturar alguns
critérios para legitimação de um discurso matemático:
•
A coerência e a autonomia do discurso. •
A relevância do aval de um matemático famoso e reconhecido
para a aceitação de um discurso.
•
A existência de uma comunidade, no caso uma comunidade
matemática, que deve aceitar e agregar um discurso às suas
práticas.
•
Existem forças sociais e políticas que estão atreladas e promovem
um discurso.
•
A linguagem, um ponto relevante para a disseminação de um
discurso em uma comunidade.
Para finalizar é relevante observar que as discussões apresentadas nesse ensaio estão na esfera da prática da matemática acadêmica,
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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mas, evidentemente, esse conhecimento historicamente construído é
atravessado pelas inúmeras forças, dentre elas as sociais, e particularmente as advindas da escola, que podem ser encaradas como um agente
social de manutenção e resistência de uma ordem estabelecida.
Referências
BARONE, K. da S. Noções de geometrias não euclidianas: hiperbólica, da
superfície esférica e dos fractais. Curitiba: Editora CRV, 2011.
CLARETO, S. M; FERNANDES, F. S. Os infinitos e seus tamanhos: nos becosda
sala de aula, que matemática acontece? In: MONTEIRO, Alexandrina; VILELA,
Denise (Orgs). OsParadoxos do Infinito. São Paulo: Livraria da Física. no prelo.
EUCLIDES. Os Elementos. Tradução e Introdução de Irineu Bicudo. São Paulo:
Editora UNESP, 2009.600p.
EVES, H. Introdução à História da Matemática. Tradução de Hygino H.
Domingues. 5. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.
FISCHER, R. M.B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de
pesquisa, São Paulo, s/v, n.114, p. 197 – 223,nov. 2001.Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/cp/n114/a09n114.pdf>Acesso: mar. 2015.
FOUCALT, M. A arqueologia do saber. 7º edição. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008.
FOUCAULT. M. Microfísica do poder. Disponível em: <http://www.nodo50.org/
insurgentes/biblioteca/A_Microfisica_do_Poder_Michel_Foulcault.pdf> Acesso
em: mar. 2015.
VEYNE, P. M. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história. 3ª ed.
Brasília: Ed. Unb, 1995.
SUGESTÃO PARA
SALA DE AULA
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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••• Proposta 1 •••
A Matemática por trás
da Balestilha
Ana Carolina Costa Pereira (Universidade Estadual do Ceará)
Antonia Naiara de Sousa Batista (Universidade Estadual do Ceará)
Introdução
H
á algum tempo temos pensado em como apresentar aos alunos do
Ensino Médio uma matemática mais aplicável, que eles possam
visualizar a importância de conteúdos estudados na Educação Básica.
Neste momento pensamos que a História da Matemática pode
entrar em sala de aula como uma atividade, que se refere à investigação
de cópias de instrumentos antigos e outros artefatos, reconstruídos com
base em fontes históricas. Quase todos os instrumentos de tecnologia
antiga e moderna incorporam muita matemática, escondido no próprio
instrumento e acessíveis só através de uma análise cuidadosa e intencional. (BUSSI, 2000).
Após algumas leituras sobre a matemática portuguesa (PINTO,
2010; SAITO, 2014), vislumbramos a possibilidade de inserir conceitos
matemáticos por meio da construção de instrumentos de medidas que
foram utilizados no decorrer da história das Ciências. Muitos desses
instrumentos, tais como, o quadrante, o astrolábio, a tábua da índia, o
sextante e a balestilha estão ligados às navegações e a astronomia, utilizados nos séculos XV e XVI.
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
A Balestilha é um instrumento de fácil construção e contém
uma matemática bastante atrativa para quem a estuda. Sua construção pode ser realizada, após ministrar o conteúdo sobre trigonometria no triângulo retângulo, razões trigonométricas na circunferência e
transformações.
Nossa proposta é que o professor possa, a partir desse artigo,
confeccionar o instrumento juntamente com os seus alunos, focando e
explorando a matemática envolvida por traz da sua graduação e construção física. Além disso, propor ao professor atividades diferenciadas
que envolvam a história da Matemática e a aplicação do instrumento
para uma melhor interação entre alunos, professor e conteúdo.
A Balestilha
A Balestilha teve grande importância nos séculos XVI a XVIII,
pois sua dupla função lhe trouxe vantagens com relação a outros instrumentos da época, como o quadrante e o astrolábio, que surgiram anteriormente a ela e eram utilizados apenas para medir a altura dos astros.
Sua primeira menção foi encontrada no Livro de Marinharia de João
de Lisboa, onde consta algumas referências relacionadas à sua utilização para observações solares durante as viagens marítimas. No entanto,
não havia data neste livro, mas que poderíamos possivelmente situá-lo
no primeiro quartel do século XVI, não muito ulterior ao ano de 1514
(ALBUQUERQUE, 1988).
A função da Balestilha era medir a distância angular, ou seja,
a altura de uma estrela em relação à linha do horizonte, ou também
medir a distância entre dois astros. É de fácil construção, necessitando
apenas de um virote (vara de madeira com secção quadrada) e soalhas
(variados pedaços de madeira com tamanhos menores que o comprimento do virote, com um orifício no seu centro e que deslizam sobre ele
perpendicularmente).
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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Figura 1: Balestilha. Fonte: Morey e Mendes (2005)
Diante desta descrição, consideramos que é possível, apresentar aos
alunos uma aplicação da trigonometria estudada no Ensino Médio, por meio
da construção do virote, das soalhas e consequentemente, da Balestilha.
Nosso intuito aqui é tentar uma exposição lógica, o passo a
passo da graduação do instrumento, via trigonométrica, na qual possa
ser utilizada pelos professores do Ensino Médio. Ressaltamos que também é possível essa graduação por meio de conceitos encontrados no
desenho geométrico, porém consideramos mais proveitoso para os alunos aprenderem pela trigonometria.
Material para a confecção da Balestilha
Para a confecção da Balestilha o professor pode utilizar com os
alunos madeira ou isopor. Essa experiência foi vivenciada pelos autores
quando ministraram um curso para a formação inicial e continuada de professores na Universidade Estadual do Ceará - UECE, envolvendo os conteúdos de desenho geométrico e os conceitos de seno, cosseno e tangente,
razões trigonométricas na circunferência, transformações e complemento
de um ângulo. Para a construção da Balestilha utilizamos o seguinte material: isopor de espessura 2,5 cm, folhas de cartolina branca e papeis A4, cola
de isopor e estilete. Para a soalha e para a marcação do virote foi utilizado,
régua escolar e um petipé, que a seguir explicaremos como fazê-lo.
56
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
Figura 2: Balestilha construída com isopor.
Fonte: Das autoras (2014).
Sugerimos para a construção do virote, 100 cm de comprimento. Segundo Pimentel (1762) as soalhas deveriam ser construídas
nas seguintes proporções: a primeira seria ½ do virote, a segunda ¼ do
virote, a terceira 1/8 do virote e finalmente a quarta, chamada também
de martinete, teria como medida 1/16 do mesmo. Logo, as medidas das
soalhas serão: 50 cm, 25 cm, 12,5cm e 6,25cm.
Graduação do virote por via trigonométrica
Inicialmente definimos o tamanho do virote. Depois construiremos
as soalhas: a primeira será 1/2 do virote, a segunda 1/4 do virote, a terceira 1/8
do virote e por último, a martinete terá tamanho igual a 1/16 do virote.
No primeiro momento vamos trabalhar com a primeira soalha de tamanho 1/2 do virote. Iremos dividir meia-soalha em 10 partes
iguais que será no momento a nossa régua, ou petipé1, assim chamado
por Pimentel (1762).
1 Régua composta por varias divisões utilizada para fazer medições.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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Posteriormente, com o virote em mãos, iniciaremos sua divisão a partir do ponto I (início da graduação) utilizando a meia-soalha
(petipé), a uma distância R (meia-soalha) do cós2 do virote A. Então,
iremos reparti-lo até B.
Observe a seguinte figura:
A: Cós do virote; AB: Virote;
CD = 2R = Soalha; α: Distância angular;
I: Início da graduação;
AI = R = Meia soalha.
IF = x = Distância da soalha em relação ao início da graduação;
AF: Distância da soalha em relação ao cós do virote;
2 Local onde o observador coloca o olho para realizar a observação e assim encontrar a
distância angular desejada.
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
Podemos notar que na figura,
Tg β=Tg(90°-α/2)=cotg(α/2)=AF/DF=(R+x)/R
Para obtermos a tangente no ciclo trigonométrico, assumimos o
raio da circunferência igual a 1. Então,
Tg(90°-α/2)=cotg(α/2)=1+x→x=Tg(90°-α/2)-1=cotg(α/2)-1
(I)
Antes de iniciar a graduação no virote podemos utilizar uma
Taboada ou “tábua” das Tangentes, que está contida no Livro “A Arte
de Navegar” de Pimentel (1762, p. 144 – 148). Porém, vamos utilizar no
momento apenas uma amostra dessa tabela. A mesma é de fácil construção, podendo assim, o professor dar continuidade.
Gr.
0
M.
00
10
20
30
40
50
00
10
20
30
40
50
00
1
2
(90°-a)
TABOADA DAS TANGENTES, QUE SERVEM
para graduar a Balestilha, abatido o Radio
Tangent.
1000
003
006
009
012
015
018
021
024
027
030
033
036
x = Tag (90°-a/2) – 1
x = Cotg a/2 – 1
M.
00
50
40
30
20
10
00
50
40
30
20
10
00
Gr.
90
89
88
a
Tabela 1: Taboadas das Tangentes.
Fonte: Pimentel (1762).
Observando a tabela acima, notamos que ela nos fornece duas
possibilidades de medida. Na coluna da esquerda, os graus estão expostos em ordem crescente de cima para baixo, isto é, graduando o virote a
partir do ponto I e utilizando essa ordem, encontraremos com o uso da
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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balestilha a distância angular entre um astro e o Zênite3. Porém, se fizermos uso dos graus em ordem decrescente, da forma como está organizada na coluna da direta, de cima para baixo, encontraremos a distância
angular do astro em relação à linha do horizonte.
Ressaltamos que o professor não precisa necessariamente calcular todos os ângulos desde 90° até 0°. Ele deverá apenas escolher os
ângulos que deseja marcar no virote e, em seguida, substituí-los na
expressão (I), no lugar de α. Então, encontraremos o valor de x que nos
fornece a distância em relação ao início da graduação, onde o grau escolhido deverá ser registrado no virote.
Essa tabela foi construída supondo que meia soalha R teria
sido dividida em 1000 partes iguais. Porém, pela dificuldade de execução dessa divisão, chegamos à conclusão que seria mais viável, como já
havíamos falado no início, dividir R em apenas dez partes iguais, sem
perda de característica. No entanto, essa modificação gerou a necessidade de mudanças nos resultados da tabela. A seguir, justificaremos essa
mudança.
Por exemplo, desejo marcar no virote 88º e o seu complemento
2º. Substituindo, α por 88º na expressão anterior (I), obtemos x = 0,036.
Entretanto no desenvolvimento dos cálculos assumimos R igual a 1 e a
tabela foi confeccionada supondo que R teria sido repartido em 1000
partes iguais, então para conseguirmos alcançar o resultado exposto na
tabela devemos multiplicamos x por 1000, assim encontramos x = 36.
Porém, no nosso caso meia soalha R, foi repartida em apenas 10 partes
iguais, então vamos multiplicar x por 10. O professor que optar pelo uso
da tabela deverá dividir todos os valores correspondentes aos ângulos
por 100, porque houve uma redução na divisão da meia soalha de 1000
para 10 partes. Entretanto, quando não se fizer uso da tabela o valor do x
encontrado através da expressão (I) deverá apenas ser multiplicado por
3 Ponto onde ocorre a intersessão da vertical de um lugar com a parte visível da esfera celeste, ou seja, o zênite se encontra acima da nossa cabeça.
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
10, pois, a meia soalha utilizada está fragmentada em apenas 10 partes
iguais.
Agora podemos iniciar a nossa graduação. No primeiro
momento queremos sinalar no virote 90º e o seu complemento 0º.
Utilizando a tabela, encontro x = 1000 logo, vou dividi-lo por 100 e
obtemos x =10 que seria a distância equivalente entre o cós do virote
e o ponto I, ou seja, faremos a primeira marcação no início da graduação. No entanto, sem o uso da tabela prossegue-se substituindo α por
90° na expressão (I), encontrando posteriormente x = 0. Em seguida,
multiplicaremos o resulta por 10. Consequentemente, o resultado continuará x = 0. Observe que quando utilizamos o valor correspondente
a 90° graus na tabela, obtemos x = 10 e substituindo 90° na expressão
(I) encontramos x = 0, isso acontece pelo fato de que a tabela somente
neste grau não dispensou a distância entre o cós e o início da graduação.
Posteriormente, os próximos valores de x correspondentes aos graus
que se deseja sinalar no virote representaram exatamente a distância
atual da soalha no grau escolhido em relação ao ponto I.
Em seguida, desejo marcar no virote 89º e o seu complemento
1º, recorrendo à tabela encontramos x = 18 dividindo-o por 100, obtemos x = 0,18. Novamente, sem utilizar a tabela, vamos substituir 89º na
expressão (I) e encontraremos x = 0,018. Sequencialmente multiplicaremos o resultado por 10, encontrando assim, x = 0,18. Note que o resultado encontrado não passou de 1, então iremos marcar o grau desejado
na primeira parte da divisão do virote. Para executar sua marcação no
virote é necessário multiplicar 0,18 pelo tamanho desse primeiro espaço.
E assim sucessivamente.
Quero sinalar no virote 84º e o seu complemento 6º, reparem na tabela que o valor de x = 111, então vamos dividi-lo por 100,
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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encontrando assim, x = 1,11. Observe que o número 1 representa uma
parte inteira da divisão, realizada do ponto I até o extremo do virote B.
O decimal 0,11 representa a porcentagem da segunda parte da divisão,
onde será marcado o grau desejado.
É importante lembrar que essa graduação corresponde ao uso
da soalha de tamanho 1/2 do virote. Não poderemos usar nesta face às
outras soalhas. Cada face do virote possuirá uma graduação realizada de
acordo com a soalha escolhida. Em relação às outras soalhas, a graduação será realizada usando essa mesma sequência, porém de acordo com
o tamanho da mesma.
Aplicação da Balestilha
Propomos depois de confeccionada a Balestilha, utilizá-la para
aplicação em alguma situação do cotidiano. Uma delas seria incentivar
os alunos a descobrir a altura de um poste, parede ou até mesmo uma
torre, usando a trigonometria no triângulo retângulo e simultaneamente
explorando os conceitos de seno, cosseno, tangente, complemento de
um ângulo, razões trigonométricas na circunferência e transformações.
No primeiro momento o professor que irá conduzir a atividade deverá
apenas se preocupar com o objeto escolhido para a observação, pois é
de fundamental importância que o local seja acessível para verificar se
os resultados obtidos no final são válidos.
Inicialmente o observador deverá marcar a sua altura no poste.
Em seguida, deverá se posicionar a uma distância do local. Com o instrumento em mãos, deverá colocá-lo na altura dos olhos, de forma que
ao observar pelo cós do virote se consiga através da movimentação da
soalha mirrar sua parte inferior no ponto marcado no poste equivalente
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
a sua altura e a parte superior da soalha coincida com o topo do poste.
No final observamos em qual grau a soalha fixou-se no momento da
mira do observador.
Um detalhe importante que nos possibilita realizar está aplicação e verificar a validade dos seus resultados, é o fato do cós virote e da
parte inferior da soalha estarem inclinados sobre um mesmo plano de
observação paralelo ao chão, para que se possa realmente formar um
triângulo retângulo.
Figura 3: Aplicação da Balestilha.
Fonte: Das autoras (2014).
É importante ressaltar que o instrumento nos fornece a distância angular e não à distância em metros, por isso o nosso foco seria com
o uso da Balestilha obter o ângulo que representa a distância angular
entre um ponto e o outro, assim também devemos procurar conhecer
a distância entre o observador e o local escolhido, para posteriormente
construir o triângulo retângulo e efetuar os cálculos de maneira correta.
Outra sugestão de atividade seria levar os alunos a um observatório, ou a um local que ofereça uma visão nítida do céu estrelado para
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
63
então realizar a medição entre dois astros, ou seja, encontrar a distância
angular que separa um astro do outro. Antes da aplicação do instrumento, o observador precisa escolher duas estrelas, em seguida, deverá
colocar a Balestilha novamente na altura dos seus olhos, e olhando pelo
cós do virote movimenta a soalha até o momento no qual uma das extremidades da mesma esteja coincidindo com um dos astros e consequentemente a outra extremidade fixe no segundo astro. Posteriormente,
observa-se o grau correspondente à posição da soalha no virote e assim
obtem-se a distância angular entre os mesmos. Porém, no decorrer da
observação pode acontecer da soalha que se está usando no momento
não alcance os dois astros simultaneamente, então o observador deverá
trocar a soalha por outra menor ou maior dependendo da necessidade
no momento de utilização.
Advertimos ao professor que durante aplicação do instrumento
pode ocorrer dificuldades na hora de realizar a distância entre dois
astros, pois quando o céu está nublado se torna difícil mirrar em duas
estrelas ao mesmo tempo. Devemos ressaltar também que o horário
escolhido para realizar a observação é extremamente importante, pois
o momento ideal é no final da tarde, mas jamais à noite, porque esse
período dificulta visualizar a linha do horizonte.
Considerações Finais
Este é apenas um exemplo de metodologia diferenciada que
pode fornecer um suporte para as futuras aulas dos professores de matemática e, além disso, o docente tem a possibilidade de enriquecer seu
conhecimento e suas aulas diante do uso de tendências pedagógicas,
como por exemplo, o uso da História da Matemática. O uso de idéias
históricas que envolvem principalmente instrumentos utilizados na
antiguidade, dispositivos e artefatos do passado pode complementar as
aulas de matemática e atingir várias metas da educação.
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
Referências
ALBUQUERQUE, Luis de. Instrumentos de Navegação. Lisboa: Comissão
Nacional Para As Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 10-29, 1988.
BUSSI, Maria G. Bartolini. Ancient instruments in the modern classroom.
FAUVEL, John; MAANEN, Jan Van. (Eds.). History in mathematics education:
the ICMI Study. Dordrecht/Boston/London: Kluwer Academic Publishers, vol. 6,
343-350, 2000.
MOREY, Bernadete; MENDES, Iran Abreu. Conhecimentos matemáticos na
época das navegações. Rio Grande do Norte: Sbhmat, 2005.
PIMENTEL, Manuel. Arte de navegar. Lisboa: na Officina de Miguel Manescal da
Costa, Impressor do Santo Officio, 1762.
SAITO, Fumikazu. Instrumentos matemáticos dos séculos XVI e XVII na
articulação entre história, ensino e aprendizagem de matemática. REMATEC,
Natal (RN), ano 9, n.16, maio-ago., 2014, p. 25 – 47.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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••• Proposta 2 •••
A História da Matemática
subsidiando contextos de
abordagem para a resolução
de problemas: O caso do
“truque de Fibonacci”
Tercio Girelli Kill1
Andressa Cesana2
O
recurso à história da matemática como forma de potencializar
as abordagens didáticas no ambiente escolar, assunto abordado
por pesquisadores de várias partes do mundo, serviu de mote para a
constituição deste texto, que envolve um matemático medieval, um
curioso problema daqueles tempos e o estabelecimento de uma notável sequência numérica. Os detalhes sobre a trama serão tratados num
espaço específico deste texto. Precede uma pequena discussão acerca do
uso da história da matemática pelo professor em sala de aula.
Especificamente no Brasil, o discurso a respeito das potencialidades pedagógicas da história da matemática é relativamente remoto.
De acordo com Rocha (2001, p.173), já na década de 1930, o professor Euclides Roxo defendia que o interesse dos alunos seria aguçado
mediante “[...] ligeiras alusões a problemas clássicos e curiosos e aos
fatos capitais da história da Matemática, bem como à biografia dos
grandes vultos desta ciência”. Dentro desse mesmo espírito, Miguel e
1 Professor do DTEPE/CE – Universidade Federal do Espírito Santo
2 Professora do DMA/CEUNES – Universidade Federal do Espírito Santo
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
Miorim (2004, p. 61) identificaram “argumentos de natureza epistemológica” propostos em diversas épocas, que reforçavam as potencialidades pedagógicas da história da matemática, referindo-se a ela como uma
“fonte de seleção de tópicos, problemas ou episódios motivadores da
aprendizagem da Matemática escolar”.
A diversidade de contextos oferecidos pela história da matemática, dos quais o professor poderá se apropriar conforme os objetivos de
uma dada situação didática, é o provedor adequado para a construção
de narrativas, materializadas como um enredo para a apresentação de
conceitos e problemas de matemática. A construção de “narrativas fabulosas” como metodologia para o ensino já foi apontada por Machado
(2003) como uma das ações fundamentais do docente desejoso de uma
prática significativa.
O reporte histórico a personagens que contribuíram para a difusão e desenvolvimento da matemática, sócio historicamente produzida,
promove justiça para com aqueles que, por alguma razão, imprimiram
seu nome na história. Existindo registros históricos consistentes sobre
o contributo de um ou vários personagens para o “caminhar” de uma
teoria matemática de uma dada época, constitui-se uma espécie de “plágio” a apropriação de determinados saberes, sua exposição ou difusão,
sem que exista, pelo menos, uma alusão aos seus devidos precursores
históricos.
Uma vez expostos alguns dos interesses que avalizam o uso da
história da matemática no contexto escolar, intentar-se-á, portanto,
promover o diálogo com autores como forma de render alinhamento
teórico à vertente de trabalho proposta. Mendes (2009), em seu livro
intitulado Matemática e investigação em sala de aula, discute a resolução
de problemas como estratégia cognitiva. Segundo o autor, a resolução
de problemas no âmbito escolar é normalmente apresentada pelas pesquisas com duas concepções que se complementam. Uma se relaciona
com o processo de se compreender e descrever como o aluno resolve
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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problemas; a outra se refere à tentativa de ensinar o aluno a conseguir
bom desempenho ao resolver problemas. Acredita-se que tais concepções são complementares e importantes no processo de ensino e aprendizagem da matemática.
Considerando a categorização de problemas descrita por
Mendes (2009, p. 78), destacam-se, neste trabalho, problemas para
descobrir, os quais são caracterizados por apresentarem “formulação e
contextos explícitos levando ao uso de estratégias e regra geral para a
descoberta de um caminho para a solução”. As tarefas decorrentes da
dinâmica de trabalho proposta se aproximam da caracterização descrita. No âmbito dos parâmetros curriculares nacionais (PCNs), pode-se enquadrar a proposta no bloco de conteúdo denominado Números
e Operações. Sobre o bloco de Conteúdos, Números e Operações, em
Brasil (1998, p. 50) observa-se que:
Embora nas séries iniciais já se possa desenvolver alguns
aspectos da álgebra, é especialmente nas séries finais do
ensino fundamental que as atividades algébricas serão
ampliadas. Pela exploração de situações-problema, o aluno
reconhecerá diferentes funções da Álgebra (generalizar
padrões aritméticos, estabelecer relação entre duas grandezas, modelizar, resolver problemas aritmeticamente difíceis),
representará problemas por meio de equações e inequações
(diferenciando parâmetros, variáveis, incógnitas, tomando
contato com fórmulas), compreenderá a “sintaxe” (regras
para resolução) de uma equação.
Nesse sentido, o texto sinaliza possibilidades de trabalho envolvendo generalizações de padrões aritméticos. O recurso à resolução de
problemas e à história da matemática, como vias metodológicas, enseja
a apresentação de um personagem importante da matemática e ilustra
uma possibilidade de apropriação das suas contribuições para atividades didáticas.
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Uma curiosa sequência numérica
O escritor norte-americano Dan Brown, autor do livro O Código
da Vinci, conta a saga do simbologista de Harvard, Robert Langdon,
convidado pela polícia francesa para auxiliar nas investigações sobre o
assassinato do curador do Museu do Louvre. Uma das pistas encontradas consistia numa sequência numérica, assim disposta: 13 – 3 – 2
– 21 – 1 – 1 – 8 – 5. Assim como em outras passagens da obra, Brown
(2003) visitou a história para captar elementos reais para a sua ficção. Os
números colocados em ordem crescente formam uma famosa sequência, que o autor norte-americano ajudou a popularizar ainda mais. O
surgimento dessa sequência data do século XIII, num contexto bem
específico:
Um homem colocou um par de coelhos em um lugar cercado por todos os lados por um muro. Quantos pares de coelhos podem ser produzidos a partir desse par em um ano, se
supõe-se que a cada mês cada par gera um novo par que, a
partir do segundo mês, torna-se produtivo?3
O problema integrava a terceira seção do livro Líber Abacci,
escrito por Leonardo de Pisa (1170-1250) e publicado em 1202. De
acordo com O’Connor e Robertson4 (1998), Leonardo era filho de um
funcionário público italiano que trabalhou no sul da África, período no
qual teve a oportunidade de se familiarizar com outros sistemas e representações matemáticas. Inscreveu seu nome na história da matemática
por meio de seus apelidos5. O mais famoso, Fibonacci, é uma alusão à
3 Disponível em: <http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Fibonacci.html>.
Acesso em: 26 nov. 2013.
4 Autores de um sítio especializado em biografias de matemáticos. Disponível em: <http://
www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/>.
5 Em outras situações, Leonardo de Pisa aparece referenciado como Bigollo, que pode significar “bom para nada” ou “viajante”.
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origem familiar, os Bonacci. O termo significa algo próximo a filho dos
Bonacci6.
Uma solução para o problema dos coelhos deu origem à curiosa
“sequência de Fibonacci”. Como regra geral, a sequência determina que
cada um dos termos, posterior ao segundo termo, é igual à soma dos
dois termos anteriores. Segundo Hogben (1952), Leonardo Fibonacci,
pioneiramente na história, fez parte da cultura independente da classe
mercante e, provavelmente, essa sua sequência famosa não passava para
ele de uma curiosidade matemática. Além disso, vale ressaltar que a
associação entre a sequência numérica que resolve o problema dos coelhos e o nome de Fibonacci é devida ao matemático francês Edouard
Lucas (1842-1891), célebre por ter criado o jogo conhecido como “Torre
de Hanói” (MENDES, 2007, p.50).
Acredita-se que as potencialidades didáticas da sequência de
Fibonacci residem na problematização acerca do princípio numérico
gerador dos termos; nas adaptações possíveis, ocasião específica para se
estabelecer outras sequências do “tipo Fibonacci”, cujos dois primeiros
termos não são necessariamente iguais a 1 e, por fim, na generalização
do padrão numérico envolvido.
O truque de Fibonacci
A sequência “original” de Fibonacci revela desdobramentos
belíssimos, quais sejam: o número de ouro, problemas de ótica, crescimento de galhos de algumas plantas, dentre outros. Mendes (2007, p.52)
exibe uma associação entre a quantidade de pétalas de algumas flores e
um número pertencente à sequência “original” de Fibonacci. As sequências “tipo Fibonacci” são dotadas de algumas propriedades curiosas.
Neste texto, nos deteremos a explorar uma relação que envolve a soma
6 A professora Maria Efigênia Gomes de Alencar (2004) apresenta outra versão para justificar a alcunha Fibonacci. Segundo ela o apelido é devido à família de “boa estirpe”, à qual
Leonardo pertencia. Então, Fibonacci significava literalmente “filho de boa gente”.
70
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dos dez primeiros termos dessas sequências. Tal relação será mencionada, no âmbito do artigo, como o “truque de Fibonacci”. Ressalta-se
que tal termo será utilizado apenas no contexto deste trabalho, de forma
fantasiosa. Não há passagens históricas que comprovem que Leonardo
de Pisa tenha se valido de tal artimanha junto a companheiros ou a
quaisquer outras pessoas.
A dinâmica das ações pode ser assim descrita: solicita-se a um
aluno que escreva no quadro-negro uma sequência “tipo Fibonacci”,
com dez termos. O professor não terá contato com a sequência numérica. Após o estabelecimento de todos os dez termos, o professor pede ao
estudante que calcule a soma dos dez termos da sequência, sem revelar
o resultado. Ainda sem olhar para o quadro, o professor poderá solicitar
ao aluno que apague alguns dos termos da sequência, por exemplo: o
primeiro, o segundo, o terceiro, o sexto, o nono e o décimo. A partir daí,
ele solicita ao aluno a visualização dos termos restantes da sequência
por três segundos e, imediatamente, indica para toda a turma o valor da
soma. Mas, como isso é possível?
A escrita algébrica das sequências “tipo Fibonacci” desvendará
algumas interessantes propriedades. Veja: supondo a e b como sendo,
respectivamente, o primeiro e o segundo termo de uma sequência de
Fibonacci, temos que os primeiros dez termos serão dados pelas expressões: a, b, a + b, a + 2b, 2a + 3b, 3a + 5b, 5a + 8b, 8a + 13b, 13a + 21b, 21a
+ 34b. Notemos que a soma algébrica dos dez termos é igual a 55a + 88b,
que pode ser escrita como 11(5a + 8b), ou seja, 11 vezes o sétimo termo.
Logo, uma possibilidade para calcular a soma dos dez primeiros termos
de uma sequência “tipo Fibonacci” se tornaria viável após a identificação do sétimo termo.
Obviamente, outras relações algébricas são possíveis. Caberá ao
professor identificá-las e desafiar os seus aprendizes, mediante o enredo
de outros desafios. Com este texto, ilustrou-se uma possibilidade de se
engendrar atividades para a matemática escolar servindo-se da história
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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da matemática como fomentadora do contexto. Miguel e Miorim (2004)
destacam, entre justificativas epistemológicas e éticas, quinze argumentos reforçadores das potencialidades pedagógicas da história da matemática, todos pertinentes. Mas ainda que não fossem, uma aula de
matemática com resgates históricos de toda ordem é, pelo menos, mais
encorpada numa perspectiva sociocultural.
Referências
ALENCAR, M. E. G. de. O número F e a seqüência de Fibonacci. In: A Física na
escola. São Paulo, v. 5, nº 2, out./2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Matemática. (3º e 4º ciclos do ensino fundamental).
Brasília: MEC, 1998.
BROWN, D. O Código da Vinci. Tradução de Celina Cavalcante. Rio de Janeiro:
Sextante, 2003.
HOGBEN, L. Maravilhas da Matemática. 3. ed. Tradução de Paulo Moreira da
Silva. Porto Alegre: Globo, 1952.
MACHADO, N. J. Ação do Professor: quatro verbos fundamentais. In: Revista
Perspectiva. Erechim-RS, v. 27, p. 7-17, 2003.
MENDES, F. M. P. A Matemática na Natureza. 2007. Dissertação (Mestrado
em Matemática e Ciências da Natureza). Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro, Vila Real, 2007.
MENDES, I. A. Matemática e investigação em sala de aula: tecendo redes
cognitivas na aprendizagem. Ed. rev. e aum. São Paulo: Livraria da Física, 2009.
MIGUEL, A.; MIORIM, M. A. História na Educação Matemática: propostas e
desafios. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
O’CONNOR, J.; ROBERTSON, E.F. The MacTutor History of Mathematics
archives: Indexes of Biographies: Leonardo Pisano Fibonacci. 1998. Disponível em:
< http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Fibonacci.html>. Acesso
em: 26 nov. 2013.
ROCHA, J. L. A Matemática do curso secundário na reforma Francisco Campos.
2001. Dissertação (Mestrado em Matemática). Departamento de Matemática.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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••• Proposta 3 •••
A Perspectiva Sociocultural
da História da Matemática
como uma Lente Metodológica
para o Estudo de Funções
Davidson Paulo Azevedo Oliveira (IFMG – Campus Ouro Preto)
Milton Rosa (CEAD/UFOP)
Marger da Conceição Ventura Viana (CEAD/UFOP)
Introdução
P
odemos pensar que o conhecimento matemático emerge das
necessidades humanas de ordem econômica, política, social e
ambiental que os membros de grupos culturais distintos enfrentam em
seu cotidiano. Alguns pesquisadores e educadores concordam com essa
afirmativa enquanto outros discutem sobre esse posicionamento. Por
exemplo, a Matemática surgiu nos primórdios das civilizações como
uma parte integrante dos acontecimentos da vida diária da humanidade
(BOYER, 1996) enquanto que esse campo de estudo também emergiu
da luta dos povos pela sobrevivência.
Contudo, no período compreendido de 1000 a 800 a.C., na
Babilônia, a Matemática começa a se distanciar de suas origens primitivas (WUSSING, 1998). No entanto, como o conhecimento matemático também se desenvolve em direção à abstração do raciocínio,
existe a necessidade de estudar o vínculo entre as práticas matemáticas
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
cotidianas com as práticas matemáticas acadêmicas aprendidas em sala
de aula por meio da elaboração de atividades matemáticas curriculares
culturalmente relevantes.
Nesse direcionamento, apresentamos 3 (três) atividades realizadas com duas turmas da primeira série do Ensino Médio por meio
das quais os fundos de conhecimento dos alunos aliados à Perspectiva
Sociocultural da História da Matemática foram utilizados como metodologias de ensino e aprendizagem em matemática relacionadas com o
estudo de funções. O principal objetivo dessa abordagem foi a elaboração de atividades matemáticas fundamentadas nos pressupostos da
Pedagogia Culturalmente Relevante1.
Elaborando Atividades Culturalmente Relevantes
Em concordância com esse contexto, essas atividades vinculam
a Perspectiva Sociocultural da História da Matemática com o contexto
sociocultural dos alunos. Essa vinculação é desencadeada por meio
da utilização de seus Fundos de Conhecimento com a elaboração de
atividades baseadas nos pressupostos da Pedagogia Culturalmente
Relevante, cujo principal pressuposto, que está relacionado com o
aprendizado dos alunos, é a promoção de seu sucesso acadêmico. Nesse
sentido, os fundos de conhecimento são intrínsecos aos membros de
grupos socioculturais distintos, pois são desenvolvidos nas tarefas
domésticas, nas atividades profissionais e nas ações sociais e comunitárias. Esses fundos são transmitidos de geração em geração no decorrer
da história, sendo necessários para a sobrevivência dos membros desses
grupos. Pedagogicamente, o conjunto de ideias matemáticas presentes
nesses fundos pode ser utilizado em sala de aula para que os alunos
possam resolver as situações-problema propostas de maneira criativa
(Moll; Amanti; Neff; Gonzalez, 1992).
1 Não aprofundaremos nas teorias utilizadas, mas leitores interessados podem acessar mais
informações no endereço eletrônico http://pt.calameo.com/read/00156861234261e73c9e4.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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Os pressupostos da Pedagogia Culturalmente auxiliam os alunos a valorizarem o próprio background cultural por meio da realização
de atividades matemáticas baseadas nas experiências que vivenciam em
seu cotidiano. Assim, essa ação educacional é definida como uma pedagogia crítica baseada no tripé composto pela consciência crítica, sucesso
acadêmico e competência cultural. (Ladson-Billings, 1995).
Contudo, é importante ressaltar também a relevância da
Perspectiva Sociocultural da História da Matemática para o processo
de ensino e aprendizagem em Matemática, pois os diversos pontos de
vista trazidos pela História da Matemática podem ser úteis aos alunos
para o desenvolvimento de atitudes positivas em relação ao estudo desse
campo do conhecimento. Então, a utilização dessa perspectiva em sala
de aula está relacionada com a adequação do contexto social, histórico
e cultural da História da Matemática no processo de elaboração de atividades curriculares referente a transposição do conteúdo histórico da
Matemática para o contexto escolar atual (RADFORD, 1997).
Um Breve Histórico sobre Funções
No decorrer da história, o desenvolvimento do conceito de
funções foi um processo demorado e não sistematizado. Esse conceito
surgiu como um instrumento matemático indispensável para o estudo
quantitativo dos fenômenos naturais. Historicamente, apesar desse conteúdo ser abordado predominantemente de maneira algébrica no currículo matemático, o caráter variacional das funções foi desenvolvido a
partir de tabelas de valores, gráficos e equações, que buscavam determinar relações funcionais implícitas no contexto dos problemas a serem
resolvidos pelos membros de civilizações distintas. Ressaltamos que as
primeiras ideias de função foram creditadas aos Babilônios, sendo definidas por tabelas ou correspondências.
Assim, as funções nem sempre foram conceituadas da maneira
como estudamos hoje, surgindo de uma maneira sistemática surgiu em
76
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
meados do Século XVII. Contudo, o seu significado foi sendo construído paulatinamente, assumindo ideias, pressupostos e concepções que
foram sendo modificadas e estruturadas no decorrer da História. Por
exemplo, em 1698, Leibniz definiu que a função de um valor variável
é uma expressão analítica, que é composta por um valor variável e por
valores constantes. Atualmente a função é conceituada como: Dados
dois conjuntos A e B não vazios, uma função é uma relação que associa
cada elemento de A com um único elemento de B.
Atividades Elaboradas na Perspectiva
Sociocultural da História da Matemática
Responda e justifique se as três situações-problema propostas
representam uma função conforme a definição de Leibniz e também de
acordo com a sua conceituação atual.
Situação-problema I: O transporte rodoviário
Como a maioria dos alunos necessita do transporte para se deslocarem de casa para a escola, constatou-se que o pagamento do passe de
ônibus é uma parte integrante de seus fundos de conhecimento. Assim,
a partir dessa necessidade elaborou-se uma atividade cujo contexto foi o
transporte público e a sua conexão com as noções de função.
De acordo com essa perspectiva, suponha que um ônibus partindo de Itabirito com destino a Ouro Preto seja conduzido com uma
velocidade constante de 80 km/h.
a)
Se esse movimento continuar por mais tempo, podemos calcular
a distância percorrida após 12 horas? Qual é esse valor? Como
você pode resolver esse problema?
b)
Se fosse dado que o ônibus percorreu a distância de 480 km, é
possível calcular o tempo gasto para percorrê-la? Qual é esse
tempo? Como você resolveria esse problema?
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
c)
Construa uma tabela que represente essa situação-problema.
d)
Represente graficamente essa situação-problema.
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Situação-problema II: O caso da laje pré-fabricada
Com a utilização de informações coletadas junto aos alunos foi
possível realizar o levantamento e a identificação de alguns de seus fundos de conhecimento, que estavam relacionados com a construção civil.
Por exemplo, um desses alunos é interessado pelo ramo da construção
civil, pois o seu pai e o seu tio são donos de uma fábrica de pré-moldados
situada em Ouro Preto, vendendo lajes pré-fabricadas. Essa fábrica foi
repassada para o pai e o tio desse aluno, pertencendo anteriormente ao
seu avô, que nem sempre trabalhou com o ramo da construção civil, pois
desempenhou outras atividades profissionais no decorrer de sua vida.
Assim, os conhecimentos adquiridos por esse aluno sobre a construção civil constituem parte de seus fundos de conhecimento, que foram
adquiridos pelo avô e transmitidos aos filhos e netos. O conhecimento
prático que esse aluno adquiriu em sua convivência familiar sobre a
construção civil foi utilizado na elaboração de uma atividade culturalmente relevante que foi baseada em seus fundos de conhecimento.
Dessa maneira, um engenheiro deseja construir uma área de
lazer no quintal de sua casa e projetou um espaço coberto no formato
de um quadrado com um metro quadrado de área. Porém, a sua esposa
considerou o espaço muito pequeno e o casal resolveu que o espaço
coberto deveria ter a área duplicada. Com base na situação descrita,
analise e responda os seguintes questionamentos:
a)
Se a laje tem um metro quadrado de área qual será a medida do
comprimento do lado do quadrado formado?
b)
Qual deverá ser a medida do comprimento do lado de outra laje
com formato quadrado, porém com o dobro da área?
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RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
c) O casal foi a uma empresa de pré-moldados para realizar o orçamento das áreas dos dois quadrados, de um que tem um metro
quadrado de área e do outro que tem o dobro dessa área.
Conversando com os vendedores, foram informados de que existem três tipos de lajes: a convencional, a treliça e a mini-painel
treliçado. No entanto, por uma questão de economia, resolveram
comprar a laje convencional, por ser a mais barata.
Dessa maneira, o casal utilizou a laje convencional com o piso
ESP ecológico composto por 40% de material reciclado. Sabe-se
que os preços do metro quadrado dependem do tipo do piso.
Nesse sentido, o piso com tijolo cerâmico custa R$ 21,50; o piso
com ESP ecológico e 40% de material reciclado custa R$ 24,00 e
o piso com ESP moldado e 100% virgem custa R$ 25,50.
d)
Com base nessas informações, como você representaria matematicamente a situação descrita? Como você pode relacionar,
matematicamente, o comprimento da laje com formato do quadrado e com o preço cobrado pela empresa?
Enfatizamos que essa situação foi baseada no problema histórico
da duplicação do cubo, que consiste na obtenção de um cubo
que tem o dobro do volume de um cubo de aresta dada com a
utilização de régua e compasso. Existem duas versões históricas
para a resolução desse problema: a do Rei Minos2 e a do Oráculo
de Apolo3.
2 O Rei Minos estava insatisfeito com o tamanho do jazigo de seu filho e ordenou que essa
construção fosse duplicada, mas que mantivesse o seu formato original, que era cúbico.
Os servos construíram um novo jazigo, mas com arestas que mediam o dobro das arestas
anteriores.
3 O problema da duplicação do cubo também é conhecido como Problema Deliano, pois
de acordo com a lenda, por volta do ano 400 a.C., um grupo de atenienses foi enviado ao
oráculo de Apolo, em Delos, para descobrir como findar com uma peste que havia dizimado mais de um quarto da população de Atenas. O oráculo informou que para eliminar
a peste, seria necessário construir um novo altar com o dobro do volume do altar atual,
que tinha o formato de um cubo. Os atenienses construíram um novo altar cúbico com o
dobro da aresta do altar anterior, não conseguindo acabar com a peste, pois o novo altar
teve o seu volume multiplicado por oito.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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Situação-problema III: Medindo o
comprimento da circunferência
A História da Matemática foi utilizada explicitamente na elaboração dessa atividade por meio de uma situação-problema histórica
com relação ao cálculo da área de um círculo pelos matemáticos gregos
da antiguidade.
Nesse contexto, Arquimedes é considerado como o principal
matemático da antiguidade. Nasceu na cidade grega de Siracusa por
volta do ano 287 a.C., vivendo, aproximadamente, 75 anos. Arquimedes
escreveu um livro intitulado Medida do Círculo, no qual provou que a
área de um determinado círculo é igual a área de um triângulo retângulo cuja base é dada pelo comprimento desse círculo e cuja altura é
dada pelo seu raio. Historicamente, esse método foi considerado como
um dos primeiros passos para o cálculo da área de um círculo qualquer.
Na figura abaixo, a afirmativa de Arquimedes é representada
pela ilustração que foi elaborada com a utilização do software GeoGebra.
Podemos observar que o comprimento da circunferência (perímetro)
tem a mesma medida do segmento BC que é a base do triângulo retângulo ABC e que o raio da circunferência é dado pela altura desse triângulo retângulo.
Porém, ressaltamos que Arquimedes não dispunha de recursos tecnológicos para a determinação das áreas dos círculos. Por outro
lado, existe a necessidade de enfatizar que Arquimedes desconhecia a
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fórmula que utilizamos para calcular o comprimento da circunferência
do círculo e que calculou o valor aproximado de π como 22/7.
É importante salientar que Arquimedes também encontrou
barreiras para determinar o comprimento da circunferência de um
determinado círculo, pois os gregos não tinham conhecimento sobre
os números incomensuráveis, dificultando dessa maneira a resolução
desse tipo de problema.
Diante dessa perspectiva histórica, responda às questões a seguir
anotando as suas impressões e observações.
a)
Verifique a afirmativa de Arquimedes com a utilização de fórmulas matemáticas.
b)
Explicar como você pode calcular o comprimento da circunferência de um determinado círculo e consequentemente a sua
área, se você dispõe somente de uma régua graduada ou de um
escalímetro?
c)
Como você pode escrever matematicamente a relação existente
entre o raio de um determinado círculo e a sua área?
Considerações Finais
As atividades apresentadas ressaltam a importância da
Perspectiva Sociocultural da História da Matemática aliada aos Fundos
de Conhecimento dos alunos com Pedagogia Culturalmente Relevante
como metodologias necessárias para o ensino e aprendizagem em
Matemática. Então, sugerimos que os professores conheçam a história
dos conteúdos matemáticos a serem trabalhados em sala de aula, bem
como conheçam os seus alunos, procurando compreender o contexto
sociocultural no qual estão inseridos.
As atividades matemáticas propostas nessa perspectiva permitem que os professores utilizem o conhecimento matemático que está
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
81
implícito nos fundos de conhecimento dos alunos para a elaboração
de atividades culturalmente relevantes que podem facilitar o ensino e
a aprendizagem de práticas matemáticas padronizadas. Finalizando,
esperamos ter apresentado algumas alternativas pedagógicas para a
utilização da Perspectiva Sociocultural da História da Matemática no
ensino e aprendizagem de conteúdos relacionados com as funções.
Referências Bibliográficas
BOYER, C. B. História da matemática. São Paulo, SP: Edgard Blucher, 1996.
LADSON-BILLINGS, G. But that’s just good teaching! The case for culturally
relevant pedagogy. Theory into Practice, v. 34, n. 3, p, 159-165, 1995.
Moll, L.; Amanti, C.; Neff, D.; Gonzalez, N. Funds of knowledge for teaching:using
a qualitative approach to connect homes and classrooms. Theory Into Practice, v. 31,
n. 2, p. 132-141, 1992.
RADFORD, L. On psychology, historical epistemology, and the teaching of
mathematics: towards a socio-cultural history of mathematics. For the Learning of
Mathematics, v, 17, n. 1, 1997.
WUSSING, H. Lecciones de historia de las matemáticas. Madrid, España: Siglo XXI
de España Editores S.A., 1998.
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
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Merece ser lido, visto, divulgado
A abordagem historiográfica
presente no livro “A História
dos grandes matemáticos: as
descobertas e a propagação do
conhecimento através das vidas
dos grandes matemáticos”
Tiago Bissi1 ([email protected])
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES)
FLOOD, Raymond; WILSON, Robin. A história dos grandes matemáticos:
as descobertas e a propagação do conhecimento através das vidas dos grandes
matemáticos. Tradução: Maria Beatriz de Medina. São Paulo: M. Books, 2013.
(Coleção História da Matemática).
C
onhecer a História da Matemática é importante a qualquer
docente em Matemática. Para tanto, é necessário que o professor tenha acesso a obras que tratem de tal assunto. Neste sentido,
deparamo-nos com obras que abordam a História da Matemática por
períodos históricos consonantes aos períodos matemáticos. O livro “A
1 Graduado e especialista em Matemática. Mestrando em Educação em Ciências e
Matemática pelo Instituto Federal do Espírito Santo.
84
RHMP, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
História dos grandes matemáticos” traz uma abordagem historiográfica
que difere um pouco das abordagens de livros-textos clássicos.
Neste contexto consideramos a História da Ciência como “o
estudo das formas de elaboração, transformação e transmissão de
conhecimentos sobre a natureza, as técnicas e as sociedades, em diferentes épocas e culturas” (BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2014, p. 15),
sendo, portanto, objeto da epistemologia. A História seria o conjunto de
acontecimentos do passado e a historiografia “o conjunto dos registros,
intepretações e análise desses acontecimentos” (D’AMBRÓSIO, 2012, p.
166). Elucidaremos a historiografia como a forma de escrever a história,
a interpretação do passado, que parte de motivações pessoais do autor
mediante fontes coerentes que possam delinear a história.
O livro em questão, editorado pela M. Books, traduzido por
Maria Beatriz de Medina, possui 208 páginas, sendo os autores Raymond
Flood e Robin Wilson. Flood é professor emérito do Kellog College da
Universidade de Oxford, na Inglaterra, e foi presidente da Sociedade
Britânica de História da Matemática. Wilson é professor emérito de
matemática pura da Open University. Atualmente, é presidente eleito da
Sociedade Britânica de História da Matemática. A primeira edição do
livro foi lançada em língua inglesa no ano de 2011.
Quanto ao livro, este faz uma abordagem historiográfica por
meio das descobertas de grandes matemáticos. Para cada matemático
são dedicadas exatamente duas páginas, cada página dividida em duas
colunas, com um título (que sempre é o nome do matemático) uma
pequena introdução e o corpo do texto. A figura dos grandes matemáticos é inerente à História da Matemática, assim como, parece haver uma
simbiose entre Matemática e períodos históricos na consolidação desta
disciplina.
Brolezzi (2014) descreve quatro tipos de livros de História da
Matemática: Cronologias, Biografias, Por Assunto e Outros. A obra de
Flod e Wilson está longe de ser biográfica, aliás, a biografia dos “grandes
Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 2, n. 2, Set. 2015
85
matemáticos” aparece incorporada no texto de maneira bem natural,
ou, mais comumente, em uma pequena introdução negritada no início do texto. Dentro desta categorização proposta por Brolezzi (2014) o
livro poderia estar inserido em cronologia, pois, os períodos se concatenam, bem como as ideias dos matemáticos. Para os autores “os matemáticos que apresentamos estão organizados em ordem cronológica, com
uma cronologia matemática [...] Na obra inteira, tentamos apresentar
ideias e resultados em terminologias e notações modernas” (FLOOD;
WILSON, 2013, p. 5)
Quanto à estrutura da obra, como já mencionado, as páginas
possuem uma formatação com duas colunas, desta forma, os autores
afirmam que eles tiveram de omitir vários matemáticos. Os autores
esperam que com a leitura “o livro desperte o seu apetite por mais leituras” (ibidem). As informações podem até parecer rasas, todavia, são
propulsoras da busca de novos conhecimentos; o livro pode funcionar
como um estímulo inicial para a pesquisa. Apesar de suas limitações gráficas, ele apresenta reflexões bem pontuais e pertinentes. Mas, ao meu
ver comete alguns pequenos equívocos como, por exemplo, ao tratar de
Fermat (1601-1665) os autores abrangem apenas a Geometria Analítica,
as suas contribuições para a teoria dos números, negligenciados aspectos importantes ligados à Álgebra por exemplo. O texto é finalizado com
o Último Teorema de Fermat que diz não existir para qualquer inteiro
n (maior do que 2), inteiros positivos x, y e z para os quais xn + yn = zn.
Por muitos anos este teorema foi um enigma na Matemática; surgido
no século XVII ele só fora demonstrado no século XX, em 1995, pelo
britânico Andrew Wiles, que recebe um capítulo especial na obra analisada. Um fato curioso é que Fermat, ao que tudo indica, tinha para esta
conjectura, uma demonstração “admirável que esta margem é estreita
demais para conter” (ibid). Fermat teria escrito isso em seu exemplar do
livro “Aritmética” de Diofanto.
Mesmo com essa abordagem sucinta os autores conseguem trazer para o leitor a vontade de pesquisar e estudar mais sobre o assunto.
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Há de se considerar que essas perspectivas caracterizam uma abordagem historiográfica, onde os autores partem de motivações pessoais,
contemplando aquilo que ele considera mais significativo para a sua
escrita no fazer história.
Em outro caso, na página 180, os autores investigam as ideias
dos ingleses Hardy, e Littlewood e do indiano Ramanujan, matemáticos
que viveram na Era Moderna, entre os séculos XIX e XX. A abordagem
foi bem completa e conveniente, uma vez que as vidas desses três matemáticos estão de certa forma aglutinadas por intermédio da Teoria do
Números, Análise Matemática e o Cálculo (principalmente a integração). Em outros capítulos Flood e Wilson também fazem apontamentos
a mais de um autor, são eles: Platão e Aristóteles; Hiparco e Ptolomeu;
Papus e Hipácia; Nicômaco e Boécio; Pacioli e Da Vinci; Cardano e
Tartaglia; Copérnico e Galileu; Mersenne e Kircher; Napier e Briggs;
Cavalieri e Roberval; Wren, Hook e Halley; Monde e Poncelet; Fourier
e Poisson; Abel e Galois; Bolyai e Lobatchevski; Babbage e Lovelace;
Green e Stokes; Thomson e Tait; Cayley e Sylvester; Russel e Gödel;
Einsten e Minkowski; Robinson e Matiassevitch; Apel e Haken.
A estrutura do livro permite ao leitor fazer uma viagem histórica
pela Matemática apenas observando o seu sumário. De início, na introdução, são apresentados mapas que contam um pouco da História da
Matemática de modo mais visual e uma cronologia da sucessão de matemáticos. Depois são apresentadas cinco grandes unidades: Matemáticos
Antigos, Primeiros Matemáticos Europeus, Despertar e Iluminismo,
A Era das Revoluções e A Era Moderna. Em cada unidade é feito um
panorama cultural da humanidade, e posteriormente, são apresentados
os matemáticos e suas contribuições.
A observação do sumário possibilita ao neófito uma familiarização com os matemáticos e as épocas nas quais eles estão presentes, bem
como funciona de maneira a aguçar o olhar crítico, constatando que
nomes como Newton e Leibniz estão presentes na unidade “Despertar
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do Iluminismo”, sendo separados apenas por Wren, Hooke e Halley
(que estão em capítulo único). Newton e Leibniz foram expoentes do
Cálculo Diferencial e Integral, disputando inclusive, o título de “Criador
do Cálculo”. Os autores fornecem notas disso no capítulo destinado a
Leibniz em um tópico denominado “A disputa da prioridade”, onde ele
faz comentários esclarecedores.
O livro abrange a História da Matemática a partir dos egípcios
(1850 a. C) até Perelman, (1966-hoje), passando por Euclides, Fibonacci,
Regiomontanus, Viète, Pascal, os irmãos Bernoulli, Euler, Laplace,
Gauss, Sophie Germain, Cauchy, Cantor, Kovalevskaia, Poincaré,
Turing, Julia Robinson, dentre tantos outros. No final, um capítulo é
destinado aos Medalhistas de Fields, além de referências com leituras
adicionais e um índice remissivo.
Para Katz (2008) o desenvolvimento das ideias matemáticas é
eficaz para o aluno, mostrando como a Matemática aparecia de forma
natural e que as ideias dos grandes matemáticos perduram nos dias de
hoje. Portanto, reitero a minha afirmação de que esta abordagem historiográfica concentrada, presente nesse livro aqui comentado, pode ser
valiosa em termos de consulta para professores de matemática, uma vez
que o aspecto didático torna o conhecimento da História da Matemática
mais acessível a todos, sendo uma obra que contempla variadas produções matemáticas, enaltecendo o múltiplo convívio entre história e
matemática, além de possibilitar implementações ao processo de ensino.
Referências
BROLEZZI, Antônio Carlos. A arte de contar: História da Matemática e Educação
Matemática. São Paulo: Livraria da Física, 2014. (Coleção História da Matemática
para professores).
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BELTRAN, Maria Helena Roxo; SAITO, Fumizaku; TRINDADE, Lais dos Santos
Pinto. História da Ciência para formação de professores. São Paulo: Livraria da
Física, 2014. (Série Temas em História da Ciência).
D’AMBROSIO, Ubiratan. Tendências e Perspectivas historiográficas e novos
desafios na História da Matemática e na Educação Matemática. In: GOLDFARB,
Beltran et al. Educação Matemática em pesquisa, v. 14, n. 3, p. 336-347. São Paulo,
2012.
FLOOD, Raymond; WILSON, Robin. A história dos grandes matemáticos:
As descobertas e a propagação do conhecimento através das vidas dos grandes
matemáticos. Tradução: Maria Beatriz de Medina. São Paulo: M. Books, 2013.
(Coleção História da Matemática).
KATZ, Victor J. A history of Mathematics: an introduction. 3 ed. Chicago: Pearson
Education, 2008.
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