Universidade Católica de Angola Centro de Estudos e Investigação

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Universidade Católica de Angola Centro de Estudos e Investigação
Universidade Católica de Angola
Centro de Estudos e Investigação Científica
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Universidade Católica de Angola
Centro de Estudos e Investigação Científica
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Junho 2013
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Centro de Estudos e Investigação Científica
Universidade Católica de Angola
Patrono - D. Damião Franklin
Director – Alves da Rocha
Relatório Social de Angola 2012
Coordenação: Nelson Pestana (CEIC)
Equipa de redacção
Alves da Rocha (CEIC)
Carla Queiroz
Eduardo Sassa (CEIC)
Jorge Trula
Nelson Pestana (CEIC)
Osvaldo Silva (CEIC)
Sérgio Calandungo
Recolha de informação
Cláudio Fortuna (CEIC)
Paxote Gunza (CEIC)
INVESTIGADORES PERMANENTES
Alves da Rocha
Francisco Paulo
Nelson Pestana
Pedro Vaz Pinto
Precioso Domingos
Sendi Baptista
INVESTIGADORES COLABORADORES
António Costa
Amália Quintão
Cláudio Fortuna
Eduardo Vundo Sassa
Emílio Londa
Fernando Pacheco
Gilson Lázaro
José Oliveira
Luís Bonfim
Miguel Manuel
Milton Reis
Osvaldo Silva
Salim Valimamade
Vera Daves
Administração e Finanças
Margarida Teixeira
Afonso Romão
Lúcia Couto
Evadia Kuyota
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TÍTULO
Relatório Social de Angola 2012
AUTOR
Universidade Católica de Angola
EDITOR
Universidade Católica de Angola
PRÉ-IMPRESSÃO
CEIC-UCAN e NovaLitoTipo Lda
IMPRESSÃO E ACABAMENTOS
NovaLitoTipo Lda
MORADA
Universidade Católica de Angola
Av. Pedro de Castro Vandúnem, 24, Bairro Palanca
C.P. 2064 – Luanda
Website: www.ceic-ucan.org
©2013
Centro de Estudos e Investigação Científica da UCAN
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esta proibição o texto, a ilustração e o arranjo gráfico. A violação destas regras será
passível de procedimento judicial.
LUANDA, JUNHO DE 2013 1ª EDIÇÃO
1ª TIRAGEM (1.000 exemplares)
Registado na Biblioteca Nacional de Angola sob o nº 604-/13
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Sumário
INTRODUÇÃO
1.
CONFIGURAÇÃO POLÍTICA E PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS
1.1. As eleições gerais em 2012
1.2. O espaço público
1.3. A situação da democracia e da liberdade
2.
POPULAÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E POBREZA
2.1. População
2.2. Condições de vida e índice de desenvolvimento humano
2.3. Pobreza e poder de compra dos salários
3.
COMPROMISSO COM A SAÚDE
3.1. Quadro epidemiológico do país
3.2. Indicadores-chave de saúde
3.3. Saúde Preventiva
3.4. Saúde Curativa
3.4. Despesa com a saúde
4.
COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO
4.1. Ensino primário
4.2. Ensino secundário
4.3. Ensino superior
4.4. Educação de adultos
4.5. Despesa com a educação
5.
A SITUAÇÃO DA FAMÍLIA E A CRIANÇA: REALIDADE, COMPROMISSO E DESAFIOS
5.1. Realidade socioeconómica da família em Angola
5.2. Água e saneamento
5.3. Bem-estar e conforto (acesso à informação e novas tecnologias)
5.4. Impacto da pobreza sobre a família e a criança
5.5. Os 11 Compromissos com a Criança e o Orçamento Geral do Estado
6.
ACTORES NÃO-ESTATAIS NA ACÇÃO DO DESENVOVLIMENTO E DA SOLIDARIEDADE
6.1. Água e saneamento básico
6.2. O caso da Igreja Evangélica de Angola (IEA)
6.3. O caso da Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA)
6.4. Contribuição da IEBA no domínio de saúde
6.5. Empoderamento das mulheres, um factor imprescindível para o desenvolvimento,
6.6. O caso da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA)
7. A PACIFICAÇÃO E A RECONCILIAÇÃO
7.1. Pacificação
7.2. Reconciliação social
CONCLUSÃO
BIBIOGRAFIA
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INTRODUÇÃO
Um dos objectivos fundamentais da República de Angola, segundo a
Constituição de 2010, é a “criação de uma sociedade de justiça e progresso social”
(artigo 1º, CRA), no entanto, há grandes défices no desenvolvimento social e o país
permanece divergente e paradoxal porque os indicadores de rendimento e
crescimento económicos contrastam com as profundas disparidades na distribuição de
riqueza.
Neste terceiro ano de edição do Relatório Social de Angola, o Centro de
Estudos e Investigação Cientifica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN)
pretende, mais uma vez, dar uma panorâmica da situação social do país que possa
emparelhar com a da situação económica, proporcionada pela edição do Relatório
Económico de Angola.
O relatório mantém a mesma orientação metodológica, a de levar em
consideração as questões monetárias, as condições e qualidade de vida, a liberdade
política, a participação na tomada de decisões, a segurança das pessoas, a participação
na vida da comunidade e a sustentabilidade e equidade entre gerações que lhe
permita, através de indicadores estatísticos, dados sistémicos e análise conjuntural,
dar a conhecer as condições reais de vida das populações, as suas principais
preocupações, as linhas de coesão ou ruptura social, o grau de conformidade entre os
processos político-sociais e a solução dos problemas fundamentais dos cidadãos, os
conflitos sociais e, ainda, a interacção de gerações, nomeadamente a responsabilidade
dos actores sociais actuais perante as novas gerações.
Neste sentido, o Relatório Social de Angola 2012 apresenta poucas alterações
na sua estrutura, em relação ao relatório anterior. Há capítulos que pela sua
pertinência se mantêm, com uma actualização de dados e de análise, como são os
referentes a “configuração política do país e os espaços de participação dos cidadãos”
(capitulo I), ao “ compromisso com a saúde” (capitulo III), ao “compromisso com a
educação” (capitulo IV), à “família e a condição da criança” (capitulo V). Também se
mantêm os capítulos sobre “população, condições de vida e pobreza” (capitulo II) e
sobre “o papel dos actores não-estatais no desenvolvimento” (capitulo VI) que
continuam a desempenhar um papel relevante na assistência às populações e mesmo
nos processos de seu empoderamento.
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O primeiro capítulo, pelo facto de 2012 ter sido ano de eleições, deu uma
atenção particular a todo o processo eleitoral, mesmo porque eram as primeiras
“eleições gerais”, depois da revisão constitucional de 2010 que consagrou uma nova
configuração política para o país. Neste capítulo, o sistema de Justiça é também
apreciado a luz do seu funcionamento micro, nos municípios, o que permite ver em
que medida os princípios constitucionais sobre os direitos fundamentais dos cidadãos,
em geral e sobre o acesso à justiça, em particular (artigos 22º a 88º, CRA) são
realizados.
O segundo capítulo prossegue os mesmos propósitos do relatório que é o de
proporcionar “uma visão sobre os indicadores básicos da situação social e,
nomeadamente, sobre a relação entre salário e poder de compra”, mostrando como o
país rico diverge do estado geral de pobreza da população, porque continua a manter
uma profunda desigualdade social e grandes assimetrias regionais e a ausência de um
Estado social eficaz.
Nos capítulos subsequentes aborda-se, sucessivamente, o compromisso com
a saúde, com a educação e com a família e a condição da criança. No capítulo sobre a
saúde aborda-se o desenvolvimento dos serviços de saúde, dos programas de saúde
pública e das condições de acesso dos cidadãos a estes serviços e compromisso do
financiamento da saúde por parte do Estado. O capítulo sobre a educação (IV) versa
sobre a situação geral do ensino primário, secundário e universitário, mostrando os
pontos críticos do sistema. No capítulo sobre a família e a criança (V) procura-se dar a
conhecer a situação dos agregados familiares e das crianças, bem como, ver a
realidade, os compromissos e os desafios com elas relacionados.
Do esforço de desenvolvimento participam actores não-estatais e desse
contributo se dá testemunho no sexto capítulo, onde se realça o papel de algumas
organizações religiosas ou laicas que trabalham no terreno, junto das populações, nos
domínios da água, da saúde, empoderamento e género, entre outros.
As questões ligadas à paz e à reconciliação nacional constituem, mais uma
vez, o último capítulo do relatório mas sem incluir a diversidade cultural, abordando a
questão identitária apenas de forma indirecta e circunstancial, mesmo se estas
questões não deixam de ter a mesma importância para a consolidação do processo de
pacificação dos espíritos e para disseminação do espírito de tolerância, necessário ao
desenvolvimento harmonioso e partilhado do país.
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CAPÍTULO 1
CONFIGURAÇÃO POLÍTICA E PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS
A preocupação do presente relatório, neste capítulo, continua a ser a de
descrever e analisar as formas de funcionamento das instituições do poder, do espaço
público e os modos de realização da liberdade e de intervenção dos cidadãos, a
qualidade das suas intervenções, a existência e o funcionamento das instituições
representativas, bem como, os processos de escolha dos governantes nacionais e
locais. Pretende-se dar testemunho do modo de funcionamento da configuração
política e da participação dos cidadãos, quer como indivíduo, quer em grupos ou
organizações sociais, dando lugar também, até pela sua força simbólica e de
mobilização, às percepções que os diversos actores sociais têm do espaço político
nacional.
No país, após um regime de partido único, de tipo soviético (1975-1991), uma nova
configuração política tem início com o processo de transição política e económica, no princípio
de 1991, nomeadamente através da consagração constitucional de um catálogo de direitos
fundamentais (entre os quais a liberdade de opinião, reunião, manifestação, organização
sindical e de greve), da economia de mercado e do multipartidarismo como forma de
organização do poder político, nos termos de um “Estado de Direito Democrático”. Ao encetar
essa transição para a democracia, como forma política de resolução da guerra civil, foi
estabelecida uma agenda de actos concludentes à instauração de um regime de Direito e de
Democracia, de jure e de facto que fosse regulado pela realização de eleições regulares para a
escolha do Presidente da República, dos Deputados, bem como dos representantes dos
munícipes das autarquias locais.
O processo teve vários reveses e retrocessos, com a retomada da guerra civil e a
impossibilidade de diálogo e de liberdade impostas pela força das armas e pela intenção de
restauração autoritária. Porém, a força simbólica da democracia como discurso de legitimação
fez com que não houvesse uma renúncia do processo e permitiu uma progressiva consciência
jurídica dos cidadãos que passaram a exigir, cada vez mais, a sua constante implementação e a
viabilização do seu real funcionamento.
A guerra civil, como instrumento de política, permitia o reforço dos poderes
beligerantes e a justificação de que era necessária e compreensível a limitação da democracia
em defesa da “administração do Estado” e do seu controlo sobre o território e as populações.
Em 2002, estabelece-se uma paz militar (pax romana) em que uma das partes
se apresenta hegemónica, afasta a mediação internacional, marginaliza a sociedade
civil e as igrejas, e comanda, em função de interesses próprios, o “retorno” ao
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processo de democratização. Depois de tergiversar sobre o calendário eleitoral o
poder concorda em realizar eleições legislativas e presidenciais, em separado, as
primeiras para 2008 e as segundas para o ano seguinte.
As eleições legislativas de 2008 averbaram uma vitória esmagadora do partido
no poder com cerca de 82% dos votos e a conquista de 191 dos 220 assentos do
parlamento, permitindo-lhe mudar a Constituição à sua feição e eliminar as eleições
presidenciais agendadas. Assim, cerca de vinte anos depois de coexistência dialéctica
entre a utopia do Estado democrático de direito e a economia política de poder
autoritário, a Constituição de 2010 fez o país entrar numa nova etapa do seu
desenvolvimento político pois consagrou essa dualidade entre um governo de
concentração absoluta do poder numa pessoa e a legitimidade constitucional dos
direitos fundamentais dos cidadãos e das suas acções de realização das liberdades
públicas correlatas, com vista a gestão democrática e participada da res publica.
Desde então, a vida política, no país, tem sido marcada pela tensão
permanente entre a realização de direitos e a aspiração de liberdade dos cidadãos,
nomeadamente de uma franja da juventude descamisada que pretende fazer ouvir a
sua voz e a dificuldade da ordem de facto em conviver de forma pacífica com o
cumprimento desses direitos. E, maior é ainda a dificuldade de instalação dessa nova
ordem de liberdade, consagrada no catálogo de direitos da Constituição, fora da
capital e de uma ou outra das mais importantes cidades do país. O que quer dizer que
o ordenamento geográfico da configuração política e da participação dos cidadãos na
vida política nacional, condicionada pela macrocefalia do poder, está quase confinado
à capital e, mesmo assim com graves limitações.
No quadro desta dualidade entre a concentração de poderes e a aspiração de
liberdade, o ano de 2012 foi particularmente marcado pela realização das “eleições
gerais”, nos termos da nova Constituição de 2010 mas também por manifestações, a
favor e contra o poder estabelecido, por movimentos reivindicativos autonomistas e
sociais.
 AS ELEIÇÕES EM 2012
As eleições, lá onde elas existem, são sempre um acontecimento importante
porque são um momento de decisão e escolha dos governantes que se repercute na
vida dos cidadãos por um determinado período. Em Angola, país onde não há ainda
regularidade eleitoral consolidada e em que apenas se realizaram três escrutínios, em
20 anos, ainda maior é a importância do acto eleitoral. Os cidadãos já deixaram como
evidente a sua vontade de consolidarem a democracia e conviverem na diversidade de
opiniões de projectos políticos. As eleições nunca foram perturbadas pelos cidadãoseleitores apesar destes serem os mais prejudicados pela falta de transparência nos
processos eleitorais. Cresce a sua consciência sobre a importância das eleições
multipartidárias na vida da Nação e de que a institucionalização do multipartidarismo
representou um avanço para o país, porque sendo os partidos políticos tidos como
organizações que concorrem, no poder ou na oposição, para a “expressão da vontade
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dos cidadãos” e para o desenvolvimento do país através da diversidade de “projectos
de sociedade e de programas políticos”, são potenciadores de progresso social.
As eleições de 2012, sendo as primeiras eleições ditas “eleições gerais”, após
a revisão constitucional de 2010, representaram uma grande expectativa. Assim o ano
todo foi marcado por essas “eleições gerais” que tiveram lugar a 31 de Agosto. Os
meses anteriores foram ocupados quase totalmente com a preparação e expectativa
da sua realização, até pela experiência negativa da vez anterior, em que houve uma
fraude em grande escala. Quer o poder, quer as oposições, quer ainda a sociedade
civil, cada um à sua maneira e visando um propósito próprio, tinham lições a tirar para
as eleições do ano em curso, o que tornou tensa a “negociação” do pacote de leis das
“eleições gerais”.
Depois da aprovação da Lei Orgânica das Eleições Gerais (LOEG), em
Dezembro de 2011, foram aprovadas, nos meses seguintes, a Lei de Observação
Eleitoral (Lei 11/12, 22 de Março), a Lei do Financiamento aos Partidos Políticos (Lei
10/12, 22 de Março), o Código de Conduta Eleitoral (Resolução 7/12, 23 de Março) e a
Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral (Lei
12/12, 13 de Abril). Através do Despacho Presidencial 61/12, de 8 de Maio, foi extinta a
Comissão Interministerial para o Processo Eleitoral (CIPPE) e seus desdobramentos, ao
nível das províncias e municípios (Resolução 34/04, 21 de Dezembro) que se havia
encarregado de todo o processo de preparação das eleições legislativas de 2008,
sendo agora esta tarefa atribuída ao Ministério da Administração do Território (artigo
211, LOEG). Nessa mesma altura, através da Resolução 16/12, 23 de Maio, foram
clarificadas “as dúvidas e eventuais omissões resultantes da interpretação e aplicação
da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais”, nomeadamente os referentes aos prazos
(artigo 86º, 5; artigo 87º, 1 e artigo 94º, LOEG).
Nos termos da Constituição e da LOEG, foram intervenientes nas eleições
gerais vários actores, uns na situação de reguladores do processo, outros de
concorrentes e os demais de participantes, nomeadamente a Assembleia Nacional, o
Presidente da República, o Tribunal Constitucional, a Comissão Nacional Eleitoral, os
partidos políticos ou coligações e organizações regionais, internacionais e nãogovernamentais.
o A ASSEMBLEIA NACIONAL
A Assembleia Nacional para além de ter aprovado o pacote de leis das
eleições, indicou os membros da Comissão Nacional Eleitoral que logo imediatamente
tomaram posse diante deste órgão de soberania. A Assembleia Nacional empossou
também o novo presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), escolhido por
concurso público, pelo Conselho Nacional da Magistratura Judicial.
14
o
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Ao Presidente da República compete a convocação das eleições gerais, “até
90 dias antes do termo do mandato do Presidente da República e dos Deputados à
Assembleia Nacional em funções”1 (artigo 112º, 1, CRA), para uma data “até 30 dias
antes do fim do mandato” supracitado (artigo 112º, 2, CRA). Para as eleições gerais de
2012, o Presidente da República, após ter ouvido o Conselho da República (artigo 135º,
CRA), num ambiente tenso, de pressões e agressões físicas sobre oposicionistas,
convocou, nos termos da Constituição e da LOEG, o pleito para o “dia 31 de Agosto”,
remetendo certidões do decreto presidencial 93/12, de 24 de Maio, para o Tribunal
Constitucional e para a Comissão Nacional de Eleições. Posteriormente, o Presidente
da República aprovou a atribuição de uma verba de 9.600.000 kwanzas para suprir as
despesas dos partidos políticos com o processo de recolha de assinaturas e preparação
da documentação necessárias à sua inscrição para as eleições, junto do Tribunal
Constitucional (Decreto presidencial 94/12, de 24 de Maio). Da mesma maneira que
para facilitar o processo de candidatura dos partidos políticos ou coligações, já havia
exarado um decreto em que se “isenta de qualquer taxas e emolumentos os
documentos e actos destinados a instruir” os processos de inscrição para as eleições
gerais de 2012 (Decreto presidencial 69/12, de 30 de Abril)
o O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Ao Tribunal Constitucional compete reger a inscrição dos concorrentes às
eleições gerais, determinar a regularidade das listas de candidatos e,
consequentemente, decidir quais os partidos políticos ou coligações e respectivos
cabeças de lista para o provimento dos cargos de Presidente da República e de VicePresidente admitidos para o pleito. Cabe também ao Tribunal Constitucional funcionar
como instância de recurso em relação ao contencioso eleitoral.
Antes o Tribunal Constitucional procede ao registo dos partidos políticos e das
coligações, verificando a sua regularidade e cumprimento dos requisitos legais para a
sua constituição, bem como a legitimidade dos seus órgãos dirigentes, nos termos da
lei e dos respectivos estatutos. Nessa qualidade, produziu um acórdão em relação a
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), sobre a legitimidade da sua
presidência, disputada entre Ngola Kabango e Lucas Ngonda que foi alvo de crítica e
suspeição sociais pois o mesmo Tribunal, nas eleições legislativas de 2008, considerou
Ngola Kabango que após a morte do líder histórico deste partido, Holden Roberto, foi
reconhecido de facto e de direito o Presidente da FNLA e na véspera das eleições
gerais de 2012 produz uma reviravolta de 180 graus e considera que Lucas Ngonda
1
O dia do fim do mandato do Presidente e dos deputados cessantes é simultâneo ao da posse dos
recém-eleitos que deve acontecer a 15 de Outubro da última sessão legislativa de cada legislatura de 5
anos (artigo 157º, 1 e 2, CRA).
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presidente legítimo desse partido, quando era patente que este liderava uma facção
dissidente minoritária e não tinha aceite participar do Congresso que elegeu Ngola
Kabango, em disputa com duas outras candidaturas, num pleito controlado por uma
Comissão Eleitoral independente, formada por membros da sociedade civil que foi
aceite por todos os três candidatos.
Após o Presidente da República convocar as eleições gerais de 2012, para o
dia 31 de Agosto, o Tribunal Constitucional, em comunicado, informou aos partidos
políticos e coligações, regularmente inscritos naquele tribunal, que poderiam
apresentar candidaturas, nos termos da lei, de 31 de Maio (inclusive) a 19 de Junho
(inclusive), não sendo este prazo prorrogável.
Para recepcionar, avaliar e validar os processos de candidaturas, o Tribunal
Constitucional dotou-se de estruturas ad-hoc e trabalhou 24 sobre 24 horas, todos os
dias da semana, tendo verificado a conformidade legal de vinte sete pedidos de
inscrição de partidos e coligações que correspondiam a 5 mil candidatos e a 400 mil
subscritores. Terminado o prazo estabelecido, o Tribunal Constitucional avaliou as
candidaturas às eleições gerais, tendo rejeitado recepcionar a candidatura da FNLA
liderada por Ngola Kabangu, alegadamente por falta de legitimidade, mesmo se esta
não foi objecto de indeferimento ad limine.
No dia 6 de Julho, a 56 dias do dia de votação, o Tribunal Constitucional,
depois de julgados improcedentes os recursos das formações políticas da oposição
considerada radical, por não contemporizar com o regime (BD, PP e MDIA-PCN)2 fez a
divulgação da relação dos partidos políticos e coligações que foram inscritos para o
pleito eleitoral, validando assim as suas listas de candidatos e os respectivos cabeças
de lista.
Nesta cerimónia solene de entrega das listas definitivas à Comissão Nacional
Eleitoral (CNE), o presidente do Tribunal Constitucional, na presença de todos os Juízes
Conselheiros do Tribunal Constitucional, todos os membros da Comissão Nacional
Eleitoral e dos mandatários das nove formações políticas admitidas, considerou que
“apesar de todos os esforços feitos, 18 candidaturas das 27 apresentadas” foram
rejeitadas e que “a decisão do Tribunal Constitucional, em relação a cada uma das
candidaturas não foi o resultado de uma avaliação política, para verificar se são bons
ou maus partidos, se são partidos ou coligações com bons ou maus programas
eleitorais” mas sim técnico-legal, procedendo à sua “avaliação objectiva”, nos termos
da Constituição e da Lei, procurando somente verificar, caso a caso, os requisitos legais
e imprescindíveis para a admissão de cada candidatura, nomeadamente os requisitos
de (1) estar regularmente inscrito; (2) ter (o partido ou coligação) indicado mandatário;
(3) ter apresentado o mínimo de 5000 subscritores apoiantes, no círculo eleitoral
nacional e de 500 por cada um dos 18 círculos provinciais; (4) ter o partido político ou
coligação apresentado candidaturas suficientes e elegíveis, nos termos da lei, para o
círculo eleitoral nacional e para cada um dos dezoitos círculos provinciais. Ao explicar
2
A rejeição da candidatura destes partidos e, particularmente, da do Bloco Democrático (BD)
causou alguma suspeição em relação a independência do Tribunal Constitucional, já que não levou em
conta os quesitos contestados dos seus recursos e não se conformou com a lei mas com critérios
próprios, tendo havido a produção de erros deliberados no processamento dos dossiês pelo Centro de
Processamento de Dados.
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as razões que levaram este tribunal a indeferir, inclusive em instância de recurso, o
requerimento dos 18 partidos políticos ou coligações, o seu presidente evocou a
insuficiência de apoiantes como a principal causa de rejeição dessas candidaturas mas
nada disse sobre o clima de medo que foi criado para impedir que os cidadãos
subscrevessem as candidaturas dos partidos políticos da oposição.
Tendo anunciado as formações concorrentes como sendo o MPLA, tendo
como cabeça de lista o seu presidente José Eduardo dos Santos; a Convergência Ampla
de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE); uma coligação de quatro
partidos políticos, tendo como cabeça de lista o seu presidente Abel Epalanga
Chivukuvuku; o PRS, tendo como cabeça de lista o seu presidente Eduardo Kwangana;
a UNITA, tendo como cabeça de lista o seu Presidente Isaías Henriques Ngola
Samakuva; a Nova Democracia – União Eleitoral, uma coligação de sete partidos
políticos, tendo como cabeça de lista o seu presidente Quintino António Moreira; a
FNLA, tendo como cabeça de lista o seu presidente legal Lucas Bengue Ngonda; o
Conselho Político da Oposição (CPO), uma coligação de quatro partidos políticos, tendo
como cabeça de lista o seu presidente Anastácio João Finda; o PAPOD, tendo como
cabeça de lista o seu Presidente Artur Quichona Finda; a Frente Unida para a Mudança
de Angola (FUMA), uma Coligação de cinco partidos políticos.
O presidente do Tribunal Constitucional reconheceu também que “todas as
formações políticas que apresentaram as suas candidaturas, de um modo geral,
mostraram grande maturidade, espírito de sacrifício” pois tiveram que “vencer muitas
dificuldades e contando com muito poucos recursos para o trabalho que lhes foi
exigido”. Apesar do Presidente da República ter atribuído, por decreto, a todos os
partidos e coligações um subsídio de 96 mil kwanzas para as despesas de inscrição,
este não foi entregue, na maior parte dos casos, senão há poucos dias do fim da data
limite de entrega das candidaturas e, em alguns, a quantia apenas foi disponibilizada
depois de concluído o processo e após várias missivas rogatórias ao Ministro da
Finanças.
O presidente do Tribunal Constitucional aludiu ainda a casos de fraude
verificados na apresentação de algumas candidaturas que o tribunal transmitiu ao
Ministério Público, como seja, a falsificação e repetição de assinaturas de apoiantes,
alteração digital de fotocópias de Bilhete de Identidade e de cartões de eleitor,
apresentação de apoiantes de listas de outros partidos, mal dissimulada com tinta
correctiva sobre os símbolos desses partidos.
o A COMISSÃO NACIONAL ELEITORAL
A UNITA e demais partidos da oposição apesar de duvidarem da credibilidade
dos órgãos eleitorais, deram luz verde ao pacote de leis sobre as eleições, tendo
mesmo algumas leis sido aprovadas por unanimidade, como foi o caso da Lei Orgânica
sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Porém a nomeação da presidente da Comissão Nacional Eleitoral, Suzana
Inglês, continuou a gerar discórdia por atropelar flagrantemente a Lei, sendo objecto
de uma recusa, em bloco, dos partidos de oposição, tendo a UNITA convocado uma
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manifestação, em todas as capitais de província, para exigir um processo transparente
e justo, na escolha do presidente da CNE.
 Sorteio da ordem no boletim de voto
Após a recepção das listas de candidatos, o presidente da CNE, anunciou que
nos termos da LOEG, se iria proceder, nos dois dias ulteriores, ao sorteio das listas
apresentadas para atribuição da ordem dos partidos políticos e coligações no boletim
de voto. A 8 de Julho procedeu-se ao sorteio, tendo-se estabelecido definitivamente o
boletim de voto, tendo os partidos políticos e coligações concorrentes alinhados da
seguinte forma:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA)
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA)
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA)
Partido de Renovação Social (PRS)
Nova Democracia - União Eleitoral (ND)
Frente Unida para a Mudança de Angola (FUMA)
Conselho Consultivo Político da Oposição (CPO)
Partido Popular para o Desenvolvimento (PAPOD)
Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE)
Da mesma maneira que foi sorteada a ordem de apresentação dos tempos de
antena, na rádio e na televisão, pelas forças concorrentes às eleições gerais.
o DEBATE DE IDEIAS
Não há no país uma cultura de debate. A maior parte das vezes o debate, a
defesa de ideias próprias e contraditórias, a defesa de opiniões críticas são
considerados como atentatórios à concórdia e à paz social entre os angolanos. Mas, as
eleições como mecanismo de escolha dos governantes, na base de programas
políticos, são também um momento particular de debate de ideias e de maior
participação dos actores sociais no espaço público, nomeadamente através da
campanha eleitoral, em que as formações políticas concorrentes têm um maior acesso
aos órgãos de comunicação social do Estado, através dos seus programas de rádio e
televisão, o que não deixa de ser importante sobretudo num país onde a comunicação
social do Estado (Rádio, Televisão, Imprensa)3, em período normal, não permite debate
de ideias pois estes órgãos estão completamente ao serviço do discurso de vitória do
3
TPA, RNA, ANGOP, JORNAL DE ANGOLA e outras publicações subvencionadas pelo erário público
seguem uma linha editorial subordinada ao interesse do partido no poder e, particularmente, do
Presidente da República, não tendo em atenção a insatisfação e reclamações da sociedade civil.
18
Executivo e apenas permitem a expressão da concordância e da bajulação. Numa
situação em que a comunicação social está quase totalmente controlada pelo poder
político e económico, que no país é a mesma coisa, sendo condicionada a servir os
interesses dos grupos de poder, ocultando ou viciando a informação, dando
tratamento parcial aos actores sociais no seu acesso aos meios de informação,
monopolizando a tematização política, económica, social e cultural, não praticando o
contraditório nomeadamente entre o poder e seus desdobramentos e a oposição ou
qualquer outro actor que não seja satélite do sistema de poder instituído, colocando
muitos líderes políticos e personalidades nacionais em situação de morte simbólica,
não permitindo que a sua imagem seja difundida, nesses órgãos, mesmo em
actividades que não estejam directamente ligadas à política, maior ainda é a
importância do momento de debate eleitoral.
Por seu lado, a comunicação social privada (designada independente) foi alvo
de uma campanha de higienização em relação ao contraditório de maneira a tornar a
opinião pública mais favorável às percepções do poder sobre a política e sobretudo
sobre a sua realização em concreto, afastando desses órgãos as vozes dissonantes em
relação ao discurso oficial ou oficioso que tem sempre uma apreciação positivíssima
sobre a sua acção governativa.
As instituições do Estado estão também todas subordinadas aos interesses de
poder do Presidente da República e do seu partido, tratando os cidadãos de forma
discriminatória em função da sua filiação político-partidária. A integração de
funcionários da administração pública directa é subordinada a critérios políticopartidários, sendo os concursos, maior parte das vezes, apenas justificativos de uma
imagem de imparcialidade. No entanto, há uma evidente monopolização de
informação sobre as políticas públicas, as decisões tomadas top/down sem nenhuma
participação dos cidadãos e a utilização por parte do círculo de poder de informação
privilegiada para tirar vantagens políticas, económicas, financeiras e sociais.
O período de campanha eleitoral é um momento privilegiado de relativa
liberdade pois a administração tem que observar uma maior imparcialidade perante
todos os actores políticos, apesar de continuar a privilegiar o sistema de instituições do
partido no poder que tem, o tempo todo, acesso à administração, a vantagens das
políticas, aos órgãos de comunicação social, às infra-estruturas do Estado, enquanto as
organizações da oposição ou da sociedade civil que não estejam ligadas ao poder são
preteridas ou mesmo perseguidas, através de bloqueios e outras formas de
impedimento mais sofisticada.
Apesar do debate político ser frágil, porque não contraditório, porque a
oposição não dispõe da oportunidade de apresentar de forma aberta e clara os seus
pontos de vistas sobre a vida política, económica, social e cultural do país, houve
“debate” sobre o pacote de leis sobre as próprias eleições e sobre a comunicação
social.
 CAMPANHA ELEITORAL
19
A campanha eleitoral durou todo o mês de Agosto e teve a cobertura de todos
os órgãos de comunicação social nacional e estrangeiro. Mas, nunca foi equilibra
porque desde início que houve um grande desequilíbrio de meios e falta de isenção da
parte dos media estatais.
Foi novidade, em relação aos temas de campanha eleitoral, o surgimento da
questão da homossexualidade que foi rejeitada, por alguns partidos políticos como
sendo contrária à africanidade e às tradições do continente.
José Eduardo dos Santos, cabeça de lista do partido de poder, fez uma
campanha de Estado, utilizando todos os meus públicos ao seu dispor e confundindo a
sua condição de Presidente da República com a de candidato, pelo que utilizou a força
física da administração e da Polícia Nacional, para “obrigar” autoridades morais da
sociedade local, em todas as províncias, a estarem presentes aos seus actos políticos,
quer inaugurações de obras públicas, quer comícios, onde reformulou as mesmas
promessas do pleito anterior, desta vez, com o slogan: “Produzir mais, para distribuir
melhor”, ou para refutar as críticas da oposição, desacreditando-a porque “critica, fala,
ameaça…”4.
A sua campanha terminou com um programado megacomício, no Estádio 11
de Novembro, onde perante cerca de metade das pessoas esperadas, as suas
promessas eleitorais reformuladas, sem nunca ter feito uma avaliação crítica das
promessas anteriores, levaram a novas promessas sem nenhum fundamento de
sustentabilidade.
Os demais partidos optaram por um contacto directo, porta-a-porta, com o
eleitorado, perante uma certa indiferença da população, apesar de nos últimos anos
ter perdido o medo. De resto, a mensagem eleitoral era passada sobretudo através dos
programas de rádio e de televisão.
O presidente da Unita, no derradeiro momento, tentou adiar as eleições,
alegando falta de condições para a sua realização de forma transparente, apelou a um
encontro com o Presidente da República e pós em dúvida a participação do seu partido
nas eleições nessas condições, concluindo que eles não poderiam “ser
responsabilizados pelo que vi(esse) a acontecer”5. Já havia o sentimento de que
consoante as eleições se aproximavam do dia da votação aumentava o medo e o
receio de poder vir a haver confrontos entre apoiantes dos maiores partidos, como já
tinha acontecido em Benguela e no Hiambo, fruto de intolerância política.
O clima político geral estava nublado pelo assassinato de militantes da
oposição, jornalistas (Alberto Chakussanga) e o desaparecimento de cidadãos e
activistas, nomeadamente Alves Kamulingue (27 de Maio), Isaías Cassule (29 Maio) e
Milocas Perreira (bissau-guiniense), sem que as autoridades tivessem a preocupação
de investigar e dar uma explicação pública sobre estes casos, apesar das manifestações
e pressão feitas pela sociedade civil, ao ponto do fórum nacional das ONG instar a
Comissão Africana para os Direitos Humanos, solicitando que os Estados-membros
exigissem do Executivo o esclarecimento destes desaparecimentos e eventuais
assassinatos e a constituição de uma comissão independente.
Ainda assim a CASA-CE mostrava-se muito confiante de vir a ganhar as
eleições e de constituir um novo executivo para acabar com os “32 anos de poder não
4
5
José Eduardo dos Santos, comício de campanha em Benguela,
Declaração de Isaías Samakuva, presidente da Unita…
20
eleito”. A sua campanha foi virada para as classes médias urbanas, tendo nestas
recolhido a maior parte dos seus votos.
O PRS, insistindo na ideia do federalismo, elegeu como tema principal da sua
campanha a denúncia da corrupção e da desgovernação, surpreendendo a opinião
pública pela acutilância da sua campanha, o que levou a CNE a ameaça-lo (tal como a
CASA-CE) de suspender o seu direito de expressão e os tempos de antena na televisão
e na rádio.
Os demais partidos procuraram captar votos através de uma campanha “à la
carte”, procurando temas fracturantes que mais têm mobilizado o descontentamento
dos cidadãos, nomeadamente, o ensino, a saúde e as condições de vida em geral, para
além da reivindicação de uma melhor distribuição da riqueza nacional.
A campanha não teve somente como intervenientes os nove concorrentes
(partidos políticos e coligações) inscritos, mas também outros partidos cuja inscrição
foi recusada que intervieram no espaço público, fazendo campanha a favor da derrota
do partido no poder, de forma autónoma (Bloco Democrático) ou declarando apoio
explícito a um partido político concorrente (no caso, a UNITA), integrando, inclusive, a
sua campanha eleitoral (Partido Popular e MDIA-PCN).
Houve também a intervenção de activistas cívicos e de organizações da
sociedade civil que apelaram para que os eleitores dessem atenção aos programas
eleitorais e que votassem em consciência, naqueles que mais se aproximassem dos
valores da democracia. Outros, difezam uma campanha de denúncia, visando os
concorrentes que utilizaram discursos de motivação à violência ou à intimidação.
Para além disto, algumas organizações procuraram intervir no quadro da
educação cívica, já que até a campanha dita de educação cívica para o correcto
exercício do voto, promovida pela CNE, era manipulada procurando favorecer o voto
no partido de poder, não havendo a preocupação de se produzir um verdadeiro
esclarecimento dos eleitores, em relação às opções de que dispunham.
o OS RESULTADOS ELEITORAIS 2012
Mais uma vez as eleições, em 31 de Agosto, foram eleições ordeiras em que
os cidadãos demonstraram o seu elevado sentido cívico e a sua grande vontade de
contribuir para a consolidação de um poder baseado na legitimidade democrática.
Estas eleições marcaram uma nova era no panorama político formal do país porque
permitiram também a designação do Presidente da República e de um Vice-Presidente,
o que resulta na legitimidade legal do Chefe de Estado e na designação de um seu
coadjutor pois a Constituição diz que em caso de impedimento definitivo do
Presidente da República é substituído pelo vice-Presidente que “cumpre o mandato
até ao fim, com a plenitude de poderes” (artigo 132º, 1, CRA).
Após o apuramento total dos votos, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE)
publicou os resultados eleitorais definitivos que atribuíram, mais uma vez, a vitória ao
MPLA, com 4.135.503 votos, correspondendo a 71,84% dos votos validamente
expressos e a 175 deputados, dos 220 deputados da Assembleia Nacional. Os
resultados atribuídos ao partido do poder, em alguns municípios, eram comparáveis
21
aos resultados de eleições do sistema soviético de partido único, embora, alguns
analistas, os considerem como possíveis pelo facto de haver “medo” mas também
“satisfação” por parte dos cidadãos eleitores, nesses municípios.
Mais uma vez a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA)
vem em segundo lugar, com 1.074.589 votos, correspondendo a 18,66% dos votos
validamente expressos e a 32 assentos no parlamento, seguida da recente
Convergência Ampla de Salvação Nacional - Coligação Eleitoral (CASA-CE), com 345.589
votos, correspondendo a 6% dos votos e a 8 deputados. Em quarto lugar ficou o
Partido de Renovação Social (PRS) com 98.233 votos, correspondendo a 1,70% e a 3
deputados e finalmente a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), liderada
por Lucas Ngonda, com 65.163 votos, correspondendo a 1,13% e a 2 deputados.
Os restantes concorrentes não obtiveram assentos no parlamento e ficaram
mesmo abaixo da fatídica linha de o,5% dos votos validamente expressos. A Nova
Democracia (ND) que apesar de nas anteriores eleições, para surpresa de todos os
observadores políticos, ter tido direito a 2 deputados, não ultrapassou agora 13.337
votos, correspondendo a 0,23% dos votos, o Partido Popular para o Desenvolvimento
(PAPOD), saído de um anonimato absoluto, a ele voltou, ao obter 8.710 votos,
correspondendo a 0,15%, a Frente Unida para a Mudança de Angola (FUMA), uma
coligação desconhecida do espaço político até a sua inesperada inscrição junto do
Tribunal Constitucional, teve 8.260 votos, que correspondem a 0,14% e o Conselho
Político da Oposição (CPO), com 6.644 votos, referentes a 0,11%.
Para um corpo eleitoral de 9.757.671 eleitores, apenas compareceram às
urnas 6.124.669 eleitores, o que fez com a abstenção atingisse os 33,23% dos
eleitores, embora se saiba que muita dela foi forçada, pois muitos eleitores foram
confrontados, no próprio dia em que se apresentaram para votar, com o facto de ter
sido, sem prévio aviso, trocado o seu local e a sua mesa de voto, para distancias
longínquas, o que os impossibilitou de votar. Para além de ter havido 368.665 votos
inválidos ou nulos, mais do que o terceiro classificado e correspondendo a 5,1% do
conjunto de eleitores.
Os resultados de 2012 repetiram assim as vitórias sucessivas do partido de
poder, nas duas anteriores eleições. Em 2008, os resultados haviam também dado a
vitória ao partido do poder, com uma maioria abusiva de 82% dos votos, enquanto a
Unita perdeu dois terços dos votos que obteve em 1992, ficando reduzida a pouco
mais de 10% e apenas 16 deputados. O PRS (Partido da Renovação Social) foi então o
terceiro partido mais votado, com 3% e 8 deputados, mais dois que na anterior
legislatura. A FNLA ficou com apenas 1% dos votos e 3 deputados. A recém-chegada e
desconhecida coligação Nova Democracia (ND) elegeu 2 deputados. As eleições de
2008 foram também muito desiguais e os partidos de oposição tiveram muito pouco
espaço de intervenção, tendo sido criticada, por observadores nacionais e
internacionais, o predomínio do partido de poder nos meios de comunicação do
Estado e a falta de liberdade de imprensa, para além da intimidação das populações, a
chantagem da paz e a ameaça do retorno à guerra. No enclave de Cabinda, em
particular, houve forte presença militar nos locais de votação.
Já em 1992, quando da realização das primeiras eleições legislativas e
presidencial, o partido de poder foi vencedor das eleições legislativas com 51,% dos
votos validamente expressos, seguido da Unita com 32% e 70 deputados. Nessa altura
22
o partido governamental dispunha de uma maioria absoluta de 129 assentos dos 220
da Assembleia Nacional. Estavam também representados no parlamento o Partido da
Renovação Social (PRS) que dividiu a liderança com o Mpla, nas duas províncias do
leste do país (Lunda-Norte e Lunda-Sul), a Frente Nacional de Libertação de Angola
(FNLA) que se mostrou uma forte força na província do Zaíre, onde conseguiu dois dos
cinco deputados do círculo.
Logo a seguir à publicação dos resultados, das eleições de 2012, tal como no
passado, foram produzidas críticas por todos os partidos de oposição partícipes das
eleições e por diversas organizações da sociedade civil. Analistas nacionais
consideraram que a decisão dos partidos políticos de oposição impugnarem os
resultados publicados, diante das instâncias competentes, não foi apenas o exercício
de um direito dos cidadãos e destes partidos mas também um acto pedagógico em
relação a criação de uma cultura democrática.
Em Cabinda, com suas particularidades e marcada pela presença dos
movimentos autonomistas, onde, ao mesmo tempo, a FLEC6 e o Movimento Nacional
Cabinda apelaram ao boicote das eleições, como forma de protestar contra a
indiferença dos “partidos políticos angolanos”, em relação ao caso Cabinda, e os
activistas cívicos cabindas, integrados em listas de partidos da oposição, apelavam ao
“voto do povo oprimido” (Marcos Mavungo), apesar de terem consciência de que uma
parte da população não estava interessada nas eleições gerais, devido às “violações
dos direitos humanos”, a publicação dos resultados provinciais foi também seguida de
reclamação dos partidos políticos da oposição e a sociedade civil local porque os
resultados, segundo estes, não reflectiam a vontade popular, pelo que se negaram a
reconhecer esses resultados publicados pela Comissão Nacional Eleitoral. Enquanto os
partidos políticos se empenhavam na verificação oficiosa dos resultados, algumas
organizações da sociedade civil acompanhava o processo fornecendo elementos sobre
irregularidades e argumentos de contestação e outras legitimavam o processo
repetindo, mais uma vez, o chavão das “eleições livres e justas”, apesar de algumas
irregularidades observadas.
Por seu lado, os jovens da “Central Angola”, a plataforma informática, do
movimento revolucionário, prometiam continuar na mesma linha de luta, através de
manifestações pacíficas, porque também consideravam as eleições pouco
transparentes e até fraudulentas, comparáveis, segundo Marcolino Moco7, às eleições
do regime de Salazar e Caetano, no Portugal colonial-fascista.
Enquanto isto, a comunicação social interna, laudatória e bajuladora,
continuava a vender a ideia de que a vitória do partido de poder era fruto da sua
óptima governação e do reconhecimento reverencial do povo às virtudes excepcionais
do seu líder natural. Alguma da imprensa privada alinhava pelo mesmo diapasão com
maior subtileza e considerava que os partidos de oposição precisavam demostrar mais
trabalho e procurar maior empatia com os eleitores, dotando-se de líderes mais
capazes e aglutinadores.
6
A FLEC afirmava que as eleições eram alheias aos cabindas e que o mais importante era encontrar uma
solução para o conflito que já dura a 38 anos, em negociações directas com o governo de Angola.
7
Marcolino Moco foi primeiro-ministro (1992-1996) e continua a declarar-se militante do MPLA,
embora tenha, desde há alguns anos, enveredado por uma linha de conduta independente e crítica em
relação as derivas autoritária e novo-riquismo do poder.
23
Por seu lado, a comunicação social estrangeira que antes havia dedicado
bastantes matérias factuais e algumas análises às eleições gerais, como os resultados
não traziam nenhuma novidade em relação a continuidade do regime, retirou
rapidamente esta matéria das suas manchetes e das grelhas editoriais.
o EXTINÇÃO DE PARTIDOS
A Lei dos partidos políticos determina que todos os partidos políticos
concorrentes às eleições que não obtenham, por eles próprios ou através de coligação,
0,5% dos votos validamente expressos, são extintos (artigo 33º, 4, al. I, Lei 22/10, 3 de
Dezembro) sob requerimento do Presidente da Assembleia Nacional, do ProcuradorGeral da República ou de um qualquer partido político (artigo 33º, 5, Lei 22/10, 3 de
Dezembro). Nesta condição de eminência de extinção, em função dos resultados
publicados em 2012, estão todos os partidos das coligações Nova Democracia (ND),
com 0,23%, Frente Unida para a Mudança de Angola (FUMA), com 0,14%, Conselho
Político da Oposição (CPO), com 0,11% e o Partido Popular para o Desenvolvimento
(PAPOD), com 0,15%.
Também estão na condição de eminência de extinção os partidos políticos que não
participaram, nas eleições de 2008, nem nas eleições de 2012, como são o caso do
Partido Popular (PP) que viu a sua candidatura recusada pelo Tribunal Constitucional
depois de lhe terem sido anuladas 6.516 assinaturas.
o RECLAMAÇÕES
Perante as irregularidades constatadas no processo de votação, os três
partidos da oposição, concorrentes às eleições de 2012, UNITA, CASA-CE e PRS,
apresentaram recursos graciosos a Comissão Nacional Eleitoral, seguidos de recursos
contenciosos ao Tribunal Constitucional, pois todos eles foram indeferidos, nessa
primeira instância. A decisão do Tribunal Constitucional foi igualmente de rejeitar os
argumentos desses partidos políticos, dando como válidas, "livres, transparentes,
universais e justas”, as eleições gerais de 2012 e reiterando os resultados publicados
pela CNE, embora este voto não tenha sido unânime, entre os juízes-conselheiros.
 NOVA ASSEMBLEIA NACIONAL
Perante isto, as formações políticas representadas na Assembleia Nacional,
continuam a ser cinco; o MPLA, a UNITA, a CASA-CE (que toma o lugar do meteorito
Nova Democracia), o PRS e a FNLA. O MPLA dispõe de nova maioria qualificada mas
24
agora apenas com 175 deputados, dos 220, o que corresponde a uma perda de 16
deputados, para a legislatura de 2012-2017, em relação à legislatura anterior. A UNITA
com 32 deputados, correspondendo a um incremento de 16 deputados, em relação à
legislatura anterior, mantendo a condição de principal partido da oposição. A terceira
força política mais votada obteve oito deputados e é recém-chegada Convergência
Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral (CASA-CE). O PRS estranhamente
“perdeu eleitorado” e elegeu apenas 3 deputados e não 8 deputados como tinha na
anterior legislatura (2008-2012). Finalmente a FNLA, liderada por Lucas Ngonda,
embora ainda se reclamando da sua gesta histórica, obteve apenas 2 deputados,
menos um deputado que em 2008.
 A credibilidade das eleições
Os resultados não traziam surpresas, o partido do candidato-presidente José
Eduardo dos Santos manteve a sua maioria qualificada, embora tenha reduzido o
número de deputados. Os partidos da oposição e os críticos do regime questionam, no
entanto, a legitimidade do sufrágio. Por isto, a credibilidade das eleições foi tema de
apreciação divergente por parte dos actores reguladores, intervenientes, cidadãos e
observadores internos e externos. A CNE e a Polícia Nacional garantiram
imediatamente que o processo eleitoral foi justo e sem incidentes. A comunicação
social do Estado organizou mesas permanentes com analistas do gabinete de análises
da Casa Militar e Civil da Presidência da República que compreendendo que a
legitimidade do candidato-presidente José Eduardo dos Santos estava mais uma vez
dependente da credibilidade do processo eleitoral e da situação política e social no
país, garantiam que as eleições gerais de 2012, mais uma vez, tinham sido um exemplo
de organização e transparência e que os resultados espelhavam o sentimento de
reconhecimento dos eleitores pela boa-governação do Presidente da República.
Aquilo que pretendeu ser o debate pós-eleitoral foi completamente
dominado por estes “speak doctors”. Nem mesmo os dirigentes do partido político
dado como vencedor das eleições tiveram direito à palavra nos órgãos de comunicação
social estatal. Em comunicado, o MPLA admitiu que houve "dificuldades", embora
tenha considerado também que as eleições foram “justas e livres”.
Abel Chivukuvuku que se apresentou como alternativa e challenger do
candidato-presidente José Eduardo dos Santos, porque afirmava antes que a sua
coligação iria ganhar as eleições, durante a publicação dos resultados, mostrou-se
desiludido com o processo eleitoral e afirmou que não iria reconhecer os resultados
das eleições nas mesas onde os seus delegados não participaram e onde não fossem
fornecidas as actas-sínteses das operações eleitorais, como está previsto na Lei
Orgânica das Eleições Gerais.
E, por isto, analistas políticos africanos consideraram que não se podia dar
como verificada a legitimação eleitoral de José Eduardo dos Santos porque o contexto
do sufrágio não foi transparente8.
8
David Zounmenou, investigador do ISS, em Pretória.
25
A UNITA denunciou uma fraude e garantiu vir a usar todos os recursos para
contestar os resultados das eleições, mesmo depois da CNE ter dado a sua última
palavra sobre as queixas da oposição. No entanto, receando uma anunciada reacção
virulenta e violenta da Polícia Nacional, como já o havia anunciado a sua mais alta
hierarquia, conformou-se e tomou posse na novel Assembleia Nacional. O que foi
motivo de convocação de uma manifestação do movimento revolucionário junto da
sede deste partido político, pois os jovens pretendiam aquilo que designava por “um
comportamento coerente” da parte da direcção da UNITA.
o Observadores nacionais
A CNE rejeitou credenciar 583 observadores nacionais, das mais diversas
organizações da sociedade civil, tornando o processo menos participativo e dando já
sinais de falta de imparcialidade e vontade de transparência e credibilidade. Em
consequência, um conjunto de organizações criou uma estrutura de acompanhamento
da votação, nomeadamente através de uma plataforma informática para receber
denúncias de irregularidades e para fazer acompanhamento da contagem dos votos e
publicação de resultados.
o Observadores internacionais
A contestação aos resultados publicados se fazia, em crescendo, pelos
partidos políticos da oposição e das organizações da sociedade civil, enquanto a voz
dissonante dos observadores internacionais dos PALOP e da União Africana falavam de
“eleições credíveis”. O enviado especial de Deuteshe Wella-África que conversou com
eleitores em diversos bairros de Luanda, falava em “irregularidades e falta de
organização“.
No entanto, o presidente da Comissão Europeia, Manuel Durão Barroso, veio
a Luanda dizer que as eleições tinham sido democráticas. Na sequência, um deputado
europeu alemão, para além de criticar a corrupção num país dependente do petróleo,
acusou-o de colocar, com o seu comportamento, os interesses portugueses acima da
democracia angolana.

Polémica marca as eleições de 2012
26
As eleições foram, desde o início, acompanhadas de muitas polémicas. Uma
delas foi a nomeação de Suzana Inglês9 para presidente da Comissão Nacional Eleitoral
(CNE). A sua nomeação foi criticada pela oposição e por sectores da sociedade civil por
ela, na sua condição de militante da OMA (organização de massas do MPLA) ter um
vínculo político ao partido político no poder. Várias instituições intervieram ou deram
opinião sobre uma tal nomeação o Conselho Superior da Magistratura Judicial, o
Tribunal Supremo; o Ministério da Administração do Território. Também foram
realizadas várias manifestações exigindo o seu afastamento do cargo e o Tribunal
Supremo acabou por dar razão aos críticos, declarando que a nomeação era
inconstitucional, devido ao facto de Suzana Inglês não exercer o cargo de juíza,
requisito fundador exigido pela lei, anulando o acto administrativo do Conselho
Superior de Magistratura Judicial, ao reiterar a advogada no lugar de presidente da
Comissão Nacional Eleitoral que havia sido nomeada pelo Presidente da República.
A repressão brutal da onda de manifestações contra o governo de José
Eduardo dos Santos, que surgiu paralelamente à primavera árabe em 2011, também é
motivo de críticas: segundo os observadores, esta repressão terá provocado um clima
de medo em certos círculos da sociedade angolana. Outro problema é a falta de
liberdade de imprensa, assim como o controlo dos meios estatais de comunicação por
parte do MPLA e do poder financeiro ligado ao partido no governo.
o Direito de manifestação
O direito de reunião e de manifestação estão consagrados na Constituição
que diz que “é garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação
pacífica e sem armas, sem necessidade de autorização e nos termos da lei” (artigo
47º,1, CRA) embora, diga também, que “as reuniões e manifestações em lugares
públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para
os efeitos estabelecidos na lei” (artigo 47º, 2, CRA). No entanto, o poder ainda não
consegue conviver de forma tranquila com o exercício deste direito dos cidadãos,
dando lugar a intervenções de força, primeiro dos governos provinciais que,
normalmente “proíbem” as manifestações por falta de conveniência e oportunidade,
ou por parte da Polícia Nacional (quando não por milícias armadas) que impede o
acesso ao local de manifestação pela força, recorrendo inclusive à repressão física e à
prisão dos manifestantes.
Os governos provinciais “proíbem” as manifestações e procuram justificar
essa “proibição” como um acto administrativo normal de indeferimento de um pedido,
pois entendem a nota de comunicação dos organizadores da manifestação como tal. O
texto constitucional, no entanto, não se presta a dúvidas pois diz ipsis verbis que não
há “necessidade de autorização” mas tão-somente, “prévia comunicação à autoridade
competente”. O governo de Luanda foi ao ponto de avocar a si próprio a competência
para regulamentar o exercício do direito de manifestar, determinando os locais
9
O que se sabe até agora é que ela, Dra. Luzia Inglês, já não é magistrada há mais de 10 anos, mesmo se
sabe que a lei não permite que ela seja presidente da Comissão Eleitoral, por não ser “juiz no activo”.
27
públicos onde se poderia manifestar. Esta postura do Governo provincial de Luanda foi
posteriormente anulada pelos órgãos judiciais.
Neste contexto, jovens angolanos, ditos revolucionários, com origem nos
meios do hip-hop angolano, supostamente influenciados pela “primavera árabe” (as
manifestações em países como a Tunísia, o Egipto, a Líbia, o Iémen, a Síria e outros)
tomaram a liderança da luta pela democracia, com por meio de manifestações, o que
foi sempre uma tarefa muito arriscada, quer durante a guerra, quer nos anos
imediatamente posteriores à paz. Estes jovens, apesar da inobservância dos
postulados constitucionais pelas forças da ordem, em desfavor dos cidadãos
contestatários, recorrem à força de garantia desses direitos, e entendem os preceitos
constitucionais como uma justificativa social para todos os cidadãos que entendem
manifestar publicamente o seu descontentamento, sobretudo porque contrariamente
a anos anteriores, em que a resposta às manifestações de contestação do poder era a
promoção de manifestações de apoio, a nova forma de barrar caminho às
manifestações foi o recurso, não somente a repressão policial mas também de milícias
armadas em defesa do regime.
Em verdade, este ano de 2012 foi marcado por manifestações constantes
sobretudo em Luanda, mas também em outras capitais provinciais (Benguela,
Huambo, Bié e Malange), algumas delas realizadas pelo partido no poder, organizações
civis, e por partidos da oposição (UNITA, PRS e FNLA- Ngola Kabango). As
manifestações a favor do governo eram designadas “marchas para a paz” e tinha não
somente o favor da propaganda dos meios de comunicação social do Estado mas
também a protecção das autoridades administrativas e da Policia Nacional. Por seu
lado as manifestações contra o governo foram sempre “proibidas” e reprimidas,
prosseguindo a repressão brutal da onda de manifestações contra o governo de José
Eduardo dos Santos, que surgiu em 2011. Sendo que este ano se chegou ao ponto de
se agredir barbaramente um dirigente de um partido político da oposição (o
secretário-geral do Bloco Democrático) por um grupo da milícia armada, ao serviço de
um cabo eleitoral de José Eduardo dos Santos, com a conivência da Polícia Nacional. O
que foi também motivo de críticas dos partidos de oposição, da sociedade civil e de
notáveis.
Esta repressão terá provocado, na opinião de alguns observadores, um clima
de medo em certos círculos da sociedade angolana, condicionando a sua participação
política e cívica, apesar de se observarem mudanças significativas no modo de pensar
da sociedade civil que se revela cada vez mais consciente, em relação aos seus direitos
fundamentais.
Outro problema que marcou o ano 2012 foi a falta de liberdade de imprensa,
assim como o controlo dos meios estatais de comunicação por parte do MPLA e do
poder financeiro ligado ao partido no governo. O que permitiu um bloqueio de
informação e mesmo a montagem de campanhas de desinformação em relação aos
actos políticos da oposição.
o Movimento reivindicativo autonomista
28
Angola tem actualmente dois movimentos reivindicativos autonomistas; um,
em Cabinda que é amplamente conhecido, até pelo seu pendor independentista, e nas
Lundas que é quase desconhecido. Ambos reivindicam a autonomia dos seus
respectivos territórios de origem, baseados na ideia de que eram unidades territoriais
autónomas no quadro da ocupação territorial colonial. Em Cabinda os movimentos
independentistas genericamente designados por FLEC apresentam o Tratado de
Simulambuco (1885) como fonte de legitimidade para esse reconhecimento e
continuam as suas acções políticas e militares de baixa intensidade, no sentido de levar
o Governo central à mesa das negociações para a solução do que se designa por “caso
Cabinda”. Não obstante, o protocolo de entendimento entre o Governo e o Fórum
Cabindês Diálogo (FCD) e os acordos de paz estabelecidos, os diversos grupos
independentistas continua a considerar pertinente uma ronda de negociações entre as
partes “beligerantes”.
Nas Lundas instalou-se um movimento autonomista designado “Comissão do
Manifesto Jurídico-Sociológico da Lunda-Tchokwe” que reivindica um estatuto
particular para aqueles territórios que, no seu entender, eram parte do Império LundaTchokwe e passaram a constituir, a partir de 1894, um protectorado de Portugal, pelo
que, em consequência, reclama que se processe, em observância do direito positivo
internacional, a sucessão colectiva dessa entidade político-territorial, atribuindo-lhe
um estatuto de autonomia. Este ano de 2012 foi marcado pela entrega, ao Presidente
da República, de um documento que o movimento designa “Magna Constituição da
Lunda-Tchokwe” e pelas sucessivas greves de fome feitas por alguns dos presos de
consciência deste movimento.
o Movimento reivindicativo social e trabalhista
Para além das manifestações há também a considerar o movimento
reivindicativo e de greves que foi promovido por vários comissões sindicais ou
sindicatos. Sendo um ano de eleições, houve um natural acréscimo das reivindicações
salarias e de condições de trabalho, porque os trabalhadores entendiam que nesta
conjuntura as suas reivindicações seriam mais facilmente atendidas, pois o partido no
poder teria todo interesse em evitar conflitos que poderia dar a ideia de um
descontentamento generalizado das populações e de uma imagem negativa na opinião
pública da sua governação e dos seus resultados.

O PARLAMENTO
A actividade do Parlamento, ao longo do ano de 2012, resumiu-se a pouco
mais do que à sua função de câmara legislativa, tendo ocupado grande parte do seu
tempo a discutir e a aprovar o pacote de leis eleitorais, de que resultaram várias
29
tensões políticas entre deputados do partido da situação, em maioria, e os partidos
políticos da oposição.
Perante a sua fragilidade no Parlamento, a UNITA fez uso, algumas vezes, da
política de cadeira vazia10, retirando-se do hemiciclo e não participando da votação
dos diplomas em discussão, pretextando estar em causa questões de princípio e
estruturantes do regime constitucional vigente. Houve casos de grande tensão política
e social que revelaram preconceitos de cariz regionalista quando perante a declaração
de abandono da Assembleia Nacional o líder parlamentar da UNITA usou a expressão
“em nome do povo soberano”, e se entendeu “em nome do povo sulano”, os
deputados da bancada do MPLA apuparam os seus colegas designando-os por
“Bailundos”, tendo depois o chefe da bancada do partido de poder considerado que
aquele gesto dos deputados da UNITA eram uma manifestação de ingratidão pois estes
“comem da nossa comida e utilizam os nossos carros”.

Sistema de Justiça
O ano de 2012 não foi apenas agitado do ponto vista político, devido as
movimentações próprias de anos eleitorais, foi também um ano agitado no plano
judicial, em que o Sistema de Justiça nacional, foi, mais uma vez, posto à prova na sua
estrutura, funcionamento e legitimidade aos olhos dos cidadãos. Vários casos judiciais
tiveram uma relevância particular, nos órgãos de comunicação social, enchendo as
suas manchetes, como foram os processos conhecidos do grande público como casos
Nerika, BNA e Quim Ribeiro. Casos em que a Polícia Nacional e o tribunal não
souberam tratar com suficiente celeridade e transparência de maneira a deixar a
sociedade mais crédula em relação ao sistema de justiça do país. Para este estado de
espirito da opinião pública em relação a subordinação do poder judicial ao poder
político contribuiu a maneira como se desenrolaram os julgamentos, em Tribunal de
Polícia, de manifestantes que foram presos, por exercerem um direito constitucional a
que o governo se lhe opôs. Também colheu os favores dos media a queixa-crime,
contra o Presidente da República, acusado pelo advogado David Mendes de “crime de
peculato, corrupção e abuso de poder” que não deixou de ter impacto a nível nacional
e internacional, apesar de ter sido arquivada pelo Procurador-Geral da República, que
se declarou incompetente para dela tomar conhecimento, porque um tal processo, nos
termos da Constituição, é da competência da Assembleia Nacional11.
O Sistema de Justiça nacional continua a padecer dos males de lentidão, falta
de independência relativa ao poder político e permeabilidade à corrupção, para além
de que não é “um recurso acessível à grande maioria dos cidadãos, nomeadamente
para aqueles que vivem fora dos grandes centros urbanos”, onde “o recurso ao soba ou
10
Vide o Jornal de Angola, 26 de Março de 2012, o parlamento aprovou o Estatuto do Deputado, através
do qual, impede que os deputados possam abandonar o hemiciclo, mesmo que não concordem e
queiram protestar contra o assunto em debate.
Art.127º,nº1,3 e art.129º nº5 al. a) da Constituição de Angola de 2010, segundo estes artigos a abertura
de uma queixa-crime contra o Presidente da República é da competência da Assembleia Nacional, a
requerimento de um número de deputados.
30
sekulu é o mais frequente”12. Os cidadãos recorrem a estas autoridades tradicionais
porque são mais próximas, a contrastar com ausência das instituições do Estado, em
relação as quais não têm também muita confiança. Por outro lado, a maior parte dos
cidadãos, mesmo os de segmentos de maior escolaridade, apesar de terem a noção da
existência do sistema nacional de justiça, desconhecem as leis, a organização do
Estado e, particularmente, do sistema judiciário. Por isto, muitas vezes recorrem à
Policia porque acham que esta lhes parece ser mais célere na resolução de situações e
conflitos do que os tribunais, para além de que os processos formais são dispendiosos
e não estão ao alcance da maior parte dos cidadãos.
o ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A administração pública, num Estado moderno, é por natureza uma
instituição imparcial que tem por princípios de funcionamento, como diz a
Constituição da República, a “igualdade, legalidade, justiça, proporcionalidade,
imparcialidade, responsabilização, probidade administrativa e respeito pelo património
público” (artigo 198º, CRA), tratando todos os cidadãos de forma igual,
independentemente da sua “ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua,
local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de
instrução, condição económica ou social ou profissão” (artigo 23º, CRA).
No entanto, as organizações satélites do sistema de poder instaurado13 e os
cidadãos a ele ligados têm privilégios e beneficiam de um tratamento diferenciado
próprio de uma administração de um partido-Estado, enquanto as organizações da
sociedade civil são objecto de bloqueios diversos, descarados ou dissimulados.
A situação da democracia e da liberdade
A situação da democracia e da liberdade no mundo, em África e em Angola
não parece ter progredido muito. Apesar de haver novas teorias sobre participação
dos cidadãos na esfera pública, o envolvimento destes nos negócios públicos não
corresponde a essa progressão.
Este relatório, para dar uma ideia de como evoluiu a democracia e a
liberdade, no mundo e em Angola, recorre, mais uma vez, ao Democracy Index,
publicado pelo The Economist14 que se debruça sobre 167 países, nos quais procura
verificar 60 indicadores, agrupados em cinco diferentes categorias: (1) processo
12
In relatório sobre “Acesso à Justiça fora dos grandes centros urbanos”, Mosaiko – Instituto para à
Cidadania, Luanda, 2012, p. 6.
13
Fazem parte dessa constelação, como braços políticos, a OMA, a JMPLA, o MNE e como braços sociais
a FESA, o Fundo Lwini, AJAPRAZ e outras associações ou fundações.
14
Democracy Index 2011 – Democracy Under Stress, A Report From The Economist Intelligence
Unit,2011 2011. A revista The Economist é a mais prestigiada revista de economia do mundo.
31
eleitoral e pluralismo; (2) funcionamento do governo; (3) participação política; (4)
cultura política e (5) liberdades políticas, agrupando os países, em função da
classificação obtida, em 4 tipos de regime: (a) democracia plena; (b) democracia
incompleta; (c) regimes híbridos e (d) regimes autoritários.
Em 2012, para uma população mundial de 7,036.8 milhões de habitantes,
3.046,2 milhões de pessoas (43.29%) viviam em países livres, 1.613,9 milhões (22.93%)
em países parcialmente livres e 2.376,8 milhões (33.78%) em países não-livres, o que
corresponde a um ligeiro progresso, em relação ao ano anterior (2011), já que se
assinalando a mesma percentagem de pessoas (43.29%) a viver sob regime de
liberdade, diminuíram àquelas que vivem em países não-livres (que eram, em 2011,
35,21%) e aumentaram as pessoas (21,49%) que vivem em países de parcial liberdade.
Tipos de regime no mundo
Tipo de regime
Democracia
plena
8.0 a 10
Número de
países
25
Democracia
parcial
6.0 a 7.9
54
32.3
37.2
Regime Híbrido
4.0 a 5.9
37
22.2
14.4
0 a 3.9
51
30.5
37.1
Regime
autoritários
Pontuação
Percentagem de
países
15.0
Percentagem de
pessoas no mundo
11.3
Fonte: CEIC a partir de Index Democracy 2012
Este índice de liberdade política e democracia, no mundo, para um conjunto
de 167 países, indica Angola em 133º lugar. A região mais livre, como se pode ver no
quadro infra, é a região da América do Norte e a menos livre é região do médio oriente
e África do Norte.
Índice de liberdade no mundo, por regiões
Região
Classificação
1
2
3
4
5
América do Norte
Europa Ocidental
América Latina e Caribe
Asia e Austrália
Europa Central e do Leste
2006 2008 2010
2011
2012
8.64
8.60
6.37
5.44
5.76
8.59
8.40
6.35
5.51
5.50
8.44
6.36
5.56
5.51
32
8.64
8.61
6.43
5.58
5.67
8.63
8.45
6.37
5.53
5.55
6
7
África subsaariana
Mundo
4.24
5.52
4.28
5.55
4.23
5.46
4.32
5.49
4.32
5.52
Fonte: CEIC a partir de Index Democracy 2012
Por outro lado, o índice mostra que o país está inserido numa região do
mundo que tem menos liberdade e que estagnou em termos de democracia, em
relação ao ano passado. Sendo também de assinalar que os países com grandes
recursos, nomeadamente petróleo são aqueles que têm regimes autoritários.
ÍNDICE DE LIBERDADE POLÍTICA E DEMOCRACIA 2012
Países
Classificação
Processo
eleitoral e
pluralismo
Funcionamento
do Governo
Participação
política
Cultura política
Liberdades
políticas
ANGOLA
133
1,33
3.21
4,44
4,38
3,24
NIGÉRIA
119
5,67
3.21
3,33
3,13
4,71
LÍBIA
125
0,00
2.86
3,33
6,25
5,29
GABÃO
128
2,17
2.21
3,89
5,00
4,12
ARGÉLIA
130
2,17
2.21
2,78
5,63
4,41
CAMARÕES
131
1,17
4.21
2,78
5,00
3,82
CONGO
145
1,25
2.86
3,33
3,75
3,24
GUINÉEQUAT
161
0,00
0.79
2,22
4,38
1,47
Fonte: CEIC a partir de Index Democracy 2012
33
CAPÍTULO 2
POPULAÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E POBREZA
População
A população é o elemento base duma economia e duma sociedade. Como se
reconhece, é, a um tempo, ponto de partida e ponto de chegada do desenvolvimento,
mesmo que na maior parte dos casos a distribuição do rendimento nacional seja muito
assimétrica. Mas compete a esta mesma população, nas diferentes formas de
intervenção social, enfatizar o seu posicionamento como sujeito – influenciando
estratégias e políticas – e objecto – lutando pela reforma dos esquemas e modelos de
acesso à renda nacional – do desenvolvimento. Daí o seu papel ser importante nos
processos de transformações e reformas estruturais dos sistemas económicos e dos
tecidos e redes de produção.
A população deve ser considerada como um factor ou um entrave ao
desenvolvimento?15 Jeffrey Sachs16 entende que o número de habitantes no planeta
continua a crescer em grande escala e, sobretudo, nas regiões que menos condições
apresentam para garantir saúde, educação, estabilidade e prosperidade aos cidadãos.
Os receios deste economista americano residem na escassez de recursos, na pressão
do crescimento populacional sobre ecossistemas cada vez mais frágeis (em particular
nas regiões mais pobres do planeta), no aumento da pobreza e na ameaça da
estabilidade política global. Concluiu que o mundo devia adoptar um conjunto de
políticas para ajudar a estabilizar a população global, vendo-se na China um exemplo a
seguir.
O crescimento demográfico em África tem sido considerado como um dos
obstáculos ao desenvolvimento económico, justamente porque o continente africano
é o último espaço regional no mundo a viver a fase aguda da crise da transição dum
15
Alves da Rocha – Alguns Temas Estruturantes da Economia Angolana, Editora Kilombelombe,
Dezembro de 2011.
16
Jeffrey Sachs – Common Wealth, Casa das Letras, Lisboa, 2008.
34
regime demográfico arcaico, para um regime demográfico moderno, no sentido dado
anteriormente17.
As consequências de crescimentos demográficos incontroláveis são
desastrosas: diminuição da subsistência alimentar, a despeito duma percentagem
elevada da população se dedicar à agricultura, em particular nos casos em que a taxa
de crescimento demográfico supera a da produção agrícola, feita em solos degradados
e gastos; êxodo rural maciço (a média da população urbana em África passou de 8%
para 45% em menos de 30 anos); deterioração das condições gerais de vida, muito em
especial nos centros urbanos e crescimento das economias informais.
FONTE: UNFPA, Relatório sobre a Situação da População Mundial, 2011.
Apesar duma clara inversão de tendência, a Ásia permanecerá como a mais
populosa das principais áreas geográficas mundiais durante o século XXI. Porém, o
continente africano mostra-se com uma dinâmica imparável no crescimento da sua
população, passando de 1,1 mil milhões de habitantes em 2011, para 3,6 mil milhões
em 2100, uma mais do que triplicação, levantando os problemas identificados por
Jeffrey Sachs18 sobre a capacidade dos sistemas económicos, sociais e ambientais de
África cobrirem as tremendas necessidades de crescimento, distribuição de
rendimento e preservação dos ecossistemas. As transformações económicas
estruturais terão de ser quase permanentes e processadas a um ritmo provavelmente
17
Em “Alguns Temas Estruturantes da Economia Angolana” (Alves da Rocha, Kilombelombe, 2011) é
apresentado um exercício sobre a dimensão óptima da população em Angola, face aos desafios que
estão em cima da mesa das decisões políticas e económicas e dos quais as transformações estruturais é,
provavelmente, o mais relevante e ameaçador.
18
Jeffrey Sachs – Common Wealth, Casa das Letras, Lisboa, 2008
35
acima das capacidades de gestão e de disponibilização de recursos e factores de
produção de África.
O Recenseamento Geral da População foi adiado para 2014 e decorrem neste
momento (Março de 2013) operações censitárias de natureza experimental, traduzidas
em inquéritos-piloto para se testarem os questionários através dos quais se recolherão
informações sobre o estado actual da população. Em consequência, os estudos sobre
população continuaram a ter como base (precária) estimativas nacionais e
internacionais.
As fontes externas são contraditórias e não coincidentes sobre o quantitativo
populacional de Angola. Por exemplo, no Relatório Social de 2011 utilizou-se como
uma das fontes as Nações Unidas19, que apontavam para um quantitativo populacional
em Angola em 2010 de 19 milhões de habitantes e uma taxa de crescimento natural de
3,2%20, manifestamente superior aos valores comummente aceites e que a colocam
em 2,7%.
O Relatório sobre a População Mundial 2011 fornece uma cifra de 19,4 milhões
de habitantes para 2011 e uma taxa anual média de crescimento de 2,7%.
As estimativas do CEIC anotam uma cifra de 19,94 milhões de habitantes para
2012, considerando-se uma taxa de crescimento demográfica entre 2,7% e 2,9% ao
ano e uma taxa média de fecundidade de 5,1. Dentro deste quantitativo estima-se em
praticamente 10,3 milhões o número de cidadãos em idade economicamente activa,
portanto a retaguarda de onde sai a força de trabalho nacional.
FONTES: Relatório sobre a População Mundial 2011 e estimativas do CEIC.
19
Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010.
Para 2015, prevê-se um volume global de população em Angola de 21,7 milhões de pessoas e para
2030 de 30,8 milhões, de acordo com as projecções das Nações Unidas.
20
36
O fenómeno da urbanização tem sido muito intenso nos últimos anos, fazendo
de Luanda a grande metrópole de Angola, com uma população estimada em mais de
6,5 milhões de habitantes e exercendo um efeito de atracção notável que a transforma
no principal e mais importante pólo de crescimento económico do país. A criação da
Zona Económica Especial e do pólo de desenvolvimento de Viana agravará o fenómeno
da aglomeração da actividade económica – neste momento avaliada, de acordo com
estimativas baseadas na distribuição regional da actividade económica, em cerca de
75% - em Luanda. A cidade capital não necessita de apresentar condições especiais
para atrair investimento produtivo, sendo suficientes as ainda economias de
aglomeração que apresenta e que a tornam num pólo especial de atractividade de
população e de actividade económica21.
Segundo fontes externas, a taxa de urbanização geral foi estimada em
praticamente 60% em 2012.
FONTE: Relatório sobre a População Mundial 2011.
Estima-se em 37,1% a taxa de urbanização em 1990, donde uma cadência média anual
de crescimento urbano de 2,2% até 2012. A manter-se este ritmo de concentração urbana,
puxado pelo crescimento económico tendencialmente concentrado no litoral e nas principais
cidades (que detêm uma maior massa crítica de procura interna), em 2020 a taxa de
urbanização poderá ser de 72%. O interior do país (Lunda Norte,
Lunda Sul, Moxico,
Malanje, Kuando-Kubango) está a desertificar-se, aumentando-se o risco económico e
financeiro de instalação do investimento privado e diminuindo-se a rendibilidade dos
investimentos sociais. As políticas públicas, se persistirem na concessão de facilidades e na
criação de condições para a instalação do investimento privado nas actuais zonas de maior
concentração urbana e de massa crítica económica e institucional, dificilmente contrariarão
21
Os limites destas economias de aglomeração já se manifestam pela via da intensidade do tráfego, dos
estrangulamentos no fornecimento de electricidade e água, dos congestionamentos do porto de
Luanda, dos elevados custos da burocracia.
37
esta concentração populacional nos seus efeitos mais nefastos e perversos. As expectativas
são muito elevadas quanto ao que o novo Ministério do Planeamento e do Ordenamento
Territorial poderá fazer para se contrariar a velha tendência de emigração do interior para o
litoral (particularmente para Luanda), iniciada pela instabilidade da guerra civil e que tem sido
aprofundada pelo funcionamento relativamente desregrado e desregulamentado do modelo
capitalista angolano. Luanda e Benguela são as províncias onde as oportunidades de emprego
são maiores e os salários médios mais elevados22. O equilíbrio regional – em população, saúde,
educação e economia – tem de necessariamente passar pela implementação duma política
territorial de descriminação positiva, criando-se oportunidades efectivas de emprego e
melhoria das condições de vida da população das áreas mais interiores do país.
Condições de vida e Índice de Desenvolvimento Humano
Que condições efectivas devem ser criadas para que o nível de vida dos cidadãos
melhore duma forma permanente e sustentada? Quando se olha para as estatísticas do
Relatório do Desenvolvimento Humano verifica-se que países com um rendimento nacional
bruto por habitante (em PPC USD 2005) igual ou inferior ao de Angola estão classificados como
de desenvolvimento humano elevado e médio. Que transformações têm de ser garantidas
para que o país se junte ao clube dos que melhores condições de vida (materiais e não
materiais) propiciam aos seus cidadãos?
INDICADORES DAS CONDIÇÕES DE VIDA
PAÍSES
Rendimento nacional bruto
(PPC USD)
Índice de Desenvolvimento
Humano
Ranking IDH
ANGOLA
4874
0,486
148
ARMÉNIA
5188
0,716
86
TONGA
4186
0,704
90
JORDÂNIA
5300
0,698
95
SRI LANKA
4943
0,691
97
BOLÍVIA
4054
0,663
108
FONTE: Human Development Index 2012, UNDP.
Segundo evidências empíricas de outros países, a questão central está no modo
como se processa a distribuição do rendimento, pelos factores de produção
(repartição funcional ou primária) e pelos cidadãos (repartição secundária ou pessoal,
com a influência do sistema fiscal e das transferências para a economia). Os países
citados na tabela anterior, a despeito dum rendimento médio em torno de 5000
dólares, apresentam um coeficiente maior de satisfação em matéria de educação e
saúde. O fornecimento destes bens e serviços de natureza semi-pública não é um
exclusivo do Estado, pelo que havendo uma justa e menos desequilibrada repartição
do rendimento nacional, as famílias podem adquiri-los numa extensão maior do que a
permitida sendo o Estado o único provedor. Ou seja, os cinco mil dólares de renda
22
Alves da Rocha – Desigualdades e Assimetrias Regionais em Angola, CEIC-UCAN 2ª edição, 2010.
38
anual média por habitante são muito melhor repartidos nos outros países e pior
repartidos em Angola. É justamente este o foco da política social: ao repartir-se melhor
o rendimento nacional, não só se torna mais extensivo o consumo privado das famílias
– um dos motores do crescimento do PIB – como se alarga o acesso a bens de natureza
pública e semi-pública, essenciais para a melhoria das condições básicas de vida.
O Programa de Governo do MPLA para 2013-2017 destaca em matéria de
distribuição do rendimento (o emblema “crescer mais para distribuir melhor”, se
inscrito com efectiva vontade política de aplicá-lo, significa precisamente actuar sobre
os actuais mecanismos de acesso ao rendimento nacional, tornando-os mais
democráticos, transparentes e justos, o que se afigura muito complicado dado o
enquistamento das actuais fortunas; distribuir melhor é retirar a quem tem para
transferir para quem não tem, impossível no actual estado de organização política do
país): “continuar a desenvolver e consolidar as acções que visam uma melhor
repartição do rendimento nacional”, acreditando-se ser suficiente a implementação de
“programas municipais de desenvolvimento integrado e combate à pobreza”,
“programas de rendimento mínimo e outras formas de protecção social” e de
“fomento habitacional numa perspectiva de integração económica e social”.
Aparentemente deixa-se incólume o essencial do actual modelo de reprodução
alargada de desigualdade e injustiça.
O Índice de Desenvolvimento Humano é hoje o indicador mais relevante para a
análise das condições de vida da população e para o cálculo duma medida que permita
compreender quanto de crescimento económico se transforma em desenvolvimento.
Seguramente que a situação social é hoje bem melhor que em 2002, sendo a
evolução do IDH uma boa aproximação à medida destas transformações.
FONTES: CEIC a partir de PNUD, Human Development Index; Paulo de Carvalho – Exclusão Social em Angola, pg 110
p/ 1990/94.
Vários períodos:
 Baixo valor do IDH entre 1990 e 1999, em média na vizinhança de 0,37.
São dos piores anos da guerra civil, durante os quais as despesas
orçamentais tiveram uma prioridade quase absoluta em favor da
desfesa e segurança. A urgência da guerra determinou uma
39
subalternização dos sectores sociais e o IDH só não foi mais baixo pelo
facto de o PIB por habitante – uma componente que vale um terço no
compósito do desenvolvimento humano – foi aumentando graças à
produção de petróleo. Mas mesmo assim, 1998 foi o de mais baixo
preço do barril de petróleo.
 Um curto períodode transição entre 1999 e 2002 em que se pressentia a
resolução do conflito militar interno e as condições para o crescimento
da economia se estruturavam.
 Finalmente, o período de maiores conquistas no desenvolvimento
humano em Angola: 2002/2012. É patente o declive positivo da recta
representativa do comportamento temporal do IDH, não só devido ao
crescimento do PIB e do PIB por habitante, mas igualmente por causa
das melhorias nas componentes sociais do índice (esperança de vida e
taxa de escolaridade). No entanto, o valor do IDH ainda não ultrapassou
a fasquia de 0,5 fundamental para o país deixar o grupo dos países de
desenvolvimento humano baixo. Questões relacionadas com a pobreza
e a distribuição do rendimento ajudam a compreender a razão pela qual
os aumentos marginais do IDH (taxas de crescimento anual) tenham
sido muito pouco expressivos.
Com efeito, o ritmo médio anual de variação do IDH tem sido muito inferior ao
do PIB e do PIB por habitante, em paridade do poder de compra. Na verdade, entre
1995 e 2011, as taxas médias anuais de variação foram de, pela ordem apresentada,
2,0%, 9,1% e 6,2%.
FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012.
Onde Angola falha é justamente na componente social: tem havido
crescimento económico suficiente para se melhorar, em termos muito mais
substanciais, as condições de vida da população. A opção doutrinária de se criar uma
40
burguesia nacional com uma base de acumulação de capital suficientemente forte
postergou para mais tarde a recolha de benefícios palpáveis nas condições de vida da
maioria da população.
As contradições entre o campo económico e a vertente social são evidentes em
2005, 2006, 2007 e 2008. O modelo económico existente não integra, como devia, a
componente social e o desenvolvimento económico resulta enviesado a favor de
franjas muito reduzidas de população.
Como não existem dados disponíveis sobre o índice de Gini, uma aproximação
grosseira à distribuição do rendimento pode ser dada pelas taxas de variação anual do
PIB por habitante.
FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012.
O gráfico precedente mostra que a melhoria do IDH em Angola depende muito
mais da melhoria das áreas sociais (tornando-as mais eficientes nos serviços que
prestam e nas necessidades que satisfazem) do que do PIB por habitante. De facto, os
incrementos da capitação do PIB são muito desproporcionais aos ganhos do IDH, o que
parece confirmar que uma parte do rendimento médio terá sido desviada para o
enriquecimento duma pequena faixa da população, a quem são atribuídas fortunas
muito grandes. Uma vez mais o ponto essencial relaciona-se com a forma como o
rendimento nacional é distribuído. É, com efeito, urgente alterar-se o modo como o
acesso às oportunidades de geração de renda é organizado e gerido e reestruturar-se o
processo de distribuição do rendimento nacional.
O Executivo tem em marcha algumas iniciativas interessantes neste sentido,
mas duvida-se que exista real vontade política para revolucionar um dos suportes
fulcrais do processo de reprodução do poder económico e do poder político 23.
23
A alteração dos preços e critérios de compra dos apartamentos do Kilamba e do Zango determinada
superiormente – no que se pode considerar uma intervenção política deliberada e tendente a minimizar
os descontentamentos da população sem habitação condigna – pode ser encarada como uma
intervenção positiva sobre alguns dos mecanismos existentes de distorção na repartição da renda. A
41
O indicador que no Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD permite
uma aproximação estatística ao processo de transformação do crescimento em
desenvolvimento é a diferença entre a classificação do IDH e do rendimento nacional
bruto por habitante. Já no Relatório Social de 2011 esta abordagem foi apresentada e
neste apenas se actualizou o diferencial para 2012.
FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012.
Os valores positivos para a diferença entre a classificação em rendimento
nacional bruto por habitante e em desenvolvimento humano significam que o
crescimento se transformou, numa determinada medida, em desenvolvimento
humano. Por exemplo, Singapura, país de desenvolvimento humano muito elevado,
apresenta uma diferença negativa de 22 entre os dois indicadores (é a quarta maior
economia no rendimento médio por habitante, mas é 26ª em IDH), donde
prevalecerem diferenças sociais importantes. A Noruega é o caso inverso: sétima em
rendimento por habitante e primeira em IDH, ou seja, um valor positivo de 6,
correspondente a uma situação de elevada projecção do crescimento sobre o
desenvolvimento.
No cômputo dos países que o PNUD classifica de desenvolvimento humano
muito elevado, as praças financeiras (Singapura, Hong Kong, Liechtenstein,
Luxemburgo, Andorra) e alguns produtores de petróleo (Emiratos Árabes Unidos,
Brunei, Qatar, Barain) apresentam diferenças negativas significativas entre os rankings
rendimento médio por habitante e índice de desenvolvimento humano, indicando a
questão que aqui se coloca é a de quem irá cobrir o diferencial entre os preços inicialmente
estabelecidos – que retraíram fortemente a procura e levaram a considerar o Kilamba como uma
cidade-fantasma – e os actualmente praticados e que já levaram praticamente ao esgotamento da
oferta de habitação. O investimento total nesta centralidade rondou mil milhões de dólares.
42
prevalência de desigualdades na distribuição do rendimento (uma parte dos ganhos de
rendimento não são investidos em lucros sociais na educação e saúde)24.
No conjunto dos países integrados no grupo de desenvolvimento humano baixo
surgem alguns com diferenças positivas entre os posicionamentos rendimento médio e
IDH, o que não deixa de expressar a realização de esforços para torná-los em
sociedades mais justas e igualitárias. O Quénia, por exemplo, patenteia uma diferença
positiva de 15, correspondente a 158ª em rendimento médio e 143ª em IDH, enquanto
São Tomé e Príncipe contabiliza um resultado de 7. Em conclusão: não são as riquezas
naturais não renováveis que determinam um desenvolvimento social mais adequado
aos direitos humanos dos cidadãos. É a vontade política a transparência de processos
que contam.
O gráfico anterior mostra a situação de Angola no atributo em questão.
Verifica-se que foi em 2010 que Angola registou a maior diferença negativa entre o
indicador material de crescimento (rendimento nacional bruto por habitante) e o IDH
(indicador das condições sociais). Mas constata-se, também, que a partir de 2011 o
valor negativo entre estes dois atributos tem vindo a diminuir, o que é consistente
com os reconhecimentos nacionais e internacionais quanto a melhorias em muitos dos
indicadores sociais. No entanto, em 2012 a diferença foi ainda de -31, significando
muito trabalho para se reduzirem as desigualdades sociais.
Como se sabe, o IDH é um indicador compósito onde se consideram a
esperança de vida à nascença, a média de anos de escolaridade, os anos de
escolaridade esperados e o rendimento nacional bruto por habitante e em paridade do
poder de compra.
O comportamento da esperança média de vida tem sido muito interessante ao
longo do tempo, mostrando, claramente, o efeito nefasto do conflito militar interno e
da incidência do HIV-SIDA, que levou as Nações Unidas a alterarem substancialmente o
valor deste indicador no seu Relatório de 2001.
Depois de 2002, a esperança de vida tem vindo a aumentar, muito
provavelmente como resultado da melhoria das condições de alimentação, habitação,
saúde e saneamento. Têm, igualmente, sido assinalados registos positivos na
satisfação das necessidades básicas de saúde, ao nível, por exemplo, dos cuidados
primários.
24
Uma análise mais doutrinária e mesmo ideológica pode apontar para a dificuldade dos sistemas
financeirobs (de vertente neoliberal) e das economias assentes no rent seeking petrolífero distribuírem
bem os rendimentos do crescimento e de investirem nas áreas sociais.
43
FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012.
A esperança de vida média em Angola em 2012 está estimada em praticamente
52 anos, seis anos menos do que a média dos países de desenvolvimento humano
baixo e apenas dois anos inferior à média da África subsariana. Esta componente do
IDH engloba todos os aspectos relacionados com os cuidados primários de saúde e os
efeitos sobre as taxas de mortalidades – nas suas diferentes dimensões – e de
natalidade. Quanto mais elevada a esperança de vida da população, mais sustentado o
processo de crescimento duma economia.
Depois de 2002, a esperança de vida tem vindo a aumentar, muito
provavelmente como resultado da melhoria das condições de alimentação, habitação,
saúde e saneamento.
Assinalam-se, analogamente, alterações significativas na redução do
analfabetismo dos adultos, embora com uma diminuição de intensidade nos últimos
anos. Em 2012, segundo os registos do PNUD, existiam no país cerca de 25% de
adultos analfabetos. As melhorias neste indicador são importantes para o processo
económico, cada vez mais tributário de mão-de-obra qualificada.
44
FONTE: CEIC a partir de dados do PNUD
Porém, a análise do comportamento dos salários25 mostra que o seu nível
médio ainda é baixo, particularmente se comparado com as necessidades familiares, a
ainda elevada taxa de inflação (embora com nítidas tendências de redução depois de
2003) e os preços altos dos produtos.
O PIB por habitante estimado para 2012 foi de 5576 dólares correntes, em
paridade do poder de compra, uma variação de cerca de 4,7% face a 2011.
Provavelmente, tem sido no rendimento nacional bruto por habitante que as
alterações estruturais se têm relevado mais sustentáveis no tempo, sem que
signifique, no entanto, melhoria substancial, generalizada e sustentada das condições
de vida da população26.
25
Relatório Económico 2012, capítulo Emprego, Salários e Produtividade. Ver também Alves da Rocha:
Salários e Distribuição do Rendimento – O Caso de Angola, CEIC/UCAN, 2013.
26
Um incremento acumulado de 2,65 vezes no período 1995/2011, equivalente a uma taxa média anual
de 5,9%, o que é significativo. Não fosse a inquinação dos canais de repartição do rendimento, hoje o
nível de vida seria mais equitativamente vivido.
45
FONTE: Ficheiros do CEIC.
Em termos de comparações internacionais, Angola, país de desenvolvimento
humano baixo, de acordo com a classificação das Nações Unidas, é o 150º do ranking
de 187 países27 e a sua posição face a outros países é fraca.
FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2011.
O gráfico anterior estabelece comparações entre Angola e outros países
seleccionados em África para 2011. A Noruega e a média internacional do IDH são os
“benchmark”.
O gráfico seguinte actualiza aquelas comparações para 2012.
27
Degradação de dois lugares face à 148ª posição em 2010.
46
FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012.
A Noruega serve de referência pelo facto de ser um dos países mais
desenvolvido do planeta e apresentar o valor mais elevado do IDH, em 2011 e 2012. O
gráfico anterior permite verificar que:
 As Maurícias são o melhor país africano, mas a sua posição
relativa piorou de 2011 para 2012 em relação aos marcos
escolhidos: de 77,2% para 77% relativamente à Noruega e
115,6% para 106,7% face ao IDH médio mundial.
 O nível geral de vida em Angola corresponde a pouco mais de
51% do da Noruega, quer em 2011, quer em 2012.
As comparações internacionais servem também para avaliar o sentido
convergente ou divergente dos processos de melhoria das condições gerais de vida das
populações medidas pelo Índice de Desenvolvimento Humano. Esta avaliação ajuda a
identificar a maior ou menor aptidão dos diferentes países para transformarem o
crescimento em melhoria das condições sociais.
É o caso da China entre 1980 e 2012, que se escapou do conjunto de países da
amostra que consta do gráfico seguinte: em 1980, o IDH era semelhante entre China,
Egipto, Indonésia, Marrocos e Paquistão (valor no intervalo 0,3 e 0,4) e em 2012, a
China está perto dum coeficiente de 0,7, enquanto o Paquistão apenas está na
vizinhança de 0,5.
47
FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012.
Para uma amostra de 7 países africanos subsarianos (Angola, Madagáscar,
Senegal, Zâmbia, Tanzânia, Gâmbia e Malawi), verifica-se a não ocorrência de
significativa divergência: em 2000, o IDH situava-se na proximidade de 0,35 e em 2012
os mesmos países estão em processo de convergência para o intervalo 0,4-0,5 uma
dinâmica relativamente lenta:
As dificuldades de melhoria dos índices de vida são semelhantes
nestes países (uma variação de 1,5% em termos anuais).
Nenhum daqueles sete países conseguiu escapar-se do grupo de
países de mais baixo índice de desenvolvimento humano,
através de políticas sociais e económicas adrede orientadas para
as condições de vida da população. O caso de Angola – com as
potencialidades reconhecidas e as taxas de variação real do PIB
conhecidas – é, seguramente, o mais preocupante.
48
FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012.
Com base na metodologia de cálculo do IDH28 é possível visualizar o conjunto
de desafios a vencer para que Angola possa fazer parte da lista dos países de
desenvolvimento humano médio com limiar de 0,600 para o respectivo índice. Foram
feitas duas simulações: uma, dentro duma evolução normal dos indicadores que
concorrem para o seu cálculo e outra, mais radical e apenas para 2017. Uma das bases
de informação utilizada foi o relatório do Fundo Monetário Internacional de Agosto de
201229.
Os desafios a vencer são enormes. Ganhando-se um ano por ano na esperança
de vida, aumentando-se a escolaridade para 5,8 anos e colocando o rendimento médio
por pessoa próximo de 6500 dólares, a variação percentual do IDH no fim da presente
legislatura será tão-somente de 2% ao ano.
Apesar disso, em 2017 o país deixará o agregado dos países de
desenvolvimento humano baixo e passará a ocupar as últimas posições do grupo dos
de IDH médio (o limiar inferior é de 0,522). Este cenário exige uma monitorização
apertada da implementação das diferentes medidas e políticas que poderão dar corpo
às metas do Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo 2013-2017.
PROJECÇÃO DO IDH PARA ANGOLA
VARIÁVEIS E ÍNDICES
2012
2013
2014
2015
2016
2017
PIB por habitante (usd)
5576
5668
5830
6080
6300
6463
Esperança de vida (EVN)
52
53
54
55
56
57
Anos de escolaridade
4,6
4,8
5,1
5,3
5,5
5,8
28
United Nations Development Program – Human Development Index Report, 2011, página 168.
International Monetary Fund – Angola 2012 Article IV Consultation and Post Program Monitoring,
August 2012.
29
49
Anos escolaridade esperados
9,1
9,1
9,1
9,1
9,1
9,1
Índice EVN
0,505
0,521
0,536
0,552
0,568
0,584
Índice de Educação
0,431
0,440
0,454
0,462
0,471
0,484
Índice de rendimento
0,576
0,578
0,582
0,588
0,593
0,597
Índice Desenvolvimento Humano
0,500
0,510
0,521
0,532
0,541
0,552
FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC.
Um cenário mais radical, mas mais compatível com as reais potencialidades do
país e a urgência de dar à maioria da população níveis de vida e de rendimento
internacionalmente comparáveis, é o de se atingir, em 2017, um IDH de 0,6. Para isso
seria necessário que:
- A esperança de vida atingisse os 60 anos.
- Os anos de escolaridade atingissem o número de 6,5 anos.
- E o rendimento médio por habitante fosse de 9500 dólares.
Compreende-se que a viabilidade deste cenário dependa sobremodo da
distribuição do rendimento, em especial do “distribuir melhor”. O “crescer mais” não
tem sido difícil, porque o sector petrolífero continua a ser a mola impulsionadora – e
sê-lo-á ainda por muito tempo – da economia nacional30, pois não são vislumbráveis
sinais seguros, estáveis, sustentados e consistentes de as energias renováveis
substituírem o petróleo, no contexto de um novo paradigma energético mundial.
O “distribuir melhor” é muito mais complicado, não dependendo da mera
vontade política dos dirigentes. As economias têm os seus mecanismos próprios de
proceder à criação de riqueza e rendimento e de distribuí-los pelos factores de
produção e cidadãos. O modelo actual de acesso aos recursos, rendimento e riqueza
foi arquitectado em torno da distribuição política e familiar – muitas vezes gratuita –
da renda petrolífera, tendo sido criada uma classe social minoritária de cidadãos muito
ricos, indispostos a partilhar património ou rendimento.
Pobreza e poder de compra dos salários
A avaliação do comportamento do poder de compra dos salários tem tido feita
apenas para os salários da Função Pública, tomando-os como referência das
remunerações do trabalho de toda a economia.
As Contas Nacionais de Angola apresentam valores para os salários totais da
economia – por exemplo, em 2007, a remuneração média mensal do trabalho foi
estimada em 16000 kwanzas – mas não estão disponíveis informações recentes.
30
Angola é a segunda mais concentrada economia do mundo, com um coeficiente de exportações de
0,95 (Ivar Kolstad and Arne Wiig – If Divesification Is Good, Why Don’t Countries Diversify More? The
Political Economy of Diversification in Resource Rich Countries”, Conference in Accra, Ghana, 15-16
March 2011.
50
Compulsando o Relatório de Fundamentação do Orçamento Geral de Estado
para 2013 e comparando o envelope salarial total (funcionários civis e militares do
Estado) de 2010, 2011 e 2012, conclui-se: o salário médio nominal dos servidores civis
e militares do Estado aumentou 22,9% em 2011 e 6,85% em 2012. São estes os valores
a serem considerados na avaliação do comportamento do poder de compra das
remunerações do trabalho.
FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC.
Tomando 2013 como base, as conclusões são:
 Ocorreu uma perda acumulada no poder de compra deste tipo de
salários de 10,9% em 2012, contra 8,7% em 2011, portanto, uma
degradação na sua capacidade de aquisição. A explicação está na
expressão dos incrementos salariais e da taxa de inflação: em 2011 o
aumento salarial foi, como referido, de 22,9% para uma taxa de inflação
de 11,4%. Foi um aumento generoso da parte do Estado, que permitiu
recuperar alguma perda do poder de compra nos anos de mais elevadas
taxas de inflação.
 Contudo, não foi aplicada a mesma política em 2012, em que o
incremento salarial médio foi de 6,85%, donde uma perda de 2,3% na
capacidade de aquisição deste tipo de remuneração do trabalho.
51
FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC.
Outra forma de analisar o mesmo problema é retirar da contabilidade a
acumulação da inflação desde 2003 e referir ganhos ou perdas de poder de compra a
cada ano de per se.
FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC.
Como normalmente os trabalhadores agem sob ilusão monetária – olhando
com muito mais interesse para os incrementos nominais – o gráfico anterior mostra
que quando se desvalorizam os salários apenas com as taxas de inflação de cada ano
(dando-se de barato a corrosão salarial provocada pela acumulação da inflação), o
salário real não se afasta tanto do seu valor nominal.
52
A pobreza é um tema polémico, porque ninguém gosta de ser considerado
pobre – ainda que o seja do ponto de vista de critérios internacionalmente definidos –
e também devido ao facto de os governos se sentirem mal com a prevalência deste
fenómeno, pois corresponde afinal à falência das suas políticas sociais e de distribuição
do rendimento.
Também em Angola esta exclusão social, material e imaterial, é tema de muita
controvérsia, preocupando autoridades e a sociedade civil, mas não havendo
convergência quanto ao efectivo valor do índice que a mede.
No Relatório Social de 2011 foram amplamente comentados os resultados do
IBEP 2008/2009, valendo a pena ler as conclusões dessa avaliação.
O CEIC tem um modelo através do qual é possível fazer algumas simulações
quanto ao comportamento da taxa de pobreza. Também no Relatório Social de 2011
foram feitas considerações sobre a mecânica deste modelo e as variáveis centrais das
simulações.
Estão disponíveis muitos estudos sobre a fuga de capitais de África para o
mundo e os efeitos nefastos que produz sobre a perda de eficiência das acções e
políticas de combate conta a pobreza31. Em resultado da fuga de capitais, o continente
perdeu cerca de 700 mil milhões de USD entre 1970 e 2008. Se o capital assim saído
tivesse sido reinvestido nos países que alimentam esta exportação ilícita de capital,
com o actual nível de produtividade do investimento, estimativas apresentadas
sugerem que a taxa de redução da pobreza poderia ter aumentado 4-6 pontos
percentuais por ano, em média, durante o período de 2000 a 2008. Os países
africanos, como um todo, poderiam alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio de reduzir para metade o nível de pobreza de 1990, até 2015, objectivo que,
ao actual ritmo de redução da pobreza, não vão conseguir atingir. A fuga de capitais
também poderia ser canalizada para um maior investimento em infra-estruturas
sociais e económicas.
Reduzir a pobreza e melhorar o nível de vida para níveis compatíveis com os
objectivos de desenvolvimento humano de África vai exigir enormes recursos. Os
recursos não-financeiros incluem um forte compromisso político para com o
desenvolvimento humano que precisa ser traduzido numa visão com objectivos claros
para a sua implementação. Também é crucial a disponibilidade de pessoal qualificado
para implementar as políticas. Se os montantes correspondentes à fuga de capitais tivessem
sido poupados e investidos na economia interna do país de origem poderiam aumentar o
rendimento per capita e ajudar a reduzir a pobreza.
Angola é um dos países africanos relativamente ao qual a fuga de capitais
ocorre em proporções por enquanto desconhecidas: “Na Nigéria e Angola, por
exemplo, a redução da pobreza implicaria um investimento adicional de 10,7 mil
milhões de USD e de 3,6 mil milhões de USD por ano, respectivamente, no período de
2000 a 2008”32.
A estimativa para a taxa de pobreza de 2012 é de 37,3%, considerando-se uma
elasticidade pobreza-rendimento de -1.
31
Ver Africa Economic Outlook 2011
32
Ver Africa Economic Outlook 2011.
53
FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC.
Contudo, para o estado actual de distribuição do rendimento nacional, que
levou o Governo e o partido que o apoia a reconhecer assimetrias e desequilíbrios
importantes e injustos e a gizar políticas e acções tendentes a corrigi-los, a elasticidade
pobreza-rendimento pode ser menor e se tal for o caso então a taxa de pobreza pode
ser maior.
Uma cenarização até 2017 e mantendo-se a elasticidade pobreza-rendimento
em -1, fornece as indicações seguintes.
Taxa
cresc.
do PIB
Taxa
cresc.
Taxa
pobreza
População c/ e = -1
2013
5,0
2,7
36,63
2014
5,1
2,7
35,97
2015
5,3
2,7
35,28
2016
5,2
2,7
34,63
2017
5,3
2,7
33,96
Uma taxa de pobreza na vizinhança de 30% em 2017 pode ser conseguida com
mais crescimento económico, correcções nos mecanismos de repartição do
rendimento, mais emprego e melhores salários.
Enquanto isto, a evolução da despesa daquilo que o discurso oficial chama do
sector social mantem-se não ou menos estacionário.
54
55
CAPÍTULO 3
COMPROMISSO COM A SAÚDE
A saúde é um dos factores que contribui para a sustentabilidade dos
processos de crescimento económico. Uma boa saúde influencia, a curto prazo, o
crescimento do PIB através da redução do absentismo constante ao trabalho,
nomeadamente em relação a doenças conhecidas como endémicas, de onde se
destaca, para Angola, a malária. Um sistema de saúde estruturado e assente em
vectores simultaneamente preventivos e curativos é reconhecido como um factor de
sustentabilidade do crescimento económico, sobretudo pela confiança que incute nos
seus utentes, presentes ou potenciais. Na verdade, algumas evidências empíricas
reconhecidas em estudos do Banco Mundial e do PNUD apontam para índices
relevantes de correlação entre melhor saúde e incremento da produtividade geral do
trabalho. E como se sabe a produtividade é uma base importante para o crescimento
económico e um elemento determinante para a melhoria dos modelos de repartição
do rendimento.
Por outro lado, a natureza e a estrutura dos sistemas de saúde – para além da
sua universalidade, podem ter algumas especificidades relacionadas com as
características próprias dos países – é um elemento que ajuda a melhorar os níveis do
rendimento real das populações, e por essa via, reduzir os coeficientes de pobreza dos
cidadãos. Um sistema de saúde de qualidade e de baixo custo de acesso liberta
recursos orçamentais das famílias para outras funções, como a educação, a
alimentação e outras vertentes do seu nível de vida. Daí que, tendencialmente, o
acesso à saúde (ou a determinado tipo de saúde, mais relacionado com os aspectos
básicos das condições de vida da população) deva ser gratuito, em especial em países
com recursos financeiros provenientes da exploração de petróleo ou outras utilidades
não renováveis. Com efeito, o “trade off” entre saúde e receitas do petróleo deve ser
gerido de forma a libertar crescentemente meios financeiros para garantir a prestação
gratuita de serviços de saúde. Mais importante que manter os subsídios aos preços dos
combustíveis é garantir um orçamento para a saúde que concorra para a sua
universalização e extensão por todo o território nacional.
56
Acresce ainda outro elemento que ajuda a maximizar os efeitos dos serviços
de prestação de saúde: a sua geografia territorial, ou seja, a forma como se encontram
localizados e implantados no contexto da administração do território. Em Angola,
continuam a ser Luanda e as zonas costeiras do país a concentrarem recursos
(financeiros, humanos e materiais) destinados aos investimentos no domínio da saúde.
A geografia da saúde é bastante assimétrica, notando-se situações – noticiadas pelos
órgãos de comunicação nacionais – de praticamente inacessibilidade a cuidados
mínimos em determinados municípios e comunas do território nacional. Ainda neste
sentido, da assimetria, encontram-se casos de desigualdade entre centros urbanos. O
CEIC conduziu uma pesquisa em Luanda e no Uíge sobre o tipo de serviços de saúde
prestados, a sua qualidade e a percepção dos utentes, tendo-se concluído por uma
discrepância muito grande entre as duas províncias, com prevalência clara para
Luanda33.
Daí que o Ministério da Saúde, consciente destas assimetrias que não
contribuem para se tornar mais arreigado o espírito de reconciliação nacional, tenha
definido estratégias e políticas de municipalização dos serviços de saúde, destinando
um volume mais elevado de recursos para as zonas mais afastadas dos grandes centros
urbanos.
O sistema nacional de saúde está organizado em três níveis: primário,
secundário e terciário. Hospitais, centros de saúde e postos de saúde integram esta
orgânica, que deveria funcionar em harmonia de modo a abarcar o máximo de pessoas
num envolvimento de prestação de bons serviços de saúde. Evidentemente que para
isso, meios materiais e recursos financeiros e humanos são necessários, mas que têm
de ser obtidos através duma lógica de prioridades orçamentais nacionais, que
estabeleçam uma tipologia das necessidades sociais. Compete ao Ministério da Saúde
comprovar, nesse quadro de prioridades, que o sector da saúde é importante para o
bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento económico do país. Mas compete-lhe
igualmente demonstrar a eficiência na utilização de recursos, nomeadamente
financeiros, que são sempre escassos. A disputa por meios orçamentais depende,
evidentemente, de factores políticos de liderança sectorial, mas sobretudo da boa
prestação de contas das verbas alocadas, o que, via de regra, não acontece no país.
Os sectores da saúde são, em qualquer parte do mundo, de enorme
complexidade na sua organização e gestão. Em toda a parte se reconhece o direito à
saúde como um direito constitucional – como, de resto, em Angola – mas, muitas
vezes, os financiamentos escasseiam, são limitados ou mesmo inexistem. No país, os
problemas e as dificuldades resultam de uma série de factores e condicionalidades,
relacionadas com os efeitos duma guerra civil de 27 anos, mas também da atitude dos
utentes, nem sempre de compreensão pelas dificuldades – que aumentam à medida
do crescimento da economia, da população e da exigência dos consumidores – e de
boa utilização das facilidades que o Estado coloca à sua disposição. Pensa-se muitas
vezes que por serem do Povo podem ser utilizados sem critério.
O sector da saúde em Angola, tem vindo a registar avanços em diferentes
domínios do seu funcionamento. A maior capacidade técnica dos serviços do
Ministério da Saúde, o aumento dos recursos financeiros orçamentais e um maior
33
Grandes desigualdades regionais nos serviços de saúde em Angola, Angola Brief CEIC-CMI, Maio 2011
Volume 1 nº 4
57
empenho dos responsáveis podem ser as razões que o justificam. Porém, ainda não se
tem um serviço nacional de saúde com padrões internacionais, nem compaginável com
o estatuto de país rico em recursos financeiros do petróleo.
58
3.1.- Quadro epidemiológico do país
O perfil epidemiológico do país foi dominado por cinco principais doenças: a
malária, as doenças respiratórias, as doenças diarreicas, a disenteria e a febre tifóide,
que, em conjunto, representaram 97% do total das doenças notificadas e 75 % dos
óbitos.
FONTE: CEIC de dados da DNSP, CPDE, 2012
As doenças transmissíveis têm vindo a registar uma progressiva redução na sua
taxa global de mortalidade, provavelmente resultado duma maior actuação sobre os
vectores comunicadores. Nos últimos quatro anos assinala-se um decréscimo de 16,9
pontos percentuais, correspondente à diferença entre as taxas de 77,9 casos por
100.000 habitantes em 2012 e 94,2 em 2009, como se pode verificar no gráfico
seguinte.
59
FONTE: CEIC de dados do BM
Outro facto a assinalar é o agravamento das doenças psicossomáticas e
traumatológicas. As autoridades de saúde consideram que o país está a viver uma
endemia silenciosa de distúrbios cardiovasculares (hipertensão) que têm sido
responsáveis por um número cada vez maior de mortes.
Não obstante, o quadro nacional de doenças continua a ser fortemente
dominado pela malária (62% dos casos notificados), seguido das doenças respiratórias
agudas e das doenças diarreicas agudas, cujas causas estão associadas à qualidade da
água consumida, ao fraco saneamento básico e à cada vez maior poluição do meio
urbano. Não deixa de ser criticável a elevada incidência dos casos de malária, num país
com um elevado montante de receitas fiscais provenientes da exploração do petróleo
e com evidentes condições para erradicá-la através da melhoria substancial do
saneamento básico e da correcção das incidências negativas da época das chuvas nos
principais centros urbanos. Sabe-se que a malária, ao provocar elevadas taxas de
absentismo ao trabalho, tem consequências económicas graves, diminuindo a
capacidade contributiva do trabalho para o rendimento nacional. Se fosse feito um
balanço custos-benefícios da erradicação da malária, o resultado seria, seguramente,
muito positivo para a economia e a população.
A proporção de óbitos ocasionados por estas doenças também pende para a
malária, que no ano passado foi responsável por quase 6.600 óbitos.
60
FONTE: CEIC de dados da DNSP, CPDE, 2012
Em termos de taxas, há a assinalar uma maior letalidade para as doenças
diarreicas agudas, que representam 9% das doenças notificadas, em relação às
doenças respiratórias agudas com 19%. De igual modo se sinaliza uma taxa de
letalidade superior para a febre tifóide com 3% das doenças notificadas, em relação à
disenteria com 4%.
Estes indicadores nacionais não se apresentam da mesma forma no meio
urbano e no meio rural. No meio rural é preciso relativizar o peso das doenças
respiratórias e acentuar o das doenças diarreicas agudas que ganham o segundo lugar,
após a malária que é a doença predominante no meio urbano e rural.
3.1.1. A Malária
A malária é reiteradamente das doenças mais registadas e a principal causa de
notificação de óbitos. A malária é responsável por um valor estimado de 11% da
mortalidade em crianças menores de cinco anos de idade, por 25% da mortalidade
materna e representa a principal causa de mortalidade, doença e faltas ao trabalho e à
escola.
O gráfico seguinte ilustra um registo cronológico do número de casos da
endemia, de 2003 a 2012, podendo-se referenciar dois períodos distintos: o primeiro,
entre 2003 e 2006, onde se observa uma diminuição significativa de casos; o segundo,
entre 2007 e 2010, com um agravamento da doença. Em 2011 houve um prenúncio de
abrandamento, mas em 2012 voltou a verificar-se uma subida dos casos notificados.
61
FONTE: CEIC de dados do CPDE/ DNSP
É de supor que o Ministério da Saúde esteja na posse das explicações para
estes altos e baixos no comportamento dos casos notificados de malária no país, pois,
tal como ocorre noutros países africanos, no geral e na SADC em particular, têm sido
conseguidos registos sustentáveis de abaixamento da incidência desta doença. Entre
2003 e 2006, a diminuição da doença foi expressa por uma percentagem de -28,1%,
ganho completamente perdido durante o período 2007/2012, durante o qual o
número de casos de malária aumentou praticamente 74%. Que razões afinal explicam
este enorme retrocesso no combate à malária? Crescimento da população, cujo ritmo
se mantém em 2,9% ao ano? Crescente urbanização sem condições de acolhimento
dos migrantes? Falta de meios de combate à doença? Carência de recursos financeiros
das famílias para a prevenção e o combate à malária, atendendo à ainda elevada taxa
global de pobreza no país? Provavelmente, um misto entre todas elas.
Anos
Casos
notificados
(milhões)
Taxa de
mortalidade
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
3,2
2,5
2,3
2,3
2,7
3,4
3,7
3,7
1,2
0,5
0,6
0,4
0,3
0,3
0,3
0,2
3,5
0,4
4
0,3
Fonte: CEIC de dados da DNSP, CPDE, 2012
Numa abordagem de longo prazo (2003-2012) o incremento percentual foi de
25%, o que atenua um pouco a gravidade desta doença, mas que não deve diminuir o
62
tom crítico que se deve ter, pois no século XXI deveria ser já uma doença inexistente
nas estatísticas da saúde.
Nota-se uma divergência entre as tendências dos casos notificados
(crescente) e a da taxa de mortalidade (decrescente), o que é um bom sinal.
3.1.1.1. Geografia da doença
A incidência geográfica da malária apresenta-se assimétrica, no quadro geral de
o país ser considerada uma região endémica. São geralmente consideradas três áreas
diferentes: a híper-endémica, a meso-endémica estável e a meso-endémica instável,
como se pode observar no gráfico.
FONTE: CEIC de dados do INE
Contudo, as informações dão conta duma menor notificação em algumas
províncias classificadas como híper-endémicas: Uíge (30,4%), Lunda-Norte (37,6%) e
Lunda-Sul (40,8%) que são de alto risco epidémico. Outras províncias de classificação
meso-endémica, quer estável, quer instável e as híper-endémicas apresentam alto
nível de notificações: Luanda (73%), Cuando-Cubango (69,5%) Cuanza-Norte (71,8%) e
Cabinda (72,7%).
3.1.1.2. Prevalência e letalidade
Segundo o Serviço Nacional de Saúde, a prevalência da malária, em 2012,
situou-se em 19,7%, registando uma progressão de 0,7 pontos percentuais em relação
a 2011, ano em que se fixou em 19%. Em 2012 registaram-se 3.974.894 casos clínicos,
63
dos quais resultaram 6.600 óbitos, representando uma taxa de mortalidade de
32,5/100.000 e uma variação positiva de 3% dos casos notificados, embora com um
crescimento negativo de óbitos em 10 pontos percentuais.
As zonas rurais registam uma maior incidência (18,4%) que as zonas urbanas
(16,5%)34.
Os grupos mais vulneráveis e em maior risco continuam a ser as crianças (de
menos de 5 anos) e as mulheres grávidas. Estima-se que a malária seja responsável por
51,1% das causas de morte e de 60% dos internamentos hospitalares em crianças com
menos de 5 anos, para além de ser a causa de 10% dos internamentos hospitalares de
mulheres grávidas. A taxa de incidência da doença, em crianças com menos de 5 anos,
tem vindo a variar entre 35% (em 2003) e 23% (em 2010), assinalando-se, assim, uma
redução de 12 pontos percentuais, neste período.
O Serviço Nacional de Saúde procura a redução da prevalência da doença mas a
notificação dos casos tem ficado sempre acima do programado35.
No decurso do ano, a quantidade de pessoas diagnosticada com malária, no
meio rural, foi de 10,7% mas apenas 9,1% foram medicadas. Nos centros urbanos, o
quadro é quase idêntico. Foram diagnosticados 9% de doentes, dos quais apenas 8,1%
foram medicados.
Fonte: CEIC de dados INE, 2012.
34
Segundo dados do IBEP de 2010, relativamente à população que teve Febre ou Malária nos 30 dias
anteriores à aplicação do inquérito.
35
O programa de 2009 previa uma prevalência situada nos 900 mil casos e foram notificados cerca de
2,9 milhões de casos.
64
3.1.1.3. Formas de Combate e Tratamento
As formas de combate utilizam como método preventivo o mosquiteiro e a
desinfestação com pulverização e fumigação de DTT. No entanto, não parece haver
uma orientação clara e uniforme para a utilização deste método, pois a sua taxa de
implementação situa-se em cerca de 7% (8% nas zonas urbanas e 6,5% nas áreas
rurais), sendo que grandes centros urbanos como Luanda não ultrapassam 3,6 % de
agregados familiares com habitações pulverizadas. A política de combate à
transmissão da doença, por meio do uso de mosquiteiro, embora em progressão, na
grande maioria das regiões endémicas não vai além dos 42,9%, como se pode
constatar no quadro.
Pulverização com insecticida de efeito residual (PID) e uso de MTI, durante os
últimos 12 meses
Característica
Residência
Urbano
Rural
Região
hiper-endémica
endémica estável
endémica instável
Luanda
Total
Agregados com
habitações
pulverizadas
(%)
Agregados com
pelo menos uma
MTI
(%)
Número de
agregados
(mil)
8
6,5
42,9
35,5
3
5
7,7
7,2
10,1
3,6
7
35,2
39,1
42,4
36,8
38,3
1,8
3,1
1,2
1,8
8
FONTE: CEIC, a partir de dados do Inquérito de Indicadores de Malária 2011.
Quanto ao uso de mosquiteiro tratado com insecticida (MTI), por grupos de
pessoas de risco: crianças (0-4 anos de idade) e mulheres grávidas (12-49 anos de
idade) registam baixos indicadores nas zonas urbanas, sendo de 19,1% para as crianças
e de 20,2% para as mulheres grávidas. Nas zonas rurais é ainda mais baixo, com 13,3%
para as crianças e 16,2% para as mulheres grávidas.
65
FONTE: CEIC de dados do INE (2012)
A nível nacional, cerca de 83,6% das crianças (0-4 anos) e 81,6% das mulheres
grávidas (12-49 anos) são vulneráveis à transmissão do plasmódio, ou seja, não usam
nenhum método preventivo.
E, como se constata no gráfico, à medida que a idade aumenta maior é o
número de crianças que não usam mosquiteiro (tratado ou não tratado). Assim, há
37% de crianças, de 0-11 meses de idade, que usaram mosquiteiro, ao passo que são
apenas 20% as crianças de 48-59 meses de idade, que usaram um mosquiteiro (sendo
12% mosquiteiro tratado e 7% não tratado).
FONTE: CEIC de dados do INE (2012)
66
Há a assinalar contudo uma curva crescente de pessoas que usam cada vez
mais um mosquiteiro (tratado ou não), o que indica uma maior tomada de consciência
e maior preocupação das pessoas em relação à gravidade do problema. No tratamento
da malária são utilizados anti-palúdicos e antipiréticos de que se destacam o Coartem
que é um anti-palúdico de última geração, aconselhado pela Direcção Nacional de
Saúde Pública (DNSP) como tratamento de primeira linha e o Paracetamol
(antipirético).
FONTE: CEIC de dados do INE 2012
As crianças são as que mais são atingidas pela doença, sobretudo na primeira
idade. Como se pode ver pelo gráfico, cerca de 39,6% de crianças dos 0-4 anos de
idade, nas zonas urbanas e 33,5% nas zonas rurais tomaram anti-palúdico ao
manifestar sintomas de febre e paludismo. Há uma predominância da doença no meio
urbano que consequentemente tem também uma maior percentagem de uso dos antipalúdicos, situando-se em 41,1%, enquanto no meio rural o seu uso, mais baixo, não
ultrapassa os 26,1%.
A maior incidência de tratamento com estes medicamentos ocorre na província
do Bengo que está numa zona endémica. A menor incidência é registada na de
Benguela que está numa zona endémica moderada estável.
3.1.2.- Doenças respiratórias agudas
As doenças respiratórias agudas (DRA) vêm em segundo lugar, das doenças
mais notificadas, a nível nacional, depois da malária. Em 2012, foram notificados
1.236.523 casos, de que resultaram 1.656 óbitos, numa taxa de letalidade de 0,13% e
67
uma variação anual de 12% (2011-2012), confirmando uma tendência crescente, nos
últimos cinco anos.
FONTE: CEIC de dados do DNSP 2012
Houve um agravamento das taxas de incidência, sobretudo nas províncias do
Moxico (118%), Bié (125%), Cuanza-Sul (118%), Luanda (130%), Uíge (115%), Lunda-Sul
(155%), Benguela (135%) e Bié (125%). Luanda (24%) e Huambo (22,4%) as províncias
mais afectadas pelas doenças respiratórias.
No entanto, há a apontar uma redução considerável da taxa de letalidade, já
que a tendência positiva de notificação de casos não foi acompanhada de uma
proporcional progressão de óbitos, tendo o número destes se mantido estável, ao
registar, em 2010, os mesmos 1.556 óbitos (para 987,4 mil casos) que tornaram a
ocorrer, em 2012, apesar de ter havido, entre 2010 e 2012, um aumento sucessivo de
notificações, correspondendo a uma progressão de mais 249.102 casos.
FONTE: CEIC de dados do DNSP 2012
68
3.1.3.- Doenças diarreicas agudas
No quadro das doenças notificadas, em 2012, as doenças diarreicas agudas vêm
em terceiro lugar, mas revelaram-se, no conjunto, a segunda mais mortífera,
registando 2.857 óbitos, em 567.883 casos notificados.
Fonte: CEIC de dados da DNSP 2012
As Doenças Diarreicas Agudas apresentam, nos cinco últimos anos uma
progressão em alta, constante, quer em notificações, quer em óbitos, como se pode
observar.
Fonte: CEIC de dados da DNSP 2012
69
A partir do ano de 2009 verificou-se um crescimento do número de casos
notificados (+41.278) registando-se um aumento do número de óbitos, No entanto,
2009 corresponde à mais baixa taxa de letalidade (0,23 %) e de óbitos
3.1.4 - Disenteria
Em 2012, a disenteria registou 225.269 casos, provocando 275 óbitos,
correspondendo a uma taxa de letalidade de 0,12%. Verificou-se um incremento de
42.803 casos, em relação a 2011, ano em que se notificaram 182.466 casos e 183
óbitos, correspondendo a uma taxa de letalidade de 0,10%. Estes números confirmam
a tendência em alta dos cinco últimos anos (2008-2012) em que os registos da doença
progrediram em linha ascendente, para os casos notificados e em linha descontínua
em relação aos óbitos.
3.1.5 - Febre Tifóide
A febre tifóide, em 2012, registou 173.000 mil casos, com 389 óbitos
representando 2,5% da totalidade dos óbitos, com uma variação de 6% de casos e de
29% de óbitos em relação ao ano anterior que registou 27.148 casos e 49 óbitos.
Fonte: CEIC de dados da DNSP 2012
70
3.1.6. - Tuberculose
A tuberculose pulmonar continua a ser um sério problema de saúde pública,
não somente pela sua acção incapacitante sobre a mão-de-obra, mas também devido
ao crescente alastramento que esta doença regista, por estar associada à carência
alimentar e ao VIH/SIDA.
FONTE: CEIC de dados da DNSP 2012
Embora haja muitos casos que não estão cobertos pelos centros de saúde, a
taxa de prevalência é de 0,31 % atingindo, em particular, pessoas com a idade
compreendida entre os 15 e os 45 anos, grupos etários que representam a força
produtiva. A taxa de notificação, em 2011, foi de 311/100000 habitantes, com uma
taxa de cura de 45%, muito aquém do programado, que é de 85%. A cobertura vacinal
contra a tuberculose está virada para os recém-nascidos, crianças e mães grávidas,
quando devia ser uma componente da política de saúde pública da família.
3.1.7. - VIH/SIDA
Os dados do Instituto Nacional de Luta contra a Sida (INLS) indicam, até finais
de 2012, um total de 41,2 mil de novos casos de VIH e de SIDA, correspondendo a 0,6%
do total de infecções esperadas para o país, numa população estimada em 20,1
milhões de habitantes, o que assinala uma curva regressiva, mas ainda não sustentada,
71
pois regista também uma retomada em relação aos três últimos anos, em que foram
registadas 0,2% de infecções, sucessivamente em 2009 e 2010 e 0,4% em 2011.
Apesar dos baixos indicadores do VIH/SIDA e da redução da taxa de letalidade,
devido ao acesso e à acção dos anti-retrovirais, mais enfatizados porque Angola se
situa numa região com altos índices de seroprevalência, a doença continua a constituir
uma grande preocupação de saúde no país, ceifando muitas vidas, apesar de haver
uma tendência regressiva de infecções e uma redução dos óbitos (em mais de 20%)
pela acção (e acesso) dos anti-retrovirais.
Estimativa do VIH/SIDA em Angola, 2009 a 2012
Indicadores sobre VIH/SIDA
2009
2010
2011
2012
Prevalência em adultos
2,40%
1,98
1,97
Pessoas de mais de 15 anos vivendo com
210.775 172.881 212.558 300.000
VIH
Crianças( 0-14 anos) com VIH
28.367
23.008 37.280
Mulheres vivendo com VIH
127.617 104.194 145.320 156.221
Mulheres grávidas seropositivas
20.428
Mortes adultos (15-49 anos)
13.929 10.402 13.728
Mortes (crianças 0-14 anos)
3.531
Órfãos vítimas do Sida
12.597
16.724 15.913
113.228
Seropositivos com acompanhamento
médico-hospitalar
Pessoas com terapêutica de ARV
54.428
Fonte: CEIC a partir de dados do INLS e Spectrum, 2011
Do número total de pessoas afectadas com VIH, mais de metade são mulheres.
A relação entre comportamento de risco e prevenção da doença, através da utilização
do preservativo, ajudam a entender melhor as formas de propagação.
O gráfico mostra como e em que proporção o preservativo é utilizado, durante
o acto sexual. Do total de entrevistados, 37,2% dos homens manifestaram ter utilizado
preservativo, mas apenas 0,8% das mulheres declararam usar preservativo durante o
acto sexual.
72
Fonte: CEIC a partir de dados da UNGASS 2012
Constata-se que existe um fraco conhecimento das formas de prevenção da
doença, que resulta também de uma informação epidemiológica oficial insuficiente.
Continua a haver uma rápida progressão das taxas de infecção, em grupos específicos,
como os dadores de sangue, doentes com tuberculose e grávidas. A política de sangue
seguro debate-se com falta de controlo adequado das transfusões de sangue e da
qualidade do sangue dos dadores.
Para satisfazer as suas necessidades, o país, nos termos das normas
internacionais, precisa de 280.000 unidades de sangue por ano (o que corresponde a
20 doacções por 1000 habitantes, por ano). No entanto, segundo os dados do Centro
Nacional de Sangue a nível nacional, o sector público da saúde apenas dispõe de uma
capacidade de recolha e controlo de cerca de 70 mil unidades de sangue, que
corresponde a cerca de 25% das necessidades previstas.
Fonte: CEIC, desde informações da INLS
De acordo com o inquérito realizado pelo INLS, pode-se referir que as
províncias de Luanda, Cunene e Benguela apresentam-se com a taxa de prevalência
mais alta e respectivamente de 39,8%, 8,5% e 9,5%. As províncias do Bíe, Kuanza Norte
e Lunda Sul apresentam a taxa de prevalência mais baixa do país.
A prevalência do VIH/SIDA em mulheres grávidas de 15-49 anos foi de 2,8%, em
2009. Verifica-se que a prevalência mais elevada ocorre com mulheres entre os 25-29
anos, com 3,2%; entre 30-34 anos, 3,5%; e entre 25-29 anos, 4%. A prevalência
mediana nacional do VIH foi mais elevada entre mulheres com maior nível
73
educacional. Esta diferença varia entre 3,6%, em 2007, entre mulheres com o III nível
de escolaridade básica ou mais, para 2,4%, com mulheres analfabetas. Este dado
parece contradizer a lógica do maior conhecimento estar directamente correlacionado
com a melhor possibilidade de controlo da doença. No entanto, este dado pode
significar que este grupo populacional, das mulheres mais escolarizadas, ser o que
mais procura e tem acesso a consulta médica pré-natal e consequentemente, poder
haver um número mais alto de mulheres testadas. Sendo que foi entre as funcionárias
públicas que se destacou um maior aumento de prevalência, variando de zero por
cento de prevalência em 2004, para 4,3%, em 2007.
Fonte: CEIC de dados do INE
Contudo, apesar deste aumento da prevalência, é de notar que, ao nível da
população entre os 15-24 anos de idade, 75,6%, nas zonas urbanas e 23,9%, nas zonas
rurais, têm conhecimento sobre a doença e conhecem um lugar para fazer o teste do
HIV e SIDA, e destes, 24,3%, nas cidades, e 16,8%, no campo, já fizeram o teste. Cabe
também referir que, ao nível das fontes de informação, a rádio e a televisão se
encontram entre os principais veículos e, muito menos, os locais de trabalho ou
escolas.
Dados de um inquérito realizado a uma amostra da população em 2010
referem que 95% de homens e 92% de mulheres vivendo em zonas urbanas conhecem
as cinco formas de prevenir a transmissão do VIH. Nas zonas rurais 58% de homens e
72% das mulheres responderam positivamente a esse conhecimento
74
Fonte: CEIC de dados do INCAPSIDA, INLS/COSAP Angola
As mulheres com informação das formas de prevenção está ainda abaixo do
nível médio, pois cerca de 44% conhecem a importância, usam o preservativo e
acreditam que limitar parceiros sexuais previne o risco de contaminação ou infecção
do VIH e SIDA, e 38% manifesta a combinação das duas.
Esta doença afecta a família no seu todo, do ponto de vista económico e social,
pela debilidade que provoca na pessoa infectada e não tratada que, muitas vezes,
pode perder o emprego e assim reduzir a renda no contexto familiar. Além desse facto,
as crianças órfãs, além de perderem os pais, têm dificuldade de enquadramento
familiar ou pouco suporte para continuarem a sua vida com a alimentação correcta ou
com acesso ao sistema de ensino, em tempo útil. Este efeito tem um impacto de tal
ordem que não se observam grandes diferenças entre o acesso a frequência escolar
entre crianças a residir no meio urbano e aquelas a residir em meio rural.
75
Fonte: CEIC de dados do INE/IBEP e UNGASS 2012
Para os dois anos em análise no gráfico, as crianças com ambos pais vivos ou
um deles têm maior acesso à escola em relação aos órfãos de pais.
Os serviços de Atendimento e Testagem Voluntária (ATV), em unidades fixas e
móveis, foram alargados para além das capitais provinciais e passaram de 154, em
2007, para 233, em 2009. A integração do programa de PTV nos centros de saúde da
rede estatal e a inclusão da testagem para o VIH nas clínicas com serviços de
assistência pré-natal, permitiu a expansão da actividade do PTV. Todos estes serviços
encontram-se actualmente disponíveis nas 18 províncias do país, verificando-se um
aumento, em proporção, do número de pessoas a viver com VIH, com
acompanhamento. O número de adultos e crianças com VIH, em estado avançado,
com acesso à terapia anti-retroviral gratuita passou de 7.884 (2007) para 20.640
(2009).
A Terapia anti-retroviral na grávida passou de 6% (2007) para 12% (2009), com
destaque do sucesso na prevenção da transmissão vertical do VIH. A estratégia de
prevenção da transmissão vertical do VIH permite reduzir para menos de 5% a
transmissão da infecção em crianças expostas. Em 2009, observou-se uma redução de
2,7% de infecções em crianças nascidas de mães seropositivas infectadas, em
comparação com 2004 (3,3%) e 2007 (3,3%).
Os serviços que oferecem tratamento anti-retroviral aumentaram de 9, em
2004, para 494, em 2009, localizados em 111 dos 164 municípios do país (67,7%) e
distribuídos por 251 unidades fixas (do sistema nacional de saúde) e 77 móveis,
estimando-se uma cobertura populacional de 80%, aproximadamente.
Angola tem características económicas, sociais e culturais para que o VIH/SIDA
se propague rapidamente dentro das comunidades, devido às práticas de alto risco
(parceiros sexuais múltiplos, poligamia e prostituição), pouco conhecimento sobre a
doença e sobre o seu impacto, a vizinhança com países com altos índices de
prevalência e devido à livre circulação de pessoas e bens, depois de um longo período
de instabilidade, causada pela guerra. É necessário incentivar o processo que leve ao
desenvolvimento de políticas e programas públicos, dirigidos a modificar esses
determinantes para diminuir carências, reduzir disparidades e adoptar medidas de
prevenção.
A tais factores juntam-se o elevado número de relações de risco por falta de
cuidados dos parceiros; deficientes serviços pré-natais e de planeamento familiar;
acesso deficiente aos serviços de saúde reprodutiva; terapia anti-retroviral
insuficiente, com a falta de prevenção da transmissão materno-fetal; existência de
doenças endémicas generalizadas como a malária, má nutrição, tuberculose,
tripanossomíase e epidemias frequentes; falta generalizada de cuidados de saúde de
qualidade, por carência de recursos humanos qualificados e recursos materiais;
campanhas de sensibilização deficientes ou insuficientes; falta de mais educação
sexual nas escolas; falta de informação massiva sobre a doença e sobre os métodos de
segurança; baixa qualidade de vida das populações; rendimentos familiares muito
baixos; desemprego; número bastante elevado de crianças e jovens ainda fora do
sistema de ensino.
76
Existe um Plano Estratégico Nacional de combate ao VIH/SIDA (2007-2010), e uma
abrangente lei de VIH/SIDA com vista a proteger os direitos das pessoas portadoras de
VIH/SIDA.
3.1.7 - Doenças sexualmente transmissíveis
As Doenças de Transmissão Sexual, em 2012, registaram 106.000 casos
notificados quando no ano de 2011 assinalaram 89.900 casos, 79.900 casos em 2010 e
81.700 casos em 2009 e 61.440 casos em 2008. No entanto, esta linha de progressão
registada em relação aos casos notificados, não é acompanhada pelos óbitos
registados que seguem em sentido inverso, descendente, nos cinco últimos anos, de
24 óbitos, em 2008, para 7, em 2012, apesar de haver, pelo meio, algumas variações,
como se pode conferir no gráfico.
Fonte: CEIC de dados da DNSP 2012
Como se constata as Doenças Sexualmente Transmissíveis têm taxas de letalidade
que variam, no período referido, entre 0,04% (2008) e 0,01% (2012).
77
3.2. Indicadores-chave da saúde
3.2.1. A mortalidade infantil
O facto mais saliente neste item refere-se à acentuada quebra na taxa de
mortalidade infantil entre 1996/2001 e 2006-2011.
Fonte: CEIC de dados do INE/IBEP e UNGASS 2012
Apesar das elevadas taxas de mortalidade infantil e infanto-juvenil estarem a
decrescer, ainda há necessidade de estabelecer um serviço de vacinação regular, em
todas as unidades hospitalares, nomeadamente nas zonas rurais. Melhorar a dieta
básica das populações, através do desenvolvimento de campanhas de educação para o
aproveitamento de alimentos de cultivo local, mais ricos em vitaminas e outros
nutrientes, de modo a reduzir a taxa de crianças mal nutridas e com má nutrição
crónica e incrementando o acesso à cesta básica que não deve ser mais onerosa que o
salário mínimo nacional.
3.2.2.- A mortalidade materna
Dados recentes mostram um bom progresso nos últimos dez anos. A
mortalidade materna diminuiu de 880 para 610 mortos por cada 100.000 nados vivos
78
mas Angola, para alcançar o objectivo cinco dos ODM, onde se propõe a redução da
mortalidade materna em três quartos até 2015, continua a precisar de fazer um
grande esforço para baixar este índice.
Para que esta redução seja possível, factores como acesso a cuidados primários
de saúde, infra-estruturas de saúde, assistência qualificada durante a gravidez,
sobretudo, mas ainda tendo em consideração o planeamento familiar, a prevenção de
doenças transmissíveis, os cuidados pré-natais que permitem a detecção de doenças
da mãe. O planeamento familiar, a utilização de métodos contraceptivos, não só
podem garantir o controlo da transmissão de doenças, como também, o número de
partos, em tempo adequado para a recuperação da saúde da mãe e sua condição para
que a gravidez e partos seguintes ocorram em momentos em que a sua saúde está
fortalecida e existam condições de nutrição adequadas para a sobrevivência ou vida da
criança que nasce.
Um número importante de mulheres nas zonas rurais ainda tem os partos em
casa, enquanto a maioria delas, nas zonas urbanas recorre a unidades de saúde e,
entre estas, 67,6% é atendida num centro de saúde e 73,1% por pessoal de saúde
qualificado, enquanto 42,3% das mulheres nas não tiveram ou não recorreram a um
centro de saúde para serem observadas. A importância do atendimento durante o
período de gestação e do parto, é fundamental, pois permite a redução de morte por
causas obstétricas, mas, ainda assim, pode-se afirmar que se está longe da situação
ideal, pois só, aproximadamente, metade da população em idade fértil, em todo o
país, teve assistência por parte de profissionais de saúde qualificados.
3.3.- Saúde preventiva
A política de saúde preventiva do país tem os seus fundamentos num conjunto
de programas e uma série de “boas práticas”. Estão em curso o Programa de Luta
contra o VIH/SIDA, o Programa Alargado de Vacinação (PAV) que assegura a cobertura
vacinal, nomeadamente contra o sarampo, a poliomielite, a tuberculose, bem como, o
suprimento de vitamina A e desparasitação, através da administração regular de
Albendazol, entre outros.
As “boas práticas” são as campanhas da Lavagem das Mãos e de Higiene bocal
oral, de prevenção da Gripe H1N1, informação e educação sobre a alimentação da
criança, dos 6 meses aos 5 anos e informação sobre a Raiva e Tétano.
3.3.1. Programa de Cobertura Vacinal
O programa nacional de vacinação engloba uma série de vacinas, desde a
primeira infância, com a Pentavalente 3, mais a vacina contra o sarampo, contra a
tuberculose e contra a poliomielite. A vacina Pentavalente 3 tem uma cobertura actual
79
de 73%, no conjunto do país. O calendário de vacinação nacional assinala um conjunto
de jornadas nacionais e sub-jornadas provinciais.
3.3.1.1. Vacina contra o Sarampo
O gráfico abaixo ilustra a cobertura de crianças imunizadas contra o
sarampo.
Fonte: CEIC a partir de dados do Banco Mundial
Esta registou quedas de 74% (em 2002) para 45% (em 2005), desde este momento
tem-se verificado crescimento progressivo ao nível da taxa de cobertura, registando o
seu pico 91% (em 2010) com uma queda para 88% (em 2011).
3.3.1.2.- Vacina contra a Tuberculose
Como se pode observar, a incidência de tuberculose em 100 000 pessoas esta
crescer a uma taxa média anual dos 4 últimos anos à uma cifra de 2%, que não deixa
de ser preocupante em função do crescimento populacional e dos cuidados em relação
ao combate. Sai de 260/100 000 pessoas (em 2002) para 310/100 000 pessoas, com
uma taxa de crescimento 19,2% em relação ao ano base (2002).
80
3.3.1.3.- Vacina contra a Poliomielite
Há registar uma progressão na cobertura vacinal contra a poliomielite, embora
a doença esteja por erradicar do país desde 2000. Embora haja um cenário positivo,
permanecem vulnerabilidades do sistema nacional de saúde, nomeadamente aos
fluxos migratórios de populações dos países vizinhos que fazem com que haja
ressurgências ou que novas estirpes de vírus penetrem o território.
No ano de 2012 continuaram as campanhas intensivas de vacinação, segundo o
lema: “Chuta a pólio para fora de Angola (África)”, tendo sido realizadas três
campanhas nacionais (Março, Abril e Maio) e subjornadas provinciais, em função da
notificação de casos, em cada uma das províncias.
3.3.1.4.- Situação vacinal em geral
Relativamente a todas as doenças infantis, os resultados ainda estão longe de
garantir uma cobertura universal para todas as doenças evitáveis. Por exemplo a
cobertura do Tétano é de 77%, a do Sarampo de 88% e a da Febre-amarela de 40%.
3.5. Despesas com a Saúde
3.5.1. Na perspectiva do Orçamento
Na situação em que ainda se encontra o sistema nacional de saúde, compete
ao Estado e ao Orçamento Geral garantirem a máxima qualidade na prestação de
cuidados primários e não primários de saúde. Um país com saúde é um país com uma
acrescida disposição e disponibilidade para o trabalho, o que concorre para o
crescimento económico e o índice de felicidade dos cidadãos. Tem havido uma maior
atenção da parte do OGE pelo sector da saúde, o que é absolutamente normal, num
quadro caracterizado por carências, insuficiências e debilidades.
Conforme se referiu mais atrás, o país dispõe de receitas fiscais petrolíferas de
elevado quilate e enquanto a situação no mercado internacional do crude se mantiver
favorável, deve aproveitar-se esse clima para dotar o sistema nacional de saúde com
infra-estruturas materiais e capital humano que garantam a sua sustentabilidade e
reprodutividade no futuro. O alcance de bons níveis nos indicadores de saúde é uma
condição necessária para que os membros de uma sociedade exerçam as suas funções,
contribuindo assim tanto para a realização social como para a realização pessoal. Para
o alcance de tais níveis é necessária a realização de investimentos significativos, tanto
na saúde curativa, como na saúde preventiva.
Nos últimos cinco exercícios orçamentais, constatou-se que as despesas
orçamentais com a saúde nem por isso registaram um aumento significativo. Dum
81
montante global de 2,26 mil milhões de dólares em 2008, passou-se para uma valor
total de 2,4 mil milhões em 2012, um incremento total de apenas 6,2%, ou uma taxa
média anual de variação nominal insignificante de 1,5%. Deste modo, nem a saúde
chega a todos os angolanos, nem o será feiro duma maneira mais rápida. Repare-se
que a taxa de progressão das despesas orçamentais com a saúde foi inferior à taxa de
crescimento da população (2,9% ao ano).
FONTE: CEIC de dados do OGE
Nem mesmo em termos relativos – indicador que denuncia a escala de
preferências do Estado quanto às suas funções sociais – os gastos com a saúde
sofreram alterações visíveis. Com efeito, entre 2010 e 2012, o seu peso relativo no
conjunto das despesas totais do Estado manteve-se, ou seja, não se alterou a escala de
prioridades públicas no que às necessidades sociais concerne.
FONTE: CEIC de dados do OGE
82
Vale no entanto a pena aduzir que o mais importante é a eficácia dos gastos
com a saúde e não tanto a sua expressão monetária. A despeito das insuficiências atrás
anotadas e das necessidades para a prestação de uma saúde de melhor qualidade,
nem sempre estes desideratos são obteníveis com mais dinheiro. O modo como as
despesas (de investimento e correntes) são executadas e a natureza dos projectos de
investimento público influenciam muito a eficiência dos gastos com a saúde.
Esta percentagem revela-se bastante baixa quando procedemos a um
exercício de comparação internacional. Como vemos no gráfico abaixo, em 2010,
Angola foi o país da África Austral que menos investiu em saúde relativamente ao total
dos gastos públicos. Quando incluímos outros países do mundo, diferentes tanto em
volume do PIB como em população, verificamos que Angola continua a estar muito
abaixo do que aqueles gastam em saúde.
FONTE: CEIC desde os dados do PNUD (2013)
Projectando a população angolana, assumindo que os dados eleitorais são
uma boa aproximação à população de maior idade, que a taxa de crescimento da
população é igual a 2,9% e que mais de metade da população tem menos de 18 anos,
verificamos que as despesas, per capita, em saúde pública tiveram um comportamento
relativamente errático ao longo do tempo: 106,5 dólares em 2008, 96,6 dólares em
2009, 69,9 dólares em 2010, 91,7 dólares em 2011 e 105,4 dólares em 2012.
Seguramente que os ajustamentos macroeconómicos e orçamentais determinados
pela crise económica e financeira mundial de 2008/2009 tiveram a sua influência sobre
a atribuição de verbas públicas aos diferentes sectores.
83
Fonte: CEIC desde o OGE (2008-2012)
A análise da evolução da distribuição das despesas com a saúde nos últimos
quatro exercícios orçamentais evidencia a manutenção da importância dos Serviços
Hospitalares Gerais, enquanto os Serviços de Saúde Ambulatórios e os Serviços se
Saúde Não Especificados são substituídos, em termos de importância, pelos Serviços
de Centros Médicos e de Maternidade e pelos Serviços de Saúde Pública. O quadro
abaixo evidencia o que acaba de ser dito.
Fonte: CEIC de dados do OGE (2008, 2009, 2010, 2011, 2012)
Estas tendências reflectem o esforço de melhoria da capacidade sanitária para
fazer frente a saúde preventiva e da aproximação dos serviços hospitalares as
comunidades. No entanto, estes esforços de proximidade e de prevenção contrastam
com a significativa diminuição das despesas como os Serviços de Saúde Ambulatório
que denotam menos atenção a tipos de enfermidades determinantes no
melhoramento dos indicadores de saúde.
84
Fonte: CEIC de dados do OGE (2010,2011,2012)
Os programas de saúde pública têm assinalado, nos últimos anos quedas no
nível de financiamento público. Por exemplo, as despesas com o programa de luta
contra as grandes endemias têm vindo a baixar, tendo passado de 7,43 mil milhões,
em 2010, para 4,92 mil milhões, em 2012. Já para o programa de luta contra o VIH e
SIDA há assinalar aumentos, embora não muito significativos, indo de 1,54 mil milhões,
em 2010, para 1,82 mil milhões, em 2012, deixando assim o maior encargo de
financiamento do Programa Nacional de Luta contra o VIH/SIDA na mão de doadores
estrangeiros.
3.5.1. Desenvolvimento de infra-estruturas e de recursos humanos
A questão dos recursos humanos, tanto em quantidade como em qualidade,
constitui um dos principais obstáculos para o desenvolvimento do sector da saúde. A
cobertura de pessoal médico-sanitário, no país, é muito baixa e tem uma distribuição
muito desigual. Luanda concentra 65% dos recursos humanos da saúde, as demais
capitais de província concentram cerca de 20%, enquanto os restantes 15% estão no
resto do território. Há também uma grande insuficiência, em praticamente todo o
território, de técnicos de diagnóstico e terapêutica, de fisioterapia, de estomatologia,
de farmácia e de várias outras especialidades.
Em 2012, o pessoal ao serviço do sector da saúde (pública e privada), em todo
o país, integrou 10.028 médicos, 30.000 enfermeiros, 2.640 técnicos de diagnóstico e
terapêutica e 20.697 pessoal administrativo, de apoio hospitalar e auxiliares.36.
Participação dos Sectores por actividades funcionais - PIP 2012
Sectores
Actividades Programadas
36 Relatório de Execução do Plano Nacional do ano 2008,
85
Valor (milhões Kz)
Valor (%)
Economia Real
Infra-Estruturas
Económicas
Agricultura
29.928,07
3,50
Hotelaria
261,08
0,03
Industria
2.299,45
0,27
Comércio
3.976,29
0,47
I-sub-Total
36.464,89
4,27
Obras Publicas
233.793,40
27,36
Energia
123.741,55
14,48
Transportes
50.281,17
5,88
Telecom. E Tec. Da Informação
16.356,50
1,91
65
0,01
47.218,16
5,53
471.455,78
55,17
Educação
7.883,72
0,92
Cultura
1.357,53
0,16
Ciência e Tecnologia
3.914,29
0,46
III-sub-Total
13.155,54
1,54
Saúde
23.534,23
2,75
1.706,11
0,20
247
0,03
Adm. Publ. Emp. Seg. Social
2.575,26
0,30
Ant. Comb. Vet Guerra
2.941,95
0,34
Justiça
2.946,00
0,34
233.793,35
27,36
4.955,43
0,58
Administração do Território
Gab. Obras Especiais
II-sub-Total
RH e C&T
Infra-estruturas Sociais
Assist. e Reinserção Social
Família e Promoção da Mulher
Urbanismo e Habitação
Juventude e Desporto
Ambiente
882,2
0,10
3.393,89
0,40
276.975,42
32,41
9.866,37
1,15
Planeamento
13.140,88
1,54
Interior
12.098,52
1,42
Defesa
1.998,50
0,23
Estado Maior General
1.150,51
0,13
Sec. Geral Pres. República
12.849,08
1,50
Sec. Conselho de Ministros
2.118,70
0,25
Serviços Inteligência Externa
3.271,58
0,38
56.494,14
6,61
854.545,77
100,00
Comunicação
IV-sub-Total
Adm. Superior e Defesa
Finanças
V-sub total
I- Total sectores
(I+II+III+IV+V)
A matriz das preferências governamentais em matéria de investimentos públicos
expressa-se por significativos desequilíbrios. Numa perspectiva global, as infra-estruturas
económicas subscreveram mais de 55% do total dos investimentos públicos, tendo sido
reservado para os sectores sociais uma margem de 32%. O destaque nesta atribuição de
verbas foi para o urbanismo e habitação, também uma das áreas prioritárias das acções de
86
reconstrução do país e de melhoria das condições de vida da população. O sector da saúde foi
beneficiado com 2,75% do PIB, ou seja, um montante de 235 milhões de dólares.
87
CAPÍTULO 4
COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO
A educação concluiu este ano um longo processo de reforma (2002-2012) que visou
estabelecer um sistema unificado de educação, alargar o acesso, melhorar a qualidade,
reforçar a eficácia e assegurar a equidade do sistema. Porém, o papel da educação continua a
não ser entendido como um factor estratégico de desenvolvimento e de progresso social.
Apesar de ser um direito fundamental, consagrado na Constituição da República, na prática é
assumida como um encargo da família e o Estado se desonera da sua fraca prestação, não
atendendo à sua importância como base necessária para a formação de uma mão-de-obra
nacional de qualidade, que possa permitir um crescimento económico diversificado e
sustentado.
Porém, a ideia de que a educação tem um papel estratégico para o desenvolvimento
do país ainda não é um dado partilhado unanimemente. A política da educação continua a ser
de manutenção e crescimento de infra-estruturas sem um esforço maior em relação a
capacitação da componente humana da escola. Os problemas continuam os mesmos, parece
haver uma incompreensão daquilo que todos sabem e que por vezes repetem, em relação ao
papel central do professor no sistema de educação. O papel central do professor na
construção de um sistema de educação sustentável, moderno e de qualidade ainda não foi
compreendido ou, pelo menos, assumido como prioridade. O sector, apesar de estar a concluir
uma longa reforma de cerca de dez anos, não ganhou ainda a importância que merece, nem os
níveis de satisfação e eficácia desejados e necessários para o crescimento económico e para o
progresso social e cultural do país e dos cidadãos, de maneira a fazer de Angola numa
sociedade moderna, economicamente competitiva que permita um desenvolvimento
sustentável, atento às questões do meio ambiente e que se coloque, de forma determinada,
na rota da institucionalização, consolidação e aperfeiçoamento de um sistema nacional de
educação que permita ao país aceder a uma relativa autonomia na ciência, tecnologia e
inovação, alcançando uma melhor coordenação, articulação e complementaridade das
iniciativas, esforços e sinergias de todos os agentes educativos, quer públicos, quer privados,
quer ainda comunitários ou religiosos. Insiste-se na construção, um pouco a eito, meio
“desordenada”, de infra-estruturas sem ter uma abordagem de conjunto do sistema educativo
nacional e da sua relação com a estrutura económica actual e as perspectivas de
desenvolvimento almejadas pelo país, quer a médio, quer a longo prazo.
No entanto, todos actores intervenientes na educação são unanimes em dizer que a
formação de professores de qualidade é o alicerce de toda a construção do edifício da
educação nacional mas os dirigentes deste sistema não agem em conformidade de maneira a
ultrapassar-se a mediocridade da educação actual que apenas produz diplomados e não
quadros competentes e de adequado perfil técnico-profissional.
Não é pois excessivo insistir na ideia de que a educação, para além de ser um direito
fundamental, consagrado na Constituição da República37, é o sector de maior importância para
o crescimento económico diversificado e que deve ser entendido como uma prioridade
37
Vide Artigo 35.°, parágrafo 6, da Constituição da República de Angola.
88
absoluta para o progresso social, cultural e ético-moral do país. É ainda o sector que permite
resultados duradoiros, quer em relação a política de desenvolvimento sustentado, quer de
justiça social.
Questionar o estado da educação como compromisso social permanente, em que o
Estado assume a liderança do processo, independentemente da ideologia do governo em
funções, é interrogar sobre o estado e a qualidade da preparação da mão-de-obra nacional,
dos seus perfis técnico-profissionais e da sua empregabilidade, como forma da sua integração
no processo produtivo como pilar fundamental do progresso social das famílias e dos cidadãos.
A política da educação, para além das suas ferramentas legais, das suas condições
materiais e financeiras e sobretudo da sua componente humana, é, antes de mais, uma prática
quotidiana que tem que ser questionada de forma permanente para poder progredir, através
de processos participativos que envolvam todas as forças vivas do país e, particularmente,
todos os agentes nela intervenientes (o Estado, as igrejas, as empresas, os actores
comunitários, os pais e a sociedade civil e personalidades. A sua materialização carece de
condições legais, programáticas, materiais, financeiras e humanas de maneira a dar resposta
aos compromissos internos externos do Estado para possibilitar a educação como direito
universal, um direito fundamental para a vida, aquele que permite o acesso a outros direitos
sociais, consagrados na lei38.
O sistema de educação nacional está estruturado em quatro níveis: pré-primário,
primário, secundário e superior, integra os sectores público, privado e comparticipado e tem,
no seu conjunto, orientação pedagógica do Estado, a quem cabe também o papel de entidade
de inspecção, através dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior e Tecnologia, das
direcções provinciais, municipais e comunais respectivas, através de uma verticalização que
permanece centralizada, apesar das reformas administrativas.
O ensino privado e comparticipado permitem, como evidente, o alargamento do
acesso à educação e vêm aumentando a sua expansão e consolidação, representando,
actualmente mais de 10% do total de estudantes do Ensino Primário e Secundário
Ao longo dos dez últimos anos (2002-2012) o Estado, buscando “realizar a
escolarização de todas as crianças em idade escolar, erradicar o analfabetismo de jovens e
adultos e aumentar a eficácia do sistema educativo”, promoveu uma reforma do ensino
primário e secundário que produziu alterações no ensino primário, tornando-o mais longo em
termos de escolaridade, passando de 4 anos para 6 anos (da 1ª a 6ª classe) em regime de
monodocência. Medida esta que tem sido bastante contestada e não tem dado bons
resultados, por evidente falta de preparação do corpo docente39. Ao nível do ensino
secundário, opera-se mudanças orgânicas, dotando-o de dois ciclos, primeiro ciclo, com três
anos, 7ª, 8ª e 9ª classes, com mudanças de programas e de manuais, e o segundo ciclo com
quatro anos curriculares igualmente, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª.
Da mesma maneira, em busca da “readaptação do sistema educativo, com vista a
responder às novas exigências da formação de recursos humanos, necessários ao progresso
socioeconómico da sociedade angolana”, promoveu a estruturação territorial do ensino
superior, instituindo as regiões académicas que deram origem ao crescimento do ensino
superior.
O relatório para dar uma visão da situação actual do sistema de educação faz,
primeiro, uma abordagem geral sobre a população escolar, os níveis de cobertura e a taxa
líquida de frequência e, seguidamente, a análise dos três subsistemas de ensino: primário,
secundário e universitário.
38
Refere-se, aqui, em particular, o direito ao trabalho.
A monodocência parece ser o ponto mais fraco da reforma do ensino primário e tem sido contestada
por docentes, e respectivo sindicato (SINPROF) e por encarregados de educação.
39
89
População e cobertura escolar
2012
Níveis e
Iniciação
Primário
Secundário
Universitário
Indicadores
(5 anos)
(de 6 a 11 anos)
(de 12 a 18 anos )
(de 19 a 22 anos )
População
726.062
3.569.807
2.843.744
1.512.600
Matriculados
570.079
(-3%)
5.022.144
(+2,99%)
962.222
(+3%)
150.000
(+7,1%)
78,52%
140,68%
33,84%
9,91%
57,68%
24%
Cobertura
Bruta
Líquida
Fonte: CEIC, a partir de dados do GEPE - Ministério da Educação.
O país regista, em termos de matrículas, incluindo iniciação, ensinos primário,
secundário e universitário e, ainda, educação para adultos e ensino especial, uma população
escolar nacional que se cifra em 7.225.234 estudantes, o que corresponde a um incremento de
1,44% em relação ao ano anterior (7.122.397). No entanto, num quadro ideal de cobertura
nacional plena, a população escolar nacional, em função das faixas etárias correspondentes
aos diversos subsistemas, deveria ser de 9.136.284 estudantes, correspondendo, por isto, a
1.979.684 crianças e jovens (21,7%) fora do sistema de ensino nacional.
Há também a assinalar que o incremento de matrículas, no ensino primário e no
secundário, em relação ao ano anterior, foi apenas de 2,99% e de 3%, respectivamente, ao
mesmo nível praticamente do índice de crescimento da população, o que quer dizer que há
um efeito nulo em relação as crianças e os jovens fora do sistema de educação. Mais grave
ainda é o verificado na iniciação, onde se registou uma diminuição de matrículas, na ordem
dos -3%, em relação a 2011, ano que registou, neste nível de ensino, 587.700 matriculados. O
pior é que a tendência decrescente é constante desde 2008 (711.025 matriculados), ano em
relação ao qual se constata uma perda acumula -19,9% de matriculados.
4.1. Ensino Primário
90
O ensino primário é obrigatório e gratuito, tido como o ponto de partida para o
ensino sistemático e a base do ensino geral, é o pilar sobre o qual assenta toda a cadeia de
educação e formação profissional e de aquisição do conhecimento, pelo que o acesso universal
à educação primária, sem diferenças sociais, sem descriminação de género, nem assimetrias
territoriais é uma meta a atingir, embora seja definido como uma prioridade e o subsistema
mais demandado pelas populações e, por isto, aquele que também mais inquieta as famílias e
sobre o qual as suas expectativas são mais definidas. A escola primária de qualidade aparece
assim como uma necessidade não somente social mas também política, económica e cultural.
Para se dar uma visão sobre o estado do ensino primário, aborda-se, neste parágrafo,
a evolução da cobertura escolar, do corpo docente, das infra-estruturas e equipamentos
escolares e do correspondente rendimento escolar, procurando diferenciar os indicadores por
género, região, província e em relação aos meios urbano e rural.

Cobertura escolar
A cobertura escolar do ensino primário, na sua extensão total, tendo em conta toda a
extensão do território nacional, o ensino público, privado e comparticipado, é de 78%, para a
escola pública, 17% para a escola privada e 5% para a escola comparticipada. Sendo que no
meio urbano, a escola pública, cobre 69%, enquanto a escola privada 25% e escola
comparticipada 6%. Já no meio rural, a escola pública cobre 91%, sendo o restante dividido
pelas escolas comparticipadas e privadas que quase não existem.
Em 2012, o ensino primário fez 5.022.144 de matrículas, mais 2,99% que no ano
anterior (4.875.868) correspondendo a 81,9% do conjunto de estudantes matriculados nos três
subsistemas da educação nacional. A estes números deve-se acrescer 570.079 matriculados na
iniciação, 502.350 na educação de adultos e 18.439 no ensino especial.
Quadro ? :Cobertura escolar no ensino primário
2012
Níveis e
Primário
Indicadores
(de 6 a 11 anos )
População
3.569.807
Matriculados
5.022.144
(2,99%)
Cobertura
Bruta
140,68%
57,68%
Líquida
Este subsistema regista, este ano, no ensino primário, a taxa bruta de escolaridade
nacional, de 140,68% pois há 5.022.144 estudantes matriculados, quando a população que
deve frequentar o ensino primário, é apenas de 3.569.807 crianças, correspondendo a 17,7%
91
dos 20,2 milhões de habitantes de Angola. Esta taxa bruta registada vai no sentido da
tendência altista dos últimos anos. Como se pode observar na tabela infra, a taxa bruta de
escolarização, no período dos cinco últimos anos, 2008-2012, situou-se sempre acima dos
100%, o que demonstra um aumento progressivo da capacidade de absorção das crianças em
idade escolar, nomeadamente a obrigatória.
Evolução da Taxa de Escolaridade, no ensino primário
Taxa de escolaridade
Bruta
Líquida
2008
139,1%
2009
146,1%
2010
--%
2011
140,5 %
57,60%
2012
140,68%
57,68%
Fonte:CEIC, a partir de dados do GEPE do MED.
No entanto, este superavit da taxa bruta de cobertura escolar é enganoso porque
denuncia o problema do atraso escolar, que persiste de forma reiterada, particularmente para
o ensino primário, em que 59%40 da sua população deveria estar a frequentar o ensino
secundário. Deduzindo os retardatários (2.963.065) do total de matriculados (5.022.144) os
alunos matriculados, com idade correspondente ao ensino primário (6-11 anos), são apenas
2.059.079, para uma população escolar primária de 3.569.807, o que determina uma taxa
líquida de frequência de cerca de 57,68%. O que tem como consequência haver cerca de
1.510.728 crianças, nessa faixa etária (6-11 anos) fora do sistema de ensino e um atraso
escolar que se mantem quase inalterado, com 2.963.064 estudantes que estão em classes que
não correspondem às respectivas idade e ocupam, por isto, os lugares dos mais novos.

Evolução do corpo docente
Já ficou dito que os recursos humanos têm um papel fundamental e, por isto, a
evolução quantitativa e qualitativa do corpo docente é da maior importância para o progresso
do sistema de educação.
Em 2012, o corpo docente, do ensino primário registou 139.159 professores,
correspondendo a uma progressão quantitativa de 4,26%, em relação ao ano anterior.
Evolução do corpo docente no ensino primário
(2008-2012)
Ano
Efectivos
Novos
docentes
Taxa de
crescimento
2008
106.940
9.079
8,49%
2009
121.206
14.266
13,34%
2010
125.290
4.084
3,36%
2011
133.469
8.179
6,5%
40
Vide IBEP, Relatório Analítico, vol. I, Luanda, INE, 2011, pp. 58-60, nomeadamente a Tabela 5.4, sobre
a Taxa Líquida de frequência do ensino primário.
92
2012
139.159
5.690
4,26%
Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED

Evolução das infra-estruturas e equipamentos escolares
Durante 2012, a evolução das infra-estruturas e equipamentos escolares registou
52.873 salas de aulas, em todo o país, correspondendo a mais 1.540 salas novas, isto é, uma
evolução de 3%, em relação ao ano anterior (51.333), numa tendência crescente sustentada
que regista, nos cinco últimos, 7.265 novas salas de aulas construídas, que representa uma
média de 1.453, ano, e que corresponde a uma taxa de variação positiva de 15,9%, como se
pode ver no quadro infra:
Quadro ? - Evolução de salas de aula, no ensino primário (c/ iniciação)
2008-2012
2008
2009
2010
2011
2012
V(08-12)%
45.608
(-%)
46.976
(3%)
48.386
(3%)
51.333
(6%)
52.873
(3%)
15,9
Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED

Rendimento escolar
Em relação ao rendimento escolar, no ensino primário, porque se implementou uma
reforma nos dez últimos anos, as autoridades reitoras do sector têm tendência a comparar o
aproveitamento no antigo sistema de educação e no novo sistema, ressaltando que este
“aumentou a taxa de aprovação em todos os níveis de ensino, reduziu a taxa de repetência e
de abandono e melhorou a eficácia interna do sistema de ensino”, podendo isto ser constatado
através do quadro infra que faz um resumo exaustivo explicito dessa realidade, acabando com
a ideia de que o rendimento escolar é negativo e que de classe para classe, o número de
alunos baixa abruptamente.
Quadro ?: Rendimento Escolar
Antigo Sistema
Novo Sistema
Sistema de
Educação
Fases da Reforma
Taxas
Ensino Primário
Experimentação
Generalização
Aprov.
Reprov.
Aband.
Aprov.
Reprov.
Aband.
Aprov.
Reprov.
Aband.
42%
32%
26%
91,10%
6,08%
2,82%
82,30%
4,50%
13,20%
Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED
Como se pode ver, no quadro supra, os níveis de reprovação baixaram
drasticamente, passando de 32%, no início da reforma, para 4,5%, nos últimos anos, com
níveis de aprovação situados em 82,3%, na fase de generalização, quando já havia registado,
na fase de experimentação da reforma, o valor de 91,10%, embora o nível de aprovação, no
93
antigo sistema não passasse de 42%. Outro indicador de interesse a observar é o referente ao
abandono escolar (desistência) que se situava, no antigo sistema, em 26%, tendo-se fixado na
fase final em 13,2%, depois de ter rondado, na fase de experimentação, 2,82%.
Em relação a eficácia interna, o novo sistema, segundo os indicadores do MED,
atinge, um coeficiente de 90% e uma taxa de promoção de 80%, para uma taxa de repetência
de 13,2% e de desistência de 6,9%, enquanto o antigo sistema registava um coeficiente de
eficiência de 62%, para uma taxa de promoção de 46,7%, para uma taxa de repetência de,
26,8% e uma taxa de 27%, para a desistência, como se pode verificar no quadro infra:
Quadro ? – Eficácia Interna
Antigo Sistema
46,7%
26,8%
27%
62%
5,6%
Indicador
Taxa de Promoção
Taxa de repetência
Taxa de desistência
Coeficiente de eficácia
OGE % para a Educação
Novo Sistema
80%
13,2%
6,9%
90%
(8%)
Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED
Porém estes números mais recentes não se compaginam com indicadores
anteriormente publicados em documentos igualmente oficiais, em que se fala de taxas de
repetência, para o novo sistema, na ordem dos 22%, para uma taxa de desistência de 24%,
enquanto para o anterior sistema, se registava uma taxa de repetência de 32% e de desistência
de 25%, com taxas de promoção de 54%, para o novo sistema e de 48%, para o antigo sistema,
como se pode ver no gráfico infra.
Fonte: CAARE/MED citado em Informação sobre a Implementação do Novo Sistema de Educação.
Reforma Educativa do Ensino Primário e Secundário - Ministério da Educação 2008.

O abandono escolar
94
No entanto, parece haver alguma melhoria nos principais indicadores do sistema
educativo, depois da reforma e sobretudo com o alargamento do programa de merenda
escolar. Pelo menos é o que afirmam alguns diagnósticos feitos no âmbito da avaliação da
reforma educativa. Mas, esses mesmos instrumentos de avaliação mostram que a taxa de
abandono permanece quase alterada, apesar da acção social na escola, o que indica que há
outros factores exógenos (transporte escolar, merenda escolar, orientação profissional, saúde
escolar etc.) que actuam sobre essa população de alunos que indiciam ter condições sociais
semelhantes41.
A situação de incremento do sistema de educação primária não é uniforme ou, pelo
menos, não tem tido o mesmo efeito, em relação ao território nacional, como se pode ver no
gráfico infra:
4.2. Ensino secundário
Em 2012, o ensino secundário registou 962.222 matrículas, sendo 638.436
estudantes, para o 1º ciclo, e 323.786 estudantes para o 2º ciclo, verificando-se uma taxa
bruta de cobertura para o subsistema de 28,91% (sendo de 41,6% para o 1º ciclo e de 18,03%
para o 2º ciclo), o que indica a persistência de uma disfunção do sistema educacional que não
garante uma continuidade sustentada entre os dois primeiros subsistemas de ensino,
assinalando fraco rendimento escolar, desde o subsistema primário, onde se continua a
verificar grande número de abandono, de reprovação e repetência, originando grandes perdas
na transição do subsistema primário para o secundário. A redução na taxa bruta de cobertura
deve-se também ao facto do novo sistema ter alongado o ensino secundário em mais um ano,
aumento desta maneira a população escolar do ensino secundário que é de 3.327.786,
correspondente a 16,5% da população total do país (IBEP 2010).
41
Informação sobre a Implementação do Novo Sistema de Educação. Reforma Educativa do Ensino Primário e
Secundário - Ministério da Educação 2008
95
A tabela infra mostra de forma sintética a realidade dos números, relativos ao ensino
secundário, em 2012:
Quadro ?: cobertura escolar no ensino secundário
2012
Níveis e
Secundário
Indicadores
(de 12 a 18 anos )
População
3.327.786
1.532.798
1.794.988
962.222
Matriculados
Fonte: CEIC,
dados do
Ministério
Educação.
1º ciclo
2º ciclo
638.436
(66,35%)
323.786
(33,65%)
28,91%
Bruta
Cobertura
41,6%
A
18,04%
a partir de
GEPE da
taxa
de
Líquida
escolaridade, quer bruta, quer líquida, no ensino secundário tem evoluído de forma
sustentada mas de forma muito lenta e muito distante das necessidades de conformidade dos
subsistemas e de alargamento do ensino secundário em grande escala para proporcionar um
alargamento do nível de escolaridade média do país e garantir um plano nacional alargado de
formação técnico-profissional.
Evolução da Taxa de Escolaridade, no ensino secundário
Taxa de escolaridade
Bruta
Líquida

2008
%
%
2009
%
%
2010
20,6%
%
2011
33,8 %
24%
2012
33,84%
%
Cobertura escolar
O ensino secundário é mais presente nas zonas urbanas, e menos nas zonas rurais,
onde há uma fraca frequência desse nível de ensino. A prevalência do ensino secundário nas
96
zonas urbanas é devido também ao facto de que estas zonas contam com escolas privadas,
enquanto nas zonas rurais as escolas privadas são praticamente inexistentes.
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Ensino Secundário

Angola
Urbano
Rural
Índice de desigualdade de género
Em relação as diferenças de género, no acesso ao ensino secundário, em 2012, não
há informações do órgão reitor do sector que na sua informação recorre a indicadores
estimados do INE (2009), considerando que no novo sistema educativo há um índice de
paridade igual a 0,99. Porém, o CEIC considera que esse indicador está próximo da realidade
do ensino primário mas muito distante da realidade do ensino secundário, como se pode
verificar pelo gráfico infra:
Assim podemos considerar, grosso modo, que dos 962.222 matriculados no ensino
secundário, em 2012, dois terços são do sexo masculino e um terço do sexo feminino. Na
97
transição do ensino primário para o ensino secundário, existe uma queda da taxa de
frequência total mas também por sexo, desfavorecendo o sexo feminino sobretudo no meio
rural. Porém, há uma tendência para uma maior aproximação entre o género, no 2º ciclo
(323.786), por força de haver um maior aproveitamento para o sexo feminino, como se pode
constatar no gráfico infra:
Fonte: CEIC a partir de dados do Ministério da Educação

Evolução do corpo docente
Em 2012, o corpo docente do ensino secundário cifrou-se num total de 106.819
professores, sendo 71.415, para o 1º ciclo e 35.404 professores para o 2º.ciclo,numa evolução
de 6,45% e de 8,59%, respectivamente.
Evolução do corpo docente no ensino secundário
(2008-2012)
Ano
Efectivos
Novos docentes
Taxa de crescimento
1º ciclo
2ºciclo
1º ciclo
2ºciclo
1º ciclo
2ºciclo
2008
52.077
26.202
2.067
1.129
3,97%
4,31%
2009
59.024
29.698
6.947
3.230
13,34%
12,32%
2010
60.689
29.432
1.665
-266
2,8%
-0,90%
2011
67.086
32.604
6.397
3.172
10,54%
10,78%
2012
71.415
35.404
4.329
2.800
6,45%
8,59
Fonte: CEIC-UCAN a partir de dados do GEPE, MED
A evolução do corpo docente deste subsistema, nos últimos cinco anos, tem registado
uma tendência crescente não uniforme, a uma média de 7,42%, para o 1º ciclo e de 7,02%,
para 2º ciclo, tendo havido um ano negativo, como se pode conferir no quadro infra.
98

Evolução das infra-estruturas escolares
Quanto a infra-estruturas, o ensino secundário, em 2012, regista 5.691 salas,
correspondendo a 4.020 salas de aulas do 1º ciclo e 1.671 do 2º ciclo, assinalando uma
progressão total de mais 167 salas de aulas que no ano anterior (5.524), numa variação
sustentada média de 3,19%, como se pode ver no quadro infra.
Nível
Ensino
Quadro ? - Evolução de salas de aulas, no ensino secundário
2008-2012
2008
2009
2010
2011
2012
de
V%
1º Ciclo
3.467
3.571
3.678
3.902
4.020
16,0
2º Ciclo
1.441
1.484
1.529
1.622
1.671
15,9
4.908
5.055
5.207
(0,95%)
(3%)
(3%)
Fonte: CEIC, a partir dos dados do GEPE do MED.
5.524
(6%)
5.691
(3%)
15,95
Total

Rendimento escolar
O rendimento escolar, no ensino secundário, depois das reformas, segundo as
autoridades reitoras do sector, tem aumentado, sendo os actuais índices de aprovação,
comparados aos do antigo sistema, mais elevados, para além de ter baixado as taxas de
repetência e abandono escolar. O quadro infra faz um resumo explícito dessa realidade:
Sistema de
Educação
Quadro ?: Rendimento Escolar no Ensino Secundário
Antigo Sistema
Novo Sistema
Fases da Reforma
Taxas
Experimentação
Generalização
Aprov.
Reprov.
Aband.
Aprov.
Reprov.
Aband.
Aprov.
Reprov.
Aband.
1º Ciclo
45%
29%
30%
83,4%
12,80%
3,30%
67,10%
16,80%
15,10%
2º Ciclo
44%
30%
29%
27,3
14,20%
8,50%
70,80%
13,30%
15,90%
Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED
Como se pode ver, no quadro supra, os níveis de reprovação baixaram, passando, no
1º ciclo, de 29%, no início da reforma, para 16,80%, nos últimos anos, e indo, no 2º ciclo, de
30%, no antigo sistema para 13,30% no novo sistema. Os níveis de aprovação passaram, no 1º
ciclo, de 45% para 67,10%, no novo sistema. Por outro lado, o abandono escolar reduziu em
cerca de metade, nos dois ciclos, passando de 45% para 15,10%, no 1º ciclo, e de 44% para
15,90%, no 2º ciclo.
E, este aumento da oferta educativa e melhoria da eficácia interna, levou a uma
progressão do número de diplomados, nos últimos cinco anos, tendo passado de 35.402, em
99
2008, para 57.201 em 2012, representando um crescimento de 61,58%, como se pode
constatar, no quadro infra.
Quadro ? – Graduados no Ensino Secundário
2ºCiclo Ensino Secundário
2008
2009
2010
2011
2012
Formação de Profº.
10.220
11.855
12.116
12.480
12.854
Médio Técnico
17.987
19.965
22.161
23.511
24.943
Geral
7.195
7.986
8.864
9.130
9.404
TOTAL
35.402
39.806
43.145
45.121
57.201
No entanto, os 57.201 diplomados do ensino secundário, de 2012, representam
apenas 17,66% dos efectivos matriculados no 2º ciclo, no mesmo ano lectivo (323.786) ou
5,9% do total de matrículas do ensino secundário. Não deixa de ser interessante notar que
foram diplomados, em 2011, 12.480 professores mas, em 2012, apenas ingressaram 5.690
novos professores, para o ensino primário.
1. Educação de adultos
Segundo o gráfico infra, o país tem cerca de 45% da sua população, com mais de 17
anos de idade, que não concluiu nenhum nível de ensino. A população com 18 anos ou mais
anos de idade, segundo o IBEP 2010, representa 45,7% da população total do país
(20.168.400), ou seja 9.216.959 pessoas, das quais 4.147.632 nunca frequentou a escola e, por
isto, constitui a população potencial do ensino de adultos, nomeadamente da alfabetização.
Fonte: CEIC, a partir dos dados do “ Angola em Números”, INE, 2012.
100
Porém, o programa nacional de alfabetização, apesar de assinalar, nos últimos cinco
anos, uma progressão de 15,1%, como se pode ver no quadro infra, não ultrapassa os 578.267
alfabetizandos42.
Quadro ? : Evolução dos efectivos da alfabetização
2008 – 2012
Nível de Ensino
2008
Alfabetização
502.350
2009
2010
532.491
532.943
2011
561.424
2012
*
578.267
V%
15,1
Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do Ministério da Educação
4.3. ENSINO SUPERIOR
Apresentada como um dos objectivos principais da política do executivo para o sector
social, a oferta de um ensino superior de qualidade, adequado às necessidades internas e aos
padrões de exigência internacionais, ainda é uma realidade aquém das expectativas. Não
obstante alguns avanços, registados nomeadamente no capítulo da expansão, acentuando-se
assim um aumento significativo do número de vagas e da diversidade de cursos de licenciatura
tanto na rede pública como na privada43, muitas mudanças se afiguram necessárias e urgentes.
Após a extensão do ensino superior por todo a geografia do país, o desafio maior centra-se,
agora, a par da contínua construção de infra-estruturas locais e da criação de outras condições
técnicas indispensáveis, na formação dirigida de quadros docentes, no fomento de bolsas de
estudo internas e externas para os diversos níveis e áreas de especialidade baseadas em
critérios de mérito, no maior financiamento à pesquisa científica, na activação de mecanismos
de fiscalização e avaliação da qualidade do ensino, bem como na criação de estratégias de
mediação entre a universidade e o mercado de trabalho.
De acordo com os dados oficiais44, o número de vagas disponíveis no ensino superior
passou de 27.000, em 2011, para 31.000, em 2012. Este aumento reflecte não só os lugares
vagos deixados pelos diplomados, mas também a entrada em funcionamento de algumas
novas unidades orgânicas previstas no âmbito do estabelecimento das sete regiões
académicas e a abertura de cursos de mestrado e doutoramento em algumas universidades.
Assim, verifica-se, igualmente, um aumento no número de estudantes no ensino
superior que passou de 140.016 (2011) para 150.000 (2012) estudantes, o que representa um
crescimento de 7,1%, este ano, mas que vem no prosseguimento de uma dinâmica de
crescimento que, na verdade, existe desde 2008, perfazendo um crescimento acumulado, nos
cinco últimos anos (2008-2012) de 70,5%, conforme se pode constatar no quadro infra:
Evolução do número de estudantes no ensino superior
42
Parece evidente que o presente gráfico tem um erro em relação ao ensino primário, pois não parece
correlato com a realidade haver, no meio urbano, 55% da população que concluiu esse nível de ensino,
enquanto, no meio rural, terão sido 82%.
43
Vide Relatório Social de Angola 2011, p. 99-100.
44
Ministério do Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Plano Nacional de Desenvolvimento 20132017, Luanda, Dezembro de 2012, p. 119.
101
2008
2009
2010
2011
2012
N.º
%
N.º
%
N.º
%
N.º
%
N.º
%
87.957
-
98.777
12.3
107.039
8.4
140.016
30.8
150.000
7,1%
Fonte: CEIC, com base no Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística do Ministério da Educação e
Ministério do Planeamento e Desenvolvimento Territorial.
No que diz respeito ao quadro docente, nota-se um crescimento na ordem dos 21%
em relação a 2011. Trata-se de uma ascendência considerável que resulta, em grande parte,
do recrutamento de docentes estrangeiros a título de colaboração, facto que mais se tem
verificado nas instituições públicas atendendo à necessidade do preenchimento de novas
vagas criadas no âmbito do seu reordenamento.
Evolução do número de docentes no ensino superior
2008
2009
2010
2011
2012
Var.%
Rede
pública
1.665
1.752
2.031
2.768
4.181
51,05
Rede
privada
1.557
1.989
2.621
2.731
2.169
-20,58
Total
3.222
3.741
4.652
5.499
6.350
15,48
Fonte: CEI, com base no Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística do
Ministério da Educação
Do total de 6.350 docentes, entre doutores, mestres, pós-graduados e
licenciados, 4.181 são da rede pública, e apenas 2.169 pertencem à rede privada. Em
consequência, comparativamente aos anos anteriores, em 2012, constata-se um
decréscimo inédito no número de docentes na rede privada e um aumento, em cerca
de 78%, na rede pública.
4.6. DESPESAS COM A EDUCAÇÃO
O gráfico abaixo mostra que nos recentes três últimos anos, há uma ligeira
progressão,em termos absolutos, do financiamento da educação, embora haja
também a assinalar uma redução gradual dessa progressão, indo de 263,5 mil milhões
de kwanzas, em 2010, para 341,17, em 2011 e para 376,76, em 2012.
102
A análise do OGE 2012 mostra que, para este ano, verifica-se um ligeiro aumento da
despesa de educação, em termos relativos, em relação ao ano anterior, já que em 2011 a
despesa da educação teve, no interior do OGE, um peso relativo de 8,18%, quando este ano
atingiu os 8,37. No entanto, esta progressão é ainda uma regressão em relação a 2010, ano em
que a despesa da educação situou-se a 8,52% da despesa do OGE.
A estrutura da despesa do sector da educação reflecte a opção do MED em fazer do
ensino primário o sector prioritário, já que este subsistema tem a maior fatia do orçamento,
representando respectivamente 60,77%, em 2010, 68,3%, em 2011 e 67,58%.
103
CAPÍTULO 5
A SITUAÇÃO DA FAMILIA E DA CRIANÇA
(realidade, compromissos e desafios)
“Superar a pobreza não é um exercício de caridade, é
um acto de justiça. Tal como a escravatura e o
apartheid, a pobreza não é natural. É produzida pelo
homem e é possível superá-la e erradicá-la através da
acção dos seres humanos. Cabe por vezes a uma
geração ser grande. VOCÊS podem ser essa grande
geração. Que a vossa grandeza floresça.”
Nelson Mandela
Nos últimos anos a situação social das famílias e da criança no país registrou
melhorias significativas. Estas melhorias estão fortemente relacionadas com o “boom
económico” que o país registou, nos últimos anos, principalmente em consequência da
exploração dos seus recursos naturais (o petróleo), que lhe permitiu um ambiente
macroeconómico favorável para o Governo implementar políticas públicas que permitiram
melhorar progressivamente a situação social e promover desenvolvimento.
O progresso registado nos últimos anos é visível e mensurável. De acordo com os
últimos dados do Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População – IBEP (2010) a
proporção de pessoas com renda inferior a 1 USD, por dia, era de 68%, em 2001, e passou para
37%45, em 2009, enquanto a taxa de mortalidade infanto-juvenil passou de 250 crianças, por
mil nados vivos, em 2001, para 194, por mil nados vivos, em 2009, a taxa de frequência líquida
à escola, de crianças de 6-11 anos, passou de 56%, em 2001, para 76%, em 2009, a esperança
de vida, ao nascer, era de 45 anos, em 2000, e passou para 52 anos, em 2012.
Vários programas do Governo implementados durante os últimos dez anos
contribuíram significativamente para o progresso registado nos indicadores socioeconómicos
apontados. Em relação à Criança e à Família, deve-se destacar os 11 Compromissos em prol da
Criança que inclui metas específicas que visam reforçar e melhorar a condição de vida, a
educação, a saúde, as competências familiares entre outros.
Todavia, apesar dos resultados significativos alcançados nos últimos anos a situação
das famílias e da criança em Angola ainda é bastante preocupante. Segundo as estatísticas,
Angola ainda faz parte dos 10 países com as maiores taxas de mortalidade infantil no mundo.
De acordo com o IBEP, apenas 42% dos partos ocorrem numa unidade sanitária, no meio rural
a situação é mais grave já que 85% dos partos ocorrem em casa e, destes, apenas 24% são
assistidos por pessoal qualificado (parteiras tradicionais), apenas 42% da população tem
acesso à água potável e somente 60% a saneamento básico. No ensino primário, a média de
45 De acordo a linha de pobreza absoluta estalecida no IBEP 2008, cifrada em
aproximadamente 52$/mensais por pessoa ou adulto equivalente.
104
alunos por sala de aulas é de 99 e apenas 31% das crianças, menores de 5 anos, possui registro
de nascimento.
Neste capítulo vai-se analisar os principais aspectos ligados a condição
socioeconómica das famílias e das crianças, com base nos dados do Inquérito Integrado sobre
o Bem-Estar da População (IBEP, 2010) que permita uma caracterização da situação da família
e da criança em relação a alguns dos indicadores socioeconómicos julgados importantes para a
análise, entre eles a estrutura demográfica, estado civil e relações conjugais, tamanho e
estrutura dos agregados familiares, condições de habitação, meio ambiente e posse de bens,
nível de receitas e despesas e índices de pobreza. E ainda uma análise dos indicadores de
pobreza monetária e Indicadores de Pobreza não-Monetária46. Os dados recolhidos
permitiram reavaliar as metas e compromissos assumidos pelo governo em relação á família e
à criança e dimensionar os esforços ainda necessários para a promoção do verdadeiro bemestar das famílias e das populações.
5.1. Realidade socio-económica da família em Angola
5.1.1. Estrutura demográfica
A situação da família em Angola está influenciada por três grandes problemas ligados
directamente a estrutura demográfica do país. O primeiro problema está relacionado com a
elevada taxa de fecundidade estimada em 6,4 nascimentos47, num país em que a esperança
de vida é muito reduzida (estimada em 48 anos, 47 para os homens e 49 para as mulheres) e
num país em que a taxa de mortalidade materno-infantil é também muito alta. A esperança de
vida média na África Subsaariana é de 52 anos.
O segundo problema está relacionado com a elevada taxa de crescimento da
população, estando o nível de crescimento natural estimado em 3,1%, por ano48 Este
crescimento da população ao não ser proporcional com o crescimento e desenvolvimento de
estruturas que permitam a melhor acomodação da família e a realização dos seus direitos,
agrava a condição das crianças, das mulheres e da família em geral.
A população em 2008-2009 era estimada em 16.367.879 pessoas, das quais 48% são
homens e 52% são mulheres. A população urbana, segundo o IBEP, foi estimada em 54,8%
enquanto em 1995 era de 31% como indicou o MICS. Regista-se aqui uma tendência para o
aumento da população residente sobretudo nas zonas urbanas prevendo-se que em 2015, a
população atinja 21,842 milhões de habitantes (Plano nacional de Formação de Quadros 20132010, 2012; 6).
Prevê-se que a população de 6 a 23 anos deverá aproximar-se, em 2015, dos 9,8
milhões, representando cerca de 44% da população total. Este crescimento explica-se pelo
facto de se registar, com o advento da Paz, um “baby boom” que vai conduzir a que em 2015
se registe um aumento da população, sobretudo do grupo etário a concluir o ensino primário e
entrando para o ensino secundário e para a Universidade. Haverá pois, uma rápida expansão
da população escolar no 2º ciclo do ensino secundário. Estima-se que em 2015, a população
economicamente activa atinja 10,7 milhões (Plano Nacional de Formação de Quadros 20132017, 2012; 6).
46 Nesta secção, destacamos na nossa análise os domínios da Habitação, Água, Saneamento e Inclusão.
Os domínios da Educação e Saúde não são analisados (serão analisados futuramente em relatório
próprio)
47
Relatório do IBEP, 2010; INE, Luanda, I vol., p. 19.
48
Relatório do IBEP 2010, INE, Luanda, I vol., p. 9.
105
Em terceiro lugar, deve-se referir a elevada taxa de dependência, estimada em
10149. Constata-se que a população angolana é muito jovem. Quase metade (47,7%) da
população residente tem menos de 15 anos. A classe etária dos 15 aos 64 anos representa
49,7% da população. A percentagem de indivíduos com 65 anos ou mais não ultrapassa os
2,5%. Sendo pois uma população muito jovem, os níveis de dependência são maiores. Daí a
necessidade de um Estado-Providência, principalmente promotor e gerador de meios para a
subsistência dessa população jovem e não auto-suficiente. As políticas sociais deverão estar
principalmente viradas para esta população dependente e vulnerável.
5.1.2. Estado civil e relações conjugais
A distribuição da família em relação ao estado civil pode explicar um conjunto de
tendências e factos em relação ao comportamento e a práticas que favorecem (ou não) o bemestar da mulher e da família em geral.
Segundo o IBEP, 2010, quase metade da população angolana, maior de 12 anos, tem
uma relação marital (casada ou em união de facto) numa proporção de 52%, para homens e
47%, para mulheres. A união de facto deve ser a forma mais comum de relacionamento
marital, em Angola. A nível rural a percentagem é mais alta; 54,5% da população, com mais de
12 anos, vive maritalmente. Porém, verifica-se que 11,6% da população considerada “casada”
tem, entre 15 e 19 anos de idade e 1,3% está entre 12 e14 anos de idade. Sendo esta
população composta por crianças e indivíduos dependentes dos pais, é de esperar que não
consigam assumir as suas responsabilidades familiares, resultando em graves situações e
limitações no modo de vida das referidas famílias. Por outro lado, tendo em conta que grande
parte da população entre 20 e 24 anos não tem emprego é preocupante notar que quase
metade da população, nesta faixa etária (43,6%) já é casada ou vive em união de facto. Em
geral, 55,5% da população “casada” encontra-se entre 12-29 anos de idade, ou seja, num
período de instabilidade profissional e financeira que não permite arcar com as
responsabilidades familiares.
O facto mais preocupante em relação a situação da família é notar que 63% dos
casados não possui nenhum nível de escolaridade. Assumindo ser esta a situação, pode-se
aferir as consequências que daí advêm: pobreza na família, graves problemas de abandono e
negligência na educação e acompanhamento dos filhos, violência, para além de baixos
rendimentos para a satisfação das necessidades das crianças.
Constata-se que a população solteira é grande, estimada em 41%, mas
surpreendentemente, os indicadores de divórcio e separação em Angola são muito baixos.
Apenas 0,4% da população é divorciada e 4% é separado (IBEP, 2010). Apesar de indicar um
nível baixo de separação e divórcio, esta cifra pode espelhar a elevada percentagem de
estigmas sociais e culturais associados ao casamento e a família, denotando-se um alto grau de
submissão da mulher, um aparente equilíbrio familiar assente na manutenção do casamento
(ou dos relacionamentos) mesmo quando os indicadores de violência doméstica sejam
referidos como bastante altos e onde os índices de pobreza continuam altos. A preservação de
tais relacionamentos acaba sendo entendido como uma obrigação social, cultural e religiosa e
um sinónimo de bem-estar. Esta situação levanta, com certeza, questões sérias acerca da
condição da mulher na família, a discriminação e as disparidades sociais e do género.
Analisando mais detalhadamente os dados do IBEP, constata-se, por exemplo, que a
maior parte dos divorciados e dos separados são mulheres. Comparativamente a outros
países, a incidência de separação e divórcio de Angola para além de ser baixa, exige outro tipo
de reflexões. Por exemplo, em Portugal, em 2008, a taxa de divórcio passou os 60 por cento
enquanto, há dez anos, a percentagem era de 30 por cento e, há 20, situava-se nos 12,9 por
49
Relatório do IBEP 2010, INE, Luanda, I vol., p. 12.
106
cento (Maia, MSN Noticias, 2010, online). Cuba se encontra entre os países que têm o mais
alto índice de divórcios do mundo. Em 1999 o índice de divórcio era estimado em 69% (Roque,
2004, online). Em Cuba, a taxa de divórcio subiu para 75% (2010). A Austrália tem 12,9% de
divórcios por 1000 casamentos. A França teve 117.716 divórcios anunciados em 1996, sendo
95% dos casos solicitados pelas esposas. Nos Estados Unidos, o índice de divórcio é de 49%, ou
seja, 4.85% por 1000 casamentos (Worldwide diveorce rates, 2012). Não se faz uma apologia
ao divórcio, porém os índices de separação espelham, muitas vezes, um nível mais alto de
consciencialização das mulheres e sua emancipação, estando eles menos submissas e
tolerantes ao abuso e violência.
Para além das questões acima apontadas, será importante assumir que Angola é um
país aonde a poligamia e as relações extraconjugais tanto no meio rural com urbano são
bastante comuns. Segundo o relatório do IBEP, as relações poligâmicas, particularmente nos
centros urbanos, não são livremente assumidas. Apenas 10% dos homens casados indicaram
ter mais de uma esposa, estando a maior parte deles concentrados entre os 40 e 50 anos de
idade (IBEP, 2010; 13). Uma análise empírica da realidade permite concluir que a poligamia nos
homens é muito superior aos 10% declarados no IBEP.
5.1.3. Tamanho e estrutura do agregado familiar
Outro indicador importante que utilizamos aqui para avaliar a condição da família é o
tamanho e estrutura do agregado familiar. O agregado familiar em Angola é estimado em
cinco pessoas, sendo comparativamente mais elevado que em 2001, que foi estimado em 4.3
(IBEP, 2010; 13). Esta tendência de crescimento é inversamente proporcional as tendências de
desenvolvimento das sociedades, em que o acesso á informação, educação e bens tende a
contribuir para a redução do número de filhos e consequentemente, para um mais elevado
nível de estabilidade familiar.
Os agregados familiares nas zonas urbanas têm em média mais pessoas do que nas
zonas rurais: 5.2 e 4.7, respectivamente. Importa ressaltar que 39% dos agregados familiares
são compostos por seis ou mais membros. Nas condições actuais de baixos salários e de
elevados custos de vida, pode-se compreender as implicações deste facto sobre a vida das
famílias.
A maior parte dos agregados familiares é liderada por homens (77%). Mais de um,
em cada cinco agregados familiares, são liderados por mulheres. As mulheres estão a chefiar
principalmente agregados familiares compostos por 1, 2 e 3 membros. As mulheres chefes de
família são em média três anos mais velhas que os homens, estando na sua maioria separadas,
divorciadas ou viúvas (IBEP. 2010; 14).
Em relação ao nível de escolaridade do chefe da família 20% dos chefes de família
não têm nenhuma escolaridade, 45% possui o ensino primário, 29% o ensino secundário e
apenas 3% tem o ensino superior. Isto permite inferir uma série de questões em relação a
qualidade e tipo de relações familiares que se podem estabelecer nas condições em que cerca
de 70% das famílias possui nenhuma escolaridade ou possui apenas o ensino primário. Os
níveis altos de violência doméstica e a alta taxa de atraso e de abandono escolar, talvez
estejam associadas também a baixa escolaridade dos chefes dos agregados familiares.
5.1.4. Habitação e meio ambiente
O direito a habitação consagrado universalmente e a forma como este direito é
exercido pode reflectir o nível de vida das famílias e é um reflexo dos níveis de
desenvolvimento sustentado do país. O IBEP aponta que 80% dos agregados familiares vivem
107
em moradias. Porém 12.5% dos agregados familiares vivem em cubata ou cabana. Apenas
1.7% da população vive em apartamentos.
O conceito “moradia” aqui parece confuso. Seria necessário compreender mais em
detalhe o que é que os inqueridos pretendiam dizer com viver em moradias. Mas analisando o
IBEP com mais detalhe, compreende-se, com tristeza, que 78.5% da população na zona urbana
vive em habitações construídas com material não apropriado; 42.5% da população na zona
urbana vive em habitações sobrelotadas. Em geral, 90.9% da população na área urbana vive
em condições não apropriadas. Ou seja, mesmo as famílias da suposta classe média ou com
rendimentos médios ainda vivem em habitações inapropriadas.
Sendo a casa o espaço privilegiado para a formação da família e de desenvolvimento
da personalidade e dos comportamento sociais, pode-se inferir que estando mais de 90% das
famílias nas zonas urbanas a viver em casas não apropriadas, os resultados da educação e da
formação desejada acabam sendo afectados. A falta de habitação condigna, para além de ser a
expressão da pobreza familiar, reflecte a dimensão social de um problema bastante grave. A
vida social, a educação, a moral, os valores e as noções sociais, religiosas, culturais dos
membros das famílias fica, com certeza, condicionada ou afectada.
Analisando o tempo de construção das moradias, 34% das habitações foram
construídas nos últimos cinco anos, o que exprime o facto da maioria da população estar a
optar pela autoconstrução, que acaba sendo não dirigida, anárquica e que perpetua a
estrutura dos musseques e de desorganização urbana que se aprecia nas principais cidades de
Angola.
A situação contínua crítica em relação ao acesso a electricidade. Conforme o IBEP,
Figura 1:
Fonte de Energia para cozinhar
Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP 2010
5.2. Água e saneamento
A proporção da população com acesso á água e saneamento apropriado é outro
indicador que merece especial atenção porque define, no caso de Angola, um problema social
bastante preocupante. Veja-se que a nível rural apenas 22.8% da população tem acesso á água
para beber. Em geral, em todo país, nem metade da população tem acesso á água potável.
Apenas 33% da população trata de forma apropriada a água para beber. Esta proporção é
108
bastante alarmante nas zonas rurais, aonde apenas 9,8% da população trata de forma
apropriada a água para beber. Apenas 59% da população tem acesso a saneamento
apropriado.
É necessário analisar a eliminação segura de dejectos das crianças dos 0 aos 2 anos
de idade. Segundo o IBEP, A nível nacional, 54% dos excrementos de crianças dos 0-2 anos de
idade são eliminados de forma segura (Fig. 2), apesar de notar-se que 27% deixa ao ar livre, o
que pode ser uma forma de poluir o ambiente e de contracção de doenças. A variação é
grande entre zonas urbanas (79%) e rurais (28%), fortemente influenciado pelo nível de
escolaridade do chefe do agregado e pela falta de programas mais intensivos de educação
ambiental.
Figura 2:
Locais de eliminação de dejectos das crianças dos 0 aos 2 anos de idade
Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP 2010
5.3. Bem-estar e conforto (acesso a Informação e novas tecnologias)
Olhando para os indicadores de bem-estar e de conforto, volta a ressalta o facto de
estar-se perante uma situação preocupante, reflectindo indicadores muito mais baixos do que
de outros países da região. Com vista a alcançar a propalada modernidade e a ambição de
chegar a levar o país a ser uma potência em África, deve-se melhorar os indicadores de bemestar que influenciam a qualidade de vida dos angolanos. Por exemplo, segundo dados do
IBEP, apenas 0,7% da população tem acesso á telefone fixo. A percentagem da população com
acesso á telemóvel é de 32.6%, sendo que pelo menos metade da população nas zonas
urbanas já possui acesso á telemóvel.
No meio rural apenas 6.3% da população possui telemóvel. Comparando este
indicador com países como a África do Sul com 100% de acesso á telemóvel e Nigéria aonde
55% da população tem acesso á telemóveis (World Development Indicators database, 2011).
Angola está muito aquém das metas desejadas.
109
Veja-se, por outro lado, que apenas 4,1% da população tem acesso á computador e
apenas 0,3% da população tem acesso á internet. O número de receptores de televisão em
2000 era de 13 em cada 1000 habitantes.
5.4. Impacto da Pobreza sobre a Família e a Criança
Segundo o IBEP, 36,6% da população angolana vive abaixo da linha de pobreza
(pobreza absoluta) nacional. Apesar de notar-se uma substancial redução dos índices de
pobreza em comparação com o ano 2001, em que se estimava em 68%, a incidência de
pobreza (relativa). De acordo com os dados disponíveis, podemos afirmar que houve uma
redução na taxa da pobreza mas atendendo as diferenças na metodologia usada nas duas
análises é difícil mensurar o nível real da redução da taxa de incidência da pobreza em Angola.
Figura 3.
Incidência, intensidade e severidade da pobreza em Angola
Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP, 2010
De acordo com o IBEP, as taxas de incidência da pobreza variam significativamente
do meio rural ao urbano e pelas diferentes zonais do país.
Figura 4.
Incidência da pobreza por região em Angola
110
Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP 2010
Na região centro (aonde inclui as províncias do Bié, Huambo e Benguela) a taxa de
incidência é de aproximadamente os 55%, nas regiões do centro-norte aos 53%, nas regiões
leste e Sul no intervalo de 40 a 50%, a região norte 34% e a capital (Luanda) tem uma taxa de
incidência muito inferior, quando comparada ao resto do país, apenas de 9% contra a média
nacional de 37% (ver fig.5).
Figura 5: Distribuição das receitas por Quintis de Rendimento, IBEP 2010.
70%
59%59%
55%
60%
50%
40%
30%
19%19%20%
20%
10%
7% 7% 8%
3% 3% 4%
12%12%13%
0%
Mais Pobre
Segundo
Angola
Medio
Urbano
Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP 2010
111
Quarto
Mais Rico
Rural
11 COMPROMISSO COM A CRIANÇA
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
A esperança de vida
Segurança alimentar nutricional
Registo de nascimento
Educação da primeira infância
Educação primária
Justiça juvenil
Prevenção e educação do
impacto do VIH/Sida nas famílias e
nas crianças
Prevenção e mitigação da
violência contra a criança
Competências familiares
Criança e comunicação social
A Criança no Orçamento Geral
do Estado
Conforme podemos ver na
figura 5, há um nível de desigualdade na
distribuição de receitas. O quinto quintil
(ou seja, os 20% da população mais rica)
detém 59% de todas as receitas do país,
enquanto o primeiro quintil (ou seja, os
20% de população mais pobre) detém
apenas 3% das receitas do país. Em
outras palavras, a receita média de uma
pessoa no quintil mais rico é 18 vezes
mais alta do que a receita média de uma
pessoa no quintil mais pobre. A
desigualdade rural é menos severa,
sendo que nestas áreas a receita média
da população mais rica é 13 vezes
superior à da população mais pobre.
Estes dados justificam a necessidade de
programas e intervenções cada vez mais
sérias que visem aplicar o slogan “Angola
crescer mais e distribuir melhor”, como
premissa básica para a equidade social.
5.5. Os 11 Compromissos para as Crianças e o Orçamento Geral do Estado
Segundo a Constituição (artigo 30º, CRA) “as crianças constituem absoluta
prioridade, pelo que gozam de especial protecção da família, do Estado e da Sociedade com
vista ao seu desenvolvimento integral”.
Em 2007, durante o IIIº Fórum Nacional sobre a Criança, o Governo de Angola assumiu os 11 Compromissos de protecção à Criança. Mais tarde, no V Fórum Nacional sobre a
Criança, em Junho de 2011, foram actualizados.
Os 11 Compromissos em prol da Criança angolana constitui um marco referencial de
política a favor da criança. Por esta razão, achamos interessante analisar como este
compromisso nacional é enquadrado no principal documento de execução das políticas e
programas públicos, o Orçamento Geral do Estado.
Para calcular os montantes indicados na tabela infra foram subtraídas as rubricas
cujo impacto directo nas políticas sobre a criança é marginal. Por exemplo, para o sector de
educação foi deduzido o valor alocado ao ensino superior50. Para a saúde foi contabilizado o
valor total, enquanto para a protecção social, apenas a rubrica família e infância foi incluído. O
mesmo foi feito para a recreação e cultura em que os serviços recreativos e desportivos foram
incluídos.
Tabela ?
Programas destinados as crianças, OGE 2013
Sector
Valores em
Milhares de Kwanzas
Educação
454,719
50 Uma vez que os usuários destes serviços são maioritariamente maiores de 18 anos de idade
112
Saúde
Protecção Social
Recreação, Cultura e Religião
Total
351,319
9,786
30,375
846,199
Fonte: Ministério das Finanças (Resumo da Despesa Por Função)
Em resumo, com base nas suposições feitas mais acima, podemos dizer que o
Governo de Angola, para o OGE de 2013, disponibiliza 8,787 milhões de dólares para gastos
afectos às crianças, ou seja 12,8% da despesa total do OGE. Um volume de alocação
significativo. Porém, apesar das crianças representarem 58,51% da população angolana, por
cada 1 Kwanza investido nas crianças, na vertente de protecção social, o governo gasta 312
Kwanzas com os idosos52, grupo este que representa apenas 3,53% da população, fica evidente
a priorização dos idosos em detrimento das crianças no OGE.
51 Valor per-capita calculado com base no Boletim nº. 9, Projecção da População, INE – Fevereiro de
2012, usando a projecção para 2013.
52 Idem
53 Idem
113
CAPÍTULO 6
ACTORES NÃO-ESTATAIS NA ACÇÃO DO DESENVOLVIMENTO E DA SOLIDARIEDADE
Angola é um país rico em recursos naturais. Para além de ser o segundo maior
produtor de petróleo na África Subsariana, depois da Nigéria, é o quarto maior produtor de
diamantes ao nível do mundo, detém muitas potencialidades agrícolas, é a segunda potência
em recursos hídricos na sub-região austral, a seguir a República Democrática do Congo, detém
vastas extensões de floresta, com destaque para a floresta do Maiombe, a segunda maior do
mundo.
Do ponto de vista macroeconómico, desde o fim da guerra em 2002, o país tem
conhecido uma tendência ascendente de crescimento, com destaque para o período de ouro
de 2004 a 2008, em que os níveis do seu crescimento atingiram 20,6%, em 2005 e 20,9%54, em
2008. Em 2009 este ritmo quebrou-se fruto da crise global55, uma vez que a economia
angolana depende a mais de 95% das exportações de petróleo56. A tendência é a de retoma do
ritmo favorável de crescimento económico, sendo que em 2012 a economia cresceu na ordem
de 9,1%57.
Apesar das potencialidades naturais do país, da alteração do quadro
macroeconómico desde 2002 e dos avanços que o país tem conhecido nos domínios das infraestruturas e do social, para citar apenas estes, paradoxalmente os níveis de desenvolvimento
social do país continuam aquém do esperado58. Alguns indicadores sociais podem ajudar a
ilustrar este facto: até 2008, apenas 42% da população angolana tinha acesso à água potável e
54
CEIC/UCAN (2009), Relatório Económico de 2008, Luanda, p. 25
Foi triste assistir ao filme produzido em 2008 pelos analistas pró-regime, no qual inicialmente
cantavam aos 4 ventos do país que Angola estava salvaguardada dos efeitos da crise global, como se o
país fosse parte de um outro planeta. Para a surpresa de todos, depois do Presidente da República
reconhecer num discurso que Angola estava já a viver os efeitos da crise global, todos imediatamente
realinharam o seu discurso ao ponto de vista do Presidente.
56
CEIC/UCAN (2012). Relatório Económico de Angola 2011, Luanda, p. 152
57
Este dado é do CEIC, o qual diverge dos outros actores, tais como o Governo (2,3) e o Banco Mundial
(2,3)
58
Os Bispos Católicos Angolanos apelidaram este fenómeno como “o paradoxo da abundância na
sociedade Angolana”, cf. Mensagem Pastoral dos Bispos Católicos de Angola, Por uma Justiça
Económica. In Apostolado (Setembro-Outubro 2006), Nova Série – Ano I, Ed. 7, pp. 19-20
55
114
60% tinha acesso a estruturas melhoradas de saneamento básico59, o nível de mortalidade
infantil é ainda alto60, isto é Angola continua a ser um mau país para uma criança nascer, a
mortalidade materna é alta61, assim como o coeficiente gini (0,55)62, reflectindo os níveis de
desigualdade que marcam as camadas sociais angolanas, com repercussões directas nos altos
níveis de pobreza do país (37%)63, afectando sobretudo a população feminina (35,6%)64.
Este quadro por si só é um convite aos demais actores sociais para juntarem sinergias
com as autoridades governamentais na definição e execução de acções que ataquem as
diferentes facetas que a pobreza assume no nosso país65. E assim é, o mosaico da sociedade
civil angolana, é rico em organizações envolvidas em projectos de natureza diversa para a
alcançar níveis altos desenvolvimento social das populações.
Para além de exaustivo não é possível resumir num capítulo a contribuição que todas
organizações da sociedade civil têm vindo a dar em prol do desenvolvimento social de Angola,
mesmo que apenas centrados no ano de 2012. Este relatório dedica-se a analisar casuística e
exemplificativamente o contributo de apenas cinco organizações: Associação dos Comités de
Água para o Progresso Comunitário (ACAPC), Igreja Evangélica de Angola (IEA), Igreja
Evangélica Congregacional de Angola (IECA), a Federação Luterana Mundial –Angola (LWF) e a
Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) cuja acção incide em vários domínios,
nomeadamente, água potável e saneamento básico, saúde, empoderamento socioeconómico
da mulher, promoção da paz e desenvolvimento comunitário.
O propósito é dar visibilidade à sua actividade, descrevendo as acções desenvolvidas,
em 2012, por estas cinco organizações em prol do desenvolvimento social das populações e
analisar os benefícios sociais que decorrem destas para as comunidades-alvo. Tais acções
constituem uma prova inequívoca de que o desenvolvimento social de Angola não é fruto da
acção exclusiva do Governo, pelo contrário, conta com a participação de outros actores, no
caso específico, as organizações da sociedade civil e, quanto maior for a abertura e o apoio à
esta participação, maiores serão os ganhos sociais para o país.
6.1. ÁGUA E SANEAMENTO BÁSICO
Água é um recurso natural de extrema importância para a vida das populações.
Angola é um país rico em recursos hídricos, sendo a segunda potência da África Austral, a
seguir a República Democrática do Congo mas apesar da sua disponibilidade, o acesso a água
potável continua a ser um problema sério por parte das populações angolanas, sendo que
apenas 42% da mesma tem acesso à água potável66.
59
UNICEF (2011). Relatório Anual. Para a realização dos 11 compromissos de Angola para com as
crianças, Angola, p. 8. Ver também Instituto Nacional de Estatística (INE). Angola em números em 2012,
p. 38.
60
Esteve
na
ordem
de
158
em
2011.
Veja
Angola
mortality
rate.
http://www.indexmundi.com/facts/angola/mortality-rate, accessed on 6/11/012
61
Em 2010 esteve na ordem de 337.34. cf. Angola mortality rate, retrieved from
http://www.indexmundi.com/facts/angola/mortality-rate, on 6/11/012.
62
UNICEF (2011). Relatório Anual. Para a realização dos 11 compromissos de Angola para com as
crianças, Angola, p. 8
63
Ibid.
64
Contra 37,7% dos homens. cf. INE, Angola em números 2012, p. 52.
65
Numa perspectiva em que as populações não sejam vistas como beneficiários passivos das acções de
desenvolvimentos mas sim participantes activos do processo, “desenvolvimento participativo”. Veja
Mulwa, 2010:24-25
66
IBEP -2011, Relatório de Tabelas – Vol. II, p. 285;
115
Para mitigar o impacto negativo do problema de água, o Governo Angolano, concebeu e
implementou o programa “Água para todos” visando fornecer água potável a 80% da
população rural de Junho de 2007 até 201267. No âmbito deste programa foram executadas
diversas acções nas 17 províncias, com excepção de Luanda, para alem das outras que são
executadas no âmbito do PIP (Programa de Investimento Público).
A água ainda representa um grande desafio para o governo Angolano. Considerando
as suas implicações no desenvolvimento social das populações, tem contado com acção de
outros actores, entre eles parceiros internacionais do Governo e Organizações da Sociedade
Civil Angolana (Associações, ONG e Igrejas).
Neste relatório trazemos ao conhecimento as contribuições da Associação de
Comités de Água e Progresso Comunitário, Igreja Evangélica de Angola e da Igreja Evangélica
Congregacional de Angola.
6.1.1. O caso da Associação de Comités de Água e Progresso Comunitário (ACAPC)
Os Comités de Água (CA) surgiram em 1999 sob a iniciativa da Development
Workshop (DW) no âmbito do Programa de Luta Contra Pobreza Urbana (LUPP-1) que
executou um projecto de água e saneamento básico na comuna Ngola Kiluange que terminou
num fracasso total. Todavia em 2001 a DW executou mais projecto no mesmo domínio no
âmbito de LUPP-2, cujo âmbito de acção abarcava as comunas de Hoji-Ya-Henda (Cazenga) e
Ngola Kiluanje (Sambizanga).
A missão dos Comités de Água foi e continua a ser até hoje zelar pelo funcionamento
e manutenção dos chafarizes. Inicialmente os Comités eram constituídos por três pessoas
(Monitor, Tesoureiro e a pessoa de manutenção)68. A estrutura actual é formada duas pessoas,
tendo a figura de pessoa de manutenção sido eliminada.
Os comités trabalhavam de forma isolada. A correcção deste erro e a necessidade de
dar-lhes maior representatividade junto da EPAL e da Administração Comunal despoletou o
processo que culminou com a fundação e proclamação da ACAPC em Dezembro de 2002. O
ponto mais alto deste processo foi a publicação da Associação no diário da República (III série nᶱ 52), na terça-feira, 29 de Junho de 200469. Este acto confere legitimidade as acções que
ACAPC tem vindo a desenvolver em conformidade com o seu âmbito interventivo.

. Acções desenvolvidas pela ACAPC
Os eixos fundamentais da acção da ACAPC incidem na água e saneamento básico no
Sambizanga. No tocante à água, vamos destacar os papéis de providência e protecção que a
ACAPC tem jogado.
6.1.1.1. ACAPC como provedor de água
A Associação controla 36 chafarizes em 5 bairros de Ngola Kiluange, Campismo,
Nguanha, Ossos, Vassa Roca e Mulemba. O número actual representa um decréscimo
motivado pela entrada em estado de inoperância dos chafarizes de São Pedro da Barra por
falta de conduta que transporta água para lá, situação que poderá ser superada com a
67
PESTANA, Nelson. Pobreza, Água e Saneamento Básico, Centro de Estudos e Investigação Científica da
Universidade Católica de Angola, Luanda, Abril de 2011, p. 41
68
69
Historial de ACAPC, s/d., p. 1
Ibid. p. 2
116
conclusão das obras de colocação da nova conduta que transportará água da Mulemba até
Comarca Central de Luanda (CCL).
Cada chafariz constitui um Comité de Água, liderado por uma equipa de duas pessoas
(monitor e tesoureiro), perfazendo um total de 36 Comités de Água que são considerados a
coluna vertebral da Associação.
A Associação recebe água da EPAL, bombeada a partir do tanque do Cazenga, esta é
armazenada numa torre elevatória com um tanque de 250m3 de capacidade, situado junto da
sua sede, de onde é aduzida para os chafarizes, por força da gravidade. A população
beneficiária desta distribuição de água pelos chafarizes, é de um total de 10.800 famílias em
todos os chafarizes, cerca de 54.000 pessoas, numa média actual de 300 pessoas por chafariz,
embora inicialmente se tivesse previsto, apenas cem pessoas por chafariz70. A água é vendida
aos consumidores um preço módico de Kz. 5.00,00, por bidon de 20 litros71. Os valores daí
arrecadados são depositados pelos Comités de Água na conta da Associação, cabendo ao seu
secretariado a redistribuição mensal dos mesmos, conforme a tabela abaixo ilustra.
Gráfico – Distribuição dos proventos resultantes da venda de água
Fonte: Relatório anual financeiro de 2012 da ACAPC
O ano de 2012 foi o mais fraco no abastecimento de água às populações devido às
prolongadas paragens que foram sendo verificadas por parte da EPAL causadas pela redução
do caudal do rio Kwanza, a mesma razão que afectou o fornecimento de energia à cidade de
Luanda por muito tempo, dificultando a estação em bombear a água ao tanque de
armazenamento da Associação72. Os quatro (4) meses em branco na tabela a seguir, ou seja,
70
Considerando que a média de cada família angolana e de 5 pessoas.
O equivalente a $ 0,05 (cinco cêntimos dólares americanos)
72
ACAPC. Relatório de balanco anual de 2012, pp. 1,4
117
71
meses em que a população esteve privada do direito à água, são um indicador claro desta
debilidade.
Tabela – Distribuição do bolo financeiro de 2012 entre ACAPC e seus parceiros
Mês
Valor
arrecadado
EPAL-30%
AC-10%
CA-25%
ACAPC10%
FM-25%
Janeiro
124.865,00
37.459,50
12.486,50
31.216,25
12.486,50
31.216,25
Fevereiro
70.595,00
21.178,50
7.059,50
17.648,75
7.059,50
17.648,75
Março
214.300,00
64.290,00
21.430,00
53.575,00
21.430,00
53.575,00
Abril
199.925,00
59.977,50
19.992,50
49.981,25
19.992,50
49.981,25
Maio
0
0
0
0
0
0
Junho
0
0
0
0
0
0
Julho
0
0
0
0
0
0
Agosto
169.080,00
50.724,00
16.908,00
42.270,00
16.908,00
42.270,00
Setembro
123.410,00
37.023,00
12.341,00
30.852,50
12.341,00
30.852,50
Outubro
74.045,00
22.213,50
7.404,50
18.511,25
7.404,50
18.511,25
Novembro
203.055,00
60.916,50
20.305,50
50.763,75
20.305,50
50.763,75
Dezembro
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
TOTAL
0
Fonte: CEIC a partir do Relatório anual financeiro de 2012 da ACAPC
Os 25% destinados à manutenção ajudam a Associação a desempenhar o seu papel
protector e em parte isso explica a sustentabilidade do projecto ao longo destes anos.
6.1.1.2. ACAPC enquanto protectora
Importa reiterar que os Comités foram criados para velar pela manutenção e
funcionamento dos chafarizes. Neste âmbito a ACAPC tem levado a cabo acções de reparação
empregando membros da sua equipa técnica. Em 2012, procederam a reparação e colocação
de alpendres em 10 chafarizes, a intervenção numa rotura no bairro 11 de Novembro visando
superar uma avaria que interliga os chafarizes devido à demora da EPAL e a ligação de um
chafariz que andava inoperante há muito tempo mas agora está a abastecer água ao Hospital
Municipal do Sambizanga, a partir do ramal da subestação da Mulemba73. Como já ficou dito, a
73
ACAPC. Relatório de balanco anual de 2012, pp. 2-3
118
acção de ACAPC abarca também a componente de saneamento básico, aliás ambos (água e
saneamento básico) foram um binómio inseparável.
6.1.1.3. ACAPC como agente promotor de saneamento básico
Ao longo da sua história, a ACAPC tem vindo a jogar um papel mobilizador bastante
relevante junto da comunidade sobre o tratamento de lixo e água com a distribuição do
produto certeza adquirido da PSI e o uso de latrinas caseiras.
Particularmente em 2012, ACAPC realizou um conjunto de formações74 sobre higiene e saúde,
com incidência sobre a prática de lavagem das mãos com base em recipientes adaptados,
dirigido à Comissões de Moradores de 13 bairros, Igrejas, Comités, 4 escolas do Ngola Kiluange
com um universo de aproximadamente 700 participantes e outras Associações dos municípios
do Cazenga, Cacuaco, Viana e Kilamba-Kiaxi. A sua intervenção beneficiou igualmente alguns
extractos da população do Bom Jesus, entre eles zeladores de chafarizes, professores, alunos e
alguns médicos os quais participaram numa palestra administrada naquela localidade que
abordou aspectos importantes, tais como uso e tratamento das latrinas caseiras, cuidado com
a água e o lixo.
Implementaram no seu campo de acção de 2010 a 2012 no ano passado o projecto
de agentes comunitários75 no âmbito do qual o agente comunitário fazia um acompanhamento
de 100 famílias, educando-as sobre o tratamento de água, lixo, cuidado das crianças. As acções
de ACAPC têm conseguido produzir um impacto positivo no seio da comunidade.
6.1.1.3. Impacto da acção de ACAPC na vida socioeconómica da comunidade
Não é possível falar em impacto olhando para as acções recentes da ACAPC,
sobretudo as desenvolvidas em 2012 mas no transcurso dos 11 anos da sua existência
podemos surpreender alguns indicadores que nos permitam medir o impacto de algumas
acções da Associação na vida social, política e económica da comunidade alvo.
6.1.1.3.1. Alívio do fardo económico à população
Quando há corte no abastecimento de água, a população recorre aos detentores de
tanques que a comercializam a preços especulativos que oscilam dos kz. 50,00 a kz. 100,00 por
um bidon de 20 litros. Esta situação representa um fardo pesado na vida económica da
população. O cenário altera completamente quando a rede restabelece o abastecimento, a
população acorre aos chafarizes da rede onde gastam kz. 5,00 para aceder a um bidon de água
de 20 litros. Esta situação força os detentores de tanques a reduzirem os preços para Kz. 25,00
e em casos extremos até kz. 5,00.
Portanto, a provisão de serviço pela ACAPC, no domínio de abastecimento de água
permite à população poupar recursos e canaliza-los na satisfação de outras necessidades.
6.1.1.3.2. Equilíbrio de género
Tirar a água do chafariz ainda é uma tarefa maioritariamente praticada por mulheres
e crianças. Todavia com a instalação dos chafarizes no campo de acção da ACAPC tem-se
verificado uma tendência de mudança cultural em que cerca de 20% de homens já partilham
74
Trata-se de uma réplica de uma acção internacional de troca de experiência em que ACAPC
em Maputo (Moçambique) participou, sob a promoção da DW.
75
Financiado por uma Organização brasileira através das Administrações Municipais.
119
comparticipam nesta tarefa. Ao longo destes anos a Associação tem vindo a administrar
palestrar para despertar a consciência da população sobre o género. Ainda assim há ainda um
percurso longo a realizar.
6.1.1.3.3. Participação da comunidade na resolução dos seus problemas
A rua que liga o mercado dos Kwanzas à CCL, passando pelo interior do bairro
Nguanha, era intransitável há algum tempo e as autoridades de direito não estavam a dar
sinais de intervirem a breve trecho para a solução do problema. Considerando a importância
da mesma rua para a comunidade em geral, em 2004 a ACAPC tomou a iniciativa de mobilizar
a comunidade para uma acção conjunta visando repor a sua transitabilidade. Esta acção
contou com o apoio logístico da EPAL em termos de fornecimento de tubos de conduta de
água, os quais a população local transportou com sacrifício até ao local da intervenção. O
trabalho foi feito e até hoje a rua é transitável.
Esta acção constitui um bom exemplo de como a comunidade pode participar da
resolução de alguns senão muitos dos seus problemas.
6.1.1.3.4. Influência junto dos actores políticos locais
Considerando o seu bom desempenho nas acções do seu âmbito interventivo, ACAPC
foi credenciada como membro do Conselho de Auscultação e Concertação Social (CACS) em
representação das demais ONGs e/ou Associações que actuam naquele distrito. São
convidados para todos os encontros que a Administração Comunal promove com a sociedade
civil e algumas vezes a Administração busca a sua opinião sobre matérias que dizem respeito à
vida social da Comuna. De três em três meses a Associação realiza um fórum em que
participam a comunidade, as comissões dos bairros, representantes da Administração e os
actores ligados à temática em discussão. Neste fórum a comunidade tem tido a oportunidade
de expor directamente os seus problemas às autoridades de direito. No caso particular de água
e saneamento básico, o confronto da comunidade com as autoridades da EPAL ou ELISAL
resultou na solução de remoção lixo acumulado e restabelecimento do abastecimento de água
às zonas afectadas.
6.1.1.3.5. Escola de democracia participativa
ACAPC funciona sob os princípios democráticos. A partir do zelador (base) até a
direcção máxima da Associação (topo) têm mandatos determinados. Os dirigentes da base são
eleitos com base num mandato anual renovável enquanto os do topo são eleitos para um
mandato de dois anos, renovável uma vez apenas. Quando a Associação começou, a direcção
geral era composta por 10 pessoas e quase todas elas já passaram pelo cargo máximo da
Associação, Secretário-geral, sinal de que existe rotatividade dinâmica no acesso aos cargos de
poder na Associação e a comunidade elege estes dirigentes de forma democrática.
6.1.1.3.6. Preservação da saúde da comunidade
Em 2006, Luanda conheceu um surto de cólera cujo epicentro foi o bairro da
Boavista. Rapidamente o surto se espalhou pelos demais bairros da capital e pelas províncias
do país causando a morte de um número considerável de pessoas. Os bairros onde a ACAPC
intervém, não sentiram os efeitos arrasadores da cólera devido ao trabalho intenso de
mobilização social que a associação desenvolveu junto das populações, com apoio da UNICEF,
distribuindo cloro e panfletos informativos sobre as formas de evitar a doença.
120
6.2. O caso da Igreja Evangélica de Angola (IEA)
A Igreja Evangélica de Angola (IEA) foi fundada em 1898 e reconhecida pelo Estado
angolano, com base no Decreto Executivo 9/87, do Diário da República I Série nº 7, datados de
24 de Janeiro de 1987. Actualmente está representada em 15 províncias do país,
nomeadamente: Cabinda, Zaire, Bengo, Uíge, Luanda, Kwanza-Sul, Kwanza-Norte, Malange,
Bié, Huambo, Benguela, Huila, Namibe, Kwando-Kubango e Cunene. É membro co-fundador do
CAIE (Conselho Angolano das Igrejas Evangélicas), actual CICA (Conselho das Igrejas Cristãs de
Angola) do qual é membro até data presente.
No seio do Secretariado Geral da IEA funciona o Departamento de Desenvolvimento
Comunitário (DDC), vocacionado a estudar, elaborar e implementar projectos comunitários
visando o bem-estar social das comunidades, no âmbito da missão integral da Igreja. Em 2012,
para além de outras acções que desenvolveu, merece destaque no âmbito deste relatório
acção no domínio de água.
6.2.1. Acção no domínio de água e saneamento básico
Com o financiamento da Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN), a IEA implementou de
Fevereiro de 2012 a 12 de Março de 2013 um projecto de água para beneficiar 669 pessoas
das aldeias de Yala Katumbo e Kisala, na comuna de Piri, município dos Dembos, província do
Bengo76. A execução deste projecto fundamentou-se em três vertentes principais: física,
humana e social. Na vertente física, foi instalado um sistema de água que compreende: duas
lavandarias para Yala Katumbo e uma para Kissala; três chafarizes e uma bica para Yala
Katumbo e dois chafarizes para Kissala; um tanque de captação e outro de armazenamento e
distribuição e uma casa de gerador. O tanque de armazenamento e distribuição tem uma
capacidade de 18m3. Para o funcionamento do sistema foi adquirida e instalada uma bomba
submersível com a função de bombear a água do tanque de captação ao de armazenamento e
distribuição com a capacidade de bombear 15m3/h. O sistema é alimentado electricamente
por um gerador de 9 KVA77.
A componente humana teve a ver com os recursos humanos que tornaram realidade
a implementação do projecto, no total 19 pessoas, sendo um (1) Coordenador; um (1)
Assistente local; uma (1) Mobilizadora social; três (3) Canalizadores; quatro (4) Mestres; oito
(8) ajudantes e Estagiária do ICRA, Madalena Issanzo que de Junho a Outubro de 2012, esteve
destacada na comunidade, tendo focalizado a sua acção no domínio de saneamento básico na
escola de Yala Katumbo, na praça de Mobil e no Hospital Regional dos Dembos, sita na Sede
Municipal de Quibaxe.
Para garantir a sustentabilidade do projecto, entre os 18 funcionários do projecto, 5
foram recrutados localmente. Adquiriram conhecimento durante a implementação do projecto
e serão fundamentais na funcionalidade e manutenção do sistema78. A componente social
ocupou-se da mobilização da comunidade para participar no projecto visando apropriação do
projecto por esta e assegurar a sua sustentabilidade. A população participou da escavação das
valas onde foram colocados os tubos condutores de água, tendo-se destacado a população da
Kissala. As autoridades tradicionais locais colocaram à disposição da IEA duas residências
localizadas no Yala Katumbo, sendo uma utilizada para o armazenamento do material e a outra
para a residência dos funcionários, particularmente os mestres idos de Luanda.
76
O projecto orçou $ 139.498,00. Foi financiado pela Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN), com fundos
vindos da Statoil.
77
IEA, Relatório narrativo do Projecto de água para Yala Katumbo e Kissala, Janeiro de 2013, p. 7
78
Ibid. pp. 7-8
121
A segunda vertente da mobilização social teve a ver com os vários encontros que a
equipa dirigente do projecto realizou ao nível local, comunal, municipal e provincial com vista
a reportar sobre o projecto, ter o feedback das autoridades sobre o projecto e obter
autorização para o corte transversal da estrada para a passagem dos tubos. Nessa senda,
foram realizados dezoito (18) encontros com as autoridades tradicionais locais; seis (6)
encontros com as autoridades políticas ao nível da Comuna de Piri79, quatro (4) encontros com
as autoridades políticas do Município80; doze (12) encontros com as autoridades do Governo
Provincial, sendo um (1) encontro com a então Vice-Governadora para a Área Social
(S/Excelência Srª Elvira Van-Dunem), um encontro com o então Vice-Governador para a Área
Técnica, dois encontros com o Vice-Governador para a Área Económica81), cinco encontros
com a Direcção Provincial do INEA e dois encontros com a Direcção Provincial de Energia e
Águas (na pessoa do Director Provincial). A terceira componente de mobilização social,
consubstanciou-se na formação de 16 pessoas, membros da comunidade para o GAS (Grupo
de Água e Saneamento). A formação, decorrida no Yala Katumbo de 5 a 6 de Julho, contou
com a participação do Chefe Provincial do Departamento de Águas e do Técnico Supervisor de
Gestão. Estes marcaram presença no evento em nome da Direcção Provincial da Energia e
Águas do Bengo para além de terem visitado o projecto por quatro vezes durante o tempo da
sua implementação. O GAS formado, embora tivesse funcionado com algumas debilidades,
desenvolveu algumas tarefas, nomeadamente o encontro com as vendedoras do mercado da
Mobil, cujo assunto dominante foi a limpeza do espaço onde exercem a sua actividade
comercial; mobilização das famílias para o trabalho da escavação, encabeçada pelo Pastor
Daniel Cangulo82. O povo correspondeu e fez o trabalho da escavação, tendo escavado de
baixo até à metade da aldeia de Yala Katumbo; limpeza no mercado da Mobil sob a iniciativa
das próprias vendedoras e a transição de local do lado esquerdo da estrada para o lado direito,
considerando o sentido descendente e administração de uma palestra no Yala Katumbo sobre
a importância e modalidades de tratamento do lixo. As acções do GAS contaram também com
o trabalho motivacional da Coordenadora do Grupo, em virtude da sua própria função83.
6.3. O caso da Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA)
A Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA) foi fundada a 11 de Novembro
de 188084, por uma equipa de três missionários85 que entraram por Benguela, prosseguiram
para o interior e se fixaram no Bailundo, onde iniciaram a materialização do seu projecto
missionário, tendo as suas primeiras acções incidido no sector da educação86. Actualmente
79
Com destaque para Senhor Pereira Capemba Fula Massa, então Administrador Comunal do Piri
Com destaque para Administradora Municipal, Senhora Josefa José, actual Administrador Municipal
em Exercício e o Secretário Geral Municipal, Senhor Pereira Capemba Fula Massa.
81
O referido encontro foi determinante para a solução final do problema do corte transversal de estrada
para a passagem dos tubos condutores de água. No decurso do encontro, a Sua Excelência, nas vestes
de Governador do Bengo em Exercício informou por telefone ao Administrador em Exercício dos
Dembos de que a IEA estava autorizada a fazer o trabalho e instruiu-lhe a fornecer uma componente
policial para proteger a equipa de projecto enquanto faria o trabalho.
82
Pastor da Igreja IEESA (Igreja Evangélica do Espírito Santo), a mais influente nas duas comunidades.
83
IEA, Relatório narrativo do Projecto de água para Yala Katumbo e Kissala, Janeiro de 2013, pp. 8-9
84
A IECA foi reconhecida pelo Estado angolano, a 24 de Janeiro de 1987, através do Decreto Executivo
nº 9/87.
85
Entre eles se achava o Professor Samuel Taylor, que era um Universitário ligado as questões sobre
transformação social, descendente de escravos Africanos, provavelmente originários desta Angola,
nomeadamente Vie (actual Bié.). cf. SAMAKUMBI, L. História da IECA em Angola, Abril de 2013,
(Inédito), p. 1,
86
SAMAKUMBI, L. História da IECA em Angola, Abril de 2013, (Inédito), p. 1
80
122
está representada em 17 províncias do país, com excepção da Lunda-Norte. O Departamento
de Assistência Social, Estudos e Projectos (DASEP) é o braço social da Igreja com intervenções
em vários domínios; água e saneamento, formação técnico-profissional, Saúde, educação,
missão integral, igualdade de género, microcrédito e agricultura87.
A nossa abordagem não é exaustiva sobre a acção da IECA no domínio social, apenas
tem como foco a sua acção no domínio do acesso à água potável e ao saneamento básico.
6.3.1. Acção da IECA no domínio de água e saneamento básico
Nestes últimos anos a IECA tem vindo a realizar acções em cada ano no domínio de
água e saneamento básico, contribuindo assim para o desenvolvimento social das populações
de Angola. De referenciar a construção de 9 fontenários, 31 poços de água e 5 sistemas de
água em localidades do interior das províncias de Huila, Cuando-Cubango e Benguela. Estas
acções beneficiaram 6.125 famílias, tendo orçado em $ 831.259, cujo financiamento proveio
de Christian Aid, BMZ, Norwegian Church Aid (NCA), Pão para o Mundo e Diakony
Emergência88. No tocante ao saneamento básico, a sua acção teve uma componente
pedagógica e outra intervencionista. Esta última compreendeu a construção de latrinas
enquanto a primeira fundamentou-se no despertar social da população através de palestras
sobre higiene e saneamento básico. Os elementos do Grupo de Água e Saneamento (GAS)
formados no âmbito dos projectos de água para velar pela manutenção e sustentabilidade dos
equipamentos, foram também fundamentais na mobilização social, uma vez que a sua acção
tem uma componente social. Estas acções tiveram um impacto positivo no seio das
populações, nomeadamente a diminuição da mortalidade infantil, o equilibro do género e a
participação dos moradores na vida política das suas aldeias89.
De 2011 a 2012 a acção da IECA esteve particularmente concentrada no município da
Baia Farta (província de Benguela) onde instalou dois sistemas de água que compreendem 18
chafarizes e 6 lavandarias em benefício da população da comuna de Chamune, aldeias de
Mohingo, Farol, Saco, Chiome, Gengo e Tenda, num total de 9.524 pessoas90 e um custo do
projecto de USD 668.200,00, financiado pela Norwegian Church Aid (NCA).
6.3.2. CONTRIBUIÇÃO DA IEBA NO DOMÍNIO DE SAÚDE
Os sectores da saúde e da educação foram sempre um terreno fértil da acção social
das Igrejas, desde os tempos dos missionários. Neste ponto, trazemos a contribuição da Igreja
Evangélica Baptista em Angola (IEBA) no domínio da saúde, com particular incidência sobre o
Centro de Saúde da Petrangol.
A IEBA é uma das Igrejas centenárias de Angola, fundada em 187891, tem uma forte
implantação no Norte do país, principalmente nas províncias do Uíge e Zaire, sendo esta última
província tida como o berço da Igreja, pois foi em Mbanza Congo que os missionáriospioneiros fundaram a sua igreja92. Actualmente, a sua acção eclesiástica estende-se a 15
províncias do país, com excepção do Moxico, Malange e Namibe.
87
Ibid. pp. 4-5
Para mais informações, consultar Pestana, N. Pobreza, Água e Saneamento Básico, CEIC-UCAN, Abril
de 2011, pp. 54-55
89
Ibid.
90
Ver também Relatório do Governo de Benguela de 2012, p. 36
91
A IEBA foi reconhecida pelo Estado Angolano através do Decreto Executivo 9/87 de 24 de Janeiro de
1987
92
Era eles os missionários ingleses George Greenfel e Thomas Comber.
88
123
A IEBA criou, em 1985, o seu Departamento Nacional de Saúde Comunitário (DNSC)
com o propósito de promover a saúde nas comunidades, no âmbito da missão integral da
Igreja que contempla as necessidades espirituais e materiais do ser humano como uma
totalidade93.
O DNSC é assim o organismo da IEBA que coordena as intervenções da Igreja no
domínio de saúde, com estruturas sanitárias implantadas em seis províncias: Luanda, Zaire,
Uíge, Cabinda, Huila e Lunda-Norte, nomeadamente quatro centros de saúde; em Mbanza
Congo (Zaire); Petrangol (Luanda); Paróquia do Bem-Vindo94 (Uíge); Ebenezer (Cabinda); um
laboratório e onze postos-médicos, estes últimos com perspectivas de evoluírem, a médio
prazo, à categoria de Centros de Saúde. O departamento controla actualmente 111
trabalhadores, entre médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal administrativo.
A IEBA assinou um convénio com o Ministério da Saúde que confere legitimidade às
acções que o DNSC tem estado a desenvolver ao nível da sua rede, com incidência em quatro
vertentes principais: saúde materno-infantil, VIH/SIDA, tuberculose e oftalmologia. Para além
da parceria com o Governo, é de referenciar a CBM95, representada em Angola pela SOLE96 e a
Baptist Missionary Alliance (BMS) como sendo os actores que cooperam com a IEBA no
domínio da saúde, trazendo mais-valias que contribuem para o seu bom desempenho.
Visando trazer ao conhecimento público a contribuição que a IEBA tem vindo a dar
na promoção do bem-estar social das pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus pelas
acções que desenvolve no domínio da saúde, o relatório escolheu para objecto de observação,
o Centro de Saúde da Petrangol, considerado como sendo o projecto de referência, para além
de ter sido o ponto de partida da rede sanitária da Igreja, analisando várias dimensões do seu
funcionamento, nomeadamente, recursos humanos, áreas de intervenção e os resultados
produzidos, em 2012, sua sustentabilidade, a articulação da cura física com a cura espiritual,
sua relação com o Ministério de tutela, sua relação com demais estruturas sanitárias
circunvizinhas.
6.3.2.1. Breve resenha histórica do Centro de Saúde da Petrangol (CSP)
O percurso histórico do centro, como qualquer outro projecto humano, regista um
ponto de partida, de onde evolui até ao momento presente, o do Centro de Saúde da
Petrangol está localizado no município do Cazenga, comuna de Hoji-ya-Henda, próximo do exmercado Cala Boca. Este projecto foi arquitectado por uma equipa encabeçada pelo Senhor
Garcia Destino, actual Director do Departamento Nacional de Saúde Comunitária da Igreja,
cujo fundo inicial que assegurou o arranque dos trabalhos, saiu dos cofres da Igreja. Os
pioneiros deste projecto foram motivados pela situação crítica de saúde que constataram no
seio da comunidade circunvizinha, caracterizada por altos índices de doenças diarreicas,
parasitoses intestinais e deficiente saneamento básico generalizado97. Face a esta situação e
com a luz verde dada pela Direcção da Saúde, os trabalhos do Centro deram o seu pontapé de
93
Handerson, 2001, p. 201
Prestes a ser inaugurado
95
É uma organização internacional que trabalha em parceria com a OMS com o objectivo de reduzir a
cegueira no mundo
96
Solidariedade Evangélica, cujo ponto operacional é o Hospital da Boa Vista/Benguela
97
As pessoas não usavam latrinas. Esta situação é pouco surpreendente, se tivermos em conta que 23
anos depois do arranque do projecto sanitário da Igreja, ao nível global permanente um desafio, baseando
no facto de que apenas 60% da população angolana tem acesso à estruturas melhoradas de saneamento
básico. cf. UNICEF. Relatório Anual. Para a realização dos 11 compromissos de Angola para com as
crianças, Angola, 2011, p. 8. Em todo caso, é legítimo questionar até que ponto a situação evoluiu na
comunidade da Petrangol em particular, pelo impacto que o projecto de saúde tem causado no seu seio ao
longo destes 23 anos.
94
124
saída a 25 de Novembro de 1985, tendo as primeiras acções incidindo na educação sanitária,
visando a mudança de comportamento da população em relação as doenças preveníveis,
seguidas de acções terapêuticas contra os parasitas intestinais, entre outras acções que
mereceram o apoio das autoridades sanitárias.
Apesar de terem decorrido já vinte-e-três anos, desde o início do projecto, ele
continua de pé, a funcionar plenamente, fiel à missão que norteou a sua fundação.
6.3 2.2. O CSP como unidade sanitária
O Centro de Saúde, funciona com cinco médicos, sendo três efectivos e dois em
regime de colaboração. Em termos de especialidades, dois dos cinco médicos são generalistas,
e os demais são especialistas; em oftalmologia, imagiologia e pediatria. Estes cinco médicos
são auxiliados por técnicos de imagiologia, laboratório e pessoal administrativo, como se pode
ver, com mais detalhe, no quadro infra:
Categoria
Médicos
Enfermeiros
Técnicos de
Laboratório
Técnicos de
Imagiologia (RX e
Ecografia)
Pessoal
administrativo
Tabela 3: Quadro do pessoal que funciona no CSP
Número
Homens
Mulheres
5
8
11
8
4
Total
5
19
12
2
-
2
3
-
3
Fonte: CEIC com base nos dados colhidos no CSP
O técnico de raio X é um enfermeiro adaptado ao sector e que frequentou uma
formação específica para a sua integração naquele serviço. Na área de ecografia há também
um enfermeiro, nas mesmas condições.
Os 14 técnicos que asseguram o laboratório foram formados pela IEBA no IMELAC
(Instituto Médio de Técnicos de Análises Clínicas) em parceria com o MINSA. Em 2012, por
razões de ordem administrativa da Igreja o Instituto não funcionou.
Constata-se um desequilibro muito grande em termos de género no quadro do
pessoal do Centro. Com excepção da categoria das enfermeiras98 e a dos técnicos de
laboratório, as demais categorias estão totalmente masculinizadas. Esta realidade indicia o
fraco poder de que as mulheres dispõem nas tomadas de decisão sobre os assuntos que dizem
respeito à vida do Centro.
A acção do centro abarca as quatro vertentes atrás referenciadas no quadro do
Departamento em geral, mais a medicina e as secções de farmácia e imagiologia. A área de
protecção materno-infantil é subdividia internamente em três (3) subáreas: consultas prénatais, consultas pré-escolares (programa alargado de vacinação) e planeamento familiar.
98
Um estudo feito pela USAID sobre o sistema de saúde de Angola, apontou este aspecto como sendo
positivo, no sentido de que nos últimos anos tem aumentado o número de enfermeiras nas unidades
sanitárias do país, pelo que a situação constante do quadro do pessoal no CSP na categoria das
enfermeiras não é exclusivo ao Centro. cf. USAID. Avaliação do sistema de saúde de Angola, Julho de
2010, p. 1
125
As consultas pré-natais compreendem o acompanhamento que se faz à mulher
grávida. Estas consultas são gratuitas mas as pacientes pagam um valor módico (ver a tabela
número 3) pela aquisição da ficha, um valor que serve para repor os gastos do Centro na
compra das mesmas fichas no mercado, uma vez que já não constam dos kits de material que
recebem das autoridades de saúde.
As consultas pré-escolares abarcam a componente de vacinação que é aplicada às
crianças do 0 aos 5 anos. Os kits de vacinação são fornecidos pelas autoridades sanitárias, daí a
gratuitidade de todo serviço prestado no âmbito das consultas pré-escolares.
O planeamento familiar tem registado pouca aderência por razões que ainda não
foram estudadas localmente. Ao nível de Luanda, onde a situação é semelhante, um inquérito
CAP, realizado em 2009 pelo ESD, sob o financiamento da USAID, mostrou que, 33% das
mulheres não usam anticonceptivos por falta de conhecimento, 32% por desaprovação da
sogra, 29% por desaprovação do parceiro enquanto 26% por receio de falta de privacidade ou
confidencialidade99. As consultas e o serviço prestado neste âmbito são gratuitos pois os kits
de materiais em uso nesta área provêm das autoridades sanitárias. Embora a fraca adesão ao
planeamento familiar retrate um cenário do nível micro, não deixa de ser um indicador
preocupante, se tivermos em conta a realidade macro, marcada por um crescimento
demográfico alto, na ordem de 2,9 e incompatível com os progressos sociais que o país tem
estado a registar100.
A componente de consultas pré-natais, tem uma relação estreita com o programa do
VIH e SIDA pois todas as mulheres grávidas são obrigadas a fazer o teste de VIH conforme as
normas do Ministério de Saúde em vigor no nosso país, as quais o Centro tem cumprido com a
devida rigorosidade.
O programa de luta contra VIH e SIDA foi oficialmente criado no Centro pelas
autoridades de Saúde, aos 7 de Abril de 2011 e abarca as componentes de aconselhamento,
testagem voluntária, tratamento de doenças oportunistas e tratamento com os ARV. Antes da
inclusão da vertente terapêutica do SIDA nos serviços que o Centro oferece, o mesmo veio
trabalhando desde há oito (8) anos com um projecto comunitário, financiado pela Ajuda da
Igreja Norueguesa (AIN), denominado MAVOCI” (Ministério de Apoio à Viúva e Órfão de HIV e
SIDA), virado para assistência às viúvas e órfãos de VIH e SIDA.
O Centro criou o programa de tratamento da tuberculose para fazer face ao elevado
número de casos com esta patologia que estavam a se registar no seio da comunidade. Este
programa tem tido um bom desempenho no cumprimento escrupuloso das normas reitoras,
estabelecidas pelas autoridades de saúde no tratamento da tuberculose. O seu bom
desempenho já levou o Centro a ganhar por mais de uma vez prémios da área de luta contra a
tuberculose do MINSA e da Direcção Provincial da Saúde enquanto no município de Cazenga,
duas vezes o Centro teve uma excelente classificação por ter seguido bem os seus casos, não
tendo havido doentes que abandonaram o tratamento e cerca de 96% dos casos do Centro
terem chegado à cura. Os técnicos que funcionam neste programa recebem formações de
refrescamento em cada ano, sob a promoção da área de luta contra a tuberculose do MINSA.
A área de oftalmologia, compreende consultas e tratamentos aos pacientes
acometidos com dificuldades de visão, com incidência na despistagem de casos que provocam
cegueira. O Centro não faz cirurgias, os casos desta natureza são encaminhados para o
Hospital da Boavista (Benguela). Trata-se de uma política do Governo que procedeu à
definição do espaço de actuação para os três actores: SOLE “Boavista (Benguela –Sul), Instituto
99
USAID. Avaliação do sistema de saúde de Angola, Julho de 2010, p. 8
A teoria malthusiana chama atenção sobre a desproporcionalidade entre o crescimento populacional e
a insegurança alimentar. Embora a realidade dos países industrializados represente uma nulidade desta
teoria, nos países em desenvolvimento, Angola não é excepção, ela deve ser tomada em consideração. cf.
Todaro & Smith, 2011, pp. 278-281
100
126
Nacional de Oftalmologia (Luanda) e IEBA (Norte) através do Centro de Saúde de MbanzaKongo. Este tem realizado duas sessões de cirurgia por ano, cujos pacientes são provenientes
maioritariamente das áreas do interior das províncias do Zaire e Uíge. Em 2012, este trabalho
resultou no atendimento de 135 casos101.
Entre os casos que área de oftalmologia registou em 2012, as mulheres destacam-se
como estando mais afectadas em termos de cataratas, por razões que têm a ver com a sua
maior exposição ao meio ambiente, onde sofrem a acção das poerias, alergias e conjuntivites.
A seguir as mulheres, constatou-se que as crianças com a idade entre 2 a 15 anos, são mais
frequentemente atacadas por conjuntivites bacterianas e alérgicas. Em termos globais, os
adultos com a idade dos 40 anos adiante, apresentaram maior número de casos de catarata,
enquanto os jovens dos 15 a 35 anos, apresentaram maiores problemas relacionados com
erros de refracção.
O funcionamento da área de oftalmologia não conta com nenhum apoio da Saúde. O
seu sustento baseia-se no projecto sob o financiamento de CBM, o qual contempla um kit de
medicamentos, específico para os pacientes a serem operados e outros fármacos genéricos
para os pacientes que não tenham casos de cirurgia.
O Centro possui um laboratório e uma área de imagiologia que constituem uma
componente fundamental na determinação dos diagnósticos. O laboratório funciona todos os
dias. Os exames que realiza compreendem as seguintes áreas: hematologia (VS, gota espécie,
falsiformação, hemograma completa e hemoglobina); serologia (vidal, VDRL, teste de VIH);
urinologia (urina 1 e 2); microbiologia (espermograma, enxugado vaginal, enxugado uretral,
pesquisa de BK) e parasitologia (fezes). Os reagentes utilizados no laboratório são adquiridos
no mercado paralelo. A secção de raio X funciona de Segunda a Sexta-feira. Os seus exames
incidem sobre os traumatismos e pulmões, com maior destaque para este último. Por seu
lado, a secção de ecografia funciona apenas duas vezes por semana: quartas e sextas-feiras,
cujos exames abarcam a ecografia abdominal, pélvica, obstetrícia e mama. O centro não tem
internamento mas possui 9 camas para casos de observação, até 72 horas, no máximo. As suas
consultas e atendimento normal funcionam de segunda a sábado, das 8h00 às 15h00 mas fica
uma equipa de piquete constituída por dois enfermeiros para cobrir as situações que
eventualmente venham a surgir com os pacientes em observação, bem como prestar os
primeiros socorros aos novos casos que possam eventualmente surgir.
O Centro recebe abastecimento da Direcção Municipal de Saúde do Cazenga
mediante o envio de relatórios mensais. Conforme a constatação do estudo da USAID102, a
regularidade neste abastecimento ao nível nacional permanece um desafio por ser
ultrapassado, com todas as implicações negativas que daí resulta na saúde das populações, no
caso particular dos pacientes de VIH e SIDA, às vezes vêm-se obrigados a interromper a terapia
devido à rotura do stock no Centro. O abastecimento da Direcção Municipal de Saúde do
Cazenga abarca kits que são usados no programa de luta contra malária, reagentes,
medicamento da luta contra TB e vacinas para a protecção materno-infantil. O mesmo faz
também o Instituto Nacional de Luta contra SIDA (INLS) no fornecimento dos ARV e testes do
VIH.
Os medicamentos que cobrem os programas acima referidos são adquiridos pelos
pacientes na farmácia de forma gratuita porém os demais que o Centro adquire no mercado
paralelo por sua iniciativa, a farmácia vende-os aos pacientes, cujo preço varia de acordo com
a receita médica.
101
Para mais informações, consultar DNSC, Relatório da 5ª Sessão de Cirurgias de Cataranas em
Mbanza Congo, Outubro de 2012, pp. 1-2
102
USAID. Avaliação do sistema de saúde de Angola, Julho de 2010, p. xxi
127
A Baptist Missionary Alliance (BMS)103 é outro actor que trabalha em parceria com a
IEBA e a sua co-participação tem também um impacto na vida particular do Centro pela sua
envolvência na aquisição dos medicamentos, equipamentos e meios de transporte em uso no
Centro e noutras unidades sanitárias da rede.
Em termos globais, as acções que o Centro desenvolveu em 2012 no âmbito das suas
principais vertentes interventivas, resultaram no atendimento de 153.690 casos, conforme o
quadro abaixo ilustra mais pormenorizadamente.
Tabela 4. Casos atendidos no Centro em 2012
Área
Média
Medicina geral
Oftalmologia
Materno-infantil
VIH e SIDA
Tuberculose
Laboratório
Imagiologia
Consultas pré-natais
Consultas pré-escolares
Planeamento familiar
Raio x
Ecografia
Total
Fonte: CEIC com base nas informações recolhidas do CSP
№ de casos
35/dia
40/mês
35 a 45/dia
20 a 23/dia
70/dia
-
10.993
6.186
4.259
13.215
252
4.391
543
87.141
26.710
153.690
Quanto aos casos da medicina geral, destacam-se o paludismo e a pneumonia;
Os 4.391 foram aconselhados e testados em VIH em datas diferentes,
nomeadamente: 883 mulheres grávidas, de Maio a Dezembro de 2012; 3.428 homens, jovens
e crianças, de 7 de Abril de 2011 a 31 de Dezembro de 2012 e 80 seropositivos têm sido
acompanhados desde Maio que aderiram ao tratamento anti-retroviral a Dezembro de 2012.
Dos 543 notificados com TB, 266 fizeram o teste voluntário de VIH, dos quais 14
acusaram positivo, um número relativamente baixo, se tivermos em conta a tendência geral da
associação da TB com o VIH e SIDA.
Parte do serviço que o Centro oferece é remunerável enquanto outro gratuito. As
receitas que o Centro faz constituem a sua base principal de sustentabilidade.
6.3.2.2.1. Sustentabilidade, gestão e preços praticados no Centro
O Centro tem uma tabela definida de preços pelos serviços que presta nas áreas
remuneráveis. Veja a tabela abaixo para mais detalhes.
Tabela 5. Tabela de preços praticados CSP em 2012
Área
Natureza do caso
Kz.
Protecção
materno- Compra de ficha p/ consulta pré- 300,00
infantil
natal
Oftalmologia
Consulta e tratamento
2.000,00
103
Tarifa fixa
Equivalência
em $
3,00
20,00
Trata-se da agência missionária que desenvolveu a acção evangelística que resultou na fundação da
IEBA
128
Laboratório
Realização de exames
Imagiologia (Raio X)
Realização de exames
Imagiologia (Ecografia) Realização de exames
Farmácia
Aquisição de medicamento
Medicina ou outra
Catalogação e consulta
Medicina ou outra
Pacientes em observação (criança)
Medicina ou outra
Pacientes em observação (adultos)
Fonte: CEIC com base nas informações recolhidas do CSP
2.000,00
3.000,00
2.000,00
12.000,00
15.000,00
20,00
30,00
20,00
120,00
150,00
Se considerarmos os preços que são praticados nas outras unidades sanitárias
privadas, concluiremos que os preços do CSP são acessíveis e compatíveis com a condição
socioeconómica da maior parte do seu grupo alvo conforme a vocação primária do Centro que
é contribuir para a maximização do bem-estar social da população, através do serviço de saúde
que presta.
Os preços pelos exames do laboratório não são uniformes, variam de acordo com a
natureza do exame.
As receitas que o Centro arrecada, servem para assegurar a sua sustentabilidade,
sobretudo no tocante aos salários de todos os funcionários104 e na aquisição de fármacos não
abrangidos nos kits abastecidos pelas autoridades de saúde e na aquisição de outro material
necessário.
Todos os Pastores da IEBA e seus familiares directos estão isentos de qualquer
pagamento no Centro assim como os membros da Igreja que têm sido encaminhados por
estes. Estudos estão em curso para a determinação de uma taxa inferior a ser paga pelos
membros da IEBA sem pôr em risco a capacidade de auto-sustentabilidade do Centro.
As receitas produzidas no Centro e nas outras unidades de saúde da IEBA são
canalizadas à tesouraria geral da Igreja. Trata-se de um sistema centralizado de gestão
financeira em que as receitas relacionadas com outros departamentos do Secretariado Geral
da IEBA são igualmente canalizadas à tesouraria geral de onde parte o plano geral da
realocação dos recursos aos diferentes sectores, conforme as necessidades.
O CSP é rodeado por outras unidades sanitárias, sendo a mais próxima pública e
outras são privadas. A relação com estas unidades é de cooperação e complementaridade.
6.3.2.2.2. CSP e outras Unidades Sanitárias na Petrangol
Num perímetro de 5 km, existem outras estruturas de saúde privadas, para além do
Centro de Saúde público “Ana Paz”, construído sob o financiamento da União Europeia e
localizado há menos de um (1) km do Centro de Saúde da Petrangol. Todas estas estruturas
foram criadas da década 90 para cima. A sua existência não cria uma situação de competição
com o CSP e nem tem afectado a sua clientela, este pelo contrário, tem vindo a crescer cada
vez mais nos últimos anos. No fundo o maior beneficiário destas unidades sanitárias tem sido a
população local que vê os serviços de saúde mais próximos do local de residência, fazendo
com que recorram pouco às unidades do segundo ou terceiro nível de Luanda.
Oposta a relação de competição entre as unidades sanitárias que circundam o CSP, a
relação que lhes liga é de cooperação e complementaridade, particularmente os Centros de
Saúde Ana Paz e Grasp. Por exemplo, perante a necessidade de evacuação de um paciente do
104
A situação poderá ser atenuada caso, alguns funcionários venham a ser admitidos no funcionalismo
público conforme os esforços que têm vindo a ser empreendidos pelo DNSC junto das autoridades de
Saúde mas que até agora ainda não surtiram os efeitos desejados.
129
CSP para uma unidade hospitalar de referência105, o Centro tem se servido da ambulância do
Ana Paz. Algumas vezes, o CSP tem encaminhado alguns pacientes ao Centro de Saúde Grasp e
vice-versa, em função das especialidades de atendimento.
A cura física que o CSP promove, articula-se com o trabalho de capelania que visa
curar a alma, no intuito de atingir a totalidade da pessoa.
6.3.2.3. CMP trata mas só Deus cura
O primeiro tratamento que os membros recebem é a Palavra de Deus, dentro de uma
estratégia geral em que todo o serviço que a Igreja oferece tem um objectivo evangelístico. É
esta a visão que norteou a criação do serviço de capelania no Centro em 2009, sendo a Pastora
Teresa Gabriela a primeira capelã do mesmo. Este serviço estende-se à todas as demais
unidades sanitárias da IEBA.
O serviço de capelania compreende entoação de hinos congregacionais, orações de
intercessão e pregação de Evangelho com fins evangelísticos e conforto espiritual, com uma
frequência diária de Segunda à Sexta-Feira, no espaço das 7h00 às 8h00 antes do trabalho
clínico. Para além deste trabalho pedagógico-espiritual, os pacientes em observação têm sido
visitados pelos membros da equipa de capelania, sempre que for necessário.
O trabalho de capelania é encabeçado pelo Rev. João Milando que trabalha em
cooperação com uma equipa de 24 elementos, todos estudantes do STB (Seminário Teológico
Baptista) que funciona no mesmo quintal onde está baseado o Centro Médico e demais
estruturas sociais e eclesiásticas (escola, templo, casas de congregação, residências de
estudantes de teologia e escritórios, respectivamente). Na grade curricular dos estudantes de
teologia, consta da cadeira de “teologia e desenvolvimento” que lhes prepara do ponto vista
teórico para intervirem no domínio social, à luz dos pressupostos da missão integral da Igreja.
A audiência dos cultos que se realizam no âmbito da capelania é composta pelo corpo clínico
de serviço e pelos pacientes, religiosos ou não que acorrem ao Centro em busca de saúde
física, aproveitando o seu estado de doença física como uma oportunidade para pregar-lhes o
Evangelho, tal como os missionários faziam na implantação da Igreja em Angola. “ Sob ponto
de vista positivo, o trabalho médico tornou-se porta de entrada para a obra evangelística, visto
que muitos atingidos pela influência cristã nunca teriam tido oportunidade de ouvir a
mensagem do Evangelho ou nem sequer teriam dado atenção, se não tivessem tido a
necessidade de procurar alívio físico”106.
Não há registos formais dos resultados evangelísticos (conversões) que decorrem do
trabalho de capelania mas na eventualidade de conversão durante os serviços de capelania, os
ouvintes que sejam vinculados à uma denominação religiosa, têm sido recomendados para se
apresentarem aos seus líderes e reportarem a eles a sua experiência espiritual para fins de
acompanhamento pastoral.
É o serviço de capelania que faz a diferença com as demais unidades sanitárias que
funcionam em derredor do Centro e provavelmente estará na base do aumento de procura
pelos serviços que o Centro oferece107.
Para além do sector de saúde, o empoderamento da mulher, uma área bastante
mereceu a atenção dos actores não estatais, como é o caso da Federação Luterana MundialAngola.
105
Os casos que estão acima das capacidades do CSP, normalmente são encaminhados ao Hospital
Cajueiros, que é o primeiro hospital de referência do Centro.
106
107
ABC 15, 1, Vol. 56 APUD Henderson, 2001:200-201
Pensamento de Garcia Destino, expresso em entrevista ao Eduardo Sassa, aos 9/03/2013
130
6.4. Empoderamento das mulheres, um factor imprescindível para o desenvolvimento, o
caso Federação Luterana Mundial – Angola (FWL)
O nosso mundo tem sido globalmente dominado pelos homens, vistos como sendo o
sexo forte enquanto as mulheres o sexo fraco. Este preconceito tem sido transmitido de
geração em geração ao longo do curso da história através do processo de socialização108.
Por esta razão Beauvoir argumentava que ela não nascera mulher mas sim a sociedade a fizera
mulher.
Esta situação tem levado as mulheres a terem uma posição de falta de
empoderamento do ponto de vista social, económico e político. A maior parte das mulheres ao
nível do mundo têm sido privadas do direito à educação porque a prioridade é dada aos
homens. Daí que a população feminina represente 2/3 dos 796 milhões de analfabetos, no
mundo109. Sendo o seu nível de educação baixo, as mulheres têm poucas oportunidades
económicas em relação aos homens, sendo também mais pobres que estes110.
Ora o empoderamento da mulher não é apenas uma questão de direito mas sim
sobretudo uma questão de desenvolvimento sustentável111. Uma vez a mulher empoderada,
contribuirá para o bem-estar da sua família, para uma melhor saúde e nutrição dos filhos112,
através da comparticipação na vida económica do lar para citar apenas estes benefícios.
O empoderamento da mulher ainda é um grande desafio no mundo e, em particular,
em Angola. Apesar dos progressos que o país tem conhecido em termos de acesso das
mulheres à educação, ao poder político e económico, muito ainda precisa de ser feito, pelo
Governo e outros actores sociais, sobretudo nas comunidades rurais onde o quadro é mais
retrógrado.
Nesta parte abordaremos o caso da Federação Luterana Mundial - Angola, com base
no projecto focalizado no empoderamento da mulher, desenvolvido em 2012, com realce para
o contexto da sua intervenção, acções desenvolvidas e seus benefícios junto das populações.
6.4.1. Contexto da intervenção da LWF-Angola
A Federação Luterana Mundial (LWF) é uma organização internacional sedeada em
Genebra, com representação em vários pontos do mundo, incluindo Angola, onde se
estabeleceu em 1986, nas províncias orientais de Lunda-Norte, Lunda-Sul e Moxico,
desenvolvendo acções nos domínios de emergência, repatriamento, reconstrução nacional e
depois o programa de desenvolvimento.
Actualmente, o âmbito da LWF é o desenvolvimento comunitário
visando atingir os seguintes objectivos: melhorar as condições sociais das famílias rurais
(através das componentes de água, agricultura, microcrédito-e-pequenos negócios, educação
de adultos, educação ambiental e construção de infra-estruturas sociais básicas); capacitar os
parceiros locais (Organizações Baseadas na Fé, Agências de Desenvolvimento Comunitário,
108
Giddens, 2007, p. 300
Endereçado por Irina Bokova, Directora General da UNESCO por ocasião de UNESCO Future Fórum
Gender Equality: the Missing Link? Rethinking the Internationally Agreed Development Goals beyond
2015 Athens, 9 September 2010, p. 3
110
L. – V. Thomas, 1984 APUD Leandro, 2001, P. 70
111
Ulisavo, Margarida. Os Programas de Desenvolvimento da Mulher em Angola. MOSAIKO Inform. Nᴼ2,
Março de 2009, p. 19
112
Agnes R. Quisumbing. Power and resources within the household: overview. In Household Decisions,
Gender and development. A synthesis of Recenet Research. Edited by Agnes R. Q., 2003, pp. 20-21
109
131
Administrações Locais, ONGs locais e Igrejas); facilitar educação preventiva contra o HIV/SIDA
e doenças preveníveis (malária, infecções sexualmente transmissíveis, TB e outras) e reforçar a
capacitação institucional da própria LWF para realizar com eficiência e efectividade as acções
acima mencionadas.
Neste capítulo, a nossa análise restringiu-se ao programa de empoderamento, com
incidência particular sobre o projecto de empoderamento das mulheres no desenvolvimento
socio-económico, implementado em 2012, com base nas acções que a seguir descrevemos.
6.4.2. Acções desenvolvidas pela LWF-Angola
Este projecto113 foi executado nas localidades de Leua-Camanongue (Moxico) e
Muconda (Lunda-Sul) com o propósito de empoderar as mulheres visando aumentar os seus
meios de sobrevivência através de poupança e planos de crédito, género, direitos humanos e
literatura, com base em microgrupos de finanças organizados114 tendo em consideração de
que elas jogam um papel crucial para alcançar o desenvolvimento sustentável da comunidade.
Os microgrupos de finanças constituem o núcleo central do projecto. Estes reuniam
duas vezes por mês para analisar questões internas e fazer as suas contribuições que eram
registadas nos livros, (de caixa e de entradas diárias) para assegurar a transparência e a
prestação de contas. A confiança nas transacções dos grupos é um elemento determinante na
sua afirmação. A ausência deste elemento, constatado no percurso do projecto, foi atribuída
ao baixo nível de escolaridade dos membros.
A LWF-Angola, enquanto agente implementadora, o seu papel consubstanciou-se no
empoderamento dos grupos e dos outros stakeholders por meio das seguintes acções: 14
formações 14 aldeias, dirigidas a iniciantes de 236 SACS, (82%, são mulheres); 10 formações,
10 grupos, sobre desenvolvimento empresarial, com 145 participantes, sendo 72% mulheres; 3
formações sobre liderança, dirigidas a 57 pessoas, sendo 71% mulheres; administração de 10
sessões de consciencialização sobre a importância da alfabetização, em 10 nas aldeias, onde se
previa criar novas turmas de alfabetização, com a participação de 850 pessoas, entre elas 78%
são mulheres; abertura de 10 novas turmas de alfabetização em 10 aldeias com 285 alunos,
sendo 67,7% mulheres; realização de uma sessão de capacitação a 10 professores de
alfabetização, 100% homens; realização de uma sessão de refrescamento a 44 professores de
alfabetização, entre eles 2 mulheres e doação de 12 roupeiros e variados estacionários para
apoiar em 12 grupos de SACS e a compra de 5 moinhos de martelos para apoiar a iniciativa do
grupo de mulheres115. Estas acções trouxeram com certeza benefícios sócio-económicos às
suas populações-alvo.
6.4.3. Benefícios socioeconómicos das acções da LWF-Angola junto do grupo alvo
Ainda é cedo demais para falar em impacto do projecto, mas podemos referenciar as
mudanças a medio prazo que o projecto produziu, em benefício das populções, do ponto de
vista social e económico. Findo o projecto, constata-se que os grupos cresceram em termos de
compromisso em participar na identificacao dos problemas e sugestão de caminhos para a sua
solução. Uma vez que as acções da FLM-Angola vão continuar, este ganho poderá contribuir na
aceleração de geração de rendimentos, influenciando directamente a afirmação dos SACS que
113
Orçou EUR 100.000,00
LWF Angola Program, Project (Leua-Camanongue, Moxico & Muconda, Lunda-Sul) 2012 Annual
Monitoring Report (AMR), Women Empowerment in Socio-economic Development 19-4702, pp. 2-3
115
Ibid. pp. 6-8
114
132
por sua estimulará a adesão de outras mulheres, culminando com a formação de novos
grupos116.
Por outro lado, verificou-se que as famílias aumentaram o seu rendimento,
aumentaram também os alimentos básicos, reduziram a disparidade no acesso e controlo dos
recursos, no interior família, bem como aumentou a autonomia da mulher117. E que nos
permite concluir, parafraseando um adágio da sabedoria africana, “Se quiser caminhar rápido,
anda sozinho mas se quiser chegar longe, anda com os outros”.
Tal como acontece com a LWF, a acção desenvolvimentista da ADRA tem particular
incidência nas áreas rurais, como veremos no ponto seguinte que aborda a contribuição desta
importante ONG nacional, em particular em 2012.
6.5. O caso da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA)
A Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) é uma organização
angolana que através do seu trabalho, desenvolvido ao longo de mais de 20 anos, tem sido
uma referência nacional no que toca ao trabalho de promoção do desenvolvimento rural
integrado e, ao mesmo tempo, um exemplo de persistência, capacidade visionária e de gestão
organizacional, num contexto económico caracterizado pela crescente escassez de recursos
financeiros no mercado internacional, resultante da crise que vem afectando alguns países da
União Europeia nos últimos quatro anos118 e um ambiente político interno pouco favorável à
intervenção política de organizações da sociedade civil. A sua acção incide sobre famílias
camponeses residentes em 22 municípios, distribuídos pelas seis províncias do país em que
opera: Benguela, Huila, Huambo, Malanje, Luanda e Cunene. Em termos populacionais,
beneficiam da sua acção um total de 164.495 pessoas, através de 582 organizações de
camponeses, integradas por 32.899 responsáveis de agregados familiares.
Neste capítulo pretende-se enfatizar as acções desenvolvidas pela ADRA, em 2012, de
acordo com os seus eixos de intervenção, designadamente programa de desenvolvimento
local sustentável, programa de cidadania e educação formal e o programa de lobby e
advocacia social.
6.5.1. Acções desenvolvidas pela ADRA em 2012
O ano 2012 constituiu para a ADRA o início de mais um ciclo de implementação do seu
Plano Estratégico119 em que reafirma, claramente, o seu posicionamento perante os desafios
impostos pelo contexto global do país, perante os quais a ADRA não ofuscou a sua chama
operacional, conforme a descrição que se segue.
6.5.1.1. Desenvolvimento sustentável
116
Ibid. p. 9. No Muconda (Lunda-Sul) a mudança de atitude por parte dos governantes locais em
reconhecer os grupos formados naquela localidade é encorajador e poderá facilitar apoios concretos
por parte destes. O cenário é o oposto no Camanongue (Moxico) onde as autoridades locais não
mostram interesse em reconhecer aqueles e nem apoiar as aulas de alfabetização. Ibid. p. 11
117
Ibid. p. 9
118
Cerca de 66% dos fundos da ADRA são captados a partir da contribuição de cidadãos da Europa
119
Este plano Estratégico tem um período de vigência de quatro anos, até 2016.
133
No domínio do desenvolvimento local sustentável, entendido como o eixo de
orientação estratégica que visa contribuir para a redução da pobreza por meio do aumento
dos rendimentos económicos das famílias, do fortalecimento dos mecanismos de diálogo entre
os actores locais e da promoção de práticas de gestão sustentável dos recursos naturais. Para
o alcance deste objectivo, o trabalho previsto apresenta uma estrutura consubstanciada nas
componentes de segurança alimentar e nutricional, ambiente e gestão de recursos naturais,
terra e poder local.
No âmbito deste programa, a intervenção da ADRA em 2012 esteve focalizada nas
linhas da melhoria das técnicas de produção agrícola, através da aprendizagem promovida
seguindo a metodologia das Escolas na Lavra do Agricultor, dinamização das caixas
comunitárias de crédito, reforço das capacidades de gestão e de articulação das organizações
de camponeses (associações e cooperativas), assessoria jurídica às comunidades para a
legalização das suas terras, assim como o envolvimento com as conferências da sociedade civil,
de âmbito local, provincial e nacional.
Actualmente, estão a funcionar 10 caixas comunitárias, sendo cinco (5) na província do
Huambo e cinco (5) na província de Benguela. Estas constituem um instrumento concreto e
valioso que as cooperativas de produtores agrícolas têm ao seu dispor, com uma gestão sob
controlo de comissões especificamente criadas dentro das cooperativas, visando o
financiamento das suas iniciativas. Os fundos de cada caixa são irrisórios, pelo que, o valor de
um crédito também não satisfaz as necessidades de financiamento dos beneficiários de uma
só vez, quer sejam membros da cooperativa ou não, porém os pequenos montantes podem
acelerar a velocidade de rotação do crédito, fazendo com que os interessados possam ter
acesso mais do que uma vez, num período de tempo relativamente curto. O processo tem
fortes possibilidades de evoluir, bastando apenas que sejam asseguradas as condições
necessárias para haver um acompanhamento sistemático. Para reforçar a sua capacidade, a
ADRA deu formação sobre planos de negócios, empreendedorismo, diagnóstico rural
participativo, associativismo e cooperativismo, num total de 20 sessões ao longo do ano.
Para além das dinâmicas registadas ao nível das caixas comunitárias, a ADRA também
envolveu-se em contactos com a banca, exercendo um papel de mediação para viabilizar o
benefício de crédito por parte dos camponeses. Por exemplo, na província de Malanje foram
financiadas 21 iniciativas de projectos dos camponeses com um valor aproximado de USD
17.000,00.
Na linha do ambiente e gestão de recursos naturais há que considerar a
implementação de uma experiência piloto de promoção de sistemas de produção
ambientalmente sustentáveis, envolvendo 625 famílias camponesas do município da Caála,
província do Huambo. Esta iniciativa está a ser complementada com o repovoamento florestal
e educação ambiental que já resultou na instalação de um polígono florestal numa parcela de
4,5 hectares de eucalipto (espécie saligna).
No que diz respeito a questão da terra, o trabalho da ADRA abrange a dimensão da
disponibilização de informação sobre o quadro legal das questões fundiárias, a mediação de
conflitos através da assessoria jurídica e a legalização de terras que deve passar por um
diagnóstico e sua consequente delimitação, seguindo todos os passos necessários. Em 2012, a
ADRA mediou conflitos de terras que opunham fazendeiros, por um lado e as comunidades por
outro, nos municípios do Bailundo (Huambo) e Kiwaba Nzonji (Malanje). O debate sobre a lei
de terras vigente envolveu mais de 300 pessoas nas zonas de intervenção da ADRA ao longo do
ano 2012.
A componente designada de poder local, diz respeito ao trabalho de reforço da
capacidade organizativa das comunidades em associações e cooperativas, a sua articulação
entre si e com outras instituições ao nível e não só, bem como todas as iniciativas de diálogo e
concertação que envolvem os actores estatais e não estatais. Neste âmbito o trabalho
134
desenvolvido em 2012 sintetiza-se na promoção dos encontros das comunidades, 21
encontros municipais, 4 provinciais e 1 nacional, com particular realce para o facto de nesse
ano ter havido alguma contribuição financeira do governo da província de Malanje. Pela
primeira vez em 12 anos, o encontro nacional realizou-se fora de Luanda, concretamente no
município do Bailundo, província do Huambo, para onde afluíram alguns titulares de cargos
ministeriais e deputados à Assembleia Nacional para dialogarem com os membros das
comunidades anfitriões e provenientes das províncias de Malanje, Huila e Benguela. Na
verdade, os encontros nacionais das comunidades organizados anualmente, têm sido espaços
privilegiados de diálogo directo entre governantes e os governados, discutindo o grau de
alcance das políticas públicas.
Um dos desafios da Organização no tocante a componente do poder local, tem sido o
funcionamento dos Conselhos de Auscultação e Concertação Social que ainda apresentam
irregularidades na organização das reuniões e dificuldades de abertura à participação dos
representantes das comunidades. Por outro lado, estas precisam também de se estruturar
melhor para poderem apresentar as suas ideias junto desses espaços legalmente consagrados.
6.5.1.2. Programa de cidadania e educação formal
Este programa visa contribuir para o fortalecimento da consciência cívica e de
cidadania, estimulando, em particular, a participação mais efectiva dos jovens, mulheres e
crianças no debate público sobre a vida política e social do país. O trabalho no âmbito deste
programa tem consistido nas linhas de participação cívica, acções de género e HIV/SIDA,
trabalho com a criança e com a juventude.
Em 2012 a ADRA empenhou-se bastante na divulgação de informação diversa aos seus
grupos de referência, promoção de espaços de discussão, envolvimento no processo de
observação eleitoral, realização de workshops, etc. Do balanço que se pode fazer a respeito do
trabalho neste programa, destaca-se a distribuição de 840 exemplares e extractos de
legislação diversa, como a Constituição da República de Angola, a Lei das Associações Privadas,
Lei de Organização e Funcionamento das Administrações Locais do Estado, Estratégia Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional e Lei de Terras. Outros aspectos a destacar estão
relacionados com a realização de 127 sessões de discussão (entre debates, palestras e
encontros comunitários) sobre eleições, associativismo, liderança, terras e participação em 22
municípios, envolvendo cerca de 7.708 pessoas; a realização de três workshops sobre o
Orçamento Geral do Estado nos municípios do Sumbe, Malanje e Huambo com envolvimento
de 121 participantes dos quais 99 homens e 22 mulheres; realização de 12 debates e palestras
sobre a violência doméstica nas quatro províncias, tendo participado 487 pessoas sendo 299
mulheres e 188 homens.
Na linha do género, há dois anos a ADRA tem vindo a desenvolver uma experiência de
trabalhar este tema através da implementação da metodologia GALS (Gender Action Learning
System) enquanto uma ferramenta de promoção da participação consciente e
empoderamento das mulheres e dos homens nas suas famílias e nas suas organizações. Tratase de uma metodologia concebida principalmente para pessoas com dificuldades de leitura e
escrita. Em 2012 foram realizadas 40 acções de vários tipos (formações, debates e palestras)
sobres a referida metodologia, justiça de género e violência doméstica. Estiveram envolvidos
930 participantes (524 mulheres e 406 homens).
A ADRA realizou uma conferência sobre os direitos dos seropositivos coma a
participação de 73 representantes de organizações da sociedade civil, instituições públicas e
pessoas vivendo com o VIH/SIDA.
135
As questões que envolvem a criança e a juventude, sempre estiveram presentes nas
preocupações da ADRA, tendo em conta que estes são o garante do futuro do país. Por isso, o
seu trabalho também contempla acções concretas viradas para a criança e para os jovens.
Desta feita, a ADRA esteve envolvida na reflexão sobre os 11 compromissos assumidos pelo
Executivo Angolano em relação a criança assim como nas discussões da Lei de Protecção da
Criança ao nível do Conselho Nacional da Criança.
6.5.1.3. Programa de lobby e advocacia social
As acções no âmbito deste programa visam influenciar as ideias, crenças,
comportamentos e políticas através do fortalecimento da capacidade da ADRA e de outros
actores de debate, maior engajamento da sociedade civil nos espaços de articulação e na
defesa dos direitos humanos. A previsão é que este desiderato seja alcançado através da
implementação de acções em redes, parcerias e alianças; estudos, pesquisas e sistematização;
informação, documentação e comunicação; e monitoria e avaliação das políticas públicas.
A concepção deste programa de orientação estratégica resultou do entendimento de que
apesar de ter definido o município como o seu foco de intervenção, alguns problemas que
afectam as comunidades têm solução fora dos municípios, isto é, ao nível dos órgãos
decisórios provinciais e/ou nacionais. Por isso, a actuação da ADRA vai para além do município,
havendo a necessidade de identificação de outras arenas onde possa dialogar a outros níveis
(nacional e internacional).
Visando o trabalho de lobby e visibilidade no plano interno, a ADRA marcou presença
regular nos diferentes órgãos de comunicação social públicos e privados. Só no quarto
trimestre de 2012, teve 38 notícias publicadas no sítio da Angop, 12 no club K, 21 no Jornal de
Angola, 6 na Rádio Despertar, 35 na Luanda Antena Comercial, 5 na Rádio Escola, mais de 30
vezes na Rádio Ecclesia, 7 na Televisão Pública de Angola, 5 no Novo Jornal, 2 no Semanário
Angolense, 2 no Gazeta e mais de 15 vezes nas rádios provinciais. Além destas referências,
foram publicadas entrevistas de quadros da ADRA em revistas nacionais e internacionais.
No quadro dos estudos, pesquisas e sistematização, o maior destaque vai para a realização de
dois estudos, sendo um sobre segurança alimentar e nutricional e outro sobre terras, assim
como a produção e difusão de um documento de análise da proposta do Orçamento Geral do
Estado de 2013 em parceria com o OPSA (Observatório Político e Social de Angola).
No plano externo (internacional) a ADRA reforçou o seu engajamento em redes,
parcerias e alianças anteriormente estabelecidas e inseriu-se em outras que considera
relevantes no âmbito da necessidade de intercâmbio de experiências e articulação
internacional. Ao longo do ano 2012, a ADRA participou em vários eventos internacionais, tais
como: fórum da Rede de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP em Moçambique,
Conferência sobre Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, Reunião Especializada sobre
Agricultura Familiar do Mercosul, Brasil, Encontro do Fundo Monetário Internacional/Banco
Mundial, Japão e 3ª Assembleia Geral da ANCEFA, Senegal. Outrossim, as questões
relacionadas com a cidadania e educação formal foram objecto de trabalho que lançou a
Organização num trabalho da Rede Africana de Educação para Todos.
Além destas, a ADRA participou nos seguintes eventos: 51.ª Sessão da Comissão
Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos onde foi apresentado o relatório sobre a
situação dos Direitos Humanos em Angola120; Fórum Internacional da AWD-Association For
Women's Rights 2012 na Turquia, sob o tema "Transformando o Poder Económico para
Avançar e Melhorar os Direitos das Mulheres e a Justiça; Conferência Regional sobre Saúde
120
Teve lugar em Abril da República da Gâmbia
136
Sexual e Reprodutiva e VIH/SIDA, promovida pelo Grupos África da Suécia (GAS)121;
Conferência Regional dos Parceiros do Grupos África da Suécia (GAS), sobre agricultura,
segurança alimentar e meios de vida sustentáveis122; Formação de Formadores em Género e
Não-Violência, no Brasil, Rio de Janeiro, pela CEPIA - Cidadania, Estudos, Pesquisa, Informação
e Acção, no mês de Junho; Seminário Internacional sobre os desafios globais para o direito
humano à alimentação, soberania e segurança alimentar e nutricional promovido pelo
Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) e Intercâmbio sobre VIH/SIDA com
representantes de organizações de Moçambique que se fizeram deslocar à Angola.
Estas acções foram possíveis graças a uma engenharia financeira que se baseou em
fontes externas e internas.
6.5.2. Recursos financeiros com que a ADRA trabalhou em 2012
O trabalho acima apresentado foi realizado através da implementação de cerca de 29
projectos com uma duração média de dois anos e financiados por organismos internacionais,
com contribuições percentuais conforme o gráfico seguinte:
Gráfico
Distribuição percentual da contribuição dos doadores da ADRA
.
Para realizar o trabalho apresentado de forma resumida nas linhas anteriores, a
ADRA mobilizou recursos no valor de USD 5.137.128,35. Deste total de receitas, 88%
resultaram da contribuição dos doadores apresentados no gráfico anterior e 12% das fontes
internas (prestação de serviços de consultoria, alugueres, etc.).
Concluindo, a despeito das dificuldades impostas pelas mudanças que ocorrem no
mundo cada vez mais interactivo, a ADRA tem sabido interpretar os sinais e adoptado medidas
coerentes de adaptação a cada situação. A sua relação estreita com as comunidades, tem
funcionado como uma motivação para esta busca de alternativas aos constrangimentos, quer
sejam de ordem financeira, metodológica ou de gestão. A lenda do humbi-humbi (adoptado
como sua marca institucional), fala disso mesmo: voar alto, a procura de novos horizontes
121
122
Realizou-se na Namíbia, no mês de Setembro
Realizou-se em Cape Town, no mês de Julho
137
CAPÍTULO 7
PACIFICAÇÃO E RECONCILIAÇÃO SOCIAL
O ano de 2012 marca dez anos do fim do conflito armado que opunha o então
movimento rebelde da UNITA e o governo, liderado pelo MPLA, e para que o processo de
desenvolvimento sustentável seja efectivo, a par das iniciativas que visam a reconstrução e
reabilitação de infra-estruturas, é indispensável a pacificação, a integração social, o avanço do
processo democrático e a reconciliação social, neste capítulo vamos analisar a questão da
pacificação e da reconciliação social, condição indispensável para que os benefícios
económicos e sociais da paz sejam sustentáveis e duradouros.
7.1. PACIFICAÇÃO
Logo após a assinatura formal do cessar-fogo, o país teve de lidar com as exigências
de uma árdua tarefa de reconciliação social que transcende a assinatura formal dos acordos de
paz, já que o conflito interno causou profundas feridas na sociedade ao ponto de afectar a
coesão social.
Contrariamente ao que tem sido habitual em outros países o processo de assinatura
formal dos acordos de paz e a sua aplicação, não contou com a participação internacional, nem
muito menos de qualquer outro actor, para alem das partes directamente em conflito.
Não tendo sido prevista a presença de missões internacionais que normalmente
tutelam ou monitoram a aplicação dos acordos de paz nas suas componente civil e militar,
nem muito menos de instituições da sociedade civil, idóneas que poderiam exercer o papel de
observadores independentes.
Em 2012 nos deparamos com divergências envolvendo as partes signatárias do
conflito, casos de intolerância politica e tensões sociais devido a divergências de percepções
em relação aos objectivos e métodos de trabalho, e entendimentos em relação aos direitos
dos cidadãos e das responsabilidades das instituições do estado.
A conclusão do processo de desmobilização e o cumprimento dos compromissos do
estado para com este grupo da sociedade foi uma das questões mais problemáticas até a
presente data, sendo o principal motivo pelo qual um grupo de ex-militares se manifestou nas
ruas de Luanda, tendo a mesma sido dispersada de forma violenta pelas forças da ordem, e se
registram até aos dias de hoje desaparecidos.
A existência de um número significativo de pessoas civis e militares que reclamam e
exigem uma serie de recompensas e privilégios por terem tido algum envolvimento no conflito
armado, e os esforços para acomodar alguns destes em detrimento de outros, tende a afetar
profundamente o funcionamento das instituições do estado e dos partidos políticos a que
pertencem, condicionando a vida do país porque a satisfação das suas exigências originam
frequentemente outros problemas.
Uma das lições extraídas deste processo em 2012 é de que os acordos devem ser
suficientemente precisos, a fim de se evitarem ambiguidades em relação a pontos críticos tais
como a falta de objectivos claros e mandatos legais das instituições responsáveis pelos
138
processos de desmobilização e reintegração dos ex-militares na vida civíl, e também flexíveis
para se adaptar as alterações de contextos.
O facto de que o final da guerra ser percebido mais como resultado da derrota de
uma das partes do que o culminar de um processo de negociações, faz com que volvido 10
anos desde a assinatura do memorando de entendimento para a paz, ainda é muito aceite a
ideia de que uma das partes se esta a submeter a outra o que em termos práticos dificulta o
processo de pacificação e reconciliação social.
Entretanto é largamente consensual a ideia de que a paz e a reconciliação nacional
devem ser uma das maiores prioridades para uma sociedade que ficou visivelmente cansada
de guerra e que na sua maioria não mais acredita em soluções militares para os problemas que
o país enfrenta.
No entanto a presença das igrejas, Organizações Não Governamentais, e Instituições
do estado em muitas partes do território nacional têm contribuído para aumentar os níveis de
confiança dos cidadãos numa paz verdadeira, em geral as forças socias implicadas no processo
de pacificação desenvolvem uma serie de actividades cujo propósito tem sido o de educar,
comunicar e informar em prol da paz.
7.1.2 DESMOBILIZAÇÃO E REINTEGRAÇÃO DOS EX-MILITARES
É perceptível que uma das questões mais delicadas do ponto de vista politico e
administrativo que o país teve logo depois da assinatura formal dos acordos de paz em 2002 é
a questão da desmobilização e integração dos ex-militares na vida civil ou nas forças armadas
Angolanas.
Habitualmente estes processos são realizados sob verificação de instituições neutras
e independentes que acompanham as condições em que estes decorrem e costumam a ser
detalhados nos acordos de paz. Em 2012 registou-se o eclodir de um conflito envolvendo os
ex-militares que reclamam o não cumprimento por parte das instituições do estado dos
compromissos assumidos para com este aquando da sua desmobilização.
O tratamento dado as reivindicações deste segmento da nossa sociedade parece ter
sido pouco eficaz e carece de uma boa planificação e coordenação entre os diferentes
organismos responsáveis pela resolução do diferendo que opõe os ex-militares e as
instituições do estado. O que poderá a médio prazo contribuir para o aumento do volume de
despesas com as forças armadas que já é grande ou criar embaraços ao processo de
reconciliação nacional.
A implementação de programas para satisfação das necessidades imediatas dos exmilitares e a sua reintegração socioeconómica visando garantir o seu sustento e das suas
famílias parece estar muito aquém das expectativas dos desmobilizados e é a principal
reivindicação de todos os que se manifestaram a par do pagamento dos subsídios a que têm
direito.
Um pouco por todo o país são muitos os ex-militares que reclamam estar a viver
problemas como a falta de documentação que atesta a sua situação, habitação, meios de
subsistência, falta de oportunidades formativas e de capacitação. Por esta razão reclama uma
serie de compensações que lhes permitam uma boa integração na sociedade.
Todas estas preocupações põe em evidencia a necessidade de se fazer uma avaliação
urgente da situação dos ex-militares e dos programas a estes dirigidos, já que embora não se
disponha de dados concretos, o numero de ex-militares desempregados e a viverem em
condições péssimas é grande o que pode significar algum risco de instabilidade social a medio
prazo.
Os traumas provocados por exposição a combates e outras situações extremas, a
falta de experiencia laboral, o estigma por se ter pertencido a um ou outro lado do conflito,
139
implicam escassas oportunidades, carências, hábitos de trabalho e qualificações adequadas a
vida civil, o que lhes torna mais facilmente vulneráveis ao fenómenos como o desemprego,
instabilidade no seio familiar e outros.
Uma questão que se coloca a cada dia que passa é em relação ao tempo que devem
durar os programas e apoios especialmente dirigidos aos ex-militares militares de forma
específica uma vez que já lá vão mais de dez anos desde o fim do conflito e da sua
desmobilização, sendo que existem outros grupos de pessoas que foram vítimas do conflito e
que igualmente precisam de apoios, como os refugiados, deslocados, órfãos e viúvas.
Embora esta questão ainda não é amplamente discutida, é importante que se
comece a estabelecer propósitos e metas concretas para não se dar a ideia que começa a ser
generalizada em muitas comunidades de que em determinados momentos como foi o caso do
período pré-eleitoral as ajudas são apenas canalizadas aqueles que empunharam armas
durante o conflito, com pagamentos de subsídios e outros bens.
Outro subgrupo que carece de algum apoio especial é o dos ex-militares que ficaram
mutilados, já que se deparam com muito mais dificuldades de inserção laboral e requerem
apoio específico para sua reabilitação física e psicológica, bem como devido a sua situação
muitos deles representam grandes encargos para a sua família. Frequentemente são
esquecidos já que se tende a subestimar os riscos que estes representam para a instabilidade
social, o que aumenta o nível de marginalização.
Por exemplo quando se falou muito da questão dos ex-militares fruto em parte das
manifestações por estes protagonizadas no ano de 2012, muito pouco se falou da situação
daqueles que ficaram mutilados, dos soldados menores, das mulheres envolvidas no conflito e
que foram obrigadas a desempenharem funções normalmente feitas por militares.
Provavelmente a implementação dos acordos de paz, não prestou atenção específica
a estes grupos especiais dentro da categoria dos desmobilizados, o que contribui para o seu
esquecimento, tratando-se de um grupo especialmente vulnerável, seriam necessários
programas especialmente dirigidos a estes para facilitar a sua reinserção na sociedade.
Dez anos depois muito pouco se sabe da sorte dos ex-militares mutilados, das
crianças soldados e das mulheres que prestaram apoio as operações militares, bem, como se
tem um fraco registro de programas de apoio psicológico, de sensibilização comunitária e
outros que tivessem facilitado a sua reinserção social.
7.1.3. ELEIÇÕES MULTIPARDIDARIAS E DEMOCRACIA
O processo democrático e a celebração de eleições democráticas de forma regular
constituem um passo muito importante para a consolidação da paz e reconciliação nacional, já
que dão oportunidades para os cidadãos, diferentes partidos e formações políticas
canalizarem pacificamente as legitimas reivindicações e opiniões que possuem, sem
precisarem de fazer recursos a violência nem estarem submetidas a mesma da parte de quem
se opõe.
Deste ponto de vista, notou-se um certo retrocesso, em relação ao processo de
consolidação da democracia a julgar pela maneira como decorreu o processo eleitoral, e a
violência, e incumprimentos da lei que se verificaram ao longo de 2012, um ano marcado por
muitas manifestações com destaque para as que foram promovidas por um grupo de jovens
denominados “Movimento Revolucionário”, e por ex-militares.
A maneira como as instituições do estado lidaram com um número crescente de
manifestações públicas de descontentamento por parte de cidadãos, de forma individual ou
colectiva, subordinando direitos constitucionalmente aceitas em detrimento de alegada
estabilidade, representam um risco significativo para a paz e reconciliação nacional a medio
prazo.
140
É igualmente perigoso as recorrentes demonstrações de poder por parte das
instituições do Estado e do partido vencedor das eleições, sem que seja conferido algum
espaço para concertação e diálogo com outras formações politicas ou grupos de interesse de
cidadãos com certo reconhecimento e representação legítima de interesses específicos.
Estes problemas se verificaram nos casos em que ocorreram demolições de
residências, deslocações de populações e outras situações que poderiam ter alguma resolução
pacífica caso se tivesse optado ela aplicação integral do previsto na lei e pelo diálogo e
concertação com as partes interessadas ou seus representantes.
O processo de preparação e realização do pleito eleitoral implicou uma árdua tarefa
para todos os actores da sociedade, infelizmente foi notória o difícil espirito de cooperação e
colaboração entre os diferentes actores, quer sejam partidos políticos, instituições do estado e
da sociedade civil. O facto de que as diferentes formações e partidos políticos participantes do
pleito eleitoral, não terem concorrido em pé de igualdade, manchou o processo aumentou o
número de pessoas que colocam em dúvida a lisura do processo.
As denúncias relativas aos atropelos constantes a liberdade fundamentais com
destaque para a liberdade de expressão, de manifestação e o acesso equitativo aos meios de
informação e comunicação públicos e privados, condicionaram marcaram o ano e representam
um grande obstáculo ao processo de pacificação e ao desenvolvimento ao longo prazo.
7.2. RECONCILIAÇÃO SOCIAL
Em 2012 se realizaram as segundas eleições livres em tempo de paz e de acordo com
os prazos estipulados pela lei, embora já tenham passado dez anos desde a data da assinatura
do memorando do Luena e dos acordos de paz entre o governo angolano e o então
movimento rebelde da UNITA, é visível que a realização de eleições e o fim do conflito armado
não têm sido suficientes para alcançar a harmonia e a reconciliação nacional.
Embora seja unanime em toda sociedade a ideia de que a paz é o bem maior a ser
preservado, dez anos depois do conflito armado a questão da reconciliação nacional continua
suscitar muitas preocupações, uma vez que ainda não foram muitos os actos de
reconhecimento mutuo pelos danos causados, o compromisso de não repeti-los, os esforços
para trabalhar na superação dos traumas psicológicos, e a reparação das ofensas e injustiças
cometidas contra milhares de cidadãos.
Num ano particularmente marcado pelas tensões próprias de períodos pré-eleitorais
e pós-eleitorais, acrescido de acções de pretextos e manifestações protagonizadas sobretudo
por cidadãos que sentem os seus direitos violados, e algumas formações politica, muitas delas
desembocaram em actos de violência, controversas e acusações, envolvendo manifestantes e
forças da ordem.
Ficou evidente a necessidade de criar novas relações sociais e introduzir profundas
mudanças nas percepções e nas atitudes que as diferentes forças da sociedade civil, partidos
políticos, instituições do estado e sector privado têm umas das outras.
Este ano (2012) foi um ano em que ficou persistente na nossa sociedade, o
sentimento de desconfiança, de hostilidade e de intolerância, o que tem vindo a condicionar
os níveis de participação cívica na vida pública, a superação da cultura de violência e as
profundas divisões sociais criadas pela guerra.
Neste contexto, os programas e políticas públicas para o desenvolvimento
implementados pelo que executivo Angolano, têm vindo a contribuir de forma limitada para
manutenção ou superação das tensões derivadas ou causadas pelo conflito armado. Embora
seja difícil quantificar, notam-se que em 2012 foram escassas as medidas e decisões políticas
que visaram contribuir para a reconciliação nacional.
141
Olhando para os níveis de execução dos programas e políticas é limitado o volume de
verbas destinado directamente a componente de reconciliação nacional em programas cujo
objectivo foi o de promover o desenvolvimento humano sustentável, o bem-estar social, a
democracia e a promoção dos direitos económicos, civis e políticos de todos os cidadãos. Tais
componentes são importantes porque podem servir para corrigir as desigualdades existentes
entre os cidadãos dos diferentes extractos sociais, e os desequilíbrios e assimetrias entre as
regiões.
Uma das prioridades do executivo angolano é a de consolidar a paz e o processo de
reconciliação nacional, através da implementação de políticas publicas que combatam a
pobreza e as assimetrias regionais, e corrijam os desequilíbrios existentes entre os diferentes
grupos sociais em relação oportunidades políticas económicas e sociais.
Para tal é preciso em primeiro lugar assegurar que as políticas públicas beneficiem de
igual forma a todos os cidadãos, independentemente das suas opções político partidárias, das
classes sociais a que pertencem ou da região geográfica em que se encontram.
Porém continuam a existir reclamações por parte de um número considerável de
cidadãos que se diz vítima de descriminação em termos de oportunidades, económicas e
socias, em função das suas opções politicas, ou por não fazer parte do círculo de pessoas com
algum poder de influência sobre as decisões que os afectam.
Com efeito, a medida que estas percepções se vão alargando pelos vários estratos da
nossa sociedade, aumentam os riscos de tensões sociais e perigam os esforços de
reconciliação social. O facto de serem muito poucos os casos em que se estimula ou se
evidenciam a colaboração de elementos provenientes de grupos antagónicos anteriormente
envolvidos na guerra, ou a forma como se celebram e homenageiam figuras e factos históricos
relacionados com o conflito em Angola, são indicadores do que afirmamos anteriormente.
Ao nível das comunidades algumas organizações não-governamentais e igrejas
tendem a incorporar nas suas intervenções a dimensão da cultura de paz, através de
actividade educativas, culturais, religiosas e outras que promovem a cidadania e a participação
democrática.
142
CONCLUSÃO
“Se quiser caminhar rápido, anda sozinho mas
se quiser chegar longe, anda com os outros”.
Sabedoria africana
Angola continua a ser um país de baixo desenvolvimento. Depois da guerra o país
entrou na era do desenvolvimento mas não conseguiu até agora, dez anos volvidos, resolver
todas as situações de emergência que assolam várias regiões. Há situações paradoxais de fome
e óbitos repetidos por carestia de alimento e água, quer para as pessoas, quer para o gado e a
lavoura. A estiagem é uma dura realidade que continua a ceifar vidas, nomeadamente no sul
do país, embora seja um fenómeno natural previsível.
1.
A configuração e a participação políticas do país permanecem marcadas pela
tensão entre a aspiração de liberdade dos cidadãos e a realização de direitos em concreto, ou
seja, continua a haver dificuldade em concretizar os direitos fundamentais em liberdades
públicas, pois a ordem estabelecida apresenta dificuldades em conviver de forma pacífica com
a realização dos direitos de cidadania. Esta, sofrendo de limitações, está quase exclusivamente
confinada à capital. Este ano, 2012, foi marcado pela realização das primeiras “eleições
gerais”, no âmbito da nova Constituição de 2010, o que representou uma lufada de ar fresco
para a democratização do Estado e da sociedade. Estas eleições pretenderam confirmar a
entrada de Angola na era da regularidade eleitoral, o que é muito importante para um país em
que apenas se realizaram três escrutínios, em 20 anos de transição para a democracia e 38
anos de independência. Resta agora o desafio das eleições autárquicas, forma de organização
do poder local prevista na Constituição.
2.
Em relação à população e à sua repartição pelo território, assinala-se
uma crescente urbanização, a uma média anual, em 2012, de 2,2% para as principais
capitais e de cerca de 5% para Luanda, o que provoca uma correspondente
desertificação das zonas rurais. Esta concentração urbana, estimulada pelo
crescimento económico concentrado nas capitais de província, em geral, e na faixa
litoral, em particular, vai continuar, podendo atingir, em 2020, cerca de 72%, se não
houver políticas públicas que favoreçam e facilitem a instalação do investimento
público e privado no interior do país, criando oportunidades de emprego e
promovendo salários mais elevados. As condições de vida dos angolanos não
melhoram grande coisa neste último ano, o IDH angolano é bem a prova disto,
nomeadamente nas suas componentes sociais, como a esperança de vida e a taxa de
escolaridade. A profunda desigualdade distribuição da riqueza não permite fazer com
que os ganhos do crescimento económico sejam partilhados por todas as camadas
sociais de forma mais equitativa, de maneira a proporcionar melhores condições de
reprodução social das camadas mais pobres. O país precisa de alterar o modo como o
acesso às oportunidades de geração de renda é organizado e gerido e reestruturar o
processo de distribuição do rendimento nacional.
143
3.
No plano da saúde há uma realidade epidemiológica e médico-sanitária
distinta nas zonas urbanas e nas rurais, desde logo, em relação à evidente assimetria de
alocação de recursos mas também na prestação de serviços. Das doenças registadas, a malária
continua a ser a principal causa de notificação e de óbitos, correspondendo a uma taxa de
letalidade nacional de 0,16%. Em segundo lugar vêm as doenças respiratórias agudas (19%)
que assinalam, este ano, um agravamento, de casos mas não necessariamente de óbitos. As
doenças diarreicas (9%), seguidas da disenteria (4%), da febre tifóide (3%) e outras (3%). Como
se disse, todas as principais doenças estão associadas à poluição do meio e à falta de
saneamento básico e à qualidade da água consumida, pelo que se pode deduzir um
agravamento das condições de vida das populações, sobretudo nos centros urbanos de maior
concentração populacional. È também nestes centros onde se desenvolve um novo e grave
problema de saúde pública que são as doenças cardiovasculares que estão associadas ao stress
e a mudanças no regime alimentar, muito condicionado pelo uso excessivo de gorduras, açúcar
e álcool.
O agravamento do quadro epidemiológico, em relação a algumas das principais
endemias do país, revela que os programas de combate ao vector de transmissão e de
profilaxia desenhados estão com implementação insuficiente ou há uma maior incapacidade
dos centros médico-sanitários na resposta aos casos notificados e um agravamento nas
condições dos doentes quando recorrem a esses centros médico-sanitários. Também não é de
excluir, tal como já se verificou no passado, a possibilidade do surgimento de novas estirpes e
menor eficácia do fármaco utilizado na prevenção ou tratamento.
4. A educação tem um papel estratégico para o desenvolvimento sustentado do país
e para a promoção social da sua população, no entanto continua a não merecer um
tratamento diferenciado da governação. Não se compreendeu ainda que não é possível
educação sem professor. O investimento nas infra-estruturas físicas, embora necessário não é
bastante, pelo que o país precisa de uma formação massiva de professores e o seu
recrutamento, não somente constante mas também suficiente e, sobretudo, seguido de
capacitação e de valorização continuas, para aumentar o nível académico e pedagógico dos
professores de maneira a proporcionar-lhes qualidade, profissionalismo e espírito de missão,
resolvendo também os seus problemas de colocação e sedentarização, nomeadamente nas
áreas rurais e periurbanas.
Pelo que alguns dos indicadores da educação têm que ser relativizados, na medida
que muitos dos professores recrutados, não têm competências académicas e pedagógicas
suficientes ou, embora constando das folhas de salários das direcções provinciais da Educação,
não estão no seu local de colocação, porque estão em formação e, por isso, dispensados
temporariamente das suas obrigações docentes, porque abandonaram por falta de transporte,
falta de habitação nesse local, pois a maior parte desses professores que vencem os concursos
públicos não são residentes locais de colocação.
5. Em relação a situação da família e da criança o país está longe de ser uma
sociedade desenvolvida e sadia em relação aos indicadores de bem-estar, habitação, relações
conjugais, tutela paternal e outros. Apesar dos progressos registados a situação da família e da
criança contínua preocupante. Os compromissos e programas implementados não tiveram o
impacto suficiente para que a pobreza deixasse de ser visível. Os indicadores básicos que
permitem definir a condição socioeconómica dos agregados familiares ainda são alarmantes.
As elevadas taxas de crescimento da população e de fecundidade, assim como a elevada taxa
de dependência criam situações de agravamento da condição social das famílias. A política
para o desenvolvimento da família tem que levar em conta os recursos e a capacidade de
captação de recursos do Chefe do Agregado Familiar. As evidências indicam que o seu nível de
escolaridade é um factor determinante na sua empregabilidade e empreendedorismo, pelo
que a aposta na educação não deve apenas cingir-se às crianças mas de forma generalizada, a
144
toda a população, sendo que a educação para os adultos tem que ser profissionalizante ou
virada para o empreendedorismo. A habitação e o meio ambiente são outras componentes
importantes da política de família, pelo que não basta criar centralidades e o fundo
habitacional, outras medidas relativamente mais simples e menos onerosas podem ser
aplicadas, como é o alargamento e comparticipação no parque de habitação social, através do
loteamento e urbanização das áreas de autoconstrução dirigida, a bonificação dos preços dos
materiais de construção adequados. Também seria útil realizar acções coordenadas, o
acompanhamento e monitorização das promessas e dos programas do Governo, de modo a
evitar a desorganização do espaço bem como a aquisição de equipamento básicos para o
mínimo conforto das famílias.
É preciso vencer a ideia de que as pessoas já estão habituadas a beber água
imprópria ou a andar quilómetros em busca de água potável. Angola precisa de aproveitar a
sua capacidade ociosa, fazendo uso do seu principal recursos que são as pessoas que pouco ou
nada poderão contribuir para o crescimento da Nação, caso estejam privados de serviços
socias tão básicos como acesso à água e saneamento adequados. Para tal urge intensificar os
investimentos na melhoria de infra-estruturas e da rede de fornecimento de água e o
alargamento da rede de saneamento, podendo ser envolvidos nesta tarefas actores nãoestatais.
É preciso fazer frente a este cenário, especialmente no domínio da família, já que
para as crianças existem os 11 Compromissos e um conjunto de acções a vários níveis.
Permanece ainda o dilema da execução efectiva das políticas públicas e a monitoria e avaliação
constante dos esforços. No domínio da criança, o Governo parece estar ciente dos principais
desafios, pelo menos, os 11 compromissos, os planos e programas em prol da criança e, mais
recentemente, a Lei de Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança, são bons exemplos
de vontade política a favor das crianças em Angola. Porém, materializar esta vontade requer
uma sincronia ou harmonização entre os planos, programas e os respectivos orçamentos bem
como a exigência de uma cultura institucional fundada na solidariedade e na cooperação entre
os diferentes sectores do governo, pactuados nos compromissos, na transparência e na
prestação de contas, para alcançar os resultados desejados. Essa vontade política, aliada a um
bom momento da economia, constituem factores favoráveis e até mesmo “uma oportunidade
de ouro” para os angolanos criarem um modelo de gestão pública baseados nos direitos
humanos que seja bem implementado, monitorado e documentado que constitua um modelo
referencial de boas práticas.
Muito deverá ser feito, para se poder assegurar o bem-estar, as condições sociais e
humanas para a sobrevivência da família como núcleo fundamental de desenvolvimento da
sociedade. O acesso ao conhecimento, à água e luz, ao saneamento básico, ao lazer e o acesso
aos bens duradoiros, próprios da era da comunicação; como televisão, telemóvel, internet,
computador, não são um luxo ou um privilégio de alguns, deve ser uma realidade partilhada
por todos e o Estado deve assumir o seu papel de provedor de serviço público, nesses
domínios, estimulando também o investimento da sociedade civil, quer privado, cooperativo
ou comunitário.
Os planos de desenvolvimento de longa duração têm que visar atingir metas que
permitam o país firmar-se como um país de desenvolvimento médio, garantindo água potável,
luz e saneamento básico para todos, educação de qualidade, gratuita e universal desde a préprimária, um sistema integrado de creches públicas, familiares e comunitárias alavancando,
deste modo, as famílias para que estas possam dar tudo que a criança merece.
6.
Nesse esforço, os autores não-estatais também têm dado a sua contribuição
para o desenvolvimento social do país atacando as várias facetas da pobreza que afecta várias
camadas da nossa população. Em 2012, destaca-se o trabalho da ACAPC, da IEA, da IECA, da
145
IEBA e da ADRA que desenvolveram acções no domínio de água, saneamento básico, saúde
(nas áreas de Medicina, VIH/SIDA, Tuberculose, Oftalmologia, Protecção materno-infantil,
Farmácia e Imagiologia), empoderamento da mulher rural, educação, produção agrícola,
segurança alimentar e nutricional, terras, igualdade de género, liderança, microcrédito,
diálogo, lobby e advocacia social, em várias províncias: Luanda, Bengo, Benguela, Malanje,
Huambo, Lunda-Sul, Moxico e Huíla. Os benefícios sociais da intervenção destes actores nãoestatais deviam estimular os decisores políticos do país, no sentido de estabelecer parcerias
com estes, apoiando-os administrativa, financeira ou materialmente nas suas acções, visando
criar sinergias colectivas para um combate mais eficaz da pobreza.
7.
É unânime em toda sociedade a ideia de que a paz é o bem maior a ser
preservado e que para tanto se justificam alguns sacrifícios. No entanto, o processo de
pacificação e de reconciliação devia assegurar, em primeiro lugar, que as políticas públicas
beneficiem de igual forma a todos os cidadãos, independentemente das suas opções político
partidárias, da classe social a que pertencem ou da região geográfica em que se encontram.
Porém continua a existir reclamações por parte de um número considerável de cidadãos que
se diz vítima de descriminação em termos de oportunidades, económicas e sociais, em função
das suas opções politicas, ou por não fazer parte do círculo de pessoas com algum poder de
influência sobre as decisões que os afectam. E, a medida que estas percepções se alargam
pelos vários estratos da nossa sociedade, aumentam os riscos de tensões sociais e perigam os
esforços de reconciliação social.
O facto de serem muito poucos os casos em que se estimula ou se evidenciam a
colaboração de elementos provenientes de grupos antagónicos anteriormente envolvidos na
guerra, ou a forma como se celebram e homenageiam figuras e factos históricos relacionados
com o conflito em Angola, são indicadores de que a questão da reconciliação nacional
continua, dez anos depois do conflito armado, a suscitar muitas preocupações, uma vez que
ainda não foram muitos os actos de reconhecimento mútuo pelos danos causados, o
compromisso de não repeti-los, os esforços para trabalhar na superação dos traumas
psicológicos e a reparação das ofensas e injustiças cometidas contra milhares de cidadãos.
Há necessidade de criar novas relações sociais e introduzir profundas mudanças nas
percepções e nas atitudes que as diferentes forças da sociedade civil, partidos políticos,
instituições do Estado e sector privado têm umas das outras para acabar com vírus da
beligerância.
Enfim, o país precisa de quebrar o monopólio da paz e de a espalhar pelos cidadãos,
precisa de sair do círculo vicioso em que está mergulhado e de romper com os atavismos que
o mantém, ano após ano, como uma economia de enclave com base na exploração do
petróleo, numa situação de continuada dificuldade de acesso e de fraca qualidade do ensino,
superlotação crónica do sistema, limitada formação dos professores, falta de materiais, débil
acesso à água potável e ao saneamento básico, altos níveis de pobreza (56,8%) e baixos
indicadores sociais; 52 anos de esperança de vida, 30% de taxa de analfabetismo, 57,7% de
taxa líquida da instrução primária. Nesta era de modernidade e globalização, e visando metas
para o desenvolvimento sustentável, é urgente partilhar amplamente um conceito estratégico
nacional e pensar e executar de forma diferente, para educar a população e priorizar, de
verdade, os factores que permitirão o desenvolvimento humano e de cada homem.
146
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149
Worldwide
divorce
Índice
INTRODUÇÃO
1.
CONFIGURAÇÃO POLÍTICA E PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS
1.4. As eleições gerais em 2012
1.1.1.A Assembleia Nacional
1.1.2. O Presidente da República
1.1.3. O Tribunal Constitucional
1.1.4. A Comissão Nacional Eleitoral
1.1.5.Sorteio da ordem no boletim de voto
1.1.6.Debate de ideias
1.1.7.Campanha eleitoral
1.1.8.Os resultados eleitorais 2012
1.1.9.Reclamações
1.1.10.
Nova Assembleia Nacional
1.1.11.
A credibilidade das eleições
1.1.12.
Os observadores nacionais
1.1.13.
Os observadores internacionais
1.1.14.
Polémica marca as eleições de 2012
1.5. O espaço público
1.2.1. Direito de manifestação
1.2.2. Movimento reivindicativo autonomista
1.2.3. Movimento reivindicativo social e trabalhista
1.2.4. O Parlamento
1.2.5.
O sistema de justiça
1.2.6.
Administração pública
1.6. A situação de democracia e de liberdade
2.
POPULAÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E POBREZA
2.1. População
2.2. Condições de vida e índice de desenvolvimento humano
2.3. Pobreza e poder de compra dos salários
3.
COMPROMISSO COM A SAÚDE
3.1. Quadro epidemiológico do país
3.1.1. A malária
3.1.1.1. Geografia da doença
3.1.1.2. Prevalência e letalidade
150
3.1.1.3. Formas de combate e tratamento
3.3. Médicos e doentes
3.1.2. Doenças respiratórias agudas
3.1.3. Tuberculose
3.1.4. VIH e SIDA
3.2. Indicadores-chave de saúde
3.2.1. Vacina contra a tuberculose
3.2.2. Vacina contra a Poliomielite
3.2.3. Situação vacinal em geral
3.3. Saúde curativa
4.
COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO
4.1. Ensino primário
4.1.1. Cobertura escolar
4.1.2. Evolução do corpo docente
4.1.3. Evolução das infra-estruturas e equipamentos escolares
4.1.4. Rendimento escolar
4.1.5. Abandono escolar
4.2. Ensino secundário
4.2.1. Cobertura escolar
4.2.2. Índice de desigualdade de género
4.3.3. Evolução do corpo docente
4.3.4. Evolução das infra-estruturas escolares
4.3.5. Rendimento escolar
4.3.6. Educação de adultos
5.
A SITUAÇÃO DA FAMÍLIA E A CRIANÇA: REALIDADE, COMPROMISSO E DESAFIOS
5.1. Realidade socio-económica da família em Angola
5.1.1. Estrutura demográfica
5.1.2. Estado civil e relações conjugais
5.1.3. Tamanho e estrutura do agregado familiar
5.1.4. Habitação e meio ambiente
5.2. Água e saneamento
5.3. Bem-estar e conforto (acesso à informação e novas tecnologias)
5.4. Impacto da pobreza sobre a família e a criança
5.5. Os 11 Compromissos com a Criança e o Orçamento Geral do Estado
6.
Capítulo VI: ACTORES NÃO-ESTATAIS NA ACÇÃO DO DESENVOVLIMENTO E DA
SOLIDARIEDADE
6.1. Água e saneamento básico
6.1.1. O caso da Associação de Comités de Água e Progresso Comunitário (ACAPC)
6.1.2. Acção desenvolvida pela ACAPC
6.1.2.1. ACAPC como provedor de água
6.1.2.2. ACAPC enquanto protectora
6.1.2.3. ACAPC como agente promotor de saneamento básico
6.1.3. Impacto da acção de ACAPC na vida socioeconómica da comunidade
6.1.3.1. Alívio do fardo económico à população
6.1.3.2. Equilíbrio de género
6.1.3.3. Participação da comunidade na resolução dos seus problemas
151
6.1.3.4. Influência política junto dos actores políticos locais
6.1.3.5. Escola de democracia participativa
6.1.3.6. Preservação da saúde da comunidade
6.2. O caso da Igreja Evangélica de Angola (IEA)
6.2.1. Acção no domínio de água e saneamento básico
6.3. O caso da Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA)
6.3.1. Acção da IECA no domínio de água e saneamento básico
6.4. Contribuição da IEBA no domínio de saúde
6.4.1. Breve resenha histórica do Centro de Saúde da Petrangol (CSP)
6.4.2. O CSP como unidade sanitária
6.4.2.1. Sustentabilidade, gestão e preços praticados no Centro
6.4.2.2. CSP e outras Unidades Sanitárias na Petrangol
6.4.3. CMP trata mas só Deus cura
6.5. Empoderamento das mulheres, um factor imprescindível para o desenvolvimento,
o caso Federação Luterana Mundial – Angola (FWL)
6.5.1. Contexto da intervenção da LWF-Angola
6.5.2. Acções desenvolvidas pela LWF-Angola
6.5.3. Benefícios socioeconómicos das acções da LWF-Angola junto do grupo
alvo
6.6. O caso da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA)
6.6.1. Acções desenvolvidas pela ADRA em 2012
6.6.1.1. Desenvolvimento sustentável
6.6.1.2. Programa de cidadania e educação formal
6.6.1.3. Programa de lobby e advocacia social
6.6.2. Recursos financeiros com que a ADRA trabalhou em 2012
Capítulo 7. A PACIFICAÇÃO E A RECONCILIAÇÃO
7.1. Pacificação
7.1.2 Desmobilização e reintegração dos ex-militares
7.1.3. Eleições multipartidárias e democracia
7.2. Reconciliação social
8.
CONCLUSÃO
152
153