Helena Tarozzo

Transcrição

Helena Tarozzo
ELEN
GRUBER
Era uma noite fria. Havia chovido e o chão do pátio ainda estava molhado. Em
local estratégico, Elen Gruber, com ajuda de seu marido, Alessandro Gruber, inicia os
procedimentos para colocar sua armadura. Ela não é nenhuma guerreira medieval ou
da idade antiga, mas vai ao encontro de mais uma de suas batalhas dignas de literatura
grega. Já vestida com seu uniforme negro, de calça e blusa de mangas compridas pretas,
a artista se prepara para se acoplar à vestimenta. Ela não é de metal ou de ferro, mas
pesa cerca de 208kg. Os oito primeiros são da própria estrutura, feita manualmente com
tiras de lona preta encerada, cola quente e cabos de aço. Nela estão presas 18 anilhas de
5kg, 9 anilhas de 10kg e 20 anilhas de 1kg, que somadas dão o total de 200kg. Como
uma teia, tramas separadas ligam o tronco dela aos pesos, que pousam no chão prontos
para serem arrastados. Ela deve deslocar esse fardo por uma distância de cerca de 100
metros, que vai da entrada ao átrio do SESC Vila Mariana.
Ela é magra, de estatura mediana, tem cabelos lisos castanhos na altura dos ombros,
com a franja ligeiramente caída sobre a testa; feminina e com traços simétricos, pele
alva e impecável. Quem a vê não imagina as peripécias de que é capaz, como esta tal
ação de carregar 200kg, ir contra ventos de 50km por hora ou ainda correr sozinha em
meio a um deserto boliviano de 10.580 km² por quase duas horas. Ela está ansiosa e
apreensiva com o seu próximo desafio: imaginou que seria mais fácil. Dá-se a largada
e Elen começa puxando as anilhas uma a uma. Dividiu em pedaços o peso maciço, o
qual seria impossível de ser carregado de uma vez só. “Fiquei um pouco desesperada
no início porque fazia uma força enorme e não conseguia andar quase nada”, relembra
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a artista. Ao longo de quase uma hora, ela se jogou de corpo e alma na obra Tração
200kg, que faz parte de sua série Os 12 Trabalhos (2013/2014).
O trajeto foi árduo, dolorido, cansativo e quase desesperador. Mas Gruber foi até
o fim. Nos últimos metros, as tiras separadas de anilhas se embolaram, tornando a
carga, antes separada, em uma coisa só e cada vez mais difícil de ser carregada. A
artista permaneceu ciente do desafio que havia proposto a si mesma e ao seu público e
manteve-se até a linha de chegada determinada a concluir a ação, por mais degradante
e dura que fosse. Aos 50 minutos, quando cerca de 80 metros haviam sido percorridos,
os convidados, angustiados desde muito antes, se propuseram a ajudar a artista. Quatro
pessoas levantaram os pesos, duas de cada lado, e carregaram a carga ao lado de Elen
emocionada que desabou, às lagrimas.
Com esse esforço todo, ela concluía mais uma etapa daquela que seria sua mais
ambiciosa obra. Essa foi a nona de uma série na qual ela vem se superando e se autoconhecendo desde 2013. E é impressionante como, fisicamente, ela não perdeu a aura
e a graça de quem um dia já foi aspirante a Miss. O rosto ficou vermelho, coberto de
rubor e suor, mas os cabelos sedosos permaneceram intactos e, nos registros fotográficos, ela aparece em meio ao sofrimento, ainda que incrivelmente fotogênica. Gruber é
muito bonita e sua beleza foge do convencional: seus dentes branquíssimos e os olhos
maquiados por lápis preto e máscara nos cílios refletem pequenos traços de vaidade,
que ela não dispensa nem em situações como esta.
Elen nasceu em Caixias, no Maranhão, por acaso, enquanto a mãe, Maria de Deus,
passava as férias na casa dos avós da artista. Gruber viveu até os 8 anos em Fortaleza, no
Ceará. Depois se mudou para São Paulo com a família em busca de uma vida melhor. Na
capital cearense, quando tinha apenas 4 anos, sua mãe apostava que um dia a filha seria
modelo, atriz, cantora ou tudo isso ao mesmo tempo e a inscrevia em concursos de beleza.
Ela se destacou várias vezes, levando para casa as faixas de “Mini Baby Ceará 1990”, “Mini
Baby Ceará Revelação 1990”, “Top Model Mirim 1992”, ainda em Fortaleza e “Mini Garota Verão Vivo 1993”, quando já havia se mudado para São Paulo. O caminho das coroas,
das faixas e dos desfiles de biquíni não foi percorrido pela artista, que, conforme crescia,
parou de ver graça e sentido naquilo. Hoje, no entanto, ela vê o período como pesquisa e
auto referência para o seu trabalho.
Aliás, a arte entrou na sua vida logo na adolescência. Aos 13 anos, a personalidade
forte e decisiva de Elen já dava sinais claros de que ela faria tudo o que pudesse para poder se expressar além das palavras. Nessa época, queria muito fazer um curso de pintura
no Sesc Pompeia, mas como era economicamente humilde, filha de uma costureira e de
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um torneiro e técnico mecânico, não tinha condições para bancar o curso. Eis que surgiu
a brilhante ideia de negociar com o professor: lhe daria uma obra que fizesse durante o
curso como pagamento. Proposta aceita e Elen se inseria no mundo dos pincéis e das
telas. “Não lembro exatamente o que me motivava na época, acho que eu pintava para
conseguir, algum dia, pintar”, conta ela.
Partes do todo
Hoje, aos 30 anos, ela chega a um estágio de sua vida em que, finalmente, faz
aquilo que mais gosta e do jeito que quer. É artista em tempo integral e passa seus dias
completamente imersa em suas obras e pesquisas. Mas Elen teve que passar por um
caminho bem tortuoso até conseguir essa condição. Com 18, ela continuava em busca
de uma identidade plástica. Com essa idade fazia um curso na Academia Brasileira de
Artes (ABRA), no qual criava telas e telas com tinta a óleo, algumas figurativas, outras
abstratas. No entanto, tinha na cabeça que aquilo que fazia ainda não era arte – aquela
capaz de mover barreiras e o mundo. Com isso, começou uma jornada, na qual seu
objetivo era conseguir ingressar na faculdade de Artes.
Primeiro, prestou vestibular para entrar na universidade pública, mas não passou e seus
pais também não podiam lhe bancar uma faculdade particular. Em meados de 2003, começou a pintar rolos de tecido à mão para vender à uma confecção do Brás. Elen lucrava
R$200 a cada 100 metros pintados por dia, destinados à mensalidade do cursinho. Porém,
com a rotina atribulada entre trabalhar e estudar, ela acabou não passando novamente no
temido exame. A solução foi encontrar uma ocupação relativamente rentável e menos extenuante. Conseguiu uma bolsa em uma faculdade particular onde faria Secretariado. “Bom”,
pensou ela, “de secretária todo mundo precisa”. A ideia era encontrar um emprego o mais
rápido possível, para se bancar e em breve voltar para o cursinho, ainda sonhando com o
curso em uma faculdade de Artes Visuais. Assim que começou Secretariado, logo no primeiro mês, já havia conseguido um estágio.
Um dos seus primeiros empregos foi na Polícia Federal Rodoviária, onde, além de ganhar experiência, teve contato com imagens viscerais de acidentes nas rodovias e cenas
macabras que ficaram guardadas na memória da artista. Aos poucos ela deslanchou,
crescendo na carreira. Conseguia promoções rápidas e seu salário aumentava
proporcionalmente à quantidade de trabalho. De lá foi para o mercado financeiro, onde se
saiu muito bem na Spinelli Corretora de Valores. Ela trabalhava até às 19h,
20h e quando voltava para casa pintava até às duas da manhã. Até um pequeno mecenato
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nessa área ela possuía. O dono da empresa, Nelson Spinelli, a ajudava comprando algumas
de suas obras, pagando um valor até maior do que era cobrado por ela, cerca de R$ 100 cada
uma. Mas ela não aguentou a jornada dupla. Definitivamente, o mercado financeiro não era
para Elen, que estava ficando doente e com alto nível de stress. Chegou a hora em que a
intuição falou mais alto e ela pediu demissão de seu cargo, vendo que em breve seu futuro
seria a contratação para atuar na mesa de operações da corretora – um caminho sem volta,
caso ela tivesse seguido em frente. Depois de tomada a decisão, pôde se dedicar apenas às
artes, já com 24 anos, com ajuda financeira do marido.
Nesse meio tempo, ela se casou e, com o apoio integral de Alessandro, seu companheiro
há 12 anos, ela se desvencilhou de outras profissões e ficou com a que mais lhe caberia:
“artista”. “Acho incrível como a Elen é incansável e desprendida de tudo para lidar com
seu trabalho. Ela tem uma determinação para concentrar toda energia naquilo que ela está
fazendo”, conta o marido, que é ao mesmo tempo seu maior fã e melhor crítico.
Por fim, a maranhense acabou não cursando a desejada faculdade de Artes. E isso, na
verdade, foi fundamental para ela. Sem vícios ou influências que poderia ter adquirido
com o curso, ela mantém uma maneira genuína e quase autodidata de criar, sem amarras
que determinem seu ponto de partida e seu percurso criativo. Às vezes, os artistas que
fazem uma ou outra escola acabam seguindo linhas semelhantes de raciocínio e também
de estética, concebendo algo quase sempre derivativo. No caso de Elen, por outro lado, é
notável a liberdade que ela possui, desenvolvendo uma arte visceral e espontânea, vinda
de sua própria vivência. “Tenho dificuldade em dizer alguma coisa quando me perguntam
quais são minhas referências... Gosto particularmente de alguns artistas, mas são pessoas
que admiro. Já minhas referências, minhas motivações, vêm da minha vida, do meu cotidiano, daquilo que eu sinto”, reflete.
Dotada de uma determinação que tira das próprias entranhas, ela resolveu seguir em
frente e dar a cara a tapa no difícil e concorrido mundo das artes. Suas primeiras obras
remetiam a um universo sangrento de memórias e histórias macabras que ela sabia e
ouvia. Em seu repertório imagético, estavam referências de casos da Polícia Rodoviária
Federal, da época em que trabalhou lá, e de um acidente de ônibus que sofreu na
adolescência. Quando tinha 14 anos, Elen foi passar o final de semana com alguns
amigos em Campos do Jordão e, na volta, o ônibus capotou, matando 16 pessoas. Elen foi
uma das sobreviventes.
- com apenas um pé torcido. É uma história triste, que deixou sequelas psicológicas por
um bom tempo na vida de Gruber. Ela pouco se lembra do acidente e, apesar de não ter
se machucado tanto fisicamente, ficou psicologicamente abalada e o que lembra é forte o
suficiente para ser extravasado por meio da arte ainda hoje. Com um quê de Frida Kahlo,
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que se acidentou aos 18 anos em um bonde, ficou entre a vida e a morte e transferiu suas
dores para telas como Coluna Partida (1944) e Sem Esperança (1945) – Elen fez algumas
obras em que transferia forte emoção.
Dezesseis anos depois do ocorrido, ela anda de ônibus sem medo, mas fala com certo
ressentimento sobre o episódio e reconhece a importância que ele tem em seu trabalho. “Eu
acho que esse repertório visual e sentimental acaba vindo uma hora”, acentua ela. Antes
de começar com a performance, Elen fazia esculturas de tecido e tinta acrílica vermelha
berrante, que se assemelhavam a carnes cruas penduradas em ganchos de açougueiro, e
fotografava cenas de crimes fictícios – nas quais ela se inseria como vítima. Ambos os
trabalhos foram nomeados Sem Título (2011 e 2012, respectivamente). Foi um tempo em
que ela ainda se acertava, tentava firmar uma poética, estudando sobre comportamentos primitivos do ser humano, sobre os conflitos e a brutalidade que fazem um homem assassinar
outro. Com essa pesquisa, gradualmente, começou a colocar o corpo em suas obras de uma
maneira mais contundente.
Saindo desse tema, o próximo passo foi pensar sobre o uso do corpo, do movimento
e da força. Para a obra Mesa para luta de braço (2012), Elen montou uma mesinha alta
com dois apoios paralelos para os cotovelos e para as mãos. A ideia dessa obra era que o
público a utilizasse feito um “ringue” para queda de braço e houvesse uma observação de
como as pessoas se portam em situações de embate como essa: se mais raivosas, se levam
na brincadeira, se colocam toda sua força, se tratariam com distanciamento em sendo uma
obra de arte, etc. Nela, havia um juiz que marcava o tempo e uma ilustração com as regras
do jogo para serem seguidas à risca. Foi uma forma lúdica que a artista achou para pensar o
confronto e o conflito entre duas pessoas. “Eu via aquelas lutas na televisão, todas regradas,
feitas dentro de um local padronizado e de repente vi que se tratava do mesmo conflito
comporta estava observando antes”, explica a artista.
A obra seguinte a esta foi a Cabo de Força (2012), um trabalho decisivo para ela.
Certo dia, assistindo televisão, descobriu aqueles que são considerados os homens mais
fortes do mundo, o grupo do Strong Man. A artista ficou impressionada com as competições em que eles puxam tratores e caminhões com cordas, levantam carros com as
próprias mãos, arremessam pesos enormes – entre outras coisas chocantes – e resolveu se
aprofundar. Inspirada nisso, ela bolou aquela que seria sua primeira performance ao vivo,
no Instituto Tomie Ohtake. Ali havia um espaço delimitado com fitas amarelas e vermelhas no chão, onde Elen se colocou junto a um juiz e à outra mulher que participaria da
performance. Todos trajavam mascaras de luta-livre mexicana. Elen usava um colete com
um gancho nas costas, por onde saia uma tira grossa que a prendia nas costas de outra
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mulher que usava o mesmo colete. Elas tinham que andar em direções contrárias, a fim de
puxar a outra até conseguir ultrapassar a linha de demarcação no chão. O juiz apitava as
penalidades. Ganhava quem cruzasse o limite mais vezes. No meio da ação, porém, quando o placar já batia os 6x4, um imprevisto enorme tirou Elen de cena. Enquanto puxava o
cabo para o seu lado, ela distendeu o ligamento cruzado anterior da perna esquerda, lesão
frequente entre jogadores de futebol. Ela caiu no chão aos berros e teve de ser levada ao
hospital de cadeira de rodas.
“Foi um marco para mim. Aí que eu passei a tomar consciência de que meu corpo é
fraco, de que ele quebra. Depois, refleti a respeito do desejo de querer ser forte e o porquê
de querer ser forte, se existe um passo-a-passo para ter força. Comecei a focar em projetos
que discutissem esse assunto. Inicialmente, por um desejo pessoal de não me sentir mais
vulnerável”, explica a artista. Elen precisou se submeter à uma cirurgia, à fisioterapia,
ficou de repouso por três meses e precisou acompanhar o ferimento por mais um ano na
fisioterapia. Um tanto frustrada, ela, que até então era tão resistente e já havia passado por
tantas dificuldades maiores que essa, colocou na cabeça que daria a volta por cima.
Heroísmo em 12 atos
Atualmente, sua obra retrata um desmembramento sutil de sua própria narrativa. Até
chegar à ideia do projeto no qual está empenhada agora, Os 12 Trabalhos, ela passou por
um processo de pesquisa variado conforme ia se recuperando. Os livros de arte estão na
estante de sua biblioteca, porém, ela se volta aos de poesia, literatura, ciências, astronomia e de exercícios físicos para tirar a inspiração. O principal deles, no qual Elen encontrou o cerne de suas performances atuais, chama-se Halterofilismo pelo método Hércules
(Cia Brasil; 1958). Trata-se de um manual com várias etapas completas de exercícios
para halterofilistas dos anos 1950, que a artista achou em um sebo. São atividades que já
entraram em desuso, mas que trouxeram um novo mundo para ela explorar. Ironicamente,
a artista encontrou o tal “passo-a-passo” para ficar forte que ela procurava. No guia, há
séries de exercícios de levantamento de peso para todos os grupos musculares do corpo
humano, porém, entre os materiais usados no livro, alguns ainda existem, como pesos e
anilhas; e outros, não mais.
No segundo semestre de 2013, Elen foi para Portugal visitar a mãe e passou alguns dias
no Algarve, na Praia da Rocha. Para a estadia, levou o seu novo livro, sem muita pretensão. Mal sabia que ele lhe traria novos estímulos para dar o pontapé inicial na sua série de
obras que viriam a seguir. Estando lá, sua criatividade aflorou e ela acabou fazendo duas
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performances. A primeira delas, T#1 – A Rocha (2013), composta por fotos e um vídeo,
surgiu meio por acaso. Estando nessa praia, entre as imensas rochas que dão no mar, a artista encontrou um pouco da força que procurava – as próprias rochas seriam aquilo rígido,
impenetrável e imóvel, simbolizavam a força inabalável que Gruber procurava nela mesma.
Elen estudou as pedras enormes, as desenhou, filmou, andou sobre a superfície áspera delas,
olhou, olhou, olhou e, no fim, decidiu: quis ser a própria rocha. Em um dos dias, resolveu
se arriscar. Sentou em uma pedra protuberante na beira da praia, onde o mar batia violentamente na parte traseira, e ficou tomando um volume imenso de água nas costas pelo tempo
que aguentou, na tentativa de resistir à água, ao frio, ao vento e ao sol. “Conseguiu se firmar
ali por alguns minutos e logo sentiu um pavor crescente; e, ao ferir as mãos se agarrando à
pedra, não conteve um irreprimível pânico que tomou conta de si; foi nocauteada”, escreveu o crítico de arte Tales Frey, que mora no Algarve e acompanhou de perto suas
empreitadas.
Nesta ação, a artista foi derrotada, mas percebeu que precisava de mais conquistas
para saciar sua vontade. Nos quatro dias seguintes, se espelhou na natureza de uma outra
maneira, plantando-se na beirada da maré, onde o mar encontra a areia, na qual a tentativa, então, era ficar firme como as pedras que a cercavam até que a água subisse na altura
de seu pescoço. Antes de ir à praia, ela pesquisou a hora que a água subiria, vestiu novamente sua roupa preta justa e lá foi. No vídeo de registro da ação é impressionante como
a maré sobe tão alto. Ela começa com a água batendo na altura do joelho e em 1 hora e 16
minutos o mar engole a artista vestida de negro até aparecer somente o topo de sua cabeça. Seu corpo resiste bem, a correnteza a desloca um pouco em direção à esquerda e ela,
dona de uma coragem ímpar, se segura o máximo que consegue. “As ondas batiam, eu
caía, tentava levantar de novo e, então, pensava em quantas vezes a vida me derrubava e
eu tentava levantar de novo”.
Ainda em Portugal, ela se lançou a outro desafio. A segunda performance que fez em
terras lusitanas foi igualmente (ou mais) difícil. Ao se deparar no tal livro de halterofilismo
com um exercício para as pernas em que se usava “sapatos de ferro” – instrumentos de ferro
para colocar nos pés, semelhantes a tamancos das gueixas – Elen se propôs a andar com
calçados semelhantes pelas ruas de pedra da cidade do Porto, numa peregrinação pela força,
em um trajeto de quase dois quilômetros pelas três igrejas mais importantes da cidade. Ela
mandou fazer os tais utensílios desconfortáveis, que parecem tijolos maciços, com quase
5kg cada um. A igreja da Sé, a de Santo Idelfonso e a Torre dos Clérigos ficam em partes
diferentes da cidade e o trajeto é composto por ladeiras e escadarias dignas de penitências.
Elen fez a performance como se fosse um ritual de iniciação, durante duas horas e quarenta
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minutos. Seus pés ficaram machucados, com bolhas, e suas pernas, doloridas. E esse era só
ainda um prenúncio do que seriam as próximas performances.
“Eu não queria ficar fisicamente forte. Era uma questão psicológica, de provar emocionalmente que conseguiria ter essa força”, conta Elen. Ela fez essa ação pouco tempo
depois que havia se recuperado do machucado no joelho e um de seus maiores medos era
cair e se ferir, novamente. “Por que estás a andar assim?”, “Estás louca?” lhe indagavam
ao longo do caminho os portuenses sem entender o que estava acontecendo. Com T#2
– Sapatos de Ferro (2013) a artista concluiu uma importante etapa de reflexão e vitória.
Com uma potência que vai além dos domínios pessoais, ela sensibilizou a todos que estavam em volta de sua passeata contra a própria gravidade – levar a si mesma dessa forma
tão rudimentar e ancestral faz com que ela reconheça do que é capaz e, em uma esfera
maior, dialoga com os pesos do mundo que os seres humanos devem carregar e pisar em
cima para continuarem seus destinos.
Com o livro em mãos, foi questão de tempo para Elen ter curiosidade sobre quem foi
Hércules e o que ele fez na vida para terem dedicado o método fisiculturista a ele. Quando
voltou a São Paulo, se aprofundou em mitologia grega e descobriu sobre os 12 trabalhos
que o herói teve de prestar a Hera. Sua ideia, então, foi adaptar os feitos daquele que teria
sido o homem mais forte do mundo para sua realidade. “Eu não teria como lutar contra o
leão de Neméia e também não fazia sentido para mim. Fui tentar encontrar 12 trabalhos
que fossem realmente importantes na minha vida pessoal, antes de tudo, e que eles se relacionassem com coisas do meu cotidiano”, conta a artista. Os dois primeiros ela já tinha.
Incluiu a ação na praia da rocha e a dos sapatos de ferro no seu hall de trabalhos. “Não
quero sensibilizar ninguém com essa história, mas foi a partir dessas minhas motivações
que tive interesse em discutir resistência e força.” Seria fácil não se sensibilizar, no entanto,
se as provas que Elen colocou a si mesma não fossem tão difíceis de se realizar e, ao mesmo tempo, poeticamente tocantes. A partir de suas elucubrações, ela criou situações quase
impossíveis de serem feitas.
Uma de suas maiores desilusões na vida desde sempre foi ter que aceitar que o dia tem
apenas 24 horas, sendo que em uma delas o sol se põe, acabando com a luz do dia. Pensando
sobre sua incapacidade, como simples ser humano, de mudar o tempo e ter um pouco a mais
de pôr do sol, ela se colocou no lugar de Hércules, poderoso e que pode tudo, para estender
um pouco mais o tempo e ter mais luz para si. Seu próximo embate, então, foi “lutar” contra
o pôr do sol. “Talvez, eu, sendo Hércules, possa mudar essas coisas impossíveis, como o
meu tempo presente”, pensava ela.
Em dezembro de 2013, fez uma residência na Casa do Sol - Instituto Hilda Hilst, em
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Campinas, onde realizou a primeira parte do T#3 – O Sol (2013/2014). O objetivo era
observar o sol se pôr inteiramente, num exercício de contemplação. Até aí, tudo bem, mas
a artista se colocou alguns obstáculos, para elevar a situação à uma obra de arte. Ela posicionou uma escadinha de madeira no meio de um pasto, onde deveria subir para conseguir
ver o horizonte. A escada em si já serve para deixá-la mais alta e mais próxima do sol e,
sobre o pedestal, o exercício de contemplação se torna uma prova de resistência – deveria se
concentrar ainda mais para não cair de cima de um pedaço minúsculo de madeira. É aquele
pedaço que, parafraseando Fiódor Dostoiévski, só cabem dois pés, rodeado por abismo,
mas onde é o melhor lugar para se “viver, viver e viver!”.
Mas Elen é impaciente, do tipo de pessoa que não consegue se manter quieta por muito
tempo. Sem relógio ou ninguém para avisar sobre as horas, ela se comprometeu a ficar a
duração máxima que conseguisse, encarando o sol até escurecer. No registro gravado em
vídeo, ela permanece por 1 hora e 45 minutos sobre a escada, mexe as pernas para espantar
os mosquitos, mas olha sempre à frente e mexe muito pouco os braços.
Como na ação A Rocha, seu corpo parado, virado de costas para a câmera resiste à
longa permanência do trabalho. Nas duas obras, no entanto, esses momentos de paralização
serviram quase como uma meditação à artista. Ao invés de pensar em desistir, ela se deixou
levar por sentimentos, por uma inquietude interna. “Eu começo a pensar muito na história
da minha vida, naquilo que eu estou sentindo na hora, no que o momento está representando
para mim... Por isso, em alguns trabalhos eu me emociono e choro muito”, reflete Gruber.
O lado biográfico salta à interpretação: sua resistência se confunde com a luta para vencer
a vida. A intensidade é alta, chega a transbordar.
Mas ela queria ainda mais. Diante de sua concepção, tinha achado essa primeira parte
pouco. Para completar a experiência de vivenciar o máximo possível de sol, ela começou
a estudar o movimento de rotação da Terra, de fazer cálculos sobre distância versus tempo.
Ela pensava em quanto de sol ganharia se corresse a 10 quilômetros por hora na direção do
sol. Para a segunda parte desse trabalho, então, Elen foi mais longe. Decidiu fazê-la no
Salar de Uyni, na Bolívia, planície de sal que se assemelha a um deserto de areia branca
batida. Lá foi em busca de perseguir o Astro Rei sem intervenções, sombras ou desníveis
de solo, indo literalmente rumo ao horizonte até o fim do crepúsculo. Além da distância que
teria de percorrer, Elen havia de driblar também o ar rarefeito da altitude de quatro mil pés
acima do nível do mar.
Por uma hora ela seguiu correndo ou andando em direção ao sol. Com a câmera
acoplada à cabeça, ela filmou o registro no plano de primeira pessoa, dando ao expectador a imagem que ela própria via, cadenciada pelo som de seus passos e da respiração
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ofegante. Visualmente, é uma cena muito bonita, os contrastes da luz do sol com o azul
do céu e o tom claro do chão, entrecortado por frisos de sal, dá um aspecto espacial, que
relembra a abertura de 2001: Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick. Aliás,
seus trabalhos, de fato, se assemelham à uma verdadeira odisseia: não para retornar à
Ítaca, mas, sim, para conquistar uma força inigualável, durante uma trajetória cheia de
embates, sofrimentos e vitórias. A astúcia de Elen faz com que ela se revele uma guerreira antes mesmo que ela se dê conta disso.
Quando estava em Portugal, além da água e da gravidade, outra força da natureza
que a tirou do sério foi o vento. Em uma das vezes em que se esforçava para desenhar as
rochas, a forte brisa não deixava sua folha quieta, a impedindo de finalizar os traços. Decidiu, então, que lutaria contra ele, mas em um lugar que tivesse o maior vento do mundo
para realmente valer à pena. Dessa ideia, ela foi para o método. Tramou toda a situação,
nos mínimos detalhes, pesquisou, fez contas e cronogramas. Arrumou as malas e partiu
para Ushuaia, na Terra do Fogo argentina, conhecida por sua grande ventania, onde faria
o T#4 – O Vento (2014). Foi sozinha, levou na bagagem seu equipamento de filmagem
e coisas que achou que a ajudariam a enfrentar simbolicamente o vento, como uma pipa
e uma capa estilo Batman que ela mesma fez. Utilizar tais artefatos não deu certo e eles
não aparecem no registro final.
Como nos outros lugares que tinham lhe servido de cenário, Ushuaia teve suas intempéries – o frio intenso, a chuva, a neve e, ironicamente, às vezes, a falta de vento.
Elen precisou checar, em um site de meteorologia da região, qual seria a velocidade do
vento nos dias em que ela permanecesse lá e, mesmo assim, algumas vezes a previsão não
acertava. Mais uma vez, ela usou o vídeo como suporte de registro para sua performance.
Nele, ela aparece, novamente, inteira de preto, em meio à paisagem inóspita e rochosa das
montanhas da cidade, com um mini paraquedas, aquele usado para treino de velocistas,
acoplado às suas costas. Este seria o seu equipamento final na briga contra tempestades
que iam de 30 a 50 km/h nos dias mais fortes. O vídeo começa com ela andando entre a
paisagem, segurando seu escudeiro de nylon noir; andar para qualquer direção é difícil,
seu corpo tenta ir à frente e cai, às suas costas, o paraquedas inteiro cheio, barra o vento
e sua locomoção. Ela cai inúmeras vezes, mas logo se levanta, carrega o paraquedas com
as duas mãos, o puxa para poder andar. Trata-se de um duelo de gigantes. Até que, certa
hora, o vento começa a ficar instável e as cenas se encadeiam em momentos de vento forte
e fraco, dela parada e correndo em uma estrada de terra, tentando fazer com que o paraquedas alce voo novamente. Por fim, o vídeo acaba com a artista parada e o paraquedas
murcho, em um vento fraquinho.
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Essa performance deixa duas coisas muito claras: uma é que Elen vai até onde for
preciso – mesmo que seja ao fim do mundo, a quilômetros de distância – para realizar suas
obras da maneira que deseja e concretizar todas as etapas de seus processos. A outra, é que
já comprometida com o que se propôs, não importa a dificuldade, ela vai conseguir ir até o
fim – ou, ao menos, tentar, incansavelmente, realiza-lo. Caso sinta-se vencida, ela tornará a
fazer, mas de alguma maneira completamente diferente. Se ela se dispõe a ser como Hércules, ela o leva ao pé da letra. Determinação, dedicação e astúcia se combinam em sua obra,
tanto quanto em sua personalidade. “Foi por intermédio de toda a fragilidade e a genuinidade do ringue encontrado nessa vida, pois talvez essa seja a sua maior força”, acentua Tales
Frey em seu texto “A Invencível Elen Gruber ‘Versus’ A Inevitável Debilidade Humana”
(Revista Performatus, n. 7; 2013), no qual bem observa que Elen “Já foi granjeada da força
que buscava muito antes de encontrar esse livro, mas ele a ajudou a canalizar sua dedicação
para a sua mais real ‘vontade de potência’”.
Depois de combater o vento, ela já havia concluído mais 6 Trabalhos (pelo menos até
a data de nossa conversa, no meio de setembro), intitulados #5 – O Arremesso de 200kg
(2014), #6 – Luta de iniciação (2014), #7 – O peso (2014), #8 – Levantamento de 200kg
com a cabeça (2014), #9 – Tentativa de deslocar 200kg (2014) e #11 – Eu/ Parte 1 (2014).
Neles, ela solidifica suas razões sob as quais se submeteu a tarefas tão complexas. Segundo
ela, a própria consciência da fraqueza é algo que já lhe torna forte. Quando reconheceu em
si mesma que estava debilitada e, ao olhar para seu passado já tão conturbado e rico, sua
única alternativa seria galgar morro a cima em busca de novo impulso, para criar e viver.
Nos números #5, #8 e #9, ela faz uma variação do mesmo tema, em que interage com
pesos de academia num total real ou fictício de 200kg. E eles não são plenamente reais, pois
ela, no #5 - Arremesso de 200kg, por exemplo, levanta para o alto uma barra com pesos de
20kg em 10 repetições separadas (o que dá 200kg), mas não de uma vez só, como fazem os
halterofilistas olímpicos. A forma como ela dispôs no vídeo, no entanto, com todas as cenas
simultâneas, faz com que ela “levante” tudo ao mesmo tempo. Já no #8 – Levantamento de
200kg com a cabeça, ela faz a mesma divisão com pesos de 5kg, na qual faz 10 levantamentos por 4 séries – porém, os levanta com a cabeça. Em seu livro do Método Hércules havia
um exercício parecido, no qual os atletas usavam para fortalecer o pescoço e a coluna. Elen
se apropriou dele e levando um simbolismo para o lado do exercício “cerebral”, como se
fosse feito para adquirir inteligência. No #9 – Tração 200kg, até então, era o seu último
trabalho realizado (Elen não os realizou seguindo a ordem numérica) – é o que abre esse
texto, em que ela tem que puxar todo esse peso com suas próprias mãos.
Já os Trabalhos #6- Luta de Iniciação e #7 – O peso conversam entre si. A ordem
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numérica não diz, mas Elen idealizou primeiro o #6, a luta, mas fez primeiro o #7. Com
grande medo de realizar a Luta de Iniciação, que marca a metade exata dos 12 Trabalho
e aconteceria em abril de 2014, antes dela quis fazer uma espécie de ritual para se livrar
de um medo que sentia de se machucar novamente. Nesse #7 – O Peso, realizado também no Instituto Hilda Hilst, ela está deitada nua no chão de um pomar inteiro coberto
por folhas e em cima dela está a também artista Ana Montenegro, como se ela fosse um
corpo (ou um peso) morto.
Elen precisa chegar ao outro lado do pomar, por consequência também da câmera,
se rastejando com Montenegro sobre ela, também nua e imóvel. Esta é uma das obras
mais impactantes do projeto, onde é possível sentir literalmente o sofrimento e a dificuldade que é transpor essa travessia. Não é o barco de Caronte, mas Elen leva consigo,
simbolicamente, o peso da morte, da qual ela quer se livrar a qualquer custo. E o faz
rastejando na terra, depositando o seu corpo nu no chão coberto de folhas espinhentas
e insetos. Ao longo do vídeo, elas se tornam bichos, soltam urros e gemidos, na dificuldade de completar o trajeto.
A simbologia do ritual valeu e a artista conseguiu se sentir mais confiante antes de enfrentar Tathiane Oberleitner, lutadora profissional e faixa laranja de kickboxing. Elen nunca
havia lutado; fez algumas aulas de muay thai antes da performance, mas não se afeiçoou
aos golpes. No dia da “prova” apanhou muito e dizia para Tathiane não ter dó dela. Foi um
momento decisivo, que marca exatamente o meio do caminho percorrido pela artista na
sua busca pela força. Em seus planos, a artista pretende realizar como seu último e décimo
segundo trabalho a “luta final”, a qual fechará todo o ciclo.
Até então, o conjunto da obra mostra toda a linearidade e a evolução do pensamento
da artista. Primeiro a luta e os embates; depois, as forças da natureza difíceis de serem enfrentadas; em seguida, a volta à luta e à sua resistência por meio dos pesos e da importância
dos 200kg, sendo que, em todas essas fases, a força se mostra como componente principal:
ou sendo assunto ou sendo ambição da artista. Elen pode parecer frágil o quanto for. Sua
pequenez física e delicadeza, no entanto, camuflam sua integridade artística, moral e profissional – estas que tingem as linhas de sua trajetória e transparecem em seus trabalhos. Ela
pode parecer insana, dona de ideias completamente impossíveis e irrealizáveis, mas, se há
uma coisa que ela aprendeu com a vida, foi dar a cara a tapa, sem medo de se dar mal – ou
ser feliz –, caindo, geralmente, no caminho mais complexo até o êxito.
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T#9, Tração 200kg, 2014, performance ao vivo
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5:48 PM
T#6 - Luta de iniciação (2014); performance ao vivo
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Martins Fontes; São Paulo
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Degas, Dança e Desenho; Paul Valéry; 2012; Cosac Naify; São Paulo
Exercícios de Admiração; E. M. Cioran; 2001; Editora Rocco; Rio de Janeiro
Joseph Beuys: a revolução somos nós; org. Solange Farkas; 2010; Edições SESC; São
Paulo
Marina Abramovic; Kristine Stiles, Klaus Biesenbach e Chrissie Iles; 2013; Phaidon;
London
O Fim da História da Arte; Hans Belting; 2012; Cosac Naify; São Paulo
Perfis – O mundo dos outros, 22 personagens e 1 ensaio; Sergio Villas Boas; 2014;
Editora Manole; São Paulo
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Performance Como Linguagem; Renato Cohen; 2013; Editora Perspectiva; São Paulo
FILMES
Marina Abramovic - The Artist is Present, HBO Documentary Films, Music Box Films,
Dakota Films LTD e Submarine Deluxe, 2012, Chicago
LINKS
A expressão do inexprimível; Cauê Alves - http://www.galeriavermelho.com.br/artista/77/
maur%C3%ADcio-ian%C3%AAs/textos
A invencível Elen Gruber; Tales Frey; 2013 - http://performatus.net/elen-gruberinvencivel/
Como um desenho em si; Gilberto Mariotti; 2012; http://carlachaim.com/port/como-umdesenho-em-si/
Energias na arte; Agnaldo Farias; 2012; http://carlachaim.com/port/energias-na-arte/
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