Priston, J., Pimentel, F., Pontes, P. Difícil

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Priston, J., Pimentel, F., Pontes, P. Difícil
Priston, J., Pimentel, F., Pontes, P. Difícil prognóstico e tratamento em cicatriz de
pregas vocais após P.O. de alteração estrutural mínima. In BEHLAU M. (Org.): O
Melhor que Vi e Ouvi II – Atualização em Laringe e Voz. Rio de Janeiro: Revinter,
2000, pp 137-146.
DIFÍCIL PROGNÓSTICO E TRATAMENTO EM CICATRIZ DE PREGAS VOCAIS
APÓS PO DE ALTERAÇÃO ESTRUTURAL MÍNIMA
FREDERICO JUCÁ PIMENTEL
JAQUELINE MARIA PRISTON
PAULO A.L.PONTES
RESUMO
Apresentamos um caso do sexo feminino, 39 anos, advogada, com fonação
vestibular após PO de AEM. Nos exames laringológicos foi encontrado sulco vocal à
direita, depressão do bordo livre da PVE (cicatriz) e evidente rigidez de mucosa,
associado à fonação vestibular. A paciente realizou fonoterapia, a “voz de banda”
desapareceu, mas persistiu uma disfonia devido à cicatriz. Foi submetida à
laringoplastia com inclusão de gordura autógena na PVE, mas a gordura foi
comprimida pela fibrose e extruída parcialmente por granuloma. A fibrose persistiu e
foi realizado um franjamento na PVE, associado à fonoterapia imediata.
SUMMARY
We present a case of patient, female, 39 years old, lawyer, with phonation
after a minor structural changes of vocal fold cover sugery. In the laryngeal
examination it was founded sulcus vocalis on the right, a scar on the left, an evident
stiffness from the mucosal wave, and also ventricular phonation. The patient was
submitted to a therapy, the ventricular dysfonia disappeared, but the scar-induced
dysfonia persisted. She was undergone a laringoplasty with autologous fat
implantation on her LVF, but the fat was squeezed out of the fibrotic tissue and
extruded for granuloma. The fibrousis persisted, so it was done multiple releasing
incisions on the LVF. It was recommended speech therapy immediately.
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HISTÓRIA PREGRESSA DA QUEIXA
A paciente refere rouquidão desde a infância, e diferentes membros da família
apresentando voz semelhante. Realizou uma cirurgia para cistos epidermóides nas
pregas vocais em agosto de 1992, e fez fonoterapia no PO sem muito resultado,
mas justifica que não foi dedicada e abandonou. Sua voz ficou grossa chegando a
ser confundida com o sexo oposto, e em situação de estresse a voz apresentava
diferentes tons. Após quatro anos procurou nosso serviço para fazer fonoterapia em
busca de solução para o seu problema.
AVALIAÇÃO
A Paciente passou por uma avaliação fonoaudiológica onde se pode observar
na análise perceptiva auditiva uma qualidade vocal rouco/tensa em grau severo,
pitch grave, loudness reduzida, ressonância laringofaríngica associada a grande
esforço fonatório. Na avaliação acústica (Vocal Assessement, Dr. Speech, Tiger
DRS) foi observado f0=198Hz, I=38dB, TMF=11’’28 e FAA= 368ml/s, o que
caracterizava um quadro compatível com fonação vestibular.
Em seguida fez o exame laringológico com telescópio rígido e estroboscopia,
obtendo-se como resultado fechamento glótico incompleto das PPVV, sulco vocal
(estria menor) à direita e depressão na borda livre da prega vocal esquerda
(cicatriz), com arqueamento de seu terço médio e evidente rigidez de mucosa.
Observou-se também constrição acentuada no vestíbulo, com medialização e
vibração das pregas vestibulares, à fonação.
Realizou fonoterapia de abril a julho de 1996 e houve uma oscilação de grave
para agudo na qualidade vocal, mudando ao final do terceiro mês para
áspera/soprosa bitonal, pitch agudo em grau severo, loudness reduzida e com
menos esforço à fonação.
Com mudança do comportamento vocal foi realizada uma nova avaliação
acústica e pode se observar durante a emissão da vogal /e/ a f0=312Hz, I=34dB,
TMF= 5”, FAA=388ml/s e ausência da onda mucosa no espectro glótico. Em seguida
foi solicitado um novo exame laringológico, o qual indicou ausência de vibração de
pregas vestibulares. A fonoterapia foi mantida por três meses, sem resultados
satisfatórios. Foi então suspensa e, em agosto de 98, a paciente foi submetida à
nova cirurgia, com liberação da mucosa das pregas vocais e inclusão de gordura
autógena na prega vocal esquerda. A gordura foi comprimida pela fibrose e extruída
parcialmente, com formação de granuloma. Imediatamente à remoção do
granuloma, as pregas vocais apresentaram vibração, porém, após quatro dias, a
fibrose novamente reduziu a elasticidade dos tecidos. Nova conduta, franjamento na
prega vocal esquerda, em setembro de 98, e fonoterapia imediata. Atualmente após
um mês de franjamento unilateral, a paciente apresenta uma qualidade vocal áspera
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com menos soprosidade e com oscilações (períodos de sonorizações) no início das
emissões, o pitch agudo, a loudness reduzida, e não apresenta mais esforço cervical
à fonação. Na análise acústica, observamos a f0=269Hz, I=50dB e TMF=5s, e
aumento da onda mucosa no espectro glótico pós-franjamento. Na
videolaringoestroboscopia foram observadas vibração no terço posterior das pregas
vocais e redução da fenda glótica. A fonoterapia será mantida até que se obtenha a
melhor voz possível para a paciente.
LITERATURA
PONTES (1989) desenvolve um tratamento cirúrgico para os pacientes com
sulco vocal, o qual chamou de técnica de franjamento das pregas vocais. Tal técnica
visa criar retalhos mucosos pediculados de base inferior nas pegas vocais, como se
fossem franjas. É utilizada em pacientes portadores de sulco vocal com
sintomatologia exuberante.
Nos anos 90 PONTES, BEHLAU e GONÇALVES(1994) contribuem com a
laringologia classificando e agrupando uma série de raras patologias congênitas da
laringe, as quais foram chamadas de alterações estruturais mínimas. Com esses
novos conceitos tornaram-se melhores a compreensão, o diagnóstico e o tratamento
destas lesões. As alterações estruturais mínimas são consideradas um grupo de
alterações que podem ir desde simples variações anatômicas até malformações
congênitas menores. O impacto clínico, quando existe, restringe-se única e
exclusivamente à função fonatória da laringe, sendo a disfonia uma conseqüência
direta relacionada à quantidade de uso, ao comportamento vocal e ao grau de
alterações na cobertura das pregas vocais, fazendo parte o cisto epidermóide e o
sulco vocal.
No ano seguinte PONTES e BEHLAU (1995) referem que o cisto é mais
facilmente detectado em razão do aumento de volume circunscrito, subepitelial,
localizado geralmente no terço médio da prega vocal, com coloração amarelada.
Não é raro haver vasculodigenesias na superfície da mucosa à estroboscopia
e tais alterações estão sempre envolvidas por tecidos fibrosados. O tratamento é
cirúrgico e/ou fonoterápico.
COLTON e CASPER (1996) mencionam que os cistos epidermóides
localizam-se basicamente na camada superficial da lâmina própria e,
ocasionalmente, eles podem se inserir parcialmente no ligamento vocal. A lesão
pode ser unilateral ou bilateral, pequena ou grande e há um aumento da massa e
rigidez da cobertura das pregas vocais. Sua maior incidência é em mulher adulta
jovem, com mais freqüência em profissionais da voz, e seu tratamento é cirúrgico em
todos os casos de cistos epidermóides.
Em novos estudos PONTES (1996) classifica as etiologias mais comuns para
a cicatriz de prega vocal, e as divide em três grupos: os fatores intrínsecos, os
extrínsecos e os fonotraumas. O autor inclui as alterações estruturais mínimas da
cobertura de prega vocal como parte dos fatores intrínsecos, considerando a
predisposição constitucional e o caráter hereditário. Com fatores extrínsecos estão
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as escaras causadas por agentes externos que podem ser mecânico, químico ou de
natureza biológica, considerando entre eles a escara cirúrgica (intencional e
acidental). Como fonotrauma, comportamentos abusivos na laringe associados a
fatores de predisposição que desencadeiam a alteração do tecido. O autor acredita
que essa classificação pode ajudar no planejamento do tratamento e no prognóstico.
Em estudos paralelos, SATALOFF (1996) revisa a anatomia e fisiologia da
fonação e, quando menciona as cinco camadas que constituem a mucosa das
pregas vocais, refere que a camada superficial da lâmina própria, também conhecida
como espaço de Reinke, é composta por componentes fibrosos, e contém muitos
fibroblastos, células responsáveis pela formação da escara. Ele refere que para
realizar um diagnóstico de escara é imprescindível um laboratório de voz completo
sendo essencial a estroboscopia. Quanto à terapia, esta dependerá do tamanho,
localização e severidade da cicatriz, da necessidade vocal do paciente, de sua
motivação e do trabalho em equipe. O objetivo da terapia é conseguir um uso
optimum da voz, associado ao uso do apoio e da ressonância para diminuir a fadiga.
O autor ressalta que nesses casos é comum encontrar gestos compensatórios,
hiperfuncionais, contraproducentes e em muitos casos eles são prejudiciais à saúde
vocal. Quanto aos procedimentos cirúrgicos, ele cita a elevação de um microflap
sobre a escara e a injeção de esteróides, as incisões múltiplas para soltar a mucosa
cicatricial (franjamento) nos casos de áreas adinâmicas extensiva e severa, a
tiroplastia Tipo I para medialização, nas fendas menores a injeção de gordura, nas
escaras limitadas tem-se usado colágeno próximo ao ligamento vocal, e nos casos
extremos de cicatriz extensa pode-se remover toda a hemilaringe cicatricial e criarse uma pseudoprega vocal. Porém, apesar das diferentes técnicas cirúrgicas ele
justifica que ainda não existe um procedimento cirúrgico aceito unicamente, e
ressalta que a combinação de uma boa terapia e cirurgia é o que se pode oferecer
de melhor para a maioria dos pacientes com escara de prega vocal.
Em estudos atuais sobre a escara SATALOFF (1997) enfatiza a alta
freqüência de disfonia como resultado de cicatriz pós-operatória. Por esse motivo, o
autor vem direcionando uma maior atenção e estudos para o aprimoramento de
novas técnicas cirúrgicas que propiciem um melhor desempenho do mecanismo de
produção vocal, sem causar tantos danos à voz. Nesse estudo, ele refere mais uma
vez a importância do trabalho em equipe, e encoraja os tratamentos à base de
injeção de colágeno em casos que envolvem limitadas áreas de cicatriz das pregas
vocais, mas ressalta que não existe ainda uma única técnica cirúrgica com freqüente
sucesso. Ele sugere uma nova técnica de implantação de gordura autógena na
margem vibratória da prega vocal em pacientes com severa e extensiva cicatriz,
através de um túnel realizado na região da escara, produzindo uma onda mucosa
quase normal em pregas vocais inteiramente adinâmicas, melhorando a qualidade
vocal. Seus resultados têm sido animador, mas sua casuística ainda é pequena.
DISCUSSÃO
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Selecionamos esse caso de PO de cistos epidermóides associados a outras
alterações estruturais mínimas de cobertura, pelo seu difícil tratamento fonoterápico
e complexas condutas cirúrgicas envolvidas.
A nossa paciente, após a cirurgia de remoção dos cistos, apresentou uma
cicatriz extensa em PVE, um sulco estria menor na PVD e desenvolveu a “voz de
banda”, como um gesto laríngeo compensatório. Foi iniciada a fonoterapia com o
objetivo de retirar a fonação vestibular e desencadear a fonação das pregas vocais
verdadeiras.
Após três meses de terapia a paciente não fazia mais uso de fonação
vestibular, porém sua nova voz tornou-se muito desagradável pelo grau severo de
aspereza e pitch agudo, a qual caracterizava uma disfonia típica de cicatriz.
Segundo PONTES e BEHLAU (1995) os cistos epidermóides são alterações
que estão sempre envolvidas em tecidos fibrosos, têm caráter congênito e podem
estar associados a outras alterações estruturais mínimas de cobertura. COLTON e
CASPER (1996) mencionam que eles se localizam basicamente na camada
superficial da lâmina própria, podendo também se inserir parcialmente no ligamento
vocal. E, nos estudos de SATALOFF (1996) quando ele revisa a anatomia e
fisiologia da fonação refere que a camada da lâmina própria, também conhecida
como espaço de Reinke, contém muitos fibroblastos que são células responsáveis
pela formação de escara. No entanto, de acordo com os nossos diagnósticos e
resultados fica confirmada a rigidez na PVE, e a conduta ideal seria uma
laringoplastia, cirurgia esta, não realizada no nosso serviço. A paciente foi
encaminhada para um especialista em SP, onde foi sugerido a implantação de
gordura autógena na PVE associado à fonoterapia. Em agosto de 98 a paciente foi
operada e retornou para terapia. No mês seguinte ela voltou a SP para reavaliação,
sendo observada na estroboscopia melhora da coaptação glótica e formação de
granuloma, porém, após quatro dias, a fibrose reduziu a elasticidade dos tecidos.
Seu caso entrou em discussão, e se optou pelo franjamento na PVE.
Revisando a literatura encontramos em PONTES (1996) a classificação para
cicatriz, ele considera a escara congênita, por AEM, como parte dos fatores
intrínsecos, ou seja, existe uma predisposição do indivíduo, e como fatores
extrínsecos as escaras decorrentes de PO (intencional e acidental). Quanto ao
tratamento cirúrgico segundo os especialistas não existe um consenso sobre a
melhor técnica, mas algumas tentativas e inovações vêem sendo realizadas, como a
técnica de franjamento das pregas vocais para os casos severos de sulco vocal, por
PONTES (1989); a elevação de um microflap sobre a escara e injeção de esteróide,
a tiroplastia tipo I para medialização, a injeção de gordura, em escaras limitadas
tem-se usado colágeno próximo ao ligamento vocal, e em casos extremos pode-se
remover a hemilaringe criando uma pseudoprega vocal, como descreve SATALOFF
(1996); e em recentes estudos SATALOFF (1997) sugere uma nova técnica de
implantação de gordura autógena em pacientes com severa e extensiva cicatriz,
através de um túnel realizado na região da escara, produzindo uma onda mucosa
quase normal, com resultados animadores.
Comparando nossos achados com as citações na literatura, concordamos que
várias tentativas têm que ser feitas para propiciar ao paciente uma melhor qualidade
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vocal e competência glótica, considerando suas limitações. Em nossa experiência,
observamos que, casos cuja a fibrose é severa e extensa, a injeção da gordura
autógena não oferece bons resultados, ou seja, a fibrose sempre vence a gordura.
Enquanto que a técnica de franjamento tem se mostrado uma opção satisfatória.
Acreditamos que é necessário um trabalho em equipe e uma maior casuística para
melhor acompanhamento desses casos.
BIBLIOGRAFIA
COLTON, R.H & CASPER, J.K. Compreendendo os problemas de voz: uma
perspectiva filosófica ao diagnóstico e ao tratamento. Porto Alegre, Artes Médicas,
1996.
PONTES, P. Common etiologies of vocal fold scarring: clinical and objective
assessement. In: CLEMENTE, MP. Voice Update. Amsterdam, Elsevier, 1996. pp.
115-7.
PONTES, P.A.L. Sulco vocal: tratamento cirúrgico pela técnica de franjamento das
pregas vocais associadas à fonoterapia. São Paulo, 1989 (Tese de Livre- DocênciaEscola Paulista de Medicina).
PONTES, P. & BEHLAU, M. Avaliação e Tratamento das Disfonias. São Paulo,
Lovise, 1995.
PONTES, P.; BEHLAU, M & GONÇALVES, I. Alterações estruturais mínimas da
laringe (AEM): considerações básicas. Acta AWHO 13: 2-6, 1994.
SATALOFF, R.T. Vocal fold scarring: current concepts in management. In:
CLEMENTE, M.P. Voice Update. Amsterdam, Elsevier, 1996. pp. 119-24.
SATALOFF, R.T., SPIEGEL, R.J., HAWKSHAW, M.J.; ROSEN, D.C & HEUER, R.J.
Autologous fat Implantation for vocal fold scar: a preliminary report. Journal of Voice
11:238-246, 1997.
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