A Aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis no Ordenamento

Transcrição

A Aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis no Ordenamento
9
A Responsabilidade Pessoal do Administrador Decorrente de Atos de Gestão Praticados
nas Sociedades Limitadas Sob a Ótica da Teoria Ultra Vires e Sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro*
*Artigo Jurídico produzido por PEDRO HENRIQUE DA COSTA DIAS
INTRODUÇÃO
Tomando-se como escopo principal o cenário da atuação dos administradores nas sociedades
limitadas do país, bem como a possibilidade ou não de responsabilização destes mesmos
dirigentes pelos atos praticados no exercício de sua profissão, ou seja, a responsabilização
decorrente dos seus atos de gestão, tece-se na presente pesquisa uma linha de raciocínio em
que é levado em conta tanto o importante aspecto representacional destes profissionais e de
suas decisões para o rumo econômico e social das empresas e do país, bem como como a
abrangência e importância de seus atos enquanto dirigentes.
Tais atos, da mesma forma que a representatividade dos líderes empresariais para a atual
sociedade moderna, acabam influenciando e beneficiando, ou até mesmo prejudicando a vida
pessoal e profissional de inúmeros cidadãos e empresas.
Como conteúdo subsidiário, tem-se o conhecimento referente ao estudo da disciplina de
economia no que diz respeito à importância da independência, saúde financeira, e
confiabilidade das sociedades empresárias para o desenvolvimento econômico e social do
país.
Ao mesmo tempo, e como principal ponto de discussão inclui-se a forma de controle da
atuação dos administradores e dos deveres envolvidos no seu trabalho, ou melhor, em sua
profissão, maneira como deve ser encarada a atuação dos dirigentes.
Discute-se ainda a responsabilidade das sociedades limitadas ante a dos sócios, com ênfase na
possibilidade restrita de responsabilização pessoal dos administradores pelos atos praticados,
conforme previsão legal no ordenamento jurídico pátrio, especialmente o artigo 1.015 do
Código Civil Brasileiro.
10
Assim, em razão das grandes dificuldades de delimitação deste liame entre a responsabilidade
atribuída à sociedade limitada decorrente de obrigações contraídas por atos de gestão de seus
administradores, face à responsabilidade pessoal destes gestores, a Teoria Ultra Vires
Societatis surge como um norte, e se bem esclarecida e aplicada, pode ser tornar importante e
até mesmo indispensável para o controle das variadas situações que são enfrentadas no
cotidiano empresarial, bem como para a manutenção da ordem jurídica e consequentemente,
econômica e social do Brasil.
Perante essa problemática, o principal tema abrangido na pesquisa se encontra, portanto, na
correta aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis, cuja origem remonta ao século XIX e seu
aperfeiçoamento ao século XX, conforme bem se relacionará a seguir.1
1
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p 459.
11
1 HISTÓRICO
O referido instituto surgira no século XIX no Reino Unido, com o viés de coibir eventuais
desvios de conduta, entenda-se aqui a boa fé e razoabilidade na aplicação dos poderes dotados
pelo administrador da empresa, em especial as sociedades por ações, numa tentativa de
proteção e mesmo preservação dos interesses dos acionistas.
Neste sentido, muito bem leciona o professor Fabio Ulhôa Coelho2:
A primeira questão – vinculação da sociedade aos atos praticados em seu nome,
mas estranhos ao objeto social – gerou, no direito de tradição britânica, a ultra
vires doctrine. As cortes inglesas começaram a formular a teoria, em meados do
século XIX, com o objetivo de evitar desvios de finalidade na administração de
sociedades por ações, e preservar os interesses dos investidores.
Em um primeiro momento, logo com seu surgimento, e ainda muito rígido, o instituto, dentre
alguns de seus pontos principais, determinava como nulo qualquer ato praticado pelo
administrador que extrapolasse os limites do contrato social, conforme também infere o nobre
jurista:
De acordo com sua formulação estrita, qualquer ato praticado em nome
da pessoa jurídica que extrapole o objeto social é nulo.
Ainda dentro do contexto histórico, o surgimento desta teoria é coincidente com a vigência,
na Inglaterra, de um sistema liberalista para a constituição das sociedades por ações.3
Sendo que neste mesmo sentido, complementa-se4:
2
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 459.
Ibidem, p. 459.
4
Ibidem, p. 460.
3
12
A partir de 1856, a personalização das companhias e a limitação da
responsabilidade dos acionistas passou a depender, no direito inglês, não mais
de específico ato de outorga do poder real ou parlamentar, mas apenas do
registro perante a repartição pública competente.
Com o passar do tempo, e a natural evolução do instituto, entenda-se assim a sua adaptação
aos
conceitos
modernos
de
gestão,
e
principalmente
as
diferentes
conjunturas
socioeconômicas as quais o mundo fora conhecendo, desenvolvendo e se adaptando, a rigidez
da teoria também fora relativizada.
De nulo, o ato praticado em extrapolação aos poderes concedidos ao administrador pelo
objeto social, passou a ser ineficaz com relação à sociedade em grande parte dos países
adotantes da teoria, ou seja, terceiros de boa-fé tinham o condão de exigir o cumprimento das
obrigações assumidas pelo gerente à sua própria pessoa, desde que presentes determinados
pré-requisitos que serão tratados com maior profundida em seguida.5
A boa fé, neste caso, passou a merecer destaque para configuração da teoria, conforme
observa-se6:
Outra flexibilização deu importância à boa fé do contratante, reconhecendo-lhe
o direito de exigir da própria sociedade o cumprimento do contrato
extravagante.
Contextualizando a Teoria Ultra Vires no Brasil, pode-se dizer que sua possibilidade de
aplicação é relativamente nova7:
Até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o direito brasileiro não havia
adotado a ultra vires doctrine (nem mesmo quando ela gozava de prestígio nos
países em que se criou e difundiu).
A jurisprudência pátria também se posiciona neste sentido, demonstrando que sua aplicação
no Brasil passou a ser considerada válida somente após a entrada em vigor do Código Civil de
20028:
5
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 460.
Ibidem, p.460.
7
Ibidem, p.461.
8
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 704.546/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
SEGUNDA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJ 08/06/2010.
6
13
DIREITO
COMERCIAL.
SOCIEDADE
POR
QUOTAS
DE
RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO
A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER.
RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA
VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA
APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA
SOCIEDADE GARANTIDORA.
1. Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o
litisconsórcio formado no pólo passivo é necessário e unitário, razão pela qual,
nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos
consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a
matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o
tema exclusivamente de direito.
2. Não há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de
prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de
questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial.
3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às
sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou
expressamente a ultra vires doctrine.
4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art. 10),
pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças
contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto
social, deveria responder a sociedade.
4. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente,
relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se
apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio
jurídico.
5. Não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias
prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos
contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais
sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé,
reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente.
6. Recurso especial improvido.
Para que não haja qualquer resquício de dúvidas quanto à sua aplicação no ordenamento
jurídico brasileiro, temos o Enunciado da III Jornada de Direito Civil9:
219 – Art. 1.015: Está positivada a teoria ultra vires no direito brasileiro,
com as seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeito apenas
em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de
seu órgão deliberativo, ratifica-lo; (c) o CC amenizou o rigor da teoria
ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para
realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não
constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade;
(d) não se aplica o CC 1015 às sociedades por ações, em virtude de existência
de regra especial de responsabilidade dos administradores.” (grifos nossos)
9
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 10. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013. p. 1032.
14
Sendo assim, atualmente, a teoria Ultra Vires Societatis se faz presente em parte no
ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 1.015 do CC/02, e em linhas gerais,
estabelece que os atos estranhos ao contrato social praticados pelo administrador podem ser
opostos pela própria empresa contra o credor, responsabilizando, assim, pessoalmente o
administrador pelos atos praticado no exercício de sua profissão.
Importante ressaltar que o referido artigo faz-se presente no capítulo do Código Civil
relacionado às sociedades simples, e não no capítulo destinado às regras atinentes às
sociedades limitadas.
Para seu aproveitamento às sociedades limitadas no Brasil, sobre a Teoria Ultra Vires e o
artigo que a insere no Código Civil de 2002, há necessidade de fazer-se um trabalho
interpretativo, observando-se o artigo 1.053:
Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas
normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da
sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. (grifos nossos)
Através deste dispositivo, temos que aplica-se supletivamente às sociedades limitadas o
capítulo do Código Civil brasileiro que regula as sociedades simples, ou seja, nas questões em
que os artigos que regem as sociedades limitadas permanecem silentes, em que há lacunas, é
plenamente viável a inferência a partir de tais normas das sociedades simples.
Neste sentido, a aplicação do artigo 1.015 do Código Civil de 2002 ocorre de maneira
supletiva às sociedade limitadas, permitindo, portanto, a utilização da Teoria Ultra Vires
Societatis para as empresas estruturadas desta forma, conforme observa-se através do melhor
entendimento doutrinário10:
Em consequência, quando a sociedade limitada tem por diploma de regência
supletiva o capítulo do Código Civil referente às sociedades simples, a
vinculação da pessoa jurídica a atos praticados em seu nome não se verifica em
operações evidentemente estranhas ao objeto social.
10
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 462.
15
Para melhor compreensão dos pontos tratados a seguir, faz-se indispensável a apresentação de
tão importante artigo do Código Civil pátrio em sua íntegra, conforme pode-se bem observar
abaixo:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os
atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a
oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios
decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser
oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da
sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Tomando por base todos os incisos do respectivo artigo do CC/02, temos que é de suma
importância a definição e delineamento das corretas hipóteses de incidência deste instituto,
para que assim haja a efetiva proteção aos interessados, porém aliada à segurança jurídica e
aplicação isonômica da justiça nos casos de responsabilização pessoal do administrador.
Portanto, a fim de oferecer maior segurança jurídica nas relações entre as sociedades
empresárias limitadas e seus credores, é imprescindível um conhecimento denso e
perfeitamente embasado acerca de tão importante instituto, seja pelos juristas, administradores
ou mesmo os cotistas e credores, que são aqueles mais afetados pelas consequências advindas
dos atos de gestão praticados pelos gerentes atuantes em suas sociedades.
Não obstante o grande valor do conhecimento pormenorizado da Teoria Ultra Vires e suas
consequências, igualmente importantes são os conhecimentos periféricos à essa teoria, e que
dão suporte para sua aplicação e entendimento, qual sejam, os conhecimentos acerca do papel
que deve ser desempenhado pelo administrador no exercício da profissão, e sua a
responsabilidade nas sociedades limitadas onde há a aplicação do artigo 1015 do Código Civil
brasileiro.
16
2 O PAPEL DO ADMINISTRADOR NAS SOCIEDADES LIMITADAS
Tomando-se por base o objetivo geral desta pesquisa em conhecer o limite entre a
responsabilidade da sociedade limitada pelas obrigações contraídas em seu nome face à
responsabilidade pessoal do administrador, através do prisma da Teoria Ultra Vires, e
esclarecendo as possibilidades e forma de aplicação deste instituto, inclusive com a oposição
da empresa ao credor em função desta conduta, o papel do administrador nessas sociedades
não pode de forma alguma ser mantido em um segundo plano.
Nas sociedades limitadas, temos o importante papel desempenhado pelas Diretorias, que são
nada mais do que representações institucionais da empresa, onde o diretor ou administrador é
a materialização da função de gerência a ser exercida.
Numa simples, porém didática apresentação sobre a característica e o papel destas diretorias,
o nobre doutrinador Fabio Ulhoa Coelho assim descreve11:
Diretoria (ou, como era comumente chamada antes do Código Civil de 2002,
“gerência”) é o órgão da sociedade limitada, integrado por uma ou mais pessoas
físicas, cuja atribuição é, no plano interno, administrar a empresa, e,
externamente, manifestar a vontade da pessoa jurídica.
Também, a fim de esclarecer o papel dos administradores, ou gerência, assim também
comumente denominados, cita-se a definição do brilhante doutrinador Rubens Requião12:
O Código Civil designa como administrador a pessoa encarregada de gerir a
sociedade, limitada ou não, atuando como seu órgão. Será o diretor, com a sua
variada adjetivação (presidente, vice-presidente, executivo, financeiro,
comercial etc.), o tradicional gerente, com sua simples ou variada qualificação.
A expressão gerente estava consagrada na doutrina e nas leis, para (I) designar o
sócio, nomeado pelo contrato social, da administração da sociedade limitada,
embora houvesse, comumente, (II) os gerentes “não estatutários”, contratados
11
12
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 452.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 595.
17
diretamente pelos sócios ou pelo administrador, órgão da sociedade e atuando
sob estrita supervisão destes; ou os empregados responsáveis pela
administração, às vezes geral, da empresa, ou por setores ou unidades desta,
com responsabilidade jurídica (por delegação ou mandato), ou ao menos,
técnica.
Neste sentido, nos resta claro que a atribuição desses administradores é representar de
maneira direta os interesses da sociedade limitada, determinando e conduzindo as suas
decisões que influem nos objetivos empresariais e curto, médio e longo prazo.
Sobre a estrutura que pode ser definida no contrato social para as diretorias das sociedades
limitadas, o professor Rubens Requião muito bem esclarece13:
Podem os sócios-quotistas, na elaboração do contrato social, dar uma estrutura
simplificada à sociedade, como também imprimir-lhe um arcabouço mais
sofisticado. A administração, por exemplo, admite ser concebida com a
simplicidade das típicas sociedades de pessoas, em que um sócio apenas
desempenha a gerência e representa ativa e passivamente a sociedade. Pode, ao
contrário, estabelecer uma gerência colegiada, em que dois ou mais sócios
desempenham a administração da sociedade, agindo em conjunto, sendo
necessárias duas ou mais assinaturas para obrigá-la em face de terceiros.
Assim, observa-se que em muitas das vezes, a própria figura dos sócios se confunde com a
dos administradores, principalmente nas pequenas e até médias sociedades limitadas,
conforme bem observa Fábio Ulhôa Coelho14:
Quando a limitada explora atividade econômica de pequena ou média dimensão,
são os próprios sócios (ou parte deles) que exercem, indistintamente, os atos de
administração, agindo em conjunto ou separadamente. Uma situação
corriqueira, aliás, é a do sócio majoritário empreendedor como o único
administrador. Na medida, contudo, em que a sociedade se dedica a atividades
de maior envergadura, a administração da empresa se torna mais complexa, e
reclama maior grau de profissionalismo. Então, as tarefas gerenciais ou
administrativas tendem a ser repartidas, entre os sócios e profissionais
contratados, atuando em áreas compartimentadas da gestão empresarial
(administrativa, comercial, de produção, financeira, etc).
Tal situação acaba também decorrendo da natureza jurídica da sociedade limitada, que em seu
contrato social deve prever a autorização da figura do administrador de maneira expressa se
13
14
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 596.
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 452.
18
este não for sócio, fato que o professor Fábio Ulhôa Coelho, noutra obra, define de maneira
muito didática15:
Para a sociedade ser administrada por não-sócio, é necessária a expressa
autorização no contrato social. Inexistente esta, só a sócio podem ser
atribuídos poderes de administrador.
Portanto, tem-se um papel muito importante do administrador ou das diretorias nas sociedades
constituídas sob a natureza jurídica de limitadas, onde em grande parte das vezes, senão na
esmagadora maioria, temos essas figuras se confundindo com a dos sócios, ou seja, sendo
desempenhadas pela mesma pessoa.
2.1 OBRIGAÇÕES
Aos administradores das sociedades limitadas aplicam-se as regras gerais de obrigações e
responsabilidades que regem a conduta do homem médio na gestão de qualquer sociedade,
tendo sua atuação através da transparência voltada para a geração de valor, seja ele
econômico-monetário, na forma de lucros, ou mesmo social, para os sócios e para a sociedade
em si.
Esta é a regra trazida de maneira expressa pelo caput do artigo 1.011 do Código Civil
brasileiro, conforme verifica-se:
Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas
funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma
empregar na administração de seus próprios negócios.
§ 1o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei
especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a
cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno,
concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro
nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de
consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da
condenação.
15
_____. Manual de Direito Comercial. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 162.
19
§ 2o Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições
concernentes ao mandato.
No mesmo sentido exposto pelo presente artigo do Código Civil, se fazem importantes as
palavras do nobre doutrinador e professor Fabio Ulhôa Coelho, que assim se posiciona16:
Os deveres de diligência e lealdade, prescritos aos administradores de sociedade
anônima, embora referidos na LSA (arts. 153 e 155), podem ser vistos como
preceitos gerais, aplicáveis a qualquer pessoa incumbida de administrar bens ou
interesses alheios. A eles se submetem, nesse sentido, o administrador judicial
da massa falida, o mandatário, o liquidante ou interventor da instituição
financeira, e, também, o administrador da sociedade limitada. Como as
atribuições da administração, no plano interno, são as de administrar a empresa,
os membros do órgão devem ser diligentes e leais. Tais deveres representam,
portanto, os parâmetros de aferição do desempenho dos diretores da limitada.
Sua responsabilidade tem lugar, assim, quando desatendidos os deveres gerais
dos administradores (CC, arts. 1.011, 1.016 e 1.017).
Portanto, infere-se a partir do artigo e dos ensinamentos doutrinários, que não se pode em
momento algum, desvincular a pessoa do administrador, seja ele sócio ou não, da necessidade
de agir com diligência e lealdade para com a empresa e os demais sócios.
Pelo dever de diligência, também vale a ótima definição e delimitação trazida pelo ilustre
doutrinador17:
Para cumprir o dever de diligência, o administrador deve observar, na condução
dos negócios sociais, os preceitos da tecnologia da administração de empresas,
fazendo o que esse conhecimento recomenda, e deixando de fazer o que ele
desaconselha. O paradigma do administrador diligente é o administrador com
competência profissional. Note-se que, para exercer cargo de diretor da
limitada, não é necessário ter concluído o curso superior de administração de
empresa e encontrar-se inscrito no conselho profissional respectivo; a lei não o
exige. Mas mesmo o diretor sem tal formação deve procurar manter-se
informado sobre os conceitos gerais e os mais importantes princípios da
administração empresarial, para bem conduzir o negócio, pois não há outro
critério objetivo que possa servir à avaliação de seu desempenho.
Por sua vez, o dever de lealdade traz em si a noção de que o dirigente é fiel para com a
empresa, e, portanto, busca sempre atingir com suas atitudes o melhor resultado para aqueles
que dependem daquela organização, sejam sócios, colaboradores, funcionário e a sociedade
16
17
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 454.
Ibidem, p. 452.
20
civil em si, bem como este dever lhe exige a não utilização do seu poder ou influência para
benefício próprio, mesmo que não advenha deste, o prejuízo de outrem.
Vale aqui também, no mesmo sentido já exposto, trazer a definição do professor Fábio Ulhôa
Coelho a respeito do dever de lealdade, esclarecendo por vez as características deste
instituto18:
Para cumprir o dever de lealdade, por outro lado, o diretor não pode valer-se de
informações a que teve acesso, em razão do posto que ocupa, para se beneficiar,
ou a terceiro, em detrimento da sociedade. Não pode, também, utilizar-se de
recursos humanos e materiais da empresa para propósitos particulares. Não
pode, finalmente, concorrer com a sociedade, ou envolver-se em negócios,
quando presente virtual conflito de interesses.
Portanto, administrador que não cumpre esses deveres, gerando algum tipo de dano direto à
sociedade limitada, é gerada a obrigação de ressarcimento, sendo que nesse tipo de situação
serão devidas as perdas e os lucros cessantes.19
18
19
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 452.
Ibidem, p. 455.
21
3 RESPONSABILIDADE NAS SOCIEDADES LIMITADAS
Para o perfeito funcionamento das instituições privadas e para a segurança de todo o sistema
capitalista moderno, é extremamente importante que tenhamos instituições e sociedades com
vida e responsabilidades próprias, desvinculadas das pessoas dos seus sócios e
administradores.
Face à ausência de disposição específica no Código Civil Brasileiro acerca da
responsabilidade pessoal dos administradores por seus atos nas sociedades limitadas,
conforme já explicitado neste estudo, aplicam-se subsidiariamente as regras da sociedade
simples, conforme art. 1053 do CC, que novamente se faz oportuno apresentar:
Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas
normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da
sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.
Diante da norma, temos por consequência a aplicação dos artigos 1.015 e 1.016 do Código
Civil de 2002 no âmbito das sociedades limitadas, os quais assim se apresentam:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os
atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a
oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios
decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser
oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da
sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da
sociedade.
22
Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade
e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.
Desta forma, temos de maneira geral nas sociedades limitadas, a responsabilidade da pessoa
jurídica, e não da pessoa física que consumou o ato, pelos atos praticados por seus sóciosdiretores no exercício das funções gerenciais da empresa.
Vale-se nesse ponto, apresentar que não se deve confundir a responsabilidade do
administrador, que poder ser representado pela figura do sócio ou não, com a responsabilidade
do sócio, como bem define Fran Martins20:
Conquanto de preceito pessoal, a sociedade simples tem personalidade jurídica,
distinta da pessoa dos sócios, e se houver integralização do capital, ainda dos
serviços, não se considerando anormalidade, a responsabilidade se delimita nos
bens que formam o patrimônio da entidade.
Uma coisa é a responsabilidade do administrador, outra é societária,
ambas inconfundíveis, quer diante de terceiros, ou internamente, na fixação
de um parâmetro limitador, eis que somente em hipóteses clares e definidas os
bens particulares dos sócios serão alcançados. (grifos nossos)
Destaca-se pontualmente, para fins de contextualização, que, apesar de não compor o objeto
principal deste estudo, a responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas é restrita ao
valor de suas cotas, respondendo todos os sócios de maneira solidária pela integralização do
capital social:
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao
valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização
do capital social.
Uma ótima delimitação do alcance e significado do dispositivo pode ser apresentada através
das palavras do professor Rubens Requião21:
Consequentemente, somente havendo intenção dolosa, dirigida à infração da lei
ou do contrato, estaria consubstanciado o ato praticado pelo sócio da empresa,
não se cogitando de penhora bens particulares, integralizado o capital da
empresa, e não tendo o sócio cometido ato com excesso de poderes, infração da
lei, do contrato ou dos estatutos.
20
21
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 252.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 542.
23
Voltando-se as atenções ao administrador, que poder vir a ser coincidente com o sócio da
sociedade limitada ou não, este terá sua responsabilidade regida pelos artigos 1.015 e 1.016
acima citados.
Em consonância com o tema e o entendimento exposto, apresenta-se mais um trecho da obra
do ilustre jurista e doutrinador Rubens Requião, que se expressa de maneira conclusiva no
seguinte sentido22:
É de se concluir, portanto, que o sócio gerente obriga a sociedade por seus atos
de administração normais, quando usa da razão social em negócio condizente
com o objeto social. Assim, a sociedade não se vincula à obrigação em seu
nome contraída pelo sócio-gerente em negócio estranho ao objeto social.
No entanto, não raras são as vezes em que hoje verifica-se desvios na aplicação e
entendimento da norma, utilizando-se todo tipo de justificativa para a responsabilização dos
administradores da empresa em sua pessoa física.
3.1 RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ADMINISTRADOR E A TEORIA ULTRA
VIRES SOCIETATIS
Ponto de grande importância é o entendimento acerca dos deveres e obrigações dos
administradores, a forma com que devem conduzir os negócios da empresa, e os princípios e
parâmetros que obrigatoriamente devem ser observados no seu trabalho.
O próprio contrato social é o objeto balizador da responsabilidade dos administradores, dentro
da atuação com diligência e lealdade já explicitadas, como nos ensina o ilustre doutrinador
Rubens Requião23:
O uso regular da firma cabe ao sócio-gerente. Deve ele exercitar suas funções
com zelo e lealdade, não só para com a sociedade como também em relação aos
seus companheiros. Os limites de sua ação são determinados pelo objeto social.
Ultrapassando esses limites, caracteriza-se o abuso da firma social, e o ato é
ultra vires.
Assim, compreender a regra geral da responsabilidade dos administradores nas sociedades
limitadas, que decorre de aplicação subsidiária das normas previstas para as sociedades
22
23
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 542.
Ibidem, p. 603.
24
simples, é de suma importância, acompanhada à observação e entendimento da postura que é
exigida do credor para que não haja vícios na relação negocial, e a responsabilização dos
administradores possa ser definitivamente efetivada.
O maior segredo para aplicação coerente da responsabilidade dos administradores nas
sociedades limitadas está no correto entendimento e aplicação do artigo 1015 do Código Civil
de 2002, o qual versa expressamente sobre as hipóteses de responsabilização dos
administradores, tomando-se por base a Teoria Ultra Vires.
Antes disso, conforme já reforçado, é preciso entender que os administradores tem o dever
geral de agir com cuidado e diligência no exercício de suas funções, assim como lhes é
importante o dever de lealdade, conforme previsão do art. 1.011 do CC/02, extensivamente
aplicada para as sociedades limitadas e já discutidas neste estudo.24
Vale aqui novamente a menção e apresentação do importante artigo 1.011 do Código Civil de
2002:
Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas
funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma
empregar na administração de seus próprios negócios.
§ 1o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei
especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a
cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno,
concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro
nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de
consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da
condenação.
§ 2o Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições
concernentes ao mandato.
Se estes passos forem corretamente seguidos, acompanhados da atuação em consonância com
o objeto social da empresa, não há que se falar em responsabilidade pessoal dos
administradores.
24
COELHO, Fábio Ulhôa. A Sociedade Limitada no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.51.
25
Neste sentido, a jurisprudência pátria é uníssona, havendo necessidade de que se prove o ato
ultra vires para que o administrador seja pessoalmente responsabilizado, inexistindo qualquer
presunção neste sentido25:
MANDATO - Gestão de negócios - Duplicata sem aceite emitida por sociedade
empresária e garantida por carta de fiança emitida pelos representantes legais da
pessoa jurídica - Inaplícabllidade da teoria da ultra vires sochtatís Responsabilidade da sociedade por atos de seus administradores perante
terceiros de boa-fé - Ausência de indicação dos atos supostamente
fraudulentos das administrações anteriores e a forma de participação do
credor embargado em eventual conluio - Aplicação da teoria da aparência Monitoria procedente - Recurso improvido (grifos nossos)
Especialmente no caso demonstrado, considerou o Tribunal que apesar de alegados pela
sociedade empresária, visando a sua desobrigação, não fora comprovada que os atos de seu
administrador foram fraudulentos ou fora do objeto da sociedade no contrato social, portanto,
não aplicando-se aí a Teoria Ultra Vires Societatis.
Semelhante é o posicionamento acompanhado pela Segunda Turma do Tribunal de Justiça de
São Paulo26:
TRIBUTÁRIO - AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL EXECUÇÃO FISCAL - RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE ART. 135, III, CTN - DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE SOCIEDADE DEVOLUÇÃO DE AR - PRECEDENTES.
1. A tese da agravante é a de que a impossibilidade de localização da empresa
induz, por si só, à presunção de que houve dissolução irregular.
2. Entendeu o Tribunal, com base no art. 135, inciso II, CTN, que os sócios nãoinscritos na CDA respondem apenas pelos tributos devidos e não-pagos, quando
provada for sua incursão nos atos "ultra vires societatis" e em condutas
fraudatórias. Entendimento pacífico do STJ, ao estilo do EREsp 702.232/RS.
3. Se a execução é proposta somente contra a sociedade, como se dá neste
processo, ao estilo da CDA de fls.17, a Fazenda Pública deve comprovar a
infração à lei, contrato social ou estatuto ou a dissolução irregular da sociedade,
para fins de mover a execução contra o sócio, pois o simples inadimplemento da
obrigação tributária principal ou a ausência de bens penhoráveis da empresa não
ensejam o redirecionamento.
4. A mera devolução do aviso de recebimento sem cumprimento não basta, por
si só, à caracterização de que a sociedade foi irregularmente dissolvida.
Agravo regimental improvido.
25
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 857026300, Rel. Desembargador RICARDO NEGRÃO,
10ª CÂMARA, julgado em 10/08/2004, DJ 16/08/2004.
26
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1074497/SP, Rel. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 09/12/2008, DJ 03/02/2009.
26
Desta maneira, os administradores somente podem ser responsabilizados pessoalmente, e
consequentemente pode haver a oposição da empresa ao credor de boa-fé, pela prática, por
parte destes administradores, de atos evidentemente estranhos àqueles previstos no contrato
social, ou seja, por terem agido com excesso de poderes, os quais tem suas hipóteses
abrangidas pelo inciso III do art. 1.015 do CC/02.
3.2 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO CONCRETA NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
Em que pese, num contexto histórico, como já visto, a recente introdução da Teoria Ultra
Vires Societatis no ordenamento jurídico brasileiro, os magistrados e Tribunais do país vem
de maneira recorrente aplicando o respectivo instituto nas mais variadas situações onde se
discute a responsabilidade do administrador.
Por vezes relativizado, e comumente com sua aplicação condicionada à observância de outros
princípios que devem reger a atuação na administração da empresa, resta claro, através da
observação das jurisprudências pátrias, que tanto sua recepção quanto sua discussão pelo
ordenamento jurídico brasileiro ocorrera de maneira bastante intensa.
Conforme observa-se no seguinte julgado da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do estado do Rio de Janeiro, o ônus da prova cabe à própria sociedade limitada,
quando esta é ao mesmo tempo parte interessada e quem alega a prática do ato Ultra Vires por
parte de seu administrador.
Especificamente no caso, a empresa fora cobrada por débitos referentes ao fretamento de
aeronave, tendo alegado a extrapolação da ação do sócio, que não seria dotado de poderes
para tanto.
Entretanto, conforme o julgado bem apresenta, a empresa não trouxera à tona a comprovação
da supracitada ausência de poderes administrativos, inferindo-se assim que não deve ser o ato
considerado Ultra Vires, vez que tal situação tem o condão de compor parte da rotina
27
empresarial do negócio, tendo em vista necessidades de deslocamentos para fins negociais
serem comuns no ambiente empresarial moderno27:
APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO MONITÓRIA. SERVIÇO DE FRETAMENTO
DE AERONAVE. NOTA FISCAL QUE, EMBORA DESPROVIDA DE
EFICÁCIA EXECUTIVA, PREENCHE OS REQUISITOS DE PROVA
ESCRITA HÁBIL E SUFICIENTE PARA EMBASAR A AÇÃO
MONITÓRIA, CONTENDO A DISCRIMINAÇÃO DO SERVIÇO
PRESTADO E ESTAMPANDO DE FORMA EXPRESSA A DÍVIDA
PENDENTE SOBRE A RÉ/APELANTE, QUE ESTÁ ASSINADA E
CONTÉM O CARIMBO DA RÉ/PESSOA JURÍDICA, COM A INCLUSÃO
DE SEU CNPJ. ALEGAÇÃO DA APELANTE DE QUE FOI PRATICADO
ATO ULTRA VIRES POR SEU ADMINISTRADOR ATUANDO FORA
DO OBJETO SOCIAL NÃO DEMONSTRADA. APELANTE QUE
SEQUER ANEXOU AOS AUTOS O CONTRATO SOCIAL PARA QUE
FICASSE DELIMITADA A ATUAÇÃO DO ADMINISTRADOR E
DEMONSTRADO
SEU
EVENTUAL
EXCESSO.
NÃO
SE
DESIMBUMBIU A RÉ/APELANTE DE DEMONSTRAR FATO
IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO
AUTOR, ÔNUS QUE LHE COMPETIA. ART. 333, II, DO CPC. RECURSO
A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (grifos nossos)
Grande parte da aplicação e discussão acerca da Teoria Ultra Vires Societatis ocorre no
âmbito dos contratos financeiros, vez que de maneira recorrente, as empresas praticam
acordos e contratos com instituições financeiras através de seus administradores, já que
intrínseco na vida de negócios de qualquer sociedade empresarial contemporânea o
relacionamento com instituições bancárias e de crédito.
Neste sentido, noutra hipótese onde observa-se a aplicação concreta e recorrente da Teoria
Ultra Vires, temos os julgados do Tribunal do Rio Grande do Sul, que bem posicionam a
aplicação da referida teoria28:
APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO
BANCÁRIO. CONTRATO FIRMADO ENTRE A INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA
E
CO-DEVEDOR
SEM
PODERES
PARA
REPRESENTAR A EMPRESA EMBARGANTE. ILEGITIMIDADE DA
EMPRESA PARA FIGURAR NA EXECUÇÃO. Deve ser mantida a exclusão
da empresa embargante, na execução intentada pelo banco, tendo em vista a
ausência de vínculo obrigacional daquela, diante da firmatura do contrato por
27
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação 857026300, Rel. Desembargadora HELENA
CANDIDA LISBOA GAEDE, 18ª CÂMARA, julgado em 25/11/2013.
28
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70039371752, Rel. Desembargador
ORLANDO HEEMANN JÚNIOR, 12ª CÂMARA, julgado em 27/10/2011.
28
terceiro, que não era sócio e sem poderes para representá-la. Todavia, a
execução deve prosseguir em relação ao co-devedor que firmou o contrato de
empréstimo. Apelo improvido. (grifos nossos)
Percebe-se aqui, que o Tribunal entendeu ilegítimo o contrato do administrador que não
possuía poderes para tanto, excluindo da lide a empresa, mas mantendo aquele que praticou o
ato fora de sua seara.
Neste mesmo sentido é o entendimento da Décima Quinta Câmara do mesmo Tribunal29:
APELAÇÃO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À
EXECUÇÃO. NOTA DE CRÉDITO BANCÁRIO. GARANTIA PRESTADA
EM FAVOR DE TERCEIRO. EXCESSO DE PODERES PRATICADOS
PELO ADMINISTRADOR DA SOCIEDADE EXECUTADA. PLANO DA
VALIDADE
AFETADO.
VÍCIO
SUBSTANCIAL
E
FORMAL
VERIFICADO. NULIDADE DA GARANTIA. APLICAÇÃO DA TEORIA
DA ULTRA VIRES. ART. 47 E 1015 DO CÓDIGO CIVIL.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ADMINISTRADOR. SIMULAÇÃO.
PRESUNÇÃO RELATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAR O
ATO JURÍDICO PRATICADO AO ARREPEIO DO CONTRATO
SOCIAL. INOBSERVÂNCIA DOS PODERES DO ADMINISTRADOR
PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SENTENÇA MANTIDA. POR
UNANIMIDADE, REJEITARM A PRELIMINAR E NEGARAM
PROVIMENTO AO APELO. (grifos nossos)
Trata-se de caso bastante semelhante ao acima citado, onde o referido Tribunal optou por declarar a
invalidade do ato jurídico praticado com inobservância dos poderes do administrador da sociedade por
parte da beneficiária da garantia concedida, no caso, a instituição financeira.
A mesma Câmara, também mantém o entendimento noutro julgado semelhante, deixando
claro o seu posicionamento amplamente dominante acerca do assunto:30
APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO
BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO TOMADO POR TERCEIRO. AVAL
CONCEDIDO POR EX-REPRESENTANTE LEGAL DA ENTIDADE
EXECUTADA, EM DISSONÂNCIA COM O ESTATUTO SOCIAL.
AUSÊNCIA DE PODERES CONSTATADA. APLICAÇÃO DA TEORIA
ULTRA VIRES. ARTS. 47 E 1015 DO CÓDIGO CIVIL. INVALIDADE
DA GARANTIA BANCÁRIA PRESTADA. IMPENHORABILIDADE DE
29
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70049761273, Rel. Desembargador ANGELO
MARANINCHI GIANNAKOS, 15ª CÂMARA, julgado em 05/12/2012.
30
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70052740867, Rel. Desembargador ANGELO
MARANINCHI GIANNAKOS, 15ª CÂMARA, julgado em 26/06/2013.
29
IMÓVEL DECRETADA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA
PROCEDENTE. EXTINÇÃO DO FEITO EM RELAÇÃO AO SINDICATO
APELANTE. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. POR
UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO.
É claramente perceptível nos julgados acima apresentados, que o referido Tribunal interpreta
a Teoria Ultra Vires Societatis em consonância com a defesa e proteção da atividade
empresarial da sociedade limitada, ou seja, exige até certa medida daqueles que contratam
com a sociedade, neste caso, as instituições financeiras, o conhecimento acerca das normas
que regem o contrato social da empresa com quem contratam, presumindo-se a posição de
igualdade ou mesmo de hipossuficiência da empresa perante tais instituições.
Nos casos em comento, não é difícil concluir que entende-se por impossibilitada a garantia
bancária prestada a terceiros pelo administrador em nome da sociedade, fato que, entendem os
julgadores, deveria ser previamente analisado pela instituição financeira, que possui os meios
hábeis para tanto.
Há na doutrina pátria corrente quem rechace o entendimento acima esposto, negando qualquer
validade da Teoria Ultra Vires Societatis em casos como os apresentados. Este é o
posicionamento defendido pelo professor Rubens Requião31:
[...] é exigir demais, com efeito, no âmbito do comércio, onde as operações se
realizam em massa, e por isso sempre em oposição com o formalismo que, a
todo instante, o terceiro que contrata com uma sociedade comercia solicita desta
a exibição do contrato social, para verificação dos poderes do gerente (...)
Entretanto, não é este o entendimento majoritário que tem sido observado nos Tribunais do
país, conforme se apresenta noutro julgado do Tribunal do estado de Minas Gerais32:
Ementa: APELAÇÃO - NULIDADE DE ATOS JURÍDICOS ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA - ATUAÇÃO EM
EXCESSO DE PODER - CONTRAIR OBRIGAÇÕES ESTRANHAS AO
INTERESSE SOCIAL - VENDA DE BENS IMÓVEIS - ART. 1.015, DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002 - TERCEIROS COMPRADORES DE BOA-FÉ HOMEM MEDIUM - ATOS ULTRA VIRES - DÍVIDA CONFESSADA TRANSFERÊNCIA DE PARTE DE IMÓVEL - EVIDENCIADA
QUALQUER DAS HIPÓTESES DESCRITAS NOS INCISOS DO ART.
31
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 454.
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação 1070107196048-1/005, Rel. Desembargador
MARCELO RODRIGUES, 11ª CÂMARA, julgado em 25/03/2009. DJ 08/05/2009.
32
30
1.015, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - RETORNO AO STATU QUO ANTE RECURSO PROVIDO. Não causa qualquer perplexidade o condicionamento
do deferimento do pedido de urgência mediante à apresentação de uma
contracautela (caução adequada e idônea). Impõe-se a invalidação de atos
jurídicos ante a demonstração de alguma nulidade ou existência de vícios de
consentimento a macular a vontade e autonomia da parte que o praticou. Todos
os atos praticados pelo administrador de uma sociedade empresária gravitam
inexoravelmente em torno dos objetivos consignados no seu contrato social.
Segundo o disposto no art. 1.015 do Código Civil de 2002, ""no silêncio do
contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão
da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens
imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir"". Os Atos ultra vires
são aqueles realizados além do objeto da delegação ou transferência de
poderes, ou seja, são aqueles realizados com excesso de poder ou com
poderes insuficientes pelos administradores de uma sociedade. Não se deve
proteger o terceiro que tenha conhecimento, ou devesse ter, do objeto social
e dos limites da atuação dos administradores da sociedade empresária
contratante, em razão da profissionalidade de seus atos. (grifos nossos)
A partir desta ementa, fica claro que os julgadores também entenderam que não deve ser
protegido o terceiro que deveria ter a cautela suficiente para avaliar se o ato praticado pelo
administrador estava dentro dos limites do contrato social, justificando ainda tratar-se de
instituição profissional, da qual é o mínimo de zelo que se deve exigir.
O Tribunal de São Paulo possui entendimento semelhante, conforme se observa no julgado da
Vigésima Primeira Câmara de Direito Privado33:
Ementa: Ação declaratória de nulidade de contratos bancários c.c. pedido de
indenização por danos morais. Parcial procedência, declarando a inexigibilidade
dos débitos, mas sem condenar o réu à compensação dos danos morais.
Apelação da ré. Contratos de empréstimo realizados de forma irregular sem a
anuência de todos os sócios, conforme previsto no contrato social. Apesar da
irregularidade dos contratos de empréstimo, as respectivas quantias daí
originadas reverteram em benefício da autora, eis que foram depositadas em sua
conta corrente. O fato de a secretária da sociedade ter sacado essas quantias não
é responsabilidade do banco. Culpa exclusiva da autora em dar acesso de sua
conta corrente à sua empregada. Questão 'interna corporis'. Contratos de
empréstimo declarados inexistentes. Consequência necessária é o retorno das
partes ao 'status quo ante'. Autora que deverá ressarcir o banco das quantias
colocadas à sua disposição em razão desses contratos, corrigidos
monetariamente e com juros de mora (juros legais) desde a data do depósito,
por se tratar de responsabilidade civil extracontratual. O banco, por sua vez,
deverá ressarcir à autora as quantias de modo singelo. Cheque assinado por
apenas um dos sócios, em desconformidade com o contrato social. Banco
que não deveria ter efetuado o respectivo pagamento, em atenção à teoria
‘ultra vires’. Cártula declarada inexigível. Banco que deverá restituir à
autora a quantia ali prevista, acrescida de correção monetária desde a data
33
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 1238405820118260100, Rel. Desembargador
VIRGÍLIO DE OLIVEIRA JUNIOR, 21ª CÂMARA, julgado em 14/10/2013. DJ 17/10/2013.
31
do débito e de juros de mora desde a citação, nos termos do art. 405 do CC.
Sucumbência recíproca. Cada parte arcará com as respectivas custas e
honorários advocatícios. Sentença parcialmente reformada. Recurso provido em
parte. (grifos nossos)
Deste modo, os julgados acima apresentados se mostram bastante representativos,
demonstrando situação certamente recorrente no ambiente empresarial do país, em especial
nas pequenas e médias empresas, onde há a confusão e extrapolação dos limites de poder do
administrador em grande parte das vezes em benefício próprio, sem que sejam avaliadas as
consequências dos seus atos.
Neste interim, majoritariamente tem-se dado prioridade à preservação dos interesses
empresariais ante o anseio que permeia a relação contratual firmada sem poderes do
administrador para tanto, lógica e principalmente tratando-se de situações em que o objeto do
contrato diverge completamente da atividade da empresa.
Importante ressaltar que tal fato decorre da necessidade de que o ato praticado tenha de ser
evidentemente estranho à atividade da empresa para que seja considerado ultra vires,
conforme o próprio artigo 1.015 do Código Civil brasileiro é claramente expresso:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os
atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a
oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios
decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser
oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da
sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da
sociedade (grifos nossos)
Portanto, de maneira geral, nos casos em que o ato praticado diverge por completo de
qualquer conceito do homem médio acerca da atividade empresarial, os direitos dos credores
não se tornam passíveis de proteção sob o escudo da Teoria Ultra Vires Societatis, vez que
32
neste momento, tanto doutrina quanto jurisprudência valoram a boa-fé e a teoria da aparência,
bem como a aplicação do inciso III do artigo 1.015 do CC/02 de maneira integral34:
Ementa: AÇÃO MONITÓRIA Cheque Alegação de que o negócio jurídico
pago com as cártulas extrapola o objeto social da empresa sacadora Ocorrência
Aplicação da ultra vires doctrine, prevista no art. 1.015, parágrafo único, III do
CC A sociedade limitada sacadora do título tem como objeto social o comércio
de combustíveis, enquanto que a beneficiada dedica-se à prestação de serviços
médicos e cirúrgicos O próprio sócio emitente do título de crédito confirma que
o cheque foi utilizado para pagamento de cirurgia estética de sua ex-esposa Não
havendo como conceber que o negócio jurídico contraído com a clínica
tenha sido em favor do posto de gasolina, é de rigor a aplicação da teoria
ultra vires societatis prevista no art. 1.015, § único, III do CC para afastar
a responsabilidade da apelante no pagamento do débito representado pelos
títulos, devendo a credora se voltar unicamente contra o sócio que as emitiu
em patente irregularidade, único responsável pelo pagamento Precedentes
do C. STJ Recurso provido para acolher os embargos monitórios e julgar
extinta a ação monitória, com fulcro nos arts. 267, VI do CPC e 1.015,
parágrafo único, III do CC e, nos termos do art. 317 do CPC, julgar
procedente a reconvenção, para declarar a inexistência de relação jurídica
obrigacional entre as partes. (grifos nossos)
Certamente, o referido instituto não é tratado de maneira inerte e imutável, cabendo sim,
situações em que sua relativização é aplicada pelos Tribunais em nome da Justiça e da
segurança jurídica em si, a depender do caso concreto conforme já bem exposto.
Tal relativização é sempre acompanhada de embasamento jurídico sólido, optando-se pela
convergência da Teoria Ultra Vires Societatis com os princípios gerais da boa fé contratual,
razoabilidade, proporcionalidade e a Teoria da Aparência. Neste sentido, a melhor
jurisprudência pátria corrobora35:
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO
RECURSO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE.
REJEITADA. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. MÉRITO.
EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
DA EMPRESA EXECUTADA EM RAZÃO DA NULIDADE DE AVAL
PRESTADO POR SEUS SÓCIOS, SOB ALEGAÇÃO DE FALTA DE
PODERES PARA REPRESENTAR A SOCIEDADE E DE VIOLAÇÃO AO
CONTRATO SOCIAL. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA.
RECURSO PROVIDO. I. Não há que se alegar ausência de dialeticidade se a
Apelante combateu exaustivamente ambos os fundamentos adotados na
Sentença recorrida para julgar procedente a pretensão autoral. Preliminar
34
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 150449820098260566, Rel. Desembargador PEDRO
ABLAS, 14ª CÂMARA, julgado em 19/09/2012. DJ 04/10/2012.
35
BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Apelação 048010010394, Rel. Desembargador CATHARINA
MARIA NOVAES BARCELLOS, 3ª CÂMARA, julgado em 18/06/2007. DJ 09/07/2007.
33
rejeitada. II. Descabe a interposição de Agravo retido em processos de
execução. Além disso, tal recurso, mesmo que cabível, não poderia ser
conhecido em sede de apelação interposta de sentença proferida em ação de
embargos à execução, pois trata-se de processos distintos. III. Utilizando uma
das funções do princípio da boa-fé objetiva, que é a hermenêutico-integrativa,
deve-se interpretar a Cláusula 4.ª do contrato de compra e venda das cotas
sociais da Apelada, dando-lhe o entendimento de que a expressão ¿assumir a
diretoria significa tomar posse da sede da Apelada ou adentrar-lhe o espaço
físico, interpretação esta que se coaduna perfeitamente à vontade das partes
manifestada no ato da contratação, mesmo porque soa muito estranha a tese de
que os sócios da Apelada compraram 99,97% de seu capital social, mas
somente poderiam assumir sua condição de sócio apenas dois dias após, o que
joga por terra a comutatividade e a autonomia de vontade que deveriam imperar
no contrato. IV. Como não há interesse de terceiros prejudicados, a
alegação pela empresa Apelante de que seu contrato social não permite que
se pudesse prestar aval em negócio estranho a seus interesses (teoria dos
atos ultra vires) não deve ser acolhida, até porque os interesses da
sociedade, no presente caso, confundem-se com os de seus sócios, que, na
verdade, se utilizam do manto da pessoa jurídica para violar o contrato que
firmaram e para garantir a sua inadimplência. V. Recurso provido. (grifos
nossos)
O mesmo entendimento é adotado pela Décima Sétima Câmara do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul36:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PROMESSA DE COMPRA E
VENDA. ARRAS RECEBIDAS POR SÓCIO DA EMPRESA DEMANDADA
SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Uma vez demonstrado nos autos o recebimento
das arras por sócio da empresa demandada quando da celebração de contrato de
promessa de compra e venda posteriormente descumprido, fato sequer negado
pela requerida, a mera circunstância de o firmatário não gozar de poderes de
administrador não inviabiliza a pretensão de devolução dos valores adiantados
pela autora como sinal. A adoção expressa pelo direito brasileiro da Ultra
Vires Douctrine no art. 1.015 do Código Civil de 2002 deve ser temperada
pela aplicação da Teoria da Aparência e o princípio da boa-fé quando
demonstrado que o sócio sem poderes de administração transacionava com
terceiros, em nome da sociedade, aparentando ostentar poderes de
representação da pessoa jurídica. Procedência do pedido de cobrança.
Precedentes desta Corte e do STJ. APELO DESPROVIDO. (grifos nossos)
Especificamente no caso apresentado, os desembargadores de forma alguma afastaram da
Teoria Ultra Vires uma aplicação em consonância com a Teoria da Aparência, bem como o
princípio da boa-fé. Portanto, não suportaram a ideia de simplesmente aplicar a Teoria Ultra
Vires sem levar em conta as condições nas quais o ato foi praticado, ou seja, se havia a
aparência clara de este ser um ato possível e permitido ao administrado naquele momento.
36
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70035842152, Rel. Desembargador LIEGE
PURICELLI PIRES, 17ª CÂMARA, julgado em 16/12/2010. DJ: 14/01/2011.
34
Da mesma forma, entende a Décima Nona Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo37:
Ementa: MONITORIA - Cheque prescrito - Alegação de assinatura irregular
por sócia da pessoa jurídica emitente - Prática de atos ultra vires societatis Improcedência - Aplicabilidade da teoria da aparência - Conluio entre
terceiro e o administrador social não comprovado ? Responsabilidade da
empresa pelos atos praticados sob a aparência de regularidade na gestão
dos negócios - Embargos improcedentes - Recurso improvido (grifos nossos)
Em consonância com este pensamento, é que fora aprovado o Enunciado 11 da I Jornada de
Direito Comercial, que corrobora o que a doutrina e jurisprudência já vira preconizando como
seu entendimento majoritário, no seguinte sentido38:
A regra do art. 1015, parágrafo único, do Código Civil deve ser aplicada à luz
da teoria da aparência e do primado da boa-fé objetiva, de modo a prestigiar a
segurança do tráfego negocial. As sociedades de obrigam perante terceiros de
boa-fé.
Dentro o enunciado, finalmente, encontramos a importante ressalva de que a sociedade
obriga-se perante terceiros de boa-fé, e que o artigo 1.015 do CC/02 deve ser aplicado sempre
levando em consideração o princípio da teoria da aparência como a melhor maneira de se
avaliar, em casa caso concreto, a possibilidade de afastamento da responsabilidade da pessoa
jurídica pelo ato praticado por seu representante legal.
37
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 965207500, Rel. Desembargador RICARDO NEGRÃO,
19ª CÂMARA, julgado em 31/01/2006. DJ 22/02/2006.
38
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 10. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013. p. 1032.
35
4 CONCLUSÃO
Tem-se, portanto, no ordenamento jurídico brasileiro, a adoção da Teoria Ultra Vires a partir
da vigência do Código Civil de 2002, que trouxe de maneira expressa o art. 1.015, claramente
baseado na Teoria Ultra Vires de raiz inglesa, cuja origem é datada ainda no século XIX,
vindo a ser aperfeiçoada no decorrer do século XX.
Diante da regra geral contida no caput do artigo 1.011 do Novo Código Civil Brasileiro, que
observa a necessidade de condução dos negócios com cuidado e diligência por parte dos
administradores das sociedades limitadas, a responsabilidade assumida por eles em nome da
sociedade não se estende em regra à suas pessoas físicas.
Entretanto, desde que não observados tais deveres, sendo o ato praticado em discordância com
o objeto social da empresa, conforme bem traz o inciso III do artigo 1.015 do CC/02, tem-se
aí o campo para a aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis.
De aplicação notadamente conhecida por grande parte da doutrina e jurisprudência brasileiras
como bem apresentado no estudo, a Teoria Ultra Vires Societatis traz à tona a anulabilidade
dos atos praticados em consonância com as irregularidades mencionadas, bem como eventual
responsabilização do administrador por sua prática.
36
No entanto, de tamanha importância também são os princípios que regem a correta aplicação
da Teoria Ultra Vires, que tem sua relativização trazida à tona pela Teoria da Aparência, bem
como a boa-fé objetiva, para que haja segurança jurídica nas relações contratuais.
Assim, é através deste equilíbrio, entre os deveres do administrador para com a empresa, a
necessidade de segurança jurídica nas relações contratuais envolvendo as sociedades limitadas
e seus credores, a prática de atos notadamente estranhos ao objeto social da empresa por seus
administradores, e a boa-fé envolvida nas relações, que jurisprudência e doutrina permitem
em casos específicos que a obrigação assumida pela pessoa jurídica, no caso, a sociedade
limitada, seja efetivamente desconsiderada, responsabilizando-se neste caso, o administrador
pela obrigação adquirida perante a outra parte contratante, aplicando-se, portanto, a Teoria
Ultra Vires Societatis conforme seu entendimento contemporâneo no Direito Brasileiro e
protegendo, assim, eventuais desvios e prejuízos que possam ser causados pelos
administradores quando estes atuam com dolo ou culpa perante a sociedade que administram.
37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedades Comerciais. 14. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004.
BORBA, José Edwaldo Taravares. Direito Societário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. 4. ed. São Paulo: 2007.
_____. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Rideel, 2007.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 704.546/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJ 08/06/2010. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=704546
&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 857026300, Rel. Desembargador
RICARDO NEGRÃO, 10ª CÂMARA, julgado em 10/08/2004, DJ 16/08/2004. Disponível
em: http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=329800
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1074497/SP, Rel. HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA
TURMA,
julgado
em
09/12/2008,
DJ
03/02/2009.
Disponível
em:
38
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=107449
7&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação 857026300, Rel. Desembargadora
HELENA CANDIDA LISBOA GAEDE, 18ª CÂMARA, julgado em 25/11/2013. Disponível
em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201300184039
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70039371752, Rel.
Desembargador ORLANDO HEEMANN JÚNIOR, 12ª CÂMARA, julgado em 27/10/2011.
Disponível
em:
http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70039371752&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribu
nal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3
%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao
%3Anull%29&requiredfields=&as_q=
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70049761273, Rel.
Desembargador ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS, 15ª CÂMARA, julgado em
05/12/2012.
Disponível
em:
http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=ultra+vires&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=trib
unal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao
%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7
CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70052740867, Rel.
Desembargador ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS, 15ª CÂMARA, julgado em
26/06/2013.
Disponível
em:
http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=ultra+vires&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=trib
unal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao
%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7
CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação 1070107196048-1/005, Rel.
Desembargador MARCELO RODRIGUES, 11ª CÂMARA, julgado em 25/03/2009. DJ
08/05/2009.
Disponível
em:
39
http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegist
ro=2&totalLinhas=10&paginaNumero=2&linhasPorPagina=1&palavras=ultra
vires&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=0&referenciaLegislativa=
Clique na lupa para pesquisar as referências cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 1238405820118260100, Rel.
Desembargador VIRGÍLIO DE OLIVEIRA JUNIOR, 21ª CÂMARA, julgado em
14/10/2013.
DJ
17/10/2013.
Disponível
em:
http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=7101334
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 150449820098260566, Rel.
Desembargador PEDRO ABLAS, 14ª CÂMARA, julgado em 19/09/2012. DJ 04/10/2012.
Disponível
em:
http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=6242361&vlCaptcha=ekyxp
BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Apelação 048010010394, Rel.
Desembargador CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, 3ª CÂMARA, julgado em
18/06/2007.
DJ
09/07/2007.
Disponível
em:
http://aplicativos.tjes.jus.br/sistemaspublicos/consulta_jurisprudencia/det_jurisp.cfm?NumPro
c=72387&edProcesso=&edPesquisaJuris=ultra%20vires&seOrgaoJulgador=&seDes=&edIni
=01/01/2004&edFim=29/01/2014
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70035842152, Rel.
Desembargador LIEGE PURICELLI PIRES, 17ª CÂMARA, julgado em 16/12/2010. DJ:
14/01/2011.
Disponível
em:
http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=ultra+vires&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=trib
unal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao
%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7
CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 965207500, Rel. Desembargador
RICARDO NEGRÃO, 19ª CÂMARA, julgado em 31/01/2006. DJ 22/02/2006. Disponível
em: http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=260680
40
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
_____. A Sociedade Limitada no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.
_____. Manual de Direito Comercial. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
FAZZIO JUNIOR, Waldo. Fundamentos de Direito Comercial. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2004.
FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. v. 1., 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 10. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 1032
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1 e 2, 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
_____, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
ZANETTI, Robson. Manual da Sociedade Limitada. 2. ed. Paraná: Juruá Editora, 2007.
Artigo Jurídico produzido por Pedro Henrique da Costa Dias, Advogado sócio do escritório
Almeida & Pandolfi Damico Advogados, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de
Vitória – FDV, especialista em Direito Imobiliário pela FMU e em Finanças Coorporativas
pela FGV, tem larga experiência na atuação como Consultor Empresarial, especificamente nas
41
áreas de planejamento financeiro, gestão de negócios e empreendedorismo. É pós graduado
em Direito Empresarial (Legal Law Master) pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.

Documentos relacionados

ponderações acerca da teoria da aparência e do ato ultra vires nos

ponderações acerca da teoria da aparência e do ato ultra vires nos praticados por estes representantes legais apresentam direta vinculação com o objeto social, o qual está devidamente determinado no estatuto social, não podendo praticá-lo fora da finalidade da emp...

Leia mais