A Aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis no Ordenamento
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A Aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis no Ordenamento
9 A Responsabilidade Pessoal do Administrador Decorrente de Atos de Gestão Praticados nas Sociedades Limitadas Sob a Ótica da Teoria Ultra Vires e Sua Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro* *Artigo Jurídico produzido por PEDRO HENRIQUE DA COSTA DIAS INTRODUÇÃO Tomando-se como escopo principal o cenário da atuação dos administradores nas sociedades limitadas do país, bem como a possibilidade ou não de responsabilização destes mesmos dirigentes pelos atos praticados no exercício de sua profissão, ou seja, a responsabilização decorrente dos seus atos de gestão, tece-se na presente pesquisa uma linha de raciocínio em que é levado em conta tanto o importante aspecto representacional destes profissionais e de suas decisões para o rumo econômico e social das empresas e do país, bem como como a abrangência e importância de seus atos enquanto dirigentes. Tais atos, da mesma forma que a representatividade dos líderes empresariais para a atual sociedade moderna, acabam influenciando e beneficiando, ou até mesmo prejudicando a vida pessoal e profissional de inúmeros cidadãos e empresas. Como conteúdo subsidiário, tem-se o conhecimento referente ao estudo da disciplina de economia no que diz respeito à importância da independência, saúde financeira, e confiabilidade das sociedades empresárias para o desenvolvimento econômico e social do país. Ao mesmo tempo, e como principal ponto de discussão inclui-se a forma de controle da atuação dos administradores e dos deveres envolvidos no seu trabalho, ou melhor, em sua profissão, maneira como deve ser encarada a atuação dos dirigentes. Discute-se ainda a responsabilidade das sociedades limitadas ante a dos sócios, com ênfase na possibilidade restrita de responsabilização pessoal dos administradores pelos atos praticados, conforme previsão legal no ordenamento jurídico pátrio, especialmente o artigo 1.015 do Código Civil Brasileiro. 10 Assim, em razão das grandes dificuldades de delimitação deste liame entre a responsabilidade atribuída à sociedade limitada decorrente de obrigações contraídas por atos de gestão de seus administradores, face à responsabilidade pessoal destes gestores, a Teoria Ultra Vires Societatis surge como um norte, e se bem esclarecida e aplicada, pode ser tornar importante e até mesmo indispensável para o controle das variadas situações que são enfrentadas no cotidiano empresarial, bem como para a manutenção da ordem jurídica e consequentemente, econômica e social do Brasil. Perante essa problemática, o principal tema abrangido na pesquisa se encontra, portanto, na correta aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis, cuja origem remonta ao século XIX e seu aperfeiçoamento ao século XX, conforme bem se relacionará a seguir.1 1 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p 459. 11 1 HISTÓRICO O referido instituto surgira no século XIX no Reino Unido, com o viés de coibir eventuais desvios de conduta, entenda-se aqui a boa fé e razoabilidade na aplicação dos poderes dotados pelo administrador da empresa, em especial as sociedades por ações, numa tentativa de proteção e mesmo preservação dos interesses dos acionistas. Neste sentido, muito bem leciona o professor Fabio Ulhôa Coelho2: A primeira questão – vinculação da sociedade aos atos praticados em seu nome, mas estranhos ao objeto social – gerou, no direito de tradição britânica, a ultra vires doctrine. As cortes inglesas começaram a formular a teoria, em meados do século XIX, com o objetivo de evitar desvios de finalidade na administração de sociedades por ações, e preservar os interesses dos investidores. Em um primeiro momento, logo com seu surgimento, e ainda muito rígido, o instituto, dentre alguns de seus pontos principais, determinava como nulo qualquer ato praticado pelo administrador que extrapolasse os limites do contrato social, conforme também infere o nobre jurista: De acordo com sua formulação estrita, qualquer ato praticado em nome da pessoa jurídica que extrapole o objeto social é nulo. Ainda dentro do contexto histórico, o surgimento desta teoria é coincidente com a vigência, na Inglaterra, de um sistema liberalista para a constituição das sociedades por ações.3 Sendo que neste mesmo sentido, complementa-se4: 2 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 459. Ibidem, p. 459. 4 Ibidem, p. 460. 3 12 A partir de 1856, a personalização das companhias e a limitação da responsabilidade dos acionistas passou a depender, no direito inglês, não mais de específico ato de outorga do poder real ou parlamentar, mas apenas do registro perante a repartição pública competente. Com o passar do tempo, e a natural evolução do instituto, entenda-se assim a sua adaptação aos conceitos modernos de gestão, e principalmente as diferentes conjunturas socioeconômicas as quais o mundo fora conhecendo, desenvolvendo e se adaptando, a rigidez da teoria também fora relativizada. De nulo, o ato praticado em extrapolação aos poderes concedidos ao administrador pelo objeto social, passou a ser ineficaz com relação à sociedade em grande parte dos países adotantes da teoria, ou seja, terceiros de boa-fé tinham o condão de exigir o cumprimento das obrigações assumidas pelo gerente à sua própria pessoa, desde que presentes determinados pré-requisitos que serão tratados com maior profundida em seguida.5 A boa fé, neste caso, passou a merecer destaque para configuração da teoria, conforme observa-se6: Outra flexibilização deu importância à boa fé do contratante, reconhecendo-lhe o direito de exigir da própria sociedade o cumprimento do contrato extravagante. Contextualizando a Teoria Ultra Vires no Brasil, pode-se dizer que sua possibilidade de aplicação é relativamente nova7: Até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o direito brasileiro não havia adotado a ultra vires doctrine (nem mesmo quando ela gozava de prestígio nos países em que se criou e difundiu). A jurisprudência pátria também se posiciona neste sentido, demonstrando que sua aplicação no Brasil passou a ser considerada válida somente após a entrada em vigor do Código Civil de 20028: 5 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 460. Ibidem, p.460. 7 Ibidem, p.461. 8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 704.546/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJ 08/06/2010. 6 13 DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE GARANTIDORA. 1. Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no pólo passivo é necessário e unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito. 2. Não há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial. 3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine. 4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art. 10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade. 4. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico. 5. Não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente. 6. Recurso especial improvido. Para que não haja qualquer resquício de dúvidas quanto à sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, temos o Enunciado da III Jornada de Direito Civil9: 219 – Art. 1.015: Está positivada a teoria ultra vires no direito brasileiro, com as seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratifica-lo; (c) o CC amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d) não se aplica o CC 1015 às sociedades por ações, em virtude de existência de regra especial de responsabilidade dos administradores.” (grifos nossos) 9 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 1032. 14 Sendo assim, atualmente, a teoria Ultra Vires Societatis se faz presente em parte no ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 1.015 do CC/02, e em linhas gerais, estabelece que os atos estranhos ao contrato social praticados pelo administrador podem ser opostos pela própria empresa contra o credor, responsabilizando, assim, pessoalmente o administrador pelos atos praticado no exercício de sua profissão. Importante ressaltar que o referido artigo faz-se presente no capítulo do Código Civil relacionado às sociedades simples, e não no capítulo destinado às regras atinentes às sociedades limitadas. Para seu aproveitamento às sociedades limitadas no Brasil, sobre a Teoria Ultra Vires e o artigo que a insere no Código Civil de 2002, há necessidade de fazer-se um trabalho interpretativo, observando-se o artigo 1.053: Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. (grifos nossos) Através deste dispositivo, temos que aplica-se supletivamente às sociedades limitadas o capítulo do Código Civil brasileiro que regula as sociedades simples, ou seja, nas questões em que os artigos que regem as sociedades limitadas permanecem silentes, em que há lacunas, é plenamente viável a inferência a partir de tais normas das sociedades simples. Neste sentido, a aplicação do artigo 1.015 do Código Civil de 2002 ocorre de maneira supletiva às sociedade limitadas, permitindo, portanto, a utilização da Teoria Ultra Vires Societatis para as empresas estruturadas desta forma, conforme observa-se através do melhor entendimento doutrinário10: Em consequência, quando a sociedade limitada tem por diploma de regência supletiva o capítulo do Código Civil referente às sociedades simples, a vinculação da pessoa jurídica a atos praticados em seu nome não se verifica em operações evidentemente estranhas ao objeto social. 10 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 462. 15 Para melhor compreensão dos pontos tratados a seguir, faz-se indispensável a apresentação de tão importante artigo do Código Civil pátrio em sua íntegra, conforme pode-se bem observar abaixo: Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Tomando por base todos os incisos do respectivo artigo do CC/02, temos que é de suma importância a definição e delineamento das corretas hipóteses de incidência deste instituto, para que assim haja a efetiva proteção aos interessados, porém aliada à segurança jurídica e aplicação isonômica da justiça nos casos de responsabilização pessoal do administrador. Portanto, a fim de oferecer maior segurança jurídica nas relações entre as sociedades empresárias limitadas e seus credores, é imprescindível um conhecimento denso e perfeitamente embasado acerca de tão importante instituto, seja pelos juristas, administradores ou mesmo os cotistas e credores, que são aqueles mais afetados pelas consequências advindas dos atos de gestão praticados pelos gerentes atuantes em suas sociedades. Não obstante o grande valor do conhecimento pormenorizado da Teoria Ultra Vires e suas consequências, igualmente importantes são os conhecimentos periféricos à essa teoria, e que dão suporte para sua aplicação e entendimento, qual sejam, os conhecimentos acerca do papel que deve ser desempenhado pelo administrador no exercício da profissão, e sua a responsabilidade nas sociedades limitadas onde há a aplicação do artigo 1015 do Código Civil brasileiro. 16 2 O PAPEL DO ADMINISTRADOR NAS SOCIEDADES LIMITADAS Tomando-se por base o objetivo geral desta pesquisa em conhecer o limite entre a responsabilidade da sociedade limitada pelas obrigações contraídas em seu nome face à responsabilidade pessoal do administrador, através do prisma da Teoria Ultra Vires, e esclarecendo as possibilidades e forma de aplicação deste instituto, inclusive com a oposição da empresa ao credor em função desta conduta, o papel do administrador nessas sociedades não pode de forma alguma ser mantido em um segundo plano. Nas sociedades limitadas, temos o importante papel desempenhado pelas Diretorias, que são nada mais do que representações institucionais da empresa, onde o diretor ou administrador é a materialização da função de gerência a ser exercida. Numa simples, porém didática apresentação sobre a característica e o papel destas diretorias, o nobre doutrinador Fabio Ulhoa Coelho assim descreve11: Diretoria (ou, como era comumente chamada antes do Código Civil de 2002, “gerência”) é o órgão da sociedade limitada, integrado por uma ou mais pessoas físicas, cuja atribuição é, no plano interno, administrar a empresa, e, externamente, manifestar a vontade da pessoa jurídica. Também, a fim de esclarecer o papel dos administradores, ou gerência, assim também comumente denominados, cita-se a definição do brilhante doutrinador Rubens Requião12: O Código Civil designa como administrador a pessoa encarregada de gerir a sociedade, limitada ou não, atuando como seu órgão. Será o diretor, com a sua variada adjetivação (presidente, vice-presidente, executivo, financeiro, comercial etc.), o tradicional gerente, com sua simples ou variada qualificação. A expressão gerente estava consagrada na doutrina e nas leis, para (I) designar o sócio, nomeado pelo contrato social, da administração da sociedade limitada, embora houvesse, comumente, (II) os gerentes “não estatutários”, contratados 11 12 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 452. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 595. 17 diretamente pelos sócios ou pelo administrador, órgão da sociedade e atuando sob estrita supervisão destes; ou os empregados responsáveis pela administração, às vezes geral, da empresa, ou por setores ou unidades desta, com responsabilidade jurídica (por delegação ou mandato), ou ao menos, técnica. Neste sentido, nos resta claro que a atribuição desses administradores é representar de maneira direta os interesses da sociedade limitada, determinando e conduzindo as suas decisões que influem nos objetivos empresariais e curto, médio e longo prazo. Sobre a estrutura que pode ser definida no contrato social para as diretorias das sociedades limitadas, o professor Rubens Requião muito bem esclarece13: Podem os sócios-quotistas, na elaboração do contrato social, dar uma estrutura simplificada à sociedade, como também imprimir-lhe um arcabouço mais sofisticado. A administração, por exemplo, admite ser concebida com a simplicidade das típicas sociedades de pessoas, em que um sócio apenas desempenha a gerência e representa ativa e passivamente a sociedade. Pode, ao contrário, estabelecer uma gerência colegiada, em que dois ou mais sócios desempenham a administração da sociedade, agindo em conjunto, sendo necessárias duas ou mais assinaturas para obrigá-la em face de terceiros. Assim, observa-se que em muitas das vezes, a própria figura dos sócios se confunde com a dos administradores, principalmente nas pequenas e até médias sociedades limitadas, conforme bem observa Fábio Ulhôa Coelho14: Quando a limitada explora atividade econômica de pequena ou média dimensão, são os próprios sócios (ou parte deles) que exercem, indistintamente, os atos de administração, agindo em conjunto ou separadamente. Uma situação corriqueira, aliás, é a do sócio majoritário empreendedor como o único administrador. Na medida, contudo, em que a sociedade se dedica a atividades de maior envergadura, a administração da empresa se torna mais complexa, e reclama maior grau de profissionalismo. Então, as tarefas gerenciais ou administrativas tendem a ser repartidas, entre os sócios e profissionais contratados, atuando em áreas compartimentadas da gestão empresarial (administrativa, comercial, de produção, financeira, etc). Tal situação acaba também decorrendo da natureza jurídica da sociedade limitada, que em seu contrato social deve prever a autorização da figura do administrador de maneira expressa se 13 14 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 596. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 452. 18 este não for sócio, fato que o professor Fábio Ulhôa Coelho, noutra obra, define de maneira muito didática15: Para a sociedade ser administrada por não-sócio, é necessária a expressa autorização no contrato social. Inexistente esta, só a sócio podem ser atribuídos poderes de administrador. Portanto, tem-se um papel muito importante do administrador ou das diretorias nas sociedades constituídas sob a natureza jurídica de limitadas, onde em grande parte das vezes, senão na esmagadora maioria, temos essas figuras se confundindo com a dos sócios, ou seja, sendo desempenhadas pela mesma pessoa. 2.1 OBRIGAÇÕES Aos administradores das sociedades limitadas aplicam-se as regras gerais de obrigações e responsabilidades que regem a conduta do homem médio na gestão de qualquer sociedade, tendo sua atuação através da transparência voltada para a geração de valor, seja ele econômico-monetário, na forma de lucros, ou mesmo social, para os sócios e para a sociedade em si. Esta é a regra trazida de maneira expressa pelo caput do artigo 1.011 do Código Civil brasileiro, conforme verifica-se: Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. § 1o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. 15 _____. Manual de Direito Comercial. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 162. 19 § 2o Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato. No mesmo sentido exposto pelo presente artigo do Código Civil, se fazem importantes as palavras do nobre doutrinador e professor Fabio Ulhôa Coelho, que assim se posiciona16: Os deveres de diligência e lealdade, prescritos aos administradores de sociedade anônima, embora referidos na LSA (arts. 153 e 155), podem ser vistos como preceitos gerais, aplicáveis a qualquer pessoa incumbida de administrar bens ou interesses alheios. A eles se submetem, nesse sentido, o administrador judicial da massa falida, o mandatário, o liquidante ou interventor da instituição financeira, e, também, o administrador da sociedade limitada. Como as atribuições da administração, no plano interno, são as de administrar a empresa, os membros do órgão devem ser diligentes e leais. Tais deveres representam, portanto, os parâmetros de aferição do desempenho dos diretores da limitada. Sua responsabilidade tem lugar, assim, quando desatendidos os deveres gerais dos administradores (CC, arts. 1.011, 1.016 e 1.017). Portanto, infere-se a partir do artigo e dos ensinamentos doutrinários, que não se pode em momento algum, desvincular a pessoa do administrador, seja ele sócio ou não, da necessidade de agir com diligência e lealdade para com a empresa e os demais sócios. Pelo dever de diligência, também vale a ótima definição e delimitação trazida pelo ilustre doutrinador17: Para cumprir o dever de diligência, o administrador deve observar, na condução dos negócios sociais, os preceitos da tecnologia da administração de empresas, fazendo o que esse conhecimento recomenda, e deixando de fazer o que ele desaconselha. O paradigma do administrador diligente é o administrador com competência profissional. Note-se que, para exercer cargo de diretor da limitada, não é necessário ter concluído o curso superior de administração de empresa e encontrar-se inscrito no conselho profissional respectivo; a lei não o exige. Mas mesmo o diretor sem tal formação deve procurar manter-se informado sobre os conceitos gerais e os mais importantes princípios da administração empresarial, para bem conduzir o negócio, pois não há outro critério objetivo que possa servir à avaliação de seu desempenho. Por sua vez, o dever de lealdade traz em si a noção de que o dirigente é fiel para com a empresa, e, portanto, busca sempre atingir com suas atitudes o melhor resultado para aqueles que dependem daquela organização, sejam sócios, colaboradores, funcionário e a sociedade 16 17 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 454. Ibidem, p. 452. 20 civil em si, bem como este dever lhe exige a não utilização do seu poder ou influência para benefício próprio, mesmo que não advenha deste, o prejuízo de outrem. Vale aqui também, no mesmo sentido já exposto, trazer a definição do professor Fábio Ulhôa Coelho a respeito do dever de lealdade, esclarecendo por vez as características deste instituto18: Para cumprir o dever de lealdade, por outro lado, o diretor não pode valer-se de informações a que teve acesso, em razão do posto que ocupa, para se beneficiar, ou a terceiro, em detrimento da sociedade. Não pode, também, utilizar-se de recursos humanos e materiais da empresa para propósitos particulares. Não pode, finalmente, concorrer com a sociedade, ou envolver-se em negócios, quando presente virtual conflito de interesses. Portanto, administrador que não cumpre esses deveres, gerando algum tipo de dano direto à sociedade limitada, é gerada a obrigação de ressarcimento, sendo que nesse tipo de situação serão devidas as perdas e os lucros cessantes.19 18 19 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. v.1., 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 452. Ibidem, p. 455. 21 3 RESPONSABILIDADE NAS SOCIEDADES LIMITADAS Para o perfeito funcionamento das instituições privadas e para a segurança de todo o sistema capitalista moderno, é extremamente importante que tenhamos instituições e sociedades com vida e responsabilidades próprias, desvinculadas das pessoas dos seus sócios e administradores. Face à ausência de disposição específica no Código Civil Brasileiro acerca da responsabilidade pessoal dos administradores por seus atos nas sociedades limitadas, conforme já explicitado neste estudo, aplicam-se subsidiariamente as regras da sociedade simples, conforme art. 1053 do CC, que novamente se faz oportuno apresentar: Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. Diante da norma, temos por consequência a aplicação dos artigos 1.015 e 1.016 do Código Civil de 2002 no âmbito das sociedades limitadas, os quais assim se apresentam: Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. 22 Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. Desta forma, temos de maneira geral nas sociedades limitadas, a responsabilidade da pessoa jurídica, e não da pessoa física que consumou o ato, pelos atos praticados por seus sóciosdiretores no exercício das funções gerenciais da empresa. Vale-se nesse ponto, apresentar que não se deve confundir a responsabilidade do administrador, que poder ser representado pela figura do sócio ou não, com a responsabilidade do sócio, como bem define Fran Martins20: Conquanto de preceito pessoal, a sociedade simples tem personalidade jurídica, distinta da pessoa dos sócios, e se houver integralização do capital, ainda dos serviços, não se considerando anormalidade, a responsabilidade se delimita nos bens que formam o patrimônio da entidade. Uma coisa é a responsabilidade do administrador, outra é societária, ambas inconfundíveis, quer diante de terceiros, ou internamente, na fixação de um parâmetro limitador, eis que somente em hipóteses clares e definidas os bens particulares dos sócios serão alcançados. (grifos nossos) Destaca-se pontualmente, para fins de contextualização, que, apesar de não compor o objeto principal deste estudo, a responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas é restrita ao valor de suas cotas, respondendo todos os sócios de maneira solidária pela integralização do capital social: Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Uma ótima delimitação do alcance e significado do dispositivo pode ser apresentada através das palavras do professor Rubens Requião21: Consequentemente, somente havendo intenção dolosa, dirigida à infração da lei ou do contrato, estaria consubstanciado o ato praticado pelo sócio da empresa, não se cogitando de penhora bens particulares, integralizado o capital da empresa, e não tendo o sócio cometido ato com excesso de poderes, infração da lei, do contrato ou dos estatutos. 20 21 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 252. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 542. 23 Voltando-se as atenções ao administrador, que poder vir a ser coincidente com o sócio da sociedade limitada ou não, este terá sua responsabilidade regida pelos artigos 1.015 e 1.016 acima citados. Em consonância com o tema e o entendimento exposto, apresenta-se mais um trecho da obra do ilustre jurista e doutrinador Rubens Requião, que se expressa de maneira conclusiva no seguinte sentido22: É de se concluir, portanto, que o sócio gerente obriga a sociedade por seus atos de administração normais, quando usa da razão social em negócio condizente com o objeto social. Assim, a sociedade não se vincula à obrigação em seu nome contraída pelo sócio-gerente em negócio estranho ao objeto social. No entanto, não raras são as vezes em que hoje verifica-se desvios na aplicação e entendimento da norma, utilizando-se todo tipo de justificativa para a responsabilização dos administradores da empresa em sua pessoa física. 3.1 RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ADMINISTRADOR E A TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS Ponto de grande importância é o entendimento acerca dos deveres e obrigações dos administradores, a forma com que devem conduzir os negócios da empresa, e os princípios e parâmetros que obrigatoriamente devem ser observados no seu trabalho. O próprio contrato social é o objeto balizador da responsabilidade dos administradores, dentro da atuação com diligência e lealdade já explicitadas, como nos ensina o ilustre doutrinador Rubens Requião23: O uso regular da firma cabe ao sócio-gerente. Deve ele exercitar suas funções com zelo e lealdade, não só para com a sociedade como também em relação aos seus companheiros. Os limites de sua ação são determinados pelo objeto social. Ultrapassando esses limites, caracteriza-se o abuso da firma social, e o ato é ultra vires. Assim, compreender a regra geral da responsabilidade dos administradores nas sociedades limitadas, que decorre de aplicação subsidiária das normas previstas para as sociedades 22 23 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 542. Ibidem, p. 603. 24 simples, é de suma importância, acompanhada à observação e entendimento da postura que é exigida do credor para que não haja vícios na relação negocial, e a responsabilização dos administradores possa ser definitivamente efetivada. O maior segredo para aplicação coerente da responsabilidade dos administradores nas sociedades limitadas está no correto entendimento e aplicação do artigo 1015 do Código Civil de 2002, o qual versa expressamente sobre as hipóteses de responsabilização dos administradores, tomando-se por base a Teoria Ultra Vires. Antes disso, conforme já reforçado, é preciso entender que os administradores tem o dever geral de agir com cuidado e diligência no exercício de suas funções, assim como lhes é importante o dever de lealdade, conforme previsão do art. 1.011 do CC/02, extensivamente aplicada para as sociedades limitadas e já discutidas neste estudo.24 Vale aqui novamente a menção e apresentação do importante artigo 1.011 do Código Civil de 2002: Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. § 1o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. § 2o Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato. Se estes passos forem corretamente seguidos, acompanhados da atuação em consonância com o objeto social da empresa, não há que se falar em responsabilidade pessoal dos administradores. 24 COELHO, Fábio Ulhôa. A Sociedade Limitada no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.51. 25 Neste sentido, a jurisprudência pátria é uníssona, havendo necessidade de que se prove o ato ultra vires para que o administrador seja pessoalmente responsabilizado, inexistindo qualquer presunção neste sentido25: MANDATO - Gestão de negócios - Duplicata sem aceite emitida por sociedade empresária e garantida por carta de fiança emitida pelos representantes legais da pessoa jurídica - Inaplícabllidade da teoria da ultra vires sochtatís Responsabilidade da sociedade por atos de seus administradores perante terceiros de boa-fé - Ausência de indicação dos atos supostamente fraudulentos das administrações anteriores e a forma de participação do credor embargado em eventual conluio - Aplicação da teoria da aparência Monitoria procedente - Recurso improvido (grifos nossos) Especialmente no caso demonstrado, considerou o Tribunal que apesar de alegados pela sociedade empresária, visando a sua desobrigação, não fora comprovada que os atos de seu administrador foram fraudulentos ou fora do objeto da sociedade no contrato social, portanto, não aplicando-se aí a Teoria Ultra Vires Societatis. Semelhante é o posicionamento acompanhado pela Segunda Turma do Tribunal de Justiça de São Paulo26: TRIBUTÁRIO - AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL EXECUÇÃO FISCAL - RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE ART. 135, III, CTN - DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE SOCIEDADE DEVOLUÇÃO DE AR - PRECEDENTES. 1. A tese da agravante é a de que a impossibilidade de localização da empresa induz, por si só, à presunção de que houve dissolução irregular. 2. Entendeu o Tribunal, com base no art. 135, inciso II, CTN, que os sócios nãoinscritos na CDA respondem apenas pelos tributos devidos e não-pagos, quando provada for sua incursão nos atos "ultra vires societatis" e em condutas fraudatórias. Entendimento pacífico do STJ, ao estilo do EREsp 702.232/RS. 3. Se a execução é proposta somente contra a sociedade, como se dá neste processo, ao estilo da CDA de fls.17, a Fazenda Pública deve comprovar a infração à lei, contrato social ou estatuto ou a dissolução irregular da sociedade, para fins de mover a execução contra o sócio, pois o simples inadimplemento da obrigação tributária principal ou a ausência de bens penhoráveis da empresa não ensejam o redirecionamento. 4. A mera devolução do aviso de recebimento sem cumprimento não basta, por si só, à caracterização de que a sociedade foi irregularmente dissolvida. Agravo regimental improvido. 25 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 857026300, Rel. Desembargador RICARDO NEGRÃO, 10ª CÂMARA, julgado em 10/08/2004, DJ 16/08/2004. 26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1074497/SP, Rel. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJ 03/02/2009. 26 Desta maneira, os administradores somente podem ser responsabilizados pessoalmente, e consequentemente pode haver a oposição da empresa ao credor de boa-fé, pela prática, por parte destes administradores, de atos evidentemente estranhos àqueles previstos no contrato social, ou seja, por terem agido com excesso de poderes, os quais tem suas hipóteses abrangidas pelo inciso III do art. 1.015 do CC/02. 3.2 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO CONCRETA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Em que pese, num contexto histórico, como já visto, a recente introdução da Teoria Ultra Vires Societatis no ordenamento jurídico brasileiro, os magistrados e Tribunais do país vem de maneira recorrente aplicando o respectivo instituto nas mais variadas situações onde se discute a responsabilidade do administrador. Por vezes relativizado, e comumente com sua aplicação condicionada à observância de outros princípios que devem reger a atuação na administração da empresa, resta claro, através da observação das jurisprudências pátrias, que tanto sua recepção quanto sua discussão pelo ordenamento jurídico brasileiro ocorrera de maneira bastante intensa. Conforme observa-se no seguinte julgado da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, o ônus da prova cabe à própria sociedade limitada, quando esta é ao mesmo tempo parte interessada e quem alega a prática do ato Ultra Vires por parte de seu administrador. Especificamente no caso, a empresa fora cobrada por débitos referentes ao fretamento de aeronave, tendo alegado a extrapolação da ação do sócio, que não seria dotado de poderes para tanto. Entretanto, conforme o julgado bem apresenta, a empresa não trouxera à tona a comprovação da supracitada ausência de poderes administrativos, inferindo-se assim que não deve ser o ato considerado Ultra Vires, vez que tal situação tem o condão de compor parte da rotina 27 empresarial do negócio, tendo em vista necessidades de deslocamentos para fins negociais serem comuns no ambiente empresarial moderno27: APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO MONITÓRIA. SERVIÇO DE FRETAMENTO DE AERONAVE. NOTA FISCAL QUE, EMBORA DESPROVIDA DE EFICÁCIA EXECUTIVA, PREENCHE OS REQUISITOS DE PROVA ESCRITA HÁBIL E SUFICIENTE PARA EMBASAR A AÇÃO MONITÓRIA, CONTENDO A DISCRIMINAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO E ESTAMPANDO DE FORMA EXPRESSA A DÍVIDA PENDENTE SOBRE A RÉ/APELANTE, QUE ESTÁ ASSINADA E CONTÉM O CARIMBO DA RÉ/PESSOA JURÍDICA, COM A INCLUSÃO DE SEU CNPJ. ALEGAÇÃO DA APELANTE DE QUE FOI PRATICADO ATO ULTRA VIRES POR SEU ADMINISTRADOR ATUANDO FORA DO OBJETO SOCIAL NÃO DEMONSTRADA. APELANTE QUE SEQUER ANEXOU AOS AUTOS O CONTRATO SOCIAL PARA QUE FICASSE DELIMITADA A ATUAÇÃO DO ADMINISTRADOR E DEMONSTRADO SEU EVENTUAL EXCESSO. NÃO SE DESIMBUMBIU A RÉ/APELANTE DE DEMONSTRAR FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR, ÔNUS QUE LHE COMPETIA. ART. 333, II, DO CPC. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (grifos nossos) Grande parte da aplicação e discussão acerca da Teoria Ultra Vires Societatis ocorre no âmbito dos contratos financeiros, vez que de maneira recorrente, as empresas praticam acordos e contratos com instituições financeiras através de seus administradores, já que intrínseco na vida de negócios de qualquer sociedade empresarial contemporânea o relacionamento com instituições bancárias e de crédito. Neste sentido, noutra hipótese onde observa-se a aplicação concreta e recorrente da Teoria Ultra Vires, temos os julgados do Tribunal do Rio Grande do Sul, que bem posicionam a aplicação da referida teoria28: APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CONTRATO FIRMADO ENTRE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E CO-DEVEDOR SEM PODERES PARA REPRESENTAR A EMPRESA EMBARGANTE. ILEGITIMIDADE DA EMPRESA PARA FIGURAR NA EXECUÇÃO. Deve ser mantida a exclusão da empresa embargante, na execução intentada pelo banco, tendo em vista a ausência de vínculo obrigacional daquela, diante da firmatura do contrato por 27 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação 857026300, Rel. Desembargadora HELENA CANDIDA LISBOA GAEDE, 18ª CÂMARA, julgado em 25/11/2013. 28 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70039371752, Rel. Desembargador ORLANDO HEEMANN JÚNIOR, 12ª CÂMARA, julgado em 27/10/2011. 28 terceiro, que não era sócio e sem poderes para representá-la. Todavia, a execução deve prosseguir em relação ao co-devedor que firmou o contrato de empréstimo. Apelo improvido. (grifos nossos) Percebe-se aqui, que o Tribunal entendeu ilegítimo o contrato do administrador que não possuía poderes para tanto, excluindo da lide a empresa, mas mantendo aquele que praticou o ato fora de sua seara. Neste mesmo sentido é o entendimento da Décima Quinta Câmara do mesmo Tribunal29: APELAÇÃO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NOTA DE CRÉDITO BANCÁRIO. GARANTIA PRESTADA EM FAVOR DE TERCEIRO. EXCESSO DE PODERES PRATICADOS PELO ADMINISTRADOR DA SOCIEDADE EXECUTADA. PLANO DA VALIDADE AFETADO. VÍCIO SUBSTANCIAL E FORMAL VERIFICADO. NULIDADE DA GARANTIA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ULTRA VIRES. ART. 47 E 1015 DO CÓDIGO CIVIL. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ADMINISTRADOR. SIMULAÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAR O ATO JURÍDICO PRATICADO AO ARREPEIO DO CONTRATO SOCIAL. INOBSERVÂNCIA DOS PODERES DO ADMINISTRADOR PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SENTENÇA MANTIDA. POR UNANIMIDADE, REJEITARM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (grifos nossos) Trata-se de caso bastante semelhante ao acima citado, onde o referido Tribunal optou por declarar a invalidade do ato jurídico praticado com inobservância dos poderes do administrador da sociedade por parte da beneficiária da garantia concedida, no caso, a instituição financeira. A mesma Câmara, também mantém o entendimento noutro julgado semelhante, deixando claro o seu posicionamento amplamente dominante acerca do assunto:30 APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO TOMADO POR TERCEIRO. AVAL CONCEDIDO POR EX-REPRESENTANTE LEGAL DA ENTIDADE EXECUTADA, EM DISSONÂNCIA COM O ESTATUTO SOCIAL. AUSÊNCIA DE PODERES CONSTATADA. APLICAÇÃO DA TEORIA ULTRA VIRES. ARTS. 47 E 1015 DO CÓDIGO CIVIL. INVALIDADE DA GARANTIA BANCÁRIA PRESTADA. IMPENHORABILIDADE DE 29 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70049761273, Rel. Desembargador ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS, 15ª CÂMARA, julgado em 05/12/2012. 30 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70052740867, Rel. Desembargador ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS, 15ª CÂMARA, julgado em 26/06/2013. 29 IMÓVEL DECRETADA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. EXTINÇÃO DO FEITO EM RELAÇÃO AO SINDICATO APELANTE. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO. É claramente perceptível nos julgados acima apresentados, que o referido Tribunal interpreta a Teoria Ultra Vires Societatis em consonância com a defesa e proteção da atividade empresarial da sociedade limitada, ou seja, exige até certa medida daqueles que contratam com a sociedade, neste caso, as instituições financeiras, o conhecimento acerca das normas que regem o contrato social da empresa com quem contratam, presumindo-se a posição de igualdade ou mesmo de hipossuficiência da empresa perante tais instituições. Nos casos em comento, não é difícil concluir que entende-se por impossibilitada a garantia bancária prestada a terceiros pelo administrador em nome da sociedade, fato que, entendem os julgadores, deveria ser previamente analisado pela instituição financeira, que possui os meios hábeis para tanto. Há na doutrina pátria corrente quem rechace o entendimento acima esposto, negando qualquer validade da Teoria Ultra Vires Societatis em casos como os apresentados. Este é o posicionamento defendido pelo professor Rubens Requião31: [...] é exigir demais, com efeito, no âmbito do comércio, onde as operações se realizam em massa, e por isso sempre em oposição com o formalismo que, a todo instante, o terceiro que contrata com uma sociedade comercia solicita desta a exibição do contrato social, para verificação dos poderes do gerente (...) Entretanto, não é este o entendimento majoritário que tem sido observado nos Tribunais do país, conforme se apresenta noutro julgado do Tribunal do estado de Minas Gerais32: Ementa: APELAÇÃO - NULIDADE DE ATOS JURÍDICOS ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA - ATUAÇÃO EM EXCESSO DE PODER - CONTRAIR OBRIGAÇÕES ESTRANHAS AO INTERESSE SOCIAL - VENDA DE BENS IMÓVEIS - ART. 1.015, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - TERCEIROS COMPRADORES DE BOA-FÉ HOMEM MEDIUM - ATOS ULTRA VIRES - DÍVIDA CONFESSADA TRANSFERÊNCIA DE PARTE DE IMÓVEL - EVIDENCIADA QUALQUER DAS HIPÓTESES DESCRITAS NOS INCISOS DO ART. 31 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 454. BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação 1070107196048-1/005, Rel. Desembargador MARCELO RODRIGUES, 11ª CÂMARA, julgado em 25/03/2009. DJ 08/05/2009. 32 30 1.015, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - RETORNO AO STATU QUO ANTE RECURSO PROVIDO. Não causa qualquer perplexidade o condicionamento do deferimento do pedido de urgência mediante à apresentação de uma contracautela (caução adequada e idônea). Impõe-se a invalidação de atos jurídicos ante a demonstração de alguma nulidade ou existência de vícios de consentimento a macular a vontade e autonomia da parte que o praticou. Todos os atos praticados pelo administrador de uma sociedade empresária gravitam inexoravelmente em torno dos objetivos consignados no seu contrato social. Segundo o disposto no art. 1.015 do Código Civil de 2002, ""no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir"". Os Atos ultra vires são aqueles realizados além do objeto da delegação ou transferência de poderes, ou seja, são aqueles realizados com excesso de poder ou com poderes insuficientes pelos administradores de uma sociedade. Não se deve proteger o terceiro que tenha conhecimento, ou devesse ter, do objeto social e dos limites da atuação dos administradores da sociedade empresária contratante, em razão da profissionalidade de seus atos. (grifos nossos) A partir desta ementa, fica claro que os julgadores também entenderam que não deve ser protegido o terceiro que deveria ter a cautela suficiente para avaliar se o ato praticado pelo administrador estava dentro dos limites do contrato social, justificando ainda tratar-se de instituição profissional, da qual é o mínimo de zelo que se deve exigir. O Tribunal de São Paulo possui entendimento semelhante, conforme se observa no julgado da Vigésima Primeira Câmara de Direito Privado33: Ementa: Ação declaratória de nulidade de contratos bancários c.c. pedido de indenização por danos morais. Parcial procedência, declarando a inexigibilidade dos débitos, mas sem condenar o réu à compensação dos danos morais. Apelação da ré. Contratos de empréstimo realizados de forma irregular sem a anuência de todos os sócios, conforme previsto no contrato social. Apesar da irregularidade dos contratos de empréstimo, as respectivas quantias daí originadas reverteram em benefício da autora, eis que foram depositadas em sua conta corrente. O fato de a secretária da sociedade ter sacado essas quantias não é responsabilidade do banco. Culpa exclusiva da autora em dar acesso de sua conta corrente à sua empregada. Questão 'interna corporis'. Contratos de empréstimo declarados inexistentes. Consequência necessária é o retorno das partes ao 'status quo ante'. Autora que deverá ressarcir o banco das quantias colocadas à sua disposição em razão desses contratos, corrigidos monetariamente e com juros de mora (juros legais) desde a data do depósito, por se tratar de responsabilidade civil extracontratual. O banco, por sua vez, deverá ressarcir à autora as quantias de modo singelo. Cheque assinado por apenas um dos sócios, em desconformidade com o contrato social. Banco que não deveria ter efetuado o respectivo pagamento, em atenção à teoria ‘ultra vires’. Cártula declarada inexigível. Banco que deverá restituir à autora a quantia ali prevista, acrescida de correção monetária desde a data 33 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 1238405820118260100, Rel. Desembargador VIRGÍLIO DE OLIVEIRA JUNIOR, 21ª CÂMARA, julgado em 14/10/2013. DJ 17/10/2013. 31 do débito e de juros de mora desde a citação, nos termos do art. 405 do CC. Sucumbência recíproca. Cada parte arcará com as respectivas custas e honorários advocatícios. Sentença parcialmente reformada. Recurso provido em parte. (grifos nossos) Deste modo, os julgados acima apresentados se mostram bastante representativos, demonstrando situação certamente recorrente no ambiente empresarial do país, em especial nas pequenas e médias empresas, onde há a confusão e extrapolação dos limites de poder do administrador em grande parte das vezes em benefício próprio, sem que sejam avaliadas as consequências dos seus atos. Neste interim, majoritariamente tem-se dado prioridade à preservação dos interesses empresariais ante o anseio que permeia a relação contratual firmada sem poderes do administrador para tanto, lógica e principalmente tratando-se de situações em que o objeto do contrato diverge completamente da atividade da empresa. Importante ressaltar que tal fato decorre da necessidade de que o ato praticado tenha de ser evidentemente estranho à atividade da empresa para que seja considerado ultra vires, conforme o próprio artigo 1.015 do Código Civil brasileiro é claramente expresso: Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade (grifos nossos) Portanto, de maneira geral, nos casos em que o ato praticado diverge por completo de qualquer conceito do homem médio acerca da atividade empresarial, os direitos dos credores não se tornam passíveis de proteção sob o escudo da Teoria Ultra Vires Societatis, vez que 32 neste momento, tanto doutrina quanto jurisprudência valoram a boa-fé e a teoria da aparência, bem como a aplicação do inciso III do artigo 1.015 do CC/02 de maneira integral34: Ementa: AÇÃO MONITÓRIA Cheque Alegação de que o negócio jurídico pago com as cártulas extrapola o objeto social da empresa sacadora Ocorrência Aplicação da ultra vires doctrine, prevista no art. 1.015, parágrafo único, III do CC A sociedade limitada sacadora do título tem como objeto social o comércio de combustíveis, enquanto que a beneficiada dedica-se à prestação de serviços médicos e cirúrgicos O próprio sócio emitente do título de crédito confirma que o cheque foi utilizado para pagamento de cirurgia estética de sua ex-esposa Não havendo como conceber que o negócio jurídico contraído com a clínica tenha sido em favor do posto de gasolina, é de rigor a aplicação da teoria ultra vires societatis prevista no art. 1.015, § único, III do CC para afastar a responsabilidade da apelante no pagamento do débito representado pelos títulos, devendo a credora se voltar unicamente contra o sócio que as emitiu em patente irregularidade, único responsável pelo pagamento Precedentes do C. STJ Recurso provido para acolher os embargos monitórios e julgar extinta a ação monitória, com fulcro nos arts. 267, VI do CPC e 1.015, parágrafo único, III do CC e, nos termos do art. 317 do CPC, julgar procedente a reconvenção, para declarar a inexistência de relação jurídica obrigacional entre as partes. (grifos nossos) Certamente, o referido instituto não é tratado de maneira inerte e imutável, cabendo sim, situações em que sua relativização é aplicada pelos Tribunais em nome da Justiça e da segurança jurídica em si, a depender do caso concreto conforme já bem exposto. Tal relativização é sempre acompanhada de embasamento jurídico sólido, optando-se pela convergência da Teoria Ultra Vires Societatis com os princípios gerais da boa fé contratual, razoabilidade, proporcionalidade e a Teoria da Aparência. Neste sentido, a melhor jurisprudência pátria corrobora35: APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. REJEITADA. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. MÉRITO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA EXECUTADA EM RAZÃO DA NULIDADE DE AVAL PRESTADO POR SEUS SÓCIOS, SOB ALEGAÇÃO DE FALTA DE PODERES PARA REPRESENTAR A SOCIEDADE E DE VIOLAÇÃO AO CONTRATO SOCIAL. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. I. Não há que se alegar ausência de dialeticidade se a Apelante combateu exaustivamente ambos os fundamentos adotados na Sentença recorrida para julgar procedente a pretensão autoral. Preliminar 34 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 150449820098260566, Rel. Desembargador PEDRO ABLAS, 14ª CÂMARA, julgado em 19/09/2012. DJ 04/10/2012. 35 BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Apelação 048010010394, Rel. Desembargador CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, 3ª CÂMARA, julgado em 18/06/2007. DJ 09/07/2007. 33 rejeitada. II. Descabe a interposição de Agravo retido em processos de execução. Além disso, tal recurso, mesmo que cabível, não poderia ser conhecido em sede de apelação interposta de sentença proferida em ação de embargos à execução, pois trata-se de processos distintos. III. Utilizando uma das funções do princípio da boa-fé objetiva, que é a hermenêutico-integrativa, deve-se interpretar a Cláusula 4.ª do contrato de compra e venda das cotas sociais da Apelada, dando-lhe o entendimento de que a expressão ¿assumir a diretoria significa tomar posse da sede da Apelada ou adentrar-lhe o espaço físico, interpretação esta que se coaduna perfeitamente à vontade das partes manifestada no ato da contratação, mesmo porque soa muito estranha a tese de que os sócios da Apelada compraram 99,97% de seu capital social, mas somente poderiam assumir sua condição de sócio apenas dois dias após, o que joga por terra a comutatividade e a autonomia de vontade que deveriam imperar no contrato. IV. Como não há interesse de terceiros prejudicados, a alegação pela empresa Apelante de que seu contrato social não permite que se pudesse prestar aval em negócio estranho a seus interesses (teoria dos atos ultra vires) não deve ser acolhida, até porque os interesses da sociedade, no presente caso, confundem-se com os de seus sócios, que, na verdade, se utilizam do manto da pessoa jurídica para violar o contrato que firmaram e para garantir a sua inadimplência. V. Recurso provido. (grifos nossos) O mesmo entendimento é adotado pela Décima Sétima Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul36: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ARRAS RECEBIDAS POR SÓCIO DA EMPRESA DEMANDADA SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Uma vez demonstrado nos autos o recebimento das arras por sócio da empresa demandada quando da celebração de contrato de promessa de compra e venda posteriormente descumprido, fato sequer negado pela requerida, a mera circunstância de o firmatário não gozar de poderes de administrador não inviabiliza a pretensão de devolução dos valores adiantados pela autora como sinal. A adoção expressa pelo direito brasileiro da Ultra Vires Douctrine no art. 1.015 do Código Civil de 2002 deve ser temperada pela aplicação da Teoria da Aparência e o princípio da boa-fé quando demonstrado que o sócio sem poderes de administração transacionava com terceiros, em nome da sociedade, aparentando ostentar poderes de representação da pessoa jurídica. Procedência do pedido de cobrança. Precedentes desta Corte e do STJ. APELO DESPROVIDO. (grifos nossos) Especificamente no caso apresentado, os desembargadores de forma alguma afastaram da Teoria Ultra Vires uma aplicação em consonância com a Teoria da Aparência, bem como o princípio da boa-fé. Portanto, não suportaram a ideia de simplesmente aplicar a Teoria Ultra Vires sem levar em conta as condições nas quais o ato foi praticado, ou seja, se havia a aparência clara de este ser um ato possível e permitido ao administrado naquele momento. 36 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70035842152, Rel. Desembargador LIEGE PURICELLI PIRES, 17ª CÂMARA, julgado em 16/12/2010. DJ: 14/01/2011. 34 Da mesma forma, entende a Décima Nona Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo37: Ementa: MONITORIA - Cheque prescrito - Alegação de assinatura irregular por sócia da pessoa jurídica emitente - Prática de atos ultra vires societatis Improcedência - Aplicabilidade da teoria da aparência - Conluio entre terceiro e o administrador social não comprovado ? Responsabilidade da empresa pelos atos praticados sob a aparência de regularidade na gestão dos negócios - Embargos improcedentes - Recurso improvido (grifos nossos) Em consonância com este pensamento, é que fora aprovado o Enunciado 11 da I Jornada de Direito Comercial, que corrobora o que a doutrina e jurisprudência já vira preconizando como seu entendimento majoritário, no seguinte sentido38: A regra do art. 1015, parágrafo único, do Código Civil deve ser aplicada à luz da teoria da aparência e do primado da boa-fé objetiva, de modo a prestigiar a segurança do tráfego negocial. As sociedades de obrigam perante terceiros de boa-fé. Dentro o enunciado, finalmente, encontramos a importante ressalva de que a sociedade obriga-se perante terceiros de boa-fé, e que o artigo 1.015 do CC/02 deve ser aplicado sempre levando em consideração o princípio da teoria da aparência como a melhor maneira de se avaliar, em casa caso concreto, a possibilidade de afastamento da responsabilidade da pessoa jurídica pelo ato praticado por seu representante legal. 37 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 965207500, Rel. Desembargador RICARDO NEGRÃO, 19ª CÂMARA, julgado em 31/01/2006. DJ 22/02/2006. 38 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 1032. 35 4 CONCLUSÃO Tem-se, portanto, no ordenamento jurídico brasileiro, a adoção da Teoria Ultra Vires a partir da vigência do Código Civil de 2002, que trouxe de maneira expressa o art. 1.015, claramente baseado na Teoria Ultra Vires de raiz inglesa, cuja origem é datada ainda no século XIX, vindo a ser aperfeiçoada no decorrer do século XX. Diante da regra geral contida no caput do artigo 1.011 do Novo Código Civil Brasileiro, que observa a necessidade de condução dos negócios com cuidado e diligência por parte dos administradores das sociedades limitadas, a responsabilidade assumida por eles em nome da sociedade não se estende em regra à suas pessoas físicas. Entretanto, desde que não observados tais deveres, sendo o ato praticado em discordância com o objeto social da empresa, conforme bem traz o inciso III do artigo 1.015 do CC/02, tem-se aí o campo para a aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis. De aplicação notadamente conhecida por grande parte da doutrina e jurisprudência brasileiras como bem apresentado no estudo, a Teoria Ultra Vires Societatis traz à tona a anulabilidade dos atos praticados em consonância com as irregularidades mencionadas, bem como eventual responsabilização do administrador por sua prática. 36 No entanto, de tamanha importância também são os princípios que regem a correta aplicação da Teoria Ultra Vires, que tem sua relativização trazida à tona pela Teoria da Aparência, bem como a boa-fé objetiva, para que haja segurança jurídica nas relações contratuais. Assim, é através deste equilíbrio, entre os deveres do administrador para com a empresa, a necessidade de segurança jurídica nas relações contratuais envolvendo as sociedades limitadas e seus credores, a prática de atos notadamente estranhos ao objeto social da empresa por seus administradores, e a boa-fé envolvida nas relações, que jurisprudência e doutrina permitem em casos específicos que a obrigação assumida pela pessoa jurídica, no caso, a sociedade limitada, seja efetivamente desconsiderada, responsabilizando-se neste caso, o administrador pela obrigação adquirida perante a outra parte contratante, aplicando-se, portanto, a Teoria Ultra Vires Societatis conforme seu entendimento contemporâneo no Direito Brasileiro e protegendo, assim, eventuais desvios e prejuízos que possam ser causados pelos administradores quando estes atuam com dolo ou culpa perante a sociedade que administram. 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedades Comerciais. 14. ed. 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Disponível em: 38 http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=107449 7&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação 857026300, Rel. Desembargadora HELENA CANDIDA LISBOA GAEDE, 18ª CÂMARA, julgado em 25/11/2013. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201300184039 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70039371752, Rel. Desembargador ORLANDO HEEMANN JÚNIOR, 12ª CÂMARA, julgado em 27/10/2011. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70039371752&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribu nal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3 %25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao %3Anull%29&requiredfields=&as_q= BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70049761273, Rel. Desembargador ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS, 15ª CÂMARA, julgado em 05/12/2012. 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