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Integrando a tele‐assistência para a gestão de doenças crônicas na comunidade: O que precisa ser feito? Integrating telecare for chronic disease management in the community: What needs to be done? www.biomedcentral.com Carl R. May, Tracy L. Finch, James Cornford, Catherine Exley, Claire Gately, Sue Kirk, K. Neil Jenkings, Janice Osbourne, A. Louise Robinson, Anne Rogers, Robert Wilson e Frances S. Mair Sumário Histórico: A tele‐assistência tornaria muito mais fácil a gestão das doenças crônicas na comunidade. Ainda assim, sua implementação tem sido limitada. Este estudo pretendeu identificar os fatores que inibem a implementação e a integração de sistemas de tele‐
assistência para a gestão de doenças crônicas na comunidade. Métodos: Estudo qualitativo de grande escala usando técnicas qualitativas de coleta de dados qualitativos: entrevistas semi‐estruturadas com informantes, grupos de trabalho e oficinas; análise dos dados qualitativos guiados pela Teoria de Processo de Normalização (Normalization Process Theory). Colhido a partir de serviços de tele‐assistência em comunidades e lares da Inglaterra e da Escócia. Foram incluídos 221 participantes, entre profissionais e gestores de saúde; pacientes e cuidadores; profissionais e gestores de assistência social; e prestadores de serviços e fabricantes. Resultados: Os entraves encontrados à integração da tele‐assistência são a incerteza quanto a modelos coerentes e sustentáveis de serviços e negócios; a falta de coordenação através das fronteiras entre cuidados sociais e primários; a falta de incentivos financeiros ou outros à inclusão da tele‐assistência entre os cuidados primários; a falta de continuidade entre os serviços oferecidos anteriormente e os auto‐cuidados dos próprios pacientes; e a incerteza geral quanto à adequação dos sistemas de tele‐assistência. Esses problemas levaram à falta de integração entre políticas e práticas. Conclusão: Os serviços de tele‐assistência podem ser uma forma segura e de boa relação custo‐benefício para oferecer cuidados a pessoas que vivem com doenças crônicas. A desigualdade e a lentidão na implementação resultam de uma compreensão ainda incompleta sobre o papel dos sistemas de tele‐assistência, e de incertezas quanto à melhor forma de desenvolver, coordenar e manter os serviços que auxiliam na gestão de doenças crônicas. Portanto, intervenções são necessárias para (i) reduzir a incerteza sobre o domínio dos processos de implementação e conectar agências de saúde e de assistência social; e para (ii) garantir modelos de cuidados centrados no usuário e não no prestador de serviços. 1
Histórico Desde o início da década de 1990, os sistemas de tele‐assistência – tecnologias de informação e comunicação que ligam as pessoas (geralmente em casa) a serviços de saúde e assistência social – têm sido oferecidos como solução tecnológica aos problemas de equidade e de acesso a cuidados, e como uma forma de apoiar os auto‐cuidados na comunidade. Os sistemas de tele‐assistência são atraentes para as agências de saúde e bem‐estar, porque permitem que as pessoas com doenças de longo prazo sejam monitoradas remotamente, ou que monitorem a si mesmas, em casa. Esses sistemas estão focados na prestação de bons serviços para doentes crônicos. Análises sistemáticas revelam que os sistemas de tele‐assistência podem ser eficientemente usados para este trabalho. Um importante objetivo destes sistemas tem sido o monitoramento remoto de sintomas, para a advertência precoce de eventos agravantes ou deterioração, e para evitar o ingresso em hospitais. No mesmo período, sistemas genéricos visando a segurança de pessoas idosas e frágeis também têm sido oferecidos como resposta à crescente demandas dessas pessoas sobre os serviços de saúde e de assistência social, e como uma forma de controlar os custos desses serviços. Os sistemas foram incorporadas a políticas na Grã‐Bretanha como forma de reunir o auto‐cuidado, o acompanhamento de sintomas e a assistência social. Há evidências de que os sistemas de tele‐assistência são eficazes para dar apoio aos idosos em casa; para evitar ou adiar o início de cuidados domésticos; e para monitorar condições para a prevenção secundária – mas as evidências não são inequívocas e sua interpretação é influenciada por muitos fatores. Além disso, ainda precisamos compreender como esses sistemas reconfiguram práticas e relacionamentos preexistentes. Ainda restam dúvidas também sobre como traduzir os resultados experimentais em práticas. As pesquisas anteriores se basearam principalmente em estudos em pequena escala e na perspectiva dos médicos. Análises robustas nos explicaram a organização e a oferta de serviços de tele‐medicina em cenários clínicos especializados. A partir delas, conhecemos os papéis que cada fator específico desempenha na implementação de serviços de tele‐medicina em escala relativamente pequena – mas sabemos pouco sobre a implementação de serviços de tele‐
assistência em grande escala, por múltiplas agências. O objetivo deste estudo foi, portanto, explorar a tele‐assistência como ferramenta de gestão de doenças crônicas na interseção de serviços de saúde e assistência social com os pacientes. A implementação da tele‐assistência tem sido lenta e desigual. Nossa meta, nesse estudo, foi identificar os fatores que afetam a incorporação rotineira da tele‐assistência à prática cotidiana, e explorar as formas como essas práticas promoveram ou inibiram a implementação e integração desses sistemas. Além disso, queríamos empregar métodos qualitativos para investigar a política e a prática a partir de uma perspectiva de “sistema integrado” – para compreender por que as tentativas de implementar a tele‐assistência não a levaram a se tornar parte da gestão de doenças crônicas na comunidade. O estudo teve dois objetivos. Primeiro, procuramos identificar, descrever e compreender os fatores que promovem ou inibem a implementação de sistemas de tele‐assistência para a gestão de doenças crônicas na comunidade, com relação a quatro protagonistas: pacientes e cuidadores; gestores e profissionais de saúde; e fabricantes e prestadores de sistemas de tele‐
assistência. Segundo, procuramos identificar um conjunto de princípios que poderia ser usado para guiar a política e a prática da implementação da tele‐assistência no contexto de uma abordagem de “sistema integrado” – isto é, através das fronteiras dos setores privado, público e doméstico. Métodos O objetivo desse estudo foi compreender a dinâmica geral da implementação e integração de serviços através de uma gama de cenários, e desenvolver princípios para guiar as intervenções em políticas. 2
Amostragem e Recrutamento Como base do estudo, fizemos entrevistas com participantes que nos ofereceram uma visão estratégica dos problemas relacionados à implementação e ao contexto das políticas referentes à tele‐assistência. Embora nossa intenção não tenha sido investigar serviços específicos, buscamos recrutar participantes que possuíssem experiência operacional em processos de implementação e integração de tele‐assistência. Identificamos uma amostra com a variação máxima de nove serviços de tele‐assistência na Inglaterra e na Escócia, e a partir deles recrutamos os participantes. A variação foi de acordo com: o prestador dos serviços; o tipo dos serviços; e o histórico dos serviços. Para recrutar um grupo de trabalho e oficinas, fizemos uma amostragem de profissionais de cuidados primários e de assistência social associados a cada um dos lugares. Em seguida, fizemos uma amostragem a partir de suas redes sociais e recomendações, para obter uma gama de experiências de diferentes serviços. Estas referências em cadeia, ou estratégia de amostragem “bola‐de‐neve”, levaram ao recrutamento de novos participantes. Colocamos 31 cuidadores e pacientes no estudo. A maioria dos participantes eram pessoas mais velhas com múltiplas e crônicas comorbidades – e todos estavam em péssimo estado de saúde. Outro complicador no recrutamento de usuários de serviços foi o fato de muitos estarem envolvidos em pesquisas de outras universidades. Nossa amostragem é composta por pessoas que estavam usando sistemas para monitorar sintomas na comunidade. Coleta de dados Entrevistas individuais foram realizadas com profissionais de saúde e assistência social, pacientes, e fabricantes e prestadores de serviços. Em cada caso, os participantes foram abordados por email ou telefone; receberam um folheto informativo sobre o estudo; e consentiram antes da entrevista. Entrevistas individuais foram realizadas com usuários, que também consentiram antes de serem abordados por um pesquisador de campo. As entrevistas duraram entre 45 minutos e duas horas. Um cronograma guiou as entrevistas, que eram gravadas e depois transcritas na íntegra. Usamos grupos de trabalho como uma oportunidade de os participantes trabalharem juntos na discussão e criação de princípios que guiassem possíveis políticas. Nesses grupos, os participantes foram estimulados a pensarem além dos limites de suas profissões. Não foi fácil atrair representantes de fabricantes e prestadores de serviços para grupos pequenos e focados, mas conseguimos realizar duas oficinas bastante representativas, nas quais os participantes formaram grupos menores para construir conjuntos de princípios. Gravamos, observamos e fotografamos as discussões em grupo. Análise de dados Os dados qualitativos coletados em entrevistas e grupos de trabalho vieram de transcrições e anotações. Os dados foram analisados por pesquisadores de campo usando técnicas de codificação temática – e então resumidos e apresentados em relatórios para toda a equipe de pesquisa, que analisou os resultados analíticos em reuniões também gravadas e transcritas. Os dados – ou 86 princípios de ação – gerados nas oficinas e entrevistas foram reduzidos a 75 princípios sujeitos à análise integrativa, e guiados pela Teoria de Processo de Normalização. Isso nos revelou os fatores específicos que promovem ou inibem a implementação e a integração de sistemas de tele‐assistência para a gestão de doenças crônicas na comunidade, e os relacionamos a mecanismos subjacentes. Completada essa análise qualitativa integrativa, realizamos um procedimento de modelagem no qual apresentamos estes fatores como “núcleos” em uma rede de eventos que poderiam ser mapeados uns em relação aos outros (Figura 1). A ideia foi caracterizar os processos organizacionais em funcionamento quanto às suas contingências e consequências. 3
Resultados Se a tele‐assistência é de fato a resposta para dar apoio aos doentes crônicas na comunidade, então o que precisa ser feito para integrá‐la a mecanismos organizacionais e profissionais que já existem para tal? Nosso estudo revelou que ciclos de incerteza atravessam os processos de implementação e inibem a integração de novas formas de oferecer cuidados. Na Figura 1 apresentamos um modelo com os dados analisados; ele revela como as incertezas vêm de problemas de coerência e participação, seguindo os enredos dos relatos dos participantes. Em cada enredo há uma série de núcleos que identificam um fator inibidor à normalização dos sistemas de tele‐assistência na prática. O modelo, portanto, define os relacionamentos cumulativos entre os fatores que inibem a incorporação de novas tecnologias e suas formas associadas de trabalhar na prática, e assim reduzem o escopo de integração na oferta cotidiana de serviços. Eis os enredos: Figura 1 A incerteza atravessa continuamente os domínios da tele‐assistência. (a4) O consentimento e o compromisso são difíceis de negociar. (b1) A aplicação de novos sistemas é raramente negociada com os usuários dos serviços. (b2) A redefinição de tarefas é resistida através das fronteiras. (b3) Os novos sistemas podem não ter adaptabilidade e flexibilidade cotidianas. (a3) Os defensores não conseguem superar a inércia interorganizacional. (a2) Os compromissos compartilhados são inibidos por modelos de alocação de recursos. (a1) As políticas não reúnem os prestadores de serviços. As tentativas de implementar a tele‐assistência em agências de saúde e assistência social são inibidas por problemas de coerência e participação. (c1) Incerteza quanto à adequação de novos sistemas. (d4) Agendas compartilhadas para ordenar serviços são difíceis de sustentar. (d3) A coordenação de infra‐estrutura e padrões é um problema. (d2) A complexidade na tomada de decisões e no financiamento sustentável inibe o progresso. (d1) Incerteza quanto ao domínio e a direção de modelos de negócios e serviços. 4
(c2) “A evidência” não é o suficiente. (e2) A coleta e distribuição de guiação são muitas vezes ad hoc. (e1) O controle de sistemas em uso está em debate. (c4) Narrativas são necessárias para convencer as pessoas a mudarem. (c3) “A evidência” precisa ser do tipo certo. Enredos a‐b: As políticas não reúnem os prestadores de serviços locais Encontramos evidências de problemas de continuidade através das fronteiras das agências de saúde e assistência social; prestadores de serviços e profissionais de saúde enfatizaram que os gerentes e profissionais de cuidados primários eram muitas vezes indiferentes ou hostis à implementação de sistemas de tele‐assistência. Em todos os nossos grupos de protagonistas, havia perspectivas variadas quanto ao papel da política e de seu efeito facilitador (ou proibitivo) na integração da tele‐assistência através das fronteiras (núcleo a1). Do ponto de vista do prestador, o papel do governo em geral, e do Departamento de Saúde da Grã‐Bretanha em particular, estava em disputa. Para alguns, o governo havia “feito muito para desenvolver o mercado de tele‐assistência”; outros diziam o contrário. Para muitos, o apoio governamental à tele‐assistência não era coerente nem coordenado; além disso, faltava liderança. Sugeriu‐se no grupo que houvesse um “czar da tele‐assistência”, encarregado de insistir que ela fosse adotada e levada adiante. Entre os profissionais de saúde, muitos afirmaram que a política só é útil quando torna a tele‐
assistência obrigatória: “Acho que, infelizmente, tem de haver algum arcabouço ou processo legislativo que force os conselhos de saúde e os gestores de fundos a levar isso a sério, a colocar dinheiro nisso.” Alguns profissionais de saúde acreditavam, no entanto, que, se fosse eficiente, o serviço seria adotado de qualquer forma. Para outros, a tradução da política em diretrizes oficiais de implementação de tele‐assistência facilitaria a sua entrada no mainstream da saúde (núcleo a1): “Precisamos de algum tipo de estratégia nacional para a tele‐assistência.” Quando perguntados sobre o papel de uma política de tele‐assistência em relação a iniciativas específicas de saúde, alguns profissionais de saúde disseram que conectar uma política de tele‐assistência a serviços facilitaria a integração; outros afirmaram que o trabalho “interligado” com o serviço público poderia trazer problemas (núcleo a2), como: “Acho que [integrar a tele‐assistência] poderia parecer um apoio [à gestão das doenças crônicas], mas acho também que poderia ter um efeito adverso. Muitas vezes não comunicamos bem aos clínicos gerais as metas que foram acertadas com os pacientes.” Problemas decorrentes da falta de diretrizes de políticas para a tele‐assistência levavam à dificuldade de manter agendas compartilhadas através dos setores, como resultado de modelos incompatíveis de alocação de recursos (núcleo a2). No grupo dos prestadores de 5
serviços, os participantes observaram que muitas empresas de equipamentos para a tele‐
assistência e a tele‐saúde são PMEs, que enfrentam problemas de fluxo de caixa: “... a maioria das empresas envolvidas são PMEs com fluxo de caixa muito pequeno. Os executivos sempre dizem que, quando acordam de manhã, não sabem se ainda terão seus negócios à noite.” Enredos d‐b: O domínio e a direção de modelos de negócios e serviços são incertos Os participantes descreveram as formas como a incerteza quanto à liderança, ao domínio e à responsabilidade atrapalham o campo da tele‐assistência. Detalharam também a forma como a incerteza quanto à liderança retarda as políticas coordenadas para serviços, e revelaram que a incerteza quanto ao domínio e às responsabilidades dificulta a definição de modelos de negócios e serviços apropriados. Do ponto de vista dos prestadores, uma questão central é a falta de integração da saúde e da assistência social (núcleo d1), muitas vezes resultando em dois mercados separados com diferentes regras e leis, conhecimentos profissionais, critérios de avaliação, expectativas técnicas, modelos de financiamento e culturas. Às vezes não estava claro quem era o cliente institucional da tele‐assistência: o que pagou ou o que recebeu o benefício? Outra questão era a falta de profissionais com conhecimentos de saúde e assistência social – algo visto como confuso pelo paciente/consumidor: “[...] no fim, há um pouco de confusão quanto ao usuário final, o que você tem de pagar, o que você pode receber e o que pode ser fornecido de forma privada.” Outro problema decorrente das incertezas quanto ao domínio e à responsabilidade era a falta de financiamento sustentável (núcleo d2). Os profissionais de saúde reiteraram esta preocupação, já que a maioria dos serviços de tele‐assistência eram resultado direto de iniciativas específicas de financiamento. O financiamento era visto como uma necessidade, mas não o fator mais importante. Questões relativas ao financiamento – e, em particular, de processos de comissionamento através de vários setores – foram expressas pelos prestadores (núcleos d3, d4 ‐ a3), para quem trabalhar com o sistema nacional de saúde trazia outro conjunto de problemas. Muitos expressaram a necessidade de envolver os cuidados primários e os clínicos gerais na tele‐
assistência. Os profissionais de saúde também mencionaram problemas de continuidade, e a dificuldade de estabelecer e manter agendas compartilhadas através das fronteiras, mas enfatizaram a necessidade de desenvolver sistemas técnicos apropriados às exigências do serviço (núcleos d2‐e1 e e2‐d4). Ao passo que alguns tinham um bom relacionamento com seus prestadores, muitos profissionais sentiam que a falta de comunicação era um entrave à implementação da tele‐assistência: precisava haver diálogo entre os profissionais de saúde, os prestadores e os fabricantes, para que a tecnologia fornecida atendesse às exigências dos profissionais. Esses problemas refletem a incerteza geral dos profissionais de saúde quanto ao mercado prestador, já que alguns participantes sentiam que o mercado de produtos é pequeno e que, muitas vezes, diferentes empresas vendem a mesma coisa. Além disso, alguns expressaram preocupação quanto à possibilidade de certos prestadores estarem financiando a pesquisa. Muitos profissionais de saúde se sentiam inseguros quanto às tecnologias disponíveis e sobre 6
o que deveria influenciar a escolha de uma determinada tecnologia; também não tinham certeza de quem era o prestador certo para fornecê‐la. “Precisamos ter uma ideia das empresas disponíveis. Precisamos de apoio e orientação para acessar estas empresas e conseguir a informação necessária.” Os profissionais de saúde revelaram que o problema das agendas compartilhadas para realizar serviços (núcleo d4) era tão comum no setor quanto fora dele. Todos concordaram que o trabalho de equipe é necessário à integração e à implementação da tele‐assistência, tanto com equipes internas quanto com equipes externas: “Você precisa de suporte apropriado; e você precisa que o restante da equipe multidisciplinar saiba que essa é a natureza da consulta. Às vezes acho que a informação obtida a partir do serviço de tele‐assistência é limitada se comparada à que vem da consulta cara a cara.” Para alguns, a falta de diálogo entre as equipes de cuidados primários e secundários leva a dificuldades na passagem destes últimos para os primeiros, assim atrapalhando o progresso da tele‐assistência. Fabricantes e prestadores de sistemas estavam ansiosos quanto à estrutura do mercado em si, e enfatizaram que aos serviços de saúde e assistência social muitas vezes faltavam modelos claros de negócios e serviços para sustentar a tele‐assistência na prática. Enredos b‐c: Novos sistemas raramente são negociados com os usuários dos serviços Os participantes de todos os grupos (exceto o dos próprios usuários) enfatizaram a necessidade de ligar a política centrada nos serviços à prática centrada nos usuários. Os profissionais de saúde também enfatizaram que havia um descompasso entre os sistemas de tele‐assistência e as características de pacientes individuais (núcleos a4 e b1). “Alguns pacientes se sentem bem como a tecnologia; outros, não. Alguns preferem a interação humana. Alguns se sentem bem com a responsabilidade e a autonomia; outros, não.” Os profissionais de saúde enfatizaram a importância de combinar pacientes individuais com o uso de sistemas de tele‐assistência específicos (núcleo b‐3). Muitos sentiam que a integração e a implementação seriam mais fáceis se os profissionais tivessem a oportunidade de selecionar e traçar serviços especificamente direcionados ao contexto e às metas locais. Além disso, alguns sugeriram que os pacientes deveriam ter a liberdade de escolher a tecnologia de acordo com suas necessidades. Apesar de termos encontrado muitas formas diferentes de pensar as implicações dos sistemas de tele‐assistência na prática – e de todos sentirem a necessidade de atender adequadamente os usuários –, vimos poucas evidências de que se tentou consultar e incluir pacientes e cuidadores neste processo (núcleo b1‐b3). Os usuários aprendiam a lidar com seus equipamentos por tentativa e erro. Mas as entrevistas com usuários indicaram que, em geral, não havia muita liberdade para o usuário individualizar o sistema e assim adequá‐lo às suas necessidades. Ao contrário: o equipamento forçava o usuário a adaptar‐se a ele. É importante ressaltar que a falta de comunicação com os usuários muitas vezes levou profissionais de saúde e assistência social a subestimarem o grau com que os pacientes e cuidadores já estavam envolvidos nos auto‐cuidados, e sua conseqüente carga de trabalho. 7
Assim, o nível de redefinição de tarefas através de fronteiras (núcleo b‐2) nem sempre era tão grande quanto os profissionais presumiam. Antes de participar de um serviço de tele‐
assistência, a maioria dos participantes já gerenciava sua condição seguindo uma abordagem biomédica tradicional, de medicação e auto‐vigilância. Assim, a tele‐assistência era um upgrade do que já estavam fazendo; para a maioria, o sistema de tele‐assistência oferecia segurança, mas não significava nenhuma mudança importante: “...dá uma sensação de segurança saber que há mais alguém vigiando...” Havia também incerteza quanto à finalidade – em termos de benefícios à saúde – de reunir o tipo de informação exigido pelos sistemas de tele‐assistência: “É tudo tão básico – são coisas que o seu médico já sabe.” Para a maioria dos usuários entrevistados, porém, essa aparente falta de sentido não era importante: o que importava mesmo é que estavam se empenhando em fazer o que os prestadores de cuidados de saúde pediam. Assim, esses usuários sentiam que tinham acesso legítimo (e rápido) aos cuidados profissionais. Enredos c‐e: A incerteza sobre a adequação de novos sistemas mina a confiança do usuário Os participantes desse estudo disseram que era urgente haver evidências para convencer os tomadores de decisão de que a tele‐assistência é uma alternativa viável. A falta de evidências nacionais foi citada por membros de todos os grupos profissionais para explicar por que a tele‐
assistência ainda não havia se tornado parte do mainstream da saúde (núcleos c‐2 e c‐3): “Tem de haver alguma prova de que intervir dessa forma faz realmente diferença.” Outros disseram que as evidências dos benefícios da tele‐assistência não eram suficientes para influenciar os profissionais – e que, portanto, essas evidências tinham de ser significativas. “O mais importante é o seguinte: a tele‐assistência tem de oferecer benefícios reais.” Os prestadores disseram que os diferentes tipos de evidências eram importantes (núcleos c1‐c4). Reiteraram que eram necessárias “histórias de sucesso” para convencer as pessoas de que vale a pena investir tempo e esforço em fazer a tele‐assistência “funcionar”. Para todos os grupos, os “defensores” ainda eram vistos como os agentes mais importantes da persuasão pró‐ tele‐assistência. Os prestadores e os profissionais de assistência social estavam menos impressionados pelas evidências colhidas a partir de estudos acadêmicos em grande escala, mas os profissionais de saúde argumentavam que eles eram necessários para demonstrar a segurança e a eficiência dos serviços de tele‐assistência. Nesta fase, os profissionais de assistência social e os prestadores de serviços buscaram mecanismos para reunir dados sobre os serviços na prática – para assim defender o uso da tele‐assistência em suas organizações, ao invés de no nível da política. Tinham como meta reunir afirmações concretas sobre a utilidade e o bom custo‐
benefício dos sistemas de tele‐assistência como serviços de mainstream, e assim possibilitar comparações com outras formas de oferta de serviços. Discussão e conclusão Este estudo revelou os principais obstáculos à implementação e à integração dos sistemas de 8
tele‐assistência para a gestão de doenças crônicas, dentro dos padrões existentes de oferta de saúde e assistência social para a comunidade. Pelo uso da abordagem “sistema integrado”, revelamos que, no nível da elaboração e da oferta de serviços, falta coerência às conexões organizacionais entre a política e a prática. Fabricantes e prestadores de serviços lutavam com incertezas sobre quem, na prática, era o responsável por implementar a tele‐assistência. Pacientes e usuários usavam a tele‐assistência de formas diferentes daquelas imaginadas por seus prestadores de serviços de saúde. Neste estudo, vários grupos de protagonistas descreveram problemas de diretrizes de política ambíguas ou incompatíveis em relação à prestação de serviços de tele‐assistência – sugerindo que fortalecer as conexões entre a política e a prática poderia facilitar a sua integração. Quanto às suas próprias organizações, os participantes enfatizaram o importante papel dos “defensores” na garantia de prontidão e na organização e gerenciamento da mudança, dessa forma colocando a atenção na liderança individual para superar a inércia intra‐organizacional. Coletivamente, nossos dados sugerem que, apesar de os “defensores” serem importantes facilitadores, a manutenção de estruturas para apoiar a oferta contínua de tele‐assistência requer muito mais. A falta de uma visão organizacional compartilhada – resultado da falta também de uma política coerente – leva os diferentes grupos profissionais a se verem como entraves, e não facilitadores, de qualquer mudança. Uma abordagem “sistema integrado” da tele‐assistência para a gestão de doenças crônicas também requer que se aborde a incerteza sobre o domínio e a direção de modelos de negócios e serviços. Em nosso estudo, os fabricantes e prestadores de tele‐assistência viram a falta de modelos de serviços sustentáveis como ameaça à sua indústria e à sua capacidade de oferecer sistemas ao setor público. Essas incertezas dificultam a operacionalização dos serviços na prática. Essa não é necessariamente uma questão de liderança de políticas, mas de acordos sobre responsabilidades locais. A questão da direção precisa ser respondida – e mecanismos para interligar as agências de saúde e de assistência social com os prestadores de serviços de tele‐assistência precisam ser negociados. A falta de comunicação com os usuários na configuração de novos sistemas ainda é um problema; trata‐se de um entrave à adoção e integração mais ampla de serviços de tele‐assistência. O trabalho de elaborar e introduzir novos sistemas precisa levar em conta as formas como os indivíduos gerenciam suas condições e se adaptam às suas doenças crônicas. Compreender o encaixe entre as rotinas cotidianas dos usuários e as tecnologias no lar é essencial ao entendimento e ao uso da tele‐assistência. Enquanto profissionais e prestadores de serviços buscavam a direção e os recursos da política, pacientes e cuidadores já estavam usando esses sistemas de formas inusitadas – e não necessariamente os consideravam tecnologias para o auto‐cuidado, mas sim formas de demonstrar cooperação para com os prestadores de serviços de saúde, e mecanismos para legitimar e justificar pedidos de cuidados personalizados, uma vez ultrapassados os limites do sistema de tele‐assistência. Ainda que não sejam a resposta à integração dos serviços de tele‐assistência ao mainstream, é importante compreender como a entrada de novos recursos afeta a vida do paciente e do profissional de cuidados primários ou de assistência social. Serviços que passam a ser oferecidos pelo mainstream podem aumentar a demanda e dificultar o atendimento de chamadas pelos profissionais de saúde, porque a informação clínica obtida por meio da auto‐
vigilância pode ser usada para legitimar pedidos de atenção de profissionais de saúde e de assistência social. 9
Este estudo é um avanço quanto a trabalhos anteriores. Primeiro, oferece uma análise ampla e comparativa sobre diferentes serviços e cenários, em uma área à qual faltam evidências sobre as condições necessárias à implementação e operacionalização de novas tecnologias em cenários multidisciplinares. Não examinamos aqui as questões de integração e implementação apenas no contexto dos prestadores específicos de serviços, mas exploramos e identificamos entraves e facilitadores à realização da tele‐assistência como um “sistema integrado” no qual o doméstico e outros contextos são configurados de formas diferentes na gestão de doenças crônicas. Isso é cada vez mais importante: maximizar a eficiência da tecnologia requer uma compreensão ainda maior sobre o que significa mudar os locais dos cuidados prestados. Em segundo lugar, ao focarmos na experiência organizacional mais ampla dos participantes, tiramos nossa atenção do modelo apenas médico de serviços prestados. A literatura sobre os limites interdisciplinares e as tecnologias da informação focou‐se na informática ao invés de na tele‐assistência – ou investigou apenas as interações entre grupos profissionais específicos (muitas vezes médicos e enfermeiros) ao invés de explorar o “sistema integrado” em funcionamento. Este estudo é também inovador ao revelar os fatores que atrapalham ou facilitam a integração da tele‐assistência por meio de uma pesquisa envolvendo todos os atores – fabricantes e prestadores de serviços, profissionais de saúde e de assistência social, gestores e usuários finais. Este trabalho fornece insights que vão além daqueles oferecidos por estudos que, por exemplo, buscaram apenas uma avaliação geral dos serviços de tele‐medicina ou tele‐
assistência a partir de um único indivíduo ou de análises sistemáticas de estudos primários, que não adotaram a perspectiva do “sistema integrado”. Ele ressaltou questões como a incerteza sobre o domínio e a direção de negócios e modelos de serviços como um problema importante que não foi abordado pela literatura anterior. Dá ainda mais peso ao argumento de que os experimentos de “prova de conceito” não acrescentaram muito à base evidencial de apoio à tele‐medicina e à tele‐assistência – e já argumentamos há algum tempo que é pouco provável que algum dia o façam. Ainda assim, este estudo tem várias limitações. Não investigamos em profundidade a operação de serviços específicos; ao contrário, os empregamos como veículos para fazer uma amostragem heterogênea de participantes. Isso superou um importante problema: alguns estudos anteriores encontraram dificuldades para recrutar participantes que estivessem de fato envolvidos em prestar serviços de tele‐medicina e tele‐assistência na prática. O financiamento e a logística nos impediram de realizar um trabalho etnográfico longitudinal, ou de examinar os resultados para os usuários dos serviços. Nossas entrevistas com estes últimos estavam focados nas pessoas usando serviços direcionados a gerenciar sintomas específicos e, mais uma vez, por razões logísticas, não exploramos as experiências de pessoas idosas que usavam serviços de segurança ou sensores de movimento. Entretanto, apesar de este ser um estudo de uma única fase, ele é inovador em questões importantes. Ao superar trabalhos anteriores – dominados por um modelo médico –, este estudo dá um importante passo adiante ao incluir, pela primeira vez, as perspectivas e experiências de pacientes e cuidadores, de gestores e profissionais de assistência social, de fabricantes e prestadores. Ele mostra como os que estão prestando, organizando e entregando os sistemas de tele‐assistência enfrentam múltiplos ciclos de incerteza. Este trabalho tem claras implicações à medida que sugere que intervenções são necessárias para reduzir as incertezas sobre o domínio dos processos de implementação e promover uma visão compartilhada. Houve poucas evidências, no nosso estudo, de um compromisso compartilhado ao desenvolvimento de serviços de tele‐
assistência através das fronteiras entre a saúde e a assistência social, e de compreensões compartilhadas sobre o papel potencial da tele‐assistência em diferentes grupos de usuários. Houve, no entanto, evidências de algum antagonismo e tensões através destas fronteiras. Assim, intervenções são necessárias para estabelecer práticas unidas por ideais 10
compartilhados e uma causa comum – assim melhorando os processos de implementação. Ademais, é necessário mudar para modelos centrados no usuário, que reconheçam que a implementação de sistemas de tele‐assistência se baseia tanto no trabalho dos pacientes quanto no de agências formais de saúde e assistência social. 11

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