Videolog número 328 by Felipe Schwab D`Alves Valente dos Santos

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Videolog número 328 by Felipe Schwab D`Alves Valente dos Santos
Videolog número 328
by Felipe Schwab D'Alves Valente dos Santos
É amanhã. Vinte e sete de Julho! Amanhã eu finalmente serei um herói.
Sei que você pode estar rindo agora, vendo este meu corpo esquálido no vídeo.
Sei também que não me achará bonito com este meu cabelo castanho bagunçado e meus
olhos verdes deformados por trás destes malditos óculos. Mas espere pra ver.
Depois de quatro longos anos, que pareceram demorar o triplo disso para passar,
meu trabalho finalmente foi reconhecido, e amanhã será a sua grande estréia. O dia em
que meu projeto mestre irá brilhar.
Pareço lunático? Ria o quanto quiser! Riram de mim também quando servi o
meu primeiro dia sob a bandeira da atual Supremacia. Lembro-me como se fosse ontem.
Aquela nave de transporte fedia. O cheiro de metal enferrujado se misturava ao
de sangue e suor. O chacoalhar era constante pelos ventos do deserto, e como se não
bastasse isso para me nausear, o contraste daquela piloto mascando chicletes
calmamente deixava tudo mais repugnante.
A nave estava lotada. Quase todos eram homens fortes, prontos pra guerra,
urrando de emoção, extasiados com toda aquela "diversão" na nave. Os únicos quietos
éramos eu e um rapaz com olhar distante, que permaneceu o voo todo imóvel em seu
canto, no lado oposto da nave.
É claro que eu chamava a atenção. Tanto pelo meu porte físico deplorável (que
não mudou muito dos meus 19 anos pra cá) quanto pela minha palidez nauseabunda.
Em pouco tempo de voo, Jack, o grandalhão sentado ao meu lado, e Mike, outro gigante
musculoso que sentava diretamente à minha frente se entreolharam e começaram a
gargalhar. Era óbvio que eu já sabia que era de mim que riam, e também já previa os
comentários que ouviria a seguir:
- E aí camaradinha! - Disse Jack dando um "soquinho" no meu ombro que quase
me desmontou. - Tá com medinho de voar rapaz?
Dei um sorriso amarelo. Provavelmente bem amarelo no meu estado. Tentei
impedir que minha mão que teimava em ir ao meu ombro atingido denunciasse a minha
dor, enquanto eu respondia:
- Não, cara. Eu só...
- Meu deus! - interrompeu-me Mike, com um ar de indignação - Você sabe onde
esta nave está indo? Tem certeza que está no lugar certo? Caramba, você só vai servir
pra virar comida de alienígena!
Eu não estava num bom estado de espírito pra explicar àquela criatura imbecil
que existiam duas raças de alienígenas e que os protoss sequer comiam. Também tinha
certeza que eles não saberiam entender o que significava ser um Astrofísico Nuclear
com mestrado em Matrizes Defensivas e doutorado em Estudo dos Pulsos
Eletromagnéticos. Disse então apenas:
- Primeiro: esta nave está indo ao quartel central de Arcturus Mengsk, onde
seremos redistribuídos aos centros de treinamento específicos para nossas aptidões.
Segundo: Sim, este é o meu lugar, conforme orientação do sargento que nos embarcou.
E terceiro: Não me amola.
Os dois se racharam de rir. Davam murros nas paredes metálicas da nave.
- Não entendi qual é a graça.
- Escuta aqui amiguinho - Disse Jack, desdenhoso - se você quer realmente ficar
vivo, acho melhor ser mais gentil comigo e com o meu amigo Mike aqui. Você vai
depender de nós pra poder sobreviver pilotando aquele trequinho ridículo em que vão
acabar te colocando. - fez gestos com as mãos como que segurando em duas alavancas,
enquanto fazia uma careta.
- Nossa, essa foi boa! - Ria Mike - Piloto de VCE! Hahaha! Nós precisamos de
mais minerais mesmo!
- E não é só isso - Continuou Jack, aproximando-se de mim para sussurrar - Eu e
o meu amigo somos muito piores que qualquer alien quando a história é destroçar
alguém. Se você realmente desejar, podemos poupá-los do trabalho e acabar com você
agora mesmo. Então, seja bonzinho.
Tentei deixar a minha expressão o mais séria e confiante possível, apesar de
minha náusea, dor, e medo:
- Dou uma semana pra vocês virarem excremento de zergnídeo. - Rebati, em
tom desafiador.
Jack fez cara de quem nunca havia ouvido falar de zergnídeos. Talvez nunca
tivesse ouvido falar em excremento também. Enquanto isso, Mike havia compreendido
ao menos que minha frase fora um insulto, pois levantou-se rapidamente de seu lugar, a
cabeça angulosa quase tocando o teto:
- Ora seu! - Ergueu aquele punho colossal, prestes a me desferir um murro no
rosto.
Fechei meus olhos e encolhi meu corpo, já imaginando a dor e as deformidades
que aquele golpe me traria.
Mike soltou um grito de dor. Antes de abrir os olhos, tentei imaginar porque era
ele quem estava gritando, e não eu.
Ao abrí-los pude ver uma pequena adaga prateada fincada no antebraço de Mike.
A nave toda silenciou, e até os chacoalhares não eram mais percebidos. Todos olharam
atônitos para a lâmina com o sangue que se acumulava ao seu redor, para então
voltarem-se para o outro extremo da nave, de onde aquele garoto antes com um olhar
distante agora o tinha fixado em Mike que retribuía o olhar com fúria.
- Deixe ele em paz. - Disse o estranho.
O grandalhão urrou enquanto voava na direção do rapaz. Em dois passos já
estava ao lado de seu alvo, que permanecia imóvel. Ergueu novamente o braço,
ignorando completamente a adaga e o sangue que se espalhava cada vez mais.
O que se seguiu aconteceu tão rápido que só consegui deduzir um bom tempo
depois como Mike foi parar com seu corpo estendido no chão, sendo imobilizado pelo
garoto.
Aparentemente o ogro tinha desferido 3 golpes, que foram desviados com leveza
e graça pelo rapaz, como se soubesse antecipadamente de cada um deles. Aproveitando
os golpes iniciais, de maneira fluida o garoto agarrou o punho do grandalhão e fez meia
dúzia de movimentos ágeis que, além de fazerem Mike desabar no chão, deixaram o
garoto montado sobre sua vítima, segurando seus braços numa posição nada anatômica.
- Meus braços! Ele deslocou meus braços! - Gemia Mike.
O resto da nave permaneceu em silêncio, exceto pelas profundas respirações de
seus integrantes. Depois de algum tempo o rapaz finalmente cortou o silêncio
constrangedor que pairava sobre a nave:
- Alguém mais quer criar briga comigo ou com o meu amigo Thomas Magellan?
Meu coração quase parou. Olhei para baixo para me certificar que não estava
utilizando um crachá de identificação. Não era possível! A não ser que ele...
Todos responderam a ele negativamente com movimentos de cabeça. A idéia
que me ocorreu deve ter passado por suas mentes: o garoto havia se alistado para se
tornar um Fantasma.
- Ótimo. - Disse então, largando os braços de Mike, que teimavam em não voltar
para seus devidos lugares.
Andou até o meu lado, enquanto Jack ia socorrer seu amigo. Estendendo a mão
disse simplesmente:
- Pode me chamar de Corvo. Prazer.
Cumprimentei-o e apenas sorri, sabendo que não precisaria de palavras. Tinha
certeza que seus poderes permitiam ver em minha mente toda a minha gratidão.
Naquele dia iniciamos uma grande amizade. Corvo em breve se tornaria meu
melhor amigo, alguém com quem pude contar durante longos anos e grandiosas
batalhas.
Fomos todos separados quando chegamos ao quartel, mas eventualmente cada
um de nós passou pelos mesmos testes. Obviamente fracassei no teste físico, obtive uma
nota mediana no psicológico, e fui considerado “perigoso demais para meu próprio
esquadrão” no teste de aptidão com armas de fogo.
Mas eu sabia que ainda iria brilhar – da mesma maneira que sei que amanhã
também será um grande dia – não demorou muito para que chegasse o teste de ciências
e conhecimentos extraterrestres. Terminei-o pelo menos uma hora antes de meus
colegas, e é claro que acertei todas as questões.
O que eu não esperava era ter sido colocado num esquadrão junto com Corvo,
Jack e Mike. Iríamos ser os primeiros a investigar como estava a situação no setor delta,
fronteira do nosso espaço com o dos zergs, onde uma Central de omando havia sido
construída a pouco tempo. Sentia-me excitado e temeroso, imaginando o que
poderíamos encontrar, e como seria finalmente ver um zerg cara a cara.
Encontramo-nos na ala B do quartel, para os últimos preparativos antes da
viagem. Chegando lá encontrei Jack e Mike empolgadíssimos com suas novas
armaduras de Soldados. Faziam poses pomposas e miravam com seus rifles em tudo que
se mexia.
Cheguei perto dos dois sem fazer alarde, apenas com um sorrisinho no rosto. Os
olhos deles se fixaram em mim, pensando se era seguro fazer algum comentário
sarcástico por eu não ter uma armadura, e por saberem do meu tenebroso desempenho
no teste físico.
Jack chegou a abrir a boca para dizer algo, mas calou-se – percebeu que um
ponto laser vermelho estava centralizado em sua testa. Aproveitei a deixa:
- Como vão? Tivemos a sorte de ficarmos juntos então?
- Você tem sorte mesmo. – Mike recarregou seu rifle, sorrindo ironicamente –
Estamos aqui pra cuidar de você.
- Todos nós estamos. – Corvo surgiu de repente entre os dois, desativando sua
camuflagem. – E podemos ficar tranqüilos porque temos uma ótima mira. – Jack passou
a mão na testa, como que certificando-se de que não havia mais nenhum laser apontado
para ela.
- Que bom que estão todos bem dispostos. Espero que também estejam para
seguir minhas ordens. – os Soldados me olharam indignados, prestes a protestar –
Chequem seus arquivos: este esquadrão está sob o comando de Thomas Magellan.
Virei as costas, e segui meu caminho, ouvindo-os xingar baixinho ao perceberem
que era verdade. Olhei por cima do ombro:
- O que estão esperando? Vão logo para a nave de transporte!
- E você está indo aonde... – Jack questionou, acrescentando a contragosto –
Senhor?
Apontei para eles a bela e magnífica nave esférica, a poucos metros dali.
- Filho da... – Mike começou.
- Ele conseguiu uma daquelas coisas científicas só pra ele? – Indagou Jack.
Sorri e embarquei. Havia muito a se fazer:
- Porque não vamos com você? - Indagou Mike.
- Não quero que vocês acabem acidentalmente quebrando algum instrumento
importante dela. Já me bastam aqueles macacos malucos.
O setor delta não era grande coisa. Apenas uma Central de omando no meio do
deserto, cercado por algumas torres de mísseis com uma dúzia de VCE´s correndo pra lá
e pra cá, carregando minerais e gás vespeno para os nossos estoques. Minha nave me
garantia uma ótima visão estratégica. Conseguia ver a posição de todas as nossas tropas
lá embaixo, e nem mesmo Corvo com sua camuflagem conseguia fugir de meus
sensores.
Alguns dias se passaram antes que eu recebesse nossa primeira missão de
verdade. Tínhamos que explorar a face norte do setor, para garantir que a mineração não
fosse atrapalhada.
Empolgado, logo repassei as ordens para meus homens. Parecia simples.
Investigaríamos alguns quilômetros e logo voltaríamos para casa. Coisa que alguns
Abutres poderiam fazer em poucos minutos, mas fazer o que? Era o nosso dever.
Os Soldados seguiram um pouco mais à frente, enquanto o Fantasma seguia às
minhas costas. Tudo parecia tranqüilo, até que um pequeno ponto começou a piscar no
meu visor, algumas centenas de metros à frente.
- Em guarda! Identifiquei uma anomalia à frente!
Seguimos mais alguns metros lenta e cautelosamente. Meu coração batia forte, e
podia ouvir a respiração profunda de meus companheiros pelo radio. Aí então percebi:
- Soldados, preparem-se! Há um Zergnídeo, poucos metros à frente, enterrado!
Estou passando as coordenadas para vocês agora!
Jack e Mike deram um grito de guerra e abriram fogo. O Zergnídeo desenterrouse e correu em sua direção. Mesmo com a sua velocidade descomunal, conseguiu dar
apenas alguns passos antes de cair aos pés dos Soldados.
- É isso aí! – Gritaram eles, disparando tiros para o alto, comemorando.
- CALADOS! – Gritei, percebendo diversos pontos surgindo no meu visor.
Cinco, doze, vinte, trinta e cinco...
- Viram só seus montes de vermes alienígenas? Vocês não têm chance contra
nós! – Os imbecis continuavam a gritar.
- CALADOS! Tem dezenas deles se aproximando e – Todos percebemos quando
um Zergnídeo explodiu à distância, atingido e cheio por um tiro disparado por Corvo.
- Imbecis. – Disse ele, calmamente. – Magellan, me dê cobertura. Estes dois aí já
estão mortos.
Jack e Mike agora disparavam alucinadamente contra a onda de zergs que
avançava. A horda avassaladora aproximava-se cada vez mais. Os poucos que
derrubamos na batalha sequer faziam alguma diferença, tamanha era a horda que
avançava.
Imediatamente programei minha nave para criar duas matrizes defensivas, uma
para cada um dos Soldados. Por enquanto tinha certeza que os zergs não encontrariam
Corvo, de modo que não me preocupei com ele.
Os escudos energéticos começaram a circular ao redor de Jack e Mike. Isso nos
daria algum tempo, antes que os potentes músculos dos Zergnídeos destroçassem suas
armaduras. Eles continuavam a atirar contra a massa de dentes e garras que estava agora
a apenas alguns metros deles.
Os Soldados foram cercados. Minhas matrizes seguravam parte do impacto, mas
não aguentariam por muito tempo. Os Zergnídeos atacavam insanamente, não se
importando nem com o fato de estarem chocando-se contra um campo de força, nem
com Jack e Mike descarregando toda a sua munição sobre eles.
O Fantasma disparava com precisão cada um de seus tiros. Um Zergnídeo caía
para cada um de seus disparos. A chance de todos sobrevivermos parecia ser cada vez
mais forte, a medida em que os malditos iam caindo, um por um.
Poucos segundos depois porém, minhas matrizes desaparecerem, e os Soldados
ficaram expostos.
- NÃO! - Gritei, mas era tarde demais. Os poucos zergs que sobraram
destroçaram rapidamente seus corpos. Minha profecia estava se realizando. Jack e Mike
morreram em menos de uma semana de serviço.
Corvo continuou calmo e determinado. Seus disparos continuaram perfeitos
contra nossos inimigos, que permaneceram imóveis depois de vencerem os Soldados.
Não podiam me alcançar e não conseguiam detectar onde Corvo estava. Pelo menos por
enquanto.
- Thomas! Temos que recuar!
- O que?
- Estou com pouca energia para me manter indetectável. Dentro de poucos
segundos eles perceberão minha localização e começarão a correr até mim.
Precisava agir rápido. Cerca de 10 Zergnídeos ainda estavam vivos. Não tive
mais dúvidas. Calibrei meus instrumentos, posicionei minha mira sobre o que estava no
centro do grupo e liberei uma imensa carga de radiação sobre ele. Pude ver sua carapaça
e a dos que estavam próximos sendo corroída pouco a pouco.
Um ponto apitou em minha tela. Corvo estava visível. No mesmo instante os
Zergnídeos começaram sua corrida em direção a Corvo. Qualquer um, mesmo não
sendo um gênio como eu poderia perceber que eles o alcançariam em pouco tempo. E
pior: se isso acontecesse logo, a radiação que o Zerginídeo emitia logo afetaria Corvo
também.
- De volta à Central de Comando! Agora! - Gritei.
- De jeito nenhum. Eles irão estraçalhar nossa base de mineração.
- E aquelas malditas torres de defesa?
- Magellan, concentre-se. Você deve saber que elas foram projetadas e
programadas para atacar apenas alvos aéreos.
- O que? Isso é ridículo!
Ele tinha razão. Os imbecis dos cientistas que trabalhavam para nós não tinham
capacidade para desenhar, por exemplo, uma simples metralhadora sentinela para atacar
alvos terrestres.
Corvo correu o mais rápido que pôde, enquanto da minha nave eu nada podia
fazer. Minhas baterias demorariam para carregar e até lá eu não poderia sequer ajudá-lo
com uma mera matriz defensiva. Fui obrigado a observar os zergs perseguirem-no
enquanto corria em sentido contrário à nossa base.
Quando estavam a poucos saltos de Corvo, finalmente aconteceu: todos os zergs
restantes desabaram em conjunto, derretidos.
A radiação havia feito seu trabalho.
- Muito bom Magellan. Sabia que podia contar com você. - Corvo respondeu
sem nenhum medo ou cansaço em sua voz.
Assim que possível mandamos os relatos do incidente para o comando central e
alguns dias depois a humanidade nos trouxe o seu melhor. Recebemos esquadrões de
soldados com rifles e lança-chamas, acompanhados por médicas. Logo mais chegaram
os Tanques. E então finalmente: Cruzadores de Batalha.
Se haviam alguns Zergnídeos naquele setor, logo chegariam aos milhões.
Evoluiriam rápido e em pouco tempo os maiores zergs também estariam prontos para
batalha.
Atacamos com todas nossas tropas sua colméia e os derrotamos
facilmente. Estouramos seus ovos e pisamos sobre suas larvas, mas pra mim não foi o
suficiente. Não podíamos sempre contar com todo este arsenal para destruir uma
simples colméia. Nossas tropas eram necessárias em outro lugar. Se tivéssemos a
tecnologia correta, nosso pequeno grupo inicial de quatro pessoas poderia ter dado conta
do recado.
Nossas próximas missões provaram este meu ponto: a humanidade precisava de
mais tecnologia, e ninguém melhor que eu para resolver este problema. Todos estes
meus relatos estão em maiores detalhes em meus outros videologs.
Certa vez, em outra missão de reconhecimento, Corvo distanciou-se de minha
nave para examinar o interior de uma instalação abandonada. Continuei mapeando a
área enquanto ele estava ocupado, nossa comunicação por radio prejudicada pelos
escombros.
Avancei algumas centenas de metros a mais para norte até que avistei finalmente
um sinal de vida: um Dragonte protoss estava vindo em minha direção, suas patas
metálicas movendo-se o mais rápido que podiam. Imediatamente disparei meu pulso
eletromagnético para desativar seus escudos e...
Percebi que seria inútil. Mesmo sem seus escudos, eu não conseguiria danificálo. Minha radiação de nada adiantaria pois sua potente armadura era espessa demais
para ser penetrada.
Tentei contato pelo rádio com Corvo, mas foi em vão. Fugi então o mais rápido
possível, sabendo que em pouco tempo estaria ao alcance dos famosos canhões de
plasma protoss. O alienígena percebeu minha vulnerabilidade e continuou avançando.
- Onde você está Magellan? - Finalmente nossa conexão estava funcionando
outra vez, para meu alívio.
- Siga norte! E prepare seus melhores disparos, um Dragonte está me
perseguindo!
Seus tiros precisos logo estavam atingindo em cheio o veículo inimigo. Com sua
mira perfeita, todos os seus disparos atingiam um mesmo ponto na armadura protoss,
abrindo um rombo cada vez maior.
Este era o Corvo que eu conhecia. Sempre que possível, ao invés de imobilizar
um oponente para depois exterminá-lo, ele preferia contar apenas em sua perícia como
atirador. Deu mais alguns disparos até que finalmente o líquido interno do Dragonte
começou a vazar e suas patas cambalearam. Estava derrotado.
- Se eu pudesse carregar um desses pulsos eletromagnéticos comigo, nem
mesmo um batalhão deles conseguiria me segurar. - Corvo sabia que não teria
conseguido derrubá-lo a tempo se ainda estivesse com seus escudos.
- Posso tentar repassar esta idéia para os nossos superiores amigo, mas acho que
concordamos que o principal problema é você sempre ter que estar me salvando!
Ele suspirou apenas um “Ééé...”, tentando não me deixar constrangido.
Esta não foi a única vez que isso aconteceu. Tenho relatórios e mais relatórios
sobre os diversos momentos em que Corvo me salvou. Fosse contra zergs, protoss, ou
mesmo contra os malditos saqueadores de Raynor, Corvo sempre me salvava. Eu já
teria morrido cerca de trinta e seis vezes se não fosse por ele. Éramos tão unidos que
apenas ele soube do meu projeto antes de estar pronto.
Sentia-me muitas vezes um inútil. Apesar de poder encontrar facilmente
inimigos camuflados, ou zergs enterrados, eu não tinha o poder de fogo necessário para
pará-los. Isso tinha que mudar. E vai mudar. Como meu protótipo finalmente foi aceito,
agora todos os cientistas da Supremacia terão maneiras mais adequadas para se
defender.
Mas para que você entenda realmente o quanto a minha obra-prima vai nos
ajudar tenho que contar com detalhes o que aconteceu na ultima missão em que eu e
Corvo servimos juntos.
Desta vez eu liderava um grande grupo, com cerca de 12 soldados, contando
com meu amigo. Antigamente não nos deixavam controlar mais unidades de uma vez
só.
Sabíamos que estávamos em território zerg. Nosso objetivo era o de resgatar
dados importantíssimos sobre o paradeiro de uma certa Fantasma que estava
desaparecida há algum tempo.
Não pude utilizar minha nave desta vez. Ela atrairia o enxame. Assim sendo, fui
a pé. Os Soldados andavam em formação ao meu redor, e Corvo nos seguia metros
atrás, já camuflado. O forte vento do deserto atrasava o movimento de nossas tropas e
dificultava nossa visão. Mesmo assim era possível visualizar diversas colméias a alguns
quilômetros de nós, ao nosso redor. Nossa única saída de lá seria do mesmo modo como
chegamos: naves de transporte.
Avançamos cautelosamente pelas dunas, tentando sempre evitar quaisquer zergs
que se aproximassem. Nosso maior medo eram os Suseranos, criaturas flutuantes
gigantescas com sentidos aguçadíssimos que poderiam até mesmo perceber através da
camuflagem de Corvo.
Passamos horas e horas caminhando até onde deveria estar a instalação
abandonada. Não havia construção alguma até onde nossos olhos podiam enxergar.
Chequei novamente meu sistema de posicionamento para me certificar de que
estávamos no local correto. Algo estava muito estranho. Tentei confortar-me com a
idéia de que ao menos os zergs ainda não haviam percebido nossa presença.
Não havia erro: aquele era mesmo o local onde deveríamos encontrar os dados
tão importantes à Supremacia. Iniciei minha comunicação com a base, desejando
instruções sobre como proceder a seguir.
- Magellan. - Corvo atrapalhou-me pelo rádio.
Ignorei-o e continuei o contato com a base, que me ordenava aguardar pois iriam
checar se estávamos mesmo no local adequado e também...
- Magellan. - Repetiu o fantasma.
Os Soldados começaram aproximar-se de mim, fazendo um círculo com seus
rifles apontando para fora. Não consegui me concentrar no que o comando central me
ordenava e isso me irritou.
- O que foi, Corvo? Não vê que eu... - Calei-me.
Três Suseranos nos cercavam, numa distância quase próxima o suficiente para
que nos percebessem. Todos nos esprememos mais e mais, tentando impedir que nos
detectassem. Não havia para onde fugir. Sabíamos que estas criaturas não tinham como
nos machucar, mas também sabíamos que assim que repassassem nossa localização para
as colméias, era apenas uma questão de minutos para que o enxame chegasse até nós.
Pelo rádio podia ouvir meus superiores gritando meu nome.
Alguns segundos mais se passaram, todos nós quietos tentando não fazer o
menor movimento.
- Nos perceberam. - Disse finalmente.
- Tem certeza senhor? Devemos atirar? - Perguntou um de meus homens.
Eu tinha certeza. Mesmo sem que eles fizessem qualquer barulho ou movimento,
eu havia estudado sobre o alcance de seus sentidos, e calculei rapidamente a nossa
distância até eles. Estávamos treze metros mais perto deles do que devíamos.
- Sim, abram fogo! Eles já nos perceberam faz algum tempo!
Todos focalizaram seus disparos em um Suserano de cada vez, Explodindo-os
um por um sob o constante disparo das metralhadoras e tiros precisos do Fantasma.
Assim que o ultimo deles foi derrotado as metralhadoras silenciaram com
fumaça saindo de seus canos. Sem o seu barulho ensurdecedor pudemos perceber o som
do que pareciam ser cobras gigantes serpenteando ao nosso redor. Ainda não
conseguíamos visualizar nada além das dunas que nos cercavam.
As Hidraliscas logo surgiram ao nosso redor de todos os lados, nos cercando, e
aproximando-se cada vez mais. Os poderosos espinhos que eram capazes de lançar a
altíssimas velocidades os transformavam em adversários formidáveis. Sempre os
considerei as principais tropas zerg. Conseguiam enterrar-se, atacar alvos à distância, e
em grande número poderiam derrubar até mesmo um Cruzador de Batalha.
Olhei desesperado para as fileiras de monstros tentando encontrar um ponto
fraco para que escapássemos, mas eram dezenas. Nunca conseguiríamos detê-los. Gritei
pelo rádio:
- Comando central, precisamos de reforços agora! Estamos sendo cercados por
Hidraliscas!
- Negado. Nossas tropas estão muito distantes de sua posição. Enviaremos naves
de transporte para o setor Theta.
- Precisamos de um resgate aqui e agora!
- Negativo. As naves seriam destruídas em poucos segundos.
Eles tinham razão. Nossa única opção seria abrir uma brecha nas forças zerg e
seguir sul, até o setor Theta.
- Não temos como escapar. – Disse Corvo. – Eles estão em número muito
grande, e não são Hidraliscas comuns.
Aí então pude perceber. Sua musculatura era muito mais potente do que a todos
as outras que eu já havia visto antes, e seus ossos pareciam mais leves. Este conjunto de
características evolutivas as tornava muito rápidas. Corvo tinha razão. Mesmo se
conseguíssemos fugir de seu cerco, não conseguiríamos correr mais rápido do que elas,
e apenas as levariamos para longe, para nos mataram e destruírem nossas naves
também.
Já estavam ao alcance da arma do Fantasma.
- Corvo, o que está acontecendo? – Gritei. – Porque não está disparando?
Os Soldados respiravam fundo, aguardando que os inimigos chegassem perto o
suficiente para que pudessem começara atirar. Apenas Corvo conseguiria iniciar seus
disparos de tão longe.
- Atire, atire, atire! – Gritei mais uma vez, desesperado.
O Fantasma não respondeu.
- O que há de errado com você? Não temos outra opção senão morrer lutando!
Não seja imbecil e atire!
- Magellan, pelo parágrafo setenta e dois do setor oito do Código Militar da
Supremacia, eu estou tomando o controle desta missão.
- Você o quê?
Eu sabia que determinados Fantasmas recebiam permissão direta de Mengsk
para tomar o controle quando suspeitavam que seus superiores não estivessem mais
aptos a comandar, mas nunca havia imaginado que Corvo era um deles. Só acreditei no
que dizia quando o meu visor começou a piscar com a sessão do Código que ele havia
citado, provando que o comando central estava de acordo.
- Homens – Corvo já começava a dar ordens – Preparem-se para focar todos os
seus disparos contra as Hidraliscas que estão nos cercando ao sul!
Fiquei indignado enquanto nossas tropas se reposicionavam. Eu estava em
perfeitas condições e o plano de abrir um rombo nas tropas em direção ao setor Theta
era meu! Como ele podia? O que estava pensando?
Os zergs se aproximavam mais e mais. Bastavam alguns metros.
- Soldados! – Ele continuou. – Hoje vocês têm a chance de fazer a diferença para
a Supremacia.
Olhei indignado para ele e aterrorizado para a massa de zergs que nos rodeavam.
Corvo prosseguiu:
- Temos conosco o cientista que vai fazer alterar o futuro de toda a humanidade
com seus projetos inovadores, assim que forem aceitos. Se ele sobreviver e puder
mostrar suas idéias ao mundo algum dia, então morrer hoje será glória suficiente para
mim. – Fez uma pequena pausa, avaliou a distância de nossos inimigos até nós antes de
acrescentar. – Os zergs o deixarão em paz inicialmente, pois conseguem perceber que
está desarmado. Tentarão atirar seus espinhos em nós, e nossa missão é segurá-los até
que Magellan esteja a uma distância segura.
Finalmente entendi o que estava acontecendo. Ao tomar o controle da missão ele
estava me salvando. Acenei com a cabeça em agradecimento, mesmo sabendo que ele já
sentia a gratidão em meus pensamentos. "Não vou esquecer o que está fazendo por
mim, amigo!".
- Atacar! - Gritaram os soldados, iniciando seu ataque. Balas e espinhos
começaram a voar no frenesi da batalha.
Corvo mirava seu rifle para o chão, no centro do caos. O laser vermelho
permaneceu fixo. Comecei a correr, torcendo para que logo houvesse um espaço por
onde eu pudesse me esgueirar. Poucos segundos depois recebi a informação em meu
visor: "Lançamento Nuclear Detectado". Corvo levaria todos as Hidras com ele, não
importava como.
De repente, cinco dos monstros foram ao chão, mortos pela insistente saraivada
de balas que os Soldados disparavam. “Hurra!” pensei, correndo cada vez mais rápido,
à medida que percebia estar saindo do cerco. Pude ver à distância as naves de transporte
se aproximando e o míssil nuclear já cruzando os céus.
Depois de correr o mais longe que minhas fracas pernas me permitiram, olhei
mais uma vez para trás. O enxame aos poucos começava a se desestruturar e preparavase para me seguir. Acredito que neste momento todos os meus companheiros já estavam
mortos.
O míssil agora descia com velocidade. Joguei-me para trás de uma grande rocha
e fechei os olhos. Ouvi explosão ensurdecedora às minhas costas. Foi neste momento
que jurei que homenagearia o meu grande amigo, o melhor Fantasma que já conheci.
Também jurei homenagear os Soldados, dedicando meu tempo para a terceira
parte do meu grande plano: algo que pudesse causar grandes baixas a estas principais
tropas zerg: um meio para inutilizar as Hidraliscas.
Assim surgiu o projeto que estreará amanhã: a nova nave de pesquisa científica
da Supremacia. Vejam sua beleza e funcionalidade neste modelo 3D que estou lhes
mostrando.
É capaz de rapidamente construir pequenas metralhadoras sentinelas, permitindo
um ponto seguro para todos aqueles que precisarem de um local contra inimigos
terrestres, como eu precisei em minha primeira missão.
Também terá capacidade de se defender sozinha, pois um míssil guiado a
distância também estará em seu arsenal, permitindo seu uso contra os mais diversos
inimigos, seja um enxame zerg ou um veículo protoss.
E para privar os zergs de suas Hidraliscas eu lhes apresento a maior novidade
em tecnologia defensiva. A nave também poderá montar esta pequena maravilha da
engenharia: uma torre voadora que é capaz de realizar disparos certeiros contra os
espinhos lançados por estes monstros, inutilizando completamente sua capacidade de
ataque à distância. Os testes realizados contra outros projéteis também se mostraram
promissores, transformando-a num item cada vez mais importante no campo de batalha.
Em homenagem ao meu melhor amigo, que doou sua vida para que a tecnologia
logo trouxesse a vitória para a Supremacia, eu não teria outro nome para batizar meu
projeto. Eu o chamo simplesmente de:
Projeto Corvo.

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