Coleção: Gestão da Saúde Pública - Universidade Federal de Santa
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Coleção: Gestão da Saúde Pública - Universidade Federal de Santa
C oleç ão Gestão da Saúde Pública Universidade Federal de Santa Catarina Centro Socioeconômico Departamento de Ciências da Administração Coleção: Gestão da Saúde Pública Volume 1 Maurício Fernandes Pereira Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Denise Aparecida Bunn Organizadores Editora Fundação Boiteux Florianópolis 2013 ©2013 Departamento de Ciências da Administração CSE/UFSC. Todos os direitos reservados. Os conceitos em trabalhos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores. As matérias desta publicação podem ser livremente transcritas, desde que seja indicada a fonte. O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e gratuitamente para utilização no âmbito do Curso de Especialização em Gestão da Saúde Pública, através da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos. A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia desta obra sem autorização expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanções previstas no Código Penal, artigo 184, Parágrafos 1º ao 3º, sem prejuízo das sanções cíveis cabíveis à espécie. O48iAutor C691 Coleção : Gestão da/Saúde : volume 1 / da Maurício Pereira,:Alexandre Orientações aos autores João Púbica da Silva e Pedro Silva.Fernandes – Florianópolis DepartaMarino Costa, Gilberto de Oliveira Moritz, Denise Aparecida organizadores. – mento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília] : CAPESBunn, : UAB, 2010. 160p. : il. Florianópolis : Fundação Boiteux, 2013. 206p. Inclui bibliografia Bacharelado em Administração Pública Inclui referências ISBN: 978-85-7988-077-3 ISBN: 978-85-7840-084-2 1. Direito público. 2. Direito privado. 3. Direito constitucional. 4. Administração pública. 5. Educação a distância. I. Costa, Tágory Figueiredo Martins. II. Coorde1. Saúde pública – Administração. 2. Produção científica. 3. Pesquisa. I. Pereira, nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil). III. Universidade Maurício Fernandes. II. Costa, Alexandre Marino. III. Moritz, Gilberto de Oliveira. Aberta do Brasil. IV. Título. IV. Bunn, Denise Aparecida. CDU: 342 CDU: 614 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Rousseff MINISTRO DA SAÚDE Alexandre Padilha PREFEITO DE FLORIANÓPOLIS Cesar Souza Júnior VICE-PREFEITO DE FLORIANÓPOLIS João Antônio Heinzen Amin Helou SECRETÁRIO DA SAÚDE DE FLORIANÓPOLIS Carlos Daniel Magalhães da Silva Júnior UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitora Roselane Neckel Vice-Reitora Lúcia Helena Pacheco CENTRO SOCIOECONÔMICO Diretora Elisete Dahmer Pfitscher Vice-Diretor Rolf Hermann Erdmann DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO Chefe do Departamento Marcos Baptista Lopez Dalmau Subchefe do Departamento Marilda Todescat PROJETO MINISTÉRIO DA SAÚDE/PMF/UFSC/CSE/CAD Coordenador do Projeto Maurício Fernandes Pereira Subcoordenador do Projeto Alexandre Marino Costa Coordenador Pedagógico João Nilo Linhares Coordenador Técnico Gilberto de Oliveira Moritz Coordenador Administrativo Luis Carlos Cancellier de Olivo Comissão Editorial Luís Moretto Neto Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Alessandra de Linhares Jacobsen Maurício Fernandes Pereira João Nilo Linhares Marcos Baptista Lopez Dalmau Projeto Gráfico Annye Cristiny Tessaro Rita Castelan Minatto Diagramação, Capa e Ilustração Adriano Schmidt Reibnitz Finalização Annye Cristiny Tessaro Revisão de Português e Normalização da ABNT Patrícia Regina da Costa Sergio Luiz Meira Sumário Apresentação O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul 9 13 Angela Cristina Medeiros O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas 31 Camila Blum Weingartner A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social 50 Débora Martini Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros 75 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis Deyse Ilza de Aquino 99 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) 120 André Rosito Marquardt Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde 143 Tatiana Domingues Scopel Avaliação do Serviço de Odontologia: estudo em um Centro de Saúde de Florianópolis/SC, em 2011 166 Ana Cristina Gerent Petry Nunes Em Busca da Interdisciplinaridade: o trabalho multiprofissional na gestão pública em saúde para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) 178 Débora Previatti Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina 190 Camila Mirian da Silva Summary Presentation The Process of Reception with Risk Classification Unit Emergency Care South 9 13 Angela Cristina Medeiros Strategic Planning in the Management of Public Organizations 31 Camila Blum Weingartner The Relationship Between Local Health Councils and Municipal Health Council of the city of Florianópolis: a look at the deliberative citizenship and social control 50 Débora Martini Proposal to Implement a Program of Chronic Disease Management in Public Network in Florianópolis with Focus on Reducing Cardiovascular Morbidity and Economics of Financial Resources 75 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior Complex Regulator Florianópolis: managing access specialized care System Municipal Health Florianópolis 99 Deyse Ilza de Aquino Annalysis of the factors which influence work motivation of public workers of a Psychosocial attention center for drug addiction (CAPSad) 120 André Rosito Marquardt Quality of Life Work: focus in the work environment of Basic Healthcare Units 143 Tatiana Domingues Scopel Assessment of the Service of Dentistry: a study in a public health center in Florianopolis/SC in 2011 166 Ana Cristina Gerent Petry Nunes In Search of Interdisciplinarity: multiprofessional work in public health management for the construction of the Unified Health System 178 Débora Previatti Profile of Lawsuits Drug Answered by 2011 in the City of Palhoça – Santa Catarina Camila Mirian da Silva 190 Apresentação Apresentação O Curso de Especialização Lato Sensu em Gestão da Saúde Pública qualificou servidores que atuam na área da Saúde e proporcionou subsídios para que melhorassem suas ações e contribuíssem para a qualidade dos serviços prestados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse aperfeiçoamento foi importante, pois auxiliou na prática diária de cada profissional. Por isso, estamos certos de que oferecemos a possibilidade de reflexão sobre a forma de agir de cada um, principalmente com relação aos preceitos da ética e da moral. O referido Curso, com carga horária de 420 horas foi finalizado em dezembro de 2012 e teve como público participante servidores integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS), na região da Grande Florianópolis. O sucesso do empreendimento foi indiscutível, com a aprovação de mais de 70% do seu corpo discente. Além disso, como produto da sua aprendizagem, cada estudante apresentou, ao final, um trabalho de conclusão de curso no qual pôde demonstrar as habilidades e os conhecimentos adquiridos para a análise e a solução de problemas do cotidiano da sua organização. A divulgação dos trabalhos científicos produzidos pelos servidores integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS), na região da Grande Florianópolis, por ocasião da conclusão do curso de pós-graduação em Gestão da Saúde Pública, é parte do processo de aprimoramento do Sistema Único de Saúde, na medida em que traz ao público a visão dos próprios servidores sobre determinados tópicos. Compreendemos, assim, a responsabilidade do nosso sistema educacional e, em especial, do ensino superior em administração, no que se refere a preparar profissionais para que atuem no mundo moderno. Esse é o nosso comprometimento. Com o intuito de documentar todos os trabalhos desenvolvidos neste curso, serão publicadas 13 obras, divididas em volumes, cada uma com dez artigos produzidos pelos estudantes do curso. Nesses trabalhos, será possível constatar as dificuldades do SUS e as possíveis soluções para cada questão levantada. Além disso, alguns trabalhos observam as melhorias já identificadas do Sistema Único de Saúde (SUS). Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 9 Apresentação Neste primeiro Volume, organizado pelos professores Maurício Fernandes Pereira, Alexandre Marino Costa, Gilberto de Oliveira Moritz e Denise Aparecida Bunn, apresentaremos o trabalho de Angela Cristina Medeiros, intitulado O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul, em seu artigo, a autora constata que a superlotação dos serviços de urgência e de emergência se dá principalmente por três fatores: ineficiência de recursos tecnológicos e humanos da atenção básica, desconhecimento da população sobre quando utilizar os serviços de emergência e falta de um sistema eficiente de referência e de contrarreferência de pacientes a outros serviços. Em seguida será abordado O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas, de autoria da estudante Camila Blum Weingartner, neste trabalho, a autora observa que o planejamento estratégico surge como uma ferramenta muito importante para a administração, pois permite nortear as ações gerenciais da organização dentro de um plano previamente determinado de metas e de estratégias diminuindo, com isso, a possibilidade de tomada de decisões equivocadas. O terceiro trabalho, de Debora Martini, analisa a articulação entre os Conselhos Locais de Saúde e o Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis, este artigo traz um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social. Em seguida, Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior traz uma proposta de implantação de um programa de gestão de doenças crônicas na rede pública do município de Florianópolis, neste trabalho, o autor foca na redução de morbidade cardiovascular e na economia de recursos financeiros. Deyse Ilza de Aquino desenvolveu um trabalho que tem como objetivo realizar uma avaliação da implantação do Complexo Regulador Regional de Florianópolis/SC. André Rosito Marquardt analisou fatores que influenciam a motivação de servidores públicos que atuam em um Centro de Atenção Psicossocial para dependência química (CAPSad), no município de Florianópolis. Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde é o título do trabalho desenvolvido por Tatiana Domingues Scopel, neste artigo, a autora, por meio de uma revisão de literatura exploratória e básica do tipo narrativa ou tradicional, analisou estudos que apresentaram fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho e estudos sobre a qualidade de vida no trabalho vinculada aos profissionais da área da saúde. Ana Cristina Gerent Petry Nunes abordou, em seu artigo, como se dá o acesso dos usuários ao serviço odontológico no bairro Saco Grande do 10 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Apresentação município de Florianópolis. Em seguida, o trabalho de Débora Previatti, Em busca da interdisciplinaridade: o trabalho multiprofissional na gestão pública em saúde para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) discute a questão do trabalho multiprofissional e a interdisciplinaridade no Sistema Único de Saúde (SUS). E fechando este volume, Camila Mirian da Silva, em seu artigo, aborda o perfil das ações judiciais relacionadas à solicitação de determinados medicamentos até 2011 no município de Palhoça. Desejamos a todos uma excelente leitura com expectativas para os próximos volumes! Maurício Fernandes Pereira Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Denise Aparecida Bunn Organizadores Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 11 O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul Aluna: Angela Cristina Medeiros1 Orientador: Mário de Souza Almeida2 Tutora: Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino3 Resumo Abstract Este artigo tem como objetivo propor ações de melhoria ao processo de acolhimento com classificação de risco realizado pelo enfermeiro, na unidade de Pronto Atendimento Sul, localizada no Município de Florianópolis, Santa Catarina. Trata-se de um estudo de caso com abordagem qualitativa. Constatou-se através deste estudo que a superlotação dos serviços de urgência e de emergência se dá principalmente por três fatores: ineficiência de recursos tecnológicos e humanos da atenção básica, desconhecimento da população sobre quando utilizar os serviços de emergência e falta de um sistema eficiente de referência e de contrarreferência de pacientes a outros serviços. Durante a pesquisa, foi possível identificar alternativas de ação que permitem lidar com as dificuldades detectadas. This article aims to propose actions to improve the process of embracement with risk classification performed by nurses in the Emergency Care Unit South, located in Florianópolis, Santa Catarina. This is a case study with a qualitative approach. It was found through this study that the overcrowding of emergency departments and emergency is primarily by three main factors: inefficiency of technological and human resources of primary health care, ignorance of the public about when to use the emergency services and the lack of an efficient system reference and cross reference of patients to other services. During the research, it was possible to identify alternative actions that would allow dealing with the difficulties encountered. Key words: Embracement. Risk classificaPalavras-chave: Acolhimento. Classificação tion. Emergency. de Risco. Emergência. 1 Enfermeira especialista em Enfermagem de Emergência e Terapia Intensiva pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). E-mail: [email protected]. 3 Mestranda do curso de Administração Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul 1Introdução A partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), um dos grandes problemas enfrentados pela população tem sido a garantia do acesso do usuário à rede de saúde. Em geral, os serviços de urgência e emergência têm sido reconhecidos pelos usuários como a melhor forma de buscar atendimento por se tratar de serviços que funcionam 24 horas por dia. (BRASIL, 2004) As unidades de urgência e emergência foram criadas com o intuito de prestar atendimento imediato a pacientes com agravo de saúde, oferecer serviços de alta complexidade e de diversidade para atender essa demanda e garantir todas as manobras de sustentação à vida, dando continuidade à assistência no local ou referenciar pacientes a outro nível de atenção. (CALIL; PARANHOS, 2010 apud NASCIMENTO, 2011) Por atender à livre demanda, as unidades de emergência convivem diariamente com o problema de superlotação de pacientes, que, muitas vezes, utilizam esse serviço de forma inadequada, seja para resolução das afecções crônicas, seja pela dificuldade ao acesso à rede básica, entre outros. Ciente dos problemas existentes, o Ministério da Saúde instituiu, em 2003, a Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU), formando uma rede de serviços regionalizada e hierarquizada de cuidados integrais às urgências. (BRASIL, 2004) A partir da criação dessa política, observou-se a necessidade de uma reorganização no processo de trabalho, por isso, o atendimento ao paciente que se dava através de filas por ordem de chegada, agora passaria por um novo processo chamado acolhimento com classificação de risco. Na visão de Solla (2005), o acolhimento pressupõe uma atitude da equipe de saúde que permite receber bem e dar atenção aos usuários de forma mais humanizada, identificando soluções adequadas às demandas apresentadas. A classificação de risco tem por objetivo priorizar o atendimento dos pacientes que se encontram em estado de maior gravidade, sendo realizada por um profissional enfermeiro, que por meio da escuta e da aferição de sinais vitais classifica o risco por cores definindo a ordem de atendimento. A motivação para a realização deste artigo surgiu pelo fato de observar a atuação da Unidade de Pronto Atendimento Sul há alguns anos, desde que 14 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Angela Cristina Medeiros # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino o atendimento aos pacientes era realizado por ordem de chegada e não pelo sistema de classificação de risco vigente. Com a mudança no processo de trabalho, começaram a surgir contra‑ -tempos como a dificuldade de aceitação dos pacientes perante a classificação de risco ordenando o fluxo de atendimento e seu encaminhamento a outros serviços de referência. Frente ao exposto, esta pesquisa teve como pergunta norteadora esta: Como melhorar o processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento (UPA Sul)? Como objetivo geral da pesquisa buscou-se propor ações de melhoria ao processo de acolhimento com classificação de risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul (UPA Sul). Para alcançar o objetivo geral propõem-se os seguintes objetivos específicos: a) Caracterizar a unidade de atendimento em estudo; b) Descrever o processo de acolhimento com classificação de risco realizado pelo enfermeiro; c) Avaliar as dificuldades do enfermeiro acerca do trabalho prestado; d) Identificar alternativas de ação que permitam lidar com as dificuldades detectadas. 2 Unidade de Emergência As Unidades de Pronto Atendimento (UPA) são estruturas de complexidade intermediárias entre as Unidades Básicas de Saúde e as portas de urgências hospitalares, compondo uma rede organizada de atenção às urgências. (BRASIL, 2009) De acordo com a Portaria GM n. 2.648, de 2011, o Ministério da Saúde redefine diretrizes para implantação das UPAs 24 horas, esdtabelecendo como suas competências: a) Acolher usuários e familiares sempre que buscarem atendimento nas 24 horas. b) Articular-se com a Atenção Básica, SAMU, unidades hospitalares, unidades de apoio diagnóstico e terapêutico e com outros serviços Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 15 O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul de atenção à saúde, construindo fluxos coerentes e efetivos de referência e contrarreferência, e ordenando esses fluxos por meio de Centrais de Regulação Médica de Urgências e complexos reguladores instalados na região. c) Prestar atendimento resolutivo e qualificado aos pacientes acometidos por quadros agudos ou agudizados de natureza clínica e prestar atendimento aos casos de natureza cirúrgica ou trauma, estabilizando os pacientes e realizando a investigação diagnóstica inicial, de modo a definir, em todos os casos, a necessidade ou não de encaminhamento a serviços hospitalares de maior complexidade. d) Fornecer retaguarda às urgências atendidas pela Rede de Atenção Básica à Saúde. e) Funcionar como local de estabilização de pacientes atendidos pelo SAMU 192. f) Realizar consulta médica em regime de pronto atendimento aos casos de menor gravidade. g) Realizar atendimentos e procedimentos médicos e de enfermagem adequados aos casos demandados à unidade. h) Prestar apoio diagnóstico e terapêutico ininterrupto nas 24 horas do dia e em todos os dias da semana, incluindo feriados e pontos facultativos. i) Manter pacientes em observação, por período de até 24 horas, para elucidação diagnóstica, e∕ou estabilização clínica. j) Contrarreferenciar para os demais serviços de atenção integrantes da Rede de Atenção às Urgências, proporcionando continuidade ao tratamento com impacto positivo no quadro de saúde individual e coletivo. k) Solicitar retaguarda técnica ao SAMU sempre que a gravidade e a complexidade dos casos ultrapassarem a capacidade instalada na unidade. As UPAs, por se tratarem de unidades de atendimento com livre demanda, acabam acolhendo todos os tipos de pacientes, desde os que não conseguem consultas na atenção primária ou especializada, até os casos de urgência e emergência. Definindo conceito de emergência, Romani et al. (2009) apontam como a ocorrência de situação crítica com potencial risco à vida, exigindo interven- 16 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Angela Cristina Medeiros # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino ção médica imediata; e urgência como uma ocorrência de agravo à saúde, com risco iminente à vida, que exige intervenção rápida e efetiva por meio de procedimentos que visem à proteção, à manutenção e à recuperação das funções vitais acometidas. 3 Acolhimento com Classificação de Risco A partir da década de 1990, com as mudanças na legislação do Sistema Único de Saúde (SUS), a saúde passou a ser um direito do cidadão e dever do Estado, nesse caso, as instituições são instigadas a reorganizar seus processos de trabalho em busca da integralidade das ações, promovendo o acesso universal e igualitário da população aos serviços de saúde (MARQUES; LIMA, 2007). Pelo princípio da universalidade, o Estado deve garantir que todos os cidadãos tenham acesso aos serviços de saúde, de forma que o atendimento prestado tenha qualidade e resolutividade. A descentralização dos serviços e das ações de saúde tem como função transferir responsabilidades, prerrogativas e recursos aos governos municipais, de modo que haja autonomia do nível local no uso de recursos e na definição e implementação das políticas de saúde (SOLLA, 2005). Nesse sentido, os sistemas locais de saúde devem ter uma direção responsável, capacidade de coordenar e de articular os recursos existentes, adequando-se à realidade local, de forma que sejam desenvolvidas novas práticas, mais adequadas aos problemas de saúde da população. (MATSUMOTO et al., 2007) Segundo Santos et al. (2003), a rede de atenção à saúde é constituída por três níveis de complexidade: as unidades de atenção primária, que são unidades ambulatoriais e oferecem cuidados básicos de promoção, manutenção e recuperação da saúde; unidades de atenção secundária, que podem ser ambulatoriais ou hospitalares, nas quais são prestados cuidados para afecções de maior prevalência; e unidades de atenção terciária, constituídas pelos centros hospitalares, caracterizados pelas internações. Os autores ainda citam que o acesso do usuário aos serviços do SUS deve iniciar-se preferencialmente pela atenção básica, sendo referenciado de acordo com a necessidade de recursos humanos e tecnológicos a serem aplicados para a resolução da afecção apresentada. (SANTOS et al., 2003) Historicamente, os serviços de emergência são reconhecidos pelos usuários como porta principal de entrada aos serviços de saúde, por se tratarem de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 17 O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul unidades que atendem 24 horas por dia, acolhendo a todos os usuários que procuram o serviço, sendo eles caracterizados como urgência propriamente dita, usuários que deveriam ter seu atendimento realizado na atenção primária ou especializada, ou, ainda, usuários com urgências sociais. (BRASIL, 2006) Segundo Garlet et al. (2009), a superlotação das unidades de emergência deve-se em parte às diferentes concepções que usuários, população e profissionais de saúde têm ao definirem urgência. Outro fator é o descrédito da população em relação aos serviços ofertados pela atenção primária e a supervalorização do modelo curativista e hospitalocêntrico, que justifica a grande demanda por serviços hospitalares, prejudicando a qualidade da assistência àqueles que realmente necessitam de atendimento de urgência. (AZEVEDO et al., 2010) A elevada procura por consultas médicas, muitas vezes desnecessárias, implica em custos individuais e em desperdício de recursos públicos, já que boa parte da população não necessita de atendimento de emergência, mas sim de atendimento de baixa complexidade, voltado para doenças crônicas não transmissíveis, próprias do processo de envelhecimento da população (POLL; LUNARDI; LUNARDI FILHO, 2008). Os autores ainda citam que a superlotação, além de provocar desgaste dos profissionais devido à sobrecarga de trabalho, causa ainda um sentimento de desperdício da vocação maior do serviço que seria salvar vidas, bem como sua subutilização do preparo técnico. O acesso dos usuários aos serviços de urgência e emergência se dava, no passado, através de filas organizadas por ordem de chegada, porém, com o aumento da demanda e a procura por esses serviços, observou-se um enorme fluxo de circulação desordenada, tornando-se necessária a reorganização do processo de trabalho, de forma a atender os diferentes graus de especificidade e resolutividade na assistência. (BRASIL, 2004) Com o intuito de qualificar a atenção nas redes de urgência e emergência, foi editada no ano de 2002 pelo Ministério da Saúde, a Portaria GM n. 2.048, que trata do Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, fazendo parte da Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU), cujo pressuposto é garantir o acesso e o acolhimento nos serviços de saúde, de acordo com a complexidade tecnológica, que deverá estar organizada de forma hierarquizada, prevenindo iatrogenias por manipulações ou tratamento incorretos, evitando a morte ou as incapacidades físicas temporárias ou permanentes. (BRASIL, 2006) 18 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Angela Cristina Medeiros # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Para viabilizar o atendimento ao usuário que chega ao serviço de urgência e emergência, é utilizada a estratégia de implantação de acolhimento com classificação de risco, visando reestruturar as práticas assistenciais por meio de ações humanizadas, possibilitando incorporar critérios de avaliação de risco. (SERVIN et al., 2010) O Ministério da Saúde define o acolhimento como uma ação tecno-assistencial que pressupõe a mudança da relação profissional/usuário e sua rede social através de parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade, reconhecendo o usuário como sujeito e participante ativo no processo de produção da saúde. É um modo de operar os processos de trabalho em saúde de forma a atender a todos que procuram os serviços de saúde, ouvindo seus pedidos e assumindo no serviço uma postura capaz de acolher, escutar e pactuar respostas mais adequadas aos usuários. Implica prestar um atendimento com resolutividade e responsabilização, orientando, quando for o caso, o paciente e a família em relação a outros serviços de saúde para a continuidade da assistência, e estabelecendo articulações com esses serviços para garantir a eficácia desses encaminhamentos. (BRASIL, 2009) Na visão de Solla (2005), o acolhimento, como proposta no Sistema Único de Saúde, aparece como: a) Postura∕Prática do profissional frente ao usuário em seu processo de trabalho individual e coletivo. b) Ação gerencial de reorganização do processo de trabalho da unidade de saúde, visando melhor atender aos usuários e a ampliar a capacidade de identificar e resolver problemas. c) Diretriz para as políticas de saúde, objetivando criar capacidade de respostas às demandas, disponibilizando alternativas tecnológicas adequadas. O acolhimento com classificação de risco tem como objetivo ser um dos instrumentos para organizar de melhor forma o fluxo dos pacientes que procuram as unidades de urgência e emergência como porta de entrada. Assim, quando o usuário chega ao setor de emergência, ele é acolhido pelo enfermeiro que faz a escuta qualificada e o classifica com cores conforme critérios de risco. (BRASIL, 2009) O enfermeiro que atua na classificação de risco, além de classificar o paciente de acordo com sua gravidade, evitando assim possíveis danos à sua saúde, tem o papel de direcionar o paciente ao serviço de referência quando Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 19 O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul isso se faz necessário, visto que a escolha do usuário pelos serviços de saúde nem sempre condiz com uma situação de emergência e pode ser influenciada por diversos fatores, como: tecnologia disponível, condições de acesso, agilidade no atendimento e vínculo dos usuários com os profissionais, serviços e sistemas de saúde. (MARQUES; LIMA, 2007) O processo de acolhimento com classificação de risco é feito por meio de protocolos instituídos em cada unidade de atendimento, que permitem a intervenção nos agravos no momento da avaliação, definindo assim a ordem de atendimento. Com o intuito de sugerir um protocolo direcionador, o Ministério da Saúde elaborou uma cartilha na qual sugere a utilização de cores para classificar a prioridade no atendimento: vermelho – considerado situação de emergência, caracterizado pela necessidade de atendimento imediato; amarelo – urgência, atendimento mais rápido possível; verde – caracterizado como prioridade não urgente; e azul, cujo atendimento será feito por ordem de chegada. (BRASIL, 2004) 4 Metodologia Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, que apreende a realidade e compreende os fenômenos e os processos sociais, manifestados no cotidiano do trabalho e que têm reflexo direto e indireto na vida das pessoas que buscam e recebem atendimento em saúde. (MINAYO, 2010) O delineamento da pesquisa é o estudo de caso, que possibilita a investigação dos fenômenos no seu contexto real, analisando-os profunda e intensamente. (YIN, 2005) A coleta de dados foi realizada por meio da observação participante, em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA SUL), gerenciado pela Secretaria Municipal de Florianópolis – SC. O foco de observação foi o processo de acolhimento com classificação de risco realizado pelo enfermeiro, destacando o atendimento à população, bem como a organização do processo de trabalho. A análise dos dados foi feita seguindo diretrizes do método qualitativo: ordenação, classificação em estruturas de relevância, síntese e interpretação. (MINAYO, 2010) 20 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Angela Cristina Medeiros # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino A interpretação possibilitou uma visão mais ampla do serviço, permitindo desenvolver algumas estratégias de ação de forma que pudesse vir a contribuir com a organização do processo de trabalho. 5 Análise dos Dados A Unidade de Pronto Atendimento Sul (UPA Sul), localizada no Município de Florianópolis, funciona 24 horas por dia e é gerenciada pela Prefeitura Municipal de Saúde, garantindo 100% do atendimento à população através do Sistema Único de Saúde (SUS). Fundada em 10 de setembro de 2008, a UPA Sul conta com atendimento de enfermagem, odontologia, assistência social e três especialidades médicas (Clínica, Cirúrgica e Pediatria). Durante o primeiro ano de funcionamento da UPA Sul não havia um método formalizado de triagem dos pacientes que procuravam atendimento; após a realização do cadastro inicial, eles aguardavam a consulta por ordem de chegada. Muitas vezes, familiares ou funcionários da recepção encaminhavam os pacientes diretamente à sala de emergência para que fossem avaliados, sem que necessariamente se encaixassem em uma situação de risco. O atendimento era feito sem protocolos e eventualmente partindo da percepção pessoal do funcionário, sem registros técnicos no prontuário. Com o aumento crescente da demanda de pacientes e tendo como consequência um maior tempo de espera até o atendimento médico, observou-se a necessidade de uma reorganização no processo de trabalho da unidade, alterando o fluxo de atendimento e implantando o acolhimento com classificação de risco guiado por protocolos. Atualmente, o acesso da população ao serviço de Pronto Atendimento Sul ocorre primeiramente com o preenchimento de um cadastro na recepção, de um sistema informatizado INFOSAÚDE. Através desse cadastro, o paciente já é direcionado a uma especialidade (Clínica Médica, Pediatria, Enfermagem, Clínica Cirúrgica, Odontologia, Assistência Social), conforme a queixa relatada. Após a realização do cadastro, os pacientes aguardam ser chamados para a realização do acolhimento com classificação de risco, salvo em situações de emergência. São verificados os sinais vitais (pressão arterial, temperatura, frequência e cardíaca.) de acordo com a queixa relatada. Por meio do sistema informatizado, o enfermeiro classifica o paciente por cores (amarelo, verde, azul) e ele Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 21 O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul retorna à recepção, onde aguarda ser chamado para a consulta médica. A cor vermelha geralmente não é classificada, pois é considerada emergência, exigindo atendimento imediato, dispensando a classificação e o tempo de espera. Devido ao acolhimento, o enfermeiro tem a possibilidade de reorganizar o fluxo de atendimento, contudo não é uma tarefa fácil. Pacientes classificados como azuis (ambulatoriais), ou seja, que não se encaixam no atendimento prioritário, muitas vezes, geram conflitos com profissionais e até mesmo com outros pacientes, pois se sentem injustiçados pela forma de classificação. A cultura ainda é baseada no modelo biomédico, ou seja, os pacientes procuram a unidade de saúde com anseio de resolver seus problemas por meio de atendimento do profissional médico e da realização de exames e medicações, gerando insatisfação por parte de alguns pacientes em receber o primeiro atendimento pelo profissional enfermeiro. Alguns fatores contribuem para a aglomeração excessiva de pacientes na Unidade de Pronto Atendimento: demanda aleatória com predomínio de pacientes ambulatoriais, deficiência de recursos humanos (equipe médica, enfermagem, radiologia) e sistema de atenção básica ineficiente. Observa-se que o maior número de atendimentos concentra-se na clínica médica, e a equipe médica compõe-se de dois clínicos por plantão, salvo em alguns dias que esse número aumenta para três. Mesmo com três clínicos prestando atendimento, há dias em que o tempo de espera se torna superior a três ou quatro horas. Nesta unidade são recebidos diversos tipos de pacientes: os que procuram atendimento por agravos agudos, os que procuram atendimento por não conseguirem marcação de consultas na unidade básica de saúde (tanto por falta de profissionais quanto pelo número reduzido de fichas distribuídas) e os que realmente não procuram a unidade básica de saúde pela facilidade de encontrar profissionais de saúde, 24 horas por dia, no pronto atendimento. Grande parte dos conflitos gerados por pacientes e por profissionais de saúde refere-se às diferentes concepções sobre o termo “urgência”. Na visão do profissional de saúde, a urgência é caracterizada por uma situação de risco em que há necessidade de uma intervenção imediata; na visão do paciente, a concepção de urgência é bem diferente. Durante o acolhimento é possível observar que, pela ótica do paciente, várias situações se caracterizam como urgência: ter que pegar o filho na escola no final do dia, estar amamentando, estar esperando há dois meses para realizar exames pelo posto de saúde (vem 22 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Angela Cristina Medeiros # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino ao pronto atendimento, pois aqui é realizado na hora), a medicação terminou e está sem receita, entre outros. Pela classificação de risco, o profissional enfermeiro procura ouvir a queixa do paciente e orientá-lo a procurar o serviço de saúde mais apropriado, orientando a função do serviço de urgência e emergência, pois muitos pacientes procuram a Unidade de Pronto Atendimento com a perspectiva de que todos os seus problemas sejam resolvidos ali. Mesmo com a orientação de que seu problema de saúde não poderá ser solucionado neste local, o enfermeiro não tem autonomia para encaminhar o paciente à unidade de referência sem que ele seja atendido pelo médico para, então, poder ser referenciado. A alta demanda de pacientes no serviço de pronto atendimento se dá principalmente pela dificuldade de referência e de contrarreferência à rede básica de saúde. Nascimento et al. (2011 apud LOPES, 2011, p. 29 ) referem que: A articulação entre os diferentes níveis de serviços de saúde, a organização do fluxo de pacientes e a obtenção de referências resolutivas, são elementos indispensáveis para se promover a universalidade do acesso, e equidade na alocação de recursos e a integralidade na ação prestada. Porém na prática, a inexistência de um sistema de referência e contra referência, interfere na qualidade do atendimento resultando em acúmulo de usuários no serviço e insatisfação e sobrecarga dos funcionários do setor. Mesmo sendo o usuário classificado como não grave e referenciado ao seu posto de saúde para atendimento, a maioria dos pacientes preferem esperar horas para serem avaliados pelo médico da emergência. Mesmo havendo um fluxograma de atendimento em toda rede municipal, garantindo a referência e a contrarreferência de pacientes entre a Rede de Atenção Básica, as Unidades de Pronto Atendimento, o SAMU e as Unidades Hospitalares, é notável a dificuldade em manter esse sistema. Há uma inversão no fluxo de atendimento, isto é, o atendimento que deveria ser inicialmente realizado na rede básica de saúde, é iniciado no pronto atendimento, onde é percebido que o paciente tem uma falsa ideia de resolutividade, pois é um local no qual são realizados medicações e exames imediatamente sem ter que esperar nas filas da atenção primária. Sendo assim, o problema de superlotação na Unidade de Pronto Atendimento vem se Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 23 O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul agravando, pois a maioria dos pacientes resiste em ser contrarreferenciado às unidades básicas devido à demora na marcação de consultas ou de exames. Um problema muito comum é a falta de profissionais médicos em unidades básicas de saúde, isso faz com que os pacientes, ao procurar sua unidade de saúde, sejam encaminhados ao pronto atendimento para todo tipo de necessidade: renovação de receitas, encaminhamentos para especialidades e requisição para exames, descaracterizando a função de pronto atendimento e causando superlotação da unidade, sobrecarga e má utilização dos profissionais que ali trabalham. É nítido que o processo de acolhimento com classificação de risco trouxe uma melhoria na organização do atendimento ao paciente na unidade, pois prioriza os casos de maior gravidade. Contudo, a maior parte dos usuários que procuram esse serviço poderia ser referenciada à atenção primária, o que, muitas vezes, não é possível devido à falta de profissionais na rede básica. Essa situação geralmente causa uma sensação de abandono e de insatisfação por parte do usuário que precisa se deslocar de um serviço a outro para conseguir atendimento. Em relação às dificuldades detectadas, sugerem-se algumas alternativas de ação, primeiramente, no que diz respeito à classificação por cores, que definirá a ordem do atendimento ao paciente: a) Divulgar fluxograma de atendimento e classificação de risco por cores estabelecendo prioridades de atendimento demonstrado em banners na recepção. b) Fornecer pulseiras com cores da classificação de risco aos pacientes após o acolhimento, para que acompanhem sua ordem de atendimento. c) Designar um funcionário do setor para orientação da população enquanto aguarda atendimento. A divulgação da classificação de risco por cores por meio de banners na recepção, bem como a ajuda de recursos humanos para orientar e sanar dúvidas da população quanto ao processo de classificação de risco, constitui em um fator importante para diminuir a tensão causada pelo tempo de espera, melhorando a qualidade do atendimento. As pulseiras com cores organizariam o atendimento na recepção, visto que os pacientes saberiam sua classificação e, consequentemente, teriam ideia do tempo de espera para o atendimento. 24 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Angela Cristina Medeiros # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Em relação ao sistema de referência e de contrarreferência de pacientes, percebe-se que na prática ainda existem grandes lacunas a serem preenchidas nos modelos de atenção e gestão dos serviços de saúde pública. Os diversos níveis de atenção à saúde devem formar uma rede de recursos de modo que um complemente a ação do outro. Para que haja resolutividade do sistema, primeiramente deve ser estruturada a rede de atenção básica. O sistema municipal de saúde deve garantir recursos financeiros, de forma que seja suficiente o número de recursos humanos e de recursos tecnológicos, a fim de garantir à população consultas e tratamento adequados, sem que seja necessário recorrer às unidades de pronto atendimento para este fim. Um esclarecimento à população sobre quando e como utilizar os serviços de emergência, bem como a capacitação dos profissionais em acolher adequadamente o usuário nos diversos níveis de atenção, contribuirá para um melhor funcionamento do sistema de saúde. Para Rossaneis et al. (2011), o sucesso em reduzir a superlotação nos serviços de saúde de emergência só é possível se for organizado o fluxo de atendimento em toda rede de saúde, como a participação de todos os serviços da rede, pois o grande número de atendimento nos serviços de emergência indica baixo desempenho do sistema de saúde. A proposta do acolhimento na unidade de pronto atendimento assume a postura de reorganizar o processo de trabalho, identificando a demanda e disponibilizando alternativas de tratamento mais adequadas. Segundo Ulhoa et al. (2010), a inovação gerencial deve ser acompanhada de uma cotidiana reflexão, em relação aos critérios de acesso na porta de entrada dos serviços de emergência, atendendo à demanda nos contextos social, político e econômico. Para viabilizar o atendimento aos pacientes que procuram a unidade de pronto atendimento e precisam ser encaminhados às unidades básicas de saúde, sugere-se a criação de um sistema de regulação de consultas informatizado, que permitiria a marcação de consultas na atenção primária, pelo menos um dia na semana, aos casos que necessitassem do atendimento desse serviço com mais urgência. Sugere-se também, por meio desse sistema, agendar o acolhimento nas unidades básicas de saúde, garantindo que o usuário seja atendido por Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 25 O Processo de Acolhimento com Classificação de Risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul um profissional de saúde na unidade referenciada, criando novas alternativas para atendimento da demanda. A partir das medidas estabelecidas, é importante que se mantenha a articulação entre os níveis de atenção primária e urgência e emergência; para isso, torna-se necessária a realização de reuniões periódicas entre representantes dos diversos níveis de atenção e gestores de saúde, para definir estratégias de melhorar o atendimento. 6 Considerações Finais O acolhimento com classificação de risco na Unidade de Pronto Atendimento Sul possibilitou uma melhoria no que diz respeito à priorização do atendimento em relação à gravidade dos casos, o que caracteriza a real função de pronto atendimento. Ainda há dificuldade de aceitação da população no que diz respeito a esse novo método de trabalho; a partir da classificação de risco, os usuários com menor gravidade automaticamente terão um tempo de espera superior aos demais, contudo, grande parte desses usuários não compreende o método de classificação, sentindo-se lesados e, por isso, gerando conflitos entre profissionais de saúde e usuários. O acolhimento como ferramenta de gestão, além de organizar o fluxo de atendimento, possibilita que o usuário seja referenciado para outros níveis de atendimento. Entretanto, na prática, o sistema de referência e de contrarreferência deve estar organizado de forma que o usuário consiga ser alocado nos diversos níveis de atenção, de acordo com sua queixa principal. O redirecionamento dos usuários a outros serviços de saúde visa diminuir a superlotação dos serviços de emergência, mas, para isso, é preciso que a atenção primária esteja estruturada de forma adequada, provida de recursos humanos e tecnológicos, a fim de assegurar o atendimento ao usuário. A partir deste estudo, foi possível concluir que para que haja melhorias no setor de pronto atendimento, é preciso primeiramente educar e orientar a população quanto à utilização desses serviços; é preciso que toda a rede de atenção à saúde esteja estruturada e pactuada, de forma que seja alcançada a tão sonhada acessibilidade, a integralidade e a resolutividade dos serviços em saúde. 26 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Angela Cristina Medeiros # Mário de Souza Almeida # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Para isso, é necessária a participação ativa de gestores, dos trabalhadores e dos usuários na construção desse processo, de forma que as dificuldades encontradas sejam analisadas e discutidas amplamente, sempre objetivando melhoria da assistência e qualificação nos processos de trabalho. Referências AZEVEDO, Ana Lídia de Castro et al. Organização de serviços de emergência hospitalar: uma revisão integrativa de pesquisas. Rev. Eletr. Enf. 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Bookman; 2005. 30 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas Aluna: Camila Blum Weingartner1 Orientador: Mauricio Fernandes Pereira2 Tutora: Isadora Souza Bernardini3 Resumo Abstract Diante das inúmeras mudanças no cenário das organizações, especialmente na gestão pública após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o planejamento estratégico surge como uma ferramenta muito importante para a administração, pois permite nortear as ações gerenciais da organização dentro de um plano previamente determinado de metas e de estratégias diminuindo, com isso, a possibilidade de tomada de decisões equivocadas. Esse artigo visa destacar a importância do planejamento estratégico como instrumento do processo de gestão das organizações de saúde pública, contribuindo para que elas se tornem mais eficientes. Trata-se de uma Revisão de Literatura baseada na consulta de livros e de artigos, tanto na forma impressa quanto eletrônica. Faced with numerous changes within the organizations, especially in public administration after the creation of the Brazilian Unified Health System (SUS), strategic planning emerges as a very important tool for the administration, it allows guiding the management actions of the organization within a predetermined plan of goals and strategies diminishing thereby the possibility of making wrong decisions. This article aims to highlight the importance of strategic planning as a tool in the process of management of public health organizations, contributing to allow them to become more efficient. This is a Literature Review based on consultation of books and articles, both in print and electronic. Palavras-chave: Planejamento Estratégico. Gestão. Saúde Pública. 1 Key words: Strategic Planning. Management. Public Health. Enfermeira Especialista em Emergência Pré-Hospitalar pelo Instituto Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (2009). E-mail: [email protected]. 2 Pós-Doutor pela USP e pela Universidade Técnica de Lisboa; Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC. E-mail: [email protected] 3 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). E-mail: [email protected]. O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas 1Introdução Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, surgiram inúmeros desafios aos gestores, em nível federal, estadual e municipal, bem como para os trabalhadores que atuam na Rede Pública. Com a descentralização político-administrativa e a universalização do acesso aos serviços de saúde, os gestores assumiram um papel fundamental no planejamento e na execução dos serviços. Como parte de suas atribuições, os gestores devem cumprir e fazer cumprir os princípios e as diretrizes do SUS, com destaque para a resolutividade das ações, a integralidade, a igualdade e a preservação da autonomia das pessoas na assistência à saúde, bem como a garantia de informações e de participação da comunidade na efetivação do SUS. (KLEBA; KRAUSER; VENDRUSCOLO, 2011) Do administrador em saúde pública ao gerente da rede de unidades e serviços do setor público de produção de assistência à saúde, esse personagem contemporâneo – o gestor público – defronta-se com uma prática de grande complexidade, resultante de novos desafios, dentre eles o de encontrar a melhor via de obter alta resolutividade e boa qualidade técnico-científica das ações que serão produzidas. (SCHRAIBER et al., 1999) São grandes as dificuldades encontradas na atuação dos responsáveis por gerir, administrar e proporcionar a prestação de serviços satisfatórios e oferecer um atendimento digno para as necessidades de saúde dos cidadãos. As organizações públicas precisam repensar permanentemente o seu papel, visando mudanças sociais, vocação, bem como a capacidade da instituição e do conjunto de trabalhadores. O planejamento estratégico surge, então, como uma ferramenta muito importante para a administração, pois permite nortear as ações gerenciais da organização dentro de um plano previamente determinado de metas e de estratégias diminuindo, com isso, a possibilidade de tomada de decisões equivocadas. Volta-se para as medidas positivas que uma empresa poderá tomar para enfrentar ameaças e aproveitar as oportunidades encontradas em seu ambiente. (ALDAY, 2000) Chiavenato e Sapiro (2003) dizem que planejar é conhecer e entender o contexto; é saber o que se quer e como atingir os objetivos; é saber como se prevenir; é calcular os riscos e saber como minimizá-los; é preparar-se taticamente. Planejar não é apenas vislumbrar o futuro, mas é também uma forma de assegurar a continuidade dos negócios. 32 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Blum Weingartner # Mauricio Fernades Pereira # Isadora Souza Bernardini Schraiber et al. (1999, p. 230) afirmam que [...] a finalidade do planejamento é instruir e a da gestão é processar tal instrução sobre processos de intervenção em saúde. Planejamento e gestão realizam ação estratégica quanto ao trabalho em saúde. O objetivo deste artigo é destacar a importância do planejamento estratégico como instrumento do processo de gestão das organizações de saúde pública, contribuindo para que elas se tornem mais eficientes. Para tanto serão apresentadas a definição do planejamento estratégico, a descrição do processo de construção do planejamento estratégico e a identificação das vantagens de uma organização ao realizar um planejamento estratégico. Trata-se de uma Revisão de Literatura baseada na consulta de livros e de artigos, tanto na forma impressa quanto eletrônica. 2 As Organizações Públicas de Saúde O cenário das organizações públicas de saúde vem passando por grandes mudanças nos últimos anos em busca da melhoria do seu sistema de gestão. De acordo com Rabello (2006), embora se registrem avanços quanto à descentralização e à constituição do Sistema Único de Saúde, os serviços de saúde enfrentam uma crise de governabilidade, de eficiência e de resolutividade. O Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde são as organizações diretamente responsáveis em promover, consolidar e implementar o Sistema Único de Saúde (SUS). Durante os anos de 1990 desenvolveu-se um processo gradativo de descentralização na saúde envolvendo a transferência de serviços, de responsabilidades, de poder e de recursos da esfera federal para a estadual e municipal, percorrendo as diversas áreas de atuação como o planejamento e a programação, o financiamento, a gerência de recursos humanos, a organização e a oferta de serviços e a participação comunitária. (FROTA, 2009) Para Dussault (1992 apud RABELLO 2006, p. 46), [...] por causa da sua importância social e econômica, o setor saúde é uma área disputada por atores que têm interesses divergentes: Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 33 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas os usuários, que querem serviços de qualidade, mas baratos; os profissionais, que querem desenvolver seu conhecimento, suas habilidades, sua profissão, obter uma boa renda, prestando bons serviços; as empresas de materiais e produtos; os seguros; os estabelecimentos privados que querem fazer bons negócios; o Governo, que quer benefícios políticos, etc. A reflexão sobre a organização e a gestão dos serviços de saúde deve considerar essas particularidades e não pode contentar-se em tratar o setor saúde como qualquer outro. Atualmente, no setor saúde, há necessidade de se imprimir novas formas de gestão que deem conta das mudanças sociais e do próprio setor. Assim, o planejamento surge como importante instrumento do processo de gestão das organizações públicas de saúde, objetivando um método de ação governamental efetivo, além de uma prestação de serviços de qualidade aos usuários. 3 Planejamento Para Chiavenato (2004, p. 216), “[...] o planejamento constitui a primeira e mais importante função administrativa, pois é preciso planejar antes de realizar as outras funções como organizar, dirigir, controlar, coordenar”. Nesse sentido, Certo (2003, p. 103) diz que o planejamento é uma atividade necessária para qualquer organização e o conceitua como “[...] o processo de determinar como a organização pode chegar onde deseja e o que fará para executar seus objetivos”. Assim, os dois autores concordam que o planejamento é de suma importância para que a empresa execute as funções administrativas, podendo, assim, organizar, dirigir, controlar e coordenar com a finalidade de alcançar o patamar desejado pela organização. Para Barbosa e Brondani (2005), planejar significa formular sistematicamente objetivos e ações alternativas, e, ao final, a escolha se dará sobre a melhor ação. Também diz respeito a implicações futuras de decisões presentes, pois é um processo de decisões recíprocas e independentes que visam alcançar objetivos anteriormente estabelecidos. Pode-se dizer que planejamento é o processo formalizado para gerar resultados a partir de um sistema integrado de decisões. 34 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Blum Weingartner # Mauricio Fernades Pereira # Isadora Souza Bernardini Segundo Andion e Fava (2002), saber utilizar os instrumentos do planejamento de forma coerente, adaptando-os à realidade da organização, pode ser uma excelente arma competitiva. Para utilizá-la de forma eficaz, é importante que os gestores conheçam bem cada um dos elementos do planejamento e suas funções, assim como as mudanças que estão ocorrendo no contexto competitivo, as quais estão influenciando na própria prática do planejamento e lançando alguns desafios para a sua gestão nas organizações. 4 Planejamento Estratégico Para Pereira (2010, p. 47), [...] planejamento estratégico é um processo que consiste na análise sistemática dos pontos fortes (competências) e fracos (incompetências ou possibilidades de melhorias) da organização, e das oportunidades e ameaças do ambiente externo, com o objetivo de formular (formar) estratégias e ações estratégicas com o intuito de aumentar a competitividade e seu grau de resolutividade. O planejamento estratégico é um importante instrumento de gestão para as organizações na atualidade. Constitui uma das mais importantes funções administrativas e é através dele que o gestor e sua equipe estabelecem os parâmetros que vão direcionar a organização da empresa, a condução da liderança, assim como o controle das atividades. O objetivo do planejamento é fornecer aos gestores e suas equipes uma ferramenta que os abasteçam de informações para a tomada de decisão, ajudando-os a atuar de forma proativa, antecipando-se às mudanças que ocorrem no mercado em que atuam. (ANDION; FAVA, 2002) Trata-se de um processo essencial dentro da organização porque traça diretrizes para o estabelecimento dos planos de ação que resultarão em vantagens competitivas. O planejamento estratégico identifica recursos potenciais, reconhece fraquezas e estabelece um conjunto de medidas integradas que podem ser implementadas assegurando o sucesso dos resultados planejados. (CHIAVENATO; SAPIRO, 2003) De acordo com Pereira (2010), o processo de planejamento é dividido em três momentos, sendo eles: Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 35 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas a) Momento 1 – Diagnóstico Estratégico; b) Momento 2 – Planejamento propriamente dito; e c) Momento 3 – Implantação, acompanhamento e controle do Planejamento Estratégico. 4.1 Diagnóstico Estratégico O diagnóstico estratégico é o primeiro passo do processo de planejamento e é por meio dele que a organização irá se municiar das informações que nortearão o seu direcionamento estratégico. É nesse momento que se descobre se a organização está passando por grandes turbulências que podem, desde o princípio, inviabilizar o processo todo, como é o caso de falência, membros da coalizão dominante em conflito, mudança de diretores por indicação (muito comum em organizações públicas). Em casos como esses, o planejamento estratégico não deve ser iniciado; primeiro terão que ser resolvidos esses problemas. São elementos que dizem respeito a decisões estratégicas. A coalizão dominante da organização deve estar consciente da sua responsabilidade, ou seja, ter consciência que precisa se envolver com o processo. Saber o que realmente é um planejamento estratégico. (PEREIRA, 2011) Pereira (2011, p. 35) afirma que [...] esse momento é o da intenção, do discurso, da aceitação por parte da coalizão dominante da organização, ou seja, do aceite e do compromisso das pessoas que determinam os seus rumos estratégicos. 4.2 Planejamento Propriamente Dito O Planejamento propriamente dito é o momento em que todas as etapas do processo de Planejamento Estratégico são colocadas no papel. São elas: Declaração de Valores, Missão e Visão; Fatores Críticos de Sucesso; Análise Externa (oportunidades e ameaças); Análise Interna (pontos Fortes e Fracos); Matriz FOFA; Questões Estratégicas; Estratégias; e Ações Estratégicas. Nessa etapa é muito importante a sensibilização dos membros da equipe para a importância do Planejamento Estratégico da organização. Não pode 36 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Blum Weingartner # Mauricio Fernades Pereira # Isadora Souza Bernardini haver qualquer dúvida sobre o processo, para que essa dúvida não gere resistências. Na sensibilização busca-se identificar os possíveis focos de resistências. Muitas vezes, essa ocorre por “ignorância” ou desconhecimento do processo de Planejamento Estratégico. 4.2.1 Declaração de Valores Conforme Oliveira (2007 apud PILLON, 2011 p. 76), [...] valores, no contexto estratégico, devem representar, principalmente, os princípios e as questões éticas que a empresa deve respeitar e consolidar ao longo do tempo e que tenham forte influência no modelo de gestão da empresa. São os valores que orientam e guiam as atividades e as operações da organização; são os norteadores de comportamentos organizacionais. Tiffany e Peterson (1998 apud PEREIRA, 2011) dizem ainda que os valores, quando bem definidos, podem ajudar a organização a reagir de forma rápida e decisiva frente a situações inesperadas. Para Vasconcellos Filho e Pagnoncelli (1998 apud PEREIRA, 2011), a Declaração de Valores tem alguns benefícios, como: criar um diferencial competitivo perante o mercado; balizar o processo decisório da organização; orientar o comportamento da organização; determinar o processo de formulação estratégica; orientar o recrutamento e a seleção de pessoas para a organização; e fundamentar o resultado e a avaliação da organização. 4.2.2 Missão A missão é o objetivo fundamental de uma organização, ela traduz a finalidade da empresa e consiste na definição dos seus fins estratégicos gerais. Chiavenato e Sapiro (2003) afirmam que a missão traduz as responsabilidades e as pretensões da organização. A missão da organização representa sua razão de ser, o seu papel na sociedade. De acordo com Oliveira (2007 apud PILLON, 2011, p. 81), Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 37 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas [...] a missão é a determinação do motivo central do planejamento estratégico, ou seja, a determinação de onde a empresa quer ir e de sua razão de ser. Corresponde a um horizonte dentro do qual a empresa atua ou poderia atuar. Segundo Thompson e Strickland (2000 apud ANDION; FAVA, 2002), para definir bem uma missão é preciso considerar três elementos: a) as necessidades do consumidor ou o que está sendo atendido; b) os grupos de consumidores, ou quem está sendo atendido; e c) as tecnologias usadas e as funções executadas ou como as necessidades dos consumidores estão sendo atendidas. Tendo as necessidades dos clientes como foco, a missão é definida dentro de um horizonte de longo prazo. Para Hartmann (1998 apud ALMEIDA, 2007), no momento de definir a missão da organização, é preciso avaliar quais são as habilidades da empresa, não deixando de ser realista e compreensível, sendo flexível e motivadora com a finalidade de satisfazer às necessidades dos clientes atuais e futuros. Porém, Pereira (2011) considera que para as organizações públicas prestadoras de serviço, o desafio é muito maior, uma vez que a prestação de serviço é algo intangível e de complexa mensuração, ainda mais se tratando de qualidade percebida, pois cada um de nós pode visualizá-la de forma completamente diferente. 4.2.3 Visão A visão expressa onde e como a organização pretende estar no futuro. Funciona como uma bússola, mostrando a direção na qual a organização está caminhando. “A visão deve, sobretudo, ser coerente e criar uma imagem clara do futuro e gerar compromisso com o desempenho”. (SERRA et al. 2003 apud PILLON, 2011, p. 42) A partir da visão ocorre a descentralização das empresas e diminuem os níveis hierárquicos, fazendo com que os funcionários e os parceiros decidam e participem da concretização dos objetivos corporativos. (SERRA et al., 2003 apud PILLON, 2011) 38 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Blum Weingartner # Mauricio Fernades Pereira # Isadora Souza Bernardini Andion e Fava (2002, p. 34) afirmam que “[...] a visão atua como um elemento motivador, energizando a empresa e criando um ambiente propício ao surgimento de novas ideias”. Costa (2005 apud ALMEIDA, 2007), quando fala sobre visão, declara que ela deve ser um alicerce para a empresa, tendo em vista torná-la útil para todos os envolvidos na organização. Assim sendo, é preciso defini-la de forma simples, objetiva e compreensiva. Sua função será explicitar o que a empresa quer ser ou aonde quer chegar. A visão servirá de orientação para as ações e decisões que a empresa adotará, com a finalidade de estar bem estruturada. De acordo com Pereira (2010), a elaboração da visão deve partir de alguns elementos para que não se torne irreal: a visão precisa motivar/inspirar os funcionários da organização; precisa ter força, caminhar em direção à grandeza; deve ser clara, concreta e compacta; precisa adaptar-se aos valores da organização; ser fácil de ler e de entender; ser simples e, ao mesmo tempo, poderosa; deve mostrar aonde a organização quer chegar; abranger o espírito desejado pela organização; chamar a atenção das pessoas; descrever a situação escolhida para o futuro; ser desafiadora, ir além do que é confortável. A formulação da visão não é exclusividade da alta gerência da empresa. Ela pode ser estabelecida em qualquer nível hierárquico, individualmente ou em equipes. Para que ela funcione melhor é preciso, entretanto, que ela seja disseminada. Portanto, pode-se dizer que “[...] a visão é mais consistente quando a organização consegue incorporá-la em seus diferentes níveis, fazendo com que estes, de forma sinérgica, busquem alcançá-la no longo prazo”. (ANDION; FAVA, 2002, p. 35) 4.2.4 Fatores Críticos de Sucesso De acordo com Pereira (2010, p. 94), os fatores críticos de sucesso são as condições fundamentais que precisam ser satisfeitas para se obter sucesso no seu setor de atuação. Essas condições são “[...] baseadas na análise do setor e nas forças que a organização identificou como responsáveis pela estrutura do seu negócio”. Assim, segundo Pillon (2011), se essas condições ou variáveis não forem gerenciadas, elas podem prejudicar o processo do planejamento estratégico. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 39 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas 4.2.5 Análise Externa (oportunidades e ameaças) Toda organização, seja ela privada, governamental ou do chamado Terceiro Setor consiste em um sistema aberto, em constante interação com o meio ambiente. Para sobreviver, as organizações precisam de insumos (recursos humanos, recursos financeiros e materiais), que são transformados em bens e serviços, os quais são colocados no mercado, visando o atendimento de uma determinada necessidade. O atendimento dessa necessidade produz resultados que retroalimentam as organizações (receitas e lucro, no caso da empresa; reconhecimento e efetividade social na promoção do bem comum, no caso do Estado e de entidades do Terceiro Setor). Portanto, a relação com o meio externo constitui um fator-chave da própria existência das organizações. Por esse motivo, entender de que se compõe esse ambiente e como ele se organiza torna-se essencial para a gestão das empresas. (ANDION; FAVA, 2002 p. 29) Segundo Oliveira (1999 apud ALMEIDA, 2007), a análise externa procura estudar a relação existente entre a organização e o seu ambiente para que possa identificar e aproveitar possíveis oportunidades e minimizar ameaças advindas do meio externo. Nesse sentido, o estudo do ambiente externo pode trazer muitas surpresas, mas é de suma importância para orientar o planejamento na tomada de providências imediatas para um melhor aproveitamento das oportunidades e/ ou para evitar as consequências negativas provenientes das ameaças. (COSTA, 2005 apud ALMEIDA, 2007) Pereira (2010, p. 102) conceitua as oportunidades como [...] os fatores externos que facilitam o cumprimento da missão da organização ou mesmo as situações do meio ambiente que a organização pode aproveitar para aumentar sua competitividade. O autor diz, também, que as ameaças são os elementos negativos, aqueles que criam obstáculos a sua estratégia e dificultam o cumprimento da missão da organização, podendo ou não ser evitados quando conhecidos em tempo hábil. 40 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Blum Weingartner # Mauricio Fernades Pereira # Isadora Souza Bernardini 4.2.5.1 Análise das Variáveis Externas Existem inúmeras variáveis ambientais que vão influenciar direta ou indiretamente a organização. Chiavenato e Sapiro (2003) destacam alguns ambientes muito importantes para o estudo: a) Econômico: juros, câmbio, renda, nível de emprego, renda da população, padrão de consumo, inflação e índices de preços. b) Político/Legal: leis, políticas governamentais de incentivo e/ou restrição, influências políticas e dos demais grupos de interesse; legislação federal, estadual e municipal e estrutura de poder. c) Socioculturais: preferências, tendências populacionais, cultura, nível educacional, estilo de vida e distribuição etária e geográfica da população-alvo da empresa. d) Ecológico: nível de desenvolvimento ecológico, índices de poluição e legislação existente. e) Demográfico: tamanho, densidade e distribuição geográfica da população, mobilidade da população e processo migratório, taxa de crescimento e de envelhecimento da população, taxa de casamentos, de natalidade e mortalidade, estrutura etária, estrutura familiar e residencial, nível de escolaridade e composição étnica e religiosa da população. f) Tecnológicos: pesquisa e desenvolvimento de produtos na área, avanços tecnológicos e custos envolvidos. A relevância de determinados aspectos para uma organização depende de seu negócio, porte e mercado. No entanto, cabe ao administrador ter em mente que, a longo prazo, a análise dos níveis ambientais, assim como o relacionamento existente entre eles, influenciam as operações das organizações e são determinantes do sucesso organizacional. 4.2.5.2 Análise da Concorrência A análise da concorrência tem como finalidade obter informações necessárias dos concorrentes, permitindo estabelecer parâmetros de comparação. Uma alternativa para realizá-la é através do benchmarking. As informações obtidas ajudam a conhecer a posição da empresa no setor diante dos seus concorrentes. (PEREIRA, 2010) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 41 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas De acordo com Tiffany e Petterson (1998 apud ALMEIDA, 2007), para compreender os concorrentes é preciso entender como os clientes tomam suas decisões, como usam os produtos, qual é a capacidade de seus concorrentes e as estratégias adotadas por eles, e de onde virão concorrentes potenciais futuramente. 4.2.5.3 Análise da Competitividade: o modelo de Porter Conforme Pillon (2011), outra forma de realizar a análise do ambiente é através das cinco forças competitivas de Porter (1989), as quais determinam a força da organização em sua taxa de retorno sobre os investimentos aplicados. São elas: ameaça de entrada de novos concorrentes, rivalidade entre os concorrentes existentes, ameaça de produtos substitutos, poder de negociação dos compradores e o poder de negociação dos fornecedores. Porter (1989 apud ALMEIDA, 2007) afirma que para obter um bom resultado no desenvolvimento de uma estratégia, é necessário pesquisar e analisar as fontes de cada força. A análise dos cinco pontos pode contribuir para a avaliação dos pontos fortes e fracos da organização, mas é preciso criar estratégias para que a empresa seja competitiva e esteja na melhor posição possível no campo competitivo (STONNER; FREEMAN, 1995 apud ALMEIDA, 2007, p. 29) 4.2.6 Análise Interna (pontos Fortes e Fracos) Para Almeida (1999 apud OLIVEIRA, 2007), a análise interna busca estudar e evidenciar as deficiências e as qualidades organizacionais, ou seja, os pontos fortes a serem otimizados e os fracos que precisam ser corrigidos. É por meio dessa análise que se sabe quanto recurso se tem disponível e quais os pontos vulneráveis que existem na empresa para estabelecer as estratégias. Pereira (2010, p. 109-110) define os pontos fortes como as “[...] características ou recursos disponíveis da organização que facilitam o resultado [...]” e os pontos fracos como “[...] características ou limitações da organização que dificultam a obtenção de resultado”. Tiffany e Peterson (1998 apud ALMEIDA, 2007) enfatizam que os pontos fortes são as capacidades, os recursos e as habilidades que auxiliam a desen- 42 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Blum Weingartner # Mauricio Fernades Pereira # Isadora Souza Bernardini volver estratégias e a alcançar metas estabelecidas. Os pontos fracos de uma organização correspondem à falta de capacidade de recursos em relação à concorrência, o que pode dificultar ou até mesmo impedir o desenvolvimento de estratégias e o alcance das metas. Por meio da análise dos pontos fortes e fracos, a equipe que realiza o Planejamento Estratégico poderá determinar com mais clareza as prioridades em termos de ameaças e de oportunidades existentes no ambiente externo. Com isso, eles terão as informações necessárias para determinar os objetivos e as estratégias que possam aproveitar melhor as competências da empresa e equacionar os problemas internos identificados, assim como responder às ameaças e oportunidades percebidas externamente. (ANDION; FAVA, 2002) Pereira (2011) destaca a importância de discutir se um elemento específico é um ponto forte ou fraco, pois no momento da programação estratégica, as estratégias serão diferentes para os diferentes pontos. 4.2.7 Matriz FOFA Matriz FOFA, SWOT em inglês, é a junção dos quatro elementos-chaves da análise estratégica: Strenghts: pontos fortes; Weaknesses: pontos fracos; Opportunities: oportunidades; Threats: ameaças. Trata-se de uma síntese da análise externa e interna que permite identificar os elementos-chaves para gestão da organização e estabelecer prioridades de atuação. (FISTAROL, 2007 apud MELLO, 2008) Ansoff e Mcdonnel (1993 apud ALMEIDA, 2007) destacam a utilização da análise SWOT, uma vez que essa análise identifica as ameaças e as oportunidades existentes confrontando-as com os pontos fortes e fracos tradicionais da empresa. Com os resultados alcançados, a organização pode traçar estratégias e tomar decisões quanto às oportunidades a serem aproveitadas, além de concertar os pontos fracos e de remover as ameaças que serão enfrentadas. Segundo Pereira (2010), a organização deve fazer uma reflexão ao término da Análise Externa e Interna e localizar todos os elementos listados individualmente e posicioná-los na Matriz FOFA. Após, todos os pontos fortes devem ser ligados aos pontos fracos e também com todas as oportunidades e ameaças, sempre questionando se o ponto forte “x” ajuda a acabar com o ponto fraco “y”, aproveitar a oportunidade “z” ou minimizar o impacto da ameaça “w”. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 43 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas Para o autor, uma organização que tenha mais respostas sim estará mais e melhor posicionada no mercado. 4.2.8 Questões Estratégicas, Estratégias e Ações Estratégicas A palavra estratégia tem como significado “a arte do general”, sendo esse termo utilizado ao longo dos anos, derivando-se da palavra strategos, que significa general. Antigamente, as estratégias eram expressões usadas por generais em seus combates, formulando meios pelos quais visavam vencer suas batalhas. Entretanto, com o passar do tempo, a palavra estratégia foi incorporada ao mundo dos negócios, de forma que ela começou a ser utilizada pelas organizações significando a maneira como elas se comportavam e agiam frente ao seu ambiente. Mintzberg e Quinn (2001 apud ALMEIDA, 2007) dizem que uma estratégia, quando bem formulada, auxilia na alocação de recursos para a organização e ajuda a empresa a ser ordenada para que ela tenha uma postura singular e viável, baseando-se nas suas competências e nas deficiências internas, agindo de forma segura diante das possíveis mudanças de seus concorrentes e tomando providências para manter-se sustentável. A essência da estratégia está em desenvolver vantagens competitivas no futuro mais rápido antes do que os concorrentes possam imitar. Assim, a melhor vantagem competitiva de todas ocorre quando uma organização tem a capacidade de melhorar suas habilidades já existentes e de aprender novas habilidades. (HAMEL; PRAHALAD, 1994 apud PEREIRA, 2011) Andrews (1992 apud PEREIRA, 2010, p. 123) conceitua estratégia de forma abrangente: A estratégia corporativa é o padrão de decisões de uma organização que determina e revela seus objetivos, propósitos ou metas; produz as principais políticas e planos para atingir aquelas metas e define o alcance do negócio da organização, bem como o tipo de organização que ela é ou deseja ser, até mesmo a natureza da sua contribuição econômica ou não econômica, para seus acionistas, empregados, clientes e comunidade. Dessa forma, Chiavenato (1994 apud ALMEIDA, 2007) diz que estratégia é um conjunto de objetivos e de políticas principais, os quais são adequados para guiar e para orientar o comportamento da organização a longo prazo. 44 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Blum Weingartner # Mauricio Fernades Pereira # Isadora Souza Bernardini Pereira (2010) afirma que formular o processo estratégico de uma organização é um ponto fundamental do Planejamento Estratégico. Segundo o autor, questões estratégicas “[...] são os grandes temas ou projetos a serem elaborados e implementados para o Horizonte Estratégico definido na Visão”. (PEREIRA, 2010, p. 128) Então, a organização passa a formular as Estratégias, quantas forem necessárias para resolver cada uma das Questões Estratégicas. E para cada Estratégia devem-se listar Ações Estratégicas. Pois, o que fazer, muitas vezes é até fácil, o grande desafio está em como fazer. Assim, para cada uma das diferentes Estratégias haverá várias Ações Estratégicas. Nas Ações, o nível de detalhamento é bastante grande, pois envolve o como fazer. Então é importante a organização se concentrar na construção de suas Ações Estratégicas, pois sem elas, não será possível atingir a Estratégia, nem resolver as Questões Estratégicas, prejudicando o seu Planejamento Estratégico. (PEREIRA, 2010) 4.3 Implantação, Acompanhamento e Controle do Planejamento Estratégico Segundo Pereira (2011), a implantação corresponde ao momento no qual a organização deve colocar em prática o documento de Planejamento Estratégico. É geralmente nessa etapa que o Planejamento Estratégico começa a dar errado, pois, muitas vezes, não é dado o devido valor para a implantação, uma vez que as pessoas acabam voltando para as suas funções tradicionais na organização e se esquecendo de implantar o processo de planejamento. Por isso, a fim de garantir o sucesso na implantação do processo de Planejamento Estratégico, é importante criar uma equipe para acompanhar e para avaliar a implantação e resolver possíveis problemas que as pessoas venham a enfrentar neste momento. A execução das ações estabelecidas deve ser analisada constantemente, visando mensurar desempenho x investimento e verificar se o cronograma está sendo cumprido. Só assim será possível identificar as dificuldades e as prováveis falhas, possibilitando mudança de estratégia caso seja necessário. Para Oliveira (2001 apud ALMEIDA, 2007), com base nas decisões tomadas, nas estratégias traçadas e aplicadas na organização, o papel fundamental de controle e de avaliação é o de acompanhar o desempenho do sistema, comparando os objetivos e os desafios propostos e quais foram alcançados. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 45 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas Uma ferramenta empregada para a avaliação e controle de um plano de ação é o Balanced Scorecard (BSC), que focaliza o desempenho organizacional sob quatro perspectivas: a financeira, a dos clientes, a dos processos internos e a do aprendizado e do crescimento. (PEREIRA, 2011) Silva (2003) enfatiza que a proposta do BSC é tornar compreensível, para todos os níveis da organização, a visão, a missão e a estratégia, para que todos saibam o que fazer e de que forma suas ações impactam no desempenho organizacional. A intenção é canalizar os esforços, evitando a dispersão das ações e dos recursos empreendidos em prol da implementação das estratégias. O BSC ajuda os gerentes a compreenderem interconexões dentro da organização. Essa compreensão contribui para a transposição de barreiras funcionais, proporcionando melhorias no processo decisório. (KAPLAN; NORTON, 2000 apud SILVA, 2003, p. 71) 4.4 Vantagens para uma Organização ao Realizar um Planejamento Estratégico Há vários benefícios oriundos do planejamento estratégico, como agilidade nas decisões, melhoria da comunicação, aumento da capacidade da gerência tomar decisões, promoção da consciência coletiva, proporcionar visão de conjunto, maior delegação de atividades, direção única para todos e tornar mais efetiva a alocação de tempo e os recursos para a identificação de oportunidades. (MELLO, 2008) Além de ser um instrumento administrativo facilitador e otimizador das interações da organização com os fatores ambientais, uma das principais vantagens do planejamento é o estabelecimento de um curso de ação que promova a coordenação dos recursos internos da organização com seus desafios políticos e externos. Outra vantagem do planejamento é que ele ajuda os administradores públicos a tomar as decisões atuais que têm a melhor chance de produzir as consequências desejadas – tanto no presente como no futuro. Oliveira (1988) e Greenley (1986) (apud PEREIRA, 2011) também elencam uma série de vantagens para uma organização ao realizar um Planejamento Estratégico. Dentre elas destacam-se: minimizar os recursos e o tempo que devem ser dedicados a corrigir erros de decisões, pois a empresa 46 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Blum Weingartner # Mauricio Fernades Pereira # Isadora Souza Bernardini estará focada naquilo que realmente importa para ela; permitir e ordenar as prioridades dentro do cronograma do plano; ajudar a ordenar as ações individuais em uma organização dirigida para o esforço global; fornecer uma base para o esclarecimento de responsabilidades individuais e contribuir para a motivação dos membros da organização; ampliar o horizonte de análise dos dirigentes, orientando-os na prospecção do ambiente em que a organização irá operar, bem como suscitar novas ideias sobre oportunidades a serem exploradas; apontar os problemas que podem surgir antes que eles ocorram; melhorar a canalização dos esforços para a realização de estratégias; permitir que os gestores tenham uma clara visão do negócio. 5 Considerações Finais Com mudanças substanciais nos modos de organização e de gestão do trabalho e um mundo em constante movimento, o planejamento é mais do que necessário para a manutenção das diferentes organizações visando coordenar a política e propor estratégias e mecanismos de fortalecimento da gestão. Por meio da revisão de literatura realizada para o desenvolvimento deste artigo foi possível destacar o planejamento estratégico como importante instrumento do processo de gestão das organizações de saúde pública. O Planejamento Estratégico deve ser visto como um instrumento dinâmico de gestão, que contém decisões antecipadas sobre a linha de atuação a ser seguida pela organização no cumprimento de sua missão. Uma organização pode obter vários benefícios praticando de forma correta o planejamento estratégico. Um dos benefícios é que ele ajuda os administradores a tomar as decisões que têm a maior chance de produzir as consequências desejadas – tanto no presente como no futuro. O Planejamento permite aos administradores saber onde a organização está hoje em dia, quais são os seus recursos e aonde desejam chegar. Para tanto, é necessário que haja envolvimento e comprometimento de todo o quadro funcional da organização em todas as fases do planejamento estratégico. Os trabalhadores precisam ser dedicados, possuir experiência, envolvimento com o negócio da organização e, ainda, eles podem obter constante aprendizagem para buscar novas perspectivas no processo de mudança e de melhoria contínua. Em suma, a estratégia deve ter uma premissa inicial, que poderá ser aprimorada com base em ideias que possam surgir. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 47 O Planejamento Estratégico na Gestão de Organizações Públicas Referências ALDAY, Hernan E. Contreras. O Planejamento Estratégico dentro do conceito de cdministração estratégica. Revista FAE, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 9-16, maioago., 2000. Disponível em: <http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/revista_da_ fae/fae_v3_n2/o_planejamento_estrategico.pdf>. Acesso em: 31 maio 2007. ALMEIDA, Rogério Vidal de. Elaboração de um planejamento estratégico para o supermercado Daiane. Trabalho de conclusão de Curso. Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Administração, SC, 2007. 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Utilizou-se como caminho metodológico a análise documental das atas do CMS de fevereiro de 2010 a junho de 2012, considerando-se três elementos: forma de participação dos CLS na reunião do CMS, quantidade e tipos de demandas dos CLS, e demandas e encaminhamentos advindas do CMS. Evidenciou-se pouca participação dos CLS nas Plenárias do CMS e essa, realizada, em grande parte, através de encaminhamentos por escrito com demandas e reivindicações locais, apesar de constatada participação de representantes dos CLS nas Plenárias, não é significativa. This article aims to reflect on links between Local Health Councils and Municipal Health Council Florianopolis from the perspective of deliberative citizenship and social control. Was used as a methodological way the documentary analysis of the minutes of the Municipal Health Council from February 2010 to June 2012 based on three elements: form of Local Health Councils participation in the meeting of Municipal Health Council, quantity and types of claims and demands of Local Health Councils and referrals resulting from the Municipal Health Council. It was evidenced little of Local Health Councils participation in the Municipal Health Council and the Plenary, held largely through referrals written with local demands and claims. Although observed participation of representatives of Local Health Councils in Plenary, this is not significant. Palavras-chave: Cidadania Deliberativa. Conselhos de Saúde. Controle Social. 1 Key words: Deliberative Citizenship. Health Councils. Social Control. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). Especialista em Saúde da Família – modalidade Residência 2007-2009 (UFSC). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001). E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações e Bacharel em Administração pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira 1Introdução A legitimação dos mecanismos de participação e de controle social na área da saúde ocorreu a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, mais especificamente através da Lei n. 8.142/90, que dispõe, entre outras dimensões, sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde. Entre os mecanismos, destacam-se os conselhos de saúde, legitimados nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal –, de caráter permanente e deliberativo. No município de Florianópolis, a partir da Resolução n. 010/2008 do Conselho Municipal de Saúde, os conselhos de saúde passaram a estar presentes também em âmbito local através de conselhos locais de saúde, que têm como objetivo auxiliar no controle social e no planejamento de ações na área da saúde, visto que percebem mais facilmente as demandas da população e do local onde estão implantados. Esses espaços, embora não previstos em lei, [...] se traduzem em instrumentos democráticos da população e contribuem para a viabilização de um prestação mais eficiente de serviços públicos e de efetivação de dinâmicas de gestão descentralizada (BRAVO, 2001; JACOBI, 1990 apud ALVES, 2004 p. 53). Porém, é importante destacar que os conselhos locais de saúde não possuem caráter deliberativo, apenas consultivo; e, por isso, é fundamental que esses espaços, por serem instâncias legítimas de representação da sociedade civil, estejam em constante articulação com o Conselho Municipal, a fim de desenvolverem ações complementares e de forma que suas demandas e necessidades sejam postas em pauta, debatidas e deliberadas por esse Conselho. Com base no exposto, o presente artigo tem como objetivo adensar a reflexão acerca da articulação entre os Conselhos Locais de Saúde (CLS) e o Conselho Municipal de Saúde (CMS) do município de Florianópolis a partir da ótica da cidadania deliberativa e do controle social. O caminho metodológico utilizado para elaboração desse artigo foi a análise documental das atas do CMS de Florianópolis no período de fevereiro de 2010 a junho de 2012 com o intuito de avaliar como se deu a articulação dos conselhos locais de saúde nas reuniões do CMS. Esse período compreende Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 51 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social dois momentos distintos: o primeiro, caracterizado pela vigência do Plano Municipal de Saúde 2007-2010, e o segundo, pela vigência do Plano Municipal de Saúde 2011-2014 e pela mudança dos conselheiros e da coordenação do Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis. Dessa forma, inicialmente buscou-se contextualizar brevemente a política de saúde no Brasil e a legitimação dos conselhos de saúde como mecanismos de participação e controle social. Em seguida realizou-se uma reflexão, baseando-se em alguns autores, sobre o entendimento de cidadania deliberativa, controle social e participação social com o intuito de caracterizar ambos os espaços e fundamentar a necessidade de articulação entre eles. Por fim, estruturou-se a apresentação dos dados da pesquisa, seus resultados e a análise deles, que teve como método principal a análise de conteúdo, a qual, de acordo com Bardin (1979), é um conjunto de técnicas de análise que visa obter, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das fontes analisadas, indicadores que permitam inferir conhecimentos acerca dessas fontes. 2 A Política de Saúde e os Conselhos de Saúde como Lócus da Cidadania Deliberativa, da Participação e do Controle Social Com o advento da Reforma Sanitária Brasileira – que tinha como principais ideais a democratização do acesso, a universalização das ações de saúde e a descentralização dos serviços, visando ampliar a participação e o controle social por parte da sociedade civil (BRAVO; MATOS, 2006) - e da VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986, considerada um marco no processo de reordenamento do modelo de atenção à saúde, é que foi instituído um sistema único de saúde e o conceito de saúde foi ampliado. A saúde tornou-se direito de cidadania e dever do Estado, cabendo ao Estado garantir [...] condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade. (BRASIL, 1996 apud CZERESNIA, 2003, p. 43) 52 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira Em seu sentido mais amplo, a saúde passou a ser resultante de condicionantes como alimentação, educação, lazer, habitação, trabalho, renda, meio ambiente, liberdade, acesso e posse de terra e acesso aos serviços de saúde. (BRASIL, 1997 apud PEREIRA, 1997) Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, materializou-se um novo modelo de proteção social através da Seguridade Social, que passa a ser constituída pela Saúde, Previdência e Assistência Social. Esse modelo de proteção entende a Seguridade como dividida em dois eixos, um contributivo – Previdência Social – e outro distributivo – Saúde e Assistência Social (PEREIRA, 2002). Pode-se afirmar que a Saúde e a Assistência inovaram o sistema de proteção social brasileiro, proporcionando acesso universal, incondicional, igualitário e sem contrapartida aos bens e serviços disponíveis, pelo menos no que se refere ao texto constitucional. (PEREIRA, 2002) Em se tratando da saúde, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) também é afirmada na Constituição de 1988 e as diretrizes que orientam este sistema estão dispostas nos incisos do artigo 198: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. (BRASIL, 1988, art. 198, grifo nosso) Regulamentado em 1990, através das Leis Orgânicas de Saúde – Lei n. 8.080/90 e Lei n. 8.142/90 –, o SUS apresentou diversos avanços no que se refere às condições para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde e acerca da participação da comunidade na gestão do SUS. O modelo de política de saúde adotado no Brasil, depois da Constituição Federal de 1988, buscou legitimar e ampliar o acesso da população aos serviços de saúde, concretizando a cidadania social, a participação e o controle social por parte da sociedade civil, bem como efetivar a participação das três esferas de governo na gestão do Sistema Único de Saúde. Através da Lei n. 8.142/90, institui-se como mecanismos para a participação e o controle social as conferências e os conselhos de saúde. As primeiras ocorrem a cada quatro anos e possuem caráter consultivo, tendo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 53 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social como objetivo propiciar uma discussão entre o Estado e os diversos segmentos da sociedade civil acerca da política de saúde e sua gestão. Já os conselhos, órgãos colegiados, compostos por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários com a finalidade de formular estratégias e controlar a execução da política de saúde (BRASIL, 1990). Ambos estão previstos nos três níveis de governo – nacional, estadual e municipal. Em alguns municípios, os conselhos também estão presentes em âmbito local através de conselhos locais de saúde, que são espaços de articulação e amadurecimento de propostas utilizadas como forma de enfrentamento dos embates na luta pela saúde por usuários e profissionais de saúde. É um espaço privilegiado para a discussão das questões de saúde referentes à determinada localidade e para a elaboração de propostas que devem ser levadas e defendidas em instâncias decisórias. (BRAVO, 2001 apud ALVES, 2004) Os conselhos de modo geral facilitariam o que se chama de cidadania deliberativa, na medida em que possibilitam a prática cidadã de forma direta dentro de espaços públicos democraticamente constituídos que desenvolvem suas ações interagindo com os poderes públicos (TENÓRIO, 2012). A cidadania deliberativa pode ser caracterizada pela legitimidade de suas decisões geradas a partir de processos de discussão, orientados pelos princípios da inclusão – que pressupõem a incorporação de atores individuais e coletivos antes excluídos dos processos participativos e decisórios; do pluralismo – envolvendo uma multiplicidade de atores, que com seus diferentes pontos de vista auxiliam na construção das políticas públicas; da igualdade participativa – que preconiza a isonomia efetiva de atuação nos processos decisórios; da autonomia – apropriação indistinta do processo decisório nas políticas públicas; e do bem comum. (VILLELA, 2012) Os conselhos de saúde são também denominados de conselhos gestores de políticas públicas e “[...] são importantes, pois são fruto de lutas e demandas populares e de pressões da sociedade civil pela redemocratização do país” (GOHN, 2001, p. 84). A Lei n. 8.142/90 preconiza o caráter deliberativo dos conselhos, reconhecendo-os como “[...] parte do processo de gestão descentralizada e participativa, e os constitui como novos atores deliberativos e paritários”. (GOHN, 2001, p. 88) Entretanto, exatamente por serem constituídos de forma paritária, 50% representantes de usuários e 50% representantes do governo, os Conselhos são canais, ao mesmo tempo, de participação coletiva e de criação de novas relações políticas entre governos e cidadãos, e espaços de conflito e de lutas 54 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira entre interesses contraditórios, confirmados pela diversidade de segmentos da sociedade neles representados. Logo, os conselhos não são mecanismos acima da sociedade, nem instâncias isoladas, que se tornam imunes a conflitos de interesses, cooptação, entre outros. (BRAVO; CORREIA, 2012) Em outras palavras, os conselhos não são [...] espaços neutros, nem homogêneos, pois neles existe o embate de propostas portadoras de interesses divergentes para dar o rumo da política específica na direção dos interesses dos segmentos das classes dominantes ou das classes subalternas, lá representados” (CORREIA, 2006, p. 18). Sua atuação ora objetiva a criação de espaços de debate públicos e a proposição de políticas públicas; ora visa ao estabelecimento de mecanismos de negociação e pactuação entre os segmentos que compõem os conselhos. São espaços de aprendizado de cidadania e possuem uma representatividade muito mais política do que social (CARVALHO, 1995, apud CORREIA, 2002). Porém, deve-se ressaltar, novamente, que os conselhos são espaços contraditórios que podem servir tanto para legitimar quanto para reverter o quadro hegemônico que está posto. Essa ambiguidade é possível por serem os conselhos espaços que possibilitam a inclusão de novos atores, antes excluídos dos processos decisórios, pelo fato de os diferentes agrupamentos sociais experimentarem estágios distintos de amadurecimento político e social e por serem espaços que preconizam a negociação e os processos de decisão como eixo central. Entrementes, com base na dimensão conceitual de cidadania deliberativa, pressupõe-se a inexistência de privilégios nos processos decisórios. A prática de cidadania deliberativa deveria contribuir para evitar a manutenção da divisão entre classes dominantes e classes subalternas, evitando a estratificação e a exploração social e primando pela pactuação dos seus interesses em função do bem comum. No entanto, o que se percebe é que os conselhos tanto podem ser estímulos à participação, como também ser mecanismos de concentração dos recursos nas mãos do Estado, quando a legislação é violada havendo sonegação de informações, nomeação de representantes da sociedade civil sem a mediação de um processo eleitoral democrático, quando há cooptação ou intimidação de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 55 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social conselheiros, quando os conselhos são criados apenas em lei, sem que exista real funcionamento, e quando se observam características como clientelismo e paternalismo presentes nas relações entre governo e sociedade civil. A oscilação entre os interesses dos representantes dos conselhos é frequente, visto serem esses espaços contraditórios. Assim, segundo Correia (2005), os representantes do segmento dos profissionais de saúde ora aliam-se às classes dominantes visando assegurar interesses corporativistas, ora aliam-se às classes subalternas visando defender a saúde pública. Assim ocorre também com os gestores e prestadores públicos, visto que eles podem contribuir para o controle social desenvolvendo uma gestão transparente e democrática ou dificultá-lo e até impedi-lo, quando, por exemplo, não respeitam o critério da paridade, manipulam a escolha de representantes, intimidam conselheiros, entre outros. Destaca-se que, no Brasil, ainda é comum a identificação dessas práticas, que reproduzem a lógica do patrimonialismo, principalmente em localidades onde a disseminação da informação e o controle social ainda aparecem timidamente. Segundo Bravo (2004), os conselhos são visualizados na relação Estado/ Sociedade na perspectiva de democratização da mesma, porém nem sempre conseguem modificar essa relação. Prova disso, é trazida por Bravo (2000 apud SOUZA, 2004) quando afirma que as escolhas das entidades representativas dos usuários não têm sido precedidas de elegibilidade de critérios, abrindo possibilidades de uma participação elitista e burocrática, na qual a intervenção dos seus representantes enfatiza opiniões pessoais, subjetivas e arbitrárias. Como consequência, os conselhos tornam-se espaços com grande risco de burocratização – entendida a partir de suas acepções, como governo caracterizado por especializações de funções, adesão a regras fixas e hierarquia com linhas de autoridade, responsabilidades demarcadas, intensas rotinas, entre outros; e a partir da organização racional, que estabelece como princípios a estrutura hierárquica formal, a gestão baseada em regras e regulamentos, organização da mão de obra em divisões, pela impessoalidade de relações, entre outros (MORETTO NETO, 2012) – e rotinização de seu funcionamento; e espaços de poder centralizado nas mãos do executivo, fragilizando, na maioria dos casos sua autonomia. (DEGENNSZAJH, 2000) Contudo, os conselhos, por serem “[...] o lócus de participação sócio-política na formulação, na deliberação, na execução, no controle e na gestão das políticas públicas [...]” (BIDARRA, 2006, p. 50), ou seja, por estarem inseridos no que se chama de esfera pública, ainda são um dos espaços mais 56 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira legítimos de participação e controle social; e, se utilizados de forma democrática, podem ser espaços de desenvolvimento da cidadania deliberativa. Esses mecanismos representativos continuam sendo o principal eixo de legitimação da relação sociedade civil e Estado, mas cada vez mais é necessário desenvolver novas formas de participação e de envolvimento dos cidadãos que “[...] permitam ampliar a legitimidade de decisões significativas para a comunidade e aproximar pessoas da complexidade das decisões públicas” (SUBIRATS, 2012, p.11). Sendo assim, faz-se necessário esclarecer o que se está entendendo por cidadania deliberativa, participação social e controle social neste artigo. 2.1 Cidadania Deliberativa O conceito de cidadania durante o correr do tempo sofreu inúmeras modificações e interpretações. Para fins deste trabalho, tomou-se como base o conceito de cidadania deliberativa trazido por Tenório (2012), o qual, segundo ele, está diretamente relacionado com o envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão, planejamento e implementação de políticas públicas. A prática da cidadania deliberativa pode ser considerada aquela por meio da qual os processos decisórios apontam direções que favorecem a liberdade individual, possibilitam a participação nas decisões e colaboram para o bem comum (TENÓRIO, 2012). São aquelas que contribuem tanto para a participação quanto para o controle social. Cidadania deliberativa, portanto, é aquela validada a partir da esfera pública, considerada como “[...] uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões” (HABERMAS, 1997 apud TENÓRIO, 2012) e o espaço onde são constituídas experiências de interação social e busca pelo atendimento das demandas coletivas. Sob essa perspectiva, [...] a esfera pública seria o espaço de intermediação entre Estado, sociedade e mercado, bem como a cidadania deliberativa seria o processo participativo de deliberação baseado essencialmente no entendimento (e não no convencimento ou negociação) entre as partes. (TENÓRIO, 2008b apud CANÇADO, 2011, p. 82) Esfera pública, portanto, seria o espaço onde os cidadãos poderiam “madurar juntos novas opiniões” (INNERARITY, 2006, p. 60 apud TENO- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 57 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social RIO, 2012, p. 29), legitimando suas ações a partir de processos de discussão, princípios da cidadania deliberativa, que permitam formar opiniões e construir coletivamente e democraticamente uma decisão acerca das políticas públicas. Além disso, a cidadania deliberativa pode ser analisada a partir de princípios como inclusão, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e bem comum. Inclusão avalia como a situação em questão inclui os atores sociais na abertura de espaços e na valorização da cidadania. Refere-se à incorporação de atores individuais e coletivos antes excluídos dos processos participativos e decisórios (VILELLA, 2012). Pluralismo relaciona-se à descentralização do poder e à identificação dos atores que compõem e participam das decisões. Preconiza-se que envolva uma multiplicidade de atores que, com seus diferentes pontos de vista, auxiliam na construção das políticas públicas. Já acerca da igualdade participativa entende-se a isonomia efetiva de atuação nos processos decisórios; e sobre autonomia tem-se a apropriação indistinta do processo decisório nas políticas públicas, identificando-se a capacidade de avaliação e resolução dos problemas locais pelas próprias comunidades. Por fim, o bem comum, justificado na melhoria das condições de vida da população. (VILLELA, 2012) Destarte, a cidadania deliberativa pode ser entendida como o cidadão interagindo dentro de espaços públicos e espaços legítimos de participação, buscando pactuar seus interesses em função do bem comum. Além dos mecanismos regulamentados de participação e controle social, como os conselhos, outros espaços podem ser considerados propícios para o desenvolvimento da cidadania deliberativa, como movimentos sociais, associação de bairros, sindicatos, entre outros, visto que também estão aptos a atuar junto a processos deliberativos e de implantação de políticas públicas. 2.2 Participação Social Etimologicamente, a palavra “participação” significa fazer parte, ter ou tomar parte em, porém, a sua utilização vem sendo feita com sentidos e significados completamente distintos dependendo do contexto e do espaço onde ela está sendo utilizada. Para Gohn (2001, p. 13-14), o processo de participação da sociedade civil e sua presença nas políticas públicas “[...] conduz ao entendimento do processo de democratização da sociedade brasileira”. Nesse sentido, a participação torna-se sinônimo de luta por direitos e melhores condições de vida por 58 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira parte da sociedade civil e pode ser considerada um movimento espontâneo dos indivíduos. A participação social, no conceito utilizado nesse artigo, objetiva fortalecer a sociedade civil para a construção de uma nova realidade, sem desigualdades, injustiças, exclusões, discriminações etc. Essa concepção se vincula à cidadania e tem caráter plural (GOHN, 2001). Assim, diversas formas de participação são consideradas relevantes nesta concepção de participação, como por exemplo, grupos de jovens, de idosos ou associação de moradores. Ainda pode ser caracterizada como uma forma de divisão de responsabilidades entre governo e comunidade, sendo a comunidade vista como parceira, corresponsável pela construção de políticas públicas e de uma nova realidade social. Prevê que os cidadãos tenham acesso às informações e estimula que sejam criados e desenvolvidos meios mais eficazes de comunicação. Importa afirmar, assim, que entre os espaços públicos que garantem a participação, no atual cenário sociopolítico brasileiro, destacam-se os conselhos. As experiências dos conselhos demonstram que eles podem ser espaços importantes de participação democrática, de criação de novas relações políticas entre governo e cidadãos e, principalmente, de conquista dos direitos e de luta pela ampliação da cidadania. Isso se dá devido ao fato de serem espaços permanentes, legitimados e onde há o estabelecimento de mecanismos de negociação e pactuação – em que os sujeitos penetram na lógica burocrática estatal para transformá-la e exercerem o controle socializado das ações e deliberações governamentais – é facilitado. (DEGENNSZAJH, 2000) Prazeres, Loureiro e Sarmento (2004) destacam que a participação nos conselhos está intimamente relacionada com o exercício da cidadania e envolve diretamente o direito à participação dos cidadãos no processo de decisão das políticas públicas, principalmente no campo dos chamados serviços sociais, que envolvem a educação, a saúde, o saneamento básico, a recreação, a previdência social e a assistência social, entre outros. Na área da saúde, Correia (2006) afirma que a participação social foi concebida na perspectiva do controle social da sociedade sobre as ações do Estado, atuando desde a formulação de planos, de programas e de projetos, acompanhamento de suas execuções, até a definição da alocação de recursos para que elas atendam aos interesses da coletividade. Com base no exposto, a concepção de participação que se está utilizando para fins desse trabalho é a concepção vinculada à noção de cidadania, que Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 59 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social objetiva o fortalecimento da sociedade civil para a construção de uma nova realidade social. E de forma complementar, entende-se a participação social como “[...] o processo mediante o qual as diversas camadas sociais tomam parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada” (AMMANN, 1980, p. 61), visando o controle social. 2.3 Controle Social O conceito de controle social foi construído nas décadas de 1980 e 1990 com o Movimento Sanitário, mas cabe ressaltar que o termo já possuiu outros significados, servindo para designar concepções distintas, sendo a origem do termo francesa, com o significado de contraprova, verificação, fiscalização, exame. (ALMEIDA; NEIVA, 2006) A concepção atual de controle social está intimamente relacionada com a concepção de participação, legitimada pela Constituição Federal de 1988. Essa concepção não é apenas uma luta legal por um direito adquirido; trata-se de uma forma de potencializar a criatividade da sociedade na elaboração das políticas públicas, visto que é ela quem, em contato com os serviços prestados, principalmente com os serviços de saúde, percebe a efetividade ou não das suas políticas. (SOUZA, 2004) De modo geral, o controle social passa a ser entendido como a fiscalização e controle das ações do Estado pela sociedade, através do acompanhamento da formulação, execução e avaliação das políticas públicas, visando, assim, a atender aos interesses da sociedade civil. Porém outros autores também apontam para sua definição. A atuação de setores organizados na sociedade civil na gestão de políticas públicas com a finalidade de controlá-las para que elas atendam, cada vez mais, às necessidades e às demandas sociais e aos interesses da coletividade é o conceito trazido por Correia (2005) ao se referir ao controle social. Já Carvalho (1997, apud MIOTO; NOGUEIRA, 2006) afirma que controle social é o processo pelo qual a sociedade interfere na gestão pública de forma a direcionar as ações do Estado para atender aos interesses da coletividade. Para Assis e Villa (2003), o controle social é entendido como um espaço de representação da sociedade, onde se articulam diferentes sujeitos, através das suas representações, movimentos populares, entidades de classe, governo, entre outros. Logo, o controle social deve ser visto como um processo 60 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira contínuo de democratização e que implica no estabelecimento de uma nova sociabilidade política e de um novo espaço de cidadania. Destarte, o controle social envolve a capacidade que a sociedade civil tem de interferir na gestão pública, orientando as ações do Estado e os gastos estatais na direção dos seus interesses, tendo em vista a construção de sua hegemonia (CORREIA, 2004). Portanto, pode-se afirmar que essa concepção de controle social exige que a sociedade desenvolva, de diferentes formas, sua capacidade participativa. Em relação ao controle social na área da saúde, destacam-se alguns autores que trazem esse conceito relacionado, principalmente, à cidadania, à participação, aos direitos, entre outros. Entre eles, pode-se citar Barros (1998) – quando aponta o controle social como uma forma de democratização dos processos decisórios com vistas à cidadania e também quando traz a concepção de gestão pública do SUS como essencialmente democrática, devendo ser submetida ao controle da sociedade – e Cohn (2000 apud CORREIA, 2005), que se utiliza do aspecto legal do controle social, ao afirmar que esse controle está relacionado diretamente à participação da sociedade na legislação do SUS e ao caracterizar os conselhos de saúde como principais canais para a realização do controle social. O controle social inspira os conselhos de saúde para que, com a presença de segmentos sociais tradicionalmente excluídos, possam controlar o Estado “assegurando políticas de saúde pautadas pelas necessidades do conjunto social, e não somente pelos desígnios de seus setores mais privilegiados”. (CARVALHO, 1995 apud CORREIA, 2006, p. 8) Enfim, pode-se afirmar que o controle social na área da saúde está voltado para a defesa do SUS e sua efetivação, para a busca pela ampliação do acesso e para a luta e defesa intransigente dos direitos à saúde. Sendo assim, exige-se, além de leis que regulamentem o controle social sobre o Estado, uma política nacional de saúde que venha a afirmar esse controle e a participação da sociedade nas decisões da área da saúde. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 61 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social 3Iniciativas de Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis O Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis é, talvez, um dos mais antigos do Brasil, sendo criado em 1º de novembro de 1989 pela Lei Municipal n. 3.291/89. É caracterizado por ser um colegiado permanente e deliberativo com a finalidade de atuar na Política Municipal de Saúde, formulando estratégias e controlando sua execução, inclusive no que se refere aos aspectos econômicos e financeiros, em acordo com as diretrizes e normas do Sistema Único de Saúde. (FLORIANÓPOLIS, 1993) Conforme as legislações nacional e municipal, o CMS deve se organizar de forma paritária, de acordo com alterações trazidas pela Lei n. 3.970/93, sendo 50% dos segmentos usuários, 25% representantes do segmento profissionais de saúde e 25% representantes de gestores e prestadores de serviço. Ao todo, o CMS de Florianópolis é constituído por 26 conselheiros titulares e 26 conselheiros suplentes. Está organizado em Plenária – instância máxima de decisão e deliberação; Mesa Diretora – composta pelo Presidente, Vice-Presidente, 1º Secretário e 2º Secretário; Presidência – responsável pela condução dos trabalhos e, conforme legislação, centrada na figura do Secretário Municipal de Saúde; Câmara Técnica – órgão de assessoria à plenária; Comissões Intersetoriais – caracterizadas por buscarem subsídios de discussão para a Plenária; Grupos de Trabalho – organismos de assessoramento temporário da Plenária, Câmara Técnica ou Comissões; e Secretaria Executiva – responsável pelas atividades administrativas e logísticas necessárias ao bom funcionamento do conselho. No município de Florianópolis, como já mencionado anteriormente, os conselhos de saúde estão presentes também em âmbito local através de Conselhos Locais de Saúde (CLS), criados no ano 2000 e regulamentados pela resolução do Conselho Municipal de Saúde n. 010/2008. São órgãos consultivos do Sistema Único de Saúde, na área de abrangência da unidade local de saúde e estão diretamente relacionados à hierarquia do Conselho Municipal de Saúde (FLORIANÓPOLIS, 2008). Os CLS atuam nos “ [...] níveis de planejamento local, avaliação da execução e controle social das ações e serviços de saúde ou correlacionados à saúde, 62 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira colaborando na definição de prioridades e estabelecimento de metas a serem cumpridas na área de abrangência da unidade de saúde. (FLORIANÓPOLIS, 2008) Os CLS têm como objetivo auxiliar no controle social e no planejamento de ações na área da saúde, visto que percebem mais facilmente as demandas da população e do local onde estão implantados, porém não possuem caráter deliberativo, necessitando articular-se com instâncias decisórias municipais. Assim, os conselhos locais de saúde são caracterizados como [...] espaços de articulação e amadurecimento de propostas dos usuários e profissionais de saúde no enfrentamento dos embates na luta pela saúde. É o fórum privilegiado para que a população faça discussões sobre as questões referentes à saúde na sua localidade, bem como elaborar propostas a serem levadas e defendidas em instâncias decisórias. (BRAVO, 2001 apud ALVES, 2004, p. 53) Atualmente, existem 31 conselhos locais de saúde cadastrados no município de Florianópolis atuando em prol da melhoria da qualidade de vida e de saúde da população. Conforme o regimento interno do CMS de Florianópolis, os CLS devem manter informações atualizadas sobre sua estrutura e funcionamento, assim como encaminhar suas demandas para o CMS, como forma de serem discutidas e deliberadas. (FLORIANÓPOLIS, 2006) A articulação entre esses espaços de controle social torna-se fundamental para o planejamento da política de saúde com a participação da comunidade, integrando demandas locais às municipais. Com base no exposto, visando-se alcançar os objetivos desse artigo, analisaram-se as formas de articulação entre essas instâncias a partir da análise documental das atas do Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis em dois momentos distintos: o primeiro, caracterizado pela vigência do Plano Municipal de Saúde 2007-2010; e o segundo, pela vigência do Plano Municipal de Saúde 2011-2014 e pela mudança dos conselheiros e coordenação do CMS de Florianópolis. Foram analisadas 29 atas entre os meses de fevereiro de 2010 a junho de 2012 e como critérios de análise estabeleceu-se a forma de participação dos conselhos locais de saúde na reunião do Conselho Municipal, a quantidade e Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 63 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social os tipos de demandas trazidas pelos conselhos locais de saúde e as demandas e encaminhamentos advindas do CMS para os CLS. No primeiro momento, período de fevereiro a dezembro de 2010, o Plano Municipal de Saúde 2007-2010, em vigência, estabelecia como objetivo, em relação à participação social, [...] fortalecer a gestão democrática do SUS, reforçando instâncias formais, ampliando a participação e a capacitação dos diversos segmentos da sociedade para o exercício do controle social e implantando mecanismos de defesa dos direitos da população no Sistema (FLORIANÓPOLIS, 2007). Entre as prioridades e compromissos estabelecidos, não havia menção aos conselhos locais de saúde. Neste período, em relação ao primeiro item de análise, a forma de participação dos CLS nas reuniões do CMS, observou-se que das 13 atas analisadas, nove registraram a presença de conselheiros locais de saúde – sendo que um deles acompanhou nove reuniões. Em apenas quatro, porém, a participação desses conselheiros foi efetiva através da solicitação do direito a voz a fim de apresentar demandas de seus conselhos para a Plenária da instância decisória. Em se tratando de demandas trazidas pelos CLS, verificou-se que em 11 atas foram registrados o recebimento de ofícios, comunicações internas e e-mails pela Secretaria Executiva do CMS com reivindicações dos CLS e, em quatro atas, essas demandas foram apresentadas pelos próprios representantes dos CLS. Em duas atas não houve menção alguma sobre os CLS. Das solicitações dos CLS, que totalizaram 24 nesse período, sete estão relacionadas às eleições deles, seja requerendo a presença de um conselheiro municipal na data da eleição conforme legislação, seja através da validação pela Plenária da sua mesa diretora e regimento interno; três relacionadas a problemas como falta de recursos humanos e equipamentos nos centros de saúde; duas convidando representante do CMS para participar das reuniões do conselho local; duas apresentando problemas nos Centros de Saúde (CS), como formato de marcação de consultas, entre outros; duas requerendo reforma do CS; e duas reivindicando providências em relação a demandas não especificadas nas atas. O restante envolvia questões como: solicitação de espaço nas reuniões do CMS, solicitação de respostas a documentos já encaminhados ao CMS, proteção do CS com grades, problemas relacionados 64 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira à coordenação do CLS, reivindicando providências em relação à demora na marcação de consultas especializadas e exames de média e alta complexidade e solicitando convocação de etapa municipal da IV Conferência Nacional de Saúde Mental. Já no que se refere às questões trazidas pelo CMS para repasse aos CLS, há registro de três atas com solicitação de divulgação de informações aos CLS, como o cancelamento do Fórum de Conselhos Locais de Saúde e convite para a oficina que estabeleceria a Visão e Missão da Secretaria Municipal de Saúde, parte do planejamento estratégico e da construção do Plano Municipal de Saúde 2011-2014. E cinco atas com registros de resposta do CMS às demandas dos CLS. Destaca-se, nesse período, a realização de uma reunião extraordinária da Câmara Técnica do CMS específica para analisar a documentação dos conselhos locais de saúde, como regimentos internos, validação de eleições, análise da eleição da mesa diretora, entre outros e para auxiliar um conselho local de saúde na destituição do seu coordenador, devido à sua postura impetuosa e autoritária. Dessa reunião da Câmara Técnica, surgiu a proposta de criação de uma Comissão de Acompanhamento dos Conselhos Locais de Saúde que foi aprovada pela Plenária do CMS. O segundo momento, que compreende o período entre os meses de fevereiro de 2011 a junho de 2012, caracterizou-se pela vigência do Plano Municipal de Saúde 2011-2014, pela eleição de novos conselheiros municipais de saúde no início de 2012 e pela mudança de Secretário Municipal de Saúde, influenciando diretamente na Presidência do CMS. O Plano Municipal em vigor nesse período foi construído com base na participação social, contando com a presença de conselheiros em diversas etapas do planejamento. Em seu texto, estabelece como um dos objetivos, na perspectiva de parcerias, estimular a participação social a partir dos conselhos locais de saúde, incentivando ações para o fortalecimento do CMS e dos conselhos locais existentes, além de estimular a formação de novos conselhos locais. Entre as metas estabelecidas estão: ampliar o número de CLS registrados no CMS de 61,2% para 85%; avaliar a quantidade de participantes em reuniões dos CLS; avaliar a satisfação dos conselheiros com sua participação nas reuniões dos conselhos locais de saúde, entre outros. (FLORIANOPOLIS, 2010) Foram analisadas as 16 atas que compõem esse período. Dessas, 13 contaram com a participação de conselheiros locais de saúde nas reuniões – Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 65 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social novamente um mesmo conselheiro acompanhando todas as 13 reuniões, com participação esporádica de outros conselheiros – sendo que em apenas cinco houve participação direta deles, com direito a voz junto à Plenária. No segundo item de análise, foi possível perceber reivindicações em 12 das 16 atas estudadas, sendo que algumas chegaram a partir de ofícios, comunicações internas e e-mails, e outras pelos próprios conselheiros municipais, que repassaram informes dos CLS para a Plenária. Entre as demandas, que somaram ao todo 24, sete estão relacionadas às eleições de conselheiros locais de saúde, três à falta de recursos humanos e equipamentos, duas ao deslocamento de médicos de um centro de saúde para cobrir outro centro de saúde, duas solicitando espaço para os CLS nas reuniões do CMS, e o restante sobre vistorias, reforma de CS, realização do Fórum de Conselhos Locais de Saúde, encontro de coordenadores dos CLS, participação de representante do CMS em reuniões do CLS, divulgação dos espaços de controle social nas escolas, visando incentivar a cidadania nas crianças e adolescentes, problemas relacionados ao CS, ocupação de salas anexas ao CS por instituições alheias ao serviço, solicitação de apoio à moção de repúdio e mudanças em relação à atuação da Coordenadoria de Bem-Estar Animal do município. No terceiro item analisado foram percebidas oito atas com demandas do CMS para o CLS como solicitações de divulgação de eventos – entre eles a capacitação de conselheiros e o Fórum dos Conselhos Locais de Saúde –, demandas de divulgação do Plano Municipal de Saúde, informes da Comissão de Acompanhamento dos CLS, solicitação de divulgação do espaço reservado na Plenária para os CLS e da criação de um link no site do CMS para divulgação dos CLS e distribuição de relatórios e de abaixo-assinados sobre o financiamento da saúde. Durante esse período destaca-se a aprovação pela Plenária do Conselho Municipal de um espaço de 15 minutos em cada reunião para os informes dos conselhos locais, no entanto, das sete atas em que esse espaço esteve reservado, apenas quatro foram utilizadas, sendo que em algumas os informes foram repassados por conselheiros municipais ou pela Câmara Técnica. A partir dos dados levantados pela pesquisa, uma reflexão crítica se faz necessária, uma vez que se defende neste artigo a articulação dessas duas instâncias como estratégia fundamental para a efetivação de práticas de participação e do controle social. 66 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira Inicialmente, faz-se necessário ressaltar que os dados colhidos pela pesquisa apontam uma semelhança significativa entre os dois momentos no que se refere à forma de participação dos CLS nas reuniões do CMS – onde se percebeu a priorização do encaminhamento de documentos escritos em relação à participação presencial de representantes dos CLS – e na quantidade e nos tipos de demandas trazidas por eles – 24 em cada período - possibilitando uma reflexão de que a elaboração de um Plano Municipal de Saúde com objetivos relacionados à participação e controle social e a criação ou fortalecimento dos conselhos locais de saúde não contribuem diretamente para a articulação entre CLS e CMS. Todavia, no que tange às demandas vindas do CMS para repasse aos CLS foi possível observar que houve diferença, principalmente no que se relaciona a capacitações e ao acompanhamento dos CLS. Apesar da Comissão de Acompanhamento ser criada pela Plenária do CMS em 2010, sua atuação mostrou-se mais significativa em 2011, quando ocorreram oficinas de capacitação dos conselheiros e a realização do Fórum de Conselhos Locais de Saúde. Foi nesse mesmo ano que se estabeleceu nas reuniões do CMS um espaço permanente de informes dos CLS, possibilitando uma maior articulação entre esses espaços. Assim, o Plano Municipal de Saúde, quando elaborado de forma participativa e comprometida com a sociedade civil, pode contribuir para o comprometimento do gestor com as instâncias de controle social, tornando-se um importante instrumento para o fortalecimento da articulação entre instâncias consultivas e deliberativas. Isso porque possibilita pensar nos conselhos como espaços parceiros da gestão, espaços que, em nível local, percebem mais facilmente as demandas da população e do local onde estão implantados e podem contribuir com sugestões para a resolução dos problemas locais com maior efetividade. A análise documental processada indicou ainda alguns fatores que podem contribuir para a pouca articulação entre as instâncias de controle social estudadas: primeiro, a pouca participação dos representantes dos CLS nas Plenárias do CMS, reflexo, talvez, da compreensão de participação social dos sujeitos sociais envolvidos nesse processo. Partindo-se da trajetória histórica, observa-se que a demanda de participação social e controle social das políticas públicas teve início nas reivindicações dos sujeitos sociais envolvidos com a Reforma Sanitária e com a criação do Sistema Único de Saúde, entrementes, ainda em 1988, os artigos Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 67 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social da Constituição que tratavam desses assuntos foram vetados pelo presidente em exercício, havendo a necessidade de regulamentação das Leis Orgânicas da Saúde – Leis n. 8.080 e n. 8.142 no ano de 1990 – para retomar essa discussão. A partir de então, a participação social e a criação de espaços de controle social tornaram-se um desafio para a gestão, sendo obrigatório o funcionamento de Conselhos de Saúde, a elaboração de Planos e a criação de Fundos de Saúde como critérios para repasse de verbas federais aos Estados e Municípios. Ocorreu uma inversão dos papéis, ou seja, a necessidade de regulamentar esses espaços passou a ser da gestão pública e não da sociedade civil, possibilitando a manipulação desses espaços, sua criação apenas em nível de legislação, sem o funcionamento adequado, entre outros. O mesmo também pode ocorrer no que tange aos conselhos locais de saúde, onde se avalia, com base no município de Florianópolis, que a demanda para criação desses espaços surge, na grande maioria das vezes, da gestão municipal e/ou dos profissionais de saúde que atuam nos Centros de Saúde. Fator que gera um enfraquecimento desses espaços, possibilita um baixo índice de participação dos conselheiros locais nas reuniões, a falta de entendimento deles sobre o funcionamento desses espaços e, consequentemente, a não articulação entre CLS e as instâncias deliberativas municipais. Dessa forma, é necessário trazer à tona a discussão acerca da temática participação social com a sociedade civil, fomentando a retomada das demandas trazidas pelos sujeitos sociais presentes no movimento de Reforma Sanitária e incentivando a busca pela participação como forma de divisão de responsabilidades entre governo e comunidade, sendo a comunidade vista como parceira, corresponsável pela construção de políticas públicas e de uma nova realidade social. Um segundo fator é a recente integração às Plenárias do CMS de um espaço reservado aos conselhos locais, remetendo novamente ao princípio da cidadania deliberativa relacionado à inclusão de novos atores nas instâncias de decisão. Por ser um espaço novo e, de certa forma, inovador, ainda deve ser incorporado à dinâmica de trabalho dos CLS. É necessário que os CLS tenham vontade política de, por vezes, sair do seu limite de abrangência, propondo a constituição de uma agenda comum com outros espaços de participação e controle social, incluindo as instâncias decisórias, proporcionando assim uma ampla discussão das políticas públicas e contribuindo para que sejam construídas de forma participativa e atendendo às necessidades locais. 68 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Martini# Luis Moretto Neto # Juliana Pereira Por fim, a evidência de que uma pré-condição para a possibilidade efetiva de articulação entre essas instâncias parte da vontade política dos sujeitos envolvidos. Ou seja, é necessário que todos os sujeitos tenham a compreensão da importância da participação social, do controle social e da cidadania deliberativa como forma de construir uma política de saúde que atenda, cada vez mais, às necessidades, às demandas sociais e aos interesses da coletividade. 4 Considerações Finais A partir da análise realizada neste trabalho, e tendo como base a cidadania deliberativa, preconiza-se que o cidadão interaja dentro de espaços públicos e de focais legítimos de participação, e não somente através de votações periódicas, intervindo nos processos decisórios de implantação de políticas públicas, contribuindo para o rompimento da manutenção da divisão da sociedade entre classes dominantes e classes subalternas e colaborando para o exercício da participação e do controle social. (TENÓRIO, 2012) Reafirma-se como articulação entre os conselhos locais e o Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis uma das ações mais efetivas no que se refere à formulação de políticas públicas de saúde que contribuam de forma direta para o desenvolvimento local e atendam aos interesses da coletividade. No entanto, é importante ressaltar que a articulação, que tanto se primou neste artigo, somente poderá ser construída se houver uma mudança na cultura de participação e de controle social que oriente os sujeitos coletivos presentes nesses espaços, possibilitando o surgimento de novos tipos de participação, que valorize a ação coletiva, a construção de identidade, o enfrentamento de problemas cotidianos e a criação e efetivação de direitos. (TEIXEIRA, 2002) Assim, neste trabalho procurou-se trazer contribuições referentes à importância da articulação entre espaços legitimados de participação e controle social no município de Florianópolis, porém cabe destacar que certamente aqui não se encerra o debate sobre essas ações. É necessário avançar em direção a uma prática da cidadania deliberativa que busque o fortalecimento e a autonomia da sociedade civil para a efetivação de seus direitos sociais. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 69 A Articulação entre Conselhos Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde do Município de Florianópolis: um olhar sobre a cidadania deliberativa e o controle social Referências ALMEIDA, K. S. de; NEIVA, A. L. Controle social: uma alternativa de combate à desigualdade. In: 33º Congreso Mundial de Escuelas de Trabajo Social, 2006, Chile. Anais… Chile, 2006. CD-ROM. ALVES, Francielle Lopes. 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Por meio de levantamento bibliográfico e de levantamento de dados nas bases epidemiológicas do Ministério da Saúde, constatou-se que a elaboração de uma política municipal voltada para a área de doenças crônicas, com o conhecimento epidemiológico de fatores de risco, e a educação em saúde da população afetada apresentam um potencial de impacto positivo na redução de complicações das doenças, na qualidade de vida e nos custos do serviço de saúde. The aging of population and with it the increasing prevalence of chronic diseases leads to a need for change in the focus of health services. This paper seeks to approach the potential impact of chronic disease management in the public health services in Florianópolis, Santa Catarina, with a focus on cardiovascular morbidity and economy of resources. Through bibliographic search and survey data bases in Ministry of Health, we found that the development of a municipal policy focused on the area of chronic diseases with epidemiological knowledge of risk factors and health education of the affected population has a potential positive impact in reducing complications of disease, costs of the health service and improvement of lifequality. Key words: Chronic Disease Management. Health Services Organization. Cost Analysis. Palavras-chave: Gestão de Doenças Crôni- Processassessment in Healthcare. cas. Organização de Serviços de Saúde. Economia em Serviços de Saúde. Avaliação de Processos em Cuidados da Saúde. 1 Especialista em Medicina da Família e da Comunidade pela Associação Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). E-mail: [email protected]. 3 Especialista (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros 1Introdução As doenças crônicas não transmissíveis são a maior causa de morte em todo o mundo. Segundo a World Health Organization (WHO), essas doenças foram responsáveis por 36 milhões de óbitos. Nesse âmbito, as doenças cardiovasculares foram responsáveis por 48% das mortes no grupo, seguidas pelo câncer (21%), pelas doenças respiratórias crônicas (12%) e pelo diabetes (3%). (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011) Mais de nove milhões do total de óbitos registrados em 2008 foram de pessoas com menos de 60 anos, sendo que 90% dessas mortes – consideradas prematuras – foram registradas em países de baixa e de média renda. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011). Segundo a WHO, homens e mulheres que vivem em países pobres têm cerca de três vezes mais risco de morrer antes dos 60 anos em razão de doença crônica não transmissível do que pessoas que vivem em países de alta renda (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005; 2011). Ainda, de acordo com a WHO, os altos níveis de pressão arterial, de colesterol, de massa corporal e de açúcar no sangue são os fatores que aumentam a possibilidade de desenvolver doenças crônicas não transmissíveis. Segundo o relatório da WHO sobre doenças crônicas de 2005, nos dez anos seguintes deveria ocorrer uma redução de cerca de 3% nas mortes causadas por doenças infecciosas, relacionadas à gestação e ao parto, e por deficiências nutricionais, enquanto as mortes relacionadas por doenças crônicas deveriam aumentar aproximadamente 17% no mesmo período. Com base nesse cálculo, isso causaria um número total de 41 milhões de óbitos relacionados a doenças crônicas no ano de 2015, com profundos impactos, tanto para a sociedade quanto para os custos nos serviços de saúde, especialmente nos países em desenvolvimento. Além disso, considerando o envelhecimento populacional causado pela redução das taxas de fecundidade e pela melhora das condições de vida e de recursos, a saúde de uma maneira geral em todo o mundo terá um incremento significativo nas próximas décadas da prevalência das doenças crônico-degenerativas. Essa correlação impactará brutalmente nos custos dos sistemas de saúde. Nos Estados Unidos, por exemplo, o custo anual para tratamento de doenças cardíacas e diabetes foi estimado para o ano de 2008 em U$ 352 bilhões e U$ 116 bilhões respectivamente. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005; DALL, 2008) 76 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva No Brasil, as Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) se tornaram a principal causa da carga de doenças nas últimas décadas e, em 2007, representaram 72% dos óbitos. (SCHMIDT; DUNCAN; STEVENS, 2011). Apesar da implementação de políticas públicas de fortalecimento, a promoção e prevenção realizadas nos últimos anos no Sistema único de Saúde (SUS), a epidemia de obesidade e o aumento na prevalência de doenças relacionadas à diabetes e ao coração têm acarretado um grande impacto nos serviços de saúde brasileiros. (SCHMIDT, DUNCAN, STEVENS, 2011; BRASIL, 2005) Completando 24 anos, o SUS ainda enfrenta enormes desafios, particularmente nos municípios brasileiros, com suas múltiplas e facetadas realidades regionais. No Município de Florianópolis, por exemplo, houve um enorme atraso de quase duas décadas na execução de uma rede municipal hierarquizada de saúde. Nos últimos anos, a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis iniciou uma série de ações, com o eixo central na Atenção Primária em Saúde (APS), como forma de ampliar e de fortalecer os princípios do SUS (ZEPEDA; MOUTINHO Jr.; SARAIVA, 2010). A APS teve o número de Equipes de Saúde da Família (ESF) ampliado, chegando, em 2012, a 116 equipes ou 93% de cobertura populacional. Cada equipe é composta por um Médico de Família, um Enfermeiro, dois Técnicos de Enfermagem e, em média, seis Agentes de Saúde. A cada duas ESF há uma Equipe de Saúde Bucal (ESB) ligada, composta por um Odontólogo e um Técnico de Higiene Dental. A APS foi organizada como eixo organizador e ordenador dessa Rede de Saúde. Para entrar nos demais níveis de atenção, como consultas e exames especializados, há a necessidade de se passar primeiramente pela ESF de sua referência. Quatro Policlínicas no município de Florianópolis foram reformadas e/ou construídas, nesse caso, o município passou a oferecer consultas e procedimentos de média complexidade, regulados pela ferramenta eletrônica SISREG III do Ministério da Saúde. As Unidades de Atendimento Pré-Hospitalar municipais, também de forma integrada, desenvolvem a lógica de acolhimento por classificação de risco, devolvendo o paciente à APS após estabilização do quadro agudo. Toda a Rede de Saúde é integrada por meio de um Prontuário Eletrônico informatizado, desburocratizando o sistema, eliminando referências e contrarreferências. Essa rede amplia o acesso à informação por parte dos profissionais assistentes e aperfeiçoa e otimiza recursos, eliminando duplicidade de encaminhamentos e de exames. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 77 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros 1.1 Justificativa Apesar da enorme importância, tanto no impacto da qualidade de vida quanto na utilização dos serviços de saúde em todos os países, principalmente nos países em desenvolvimento, como os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Milênio (PNUD) não contempla em suas diretrizes a abordagem para as DCNTs. Esse fato ganha ainda mais importância quando se considera que para o manejo e a abordagem das doenças crônicas existem soluções efetivas e, grandemente, custo-efetivas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011). Segundo a WHO, o emprego dessas tecnologias de baixo custo e de alto impacto produziria uma redução de 2% nas taxas de mortalidades por DCNT em todo o mundo por ano, o que impactaria em uma redução em 36 milhões de óbitos evitáveis em uma década. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005; 2011) Programas de gestão da doença são cada vez mais incorporados aos sistemas de saúde em todo o mundo, a fim de melhorar a qualidade e a continuidade de cuidados para as doenças crônicas, melhorando a eficiência dos serviços de saúde e a utilização de recursos (DE BRUIN; HEIJINK, 2011). A gestão da doença pode ser definida como um sistema de intervenção focado no paciente, para grupos específicos, com ênfase nas exacerbações e nas complicações, bem como no autocuidado (autogestão) e na promoção de atividades específicas focadas de acordo com cada grupo. Geralmente, essa gestão utiliza guidelines e métodos centrados em evidências clínicas para a escolha da abordagem mais efetiva (MATTKE; SEID; MA, 2007). A gestão da doença organiza uma variedade de serviços em volta de uma doença para um indivíduo e isso contribui para elevar o nível de cuidados que essa pessoa recebe. Assim, de acordo com Todd et al. (1998), os objetivos da gestão da doença incluem: a) o encorajamento da prevenção da doença; b) a promoção do planejamento de um diagnóstico e de tratamento corretos; c) a maximização da efetividade das intervenções clínicas; d) a eliminação dos cuidados e das intervenções desnecessárias e não efetivas; e) a utilização apenas de diagnósticos e de terapêuticas custo-efetivas; e 78 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva f) a melhoria contínua de resultados do processo e do próprio processo. 1.2 Objetivos Considerando a expansão de serviços na rede municipal de Florianópolis, que abrange uma população estimada pelo Censo IBGE de 2010 (IBGE, 2010) em aproximadamente 421.000 habitantes, bem como a prevalência cada vez maior das DCNTs, faz-se necessário indicar possíveis propostas para uma gestão de doenças crônicas na rede pública municipal, a partir dos objetivos, geral e específicos, apresentados a seguir. 1.2.1 Objetivo Geral Propor a implantação de um programa de gestão de doenças crônicas na rede pública do Município de Florianópolis com foco na redução de morbidade cardiovascular e na economia de recursos financeiros. 1.2.2 Objetivos Específicos a) Levantar dados epidemiológicos sobre as principais causas de morbidades crônicas em Florianópolis. b) Descrever pontos fortes e fracos do atual modo de gerenciamento de doenças crônicas na rede municipal de serviços de saúde de Florianópolis. c) Apontar meios para a implantação da nova proposta de gerenciamento de doenças crônicas na rede de Florianópolis. 2 Revisão da Literatura A gestão dos serviços na área da saúde pública tem se apresentado como um importante fator de transformação e de operacionalização na construção de modelos para atender às necessidades de saúde de uma população, um bem de expectativa infinita. Na medida em que uma sociedade melhora seus indicadores sociais e econômicos, há uma pressão por maior acesso a recursos de saúde e a uma maior qualidade deles. Na saúde, especialmente no campo da introdução de tecnologias, não há substituição: não se deixa de utilizar um aparelho de raios-x com a utilização de uma ressonância nuclear magnética. Assim, com a sobreposição de custos em novas tecnologias, há a necessidade Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 79 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros de otimização de ferramentas administrativas para oportunizar a utilização dos recursos na área de saúde. A partir das crises estruturais e econômicas do denominado Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), especialmente nos Estados Unidos e na Europa nos anos de 1980, surge uma necessidade de que as organizações governamentais, incluindo as de saúde, atuem com maior flexibilização, e a participação de poder decisório ao chamado controle social. Segundo Osborne (1995), a gestão pública passa a ter a necessidade de apresentar uma profunda transformação, saindo de uma posição apenas burocrática gerencial, para uma ação de criatividade e de flexibilidade, além de cooperação entre novos atores e cenários. A proposta de um programa de gestão de doenças crônicas se alinha com os novos cenários de busca de gerenciamento e de qualidade na medida em que preconiza que recursos podem ser usados mais efetivamente se o doente se tornar o centro em volta do que o sistema de saúde se organiza (HUNTER, 1997). A proposta é reforçar a mudança de paradigma, já iniciada na reforma sanitária e na posterior expansão da Atenção Primária do país, focando o processo saúde/doença condicionado a variáveis determinantes de saúde, saindo de uma visão focada na doença para o indivíduo, e sua atuação proativa como processo para a busca da qualidade de vida. A gestão de doenças crônicas é bem-vinda como uma resposta estruturada, inserida numa estratégia global para um conjunto de problemas que são evidentes em todos os serviços de saúde. Esses problemas incluem arranjos descoordenados para a prestação de cuidados e a falta de foco na prevenção e na promoção; a lógica de direcionamento a tratamentos agudos em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) ou a emergências hospitalares; e o crescimento na utilização de condutas não baseadas em evidências. Em última análise, a gestão da doença pode ser encarada como uma abordagem multidisciplinar, baseada na longitudinalidade da prestação de cuidados de saúde que, proativamente, identifica populações com ou em risco de desenvolver doenças crônicas. (COONS, 1996) Considerando resultados de saúde para pacientes portadores de patologias crônicas, existem evidências de impacto positivo para diabetes, insuficiência cardíaca e depressão (OFMAN et al., 2004; ADAMS et al., 2007; STEUTEN et al., 2007; CONSTANTINI, 2001). Ainda, estudos, cuja base foi construída a partir de revisões sistemáticas de literatura sobre a implementação de programas de gestão de doenças, apresentaram uma variação importante entre 80 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva o potencial de redução de custos, especialmente entre pacientes com doenças cardíacas e doenças respiratórias crônicas (BRASIL, 2005; CONSTANTINI, 2001), particularmente no curto prazo, relacionados a uma redução nas complicações e nas utilizações de serviços hospitalares. Entretanto, De Bruin e Heijink (2011) e o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) chamam a atenção para o fato de que, devido a uma série de diferenças entre os trabalhos, incluindo a sua metodologia e a consistência dos dados, em alguns casos não foi levantado uma correlação estatística entre as intervenções controladas e as usuais, ou outros não apresentaram resultados com significância estatística. Dentro de uma rede de cuidados de saúde, os esforços bem-sucedidos para desenvolver programas de gestão da doença que tenham por propósito a efetividade devem considerar várias questões-chave, que, segundo Crocker e Mangotich (2001), são estas: a) Que população é afetada pela doença? Qual a prevalência? b) Essa população é suficientemente grande para garantir a implementação de um programa? c) Existem disponíveis intervenções efetivas para reduzir o risco e melhorar os resultados? d) Há evidência (bibliografia) de potencial para reduzir o nível do risco dos doentes através do programa? e) É possível quantificar os resultados? Podem ser medidos os custos e os benefícios esperados do programa? Considerando a prevalência dentre as doenças crônicas na população, o presente trabalho avalia programas de gestão de doenças para patologias como hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, diabetes e doenças respiratórias crônicas. Além do potencial de mudança na qualidade de vida com a redução de episódios de agravamento da doença, os custos relacionados especialmente à utilização de serviços de média e alta complexidades as tornam elegíveis para a análise do presente estudo para a cidade de Florianópolis. 3 Metodologia O presente trabalho é um estudo qualitativo, realizado por meio de uma revisão da literatura de dados coletados em fontes literárias em língua portuguesa e inglesa nas principais bases médicas científicas, como Medline, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 81 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros Lilacs, Biblioteca Cochrane e Scielo. Essas bases foram selecionadas em revisões sistemáticas ou em estudos de coortes prospectivos; através de dados disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, pelo Ministério da Saúde, no Sistema de Informações em Atenção Básica (SIAB) no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos (SIOPS) e no DATASUS – Ministério da Saúde. Todos os dados, quando necessário, foram organizados e tabulados utilizando-se o programa Microsoft® Excel 2003. Os dados levantados pelo presente estudo foram separados anualmente, tendo como referência a última década entre 2001 e 2010. Sempre que disponíveis, foram também estendidos até o ano de 2011, ou ressaltada a sua tendência. O gráfico do índice de envelhecimento (Figura 2) apresenta dados de 1991 até 2009, a fim de ampliar a visão da tendência citada. Os citados dados foram, então, organizados em histogramas ou em gráficos do tipo linha para que se visualize melhor o resultado e a compreensão do tema em estudo. 4 Resultados Na sequência, serão apresentados e analisados os dados coletados para a presente pesquisa. 4.1Levantamento de Dados Epidemiológicos sobre as Principais Causas de Morbidades Crônicas em Florianópolis O Município de Florianópolis, assim como o Brasil, vem sofrendo uma transformação em sua pirâmide etária (Figura 1) com a redução nas taxas de fecundidade e a ampliação da expectativa de vida ao nascer. Comparando o período entre os últimos dois levantamentos censitários, a população acima de 60 anos de idade passou de 8,3%, em 2000, para 11,2% do total de habitantes, em 2010, ocasionando maior necessidade de se desenvolverem políticas públicas voltadas para essa faixa etária. Além disso, é esperado também um incremento cada vez maior na prevalência de doenças crônico-degenerativas, além do crescimento nas causas externas de mortalidade, o que passou a ser chamado de tripla-carga de doenças. (MENDES, 2012) 82 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva Figura 1: Pirâmide etária Florianópolis/SC 2010 Fonte: IBGE (2010) Outro indicador que corrobora a situação relacionada à mudança na pirâmide etária é o índice de envelhecimento de Florianópolis (Figura 2), calculado pelo número de pessoas acima de 60 anos de idade para cada 100 pessoas menores de 15 anos de idade no mesmo local. Esse indicador mostra uma elevação de mais de 120% entre os anos de 1991 e 2009 no índice de envelhecimento populacional. Figura 2: Índice de envelhecimento em Florianópolis Fonte: IBGE (2010) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 83 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros Levantamentos realizados nas principais fontes disponíveis (Medline, Lilacs, Biblioteca Cochrane e Scielo) revelaram não haver estudos suficientes em âmbito nacional, inexistindo estudos diretos sobre Florianópolis a respeito da prevalência de DCNTs. Para conseguir uma avaliação mais próxima dessa prevalência, foram considerados os dados de internações hospitalares em maiores de 30 anos de idade em Florianópolis, adquiridos através das bases de dados do DATASUS/MS para aferir as principais causas de morbidade entre as doenças crônicas. Também serão considerados os resultados dos estudos do VIGITEL (GARCIA; SILVEIRA; CALDERON, 2012), entre 2006 e 2011, que são realizados em 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal, a fim de monitorar a frequência e a distribuição de fatores de risco e proteção para DCNT, por meio de entrevistas telefônicas realizadas em amostras probabilísticas da população adulta. Por se apoiar em entrevistas telefônicas, o VIGITEL (BRASIL, 2011) não pode aferir diretamente a frequência de fatores de risco para doenças crônicas que necessitem de diagnóstico médico. Nesses casos, de forma semelhante à empregada por outros sistemas de vigilância, o VIGITEL estima a frequência de indivíduos que referem diagnóstico médico prévio do fator de risco. É evidente que as frequências estimadas dessa maneira serão influenciadas pela cobertura da assistência à saúde existente em cada cidade, podendo, assim, subestimar, em maior ou em menor grau, a prevalência real do fator de risco na população. De qualquer modo, de imediato, fornecem informações úteis para avaliar a demanda por cuidados de saúde originada pela presença do fator. Em médio prazo, com a expansão e a universalização da cobertura da atenção à saúde da população adulta do país, espera-se que a frequência de casos diagnosticados se aproxime da prevalência real daquelas condições na população, propiciando assim informações seguras para o seu acompanhamento ao longo do tempo. Considerando ambas as fontes de dados, verifica-se que as cinco principais causas de internações hospitalares agudas ou crônicas (devido a doenças do aparelho circulatório, respiratório, digestivo, causas externas e neoplasias) representam juntas 63% do total de internações em maiores de 30 anos de idade, no ano de 2011, em Florianópolis (Quadro1). 84 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva Doenças do aparelho circulatório Neoplasias Doenças do aparelho digestivo Causas Externas Doenças do aparelho respiratório Somatório Total Internações (excetuando gravidez/parto) 2011 (%) 1.873 1.428 1.177 1.122 810 18,4% 14,0% 11,6% 11,0% 8,0% 63,0% 10.169 Quadro 1: Principais causas de internações hospitalares em maiores de 30 anos de idade em Florianópolis no ano de 2011 Fonte: Elaborado pelo autor deste artigo Quando se observam as patologias que usualmente estão implicadas em condições crônicas, é possível observar que, em 2011, as principais causas de internações hospitalares por doenças crônicas estavam relacionadas a doenças do aparelho circulatório, neoplasias, doenças do aparelho respiratório e doenças endócrinas, que somadas representavam mais de 25% do total de internações acima dos 30 anos de idade (Quadro 2): 2011 Doenças do aparelho circulatório Hipertensão essencial (primária) Outras doenças hipertensivas Infarto agudo do miocárdio Outras doenças isquêmicas do coração Insuficiência cardíaca Hemorragia intracraniana Infarto cerebral Acidente vascular cerebral não específico hemorrágico ou isquêmico Neoplasias malignas Neoplasia maligna da mama Neoplasia maligna de traqueia brônquios e pulmões Outras neoplasias malignas da pele Neoplasia maligna do cólon Neoplasia maligna do estômago 1.203 11 15 213 467 167 127 17 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 186 1.097 163 95 76 66 60 85 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros 2011 Doenças do aparelho respiratório Bronquite e enfisema Asma Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas Diabetes mellitus Total % sobre Total de Internações > 30 anos 198 180 18 89 89 2.587 25,4 Quadro 2: Principais causas de internações hospitalares por doenças crônicas em maiores de 30 anos de idade em Florianópolis no ano de 2011 Fonte: Elaborado pelo autor deste artigo Segundo os dados do VIGITEL (BRASIL, 2011), em 2010, 18,4% da população maior de 18 anos de idade eram diagnosticados com Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e 5,9% de Diabetes Mellitus, valores que se encontram em trajetória ascendente entre os estudos de 2006 e 2010 (Figuras 3 e 4). Percentual de adultos (com idade maior ou igual a 18 anos) que referem diagnóstico médico de hipertensão arterial, por sexo - Florianópolis 25 20 15 20,2 17,7 14,9 22,1 20,3 18,3 23,6 21,7 19,6 22,6 21,1 19,3 17,2 20,8 18,7 20,8 18,7 16,3 10 5 0 2006 2007 Total 2008 2009 Masculino 2010 Feminino 2011 Figura 3: Percentual de adultos que referem diagnóstico de hipertensão arterial em Florianópolis Fonte: Adaptada de Garcia, Silveira e Calderon (2012) 86 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva Percentual de adultos (com idade maior ou igual a 18 anos) que referem diagnóstico médico de diabetes, por sexo, Florianópolis 8 7 6 5 4 3 2 1 0 5,9 6,2 5,8 4,5 5,4 2,9 2006 2007 Total 5,8 5,7 5,6 5,4 4,6 7,1 6,3 5,5 6,2 5,9 5,5 3,7 2008 2009 Masculino 2010 2011 Feminino Figura 4: Percentual de adultos que referem diagnóstico de diabetes mellitus em Florianópolis. Fonte: Adaptada de Garcia, Silveira e Calderon (2012) De acordo com a WHO, um pequeno conjunto de fatores de risco responde pela grande maioria das mortes por DCNTs e por fração substancial da carga de doenças devido a essas enfermidades. Dentre esses fatores, destacam-se o tabagismo, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, a obesidade e a inatividade física. (Figuras 5 a 8). Todos os fatores relacionados anteriormente representam determinantes comportamentais e biológicos que podem ser alvo de atuação das equipes de saúde para reduzir os fatores de risco para a morbidade relacionada às DCNTs. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 87 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros Percentual de adultos (com idade maior ou igual a 18 anos) fumantes, por sexo - Florianópolis 30 25 20 15 26,4 21,9 18,7 15,8 20,2 14,5 20,6 20,2 19,9 20,1 17,6 15,4 18,4 17,4 16,4 10 17,5 14,3 11,5 5 0 2006 2007 Total 2008 2009 Masculino 2010 2011 Feminino Figura 5: Percentual de adultos que referem uso de tabaco em Florianópolis Fonte: Adaptada de Garcia, Silveira e Calderon (2012) O percentual de adultos que se referem ao uso de tabaco em Florianópolis vem apresentando redução desde 2007. A partir de 2010, com sanção da Lei n.8.042, que proíbe o fumo em espaços coletivos, potencializou-se ainda mais a redução da utilização de tabaco no município, que poderá ser avaliada nos próximos anos quanto a sua efetividade. Percentual de adultos (com idade maior ou igual 18 anos) que, nos últimos 30 dias, consumiram mais do que quatro doses (mulher) ou cinco doses (homem) de bebida alcoólica em uma mesma ocasião - Florianópolis 35 30 25 20 15 10 5 0 30,2 28,6 24,3 18,1 7,2 2006 18,9 10,1 2007 27 17 17,7 10,5 9,3 2008 2009 29,2 20,3 12,3 Total Masculino Feminino 2010 Figura 6: Percentual de adultos que referem consumo excessivo de bebidas alcoólicas em Florianópolis Fonte: Adaptada de Garcia, Silveira e Calderon (2012) 88 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva O percentual de consumo de álcool de forma abusiva apresentou acréscimo entre 2006 e 2010, mantendo-se estável entre homens, mas o aumento se deu devido a um crescimento de aproximadamente 70% entre mulheres, o que sugere a necessidade de políticas públicas voltadas para esse público. Percentual de adultos (com idade maior ou igual 18 anos) com excesso de peso (Índice de Massa Corporal ≥ 25 kg/m2), por sexo - Florianópolis 60 50 48,5 40 40,4 30 32,2 52,7 44 35,8 48,3 41,8 35,7 52,4 45 38,1 54,2 46,3 38,9 Total Masculino 20 Feminino 10 0 2006 2007 2008 2009 2010 Figura 7: Percentual de adultos com IMC ≥ 25 kg/m2 em Florianópolis Fonte: Adaptada de Garcia, Silveira e Calderon (2012) Ocorreu um crescimento de 14,6% no percentual de adultos com sobrepeso em Florianópolis, de 2006 a 2010. Entre as mulheres, esse crescimento chegou a 20,8% no mesmo período, e, entre homens, o percentual passou de mais da metade da população adulta, atingindo 54,2% em 2010. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 89 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros Percentual de adultos (com idade maior ou igual 18 anos) fisicamente inativos*, por sexo - Florianópolis 40 35 30 25 20 33,4 27,7 35,2 32,2 29,6 22,5 30,2 27,3 24,7 23,9 18,5 15 13,6 10 5 Total 13,3 12,2 11,3 Masculino Feminino 0 2006 2007 2008 2009 2010 Figura 8: Percentual de adultos fisicamente inativos em Florianópolis Fonte: Adaptada de Garcia, Silveira e Calderon (2012) O conhecimento do número de pessoas acometidas pelas doenças crônicas, bem como os fatores de risco associados a possibilidades de complicações dessas patologias é de crucial importância para o planejamento e execução de ações na programação da saúde pública. Identificando e levantando estratégias, as políticas públicas podem ser pensadas a fim de propiciar ações mais custo-efetivas e voltadas para o objetivo de redução de gravidade na morbidade ao longo do tempo. A inserção da epidemiologia no campo do planejamento em saúde proporciona uma efetiva contribuição na tomada de decisões e no alcance de metas. 4.2 Descrição do Gerenciamento de Doenças Crônicas na Rede Municipal de Serviços de Saúde em Florianópolis O Município de Florianópolis apresentou na última década um crescimento expressivo na cobertura da Atenção Primária em Saúde. Em decorrência dessa expansão e da entrada do município na gestão da média complexidade a partir de 2007, houve a necessidade de reorganizar os fluxos da rede de serviços municipais, e a opção foi a coordenação pela APS, como porta de entrada preferencial e ordenadora dos demais níveis de atenção, seguindo as diretrizes do SUS. O crescimento na coordenação do cuidado exigiu a construção de fluxos e de protocolos de atenção à saúde, a fim de procurar 90 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva garantir a melhor estratégia efetiva para cada caso. Assim, como no Ministério da Saúde, Florianópolis historicamente trabalha com linhas de cuidado por ciclos de vida, organizando-os por meio de Programas na APS: Saúde da Criança, Saúde da Mulher, Saúde do Idoso, Saúde Bucal e Saúde Mental. Posteriormente, foi ampliado o programa da Saúde da Mulher, para Saúde do Adulto, englobando ações para a Saúde do Homem. Está em fase ainda de construção um Protocolo de Saúde do Adulto, que trará orientações, diretrizes clínicas e organização de serviços acerca das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis. Apesar de ser um documento organizado por profissionais que compõem as equipes técnica da SMS, selecionado entre médicos e enfermeiros que trabalham na APS ou na Média Complexidade, o escopo do material não traz em suas linhas gerais uma proposta de gerenciamento de doenças crônicas, servindo como uma linha técnica de cuidado para doenças crônicas. Atualmente, dentro do contexto da APS em Florianópolis existe um acompanhamento fragmentado das patologias crônicas que são consideradas dentro deste trabalho, cardiovasculares e respiratórias, tanto no que diz respeito a sua prevenção primária ou secundária (pós-evento adverso) quanto ao seguimento. Na maioria dos casos, ocorre uma escolha de conduta baseada em experiências pessoais da equipe multiprofissional, ou o seguimento de estratégias orientadas por protocolos do Ministério da Saúde. Apesar disso, alguns aspectos e ações têm de ser destacados, especialmente por trabalharem com propostas de intervenção voltadas para a promoção e a prevenção. Existe em Florianópolis, desde o ano de 2007, um plano de intervenção ao combate do uso do tabaco, pela descentralização do tratamento e cuidado pela APS em todos os Centros de Saúde, com realização de grupos, distribuição de medicamentos e tratamento corresponsabilizado entre a equipe de APS e profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), como Psicólogos e Psiquiatras. Ainda neste trabalho, foi possível a criação da Lei Municipal n. 8.042/2009 proibindo o consumo de tabaco em ambientes fechados. A extensão deste trabalho vem sendo levada até as escolas municipais e estaduais dentro do Programa Saúde do Escolar (PSE), que também agrega outras ações de prevenção às DCNTs em longo prazo, como alimentação saudável e atividade física nas escolas. Outro aspecto salutar é a existência do programa municipal de atividades físicas – Floripa Ativa, que engloba desde atividades de prevenção primária para grupos de idosos, com caminhadas orientadas por profissionais de edu- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 91 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros cação física ou nutricionistas, até atividades de prevenção secundária para redução de risco cardiovascular após um evento adverso. Ambos os programas existem nos cinco Distritos Sanitários e são organizados pelas Equipes de Saúde em cada bairro. Um grande gargalo para um programa sistematizado de gerenciamento de doenças crônicas também já encontra resposta no serviço municipal, que é a utilização de uma ferramenta integrada de Prontuário Eletrônico em todos os níveis de atenção (Centros de Saúde, Policlínicas e Unidades de Pronto Atendimento). A facilidade de acesso ao prontuário e a utilização dele por uma variedade de profissionais que acompanham o paciente potencializam o acompanhamento do caso e reduzem intervenções repetidas. Por outro lado, o sistema atual não proporciona o apoio de protocolos clínicos para tomada de decisão baseados em evidências científicas. 4.3 Propostas de Abordagens no Gerenciamento de Doenças Crônicas na Rede Municipal de Florianópolis As intervenções para prevenção e controle de DCNT incluem diversas ações, que têm sido monitoradas e avaliadas por meio de vários estudos. A WHO divulgou, recentemente, as intervenções consideradas mais custo-efetivas, quais sejam (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2011): a) aumentar impostos e preços sobre os produtos do tabaco; b) proteger as pessoas da fumaça do cigarro e proibir que se fume em lugares públicos; c) advertir sobre os perigos do consumo de tabaco; d) restringir a venda de álcool no varejo; e) reduzir a ingestão de sal e do conteúdo de sal nos alimentos; f) substituir gorduras trans em alimentos por gorduras poli-insaturadas; g) promover o esclarecimento do público sobre alimentação e atividade física, inclusive pela mídia de massa; h) criar programas comunitários de atividade física e alimentação saudável; e i) construir ambientes que promovam atividade física. Além das ações populacionais, são consideradas efetivas as intervenções individuais para portadores de DCNT (primária ou secundária) ou em seus 92 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva fatores de risco associados. Tais intervenções podem ser altamente efetivas e de baixo custo. Quando estão em conjunto, intervenções populacionais e individuais podem potencializar a médio e longo prazo o impacto sobre os serviços de saúde. A adoção de um programa municipal de gerenciamento em Florianópolis deverá contemplar: a) A construção de um Protocolo/Guideline, com as melhores intervenções custo-efetivas disponíveis para populações com DCNTs ou com os fatores de risco cardiovasculares ou respiratórias. b) A capacitação contínua de equipes multidisciplinares de APS, bem como das equipes de profissionais de apoio (NASF e especialidades de média complexidade relacionadas às DCNTs em foco). c) A readequação da ferramenta de prontuário eletrônico, prevendo a incorporação de guias de gerenciamento de doenças, com lembretes e feedbacks positivos ou negativos dentro do prontuário de cada paciente. d) Educação em saúde voltada para a população em foco, através de qualquer meio: rádio, TV, programas transmitidos dentro dos Centros de Saúde, reuniões de grupos. O componente de autocuidado é o primeiro e mais importante dentro da construção eficaz do gerenciamento de DCNTs. A mensuração do programa de gerenciamento de DCNTs é feita por indicadores de performance divididos em três grandes áreas, que são a de indicadores de desfecho clínico, de processos e a de indicadores financeiros. Todos os indicadores devem ser incorporados para análise e levantamento de dados ao prontuário eletrônico, como ferramenta gerencial ao gestor e às equipes de saúde. Nessa linha, alguns indicadores sugeridos são os que seguem: a) Indicadores de desfecho clínico. i. Doenças Cardiovasculares: Redução da pressão arterial (mmHg)/ Redução de peso (em %)/Redução de Escala de fatores de Risco; ii. Doenças Respiratórias: aumento no VEF1 (Volume Expiratório Forçado em 1 min.); e iii. Para ambos: número de Internações Hospitalares/ano. b) Indicadores de Processos. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 93 Proposta de Implantação de um Programa de Gestão de Doenças Crônicas na Rede Pública do Município de Florianópolis com Foco na Redução de Morbidade Cardiovascular e na Economia de Recursos Financeiros i. Aderência ao tratamento farmacológico/não farmacológico proposto; e ii. Realização de exames anuais previstos em Protocolo. a) Indicadores financeiros. i. Custos diretos relacionados à doença (medicamentos, equipe de saúde, diárias hospitalares e exames). Indicadores são utilizados como forma de aferir resultados e indicar caminhos. Cada indicador tem a função de, em conjunto com as ações sugeridas, induzir modificações no trabalho da rede municipal de saúde, com o intuito de melhorar o gerenciamento das condições crônicas e suas complicações para a população de Florianópolis. A verificação por meio de indicadores que possam balizar o desempenho do efeito esperado modula e proporciona o passo consequente a qualquer atividade de programação ou planejamento em saúde, que é a verificação da efetividade e a possibilidade de indicar a necessidade de mudar algum fluxo ou ação dentro da rede de serviços, se necessário. 5 Considerações Finais Toda mudança é amparada na perspectiva de modificar um curso de eventos. Ao mesmo tempo em que orienta para prover uma resposta a novos desafios, a novas práticas na área de gerenciamento na saúde pública, as mudanças também trazem o aspecto ligado à quebra de paradigmas e às antigas abordagens. Assim como um grande objeto pesado, as grandes corporações administrativas, de saúde ou não, tendem a buscar a inércia burocrática, e movimentar-se em uma direção nova tende a romper arranjos pessoais ou ideológicos. Novas ferramentas no âmbito do gerenciamento administrativo na saúde pública trazem em seu bojo estrutural práticas de governança utilizadas habitualmente em empresas privadas, sobretudo nos aspectos de organização, métodos e qualidade. As doenças crônicas, se não partem da perspectiva de cura por um sistema de saúde, podem ser prevenidas ou controladas, por meio de detecção precoce, acompanhamento médico, práticas de vida saudáveis e uso de medicamentos quando necessário. O objetivo do gerenciamento é promover a educação em saúde, corresponsabilizando o indivíduo, prevenindo com- 94 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Carlos Daniel M. S. Moutinho Júnior # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva plicações, procedimentos invasivos e hospitalizações, diminuindo com isso o impacto financeiro ao sistema de saúde. A adesão ao tratamento é fundamental para que o paciente tenha condições de levar uma vida normal. Os profissionais da área da saúde devem atuar na comunidade como um elo entre paciente e tratamento, informando sobre a doença ao paciente e aos familiares, abordando aspectos como o risco da não adesão às recomendações, o uso adequado dos medicamentos indicados, bem como o estímulo à redução de fatores de risco. Quanto mais o paciente e a família ganham a responsabilidade de atuação proativa diante da doença crônica, melhores são os indicadores de aderência e a redução de eventos adversos. O envelhecimento populacional e com ele o incremento acelerado na prevalência de doenças crônicas no Sistema Único de Saúde requerem mensuração adequada do impacto, planejamento e execução de ações que minimizem a sobrecarga cada vez maior nos recursos públicos. O estudo do custo das doenças, o apoio de medidas custo-efetivas de cunho populacional ou individualizadas e o gerenciamento de doenças crônicas representam uma importante ferramenta para auxiliar gestores e trabalhadores do sistema de saúde, além de contribuir significantemente com a melhor condição de vida para os usuários desse sistema. Referências ADAMS, S. G. et al. Systematic review of the chronic care model in chronic obstructive pulmonary disease prevention and management. Archives of Internal Medicine, U.S., n. 167, p. 551-561, 2007. BRASIL. Ministério da Saúde. Avaliação na atenção básica em saúde: caminhos da institucionalização, 2005. Disponível em: <http://189.28.128.100/ dab/docs/publicacoes/geral/avaliacao ab_portugues.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. DATASUS: informações de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2012a. Disponível em: <http://www2.datasus.gov.br/ DATASUS/index.php>. Acesso em: 10 jul. 2012. 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Trata-se de uma pesquisa quantitativa, exploratório-descritiva utilizando como fonte de dados o Sistema Nacional de Regulação do MS – SISREG II e as informações dos relatórios de Monitoramento e Avaliação da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis/SC. O Pacto pela Saúde trouxe uma nova perspectiva para o sistema de saúde da Grande Florianópolis, que incluiu as Diretrizes de Regulação, e as novas regras para a Regionalização e Programação Pactuada e Integrada preestabelecidas. The National Regulation Policy predicts the operation of access’ regulation defined as a dimension of the health regulatory process which, through the Regulator Complex, aims to conform an integral and equanimous network care. In order to comprehend and evaluate the means of these events, this article aims to evaluate the implantation of Florianópolis Regional Regulator Complex/SC. It’s a quantitative, exploratory and descriptive research, using, as source of datas, the Ministry Health’s Regulation National System – SISREGIII of the Brazilian Ministry of Health and the information from the Monitoring and Evaluation reports of the Municipal Health Department of Florianópolis/SC. The Health Pact brought a new perspective to the Great Florianópolis region’s health system, which includes the Regulation’s Directives, and new rules for the Regionalization and Agreed and Integrated Programming predetermined. Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Key words: Unified Health System. Health Política de Saúde. Avaliação em Saúde.. Policy. Health Evaluation.. 1 Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho pelo Centro de Educação de Ciências da Saúde pela Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1985), E-mail: [email protected]. 3 Mestranda do curso de Administração Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Formação Pedagógica para Atuação em EAD – UNOPAR. E-mail: mileide. [email protected]. Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis 1Introdução Desde o início dos anos de 1990, uma série de estratégias de regulação da política nacional de saúde vem sendo posta em prática pelo Ministério da Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da variedade observada naquela década em razão de mudanças nos governos e nos administradores públicos da esfera federal, algumas estratégias expressavam traços de antigas práticas de regulação (por exemplo, as práticas de controle que eram do INAMPS), enquanto outras representavam novas formas de regulação que vêm sendo adaptadas no processo de construção do SUS. A política de regulação exercida pelo administrador federal sobre o SUS tem se baseado acentuadamente em dois eixos articulados: a edição de normas federais, associada a variados mecanismos financeiros de indução ou de inibição de políticas e práticas pelos administradores estaduais, municipais e prestadores de serviços ao SUS. (OLIVEIRA, 2010) Esses eixos se agregam a outras formas de atuação do administrador federal do SUS que configuram estratégias de regulação da política, através de apoio e capacidade técnica dos gerentes, capacidade de recursos humanos para o SUS, controle e avaliação de sistemas, serviços e práticas de financiamento de pesquisas, regulação de mercados relacionados à saúde, criação de estruturas de regulação da rede de serviços, entre outros. O poder de regulação do administrador federal vem sendo amplamente exercido pelas normas operacionais do SUS e por outras de portarias editadas a cada ano pelas diversas áreas do Ministério da Saúde e por demais entidades federais da área da saúde – como a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). As Normas Operacionais do SUS são portarias do Ministério da Saúde, editadas a partir de 1991, e funcionaram como instrumentos de regulação do processo de descentralização do SUS, conforme tratam dos critérios e dos mecanismos de transferência de responsabilidades, atribuições e recursos da esfera federal para Estados e municípios. Ao longo da década de 1990 foram editadas quatro dessas normas: as Normas Operacionais Básicas do SUS 01/91, 01/92, 01/93 e 01/96; e as Normas Operacionais de Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/01 e NOAS-SUS 01/02. (MENDES; ALMEIDA, 2005) 100 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino A expressão “Regulação” é introduzida ao SUS, na NOAS 01/2002 – Norma Operacional de Assistência em Saúde, e o Ministério da Saúde apresenta orientações de atuação para a Gestão do SUS, em ações e serviços de controle, avaliação e auditoria, incluindo o conceito de Regulação e suas implicações para a reorganização do modelo, visando um acesso aos serviços de saúde com equidade. No entanto, não houve, por parte da maioria dos Municípios, a adesão necessária para modificação do conceito de “acesso”, até então utilizado pelos Municípios. (OLIVEIRA, 2010) A partir do Pacto pela Saúde, introduzido pelo Ministério da Saúde no ano de 2006, é instituída a Política Nacional de Regulação, proporcionando aos Estados e Municípios organizar o acesso a partir da criação dos complexos reguladores e suas centrais de regulação. Esse pacto aborda três dimensões: o Pacto pela Vida, o Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão, publicado na Portaria GM/MS n. 399, de fevereiro de 2006, sendo regulamentado pela Portaria GM/MS n. 699, de março de 2006, visando novas bases para organização da gestão do SUS, de forma solidária, sendo traduzido em um termo de compromisso de Gestão, no qual se definem responsabilidades sanitárias e de gestão, de resultados a serem alcançados, possibilitando sua avaliação e controle público. Sua efetividade se dá por meio da adesão do gestor com aprovação do Conselho de Saúde e traz uma mudança na gestão do SUS. (NASCIMENTO et al., 2009) O Pacto pela Saúde originou novas perspectivas para o SUS, em que as Diretrizes de regulação, e as reformulações de regras para a Regionalização e Programação Pactuada e Integrada são estabelecidas. Dentro desse contexto, no ano de 2006, com a assinatura do Pacto pela Saúde, representando o município sede para atender 22 municípios da Macrorregião de Florianópolis, implanta-se o Complexo Regulador Regional para atender às demandas de consultas e de exames especializados oriundos da atenção básica de todos esses municípios. (FLORIANÓPOLIS, 2009) Para consolidar o proposto, Florianópolis participou do projeto piloto do Ministério da Saúde na implantação do Sistema Nacional de Regulação – SISREG-III. Esse sistema on-line foi desenvolvido para facilitar o gerenciamento dos Complexos de Regulação e organizar o acesso, desde a atenção básica até a internação hospitalar. Na medida em que o Município de Florianópolis avança na Gestão de seu Sistema de Saúde, a Diretoria de Alta Complexidade propõe ações de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 101 Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis monitoramento, utilizando a ferramenta SISREG para acompanhar e avaliar a assistência à saúde na média complexidade e na alta complexidade e o avanço na gestão, tendo como premissa a atenção básica e a Estratégia de Saúde da Família como porta de entrada no sistema; e as Unidades básicas de saúde como responsáveis pelo gerenciamento do acesso do SISREG. Para isso, a Secretaria Municipal de Saúde implanta o Protocolo de Acesso – define e normatiza o acesso aos serviços especializados por meio das Listas de Espera e de Regulação. Os Centros de Saúde passaram a trabalhar com cotas para exames e consultas especializadas. A partir de vários estudos da oferta versus demanda, o município de Florianópolis, em 2009, assumiu algumas referências para os 21 municípios da Grande Florianópolis, vencendo mais uma etapa do processo de adesão segundo o cronograma do Pacto pela Saúde. Com a definição das cotas, cada unidade e os 21 municípios da Grande Florianópolis assumem a responsabilidade de realizar o gerenciamento local, bem como a avaliação de sua realidade. As regionais de saúde assumem a supervisão das Unidades de sua área de abrangência. Dessa forma, de maneira ascendente, a Coordenação do SISREG realiza o monitoramento de toda a rede municipal de saúde e dos 21 municípios da Grande Florianópolis supervisionando as regionais, participando das discussões sobre a distribuição das cotas, elaborando relatórios trimestrais de acompanhamento e avaliação da média complexidade municipal e discutindo no Colegiado Gestor da Grande Florianópolis a oferta versus demanda das consultas e dos procedimentos de média e alta complexidade. Para garantir que a Atenção Básica e a Estratégia de Saúde da Família sejam responsáveis pela entrada do usuário no Sistema, as Policlínicas foram implantadas sem porta de entrada direta. As agendas aos serviços especializados são das unidades locais de saúde, mantendo a lógica das cotas por unidade. Além disso, o SISREG passa a absorver integralmente todas as agendas dos serviços especializados (públicos e privados), garantindo um único acesso, através do Sistema de Regulação. Visando compreender e avaliar de que forma se deu esse acontecimento, este artigo tem como objetivo realizar uma avaliação da implantação do Complexo Regulador Regional de Florianópolis/SC. Para alcançar este objetivo foi avaliado o processo de implantação do Complexo Regulador de Florianópolis e seu impacto na gestão do acesso aos 102 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino serviços especializados de saúde através dos relatórios de Monitoramento e Avaliação da Diretoria de Regulação, Controle, Avaliação e Auditoria. 2 Fundamentação Teórica 2.1A Política Nacional de Regulação: aspectos históricos e conceituais Em 2008, implantou-se a Política Nacional de Regulação através da Portaria GM/MS n. 1.559/2008, focada em três eixos estruturantes: recursos financeiros para a implantação (Portarias GM/MS n. 1.571/2007 e n. 2.907/2009) e para o custeio dos Complexos Reguladores; instrumentos para operacionalização dos Complexos Reguladores (Plano Diretor de Regionalização, Programação Pactuada Integrada, Projeto Centrado à Educação Profissional, Contratos/ Contratualizações, Protocolos Clínicos, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, Cartão Nacional de Saúde, Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde, Sistema Nacional de Regulação); e programa de capacitação permanente de recursos humanos. (BRASIL, 2006a) O Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a) define o Complexo Regulador como uma estrutura que congrega o conjunto das ações de regulação do acesso à assistência, de maneira articulada e integrada, buscando adequar a oferta de serviços de saúde à demanda que mais se aproxima das reais necessidades de saúde da população. Esses serviços podem ter abrangência e estrutura pactuadas entre gestores, com os seguintes modelos, nacional: agrupa estado e municípios do território nacional; estadual: agrupa municípios de um estado; regional: agrupa municípios de uma determinada região; municipal: agrupa recursos assistenciais de um dado município; distrital: agrupa recursos assistenciais de um distrito sanitário, dentro de um município. A Política Nacional de Regulação prevê a operacionalização da regulação do acesso definida como uma dimensão do processo regulatório em saúde que, por meio de Complexos Reguladores, visa conformar uma rede de cuidado integral e equitativo. As ações de regulação estão organizadas em três dimensões, denominadas como Regulação de Sistemas de Saúde, Regulação da Atenção à Saúde e Regulação do Acesso à Assistência. (BRASIL, 2008) A implantação ou a implementação de Complexos Reguladores no Brasil tem o intuito de aperfeiçoar e organizar a relação entre a oferta e a Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 103 Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis demanda, qualificando o acesso da população aos serviços de saúde no SUS, criando condições que respondam às necessidades reais por serviços de saúde. (BRASIL, 2006b) O Complexo Regulador é composto por uma ou mais estruturas denominadas Centrais de Regulação, estruturas que compreendem a “ação meio” do processo regulatório. As Centrais são os locais que recebem as solicitações de atendimento, avaliam, processam e agendam, garantindo o atendimento integral de forma ágil e qualificada aos usuários do Sistema de Saúde, a partir do conhecimento da capacidade de produção instalada nas unidades prestadoras de serviços. Elas atuam em áreas assistenciais inter-relacionadas como a assistência pré-hospitalar e inter-hospitalar de urgência, as internações, além das consultas e procedimentos ambulatoriais de média e alta complexidade. (SOUSA, 2008) Conforme Manual de Implantação dos Complexos Reguladores (BRASIL, 2006a), as Centrais de Regulação possuem três classificações denominadas em Central de Regulação de Urgência, Central de Regulação de Internações e Central de Regulação de Consultas e Exames. Esta última trata da regulação do acesso dos pacientes às consultas especializadas, aos Serviços de Apoio Diagnose e Terapia (SADT), bem como aos demais procedimentos ambulatoriais especializados ou não. (OLIVEIRA, 2010) Ferreira (2007) destaca que, em nível operacional, essa classificação do Complexo Regulador possibilita a organização do acesso dos serviços de saúde em todos os municípios visando à Regulação do Acesso dentro das diretrizes da Regulação da Atenção à Saúde buscando uma atenção básica resolutiva (ordenadora e orientadora da Assistência à Saúde), que faça solicitações padronizadas pelos protocolos, encaminhamentos responsáveis e adequados aos demais níveis de assistência, seguindo os fluxos de referências e contrarreferências desenhadas, ainda que os estabelecimentos não estejam localizados em seu território (definições do Plano Diretor de Regionalização e da Programação Pactuada e Integrada). Para a estruturação da Regulação são adotadas medidas e instrumentos que viabilizem a sua implantação/implementação exigida pelo Ministério da Saúde como Plano Diretor de Regionalização (PDR) do Estado ou do Município; Programação Pactuada e Integrada (PPI) do Estado; contratação/ contratualização dos serviços da região (PPI) Municipal; Plano de Regulação – Municipal, Micro ou Macrorregional, com a identificação das necessidades de saúde da região de abrangência (Parâmetro de Necessidade da Portaria n. 104 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino 1.101/02, análise da situação de Saúde de sua região); definição de quantas e quais centrais de regulação comporão o Complexo Regulador; área de abrangência (território) e escopo (procedimentos) de cada Central de Regulação. Outras ações destacadas são a identificação dos serviços a serem regulados (consultas/exames especializados, urgência e emergência, leitos, alta complexidade); o conhecimento dos recursos assistenciais disponíveis em sua área de abrangência (Identificar as Unidades Prestadoras de Serviços, oferta de serviço – Ficha de Programação Orçamentária e TAB WIN); a conformação de Redes Assistenciais de Forma Integrada e Hierarquizada, com definição dos papéis de cada Unidade de Saúde e cada ente federado; a realização de contratos com cláusulas claras quanto aos serviços a serem ofertados e garantia de acesso à demanda regulada; a definição do fluxo de informações (unidades solicitantes, unidades executantes); e a definição das rotinas operacionais (horário de funcionamento, dias da semana, perfil dos profissionais, e outros). (NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA, 2012) Para a configuração da Central de Regulação, alguns critérios operacionais na gestão pública devem ser seguidos como: atualizar o CNES, CNS, PPI; incluir as unidades solicitantes, executantes e as administrativas, distribuir os limites físicos – cotas e ou abrangência para cada unidade solicitante, vincular os profissionais às unidades de lotação; incluir os grupos de acesso ao sistema informatizado; cadastrar as escalas médicas, definir os procedimentos que serão liberados sob regulação; definir os percentuais de oferta de serviços de cada unidade, para a Central de Regulação, para a própria unidade e Reservas Técnicas; capacitar (permanente) os recursos humanos e demais entes do processo regulatório; exercitar a autoridade sanitária no ordenamento da disponibilidade dos recursos assistenciais existentes; fornecer informações à gestão sobre a utilização dos recursos físicos e financeiros, próprios e pactuados. (NASCIMENTO et al., 2009) 2.2Reorganização do SUS pela Regulação O planejamento do sistema de saúde utiliza um arsenal de mecanismos jurídicos e normativos que visam garantir e ampliar o acesso aos serviços e aos procedimentos necessários para o atendimento dentro do SUS, de forma que esses mecanismos compreendam atenção básica resolutiva, encaminhamentos, responsáveis e adequados, e protocolos assistenciais e complexos reguladores, entre outros aspectos. (GAWRYSZEWSKI; OLIVEIRA; GOMEZ, 2012) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 105 Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis Uma política de regulação pautada pelo cuidado integral deve programar ações-meio que facilitem a boa terminalidade das ações de atenção, como: assegurar o acesso aos exames dos usuários da atenção básica; agilizar o processo de autorizações; e garantir o acesso dos usuários às consultas médicas, terapias ou exames. Gawryszewski, Oliveira e Gomez (2012) destacam que, dentre essas ações, encontram-se as de regulação da atenção à saúde, que são responsáveis em reconhecer as demandas, classificá-las e dar a resposta exigida por essas necessidades; e a regulação do acesso à assistência, que tem como objetos a organização, o controle, o gerenciamento e a priorização do acesso e dos fluxos assistenciais no âmbito do SUS, efetivada pela disponibilização da alternativa mais adequada à necessidade do cidadão, por meio de atendimentos às urgências, às consultas, aos exames, aos leitos e a outros que se fizerem necessários. A regulação deve ser pensada no contexto dos princípios norteadores do SUS, e não apenas como forma de racionalizar os parcos recursos existentes. O Complexo Regulador tem por pressupostos básicos a universalização, a descentralização, a regionalização e a hierarquização e deve ter por objetivo a utilização racional de todos os meios disponíveis, a integração e maximização da utilização de todos os recursos humanos, materiais e financeiros existentes, sendo que sua função reguladora no SUS significa a organização dos fluxos dos pacientes no sistema. (LOCKS, 2002) Para que a regulação seja efetiva, ela precisa ser amparada pelo fortalecimento da atenção básica de saúde, considerada a “porta de entrada do SUS”, por meio do acompanhamento do paciente em todas as etapas de atendimento e possibilitando o cumprimento do princípio de integralidade. A gestão deve contar com ferramentas e apoio técnico para promover um único e coordenado sistema gerador de ações em saúde para a população. (SILVA et al., 2012) O Complexo Regulador (CR) estrutura a relação entre os vários serviços, tanto ambulatoriais como hospitalares, formando uma rede de atenção, qualificando o fluxo dos pacientes no sistema e gerando uma porta de comunicação aberta ao público em geral, através da qual os pedidos são recebidos, avaliados e hierarquizados, dando resposta de acordo com as necessidades de cada caso e acompanhando a solução. (OLIVEIRA, 2010) 106 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino A descentralização proposta pelo SUS prevê a facilidade do acesso à saúde. Os fatores que agem na demanda por serviços de saúde são variados, destacando-se os aspectos que envolvem a necessidade da população e o fluxo de programação, dentro da lógica da regionalização solidária, que devem ser visualizados e fortalecidos como planejamento de gestão para estruturação de uma Central de Regulação eficaz. (SILVA et al., 2012) No Brasil, examinam-se diferentes aspectos da realidade do atendimento à saúde após a implantação do SUS, de modo a ser necessário avançar na implementação de alterações estruturais nas formas de organização, gestão, regulação, controle e avaliação da oferta de serviços. Segundo Silva (2003), algumas medidas vêm sendo tomadas, como a estruturação, e vários desafios estão sendo enfrentados, dentre eles se destacam a ausência de um sistema de planejamento e controle da oferta de serviços eficaz e que proporcione informações estratégicas de apoio à decisão alocativa nos níveis central, regional e inter-regional. 3 Metodologia Trata-se de uma pesquisa quantitativa, entendida como uma técnica de quantificação dos processos de coleta e utilização das técnicas estatísticas para tratamento dos dados e avaliação dos resultados pelo método exploratório-descritivo utilizado para ampliar o conhecimento, tendo como fontes de dados o Sistema Nacional de Regulação do MS – SISREG III, um sistema de informação do Ministério da Saúde, acessível pelo sítio <www.sisregiii.saude. gov.br>, e as informações dos relatórios de Monitoramento e Avaliação da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis/SC. As informações foram analisadas tendo como suportes a oferta de serviços, os prestadores de serviços próprios, filantrópicos e contratados, o custeio dos serviços e a fila de espera. Considerou-se no geral a produção dos serviços de média complexidade. 3.1 Local Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, possui 427.298 habitantes, conforme projeção do IBGE. Essa população, predominante urbana, é a segunda maior do Estado, ficando atrás de Joinville, que possui 515.288 habitantes (IBGE, 2011). A taxa média de crescimento anual é de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 107 Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis 3%. Possuindo localidades e bairros em conurbação, Florianópolis ocupa uma área de 436,05 km2. O município possui em seu território 50 Unidades Básicas de Saúde, quatro Policlínicas Municipais, duas Unidades de Pronto Atendimento e três Centros de Apoio Psicossocial. O Hospital Universitário e o Imperial Hospital de Caridade fazem parte da gestão municipal no que se refere às agendas de consultas e exames de especialidades no Complexo Regulador de Florianópolis, bem como a Maternidade Carlos Correa para atendimento de cirurgias eletivas de média complexidade. Florianópolis representa o município sede na atenção especializada para outros 21 municípios da Grande Florianópolis, atendendo às demandas de mais 128 unidades da atenção básica de saúde com uma população correspondente a 540.414 habitantes. O número total de unidades da atenção primária corresponde então, para todo o Complexo Regulador, a 178; e a população somada corresponde a 1.055.702 habitantes. (FLORIANÓPOLIS, 2012) A Secretaria Municipal de Saúde, em parceria com o Ministério da Saúde, adquiriu equipamentos de informática (computadores, impressoras, mesas e cadeiras), através do Convênio n. 2.068/07, que trata da implantação do SISREG em todos os 22 municípios da Região de Saúde da Grande Florianópolis, ficando a Capital como responsável pela aquisição e distribuição dos equipamentos para os municípios, além de responsável pelo treinamento do Sistema para todos os municípios da macrorregião. 4 Apresentação dos Resultados e Discussão 4.1Implantação do Complexo Regulador de Florianópolis e a Gestão do Acesso Especializado à Saúde Com o advento do Pacto pela Saúde, em seus três eixos – Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão, em 2006 – o Ministério da Saúde possibilita aos Estados e aos Municípios uma nova forma de Gestão, definida a partir dos Termos de Compromissos de Gestão, que apresentam as responsabilidades que serão assumidas. O Pacto pela Saúde trouxe uma nova perspectiva para o sistema de saúde da Grande Florianópolis, que incluiu as Diretrizes de Regulação e as novas regras para a Regionalização e Programação Pactuada e Integrada pre- 108 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino estabelecidas. Nesse contexto, no ano de 2006, o município de Florianópolis marca sua história e inicia seu processo de transformação, saindo da inércia e avançando rumo à consolidação do seu Sistema de Saúde. (FLORIANÓPOLIS, 2012) É importante destacar que, concomitante ao processo que culminou na adesão de Florianópolis ao Pacto de Gestão, a Secretaria Municipal de Saúde implantou a área de Controle, Avaliação e Auditoria e, a partir de sua implantação, efetuou várias ações relacionadas à organização do acesso, como: organização da Programação Pactuada e Integrada (PPI), contratualização dos prestadores de serviços de saúde complementar ao SUS Municipal, bem como estabelecimento de parâmetros de distribuição de cotas de consultas e exames especializados para os Centros de Saúde de Florianópolis, ações estas implementadas para que o acesso especializado à saúde estivesse mais adequado às necessidades reais da população. Antes do Município de Florianópolis assumir a gestão, através do Pacto pela Saúde, a única oferta especializada existente era aquela disponibilizada pelo Estado de Santa Catarina, através da Central de Marcação de Consultas e Exames (CMC/CIASC). Embora todos os Centros de Saúde da Capital já utilizassem o programa do Estado, CIASC, para realizar os agendamentos de consultas e exames, não havia nenhuma forma regulada de acesso para permitir formas de marcação diferenciada para os casos mais críticos. Além disso, o controle de marcação através de listas de espera existia apenas para as consultas especializadas. Para os exames especializados, não havia nenhuma forma de controle, o que resultava no total desconhecimento, por parte da Gestão, acerca da necessidade daqueles serviços. Foi em 25 de outubro de 2006 que o Sistema de Regulação (SISREG) entrou em produção, integrando todas as Unidades Locais de Saúde. Sua finalidade era se tornar referência regional na implantação de um Complexo Regulador com capacidade para atender aos 21 municípios da macrorregião. Partindo do pressuposto de que a atenção primária é a ordenadora do cuidado, que 100% dos serviços sob a gestão municipal deveriam estar disponíveis para os Centros de Saúde e que o acesso às policlínicas deveria ser unicamente a partir das Unidades Locais de Saúde, foram implantadas as primeiras ações de regulação. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 109 Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis Através da implantação do Protocolo de Acesso foram estabelecidos três conceitos que passaram a nortear a regulação: rotina – compreendendo aqueles encaminhamentos que não possuem nenhuma referência quanto à gravidade ou à prioridade de marcação. Deverão seguir rigorosamente a ordem cronológica de entrada na lista de espera do Centro de Saúde; prioridade: compreendendo aqueles encaminhamentos cuja demora na marcação altere sobremaneira a conduta a ser seguida, ou cuja demora implique em quebra do acesso a outros procedimentos. A prioridade no atendimento será registrada pelo médico assistente do paciente, ou indicada pelo Coordenador da Unidade, sendo obrigatório o preenchimento de sua justificativa. Os encaminhamentos prioritários dos agendados se darão através da regulação; e urgência: compreendendo aqueles pacientes que não podem, em hipótese alguma, aguardar a espera através de lista de espera, sob pena de graves comprometimentos clínicos e/ou físicos. Os encaminhamentos são registrados exclusivamente pelo médico assistente do paciente e devem conter, detalhadamente, a justificativa clínica e a hipótese diagnóstica. O Complexo Regulador inova com a figura do médico regulador, mais tarde, vindo a ser composto por outros profissionais de nível superior, criando uma equipe de reguladores constituída por médicos, fisioterapeutas, dentistas e enfermeiros, na Central de Regulação de Consultas e Exames Especializados. Através dessa equipe se dá o atendimento a todos os casos que necessitem da aplicação do Princípio da Equidade, contido na Lei Orgânica da Saúde. A equipe também é responsável por participar da elaboração dos Protocolos Clínicos e de acesso a serem utilizados pela Rede Municipal de Saúde. Os processos são analisados pelos reguladores e, após a aplicação de critérios clínicos, podem: ser autorizados para a realização do procedimento; ser devolvidos devido a inconsistências, dados incompletos e/ou falta de exames complementares; ou ter negada a realização do procedimento. Com isso, o acesso aos casos prioritários e urgentes passou a ser garantido, sem interferir no agendamento de rotina, pois são destinadas vagas específicas para a regulação, que são distintas daquelas destinadas ao agendamento da rotina, através da fila de espera, tornando o acesso mais equânime. Para agilizar a fila de espera ocorre a distribuição das cotas físicas para os Centros de Saúde, sendo sua distribuição realizada com base na quantidade total de Consultas e Exames Especializados programados no SISREG (oferta Municipal), dividido através da aplicação de Parâmetros Assistenciais e de necessidade. 110 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Para a operacionalização do Complexo Regulador de Florianópolis definiu-se previamente a estratégia de regulação, que envolveu a abrangência da central que compreende a região geográfica de cobertura da central de regulação, respeitando a composição de 22 municípios da 18ª Regional de Saúde da Grande Florianópolis, expressada no Plano Diretor de Regionalização – PDR, e sua identidade cultural, econômica e social, de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados. Na esfera administrativa, a abrangência regional e a respectiva gestão foram pactuadas, em processo democrático e solidário, entre as esferas de gestão do SUS, sendo operadas, no que se refere à referência intermunicipal, do seguinte modo, conforme Portaria GM n. 399, de 2 de fevereiro de 2006: em Florianópolis, esse processo se deu pelo gestor municipal com cogestão do estado e representação dos municípios da região pactuados pela CIB e homologados na CIT. Em constante aprimoramento, no ano de 2009 houve a implantação da supervisão local a partir de dados levantados trimestralmente nos relatórios de monitoramento. Essa supervisão passou por treinamentos voltados para a utilização do SISREG como ferramenta de gestão. O complexo regulador de Florianópolis desenvolve quatro diferentes modalidades de treinamento, cada um voltado para a necessidade do operador a ser treinado. 1) Treinamento introdutório: voltado aos profissionais que serão operadores do SISREG nos serviços de saúde da atenção básica, clínicas especializadas e hospitais que utilizarão os diversos perfis operacionais do SISREG (perfil executante, perfil solicitante e perfil administrador), de acordo com sua função. A disponibilização da senha de acesso ao sistema é condicionada à realização desse treinamento. a)Perfil executante: voltado para operadores responsáveis pela confirmação da presença do usuário do SUS que realizaram consultas, exames e procedimentos especializados. Esses operadores são de instituições próprias ou conveniadas além de hospitais públicos e filantrópicos. b)Perfil solicitante: voltado para os operadores das unidades de saúde. É a porta de entrada do usuário no SISREG e também o responsável por avisar aos usuários já agendados. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 111 Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis c)Perfil administrador: voltado para os operadores do nível central da Secretaria de Saúde que realizam a administração do Sistema e participam da articulação com o Controle e Avaliação e Contratualização, além de responderem por todas as configurações do Sistema. d)Perfil regulador: voltado aos profissionais de nível superior que realizam a administração e o processo de regulação das prioridades e das urgências. 2) Educação continuada: é realizada com frequência trimestral para todos os operadores solicitantes que integram a rede municipal de saúde e municípios conveniados. O treinamento para novos operadores ocorre diariamente conforme demanda e agenda prévia quinzenal. Visa à atualização dos conhecimentos relacionados à operação do sistema, à identificação e à correção das fragilidades cotidianas. 3) Treinamento de gestão: voltado para secretários municipais, diretores, gerentes, supervisores e coordenadores de unidades locais, visa à disseminação do SISREG como ferramenta de gestão que possibilita o acompanhamento da realidade local. 4) Treinamento de regulação: direcionado aos profissionais médicos e odontólogos integrantes do Complexo Regulador, responsáveis pela regulação do acesso. Essa ferramenta tecnológica dá início a um processo amplo de reestruturação e de organização do acesso aos serviços de saúde, envolvendo definição de normas, procedimentos e processos de trabalho relacionados à gestão e à assistência, havendo uma transferência do locus de controle sobre os recursos assistenciais. Na apresentação dos resultados, o Complexo Regulador de Florianópolis demonstra números significativos na produção de serviços objetivando cumprir o Pacto pela Saúde – 2006 atendendo aos municípios da Grande Florianópolis através da negociação constante com a Comissão Intergestores Regional. O Gráfico 1, revela a capacidade de ampliação da oferta de serviços demonstrando a evolução de 746,42% da sua oferta inicial até o ano de 2011, totalizando 2.272.958 exames e consultas especializadas. 112 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino 2.500.000 2.265.954 2.272.958 2010 2011 2.000.000 1.169.908 1.500.000 741.895 1.000.000 500.000 0 268.539 2007 2008 2009 Gráfico 1: Produção anual de consultas e exames especializados (2007-2011) Fonte: Florianópolis (2012) Para poder ampliar sua oferta de exames e consultas especializadas houve visível crescimento das unidades executantes dos serviços e, articulados com a Diretoria de Planejamento, de acordo com o cronograma do Pacto, foram transferidos para a gestão municipal todos os serviços especializados em saúde, de média complexidade ambulatorial, que estavam sob Gestão Estadual, os quais foram somados à estrutura municipal existente. Em 2006 eram quatro Unidades Especializadas Próprias, subindo para 12 atualmente. Os Serviços Especializados Transferidos para a Gestão Municipal evoluíram de um serviço em 2007 para 21 até 2012. (FLORIANÓPOLIS, 2012) Mesmo com a ampliação de unidades próprias e serviços transferidos pela gestão estadual, novos contratos e convênios com empresas privadas foram efetivados, pois a capacidade instalada dos serviços encontrava-se aquém das demandas da população, tornando imprescindível a utilização da rede privada dos serviços de Saúde de forma complementar. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 113 Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis 70 63 57 60 50 40 20 10 0 28 20 30 7 2007 2008 2009 2010 2011 Gráfico 2: Evolução do número de Prestadores de Serviços (2007-2011) Fonte: Florianópolis (2012) O Gráfico 2 demonstra que houve incremento de serviços e aumento de 800% no número de prestadores de unidades executantes próprias, conveniadas e contratadas entre 2007 e 2011. Para tanto, a Secretaria Municipal de Saúde passou a receber os recursos financeiros do MAC – Média e Alta Complexidade, oriundos do Ministério da Saúde e destinados para o financiamento de toda a estrutura necessária para a oferta e execução dos serviços especializados de saúde, públicos e privados contratados. No Termo de Compromisso de Gestão do Pacto, aprovado pela CIB – Comissão Intergestora Bipartite, em dezembro de 2009, através da Deliberação n. 204/09, está registrada a relação de todos os municípios pactuados com Florianópolis, resultando na transferência dos recursos financeiros para a gestão municipal. R$ 37.198.414,49 R$ 40.000.000,00 R$ 35.000.000,00 R$ 27.513.888,75 R$ 30.000.000,00 R$ 25.000.000,00 R$ 15.735.794,36 R$ 20.000.000,00 R$ 7.454.476,96 R$ 15.000.000,00 R$ 10.000.000,00 R$ 5.000.000,00 R$ 0,00 R$ 304.953,30 2007 2008 2009 2010 2011 Gráfico 3: Evolução dos repasses financeiros da Média e Alta Complexidade (MAC) somados ao Fundo de Ações Estratégicas (FAEC) (2007-2011) Fonte: Florianópolis (2012) 114 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Analisando o Gráfico 3, observa-se o acompanhamento dos Limites Financeiros da Média e Alta Complexidade (MAC) somados ao Fundo de Ações Estratégicas (FAEC), verifica-se que os valores recebidos das referências municipais da Programação Pactuada Integrada no período de 2007 a 2011 tiveram evolução de 12.098,07%, subindo de R$ 304.953,30 para R$ 37.198.414,19. Os recursos financeiros recebidos foram fatores determinantes na ampliação da oferta de consultas e exames especializados na rede de saúde de Florianópolis, o que significou considerável aumento de trabalho, desde a contratualização de prestadores de serviços até a ampliação de ambulatórios, contratação de especialistas na área da saúde e mais reforço de profissionais nas áreas de planejamento, regulação, controle, avaliação e auditoria. 5 Considerações Finais É fato que até o ano de 2006, Florianópolis era a única capital em Gestão Básica do Sistema Municipal habilitada pela NOAS 01/02, motivo pelo qual aderiu ao Pacto pela Saúde em 2006, ano em que iniciou a gestão de todos os serviços especializados de saúde, sob Gestão Municipal, todos configurados e disponibilizados integralmente pelo SISREG dentro das atribuições da central de regulação de consultas e exames especializados. Florianópolis consolida o seu Complexo Regulador seguindo recomendações do Ministério da Saúde que prezam a regionalização e a hierarquização dos serviços. A cidade mantém a participação das instâncias de gestão na construção de fluxos ordenados na busca de demanda programada e organizada concomitante com a prestação de contas dos procedimentos e serviços entre os gestores, articulando e integrando todos os níveis de atenção na construção da efetiva regulação do acesso. Utiliza instrumentos de planejamento das ações de saúde, adequando as necessidades de saúde de cada município, administrando de forma racional o fluxo de assistência à saúde da população valendo-se do Sistema Nacional de Regulação – SISREG-III como Instrumento da Gestão na Média Complexidade Ambulatorial. O SISREG III possibilitou que a gestão municipal identificasse a real necessidade de acesso, tendo como ponto de partida constatação de gargalos existentes nas listas de espera de consultas e exames especializados, de forma Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 115 Complexo Regulador de Florianópolis: gestão do acesso da atenção especializada do Sistema Municipal de Saúde de Florianópolis a adequar as cotas distribuídas aos centros de saúde, bem como atender às cotas estabelecidas para os municípios da Grande Florianópolis. O aumento do número de cotas de consultas e exames especializados nos últimos cinco anos após a assinatura do Pacto representou maior acesso para a continuidade do cuidado à saúde do paciente encaminhado pelo serviço de atenção básica de todos os municípios envolvidos. Todos os serviços transferidos para a gestão municipal foram capacitados pelo SISREG, integrando-se ao Complexo Regulador, responsável pela distribuição da oferta de serviços especializados em saúde para a rede municipal. O SISREG faz a integração com sistemas de informações oficiais: SIA – Sistema de Informação Ambulatorial; SIH – Sistema de Informação Hospitalar; SCNES – Sistema Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde; SCNS – Sistema de Cadastro Nacional de Saúde; SISPPI – Sistema Programação Pactuada e Integrada; e INFOSAÚDE – Sistema do Prontuário Eletrônico, entre outros. Na rede de atenção ocorreu acesso a 100% das Unidades de Saúde de Florianópolis e Macrorregião. Além de estar constantemente articulado com a Atenção Primária e com todos os serviços de Média Complexidade, entre eles: Policlínicas, Unidade de Pronto Atendimento, Centro de Especialidades Odontológicas, Centros de Atenção Psicossocial, incluindo a rede hospitalar, a rede de atenção básica mantém parcerias através de Planos Operativos com o Hospital Universitário, o Hospital de Caridade e através de Convênio com o Hospital Maternidade Carlos Correa para a realização de cirurgias eletivas. Também colabora com a Central Estadual de Transplantes oferecendo acolhimento aos que necessitam de transplantes hepáticos para Blumenau, transplantes renais, cardíacos e cirurgia de fissura de lábio e palato para Joinville, com transporte fora do domicílio e apoiando inclusive com recursos financeiros. O Complexo Regulador de Florianópolis utiliza o SISREG com inovações no processo regulatório e nas regras de negócios do sistema, servindo de suporte para mudanças no SISREG Nacional, apoiando a implantação do SISREG Central Estadual e emancipando os municípios da grande Florianópolis a iniciarem seu processo de regulação própria. Essa prática está disseminada de forma ampla até o momento por toda a rede de atenção em todas as Unidades. 116 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Deyse Ilza de Aquino # Altamiro Damian Préve # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Paralela a essa operacionalidade ocorre a participação social através da apresentação trimestral do monitoramento das filas de espera; e qualquer pessoa pode ser informada do seu lugar na fila e quanto tempo levará para ser atendida, devidamente acompanhado pelo Ministério Público. A equipe da regulação atende aos pedidos feitos pelos gestores locais e distritais para orientação dos Conselhos Locais de Saúde. O direito à informação com transparência é uma prática totalmente alinhada à visão da Secretaria de Saúde, pois organiza o acesso por meio da Atenção Primária trazendo os serviços de média e alta complexidade para a gestão municipal através da organização pelo Complexo Regulador. Existe coerência com as necessidades e identidade organizacional, pois vêm ocorrendo desburocratização e descentralização da marcação dos exames, através da informatização dos gargalos das demandas existentes no SUS, incorporação do manejo da demanda e oferta pelo próprio município, com grande expansão da oferta de serviços. Referências BRASIL, Ministério da Saúde. Manual de implantação do complexo regulador. Brasília, 2006a. ______. Ministério da Saúde. Diretrizes para a implantação de complexos reguladores. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Brasília: Ministério da Saúde, 2006b. ______. Portaria n.1.559, de 1 de agosto de 2008. 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Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 119 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) Aluno: André Rosito Marquardt1 Orientadora: Alessandra de Linhares Jacobsen2 Tutora: Isadora de Souza Bernardini3 Resumo Abstract O presente estudo buscou identificar e analisar fatores que influenciam a motivação de servidores públicos que atuam em um Centro de Atenção Psicossocial para dependência química (CAPSad), para, ampliando esse conhecimento, melhorar a condição de motivação do ambiente e contribuir para o entendimento do tema. Trata-se de um estudo de caso, e foi aplicado um questionário aberto elaborado pelo autor a uma população de 16 servidores de um CAPSad do município de Florianópolis, SC, obtendo-se nove respondentes. Os dados coletados foram submetidos à Análise de Conteúdo de onde emergiram cinco categorias: forma de lotação no CAPSad; percepção sobre o trabalho com dependência química; sentimentos em relação ao trabalho com dependência química; aspectos motivadores no trabalho; e aspectos desmotivadores no trabalho. The aim of the present study was identifying and analyzing factors which influence the motivation of public workers of a Psychosocial attention center for drug addiction (CAPSad) to, amplifying that knowledge, improve the motivational environment and contribute to this subject understanding. It’s a case study, being applied a questionnaire with open questions, elaborated by the author to a population of sixteen workers of a Florianópolis – SC Brazil CAPSad, resulting in nine respondents. The collected data undergone Context Analysis from which emerged five categories: work assignment at CAPSad, perception of the work with drug addiction, sentiments related to the work with drug addiction, motivational aspects of the work and demotivational aspects of the work. Key words: Motivation. Mental Health ServiPalavras-chave: Motivação. Serviços de Saú- ces. Public Workers. Drug Addiction. de mental. Servidor Público. Dependência Química. 1 Mestre em Ciências Médicas com ênfase em Psicofarmacologia na UFCSPA, Porto Alegre. E-mail: [email protected]. 2 Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). E-mail: [email protected]. 3 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). Possui graduação em Ciências da Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008). E-mail: [email protected]. André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini 1Introdução A dependência química é um problema de saúde pública grave e em expansão no mundo todo a partir das últimas décadas do século XX (PRATTA; SANTOS, 2007). No Brasil, a preocupação com esse problema tem sido tema frequente na mídia e tem mobilizado diversos setores da sociedade na tentativa de enfrentá-lo exigindo novas intervenções em saúde. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), quanto a transtornos decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, a necessidade de atendimento regular atinge cerca de 6% a 8% da população, embora existam estimativas ainda mais elevadas. Os investimentos na área de tratamento em dependência química têm se ampliado em diversas frentes como prevenção, repressão e tratamento. Em relação ao tratamento, recursos federais vêm sendo destinados à ampliação e à criação de serviços dedicados ao tratamento de pessoas com dependência química. Esses são os Centros de Atenção Psicossocial para o tratamento de pessoas com problemas com álcool e outras drogas (CAPSad). Os CAPS são serviços estratégicos do sistema único de saúde (SUS) criados a partir da década de 1980 como espaços que contrapõem um modelo centrado na exclusão pela internação hospitalar, voltados para pacientes com transtornos mentais graves, sendo a modalidade “ad” focada nos dependentes químicos. São serviços abertos e comunitários, tendo como objetivo a reabilitação psicossocial de seus pacientes. (ABUHAB; SANTOS; MESSENBERG, 2005; FILTZOLA; MILIONI; PAVARINI; 2008) Nesse processo de criação e de ampliação desses serviços, faz-se necessária a atenção para a qualidade deles para que o investimento realizado gere os resultados esperados. Em um trabalho de qualificação da equipe, um aspecto fundamental é a motivação dessa equipe, pois, sem isso, os resultados tendem a ser piores. Segundo Dias (2009), a motivação pode ser considerada um tema importante para as organizações, uma vez que manter as pessoas ativas e dedicadas, assegurando-lhes uma estrutura que possibilite a satisfação de anseios internos de crescimento psicológico e desenvolvimento profissional, é um desafio que vem sendo abordado por diversos vieses. A motivação para o trabalho é um tema bastante abordado por diversas áreas do conhecimento como a psicologia, a sociologia e a administração. Ela pode ser entendida como os motivos para realizar uma ação, ou seja, fatores que determinam um impulso e esforço para fazer mais e melhor, alcançando metas (DIFINI; 2002). Brunelli (2008) ressalta que é importante sempre ter Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 121 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) em mente que a tarefa da gestão não é motivar as pessoas, uma vez que esse é um processo íntimo e pessoal, mas, sim, criar um ambiente motivador, estimulando que as pessoas busquem satisfazer suas necessidades próprias e contribuam para o serviço. Existem diversos artigos (AFFONSO; ROCHA, 2010; BRUNELLI, 2008; COELHO; SOARES, 2006) discutindo a motivação do trabalhador público e demonstrando a influência de diversos fatores como estabilidade, carreira, remuneração, características específicas do trabalho e outros. Os CAPS podem apresentar ainda outros fatores que podem influenciar na satisfação e motivação da equipe, como o fato de serem serviços inovadores com práticas inovadoras e que muitas vezes são contraditórias com a formação clássica de diversos profissionais. (FILIZOLA; MILIONI; PAVARINI, 2008) Além desses aspectos, nos CAPSad o público-alvo é formado por dependentes químicos, população com um problema de saúde que tende a ser refratária a intervenções, com diversas recaídas e inúmeras frustrações, representando um grande desafio para as equipes que com eles precisam trabalhar. (DIDONET; FONTANA, 2011) Dessa forma, o presente artigo propõe-se a analisar fatores que influenciam a motivação de servidores públicos que atuam em CAPSad, realizando um estudo de caso de um CAPSad do município de Florianópolis, para, ampliando esse conhecimento, buscar melhorar a condição de motivação do ambiente e contribuir para o entendimento do tema. 2 Exposição do Tema 2.1 Os CAPSad O Movimento da Reforma Psiquiátrica teve início no final dos anos 1970, dentro do contexto histórico e social da restauração democrática. Esse movimento, além da luta por melhores condições de trabalho dentro dos hospitais, teve como bandeira o reconhecimento da cidadania do louco. A partir dos anos de 1980, a crítica deixa de visar o aperfeiçoamento e humanização do hospital psiquiátrico e passa a incidir sobre os pressupostos da psiquiatria, mais especificamente sobre a compreensão da doença mental e sobre a manutenção do hospital psiquiátrico. 122 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini As diretrizes da Reforma Psiquiátrica Brasileira – desinstitucionalização, desospitalização e garantia dos direitos dos doentes mentais – foram enunciadas na I Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 1987, na Conferência de Caracas (OMS/OPS), em 1990, e referendadas na II Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1992 (AMARAL, 1997). A partir desse momento, aparecem iniciativas de reformulação legislativa, a ampliação dos atores sociais e experiências institucionais bem-sucedidas. Dessa forma, em 1992, o Ministério da Saúde editou portarias normatizando alguns aspectos do funcionamento dos hospitais psiquiátricos, bem como incentivando a criação de novos dispositivos. Nesse sentido, surgem os Centros de Atenção Psicossocial, que são considerados serviços substitutivos aos modelos de atenção vigentes aos portadores de transtornos mentais, sendo unidades de saúde para atendimento de uma população específica, oferecendo serviço intermediário entre hospital e atenção básica. Contam com equipe multiprofissional, oferecendo atendimento individual e atendimento em grupos, visitas domiciliares e atendimentos às famílias. Possuem uma dimensão política ao considerar o usuário do serviço um cidadão pleno de direitos; e uma dimensão social no sentido de inclusão das minorias, reconquista da cidadania e aumento de poder de contratualidade social. (RABELO et al., 2006) A concepção de território adotada na proposta dos CAPS busca transformar o serviço em um novo paradigma de tratamento, inserindo o usuário no contexto de suas relações sociais, promovendo sua inclusão social. Esse mesmo modelo de atendimento também foi incorporado para acompanhamento de pessoas dependentes de Substâncias Psicoativas (SPA). Também se propõe a seguir o objetivo de promover a reabilitação psicossocial de seus usuários, sem o prejuízo de serem afastados de suas famílias e comunidades, através de acompanhamento sistemático e contínuo, de forma intensiva, semi-intensiva e não intensiva. Essa categorização configura o norte de construção dos Projetos Terapêuticos Individuais, influenciando na frequência dos usuários ao serviço de saúde CAPS. Os CAPSad seguem as diretrizes e orientações gerais da Política Nacional sobre Drogas publicada oficialmente, em 2005, pelo Ministério da Saúde, que prevê orientações gerais e diretrizes para prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social; redução de danos sociais e à saúde; redução da oferta; e estudos, pesquisas e avaliações. Neste último aspecto, a política discorre sobre a garantia de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 123 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) [...] meios necessários à realização de estudos, análises e avaliações sobre as práticas das intervenções públicas e privadas, nas áreas de prevenção, tratamento, reabilitação, redução de danos, reinserção social e ocupacional, redução da oferta, considerando que os resultados orientarão a continuidade ou a reformulação dessas práticas. (BRASIL, 2005) Essa política, entre outros aspectos, contempla a Política de Redução de Danos que prevê a possibilidade de diminuir os danos causados pelo uso de qualquer substância psicoativa através de estratégias de proteção e cuidado. Os CAPS são considerados serviços de referência para casos graves, que necessitem de cuidado mais intensivo e/ou de reinserção psicossocial, ou ainda que ultrapassem as possibilidades de intervenção da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e Núcleos de Apoio da Saúde da Família (NASF). Os CAPS também darão retaguarda às ESF e NASF, nas suas especificidades, assessorando em demandas específicas. Dessa forma, a abordagem do usuário de SPA a partir dessas políticas públicas deve ser realizada em todos os níveis de atenção, sendo que os CAPSad devem realizar a articulação com toda a rede de saúde e assistência social para aumentar a resolutividade dos encaminhamentos combinados com o usuário que frequenta o serviço. Em Florianópolis/Santa Catarina, o CAPSad Continente é criado pela resolução de 30 de março de 2005 através da deliberação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. O público-alvo inicial era fundamentalmente formado por crianças e adolescentes usuários de drogas, mas já em 2006 esse público é ampliado com a entrada de adultos. Em 2010, foi inaugurado no município outro CAPSad, situado no bairro Pantanal. Ambos funcionam das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira e fornecem tratamento ambulatorial com equipe multiprofissional. O processo de trabalho se dá através de oficinas, grupos terapêuticos e atendimentos individuais. O trabalho busca a interdisciplinaridade para superar a fragmentação na atenção que costumava acontecer devido à rigidez na especialização dos serviços. A interdisciplinaridade busca o olhar para o ser humano como um todo, no seu próprio contexto e nas relações dinâmicas do contexto onde está inserido, entendendo que essa é uma estratégia para uma maior qualificação do cuidado. (ABUHAB; SANTOS; MESSENBERG, 2005) 124 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini No município de Florianópolis, a atenção em saúde mental para os usuários de álcool e de outras drogas está articulada de forma intersetorial, principalmente com o Programa Abordagem de Rua, Centro POP de atenção à população de rua, que é um Centro de referência especializado em assistência social (CREAS), com a casa de apoio social ao morador de rua e com os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) da Secretaria de Assistência Social, além de toda a rede de saúde. 2.2Trabalho com Dependentes Químicos Existem inúmeros estereótipos em relação às pessoas com problemas por uso de drogas, muitos de caráter moral: de que seriam pessoas mal-intencionadas, sem vontade de mudar seu comportamento, que estariam sempre envolvidas com comportamentos ilícitos. Na verdade, a maior parte da população brasileira faz uso de alguma droga em algum momento ao longo de sua vida, sendo que as pessoas que possuem problema com isso são uma minoria dentro desse universo. (CARLINI et al., 2006) O Transtorno de dependência de substâncias é uma síndrome comportamental que gera compulsão pelo uso, persistência no uso apesar de prejuízos, apesar da intenção de reduzir ou suspender esse uso, entre outros fatores. Diferentes padrões de uso e de intensidade dessa síndrome comportamental devem receber diferentes formas de intervenção. (COOK; EDWARDS; MARSHAL, 2005) Segundo Miller e Rolnick (2001), a atitude do profissional que aborda uma pessoa com problemas com drogas é determinante para a sua motivação ou não para a mudança de comportamento; e os conceitos prévios desses profissionais acerca do problema interferem grandemente nessa atitude. Os conceitos acerca da dependência química e das formas de abordagem vêm se modificando ao longo das últimas décadas e nem sempre os profissionais que atuam com essa população no serviço público estão atualizados nesses conceitos ou os têm realmente incorporados, deixando de lado conceitos morais. Forman, Bovasso e Woody (2001) realizaram estudo nos Estados Unidos demonstrando que grande parte da equipe de um serviço especializado em tratamento de dependentes químicos acreditava que deveriam ser usadas técnicas terapêuticas que as evidências mostram serem pouco efetivas ou contraproducentes, reforçando a visão da dificuldade de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 125 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) modificar crenças relacionadas às melhores estratégias terapêuticas voltadas para essa população . Além desses aspectos, relacionados a conceitos prévios que podem gerar tensão e insatisfação, características próprias de pessoas com esse tipo de problema tendem a gerar não satisfação para os profissionais, como a tendência a recaídas no padrão de uso patológico, a baixa adesão ao tratamento, o interesse em ganhos secundários ao tratamento, mentiras e outros. Segundo Didonet e Fontana (2011), o cuidado aos usuários de álcool e outras drogas configura-se, muitas vezes, como uma rotina fatigante decorrente do significativo grau de tensão dos trabalhadores na atenção a esses sujeitos. Uma diversidade de fatores, como, por exemplo, a agressividade dos usuários, pode contribuir para o aumento de estresse em trabalhadores de saúde mental, exigindo do profissional tolerância e paciência. (DIDONET; FONTANA, 2011) 2.3Motivação para o Trabalho Diversas teorias buscam explicar os fatores envolvidos na motivação para o trabalho. Segundo Dias (2009), motivação é a força que impulsiona as pessoas a agirem. Necessidades não satisfeitas são os principais fatores que condicionam a motivação. A satisfação é quando a pessoa percebe ou sente que suas necessidades foram supridas, que estão de acordo com suas expectativas. Para compreender melhor a relação entre satisfação e motivação é interessante conhecer a teoria dos dois fatores, elaborada por Frederick Herzberg. Brunelli (2008) faz uma interessante revisão do trabalho de Herzberg apontando que em seus estudos originais ele descobriu fatores que, quando presentes, geram um alto nível de satisfação, mas quando ausentes não chegam a gerar insatisfação proporcional, que ele chamou de motivacionais; e fatores que quando ausentes geram grande insatisfação, mas quando presentes não chegam a criar satisfação na mesma proporção, que ele chamou de higiênicos. Os fatores motivacionais estariam mais associados à satisfação e incluem atividades desafiadoras e estimulantes, que possibilitem realização, reconhecimento, desenvolvimento e progresso. Os fatores higiênicos estariam mais relacionados com insatisfação e incluem aspectos do ambiente de trabalho como supervisão, relações interpessoais, salário, segurança e condições de trabalho. Segundo Coelho e Soares (2006), a denominação de fatores higiênicos de Herzberg se daria pelo fato de que, uma vez que a organização dê atenção 126 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini para manter esses aspectos em estado de controle, ela evitaria descontentamentos e, a partir daí, poderia poderia desenvolver trabalhos com os fatores motivacionais. Uma questão importante da teoria de Herzberg é ter a clareza de que ajustes nos fatores ditos higiênicos têm pouca influência na motivação; então intervenções voltadas para essa questão deveriam direcionar-se para aspectos relativos às tarefas desempenhadas e ao conteúdo do trabalho. A esse entendimento tem se dado o nome de enriquecimento do cargo. (BRUNELLI, 2008) 2.4Motivação do Servidor Público O trabalho no serviço público tem características específicas determinando que seus gestores compreendam que nem sempre é possível a adaptação de estratégias aplicadas no setor privado. De qualquer forma, a motivação é um aspecto fundamental e tema de diversos estudos no setor público (BRUNELLI, 2008; AFFONSO; ROCHA, 2010; COELHO; SOARES, 2006; DIFINI, 2002; SCHWEITZER, 2008; VIEIRA et al., 2011; VILLANOVA, 2010), justamente em função de algumas características próprias dele. Em função de abusos ocorridos no passado, vêm sendo realizadas sucessivas reformas no estado brasileiro. Segundo Pereira (1996), no tempo da monarquia, o estado brasileiro funcionava em um sistema patrimonialista em que o patrimônio público era confundido com o privado, porque o estado era considerado do rei. Nesse contexto, o nepotismo e o empreguismo, senão a corrupção, eram a norma. Como resposta à necessidade de melhora do sistema, foi adotada a administração pública burocrática clássica, que, apesar de seu pressuposto de eficiência, acabou demonstrando lentidão, alto custo, autorreferência e pouca ou nenhuma orientação para o atendimento das demandas dos cidadãos. (PEREIRA, 1996) O passo seguinte vem se dando na implementação de uma mudança para um modelo gerencial do sistema administrativo do estado brasileiro que pressupõe algumas características como descentralização política e administrativa, redução dos níveis hierárquicos, pressuposto da confiança limitada ao invés da desconfiança total, controle por resultados e administração voltada para o cidadão. (PEREIRA, 1996) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 127 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) Apesar desse processo de reforma administrativa do estado brasileiro, ainda são encontradas muitas características do modelo burocrático tanto na estrutura dos serviços públicos como na mentalidade de servidores em atuação. Schweitzer (2006) cita ainda questões importantes em relação ao trabalho no serviço público, como a estabilidade funcional e salarial, que podem ser fatores que motivam o ingresso do servidor, mas nem sempre mantêm motivação para o trabalho. Outros fatores importantes de serem considerados, apontados por Villanova (2010), são a falta de estímulos para crescimento na carreira, pouca atratividade para cargos de chefia e a falta de autonomia para pessoas investidas desses cargos de oferecerem benefícios aos que se destacam. Embora existam mecanismos previstos em lei capazes de punir a má atuação de servidores públicos, como citado por Schweitzer (2006), Villanova (2010) lembra que tais instrumentos na prática se mostram ineficazes, trazendo na maioria das vezes mais prejuízos do que benefícios ao serviço. Segundo Guimarães, Jorge e Assis (2011), nos casos de serviços públicos de saúde, existem diversos atores atuantes, gerando diferentes inter-relações permeadas por diferentes interesses e necessidades. O processo de vivência dessas inter-relações pode vir a ser positivo ou negativo, dependendo de como se desenrola no trabalho. Segundo Herzberg (apud BRUNELLI, 2008), considera-se que ambientes com inter-relações negativas possam ter caráter desmotivador. 3 Metodologia O presente trabalho lança mão de um estudo de caso de um CAPSad usando de abordagem qualitativa para coletar e analisar as respostas de seus servidores. Eles responderam a um questionário que foi construído a partir da leitura de pesquisas na área, bem como da experiência do pesquisador no trabalho com dependentes químicos e no serviço público. Tal questionário conta com cinco questões abertas abordando as categorias de como se deu a chegada ao local de trabalho, as percepções e os sentimentos relativos ao trabalho com dependentes químicos e aspectos que motivam e desmotivam no trabalho. Trata-se, ainda, de uma pesquisa bibliográfica, de campo e, sobretudo, no que tange à sua finalidade, de uma pesquisa descritiva. Para a 128 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini coleta de dados, vale destacar que foi usada, também, a observação direta, em decorrência da atuação profissional do pesquisador no ambiente em estudo. A população-alvo do estudo foi a totalidade de servidores em atuação no referido serviço: 19 servidores. Mas, considerando-se que, um estava em férias e outro em licença por doença na ocasião da coleta de dados e, ainda, que outro é o próprio autor considerou-se uma população total de 16 pessoas. A amostra foi do tipo censitária, não comprometendo a análise, uma vez que ela é qualitativa. Os questionários foram aplicados em outubro de 2012. Uma vez que o autor do estudo é coordenador do serviço, para minimizar o viés nas respostas o questionário foi entregue para que cada um respondesse individualmente sem a necessidade de identificação. Responder ou não ao questionário foi opção individual, pois foi deixado claro que o resultado das respostas seria para uso exclusivo do referido estudo. Do universo de 16 questionários entregues, nove foram respondidos e devolvidos em local previamente acordado para facilitar o anonimato. As respostas dos questionários foram analisadas através da técnica de análise de conteúdo temática, proposta por Bardin (1977), que compreende basicamente três etapas. A primeira fase é a pré-análise, onde se faz o contato com as entrevistas buscando conhecer o conteúdo, estabelecendo as primeiras impressões e caracterizando a leitura flutuante. A segunda fase implica a exploração do material, enquadrando a operação de codificação em categorias, subcategorias e unidades temáticas. E a última fase é a do tratamento dos resultados, onde são realizadas a síntese, inferências e interpretação dos dados. 4 Apresentação e Análise dos Dados A apresentação dos resultados ocorre por meio da descrição de categorias, subcategorias e unidades temáticas que foram elaborados a partir da análise de conteúdo das entrevistas, conforme a técnica de Bardin (1977) descrita anteriormente. 4.1Forma de Lotação no CAPSad Essa categoria trata da forma de chegada da pessoa para trabalhar no CAPSad. Sendo essa bastante influenciada pelo sistema de contratação e gerenciamento de pessoas do serviço público municipal, entende-se que esse é o foco principal dos resultados encontrados. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 129 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) Foram estabelecidas duas subcategorias: decisão voluntária e decisão involuntária. Entende-se que tal divisão de subcategorias pode ter impacto na motivação do servidor uma vez que trabalhar em um local a contragosto pode ter influência negativa sobre ele. 4.1.1 Decisão Involuntária Em relação à decisão involuntária, encontra-se como primeira unidade temática a Imposição da gestão, que denota uma contrariedade do servidor em relação à sua lotação, podendo dificultar sua adequação na unidade, influenciando sua motivação para o trabalho, conforme ilustrado pela fala do Sujeito 7: “[...] eu fui transferida do outro Caps [...]. Na época me perguntaram se eu desejava sair daquela unidade, eu fui clara sobre não desejar sair, mas a decisão de minha saída foi irrevogável”. Outra unidade temática aponta para o único local disponível para adequar a carga horária, ilustrado pela fala do Sujeito 4: “[...] precisava reorganizar meus horários pedindo redução de carga horária, então a única unidade [...] era o CAPSad”. Esse tema pode ter caráter de duas vias, uma vez que denota um possibilidade de flexibilização de horário no serviço, o que pode ser uma contribuição como fator higiênico positivo, mas também denota a falta de consideração à especificidade do serviço e ao perfil do servidor no momento de escolha da lotação. A última unidade temática dessa subcategoria fala de uma característica clássica do serviço público que é a chamada de concurso, que se pode perceber na seguinte fala: “[...] prestei concurso [...] aguardei ser convocada para exercer o cargo. Neste momento de atividade profissional estou sendo incorporada à equipe” (Sujeito 6). Como já abordado, os concursos públicos selecionam para vagas genéricas e, muitas vezes, existem diferenças significativas em relação aos diversos locais de trabalho possíveis. Sendo que o critério de escolha de local, muitas vezes, segue apenas a ordem de chamada do concurso, podendo contribuir para problemas de motivação posteriores se ocorrer incompatibilidade de interesses do servidor com os objetivos do serviço. 4.1.2 Decisão Voluntária Em relação à subcategoria decisão voluntária, encontra-se como primeiro item a proximidade da moradia, ilustrado pela fala do Sujeito 9: “[...] optei pelo CAPSad continente por ficar mais próximo à minha residência”. 130 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini Esse pode ser entendido como um fator higiênico segundo a teoria dos dois fatores de Herzberg (apud BRUNELLI, 2008). A unidade Ajudar pessoas fragilizadas, é ilustrada pela fala do Sujeito 2: “[...] aceitei (o trabalho) porque me identifiquei com a função de ajudar as pessoas de alguma forma, pessoas que são totalmente discriminadas pela sociedade [...]”, o que pode ser entendido como um fator motivacional porque fala da consonância da atividade do serviço com objetivos pessoais que podem contribuir para a realização pessoal. Outro fator levantado é o de interesse em dependência química, percebido no discurso do Sujeito 8: “Tinha o intuito de atuar na área da saúde, focando na dependência química, que é um assunto que sempre me instigou”. Uma vez havendo interesse na área, pode contribuir para o crescimento profissional, tornando-se um fator motivacional. A unidade temática história familiar de dependência química fala de um interesse na área mediado por experiência pessoal familiar, o que é ilustrado pelo Sujeito 1: “Tenho interesse no público (do CAPSad) pois tenho antecedente familiar”. Uma vez que o fato de ter familiar com dependência química foi um fator relacionado à escolha do local para trabalho, entende-se que é um fator motivacional. 4.2Percepção sobre o Trabalho com Dependentes Químicos Essa categoria fala mais especificamente das particularidades do serviço CAPSad, em relação ao seu público-alvo de dependentes químicos e das características do trabalho em CAPS. Foram identificadas quatro subcategorias, quais sejam: dificultoso, significativo, desgastante e interessante. A percepção sobre o trabalho com dependentes químicos pode ter caráter positivo ou negativo em relação à motivação. Dificultoso e desgastante tem uma conotação negativa; e significativo e interessante uma conotação positiva. 4.2.1 Dificultoso Dentro da subcategoria dificultoso, há quatro unidades temáticas. A primeira fala que a dificuldade surge frente aos poucos resultados positivos obtidos em relação ao tratamento com dependentes químicos. O Sujeito 2 aponta: “É um trabalho difícil de criar grande expectativa, tem poucos resultados Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 131 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) positivos”. Essa questão pode estar relacionada à falta de interesse na área ou ao superdimensionamento de expectativas em relação à essa população. Mas, de qualquer forma, fala de um fator que pode gerar desmotivação frente às expectativas e desejos do profissional que não são efetivados. Outra temática fala sobre Pacientes depositam problemas na equipe. Conforme a fala do Sujeito 5: “[...] precisa ter paciência, pois os problemas que eles trazem muitas vezes são depositados na equipe”. Parte da característica do dependente químico é a dificuldade de ter autonomia para resolver seus problemas, sendo necessário um entendimento disso e habilidade para trabalhar essa questão. Quando esse não é um ponto claro, ou a pessoa não tem habilidades ou capacitação para lidar com esse aspecto, tende a gerar estresse e ser um fator desmotivador. A unidade seguinte é sobre o desafio dos pacientes com relação a limites e regras. Novamente, essa é uma característica importante da pessoa com problemas com drogas: ter limites internos frágeis, com consequente dificuldade de lidar com limites externos. O comentário acerca da unidade temática anterior se aplica bem nesta. Por fim, a unidade temática Requer paciência parece denotar a falta dela no respondente, de modo geral, o que pode ser entendido como um fator desmotivador um vez que tende a ser gerador de estresse. 4.2.2 Significativo Nesta subcategoria, foram encontradas unidades temáticas que tendem ao caráter motivacional, uma vez que significativo já trata de uma percepção de interesse pessoal que pode contribuir para a realização. A unidade Traz benefícios para a sociedade fala claramente dessa percepção de que o trabalho pode trazer uma realização pessoal de contribuição para a sociedade. O Sujeito 8 afirma: “[...] acho um trabalho bastante significativo, que dá ótimos frutos para a sociedade”. A unidade temática seguinte fala do auxílio a uma população marginalizada que apresenta um significado de ajuda ao próximo, novamente indo ao encontro de um objetivo pessoal que pode contribuir para a realização, sendo motivador. Essa unidade pode ser ilustrada pela fala do Sujeito 1: “[...] um trabalho importante, pois trabalhamos com público que é usualmente marginalizado pela sociedade”. 132 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini 4.2.3 Desgastante Essa subcategoria abarca três unidades temáticas: vários tipos de intervenções; difícil melhora do paciente; e grande investimento emocional com pouco retorno. Todas parecem associadas a risco de estresse por serem frustrantes e com dificuldade de alcançar satisfação pessoal, podendo ter resultados desmotivadores. A fala do Sujeito 4 ilustra a subcategoria “[...] acho um trabalho desgastante, que demanda vários tipos de cuidados, intervenções e atividades diferenciadas de outras unidades de saúde”. Esse desgaste mencionado vai ao encontro do relatado por Didonet e Fontana (2011) em seu estudo, quando encontraram que os principais fatores desmotivadores estavam relacionados à falta de motivação dos pacientes para o tratamento, às constantes recaídas e desistências e à falta de adesão ao tratamento. 4.2.4 Interessante Nessa subcategoria elencou-se três unidades, que são: visualização da aplicabilidade de técnicas; valorização da vida; e superação de preconceitos, que pode ser observada no discurso do Sujeito 2: “[...] é um trabalho muito interessante, pois aprendi muito a superar meus próprios preconceitos”, remetendo a um caminho de realização pessoal. Todas as unidades remetem à correlação entre crescimento pessoal e profissional, o que pode influenciar positivamente na motivação para o trabalho. 4.3Sentimentos em Relação ao Trabalho com Dependência Química Essa categoria aborda as percepções emocionais relacionadas ao trabalho com dependentes químicos que, como apresentado anteriormente, podem ser fonte de estresse e gerar desmotivação. Foram identificadas quatro subcategorias: frustração, satisfação, felicidade e preocupação. Todas estas mostram-se relacionadas a fatores motivacionais, segundo a teoria dos dois fatores de Herzberg (apud BRUNELLI, 2008), e não a fatores higiênicos. 4.3.1 Frustração O sentimento de frustração foi expresso em relação a três aspectos do trabalho com dependentes químicos: pouca melhora dos pacientes, condição de vai e volta e constantes recaídas. Podemos ilustrar a subcategoria com o Sujeito 4, que diz: “[...] hoje consigo lidar com as dificuldades e frustrações Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 133 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) de muitas vezes ver o paciente, depois de conseguir se reestruturar, recair novamente”. Todas as unidades temáticas dessa subcategoria relacionam-se ao padrão de evolução natural dos transtornos de dependência química. Apesar de esperados são fontes de frustração para os profissionais do serviço, como evidenciado por Didonet e Fontana (2011). 4.3.2 Satisfação A satisfação apareceu associada à percepção de se estar aliviando o sofrimento humano através desse trabalho, como evidenciado na fala: “Sinto-me prestando um serviço que ajuda a aliviar o sofrimento das pessoas que não contam com outro apoio” (Sujeito 1). A percepção de resultado positivo do trabalho pode ser fator motivacional importante, implicando o servidor na busca de melhores práticas dentro da Unidade de Saúde. 4.3.3 Felicidade Este sentimento evidenciado na fala do Sujeito 4: “[...] fico muito feliz de saber que muitas vezes conseguimos fazer a diferença na vida de cada um dos usuários deste serviço”, fala de um dos importantes fatores de motivação que é a realização com o trabalho. 4.3.4 Preocupação A preocupação com comportamentos de risco por parte dos pacientes, que é evidenciada pela unidade temática dessa subcategoria, traz o risco de o profissional envolver-se além dos aspectos técnicos com a situação apresentada pelos pacientes, podendo ser uma fonte significativa de estresse, impactando sua motivação para manter suas atividades profissionais. Por outro lado, pode demonstrar comprometimento e, se bem supervisionado, o profissional pode contribuir para o engrandecimento do serviço, obtendo satisfação com suas práticas e, por fim, se motivando para continuar as atividades. 4.4 Aspectos Motivadores no Trabalho Esta categoria vem do questionamento da impressão dos sujeitos da pesquisa de quais fatores eles identificam como motivadores em seu trabalho. Na categorização foram levantadas quatro subcategorias: equipe, desenvolvimento profissional e pessoal, percepção sobre o trabalho do/no CAPSad e 134 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini possibilidade de ajudar. Assim como na categoria de sentimentos, os fatores aqui apresentados enquadram-se em fatores motivacionais, como descrito por Herzberg (apud BRUNELLI, 2008). 4.4.1 Equipe O trabalho em equipe foi identificado como um dos fatores compreendidos como motivadores. Ao todo sete unidades temáticas surgiram relativas ao trabalho em equipe: competência, receptividade, comunicação clara, apoio mútuo, divisão de responsabilidades, motivação para crescimento pessoal e profissional e confiança recebida, evidenciando características importantes das pessoas da equipe e de suas relações que podem contribuir para um trabalho motivador. A subcategoria é ilustrada com a seguinte fala: “Uma das motivações que tenho é o trabalho em equipe, pois apesar dos problemas que ocorrem de vez em quando, a equipe consegue resolver e fazer o melhor possível.” (Sujeito 5). A diretriz do trabalho em equipe, buscando a interdisciplinaridade, como explicitado por Abuhab et al. (2005), mostra-se como fator importante de enfrentamento das dificuldades inerentes à população atendida. Além disso mostra que um fator higiênico importante, que são as relações interpessoais, está suprido. 4.4.2 Desenvolvimento Pessoal e Profissional Esta subcategoria também fala diretamente de fatores motivadores, segundo Herzberg (apud BRUNELLI, 2008), considerando o desenvolvimento profissional. As unidades temáticas identificadas foram a possibilidade de aumento do conhecimento na área da saúde; experiência com dependência química; e aplicabilidade de técnicas profissionais. 4.4.3 Percepção sobre o Trabalho Desenvolvido As percepções do participantes a respeito do trabalho desenvolvido apontam para a consonância com o que é estudado cientificamente na área; eficácia do serviço; e contribuição para o desenvolvimento do trabalho. Todas refletem a percepção de qualidade e valor do mesmo, refletindo aspectos relacionados à motivação positiva. O Sujeito 4 aponta: “(um aspecto que me motiva é) a possibilidade de desempenhar as minhas funções e poder estar contribuindo para o crescimento e desenvolvimento do serviço”. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 135 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) 4.4.4 Possibilidade de Ajudar Outra percepção positiva aparece nesta subcategoria, evidenciada na fala: “Um aspecto que me motiva no trabalho é ajudar as pessoas que são excluídas da sociedade” (Sujeito 1), apontando novamente para a questão de realização pessoal através de uma trabalho que possui especificidades e também está voltado para pessoas marginalizadas. Interessante destacar que pode ser um fator motivador, como proposto por Herzberg (apud BRUNELLI, 2008). 4.5 Aspectos Desmotivadores no Trabalho Esta categoria aponta para aspectos administrativos, predominantemente higiênicos segundo Herzberg; de características do usuário dependente químico; do ambiente de trabalho; e da estrutura de rede. 4.5.1 Administrativos Nesta subcategoria agruparam-se as unidades temáticas baixos salários, falta de plano de carreira, não receber insalubridade, falta de estabilidade e falta de capacitação técnica. Tratam-se de condições administrativas de caráter predominantemente higiênico, ou seja de condições que tendem a gerar desmotivação, como já referido. A falta de capacitação técnica pode estar relacionada com algumas percepções e sentimentos de caráter desmotivador em relação ao trabalho com dependência química, como referido por Forman, Bovasso e Woody (2011) e Didonet e Fontana (2011), uma vez que expectativas distorcidas em relação a resultados possíveis na intervenção e falta de instrumentos efetivos de intervenção podem estar relacionados a essas percepções e sentimentos referidos, conforme a fala do Sujeito 7: “[...] falta de treinamento específico em dependência para toda a equipe”. 4.5.2 Características do Usuário com Dependência Química Uma série de características inerentes ao processo patológico e evolução natural da dependência química surgem como aspectos considerados desmotivadores, evidenciados nas unidades temáticas: repetição de histórias; chantagens e ameaças dos pacientes; não melhora; falta de interesse; constantes recaídas; e situação de vulnerabilidade. A fala do Sujeito 5 ilustra a subcategoria: “[...] me desmotiva perceber a questão da não melhora dos pacientes, 136 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini sempre voltam com as mesmas histórias”. Essas características são trazidas por Didonet e Fontana (2011) como fonte de sentimentos de frustração e impotência dos trabalhadores; e os autores questionam se os profissionais lotados para realizar a tarefa de lidar com essa demanda estão preparados para isso. 4.5.3 Ambiente de Trabalho As questões relativas ao ambiente de trabalho também se enquadram nos aspectos higiênicos. As falas encontradas foram traduzidas em duas unidades temáticas: ambiente difícil e de muito sofrimento; e diálogos frios e rígidos. O Sujeito 8 fala: “[...] (me desmotivam) diálogos frios e rígidos, que infelizmente existem nos melhores ambientes”. Ambas as unidades podem ser vistas como a tradução de percepções de dificuldades de diálogo e pouco apoio dentro da equipe. 4.5.4 Estrutura de Rede Esta subcategoria traz questões de carências da rede de atenção à saúde que são percebidas como desmotivadoras, sendo identificadas: falta de emergência psiquiátrica; inexistência de leitos psiquiátricos em hospital geral; falta de política local para dependência; falta de rede de apoio intersetorial. O Sujeito 4 coloca: “[...] (me desmotivam) as dificuldades de rede de apoio para poder melhorar o trabalho”. Essas percepções de deficiências de rede podem interferir em questões higiênicas com prejuízo nas condições de trabalho, mas também em fatores motivacionais quando pesam sobre a percepção de realização e desenvolvimento do trabalho. 5 Considerações Finais Na apresentação dos resultados do presente estudo percebemos diversos fatores – fragilidades e potencialidades - que influenciam a motivação de servidores públicos que atuam em CAPSad, e a partir dessa percepção é possível traçar alguns caminhos de melhoria dessa realidade. Apesar dos cuidados dispensados para favorecer o anonimato, entende-se que o fato do autor ser coordenador do referido serviço pode representar um viés importante nas respostas, em especial relacionado ao aparecimento de críticas em relação à gestão local. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 137 Análise dos Fatores que Influenciam a Motivação para o Trabalho de Servidores Públicos de um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad) Pode-se ressaltar que um dos objetivos da política que institui os CAPS no pais, que é a inclusão de minorias (RABELO et al., 2006), aparece como um fator motivacional para alguns sujeitos investigados. Essa motivação advém da consonância desse objetivo com aspirações e crenças pessoais, que não necessariamente são compartilhadas por todas as pessoas que atuam no serviço. No serviço público, muitas vezes, o concurso é realizado para um determinado cargo, mas as áreas de atuação são diversas e com grande frequência a lotação desse profissional ocorre pela abertura de vaga em determinado local e não pela adequação de seu perfil à vaga. Dependendo da organização do serviço para o qual é concursado, podem ocorrer grandes dificuldades para a realocação do profissional para outro serviço que se encaixe melhor em seu perfil pelo fato de não existirem políticas ágeis e modernas de gestão de pessoas. Muitas vezes, o papel do setor de recursos humanos se restringe a atividades burocráticas relativas à folha de pagamento e alocação inicial de pessoas, sem trabalhar com conceitos de gestão de carreira, gestão por competências, treinamento e desenvolvimento, reposicionamento e recolocação, crescimento pessoal e profissional. Outro fator que se destaca nos resultados apresentados é em relação às percepções e sentimentos relativos ao trabalho com dependência química. Além dos aspectos relacionados à alocação de pessoal por competências e aptidões, identifica-se que capacitações técnicas e programas de educação permanente poderiam minimizar algumas dessas percepções negativas, porque elas estão associadas a características esperadas desse público-alvo. Ainda em relação às percepções e sentimentos sobre dependência química identifica-se diversos fatores motivacionais como: superação de preconceitos, valorização da vida, benefícios para a sociedade, auxílio à população marginalizada, ajuda para aliviar o sofrimento humano, e fazer a diferença na vida dos pacientes. Apesar desses relatos de percepções motivadoras, diversos sujeitos apresentam mais percepções negativas que positivas. Implementar estratégias de enriquecimento dos cargos poderia ampliar a motivação dos servidores no CAPSad continente e possivelmente também em outros CAPSad. Os baixos salários e a falta de plano de carreira se referem à maioria dos servidores da unidade de saúde em estudo; e as questões de falta de estabilidade e não receber insalubridade afetam apenas uma parcela do grupo, revelando outra questão que é a heterogeneidade dos formatos de contrato existentes. 138 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 André Rosito Marquardt # Alessandra de Linhares Jacobsen # Isadora de Souza Bernardini Ainda em relação à falta de estabilidade e plano de carreira, Schweitzer (2006) ressalta que esses podem ser fatores motivacionais para o ingresso no serviço público, mas não para o trabalho, enquanto Pereira (1996) ressalta que podem ser fatores contrários a uma administração pública eficiente. O trabalho em equipe aparece como potencialidade motivacional nos resultados apresentados e vai ao encontro da literatura, que coloca essa organização como importante para o trabalho nos CAPS e que, quando funciona de forma adequada, tem grande potencial de aumentar a capacidade resolutiva e, consequentemente, a motivação dos servidores. (MILHOMEM; OLIVEIRA, 2007) As inter-relações são percebidas majoritariamente como positivas e têm um caráter higiênico, mas aparecem relatos negativos, que sugerem a necessidade de um trabalho de melhoria da comunicação. A identificação de fatores associados à motivação em CAPSad e a intervenção nesses fatores com o objetivo de criar um ambiente motivador pode contribuir significativamente para a melhoria da qualidade desses serviços ainda relativamente novos no país e dos quais se tem uma grande expectativa. Correlacionando os resultados desta pesquisa com a literatura disponível verifica-se que estão em consonância e, portanto, é um estudo de relevância e que pode contribuir para a melhoria das práticas em saúde pública, onde gestores podem acessar os fatores que motivam e desmotivam os servidores de Capsad e, através de parcerias internas e externas, buscar melhorar a qualidade dos serviços. Referências ABUHAB, D.; SANTOS, A. B. A. P.; MESSENBERG, C. B. O trabalho em equipe multiprofissional no CAPS III: um desafio. Rev. Gaúcha Enferm., Porto Alegre, v. 26, n. 3, p. 369-80, dez. 2005. AFFONSO, L. M. F.; ROCHA, H. M. Fatores organizacionais que geram insatisfação no servidor público e comprometem a qualidade dos serviços prestados. VII SEGeT: Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, 2010. Disponível em:<http://www.aedb.br/seget/artigos10/234_SEGeT_Fat_ Organizacionais_c_autores.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2012. 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Nesse intuito, por meio de uma revisão de literatura exploratória e básica do tipo narrativa ou tradicional, foram analisados estudos que apresentaram fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho e estudos sobre a qualidade de vida no trabalho vinculada aos profissionais da área da saúde. Esse artigo aborda o conceito de QVT e analisa a contribuição dada por alguns pesquisadores nesse campo de estudo. Além disso, analisa a influência que o trabalho dos profissionais das Unidades Básicas de Saúde pode exercer sobre a qualidade de vida dos trabalhadores, de sua família e da sociedade. Quality of Life Work (QLW) became, over the years, an important issue in order to reconcile the interests of workers and institutions to promote service with high quality. With this fact, an exploratory literature review with a type of basic or traditional narrative was made to analyze studies that showed factors related to quality of life at work and quality of life at work linked to health professionals. This article discusses the concept of QLW and analyses the contribution made by some researchers in this field of study. Also it analyses the influence that the professionals in the Basic Healthcare Units can have on the quality of life of workers, their families and in the society. Key words: Quality of Work Life. Health Professionals. Service Quality. Palavras-chave: Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Profissionais da Saúde. Serviço de Qualidade. 1 Graduada em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2009). Especialista em Saúde da Família – Modalidade a Distância pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). E-mail: [email protected]. 3 Graduada em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected]. Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde 1Introdução É consenso que há um enorme desgaste e sacrifício impingido ao trabalhador moderno por causa da competitividade existente entre as empresas. Problemas como estresse, insegurança e descaso com a ergonomia ainda são muito comuns e interferem nos resultados esperados em qualquer serviço. A rapidez das inovações tecnológicas, aliada ao ambiente globalizado, traz a necessidade de as organizações atualizarem seus conhecimentos para que obtenham resultados por meio do desenvolvimento de estratégias para melhorar a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). As empresas devem entender que os aspectos mais relevantes de suas estratégias estão relacionados ao bem-estar do profissional em seu ambiente de trabalho e a transformação desse lugar de trabalho em um ambiente aprazível, onde todos possam sentir satisfação na realização de atividades profissionais, sendo elas públicas ou privadas. No setor público, apesar de passados mais de 20 anos da constitucionalização do SUS, ainda é possível constatar que o sistema enfrenta desafios importantes para um funcionamento adequado. A Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 prevê que a questão da saúde não é um fenômeno isolado e não significa apenas ausência de doença. Ela resulta de diversas interações da vida com o meio ambiente em que a pessoa está inserida, o equilíbrio afetivo entre as pessoas, o conhecimento do próprio corpo, a solidariedade para com os outros e o respeito, dentre outros. A partir da vigência dessa lei, a preocupação com a temática qualidade de vida no trabalho tem adquirido dimensões significativas entre as pesquisas desenvolvidas nas áreas da administração e das ciências da saúde, uma vez que o trabalho tem sido considerado determinante na saúde dos indivíduos, pois é através dele que as pessoas obtêm satisfação e realização pessoal, profissional e social. Diante disso, o trabalho se torna elemento central para se pensar na qualidade de vida, porque é por meio dele que as pessoas têm procurado satisfazer suas aspirações. A questão do suporte de materiais e de equipamentos para garantir uma assistência de qualidade, o número de profissionais adequados às demandas da população, a remuneração apropriada para os profissionais da saúde, as longas jornadas de trabalho, a insegurança dos profissionais e a falta de condições adequadas de trabalho e de descanso são os principais fatores geradores de estresse entre os funcionários. São também os principais desafios que devem ser enfrentados pelos gestores para melhorar a produtividade, diminuir a rotatividade de profissionais e o absenteísmo e melhorar o atendimento à 144 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva população. Porém, são vários os motivos pelos quais a saúde do trabalhador é negligenciada, fazendo-se necessária uma reflexão sobre quais aspectos devem ser melhores para que se promova a saúde tanto da população quanto dos trabalhadores de instituições que proporcionam esse serviço. Existem poucos estudos na literatura nacional e internacional que abordam o conceito de qualidade entre os profissionais da área de saúde, muito embora o senso comum considere esses trabalhos insalubres e um risco à saúde pelas características inerentes às profissões. No Brasil, a preocupação com a questão da saúde dos trabalhadores hospitalares iniciou-se na década de 1970, quando pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) enfocaram a saúde ocupacional em trabalhadores hospitalares. Esses estudos focaram nos acidentes de trabalho a que os profissionais da saúde estavam expostos e registraram a ocorrência de 4.468 acidentes de trabalho em hospitais do país. Queixas como doenças infectocontagiosas, lombalgias, reações alérgicas, fadigas e acidentes do trabalho foram referidos por 26 grupos ocupacionais de trabalhadores hospitalares em 1977, ao passo que em 1988 um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, envolvendo 1.506 acidentes, demonstrou que as principais causas de afastamento foram lacerações e ferimentos, contusões ou torções. Somente na década de 1990 foram levados em conta aspectos éticos e psíquicos do trabalho na área da saúde. O ambiente de trabalho no qual o profissional da saúde está inserido é um lugar de tensões constantes, que responde ao desafio da saúde com divisão do trabalho, transformando as emergências em rotina, e os profissionais experimentam uma vivência de extrema angústia e estresse emocional. Esse estresse ao qual os profissionais de saúde estão expostos, de forma cumulativa e progressiva, é desencadeado por fatores como ambiente de trabalho, sobrecarga de trabalho, relações interpessoais, trabalho noturno, tempo de serviço e condições pessoais e características da personalidade, conforme estudo que considerou o problema entre enfermeiros brasileiros de 1982 a 2001. A importância da identificação desses agentes estressores é essencial para a construção de um ambiente de trabalho seguro, o que pode gerar motivação e diminuir os riscos aos quais o grupo está exposto. Em estudo descritivo realizado no Instituto Fernandes Figueira (RJ), no período de 2002 a 2003, constatou-se que entre os profissionais com faixa etária entre 20 e 50 anos – 90% do sexo feminino, com predominância de jovens entre 20 e 29 anos – 60% tinham dupla e tripla jornada, com carga Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 145 Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde horária acima de 60 horas semanais e estilo de vida não saudável em relação ao lazer, exercício físico, repouso e sono. Entre os riscos ocupacionais identificados é possível citar o ritmo acelerado no trabalho, manutenção de posturas inadequadas, trabalho isolado, esforço físico que produz fadiga, temperatura inadequada, excesso de ruído, exposição à irradiação e risco de infecção. As doenças relacionadas com as condições de trabalho detectadas foram: distúrbios osteomusculares, varizes e estresse. Concluiu-se que os problemas de saúde e as condições de trabalho estão inter-relacionados e é impossível isolar causa e efeito, sendo, portanto, um ambiente estressante tanto no aspecto físico, quanto emocional. O presente artigo aborda a qualidade de vida dos funcionários do setor da saúde, apresentando uma revisão teórica acerca da qualidade de vida no trabalho. Em sequência, pretende-se focalizar o trabalho em saúde, com vistas ao questionamento acerca da qualidade de vida dos profissionais da saúde, frente aos desafios colocados pelo processo de trabalho na atenção básica, seguido de uma conclusão sobre essa discussão. 2 A Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) São inúmeros os conceitos e os autores que relatam sobre qualidade de vida, a qual foi definida pelo grupo de qualidade de vida da OMS (Organização Mundial de Saúde) como “[...] a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. França (1997, p. 80) observa que “QVT é o conjunto das ações de uma empresa que envolvem a implantação de melhorias e inovações gerenciais e tecnológicas no ambiente de trabalho”. A construção da qualidade de vida no trabalho ocorre a partir do momento em que se olha a empresa e as pessoas como um todo, o que se chama de enfoque biopsicossocial. Segundo Arellano (2003), esse enfoque biopsicossocial leva em consideração três fatores, a saber, o físico, o psicológico e o meio social em que o trabalhador está inserido, por meio de ações que refletem em um aumento na produtividade e na melhoria da imagem da empresa tanto no contexto interno, como externamente, levando a um crescimento pessoal e organizacional. É de fundamental importância que esses 146 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva três aspectos que integram o ser humano sejam analisados em conjunto, uma vez que todos eles coexistem no mesmo indivíduo. O homem deve ser visto na QVT na sua integralidade, ou seja, em todos os aspectos que influenciam a qualidade de seu trabalho na instituição. Envolve o estado físico, psicológico, crenças pessoais, relações sociais e relações com o ambiente e o equilíbrio entre eles. O conceito físico engloba não apenas o quadro clínico do indivíduo (presença/ausência, gravidade/ intensidade de doença orgânica demonstrável), mas também, a adoção de uma alimentação saudável, a não aderência a hábitos nocivos de vida e, também, ao uso correto do sistema de saúde. O aspecto psicológico envolve desde uma adequada capacidade de gerenciamento das tensões e do estresse até uma forte autoestima, somadas a um nível elevado de entusiasmo em relação à vida. O espiritual traduz um propósito de vida baseado em valores e ética, associado a pensamentos positivos e otimistas. E o aspecto social está relacionado à alta qualidade dos relacionamentos, equilíbrio com o meio ambiente e harmonia familiar. Atividades como ginástica laboral, relaxamento e rodas de conversa já são adotadas por empresas para proporcionar um condicionamento físico e mental previamente ao início da jornada de trabalho. Encontros das equipes em datas comemorativas também favorecem um convívio social harmônico e o vínculo, permitindo que as pessoas se conheçam melhor fora do ambiente de trabalho e, assim, trabalhem melhor em equipe dentro da instituição. As empresas devem prezar pelo respeito entre seus funcionários e gestores, compreendendo-os nas suas limitações e estimulando suas qualidades, aumentando a sua autoestima para que ele se sinta valorizado na função que exerce. Há muito tempo que são usadas estratégias para promover a melhoria do método de trabalho por meio de métodos físicos e matemáticos para diminuir o esforço de muitos trabalhadores, como a criação de alavancas e uso da geometria na agricultura. No século XIX, com o advento da Revolução Industrial, a QVT foi relegada em favor da exploração do trabalhador, visando ao lucro e à produtividade em grande escala. Somente a partir da década de 1960, já no século XX, um grande número de pesquisadores, acadêmicos, líderes sindicais e representantes do governo, preocupados com o bem-estar físico e mental dos trabalhadores, começaram a se interessar pelas diversas maneiras de estimular a produtividade à custa da melhoria das condições de trabalho. Já nas décadas de 1980 e 1990, do muitos pesquisadores também se dedicaram ao estudo do comportamento humano em seu ambiente de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 147 Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde trabalho e da motivação para atingir metas organizacionais. Entre eles, é possível citar Albuquerque e França (1997) e Maximiano (2000). Maximiano (2000) relatou que os primeiros estudos sobre a relação do desempenho humano com o ambiente de trabalho foram feitos pelo psicólogo Elton Mayo, entre as décadas de 1920 a 1940. Esses estudos foram feitos com um grupo de moças de uma indústria localizada na cidade de Chicago nos Estados Unidos, e ficou conhecido como a experiência de Hawtorne. A pesquisa desenvolvida por Mayo (1933) baseou-se na observação de um grupo de operárias que foram observadas em ambientes separados da linha de produção ao qual estavam familiarizadas. Ao fim da experiência verificou-se que a produção elevou-se e constatou-se que a satisfação das operárias tornara-se evidente, pois revelou que as condições de ambiente, tratamento igualitário, gerência mais próxima, respeito, valorização do trabalho, entre outros, foram fatores que serviram de estímulos para as funcionárias e, dessa maneira, abriu caminho para outros estudos sobre a qualidade de vida nas organizações. Esses estudos se fizeram necessários em virtude do intenso esforço empreendido pelas organizações para aumentar a produtividade, o lucro, para diminuir os custos e, com isso, superar a concorrência. Porém, todo aperfeiçoamento e aumento da produção ocorreu à custa do trabalhador moderno, causando a ele enorme desgaste físico e mental. Aspectos relacionados à satisfação no trabalho e a melhores condições para executá-lo foram negligenciados e relegados a segundo plano. Segundo Cavassani, Cavassani e Biazin (2006), com esses estudos, a mentalidade primitiva das organizações sobre a exploração do trabalho humano em suas linhas de produção foi aos poucos sendo substituída. Assim, ter a força de trabalho atrelada aos valores da empresa tornou-se vital para a competitividade das organizações. Pois, a sobrevivência, a permanência e o espaço no mercado dependem cada vez mais do envolvimento das pessoas em prol dos objetivos da organização. Para Levering (1996) não é justo que o local de trabalho seja a única coisa na vida das pessoas. Um bom local para trabalhar possibilita, entre outras coisas, que as pessoas tenham, além do trabalho, compromissos em suas vidas, como família, amigos e hobbies pessoais. Walton (apud CHIAVENATO, 1999) conceitua a QVT como o atendimento de necessidades e de pretensões humanas, com base na ideia de humanização e de responsabilidade social. Propõe ainda um modelo com oito categorias conceituais que devem ser consideradas na QVT. 148 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva Dentre os principais modelos desenvolvidos com o objetivo de identificar os aspectos que influenciam na qualidade de vida no trabalho, destacam-se os modelos propostos por: Walton e Westley, Davis e Werther, Hackman e Oldham (FREITAS; SOUZA, 2008): a) Modelo de Walton (1973): estabeleceu critérios para a qualidade de vida no trabalho. Esses critérios se dividem em oito categorias conceituais: compensação adequada e justa, condições de segurança e saúde no trabalho, oportunidade imediata para a utilização e desenvolvimento da capacidade humana, oportunidade futura para crescimento contínuo e segurança, integração social na organização de trabalho, constitucionalismo na organização de trabalho, trabalho e o espaço total da vida do indivíduo e relevância social da vida no trabalho. Por esse modelo, os critérios apresentados são intervenientes na qualidade de vida no trabalho de um modo geral. Sendo tais aspectos determinantes dos níveis de satisfação experimentados pelos clientes internos, repercutindo nos níveis de desempenho. b) Modelo de Westley (1979): os problemas vivenciados pelas pessoas no ambiente de trabalho podem ser classificados em quatro categorias: injustiça, insegurança, isolamento e anomia. c) Modelo de Davis e Werther (1983): baseia-se em três grupos de elementos: organizacionais, ambientais e comportamentais. O objetivo desses autores era chegar a cargos produtivos e satisfatórios que trariam uma vida no trabalho de alta qualidade (RODRIGUES, 1995), fatores como supervisão, condições de trabalho, pagamento, benefícios e projeto de cargo influenciam na QVT. d) Modelo de Hackman e Oldham (1975): propõe que resultados positivos pessoais e do trabalho sejam obtidos quando três estados psicológicos críticos (percepção da significância do trabalho, percepção pela responsabilidade dos resultados e conhecimento dos reais resultados do trabalho) estão presentes para certo trabalhador. 2.1 Áreas Envolvidas com QVT A Qualidade de Vida no Trabalho é determinada por vários fatores, segundo Chiavenato (2008), a QVT não é determinada somente por características individuais ou situacionais, mas principalmente pela atuação sistêmica das características individuais e organizacionais. Esses fatores devem estar Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 149 Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde conciliados uns com os outros para que tanto os colaboradores quanto a organização tenham suas necessidades e objetivos atendidos. Determinação do fator 1º Competência gerencial 2º Identificação com a empresa 3º Preocupação assistencial com os funcionários 4º Oportunidade efetiva de participação 5º Visão humanista da empresa 6º Equidade Salarial Variáveis determinantes Apoio socioemocional Orientação técnica Igualdade de tratamento Gerenciamento pelo exemplo Identidade com a tarefa Identificação com a empresa Imagem da empresa Assistência aos funcionários Assistência familiar Criatividade Expressão pessoal Repercussão de ideias dadas Educação/Conscientização Orientação para pessoas Responsabilidade comunitária Salários com equidade interna Salários com equidade externa Quadro 1: Principais determinantes da QVT Fonte: Adaptado de Chiavenato (2008) Limongi (1995) e Albuquerque e França (1997) consideram que a sociedade vive novos paradigmas dentro e fora das empresas, gerando novas necessidades de QVT. Essa demanda recebe contribuições de outras ciências como administração, economia, sociologia, psicologia, ecologia, engenharia, saúde e ergonomia. A administração vem contribuir para o ambiente complexo, competitivo e dinâmico em que as empresas se encontram, propondo novas estratégias para aumentar a capacidade de mobilizar recursos monetários e humanos para aumentar a produtividade. Já a economia enfatiza a consciência de que bens materiais são limitados e que a sua distribuição deve ocorrer de forma equilibrada de acordo com os direitos da sociedade. O conceito da economia está intimamente relacionado com o que a sociologia defende, pois resgata a dimensão simbólica do que 150 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva é compartilhado e construído socialmente, resgatando valores culturais e antropológicos da empresa. A área da psicologia demonstra a influência da perspectiva de vida de cada pessoa e das decisões tomadas no seu “eu” íntimo na realização de seu trabalho. Essa área está relacionada com o suprimento das necessidades emocionais para que haja um comprometimento com a atividade a ser realizada. No campo da ecologia, a preservação dos insumos da natureza e a integração dos animais com o ser humano são de extrema importância para a continuidade da produção, visto que a matéria-prima utilizada geralmente é não renovável, sendo que o trabalho depende da perfeita harmonia do trabalhador com o ambiente. A engenharia vem para otimizar o processo de trabalho por meio da elaboração de novas formas de organização e de controle de processos, aumentando assim a produtividade através da tecnologia. As áreas da saúde, que preconizam a integridade física, mental e social do ser humano, contribuem de forma não só a aumentar a expectativa de vida do trabalhador como também para aumentar sua assiduidade no trabalho. Aqueles que apresentam comorbidades físicas e mentais não desenvolvem de maneira satisfatória as atividades discriminadas e não conseguem criar vínculo com a empresa. Por fim, a ergonomia estuda a relação das condições de trabalho e o trabalhador. Por meio de conceitos da medicina, a psicologia, a engenharia e a ergonomia prezam pelo conforto na operação da atividade para que lesões em decorrência do processo de trabalho sejam prevenidas. A busca pela QVT e a implementação de ações visando melhorias para as pessoas não podem ser consideradas como um custo nas planilhas das organizações, uma vez que os custos com afastamentos e ações trabalhistas são maiores do que uma medida preventiva. Zelar pelo bem-estar e pela segurança dos indivíduos é de suma importância para assegurar produtividade e qualidade no trabalho e mais satisfação na vida familiar e pessoal. Para o professor Lindolfo Galvão de Albuquerque da Feap/USP (LIMONGI-FRANÇA; ASSIS, 1995, p. 28): [...] existe uma grande distância entre o discurso e a prática. Filosoficamente, todo mundo acha importante a implantação de programas de QVT, mas na prática prevalece o imediatismo e os Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 151 Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde investimentos de médio e longo prazo são esquecidos. Tudo está por fazer. A maioria dos programas de QVT tem origem nas atividades de segurança e saúde no trabalho e muitos nem sequer se associam a programas de qualidade total ou de melhoria no clima organizacional. QVT só faz sentido quando deixa de ser restrita a programas internos de saúde ou lazer e passa a ser discutida num sentido mais amplo, incluindo qualidade das relações de trabalho e suas consequências na saúde das pessoas e da organização. Baseado nisso, percebe-se que há um reconhecimento generalizado a respeito do valor e da necessidade da utilização de programas de QVT. Por outro lado, as ações para a sustentação não são suficientemente convincentes e efetivas. O maior obstáculo para a sua implementação reside na falta de reconhecimento da sua importância estratégica e na baixa relevância financeira desses programas, que são vistos como despesas, não como investimentos, segundo Limongi-França e Assis (1995). A dependência da mobilização de recursos para melhoria das condições de trabalho é um entrave na maioria das empresas e também o principal motivo para a não aplicação das medidas de QVT. Tal fato observa-se principalmente nas instituições públicas – e nelas incluem-se as vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) – que dependem de recursos do governo federal para a sua implementação. Os municípios enfrentam ausência de financiamento adequado e suficiente, disparidade entre demanda e financiamento do SUS, critérios inadequados de distribuição de verba orçamentária e processos burocráticos morosos. Frente a essa problemática, a qualidade de vida dos profissionais da saúde merece ser vislumbrada, já que conviver com essas situações pode ser desgastante para a saúde do trabalhador, o que muitas vezes se traduz pelo sofrimento ou pelo adoecimento do corpo e da mente. 3 Metodologia Este estudo desenvolveu-se por meio de uma revisão de literatura do tipo narrativa ou tradicional, através de uma pesquisa exploratória e básica, realizada on-line na base de dados LILACS, SciELO, Diários Oficiais da Prefeitura Municipal de Florianópolis, site do Ministério da Saúde, legislação normativa do SUS e Programa Nacional da Atenção Básica. Utilizou-se como descritor: qualidade de vida no trabalho, saúde do trabalhador, qualidade de vida dos profissionais da saúde. Realizou-se a seleção arbitrária dos dados e de publi- 152 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva cações e ficaram incluídos no presente estudo os que apresentaram como foco os fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho e qualidade de vida no trabalho vinculada aos profissionais da área da saúde. Ficaram excluídos os demais trabalhos que não se enquadraram nos critérios mencionados A análise deles ocorreu através da percepção subjetiva dos fatores relacionados à qualidade de vida no trabalho e qualidade de vida no trabalho vinculada aos profissionais da área da saúde e foram identificados vários problemas entre os profissionais como estresse, demanda excessiva, longas jornadas de trabalho, ambiente e materiais inadequados para a realização do trabalho e falta de valorização profissional pela comunidade e pelos gestores. Entre as limitações impostas para a realização do estudo é possível citar o fato de que existem poucos trabalhos na literatura nacional e internacional que abordam o conceito de qualidade entre os profissionais da área de saúde. A maioria dos trabalhos incluídos no estudo está relacionado aos profissionais da área da enfermagem, visto que trabalhos com os profissionais médicos são escassos. 4 Os Profissionais da Saúde no Ambiente de Trabalho das Unidades Básicas de Saúde As Unidades Básicas de Saúde adotam uma sistemática de trabalho baseada no Programa de Saúde da Família (PSF), adotado pelo governo federal desde 1994. A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. As equipes são compostas, no mínimo, por um médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde. Quando ampliada, conta ainda com: um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental. Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de, no máximo, quatro mil habitantes, sendo a média recomendada de três mil habitantes de uma determinada área, que passam a ter corresponsabilidade no cuidado à saúde. A atuação das equipes ocorre principalmente nas unidades básicas de saúde, nas residências e na mobilização da comunidade, caracterizando-se como porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde; por ter território definido, com uma população delimitada, sob a sua responsabilidade; por intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta; por prestar assistência integral, permanente Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 153 Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde e de qualidade; por realizar atividades de educação e promoção da saúde. Teoricamente, o PSF é capaz de resolver 80% dos problemas de saúde apresentados pela população. Entretanto, alguns fatores contribuem para que esse percentual de resolubilidade não seja alcançado. Entre eles, é possível citar: 4.1 Demanda Excessiva de Pacientes Na prática, o PSF engloba uma sobrecarga de trabalho, reflexo da grande demanda por atendimento. A realidade nos mostra que se está diante de uma situação em que a população cresce sem o acompanhamento do crescimento da assistência em saúde, sobrecarregando os profissionais da área que são responsáveis pelo atendimento à população, pressionando-os por exigência de produtividade e agilidade no atendimento. Apesar de haver um limite de pessoas definidos pelo Ministério da Saúde, a realidade de alguns PSF apontam para números de atendimentos superiores com uma equipe sendo responsável por até sete mil pessoas (SANTOS; OLIVEIRA; MOREIRA, 2006). Beck (2001) afirma que as Unidades Básicas de Saúde têm sido locais caracterizados por diversos fatores que favorecem ou, até mesmo, dificultam a realização do trabalho de um enfermeiro. Porém, percebe-se que esses fatores não se aplicam somente aos enfermeiros, mas sim a todos os profissionais da área da saúde, pois o trabalho é realizado em equipe e a presença desses fatores, de forma isolada ou conjunta, prejudica o desenvolvimento do trabalho. Dessa forma, esses fatores, como ausência de recursos humanos suficientes para atender a população nas Unidades Básicas de Saúde em consequência da falta de valorização e reconhecimento profissional, longas jornadas de trabalho dos profissionais, falta de materiais e equipamentos adequados para a realização do trabalho, falta de compreensão e paciência da comunidade e dificuldades de relacionamento com os gestores, trazem impacto sobre o trabalho que está sendo desenvolvido e para a vida cotidiana de cada um. Entre esses impactos, é possível citar desde o cansaço e o estafe físico e emocional – que interferem negativamente na atenção dispensada à família nos momentos em que os profissionais estão fora do ambiente de trabalho, até o surgimento de doenças relacionadas ao trabalho, como o estresse, transtornos neuróticos, transtornos do sono, alcoolismo crônico, doenças do sistema osteomuscular, hipertensão arterial, entre outros. (BRASIL, 1999) 154 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva 4.2 Insatisfações com a Remuneração Percebida No município de Florianópolis, odontólogos recebem um salário inferior ao salário de odontólogos de cidades como Jaraguá do Sul, Joinville, Blumenau e Gaspar, que remuneram melhor seus profissionais, comparando com a capital. De acordo com dados do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) e estimativos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2012, Florianópolis conta com uma densidade de 2,2 equipes de saúde da família para cada equipe de saúde bucal e uma média de 6.560 habitantes por equipe. Há 120 equipes de saúde da família em Florianópolis e apenas 59 equipes de saúde bucal. Essas informações auxiliam no entendimento de que existe uma carência de profissionais no setor, sobrecarregando o trabalho de quem está atuando nas unidades de saúde, gerando estresse ao profissional e doenças relacionadas ao acúmulo de trabalho. Muitas pesquisas (CREVELIM, 2005; FERRAZ; AERTS, 2005; NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2005; ROCHA; TRAD, 2005; SCHIMITH; LIMA, 2004; SILVA; TRAD, 2005; TRAD et al., 2002; TCU, 2002) têm abordado o aspecto da sobrecarga de trabalho presente em todas as categorias profissionais do PSF, consequência tanto da grande quantidade de famílias sobre responsabilidade da equipe, como da carência de serviços de atenção básica nas áreas de abrangência em que os PSF foram implantados, o que faz com que esses profissionais tenham que assumir uma duplicidade de papéis nas unidades em que trabalham. Os baixos salários são apontados pela categoria médica do município de Florianópolis como um dos principais motivos dos cerca de 100 pedidos de demissão feitos de um ano e meio para cá – média de 5,5 desligamentos por mês, o que corresponde a aproximadamente 30% dos profissionais médicos. Segundo dados colhidos nas publicações, em Diário Oficial, da prefeitura de Florianópolis, no período de 1º de julho de 2010 até 22 de agosto de 2012, foram publicadas 106 exonerações de médicos lotados na Secretaria de Saúde da capital, o que representa mais de um terço de médicos, tendo em vista que o total de profissionais não ultrapassou 300 pessoas. Segundo Rodrigues (1999), o compromisso com os objetivos depende das recompensas à sua realização, e que o ser humano não só aprende a aceitar suas responsabilidades como tende a procurá-las. Esses fatores devem ser analisados em programas de QVT justamente para evitar o que está acontecendo com a classe médica na capital: a escassez de profissionais em decorrência da falta de valorização – que remete a um ciclo vicioso, no qual percebe-se que, com a falta ou o número Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 155 Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde reduzido de profissionais em determinada área, isso acarreta em sobrecarga dos que estão em atividade na tentativa de compensar a falta de colegas, visto que a demanda não diminui e a cobrança pelo atendimento aumenta. E esse fato gera consequências à saúde do trabalhador, já citadas no item anterior. 4.3 Longas Jornadas de Trabalho Não se pode restringir a dignificação do trabalho exclusivamente às questões salariais, embora essas questões sejam cruciais. A baixa remuneração origina acúmulo de vínculos empregatícios e, consequentemente, excesso de horas trabalhadas e pouco tempo para as demais atividades da vida, como o lazer e a recreação. Apesar de o PSF preconizar 40 horas de trabalho semanais, segundo Júnior e Esther (2001), os profissionais, principalmente enfermeiros, trabalham em vários locais para obter melhores condições de vida. Essas condições acarretam uma carga horária de trabalho exaustiva, desgaste físico e psíquico a esses trabalhadores. O excesso de horas trabalhadas, devido à soma de postos de trabalho, traz cansaço e restringe ao aproveitamento da vida em família e em sociedade. Também interfere negativamente na saúde do trabalhador, visto que, segundo o Ministério da Saúde, o transtorno do ciclo vigília-sono é a consequência da má adaptação à organização do horário de trabalho (trabalho em turnos ou trabalho noturno). Nessas situações, trabalhadores das Unidades Básicas de Saúde ainda precisam dar conta de demandas laborais diversas, incluindo escassos intervalos para a alimentação e o descanso. Assim, o profissional não recebe um salário justo, levando-se em conta as horas trabalhadas, os deveres impostos e a escassez de pessoal, se fazendo necessário adequá-lo às habilidades e ao conhecimento do profissional, podendo, esses fatores influenciarem na permanência ou no abandono da profissão. A luta pela jornada de 30 horas para trabalhadores da área da saúde é uma reivindicação histórica, há mais de uma década os profissionais aguardam essa decisão que é inclusive recomendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como melhor medida para pacientes e trabalhadores. Foi elaborado o Projeto de Lei n. 2.295/2000, que dispõe sobre a jornada de trabalho de 30 horas dos Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem. Porém, manobras regimentais impossibilitaram a votação do projeto. De acordo com Abrahan H. Maslow, há necessidades fundamentais que devem ser seguidas em ordem para que o indivíduo atinja sua autorrealização. 156 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva Entretanto, as longas jornadas de trabalho impossibilitam a realização dessas necessidades. A primeira necessidade a ser sanada é a fisiológica. O ser humano deve estar bem nutrido, apresentar homeostase corpórea, satisfazer suas necessidades sexuais, ter horas diárias apropriadas de sono, para que assim esteja apto a cumprir a segunda necessidade – a segurança. O trabalhador deve ter segurança de seu emprego, de suas condições de saúde, de suas propriedades e de sua moral. Só assim ele poderá avançar e cumprir suas necessidades de relacionamento. O indivíduo precisa ter amizades estáveis, pertencer a um grupo, ter amor e admiração por sua família. Sem as horas reservadas ao lazer, torna-se inviável suprir essa necessidade. O quarto estágio é o da estima: o reconhecimento e confiança em suas capacidades pessoais, bem como também confiar na capacidade alheia, respeito aos colegas são alcançados quando há plena consciência da atividade a ser realizada, o que demanda atenção e conhecimento. Com quatro necessidades cumpridas (fisiológicas, segurança, amor e estima), chega-se à quinta e última – a realização. Nesse estágio, o indivíduo é capaz de desenvolver seus potenciais usando sua espontaneidade, criatividade e conhecimento adquirido. 4.4 Ambiente de Trabalho Inadequado É de consenso geral que ambiente inadequado e falta de recursos materiais prejudicam o desenvolvimento de qualquer trabalho. A regulamentação sobre Meio Ambiente do Trabalho, segurança e saúde do trabalhador – está baseada na Constituição Federal de 1988, que elevou à categoria de direito fundamental a proteção à saúde do trabalhador. A Constituição especifica: “Ao sistema único de saúde, compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.” (BRASIL, 1988, art. 200, VIII) No artigo 225, caput, IV, VI e § 3º: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. […] IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; […] Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 157 Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. (BRASIL, 1988, art. 225) Destaca-se, portanto, como princípio basilar o artigo 1º, III da Carta Magna, que é o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Portanto, todo ser humano tem direito a uma vida digna, e o meio ambiente do trabalho deve tê-lo como parte integrante de sua plataforma, pois, como preceitua o artigo 225, a vida deve ser de qualidade, e para que o trabalhador tenha uma vida com qualidade, torna-se necessário um trabalho decente e em condições seguras. Na área da saúde, espaço, iluminação adequada, ambiente climatizado, condições de higiene e limpeza, suporte técnico imediato, equipamentos e materiais de trabalho em bom estado de conservação são condições mínimas de trabalho necessárias para atender a população de maneira adequada. Em um ambiente de trabalho adequado, os trabalhadores desempenham as suas atividades com satisfação e, dessa forma, se sentirão importantes no processo em que estão inseridos, tornando o trabalho prazeroso, aumentando a produtividade e será notória a redução de acidentes, de doenças ocupacionais, absenteísmo e, como consequência, uma melhor qualidade de vida no trabalho e redução das doenças relacionadas ao trabalho. Comprovando a afirmação, estudo realizado por Schrader et al. (2012) sobre qualidade de vida de enfermeiros em Unidades Básicas de Saúde do município de Pelotas, RS mostrou que as condições de trabalho foram muito enfocadas pelos trabalhadores, visto que todos salientaram a realização de um trabalho de pior qualidade devido à falta de condições adequadas para o trabalho. A convivência com materiais sucateados, falta de medicamentos e equipamentos foram fatores apontados como determinantes na qualidade de vida, pelo prejuízo que isso traria à assistência prestada e à autopercepção do próprio trabalho, pois, do ponto de vista da saúde mental, o ambiente de trabalho deve envolver condições psicológicas e sociológicas saudáveis e que atuem positivamente sobre o comportamento das pessoas, evitando impactos emocionais como estresse. 4.5Incompreensão da População quanto ao Funcionamento do Sistema Outro fator relacionado ao estresse profissional citado na literatura é a agressividade física e/ou verbal dos pacientes para com parentes e visitantes. 158 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva No estudo de Benatti e Nishide (2000), 4% dos trabalhadores mencionaram ter sido agredidos, ao passo que em inquérito realizado na Inglaterra e no País de Gales, o abuso verbal cometido por pacientes e parentes contra enfermeiros ocorreu, respectivamente, em 87% e 74% dos hospitais. Contra médicos, os números são, respectivamente, 65% e 59%. Quanto ao PSF nas Unidades Básicas de Saúde, o estresse psicológico gerado ocorre em decorrência da falta de compreensão e de paciência da população ao funcionamento do sistema. Os profissionais preconizam o atendimento pautado nos ideais preventivos do PSF; contudo, os usuários são orientados pela lógica da necessidade. Essa dificuldade em compreender a proposta do PSF compromete a aceitação da população que requer da equipe atendimento curativo, não valorizando o trabalho educativo e preventivo, tendo em vista que isso minimiza o tempo destinado ao atendimento clínico. Pesquisas apontam que a presença do PSF não supre a demanda dos usuários que requerem um maior número de consultas e de profissionais para o atendimento, impingindo pressão por agilidade para a realização das consultas. Isso cria atrito entre funcionários e usuários ávidos por atendimento, gerando filas de espera e revolta para os usuários e estresse físico e emocional para os funcionários que não conseguem suprir a demanda, favorecendo o aparecimento de doenças relacionadas ao trabalho, já mencionadas no item 4.1. 4.6 Falta de Amparo dos Gestores A dificuldade de relacionamento com gestores também é outro fator relacionado à QVT e relatado pelos profissionais das Unidades Básicas de Saúde. Segundo Oliveira e Albuquerque (2008), os gestores de saúde têm suas avaliações baseadas em aspectos operacionais como condições inadequadas de trabalho, insuficiência de capacitações e sistema de referência ineficiente. A falta de uma liderança positiva gera ressentimentos e resistência, com profissionais insatisfeitos atendendo de má vontade e com hostilidade. Condições efetivamente dignas de trabalho, formas benéficas de comunicação, alianças entre equipes de saúde, espírito crítico e questionador, entre outras necessidades, são compatíveis e essenciais para o cumprimento de obrigações do profissional para com a vida, a saúde e a doença da sociedade. Segundo o Ministério da Saúde, Portaria n. 1.339/GM de 18 de novembro de 1999, o desacordo entre patrão e colegas de trabalho gera “Neurose Profissional”, contribuindo para que o trabalhador não encontre a QVT no trabalho, prejudicando a função exercida por ele. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 159 Qualidade de Vida no Trabalho: enfoque no ambiente de trabalho das Unidades Básicas de Saúde Outra questão apontada como responsabilidade da gestão do PSF foi a insuficiência de recursos humanos com perfil de PSF. Essa necessidade deve ser suprida por meio de capacitações e de treinamento voltados para a prevenção e para os atendimentos domiciliares, preconizados pelo programa. Uma boa relação de comunicação entre gestor e trabalhador contribui para que todos os fatores supracitados não sejam subjugados, trazendo consequências negativas à população e ao trabalhador. É importante que os gestores não deixem de lado o fator humanitário e deve-se criar uma cultura solidária e de responsabilidades para com todos os seres humanos, bem como para com o sistema em si. 5 Considerações Finais Percebe-se, nesse contexto, que o nível de satisfação profissional vem se tornando fator essencial e determinante para melhorar o atendimento à população. De acordo com Miranda et al. (2006), a preocupação com a QVT é algo que está ligado à produtividade da instituição. Funcionários satisfeitos e motivados são mais comprometidos com o trabalho e, com condições ótimas de saúde aliada a um ambiente saudável, chega-se à qualidade produtiva pretendida, pois cabe aos gestores reunir esforços para que os profissionais sejam capazes de proporcionar um atendimento adequado num ambiente harmonioso e não estressante. Dessa maneira, a melhoria das condições de trabalho refletirá na assistência da enfermagem ao paciente e na qualidade de vida de seus sujeitos. No entanto, o que se observa é que o trabalhador fica distante de seus familiares e de situações da vida particular por jornadas longas ou entre dois ou três empregos, tornando-se alienado, irritado e estressado. Desse modo, afasta-se do convívio social, direcionando a maior parte de seu tempo às atividades profissionais, deixando de lado questões subjetivas e passando a ver o trabalho num primeiro plano, sem perceber os prejuízos que está acumulando não apenas para si, mas também para sua família e para seus relacionamentos. A relação entre profissional e paciente e/ou entre os próprios profissionais colegas pode gerar conflitos mais ou menos evidentes e atenuados, o que dependerá da pressão, da dominação e do rigor hierárquico formando a tônica do funcionamento das equipes de saúde. As reflexões sobre qualidade de vida deveriam ser permeadas não somente por condições para a qualidade do trabalho, mas por estratégias para modificar, melhorar ou programar ações para garantir condições adequadas e atendimento profissional competente, eficiente e responsável. Deve-se 160 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Tatiana Domingues Scopel # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Maria Luciana Biondo Silva considerar fundamental a realização de ações para satisfazer um conjunto de necessidades tanto dos pacientes como dos integrantes da equipe de profissionais que estão atuando nas Unidades Básicas de Saúde, visando conter os pedidos de exoneração, a rotatividade de profissionais e o absenteísmo devido aos problemas de saúde, por meio de medidas que promovam a QVT. Entre elas, é possível citar a contratação de novos profissionais e a valorização deles, a redução das jornadas de trabalho, um suporte eficiente dos gestores, a conscientização da população quanto às regras de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde e o estímulo à aquisição de hábitos de vida saudáveis como alimentação, atividade física frequente, descanso e lazer. Observa-se também a importância de medidas de melhoria no ambiente de trabalho, com unidades com espaço físico adequado e materiais em bom estado para atender às necessidades da população, pois, se é no ambiente de trabalho que se passa a maior parte da vida, esse deve ser um local aprazível e saudável, onde se possa viver, criar e trabalhar com satisfação, alegria e qualidade de vida. Diante disso, é inegável que o trabalho tenha relevante significado na qualidade de vida do profissional da área da saúde, pois direciona o estilo de vida adotado por ele e por sua família. O ambiente de trabalho – e o próprio trabalho – tem importância singular para os profissionais da área da saúde, uma vez que quando se atribui valores positivos a ele, cria-se uma possibilidade de melhoria da condição de vida. Referências ALBUQUERQUE, L. G.; FRANÇA, A. C. L. Estratégias de recursos humanos e gestão de qualidade de vida no trabalho: o stress e a expansão do conceito de qualidade total. 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Caderno de pesquisas em administração, São Paulo, v. 8, n. 1, jan./mar., p. 23-35, 2001. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 165 Avaliação do Serviço de Odontologia: estudo em um Centro de Saúde de Florianópolis/ SC, em 2011 Aluna: Ana Cristina Gerent Petry Nunes1 Orientador: Rogério da Silva Nunes2 Tutora: Isadora de Souza Bernardini3 Resumo Abstract O presente estudo de caso buscou descrever como ocorre o acesso ao serviço odontológico no bairro Saco Grande do Município de Florianópolis/SC. A coleta de dados foi realizada por meio de observação participante e de análise de documentos extraídos do sistema Info-saúde utilizado no Centro de Saúde de Florianópolis. Os dados mostraram que no período observado o número total de consultas realizadas foi de 13.510. Com o propósito de identificar o número de encaminhamentos solicitados observou-se um total de 333 encaminhamentos, equivalente a 2,4% do total das consultas e, assim, identificou-se que a atenção básica neste bairro consegue ser resolutiva nos casos atendidos. This case study aims to describe how is access to dental care in Saco Grande neighborhood of the city of Florianopolis/SC. Data collection was through participant observation and analysis of documents obtained from the system used in INFO-SAÚDE Health Center of Florianópolis. The data showed that the observed period the total number of visits was 13,510. In order to identify the number of referrals requested we observed a total of 333 referrals, equivalent to 2.4% of all queries, and so identified that primary care in this neighborhood can be in resolving cases treated. Key words: Oral Health Team. Access. Flow. Family Health Strategy. Palavras-chave: Equipe de Saúde Bucal. Acesso. Fluxo. Estratégia Saúde da Família (ESF). 1 Doutora em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (1998). E-mail: rogerionunes@ cse.ufsc.br. 3 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). E-mail: [email protected]. Ana Cristina Gerent Petry Nunes # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini 1Introdução Historicamente, o serviço de odontologia tem base curativa em que o cirurgião dentista atuava somente após a doença instalada (REIS et al., 2009). Pouca atenção era dada aos casos em que a pessoa procurava o centro de saúde para simplesmente fazer a manutenção da saúde bucal. Essa situação mudou com medidas de promoção de saúde bucal, como a fluoretação das águas, e com a incorporação do cirurgião-dentista nas Estratégias de Saúde da Família (ESF). (SOARES et al., 2011) Focar na família é a base da ESF. Quando foi criada em 1994, a ESF buscava dinamizar o SUS e suas leis orgânicas, Leis n. 8.080 e 8.142, ambas de 1990. Pois é na família que se originam e se reforçam hábitos e valores. Mas, foi somente no ano de 2000, com a publicação da Portaria n. 1.444, que a equipe de saúde bucal foi introduzida na ESF. (SOARES et al., 2011; OLIVEIRA; SALIBA, 2005) Um estudo de Barros e Bertoldi (2002) mostra que há grandes desigualdades no acesso aos serviços de saúde. O grupo mais pobre apresentou uma tendência de redução de acesso com a idade, contrária à tendência global observada. Isso provavelmente é explicado pela diferença de financiamento no atendimento: enquanto nos grupos mais favorecidos uma idade maior propicia mais recursos para o pagamento do atendimento, no grupo mais pobre, esse avanço na idade acaba por reduzir a oportunidade de acesso ao sistema público. O Programa Saúde da Família (PSF) é uma estratégia para a organização da atenção básica que tem por objetivo a implementação da vigilância à saúde, por meio de um conjunto de ações individuais e coletivas, voltadas para a promoção, prevenção e tratamento dos agravos à saúde. Em 2011, Florianópolis contava com uma população estimada de 421.240 habitantes, dados do censo de 2010 (IBGE, 2010) e uma rede de atendimento à saúde estruturada composta por 49 Centros de Saúde. As equipes de Saúde Bucal da Saúde da Família foram instituídas no município a partir de agosto de 2004, como consta no Protocolo de Atenção à Saúde Bucal. (FLORIANOPOLIS, 2012a) O número de cirurgiões-dentistas da rede municipal de Florianópolis era de 124 em dezembro de 2011, sendo 107 trabalhando nas diversas unidades de saúde – Centros de Saúde, Unidade de Pronto Atendimento e Centro de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 167 Avaliação do Serviço de Odontologia: estudo em um Centro de Saúde de Florianópolis/SC, em 2011 Especialidades Odontológicas, em atendimento clínico à população. A relação cirurgião-dentista/população em 2011 foi de um cirurgião-dentista para cada 3.936 habitantes. (FLORIANÓPOLIS, 2012a). Um estudo realizado em Pompéu/MG indicava uma proporção de um cirurgião-dentista para 1.700 habitantes, mostrando uma relação bem mais favorável. (ANDRADE; FERREIRA et al., 2006) Assim, com esse estudo de caso busca-se analisar as consultas odontológicas no Centro de Saúde Saco Grande, no Município de Florianópolis, no período de 12 meses, entre os dias 1º de junho de 2010 até 1º de junho de 2011, para conseguir quantificar as primeiras consultas odontológicas por área no Centro de Saúde Saco Grande, no período, além de conhecer o número de procedimentos realizados comparando com o número de tratamentos completados; identificar o número de faltas a consultas agendadas e conhecer o número de consultas de urgências realizadas; e avaliar o número de encaminhamentos solicitados para atenção especializada para saber se a atenção básica consegue ser resolutiva na sua prestação de serviço. 2 Serviço Odontológico e a Saúde Pública no Brasil No Brasil, a cárie dental ainda é o principal fator etiológico para perda do elemento dentário (FERREIRA et al., 2006). No estudo de 2002-2003, Projeto SB Brasil, um levantamento epidemiológico da saúde bucal em crianças de 12 anos de idade, observou-se que 70% já apresentavam cavidades de cárie dentária; e em adolescentes, entre 15 a 19 anos, esse valor subia para 90%. Esse mesmo estudo no ano de 2010, já observou melhoras nas condições bucais. O primeiro estudo nacional, realizado em 16 capitais em 1986, mostrou um CPO (Cariados/Perdidos/Obturados) aos 12 anos de 6,7, ou seja, aproximadamente, sete dentes afetados pela doença, sendo que a maioria dos dentes ainda estava sem tratamento. Em 2003 foi realizado o primeiro inquérito de saúde bucal que incluiu além de todas as 27 capitais, os municípios do interior das cinco regiões, pesquisa que ficou conhecida como Projeto SB Brasil 2003. Naquele estudo, o CPO aos 12 anos foi igual a 2,78; e nesta pesquisa de 2010, o CPO aos 12 anos ficou em 2,07, correspondendo a uma redução de 26,2% em sete anos. Considerando o componente do CPO relativo especificamente aos dentes não tratados (cariados), a redução foi de mesma magnitude (de 1,62 para 1,21). 168 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Ana Cristina Gerent Petry Nunes # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini Entre os adolescentes de 15 a 19 anos, a média de dentes afetados foi de 4,25, mais do que o dobro do número médio encontrado aos 12 anos. Essa evolução do CPO entre a infância e a adolescência tem sido um achado comum em outros estudos no Brasil e no mundo. Esse dado leva a uma reflexão sobre a cobertura prioritária oferecida à criança e sobre a resultante epidemiológica da interrupção dessa assistência no fim do ciclo escolar. (LEAL; TOMITA, 2006; ROCHA; GOES, 2008) Os resultados do Projeto SB Brasil 2010 indicam que, segundo a classificação adotada pela OMS, o Brasil saiu de uma condição de média prevalência de cárie em 2003 (CPO entre 2,7 e 4,4), para uma condição de baixa prevalência em 2010 (CPO entre 1,2 e 2,6). A evidência disponível indica que a maior parte da redução desses danos se deve à utilização de flúor (em cremes dentais e na água) e à melhora das técnicas de higiene bucal. Já os serviços especializados, sejam curativos ou preventivos, não tiveram grande impacto. (BARROS; BERTOLDI, 2002) Algumas das atividades de prevenção da atenção básica incluem profilaxias, aplicação de flúor gel, restaurações dentárias e extrações. No ano de 2008 foram realizados mais de 140.000 procedimentos odontológicos pelos 85 cirurgiões-dentistas dos Centros de Saúde. (FLORIANÓPOLIS, 2012a) A gestão em saúde bucal está sempre buscando melhorar e ampliar o acesso da população aos Postos de Saúde. Assim, dados de índice epidemiológico de cárie dentária em escolares de 6 a 12 anos obtidos de acordo com as normas da OMS (Organização Mundial de Saúde) demonstram a situação de Saúde Bucal das crianças de Florianópolis aos 12 anos de idade: em 1995, o índice de cárie dentária – CPO aos 12 anos de idade era de 2,71; em 2003, no Levantamento Epidemiológico SB 2003, o índice CPO para a Região Sul foi de 2,31; em 2008 foi realizado inquérito de cárie dentária aos 12 anos de idade do município de Florianópolis/SC e os resultados mostraram índice CPO igual a 0,77. Os resultados do SB Brasil 2010 – Levantamento das Condições Bucais da População Brasileira, divulgados em outubro de 2011 e disponíveis em: <www.saude.gov.br/bucal>, demonstram que Florianópolis é a capital brasileira com menor índice de cáries aos 12 anos, com índice CPO de 0,77, com 68,4% dos indivíduos dessa faixa etária livres de cárie, bem acima da média nacional, que é de 46,6%. (FLORIANÓPOLIS, 2012b) Para Baldani (2010), a inclusão da Equipe de Saúde Bucal na ESF e a atual Política Nacional de Saúde Bucal (Brasil Sorridente) tem um objetivo maior que é o de romper com o modelo assistencial tradicional, centrado no Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 169 Avaliação do Serviço de Odontologia: estudo em um Centro de Saúde de Florianópolis/SC, em 2011 atendimento a grupos prioritários (crianças em idade escolar) e urgências, ampliando para toda a população o acesso aos serviços odontológicos de adultos e idosos de baixa renda, minimizando demanda reprimida e perdas dentárias prematuras. (BALDANI, 2010) Em estudo de 2008, Rocha e Goes (2008) observaram não haver associação entre residir em área coberta pela ESF ou não coberta com acesso aos serviços de saúde bucal. O que chama atenção é que, ao ajustar os fatores de confusão na análise logística, essa proporção de acesso maior nas áreas não cobertas pela ESF, detectada na análise bivariada, deixou de ser maior quando ajustada por renda e escolaridade. (ROCHA; GOES, 2008) Barros e Bertoldi (2002) verificaram diferença entre o acesso aos serviços de saúde e os diferentes grupos de renda, observando ainda que o número de atendimentos realizados era 16 vezes maior entre os mais pobres; porém, eles utilizaram três vezes menos o serviço de saúde do que os mais ricos, demonstrando que a falta de cuidados com a saúde bucal quando necessitava de atenção apresentava mais dentes envolvidos, com muito mais necessidades de tratamento. Já no estudo qualitativo em Grão Mogol, cidade do norte de Minas Gerais, com base em entrevistas semiestruturadas, na avaliação dos usuários, o acesso é influenciado por diversos fatores: distância ausência de infraestrutura, ausência de serviços, qualidade de atendimento e presença de vagas, fatores que dificultam a acessibilidade aos serviços e, consequentemente, a resolução dos problemas bucais. (REIS et al., 2009) Assim, o processo saúde/doença extrapola a concepção biológica e assume significados que são colocados como expressão da vida cotidiana, possuindo inserção contextual, com bagagem cultural, social e pessoal, incluindo trabalho, salário, relações sociais, vida espiritual e moral. 3 Metodologia Este estudo de caso teve como metodologia a busca ativa de dados por meio de observação participante e de análise de documentos extraídos do sistema Info-saúde utilizado nos Centros de Saúde de Florianópolis/SC. Com a finalidade de delimitar o campo de investigação, optou-se por estudar somente um Centro de Saúde (CS) do município, caracterizando- 170 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Ana Cristina Gerent Petry Nunes # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini -se como estudo de caso descritivo. A pesquisa se caracteriza como análise quantitativa. A amostra analisada corresponde aos moradores do bairro Saco Grande, aproximadamente 13.221 (IBGE, 2010), que acessaram o CS Saco Grande entre junho de 2010 e junho de 2011. A coleta do corpus ocorreu pela observação sistemática de dados do sistema Info-saúde, tendo como fatores limitantes da pesquisa o fato de ser trabalho descritivo com consulta de dados colocados no Info, podendo haver falhas no preenchimento correto do prontuário da paciente. 4 Centro de Saúde Saco Grande O Centro de Saúde (CS) Saco Grande é uma organização pública e gratuita localizada na Rua Virgílio Várzea, s/n, em Florianópolis, com funcionamento das 8h às 12h e das 13h às 22h. Atende moradores dos bairros Saco Grande e Monte Verde (aproximadamente 13.221 pessoas, segundo dados de 2012 do IBGE, e 12.305 pessoas segundo dados do CADFAM) e possui como colaboradores 75 funcionários, conforme dados de 2010. O bairro Saco Grande é dividido em seis áreas (quatro delas consideradas de risco social), com seis Equipes Saúde da Família (ESF). Cada conjunto de ruas do bairro (chamado de área) tem uma equipe responsável composta por um médico, um enfermeiro, um cirurgião-dentista (com auxiliar de higiene dental), um técnico de enfermagem e alguns Agentes Comunitários de Saúde. Essas equipes contam com o apoio técnico-pedagógico e assistencial de uma equipe multiprofissional especializada (psicólogo, nutricionista, pediatra, farmacêutico, psiquiatra, educador físico e assistente social). As atividades realizadas no Centro de Saúde englobam atendimentos individuais, atividades de grupo, atividades intersetoriais, visitas domiciliares e reuniões de equipe. Muitas atividades em grupo são ali desenvolvidas, como: Grupo de Relaxamento, Floripa Ativa (atividade física), Grupos de Puericultura, Grupos de Gestantes, Grupo Odontologia (crianças até 10 anos), Grupo Viva a Vida (idosos), Grupo de Emagrecimento, Grupo para Pessoas com Dor Crônica, Grupo de Acolhimento e Apoio Psicológico, Grupo Mulheres Maravilhosas (terapia ocupacional), Grupo Amanhecer (para pessoas que usam medicação controlada – psicotrópicos) e Grupo para Fumantes, dentre outros. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 171 Avaliação do Serviço de Odontologia: estudo em um Centro de Saúde de Florianópolis/SC, em 2011 O CS Saco Grande mantém um modelo porta-aberta, a partir de modelos da Atenção Primária em Saúde e Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, com acesso facilitado e organizado para todos, na lógica da territorialização com adscrição de clientela, tanto para demanda programada como para a demanda espontânea. (PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA, 2000) A marcação de consultas com médicos, enfermeiros e dentistas, ocorre por telefone, e-mail, ou pessoalmente no centro de saúde no início do período com Agentes Comunitárias de Saúde (ACS), sendo as vagas ofertadas no máximo para sete dias. Os Agentes Comunitários funcionam como ligação entre a ESF e as famílias, além do que, residem no mesmo bairro onde trabalham, favorecendo o vínculo com a comunidade e a abordagem pelos componentes ESF (OLIVEIRA; SALIBA, 2005). A demanda espontânea é atendida no mesmo período em que chega ao Centro de Saúde, com o acolhimento da população repassando orientações e condutas. Quem faz a triagem para passar os pacientes aos médicos são os técnicos de enfermagem e os enfermeiros; e os auxiliares de saúde bucal para os dentistas. No ano de 2011, cada equipe cadastrou um celular para receber chamadas e, assim, possibilitar marcação de consultas ou responder a dúvidas de usuários da unidade de saúde. No mesmo período, cada equipe disponibilizou e-mail com o intuito de oferecer outra forma para a população registrar suas dúvidas e ter acesso a consultas agendadas. Para isso funcionar bem, em todos os consultórios há computadores com acesso à internet, inclusive com Google talk, o que possibilita interconsultas entre enfermeiros e médicos. Todo esse empenho da equipe que trabalha na ESF no CS Saco Grande visa minimizar o que a maior parte dos artigos em revisão de literatura questiona: a dificuldade de acesso às consultas agendadas, como a necessidade de permanecer em filas desde a madrugada para ingressar no tratamento. (MOREIRA et al., 2005) Para conseguir engrenar esse sistema de ampliação de acesso, toda ESF divide tarefas, assim os agentes de saúde ficam responsáveis pelas demandas de marcação por telefone, e a demanda via e-mail é dividida entres os demais profissionais, tudo para aperfeiçoar o acesso mais humano para a população e para ser resolutivo. Além disso, esse procedimento oferece trabalho em equipe na construção do plano terapêutico do paciente e de sua família. Esse processo de trabalho é bem-visto pela gestão, uma vez que diminui a fila na frente do CS para marcação de consultas, pois conforme depoimentos de gestores no estudo de Leal e Tomita (2006), quando se referem à efetividade, a fila de 172 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Ana Cristina Gerent Petry Nunes # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini usuários aguardando pelo atendimento surge como o mais forte indicador (negativo) presente no cotidiano dos serviços de saúde. No estudos relata-se ainda que há uma prática histórica marcada por baixa eficiência e por resolutividade, mas que há, sim, uma consciência de que é necessário melhorar, aprimorar e ampliar esses serviços. 4 Resultados Os dados mostraram que, no período entre 1º/06/2010 e 1º/06/2011, o número total de consultas odontológicas realizadas foi de 13.510, lembrando que esse número engloba todas as consultas realizadas, o que pode variar de acordo com as necessidades de cada paciente: para uns há resolutividade em uma ou duas consultas, outros precisam de mais atendimentos com seis ou sete consultas agendadas. As consultas separadas por profissional cirurgião-dentista apontam: na área 330 foram 3.588; na área 331, 2.473; na área 332, 2.853; na área 333, 2.335; e na área 335, 2.261, sendo que a área 334, é uma área descoberta, sem cirurgião-dentista atualmente, o que inviabiliza saber em números, pois os dados que foram coletados são gerados a partir do profissional e não por área. O que acontece é que todos os dentistas acabam disponibilizando um pouco de vagas para atendimento dessa população, que acaba sendo prejudicada pelo fato de não haver equipe completa para atendimento. De acordo com os dados populacionais, há uma equivalência em relação ao número de consultas e o número da população do bairro (13.221 – IBGE, 2010); assim, pode-se estimar um atendimento/ano por habitante no bairro (Quadro 1). Número de ha- Número total de Primeira consul- Número de tratabitantes – IBGE consultas odon- ta odontológica mentos comple2010 tológicas programática tados 13.221 13.510 2.388 1.322 Quadro 1: Dados CS Saco Grande no período entre 1º/06/2010 e 1º/06/2011 Fonte: Info-Saúde (2012) O número de consultas para primeira consulta odontológica programática foi de 2.388 realizadas. Em relação ao número de tratamentos completados, dos que começaram e finalizaram o tratamento, obteve-se um total de 1.312 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 173 Avaliação do Serviço de Odontologia: estudo em um Centro de Saúde de Florianópolis/SC, em 2011 pessoas. Assim, observou-se uma taxa de 54% dos que iniciam e chegam a finalizar os procedimentos necessários para obter saúde bucal. O número de procedimentos realizados corresponde a 21.650, sendo que esses valores são maiores do que as consultas realizadas, porque em uma única consulta é possível realizar mais de um procedimento, como duas restaurações, ou sessão de profilaxia e aplicação de flúor, etc. Ao identificar o número de faltas a consultas agendadas, observou-se um total de 796 faltas no período, o que equivale a 5,8% sobre o total de consultas. O que justifica é que, muitas vezes, o paciente resolve o que lhe incomoda e não retorna para sanar outros problemas odontológicos, e quando ele falta a uma consulta sem justificar, conclui-se que não há interesse em continuar o tratamento. Ao conhecer o número de consultas de urgências realizadas relaciona-se que o paciente procura o serviço quando apresenta dor, e entende-se que esses pacientes são aqueles que não procuram agendamento de consulta por falta de tempo ou porque são desinformados quanto à forma de acesso. Normalmente, eles são recém-moradores no bairro e são orientados em relação às marcações e às condutas no bairro. O número observado foi de 1.004 pessoas atendidas na urgência, que equivalem a 7,4% dos atendimentos. Número de haNúmero total de con- Número de Número de Número de encami– IBGE sultas odontológicas faltas urgências nhamentos 2010 13.221 13.510 796 1.004 333 bitantes Quadro 2: Dados CS Saco Grande no período entre 1º/06/2010 e 1º/06/2011 Fonte: Info-Saúde (2012) Em estudo realizado na Bahia, foi verificada grande deficiência da atenção básica na execução de higiene bucal supervisionada na cadeira odontológica, pois apenas 8,9% dos usuários relataram ter realizado esse tipo de ação nesse nível de assistência. Tal evidência pode repercutir negativamente no alcance da integralidade pretendida, integração entre níveis ou entre ações promocionais e reabilitadoras, o que requer boa cobertura da atenção primária para permitir a interface e a utilização adequada dos serviços de saúde bucal. Essa utilização, por sua vez, pode também ser influenciada pela acessibilidade aos serviços, entendida como relação entre os obstáculos impostos pelos serviços e os usuários para superarem tais dificuldades. Entre os fatores do serviço associados à maior utilização, é possível observar a oferta adequada 174 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Ana Cristina Gerent Petry Nunes # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini de procedimentos segundo as necessidades populacionais, a acessibilidade geográfica e organizacional, além da definição de um profissional de saúde para o acompanhamento de cada caso, especialmente para procedimentos especializados. (CHAVES et al., 2010) Com o propósito de identificar o número de encaminhamentos solicitados observa-se um total de 333 encaminhamentos, equivalente a 2,4% do total das consultas; e assim identifica-se que a atenção básica consegue ser resolutiva na maioria dos casos. 5 Conclusão Assim, espera-se que informações disponibilizadas neste trabalho se corporifiquem em mais um instrumento de gestão nos diversos níveis do SUS, especialmente na Secretaria Municipal de Saúde da PMF e contribuam para a melhoria da atenção à saúde e da qualidade de saúde bucal dos moradores do bairro e do município. Como toda organização pública, esta que foi pesquisada carece de recursos financeiros para ampliar a quantidade e a qualidade dos atendimentos oferecidos à população. O bairro do Saco Grande apresenta áreas de interesse social e deve ser prioridade na alocação de recursos municipais. As dificuldades encontradas evidenciam a necessidade de ampliação da área física do CS e do número de profissionais, devido ao crescimento desenfreado da população do bairro. A implantação do sistema informatizado contribuiu para a otimização do serviço. A população necessita de maior acesso aos serviços, e o sistema deve ser o mais resolutivo possível. Para que o atendimento seja eficiente, é imprescindível que as equipes multidisciplinares estejam completas e trabalhando de forma integrada, não somente na resolução de enfermidades como também nos trabalhos de prevenção em escolas e creches. Assim, será possível oferecer um serviço de qualidade e atingir o objetivo de 80% de resolutividade dos problemas na Atenção Básica. Referências ANDRADE, K. L. C.; FERREIRA, E. F. Avaliação da inserção da odontologia no Programa Saúde da Família de Pompéu (MG): a satisfação do usuário. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro/RJ, v. 11, n. 1, p. 123-130, mar. 2006. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 175 Avaliação do Serviço de Odontologia: estudo em um Centro de Saúde de Florianópolis/SC, em 2011 ANTUNES, J. L. F.; NARVAI, P. C. Políticas de saúde bucal no Brasil e seu impacto sobre as desigualdades em saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo/ SP/USP, v. 44, n. 2, p. 360-365, abr. 2010. BALDANI, M. H. et al. Determinantes individuais da utilização de serviços odontológicos por adultos e idosos de baixa renda. Rev. Bras. Epidemiol., São Paulo/SP, v. 13, n. 1, p. 150-162, mar. 2010. BARROS, A. J. D.; BERTOLDI, A. D. Desigualdades na utilização e no acesso a serviços odontológicos: uma avaliação em nível nacional. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro/RJ, v. 7, n. 4, p. 709-717, 2002. BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 DE SETEMBRO DE 1990. Disponível em <http:// www.saude.inf.br/legisl/lei8080.htm>. Acesso em: 5 jul. 2012. BRASIL. LEI n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponível em <http://www81. dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1990/8142.htm>. 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Traz-se para discussão também o fato de, ao longo do tempo, ter havido iniciativas tanto no sentido de promover a interdisciplinaridade, como a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, assim como outras que foram de encontro a esta ideia, como a busca pela regulamentação do ato médico. This article aims to discuss the issue of multidisciplinary and interdisciplinary work in the Unified Health System (SUS). Therefore, we carried out a literature review, addressing central aspects to the debate as the creation and structuring of SUS, the emergence of the Family Health Strategy and its importance to the enhancement of interdisciplinary work in Public Health in Brazil. It also takes the concepts of central authors to the discussion of interdisciplinarity e transdisciplinarity in SUS, as Edgar Morin, Cecilia Minayo and Gastão Wagner. Brings up for discussion also the fact that, over time, have been both initiatives to promote interdisciplinarity, such as the creation of Núcleos de Apoio à Saúde da Família, as well as others who were against this idea, as the search for the regulation of medical act. Key words: Interdisciplinarity. Public Health. Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Saúde Family Health Strategy. Pública. Estratégia Saúde da Família (ESF). 1 Especialista em Saúde Pública, com ênfase em Saúde da Família, pelo programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Federal do Paraná (2007). E-mail: [email protected]. 2 Pós-Doutor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em Educação e Novas Tecnologias (2010). Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002). E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações e Bacharel em Administração pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. Débora Previatti # Eduardo Lobo # Juliana Pereira 1Introdução O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado a partir de discussões ocorridas na 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, evento que foi um marco para a construção do SUS, pois foi a primeira vez em que a população participou das discussões sobre saúde. A partir dela modificações relativas ao setor saúde foram feitas na Constituição de 1988, além de ser responsável pelo surgimento da Lei Orgânica de Saúde (Lei n. 8.080, de 1990), a qual rege o SUS (BRASIL, 2012). O SUS contempla ações e serviços de saúde prestados por instituições e órgãos públicos federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e de fundações mantidas pelo poder público. O SUS representa uma nova concepção de saúde no país e apresenta, dentre os seus princípios doutrinários e organizativos: universalidade, equidade, integralidade, descentralização político-administrativa, resolutividade, regionalização e hierarquização, além da participação popular. (BRASIL, 1990) Com as mudanças nas formas de ver, pensar e de fazer saúde, presentes no processo de origem do SUS, ocorre uma mudança de olhar na medicina, que antes via o indivíduo somente sob o foco da biologia, para então passar a reconhecer seus aspectos culturais, sociais e econômicos na atuação em saúde na população. Diante dessa necessidade, surge a necessidade da busca da interdisciplinaridade (MATUMOTO; MISHIMA; PINTO, 2001) que, segundo Minayo (2010) consiste em uma articulação entre várias disciplinas tendo como foco o objeto, o problema ou o tema complexo, para o qual não basta a resposta de uma só área. Trata-se, portanto, de uma estratégia para compreender, interpretar e explicar temas complexos, que no caso do SUS, é o usuário do sistema. Campos (2000a) afirma que a institucionalização dos saberes e sua organização em práticas ocorrem por meio da conformação de núcleos e de campos. O núcleo seria uma espécie de reunião de conhecimentos em um saber e a conformação de certo padrão concreto de compromisso com a produção dos valores de uso. O núcleo seria responsável por demarcar a identidade de uma área de saber e prática profissional e o campo, seria um espaço de limites imprecisos, no qual uma disciplina ou profissão buscaria em outras o apoio para executar suas tarefas teóricas e práticas. O objetivo geral desta pesquisa é analisar como a proposta de interdisciplinaridade pode permear as políticas e as ações em saúde pública. Entre os Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 179 Em busca da interdisciplinaridade: o trabalho multiprofissional na gestão pública em saúde para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) objetivos específicos estão estes: problematizar o conceito de interdisciplinaridade; e contextualizar o papel do trabalho interdisciplinar em saúde no Brasil. 2 Exposição do Tema 2.1 O Sistema Único de Saúde (SUS) O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90, Leis Orgânicas da Saúde. Sua criação teve como objetivo principal modificar o contexto de desigualdade na assistência à Saúde existente até aquele momento. Foi um marco na história da saúde pública brasileira: tornou obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão e proibiu quaisquer cobranças de dinheiro. (BRASIL, 2012) Entre os estabelecimentos que fazem parte do Sistema Único de Saúde encontram-se os Centros e Postos de Saúde, os hospitais, os laboratórios, os hemocentros, os bancos de sangue, além de fundações e institutos de pesquisa, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Vital Brazil. Por meio do SUS, todos os cidadãos passaram a adquirir o direito à realização de consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas ao SUS das esferas tanto municipal, como estadual e federal, sejam elas privadas ou públicas, contratadas pelo gestor público de saúde. (BRASIL, 2012) O Sistema Único de Saúde (SUS) constitui o sistema público de saúde vigente no Brasil. Antes da sua criação, a atenção à saúde apresentava caráter curativista, centrada no profissional médico, e seguia o modelo assistencial hospitalocêntrico. Após a sua criação, houve um redirecionamento das políticas públicas de saúde, as quais se consolidaram por meio de princípios que passaram a organizar e a nortear a implantação do sistema: integralidade, universalidade, equidade, regionalização, hierarquização, descentralização administrativa e participação popular. (SANTOS; CUTOLO, 2003) O Ministério da Saúde implantou em 1994 o Programa de Saúde da Família (PSF). Tal programa estaria relacionado ao contexto da atenção primária à saúde, realizada nos Centros e Postos de Saúde. Dentre os critérios para o seu funcionamento estava a atuação em saúde através de uma equipe multiprofissional, composta inicialmente por médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, a qual atuaria em uma população territorialmente definida e com ênfase na promoção e prevenção da saúde, em detrimento de ações 180 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Previatti # Eduardo Lobo # Juliana Pereira curativas (BRASIL, 2000b). Tal programa, com o tempo, deixou de ser programa para transformar-se em uma estratégia de governo, pois se mostrou bem adaptado à realidade sanitária do país. (SANTOS; CUTOLO, 2003) A Estratégia Saúde da Família (ESF) vem se fortalecendo desde então no dia a dia dos diversos centros de saúde do país. As equipes de Saúde da Família esforçam-se para implantá-la buscando conservar os principais requisitos preconizados pela estratégia e exercer os princípios do SUS. Porém, na atuação diária observam-se diversas dificuldades e contradições. Um dos maiores desafios é o trabalho interdisciplinar, que será tratado aqui. 2.2 A Interdisciplinaridade Não se sabe, em princípio, quais são as disciplinas que devem compor uma abordagem interdisciplinar, pois quem as definirá será o próprio objeto, a partir da sua complexidade. Nesse sentido, a interdisciplinaridade não pode ser vista como “[...] uma camisa de força para juntar pessoas, e nem para acomodar interesses [...]”, ela ultrapassa a multidisciplinaridade e a multiprofissionalidade e, ao mesmo tempo, conta com elas. (MINAYO, 2010, p. 436) A interdisciplinaridade é colocada como questionadora dos mandatos sociais e legais das profissões e das suas rígidas fronteiras de competências exclusivas. Com isso, ela reforça a importância de mecanismos grupais e institucionais na democratização da gestão dos serviços e na produção do cuidado. (VASCONCELOS, 1997) Segundo Vasconcelos (apud ALMEIDA FILHO, 1997), a interdisciplinaridade exige a identificação de uma problemática comum, levantando-se uma axiomática teórico-política básica, e de uma plataforma de trabalho em conjunto, na qual se estabelecem os princípios e os conceitos fundamentais. Há um esforço para o entendimento desses conceitos, e isso gera “fecundação e aprendizagem mútua”, a qual não ocorre pela simples adição ou mistura, mas sim por uma recombinação dos elementos internos. Para Gomes e Deslandes (1994), a interdisciplinaridade não anula a disciplinaridade. Assim como não significa a justaposição de saberes, também não anula a especificidade de cada campo de saber. Ela implica os envolvidos a apresentarem uma consciência dos limites e das potencialidades de cada campo de saber e, com isso, ocorre uma abertura em direção de um fazer coletivo. Morin (2007) vai definir e destacar duas espécies de articulação entre disciplinas: a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Segundo ele, a Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 181 Em busca da interdisciplinaridade: o trabalho multiprofissional na gestão pública em saúde para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) interdisciplinaridade caracteriza-se por diferentes disciplinas reunidas, porém cada uma afirmando seus próprios direitos e suas próprias soberanias em relação às outras disciplinas. Pode também querer dizer troca e cooperação, transformando-se, assim, em algo orgânico. Já a transdisciplinaridade seria uma denominação mais ampla, definida como, em geral, composta de esquemas cognitivos que atravessariam as disciplinas. A transdisciplinaridade seria uma reunião das redes complexas de inter, poli e transdisciplinaridade que operaram e desempenharam um papel fecundo na história das ciências (MORIN, 2007). Ou seja, mais do que unir diferentes disciplinas, o autor propõe uma espécie de fusão de conhecimentos buscando a construção de um novo, em conjunto. Para Morin (2007) é importante observar em que meio as disciplinas nascem, como colocam seus problemas e como se transformam. Afirma ele que as disciplinas devem ser, ao mesmo tempo, abertas e fechadas – elas devem se comunicar umas com as outras. Questiona para que serviriam os conhecimentos isolados se não os confrontássemos uns com os outros, com o objetivo de se formar uma configuração capaz de responder às nossas expectativas, necessidades e interrogações cognitivas. (MORIN, 2007) Campos (2000b) acredita que se admite hoje que há uma inevitável existência de um certo grau de indefinição de limites entre as disciplinas. Para ele, isso aconteceria igualmente com os campos de prática. Dessa maneira, quase todo campo científico ou de práticas seria interdisciplinar e multiprofissional. Diante desses pontos de discussão dos autores citados, percebe-se que atuar interdisciplinarmente não constitui uma tarefa simples. Serão discutidos , a seguir, alguns aspectos desse tipo de trabalho na Saúde Pública no nosso país. 2.3O Trabalho Interdisciplinar no Contexto da Saúde Pública no Brasil O trabalho interdisciplinar como vimos até agora surgiu, de maneira mais concreta, no Brasil, com a implantação, pelo Governo Federal, da Estratégia Saúde da Família, em 1994. Porém, nem sempre foi dessa forma. O trabalho interdisciplinar não era tão valorizado, pois girava em torno da figura do médico, que era auxiliado por enfermeiros e por auxiliares de enfermagem. Peduzzi (2001, p. 103) acredita que a proposta da realização do trabalho em equipe na área da saúde tem ocorrido como estratégia para enfrentar o intenso processo de especialização presente nesta área – processo que tem 182 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Previatti # Eduardo Lobo # Juliana Pereira tendência a “[...] aprofundar verticalmente o conhecimento e a intervenção em aspectos individualizados das necessidades de saúde, sem contemplar simultaneamente a articulação das ações e dos saberes”. Um tema a ser abordado quando se fala de interdisciplinaridade na saúde no Brasil é o “ato médico”. Em 1989 surge, pela primeira vez, o debate sobre a necessidade de regulamentação do ato médico. A partir desse momento sucederam-se diversas discussões sobre o assunto. A ideia proposta ia de encontro ao trabalho multiprofissional e interdisciplinar na Saúde Pública no Brasil. Para Silva e Rocha (2008), longe de apresentar uma perspectiva multidisciplinar, [...] que alcançaria uma integração produtiva pelo viés de um trabalho cotidiano, o apelo, de modo contrário, reside no fato de que haja um profissional disposto a recolher tudo o que, pretensamente, se acharia fora do contexto médico, produzindo interferências nocivas ao bom andamento da ação médica prevista sob a égide tecnicista. (SILVA; ROCHA, 2008, p. 70) Na contramão disso, uma iniciativa contribuiu para a questão da interdisciplinaridade e o trabalho multiprofissional no SUS: foi a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). O Ministério da Saúde criou os NASFs mediante a Portaria GM n. 154, de 24 de janeiro de 2008. Foram criados para apoiar a implantação da Estratégia Saúde da Família e com o objetivo de ampliar a abrangência, a resolutividade, a territorialização, a regionalização e a ampliação das ações da Atenção Primária à Saúde no Brasil. Um NASF é composto por uma equipe, que apresenta profissionais de diferentes áreas de conhecimento e atuam em conjunto com os profissionais das equipes de Saúde da Família. Os profissionais do NASF deveriam, então, agir como compartilhadores e apoiadores das práticas em saúde nos territórios sob responsabilidade das equipes. 3 Metodologia Para Chizzoti (2003), a pesquisa qualitativa hoje abrange um campo transdisciplinar, dentro das ciências humanas e sociais, assumindo tradições ou multiparadigmas de análise. O termo “[...] qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 183 Em busca da interdisciplinaridade: o trabalho multiprofissional na gestão pública em saúde para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) extrair desse convívio os significados visíveis e latentes [...].” (CHIZZOTI, 2003, p. 221) A presente pesquisa trata-se de uma pesquisa qualitativa de revisão bibliográfica sobre a questão do trabalho interdisciplinar no Sistema Único de Saúde, visto como fator importante para a sua construção e, consequentemente, para a melhoria da saúde geral da população. Para tal fim, foram levantados trabalhos de autores clássicos nesta área de pesquisa como, internacionalmente, Edgar Morin, através da abordagem da complexidade e a inter e transdisciplinaridade; e, no Brasil, Gastão Wagner e Maria Cecília Minayo, que tratam, respectivamente, sobre a questão da gestão do trabalho interdisciplinar no SUS e sobre o seu conceito e possibilidade de implantação nas práticas de saúde. Além disso, foram buscados artigos científicos que tratam tanto sobre questões teóricas da interdisciplinaridade como sobre as políticas e programas de governo com foco no tema. Outras fontes utilizadas foram dados do Ministério da Saúde sobre políticas, ações e programas relacionados à gestão do trabalho interdisciplinar no SUS. 4 Análise e Resultados Como obstáculos ao trabalho interdisciplinar no SUS, podem ser identificados os obstáculos epistemológicos, os institucionais e os psicossociológicos (GUSDORF apud GOMES; DESLANDES, 1994). Esses autores apontam ainda, entre as dificuldades para a interdisciplinaridade [...] (a) a forte tradição positivista e biocêntrica no tratamento dos problemas de saúde; (b) os espaços de poder que a disciplinarização significa; (c) a estruturação das instituições de ensino e pesquisa em departamentos, na maioria das vezes sem nenhuma comunicação entre si; (d) as dificuldades inerentes a experiência interdisciplinar tais como a operacionalização de conceitos, métodos e práticas entre as disciplinas. (GOMES; DESLANDES, 1994, p. 109) Para Minayo (2010), a visão interdisciplinar foi devastada já, nos primórdios, em Descartes, e ainda hoje sua filosofia predomina, já que o pensamento teórico moderno passou a valorizar a compartimentalização da ciência. Apesar de haver vertentes que desejam questionar e ultrapassar o 184 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Previatti # Eduardo Lobo # Juliana Pereira saber compartimentado, de maneira geral, a ciência permanece fragmentada, unidisciplinarizada e voltada à especialização. (MINAYO, 2010) A partir da divisão do trabalho, surgiram muitas ocupações. No campo da Saúde passaram a existir diversas delas, das quais 13 foram reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (2012) e enquadradas no setor, em 1997: os assistentes sociais, os biólogos, os profissionais de Educação Física, os enfermeiros, os farmacêuticos, os fisioterapeutas, os fonoaudiólogos, os médicos, os médicos veterinários, os nutricionistas, os odontólogos, os psicólogos e os terapeutas ocupacionais. (GUIMARÃES, 2012) Com a Estratégia Saúde da Família carregando entre seus princípios e valores o da interdisciplinaridade, novas ocupações foram incluídas no processo de trabalho da Atenção Primária. O olhar, que era centrado no profissional médico, passou a considerar uma equipe de trabalho multiprofissional, que incluía enfermeiros, auxiliares de enfermagem, odontólogos e auxiliares de consultório odontológico. A variedade de profissionais aumentou, ainda, intensamente, com a criação dos NASFs, onde foram incluídas diversas profissões, variando conforme a escolha dos gestores públicos. Entretanto, como foi já apontado por Minayo (2010), apesar do crescente número de profissionais atuando na Atenção Primária à Saúde, a ciência ainda insiste em manter o conhecimento compartimentalizado. Assim, a interdisciplinaridade permanece, então, como um grande desafio à Saúde Pública. E a transdisciplinaridade, então, ainda mais próxima da utopia. Sobre a questão da especialidade das disciplinas se tornar um obstáculo para a interdisciplinaridade, além do viés técnico, é possível um viés de análise sobre a visão da Saúde Pública como um campo político, o qual se constitui em um espaço de hegemonia de uma disciplina ou de articulação cooperativa entre disciplinas. A Saúde Pública trata-se de um campo de correlação de forças, intimamente relacionado com a consciência social e política presentes no confronto das práticas. Há, hoje, uma inegável complexidade do objeto de Saúde Pública. (GOMES; DESLANDES, 1994) Bourdieu acredita que os agentes sociais apresentam relações de disputa pelo monopólio do poder de força social. A profissão, para o autor, no saber científico, é uma “[...] construção social, produto de todo um trabalho social de construção de grupo e de uma representação dos grupos [...]”, os quais possuem um ritual próprio (BOURDIEU, 1998, p. 40). Para Foucault já Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 185 Em busca da interdisciplinaridade: o trabalho multiprofissional na gestão pública em saúde para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) se via a questão da luta pelo poder na Saúde visando o controle dos corpos (FOUCAULT, 2001). Logo, ao contrário do que acredita Minayo – que a interdisciplinaridade não pode ser vista como “uma camisa de força para juntar pessoas, e nem para acomodar interesses” – o campo da Saúde está repleto destes e há vários exemplos de que há uma luta particular de cada “grupo de ocupações” em vista dos seus próprios interesses, em detrimento da idéia da Saúde Coletiva como um campo interdisciplinar. Um dos principais deles, como colocaram Silva e Rocha (2008), foi o “ato médico”. Em virtude de manter (não de conquistar) o controle sobre os corpos, e não perdê-los para as outras profissões da saúde, iniciou-se essa luta pelo ato médico, que visa não à inter ou à transdisciplinaridade, mas à restrição da atuação de outros profissionais em atividades que fazem fronteira com a área médica. Em contrapartida, essa ação gerou nos outros profissionais de saúde uma reação, que não se caracteriza também pela busca da interdisciplinaridade necessariamente. O discurso faz referência a ela – pois só dessa forma estes profissionais seriam incluídos – porém deseja-se, da mesma forma, a luta pelo monopólio do poder. Isso foi observado na realização da busca por artigos científicos que abordam aspectos relacionados aos resultados que vêm sendo obtidos com o NASF na Saúde Pública: os artigos, em sua maioria, foram escritos por profissionais de saúde e defendem claramente os interesses de cada ocupação – psicólogos, fonoaudiólogos, farmacêuticos, educadores físicos – argumentando sobre aspectos relacionados às suas profissões no NASF. 5 Considerações Finais Existem barreiras inúmeras para alcançar resultados, na Saúde Pública, de trabalhos interdisciplinares. Dentre elas, há aquelas que envolvem o saber científico, que apresenta, ainda hoje, caráter compartimentalizado, assim como no que se refere às disputas políticas entre as diferentes disciplinas ou ocupações, na luta pelo monopólio do poder. O ato médico tem sido uma ação que vai de encontro à ideia de inter e transdisciplinaridade na Saúde Pública e se constitui em um dos principais exemplos de como as profissões buscam mais atender aos interesses dos profissionais de uma mesma ocupação. Deseja-se aí preservar o monopólio sobre o controle dos corpos, em detrimento das demais profissões. Observa- 186 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Débora Previatti # Eduardo Lobo # Juliana Pereira -se também esse fenômeno na produção do saber científico pelas demais profissões, no qual a abordagem sobre a multiprofissionalidade na Saúde Pública, apesar de parecer ir ao encontro de uma interdisciplinaridade, como os que abordam aspectos relacionados ao NASF, na realidade, tratam apenas de questões relativas às suas próprias ocupações nesses cenários. A variedade de profissionais que surgem com iniciativas como a criação dos NASF trouxe a multiprofissionalidade, mas não necessariamente a inter e, muito menos, a transdisciplinaridade. A interdisciplinaridade é extremamente necessária para a Saúde Pública dada a complexidade de seu objeto. Se atingida essa interdisciplinaridade, a busca pela transdisciplinaridade deve ser a nova meta, na qual o conhecimento ultrapassa o saber cartesiano e objetivo, e permite realmente compreender o sujeito na sua complexidade. Referências ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e Saúde Coletiva. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro/RJ, v. 11, n. 1/2, 1997. BOURDIEU, Pierre (1998). Introdução a uma sociologia reflexiva. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. BRASIL. Diário Oficial da União. Lei n. 8080/90. Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o financiamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. 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Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 189 Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina Aluna: Camila Mirian da Silva1 Orientador: Luis Carlos Cancellier de Olivo2 Tutora: Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino3 Resumo Abstract A Constituição Federal de 1988 reconheceu o direito à saúde como direito fundamental a ser garantido pelo Estado aos cidadãos. Portanto, é imprescindível a análise da contingência gerada pelo amplo acesso à saúde caracterizado como direito universal e, especialmente, a celeuma da dispensação de medicamentos importante é a crescente judicialização da questão, que tem respingado sobremaneira nos municípios, comprometendo o planejamento de políticas públicas e onerando os cofres públicos. Assim sendo, o presente trabalho teve por objetivo analisar o perfil das solicitações de medicamentos por demanda judicial no município de Palhoça – Santa Catarina até dezembro de 2011. O estudo caracterizou uma análise documental, dos processos judiciais demandados contra o município de Palhoça desde 2003 até 2011. The CF (1988) recognized the right to health as a fundamental, guaranteed by the State. Therefore essential to the analysis of contingency generated by universal access to health and especially the stir of dispensing drugs and the growing issue of legalization, which has burdened the municipal coffers, undermining public policies. This study aimed to analyze the profile of these requests in the county court of Palhoça, SC, from 2003 until December 2011. The study is an analysis of documentary processes, totaling 246, all attended today. We collected the number of lawsuits and different products ordered and carried out a survey of the county accounting of spending on medicines in primary care and lawsuits (2009-2011) highlighting the 10 most requested. Key words: Legalization of Drugs. Health Palavras-chave: Judicialização de Medica- Care Access. Pharmaceutical Assistance. mentos. Acesso à Saúde. Assistência Farmacêutica. 1 Especialista em Gestão e Auditoria em Sistemas de Saúde – IPOG (2012). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). E-mail: cancellier@ uol.com.br. 3 Mestranda do curso de Administração Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Formação Pedagógica para Atuação em EAD – UNOPAR. E-mail: mileide. [email protected]. Camila Mirian da Silva # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino 1Introdução O direito à saúde constitui-se em elemento fundamental do estado de bem-estar social, uma vez que cabe ao Estado prover as necessidades essenciais mínimas para a sobrevivência de seus cidadãos. Portanto, é imprescindível à análise da contingência gerada pelo amplo acesso à saúde caracterizado como direito universal e especialmente a celeuma da dispensação de medicamentos e a crescente judicialização da questão, que tem respingado sobremaneira nos municípios, ente mais próximo dos cidadãos que demandam em juízo. O panorama atual é de aumento significativo das demandas judiciais em diferentes regiões do país, o que tem sido motivo de preocupação e intenso debate entre os gestores de saúde, especialmente pelo fato de que as decisões são predominantemente favoráveis ao autor da ação e porque representam inegável impacto sobre a estruturação dos serviços no SUS e sobre os gastos públicos. Assim sendo, o presente estudo se caracterizou por ser uma análise documental dos processos judiciais demandados contra o município de Palhoça (SC) desde 2003 até 2011. Todos esses processos atendidos até os dias de hoje totalizam 246 ações judiciais. Essas ações judiciais têm como principal objetivo requerer medicamentos, mas há também a solicitação de outros produtos, como dietas especiais, tiras reativas para glicosímetro, fraldas, entre outros. Foram coletados os seguintes dados: número de ações judiciais e número de produtos diferentes solicitados. Os dados foram obtidos de duas maneiras: análise de planilha no Excel de controle de atendimentos da Diretoria de Assistência Farmacêutica de Palhoça e consulta dos processos judiciais arquivados na Diretoria já citada. Foi realizado também um levantamento, junto ao setor de contabilidade do município, dos gastos com medicamentos em ações judiciais e atenção básica dos anos de 2009 a 2011. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 191 Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina 2 O Sistema Único de Saúde (SUS) e a Constituição Federal de 1988 O artigo 196 da Constituição Federal de 1988 define a saúde como direito, sugerindo um conceito de saúde ampliado, para além do simples estado de “não doença”: A saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988, art. 196) O Sistema Único de Saúde foi fruto da Constituição Federal de 1988, que assegura o pleno exercício do direito social à saúde, sendo regulamentado pelas Leis Orgânicas da Saúde (LOS) Lei n. 8.080, de setembro de 1990 (BRASIL, 1990a), e Lei n. 8.142/90, de dezembro de 1990. (BRASIL, 1990b) A Lei n. 8.080/90 dispõe sobre a organização e funcionamento do SUS, estabelecendo a competência e as atribuições de cada esfera de governo, regulando as ações e serviços de saúde em todo território nacional, bem como define as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, pautada nos princípios da universalidade, equidade, integralidade, regionalização e hierarquização, resolubilidade, descentralização, participação da comunidade e complementação do setor privado (BRASIL, 1990a). A Lei n. 8.142/90 regulamenta a participação da comunidade na gestão do SUS, por meio das conferências e conselhos de saúde. Trata, também, da alocação de recursos do fundo nacional de saúde, bem como das definições para as transferências intergovernamentais. (BRASIL, 1990b) O artigo 1º da Constituição Brasileira de 1988 caracteriza a ideia de Estado democrático de direito baseado na dignidade da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais: a) a liberdade, isto é, a autonomia da vontade, o direito de cada um eleger seus projetos existenciais; b) a igualdade, que é o direito de ser tratado com a mesma dignidade que todas as pessoas, sem discriminações arbitrárias e exclusões evitáveis; c) o mínimo existencial, que corresponde às condições elementares de educação, saúde e renda que permitam, em uma determinada sociedade, o acesso aos valores 192 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Mirian da Silva # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público. (BRASIL, 1988) O processo de implantação do SUS tem sido orientado por normas operacionais, resoluções e portarias, as quais definem as competências de cada esfera de governo e as condições para que Estados e Municípios possam assumir as ações de saúde. Nesse sentido, foram publicadas três Normas Operacionais Básicas (NOB/SUS 01/91, NOB/SUS 01/93 e NOB/SUS 01/96). Em 2001, foi publicada a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS/ SUS 01/01), que foi revista em 2002 (NOAS/SUS 01/02). (CONASS, 2004) Na perspectiva de superar problemas políticos, técnicos e administrativos na gestão do SUS, foi aprovado, pelo Conselho Nacional de Saúde e publicado na Portaria n. 399, de 22 de fevereiro de 2006, o Pacto pela Saúde, o qual envolve ainda o compromisso de ampliar a mobilização popular e o movimento em defesa do SUS. O referido pacto apresenta três componentes: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão do SUS. (BRASIL, 2006a) 2.1 Assistência Farmacêutica Historicamente, a Assistência Farmacêutica foi uma atividade executada de forma centralizada, especialmente a partir da criação da Central de Medicamentos (CEME), em 1971. Ao longo de seus 26 anos de existência, a CEME foi o principal ator das ações relacionadas aos medicamentos e à assistência farmacêutica no país. Nesse período, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) gerenciava os medicamentos destinados a atender a população previdenciária, por meio das Centrais de Distribuição de Medicamentos. (GOMES, 2004) Apesar do direito à Assistência Farmacêutica ter sido explicitado no artigo 6º, da Lei n. 8.080, de 1990, sua institucionalização como elemento essencial à recuperação da saúde ocorreu com a instituição da Política Nacional de Medicamentos (PNM) por meio da Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998 (BRASIL, 1998). Dentre as prioridades da reorientação da Assistência Farmacêutica: A estruturação da Assistência Farmacêutica (AF) é um dos grandes desafios que se apresentam aos gestores e profissionais do SUS, uma vez que sua reorientação propõe uma mudança no modelo de organização e na forma de gerenciamento, tendo por base uma nova lógica de atuação. Não deve se limitar apenas a aquisição e distribuição de medicamentos, exigindo para a sua implementação a elaboração de planos, programas e atividades Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 193 Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina específicas, de acordo com as competências estabelecidas para cada esfera de governo. O processo de descentralização exige que os gestores aperfeiçoem e busquem novas estratégias, com propostas estruturantes que garantam a eficiência de suas ações, consolidando os vínculos entre os serviços e a população, promovendo o acesso, o uso racional e a integralidade das ações. (BRASIL, 1998) Além da referida Portaria, a Resolução n. 338, de 6 de maio de 2004, do Conselho Nacional de Saúde, aprovou a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), como parte integrante da Política Nacional de Saúde, definindo, novamente, em seu artigo 1º, o que vem a ser Assistência Farmacêutica: A Assistência Farmacêutica trata de um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto individual como coletiva, tendo o medicamento como insumo essencial e visando o acesso e ao seu uso racional. Este conjunto envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensação, garantia da qualidade dos produtos e serviços, acompanhamento e avaliação de sua utilização, na perspectiva da obtenção de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da população. (BRASIL, 2004, art. 1º) Dentre as formas de promover o uso racional de medicamentos, destacam-se a implantação e utilização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME (BRASIL, 2010). Essa lista é atualizada a cada dois anos por comissão no Ministério da Saúde. Os recursos federais, estaduais e municipais só poderão ser utilizados para a compra de medicamentos contemplados nesta relação. Para aquisição de qualquer outro medicamento, deverá ser utilizado recurso próprio do Município. 2.1.1 Assistência Farmacêutica em Santa Catarina A Secretaria de Estado da Saúde (SES/SC) possui na sua estrutura a Diretoria de Assistência Farmacêutica (DIAF), subordinada à Superintendência de Vigilância em Saúde (DIAF, 2011), e as principais competências da DIAF são: a) Participar da formulação e implementação da Política Estadual de Assistência Farmacêutica e de Medicamentos. 194 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Mirian da Silva # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino b) Normatizar, promover e coordenar a organização da Assistência Farmacêutica, nos diferentes níveis de atenção à saúde, obedecendo aos princípios e diretrizes do SUS. c) Orientar, capacitar e promover ações de suporte aos agentes envolvidos no processo. d) Formular, propor diretrizes e coordenar as ações de produção estatal de medicamentos. A partir da publicação da Portaria n. 2.577/2006, a disponibilização de medicamentos, em termos de Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional – CMDE (atualmente chamado de Componente Especializado de Assistência Farmacêutica – CEAF) é aquela destinada ao tratamento de agravos inseridos nos seguintes critérios: 1. Doença rara ou de baixa prevalência, com indicação de uso de medicamento de alto valor unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado; e 2. Doença prevalente, com uso de medicamento de alto custo unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado desde que: 2.1 Haja tratamento previsto para o agravo no nível da atenção básica, ao qual o paciente apresentou necessariamente intolerância, refratariedade ou evolução para quadro clínico de maior gravidade, ou 2.2 O diagnóstico ou estabelecimento de conduta terapêutica para o agravo estejam inseridos na atenção especializada. (BRASIL, 2006c) Os gestores estaduais são os responsáveis pela aquisição e dispensação dos medicamentos pertencentes ao CMDE, enquanto o financiamento para a aquisição destes medicamentos ocorre, principalmente, com recursos financeiros do Ministério da Saúde e com a complementação, na forma de cofinanciamento, da Secretaria de Estado da Saúde. 2.1.2 Assistência Farmacêutica em Palhoça A Diretoria de Assistência Farmacêutica do município de Palhoça tem como princípio desenvolver a Assistência Farmacêutica, a qual consiste num conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 195 Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina por meio da promoção do acesso aos medicamentos e o seu uso racional. Tais ações consistem na seleção, programação, aquisição, distribuição e avaliação de sua utilização, na perspectiva da obtenção de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da população (DIAF, 2012). Objetiva também definir a Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME), a partir das necessidades decorrentes das especificidades regionais da população, bem como assegurar a dispensação adequada dos medicamentos. O município possui além da Farmácia Básica (dispensação dos medicamentos padronizados pela REMUME), a Farmácia de Alto Custo onde se encontram os seguintes serviços: dispensação dos medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica e dos medicamentos adquiridos por via judicial. 2.2 A Judicialização como Acesso a Medicamentos Atualmente, um dos maiores desafios para os gestores de saúde é constituído pelas ações judiciais que solicitam produtos, tratamentos e/ou procedimentos de saúde, muitas vezes não disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso gera individualização da demanda em detrimento do planejamento e da gestão dos problemas de saúde em sua dimensão coletiva e levam à desorganização do serviço. A garantia de acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde é tão importante quanto o atendimento integral. (CHIEFFI; BARATA, 2010) Da mesma forma, Lopes (2008) afirma que apesar de saber que a saúde é um direito de todos e, por conseguinte, é dever do Estado propiciar condições a esse exercício por meio de políticas públicas, tal direito não é garantido nos moldes legais previstos, de forma a atender dois dos seus princípios básicos: a universalidade de acesso e a integralidade dos tratamentos. Essa deficiência estatal pode ser considerada uma das causas de tantas demandas judiciais. O setor saúde sofre diariamente pressão dos diversos grupos médicos comerciais para a incorporação de novas tecnologias. No que se refere a medicamentos, a situação se mostra cada vez mais complexa. A campanha que a indústria farmacêutica realiza sobre os médicos possui um impacto muito grande, fazendo com que eles venham a prescrever esses medicamentos dias após seu lançamento no mercado. Percebendo que as novas tecnologias precisam ser apresentadas, campanhas de marketing são realizadas de forma maciça, bem como visitação em consultórios do próprio SUS. (MANFREDI, 2009) 196 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Mirian da Silva # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino O Poder Judiciário não tem como avaliar se determinado medicamento é efetivamente necessário para se promover a saúde e a vida, mesmo que instruído por laudos técnicos. A politização das decisões judiciais também é um problema concreto. Há uma forte tendência de os magistrados decidirem em favor da parte mais fraca. 3 Análise e Resultados Seguem os resultados com os dados obtidos, apresentados nos Gráficos 1 a 4. Os dados estão em números absolutos e em percentual. O Gráfico 1 mostra a evolução do número de ações judicias, com uma concentração maior de casos nos anos de 2009 a 2011. Gráfico 1: Evolução do número de ações judicais Fonte: Elaborado pela autora deste artigo O Gráfico 2 foi realizado para enfatizar que na maioria dos casos os processos judiciais estão associados à solicitação de mais de um medicamento. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 197 Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina Gráfico 2: Comparação do número de ações judiciais x solicitações Fonte: Elaborado pela autora deste artigo Para ilustrar mais facilmente o quantitativo, foram selecionados os dez medicamentos/insumos mais requeridos e apresentados no Gráfico 3. Gráfico 3: Dez produtos mais solicitados em ações judiciais Fonte: Elaborada pela autora deste artigo No Gráfico 4 foi feito um comparativo de custos com medicamentos de atenção básica e ordens judiciais nos anos de 2009, 2010 e 2011. 198 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Mirian da Silva # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Gráfico 4: Evolução dos custos na aquisição de medicamentos da atenção básica e dos custos para atender às demandas judiciais no período de 2009 a 2011 Fonte: Elaborado pela autora deste artigo A Tabela 1 apresenta o registro de ações judiciais por ano, com início da demanda em 2003. E novamente é demonstrado um comparativo de número de ações x solicitaçãoes de diferentes medicamentos. Ano Processos Solicitações 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 3 5 15 15 23 36 63 50 36 6 12 44 38 81 106 183 84 89 Tabela 1: Relação número de ações judicias x número de solicitações Fonte: Elaborada pela autora deste artigo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 199 Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina Ao analisar a evolução do número de ordens judicais contra o município de Palhoça, observou-se uma maior demanda em 2009. Da mesma forma, o Gráfico 2 mostra que as quantidades de medicamentos solicitadas também foram maiores neste ano. Nos anos de 2010 e 2011, o número de ações diminuiu. É provavel que essa diminuição tenha ocorrido pela inclusão na REMUME de alguns medicamentos que até então não eram disponibilizados, como Clopidogrel, Sinvastatina, Espironolactona, Propatilnitrato e Losartana (estes medicamentos estão entre os mais solicitados em ações judiciais, como está demonstrado no Gráfico 3). A Tabela 1 mostra que geralmente cada ação judicial está requerendo mais de um medicamento. No Gráfico 4 observa-se a evolução dos custos com medicamentos da atenção básica e com demandas judiciais. Em 2009, o investimento em atenção básica foi de R$ 534.084,74 e em 2010 R$ 804.434,00. Com o aumento no investimento ocorreu uma diminuição de gastos com ordens judiciais, que passaram de R$ 642.425,58 em 2009 para R$ 319.096,74 em 2010. Essa diminuição já era esperada, pois como foi já citado, em 2010 houve a inclusão de alguns medicamentos que até então não eram disponibilizados no município. Em 2011 foram gastos com atenção básica R$ 1.296.937,66 e com ordens judiciais R$ 515.168,27. Mesmo com o investimento crescente em medicamentos da atenção básica, os gastos com ações voltaram a aumentar. Provavelmente justificado pelo aumento de ações de medicamentos com custo muito elevado, como por exemplo: Etanercepte 50mg (valor aproximado R$ 7.000,00/mês), Pazopanib (R$ 4.200,00/mês) e Adalimumabe (R$ 8.000,00/mês). É fato que o aumento nos gastos da Secretaria Municipal de Saúde para atender às demandas geradas pelas ações judiciais, associado a um engessado e limitado orçamento para investimento em saúde e à Lei de Responsabilidade Fiscal – que estabelece limite ao gasto público – representa enorme desafio aos planejadores e gestores do SUS, pois compromete os recursos disponibilizados para outras ações de saúde. Os dez produtos mais solicitados foram: Clopidogrel, Propatilnitrato, Ácido Acetilsalicílico, tiras reativas, Insulina Lantus, Brometo de Tiotropio, Formoterol+Budesonida, Sinvastatina, Espironolactona e Losartana. 3.1.1 Clopidogrel O Clopidogrel é um inibidor da agregação plaquetária e, de acordo com a Deliberação da Comissão Intergestores Bipartite 206/2009, o medicamento 200 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Mirian da Silva # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino foi incorporado ao elenco da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica; portanto, a partir de 2010, passou a ser fornecido por Palhoça (SC). 3.1.2 Propatilnitrato O Propatilnitrato é o segundo medicamento mais solicitado judicialmente e foi introduzido na terapêutica no tratamento agudo das crises de angina de peito; a RENAME 2010 recomenda a não inclusão deste medicamento. Mas ainda assim, o município o incluiu na REMUME em 2010, com a devida aprovação do Conselho Municipal de Saúde. Com essa medida, nos anos de 2010 e 2011, houve apenas uma ação solicitando este medicamento. 3.1.3 Ácido Acetilsalicílico (AAS) O medicamento Ácido Acetilsalicílico 100mg encontra-se padronizado na Assistência Farmacêutica na Atenção Básica e ainda assim é o terceiro medicamento mais solicitado. Vale ressaltar que não foi encontrado processo judicial solicitando exclusivamente o medicamento ácido acetilsalicílico, ou seja, esse medicamento faz parte de uma prescrição contendo vários medicamentos. Uma hipótese levantada por Chieffi e Barata (2009) é que os pacientes, ao entrarem com ação judicial, solicitam todos os medicamentos necessários ao seu tratamento de saúde constantes na prescrição, incluindo aqueles padronizados, como é o caso do ácido acetilsalicílico 100mg. 3.1.4 Insulina Lantus e Tiras Reativas para Medida de Glicemia A Insulina de longa ação Glargina (Lantus) não faz parte das listas oficiais de medicamentos distribuídos pelo poder público. Alternativamente, é disponibilizada a insulina humana NPH e Regular. As tiras reativas são disponibilizadas, porém por alguns meses ficaram indisponíveis no município, devido aos atrasos em compras. Associada a esse fato está a falta de informação dos profissionais da saúde e dos pacientes a respeito da padronização. 3.1.5 Brometo de Tiotropio Entre as nove ações judiciais do Brometo de Tiotropio, quatro são de 2010. Esse medicamento não está padronizado pelos programas do Ministério da Saúde. Ao prover, via judicial, medicamentos não padronizados e habitualmente mais caros, sem evidências que os efeitos na doença sejam realmente melhores, estar-se-á destinando mais recursos per capita a poucos, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 201 Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina em detrimento de garantir, para a maioria, os medicamentos essenciais para controle das doenças mais frequentes. 3.1.6 Formoterol + Budesonida Existe protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o uso de Formoterol+Budesonida, porém o consenso é apenas para os pacientes portadores de asma grave, ou seja, pacientes que não se enquadram nesta situação não recebem o medicamento pelo Componente Especializado, encontrando como única forma de acesso a ação judicial. 3.1.7 Sinvastatina A Sinvastatina era fornecida pelo CEAF para tratamento de dislipidemias, porém com a publicação da Portaria n. 2.982/2009 passou a ser adquirida por meio da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica, compondo o elenco de medicamentos a serem disponibilizados pelos municípios e Distrito Federal, para atendimento das linhas de cuidado do CEAF, atendidos os critérios estabelecidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (BRASIL, 2009a). Com essa mudança nos anos de 2010 e 2011 ocorreu apenas uma ordem judicial com este medicamento. 3.1.8 Espironolactona e Losartana Esses medicamentos não eram padronizados no município até 2009. Com a Deliberação da Comissão Intergestores Bipartite n. 206/2009, os medicamentos Espironolactona e Losartana foram incorporados ao elenco da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica, inclusive ocorrendo um aumento da contrapartida estadual. Esses medicamentos totalizam 16 ações judiciais, e a maioria das ações está concentrada no período até 2009, pois em 2010 houve apenas duas e em 2011 nenhuma. 4 Considerações Finais Com os resultados obtidos no presente trabalho, foi possível concluir que, ao longo do período analisado, houve aumento no número de ações judiciais, deferidas contra o Município de Palhoça, solicitando medicamentos, bem como no número de solicitações de produtos diferentes; porém o volume financeiro gasto por Palhoça teve uma diminuição em 2010, com novo aumento em 2011, provavelmente justificado pelo aumento de ações 202 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 Camila Mirian da Silva # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino de medicamentos com custo muito elevado. Os dez produtos mais solicitados foram: Clopidogrel, Propatilnitrato, Ácido Acetilsalicílico, tiras reativas, Insulina Lantus, Brometo de Tiotropio, Formoterol+Budesonida, Sinvastatina, Espironolactona e Losartana. Nos casos dos medicamentos incluídos na REMUME, em 2010, houve uma considerável queda nas solicitações. A elevação do direito à saúde ao patamar de direito fundamental, pela Constituição Federal de 1988, ensejou aos cidadãos recorrerem ao Poder Judiciário, a fim de solicitarem seus tratamentos de saúde. O fenômeno, que vem sendo chamado de “judicialização da saúde”, tem causas complexas e pode estar relacionado ao maior acesso à informação dos usuários do sistema, à alta probabilidade de ganho da causa, ao processo moroso de estruturação da assistência farmacêutica, à indução dos prescritores e à influência da indústria farmacêutica e da propaganda de medicamentos. A explosão do número de ações judiciais e, consequentemente, dos gastos para atendê-las, é motivo de preocupação para os gestores do SUS. Isso porque elas ocasionam desorganização da Assistência Farmacêutica, inviabilizam o planejamento de políticas públicas e desrespeitam os princípios do SUS, pois garantem direitos individuais em detrimento da coletividade. A questão orçamentária é frequentemente colocada em pauta, pois, enquanto as necessidades de saúde são praticamente infinitas, os recursos para atendê-las não o são. Diante disso, é necessário reconhecer que o fornecimento de medicamentos, por decisão da Justiça, compromete a dispensação gratuita regular, pois os governos precisam remanejar recursos vultosos para atender a situações isoladas. Referências BRASIL. Conselho Federal de Farmácia, Conselho Regional de Farmácia do Paraná. A assistência farmacêutica no SUS. 2. ed. Brasília-DF: CRF/PA, 2010. 60p. ______. Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução n. 338, de 6 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Diário Oficial da União, 20 de maio de 2004. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 203 Perfil das Ações Judiciais de Medicamentos Atendidas até 2011 no Município de Palhoça – Santa Catarina ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 de outubro de 1988. ______. Ministério da Saúde. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, 19 de setembro de 1990a. ______. Ministério da Saúde. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, 28 de dezembro de 1990b. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 399, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. Diário Oficial da União, 23 de fevereiro de 2006a. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.577, de 27 de outubro de 2006. Aprova o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional. Diário Oficial da União, 10 de novembro de 2006c. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.982, de 26 de novembro de 2009. Aprova as normas de execução e de financiamento da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica. Diário Oficial da União, 1º de dezembro de 2009a. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 3.916, de 10 de novembro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Diário Oficial da União, 10 de novembro de 1998. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. 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Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 1 205 Este livro é parte integrante do material didático do Curso de Especialização Lato Sensu em Gestão da Saúde Pública oferecido na modalidade a distância.