Pensamento do Dia Pensamento do Dia
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Pensamento do Dia Pensamento do Dia
Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 28 10 2010 ------------------------------------------------------------------Valor Econômico - 28/10/2010 Refugiados da guerra cambial Mario I. Blejer e Eduardo Levy Yeyati As economias latino-americanas poderiam estimular uma política coordenada na região, o que aumentaria seu poder de barganha, fortalecendo sua voz global. Assim, poderia passar a desempenhar papel importante no processo de paz. A atual guerra cambial assemelha-se a uma guerra real em dois aspectos importantes: o confronto de desequilíbrios estruturais entre dois grandes oponentes - China e Estados Unidos - obrigou aliados menores, também incomodados, a ficar de um lado ou de outro, enquanto terceiros, que podem não estar engajados diretamente, sofrem danos colaterais dos dois lados. As economias de alto crescimento da América Latina são particularmente vulneráveis, já que são obrigadas a enfrentar tanto a inflexibilidade da taxa de câmbio da China como o impacto da desvalorização do dólar decorrente da política monetária expansionista do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). A dinâmica é familiar: a liquidez em dólar foge para os países emergentes em busca de rendimentos maiores, o que pressiona suas moedas para cima. Brasil, Chile e Colômbia, entre outros, agora se deparam com essas forças poderosas de valorização cambial. Essa pressão é amplificada em países latino-americanos ricos em recursos naturais pelo aumento nos preços das commodities, alta que também é provocada por uma busca similar por risco e pelo declínio no valor do dólar. Mas por que os países latino-americanos se preocupam com esses fluxos de capital e a mudança de valor de suas moedas? Afinal, os influxos de capital tradicionalmente são considerados como uma transferência positiva de poupança dos países industrializados ricos para os mercados emergentes com escassez de capital. O cenário pós-crise encontra a região com fundamentos macroeconômicos muito melhores que os do mundo industrial. As posições fiscais são sólidas e o endividamento público equivale a apenas 32% do Produto Interno Bruto (PIB) da região. Essa visão confiante, no entanto, obscurece a perda de competitividade que a valorização real pode provocar. De fato, a "doença holandesa" - chamada assim pelo declínio catastrófico na competitividade industrial da Holanda, após a descoberta de gás natural no Mar do Norte ter valorizado a moeda local - tornou-se uma preocupação séria. Em vez dos recursos naturais, o que está prejudicando a competitividade na América Latina (e em outros países em desenvolvimento) são os fluxos financeiros. Um caso exemplar é o México. Nos últimos 18 meses, o peso mexicano valorizou-se 6% a mais que o yuan, minando a capacidade do país de concorrer com as exportações chinesas aos EUA, de longe o maior mercado para os produtos mexicanos. Mas essa não é a única consequência da doença holandesa financeira. A política de flexibilização monetária quantitativa do Fed amplifica o fluxo de liquidez, o que poderia resultar em perigosas bolhas nos mercados emergentes. Ao inflar artificialmente os ativos e a riqueza nos países receptores, os influxos de capital induzem as economias emergentes a um excesso de consumo, criando o mesmo tipo de condições que levaram à crise recente - só que neste caso em economias que estão bem menos equipadas que os EUA para lidar com os riscos. Mas o que acontecerá quando os EUA se recuperarem, reverterem a flexibilização quantitativa e começarem a elevar as taxas de juros? Veremos uma reversão do fluxo de capitais, tendo como resultado profundas oscilações das taxas de câmbio? Uma vez que esse cenário continua uma possibilidade clara, a doença holandesa financeira representa uma série ameaça aos países emergentes de alto crescimento. Se o G-20 quiser desempenhar um papel sério, precisará intermediar uma solução para essa situação. Infelizmente, o impasse na coordenação política mundial durante os recentes encontros do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial pode ser uma demonstração dos limites da supervisão multilateral e da coordenação internacional. Em uma tentativa desesperada de última hora, o FMI agora está inventando os "relatórios de contágio" ("spillover reports", em inglês) para as economias mais importantes sistemicamente, que serão realizados paralelamente com as consultas regulares do FMI sobre as condições dos países, conhecidas como Artigo IV. A iniciativa está destinada ao fracasso - como ocorreu com o Exercício de Supervisão Multilateral do FMI ou as revisões do G-20 no passado recente. Mesmo se forem identificados grandes contágios, é difícil ver como esse exercício solucionaria o problema fundamental por trás da guerra cambial: a aparente pouca disposição dos principais participantes em conciliar interesses nacionais vastamente diferentes. Então, o que as economias latino-americanas deveriam fazer? Embora o Chile ainda não tenha promovido intervenções no mercado de câmbio, Colômbia e Peru aumentaram suas reservas internacionais de forma acentuada. O Brasil vem sendo agressivo em termos de restrições de capital, tendo elevado duas vezes o imposto sobre os influxos financeiros. Ações sem coordenação, no entanto, podem resultar em um ciclo vicioso de retaliações e tornar a guerra cambial um confronto comercial total, com sérias consequências para todas as partes envolvidas. Como alternativa, as economias latino-americanas poderiam tentar estimular uma política coordenada na região, onde as realidades econômicas tendem a coincidir, a interdependência é sentida mais diretamente e o custo do contágio pode ser internalizado mais facilmente. Esse tipo de coordenação regional pode aumentar o poder de barganha dos países envolvidos, fortalecendo sua voz global. Dessa forma, a América Latina poderia deixar de ser uma vítima da guerra e passar a desempenhar um papel importante no processo de paz. Mario I. Blejer e é ex-presidente do Banco Central da Argentina. Eduardo Levy Yeyati é professor de Economia na Universidad Torcuato Di Tella, em Buenos Aires, e ex-economista-chefe do Banco Central da Argentina. ----------------------------------Estadão Online – 27/10/2010 Discutindo com os mercados Paul Krugman Uma confusão com a qual costumo me deparar é a crença de que há algum tipo de contradição entre os momentos em que eu e outros analistas defendemos que o mercado está enganado – como quando eu fiz ao diagnosticar a formação de uma bolha no mercado imobiliário, e também agora ao questionar as crenças otimistas do mercado em relação à inflação – e meu argumento segundo o qual os juros baixos prejudicam a defesa de uma austeridade fiscal imediata. O que as pessoas parecem não entender é que em ambos os casos eu parto das leis fundamentais da economia. São os defensores da austeridade que apelam à psicologia do mercado para rejeitar tais leis fundamentais – e a questão, portanto, é que esta psicologia do mercado só existe na imaginação deles. O argumento chave contra a implementação de medidas de austeridade fiscal no momento presente reside no fato de isso ser uma política equivocada: o resultado seria uma economia deprimida, ao mesmo tempo produzindo um efeito positivo mínimo sobre a posição orçamentária no longo prazo (e pode até tornar esta posição de longo prazo ainda pior). Já fiz os cálculos repetidas vezes neste blog. Mas os defensores da austeridade dizem que os números não importam – precisamos fazer cortes já, agora, imediatamente, caso contrário os justiceiros dos mercados de títulos vão atacar. E a pergunta é: onde estão estes justiceiros? Parece que eles estão tentando nos tapear ao emprestar ao governo dos EUA a juros reais negativos. Assim, a questão não é que o mercado tem sempre razão, e sim que, se a ideia é sugerir que aplacar os mercados é mais importante do que uma análise econômica racional, é melhor ter provas de que os mercados se importam minimamente com aquilo que se está exigindo. ---------------------------Valor Econômico - 28/10/2010 Crescimento e distribuição de renda Márcio Pochmann Para cada ponto percentual de queda no índice de Gini brasileiro, a China eleva em 1,4 ponto a desigualdade na renda Uma das principais novidades surgidas no contexto de evolução da crise global de 2008 encontra-se justamente na recuperação econômica mundial atual, cada vez mais determinada pela dinâmica dos países não desenvolvidos. O fato de nações como China, Brasil e Índia responderem por mais da metade do crescimento econômico pós-recessão mundial acontece pela primeira vez desde a Grande Depressão de 1929. Em contrapartida, o conjunto das nações desenvolvidas parece, cada vez mais, prisioneiro do ciclo vicioso originado pela nova reprodução da armadilha japonesa, constituída desde 1991 por força do tipo de crise que se abateu naquele país. Ou seja, a combinação da anorexia do consumo familiar com a retenção e adiamento dos investimentos das empresas, acrescido do desajuste fiscal e de medidas ortodoxas de contenção do gasto social. O resultado disso reflete-se na deterioração da confiança nacional potencializada pelo risco da deflação em meio à onda das desvalorizações cambiais competitivas e, infelizmente, o ressurgimento da marcha protecionista. Na sequência do desemprego em alta, ocorre a elevação nas taxas de pobreza e de suicídios entre os países desenvolvidos. Não parece haver dúvidas de que o abandono atual, pelos países ricos, da convergência das políticas anticíclicas adotadas na crise de 2008 aponta para um período relativamente longo de convivência com o baixo dinamismo econômico e piora na distribuição de renda. Ademais, a prevalência de enormes assimetrias de poder entre a força e os interesses das grandes corporações transnacionais e o apequenamento das ações dos Estados nacionais, aliada ao contínuo esvaziamento das instituições multilaterais, tende a tornar mais distante a coordenação urgente e necessária da governança mundial. Tal como na Grande Depressão de 1873 a 1896, que acompanhada pelo circuito da industrialização retardatária ocorrido na Alemanha e nos Estados Unidos, permitiu surgir - meio século depois - o deslocamento do centro dinâmico mundial assentado na hegemonia inglesa, se percebe hoje, guardada a devida proporção, o aparecimento de novas polaridades geoeconômicas no desenvolvimento global. China, Brasil e Índia são crescentemente apontados como nações portadoras de futuro e de grande potencial necessário para assumir maior centralidade na dinâmica do desenvolvimento mundial. Por conta disso, se deve procurar compreender como o comportamento do crescimento econômico e do padrão de distribuição de renda, especialmente na China e no Brasil, se tornam referência de como o novo mundo poderá mover-se, com maior ou menor expansão e ampliada ou contida desigualdade na repartição da renda. Ainda que se trate de países muito diferentes, Brasil e China apresentam tendências recentes distintas em relação ao crescimento econômico e à repartição da renda nacional entre seus habitantes. No Brasil, por exemplo, observa-se que para cada 1 ponto percentual de expansão da economia, a China consegue crescer 2,5 pontos percentuais a mais. Entre 1995 e 2010, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro foi multiplicado por 1,6 vez, enquanto o PIB chinês foi multiplicado por 3,9 vezes. O modelo veloz de crescimento econômico da China praticamente não se alterou entre 1995 e 2003, e de 2004 a 2010 (crescimento médio anual de 10%), ao contrário do Brasil, que registrou expansão média anual de 2,1% de 1995 a 2003, e de 4,5% de 2004 a 2010. Por outro lado, se percebe divergência importante em relação ao padrão de desigualdade na repartição de renda entre os brasileiros e chineses. Entre 1995 e 2010, o índice de Gini aumentou 21% na China, enquanto no Brasil caiu 14%. Ou seja, para cada 1 ponto percentual de queda no índice de Gini brasileiro, a China eleva em 1,4 ponto percentual o grau de desigualdade na renda. Interessante notar ainda que, de 1995 a 2001, o comportamento no índice de Gini se manteve relativamente inalterado, apesar das oscilações anuais - de 2,6% para mais na China e de 0,83% para menos no Brasil. Todavia, se constata que a partir daí houve uma grande diferenciação na trajetória da repartição da renda na China e no Brasil. Com o crescimento econômico maior no Brasil, o comportamento do índice de Gini tornou-se mais decrescente (-12,2%), ao passo que a China, que manteve inalterada a trajetória de alta expansão do PIB, passou a registrar ampliado aumento no grau de desigualdade na repartição pessoal da renda (+17,9%). Em síntese, se nota que desde 2004 o PIB brasileiro tem crescido, como média anual, quase a metade do ritmo de aumento do Produto Interno Bruto chinês, ao contrário do período anterior (1995 e 2003), quando a expansão econômica brasileira representava somente 25% do crescimento do PIB chinês. Com a maior expansão das atividades da economia brasileira no período recente, houve concomitantemente o aprofundamento da queda no grau de desigualdade da renda pessoal, diferentemente da situação chinesa, com forte piora na repartição do conjunto dos rendimentos dos seus habitantes. Essas diferenças tornam-se importantes e devem ser ressaltadas, especialmente quando se avaliam as novas trajetórias mundiais possíveis a partir da sequência da crise nos países desenvolvidos iniciada em 2008. Não obstante o menor ritmo de crescimento econômico, o Brasil revela melhor trajetória de repartição da renda em relação ao desempenho chinês recente. Márcio Pochmann é professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). ------------------------------Valor Econômico - 28/10/2010 Superávit primário: descanse em paz Mansueto Almeida Aproveitou-se a capitalização da Petrobras para, mais uma vez, modificar o resultado do primário Um dos conceitos mais importantes para indicar o esforço fiscal do governo brasileiro desde 1999 é o conceito de superávit primário. O superávit primário nada mais é do que o total da receita do governo menos os gastos não financeiros, o que exclui, portanto, o pagamento de juros. O tamanho do superávit primário sinalizaria o esforço que o governo faz para pagar sua dívida, o principal e os juros que incidem sobre o estoque da dívida. Dado que não é o tamanho da dívida em si, mas sua relação com o PIB que importa para questão de solvência, o superávit primário é normalmente divulgado como proporção do PIB. Dependendo das variáveis como taxa de juros, estoque da dívida e crescimento do PIB, o governo fixa uma meta de superávit primário que seja compatível com a trajetória desejada da redução da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) ao longo do tempo. Como o conceito de superávit primário tornou-se cada vez mais importante na economia brasileira, qualquer modificação na meta desse indicador é seguida de calorosas discussões. Assim, ao que parece, há uma grande transparência no cálculo dessa medida e na sua avaliação. Infelizmente, esse não é mais o caso. Há cerca de quatro anos se começou um lento e doloroso processo de "tortura no cálculo do superávit fiscal", que a meu ver culminou com a sua morte recente. Ele de fato ainda existe, mas é na verdade uma "espécie de zumbi" que ainda insiste em assombrar aqueles que detestam o termo "responsabilidade fiscal" ou a tão famosa frase dos livros de economia de que "não há almoço grátis". Os exemplos abaixo mostram os estágios que levaram à morte do superávit primário. A primeira "estocada" no conceito de superávit primário veio com a permissão ainda na gestão do então ministro Antônio Palocci, em 2005, para que parcela do investimento público no Projeto Piloto de Investimentos (PPI) pudesse ser descontada da meta do primário. No seu início, o PPI representava apenas R$ 3,2 bilhões e, assim, descontar esse montante do primário foi um simples arranhão não muito sério. Mas essa regra foi substituída por outra muito mais audaciosa na gestão atual, que permite que R$ 32 bilhões do Programa de Aceleração Econômica (PAC) possam ser integralmente descontados do cálculo do superávit primário na nova Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO (ver art. 30 do substitutivo ao projeto de lei nº 4 de 2010). Em 2008, houve uma segunda estocada no conceito do primário na proposta da LDO de 2009 que se repetiu nos anos seguintes. Pela nova regra, não apenas gastos do PAC, mas também os gastos autorizados no ano anterior e não executados (restos a pagar) poderiam ser abatidos integralmente do cálculo do superávit primário. Para se ter um ideia do que isso significa, de cerca de R$ 30 bilhões que o governo federal investiu até setembro deste ano (pelo conceito de GND-4), R$ 19 bilhões (63%) correspondem a restos a pagar do ano passado. Assim, essa medida permite que dezenas de bilhões de reais adicionais, além dos gastos do PAC no ano, possam ser descontados do cálculo do primário. Em 2009, apesar de machucado, o conceito de superávit primário ainda era forte o suficiente para atrair a atenção indesejada dos analistas econômicos e financeiros. Assim, optou-se pelo uso de um novo artifício para o seu enfraquecimento. O Tesouro Nacional passou a emprestar recursos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que, em seguida, comprava créditos que o Tesouro Nacional tinha a receber de estatais, aumentando, assim, a receita e o resultado primário. Essas operações foram feitas com a Eletrobrás e alcançaram R$ 3,5 bilhões, em 2009, e mais R$ 1,4 bilhão em setembro deste ano. Essas operações podem voltar a se repetir com a mesma ou qualquer outra estatal. Mas a meta de superávit primário continuava a atrair discussões inconvenientes como a necessidade de controle dos gastos correntes para aumentar o investimento público, sem recorrer a aumentos sucessivos de carga tributária. Assim, surgiu a capitalização da Petrobras, uma empresa entre as maiores e mais inovadoras do mundo que, apesar do seu sucesso já comprovado, precisa de uma relação paternalista e tutorial com o seu acionista majoritário, a União, e com o BNDES. Assim, aproveitou-se a capitalização da Petrobras para, mais uma vez, "modificar o resultado do primário", só que desta vez no valor de R$ 31,9 bilhões. A operação original autorizada e discutida no Congresso Nacional era que o Tesouro Nacional faria cessão onerosa equivalente em até 5 bilhões de barris de petróleo que, ao preço fixado em setembro, seria equivalente a R$ 74,8 bilhões. Essa operação significa que a União venderia o seu direito futuro de 5 bilhões de barris de petróleo para a Petrobras em troca de uma participação maior na empresa. Na prática, o que aconteceu foi que o Tesouro Nacional vendeu a cessão onerosa de exploração de petróleo para Petrobras, BNDES e Fundo Soberano, conseguindo uma receita de R$ 74,8 bilhões, e capitalizou a Petrobras em R$ 42,9 bilhões, ficando com um saldo de R$ 31,9 bilhões que se transformou em "superávit primário". Esse "saldo" poderá ser utilizado para qualquer coisa. Ou seja, esse novo "superávit primário" pode tanto ajudar o alcance da meta de 3,30% do PIB deste ano e, portanto, cobrir gastos que já foram efetuados, ou um eventual excesso em relação à meta atual pode ser carregado para o próximo ano para que seja abatido integralmente da meta do primário de 2011, como permitido pelo Art. 3º da LDO. O superávit primário morreu e talvez fosse melhor passarmos a ter metas para a poupança pública, que é um conceito que exclui os gastos de investimento. Mas se você ainda acredita na relevância do conceito de superávit primário depois deste artigo, por favor, poderia me enviar o endereço do Papai Noel? Mansueto Almeida é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). ------------------------------Correio Braziliense - 28/10/2010 Miçangas fiscais Antonio Machado Tesouro exalta maquilagem contábil como superavit real e se queixa do BC por recusar a chicana Seja lá o que sair das urnas no domingo, o eleito já tem encontro marcado com a desnecessária barafunda criada ao redor do superavit primário - nome da retenção de despesas do orçamento fiscal, feita com dois propósitos: 1º, amortizar pedaços da dívida emitida pelo Tesouro Nacional, e, 2º, adequar a demanda movida a gasto público à meta de inflação anual definida pelo governo ao Banco Central. Os juros são função do que o governo condiciona ao BC no que se refere, como Dilma Rousseff diria, à inflação desejada. Demanda, no juízo do BC, é parte dos fatores que a pressionam, o que inclui o gasto público. O superavit fiscal, portanto, ajuda a contê-la. O primeiro propósito não importa mais quanto ao objetivo original do conceito do superavit orçamentário antes do pagamento dos juros da dívida pública federal: a solvência do Estado. Não há dúvidas sobre nossa solidez fiscal. As agências internacionais de risco de crédito já conferem ao Brasil a nota de bom para investimento. O superavit, assim definido, continua relevante como instrumento de contenção da ferramenta dos juros interbancários, vulgo Selic, que o BC utiliza para cumprir a meta inflacionária. É de 4,5% este ano e em 2011, como fora no anterior e tem sido duro alcançá-la. Menos impulsos monetários na economia desaceleram o multiplicador do crédito bancário, reduzindo a demanda agregada. É o que conta a teoria e assim fazem os governos no mundo, dos EUA à China, embora haja quem discorde e quem se embaralhe com o conceito. Num momento em que tudo o que a política econômica menos precisa é de polêmica, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entendeu que deveria comunicar a sua confiança na convergência da inflação à meta de 4,5%, estando agora em 5,03% em 12 meses até outubro, na medida de meio de mês, e subindo. Para ele, os fatores de alta são pontuais, devidos à recuperação sazonal dos preços da alimentação. Não é só, já que também há pressão de serviços, o que é típico de demanda aquecida, mas não há nada grave no que se refere ao que preocupa o BC na fala de Mantega. Inusitada foi a sequência, com o secretário do Tesouro, Arno Augustin, pondo em dúvida conceitos de contabilidade, a pretexto de justificar a triangulação feita para engrossar a parte da União no aumento de capital da Petrobras. Que Dilma se acautele Se Augustin acredita no que disse e Dilma se eleger, é prudente que ela amplie, imediatamente, seu grupo de aconselhamento. Sabe-se que o Tesouro emitiu títulos de dívida para a União subscrever o aumento de capital da Petrobras. Parte dos papéis foi entregue ao BNDES e ao Fundo Soberano para que também comprassem as ações. Os títulos recebidos pela Petrobras foram devolvidos ao Tesouro em pagamento da cessão onerosa do direito de exploração de até 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal. E o que fez o Tesouro? Tratou o repasse ao BNDES e Fundo Soberano como empréstimo às duas entidades. Gerou com isso receita escritural de R$ 31,9 bilhões, incorporada ao superavit primário. Mas superavit mesmo não houve. Superavit augustiniano Quer dizer: BNDES e Fundo Soberano ganharam uma dívida não pedida para participar da capitalização da Petrobras. A rigor, o próprio Tesouro poderia ter subscrito as ações e um pouco mais, o que fez, aumentando para 49% a parte do Estado no capital total da estatal. Deixou de fora a parte do BNDES e do Fundo para simular resultado maior de superavit primário. E por que, se não há risco de sanções de mercado ou do FMI? Augustin chamou de receita de concessão, e disse que seria igual às recebidas no governo FH pela privatização da Telebrás. O BC não a reconhece como tal. Como não resultou da contenção efetiva de gasto, não tem efeito algum sobre a demanda. Lições para o Tesouro Augustin insiste que está certo. Se tem alguém que acha que está errado, devemos fazer essa discussão, ele desafiou. O economista Fernando Montero topou. Ele lembra que as concessões de telefonia foram compradas em dinheiro por empresas privadas. A diferença já é relevante. O problema fiscal de 1998 era de estoque de dívida acrescenta, não de fluxo de gastos. Os juros respondiam ao risco-país, que estava condicionado à dinâmica exponencial da dívida. Hoje, diz, os juros reagem à inflação, pressionada pelo gasto fiscal expansionista. O superavit necessário é o que contenha a demanda real. A situação de 1998, assim, nada tem a ver com a de agora. Além disso, metade do mercado financeiro de hoje estava na escola na época, ironiza. Ou seja: conta outra que essa não cola. Conselho da indústria A maquilagem contábil na capitalização da Petrobras foi legítima, como já registrara Montero. O equívoco foi estendê-la à formação do superavit primário, que hoje só se justifica se corresponder a uma economia orçamentária de verdade. No próprio governo, há gente séria que diz a mesma coisa, e não só no BC, mas não foi ouvida. Uma análise do IEDI, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, muito respeitado por Mantega, aconselha o mesmo. Tão importante quanto utilizar os instrumentos de controle de capitais, o novo governo deveria assumir, logo de início, diz o IEDI, um compromisso crível no sentido de que uma maior folga fiscal será construída para amparar a redução da taxa de juros e exercer menor pressão sobre o câmbio. É isso, uma âncora fiscal, não miçangas. ----------------------------Folha de S.Paulo - 28/10/2010 Bolha: paranoia ou mistificação? Vinicius Torres Freire O BRASIL vivou um estouro de bolhinha em setembro, outubro de 2008. Bola de chiclete se comparada à americana. Foi a bolha dos derivativos cambiais, que quebrou grandes empresas e avariou outras dezenas. Em suma, as empresas faziam dívida a fim de, na prática, apostar na valorização eterna do real. A coisa era "secreta", ocorria fora dos mercados regulados e passou sob as pernas do Banco Central. Houve certo tumulto e pânico, mas o problema passou longe dos bancos maiores. Enfim, o governo arrumou um tutu para os quebrados e ajudou a consolidar uns novos oligopólios. Bolha graúda mesmo é aquela que arrasta uma economia inteira. Começa com uma onda de superinvestimento num negócio, a princípio, promissor. Evolui graças a dinheiro barato ou inventado por meio de instrumentos financeiros complexos. A seguir vem uma inflação de preços mais ou menos localizada. Os ativos ou negócios da bolha então parecem se transformar numa cornucópia de dinheiro. Investidores fazem dívidas a fim de entrar no negócio e aproveitar a sua rentabilidade superestimada. O negócio se torna mais e mais caro, mas no delírio da bolha quase ninguém é capaz de enxergar que jamais entregará o retorno esperado. Logo abaixo da "guerra das moedas", a "bolha dos emergentes" é o assunto da moda. Bolha de commodities. Bolhas de Bolsas e imóveis. O fato de os EUA virem a despejar em breve mais meio trilhão de dólares na economia vai marcar a disparada final da bolha? Ou só uma inflação controlável de ativos? No Brasil, a torrente de dólares por ora nos preocupa mais devido ao câmbio. Parece não haver bolhas. Pelo menos, não temos nem mercados e instrumentos financeiros sofisticados e grandes o bastante para inflar bolhas (afora o de moedas). No mínimo, não temos instrumentos bons para detectar os sopros da morte. O mercado imobiliário parece aquecido e caro, mas isso está longe de ser condição de bolha. Mas os países do Leste Asiático estão nervosos com a possibilidade de bolha (e com a valorização de suas moedas também, claro). Por exemplo, o discurso das autoridades econômicas sul-coreanas é, sem tirar nem pôr, idêntico ao das nossas. Discutem a volta da tributação dos investimentos de "estrangeiros" na dívida pública deles e, em última instância, controles administrativos de capital ("causa distorções, mas o mercado financeiro está distorcido"). Cingapura, China, Malásia estão com medo de bolhas. Cada vez mais relatórios de bancos estrangeiros, americanos, europeus e japoneses, tratam de bolha. Alguns recomendam aproveitá-la antes que acabe, caso das commodities. Outros dizem que as Bolsas, mesmo a do Brasil, estão caras (essa métrica é sempre duvidosa, mas são alguns bancos que o afirmam). Um sinal da bolha imobiliária nos EUA entrou no radar das finanças já em 2002. A bolha começou a estourar em 2006, embora então nem houvesse consenso de que se lidava com uma bolha. Quando ficou evidente que a bolha explodia, entre 2007 e 2008, dizia-se que o efeito seria limitado. Pois é. As bolhas, pois, parecem transparentes, invisíveis, impossíveis ("desta vez é diferente"). Após as crises dos 1980 (Japão), 1990 (Ásia) e 2000 (EUA), o mundo parece mais escaldado. Mas está mesmo? ---------------------------------------O Globo - 28/10/2010 País da incerteza Miriam Leitão Começa agora o governo Cristina Kirchner. Esse é um dos vários inusitados da situação política do país vizinho. Faltando 13 meses para terminar o mandato, a presidente tem, enfim, chances de governar um país. O expresidente Néstor Kirchner nunca deixou de ser o governante, impunha seu estilo e vontade. Foi quem tirou a Argentina do fundo do poço. Apesar dos problemas de saúde que Néstor Kirchner teve recentemente, os cenários políticos não consideravam a hipótese do futuro imediato sem ele. Foi o que admitiu com espanto o analista do “Clarín” Eduardo Van der Kooy. Tanto na operação da carótida, quanto na angioplastia, os Kirchner não quiseram que a saúde do ex-presidente ocupasse espaço no debate político. Falar da doença atrapalharia os planos futuros do casal. Ele era um dos candidatos à eleição do ano que vem e, mais do que isso, era o dono dos rumos do governo da mulher, do partido do governo, e da linha política que inaugurou: o kirchnerismo. O futuro é uma incerteza só. A palavra em espanhol define melhor, aos nossos ouvidos tem um som mais pesado, como se fosse mistura de incerteza e drama: incertidumbre. Será Cristina capaz de superar o golpe emocional da morte daquele que foi seu marido por 35 anos? Terá forças para se impor a um Justicialismo dividido pelos últimos oito anos de comando de ferro de Néstor? Manterá o estilo de governar pelo confronto que o marido sempre manteve e que deixou sequelas nas relações dos produtores rurais, indústria, Igreja, Suprema Corte, Congresso e imprensa? Conseguirá Cristina Fernández superar a sina trágica das mulheres no poder argentino? Evita morreu, jovem e bela, antes que Juan Domingo Perón realizasse o sonho de fazê-la vice-presidente. Isabelita, vice de Perón na década de 70, assumiu quando o marido morreu. Aparvalhada, conduziu um governo fraco e corrupto e foi deposta pelos militares. Cristina assumiu o poder cercada de esperanças de que fosse enfim um governo comandado por uma mulher. Era senadora, tinha tido uma carreira política prévia. Mesmo assim se deixou anular completamente. Se em alguns momentos circularam rumores de que o casamento estava abalado, a parceria política sempre foi indissolúvel, como se os dois fossem um só. E agora? Néstor Kirchner ficará na História por ter tirado a Argentina de um momento trágico. Em poucos dias, na passagem de 2001 para 2002, o país teve três presidentes. Com o país mergulhado na pior crise da sua história, o presidente Fernando de la Rúa renunciou no meio de violentas manifestações de rua, em que os argentinos mostravam sua fúria pela perda de poder aquisitivo e a recessão no fim do regime do câmbio fixo. “Que se vayan todos!”, gritavam nas ruas os argentinos querendo se livrar de todos os políticos. Adolfo Rodríguez assumiu interinamente, decretou moratória e renunciou em seguida. Eduardo Duhalde manteve a moratória, acabou com a paridade do peso e do dólar e preparou a nação para as eleições. O país estava 18% menor do que em 1998, e tinha 60% da população abaixo da linha da pobreza quando em 2003 ocorreram as eleições. O partido fundado por Perón teve três candidatos. A União Cívica Radical, de De La Rúa, desmoralizada, estava fora do jogo. Numa reportagem que fiz sobre o país na época, o que mais me impressionou foi uma mulher, que no meio da passeata, respondeu a uma pergunta minha sobre a razão da manifestação: “Não há futuro, não há futuro”, disse, aos gritos. Nesse ambiente, Kirchner venceu e começou a organizar o país. Manteve o ministro Roberto Lavagna e começou o caminho da recuperação. O país cresceu forte: 11,7% em 2003, 9% ao ano de 2004 a 2007. Reduziu o ritmo em 2008, no ano passado teve recessão e em 2010 deve crescer mais de 7%. O problema é que neste meio tempo, o casal K, como os argentinos o chamavam até ontem, fez uma intervenção no Indec, departamento de estatísticas, jogando dúvida sobre todos os indicadores econômicos. A inflação subiu, mas o dado oficial está parado abaixo de 10%. Na verdade, os preços têm subido mais de 20% ao ano. Há projeções acima de 30%. Néstor Kirchner ocupava um espaço tão grande na política argentina que os analistas do país tinham ontem dificuldades de ver que forças vão ser decisivas no futuro. Na pequena lista de presidenciáveis está por exemplo o governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, do Partido Justicialista, e um dos possíveis candidatos, caso Cristina não queira ou não consiga ser candidata no ano que vem. A União Cívica Radical tem duas forças, o vice-presidente, Julio Cobos, inimigo de Cristina, e Ricardo Alfonsin. O principal obstáculo de ambos é o fracasso do partido no poder. O empresário Maurício Macri organizou uma frente, a Proposta Republicana, cuja maior vitória foi a do próprio Macri para a prefeitura de Buenos Aires. A Argentina volta a ficar, como definiu Van Der Kooy, “entre a tragédia e o drama.” A oposição perde o amálgama que a unia para enfrentar um adversário forte; os peronistas perdem sua força hegemônica; a presidente perde o marido e mentor; a Argentina perde o presidente que a resgatou da crise e a jogou em inúmeros conflitos internos. O cenário político tem hoje uma enorme interrogação. Numa análise recente sobre as eleições do próximo ano, o cientista político argentino Rosendo Fraga concluiu profético: “Muita coisa pode mudar em um ano, porque nunca se deve esquecer que, em última instância, a política se constrói sobre o imprevisto.” COM ALVARO GRIBEL ----------------------------- Valor Econômico - 28/10/2010 Dólar sobe com força e já mira R$ 1,75 Eduardo Campos A moeda americana teve um pregão de firme valorização na quarta-feira, retomando a linha de R$ 1,72 pela primeira vez em mais de um mês. Parte da alta pode ser atribuída à piora de humor externo, que deu fôlego ao dólar e tirou força dos ativos de risco. No entanto, as ordens de compra por aqui não recuaram mesmo com o pessimismo perdendo força no fim no pregão. O assunto em pauta no campo externo era o tamanho do plano de ajuda que o Federal Reserve (Fed), banco central americano, poderá adotar para estimular a economia. Desde a mínima de 13 de outubro o dólar já subiu 4,05% Cabe lembrar que muito do tom positivo das últimas semanas, que foram pautadas pela venda do dólar e aportes em ativos de risco, foi estimulado pelas expectativas de uma firme atuação da autoridade monetária americana na compra de títulos do Tesouro como forma de derrubar os juros e, assim, estimular a economia. No entanto, reportagem do The Wall Street Journal indicou que o Fed estaria estudando a compra de algumas centenas de bilhões de dólares em títulos, enquanto alguns agentes pensavam em trilhão de dólares. A contribuição doméstica para essa puxada no preço da moeda americana foi incerta. O volume no mercado à vista foi baixo, o que exclui a ocorrência de remessas relevantes de dólares para fora do país. Alguns operadores chamaram a atenção à movimentação de corretoras que tipicamente operam para estrangeiros, que estariam em firme movimento de compra, indicando zeragem de posições vendidas. Há quem que enxergue, também, uma cautela pré-eleições, já que as últimas pesquisas contrariaram os rumores de mercado e mostraram crescimento da candidata governista, Dilma Rousseff. Os operadores mais técnicos chamam atenção para o fato de o dólar ter rompido pontos gráficos importantes, que caso confirmados, colocariam a moeda rumo a R$ 1,75. Quanto mais explicações para um mesmo fato, maior a percepção de que esse mercado "tem dono", ou seja, há grandes agentes defendendo ou mudando sua posição. Ontem, o dólar comercial chegou a cair a R$ 1,703, mas encerrou o dia R$ 1,722, o que representa uma alta de 0,93% (veja gráfico abaixo) e a maior cotação de fechamento desde 20 de setembro, quando valia R$ 1,728. Chamou atenção o baixo volume estimado para o mercado interbancário, apenas US$ 1,4 bilhão. Desde 13 de outubro, quando encerrou o dia a R$ 1,655 (menor preço desde 1º de setembro de 2008) o dólar comercial já subiu 4,05%. Mérito das medidas do governo? Segundo o analista de câmbio da BGC Liquidez, Mário Paiva, é muito difícil medir a contribuição das atuações do governo via aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nessa rodada de valorização da moeda americana. "As medidas ajudam, mas a influência do governo é pequena com relação ao tamanho do mercado." Para o analista, a tendência para o dólar segue a mesma, ou seja, perdendo força no mundo todo. "Mas é óbvio que se o ambiente global se deteriorar, o dólar pode subir um pouco mais." Hoje, atenção à ata do Copom. Não é esperada alteração no viés de estabilidade do juro básico em 10,75%. Com isso, ganha peso a leitura dos comentários do Banco Central sobre o comportamento da inflação, demanda doméstica e ambiente internacional. Eduardo Campos é repórter ----------------------------------- ECONOMIA E OUTRAS NOTÍCIAS O Globo - 28/10/2010 Governo prevê freio nas contas em 2011 A equipe econômica acredita que o próximo presidente, qualquer que seja ele, fará um "freio de arrumação" nas contas públicas, após expansão no período eleitoral. Governo terá de fazer um ""freio de arrumação"" Integrantes da equipe econômica apostam que o próximo presidente vai rever gastos e anunciar um superávit maior, sem o uso de artifícios Beatriz Abreu, Fabio Graner e Adriana Fernandes Apesar da frágil composição do resultado fiscal deste ano, construído à base de engenharias contábeis, integrantes da equipe econômica apostam que, em 2011, o novo governo deve anunciar um superávit primário maior, sem o uso de artifícios. Independentemente de quem for o próximo presidente, a avaliação é que prevalecerá a tradição: o anúncio de um "freio de arrumação" nas contas, depois da expansão dos gastos no período eleitoral. A confirmação desse reforço na área fiscal será decisiva para a definição do rumo da taxa básica de juros, a Selic, e para a trajetória da taxa de câmbio no médio prazo, como o Banco Central já indicou em seus principais documentos. A expectativa em setores do governo é que, se o superávit primário subir sem o uso de truques, mas como resultado de menor expansão dos gastos, é possível que a taxa de juros possa ficar estável - atualmente está em 10,75% ao ano - ou até mesmo ser reduzida, dependendo do comportamento da economia doméstica e internacional. Segundo fontes, mesmo que o governo alcance superávit maior, ainda assim será necessário um redesenho do gasto público. Nos últimos dois anos, o governo Lula alcançou a meta de superávit graças ao remanejamento de créditos entre suas empresas e o abatimento dos gastos com os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em 2009, a estagnação da economia justificava o baixo superávit, mas, em 2010, com a atividade em alta, o governo se desdobra em explicações para tentar evitar a crítica de que o aumento nos gastos foi para atender ao calendário eleitoral. Sem a receita extra de R$ 31,9 bilhões, repassada pela Petrobrás pela cessão de barris da União, o resultado fiscal efetivo deste ano ficará em torno de 2,4% do PIB. É este número que representa o quanto foi realmente retirado de circulação da economia e é com ele que o Banco Central trabalha para traçar as estratégias de política monetária. Ou seja, o simples ato de cumprir a meta cheia (3,3 % do PIB) representaria aumento de quase 1% do PIB, algo próximo a R$ 40 bilhões, que seriam poupados. Candidatos. Nos bastidores, os economistas apostam que essa ofensiva de recusar artifícios para fechar as contas pode ser seguida pela candidata do PT, Dilma Rousseff. Embora haja dúvidas quanto a um maior rigor na gestão das despesas pelo candidato do PSDB, José Serra, que na campanha eleitoral lança promessas que custam caro (como o aumento do salário mínimo para R$ 600), a expectativa é de que também se enquadraria. De qualquer forma, não bastará cumprir uma meta maior, ponderam algumas fontes. É necessário, também, rever o perfil de gasto. Até agora, o governo tem elevado os investimentos, sem tentar conter as despesas de custeio, incluindo gasto com pessoal. ----------------------------O Estado de S.Paulo - 28/10/2010 Manobra com a Petrobras paga alta do gasto público Cerca de metade da receita extra de R$ 31,9 bilhões obtida com a manobra contábil que inclui recursos da capitalização da Petrobras como receita serviu para cobrir o aumento das despesas de custeio da máquina pública neste ano. Na terça-feira, o governo anunciou superávit primário recorde de R$ 26,06 bilhões. 0 governo contou como receita 0 pagamento, pela Petrobras, de reservas do petró1eo no pré-sal. Embora o dinheiro que entra nos cofres da União não tenha carimbo, a arrecadação com a venda da concessão de exploração de 5 bilhões de barris da camada de pré-sal abriu espaço para o governo aumentar também os gastos com despesas regulares da administração, de baixo retorno de longo prazo. E como se o governo estivesse antecipando receitas da exploração de petróleo para bancar despes as crescentes do dia a dia. Manobra com dinheiro da Petrobras vai cobrir alta de gastos do governo Mais de 80% dos recursos obtidos pelo governo na capitalização serão usados em custeio de gastos correntes e pagamento de salários Fabio Graner e Adriana Fernandes Cerca de metade da receita extra de R$ 31,9 bilhões obtida com a manobra contábil que inclui recursos da capitalização da Petrobrás como receita serviu para cobrir o aumento das despesas de custeio da máquina pública neste ano. Na terça-feira, o governo anunciou superávit primário (economia para pagar os juros da dívida) recorde de R$ 26,06 bilhões. O governo contou como receita o pagamento, pela Petrobrás, de reservas do petróleo no pré-sal. O artifício com a receita extra foi obtido porque, de um lado, o governo recebeu R$ 74,8 bilhões pela venda (cessão onerosa) de 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal à Petrobrás e, de outro, pagou R$ 42,9 bilhões para comprar ações da estatal. A diferença de R$ 31,9 bilhões é tratada como "receita de concessão". Embora o dinheiro que entra nos cofres da União não tenha carimbo, a manobra abriu espaço para o governo aumentar não só os investimentos, mas também o gasto com despesas regulares da administração, de baixo retorno a longo prazo. É como se o governo antecipasse receitas da exploração de petróleo para bancar despesas do dia a dia, que não param de crescer. Somando os gastos com pessoal (que são contabilizados pelo Tesouro separados dos gastos de custeio), mais de 80% dos recursos obtidos pela engenharia contábil foram utilizados com despesas de custeio da máquina. O tamanho do aumento das despesas de custeio neste ano já é maior que o do gasto com investimentos, considerado prioritário para o crescimento da economia sem pressões inflacionárias. Sem controle. Enquanto as despesas de custeio deram, de janeiro a julho, um salto de R$ 16,4 bilhões, o gasto com investimentos - que tem grande impacto no longo prazo aumentou R$ 11,6 bilhões. Já o gasto com pessoal subiu R$ 10,2 bilhões no ano. Esse quadro desfavorável de perfil de gastos ocorreu apesar de os investimentos terem acelerado em 2010 por causa da estratégia do governo desde 2009 de colocar em "ponto de bala" ao longo deste ano eleitoral os projetos prioritários do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Os números divulgados mostram que o governo não tem controle dos gastos correntes. Essa conta tem sido paga, desde o ano passado, com reforço em 2010, com artifícios contábeis que não necessariamente vão se repetir, chamados pelos analistas de "mágicas" nas contas públicas. O quadro de forte expansão das despesas até o fim do ano deve continuar, porque a pressão por liberação de despesas, sobretudo de emendas parlamentares, se intensificou após o primeiro turno das eleições para atender interesses de campanha eleitoral. O governo já fez em setembro uma liberação de R$ 1,7 bilhão de despesas contingenciadas do Orçamento deste ano e, segundo fontes, pode fazer novo desbloqueio. "Tem muita gente pedindo. A pressão está grande", diz uma fonte que trabalha com o Orçamento. Padrão. Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, o fenômeno está no padrão da política fiscal dos últimos anos. Segundo ele, bancar gastos correntes se utilizando de manobras contábeis que antecipam recursos é o "pior dos mundos". Na visão do economista, o correto seria que esse dinheiro da Petrobrás fosse usado para bancar mais investimentos ou elevar o superávit primário, reduzindo mais rapidamente a dívida pública. "Seria coerente se esses recursos fossem usados em infraestrutura. O governo deveria fazer a mágica positiva de trocar gastos correntes por investimentos em infraestrutura. Essa seria a política que não causaria medo a nenhum analista." Segundo Vale, quando os analistas internacionais perceberem que a política fiscal brasileira tem recorrido a subterfúgios para cumprir as metas, em um ambiente de déficit em conta corrente elevado, o Brasil terá problemas. Para o economista, nesse cenário a taxa de câmbio tende a "estourar" e criar dificuldades para a economia brasileira. Por isso, avalia, será fundamental que o próximo governo faça um ajuste fiscal mínimo, pondo um freio nas despesas correntes. -------------------------------O Globo - 28/10/2010 Brasil quer índice do FMI contra guerra no câmbio O Brasil vai propor ao G20 que o FMI crie um índice de manipulação cambial. A ideia, diz o ministro Mantega, é classificar os países que forçam a queda de suas moedas para exportar mais, e conter a guerra cambial. O índice embasaria ações na OMC. Em meio aos alertas do BC de risco de bolhas. O governo não descarta e1evar o compulsório bancário e, a longo prazo, controlar a entrada de capitais. "O FMI não tem como administrar" SÃO PAULO. É difícil que qualquer Banco Central do mundo aceite a intromissão do FMI em sua política monetária, diz o exdiretor da área externa do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas. Recentemente, o FMI também pediu cooperação dos países para evitar a guerra cambial. Wagner Gomes O GLOBO: Qual a possibilidade de o FMI conseguir apoio para um ajuste de moedas que evite uma guerra cambial no mundo? CARLOS THADEU: O Fundo Monetário não tem condições de administrar as desvalorizações das moedas porque isso significa administrar as políticas monetárias de cada país. E nenhum Banco Central vai abrir mão de administrar a sua política monetária. Mesmo na época em que o Brasil precisava do FMI, nós nunca aceitamos que ele administrasse a nossa política monetária. O GLOBO: Mas qual seria o papel do Fundo? CARLOS THADEU: O máximo que o Fundo Monetário pode fazer é declarar que essas desvalorizações não funcionam e que, se cada um desvalorizar a sua moeda, todos vão perder. Eventualmente, o Fundo poderia estabelecer regras para intervenções cambiais e para controle de capital, mas aí estaria entrando na independência do BC de cada um. O pedido de quarentena, por exemplo, poderia ser uma saída honrosa para o FMI, mas na prática ele não consegue fazer isso. O GLOBO: Já que o FMI não tem poder para definir regras, o que poderia de fato fazer para ajudar a controlar a situação? CARLOS THADEU: O FMI poderia sugerir que fossem feitas intervenções de maneira conjunta para tentar valorizar o dólar. Houve intervenções no mercado de câmbio da Suíça e do Japão, mas foram intervenções isoladas. O problema é que os Estados Unidos, principal acionista do Fundo, como já foi dito, têm a moeda fiduciária mais importante do mundo, querem emitir essa moeda e ninguém controla. Um secretário de Tesouro americano disse uma frase que ficou famosa durante a mudança de paridade do dólar. Ele afirmou: a moeda é minha e o problema é de vocês. A mesma coisa acontece agora. A moeda é dos Estados Unidos e, se há a emissão de mais moedas, o problema é do resto do mundo. O GLOBO: Qual política poderia ser adotada pelos países para conter a queda do dólar? CARLOS THADEU: Os países com taxas de juros baixas são menos vulneráveis à entrada de dólares. Mas, para se ter isso, é preciso ter dependência menor do governo na captação de recursos no mercado. A primeira coisa é ter uma política fiscal mais arrumada. ----------------------------------