1 INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS

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1 INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS - IBET
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
CARLOS PAIVA GOLGO
O ESTATUTO DO CONTRIBUINTE ITALIANO E A RETROATIVIDADE DA LEI
NO SISTEMA TRIBUTÁRIO EUROPEU
Porto Alegre 2013
1
CARLOS PAIVA GOLGO
O ESTATUTO DO CONTRIBUINTE ITALIANO E A RETROATIVIDADE DA LEI
NO SISTEMA TRIBUTÁRIO EUROPEU
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao
Instituto Brasileiro de Estudos Tributários –
IBET, como requisito parcial para obtenção do
titulo de Especialista em Direito Tributário.
Porto Alegre 2013
2
CARLOS PAIVA GOLGO
O ESTATUTO DO CONTRIBUINTE ITALIANO E A RETROATIVIDADE DA LEI
NO SISTEMA TRIBUTÁRIO EUROPEU
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao
Instituto Brasileiro de Estudos Tributários –
IBET, como requisito parcial para obtenção do
titulo de Especialista em Direito Tributário.
Data de aprovação: ____/____/____
Banca Examinadora:
_______________________________
_______________________________
_______________________________
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PREFÁCIO
Carlos Golgo è un ragazzo di nazionalità brasiliana ma con nonni italiani che, durante sua
ultima state in Italia, ha frequentato i nostri uffici per uno stage formativo. Lo stage è il
coronamento di un master universitario di II° livello in diritto tributario che Carlos ha
frequentato presso l’Università degli Studi di Bologna.
Lo stage a Venezia 2 – Il curriculum vitae con il quale Carlos si era presentato (quattro
pagine fitte) già ci faceva intuire il livello delle sue motivazioni nei confronti della materia e
l’incessante ricerca di nuove esperienze professionali. Lo stage nel nostro ufficio è stato
quindi per lui un momento prezioso per “toccare” con mano la materia tributaria. Diverse
sono state le tematiche che ha avuto modo di approfondire. Da una parte le varie tipologie
delle verifiche fiscali operate sia dagli uffici che dalla Guardia di Finanza, dall’altra le frodi
fiscali intracomunitarie IVA (interposizioni fittizie di soggetti fiscalmente inesistente
nell’ambito del commercio di autoveicoli). Sul versante del contenzioso, la sua attenzione è
stata assorbita dalle vertenze in materia di IRAP – Instituti di Credito mentre, per quanto
riguarda la riscossione, ha affrontato il sistema del frazionamento della riscossione a seguito
di accertamenti. Lo stage si è concluso con i rimborsi IVA, con particolare riferimento alle
strategie messe in atto da taluni soggetti per frodare il fisco.
Dal Brasile al Veneto all’Inghilterra – L’averlo conosciuto personalmente, poi, ci ha fatto
apprezzare il lato umano e il tratto sobrio e gentile della persona, con i suoi sorrisi e le sue
piccole e grandi malinconie, lui venuto dal Brasile, a inseguire un futuro di speranze nella
terri dei nonni veneti. Da un mese si è accasato in quel di Londra; fa l’assistente
all’immigrazione presso lo studio di un avvocato suo conterraneo. Di sera lavora in un
ristorante italiano dove, ci scrive, “il proprietario è inglese e...ci paga!”.
La tesina presentata al master – La tesina che ha presentato al colloquio finale del master
pone a confronto, con riflessioni tutt’altro che banali, la prassi amministrativa tributaria
brasiliana e italiana. In particolare Carlos sottolinea come il sistema fiscale federale
brasiliano, originato da una cessione di poteri dallo Stato alla periferia, sviluppa un alto
livello di autonomia dal centro con la conseguenza di una gestione “mirata” delle imposte su
base territoriale. Nello Stato di Sao Paulo, ad esempio, ogni fattura pagata da un provato
cittadino per la fornitura di servizi può essere portata in detrazione al 50% sull’imposta sulla
proprietà urbana, come pure il 30% dell’imposta sulla circolazione di merci e servizi.
Addirittura in questo Stato vengono messi in palio dei premi di notevole importo a favore di
quei contribuenti virtuosi che dichiarano il proprio codice fiscale nella fatura!
Fantasia tropicale.
Claudio Pistolato,
Agencia delle Entrate,
Venezia,Italia
4
RESUMO
A tutela do contribuinte no direito comunitário tem sido amplamente reconhecida em cada
Estado membro da União Européia. Os princípios do devido processo legal, do direito de
defesa, da transparência e da colaboração entre contribuinte e Administração Fazendária
configuram na sua mais dinâmica abordagem direitos e obrigações entre as partes na mais
moderna abordagem do direito tributário. O Estatuto do contribuinte italiano, na perspectiva
local e igualmente européia constitui um avanço nas linhas de cooperação e respeito recíproco
entre contribuinte e Fisco, além de regulamentar a eficácia das normas tributárias no tempo. A
presente pesquisa confronta o sistema tributário italiano com o já conhecido brasileiro dentro
de uma perspectiva crítica sobre a retroatividade da Lei Complementar 118 de 2005.
Palavras-chave: Estatuto do contribuinte italiano, eficácia temporal das normas tributárias,
retroatividade da lei tributária, direitos e garantias do contribuinte.
5
ABSTRACT
La tutela del contribuente nel diritto comunitario è stato ampiamente riconosciuto in ogni
Stato dell'Unione europea. I principi del giusto processo, il diritto alla difesa, trasparenza e
collaborazione fra contribuenti e Amministrazione Finanziaria riconoscono un approccio più
dinamico per i diritti e gli obblighi nel rapporto moderno del diritto tributario. Lo Statuto del
contribuente italiano, nella prospettiva locale ed europea, costituisce anche un avanzo nelle
linee di cooperazione e rispetto reciproco fra i contribuenti e l’Amministrazione Finanziaria e,
inoltre, cerca di regolamentare l’efficacia temporale delle norme tributarie. La ricerca pone a
confronto la prassi amministrativa tributaria italiana con quella già conosciuta brasiliana in
una prospettiva critica sulla retroattività della legge complementare 118 del 2005.
Parola-chiave: Statuto del contribuente italiano, efficacia temporale delle norme tributarie,
irretroattività della norma tributaria, i diritti e le garanzie del contribuente.
6
SUMÁRIO
1. Introdução.............................................................................................................................8
2. Dos princípios tributários...................................................................................................9
2.1 Do Estatuto como norma superior na hierarquia das fontes........................................9
2.2 Da eficácia temporal da norma tributária......................................................................10
2.3 Da relação entre o Fisco e o Contribuinte.......................................................................15
2.3.1 Do direito de informação...............................................................................................15
2.3.2 Conhecimento dos atos e a correta comunicação ao contribuinte.............................17
2.3.3 Transparência e motivação dos atos.............................................................................20
2.3.4 Tutela e integridade patrimonial..................................................................................22
2.3.5 Tutela da confiança e da boa-fé. O erro do contribuinte............................................23
2.3.6 Da consulta fiscal............................................................................................................24
2.3.7 Direitos e garantias do contribuinte sobreposto a investigação fiscal.......................25
3. Conclusão.............................................................................................................................26
4. Bibliografia..........................................................................................................................29
7
O ESTATUTO DO CONTRIBUINTE ITALIANO E A RETROATIVIDADE DA LEI
NO SISTEMA TRIBUTÁRIO EUROPEU
1. Introdução
O Estatuto do Contribuinte, aprovado através da Lei n. 212 de 27 de julho de 2000,
representa na intenção do legislador italiano, um verdadeiro e próprio código de condutas
entre a Administração Fazendária e o contribuinte. O diploma legal reforça o principio de
boa-fé do direito tributário, disciplinando a produção normativa em matéria fiscal, reduzindo
a área de discricionariedade do Erário e ao mesmo tempo contribui para melhorar a eficiência
da prestação jurisdicional.
A essência do estatuto representa uma concreta tutela do direito econômico ao
contribuinte italiano, devendo não somente ser trazida ao conhecimento dos operadores do
direito tributário, mas também a todos os cidadãos, difundindo a consciência do espírito de
proteção ao contribuinte conduzida através de um processo de transformação da relação
Estado-contribuinte, iniciada na República italiana em 1990 através da entrada em vigor da
Lei n.241, cujo teor introduziu normas em matéria de procedimento administrativo, de acesso
aos documentos fiscais e de simplificação geral dos procedimentos tributários.
Esse novo percurso do legislador italiano nos leva crer que, hoje na Itália, o
contribuinte é visto como um cliente do Estado, com uma relação de transparência e
reciprocidade. O presente trabalho se propõe, portanto, aos olhos da bem vinda legislação,
analisar o alcance do Estatuto em uma interpretação sistemática e de acordo com a orientação
firmada pela jurisprudência da Corte de Cassazione Italiana.
8
2. Dos princípios tributários
2.1 Do Estatuto como norma superior na hierarquia das fontes
O artigo 1º, §1º, disciplina que o Estatuto do Contribuinte representa uma norma
especial em observância aos Princípios da igualdade (art. 31), legalidade (art. 232), capacidade
contributiva (art. 533) e atividade administrativa plenamente vinculada (art. 974) reconhecidos
como “matrizes” na Constituição italiana pós-guerra de 1947.
A doutrina italiana, logo após a entrada em vigor da Lei n. 212 de 2000, indagou-se
acerca da força vinculante de sua norma dentro do principio da hierarquia das leis. O Estatuto,
de fato, atendeu os requisitos de uma lei ordinária dentro do sistema jurídico italiano.
A grande maioria da doutrina italiana rebaixou o status do Estatuto do Contribuinte,
enquanto lei ordinária, defendendo que a referida norma pode ser simplesmente revogada por
outra lei de mesma hierarquia.
A Corte de Cassazione italiana5, quando posta em vanguarda, adotou posição
diametralmente oposta à doutrina italiana, declarando a superiorità assiologica dos princípios
do Estatuto, razão pela qual os mesmos devem assumir um valor vinculante pelo intérprete
nacional.
Em particular, a Corte Superior especifica a “clausula fortalecida” do Estatuto ao
interpretá-lo conforme a Constituição italiana, “e quindi vincolanti l’interprete in forza del
fondamentale cânone ermeneutico della ‘interpretazione adeguatrice’ a Costituzione: cioè,
1
“Tutti i cittadini hanno pari dignità sociale e sono eguali davanti alla legge, senza distinzione di sesso, di
razza, di lingua, di religione, di opinioni politiche, di condizioni personali e sociali.
È compito della Repubblica rimuovere gli ostacoli di ordine economico e sociale, che, limitando di fatto la
libertà e l'eguaglianza dei cittadini, impediscono il pieno sviluppo della persona umana e l'effettiva
partecipazione di tutti i lavoratori all'organizzazione politica, economica e sociale del Paese.”
2
Nessuna prestazione personale o patrimoniale può essere imposta se non in base alla legge.
3
Tutti sono tenuti a concorrere alle spese pubbliche in ragione della loro capacità contributiva.
Il sistema tributario è informato a criteri di progressività.
4
I pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge, in modo che siano assicurati il buon
andamento e l'imparzialità dell'amministrazione.
5
Sentenza n.17.576 del 12/02/2002.
9
del dovere dell’interprete di preferire, nel dubbio, il significato e la portata della disposizione
interpretata conforme a Costituzione.”6
Assim, a jurisprudência italiana consolidou-se, com a expressa referência e
vinculação aos artigos da Constituição italiana (arts. 3, 23, 53 e 97), pela conotação de nível
constitucional, aplicando-se inclusive às relações tributárias ocorridas antes da sua entrada em
vigor (Corte di Cassazione n. 21.513/2006), por força dos princípios vigentes no direito
tributário italiano.
2.2 Da eficácia temporal da norma tributária
Desde o século XII, a Escola dos Glosadores na Cidade de Bolonha vem difundindo
a positividade e a interpretação – “glosa” - das normas jurídicas européias.
Hoje em dia, todas as normas do direito civil e tributário italiano têm como origem
as lições de direito romano na Universidade Alma Mater Studiorum de Bologna, a
universidade mais antiga do mundo ocidental, tendo sido fundada em 1088.
Passados séculos, de Irnério ao tributarista italiano Victor Uckmar, a cadeia de
normas do direito positivo italiano prevêem atualmente que uma lei não pode dispor sobre
efeitos pretéritos, e se um dia o fizer, está será uma exceção à regra.
O Código Civil italiano de 1947, em sua disposição sobre a lei em geral,
regulamenta, em seu artigo 11º, que a lei não pode dispor sobre o critério temporal pretérito,
mas tão somente para o futuro; ela não tem efeito retroativo7.
O dispositivo em questão aborda, na realidade, a concepção expressa do artigo 25 da
Constituição Italiana: “ninguém pode ser punido se não em força de uma lei que tenha
entrado em vigor antes do cometimento do fato típico.”8
6
“e portanto vinculado o intérprete na força fundamental do cânone hermenêutico da “interpretação
adequada” à Constituição: isto é, o dever do intérprete de optar, na dúvida, o significado e o propósito da
disposição interpretada conforme a Constituição.”
7
La legge non dispone che per l'avvenire: essa non ha effetto retroattivo.
8
Nessuno puo' essere punito se non in forza di una legge che sia entrata in vigore prima del fatto commesso.
10
No caso do Estatuto do Contribuinte italiano, a Lei n.212 de 2000 adotou as matrizes
estabelecidas na Constituição e no Código Civil, ambos de 1947.
No direito tributário italiano, o único caso excepcional passível de aplicação
retroativa é a chamada “interpretação autêntica”, norma esta igualmente veiculada no nosso
Código Tributário Nacional, ex vi artigo 106, I9.
Uma
norma
interpretativa
representa
um
enunciado
jurídico
dotado
de
particularidade peculiar na medida em que possui função de atribuir um determinado
significado à disposição de lei precedente.
Na República Federativa brasileira, a atividade legislativa está submetida à cláusula
constitucional do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art.
5º, XXXVI da Constituição Brasileira de 1988), razão pela qual as modificações do
ordenamento jurídico, impostas pelo Legislativo, têm, em princípio, apenas eficácia
prospectiva, não podendo ser aplicadas retroativamente, pois do contrário estariamos sob a
égide de uma ditatura legislativa.
A função jurisdicional, ao contrário, atua, em regra, sobre fatos já ocorridos ou em
via de ocorrer. Assim, excepcionalmente, pode o Legislativo atuar sobre o passado, mas desde
que a regra nova introduzida no ordenamento juridico seja benévola ao contribuinte (novatio
legis in mellius).
Logo, uma norma interpretativa autêntica nao pode, em hipótese alguma, introduzir
uma lex gravior por se tratar de modificação legislativa mais gravosa e, portanto, nociva ao
cidadão.
A Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais (CEDU), em seu artigo 6°, consagra o direito de todo cidadão ter um processo
justo, eqüitativo e razoável:
9
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração
dos dispositivos interpretados;
11
“Artigo 6.º
(Direito a um processo equitativo)
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada,
equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal
independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer
sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil,
quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal
dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à
sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público
durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da
moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa
sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a
protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na
medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em
circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para
os interesses da justiça.”
Examinando a garantia procedimental do artigo 6° da CEDU, o Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos10 foi chamado mais de uma vez a se pronunciar, quando o legislador
“autêntico” pretendeu influenciar na tramitação, assim como no resultado de processos em
curso.
É igualmente interessante constatar que o Estado Belga já havia sido condenado pelo
Órgão Comunitário por comportamento do legislador tendente a adotar uma lei de 1988, em
matéria de navegação marítima, com retroatividade de 30 anos11. O desfecho dessa questão
foi amplamente debatida e decidida tendo como premissa a Convenção dos Direitos do
Homem e das Liberdades Individuais.
Segundo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a lei belga de 1988, exonerando o
Estado de sua responsabilidade pretérita, no âmbito do serviço marítimo, interveio no direito
de ressarcimento aos cidadãos belgas violando frontalmente a legislacao comunitária.
A Corte Européia realmente reconhecia que essa ingerência foi efetuada sob um
critério de utilidade pública. Concluia-se, todavia, pela violação ao Principio da
Proporcionalidade, isso porque a lei deveria respeitar o justo equilíbrio entre a exigência do
10
Veja-se em tal sentido, CEDU, 14 fevereiro 2006, Lecarpentier e outros c. Franca e CEDU, 3 de
outubro 2006, Achache c. Franca, www.echr.coe.int/echr.
11
CEDU, 4 de julho 1994, SA Pressos Compania Naviera/Bellica, www.echr.coe.int.
12
interesse comum do Estado e o interesse imperativo da proteção do direito fundamental do
indivíduo. A lei belga de 1988, havendo puramente e simplesmente declarado um efeito
retroativo de 30 anos, sem uma contrapartida, no ressarcimento do montante elevado que as
vitimas de incidente marítimo poderiam fazer valer contra o Estado Belga, ou contra as
sociedades privadas responsáveis e que, em alguns casos até mesmo pendentes, constituía
uma violação do direito do interessado e ao due process of law.
Diante desses fatos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pronunciou-se
hostilizando não somente o comportamento iníquo do legislador “autêntico”, mas também
pela pronúncia da Corte Constitucional Belga que reconhecia como correta a legislação
retroativa.
Na mesma linha de interpretação, importante manifestação da Corte de Cassazione
italiana que em 1996 ratificava o fato do legislador federal não poder exercitar o seu poder de
interpretação autêntica indistintamente12.
Em sua defesa, o advogado do contribuinte havia destacado que o poder de
interpretar autenticamente uma lei não poderia ser sem limites. Em suas alegações destacava
uma violação direta aos direitos fundamentais:
“la vostra Corte non sarebbe a mio avviso vincolata da una legge
concernente i diritti e doveri di carattere civile (e non politico) che sia
favorevole allo stato federale, e sfavorevole alle persone fisiche, che
sia intervenuta nel corso del giudizio, davanti alla vosta Corte, tra
una persona fisica e lo stato federale, abbia ad oggetto una
contestazione su questi medesimi diritti/doveri di carattere civile, e
venga falsamente chiamata dal legisladore federal come ‘legge
interpretativa autentica’. Una tale legge – falsamente chiamata dal
legisladore ‘legge interpretativa autentica’, determinerebbe infatti
una violazione mi pare al diritto fondamentale al giusto processo che
è garantito dall’art. 6.1 della CEDU e di cui uno degli elementi è il
principio della parità delle armi.”13
Por seu turno, o Estatuto do Contribuinte italiano, em seu artigo 3º, §1°, estabelece
que “as disposições tributárias não têm efeito retroativo.”14 A regra comum estabelece os
12
Cass., 4 de novembre 1996, Pas.,1996, p.1053.
Pas., 1996, p.1057 e 1058.
14
“le disposizioni tributarie non hanno effetto retroattivo.”
13
13
limites das modificações legislativas advindas no decorrer do ano fiscal, pronunciando que
“relativamente ai tributi periodici le modifiche introdotte si applicano solo a partire dal
período d’imposta successivo a quello in corso allá data di entrata in vigore delle
disposizioni che le prevedono.”15
A disposição emanada pelo Estatuto do Contribuinte italiano assemelha-se ao
Princípio da Anterioridade (artigo 150, III, “b” da CF/88) estabelecido no nosso sistema
tributário constitucional.
A Corte de Cassazione italiana é uniforme ao afirmar que a vedação à retroatividade
da norma tributária se verte somente sobre o caráter essencial da norma e não sobre as
questões relativas ao procedimento administrativo tributário onde vigora o principio “tempus
regit actum”16.
No direito italiano, a questão da retroatividade da lei deve ser analisada à luz do
princípio constitucional da capacidade contributiva, cuja regra matriz exprime que “todos são
obrigados a contribuir com a despesa pública em razão da capacidade contributiva de cada
cidadão.” 17
Notável parte da doutrina sustenta e admite, de qualquer modo, a retroatividade da
lei quando for mais benéfica ao contribuinte (Lex mellius). Contudo, constatou-se na
jurisprudência o não reconhecimento do princípio favor contribuentis, excluindo-se, assim, a
possibilidade de aplicação retroativa da norma tributária favorevole ao contribuinte. Nessa
linha, a Corte de Cassação italiana optou por aplicar o principio geral da irretroatividade e ao
mesmo tempo solenizou o principio da isonomia no direito tributário italiano18.
Por fim, o Estatuto prevê19 que os prazos de prescrição e decadência para o
lançamento do imposto (accertamento) não podem ser prorrogados.
15
“relativamente aos tributos, as modificações introduzidas se aplicam somente a partir do período sucessivo
aquele em curso da data de entrada em vigor da disposição que a prevê.”
16
Cassazione. n. 16097/2000.
17
Artigo 53 da Constituição italiana: “tutti sono tenuti a concorrere alle spese pubbliche in ragione della loro
capacità contributiva.”
18
Cassazione n.1307/2007.
19
3. I termini di prescrizione e di decadenza per gli accertamenti di imposta non possono essere prorogati.
14
2.3 Da relação entre o Fisco e o Contribuinte
A relação entre o Fisco e contribuinte é disciplinada com uma série de dispositivos
comportamentais através dos quais a Administração Fazendária está plenamente vinculada às
diretrizes formais e substanciais com o propósito de obter uma relação transparente,
cooperativa e de boa-fé.
O Estatuto reconhece implicitamente a personalidade do empresário e incentiva o
empreendedorismo orientado pelo rigoroso respeito ao contribuinte e ao tratamento equânime
em face da Fazenda Pública.
O modelo emanado pelo Parlamento italiano é baseado não sobre os pilares do
autoritarismo, mas nas linhas de cooperação e respeito recíproco entre Empresário e
Administração Fazendária, além dos critérios de transparência e participação ativa na vida
econômica do País.
De outra banda, além de uma relação transparente e amigável entre as partes, o
Estatuto prevê que a Administração Fazendária não pode, em qualquer hipótese, implementar,
através de decreto-lei, a instituição de novos tributos e, igualmente, atribuir a responsabilidade
passiva à outros sujeitos da obrigação tributária principal20.
Portanto, no caso italiano, o chamado redirecionamento em face dos sócios – a
exemplo do artigo 135 do CTN brasileiro – não encontra respaldo na legislação tributária
daquele País.
2.3.1 Do direito de informação
20
Non si può disporre con decreto-legge l’istituzione di nuovi tributi né prevedere l’applicazione di tributi
esistenti
ad altre categorie di soggetti.
15
No direito tributário brasileiro, a Constituição Federal reconhece através de seu
artigo 5º, XXXIII da CF/8821 o direito do contribuinte obter junto às repartições públicas
informações em relação ao seu interesse particular.
Assim, a Fazenda Pública deve disponibilizar ao contribuinte acesso amplo aos
elementos de prova que digam respeito ao exercício de direito de defesa.
Considerando os termos da Constituição Federal brasileira, é vedado à
Administração Fazendária qualquer apreciação subjetiva no exercício da atividade de
verificação de eventual ocorrência do fato imponível, visto que o procedimento tributário está
subordinado ao Princípio da informação e da verdadeira material.
A legislação brasileira impõe o dever da Administração Fazendária proceder à coleta
de todas as provas e documentos que lhe possam auxiliar na análise dos fatos correspondentes
aos eventos efetivamente ocorridos antes do lançamento.
No direito europeu, além do direito à verdade real, a jurisprudência da Corte di
Cassazione italiana exalta a obrigação da Autoridade Fazendária de produzir em juízo todos
os documentos fiscais em posse do Poder Público, ainda que favoráveis à pretensão do
contribuinte:
“L'Amministrazione finanziaria ha l'obbligo di produrre in
giudizio ogni documento, anche favorevole al contribuente, che
sia in suo possesso.”22
(Corte di Cassazione, Sezione V, n.4239 del 2 marzo 2004).
Com relação a correta informação da legislação tributária vigente, o artigo 5º do
Estatuto, em seu capítulo “informazione del contribuente”, disponibiliza a adequada
informação em matéria fiscal prevendo que a Administração Fazendária deve assumir “idonee
iniziative volte a consentire la completa e agevole conoscenza delle disposizioni legislative e
amministrative vigenti in materia tributaria, anche curando la predisposizione di testi
21
“XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”
22
“A administração fazendária tem a obrigação de produzir em juízo qualquer documento em posse da mesma,
ainda que favorável ao contribuinte.”
16
coordinati e mettendo gli stessi a disposizione dei contribuenti presso ogni ufficio
impositore.”23
A regra em comento tem como objeto disponibilizar ao contribuinte informações
procedimentais acerca de circulares, pareceres, resoluções e demais textos normativos
emanados pela Administração Fazendária.
Com efeito, o Estatuto se coloca dentro do padrão de trasparenza amministrativa,
assegurada anteriormente pela legislação italiana (Lei n.241 de 1990), atribuindo ao Fisco a
necessidade de transparência dos seus próprios atos, assim como disponibilizando ao
conhecimento do contribuinte, “tempestivamente e com meios idôneos”, todas as circulares,
resoluções e quaisquer atos ou decretos relativos à organização, funcionamento, fiscalização e
procedimento tributário.
Segundo o entendimento da Corte Superior italiana, o artigo 5º do Estatuto é
endereçado especialmente ao Fisco, na medida em que elenca procedimentos e princípios de
buona amministrazione na tutela do direito do contribuinte.
Tal fato deriva dessa nova ordem mandamental, cujo teor trouxe um novo modelo de
relacionamento entre o contribuinte e a Administração Fazendária, inspirada nos princípios da
transparência, segurança jurídica, cooperação e boa-fé, infiltrando-se em todo o sistema
legislativo italiano como um “manual” de orientamento para o intérprete da norma tributária
italiana.
2.3.2 Conhecimento dos atos e a correta comunicação ao contribuinte
Em seu capítulo sexto, o Estatuto do contribuinte italiano regulamenta os
conhecimentos dos atos procedimentais da Administração Fazendária e o ônus da prova no
direito tributário italiano.
23
“idônea iniciativa de forma a consentir o completo conhecimento das disposições legislativas e
administrativas, vigentes em matéria tributária, observando atentamente as informações emanadas pelos órgãos
responsáveis de forma a disponibilizá-las aos contribuintes em qualquer repartição pública.”
17
A articulada disciplina do artigo 6º garante uma moderna convivência entre o Fisco e
o contribuinte, relevando o dever de transparência dos atos administrativos. As prescrições da
norma em referimento constituem preceitos de efetiva “conoscenza degli atti”24, os quais
devem ser cuidadosamente observados pelo Erário sob pena de nulidade absoluta dos
procedimentos emanados.
O ônus da prova no direito tributário italiano vem disciplinado no artigo 6º, §4º da
Lei n. 212 de 2000. O dispositivo estabelece a Administração Fazendária não pode, em
qualquer caso, solicitar ao contribuinte informações fiscais transmitidas tempestivamente pelo
contribuinte e cujo teor a própria Fazenda Pública detém posse:
“Al contribuente non possono, in ogni caso, essere richiesti
documenti
ed
informazioni
già
in
possesso
dell’amministrazione finanziaria o di altre amministrazioni
pubbliche indicate dal contribuente.” 25
A Corte de Cassazione italiana, examinando o dispositivo acima “excluiu
decisivamente a possibilidade de requerer informações ou documentos já em posse da
administração”26 como forma de vedar ao Fisco a tentativa de se atribuir ao contribuinte a
responsabilidade pelos documentos e informações fiscais já transmitidas ao órgão
responsável.
Portanto, a jurisprudência italiana vem reiteradamente vedando, com fulcro no
Estatuto do contribuinte, a responsabilidade do contribuinte para apresentação de informação
fiscal em posse da Administração Fazendária.27
24
“Conhecimento dos atos.”
“Ao contribuinte não pode, em hipótese alguma, ser solicitado documentos e informações já em posse da
administração fazendária ou de outra administração pública.”
26
“ha escluso decisamente la possibilita di richiedere a costoro informazioni o documenti già in possesso
dell’Ammnistrazione.”
27
“le disposizioni degli artt. 18 della L. n. 241/1990 e 6 della L. n. 212/2000 (secondo le quali responsabile del
procedimento deve acquisire di ufficio quei documenti che sono già in possesso dell’amministrazione, e che
contengano la prova di fatti, stati o qualità rilevanti per la definizione della pratica), costituiscono l’espressione
di un più generale principio valevole anche in campo processuale.” Cass. n. 22.646/2004.
25
18
A adoção desse procedimento rege-se de acordo com a regra do ônus da prova no
direito civil italiano28. Assim, a título exemplificativo, no caso do autor declarar em juízo que
a prova de uma determinada natureza emerge da documentação retida pelo Fisco, este deve
pronunciar-se de modo transparente e motivado, trazendo aos autos a verdade material, sob
pena de violar frontalmente o Estatuto do contribuinte.
No processo tributario brasileiro, em muitos casos, tal como nos embargos à
execução, o embargante-contribuinte é obrigado a instruir a ação autônoma com informações
da fase administrativo tributária quando, na realidade, a Administração Fazendária detém
posse de tais documentos e à Ela incumbiria a instrução probatória, ainda que favoravel à
defesa do contribuinte29.
No parágrafo 5º do artigo 6º30, o Estatuto prevê a obrigação de se instruir o
contraditório antes da inscrição do débito em dívida ativa – “iscrizione al ruolo”.
No caso, a Administração Fazendária – Agenzia delle Entrate - deverá intimar o
contribuinte, por meio de serviço postal ou telemático, a fornecer os esclarecimentos
necessários ou a produzir os documentos faltantes em casos de incerteza com relação aos
rendimentos e a verdadeira capacidade contributiva do contribuinte fiscalizado.
Enquanto a doutrina italiana declara que se trata tão somente de um principio
relevante sobre o plano jurídico, mas com efeitos limitados, a Sezioni Unite da Corte de
Cassazione31 evidenciou, ao invés, a importância do parágrafo 5º, sublinhando que subsiste a
obrigação comunicativa pelo órgão de direção da Agenzia delle Entrate.
28
Artigo 2697 do Código Civil: “Onere della prova – (1) Chi vuol far valere um diritto in giudizio deve provare
i fatti che ne costituiscono il fondamento. (2) Chi eccepisce l’inefficacia di tali fatti ovvero eccepisce che il
diritto si è modificato o estinto deve provare i fatti su cui l’eccezione si fonda.”
29
Corte di Cassazione, Sezione V, n.4239 del 2 marzo 2004.
30
“5. Prima di procedere alle iscrizioni a ruolo derivanti dalla liquidazione di tributi risultanti da dichiarazioni,
qualora sussistano incertezze su aspetti rilevanti della dichiarazione, l’amministrazione finanziaria deve invitare
il contribuente, a mezzo del servizio postale o con mezzi telematici, a fornire i chiarimenti necessari o a
produrre i documenti mancanti entro un termine congruo e comunque non inferiore a trenta giorni dalla
ricezione della richiesta. La disposizione si applica anche qualora, a seguito della liquidazione, emerga la
spettanza di un minor rimborso di imposta rispetto a quello richiesto.”
31
Sent. 21.498/2004.
19
A norma em estudo esclarece, por fim, que são nulos os procedimentos
administrativos que não observarem o contraditório e ampla defesa no caso de eventual
lançamento de tributo por arbitramento32.
Uma breve análise da norma do artigo 6º e da jurisprudência da Corte de Cassazione
eleva o Estatuto do Contribuinte a uma norma de caráter “superiore” no contexto do direito
tributário italiano, estabelecendo, ainda, a obrigação do Fisco em assegurar o efetivo
conhecimento ao contribuinte de todos os atos a ele destinados.
Além disso, a tutela da colaboração, transparência e boa-fé no direito tributário,
colocado legitimamente dentro do plano do ordenamento jurídico italiano, encontra
reconhecimento não somente na jurisprudência da Corte de Cassazione italiana33, mas
igualmente na Corte Constitucional34 e no Tribunal de Justiça da União Européia35.
2.3.3 Transparência e motivação dos atos
O exame do artigo 7º do Estatuto apresenta uma série de mandamentos e requisitos a
serem observados nos atos emanados pela Fisco italiano. De fato, ficou reservado que todos
os atos administrativos da Agenzia delle Entrate serão motivados indicando “os pressupostos
de fato e as razões jurídicas que fundamentam a pretensão fazendária .” 36
A Lei n.241 de 7 de agosto de 1990, cujo teor trata do direito de acesso aos
documentos administrativos, esclarece:
“ Todos os procedimentos administrativos, inclusive aqueles
concernentes à organização administrativa, deverão ser
motivados(...). A motivação deve indicar os pressupostos de
fato e as razões jurídicas que determinaram a decisão da
32
Parte final do artigo 6º, §5º
Cass. civ., 8146/2003.
34
Sentenze 211/1997, 416/1999, 525/2000.
35
24 settembre 2002, C-255/2000, G. I. spa c. ministero delle Finanze.
36
“i presupposti di fatto e le ragioni giuridiche che hanno determinato la decisione dell’amministrazione.”
33
20
Administração Fazendária, em relação ao resultado da
investigação.”37
Dentre as novidades, caso a motivação mencione um ato estranho ao procedimento
administrativo, este último deverá ser juntado ao feito sob pena de afronta ao princípio do
contraditório e da ampla defesa. O Estatuto do Contribuinte, nesse ponto, reconheceu o direito
do contribuinte de ter acesso a todos os atos e documentos fiscais veiculados na decisão
administrativa de forma apurar-se a verdade material no procedimento fiscalizatório e de
lançamento.
Introduziu-se, graças à vigência da lei em questão, o principio de “democracia
procedimental”, ou seja, de um “giusto procedimento” em que através da participação
compulsória do contribuinte as partes terão a oportunidade de analisar, impugnar e apurar a
verdade material do processo administrativo tributário.
Em uma breve análise do conteúdo do ato administrativo, é possível constar que o
procedimento deve especificar todos os pressupostos de fato e as razões jurídicas que
fundamentaram a investigação . Em 2007 a Corte de Cassazione já havia decidido que tal
obrigação “persegue il fine di porre il contribuente in condizione di conoscere la pretesa
impositiva in misura tale da consentirgli sia di valutare l’opportunità di esperire
l’impugnazione incidentale, sia, in caso positivo, di contestarne efficacemente il ‘quantum
debeatur.’”38
Para completar, importante mencionar que a Sentenza n.19120/2005, através da qual
a Corte de Cassazione italiana reconheceu como válido o lançamento fiscal motivado per
relationem com a menção de um ato redigido pela fiscalização da Guardia di Finanzia, cujo
teor mencionava outra sociedade. Nesse caso, os dados contidos no ato administrativo foram
colhidos em ocasião de uma averiguação a terceiro e, desde que motivados, juntados e
portados ao conhecimento do contribuinte, tem plena eficácia legal.
37
“Ogni provvedimento amministrativo, compresi quelli concernenti l'organizzazione amministrativa, lo
svolgimento dei pubblici concorsi ed il personale, deve essere motivato, salvo che nelle ipotesi previste dal
comma 2. La motivazione deve indicare i presupposti di fatto e le ragioni giuridiche che hanno determinato la
decisione dell'amministrazione, in relazione alle risultanze dell'istruttoria.”
38
Sentenza n.12262/2007.
21
Portanto, não basta o mero conhecimento do contribuinte. A jurisprudência italiana
reconhece que a Administração Fazendária, quando faz menção de ato estranho na fase de
lançamento, deve necessariamente juntá-lo ainda que seja abstratamente conhecido da parte
do contribuinte.39
2.3.4 Tutela e integridade patrimonial
O capitulo oitavo trata de forma sistemática a questão da compensação tributária,
improrrogabilidade do prazo de prescrição e da obrigação de conservar os documentos fiscais
por um período máximo de 10 anos.
O referido dispositivo, através de seu parágrafo 3º40, determina que as disposições
tributárias não podem estipular prorrogação dos prazos de prescrição além daqueles previstos
no código civil italiano.
Com relação à compensação tributária, o Estatuto do contribuinte reconheceu
legalmente a possibilidade de se utilizar, no campo fiscal, o principio civilistico da extinção
da obrigação mediante a compensação, ex vi artigo 1241 do código civil41.
A Corte de Cassazione italiana, por meio de sentença42, ratificou o entendimento no
sentido de autorizar a extinção da obrigação tributária por meio da compensação, ainda que se
trate de fatos geradores ocorridos antes da vigência do Estatuto. Contudo, posteriormente a
mesma Corte assinalou que os efeitos da inovação da lei decorrem somente a partir dos anos
fiscais sucessivos à vigência do Estatuto43.
39
Sentenza n.6201/2005.
“Le disposizione tributarie non possono stabilire né prorrogare termini di prescrizione oltre il limite
ordinario stabilito dal codici civili.”
41
Estinzione per compensazione – Quando due persone sono obbligate l’una verso l’altra, I due debiti si
estinguono per le quantità corrispodenti, secondo le norme degli articoli che seguono.”
42
Sentenza n. 1930/2001.
43
Sentença 14588/2001.
40
22
Por fim, o artigo 8º, § 5º44 arbitrou o prazo de conservação dos documentos fiscais
estabelecido pelo artigo 2220 do Código Civil italiano45. Ficou, assim, atribuído ao
contribuinte a obrigação acessória de conservar os atos e documentos fiscais por um período
de até 10 anos da data de sua emissão.
2.3.5 Tutela da confiança e da boa-fé. O erro do contribuinte
Na redação do artigo 10º, o legislador italiano estabeleceu as normas de
relacionamento e comportamento entre a Administração Pública e o contribuinte.
Destaca-se a pretensão do legislador em harmonizar as relações entre contribuinte e
administração fazendária observando-se os princípios da colaboração e da boa-fé.46
Em observância ao referido dispositivo legal, o Estatuto do contribuinte italiano
articula o modelo de tratamento entre os litigantes no âmbito administrativo e, igualmente,
judicial.
O dispositivo legal foi inserido com o objetivo estratégico do Fisco italiano de
adequar-se ao termo “tax compliance” em que se sinaliza a necessidade, em âmbito europeu,
de uma relação fiscal transparente, idônea e, enfim, sempre que possível, de forma amigável.
A Corte de Cassazione italiana, em mais de uma oportunidade, reconheceu que o
principio da tutela da legitima confiança, previsto explícitamente no artigo 10 do Estatuto,
encontra origem na Constituição italiana de 1947, sendo imanente em toda relação de direito
público constituindo, portanto, um dos fundamentos do Estado democrático de direito e, por
se tratar de um principio permanente no ordenamento jurídico nacional, resultaria
imediatamente aplicável aos procedimentos fiscais em curso.
44
“L’obbligo di conservazione di atti e documenti, stabilito a soli effetti tributari, non può eccedere il termine
di dieci anni dalla loro emanazione o dalla loro formazione.”
45
“Conservazione delle scritture contabili – Le scritture devono essere conservate per dieci anni dalla data
dell’ultima registrazione.”
46
“I rapporti tra contribuente e amministrazione finanziaria sono improntati al principio della collaborazione e
della buona fede.”
23
O artigo 10º, §3º, por fim, dispõe que eventual sanção não deve ser oficializada
quando a violação de determinada regra resultar de incerteza sobre a interpretação e a
aplicação da norma tributária. A Corte de Cassazione47, ao interpretar o referido dispositivo,
rebateu a importância do ajuste tributário sem sancionar o contribuinte como forma de tutelar
o principio da confiança e boa-fé.
2.3.6 Da consulta fiscal
Com a entrada em vigência do Estatuto do contribuinte, o artigo 11 regulamentou o
chamado interpello del contribuente (consulta fiscal), situação esta pouco utilizada no
processo tributário italiano. Trata-se, na verdade, de particular interesse para o procedimento
fiscal italiano, na medida em que, pela primeira vez, chancela-se o direito do contribuinte de
solicitar à autoridade fiscal um parecer sobre a aplicação da norma tributária nacional48.
Sobre a natureza da consulta, a Corte Constitucional italiana, com a sentença n.191
de 2007, afirma que a resposta do Erário deve ser considerada um mero parecer técnico não
havendo, portanto, efeito vinculante ao contribuinte:
“L'istituto dell'interpello del contribuente, regolato dall'art. 11
della legge n. 212 del 2000, costituisce lo strumento attraverso
il quale si esplica in via generale l'attività consultiva delle
agenzie fiscali in ordine all'interpretazione delle disposizioni
tributarie. In particolare, esso si sostanzia nella richiesta
all'amministrazione finanziaria di un parere nelle ipotesi in cui
vi siano obiettive condizioni di incertezza sulla corretta
interpretazione di dette disposizioni. Tale parere è vincolante
soltanto per l'amministrazione e non anche per il contribuente,
il quale resta libero di disattenderlo.”49
47
Sentenza n.2133/2002.
“obiettive condizioni di incertezza sulla corretta interpretazione delle disposizioni stesse.”
49
“O referido parecer é vinculante somente para a Administração Fazendária e não ao contribuinte, restando
este livre para desatendê-lo.”
48
24
Portanto, o parecer emitido pela Administração Fazendária, em ocasião de uma
resposta à consulta, é vinculante ao Fisco, podendo o contribuinte adotá-lo ou não.
2.3.7 Direitos e garantias do contribuinte sobreposto a investigação fiscal
Todas as inspeções e investigações fiscais na sede da empresa - local destinado ao
livre exercício da atividade econômica - são efetuadas somente quando absolutamente
essenciais à obtenção de provas relevantes ao procedimento de investigação.
O artigo 12 do Estatuto prevê uma série de direitos e garantias de tutela ao sujeito
passivo da obrigação tributária submetido ao exame das autoridades fiscais italianas50.
Nesse particular, o poder instrutor no local destinado ao exercício da atividade
econômica, pode ser exercitado sob a condição de que: a) seja comprovada a efetiva
necessidade da investigação e controle; b) respeitem o horário normal de funcionamento do
estabelecimento; c) cause o menor distúrbio possível ao normal desenvolvimento da atividade
econômica do contribuinte; d) a permanência dos agentes fiscais não supere os 30 dias do
inicio da investigação, prorrogados por mais 30 dias em caso excepcional (complexidade da
investigação e com motivação para tal fato); e) o contribuinte seja informado previamente
acerca da razão e do objeto que determinaram a necessidade de verificação in loco; f) seja
oportunizada ao contribuinte a faculdade de ser assistido por um profissional habilitado em
sua defesa – contador ou advogado.
Antes da conclusão do procedimento administrativo de investigação, em observância
ao princípio do contraditório e ampla defesa, a legislação italiana prevê ao contribuinte a
faculdade de apresentar observações e pedidos em contraposição aos dados e elementos
colhidos, os quais consistirão em elementos necessários ao lançamento fiscal (avviso di
accertamento)51.
50
Guardia di Finanza.
“Nel rispetto del principio di cooperazione tra amministrazione e contribuente, dopo il rilascio della copia del
processo verbale di chiusura delle operazioni da parte degli organi di controllo, il contribuente puo' comunicare
entro sessanta giorni osservazioni e richieste che sono valutate dagli uffici impositori. L'avviso di accertamento
51
25
Nesse aspecto, a jurisprudência italiana52 passou a dirimir que o contraditório é um
procedimento indispensável ao reconhecimento do principio do justo processo tributário.
Portanto, em qualquer atividade de instrução administrativa é oportunizado ao sujeito passivo
formalizar requerimentos antes da inscrição do débito em dívida ativa.
3. Conclusão
O exame da legislação tributária italiana conduzida pela explicitação das normas
vigentes no Estatuto do Contribuinte italiano consente uma breve reflexão sobre uma forma
de modernizar e incrementar o relacionamento entre Fisco e Contribuinte no Sistema
Tributário Nacional.
O Brasil é um Estado Federativo regrado pela Carta Magna de 1988, em que se
atribuiu as competências legislativas tributárias exclusivas e, igualmente, concorrentes. Na
Constituição de 1988 é possível obtermos uma leitura explicita dos princípios tributários, da
divisão de competências e da autonomia tributária entre a União Federal, os Estados e os
Municípios.
A República Italiana, por sua vez, atualmente encontra-se dentro de um sistema
unitário fiscal e se fundamenta na centralização do poder, em Roma. Em que pese a recente
discussão no Parlamento italiano acerca da mudança de paradigma fiscal para o sistema
federativo, conduzido com muita força política pelos parlamentares da Região do Veneto –
Lega Nord -, acredita-se em uma futura aprovação, o que trará grande mudança no sistema
tributário italiano.
Por outro lado, ainda que a Itália se torne um Estado Federativo a atuação da
Administração Fazendária estará agasalhada pelo Estatuto do Contribuinte, uma norma em
vigor desde 2000 e que regula a atuação do Poder Público de forma participativa, transparente
non puo' essere emanato prima della scadenza del predetto termine, salvo casi di particolare e motivata
urgenza.”
52
Corte di Cassazione n. 17220/2006.
26
e em observância aos princípios constitucionais da legalidade, capacidade contributiva e
progressividade.
O
Ministério
da
Fazenda
italiano
atualmente
possui
uma
organização
descentralizada53 que fornece determinados serviços específicos aos cidadãos. Em se tratando
de fiscalização, lançamento e contencioso tributário, a Agenzia delle Entrate é o ente
responsável na persecução em nível de adimplemento das obrigações fiscais dos
contribuintes, respeitando, todavia, os princípios emanados pela Constituição de 1947 e pela
Lei n. 212 de 2000 – Statuto del contribuente.
A atuação do Estatuto do Contribuinte em âmbito nacional trouxe um tratamento
moderno, amigável e transparente em favor do contribuinte. Com o chamado “accertamento
per adesione” - transação fiscal – o Ministério da Fazenda italiano obteve resultados
surpreendentes resultando no incremento de créditos fiscais não recuperáveis ou até mesmo
viciados pelo instituto da decadência e prescrição.
No Brasil, em situação diametralmente oposta, o contribuinte virtuoso não é
recompensado e aquele que deve e quer pagar não tem o direito de “dialogar” e “acertar” o
seu débito de forma transparente e amigável perante a Secretaria da Receita Federal.
Imagina-se que um tratamento mais próximo, cooperativo e de boa-fé pudesse
solucionar o gigantesco passivo tributário da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Igualmente, no caso de implementação de um instituto análogo ao do Estatuto do Contribuinte
italiano poder-se-ia idealizar um conjunto de regras em que o contribuinte e a Administração
Fazendária encontrar-se-ão no mesmo patamar de obrigações e responsabilidades, com
respeito recíproco, de forma equânime, colaborativa e amigável.
De outra banda, ao analisarmos a extensão da norma tributária no tempo, frisamos a
restrição de uma norma com efeitos pretéritos no âmbito do sistema tributário europeu e,
igualmente, no direito interno italiano.
53
Agenzia delle Entrate, Agenzia delle Dogane, Agenzia del Territorio e Agenzia del Demanio.
27
Quando analisamos uma norma de essência “interpretativa” - assim como falsamente
denominada pelo legislador na Lei Complementar 118/2005 – pretendemos compreender o
verdadeiro “sentimento” da lei de forma a definir o verdadeiro alcance e significado da
disposição legal precedente.
O fato mais grave no caso da inesperada introdução da LC 118/2005 é que no caso
da norma “interpretativa autêntica”, o legislador não a utilizou para dirimir uma controvérsia
interpretativa, mas sim para introduzir uma norma impositiva que não existia e gozar de efeito
retroativo benévolo aos cofres do orçamento da União Federal.
A introdução da Lei Complementar 118/2005, na prática, reduziu o passivo tributário
da União Federal pela metade. Pretendeu-se, desde a publicação da norma, a aplicação da
prescrição qüinqüenal a todos os processos em curso, inclusive com relação aos fatos
geradores ocorridos antes da entrada em vigor da referida norma.
Esse tipo de situação não encontraria sustentáculo no direito tributário italiano em
razão da vigência do Estatuto do Contribuinte. A lei interpretativa autêntica tem característica
de não se aplicar sozinha no mundo jurídico. A ela deve-se necessariamente integrar todas as
demais normas jurídicas do sistema. Logo, a norma interpretativa é carente de autonomia em
respeito à norma base.
No caso da LC 118/05 – norma “interpretativa” - há evidente conflito com a
legislação nacional e, igualmente, em relação à jurisprudência uniformizadora do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça. A legislação em comento não tem autonomia de ingressar no
mundo jurídico e alterar sistematicamente um entendimento lógico construído por décadas
nos Tribunais Superiores. Ela deve orientar-se de acordo com a norma base e isso não o fez.
Nesse contexto, infere-se que, em se tratando de legislação fiscal, a norma com
efeito retroativo representa um caso atípico, vedando-se, por conseqüência lógica, a lex
gravior em relação aos fatos geradores ocorridos antes da entrada em vigor da nova
legislação.
28
Em um País moderno como o Brasil, espera-se que o contribuinte seja respeitado e
que o Fisco atue dentro dos princípios fundamentais do processo tributário – cooperação,
confiança, transparência e boa-fé - os quais não se encontram explicitamente amparados pelo
nosso ordenamento nacional mas que, fortemente influenciado no direito comunitário
europeu, garantem plena neutralidade nas relações entre a Administração Fazendária e o
contribuinte.
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2003.
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29
TASSANI, Thomas. Attuazione del Tributo e Diritti del Contribuente in Europa. 1.ed. Roma:
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30