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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP FACULDADE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – FFC CAMPUS DE MARÍLIA RELATÓRIO FINAL: (Agosto de 2002 a Julho de 2003) Os lugares da cidade: problemas criminais e percepção espacial na região oeste de Marília – SP. Márcio Ricardo de Carvalho. Dra. Sueli Andruccioli Félix. (Depto. Ciências Políticas e Econômicas). MARÍLIA, 2003. O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os grandes frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os Pensadores. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Volume II. Nova Cultural, 1999. p. 87) SUMÁRIO INTRODUÇÃO. 01 OBJETIVOS. 05 METODOLOGIA. 06 RESULTADOS. 08 DISCUSSÃO. 09 PARTE I - Espaço, cultura e crime: pressupostos sobre organização do espaço, 09 percepção espacial e problemas criminais. 1. Os espaços da cidade: especulação imobiliária e segregação espacial. 09 1.1. O espaço urbano-mercadoria. 10 1.2. O Estado e a produção do espaço desigual. 12 1.3. Marília e a "Nova Califórnia": especulação imobiliária em sua gênese e devir. 19 2. Os lugares da cidade: os sujeitos e suas percepções. 22 2.1. A Geografia: situando a Geografia Humanística em sua história. 23 2.2. A Geografia Humanística: o homem e o espaço, o homem e o lugar. 27 2.3. Topofilia e estranhamento: dois sentimentos e duas formas de entendimento 31 das relações sujeito & espaço. 3. O crime em nossas cidades: Marília e seus lugares. 35 3.1. A guisa de uma definição de crime. 36 3.2. O Estado brasileiro e suas políticas de segurança pública: estigmatizações e 41 autoritarismo. 3.3. Por uma outra sociabilidade: policiamento comunitário e proteção mútua em 43 nossas comunidades. PARTE II - Apreendendo as evidências sociais, espaciais, criminais e da 48 percepção nos lugares da região oeste da cidade de Marília/SP. 4. A região oeste da cidade de Marília: desigualdades, problemas criminais e 48 percepção espacial. 4.1. As determinações sócio-espaciais. 50 4.2. A dinâmica criminal. 54 4.3. A pesquisa direta e a percepção espacial. 57 5. Os lugares da região oeste de Marília: suas particularidades sociais, seus 67 problemas, seus sujeitos e as percepções espaciais destes. 5.1. O Subsetor de bairros Salgado Filho/Acapulco: “só falta murar para se tornar 67 condomínio fechado”. 5.2.O Sububsetor de bairros Campus Universitário: o lugar das faculdades e dos 69 estudantes universitários. 5.3. O Subsetor de bairros Morumbi: dos bairros populares às chácaras de recreio. 71 5.4. O Subsetor de bairros Universitário. 73 5.5. O Subsetor de bairros Cavalari. 74 5.6. O Subsetor de bairros José Teruel Martinez.. 77 5.7. O Subsetor de bairros Califórnia. 79 5.8. O Subsetor de bairros Chico Mendes/Poliana. 81 5.9. O Subsetor de bairros Argolo Ferrão. 82 5.10. O Subsetor de bairros Serra Dourada. 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS - Os lugares e os sujeitos da região oeste de 86 Marília/SP: o espaço, a percepção espacial e os problemas criminais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 97 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA. 100 Outras atividades desenvolvidas pelo bolsista. 103 ANEXOS. 105 Anexo 1 – Mapa da antiga setorização – G.U.T.O.. 106 Anexo 2 – Mapa da nova setorização com os setores da pesquisa – G.U.T.O.. 107 Anexo 3 – Mapa da região oeste de Marília/SP – G.U.T.O.. 108 Anexo 4 – Tabela dos subsetores de bairros da região oeste IBGE e G.U.T.O.. 109 APÊNDICE 110 Questionário aplicado em pesquisa direta. 111 INTRODUÇÃO O presente trabalho trata-se de Relatório Final do Projeto “Os Lugares da cidade: problemas criminais e percepção espacial na região oeste da cidade de Marília – SP”. Compreende a reunião de duas atividades propostas inscritas no cronograma do projeto: a sistematização de algumas reflexões que serão utilizadas como instrumentos para a pesquisa de campo e a pesquisa de campo nos bairros da região oeste da cidade de Marília. Aliados, tais instrumentos de análise e o diagnóstico das caracterizações espaciais, sociais, criminais e culturais dos lugares da cidade, permitirão contribuir junto às políticas públicas e ações comunitárias para a atuação preventiva das atividades delitivas. Nos últimos meses, os principais jornais deste país têm nos bombardeado cotidianamente com uma série de matérias que parecem refletir um dos medos mais correntes da humanidade neste princípio de século XXI: a assim chamada “escalada da violência”. Um fenômeno que, aliado ao sentimento de insegurança crescente, tem comprometido a qualidade de vida da população. Essa por sua vez, juntamente com a mídia e autoridades de toda a ordem, desde entidades da sociedade civil às de caráter oficial, tem reivindicado a contenção de tal escalada. Debates e propostas têm sido promovidos, mas, no bojo do problema, soluções imediatistas podem construir-se de práticas perversas subsidiadas por distorções ideológicas que culpabilizam segmentos sociais como o pobre, o negro, o migrante entre outros desfavorecidos social, política e economicamente. Nesse sentido, o que pode ser percebido, muitas vezes, é a inversão dos resultados diante dos objetivos inicialmente desejados. Ao contrário da diminuição da criminalidade, as práticas e distorções disseminadas podem produzir uma sociedade cada vez mais refém dos agentes de crime e de si mesma, em que através do enclausuramento em suas próprias estruturas de segurança. Uma sociabilidade declina a prevalência do espaço público diante da privatização dos espaços da cidade e impele aos homens e mulheres de nosso tempo à viver no que Teresa Caldeira chamou de “cidade de muros”. Estudiosos da criminalidade apontam para a necessidade de produção de políticas de contenção da violência a partir de reflexões que superem os aspectos aparentes ou meramente quantitativos apresentados pela realidade que fundamentam em geral as práticas de caráter repressivo. Ao desconfiarem destes aspectos quantitativos sugerem, portanto, reflexões numa perspectiva mais qualitativa, em caráter interdisciplinar, num diálogo entre tais dados com as ciências sociais. 1 O diálogo constitui-se em conhecer o que é através do que parece ser. Uma perspectiva que compreende a realidade como sendo a soma do que é visível e do que é oculto. Quer dizer, ao conjunto de imagens que se apresentam objetivamente, como os boletins de ocorrências criminais registrados e as estatísticas acerca das condições sócioespaciais de um determinado lugar, agrega-se um conjunto de imagens de representação coletiva que subjetivamente compõem os quadros que explicam o mundo, os lugares, as coisas, e as relações entre os sujeitos, tendo como referencial orientador os valores culturais destes. Numa perspectiva cumulativa, a partir da compreensão dos dados “reais” objetivos e da representação coletiva sobre o real, poderemos superar os limites das “leituras” da realidade que contemplam tais pressupostos dissociadamente, para uma leitura de nossos bairros e seus problemas capaz de produzir as mudanças desejadas pelos sujeitos que os vivenciam. Na primeira etapa do projeto nos propomos a elaborar, a partir de análise bibliográfica, um texto contemplando reflexões em torno da organização do espaço, da percepção espacial e da criminalidade segundo trabalhos e pesquisas publicados e reconhecidos academicamente. Na segunda etapa, utilizamos estas reflexões para a realização da pesquisa de campo nos bairros da cidade que se constitui no entendimento da configuração sócio-espacial, da dinâmica criminal e da compreensão das percepções dos sujeitos. No conjunto, um arcabouço teórico-metodológico a ser apresentado à comunidade mariliense na expectativa de sua transformação em subsidio e instrumento para a resolução das problemáticas sócio-espaciais em que seus sujeitos estão inseridos. O tópico “Discussão” deste Relatório contém a Parte I e Parte II que se referem às duas etapas desenvolvidas nestes meses de realização do projeto: a da reflexão teórica e a da pesquisa de campo. No primeiro capítulo, da Parte I, estão presentes reflexões acerca da organização do espaço tomando como ponto-de-partida as formulações que compreendem ter sido o espaço urbano acossado pelo capitalismo e transformado numa mercadoria e que tal pressuposto demonstra e explica as diferenças sociais, urbanísticas, culturais, econômicas, e os problemas vividos pelos bairros e espaços das nossas cidades. Nossas cidades, orientadas para o mundo do mercado vivem sob o mecanismo de especulação imobiliária, que dissocia a terra urbana de acordo com sua localização geográfica, a segregação sócio-espacial, separando os sujeitos e as atividades urbanas, e fragmentando as relações sociais. Partiremos de exemplos de processos de urbanização aceleradas nas cidades européias Londres e Paris e na cidade de São Paulo com ênfase nas contribuições do Estado e da sociedade organizada para a produção do 2 espaço desigual. Por último, trataremos da cidade de Marília em que sua gênese e seu desenvolvimento socioeconômico tem sido atrelado diretamente à especulação imobiliária, que demarcou e demarca forte segregação sócio-espacial. No segundo capítulo, estão presentes as reflexões formuladas pela Geografia Humanística, corrente surgida na década de 1970, que propõe a compreensão do espaço em sentido diverso da Geografia tradicional, que se fundamenta no paradigma de objetividade e neutralidade na análise dos seus objetos. Entramos em contato com essa área da Geografia que concebe as relações entre o homem e o espaço num sentido antropológico, quer dizer, que o espaço vivido pelo homem não é apreendido por este como algo métrico, quantitativo, pretensamente objetivo, mas de modo afetivo, carregado de subjetividade, com relações propriamente culturais em que a identidade sujeito/espaço produz a “topofilia” e, do contrário, em sua ausência produz-se o sentimento de “descontentamento”. Neste sentido, esboçamos uma comparação com o sentimento de “estranhamento”, para afirmar que investigando tais sentimentos e percepções, no campo das representações coletivas e da multiplicidade de relações que se constroem, faz-se possível compreender a dinâmica criminal que se produz e se reproduz nos espaços da cidade, e as relações dos sujeitos para com estas. No terceiro capítulo estão presentes considerações acerca da criminalidade de modo a pensá-la na sua relação com o Estado, com a sociedade, os preconceitos elaborados e a perspectiva da “Geografia do crime” na cidade de Marília. Partiremos das definições de crime e de violência numa perspectiva que os compreendem no âmbito das determinações sociais e históricas em suas relações com o Estado e a política. Tomaremos contato com as reflexões acerca da questão na sociedade brasileira em torno das atuações do Estado e da sociedade organizada, seus estigmas e preconceitos. Apresentaremos a proposta de análise do crime na ótica espacial e a proposta de polícia comunitária para a comunidade mariliense propalada pelo G.U. T. O. (Grupo de Pesquisa e Gestão Urbana de Trabalho Organizado)1, um desafio que já foi experienciado no Rio de Janeiro, de onde pode se retirar de suas limitações instrumentos para uma realização que consiga alcançar os objetivos almejados. No quarto capítulo, início da Parte II do Tópico “Discussão”, adentraremos as caracterizações sociais, criminais, espaciais e culturais dos bairros da região oeste de Marília. 1 O G.U.T.O. (Grupo de Pesquisa e Gestão Urbana de Trabalho Organizado) constitui-se num grupo coordenado pela Dra. Sueli Andruccioli Felix e financiado pela FAPESP, composto por docentes e alunos com projetos integrados e de iniciação científica FAPESP, PIBIC/CNPq, UNESP/PROEX, e com parcerias com a Polícia Militar e Civil e setores da Sociedade Civil organizada da cidade. Desenvolve pesquisas nas áreas da geografia, educação, história e ciências sociais orientados para uma compreensão da cidade de Marília através das variáveis sociais, históricas, espaciais, econômicas, culturais e criminais – o qual possuem uma base de dados que é alimentada pelos boletins de ocorrência criminal da cidade – para a proposição de ações de todas as ordens, institucionais ou comunitárias. 3 Tomando a região oeste um modo geral, demonstremos as determinações sócio-espaciais e algumas condições socioeconômicas apontadas pelos dados do IBGE de acordo com o Censo realizado em 2000; a dinâmica criminal apresentada no ano de 2002; e as evidências da percepção de seus sujeitos captadas através de pesquisa direta aplicada junto a 79 pessoas moradoras nos bairros da região. No quinto capítulo, para uma observação mais acurada das especificidades e singularidades dos bairros e sujeitos em questão, nos muniremos de uma análise particularizada de cada sub-região de bairros, repetindo o mesmo trajeto da análise da região como um todo, compreendendo os bairros, seus sujeitos, suas condições sociais, econômicas e espaciais; seus problemas criminais; e as percepções dos homens e mulheres abordados nas ruas de seus bairros. Muitas foram as expectativas e perspectivas tomadas no decorrer deste projeto, desde a reflexão sobre a construção de um raciocínio que intermediasse a questão do espaço, da criminalidade e da percepção espacial até a observação das evidências correspondentes às elucubrações elaboradas “a priori” nas caracterizações da realidade explicitada pelos bairros e pelas falas de seus sujeitos. Este Relatório contém o conjunto de todas essas formulações apreendidas, refletidas e confrontadas entre a teoria e a realidade, quer dizer, o que a concepção de iniciação científica parece postular: um profícuo exercício. Um exercício de reflexão teórica para compreensão dos fenômenos da realidade, para a melhoria da própria realidade. 4 OBJETIVOS Como Relatório Final do projeto, este trabalho tem por objetivo apresentar uma discussão teórica das caracterizações sócio-espaciais, da percepção espacial, e da criminalidade; e os resultados da pesquisa de campo fundamentada nas formulações teóricas. No Tópico “Discussão”, Parte I, apresentaremos a discussão sobre: - A organização do espaço, identificando o mecanismo de especulação imobiliária e conseqüente segregação sócio-espacial presente nas cidades orientadas para a acumulação do capital, apontando as atuações do Estado em garantir a produção do espaço desigual através de processos de urbanização acelerada em perspectiva comparada, e enfocando formulações que tratam do surgimento e desenvolvimento da cidade de Marília que denunciam ser a especulação imobiliária o mecanismo que orienta a organização do seu espaço urbano; - A percepção espacial, compreendendo a historicidade da Geografia Humanística enquanto corrente da Geografia que a formulou no quadro das demais correntes geográficas, tomando contato com as reflexões que tratara de fundamentar as relação entre o sujeito e o espaço como uma relação orientada pelos referenciais culturais tendo em vista a “topofilia”, enquanto sentimento do sujeito ao lugar, e discutindo os sentimentos de “descontentamento” e de estranhamento na perspectiva que assume a fragmentação das relações sociais e segregação sócio-espacial promovida pela especulação imobiliária, refletindo-se diretamente nos problemas enfrentados pelos sujeitos; - A criminalidade, buscando definições de crime e de violência numa perspectiva que os relativiza às determinações sociais e históricas em suas relações com o Estado e a política, utilizando-se de reflexões acerca da sociedade brasileira enfocando os estigmas e estereótipos que subsidiam as proposições e atuações do Estado e da sociedade organizada, focalizando a proposta de análise do crime na ótica espacial com proposta de polícia comunitária. Na Parte II, apresentaremos os resultados da pesquisa de campo e interpretações sobre as evidências obtidas acerca dos bairros, seus problemas e seus sujeitos, que compõem a região oeste da cidade de Marília. 5 METODOLOGIA Através de levantamento, seleção e análise bibliográfica que contemplasse compreensões acerca das caracterizações urbanísticas das cidades, em particular de Marília; as relações possíveis entre os sujeitos e os lugares em que vivem; e a problemática do crime e da violência, elaboramos o Relatório parcial entregue no mês de Março deste ano. Para a realização deste Relatório Final foi preciso a utilização dos referenciais teóricos sobre a organização do espaço, da percepção espacial e da criminalidade, para a realização da pesquisa de campo nos bairros da região oeste. No que se refere à organização do espaço, utilizamos muitos autores que partem do referencial teórico-metodológico proposto por Karl Marx em torno do entendimento do capitalismo e seus mecanismos voltados para a sua acumulação, particularmente, no nosso caso o de especulação imobiliária. A partir desse referencial, visualizamos, através de análises históricas, econômicas, sociológicas e geográficas: os processos de urbanização acelerados vividos por Londres, Paris – emblemáticas no contexto mundial, São Paulo – exemplar no caso brasileiro – e Marília – nosso objeto em particular; as atuações do Estado em garantir a produção do espaço desigual; a conseqüente segregação sócio-espacial; e na gênese e devir da cidade de Marília o papel particular da especulação imobiliária sobre o seu espaço urbano. No que diz respeito à percepção espacial, utilizamos os referenciais da Geografia Humanística, enquanto corrente da Geografia de orientação hegeliana e da fenomenologia existencial, e suas formulações acerca das relações entre o sujeito e o espaço como uma relação orientada pelos referenciais culturais tendo em vista a “topofilia”, enquanto sentimento do sujeito ao lugar. Ao perceber aproximação nas discussões referentes ao sentimento de descontentamento, da Geografia Humanística, com o conceito marxista de estranhamento, esboçamos uma comparação na perspectiva que ambas as correntes teóricas atribuem à segregação sócio-espacial promovida pela especulação imobiliária a fragmentação das relações sociais que parece refletirem-se nos problemas enfrentados pelos sujeitos. Quanto à criminalidade, buscamos definições de crime e de violência e reflexões acerca da sociedade brasileira enfocando os estigmas e estereótipos que subsidiam as proposições e atuações do Estado e da sociedade organizada, para compreendermo-los como relativos às determinações sociais e históricas e que devemos superar as nossas formulações que possam vincular o crime a qualquer determinação, visando a proposta de análise na ótica espacial. Apresentamos a proposta de polícia comunitária da “Geografia do Crime”, e um 6 olhar sobre as regiões de bairros que serão analisadas na pesquisa de campo deste projeto, enfocando a dinâmica criminal e seus aspectos sócio-espaciais. Para a pesquisa de campo foram necessárias algumas adaptações no que concerne às delimitações do objeto pesquisado. Ao enviarmos o projeto para a agência de fomento pleiteando a bolsa de Iniciação Científica, apresentamos os objetos do projeto como sendo os Setores de Bairros Salgado Filho/Cavalari, Alto Cafezal e Maria Isabel/Cascata, de acordo com a setorização formulada e utilizada pelo G.U.T.O.. Entretanto, no início deste ano, ao nos dirigirmos à pesquisa de campo, passamos a trabalhar com uma nova setorização de bairros também preparada pelo próprio grupo de pesquisa citado, em função da possibilidade de acesso aos dados disponibilizados pelo IBGE. Na tentativa de aproximar os limites setoriais e dos bairros, o G.U.T.O. buscou fazer novos agrupamentos de bairros próximos aos setores censitários do IBGE, sem descaracterizar os Setores de bairros antes existentes (Ver Anexo 4). Isso significou para nosso trabalho numa adequação entre as fontes possíveis. Nessa etapa do projeto, em que tínhamos que trabalhar com o Setor de Bairros Salgado Filho/Cavalari, vimos este setor se agrupar com o Setor de bairros Califórnia e dividir-se em Setores de bairros Sudoeste e Oeste. Como demonstram os mapas em anexo (Anexos 1 e 2), é possível perceber que não houve distorções entre os limites dos bairros e, em verdade, pode garantir-nos a compreensão da região oeste como um todo, uma vez que em nosso projeto não se incluía uma parte desta: o Setor Califórnia. Se renovado o projeto, para completarmos nossa empreitada, trabalharemos com os Setores de Bairros Centro Oeste/Centro e Sudeste/Centro Sul. Para trabalharmos com as variáveis de uma forma precisa de modo a identificarmos as especificidades de cada localidade, utilizamos a delimitação formulada pelo G.U.T.O. de subsetores de bairros, inscritos nos Setores existentes. Como é possível ver no Mapa no Anexo 3, no Setor Sudoeste encontram-se três subsetores: Salgado Filho/Acapulco, Campus Universitário e Serra Dourada. No Setor Oeste existem oito Subsetores de bairros: Morumbi, Universitário, Cavalari, José Teruel Martinez, Califórnia, San Remo, Chico Mendes e Argolo Ferrão. Entretanto, pelo fato de o Subsetor San Remo ser a região de um condomínio fechado homônimo, nos boletins de ocorrência que alimentam a base de dados do G.U.T.O. insere-se no bairro Jardim Califórnia. Desse modo tivemos que agrupá-lo a este Subsetor. Para a pesquisa direta, realizada com o objetivo de captar as percepções dos sujeitos em relação aos seus lugares e aos seus problemas, aplicamos o questionário (Apêndice I) junto à população local. Foram aplicados 79 questionários aleatoriamente atendendo à 7 amostragem mínima de acordo com Barbetta (1999) para um erro amostral de 3%, totalizando 254 “entrevistas” em questionário aberto e fechado2. A sistematização das informações obtidas através de tabelas foi necessária para uma visualização e apresentação dos dados do conjunto da região oeste. Retiramos as tabelas que deveriam constar do Tópico “Resultados” para inseri-las no corpo de texto sobre a análise da região oeste, para facilitar a observação de tais quadros e a leitura das interpretações correspondentes. RESULTADOS Através das informações acerca das caracterizações sociais, espaciais, econômicas, criminais e culturais da região oeste, seus setores de bairros e subsetores, elaboramos a análise e a conclusão. Acreditando ser mais adequada a apresentação dos resultados juntamente com a sua interpretação, os retiramos deste tópico para os inscrever no capítulo 4 do tópico “Discussão”. 2 Para chegarmos a este número, fizemos a seguinte equação: retiramos a porcentagem da população dos Setores Oeste e Sudoeste somadas (13.405 habitantes) diante da população total mariliense (185.275 habitantes): 7,18%. Em seguida, retiramos a amostra de Marília com 3% de erro amostral (1.104,48) e desta 7,18%: 79,3 ou 79 questionários. Embora parece ser um número bastante modesto, se somados aos que serão realizados nos Setores Centro/Centro Oeste (108 para 18104 habitantes) e Sudeste/Centro Sul (67 para 11203 habitantes) totalizaremos uma amostragem razoável para a pesquisa de campo: 254 “entrevistas” em questionário aberto e fechado. 8 DISCUSSÃO PARTE I Espaço, cultura e crime: Pressupostos sobre organização do espaço, percepção espacial e problemas criminais. 1. Os espaços da cidade: especulação imobiliária e segregação espacial. A gente só vê o fundamentalismo religioso (...), mas a verdade verdadeira é que o fundamentalismo que está fazendo mal mesmo é o mercantil3. Observando as nossas cidades, grandes e complexas como as constituidoras das regiões metropolitanas, ou médias e pequenas, capazes de serem vistos seus limites a olhos nús, percebemos formas e cores diferentes marcadas pelo relevo, pelas construções, pelas vias públicas, pelas vegetações. Diferenciações sintomáticas a determinados espaços que não explicamos além dos gostos e estilos de seus sujeitos. Insatisfeitos por essa explicação, ao constatarmos que as aparências dos lugares muitas vezes são correspondentes entre cidades de tamanhos diferentes e composição cultural distintas, somos impelidos a tentar investigar e refletir sobre nossas cidades, suas similaridades e especificidades. Uma tentativa que consiste em observar a organização dos espaços para identificar o mecanismo que a orienta: a especulação imobiliária e a conseqüente segregação espacial. Para tanto, tomamos contato com o entendimento deste mecanismo através de uma perspectiva que compreende os aspectos históricos, sociológicos, econômicos e políticos que compõem a constituição das cidades que possuem sua política de organização sócio-espacial orientada pela acumulação do capital e que transformam os lugares em que vivemos, parafraseando Marx (1985), num dantesco hieróglifo social. Através dos autores analisados, apontaremos o papel estratégico do Estado na promoção de um espaço desigual e demonstraremos a lógica da especulação imobiliária que se aplica não somente nos grandes centros urbanos, mas tem se constituído na 3 Celso Furtado, Folha de São Paulo, 5/6/94, Apud Maricato (1996, p. 74). 9 lógica de muitas cidades médias, tal qual, foi e tem sido a orientação da organização sócioespacial da cidade de Marília. 1.1. O espaço urbano – mercadoria. Eu classifico São Paulo assim. O Palácio é a sala de visita. A prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos. (JESUS: 1960, p. 33) As palavras de Carolina Maria de Jesus4 nos mostram a lógica da segregação dos sujeitos ao longo dos espaços das nossas cidades. Uma lógica que distribui homens e mulheres em espaços diferenciados caracterizados por “jardins”, providos de toda urbanidade, e periferias, subúrbios, favelas e cortiços, repletos de sofrimentos e constrangimentos demarcados pela exclusão social e desprezo por parte das políticas públicas empreendidas pelos representantes do Estado. Referir-se como lixo parece-nos compreender-se como algo que pode ser manipulado ao longo dos espaços, como tem sido feito com os milhões de sujeitos desde o início do processo de urbanização até os dias atuais nas nossas metrópoles da periferia do capitalismo5. Essa distribuição dos sujeitos ao longo do espaço das cidades de acordo com suas possibilidades econômicas é um processo intrínseco à forma de organização do espaço promovida pelo capitalismo. As cidades orientadas para possibilitar e favorecer a acumulação do capital são acossadas pelos empreendedores imobiliários em parceria com o Estado constituído e vivem a especulação de seus espaços. A especulação imobiliária transforma o espaço em mercadoria. Ao fazê-lo, promove a organização do espaço voltada para a troca, portanto, produção e reprodução de valor independente da utilidade da terra urbana. Assim, há atribuição de valores diferenciados e, conseqüentemente, uma segregação dos homens de acordo com suas capacidades em financiar a especulação. Projetada a lógica de mercadoria nas cidades, é possível identificar aspectos interessantes que permitem explicar a configuração existente delas e os processos empreendidos através da especulação imobiliária e conseqüente segregação espacial. A cidade e seus sujeitos, em todas as dimensões, através da divisão social do trabalho e complexização 4 Escritora que se tornou conhecida por ser moradora de favela e registrar em seu diário as impressões acerca de sua existência numa próspera cidade de São Paulo na década de 1950. 5 Parafraseando o título da obra de Maricato (1996). 10 e fragmentação da vida, passa a ser organizada de modo a garantir a transformação de seus espaços em mercadorias. Os espaços são acossados de acordo com o lugar onde se mora, onde se trabalha, onde se diverte, onde se faz as compras, onde se medita etc. e de acordo com as funções sociais relativas ao funcionamento da cidade, o lugar da fábrica, do setor de serviços, dos bairros residenciais, do centro administrativo, do centro econômico etc. Múltiplos lugares qualitativamente diferenciados de acordo com as estratégias do capital em se alocar em determinados espaços para facilitar a sua acumulação, criando valores para os terrenos, manipulando e especulando o espaço6. Segundo alguns autores7 o solo urbano, em verdade, não possui valor algum. O seu valor pode ser auferido independentemente de ser utilizada, de acordo com a sua localização, ou melhor, dependendo de onde o terreno está próximo terá seu valor superestimado ou, por outras circunstâncias, reduzido. Estar próximo a uma determinada localidade com infraestrutura adequada e de status elevado pode garantir ao terreno valores correspondentes aos valores dos seus vizinhos. O mesmo ocorre no processo contrário: desvaloriza-se os terrenos dada a proximidade de espaços depreciados como favelas e outras formas de habitação pauperizadas. Com o surgimento das cidades e do processo de urbanização acelerado vivido a partir da revolução industrial, no caso das cidades européias Londres e Paris ou a partir da explosão demográfica nas cidades dos denominados países subdesenvolvidos ou de industrialização tardia, as cidades foram se complexizando. Seus espaços foram sendo segregados para atender novas necessidades e, nesse processo, alguns passaram a ter valores maiores diante da atração que exerciam, como por exemplo, os centros das cidades. Se as cidades no Brasil, desde suas origens, compunham-se de desordenações que, avistadas por Holanda (1995) e definidas por frutos do desleixo8 dos portugueses que aqui chegaram. Embevecidos pela possibilidade do lucro fácil, negligenciaram para as futuras gerações espaços urbanos ladrilhados como os projetados pelos espanhóis na América espanhola, com a especulação imobiliária foi se produzindo cidades com desenhos 6 Carlos (1994) e Rodrigues (1988) mostraram como as cidades têm os seus espaços organizados para a garantir a alocação da indústria e dos locais de moradia dos sujeitos, respectivamente, de modo estratégico para a reprodução e acumulação do capital. 7 Kowarick (1979), Faleiros (1983) e Carlos (1992), discorreram, propriamente, para explicar como o processo de valorização do solo urbano se efetiva. Como seus raciocínios se convergem, o que se segue no texto é uma compreensão tributária de ambos os autores. 8 Por desleixo compreenda-se a idéia que Holanda (1995) elaborou ao analisar a colonização paulista. Segundo o historiador, “A cidade que [...] construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, a sua silhueta se enlaça na linha da paisagem” (p.110). 11 urbanísticos comparáveis a “colchas de retalhos”, desconexos e de variados tamanhos e relevos. No final do século XX, com a mundialização e proeminência do capital volátil e da idéia de cidades globais ou mundiais que sediariam ou seriam o palco de atuação das transnacionais, as cidades assumiram-se no mundo como os reais atores políticos, como diz Castells (1996). Imbuídas de toques de personalidades, as cidades, através de suas classes dominantes, autoproclamam capitais de qualquer coisa, seja, Nova York, a “Capital do Mundo”, ou as cidades capitais da moda eventualmente, de acordo com os calendários dos eventos relativos a tal setor, ou ainda Marília “Capital Nacional do Alimento”9. São sob títulos e estilos que as cidades percebem sua coletividade dirigindo-se a um único e restrito horizonte que não contempla as necessidades de todos os sujeitos que sobre seus espaços vivem e urgem por investimentos em todas as áreas sociais. A cidade, com seus espaços transformados em valor-de-troca, saem das mãos de seus habitantes e concorrem valores nos negócios de planejadores e especuladores imobiliários. 1.2. O Estado e a produção do espaço desigual. Pensar a organização do espaço de nossas cidades exige-nos refletir sobre o papel do Estado neste processo para superar a idéia de que somente o mercado, as empresas e os empreendedores imobiliários, constituem-se nos promotores do espaço desigual e segregado. É preciso pensar no Estado enquanto representante da coletividade que, desde o início do processo de urbanização acelerada, tem desempenhado papel fundamental na instrumentalização do mecanismo de especulação imobiliária, processo que, como já vimos, retira a produção coletiva e social - a cidade - das mãos e interesses de todos para a segregação em benefício dos interesses privados de poucos. Embora Santos (1982) mostre que podemos incorrer em grandes riscos no entendimento do processo de urbanização se compararmos os vividos pelas cidades européias com os das cidades brasileiras, é possível visualizá-los, se consideradas suas diferenças 9 O trabalho de Ribeiro (1996) demonstrou quão contraditórios são tais títulos, embora sejam hegemômicos. O título assumido pela cidade de Marília nos tempos atuais de “Capital Nacional do Alimento”, se sustenta no elevado número de indústrias alimentícias e que desde a década de 40 vem caracterizando-a num pólo desse setor. Entretanto, a autora tratou de mostrar através de pesquisa de campo em favelas da cidade e dados fornecidos pela Prefeitura Municipal que, na “capital do alimento”, uma fração considerável de seu contingente populacional, vivem em espaços não adequados para moradia, não tem acesso aos postos de trabalhos oferecidos pelas indústrias locais e, por vezes, não tem acesso nem mesmo ao mínimo necessário para uma existência razoavelmente digna: acesso à comida sadia e variada, produzida na própria região em que se inscrevem. 12 básicas10. Compreender tais processos é imprescindível, pois, tanto as cidades européias, quanto as brasileiras e as demais do globo sofreram crescimentos gritantes exatamente no momento em que se implantou e consolidou o capitalismo, evidentemente que em circunstâncias diferentes. As atuações dos Estados diante das situações de suas cidades correspondem diretamente às orientações político-ideológicas que suas sociedades adotaram. Os resultados de tais situações são sintomáticos e merecem atenção. Pioneiras na Revolução Industrial, as cidades inglesas e francesas viveram o que foi denominado de espetáculo da pobreza por Bresciani (1990). Desde que o campo foi transformado na base fundiária para o capital através da usurpação tanto das pequenas propriedades rurais quanto das terras comunais com o processo de cercamento das terras – os “enclousures” – os sujeitos foram expulsos de suas terras pela burguesia do setor têxtil, que passou a utilizá-las para a criação de ovelhas, e migraram para as cidades, criando “para a indústria urbana oferta necessária de um proletariado livre como pássaros” (MARX: 1984, p. 275). De modo geral, os trabalhadores, desprovidos de tudo a não ser a força de seu próprio trabalho, encontravam-se nas cidades, explorados exaustivamente, alojando se em espécimes de moradias insalubres, com exemplos de uso de estábulos para suprir o problema de habitação imposta pelo adensamento excessivo de trabalhadores. Nas áreas centrais e próximas das zonas industriais, a terra foi organizada e ocupada de tal modo que as famílias dividiam diminutos espaços miseráveis e sujos, sem mínimas instalações sanitárias e até mesmo ventilação interna. Nas áreas mais afastadas, identificavamse algumas aglomerações desorganizadas de casas com a mesma miséria e sujeira, misturando famílias, animais e etc. Essas espécies de moradias poderiam ser identificadas com os cortiços e favelas existentes nas grandes cidades do nosso presente (ENGELS: 1986, p. 66). Para organizar suas cidades, as classes dirigentes e setores privados impuseram políticas de saneamento sob a ideologia da higienização, segregando os sujeitos a espaços diminutos e ocultos dos olhos da “cidade-jardim” produzida para a burguesia e setores liberais, constituídas de amplas avenidas e praças como a reforma urbana de Haussmann11, 10 O geógrafo e urbanista Milton Santos (1982) apontou para o perigo em tais comparações, se não observadas as características básicas dos processos de urbanização sofridos pelas cidades dos países capitalistas centrais e aqueles de capitalismo periférico. Seu trabalho, em tal ocasião, consistiu em demonstrar que as cidades européias sofreram processos de urbanização orientados pela revolução industrial não possuíam grandes condições de absorver, nem sanitárias nem da própria capacidade tecnológica, com segurança e salubridade os trabalhadores. Segundo Santos (1982), até 1846, poderia se considerar Tolosa, na França, como uma cidade “devoradora de homens” (p. 54). As cidades dos países de desenvolvimento industrial e urbano tardio puderam gozar de certo conhecimento técnico-científico que não exterminaram as ondas migratórias que as possibilitaram crescer. 11 A preocupação desse planejador na Paris da metade do século XIX era garantir a inviabilidade de bloqueios das vias públicas pelos movimentos revolucionários ou possíveis sublevações populares com suas barricadas. Das estreitas e tortuosas ruas e becos originais da cidade, Paris passou a conviver com as boulevares, grandes 13 repletas de todos os equipamentos necessários para garantir a salubridade dos lugares e de suas moradias. De suas casas para seus postos de trabalho, separados pelo urbanismo planejado, os sujeitos privilegiados aos passear pelas avenidas com olhares mais atentos podiam observar, através das frestas das vielas adjacentes, os estreitos e pestilentos espaços reservados à classe trabalhadora entre outros, excluídos da urbanidade. No caso brasileiro, a questão da terra enquanto mercadoria configurou-se propriamente a partir da Lei de Terras de 1851, em que foi preparado o aparato legal urbano, fundiário e imobiliário para a entrada do capitalismo no Brasil. Percebe-se que houve “uma perfeita articulação entre o processo de extinção do cativeiro do homem e o processo subseqüente de escravização da terra”.12 Para o modo-de-produção capitalista que se instalava junto às ferrovias inglesas, atraiu-se para as cidades brasileiras imigrantes egressos da Europa, já em contato com a vida urbana e industrial, que passaram a concorrer trabalho e moradia em espaços paulistas com os ex-escravos e outros ex-moradores do campo. Se tomarmos o exemplo de São Paulo, perceberemos como o crescimento da população, do número de prédios, e do agravamento das condições sanitárias, fizeram com que o poder público em geral se preocupasse com as condições de habitação dos trabalhadores. Foi nesse momento que a política de higienização dos lugares da cidade de São Paulo, tomou o espaço urbano e seus sujeitos para uma organização que se orientou por distribuir os equipamentos urbanos e saneamentos básicos de modo a promover a segregação dos sujeitos ao longo dos bairros. Assim, impediria a contaminação dos “jardins” produzidos sob títulos tais como “Higienópolis” e “Campos Elíseos” daqueles bairros mais centrais infectados pelas crises epidemiológicas13. O mercado imobiliário tomou as rédeas da remodelação urbana orientando seus projetos dentro do padrão burguês de moradia e no que vias emblemáticas da preocupação urbana que surgia: a instauração da modernidade com a garantia da cristalização das condições sociais e políticas necessárias para a estabilidade e desenvolvimento do capitalismo (MARX: . 12 Baldez, 1987, Apud. Maricato (1996) p. 31. Com a Lei de Terras 601 de 18 de setembro de 1850, ficava expresso que a terra já não mais seria de posse legítima se não houvesse documento lavrado em cartório ou igreja que a comprovasse propriedade àquele que primeiro a ocupou, antes não necessária tal comprovação. Após sua aprovação, houve uma corrida ao interior do Brasil de grupos aventureiros que, através de seus jagunços, dizimaram índios e coagiram posseiros a abandonarem suas terras ao impor documentos forjados e “envelhecidos” dentro de gavetas com grilos. Daí a idéia de que tais usurpadores eram grileiros, que comprometeram e comprometem o tão difundido bucolismo do campo brasileiro. 13 Como a do sinistro morbo que atingiu apogeu como o de outubro de 1918 em que 8.000 pessoas morreram de gripe epidêmica, crismada de gripe espanhola, em apenas quatro dias.“Os cemitérios funcionavam dia e noite...” (BONDUKI: 91). 14 Bonduki (1982) considerou por ser a orientação do modelo que determinou a constituição da cidade de São Paulo nos dias atuais: o periférico14. A cidade se redimensionou, tanto através dos novos bairros, sob emblemas do padrão burguês de moradia, mas também, e especialmente, através da capacidade possibilitada pelos avanços nos transportes, particularmente, o transporte coletivo: dos sujeitos se movimentarem nos espaços da cidade cotidianamente em distâncias cada vez maiores. Foi o transporte público seja ele bonde elétrico ou a gás, ônibus a diesel, trem suburbano ou metrô, como considerou Kowarick (1979), que permitiu à especulação imobiliária expulsar a classe trabalhadora, através dos altos aluguéis oferecidos pelos imóveis das áreas centrais, às longínquas periferias desprovidas de tudo, exceto ponto de ônibus. Instaurou-se a guerra aos cortiços através dos planos de higienização e da produção de um sonho burguês: casa própria unifamiliar e com definição explícita entre espaço público e privado que se impunha às formas existentes de habitação no Brasil (ROLNIK: 1993, p. 41). Esse sonho, enquanto ideologia, atraiu os trabalhadores para os loteamentos na periferia, em sua maioria irregulares, e que, desprovidos de auxílio técnico capacitado, partiram para consumir seus finais-de-semana, dias de descanso constitucionalmente, exaurindo suas forças no que Kowarick (1979) denominou por “sobre-trabalho”15. Os resultados para as empresas e para o Estado foram os mais razoáveis possíveis, se considerado que, através da popularização da casa própria, foi possível: reduzir os salários, uma vez que esses não precisariam financiar um quesito básico para a manutenção do trabalhador: a moradia; impulsionar o setor da construção civil seja através da buscas pelos materiais de construção ou reforma das residências ou pelo aumento da demanda de equipamentos urbanos tais como redes de saneamento básico, asfalto, escolas, hospitais, delegacias, entre outros; e promover, particularmente, estabilidade social, por meio da segregação espacial, que permite maior controle por parte dos aparelhos estatais, ou através do desvio da postura política do trabalhador para a direita. Por considerar-se inserido no sistema, graças as suas “forças de vontade” individuais, ou, no mínimo, por ter se comprometido com tantas dívidas adquiridas por décadas no parcelamento da compra do terreno, dos materiais, do gasto com transporte coletivo ou automóvel, o trabalhador passou a pensar duas vezes “antes de se meter em arruaças ou depredar propriedades alheias [para 14 O adensamento populacional verificado em 1914 de 160 hab/ha e o espraiamento ao longo de seu espaço urbano nas décadas seguintes para atingir 47 hab/ha em 1940 (BONDUKI: 1982: 82). 15 Segundo tabela sobre as condições de ocupação dos imóveis de 1940 a 1970, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, o que se verificou quando relacionados os tipos de imóveis entre próprios e alugados foi a inversão nas percentagens em que os próprios passaram de 37% e 32%, respectivamente, para 62% em ambas as cidades. Fonte: Censos do IBGE In Debatendo a Questão Urbana – FASE – 1986.Apud. Carlos (1990) p. 49. 15 tornar-se] aliado da ordem” (CARLOS: 1990: 90) e correr o risco de perder sua fonte de subsistência que garantia o teto para morar, com tanto suor e trabalho empregado para possuílo. Deparando-se com os sérios problemas de habitação inscritos em seus contextos sociais, os Estados passaram a pensar de modo nacional a questão, implementando políticas possibilitadas através do crédito financeiro, reconhecidos por Sistemas Financeiros de Habitação, elaborados após a II Guerra Mundial. O que se observou em tais políticas, se comparadas as adotadas por alguns países foram tipos diferenciados próprios de suas respectivas orientações político-ideológicas. Para compreender o modelo adotado pelo Brasil na década de 60, após o golpe militar, que comparado ao modelo norte-americano denominado liberal16 e o modelo sueco, identificado por social-democrata17, pois, o brasileiro constituiu-se do Arretche (1990) denominou por “estatal de tipo associado”, ou melhor, estatal com participação das empresas privadas Gerado após o golpe militar no Brasil, em 1964, o Sistema Financeiro de Habitação, através do Banco Nacional de Habitação, dividia-se em dois grandes órgãos financiadores: FGTS e SBPE18, dirigidos às classes populares e às de renda média, alta e baixa, respectivamente, que, no conjunto, compunham o modelo. Embora operados por agentes distintos, “foram geridos pela mesma lógica de operação: a lógica da empresa privada” (p. 25) e tiveram significativa importância no conjunto da produção habitacional do país. Se o primeiro, SBPE era uma faceta subordinada aos agentes privados, o segundo, FGTS, “se inscreveu no interior do movimento de incremento das capacidades extrativas de estado que 16 No caso norte-americano se realizou um sistema financeiro de habitação que se inscrevia na lógica liberal de que o Estado cabia proteger as iniciativas privadas servindo-se somente para estabelecer os critérios para crédito financeiro e coibir abusos. Criou duas instituições regulamentadoras e fiadoras das operações dos agentes do crédito imobiliário, FHLBB – Federal Home Loan Bank Board e FSLC – Federal Savings and Loans Corporation e para possibilitar a ação da iniciativa privada sem atuação direta no mercado. Garantiu mercado livre para a busca de lucros, sem restrições legais seja na relação com a produção para venda, seja na questão dos aluguéis, nos valores, nas formas de pagamento e nos reajustes. A participação dos sujeitos dava-se de acordo com a renda e sua capacidade de compra no mercado e, nesse caso, o espaço residencial refletiu as desigualdades de renda existentes da sociedade (p. 23) no que Melo (1990) identificou por uma reestruturação intra-urbana nas metrópoles americanas (p. 42). 17 O modelo sueco constituía-se de política sintomática ao welfare state17 destacando-se por plena atuação do Estado na provisão das moradias para por fim ao déficit habitacional17. Encontrou seus limites, como o próprio welfare state: dentro do modo-de-produção capitalista, os direitos inalienáveis dos homens foram aos poucos locupletados pelas pressões do capital, mesmo diante de grandes resistências. No entanto, os suecos, após anos de social-democracia, obtiveram resultados plausíveis no que admira o fato de, entre 1960 a 1980, cerca de 80% das novas unidades habitacionais foram construídas sob a promoção pública, com condições satisfatórias de habitabilidade. 18 Respectivamente, “Fundo de Garantia por Tempo de Serviço” e “Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo”. 16 caracterizam o regime pós 64” (p. 27), quer dizer, 8 % dos salários dos trabalhadores foram compulsoriamente aplicados no Fundo. Partindo de princípios de auto-sustentação financeira (poupança ou contribuições compulsórias), de somente financiar casas próprias e novas para estimular o setor da construção civil, e de seletividade em que a variável renda seria o mecanismo de inserção19, caracterizou-se por ser perverso, pois, mesmo na produção de moradia para baixa renda, o Estado as promoveu atribuindo a empresas privadas a construção. Em detrimento de produzir moradias de razoável qualidade, as empresas utilizaram terrenos baratos nos confins da periferia e materiais de baixa qualidade para garantir sua margem de lucro20. Tais medidas resultaram em casas e apartamentos em condições precárias de salubridade, em bairros periféricos alimentando a especulação imobiliária e a segregação espacial do sujeitos.21 Outros exemplos fundamentais para entender o papel do Estado na produção desigual do espaço é o caso denunciado por FIX (2001). Segundo a arquiteta, na década de 1990, no momento de consolidação da democracia no país, o Estado continuou a participar estrategicamente da produção do espaço desigual. Na cidade de São Paulo, na gestão de Paulo Salin Farah Maluf, de 1993-1996, promoveu o projeto já antigo de valorização das margens do Rio Pinheiros e prolongamento do novo centro financeiro iniciado na Avenida Brigadeiro Faria Lima. Vultuosos investimentos públicos e privados, estes, saídos dos fundos de pensão de empresas públicas ou recém-privatizadas, com suposto retorno garantido, foram empregados para desapropriar as regiões por onde equipamentos urbanos deveriam ser instalados22. Às margens do Rio Pinheiros, construía-se a “Nova cidade” que, repleta de skylines prontos para receber o capital financeiro internacional, convidou a classe média a se retirar com valores razoáveis e expulsou favelados de sessenta favelas com a ajuda de todos os tipos de constrangimentos, tenham sido eles materiais: dinheiro ou caminhões “de graça” para fazer as mudanças para lugares extremamente longínquos, seja através da disseminação 19 De acordo com Arretche (1990), “do ponto de vista do candidato à mutuário, a possibilidade de acesso à casa própria supunha que este reunisse a renda familiar mínima necessária, estabelecida pelo BNH para se constituir em sujeito de um crédito hipotecário.[...] Diferentes montantes de financiamentos correspondentes a diferentes tipos de unidades residenciais eram expressão de diferentes formas de inserção na pirâmide de renda. Assim, a variável ‘renda’ seria o mecanismo de seleção para inserção nos diferentes programas habitacionais do BNH” (p. 33). 20 Há que se considerar a ausência de planos por parte do BNH de provisão de moradias a título de fundo perdido. 21 Do mesmo modo que se inviabilizaram os SFH nos países da Suécia e dos EUA, no Brasil a crise do sistema esteve, segundo Melo (1990), “associada, sobretudo à escalada da inflação e à impossibilidade de se conciliar financiamento de longo prazo e instabilidade macro econômica estrutural” (p. 48). 22 Na propagandeada idéia de que a “Nova Cidade” seria obra sem custeio público, com investimentos privados, teve estes saídos dos fundos de pensão de empresas públicas ou recém-privatizadas, quer dizer, indiretamente público. (FIX: 2001: 113). 17 midiática dos vários mitos da marginalidade23, que legitimam as ações funestas contra a população favelada e que são incorporadas até por estes mesmos. As políticas empreendidas aceleraram a segregação ou intensificaram os problemas das classes mais populares quando se pensou em redimensionar o espaço urbano. Exemplos saltam para ilustrar: COHABs em locais extremamente distantes confinando milhares de pessoas ao gueto urbano ligados à urbanidade por linhas de ônibus, como Cidade Tiradentes na Zona Leste de São Paulo; quando se colocou o BNH, aumentou os loteamentos irregulares; quando se proibiram os loteamentos irregulares, através da Lei Lehman 6.766 de 1979, explodiram as favelas na cidade de São Paulo nas periferias. Favelas, essas, também demarcadas por lógicas do capital, por exemplo, com moradias sendo vendidas e alugadas a ponto de existirem imobiliárias nas próprias favelas (MARICATO: 1996, p. 47). Por outro lado, em decorrência da explosão da periferização e dos problemas decorrentes de metrópoles “mega-colchas de retalhos”, sem sistemas de transportes articulados e vulnerabilidade de todos, indistintamente, às agruras da violência urbana, produzem-se os condomínios bolhas ou enclaves fortificados em que a classe média e alta refugiam-se com altos valores em espaços supostamente providos de toda a urbanidade necessária para manterem o curso de suas vidas sem defrontar-se cotidianamente com as mazelas da grande parte da população. É o que Teresa Caldeira (2000) identifica por um declínio do espaço público nas cidades, particularmente São Paulo. Os enclaves fortificados, representados por Alphaville e similares, correspondem a verdadeiros universos à parte para a elite, que através dos muros acredita estar protegendo sua vida privada das mazelas que atingem a todos nos espaços públicos, por exemplo, o problema da criminalidade. O interessante na análise da antropóloga é a denuncia dos efeitos desta auto-segregação em que a despeito da proteção em relação “aos de fora”, essa população dos condomínios bolhas está cada vez mais preocupada com a violência promovida por seus próprios filhos24. Como considera a autora, Os condomínios fechados correspondem à versão ideal desse “novo conceito de moradia” [...]. Supõe-se que condomínios fechados sejam 23 Referência ao trabalho desenvolvido pela antropóloga Janice Perlman (1977) nas favelas do Rio de Janeiro na década de 60, que identificou através de surveys as incongruências entre o discurso hegemônico acerca dos males da favela e seus moradores e a realidade vivida por estes, tendo em vista que tais mitos, instrumentalizaram políticas que sob o véu solucionador dos problemas, desarticularam as condições de existência dos sujeitos e promoveram profícua especulação imobiliária para as classes dominantes. 24 De acordo com uma entrevista a um morador de um dos condomínios residenciais “fortificados” de Alphaville: “O que mais nos atinge é a segurança interna, são nossos filhos. A questão da segurança externa já foi resolvida a muito tempo” (CALDEIRA: 2000, p. 278). 18 mundos separados. Seus anúncios propõem um “estilo de vida total”, superior ao da cidade, mesmo quando construídos dentro dela. (CALDEIRA: 2000, p. 265). Apesar do caos vivido, os sujeitos de nossas cidades em vários momentos reagiram aos problemas estruturais colocados, pois a cidade é o espaço das lutas urbanas em que uns se apropriaram privadamente de toda a cidade, produção social e coletiva, e submetem a grande maioria da população aos espaços específicos diferenciados. Segundo Silva (1990), as lutas se promoveram e se promovem até os dias atuais demonstrando que a cidade é o espaço em que se trava a luta social e que se explicitam os atores políticos, entre eles, o Estado, os empreendedores imobiliários e a classe trabalhadora, entre outros. Nesse sentido, criou-se uma mecanismo para gerir a produção e desenvolvimento do espaço urbano de modo unívoco, totalizante e por vezes com visões sociais e democráticas. É o Plano Diretor, tema de debate em muitas cidades, discutidas não somente pelas entidades políticas e administrativas, mas também por outras instituições da sociedade graças ao caráter polêmico a que se propõe efetivar: tornar racional o uso do solo urbano de modo a impedir que se faça deste produto de alta especulação.25 Dividindo a cidade em zonas distintas, o plano exige que o proprietário dos imóveis atenda as funções sociais atribuídas a estes, tendo em vista, impedir o uso do solo como reserva de valor. Tais planos tendem, através de suas proposições, minimizar os custos sociais impostos pela especulação e segregação espacial de modo a tornar acessível os equipamentos urbanos, produção social, a todos os sujeitos, quer dizer, que todos os homens e mulheres, empreendedores ou não, migrantes ou não, trabalhadores ou não, tenham acesso àquilo que o gênio humano em coletivo é capaz de produzir: a cidade, o lócus máximo da urbanidade. 1.3. Marília e a "Nova Califórnia": especulação imobiliária em sua gênese e devir. Marília surge no bojo da expansão do comércio de terras que utiliza o café como pretexto das vendas. (FALEIROS: 1983, p. 80). De acordo com as formulações em torno da organização do espaço nas cidades orientadas para a acumulação do capital, compreendendo a atuação estratégica do Estado e 25 É preciso considerar as enormes resistências por parte de alguns setores e propagados pela mídia. Em tempos conturbados na Câmara Municipal da cidade de São Paulo, que vivia a aprovação do substitutivo Plano Diretor existente, projeto relatado pelo vereador Nabil G. Bonduki, foi publicada matéria na tentativa de desqualificar o polêmico projeto. A matéria continha entrevista com o ex-orientador de tese de doutorado em urbanismo do relator do projeto, o urbanista Flávio Villaça que, frisou a diário, afirmou que pagava para ver o projeto sair do papel. Folha de São Paulo, Cotidiano, p. 4. Dom, 1/09/2002. 19 acrescidos das reflexões produzidas especificamente sobre o Município de Marília, dissertaremos sobre as suas origens e seu percurso, tendo em vista, duas perspectivas. Por um lado, há a defesa de que o café e o algodão marcaram a economia da cidade e promoveram o seu desenvolvimento urbano enquanto pólo comercial. Por outro, há a descrença nesta perspectiva em função do argumento de que o espaço mariliense nasceu e tem sido orientado para a especulação imobiliária, nesta que foi, segundo Faleiros (1983), considerada a “Nova Califórnia” do Estado de São Paulo26. Primeiramente, para Balestriero (1984), a partir da Lei de Terras de 1850, uma alteração profunda do uso do solo se colocou no Estado brasileiro. Várias frentes pioneiras passaram a desbravar as regiões “desconhecidas” e, entre elas, a que a cidade de Marília se localiza. Em 1905 chagaram a região onde surgiu Marília. Essa ocupação partia de interesses do Governo do Estado em utilizar o solo para exploração comercial. A chegada da ferrovia construída pela Companhia Paulista de Estrada de Ferro, com seu tronco partindo de Pirassununga para Marília, trouxe a cafeicultura já em momento de declínio, em decorrência da quebra da Bolsa de Nova Iorque em 192927. A plantação de pés de café na região só foi possível porque o solo era novo e, portanto, seria mais rentável a sua cultura nesta região do que em outras com solo mais desgastado e que exigiriam mais tratamento. Porém, esse processo de uso descartável do solo levou, mais precisamente na década de 30, os cafeicultores a abandonar a região e transferir suas lavouras para o norte do Estado do Paraná. A partir deste momento, houve o fracionamento da terra em pequenas propriedades familiares, para a produção de algodão, amendoim e outras culturas para o pequeno mercado urbano por meio de um sistema oligopsônico28 (PEREIRA, 1994, p. 13). Considerando Marília como uma cidade que teve seu processo de urbanização típico do capitalismo tardio, Balestriero (1984) formulou que as nossas cidades são produtos da expansão do modo de produção capitalista, “sendo sua vida econômica a reprodução da divisão internacional do trabalho sob o capitalismo” (1984, p. 84). Desse modo o café, algodão, seda representaram “setor dinâmico que determina o ritmo da expansão e funcionamento da economia como um todo” (p. 84). Em suma, a economia de base agrícola- 26 “Nova Califórnia” é uma referência, formulada por FALEIROS (1983), à propaganda promovida para o avanço do homem brando no “imenso faroeste à americana” da Alta Paulista (p. 22). 27 Com o crash na Bolsa de Nova Iorque em 1929, caíram vertiginosamente os valores do café e, conseqüentemente, perecem as plantações de café no Estado de São Paulo que tinham como destino a exportação, no modelo agro-exportador. 28 Sistema econômico caracterizado por poucos ou único comprador e grande número de pequenos vendedores. Em geral, os primeiros são beneficiados diante dos demais ditando as metas e valores da produção. 20 rural produziu na cidade de Marília a base para a economia, caracteristicamente, urbana marcada pelas indústrias e pelo comércio. Mesmo assumindo em partes a importância relativa de tais produtos, o café, o algodão e a seda na vida econômica da cidade, Faleiros (1983) argumentou que o que realmente moveu a economia mariliense desde a sua gênese foi a especulação imobiliária. Para o autor, “a região surge e se desenvolve em função da privatização das terras e sua transformação em equivalente a mercadoria, processo que segue em curso no país até os dias de hoje” (p. 02). Para o autor, se faz necessário transpor o enfoque da economia promovida pelo café e pelo algodão na cidade de Marília, pelo fato de a produção agrícola ter perdido sua relativa importância na economia após a Lei de Terras de 1850, quando a atividade em torno da propriedade territorial, atividade não-produtiva, passou a agregar valor mais rapidamente que outras relativas à produção. Em sua análise, contempla a idéia de que a cidade, com sua terra urbana tornada mercadoria e acossada pelos empreendedores imobiliários, viveu uma seqüência crescente de loteamentos e ampliação do perímetro urbano além das necessidades reais de crescimento no período de 1971-198029. Nas palavras de Faleiros (1983), “[este] é o período áureo do crescimento da área urbana da cidade, sem que o aumento verificado demonstre, per se, a necessidade real de tal expansão” (p. 54). O interesse por investimentos através dessa atividade improdutiva, continuou Faleiros (1983), marcou as inúmeras investidas das empresas relacionadas ao Setor com apoio do Executivo e do Legislativo30 que determinaram, a partir da década de 1970 e 1980 um crescimento da área urbana “real”, marcada pelo perímetro urbano e grande número de loteamentos triplicando a área urbana da cidade (p. 54). Como a necessidade era menor que a oferecida no mercado imobiliário, se verificou nos vários bairros da cidade grandes porcentagens de terrenos vazios. Em comparação com as demais cidades neste texto apresentadas, argumentou Faleiros (1983), a cidade de Marília sofreu processo de urbanização com o pretexto de uma economia cafeicultora, mas com vistas a especulação de seu solo urbano para auferir riquezas de um modo próprio do capitalismo que recai sobre atividades não-produtivas. Nesta “Nova Califórnia” da Alta Paulista, o processo parecia ser mais vigoroso ao constatar que, em 1980, 51% dos imóveis estavam ociosos a espera de valorização – que normalmente atinge de 10% 29 Segundo Faleiros (1983), contrariando a lógica normal – crescimento da cidade em função das necessidades e legitimação do perímetro urbano, posteriormente – o último processo sofrido pela cidade até 1983, tinha sido a aprovação de um perímetro maior do que a realidade urbana existente (p.83). 30 “Não se detecta, também da parte da Prefeitura quanto da Câmara Municipal nenhuma discussão no sentido de uma correção das distorções verificadas no desenvolvimento urbano, o que poderia vir a ferir interesses envolvidos no mesmo” (FALEIROS: 1983, p. 78). 21 a 20% nas outras cidades, “além de haver uma área sem lotear do mesmo tamanho da cidade já declarada urbana” (p. 83). Quer dizer, é possível afirmar que os cidadãos marilienses estão relegados a sustentar uma especulação imobiliária sobre o solo urbano em seus espaços de vida, que expropria-os ao segregá-los da urbanidade, da coletividade e da própria comunidade. 2. Os lugares da cidade: os sujeitos e suas percepções. Quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar (TUAN: 1980: 83). Após refletirmos sobre como se organizam os espaços em nossas cidades, numa perspectiva que buscou contemplar aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais, nos preocupamos em identificar as percepções que os homens e mulheres, sujeitos que vivem em tais espaços, constroem de acordo com suas próprias experiências. Parece-nos fundamental tal reflexão, uma vez que, mesmo que estejamos munidos de todo um conhecimento teórico obtido através das análises acerca da constituição de nossos bairros e cidades, não podemos garantir um conhecimento total da realidade existente em cada espaço. Esse conhecimento só poderia se colocar potencialmente acessível se nos dirigíssemos aos próprios sujeitos que em tais espaços vivem e, que na ótica de Tuan (1980), concebem como lugares, por possuírem um vínculo de vida. Para alcançar um conhecimento mais total da realidade de nossas cidades e seus lugares é preciso confrontar as construções teóricas existentes e disponíveis com as percepções dos indivíduos que moram, transitam, interagem com as pessoas, coisas e tudo o mais que compõem os lugares estudados. À propósito, sendo eles os sujeitos do objeto em questão, seriam, naturalmente, os maiores interessados numa profícua e precisa compreensão dos problemas e das relações sociais espacialmente postos e, necessariamente, na possibilidade de melhorias na qualidade de vida relacionada aos seus espaços, seus primeiros beneficiados. Orientados por esta relação possível entre as construções acerca da realidade dos bairros e espaços, no caso da cidade de Marília e seus setores de bairros, entre as de perspectiva teórica, produzida pelos estudiosos acadêmicos, e as de perspectiva oriunda das percepções produzidas pelos sujeitos que neles vivem, partimos para compreender as formulações da Geografia Humanística. 22 Nas próximas linhas entraremos em contato com essa área da Geografia que tratou de refletir sobre as relações entre o homem e o espaço num sentido antropológico, argumentando que o espaço vivido pelo homem não é apreendido por este como o é pelo técnico do espaço – no caso o urbanista, o engenheiro civil, o planejador, o economista etc. – como algo métrico, quantitativo, pretensamente objetivo, mas de modo afetivo, carregado de subjetividade, com relações propriamente culturais. A despeito de uma única concepção de espaço, onipresente e hegemônica em nossas cidades apreendidas e demarcadas pela especulação imobiliária num sentido próprio do mundo da mercadoria – orientado para a acumulação do capital – o que se observa nos estudos antropológicos é uma diversidade e multiplicidade de concepções sobre o espaço, marcadas por concepções de mundo e de tempo diferenciados, tributários cada qual de respectivos grupos sócio-culturais e lingüísticos distintos. É dentro dessa formulação que em nosso entendimento sobre o espaço ampliaremos a análise para alcançar os sujeitos e suas percepções por crermos que o espaço se produziria e reproduziria do modo mais democrático, se fossem verificados os anseios e expectativas dos grupos sócio-culturais que sobre os mesmos realizam suas experiências, vidas e consciências. 2.1. Situando a Geografia Humanística na história da Geografia. A Geografia Humanística procura um entendimento do mundo humano através do estudo das relações das pessoas com a natureza; do seu comportamento geográfico bem como dos seus sentimentos e idéias a respeito do espaço e do lugar (TUAN: 1982, p. 193). Quando buscamos investigar as percepções dos sujeitos que vivem nos bairros e cidades que, sob perspectivas espaciais, políticas, econômicas e sociais, podem ser analisadas, encontramos na Geografia uma abordagem que se propõe ao entendimento do homem na sua relação com os fenômenos geográficos e a transformação do espaço vivido em lugar identificado por um elo afetivo. Primeiramente é preciso considerar as formulações de Christofoletti (1982) acerca da Geografia Humanística que pretendem situá-la na história da Geografia, seus desdobramentos e ramificações. Segundo este autor, “embora lançando raízes históricas ao longo dos séculos, foi somente no século XIX que a Geografia começou a usufruir do status de conhecimento organizado, penetrando nas universidades” (p.12). Desde então, a Geografia se caracterizou 23 por uma fase tradicional e, a partir de 1950, por Nova Geografia, Geografia Humanística, Geografia Idealista, Geografia Radical e Geografia Têmporo-Espacial. A partir de considerações acerca da historicidade, objetos e proposições destas correntes da Geografia, de acordo com Christofoletti (1982), assumimos a união dos referenciais postos pela Geografia Radical e pela Geografia Humanística que, juntamente com a Geografia Idealista, negaram a Geografia Tradicional e a orientação metodológica proposta pela filosofia do positivismo lógico na sua “valorização exclusiva dos dados, tais como são coletados e observados pela experimentação, em que o procedimento metodológico padrão é o representado pelas ciências físicas” (p.20). Os antipositivistas, seguiu o autor, eram adeptos de uma distinção entre as ciências humanas e as ciências naturais com sua base em Friedrich Hegel (1770 - 1831). A Geografia Radical é compreendida por Christofoletti (1982) como “tudo o que seja de tendência esquerdista e a postura contestatória de seus praticantes”. Interessa-se pela análise dos modos-de-produção e das formações sócio-econômicas tendo como base a filosofia marxista. “Inserida num contexto radical do movimento científico, ela tem por objetivo colaborar ativamente para a transformação radical da sociedade capitalista em direção da socialista, através do incentivo à revolução” (p. 27). Os seus temas se orientam nos sentido de estimular as lutas de classe: pobreza, desigualdades e injustiças sociais, deterioração dos recursos ambientais, desigualdades espaciais e sociais nas estruturas urbanas, etc. O nosso primeiro capítulo do presente relatório consiste, portanto, numa reflexão que compactua com esses referenciais. De acordo com Christofoletti (1982), a Geografia Humanística teve base na fenomenologia existencial, ao procurar “valorizar a experiência do individuo e do grupo, visando compreender o comportamento e as maneiras de sentir das pessoas em relação aos seus lugares” (p. 22). As noções de espaço e lugar são muito importantes, pois a “integração espacial faz-se mais pela dimensão afetiva que pela métrica [...] Portanto, o estudo do espaço é a análise dos sentimentos e idéias espaciais das pessoas e grupos de pessoas” (p.23). Partindo de um texto produzido na década de 1970, denominado “A Geografia Humanística” de Tuan (1982), pudemos ter uma idéia acerca das raízes, concepções e propostas desta corrente. Tal Geografia vem marcada pelo Humanismo, movimento que Tuan (1982) identificou nos pensadores da Renascença que se voltaram aos estudos clássicos, aos ideais gregos e à ciência em reação às estreitas doutrinas estabelecidas pelo clero da Igreja Católica. Desde estes pensadores, o que caracterizou o Humanismo foi a tentativa de ampliar o conceito do indivíduo humano. O personagem marco para Tuan (1982) foi Erasmo, padre 24 ordenado pela igreja romana que deplorava a intolerância religiosa de seu tempo e desejava por expandir o conceito de homem além dos ensinamentos da igreja católica (p. 143). A partir da Renascença, as ciências que se constituíram participaram da perspectiva humanística, se consideradas as pertencentes às humanidades, tais como a História, Literatura, Artes e Filosofia. Para Tuan (1982), a "perspectiva humanística focaliza-se sobre as atividades e seus produtos que são distintivos das espécies humanas" (p. 145). Preocupado em apresentar um novo modo de olhar os fenômenos geográficos, a Geografia Humanística foi apresentada por Tuan (1982) através de sua discussão em torno dos temas de interesse geral para os geógrafos: conhecimento geográfico; território e lugar; aglomeração humana e privacidade; modo de vida e economia; e religião (p. 146). O conhecimento geográfico é concebido como múltiplo entre os grupos humanos, uma vez considerado que o conhecimento da geografia é "um instinto animal" e que todos os animais possuem um “mapa mental”, mas nos departamentos acadêmicos ele é altamente cônscio e especializado. Tuan (1982) compreendeu a partir disso a idéia de habilidade espacial e conhecimento. Algumas pessoas têm falta de um senso formalizado de espaço e lugar, elas podem achar seu caminho no seu mundo, mas esta habilidade não é transformada em conhecimento que possa ser passado adiante verbalmente e ou em mapas e diagramas (TUAN: 1982, p. 147). A partir do tema território e lugar, Tuan (1982) comparou à relação dos animais e dos homens com os seus respectivos territórios. Questionou-se do papel da emoção e do pensamento na ligação ao lugar, tendo em vista que os lugares são demarcados pelas paradas que os seres fazem nos seus caminhos, pois “lugar é uma pausa no movimento” (TUAN: 1982, p. 153). Paradas, essas, justificadas por razões que, no caso dos animais, são para satisfazer necessidades biológicas – descansar, comer, acasalar, beber, etc. tornando-se centros de significância. No caso dos homens, outros eventos garantem significância, como o nascimento e a morte. “Santuários dedicados ao nascimento e a morte são unicamente lugares humanos” (TUAN: 1982, p. 149). E esses lugares são variados, desde o colo da mãe, considerado o primeiro lugar do homem, ao Estado-nação, constituição simbólica que supera suas capacidades de percepção direta. Uma grande região, tal como o estado-nação, está além da experiência direta da maioria das pessoas, mas pode ser transformada em lugar - uma 25 localização de lealdade apaixonada - através do meio simbólico da arte, da educação e da política (TUAN: 1982, p. 149). Outro tema que garantiu espaço na Geografia Humanística foi a questão da aglomeração humana e privacidade, que Tuan (1982) afirmou ser uma grande densidade populacional tributária de tensões, doenças e comportamento anti-social. Utilizando-se de escritores existencialistas, o geógrafo demonstrou como a aglomeração compromete o sentimento de privacidade incitando o constrangimento espacial entre os indivíduos. Terminou por considerar o peso da cultura como medianeira entre a densidade e o comportamento, citando, por exemplo, a alta aglomeração por escolha dos bosquímanos KUNG, não marcada por tensões, e a possibilidade de um homem se sentir solitários no meio de multidão de sua espécie. Em sua perspectiva sobre o modo de vida e economia, Tuan (1982) concebeu serem os homens e animais orientados em suas atividades para fins econômicos e funcionais. Essa perspectiva humanística sobre a vida econômica pensa as atividades de preservação e sustentação, seja no sentido mais biológico, no caso dos animais, ao mais ampliado, no caso das necessidades colocadas pelo modo de vida humano em que mesmo nos povos mais primitivos, “o ganhar a vida é colorido por objetivos e valores não zoológicos” (TUAN: 1982, p. 152). Enfim, as pessoas se orientam por atividades econômicas independente de as reconhecerem ou não como tais, embora a conscientização disso altere os tipo de decisões tomadas e, dessa forma, o funcionamento do sistema econômico (TUAN: 1982, p. 153). Por fim, a religião enquanto tema de interesse geral dos geógrafos foi tomada pela Geografia Humanística como algo presente em maior ou menor grau em todas as culturas. A partir da idéia de que todos os seres humanos são religiosos e a religião é amplamente definida como um impulso por coerência e significação, TUAN (1982) formulou a perspectiva da Geografia Humanística diante da religião. Uma abordagem humanística à religião irá requerer que tivéssemos consciência das diferenças no desejo humano por coerência e que notássemos como essas diferenças estão manifestas na organização do espaço e do tempo e nas atitudes para com a natureza (TUAN: 1982, p. 155). Enfim, é possível pensar que na Geografia, ciência que busca analisar os fenômenos propriamente relacionados ao espaço quantificado, a Geografia Humanística busca identificar o homem, quer dizer, os sujeitos que sobre aqueles vivem e o qualificam, suas experiências e 26 suas expectativas. Não mais métrico, mas afetivo. Um território que é uma pausa no tempo. Um lugar em que a cultura media as relações entre os sujeitos. Por fim, um homem que se diferencia dos animais em sua forma de apropriação do espaço por ter um modo de vida distinto demarcado por uma cultura econômica, religiosa, social e histórica. 2.2. A Geografia Humanística: o homem e o espaço, o homem e o lugar. De que maneira um geógrafo contribui para o bem estar humano como, por exemplo, no projeto de um meio ambiente físico melhor? Seu colega científico pode sugerir um sistema de transporte mais eficiente, ou localizações ideais para novas indústrias ou para as estações de esgoto. O que pode fazer o humanista? [...] a competência de um humanista repousa na interpretação da experiência humana em sua ambiquidade e complexidade. Sua principal função como geógrafo é esclarecer o significado dos conceitos, dos símbolos e das aspirações, à medida que dizem respeito ao espaço e ao lugar (TUAN: 1983, p. 162). Através de duas obras de Tuan (1980 e 1983) podemos compreender como se constituem, na sua concepção, as relações entre os sujeitos e o espaço. Sempre utilizando os referenciais antropológicos, o autor discorreu sobre os homens em seus respectivos grupos sócio-culturais buscando identificar suas vidas, experiências, atitudes, percepções e valores relacionados aos meio ambientes em que vivem. Inicialmente é preciso pensar, através de Tuan (1980) que as relações entre os homens e o meio ambiente são primeiramente biológicas, quer dizer, fortemente marcadas pela natureza biológica dos homens. Nesse sentido o autor valorizou a importância dos sentidos humanos na apreensão do mundo físico. A especificidade nas capacidades da visão, das mãos e tato, da audição, do olfato e da utilização deles combinados, diante dos animais, desenvolveu nos homens formas de percepção e atividades peculiares. Nesta perspectiva ainda universal, Tuan (1980) demonstrou como são projetadas psicologicamente algumas relações com a percepção dos homens de acordo com o ambiente. Citando Claude Levi - Strauss, considerou a idéia de oposição binária como estrutura mental de organização das realidades apreendidas pelos grupos étnico-lingüísticos relativos aos seus ambientes e experiências. Citou, por exemplo, algumas polaridades básicas: biológicas e sociais, vida/morte, macho/fêmea, nós/eles; geográficas, terra/água, montanha/vale, norte sul, centro/periferia; e cosmológicas, céu/terra, alto/baixo, claridade/escuridão. (TUAN: 1980, 27 p. 19). TUAN (1980) observou que “é generalizado o desejo de compor a natureza e o mundo humano em um sistema coerente”. Em diferentes partes do mundo geralmente, segundo o geógrafo, se encontram quatro a seis substâncias ou elementos, identificadas com as dimensões espaciais, cores, animais, instituições humanas e traços de personalidade. “Alguns esquemas cosmológicos são elaborados, outros relativamente simples” (p. 21). Nessa perspectiva que compreende os sistemas cósmicos produzidos pelos grupos humanos, Tuan (1980) apontou para a relação que estes fazem do mundo de acordo com o sentido etnocêntrico, quer dizer, suas cosmografias tendem sempre a localizarem suas aldeias como centro do mundo (p. 37). Apesar de os homens estarem universalmente dispostos de sentidos iguais e propensos a reproduzirem de modo análogo suas percepções ambientais, Tuan (1980) afirmou que tais percepções se colocam diferenciadamente. Atribuiu as diferenças aos temperamentos, talentos e atitudes particulares da personalidade e da individualidade fisiológica31. Para tal citou alguns literatos e suas respectivas relações com os ambientes descritos por estes, às tentativas de explicação pela relação com o sexo e com a idade (p. 61). Para compreender a preferência ambiental de uma pessoa, necessitaríamos examinar sua herança biológica, criação, educação, trabalho e os arredores físicos. No nível das atitudes e preferências de grupo, é necessário conhecer a história cultural e a experiência de um grupo no seu contexto de seu ambiente físico (TUAN: 1980, p. 68). Para focalizar a questão da cultura e a sua capacidade de influência na percepção dos sujeitos, Tuan (1980) citou os casos de alucinação enquanto sintoma de tensão que afeta indivíduos ou grupos fazendo-os acreditarem ter visto milagres ou discos-voadores (p. 69). Apesar de alertar sobre relativa participação, o geógrafo também considerou a relação dos papeis do sexo e da percepção, em suas palavras: “[...] nas culturas em que os papéis dos sexos são fortemente diferenciados, homens e mulheres olharão diferentes aspectos do meio ambiente e adquirirão atitudes diferentes para com ele” (p. 70) e da relação diferenciada dos nativos e dos visitantes na percepção dos ambientes. Enquanto o nativo já está familiarizado e possui enorme conhecimento de seu lugar vivido, o visitante tende a apreendê-lo pela aparência, pois é “a visão de uma estranho” (p. 74) e sua avaliação é essencialmente estética. Sua contribuição é a perspectiva nova. Beleza ou feiúra - cada uma tende a desaparecer no subconsciente à medida que ele aprende a viver 31 Para não relacionarem à questão da raça tais diferenciações, Tuan (1980) descartou quaisquer referência, por considerarem-nas insignificantes e discorreu sobre o que definiu por preferências individuais (p. 61). 28 neste mundo. O visitante, freqüentemente, é capaz de perceber méritos e defeitos, em um meio ambiente, que não são mais visíveis para o residente (TUAN: 1980, p. 75). A partir de meio ambientes particulares, Tuan (1980) compreendeu as percepções e as visões de mundo peculiares que se “constroem” pelos grupos sócio-culturais que, respectivamente, neles vivem. Em sua análise, partiu das características físicas particulares dos habitats humanos, utilizando-se de categorias tais como “carpitenjado” e “nãocarpintejado”, sendo que a primeira seria própria dos ambientes mais urbanos. “O mundo carpitejado está repleto de linhas, retas, ângulos e objetos retangulares. As cidades são ambientes retangulares por excellence” (p. 87). O meio ambiente natural e a visão do mundo estão estreitamente ligados: a visão do mundo, não é derivada de uma cultura estranha, necessariamente é construída dos elementos empíricos do ambiente social e físico de um povo. (TUAN: 1980, p. 91). A partir dessas reflexões, Tuan (1980) introduziu o conceito de “topofilia” e relacionou-o ao meio ambiente e vice-e-versa, quer dizer, as relações entre as manifestações específicas do amor humano pelo lugar. Identificou os meios pelos quais os seres humanos respondem ao meio ambiente, que podem variar, desde: a apreciação visual e estética até o contato corporal; as relações de saúde; familiaridade e conhecimento do passado para com a “topofilia”; o impacto da urbanização na apreciação do campo e do selvagem (p. 106). No sentido inverso, considerou que o ambiente também fornece imagens para a “topofilia”. Para exemplificar, dissertou sobre o papel do meio ambiente de atração permanente como a praia, o vale e a ilha, todos historicamente valorizados e com simbologias relativas aos grupos culturais que os vivenciaram. Quando recaíram suas reflexões sobre a cidade, Tuan (1980) expôs o caráter ideal que ela compõe entre os grupos humanos. Segundo ele, a cidade encontrou sua importância ao ser preferida diante do campo, desde a antiguidade clássica. A cosmologia dos povos orientou a forma das cidades e o que se observa são planos e diagramas tais como circulares, radial concêntricos e retangulares32. Como a cidade ideal moderna, Tuan (1980) citou a planejada capital brasileira e afirmou que “a Brasília futurística está plena de símbolos expressivos de 32 Tuan (1983) demonstrou como as cidades ao se desenvolverem e se ampliarem também vão adquirindo tais caracterizações. O exemplo utilizado foi o da cidade de Paris que teve sua expansão urbana demarcada historicamente por uma série de muralhas que, sucessivamente, foram construídas em anéis concêntricos, forma que acompanha os desenhos de suas avenidas e, portanto, a configuração espacial atual (p. 212). 29 um desejo comum e profundo de ordenar a terra e estabelecer um elo entre o espaço terrestre e a abóbada celeste” (p. 170). As cidades enquanto meio ambientes físicos diferentes ao longo do tempo e do espaço foram pensadas por Tuan (1980) na sua relação com os estilos de vida distintos. Para tal, utilizou-se de cidades chinesas, de Atenas e Roma, da cidade medieval, das cidades a partir dos fins da Idade Média até os fins do século XVIII e da cidade de Los Angeles, para demonstrar como cada qual, em seu tempo, reúnem atividades econômicas, sociais e ultraterrenas que compõem um próprio estilo de vida. Essas atividades geram padrões especiais, requerem formas arquitetônicas e ambientes materiais que, por sua vez, após terminados influenciam o padrão das atividades (p. 199). A cidade de Los Angeles, para Tuan (1980) representa as cidades em que houve a supremacia do carro sobre o pedestre que nas cidades recém-industrializadas produzia a multidão em suas ruas. O pedestre recebe pouca consideração em uma cidade do automóvel, como Los Angeles. Mesmo na década de 1970, algumas ruas não tem calçadas: muitas são extensas artérias adequadas à velocidade dos carros; e em algumas partes os pedestres correm o risco de serem presos como vagabundos (p. 222). As cidades americanas, para Tuan (1980), são acompanhadas de simbolismos, metáforas e imagens, em alguns casos até antiurbanos. No plano das imagens, lançam-se em inúmeros cognomes para promoverem suas atividades como particulares e únicas. Às vezes, muitos cognomes são utilizados por uma mesma cidade como, por exemplo, a cidade de Nova York - a Grande Maçã, o Escritório Principal dos Negócios Americanos, a Cidade das Férias, a Confusão Babilônica, a Capital do Mundo etc. Os cognomes são às vezes repetitivos, competitivos e exagerados como Las Vegas: Cidade Que Tem Tudo Para Todos - O Tempo Todo e Cidade Abençoada Com Um Clima Ideal o Ano Todo (p. 233)33. Por fim, através das obras de Tuan (1980, 1982 e 1983), fez-se possível tomar contato com alguns aspectos que compõem a relação dos sujeitos com o espaço. De uma concepção mais universal acerca da natureza humana, que contempla os atributos físicos em sua apreensão do meio ambiente, até a constituição dos valores, conceitos e símbolos sócioculturais que orientam até mesmo a organização das cidades. As formulações do geógrafo se 33 Tal argumentação parece aproximar-se da idéia das cidades como atores políticos de Castells (1996) que até a cidade de Marília constrói uma para si: “Capital Nacional do Alimento” em Ribeiro (1996). 30 dirigiram àquilo que, nesta parte de nosso trabalho, buscamos: o entendimento dos homens e mulheres de nossas cidades acerca de seus espaços ou lugares, dos problemas sofridos na superfície destes e de suas orientações para alteração dos ambientes em que vivem. 2.3. Topofilia e estranhamento: dois sentimentos e duas formas de entendimento das relações sujeito & espaço. O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado (TUAN: 1982, p. 151). Numa cidade onde se exorta o ‘bota abaixo’ como tendência inequívoca e única da modernidade ou pós-modernidade (?), o debate em torno do estranhamento do cidadão diante de um espaço metropolitano sem referências parece insólito, ultrapassado, ‘não moderno’(CARLOS: 1999, p. 83). Partindo da idéia de que nossos espaços são desiguais social, econômica, política e culturalmente, tomamos duas perspectivas para visualizar como compreendem a relação entre o sujeito e o espaço: a primeira, mais culturalista, e a segunda, mais materialista. Assumindo as dificuldades em uni-las e relacioná-las, dadas as suas origens epistemológicas, podemos pensá-las para um entendimento mais total no plano das percepções espaciais. De uma orientação hegeliana, segundo Christofoletti (1982), a Geografia Humanística parece-nos compreender a relação do espaço com o sujeito, de um modo que privilegia suas percepções, mesmo assumindo que os espaços vividos por esses são desiguais. Tuan (1980) identificou as percepções dos sujeitos com relação aos seus espaços utilizando-se como exemplos ambientes que, de acordo com as rendas e status social do indivíduo, reproduzem conhecimentos diferenciados. Considerando que em qualquer metrópole, em geral, existem espaços diferenciados para as classes sociais existentes e que as mesmas tem formas distintas de apreensão de seus espaços vividos, Tuan (1980) afirmou que os ricos detêm um conhecimento abstrato da cidade, pois, possuem um mapa mental, mas estão tão isolados quanto os pobres. Os lugares são tão diferenciados e separados que tanto os ricos quanto os pobres acabam conhecendo somente aspectos da vida urbana que lhe são característicos, desde o lugar onde se mora, onde se trabalha, para onde se viaja etc. Talvez um membro profissional da classe média - médico, advogado ou jornalista - tenha maior oportunidade de experienciar a uma ampla variedade de meio ambientes e culturas, quer seja do muito rico ou pobre (TUAN: 1980, p. 241). 31 Ao enfocar os bairros e o reconhecimento que os sujeitos a eles atribuem, Tuan (1980) considerou que a própria idéia de bairro traz em si enorme controvérsia. A idéia de bairro do planejador dificilmente coincide com a do morador. Um distrito bem definido de acordo com as suas características físicas e denominado no plano da cidade com um nome proeminente pode não ter realidade para os habitantes locais. As palavras “bairro” e “distrito” tendem a evocar na mente dos estranhos imagens de formas geométricas simples, quando de fato os canais de atos amistosos, que definem o bairro, podem ser extremamente complexos e variam entre os pequenos grupos que vivem muito próximos (TUAN: 1980, p. 243). Isolados por razões econômicas, sociais e culturais os bairros e distritos parecem compor um mosaico urbano. O sentimento parece trazer o sentido de bairro quando, segundo Tuan (1980), “bairro é o distrito no qual nos sentimos em casa. Outro sentido mais abstrato de bairro é que é o distrito que conhecemos razoavelmente bem, quer pela experiência ou pela fama” (p. 249). Esse sentimento ao bairro é acentuado de acordo com a experiência. Em grande parte as pessoas estão satisfeitas com sua área residencial. Para aqueles que viveriam muitos anos em um lugar, a familiaridade engendra aceitação e até afeição. Os novos estão mais inclinados a manifestar descontentamento (TUAN: 1980, p. 249). O interessante é que, na perspectiva apontada por vários autores que se utilizam das formulações de Karl Marx (1984, 1984b, 1985 e 1999), podemos identificar algumas elaborações que correspondem a essa idéia de “descontentamento” colocado por Tuan (1980). Na perspectiva marxista, o “descontentamento” dos humanistas poderia ser comparado ao de “estranhamento”. Para uma compreensão inicial acerca de tal sentimento faz-se preciso entrar em contato com a idéia de Marx (1984b) de que o trabalho humano é o que atribui ao homem seu sentido de gênero humano, quer dizer, sua própria humanidade34. Com a divisão social do trabalho e a constituição da propriedade privada, os homens tiveram alijados de si o sentido de suas próprias atividades produtivas, quer dizer, suas atividades passaram a não pertencer à capacidade criadora de seus cérebros e orientarem-se pela efetivação de seus interesses, mas 34 Nas palavras de Marx (1984b): “o animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital consciente [...] a atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. É precisamente só por isso que ele é um ser genérico. Ou ele só é um ser consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico” (p. 156). 32 de acordo com os de seus empregadores, em troca do salário, sua fonte de subsistência. Aos produtos de seu trabalho, nesse aspecto, tem de si alienado os seus sentidos de existência e o homem estranha-o e, por conseguinte, vê a si mesmo estranhado35. A alienação, denunciada pelos marxistas na crítica ao capitalismo, constitui-se, exatamente, na retirada da orientação das atividades humanas dos interesses e expectativas daqueles que as empreendem. Esses, por sua vez, destituídos do poder de gerir suas próprias atividades, vida, experiência e consciência, encontram-se estranhados às coisas, a si, a todos e a tudo. Na perspectiva da cidade, uma produção social e coletiva, alguns se acossam de sua organização e expropriam, em seu próprio beneficio, enorme parcela da população. Segundo Faleiros (1983), o proprietário de terras urbanas é “um tipo de explorador dos outros grupos sociais, na medida em que se beneficia de investimentos do capital e trabalho que a sociedade como um todo realizou” (p. 20). Preocupada com a cidade de São Paulo e inspirada na idéia de direito à cidade de Henry Lefebvre, Ana Fany Carlos (1999) formulou que as classes dominantes social, econômica e politicamente, estão produzindo uma cidade que contraria sua concepção de que a cidade seria constituída de homens: a anti-cidade. O raciocínio da geógrafa se estendeu pela crítica da concepção de um espaço urbano dirigido aos homens como numerosos contingentes indesejáveis e não como cidadãos que da cidade tem o direito de usufruto. Concebidos como consumidores, os cidadãos estão lançados a um mercado que produz uma série de mercadorias, refinadas ou não, dispostas com valores que uns ou outros terão acesso. A grande maioria, incapaz de sustentar a lógica de acumulação do capital impregnada neste mercado, é expurgada aos loteamentos clandestinos ou às favelas. E o Estado, instrumento de dominação burguesa, privilegia os interesses daqueles que contemplam tal concepção. Como Tuan (1980) pontuou acerca da supremacia do automóvel ante a preocupação em garantir espaço para a circulação dos pedestres, Carlos (1999) afirmou que a cidade de 35 Nas palavras de Marx (1984b): “Portanto, é precisamente ao trabalhar o mundo objetivo que o homem primeiro se prova de maneira efetiva como um ser genérico. Esta produção é a sua vida genérica operativa. Por ela a natureza aparece como a sua obra e a sua realidade efetiva. O objeto do trabalho é portanto, a objetivação da vida genérica do homem: ao se duplicar não só intelectualmente tal como na consciência, mas operativa, efetivamente e portanto ao se intuir a si mesmo num mundo criado por ele. Por conseguinte, ao arrancar do homem o objeto da sua produção, o trabalho alienado arranca a sua vida genérica, a sua objetividade genérica efetivamente real e transforma a sua vantagem ante ao animal na desvantagem de lhe ser tirado o corpo inorgânico, a natureza” (p. 157). 33 São Paulo tem sido fragmentada, homogeneizada e hierarquizada com as inúmeras construções de vias rápidas de trânsito de veículos. Os bairros estão sendo cortados ao meio diante das necessidades que se avolumam e se destroem na concepção de que “botar abaixo” é modernizar. O novo, o moderno, se impõe enquanto ideologia no mesmo instante que o cidadão parece perder sua própria urbanidade. As ruas não têm mais sentido para os cidadãos, não são mais extensão de suas casas. Os shoppings center se tornaram o centro para seus passeios e tudo se alcança se se possui um carro36. São exemplos que ajudam a pensar como se produz a dissolução do espaço da cidade, submetida à lógica racional do controle. Em decorrência do cidadão não se identificar mais a cidade, ela lhe é exterior e estranha. Podemos no limite, perguntar-nos se as constantes explosões de violência não é produto desse quadro (CARLOS: 1999: 87). Para completar sua crítica, Carlos (1999) considerou a exigência da superação da concepção do cidadão como consumidor para a de “usador”. A cidade, segundo a geógrafa precisa ser questionada em seu uso, pois não pode ser organizada de acordo com as estratégias e prioridades de apenas uma parcela que dela se apropria. Todos os sujeitos, cidadãos, participam de sua produção e têm o direito de usufruí-la democraticamente. Faz-se preciso pensar uma cidade na qual seu espaço seja o lugar de relações sociais, de comunicação entre os homens e da própria sociabilidade destes (p. 89). Quer dizer, em ambas as perspectivas, faz-se possível perceber que, apesar de serem correntes no campo das ciências sociais marcadamente distintas, argumentam que o espaço das cidades é diferenciado, fragmentado e hierarquizado social, econômica e politicamente e que tais variações demarcam as relações entre os sujeitos no entendimento de si mesmos e de seus próprios lugares. Ambas afirmam que os homens tendem a descontentar-se ou estranharse com outros lugares que não possuem ou perderam familiaridade. Parece oportuno partirmos dessa perspectiva para o entendimento do problema da violência e da criminalidade, que parecem estar diretamente relacionadas com a concepção de sociedade moderna, caracterizada pela alocação dos homens nos espaços urbanos e por esses terem se constituído nos lugares dos conflitos em tempos de capitalismo, especulação imobiliária, espoliação urbana e fragmentação sócio-espacial e fragilização do sentimento de “topofilia” ou reprodução do “estranhamento”. 36 Segundo Carlos (1999), em São Paulo, consta-se uma frota de 4,5 milhões de automóveis (p. 87). 34 3. O crime em nossas cidades: Marília e seus lugares. Pensar nossas cidades na contemporaneidade requer um olhar mais atento à vida dos sujeitos, tendo em vista, não somente as aparentes configurações urbanas daquelas, mas também as relações que promovem homens e mulheres ao interagir, experienciar e sofrer, no seu cotidiano, uma série de problemas relacionados à vida na cidade. A cidade moderna com a divisão social do trabalho e a especulação imobiliária vive espaços especializados e seus sujeitos são distribuídos, segregadamente, de acordo com suas importâncias financeiras e de renda, e as atividades fundamentais para a vida urbana alojadas em diferentes lugares desde o lugar onde se trabalha, onde se mora, onde se estuda etc. Os sujeitos apreendem a cidade ao circular por seus lugares, mas suas percepções vão além dessas configurações meramente espaciais, pois a cidade é o espaço de suas idéias, de seus anseios, de suas expectativas, de seus medos. Na sociedade moderna, o que tem concentrado enorme preocupação em seus indivíduos é o problema da violência e da criminalidade, aclamados como crescentes e que parecem envolver os espaços da vida, alterando comportamentos, ações e a própria organização das cidades e seus ambientes. Nesse capítulo, nossa reflexão recairá sobre a questão da criminalidade na sociedade moderna, que aflige a todos e promove polêmicos debates de autoridades militares, civis e a comunidade, na tentativa de estabelecer ou restabelecer uma aclamada ordem social, imune às ameaças do crime e da violência. Para imergirmos nas formulações acerca da criminalidade existente no Brasil, partimos da definição de crime, tendo em vista sua relação com a sociedade moderna, pósrevolução industrial e de orientação burguesa. Tal entendimento permitirá entender as caracterizações de crime e a sua utilização pela instituição que, segundo WEBER (1970), detém o monopólio do uso legítimo da violência física: o Estado37. Refletir sobre a violência na sociedade brasileira exige pensar as políticas públicas empreendidas por sua maior instituição: um Estado marcado historicamente por ditaduras. Muitos autores enfocaram as políticas de segurança para identificar e correlacionar o autoritarismo e as estigmatizações promovidas, com pretenso caráter explicativo, nas relações do crime com a pobreza, raça, vida suburbana, etc. 37 Nas palavras de Weber (1970): “é, com efeito, próprio de nossa época o não reconhecer, em relação a qualquer outro grupo ou aos indivíduos, o direito de fazer uso da violência a não ser nos casos em que o Estado o tolere: o Estado se transforma, portanto na única fonte do ‘direito à violência’” (p. 56). 35 No terceiro momento apresentaremos a perspectiva teórica abordada pela “Geografia do Crime”, elaborada e propalada pelo G.U.T.O., e sua proposta de policiamento comunitário para a prevenção do crime. Subsidiados por uma experiência malogra no Rio de Janeiro, poderemos apontar as possíveis falhas na expectativa da realização de um projeto que vigore. Por fim, para nos aproximarmos de nosso objeto, apresentaremos a cidade de Marília com alguns aspectos de sua condição sócio-espacial deflagrada por Felix (1996) e detalhamento trabalhado pelo G.U.T.O., inscrito em Felix (2001), no seu projeto em desenvolvimento. 3.1. O crime e a violência: algumas definições e reflexões. A violência é definida e entendida em função de valores que constituem o sagrado do grupo de referência. Apesar da diversidade dos grupos humanos, alguns valores recebem uma adesão mais ampla, mais isto não pode dissimular a divergência e a heterogeneidade das convicções. (MICHAUD: 1989, p. 14). Como Felix (1996) considerou, existe um consenso firmado entre os especialistas de que há forte correspondência entre a criminalidade e a urbanização, mais especificamente ao fenômeno de metropolização, como resultado do processo de industrialização (p.36). Portanto, trata-se de compreender que o problema do crime e da violência toma frente nas preocupações dos sujeitos nos momentos da Revolução Industrial na Europa e, particularmente no caso do Brasil e dos países em desenvolvimento, dos processos de urbanização aceleradas promovidas pela explosão demográfica no final do século XIX e decorrer do século XX. Antes de pensarmos essa relação entre crime e sociedade moderna, passaremos pelas reflexões de Enzensberger (1991) na sua definição de crime. Poeta, tradutor e ensaísta alemão, refletiu sobre o tema e publicou artigo no qual dissertava desde a parábola do “primeiro crime” até o crime sob o controle do Estado moderno. A partir da definição antropológica, a hipótese do “primeiro crime”, Enzensberger (1991) passou a discutir a relação entre crime, em sua concepção de assassinato, com a política e o Estado. As expressões políticas, segundo este autor (p.11), refletem ofensivas criminais, “um dos candidatos ‘bate’ o outro (o que na realidade significa que o abate, matao)”. A soberania do Estado se faz de acordo com esse poder acima dos direitos jurídicos, “internamente e em suas relações com o indivíduo, a pena de morte; externamente e em suas relações com outros Estados, é a guerra” (p.13). No limite deste raciocínio, na emergência das 36 tecnologias, continuou o autor, como a arma nuclear tendem a suspender os direitos do homem e prepara genocídios na função imperialista dos Estados. Torna-se interessante, após essa relação entre crime e natureza do Estado, apresentada por Enzensberger (1991), pensar nas relações entre crime e sociedade moderna apontada por Foucault (1977). A sociedade moderna, promovida pela revolução industrial e processos de urbanização aceleradas, foi por Foucault (1977) conhecida como a sociedade do controle, em que os seus indivíduos são constantemente vigiados e punidos. Em torno de sua explicação sobre as instituições totais, no caso a prisão, identificamos as transformações na concepção do crime no surgimento dessa sociedade e que nos acompanha até os dias atuais, orientando as práticas dos Estados através de seus aparelhos ideológicos e punitivos. Ao mostrar a mudança do caráter de punição dos criminosos que, em menos de setenta anos, entre o final do século XVIII e começo do século XIX, os magistrados conseguiram transformar o suplício público dos corpos em reclusão resguardada e vigiada dentro de grandes instituições com controle pleno do sujeito no tempo e no espaço, Foucault (1977) considerou que se alterou a concepção de crime. O Estado e a burguesia, para garantir, mediante vários aspectos da vida dos sujeitos, um modo de contê-los enquanto massa, no momento em que havia a urbanização e massificação da sociedade, enquadrou-os, diferenciando-os hierarquicamente e impondo sobre os seus corpos a disciplina, que Foucault (1977) interpretou por “uma anatomia política do detalhe” (p. 128), tecnologia de poder peculiar da sociedade do controle. Os corpos tornaram-se o espaço em que o poder político passava a se efetivar cerceando a liberdade do corpo em instituições totais38. O resultado dessa política de controle estava de acordo com os interesses da burguesia industrial: uma sociedade de massas, fragmentada, hierarquizada, disciplinada física e ideologicamente, vigiada de modo macro, pelas instituições de controle explícito como a polícia e, de modo micro, por parte da arquitetura em sistemas do tipo panóptico39, pelo exército de fiscais da burocracia da escola, da fábrica, do hospital etc. e até mesmo do próprio individuo reprimindo-se a si mesmo. Uma série de mecanismos de vigilância e exercício do poder que, esparsos e descontínuos, reuniam um sistema de controle 38 Segundo Foucault (1977) “[...] não se trata de cuidar do corpo, em massa, [...] como se fosse unidade indissociável, mas de trabalhá-lo, detalhadamente, de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao mesmo nível da mecânica – movimentos, gestos atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo”(p. 26). 39 Apresentando o sistema panóptico de Benthan, Foucault (1977) formulou que este era a figura arquitetural do novo tipo de instituição de vigilância e controle total. Diferente da escuridão das masmorras, os presos passaram a ser colocados em “jaulas” particulares com janelas vazadas, dispostas perifericamente em forma de anel e voltadas para o centro com uma torre vigilante, com funcionário que não se permitia identificar pelo próprio formato de sua panorâmica vigilante. “O panóptico é uma máquina de dissociar [...] sem ser visto: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto” (p. 78). 37 supostamente para re-socialização, garantindo um acúmulo de possibilidades de efetivação do poder. Acúmulo, esse, ou “mais-poder” que, segundo Foucault (1997), deveria ser observado, pois, todo poder, uma vez criado, migraria para as demais instituições sociais. Nessa perspectiva, por meio de Foucault (1977), compreende-se o crime enquanto conceito que se relativiza de acordo com os interesses das sociedades, das classes dirigentes e dos Estados constituídos, como é na sociedade ocidental, industrializada e de orientação capitalista e de controle social. Na mesma perspectiva de que o crime é relativo e está em função dos interesses de sua respectiva sociedade, encontramos as formulações de Michaud (1989). Em seu livro, o autor expôs várias definições de violência, mas, de modo geral, trata de relacioná-la à política do Estado, da sociedade e de seus sujeitos. A partir da perspectiva de que o entendimento da violência passa pela compreensão da própria sociedade, Michaud (1989) passou a enfocar a relação direta entre a problemática da violência às estruturas do poder, enfocando os Estados e a sociedade organizada na luta pelo domínio e controle por parte de seus sujeitos. As guerras, nesse sentido, seriam a “manifestação da violência internacional direta” (p. 18), que numa perspectiva macro, passaram a se constituir em mecanismo utilizado pelos Estados e sociedades organizadas caracterizado na contemporaneidade, mais caras e mortíferas. À violência política, uma vez central na própria constituição do poder e o fato de a sociedade urgir pelo controle deste, tem-se desenvolvido a exigência de militarização e sofisticação das políticas de contenção da violência que projetam na sofisticação dos mecanismos de efetivação da mesma (p. 25). Para Michaud (1989) a violência do poder é mais ampla quando vem do Estado, que a utiliza para afirmar a supremacia e o monopólio do poder sobre a sociedade através de empresas de terror, tal como o suplício e o genocídio, e um terror mais contemporâneo: o esquadrinhamento da sociedade através da organização da delação e da promoção de uma indústria de eliminação dos adversários40. Diante da propalada “escalada da violência” nas sociedades, Michaud (1989), descrente desta pela não objetividade das estatísticas e seus vieses, argumentou que, em verdade, existe uma falseação dos níveis de violência ao afirmar, por exemplo, que de 1825 a 1975 houve regressão do número de homicídios. Tomando por referência Norbert Elias, Michaud (1989) dissertou acerca do processo de civilização dos costumes através do qual instauraram-se boas maneiras e a polidez difundida amenizou a agressividade. 40 Michaud citou a novela “1984” de George Orwell, crítica explícita ao Stalinismo pelas práticas adotadas de controle total dos indivíduos, adotadas também por outros Estados, vigiando e punindo qualquer deles que tentasse subverter suas orientações políticas, ideológicas e até mesmo comportamentais. Em nossa opinião, a análise de Orwell antecipou com propriedade as formulações de Foucault (1975). 38 Tal processo tem como contrapartida uma gestão cada vez mais restritiva da vida social e ascensão dos controles sociais. Em todo caso, se há um aumento da violência, ela não se encontra do lado da criminalidade, ou então é porque nos tornamos extraordinariamente suscetíveis a uma insegurança que nunca foi tão fraca. (MICHAUD: 1989: 38). Entretanto, Michaud (1989) afirmou que a uma insegurança real tão fraca se opõe uma insegurança ideológica propagandeada e banalizada pela mídia sensacionalista e pelo Estado em seu anseio de ampliar o controle sobre sua própria sociedade e sobre outras nações e mercados (p. 48). As imagens se tornaram, segundo o autor, a “parada da batalha”, em que atuam, e concorrem espaço, o Estado e todos aqueles que se utilizam da violência para o questionarem. A violência ocupa-se em aparecer de modo a afirmar o poder daqueles que a efetiva. Ao Estado, particularmente, parece salutar incitar o sentimento de insegurança nos cidadãos para receber dos mesmos a exigência de controle da violência e, conseqüentemente, exercer maior domínio sobre os mesmos. Destarte, Marcelo Lopes de Souza (2000) afirmou que a idéia de “processo civilizador de longa duração” de Norbert Elias merece ser desafiada, pois mesmo que tal autor assuma a possibilidade de recuos temporários, com relaxamentos temporários dos costumes, se observados no século XX elementos de Auschwitz à “limpeza étnica” na Bósnia “torna-se difícil continuar existindo sobre a interpretação de meros recuos localizados em meio a um processo teleológico de longuíssimo prazo” (p. 109). Teresa Caldeira (2000) ao refletir sobre o assunto acredita que o repertório da modernidade, marcado pela circunscrição do corpo e civilização dos costumes, produziu-se nos países centrais, Estados Unidos, França, Inglaterra, entre outros, mas não foi pensado do mesmo modo nos países que estes colonizavam. Com uma concepção etnocêntrica, enquanto a Europa vivia um processo pacificador, ao mesmo tempo, justificavam a violência colonial e o genocídio na América Latina e na África. Quer dizer, o processo civilizador existe e existiu, entretanto, sua penetração e consolidação passam por especificidades sociais, históricas, culturais e políticas (p. 372). Nessa polêmica, em torno da definição de violência, encontramos Wierviorka (1997) que, ao iniciar seu artigo afirmando que a “violência não é a mesma de um período a outro” (p. 5) relativizou a problemática, temporal e historicamente, e considerou a necessidade de se repensá-la à luz de um novo paradigma. Segundo o autor, a violência se alterou desde o fim dos anos 1960 acompanhando as mudanças estruturais, políticas e econômicas marcadas pela 39 globalização e, nesse sentido, teria que se buscar compreender as manifestações de violência diante de um paradigma da contemporaneidade. Segundo Wierviorka (1997), as mudanças se caracterizaram em vários aspectos e a violência adquiriu novos significados marcados pela: regressão da violência política e do terrorismo de extrema-esquerda que, importantes nas décadas de 1970 e 1980, estariam esgotados em praticamente todo o mundo do mesmo modo que a ameaça de tomada do poder do Estado pela extrema direita; a diminuição da importância das lutas de libertação nacional dos anos 1950 a 1970, e o caráter nacionalista ter corporificado manifestações nos países mais potentes pela extrema direita; o declínio do movimento operário e a perda do lugar central das relações de produção industriais têm demonstrado que a violência deixou de ser um conflito estrutural de classe enquanto luta contra a exploração e dominação; e, por fim, a caracterização da violência como manifestação dada pelas referências crescentes a uma identidade étnica ou religiosa (p. 7). Segundo Wierviorka (1997), alterou-se, conjuntamente à violência concreta e objetiva, o seu caráter subjetivo, no plano das percepções e representações a ela relacionados. A violência enquanto representação perdeu a sua legitimidade no espaço político a partir dos anos 60 e 70 como manifestação de resistência, nem mesmo entre os intelectuais que justificavam-na41. O novo paradigma da violência é apontado por Wierviorka (1997) a partir da necessidade das ciências sociais em alterar os seus modos de abordagem para apreender a violência, “no interior de um espaço teórico complexo, capaz de integrar o campo do conflito e o da crise”. No sentido de levar em consideração o sujeito, impossível, frustrado ou que funcione fora de qualquer sistema ou de normas, e condutas que seriam reveladoras de uma verdadeira desestruturação ou de desvios capazes de levar ao caos e à barbárie (p. 14). Tal complexidade diante do entendimento acerca do crime e da violência em nossas sociedades exige-nos relativizá-los ao respeitar suas singularidades postas na história e no espaço, desde sua íntima relação com a própria constituição do Estado, sua posição estratégica na sociedade do controle total, sua relação com a política e o Estado e sua reformulação diante de um novo paradigma mais abrangente e contemporâneo. Relativizar para, ao mesmo tempo, utilizar tais reflexões como instrumentos para compreensão do fenômeno que aflige nossos entes em nosso país, nossa sociedade, nossas cidades e nossos lugares. 41 Wierviorka (1997) citou Jean-Paul Sartre e Michel Foucault como sendo as últimas expressões dessa simpatia política e intelectual ao recurso da violência. Sartre em sua teorização acerca da idéia de “ruptura violenta” e Foucault na sua saudação à revolução iraniana. 40 3.2. O Estado brasileiro e suas políticas de segurança pública: estigmatizações e autoritarismo. [...] autoritário e violento para a grande maioria da população; dócil e transigente aos interesses da elite (VIEIRA: 1991, p. 90). Após visualizarmos a relação direta entre o crime e o Estado, a criminalidade e a violência com a política, teceremos algumas considerações sobre o crime na sociedade brasileira, com o objetivo de identificar o autoritarismo presente nas instituições e suas políticas empreendidas orientadas por estigmas, estereótipos e preconceitos, que recaem, regularmente sobre as classes mais subalternas e de menor poder político e econômico. A sociedade brasileira, que detém um dos mais altos índices de desigualdade social com uma distribuição de renda assimétrica, não poderia deixar de ter projetada tal condição nos espaços da vida política e, especialmente, possuir características correspondentes na questão da violência e da criminalidade e das lutas da sociedade para superação destas. Pensar a questão da violência atrelada aos interesses do Estado e das classes dominantes, que deste se acossaram, permite-nos verificar que, historicamente, são muitos os exemplos de investidas do Estado contra a sociedade civil em todas as suas tentativas de manifestação populares orientadas na reivindicação de direitos ou de outras possibilidades de sociabilidade diversa da existente42. Nesse aspecto, tomamos por referência a distinção dos in-groups, os “incluídos”, e dos out-groups, a maioria da população, de Gilberto Velho (1991) em que os discursos e práticas se alteram, entre humanitárias e repressivas, na medida em que a violência rompe os limites do segundo e alcança o primeiro grupo. A dinâmica da violência, segundo Velho (1991), tende a demonstrar a capacidade de mudança dos discursos e atitudes dos sujeitos inseridos no in-group. Discursos, esses, que legitimam as ações das instituições do Estado. Quando a violência está distante dos pertencentes ao in-group, estes, conscientes de que a mesma aflige os pobres e excluídos, tendem a propor políticas de segurança com grande enfoque nos direitos humanos, calcada no policiamento comunitário e em penas de tipo alternativo. 42 Não é difícil citá-las, entre as mais conhecidas: Guerra dos Emboabas (São Paulo, 1708 a 1710), Guerra dos Canudos (Bahia, 1895 a 1897), Inconfidência ou Conjuração Mineira (Minas Gerais, 1785 a 1787), Revolta de Beackman (Maranhão, 1684), Balaiada (Província do Maranhão entre 1838 a 1841), Sabinada (Bahia 1837 a 1838), Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1828 a 1844), Praieira (Pernambuco, 1848 a 1849), Alfaiates (Bahia, 1798 a 1799), entre outras, organizadas ou não, mais recentes e visíveis como a luta travada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). 41 Nos momentos em que a criminalidade ultrapassa os limites do out-group e compromete a qualidade de vida dos "incluídos", estes abandonam imediatamente aquelas bandeiras mais humanitárias, promovendo campanhas de guerra contra a violência, proclamando discursos desejosos de políticas rígidas de controle social e apontando como culpados os sujeitos do out-group. Esses últimos, que sempre sofrem com a violência em todos os momentos, passam a sofrer também com a violência do Estado, orientada pela proteção dos in-group. Acuada, a sociedade reivindicava a violência legitimada do Estado, de acordo com seus receios de ter sua ordem estabelecida comprometida. O que se verificou no Brasil foi o recrudescimento de uma sociedade em busca da ordem capaz de produzir ditaduras e, como Pinheiro (1991) considerou, de transmitir as práticas próprias daquele regime ao sistema político democrático. Segundo Pinheiro (1991), as práticas de tortura, de autoritarismo e de violência irrestrita por parte do Estado às classes populares se mantiveram na transição democrática brasileira da década de 1980. Como o quadro de funcionários instalado nas instituições não se alterou e as políticas de contenção da criminalidade não se orientaram para a perspectiva democrática de modo imediato, o que se verificou foi a continuidade da repressão incontida. E nessa sociedade de controle autoritário explícito “o exercício da cidadania é constantemente identificado como subversão, com desconfiança e discriminação” (VELHO: 1980, p. 364). Segundo Pinheiro (1991b), o que “alimentou” tais práticas, após a transição para a democracia, foi a incapacidade de a “Constituição de 1988” de ampliar a cidadania, garantindo os direitos dos sujeitos. De composição sócio-econômica assimétrica historicamente, a grande maioria dos brasileiros vive sob estigmas e torna-se suspeita da sociedade do controle. “A maioria da população, composta de miseráveis, pobres e indigente, especialmente os mulatos e negros, continua a constituir as classes suspeitas” (p. 111). É o que Caldeira (2000) identificou por democracia disjuntiva, em que a democratização e a Constituição de 1988 garantiram a realização da cidadania política, mas, se observados à negação aos direitos humanos, quando da defesa das condições prisionais, percebe-se uma resistência e impossibilidade de efetivação da cidadania civil, o que compromete o repertório da modernidade, a civilização dos costumes, o respeito ao corpo e a democracia na sociedade brasileira (p. 343). Nesse sentido, coloca-se a necessidade de pensar o problema da criminalidade e da violência vivida pelos sujeitos em nossas cidades, sob outras perspectivas que superem as explicações sugeridas por uma sociedade que viveu coagida pelo controle total em tempos de ditadura. Calcadas em estigmas e preconceitos que depreciam a maioria esmagadora da 42 sociedade brasileira, tais explicações constituem-se num obstáculo para a efetivação de uma sociedade mais democrática que se oriente pela proteção de todos os homens e mulheres e a construção de comunidades mais solidárias e espaços urbanos menos violentos. 3.3. Por uma outra sociabilidade: policiamento comunitário e proteção mútua em nossas comunidades. Se o homem, no seu contexto sócio-espacial, é o principal objetivo dos estudos desenvolvidos pela Geografia Humana, é natural que o seu bem-estar e a sua qualidade de vida também sejam foco de indagação geográfica. (FELIX: 1996, p. 133). A partir de uma perspectiva que privilegia os estudos interdisciplinares para a compreensão dos fenômenos vividos em nossas cidades, apresentaremos a proposta de pensar a criminalidade sob a ótica espacial. A “Geografia do Crime”, denominada por Felix (1996), tem em vista a relevância de que tal estudo procede uma vez que a violência e o crime têm afetado a qualidade de vida dos sujeitos ao alterar hábitos e comportamentos relacionados à organização do espaço e a transformação dos ambientes. Trata-se, portanto, de buscar a superação dos estigmas, estereótipos e preconceitos que impedem o próprio entendimento da questão e inviaviliza ações capazes de promover uma mudança para a melhoria das condições de vida dos sujeitos em nossas cidades. Nos estudos sociológicos e criminológicos, os preconceitos que instrumentalizam as instituições de segurança contra determinados segmentos da sociedade tornam-se alvo na crítica da relação pobreza-criminalidade, associando as classes populares a idéia de que são marginais e atribuindo através da justificativa de que, diante da vida sócio-economicamente desfavorecida, se explica a tendência à delinqüência. Muitos foram os trabalhos que pulverizaram tal perspectiva. Entre eles é preciso, inicialmente, citar Coelho (1980): Versões epidérmicas e popularizadas desta proposição convencional tem desaguado entre nós em retórica sobre o “crime como reação às condições de pobreza”, ou sobre o “crime como estratégia de sobrevivência”. Mas a despeito das aparências em contrário, a tese é metodologicamente frágil, politicamente reacionária e sociologicamente perversa. E por razões muito simples (p. 378). Como Michaud (1989), Coelho (1980) criticou os vieses das estatísticas, seus resultados orientados pelos interesses de quem as realizou, e afirmou que os sociólogos quando fazem a relação entre o nível sócio-econômico baixo e a criminalidade tendem a 43 criminalizar as classes populares (p. 379). Ao terminar seu artigo, denunciou a pobreza e a marginalidade enquanto violação dos direitos fundamentais do homem e que “jamais serão as causas do crime pelo simples fato de que são o crime do Estado e da sociedade contra os despossuídos de poder” (p. 383). Embora, muitas vezes possam ser encontrados casos de sujeitos de classes populares utilizando-se da prática criminal com o objetivo de superar sua condição sócio-econômica de modo imediato, como enfatizou Felix (1999) não se justifica a idéia de prática criminal motivada por sentimento de frustração, pois tal sentimento se aplica à classe média desejosa de pertencer aos altos estratos da sociedade e assim sucessivamente. Segundo Felix (1999), É importante que não se radicalize o processo de desvio social, violência e criminalidade ao estado de pobreza e não transmita a famosa relação única e inequívoca entre sintomas de desorganização social e situação de miséria. Embora a relação exista, não é absoluta (p. 98). Utilizando-se de Coelho (1978 Apud FELIX, 1996), a geógrafa denunciou a “criminalização da marginalidade” por parte da “delinqüência encoberta” em nossa sociedade. Segundo surveys de vitimização as infrações cometidas e não detectadas desmascaram as teorias que se referem à capacidade de per si da desigualdade social gerar a criminalidade. Os jovens de status socioeconômico mais alto, se não de forma eqüitativa, seriam aqueles que violam as leis mais freqüentemente e com maior gravidade, pois a diferença do registro “demonstra” que as pessoas de classe mais baixa não possuem as imunidades institucionais das de classe média e alta, sendo por isso mais detectadas, detidas, processadas e condenadas (p. 63). Considerando a relação criminalidade/espaço, é importante que se considere como as pessoas lêem e sentem o ambiente urbano, onde o espaço, apesar de ser um conteúdo para todos é restritivo não apenas nas questões estruturais como as socioeconômicas, mas também em função de manifestações criminais (FELIX: 1996, p. 122). As ocorrências criminais em determinados espaços parecem refletir nas construções, segundo Felix (1996) em dois sentidos: no próprio design das estruturas urbanas através de modelos defensivos – muros altos, grades de segurança, guaritas, porteiros eletrônicos, alarmes, cães de guarda etc; e na desvalorização dos imóveis, as vezes de até 40 % do valor, do mesmo modo que os apartamentos têm seus valores superestimados em relação às casas térreas (p. 123). 44 A despeito da característica tradição de se utilizar modelo estatístico, Felix (1996) argumentou que seria preciso os estudos geográficos considerarem a criminalidade de forma dinâmica e “os que cometem os crimes como um indivíduo, muito mais que um praticante de atos considerados criminosos simplesmente” (p. 124). Segundo Felix (1996), embora o crime seja variável no tempo e no espaço, os estudos do crime demonstram a existência de um comportamento criminal relativamente previsível. De tal maneira, demonstra-se a relevância do estudo do ambiente na análise da criminalidade. Desenvolvendo e reformulando a tradição ecológica, as pesquisas no campo da criminologia ambiental tem-se desenvolvido com interesses mais explícitos pelos lugares, como um parâmetro significativo para alguns eventos (FELIX: 1996, p. 149). A partir do modelo de incivilidade e vizinhança de Herbert (1993 Apud FELIX: 1996), a geógrafa apresentou a preocupação com o sentido que os sujeitos atribuem à vizinhança como uma condição relacionada aos incidentes criminais. O modelo de incivilidade consiste num esquema em que cada elemento decorre do outro, conseqüentemente: 1) nível de incivilidade aumentado; 2)sinal de aumento de desordem; 3) diminuição no sentido de lugar: aumento no nível de ansiedade, medo, menor nível de envolvimento na comunidade, comunidade baseada na presença do crime; 4) condições para o aumento no crime; 5) maior medo de vitimização; 6) perda de satisfação de vizinhança, desejo de mudar (p. 150). Entretanto, a criminalidade não se limita aos espaços de incivilidade ou a outros específicos como o centro da cidade, bairros pobres e favelas, disseminando-se pelos ambientes mais abastados de classe média e alta que, além do medo em si, está provocando um outro fenômeno altamente temido por esse segmento social: a desvalorização imobiliária (FELIX: 1996, p. 151). Segundo Felix (1996), em alguns países o controle da criminalidade está passando pela adoção de novas técnicas que parecem corresponder a essa preocupação com a vizinhança e a qualidade de vida dos sujeitos nos seus respectivos lugares. A proposta apresentada por Felix (1996) é a de polícia comunitária, uma dessas técnicas que tem contemplado novas formas de atuação da polícia militar e civil na tentativa de superar o 45 distanciamento entre as agências governamentais e a sociedade de modo a promover a prevenção do crime nas comunidades de nossos bairros43. Além de combater o crime, especificamente, a polícia comunitária contribui com a qualidade de vida da população ao impedir a deterioração física da cidade e resgatar vínculos sociais que reduzem a sensação de medo e insegurança provocada pela violência proveniente do bandido e da própria polícia (p. 139). Resgatar os vínculos sociais parece ser uma orientação que corresponde aquilo que Tuan (1980) falava acerca da “topofilia” e da relação que os sujeitos têm com o lugar. Relação, essa, que se constrói em verdade pela identificação colocada na convivência com os espaços e os sujeitos com os quais se relacionam e compõem uma comunidade. A polícia comunitária, em conjunto com essa comunidade, ao resgatar os seus laços, realizaria aquilo que parece ser fundamental para a diminuição do sentimento de insegurança: um sentimento de proteção mútua e solidariedade na resolução dos problemas que tendem afetar a todos de uma determinada localidade, de uma determinada comunidade. Em busca de instrumentos que apontem os possíveis perigos que orbitam tal proposta encontramo-los na análise empreendida por Muniz (1997) sobre uma experiência de polícia comunitária na cidade do Rio de Janeiro. Na capital carioca houve um esforço em consolidar um programa de polícia comunitária no bairro de Copacabana por parte do 19º Batalhão da Polícia Militar, entretanto, o projeto se rendeu, antes mesmo de completar um ano de vigência, diante de alguns obstáculos que Muniz (1997) tratou de observá-los: a dificuldade ao acesso às “comunidades” do bairro em função da delimitação ampla desta em relação às setorizações policiais; a busca de colaboração de outras agências públicas com suas lógicas particulares e exaustiva burocracia; o ambiente institucional da Polícia Militar, a penúria do material e até mesmo da sua organização como: precariedade logística, fraca articulação entre as companhias no interior dos Batalhões, ineficiência dos serviços inteiros responsáveis por essa articulação, precária estrutura para tratamento das informações, escalas de trabalho dessincronizados, rigidez do regimento interno em vigor (herança obsoleta da ditadura militar), centralização e padronização ao extremo, entre outros (p. 203); e ao desprestígio ao trabalho comunitário considerado “trabalho menor” por não apresentar produtividade quantitativa diante dos demais trabalhos da polícia . 43 Os países que já possuem polícia comunitária são o Japão, Canadá, Austrália, Cingapura e Escandinávia que, na opinião de Dias Neto (1991 Apud FELIX, 1996) “[...] representa o que há de mais inovador em termos de alternativa aos métodos tradicionais de policiamento, onde a função do policial é muito mais abrangente que a de lidar com condutas criminosas” (p. 139). 46 O projeto findou-se prematuramente, afirmou Muniz (1997), pois os seus resultados, diante das precárias condições pelos quais se efetivou, poderiam ser considerados positivos. Em seu raciocínio, Um dos benefícios esperados do policiamento comunitário é justamente provocar a explicitação das dificuldades, deficiências e arcaísmos que emperram intracorporativamente a melhoria dos serviços policiais, facilitando assim, sua modernização (p. 203). Para se fazer possível a implantação da polícia comunitária coloca-se como exigência a preparação de seu quadro de profissionais e, acima de tudo, a realização de um projeto com grandes ambições. Uma experiência exemplar, localizada, pode redundar numa vitrine frágil que, pressionada pelos limites impostos pelas atividades policias concorrentes e paralelas, tenha seu intento suprimido e seu resultado aparente utilizado como argumento depreciativo dessa alternativa de controle preventivo da criminalidade. A particularidade dessa se coloca, portanto, na perspectiva e possibilidade de se aliar polícia à comunidade na tentativa de superar o problema do crime e da violência distante dos estereótipos e preconceitos que contaminam as práticas arbitrárias e autoritárias presentes em nossas instituições responsáveis pela segurança em nossas cidades. Uma concepção que compreende o crime como uma dinâmica que se efetiva nos espaços da cidade, muito mais atrelada às condições provocadas pelo processo de segregação, fragmentação das relações sociais e desarticulação dos vínculos de comunidade que garantem uma proteção mútua dos sujeitos para a promoção da segurança em nossos lugares. 88 Falha geológica que caracteriza o relevo da cidade de Marília que surgiu no planalto e possui se limites nos paredões que dão direto para os vales. 47 PARTE II Apreendendo as evidências sociais, espaciais, criminais e da percepção nos lugares da região oeste da cidade de Marília/SP. [...] na relação criminalidade/espaço, é importante a identificação dos lugares de ocorrência dos crimes e de residência dos criminosos, suas características etc., mas, acima de tudo, parece importante considerar como as pessoas lêem e sentem o ambiente urbano e como ele se fragmenta, tanto do ponto de vista social como o do espacial, principalmente através de processos desorganizadores da sociedade como o crime, o desemprego, a circulação de drogas, a falência das instituições da comunidade etc. (FELIX: 1996: 32). Subsidiados por reflexões que compreendem a organização do espaço, a relação do sujeito com o lugar e a criminalidade, e as políticas de contenção desta, tendo em vista, a proposta de polícia comunitária, partiremos para pensar a cidade de Marília, particularmente, de sua região oeste que consiste no objeto de nossa pesquisa de campo. Para uma compreensão precisa dos lugares estudados neste projeto, munimo-nos de dados sobre as caracterizações sociais fornecidas pelo IBGE, através do Censo de 2000; dos dados acerca da criminalidade em 2002 organizados pelo G.U.T.O., a partir da base de dados alimentada pelos boletins de ocorrências das delegacias de Marília; e das evidências sobre a percepção espacial, captadas através de pesquisa direta aplicada junto aos sujeitos que residem nos bairros que compõem a região oeste de Marília. Diante das tabelas que reúnem e 48 organizam tais dados, nos esforçamos em interpretar as caracterizações sociais, espaciais, criminais e da percepção dos bairros, seus sujeitos e seus problemas. Para tornar mais claro nosso entendimento, sistematizaremos nossa análise a partir de considerações sobre os Setores de Bairros Oeste e Sudoeste, em separado ou em conjunto, de acordo com as possibilidades postas pelos dados. Em seguida, realizaremos a análise de cada Subsetor de Bairros para, por fim, estabelecer relações possíveis entre estes e a grande porção de bairros que compõe a região oeste da cidade de Marília. 4. A região oeste da cidade de Marília: desigualdades sócio-espaciais, problemas criminais e percepção espacial. Andando pelas ruas da região oeste encontramos lugares bastante diversos e não muito distantes entre si. Observando as formas dos terrenos, as quadras, as casas, os edifícios, as condições de arborização e de iluminação – no período noturno – podemos constatar preliminarmente caracterizações visuais muito distintas entre os bairros e entre as regiões de bairros. Faz-se preciso – e esse é um dos objetivos desse projeto – verificar se tais caracterizações captadas através de nossa percepção têm correspondência nas configurações objetivas coletadas, sistematizadas e apresentadas pelos institutos de pesquisa oficiais como o IBGE. Analisando primeiramente os dados obtidos dos conjuntos de Subsetores de Bairros reunidos em Setor Oeste e Setor Sudoeste, podemos ter uma compreensão geral de toda a região oeste de Marília. Uma região que, a partir da setorização formulada pelo G.U.T.O., possui duas grandes regiões distintas sócio-espacialmente. O Setor Sudoeste é composto pelos Subsetores Serra Dourada, Salgado Filho/Acapulco e Campus Universitário.(ver o Anexo 3) Os dois últimos são contíguos e se caracterizam por terem surgido a partir do loteamento da Fazenda Bonfim, emblemática na história de Marília por ter demarcado em sua superfície as regiões nobres da cidade, sendo estas os bairros Salgado Filho e Acapulco, e o Campus Universitário, que compreende três faculdades além de bairros residenciais, com participação expressiva dos estudantes universitários, oriundos de outras cidades e outros estados do país, entre os residentes. O 49 Setor Sudoeste apresenta uma população modesta de 1466 habitantes em função da subutilização dos terrenos com um visível numero de terrenos ociosos, e pelo fato de os estudantes universitários serem registrados em suas cidades de origem. O Setor Oeste divisa com o Setor Sudoeste pela rodovia Marília-Assis e pela Av. da Saudade e o Cemitério Municipal. Diversamente do Setor Sudoeste, este Setor é mais amplo espacial e demograficamente, com uma população total de 11922 habitantes. Possui porções de bairros bem característicos e que, na setorização feita pelo G.U.T.O., estão demonstradas através dos Subsetores Morumbi, Universitário, Cavalari, José Teruel Martinez Califórnia, Chico Mendes/Poliana e Argolo Ferrão. São compostos por loteamentos populares, conjuntos habitacionais, condomínios fechados como o San Remo, bairros com grandes percentagens terrenos ociosos, chácaras de recreio e novos loteamentos ainda com ruas sem pavimentação. Tabela 01: população por faixa etária nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP - 2000. S. 0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80-84 Total 1 15 13 20 23 19 13 17 18 19 14 10 8 4 5 2 2 2 204 2 53 58 85 116 117 91 78 97 97 92 69 55 49 36 29 13 10 1145 3 3 7 4 11 16 12 10 15 7 10 12 4 3 1 1 0 1 117 TS 71 78 109 150 152 116 105 130 123 116 91 67 56 42 32 15 13 1466 % 4,8 5,3 7,4 10,2 10,4 7,9 7,2 8,9 8,4 7,9 6,2 4,6 3,8 2,9 2,2 1,0 0,8 4 115 101 82 78 128 128 103 67 64 67 32 29 18 26 9 5 6 1058 5 45 38 31 23 42 43 50 49 30 23 19 17 3 5 5 1 2 426 6 171 189 146 153 161 145 149 147 93 72 68 58 59 39 24 14 11 1699 7 338 326 253 212 199 361 381 279 152 91 57 59 32 19 16 9 8 2792 8 204 199 208 206 248 248 229 182 128 132 111 69 40 34 27 7 8 2180 9 107 98 93 128 146 115 74 77 86 84 49 36 23 17 7 10 11 1161 10 278 295 279 231 196 227 248 241 188 122 47 51 34 31 15 12 11 2506 TO 1258 1246 1092 1031 1120 1267 1234 1042 741 591 383 319 209 171 103 58 57 11922 9,2 8,7 9,5 10,7 10,4 8,8 6,3 5 3,2 2,7 1,8 1,4 0,8 0,5 0,5 % 10,6 10,5 Fonte: IBGE - Censo 2000. Org: M.R.C. Pesquisa: G.U.T.O. S. Subsetores: 1. Serra Dourada. 2. Salgado Filho/Acapulco. 3. Campus Universitário. 4. Morumbi. 5. Universitário. 6. Cavalari. 7. José Teruel Martinez. 8. Califórnia. 9. Chico Mendes. 10. Argolo Ferrão. TS: Total Sudoeste. TO: Total Oeste. 1. As determinações sócio-espaciais. Os Setores Oeste e Sudoeste se distinguem em todas as variáveis apresentadas pelo IBGE. É possível perceber a distinção entre tais Setores através da observação da estrutura etária dos mesmos. O Setor Oeste se caracteriza, por exemplo, por ter 30,1% de seus residentes entre 0 e 14 anos, enquanto na mesma faixa de idade o Setor Sudoeste apresenta 18,5% do total da população. Acima da faixa dos 45 anos estão 15,9% no Setor Oeste, diferentemente do Setor Sudoeste, em que a mesma faixa responde por 29,4%. Quer dizer, é possível dizer que o setor oeste possui uma população mais jovem enquanto o Setor Sudoeste possui um contingente populacional mais velho. Veja a tabela da estrutura etária abaixo: 50 Tabela 02: rendimento por salários mínimos por responsáveis dos domicílios nos bairros do setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP - 2000. Subsetor sem rend. Serra Dourada 4 Salgado Fº/Acapulco 2 Campus Univers. 0 total 2 % 1,4 Morumbi 2 Universitário 6 Cavalari 39 José Teruel Martinez 50 Califórnia 37 Chico Mendes 19 Argolo Ferrão 48 total 201 % 5,9 total 207 % 5,4 Fonte: IBGE - Censo 2000. Pesquisa: G.U.T.O. 0-1 14 4 0 4 4,1 26 5 72 35 72 29 82 321 9,7 341 8,9 1-3 15 12 1 13 6,4 108 24 156 239 207 115 218 1067 31,4 1095 28,5 3-5 9 22 1 23 7,3 65 26 87 255 154 69 153 809 23,8 841 21,9 5 - 10 4 61 5 66 16 66 37 79 191 157 60 144 734 21,6 804 20,9 10 - 15 5 45 6 51 12,8 22 18 23 15 28 12 24 142 4,2 198 5,1 15 - 20 3 51 9 60 14,4 7 9 14 12 18 5 4 69 2 131 3,4 mais de 20 Total 5 59 146 343 13 35 159 378 37,5 8 304 6 131 7 477 7 804 12 695 7 316 2 675 49 3402 1,4 213 3839 5,4 Org: M.R.C. Na soma dos dois setores, a região oeste apresenta no nível de rendimentos por responsáveis de domicílio 71,3% ente 1 a 10 salários mínimos, como é visível na Tabela 02, abaixo. No Setor Oeste entre 1 a 10 salários estão 77,5% dos responsáveis dos domicílios enquanto no Setor Sudoeste, na mesma faixa de renda consta somente 29,7% da população. A maioria dos responsáveis por domicílio no Setor Sudoeste, ou 64,7%, aufere mais de 10 salários mínimos, sendo 37,5% destes, mais de 20 salários. 51 Se observada a escolaridade dos responsáveis, na Tabela 03 abaixo, percebe-se na região oeste (Setor Oeste e Sudoeste) que 39% possuem o 1º grau incompleto e somente Tabela 03: escolaridade dos responsáveis pelas residências nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP - 2000. Subsetor Serra Dourada Salgado Fº/Acapulco Campus Universitário Total % Morumbi Universitário Cavalari José Teruel Martinez Califórnia Chico Mendes/Poliana Argolo Ferrão Total % Fonte: IBGE - Censo 2000 Pesquisa: G.U.T.O. 1GI 30 30 1 61 13,9 140 31 231 300 291 173 292 1166 43 1GC 3 21 1 25 5,7 37 14 49 122 71 33 79 326 12 2GI 3 6 0 9 2,1 11 10 15 53 33 9 39 131 4,8 2GC 3 50 3 56 12,8 45 29 49 203 108 40 126 474 17,5 3GI 1 35 3 39 8,9 17 9 21 33 40 13 29 133 4,9 3GC1 10 105 14 129 29,5 22 24 33 59 67 22 42 227 8,4 3GC2 4 55 9 68 15,6 4 9 7 11 17 1 7 49 1,8 PÓS 0 40 4 44 10,1 0 0 2 1 14 1 0 18 0,7 nada Total 5 59 1 343 0 35 6 437 1,4 24 300 4 130 63 470 21 803 50 691 24 316 57 671 186 2710 6,7 Org: M.R.C. 22,8% iniciaram o curso superior, respondendo por 15% aqueles que concluíram a faculdade e 2,3% o nível de pós-graduação. O Setor Sudoeste responde com 55,2% de graduados, sendo 10,1% pós-graduados. Já o Setor Oeste apresenta 43% dos responsáveis com 1º grau incompleto, 4,3% declarantes de “nenhum curso” e somente 0,7% de pós-graduados. O interessante a ser observado nos dados do IBGE é separação entre os Cursos de Graduação de nível superior de até 4ª série (3ºGC1) e mais de 4 anos (3ºGC2) em que fica clara a concentração de 34,5% dos graduados do Setor Sudoeste no nível de 3ºGC2 contra 18,8% no Setor Oeste no mesmo nível. Quanto às condições dos domicílios, os Setores Oeste e Sudoeste podem ser observados pelas variáveis “número de banheiros por residências”, “condições de abastecimento de água”, “escoamento do esgoto” e “destino do lixo dos domicílios”. As diferenças são sensíveis, mas apontam para especificidades próprias das condições dos bairros. 52 05:abastecimento escoamento dode esgoto Oeste/Sudoeste de Marília/SP -PTTabela abela 04: água nos nos bairros bairros Setor do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/S 2000 .. 2000 Rede geral ou Subsetor geral Subsetor pluvial Serra Dourada 5 Serra Dourada 19 SSalgado algado Fº/Aca Filho pulco 343 342 Campus Universitário Campus Universitá 33 35 Total 395 382 Total Morumbi 199 265 Morumbi Universitário 129 Universitário 131 Cavalari 385 J. TeruelCavalari Martinez 784 460 JosCalifórnia é Teruel Martinez 433 786 ChicoCalifórnia Mendes 287 434 Argolo 584 316 ChicoFerrão Mendes Total 2801 Argolo Ferrão 665 Fonte: IBGE - Censo 2000. Total 3057 M.R.C. Fonte: IBGE - Censo 2000. Pesquisa: G.U.T.O. Pesquisa: G.U.T.O. Fossapoço ouFossa nascente vala séptica rudimentar 54 38 1 0 10 0 0 01 1 0 39 0 552 12 79 0 38 0 0 1 0 3 9 73 16 1 14 3 181 0 0 02 24 1 5 6 05 45 110 84 6 78 orio utra formoutro a escoadouro 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 9 0 0 0 5 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 56 0 0 62 4 9 6 Total Total 59 58 343 343 3535 436 437 299 304 130 131 475 477 803 804 434 434 314 656 316 3111 675 Org: 3141 Org: M.R.C. Comparativamente, de acordo com a Tabela 04 acima, no Setor Oeste, 97,3% das residências estão ligadas à rede geral de abastecimento de água enquanto 2,6% utiliza-se de poço ou nascente ou outra forma de abastecimento. No Setor Sudoeste, a porcentagem das residências ligadas à rede geral é menor, 87,4 %, mas em função do Subsetor de bairros Serra Dourada, composto por um condomínio fechado, em que 91,5% das residências utilizam-se de poços ou nascente. Isolando esse Subsetor, o Setor Sudoeste apresenta quase a totalidade de residências ligada à rede geral (99,7%). O escoamento do esgoto nos dois setores em conjunto totaliza 90,1% dos domicílios ligadas à rede geral ou pluvial, sendo o Setor Oeste responsável por 90% e o Sudoeste 90,6%. A sensível diferença refere-se novamente ao Subsetor Serra Dourada. Sem este subsetor, o Setor Sudoeste apresenta 99,4% das residências ligada à rede geral. Percebe-se, portanto, uma diferença entre o setor Oeste e Sudoeste, se separado um bairro singular deste último. O Setor Oeste possui ainda 5% dos seus domicílios com escoamento do esgoto em valas, rio e outros escoadouros. A utilização de fossa séptica e rudimentar responde por 4,9% dos domicílios no setor Oeste. Dados possíveis de observarmos na Tabela 05 abaixo: 53 O destino do lixo nos bairros partilha de situação análoga. Segundo a Tabela 06 acima, no Setor Oeste 91,9% é coletado, 3,5% é queimado e o restante, 5,6%, é enterrado, jogado em terreno baldio ou logradouro, jogado em rio ou possui outro destino. No Setor Sudoeste 95,6% é coletado e 4,2% e queimado, mas quando se retira o Subsetor Serra Dourada passa a constar 99,8% tendo como destino a coleta. No quesito número de banheiros por residências, enquanto no conjunto a região oeste apresenta 71,3% das residências com um banheiro e 10% com 3 ou mais banheiros, no Setor Sudoeste a relação é, respectivamente, de 18% e 63,6%, sendo no Setor Oeste de 78,9% e 2,5%. O interessante é que os domicílios que constam sem banheiros alcançam 0,8% no Setor Oeste. Veja a Tabela 07abaixo: Tabela 07: número de banheiros por residências nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste Tabela 06: destino do lixo nos bde airros do Setor- Oeste/ Marília/SP 2000. Sudoeste de Marília/SP - 2000. Subsetor Subsetor 1 1 41 46 342 31 35 6 418 83 252 233 130 68 429 341 798 683 434 363 313 255 530 534 2886 2477 2 17 1 0 18 46 1 30 2 0 3 27 109 2 4 66 4 74 55 45 82 110 68 44 91 495 3 3 4 1 4 0 0 130 0 0 9 0 1 143 0 4 6 0 0 12 0 2 28 16 2 10 2 0 2 0 0 5 0 2 5 50 10 68 68 4 ou5+ 30 1160 160 1350 30 40 50 00 00 00 065 1265 6sem 02 00 00 02 27 02 021 01 01 012 145 389 Total Total 59 59 343 343 35 35 437 437 304 304 131 131 477 477 804 804 434 434 316 316 675 675 3141 3141 Org: M.R.C. Org: M.R.C. Serra Dourada Serra Dourada Salgado Fº/Acapulco Salgado Fº/Acapulco Campus Universitário Campus Universitário Total Total Morumbi Morumbi Universitário Universitário Cavalari Cavalari José Teruel Martinez José Teruel Martinez Califórnia Califórnia Chico Mendes/Poliana Chico Mendes/Poliana Argolo Ferrão Argolo Ferrão Total Total Fonte: IBGE - Censo 2000. Fonte: IBGE - Censo 2000. Pesquisa: G.U.T.O. Pesquisa: G.U.T.O. 1. coletado. 2. queimado. 3 enterrado. 4. jogado em terreno baldio ou logradouro. 5. jogado em rio. 6. outro. Percebe-se dessa forma uma concentração de famílias com nível de renda e condições de habitabilidade satisfatórias nos bairros do Setor Sudoeste, com acesso a equipamentos urbanos em quase a sua totalidade, com exceção de um bairro caracterizado por ser condomínio fechado. Por outro lado, o que se percebe no Setor Oeste são evidências de condições de habitabilidade defasadas e o acesso aos bens urbanos, como a rede geral de água e esgoto, comprometido. 2.1.2. A dinâmica criminal. 54 No conjunto, o Setor Oeste e Sudoeste apresentam diferenças na questão da criminalidade basicamente no que tange à totalidade das ocorrências criminais. De um total de Tabela 08: tipologia das ocorrências criminais nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP - 2002 Subsetores Salgado Filho Serra Dourada Campus Univers. Morumbi Universitário Cavalari José Teruel M. Califórnia Chico Mendes Argolo Ferrão Total contra o patrimônio contra a pessoa Contra a incolumidade pública contra os costumes diversos % Total % Total % Total % Total % 172 7 218 30 36 127 53 56 23 41 763 73,2 77,8 8,4 76,9 85,7 73,8 70,7 71,8 51,1 63 74,2 51 2 42 6 6 36 16 19 15 17 210 21,7 22,2 15,7 15,4 14,3 20,9 21,3 24,3 33,3 26,1 20,4 11 4,7 1 0,4 6 3 2,2 7,7 2 0,7 7 3 3 7 6 46 4,1 9 3,9 15,6 9,3 4,5 1 2 0,6 2,7 1 1 0,6 1,3 1 7 1,6 0,7 2 0,2 Fonte: G.U.T.O. Total Total Total /pop 235 205,2 9 44,1 268 2000 39 37,5 42 98,6 172 101,2 75 26,7 78 34,2 45 38,7 65 25,9 1028 76,7 Org: M.R.C. 1028 de ocorrências no ano de 2002, o Setor Sudoeste responde pelo registro de 512 ou 49,8% deste total, mesmo possuindo uma população, descontados os estudantes universitários, de 1483 ou 11,1% do total da região oeste. A região oeste de Marília pode ter sua dinâmica criminal observada sob alguns aspectos, por exemplo, a sazonalidade semanal das ocorrências, as ocorrências por tipologia criminal, vitimas e indiciados por sexo e por tipologia criminal em cada subsetor de bairros de modo a termos uma idéia mais precisa sobre a questão. No conjunto, a região formada pelos Setores Oeste e Sudoeste apresenta 74,2% da totalidade das ocorrências criminais a denúncia de crime contra o patrimônio (roubo, furto e latrocínio), 20,4% contra a pessoa (homicídio e lesão corporal), 4,5% contra a incolumidade pública (posse e uso de entorpecentes), 0,7% contra os costumes (estupro e atentado violento ao pudor) e 0,2% de diversos (ocorrências não-criminais). Os crimes se distribuíram ao longo da semana de modo equilibrado entre todos os dias, na faixa de 11,7% a 16,6%, com modestos picos nas quintas (16,6%), sextas (15,7%) e sábados (15%). Entretanto, é possível perceber que os picos são modestos pelo fato de somarem bairros com especificidades que se suavizam no conjunto. 55 Tabela 09: Sazonalidade semanal das ocorrências criminais nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP - 2002 Subsetores Salgado Filho Serra Dourada Campus Univ. Morumbi Universitário Cavalari José Teruel M. Califórnia Chico Mendes Argolo Ferrão Total segunda % 35 14,9 1 11,1 21 7,8 5 12,8 5 11,9 22 12,8 14 18,7 10 12,8, 6 13,3 8 12,3 127 12,3 terça % 27 11,5 31 2 5 18 10 9 7 11 120 11,6 5,1 11,9 10,5 13,3 11,5 15,6 16,9 11,7 quarta % 24 10,2 2 22,2 40 14,9 4 10,2 6 14,3 27 15,7 11 14,7 12 15,4 8 17,8 10 15,4 144 14,0 quinta % 29 12,3 3 33,3 65 24,2 5 12,8 5 11,9 24 13,9 9 12 13 16,7 7 15,5 11 16,9 171 16,6 sexta % 45 19,1 1 11,1 51 19,0 7 17,9 2 4,8 22 12,8 8 10,7 9 11,5 11 24,4 6 9,2 162 15,7 sábado domingo total % % 33 14,0 42 17,9 235 1 11,1 1 11,1 9 44 16,4 16 5,8 268 11 28,2 5 12,8 39 12 28,6 7 16,7 42 18 10,5 41 23,8 172 12 11 14,7 75 16 12 15,4 13 16,7 78 2 4 4,4 8,8 45 9 13,8 10 13,4 65 154 15 150 14,6 1028 Fonte: G.U.T.O. Org: M.R.C. As vítimas das ocorrências criminais se apresentaram na região oeste com 63,6% do Tabela 11: vítimas e tipologia criminal nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP - 2002 contra o patrimônio contra a pessoa contra os costumes Diversos Total/ Total Pop. Pop. total % total % total % total % Tabela diciados das ocorrências o Seto218,3 r Salgado Filho10: sexo 180das vítima 1 72 s e in69 27,6 0,4criminais nos bairro 250 s d1145 Serra Dourada 7 2 does22,2 204 77,8Oeste/Su 9 44,1 te de Marília/SP - 2002 Campus Univer. 227 2 134 81,1 víti51 18,2 0,7 280 2090 mas indiciados Subsetores Morumbi 34 10 1058 41,5 77,3 22,7 44 masculino % feminino % Total Masculino % feminino % Total TOTAL Universitário 37 9 426 107,9 80,4 19,6 46 Salgado Fº/Acapulco 164 65,6 86 34,4 250 74 86 12 14 86 336 Cavalari 117 36 1 1699 76,5 22,2 0,6 153 90 Serra Dourada 6 66,6 3 33,4 1 50 1 50 9 2 11 José Teruel M. 52 17 2 1 1,4 2792 25,7 72,2 23,6 2,8 72 CamCalifórnia pus Universitário 56 164 71,858,6 22116 28,2 41,4 280 58 76,3 18 23 76 354 78,7 2280 34,2 Morumbi 27 61,4 17 38,6 11 84,6 2 15 ,4 44 13 57 Chico Mendes 20 14 1161 46,5 32,6 43 37 Univers. 34 73,9 12 26,1 4 100 461 4 50 Argolo Ferrão 41 17 2506 69,5 28,8 1,6 59 23,5 Cavalari 39,9 1538 370,7 78,7 1 10 21,3 13405 47 200 Total 763 92 73,860,1 23961 23,1 0,1 1034 77,1 José Teruel Martinez 47 65,3 25 34,7 17 94,4 1 5,6 72 18 90 Fonte: G.U.T.O. Org: M.R.C. Califórnia 59 75,6 19 24,4 78 18 90 2 10 20 98 Chico Mendes 28 65,1 15 34,9 43 24 100 24 67 Argolo Ferrão 37 62,7 22 37,3 59 16 71,4 5 28,6 21 80 Total 658 63,6 376 37,4 1034 260 83,6 51 16,4 311 1343 Subsetores Fonte: G.U.T.O. Org: M.R.C. total como sendo do sexo masculino e 37,4% do sexo feminino. Os indiciados se caracterizaram na região por serem 83,6% do sexo masculino e 16,4% do sexo feminino. As vítimas denunciaram queixas de crime contra o patrimônio (73,8%), contra a pessoa (23,1%) e contra os costumes (0,7%). 56 Tabela 12: indiciados por tipologia criminal nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP - 2002 Subsetores Salgado Filho Serra Dourada Campus Univer. Morumbi Universitário Cavalari José Teruel Califórnia Chico Mendes Argolo Ferrão Total contra o patrimônio total % 27 31,4 1 50 34 44,7 5 38,5 9 2 4 5 19,1 11,1 20 20,8 85 27,3 contra a contra a incolucontra os pessoa midade pública costumes total % total % total % 46 53,5 13 15,1 1 50 32 42,1 9 11,9 1 1,3 5 38,5 3 23 1 2,1 4 100 28 59,6 9 19,2 2 11,1 13 72,2 3 16,7 13 65 3 15 10 41,7 9 37,5 13 61,9 7 33,3 1 4,8 165 53 56 18 5 1,7 Total 86 2 76 13 4 47 18 20 24 21 311 Fonte: G.U.T.O. Pop. Total/ Pop. 1145 204 134 1058 426 1699 2792 2280 1161 2506 13405 7,51 0,98 56,71 1,22 0,94 2,77 0,64 0,88 2,07 0,84 2,32 Org: M.R.C. Os indiciados estão respondendo pela acusação de 27% crimes contra o patrimônio, 50% contra a pessoa, 18% contra a incolumidade pública e 5% contra os costumes. Quer dizer, uma diversificação da dinâmica criminal se considerados os subsetores de bairros da região oeste em que se percebe uma proeminência dos Subsetores Salgado Filho, Campus Universitário, Cavalari e Universitário com altos índices de registros de ocorrências criminais, tanto na perspectiva das vítimas quanto dos indiciados em relação à população total residente. Os demais bairros apresentaram no ano de 2002 índices de criminalidade que podem até não ser aceitos por uma sociedade que urge pela paz no cotidiano de seus sujeitos e lugares, mas que diante dos bairros e regiões de bairros contíguos são sensivelmente modestos. 2.1.3. A pesquisa direta e a percepção espacial. Na pesquisa direta aplicada nos bairros dos Setores Oeste e Sudoeste – com exceção do Subsetor Serra Dourada dada à dificuldade de acesso aos moradores do condomínio – em 57 que foram abordadas pessoas nas ruas. Depois de confirmado o local de residência dos abordados em quaisquer dos bairros da região, aplicávamos o questionário. No total de 79 “entrevistas”, a amostra foi aleatória e desse modo se explicam alguns desníveis entre a população pesquisada tanto em relação aos seus bairros de origem quanto às outras informações básicas sobre os entrevistados. Do total dos entrevistados, 25,4% correspondem ao Setor Sudoeste, embora neste setor residam somente 9,5% da população total dos Setores Oeste e Sudoeste juntos. Como sabemos que entre os moradores estão os estudantes universitários que não constam dos dados do IBGE, acreditamos não realizarmos uma injustiça com os demais moradores dos outros bairros. O mesmo se aplica ao Subsetor de bairros Cavalari, em que foram entrevistadas 17 pessoas, ou 21,5% de toda a pesquisa, mesmo que contenha 12,7% da população total. Veja a relação dos questionários aplicados com a população de cada Subsetor de bairros (exceto o Subsetor Serra Dourada, onde não conseguimos aplicar o questionário). Tabela 13: relação de questionários aplicados por bairro na pesquisa direta realizada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. pesquisa total % Salgado Fº/Acapulco 13 16,5 Campus Universitário 7 88,9 Morumbi 9 114 Universitário 4 5,1 Cavalari 17 21,5 José Teruel Martinez 8 10,1 Califórnia 9 11,4 Chico Mendes/Poliana 6 7,6 Argolo Ferrão 6 7,6 Total 79 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C população total 1145 134 1058 426 1699 2792 2280 1161 2506 13405 SUBSETORES % 8,5 1 7,9 3,2 12,7 20,8 17 8,7 18,7 pesquisa/pop. 1,14 5,22 0,85 0,93 1 0,32 0,39 0,51 0,24 0,58 Org: M.R.C. Foram entrevistados somente pessoas com mais de 15 anos e a distribuição etária esteve bem distribuída entre as faixas, no conjunto dos Setores Oeste e Sudoeste. Como demonstra a tabela abaixo: Tabela 14: idade dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. SUBSETORES Salgado Fº/Acapulco Campus Universitário Morumbi Universitário Cavalari 15-20 2 21-25 1 3 2 1 5 26-30 1 2 1 4 31-40 4 1 1 1 3 41-50 3 +51 5 3 1 3 1 2 total 13 7 9 4 17 58 José Teruel Martinez 2 Califórnia 2 Chico Mendes/Poliana 1 4 Argolo Ferrão 2 Total 5 20 % 6,3 25,3 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C 3 2 1 2 15 19 1 12 15,2 2 3 8 9 6 6 79 2 1 1 16 11 20,3 13,9 Org: M.R.C. Do total de 79 pessoas, 40 eram homens e 39 mulheres. A maioria era casada – 54,4% contra 44,3% de solteiros – e somente uma pessoa era viúva. Tabela 15: sexo e estado civil dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. SUBSETORES masculino Salgado Fº/Acapulco 10 Campus Universitário 3 Morumbi 7 Universitário 1 Cavalari 8 José Teruel Martinez 3 Califórnia 4 Chico Mendes/Poliana 2 Argolo Ferrão 2 Total 40 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C feminino 3 4 2 3 9 5 5 4 4 39 solteiro 1 7 5 1 6 3 6 3 3 44,3 casado 12 viúvo 4 3 10 1 5 3 3 3 54,4 1,3 Org: M.R.C. Majoritariamente, os entrevistados nasceram em Marília (45,5%) e região (19%), sendo 7,6% oriundos da capital, 8,9% do restante do Estado de São Paulo e 19% de outros estados do país. Tabela 16: estado civil dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. SUBSETORES Salgado Fº/Acapulco Campus Universitário Morumbi Universitário Cavalari José Teruel Martinez Califórnia Chico Mendes/Poliana Argolo Ferrão Total % Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C solteiro 1 7 5 1 6 3 6 3 3 35 44,3 casado 12 4 3 10 5 3 3 3 43 54,4 viúvo 1 1 1,3 Org: M.R.C. 59 A ocupação profissional declarada pelos entrevistados foi de 41,8% no que definimos por nível I, que se trata de ocupações típicas de classes populares, e 13,9% no que definimos por nível II, ocupações que exigem maior qualificação. Definimos assim ao relacionarmos, no momento de computar esse dado, as informações sobre escolaridade e o bairro em que a pessoa morava. Dos entrevistados 20,3% eram estudantes, 13,9% “do lar”, 6,3% aposentados e 3,8% desempregados. Tabela 17: ocupação profissional dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. SUBSETORES estudante do lar Salgado Fº/Acapulco 1 1 Campus Universitário 7 Morumbi 1 Universitário 1 Cavalari 5 3 José Teruel Martinez 1 2 Califórnia 1 2 Chico Mendes/Poliana 1 1 Argolo Ferrão Total 16 11 % 20,3 13,9 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C aposentado 2 I 3 1 7 1 5 4 5 3 5 33 41,8 1 1 5 6,3 II 6 2 2 1 desempregado 1 1 11 13,9 1 3 3,8 Org: M.R.C. À questão do nível de escolaridade, 15,2% responderam ter o 1º grau até a 4ª série, 24% 1º grau até a 8ª série, 27,8% até 2º grau completo e 32,9% estavam cursando ou haviam concluído o curso superior. Tabela 18: nível de escolaridade dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. SUBSETORES Salgado Fº/Acapulco Campus Universitário Morumbi Universitário Cavalari José Teruel Martinez Califórnia Chico Mendes/Poliana Argolo Ferrão 1ºG(1ª-4ª) 1 1ºG (5ª-8ª) 2 2ºGrau 1 1 4 1 5 2 3 4 1 2 4 1 5 4 5 4 1 2 3ºGrau 9 7 2 5 2 1 60 Total 12 % 15,2 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C 19 24 22 27,8 26 32,9 Org: M.R.C. O tempo de residência dos entrevistados no bairro em que moram atualmente foi de 21,5% para menos de 1 ano, 31,6% entre 1 e 5 anos, 20,2% 6 a 10 anos e 26,6% com mais de 10 anos. Tabela 19: tempo de residência dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. SUBSETORES menos de 1 ano de 1 a 5 anos Salgado Fº/Acapulco 7 2 Campus Universitário 4 3 Morumbi 1 5 Universitário 1 Cavalari 5 4 José Teruel Martinez 4 Califórnia 3 Chico Mendes/Poliana 1 Argolo Ferrão 2 Total 17 25 % 21,5 31,6 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C de 6 a 10 anos 1 1 4 4 3 2 1 16 20,2 mais de 10 anos 3 3 2 4 3 3 3 21 26,6 Org: M.R.C. Em resposta à questão “Seu bairro é agradável?”, no Setor Oeste e Sudoeste, 53,2% dos pesquisados afirmaram que Sim, 35,4% responderam Razoavelmente e 11,4% disseram Não. Quando questionados se teriam conhecimento de como haviam surgido seus bairros, as respostas foram de 69,6% para Sim, 10,1% para Razoavelmente, 13,9% para Não e 6,3% para Não sabe/não conhece. 61 Tabela 21: repostas dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. 14-21) Como avalia as condições de seu através de? comunidade educação saúde asfaltamento saneamento B r R B r R B r R B r R B r R Salgado Fº/Acapulco 11 1 1 8 3 2 8 2 3 12 1 13 Campus Univers. 1 4 2 4 2 1 5 2 1 3 3 4 1 2 Morumbi 6 2 1 4 5 4 5 4 1 4 8 1 Universitário 1 2 1 1 3 2 2 2 1 1 3 1 Cavalari 8 6 3 7 4 6 9 5 3 6 3 8 10 4 3 José Teruel Martinez 4 1 3 3 3 2 5 2 1 5 2 1 7 1 Califórnia 7 2 8 1 7 1 1 7 2 8 1 Chico Mendes 3 2 1 1 5 1 3 2 3 2 1 4 1 1 Argolo Ferrão 4 2 4 2 4 2 2 1 3 5 1 Total 45 20 14 40 18 21 45 13 21 42 15 22 62 9 8 % 57 25 18 51 23 26 57 16 27 53 19 28 79 11 10 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C Org: M.R.C. B. Bom. r. Razoável. R. Ruim. SUBSETORES Quanto às condições do bairro, a maioria tendeu a avaliar com conceito de Bom a comunidade (57%), 51% a educação, 57% a saúde, 53% o asfaltamento, 79% o saneamento básico e 52% a iluminação pública. Do total, 35% responderam Bom e 35% para Ruim no quesito comércio. A segurança foi avaliada por 38% como Razoável e 33% como Ruim contra 29% de Bom. No conjunto, para todos os itens, os entrevistados responderam 51,6% Tabela 20: relação de respostas dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. 10) O bairro é 11) Sabe como surgiu o 12) Tem vizinhança agradável? agradável? bairro? sim não Razoável sim não Razoável sim não Raz. não conhece Salgado Filho 11 2 7 6 9 1 3 Campus Univer.. 5 1 1 1 6 6 1 Morumbi 6 2 1 1 8 7 2 Universitário 1 2 1 1 2 1 1 3 Cavalari 5 2 10 4 10 3 12 3 1 1 José Teruel M. 1 6 4 3 1 4 4 Califórnia 7 2 8 1 7 1 1 Chico Mendes 5 1 1 5 5 1 Argolo Ferrão 2 4 6 4 2 Total 42 9 28 42 9 28 55 11 8 5 % 53,2 11,4 35,4 53,2 11,4 35,4 69,6 13,9 10,1 6,3 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C Org: M.R.C. SUBSETORES como Bom, 13% como Razoável e 25% como Ruim. 62 Quando questionados sobre a participação dos pesquisados nas associações de moradores, Conselhos de Segurança dos bairros (CONSEG’s), escolas, clubes poliesportivo ou academia, igrejas e espaços de lazer, tais como lanchonetes, trailers de lanches, bares e restaurantes em seus próprios bairros, percebe-se no Setor Oeste e Sudoeste uma baixa participação exceto em igrejas e espaços de lazer. Os que afirmaram que freqüentavam igrejas Tabela 21-A: repostas dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003 (continuação) 14-21) Como avalia as condições de seu através de? iluminação segurança comércio total Total SUBSETORES B r R B r R B r R B r R Salgado Fº/Acapulco 10 1 2 9 4 1 6 6 104 72 17 15 Campus Univers. 2 4 1 1 1 5 3 4 56 18 18 18 Morumbi 7 1 1 3 3 3 4 2 3 72 40 10 22 Universitário 1 3 1 1 2 1 2 1 32 12 10 10 Cavalari 2 5 10 2 5 10 2 6 9 136 46 38 52 José Teruel Martinez 8 6 2 3 3 2 64 35 17 12 Califórnia 6 2 1 4 3 2 8 1 72 55 13 4 Chico Mendes 4 1 1 2 3 1 6 48 24 17 7 Argolo Ferrão 1 3 2 1 4 1 3 3 48 24 8 16 Total 41 20 18 23 30 26 28 23 28 326 148 158 632 % 52 25 23 30 38 33 35 29 35 51,6 23,4 25 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C B. Bom. r. Razoável. R. Ruim. B 69,2 33,3 55,5 37,5 33,9 54,7 76,4 50 50 51,6 % r 16,4 33,3 13,9 31,2 27,9 26,6 18 35,4 16,7 23,4 R 14,4 33,4 30,6 31,3 38,2 18,7 5,6 14,6 33,3 25 Org: M.R.C. foi de 51,9%, 11,4% destes ao menos razoavelmente. 87,8% freqüentam a igreja católica e os demais, 12,2%, freqüentam igrejas evangélicas. 63 Tabela 22: repostas dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. 29) o bairro é perigoso? sim não razoavelmente Salgado Fº/Acapulco 3 7 3 Campus Universitário 3 2 2 Morumbi 1 7 1 Universitário 3 1 Cavalari 7 5 5 José Teruel Martinez 3 3 2 Califórnia 3 3 3 Chico Mendes/Poliana 2 2 2 Argolo Ferrão 1 4 1 Total 26 34 19 % 32,9 43 24 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C SUBSETORES 30) já sofreu violência no bairro? sim não 3 10 1 6 1 7 1 2 9 8 2 6 9 1 5 2 4 22 57 27,8 72,2 Org: M.R.C. Para termos uma idéia da percepção que os mesmos têm sobre seus bairros perguntamos “O seu bairro é perigoso?”. Em resposta, 32,9% dos entrevistados acham que Sim, 24% acham que Razoavelmente, contra 43% que disseram Não. A maioria afirmou que não sofreu nenhum tipo de violência no bairro (72,2%) e os que afirmaram que tinham sido vítimas (27,8%) responderam em sua maioria que sofreram roubo, assalto, furto ou tentativa de roubo e assalto em residência (59,1% destes), sofreram assalto na rua (13,6%) e os demais (18%) responderam furto em automóvel na rua, assalto na escola e no trabalho, vandalismo em residência (uma entrevistada reclamou que apedrejaram a casa) e briga em bar. O que se sobressai nesse caso é a porcentagem de crimes dos quais disseram ter sido vítimas os pesquisados nos Subsetores de bairros Universitário, Morumbi e Cavalari, respectivamente, 75%, 41,8% e 37,5%. Por fim, para sabermos qual era a visão dos pesquisados sobre os demais bairros de Marília, indagamos a estes “Se pudesse mudar sua residência, para qual bairro de Marília gostaria de ir? Por que?” e “E para qual não mudaria? Por quê?” As repostas em relação aos bairros foram variadas, mas as justificativas foram mais uniformes e se orientaram no sentido que especulávamos: a referência à segurança, infra-estrutura do lugar e os possíveis vínculos afetivos, seja por família, amigos ou comunidade. Os bairros mais visados para uma desejosa mudança foram os bairros que se apresentam como “modernos”, “seguros ou sossegados”: como o Maria Isabel e o Esmeralda (11,4%), Aeroporto (7,6%) e Centro (10,1%). Entretanto, tiveram aqueles que optaram por bairros mais modestos como o Sta. Antonieta (6,3%), Vila Nova (3,8%), Califórnia (3,8 %), entre outros tais como Nova Marília, Palmital, Flamingo, Chico Mendes, Castelo Branco, 64 Continental e Cavalari, que respondem, em conjunto, por 15,2% das preferências. O interessante foi a referência à mudança para outra cidade (6,3%) com, por exemplo, a alusão por parte de um dos pesquisados à idéia de a cidade estar abandonada. Tabela 23: repostas dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. Se pudesse mudar de residência para qual bairro de Marília gostaria de ir? SUBSETORES Salgado Campus José Chico Argolo Morumbi Univers. Cavalari Califórnia Total Filho Univer. Teruel Mendes Ferrão Mª Isabel/ 5 1 1 2 Esmeralda Centro 4 1 Aeroporto 1 2 1 Sta Antonieta 1 1 2 Vila Nova 2 Campus 2 Califórnia 3 Outros (1) 1 2 4 2 Outra cidade 1 2 2 Nada 6 3 1 1 3 1 Total 13 8 9 4 17 8 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C (1) Nova Marília, Palmital, Salgado ilho, Tangará, Flamingo, Chico Mendes, Continental e Jardim Cavalari. 9 1 1 1 1 1 1 5 9 4 6 “chácara ou % 11,4 1 1 1 1 8 10,1 6 7,6 5 6,3 3 3,8 3 3,8 3 3,8 1 12 15,2 5 6,3 1 25 31,6 6 79 Org: M.R.C. sítio”, Castelo Branco, As justificativas utilizadas para atração pelos bairros preferidos foram: “calmo ou sossegado” (11,4%), ser “ex-morador” (10,2%), maior “infra-estrutura” (10,2%), Tabela 24: repostas dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. Se pudesse mudar de residência para qual bairro de Marília gostaria de ir? Por que? Subsetores Chico Argolo José Salgado Campus Total Califórnia Morumbi Univers. Cavalari Mendes Ferrão Teruel Filho Univer. % Calmo/sossegado 4 1 1 1 1 1 9 11,4 Ex-morador 1 2 1 1 3 8 10,1 Infra-estrutura 1 1 2 1 2 1 8 10,1 Localização 2 2 1 1 1 7 8,9 Família/amigos 1 2 1 1 1 6 7,6 Segurança 1 1 1 1 4 5 Comunidade 2 1 3 3,8 Outros (1) 2 2 2 6 7,6 Nada 3 1 5 4 1 6 6 1 1 28 35,5 Total 13 8 9 4 17 8 9 6 6 79 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C Org: M.R.C. (1) “moderno/novo”, “lugar gostoso”, ser o bairro do “estádio”, e função da “cidade [estar] abandonada” e pelo “clima”. “localização” (8,9%), “família ou amigos” (7,7%). O que nos parece curioso são as referências ao fato de no bairro desejado ter um Estádio ou, num outro caso, em que o 65 entrevistado queria mudar de Marília por causa do clima que o incomoda devido aos ventos fortes. Os bairros preteridos foram, em sua maioria, citados os mais populares como o Nova Marília (16,4%) – enorme região de bairros surgida na década de 80 com o loteamento de conjuntos habitacionais e casas populares, com grande número de favelas em seu entorno –, Santa Antonieta (10,1%) – bairro afastado do centro da cidade, que compõe o distrito industrial e possui loteamentos para as classes populares e favelas no entorno –, Vila Barros (12,7%) – favela mais conhecida da cidade –, Vila Real (6,3%) – também conhecida favela da região do bairro Nova Marília –, Chico Mendes (5,1%), bairro popular do Setor Oeste e Jardim Cavalari (3,1%). Os outros 20,6% incluem citações de bairros como o Jardim Universitário, Jardim Califórnia, Higienópolis, Comerciários, José Teruel Martinez, Vila Nova, Argolo Ferrão, Teotônio Villela, Jardim Morumbi, Poliana, Aeroporto e a “surpresa” de um entrevistado que afirmou “qualquer uma de classe baixa”. Indagado do por quê, a resposta foi incisiva: se podia morar num bairro de classe média alta, porque moraria num bairro de classe baixa? Preocupava-se com o futuro dos filhos, a comunidade e o perigo que os bairros de classe baixa incorria à sua prole. Além desse particular e emblemático caso, as respostas caminharam num sentido Tabela 25: repostas dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. Se pudesse mudar de residência para qual bairro de Marília não gostaria de ir? SUBSETORES Salgado Campus José Chico Argolo Morumbi Univers. Cavalari Califórnia Total % Filho Univer. Teruel Mendes Ferrão N. Marília 2 3 1 1 3 2 3 1 13 16,4 V. Barros 1 1 3 2 3 10 12,7 S.Antonieta 1 2 1 1 1 1 1 8 10,1 V. Real 2 2 1 5 6,3 V. Jardim 1 1 2 4 5,1 C. Mendes. 2 2 4 5,1 Cavalari 1 2 1 4 5,1 Outros (1) 4 (2) 2 1 5 2 1 1 2 16 20,6 Nada 3 2 4 1 4 1 15 19 Total 13 8 9 4 17 8 9 6 6 79 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C Org: M.R.C. (1) Universitário, Jardim Califórnia, Higienópolis, Comerciários, José Teruel Martinez, Vila Nova, Argolo Ferrão, Teotônio Vilela, Morumbi, Poliana, Aeroporto, “vários” e “qualquer um de classe baixa”. (2) “qualquer um de classe baixa”. parecido, ao citarem a “violência e insegurança” (41,8%) como fatores que fariam com que evitassem mudar para os bairros citados. A falta de “infra-estrutura” (7,6%) e a “localização” (10,1%) pesaram. A referência à “comunidade” (6,3%) e o fato de ter sido “ex-morador” e 66 “não ter gostado” do bairro (3,9%), foram citados juntamente com a comparação com o próprio bairro, de ser “mal falado” e “por não gostar”, totalizando (3,9%). É possível constatar, portanto, especificidades que precisam ser observadas mais Tabela 26: repostas dos entrevistados em pesquisa direta aplicada nos bairros do Setor Oeste/Sudoeste de Marília/SP em 2003. Se pudesse mudar de residência para qual bairro de Marília não gostaria de ir? Por que? Violência. Localização infraestrutura Comunidade Ex-morador Salgado Filho 5 2 1 1 1 Outros (1) Nada Total 3 13 Subsetores Campus José Chico Argolo Morumbi Univers. Cavalari Califórnia T. % Univer. Teruel Mendes Ferrão 7 5 5 3 3 4 1 33 41,8 1 1 1 1 1 1 8 10,1 4 1 6 7,6 3 1 5 6,3 1 1 3 3,9 1 1 1 1 4 5 4 6 1 2 4 2 22 27,8 8 9 4 17 8 9 6 6 79 Fonte: Pesquisa direta aplicada em 2003 por M.R.C (1) Favela, por ser “pior que o próprio bairro”, por ser “mal-falado” e por “não gostar”. Org: M.R.C. particularmente. De certo modo encontramos nas ruas dos bairros pessoas com condições sócio-econômicas razoavelmente correspondentes àquelas demonstradas pela média entre os domicílios através do Censo do IBGE. O interessante é que parece que as pessoas tendem a perceber os seus bairros, no item em que se solicitava para avaliarem as condições do mesmo, de acordo com as condições apontadas pelo próprio IBGE. Os sujeitos dos bairros mais abastados parecem tender a avaliarem-no positivamente na maioria dos aspectos, e os sujeitos dos bairros populares a avaliarem com conceitos senão Ruim, simplesmente, Razoável. Quanto às perspectivas sobre a criminalidade e a violência, os sujeitos de bairros com elevados índices de violência não o percebem assim, como é o caso do Subsetor Salgado Filho/Acapulco. As imagens que os sujeitos têm sobre os bairros de Marília também demonstram os preconceitos que possuem: embora saibamos que os registros objetivos, no caso os dados dos boletins de ocorrência, não refletem totalmente a realidade, é curiosa a referencia quase unívoca de que os bairros mais abastados são os mais “sossegados” para se viver e os bairros mais populares, em especial com favelas, são os lugares com os maiores riscos à segurança dos sujeitos. 5. Os lugares da região oeste de Marília: suas particularidades sociais, seus problemas, seus sujeitos e as percepções espaciais destes. 67 Em nossa análise, nos propomos a observar particularmente os bairros que compõem a região oeste. Estes bairros estão agrupados de modo que seja possível a comparação com os dados do IBGE em subsetores de bairros. A observação parte, neste caso, dos mesmos referenciais postos pela análise sobre a região oeste, interpretando os dados coletados, organizados e sistematizados presentes no capítulo 4. O olhar sobre tais subsetores de bairros constitui-se numa preocupação em identificar e apontar as especificidades e singularidades postas por determinações econômicas e sociais que permitam estabelecermos relações com os problemas decorrentes da criminalidade e com as apreensões dos homens e mulheres que vivem e experienciam na superfície de tais lugares da cidade. 5.1. O Subsetor de bairros Salgado Filho/Acapulco: “só falta murar para se tornar condomínio fechado”. Esse subsetor de bairros corresponde ao loteamento de uma fazenda de importante família de Marília, a fazenda “Bonfim” da família de Galdino de Almeida. Uma região de vários bairros de denominações, por exemplo, Salgado Filho, Salgado Filho Prolongamento, Acapulco I e II. Tal região de bairros sofreu desde seu princípio forte processo de especulação imobiliária. Segundo Faleiros (1983), embora já tivesse mais de trinta anos de abertura do loteamento, o bairro Salgado Filho possuía o mais alto índice de imóveis vagos entre todos os bairros de Marília. Apresentava, em 1980, 70,3% de terrenos vagos segundo dados da Prefeitura de Marília (p.65). Ainda hoje, entre as suntuosas casas de estilos arquitetônicos diversos, formas e cores variadas, existem terrenos ociosos à espera de novos compradores. Andar por suas ruas à busca de entrevistados foi uma atividade difícil pois as pessoas não caminham a pé exceto os funcionários, descartados para a pesquisa por serem moradores de outros bairros não pertencentes à região oeste. Ambientes ermos em que a única companhia são os latidos dos cães de guarda presos nas residências. Os entrevistados foram interceptados no interior de suas casas pelas frestas das grades de seus quintais e jardins. Notadamente, nos dados do IBGE, este subsetor determina o Setor Sudoeste, uma vez que os números sobre o Subsetor Campus Universitário estão subestimados por desprezar os estudantes universitários residentes e influir pouco, percentualmente, nos dados do Setor. Sua composição demográfica é demarcada por uma distribuição equilibrada entre a população jovem e a mais idosa. O rendimento dos responsáveis por domicílio é alto na sua maioria. 42% ganham mais de 20 salários mínimos e 45,8% ganham entre 5 e 20 salários, situação 68 diversa de toda a cidade de Marília. A escolaridade dos responsáveis acompanha tal perfil onde 68,9% têm nível de graduação, computando aqueles que não concluíram a faculdade e aqueles com nível de pós-graduação (11,7%). A condição de suas residências e o acesso aos equipamentos urbanos é bastante satisfatório, com quase a totalidade dos domicílios ligados à rede geral de abastecimento de água (99,7%) e de esgoto (100%) e tem seu lixo coletado (99,7%) além de possuir enorme percentual de casas com mais de três banheiros (71,7%). A dinâmica criminal neste subsetor se apresenta com grande número de ocorrências no ano de 2002. 235 das 1028 ocorridas em toda a região oeste (portanto, Setor Oeste e Setor Sudoeste), quer dizer, 22,5% do total, quando responde por apenas 7,6% da população. 73,2% das ocorrências foram contra o patrimônio, 21,7% contra a pessoa, 5,1% contra a incolumidade pública e contra os costumes, concentrando seus picos nos dias de sextas, sábados, domingos e segundas-feiras. Acompanha a média dos subsetores dos Setores Oeste e Sudoeste na questão das vítimas e indiciados por sexo e por tipologia criminal, somente apontando para modesta elevação nos dados sobre vítimas de crimes contra a pessoa: 27,6% no subsetor para 23,1% no caso do conjunto dos demais. Os entrevistados, no total de 13, tinham na maioria mais de 31 anos, sendo 5 mais velhos de 51 anos. 10 eram do sexo masculino, 12 casados e 5 eram nascidos em Marília e 2 na região, além de 3 serem da capital. Profissionalmente, 6 responderam por ocupações correspondentes ao que definimos por nível II, além de 2 aposentados. 9 responderam ter o 3º grau – de estudante a pós-graduação. A maioria é moradora há pouco tempo no bairro (7 respostas). Os respondentes acham-no agradável e metade (7 respostas) afirmou saberem como surgiu o bairro e terem um vizinhança agradável (9 respostas), embora foi o bairro em que mais pessoas assumiram não conhecerem os vizinhos (3 respostas). Acreditam que em todos os quesitos as condições dos bairros estão boas (69,2%) reclamando somente do comércio. Muitos afirmaram que seus bairros não possuem estabelecimentos comerciais por serem estritamente residenciais e têm uma série de normas para garantir essa condição, por exemplo, impedem a passagem de linhas de ônibus no bairro Acapulco. Uma entrevistada falou que bastaria um muro para o seu bairro, o Acapulco, tornar-se um condomínio fechado. Se observado os limites deste bairro, talvez poderiam ser dispensados os muros por três lados, pois divisa com uma faculdade, que já possui seu próprio muro; com a rodovia de outro lado; e com um precipício nos fundos, os chamados “Itambé”.88 69 Seus moradores têm quase nula participação na vida do bairro, com resposta negativa na média de 81,4% do total. Isso se deve ao fato de ser um bairro estritamente residencial. Os moradores afirmaram que freqüentavam alguns dos itens postos no questionário, entretanto, estes se situavam em outros bairros e eram acessados por meio do automóvel. Quanto à percepção do nível de segurança, 7 dos pesquisados achavam o bairro perigoso e 10 não sofreram nenhum tipo de violência no bairro, fato que se explica pela brevidade no tempo de residência no bairro. Em relação aos demais bairros de Marília, os bairros mais visados foram o Maria Isabel e Esmeralda e os bairros preteridos foram aqueles populares, com o exemplo do sujeito que respondeu que não mudaria para qualquer bairro de “classes baixas” de modo enfático. As justificativas para morar nos bairros visados foram localização, maior infra-estrutura, segurança, entre outros. Na direção contrária, mas com critérios parecidos, se situaram as preocupações para não se mudar para os bairros de “classes baixas”: suposto alarmante nível de insegurança, comunidade suspeita para a educação e bem-estar de seus filhos, entre outros. 5.2. O Subsetor de bairros Campus Universitário: o lugar das faculdades e dos estudantes universitários. Os universitários são a locomotiva da imobiliária, visto que representa cerca de 50% do número de clientes. Trabalhamos em função deles [...] os locais mais procurados pelos universitários ficam na região próxima das 89 faculdades, em bairros como o Jardim Cavalari, Universitário e Araxá . Juntamente com as três faculdades Universidade Estadual Paulista – Campus de Marília, Universidade de Marília – Unimar e Fundação de Ensino Eurípedes Soares da Rocha, o Jardim Araxá e o Jardim São Gabriel compõem o Subsetor de bairros Campus Universitário. Tais bairros são caracterizados por grande número de prédios e condomínios de prédios, os quais seus apartamentos são alugados para as “repúblicas” de estudantes. Possuem vastos terrenos ociosos nas grandes quadras já atendidas por pavimento asfáltico e iluminação e, provavelmente, saneamento básico. Através dos dados do IBGE podemos ter uma idéia das condições socioeconômicas da população residente registrada no Censo de 2000, sem os estudantes universitários. A estrutura etária acompanha a distribuição das faixas de idade do Setor Sudoeste, quer dizer, uma população bem distribuída entre as faixas, com elevado percentual e uma população mais 89 Palavras de gerente de locação de uma imobiliária localizada no centro de Marília. Diário, “Comércio comemora volta de estudantes”, quinta-feira, 31 de Julho de 2003. p. 4-A. 70 velha – entre a população registrada, evidentemente. Os rendimentos dos responsáveis dos domicílios são elevados: 80% recebem mais de 10 salários mínimos. O nível de escolaridade acompanha essa porcentagem: (77%) são graduados ou pós-graduados. Tem acesso a rede geral de água (100%), de esgoto (94,3%), seu lixo é coletado na totalidade e 45% das residências possuem 4 ou mais banheiros. A dinâmica criminal apresenta-se com elevadíssimos índices. Com 2000 ocorrências criminais por mil habitantes, mesmo se somados os estudantes é possível ter uma idéia do assombroso índice. A maior parte dos crimes registrados é contra o patrimônio e concentra-se nas quintas, sextas e sábados. As vítimas são 58,6% homens e 41,4% mulheres, ou seja, é o único subsetor de bairros em que a porcentagem feminina de vítimas ultrapassa a faixa de 40%. Os indiciados são 76,3% de homens e 23,7% de mulheres e respondem 49,7% deles por crimes contra o patrimônio – índice mais alto em toda a região oeste – 42,1% contra a pessoa, além de 11,9% contra a incolumidade pública. Na pesquisa direta foram entrevistadas 7 pessoas, sendo 5 entre 15 a 25 anos, 3 homens e 4 mulheres, todos solteiros, nenhum natural de Marília, 4 de outros estados, todos estudantes universitários e com pouco tempo de moradia no bairro: 4 com menos de 1 ano e 3 entre 1 e 5 anos. Responderam achar o bairro agradável (5 respostas), não sabem como surgiu o bairro (6 respostas) e tem uma vizinhança agradável (6 respostas). Na avaliação das condições do bairro, os entrevistados responderam na média em todos os itens com o mesmo peso para Bom, Razoável e Ruim. Embora achassem a vizinhança agradável, responderam que a comunidade era Razoável ou Ruim (4 e 2 repostas, respectivamente). O que nos resta a dúvida sobre o que avaliam como sendo “comunidade”. Criticaram o asfaltamento, a iluminação, a segurança e o comércio e apreciaram a educação e a saúde em função da existência das faculdades no bairro e do hospital universitário da Universidade de Marília – UNIMAR. Não participam de Associações de Moradores, de Conselho de Segurança no bairro, nem igreja, mas freqüentam escola (por interpretarem esta por ser a universidade), clube poliesportivo ou academia (3 respostas) – o maior percentual de respostas positivas entre todos os subsetores de bairros da região oeste – e espaços de lazer (5 respostas). Os pesquisados acham o bairro perigoso (3 respostas para Sim e 2 para Razoavelmente) e somente 1 pessoa afirmou ter sofrido algum tipo de violência. A visão deles em relação aos outros bairros de Marília pode ser captada pela referência positiva ao Centro, mesmo sem dar maiores explicações do por quê – 6 não responderam o por quê da escolha e 1 disse achar o Centro “sossegado”. A referência negativa recaiu-se sobre o Bairro Nova 71 Marília e ao Cavalari, justificados por serem “perigosos”, “sem infra-estrutura” e pela “localização”. 5.3. O Subsetor de bairros Morumbi: no extremo oeste... Dos bairros populares às chácaras de recreio. Subsetor de bairros esparso espacialmente, o Subsetor Morumbi é formado por dois bairros Jardim Morumbi e Jardim Flamingo e bairros de chácaras de recreio como o Sítio Recreio Céu Azul e Sítio Recreio Panambi. Contíguo ao Jardim Morumbi existe um condomínio fechado de pequenos prédios. Os bairros residenciais são de loteamentos recentes e caracterizam-se por serem os bairros mais distantes da região oeste. O bairro Flamingo situa-se ao extremo oeste e somente pode ser acessado pela rodovia Marília-Assis e por uma linha de ônibus urbano. Este bairro teve parte de suas asfaltadas somente dias antes de nossa visita para a aplicação da pesquisa direta. Segundo os dados do IBGE a estrutura etária acompanha a distribuição das faixas de idade do Setor Oeste, ou seja, uma população mais jovem. Dos 1058 moradores, 298 ou 28,2% tem menos de 15 anos. Os rendimentos dos responsáveis dos domicílios são em sua maioria de 1 a 10 salários (87,2%), sendo que metade destes (50,5%) auferem menos de 3 salários mínimos. O nível de escolaridade é bastante concentrado entre aqueles que fizeram somente o 1º grau (59%), sendo que 8% não têm nenhuma escolaridade. Quanto à condição do abastecimento de água e do escoamento do esgoto, 87,8% e 66,6%, respectivamente, dos domicílios tem acesso. 12,5% utilizam-se de poços ou nascentes para coletar água e 26,4% utilizam-se de fossa rudimentar e 4% de fossa séptica. O destino do lixo é a coleta para 82,9% dos domicílios. 15,1% queimam e 1,3% enterram o lixo domiciliar. 76,6% das residências possuem somente um banheiro e 18% dois. A dinâmica criminal do Subsetor é caracterizada por ser baixa na relação ocorrências por mil habitantes: 37,5% para a média da região oeste de 76,7%. Os crimes mais correntes são 76,9% contra o patrimônio e 15,4% contra a pessoa e ocorreram ao longo dos dias da semana com picos nas sextas e sábados. As vítimas foram de 61,4% homens e 38,6% mulheres, que denunciaram terem sido vítimas em 77,3% de crimes contra o patrimônio e 22,7% de crimes contra a pessoa. Os indiciados são 84,6% de homens e 15,4% de mulheres, que respondem 38,5% por crimes contra o patrimônio, 38,5% contra a pessoa e 23% contra a incolumidade pública. Ou seja, é um subsetor na perspectiva das vítimas e indiciados, com exceção da tipologia criminal destes últimos, bem característico à região oeste. 72 Na pesquisa direta foram entrevistadas 9 pessoas, sendo 4 entre 21 e 30 anos e 3 entre 41 e 50 anos; 7 homens e 2 mulheres; 5 solteiros e 4 casados; 6 naturais de Marília, 2 da região e 1 de outro estado; 7 trabalhadores de ocupações profissionais definidas por nível I, 1 aposentado e um do lar; 4 fizeram da 5ª à 8ª série do 1º grau e 4 tem nível de 2º grau; 6 moram nos bairros há menos de 5 anos e 3 há mais de 10 anos. Quanto ao que achavam do bairro, de um modo geral, 6 disseram que o bairro é agradável, 9 disseram não saber como surgiu e 7 afirmaram ter uma vizinhança agradável. Avaliando as condições do bairro, os entrevistados responderam na média em todos os itens 55,5% para Bom, 13,9% para Razoável e 30,6% para Ruim. Um dos bairros com altos índices de respostas negativas. Avaliaram negativamente serviços básicos como educação e saúde. O restante ficou mais equilibrado, mas sem unanimidade, por exemplo, a questão do asfaltamento dividido em 4 para Bom e 4 para Ruim em função de tal serviço ter sido feito somente em algumas das ruas. Quanto á participação nas Associações de Moradores, Conselho de Segurança do bairro e escolas, a resposta foi negativa. 4 afirmaram freqüentar igrejas no bairro (1 evangélica e 3 católica) e 4 disseram que freqüentam os espaços de lazer do bairro (bares e lanchonetes). Os pesquisados não acham o bairro perigoso (7 respostas para Sim e 2 para Não e Razoavelmente) e 2 pessoas afirmaram ter sofrido algum tipo de violência no bairro ( roubo ou tentativa em residência e briga em bar). Quanto aos outros bairros de Marília, a referência positiva deu-se pelos bairros Califórnia (3 respostas), Santa Antonieta (1 resposta), Aeroporto (1 resposta) e Esmeralda (1 resposta), além de 2 pessoas terem externalizado o desejo de mudarem-se para outra cidade. O que os atraem em tais bairros é fato de serem ex-moradores (3 respostas), terem maior infraestrutura (2 respostas), família e amigos (1 resposta) e outros. Os bairros preteridos foram o Santa Antonieta (2 respostas), Vila Real (2 respostas) e Vila Jardim (1 resposta). A justificativa para rejeitarem tais bairros é a referência ao fato de serem “perigosos e violentos” (4 respostas) e por terem favela (1 resposta). 5.4. O Subsetor de bairros Universitário. Subsetor de bairros residenciais contíguo ao Subsetor Morumbi. Possui enorme quantidade de terrenos vazios numa área de baixada possui uma favela. É um bairro utilizado também pelos estudantes universitários para local de suas residências. 73 Segundos os dados do IBGE a estrutura etária tem uma distribuição equilibrada nas faixas de idade. Dos 426 moradores, 114 ou 26,7% tem menos de 15 anos. Os rendimentos dos responsáveis dos domicílios são 25,2% de mais de 10 salários mínimos e 66,4% entre 1 e 10 salários mínimos. O grau de escolaridade é de 45,8% graduandos ou graduados em nível superior. Em relação ao acesso dos domicílios ao abastecimento de água e escoamento do esgoto, 100,0% e 99,2%, respectivamente. O destino do lixo é a coleta para 99,2% dos domicílios, 13,7% das residências tem três ou mais banheiros, 34,3% dois e 51,9% somente um. O que parece apresentar um bairro com uma população com uma parte mais abastada economicamente e outra parte mais remediada, mas com todos tendo acesso aos equipamentos urbanos básicos.90 A dinâmica criminal do Subsetor é alta na relação ocorrências por mil habitantes: 98,6% para a média da região oeste de 76,7%. Os crimes mais correntes são 85,7% contra o patrimônio e 14,3% contra a pessoa. Os registros apontam que as ocorrências criminais se distribuíram ao longo dos dias da semana, elevada percentagem nos finais de semana, sábados (28,6%) e domingos (16,7%). As vítimas foram de 73,9% de homens e 26,1% de mulheres, que denunciaram terem sido vítimas em 80,4% de crimes contra o patrimônio e 19,6% de crimes contra a pessoa. Os quatro indiciados são homens e respondem por crimes contra a pessoa. É um dos bairros que apresenta a maior percentagem de crimes contra o patrimônio entre os tipos dos crimes registrados, mas os poucos indiciados são os que respondem por crimes contra a pessoa. Na pesquisa direta foram entrevistadas 4 pessoas, sendo 2 entre 21 e 30 anos e 1 entre 31 e 40 anos e 1 entre 41 e 50 anos; 1 homem e 3 mulheres; 1 solteiro e 3 casados; 2 naturais de Marília e 2 da região; 1 trabalhador de ocupação profissional definida por nível I, 2 de nível II e um do lar; 1 fez o 1º grau, um o 2º grau e 2 tem o curso superior; 1 mora no bairro há menos de 5 anos, outro entre 6 e 10 anos e outros dois, mais de 10 anos. Quanto ao que achavam do bairro, metade disse que o bairro não é agradável, e um disse razoável. O mesmo disseram para o conhecimento de como o bairro surgiu e mais da metade (3 respostas) disseram que a vizinhança não era agradável. Uma entrevista, neste momento da pergunta, fez alusão à presença dos estudantes universitários como um dos fatores que comprometem a qualidade do bairro. 90 Entretanto, observando esse dado, resta a dúvida se a favela foi computada neste subsetor, uma vez que sabemos que esse tipo de condição de ocupação para moradia se caracteriza especialmente por estar alijada de serviços básicos como rede geral de esgoto, por exemplo. 74 As condições do bairro foram avaliadas pelos entrevistados na média em todos os itens por 37,5% para Bom, 31,2% para Razoável e 31,3% para Ruim. Outro bairro com altos índices de respostas negativas. Criticaram a comunidade, a educação, a saúde, a iluminação e a segurança. Somente um dos entrevistados afirmou freqüentar igreja e, outro, freqüentar espaços de lazer no bairro. Fora essas exceções, a resposta negativa foi unânime à freqüência aos itens postos no questionário aplicado. Os pesquisados acham o bairro perigoso (3 respostas para Sim e 1 para Não) e 2 pessoas afirmaram ter sofrido algum tipo de violência no bairro (roubo ou tentativa em residência e na rua), sendo que uma delas afirmou ter sido vítima duas vezes. Quanto aos outros bairros de Marília, citaram como bairros de preferência o Esmeralda ou Maria Isabel, Tangará e Cavalari, justificando por “segurança”, “família ou amigos” e “lugar gostoso”. Os bairros preteridos por três dos entrevistados foram o próprio bairro, a Vila Barros e Santa Antonieta, com a justificativa de que são “perigosos” e não possuem boa “localização”. Notadamente, percebe-se uma visão muito depreciativa do próprio bairro e que vive sob muitos aspectos, o que nos resta indagar se corresponde ao fato de ser um bairro de certo do modo afastado, sem acesso a alguns equipamentos urbanos, à ausência de comércio, escolas, etc. com o agravante de possuir uma historicidade de crimes. Um fenômeno que parece orbitar as vidas, tal como a criminalidade, podemos compreender como contribui para apreender o bairro e suas manifestas limitações sócio-espaciais sob uma valoração negativa. 5.5. O Subsetor de bairros Cavalari. Este Subsetor de bairros tem uma série de bairros bastante variados entre si se observadas as formas das quadras e os estilos das residências. Possui áreas mais pauperizadas e outras mais sofisticadas. Como os outros subsetores acima, apresenta muitos terrenos ociosos entre as casas, além de grandes terrenos não residenciais: por exemplo, o clube Marília Tênis Clube que está abandonado e o cafezal que corta a ligação entre os bairros Higienópolis e Paraíso. O Subsetor é formado pelos bairros Jardim Cavalari, Parque Vivendas, Paraíso, Higienópolis, Rio Branco e Souza. Segundo os dados do IBGE a estrutura etária acompanha o perfil do Setor Oeste, ou seja, uma população mais jovem. Os rendimentos dos responsáveis dos domicílios são em sua maioria de 1 a 5 salários (66%), de 5 a 10 salários (16,5%) e 9,2% ganham mais de 10 salários 75 – mais alto do que a média do Setor Oeste (7,6%) e 8,1% declararam em 2000 não terem recebido renda alguma – acima da média do Setor Oeste (5,9%). O nível de escolaridade é bastante concentrado entre aqueles que fizeram somente até o 1º grau (48,4%) – acima dos 43% do Setor Oeste – e 13,4% sem nenhum curso – contra 6,7% do Setor Oeste. Quanto ao abastecimento de água e escoamento do esgoto, 96,4% e 81%, respectivamente, dos domicílios tem acesso, sendo que 3,4% utilizam-se de poços ou nascentes para coletar água e 15,4% utilizam-se de vala e 3,5% de fossa séptica, rudimentar ou rio. O lixo é a coletado em 89,9% dos domicílios. 6,2% é queimado e 3,3% é jogado em terreno baldio ou logradouro. 71,4% das residências possuem um banheiro – índice abaixo da média do Setor (78,9%) – e 4,4% não possuem banheiro. A dinâmica criminal do Subsetor se apresenta por ser elevada na relação ocorrências por mil habitantes: 101,2 para a média da região oeste de 76,7. 73,8% foram de crimes contra o patrimônio e 20,9% crimes contra a pessoa e ocorreram ao longo dos dias da semana com picos nas quartas e domingos. As vítimas se dividiram em 60,1% de homens e 39,9% de mulheres, que denunciaram terem sido vítimas em 76,5% dos registros de crimes contra o patrimônio e 22,2% de crimes contra a pessoa. Os indiciados foram de 78,7% de homens e 21,3% de mulheres, que respondem 73,8% por crimes contra o patrimônio, 20,9% contra a pessoa e 4,1% contra a incolumidade pública. Na pesquisa direta foram entrevistadas 17 pessoas, sendo 9 entre 21 e 30 anos, 3 entre 31 e 40 anos e 5 com mais de 40 anos; 8 homens e 9 mulheres; 6 solteiros, 10 casados e 1 viúvo; 10 naturais de Marília, 2 da região e 4 de outros estados; 5 trabalhadores de ocupações profissionais definidas por nível I, 2 de nível II, 5 estudantes, 1 aposentado e um do lar; 5 fizeram até a 4ª série, 5 fizeram da 5ª à 8ª série do 1º grau, 2 tem nível de 2º grau e os demais (5) eram estudantes universitários; 5 moram nos bairros há menos de 1 ano, 4 entre 1 e 5 anos, 4 entre 6 e 10 anos e 4 há mais de 10 anos. Quanto ao que achavam do bairro, 10 disseram que o bairro é razoavelmente agradável, 2 disseram que não é agradável e 5 afirmaram que era agradável. 10 não sabem como surgiu e 12 afirmaram ter uma vizinhança agradável. Avaliando as condições do bairro, os entrevistados responderam 33,9% para Bom, 27,9% para Razoável e 38,2% para Ruim na média de todos os itens. O bairro com o mais alto índice de respostas negativas. Avaliaram negativamente serviços básicos como educação, asfaltamento, iluminação, segurança e comércio. O item saúde não foi criticado pelo fato de no bairro funcionar uma UBS – Unidade Básica de Saúde, referência constante nas entrevistas. 76 Quanto à participação nas Associações de Moradores, Conselho de Segurança do bairro, escolas e igrejas, a resposta foi negativa em quase a totalidade, exceto para os outros espaços de lazer. Os que afirmaram freqüentar igrejas no bairro responderam 1 evangélica e 4 católica. Neste Subsetor encontramos uma das pessoas que afirmaram fazer parte da associação dos moradores e do Conselho de Segurança do Bairro. Os pesquisados acham que o bairro é perigoso (7 respostas para Sim, 5 para Não e 5 para Razoavelmente) e 9 pessoas afirmaram ter sofrido algum tipo de violência no bairro. 5 foram vítimas de roubo ou tentativa em residência, 1 roubo na rua e 1 denunciou ato de vandalismo (apedrejamento de residência). A referência quanto aos outros bairros de Marília revelou-se positiva pelos bairros Maria Isabel e Esmeralda (2 respostas), Campus (2 respostas), Aeroporto (1 resposta), Santa Antonieta (1 resposta), Centro (1 resposta), Nova Marília (1 resposta), Palmital (1 resposta), Castelo Branco (1 resposta) além de 2 pessoas quererem se mudar para outra cidade (2 respostas) e chácara ou sítio (1 resposta). Os bairros de preferência foram avaliados positivamente pelo fato de serem “calmos ou sossegados” (4 respostas), (1 respostas), pela comunidade (2 respostas), pela localização (2 respostas), além de terem maior infra-estrutura (1 resposta), família e amigos (1 resposta), pelo “movimento do bairro”, e pelo entrevistado ser ex-morador, entre outros. Os bairros preteridos foram o Chico Mendes (2 respostas), Vila Real (2 respostas), Vila Jardim (1 resposta), Nova Marília (1 resposta), Universitário (1 resposta), Califórnia (1 resposta), Jardim Morumbi (1 resposta), Santa Antonieta (1 resposta), Jardim Higienópolis (1 resposta), e Jardim Poliana (1 resposta). A justificativa para rejeitarem estes bairros é a referência ao fato de serem “perigosos e violentos” (7 respostas), pela “comunidade” (3 respostas), pela “localização” (1 resposta), por ser “ex-morador” e não “ter gostado do bairro” (1 resposta) e por ser “pior do que o próprio bairro” (1 resposta). 5.6. Subsetor de bairros José Teruel Martinez. Constituído de bairros de loteamentos populares e conjuntos habitacionais, o Subsetor de bairros José Teruel Martinez é formado pelos bairros Comerciários I e II, Jardim Maria e um bairro homônimo ao Subsetor. Andar por suas ruas à procura de pessoas para a aplicação do questionário não foi tão sacrificioso, pois tanto em dias de semana quanto em finais-de77 semana foi possível encontrá-las próximas ou em frente a suas residências conversando com seus vizinhos, nos horários em que folgavam de seus trabalhos. Bairros populares, limítrofes da região Oeste, mas não em extremos como os bairros do Subsetor Morumbi. De acordo com os dados do IBGE a estrutura etária deste subsetor apresenta uma população jovem. O subsetor de bairros mais populoso da região oeste possui 32,8% de sua população em idade entre 0 e 15 anos acima da média de 30,1% para a mesma faixa etária no Setor Oeste. Os rendimentos dos responsáveis dos domicílios são em sua maioria de 1 a 10 salários (85,2%), mas um pouco mais distribuído entre as faixas de renda: 29,7% auferem de 1 a 3 salários e 31,7 entre 3 e 5 salários, sendo que 23,7 ganham de 5 a 10 salários. Quer dizer, é um bairro que não apresenta níveis tão elevados percentualmente de uma população miserável, ao mesmo tempo em que não apresenta um quadro contendo um percentual razoável de pessoas com renda muito alta. O nível de escolaridade acompanha essa condição: possui um percentual elevado de pessoas com somente 1º grau incompleto (37,3%), mas garante uma percentagem razoável entre aqueles que tem o 2º grau completo (25,3%). Quanto à condição do abastecimento de água e do escoamento do esgoto, 97,8% e 97,5%, respectivamente, dos domicílios tem acesso, sendo que 2,2% utilizam-se de poços ou nascentes para coletar água e 1,7% utilizam-se de fossa rudimentar. O destino do lixo é a coleta para 99,2% dos domicílios. Quanto ao item número de banheiros por residência, 85% possuem um banheiro, 113,7% possuem 2 banheiros. Quer dizer, um subsetor de bairros que apresenta condições razoáveis de habitabilidade, sem grandes desníveis e uma percentagem de acesso aos bens urbanos levemente acima da média do Setor Oeste. A dinâmica criminal do Subsetor é caracterizada por ser baixa na relação ocorrências por mil habitantes: 26,7% para a média da região oeste de 76,7%. Os crimes registrados em 2002 foram 70,7% contra o patrimônio, 21,3% contra a pessoa, 9 contra a incolumidade pública e 4 para contra os costumes e outros. Ocorreram ao longo dos dias da semana com picos nas segundas e sábados. As vítimas foram de 65,3% homens e 34,7% mulheres, que denunciaram terem sido vítimas em 72,2% de crimes contra o patrimônio, 23,6% de crimes contra a pessoa, 20,8 contra os costumes e 1,4 por “diversos-não criminais”. Os indiciados são 94,4% de homens e 5,6% de mulheres – o mais desigual entre homens e mulheres em toda a região – em que respondem por 10,1% crimes contra o patrimônio, 72,2% contra a pessoa e 16,7% contra a incolumidade pública. Na pesquisa direta foram entrevistadas 8 pessoas, sendo 2 de 15 a 20 anos, 3 entre 26 e 30 anos, 1entre 31 e 40 anos, 2 entre 41 e 50 anos; 3 homens e 5 mulheres; 3 solteiros e 5 casados; 4 naturais de Marília, 1 da região e 2 do estado e 1 da capital; 4 trabalhadores de 78 ocupações profissionais definidas por nível I, 1 estudante e 2 do lar; 2 fizeram da 5ª à 8ª série do 1º grau, 4 tem nível de 2º grau e 2 tem o nível superior; 4 moram nos bairros entre 1 e 5 anos e 4 entre 6 e 10 anos. Quanto ao que achavam do bairro, de um modo geral, 6 disseram que o bairro é razoável, 3 disseram não saber como surgiu e 4 afirmaram ter uma vizinhança razoável. Avaliando as condições do bairro, os entrevistados responderam na média em todos os itens 54,7% para Bom, 26,6% para Razoável e 18,7% para Ruim. Como disseram que a vizinhança era razoável, conceituaram a comunidade por Razoável (1 resposta) e Ruim (3 respostas), mas tenderam a conceituar positivamente os demais itens, exceto para segurança, com 6 respostas para Razoável e 2 para Ruim, e para o comércio com 5respotas entre Razoável e Ruim. Quanto à participação em Associações de Moradores e Conselho de Segurança do bairro, a resposta foi negativa – exceção de uma pessoa que afirmou freqüentar razoavelmente a Associação de Moradores local. 4 afirmaram freqüentar as escolas da região, e 7 as igrejas ( 1 evangélica e 6 católica) e 3 disseram que freqüentam os espaços de lazer do bairro (bares e lanchonetes). Os pesquisados se dividem ao bairro ser ou não ser perigoso (3 respostas para Sim e 3 para Não e 2 para Razoavelmente) e 2 pessoas afirmaram ter sofrido algum tipo de violência no bairro ( roubo ou tentativa em residência – sendo um deles vítima de duas ocorrências). Quanto aos outros bairros de Marília, a referência positiva deu-se pelos bairros Vila Nova (2 respostas), Santa Antonieta (2 resposta), Aeroporto (1 resposta) e Chico Mendes (1 resposta) e Palmital (1 resposta), ou seja, somente uma alusão a um bairro de classe media alta. O que os atraem em tais bairros é fato de serem ex-moradores (2 respostas), família e amigos (2 resposta), terem maior infra-estrutura (1 respostas) e pela comunidade (1 resposta). Os bairros preteridos foram a Vila Barros (3 respostas), Santa Antonieta, o Vila Real , Nova Marília, Comerciários II e Teruel, quer dizer, duas alusões a bairros vizinhos, o que pode explicar, talvez a referência negativa a idéia de “vizinhança” e “comunidade”. As justificativas foram: ao fato de serem “perigosos e violentos” (5 respostas) e por carecerem de “infra-estrutura” ( 2 respostas) e pela “localização” (1 resposta). 5.7. Subsetor de bairros Califórnia. O Subsetor de bairros Califórnia é formado pelo Jardim Califórnia, um loteamento popular e por um condomínio fechado de classe popular, o San Remo, mas com 79 caracterizações sócio-espaciais privilegiadas em relação aquelas apresentadas pelos vizinhos do Jardim Califórnia. É possível ter uma idéia das diferenças entre essas duas partes do Subsetor Califórnia de acordo com os dados do IBGE, em que o bairro San Remo figura como subsetor do Setor Oeste. Agrupá-lo ao Setor de bairros Califórnia foi uma necessidade pelo fato de, na base de dados do G.U.TO., as ocorrências criminais referentes ao condomínio San Remo figurarem nos registros do bairro Jardim Califórnia. Quanto à pesquisa de campo, foi entrevistada somente uma moradora do Condomínio. De acordo com os dados do IBGE é possível ter uma idéia sobre o Subsetor Califórnia, em que foi inscrito o Subsetor San Remo. As informações apresentam diferenças sensíveis entre ambos os Subsetores, como demonstra a distribuição da população por faixa etária, Tabela abaixo: Tabela 27: população por faixa etária nos Subsetores Califórnia e San Remo de Marília/SP - 2000. S. 0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80-84 Total C. 146 162 177 S.R. 58 37 182 166 143 146 126 99 106 93 55 32 27 25 6 6 1697 24 82 105 83 56 29 26 18 14 8 7 2 1 2 583 31 Fonte: IBGE - Censo 2000. Pesquisa: G.U.T.O. S. Subsetores. C. Califórnia. S.R. San Remo. Org: M.R.C. A diferença se aponta através dos rendimentos e escolaridades dos responsáveis por domicílios, em que os moradores do Condomínio San Remo, apresenta um nível mais elevado de renda e de escolaridade. Veja as tabelas abaixo: Tabela 28: rendimento por salários mínimos por responsáveis dos domicílios nos Subsetores Califórnia e San Remo de Marília/SP - 2000. Subsetor Califórnia San Remo sem rend. 33 4 0-1 74 8 1/mar 180 27 3/mai 90 64 5/out 51 106 out/15 4 24 15 - 20 1 17 mais de 20 1 11 Fonte: IBGE - Censo 2000. Pesquisa: G.U.T.O. Total 434 261 Org: M.R.C. Tabela 29: escolaridade dos responsáveis pelas residências nos Subsetores Califónia e San Remo de Marília/SP - 2000. Subsetor 1GI 1GC 2GI 2GC 3GI 3GC1 3GC2 PÓS nada Total Califórnia 266 46 17 49 2 4 3 0 47 434 San Remo 25 25 16 59 38 63 14 14 3 257 Fonte: IBGE - Censo 2000. Pesquisa: G.U.T.O. Org: M.R.C. 80 Quanto aos demais dados do IBGE, o Subsetor San Remo não apresenta índices por seu caráter de condomínio. O Subsetor Califórnia, possui a totalidade de residências ligadas á rede geral de água e de esgoto e tem o lixo coletado. A dinâmica criminal do Subsetor é caracterizada por ser mediana na relação ocorrências por mil habitantes: 34,2 para a média da região oeste de 76,7%. Os crimes registrados nos boletins de ocorrência de 2002 foram 71,8% contra o patrimônio, 24,3% contra a pessoa e 3,9% contra a incolumidade pública. Ao longo dos dias da semana, ocorreram com picos nas quintas e domingos. As vítimas foram de 75,6% homens e 24,4% mulheres, que denunciaram terem sido vítimas em 71,8% de crimes contra o patrimônio e 28,2% de crimes contra a pessoa. Os indiciados foram 90% de homens e 10% de mulheres, que respondem 20% por crimes contra o patrimônio, 65% contra a pessoa e 15% contra a incolumidade pública. Na pesquisa direta foram entrevistadas 9 pessoas, sendo 2 entre 21 e 25 anos, 2 entre 21 e 30 anos, 3 entre 41 e 50 anos e 2 mais de 50 anos; 4 homens e 5 mulheres; 6 solteiros e 3 casados; 3 são naturais de Marília, 3 da região, do estado e da capital, e 3 de outros estados; 5 trabalhadores de ocupações profissionais definidas por nível I, 1 estudante e 2 do lar; 4 fizeram da 1ª à 4ª série do 1º grau, 3 da 5ª à 8ª série do 1º grau, e 2 tem o nível de 2º grau e superior; 3 moram nos bairros há menos de 5 anos, 3 entre 6 e 10 anos e 3 há mais de 10 anos. Quanto ao que achavam do bairro, de um modo geral, 7 disseram que o bairro é agradável, 8 disseram não saber como surgiu e 7 afirmaram ter uma vizinhança agradável. Avaliando as condições do bairro, os entrevistados responderam na média em todos os itens 76,4% para Bom, 18% para Razoável e 5,6% para Ruim. O subsetor de bairros com os mais altos índices de respostas positivas. Avaliaram positivamente para todas as condições do bairro. Quanto à participação nas Associações de Moradores, Conselho de Segurança do bairro e escolas, a resposta foi negativa. 8 afirmaram freqüentar igrejas no bairro ao menos razoavelmente (8 católica) e 4 disseram que freqüentam os espaços de lazer do bairro (bares e lanchonetes). Os pesquisados não acham o bairro perigoso (7 respostas para Sim e 2 para Sim e Razoavelmente) e 2 pessoas afirmaram ter sofrido algum tipo de violência no bairro ( roubo ou tentativa em residência e briga em bar). Quanto aos outros bairros de Marília, a referencia positiva deu-se pelos bairros Centro (3 respostas), Campus (1 resposta), Aeroporto (1 resposta) e Nova Marília (1 resposta). O que os atraem em tais bairros é fato de tais bairros serem “calmo ou sossegado”, terem boa 81 localização, por serem ex-moradores e por terem família e amigos (i resposta para cada um desses). Os bairros preteridos foram a Nova Marília (3 respostas) Vila Jardim (2 respostas) e Santa Antonieta (2 respostas). A justificativa para rejeitarem tais bairros é a referência ao fato de serem “perigosos e violentos” (4 respostas), por “não gostar” (1 resposta) e por terem exmoradores (1 resposta). 5.8. Subsetor de bairros Chico Mendes/Poliana. O Subsetor de bairros é formado pelos bairros Chico Mendes e Poliana. Contíguos ao Subsetor Califórnia, possuem as únicas escolas públicas para toda a região oeste. Segundo os dados do IBGE a estrutura etária acompanha a distribuição das faixas de idade do Setor Oeste, ou seja, uma população mais jovem com 25,7% da população com menos de 15 anos. Os rendimentos dos responsáveis dos domicílios são em sua maioria de 1 a 10 salários (86,4%), sendo que mais da metade destes (52,7%) auferem menos de 3 salários mínimos. O nível de escolaridade é concentrado entre aqueles que tem o 1º grau incompleto (54,7%). Quanto a condição do abastecimento de água e do escoamento do esgoto, 100,0% e 91,4%, respectivamente. O destino do lixo é a coleta para 99% dos domicílios e 80,7% das residências possuem somente um banheiro e 13,9% dois. A dinâmica criminal do Subsetor é caracterizada por não ser tão alta na relação ocorrências por mil habitantes: 38,7 para a média da região oeste de 76,7%. Os crimes mais correntes são 51,1% contra o patrimônio, 33,3 % contra a pessoa e 15,6 Contra a incolumidade pública. Ocorreram ao longo dos dias da semana com picos nas sextas e quartas, apresentando baixo índice nos finais de semana (4,4% aos sábados e 8,8% aos domingos). As vítimas foram de 65,1% homens e 34,9% mulheres, que denunciaram terem sido vítimas em 46,5% de crimes contra o patrimônio e 32,6% de crimes contra a pessoa. Os indiciados são 100% de homens, que respondem, 41,7% contra a pessoa e 37,5% contra a incolumidade pública e 20,8% por crimes contra o patrimônio. Na pesquisa direta foram entrevistadas 6 pessoas, sendo 4 entre 21 e 5 anos, 1 entre 15 e 20 anos e 1 com mais de 51 anos; 2 homens e 4 mulheres; 3 solteiros e 3 casados; 4 naturais de Marília, 1 da região e 1 do restante do estado; 3 trabalhadores de ocupações profissionais definidas por nível I, 1 estudante, 1 do lar e 1 aposentado; 1 estudou somente até a 4ª série do 1º grau e 5 tem nível de 2º grau; 1 mora no bairros há menos de 5 anos, 2 entre 6 e 10 anos e 3 há mais de 10 anos. 82 Quanto ao que achavam do bairro, de um modo geral, 5 disseram que o bairro é agradável, 5 disseram não saber como surgiu e 5 afirmaram ter uma vizinhança agradável. Avaliando as condições do bairro, os entrevistados responderam na média em todos os itens 50% para Bom, 35,4% para Razoável – o mais alto entre os subsetores da região oeste – e 14,6 % para Ruim. Avaliaram negativamente serviços básicos como educação, saúde e segurança e positivamente o comércio e o saneamento básico. Quanto à participação nas Associações de Moradores, Conselho de Segurança do bairro e escolas, a resposta foi negativa, com exceção de uma pessoa que freqüenta a escola. Nesse bairro também consta o mais alto número de pessoas que afirmaram freqüentar clube poliesportivo ou academia (3 pessoas). Todos afirmaram freqüentar igrejas católicas no bairro 2 disseram que freqüentam os espaços de lazer do bairro (bares e lanchonetes). Os pesquisados se dividem ao falar se o bairro é perigoso (2 respostas para Sim e 2 para Não e 2 Razoavelmente) e 1 pessoas afirmaram ter sofrido algum tipo de violência no bairro ( roubo ou tentativa na rua). Quanto aos outros bairros de Marília, a referência positiva deu-se pelo Centro (1 respostas) e Castelo Branco (1 resposta). O que os atraem em tais bairros é fato de serem “calmo ou sossegado” (1 respostas) e pela “localização” (1 resposta). Os bairros preteridos foram a Vila Barros (3 respostas), Nova Marília (2 respostas) e Argolo Ferrão (1 resposta). A justificativa para rejeitarem tais bairros é a referência ao fato de serem “perigosos e violentos” (5 respostas) e por ser ex-morador do bairro (1 resposta). 5.9. Subsetor de bairros Argolo Ferrão. Bastante pauperizado, este Subsetor de bairros apresenta os piores índices socioeconômicos da região oeste. Segundo os dados do IBGE possui população mais jovem em que 33,9% tem menos de 15 anos. Os rendimentos dos responsáveis dos domicílios são em sua maioria de 1 a 10 salários (88,4), sendo que metade destes (50,2%) auferem menos de 3 salários mínimos. O nível de escolaridade é bastante concentrado entre aqueles que tem o 1º grau incompleto (43,5%), sendo que 8,4% não tem nenhuma escolaridade. Quanto à condição do abastecimento de água e do escoamento do esgoto, 98,5% e 89%, respectivamente, dos domicílios tem acesso, sendo que 8,5% utilizam-se de rio para escoar o esgoto. 78,5% do lixo é coletado, 7,4% é jogado em terreno baldio ou logradouro e 9,6% é jogado em rio – a totalidade desse item entre todos os Subsetores da região oeste. 79% das residências possuem somente um banheiro e 6,7% nenhum – o mais alto índice da região. 83 A dinâmica criminal do Subsetor é caracterizada por não ser tão alta na relação ocorrências por mil habitantes: 25,9% para a média da região oeste de 76,7, o mais baixo da região. Os crimes mais correntes são 63% contra o patrimônio, 26,1% contra a pessoa e 9,3% contra a incolumidade pública. Ocorreram ao longo dos dias da semana sem grandes picos, mas o bairro com a freqüência mais baixa nas sextas. As vítimas foram de 62,6% homens e 37,3% mulheres, que denunciaram terem sido vítimas em 69,5% de crimes contra o patrimônio e 28,8% de crimes contra a pessoa. Os indiciados são 71,4% de homens e 28,6% de mulheres, que respondem 61,9% contra a pessoa e 33,3% contra a incolumidade pública. Na pesquisa direta foram entrevistadas 6 pessoas, sendo 4 entre 21 e 30 anos e 1 entre 30 e 40 anos e 1 entre 41 e 50 anos; 2 homens e 4 mulheres; 3 solteiros e 3 casados; 2 naturais de Marília, 3 da região e 1 de outro estado; 5 trabalhadores de ocupações profissionais definidas por nível I e 1 desempregado; 2 fizeram da 5ª à 8ª série do 1º grau e 4 tem nível de 2º grau; 2 moram nos bairros há menos de 5 anos, 1 entre 6 e 10 anos e 3 há mais de 10 anos. Quanto ao que achavam do bairro, de um modo geral, disseram que o bairro não é agradável (2 para Não e 4 para razoável), 6 disseram não saber como surgiu e 4 afirmaram ter uma vizinhança agradável para 2 que responderam negativamente. Avaliando as condições do bairro, os entrevistados responderam na média em todos os itens 50% para Bom, 16,7% para Razoável e 33,3% para Ruim. Um dos bairros com altos índices de respostas negativas. A relação entre os itens acompanhou a relação da média dos mesmos, com exceção da saúde (3 para Razoável e 2 para Ruim) e segurança (3 para Razoável. Quanto à participação nas Associações de Moradores, Conselho de Segurança do bairros, escolas e clubes poliesportivos ou academias, a resposta foi negativa. 5 afirmaram freqüentar igrejas católicas no bairro e 5 disseram que freqüentam os espaços de lazer do bairro (bares e lanchonetes). Os pesquisados não acham o bairro perigoso (1 respostas para Sim e 4 para Não e 1 Razoavelmente) e 2 pessoas afirmaram ter sofrido algum tipo de violência no bairro ( roubo ou tentativa na escola e no “serviço”). Quanto aos outros bairros de Marília, a referencia positiva deu-se pelo Centro (1 resposta), Santa Antonieta (1 resposta), Aeroporto (1 resposta) e Vila Nova (1 resposta). O que os atraem em tais bairros é fato de terem “infra-estrutura” (2 respostas), serem “calmo e sossegado”(1 respostas), por terem “segurança” e por “família e amigos” (1 resposta). Os bairros preteridos foram o Santa Antonieta (1 resposta), o Vila Nova (1 respostas) Nova Marília (1 resposta), Higienópolis (1 resposta) e cavalari (1 resposta). A justificativa para 84 rejeitarem tais bairros é a referência ao fato de serem “perigosos e violentos” (3 respostas), pela localização e por “não gostar” (1 resposta). 5.10. Subsetor de bairros Serra Dourada. Formado por um condomínio, esse Subsetor mereceria uma análise mais particular. Em função das resistências por parte dos porteiros em permitir a entrada no condomínio não conseguimos aplicar questionários junto à população local. Os dados do IBGE aponta para um bairro com características diversas ao Setor Sudoeste. A distribuição por faixa etária apresenta percentuais aproximados aos do Setor. O rendimento dos responsáveis por domicílios é mais baixo do que nos demais subsetores do Setor Oeste em que 49,2% recebem menos de 3 salários mínimos, contra 10,5% do Setor Sudoeste. O nível de escolaridade é alto entre aqueles que possuem o 1º grau incompleto: 50,8% em relação aos 13,9% do Setor. Quanto à condição do abastecimento de água somente 8,4% das residências tem acesso à rede geral, sendo que 91,6% utilizam-se de poços ou nascentes. O mesmo ocorre com o escoamento do esgoto em que somente 32,8% das residências estão ligadas à rede geral, sendo que 65,5% utiliza fossa séptica. 69,5% do lixo é coletado e 17,2% é queimado. Por fim, 69,5% das residências possuem somente um banheiro, um percentual baixo em relação ao Setor em que se inscreve. A dinâmica criminal do Subsetor é caracterizada por não ser tão alta na relação ocorrências por mil habitantes: 44,1 para a média da região oeste de 76,7. Os crimes mais correntes são 73,2% contra o patrimônio, 21,7% contra a pessoa e 11% contra a incolumidade pública. Ocorreram ao longo dos dias da semana com picos nas sextas e domingos. As vítimas foram de 65,6% homens e 34,4 % mulheres, que denunciaram terem sido vítimas em 77,8% de crimes contra o patrimônio e 22,2% de crimes contra a pessoa. Os dois indiciados (um homem e uma mulher) respondem por um crime contra o patrimônio e outro contra a pessoa. Quer dizer, um bairro peculiar: condomínio fechado, mas com uma população com nível sócio-econômico não muito elevado, sem acesso aos equipamentos urbanos, mas não apresenta índices mais elevados que bairros populares da região. 85 CONSIDERAÇÕES FINAIS 91 Os lugares e os sujeitos da região oeste de Marília/SP: O espaço, a percepção espacial e os problemas criminais. 91 Trataremos de produzir neste tópico referente às conclusões deste relatório, considerações em um formato que recupera as principais idéias trabalhadas de modo a garantir um texto sucinto capaz de ser utilizado como artigo para fins de apresentação em congressos à comunidade acadêmica e à comunidade mariliense e, quiçá, publicação em anais ou cadernos de iniciação científica. 86 Bom, falarei sobre um assunto embaçado: é o seguinte, tá ligado: o crime noticiado no rádio, jornal, televisão é sempre diretamente ligado à miséria. Por que? Porque pondo os pés no chão, é bruta a nossa realidade. Tais palavras acima, do rapper Negredo do Grupo Realismo Frontal, presentes na obra de Ferréz (2000)92, permitem-nos identificar as relações que os sujeitos numa cidade de São Paulo podem construir como forma de explicar a problemática em que se inserem. Ao destacar o papel da mídia no reforço de paradigmas que vêem relação direta entre pobreza e criminalidade, o rapper propõe uma tomada de consciência, ou melhor, que a sua comunidade ponha “os pés no chão”. Tal compreensão corresponde a muitas teorias no campo das ciências sociais e das políticas públicas de segurança que culpabilizam as minorias (o pobre, o negro, o migrante, entre outros) pela ocorrência de atividades delitivas em função de suas posições socialmente desfavorecidas. Assim, uma série de preconceitos, estereótipos e estigmas permitem a eclosão de mais violência ao instrumentalizarem ações repressivas. Por outro lado, diversas outras reflexões acerca da criminalidade tentam superar essa perspectiva. Corroborando Edmundo Campos Coelho (1980) na análise da relação entre pobreza e criminalidade, acreditamos que, “a despeito das aparências em contrário, a tese é metodologicamente frágil, politicamente reacionária e sociologicamente perversa” (p. 378). Compactuamos também com as formulações de Hans Magnus Enzensberger (1991) e Yves Michaud (1989) que articulam a violência à política, afirmando ser um dos primeiros instrumentos de poder do Estado que se desdobra por toda a sociedade e suas evidências se apresentam, em maior ou menor grau, de acordo com as determinações politicamente postas. Ou seja, a problemática da violência e da criminalidade corresponde não a um caráter marginal, mas posição político-ideológica estratégica por ser fenômeno intrínseco à própria sociedade. Para entender a problemática nos apropriaremos da produção teórica em torno da organização do espaço, compreendendo o mecanismo de especulação imobiliária empreendido em nossas cidades e a conseqüente segregação espacial; da percepção dos sujeitos, fundamentados na Geografia Humanística que concebe a relação entre o sujeito e o espaço como sendo mais afetiva do que simplesmente métrica; e da criminalidade visando às reflexões sobre crime e violência na sociedade contemporânea. Essa reflexão teórica nos 92 A obra “Capão Pecado” de Ferréz (2000) inscreve-se no que é denominado de Literatura Marginal por tratarse de obra literária produzida por alguém que vive e reflete a marginalidade social, exclusão política, econômica e cultural. O autor é morador do bairro Capão Redondo, cidade de São Paulo, e articulista na revista “Caros Amigos”. 87 subsidiou na pesquisa de campo, que consistiu na reunião dos dados sociais, coletados pelo Censo de 2000 e fornecidos pelo IBGE, e dos dados criminais, sistematizados pelo G.U.T.O. 93 , através da base de dados formada a partir dos boletins de ocorrências criminais, para relacionar com os resultados da pesquisa direta em que foram aplicados 79 questionários com questões fechadas e abertas junto a população residente nos bairros que compõe a região oeste. No conjunto, contribuirão ao desenvolvimento de políticas públicas e ações comunitárias para a atuação preventiva das atividades delitivas, integrando a pesquisa principal “A Geografia do Crime de Marília – SP: diagnóstico para um ação social comunitária” desenvolvida pelo G.U.T.O. A identificada “escalada da violência”, refletida no sentimento de insegurança crescente, tem comprometido a qualidade de vida da população e gerado reivindicações de contenção dessa violência junto à mídia e autoridades de toda a ordem (entidades da sociedade civil e oficiais)94. Debates e propostas são promovidos mas, no bojo do problema, soluções imediatistas podem se transformar em práticas perversas, subsidiadas por distorções ideológicas dirigidas às classes subalternas. Nesse aspecto, tomamos por referência a distinção dos in-groups, os “incluídos”, e dos out-groups, a maioria da população, de Gilberto Velho (1991) em que os discursos e práticas se alteram, entre humanitárias e repressivas, na medida em que a violência rompe os limites do segundo e alcança o primeiro grupo. Desse modo, ocorre uma inversão dos resultados diante dos objetivos inicialmente desejados quando as práticas e distorções disseminadas produzem uma sociedade cada vez mais refém dos agentes de crimes e de si mesma, através do enclausuramento em suas próprias estruturas de segurança, independentemente da classe social pertencente, como demonstrou Teresa Pires Caldeira (2000), desde os mecanismos mais sutis e estéticos de proteção até os condomínios fechados que tem se proliferado, verdadeiros enclaves fortificados (p. 257). 93 Esse trabalho refere-se à primeira etapa da pesquisa que se propõe a analisar a região central e, num último momento, a região centro-sul de Marília. Por fim, será possível, após aplicados 254 questionários, comparar as caracterizações sócio-espaciais, da criminalidade e da percepção dos sujeitos dos vários bairros de Marília. 94 No tocante à “escalada da violência”, há uma polêmica entre os vários teóricos do assunto dada à impossibilidade de se ter uma mensuração aproximada do real se consideradas as dificuldades de coleta de dados e os vieses dos mesmos. Segundo Michaud (1989), em verdade, vivemos um processo de civilização dos costumes que ameniza a agressividade, de acordo com Norbert Elias (“O processo civilizador”, Rio de Janeiro: Zahar, 1990), e o fenômeno não passaria de uma falseação dos dados e de uma insegurança ideológica propagandeada pelo Estado e pela mídia sensacionalista no anseio de ampliar o controle sobre a sociedade (p. 48). Destarte, Marcelo Lopes de Souza (2000) afirmou que a idéia de processo civilizador de longa duração de Elias (1990) merece ser desafiada, pois mesmo que tal autor assuma a possibilidade de recuos temporários, com relaxamentos temporários dos costumes, se observados no século XX elementos de Auschwitz à “limpeza étnica” na Bósnia “torna-se difícil continuar insistindo sobre a interpretação de meros recuos localizados em meio a um processo teleológico de longuíssimo prazo” (p. 109). 88 Estudiosos da criminalidade como Coelho (1980) apontam a necessidade de políticas de contenção da violência a partir de reflexões em perspectiva qualitativa, em caráter interdisciplinar, num diálogo entre os dados com as ciências sociais, superando as análises que privilegiam os aspectos aparentes ou meramente quantitativos e fundamentam práticas de caráter repressivo, e desconfiando das estatísticas e da manipulação dos fatos pela mídia e pelas agências responsáveis pelo controle social. Nosso diálogo parte da análise do espaço e sua organização e do entendimento da percepção espacial dos sujeitos, isto é, das “leituras” dos sujeitos relativas aos lugares e aos problemas que vivenciam, particularmente, os decorrentes da criminalidade. Para entender o espaço da cidade de Marília partimos da existência da especulação imobiliária enquanto mecanismo que, empreendido, se acossa da terra urbana em detrimento da toda a sociedade, tornando a cidade um espaço especulado, segregado, fragmentado, hierarquizado e estranhado, extraindo valor através de uma atividade improdutiva. As cidades que sofreram a urbanização acelerada – no Brasil no século XX – em função das necessidades de reprodução do capital, ou melhor, passaram a ter a terra urbana controlada, especulada e seus espaços segregados. De acordo com Helton Faleiros (1983), a cidade de Marília, desde sua origem, garantiu a valorização das terras alicerçada pela expansão cafeeira e ferroviária, na chamada “Nova Califórnia”95. Com a especulação da terra urbana, os lugares da moradia, do trabalho, do lazer, etc, são distribuídos segregadamente e os sujeitos, por sua vez, são alocados não de acordo com suas necessidades, interesses e afinidades, mas de acordo com sua capacidade de sustentar tal espoliação urbana, em referência a Lúcio Kowarick (1979). A cidade configura-se em enormes “colchas de retalhos”, se observadas suas formas, traços e relevos desconexos e variados. Uma vez que se mora numa determinada localidade e é obrigado a deslocar-se para outra, o sujeito vê fragmentada sua vida cotidiana e, ao mesmo tempo, comprometida suas relações interpessoais, exigindo enormes deslocamentos e dispêndio de tempo para alcançálos. Nesse processo, há uma hierarquização dos espaços de acordo com sua localização, com os equipamentos urbanos neles existentes e dos sujeitos que neles podem viver. Processo em que o automóvel surge como elemento que, segundo Ana Fani Carlos (1999), contribui para a especulação ao cortarem os bairros ao meio para vias públicas impondo o “botar abaixo” da modernização para o novo enquanto ideologia, no mesmo instante que o cidadão parece 95 Segundo Faleiros (1983), “Nova Califórnia” é uma referência à propaganda promovida para o avanço do homem branco no “imenso faroeste à americana” da Alta Paulista, região da cidade de Marília (p. 22). De carrochefe da ocupação e promotor do desenvolvimento da região, o café passou a pretexto das vendas das terras (p. 80). 89 perder sua própria urbanidade. E em decorrência do cidadão não se identificar mais à cidade, que lhe é exterior e estranha, ou a “anti-cidade” de Henry Lefebvre (1969), a geógrafa indaga: “podemos, no limite, perguntarmo-nos se as constantes explosões de violência não são produtos desse quadro” (p.87). De corrente teórica denominada Geografia Humanística, podemos identificar em Yi Fu Tuan (1980, 1982 e 1983) investigações sobre a relação entre o sujeito e o espaço. De orientação baseada na fenomenologia existencial, segundo Christofoletti (1982), o geógrafo partiu da idéia de que as percepções dos homens e mulheres estão articuladas às construções culturais e, nesse sentido, analisou as organizações dos espaços como sendo relativos às suas orientações culturais, políticas e ideológicas, múltiplas e variadas. Ao distinguir “espaço” e “lugar”, Tuan (1982) permite-nos compreender com maior acuidade a relação entre o sujeito e o espaço. O “espaço” torna-se um “lugar” para o sujeito quando se promove uma familiaridade crescente, quer dizer, o “espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado” (p. 151). Utilizando-se do conceito de “topofilia”, enquanto elo afetivo entre o sujeito e o espaço, sendo que tal elo configura-se em realidade numa afeição entre o sujeito e os demais sujeitos do espaço em questão, o autor afirma ser essa relação o determinante de valor atribuído ao espaço quando, por exemplo: da diferença entre a visão do visitante e do morador de determinado espaço, meramente estético, pelo primeiro e mais abrangente pelo segundo (p. 247); da constância entre os grupos sócio-culturais em conceberem o mundo e o cosmos a partir de um referencial etnocêntrico, superestimando seus lugares como centrais e ideais (p. 37); da alteração do sentimento de “topofilia” dada às intervenções impostas aos espaços como as grandes vias para o automóvel, preocupação para o geógrafo, pois compromete a identificação dos sujeitos com seus lugares e seus pares, parecendo-lhe constituir um dos fatores para a violência crescente percebida nas cidades (p. 222). O entendimento dos distúrbios sociais numa ótica espacial, entre a organização do espaço e a percepção dos sujeitos, não se trata da busca de determinações, mas, em verdade, da compreensão do crime enquanto dinâmica que perpassa as relações sociais espacialmente postas. Com a “Geografia do Crime” de Sueli Andruccioli Félix (1996 e 2002) caminhamos nesta direção: o espaço não produz o crime, mas é marcado pela oportunização das atividades delitivas de acordo com as variáveis culturais, sociais, econômicas e políticas. A segregação dos espaços fragiliza os vínculos entre os sujeitos e o lugar, quer dizer, entre os sujeitos e seus próprios pares, o que compromete a comunidade e o sentimento de vizinhança, fundamental 90 para a promoção de uma sociedade mais solidária e mais segura96. Assim, a autora sublinha que [...] na relação criminalidade/espaço, é importante a identificação dos lugares de ocorrência dos crimes e de residência dos criminosos, suas características etc., mas, acima de tudo, parece importante considerar como as pessoas lêem e sentem o ambiente urbano e como ele se fragmenta, tanto do ponto de vista social como o do espacial, principalmente através de processos desorganizadores da sociedade como o crime, o desemprego, a circulação de drogas, a falência das instituições da comunidade etc. (p. 32). Quando pensamos a cidade de Marília que surgiu no pós – Lei de Terras de 185097 e garantiu desde sua origem a prática da especulação imobiliária, alicerçada pela valorização das terras promovida pela expansão cafeeira e ferroviária, como escreveu Faleiros (1983), tomamos por fundamental a investigação nos seus espaços para uma análise que contemple os aspectos espaciais, sociais, econômicos, culturais e criminais. Investigamos a região oeste da cidade que nos anos 2001 e 2002 apresentou os mais altos índices de criminalidade no contexto urbano de Marília. Reunidos os dados do IBGE e do G.U.T.O. e relacionados à pesquisa direta realizada, encontramos algumas evidências que têm correspondência com a reflexão teórica cima. A região oeste constitui-se em setores de bairros muito diversificados sócioespacialmente. Uma diversificação que está muito mais além dos gostos, gestos e estilos que seus habitantes podem possuir. Nos parece estar relacionada diretamente à questão da especulação imobiliária. Uma região que conhece historicamente a abertura de loteamentos para a classe média alta, em que um dos indicadores disso é o bairro Salgado Filho que nos anos 1980, após trinta anos de abertura de loteamento, possuía 70,3% dos terrenos vagos, o mais alto índice na cidade na época. Com a doação das terras para a formação do Campus Universitário, o que se percebeu foi o loteamento dos bairros contíguos tanto para uma população de renda mais elevada, como é o caso Jardim Acapulco, quanto para um novo 96 A partir do modelo de incivilidade e vizinhança de Herbert (1993 Apud FÉLIX: 1996), a geógrafa apresentou a relação entre a vizinhança e o sentido que os sujeitos a ela atribuem como uma condição relacionada aos incidentes criminais. O modelo de incivilidade consiste num esquema em que cada elemento decorre do outro, conseqüentemente: 1) nível de incivilidade aumentado; 2) sinal de aumento de desordem; 3) diminuição no sentido de lugar: aumento no nível de ansiedade, medo, menor nível de envolvimento na comunidade, comunidade baseada na presença do crime; 4) condições para o aumento no crime; 5) maior medo de vitimização; 6) perda de satisfação de vizinhança, desejo de mudar (p. 150). Como Félix (1996) apontou, a criminalidade não se limita aos espaços de incivilidade ou a outros específicos como o centro da cidade, bairros pobres e favelas, pois se dissemina pelos ambientes mais abastados de classe média e alta que, além do medo em si, tem provocado outro fenômeno altamente temido por esse segmento.social: a desvalorização imobiliária (p.151). 97 A Lei de Terras nº 601 de 18 de setembro de 1850 preparou o aparato legal urbano, fundiário e imobiliário para a entrada do capitalismo no Brasil. Segundo Baldez (Apud MARICATO: 1996, p. 31), houve “uma perfeita articulação entre o processo de extinção do cativeiro do homem e o processo subseqüente de escravização da terra”. 91 cliente das imobiliárias: os estudantes universitários oriundos de outras cidades e outros estados. O Jardim Araxá e o Jardim São Gabriel cumprem a função de serem os lugares em que se alocaram os estudantes. Entretanto, provavelmente em função da valorização dos terrenos e alugueis nestes bairros, foram sendo oferecidos aos estudantes outros bairros adjacentes e um pouco mais afastados, como é o caso do Jardim Cavalari e Jardim Universitário. Os universitários são a locomotiva da imobiliária, visto que representa cerca de 50% do número de clientes. Trabalhamos em função deles [...] os locais mais procurados pelos universitários ficam na região próxima das 98 faculdades, em bairros como o Jardim Cavalari, Universitário e Araxá . Outros Subsetores de bairros também constituem a região oeste e contribuem a título de comparação com aqueles “lugares dos estudantes”. Esses bairros, mais afastados do Campus Universitário, são predominantemente populares como Subsetor Chico Mendes; formados por conjuntos habitacionais, como o Subsetor José Teruel Martinez; por possuir um condomínio fechado, no caso do Subsetor Califórnia, que não acompanha o caráter dos condomínios encontrados em São Paulo – próprios para classes médias altas – embora apresente condições sócio-espaciais superiores ao próprio bairro em que se inscreve; e bairros mais pauperizados como os pertencentes ao Subsetor Argolo Ferrão, em que existe uma favela e elevada percentagem das residências utilizando-se de rio para lançar os dejetos domésticos (8,5% e 9,6% para esgoto e lixo, respectivamente). No extremo oeste da cidade encontram-se dois Subsetores de bairros de características distintas: o Subsetor Morumbi, formado por loteamentos populares e chácaras de recreio, e o Subsetor Serra Dourada, um condomínio fechado. A dinâmica criminal da região oeste demonstra uma concentração nos bairros que compõem o Campus Universitário e os Subsetores próximos como o Salgado Filho/Acapulco, o Cavalari e o Universitário. Todos estes apresentam as mais altas médias de ocorrências por habitante da região oeste, como é possível ver abaixo: 98 Palavras de gerente de locação de uma imobiliária localizada no centro de Marília. Diário, “Comércio comemora volta de estudantes”, quinta-feira, 31 de Julho de 2003. p. 4-A. 92 Tabe l a 31: Re l ação e n tre as ocorrê n ci as cri m i n ai s e o total da popu l ação n a re gi ão oe s te de Marí l i a - S P e m 2002. Salgado Fº /A capulco 250 Serra Dourada 200 Morumbi Universitário 150 Cavalari 100 José Teruel Martinez 50 Calif órnia 0 Chico Mendes/Poliana 1 A rgolo Ferrão Fonte: G.U.T.O. Org.: MRC Na tabela acima, retiramos o dado referente ao Subsetor Campus Universitário, pois a relação entre as ocorrências criminais (268 no total) e a população total recenseada (117) produz um índice alarmante: 2 ocorrências por habitante. Tal dado está comprometido pelo fato de a população estar subestimada – os estudantes são registrados em suas cidades de origem. Mesmo assim, é possível ter uma idéia do nível de insegurança do subsetor e dos subsetores vizinhos. O interessante é que os bairros mais populares, embora apresentem índices que não podem ser aceitos por uma sociedade que urge pela paz no cotidiano de seus sujeitos e seus lugares, os índices acerca da criminalidade são sensivelmente modestos diante dos bairros adjacentes ao Campus Universitário. Captando as percepções dos sujeitos dos variados bairros é possível perceber as especificidades que são postas pelas condições de existência e outras possibilidades tais como o imaginário coletivo, em que uma série de imagens que passam a compor uma forma particular de compreensão da realidade, “descolado” das evidências objetivas. Um olhar mais particularizado diante das respostas apresentadas permitem algumas considerações. Em geral, os sujeitos que moram nos bairros mais abastados, como aqueles que compõem o Subsetor Salgados Filho/Acapulco tendem a ter uma compreensão do lugar que nem sempre tem correspondência com os dados coletados. Em relação às caracterizações demonstradas pelo IBGE, que apontam serem seus bairros providos, por exemplo, de infraestrutura básica, suas percepções avaliam positivamente as condições dos bairros. Demonstraram satisfação com o bairro e com a vizinhança, embora o subsetor citado apresentasse o maior número de respostas que afirmavam desconhecer os vizinhos. Somente reclamam da ausência de comércio e outros estabelecimentos em decorrência dos bairros serem “estritamente residenciais” e impedirem a circulação de ônibus coletivos – segundo 93 alguns entrevistados – o que denuncia um caráter privatista do espaço, tal como uma entrevistada revelou: “só faltam muros para tornar-se um condomínio”. Dessa forma, tendem a utilizar outros bairros para fazer compras, estudar, freqüentar, igrejas, etc. por meio do automóvel, o que contribui para uma percepção da violência correspondente a essas situações. Quer dizer, acreditam estarem seguros nos bairros de muros altos em que ruas são ermas, pois as pessoas não as utilizam como extensão de suas casas ou de seus cotidianos mais íntimos. Por fim, embora seus bairros tenham alto registro de ocorrências criminais, estes sujeitos “descolam” da condição posta objetivamente e projetam os referenciais de “bairros violentos ou perigos” nos bairros de classes populares. Os Subsetores de bairros Cavalari e Universitário apresentam uma situação particular pois apresentam uma porção populacional de renda e escolaridade elevada e outra mais remediada, acompanhada de índices razoáveis de precariedade. Contíguos ao Campus Universitário, apresentam elevados índices de criminalidade. No plano das percepções, seus sujeitos tenderam a avaliar depreciativamente muitos de seus aspectos, demonstrando insatisfação com o lugar, apesar de acharem a vizinhança agradável – o que não corresponde à avaliação razoável no item comunidade99. Crêem que o bairro seja perigoso, até mesmo por terem sido vítima de violência no bairro – dos 21 entrevistados, 10 haviam sofrido um ou mais tipo de violência. Nos bairros de classes populares, encontramos muitas referências positivas em relação às condições de seus lugares, mas sem grandes unanimidades e com reservas negativas especialmente aos equipamentos urbanos com que têm contato mais imediato, como por exemplo, saúde e educação. Mesmo nos bairros mais ao extremo da cidade como os pertencentes ao Subsetor Morumbi, os sujeitos tendem perceber positivamente alguns aspectos do bairro – neste caso, embora com pouca infra-estrutura encontravam no bairro um lugar “calmo ou sossegado”. Tendem a considerar-se satisfeitos em relação à vizinhança – com exceção do Subsetor J. Teruel Martinez, em sua maioria conceituou a vizinhança e a comunidade por “razoável”100. Quer dizer, para seus moradores, seus bairros não são 99 Propositadamente, colocamos em nosso questionário questões que repetiam, como por exemplo “Você tem uma vizinhança agradável?” e “Como você a valia as condições do bairro pela comunidade?”. Esse recurso permitiu-nos verificar se as concepções sobre vizinhança e comunidade seriam correspondentes. Como Tuan (1980) discorreu, as concepções são diferenciadas de modo que os entrevistados respondiam positivamente à uma negativamente à outra. Um entrevistado nos esclareceu ao responder, logo após dizer que sua vizinhança não era agradável: “é, a comunidade é boa, luta bastante pelas coisas do bairro”. Quer dizer, comunidade parece significar algo mais específico que vizinhança, como um grupo de pessoas organizado politicamente. 100 Que parece ser uma referência mais aos bairros vizinhos, citados como bairros que não morariam, do que em relação aos próprios moradores do bairro. 94 perigosos, o que parece haver uma correspondência entre as percepções destes e os dados apontados pelos dados do G.U.T.O., sem generalizar. Quando questionados sobre que bairros gostariam de ir e qual não iriam se pudessem mudar, pudemos verificar um pouco sobre as imagens que possuem sobre outros bairros da cidade. Os bairros mais requisitados são os mais abastados, em especial bairros como o Maria Isabel, região de bairros de classe média alta, por ser novo, moderno e pela “localização”. Os bairros preteridos foram, em geral, os bairros populares e as justificativas recaíram sobre o fato de serem “perigosos ou violentos”. O curioso é que as referências não foram uniformes e, se observadas as especificidades, encontramos entre pessoas de classes populares referências positivas por bairros populares ao referirem-se para aspectos como serem “ex-moradores” e por possuírem “família”, “amigos” e uma “boa” comunidade, o que se aproxima das formulações de Tuan (1980) sobre a “topofilia”. Por outro lado, é igualmente curioso que não há correspondência entre as referências negativas com os dados objetivos, ou melhor, os bairros populares não figuram entre os que possuem altos índices de criminalidade. Tal idéia parece corresponder mais a preconceito típico da relação pobreza-criminalidade suficientemente úteis para os especulares imobiliários de bairros como os próximos ao Campus Universitário e aceitáveis aos sujeitos que nestes residem, não querem ver maculada a imagem de seus “jardins” e depreciados os valores de seus imóveis. A visão negativa acerca dos bairros populares pode ser compreendida como uma apreensão sem correspondência no real, pois no plano da percepção, os sujeitos de classes abastadas em geral têm um conhecimento superficial acerca dos bairros populares, pois não os vivenciam. Tal como Tuan (1980) salientou, esses sujeitos têm contatos menores com os outros espaços da cidade. Os pobres se deparam, pela necessidade de emprego, escolas, hospitais etc. com espaços “estranhos” daqueles em que moram, enquanto os ricos, em geral vivem em espaços sofisticados que correspondem entre si e podem ser acessados por automóvel (p. 240). Desse modo, esses possuem um conhecimento superficial e, em especial, pejorativos aos outros espaços mais populares. O conhecimento pejorativo em relação a outros espaços é compreensível dado ao sentimento de “topofilia” em que os sujeitos têm uma percepção etnocêntrica de seu lugar, como sendo o melhor lugar do mundo. Entretanto, quando se trata de pensar a especulação imobiliária e a difusão de uma série de imagens que valorizam e desvalorizam os espaços, sabemos que quem detém o poder de tornar seu discurso hegemônico são aqueles que tem um conhecimento mais superficial sobre os seus espaços e sobre os demais lugares da cidade e é 95 nesse ponto que recai nossa preocupação quanto à produção e reprodução de estigmas, preconceitos e estereótipos. É possível concluir que, se relacionadas, as caracterizações sócio-espaciais, a dinâmica criminal e a percepção espacial dos sujeitos, percebe-se especificidades que merecem ser analisadas. Por exemplo: por que os sujeitos das classes mais abastadas não percebem a insegurança de seus bairros, proclamada pelo discurso hegemônico? É porque os entrevistados são moradores recentes e, mesmo considerando-se isso, será que não acompanha o imaginário coletivo de que os bairros mais populares são os mais perigosos e os seus, além da estética das grades, muros e guaritas, resguardam uma tranqüilidade que em outros lugares não encontrariam? Que tranqüilidade é essa? Será o sentimento de individualismo exacerbado denunciado por uma sociedade cada vez mais fragmentada sócio-espacialmente, em que uns se auto-segregam supostamente para se proteger dos outros, e o enfraquecimento do sentimento de “topofilia”, ou melhor, de uma identidade entre os sujeitos e seus lugares, entre os sujeitos e seus pares dos seus próprios lugares. Por que os sujeitos de classes mais populares, embora as imagens hegemônicas sobre seus bairros sejam pejorativas e relacionadas à violência, percebem seus lugares como não tão inseguros? É um conhecimento maior sobre seus próprios lugares de acordo com os dados objetivos, uma percepção mais acurada ou o sentimento de “topofilia” é capaz de fazê-los amenizarem os conflitos vivenciados? São questionamentos que necessitam de um aprofundamento junto à população pesquisada através da comparação com as pesquisas nas regiões de bairros que serão realizadas na próxima etapa do presente projeto. Para completar nossa análise, desenvolveremos outra pesquisa, para o trabalho monográfico, em que entrevistaremos alguns moradores dos bairros a fim de captar seus discursos, tal como esboçaram ao responder nossas questões da pesquisa direta, de modo a fundamentar nossa reflexão através de suas próprias palavras e estabelecer com maior propriedade as relações entre os referenciais teóricos e as percepções dos sujeitos. Com essa pesquisa somamos subsídios que corroboram com as discussões teóricas que atentam para a relevância de se superar os estigmas que estão ligados diretamente à questão da criminalidade e da organização do espaço. Convenientemente, as classes que detém o controle da terra urbana desvalorizam os espaços mais pauperizados, assentadas em imagens que povoam o imaginário coletivo e hegemônico, em benefício da supervalorização de outros. Entretanto ao criminalizarem os pobres, negligenciam a possibilidade de se pensar a violência sob um prisma que o percebe diante da idéia de oportunização do crime através da 96 deterioração dos espaços e da fragilização dos vínculos sociais. Estamos convencidos de que somente a partir da produção de um espaço urbano mais justo é possível inviabilizar a lógica da fragmentação sócio-espacial e promover a “topofilia”. Somente quando os sujeitos se identificarem enquanto comunidade se tornará possível a superação dos problemas que a todos afligem e comprometem cotidianamente a qualidade de vida nos nossos lugares das nossas cidades. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97 BALESTRIERO, Geraldo Élvio. Capital da Alta Paulista: uma história do município de Marília. (dissertação de mestrado). Campinas: IFCH – Unicamp, 1984.102 p. BARBETTA, Pedro Alberto. Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1999. 283 p. BONDUKI, Nabil Georges. Origens do problema da habitação popular em São Paulo – primeiros estudos. IN: Espaços & Debates. V. 5, ano 2, 1982. p. 81-112. CALDEIRA, T. P. do R.. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. Trad. Frank de Oliveira e Henrique Monteiro. São Paulo: Ed. 34/Edusp, 2000. 400 p. CARLOS, Ana F. A. A cidade. (Repensando a geografia). São Paulo: Contexto, 1992.97p. __. São Paulo: a anti-cidade? IN: SOUZA, Maria Adélia Apª. de. et alli. 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Promoção: Departamento de Ciências Políticas e Econômicas, Departamento de Sociologia e Antropologia, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Local: Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP/ Campus de Marília. 19 a 22/08/2002; - XIV Congresso de Iniciação Científica da UNESP. Promoção: Pró-Reitoria de Pós- Graduação e Pesquisa da UNESP. Local Faculdade de Ciências e Tecnologia UNESP/Campus de Presidente Prudente. 22 a 27/09/2002. Com apresentação de trabalho intitulado “Os lugares da cidade: problemas criminais e percepção espacial na cidade de Marília-SP”; - Oficina de Leitura instrumental de Textos Acadêmicos. Promoção: Pró-Reitoria de Pós- Graduação e Pesquisa da UNESP. Local: Faculdade de Ciências e Tecnologia UNESP/Campus de Presidente Prudente. 27/09/2002; - II Congresso de Extensão Universitária da UNESP. Promoção: Pró-Reitoria de Extensão Universitária. Local: UNESP/Campus de Bauru. 07 a 10/11/2002. Com apresentação de trabalho intitulado: “A geografia do crime urbano na cidade de Marília – SP: a E. E. ‘Vereador Sebastião Mônaco’, seus bairros, seus sujeitos e seus problemas criminais”; - Mini-curso preparatório para o Seminário Internacional- Tropicus Mundi a Europa e as Raízes do Brasil. Promoção: Grupo de Pesquisa Processo Político-sociais de Exclusão, Grupo de Pesquisa Cultura e política no mundo do trabalho e Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Local: Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP/ Campus de Marília. 8 a 14/11/2002; - Seminário Internacional- Tropicus Mundi a Europa e as Raízes do Brasil, ministrado pelo Prof. Dr. Giorgio Baratta – Universidade de Urbino (Itália). Promoção: Grupo de Pesquisa Processo Político-sociais de Exclusão, Grupo de Pesquisa Cultura e política no mundo do trabalho e Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Local: Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP/ Campus de Marília. 19 a 21/11/2002; - Simpósio Internacional Tempo-História e Literatura. Promoção: Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS e Universidade Federal da Bahia – UFBA. Local: Feira de Santana- BA. Com apresentação de trabalho intitulado: “Os lugares da cidade: problemas 104 criminais e percepção do espaço na região oeste da cidade de Marília-SP”. De 25 a 29/11/2002; - III Fórum Social Mundial: um outro mundo é possível. Porto Alegre, RS. 23 a 2801/2003; - V Simpósio em Filosofia e Ciências – trabalho e conhecimento: desafios e responsabilidades da ciência. Com apresentação do trabalho “Espaço, cultura e crime – pressupostos sobre os problemas criminais e percepção espacial para análise da região oeste da cidade de Marília – SP”. Promoção: Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP/ Campus de Marília. Local: UNESP/ Campus de Marília. De 3 a 6 de Junho/2003; - IX Jornada de Iniciação Científica do Campus de Marília, como coordenador da mesa Geografia e Sociologia Urbana: criminalidade e exclusão social da sessão de comunicações e com apresentação do trabalho: “Os lugares da cidade: problemas criminais e percepção espacial na cidade de Marília-SP”. Promoção: Comissão de Pesquisa da FFC- Unesp. Local: Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP/ Campus de Marília. Data: 25 de Junho/2003; - 55ª Reunião Anual da SBPC, com apresentação do trabalho intitulado “Os lugares da cidade: problemas criminais e percepção espacial na cidade de Marília-SP”. Local: Universidade Federal de Pernambuco, Recife. De 13 a 18 de julho de 2003; - II Jornada do Núcleo de Ensino – Vygotsky e a escola atual: implicações no fazer pedagógico. Com apresentação de trabalho intitulado: “A História do Lugar e a Geografia do Crime, identidade e cidadania – percepção espacial e problemas criminais na região oeste de Marília/SP”. Promoção: Núcleo de Ensino de Marília. Local:UNESP/Campus de Marília. De 5 e 6 de Agosto de 2003; - Participação no Grupo de Estudos “Exclusão Social” coordenado pelo Dr Edemir de Carvalho, Departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP/ Campus de Marília. - Participação no Grupo de Estudos “Violência e Cidadania” coordenado pelo Dr. Marcos Cézar Alvarez. Departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP/ Campus de Marília. 105 ANEXOS 106