Estado, Dinâmica e Instrumentos da Política para o

Transcrição

Estado, Dinâmica e Instrumentos da Política para o
ESTADO, DINÂMICA
E INSTRUMENTOS
DE POLÍTICA PARA O DESENVOLVIMENTO DOS
RECURSOS LENHOSOS
NO MUNICÍPIO DA ECUNHA, ANGOLA
(PROJECTO CE – FOOD/2006/130444)
Raul Manuel de Albuquerque Sardinha
IMVF - Instituto Marquês de Valle Flôr, 2008
FICHA
TÉCNICA
Coordenação e Autoria do Estudo
Raul Manuel de Albuquerque Sardinha
Revisão
IMVF (Gonçalo Marques, Jacinta Sousa, Rita Caetano e Teresa Nogueira Pinto)
Composição e Edição
IMVF
Concepção Gráfica
Matrioska Design, Lda
Impressão e Acabamento
Co-Financiamento
Comissão Europeia
Depósito Legal
Tiragem
ÍNDICE
PÁG
19
PREFÁCIO
23
SUMÁRIO EXECUTIVO
27
I - ÂMBITO E OBJECTIVOS DO PROJECTO
27
II – O QUADRO DE ABORDAGEM
33
III - CONTEXTO GERAL DA ECONOMIA E DA AGRICULTURA DE ANGOLA
33
Contexto sócio-económico
37
Superfície plantada
38
Factores que afectam as colheitas
38
Outras culturas
38
Pecuária
39
Mercados e preços dos produtos agrícolas
40
Situação do abastecimento alimentar
40
Balanço oferta/procura de cereais - 2004/05
42
Constrangimentos à recuperação económica
48
Alguns dados mundiais da dependência das populações
nos trópicos da floresta
49
A cobertura florestal
49
Recursos da floresta natural
51
Recursos da floresta plantada
53
Lenha e carvão
57
Indústria florestal
57
Arquitectura institucional e legislação
63
IV – O DESAFIO INSTITUCIONAL: CONCILIAR AS EXIGÊNCIAS
CONTRADITÓRIAS FEITAS ÀS FLORESTAS
63
A importância do quadro institucional e político
66
As mudanças de papel das instituições florestais
67
Funções correntes das instituições florestais
68
Pressões e paradigmas de mudança afectando as instituições florestais
73
O papel alargado da Silvicultura: Os desafios para a mudança
institucional
74
Interacção dos SF com os outros parceiros – desenvolvimento
de parcerias e outras relações
76
Distinção entre bens e serviços florestais públicos e privados
77
As tendências da descentralização como instrumento para assegurar
a sustentabilidade florestal
79
Algumas precisões conceptuais sobre o entendimento
da descentralização
84
Algumas experiências de descentralização em curso
84
Na América Latina
90
Na África
95
V - LOCALIZAÇÃO E LIMITES DO MUNICÍPIO
SEU ENQUADRAMENTO NA PROVÍNCIA DO HUAMBO
98
Breve caracterização da zona
98
Clima
100
Solos
101
Síntese Fitogeográfica
103
Bacias hidrográficas
104
Demografia, quadro sociológico geral e ocupação do território
106
Tipo de agricultura e trabalho familiar
108
Posse da terra
113
Os recursos florestais
114
Condicionamentos ao desenvolvimento dos sistemas agrários
118
Referência genérica sobre as aptidões agrárias
119
Potencial para a cultura lenhosa do Município
122
Apicultura
123
Potencial para a produção frutícola
133
Pecuária. Pastagem natural. Forragens
135
VI - A ACTIVIDADE DE EXPLORAÇÃO FLORESTAL NO MUNICÍPIO
135
A organização da fileira da lenha e do carvão
140
Balanço oferta-procura de material lenhoso
144
Condições para a sustentabilidade das áreas florestadas remanescentes
147
A taxação sobre a actividade florestal
151
VII – O PROGRAMA DE INTERVENÇÃO FLORESTAL
151
Condições para a sustentabilidade das plantações
154
Na mata natural
156
Objectivos da gestão
159
Compartimentação da mata
159
Zona intangível
159
Zona primitiva
159
Zona de uso intensivo
160
Zona histórico – cultural
160
Zona de recuperação
160
Zona de uso especial
160
Zona de produção
161
Plantação florestal
162
Plantação
162
Espécies a utilizar
163
Que tecnologia para a produção de plantas?
163
Que quantidades?
166
Necessidades de sementes
166
Bases de cálculo da área do alfobre para o programa de plantas florestais
166
Bases de cálculo da área do plantório de acordo com o programa
de plantas florestais
166
Bases de cálculo da quantidade de semente a adquirir
167
Calendário das actividades do viveiro
167
Administração e controlo
168
Facilidades do viveiro
168
Condução de ensaios simples de aclimatação e comportamento
de algumas espécies
169
O uso das árvores na des-especialização do espaço rural
173
Responsabilizar os camponeses
177
VIII - ESTIMAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS DO MUNICÍPIO
180
Escolha do roteiro geral dos trabalhos de avaliação
182
Material usado
183
Métodos
184
Método operativo
185
Áreas por tipo de coberto
187
Processo de Cálculo da Biomassa
187
Conversão dos valores dendrométricos em valores de biomassa
189
ANEXO I - LINHAS GERAIS PARA A MONTAGEM E EXPLORAÇÃO
DE UM VIVEIRO FLORESTAL PARA O MUNICÍPIO DA ECUNHA
189
Localização e Caracterização
189
Facilidade de acesso
189
Fornecimento de água
189
Insolação
189
Área livre de ervas daninhas
189
Facilidade de obtenção da mão-de-obra
190
Disponibilidade de área do Viveiro
190
Tipos de Viveiros
192
Topografia
192
Drenagem
193
Quebra-ventos
194
Produção de Plântulas
196
Recipientes
201
Substractos
205
Técnicas de Produção
209
Qualidade das plântulas
209
Como controlar a qualidade das plantas
210
Administração e Controle
213
Indicação de fornecedores certificados de sementes florestais
215
ANEXO II - INSTRUCÕES DE CAMPO E MODELO DE FICHAS UTILIZADAS
PARA OS TRABALHOS DE INVENTÁRIO DE BIOMASSA
215
Instruções para o trabalho de campo de inventário
215
Equipa de trabalho
215
Localização das unidades de amostragem
216
Unidade de amostragem
216
Nomenclatura a usar para preenchimento das fichas de campo
217
Identificação das espécies
217
Regeneração
217
Medição das árvores
217
Alguns conselhos práticos
219
Informações suplementares caso viáveis
223
ANEXO III - RELATÓRIO TÉCNICO DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO
NA PROVÍNCIA DO HUAMBO E MUNICÍPIO DA ECUNHA
224
Discussão de resultados
224
Separabilidade espectral entre classes
225
Mapas de coberto do solo do inicio da década de 90
e do inicio da década de 2000
225
Fiabilidade da classificação
233
ANEXO IV - POSIÇÕES CORRESPONDENTES A NOVE PARCELAS COM DADOS RECOLHIDOS
NO TERRENO SOBRE IMAGENS DE ALTA RESOLUÇÃO DO GOOGLE EARTH
235
ANEXO V - EXEMPLOS DO TIPO DE INSPECÇÕES SOBRE CARTOGRAFIA
SOBRE IMAGENS DE ALTA RESOLUÇÃO DO GOOGLE EARTH
239
ANEXO VI - VALORES DO ÍNDICE DE JEFFRIES-MATUSITA (JM) E MATRIZES DE CONFUSÃO
245
ANEXO VII - EXEMPLOS DE SOBREPOSIÇÃO DOS POLIGONOS CARTOGRAFADOS
DE MANCHAS FLORESTAIS SOBRE AS IMAGENS DE ALTA RESOLUÇÃO DO GOOGLE
ÍNDICE DE FIGURAS
PÁG
28
29
1. Visão integrativa da análise dos sistemas técnicos e sociais na gestão florestal
1.1 Diagrama ilustrando os níveis de dependência da gestão florestal
com o quadro de valores da sociedade
30
44
1.2 Explicitação das etapas da gestão adaptativa de um ecossistema natural
2. Representação esquemática da relação entre a intensidade das acções
de exploração dos ecossistemas florestais e os custos da regeneração
46
2.1 Modelo dos impactos ecológicos da desarborização
46
2.2 Ligações entre a floresta e a segurança alimentar das populações
50
2.3 Mapa da cobertura florestal de Angola
51
2.4 Distribuição espacial da floresta natural
52
2.5 Distribuição actual das plantações de Eucalyptus sp.
53
2.6 Distribuição dos povoamentos de pinheiros
55
2.7 Modelo de ligações entre a floresta, a lenha e carvão,
o trabalho das mulheres e a alimentação familiar
58
2.8 Arquitectura Institucional
61
2.9 Síntese dos principais problemas que impendem
sobre o sector florestal em Angola
64
3. Esquema sumário entre o sistema político e os recursos naturais
66
3.1 Sectores que modelam e interactuam com o sector florestal
80
3.2 Características diferenciadoras entre um sistema decisório
descentralizado e um centralizado
85
3.3 Processo de Descentralização - Lei Florestal Boliviana
96
4. Limites do Município da Ecunha
97
4.1 Regiões Geo-Económicas e Municípios
100
4.2 Balanço hidrológico da Chianga
102
4.3 Fisionomia típica da vegetação
102
4.4 Venda de loengo junto de uma aldeia na estrada Ecunha-Quipeio
103
4.5 Bacias hidrográficas de Angola
111
4.6 Funções Múltiplas dos Sistemas de Propriedade
112
4.7 Uma perspectiva da variedade de formas segundo as quais se processa
a gestão dos recursos
113
4.8 A Aspecto geral de floresta natural no Município da Ecunha
114
4.8 B Aspecto geral de floresta natural no Município da Ecunha
117
4.9 Paisagem típica de toda a zona da comuna da Ecunha
117
4.10 Formação de ravinas
118
4.11 Ravinas de grande dimensão que requerem intervenção urgente
marcam a paisagem em várias zonas do Município
121
4.12 Distribuição das zonas mais favoráveis à cultura do eucalipto
122
4.13 Zonas ecológicas mais propícias à cultura do pinheiro
124
4.14 Zonas de distribuição e zonas aconselhadas à expansão do café arábica
125
4.15 Principais zonas de distribuição da goiabeira em Angola
126
4.16 Zonas mais favoráveis para a goiabeira
127
4.17 Zonas de distribuição principal dos citrinos em Angola
127
4.18 Zonas consideradas mais aptas à cultura dos citrinos
128
4.19 Zonas de dispersão do maracujaleiro em Angola
129
4.20 Zonas consideradas mais aptas ao fomento do maracujaleiro em Angola
130
4.21 Zonas mais favoráveis à cultura da mangueira
131
4.22 Zonas de distribuição do abacateiro em Angola
132
4.23 Zonas mais favoráveis à cultura do abacateiro
132
4.24 Zonas mais favoráveis à exploração de fruteiras das regiões temperadas
136
5. Os agentes da fileira do carvão
136
5.1 Comercialização típica de carvão no mercado da Ecunha
137
5.2 Oferta típica de carvão de pequeno carvoeiro/agricultor
137
5.3 Grandes partidas de carvão por encomenda de grandes grossistas
138
5.4 Estratificação dos benefícios antecipados pelo projecto
de conservação do miombo ou de arborização Municipal
138
5.5 Forno de trincheira dominante em toda a zona do Município da Ecunha
139
5.6 Relações entre as temperaturas de operação
da carbonização e a sua qualidade calórica
142
5.7 Projecção da evolução do coberto florestal no pressuposto
de não intervenção pública de protecção e florestação
143
5.8 Disponibilidades de lenha em África
144
5.9 Tipologia da pressão humana sobre as florestas no Município da Ecunha
152
6. Uma estratégia para a silvicultura sustentada
153
6.1 Condições necessárias ao desenvolvimento florestal sustentável
155
6.2 Visualização de como a estratégia, a estrutura e o ambiente
estão relacionados
157
6.3 Fluxograma da metodologia de geração de dados para a demarcação
e implementação de uma reserva florestal no Município da Ecunha
158
6.4 Fluxograma da metodologia de geoprocessamento
160
6.5 Pirâmide da boa governância florestal
161
6.6 Caracteres distintivos das plantações em relação às matas naturais
162
6.7 Os tempos e os actores principais das acções de intervenção florestal
168
6.8 Telheiro para preparação dos substratos e enchimento dos recipientes
169
6.9 Esquema de plantação a usar nos ensaios em linha
170
6.10 Modelo das consequências da especialização do espaço rural
sobre a desertificação
172
6.11 Vias de reabilitação do espaço rural
174
6.12 Alguns modelos agroflorestais para ordenamento do espaço rural
177
7. Representação esquemática de uma folhosa tropical
179
7.1 Fluxo dos trabalhos envolvidos com a estimação de recursos florestais
181
7.2 Fluxo normal de realização de um inventário de recursos florestais
182
7.3 Posição de imagens Landsat sobre a província do Huambo
186
7.4 Evolução das áreas de cada classe de coberto do solo entre 1990 e 2000
para a província do Huambo e para o Município da Ecunha
192
AI.1 Exemplo de má condução da rega e inexistência
de drenagem (Sacaála – Huambo)
193
AI.2 Efeitos benéficos do quebra ventos no viveiro
194
AI.3 Esquemas de plantação de quebra-ventos de protecção ao viveiro
195
AI.4 Preparação de um viveiro mecanizado para plântulas criadas directamente
no canteiro e para plantação de raiz nua
195
AI.5 Camas de plantação mais baixas que o nível do solo
195
AI.6 Exemplos de limitação de canteiros com material local
197
AI.7 Planta no viveiro do Sacaála
198
AI.8 Estado do sistema radicular de uma casuarina plantada sem cuidado
de retirar o saco de plástico
199
AI.9 Exemplo de recipientes usados na produção de plantas florestais
199
AI.10 Veja-se a boa distribuição do sistema radicular envolvendo
todo o cubo de terra do alvéolo
199
AI.11 Exemplo do uso de tubetes na produção de Eucaliptus grandis
200
AI.12 Vantagens do uso de tubetes em tabuleiros
200
AI.13 Formas de suporte dos tabuleiros com alvéolos
206
AI.14 Exemplo de sombreamento usando uma tela de sombreamento (sombrite)
suportada por postes de bambu ou postes de eucalipto
208
AI.15 Exemplo de mesa de enchimento de vasos e repicagem
215
AII.1 Dimensão das parcelas de amostragem
218
AII.2 Marcação do diâmetro de referência da base da árvore de acordo
com a topografia
218
AII.3 Marcação do DAP de acordo com a inclinação das árvores
219
AII.4 Erros de medida da altura da árvore com deficiências de visualização do topo
219
AII.5 Erros de medida por inclinação da árvore
219
AII.6 Esquema de medição da altura do fuste e localização
de medida dos perímetros dos ramos
223
AIII.1 Mosaico para os anos de 1990 e 2002
224
AIII.2 Grelha sistemática de pontos para validação
224
AIII.3 Conjunto de nove parcelas com dados recolhidos no terreno cartografadas
sobre o Google Earth
226
AIII.4 Mapas de coberto do solo para a Província do Huambo - ano de 1990
227
AIII.5 Mapas de coberto do solo para a Província do Huambo - ano de 2000
228
AIII.6 Mapas de coberto do solo para o Município da Ecunha - ano de 1990
229
AIII.7 Mapas de coberto do solo para o Município da Ecunha - ano de 2000
230
AIII.8 Exemplo de variações do nível de água na barragem do Gove,
Huambo entre 1990 e 2002
230
AIII.9 Ilustração da expansão de área agrícola entre 1990 e 2002
230
AIII.10 Ilustração da conversão de savana bosque para miombo entre 1990 e 2002
ÍNDICE DE QUADROS
PÁG
41
48
1. Balanço produção-consumo de cereais (‘000 toneladas) (2004-2005)
1.1 Alguns dados testemunhando a dependência das populações pobres
da floresta
48
1.2 Sumário dos custos sociais da degradação ambiental
ligados à degradação florestal e erosão do solo
83
2. Tipos de Risco e Factores Potenciadores de Insucesso
99
3. Valores de alguns parâmetros meteorológicos da Província do Huambo
107
3.1 Calendários agrícolas normais no Município
108
3.2 Calendários culturais nas onakas
110
3.3 Regimes de direitos de propriedade dos recursos florestais
140
4. Acréscimos médios por unidade de ocupação do solo (m3.ha-1.ano-1)
141
4.1 Previsão das disponibilidades lenhosas no Município (2000)
141
4.2 Predição do balanço produção-consumo
145
4.3 Grau de importância e motivações que a população
confere aos valores de ter ou plantar árvores
147
4.4 Percepção das populações sobre a evolução
do aprovisionamento de lenha
164
5. Cálculo do número de plantas a produzir no viveiro
165
5.1 Programa de actividade da produção de plantas (fase experimental)
167
5.2 Calendário das actividades no viveiro
176
5.3 Factores a ter em consideração para definir o papel dos espaços
arborizados nas economias rurais
182
185
6. Imagens sem nuvens, disponíveis e pré-processadas
6.1 Distribuição das áreas por tipo de coberto para
a província do Huambo (ha)
185
6.2 Distribuição das áreas por tipo de coberto para
o município da Ecunha (ha)
191
A1.1 Vantagens e desvantagens da produção em raízes nuas
203
AI.2 Exigências nutritivas médias do solo para a produção viveirista
de eucaliptos e pinheiros
203
AI.3 Teores aproximados de nutrientes no estrume de vários animais
209
AI.4 Quadro de referência de intervenção sanitária no viveiro
216
AII.1 Nomenclatura a usar para preenchimento das fichas de campo
225
AIII.1 Níveis de fiabilidade dos mapas gerados (overall accuracy)
19
PREFÁCIO
Durante as últimas duas décadas tem havido,
por todo o mundo, um reconhecimento
crescente do papel diversificado e insubstituível que as florestas e as árvores podem jogar
na sustentabilidade do desenvolvimento rural.
Sabe-se hoje, na verdade, que a silvicultura
pode e deve ajudar a satisfazer quer
as necessidades alimentares da população,
quer as necessidades respeitantes à madeira
para usos habitacionais e para fins industriais,
para melhoria do rendimento dos rurais
e para suster a degradação ambiental.
Mas é também reconhecido que a aptidão
das florestas e árvores para proporcionar
produtos e serviços multi-usos é ameaçada
por uma taxa de desflorestação e degradação
das florestas sem precedentes. Em Angola,
e particularmente no planalto do Huambo,
os actuais esforços de florestação (onde
se incluem as actividades de reflorestação,
regeneração e plantação de árvores) não são
suficientes para repor, ou pelo menos suster,
as consequências negativas do aumento
da desflorestação e das formas desreguladas
dominantes de utilização do solo agrícola.
Cerca de 80% dos angolanos (11,2 milhões)
dependem da biomassa para satisfazer grande
parte das suas necessidades energéticas,
sendo o consumo global estimado em
750 000 toneladas de madeira (2006)1.
Nas zonas rurais, usa-se principalmente lenha,
enquanto há preferência pelo carvão vegetal
nas zonas peri-urbanas, dado o seu baixo peso
de transporte e maior poder calorífico2.
A maior parte do uso inadequado de biomassa
parece derivar do abate de árvores para alargamento da fronteira agrícola e para abastecer de carvão vegetal as zonas peri-urbanas.
Esses recursos foram deixados relativamente
intocados em muitas zonas do país, em parte
devido à sua inacessibilidade e à longa Guerra
Civil. Não obstante, a Guerra não impediu
uma desflorestação extensiva em torno da
maioria das grandes cidades como é possível
ver-se à volta de Luanda onde atingiu uma
extensão com um raio que ultrapassa os 300
km. Para ficarmos com uma dimensão do que
representa o abastecimento de carvão para
o consumo da população de Luanda basta
referir que a estimativa da OCDE/IEA3 (2006)
refere,na base da actual tecnologia, a necessidade de 130.000 fornos/ano. As áreas do
distrito do Huambo de onde a imigração, por
causa da Guerra, deve ter atingido 900.000
habitantes só começaram a sofrer uma desflorestação mais intensa depois do termo da
Guerra Civil. O relançamento da agricultura,
a consequente melhoria dos transportes e das
estradas que tornaram viável o alargamento
da área de abastecimento de Luanda, Lobito
e Benguela, intensificaram de forma nítida
o ciclo de desflorestação.
Estas zonas de desflorestação têm aumentado
de ano para ano, o que, por sua vez, provoca
o aumento dos custos de transporte do carvão
vegetal, que compõem a maior parte
do preço final e uma pressão crescente sobre
o esforço de colheita de lenhas para a satisfação energética da população rural.
Angola. Desenvolvimento de uma Estratégia para a Energia. OECD/AIE, Paris, 2006.
6770 kcal/kg para o carvão e 4000 kcal/kg para a lenha seca.
3
Angola. Desenvolvimento de uma Estratégia para a Energia. Ob. Cit.
1
2
20
No planalto do Huambo e no Município
de Ecunha, a maior parte do uso insustentável
da biomassa tem igualmente origem no abate
de árvores para fabricação do carvão vegetal
que abastece as zonas peri-urbanas do Huambo, Luanda, Lobito e Benguela, onde é elevado o número de deslocalizados que, além
de terem acesso mais que precário a serviços
de saúde, a água potável e a produtos agrícolas, têm um limitado acesso aos combustíveis
modernos e dependem quase exclusivamente
do carvão vegetal para cozinhar. A agravar
a crescente degradação das florestas que
abastecem de carvão os grandes aglomerados
urbanos, existe um conjunto de estrangulamentos institucionais e insuficiências técnicas
que tendem a manter ou mesmo acelerar
aquele ciclo destrutivo.
Não obstante Angola ser um produtor significativo de petróleo, a lenha e o carvão deverão
continuar a dominar a procura de energia
para consumo doméstico no país. A procura
acrescida de lenha e carvões nas cidades
provocará um aumento de pressão intolerável em termos ambientais sobre os recursos
lenhosos nas regiões rurais e cuja área
se vai progressivamente alargando. Há que
ter consciência que os preços hoje pagos pelo
carvão pelas populações citadinas reflectem
custos políticos que não pagam os preços
de substituição dos recursos lenhosos “grátis”
e os custos ambientais, que atingem sobretudo as populações rurais.
Desde as últimas duas décadas do século XX,
os cientistas têm chamado a nossa atenção
para os problemas urgentes e complexos
que impendem sobre a nossa sobrevivência:
o aquecimento global, a desflorestação
e desertificação crescente e a pressão sobre
as disponibilidades alimentares das populações rurais. As medidas convencionais
e o recurso fácil a mais estudos ou a afectação
da resolução dos problemas do desenvolvimento rural a instituições espartilhadas e pouco equipadas para os resolver têm mostrado
que não são capazes de enfrentar o desafio do
desenvolvimento e da manutenção
dos factores ambientais imprescindíveis
à sustentabilidade ecológica e social
dos países. A degradação ambiental, vista
em princípio como um problema dos países
ricos e um efeito colateral da riqueza industrial, tornou-se um problema de sobrevivência
para os países em desenvolvimento. Reconhece-se hoje que esta ligação entre o declínio
ecológico e económico faz parte da espiral
descendente a que um número significativo
dos países mais pobres se encontra preso.
Em termos de desenvolvimento e de recursos
naturais, seria um erro grave restringir
a abordagem deste documento exclusivamente aos problemas do ambiente ou à simples
prescrição de intervenções técnicas pontuais.
Na verdade o ambiente não existe como
uma entidade separada das acções humanas,
das suas ambições e necessidades. Fazer uma
tentativa de defender que a manutenção
de recursos lenhosos fosse feita no quadro
da criação de reservas florestais isoladas
da sociedade, dos seus quadros culturais
e das suas preocupações de sobrevivência
diária seria para nós contraproducente.
21
A palavra desenvolvimento tem sido limitada
por alguns a um foco muito estreito e as estratégias apontadas desenvolveram-se ao longo
de linhas daquilo que se julgava que os países
deviam fazer para se tornar ricos, linhas essas
que têm sido desmentidas por muitos dos
que trabalham na esfera internacional e que
têm estado envolvidos nas questões da ajuda
ao desenvolvimento.
Muitas das questões críticas do desenvolvimento e da sobrevivência estão relacionadas
com as dissimetrias do desenvolvimento,
pobreza e crescimento demográfico. A World
Commission on Environment and Development chama a atenção para este aspecto
ao escrever que “The downward spiral
of poverty and environment degradation
is a waste of opportunities and of resources.
In particular, it is a waste of human resources4“.
Neste quadro de referência e entendimento
do verdadeiro sentido do desenvolvimento,
este trabalho espelha não só a filosofia de
actuação do Instituto Marquês de Valle Flôr
que dá enfoque aos problemas do declínio
dos recursos naturais sem esquecer o seu
enquadramento humano e social nas regiões
envolvidas, mas também a visão, hoje consensual, de que o declínio dos recursos florestais
é antes de mais um problema de pobreza
e de insuficiência de políticas e de desajustamentos institucionais e organizativos. Explorase assim, neste trabalho, a situação dos recursos, as questões do ordenamento de território
municipal, os estrangulamentos institucionais,
as insuficiências tecnológicas num quadro
sistémico, e propõem-se medidas técnicas
capazes de ajudar a superar as insuficiências
e carências detectadas. Em termos dos mode-
4
los institucionais, e tendo como certo que não
há modelos standards que se importem,
o autor limita-se a apresentar alguns quadros
de referência, institucionais e organizativos,
como base informativa para discussão pelas
entidades que têm essa incumbência.
O presente trabalho é realizado no âmbito
do Projecto de Desenvolvimento dos Recursos
Naturais (Contracto CE – FOOD/2006/130444),
que tem como objectivos o desenvolvimento
de mecanismos que assegurem a sustentabilidade da segurança alimentar no Município
da Ecunha e contribuir para a redução
da pobreza no Município da Ecunha, através
do relançamento e dinamização dos sectores
de actividade apícola, frutícola e florestal
com vista a aumentar os índices de produção.
A Acção conta com a COOPECUNHA, criada
em 2005 no âmbito do Projecto de Desenvolvimento Rural Sustentado (PDRS) desenvolvido pelo IMVF, como organização associada.
Our Common Future. The World Commission on Environment anda Development (1991), Oxford University Press, 400 pg.
22
Estamos convictos de que estes objectivos
só poderão ser atingidos através do envolvimento e responsabilização das populações
rurais do Município da Ecunha nas questões
que constituíram o ponto de partida
do presente estudo. Nesse sentido,
o Instituto Marquês de Valle Flôr espera ter
contribuído para a compreensão mais generalizada de que a abordagem da conservação
dos recursos naturais passa por uma mensagem clara às pessoas, cujo bem-estar
é o objectivo final de qualquer política
ambiental ou de desenvolvimento. Se não
formos capazes de traduzir as preocupações
que constituíram o âmago deste trabalho
em termos das prescrições técnicas e de intervenção multidimensional e atingir os corações
e mentes das populações rurais, velhas
e novas, não seremos capazes de introduzir
e generalizar as mudanças sociais extensivas
para corrigir o rumo do desenvolvimento.
23
SUMÁRIO
EXECUTIVO
1.
As linhas de força do projecto estavam dirigidas à caracterização da situação actual dos
recursos florestais existentes no Município de
Ecunha para concepção de uma estratégia
de intervenção e respectivas metodologias.
O objectivo integrado é o de garantir
um conjunto de recursos, geridos de forma
sustentável e que contribua, igualmente,
para minorar a pobreza rural;
2.
de transferência tecnológica a vários níveis,
susceptíveis de exercer um efeito
multiplicador do desenvolvimento
tecnológico nos campos a vários níveis:
melhoria da produtividade da terra
e do trabalho, melhoria dos processos
de carbonização, reordenamento do espaço
rural e defesa contra a erosão que deixa já
marcas acentuadas na paisagem
do Município. A componente institucional
revela ainda uma estrutura organizativa
de elevado número de interlocutores
e decisores políticos propícia à falta
de convergência das políticas florestais,
agrícolas, ambientais e industriais;
4.
O alcance dos objectivos de gestão
sustentável dos recursos naturais
e as estratégias de intervenção requerem
abordagens multidimensionais. O nó górdio
para a solução da conservação das matas
naturais é fundamentalmente de natureza
sócio-ecológica e, por isso, a sua análise deve
ser abordada de uma forma integrada,
única susceptível de compreender as formas
como a sociedade inter-actua com a floresta;
A falta de intervenção pró-activa
do estado na criação de programas florestais
e na criação de um projecto florestal
e dos respectivos mecanismos dinamizadores
e incentivadores capazes de reduzir
a incerteza no investimento florestal como
seria a criação de matas ou reservas florestais
nacionais ou municipais acentua uma visão
negativa quanto ao balanço de riscos
na decisão do investimento florestal privado;
3. Numa perspectiva multidimensional
5. Quanto às disponibilidades dos recursos,
ficaram salientes as fortes insuficiências
do quadro legal e regulamentar no que
concerne a: regime de posse das terras
florestais, posse dos recursos florestais
e capacidade de dação ou transmissão
dos mesmos.Estas situações, revestem-se
de fortes indefinições geradoras de um
clima de incerteza que não é favorável
ao investimento, nem dos pequenos
agricultores nem dos potenciais investidores
privados. Para além deste aspecto, a estrutura
dos Serviços Florestais, excessivamente
centralizada e sub-dotada de recursos
humanos, acentua o clima de incerteza
e não proporciona mecanismos
a informação é bastante escassa, dispersa
e de análise comparativa difícil. Em primeiro
lugar, porque Angola nunca dispôs de um
inventário florestal de tipo nacional
ou regional, que dificulta a comparação
temporal por um lado e, por outro,
não facilita que a problemática da desflorestação seja correctamente descriminada e quantificada como elemento essencial à quantificação realista do esforço de florestação,
de protecção e de financiamento implícito
para satisfazer as necessidades regionais
de lenhas e carvões e de bens e serviços
ambientais, que o Município necessita;
24
6. Sendo um motor dinamizador da adesão
das populações às acções de conservação
ou de silvicultura social, a avaliação da percepção das populações sobre o estado da mata
natural ainda existente, da sua importância
ecológica e dos seus benefícios para a própria
agricultura, pareceu mostrar claramente,
que as populações reconhecem que a mata
está a desaparecer, que antecipam que
os recursos lenhosos de que dependem
para abastecimento energético estão
a rarear progressivamente, mas não
se sentem, contudo, responsáveis por isso,
embora reconheçam o contributo dos carvoeiros na aceleração da desarborização. As matas
são tratadas como espaços abertos, onde
o primeiro a chegar é o primeiro a servir-se.
A importância ambiental é-lhes relativamente
irrelevante. Os bens e serviços ambientais
não sendo apropriados pelos agricultores
não têem peso no balanço risco-benefícios
nas opções de uso do solo feito pelos
agricultores. A ausência de um serviço
de extensão florestal e de educação
ambiental, ao nível escolar, não ajuda
a inverter a dinâmica actual de degradação;
7.
As informações orais são unânimes
em considerar que a intensidade do abate
para o fabrico de carvão se acelerou de forma
substancial nos últimos 5 anos, o que
é confirmado pelo estado de fragmentação
das matas nas zonas de maior acesso
rodoviário, pelos vestígios das toiças
e pelas mostras recentes de ravinação.
A análise do coberto por foto-interpretação
do uso do solo entre 1990 e 2000, parece
contudo indicar que no conjunto do
Município haverá como que um“green up”,
a par com um expectável aumento
da área agricultada no decénio em análise.
Os dados da interpretação (Anexo III) mostram que ao aumento previsto da área agricultada não parece corresponder a uma diminuição real da área de “miombo”, mas sim a um
decréscimo das zonas de savana bosque.
O decréscimo desta última categoria
é natural se atendermos que a lógica
do alargamento da fronteira agrícola
se processa em primeiro lugar pelas zonas
que requerem menor input de mão-de-obra.
Com o fim da guerra, o maior afluxo
de populações e a política de assentamentos,
e tendo em conta a natural maior riqueza dos
solos psamíticos nas zonas orográficas mais
recentes e onduladas do Município, é expectável que se venha a acentuar um decréscimo
significativo do miombo aberto e denso.
Em qualquer caso, o aumento do miombo
denso no decénio deve ser lido com precaução e não deve ser interpretado como
um indicador de confiança quanto
ao estado do ecossistema. Na verdade
não parece possível, atendendo à natural
lentidão de reconstituição do miombo,
um aumento daquela grandeza no espaço
e no decénio. Aquele valor poderá ter
resultado da tendência do classificador para
alocar à classe “miombo denso” a zonas
ensombradas de miombo aberto, não obstante os cuidados postos no processamento realizado para minimização do efeito das sombras
topográficas em que o Município é fértil.
A capacidade de regeneração por rebentação
de toiça da generalidade das espécies
do miombo, ao recobrirem o solo são
interpretados pelo classificador como miombo
denso se bem que o seu significado em termos de biomassa seja totalmente distinto.
25
8. A análise do balanço das disponibilidades
energéticas do Município e da projecção
temporal daqueles valores na base do acréscimo demográfico evidencia que, com base
nos valores das existências de 2000, existe
ainda um balanço positivo na ordem dos
63 506 m3 considerando só as necessidades
da população e isto, é evidente,
sem considerar a irregularidade do coberto,
como é possível visualizar nos mapas de
utilização do solo que afecta diferentemente
as populações do Município. Se se considerar
neste valor o volume extraído para a produção de carvão que é exportado, é mais que
provável que a produção esteja já a ser excedida. A projecção feita até 2020 mostra que
se não se actuar desde já, haverá um penúria
bem marcada para a próxima década.
9.
A perspectiva de diminuição mais
ou menos acentuada de recursos energéticos
e a improbabilidade da sua substituição
a médio-longo prazo, principalmente
nas zonas mais desarborizadas na comuna
da Ecunha, onde já há mulheres a despenderem em cada 2-3 dias 6-8 horas de trabalho
para recolha de lenhas, por uma situação
de corte raso e significativo, principalmente
na comuna do Quipeio impulsionado,
por um forte aumento de procura de carvão
para exportação com destino a Luanda,
Huambo e Lobito, ditou as componentes
de abordagem para intervenção:
i) cartografia de ocupação do solo do Município e criação de bases para compreensão
da sua evolução e monitorização; ii) análise
da estrutura dos serviços de apoio florestal
e sua arquitectura organizativa e descrição
de outras formas de organização descentralizadas e mais operativas como forma
de suporte a discussões mais informadas
ao nível político; iii) proposta de condições
para lançamento de acções de florestação
comunitária na base de espécies exóticas
de rápido crescimento (na base 362.500
plantas/ano) capazes de satisfazer a procura
a curto prazo, criar novas fontes de rendimento pelas populações, criar novas actividades
na base de outras utilizações alternativas
do solo; iv) propor as linhas de intervenção
na mata natural a preservar na base da instituição de um estatuto jurídico de reserva florestal municipal; v) proposta de uma intervenção da melhoria do processo de carbonização
para o que foram propostos alguns modelos
operacionalizados noutras regiões sendo que
foi preparado um manual de operação. Uma
melhoria do processo de carbonização poderia
diminuir o esforço de abate na ordem dos
2200 kg de lenha por tonelada de carvão
obtido; vi) prescrição das condições de produção de plantas, essenciais para suporte
das acções de plantação comunitária e servir
de unidade formativa para as populações;
vii) produção de manuais formativos a vários
níveis de audiência como processo considerado decisivo à transferência tecnológica e que
se encontram já disponíveis.
26
27
I
ÂMBITO
E OBJECTIVOS
DO PROJECTO
No âmbito dos termos de referência
da presente missão dirigida ao Município
da Ecunha encontravam-se referenciadas
três componentes distintas:
a) Caracterização da situação actual
(em termos dos recursos florestais existentes
e a sua gestão) e as potencialidades (silvícolas
e frutícolas);
b) Concepção de uma estratégia de desenvolvimento dos recursos florestais (indicando
as áreas a reflorestar, as espécies, um plano
de plantação, manutenção e gestão
dos recursos com uma forte componente
participativa);
c) Definir um plano operacional de implantação de barreiras florestais de protecção
e de florestação indicando:
1. A metodologia de localização
e implantação;
2. As espécies a utilizar.
d) Conceber e orientar a criação de um viveiro
florestal, através da elaboração de um plano
de implantação e de formação de recursos
humanos para esse fim.
II
O QUADRO DE
ABORDAGEM
Se bem que a resiliência das florestas tropicais
e a disponibilidade científica e tecnológica
(C&T) permitam encarar com algum
optimismo o seu futuro, considera-se
que a C&T só será um instrumento efectivo
se os seus implementadores forem capazes
de inter-actuar com os diferentes agentes
e grupos de interesse a nível nacional e local.
Lidar com os interesses económicos e políticos
é hoje um desafio tão importante como
o da disponibilização dos conhecimentos
da ciência e da técnica necessários à gestão.
No dizer de SCHMINK (1987), o nó górdio
para a solução da conservação das florestas
tropicais é sócio-ecológico. A sócio-ecologia
aparece assim não só como uma forma
de abordagem dos problemas da gestão
e conservação dos recursos florestais mas
também como uma forma integrativa
de analisar e compreender as relações
humanas ao nível da biosfera e a forma
como as diferentes sociedades inter-actuam
com a floresta (Fig. 1). Esta compreensão,
a par com o desenvolvimento de formas
participativas da população na gestão florestal tropical, começa hoje a ser considerada
imprescindível à conservação dos recursos
florestais.
28
A abordagem da implementação de uma
estratégia sustentável de recursos naturais,
que é o elemento de força do projecto,
envolve assim mais do que a simples
caracterização dos recursos naturais e uma
listagem de prescrições de gestão para a sua
manutenção.
Na verdade, a conservação e gestão
dos recursos lenhosos do Município
da Ecunha, que se pretende sustentada,
necessita uma abordagem sistémica de três
questões essenciais a desencadear de forma
articulada:
i) a componente técnica com a avaliação
do contexto em que as actividades económicas e as características do território e das
suas potencialidades biogénicas condicionam,
ou mesmo determinam, o estado actual dos
recursos; ii) a pressão a que são sujeitos
e o racional que a determina; iii) a componente institucional. As duas últimas componentes
são essenciais, para se perceber a dinâmica
da desflorestação e a tipologia da relação
homem-floresta, afim de entender em que
medida elas são, de alguma forma, condicionantes ou propiciadoras de políticas
de conservação e de gestão sustentável.
Fig. 1 - Visão integrativa da análise dos sistemas técnicos e sociais na gestão florestal (ad: LUGO5, 1991)
5
Lugo, A.L. (1991) - Cities in the sustainable development of tropical landscapes. Nature and Resources 27 (2): 27-35, 1991
29
É nossa convicção, apoiada no trabalho que
há alguns anos vem sendo feito nos trópicos
pelas organizações internacionais do sistema
CGIAR, pelo WB e numerosas ONGs, que
sem esta abordagem integrada, os riscos
de desflorestação continuarão e que qualquer
medida técnica não é, por si só, susceptível
de travar a diminuição progressiva da desflorestação. Ela será imparável se a sua contribuição para a melhoria real das condições
de vida da população rural não for sentida
e se o quadro de política, e as instituições, não
forem operativas nesta matéria. Cada vez
mais a economia florestal e as medidas
de intervenção vêm-se dirigindo não só
às medidas técnicas em que estas são
delineadas e dirigidas mas também à satisfação das procuras sociais. É por isso que as discussões ao nível da UNCED vêm-se centrando
no pedido que é feito aos diferentes países
para desenharem estratégias de implementação e de adaptação dos princípios preconizados na Convenção do Rio de Janeiro (1992)
para satisfazer as condições sociais, económicas e ambientais de cada um deles (Fig. 1.1).
Fig. 1.1 - Diagrama ilustrando os níveis de dependência
da gestão florestal com o quadro de valores da sociedade
6
Assim a abordagem das questões de que
depende a gestão sustentável das florestas
tropicais deve considerar três aspectos
essenciais da equação6:
• Melhorar o conhecimento e a informação
sobre os recursos e sobre o sector em geral;
• Elementos de informação que conduzam
à racionalização da politica florestal e do
quadro legal em que se exerce a actividade;
• Contribuir para a construção da capacidade
institucional por forma a viabilizar a aplicação
da lei e a governância.
Deve ainda esclarecer-se que um plano
de gestão não é uma peça que se desenha
e concebe, mas um instrumento que hoje
realisticamente se refere como plano
de gestão adaptativa, a traduzir um ciclo
contínuo de acção baseada no estudo,
planeamento, monitorização, avaliação
e ajustamento. A gestão adaptativa, única
que incorpora elementos de ajustamento
às realidades sociais, é a que se apoia
no conhecimento científico e tecnológico
disponível e na informação social para inventariar, planear, actuar e acumular nova informação como parte integrante da gestão que
vai continuamente mudando e permitindo
novas decisões cada vez mais informadas.
A designação de adaptativa acentua o facto
do conhecimento e os valores sociais estarem
em mudança de forma rápida, nomeadamente num território como Angola, recentemente
saído de um longo período de Guerra, de que
decorre uma mudança social rápida.
FAO e ITTO (2005) - Best practices for improving law compliance in the forest sector. FAO Forestry Paper 145, Rome.
30
A gestão adaptativa é então delineada como
um processo com duas vertentes: i) uma para
detecção, necessariamente rápida, mas efectiva de aprendizagem da situação dos recursos;
ii) da percepção que sobre eles tem a população, e iii) o contexto organizativo e político
a que os recursos estão sujeitos. Esta aprendizagem é, do ponto de vista do consultor,
central para a gestão da sustentabilidade
dos recursos naturais.
Ecossistemas sustentáveis para a geração
actual e futura é o objectivo final do projecto.
Por isso tem de se ter em constante consideração o que é que a população a curto e longo
-prazo pretende, que serviços directos
e indirectos quer ela retirar dos ecossistemas
e qual a capacidade dos recursos e dos ecossistemas em satisfazer essas pretensões.
Atingir uma sobreposição entre os desejos/
necessidades sociais e as possibilidades ecológicas, que condicionam o que é sustentável,
requer uma integração contínua entre
os valores sociais e as capacidades ecológicas.
Esta integração pede uma melhor compreensão entre a dinâmica das alterações sociais,
biológicas e os processos sociais que enformam a capacidade ecológica dos sistemas.
O reconhecimento e aceitação de que o processo social tem profundos efeitos nos ecossistemas, é o âmago da sustentabilidade dos
recursos naturais (Fig. 1.3).
Fig. 1.2 – Explicitação das etapas da gestão adaptativa de um ecossistema natural
31
Neste quadro, o consultor abordará cada
um destes aspectos das vertentes das várias
formas e tentará evidenciar a articulação entre
as três grandes componentes. Naturalmente
que o tempo de permanência não foi de
qualquer forma suficiente para a validação
dos modelos de casualidade expressos e que
resultaram das visitas de campo e das entrevistas realizadas em diversas aldeias da região.
Deve aliás dizer-se que a configuração
e o horizonte temporal da componente florestal do projecto segue, diríamos, uma tipologia
da gestão florestal numa óptica meramente
técnica que, no entender do consultor, é redutora por não conter em si as fontes de mudança para a sustentabilidade. As incursões que
se fazem quanto à necessidade de mudanças
organizativas, institucionais e políticas
e os exemplos do que se passa no mundo
florestal tropical são feitas, por um lado,
porque é hoje consensual que a resolução
de uma problemática de degradação de recursos deve ser feita de uma forma integrada e,
por outro, para proporcionar elementos para
um diálogo mais alargado no seio dos actores
sociais, sobre quem recai a responsabilidade
da salvaguarda e incremento dos recursos.
Os estudiosos e os técnicos que lidam com
os problemas do desenvolvimento reconhecem que as intervenções sobre os recursos
naturais só são eficazes quando se aborda
conjuntamente com as intervenções sobre
o chamado capital natural as outras formas
de capital (o capital social, o capital humano,
o capital financeiro e o capital físico) e, igualmente, os chamados fluxos de condições de
vida sem os quais não podem viver.
7
Um dos objectivos do projecto, aliás na linha
dos objectivos do Milénio é que os recursos
da floresta contribuam para aliviar a pobreza
rural, o que aconselha a não esquecer-se
os elementos chave para que a floresta possa
ajudar a reduzir a pobreza rural. A redução
da pobreza, requer de forma conjugada,
não apenas mudanças nas práticas de uso dos
recursos mas também mudanças estratégicas
a vários níveis e uma abordagem das causas
directas e indirectas da pobreza. Diz a Food
and Agriculture Organization das Nações
Unidas7 (2006) que as “as vias de saída
da pobreza não são construídas unicamente
nas actividades técnicas florestais, mas através
de estratégias multidimensionais que incluem
transformações sociais e institucionais”. E diz,
igualmente, que “a redução da pobreza ocorre primariamente através de mudanças práticas e directas a nível local.” Gerir os recursos
lenhosos de uma forma sustentável e plantar
árvores onde existam oportunidades pode
gerar rendimentos necessários, especialmente
através de empresas de base comunitária.
Negócios que adicionem valor ajudam
à melhoria do nível de vida das populações.
As plantações florestais podem actuar como
contas de poupança para os agricultores que
aí investem o seu trabalho e outros recursos.
Para responder a uma preocupação expressa pelo projecto quanto à contribuição a ser
dada para a formação profissional na área
florestal – viveiros, plantação e o problema
da produção de carvão - necessariamente
curta e restrita no contexto temporal disponível, algumas questões, nomeadamente as que
se ligam com a mensuração dos arvoredos
ou a preparação dos viveiros e das bases
que serviram para o cálculo de custos foram
mais desenvolvidas e constituem anexos
ao presente relatório.
FAO (2006) - Better forestry, less poverty. A practitioner’s guide. FAO, Rome, Italy.
32
33
III
CONTEXTO
GERAL DA ECONOMIA E DA
AGRICULTURA
DE ANGOLA
Dada a estrutura político administrativa actual
de Angola, e atendendo a que se trata de
uma estrutura fortemente centralizada da qual
depende a orientação e os limites da intervenção municipal, na área dos recursos naturais,
aí compreendendo os florestais, pareceu fazer
sentido o traçado, embora superficial, da economia de Angola e dos constrangimentos que
determinados sectores da economia, como
o sector agrário, enfrentam.
Contexto sócio-económico
Angola cobre uma superfície de 1.247.000
km2; a população estimada em 2004 está
ligeiramente acima de 15 milhões. O país
possui recursos naturais significativos,
incluindo extensas reservas de petróleo
e gás natural, minerais valiosos, e um importante potencial hidroeléctrico dos seus numerosos rios. Angola tem ainda no seu conjunto
um bom potencial agrícola na sua maioria por
explorar, nomeadamente em extensos vales
das suas numerosas bacias hidrográficas
com bom potencial para a cultura regada.
A criação de gado encontra-se maioritariamente no sul, que recebe quedas pluviais
mais baixas, se bem que com extensas áreas
irrigáveis e florestas. O país também tem
vastos recursos minerais, cuja exploração
foi quase totalmente interrompida por causa
da destruição maciça das infra-estruturas
do país, rotura de mercados, interrupções
na transferência de conhecimentos, instabilidade social e desordem económica.
Após quase três décadas de conflito armado,
o ambiente de paz e estabilidade, possibilitou
uma clara melhoria da segurança em Angola
facilitando a circulação no interior do país
e promoveu, em geral, o ambiente para
o relançamento da economia e da agricultura.
Estes factores promoveram um clima mais
propício para a resolução dos graves indicadores de pobreza existentes, níveis esses que potenciam formas de produção ou de excessiva
extracção de recursos naturais com particular
expressão para os florestais. Se é facto que
a melhoria do estado do sistema rodoviário
tem sido um forte potenciador do desenvolvimento do interior e um facilitador das
actividades comerciais, é também claro, que
no que concerne aos recursos naturais, veio
trazer um aumento de extracção descontrolada de lenhas e carvão para abastecimento dos
grandes centros urbanos, fazendo salientar
as fragilidades da estrutura institucional, dos
níveis do apoio técnico, da regulamentação
e da fiscalização responsáveis por garantir
a sustentabilidade dos recursos mas também
a equidade da repartição dos benefícios
ambientais gerados por esses recursos,
e potenciarem que os mesmos tragam um
contributo efectivo para alivio da pobreza.
34
Em termos dos grandes indicadores macroeconómicos, o sector petrolífero, de capital
intensivo, domina a economia angolana,
gerando mais de 60% do PIB do país
e respondendo por quase todas as exportações. Angola é o segundo maior exportador
de petróleo da África a sul do Sahara.
O petróleo responde por 85 a 90% das receitas fiscais e mais de 60% do PIB. O valor das
exportações de petróleo tem todas as probabilidades de aumentar ainda mais se os preços
do petróleo se mantiverem ao nível actual.
Por contraste, o sector agrícola emprega cerca
de dois terços da população trabalhadora,
mas contribui apenas com 6% para o PIB
de Angola (18% em 1990); recebe menos de
1% das despesas públicas. A avaliação da FAO
estima que em termos globais menos de 5%
de toda a terra arável é cultivada. É evidente
que este computo tem de ser considerado
como uma estimativa geral que não reflecte
distritos como o Huambo onde a intensidade
de ocupação se pode dizer quase total
e a densidade demográfica atinge já valores
fortes a exceder, em muitas áreas, a capacidade de carga biogénica dos solos tendo
em conta o nível das tecnologias aplicadas
e a pobreza de grande parte dos solos
do planalto.
Não obstante este baixo valor percentual
na formação do PIB é uma actividade fundamental num país com uma vasta população
rural e um sector industrial pequeno (além
do petróleo). É na realidade a principal fonte
de emprego e de abastecimento alimentar
e é, portanto, a chave para a segurança
alimentar e um sector cuja importância
para o relançamento da economia de Angola
não deve ser subestimada.
A estabilidade e a progressiva ocupação
dos campos tem-se traduzido, embora sem
eliminar os défices alimentares globais, num
aumento da produção agrícola geral conforme se reflecte nos seguintes indicadores:
• A produção de cereais com mais de 9%
no ano de 2003 e 27% mais alta que a média
do quinquénio anterior, devido principalmente a um aumento das áreas cultivadas.
• As necessidades de importação de cereais
para 2004/05 calcularam-se em 820 000
toneladas, das quais 642 000 toneladas
se prevêem como importações comerciais
e 178 000 toneladas como ajuda alimentar
de emergência.
• Grandes números de deslocados, ex-soldados da UNITA e refugiados provenientes
dos países vizinhos, continuam a regressar
às suas áreas originais de residência. Este fluxo
contínuo de pessoas tornou a quantificação
de grupos vulneráveis – e da população
em geral – mais complexa.
O número médio mensal de pessoas necessitadas de ajuda alimentar terá sido em 2005
da ordem dos 1,12 milhões, comparados
com 1,4 milhões em 2004. Parece, pelo
menos na região do Planalto Central, que
muitas pessoa vulneráveis e em posição
de insegurança alimentar estão de novo
a cultivar os seus campos e a produzir alimentos. Esta intensificação é claramente evidente nas regiões de maior potencial biológico
como se verifica um pouco por quase toda
a parte no Município da Ecunha. O aumento
de procura de inputs para a agricultura
e a significativa adesão de agricultores
à cooperativa agrícola da Ecunha (Coopecunha), a par com um aumento das produções
35
registadas, parece ser um bom indicador
dessa retoma de confiança. É forçoso
no entanto ter consciência que essa intensificação e extensificação, bem como a melhoria
das acessibilidades, tem tido um efeito negativo na conservação dos recursos naturais,
nomeadamente os que se referem á cobertura
arbórea, necessariamente frágil, pelos condicionamentos ecológicos e pela pressão
da pobreza, que leva a população a penalizar
fortemente os recursos lenhosos para diversificar as suas fontes de rendimento.
O aumento da produção petrolífera permitiu
o impulso para o crescimento real do PIB para
11,3% em 2004 ou 13,7% em 2008; este
aumento, porém, teve provavelmente um
efeito multiplicador limitado sobre o sector
não petrolífero. A predominância do petróleo
na economia causa uma forte valorização da
moeda local que pode eventualmente reduzir
a competitividade da produção interna em
relação às importações.
Impulsionado pela crescente produção
de petróleo e do aumento da sua cotação
no mercado internacional, o crescimento
do PIB foi 11,3% em 2004 e 13,7% em 2005.
Contudo, a situação de destruição da infraestrutura produtiva, em conjunto com políticas económicas pouco adequadas, resultaram em altos níveis de inflação que, embora
tenham baixado substancialmente este ano,
ainda persistem. A taxa de câmbio sobrevalorizada do Kwanza (Kz), com uma apreciação
real de 49% entre 2000 e 2002, teve efeitos
negativos sobre a recuperação da produção
agrícola interna, particularmente porque
o país depende de importações de alimentos.
As receitas das exportações de petróleo e o
crescimento induzido pelo petróleo têm apenas efeitos limitados sobre a economia interna
já que a maioria da população subsiste na economia informal.
Durante os anos de conflito, a agricultura
decaiu para um nível quase de subsistência
em muitas áreas, com poucos ou nenhuns
excedentes vendáveis e uma actividade
comercial muito limitada. Consequentemente, durante muitos anos, o país apoiou-se na
importação de alimentos (importações comerciais de trigo e arroz) e ajuda alimentar,
maioritariamente na forma de milho e feijão.
Com a paz e o processo de especialização,
e a nova mobilidade de pessoas e produtos
por todo o país, os mercados locais começaram a retomar as suas actividades apesar
do muito mau estado de grande parte da rede
viária e a prática muito espalhada de extorquir
taxas ilícitas ao longo das estradas.
À medida que mais camponeses regressarem
às suas terras, a situação alimentar irá melhorar gradualmente. Considerando o potencial
agrícola do país, este processo poderá ser
acelerado em condições climáticas favoráveis
se as estradas forem reparadas e melhoradas
e se, concomitantemente, actuarem e forem
efectivadas medidas complementares
de ordem técnica que possibilitem uma
modernização das tecnologias de produção
e a disponibilização de inputs apropriados,
a par com uma melhoria do quadro institucional que favoreça o relançamento e a libertação da capacidade criativa das populações.
36
Sem isso o potencial agrícola de Angola permanecerá, exactamente isso: um potencial.
O sector agrícola está preso num ciclo vicioso
e está estagnado; ainda tem que atingir aquele nível crucial para além do qual ele poderá
jogar um papel dominante na região.
Há muita preocupação acerca do futuro
da agricultura em Angola porque, como
membro da Comunidade de Desenvolvimento
da África Austral (SADC), Angola deverá remover todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias
na região dentro de sete anos. Este processo
depende do ritmo a que os governos membros, incluindo Angola, desmantelarem efectivamente as barreiras existentes ao comércio;
o facto de a UE e a África do Sul terem
concluído o seu próprio acordo de livre
comércio faz perigar o processo porque
os países da SADC poderão vir a ser inundados de importações europeias mais baratas.
A África do Sul em si é um concorrente importante cujo PIB era mais que vinte vezes maior
o de Angola em 2002 (104,5 biliões USD
vs. 4.5 biliões USD).
A generalidade das organizações internacionais continua a dizer que desenvolvimento
socioeconómico sustentável do país – uma
tarefa imensa ainda por se realizar – está
estreitamente ligado ao enorme potencial
agrícola de Angola. Daí que se deve dar ênfase
na revitalização da agricultura de subsistência
e comercial, bem como dos recursos naturais
(florestais e outros) que impactam claramente com a produtividade da agricultura, que
tornariam possível o alcance destes objectivos
do desenvolvimento.
No geral, as condições diárias de vida
das populações rurais reflectem a sua extrema
pobreza. Estima-se que apenas 57% das
aldeias e cidades rurais têm um sistema
de latrinas a funcionar. As clínicas e o pessoal
de saúde são escassos em todo o país.
O acesso aos medicamentos é muitas vezes
inexistente devido ao seu alto custo combinado com o transporte muito caro e inconveniente das cidades para as aldeias. Cerca
de 80% da população não tem acesso aos
medicamentos essenciais. A malária, sarampo,
tuberculose, e outras doenças são responsáveis pela maior parte da mortalidade infantil
e adulta. A pandemia do HIV/SIDA espalha-se
entre as populações desinformadas ou passivas: 54,4% de comunidades consideram que
nada pode ser feito para se evitar a infecção
pelo vírus. A água – muitas vezes imprópria
para se beber – deve ser carregada por longas
distâncias. Apenas 10,8% da população tem
acesso a fontes protegidas de água.
De entre 162 países, Angola foi classificada
na 146ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD para 2001. A maioria
da população retira o seu sustento do sector
informal. A esperança média de vida era apenas um pouco acima de 40 anos em 2001,
e a inscrição escolar atinge apenas 29%
do total população em idade escolar. Embora hajam sinais claros de uma melhoria geral
agora que a Guerra Civil terminou, as condições de vida mantêm-se inadequadas
na maioria das áreas.
37
De acordo com a Economist Intelligence Unit,
a taxa de crescimento anual da população
em 2001 era de 3%, com uma mortalidade
infantil em 154/1000 nascimentos vivos
e a mortalidade para crianças menores
de 5 anos em 295/1000. Os efeitos da má
nutrição são evidentes em todo o país.
A taxa de alfabetização é de 42%, com
56% para homens e 28% para mulheres.
As escolas rurais não funcionam devidamente
porque faltam professores, material didáctico
e alimentação para os estudantes, para já não
dizer serem lamentáveis as condições das salas
de aula. Embora em muitas partes do país
as casas sejam construídas de adobe e pareçam sólidas, a situação habitacional é precária
e inadequada, especialmente em relação
ao tamanho médio das famílias camponesas.
São necessários esforços maciços de desenvolvimento para se melhorarem as condições
de vida da população.
como sucede no sector do Quipeio e é realizada de Junho a Agosto. Esta época fornece cerca de 5% da produção de cereais e legumes.
A produção de verduras e batata-doce
é também muito importante nestas áreas.
As verduras mais importantes são o repolho,
o tomate, a alface, a cebola, o pimento,
a cenoura e a abóbora.
De acordo com os modelos de projecção
da população e do cálculo do número total
de famílias agricultoras, (FAO8, 2004) a área
agrícola total plantada em Angola foi estimada
em 2 941 000 ha, o que representa um
aumento de 15% em relação ao plantio
do ano de 2003. Estimou-se que 96%
daquela área foi dedicada, fundamentalmente, a: milho, massambala, massango, arroz,
feijão, amendoim, mandioca, batata-doce
e batata comum, das quais os cereais e as
leguminosas (incluindo o amendoim) representaram 64% do total (1 890 000 ha).
Superfície plantada
A agricultura em Angola é predominantemente uma actividade de trabalho familiar para
milhões de pequenos agricultores em regime
de quase auto subsistência que plantam uma
média de 1,4 ha por família em dois ou mais
pedaços de terra; a área plantada aumenta
ligeiramente todos os anos. A produção
agrícola baseia-se numa época principal
de plantio de sequeiro de Setembro a Abril
(plantando de Setembro a Fevereiro). Esta
época responde por cerca de 95% da produção total de cereais e leguminosas, que são
também as principais culturas alimentares.
A segunda época de plantio ocorre principalmente em solos húmidos ou com regadio
A área semeada com cereais, leguminosas
e amendoim aumentou em cerca de 10%
em relação à época de colheitas passada;
a área de cereais cresceu em 9,3%, e o milho
representou 8,5% desta área.
Um factor importante que contribuiu para
o aumento na área cultivada foi a distribuição
de inputs agrícolas (sementes e instrumentos
manuais) a cerca de 600 000 famílias, entre
as quais 336 000 foram assistidas por intermédio de parceiros coordenados pela FAO.
FAO (2004) - Sistema Global da FAO de Informação e Alerta Rápida sobre Alimentação e Agricultura. Programa Alimentar Mundial.
FAO, Roma.
8
38
Factores que afectam as colheitas
As colheitas, como é conhecido, são anualmente oscilantes conforme o resultado
da regularidade das chuvas e da eficácia
das práticas agrícolas locais. Dada a dimensão
do território e as diferentes potencialidades
das regiões agro-ecológicas, essas variações
atingem significados diferentes conforme
os distritos. No planalto central, na Província
do Huambo, as fortes chuvas e/ou a sua regularidade, a baixa fertilidade dos solos esgotados, e as altas infestações de gramíneas
do género das Hyparrehnias sp. tendem
a afectar fortemente as colheitas de milho
para muitas famílias. Por sua vez a forte
lenhificação das gramíneas tornam a vegetação não só pouco apetecida pelo gado como
são impróprias para a sua alimentação.
Agricultores que utilizam a tracção animal
e alguma fertilização obtêm normalmente
uma melhor colheita de milho na mesma área.
No caso particular do Município da Ecunha
a distribuição de adubos e sementes, a par
com aconselhamento prestado pela Coopecunha, tem permitido assegurar uma melhoria
das produções unitárias e compensar a baixa
produtividade do milho nesta região (Diniz9,
1991).
o país, e a batata comum está concentrada
principalmente no centro com uma expressão
decisiva no Município da Ecunha onde é praticada de sequeiro, com regadio e com menor
expressão no tempo das chuvas.
As hortaliças constituem o outro tipo de culturas alimentares e comerciais praticadas um
pouco por todo o lado e com expressão bastante visível em quase todas as antigas anharas e terrenos de baixa (onhacas) devidamente
drenados pela população.
Quanto às principais culturas comerciais,
onde se incluem o dendém (óleo de palma),
algodão, o caju no norte, o coco, e a cana
de açúcar, não têm expressão no planalto
central. Cabe no entanto nesta área um papel
com algum significado de algumas frutíferas
subtropicais como o abacate, os citrinos,
a goiaba e maracujá. Embora já na margem
da sua área de aptidão, mas vegetando
e produzindo com alguma visibilidade para
o consumo local, inclui-se a manga. O café
arábica em localizações bem escolhidas
é também uma espécie com interesse
na ocupação agrícola do distrito do Huambo
com especial interesse na Comuna do Quipeio
onde já teve alguma representação.
Outras culturas
Pecuária
Outras culturas alimentares principais em
Angola incluem a mandioca, a batata-doce
e a batata comum (raízes e tubérculos).
A mandioca é a segunda das principais
culturas alimentares em termos de área
plantada e é a principal cultura na região
norte. A batata-doce está espalhada por todo
A actividade pecuária em Angola, principalmente gado bovino, está concentrada
na região sul. As províncias da Huíla e Cunene
têm as maiores manadas de gado bovino
e caprino. Não há dados precisos sobre
números por espécies, mas os dados
do Serviço de Veterinária do MINADER
9
Diniz, A. Castanheira (1991) - Angola, o Meio Físico e Potencialidades Agrárias. Instituto para a Cooperação Económica, Lisboa.
39
revelam a existência de cerca de 2 500 000
de cabeças de bovinos, 1.500.000 de cabeças
de caprinos e ovinos, 400 000 porcos e cerca
de 6 milhões de aves domésticas. Dos estimados 2,5 milhões de cabeças de gado bovino,
973 500 foram vacinadas no ano passado.
O gado constitui um input muito importante
para a preparação da terra; a força animal
é utilizada nas províncias do sul e centro
e cada vez mais agricultores estão a adquirir
bois para a lavra da terra. No Município
da Ecunha e um pouco por todo o planalto
central, parece clara a tendência para
um aumento do gado bovino que vem
ganhando terreno em relação ao milho
porque a produtividade deste, face
às tecnologias disponíveis e à pobreza
dos solos não parece, aos olhos do agricultor,
constituir uma opção com futuro.
Mercados e preços dos produtos agrícolas
Os efeitos de trinta anos de Guerra, incluindo
más estradas, pontes destruidas e a ameaça
de minas, causaram obstáculos importantes
à movimentação de pessoas e bens. Isto
é especialmente verdade durante a estação
chuvosa quando muitas estradas se tornam
intransitáveis durante vários meses do ano.
Assim, embora as estradas ao longo dos
principais corredores de transporte a partir
da faixa costeira para o interior estejam agora
abertas, muito ainda falta a fazer antes que
se retome o comércio normal. Os elevados
custos dos transportes e os altos juros dos
créditos também dificultam o comércio
de produtos agrícolas, já que os comerciantes
têm tendência em favorecer bens que sejam
altos em valor, baixos em peso unitário
e para os quais haja uma alta margem de
lucro – tais como pequenos bens industriais
de consumo como roupas, sabão, cigarros,
bens enlatados e outros produtos alimentares
processados. Os elevados custos de transporte
resultaram também da prática muito espalhada de extorquir portagens e taxas ilícitas
ao longo das estradas.
O mercado para géneros alimentícios básicos
permanece fragmentado em resultado desta
situação. Porém, lentamente, estão-se
a reconstituir redes comerciais e a circulação
de bens crescerá significativamente à medida
que as estradas melhorarem. O Gabinete
de Segurança Alimentar (GSA) informa sobre
alguns grandes carregamentos de milho
a partir de várias províncias do centro e do
norte, inclusive do Huambo, apesar dos problemas climáticos enfrentados ali. Este fenómeno emergente deve ser estudado e monitorizado para se determinarem as condições
para a sua expansão. Luanda continuará
a receber fornecimentos crescentes de mandioca e feijão do Uíge, de milho das regiões
do centro e sul, e de lenhas e carvão do Planalto Central.
40
Em geral, os preços são altos em comparação
com o poder de compra da vasta maioria
da população. A procura efectiva é baixa,
de modo que uma diminuição na oferta não
se traduz imediatamente em preços significativamente mais altos. Em Novembro/Dezembro
2003, por exemplo, registou-se uma queda
brusca no fornecimento de feijão e milho
a partir das terras baixas (onhacas) como
consequência das condições climáticas.
No entanto, em algumas áreas como a Província da Huíla, onde os preços são monitorizados, os preços subiram apenas ligeiramente
ou mantiveram-se estáveis, enquanto
os preços do milho aumentaram apenas
em uns parcos 5%.
Os preços do gado nas áreas rurais reflectem
a procura pelos agricultores de gado apropriado para a tracção animal, o que causou uma
subida brusca nos preços do gado no mercado da Caála (o mercado mais importante
no Huambo). A maior parte do gado é comprado a crédito e o reembolso muitas vezes
excede a capacidade dos agricultores em caso
de más colheitas; esta é uma causa importante
de preocupação para os criadores de gado
e um outro sinal de pobreza nas áreas rurais.
Situação do abastecimento alimentar
Sendo o abastecimento alimentar uma
das primeiras necessidades para a sobrevivência da população e o que exerce mais pressão
sobre a terra, sendo a que nos trópicos
é a mais responsabilizada pela desflorestação,
faz-se uma revisão breve sobre a informação
disponível embora com alguma atraso
estatístico. Apesar disso os contactos estabelecidos mostram que apesar das melhorias
progressivas na produção agrícola, esta não
satisfaz ainda as necessidades alimentares
nos produtos base da alimentação da população Angolana, significando que a pressão
sobre a terra e a desflorestação consequente,
principalmente nos zonas do Planalto Central,
serão acrescidas.
Balanço oferta/procura de cereais - 2004/05
A estimativa da FAO10 para o balanço oferta/
procura para o ano comercial 2004/05 (Abril/
Março) é apresentado no Quadro 1, baseado
na previsão da produção para a época
agrícola de 2003/04 e a mais recente informação sobre as importações de cereais. Apresentam-se também dados sobre a mandioca
(peso do produto fresco) para se mostrar a importância crescente deste produto. A mandioca é o principal alimento básico nas províncias
do norte, e o seu consumo está a aumentar
nas províncias do centro e do sul.
No que se refere à oferta, as cifras relativas
à produção de cereais para 2003/04 incluem
as previsões efectuadas por aquela Missão
para a primeira e segunda épocas de plantio
da campanha agrícola actual.
10
Relatório Especial da Missão Conjunta FAO/PAM de Avaliação da Produção Interna e Necessidades Alimentares em Angola
(2004) - Sistema Global da FAO de Informação e Alerta Rápida sobre a Alimentação e Agricultura do Programa Alimentar
Mundial, FAO, Rome.
41
Quanto às reservas, contactos e entrevistas
com agricultores, estes mostraram que não
existiram nenhumas reservas nos próprios
campos, quer seja no princípio ou no fim do
ano comercial, e não há nenhuma informação
disponível quanto a reservas comerciais
de milho, arroz e trigo. Daí foi presumido
que não houve nenhuma alteração nas quantidades das reservas.
Quadro 1- Balanço produção-consumo de cereais
(‘000 toneladas) (2004-2005)
Milho
Disponibilidade 577.0
Não existe nenhuma informação precisa
quanto a outras utilizações de cereais.
Portanto, à semelhança do relatório do ano
anterior, o desaparecimento de grão para
sementes, ração animal e perdas pós-colheita
foi estimado numa proporção de 20%
da produção interna para grãos grossos,
10% para o arroz e 30% para a mandioca.
Também não há nenhuma informação fidedigna sobre reservas. O balanço do Gabinete
de Segurança Alimentar considera que
as reservas na abertura e no encerramento
do ano comercial são idênticas para todos os
produtos, nomeadamente 10 000 toneladas
de reservas iniciais e finais de milho, 5 000
toneladas para a massambala/massango
e 4 000 toneladas para o arroz.
Arroz
massango
(descascado)1/
Trigo
Total
Mandioca
123.4
13.0
-
713.4
6638.0
123.4
13.0
-
713.4
6638.0
-
-
-
-
cereais
interna
Produção
577.0
2003/04
Diminuição
-
de reservas
Utilização
Com respeito à procura, a maior utilização
interna é o consumo alimentar directo para
uma população, estimada em 15 299 000
habitantes em meados do ano comercial
de 2004/05 (estimativa baseada nas projecções da população do Instituto Nacional
de Estatísticas). O consumo per capita
de cereais foi calculado em 91 kg na base
de uma procura aparente durante o ano
comercial de 2003/04, considerando a produção interna e as importações de cereais.
Massambala/
824.5
123.4
192.2
393.2 1533.3
393.2 1392.2
6638.0
interna
Uso alimentar
709.1
98.7
191.2
Outros usos
115.4
24.7
1.0
-
141.1
1991.0
4647.0
240
0.0
190
390
820
-
62.0
0.0
190
390
642
-
-
-
178.0
e perdas
Necessidades
de importação
Importações
comerciais
Ajuda alimentar, 178.0
da qual:
Em armazém/
70.6
70.6
Para se garantir 107.4
107.4
fonte2/
1/
Arroz com casca transformado em arroz descascado numa proporção
de descasque de 65%.
2/
PAM e CDRA.
Como mostra o Quadro 1, as necessidades
de importação de cereais para Angola para
2004/05 foram estimadas em 820 000 toneladas. Destas, 190 000 toneladas correspondem
a importações comerciais de arroz e 390 000
toneladas ao trigo. As importações de arroz
e de trigo foram calculadas com base nas
importações do ano passado e o crescimento
populacional. As necessidades totais de importação para o milho estimam-se em 240 000
toneladas, das quais 178 000 toneladas estão
previstas em forma de ajuda alimentar, com
62.000 toneladas em forma de importações
comerciais.
42
Constrangimentos à recuperação económica
O prolongado conflito em Angola deixou
a infra-estrutura em condições deficientes.
O facto de muitas estradas estarem ainda
virtualmente intransitáveis adiciona custos
de transacção significativos às actividades
económicas. Além disso, a maioria das famílias
retornadas sofreram uma séria perda de recursos produtivos e mudaram os seus padrões
de vida por causa do deslocamento a que
foram sujeitas.
A seguir ao processo de paz, Angola não viveu
uma recuperação imediata da produção. Isto
pode ser explicado parcialmente pela falta
de confiança das famílias, já que elas não
estão a investir todos os seus recursos na
produção. Outros dois factores estão a dificultar uma rápida recuperação: a falta de restabelecimento e revitalização dos mercados nas
áreas rurais, que não pode ocorrer sem uma
rede rodoviária aceitável; as práticas informais,
senão mesmo ilegais, de cobrar taxas, e o
elevado custo dos alugueres são outros obstáculos impedindo o restabelecimento da
economia de mercado real do país.
Ainda há uma reacção cautelosa aos sinais
de recuperação. Se bem que os níveis de confiança entre as pessoas sejam crescentes, elas
estão à espera de sinais concretos e positivos
de que a economia está a reviver para retomarem ou investirem dinheiro em actividades
produtivas. Também há grande número de
propriedades privadas (fazendas) – algumas
delas localizadas em áreas com solos de boa
qualidade e irrigação adequada – que ainda
não retomaram a produção porque a sua
infra-estrutura agrícola foi destruída ou por-
que a terra constitui uma reserva que não
é prioritária em relação aos rendimentos
gerados por outras actividades muitas delas
especulativas, ou pela conjugação da falta
de confiança e da indefinição das políticas
públicas em resultado de um elevado
número de intervenientes, da imprecisão
legal e da incerteza gerada.
Uma rígida política de reassentamento,
forçando as pessoas a regressarem só para
as suas áreas de origem, provou ser totalmente desencorajadora (FAO, 2004, ob. cit.).
Às vezes as áreas de origem não têm quase
instalações ou serviços públicos; por isso não
apresentam mais nenhuma atracção para
aqueles que se tinham mudado para as áreas
urbanas na expectativa de mudarem os seus
padrões de vida. Tais condicionamentos ajudam a explicar porque é que áreas mais vastas
não estão actualmente a ser cultivadas, particularmente em volta das cidades principais
de Luanda, Benguela, Lubango e Huambo.
A população nestas cidades aumentou mais
de cinco vezes nalguns casos (Luanda).
A mesma situação se regista à volta de outros
grandes centros urbanos, onde números
consideráveis de pessoas ainda estão a viver
nas suas aldeias de reassentamento.
Este fenómeno, porém, não é a única
explicação para a lenta recuperação da agricultura. O maior obstáculo ao desenvolvimento deste sector é o fraco desenvolvimento
dos mercados rurais e a sua fraca integração
com os mercados urbanos. O factor custos
também bloqueia a rápida recuperação. Embora se manifestem sinais positivos do mercado (a procura urbana), aparentemente um
forte impulsionador para um aumento
43
na oferta e consequente produção, o sinal
negativo dos elevados custos de transporte
para e das áreas rurais desencoraja o investimento na agricultura. Os custos extremamente altos dos inputs agrícolas importados, como
fertilizantes e maquinaria, também dificultam
investimentos na agricultura e têm de ser
analisados como constrangimentos para
as famílias e mesmo para os interesses
da agricultura comercial privada.
As principais fontes de fornecimento de inputs
(fertilizante e sementes) têm sido as organizações internacionais e o governo. Não há, na
actual conjuntura, condições favoráveis para
se desenvolver um mercado competitivo
para inputs agrícolas no sector privado.
No que concerne ao Município da Ecunha,
a acção da Coopecunha no domínio do fornecimento de adubos e aluguer de tractores
é um passo altamente significativo nesta
área ao constituir um alfobre para novas
iniciativas de tipo empresarial privado
se não forem estranguladas por práticas
de intervenção governativa que não
respeitem os mecanismos de mercado.
Nas áreas de produção de milho, no Planalto
Central, e nomeadamente nos solos ferralíticos
do Município da Ecunha, a fertilidade do solo
é um problema importante (na maior parte
dos solos há que recear a falta quase sistemática de fósforo, azoto, enxofre e magnésio,
no que se refere aos macronutrientes e de
boro e zinco no que refere aos micronutrientes) e a falha na sua disponibilização e distribuição pode representar um factor decisivo
no sucesso da cultura do milho. A experiência
levada a efeito nestes solos do Planalto Central, “parece confirmar que é indispensável
a aplicação de fortes doses de adubos, sem
o que a produção será baixa ou não haverá
mesmo colheita.” (Diniz11, 1971). A introdução de novas tecnologias conservadoras do
solo (no tillage ou a lay farming), da matéria
orgânica e dos adubos com a sementeira
ou com mobilização mínima continua
a aguardar uma extensão rural activa
e motivada.
A escassez de terra fértil foi agravada pelo
cultivo intensivo em volta de acampamentos
temporários e das áreas urbanas durante
a Guerra, e esta situação bem poderá continuar já que alguns deslocados não regressaram –
e podem nunca regressar – para as suas áreas
de origem.
Nas áreas de cultivo de mandioca, a disponibilidade de terras não é uma grande limitação,
excepto no acesso às terras baixas das onhacas. A cadeia de conhecimentos foi interrompida devido à deslocação forçada; a juventude
angolana vive nas cidades e tem pouco
ou quase nenhum contacto com a agricultura,
a ruptura das famílias e a necessidade de
se adaptar a um novo ambiente deterioraram
a capacidade humana, tanto em termos
de redes sociais como de acumulação
de conhecimentos no seio das comunidades.
A disponibilidade limitada de mão-de-obra
e da força da tracção animal, agravada pelo
fraco estado nutricional dos deslocados
e daquelas comunidades que não podem
ser alcançadas pela distribuição alimentar
do Programa Alimentar Mundial (PAM),
combinados com uma falta de instrumentos
(dado que muitas famílias receberam só
uma enxada por agregado familiar) limitam
a expansão da área cultivada.
11
Diniz, A. Castanheira (1971) - Plano de Desenvolvimento do Distrito do Huambo. Vol. 1, Caracterização Genérica da região.
SPIE, Luanda.
44
Quantidades limitadas e a fraca qualidade
das sementes das culturas básicas essenciais
e do material vegetal também limitam quanta
terra pode ser cultivada.
Existe amplo consenso que é necessário
diversificar as fontes de receitas dos agricultores para alívio dos níveis de pobreza da população rural mediante o recurso a actividades
alternativas geradoras de rendimentos. A via
mais simplista que se vê advogar, por alguns
sectores, é o acesso aberto a recursos comuns
como florestas e águas interiores esquecendose que esta não é uma via sustentável porque
vai precisamente destruir a base de suporte
à sustentação da própria agricultura.
A experiência internacional dispõe hoje
de alguma informação que mostra os riscos
dos regimes de acesso aberto e para a sua
insustentabilidade. Conhece-se também,
da experiência internacional, que os custos
da recuperação ultrapassam muito os custos
da conservação (Fig. 2) pelo que consideramos uma ilusão advogar-se a instalação
de regimes abertos quanto aos recursos
naturais no apoio à pobreza rural.
Tentamos abordar as componentes
que consideramos essenciais para o reforço
e relançamento sustentável da agricultura
angolana - de que depende a capacidade
de manter os recursos florestais - que entendemos tem de passar não pelo acesso aberto
aos recursos naturais, delapidando o capital
natural, essencial para capitalizar os bens
e serviços ambientais que eles garantem,
mas por políticas consistentes quanto
ás seguintes vertentes:
• Aumento do orçamento nacional atribuído
à agricultura para níveis compatíveis com
o seu grau de importância;
• Uma política monetária favorável por forma
a que se consolide ou melhore a vantagem
competitiva da produção interna em relação
aos produtos alimentares importados;
• Medidas efectivas de incentivo ou mesmo
de promoção da comercialização dos produtos agrícolas nacionais;
• Remoção das incertezas do quadro jurídico
quanto aos títulos de propriedade da terra,
quer individuais quer consuetudinários;
Fig. 2 – Representação esquemática da relação entre a intensidade das acções de exploração dos ecossistemas florestais e os custos
da regeneração. (ad: MAINI, 1992)
45
• Criação de mecanismos de apoio ao pequeno crédito de campanha para a agricultura
tradicional e para apoio à criação de estruturas
cooperativas de pequenos agricultores;
• Criação de mecanismos de crédito para
o apoio à reconstrução da agricultura empresarial devidamente supervisionada para evitar
que a mesma se faça à custa da usurpação
de terras dos logradouros tradicionais das
aldeias ou dos agricultores mais pobres;
• A disponibilização e reforço do apoio técnico
à agricultura e um esforço continuado e activo
de capacitação técnica superior nos campos;
• Reformulação dos quadros organizativos
das instituições ligadas à agricultura e de uma
política articulada de descentralização a favor
das regiões e municípios.
Os problemas da gestão dos recursos naturais,
e garantir que Angola vai continuar a auferir
dos benefícios e bens ambientais que deles
dependem, estão fortemente ancorados na
forma como vai decorrer a recuperação da
agricultura do território e não podem ser
vistos como uma área estanque. Na verdade
o que as populações e os responsáveis não
realizam são os custos a que o sacrifício dos
recursos naturais, principalmente das áreas
arborizadas, conduz: uma degradação
do meio ambiente em geral, e a prazo
à inviabilidade da própria agricultura.
Contrariamente ao que em geral se julga,
o fenómeno da desertificação não resulta
tanto da diminuição da queda pluviométrica
mas, fundamentalmente, da redução dos seus
efeitos benéficos por causa da degradação
ambiental que se manifesta pelo aumento
da erosão, pela destruição da fertilidade
do solo, pela diminuição da infiltração
e a consequente eliminação da capacidade
de sustentar a vegetação. A conjugação
de consequências em cadeia é hoje conhecida
(Fig. 2.1) pelo que a conservação e gestão
sustentada dos recursos deve ser assumida
como desígnio nacional.
As dependências entre a produção agrícola
e a segurança alimentar tendem igualmente
a ser esquecidas o que conduz à tentativa
de tratar os problemas da sustentabilidade
dos recursos naturais ou a problemática da
silvicultura nos trópicos como uma actividade
exógena ao sector agrário no seu conjunto,
conduzindo ao acentuar dos desequilíbrios
ecológicos, e ao agravamento do problema
da segurança alimentar (Fig. 2.2).
Os padrões de relação entre a população
das áreas rurais e a floresta (Fig. 2.3) são distintos conforme a densidade de população,
a antiguidade do povoamento e a forma
como as populações ocuparam o espaço por
sua iniciativa ou pela política de assentamento
adoptada em cada situação concreta.
46
Fig. 2.1 – Modelo dos impactes ecológicos da desarborização
Fig. 2.2 – Ligações entre a floresta e a segurança alimentar das populações
47
Sem que se disponha de informação quantificada sobre as formas de dependência, entende-se previsível que ela configure os seguintes
tipos de dependência:
• Bens de subsistência como lenhas e carvões,
madeira para construção, carne e alimentação
para o gado, cogumelos (tortulhos), mel,
folhas comestíveis, plantas medicinais,
raízes e frutos;
• Bens para venda, quer dos bens acima
referidos, quer de esculturas e artesanato
ou madeira;
• Rendimento por emprego formal ou informal nas actividade directamente relacionada
com a floresta;
• Benefícios indirectos tais como terra para
outros fins, locais de uso social, serviços
ambientais, incluindo protecção a bacias
hidrográficas e contenção da erosão bem
como a conservação dos recursos faunísticos,
florísticos ou paisagísticos.
Do que se observou, e das conversas tidas
com várias populações e responsáveis das
aldeias, ficou-nos a convicção de que estas
categorias não são mutuamente exclusivas.
Não obstante esta afirmação, entendemos
que na área do Município da Ecunha é conveniente um eventual aprofundamento sócioeconómico desta dependência e fazer uma
distinção em duas grandes categorias cuja
intensidade de impacto é distinta: “os pobres”
e os “muito pobres” que usam a floresta principalmente como rede de segurança e os
“menos pobres” que têm a oportunidade
de usar a floresta e os recursos lenhosos para
além da satisfação das suas necessidades básicas, i. e. como fonte de rendimento.
É importante notar que estas duas categorias de pobres muitas vezes competem pelos
recursos florestais locais, i.e.
os mais ricos pretendem abater a floresta,
usada pelos mais pobres como fonte de alimentos e plantas medicinais, para aumentar
a sua área agrícola, para gerar mais rendimentos pela produção de carvão abatendo para
além da área apropriada e usando o desmoronamento das estruturas comunitárias tradicionais para apropriações indevidas.
Assim, embora os mais ricos nas comunidades,
com mais recursos para poderem dedicar-se
à recolha e produção de produtos das florestas tenham mais poder para usar os recursos,
são as populações mais pobres que tendem
a ser os utilizadores mais intensos porque vão
buscar uma quota proporcionalmente mais
importante dos seus rendimentos à floresta
e aos seus produtos e actividades. É por isso,
mesmo sem consideração dos impactos negativos sobre os serviços ecológicos, que
a redução das áreas florestais locais
e do capital florestal em pé afecta primária,
e mais intensamente, as camadas mais pobres
da população rural (DFID12 et. al., 2002).
Embora a distinção entre os diferentes tipos
de pobres e das suas relações com a floresta
(Fig. 2.3) seja útil e essencial para se compreender a componente sócio-económica que
subjaz na dinâmica da desflorestação, é preciso não focar exclusivamente a importância
da floresta em determinado contexto geográfico nestas categorias quando se tenta atacar
o problema da pobreza através das acções
florestais. Se assim suceder estamos a esquecer os restantes actores e as suas interacções,
bem como a sua importância na resolução
dos problemas do desenvolvimento.
12
DFID, EC, UNDP & World Bank (2002) - Linking Poverty Reduction and Environmental Management - Policy Challenges
and Opportunities
48
Alguns dados mundiais da dependência
das populações nos trópicos da floresta
Não obstante as dificuldades em caracterizar
a dimensão da “dependência” um conjunto
de dados foi recentemente produzido, testemunhando a dimensão e ligações entre
os pobres e a floresta (Quadro 1.1).
Quadro 1.1 – Alguns dados testemunhando a dependência das
populações pobres da floresta
Dados
Fonte de informação
i) Dependência das populações das florestas
World Bank13, 2001
e das árvores
• 1,6 biliões de pessoas no mundo dependem
fortemente dos recursos florestais para a sua
sustentação:
• 60 milhões de pessoas na América Latina,
Em termos económicos, as estimativas
dos custos nacionais para os danos ambientais
permitem já às autoridades terem uma visão
quantificada e preocuparem-se com as consequências futuras, atendendo até que os custos
da reabilitação são muito mais pesados que os
da conservação como se indica na Fig. 2.1.
Se bem que os estudos quantificados nesta
área sejam ainda limitados as expectativas
dos impactos económicos só tendo em atenção a erosão do solo e a desflorestação para
o mundo em desenvolvimento (Quadro 1.2)
são bastante significativas, e permitem visualizar já as necessidades de legislação ambiental
e de instituições que permitam a sua implementação.
Ásia e África vivendo na floresta densa
húmida;
• 350 milhões vivendo na ou junto à floresta
Quadro 1.2 – Sumário dos custos sociais da degradação
ambiental ligados à degradação florestal e erosão do solo19
densa e dependendo dela para subsistência
ou rendimento;
• 1,2 biliões de pessoas nos países
em desenvolvimento usando árvores
nos seus campos para gerar alimentos
e rendimentos.
• Mais de 2 biliões de pessoas dependem da
UNDP, UNDESA
lenha e carvão para cozinha e aquecimento
& World Energy
• A floresta gera mais de 10 milhões
Council14, 2000
de empregos directos nos países em
desenvolvimento a que se somam
Poshen15, 2002; de
entre 30 a 50 milhões empregos informais
ILO16, 2002
País
Natureza da degradação
% do PNB
Mali
Erosão do solo
0,4
Burkina Fasso
Perda de biomassa
8,8
Etiópia
Desflorestação
6,0-9,0
Indonésia
Desflorestação
3,6
Erosão do solo
0,4
na indústria florestal
• Os produtos naturais, muitos provenientes
das florestas, são a única fonte de medicamentos FAO17, 1996
para 75-90% da população dos países
em desenvolvimento
ii) Dependência dos pobres das florestas
e das árvores
• Um em cada quatro pobres no mundo
World Bank18, 2000
depende directa ou indirectamente das
florestas para o seu modo de vida
World Bank (2001) - A Revised Forestry Strategy for the Wold Bank Group. Draft 30, WB, Washington, DC
UNDP, UNDESA and World Energy Council (2000) - World Energy Assessment, NY
15
Poshen, P (2002) - The Forests, The Poor and the Foresters. (2002) - Presentation for the International Workshop on Forestry and
Poverty Reduction - How can development, research and training agencies help in Edinburg, 13 June.
16
ILO (2000) - http://ilo.org/public/english/dialog/sector/sectors/forest/emp.htm
17
FAO (1996) - Forestry and Food Security. Brochure prepared for the World Food Summit
18
World Bank (2000) - Wold Bank reviews on global forest strategy. News release No. 2001/193/S.
http://wbln0018.worldbank.org/news/pressrelease.nsf.
19
Pearce, D. W. (1993) - Developing country economics, pg. 71-105. in: Sustainable Environmental Economics and Management.
Ed. R. Kerry Turner, Belhaven Press.
13
14
49
A cobertura florestal
Angola é detentora de um património florestal
e faunístico rico e variado em termos qualitativos e quantitativos. Se este património for
explorado em termos sustentáveis e com
a conveniente incorporação tecnológica
poderá representar para o país um importante
contributo para o desenvolvimento industrial,
económico, ambiental e social. É de lembrar
as importantes relações intersectoriais normalmente associadas à indústria madeireira
e ao papel motor que pode representar
no desenvolvimento e na criação de emprego
(Westoby20, 1987).
Não obstante a ausência de bases cartográficas actualizadas e a ausência de uma análise
diacrónica que quantifique, mesmo de forma
genérica, a taxa de desflorestação que ocorreu
nos últimos 50 anos, as estatísticas referem
que Angola tem uma área florestal de aproximadamente 53 milhões de hectares, correspondendo a 43,3% do território. Esta aérea
engloba várias formações diferenciadas que
vão da floresta densa sempre verde às estepes
sub-desérticas e mangais qualquer delas com
potenciais produtivos e de interesse económico bem distintas.
A sua distribuição espacial no território está
sintetizada na Fig. 2.3.
Quanto aos mangais localizados nos estuários
dos grandes rios e em áreas bem localizadas
da costa angolana a sua expressão é relativamente modesta montando a uns reduzidos
28.000 hectares. São ecossistemas sem significado na produção madeireira sendo contudo
de grande importância como reservatório
20
21
de biodiversidade marinha, por serem locais
de preferência para desova e reprodução
de milhares de espécies incluindo mariscos
e aves.
Em termos formais Angola conta com
18 reservas florestais, criadas ainda antes
da independência e com uma área total
de 2.669.700 hectares. Estas reservas estiveram abandonadas durante o longo período
de Guerra encontrando-se hoje fortemente
degradadas não satisfazendo os critérios
estandardizados de classificação. No dizer
da FAO21 estas áreas encontram-se “in a state
of total neglect. The entire park system has
in fact been placed on the list of war endangered protected areas since 1988”.
Recursos da floresta natural
Os recursos madeireiros da floresta natural
de Angola que se distribuem por dois grandes
domínios florísticos: a floresta densa húmida
na zona N-NW de Angola e a floresta aberta
da metade E-SE (Fig. 3.5 e Fig. 3.6) são muito
importantes.
Quanto à floresta densa húmida, os principais
centros de recursos lenhosos situam-se na
floresta do Maiombe e nos Dembos (distribuindo-se pelas províncias do Bengo e Cuanza
Norte e estendo-se para o NE a abranger
as serranias e vales do Uige. Destacam-se
ainda outros maciços dispersos alguns de
dimensão significativa como o do QuimbeleMacocola e a orla fronteiriça do Luvo.
Westoby, J. (1987) - The Purpose of Forests. Follies of Development. Basil Blackweel, Oxford, UK
FAO, Global Forest Resources Assessment, Angola. FAO, 2005
50
o pau rosa (Combretodendron africanum),
a memenga (Staudita gabonensis), o ungulo
(Sarcocephalus diderichi), a m’bonza (Mamea
africana) e a panga-panga (Milletia laurentii).
Em Cabinda, mais propriamente no Maiombe,
além das espécies mencionadas, são de referir
outras espécies de assinalável interesse madeireiro embora tenham sofrido já um intenso
desgaste pela exploração a que têem vindo
a ser sujeitas, a tola branca (Gossweilerodendron balsamiferum), a limba (Terminalia
superba), a tola chinfuta (Pterygopodium
oxyphyllum), o undianunu preto (Lovoa klaineana) e o muabi (Mimosops djave).
Fig. 2.3 – Mapa da cobertura florestal de Angola
(Ad. FAO Forestry Department, 2005)
A sul do Cuanza, a formação florestal húmida
tem o seu desenvolvimento directamente
ligado às situações morfológicas da escarpa
do Libolo e Amboim-Seles. Esta é, contudo,
uma mancha já muito rarefeita e onde
a representação das espécies madeireiras
de interesse económico está já muito rarefeita.
A característica mais saliente da formação
florestal densa húmida é a diversidade arbórea
específica que a caracteriza, com árvores
de elevado interesse madeireiro com mais
de 30 m de altura onde se salienta, entre
outras, a presença dos mognos africanos
(Khaya e Entandrophragma) a cambala
ou amoreira (Chlorophora excelsa), a tacula
(Pterocarpus tinctorius), a m’vuco (Mitragyne
macrophyla), a m’bota (Milletia versicolor),
Como espécies consideradas de valor inferior,
mas com interesse para a indústria madeireira,
citam-se várias Albizia sp. (muanza), muito
aproveitadas como sombreadoras na mata
cafeícola nos Dembos e Uige, a “cababa”
(designação que engloba geralmente duas
espécies do género Celtis) e o “bombolo”
(Melia dubia).
No que diz respeito à formação florística
designada de floresta aberta e às suas gradações de floresta densa seca e floresta seca,
da metade E-SE, cobrem área significativa
do território de Angola a revestirem as suas
extensas planuras arenosas do Leste e SE,
em vários estádios de conservação por força
da pressão que têm vindo a sofrer por efeito
dos fogos incontrolados e da agricultura itinerante. Marcam presença pelo seu interesse
na indústria, o “girassonde” (Pterocarpus
angolensis) e o “musibi” (Guibourtia coleosperma), a “ovala ou muvala” (Afzelia cuanzensis)
e a “muvuca” (Marquesia macroura).
51
Com menos importância, dada a sua dispersão na faixa inferior sublitorânea, e ainda
no planalto do Baixo Cunene mas com grande
qualidade para trabalhos de marcenaria fina
e artesanato, menciona-se a presença da “musolveira” (Diorpyros mespiliformis) e na faixa
subplanáltica do SW e prolongando-se até
ao Baixo Cunene a “omutaku” (Entandrophragma ekebergioides).
Em termos agregados a distribuição espacial
dos recursos madeireiros está representada
na Fig. 2.4.
Não obstante a aparentemente grande área
considerada florestal na definição da FAO,
deve dizer-se que a sua estrutura está em muitos locais fortemente intervencionada, do que
resulta que aquela grande área se reduz
muito significativamente quando olhada
do ponto de vista económico e dos seus
serviços ambientais, e que fica confinada
a apenas 2.37.300 hectares, o que equivale
a uns escassos 2% do território angolano
o que é manifestamente reduzido para cumprir o potencial ecológico que deve estar-lhe
associado, e muito menos um papel significativo no desenvolvimento económico
de importantes áreas do “interland”.
O potencial produtivo desta área é calculado
em 326.000 metros cúbicos de madeira em
toro22.
A estimativa da desflorestação anual foi calculada em 40.000 ha/ano (FAO/UNEP23, 1981),
valor este que deve estar francamente ultrapassado, atendendo ao forte acréscimo da
área agricultada, à não contenção das queimadas incontroladas e ao aumento da área
cultivada por família.
Recursos da floresta plantada
Fig. 2.4 – Distribuição espacial da floresta natural
Angola possui plantações florestais de espécies exóticas quase todas plantadas no tempo
colonial e em que dominam os Eucalyptus
(sendo os mais representativos em área
os E. saligna, E. grandis, E. camaldulensis,
E. tereticornis, E. maculata, E. robusta,
E. viminalis, E. tereticornis, E. sideroxylon)
distribuindo-se os respectivos povoamentos
ao longo de uma extensa faixa W-E, a acom-
Política Nacional de Florestas, Fauna Selvagem e Áreas de Protecção (documento de discussão). Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e Ministério do Urbanismo e Ambiente. República de Angola, 1970.
23
FAO/UNEP (1981) - Tropical Forest Resources Assessment Project (in the Framework of GEMS): Forest Resources of Tropical Africa Part I:
Regional Synthesis, by J. P. Lanly and J. Clement. Part II: Country Briefs. FAO Report No. UN32/6. 1301-78-04, Technical Report 2.
22
52
panhar a via férrea do CFB no seu traçado
planáltico, além de um extenso perímetro
florestal na zona do Cuima e da extensa área
de eucaliptais plantados na zona do Alto
Catumbela para abastecimento da fábrica
de celulose (Fig. 2.5). A área de eucaliptais
estava avaliada em 150.000 ha.
Quanto aos pinheiros tropicais e subtropicais,
(Fig. 3.7) destacam-se pela sua adaptação
e excelente crescimento, o Pinus patula,
P. greggii, P. douglasiana, P. tenuifolia, P. strobus
e P. michoacana de proveniência mexicana,
a P. elliottii e P. taeda originários da Florida
e o P. khasya, da Índia. Os povoamentos
de pinheiros que se distribuem na zona
planáltica foram implantados até 1974
e estão dominados pelo P. patula, com excelentes desenvolvimentos acima dos 1400 m
de altitude, tanto na linha Huambo-Bié
como no Cuíma e na Huíla.
Nos povoamentos de floresta plantada destacam-se ainda Cupressus lusitanica, de que se
assinala um perímetro pertencente à antiga
fábrica de celulose da Catumbela com uma
área que andou próxima dos 3000 ha e hoje
fortemente degradado, e a Casuarina equisetifolium um pouco espalhados por toda a zona
planáltica e com grande significado na protecção dunar na cidade piscatória do Tômbwa,
na Província do Namibe onde aparece associada à Acacia cyanophyla e Prosopis juliflora
e em fase de clara degradação.
Fig. 2.5 – Distribuição actual das plantações de Eucalyptus sp.
No seu conjunto, e comparativamente
com outros países, Angola estava colocada
na 9ª posição entre os países detentores
das maiores plantações florestais no mundo
e com um potencial industrial que a tornava
bastante apetecida. Basta lembrar que até
1974 funcionava em Angola uma fábrica
de celulose kraft branqueada no Alto Catumbela e que outras duas estavam programadas
para construção, uma das quais em 1974
se encontrava já adquirida.
Deve acentuar-se que em consequência
da instabilidade vivida, estes perímetros deixaram de ser explorados de forma ordenada,
tornando-se, de facto, terras de acesso livre,
registando-se na maior parte dos casos degradações mais ou menos acentuadas de acordo
com a frequência de fogos continuados e de
operações de abate desordenado.
Um número significativo destas áreas precisa
ser requalificadas, não só em termos de limites, mas também de regras de acesso
e, de operações de enriquecimento,
que lhes restabeleçam o potencial produtivo
e as defendam da depredação normalmente
inerente aos recursos de acesso livre e aos
fogos continuados que sobre elas incidem.
53
Lenha e carvão
A lenha e o carvão constituem o principal
combustível das populações rurais da maior
parte do mundo e mesmo de muitas populações citadinas do mundo tropical. É também
em muitas partes do mundo o principal material de construção e de mobiliário rural.
Em Angola esse grau de dependência calculase ser superior a 75% da energia doméstica.
Fig. 2.6 – Distribuição dos povoamentos de pinheiros
O potencial produtivo actual da floresta
exótica segundo o inventário global efectuado
pela FAO (197524), refere o potencial estimado
em pé de 17.450.000 m3, à média de 130 m3/
ha, o que possibilitaria teoricamente um corte
anual de 850.000 m3/ano25.
Não obstante o grosso da produção de lenhas
e carvões ser fundamentalmente uma actividade fora do sector formal da economia e que
uma parte da exploração de toros da floresta
natural se processa igualmente fora do sector
formal, está estimado que potencialmente,
e em condições de sustentabilidade, o sector
florestal angolano pode proporcionar uma
contribuição anual da ordem dos 150 milhões
de dólares americanos elevando a sua contribuição para o PIB nacional de 0,1 a 4% do
actual PIB nacional (2005), o que equivaleria
a 25% do total do sector agrário.
Em termos globais a FAO calcula que,
no mundo, mais de 1.500 milhões de pessoas se servem quotidianamente da lenha
e do carvão para cozinhar e se aquecerem.
As estatísticas daquela organização mostram
que metade do carvão usado globalmente
cabe à África É o material mais utilizado porque é o mais barato e o que, para o seu uso,
não exige fogões complicados e caros. Dada
a baixa eficiência da transformação que não
ultrapassa 23% do peso seco, e a rápida urbanização nas cidades o carvão é mais apetecido, graças à sua maior intensidade energética,
a pressão sobre os sistemas florestais em
Angola é crescente e intensa.
A progressiva destruição da floresta faz
com que cada vez mais as mulheres tenham
de percorrer maiores distâncias para recolher
lenha e que da recolha de ramos e troncos
mortos se passe à desramação das árvores
e ao seu abate com as respectivas consequências ecológicas. O cenário a que chegaram
já algumas regiões da África, como a Etiópia
que é o exemplo mais dramático, mostra que
este país na década de 50 tinha uma área
florestada de 30% da área do país e hoje essa
área se encontra reduzida a 3-4%.
Forestry Outlook Study for Africa (FOSA), Angola, FAO
Trata-se de meras estimativas porque “Iack of a forest inventory and other data makes estimates of forest resources unreiliable”, Zola,
A. (1998) - Forestry data on Angola. Country Report. In: proceedings of sub-regional workshop on forestry statistics. SADC Region.
Mature, Zimbawe, 30 Nov. - 4 Dec. EC-FAO Partnership Programme (1998-2000) Luanda.
24
25
54
Em algumas regiões onde as árvores desapareceram, os camponeses estão reduzidos
ao recurso de queimarem os resíduos agrícolas
e os próprios excrementos dos animais que
deviam ser incorporados no solo para melhoria da sua estrutura e fertilidade.
O desaparecimento progressivo da lenha
na proximidade dos agregados populacionais
impõe às populações pressões sociais crescentes pois os membros da família têm de consagrar mais tempo na colheita de lenha. A FAO
calculou que esta tarefa exige hoje 360 dias
por ano e por família na Gâmbia e 250
a 300 dias/homem na Tanzânia central.
Nas áreas sul do Munícipio da Ecunha contactámos povoações onde as mulheres referem
despender 6-8 horas para recolha de lenha
em cada 2-3 dias. À medida que a situação
se degrada, a família tem de acabar por comprar o seu combustível o que virá a afectar
negativamente o seu orçamento familiar
e fazer acentuar a pressão sobre os recursos
lenhosos já escassos.
A longo prazo, a penúria de lenha conduz
à redução dos níveis de segurança alimentar
da população. É assim que em certas partes
da África as pessoas já se têm de contentar
com uma única refeição cozinhada por dia
e que, por exemplo, no Nepal só sejam cultivadas leguminosas que se podem comer cruas
e que no Haiti, um outro exemplo de severa
degradação ambiental pela intensa desflorestação, o maior obstáculo à introdução de
novas culturas agrícolas com maior valor nutricional, resulta de elas exigirem maior tempo
de cozedura, precisamente quando a carência
de lenhas é já crítica.
O crescimento das populações rurais e a consequente pressão que exercem sobre os recursos florestais locais e outras fontes de materiais
lenhosos levam à aceleração da regressão
florística. A pouco e pouco, passa-se da colecta da lenha das árvores mortas à desramação
das árvores vivas, ao seu abate progressivo,
à raspagem da matéria orgânica do solo, ao
desenraizamento das toiças e à eliminação dos
arbustos.
As consequências directas e indirectas para
a agricultura pelo aumento da erosão, pela
redução da infiltração de que dependem os
recursos hídricos essenciais à agricultura e
por redução do efeito amenizador da floresta
sobre o clima estão hoje relativamente bem
documentados. Os modelos representados
nas Figs. 2.1 e 2.7 são elucidativos.
55
Fig. 2.7 - Modelo de ligações entre a floresta, a lenha e carvão, o trabalho das mulheres e a alimentação familiar
56
Em termos económicos estima-se que a procura anual deste tipo de energia é estimada
em 6 milhões de metros cúbicos26, calculada
em aproximadamente 510 milhões de dólares
americanos valor este não contabilizado
no PIB.
Repare-se, a reflectir as incertezas das provisões nesta área, que as projecções de consumo de lenha feitas no estudo do Banco Africano de Desenvolvimento de 4853 mil metros
cúbicos em 2010 e 6113 mil metros cúbicos
em 2020 (ADB, EC & FAO27, 2003) se encontram ultrapassadas pelo consumo actual
de 6 milhões de m3. As variações neste
consumo dependem fundamentalmente
de: mudanças demográficas, incluindo
a urbanização; mudanças de rendimento
dos consumidores possibilitando uma mudança de fontes energéticas e disponibilidade
de combustíveis alternativos.
Se bem que a evolução demográfica seja
relativamente fácil de predizer, já há muito
maiores incertezas quanto à predição da
variação do rendimento e à disponibilização
de combustíveis alternativos.
A incerteza no fornecimento de energia eléctrica e o seu custo proibitivo para uma faixa
significativa da população em paralelo com
um aumento de rendimento que leva faixas
muito importantes da população urbana
a fazer a transição para o carvão, tem provocado um aumento significativo da lenha
como é o caso de Angola.
Estima-se que em Angola, não contando com
a actividade de auto abastecimento de lenhas
efectuada um pouco por toda a parte pelas
mulheres e crianças da família, e não conta-
bilizado como emprego, cerca de 100.000
pessoas estão envolvidas informalmente e de
forma permanente, na actividade de recolha
de lenhas e produção de carvão.
As técnicas de conversão da lenha em carvão
são bastante primitivas com recurso a fornos
de trincheira com rendimentos muito baixos.
Os grandes pólos populacionais nas grandes
cidades são os principais pontos de destino do
carvão produzido. Verificam-se grandes fluxos
de carvão que sai do Planalto e das zonas
de transição principalmente das províncias
do Bengo, Benguela, Kwanza-Norte e KwanzaSul acentuando, juntamente com a agricultura, a pressão sobre os recursos lenhosos.
A intensidade do desmatamento, nomeadamente em zonas de clima semi-árido com
uma extensa faixa litoral, tem acentuadas
implicações do ponto de vista da estabilidade
dos ecossistemas e da própria agricultura,
acelerando os processos de desertificação
e de forte ravinação que se encontram um
pouco por todas a parte.
A falta de estatísticas e de informação fiável,
ou de estudos em relação ao sector florestal
e aos produtos florestais, é reconhecidamente
um dos maiores entraves ao desenvolvimento do sector e à contabilização da sua real
importância. Lê-se no estudo da FOSA (bibl.
citada) que “No inventory on forest resources
took place at national level as well as regional
level; especially where forest exploitation has
a major impact and is among the problems
faced by the sector. The movement of forest
products at local level and export and import
forest products is not available in figure for the
sector.”
26
Política Nacional de Florestas, Fauna Selvagem e Áreas de protecção. Ministério da Agricultura e Ministério do Urbanismo e Ambiente.
(Documento de Discussão), Luanda, 2007.
27
Forestry Outlook Study for Africa. Subregional Report, Southern AFrica (2003). African Development Bank, European Commission & FAO.
57
Indústria florestal
Há consenso que o sector florestal angolano
tem potencial para permitir o abastecimento
de um parque industrial transformador primário e secundário com elevado significado
no abastecimento interno e externo principalmente para mercados externos carentes como
a Europa, Japão e China e reavivando projectos que estavam em negociação e programados já em 1974 na área da produção
de celulose, painéis e mesmo de estilhas
também para exportação. Este potencial
ganha hoje maior relevância porque os mercados europeus, japonês e chinês mantêm
carências significativas. O valor estratégico
dos recursos lenhosos são hoje ainda mais significativos face à crise energética que potencia
aqueles recursos para a produção de biocombustíveis por via do metanol.
A indústria florestal em Angola é constituída,
fundamentalmente, por serrações e carpintarias de madeira de pequena e grande
dimensão e com uma capacidade estimada
de 500-600 m3/dia (100.000 – 1500.000 m3/
ano). De acentuar que na sua grande maioria,
o equipamento fabril destas unidades está em
estado obsoleto. Deve ainda dizer-se que na
maioria das instalações de serração instaladas
em Cabinda e em Luanda a capacidade instalada está longe de ser atingida por deficiências
de abastecimento de matéria prima lenhosa.
A maior parte das unidades de transformação
existentes eram propriedade pública e já passaram para posse privada. Hoje o universo
de 104 serrações está concentrado, incluindo
as novas instalações em 20 unidades instaladas em todo o país. Não obstante a privatização de grande parte daquelas unidades,
e a redução do número das que se encontram
operacionais, a capacidade instalada não
se encontra satisfeita.
Arquitectura institucional e legislação
De um modo geral a gestão da terra ocorre
no contexto de um quadro legal ainda pouco
organizado, pouco moderno, confuso
e com vários interventores. À fraca capacidade
do Estado adiciona-se a falta de recursos
materiais e principalmente humanos,
dispersão e justaposição de funções.
O governo opera numa base fortemente
centralizada. As unidades administrativas
consistem em 18 províncias, divididas em
164 Municípios e 557 Comunas.
58
A lei de 199928 trouxe a esta estrutura fortemente centralizada um elemento evolutivo
positivo na linha da descentralização, pois
que embora afirme a administração directa do
território nacional pelo governo central, abre
caminho para um acréscimo de poder ao nível
dos governos provinciais. A nova lei assegura
uma transferência directa de fundos orçamentais para os administradores provinciais que
dividem, subsequentemente, os recursos pelos
directorados provinciais estabelecidos em
número de 11 e devidamente nomeados
pelo Governador .
Fig. 2.8 - Arquitectura institucional
Talvez fruto da situação de Guerra vivida
por Angola, os governos locais, em todos os
níveis, têm tido como papel principal a função
de servirem de implementadores/administradores das políticas formuladas aos níveis superiores da administração. Os governos locais,
com os administradores - quer a nível municipal quer ao nível de comuna - são designados
pelos governadores provinciais, sendo estes,
por sua vez, nomeados pelo Presidente da
República. Constitucionalmente, os governadores provinciais são os representantes do
Governo nas Províncias e sobre quem recai
a responsabilidade directa da governação
na província e a de assegurar o funcionamento normal dos órgãos da administração local
respondendo directamente perante o Governo
e o Presidente da República. Os administradores ao nível municipal ou comunal são similarmente responsáveis pela execução dos programas definidos a nível central e dependentes,
a nível provincial, dos recursos que lhes
sejam afectos.
Lei 17/99
Lei 9/04
30
Decreto nº 58/07
28
29
Nesta evolução de modernização da arquitectura legislativa é de destacar a Nova Lei das
Terras29 (2004) e mais recentemente (2007)30
a sua regulamentação onde se esclarecem
as bases gerais do regime jurídico das terras
e onde se abre uma janela de oportunidades
à constituição de direitos fundiários. O seu
enquadramento no domínio útil consuetudinário das comunidades rurais bem como
a sujeição da ocupação a normas de protecção ambiental, são vectores que podem ser
um pilar importante na gestão sustentada
dos recursos lenhosos. Deve contudo mencionar-se, neste contexto, uma ausência quase
total de referência ao conjunto dos recursos
naturais, a ausência a uma referência específica aos espaços florestados e uma clara indefinição quanto ao seu enquadramento
no conjunto dos detentores de direitos
sobre o território.
59
Embora os instrumentos legais tenham ainda
zonas de sombra, a evolução da arquitectura
legal sobre o controlo e aplicação da lei
no que concerne o ordenamento do território
e as leis conexas com o uso da terra e da propriedade, indicam uma evolução positiva
no sentido da transferência gradativa
de poder para as regiões e uma mudança
no sistema de administração territorial cujos
efeitos poderão ser bastante positivos para
a gestão e sustentabilidade dos recursos
naturais.
Quanto ao sector florestal, é reconhecido que
o enquadramento florestal legal requer urgente modernização para que o sector dê resposta à estratégia que as autoridades angolanas
vêm desenhando nas áreas do desenvolvimento da agricultura, do ordenamento de território e dos planos nacionais para a biodiversidade e combate à pobreza em convergência
com os interesses de Angola e do seu alinhamento internacional. As autoridades deram
conta que o enquadramento legal decalcado
do Decreto Lei nº 44531 de 21 de Junho
de 1962 não mais satisfazia as exigências
nacionais tendo procedido a duas revisões
do enquadramento legal: uma em 1981-82
e outra em 1989, mas que não resolveram
o quadro necessário à regulamentação,
no terreno, nomeadamente o que se refere
à silvicultura e à gestão, nem as questões
regulamentando o acesso e as terras comunitárias e a descentralização da administração
florestal. Quanto à regulamentação da conservação dos recursos naturais ela data de 1977
com o Decreto-Lei 43/77 de 5 de Maio de
1977 com redefinição de várias categorias
de áreas protegidas.
Neste quadro, a tutela política repartida
e dispersa por várias esferas não é o quadro
mais propício à gestão dos ecossistemas
complexos como são os florestais. Na verdade, a responsabilidade da administração
e gestão dos recursos florestais, faunísticos
e áreas de protecção é repartida entre os
Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (MINADER), através da Direcção
Nacional da Agricultura, Pecuária e Florestas
(DNAPF), com funções técnico-administrativas
e do Instituto de Desenvolvimento Florestal
(IDF), com funções executivas e de administração dos recursos florestais e faunísticos
e o Ministério do Urbanismo e do Ambiente,
através da Direcção Nacional dos Recursos
Naturais (DNRN) que tem a seu cargo as políticas de gestão ambiental e dos recursos
naturais, com funções técnicas e normativas.
Até 1992, o MINADER era responsável pela
gestão dos recursos florestais, faunísticos
e das pescas das águas interiores. Posteriormente, com a criação sucessiva da Secretaria
de Estado do Ambiente, seguida do Ministério
das Pescas e do Ambiente e ultimamente com
o novo estatuto Orgânico do Ministério
do Urbanismo e do Ambiente (MINUA),
a administração e gestão das áreas de protecção saiu da tutela do MINADER, tendo
passado para a responsabilidade do MINUA,
enquanto que as pescas das águas interiores
passou para a tutela do Ministério das Pescas.
60
Tendo em conta as interligações e interacções
entre os diferentes recursos naturais, e o facto
de algumas daquelas competências incidirem
sobre o mesmo ecossistema, onde as suas
componentes devem ser abordadas de forma
holística, a arquitectura adoptada de dispersão
de competências entre várias entidades com
tutelas, repartidas por vários ministérios, não
parece a mais consentânea para assegurar
uma intervenção adequada na gestão sustentável dos recursos. Muitas instituições e tutelas, num quadro onde não parece assegurada
uma forte coordenação intersectorial, tende
a criar legislação contraditória ou lacunas
que não contribuem para um quadro propício
para a mobilização da sociedade civil,
nem ao investimento privado ou, sequer,
para uma praxis de intervenção harmoniosa
no terreno. Os elementos frágeis deste modelo que resultou da nossa avaliação no âmbito
da missão, acentuam-se com as limitações
do sector em termos de pessoal qualificado
e dos respectivos meios.
Em suma, o quadro real pode ser traduzido como sendo fraco a muito fracos os elos
entre o sector e os parceiros ou, numa palavra
simples, há uma fraca cooperação institucional
e inexistência de cooperação entre os intervenientes no sector. Ficou-nos a convicção
de que a organização do sector florestal está
a ser afectada por uma diluição de competências e dos interesses entre instituições públicas
dos sectores florestal, ambiental, agrícola,
industrial, financeiro e outros ainda. O desafio
que se coloca à administração consiste em
atingir o equilíbrio entre a necessidade de
dar resposta às questões florestais, que são
prementes, em muitos sectores diferentes,
mantendo simultaneamente uma capacidade
sectorial coesa.
Finalmente diríamos que este quadro acentua uma colaboração negativa entre o sector
privado e as instituições públicas em termos
de dados e de informação respeitante à suas
actividades no sector florestal em geral.
Diríamos que o quadro que percebemos,
se poderá traduzir, de forma sintética, como
se expressa na figura 2.8 o que claramente
não propicia um quadro incentivador
à criação de floresta ou à sustentabilidade
dos actuais espaços arborizados.
61
Fig. 2.9 – Síntese dos principais problemas que impendem sobre o sector florestal em Angola
62
63
IV
O DESAFIO
INSTITUCIONAL:
CONCILIAR
AS EXIGÊNCIAS
CONTRADITÓRIAS
FEITAS ÀS
FLORESTAS
O desenvolvimento sustentável, concepção
e objectivo, que subjaz os termos de referência do Projecto para o Desenvolvimento dos
Recursos Naturais (PDRN), é um processo
que desafia cada componente da sociedade
e todos os papéis que nela exercemos:
cidadãos, funcionários públicos, professores,
líderes empresariais e agricultores. A sustentabilidade não sucede simplesmente, nem pode
ser imposta de cima para baixo por decisão
governamental. A transição para um desenvolvimento sustentável necessita ser gerida,
planeada e administrada. O processo necessita, também, de um sentido e propósito
– pelo menos da visão de e para onde
a sociedade está a ser conduzida. Aqui,
só os governos podem proporcionar esta
orientação assumindo a liderança desta transição para o desenvolvimento sustentável.
Inevitavelmente isto necessita de mudanças
institucionais. Estas são um pré-requisito vital
para o desenvolvimento sustentável (Pearce,
1996 31).
31
A importância do quadro institucional
e político
Para dar resposta a necessidades de subsistência, de produção de bens monetários, de bens
e serviços ambientais – para os quais a conservação são uma sine qua non - as florestas
no mundo tropical estão a sofrer uma elevada
pressão que vem conduzindo a uma exploração não sustentada com uma consequente
retracção da área coberta com todas as consequências ambientais e económicas que vêm
sendo referidas; erosão acelerada, dificuldades
acrescidas para as populações em termos
do seu abastecimento energético, dificuldades
crescentes na contribuição dos recursos florestais no fornecimento de bens não lenhosos
e serviços ambientais de natureza variada.
A desregulação da exploração tem raízes
profundas que vão do facto de muitos destes
bens e serviços ambientais não terem valor
de mercado, enquanto outros estão subvalorizados, como é, em muitas regiões, o valor
do carvão, à desigual distribuição dos benefícios que é particularmente desequilibrada
em resultado do estatuto da terra ou da sua
apropriação desajustada por rotura dos sistemas de uso da terra ou por convulsões sociais
que desapossaram a terra aos seus utentes
ancestrais.
A resolução equilibrada da conservação dos
recursos florestais tem enfrentado em geral,
e nomeadamente em Angola - onde a lei
e a regulamentação carecem de actualização
profunda que balize os interesses económicos
estabelecidos - a inércia burocrática e a falta
de informação adequada sobre os recursos.
Pearce, D. (1996) - Blueprint. Measuring sustainable development. Earthscan Publications Ltd. London
64
Este quadro de incerteza, ou de transição,
tem impedido quer o suporte legislativo
necessário, quer a criação dos instrumentos
de intervenção imprescindíveis para conseguir-se um quadro favorável a uma política
de gestão sustentável dos recursos naturais,
operativa e consequente.
É preciso ter em conta que o sector florestal
é afectado principalmente por elementos
exteriores ao sector (Figs. 3 e 3.1) e que
será necessário ter em consideração quando
se pretende encarar a sustentabilidade
e a gestão dos espaços florestados.
As políticas de conservação de recursos naturais e as escolhas consequentes dos instrumentos que as concretizem vêm incorporando, ao
longo dos anos, os resultados das análises diacrónicas das experiências de intervenção que
vêm sendo realizadas ao longo de décadas
e dos factores de insucesso das inúmeras
intervenções. Independentemente das nuances que caracterizam as diferentes micro-abordagens de elaboração mais recente, é possível
agrupá-las em função de argumentos comuns
que justificam as dificuldades que são sentidas
e em que se salienta:
• O falhanço das políticas florestais nacionais
nomeadamente quanto às suas ramificações
a nível das políticas regionais;
• A crise da grande empresa e dos grandes
espaços com fáceis de tipo ainda colonial,
a importância nova das pequenas empresas
e das regiões;
Fig. 3 – Esquema sumário entre o sistema político e os recursos
naturais
• A necessidade de um maior respeito pelo
espaço vivido e pelas necessidades do meio
que permita reduzir os custos sociais do desenvolvimento;
• A redescoberta de variáveis não económicas
e a importância renovada das relações não
médiadas pelo mercado e da solidariedade
social;
• A necessidade de novos mecanismos locais
de intervenção e de ajustamento face aos
factores externos e às pressões decorrentes
da globalização crescente do capital e de
outros factores de produção.
65
Este conjunto de questões coloca em evidência a importância das condições de governância territorial enquanto suporte contextual
da concepção e implementação de políticas
de desenvolvimento local, chamando a atenção para aspectos até à pouco negligenciados
pela abordagem económica tradicional como
sendo os contributos institucionais e políticos,
o papel das representações colectivas e das
solidariedades comunitárias que interactuam
e se constituem factores sinérgicos do desenvolvimento ou, se ignorados, se convertem
em factores de bloqueio e de retrocesso
com a consequente degradação dos
recursos naturais.
É hoje consensual, cremos, que a eficácia
das políticas públicas aumenta na medida
em que elas possam concitar o esforço comparticipado das populações. Por isso mesmo
têm surgido formas de intervenção e de
reconversão económica baseadas em considerações que relevam das formas de apropriação
da floresta, e nas reformas institucionais
que põem acento tónico na descentralização
da intervenção pública. São assim suscitadas
actuações conjuntas, ou reformas institucionais, de forma a alargar a intervenção dos
agentes económicos, tanto ao nível institucional como ao nível geográfico, quase sempre
em colaboração e sustentadas em redes mais
ou menos extensas.
O sector florestal, como actividade económica, é de grande importância directa como
gerador de bens e serviços, e indirecta pela
cobertura espacial do território e serviços
ecológicos, cuja importância não pode ficar
indiferente aos factores e necessidades
de mudança e de reconfiguração da sua
estrutura institucional. É consensual considerar-se que as florestas e os recursos naturais
com ela relacionados devem providenciar
os bens e serviços que a sociedade requer,
nomeadamente, em países em desenvolvimento e com populações carenciadas, onde
é suposto que dêem um contributo visível
para mitigar a pobreza rural. As expectativas
que surgem a partir destas necessidades,
e os mecanismos que devem ser usados para
satisfazê-las, mudaram significativamente nas
duas últimas décadas. Muitos estão agora
advogando que as funções e papéis das autoridades florestais e outras autoridades públicas relacionadas com as florestas e recursos
naturais em geral acomodem de forma mais
operativa novas exigências sociais, económicas e ambientais.
No contexto das mudanças necessárias em
Angola, cujo quadro legislativo florestal carece, como se referiu, de urgente modernização,
falta ainda um quadro analítico sólido para
avaliar o conjunto de questões ligadas
às mudanças de papel dos serviços florestais,
as formas operativas mais adequadas
e as culturas institucionais que interferem
com o ritmo da implementação das mudanças. Esta análise que é necessária, diríamos
mesmo imprescindível, para ancoragem
das mudanças institucionais está, contudo,
fora dos termos de referência do consultor.
66
Limitamo-nos, assim, a levantar questões que
entendemos poder ajudar o debate necessário
e urgentes no contexto de um quadro
de degradação ambiental que é evidente.
Este será crítico na escolha dos instrumentos
para a gestão da mudança tal como são
as medidas que devem ser implantadas para
concretizar uma mudança de paradigma
na utilização dos recursos florestais e do
ordenamento do território.
Embora em muitos lugares se venham
verificando mudanças nos quadros legais
e organizativos, muitas ainda em estado
de desenvolvimento e observação, é necessário referir-se que não é possível, nesta fase
do projecto, sugerir caminhos definidos.
E isto porque não são necessariamente iguais
para diferentes contextos políticos, económicos e culturais. Atente-se, por outro lado,
que o sector florestal se encontra na intercepção de vários sectores que limitam, muitas
vezes, os seus graus de liberdade de actuação
e que é necessário compreender em nome
da eficácia da actuação (Fig. 3.1).
Fig. 3.1 – Sectores que modelam e interactuam com o sector
florestal
Assim, neste contexto, e no âmbito deste
relatório, entendemos não poder fazer mais
do que referência a alguns aspectos que consideramos essenciais em termos de reformas
organizativas e políticas, se queremos criar
condições apropriadas para a gestão sustentada dos recursos, nomeadamente as que
concitem a incorporação das mudanças de
papel que a sociedade requer das instituições
florestais, o alargamento dos desafios actuais
das instituições e os factores chave para a mudança e, finalmente, algumas experiências de
descentralização em curso noutros países.
As mudanças de papel das instituições
florestais
Quando se pensa na necessidade de mudanças institucionais para responder às novas
necessidades de desenvolvimento há duas
formas complementares de ver as instituições
e as organizações: uma visão funcional/
racional e uma visão interpretativa. Da escolha
dessa via depende a estrutura das mudanças
propostas pelo poder político e delas depende também a eficácia com que serão capazes
de resolver os problemas da sociedade, dos
recursos e do ambiente.
A concepção funcionalista/racionalista acentua
o facto da organização ser independente das
pessoas que a constituem. Noutras palavras,
as diferenças de perspectiva entre as pessoas
dentro da organização quanto à organização em si e ao ambiente em que opera, são
ignoradas. Os pressupostos são os de que os
aspectos da organização podem ser medidos
e analisados e que as pessoas podem atingir
um grau de consenso quanto aos objectivos,
problemas e soluções – que são as questões
chave nas quais a mudança institucional está
centrada.
67
A melhor imagem para esta perspectiva
de organização é a de uma máquina e, tal
como ela, uma vez compreendida a forma
como opera sabemos como estimular o uso
e geri-la para obter o output desejado.
Já numa perspectiva interpretativa reconhecese que as organizações são construções
sociais, incorporando as interacções entre
os seus membros e o universo exterior
às organizações. Os membros da organização
criam a realidade da organização pela sua
interpretação do que se passa ao seu redor
por via de conversações, de experiências,
partilha de informação, modelação de comportamentos e treinamento, a par com a sua
rotina de trabalho e criando muitas vezes
fortes resistências e inércias à mudança organizacional e aos procedimentos de trabalho.
Uma boa visão sobre este tipo de organização
é assimilá-la a uma comunidade social e esta,
como qualquer comunidade, só fará progredir
as actividades se houver uma compreensão
mútua e reconhecimento das diferentes agendas das pessoas que as constituem. A política
e a cultura são, assim, elementos chave;
as mudanças são difíceis e lentas porque
elas requerem o acordo maioritário entre
os membros da organização, cada um deles
com a sua agenda e as suas necessidades
próprias.
O ponto importante que se quer chamar
a atenção, quando se reconhece que a estrutura actual dos serviços florestais em Angola
carece modernização, é que as duas perspectivas devem ser tidas em consideração para
a compreensão das forças de bloqueio às mudanças. Uma análise funcionalista dos papéis
institucionais, e a eficiência necessária para
compreender o fito e a aptidão da instituição,
é crítica para identificar os objectivos principais para a mudança. Já a visão interpretativa
para perceber as estruturas de poder
e a dinâmica política e cultural são essenciais
para compreender que tipo de mudança
é possível e quem deverá liderá-la.
Funções correntes das instituições florestais
A maior parte da assistência técnica ao sector
florestal tem tido o seu ponto focal na autoridade florestal e/ou regulamentos. Raramente
tem havido um enfoque ao sector florestal
como um todo e sem grande preocupação
com a evolução bastante rápida das novas
exigências que hoje se pedem às florestas
e aos espaços florestados. Daí que ganha
relevo a importância da modernização dos
aspectos organizacionais e das mudanças
institucionais para que se concretizem novas
atribuições e quadros de intervenção que
tenham em conta os papéis que se espera das
florestas para o desenvolvimento sustentado.
Estas novas funções hoje pedidas são:
• Funções financeiras (p. e. rendimentos
da exploração de madeiras);
• Funções de desenvolvimento (p.e. suportar
o desenvolvimento rural, ou o desenvolvimento e controlo de certos sectores (indústria,
agricultura ou energia);
• Funções ambientais (p. e. promover ou contribuir para a manutenção da biodiversidade
ou conservação da água);
68
• Funções sociais (p. e. desenvolvimento
das comunidades locais, criação de empregos
rurais);
• Funções de serviço a clientes (p. e. desenvolvimento de grandes companhias);
• Funções políticas (p. e. controlo territorial
ou certos grupos)
Em certos países em África, com recursos
florestais significativos, as funções políticas/
territoriais, financeiras e de desenvolvimento
vêm tomando a dianteira na reorganização
institucional enquanto noutros, os papéis do
passado e os seus procedimentos têm fossilizado as instituições onde os objectivos se têm
constituído fins em si mesmos independentemente das necessidades correntes.
Onde o passado colonial foi mais marcado
tem-se verificado que o papel das instituições
florestais se têm atido a servir os interesses
das elites pós-coloniais (Nhira et al32., 1998).
As pressões dos actores internacionais e nacionais começam a trazer à discussão um novo
ou renovado ênfase sobre o papel ambiental
e social das florestas, o contributo dos recursos florestais no combate à pobreza rural
e como as funções ambientais e sociais
podem ser financiadas.
Pressões e paradigmas de mudança
afectando as instituições florestais
A proliferação do controlo público sobre
o solo, os recursos e a economia nacional foi
a norma em muitos países da África tropical
nas décadas de 70 e 80 e noutros prolongouse bem dentro dos anos 90, como em Angola,
com situações generalizadas de Guerra.
A percepção de que as limitações do mercado
só podiam ser contrabalançadas com o controlo estatal da economia e pela provisão
pública de bens e serviços ditou então a organização de serviços ainda hoje prevalecente.
A ideologia predominante favorecia a posse
pública e o controlo do sistema produtivo
de que resultou uma quase total ou muito
extensiva posse pública das florestas.
Nos anos de 80 os países foram tomando
consciência das falhas públicas na gestão
do património florestal, cujos indicadores
foram mostrando:
• A degradação extensiva do património
lenhoso e o acentuar de fenómenos erosivos
extensos;
• A desflorestação crescente em resultado
quer das insuficiências e desajustamentos
da política florestal ou do reduzido controlo
sobre os espaços florestados;
• Os poucos recursos das instituições florestais
em meios humanos e materiais e reduzida
“expertise” para levar a cabo um controlo
e gestão eficiente;
32
Nhira, C. Baker, S., Gondo, P., Mangano, J.J. and Maruda, C. (1998) - Contesting inequality in access do forests. IIED Policy that works
for forests and peoples, Series nº 5. London: IIED.
69
• Os subsídios públicos para as operações
de exploração florestal quando existentes
não geravam benefícios públicos e eram muitas vezes eticamente suspeitos em contextos
em que à população era negado o acesso
à floresta;
• A renda capturada pelas licenças de exploração/lease de florestas públicas era muito reduzida de que resultava, na prática, uma transferência de bens públicos a favor de poucos;
• Ausência de pouca iniciativa e investimento
na gestão florestal,
• Contribuições duradouras para o desenvolvimento local ou nacional eram significativamente reduzidas senão mesmo nulas em
muitos casos.
A experiência geral das falhas dos governos
e da gestão ineficiente das empresas teve
pelo menos tanta influência nas mudanças
das instituições florestais como as falhas públicas na gestão das florestas ou outros recursos
naturais em geral. A ineficiência da gestão
florestal pública, a par com o fornecimento
pobre de serviços de apoio ao camponês,
e da falta de responsabilização perante
os cidadãos, conduziu a um movimento
forte, que ainda continua, de privatização
dos espaços arborizados. Muitos analistas das
organizações florestais sugerem que os novos
paradigmas de organização, ou da necessidade urgente de mudanças, podem ser correlacionados com as seguintes tendências gerais:
• A transição das economias de planeamento
central para economias baseadas no mercado;
• Um aumento na democratização da vida
política e de maiores preocupações por formas
de governância mais democráticas e participadas;
• Uma crescente globalização das economias
mundiais com um aumento da liberalização
do comércio, dos capitais e da reforma monetária;
• Imperativos económicos para aumento
da eficiência no uso dos recursos;
• A consciencialização de que as populações
locais necessitam maior controlo sobre a terra
e os recursos como imperativo para a melhoria do seu nível de vida;
• Ajustamentos estruturais promovidos pelos
governos locais e pelas instituições financeiras
internacionais necessárias à redução do peso
dos deficits orçamentais e das distorções
de preços.
Estas tendências afectaram a quase totalidade
dos sectores florestais em quase toda a África
e a privatização é, digamos, uma tendência
dominante. Assiste-se, no entanto, a vários
níveis de privatização no sector florestal
(Bass & Hearn33, 1997). Menciona-se:
• Simples exposição dos recursos florestais
públicos à pressão comercial;
• Encorajamento de criação de uma cultura
empresarial nos serviços florestais;
33
Bass, S. and Hearne, R.R. (1997) - Private sector forestry: a review of instruments for ensuring sustainability. Forest and Land Use Series
Nº.11. London: IIED.
70
• Corporativização dos serviços ou de certos
serviços florestais públicos sob a forma de
empresas para-estatais que têm maior capacidade e flexibilidade de gestão que os serviços
públicos estatais;
• A completa privatização dos recursos
reservando-se os serviços florestais à posição
de meros responsáveis formais pelo controlo
e proposição das políticas públicas do sector.
Qualquer que tenha sido a via optada,
as análises mais recentes têm tornado
evidente que o mercado não pode proporcionar todas as necessidades relacionadas com
as florestas (não obstante as falhas nos mercados ainda tenderem para as apresentar como
menos importantes que as falhas da governação). As insuficiências ou falhas dos mercados
incluem os direitos inseguros de propriedade
da terra, custos ambientais e sociais não serem
internalizados no uso da floresta (este é um
caso típico dos abates desregulados para
a produção do carvão numa zona ecologicamente sensível do ponto de vista ecológico
e de regularização de grandes bacias hidrográficas como sucede no Município da Ecunha),
falta de competição, pouca informação, distribuição polarizada da distribuição dos custos
e benefícios do uso dos recursos florestais
e fraca ênfase nos benefícios de curto prazo.
Hoje em dia a prioridade real, principalmente
num quadro de claro atraso legislativo, é a de
reformular o papel do Estado e não coarctá-lo
de forma agressiva em favor da privatização.
Um portfolio possível para este papel inclui
medidas mitigadoras para os problemas
associados com uma aproximação ao mercado através de medidas que assegurem os
direitos de propriedade, o estabelecimento
de mecanismos de constituição de áreas
florestais do domínio legal das aldeias ou dos
municípios e mecanismos de descentralização
e de incentivos que reflictam a internalização
das externalidades dos recursos florestais
(benefícios para o ciclo da água, sumidoro
de carbono, etc.), dificilmente exploráveis
no actual estado de consciência ecológica
e de pressão económica fora da esfera da floresta pública municipal.
No delineamento de medidas mitigadoras
da actual situação de degradação evidente
e no próprio delineamento das políticas de
uso e ordenamento do território, parece critico considerar os factores que determinaram
o uso desregrado dos recursos lenhosos. A numerosa literatura mundial sobre esta questão
e a análise de vários projectos financiados pelo
Banco Mundial e outras instituições de cooperação para o desenvolvimento traça a origem
desta dinâmica destrutiva à rotura dos sistemas tradicionais de posse e controlo de uso
da terra. Os traços destas mudanças sintetizam-se da seguinte forma:
71
Mudanças que têm causado a rotura
dos sistemas de propriedade comunitária
Com base em Berkes (1985)34 e Kirchner et. al. (1985)35
• Acréscimo da participação na economia
de mercado que tem encorajado a sobreexploração dos recursos lenhosos;
• Rotura dos sistemas de valores tradicionais,
os quais na maior parte dos casos encorajavam por via directa ou indirecta a conservação
dos espaços florestados;
• Crescimento demográfico que na falta
de alternativas acentua a pressão para
a sobre-exploração para satisfazer
as necessidades de subsistência;
• Mudanças tecnológicas que facilitam
a sobre-exploração;
• Centralização crescente das burocracias
e do poder e aplicação de uma política
de preços inapropriada, legislação avulsa
e pouco coordenada, ou outros incentivos
públicos inapropriados.
Qualquer reformulação do papel, ou da legislação florestal, requer hoje instrumentos mais
subtis para que os diferentes actores tenham
interesse em assumir medidas conservadoras
e para estabelecer controlos que evitem
as más práticas florestais. A experiência disponível mostra que a simples legislação florestal,
taxas e multas não são, na grande generalidade dos casos, suficientes para suster a desflorestação.
Adicionalmente ao movimento de privatização, os Serviços Florestais têm vindo a ser chamados a jogar um papel crítico nas questões
ambientais e nas interacções complexas com
o desenvolvimento económico e social. Na
verdade desde a Conferência do Rio (1992)
que estas preocupações são consideradas legítimas por quase todos os países e a pressão
pública e a exposição e escrutínio internacional têm aumentado a pressão sobre o alargamento de papel dos Serviços Florestais (SF).
Estas pressões múltiplas têm conduzido
os Serviços Florestais a aceitar novos mandatos para a gestão sustentada dos espaços
florestais com propósitos múltiplos. E porque
muitas das pressões para a gestão sustentada
têm emanado quer a nível nacional mas principalmente a nível regional e local, os SF têm
sido pressionados a aceitar novas obrigações
a níveis regionais e locais, só possíveis de concretizar com um novo arranjo territorial dos
respectivos serviços. Os SF já não estão, mesmo com modelos ainda muito centralizados,
no controlo autónomo das políticas florestais
nacionais ou das políticas ambientais, mas
vêm sendo parte de um sistema aberto,
enquadrado quer pelas iniciativas supranacionais e estruturas cada vez mais descentralizadas susceptíveis de impor ou levar a cabo
iniciativas eficazes de contenção da desflorestação (Pettenella36, 1997).
Berkes, F. (1985) - Fishermen and “The Tragedy of the Commons”, Environmental Conservation, 12 (3): 199-206
Kirchner, J. W. et al. (1985) - Carryng capacity, population growth, and sustainable development, in: Mahar, D. J., ed. Rapid
Population Growth and Human Carrying Capacity: Two Perspectives, World Bank, Staff WP nº 690, Washington, pp. 41-89
36
Pettenella, D. (1997) - New trends in public forestry administration. Paper for XI World Forestry Congress, Antalya,
Turkey, 13-22 October.
34
35
72
Na prática, e em particular em Angola,
fica-nos a impressão de que os SF ainda
não dispõem de capacidade para se tornarem
os coordenadores, ou mesmo os intermediários entre as políticas de dimensão internacional, e dos interesses multi-sectoriais e locais
a que vêm sendo solicitados. A tónica
de actuação continua a ser, como no passado,
o licenciamento dos cortes para abastecimento da indústria madeireira. O longo período
de Guerra e as medidas de ajustamento estrutural reduziram os recursos disponíveis para
a mudança necessária.
Muitos dos novos papéis e, consequentemente, de capacidades são necessários, e muitas
das funções tradicionais devem diminuir
a favor das regiões. Primeiro que tudo,
contudo, os SF necessitam de um leque
de capacidades para liderarem ou assumirem
as mudanças. Necessitam, seguramente,
de desenvolver os meios para suportar
os requisitos funcionais, como se lista.
A estes condicionalismos junta-se a compreensível inércia institucional. Mas, talvez mais
importante, é que as capacidades requeridas
para a mudança institucional são inadequadas
como refere o documento de discussão
sobre a Politica Nacional de Florestas,
Fauna Selvagem e Áreas de Protecção
(MIDR e MIUA, 2007)37 “Falta de quadros
especializados na cadeia produtiva; Capacidade de gestão insuficiente; Ausência
de pessoal e serviços de consultoria especializada de apoio ao sector”. Tais capacidades são imprescindíveis em cada fase
da mudança institucional. A organização
florestal necessita ser mais sofisticada para
operar no clima de mudança actual, de descentralização, privatização, responsabilidades
ambientais e incerteza.
• Promover e negociar papeis claros e não
conflituais para o conjunto dos actores e definir procedimentos baseados em instrumentos
legais e sem ambiguidade interpretativa;
Requisitos funcionais para a Gestão
Florestal Sustentada:
• Assegurar e proteger direitos de propriedade
reconhecidos por todos os actores;
• Integrar os múltiplos objectivos solicitados
às florestas: económicos, ambientais e sociais;
bem como os locais, nacionais e globais
presentes e futuros;
• Onde a integração não seja possível, divulgar as escolhas dos objectivos aceitáveis
ou possíveis, de forma informada e transparente;
• Construir conhecimento sobre os recursos
quanto às existências, ao seu status, aos
constrangimentos que sobre eles impendem,
o seu impacto e divulgá-los assim como
as medidas que podem favorecer a sua
sustentabilidade;
Política Nacional de Florestas, Fauna Selvagem e Áreas de Protecção. Doc. de discussão (primeira versão, 2007),
Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e Ministério do Urbanismo e Ambiente. República de Angola.
37
73
• Abordar a incerteza (no contexto dos mercados e das condições ambientais);
• Assegurar a comunicação entre os diferentes
actores bem como a sua participação
nas decisões sobre os recursos naturais;
• Manter uma visão sobre o futuro, envolvendo o processo político para que os requisitos
indicados sejam gradualmente incorporados;
• Cobrir os custos incorridos com os elementos mencionados através de uma exploração
florestal adequada.
A orientação internacional nos processos
de mudança institucional tem sido notavelmente escassa e dispersa. É verdade que
as iniciativas florestais globais têm tido
um impacto claro na discussão dos princípios
sobre a Gestão Sustentada das Florestas (GSF)
e no realinhamento das políticas nacionais,
se bem que sejam curiosamente inespecíficas
quando se trata da discussão do futuro
das instituições florestais, dado certamente
o facto de sobre esta área pesarem sensibilidades nacionais certamente diferentes de país
para país.
Se as conclusões do Painel Intergovernamental
das Florestas - onde é colocado o acento tónico na necessidade da política florestal reflectir
a necessidade da participação dos actores
nacionais no debate florestal e nos planos
florestais nacionais - forem consideradas
na reformulação das estruturas do sector florestal, é de esperar que elas venham a reflectir
uma grande importância nas componentes
dirigidas aos usos múltiplos das florestas
e à máxima participação possível de actores
bem como uma forte ênfase nos mecanismos
de auscultação dos principais grupos da sociedade civil e dos sectores privados.
A Comissão Mundial sobre as Florestas
e o Desenvolvimento Sustentável (World
Commission on Forests and Sustainable
Development) acentua três aspectos que deve
preocupar a modernização das estruturas dos
SF a saber:
• Conceber formas de trazer a debate os diferentes actores através de: criação de alianças
estratégias a nível nacional para conceberem
instituições que integrem os interesses das populações locais com os dos diferentes departamentos dos SF e das diferentes companhias
operando no sector florestal;
• Considerar mecanismos que mitiguem
a corrupção;
• Remoção de políticas perversas e melhorando os mecanismos de aconselhamento ou de
intervenção sobre a formação dos preços para
incorporar externalidades ambientais.
O papel alargado da Silvicultura:
Os desafios para a mudança institucional
Como se referiu, o contexto para a mudança
institucional alargou-se consideravelmente:
i) mais actores expressando maiores exigências para uma gama mais alargada de bens
florestais e serviços; ii) mais departamentos
estatais, mais actores do mercado de produtos
e serviços envolvidos com as questões florestais.
74
De uma forma meramente indicativa, mas
que se entende necessário fazer, porque
a sustentabilidade dos recursos naturais
ultrapassa o mero quadro técnico prescritivo,
que se crê não surtir efeitos sem que o quadro
institucional e organizativo não seja favorável,
listamos as questões que em nosso entender,
e em conjunto, definem o contexto para
as mudanças institucionais que incluem:
1. A redefinição dos papeis que os SF devem
jogar com intervenientes governamentais e
outros intervenientes. Por exemplo a inclusão
da responsabilidade da gestão dos recursos
naturais na esfera do Ministério do Ambiente
levanta questões que requerem clara definição
de competências e áreas de intervenção. Sem
isso criam-se zonas cinzentas sobre as áreas
de intervenção das matas naturais não produtivas. A incerteza legal é a morte destas áreas.
2. A distinção entre bens e serviços florestais
públicos e privados;
3. Como é feita a integração, ou como são
definidas as interfaces inter-institucionais para
cobrirem as áreas agrícolas e outras terras não
florestais em termos tradicionais produtoras
de bens e serviços florestais;
4. Revisão das várias camadas de direitos
sobre estes solos e que estão insuficientemente abarcados na lei de terras em Angola.
Interacção dos SF com os outros parceiros
– desenvolvimento de parcerias e outras
relações
No sector florestal, como se mostra na Fig.
4.2, as quatro esferas de influência institucional, estão sujeitos a certas tendências que
tendem a limitar ou alargar a esfera de influência do sector tutelado pelos SF. Da nossa
percepção indica-se:
• As instituições governamentais encontramse sujeitas a um movimento claro de ajustamento estrutural, privatização, descentralização e de resposta a crescentes compromissos
internacionais;
• Nas instituições intergovernamentais
a tendência parece ser para um envolvimento
gradual de acordos emergentes quanto aos
serviços florestais globais que é necessário salvaguardar, sobre a biodiversidade e a fixação
do carbono e quanto às obrigações internacionais emergentes sobre a forma como
os recursos florestais devem ser geridos;
• Instituições do sector privado. Embora ainda
numa fase emergente, as tendências parecem
incluir os problemas decorrentes da crescente
globalização dos mercados da madeira, formação emergente de parcerias locais e interesses na criação de empresas florestais, com
recurso a plantações de exóticas, com vista
à futura industrialização;
75
• Instituições da sociedade civil.
As tendências apontam para uma procura
crescente de benefícios e acesso a bens não
lenhosos, embora dependentes dos ecossistemas florestais e de bens de natureza ambiental
variada. O panorama actual mostra um crescendo de audiência destas instituições e que
são naturalmente ampliadas pelo crescente
envolvimento de múltiplas ONG preocupadas
com as questões florestais e ambientais
subjacentes.
Estas tendências confrontam os SF cuja estrutura requer actualização porque o seu papel
está ainda quase exclusivamente restrito
à velha tradição de os confinar à protecção,
quase abstracta da floresta, à promoção
da indústria florestal na perspectiva de proporcionar rendimentos governamentais sem
a preocupação efectiva da sustentabilidade
e da redistribuição de benefícios pelas populações envolventes.
Os problemas organizacionais que se põem
à modernização dos SF são não só de gestão
e de técnicas mas também institucionais
e políticos. Alguns problemas de gestão
e técnicos podem ter resolução a curto
e médio prazo e serem tornados mais operacionais com assistência técnica focada em
projectos concretos. Já os de natureza institucional/política são de tratamento mais difícil
porque subjazem em inércias herdadas como
a fraca responsabilização, a desigualdade dos
incentivos e a falta ou má implementação da
lei. O horizonte de resolução destes obstáculos é naturalmente de longo prazo, requerem
abordagens intersectoriais, envolvendo
o problema central das falhas do sistema
governativo ou político.
38
Cumprir as novas exigências do desenvolvimento sustentado sugere a necessidade
de desenvolver as capacidades institucionais
dos SF – aptidão da organização para mobilizar recursos, de reconhecer quem são os seus
“clientes” e constituintes, e aumentar a sua
capacidade de interlocução com os mesmos
e de servi-los.
Os registos históricos passados noutros
países sugerem a importância de reconstruir
a organização dos SF numa óptica que tenha
em consideração a força relativa do Estado,
do mercado e da sociedade civil para melhorar a eficiência do Estado como garante dos
recursos. Isto sugere uma estratégia assente
em:
• Fazer o encontro do papel do Estado
com a sua capacidade interventiva real;
• Melhorar de seguida a sua capacidade;
• Desenvolver parcerias públicas com outros
actores (Municípios e ONG para melhorar
a prestação de serviços).
Discutindo as razões para as falhas das instituições públicas africanas e claramente aplicáveis
às falhas dos SF, Mamadou Dia (1996)38
nota que:
“structural and functional disconnected
between informal, indigenous institutions
rooted in the region’s history and culture,
and formal institutions mostly transplanted
from outside …. Institutional reconciliation
is the key to resolving crises.”
Dia, Mamadou (1996) - Africa’s management in the 1990s and Beyond: reconciling indigenous and Transplants Institutions. Washington, DC
76
Nos países dos trópicos onde os grandes
desafios dos SF são a falta de resposta
de serviço aos grupos locais, principalmente
às populações mais carenciadas, este comentário de Dia é de grande actualidade.
Distinção entre bens e serviços florestais
públicos e privados
A actual lei florestal acentua a posse pública
dos recursos florestais o que constitui a permanência da percepção do passado de que
o valor dos bens e serviços florestais não podiam ser propriamente preservados e produzidos senão no âmbito público porque:
• A sustentabilidade dos recursos produtores
de bens directos como a madeira é superior
nas mãos públicas porque estão menos pressionados pelas exigências da maximização
da rentabilidade financeira;
• As externalidades dos recursos florestais não
sendo na sua generalidade transaccionáveis
pelo mercado não proporcionam estímulos
ao sector privado para a sua conservação;
• O sector público está mais vocacionado
para proporcionar à população um conjunto
de serviços como o lazer e o recreio.
A sociedade vai estando mais consciente que
os mecanismos de mercado não são capazes
ou não estão desenhados para reflectir com
precisão os valores dos recursos com significado ecológico de longo prazo nomeadamente,
como sucede no caso do miombo ou outras
formações naturais que são essenciais, à conservação das bacias hidrográficas ou protecção do solo em zonas muito susceptíveis
à erosão.
Independentemente dos contornos ideológicos que têm obscurecido esta questão da
posse privada versus pública, esta clarificação
para fundamentar a opção política sobre
a mesma é um pré-requisito fundamental
na redefinição da configuração dos SF para
tornar eficaz o seu papel. Pela sua importância em relação à gestão de recursos florestais
naturais, principalmente daquelas cuja aptidão
e o seu potencial produtivo são limitados,
embora importantes na conservação da água
e do solo e fornecimento energético, deixamos a nota que a sua abordagem tem sido feita de acordo com duas opções: a abordagem
meramente política, que tem sido predominante, e a abordagem tecnocrática. Para esta
última, que vem assumindo peso crescente
face à maior integração económica das economias dos países tropicais e aos esbatimentos
das cargas ideológicas, a corrente tecnocrática
tem baseado o seu racional em dois conceitos:
o da exclusividade e o da subtractibilidade.
O primeiro refere-se à aptidão de um indivíduo negar a outro o uso do bem ou serviço.
Já a subtractibilidade refere-se à quantidade
que o consumo de um bem ou serviço subtrai
do seu consumo repetido.
Nesta base aqueles bens e serviços que sejam
caracterizados, simultaneamente, pela baixa
exclusão e baixa subtractibilidade, como
sejam os da conservação de bacias hidrográficas ou os da defesa contra a erosão, são classificados como bens públicos e naturalmente
sujeitos a controlo público. Naturalmente
que como não existe incentivo para os indivíduos investirem nestes bens, eles serão pouco
disponibilizados ou mesmo depredados, como
sucede na extracção descontrolada de lenhas
se aqueles dois parâmetros não poderem ser
melhorados por métodos sofisticados
de gestão ou de tecnologia, por zonagem
77
e ajustamento do esforço de extracção
de lenhas com acordos de gestão com
os beneficiários ou ainda, pela criação
de recursos alternativos por plantação.
Serve esta referência para salientar que existe
mais potencial para transferir os bens que antes foram considerado públicos (com arranjos
institucionais fracos) para as comunidades
ou municípios no quadro de acções de descentralização ou para o controlo do mercado
com melhorias institucionais.
A República da África do Sul (RAS) oferece
neste particular um bom exemplo de capacidade institucional criativa a partir de 1994,
com a criação de parcerias com as populações
locais sob égide do “South African Reconstruction and Development Programme”. As linhas
mestras sob que se desenvolveram
as cedências e descentralizações de responsabilidades de gestão foram:
• Diminuição da exposição e do esforço financeiro do Estado;
• Reforço dos compromissos dos beneficiários
por forma a aumentar a sua participação
e compromisso;
• Racionalização do papel dos parceiros
por forma a assegurar o melhor uso das
suas capacidades;
• Melhorar a qualidade a efectividade
do custo e a equidade da satisfação
dos serviços públicos.
O Governo da RAS realizou que tinha
um papel importante a jogar na promoção
da conservação e melhor utilização dos recursos naturais, por via da sua intervenção em
actuar como mediador entre os parceiros de
negócios e as comunidades e em providenciar
assistência na concretização dos conceitos que
mencionámos.
As tendências da descentralização como
instrumento para assegurar a sustentabilidade florestal
As agências internacionais de desenvolvimento vêm considerando que um elemento essencial ao sucesso das políticas de conservação,
restauração e desenvolvimento dos recursos
naturais é a plena participação da população
e das instituições locais. Neste contexto, entre
as grandes tendências de mudanças políticas
e económicas que se vêm verificando nos trópicos, com especial ênfase na América Latina
e Ásia, mas com forte potencial para outros
países, nomeadamente na África tropical,
onde algumas formas ainda imperfeitas
de descentralização de gestão de recursos
naturais vêm sendo afloradas, sobressai
o reforço dos municípios como actores
de primeira linha no processo de desenvolvimento e de conservação dos recursos naturais.
Este fortalecimento das administrações municipais surge como resultado da convergência
de movimentos democráticos e cívicos assim
como da crise fiscal, da falta de respostas
atempadas dos governos e instituições fortemente centralizadas e da busca de uma maior
eficiência na provisão de serviços públicos.
78
O fortalecimento das administrações municipais tem fortes implicações para a gestão
florestal e para a sustentabilidade daqueles
recursos, principalmente daqueles com forte
significado no fornecimento de bens e serviços ambientais normalmente não apropriados
pelo mercado. Cada vez mais vê-se o envolvimento crescente dos governos municipais nas
questões florestais: concessão de licenças de
corte e exploração, cobrança de taxas, administração e gestão de áreas florestais próprias,
e mesmo, criação de áreas florestais de protecção envolvendo-se no desenvolvimento
e fomento florestal e de arbitragem de litígios
decorrentes de usos conflituais do uso do solo.
A descentralização institucional vem, por
outro lado, sendo reconhecida como um
instrumento forte para dar forma funcional,
e operativa, à infra-estrutura institucional
imprescindível à gestão regional e local dos
recursos e para a inclusão e equitativa representação das comunidades rurais bem como
um instrumento para a mitigação da pobreza
das comunidades camponesas. É claro,
e os trabalhos da Conferência sobre esta
matéria realizada na África do Sul em 2001
deixaram clara a mensagem, de que o grau
com que esta transferência é benéfica ou
irrelevante para o processo de desenvolvimento dependerá da forma como os governos
promovam ou cerceiem a representatividade,
a responsabilização e a equidade dos processos de transferência e em que autoridades
são afectas as responsabilidades de gestão
dos recursos naturais (Ribot, 2001)39
Algumas destas actividades estão claramente
enquadradas nos quadros constitucionais
e legais da lei municipal porém, em muitos
casos, actuam em resposta a situações
e necessidades pontuais de intervenção
local ou em crises ambientais que são,
compreensivelmente, mais prontamente
resolvidas localmente sem a necessidade
de intervenção central directa. Implementam,
também, actividades florestais que se revestem de especial importância para a manutenção dos recursos florestais como a criação ou
apoio a sistemas de crédito para o desenvolvimento agro-florestal que se revistam de interesse colectivo, ou mesmo de florestas como
suporte a uma estratégia de desenvolvimento
de indústria florestal e de melhoria ou racionalização do uso de solo.
Um novo papel vem sendo, assim, perspectivado para os municípios na intermediação
dos direitos sobre bens e serviços ambientais,
nomeadamente dos respeitantes ao carbono.
A maior parte do protagonismo crescente
dos municípios em assuntos florestais surge
como produto explícito das políticas nacionais
de descentralização da gestão dos recursos
naturais. No entanto, em muitos países onde
os municípios têm assumido funções significativas na gestão dos recursos florestais,
esta assunção tem sido quase sempre assumida num quadro de vazio legislativo explícito,
pelo que esta dinâmica municipal é reflexo
e expressão de uma crescente democratização do processo político e da presença de um
capital político que lhes permitiu abarcar novas responsabilidades e âmbitos como o dos
recursos naturais e ambientais mesmo sem
um mandato expresso claro.
39
Ribot, J. C (2001) - Decentralized natural resources management. In: UNCDF Symposium on Decentralization Local Governance
in Africa, 22 pg. UNCDF.
79
Na última década, muitos governos nos
países em vias de desenvolvimento vêm
levando a cabo reformas de política pública,
entre as quais se menciona a descentralização
da Administração do Estado. Estas reformas
têm sido impulsionadas tanto pelos processos
internos de democratização política como
também pela influência dos organismos internacionais. Ainda que o modelo de descentralização varie de um país para outro, estas iniciativas respondem a preocupações comuns:
a redução ou agilização das burocracias
centrais e dos gastos do sector público,
a liberalização da economia e a necessidade
de responder às procuras da sociedade civil
para avançar com a construção de uma gestão
mais participativa e democrática do Estado
(Fisher, 199940 e Onibon et al. 199941).
O modelo de descentralização formal mais
comum põe ênfase na prestação de serviços
públicos, como a educação e a saúde. No
entanto, muitos países começaram a outorgar
mais responsabilidades aos governos locais
incluindo as dos recursos naturais. Na verdade, durante a década de 90, os municípios
de muitos países, com relevância para os da
América Latina, com ou sem descentralização
florestal formal, iniciaram processos de intervenção florestal envolvendo actividades que
vão da exploração, à reflorestação, gestão
de áreas protegidas, controlo de incêndios
e à constituição de domínios florestais municipais (Kaimowitz et. al.42, 2000), e que vale
a pena referir na perspectiva da conservação
dos recursos naturais no Município de Ecunha.
Nesta perspectiva esta revisão serve de supor-
te a um balanço sobre as oportunidades que
os modelos de descentralização oferecem
ao Município de Ecunha no prosseguimento
das suas iniciativas de desenvolvimento
florestal inscritas no projecto.
Algumas precisões conceptuais sobre
o entendimento da descentralização
A descentralização, no contexto deste relatório, refere-se à transferência de poder de intervenção de uma autoridade central para níveis
inferiores na hierarquia política e administrativa e territorial (Crook and Manor43, 1998).
A descentralização não deve ser confundida
com desconcentração pois esta está confinada
à simples transferência de poderes das burocracias centrais para os serviços regionais
ou locais do aparelho público. A desconcentração não prossegue, assim, uma redistribuição da autoridade. Segundo certos autores,
Crook and Manor (ob. cit.), por exemplo,
dizem que esta é uma forma de estender
a autoridade central ao nível territorial através de uma simples redistribuição dos seus
agentes. A desconcentração procura transferir
atribuições ou competências por órgãos
dependentes da administração central,
enquanto a descentralização supõe uma
transferência de funções e competências
da administração central para as autoridades
territoriais, regionais e locais, com o objectivo
de aumentar a sua autonomia, reduzir
a sua dependência, libertar a energia
inovativa e interventiva em prol
do desenvolvimento (Fig.3.2).
40
Fisher, R.J. (1999) - Devolution and decentralization of forest management in the Asia and the Pacific. Unasylva 50 (4): 199
(www.fao.org/forestry/FOSA/UNASYLVA/PREV-e.stm)
41
Onibon, A., Dabiré, B., Feeoukh, L. (1999) - Descentralización y transferencias de la ordinación de los recursos naturales en el Africa
occidental francófona. Unasylva 50 (4): 199
42
Kaimowitz, D., Pacheco, P., Mondoza, R., Barahona, T. (200) - Descentralización y gestión de los recursos florestales: Gobiernos
municipales y manejo del bosque em Bolivia y Nicarágua. Bosques y Desarrollo nº22.
43
Crook, R., Manor, J. (1998) - Democracy and decentralisation in South Asia and West Africa.
80
As implicações da descentralização ultrapassam a simples criação de mecanismos
de intervenção mais ágeis aos problemas
dos recursos naturais, mas repercutem-se
também no processo do desenvolvimento
político pois é considerada um elemento
decisivo na melhoria de eficiência da administração e do alargamento da equidade social
através dos mecanismos democráticos.
(Ribot44, 2002).
Para ser democrática, a descentralização
requer que as autoridades territoriais sejam
reconhecidas legalmente e que disponham de
uma certa autonomia de decisão e capacidade
para a assunção de decisões de génese local.
É também considerado como requisito para
uma descentralização eficaz que os respectivos
representantes locais sejam representativos da
população que os elegem e julgam em cada
acto eleitoral.
Fig. 3.2 – Características diferenciadoras entre um sistema decisório descentralizado e um centralizado
44
Ribot, J. (2002) - Democratic Decentralization of Natural Resources: Institutionalizing Popular Participation. World Resources Institute,
Washington, DC.
81
O Banco Mundial45 (1988) sustenta que a descentralização, entre outros objectivos, deverá
melhorar, e ser um instrumento para melhorar
a distribuição dos recursos, a eficiência,
a equidade e a prestação de contas sem
o que dificilmente os governos podem sustentar a pretensão de exercerem uma boa governação. A proximidade dos problemas
faz com que os governos locais conheçam
melhor do que os governos centrais, as necessidades e desejos das populações locais.
Do mesmo modo, a responsabilização e apresentação de contas da aplicação das políticas
públicas é mais próxima, mais ajustada
e, consequentemente, mais eficaz (World
Bank46, 2000). É ainda forte a convicção
daquela instituição que a descentralização
é uma forma de promoção da democracia
[it brings the State near the populations].
As metas da descentralização coincidem
com o que muitos especialistas referem como
uma das condições necessárias para a gestão
sustentável dos recursos naturais. Estas condições incluem a necessidade da população
local identificar e priorizar os seus problemas
ambientais e de certa forma beneficiar
da apropriação de algumas das suas externalidades. Os municípios são os espaços privilegiados onde os actores locais podem participar na identificação dos problemas colectivos
que impactam sobre a gestão dos recursos
e onde devem encontrar as capacidades técnicas para a elaboração e definição dos mecanismos e regras para o seu acesso, exploração ou
desenvolvimento de novos espaços e fontes
de recursos resultantes do aperfeiçoamento
de planos de ordenamento do território rural.
Desta forma, a descentralização, além de
poder ser um poderoso agente de divulgação
técnica, é igualmente uma forma de fomentar
a participação dos grupos locais, processo este
que não pode ser minorizado como forma de
desenvolvimento da cidadania e consciencialização para as formas de regulação do acesso
aos recursos e de repartição dos benefícios
gerados pelo melhor aproveitamento dos
mesmos (Margulis47, 1999; Larson48, 2002).
As vantagens potenciais da descentralização
repercutem-se ainda na esfera do funcionamento da máquina estatal e das dessintonias
entre as várias agências ou serviços públicos,
o que é essencial em termos da libertação
das energias criativas locais, e essencial para
criar um clima de confiança ao investimento
privado. Na verdade, a descentralização tem
o potencial de permitir uma maior eficiência
inter-institucional, já que os contactos
e vínculos formais e informais a nível local
entre as diferentes instituições se incrementam pelo efeito de proximidade e do melhor
conhecimento pessoal. Por esta via reforçamse as interacções e sinergias entre os actores
locais com clara melhoria de eficiência
na rapidez e coerência de decisão
e de implementação.
World Bank (1988) - World Bank Development Report. New York, Oxford University Press.
World Bank (2000) - World Bank Development Report 1998/2000: Entering de 21st Century. New York, Oxford University Press.
47
Margulis, G. (1999) - Decentralized Environment Management, In: Burke, S.J., Perry, S.E. (eds). Decentralization and Accountability
of the Public Sector. Annual World Bank Conference on Development in Latin America and the Caribbean. World Bank, Washington, DC.
48
Larson, A. (2002) - Natural resources and decentralization in Nicaragua: Are local governments up to the Job? World Development 30 (1): 17-31
45
46
82
A análise da prática das acções de gestão
dos recursos naturais – e dos recursos florestais, em particular – mostra que em muitos
países tropicais, incluindo já um número
razoável de países de África, têm sido formulados vários mecanismos de delegação de
funções que não devem, contudo, ser confundidos com uma verdadeira descentralização
conforme ela é entendida e definida. Veja-se,
por exemplo, que a transferência de funções,
dos governos centrais, para as ONG
e financiadas em grande parte pela cooperação internacional, para acções de fomento
florestal ou para a gestão e ordenamento
de recursos naturais ou áreas protegidas,
enquadradas num figurino dito de “projecto
de administração conjunta” são uma simples
delegação de poderes em certas organizações
da sociedade civil que, independentemente
de qualquer juízo de valor sobre a sua eficiência, benefícios ou qualidade da intervenção,
não cabem no quadro do entendimento conceptual de descentralização. Na verdade
as ONGs não obedecem ao critério básico
que configura a descentralização: serem eleitas e serem responsabilizadas perante os eleitores e prestarem contas às populações locais.
Em vários países e também em África, assinalam-se iniciativas de transferência de competências de administração de áreas protegidas
para as comunidades ou a gestão de zonas
importantes das bacias hidrográficas. Esta
pode ou não constituir uma forma de descentralização, dependendo das estruturas de poder das comunidades e da intensidade da sua
representatividade, bem como da forma como
recebem aquelas responsabilidades. Os elementos chave concernentes à descentralização
dos recursos naturais e ambientais repousam,
em geral, na forma como está organizada
e na representatividade das autoridades locais.
O segundo elemento critico para a eficácia
da gestão repousa no poder que lhes é afecto.
Na maior parte dos casos não se trata de uma
descentralização genuína mas sim um processo de devolução de direitos consuetudinários
de posse da terra e recursos às populações.
A análise de um número substantivo
de transferência de poderes para a gestão
dos recursos naturais para as comunidades,
mostra que em detrimento dos governos
locais esta política recebeu na última década
uma grande ênfase por parte dos governos
e das agências financeiras internacionais
(Agrawal49, 2001). A análise também revela
que a maioria dos projectos de gestão comunitária têm sido promovidos, financiados
e controlados pelos doadores e agências
internacionais, o que tem revelado a dificuldade da sua generalização e permanência, uma
vez findo o período de financiamento.
As raízes para a sua falta de continuidade têm
de ir-se buscar à sua génese fora do contexto
dos actores sociais (populações e estruturas
políticas locais) e de descentralização real dos
poderes de gestão dos recursos e de ausência
de distribuição de benefícios pelas populações
mais necessitadas.
Como se mencionou, a transferência
de direitos e responsabilidades sobre
os recursos florestais teve como motivação
central a redução das burocracias centrais,
democratizar os processos de tomada
de decisões sobre os recursos florestais
e a sua conservação, regulando o seu acesso
e a manutenção do fluxo de serviços ambientais, distribuir mais equitativamente os benefícios do seu usufruto e regular mais eficientemente as actividades de gestão.
49
Agrawal, A. (2001) - The Decentralizing State: Nature and Origins of Changing Environmental Policies in Africa and Latin America 1980-2000. Paper prepared for the 97th Annual Meeting of American Political Science Association, San Francisco.
83
Se no domínio dos princípios os benefícios
potenciais parecem incontroversos, a experiência disponível tem mostrado que a descentralização formal para os governos locais tem
produzido resultados não só ambíguos mas
também contraditórios. Esta ambiguidade
tem uma génese muito marcada no facto dos
mecanismos de mercado não serem capazes
de reflectir o valor a longo-prazo dos recursos
e os seus resultados serem fortemente determinados pela escolha da taxa de juro
de actualização dos benefícios futuros.
E se é verdade que os recursos florestais,
a área que lhes é afecta ou a intensidade
do seu abate passam a ser tratados em termos das procuras sociais, eles não podem ser
tratados como bens transaccionáveis porque
muito do seu valor ecológico não é reflectido
no valor de curto prazo do mercado. Assim,
no debate e ponderação das intervenções
a visão ecossistémica não pode ser esquecida.
Diríamos que é consensual aceitar que em
termos da conservação dos recursos lenhosos
naturais faz mais sentido do que a simples
apreciação economicista.
Na prática têm-se verificado limitações e perigos na transferência de responsabilidades
de gestão e promoção de reflorestamentos
para os governos municipais e da sua capacidade de garantir a sustentabilidade efectiva
dos projectos.
A experiência internacional revela o seguinte
conjunto de factores potenciadores de riscos
de contexto como se tipifica.
Os riscos de contexto local, nomeadamente
a apropriação dos meios postos ao serviço
da recuperação e da sustentação dos recursos
naturais, devem ser referidos porque em vez
de introduzirem instrumentos de sustentabilidade podem, ao invés, conduzir a uma aceleração do uso irracional dos recursos.
Quadro 2. - Tipos de Risco e factores Potenciadores
de Insucesso
Tipos de risco
Factores potenciadores de insucesso
Riscos de
Incapacidade técnica porque a iniciativa política
contexto geral
não garantiu a transferência de condições
necessárias ao alargamento de novas funções
municipais, nomeadamente:
• Informação;
• Capacitação técnica;
• Recursos financeiros
Riscos de
contexto local
Ameaça de que o poder municipal possa ser:
• Monopolizado por sectores privilegiados
da população que se apropriam dos recursos;
• Reduzida capacidade das organizações locais
da população para pressionar os poderes locais
a adoptar acções efectivas de gestão de recursos
naturais de interesse colectivo.
Sendo inegáveis as potencialidades, diria mesmo a imprescindibilidade da descentralização,
é importante deixar-se claro que ela, por si só,
não introduz a sustentabilidade no uso dos
recursos se ao lado daquela, e do reforço dos
poderes locais, não se efectivar uma reforma
institucional ao nível central, por forma a articular o quadro de políticas nacionais definidas
pelos órgãos centrais para serem catalisados
e convertidos em elementos de acção regional
e local, devidamente moldados pelos respectivos contextos sociológicos, económicos
e físicos locais.
84
Algumas experiências de descentralização
em curso
Na América Latina
A análise comparativa feita na América Latina
pelo CIFOR (Centro Internacional para a Investigação Florestal) e o CIID (Centro Internacional de Investigação para o Desenvolvimento)
(Pacheco y Kaimowitz50, 1998) dos resultados
conseguidos com a gestão centralizada
e a gestão municipal e a dinâmica de implementação de medidas de gestão sustentável
de recursos naturais parece mostrar, de forma
iniludível, não obstante a gestão municipal
dos recursos naturais ser de génese relativamente recente, que a descentralização é uma
tendência marcada na evolução das estruturas
institucionais de muitos países tropicais.
No âmbito deste relatório descrevemos unicamente, sem sugerir opções, que serão, como
se compreende do âmbito das competências
das estruturas de governo, a estrutura formal
legal de descentralização da gestão florestal
municipal e as diferentes iniciativas de relações entre as estruturas nacionais e as municipais. Na verdade, a complexidade da dinâmica do poder local e dos equilíbrios com
as burocracias centrais não permitem,
ou sequer aconselham, a que se façam
generalizações.
Os exemplos são pois apresentados como
matéria de reflexão sobre reformas que se
julga urgentes a incorporar na lei florestal
a favor da conservação dos recursos naturais
em Angola, nomeadamente quando a estrutura central é débil em estruturas físicas e humanas e onde a diversidade de actores é dispersa
e a coordenação é apontada como um elemento frágil na governância dos recursos.
50
Bolívia
Os avanços para a descentralização, como
resultado de um processo de municipalização
associada à abertura da participação popular,
datam de 1990. Desde essa altura foram
desenvolvidos esforços importantes para
a descentralização da gestão florestal, não
obstante o facto das decisões sobre a afectação dos recursos permanecerem, em grande
parte, investidas no nível governativo central.
Ainda que os governos municipais na Bolívia tenham adquirido um papel de grande
protagonismo, a sua capacidade decisória
discricionária é balizada pela entidade central,
responsável pela política nacional de recursos
e desenvolvimento florestal. As linhas de força
enformadoras da nova Lei Florestal em 1996
foram a resposta as seguintes questões que
se sintetizamos no diagrama.
Os instrumentos criados para efectivação
da lei foram:
i. Possibilidade dos governos municipais
poderem solicitar a supervisão até 20%
das matas nacionais dentro da sua jurisdição
territorial e que passaram a constituir Áreas
Florestais da Reserva Municipal (AFRM);
ii. Estas áreas devem ser concessionadas
aos “Agrupamentos Sociais do Lugar”(ASL);
iii. A criação a nível municipal de uma unidade
(Unidade Florestal Municipal - UFM) capacitada para as actividades de fomento florestal
e de apoio técnico às ASL;
iv. A afectação de 25% das receitas fiscais
do aproveitamento e concessionamento
de exploração florestal aos municípios que
devem ser afectas ao apoio da UFM e das ASL;
Pacheco, P y Kaimowitz, D. (eds) (1998) - Municípios y gestión forestal en el trópico Boliviano. Bosques y Sociedad n.3
85
v. A responsabilização da UFM na inspecção
das actividades florestais e indústrias florestais
activas no município; definir para aqueles
operadores medidas preventivas por forma
a garantir a sustentabilidade dos recursos
e assegurar a estatística florestal das actividades na área de jurisdição do município.
Fig. 3.3 - Processo de Descentralização - Lei Florestal Boliviana
A análise sobre a experiência boliviana mostra
que, na prática, os mecanismos implementados vêm permitindo formalizar os direitos
de aproveitamento florestal dos extractores
de produtos florestais em pequena escala
bem como os dos outros usuários tradicionais
e vem criando novas oportunidades de acesso
aos recursos florestais aos grupos indígenas
e pequenos extractores.
86
Mostra também que os instrumentos postos
em campo tendem a debilitar a posição
dos grandes proprietários abstencionistas
não residentes no município. Não obstante
as dinâmicas fortes criadas com a descentralização, a análise evidencia que apesar dos
avanços e a libertação de energias reformadoras para a conservação e desenvolvimento
florestal, a força regulamentadora das burocracias centrais são ainda dominantes.
Honduras
O movimento descentralizador e fundador
da arquitectura legislativa para a gestão dos
recursos naturais data de 1992-93; A Lei dos
Municípios (1992), a Lei para a Modernização
do sector Agrícola (1992) e a Lei Geral do
Ambiente (1993). Estas leis reconheceram
a propriedade privada e estabeleceram
as bases para a descentralização da gestão
florestal para os municípios. Em particular,
os municípios voltaram a ser proprietários das
terras comunais (ejidos) cujas áreas atingem
cerca de 28% do solo das Honduras. Este modelo é impar na América Latina já que transferiu para os municípios a propriedade de jure
de importantes áreas florestais que assumiram
a sua gestão e que passaram a ser responsáveis pela aplicação de normas técnicas e de
submissão dos planos de gestão à Administração Florestal do Estado (AFE-COHDEFOR)
que é a autoridade florestal nacional.
A análise efectuada mostrou que a transferência dos direitos de propriedade comunal para
os municípios possibilitou:
i. O fortalecimento municipal e a melhoria
de coordenação com a COHDEFOR;
ii. Um aumento dos recursos financeiras
dos municípios;
iii. A actualização nuns casos e, noutros,
a elaboração, onde faltava, dos planos
de ordenamento e gestão dos recursos
florestais nacionais e privados;
iv. Uma melhoria da capacidade de intervenção em direcção à sustentabilidade dos recursos, não obstante os recursos técnicos continuarem frágeis. O reforço da capacidade de
intervenção dos municípios tem sido apoiado
por vários projectos de cooperação internacional e convénios de cooperação com a Secretaria dos Recursos Naturais (SERNA) e COHDEFOR e os municípios ou suas associações.
Guatemala
No caso da Guatemala a estratégia
de descentralização assumiu um modelo
diferente e uma transferência formal mais
directa. É no conjunto dos países da América
Latina, o único país daquela área em que
a autoridade florestal central lidera claramente
os processos de municipalização dos recursos
florestais. Na verdade a Lei Florestal do país
estabelece que os 331 municípios devem ter
um serviço ambiental municipal com o mandato de apoiar e colaborar com as políticas
e estratégias florestais definidas pelo Instituto Nacional de Florestas (INAB). O processo
legislativo de transferência veio acompanhado
dos seguintes mecanismos:
87
i. Programas de assistência técnica e de transferência de tecnologia para os municípios com
o apoio do projecto de Fortalecimento Florestal Municipal e Comunal (BOSCOM)
ii. Mecanismos financeiros como o Programa
de Incentivos Florestais (PINFOR);
iii. Uma transferência de 50% das receitas
geradas pelo licenciamento de exploração
ou de transformação de produtos florestais
para os orçamentos municipais;
iv. Competências estatutárias para apoio
de florestação, supervisão da aplicação dos
recursos, formulação, aprovação e execução
dos planos de desenvolvimento dos recursos
florestais municipais.
Não obstante os claros avanços positivos
do processo de municipalização florestal
que se verifica na Guatemala deve referir-se
que, de acordo com os quadros conceptuais
sobre o entendimento da descentralização,
estamos mais perto de um quadro de desconcentração do que de descentralização.
Na verdade, a muito estreita dependência
da unidade florestal municipal em relação
à burocracia central configura mais um
processo de transferência de responsabilidades
de coordenação e de suporte do INAB do que
uma verdadeira descentralização política.
De qualquer modo também é verdade que
alguns municípios são pouco pró-activos
em fazer uso pleno das prerrogativas disponíveis na lei e o seu envolvimento mais activo
decorre ou dos projectos externos ou da pressão que é feita pelas populações na defesa
dos bens e serviços ambientais dependentes
da floresta (conservação das bacias hidrográ-
ficas ou abastecimento dos aquíferos) bem
como na resolução ou mediação de litígios
surgidos com o uso das terras.
Nicarágua
Os poderes locais na Nicarágua aumentaram
o seu poder e autoridade interventiva na gestão dos recursos naturais desde o início da Lei
Municipal em 1990, e em particular, com
as disposições resultantes da reforma dos
municípios em 1997 que lhes aumentou
a autonomia e as competências. Os municípios nicaraguenses dispõem de poderes para
“desenvolver, conservar e controlar o uso
racional do meio ambiente como base para
o desenvolvimento sustentável do Município
e do país ...” Entre as suas competências,
outorgadas pela lei, estão:
i. Opinar sobre a aprovação dos contratos
para a exploração de florestas;
ii. Receber 25 % das taxas fiscais geradas
pelos contratos de concessão de exploração
de produtos florestais;
iii. Organizar campanhas de prevenção
e controlo de incêndios;
iv. Promover a educação ambiental e projectos
de conservação dos recursos;
v. Participar na gestão dos parques nacionais;
vi. Fomentar a participação dos cidadãos
nos assuntos ambientais.
88
Em relação ao processo de descentralização,
os municípios nicaraguenses sentem que
o governo central lhes entregou os encargos
e responsabilidades da gestão ambiental e dos
recursos mas não transferiu nem os benefícios
nem uma proporção equitativa dos benefícios
e rendas justas nem, tão pouco, os investiu de
autoridade proporcional às responsabilidades.
Não obstante este constrangimento, a análise
da “performance” dos municípios nicaraguenses, mostra que muitos assumiram plenamente as competências de que foram investidos
elaborando pareceres sobre os contratos de
concessão, outorgando licenças de exploração
(sobre pequenos volumes), promovendo projectos ambientais, florestais e agro-florestais;
controlado os incêndios e pragas florestais,
desenvolvendo o ordenamento territorial
e ambiental, definindo e declarando áreas
de protecção, e criando um quadro profissionalizado de guardas florestais e mecanismos
de gerência e boa governância em matéria
de recursos naturais e reforçado as Comissões
Ambientais Municipais que vêm funcionando
como mecanismos principais para a participação local e coordenação inter-governamental
sobre os temas florestais e ambientais.
Brasil
Dos seis casos que apresentamos nesta revisão é claro que os municípios brasileiros têm
poderes políticos, administrativos e financeiros muito superiores aos seus congéneres da
América Latina. No entanto, e contrariamente
ao que se verifica com os sectores da saúde
e educação, a gestão dos recursos naturais
ou o meio ambiente, não receberam tratamento específico para descentralizar
as competências investidas no IBAMA
que é o Instituto Federal encarregue
do Ambiente e das Florestas. Apesar desta
lacuna, o grau de autonomia de que gozam
os municípios brasileiros e a sua capacidade
de iniciativa no desenvolvimento da infraestrutura municipal e da gestão de fundos
para créditos possibilita àqueles mais dinâmicos uma razoável capacidade de intervenção
quanto à gestão e conservação dos recursos
florestais. Esta janela de oportunidades
de intervenção é também potenciada pelo
facto do IBAMA ter meios de intervenção
técnica, de estrutura de pessoal e orçamental
limitados para poder exercer um controlo real
e efectivo no acompanhamento da gestão
florestal, principalmente nos municípios
das grandes regiões do Mato Grosso
e da Amazónia.
Assim, a análise da intervenção municipal
no Brasil mostra um panorama muito diversificado. Na verdade, ao lado de municípios
liderados por grandes fazendeiros, produtores
de gado e de população pouco sensibilizada
para os problemas ambientais, o modelo de
desenvolvimento privilegia a redução da área
florestada e oposição à institucionalização
de áreas protegidas e de protecção ambiental,
já outros mostram outros autarcas a promoverem a prevenção e o controlo de incêndios
florestais, a modernização da indústria florestal, o fomento florestal, a promoção da certificação ambiental dos produtos, a conservação
das chamadas reservas extractivistas que
se têm revelado importantes na subsistência
das populações locais e a educação ambiental.
89
Assinala-se que os municípios que promovem
este tipo de iniciativas vêm tendo o apoio
do governo central em termos de reforço
técnico e financeiro para a implementação
dos projectos.
Costa Rica
A Costa Rica, hoje reconhecida como
um exemplo de intervenção de sucesso
na conservação de recursos florestais
e de mecanismos de recompensa e pagamento de bens e serviços ambientais a favor dos
proprietários florestais, não é um exemplo
de descentralização municipal no que concerne aos recursos naturais. A sua referência
é trazida para reflexão do que são os riscos
quando os instrumentos legislativos não vêm
acompanhados de instrumentos técnicos que
tornem as leis operativas. A Lei Florestal de
1996 conferia aos municípios, por exemplo,
a outorga das licenças de corte. Esta transferência não foi, no entanto, transferida com
o aumento da capacitação técnica e administrativa para a eficaz aplicação da lei. O resultado dessa incapacidade e dos problemas que
a sua falta introduziu no sistema provocaram
que esta competência tenha sido transferida
para os Conselhos Regionais de Áreas
de Conservação.
Na prática, e também por causa dos problemas que surgiram com estes conselhos,
as licenças de exploração de madeiras são
outorgados pelo Sistema Nacional de Áreas
de Conservação (SINAC) que no organigrama
da estrutura governativa está tutelado pelo
Ministério do Ambiente e Energia (MINAE).
Neste país pode dizer-se que as políticas de
descentralização da Administração Florestal
do Estado limitam-se a uma simples desconcentração do SINAC, através da criação de 11
áreas de conservação e delegações regionais
e sub-regionais. Não obstante os municípios
disporem, em termos constitucionais,
de autonomia e descentralização (artigos
169 e 170), a forte tradição centralista
e a reduzida pressão social e política para
o reforço municipal tem-nos mantido numa
função de reduzida delegação de competências nas áreas da exploração florestal e das
funções de conservação. Neste quadro
os municípios carecem de autoridade e de
responsabilidades directas na gestão florestal.
Não obstante ser este o quadro legal vigente
e pouca a disponibilidade de fundos,
há exemplos de municípios que iniciaram
actividades importantes de gestão florestal
e em alguns casos, até, tiveram sucesso na
consolidação de unidades ambientais municipais sempre que a gestão autárquica era
estável, as pressões da sociedade civil eram
activas e havia boas relações entre os governos municipais e os funcionários das delegações sub-regionais do SINAC.
90
Na África
As duas questões críticas para a descentralização atrás referidas são o problema da afectação dos poderes e a questão da estrutura
do quadro institucional local.
A questão do poder
O Mali e o Uganda proporcionam dois casos
de progressiva descentralização na qual foram
estabelecidos governos municipais democraticamente eleitos e que foram investidos
de poderes descentralizados51.
No Mali, contudo, o serviço de ambiente
(Direction National de la Conservation
de la Nature) ainda se mostra relutante
em transferir poderes significativos para
os governos locais embora tal já seja possível
na nova lei florestal52.
Similarmente, no Uganda, os poderes transferidos para as instituições locais são limitados
pela obrigação da existência de planos de gestão restritivos (Namara53, 2001). A lei florestal
(Forestry Act 2001) não especifica, de facto,
as linhas de orientação quanto aos poderes
que serão transferidos e para que níveis da
administração local, tornando difícil prever
o tipo de descentralização que está em mente.
Nestes dois casos a lei confere aos governos
locais o direito de gerir os recursos naturais
no seu âmbito territorial, embora subordinados a seguir os requisitos gerais dos planos
de gestão e os planos determinados pelas
agências ambientais ao nível central. Estes
planos de gestão têm sido uma forma de
recentrar qualquer autonomia que pode estar
implícita com a descentralização do “direito
de gerir”. Nestes dois países, e dadas as claras
incertezas e lacunas legais, muitas áreas florestais no domínio público têm sido privatizadas em nome da descentralização. Repare-se
que a alienação do domínio público quer por
transferência para o sector costumeiro quer
para empresas de direito privado não suporta
ou segue a lógica da descentralização democrática da gestão dos recursos.
As análises que têm sido produzidas para estes
dois países e por nós escolhidas, espelham um
conjunto de riscos e desvios que merecem ser
pensados nos países que iniciaram processos
de mudança organizativa e legislativa sobre
recursos florestais. Na verdade, a regulamentação que tem sido implementada mostra
muitos poderes que permanecem centralizados e que poderiam, sem riscos para a sustentabilidade dos recursos, ter sido transferidos
e outros que têm sido privatizados sem consideração para as implicações ecológicas
e sociais (Kwemena54, 2000). Os standards
ecológicos e obrigações são colocados a um
alto nível pelos serviços centrais e que de lon-
Tamboura, Yaya , Directeur National, Direction National de la Conservation de la Nature, Bamako (2000), (Comunicação pessoal),
In : Ribot, J. C (2001) – Decentralized natural resources managment. In: UNCDF Symposium on Decentralization Local Governance
in África., 22 pg. UNCDF
52
Tamboura, Yaya , Directeur National, Direction National de la Conservation de la Nature, Bamako (2000), (Comunicação pessoal),
In : Ribot, J. C (2001) – Decentralized natural resources managment. In: UNCDF Symposyum on Decentralization Local Governance
in África., 22 pg. UNCDF
53
Namara, A. (2001) – Whose Interests matter? Assessment of the Operations of Local Institutions in Natural Resource Management:
the Case of Bwindi Impenetrable National park, Uganda. Draft Report to the World Resources Institute/Centre for Basic Research
programme on Decentralization and the Environment, Kampala (mimeo.)
54
Kwamena, A. (2000) – Challenges Facing Local Governments in Africa in the 21st Century: An executive Summary. Local Government
Perspectives, 7(3):1-7.
51
91
ge excedem os standards mínimos necessários
para darem margem de manobra aos governos municipais para acomodar contextos
locais de ordem ecológica e social.
Pode dizer-se que é uma linha de força
dominante no conjunto dos SF em África
a escolha pelo controlo dos valores comerciais
das florestas fixando legislativamente quem
pode cortar, quando, quem pode transportar
e como, onde podem ser vendidos e quem
os pode vender, etc. Os SF retém a nível
central os aspectos lucrativos da exploração
dos recursos (ou seja os aspectos lucrativos
da actividade).
É também notório que o sistema de gestão
e planeamento de gestão é constituído por
uma teia tão complexa de circuitos, por vezes
agravada pela interferência de várias agências,
que o exercício dos poderes descentralizados
se sentem na necessidade de solicitar o suporte dos serviços centrais para estabelecimento
dos planos de gestão antes de poderem
assumir qualquer decisão. Vem-se assim
verificando que só as decisões mais triviais
e mais onerosas são descentralizadas,
enquanto o estrito controlo dos sectores
mais rentáveis permanecem nos órgãos centrais. As consequências são óbvias: como
não há receitas, as intervenções são mínimas
ou mesmo nulas e a deterioração dos recursos
tende a acelerar-se.
A mistura adequada de poderes e de obrigações entre o que deve ser retido ao nível central e o que deve ser devolvido aos governos
locais e municipais é uma matéria complexa
que requer, em termos políticos e de organização institucional, uma análise crítica e um
debate informado (Parker, 1999)55.
Sem esta análise crítica e debate público,
os SF em África têm adoptado a matriz base
herdada das independências de micro-gestão
do sector florestal – pelo poder e rendimento
– e não centrada na ecologia e na justiça
social. O princípio da subsidiariedade pede
que as decisões sejam colocadas aos níveis
mais baixo possíveis da estrutura políticoadministrativa, sem efeitos negativos ao mais
alto nível. Seguindo este princípio diríamos
que, em termos organizativos, as decisões que
podem ser feitas pelos cidadãos sem qualquer
regulação devem ser relegadas para o domínio dos direitos dos cidadãos; decisões que
podem ser tomadas pelos poderes locais sem
porem em risco o bem-estar social e ecológico
devem ser retidas a esse nível.
Os níveis político-administrativos a que são colocados os poderes regulamentares sobre os bens naturais são usualmente justificados
na base de critérios ecológicos e argumentos ditos de “bens nacionais.” Os tipos de decisões que devem ser feitos ao nível mais elevado
da estrutura administrativa incluem matérias técnicas de gestão à escala nacional onde são necessários standards ambientais mínimos.
Estas decisões podem incluir as unidades de paisagem a serem classificadas e reservadas como património global do país ou o tipo de
práticas necessárias para todas as corporações ou cidadãos quanto à protecção da qualidade das florestas, pastagens, terras do património agrícola ou rios. Quanto às florestas elas podem incluir restrições sobre o abate em zonas declivosas, corte e protecção de matas
naturais e intervenções que salvaguardem a regeneração, restrições quanto à dimensão ou idade dos cortes e espécies por forma
a salvaguardar e optimizar o valor económico gerado pelas florestas nacionais. As jurisdições locais são obrigadas a seguir estes standards nacionais com a opção de incluírem standards mais restritos sem contudo poder violar os mínimos estabelecidos a nível nacional.
Há também uma lógica de escala ecossistémica que pode ditar o nível político administrativo mais baixo a descentralizar. Assim o sistema fluvial, bacias hidrográficas, zonas de migração do bravio e poluição transnacional não podem ser geridas exclusivamente a nível
local mas requerem uma coordenação e planeamento a nível nacional.
55
92
O processo de planeamento é uma parte
importante dos arranjos institucionais para
a descentralização. Os governos nacionais
fixam o processo de planeamento para coordenar e harmonizar por uma lado os planos
locais, em linha com as estratégias nacionais,
e por outro as acções dos diversos actores
nos diferentes sectores a nível regional e local.
O planeamento dos interlocutores a nível local
é absolutamente necessário para que os decisores possam afectar recursos ajustados
à satisfação das diferentes necessidades sociais
das suas jurisdições de uma forma equilibrada.
A análise das situações num número razoável
de países africanos onde se separou o sector
florestal do ambiente mostra que os ministros
do ambiente têm tendido a evitar este processo de planeamento integrado descentralizado
e onde o ambiente representa um sector entre
outros no processo de planeamento. A implicação deste tipo de actuação, que resulta,
na generalidade dos casos, da opção política de criação de um ministério do ambiente
sobrepondo-se a áreas onde os aspectos ambientais fazem parte do processo produtivo,
como é o caso das pescas, da agricultura
e das florestas, é que o sector ambiental
e as suas grandes preocupações ficam isoladas
do processo de decisão e dos actos produtivos, e correm o risco de tornar irrelevantes
as iniciativas de descentralização dos SF.
Vê assim, por exemplo, que no Níger os SF
escolheram criar um processo decisório local
separado daquele desenvolvido de uma forma
mais integrativa pelo código de desenvolvimento rural.
Na Guiné-Conakry esta integração foi igualmente mal resolvida por parte de algumas
agências de intervenção. Partiu-se erradamente da avaliação simplista de que era pouco
eficiente a promoção da gestão de recursos
naturais de uma forma consistente com os
grandes valores de justiça social e esqueceu-se
que era de esperar, como noutros casos
se demonstrou, trade-offs intermédios bastante significativos entre um ambiente melhorado
e uma sociedade mais justa e com mais poderes. Na verdade não há razões para que as
decisões ambientais e sociais não possam fazer
parte do processo de planeamento local de
gestão e planeamento dos recursos naturais.
Nesta linha, e depois de longos debates, e um
pouco pela pressão dos dadores, os SF dos Camarões instituíram uma Unidade de Desenvolvimento da Floresta Comunitária (Community
Forestry Development Unit) para providenciar
a implementação da assistência técnica florestal às comunidades.
Não obstante serem praticamente consensuais, os efeitos positivos deste tipo de estrutura,
tem-se verificado que as linhas de actuação
para o desenvolvimento e implementação
do planeamento ao nível central têm sido
de tal modo impositivos e inflexíveis para
acomodar as naturais diferenças culturais
e locais que se tornam proibitivas e prejudicam a noção de autonomia local e não beneficiam a sustentabilidade dos recursos.
93
Estas situações verificaram-se no Burkina Fasso, Camarões, Mali, Senegal e Uganda tendo
significado que as autoridades locais ficaram
reduzidas ao simples poder de decisão
do uso das suas florestas para fins produtivos
de acordo com os planos decididos pelo
poder central. Se as autoridades locais, com
fundamentos em razões ecológicas ou de
interesse social, não quisessem cortar as suas
florestas arriscavam-se a perdê-las para concessões privadas. Aqui, claramente, a decisão
de conservar ou cortar as florestas, cujas
implicações são fortemente locais, não é uma
decisão local pois o seu poder decisório ficou
claramente coarctado.
Os argumentos frequentemente invocados
de falta de capacidade local, ou da alegada
inaptidão dos aldeões agricultores, quase sempre apontados como famintos por terra, para
controlarem a exploração dos recursos naturais não se encontram realmente evidenciados
em numerosos estudos efectuados. Parece ganhar fundamentos que o controlo estatal desproporcionado e a falta de afectação de poder
aos cidadãos, desvalorizou os saberes locais e
que a limitação de formas organizadas locais
de gestão dos recursos naturais e de intervenção ambiental são uma fonte de problemas na
gestão sustentável dos recursos.
A descentralização do planeamento e da gestão dos recursos naturais pode ser de facto,
um elemento poderoso de recuperação de
saberes locais sobre práticas de gestão sustentada, uma forma de levar os círculos de
interesse ambiental a repensar critérios mínimos de sustentabilidade ambiental e uma
forma de desenvolver responsabilidades locais
pelas questões ambientais e a degradação dos
recursos consideradas essenciais para a sua
sustentabilidade.
Os exemplos, independentemente dos modelos de descentralização que venham a ser
adoptados, e da sua consolidação institucional, mostram que os municípios quando sensíveis aos problemas das suas comunidades,
e fiéis a modelos de governância que têm por
móbil o interesse comum, encontram suficiente margem legal para iniciarem intervenções
positivas em prol das populações e da gestão
sustentável dos recursos naturais. Na ausência
de instituições ou organizações operativas da
sociedade civil, os municípios estão na primeira linha para serem agentes privilegiados
de intermediação na operacionalização dos
mecanismos de pagamento e distribuição dos
pagamentos de bens e serviços ambientais necessários para garantir a sua sustentabilidade.
94
95
V
LOCALIZAÇÃO
E LIMITES DO
MUNICÍPIO.
SEU ENQUADRAMENTO
NA PROVÍNCIA
DO HUAMBO
O Município da Ecunha localiza-se na parte
central da Província do Huambo, e tendo
como limites os Munícipios do Conduibale
(Norte), Cáala (Sul), Huambo (Oeste) e Ukuma e Longonjo (Oeste). A sua superfície é de
1.677 km2. Em termos territoriais administrativos o Município está dividido em duas comunas: a Comuna da Ecunha que engloba sensivelmente a metade sul do território (797 km2),
onde se situa a sede administrativa municipal
e a comuna do Chipeio ou Quipeio a Norte
(880 km2) (Fig. 4).
O território é marcado por uma vocação
agrícola pronunciada, em fase de rápida
superação das convulsões da Guerra e que
hoje está marcado por uma forte participação
das populações no circuito monetário. Caracteriza esta zona uma densa ocupação agrícola
e comercial em fase de crescimento e com
tendências para acelerar-se com a reocupação
do território pelas populações. Evidenciase ainda um forte vínculo das comunidades
rurais à terra, e uma agricultura, em geral
extensiva, com feição nitidamente comercial
principalmente nas zonas irrigadas para a cultura da batata e das hortícolas com particular
significado na comuna do Quipeio.
Os factores gerais atrás referidos, e que serviram para a sua individualização como espaço
geoeconómico com homogeneidade relativa
(Diniz e Aguiar, 1999)56 sofrem modificações
nas várias áreas da zona. Assim, e para
a região que engloba o Município da Ecunha
(Região II daquela zonagem) e em grande
parte determinada pelas condições ecológica
e pedológicas associadas à geologia, o Município encontra-se delimitado pela “cadeia
marginal de montanhas”, apresentando uma
maior intensificação cultura em franca recuperação, em parte com base nos regadios.
As culturas comerciais básicas são hoje
a batata e a cebola.
Em termos genéricos o Município enquadra-se
na mesma zona agro-ecológica denominada
Planalto Central que engloba praticamente
toda a Província do Huambo, delimitado pela
hipsométrica dos 1.500 metros e coincide de
um modo geral com a distribuição geográfica
das populações Umbundu.
Diniz, A. Castanheira e Aguiar, F. Q. de Barros, 1999 – Zonagem Agro-Ecológica de Angola, Instituto para a Cooperação Portuguesa,
Lisboa
56
96
Fig. 4 – Limites do Município da Ecunha (Os números assinalados na carta representam as zonas de inquéritos de campo)
Nota: os números identificam as aldeias visitadas e inqueridas no curso da missão
97
A cultura de trigo, que antes da Guerra se
revestiu de certa intensidade no Município
perdeu uma clara importância como também
sucedeu com pequenas plantações de café
arábica nas zonas mais onduladas do Chipeio.
Registou-se nas visitas de campo o interesse
dos agricultores em recomeçar o seu cultivo,
principalmente na zona da comuna do Chipeio, em zonas com ondulamento forte e mais
frias e onde já anteriormente vinha sendo
praticada a cultura do trigo.
A orografia e forte erodibilidade dos solos
aconselham, contudo, prudência no seu
relançamento pelo forte potencial de aceleração dos fenómenos erosivos e de aceleração
da degradação do coberto vegetal protector
das bacias hidrográficas da zona em fase
de rápida regressão.
Em termos das plantações florestais verifica-se
no Município, se bem que com maior expressão na linha Caála – Ecunha, a ocorrência
de algumas plantações de eucaliptos de várias
espécies e de alguma representação, embora
menos expressiva, de Pinus patula e Cupressus
lusitanica mostrando bom comportamento
vegetativo se bem que com vestígios bem
claros de cortes desregrados e mal conduzidos: abates demasiado altos, 50-60 cm acima
do nível do solo, falta de condução da rebentação de toiça nos eucaliptos conduzindo-os
a malformações da rebentação e reduzindo
a vida útil da sua capacidade regenerativa
de toiça. São povoamentos que na sua grande
generalidade estão fortemente explorados.
Exemplares recentes ao nível urbano no
Quipeio mostram o uso da Grevillea robusta
e a Casuarina equisetifolium que apresentam
bom vigor vegetativo.
Fig. 4.1 - Regiões Geo-Económicas e Municípios 57
Teles Grilo, L. A. et al. (1971) – Caracterização Genérica da Região. Inventariação dos Recursos. Sua Análise e caracterização.
Serv. Planeamento e Integração Económica.
57
98
Breve caracterização da zona
Clima
Não nos foi possível encontrar informação
climática específica para o Município em
referência pelo que a caracterização que
se apresenta respeita à sede da Província
(Quadro 3).
O Município encontra-se localizado na zona
de climas alternadamente húmidos e secos
das regiões intertropicais. Devido à altitude,
o clima é temperado (temperado quente),
sendo a temperatura média anual normalmente inferior a 20 ° C e só raramente abaixo
dos 18° C. O mês mais frio é normalmente
o de Junho e o mês mais quente o de Outubro
ou o de Setembro, nas maiores altitudes.
De qualquer modo a temperatura média
do mês mais quente não vai além dos 21° C.
A amplitude de variação anual da temperatura
é inferior a 10° C.
A queda pluviométrica anual anda à volta dos
1381 mm, com pequenas variações dentro
da Província, se bem que se reduza para 1200
mm na zona sul. As chuvas não são regulares
ao longo da estação chuvosa, o que permite
dividir o ano em duas estações, bem marcadas: a estação seca ou “cacimbo” (Junho
a Agosto em que quase nunca chove)
e a estação das chuvas (de Outubro a Abril),
sendo os meses de Maio e Setembro os
meses de transição. Em Janeiro ou Fevereiro,
ou anormalmente em Dezembro, ocorre
com frequência um período de seca designado por “pequeno cacimbo”. Esta irregularidade de chuvas, mormente quando o período
de seca ultrapassa os 15-20 dias, tem graves
inconvenientes para a agricultura, nomeadamente para aquelas sementeiras feitas tardiamente.
O clima do Huambo é um clima seco, andando a humidade relativa (média anual) à volta
dos 65%. Estes valores oscilam entre os 75
a 85% na época das chuvas e os 20 a 30%
na altura do cacimbo.
99
Quadro 3 – Valores de alguns parâmetros meteorológicos da Província do Huambo
Designação
Período
J
F
M
A
M
JUN
JUL
A
S
O
N
D
ANO
Precipitação (mm)
1943/65
204
161
238
134
25
0
0
2
24
122
215
256
1381
Temperatura média T 1953/67
19.4
19.4
19.5
19.3
17.4
15.7
16.1
18.4
20.5
20.6
19.7
19.4
18.8
Média das Temp.
1953/67
24.9
25.5
25
25.4
25.4
24.6
25.2
27.4
28.9
27.7
25.3
25
25.9
1953/67
14
13.4
14
13.2
9.4
6.7
7.1
9.3
12.1
13.5
13.9
13.9
11.7
1953/67
32.5
31.2
29.9
29.5
28.7
29.3
28.6
33
34.5
32.7
31
30.6
34.5
1953/67
8.1
4.1
8.5
8
-2.5
0.8
-1.3
2
6.2
5
10
10
-2.5
1953/67
79
76
80
73
56
47
42
35
46
63
73
75
62
1953/63
137.6
152.5
143.6
175.3
262.9
272.2
270.8
275.7
226.2
180
148
149.1
2394
Máximas
Média das Temp.
Mínimas
Temp. Máxima
Absoluta
Temp. Mínima
Absoluta
Humidade
Relativa % (às 9 H)
Insolação Efectiva
(horas)*
de Insolação (%)
Percentagem
1953/63
36
43
38
50
74
80
81
76
63
47
40
38
56
Nebulosidade
1953/63
7.6
7.3
7.6
6.1
2.5
0.6
0.6
0.7
2.1
4.8
7
7.5
4.5
1951/65
131.7
121.7
127.7
158.8
254.9
312.4
375.1
449.3
393.5
249.2
141
122.7
2838
1964/67
141.9
117
144.9
149.1
176.4
179.6
205
241.1
237.4
180.4
152.8
129
2054.6
1962/68
108.6
102.7
110.2
112.9
121.8
108.9
119.9
136.2
161.3
137.1
118.7
115.5
1453.8
1953/63
105
110
113
113
99
78
83
99
126
131
127
120
1304
1943/67
7
5
9
5
1
0
0
0
1
5
8
9
50
1958/65
0
0
0
1
8
14
13
6
1
0
0
0
43
(décimos) (às 9 H)*
Evaporação
Piche (mm)
Evap. (Tina
classe “A” (mm)
Evap. Potencial
Medida (mm)
Evap. Potencial
Penman (mm)
Dias de Precipitação ≥ 10 mm
Dias de geada ˚C
(*) Valores respeitantes ao Posto Meteorológico da cidade do Huambo. Ad. de Diniz, Castanheira (1999) (ob. cit.)
100
A ocorrência de granizo ainda que pouco
frequente, pode causar graves prejuízos
à agricultura em virtude da intensidade
e tamanho das “pedras”.
A figura 4.2 expressa o balanço hídrico relativo ao posto da Chianga onde é possível observar dois períodos distintos: um com excesso
de água no solo e outro com deficits. A existência de água para as culturas de sequeiro,
a par com uma maior fertilidade dos seus
solos no Município da Ecunha explica a existência de uma cultura agrícola mais intensiva
e de maior produtividade em relação às restantes áreas da Província.
O conhecimento da génese de solos e das
suas características químicas permitem dizer
que, do ponto de vista agronómico, são solos
que de modo geral apresentam uma reserva
mineral fraca ou quase inexistente, relativamente pobres em matéria orgânica, argilosos
(matérias cauliníticos e sexquióxidos de ferro)
ou argilo-arenosos nos horizontes subsuperficiais e de textura um pouco mais grosseira,
franco-argilo-arenosa ou mesmo franco arenosa nos horizontes superficiais.
O ph destes solos, embora baixo, apresenta
valores na faixa entre os 5,5 e os 6,5 o que
está dentro dos limites considerados aceitáveis
para o desenvolvimento da agricultura tradicional e da silvicultura.
Solos
A Carta Geral de Solos de Angola evidencia
uma grande variedade de solos nesta região
planáltica. Destacam-se como mais representativos os solos fracamente ferrálicos, amarelos
ou alaranjados, laranjas e vermelhos, provenientes de rochas eruptivas ou cristalofílicas,
quartzíferas (agrupamentos Hb 14, Hb 18
e Hb 23 que ocupam mais de 2/3 da área
total da Província (Diniz e Aguiar58, 1966).
Embora os solos destes agrupamentos sejam
regra geral, fundos, e friáveis podem no entanto, apresentar laterites ou materiais latéricos a menos de 1 m de profundidade. Esta
distribuição geográfica das principais unidades
de solo está largamente condicionada pelo
factor topografia: ferralíticos e fersialíticos
nas zonas mais aplanadas com intensa degradação química, típica destes solos.
Fig. 4.2 - Balanço hidrológico da Chianga (Precipitação,
1943-65; Evapotranspiração potencial média, 1962 a Set. 1968)
Dinis, A. Castanheira e Aguiar, F. Q. de Barros (1966) – Geomorfologia, Solos e Ruralismo da Região Central Angolana. Instituto
de Investigação Agronómica de Angola, Nova Lisboa
58
101
Devido ao regime das chuvas e à tendência
que estes solos têm para a laterização e degradação, eles são muito sensíveis à degradação
impondo, do ponto de vista da sustentabilidade da actividade agrícola, que as técnicas
culturais sejam adequadamente conduzidas
e que haja um esforço de ordenamento
da utilização do solo, sem o que o potencial
agrícola destes solos se tornará muito baixo
ou insignificante.
Referem-se ainda os solos hidromórficos,
que se localizam em estreitas faixas nos vales.
Embora com uma representatividade fraca
em termos de área, são normalmente solos
ricos em matéria orgânica e revelam-se quase
todos aproveitados para as culturas hortícolas
de sequeiro (onhacas).
Síntese Fitogeográfica
Tão vasta e complexa área do planalto
central angolano comporta vários subtipos
que não se encontram perfeitamente caracterizados, nem do ponto de vista da sua biodiversidade nem, mormente para as zonas
de matas naturais, quantificadas quanto
ao seu potencial produtor de biomassa
nem da sua resiliência às pressões a que
vêm sendo sujeitas para abastecimento
de lenhas e carvões.
Muitas vezes e em certas classificações,
este tipo de mata aparece sob a designação
genérica de “mata de panda” que é constituída de uma forma genérica pela comunidade
de (Berlinia) Julbernardia – Brachystegia –
Monotes – Combretum, ou simplesmente,
(Berlinia) – Brachystegia – Combretum.
Em termos latos a formação florística dominante denominada por “Miombo” engloba
59
três espécies fundamentais: Julbernardia paniculata, Brachystegia spiciformis e muitas vezes
a B. floribunda, com ou sem outras espécies
de Brachystegia. Em comparação com
a subunidade oriental do Miombo do domínio
zambezíaco (oriental e ocidental) a presença da Julbernardia paniculata parece revelar
maior rusticidade para solos pobres secos
ou mal drenados em relação à dominante
habitual, a Brachystegia speciformis. Quando
as Julbernardias substituem as Brachystegias
é, normalmente sinal, de que as condições
ambientais, de modo geral, se tornam mais
difíceis (Grandvaux Barbosa, 1970)59.
De acordo com a carta Fitogeográfica de Angola este tipo genérico de classificação inclui
vários tipos de vegetação. Destes referimos
os que nos pareceram serem as tipologias
dominantes no Município da Ecunha:
Miombo anão de 2 a 5 m de altura das regiões de maior altitude (Fig. 4.3).
São dominantes, ora a Brachystegia spiciformis
ora a B. floribunda. A Julbernardia paniculata
acompanha-as e em certos casos mais especiais de meio, só esta última, subsiste. Este
parece-nos ser a situação da cobertura das
encostas típicas das serranias que cinturam
as terras da comuna do Chipeio.
Nas zonas mais protegidas e menos
pressionadas pelos carvoeiros observámos
a presença da Anisophyllea gossweileri (loengo), do maboque da aculacula, da lombula.
Estas três últimas espécies produzem frutos
comestíveis que são comercializados (Fig. 4.4)
e parecem beneficiar de uma certa protecção
no ciclo de abate para a cultura, o que já não
é comum nos abates rasos das operações de
carbonização.
Grandvaux Barbosa, L. A- 1970 – Carta Fitogeográfica de Angola. Instituto de Investigação Científica de Angola, Luanda
102
Fig. 4.3 – Fisionomia típica da vegetação. Esta é uma parcela
intocada de um cemitério não usado há muito tempo (informação da população local). Veja-se o contraste com a vegetação
típica do lado esquerdo.
Savanas das áreas desarborizadas
Numa área significativa da Comuna da Ecunha, onde as formações lenhosas sofreram
uma regressão bastante acentuada, as espécies dominantes são as Gramineae da tribo
das Andropogoneae, em especial da Hyparrhenia spp. e Andropogon spp., altas cespitosas,
rizomatosas, vivazes, com elevado grau de
resistência às queimadas e verdes na estação
chuvosa. Os órgãos vegetativos são bastante
rijos, por apresentarem tecidos esclerenquimatosos muito desenvolvidos e revelarem
forte impregnação de sílica. Após a queimada
rebentam novos colmos dos rizomas vivazes.
O desenvolvimento desta formação aumento
à medida que o estrato arbóreo vai rareando.
A falta de palatabilidade destas espécies
para o gado e a necessidade dos agricultores
encontrarem matéria verde para o mesmo na
época seca será talvez um incentivo a atearem
fogos.
Fig. 4.4 – Venda de loengo junto de uma aldeia na estrada
Ecunha-Quipeio
Formações das baixas mal drenadas
Ocorrem, embora em áreas restritas não
sujeitas actualmente a drenagem apresentem
formações hidrófilas mal drenadas dominadas
por gramíneas altas, vivazes e cespitosas,
sujeitas a queimada e nas zonas quase permanentemente encharcadas vegetação de ciperáceas. Estas áreas, depois de drenadas, vêm
sendo hoje intensivamente utilizadas para
a produção intensiva de hortícolas (Onakas).
103
Comunidades herbáceas dos altiplanos
(“anharas do alto”)
Em correspondência com os topos planálticos
da região do Chipeio, em geral acima dos
1750 m de altitude, este tipo de comunidade
herbácea é dominado por Loudetia simplex.
Quanto ao estrato rizomatoso, bastante
desenvolvido assinala-se o domínio
da Brachystegia russeliae e Cryptosepalum
curtisiorum (ongote na terminologia local).
Todos os rios mencionados tem numerosos
afluentes, quase todos com caudal permanente. Graças à quantidade relativamente elevada
de precipitação na época das chuvas e a sua
distribuição por um período de cerca de 9
meses, o potencial hidrográfico da província
é bastante grande.
Bacias hidrográficas
Têm origem na Província do Huambo alguns
cursos de água relativamente importantes
Fig. 4.5). Aqui nascem o Queve, o Cunene,
o Cutato e o Cubango, os quais partindo
de uma linha de alturas tomam naturalmente
direcções diferentes.
O Queve, com uma extensão de cerca
de 500 km, toma a direcção Noroeste,
e a sua bacia hidrográfica, a mais importante
do distrito, apresenta uma extensão total de
cerca de 23.000 km2, dos quais 12.000 km2
pertencem ao distrito; o Cunene dirige-se
para sudoeste com um curso da ordem
dos 1.160 km e da sua bacia hidrográfica
de 94.000 km2 8600 km2 se situam no distrito;
o Cutato (afluente do Cunene) e o Cubango
que se seguem em ordem de importância
dirigem-se respectivamente para Nordeste
e para o Sul.
O Cuvira, afluente de Queve, é outro rio relativamente importante da Província sendo a sua
bacia hidrográfica a única que drena águas
a oeste da “cadeia marginal de montanhas”.
1 – Bacias do Noroeste Angolano
6 – Bacias do Sudoeste Angolano
2 – Bacia do Zaire
7 – Bacia do Cunene
3 – Bacias do Centro-Oeste Angolano
8 – Bacia do Cuanhama
4 – Bacia do Cuanza
9 – Bacia do Cubango
5 - Bacia do Zambeze
10 – Bacia do Cuando
Fig. 4.5 – Bacias hidrográficas de Angola (ad. de Diniz, 1991,
ob. cit.)
104
Sem que no âmbito do objectivo deste relatório faça sentido aprofundar o potencial hidroagrícola ou energético, interessa-nos assinalar
dois pontos: i) a orografia bastante ondulada
e o facto de cerca de 1/3 dos solos da Província serem constituídos por solos ferralíticos
tornam-nos particularmente sensíveis
aos fenómenos de erosão hídrica e eólica;
ii) a cobertura arbórea revela-se essencial,
por um lado para possibilitar a alimentação
dos aquíferos e, por outro, por ser um elemento essencial para impedir o arraste dos
solos e reduzir os caudais dos picos de cheia.
Em suma, e independentemente dos benefícios directos das formações lenhosas das encostas que caracterizam a orografia da comuna do Quipeio, a importância das mesmas do
ponto de vista dos serviços de protecção
e de regularização dos caudais não pode
deixar de ser assinalada, bem como o facto
de estas funções não são compatíveis com
a actual forma de exploração.
Demografia, quadro sociológico geral
e ocupação do território
Dadas as relações muito fortes entre a densidade populacional e a extracção e degradação
dos recursos naturais não obtivemos valores
desagregados sobre a demografia do Município. A informação obtida, e que não pudemos
comprovar, situava a população total nos
73.858 habitantes o que representaria uma
densidade de 41,6 hab.km-2.
Não obstante haver cada vez mais uma maior
e progressiva interpenetração das diferentes
etnias que povoam o território Angolano
e as convulsões da Guerra que impuseram
uma significativa movimentação da população
e da política de assentamento do pós Guerra,
pode dizer-se que na sua grande maioria as
populações que ocupam esta região objecto
de intervenção pelo projecto pertencem
na sua grande maioria ao povo Umbundu:
grande parte da comuna da Ecunha e uma
pequena franja da comuna do Quipeio com
o subgrupo Vauambu e a restante área com
predomínio dos Vambalundu.
Embora não cabendo aos objectivos do projecto a história da ocupação, não obstante ser
um elemento com significado sobre a forma
como as populações usam o território e algumas das práticas e costumes que regulamentam o acesso e uso dos recursos florestais,
e as suas relações com as árvores, referiremos
de forma breve alguns elementos que poderão ter significado para as iniciativas de intervenção e a percepção da facilidade ou dificuldade de implementação de algumas medidas.
Inicialmente nesta zona os agregados populacionais eram relativamente grandes mas
pouco numerosos e dispersos. A ocupação
territorial foi aumentando quer à custa do
acréscimo populacional, quer da entrada de
novas famílias de outras regiões atraídas pela
existência de áreas livres, florestadas, e de recursos alimentares que: caça, mel e tortulhos.
Em tempos mais recentes, graças à intensa
ocupação do solo, agravada pelo surto das
demarcações e pelo esgotamento do solos
predominantes e pobres bem como a incapacidade de incorporação de novos pacotes
tecnológicos que permitissem à população
a sua integração na economia de mercado
sem destruição dos recursos naturais, assistiu-
105
se em algumas regiões a um novo movimento
das populações das zonas Sul e Norte para
as regiões mais limítrofes à procura de solos
ainda livres e, eventualmente, mais férteis para
a agricultura.
A maior densidade da população localiza-se
a norte de uma linha que atravessando
a província no sentido sudeste – nordeste,
passa a cerca de 20-30 km da cidade do
Huambo. A menor ocupação a sul daquela
linha deve-se à maior pobreza e depauperamento dos solos para a agricultura (talvez
a área potencialmente mais favorável para
as grandes iniciativas de florestação com
exóticas). Esta área de ocupação de solo mais
esparso de ondulação mais suave, apresenta
uma dispersão mais acentuada dos aldeamentos para o que deve ter contribuído a ocorrência de anharas, sobretudo a leste. Embora
se trate de uma observação forçosamente
breve ficou-nos a impressão que a ocupação
e transformação intensiva daquelas áreas,
quase todas elas ocupadas por “onhacas”,
de posse individual e pelo desaparecimento
das grandes demarcações está a provocar
uma maior ocupação das aldeias. São áreas
onde as antigas matas de “miombo” primitivo
desapareceram, as árvores limitam-se a uma
ou outra mangueira dispersa e vestígios de
um ou outro tufo de Eucalyptus spp. bastante
degradados.
As regiões a oeste e noroeste da Província,
que englobam grande parte da região centro
e norte do Município da Ecunha, sob influência da “cadeia marginal” de montanhas, que
são muito povoadas graças à presença
de boas manchas de solos de génese mais
recentes e produtivos. Na região norte
da Comuna do Quipeio aparecem grandes
espaços sem ocupação correspondentes aos
terrenos mais acidentados e com uma ocupação de “miombo” menos degradada se bem
que comece a ser objecto de grande actividade dos carvoeiros.
Os agregados populacionais são constituídos
por empresas familiares de número variável
que não pudemos precisar com informação
estatística fidedigna. Nas viagens de terreno
e aldeias inquiridas, o número de famílias
(empresas) por aldeia oscilou entre as 40
e as 120. A média de filhos por família situavam-se nos 5, se bem que ocorressem oscilações entre os 4 e os 8 e em casos mais esporádicos foi-nos mencionado 10 filhos. Estes
casos são, no entanto, esporádicos A população masculina era ligeiramente dominante.
Nas regiões percorridas, e de acordo com
as informações colhidas, a unidade base
é a família e as estruturas têm ainda um elo
de ligação forte numa base familiar, de característica matriarcal, considerada esta ainda
num sentido lato em que cabe nesta designação os descendentes directos e colaterais.
Ao conjunto dos familiares dão o nome de
“epata”. Na unidade familiar, que é a unidade
produtiva base, o marido é o chefe estando
a seu cargo a educação dos filhos. Foi-nos
mencionado que há indivíduos que têm
mais do que uma mulher, desde que tenham
meios para a sustentar sem que isso constitua
reprovação da aldeia. Estes agregados base
agrupam-se nas aldeias se bem que tenham
os seus campos de cultivo, de uso individual,
dispersos no território da linha ciânica.
106
Em termos sociais a autoridade tradicional
é exercida pelos sobas (“esone”), estrutura
esta que se encontra a ser reabilitada nestes
últimos anos. Em termos administrativos
e ao nível das comunas, a autoridade é exercida pelas autoridades nomeadas pelo Governo
Provincial. Toda a estrutura social tradicional
do sobado encontra-se hoje praticamente
desfeita porque de modo geral os sobas são
designados pelas autoridades administrativas
o que faz com que estes, em muitos casos,
estejam longe de ser os líderes reais
da comunidade.
De toda a organização tradicional que tinha
autoridade e regulava formas de acesso e uso
às áreas ditas comuns hoje praticamente nada
resta. O “jango” que existiu no seio do “elosongu” ou “epata”, como forma preliminar
de associação do tipo cooperativo e que
poderia ser um elemento dinamizador da
criação de matas associativas ou comunitários,
ou de iniciativas visando a promoção sócioeconómica das aldeias não tem hoje, tanto
quanto nos apercebemos, expressão com
significado.
Tipo de agricultura e trabalho familiar
O cultivo da terra entre as populações que
habitam o Município está ao nível da família.
A repartição do trabalho das actividades
agrícolas ao nível da família está feita entre
as mulheres que têm a seu cargo a tradicional
finalidade de suprir as necessidades de autoabastecimento da família, e da recolha
de lenha para a cozinha, e outra, a cargo
do homem daquelas actividades destinadas ao
mercado com o fim de obtenção de numerá-
rio indispensável à aquisição de bens
(vestuário, implementos agrícolas, bicicleta
ou motorizada, etc.). A adaptação do homem
à actividade agrícola foi satisfatória se considerarmos o longo interregno da Guerra
e a paralisação das actividade de extensão
rural na disseminação de novas tecnologias,
novos implementos e novas sementes.
O agricultor denota grande habilidade para
o aproveitamento das posições catenárias
dos terrenos (onaka, os mais baixos, ombanda,
nas zonas intermédias, ongongu, os mais altos)
tirando deles bom partido. Assim, nos terrenos
de baixa e húmidos, cultivam variadíssimas
culturas alimentares (milho, feijão, abóbora
e batata, etc.) de que se alimentam
e abastecem os mercados urbanos, até que
as produções das terras altas estejam aptas
a serem consumidas.
Os kimbos da comuna do Quipeio têm razoável domínio da captação de água das zonas
altas e dos contrafortes da montanha e experiência da sua utilização na cultura regada da
batata e cebola que canalizam para os mercados urbanos da Caála e Huambo.
As lavras das terras altas são cultivadas durante
vários anos até ao esgotamento da terra, que
é depois deixada em pousio até à recuperação
do seu fundo de fertilidade, após o que se
inicia novamente o ciclo.
Como a lavra tem um potencial de produtividade decrescente, desde a desbrava até ao
abandono, é no aproveitamento dos diferentes estádios de produtividade do solo que reside a estratégia de exploração e sobrevivência
do agricultor, distribuindo as diferentes culturas de acordo com a fertilidade existente.
107
Assim, quando a lavra se segue à derruba
da mata – nos dois primeiros anos – tendo
ainda cinzas e detritos vegetais em decomposição são cultivados feijão, milho, abóbora,
“nakambiamba” (Citrullus vulgaris), inhame
(Discorea, sp.), “olonamba” (Coleus daze),
“luco” (Eleusine coracana), gergelim, entre
outras.
No período seguinte apenas cultivam milho
e mandioca, de que aliás vimos pouca representação.
Por fim quando o solo já está esgotado, terminam com duas culturas cujas exigências são
moderadas: a ginguba (amendoim) e a batata
doce.
Também se encontra o seguinte tipo de rotação de culturas:
1º ano – milho ou milho e feijão
2º ano – milho
3º ano – feijão ou milho
4º ano – milho
5º ano – mandioca ou batata doce
O agricultor leva, pois, a efeito uma sequência
racional de culturas para aproveitamento
dos diversos níveis de fertilidade do solo
susceptíveis de garantir o abastecimento
do agregado familiar e a comercialização
de géneros que lhe permite ir-se integrando
na economia monetária. Este sistema hoje
enfrenta entraves de monta na medida em
que depende essencialmente da disponibilidade de terras livres para desbravar, que cada
vez são mais reduzidas. Este sistema, embora
com fundamentação racional é hoje insustentável e, embora ainda praticado,
em zonas onde o coberto arbóreo é ainda
existente é um dos principais factores
da desflorestação em quase toda a área sul
do Município (Comuna da Ecunha) e um
dos factores que a par da actividade de produção de carvão está a destruir as áreas remanescentes na Comuna do Quipeio.
Os calendários agrícolas que é necessário
conhecer para acomodar as actividades de
fomento florestal com as disponibilidades
de mão-de-obra dos agricultores, são explicitados no quadro 3.1.
Quadro 3.1 – Calendários agrícolas normais no Município
Culturas
Épocas de sementeira
Épocas e colheita
Milho
Princípio das chuvas
Junho - Agosto
Feijão
“
Fevereiro – Março
Mandioca
Dezembro – Janeiro
Dez. – Janeiro (2º ano)
Batata doce
Março – Abril
Março – Setembro
Gergelim
Princípio das chuvas
Maio – Junho
“Ovielu” (Voandzea
Princípio das chuvas
Abril – Maio
Amendoim
Dezembro – Janeiro
Maio – Agosto
Inhame
Setembro – Outubro
Abril – Agosto
“Olonamba”
Setembro – Outubro
Abril – Agosto
Setembro – Outubro
Maio - Junho
Dezembro
Abril - Maio
(do ano seguinte)
subterrânea)
(Coleus dazo)
“Ovinguanda”
(Discorea sp)
“Oluku” (Eleuzine
coracana)
Os terrenos tomam nomes diferentes consoante a posição relativa que ocupam na catena
e que partindo das baixas para o alto, são:
Onaka ou muitas vezes naka, Ombanda
e Ongongu. Além destas lavras encontram-se
outras um pouco por todo o lado, principalmente nos kimbos consolidados e que não
sofreram grandes mudanças com reinstalações
de populações os “jardins de casa ou quintais”
108
(Otchumbu). Nestes últimas produz-se milho,
feijão, abóbora, árvores de fruto, gindungo
e por vezes cafeeiros principalmente na zona
do Quipeio. Nos kimbos antigos nas encostas
e nos altos do Quipeio via-se também o trigo,
agora em fase de estar a ser reavivado.
Por que a disponibilidade de água e a frescura
do solo são favoráveis a um ciclo cultural mais
longo, o calendário das operações culturais
nas onakas processa-se mais cedo, de acordo
com o esquema que se transcreve no quadro
3.2. Deve dizer-se, no entanto, que nas proximidades dos aglomerados urbanos as onakas
apresentam hoje uma assinalável intensidade cultural, com solos ocupados por cultura
hortícola variada para consumo familiar mas
principalmente para os mercados urbanos.
Quadro 3.2 – Calendários culturais nas onakas
Produtos
Sementeira
Colheita
Milho
Julho
Janeiro
Feijão
Julho
Out-Novembro
Cebola
Julho
Dezembro
As grandes alterações verificadas, quer
na movimentação das populações quer
na adaptação a novas exigências de inclusão
no mercado, e da pressão sobre a terra, têm
alterado progressivamente a repartição familiar do trabalho agrícola que se vem tornando
menos diferenciada, excepto para os trabalhos
mais pesados que são tarefa dos homens.
A estes cabe ainda a principal tarefa de lavrar
a terra feita hoje em grande extensão com
recurso a gado bovino de tracção e já em
alguns casos com recurso à tracção mecânica
com recurso ao aluguer feito à Coopecunha.
A forte diminuição de terras disponíveis
e a natural pobreza de muitos dos solos
do planalto tem sido impulsionadora de
algumas mudanças na tecnologia agrícola
de que as mais significativas são o uso crescente dos adubos, a generalização da tracção
animal e do tractor e mais recentemente o aumento do gado bovino capaz de tirar partido
dos pousios, principalmente na grande zona a
sul da sede do município com solos claramente menos férteis, com grandes extensões onde
a representação arbórea praticamente desapareceu e com erosão mais acentuada.
As incertezas resultantes do ordenamento
do solo, da propriedade e da intensificação
da agricultura representam uma ameaça
acrescida à manutenção das áreas ainda arborizadas se a estrutura institucional dos serviços
florestais e de agricultura não forem reforçadas e estruturadas de modo a poderem actuar
em conjugação, e se a reforma institucional
do IDF e de uma iniciativa politica respeitante
à descentralização da gestão florestal não
se efectivar.
Posse da terra
Também se verificou uma forte evolução
no regime de posse e nas leis de distribuição
e de transmissão das terras. Primitivamente,
as terras eram propriedade do soba, que nessa
qualidade tinha a denominação de Muele Feka
(dono das terras). O soba distribuía as terras
entre os “olosongu” dos “quimbos” do sobado
de acordo com as suas necessidades e depois
de aconselhado pelo “Epalanga” ou pelo “Kesongo”. Nos kimbos eram os respectivos chefes que distribuíam as terras pelos diferentes
109
famílias tendo a obrigação de dar disso conhecimento ao soba. Qualquer habitante desde
que fosse do mesmo grupo clânico, podia ser
autorizado a constituir casa e a cultivar terra.
A área de cultivo dizia unicamente respeito ao
usufruto do terreno que, na realidade continuava a ser propriedade da comunidade. As áreas florestadas eram conservadas na posse das
comunidades como reserva de terras, como
refúgio para a caça e produtos não lenhosos
como cogumelos, frutos e plantas medicinais.
A transmissão dos bens, incluindo o direito ao
uso das terras era feito a favor dos irmãos que
ficavam com a responsabilidade de criar os
sobrinhos.
para os filhos, ou no caso destes serem ainda
muito novos, para a família do falecido marido
que assume o compromisso de os conservar
até à maioridade daqueles. Raramente o homem é herdeiro da mulher, passando os bens
desta para a posse dos filhos ou aos pais dela.
A mulher na idade de casar começava a cultivar, ainda na casa dos pais, uma pequena
parcela de terreno, cuja produção se destinava
à manutenção do casal nos primeiros tempos.
Entretanto iniciava o cultivo de lavras
nas terras do marido. Logo que enviuvasse
perdia o direito de cultivar nas parcelas que
vinha explorando, voltando para a aldeia
materna. O evoluir da sociedade e a gradativa
inclusão das populações na economia de mercado, simultaneamente com maiores pressões
sobre a terra, foi alterando progressivamente
não só o sistema de usufruto da terra
e o sentido de posse comunitária mas também as regras de transmissão da mesma.
Na verdade a transmissão de grande parte
dos terrenos passou a poder ser feita ainda
em vida dos progenitores quando os filhos,
ao casarem, estabeleciam as suas própria
lavras, reservando o pai para si, e até à sua
morte o “otchumbu” (lavra de quintal).
Em relação à viúva, mantém-se, no entanto,
o mesmo princípio tradicional: se volta
a casar, os bens passam directamente
As regras comunitárias e a existência de um
guardião da terra e das regras de uso foram
sendo progressivamente ultrapassadas quer
pelo impacto de uma estrutura e concepção
jurídica distinta sobre a posse da terra onde
o princípio individualista e a sacralização
da posse individual se opunha à visão
comunitarista do uso da terra dos primitivos
ocupantes. O longo período de Guerra, pré
e pós independência, tendo provocado grandes deslocações de populações e a afectação
da terra na propriedade originária do Estado
após independência, ajudaram a criar por
um lado vazios legais que não favoreceram
a adopção de tecnologias produtivas mais
modernas e, por outro, a perda de direitos
consuetudinários por parte das populações
e transferências de direitos de posse para
uma classe de terra tenentes, não vinculados
à terra.
Existem, e são reconhecidos pela lei as seguintes modalidades de transmissão de terras:
i) transmissão por morte; ii) doação; iii) venda.
Com a pressão demográfica e a escassez
de terras livres, já surgiam como métodos
de acesso à exploração de terras agrícolas,
o empréstimo, o aluguer e a parceria.
110
A ausência real da autoridade do Estado
na gestão dos recursos naturais favoreceu
a criação de um sistema de acesso livre com
todas as suas consequências quanto à sua
conservação. Criou-se uma situação típica
evidente em todo o Município da Ecunha
tipificada por Hardin (1968)60 como a “tragedy of the commons”. Estes são recursos para
os quais as instituições de gestão - sejam elas
de raiz comunitária (que deixaram de ser
operacionais por efeitos da Guerra e por que
o Estado se arrogou a posse de toda a terra),
- sejam elas do sector público - não existem
efectivamente actuando no terreno. A tragédia ocorre quando a oferta (o crescimento
do material lenhoso) é mais pequena do que
a quantidade que está a ser removida, como
é o caso evidente em todo o Município
da Ecunha. Enquanto a cobertura arbórea
se mantiver em determinados locais, a sua
utilização, por falta de estruturas adequadas,
far-se-á de acordo com um sistema típico
de acesso livre. A exploração actual, sem taxas
de corte que proporcionassem alguma forma
de contenção, tipifica, de forma evidente,
as situações de acesso livre. A actual forma
de acesso aos recursos se bem que com
benefícios de curto prazo a um grupo restrito
de carvoeiros ou agricultores/carvoeiros, não
é sustentável e a desflorestação será intensa
como se evidencia já na comuna de Ecunha.
A atitude típica das populações é a de “uma
pessoa tem de ser totalmente louca para
não se servir como puder da propriedade
do estado”.
Em termos de atitude perante os recursos
já Repetto61 (1986) dá nota que “Os aldeões
que abatem árvores de forma desregrada
para lenha ou pasto em matas governamentais comportam-se de forma zelosa e protectora das parcelas que são sua propriedade,
da comunidade – se a organização comunitária for suficientemente forte – ou da sua
aldeia.
Quadro 3.3 – Regimes de direitos de propriedade dos recursos
florestais
Acesso livre
Livre para todos; os direitos de uso dos recursos
(res nullius)
lenhosos não são nem exclusivos nem transferíveis;
estes recursos são possuídos em comum mas são
de acesso livre a qualquer um (por isso a propriedade
não é de ninguém.
Propriedade
A posse e o controlo de gestão pertence ao Estado;
do Estado
os recursos púbicos para os quais os direitos de uso
(res publica)
e direitos de acesso não estão especificados. (no caso
específico da lei Angolana, as populações têm direito
à recolha de lenha e árvores secas).
Propriedade
Os direitos de uso sobre os recursos são controlados
comum
por um grupo identificável e não são privadamente
(res communes)
possuídos ou geridos pelo Estado; existem regras concernentes quanto a quem pode usar os recursos, quem
é excluído ao seu acesso e as regras como os mesmos
podem ser usados; sistemas de gestão comunitária;
sistemas de propriedade comum
A lei de Terras (Lei nº 21-C/92 de 28
de Agosto) foi uma tentativa de ordenar
um problema complexo mas essencial para
o ordenamento de território e para o desenvolvimento da economia.
Em termos gerais os tipos de regimes de direitos de propriedade, relevantes para a organização territorial no que concerne os recursos
florestais, podem descrever-se de acordo com
o quadro 5.4.
60
61
Hardin, G. (1968) – The tragedy of the commons, Science, 162: 1243-8
Reppeto, R. (1986) – World Enough and Time, World Resources Institute/Yale University Press. New Haven.
111
Não obstante essa tentativa, o Governo
de Angola reconheceu que aquela lei não
abordava de forma integrada e multidisciplinar a problemática do uso e posse da terra
(“Não se cuidou dos fins económicos, sociais
e urbanísticos e em geral da imbricação entre
a problemática fundiária e o ordenamento
do território”). A nova Lei de Terras (Lei nº
9/04 de 9 de Novembro) veio consignar
um elemento importante em relação aos
agricultores que é o de que o “Estado respeita
e protege os direitos fundiários de que sejam
titulares as comunidades rurais, incluindo
aqueles que se fundam nos usos ou no
costume” (art.º 9º).
Apesar do claro avanço da lei na clarificação
da relação jurídica da posse da terra, a lei não
abordou com realismo o problema da posse
dos recursos naturais e da sua relação com
a posse da terra. Na verdade o art.º 10 da lei
vem afirmar no seu nº 1 que “Os recursos naturais são propriedade do Estado, integrandose no domínio público”. Esqueceu-se aqui,
ao se querer garantir o direito e dever dos
governos quanto à sustentabilidade dos recursos naturais, a salvaguarda de um conjunto
de funções múltiplas dos sistemas de propriedade comum nomeadamente as que se
referem às identificadas no diagrama junto:
Fig. 4.6 - Funções Múltiplas dos Sistemas de Propriedade
Os inquéritos de terreno pareceram evidenciar
que ao nível das aldeias não existe praticamente nenhuma mancha florestal considerada
livre nem a população tinha percepção sobre
as cinco funções referidas. De toda a zona percorrida só a aldeia de Buindo declarou haver
um monte arborizado de dimensão relativamente pequena de regime livre.
Um aldeão perguntado sobre o uso desta
área foi peremptório em afirmar que o uso
se processava da seguinte forma: “servia-se
o primeiro que chegasse sem reservas de
quantidade e de forma de uso”.
Nas restantes aldeias percorridas todos
os montes circundantes tinham aparentemente dono, facto que não obstava a continuação
da degradação porque os donos não pareciam
ser da linha clânica dos primitivos detentores
dos direitos e porque a afirmação legal
de posse dos recursos serem do Estado,
sem relação com o detentor do direito,
cria uma relação ambígua, nomeadamente
quando se trata de efectuar investimentos
num recurso sobre que se tem dúvida quem
é o beneficiário.
112
Acentua-se que embora teoricamente, a propriedade privada seja mais facilmente gerível
à perpetuidade, não se verifica uma condição
essencial que é o da existência de direitos de
uso bem definidos, exclusividade e transmissibilidade dos mesmos.
Na verdade vários estudos realizados em
África sobre o problema da posse da terra
tornaram clara a ligação entre os direitos
de posse da terra e as oportunidades dos
investimentos sustentados na agricultura
e na floresta, na segurança e na paz.
(Quan &Toulmin62, 2004; Toulmin63, 2005)
No caso concreto da Ecunha os habitantes
das aldeias têm acesso livre, indiferenciadamente das áreas do Estado ou de particulares,
para recolha de lenha de árvores mortes
e secas e em muitos casos, independentemente de alguns carvoeiros terem dito que
pagaram uma quantia de dinheiro para abate
da mata para fabrico de carvão outros disseram que não tinham pago nada nem pediram
autorização de abate.
Fig 4.7 – Uma perspectiva da variedade de formas segundo as quais se processa a gestão dos recursos
Quan, J. & Toulmin, C. (2004) – Formalising and Securing Land Rights in Africa. Overview Paper prepared for the Land in Africa:
Market Asset or Secure Livelihood workshop organised by DFID/IIED/NRI on November 8-9, 2004, Church House, London
63
Toulmin, C. (2005) – Securing land and property rights in Africa: the role of local institutions, in: T. Bigg & D. Satterthwaite
(eds), How to make Poverty History; The Central Role of Local organisations in Meeting the MDGs, IIED, London
62
113
Quer isto dizer que ficou claro que embora
existam áreas florestadas para as quais há um
direito de posse legal (?) ou consuetudinário,
a manutenção de condições de acesso aberto
e a inexistência ou disfunção institucional
e incapacidade de afectação de direitos
e obrigações (Fig. 4.6), tornam inviável
a sua manutenção e sustentabilidade como
nos pareceu, das conversas com as aldeias
e visitas de campo, ser a situação em todo
o Município da Ecunha.
Os recursos florestais
A área do Município caracterizada pela floresta aberta designada por miombo é predominantemente baixa (Fig. 4.8 A e B). Os recursos
lenhosos desta floresta natural característica
do Município são naturalmente bastante
pobres do ponto de vista produtivo. Nela
não se encontram presentes espécies madeireiras com significado industrial. Não obstante
essa pobreza que diríamos, não constituía um
incentivo à actividade madeireira, normalmente apontada como principal causa da degradação da floresta natural, o facto é que nesta
zona a pressão demográfica e uma melhor
produtividade do solo em comparação com
outras áreas da Província têm provocado uma
retracção significativa, ainda em curso da área
coberta.
Sem que tivesse sido possível fazer-se uma
análise diacrónica do que tem sido a alteração
da retracção da área florestada pela agricultura nos últimos 30 anos pode afirmar-se, embora sem quantificação por falta de estudos
de base nesta matéria, que a ocupação
da terra tem vindo a alterar sistematicamente
o aspecto fisionómico inicial já de si pobre.
As conversas informais com os agricultores
e a observação local confirmam que os factores determinantes dessa alteração da paisagem florestal são fundamentalmente a expansão da fronteira agrícola e a intensidade da
remoção de lenhas, principalmente do carvão,
destinado ao Huambo e fundamentalmente
a Luanda e Lobito. Estes factores têm vindo
a alterar uma grande parte da formação
primitiva para dar lugar a comunidades típicas
de savana aberta com arbustos, em que o estrato herbáceo é dominado pelas hiparrénias
e Andropogon spp. de baixo valor nutritivo
para o gado na época do cacimbo.
Fig. 4.8 A– Aspecto geral de floresta natural no Município
da Ecunha (note-se os sinais da pressão intensa sobre
os recursos e a fragmentação da cobertura (comuna
do Quipeio)
114
Não obstante este facto a importância do
coberto florestal natural deve ser enfatizada
pelo contributo que presta ao abastecimento
energético doméstico e, sem dúvida, pelo
seu papel na conservação e regularização
dos recursos hídricos sem os quais a agricultura e regadio e a produção de batata e cebola,
que constitui a principal fonte de rendimento
dos agricultores da comuna do Quipeio,
se verá fortemente ameaçada.
Em relação à floresta exótica e não obstante
o potencial para a produção de lenhas
e madeiras de espécies florestais lenhosas
dos géneros Eucalyptus sp., Pinus sp., Casuarina equisetifolium e Cupressus, entre outras,
bem representadas no município, a extensão
dos povoamentos não tem significado.
Assinalam-se dois pequenos povoamentos
de algumas dezenas de hectares, um nos
terrenos circundantes do antigo seminário
Católico e outro pertencente à Missão Católica, ambos na margem da estrada Ecunha
– Quipeio. Qualquer um destes povoamentos
com Eucalyptus saligna, E. camaldulensis,
E. robusta, E. maideni, E. citriodora e E. maculata encontram-se com evidentes sinais de
degradação: cortes oportunistas e casuístas,
cortes altos desvitalizadores das toiças, grandes clareiras sem regeneração e com fortes invasões de arbustos, e hiparrénias que ajudam
a alimentar os efeitos e susceptibilidade dos
talhões aos fogos sazonais frequentes.
Fig. 4.8 B – Aspecto geral de floresta natural no Município
de Ecunha já bastante degrada mesmo em zonas bastante
declivosas (na estrada para Buindo)
Condicionamentos ao desenvolvimento
dos sistemas agrários
Quem percorre este grande município colhe
a convicção, à falta de estatísticas com um
mínimo de desagregação regional, que mais
de 90% da população vive nas áreas rurais,
distribuição que não obstante o rápido surto
de desenvolvimento que se sente - continuará
por muitos anos.
Dado que este número de população permanecerá no campo, e que retira dele o seu
principal sustento, o aumento da produtividade da agricultura é essencial para qualquer
redução significativa do seu limiar de pobreza.
A insegurança alimentar, uma das principais
medidas da pobreza, é um dos problemas
mais prementes que as populações enfrentam.
115
Veja-se que enquanto a capitação das disponibilidade alimentar no resto do mundo tem
aumentado significativamente nos últimos
45 anos, a situação em África, e Angola não
tem sido imune a essa tendência negativa,
e só melhorou de uma forma marginal. Por
exemplo, o rendimento em cereais mantémse na sua generalidade abaixo de 1000 kg.ha-1
e ao longo dos últimos 33 anos, o rendimento
médio só subiu uns modestos 5,2 kg.ha-1
(FAOSTAT, 2005). Estes valores contrastam
com rendimentos culturais várias vezes superiores em empresas bem geridas e vulgarmente dez vezes mais nas estações experimentais
cuja informação não se repercute ao nível do
agricultor. Tal como na generalidade da África,
os potenciais biogénicos do solo são pobres
e no conjunto do continente só 11% do solo,
através de vários países, apresenta elevado
potencial e capacidade de uso sustentável.
No que concerne ao Município e do ponto
de vista agronómico, os constrangimentos
resultantes decorrem, em grande parte, dos
solos apresentarem de modo geral uma reserva mineral fraca ou quase inexistente, serem
relativamente pobres em matéria orgânica,
argilosos (materiais cauliníticos e sexquióxidos
de ferro) ou argilo-arenosos nos horizontes
subsuperficiais e de textura um pouco mais
grosseira, franco-argilo-arenosa ou mesmo
franco arenosa nos horizontes superficiais
que só possibilitam uma agricultura extensiva.
Exceptuam-se desta situação genérica um
conjunto restrito de solos paraferralíticos
mais jovens e com maior capacidade biogénica se bem que pela sua situação em zonas
mais onduladas requerem cuidados de protecção antierosiva.
Do ponto de vista das potencialidades agrícolas e tendo em consideração os parâmetros
climáticos e potenciais biogénicos dos solos,
Castanheiro Diniz (ob. cit.) refere: “face
a estes condicionalismos, que se traduzem
numa baixa capacidade produtiva, o recurso às fertilizações impor-se-á como uma
técnica obrigatória e de uso corrente.”
Salienta-se todavia a baixa capacidade
de troca catiónica dos solos ferralíticos
e o grau de saturação igualmente baixo,
factos que obrigatoriamente têm de ser tomados em consideração na escolha das composições de adubos, quantidades e épocas de aplicação para que o valor acrescentado da sua
aplicação seja optimizado. Os conhecimentos
disponíveis sobre estes solos permitem preverse que dos elementos minerais necessários
ao desenvolvimento das plantas, se listem
o fósforo, azoto, enxofre e magnésio, no que
se refere aos macronutrientes e de boro e zinco, no que diz respeito aos micronutrientes.
Embora as culturas florestais sejam nesta
matéria menos exigentes, dado até que os
seus sistemas radiculares mais aprofundantes
têm maior capacidade de exploração do solo,
a experiência passada evidenciou que mesmo
para a cultura do eucalipto ocorrem, em certas zonas e em solos menos profundos e mais
carenciados, alguns problemas de carência
do boro manifestada pelos sintomas característicos de secagem das pontas (die back).
Embora o problema da fertilização seja
apenas um dos muitos factores a considerar
numa agricultura rentável e sustentável,
a experiência e ensaios levados a efeito nestes
solos parecem confirmar que é indispensável
a aplicação continuada de bons quantitativos
de fertilizantes. A economia da sua aplicação
116
na agricultura tradicional tem contudo de ser
cuidadosamente equacionada face às culturas
respectivas (com as suas exigências próprias)
e com os calendários de aplicação que
são essenciais para prevenir a sua lavagem
para horizontes mais profundos do solo não
eficazes ao seu aproveitamento pelas plantas
e aos problemas da sua fixação pelos minerais
do solo, principalmente no que se refere
ao fósforo.
Já nas restantes zonas, com predomínio para
ambos os lados da estrada Caála – Ecunha
dominam as superfícies muito mais aplanadas
e mais antigas que começam a marcar uma
transição gradual para climas mais secos com
grandes extensões em que a cobertura arbórea está representada por uma ou outra árvore
esparsa, uma larga faixa de solos fersialíticos
e com muito mais reduzido potencial agrícola
(Fig. 4.9).
Uma boa parte dos restantes solos do Município, pertencem, igualmente à categoria dos
solos ferralíticos típicos e cujas características
não diferem sensivelmente das apresentadas
para os fracamente ferrálicos. Os restantes
solos distribuem-se por mais de uma trintena
de agrupamentos sem que haja uma dominância absolutamente marcada de qualquer
deles. Uns são claramente mais ricos, paraferralíticos e os derivados de rochas básicas,
sendo outros bastante mais pobres e com
laterite e/ou materiais lateríticos a pequena
profundidade e que se podem ver na estrada
Caála - Ecunha.
Estas zonas, embora de forma mais pronunciada nos solos ferralíticos e fracamente ferrálicos, pode dizer-se que sob um baixo input
de fertilizantes e de tecnologia adequada correm sérios riscos de degradação e, consequentemente de capacidade de resposta ao acréscimo de população. Talvez não seja exagerado
afirmar que nos actuais sistemas agrícolas,
o insuficiente input de fertilizantes, em solos
com baixo a moderado potencial biogénico,
constitui a principal causa da degradação
induzida pelo homem na zona do município
onde a propensão à ravinação é muito acentuada (Fig. 4.10 e 4.11).
No Município da Ecunha destaca-se uma
presença de solos paraferralíticos com significado que ocorrem na Província (cerca de
200 000 ha, Diniz, 1999, ob. cit.) que são no
seu conjunto muito mais ricos, com uma boa
reserva mineral e nítida melhoria de características físicas e químicas. Estes solos estão
em correspondência com zonas de relevo em
movimento e ainda não aplanadas como ocorre e são evidentes na zona norte e ocidental
do município e onde a agricultura se dedica
com maior intensidade à cultura de sequeiro
e regadio de batata e cebola com adequadas
produções.
Em termos de exigência de inputs de fertilizantes é excepção uma área naturalmente
pequena de solos paraferrálicos mais novos
nas zonas de mais forte ondulamento.
Se beneficiam de melhor base biogénica,
a orografia torna-os mais sensíveis à erosão
hídrica e eólica se, como sucede, enfrentam
insuficiência de suporte tecnológico no que
concerne ao terraceamento e cultura segundo
as curvas de nível.
117
Veja-se a formação de ravinas nas zonas
de escorrimento das águas após abate
da mata para a agricultura
Fig. 4.9 – Paisagem típica de toda a zona da comuna da
Ecunha. Repare-se no quase total desaparecimento do coberto
florestal e da desprotecção do solo à erosão eólica e hídrica
Fig. 4.10 – Veja-se a formação de ravinas logo que os solos
ficam desprotegidos da vegetação arbórea e a cultura agrícola
não é feita de acordo com as linhas de nível
No entanto os constrangimentos que a agricultura de Angola e do Município da Ecunha
enfrentam têm também uma forte componente externa em que pesam mudanças económicas, sociais e políticas. As políticas
de ajustamento estrutural implementadas
desde inicio dos anos 90 têm um elevado
peso no ambiente produtivo da agricultura.
Assim, as dificuldades que um número significativo de agricultores enfrentam para ter acesso aos serviços de apoio agrícola por causa do
desinvestimento que o sector tem defrontado,
e pela fraca capacidade do sector privado para
assumir perante o clima de incerteza sobre
o acesso e a posse da terra, tem empurrado
os agricultores para as cidades e para as actividades da economia informal. Do mesmo
modo as dificuldades de acesso aos fertilizantes e o seu elevado custo, em paralelo com
a supressão ou diminuição dos subsídios induz
as comunidades agrícolas a agricultar áreas
marginais e a praticar uma “agricultura mineira”. Este ciclo vicioso que é bem evidente no
município, tem fortes consequências negativas
no ambiente e na conservação dos recursos
florestais nas áreas rurais.
As políticas de liberalização parecem ter
adicionado uma outra dimensão à transformação rural, nomeadamente com as crescentes
dificuldades que os rurais enfrentam para
aceder ao mercado. Não só enfrentam
as dificuldades da falta de organização
em termos locais que lhes permita uma
oferta menos atomizada, como enfrentam
a organização de redes já bem organizadas
dos grandes comerciantes urbanos com
poder económico para impor preços de
aquisição. Acresce, ainda, que a implementação de certas políticas comerciais começam
a destorcer os preços face aos preços de importação de produtos agrícolas.
118
Referencia genérica sobre as aptidões
agrárias
As características mesológicas do distrito
e município referidas constituíram a base para
a súmula genérica sobre a aptidão agrária da
região. A utilização do solo por certas actividades numa fase de expansão da ocupação do
espaço e da sua desregulação predominante
estão no entanto condicionadas
por determinantes de natureza social
e económica.
Fig. 4.11 – Ravinas de grande dimensão que requerem intervenção urgente marcam a paisagem em várias zonas do Município
(ravina na zona próxima da zona urbana da Ecunha)
Aos condicionalismos externos impostos pelo
contexto externo vêem somar-se aos condicionalismos internos na manutenção da pobreza
rural. Um estudo de Faucheux et. al.64 (2005)
mostrou, por exemplo, que uma rápida liberalização dos produtos agrícolas poderá conduzir a uma pressão acrescida quanto aos preços
de produtos como as cebolas, as batatas
(estas duas importantes na agricultura comercial do Município), a carne de vaca e a carne
de galinha. Aliás as instituições de Bretton
Woods foram forçadas a reconhecer que
o “desired economic growth through
structural adjustmente programmes (SAP)
and trade liberalisation are not always beneficial to the poorest groups, the majority of
whom live in rural areas”. Não é por acaso
que um estudo do Banco Mundial (Mutume65,
2003) mostra que o número de pessoas vivendo com menos de US$1/dia aumentou de 217
milhões em 1987 para 291 milhões em 1998.
Das características mesológicas destacam-se,
como fundamentais, além de outras, a elevada precipitação concentrada em cerca de seis
meses do ano; o regime torrencial das chuvas
e a sua imediata interferência nos fenómenos
erosivos do solo; a percentagem elevadíssima
de solos ferralíticos de um modo geral envelhecidos e degradados, bastante pobres em
elementos minerais e em matéria orgânica
e com frequência já laterizados; o desaparecimento das matas naturais que sucessivamente
foram dando origem a savana onde é habitual
a pratica das queimadas e onde são levados
a efeito as culturas tradicionais do região
e a ausência quase total do florestas artificiais.
Se bem que a agricultura moderna na última
década venha usando nas culturas cerealíferas
sistemas de mobilização mínima (lay farming)
ou mesmo nula (no tillage), o facto é que
a tecnologia e os implementos agrícolas para
a sua prática não estão disponíveis aos agricultores, pelo que a agricultura tradicional vem
sendo efectuada com recurso, tal como
no passado, a mobilizações frequentes
do solo, o que é altamente inconveniente, por
vários motivos, além de que a protecção que
dispensam ao solo é bastante reduzida.
Faucheux, B., Hermelin, B. Medina, J. (2005) – Impacts de l’Accord de partenariat économique UE – Afrique de l’Ouest:
Note synthétique, Version définitive. Reporto f tge GRET study, 44 pp.
65
Mutume, G. (2003) – A new anti-poverty remedy for Africa?. Africa Recovery, Vol 16#4.
64
119
Refira-se ainda que na savana predominam
os pastos acres do género das Hyparrehnias
que, lenhificando rapidamente, se tornam
pouco apetecidas pelo gado e são impróprias
para a sua alimentação na época do cacimbo.
Dos aspectos sumários acabados de referir
ressalta que a utilização dos solos do distrito
deverá ser fundamentalmente orientada para
actividades que previnam o mais possível
o fenómeno da erosão dos solos e que,
simultânea ou paralelamente, contribuam
para uma melhoria do nível da sua fertilidade
e para a recuperação dos que se encontram
em vias de laterização.
A floresta, as culturas arbóreas e arbustivas,
a pastagem natural e as espécies forrageiras
cultivadas, bem como, obviamente, a pecuária, se o pastoreio e as pastagens forem ordenadas, constituem algumas das actividades
que se apresentam com maior potencial para
o objectivo de relançar a actividade agrária
num quadro de sustentabilidade económica
e ambiental.
Estamos convencidos que sem esta abordagem sistémica a manutenção do coberto
florestal natural remanescente não será susceptível de ser conseguida.
Mas não só é imperativo uma articulação
convergente entre os vários actores, incluindo
o sector técnico, em relação a algumas das
culturas anuais mais praticadas no Município,
e cuja importância social é conhecida, mas
também se impõe a utilização de técnicas
culturais susceptíveis de conduzir a melhorias
de produtividade não só física mas também
de trabalho, contrariando o mais possível
66
os inconvenientes já apontados em relação
a algumas dessas culturas: milho, batata,
feijão, soja e outras leguminosas anuais, trigo
etc.. Interessando-se o projecto particularmente pelos recursos naturais lenhosos ou arbóreos em geral só a este se farão as referências
consideradas pertinentes.
Potencial para a cultura lenhosa
do Município
Mata natural
A mata natural, fundamentalmente designada
por “mata de panda” ou Miombo, do tipo
seco com vários subtipos pouco estudados
do ponto de vista da sua diversidade,
é constituída por espécies da comunidade
de (Berlinia) Julbernardia – Brachystegia
- Monotes – Combretum, ou simplesmente,
(Berlinia) – Brachystegia – Combretum.
Embora em termos latos a formação florística
dominante seja constituída por “Miombo”
ela engloba três espécies fundamentais:
Julbernardia paniculata, Brachystegia spiciformis, e muitas vezes B. floribunda, com ou sem
outras espécies de Brachystegia. Em comparação com a subunidade oriental do Miombo
do domínio zambezíaco (oriental e ocidental)
a presença da Julbernardia paniculata parece
revelar maior rusticidade para solos pobres
secos ou mal drenados em relação à dominante habitual, a Brachystegia speciformis. Quando
as Julbernardias substituem as Brachystegias
é normalmente sinal de que as condições
ambientais, de modo geral, se tornam
mais difíceis (Grandvaux Barbosa, 1970)66.
De acordo com a carta Fitogeográfica
de Angola este tipo genérico de classificação
inclui vários tipos de vegetação.
Grandvaux Barbosa, L. A (1970) – Carta Fitogeográfica de Angola. Instituto de Investigação Científica de Angola, Luanda
120
Não obstante esse facto, a característica
comum dessas espécies lenhosas é de serem
de crescimento bastante lento, a sua existência em pé ser reduzida, os troncos são de uma
maneira geral tortuosos e as suas madeiras
não oferecerem condições de aproveitamento
para a indústria florestal, o que agrava a sua
considerada menor valia directa. A elevada
fragmentação e os fogos frequentes reduziram
ainda mais o seu potencial como produtor
de frutos ou outros produtos não lenhosos
ou de abrigo para a caça.
Não obstante a importância ecológica deste
ecossistema na protecção do solo e na conservação da água, é forçoso reconhecer que
na situação actual de pressão sobre a terra,
os rendimentos por ele gerados não são
de molde a servir de incentivo económico
à sua conservação por parte da população.
Para além dos problemas resultantes do facto
de serem considerados recursos naturais,
e como tal na posse do Estado, acresce que
os serviços ambientais não sendo apropriados pelo mercado, e não havendo políticas
públicas que alimentem um sistema de retribuição de benefícios económicos para a sua
manutenção, os recursos da floresta natural
são simplesmente cortados sem critérios para
alargamento da fronteira agrícola para uma
agricultura efémera ou simplesmente para
a sua transformação em carvão para venda
destinada às grandes cidades.
A não clarificação deste constrangimento
e a impossibilidade de criação de domínios
florestais concelhios representam um claro
entrave à salvaguarda do coberto lenhoso
natural e a prazo curto o seu desaparecimento
como cobertura útil do solo e da paisagem
da comuna do Quipeio, já que na comuna da
Ecunha a floresta, pode dizer-se, desapareceu
como tal.
Floresta exótica
É, diríamos, consensual entre os técnicos
florestais, que as condições ecológicas
do Planalto Central e do Município da Ecunha,
expressas pelo estado vegetativo de alguns
dos povoamentos artificiais (excesso de água
potencial na estação vegetativa, regularidade
do valor energético da radiação global
e a amenidade da temperatura do ar),
justificam as razões porque, mesmo
em solos degradados e muito pobres em
elementos minerais, a actividade vegetativa
das espécies lenhosas melhor adoptadas
ao meio é tão intensa, embora seja muito
baixo o grau higrométrico do ar nos meses
de Junho a Setembro, inconveniente que julgamos ser compensado pelas reservas hídricas
existentes na maioria dos solos durante este
período.
Julgamos que não poderão restar dúvidas
quanto às potencialidades de quase toda
a Província do Huambo para a cultura artificial
de floresta, necessariamente como fonte
de matérias-primas para o sector energético
que vem exercendo pressões muito severas
sobre a já escassa floresta natural no Planalto
Central, e para a indústria, aproveitando
a posição geográfica de Angola em relação
à maioria dos mercados mundiais e as boas
vias de escoamento representadas pelo caminho de ferro em fase de recuperação e que
tem o seu termo num porto com boas condições para operação de transportadores transoceânicos.
121
Se bem que haja hoje vozes criticas quanto
aos benefícios ambientais da floresta exótica,
fundamentalmente quanto ao balanço hídrico, estamos convictos que a disponibilidade
pluviométrica minimiza aqueles riscos. Plantações de mais de quarenta anos não parecem
ter induzido sintomas negativos de esgotamento de recursos hídricos.
Em termos de delimitação geográfica as zonas
de maior aptidão para a cultura florestal de
exóticas, são a Zona Planáltica Centro-Norte
e a Zona Planáltica Centro-Sul, onde se situam
parte das bacias hidrográficas mais importantes do Município e onde a rede viária
se encontra razoavelmente desenvolvida
se bem que ainda em fase de recuperação.
Com condições para a cultura de várias
espécies e já bem testadas um pouco por
toda a parte no Município, e em todo
o Planalto Central em geral, em termos
do seu crescimento e das suas características
tecnológicas (Fonseca67 (1969), Sardinha68
(1974) são principalmente as espécies
de eucaliptos (Eucalyptus saligna, E. grandis,
E. camaldulensis, E. citriodora entre outros)
e pinheiros (Pinus patula, P. elliottii; P. taeda ),
Cupressus lusitanica e Casuarina equisetifolia.
a queda pluviométrica e a temperatura.
Nos níveis mais baixos, embora o eucalipto
continue a patentear bom vigor vegetativo,
o decréscimo da pluviosidade e o aumento
da temperatura média começam a ter efeitos
negativos na sua produtividade, considerando-se que abaixo dos 1100 m de altitude
começam a ser zonas de forte marginalidade
para aquela essência.
O eucalipto adapta-se bem aos solos leves
ou medianos, desde que profundos e bem
drenados, condições necessárias para o seu
rápido crescimento. Nos solos do Município
os melhores resultados obtém-se nos solos
ferralíticos de texturas médias a finas, desde
que não se interponham camadas de impernes de laterite encouraçada a pouca profundidade. Estes solos no Município relacionam-se
em geral com extensas superfícies de relevo
ondulado suave.
Na Fig. 4.12 inscrevem-se as zonas mais
favoráveis à cultura e exploração do eucalipto.
No que se refere ao eucalipto, a zona mais
favorável inscreve-se acima dos 1500 metros
de altitude decrescendo a sua produtividade,
até ao nível da ordem dos 1100 metros.
As razões desta diferenciação prendem-se fundamentalmente com as exigências ecológicas
da espécie em que sobressai a insolação,
Fig. 4.12 – Distribuição das zonas mais favoráveis à cultura do
eucalipto
Fonseca, F. M. A. (1969) – Qualificação Tecnológica de Madeiras de Eucalipto. Instituto Superior de Agronomia, UTL, Lisboa
Sardinha, R. M. A. (1974) – Variation in Density and Some Structural Features of Wood of Eucalytus saligna Sm. from Angola.
University of Oxford, Oxford UK
67
68
122
Quanto aos pinheiros, foi adequadamente
analisada a sua boa adaptação em Angola
relativamente a um conjunto de espécies originárias do México (Pinus patula, P. greggii,
P. douglasiana, P. tenuifolia, P. strobus
e P. pseudostrobus e P. michoacana), da Florida
(P. elliottii, P. taeda) e da Índia (P. khasya).
Os povoamentos mais extensos e mais antigos são principalmente de P. patula e que
evidenciam uma adaptação muito boa e um
crescimento bem evidente, principalmente
acima dos 1400 metros como se pode ver,
embora em parcelas semi-abandonadas na
estrada Caála-Ecunha e nas antigas plantações
do Cuima.
As regiões mais adequadas ao desenvolvimento da cultura dos pinheiros de origem tropical
têm um contorno que não desce os 1200
metros de altitude (Fig. 4.13).
Apicultura
Embora o distrito não tenha um historial
de grande produtor de cera e mel, assinala-se
a riqueza em pastos melíferos (matas naturais
e exóticas de eucalyptus) a justificar uma intensificação da actividade, nomeadamente
se se concretizar uma acção significativa
de arborização com eucalipto.
Experiências levadas a efeito na produção
de méis e cera durante anos pelo Departamento de Estudos Florestais do antigo Instituto de Investigação Agronómica de Angola
no Sacaála e Chianga, em colmeias móveis
ou em produção mobilista, mostraram
que o potencial existente é dos melhores
do mundo. Em apiários experimentais
e em regime extensivo obtiveram-se
produções médias de mel respectivamente
de 77 kg e 35 kg/colmeia/ano.
A realização deste potencial pressupõe,
é evidente, que técnicas melhoradas de maneio dos enxames e a sua conveniente divulgação e acções de aprendizagem bem como
a manutenção dos recursos naturais que servem de pasto para as populações de abelhas.
O Município, caso se expanda de forma eficaz
a cultura do eucalipto e de fruteiras, verá
substancialmente reforçado o seu potencial
melífero.
Fig. 4.13 – Zonas ecológicas mais propícias à cultura
do pinheiro
123
Potencial para a produção frutícola
Os condicionalismos ecológicos que se reflectem nos condicionalismos para a significativa
aceleração da produção agrícola não podem
esquecer interesse de outras espécies, nomeadamente das fruteiras do tipo lenhoso pelo
seu valor por um lado alimentar, e por outro
como fonte geradora de rendimentos de matéria prima para a indústria alimentar.
De referir ainda que a cultura de espécies
frutícolas, pela sua permanência no solo
e pela sua copa protectora, tem elevado
potencial para a protecção do solo e para
conservação da matéria orgânica, se a sua
implantação e condução forem apropriadas.
Neste relatório faremos referência às mais
conhecidas pelos agricultores da região, mencionadas durante as visitas de campo, abstendo-nos de referir outras fruteiras arbóreas de
regiões tropicais ou subtropicais produtoras
de frutos secos como a pecan, com potencial
mas a requerer experimentação, antes que
seja aconselhável divulgá-las.
Café arábica (Coffea arabica L.)
O café arábica é uma planta de zonas subtropicais de temperatura média anual compreendida entre os 18ºC e 21ºC, não devendo
descer abaixo dos 4-5º nem acima dos 31ºC.
Em latitudes baixas, já de tendência equatorial, somente em altitudes acima dos 1300 m/
1500 m se encontram as temperaturas adequadas. Muito sensível à geada, no Planalto
Central de Angola, onde existem condições
ecológicas aceitáveis, a plantação deverá
estabelecer-se nas terras altas suficientemente
afastadas dos vales e depressões, onde em
geral se verifica incidência do fenómeno
na época seca. As exigências hídricas
da cultura oscilam entre os 1200 mm
e 1500 mm de chuva e que se distribuam
durante um período de 9 a 10 meses, intercalando-se um período seco de 2 a 3 meses,
que é benéfico a fim de estimular a floração.
Relativamente a períodos de seca mais prolongados (de 4 a 5 meses do Planalto Central)
será vantajoso, e sempre que possível, recorrer
a uma ou outra rega suplementar.
Exigências edáficas
O café arábica requer um solo profundo,
de excelente drenagem interna, bem estruturado e provido de nutrientes minerais. Prefere
solos de texturas medianas ou medianas/finas,
franco ou franco-argiloso, com boa capacidade para a água utilizável, sendo de destacar
a importância que representa a selecção
de locais apropriados para a cultura, porque
de tal depende da duração e produtividade
do cafezal.
Zonas de distribuição cultural
O café arábica é uma cultura que está
estreitamente ligada ao Planalto Central
(Fig. 4.14), desde há longas décadas, quando
as primeiras plantações se estabeleceram
na serra da Chicuma (Ganda) e na área
do Andulo, irradiando seguidamente para
outros pontos da região planáltica, e disseminando-se por pequenas plantações a nível
da exploração familiar, com maior incidência
nas zonas do Andulo-Nhareia, Bailundo-Luimbale, Chinguar-Bela Vista e mais intensamente
na referida área da Chicuma.
124
Zonas ecologicamente mais favoráveis
Adapta-se melhor às zonas de maior altitude
do Planalto Central dando aí preferência aos
solos jovens ou pouco evoluídos, bem providos de reserva mineral, que se relacionam
nas áreas de relevo mais acidentado e em
geral enquadrando-se na Montanha Marginal,
com as formas de sopé e encostas de vertentes mais suavizadas como ocorrem em áreas
do Quipeio. Na delimitação das zonas ecologicamente mais favoráveis, onde ficam incluídas as áreas de distribuição actual da cultura,
tomaram-se em linha de conta os aspectos
seguintes:
• altitudes acima dos 1300 m/1400 m,
que se relacionam com temperaturas médias
inferiores a 20ºC, geralmente compreendidas
entre 19°C a 20°C;
• três a quatro meses frios, com temperatura
média variável entre 16°C e 18°C;
• relativamente fraca incidência de geadas,
tendentes a ocorrer nas superfícies baixas
da base dos vales e encostas adjacentes,
situações a excluir das áreas de cultura
do café.
Fig. 4.14 – Zonas de distribuição e zonas aconselhadas à expansão do café arábica
Apesar de se definir uma zona considerada
como mais favorável, é manifesta a marginalidade do meio para o café arábica, dado que
a uma estação chuvosa de sete meses, com
uma precipitação de 1300 mm/1400 mm,
se segue um período de deficiência hídrica
de quatro a cinco meses, e daí a importância
de se seleccionarem solos profundos e estruturados, com boa capacidade para a água
utilizável, em geral correlacionando-se nestas
áreas planálticas com solos Paraferralíticos.
Por uma questão de conservação da humidade e para reduzir o input em fertilizantes,
é manifesta a necessidade do sombreamento
artificial (a Grevillea robusta é uma espécie
bem testada nas zonas do Planalto Central),
salientando-se também a importância que
possam ter uma ou duas regas suplementares
em momento oportuno da época seca
e sempre que tal for possível, além do interesse no revestimento do solo por uma camada
de folhelho para diminuir a evaporação
e a mineralização da matéria orgânica do solo.
Os solos profundos e paraferralíticos são
os solos mais apetecidos pelos agricultores
125
para a cultura de batata de regadio, pelo que
se aconselha, para evitar culturas concorrentes, a utilização de modelos agro-florestais
compatibilizando um bom ordenamento
do uso do solo.
Goiabeira (Psidium guajava L.)
A goiabeira é uma fruteira apreciada em
Angola que tem uma distribuição geográfica
muito ampla e dispersa coincidindo com áreas
de actividade agrícola e povoamento humano
mais intensos e diversificados. Ela está presente, a par com outras fruteiras, nas pequenas
explorações horto-frutícolas implantadas
à volta dos centros urbanos e nas hortas
de casa um pouco por toda a parte constituindo um bom suplemento alimentar (Fig. 4.15).
Exigências climáticas
Fruteira característica das regiões tropicais
quentes ou moderadamente quentes e que
tenham duas estações bem diferenciadas,”
sendo a das chuvas com período de duração
e valor da precipitação variáveis dando contudo preferência a quantitativos compreendidos
entre os 900 mm e 1200 mm. Em relação
à estação seca, não lhe convém uma humidade atmosférica muito reduzida nem uma
vincada amplitude térmica diurna.
Exigências edáficas
É uma fruteira que se adapta facilmente
a diversos tipos de solos, preferindo todavia
os de textura mediana ou ligeira, desde que
espessos e bem drenados, rejeitando, por
outro lado, os de textura pesada e compactos. Em solos férteis das baixas fluviais, com
boa permeabilidade e arejados, as produções
tornam-se abundantes.
Zonas mais favoráveis à cultura
Na delimitação das manchas que figuram
na Fig. 4.16, que do ponto de vista ecológico
representam as zonas mais favoráveis à cultura, obedeceu-se aos critérios seguintes:
Fig. 4.15 – Principais zonas de distribuição da goiabeira em
Angola
• alternância de uma estação de chuvas
de sete a oito meses, com uma estação seca
bem marcada, mas na qual a temperatura
média e inferior a 19°C-20°C;
• valores da precipitação média anual acima
dos 500 mm-600 mm, tornando-se evidente
que em relação à faixa seca do litoral a cultura
deverá incidir nas superfícies húmidas
(orlas das lagoas e baixas aluviais enxutas
mas de subsolo húmido);
126
• humidade relativa média anual superior
a 65% e livre de ocorrência de geadas.
No aspecto edáfico seleccionaram-se os solos
Fersialíticos e Ferralíticos bem conservados,
além dos Aluviosolos enxutos e de texturas
médias e ainda os solos arenosos, preferivelmente com conteúdo razoável de matérias
orgânica, como sendo os mais aptos.
Fig. 4.16 – Zonas mais favoráveis para a goiabeira
Não obstante o Município da Ecunha se
encontrar fora das zonas marcadas como
mais favoráveis a esta cultura, ela deve ser
divulgada, escolhendo-se culturas com melhores características. É sem dúvida um fruto
de fácil manejo, fácil incorporação nos jardins
de casa e do qual se espera um bom contributo para a melhoria da dieta alimentar das
famílias, independentemente de em Angola
haver zonas onde o objectivo da produção de
tipo empresarial poderá encontrar melhores
rendimentos.
Citrinos (Citrus spp)
Exigências climáticas
Os citrinos adaptam-se a meios climáticos
envolvendo duas estações de características
diversas, ou seja uma época quente de temperatura média elevada (20°C a 25°C) alternando com uma época invernal de temperaturas
baixas, mas não muito acentuadas. Em Angola, porém, a não ocorrência de temperaturas
nocturnas suficientemente baixas (inferiores
a 14°C), associadas a baixa humidade relativa,
não favorece a coloração característica
dos frutos, tal como é típico das regiões
subtropicais e mediterrânicas.
Neste aspecto os planaltos do sul (LubangoHumpata) e o SE do território(Baixo Cubango)
consideram-se como as zonas mais favorecidas, adquirindo os frutos um determinado
grau de coloração alaranjada, mas não plenamente. Os citrinos necessitam de regular
abastecimento de humidade, relacionado
com uma queda pluviométrica bem distribuída (1000 m a 1500 m) no período chuvoso,
e em complemento a rega periódica na estação seca.
Exigências edáficas
Deverão seleccionar-se para a cultura os
solos profundos e bem drenados, de texturas
ligeiras ou medianas, considerando-se muito
convenientes os arenosos ou arenosos-francos
no horizonte superficial, passando a francoarenosos ou francos nos horizontes inferiores.
127
As terras de baixa, quando dominadas por
solos leves de origem aluvionar, bem drenadas
e defendidas das cheias, facilmente abrangíveis por redes de rega por gravidade e assegurado o controlo do lençol freático dentro
de limites de profundidade convenientes,
são seguramente as que melhor convêm
à citricultura.
Zonas de exploração cultural
A laranja, a tangerina e o limão encontramse um pouco por toda a parte no Planalto
Central, incluindo na Ecunha, relacionando-se
com a pequena exploração hortofrutícola que
se dissemina pelas superfícies planálticas do
Huambo-Bié, Lubango-Humpata, Cela-Quibala e Malange-Cacuso (Fig. 4.17).
É uma fruteira de distribuição tradicional
em redor dos aldeamentos rurais, juntamente com outras fruteiras, como é norma nas
províncias de Cabinda, Zaire e Uige, e ainda
nalgumas áreas do Bié.
Além deste aspecto de distribuição generalizada, que revela uma melhor ou pior adaptação
às condições mesológicas locais, podendo
afirmar-se que a nível global do território,
as zonas de mais vincada incidência cultural
situam-se nas superfícies planálticas e subplanálticas, evidenciando-se alguns locais de concentração e onde recaem pomares ordenados
nas áreas do Huambo (Chinguri), Bié (Catabola, Gamba e Nhareia), Cubal-Caimbambo,
Lubango (Humpata, Leba, Chibia) e Malange.
São ainda de destacar os pomares que se
distribuem nas baixas fluviais da faixa litorânea, salientando-se os das zonas de Caxito
(Lifune, Dande e Icau), Dondo (Lucala-Mucoso), Benguela (Catumbela, Cavaco e Dombe
Grande) e Namibe.
Fig. 4.17 – Zonas de distribuição principal dos citrinos em
Angola
Zonas mais favoráveis à cultura
Apesar da amplitude que a exploração
de citrinos poderá revestir, há que ter em
conta que faltam condições de meio ambiental favoráveis a uma conveniente pigmentação
dos frutos, inviabilizando-se deste modo a sua
comercialização para o exterior (Fig. 4.18).
Fig. 4.18 – Zonas consideradas mais aptas à cultura dos citrinos
128
Não obstante a Ecunha ficar de fora da zona
mais favorável, é de realçar o elevado interesse
agro-industrial desta cultura, ao poder encaminhar-se a sua produção para a transformação em sumos, concentrados de sumos
e extractos, além do consumo interno
da fruta em fresco cujo contributo para
a dieta alimentar deve ser salientado.
A sua dispersão (Fig. 4.19) denota o poder
de adaptação aos mais variados ambientes
climáticos, exigindo apenas boas condições
de luminosidade, ausência de geadas, e que
durante a estação seca não se verifiquem
descidas acentuadas da temperatura
e da humidade relativa.
Na delimitação das zonas mais favoráveis
à citricultura entrou-se em linha de conta
com os aspectos característicos seguintes:
• estações do ano alternadamente quentes
e frescas;
• estação chuvosa de cerca de sete meses
não demasiadamente pluviosa;
• não ocorrência de geadas ou então a sua
incidência localizada (depressões e fundos
de vale);
Fig. 4.19 – Zonas de dispersão do maracujaleiro em Angola
• grau de insolação excedendo as 2000 horas/
ano e valores da humidade relativa de razoáveis a elevados (50% a 80%).
Exigências hídricas
É uma espécie que dá preferência a uma
precipitação de valores médios entre os 1000
mm e os 1200 mm bem distribuída, devendo
compensar-se a deficiência de água do período seco com a rega periódica.
Maracujá (Passiflora edulis Sims)
O género Passiflora está representado
em Angola pelas duas espécies P. edulis Sims
e P. quadrangularis L., a primeira caracterizada
pelos seus frutos, sensivelmente do tamanho
de goiabas, de colorações arroxeada e amarelada, conhecidos respectivamente por «maracujá roxo» e «maracujá brasileiro», e a segunda de frutos volumosos lembrando o melão
e daí a designação de «maracujá melão».
O interesse da cultura vai para a variedade
de pigmentação roxa, pela elevada produtividade e por constituir matéria prima de grande
valia para a produção de sumos.
Exigências edáficas
É uma planta que prefere solos de texturas
médias ou médias/ligeiras, férteis e com nível
razoável de matéria orgânica, ligeiramente
ácidos, desde que profundos, arejados e de
permeabilidade moderada ou elevada, não
tolerando a ocorrência de camada ou camadas compactas que provoquem retenções
de humidade no subsolo. Em solos de baixa,
o maracujá tem excelente adaptação desde
que bem drenados até profundidade conveniente, e que ao longo do perfil se verifique
boa capacidade de infiltração.
129
Zonas de distribuição cultural
A partir de meados dos anos sessenta verificou-se em determinadas zonas das províncias
do Huambo e Bié, uma notável expansão
da cultura do maracujá em resultado
da implantação duma unidade industrial
de concentrado de sumo no Huambo,
tendo-se constituído plantações de certo
vulto, privilegiando a variedade de maracujá
roxo, nas áreas do Bailundo, Alto Hama,
Huambo e Caála. É de realçar a boa adaptação
da cultura às condições meso1ógicas do
Planalto Central, sobretudo quando recaiam
em superfícies de sopé das vertentes naturalmente drenadas e de solos Paraferralíticos
bem conservados, obtendo-se os melhores
resultados quando tais superfícies recebem
plena luminosidade e se encontram suficientemente afastadas dos vales onde é normal
a incidência de geadas nos meses de Junho
e Julho.
A definição das zonas de aptidão obedeceu
aos critérios seguintes:
Zonas mais favoráveis à cultura
Na Fig. 4.20 delimita-se o espaço territorial
que do ponto de vista ecológico oferece melhores condições de adaptação ao maracujá.
Relativamente à mancha cartograficamente
representada na figura, deverão privilegiar-se
as regiões planálticas de média altitude (1200
m a 1400 m), bem como a faixa subplanáltica
que lhe é contígua do lado ocidental, devido
sobretudo às temperaturas mais amenas do
período do «cacimbo» e também pela maior
representatividade de solos apropriados para
a cultura. Altitudes acima dos 1500 m/1600 m
consideram-se já um tanto marginais, devido
sobretudo ao rigor dos meses frios que afectam o crescimento da planta e a maturação
do fruto.
Fig. 4.20 – Zonas consideradas mais aptas ao fomento do maracujaleiro em Angola
• temperatura média anual de 19°C a 23°C,
com amplitudes térmicas anuais de 4°C a 5°C;
• temperatura média de época fresca de 17°C
a 21°C e do mês mais frio de 16°C a 21°C;
• livre de geadas ou então com ocorrência
no bimestre Junho-Julho e normal incidência
nos vales;
• grau higrométrico do ar compreendido
entre os 60% e 75% e valores da insolação
de 2100 a 2600 horas/ano;
• estações seca e chuvosa bem definidas,
esta com a duração de sete meses e valores
da precipitação compreendidos entre 1000
mm a 1400 mm.
130
Mangueira (Mangifera indica L.)
É uma fruteira caracteristicamente tropical
e subtropical, e de estações alternadamente
seca - se bem que não produza capazmente
com humidades relativas muito baixas e chuvosa (quedas pluviométricas entre
os 500/600 mm e os 1500 mm). A frutificação
exige um período seco intercalar. Dá preferência às baixas e médias latitudes onde cresce
vigorosamente, mesmo com regimes pluviométricos relativamente baixos que são compensados por uma humidade atmosférica alta
como sucede nas zonas litorâneas em Angola.
Exigências edáficas
Requer solos profundos e bem drenados,
com preferência pelos de textura ligeira
ou medianamente aligeirada susceptíveis
de acomodar as exigências do seu sistema
radicular. Reage negativamente em solos
argilosos pesados ou nas superfícies baixas
com lençóis freáticos acima dos 1,30 m
de profundidade.
• livre ocorrências de geadas e grau de insolação entre 1800 a 2500 horas anuais.
Com base nestes parâmetros o mapa traçado
quanto às zonas mais favoráveis (Fig. 4.21)
mostra que aquelas zonas correspondem
a uma zona ocidental que a partir da orla
marítima vai envolver as superfícies litorâneas
e subplanáltica até altitudes máximas da ordem dos 800-900 metros, prolongando-se
no sentido meridional até à base da Serra
da Chela. No interior de Angola delimitam-se
duas outras zonas, a do Nordeste do Uige,
em pendente para o Cuango e do Canto
NE da Lunda.
Zonas mais favoráveis à cultura
Considerando as exigências climáticas,
nomeadamente os seguintes parâmetros:
• temperatura média anual acima dos 22ºC,
mais frequente entre os 23ª e os 25ºC,
com oscilações térmicas diárias reduzidas
e anuais muito pouco pronunciadas
(2º e 5ºC em média);
• alternância de estações quentes e chuvosa
com estação seca bem marcada, de 2 a 7
meses;
• humidade relativa média anual de 70%
a 85% com amplitudes anuais moderadamente expressivas (5% a 20%);
Fig. 4.21 – Zonas mais favoráveis à cultura da mangueira
A grande extensão do Planalto Central,
e naturalmente da Ecunha, está em grande
medida fora das zonas mais favoráveis para
a cultura. Não quer isto dizer que não possam
ou devam ser plantadas nos quintais de casa,
desde que as condições de secura atmosférica
e de sensibilidade às geadas possam ser salvaguardadas e que haja uma razoável selecção
de culturas adaptadas às condições ecológicas
do planalto. São um contributo para
a ajuda alimentar das famílias, mas o seu
potencial para actividades comerciais
é claramente limitado.
131
Abacateiro (Persea americana Mill.)
Exigências climáticas
Tratando-se de uma espécie com muitas
variedades, as suas exigências quanto
à humidade e temperatura são elevadas.
Para as zonas planálticas é importante o uso
das variedades originárias das zonas de altitude do México, mais resistentes às temperaturas relativamente baixas durante alguns meses
do ano, em oposição às variedades originárias
das zonas baixas da América Central,
de ambiente quente e húmido. Todavia,
em qualquer caso o abacateiro é uma fruteira
que requer uma humidade atmosférica relativamente alta.
Zonas de distribuição
A distribuição do abacateiro (Fig. 4.22)
encontra-se ligada tradicionalmente às zonas
de maior ocupação agrícola como sucede
na faixa litorânea desde Cabinda até Benguela
e em determinadas áreas do interior subplanáltico, e principalmente junto dos centros
urbanos em conexão com as pequenas explorações horto-frutícolas. Apesar da distribuição
dispersa reconhece-se que há uma certa concentração no Baixo Cuanza-Lucala, entre
o Dondo e o Bom Jesus e nas áreas cafeeiras
de Cazengue, Amboim e Seles.
Quanto ás necessidades de água, agradece
uma precipitação bem distribuída ao longo
do ano e quando tal não se verifique como
sucede nas regiões do planalto há que recorrer à rega uma vez por semana nas épocas de
maior secura atmosférica.
Exigências edáficas
O abacateiro é uma fruteira que se desenvolve
bem em solos profundos e férteis, com boa
permeabilidade e sem limitações de drenagem, apreciando um meio fresco drenado.
Fig. 4.22 – Zonas de distribuição do abacateiro em Angola
É uma àrvore que cresce de forma excelente
em solos jovens das baixas aluvionais enxutas
e das formas de sopé enriquecidas por coluviação, ou então em solos de texturas médias,
desde que com bons fundos de matérias
orgânica e convenientemente fertilizados.
Vêem-se abacateiros com excelente produção
e bom desenvolvimento vegetativo em muitos
quintais de casa. Pela riqueza do seu fruto
a sua produção constitui um bom contributo
alimentar para a população.
• temperatura média anual acima dos 21ºC
e mais frequentemente entre os 22ºC e os
25ºC, com oscilações térmicas no intervalo
dos 2ºC a 5ºC;
Zonas mais favoráveis
Na figura 5.23 sintetiza-se a zona ecologicamente mais favorável à cultura do abacateiro,
demarcada com base nos seguintes parâmetros:
• temperatura média da época fresca (Junho
a Setembro), acima dos 20ºC de preferência
entre os 21ªC e os 22ªC;
132
• humidade relativa média anual acima dos
70ºC, de preferência entre os 75% e os 85%
com uma amplitude anual inferior a 21%;
• grau de insolação elevado (1700-2500 horas
anuais) e não ocorrência de geadas.
Fig. 4.24 – Zonas mais favoráveis à exploração de fruteiras
das regiões temperadas
Fig. 4.23 – Zonas mais favoráveis à cultura do abacateiro
Fruteiras das regiões temperadas
Várias populações da zona do Quipeio quando perguntadas sobre que espécies fruteiras
estariam interessados em plantar, referiram-se
a fruteiras temperadas como a maçã e a pêra.
É preciso lembrar que em relação a fruteiras
de regiões temperadas há duas situações bem
distintas.
No litoral do Namibe, há a considerar uma
época fresca de seis meses, de temperaturas
médias de 18-19ºC, sendo a do mês mais frio
de 17ºC e a época quente de igual período
e de temperaturas médias oscilando entre
os 22ºC e os 23ºC. Esta é a razão porque
a oliveira e a vinha vegetam em boas condições de produtividade e regular periodicidade.
Por sua vez, no Planalto da Humpata, onde
ocorrem temperaturas baixas na época seca
de cinco a seis meses, com médias de 14ºC
e temperaturas que não vão além dos 18ºC
na época quente, verificando-se no mês mais
frio, Junho, valores de 14ºC, as pomóideas
revelam uma adaptação vegetativa aceitável.
No entanto, as temperaturas não atingem
as temperaturas frias exigíveis para proporcionarem condições ideais de produtividade
e qualidade.
De acentuar, ainda que, quer numa ou noutra situação, o recurso ao regadio é condição
essencial a produções que sejam compensadoras. Qualquer intervenção de fomento
das fruteiras de regiões temperadas não
deve ser promovida fora das zonas assinaladas
na fig. 4.24 e que pelas razões invocadas
não incluem o Planalto Central.
No caso concreto do Município da Ecunha
o clima não é suficientemente frio para que
sejam satisfeitos os padrões exigíveis mínimos
de qualidade ou sequer de produtividade
(Sardinha, et. al., 196969)
Sardinha, , R.M.A.; Portas, C. e Marcelino, F.A.D. - Dias-Grau de Crescimento. Algumas Estações de Angola e da Metrópole.
Instituto de Investigação Agronómica de Angola, 1969. 79 pg.
69
133
Pecuária. Pastagem natural. Forragens
Os climogramas das zonas em estudo mostram possibilidades de adaptação de bovinos
de raças ditas exóticas ou produtos dos seus
cruzamentos com gado tipo Sanga em grau
de absorção elevada.
De um modo geral, pode dizer-se que as
características agro-climáticas do Município
são favoráveis à exploração do gado bovino
de corte ou de leite em regime semi-intensivo
ou intensivo.
O complexo edáfo-climático possui, no entanto, particularidades que influem decisivamente
no valor do pastagem natural e, consequentemente, na produtividade dos animais que
dele tiram os elementos nutritivos necessários a todos os fenómenos fisiológicos. É uma
zona característica de pastos acres (High Veld
da classificação Sul-africano) com gramíneas,
na maioria das vezes dominadas pelo género
das Hyparrehnias. São em geral grosseiras,
lenhificando-se rapidamente o que as torna
pouco palatáveis a partir do determinada
altura do ciclo vegetativo.
Por este facto a exploração de bovinos
em funções de produção de carne ou leite
só é possível com sistemas especiais de
ordenamento da apascentação que conduzam
ao melhoramento da pastagem natural
(por rotações dos pastos com parqueamento
ou pelo rebaixamento da pastagem),
e através da introdução e incremento
de espécies forrageiras melhoradas e com
recurso a fertilizantes, procurando uma alteração rápida e possível da composição florística
da pastagem natural.
De salientar que o aproveitamento directo
da pastagem natural é incompatível com
elevadas produções e como tal proibitivo
para a exploração de animais de elevada
potencialidade genética de produção
carne/leite.
Do mesmo modo é de referir que o aproveitamento de espécies forrageiras cultivadas,
convenientemente adaptadas à região, devidamente fertilizadas e submetidas a técnica
cultural apropriada, para corte em verde ou
para pastoreio directo, devido ao seu elevado
custo de implantação e manutenção, só deverá ser feita por intermédio de animais de boa
qualidade e de elevado potencial genético.
O desenvolvimento da pecuária no município,
trará consigo além dos aspectos já referidos,
um outro não menos importante, designadamente a lei das terras, na medida em que
a densidade populacional é elevada.
Deve acentuar-se que, tal como noutras
partes dos trópicos, a intensificação da pecuária, quando feita de uma forma desarticulada
com uma política de ordenamento
do espaço rural tem sido um elemento
altamente perturbador da manutenção
do miombo ainda existente.
Face à actual situação, a evolução da bovinicultura deverá acompanhar uma evolução
no campo agrícola de tal modo que dos
5 hectares actualmente considerados como
necessários para alimentar uma cabeça bovina
seja possível retirar uma maior rentabilidade.
A introdução de espécies arbustivas ou lenhosas de uso múltiplo, algumas de elevado
potencial forrageiro e ecológico, são opções.
134
135
VI
A ACTIVIDADE
DE EXPLORAÇÃO
FLORESTAL
NO MUNICÍPIO
A organização da fileira da lenha
e do carvão
Não existe, para além da recolha de lenhas
para a energia doméstica e o fabrico
de carvão, uma actividade florestal organizada no município. No entanto, e tanto quanto
pudemos observar e conversar com os habitantes das aldeias, existe aquilo que podemos
chamar uma fileira do carvão e que nos
pareceu estar razoavelmente organizada
em termos comerciais e, naturalmente,
nas mãos de grossistas profissionais que
asseguram o escoamento e o grosso
das encomendas de fabrico (Fig. 5).
Em cada um destes elos da fileira, o preço
do carvão eleva-se consideravelmente,
e se todos os diferentes elos da cadeia
estiverem presentes, o preço final pode
ser muitas vezes superior ao preço obtido
pelo carvoeiro verificando-se diferenciais
de 1,5 para 5 ou mesmo mais. Uma saca
de carvão (≈ 60 kg) vendida na estrada
do Quipeio custa entre 250-350 Kz, na periferia de Luanda 1000 Kz e nos retalhistas
do centro de Luanda custa 1500 Kz.
O carvoeiro pode, contudo, vender o seu
produto directamente ao consumidor.
Esta opção, quando possível, tem certas
vantagens e desvantagens. As vantagens
são a de que o carvoeiro tem a possibilidade
de aumentar os seus lucros se englobar outros
membros da sua família no negócio. Esta via
é contudo de pequena monta no município
porque o habitat é disperso e o mercado urbano é, contrariamente ao que sucede nos grandes centros como Luanda, Lobito ou Huambo,
de pequena dimensão.
Todavia, vender ao consumidor é altamente
competitivo se bem que cause grande dispêndio de tempo, normalmente para a mulher
que negoceia o carvão no mercado local
(Fig. 5.1).
É, além disso, extremamente difícil vender
pequenas quantidades excepto num mercado
estabelecido. O carvoeiro com dificuldades
de armazenagem ou de pessoal de distribuição pode ele próprio ser compelido a vender
o seu produto quando o mercado está saturado e o preço é, consequentemente, muito
baixo.
136
Fig. 5 – Os agentes da fileira do carvão
A segunda possibilidade é a de vender
o carvão ao armazenista ou retalhista no
local do mercado como sucede no mercado
da comuna da Ecunha. Aí, os preços serão
mais baixos mas os produtos podem geralmente ser vendidos muito mais rapidamente
e, em consequência, demora menos tempo
na obtenção do rendimento do que se o carvoeiro tivesse de fazer a venda a retalho.
A venda ao consumidor, ao armazenista
ou ao retalhista no local do mercado tem
a vantagem para o carvoeiro de variar o seu
trabalho e facilitar contactos na cidade, o que
é desejável após longos dias na mata ou aldeia
afastado de outras pessoas.
Veja-se a abundância de incozidos e a variação dimensional
Fig. 5.1 – Comercialização típica de carvão no mercado
da Ecunha.
137
A terceira modalidade é a de vender toda
a produção no próprio local, como frequentemente praticado ao longo da estrada Ecunha
- Quipeio.
As vantagens são de que o carvoeiro pode
chegar a um acordo com o transportador
ou o armazenista para comprar grandes
quantidades tendo assim muito poucas preocupações com o negócio, e podendo dedicar-se mais ao trabalho de produzir maiores
quantidades de carvão. As desvantagens deste
método poderá ser a do carvoeiro ser obrigado a aceitar um preço baixo pelo carvão,
e não ter hipóteses de fazer negócios
e contactos sociais.
Fig. 5.2 – Oferta típica de carvão de pequeno carvoeiro/agricultor. O agricultor, para aumentar o seu nível de rendimentos,
produz pequenos volumes de carvão que vende e negoceia
à beira da estrada
Deve dizer-se, no entanto, que no caso
do município a intensidade da procura
para exportar para os grandes mercados
de Huambo, Luanda e Lobito não deixa
o carvoeiro sem comprador.
Não obstante o consultor ter traçado
o que pareceu ser a fileira típica do mercado
do carvão, a sensação colhida é que a desregulamentação do mercado é um facto saliente
e que o aparecimento crescente de pequenos
produtores e comerciantes bastante activos,
em conjugação com a melhoria das acessibilidades, virá a aumentar o impacto - já de si
severo - do corte raso da mata de miombo.
Esta, já de si pobre, e com acréscimos médios
anuais bastante baixos, virá a esgotar-se
a muito curto prazo com consequências
nefastas sobre o abastecimento de energia
doméstica e sobre o ciclo da água.
Fig. 5.3 – Grandes partidas de carvão por encomenda
de grandes grossistas
138
A actual legislação que confere ao Estado
a posse dos recursos, sem que seja capaz
de exercer a actividade gestora ou de protecção, não garante a contenção dos abates
oportunistas, nem gera nas populações atitudes conservadoras ou de maior responsabilização. Na verdade a não repartição de
benefícios pelos privados locais - que são os
únicos com capacidade de intervenção sobre
os recursos - e a inexistência de percepção de
benefícios públicos locais ou globais, (Fig. 5.4)
não são propícios a esforços de conservação.
As populações rurais são assim naturalmente
encorajadas a lançarem-se nesta actividade,
como forma de melhorarem os seus rendimentos, atitude que é sustentada pela incapacidade das autoridades, decorrente da
ausência de licenças de corte e de controlo
da transformação, e da inexistência de clarificações sólidas sobre o regime fundiário e,
também, pela ausência de uma política visível
de plantações florestais.
Fig. 5.4 – Estratificação dos benefícios antecipados pelo projecto de conservação do miombo ou de arborização Municipal
A actual situação é agravada com a prevalência total de tecnologias ancestrais de fabrico
de carvão. Na verdade só vimos praticados
processos de carbonização de fornos de
trincheira rudimentares e com rendimentos
muito baixos que não ultrapassam 12,5-15%
de rendimento em termos de peso seco.
O controlo de carbonização é igualmente
primário e o produto acaba por ser variável
em termos de finos, incozidos e qualidade.
(Fig. 5.5 e 5.6)
A falta de formação e de intervenção dos
serviços do IDF sobre o sector, e a ausência
de formação específica, têem consequências
sobre o produto, resultando numa qualidade
variável e no baixo rendimento do processo
de carbonização.
Fig. 5.5 – Forno de trincheira dominante em toda a zona
do Município de Ecunha
139
um impacto muito positivo na diminuição da
desarborização. Além disso, eliminando um
número de actores de intermediação, poderiam-se distribuir esses benefícios económicos
gerados pelos seus associados. Era um contributo real e importante para mitigar as bolsas
de pobreza existentes no município.
Fig. 5.6 – Relações entre as temperaturas de operação da carbonização e a sua qualidade calórica Ad.: Briane, D. Doat (1985)70
A situação desregulada actual teria a ganhar
com criação de uma cooperativa susceptível
de intervir em duas frentes: i) na componente
técnica assegurando a introdução de fornos
mais eficientes; ii) na componente organizativa/mercado assegurando a organização de
negócios democraticamente controlada pelos
membros.
Os membros da cooperativa participariam
com contribuições iguais para a constituição
do capital necessário, partilhando dos benefícios, e dentro dos limites estabelecidos,
os riscos do empreendimento.
A Coopecunha tem condições para o alargamento da sua área de intervenção ao sector
do carvão. A melhoria da eficiência do processo de carbonização e o estabelecimento
de padrões de qualidade, classificação
e empacotamento, em conjunto com o estabelecimento de padrões e códigos de exploração e extracção de lenhas que satisfaçam as
exigências ambientais e de sustentabilidade
dos recursos lenhosos, com preocupações de
reposição do capital florestal gerador, teria
70
Isto, em simultâneo com uma maior disponibilidade de transporte e armazenamento,
abre possibilidades de comercialização bem
para além dos limites da cidade mais próxima
e permite a pesquisa de novos mercados
(indústria e exportação para fora dos mercados do Planalto) com benefícios directos
para os agricultores do município.
A cooperativa pode também fornecer aos
seus membros equipamento a preços mais
favoráveis, por que é capaz de comprar em
quantidade e desta forma obter descontos
substanciais em equipamento moderno, tal
como fornos de aço, contribuindo assim para
melhorar as técnicas de produção de carvão
e aumentar a qualidade e a quantidade.
Se a cooperativa estiver bem estabelecida
poderá ser capaz de obter empréstimos
a taxas favoráveis para os seus membros
para compra de equipamento especializado
tais como máquinas para pesar e briquetar,
camiões e máquinas carregadoras assim
como para a construção de armazéns.
A cooperativa seria também capaz de anunciar e promover vendas muito mais facilmente
do que no caso dos membros individualizados. A cooperativa poderia ainda facultar
serviços de contabilidade e de registos
aos seus membros.
Briane, D. Doat (1985) – Guide Technique de la Carbonisation. La Fabrication du Charbon de Bois. Edisud.
140
Balanço oferta-procura de material lenhoso
Não existem dúvidas de que os recursos lenhosos estão em rápida degradação em todo
o município. As visitas de campo mostraram
toda uma vasta área da comuna da Ecunha
praticamente despida de coberto arbóreo
(Fig. 4. 8) e toda uma extensa zona na
comuna do Quipeio onde a fragmentação
da cobertura é evidente e extensa (Fig. 4.7).
Se bem que esteja em curso a avaliação
da cobertura florestal do município é necessário ficar claro que a missão não obteve dados
que lhe permitisse uma análise diacrónica
da regressão do coberto.
As fotos da cobertura aérea de toda a região
do Planalto Central do princípio dos anos 60,
embora disponíveis no Instituto de Investigação Agronómica de Angola, não estavam em
condições de ser trabalhadas, porque os mosaicos respectivos não estavam montados nem
se conseguiu encontrar os registos dos respectivos planos de voo. Não foi igualmente
possível arranjar-se os mapas de Angola de
cobertura mais recentes que possibilitassem
uma medida dos vários estratos do coberto
lenhoso da cartografia dos anos 80 para
posterior análise comparativa de fotografia
de satélite de anos mais recentes.
Na falta de estudos de base da ocupação
do solo no Município, tomaremos como base
de partida valores de crescimento médios
em m3.ha-1.ano-1 por unidade de ocupação
do solo referente a outras situações
do mesmo tipo (Quadro 4).
Na ausência de informação fidedigna do censo demográfico considerou-se como credível
a informação local de uma população residente actual da ordem de 70.000 habitantes.
Em termos de consumo optou-se pela informação da FAO71 (1993) que regista para
as regiões Oeste e Sul de Angola valores
de necessidades de 1,5 m3.hab-1.ano-1
ou 1,27572 ton.hab-1.ano-1. Nesta base,
considerou-se que o consumo agregado
provável de lenha no Município atingirá
um valor de consumo médio anual da ordem
dos (105.000 m3.ano-1 ≈ 89.250 ton.ano-1).
Quadro 4 – Acréscimos médios por unidade de ocupação
do solo (m3.ha-1.ano-1)
Formação Vegetal
m3.ha-1.ano-1
Árvores isoladas no município
0,20
Savana bosque
1,5
Miombo aberto
2,0
Miombo denso
2,5
Pousios e regeneração de miombo
3,0
Plantações florestais
25,0
(sem significado
no município
da Ecunha)
Conforme os dados da foto-interpretação
realizada com base na imagem de satélite
Landsat de 2000 e dos dados do inventário
florestal realizado de acordo com a estratificação adoptada revelou que à data, a ocupação
do solo era:
• Miombo denso73 – 2207,44 ha
• Miombo aberto – 41923,84 ha
• Savana bosque – 46557,93 ha
FAO (1983) – Disponibilité en bois de feu dans les pays en développement. Étude FAO: Forêt nº 42. Rome
Considerou-se para a massa volúmica média correspondente às Brachystegia e Combretum um valor médio de 0,85g.cm-3.
73
Adoptou-se considerar aqui o valor correspondente a 1990 porque se considerou pouco provável o valor de 2000 (7237,43 ha).
O aumento de área é mais provável tratar-se de área de regeneração com cobertura densa que o classificador não conseguiu
discriminar mas cujo significado em termos de biomassa considerámos sem significado.
71
72
141
A ocupação do solo é hoje mais desfavorável
em relação à existente à data do inventário
porque aumentou claramente a pressão
sobre a terra e a intensidade de abate
aumentou visivelmente de 2003 em diante
graças à melhoria da acessibilidade que
incentivou o fabrico e extracção de carvão.
Os valores da cobertura arbórea (2000)
mostram que na base dos pressupostos
da ocupação e dos valores da produção
média anual está um potencial de produção
média anual de 174.293 m3.
Quadro 4.1 – Previsão das disponibilidades lenhosas no Município (2000)
Formação
Área total (ha)
florestal
Volume
Limites
Disponibilidade (2)
Disponibilidade
em pé (m3)
de confiança
média anual (m3.ha.ano-1)
média anual (ton.ha.ano-1)
(1)
(**)
(2)
(3)
Miombo denso (*)
2207,44
185109,7
5518,60
4690,81
Miombo aberto
41923,84
1085524,5
83847,68
71270,53
Savana bosque
46557.93
1025606,9
69836,90
59361,37
Regeneração
5029,99
105629,8
15089,97
12826,47
2401897,00
174293,15
148149,18
de miombo
TOTAL
Biomassa (3) = (2)*0,850; (*) valore de 1990; (**) Nível de probabilidade de 95%
Quadro 4.2 – Predição do balanço produção-consumo
2007
2010
2015
2020
108.463
População no Município (1000 hab)(1)
73.858
80.707
93.561
Consumo previsível de lenhas (1000 m3)
110,787
121,061
140,342
162,694
Consumo previsível de lenhas (1000 tons)
94,116
102,844
119,223
138,212
Balanço produção-consumo (1000 m3) (2)
63,506
53,232
33,950
11,599
162
136
87
30
63,506
41,447
11,066
-21,729
Disponibilidade para produção carvão (sacos) (4)
Balanço produção-consumo (m3) (3)
(1) – Projecções efectuadas na base do valor da taxa média de crescimento demográfico de 3% (Economist Intelligence Unit, 2001)
(2) – O balanço aqui expresso tem como pressuposto de base que a área do miombo se mantinha intacta o que é mais do que improvável
(3) – Balanço obtido para um cenário optimista de uma retracção da área florestal natural de 10% com a consequente transferência para outros níveis
de coberto e da manutenção dos actuais constrangimentos (Fig. 6.8)
(4) - Sacos de 60 kg e na base dum rendimento de carbonização de 18% em peso
142
Uma projecção do acréscimo previsível
de consumo mostra um défice crescente
de material lenhoso que urge cobrir com
novas alternativas de actividade de que
a mata natural não é capaz de satisfazer.
Fig. 5.7 – Projecção da evolução do coberto florestal no pressuposto de não intervenção pública de protecção e florestação
Os constrangimentos à substituição da lenha
por outros combustíveis, nomeadamente os
fósseis, não são unicamente económicos. Outros factores, igualmente importantes, devem
ser encontrados no próprio funcionamento
do sistema social. O hábitos culinários não
são susceptíveis de alterações rápidas, mesmo
num território com avultados recursos petrolíferos como Angola. A preparação dos cereais,
que constituem uma parte importante da
dieta alimentar, exigem uma cozedura lenta,
bem adaptada ao uso da lenha. Além disso
o uso de gás não parece viável no curtomédio prazo se tivermos em atenção o habitat
disperso e o custo da distribuição. Mencionase que a referência ao uso do gás como substituto da lenha ou do carvão é para os agricultores uma questão meramente abstracta. De
facto, a lenha aparece, pelo menos nas zonas
rurais como o combustível mais bem adapta-
do. A sua recolha põe às populações poucos
problemas técnicos a resolver, e o único
problema referido, quanto ao tempo de
recolha ser cada vez maior, é o da ocupação
de tempo pelas mulheres que desta forma
é subtraído à produção agrícola e aos trabalhos domésticos (veja-se Fig. 2.7). A lenha
vem, de facto, sendo usada desde tempos
ancestrais, e os seus substitutos estão para
além da capacidade aquisitiva das populações
pobres. É preciso não esquecer que os preços
de venda actual, ou os custos de obtenção
para uso doméstico, ou como matéria-prima
para o fabrico de carvão, são muito inferiores
aos custos reais de produção porque eles
não incorporam os custos da renovação
e de manutenção das matas. Os custos de recolha não incluem, ainda, o valor do trabalho
empregue nem os custos financeiros e sociais
da regeneração das capacidades biológicas
a longo-prazo nem os custos incorridos com
os efeitos negativos da exploração extractiva
sobre a erosão e diminuição da capacidade
de recarga dos aquíferos.
Como os grandes aglomerados urbanos pobres, tal como os agricultores, não dispõem
de recursos para aquisição de combustíveis
alternativos e a lenha apresenta uma relação
peso/rendimento calórico baixo e, portanto,
uma relação peso/valor alto, que não permite
amortizar o custo do transporte senão para
pequenos distâncias, eles estão cada vez mais
dependentes do consumo de carvão que
se acomoda a um transporte muito mais
longo e que atinge, no caso de Luanda
um raio de abastecimento que ultrapassa
já os 700 km.
143
A pressão sobre os recursos arborizados,
que se nos afigura mais forte do que seria
esperado há uns 5 anos não parece, assim,
mostrar sinais de abrandamento. Aquilo
a que assistimos não é já uma simples recolha
de lenha morta na mata para uso dos agregados domésticos mas sim uma clara actividade
de abate sistemático em corte raso, diminuindo de forma contínua as possibilidades
já baixas de regeneração ulterior do miombo.
As projecções efectuadas mostra que o abate,
se tivermos em atenção o volume de carvões
que estão a sair do município ultrapassa
já a capacidade de reposição do material
lenhoso.
Embora o uso do carvão no município
represente só uma quantidade relativamente
pequena da energia primária consumida,
o impacto que se verifica na cobertura arborizada resulta fundamentalmente da produção
de carvão. Em primeiro lugar por que o equivalente em lenha é de 4-6 vezes maior devido
à ineficiência do processo de transformação
e porque as operações de abate e transformação se fazem em áreas concentradas e sempre
em períodos o mais curto possíveis. Na maior
parte dos casos as operações pela sua concentração e pelo tipo de exploração em corte
raso são mais perturbadoras dos ecossistemas
e acentuam mais os malefícios da fragmentação, o que não sucede com a colecta de
lenhas mortas e ramos secos como é o uso
da utilização da mata para o abastecimento
caseiro o que vai permitindo a regeneração
progressiva e o solo nunca é deixado sem
cobertura. Armitage e Schramm74 (1989)
enfatizaram que na generalidade dos casos,
a principal causa responsável pela desfloresta-
ção na maior parte de África é a conjugação
da produção continua de carvão com a actividade insustentável de corte raso.
As potencialidades naturais tendem, assim,
não obstante o seu carácter renovável,
a esgotar-se mais rapidamente do que
o antecipado agravando a situação de crise
que a FAO, já em 1980 tinha antecipado
ao colocar a quase totalidade do território
angolano em estado de crise quanto
ao abastecimento de lenha (Fig. 5.8).
Situação crítica: recursos actuais de lenha superiores às necessidades mas evoluindo
rapidamente para uma situação de crise
Situação de crise: recursos actuais inferiores às necessidades, obrigando as populações a sobreexplorar os recursos
Situação de penúria: recursos limitados ao ponto em que as populações não estão
mais em condições de assegurar o seu aprovisionamento mínino
Situação satisfatória mas os recursos em decréscimo podendo revelar-se insuficientes
a curto prazo
Situação satisfatória: os recursos excedem bastante os níveis actuais e previsíveis
de consumo
Zonas desérticas e sub-desérticas em situação de penúria com muito poucos recursos e pouca população
Fig. 5.8 – Disponibilidades de lenha em África (dados da FAO,
1980)
Armitage Jane and Schramm, Gunter (1989) - Managing the Supply of and Demand for Fuelwood in Africa, Environmental
Management and Economic Development, eds. Gunter Schramm and Jeremy Warford, Johns Hopkins University Press, Baltimore.
74
144
Condições para a sustentabilidade
das áreas florestadas remanescentes
A observação empírica e as conversas
com as populações das aldeias, independentemente da impossibilidade de quantificar
a retracção dos recursos, não deixam contudo
dúvidas, que estes se degradam a uma taxa
significativa. As visitas de campo permitem,
contudo, apontar a tipologia típica dos factores de degradação, e que será a intervenção
coordenada na sua resolução o único elemento que permitirá quebrar o actual ciclo
de desflorestação (Fig. 5.9).
Fig. 5.9 – Tipologia da pressão humana sobre as florestas no Município da Ecunha
145
No contexto das visitas de campo pudemos
perceber que a percepção que a população
tem sobre a evolução do aprovisionamento
de lenha no Município está claramente marcada entre a comuna da Ecunha e a do Quipeio
traduzindo claramente o estado de desarborização entre as duas zonas. As condições
de acesso à lenha que as populações têm
ditam a percepção do que tem sido a desarborização mas não pareceu existir, propriamente, uma consciencialização sobre o papel
da árvore (quer da mata comunitária quer
da mata como parte de sistemas agro-florestais) nas condições de vida das aldeias, nos
benefícios económicos potenciais nem nas
condições do ambiente (Quadro 4.3).
O quadro mostra que a percepção que as populações têm sobre o meio de que dependem
para a sua sobrevivência é limitado e salienta
o papel relevante que uma unidade de extensão florestal poderá vir a jogar neste contexto.
O lugar conferido ao ambiente e ao papel
da árvore nas comunidades rurais, e dos
contributos que elas podem jogar nesse lugar
e no combate à pobreza rural pela criação
de novas actividades e de novos recursos,
é bastante variável conforme forem os determinantes da evolução socio-política e económica das regiões e dos países. Não obstante
essa variedade de factores não parecem restar
dúvidas que a pressão demográfica ameaça
de uma forma generalizada em todos
os trópicos os espaços naturais e aumentam,
de forma progressiva, os problemas de abastecimento de materiais energéticos e da própria
paisagem agrícola.
Para além deste aspecto, os efeitos da degradação ambiental tornam manifesta as fortes
lacunas de conhecimentos existentes, principalmente nos domínios da dinâmica da
desflorestação, da análise sociológica e económica e da falta de estruturas institucionais preparadas, com uma organização à altura dos
desafios que lhe são hoje postos, e com quadros técnicos suficientemente dimensionados.
Quadro 4.3 – Grau de importância e motivações que a população confere aos valores de ter ou plantar árvores
EXPECTATIVA DE BENEFÍCIOS
GRAU DE IMPORTÂNCIA
• Acréscimo de disponibilidade de água das chuvas
+
• Atrair as chuvas
+
• Melhorar a produção agrícola
+
• Melhorar a amenidade do ambiente
+
• Aprovisionamento de lenha
+++
• Aprovisionamento de materiais de construção
+
• Aumentar os rendimentos da agricultura
++
• Aumentar a oferta de plantas medicinais
+
• Proporcionar novos rendimentos pela produção de forragens, frutos, mel
++
• Proporcionar condições de refúgio para a caça
+
• Melhorar as condições de habitabilidade das aldeias
-
• Importante para a delimitação dos campos de cultivo ou pastagens
+
• Importante para o ordenamento do uso da terra
-
Grau de importância
Muito importante
+++
Importância média
++
Pouca importância
+
Sem importância
-
146
A sustentabilidade75 é hoje um questão basilar
em todas as actividades do desenvolvimento,
da utilização dos recursos naturais e do espaço. É uma matéria que desafia os investigadores e marca nos nossos dias os esforços
internacionais em matéria de gestão e desenvolvimento florestal. Se bem que estas envolventes, e fundamentalmente graças à componente internacional, a sustentabilidade
e o ambiente, onde as florestas ganharam
acrescida importância como sumidoros
de carbono, têm dado força aos jogos políticos e aos movimentos ambientalistas mais
ou menos activos em muitos países mesmo
quando lhes falta intencionalidade e implementação consequente no terreno não
encontrámos que estas fossem questões
que tivessem expressão ou relevância
ao nível local.
Como a sustentabilidade dos recursos lenhosos é uma questão de produtividade a longo
prazo, os custos ecológicos, sociais e económicos associados com a produtividade do solo,
e com o papel que a cobertura florestal exerce, reconhece-se que a cobertura natural do
miombo, no seu estado actual, não é sustentável. O consultor entende que a solução do
abastecimento energético e a salvaguarda das
funções ecológicas da cobertura remanescente
passa pela resolução de questões que extravasam o mandato e os termos de referência do
projecto mas que se não forem resolvidas não
propiciam o substrato para a implementação
das medidas técnicas:
• delimitação de um domínio florestal de protecção a constituir domínio público municipal;
• criação de uma base mínima de apoio
técnico para aconselhamento quanto à manutenção, condução e produção das pequenas
matas individuais ou comunitárias e para
a sua manutenção;
• divulgação de tecnologias de produção
de carvões e de melhoria nos processos de uso
de lenhas e carvão como forma de redução da
pressão sobre a floresta natural;
• fomento da actividade florestal privada
criando incentivos que remunerem os serviços
ambientais;
É certo que a mata remanescente não tem
capacidade de abastecer as necessidades
energéticas da população existente, e esta não
percepciona a importância de atitudes conservadoras, ou a importância dos serviços ambientais de que ela não se apropria, nem que
os mesmos contribuam para a melhoria dos
seus rendimentos, como resulta do inquérito
de campo efectuado no âmbito do projecto.
Mas, embora de natureza qualitativa, a população dá-se conta de que tem um problema,
e parece unânime em considerar que os
carvoeiros são uma causa bastante influente
no actual estado de degradação (Quadro 4.4)
mas não pareceram considerar que a resolução
do problema estivesse nas suas mãos.
A Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento define o desenvolvimento sustentado, aquele que “satisfies the needs
of the presente without compromising the capacity of future generations to satisfy theirs”, WCED, 1987
75
147
Quadro 4.4 – Percepção das populações sobre a evolução
do aprovisionamento de lenha
Grau de
percepção
Comuna da Ecunha
• Mais difícil do que há 5 anos
++
• Mais difícil do que há 10 anos
+++
Causas identificadas pela população
• O mato está mais longe da aldeia
+++
• Os pousios são mais curtos porque falta terra
+++
• Aumento da população
+
• Desde há muito que os carvoeiros destruíram tudo
++
• Já não há matas comunitárias
++
• Frequência dos fogos incontrolados
+
Manifestação da consciência de falta
• É possível que em 5 anos tenhamos
+++
grandes problemas com o abastecimento de lenha
Comuna do Quipeio
• Mais difícil do que há 5 anos
+
• Mais difícil do que há 10 anos
+
Causas identificadas pela população
• O mato está mais longe da aldeia
+
• Os pousios são mais curtos porque falta terra
++
• Aumento da população e quem não tem terra
+++
tem de ter outro trabalho
• Já não há matas comunitárias
• A actividade dos carvoeiros
+
+++
Manifestação da consciência de falta
• É possível que em 5 anos tenhamos grandes
+
problemas com o abastecimento de lenha
(na Comuna do Quipeio)
• É possível que em 5 anos tenhamos grandes
problemas com o abastecimento de lenha
(na Comuna da Ecunha)
+++ maior frequência de respostas
(>60% de respostas no universo inquirido)
++ frequência média (20-60%)
++
A taxação sobre a actividade florestal
De uma forma geral, muitas vezes por falta
de uma estrutura de extensão florestal e de
processos de educação ambiental, as taxas
florestais tendem a ser olhadas do ponto de
vista dos instrumentos de repressão da actividade florestal e não como uma instrumento
ao serviço do desenvolvimento florestal.
A taxação da actividade florestal deve ser vista
e explicada como um instrumento de financiamento do investimento na reconstituição
do potencial produtivo da floresta e também
como uma forma de responsabilizar os agricultores sobre os custos da reconstituição
e melhoria dos recursos lenhosos. Durante
a nossa estadia não nos foi possível conhecer
a legislação sobre as taxas e os procedimentos
de aplicação nem o valor real das taxas sobre
as operações comerciais de corte de lenha e,
principalmente, sobre o carvão. Foi uma área
que nos pareceu fluida e onde as informações
foram invariavelmente inconsistentes. As informações colhidas junto dos cortadores/carvoeiros indicam pagamentos de:
• 10 Kz pagos pelo carvoeiro ao IDF por saco
de carvão. À pergunta para vermos a guia de
pagamento e licença fomos informados de
que não a tinha recebido;
• Outro grupo de carvoeiros disse que
as licenças tinham sido pagas pelo grossista
sem que soubessem o preço médio unitário
pago nem tivéssemos visto nenhuma guia
comprovativa;
+ frequência baixa (1-20%)
• Outro pequeno grupo de carvoeiros
informou que não pagavam nada;
148
• Outro carvoeiro disse que o pagamento
que tinha feito foi ao dono do terreno e que
pagara 1500 Kz/hectare pela licença de abate
(o hectare, na zona onde o carvoeiro operava
e segundo a sua informação renderia cerca
de 360 sacos [≈60 kg/saco] de carvão).
A situação referida de fluidez da taxação
e não termos informação confirmada de
corte e guias, tornou impossível, por essa via,
uma quantificação mais ou menos fiável
da exportação de carvão do município e,
pela sua conversão em matéria-prima lenhosa, uma medida razoável do volume de abate
com aquele destino. Em termos médios esse
conhecimento era uma base extremamente
útil para conhecer-se o esforço anual sobre
os recursos lenhosos do município.
Não obstante informação obtida ao nível dos
carvoeiros de que não havia taxas de circulação de carvão verificámos que as grandes
cargas de carvão atravessam frequentemente
a Ecunha de noite ou de madrugada. O uso
dessas horas escusas para uma travessia de
40 km de muito má estrada deixa fundadas
dúvidas se não será uma forma de fugir
a alguma taxa de circulação de carvão.
Não nos foi igualmente possível saber de
forma segura se as taxas de fabrico são pagas
pelo número de sacos produzidos ou pela
produção, independentemente do volume
fabricado.
Ficou no entanto a certeza de que a administração florestal (IDF) só raramente controla
ou monitoriza os cortes da mata, havendo
dúvidas sobre se terá qualquer controlo sobre
as quantidades abatidas. Aparentemente
a situação deduzida das conversas com
os carvoeiros e com pessoal em abate para
transformação pode ser tipificada por
“o primeiro a chegar é o primeiro a servir-se”.
As situações identificadas no Município foram
do tipo seguinte:
• Se o carvoeiro tem conhecimento de que
a mata tem um detentor de direito pede
a este autorização de abate, paga ao proprietário o montante solicitado e procede
ao abate raso. Nalguns casos, se tem machados adequados quase rente ao solo, se não
o abate é feito aí a 0,40-0,50 metros do solo,
com bastante desperdício de lenha;
• Dois carvoeiros entrevistados confirmaram
que a mata que estavam a abater tinha um
dono, contudo, estavam a abater sem autorização;
• Num caso, um carvoeiro sabia que a mata
era pertença de uma comunidade, mas mesmo tendo-lhe sido dito que não podia abater
não acatou essa determinação pois que “tinha
de prosseguir com a sua vida”.
149
Os casos relatados mostram que os procedimentos são casuísticos, o controlo dos cortes
é inexistente, a determinação legal da posse
dos recursos naturais pertencerem ao Estado
não tem significado prático no terreno
e que as pressões de sobrevivência, a par
com incerteza quanto à posse e aos direitos
de acesso que lhes estariam inerentes, fossem
eles públicos ou costumeiros, não contribuem
por uma lado para a sua conservação nem,
por outro lado, dão significado a quaisquer
planos de gestão que não sejam um exercício pouco efectivo sobre a conservação dos
recursos.
As formas de aquisição, de transporte mais
ou menos especializado e os modos de distribuição estão bastante imbricados e diversificados, de forma que não foi possível ao consultor detalhar as margens económicas geradas
em cada elo da cadeia. Por sua vez
os transportes, actividade estratégica no
negócio do carvão que é controlada por
participações financeiras diversas, parecem
dispor de uma grande capacidade adaptativa,
que pressiona o agricultor/carvoeiro a cortar
de forma cada vez mais extensiva. O aprovisionamento de Luanda, Huambo, Lobito
e Benguela em carvões gerou um conjunto
de actividades económicas específicas e uma
ocupação de mão-de-obra que não é facilmente suprível por legislação de contenção
da intensidade de corte da mata de miombo.
150
151
VII
O PROGRAMA
DE INTERVENÇÃO FLORESTAL
Em sistemas socioeconómicos como
os do planalto, e concretamente os da Ecunha, onde a contribuição da árvore à reprodução biológica e social do ambiente é múltipla,
a manutenção da segurança alimentar passa
pela defesa das formações arbóreas. Se nos
colocarmos no quadro mais que provável
da lenha e carvão como matérias insubstituíveis no abastecimento energético de uma
faixa muito importante da população,
a necessidade de garantir o abastecimento
por uma gestão adequada das potencialidades
produtivas põe-se de uma forma mais nítida
e impositiva. A sua abordagem passa pela definição das suas modalidades, na definição das
suas incidências sociais e em assegurar
os suportes financeiros e institucionais.
Condições para a sustentabilidade
das plantações
O diagnóstico feito sobre o quadro dos condicionamentos que impendem sobre a sustentabilidade das plantações que se considera
serem imprescindíveis para garantir o abastecimento energético, criar novas actividades
susceptíveis de ultrapassarem os condicionamentos agro-ecológicos e aumentarem os rendimentos dos agricultores, mostra a existência
de um conjunto de condicionalismos que
devem ser enfrentados pelas autoridades,
sem as quais as acções de arborização dificilmente serão sustentáveis e não serão capazes
de jogar um papel socialmente positivo nem
serem economicamente viáveis.
A rigidez da substituição dos carvões e lenhas
no abastecimento energético parece mostrar
que acções rápidas de criação de alternativas
de produção de material lenhoso são bastante
urgentes e que, na fase actual, a falta de estudos de base sobre a o potencial de crescimento do miombo e da inexistência de florestas
devidamente tituladas, a plantação florestal
na base de espécies de crescimento rápido
é uma necessidade imprescindível. A sua
implementação necessita a definição urgente
de uma estratégia para a silvicultura necessária
para Angola, cujo ciclo se esquematiza na Fig. 6.
A experiência disponível mostra que o sucesso de uma acção de desenvolvimento de
intervenções sobre o coberto florestal natural,
ou plantações, se encontra associada a uma
pesquisa significativa assim como a esforços
específicos de clarificação da estratégia e dos
instrumentos de campo disponibilizados, de
um programa concreto e de uma calendarização de médio-prazo. Quanto às espécies
exóticas adaptadas ao planalto, o consultor
entende que, neste caso, o capital de conhecimentos existente é suficiente para o sucesso
técnico das intervenções. Neste caso específico das acções florestais de plantação os conhecimentos técnicos não são o factor crítico
mas sim, tal como referem Kanowski & Savill76
(1992), o contexto económico e institucional
e as medidas que venham a ser adoptadas
para sensibilização da população agricultora,
cuja resolução se encontra fora do contexto
cometido ao consultor.
Kanoswski, Peter J. and Savill, Peter S., (1992) – Forest plantations: towards sustainable practice, 121-155 In: Plantation Politics,
ed. By Caroline Sargent and Stephen Bass. Earthscan Publ. Ltd, London
76
152
Fig. 6 – Uma estratégia para a silvicultura sustentada
153
Pensamos assim que as autoridades de Angola, ou os financiadores internacionais do desenvolvimento florestal angolano, deverão
examinar o seu papel num quadro estruturante, por forma a contribuir para a sustentabilidade das acções em curso e que vão mais
longe que as acções avulsas de proteger
e plantar. As considerações feitas têm o propósito expresso de chamar a atenção para
problemas que se reputam críticos, que
pensamos deverem ser resolvidos o mais rapidamente possível e que no seu conjunto se
esquematizam na Fig. 7.2.
No caso concreto da Ecunha e de acções
florestais com carácter durável, susceptível
de alterar o ritmo de degradação ambiental
que se verifica, é necessário que o Estado,
para além dos outros instrumentos já mencionados, seja capaz de equacionar o problema
de subvenções ou incentivos à plantação e do
horizonte da sua aplicação, até que os hábitos
de lidar com árvores, protegê-las e considerálas como actividade económica rentável possam estar radicados nos hábitos da população.
Assim, o desenvolvimento eficaz e durável
de plantações florestais depende da aplicação
coordenada de um conjunto de elementos
técnicos integrados por medidas de política
de natureza social, económica, social e legislativa que sejam capazes de modelar um ambiente favorável aos agentes económicos:
os agricultores e os industriais.
Fig. 6.1 – Condições necessárias ao desenvolvimento florestal sustentável
154
Sendo certo que as condições de sustentabilidade são complexas e que os múltiplos aspectos envolvendo a reformulação da política
florestal e das instituições de suporte são
demorados, é aconselhável um conjunto
de intervenções, passo a passo, susceptíveis
de ir enformando os agricultores de forma
positiva, fechando o ciclo conducente a um
clima de racionalização das intervenções ou
seja, aquilo que podemos chamar de mudanças incrementais com base na informação
e conhecimento geral disponível e que, nesta
fase, teriam como elementos ancora:
• Apoiar-se no tipo de intervenções costumeiras. O consultor considera importante que
o projecto colija junto dos líderes dos diferentes clãs as regras que imperavam na utilização
das matas do “chão” tribal.
• Improvisação: fazer alguma coisa, com base
noutras experiências de sucesso ou no conhecimento existente, que não seja habitual
e que pareça ajustar-se aos problemas reais.
• Ajustamento mútuo – fazer pequenas
mudanças em resposta a outras.
• Negociação – organize-se com outros
e negoceie uma solução ou intervenção.
Para alterar a dinâmica de degradação dos
espaços arborizados ainda restantes com
o mínimo de dimensão e assegurar a recuperação de extensas zonas já totalmente desarborizadas de toda a comuna da Ecunha,
as soluções passam por:
• Intervenção na mata natural;
• Criação de novos recursos florestais por via
da plantação;
• Intervenção de forma a usar as árvores
na desespecialização do espaço rural.
A primeira das intervenções visa a reconstituição do coberto ainda existente enquanto
a segunda visa a ocupação do espaço pela
arborização artificial com espécies exóticas
de rápido crescimento. Já para a terceira modalidade de intervenção procura-se divulgar
e explorar as árvores – fundamentalmente de
uso múltiplo – no contexto da actividade agrícola usando modelos ditos agro-florestais.
Na mata natural
Deve dizer-se que adicionando-se a uma
lacuna séria na formulação do projecto que
foi a da ausência de uma base cartográfica
envolvendo a base territorial actual ocupada
pela matas, e sabendo-se que as acções de
gestão ou de ordenamento florestal não se
exercem fora de espaços fisicamente delimitados e fora do contexto dos beneficiários que
os possuem ou que neles intervêm, a intervenção do consultor não pode ser outra que a de
listagem de condições que entende deverem
ser assumidas pelo IDF, ou por uma unidade
de intervenção florestal municipal, se a lei
vier a contemplar medidas de descentralização, que poderão assumir um dos vários
modelos cujos exemplos atrás apontámos.
Atendendo à estrutura da mata natural,
à sua dificuldade de utilização com maior
valor acrescentado do que a lenha e o carvão
e à sua localização quase generalizada em
155
zonas topograficamente sensíveis do ponto
de vista da protecção, entende o consultor
que os objectivos do processo de gestão
devem ser dirigidos aos fins protectores para
contenção da erosão e de protecção às bacias
hidrográficas, e como facilitador da conservação dos aquíferos necessários à cultura de
regadio de uma área significativa de produção
de batata e hortaliças. Os objectivos produtivos directos para produção de lenha para
transformação em carvão devem ser claramente controlados e os cortes espacialmente
definidos de acordo com critérios que tenham
em conta o declive e, nalguns casos, uma
intenção clara de acomodação com o ordenamento da ocupação do espaço e as necessidades vitais da população.
Para a concretização deste objectivo impõe-se
que estas áreas sejam protegidas contra
a intrusão, roubo e outras ameaças (veja-se
Fig. 6.2) e, paralelamente, se crie uma estrutura organizacional (guardas e supervisão) capaz
de implementar os pressupostos de base.
A tipologia ideal no caso das matas de protecção é ter uma mata fechada, com limites bem
marcados e desabitada ou com pouca densidade populacional. No caso concreto do Município da Ecunha, e principalmente na comuna do Chipeio, não existem áreas desabitadas
pelo que um adequado equilíbrio é necessário
para acomodar a exclusão da população a um
acesso diferente da simples recolha de material lenhoso morto e convencer a população
a defender as áreas demarcadas dos fogos
para atingir um conjunto trabalhável de acordo com a representação triangular da situação
estratégica para a intervenção na floresta
de protecção.
A abordagem integrada da manutenção das
matas naturais ainda existentes, única forma
de suster a dinâmica de desflorestação instalada, passa, no entender do consultor, por fazer
convergir para aquele objectivo os seguintes
stakeholders:
• Produtores florestais (agricultores e comunidades);
• Consumidores florestais reunidos e com
determinada área concessionada;
• Um entidade pública responsável pela
floresta pública municipal.
Fig. 6.2 – Visualização de como a estratégia, a estrutura
e o ambiente estão relacionados
156
Assim, entende-se que a concretização de
uma intervenção, para que faça sentido falar
de uma gestão sustentável da mata de miombo ainda existente, passa pela concretização
das seguintes acções:
1. Concretizar rapidamente a demarcação
de antigas áreas de cariz consuetudinário
que ainda estejam com matas naturais.
A efectivação destas medidas pressupõe que
à mancha corresponda um título de propriedade colectiva e inapropriável por terceiros
ou por elementos da própria comunidade;
2. Concretizar para estas áreas, e por via
participativa, o regulamento dos compartes
e as formas de gestão e a decisão que deve ser
consensual sobre quem na comunidade é responsável pela gestão e supervisão da mesma.
É crítico que para estas áreas os beneficiários
assumam consensualmente a sua adesão
às regras, tenham perfeito conhecimento
do seu conteúdo, dos seus deveres e dos seus
direitos em relação ao acesso e repartição dos
benefícios;
3. Concretizar, em diálogo com a população,
os objectivos visados com a manutenção das
áreas arborizadas;
4. Concretizar, para cada uma destas áreas,
os planos de gestão. Na fase actual de conhecimentos e estrutura técnica disponível, a nível
da província, estes planos têm de ser forçosamente providenciados pela ajuda externa.
É possível que em 5 anos tenhamos grandes
problemas com o abastecimento de lenha
(na Comuna do Quipeio) e que só sejam resolvidos com o recurso a plantações comunitárias
de espécies de rápido crescimento;
5. Demarcar nas zonas mais onduladas,
fora dos espaços consuetudinários demarcados, a reserva pública que ainda faça sentido
pela sua continuidade e dimensão. Esta área
deve ser considerada uma unidade de paisagem destinada à conservação e recuperação
de ecossistemas naturais de relevância ecológica à produção lenhosa em zonas menos
sensíveis e ao desenvolvimento de actividades
de educação e interpretação ambiental.
Objectivos da gestão
Do ponto de vista do consultor, tendo
em atenção que o miombo remanescente
consiste em espécies de pequeno porte e que
a utilização directa do material lenhoso está
praticamente confinado à produção de lenha
e carvão, entende-se que os objectivos
da gestão são:
• Conservação “in-situ” da biodiversidade
e das condições ecológicas;
• Produção em condições económicas sustentáveis de lenha e carvão nas zonas menos
sensíveis e com carácter meramente subsidiário, controlando os cortes (a sua intensidade,
extensão e localização) e introduzindo tecnologias mais eficientes (fornos casamança);
• Integrar a população das zonas demarcadas
nas estratégias e planos de gestão que venham
a ser elaboradas para cada caso concreto;
157
• Integrar as populações nas áreas mais
sensíveis e na vizinhança da mata municipal
ou nacional nos planos de conservação por
via de procedimentos participativos, na participação de benefícios e por medidas educativas ao nível das populações e das escolas
rurais;
• Levar a cabo alguns projectos de investigação-desenvolvimento sobre vários aspectos
relacionados com os crescimentos efectivos
de biomassa e da mortalidade natural (parcelas permanentes), capacidade regenerativa,
benefícios em produtos florestais não lenhosos
e interacções socioeconómicas das aldeias
vizinhas com a mata.
O plano de gestão numa mata natural com
a tipologia característica da floresta da Ecunha
só pode ocorrer após um plano de zonagem
cuja sequência de execução consta do fluxograma constante da Fig. 6.3.
Na Fig. 6.4 enumera-se a metodologia proposta de geoprocessamento indicada como
base para o adequado plano de gestão
sustentável para a (s) matas de protecção
a implantar.
Fig. 6.3 – Fluxograma da metodologia de geração de dados para a demarcação e implementação de uma reserva florestal no Município
da Ecunha
158
Fig. 6.4 - Fluxograma da metodologia de geoprocessamento
159
Compartimentação da mata
A área demarcada para constituir uma reserva
florestal deverá ser devidamente compartimentada, utilizando uma abordagem que
prioriza a conservação da biodiversidade.
A proposta de zonagem ambiental que individualiza, de acordo com o aumento da complexidade ambiental, as áreas com alta
diversidade biológica até áreas já alteradas
com menor diversidade, é conseguida utilizando uma abordagem a nível da paisagem.
A zonagem ambiental da zona tampão deverá
ser marcada com base na análise das ameaças
relativas às actividade humanas associadas
aos diferentes tipos de uso e ocupação do
solo e a determinação de áreas prioritárias
para a conservação, visando garantir a integridade dos ecossistema naturais de miombo
existentes dentro da Unidade de Conservação.
A proposta e os trabalhos de base necessários,
que estão fora do âmbito das referências desta
intervenção, buscam assegurar a protecção
de fragmentos remanescentes de vegetação
natural e disciplinar as actividades de produção e pesquisa científica, bem como servir
de base aos programas de educação
e interpretação ambiental.
Em termos sintéticos e meramente indicativos
listam-se as seguintes zonas cuja representação deverá ser feita para que se possa falar
de planeamento de conservação dos recursos
florestais:
• Zona intangível;
• Zona primitiva;
• Zona de uso intensivo;
• Zona histórico-cultural;
• Zona de recuperação;
• Zona de uso especial;
• Zona de produção.
Nesta fase definiremos novamente - em termos genéricos - os objectivos prosseguidos
por cada uma destas zonas de estratificação:
Zona intangível
• Manter o ambiente natural com o mínimo
de impacto humano;
• Oferecer acesso limitado a pesquisadores;
• Manter a diversidade biológica em estado
evolutivo, garantindo uma área suficiente
para assegurar a heterogeneidade espacial
dos habitats
Zona primitiva
• Conservação do ambiente natural;
• Facilitar as actividades de pesquisa científica;
• Apoiar as actividades de educação ambiental
e formas de recreação;
• Promover a conectividade (corredores biológicos) e o fluxo biológico entre fragmentos
em diferentes estados de conservação;
• Preservação dos recursos hídricos
Zona de uso intensivo
• Criar oportunidades e facilitar a recreação
educativa e a educação ambiental;
• Concentrar os visitantes nessa zona de forma
a minimizar os impactos sobre as zonas mais
restritas (este é um objectivo a prazo dada
a não significância actual do turismo
de natureza);
• Proporcionar oportunidades de recreação
e educação para grupos de estudantes
160
Zona histórico – cultural
• Proteger, pesquisar e interpretar as manifestações histórico-culturais da floresta da Ecunha
caso as haja;
• Proporcionar oportunidade de educação
para estudantes e pesquisadores.
Zona de recuperação
• Recuperar os ecossistemas de forma natural
com recursos a processos de sucessão ecológica ou por acções acompanhadas;
• Facilitar a recuperação natural defendendo-a
da intervenção antrópica e ampliando a área
para conservação da biodiversidade;
• Acompanhar e monitorizar o processo
de sucessão ecológica;
• Desenvolver actividades de pesquisa
e educação ambiental;
• Recolha de sementes das essências florestais
existentes.
• Desenvolvimento da pesquisa dendrológica,
botânica e potencial de fixação de carbono;
• Geração de rendimentos para as populações
circundantes.
A prescrição técnica e etapas identificadas,
que são parte do que usa chamar-se boa governância florestal, requerem, para ser implantadas, que um conjunto de blocos constitutivos seja forjado de uma forma coerente como
se mostra na Fig. 6.5.
Zona de uso especial
• Concentrar as actividades administrativas
e os serviços da unidade;
• Fornecer serviços de treinamento técnico
profissional em estratégias de conservação
ao dispor do departamento Florestal da Universidade Agostinho Neto;
• Local de recolha de sementes das espécies
existentes.
Zona de produção
• Utilizar sustentadamente os recursos florestais;
• Utilizar sustentadamente os recursos faunísticos que venham a repovoar a zona;
• Estabelecer um plano de cortes compatível
com o potencial de crescimento da existência
da mata;
Fig. 6.5 – Pirâmide da boa governância florestal
161
Plantação florestal
Perante as características do miombo típico
do Município, é plena convicção do consultor
que a floresta natural não será capaz de sustentar a procura interna de produtos energéticos. As preocupações ambientais, as pressões
sociais e a rápida diminuição dos recursos
virão a exercer pressões acrescidas sobre
as áreas ainda arborizadas. Quer isto dizer
que as autoridades angolanas deverão tomar
uma posição clara quanto a políticas de fomento de sistemas de produção lenhosa sustentáveis e ocupando áreas menores, graças
ao potencial produtivo acrescido das espécies
exóticas seleccionadas na base de florestas
plantadas.
A constituição de uma área florestal permanente, distribuindo-se por um contínuo de
floresta natural e plantações, conforme for
a função que lhe for conferida e os objectivos
do planeamento, deverá ser uma das prioridades do Município.
Na verdade a área florestal de reserva natural
a estabelecer, principalmente nas zonas mais
declivosas e mais sujeitas a erosão hídrica,
deverá satisfazer os serviços de retenção
e diminuição dos picos de cheia na estação
das chuvas enquanto as plantações, em áreas
bem limitadas, são absolutamente necessárias
para satisfazer as necessidades crescentes de
lenhas e carvões e criar um interface necessário entre a agricultura e os espaços arborizados para conveniente compartimentação da
paisagem potenciando serviços ambientais
necessários para a própria agricultura.
Acrescente-se, se tivermos em perspectiva
as limitação agrológicas do Município atrás
anunciadas, que as plantações deverão vir
a ser uma alternativa de particular significado
económico e ecológico para a actividade rural
das populações nas zonas mais desfavorecidas e uma importante fonte de rendimentos,
nomeadamente se se tiver em perspectiva
a provável procura por madeiras industriais
de que Angola virá a necessitar no seu
processo de desenvolvimento.
Fig. 6.6 - Caracteres distintivos das plantações em relação às matas naturais
162
As plantações não só oferecem oportunidades
para satisfazer a procura de material lenhoso
e reduzir a desflorestação, ao reduzirem
a pressão sobre a floresta natural, como podem restaurar solos degradados e aumentar
a biodiversidade.
Embora faltassem ao consultor para a acção
de arborização - justificativa da criação de
um viveiro florestal -, a definição dos espaços
sobre os quais incidiriam as acções e uma
clarificação, no terreno, dos proprietários/agricultores do solo (os verdadeiros decisores) que
hão-de implementar acções de conservação
ou de plantações (Fig. 6.4), o consultor ficou
limitado a constatar nas visitas de campo que
efectuou nas duas comunas, a vontade dos
agricultores em efectuarem plantações de
árvores produtoras de lenha ou de carácter
misto lenha/forragem e mesmo de fruteiras
que viessem a dar resposta a curto médioprazo a necessidades sentidas ou perspectivadas, não obstante reconhecerem as incertezas
sobre a posse da terra e dos produtos lenhosos que venham a produzir.
Fig. 6.7 - Os tempos e os actores principais das acções de intervenção florestal. O proprietário da terra é o decisor principal ao
longo de todo o processo de florestação
Pareceu contudo ao consultor que a actual
abordagem legislativa sobre o regime fundiário, e as acções já empreendidas de demarcação e legalização de áreas no domínio das
aldeias, vêm tendo um efeito muito positivo
no sentido da incentivar o investimento dos
agricultores na ocupação positiva
do espaço.
Assim, e de acordo com aquele esquema
a proposta do consultor é:
Plantação
Espécies a utilizar
As espécies para as quais existe suficiente
conhecimento sobre o seu comportamento,
aptidões industriais e crescimento para a sua
transferência segura para os agricultores são:
Género Eucalyptus
E. saligna
E. grandis
E. camaldulensis
Género Pinus
P. patula
P. pseudostrobus
Género Casuarina
C. equisetifolia
Género Cupressus
C. lusitanica
163
Existe contudo um conjunto de espécies
arbustivo/arbóreas de regiões ecologicamente
homólogas, de uso múltiplo ou só para produção de lenha, que seria importante experimentar principalmente na perspectiva
de serem utilizadas na melhoria dos pousios,
e na própria compartimentação dos campos
agrícolas, com elevado potencial para fornecimento de forragem para o gado. Mencionamos as que consideramos as prioritárias para
ensaio em terreno adjacente ao viveiro:
As espécies a usar serão:
Acacia mangium (vocação lenha)
Azadirachta indica
Caliandra calothyrsus
Cassia sieberiana
Casuarina cuningamiana (vocação lenha)
Ficus gnaphalocarpa
Gliricidia sepium
Lannea acida
Leucaena leucocephala
Melia azedarach v. Gigante
Morus alba
Prosopis juliflora (vocação lenha)
Zizyphus jujuba
Sendo a maioria das espécies do miombo
impalatáveis, e verificando-se um interesse
crescente pela criação de gado bovino,
que julgamos virá pouco a pouco sendo mais
compensador para o agricultor que a cultura
do milho, será de todo o interesse que na área
dedicada a ensaios de introdução de espécies
se introduzam algumas espécies de árvores
e de arbustos de vocação forrageira dominante a introduzir posteriormente junto dos
agricultores. Tecnicamente os especialistas
chamam a estas últimas “improved fodder
shrubs” se bem que os agricultores das zonas
onde vêm sendo divulgadas as apelidem
de “trees of life”. Estes arbustos lenhosos
amadurecem à volta de um ano e estão prontos para ser podados e distribuídos ao gado.
A experiência da Tanzânia, onde mais de 3300
produtores de gado expandiram a sua capacidade produtiva com este tipo produção forrageira, capaz de proteger o solo, enriquecê-lo
pela fixação de azoto atmosférico e proporcionar forragem de alto valor alimentar, deve ser
testada o mais breve possível.
As espécies que se aconselha a serem imediatamente introduzidas num compasso apertado de 4 plantas por metro quadrado são:
Gliricidia sepim;
Caliandra calothyrus;
Sesbania grandiflora;
As sementes para o estabelecimento
de ensaios deste tipo podem ser obtidas
através do World Agroforestry Centre, United
Nations Ave., P.O. Box 30677-00100 Nairobi.
Que tecnologia para a produção de plantas?
A tecnologia indicada para intervenção junto
da população basear-se-á na produção de
plantas em viveiro, montado e gerido pelo
projecto. Os aspectos técnicos para a sua
montagem e condução encontram-se descriminados no anexo I e manual do viveiro florestal e manual do viveiro escolar produzidos
no âmbito do projecto.
Que quantidades?
Do diálogo com as populações, e com o
responsável pelo projecto na Ecunha, pareceu
exequível o programa de produção de plantas
sintetizado no quadro 5.
164
Quadro 5 - Cálculo do número de plantas a produzir no viveiro
E. saligna
Plantação
60000
Retancha
12000
Falhas (repicagem e quebras)
15000
87000
E grandis
Plantação
60000
Retancha
12000
Falhas (repicagem e quebras)
15000
87000
E. camaldulensis
Plantação
60000
Retancha
12000
Falhas (repicagem e quebras)
15000
87000
Pinus patula
Plantação
10000
Retancha
2000
Falhas (repicagem e quebras)
2500
14500
P. pseudostrobus
Plantação
10000
Retancha
2000
Falhas (repicagem e quebras)
2500
14500
Casuarina equisetifolia
Plantação
Retancha
Falhas (repicagem e quebras)
45000
9000
11250
65250
Cupressus
Plantação
5000
Retancha
1000
Falhas (repicagem e quebras)
1250
7250
Nº de plantas a produzir no viveiro
362500
pés
165
Quadro 5.1 - Programa de actividade da produção de plantas (fase experimental)
Data
Dezena
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
Janeiro
Fevereiro
Sementeira
Plantório
Número de plantas
Número
Número
Área
Nº
Área
canteiros
canteiros
(m2)
Canteiros
(m2)
Repicagem
Plantação
1ª
3
15
2ª
3
15
3ª
3
15
1ª
5
25
2ª
5
25
3ª
5
25
1ª
5
25
2ª
2
10
220
22000
3ª
5
25
220
22000
1ª
5
25
183
18333
2ª
5
20
385
38500
3ª
4
20
385
38500
1ª
3
15
385
38500
15000
2ª
385
38500
15000
3ª
147
14667
12500
1500
1ª
385
38500
26250
1500
2ª
385
38500
26250
1250
3ª
293
29333
26250
2625
1ª
267
26667
26250
2625
2ª
10000
2625
3ª
26250
2625
1ª
26250
1000
2ª
20000
2625
3ª
20000
2625
1ª
Março
Retanchas
2000
2ª
3ª
Totais
260
3640
364000
250000
23000
166
Necessidades de sementes
Tendo em conta as características individuais das sementes das espécies listadas
e os pressupostos de germinação e mortalidade nos viveiros e nas plantações,
as necessidades de sementes são as seguintes:
Bases de cálculo da área do alfobre para o programa de plantas florestais
Produção de plantas úteis.m2 → 1500 plântulas
• Área para os alfobres para Eucalyptus spp. →
• Área para os alfobres para Pinus spp. →
• Área para os alfobres para Casuarina →
• Área para alfobres para Cupressus →
261.000/1.500 = 174 m2
29.000/1.500 = 19,4 m2
62.500/1.500 = 41,6 m2
7.250/1500 = 4,9 m2
= 239,9 m2 → 240m2
Sub-total alfobres florestais
Bases de cálculo da área do plantório de acordo com o programa de plantas florestais
Nª plantas.m-2 → 100
Área total do plantório → 364.000/100 = 3.640 m2
Bases de cálculo da quantidade de semente a adquirir
E. saligna
E. grandis
E. camaldulensis
Pinus patula
Pinus pseudostrobus →
Casuarina equisetifolium
Cupressus lusitanica
Ligustrum japonica
87.000/300.000 = 290 gr
87.000/300.000 = 290 gr
87.000/350.000 = 249 gr
14.500/100.400 = 145 gr
14.500/125.000 = 120 gr
65.250/120.000 = 545 gr
7.250/150.000 = 49 gr
= 100 gr
Amostras de sementes para ensaio das espécies indicadas
Para cada uma das espécies listadas bastarão
= 20 gr
167
Calendário das actividades no viveiro
Administração e controlo
Quadro 5.2 - Calendário das actividades no viveiro
Para um melhor desempenho do viveiro,
deve-se adoptar alguns procedimentos
administrativos, sendo os mais importantes:
1. Planeamento da produção visando cobrir
todas as fases do processo, em que devem
ser considerados: o número de plântulas
a serem produzidas; as espécies; as épocas
mais adequadas para a produção.
2. Stock de inputs e demais materiais necessários para a produção, tais como embalagens,
substratos, adubos, ferramentas e outros.
3. Disponibilidade de sementes necessárias
ou locais definidos para colecta ou compra.
4. Supervisão dos trabalhos distribuindo
atribuições e obrigações ao pessoal.
5. Acompanhamentos periódicos através
de relatórios em que figurem informações
sobre as espécies produzidas, actividades
produtivas com seus rendimentos e custos
actualizados da produção.
Para facilitar a administração e o manejo
dos viveiros, são necessárias as seguintes
instalações:
1. casa do viveirista (dispensável se o viveiro
for próximo de uma zona habitacional)
2. escritório
3. depósito para equipamento e ferramentas
4. depósito para produtos químicos
5. abrigo aberto nas laterais para actividades
que não podem ser executadas sob chuva
como preparação e stock de substratos,
enchimento de recipientes.
168
Facilidades do viveiro
Na implantação de um viveiro de demonstração e de produção, todas as estruturas
e facilidades necessárias são arranjadas para
assegurar um fluxo constante de actividades.
O layout genérico do viveiro que se apresenta,
embora dependente da dimensão e tipo
de viveiro que se pretende, esquema
de operação e tempo de utilidade previsível,
conterá os elementos constantes do esquema:
Adjacente ao viveiro recomenda-se reservar
uma área de cerca de 0,5 – 1,0 ha, devidamente protegida contra a entrada de gado,
para instalação de alguns ensaios de adaptação de espécies de uso misto, já listadas,
para desenvolvimento futuro de esquemas
agro-florestais que se entende ser necessário
vir a instalar a curto prazo para ir introduzindo
mudanças na paisagem agrícola da região que
se revela actualmente insustentável face ao
relevo, às características dos solos e à elevada
propensão para o ravinamento, principalmente em toda a zona sul do Município.
Condução de ensaios simples de aclimatação e comportamento de algumas espécies
O ensaio com o estudo de adaptação das
espécies indicadas terá como objectivos
a verificação de:
• Facilidade de estabelecimento;
• Capacidade competitiva;
• O nível de produtividade em biomassa
e a sua persistência sob corte repetitivos
da ramagem (pelo menos 4 cortes);
• Comportamento sem qualquer incorporação
de adubos;
• Resistência a pragas e doenças;
• Aptidão para a produção de sementes
ou ser susceptível de propagação vegetativa;
• Apresentar bom valor nutritivo e razoável
palatabilidade para os animais.
Fig. 6.8 - Telheiro para preparação dos substratos e enchimento
dos recipientes
169
Para estes ensaios usar-se-á um esquema
de plantação em linhas repetidas com intervalos de 3 m, plantando-se na linha com espaçamento de 2 m. As plantas das diferentes
espécies serão instaladas ao acaso, pretendendo-se analisar a resposta às condições ecológicas como também a capacidade competitiva
de cada uma.
Reconhece-se hoje que a especialização
do espaço rural, separando as diferentes
intervenções agrícolas, pastoris e florestais
por compartimentos isolados e prosseguindo
estratégias divergentes, vem tendo pesados
custos em termos ambientais e mesmo sociais
na medida em que não trouxe uma melhoria
da segurança alimentar e tem contribuído
para o aumento da ocorrência de fenómenos
de desertificação (Fig. 6.6)
Há hoje consenso quanto à necessidade
de reformular a ocupação do espaço rural,
diversificando a sua ocupação com elementos
vegetais moderadores dos efeitos negativos
das monoculturas, para garantir o equilíbrio
e a estabilidade do meio rural e possibilitar
o acréscimo da produção biológica.
Fig. 6.9 - Esquema de plantação a usar nos ensaios em linha
O uso das árvores na des-especialização
do espaço rural
Quando se aborda a problemática da conservação dos recursos florestais naturais
e se identifica que o alargamento da fronteira
agrícola e os abates para fabrico de carvão
para reforço das fontes de rendimento dos
agricultores são as causas principais da desflorestação, devem encarar-se, juntamente com
as medidas de conservação e com a criação
de plantações comunitárias, as medidas
de recuperação dos espaços em vias de forte
degradação e que passam por uma maior
incidência do uso da árvore em conexão
com os sistemas agrícolas.
170
Fig. 6.10 - Modelo das consequências da especialização do espaço rural sobre a desertificação
171
As técnicas a incentivar passam fundamentalmente pela promoção do uso da árvore,
de preferência de uso múltiplo, lenha e produção de frutos comestíveis ou folhagem para
alimentação de gado ou intercalando faixas
mais ou menos extensas de zonas já totalmente desarborizadas com faixas de árvores
ou mesmo de arbustos espinhosos e bastante
rústicos como a purgueira (Jatropha curcas)
particularmente adaptada aos solos secos
e degradados e capaz de fornecer protecção contra o gado ou material combustível
e mesmo rendimento adicional com a venda
da colheita dos frutos. A extracção de óleo de
purgueira efectuada através de uma estrutura
cooperativa pode ser bastante interessante
às populações rurais no fabrico de sabão
como também no contexto dos biocombustíveis, podendo vir a constituir uma fonte
adicional de rendimento para as comunidades
rurais.
De uma maneira geral os sistemas radiculares
das espécies arbóreas são mais aprofundantes,
reduzem a erosão dos solos, e enriquecem-nos
em azoto (espécies leguminosas ou outras
espécies fixadoras por via de fungos radiculares como sucede com a casuarina) e, nestes
casos, mesmo sem adições de adubos, a produtividade da agricultura melhora. O aumento de diversidade de produtos fornecidos pela
plantação de árvores, de certa forma associada aos sistemas agrícolas, diminui os riscos
alimentares e económicos e, de um modo
geral, favorece a introdução de mudanças
tecnológicas que implicam eventualmente
uma intensificação das actividades
nas explorações.
As vias de adopção de um modelo de reabilitação do espaço rural, que o consultor entende essencial, para a salvaguarda das manchas
de miombo ainda existentes esquematizam-se
na Fig. 6.7.
Os sistemas agro-florestais podem assim
consistir em práticas culturais muito diversificadas, em função das condições ecológicas
locais, sem romperem com as modalidades
dos sistemas agrários tradicionais nos quais
na maior parte das vezes constituem uma
espécie de reinvenção. A sua introdução,
efectuada através de adequado trabalho
de extensão e educação técnica, conduz
a uma aumento da oferta para o mercado
de produtos da exploração sem que afecte,
e mesmo melhore, as condições ambientais
circundantes e conduzam mesmo ao seu
melhoramento: melhoria do albedo, redução
da transpiração acelerada pelo vento, redução
da erosão eólica e hídrica. A integração progressiva da agro-silvicultura no interior mesmo
dos sistemas agrários constitui uma resposta
técnica necessária à garantia de segurança
alimentar das populações rurais.
172
Fig. 6.11 – Vias de reabilitação do espaço rural (ad. de Egger, 1986)
173
Não existem árvores miraculosas com
plasticidade ecológica suficiente que possam
ser prescritas sem adequada experimentação
porque os sistemas agro-silvo-pastoris são
específicos das estações em que se implementam. Ter igualmente, em atenção que
o desenvolvimento das técnicas de implementação não são fáceis em todas as regiões,
variando em função não só do clima mas também das pressões demográficas e dos sistemas
de acesso e posse da terra. Na medida em
que as soluções não possam ser senão parciais
e localizadas, a ênfase deve ser posta na constituição de pequenas plantações comunitárias,
com espécies de que se conhece o comportamento, e sobre a integração da árvore na
paisagem agrícola, contrariamente às grandes
plantações florestais que não terão justificação
se não houver um mercado de produtos capaz
de absorver, a curto médio prazo, a oferta
lenhosa produzida.
Responsabilizar os camponeses
Se é facto que a implementação desta estratégia, que parece sedutora sobre o plano teórico, não coloca problemas técnicos insolúveis
para os especialistas, o seu desenvolvimento
concreto enfrenta um conjunto de constrangimentos sócio-económicos gerais, pelos mesmos factores que determinam precisamente
a dinâmica de degradação actual.
As dificuldades de aplicação de novos modelos técnicos de gestão do espaço rural têm
as suas raízes essencialmente no funcionamento do sistema social. O caso das pastagens
nas zonas do Sahel e noutras partes de África
é significativo. O excesso de carga acima
da capacidade de sustentação e renovação
da pastagem são um problema fortemente
indutor da desertificação. A solução que se
impõe de reduzir o número de cabeças dos
efectivos dos rebanhos é fácil de implementar
tecnicamente, mas a importância da dimensão e da posse de gado como mostra de
prestígio social dificulta ou mesmo impede
essa redução. Acresce que, sendo as pastagens
domínios comuns e não dos pastores, os rendimentos que podem ser tirados destas terras
revertem directamente para os proprietários
dos rebanhos. Assim, o aumento sem controlo
dos efectivos dos rebanhos permite aos notáveis manter a sua posição social, ocupando
os espaços comuns que os mais pobres,
ou sem terra, não têm condições para aproveitar. Este exemplo, entre os muitos disponíveis
em África, serve para sublinhar o facto de que
as alterações na forma de uso e ordenamento
do espaço rural, passam por uma dupla necessidade: i) responsabilizar os agricultores nas
escolhas e modos de gestão do seu ambiente;
e ii) construir um pacote de incentivos que facilitem a organização da mudança que é mais
complexa do que a incitação para a implementação de plantações ao nível das aldeias.
174
O panorama e o histórico deste tipo de plantações em África tem mostrado que estas
pequenas plantações geridas pelas aldeias
não mudaram radicalmente o ordenamento do espaço rural. As pequenas plantações
pouco custosas multiplicaram-se fundamentalmente onde a autoridade florestal é mais
activa. Com efeito estas iniciativas, embora
ao nível das aldeias e com significativos inputs
dos aldeões sobre a forma de trabalho gratuito, não se traduziram na consciencialização
dos camponeses porque na sua grande maioria lhes faltou a vulgarização necessária para
criar dinâmicas auto-sustentadas. Finalmente
esta madeira, gerada sem a participação
activa da população, arrisca-se a ser intuída
por esta como propriedade do estado em
que lhes é consentida a recolha de material
seco sem impacto real na melhoria do seu
rendimento. O seu impacto em termos do
ordenamento do espaço rural continuará,
contudo, dissociado do sistema de produção
agrícola continuando os dois sistemas,
o agrícola e o florestal, como elementos
distintos das estratégias de gestão
da empresa.
O reordenamento do espaço rural realizado
pelas populações, com o suporte público em
termos de inputs e extensão, facilita largamente a adopção de novos modelos de utilização
do espaço (Fig. 6.8) e de novas actividades
susceptíveis de aumento da produtividade da
terra e do trabalho. A implementação
de modelos agro-florestais implica assim
uma micro gestão por aldeia do seu sistema
de produção. Assim, definida pela população
local, a agro-silvilcultura é por sua natureza
responsabilizante e, por isso mesmo,
mais eficaz.
Leucaena
milho
Leucaena
Leucaena (faixa rala)
Leucaena (faixas densas com
sementões não desbastados)
milho
Fig 6.12 – Alguns modelos agroflorestais para ordenamento
do espaço rural
As iniciativas isoladas ou micro-projectos
de plantações, essencialmente viradas para
a produção de lenhas para uso directo
ou para o fabrico de carvão e cuja utilidade
imediata aparece localmente como uma opção de força, estão condenadas a sérias
dificuldades sem que se tenha desenhado
uma estrutura para a coordenação e um
suporte técnico efectivo. É preciso não esquecer que qualquer mudança comporta riscos,
alguns deles considerados inibitórios pela
população rural que sobrevive já com alguma
dificuldade em termos de segurança alimentar. A ajuda inicial, com recurso à extensão,
não deve assumir o carácter ocasional
mas deve ser realmente organizada como
elemento indispensável ao desenvolvimento.
175
De ter em atenção que a intensificação requer
um investimento significativo em mão-de-obra,
o que, para uma sociedade inteiramente
absorvida pela necessidade de assegurar
a sua sobrevivência, abre campo para que
os benefícios da intensificação fiquem restritos
às elites da sociedade. A plantação de árvores
exige, com efeito, um investimento em tempo
e uma espera de alguns anos, até à maturação da plantação o que não dispensa o abate
continuado da mata natural. Quer isto dizer
que os reflexos de uma intensificação no uso
de espaço rural só se vai repercutir na redução
da pressão sobre a mata natural num período
que não é inferir a 6-7 anos pois só os mais ricos estão em condições de se socorrer ao mercado da lenha ou carvão. Esta intensificação
por acumulação do trabalho será também,
por outro lado, mais difícil na fase inicial
da instalação de esquemas agro-florestais
para os mais pobres porque se um trabalho
da terra mais cuidado permite um acréscimo
de colheitas maiores, este acréscimo não
é geralmente proporcional ao acréscimo
do tempo e energia aplicados. Produzir-se-á,
geralmente, mais, mas trabalhar-se-á igualmente mais e isto em concorrência com as
necessidades imediatas, quase sempre vitais.
Sendo assim, este esforço de investimento
pedido às populações, num quadro de reordenamento do espaço rural e da redução
do esforço de abate da mata natural só será
possível se as populações poderem usufruir
do compromisso do benefício dos rendimentos do seu esforço pressupondo o direito
ao acesso à terra e à sua dação. A escolha
de estratégias agro-florestais implica quase
sempre um estatuto de posse e uso da terra,
definido e claro e a necessidade de um serviço
de extensão moderno, operante e do suporte
de uma experimentação operativa. Em termos
sintéticos no Quadro 5.3 listam-se os factores
que se entende serem mais relevantes
e as soluções possíveis.
176
Quadro 5.3 – Factores a ter em consideração para definir o papel dos espaços arborizados nas economias rurais
Factores
Soluções possíveis
- Utilização concorrencial da terra
(as árvores utilizam menos intensamente a terra
do que as culturas)
- Concorrência feita às terras florestais
• Intercalar árvores e culturas ;
• Repartir racionalmente a área florestal entre árvores e culturas;
• Oferta de infra-estruturas sociais
- Concorrência entre culturas/pastagem e arborização
• Plantar as árvores nas bordaduras das estradas e caminhos rurais, dos campos
e outras superfícies demarcadas para as terras do domínio comunitário;
• Plantar árvores nas zonas mais sujeitas à erosão segundo curvas de nível
ou na constituição de socalcos de protecção definidos em conjunto com a população;
• Melhorar a produtividade das áreas dedicadas à agricultura permitindo libertar terra
para a arboricultura;
• Utilizar elementos arbóreos de uso misto ou de misturas de espécies para aumento
da produtividade;
• Intercalar os elementos arbóreos associados às pastagens e ao seu melhoramento;
- Tempo de resposta da silvicultura
- O rendimento das árvores não responde
• Criar fontes suplementares de rendimento como, por exemplo, a apicultura.
imediatamente às necessidades
• Plantar essências polivalentes e de uso múltiplo de rápido crescimento;
• Fornecer um apoio financeiro durante o período de estabelecimento
(ajuda alimentar, empréstimo a baixo custo ou pagamento de parte de salário
pelo investimento em trabalho);
• Apoiar ou garantir outras fontes de rendimento complementares não florestais;
- Distribuição dispersa das vantagens da silvicultura
- As vantagens geradas pelas florestas de protecção
• Indemnizar as comunidades pelos benefícios que deixaram de receber ou pelos inputs
ou de plantações podem ser parcialmente
que elas investiram;
apropriadas fora das comunidades
- Penúria sasonal de mão-de-obra
• Adoptar sistemas florestais que não exijam a mão-de-obra em períodos de ponta dos
trabalhos agrícolas ou de outros sectores importantes da vida económica da comunidade;
- Ausência de tradição florestal
(desconhecimento das técnicas necessárias,
• Disponibilizar suporte técnico com recursos a serviços de extensão florestal, educação
quadro institucional pouco adequado e operante)
técnica à população nomeadamente através de manuais e suporte à formação de base
nas escolas rurais;
• Projectos de demonstração;
encorajar os agrupamentos de produtores nomeadamente das cooperativas;
Legislação de suporte e regulamentação
177
VIII
ESTIMAÇÃO
DOS RECURSOS
NATURAIS
DO MUNICÍPIO
A inventariação dos recursos naturais
no Município exigiu, ao avaliador, a resposta
a uma primeira questão básica ao planeamento do trabalho que é a de clarificar, por apreciação do tipo de vegetação em presença
ou por especificação prévia, qual o objecto
físico que deverá ser objecto de avaliação.
Copa
Base da copa
Toro
Ramo inferior
Base do toro
Embasamento
Fig. 7 - Representação esquemática de uma folhosa tropical
Se considerarmos uma árvore (Fig. 7)
e a sua forma, percebe-se facilmente que
temos diferentes componentes físicas que
a compõem, cada uma delas gerando
um produto e um uso diferente:
• O tronco: parte da árvore que vai da base
ao rebento terminal (a componente mais
apetecível do ponto de vista industrial)
• Os ramos
• As raízes
• A árvore: tronco + ramos + raízes
É necessário ainda especificar se este volume
é medido com ou sem casca77.
Uma segunda questão diz respeito à resposta
necessária sobre a parte da árvore em que
estamos interessados.
No sentido longitudinal, os limites da árvore
são a base (secção mais larga) e a secção
de topo (secção mínima). Cada uma destas
secções pode ser definida da seguinte forma:
• secção ao diâmetro 0 cm - significando
que o toro vai ao limite extremo do tronco fala-se em volume total;
• secção ao diâmetro 7 cm - é bastante usado
e o volume desse toro até à base é designado
grande volume.
77
Usa-se correntemente as designações cc (com casca) e sc (sem casca)
178
Outras secções são possíveis. É frequente
a secção definida aos 5 cm, habitual para
os chamados toros papeleiros e, é evidente,
que em termos de lenha se pode considerar
secções mais pequenas, claro com um mais
elevado custo de avaliação
As observações de campo e o apoio do trabalho de Grandvaux Barbosa (1972)78 mostraram que, do ponto de vista botânico as formações do tipo “miombo baixo” características
da área em estudo, eram de grande uniformidade (ver informação fitogeográfica) pelo
que a estratificação necessária e as cartas
de base deveriam ser diferenciadas pelo
grau de densidade de cobertura.
Esta constatação que evidenciou a ausência
de espécies consideradas interessantes, mesmo ao nível das tecnologias actuais de fabrico de painéis de partículas, que são menos
exigentes quanto à dimensão e propriedades
exigidas às ditas madeiras de lei, determinou
que o objecto eleito fosse o de só considerar
o destino das manchas arbóreas do Município
para o abastecimento de lenhas que
é o objecto de exploração quase total dos
bens directos. Não foram objecto de avaliação
ou consideração os outros recursos não
lenhosos ou as externalidades resultantes
da sua função protectora nas importantes
bacias hidrográficas que têm origem nos montes do município ou a sua importância como
sumidores de carbono. Independentemente deste valor económico, a observação do
erodibilidade dos solos e do forte ondulado
da topografia deixou-nos a convicção de que
as matas do município interessam não tanto
pelo seu potencial produtivo mas sim pela sua
capacidade de protecção do solo e das vertentes. A sua importância como fonte de matéria
78
prima não deve no entanto ser de todo descartada, nomeadamente numa perspectivade
geradora de rendimento para as populações
rurais pobres.
Clarificado o objectivo do trabalho o inestigador deparou-se, contudo, com a inexistência
de informação cartográfica susceptível de servir de suporte fiável da intervenção de campo.
A visita feita à secção de cartografia ao Instituto de Investigação Agronómica não providenciou qualquer informação útil, não estando
disponíveis ou sendo inexistentes cartas ou
mosaicos aéreo-fotográficos que auxiliassem
uma demarcação rápida dos tipos de coberto
por grau de densidade, e nos possibilitassem
uma aproximação mais segura na localização
das parcelas amostra, possibilitando uma generalização ao conjunto da área e que suportassem, de uma forma mais sistematizada, o
planeamento dos trabalhos.
Para planeamento dos trabalhos consideraram-se os seguintes objectivos particulares
de cada operação, a saber:
1. Localização das zonas de inventário;
2. Delimitação e implantação dos blocos
de exploração (não aplicável nas condições
prevalecentes no Município);
3. Estimação das áreas dos blocos ou manchas
das diferentes categorias de povoamento
no interior destes blocos;
4. A estimação dos seguintes parâmetros
(por essência ou grupo de essências)
a. Número médio de troncos por ha;
b. Volumes médios e totais brutos por ha;
c. Volumes comercializáveis totais para
as essências mais importantes.
Grandvaux Barbosa, L.A. (1970) – Carta Fitogeográfica de Angola, Instituto de Investigação Científica de Angola, Luanda
179
Na concretização da avaliação dos recursos
naturais constantes dos objectivos da missão
estavam ainda implícitas algumas questões
prévias e cujas respostas são necessárias
ao juízo sobre a sua capacidade de reposta
às necessidades pressentidas ou sentidas pelas
populações e a sua previsão de continuidade
numa perspectiva dinâmica quer de acréscimo
demográfico quer de outras exigências previsíveis no decurso do processo de desenvolvimento. Estavam assim em jogo as seguintes
questões:
Estes objectivos não são contraditórios mas
sim complementares e a experiência prova
que a obtenção de dados suplementares necessários à realização dos objectivos b e c,
que parecem secundários não exigem mais
do que um acréscimo marginal de trabalho
e custo em relação ao a.
Em termos sintéticos, o fluxo de trabalhos
necessários para o objectivo traçado envolvia
(Fig. 7.1):
a. Conhecimento dos volumes ou biomassas
disponíveis para exploração nas suas diversas
formas;
b. Conhecimento da população futura
(que não tenha ainda atingido o diâmetro
da explorabilidade à data do inventário)
das essências inventariadas;
c. Conhecimento da composição florística
dos maciços arbóreos inventariados.
Fig. 7.1 Fluxo dos trabalhos envolvidos com a estimação de recursos florestais
180
Desta estimação excluiu-se referência aos
recursos do bravio na dependência da cobertura florestal porque a informação junto das
aldeias referiu que os mesmos não existiam
ou eram esporádicos e porquanto esta região
tendo sofrido de uma ocupação agrícola intensiva a que se seguiu o efeito prolongado
da Guerra, os que existissem foram naturalmente dizimados. A forte fragmentação
do coberto florestal também não aconselhou
que se fizesse um esforço adicional em fazer
percursos ou transeptos para eventual detecção de ocorrências generalizáveis com significado. A informação obtida nas diferentes
aldeias percorridas parece também corroborada por visitas a alguns mercados rurais
onde nunca foi visível a venda de produtos
de caça o que já não sucedia com alguns frutos provenientes da floresta como o “loengo”
e a “lambula”.
Escolha do roteiro geral dos trabalhos
de avaliação
Os trabalhos de inventário podem classificarse em três grandes categorias sequenciais:
1. Trabalhos de foto-interpretação e de cartografia de base apoiadas eventualmente por
reconhecimento aéreo essenciais para grandes
áreas, ou mais recentemente por imagem de
satélite;
2. Trabalhos de terreno dirigidos fundamentalmente para a realização de sondagens na
floresta e para aquisição dos dados necessários
à estimação dos parâmetros dendrométricos;
3. Trabalhos de cálculo para explicitação
e quantificação das existências.
De uma forma genérica as metodologias
usuais percorrem o roteiro que se esquematiza
Fig. 7.2).
A análise da documentação cartográfica
existente revelou-se bastante pobre e não
conseguimos fotos aéreas actuais sobre
a zona. A sondagem feita no Instituto de
Investigação Agronómica, onde existe uma
colecção de sobrevoos em toda a Província
do Huambo, não se revelou utilizável. Na
verdade as fotos eram de voos de 1962-65,
o plano dos voos para possibilitar a selecção
das fotos correspondentes ao Município
da Ecunha era desconhecido, do que resultou
a impossibilidade de montagem do mosaico
aéreo para procedermos à respectiva fotointerpretação. Tenha-se, por outro lado
em atenção, que as fotos aéreas disponíveis
datam do início dos anos 60 e que o coberto
e usos de solo sofreu importantes modificações nos últimos 40 anos.
O consultor defrontou-se, assim, com a inexistência de uma base cartográfica, devidamente
foto-interpretada para possibilitar uma medição dos cobertos florestais existentes e ter
uma base para quantificar com uma margem
de erro conhecida o potencial produtivo
florestal e sobre a sua dinâmica de alteração,
ou noutras palavras da sua potencial sustentabilidade. Estas são questões de base para
que faça sentido pensar-se num instrumento
técnico para a sua gestão e que em nosso
entender não foram considerados nos termos
de referência do projecto.
181
Fig. 7.2 – Fluxo normal de realização de um inventário
de recursos florestais
Para resolução das fraquíssimas bases de trabalho disponíveis e de não termos conseguido
mesmo na delegação do Huambo da FAO
obter uma base cartográfica útil ao objectivo
visado foram tentadas várias aproximações:
i) Assim a única base disponível era a carta
de estado-maior datada de 1989 com base
em foto-interpretação de fotos aéreas
de 1986 (informações pessoais).
Com base nesta carta e nas sondagens
de campo, delimitámos as grandes manchas
assinaladas como floresta aberta (9 m de altura) se bem que com excepção aos contrafortes nordeste do município onde a vegetação
está ainda mais intacta as alturas médias pouco ultrapassam os 3 - 4m. Um bom exemplo
do que seria a vegetação dominante pouco
degradada (longe dos 9 metros de altura)
é a que se pode ver ainda nos antigos cemitérios onde as árvores não são exploradas
e tocadas (Fig. 5.4) na estrada da Ecunha
para Juila. Mas que se repete um pouco
por todo o lado.
182
A consulta documental efectuada quer no
Instituto de Investigação Agronómica quer
na Faculdade de Agronomia da Universidade
Agostinho Neto não revelou qualquer trabalho de relação prévia de inventariação dendrométrica neste tipo de floresta.
Material usado
As sondagens de terreno revelaram que exceptuando a área mais a norte e mais acidentada do Município, na Comuna de Chipeio,
o “miombo” se encontra bastante desgastado
e tem vindo a ser sujeito a forte intervenção
de colheita de lenha por corte raso para
o fabrico de carvão.
Assim, face à situação encontrada e à insuficiência da informação cartográfica e estatística
que possibilitasse uma estimativa fundamentada da intensidade de intervenção a que este
ecossistema tem vindo a ser sujeito, foi analisada a alternativa de elaboração da carta
de vegetação que era necessária com recurso
a imagem de satélites disponíveis no mercado.
Foram assim consideradas as seguintes
hipóteses:
A - Cartografia das manchas actuais de Miombo com recurso a imagens Landsat já disponíveis e já pré-processadas (ano 2000)
B - Utilização de novas imagens Landsat
C - Utilização de imagens ASTER
Analisadas as três alternativas, custos incorridos e tempos de espera na aquisição das
imagens, a opção fixou-se no uso da imagens
Landsat já disponíveis e pré-processadas.
Incluiu-se neste processo, a cartografia
de manchas de Miombo do início da década
de 90 e análise de transições de coberto
do solo por forma a ter-se uma informação
quanto à evolução diacrónica do coberto
vegetal.
Fig. 7.3 - Posição de imagens Landsat sobre a província do Huambo. São necessárias quatro imagens para cobrir a totalidade
da província do Huambo.
Quadro 6 - Imagens sem nuvens, disponíveis e pré-processadas:
Anos 90
Anos 2000
180_68
28/05/90
05/05/2002
180_69
15/05/91
31/05/2000
181_68
07/06/91
30/09/2001
181_69
24/05/92
06/05/2000
183
Métodos
O método a adoptar será o de uma classificação supervisada com um algoritmo de máxima verosimilhança ou com um algoritmo
de classificação em árvore. As amostras de
terreno a utilizar no conjunto de treino serão
obtidas através da recolha de informação
sobre pontos dispostos numa grelha sistemática e aleatoriamente colocada sobre a área
de estudo. O tipo de coberto do solo em cada
ponto da amostra será atribuído de acordo
com as observações realizadas sobre imagens
de alta resolução disponíveis no Google Earth.
A legenda a adoptar é a de Floresta densa,
Floresta Aberta e Outros. Será realizado uma
avaliação de fiabilidade do mapa produzido
com base na verdade de terreno observada
nas parcelas inventariadas.
As classes de coberto do solo e que conforme
consta da legenda foram:
• Miombo denso: Matas densas dominadas
por árvores caducifólias e semicaducifólias
com predomínio da comunidade de (Berlinia)
Julbernardia-Brachistegia-Combretum
de miombo mediano de 7 a 15 metros
e de miombo anão de 2 a 5 metros nas
regiões de maior altitude;
• Miombo aberto: Matas de árvores dispersas
com alturas variáveis de 3 – 12 metros com
formações igualmente dominadas por Berlinia) Julbernardia-Brachistegia-Combretum.
Este tipo de “miombo” faz a transição entre
as matas de miombo típico do planalto
e as savanas de capins altos, com árvores
e arbustos.
• Savana bosque: Formação vegetal com
árvores e arbustos cujo grau de coberto vai
do esparso até cerca de 40% do coberto.
O estrato herbáceo é dominado pelo género
Hyparrhenia que se mantém verde apenas na
época das chuvas e são percorridas pelas queimadas na estação seca.
• Vegetação herbácea fazendo a transição
para as baixas, das zonas baixas interiores
com drenagem lenta aparecem as anharas
de ongoti (Brachystegia russelliae) no meio
dos quais surgem por vezes plantas arbustivas
e pequenas árvores ralas.
• Agricultura/solo nú: campos agrícolas
e descobertos
• Vegetação de zonas húmidas: vegetação
herbácea e arbustiva ao longo das zonas
baixas encharcáveis ou dos cursos de água
com domínio de Gramineae e Cyperceae
formando hidrosséries, da parte mais drenada para a mais húmida. No meio das baixas
maldrenadas pode haver pequenas “ilhas”
constituídas por elevações suaves com solos
mais arejados com Julbernardia e Syzygium
guineense.
• Áreas ardidas: Zonas ardidas
• Água: cursos de água permanente ou albufeiras
A tipologia visual de cada classe está descrita
no anexo II.
184
Método operativo
Após constituição do mosaico para cada
época (veja-se anexo II) com as quatro cenas
correspondentes, procedeu-se ao seguinte
conjunto de operações, para cada mosaico:
4. Antes de se avançar para a construção
de um classificador verificou-se se havia separabilidade espectral entre todos os pares de
classes utilizando o índice de Jeffries-Matusita.
1. Constituição de urna nova banda correspondente ao rácio banda 5 (Infravermelho
Médio) / banda 2 (Verde) para minimização
do efeito das sombras topográficas na classificação.
5. Construiu-se um classificador de máxima
verosimilhança aplicável a cada mosaico.
2. Constituição de uma grelha sistemática
de origem aleatória para recolha de informação sobre o coberto do solo presente no
terreno (Fig. 8.6). Esta grelha foi sobreposta às
fotografias de alta resolução disponíveis
no Google Earth tendo subsequentemente
sido atribuída uma classe da legenda a cada
ponto dessa grelha. Para aumentar o tamanho da amostra a utilizar na fase de validação,
digitalizou-se urna pequena área homogénea
em torno de cada ponto à qual se atribuiu
a mesma classe. Esta grelha de polígonos
classificados com base na observação sobre
fotografias de alta resolução constituiu
a “verdade de terreno” e é depois utilizada
para a validação da cartografia e cálculo
da fiabilidade da classificação.
3. Recolha de áreas de treino sobre as imagens de satélite assistida por inspecção
de fotografias do Google Earth.
6. Produziram-se os mapas correspondentes
e verificou-se a qualidade da classificação
através de análise de matrizes de confusão
geradas entre os pixéis classificados por este
processo e a correspondente verdade de terreno observada sobre o Google Earth (descrito
no passo 4).
7. Cartografaram-se as posições correspondentes a nove parcelas com dados recolhidos
no terreno (anexo III). Com base nestas nove
parcelas calculou-se novo índice de fiabilidade
para os mapas gerados.
8. Calcularam-se as áreas cobertas por cada
classe da legenda para o início da época
de 1990 e para o início da de 2000.
185
Áreas por tipo de coberto
Os valores das áreas cobertas por cada
classe de coberto do solo e para os dois anos
de referência, 1990 e 2000, mostram as alterações registadas no decénio quer no conjunto da província do Huambo (Quadro 6.1)
quer no conjunto do Município da Ecunha
(Quadro 6.2).
Quadro 6.1 – Distribuição das áreas por tipo de coberto
para a província do Huambo (ha)
TIPO DE COBERTO
1990
2000
Miombo Denso
Miombo Aberto
Savana Bosque
Vegetação Herbácea
Vegetação Húmida
Água
Agricultura
Ardido
59461.42
528247.71
1754016.87
530746.97
6785.27
3779.13
324566.63
110899.72
66758.77
537704.45
1732528.68
454939.55
25631.83
9273.14
436084.05
55583.25
Quadro 6.2 - Distribuição das áreas por tipo de coberto
para o município de Ecunha (ha)
TIPO DE COBERTO
1990
2000
Miombo Denso
Miombo Aberto
Savana Bosque
Vegetação Herbácea
Vegetação Húmida
Água
Agricultura
Ardido
2207.44
32839.82
49876.37
39569.80
416.38
103.34
14035.54
7512.60
5794.04
35476.00
44362.69
34753.82
491.83
6.59
23816.94
1859.38
186
Fig. 7.4 - Evolução das áreas de cada classe de coberto do solo entre 1990 e 2000 para a província do Huambo
e para o Município de Ecunha
187
A análise da distribuição das áreas mostra
grandes discrepâncias entre coberturas
de solo no que se refere à classe água que
deve ser lida como resultado das diferenças
de nível dos principais cursos de água e do
nível de armazenamento da barragem em
resultado de diferenças no regime pluviométrico e, da mesma forma, a classe “áreas ardidas” é uma classe transitória que não corresponde a uma classe permanente de coberto.
A grande diferença entre a área agricultada
no conjunto da província entre as duas datas
não parece ter resultado de uma redução real
de área devido a um aumento de produtividade da terra e do agricultor ou da sua deslocação para outros sectores da economia mas,
fundamentalmente, porque a intensificação
da Guerra naquele decénio fez com que cerca
de novecentos mil habitantes tenham abandonado o Huambo.
Quanto à Ecunha, a evolução da cobertura
do solo tem de ser lida com certo cuidado.
Na verdade é provável que tendo a Ecunha
uma mancha razoável de solos “paraferralíticos” derivados de rochas básicas claramente
mais ricos e com boa aptidão para a produção
de batata, se tenha justificado uma intensificação agrícola naquele município durante
o decénio. Aquele aumento deve ter sido
fundamentalmente conseguido a partir da
área de vegetação herbácea e savana bosque.
Quanto ao miombo denso, o aumento de
área deve ter resultado da dificuldade de discriminação do espectro entre a mata adulta
e a regeneração do tipo de bastio denso.
Na verdade sendo o crescimento do miombo
bastante lento mas gozando as espécies características daquela formação de rápida reben-
tação de toiça, o aumento da área de cobertura densa do solo deve se lido como área de
regeneração densa, mas à qual corresponde
um potencial de biomassa significativamente
baixo.
Processo de Cálculo da Biomassa
Conversão dos valores dendrométricos
em valores de biomassa
Para estimar o volume ou biomassa de uma
mata ou de uma parcela não é praticável
a mensuração de cada um, optando-se por
uma amostra que se considera representativa
das respectivas árvores.
A tarifa é uma tabela, uma fórmula ou um
gráfico através da qual se estima o volume
ou a biomassa de um conjunto de árvores
caracterizadas por parâmetros ou variáveis
de referência que designamos entradas
da tabela. Estas entradas, ou medidas
de referência, são o DAP (diâmetro à altura
do peito = 1,30 m), ou diâmetro a um outra
altura estipulada de acordo com o objectivo
e tipo de árvore (no nosso caso a 0,30 m),
a altura total, altura média ou altura
do tronco ou a ou a área basal/ha.
A tarifa, em termos de árvores, dá-nos o volume/biomassa de cada árvore cujas variáveis
caracterizadoras entram na tabela ou numa
equação enquanto as tarifas feitas para avaliar
a totalidade do volume das massas arbóreas
dão os volumes por área mediante a entrada
em termos dos parâmetros dimensionais que
caracterizam a parcela.
188
À falta de estudos nesta área sobre os ecossistemas florestais da formação “miombo”
em Angola a conversão da biomassa de
cada uma das árvores, independentemente
da espécie, foi feita com recurso ao modelo
alométrico desenvolvido por Grundy (ob. cit.),
válida para as Brachystegia e Julbernadia no
seu conjunto (coeficiente de determinação
= 0,977) cuja forma geral para o conjunto
das duas espécies é:
log10Bm = 2,46+1,04(log10∑ (d2)L)
em que:
Bm = Biomassa seca em kg
d = diâmetro da árvore a 0,30 cm do nível
do solo em cm (e convertida em metros)
L = altura total do tronco em metros
189
ANEXO I
LINHAS GERAIS PARA A MONTAGEM
E EXPLORAÇÃO DE UM VIVEIRO FLORESTAL
PARA O MUNICÍPIO DA ECUNHA
Localização e Caracterização
Entende-se por viveiro florestal um determinado local onde são concentradas todas as actividades de produção de plântulas florestais.
Na escolha do local onde será instalado
o viveiro, deve-se levar em consideração
os seguintes aspectos:
Facilidade de acesso
É necessário que o acesso possibilite o fácil
trânsito de carros, sendo que todas as estradas
deverão ser transitáveis mesmo em época
de chuva. Os custos de transporte, principalmente de plântulas produzidas em recipientes,
são minimizados quando os viveiros se situam
a uma pequena distância da área de plantio.
Longos trechos de estrada podem trazer danos à qualidade fisiológica das plântulas
e ocasionar perda de humidade do substrato.
Fornecimento de água
Durante todo o período, após a semeadura,
há necessidade de abundância de água para
irrigação. Poderão ser utilizadas águas de rios,
lagos e de origem subterrânea, devendo ser
evitada a introdução de algas ou sementes
de ervas. A água deve ter menos de 200 partes por milhão (ppm) de argila em suspensão
e cálcio e menos de 10 ppm de sódio e 0,5
ppm de boro.
Insolação
Deve-se levar em consideração a necessidade
de luz solar, evitando localizar o viveiro numa
área sombreada. O viveiro deve ser instalado
em local totalmente ensolarado controlandose depois o sombreamento necessário de
acordo com a fase de desenvolvimento
da vegetação. Havendo ao longo do ciclo
de produção de plantas e em certos períodos,
de necessidade de sombra, pode-se lançar
mão de abrigos, como o sombrite (tela plástica de sombreamento). As espécies umbrófilas
exigem, contudo, protecção quase contínua
contra a luz solar. Para as espécies heliófilas,
os raios solares concorrem para a rustificação
ou atempamento dos tecidos, tornando
as plântulas mais robustas e resistentes.
Em relação à exposição solar, deve-se orientar
o comprimento dos canteiros no sentido lesteoeste. Contudo, tal medida para localização
dos canteiros deve ser tomada, apenas
se for possível, pois existem outros critérios
prioritários.
Área livre de ervas daninhas
Deverá existir contínua vigilância e erradicação das ervas daninhas efectuada imediatamente após o seu aparecimento, quer sejam
perenes ou anuais.
Facilidade de obtenção da mão-de-obra
É indispensável que alguns funcionários
morem nas imediações ou na própria área.
A vigilância quanto ao aparecimento de doenças precisa ser permanente. Existem doenças cuja virulência pode ser tão intensa que
provocam enormes danos em pouco tempo,
principalmente em plântulas recém-formadas.
190
Disponibilidade de área do Viveiro
O viveiro possui dois tipos de áreas:
Áreas produtivas: é a soma das áreas de canteiros e sementeiras, em que se desenvolvem
as actividades de produção.
Áreas não produtivas: a correspondente
aos caminhos, estradas e áreas construídas.
A extensão do viveiro será determinada
em função de alguns factores:
1. Quantidade de plântulas para o plantio
e replantio
2. Densidade de plântulas/m2 (em função
da espécie)
3. Espécie e seu período de permanência
4. Dimensões dos canteiros, dos passeios
(caminhos) e das estradas
5. Dimensões dos passeios (ou caminhos)
6. Dimensão das estradas (ou ruas)
7. Dimensão das instalações
8. Adopção, ou não, de área para adubação
verde (no caso de viveiros em raiz nua)
A distribuição dos canteiros, caminhos,
construções e principalmente o acesso,
devem visar a melhor circulação e utilização
da estrutura do viveiro.
Tipos de Viveiros
Considerando a duração, os viveiros podem
ser classificados em:
1. Viveiros Provisórios: temporários ou volantes, são aqueles que visam uma produção restrita; localizam-se próximos às áreas de plantio
e possuem instalações de baixo custo. São os
viveiros que se devem adoptar para pequenas
plantações de tipo comunitário nomeadamente quando afastadas da sede do projecto
na Ecunha.
2. Viveiros Permanentes: centrais ou fixos,
são aqueles que geralmente ocupam uma
maior superfície, fornecem plântulas para uma
ampla região, possuem instalações definitivas
com excelente localização. Requerem planeamento mais acurado; as instalações são também permanentes e de maiores dimensões.
Quanto aos métodos de produção ligados,
principalmente, à forma de protecção
do sistema radicular, os viveiros
são classificados em:
3. Viveiros com plântulas em raiz nua:
as plântulas em raiz nua são as que não
possuem protecção do sistema radicular no
momento de plantio. A produção de plântulas
sem recipientes parece ser a opção mais fácil
para o viveiro. Na verdade tem-se necessidade
de pouco solo e as plantas de transporte fácil
para os locais de plantação. Se há algumas
vantagens, as desvantagens ultrapassam-nas
quase sempre, sobretudo se tivermos em
atenção que a escolha dos procedimentos
deve ser feita na perspectiva do melhor desenvolvimento das plantas.
Em zonas temperadas, onde as temperaturas
descem abaixo de zero os plantórios de plântulas em raiz nua são bastante convenientes
para uma variedade de espécies, espécies
folhosas de folha caduca, porque as raízes
estão dormentes ou crescem muito pouco
durante vários meses. A conjugação da ausência de folhas e dormência radicular reduzem
bastante o choque causado pelo seu arranque
do solo, do transporte e da plantação.
191
Já no caso das zonas tropicais, os viveiros
em raiz nua só se usam para espécies como
os mognos, girassonde, terminalia, mussibi,
entre outras porque os troncos conservam
suficiente água e reservas nutritivas durante
a estação de plantação. O tronco tem reservas
suficientes para continuar a crescer mesmo
depois de perder raízes durante o arranque
e o transporte. O maior problema para produção de plantas por este processo é a manutenção da fertilidade do solo nos plantórios
e a manipulação correcta das plantas. Depois
da produção no mesmo solo, durante alguns
anos, há um esgotamento claro em elementos nutritivos fazendo com que as plântulas
se tornem progressivamente mais pequenas
em cada estação de produção. A extracção
das plântulas, o seu transporte e plantação
expõem as raízes ao ar o que provoca a sua
morte.
Assim, não se aconselha, apesar de aparentemente ser mais fácil, este tipo de produção
viveirista, se não estiver garantida a manutenção da fertilidade dos plantórios e se as condições e calendários de transporte e plantação
não puderem estar garantidos, como é normalmente no caso das plantações comunitárias, onde os agricultores reservam quase
sempre a plantação florestal para os tempos
disponíveis da actividade agrícola que é a sua
prioridade.
Neste tipo de produção viveirista, a semeadura é feita directamente nos canteiros e as
plântulas são retiradas para o plantio, tendose apenas o cuidado de se evitar insolação
directa ou, até mesmo, vento no sistema radicular. O solo onde se desenvolvem as raízes
permanece no viveiro. Após a retirada, são
ordenadas em grupos, com material húmido
envolvendo as raízes, antes da expedição para
o plantio. Este tipo de viveiro é muito difundido nalguns países para plantações de Pinus
spp em plantações industriais de grande
dimensão.
Quadro AI.1 – Vantagens e desvantagens da produção
em raízes nuas
Vantagens da produção
de raiz nua
Desvantagens da produção
de raiz nua
• Maior facilidade
no transporte das plantas
para a plantação;
• Forte competição pela luz,
elementos nutritivos e àgua
mais acentuada nas espécies
de sombra;
• As covas para plantação
são mais pequenas
do que para os sacos;
• Os custos de produção
são mais baixos porque
não é necessário adquirir
recipientes além de que temos
necessidade de menos terra
• Esgotamento dos elementos
nutritivos do solo nos plantórios;
• Crescimento lento na fase
inicial;
• Mortalidade elevada sobre
o terreno
Contudo, algumas espécies promissoras
como o “neem” Azadiracta indica ou a Terminalia catalpa têm demonstrado aptidão para
plantio com plântulas em raiz nua em forma
de “stripling” (estacas já radicadas).
4. Viveiro com plântulas em recipientes:
apresentam o sistema radicular envolto
por uma protecção que é um substrato que
o recipiente contém. Evidentemente,
o substrato vai para o campo e é colocado
nas covas, com as plântulas, protegendo
as raízes. Os sacos de plástico são os mais
frequentemente utilizados em África e de
um modo geral nos trópicos. A razão para
o seu uso tão generalizado deve-se ao facto
de serem mais baratos e bastante disponíveis
e não ao facto de conduzirem a um melhor
desenvolvimento das plântulas.
192
Topografia
Declividade da área
O terreno deverá apresentar-se aplainado,
para que não haja riscos de erosão. Recomendando-se, no entanto, um leve declive (2%,
no máximo), favorecendo o escoamento
da água, mas sem que provoque danos por
erosão Para áreas com elevada declividade,
a alternativa mais plausível é a construção
de patamares para a localização de canteiros.
É importante salientar que os canteiros devem
ser nivelados e instalados perpendicularmente
ao declive devendo ser levemente inclinados.
Conforme a topografia geral da área de implantação devem ser dispostas ao longo de
sua extremidade manilhas em forma de “U”,
a fim de impedir o escoamento de água de
chuvas fortes pelo talude, provocando erosão.
Além disto, é aconselhável o seu revestimento
com gramíneas ou leguminosas rasteiras.
A camada superficial removida deve ser
reservada para aproveitamento na produção
de plântulas. Este substrato é mais fértil,
mas pode apresentar o inconveniente
de conter sementes de ervas. Neste caso,
a fumigação deste material pode ser recomendável ou o uso de herbicida em aplicação
pré-emergente.
Drenagem
Através da drenagem, provoca-se a infiltração da humidade gravitacional e a retirada
de água por meio de valetas que funcionam
como drenos. A sua localização mais usual
é ao longo das estradas que circundam
os blocos de canteiros. A acumulação
de água no viveiro é absolutamente nociva
para a sanidade das plantas e deve ser resolvida. A situação que se regista (Fig. AI.1)
não deve ocorrer de forma alguma num viveiro que revele má condução de rega excessiva
e drenagem inexistente.
Fig. AI.1 – Exemplo de má condução da rega e inexistência
de drenagem (Sacaála – Huambo)
Os tipos de drenagem de água a considerar
se houver riscos na zona escolhida para
o viveiro são:
1. Vala Cega: composta de uma vala com
pedras irregulares (a água corre pelos espaços
entre as pedras sendo possível o trânsito por
cima da vala);
2. Vala Revestida: composta de uma vala
com revestimento de cimento, tijolos
ou outros materiais;
3. Vala Comum: vala aberta ao longo
do terreno (podendo ser ou não vegetada)
As dimensões das valetas variam conforme
a necessidade de drenagem aérea. Normalmente, a largura do fundo que é plano tem
cerca de 40 a 60 cm e a abertura de 70 a 80
cm. As paredes são inclinadas, na valeta aberta, para evitar seu desmoronamento. A altura
das valetas também é variável, oscilando em
torno de 90 cm. Se a área for plana, a altura
193
deve variar, com a profundidade maior para
o lado externo, conduzindo a água para fora
do viveiro. Sendo a área levemente inclinada,
a profundidade da valeta pode ser uniforme.
Quebra-ventos
São cortinas que têm por finalidade a protecção do viveiro contra a acção prejudicial dos
ventos e é reconhecida a sua influência benéfica em termos do microclima das zonas protegidas: menor evapotranspiração e protecção
da esbelteza das plantas no viveiro. Independentemente dos efeitos directos na protecção
do viveiro entendemos que não deve ser
negligenciado o efeito demonstrativo que
o mesmo pode ter na melhoria da paisagem
e da compartimentação da mesma.
Devem ser desenhados e concebidos para
serem irregulares e flexíveis quanto à composição da componente arbórea devendo ser
densos na componente arbustiva mais baixa
permitindo, contudo que haja circulação de
ar. Na verdade, quebra-ventos muito impermeáveis constituem barreiras que são desaconselháveis do ponto de vista aerodinâmico.
Fig. AI.2 – Efeitos benéficos do quebra ventos no viveiro
Em termos de composição esta exigência
de flexibilidade aerodinâmica é conseguida
com aproximadamente 65% de arbustos
e 35% de árvores senda estas constituídas
por 15% altas e 20% de altura média.
É imperativo também que esta composição
seja constituída por espécies de crescimento
rápido e que se adaptem às condições ecológicas do sítio.
Usualmente as espécies utilizadas são
as mesmas que estão em produção no viveiro.
O recomendado é que sejam utilizadas espécies adequadas, distribuídas em diferentes
estratos, apresentando as seguintes características: alta flexibilidade, folhagem perene,
crescimento rápido, copa bem formada
e raízes bem profundas.
No caso do viveiro para o Município da
Ecunha as espécies a usar serão cortinas
de cupressos, eucaliptus ou casuarinas.
No nível inferior e intercalado com as árvores,
usar-se-á o Ligustrum japonica e a Lantana
camara. As plântulas são plantadas em grupos
de 2-7 plantas da mesma espécie, sendo
as árvores de maior dimensão (Casuarina
equisetifolia, Cupressus lusitanica, e Eucalyptus
grandis plantadas em pequenos grupos.
O esquema de plantação aconselhado será
um dos que se exemplifica na fig. AI.3, escolhendo-se o esquema (número de fiadas de
plantação) conforme for a disponibilidade de
terreno.
O compasso de plantação das árvores será
de 2,0 m e de 0,5 m para os arbustos. É importante salientar que as árvores que compõem os quebra-ventos não devem projectar
suas sombras sobre o canteiro. Para tanto,
devem ser, em distância conveniente, afastadas dos viveiros. As raízes das árvores não
devem fazer concorrência com o sistema
radicular das plântulas em produção.
194
Para optimização dos efeitos favoráveis,
alguns critérios básicos devem ser observados:
1. A altura deve ser a máxima possível,
uma vez que a área a ser protegida depende
da altura da barreira.
2. A altura do quebra vento não deve
ser homogénea em toda sua extensão.
3. As espécies que constituem o quebra-vento
devem ser adaptadas às condições do sítio.
4. A permeabilidade deve ser média,
não impedindo totalmente a circulação
do vento.
5. Não devem existir falhas ao longo da barreira formada pelo quebra vento, para evitar
o afunilamento da corrente de ar.
6. A disposição do quebra vento deve
ser perpendicular à direcção dominante
do vento.
Para além do seu objectivo de melhoria
do microclima do viveiro, a cortina de protecção deve ser usada como processo demonstrativo da forma de compartimentar a paisagem
agrária do Município e como forma de suster
a erosão intensa da zona. A disponibilidade
de terreno determinará a decisão quanto
à espessura dos quebra-ventos a implementar.
As cortinas mais espessas são preferíveis para
o esqueleto principal do sistema, colocado
perpendicularmente aos ventos dominantes
e devem ficar afastadas entre si entre os 300400 m. As cortinas de 1 a 3 fiadas devem ser
usadas perpendicularmente àquelas.
Ao constituir-se uma cortina de abrigo
deve ter-se também em mente que ela pode
e deve ser gerida por forma a que sejam
sujeitas a corte selectivo e replantação para
a produção de lenhas ou madeira para
a população.
Produção de Plântulas
Canteiros
São vários os tipos de canteiros utilizados
para a produção de plântulas florestais:
Fig. AI.3 – Esquemas de plantação de quebra-ventos
de protecção ao viveiro
Canteiro para raiz nua: de entre os tipos
de canteiro utilizados para a produção
de plântulas em raiz nua, os mais utilizados
são os directamente sobrelevados no solo
e os canteiros com anteparos laterais. Se for
necessário a protecção lateral pode ser feita
com vários materiais, dependendo da disponibilidade de recursos e da facilidade de
obtenção, podendo vir a ser utilizados vários
materiais como a madeira, bambu, tijolos,
concreto, etc. Os grandes viveiros para suporte de grandes plantações industriais de pinheiros usam canteiros sobrelevados altamente
mecanizados conforme se mostra na fig. AI.4.
195
Canteiros para sacos ou tubetes: devem
apresentar uma largura que permita o manuseio das plântulas na zona do centro (0,80
a 1,2 metros de largura), o comprimento
pode variar, sendo os mais adoptados os de
10 a 20 metros. A instalação deve posicionarse longitudinalmente no sentido leste-oeste
para permitir uma insolação uniforme.
O terreno deve ter um rebaixamento para
o acomodamento dos sacos. Outra possibilidade é a utilização do solo como bordadura,
ou ainda a montagem de molduras com materiais diversos, como tijolo, madeira, arame,
esteiras de bambu e cimento.
Caminho - Entre cada canteiro fazer um
caminho para permitir uma circulação fácil
e um espaço confortável para trabalhar nos
canteiros. Use entre 0,5 m a 0,8 m de largura (se não houver problemas de espaço esta
última é a preferível).
Fig. AI.5 - Camas de plantação mais baixas que o nível do solo
Fig. AI.6 - Exemplos de limitação de canteiros com material local (principalmente para pequenos viveiros ao nível das aldeias
Alfobres (ou seminário)
É o local onde as sementes são postas para
germinarem e serem posteriormente transplantadas para as embalagens (repicagem).
Podem apresentar-se em duas formas: fixos
ou móveis. Os fixos são seminários instaladas
em locais definitivos, geralmente visando a
produção de um número grande de plântulas.
Fig. AI.4 – Preparação de um viveiro mecanizado para plântulas
criadas directamente no canteiro e para plantação de raiz nua.
Veja-se ao fundo a existência de uma cortina quebra-ventos
(foto de Altair Negrello Jr, In: Produção e Controlo de Qualidade de Mudas Florestais,UFPR/FUPEF, 1995)
As móveis são alfobres montadas em recipientes com drenagem e volume compatível com
as necessidades, podem ser feitas de madeira,
plástico ou metal e têem a facilidade de serem
transportáveis. Devido a esta característica,
a sementeira não pode ser muito grande,
o que limita o número de plântulas a serem
produzidas. A instalação de canteiros e sementeiras é acompanhada da necessidade
da instalação de um abrigo para a protecção
das plântulas recém repicadas ou plântulas.
196
Deve-se deixar um intervalo entre os canteiros
ou sementeiras que permita o desenvolvimento das actividades de produção.
Recipientes
Após o peneiramento, mistura (adubo,
matéria orgânica, etc.) e expurgo (brometo
de metilo), o substrato está pronto para
o enchimento dos recipientes.
1. Funções vitais dos recipientes:
i. Biológica: propiciar suporte de nutrição
das plântulas, proteger as raízes de danos
mecânicos e da desidratação, moldá-las
em forma favorável para o desenvolvimento
das plântulas, assim como maximizar a taxa
de sobrevivência e o crescimento inicial após
o plantio.
ii. Operacional: facilitar o manuseio no viveiro
e no plantio.
2. Classificação dos recipientes
a) Sacos: os sacos possuem parede externa
de polietileno, precisam ser preenchidos
com substrato e não podem ser plantados
com as plântulas. A rigidez da parede permite
fácil manuseio e transporte das plântulas
e a impermeabilidade da parede pode restringir a dissecação do substrato, dependendo
do material com que é confeccionado.
Os sacos são ainda hoje de uso comum,
nos viveiros em África ou na América Latina
se bem que nesta área geográfica estejam
a ser rapidamente substituídos por tubetes
ou também chamados alvéolos ou tabuleiros.
A razão para a sua manutenção decorre de
serem geralmente baratos e mais disponíveis
e não porque sejam o melhor do ponto de
vista técnico.
O problema inerente aos sacos é que quando
as raízes atingem o fundo começam a enrolar
em espiral e saem mesmo pelo fundo do saco
sendo danificadas quando o sacos são levantados para expedição para a plantação, principalmente se a gestão do viveiro não é tecnicamente adequada (Fig. AI.7).
Para o viveirista (seja o caso do viveiro central
na Ecunha, ou os dos pequenos viveiros nas
aldeias), o uso de sacos pequenos apresenta
as seguintes vantagens:
• Usam pouco substrato;
• Permitem uma melhor conservação dos
nutrientes evitando o seu arrastamento
se a rega for bem conduzida;
• São leves e mais facilmente manuseáveis
e mais fáceis de transportar.
Os sacos apresentam-se de diferentes dimensões, alguns com pregas que ajudam o saco
a manter-se verticalmente e outros sem fundo.
Habitualmente são vendidos com furos para
arejamento e drenagem pois caso contrário
é necessário fazê-los.
O principal problema inerente aos sacos
é que quando a raiz atinge o fundo, e caso
não se tenha procedido à pulverização do
interior do saco antes do seu enchimento
com o substrato com um inibidor do seu
crescimento com preparados à base do hidróxido de sódio, elas começam a enrolar-se em
espiral. As raízes, principalmente se a programação não é a mais adequada, começam
também a crescer no solo e mais tarde ficam
danificadas quando os sacos são levantados
para transporte.
197
O uso de sacos pequenos apresentam
as seguintes vantagens:
• Exigem pouco substrato;
• Pesam pouco e são mais fáceis de transportar no terreno;
• Exigem menos quantidade de mão-de-obra
para a abertura da cova de plantação:
Como principais desvantagens do uso
de sacos pequenos é o de:
• Exigirem normalmente mais água por
m2 de plantório;
• Exigirem uma largura de plantório não
superior a um metro por forma a evitar uma
grande densidade de plantas/m2, uma vez que
a competição pela luz faz as plantas crescer
muito em altura, sendo pouco resistentes
ao stress de plantação;
Fig. AI.7 - Planta no viveiro do Sacaála. Veja-se o sistema radicular da planta que se for plantada não dará uma árvore com
futuro
Uma má prática com os sacos é a tendência
de comprar sacos de grande dimensão
– 1 litro ou mais de volume – na presunção
de que assim se proporciona um melhor
crescimento para as plântulas. Tenha-se,
no entanto, em atenção que o desenvolvimento das plântulas depende mais da qualidade do substrato do que do tamanho
do saco. Com bons substratos, a dimensão
dos sacos para as plantas que vão constituir
o grosso da produção de plântulas para fins
florestais ou agroflorestais, não precisam de
ter mais do que 10 cm de diâmetro e 18-20
cm de comprimento.
• Obrigarem ao cumprimento mais estrito
do calendário programado para a plantação.
Na verdade os sacos pequenos não possibilitam grandes tempos de permanência das
plântulas nos sacos.
• Exigirem um controlo mais apertado no acto
de plantação para evitar que o agricultor para
simplificar a sua tarefa, não meta a planta
na terra com o saco. Esta prática, que ocorre
com elevada frequência, tem como consequência o total enovelamento do sistema
radicular de que resulta um desenvolvimento
medíocre das árvores (Fig. AI.8).
198
Más práticas a evitar com o uso dos sacos
• Usar sacos demasiado grandes para evitar
o enrolamento da semente e obter um maior
desenvolvimento da planta. O desenvolvimento da planta depende mais da qualidade
da semente e do substrato do que do tamanho deste;
• Uma boa prática é a de usar sacos pequenos
com bons substratos, com boa estrutura física
e enriquecidos com composto ou estrume
(ver substratos). A única excepção ao uso
de sacos pequenos é o das fruteiras enxertadas que levam muito mais tempo a desenvolver-se.
b) Há outros sacos facilmente decomponíveis que se podem meter no solo juntamente
com as plantas no acto de plantação. Podem
ser citados os recipientes de papel, papelão,
lâminas de madeira, etc. A excepção fica por
conta do saco plástico, que não pode ser
plantado com as plântulas.
Fig. AI.8 – Estado do sistema radicular de uma casuarina
plantada sem cuidado de retirar o saco de plástico
c) Moldes ou contendores alveolares
(Fig. AI.9): também são preenchidos com
substrato, sendo que as plântulas permanecem nos moldes por um período suficiente
para que sua massa radical envolva todo substrato das cavidades.
199
Fig. AI.9 – Exemplo de recipientes usados na produção
de plantas florestais
Veja-se que a maior rigidez das paredes,
e o facto de serem comercializadas em conjuntos rígidos, possibilita o transporte mais
fácil às zonas de plantação sem riscos de danos para as raízes. São, por outro lado, utilizáveis várias épocas de plantação (Fig. AI.11).
Podem ser colocados sobre suportes elevados
do chão o que permite a poda fácil e barata
das raízes que saírem pelo furo do fundo
(Fig. AI.12). Vêm sendo cada vez mais utilizados nos viveiros tropicais pela sua melhor
capacidade de manipulação e transporte
e pelas melhores condições de produção
de plantas de qualidade.
O desenvolvimento do sistema radicular
no alvéolo (Fig. AI.10) facilita a sua extracção
no acto de plantação o que oferece, à partida,
melhores condições de sobrevivência à planta.
Fig. AI.10 – Veja-se a boa distribuição do sistema radicular
envolvendo todo o cubo de terra do alvéolo
Fig. AI.11 – Exemplo do uso de tubetes na produção de Eucaliptus grandis. Veja-se a excelente distribuição das raízes
200
Fig. AI.12 – Vantagens do uso de tubetes em tabuleiros. Veja-se
a facilidade de poda radicular e de manipulação das plântulas
Fig. AI.13 - Formas de suporte dos tabuleiros com alvéolos.
Reparar nas ranhuras que possibilitam a orientação das raízes,
arejam o substrato e lhes evitam o enrolamento pelo contacto
com o ar.
Actualmente, estão a ser utilizados alguns
recipientes de baixo custo, com vantagens
em relação aos sacos de plástico, como
os recipientes em papel (“paper pots”)
e o “Fertil pot” que é um outro tipo de
recipiente em forma cónica, com dimensões
variáveis para cada espécie. São fabricados
na indústria à base de pasta para papel e turfa
hortícola, formando uma mistura levemente
fertilizada. Os PXCL são recipientes de formato hexagonal, produzidos com fibras vegetais,
contendo adubo e fertilizante químico. Para
grandes plantações o uso das “BCC trays”
vem ganhando uma grande expressão pois
conseguem economias de escala acentuadas
quanto ao enchimento, o manuseamento
e o transporte para a plantação. No caso
do viveiro para Ecunha se bem que se aconselhe o predomínio do saco de plástico aconselhável até pela função demonstrativa que
se visiona para o viveiro, a experiência,
embora modesta do “Fertil pot”, do PXCL
e das BCC trays deve ser efectuada.
d) Blocos: é o próprio recipiente e o substrato. São plantados com as plântulas. Usualmente são rígidos e permitem rápido desenvolvimento das raízes. Em conformidade com
o período no viveiro, possibilitam a penetração das raízes no espaço das plântulas vizinhas. Como exemplo, tem-se o torrão paulista, recipiente usado antigamente em Angola
mas hoje totalmente posto de parte não
só pela dificuldade do seu fabrico mas também pelos inconvenientes durante o transporte e em que tendem a esboroar-se. Este tipo
de recipiente tem-se revelado mau para o desenvolvimento das raízes depois de enterrado
pois se é muito duro não permite a saída das
raízes comprometendo o futuro da plantação.
201
e) Tecnologias recentes: Se bem que não
se aconselhe o seu uso em pequenos viveiros
comerciais, o seu uso num viveiro central que
vai ter, também, uma função demonstrativa
no fornecimento de boas plantas e do uso
de boas práticas, refere-se o uso de: SpinOut® - É um hidróxido de cobre que se aplica
no interior dos sacos de plástico e no fundo.
O produto é tóxico para as pontas das raízes
o que faz com que estas ao atingirem
as paredes ou o fundo, parem o seu crescimento evitando o enrolamento. Simultaneamente o crescimento da raiz é favorecido bem
como a absorção da água e dos elementos
nutritivos; Jiff Pellets® (Mottes Jiffy) – São
vasos do tipo godet que contêm turfa comprimida e contida numa malha biodegradável.
Eles são ao mesmo tempo substrato e contendor. Com este sistema deixa de ser necessário
utilizar substratos e todo o custo da sua preparação e manuseamento, economiza meios
e diminui consideravelmente o espaço do
viveiro. O sistema de controlo e de aplicação
dos adubos é mais minucioso e mais específico para as espécies. Apesar de estar já em
uso nas grandes plantações nos trópicos
e com grande sucesso talvez, no caso concreto da Ecunha valha a pena começar com uma
tecnologia mais modesta até estarem criados
meios humanos mais preparados para a manipulação do viveiro.
3. Vantagens do uso dos recipientes:
a) protecção das raízes
b) a época do plantio pode ser ampliada
c) melhor desenvolvimento inicial das plântulas
d) melhor controle sobre a quantidade
de sementes
4. Desvantagens do uso de recipientes
a) maior peso para o transporte
b) são mais difíceis de serem manuseados
c) exigem trabalho mais intensivo
d) custos mais elevados de produção
5. Características físicas do recipiente
a) Forma: deve evitar o crescimento das raízes
em forma espiral, estrangulada, como também a dobra da raiz
b) Material: não deve desintegrar-se durante
a fase de produção de plântulas
c) Dimensões: a altura e o diâmetro do recipiente deve variar conforme as características
da espécie e respectivo tempo no viveiro,
para o caso concreto do viveiro florestal
da Ecunha e para as espécies florestais que
o viveiro vai produzir recomenda-se as seguintes dimensões e características: Cor preta;
10 cm de boca; 15 cm de comprimento;
0,03-0,04 a espessura da parede.
Substratos
Substrato é o meio onde as raízes se desenvolvem formando um suporte estrutural,
fornecendo água, oxigénio e nutrientes para
que a parte aérea das plântulas se desenvolva.
Um bom substrato é aquele que apresenta
partículas de várias dimensões para permitir
que a água e o ar penetrem facilmente. Como
regras orientadoras a reter referem-se as seguintes:
a. Deve ser ligeiro para facilitar o transporte
mas manter-se sem dobragens conservando
as plantas no seu lugar;
202
b. Não se retrai ou incha o que poderia
danificar o sistema radicular das plantas;
• estrume bem curtido →
• adubo (N12,P24,K12) → →
c. Mantém a água mas permite a drenagem
correcta e o arejamento das raízes;
Se se preferir um manuseamento mais fácil
da mistura para o enchimento dos sacos,
pode utilizar-se uma mistura de turfa e vermiculite na proporção de 2:1, o que, claro terá
de ser importada. Apesar desta desvantagem,
a rapidez e facilidade de manipulação poderão
ser ponderadas.
d. Contem os elementos nutritivos necessários
para permitir o crescimento e o desenvolvimento são das plantas;
e. Não está contaminado com sementes
de ervas daninhas, nem de doenças e insectos
ou de sais tóxicos;
f. A sua qualidade mantém-se de um ano
para outro
1. Tipos de substratos mais usados
a. Canteiros em raiz nua: em viveiros de raiz
nua, o único substrato é o próprio solo,
que constitui o meio de desenvolvimento
das raízes.
b. Canteiros com plântulas em recipientes:
o substrato mais utilizado é uma mistura
de materiais, devidamente decompostos.
Os principais componentes desta mistura são:
turfa, cinza de caldeira, vermiculite, cascas
de árvores e de arroz. A adubação mineral
é introduzida na mistura.
Exemplos :
Para Eucalyptus grandis, produzidos por
enraizamento em estaca, pode ser utilizado o
composto orgânico (80%) e a moinha
de carvão (20%).
Para Eucalyptus spp e Pinus spp, pode ser
utilizada mistura descrita de (por m3
de substrato):
• terriço vegetal →
50%
• terra franco-argilosa → →
20%
29%
50 kg
Conforme as condições locais, e se houver
o apoio de um técnico local conhecedor
da formulação de adubação para conservar
em bom estado vegetativo as plantas para
plantação, podem reter-se outras composições
como:
Terra Areia Composto
Para viveiros:
em solos argilosos
em solos francos
em solo arenoso
1
1
1
2
1
0
2
1
1
É usual entre os viveiristas brasileiros, principalmente para a produção de pinheiros,
a seguinte composição para o substrato:
25% de carvão de casca de arroz;
25 de vermiculite fina;
24% de turfa ou terra vegetal bem curtida;
1% de solo vermelho
A este substrato acrescentam, por cada m3
de substrato:
Sulfato de amónio – 80g;
Cloreto de potássio – 200g
Superfosfato simples – 4 kg
FTE BR 10 (produto comercial para garantir
os micronutrientes)
203
Deve-se proceder a uma análise do solo que
vai ser utilizado como substrato para ser verificada a necessidade de adubação e correcção,
nomeadamente do pH, obtendo-se, assim,
resultados satisfatórios no viveiro. Considerase que toda a adubação e correcção excessiva,
além de anti-económica, se torna prejudicial
devido ao tempo dispendido para o efeito.
Quanto à adubação, pode-se considerar que
seja efectuada posteriormente, em época
oportuna, inclusive com o adicionamento
de matéria orgânica.
Actualmente, podem ser encontrados
no comércio vários tipos de substratos
já preparados e prontos para o uso, facilitando
a produção de plântulas de espécies florestais.
Em termos indicativos transcrevem-se as necessidades nutritivas dos principais nutrientes
para eucaliptos e pinheiros (Quadro AI.2),
que serão as principais espécies que o projecto
vai produzir e disseminar, bem como a composição dos principais nutrientes dos diferentes animais domésticos (Quadro AI.3) que
o projecto pode utilizar na mistura de terras
e estrumes para enriquecimento nutritivo
e de matéria orgânica e que pode orientar
o viveirista quanto à expectativa de possíveis
ocorrências de sintomas de carências.
Quadro AI.2– Exigências nutritivas médias do solo para
a produção viveirista de eucaliptos e pinheiros
Elemento
P
K
Ca
Mg
Mn
Cu
Zn
B
Pinheiros
min.
max.
25
200
8
20
3
5
200
1
20
1,5
30
0,3
5
Eucaliptos
min. max.
25
200
10
40
3,5
5
200
1
20
1,5
30
0,5
5
Quadro AI.3 – Teores aproximados de nutrientes no estrume
proveniente de vários animais
Estrume
Azoto Ácido fosfórico
(%)
(%)
0,35
0,2
0,5-0,8
0,2-0,6
Vaca
Cabra
/ovelha
Porco
0,55
Galinhas
1,7
Cavalo
0,3-0,6
0,4-0,75
1,6
0,3
Potássio
(%)
0,1-0,5
0,3-0,7
0,1-0,5
0,6-1
0,5
2. Desinfecção do substrato
A desinfecção deve ser aplicada quando
ocorre um surto patológico com origem
no solo e não é praticada em condições
normais de funcionamento dos viveiros.
A eficiência da fumigação depende de alguns
factores que são combinados pela interacção
de efeitos físicos (substrato), biológicos
(microrganismos) e químicos (fumigantes).
As condições para a aplicação deste tratamento dependem de alguns critérios:
204
a) Selecção do fumigante para um fim específico, isto é, o controle de nematóides, fungos
ou ervas (ou a combinação destes).
b) Aplicação do fumigante de acordo com o
método recomendado pelo fabricante.
c) Determinação das dosagens apropriadas
para uma finalidade específica (é recomendável o ajuste para dosagens e condições específicas, obedecendo-se a dosagem máxima
prescrita pelo fabricante).
d) Maiores cuidados deverão ser tomados
quando se tratar de substratos de textura fina
(a fumigação é mais eficiente em substrato de
textura mais grossa).
e) Preferencialmente a temperatura do substrato deverá estar entre 10 e 29o, e o conteúdo de humidade entre 5 e 30%, até uma
profundidade de pelo menos 15 cm.
f) Evita-se a dissipação de gases.
g) Arejamento do substrato, revolvendo-o
antes da semeadura para eliminar efeitos
residuais.
Organismos benéficos ao substrato
Micorrizas
Entende-se como micorriza a associação de
simbiose entre certos fungos e as raízes finas,
não lenhosas, de plantas superiores, com
ocorrência de benefícios mútuos. Como consequência, ocorrem maiores índices de sobrevivência após o plantio e o desenvolvimento
das plântulas, especialmente em sítios em que
factores edáficos e climáticos são adversos.
Principalmente no caso de coníferas, há necessidade de presença de micorrizas, na maioria
fungos específicos para uma ou mais espécies.
Em viveiros novos, há necessidade de se
proceder à inoculação no solo previamente,
cuidando para não serem introduzidas bactérias, insectos, outros fungos, etc. A inoculação
poderá ser realizada utilizando-se solo
de locais (reflorestamentos ou florestas
naturais) onde ocorra a espécie a ser produzida. A rapa de terra nos talhões mais antigos
de pinheiro na Chianga (Huambo) é uma
boa solução.
Conforme as características morfológicas
e anatómicas, as raízes micorrízicas dividem-se
em dois grupos:
1. Ectomicorrizas: o fungo coloniza a superfície das raízes curtas, formando um manto
espesso ao seu redor. Podem ser vistas a olho
nu, pois muitas formações são brancas ou
apresentam um colorido brilhante. Os esporos
das ectomicorrizas são transportados de formas diversas, sendo o vento o principal meio
de propagação. Dentre as espécies que apresentam este tipo de associação, estão Pinus
spp. e Eucalyptus spp.
2. Endomicorrizas: não provocam diferenciação morfológica nas raízes, não podendo
ser identificadas a olho nu. Sua presença
é detectada por técnicas de mudança de
coloração de tecidos e exames microscópicos.
Dentre as espécies que apresentam este tipo
de associação, estão: Eucalyptus spp. e muitas
espécies de culturas agronómicas, forrageiras,
frutíferas, ornamentais. As espécies dos matas
tropicais apresentam associações essencialmente endomicorrízicas.
205
Vantagens do uso das Micorrizas
1. Aumento da área de absorção das raízes
2. Aumento da absorção de nutrientes,
especialmente de fósforo
3. Aumento da longevidade de raízes
infeccionadas
4. Maior resistência a extremos valores
ácidos de pH
5. Maior protecção à infecção patogénica
6. Maior resistência à seca das plântulas
e às altas temperaturas do substrato
7. Maior poder de absorção de humidade
Técnicas de Produção
Sementeira
1. Quebra de dormência de Sementes:
Este método consiste em restituir às sementes
a humidade que elas perderam durante o procedimento da sua retirada de frutos, cones ou
secagem com fins de adequação do teor de
humidade para o armazenamento em câmara
fria.
Para Pinus strobus, P. pseudostrobus
ou P. patula, a quebra de dormência
mais utilizada é a estratificação, mantendo
as sementes sempre húmidas, à temperatura
de 2 a 5 oC, por cerca de 60 dias.
2. Época de Sementeira
A época de sementeira é determinada
em função da época do plantio e do tempo
de permanência das plântulas em viveiro
até atingirem cerca de 15-25 cm de altura.
O plantio é realizado principalmente no período das chuvas, para atingir altos índices
de sobrevivência. Outros factores importantes
a serem considerados na época do plantio são
a rotação das espécies no viveiro e a resistência das espécies. No caso concreto da intervenção do Projecto de Desenvolvimento dos
Recursos Naturais no Município da Ecunha
e das espécies a utilizar, seguir-se-á o calendário indicado mais à frente. Tendo em atenção
as espécies com que vamos trabalhar,
as sementeiras antecedem, em geral
4 a 5 meses as plantações (ver Programa
de Actividades de Produção de Plantas).
3. Profundidade de Sementeira
Preparados os alfobres estes devem ser bem
regados (atenção a água não deve ficar
empoçada) com um regador de crivo fino.
Seguidamente mistura-se a semente com areia
ou terra muito fina, para facilitar a distribuição
regular. No caso do eucalipto a quantidade
de semente a usar por metro quadrado é de
2,5 gramas (semente seleccionada). Deve ser
espalhada quando não haja vento e da maneira mais uniforme possível para evitar que as
sementes se aglomerem numa zona determinada do canteiro. Um metro quadrado numa
sementeira bem feita deve dar 1000 a 1500
plantas. A sementeira não deve ser superficial,
pois as sementes recebem intenso calor do
sol, não absorvendo humidade em quantidade adequada à germinação. Também não
deve ser profunda, pelo facto de que o peso
do substrato constitui um factor físico inibidor
da emergência das plântulas. A profundidade
ideal deverá variar com as dimensões e o vigor
das sementes. Geralmente a profundidade
não deverá ultrapassar de duas a três vezes
a espessura da semente. O ideal é cobrir
a semente com uma camada delgada
de terra vegetal peneirada; usam-se
206
peneiras com um crivo de 0,5 mm. No caso
do eucalipto esta camada não deve ficar com
mais de 2-3 milímetros. Logo após a sementeira cobre-se o canteiro com uma esteira
de caniço ou outro material disponível.
4. Cobertura dos Canteiros (dos alfobres)
Como cobertura da semente no alfobre recomenda-se o uso de uma camada de material
que deve ser leve, atóxica, higroscópica e que
recubra, em espessura adequada, a superfície dos canteiros. Visa conservar a humidade
necessária, proporcionando uma emergência
da semente mais homogénea; proteger as
sementes de chuvas, fortes regas e oscilações
de temperatura na superfície do alfobre após
a sementeira. A cobertura dos canteiros também protege as raízes novas e mais finas das
plântulas logo após a emergência. Os materiais mais utilizados para cobertura de canteiros são: casca de debulha do trigo, agulhas
de pinheiros ou casuarinas secas e picadas,
vermiculite, carrasco de pinheiro, areia, serradura, etc. Podem ser utilizados, por períodos
curtos e controlados, plásticos e que aumentam a temperatura na superfície dos canteiros,
estimulando a germinação das sementes.
5. Abrigo (sombreamento) de Canteiros
Entende-se por abrigo uma protecção colocada a uma altura variável, usualmente até 50
cm, sobre a superfície de canteiros. A finalidade da protecção é estimular a percentagem
de emergência, actuando contra baixas temperaturas, no inverno, e também protegendo
contra forte insolação e intempéries com chuvas fortes durante os meses de Setembro
e Outubro. Podem ser utilizados ripados
de bambu ou caniços e folhas de palmeira.
A cobertura deve ser móvel. A estrutura
de suporte pode ser fixa mas o tecto móvel.
Em viveiros centralizados o mais usual,
contudo é usar uma tela de poliolefina
(sombrite), que apresenta diferentes
percentagens de sombreamento.
Fig AI.14 – Exemplo de sombreamento usando uma tela
de sombreamento (sombrite) suportada por postes de bambu
ou postes de eucalipto
Em certos viveiros é muito utilizada uma tela
de sombrite com capacidade de retenção da
radiação solar de 50%; para certas espécies
como o pinheiro, é recomendado sombreamento entre 30 ou 50%. A regra a seguir
no caso das espécies de eucalipto e pinheiro
com que vamos trabalhar, e a nível pouco
intensivo e a uma escala modesta, nesta fase,
é a de recomendar o sombreamento de 30%.
Irrigação
Um aprovisionamento fiável de água doce
adequada à rega é essencial a um viveiro.
Águas de escorrimento ou que venham contaminadas por lavagem de roupa ou outras
actividades mais ou menos poluentes estão
claramente condenadas.
Quando regar
Uma boa prática consiste em verificar regularmente o estado de turgescência das folhas
para determinar a periodicidade da rega. Um
programa estrito de rega em cada dia ou em
207
cada dois dias, por exemplo, não é recomendável sendo preferível inspeccionar as plântulas e regar quando se revela necessário.
É bom que o substrato seque um pouco
entre as regas. Excesso de água enfraquece
as plantas e pode ser causa de aparecimento de fungos radiculares ou ao nível do colo
provocando a morte das plantas (o chamado
“damping off”).
Deve-se, assim, tomar cuidado com o excesso da irrigação, pois isto poderá acarretar as
seguintes consequências:
a) diminuição da circulação de ar no substrato
b) lixiviação das substâncias nutritivas
c) aumento da sensibilidade das plântulas
ao ataque de fungos (damping off)
Para as sementeiras ou canteiros em germinação, as regas devem ser frequentes até
as plântulas atingirem uma altura aproximada
de cinco centímetros (folhas formadas), sendo os melhores horários pela manhã ou no
período final da tarde. A irrigação no início
das manhãs é recomendável em épocas e em
locais frios, principalmente em zonas baixas
no Planalto Central onde podem ocorrer geadas nos meses do cacimbo. Regas ao final
do dia contribuem para que o substrato permaneça húmido por mais tempo, de modo
que o potencial hídrico das plântulas se mantenha com valores mais altos durante a noite.
É recomendado que após a emergência ter
alcançado o seu ápice, o regime de regas seja
alterado, substituindo-se gradativamente
a irrigação frequente e leve por outro regime
de maior intensidade e duração de rega.
Substratos com teores elevados de areia
requerem maior frequência que os de teores
menores. Como norma, se bem que o grau
de turgescência da planta em cada fase do
ciclo vegetativo deva ser o guia, considere
que por m2 de canteiro deve usar entre
5-10 litros de água.
Repicagem
(para instruções mais detalhadas veja-se
manual preparado no curso da missão)
A repicagem é o transplante de uma plântula
de um local para outro no mesmo viveiro.
Comumente, aproveita-se a oportunidade
para descartar as plântulas que apresentam
algum tipo de deformação ou baixo vigor.
Esta operação é executada manualmente,
do alfobre onde há várias plântulas para
o plantório ou recipientes (sacos de plástico,
tubetes ou “paper pots”) onde as plântulas
se vão desenvolver antes da plantação.
A repicagem faz-se geralmente, 60 dias
depois da sementeira, variando a época
desta com a espécie. As plantinhas devem
ser repicadas quando estas atinjam 3 a 5
centímetros de altura A repicagem não deve
ser efectuada ao sol e deve seguir os procedimentos descritos no manual.
Para comodidade de trabalho e para boa
execução da repicagem aconselha-se equipar
o viveiro com uma mesa de enchimento
de sacos e de repicagem conforme
se exemplifica na Fig. AI.14.
208
to e proximidade das plântulas que favorecem
a instalação, o desenvolvimento e a disseminação de doenças fúngicas Para o controle
de doenças, podem ser utilizadas as seguintes
medidas:
Fig. AI.15 – Exemplo de mesa de enchimento de vasos
e repicagem
Atempamento e transporte
Quatro semanas antes da data prevista para
a saída das plantas para a plantação aconselha-se deixar o solo secar completamente
e deixar mesmo as plantas apresentarem
um certo emurchecimento durante um dia.
Este processo deve ser repetido várias vezes
por forma a preparar a plântula para enfrentar
o stress de plantação e a sua exposição mais
prolongada ao vento e ao sol. Não esquecer,
no entanto, que antes do transporte as plantas devem ser regadas e o camião ou o meio
utilizado deve ser coberto para as proteger
do vento e do sol.
Os trabalhos de irrigação poderão ser feitos
com a utilização de mangueiras, regadores
ou aspersores, dependendo das condições
e dimensão de cada viveiro. Insistir com
o operador da rega, seja com regador ou
mangueira (com aspersor de baixa pressão)
que a rega deve ser feita junto ao solo
e não directamente sobre as folhas.
Doenças
As doenças em viveiros estão associadas
principalmente a quatro factores: água, sombreamento, substrato e material de propagação. Devido às suas características, o viveiro
reúne condições de humidade, sombreamen-
1. Medidas preventivas são tomadas antes
do aparecimento das doenças e estão associadas às técnicas de manejo do viveiro, que
têm por finalidade a melhoria das condições
ambientais do viveiro.
2. As medidas curativas são tomadas após
o aparecimento dos sintomas da doença
e diagnosticado o agente causal. A utilização
de fungicidas torna-se indispensável.
As práticas adoptadas para o controle
de doenças são:
a) Melhoria das condições ambientais do
viveiro: controle da irrigação, sementeira,
drenagem, insolação e adubação.
b) Desinfestação de substratos e recipientes:
geralmente são utilizados produtos que tenham como princípio activo o brometo
de metilo.
c) Identificação dos agentes patogénicos:
é muito comum a ocorrência de doenças
associadas aos fungos dos genéros: Cylindrocladium spp, Rhizoctonia spp., Pythium spp.,
Fusarium spp., Phytophtora spp.
d) Aplicação de fungicidas: geralmente utilizam-se 2 gramas de fungicida para 1 litro
de água com intervalo de três dias entre
as aplicações. Dentre alguns fungicidas
utilizados, estão: Benomyl, Benlate
e Captan 50.
209
e) Descarte de plântulas atacadas: Plântulas
que estejam contaminadas deverão ser descartadas e queimadas para evitar a contaminação
das plântulas vizinhas.
Guarde o melhor e desfaça-se do resto.
Qualidade das Plântulas
Quadro AI.4 – Quadro de referência de intervenção sanitária no
viveiro
Um viveiro florestal deve sempre visar a produção de plântulas sadias e vigorosas para
posterior utilização em plantios. Plantas em
más condições não são capazes de garantir
boas plantações. Elas devem apresentar:
Problema
Solução
Raízes com nós ou torcidas
Por causa de uma má
repicagem
Eliminar imediatamente
as plantas. Proceder a uma
repicagem correcta.
Raízes enroladas no fundo
do saco
Cortar as raízes com uma tesoura de poda bem afiada. Transferir rapidamente as plantas para
a plantação; Considerar talvez
em usar tubetes
Raízes penetrando no solo
debaixo do saco.
Levantar os sacos e cortar
as raízes frequentemente.
Considerar na próxima
campanha o uso de tubetes
Plantas múltiplas por saco
Retirar rapidamente as plantas
inúteis mesmo que o seu
número possa ser considerado
grande
Plantas com vários troncos
Eliminar as plantas. A causa
pode ser a má qualidade genética dos sementões
Doenças ou insectos
Isolar e queimar todas as plantas afectadas. Desenvolver um
plano de gestão de doenças e
insectos
1. sistema radicular desenvolvido
2. raiz principal sem defeitos
3. parte aérea bem formada
4. caule erecto e não bifurcado
5. ramos laterais uniformemente distribuídos
6. folhas com coloração e formação normais
7. isenção de doenças
Como controlar a qualidade das plantas
Para apreciar a qualidade das plantas que
temos no viveiro não necessitamos de despender muito tempo nem de recorrer a equipamento especial. Quando as plantas tiverem
cerca de 15 cm de altura, escolha pelo menos
20 plantas de cada espécie para inspecção.
É importante que a escolha se faça ao acaso
e sejam recolhidas plantas de todos os canteiros. Escolha duas plantas na extremidade de
cada canteiro e uma no centro. Examine cada
uma com atenção. Dezasseis plantas em cada
20 devem ter as características que se apresentaram. Caso contrário é urgente introduzir
correcções que satisfaçam as necessidades
de qualidade anunciadas.
Uma boa prática viveirista é a de sacrificar
algumas plantas para melhorar a qualidade
da produção global do viveiro. Lembre-se
da regra de ouro da prática viveirista –
Siga o manual do viveirista e use como guia
o quadro que se apresenta:
Folhas amarelas ou brancas
Fertilizar as plantas ou utilizar
ou folhas com as nervuras
um substrato mais rico
verde acinzentado ou violetas
e com pontos ligeiros no meio
Grande variação de tamanho
entre as plantas repicadas
na mesma altura
Inspeccionar os canteiros para
encontrar as possíveis causas,
ligadas por exemplo a um ensombramento ou rega irregular
Crescimento abaixo do normal para a espécie
Ajustar a iluminação (ensaiar
mais ou menos ou utilizar um
substrato melhor
210
Administração e Controle
Para um melhor desempenho do viveiro,
deve-se adoptar alguns procedimentos
administrativos, sendo os mais importantes:
1. Planeamento da produção visando cobrir
todas as fases do processo, em que devem ser
considerados: o número de plântulas a serem
produzidas; as espécies; as épocas mais adequadas para a produção.
2. Stock de inputs e demais materiais necessários para a produção, tais como embalagens,
substratos, adubos, ferramentas e outros.
3. Disponibilidade de sementes necessárias
ou locais definidos para colecta ou compra.
4. Supervisão dos trabalhos distribuindo
atribuições e obrigações ao pessoal.
5. Acompanhamentos periódicos através
de relatórios em que figurem informações
sobre as espécies produzidas, actividades
produtivas com seus rendimentos e custos
actualizados da produção.
Para facilitar a administração e o manejo
dos viveiros, são necessárias as seguintes
instalações:
1. casa do viveirista (dispensável se o viveiro
for próximo de uma zona habitacional, como
será o caso do viveiro da Ecunha)
2. escritório
3. depósito para equipamento e ferramentas
4. depósito para produtos químicos
5. abrigo aberto nas laterais para actividades
que não podem ser executadas sob chuva
como preparação e stock de substratos,
enchimento de recipientes.
211
Material Necessário
A lista apresentada está necessariamente
ajustada à dimensão modesta desta primeira fase (380.000 plantas) e deverá ir sendo
complementada à medida das necessidades
resultantes do crescimento do viveiro.
A. Instrumentos de preparação do local
e dos canteiros
. pá → 5
. enxada → 5
. enxada de jardinagem (Razor-Back Hoe) → 2
. enxada de jardinagem (garden hoe) → 5
. picaretas → 2
. ancinho → 5
. catana → 3
. fita métrica de 50 m → 1
B. Material local para construção da vedação, canteiros e coberturas
. postes, tábua, pedras
. folhas de palmeira
. folhas de palmeira, bambú
. corda
. rede de vedação
C. Material Florestal
. Machado florestal (Forester’s Axe) → 2
. Machado de corte florestal (Collins Bay axe) → 2
D. Preparação da terra de cultura
. terra de mata, areia, estrume
. peneira rectangular de 1,2 m de largura
por 1,5 m de comprimento (crivo de 0,5 cm)
. peneira circular fina para usar cobertura
da semente no alfobre (crivo de 0,5 mm)
E. Enchimento dos vasos
. vasos e sacos de plástico, tubetes ou outros
. funil de bico largo → 5
. latas furadas nos 2 lados → 6
F. Material de rega
. balde → 3
. regadores (com crivo fino) → 5
G. Material de sementeira
. sementes
H. Material de manutenção
. sachos → 5
. Colher de viveiro (Pic’n Planter) → 3
. Colher de viveiro (U-Dig It Folding trowel) → 3
. Colher de transplantação (Union → 6
transplanting trowel)
I. Outro material florestal
. Serra curva de poda (AZEL curved pruning
saw head) → 1
212
213
INDICAÇÃO DE FORNECEDORES
CERTIFICADOS DE SEMENTES FLORESTAIS
Em termos indicativos indicam-se as seguintes
possíveis fontes de semente certificada:
Para os Eucalyptus, Casuarina
e Acacia mangium (para ensaio):
Para Pinus patula e P. pseudostrobus
México
Semilas y Productos Agroforestales
del Trópico, SPR de RL de Cv
Apartado Postal 14, Orquídeas 9,
Lomas del Ocotzotal
Xicotepc, Pueble 73080 Mexico
[email protected]
Australian Tree Seed Centre
Ensis Genetics
P. O. Box E 4008
Kingston ACT 2604
Austrália
[email protected]
África do Sul
South African Forestry Company Ltd
P.O. Box 574 – SABIE, 1260 South África
Fax: (27-13) 7641239
D. Oriel – Seed Exporters
45 Frape Avenue, MT. Yokine Wa, 6060
Austrália
[email protected]
Fax: (6-8) 93448982
Brazil (capacidade de fornecimento de E.
saligna, grandis e Pinus)
Instituto de Pesquizas e Estudos Florestais
Av. Pádua Dias, 11
C.P. 530, CEP 13400
970 Piracicaba – SP, Brazil
Fax: (55-19) 4336081
Dendros Seed Suppliers
P.O Box 6034
Philip, ACT 2606 – Austrália
[email protected]
Fax: (6-2) 62811282
Bélgica
Sylva Nurseries
‘tHand 10
9950 Waarschoot, Belgium
Fax: (32-9) 3773737
Dinamarca
Danida Forest Seed Centre
Forest & Landscape Denmark,
Kongevej 11 – DK
2970 Hoersholm, Denmark
Fax: +44 352 81517
214
215
ANEXO II
INSTRUCÕES DE CAMPO E MODELO
DE FICHAS UTILIZADAS PARA OS TRABALHOS
DE INVENTÁRIO DE BIOMASSA
Instruções para o trabalho de campo
de inventário
Equipa de trabalho
O trabalho de campo para o inventário foi
levado a efeito por uma equipa de campo
de 3 auxiliares técnicos adstritos ao projecto.
Este pessoal foi devidamente industriado para
o trabalho de medida pelo técnico encarregado do estudo, foi familiarizado com os objectivos e com os procedimentos bem como
com o preenchimento das fichas de campo.
O controlo do trabalho e a análise da normalidade das séries de medidas foi feito a nível
central do projecto.
Localização das unidades de amostragem
As unidades de amostragem (parcelas de
amostragem) foram inicialmente dispersas
ao longo de transeptos traçados nas manchas
florestais a amostrar distanciados de 1 km
e no sentido da pendente por forma a apanhar o efeito da catena no teor de água
disponível para o crescimento e do efeito
das precipitações ocultas e distanciadas
de 10 km no sentido perpendicular.
Os condicionalismos ainda decorrentes
da Guerra e a possível ocorrência de minas
dispersas aconselharam um procedimento
menos sistemático e fortemente dependente
do traçado disponível de caminhos
ou percursos pedonais. A diminuição de riscos
fez-se com a aceitação do aumento de erros
e amostragem. É importante manter esta
regularidade de implantação das parcelas
amostra. O declive e a natureza do solo
(cor, pedregosidade à superfície e existência
de cinza no solo ou vestígios de carvão nas
cascas) devem ser devidamente anotados
e inscritos na ficha de campo. A coordenada
do vértice de cota mais baixa da parcela deve
ser geo-referenciada para possibilitar que possa ser revisitada mais tarde na perspectiva de
uma análise futura da dinâmica da evolução
florística e facilitar a foto-interpretação com
a verdade de campo. A linha indicadora
do Norte deve igualmente ser traçada
sobre a ficha.
Unidade de amostragem
As unidades de amostragem adoptadas
para esta fase do trabalho de prospecção
são quadradas de 20 metros de lado conforme
se exemplifica na Fig. II.1 Tenha-se em atenção que esta medida é feita sobre a pendente
(medida em graus) e sobre uma linha perpendicular ao declive. No cálculo da área
da unidade de amostragem é importante
corrigir este valor de 20 metros de lado
para o valor que corresponderia à sua
medida num plano horizontal.
Fig. AII.1 - Dimensão das parcelas de amostragem
216
Marcações sobre o terreno
A marcação da parcela sobre o terreno deve
ser clara e marcada com uma estaca ou outros
objectos como uma árvore ou com uma pedra. Dado não se tratar de parcelas permanentes não se justifica outro tipo de marcação de
carácter mais permanente dado até que sendo
os vértices na parte inferior (mais baixa da
pendente) da parcela geo-referenciados permitem que com facilidade se volte à mesma
área (ver ficha de campo no anexo).
A localização das parcelas de campo e possível, ir sendo marcada sobre as imagens de alta
resolução obtidas da Google Earth, por forma
a que seja possível proceder, a uma melhor
distribuição das amostras de campo a fim de
assegurar, tanto quanto possível, a sua representatividade de terreno.
Registo da informação sobre a posse
da floresta
Não obstante os inquéritos de terreno parecerem ter evidenciado que ao nível das aldeias
não existe praticamente nenhuma mancha
florestal considerada livre entendeu-se importante registar, nas zonas inventariadas a existência de áreas consideradas de acesso livre.
Nomenclatura a usar para preenchimento
das fichas de campo
Em termos de visualização da classificação
a usar durante os trabalhos de campo será
usada a seguinte nomenclatura classificativa
da classe de matas (sempre de acordo com
a definição anterior de cobertura do copado
acima de 20%):
Quadro AII.1 - Nomenclatura a usar para preenchimento
das fichas de campo
Classe
A
B
C
D
E
F
G
H
Descritivo
Matas de boa densidade em solos aluviais
Matas de boa densidade em colinas
Matas de densidade média em solos aluviais
Matas de densidade média em colinas
Matas de densidade baixa em solos aluviais
Matas de densidade baixa em colinas
Matas de plantação em solos aluviais
Matas de plantação em colinas
Apesar da subjectividade inerente à apreciação
foram ainda usadas, na ficha de campo,
os seguintes grupos quanto ao propósito
de uso da mancha onde se instalaram
as parcelas de medida:
1 – Mata para combustível;
2 – Mata em regeneração;
3 – Mata degradada;
4 – Sem informação
Cada uma destas designações levará uma
letra para destrinçar tratar-se de plantação (P)
ou mata natural (N).
Assim na ficha de campo a identificação 2P
quererá dizer plantação em regeneração,
enquanto que 3N identificará uma mata
natural degradada.
Na identificação do relevo onde se localiza
a mata sujeita a inventário usar-se-ão
as seguintes siglas descritivas:
Es – Escarpado; Qu – Quebrado; Co - Colina;
On – Ondulado; Pl – Plano
217
Es
Qu
Co
On
Pl
Identificação das espécies
As espécies serão identificadas pelo seu nome
vulgar em língua Umbundu. Se possível os elementos da flora arbórea serão herborizados
para futura confirmação da espécie.
Procurar-se-á com os elementos herborizados obter a sua identificação botânica junto
do herbário do Instituto de Investigação na
Chianga. A tentativa não se revelou frutífera
dado que por uma questão de salvaguarda do
herbário o mesmo tinha sido transferido para
Luanda durante a Guerra.
Regeneração
A apreciação da regeneração será feita numa
área de 12 m2 (Raio de um circulo de 1,954 m)
fazendo-se uma contagem rápida das novas
árvores em estado de nascedio, e das toiças
com emissão de rebentos.
Usar-se-á a seguinte nomenclatura:
An – Árvores novas; Rt – Rebentos de toiça
79
Assim na ficha a designação de 12 An quererá
dizer ocorrência de 12 árvores no estado de
nascedio e 5 Rt será a indicação que se encontraram 5 árvores com rebentação de toiça.
Medição das árvores
Considerando a natureza da composição
florística e a impossibilidade total de determinação das biomassas por forma a possibilitar
o desenvolvimento de um modelo alométrico
devidamente validado, adoptou-se a metodologia descrita por Grundy (1994)79 e os respectivos modelos de estimação da biomassa
a partir das variáveis dendrométricas.
Assim, em cada árvore e espécie (tendo
frequentemente mais do que um tronco)
mede-se e regista-se na ficha de campo:
1. Perímetros a 0,30 cm do nível do solo
com aproximação ao mm (posteriormente
convertidos a diâmetros com aproximação
ao mm. Usar uma bitola feita em madeira
para não perder tempo;
2. Altura total da árvore em metros
3. Altura do tronco principal (cm)
Perímetros dos 2 ramos principais logo
a seguir à bifurcação do tronco (mm)
Alguns conselhos práticos
Na medição dos perímetros
Na medição dos perímetros deverá ter-se
em atenção o posicionamento da árvore bem
como a sua inclinação em relação à pendente
para minimizar erros de avaliação conforme
se documenta nas figuras 8.5 e 8.6 que ilustram as situações práticas.
Grundy, I.M. (1994) – Wood biomass estimation in dry miombo woodland in Zimbabwe. Forest Ecology and Management 72: 109-117
218
A medição de alturas é efectuada, fundamentalmente, com recurso a:
Fig. AII.2 - Marcação do diâmetro de referência da base da
árvore de acordo com a topografia
Fig. AII.3 - Marcação do DAP de acordo com a inclinação
das árvores
Na medição das alturas
Altura total da árvore - é o comprimento
da linha recta ligando a base da árvore
(ao nível do solo) com a extremidade final
correspondente ao gomo terminal. Para
as árvores com forquilha diz-se que ela tem
a altura total se a forquilha se situa acima
do nível do 1,30 m e a medida da altura
faz-se até ao gomo terminal do tronco mais
alto. Se a forquilha se situa abaixo daquele
nível considera-se cada ramo como um elemento de árvore independente.
A altura total faz pouco sentido para árvores
com copas partidas ou mortas, pelo que devem ser evitadas para a construção de tabelas
de volume.
Altura de árvores em pé
A mensuração da altura ocupa muito mais
tempo no acto de mensuração, é mais delicada e mais susceptível de erros. Casos há
mesmo em matas densas umbrófilas em que
esta medição se torna impossível por falta
de visibilidade.
• Uso de uma vara telescópica graduada que
é posta de encontro à árvore;
• Mais frequentemente pelo recurso a equipamentos ópticos designados por dendrómetros
a que não faremos referencia porque não
estão disponíveis no Instituto de Investigação.
Mesmo que exista a tentativa ilusória
de tentar medir a altura total com uma precisão superior ao decímetro para as árvores
pequenas (ou de um metro ou mesmo mais
para as árvores grandes, é aconselhável, para
que não percamos a menor precisão possível,
fazer as medidas com o maior rigor possível
permitido com o aparelho disponível ou improvisado. De uma forma indicativa, mas para
ser escrupulosamente seguido pelos operadores, indica-se (FAO, ob. cit.)
• ao cm mais próximo para as árvores com
uma altura inferior a 2 metros;
• ao dm mais próximo para as árvores
de altura entre os 2-5 metros;
• ao 0,5 metro mais próximos para as árvores
entre os 5 e os 10 metros;
• ao metro mais próximo para as árvores
com altura > 10 metros
219
A medida da altura total só deve ser perseguida quando for possível ver o topo da árvore;
se um topo aparente é visível a medida da
altura pode ser sobre ou subestimada. Este
erro pode atingir grandezas tão grandes como
20% (Fig. AII.4).
No caso de não vir a ser possível uma estimação das alturas totais e sendo esta medida
a mais trabalhosa a equipe de campo irá
medir unicamente a chamada altura do fuste
ou tronco Hf. Por este facto irá utilizar-se na
estimação da biomassa um modelo em que
esta variável, juntamente com o diâmetro
a 0,30 m do nível do solo, constituem
as variáveis independentes.
Fig. AII.4 - Erros de medida da altura da árvore com deficiências
de visualização do topo
Medida da altura de árvores inclinadas
O medidor não deve estar no plano vertical
definido pela árvore mas sim perpendicularmente àquele plano à mesma distância
de A e de B (Fig. AII.5).
Fig. AII.6 – Esquema de medição da altura do fuste
e localização de medida dos perímetros dos ramos
(se maiores que 3,146 cm)
Informações suplementares caso viáveis
Pesagem de 2 árvores casualmente amostradas por parcela. Se for possível retirar-se uma
amostra verde que deve ser metida num saco
de plástico com a respectiva etiqueta e selado
para determinação posterior da humidade.
Fig. AII.5 - Erros de medida por inclinação da árvore
220
221
FICHA DE INVENTÁRIO (modelo 1)
Folha nº..........
LOCAL ………………………………
COMUNA ………………………….
Parcela nº …………………………….
Exposição …………………………..
Declive ..............%
Tipo de relevo Es – Qu – Co – On - Pl
Tipo de bosque (classe) ........................
Propósito do Uso 1 – 2 – 3 – 4
Preencheu ...........................................................
Data .............................................
222
223
ANEXO III
RELATÓRIO TÉCNICO DA OCUPAÇÃO
DO ESPAÇO NA PROVÍNCIA DO HUAMBO
E MUNICÍPIO DA ECUNHA
Fig. AIII.1 - Mosaico para os anos de 1990 e 2002. O efeito de “green up” visível no monitor é difícil de observar em papel devido
ao streching aplicado para que os mosaicos sejam legíveis. De qualquer forma a quantidade de manchas de solo descoberto
é visivelmente maior em 1990.
224
Fig. AIII.3 - Conjunto de nove parcelas com dados recolhidos
no terreno cartografadas sobre o Google Earth.
Discussão de resultados
Separabilidade espectral entre classes
Os valores do índice de Jeffries-Matusita (JM)
para calculo da separabilidade espectral podem variar entre 0.0 e 2.0, sendo 0.0 o valor
encontrado entre duas classes não separáveis
e 2.0 o valor encontrado entre duas classes
totalmente separáveis. Considera-se que duas
classes são suficientemente separáveis para ser
consideradas numa classificação se o valor do
índice for superior a 1.0. Os valores do índice
calculados entre classes emparelhadas duas
a duas neste estudo estão todos acima
de 1.39, indicando que há uma boa separabilidade espectral entre todas as classes que
constituem a legenda. Para a época de 2000,
os valores mais baixos foram os obtidos entre
as classes miombo aberto e miombo fechado
(comum valor de 1.39) e entre miombo aberto e vegetação das zonas húmidas (comum
valor de 1.54). Todos os valores calculados
do índice estão apresentados no anexo 2.
Fig. AIII. 2 – Grelha sistemática de pontos para validação
(250 pontos) sobre mosaico RGB (a) e sobre o Google Earth (B)
225
Mapas de coberto do solo do inicio
da década de 90 e do inicio da década
de 2000
As figuras de AIII.4 a AIII. 7 apresentam
os mapas de coberto do solo para a província
do Huambo e para o Município da Ecunha.
Fiabilidade da classificação
As matrizes de confusão, com erros de comissão e omissão (o inverso de producer’s accuracy e consurmmer acccuracy, respectivamente), estão apresentados no anexo 2. Foram
geradas duas tabelas de confusão para cada
data. Uma foi gerada com base nos pixéis que
constituem os polígonos digitalizados sobre
a grelha de amostragem (a verdade de terreno
obtida sobre as fotografias de alta resolução
do Google). A outra foi obtida utilizando
a informação contida nas parcelas de terreno.
A tabela 3 abaixo contém um resumo dos valores de fiabilidade geral e estatística K. Todos
os valores de K indicam uma boa fiabilidade
para os mapas gerados.
Quadro AIII.1 Níveis de fiabilidade dos mapas gerados
(overall accuracy).
Ano
Pichéis
Percentagem K
1990
2000 a)
2000 b)
330/364
251/270
08-Set
90.66
92.96
88.89
0.8839
0.9134
0.8235
a) sobre os polígonos gerados com base na grelha sistemática
b) sobre as parcelas de terreno.
226
Fig. AIII. 4 – Mapas de coberto do solo para a Província do Huambo - ano de 1990
227
Fig. AIII. 5 – Mapas de coberto do solo para a Província do Huambo - ano de 2000
228
Fig. AIII. 6 – Mapas de coberto do solo para o Município da Ecunha - ano de 1990
229
Fig. AIII. 7 – Mapas de coberto do solo para o Munícipio da Ecunha - ano de 2000
230
Fig. AIII. 8 – Exemplo de variações do nível de água na barragem do Gove, Huambo entre 1990 e 2002
Fig. AIII. 9 – Ilustração da expansão de área agrícola entre 1990 e 2002
Fig. AIII. 10 – Ilustração da conversão de savana bosque para miombo entre 1990 e 2002
231
Análise de fiabilidade das classificações
Os resultados apresentados indicam que
os mapas gerados têm uma boa fiabilidade
com valores de K bem acima dos 0.75, valor
considerado corno aceitável para a produção
de cartografia temática. No entanto, a inspecção mais detalhada dos resultados obtidos
para as manchas florestais denota a existência
de algumas zonas com confusão entre classes
cartografadas. No anexo V apresentam-se
exemplos do tipo de inspecções possíveis
sobre a cartografia gerada, com sobreposição
dos polígonos cartografados de manchas
florestais sobre as imagens de alta resolução
do Google. Este exercício revela que há zonas
de confusão entre miombo aberto e denso
e sobretudo entre miombo e vegetação das
zonas húmidas. De facto, podem encontrarse manchas compactas de miombo com
pequenos cantos e manchas menores inclusas classificadas como vegetação das zonas
húmidas. Também, e em sentido oposto,
pode encontrar-se miombo cartografado
ao longo das linhas de água, em situações
que na imagem se vê corresponderem
a vegetação de baixo porte e muito verde
ao longo e no leito dos cursos de água.
Apesar do processamento realizado para
minimizar o efeito das sombras topográficas
na classificação, verifica-se que ha uma tendência do classificador para alocar a classe
“miombo denso” a zonas ensombradas
de miombo aberto. Este efeito é sobretudo
detectável no mapa correspondente ao Município de Ecunha, onde o padrão da topografia
alocado a classe “Miombo denso” é claramente detectável.
Uma vez que os pixéis das imagens usadas
para gerar esta cartografia têm aproximadamente 30 metros de resolução no terreno,
os mapas são produzidos a uma escala não
inferior a 1:100 000. Esta escala tem limitações no que se refere à utilização dos mapas
para estudos locais.
A análise das áreas cobertas pelas várias
classes em ambas as datas analisadas revela
ter havido um ligeiro aumento da extensão
coberta por vegetação lenhosa. De facto,
até uma análise exclusivamente visual das
imagens no monitor (figuras AIII.9 e AIII.10)
indica um efeito de “green up” entre 1990
e 2000. Esta análise mostra também a expansão e intensificação da principal mancha
agrícola na província (mancha de tons claros
no centro da imagem) e o desaparecimento
de manchas semelhantes de outras zonas da
província entre as duas datas. Estes dois fenómenos estão ilustrados nas figura AIII. 9
e AIII.10. De notar que no Município de Ecunha há um claro aumento da área cultivada
entre 1990 e 2000, sem que esse aumento
pareça corresponder a uma diminuição da
área de miombo, denotando sim um decréscimo das zonas de savana bosque. Este é um
tipo de evolução do coberto do solo conhecido noutras regiões de África onde as populações começam por desbravar zonas com
menor densidade de material lenhoso para
as suas praticas agrícolas, recorrendo a áreas
mais florestadas (e portanto mais trabalhosas)
apenas quando as outras começam a rarear
ou quando estas se encontram já em processo de degradação por outros motivos (e.g.
queimadas demasiado recorrentes e cortes
selectivos).
Uma interpretação sócio-económica possível
para os padrões de coberto observados pode
ser a que decorre do efeito do fim da Guerra.
Este fenómeno pode explicar o efeito de intensificação e expansão da actividade agrícola
num padrão centralizado e urbano, e o consequente abandono de explorações dispersas,
discretas e menos intensa.
232
233
ANEXO IV
POSIÇÕES CORRESPONDENTES A NOVE
PARCELAS COM DADOS RECOLHIDOS
NO TERRENO SOBRE IMAGENS DE ALTA
RESOLUÇÃO DO GOOGLE EARTH
PONTOS
LATITUDE
LONGITUDE
PL1_Quipeio (via)
18 Ai_Quipeio
18 Bi_Quipeio
0.11_rio Chilelema
0.12_ rio Chilelema
0.11_Calombo
0.16_Missao
0.17_Regedoria
0.17_Sanga
12° 27’ 39,2’’ S
12° 28’ 29,2’’ S
12° 28’ 26,4’’ S
12° 28’ 22,9’’ S
12° 28’ 18,4’’ S
12° 34’ 49,7’’ S
12° 31’ 10,9’’ S
12° 39’ 48,1’’ S
12° 37’ 39,8’’ S
15°30’14,6’’ E
15°30’16,5’’ E
15°30’21,0’‘ E
15°29’04,4’‘ E
15°29’03,8’‘ E
15°26’53,3’‘ E
15°30’05,2’‘ E
15°28’05,7’‘ E
15°35’47,2’‘ E
234
235
ANEXO V
EXEMPLOS DO TIPO DE INSPECÇÕES
SOBRE CARTOGRAFIA SOBRE IMAGENS
DE ALTA RESOLUÇÃO DO GOOGLE EARTH
236
237
238
239
ANEXO VI
VALORES DO INDICE DE JEFFRIES-MATUSITA (JM) E MATRIZES DE CONFUSÃO
Índice de Jeffries-Matusita para a imagem de 1990
Miombo Denso 1036 points and Miombo Aberto 121 points - 1.40734054
Miombo Denso 1036 points and Veg. Húmida 24 points - 1.79810465
Água 73 points and Veg. Húmida 24 points - 1.83182868
Miombo Aberto 121 points and Veg. Húmida 24 points - 1.84887416
Veg. Húmida 24 points and Ardido 135 points - 1.87742654
Miombo Aberto 121 points and Ardido 135 points - 1.91146780
Savana bosque 371 points and Miombo Aberto 121 points - 1.91671197
Miombo Denso 1036 points and Ardido 135 points - 1.92298041
Veg. Herbácea 237 points and Miombo Aberto 121 points - 1.93436186
Água 73 points and Miombo Denso 1036 points - 1.94798978
Savana bosque 371 points and Veg. Húmida 24 points - 1.95841693
Savana bosque 371 points and Ardido 135 points - 1.96189115
Veg. Herbácea 237 points and Savana bosque 371 points - 1.96731100
Agricultura 229 points and Savana bosque 371 points - 1.97481383
Miombo Denso 1036 points and Savana bosque 371 points - 1.97867115
Miombo Denso 1036 points and Veg. Herbácea 237 points - 1.97984555
Agricultura 229 points and Veg. Herbácea 237 points - 1.98242704
Água 73 points and Ardido 135 points - 1.99228646
Água 73 points and Miombo Aberto 121 points - 1.99571569
Água 73 points and Savana bosque 371 points - 1.99684679
Agricultura 229 points and Ardido 135 points - 1.99951014
Veg. Herbácea 237 points and Ardido 135 points - 1.99973121
Agricultura 229 points and Miombo Aberto121 points - 1.99975713
Água 73 points and Veg. Herbácea 237 points - 1.99987074
Veg. Herbácea 237 points and Veg. Húmida 24 points - 1.99994408
Agricultura 229 points and Miombo Denso 1036 points - 1.99996088
Agricultura 229 points and Veg. Húmida 24 points - 1.99997890
Água 73 points and Agricultura 229 points - 1.99998823
240
Índice de Jeffries-Matusita para a imagem de 2000
Miombo Denso 1652 points and Miombo Aberto 180 points - 1.39957758
Miombo Aberto 180 points and Vegetação Húmida 81 points - 1.54355807
Herbácea [Yellow] 370 points and Miombo Aberto 180 points - 1.66438529
Vegetação Húmida 81 points and Ardido 58 points - 1.66712204
Savana bosque 439 points and Vegetação Húmida 81 points - 1.73275692
Miombo Denso 1652 points and Vegetação Húmida 81 points - 1.73315532
Savana bosque 439 points and Miombo Aberto 180 points - 1.76757994
Herbácea [Yellow] 370 points and Savana bosque 439 points - 1.78209695
Agricultura [Magenta] 400 points and Savana bosque 439 points - 1.81772522
Savana bosque 439 points and Ardido 58 points - 1.84539423
Miombo Aberto 180 points and Ardido 58 points - 1.88073987
Vegetação Herbácea 370 points and Vegetação Húmida 81 points - 1.88957339
Miombo Denso 1652 points and Ardido 58 points - 1.92452693
Agricultura 400 points and Vegetação Húmida 81 points - 1.96312789
Agricultura 400 points and Vegetação Herbácea 370 points - 1.96467302
Miombo Denso 1652 points and Savana bosque 439 points - 1.97219383
Miombo Denso 1652 points and Vegetação Herbácea 370 points - 1.97299322
Agricultura 400 points and Ardido 58 points - 1.97741885
Agricultura 400 points and Miombo Aberto 180 points - 1.99287706
Vegetação Herbácea 370 points and Ardido 58 points - 1.99417755
Água [Blue] 3835 points and Vegetação Húmida 81 points - 1.99943452
Agricultura 400 points and Miombo Denso 1652 points - 1.99953283
Água [Blue] 3835 points and Miombo Denso 1652 points - 1.99963807
Água [Blue] 3835 points and Ardido 58 points - 1.99999567
Água [Blue] 3835 points and Miombo Aberto 180 points - 1.99999939
Água [Blue] 3835 points and Savana bosque 439 points - 2.00000000
Água [Blue] 3835 points and Vegetação Herbácea 370 points - 2.00000000
Água [Blue] 3835 points and Agricultura 400 points - 2.00000000
241
Matriz de confusão da classificação de 1990 (class) versus grelha (Ground truth)
Overall Accuracy = (251/270) 92.9630%
Kappa Coefficient = 0.9134
Ground Truth (Percent)
Class
Unclassified
Ardido
Miombo Denso (MD)
Miombo Aberto (MA)
Savana bosque (SB)
Veg. Herbácea (H)
Agricultura (AGR)
Água (AG)
Total
Ardido
0.00
100.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
100.00
MD
0.00
0.00
78.57
21.43
0.00
0.00
0.00
0.00
100.00
MA
0.00
0.00
0.00
100.00
0.00
0.00
0.00
0.00
100.00
Ground Truth (Percent)
Class
Unclassified
Ardido
Miombo Denso
Miombo Aberto
Savana bosque
Veg. Herbácea
Agricultura
Água
Total
AGR
0.00
0.00
0.00
0.00
6.25
0.00
93.75
0.00
100.00
AG
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
100.00
100.00
Total
0.00
2.59
12.22
10.00
28.52
13.33
12.59
20.74
100.00
Commission
(Percent)
14.29
0.00
37.04
2.60
5.56
11.76
0.00
Omission
(Percent)
0.00
21.43
0.00
8.54
2.86
6.25
0.00
Class
Ardido
Miombo Denso
Miombo Aberto
savana bosque
Veg. Herbácea
Agricultura
Água
SB
0.00
1.22
0.00
0.00
91.46
2.44
4.88
0.00
100.00
H
0.00
0.00
0.00
2.86
0.00
7.14
0.00
0.00
100.00
242
Matriz de confusão da classificação de 2000 (class) versus grelha (ground truth)
Overall Accuracy = (330/364) 90.6593%
Kappa Coefficient = 0.8839
Ground Truth (Percent)
Class
Unclassified
Ardido
Miombo Denso (MD)
Miombo Aberto
Savana bosque
Veg. Herbácea
Agricultura [
Água [Blue]3
Swamp [Cyan]
Total
Ardido
0.00
100.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
100.00
MD
0.00
0.00
100.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
100.00
MA
0.00
0.00
0.00
91.67
0.00
8.33
0.00
0.00
0.00
100.00
SB
0.00
0.00
0.00
9.85
83.33
2.27
4.55
0.00
0.00
100.00
Ground Truth (Percent)
Class
Unclassified
Ardido
Miombo Denso
Miombo Aberto
Miombo Aberto
Veg. Herbácea
Agricultura
Água
Veg. Húmida
Total
AGR
0.00
0.00
0.00
0.00
5.13
5.13
89.74
0.00
0.00
100.00
AG
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
89.29
10.71
100.00
VH
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
100.00
100.00
Total
0.00
15.38
5.49
9.62
30.77
8.79
11.26
13.74
4.95
100.00
Commission
(Percent)
0.00
0.00
37.14
1.79
21.88
14.63
0.00
33.33
Omission
(Percent)
0.00
0.00
8.33
16.67
0.00
10.26
10.71
0.00
Class
Ardido
Miombo Denso
Miombo Aberto
Savana bosque
Veg. Herbácea
Agricultura
Água
Veg. Húmida
H
0.00
0.00
0.00
0.00
0.00
100.00
0.00
0.00
0.00
100.00
243
Matriz de confusão da classificação de 2000 (class) versus parcelas (ground truth)
Overall Accuracy = (8/9) 88.8889%
Kappa Coefficient = 0.7500
Ground Truth (Percent)
Class
Unclassified
Veg. Herbácea
Savana bosque
Miombo Aberto
Total
Class
Veg. herbácea
Savana bosque
Miombo Aberto
H
0.00
100.00
0.00
0.00
100.00
SB
0.00
0.00
100.00
0.00
100.00
Commission
(Percent)
0.00
14.29
0.00
Omission
(Percent)
0.00
0.00
50.00
FA
0.00
0.00
50.00
50.00
100.00
Total
0.00
11.11
77.78
11.11
100.00
244
245
ANEXO VII
EXEMPLOS DE SOBREPOSICAO
DOS POLIGONOS CARTOGRAFADOS
DE MANCHAS FLORESTAIS SOBRE
AS IMAGENS DE ALTA RESOLUCAO
DO GOOGLE
Miombo Denso
Miombo Aberto
246