História de um Tropeiro Madrinheiro

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História de um Tropeiro Madrinheiro
História de um Tropeiro Madrinheiro
Publicado por Anselmo Nascimento
Ter, 16 de Outubro de 2012 11:18
Serra Catarinense - Com a idade de 8 a 13 anos, no final de 1945 até início do ano de 1950,
acompanhado de meu pai, avô e meus tios, partíamos da fazenda Rabungo,
de Bom Jardim da Serra às 5:00h da manhã, viajávamos constantemente pela Serra do Rio do
Rastro, à cavalo numa égua madrinha, animal cavalar com chocalho no pescoço, num percurso
de 55 Km até a capela, lugarejo chamado 12, onde havia um armazém surtido para troca de
mercadorias.
Conta-se que um tropeiro vindo de Lages com sete cargueiros, mulas novas, mais a égua
madrinha de frente anoiteceu na boca da Serra, posou num galpão e soltou as mulas no
potreiro. A égua madrinha, faminta foi na beira do precipício apanhar um arbusto e despencou
10 m. As mulinhas, amadrinhadas e apavoradas saltaram todas juntas no mesmo penhasco em
busca de sua madrinha.
Minha função a cavalo na égua madrinha era viajar na frente, guiando a tropa de mais ou
menos 14 cargueiros, mulas e burros. Levávamos nas broacas, alimentos produzidos na Serra,
charque de carne bovina, queijo serrano, pinhão e batata inglesa. No destino, trocava-se por
alimentos que não se produzia nos campos da Serra como: açúcar, farinha de mandioca, arroz,
café, sal, frutas como banana e laranja. Naquela época, pouco dinheiro existia, era constante a
troca de mercadoria.
O único meio de locomoção era ao lombo dos animais ou carro de boi, pois não existia
automóveis e carros utilitários. As estradas eram trilhas, caminhos dos tropeiros, corredores
das tropas, cercados na maioria por taipas. As curvas da Serra do Rio do Rastro era de chão
firme bem conservadas, porém, em baixo da Serra havia as trilhas mas formavam-se atoleiros
quando chovia e valas barrentas, degraus formados com os passos dos animais. Lugares
estreitos e perigosos. Quando desciam as tropas de gado ou porcos havia um controle, o
serrano mandava um capataz na frente avisar para não subir tropa de cargueiros durante 2
horas, pois estava descendo gado e se acontecesse encontro haveria o risco de um animal
despencar no penhasco.
A partir de 1950 a 1955, Irineu Bornhausen, governador do Estado, desbravou a Serra do Rio
do Rastro dando passagem de jeep, rural Wilian e camionete, carros de tração. Foi quando os
serranos aposentaram as mulas. Neste meio tempo com o trecho em construção, o trânsito dos
tropeiros acontecia pela Serra do Oratório, acesso a um quilômetro, antes da a Serra do Rio do
Rastro, trilhas perigosas e escorregadias e declive acentuado.
Nessas andanças, na costeira da Serra, passei muito frio. Uma ocasião aconteceu uma grande
nevada durante a viagem, eram 10:00h, interrompemos a viagem, pousando numa propriedade
de um fazendeiro que nos cedeu o galpão para abrigo com fogo de chão, entre Bom Jardim e
Serra do Rio do Rastro. Estendemos as camas ao redor do fogo. Os arreios serviram de
travesseiro, como forro, usamos os pelegos, cobertos com a capa ideal da marca Renner e um
cobertorzinho cinza que minha mãe colocou na minha bagagem.
No dia seguinte, as 5:00h a tropa estava pronta para seguir viagem, porém os campos cobertos
de neve, havia sol, frio intenso, muito vento. Pela prática que tenho hoje, deveria estar uma
sensação térmica de 30 graus negativos. Quando chegamos na boca da Serra, havia uma
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propriedade, galpão cedido pelo proprietário, hora do café tropeiro e farofa de galinha caipira
que minha mãe preparava. Não consegui apear da égua madrinha, estava encarangado
(expressão que usa o serrano). Não podia gritar, falar, nem chorar, rosto anestesiado, quando
meu pai e meu tio perceberam, tiraram-me do lombo da égua madrinha e me colocaram
próximo ao fogo de chão, um pouco afastado para não acontecer choque térmico. Em
momentos comecei a reagir e após o café, descemos a Serra. Contando esta história para uma
excursão de turista, uma senhora de mais ou menos 80 anos se deslocou do fundo do ônibus
em movimento e foi me abraçar. Chorando, ela disse: seu Zanette, eu me comovi com sua
história.
Na costeira da Serra sempre existiu muita serração ou viração fria quando ventava. Meu pai e
meus tios possuíam um terreno naquela região e criavam gado. Quando andávamos no
campo, de repente, aparecia a viração cerrada e perdíamos o caminho, completamente sem
visão. A prática era soltar as rédeas dos animais, sem dominá-los, pois os mesmos nos
levavam de volta para casa.
Quando completei a adolescência, meu pai me levou para Cocal do Sul para estudar. Fiz o
Regional que correspondia ao Ginasial e cursei datilografia em Criciúma. O datilógrafo daquela
época tinha emprego garantido e fui chamado para trabalhar no escritório da Gaúcha
Madeireira, em Bom Jardim da Serra, quando a mesma instalou o Cabo Aéreo no penhasco, 2
Km antes da Serra do Rio do Rastro. Os caminhões levavam madeiras ao depósito do Cabo
Aéreo, acima da Serra e descia pelo processo mecânico, 3 pacotes de dúzia de madeira num
percurso de 1000m, a cada 330m, enviava-se 1 pacote. Havia um depósito abaixo do
penhasco e uma frota de caminhões levava até ao porto de Laguna, sendo que a madeira era
exportada.
Alunos da Serra que estudavam num colégio em São Ludgero ou Tubarão, aproveitavam a
carona com os caminhões da Gaúcha até o cabo aéreo, de lá desciam pendurados numa
cadeirinha improvisada no cabo aéreo, arriscavam a vida, mas tudo fazia parte de uma grande
aventura. A invenção e construção do cabo aéreo, obra de arte, foi do competente estudioso,
EDMUNDO WANCHER, um dos gerentes da Gaúcha Madeireira. Lastima-se que a invenção
tenha sido demolida. Deveria ser tombado como patrimônio histórico. Fica aí uma boa dica aos
gestores públicos para que façam o resgate da Serra do Oratório e do Cabo Aéreo, em nome
do turismo.
A evolução da estrada Voltando a Serra do Rio do Rastro, até 1950 era caminho dos
tropeiros. Após a obra do governador Irineu Bornhausen, em 1964, a estrada recebeu nova
abertura e melhoramento pelo governador Jorge Lacerda e seu vice, sucessor, Eriberto Hulse,
dando condições de tráfego a caminhões e ônibus de pequeno porte. Não existia grandes
coletivos e caminhões naquela época. Foi quando a Gaúcha Madeireira abandonou o cabo
aéreo e passou a transportar madeira até o porto de Laguna, com caminhões reboque. De
1984 a 1987 a Serra do Rio do Rastro ficou charmosa. Recebeu do governador Esperidião
Amin, piso com placas de concreto armado com mureta de proteção nas laterais e emergentes
acostamentos em diversos pontos. Em 2002, Esperidião Amim, governador do Estado,
iluminou a Serra do Rio do Rastro com 225 postes e cobriu de asfalto a área de
estacionamento no Mirante da Serra, também iluminado. Em 2010, Luiz Henrique da Silveira,
governador do Estado, restaurou o piso da Serra do Rio do Rastro, substituindo centenas de
placas de concreto armado, demolidas pelos caminhões que trafegam com excesso de peso
naquela rodovia e recuperou as luminárias. Todos os governadores até então, prestaram suas
relevantes obras na manutenção daquela Serra, considerada um dos melhores atrativos
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turísticos de Santa Catarina e do Brasil.
Por solicitação dos Prefeitos e do trade turístico da Serra Catarinense, espera-se que o atual
governador, Raimundo Colombo a partir do início do próximo ano de 2013, execute as obras de
acordo com o documento entregue ao Deinfra, processo nº. 18318/2012 que diz respeito a
horários de trânsito de caminhões nos sábados, domingos e feriados e instalação de uma
balança próximo a polícia rodoviária estadual, na boca da Serra, a fim de que aquelas placas
de concreto armado durem eternamente, facilitando milhares de turistas que terão
oportunidade de apreciar tranquilamente aquela maravilhosa obra de arte.
Atualmente, sou guia de turismo credenciado pelo Ministério do Turismo. Meu entusiasmo é
receber nossos visitantes que vêm deste imenso país e se encantam com as maravilhas da
Serra Catarinense.
Antiga Serra do Oratorio Aracídio Zanette – Guia de turismo credenciado.
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