l`o sse rvator e romano - Paróquia Nossa Senhora da Conceição

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l`o sse rvator e romano - Paróquia Nossa Senhora da Conceição
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L’OSSERVATORE ROMANO
EDIÇÃO SEMANAL
Unicuique suum
EM PORTUGUÊS
Non praevalebunt
Cidade do Vaticano
Ano XLVI, número 50 (2.392)
Quinta-feira 10 de Dezembro de 2015
Francisco abriu a porta santa da basílica de São Pedro
Com a misericórdia do bom samaritano
«Abri-me as portas da justiça». Com esta invocação
que cadenciou a abertura da porta santa da basílica
vaticana, o Papa inaugurou, na terça-feira 8 de Dezembro, o jubileu extraordinário da misericórdia.
Um rito antigo, cheio de símbolos, caracterizado
pela imagem inédita de dois Pontífices, Francisco e
o seu predecessor Bento XVI, que atravessaram o limiar um depois do outro após se terem abraçado
afectuosamente no adro.
Precedentemente o Papa celebrou a missa da solenidade da Imaculada na presença de mais de cinquenta mil fiéis, que se reuniram na praça de São
Pedro desde as primeiras horas de uma manhã. Tudo realizou-se ordenadamente graças também ao
imponente mas discreto sistema de segurança.
Na homilia, Francisco expressou o desejo de que
ao «atravessar hoje a porta santa nos comprometamos a praticar a misericórdia do bom samaritano».
E deste modo recordou as palavras de Paulo VI,
pronunciadas há cinquenta anos na conclusão do
Vaticano II, frisando assim o estreito vínculo que
une a histórica assembleia conciliar a este ano santo. E ao meio-dia da janela do palácio apostólico
para a recitação do Angelus, o Pontífice voltou a
frisar que «não se pode compreender um cristão
verdadeiro que não seja misericordioso, assim como
não se pode entender Deus sem a sua misericórdia». De facto, comentou, «ela é a palavra-síntese
do Evangelho». Em seguida, pediu que o acompanhassem com a oração na peregrinação vespertina
realizada a dois lugares-símbolo da devoção mariana à praça de Espanha, para a tradicional homenagem à Imaculada, e a basílica de Santa Maria
Maior, para confiar à Salus populi romani «a Igreja
e a humanidade inteira». E enquanto o Papa concluía o seu itinerário mariano, teve início na praça
de São Pedro a recitação do terço, que diariamente
será rezado durante todo o jubileu ao lado da imagem do príncipe dos apóstolos. No final, a sugestiva representação «Fiat lux: Illuminating our common home», durante a qual, na fachada e na cúpula da basílica foram projectadas imagens inspiradas
na misericórdia, na humanidade e na natureza.
O jubileu
do concílio
GIOVANNI MARIA VIAN
Concluindo o concílio, para frisar
as decisões do Vaticano II e difundi-las em toda a Igreja, Paulo VI
quis que do dia 1 de Janeiro a 29
de Maio de 1966, festa de Pentecostes, nas dioceses do mundo se
celebrasse um jubileu extraordinário. Cinquenta anos mais tarde, o
seu actual sucessor, filho do concílio mesmo sendo por motivos de
idade o primeiro Papa que nele
não participou, abriu outro ano
santo, que por mais de um motivo
é extraordinário.
Extraordinário porque não se
inclui nas habituais datas temporais, mas ainda mais por vontade
de Bergoglio de o relacionar de
maneira explícita à misericórdia,
central no Evangelho e nos jubileus. E depois não tanto por se
realizar simultaneamente nas dioceses do mundo, quanto pela antecipação da sua abertura no coração da África. O primeiro jubileu
ordinário depois do concílio foi de
facto celebrado em 1974 inicialmente no mundo e depois em Roma, mas nunca um Pontífice tinha
aberto uma porta santa fora da
sua diocese.
Assim como em circunstâncias
muito diversas Bonifácio VIII proclamou o primeiro jubileu interpretando a expectativa do povo
cristão, assim mais uma vez o Papa Francisco sentiu e soube captar
a necessidade dos fiéis, juntamente
com a de tantíssimas mulheres e
homens que talvez nos confins da
Igreja visível não conseguem reconhecer-se: «A Igreja — disse na
primeira audiência geral do jubileu — precisa deste momento extraordinário. Não digo: é bom este
momento extraordinário para a
Igreja. Digo: a Igreja precisa deste
momento extraordinário», para
tornar «visíveis os sinais da presença e da proximidade de Deus».
Antes de tudo, a misericórdia,
que está no centro do Evangelho e
estimula os cristãos a sair de si
mesmos para serem testemunhas
de Cristo. Como, surpreendendo
CONTINUA NA PÁGINA 10
Sobre a viagem do Papa em África
Tijolo sobre tijolo
MAURIZIO FONTANA
NA PÁGINA
11
PÁGINAS 8
Audiência geral dedicada ao tema do ano santo
Para o dia das vocações
Escolher o que mais agrada a Deus
Tudo começa
com um olhar
E a praça voltou a ser meta dos peregrinos também na tradicional audiência geral de quarta-feira, na
qual o Papa Francisco falou mais
uma vez do jubileu para explicar os
motivos da sua decisão de proclamar um ano santo da misericórdia.
Trata-se, disse, de «um momento
privilegiado para que a Igreja
E
9
aprenda a escolher unicamente “o
que mais agrada a Deus”». E, questionou-se, «o que “mais agrada a
D eus”?». A resposta é precisamente
«perdoar os seus filhos, ter misericórdia deles, a fim de que possam
por sua vez perdoar os irmãos».
Toda a chamada na Igreja tem origem no «olhar compassivo de Jesus». Recordou o Papa na mensagem para a quinquagésimo terceiro dia mundial de oração pelas vocações, que se celebra a 17 de
Abril de 2016, quarto domingo de
Páscoa.
«A chamada de Deus — frisou
— acontece através da mediação
comunitária. Deus chama-nos a fazer parte da Igreja e, depois de
um determinado amadurecimento
nela, concede-nos uma vocação específica. O caminho vocacional é
feito juntamente com os irmãos e
as irmãs que o Senhor nos doa: é
uma com-vocação.
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L’OSSERVATORE ROMANO
página 2
quinta-feira 10 de Dezembro de 2015, número 50
Discurso do Papa no quadragésimo aniversário da Associação de pais das escolas católicas
Valores que não podem
ser liquidados
«Nunca sacrifiqueis os valores
humanos e cristãos dos quais sois
testemunhas na família, na escola e na
sociedade», recomendou o Papa
Francisco aos membros da Associação
de pais das escolas católicas (Agesc),
recebidos em audiência na manhã de 5
de Dezembro na sala Clementina, por
ocasião do quadragésimo aniversário de
fundação. Eis as expressões do Santo
Padre.
Estimados irmãos e irmãs
É com prazer que dou as boas-vindas a todos vós, representantes da
Associação de Pais das Escolas Católicas, na celebração do quadragésimo
aniversário da vossa Fundação. Estais aqui não apenas para vos confirmardes no vosso caminho de fé, mas
também para manifestar a verdade
do compromisso que vos distingue:
o livremente assumido, de ser educadores segundo o Coração de Deus e
da Igreja.
Há pouco teve lugar um importante Congresso mundial, organizado pela Congregação para a Educação Católica. Naquela circunstância
pus em evidência a importância de
promover uma educação para a plenitude da humanidade, porque falar
de educação católica equivale a falar
de humano, de humanismo. Exortei
a uma educação inclusiva, uma educação que reserve lugar a todos, e
não escolha de maneira elitista os
destinatários do seu compromisso.
É o mesmo desafio que hoje se
apresenta também a vós. A vossa Associação põe-se ao serviço da escola
e da família, contribuindo para a delicada tarefa de lançar pontes entre escola e território, entre escola e família,
entre escola e instituições civis. É preciso restabelecer o pacto educativo,
porque o pacto educativo se arruinou, porque o pacto educativo se
fragmentou, e devemos recuperá-lo.
Lançar pontes: não há desafio mais
nobre! Construir a união onde progride a divisão, gerar harmonia
quando parece predominar a lógica
da exclusão e da marginalização.
Como associação eclesial, vós hauris do coração da própria Igreja a
abundância da misericórdia, que faz
do vosso trabalho um serviço quotidiano a favor do próximo. Como
pais, sois depositários do dever e do
direito primário e irrenunciável de educar os filhos, contribuindo neste sentido de maneira positiva e constante
para a missão da escola. Tendes o
direito de exigir uma educação conveniente para os vossos filhos, uma
educação integral e aberta aos valores
humanos e cristãos mais autênticos.
No entanto, deveis também fazer
com que a escola permaneça à altura
da tarefa educacional que lhe foi
confiada, de modo particular quando a educação que ela propõe se expressa como «católica». Rezo ao Senhor a fim de que a escola católica
nunca dê por certo o significado
deste adjectivo! Com efeito, ser educador católico faz a diferença.
Então, devemos interrogar-nos:
quais são os requisitos pelos quais
uma escola possa definir-se verdadeiramente católica? Este pode ser um
bom trabalho para realizar na vossa
Associação. Sem dúvida, vós já o fizestes e ainda o fazeis; mas os resultados nunca são alcançados de uma
vez para sempre. Por exemplo: sabemos que a escola católica deve transmitir uma cultura integral, não ideológica. Mas o que significa isto concretamente? Ou então, estamos persuadidos de que a escola católica é chamada a favorecer a harmonia das diversidades? Como se pode realizar isto de modo concreto? Trata-se de
um desafio nada fácil. Graças a
Deus, na Itália e no mundo existem
muitas experiências positivas que se
podem conhecer e compartilhar.
No encontro que teve convosco
em Junho de 1998, são João Paulo II
confirmou a importância da «ponte», que deve existir entre escola e
sociedade. Nunca vos esqueçais da
exigência de construir uma comunidade educadora em que, juntamente
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Audiência ao presidente
da República das Filipinas
A 4 de Dezembro, o Papa Francisco recebeu o presidente da República das Filipinas, Benigno S. Aquino III, o qual se encontrou sucessivamente com o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, acompanhado por monsenhor Antoine Camilleri, subsecretário para as Relações
com os Estados.
Durante os colóquios cordiais foi enfatizado o diálogo entre as diversas componentes da sociedade filipina e a contribuição da Igreja católica para a vida do país.
GIOVANNI MARIA VIAN
director
Giuseppe Fiorentino
vice-director
Cidade do Vaticano
[email protected]
www.osservatoreromano.va
com os professores, com os vários
agentes e com os estudantes, também vós pais possais ser protagonistas do processo educacional.
Não permaneçais fora do mundo,
mas vivos, como o fermento na massa. O convite que vos dirijo é simples, mas audaz: sabei fazer a diferença com a qualidade da formação. Sabei encontrar modos e vias para não
serdes ignorados, nos bastidores da
sociedade e da cultura. Não despertando clamores, nem com programas
cheios de retórica. Sabei distinguirvos pela vossa atenção constante à
Redacção
via del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano
telefone +390669899420
fax +390669883675
TIPO GRAFIA VATICANA EDITRICE
L’OSSERVATORE ROMANO
don Sergio Pellini S.D.B.
director-geral
pessoa, de maneira especial aos últimos, a quantos foram descartados,
rejeitados e esquecidos. Sabei fazervos notar não pela «fachada», mas
por uma coerência educativa arraigada na visão cristã do homem e da
sociedade.
Num momento em que a crise da
economia se faz sentir de maneira
grave também nas escolas particulares, muitas das quais são obrigadas a
fechar, a tentação dos «números»
apresenta-se com maior insistência e,
juntamente com ela, a do desânimo.
Não obstante tudo, repito-vos: a diferença faz-se com a qualidade da
vossa presença, e não com a quantidade de recursos que é possível utilizar. A qualidade da vossa presença
para construir pontes. E apreciei o
facto de que o senhor Presidente, falando da escola, tenha recordado as
crianças, os pais e também os avós.
Porque os avós têm algo para oferecer! Não descarteis os avós, que
constituem a memória viva do povo!
Nunca sacrifiqueis os valores humanos e cristãos dos quais sois testemunhas na família, na escola e na
sociedade. Oferecei generosamente a
vossa contribuição para que a escola
católica jamais se torne um «expediente», nem uma alternativa insignificante entre as várias instituições
formativas. Colaborai a fim de que a
educação católica tenha o semblante
daquele novo humanismo, que foi posto em evidência durante o Congresso eclesial de Florença. Esforçai-vos
para que as escolas católicas sejam
verdadeiramente abertas a todos. O
Senhor Jesus, que na Sagrada Família de Nazaré crescia em idade, sabedoria e graça (cf. Lc 2, 52), acompanhe os vossos passos e abençoe o
vosso compromisso diário.
Obrigado por este encontro, obrigado pelo vosso trabalho e pelo vosso testemunho. Garanto-vos que me
recordo de vós nas minhas preces. E
vós, por favor, não vos esqueçais de
rezar por mim!
Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,
Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00.
Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: [email protected]
Serviço fotográfico
Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected]
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número 50, quinta-feira 10 de Dezembro de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
página 3
À Cop21 de Paris o Pontífice pediu escolhas corajosas para o bem da família humana
Mudanças climáticas e pobreza
E recordou os cinquenta anos da reconciliação entre as Igrejas de Roma e de Constantinopla
Todos precisamos de conversão:
reafirmou Francisco no Angelus de
domingo 6 de Dezembro, caracterizado
pelo forte apelo lançado pelo Pontífice
aos participantes na cimeira sobre o
clima em Paris.
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Neste segundo domingo de Advento, a liturgia coloca-nos na escola de
João Baptista, que pregava «um
baptismo de conversão para o perdão dos pecados» (Lc 3, 3). E talvez
nós nos perguntemos: «Por que nos
devemos converter? A conversão diz
respeito a quem de ateu se torna
crente, de pecador se faz justo, mas
nós não precisamos, nós já somos
cristãos! Por conseguinte somos justos». E isto não é verdade. Pensando
assim, damo-nos conta de que é precisamente desta presunção — que somos cristãos, todos bons, justos —
que nos devemos converter: da suposição que, no fim de contas, está
bem assim e não precisamos de conversão alguma. Mas procuremos
questionar-nos: é deveras verdade
que nas várias situações e circunstâncias da vida temos em nós os mesmos sentimentos de Jesus? É verdade que sentimos como Jesus sente?
Por exemplo, quando sofremos alguma injustiça ou afronta, conseguimos reagir sem animosidade e perdoar de coração a quem nos pede
desculpa? Quanto é difícil perdoar!
Quanto é difícil! «Vais-me pagar!»:
estas palavras vêm de dentro! Quando somos chamados a partilhar alegrias e sofrimentos, sabemos chorar
sinceramente com quem chora e rejubilar com quem se alegra? Quando
devemos expressar a nossa fé, sabemos fazê-lo com coragem e simplicidade, sem nos envergonharmos do
Evangelho? E assim podemos fazernos muitas perguntas. Não estamos
tranquilos, devemos converter-nos
sempre, ter os sentimentos que Jesus
tinha.
A voz do Baptista ainda brada
nos actuais desertos da humanidade,
que são — quais são os desertos de
hoje? — as mentes fechadas e os corações empedernidos, e provoca-nos
a questionar-nos se estamos efectivamente a percorrer o caminho justo,
vivendo uma vida segundo o Evangelho. Hoje como naquela época,
ele admoesta-nos com as palavras do
profeta Isaías: «Preparai os caminhos do Senhor!» (v. 4). É um convite urgente a abrir o coração e a
acolher a salvação que Deus nos oferece incessantemente, quase com teimosia, porque quer que todos sejamos livres da escravidão do pecado.
Mas o texto do profeta dilata aquela
voz, prenunciando que «cada homem verá a salvação de Deus» (v.
6). E a salvação é oferecida a cada
homem e povo, sem excluir ninguém, a cada um de nós. Ninguém
pode dizer: «Eu sou santo, eu sou
perfeito, eu já estou salvo». Não.
Devemos acolher sempre esta oferta
da salvação. Eis o motivo do Ano da
Misericórdia: para ir mais além neste
caminho da salvação, aquele caminho que Jesus nos ensinou. Deus
quer que todos os homens sejam salvos por meio de Jesus Cristo, o único mediador (cf. 1 Tm 2, 4-6).
Portanto cada um de nós está
chamado a fazer conhecer Jesus a
quantos ainda o não conhecem. Mas
isto não significa fazer proselitismo.
Não, significa abrir uma porta. «Ai
de mim se não anunciar o Evangelho!» (1 Cor 9, 16), declarava são
Paulo. Se o Senhor Jesus mudou a
nossa vida, e no-la muda todas as
vezes que estamos diante d’Ele, como não sentir a paixão de o dar a
conhecer a quantos encontramos no
trabalho, na escola, no nosso prédio,
no hospital, nos lugares de encontro? Se olharmos à nossa volta, encontramos pessoas que estariam dispostas a começar ou a recomeçar um
caminho de fé, se encontrassem cristãos apaixonados por Jesus. Não deveríamos e não poderíamos ser nós
aqueles cristãos? Faço-vos esta pergunta: «Mas eu estou deveras apaixonado por Jesus? Estou convicto
de que Jesus me oferece e me concede a salvação?». E, se estou apaixonado, devo dá-lo a conhecer. Mas
devemos ser corajosos: derrubar as
montanhas do orgulho e da rivalidade, encher os precipícios escavados
pela indiferença e pela apatia, endireitar as veredas das nossas preguiças e dos nossos compromissos.
A Virgem Maria, que é Mãe e sabe como fazê-lo, nos ajude a abater
as barreiras e os obstáculos que impedem a nossa conversão, ou seja, o
nosso caminho rumo ao Senhor. Só
Ele, só Jesus pode dar cumprimento
a todas as esperanças do homem!
Depois da recitação da oração mariana
o Santo Padre dirigiu aos fiéis
presentes na praça de São Pedro as
seguintes palavras.
Sigo com grande atenção os trabalhos da Conferência sobre o clima
que decorre em Paris, e volta à minha mente uma pergunta que escrevi
na Encíclica Laudato si’: «Que tipo
de mundo queremos deixar a quem
vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?» (n. 160). Para o bem
da casa comum, de todos nós e das
gerações futuras, em Paris todos os
esforços deveriam ser para atenuar
os impactos das mudanças climáticas
e, ao mesmo tempo, para contrastar
a pobreza e fazer florescer a dignidade humana. As suas opções caminham juntas: deter as mudanças climáticas e contrastar a pobreza para
que floresça a dignidade humana.
CONTINUA NA PÁGINA 5
Os últimos dias do concílio
GIOVANNI MARIA VIAN
Na basílica de São Paulo Extramuros, onde a 25 de Janeiro de 1959 o
concílio tinha sido anunciado de
surpresa por João XXIII, na tarde de
sábado 4 de Dezembro de 1965 teve
início a sua fase conclusiva com
uma oração comum de Paulo VI
juntamente com os observadores
não católicos. No momento do incenso, cânticos e trechos da Bíblia
enlaçam-se em latim, inglês, francês
e grego. Depois, em francês, o Papa
lê um discurso com um exórdio comovedor: «A vossa partida causa à
nossa volta uma solidão que antes
do concílio não conhecíamos e que
agora nos entristece; nós gostaríamos de vos ver sempre connosco!».
Homem dos sinais, depois da liturgia Montini ofereceu a cada um
dos observadores uma campainha
de bronze. «Conservai-a — recomenda-lhes Paulo VI — em recordação da nossa oração comum e na
expectativa, até ao dia no qual soará a hora da nossa reunificação»,
como escreve no dia seguinte Henri
de Lubac, que naquele domingo foi
convidado pelo Pontífice para almoçar juntamente com Jean Guitton e Oscar Cullmann. Um facto
excepcional para a época, mas que
Montini explica com simplicidade
aos seus hóspedes: «Talvez vos
questioneis sobre como se realizam
as coisas junto do Papa; vereis, é
como em toda a parte».
Durante a conversa um dos secretários entra para entregar um documento e Paulo VI, depois de lhe
dar uma vista de olhos, fala dele
aos três convidados: é o texto definitivo da declaração conjunta entre
as Igrejas de Roma e de Constantinopla sobre a «eliminação da memória» das excomunhões feitas em
1054 entre as duas sedes. O Papa —
escreve ainda o teólogo francês —
«diz-nos que será proclamado solenemente terça-feira». E a 7 de Dezembro, simultaneamente, em São
Pedro e no Phanar são lidos, com o
texto conjunto, um breve pontifício
e um tómos patriarcal.
Aquela terça-feira é um dia deveras histórico, denso de acontecimentos e de sinais. Na última assembleia pública do Vaticano II, antes da missa sucedem-se as votações
finais que aprovam quase por unanimidade os últimos quatro documentos conciliares: os três decretos
sobre a liberdade religiosa, sobre as
missões, sobre os sacerdotes, e a
constituição pastoral sobre a Igreja
no mundo contemporâneo. Lêem-se
depois a declaração conjunta das
duas Igrejas definidas «irmãs» e o
breve papal: Paulo VI entrega-o
com um abraço ao enviado do patriarca Atenágoras, o qual leva depois ao túmulo de são Leão IX, bispo de Roma na época do cisma,
nove rosas para recordar assim os
nove séculos de separação.
A homilia que Montini pronuncia a 7 de Dezembro é um dos seus
textos mais bonitos e inspirados, e
concentra a essência do concílio:
«Talvez nunca como nesta ocasião a
Igreja sentiu a necessidade de conhecer, aproximar, compreender,
penetrar, servir, evangelizar a sociedade circunvizinha, e de a captar,
quase de a seguir na sua rápida e
contínua mudança». E ainda: «A
religião do Deus que se fez Homem encontrou-se com a religião
(porque disto se trata) do homem
que se faz Deus. Que aconteceu?
Um confronto, uma luta, um anátema? Podia ser; mas não aconteceu.
A antiga história do Samaritano foi
o paradigma da espiritualidade do
Concílio. Espalhou-se totalmente
nele uma simpatia imensa».
Naquele mesmo dia, com outro
gesto significativo, o Papa assina o
motu proprio com o qual reforma o
antigo Santo Ofício. E na festa da
Imaculada, a 8 de Dezembro, numa
praça de São Pedro na qual brilha
o sol, Paulo VI conclui o Vaticano II
repetindo na homilia que «para a
Igreja católica ninguém é estrangeiro, ninguém é excluído, ninguém
está distante». Uma saudação que
Montini define «não de despedida
que afasta, mas de amizade que
permanece».
L’OSSERVATORE ROMANO
página 4
quinta-feira 10 de Dezembro de 2015, número 50
Michelangelo Merisi de Caravaggio,
«Vocação de são Mateus» (1599-1600)
A misericórdia na vida da Igreja
Sou um
homem perdoado
Apresentamos a entrevista que o Papa Francisco concedeu à revista
«Credere», publicada no número 49.
Padre Santo, agora que estamos para
entrar no Jubileu, poderia explicar-nos
qual a razão do coração que o levou a
dar realce ao tema da misericórdia?
Qual urgência sente, em relação a isto,
na situação actual do mundo e da
Igreja?
O tema da misericórdia acentuouse com vigor na vida da Igreja a
partir de Paulo VI. João Paulo II evidenciou-o fortemente com a Dives in
misericordia, com a canonização de
santa Faustina e a instituição da festa da Divina Misericórdia na Oitava
de Páscoa. Em sintonia com isto,
senti que há como que um desejo do
Senhor de mostrar a sua misericórdia aos homens. Portanto, não veio
à minha mente, mas retomo uma
tradição relativamente recente, embora sempre tenha existido. E deime conta de que era preciso fazer algo e dar continuidade a esta tradição. O meu primeiro Angelus como
Papa foi sobre a misericórdia de
Deus e naquela ocasião falei também de um livro sobre a misericórdia que o cardeal Walter Kasper me
ofereceu durante o conclave; na minha primeira homilia como Papa, no
domingo 17 de Março na paróquia
de Santa Ana, voltei a falar sobre a
misericórdia. Não foi uma estratégia,
veio-me de dentro: o Espírito Santo
quer algo. É óbvio que o mundo de
hoje tem necessidade de misericórdia, precisa de compaixão, isto é, de
«sofrer com». Estamos acostumados
com as más notícias, as notícias
cruéis e com as maiores atrocidades
que ofendem o nome e a vida de
Deus. O mundo tem necessidade de
descobrir que Deus é Pai, que existe
misericórdia, que a crueldade não é
o caminho, que a condenação não é
o caminho, porque a própria Igreja
às vezes segue uma linha dura, cai
na tentação de seguir uma linha dura, na tentação de evidenciar só as
normas morais, mas muitas pessoas
ficam excluídas. Veio-me à mente
aquela imagem da Igreja como um
hospital de campo depois da batalha; é verdade, quantas pessoas feridas e destruídas! Os feridos devem
ser cuidados, ajudados a sarar, não
submetidos a exames para o colesterol. Penso que este seja o momento
da misericórdia. Somos todos pecadores, todos carregamos pesos interiores. Senti que Jesus quer abrir a
porta do Seu coração, que o Pai
quer mostrar as Suas vísceras de misericórdia e por isso nos envia o Espírito: para nos movimentar e para
nos libertar. É o ano do perdão, o
ano da reconciliação. Por um lado,
vemos o tráfico de armas, a produção de armas que matam, o assassínio de inocentes dos modos mais
cruéis, a exploração de pessoas, de
menores e crianças: está a actuar- se
— permita-me o termo — um sacrilégio contra a humanidade, porque o
homem é sagrado, é a imagem do
Deus vivo. Eis que o Pai diz: «Detende-vos e vinde a mim». É isto
que vejo no mundo.
Vossa Santidade disse que se sente pecador como todos os crentes, carente da
misericórdia de Deus. Que importância
teve no seu caminho de sacerdote e de
bispo a misericórdia divina? Recorda
em particular um momento em que
sentiu de maneira transparente o olhar
misericordioso do Senhor na sua vida?
Sou pecador, sinto-me pecador,
tenho certeza de que o sou; sou um
pecador para o qual o Senhor olhou
com misericórdia. Sou, como disse
aos presos na Bolívia, um homem
perdoado. Sou um homem perdoado, Deus olhou para mim com misericórdia e perdoou-me. Ainda cometo erros e pecados, e confesso-me a
cada quinze ou vinte dias. E se me
confesso é porque preciso de sentir
que a misericórdia de Deus ainda está comigo. Recordo-me — já o disse
muitas vezes — de quando o Senhor
olhou para mim com misericórdia.
Tive sempre a sensação de que cuidasse de mim de um modo especial,
mas o momento mais significativo
verificou-se a 21 de Setembro de
1953, quando eu tinha 17 anos. Era o
dia da festa da Primavera e do estudante na Argentina, e tê-lo-ia passado com outros estudantes; eu era católico praticante, ia à missa ao domingo, mas nada mais além disso...
frequentava a Acção Católica, mas
nada fazia, era só um católico praticante. Ao longo das ruas para a estação ferroviária de Flores, passei perto da paróquia que frequentava e
senti-me impelido a entrar: entrei e
vi um sacerdote que não conhecia.
Naquele momento não sei o que
aconteceu, mas senti uma forte necessidade de me confessar no primeiro confessionário à esquerda —
muitas pessoas iam rezar ali. E não
sei o que aconteceu, mas saí diferente, mudado. Voltei para casa com a
certeza de que devia consagrar-me
ao Senhor e aquele Sacerdote acompanhou-me por quase um ano. Era
um presbítero de Corrientes, padre
Carlos Benito Duarte Ibarra, que vivia na Casa do Clero de Flores. Sofria de leucemia e tratava-se no hospital. Morreu no ano seguinte. Depois do funeral chorei amargamente,
sentia-me totalmente perdido, com a
sensação de que Deus me tivesse
abandonado. Foi este o momento no
qual encontrei a misericórdia de
Deus, o qual está muito ligado ao
meu lema episcopal: o dia 21 de Setembro é a festa de são Mateus; e
Beda o venerável, falando da conversão de Mateus, diz que Jesus
olhou para Mateus miserando atque
eligendo. Trata-se de uma expressão
que não se pode traduzir, porque
em italiano um dos verbos não tem
gerúndio, nem em espanhol. A tradução literal seria «misericordiando
e escolhendo» quase como um trabalho artesanal. «Misericordiou-o»:
esta é a tradução literal do texto.
Quando anos depois, recitando o
breviário em latim, descobri esta leitura, dei-me conta de que o Senhor
me tinha modelado artesanalmente
com a sua misericórdia. Cada vez
que vinha a Roma, pois ficava hospedado na via della Scroffa, visitava
a Igreja de São Luís dos franceses
para rezar diante do quadro de Caravaggio, a Vocação de são Mateus.
Segundo a Bíblia, o lugar onde a misericórdia de Deus reside é o ventre, as
vísceras maternas, de Deus. Que se comovem a ponto de perdoar o pecado. O
Jubileu da misericórdia pode ser uma
ocasião para redescobrir a «maternidade» de Deus? Há também um aspecto
mais «feminino» da Igreja que deve
ser valorizado?
Sim, ele mesmo o afirma, quando
em Isaías diz se porventura uma
mãe se esquece do seu filho, até uma
mãe pode esquecer... «mas eu nunca
te esquecerei». Nisto podemos ver a
dimensão materna de Deus. Nem todos compreendem quando se fala da
«maternidade de Deus», não é uma
linguagem popular — no sentido
bom da palavra — parece uma linguagem um pouco eleita; por isso
prefiro usar a ternura, precisamente
de uma mãe, a ternura de Deus, a
ternura nasce das vísceras paternas.
Deus é pai e mãe.
A misericórdia, sempre se nos referirmos
à Bíblia, faz-nos conhecer um Deus
mais «emotivo» do que aquele que às
vezes imaginamos. Descobrir um Deus
que se comove e se enternece pelo homem pode mudar também a nossa atitude em relação aos irmãos?
Descobri-lo levar-nos-á a assumir
um comportamento mais tolerante,
mais paciente e mais terno. Em 1994,
durante o Sínodo, numa reunião dos
grupos, disse que se devia instaurar
a revolução da ternura, e um padre
sinodal — um bom homem, que res-
peito e ao qual quero bem — já muito idoso, disse-me que não convinha
usar aquela linguagem e deu-me explicações razoáveis, de homem inteligente, mas continuo a dizer que
hoje a revolução é da ternura porque
dela deriva a justiça e todo o resto.
Se um empresário assume um empregado de Setembro a Julho, devemos dizer-lhe que não se comporta
correctamente porque, demitindo-o
nas férias em Julho para o readmitir
com um novo contrato de Setembro
a Julho, o trabalhador não terá direito à indemnização, à reforma, nem à
previdência social. Não tem direito a
nada. O empresário não demonstra
ternura, mas trata o empregado como um objecto — só para dar um
exemplo de uma situação onde não
há ternura. Se o empresário se pusesse no papel do empregado, em
vez de pensar no próprio bolso por
algum centavo a mais, então tudo
mudaria. A revolução da ternura é o
que devemos cultivar hoje como fruto deste ano da misericórdia: a ternura de Deus para cada um de nós.
Cada um de nós deve dizer: «Sou
um desventurado, mas Deus ama-me
assim, então também eu devo amar
os outros do mesmo modo».
É famoso o «discurso da lua» do Papa João XXIII quando, uma noite,
saudou os fiéis dizendo: «Acariciai as
vossas crianças». Esta imagem tornouse um ícone da Igreja da ternura. De
que modo o tema da misericórdia poderá ajudar as nossas comunidades cristãs a converter-se e a renovar-se?
Quando vejo os doentes, os idosos, a carícia vem-me espontânea...
A carícia é um gesto que pode ser
interpretado ambiguamente, mas é o
primeiro gesto que a mãe e o pai fazem à criança que acabou de nascer,
o gesto do «gosto de ti», «amo-te»,
«desejo que sejas feliz».
Poderia antecipar-nos um gesto que
pretende fazer durante o Jubileu para
testemunhar a misericórdia de Deus?
Haverá muitos gestos, mas numa
sexta-feira de cada mês farei um gesto diferente.
número 50, quinta-feira 10 de Dezembro de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
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O Pontífice recordou as dificuldades mas também o dinamismo das populações africanas
Igreja serva da missão
E à plenária da Propaganda fide pediu que saiam dos recintos
«Não é a Igreja que faz a missão, mas é a missão que faz a Igreja», disse o
Papa Francisco aos participantes na assembleia plenária da Congregação para a
evangelização dos povos, recebidos em audiência na manhã de 3 de Dezembro na
sala Clementina, poucos dias depois de ter voltado da sua primeira viagem
apostólica ao Continente africano. Eis as expressões do Pontífice nessa
circunstância.
Senhores Cardeais
Amados Irmãos Bispos e Sacerdotes
Estimados irmãos e irmãs
Recebo-vos por ocasião da vossa Assembleia Plenária, na qual meditastes sobre a missio ad gentes, mas também oferecestes indicações preciosas
para o futuro. Acabei de voltar —
como disse o Cardeal Filoni — da
minha primeira viagem apostólica à
África, onde pude tocar com a mão
o dinamismo espiritual e pastoral de
muitas Igrejas jovens daquele Continente, assim como as graves dificuldades em que vive uma boa parte da
população. Pude constatar que, onde existem necessidades, há quase
sempre uma presença da Igreja,
pronta para curar as feridas dos mais
indigentes, nos quais ela reconhece o
Corpo chagado e crucificado do Senhor Jesus. Quantas obras de caridade e de promoção humana! Quantos
bons samaritanos anónimos trabalham todos os dias nas missões!
Evangelizadora por natureza, a
Igreja começa sempre evangelizando-se a si mesma. Discípula do Senhor Jesus, ela põe-se à escuta da
sua Palavra, na qual encontra as razões da esperança que não decepciona, porque está fundamentada na
graça do Espírito Santo (cf. Rm 5,
5). Somente assim ela conseguirá
conservar o seu vigor e o seu impulso apostólico. O Decreto conciliar
Ad gentes e a Encíclica Redemptoris
missio, nos quais vos inspirastes para
esta Assembleia Plenária, recordam
que «a Igreja... tem a sua origem,
segundo o desígnio de Deus Pai, na
“missão” do Filho e do Espírito Santo» (Ad gentes, 2). A missão não corresponde, em primeiro lugar, a iniciativas humanas; o protagonista é o
Espírito Santo, o desígnio é seu (cf.
Redemptoris missio, 21). E a Igreja é
serva da missão. Não é a Igreja que
faz a missão, mas é a missão que faz
a Igreja. Por conseguinte, a missão
não é o instrumento, mas o ponto
de partida e a finalidade.
Nos meses passados, o vosso Dicastério realizou um estudo sobre a
vitalidade das Igrejas jovens, para
compreender como se pode tornar
mais eficaz a obra da missio ad gentes, considerando também a ambiguidade à qual hoje, às vezes, a experiência de fé está exposta. Com
efeito, o mundo secularizado, até
quando se mostra receptivo em relação aos valores evangélicos do amor,
da justiça, da paz e da sobriedade,
contudo não manifesta igual disponibilidade para com a pessoa de Jesus: não o considera Messias, Filho
de Deus. No máximo, julga-o um
homem iluminado. Portanto, separa
a mensagem do Mensageiro, o dom
do Doador. Nesta situação de falta
de coesão, a missio ad gentes serve de
motor e de horizonte da fé. É vital
que no momento presente «a Igreja
saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas
as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo» (Exort. Apost.
Evangelii gaudium, 23). Com efeito, a
missão é uma força capaz de mudar
a Igreja a partir de dentro, antes ainda que a vida dos povos e das culturas. Por conseguinte, cada paróquia
faça seu o estilo da missio ad gentes.
Deste modo, o Espírito Santo trans-
formará os fiéis rotineiros em discípulos, os discípulos desafeiçoados
em missionários, afastando-os dos
temores e dos fechamentos, e orientando-os para todos os rumos, até
aos extremos confins do mundo (cf.
Act 1, 8). A abordagem querigmática
da fé, tão familiar no meio das Igrejas jovens, adquira espaço também
nas Igrejas de antiga tradição.
Paulo e Barnabé não podiam contar com o Dicastério missionário! E
no entanto, anunciaram a Palavra,
deram vida a diversas comunidades
e derramaram o seu sangue pelo
Evangelho. Ao longo do tempo aumentaram as complexidades e a necessidade de um vínculo especial entre as Igrejas de recente fundação e
a Igreja universal. Por isso, há quatro séculos, o Papa Gregório XV instituiu a Congregação De Propaganda
Fide que depois, a partir de 1967, assumiu o nome de Congregação para
a Evangelização dos Povos. É evidente que nesta fase da história
«não nos serve uma “simples administração” [da realidade já existente].
Constituamo-nos em “estado permanente de missão”, em todas as regiões da terra» (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 25): trata-se de um paradigma. São João Paulo II especificou as suas modalidades, afirmando:
Cada renovação na Igreja há-de ter
como alvo a missão, para não cair
Angelus de domingo
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 3
Rezemos a fim de que o Espírito
Santo ilumine quantos estão chamados a tomar decisões tão importantes e lhes conceda a coragem de ter sempre como critério
de opção o maior bem para a inteira família humana.
Celebra-se amanhã o cinquentenário de um memorável evento
entre católicos e ortodoxos. A 7
de Dezembro de 1965, vigília da
conclusão do Concílio Vaticano
II, com uma Declaração conjunta
do Papa Paulo VI e do Patriarca
Atenágoras, foram canceladas da
memória as sentenças de excomunhão permutadas entre a Igreja
de Roma e a de Constantinopla
em 1054. É deveras providencial
que aquele gesto histórico de re-
conciliação, que criou as condições para um novo diálogo entre
ortodoxos e católicos no amor e
na verdade, seja recordado precisamente no início do Jubileu da
Misericórdia. Não há caminho
autêntico rumo à unidade sem
pedido de perdão a Deus e entre
nós pelo pecado da divisão. Recordemos na nossa oração o querido Patriarca Ecuménico Bartolomeu e os outros Chefes das Igrejas Ortodoxas, e peçamos ao Senhor que as relações entre católicos e ortodoxos sejam sempre inspiradas pelo amor fraterno.
Desejo a todos bom domingo e
uma óptima preparação para o
início do Ano da Misericórdia.
Por favor, não vos esqueçais de
rezar por mim. Bom almoço e até
à vista!
vítima de uma espécie de introversão
eclesial» (Exort. Apost. pós-sinodal
Ecclesia in Oceania, 19). O «partir»
está ínsito no Baptismo, e os seus
confins são os mesmos do mundo.
Por isso, continuai comprometidos a
fim de que o espírito da missio ad
gentes anime o caminho da Igreja, e
para que ela saiba ouvir sempre o
clamor dos pobres e dos distantes,
encontrando todos e anunciando o
júbilo do Evangelho.
Estou-vos grato pelo vosso esforço
de animação e cooperação missionárias, com as quais recordais a todas
as Igrejas que, se permanecerem fechadas nos seus próprios horizontes,
correm o perigo de se atrofiar e até
de se apagar. A Igreja vive e cresce
«em saída», tomando a iniciativa e
aproximando-se. Portanto, encorajai
as Comunidades a ser generosas inclusive nos momentos de crise vocacional. «Com efeito, a missão renova
a Igreja, revigora a sua fé e identidade, conferindo-lhe novo entusiasmo
e novas motivações» (Redemptoris
missio, 2).
Nas numerosas veredas da missio
ad gentes já é visível a aurora do novo dia, como demonstra a constatação de que as Igrejas jovens sabem
doar, e não apenas receber. As primícias são a sua disponibilidade a
conceder sacerdotes às Igrejas irmãs
da mesma nação, do mesmo Continente, ou a servir Igrejas necessitadas noutras regiões do mundo. A
cooperação já não se realiza somente
ao longo do eixo norte-sul. Existe
também um movimento inverso, de
restituição do bem recebido dos primeiros missionários. Também estes
são sinais de uma maturidade alcançada.
Irmãos e irmãs, oremos e trabalhemos a fim de que a Igreja viva
cada vez mais em conformidade com
o modelo dos Actos dos Apóstolos.
Deixemo-nos impelir pela força do
Evangelho e do Espírito Santo; saiamos dos nossos recintos, emigremos
dos territórios onde às vezes nos
sentimos tentados a fechar-nos. Assim seremos capazes de caminhar e
de semear mais e além. Maria Santíssima, Mãe de Deus, são Francisco
Xavier, hoje, e santa Teresa do Menino Jesus, padroeiros das missões,
iluminem os nossos passos no serviço ao Evangelho do Senhor Jesus.
Acompanho-vos com a minha Bênção e, por favor, peço-vos que rezeis
por mim. Obrigado!
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 10 de Dezembro de 2015, número 50
Antonino Nicotra (Cadmon), «Mãe-terra»
Francisco recordou o grande desafio para o futuro
O grito
da mãe-terra
O Papa dirigiu aos participantes no V
festival da doutrina social da Igreja,
realizado em Verona de 26 a 29 de
Novembro, um convite a «ouvir o
clamor da mãe-terra» porque «o
respeito pelas criaturas e pela criação
representa um grande desafio para o
futuro do homem». Encontrando-se em
África, o Papa enviou uma mensagem
vídeo, que foi transmitida no dia 27 de
Novembro.
Caríssimos!
Uma cordial saudação a todos vós
que participais no V Festival da
Doutrina Social da Igreja. Sei que
neste ano escolhestes como tema «O
desafio da realidade», referindo-vos
a quanto escrevi na Exortação apostólica Evangelii gaudium: «Existe
também uma tensão bipolar entre a
ideia e a realidade: a realidade simplesmente é, a ideia elabora-se. Entre as duas, deve estabelecer-se um
diálogo constante, evitando que a
ideia acabe por separar-se da realidade. É perigoso viver no reino só
da palavra, da imagem, do sofisma»
(n. 231). Para prevenir o perigo de
viver fora da realidade é necessário
abrir os olhos e o coração.
A nossa vida é feita de muitas coisas, de um rio de notícias, de muitos
problemas: tudo isto nos impele a
não ver, a não nos darmos conta dos
problemas das pessoas que estão ao
nosso lado. A indiferença parece ser
um remédio que nos protege do envolvimento, torna-se um modo para
estarmos mais tranquilos. Isto é a indiferença. Mas tal insensibilidade é
uma atitude que defende o egoísmo
e nos torna tristes. Estar ao lado das
pessoas, ungi-las com o óleo da consolação, tocar a carne do outro, assumir os seus problemas, alarga o
coração, põe de novo em circulação
o amor e faz-nos estar bem. A realidade e a proximidade são o caminho
indicado por Jesus quando diz: «Tive fome e deste-me de comer, tive
sede e deste-me de beber...» (cf. Mt
25, 31-46). Inclinar-se — esta é a palavra: inclinar-se — sobre o outro é a
maneira mais directa para alargar o
coração, inflamar o amor, inspirar o
pensamento, inventar respostas concretas e inéditas para os problemas.
O desafio da realidade exige também a capacidade de dialogar, de
construir pontes no lugar dos muros.
Este é o tempo do diálogo, não de
defesa da rigidez contrastante. Convido-vos a enfrentar «o desafio de
descobrir e transmitir a “mística” de
viver juntos, misturar-nos, encontrarnos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica
que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade,
numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada» (Evangelii gaudium, 87). O diálogo abre ao diverso
e recompõe num quadro os muitos
segmentos da nossa sociedade, crian-
do condições para um desígnio harmonioso.
Contudo, o desafio da realidade
exige uma mudança. Todos percebem a necessidade de mudança porque sentem que algo não está bem.
O consumismo, a idolatria do dinheiro, as demasiadas desigualdades
e injustiças, a homologação ao pensamento dominante são um peso do
qual nos queremos libertar com a recuperação da nossa dignidade e
comprometendo-nos na partilha, sabendo que a solução para os problemas concretos não vem do dinheiro
mas da fraternidade que se ocupa do
outro. A mudança verdadeira começa, primeiramente, em nós mesmos e
é fruto do Espírito Santo. Pessoas
interiormente mudadas pelo Espírito
provocam inclusive a mudança social. Exige-se a mudança também às
nossas estruturas: é preferível ser flexível a fim de responder melhor às
necessidades concretas do que defender as estruturas e permanecer engessados. Fazer um pouco de limpeza, aumentar a transparência, recuperar vigor, genuinidade e agilidade
faz bem às estruturas e às pessoas:
encontraremos novamente o impulso
e o entusiasmo de fazer algo bom ao
serviço dos irmãos. Contra as novas
necessidades e as novas pobrezas é
preciso oferecer respostas novas. Vivendo a proximidade encontraremos
inclusive a inspiração e a força para
dar uma forma concreta à mudança
desejada por todos.
Última ênfase: o desafio ecológico. Ele exige que escutemos o clamor da mãe-terra: o respeito pelas
criaturas e pela criação representa
um grande desafio para o futuro do
homem. O homem e a criação estão
inseparavelmente ligados: «Hoje,
não podemos deixar de reconhecer
que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres» (Enc.
Laudato si’, 49).
O tema do cuidado da terra, isto
é, da casa comum, é muito amplo;
alguém pode pensar que o que podemos fazer não tem efeitos concretos, que não é suficiente para produzir uma mudança. O tema refere-se
certamente à política, à economia, às
escolhas estratégicas sobre o desenvolvimento, mas nada pode substituir o nosso compromisso pessoal. A
sobriedade, o consumo consciente,
um estilo de vida que acolhe a criação como um dom e exclui formas
predatórias e de posse exclusiva, é o
modo concreto através do qual se
cria uma sensibilidade nova. Se formos muitos a viver assim, a sociedade inteira receberá os efeitos positivos e tornar-se-á audível o clamor da
terra e dos pobres.
Caríssimos, olhemos para o futuro
com coragem! Os desafios da realidade são muitos, é nossa a tarefa e a
alegria de os transformar em oportunidades.
Renovo a minha saudação a todos
os participantes no V Festival da
Doutrina Social da Igreja e, em particular, aos muitos voluntários que
oferecem gratuitamente a sua disponibilidade. Uma saudação ao Bispo
de Verona que hospeda esta manifestação e um agradecimento ao padre
Vincenzi pelo serviço prestado para
difusão, conhecimento e experimentação da doutrina social da Igreja.
Obrigado!
O Papa acendeu as luzes do presépio de Assis
Natal dos refugiados
Na tarde de 6 de Dezembro o Papa acendeu
simbolicamente, em ligação vídeo do estúdio da sala Paulo
VI no Vaticano, a árvore de Natal e o presépio, postos na
praça diante da basílica inferior de são Francisco em Assis.
A cerimónia teve lugar no final da missa presidida pelo
arcebispo Georg Gänswein, prefeito da Casa Pontifícia.
Significativamente, o presépio foi construído num barco de
sete metros que, em Março de 2014, transportou nove
tunisinos até à ilha de Lampedusa. Estavam presentes
trinta refugiados hóspedes da Cáritas diocesana local,
vindos do Afeganistão, Camarões, Irão e Nigéria, além de
um oficial da Marinha militar que participou nas
operações de salvação dos migrantes no canal da Sicília.
Olhando para o barco... [o presépio foi instalado num
barco] Jesus está sempre ao nosso lado, até nos momentos difíceis. Quantos irmãos e irmãs afogaram no
mar! Agora estão com o Senhor. Mas Ele veio para nos
dar esperança e devemos recebê-la. Veio para nos dizer
que Ele é mais forte que a morte, maior do que toda a
maldade. Veio para nos dizer que é misericordioso, todo-misericordioso; e neste Natal convido-vos a abrir o
coração à misericórdia, ao perdão. Mas não é fácil perdoar estes massacres. Não é fácil!
Gostaria de agradecer aos membros da Guarda costeira: são mulheres e homens bondosos! Agradeço-vos
de coração, pois fostes instrumento da esperança que
Jesus nos dá. Entre nós, fostes semeadores de esperança, da esperança de Jesus. Obrigado, Antonio, bem como a todos os teus companheiros e a quantos esta terra
italiana recebeu tão generosamente: o sul da Itália foi
um exemplo de solidariedade para o mundo inteiro! A
todos desejo que, contemplando este Presépio, possam
dizer a Jesus: «Também eu dei uma mão para que Tu
fosses um sinal de esperança!».
E a todos os refugiados digo uma palavra, a do profeta: Levantai a cabeça, o Senhor está próximo. E com
Ele a força, a salvação, a esperança. Talvez com o coração dorido, mas de cabeça erguida na esperança do Senhor.
Todos vós refugiados, e todos vós da Guarda costeira: abraço-vos e desejo-vos um Santo Natal, cheio de
esperança e de carícias do Senhor!
número 50, quinta-feira 10 de Dezembro de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
página 7
Na mensagem para o dia de oração pelas vocações o Pontífice disse que a chamada de Deus nasce na Igreja
Tudo começa com um olhar
Cada chamada na Igreja tem origem «no olhar compassivo de Jesus». Recordou
o Papa na mensagem para o quinquagésimo terceiro dia mundial de oração pelas
vocações, que se celebra a 17 de Abril de 2016, quarto domingo de Páscoa.
A Igreja, mãe de vocações
Amados irmãos e irmãs!
Como gostaria que todos os baptizados pudessem, no decurso do Jubileu Extraordinário da Misericórdia,
experimentar a alegria de pertencer
à Igreja! E pudessem redescobrir
que a vocação cristã, bem como as
vocações particulares, nascem no
meio do povo de Deus e são dons
da misericórdia divina! A Igreja é a
casa da misericórdia e também a
«terra» onde a vocação germina,
cresce e dá fruto.
Por este motivo, dirijo-me a todos
vós, por ocasião deste 53º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, convidando-vos a contemplar a comunidade apostólica e a dar graças pela
função da comunidade no caminho
vocacional de cada um. Na Bula de
proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, recordei as
palavras de são Beda, o venerável, a
propósito da vocação de são Mateus: «Miserando atque eligendo»
(Misericordiae Vultus, 8). A acção misericordiosa do Senhor perdoa os
nossos pecados e abre-nos a uma vida nova que se concretiza na chamada ao discipulado e à missão. Toda a
vocação na Igreja tem a sua origem
no olhar compassivo de Jesus. A
conversão e a vocação são como que
duas faces da mesma medalha, interdependentes continuamente em toda
a vida do discípulo missionário.
O beato Paulo VI, na Exortação
Apostólica Evangelii nuntiandi, descreveu os passos do processo da
evangelização. Um deles é a adesão
à comunidade cristã (cf. n. 23), da
qual se recebeu o testemunho da fé
e a proclamação explícita da misericórdia do Senhor. Esta incorporação
comunitária compreende toda a riqueza da vida eclesial, particularmente os Sacramentos. A Igreja não
é só um lugar onde se crê, mas também objecto da nossa fé; por isso,
dizemos no Credo: «Creio na Igreja».
A chamada de Deus acontece
através da mediação comunitária.
Deus chama-nos a fazer parte da
Igreja e, depois de um certo amadurecimento nela, dá-nos uma vocação
específica. O caminho vocacional é
feito juntamente com os irmãos e as
irmãs que o Senhor nos dá: é uma
con-vocação. O dinamismo eclesial da
vocação é um antídoto contra a indiferença e o individualismo. Estabele-
ce aquela comunhão onde a indiferença foi vencida pelo amor, porque
exige que saiamos de nós mesmos,
colocando a nossa existência ao serviço do desígnio de Deus e assumindo a situação histórica do seu povo
santo.
Neste Dia dedicado à oração pelas vocações, desejo exortar todos os
fiéis a assumirem as suas responsabilidades no cuidado e discernimento
vocacionais. Quando os Apóstolos
procuravam alguém para ocupar o
lugar de Judas Iscariotes, são Pedro
reuniu cento e vinte irmãos (cf. Act
1, 15); e, para a escolha dos sete diáconos, foi convocado o grupo dos
discípulos (cf. Act 6, 2). São Paulo
dá a Tito critérios específicos para a
escolha dos presbíteros (cf. Tt 1, 59). Também hoje, a comunidade
cristã não cessa de estar presente na
gar-se o próprio horizonte eclesial,
pode considerar os múltiplos carismas e realizar assim um discernimento mais objectivo. Deste modo,
a comunidade torna-se a casa e a família onde nasce a vocação. O candidato contempla, agradecido, esta
mediação comunitária como elemento imprescindível para o seu futuro.
Aprende a conhecer e a amar os irmãos e irmãs que percorrem caminhos diferentes do seu; e estes vínculos reforçam a comunhão em todos.
A vocação cresce na Igreja. D urante
o processo de formação, os candidatos às diversas vocações precisam de
conhecer cada vez melhor a comunidade eclesial, superando a visão limitada que todos temos inicialmente. Com tal finalidade, é oportuno
fazer alguma experiência apostólica
juntamente com outros membros da comunidade, como, por exemplo, comunicar a mensagem cristã ao lado
de um bom catequista; experimentar
a evangelização nas periferias junta-
Duccio de Buoninsegna, «Vocação de Pedro e André», 1308-1311
Washington, National Gallery of Art
germinação das vocações, na sua formação e na sua perseverança (cf.
Exort. Apost. Evangelii gaudium,
107).
A vocação nasce na Igreja. Desde o
despertar de uma vocação, é necessário um justo «sentido» de Igreja.
Ninguém é chamado exclusivamente
para uma determinada região, nem
para um grupo ou movimento eclesial, mas para a Igreja e para o mundo. «Um sinal claro da autenticidade de um carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de se integrar
harmonicamente na vida do povo
santo de Deus para o bem de todos» (Ibid., n. 130). Respondendo à
chamada de Deus, o jovem vê alar-
mente com uma comunidade religiosa; descobrir o tesouro da contemplação, partilhando a vida de clausura; conhecer melhor a missão ad gentes em contacto com os missionários;
e, com os sacerdotes diocesanos,
aprofundar a experiência da pastoral
na paróquia e na diocese. Para aqueles que já estão em formação, a comunidade eclesial permanece sempre
o espaço educativo fundamental, pelo qual se sente gratidão.
A vocação é sustentada pela Igreja.
Depois do compromisso definitivo,
o caminho vocacional na Igreja não
termina, mas continua na disponibilidade para o serviço, na perseverança e na formação permanente. Quem
consagrou a própria vida ao Senhor,
está pronto a servir a Igreja onde esta tiver necessidade. A missão de
Paulo e Barnabé é um exemplo desta disponibilidade eclesial. Enviados
em missão pelo Espírito Santo e pela comunidade de Antioquia (cf. Act
13, 1-4), regressaram depois à mesma
comunidade e narraram aquilo que o
Senhor fizera por meio deles (cf. Act
14, 27). Os missionários são acompanhados e sustentados pela comunidade cristã, que permanece uma referência vital, como a pátria visível
onde encontram segurança aqueles
que realizam a peregrinação para a
vida eterna.
Dentre os agentes pastorais, revestem-se de particular relevância os sacerdotes. Por meio do seu ministério, torna-se presente a palavra de
Jesus que disse: «Eu sou a porta das
ovelhas (...). Eu sou o bom pastor»
(Jo 10, 7.11). O cuidado pastoral das
vocações é uma parte fundamental
do seu ministério. Os sacerdotes
acompanham tanto aqueles que andam à procura da própria vocação,
como os que já ofereceram a vida ao
serviço de Deus e da comunidade.
Todos os fiéis são chamados a
consciencializar-se do dinamismo
eclesial da vocação, para que as comunidades de fé possam tornar-se, a
exemplo da Virgem Maria, seio materno que acolhe o dom do Espírito
Santo (cf. Lc 1, 35-38). A maternidade da Igreja exprime-se através da
oração perseverante pelas vocações e
da acção educativa e de acompanhamento daqueles que sentem a chamada de Deus. Fá-lo também mediante uma cuidadosa selecção dos
candidatos ao ministério ordenado e
à vida consagrada. Enfim, é mãe das
vocações pelo contínuo apoio daqueles que consagraram a vida ao
serviço dos outros.
Peçamos ao Senhor que conceda,
a todas as pessoas que estão a realizar um caminho vocacional, uma
profunda adesão à Igreja; e que o
Espírito Santo reforce, nos pastores
e em todos os fiéis, a comunhão, o
discernimento e a paternidade ou
maternidade espiritual.
Pai de misericórdia, que destes o
vosso Filho pela nossa salvação e sempre nos sustentais com os dons do vosso
Espírito, concedei-nos comunidades
cristãs vivas, fervorosas e felizes, que
sejam fontes de vida fraterna e suscitem
nos jovens o desejo de se consagrarem a
Vós e à evangelização. Sustentai-as no
seu compromisso de propor uma adequada catequese vocacional e caminhos
de especial consagração. Dai sabedoria
para o necessário discernimento vocacional, de modo que, em tudo, resplandeça a grandeza do vosso amor misericordioso. Maria, Mãe e educadora de
Jesus, interceda por cada comunidade
cristã, para que, tornada fecunda pelo
Espírito Santo, seja fonte de vocações
autênticas para o serviço do povo santo
de Deus.
Vaticano
29 de Novembro de 2015
I Domingo do Advento.
L’OSSERVATORE ROMANO
número 50, quinta-feira 10 de Dezembro de 2015
página 8/9
Na solenidade da Imaculada o Papa abriu a porta santa da basílica de São Pedro
«Atravessar hoje a porta santa
compromete-nos a fazer nossa a
misericórdia do bom samaritano». Disse o
Papa Francisco durante a missa celebrada
na manhã de terça-feira, 8 de Dezembro,
solenidade da Imaculada Conceição, para
a abertura do jubileu extraordinário.
Antes de passar a porta santa da basílica
de São Pedro, na homilia o Pontífice
recordou as palavras de Paulo VI na
conclusão do Vaticano II.
Daqui a pouco, terei a alegria de abrir
a Porta Santa da Misericórdia. Este
gesto, como fiz em Bangui, simples
mas altamente simbólico, realizamo-lo
à luz da Palavra de Deus escutada que
põe em evidência a primazia da graça.
Na verdade, o tema que mais vezes
aflora nestas Leituras remete para aquela frase que o anjo Gabriel dirigiu a
uma jovem mulher, surpresa e turbada,
indicando o mistério que a iria envolver: «Salve, ó cheia de graça» (Lc 1,
28).
Antes de mais nada, a Virgem Maria
é convidada a alegrar-se com aquilo
que o Senhor realizou n’Ela. A graça
de Deus envolveu-a, tornando-a digna
de ser mãe de Cristo. Quando Gabriel
entra na sua casa, até o mistério mais
profundo, que ultrapassa toda e qualquer capacidade da razão, se torna para
Ela motivo de alegria, motivo de fé,
motivo de abandono à palavra que lhe
é revelada. A plenitude da graça é capaz
Fazer nossa
a misericórdia do bom samaritano
de transformar o coração, permitindo-lhe
realizar um acto tão grande que muda
a história da humanidade.
A festa da Imaculada Conceição exprime a grandeza do amor divino.
Deus não é apenas Aquele que perdoa
o pecado, mas, em Maria, chega até a
evitar a culpa original, que todo o homem traz consigo ao entrar neste mundo. É o amor de Deus que evita, antecipa
e salva. O início da história do pecado
no Jardim do Éden encontra solução
no projecto de um amor que salva. As
palavras do Génesis levam-nos à experiência diária que descobrimos na nossa
existência pessoal. Há sempre a tentação da desobediência, que se exprime
no desejo de projectar a nossa vida independentemente da vontade de Deus.
Esta é a inimizade que ameaça continuamente a vida dos homens, tentando
contrapô-los ao desígnio de Deus. E
todavia a própria história do pecado só
é compreensível à luz do amor que perdoa. O pecado só se entende sob esta
luz. Se tudo permanecesse ligado ao
pecado, seríamos os mais desesperados
entre as criaturas. Mas não! A promessa da vitória do amor de
Cristo encerra tudo na misericórdia do Pai. Sobre isto,
não deixa qualquer dúvida a
palavra de Deus que ouvimos. Diante de nós, temos a Virgem Imaculada como testemunha
privilegiada
desta promessa e
do seu cumprimento.
Também este
Ano Extraordinário é dom de graça. Entrar por
aquela Porta significa descobrir a
profundidade da
misericórdia do Pai que a todos acolhe
e vai pessoalmente ao encontro de cada
um. É Ele que nos procura, Ele que
vem ao nosso encontro. Neste Ano, deveremos crescer na convicção da misericórdia. Que grande injustiça fazemos a
Deus e à sua graça, quando se afirma,
em primeiro lugar, que os pecados são
NICOLA GORI
Uma porta aberta de par em par a fim de «entrar» no
abraço da misericórdia do Pai e «sair» ao encontro dos outros com o espírito do bom samaritano. Por esta porta santa da basílica vaticana — aberta pelo Papa no dia 8 de Dezembro — passarão milhares e milhares de peregrinos até 20
de Novembro de 2016, dia em que se concluirá o jubileu
extraordinário.
O primeiro que passou por ela foi Francisco, seguido
por outro peregrino de excepção, o Pontífice emérito Bento
XVI. Começou com esta imagem inédita — dois Papas que
atravessam a porta santa — o primeiro jubileu da era digital, que alcançou em tempo real todas as partes do mundo
não só pela televisão mas também e sobretudo através das
câmaras, tablets, smartphones ligados à rede global graças
aos mass media. Milhões e milhões de pessoas assistiram ao
evento graças à transmissão em mundovisão com a utilização de tecnologias que garantiram o mais alto nível qualita-
Prezados irmãos e irmãs
bom dia e boa festa!
punidos pelo seu julgamento, sem antepor, diversamente, que são perdoados
pela sua misericórdia (cf. Santo Agostinho, De praedestinatione sanctorum 12,
24)! E assim é verdadeiramente. Devemos antepor a misericórdia ao julgamento e, em todo o caso, o julgamento
de Deus será sempre feito à luz da sua
misericórdia. Por isso, oxalá o cruzamento da Porta Santa nos faça sentir
participantes deste mistério de amor, de
ternura. Ponhamos de lado qualquer
forma de medo e temor, porque não se
coaduna em quem é amado; vivamos,
antes, a alegria do encontro com a graça
que tudo transforma.
Hoje, aqui em Roma e em todas as
dioceses do mundo, ao cruzar a Porta
Santa, queremos também recordar outra porta que, há cinquenta
anos, os Padres do Concílio
Vaticano II escancararam ao
mundo. Esta efeméride não
pode lembrar apenas a riQue o Jubileu da Misericórdia
queza dos documentos emanados, que permitem verifitraga a todos
car até aos nossos dias o
a bondade
grande progresso que se
realizou na fé. Mas o Cone a ternura de Deus!
cílio foi também, e primariamente, um encontro; um
(@Pontifex_pt)
verdadeiro encontro entre a
Igreja e os homens do nosso tempo. Um
encontro marcado pela força do Espírito que impelia a sua Igreja a sair dos
baixios que por muitos anos a mantiveram fechada em si mesma, para retomar
com entusiasmo o caminho missionário.
tivo de imagens nunca antes obtido para uma celebração
Era a retomada de um percurso para ir
papal.
ao encontro de cada homem no lugar
Um jubileu inaugurado no sinal do afectuoso abraço enonde vive: na sua cidade, na sua casa,
tre Jorge Mario Bergoglio e Joseph Ratzinger no adro da
no local de trabalho... em qualquer lubasílica vaticana. Depois Francisco presidiu ao rito de abergar onde houver uma pessoa, a Igreja é
tura da porta santa, substancialmente o mesmo instituído
chamada a ir lá ter com ela, para lhe
por Alexandre VI para o jubileu de 1500, embora modificalevar a alegria do Evangelho e levar a
do e simplificado inclusive usando o italiano em vez do laMisericórdia e o perdão de Deus. Tratim. Diversamente dos precedentes, o rito teve lugar na
ta-se, pois, de um impulso missionário
conclusão da missa, celebrada na presença de mais de cinque, depois destas décadas, retomamos
quenta mil fiéis que se reuniram na praça de São Pedro
com a mesma força e o mesmo entudesde as primeiras horas de uma manhã enevoada. Tudo
siasmo. O Jubileu exorta-nos a esta
foi realizado ordenadamente graças também ao imponente
abertura e obriga-nos a não transcurar
mas discreto sistema de segurança posto em acção para a
o espírito que surgiu do Vaticano II, o do
ocasião.
Samaritano, como recordou o Beato
Durante a liturgia foi levado em procissão o evangeliário
Paulo VI na conclusão do Concílio.
da misericórdia — preparado especialmente para o jubileu.
Atravessar hoje a Porta Santa comproE, proveniente da Polónia, a imagem de Nossa Senhora
mete-nos a adoptar a misericórdia do
bom samaritano.
Porta da Misericórdia, venerada no santuário de Jaroslaw.
Em memória do concílio
«Não se pode entender um cristão
verdadeiro que não seja misericordioso, do
mesmo modo que não se pode compreender
Deus sem a sua misericórdia. Eis a
palavra-síntese do Evangelho», frisou o
Papa Francisco ao meio-dia de 8 de
Dezembro, recitando o Angelus com os fiéis
presentes na praça de São Pedro.
Hoje, a solenidade da Imaculada levanos a contemplar Nossa Senhora que,
graças a um privilégio singular, foi preservada do pecado original desde a sua
concepção. Não obstante tenha vivido
no mundo marcado pelo pecado, não
foi atingida por ele: Maria é nossa irmã
no sofrimento, mas não no mal nem no
pecado. Aliás, nela o mal foi derrotado
antes ainda de a ter tocado, porque
Deus a encheu de graça (cf. Lc 1, 28).
A Imaculada Conceição significa que
Maria foi a primeira a ser salva pela
misericórdia infinita do Pai, como primícia da salvação que Deus quer conceder a cada homem e mulher, em
Cristo. Por isso, a Imaculada tornou-se
ícone sublime da misericórdia divina
que venceu o pecado. E nós hoje, no
início do Jubileu da Misericórdia, queremos admirar este ícone com amor
confiante e contemplá-lo em todo o seu
esplendor, imitando a sua fé.
Na concepção imaculada de Maria
somos convidados a reconhecer a autora do mundo novo, transformado pela
obra salvífica do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. A aurora da nova criação levada a cabo pela misericórdia divina. Por isso a Virgem Maria, nunca
contagiada pelo pecado e sempre repleta de Deus, é mãe de uma nova humanidade. É mãe do mundo criado de novo.
Celebrar esta festividade exige dois
elementos. Primeiro: receber plenamente Deus e a sua graça misericordiosa na
nossa vida. Segundo: tornar-nos, por
nossa vez, artífices de misericórdia mediante um caminho evangélico. Então,
a solenidade da Imaculada torna-se a
festa de todos nós se, com o nosso
«sim» quotidiano, conseguirmos vencer
o nosso egoísmo e tornar mais jubilosa
Angelus no final da celebração
Palavra-síntese do Evangelho
a vida dos nossos irmãos, dando-lhes
esperança, enxugando algumas lágrimas e conferindo um pouco de alegria.
À imitação de Maria, somos chamados
a tornar-nos portadores de Cristo e testemunhas do seu amor, considerando
antes de tudo aqueles que são os privilegiados aos olhos de Jesus. São aqueles que Ele mesmo nos indicou: «Tive
fome e destes-me de comer, tive sede e
destes-me de beber, era peregrino e
acolhestes-me, nu e vestistes-me, enfermo e visitastes-me, estava na prisão e
viestes ter comigo» (Mt 25, 35-36).
A hodierna solenidade da Imaculada
Conceição tem uma mensagem específica para nos comunicar: ela recorda-nos
que na nossa vida tudo é dom, tudo é
misericórdia. A Virgem Santa, primícias
de quantos foram salvos, modelo da
Igreja, esposa santa e imaculada, amada pelo Senhor, nos ajude a descobrir
de novo, cada vez mais,
a misericórdia divina como sinal distintivo do
cristão. Não se pode entender um cristão verdadeiro que não seja misericordioso, do mesmo modo que não se pode compreender Deus sem a sua
misericórdia. Eis a palavra-síntese do Evangelho:
misericórdia. Trata-se da
característica fundamental da Face de Cristo:
aquele Rosto que nós reconhecemos nos vários
aspectos da sua existência: quando vai ao encontro de todos, quando
cura os doentes, quando
se senta à mesa com os
pecadores e sobretudo
quando,
pregado
na
cruz, perdoa; é ali que
vemos o semblante da
misericórdia divina. Não
tenhamos medo: deixemo-nos abraçar pela mi-
sericórdia de Deus que nos espera e
que perdoa tudo. Nada é mais dócil do
que a sua misericórdia. Deixemo-nos
acariciar por Deus: o Senhor é deveras
bom, Ele perdoa tudo!
Por intercessão de Maria Imaculada,
a misericórdia tome posse dos nossos
corações e transforme a nossa vida inteira.
No final da prece mariana, o Papa
saudou os fiéis e peregrinos com as
seguintes expressões.
Saúdo todos vós carinhosamente, de
modo especial as famílias, os grupos
paroquiais e as associações. Dirijo um
pensamento particular aos sócios da
Acção Católica Italiana, que hoje renovam a adesão à Associação: desejo-vos
um bom caminho de formação e de
serviço, sempre animado pela oração.
Hoje à tarde irei à Praça de Espanha, para rezar aos pés do monumento
à Imaculada. E depois irei a Santa Maria Maior. Peço-vos que vos unais espiritualmente a mim nesta peregrinação,
que é um gesto de devoção filial a Maria, Mãe de Misericórdia. A ela confiarei a Igreja e a humanidade inteira, mas
de modo especial a cidade de Roma.
Hoje, também o Papa Bento atravessou a Porta da Misericórdia. Daqui,
transmitamos todos juntos uma saudação ao Papa Bento!
Desejo a todos boa festa e um Ano
Santo rico de frutos, sob a guia e com
a intercessão da nossa Mãe. Um Ano
Santo repleto de misericórdia para vós
e, através de vós, para os outros. Por
favor, pedi-o ao Senhor também para
mim, pois preciso muito dela. Bom almoço e até à vista!
Homenagem à Imaculada
Sob o teu manto há lugar para todos
Uma peregrinação mariana ao coração da capital para
recomendar à Virgem o ano santo da misericórdia. O bispo de
Roma, com a solicitude do pastor, prestou homenagem, na tarde
de 8 de Dezembro, à Imaculada Conceição, recomendando-lhe a
protecção de todos os seus fiéis. Deste modo, o Pontífice ligou o
solene início do Jubileu com a tradicional oração diante da
estátua mariana colocada sobre a coluna da praça de Espanha.
Virgem Maria,
neste dia de festa pela tua Imaculada Conceição,
venho apresentar-te a homenagem de fé e de amor
do povo santo de Deus que vive nesta Cidade e Diocese.
Venho em nome das famílias, com as suas alegrias e fadigas;
das crianças e dos jovens, abertos à vida;
dos idosos, carregados de anos de experiência;
de modo particular venho diante de ti
da parte dos doentes, dos presos,
de quem sente mais dificuldade no caminho.
Como Pastor venho também em nome de quantos
chegaram de terras distantes em busca de paz e de trabalho.
Sob o teu manto há lugar para todos,
porque tu és a Mãe da Misericórdia.
O teu coração está cheio de ternura para com todos os teus
filhos:
a ternura de Deus, que de ti tomou a carne
e tornou-se nosso irmão, Jesus,
Salvador de todos os homens e mulheres.
Olhando para ti, nossa Mãe Imaculada,
reconhecemos a vitória da divina Misericórdia
sobre o pecado e sobre todas as suas consequências;
e reacende-se em nós a esperança numa vida melhor,
livre de escravidão, rancores e receios.
Hoje, aqui, no coração de Roma, ouvimos a tua voz de mãe
que chama todos a pôr-se a caminho
rumo àquela Porta, que representa Cristo.
A todos tu dizes: «Vinde, aproximai-vos confiantes;
entrai e recebei o dom da Misericórdia;
não tenhais medo, não tenhais vergonha:
o Pai espera por vós de braços abertos
para vos conceder o seu perdão e acolher-vos na sua casa.
Vinde todos à nascente da paz e da alegria».
Agradecemos-te Imaculada,
porque neste caminho de reconciliação
tu não nos deixas ir sozinhos, mas acompanha-nos,
estás ao nosso lado e ampara-nos em todas as dificuldades.
Que tu sejas bendita, agora e sempre, Mãe.
Amém.
L’OSSERVATORE ROMANO
página 10
quinta-feira 10 de Dezembro de 2015, número 50
Anneke Bollebakker, «Misericórdia»
«No domingo 13 de Dezembro, pela
primeira vez na história dos jubileus,
serão abertas as portas santas em todas as catedrais do mundo». Disse o
arcebispo Rino Fisichella, presidente
do Pontifício Conselho para a promoção da nova evangelização, durante a conferência de imprensa para
a apresentação do jubileu da misericórdia, que se celebra de 8 de Dezembro a 20 de Novembro de 2016.
O encontro teve lugar na Sala de
Imprensa da Santa Sé, na manhã de
sexta-feira, 4 de Dezembro, na presença do arcebispo José Octavio
Ruiz Arenas e de monsenhor
Graham Bell, respectivamente secretário e subsecretário do mesmo dicastério.
O arcebispo Fisichella frisou que
o Papa quis que o jubileu da misericórdia «se realizasse antes de tudo
nas Igrejas particulares, e foi precisamente por isso que quis abrir a porta santa na catedral de Bangui na
República Centro-Africana no passado dia 29 de Novembro, fazendo-a
tornar-se a capital mundial da paz e
instrumento de misericórdia». Um
gesto muito significativo que faz
compreender «quanto valor possui
para a vida da Igreja este jubileu extraordinário vivido no dia-a-dia das
nossas comunidades».
D. Rino Fisichella explicou o jubileu
Sinal da misericórdia
O próprio Papa Francisco realizará gestos de misericórdia para com
os pobres durante o ano santo. Isto
acontecerá numa sexta-feira de cada
mês porque, explicou o arcebispo
Fisichella, «o Papa pretende oferecer
uma expressão das obras de misericórdia. Convém recordar que estes
sinais terão carácter de visitas particulares do Santo Padre, para manter
o mais possível uma relação pessoal
de proximidade e de solidariedade
com as pessoas ou as instituições visitadas». No dia 1 de Dezembro foi
aberto na via della Conciliazione, 7
o centro de acolhimento aos peregrinos. Trata-se de um espaço onde receber as informações sobre todo o
programa jubilar, registar-se para o
percurso da porta santa, retirar os
Filmagens vídeo em formato 4K na abertura do ano santo
Para a crónica e para a história
Pela primeira vez um grande evento
foi transmitido em todo o mundo
em 4k em modalidade não experimental — a cerimónia de abertura
do jubileu extraordinário da misericórdia, presidida pelo Papa Francisco a 8 de Dezembro em São Pedro.
Mons. Dario Edoardo Viganò, prefeito da Secretaria para a comunicação e director do Centro televisivo
do Vaticano (Ctv), deu a notícia
numa conferência de imprensa a 2
de Dezembro na Filmoteca do Vaticano. A produção foi do Ctv, em
colaboração com a Rádio Vaticano
e o contributo de empresas internacionais. Graças às novas tecnologias, com uma única filmagem (em
termos técnicos one shot), eram disponíveis também os formatos HD e
SD, a fim de garantir uma boa visão
do eventos inclusive a quem não
O jubileu do concílio
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1
todos e vencendo qualquer resistência, Bergoglio mostrou ao mundo abrindo a porta santa na catedral de Bangui e inaugurando o
jubileu para as dioceses da África
central, flageladas por pobreza e
violência. Recordando esta antecipação e seguindo o ritual que remonta a Alexandre VI, ainda mais
sugestivo na sua simplicidade, o
Papa abriu a de São Pedro, à qual
se seguirá em Roma e nas dioceses
do mundo a abertura de muitíssimas outras portas santas.
Como pano de fundo o Vaticano II, aberto por João XXIII e concluído por Paulo VI no sinal da
misericórdia. Foi precisamente
Montini, o único predecessor recordado por Francisco na homilia
inaugural do jubileu, quem resu-
miu o sentido do concílio com a
parábola do samaritano, imagem
por excelência da misericórdia. O
Vaticano II foi um encontro, disse,
«um verdadeiro encontro entre a
Igreja e os homens do nosso tempo», que permitiu que a Igreja
saísse dos baixios que durante
muitos anos a tinham fechado em
si mesma», enquanto o cristianismo «parecia perder cada vez mais
a sua força eficaz», como escreveu
Bento XVI.
E o Papa seguido pelo seu predecessor, que tinha acabado de
abraçar no adro da Basílica, foi o
primeiro que atravessou a porta
santa. E, depois de ter esperado e
saudado de novo Bento XVI, Francisco encaminhou-se para rezar
diante do túmulo de Pedro,
apoiando-se no báculo de Paulo VI
com a cruz de Cristo.
possui um televisor de última geração. Em particular, durante a cerimónia do dia 8 de Dezembro externa e internamente na basílica de
São Pedro foram utilizadas 19 câmaras de última geração, equipadas
com lentes moderníssimas. As filmagens — de relevante valor histórico — foram arquivadas em servers
muito modernos. Em razão da
transmissão via satélite, centenas de
milhões de pessoas em todo o mundo puderam ver as imagens de altíssima definição.
«Exploraremos todas as potencialidades do formato» disse Mons.
Viganò, acrescentando: «Sem dúvida temos em boa consideração os
últimos, aos quais devemos enviar
um sinal em standard definition; mas
certamente não podemos esquecer
as nações tecnologicamente mais
evoluídas». Além disso — concluiu
o prefeito da Secretaria para a comunicação — deve ser considerado
que «estamos a pôr no arquivo para
o próximo futuro um património
histórico importantíssimo. E vale a
pena fazê-lo em 4k. Não é por acaso que iniciámos as produções neste
formato com a canonização dos
dois Papas, João XXIII e João Paulo
II, e também durante a beatificação
de Paulo VI. Daqui a vinte ou trinta
anos a história já não será narrada
só com base nas fontes escritas mas
também audiovisuais. Quanto melhor for a qualidade audiovisual,
tanto melhor será para os historiadores».
bilhetes gratuitos de acesso às diversas celebrações para as quais são necessários e obter o testimonium da
participação no jubileu.
O prelado frisou também que durante todo o Jubileu estarão presentes voluntários que prestarão serviço
de acolhimento e assistência a todos
os peregrinos, sobretudo na via della
Conciliazione e na praça de São Pedro, nas outras basílicas e igrejas jubilares, que chegarão a 800-1000 por
dia nas grandes ocasiões.
Além disso foi terminada e publicada a colectânea dos subsídios preparada pelo Pontifício Conselho,
que servirá para fazer viver o ano jubilar de modo mais consciente.
A partir do dia da abertura da
porta santa, durante todo o jubileu,
acrescentou o arcebispo, na praça de
São Pedro será recitado diariamente
o rosário junto da estátua de São Pedro. Será animado por turno por algumas paróquias de Roma dedicadas à Virgem Maria e pelos institutos religiosos presentes em Roma
com uma particular consagração à
Mãe de Deus.
A assistência médica aos peregrinos é garantida por um pronto-socorro situado em cada uma das quatro basílicas papais. Com a contribuição da Fundação onlus Giorgio
Castelli, cada centro estará também
apetrechado com um desfibrilador.
A assistência médica e de enfermagem foi confiada à Ordem de Malta.
Estarão activas também as estruturas
da saúde sob a responsabilidade da
região do Lácio, que predispôs um
plano estruturado para toda a cidade
e garante um posto médico avançado permanente nas proximidades do
Castel Sant’Angelo.
O arcebispo observou depois que
este jubileu é o primeiro da era digital, e por isso assume muita importância o site oficial (www.im.va). Traduzido em sete línguas, permite seguir os grandes eventos que terão lugar em Roma também a quantos
não puderem estar presentes fisicamente. No site as pessoas podem-se
registar-se para a passagem da porta
santa, assim como para se tornar voluntários. Foi aberto também outro
portal (www.vatimecum.com) promovido pelo Pontifício Conselho, através do qual os peregrinos poderão
obter serviços, em relação a refeições
e alojamento em Roma, a preços
módicos, e muitas outras informações para viver o jubileu.
É importante também a iniciativa
dos missionários da misericórdia, cujo número alcançou oitocentas unidades. Os missionários, explicou o
prelado, «são sacerdotes que provêm
de diversas partes do mundo e foram indicados pelos próprios bispos
para desempenhar este serviço peculiar». A partir da quarta-feira de
Cinzas receberão o mandato da parte do Papa de «serem pregadores da
misericórdia». Receberão da parte
do Pontífice «a faculdade de perdoar os pecados reservados à Sé
Apostólica e serão o sinal de Deus
para todos». Estes missionários são
nomeados exclusivamente pelo Papa.
número 50, quinta-feira 10 de Dezembro de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
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MAURIZIO FONTANA
«É revolucionário que Francisco tenha inaugurado o ano jubilar antecipadamente, num país martirizado
pelas guerras civis, onde a paz é necessária». Tendo acabado de chegar
da África onde, acompanhando o
Papa como prefeito da Congregação
para a evangelização dos povos, o
cardeal Fernando Filoni repercorreu
para o nosso jornal os temas da visita pontifícia. «Recordando que a
paz caminha unicamente através do
perdão e da compreensão recíproca», explica o purpurado, Francisco
escolheu a capital centro-africana
porque «precisamente em Bangui,
sob o ponto de vista da convivência
civil, era necessária esta perspectiva
de misericórdia e de perdão».
A viagem do Papa em África numa entrevista com o cardeal Filoni
Antes de tudo um olhar aos países visitados. Porquê Quénia, Uganda e República Centro-Africana?
Tijolo sobre tijolo
É importante que o Papa, depois
de ter ido à Ásia, também neste outro território das missões privilegiou
países aos quais desde o tempo de
João Paulo II não tinha havido visitas apostólicas. Obviamente o Uganda foi escolhido devido à celebração
do cinquentenário da canonização
dos mártires, o Quénia porque é um
país que sofreu por causa de reiteradas lutas político-religiosas. Por fim
a República Centro-Africana representa neste momento a parte mais
frágil, mais débil do continente e
precisa de um apoio particular para
confirmar a fé dos cristãos e dar
também ao mundo islâmico uma
perspectiva de paz e — como disse o
próprio Francisco — não de tolerância mas de convivência.
Quais palavras ou gestos do Pontífice
pensa que comoveram mais os africanos?
Distinguiria entre os três países visitados. A Igreja no Quénia já está
muito mais estruturada, capaz de
poder expressar-se a si mesma. E
aqui o Papa deu um encorajamento
para que ela seja deveras instrumento de bem e de progresso para a sociedade civil. E os quenianos levarão
no coração sobretudo o diálogo com
os jovens. Francisco encorajou-os a
desempenhar um papel fundamental
no progresso da sociedade. No
Uganda o Pontífice, como Paulo VI
há cinquenta anos, frisou, através do
testemunho dos mártires, a profunda
consciência de ter uma herança espiritual própria. O Papa disse: «Tu,
Uganda, tens no teu sangue um
Adn, fá-lo frutificar». Também aqui
sobressaiu a alegria da fé. E é a mesma que encontramos na República
Centro-Africana. Naquela situação
de pobreza extrema e de conflitualidade, a alegria da fé circundou e
protegeu o Papa. Sabíamos que dele
podia vir uma palavra que nem as
armas, nem as questões económicas,
nem as lutas políticas podem dizer.
Quando íamos a caminho do aeroporto, vi uma motorizada com três
jovens que procuravam alcançar o
Papa e tinham nas mãos um bocado
de papelão com três palavras escritas
a lápis. A primeira era «Obrigado»,
a segunda «Paz», a terceira «Honra». Porquê honra? Prostrados devido à sua situação e humilhados pelo
facto de não serem considerados à
altura de poder receber o Papa,
emergiu neles a honra de poder dizer: recebemos o Papa. Permanecem
sem dúvida impressos nos olhos todos os sofrimentos desta gente que
contudo nos revelou uma grande
dignidade. Fitavam com olhos imensos. É preciso que agora também a
sociedade internacional se preocupe
com esta população e a ajude a crescer com as suas forças.
A Igreja em África já está pronta para
ser força missionária?
A África é grande. Há zonas nas
quais a Igreja está em melhores condições e pode oferecer, como fidei
donum, sacerdotes, religiosos e irmãs
até a outros continentes. Mas a Igreja local está também a tomar consciência de que a África se deve evangelizar a si mesma. Por isso o Papa,
ao falar aos bispos do Uganda, disse
que não é bom que haja dioceses ricas de pessoal e de estruturas e outras pobres. É necessária missionariedade interna. Trata-se de um aspecto
que precisa de ser compreendido e
desenvolvido melhor. Há depois outras partes do continente que ainda
precisam de ajuda, de encorajamento, e também de pessoal.
Neste contexto quanto são importantes
a formação dos sacerdotes e a relação
entre eles e os bispos?
Na África os baptizados vivem de
fé de maneira muito jubilosa, forte,
vivaz. Não há uma grande elabora-
ção intelectual, mas concretamente
estamos diante de uma Igreja que
sabe ter um Evangelho, uma fé, um
pastor, capacidades e uma mensagem para transmitir. A África no
Concílio Vaticano II tinha um número muito limitado de bispos autóctones. Hoje, praticamente, mais de noventa por cento são-no. Mas temos
necessidade de pessoal à altura de
poder assumir uma responsabilidade
pastoral plena. Isto não se faz num
dia. São necessários sacerdotes bem
formados. Antes de tudo prestando
atenção a que cada um deles seja um
homem de Deus, preparado, pastoralmente aberto, que supere os tribalismos e as divisões, e que seja a expressão mais elevada da realidade
africana. Nisto se concentra a actividade da nossa congregação para dar
à África pastores dignos e idóneos.
Dignos na moralidade, na preparação, e idóneos para aquelas dioceses
que depois irão servir. Se tivermos
um clero bem formado, é fácil imaginar que se terão também bons bispos. Esta dinâmica nalgumas zonas
já está desenvolvida, noutras ainda
está em fase de crescimento. É preciso ter paciência, confiança e encorajar, para que os sacerdotes sintam
em todos os momentos que estamos
ao lado deles para os ajudar e encorajar, e também para lhes dizer o
que poderia ser feito melhor.
Conclui-se hoje a plenária da Congregação. Dos dados sobressai que se regista em África o aumento mais consis-
Francisco participou na reunião do conselho para a economia
No centro da reforma
A 3 de Dezembro, o Papa participou na reunião do Conselho para a
economia. Francisco explicou que o motivo da sua visita foi encorajar
e agradecer pessoalmente aos membros do Conselho pelo importante
papel que estão chamados a desempenhar no âmbito da vigilância das
estruturas financeiras e administrativas da Santa Sé. Além disso, o
Pontífice confirmou o papel central do Conselho no trabalho de reforma ao qual ele se dedica pessoalmente.
Em nome do Conselho, o cardeal Reinhard Marx, coordenador do
organismo, agradeceu vivamente ao Papa pela sua presença na reunião
e reafirmou o seu pleno compromisso na realização das reformas financeiras e administrativas promovidas por Francisco. Desde a sua instituição, o Conselho investiu tempo e energias consideráveis na avaliação e na possível realização de medidas finalizadas à transparência e a
uma gestão mais eficaz dos recursos da Santa Sé.
tente do número de baptizados.
Sim, a África está a crescer. Poderíamos dizer o mesmo em relação à
Ásia, onde contudo os valores são
diferentes. No fundo a Igreja missionária agora está a crescer com as
suas próprias forças. Compete a nós,
sobretudo como Congregação, estimulá-la, ajudá-la para que possa frutificar bem.
Outro tema-guia da viagem de Francisco foi o diálogo ecuménico e com as
outras religiões.
Pensemos em quando o Pontífice
fez subir no papamóvel o Imã e o
convidou para os momentos mais
importantes das celebrações: isto
não surgiu de um desejo instantâneo
de simpatia, de humanidade, que
também existia, mas de um longo
processo que a Igreja na República
Centro-Africana soube levar por
diante. O arcebispo que leva para
casa o imã para o subtrair ao assassínio, os bispos que salvam o imã que
está para ser trucidado, encontrar-se
no lugar da casa do imã que foi
queimada e ajudar a reconstruí-la: é
natural que a um certo ponto o Papa diga «Sobe ao meu carro» para
mostrar que é possível estar juntos.
É este o sentido da Igreja que constrói tijolo sobre tijolo. Só no final se
vê o edifício.
Mais em geral, uma lição também para
o mundo.
Lição não de tolerância, mas de
convivência. Estar juntos, viver juntos também na diversidade. E a presença do Pontífice fez sobressair visivelmente esta possibilidade. O Papa
fala por imagens, não com teorias.
Pensemos em quando usa a imagem
das duas margens do rio: passar para o outro lado, deixar a margem do
ódio e ir para a da reconciliação.
Numa cidade como Bangui, a poucos quilómetros do grande rio
Ubangi, todos compreendem e sabem que se parares no centro do rio
não vais para lado algum, que é preciso ir além mesmo se há correntes,
dificuldades. As pessoas presentes
aplaudiam porque compreendiam,
porque havia uma ideia concreta que
experimentam na existência de todos
os dias e que devem levar à vida social do país.
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 10 de Dezembro de 2015, número 50
A missionária Sinéa Pinheiro Barra da Amazónia à África
Só me falta comer gafanhotos
TERESINA CAFFI
Sinéa Pinheiro Barra é uma missionária xaveriana originária do Pará,
no Brasil. Após anos de preparação
e de compromisso apostólico no seu
país, desde 1999 vive a missão na
África, primeiro nos Camarões e
agora no Chade. Durante uma sua
recente estadia na Itália, concedeunos a seguinte entrevista.
Onde e de que modo se desenvolveram
estes seus 16 anos de missão?
Vivi os meus primeiros anos de
missão na África, de 1999 a 2008, no
extremo norte dos Camarões, na
diocese de Yagua, precisamente em
Nouldayna, onde trabalhei na catequese dos adultos e na pastoral juvenil e das crianças. Foi uma partilha
de fé com o povo Masa, vivida num
clima de fraternidade e amizade:
anos de enriquecimento recíproco e
de alegria. Não faltaram dificuldades
mas com a ajuda do Senhor, das minhas irmãs de hábito e do povo Masa consegui superá-las. Em seguida,
durante os dois anos de actualização
catequética transcorridos na Itália,
problemas de saúde puseram em dúvida o meu retorno à África. Contudo, na sua grande misericórdia, o
Senhor concedeu-me força e de novo o dom da missão na África. Voltando àquele continente em Maio de
2011 senti a alegria sobre a qual o
Papa Francisco fala na exortação
apostólica Evangelii gaudium, quando convida a uma nova etapa evangelizadora marcada pela alegria do
Evangelho. Desta vez, o destino foi
o Chade e a diocese de Pala, em Berèm, onde a nossa comunidade de
irmãs está ao serviço de três paróquias: Kumu, Pont-Caròl e Berèm.
Imediatamente comecei a estudar a
língua e a cultura Musey: seis meses
intensos, mas o percurso de inclusão
nunca acaba.
Poderia contar-nos quais são as suas
tarefas em Berèm?
Foi-me confiada a responsabilidade do Centro cultural: por conseguinte trabalho com estudantes e
professores. Sinto-me feliz por isso
porque o problema da educação no
Chade constitui uma emergência. A
diocese favoreceu a constituição de
uma biblioteca em cada paróquia.
Nalgumas delas, como em Berèm, a
biblioteca transformou-se num centro cultural, oferecendo conferências,
peças de teatro e filmes seguidos por
debates. Também os professores frequentam a biblioteca, encontrando
material didáctico para renovar os
seus cursos. Os guardiões da biblioteca são estudantes voluntários. Em
2012, um grupo de jovens artistas
teatrais de diferentes confissões religiosas procurou-me pedindo apoio e
escolheram-me como conselheira.
Através do teatro, pretendiam sensibilizar a população das várias aldeias sobre diversos temas: o baixo
nível do ensino, a má gestão dos
bens familiares, os matrimónios forçados, a droga, o alcoolismo, a sida
e as injustiças ligadas à extracção do
petróleo. As suas representações —
que fazem rir e ao mesmo tempo reflectir — são seguidas por debates.
Seis desses jovens mais comprometidos pediram para cultivar uma plantação de amendoim a fim de apoiar
a biblioteca. Um jovem universitário
ofereceu o terreno, outros compraram as sementes e cultivaram. E
também eu juntamente com eles. A
aldeia apreciou a iniciativa. Desde
2012, acompanho a formação dos
cristãos adultos que se preparam para a crisma. Com alguns animadores,
organizamos encontros nas paróquias, estudamos os Actos dos apóstolos e os temas incandescentes da
vida cristã: a justiça, a paz, o autofinanciamento, os sacramentos, os aspectos dos costumes postos em
questão pelo Evangelho. Ocupamonos também da pastoral juvenil: encontramos os jovens nas suas aldeias
e promovemos reuniões entre as três
paróquias, que são muito apreciadas.
lhamos o almoço num clima fraterno.
Nestes anos certamente teve que enfrentar desafios muito grandes?
Para mim o desafio é a língua,
que é preciso conhecer a fim de que
o anúncio possa penetrar em profundidade no coração dos nossos irmãos. Quando eu tinha 55 anos passei dos Camarões para o Chade, da
etnia Masa para a Musey e seis meses são demasiado poucos para
aprender a língua. A extensão das
três paróquias, sobretudo na estação
das chuvas, desafia-nos: Kumu fica a
17 quilómetros de Berèm, Pont-Caròl
a 27. Outro desafio é a malária:
quando contagia, faz permanecer de
cama por três dias; é também uma
oportunidade para se pôr nas mãos
de Deus e sentir a sua presença que
nuele engasgou-se comendo amendoins. Estava gravíssimo. Os pais tinham dinheiro para o levar ao hospital em Yaoundé, mas a mãe não
conhecia o francês. Não me sentia
directamente implicada nesta situação, mas quando fui à casa visitar o
menino, fiquei impressionada ao ver
muitas crianças reunidas de joelhos
a rezar por ele. Voltei para casa e
não conseguia adormecer, sentia um
forte apelo de Deus. No dia seguinte disse à responsável que iria para
Yaoundé com a mãe e o menino.
Quando cheguei ao hospital, os médicos e o anestesista, muçulmanos,
fizeram-me perguntas sobre o motivo daquele gesto, se eu era enfermeira ou médica. Respondi: «Não. Sou
uma religiosa católica, o meu trabalho é o anúncio da palavra de
Deus». Nós — disseram os médicos
— decidimos fazer tudo o que for
possível para salvar este menino,
pois compreendemos que Deus quer
que ele viva. De facto, Deus queria:
o pequeno Emanuele sarou. Este
episódio ajudou-me a libertar-me de
preconceitos, porque percebi a sua
maneira de interpretar nos eventos
os sinais da vontade de Deus.
Pensa deveras que anunciar o Evangelho é uma resposta aos problemas do
povo chadiano?
A irmã Sinéa com alguns colaboradores
Que importância tem para a senhora o
compromisso pela cultura?
Penso que é muito importante. A
Igreja ensina que ao oferecer o
Evangelho devemos considerar as
pessoas no seu todo, ajudando-as a
ser mais conscientes inclusive através
da leitura e da escritura. O cristão
alfabetizado tem maior facilidade
para uma compreensão mais profunda da mensagem do Evangelho e
pode meditá-la individualmente e
proclamá-la aos outros. Além disso,
o mundo caminha rápido e muitas
populações correm o risco de permanecer atrasadas, sem saber defender
os próprios direitos nem exercer os
seus deveres. Neste tempo em que a
cobiça se dirige ao petróleo e aos
minerais destas terras, é importante
que a população saiba enfrentar este
novo desafio. A biblioteca é também
um lugar de diálogo e convivência,
frequentado por cristãos de diversas
Igrejas, por muçulmanos, por seguidores da religião tradicional ou sem
referência religiosa alguma. Entre os
bibliotecários encontram-se católicos,
protestantes e muçulmanos. Todos
os anos, juntamente com as autoridades civis e os representantes das
diversas confissões religiosas, celebramos o dia do convívio pacífico:
reflectimos sobre um tema e parti-
nos fortalece. Depois levantamos e
continuamos o caminho.
Muitos desafios, mas também tantas
satisfações.
A minha maior alegria é ver o esforço das pessoas simples para memorizar o Evangelho e para o pôr
em prática. Alegria também é trabalhar em grupo: nada faço sozinha,
trabalhamos unidos. Sou a conselheira mas também eles me aconselham. Sinto alegria ao ver a dedicação dos seis jovens que cultivam o
terreno em prol da biblioteca e do
grupo teatral. Edifica-me a capacidade de partilha que constato nesse
povo. Ajudamos Hélène, que é muito pobre e sofre de hanseníase.
Quando colhe os frutos no seu pequeno terreno, oferece-nos sempre
alguns. Alegro-me com as muitas
amizades. Certa vez, Irma acompanhou uma parturiente em dificuldade ao hospital, o marido, muçulmano, ficou muito agradecido e assim
está sempre disponível a acompanhar-nos nas viagens quando é necessário; um dia até nos pediu um
conselho. Mantemos boas relações
com os muçulmanos; eles vêm ao
nosso encontro quando estamos em
dificuldade. Quando estava nos Camarões, um menino chamado Ema-
A mensagem do Evangelho é importante para todos os povos: se a
aceitássemos verdadeiramente não
haveria a guerra. Para o povo chadiano acolher o Evangelho é fundamental, especialmente no momento
que está a viver. Graças à extracção
dos minerais, mas sobretudo do petróleo, alguns enriquecem-se de modo egoísta, deixando os camponeses
sem terra para cultivar: para muitos
há o risco de se tornarem ainda mais
pobres. O Evangelho ajuda também
a integrar as diversidades, superando
as barreiras étnicas, a imoralidade de
privilegiar os membros da própria
tribo, a corrupção. Se o Evangelho
entrasse no fundo do nosso coração,
mudaria a situação de cada um e do
país.
De que modo vê hoje a missão?
A missão transforma-nos. Começamos com o desejo de anunciar o
Evangelho mas depois descobrimos
que os primeiros que devem ser
evangelizados somos nós mesmos. O
Senhor evangeliza-nos, até as pessoas com a sua essencialidade e simplicidade nos evangelizam. Compreendi que a missão é dar e receber:
ensinamos e aprendemos. Recebi deveras tanto. Hoje a minha família
vê-me diferente: outrora era muito
exigente com a comida, agora como
tudo o que se põe à mesa. À minha
chegada, o primeiro prato africano
que experimentei foi a boule (pasta
de milho) dos Musey: foi um choque comer com todos que pegavam
com as mãos de uma única boule e
de um único molho. Disse comigo
mesma: se te bloqueares agora, é
melhor que faças as malas e voltes
para casa. Consegui superar-me a
mim mesma e também noutras vezes. Este ano comi térmites, não
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número 50, quinta-feira 10 de Dezembro de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
página 13
O Papa e a Bíblia
Como fogo
eus queridos jovens amigos,
se vísseis a minha Bíblia,
talvez não ficaríeis bem impressionados. Diríeis: «O quê? É esta a Bíblia do Papa? Um livro tão
velho, tão desgastado!». Poderíeis
até dar-me uma nova, talvez uma de
1.000 euros: não, eu não a aprecia-
M
Aos jovens
O próximo número de «La
Civiltà Cattolica», que sairá a 26
de Dezembro, abrir-se-á com o
prefácio do Papa Francisco,
publicado nesta página, a uma
Bíblia para os jovens em língua
alemã (Jugendbibel der katholischen
Kirche), os quais colaboraram nos
debates e nos comentários
escritos.
ria. Gosto da minha velha Bíblia,
que acompanhou metade da minha
vida. Viu a minha alegria, foi banhada com as minhas lágrimas: é o meu
tesouro inestimável. Vivo dela e não
a daria por nada no mundo.
Gosto muito da Bíblia para os jovens, que acabastes de abrir: é tão
vivaz, tão rica de testemunhos de
santos e de jovens que me dá vontade de a ler de um só fôlego, desde o
início até à última página. E depois...? Depois ficará esquecida, escondida na prateleira de uma estante, talvez atrás, na terceira fila, e acabará por se encher de pó. Até que
um dia os vossos filhos a venderão
numa feira de objectos usados. Não:
isto não pode acontecer!
Gostaria de vos dizer uma coisa:
hoje, ainda mais do que no início da
Igreja, os cristãos são perseguidos;
qual é a razão? São perseguidos porque carregam uma cruz e dão testemunho de Cristo; são condenados
Vincent Van Gogh, «Natureza morta com Bíblia» (1885)
porque possuem uma Bíblia. Com
toda a evidência, a Bíblia é um livro
extremamente perigoso, tanto que
nalguns países quem possui uma Bíblia é tratado como se escondesse
bombas no armário!
Mahatma Gandhi, que não era
cristão, certa vez disse: «Aos cristãos
foi confiado um texto com quantidade de dinamite suficiente para fazer
explodir em mil pedaços a civilização inteira, para virar o mundo de
cabeça para baixo e trazer a paz a
um planeta devastado pela guerra,
Um filme de Daniele Luchetti sobre Bergoglio
Equilíbrio entre tradição e inovação
EMILIO RANZATO
nquanto o cardeal Jorge Bergoglio chega a Roma para o conclave de 2013, na memória outra
viagem no-lo mostra na época da sua juventude,
da escolha de ser sacerdote, dos anos difíceis da ditadura de Videla e das batalhas ao lado dos mais pobres,
como aquela para evitar o despejo de um bairro na periferia de Buenos Aires. Participar no conclave pode
significar renunciar ao contacto diário com o seu povo,
mas não à sua defesa material e espiritual.
Daniele Luchetti dirige Chiamatemi Francesco — a
partir de 3 de Dezembro nos cinemas italianos — de
modo bastante impessoal mas substancialmente equilibrado. Põe de lado o realismo mais febril de filmes evidentemente mais sentidos por ele, como Mio fratello è
figlio unico (2007) ou La nostra vita (2010), e olha com
clareza para o mundo da ficção televisiva, tanto na estética pacata e não muito expressiva, como no tom da
narração, didáctica e cronística, mas também deliberadamente superficial em várias questões históricas. No
caso de um protagonista tão popular e amado, e de um
produto dedicado por conseguinte ao grande público,
não é necessariamente uma escolha errada, muito pelo
contrário. Como para os melhores trabalhos televisivos,
não se trata de um afresco, mas de uma análise que
tem a função de introduzir o espectador no tema, sem
pretensões de aprofundamentos específicos.
Tendo em consideração esta imprecisão de fundo, o
roteiro assinado pelo próprio cineasta juntamente com
Martín Salinas, tem o mérito de enquadrar o jovem
Bergoglio com poucos mas apropriados traços. O resultado é a figura de um homem que soube encontrar
um equilíbrio entre tradição e inovação, doutrina e
concretíssimas exigências sociais, num período histórico em que, sobretudo no seu país, era fácil perder os
pontos de referência. Um personagem que num momento crucial soube olhar provavelmente para além de
muitos casos incertos.
Para tal finalidade, com um jogo de contrastes meio
fácil mas certamente eficaz, a narração põe o futuro
Papa ao lado de outras figuras que ao contrário correm
o risco de perder o rumo, atraídos pela cómoda condescendência com o regime ou, ao contrário, míopes
diante do perigo da ambiguidade ao sustentar, embora
só espiritualmente, ambientes que vêem na resistência
obstinada a única solução para o país.
A segunda parte descreve-nos o bispo Bergoglio nas
periferias de Buenos Aires, comprometido na ajuda aos
mais pobres. Evidencia-se uma característica do protagonista que mais ou menos subtilmente percorre todo
o filme, isto é a sua distância — mais mental do que
E
prática — das estruturas eclesiásticas, que no entanto
respeita mas que muitas vezes julga lentas na interpretação dos tempos que mudam e das exigências sempre
novas dos indefesos. Eis que se passa directa mas coerentemente para o sentido de desorientação do Bergoglio mais recente, nos dias do conclave que o elegerá
Papa. Para o seu humanismo que recorda ternas lembranças infantis, quase como se quisesse evitar o presságio da tarefa iminente. É nestes momentos nos quais
a direcção de Luchetti se faz sentir de modo finalmente poético, nestes dias de Bergoglio ao pôr-do-sol em
volta do Vaticano.
E sobretudo na montagem paralela do epílogo, que
inicialmente parece contrastar a Igreja dos pobres, representada pelos habitantes das periferias argentinas
que seguem a eleição pela televisão, à Igreja oficial,
personificada pelos cardeais comprometidos no conclave. Uma montagem paralela que se conclui numa síntese significativa no instante da proclamação: o sorriso
de alegria do novo Papa é o mesmo dos concidadãos
dos quais foi afastado só fisicamente, e que a partir de
então pode defender ainda mais.
As últimas imagens documentais, que mostram o
Pontífice imediatamente após o anúncio do habemus
Papam, emocionam sem inquietar. É sinal de que o
personagem narrado pelo filme não está distante do
seu modelo.
De resto, nota-se o toque do cineasta na direcção
dos intérpretes, excelente como sempre nas suas obras.
Particularmente feliz a escolha do protagonista Rodrigo de la Serna, já visto em Tetro (2009) de Francis
Ford Coppola, habilidoso e muito semelhante ao jovem Bergoglio.
mas o tratam como se fosse uma
simples obra literária, nada mais».
Então, o que tendes nas mãos?
Uma obra-prima literária? Uma colectânea de narrações antigas e bonitas? Em tal caso, seria preciso dizer
aos muitos cristãos que se deixam
encarcerar e torturar pela Bíblia:
«Fostes deveras insensatos e pouco
perspicazes: é só uma obra literária!». Não, com a Palavra de Deus a
luz veio ao mundo e nunca mais se
apagará. Na minha exortação apostólica Evangelii gaudium escrevi:
«Nós não procuramos Deus tacteando, nem precisamos de esperar que
Ele nos dirija a palavra, porque realmente “Deus falou, já não é o grande desconhecido, mas mostrou-se a
Si mesmo”. Acolhamos o tesouro sublime da Palavra revelada!» (n. 175).
Portanto, tendes nas mãos algo
divino: um livro como fogo, um livro no qual Deus fala. Por isso recordai-vos: a Bíblia não é feita para
ser posta na estante mas para estar à
mão, ser lida com frequência, diariamente, tanto sozinhos como em
companhia. De resto em companhia
praticais desporto, ides aos centros
comerciais; então por que não ler a
Bíblia juntos, em dois, três ou quatro? Até ao ar livre, imersos na natureza, no bosque, à beira-mar, à noite
à luz de uma vela... Fareis uma experiência poderosa e sensacional.
Ou talvez tendes medo de parecer
ridículos diante dos outros? Lede
com atenção. Não permaneçais na
superfície, como se faz nas tiras de
banda desenhada! A Palavra de
Deus não pode ser lida simplesmente com uma olhadela! Ao contrário,
questionai-vos: «O que diz isto ao
meu coração? Através destas palavras, Deus está a falar comigo? Porventura está a suscitar o meu desejo,
a minha sede profunda? O que devo
fazer?». Só assim a Palavra de Deus
poderá propagar toda a sua força; só
assim a nossa vida poderá transformar-se, tornando-se plena e bonita.
Gostaria de vos contar o modo
como leio a minha velha Bíblia: frequentemente leio-a por um tempo e
depois ponho-a de lado e deixo que
o Senhor olhe para mim. Não sou
eu que olho para Ele, mas é Ele que
olha para mim: Deus está deveras
presente. Então, deixo-me observar
por Ele e sinto — e certamente não é
sentimentalismo — percebo no mais
profundo o que o Senhor me diz.
Às vezes não fala: e então nada
sinto, só vazio, vazio, vazio... Mas,
paciente, fico ali e aguardo-o, lendo
e rezando. Rezo sentado, porque me
faz mal ficar de joelhos. Muitas vezes, rezando, até adormeço, mas não
é importante: sou como um filho
perto do pai, e é isto que conta.
Quereis fazer-me feliz? Lede a Bíblia.
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quinta-feira 10 de Dezembro de 2015, número 50
Meio século do Pacto das catacumbas
Com o vigor do Evangelho
HEINZ KULÜKE*
A 1 de Janeiro de 2009, a Santa Sé,
através do Pontifício Conselho para
a cultura e da Pontifícia Comissão
de arqueologia sacra, convidou os
missionários do Verbo Divino a encarregar-se da administração das catacumbas de Domitila, em Roma.
Com alegria, o nosso conselho geral
pôs à disposição desta missão uma
comunidade composta por dois irmãos e dois sacerdotes, que trabalham a tempo inteiro, ajudados por
um grupo de colaboradores leigos.
A celebração do cinquentenário do
concílio Vaticano II e do Ano da vida consagrada despertaram-nos para
um importante evento que teve lugar precisamente nas catacumbas de
o Pacto das catacumbas, evidenciando que ele é a expressão pública do
caminho e do compromisso deste
grupo da «Igreja dos pobres», formado a partir da primeira sessão do
concílio por inspiração do sacerdote
operário Paul Gauthier e da religiosa
carmelita Marie-Thérèse Lescase
(que também foi operária em Nazaré) e do arcebispo de Olinda e Recife, D. Hélder Pessoa Câmara, um
dos campeões na luta pela justiça e
pela paz do século XX . Este último
ajudou a redigir e assinou o Pacto,
mas não estava presente no dia da
celebração, porque trabalhava na redacção do documento conciliar
Gaudium et spes.
O estudo mostra também que a
proveniência do primeiro grupo dos
Encontros romanos
Celebraram-se dias intensos de encontros em Roma para recordar meio
século do chamado «Pacto das catacumbas». Com efeito, de 11 a 17 de
Novembro teve lugar um congresso — no qual participaram cerca de
duzentos e cinquenta estudiosos — promovido por iniciativa do Instituto
de teologia e política de Munique na Alemanha, em colaboração com o
grupo Pro-Konzil. Em Novembro, na Pontifícia Universidade Urbaniana,
realizou-se um congresso promovido pela União internacional das
superioras-gerais e pela União dos superiores-gerais. O evento contou
com a participação de Alberto Melloni que reflectiu sobre o «Contexto
histórico do Pacto das catacumbas» e do teólogo Jon Sobrino, que
abordou a seguinte temática: «O efeito do Pacto das catacumbas sobre a
Igreja contemporânea». Esteve presente também um dos padres
conciliares signatário do Pacto, o bispo emérito de Ivrea, D. Luigi
Bettazzi. Do Brasil, outro signatário, o arcebispo emérito de Paraíba, D.
José Maria Pires, enviou uma mensagem vídeo para esta ocasião.
Interveio inclusive o cardeal prefeito da Congregação para os institutos
de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica, João Braz de
Aviz. No aniversário do Pacto, ocorrido precisamente a 16 de Novembro,
foi celebrada uma missa nas catacumbas de Domitila para reafirmar o
compromisso de leigas, leigos, religiosas, religiosos, sacerdotes e bispos
por uma Igreja «em diálogo com o mundo e construtora de justiça e
paz».
Domitila a 16 de Novembro de 1965.
De facto, nos últimos anos vários
grupos eclesiais, teológicos e estudiosos de diversas partes do mundo
voltaram a difundir o conteúdo de
um documento conhecido como o
«Pacto das catacumbas».
Poucos dias antes do encerramento do Vaticano II, quarenta e dois
padres conciliares celebraram a eucaristia nas catacumbas de Domitila
para pedir a Deus a graça de «ser
fiel ao espírito de Jesus», retornando
aos próprios compromissos pastorais
nas suas respectivas dioceses. O documento consiste numa exortação
dirigida aos «irmãos no episcopado»
para conduzir uma «vida de pobreza» e a ser uma Igreja «serva e pobre», em conformidade com o espírito proposto pelo Papa João XXIII
durante o concílio. O grupo representava outros oitenta e dois bispos
do grupo chamado «Igreja dos pobres» que se reuniam periodicamente, durante o concílio, no colégio
belga em Roma. Acompanharamnos importantes teólogos, entre os
quais o padre Yves Congar, que no
final da primeira sessão do concílio
publicou o livro Igreja serva e pobre.
O teólogo e historiador brasileiro
José Oscar Beozzo, coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, realizou vários estudos sobre
bispos signatários era muito vasta:
América Latina e Caribe, América
do Norte, Ásia, África e Europa. Entre eles estava também o bispo argentino de La Rioja, D. Enrique Angeleli, falecido a 4 de Agosto de 1976
num acidente automobilístico durante o regime militar na Argentina. O
padre Beozzo evidenciou que, num
período posterior, o Pacto das cata-
cumbas recebeu a adesão
de outros quinhentos padres conciliares.
Relativamente ao Pacto,
é interessante observar que
a expressão «Igreja dos pobres» de João XXIII foi retomada no concílio, a 7 de
Dezembro de 1962, pelo
cardeal arcebispo de Bolonha, Giacomo Lercaro, o
qual, num discurso memorável e com clareza teológica, disse que «o mistério de
Cristo na Igreja é sempre,
mas sobretudo hoje, o mistério de Cristo nos pobres
porque a Igreja é de todos,
mas principalmente dos
pobres». O cardeal Lercaro
evidenciou que a Igreja não
só devia ser «para» os pobres mas também «dos»
O arcebispo brasileiro Hélder Pessoa Câmara
pobres. Estes deveriam sentir-se em casa, não apenas
como objecto de caridade mas como dar início às celebrações pelo cinsujeitos activos e privilegiados da vi- quentenário do Pacto das catacumda e da missão da Igreja.
bas. Deste modo, a partir do mês de
Durante o seu discurso, o purpu- Novembro do ano passado, realizarado referiu-se a temas que mais tar- ram-se celebrações especiais nas cade se tornariam o núcleo do Pacto tacumbas de Domitila. A Comissão
das catacumbas: «Que se escolhesse justiça, paz e salvaguarda da criação
a pobreza como sinal e forma da da União internacional das superioIgreja de Cristo», partindo da pro- ras-gerais e da União dos superioresposta concreta do uso dos bens tem- gerais, por exemplo, organizou uma
porais de modo individual, comuni- vigília de oração. Os missionários do
tário e estrutural e que se confron- Verbo Divino e as missionárias Sertasse com «um novo estilo de vida vas do Espírito Santo realizaram um
para não ir contra a sensibilidade dia de reflexão nas catacumbas a 15
dos homens do nosso tempo e dar de Janeiro de 2015 por ocasião da
aos pobres ocasião de escândalo».
festa do fundador, santo Arnoldo
Outro aspecto que chamou a Janssen. E assim sucessivamente até
atenção daquele especial grupo de aos numerosos encontros recentes.
trabalho foi o facto de que, cerca de
Para compreender a importância
dois meses antes que o Pacto fosse
destas celebrações pode ser útil reassinado, a 12 de Setembro de 1965,
cordar as palavras da irmã Patrícia
o Papa Paulo VI quis visitar as catacumbas de Domitila. E durante a vi- Murray, secretária executiva da
sita, disse: «Aqui a Igreja despojou- União internacional das superiorasse de todos os poderes humanos, foi gerais: «O texto do Pacto das catapobre, humilde, piedosa, oprimida e cumbas suscita em cada um de nós,
tanto a nível individual como de
heróica».
Quase cinquenta anos depois, o congregação, um novo momento de
Papa Francisco, homem que veio de reflexão e conversão. Convida-nos a
um continente no qual muitos bis- examinar as nossas atitudes e valopos realizaram esforços enormes pa- res; exorta-nos a olhar para a nossa
ra aplicar o concílio Vaticano II ao vida, avaliando se ela é um testemucontexto da pobreza, assume como nho autêntico de vida evangélica. O
programa do seu pontificado o tema Pacto torna concreto quanto é necesde «uma Igreja pobre, uma Igreja sário para dar uma resposta ao apelo
para os pobres». As palavras do Pa- de viver um estilo de vida simples,
pa encorajaram diversos grupos a construir relações eclesiais de colaboração e predispor-se ao encontro
com as pessoas que sofrem injustiça
e exclusão».
Uma reflexão profunda, presente
também nas questões formuladas pelo padre David Kinnear Glenday, exmãs. Devemos trabalhar, na nossa
superior-geral dos combonianos e acdimensão, onde nos encontramos,
tual secretário-geral da União dos supara que isto se torne realidade.
periores-gerais: «O vigor do EvangeProcuro esforçar-me apesar dos
lho não é a música que ressoa nas
meus limites e com a grande esbreves mas poderosas páginas do
perança de que se possa viver coPacto? Não é um apelo a viver o que
mo irmãos e irmãs onde estiverrealmente importa, a fim de que o
mos, começando pelas nossas coque é supérfluo e secundário simplesmunidades. Viver como comunimente desapareça? Não é um convite
dade intercultural já é um grande
a uma liberdade evangélica, a aprestestemunho. Estou muito contensar o passo para partilhar a boa note pelo dom que Deus me conceva? Não é um convite a confiar no
deu: uma cabocla simples da
facto de que o poder do Evangelho
se encontra aqui, para ser descoberto
Amazónia que o Senhor tirou das
em cada evento e pessoa, em cada
margens dos rios para enviar ao
periferia do nosso mundo?».
mundo. Faço minhas as palavras
do salmista: «O Senhor fez por
nós grandes coisas; ficamos exul*Superior-geral
da Sociedade do Verbo Divino
tantes de alegria!» (Sl 125, 3).
Só me falta comer gafanhotos
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 12
porque gosto delas, mas é um
modo para adquirir os hábitos de
vida de um povo. Conseguir comer térmites foi uma alegria, uma
vitória sobre mim mesma (contudo ainda tenho que comer gafanhotos!). A encarnação passa por
estas coisas simples e nunca acaba: todos os dias devemos encarnar-nos.
Qual é o sonho da sua vida?
Como missionária, principalmente como xaveriana, o meu sonho é o mesmo de são Guido
Maria Conforti: que o mundo se
torne uma família de irmãos e ir-
número 50, quinta-feira 10 de Dezembro de 2015
L’OSSERVATORE ROMANO
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INFORMAÇÕES
Audiências
O Papa Francisco recebeu em audiências particulares:
No dia 3 de Dezembro
Sua Ex.cia o Senhor Tuilaepa Fatialofa Lupesoliai Sailele Malielegaoi,
Primeiro-Ministro de Samoa, com a
Ex.ma Esposa e o Séquito.
O Senhor Cardeal Gerhard Ludwig
Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé; D. David Douglas Crosby, Bispo de Hamilton,
Presidente da Conferência Episcopal
dos Bispos Católicos do Canadá; D.
Lionel Gendron, Bispo de SaintJean-Longueuil, Vice-Presidente; e
Mons. Frank Leo, Secretário-Geral
da mesma Conferência Episcopal; e
o Senhor Cardeal João Braz de
Aviz, Prefeito da Congregação para
os Institutos de Vida Consagrada e
as Sociedades de Vida Apostólica,
com o Secretário do mesmo Dicastério, D. José Rodriguez Carballo, Arcebispo Titular de Bellicastrum.
No dia 4 de Dezembro
O Senhor Cardeal George Pell, Prefeito da Secretaria para a Economia;
e D. Edgar Peña Parra, Núncio
Apostólico em Moçambique
Os Senhores Cardeais Kurt Koch,
Presidente do Pontifício Conselho
para a Promoção da Unidade dos
Cristãos, que lhe apresentou um
dom oferecido pelo Patriarca Ecuménico de Constantinopla Bartolomeu, por ocasião do cinquentenário
da remissão das excomunhões; Fernando Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos;
e Telesphore Placidus Toppo, Arcebispo de Ranchi (Índia); e D. JeanMarie Speich, Núncio Apostólico no
Gana.
Sua Ex.cia a Senhora Nadège Védie,
Presidente da Conferência Mundial
dos Institutos Seculares (CMIS), com
o Séquito.
Erecção de Diocese
Sua Santidade erigiu:
A 3 de Dezembro
A Diocese de Guasdualito (Venezuela), com território desmembrado das
Dioceses de San Fernando de Apure
e Barinas, tornando-a sufragânea da
Arquidiocese Metropolitana de Mérida.
Renúncias
O Santo Padre aceitou a renúncia:
No dia 5 de Dezembro
O Senhor Cardeal Marc Ouellet,
Prefeito da Congregação para os
Bispos.
Suas Ex.cias os Senhores: Deputado
Volker Bouffier, Ministro Presidente
de Hessen (Alemanha), com a Ex.ma
Esposa e o Séquito; e Eduardo Félix
Valdés, Embaixador da Argentina,
com a Ex.ma Esposa, em visita de
despedida.
No dia 7 de Dezembro
No dia 3 de Dezembro
De D. Anthony J. Farquhar, ao cargo de Auxiliar da Diocese de Down
and Connor (Irlanda), em conformidade com os cânones 411 e 401 § 1
do Código de Direito Canónico.
No dia 8 de Dezembro
De D. Heinrich Mussinghof, ao governo pastoral da Diocese de Aachen (Alemanha), em conformidade
com o cânone 401 § 1 do Código de
Direito Canónico.
De D. Paul Darmanin, O.F.M. CAP.,
ao governo pastoral da Diocese de
Garissa (Quénia), em conformidade
com o cânone 401 § 1 do Código de
Direito Canónico.
Nomeações
Bispo da Diocese de Garissa (Quénia), D. Joseph Alessandro, O.F.M.
CAP., até hoje Coadjutor da mesma
Sede.
Prelados falecidos
Adormeceram no Senhor:
No dia 1 de Dezembro
O Sumo Pontífice nomeou:
D. Antonio Troyo Calderón, ex-Auxiliar de San José (Costa Rica).
A 3 de Dezembro
O venerando Prelado nasceu no dia
18 de Outubro de 1923, em Cartago
(Costa Rica). Foi ordenado Sacerdote
a 30 de Novembro de 1947. Recebeu a
Ordenação episcopal em 21 de Setembro de 1979.
Primeiro Bispo da Diocese de Guasdualito (Venezuela), o Rev.do Pe. Pablo Modesto González Pérez, S.D.B.,
até à presente data Director do Centro Agrícola Dom Bosco em El Molinete, na Arquidiocese de Maracaibo.
D. Pablo Modesto González Pérez,
nasceu no dia 30 de Junho de
1959 em San Antonio de los Altos (Venezuela). Recebeu a Ordenação sacerdotal a 26 de Julho de 1986.
S.D.B.,
A 5 de Dezembro
Núncio Apostólico na Roménia, D.
Miguel Maury Buendía, Arcebispo
Titular de Italica, até esta data Núncio Apostólico no Cazaquistão,
Quirguistão e Tajiquistão.
A 7 de Dezembro
Núncio Apostólico na Sérvia, D. Luciano Suriani, Arcebispo Titular de
Amiternum, até esta data Delegado
para as Representações Pontifícias.
Delegado para as Representações
Pontifícias, D. Jan Romeo Pawłowski, Arcebispo Titular de Sejny, até
agora Núncio Apostólico na República do Congo e no Gabão.
A 8 de Dezembro
No dia 4 de Dezembro
D. Ricardo Guízar Díaz, Arcebispo
Emérito de Tlalnepantla (México).
O saudoso Prelado nasceu na Cidade do México, a 26 de Fevereiro de
1933. Recebeu a Ordenação sacerdotal
no dia 26 de Outubro de 1958. Foi
ordenado Bispo em 30 de Maio de
1970.
No dia 5 de Dezembro
D. Luigi Conti, Núncio Apostólico.
O ilustre Prelado nasceu a 2 de
Março de 1929, em Ceprano (Itália).
Foi ordenado Sacerdote no dia 29 de
Setembro de 1954. Recebeu a Ordenação episcopal em 5 de Outubro de
1975.
Início de Missão
de Núncio Apostólico
D. Thomas Edward Gullickson, Arcebispo Titular de Bomarzo, na
Confederação Helvética (4 de Outubro); e no Principado de Liechtenstein (26 de Outubro).
Beatificados três sacerdotes mártires em Chimbote
Como missionários sabiam falar a língua da caridade
Provinham de países distantes do
Peru, falavam línguas diversas, mas
na realidade a sua língua era sobretudo a da caridade. Assim o cardeal
Angelo Amato, prefeito da Congregação para as causas dos santos, recordou os frades menores conventuais polacos Miguel Tomaszek e
Zbigniew Strzałkowski e o sacerdote
italiano Alessandro Dordi, beatificados em Chimbote, no dia 5 de Dezembro.
Presidindo à cerimónia em representação do Papa Francisco, o purpurado recordou que, depois de terem chegado ao Peru, os três mártires aprenderam a falar a língua local
para melhor desempenhar a actividade pastoral e caritativa no meio do
povo. Observou depois que a sua
pregação, o seu comportamento, o
seu apostolado e a sua aceitação do
martírio foram lições de caridade.
Certamente, acrescentou o prefeito,
«aprender e praticar a língua da caridade é difícil». E os três beatos
conseguiram-no porque com a sua
presença «acendiam na sua missão o
fogo da caridade evangélica, da ajuda aos necessitados, da defesa dos
pequeninos e dos débeis. Era este o
seu apostolado. Praticavam o bem
para contrastar o mal».
Depois, o cardeal frisou que durante o período do terror revolucionário, a partir de Maio de 1980 até
Novembro de 1992, «a ideologia da
morte perpetrou atentados sobretudo contra a Igreja e os sacerdotes,
incendiando, profanando, destruindo, caluniando e matando».
Para impedir este «assalto diabólico», o corajoso bispo de Chimbote,
D. Luis Armando Bambarén, com os
sacerdotes, os missionários e os leigos da diocese, deu início a uma
«intensa campanha de oração e de
difusão da mensagem evangélica a
favor da paz, da vida, da dignidade
da pessoa, da fraternidade e do perdão contra qualquer forma de ódio e
de violência». Em particular, vinte e
sete mil jovens construíram a Cruz
de la paz, «como símbolo de paz e
defesa da vida, demonstrando que a
religião cristã não adormece os po-
vos mas promove os seus autênticos
valores humanos, criando justiça e
harmonia social».
O purpurado observou que com
«o aumento da acção revolucionária,
a Igreja promoveu uma acção caritativa eficaz a favor de todos, sobretudo dos últimos e dos marginalizados. E no final o Evangelho triunfou». De facto, os próprios chefes
guerrilheiros «anos depois confessaram que tinham errado completamente. E a Igreja, mãe boa e misericordiosa, perdoou esses filhos transviados e arrependidos».
Para o arrependimento dos culpados, afirmou o purpurado, contribuiu sobretudo o martírio dos padres Miguel Tomaszek e Zbigniew
Strzałkowski e do sacerdote italiano
Alessandro Dordi. Os dois franciscanos foram assassinados a 9 de Agosto de 1991. Depois da missa, por volta das 20h, um grupo de terroristas
armados, com o rosto coberto, capturaram os dois presbíteros. Eles puseram-se a rezar, «meditando a palavra do Senhor sobre a semente de
trigo que, se não morrer, permanece
infecunda». Pouco depois foram assassinados.
O padre Alessandro sabia que o
assassínio dos dois missionários franciscanos polacos era o prelúdio ao
seu martírio. «Não obstante o perigo iminente — disse o cardeal — e a
exortação de amigos e sacerdotes a
afastar-se da paróquia», não quis
abandonar a cidade de Santa, na
qual trabalhava. Foi assassinado no
dia 25 de Agosto de 1991.
«O que nos dizem os mártires?»,
questionou-se o purpurado na conclusão, frisando que a sua herança
espiritual pode ser encerrada em
«três mensagens». A primeira é «da
fé», testemunhada pela «serenidade
de se abandonar nas mãos de Deus,
perseverando na missão apesar do
real perigo de morte». A segunda é
«da caridade», que viveram sobretudo ao lado das crianças, dos jovens,
dos necessitados e dos doentes. Por
fim, a terceira é «da fidelidade à vocação cristã e missionária».
L’OSSERVATORE ROMANO
página 16
quinta-feira 10 de Dezembro de 2015, número 50
«O bom samaritano»
pintura italiana do século XVIII (detalhe)
Na audiência geral o Pontífice falou sobre a misericórdia
Escolher o que mais
agrada a Deus
«Porquê um Jubileu da Misericórdia?». Procurou responder a esta pergunta a
reflexão proposta pelo Papa aos fiéis presentes na praça de São Pedro para a
audiência geral de quarta-feira 9 de Dezembro, no dia seguinte à abertura do
ano santo extraordinário.
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Ontem abri aqui na Basílica de São
Pedro a Porta Santa do Jubileu da
Misericórdia, depois de a ter já aberto na Catedral de Bangui, na África
Central. Hoje gostaria de meditar
convosco sobre o significado deste
Ano Santo, respondendo à pergunta: por que um Jubileu da Misericórdia? O que significa isto?
A Igreja tem necessidade deste
momento extraordinário. Não digo:
é bom para a Igreja este momento
extraordinário. Digo: a Igreja tem
necessidade deste momento extraordinário. Na nossa época de profundas mudanças, a Igreja é chamada a
oferecer a sua contribuição peculiar,
tornando visíveis os sinais da presença e da proximidade de Deus. E o
Jubileu é um tempo favorável para
todos nós a fim de que, contemplando a Misericórdia Divina que supera
todos os limites humanos e resplandece na obscuridade do pecado,
possamos tornar-nos testemunhas
mais convictas e eficazes.
Dirigir o olhar para Deus, Pai misericordioso, e para os irmãos necessitados de misericórdia, significa
prestar atenção ao conteúdo essencial
do Evangelho: Jesus, Misericórdia
que se fez carne, que torna visível
aos nossos olhos o grande mistério
do Amor trinitário de Deus. Celebrar um Jubileu da Misericórdia
equivale a pôr de novo no centro da
nossa vida pessoal e das nossas comunidades o específico da fé cristã,
ou seja Jesus Cristo, o Deus misericordioso.
Portanto, um Ano Santo para viver a misericórdia. Sim, caros irmãos
e irmãs, este Ano Santo é-nos oferecido para experimentar na nossa vida o toque dócil e suave do perdão
de Deus, a sua presença ao nosso lado e a sua proximidade sobretudo
nos momentos de maior privação.
Em síntese, este Jubileu é um momento privilegiado para que a Igreja
aprenda a escolher unicamente «o
que mais agrada a Deus». E, que
«mais agrada a Deus»? Perdoar os
seus filhos, ter misericórdia deles a
fim de que, por sua vez, também
eles possam perdoar os irmãos, resplandecendo como tochas da misericórdia de Deus no mundo. É isto
que mais agrada a Deus! Num livro
de teologia que tinha escrito acerca
de Adão, santo Ambrósio medita sobre a história da criação do mundo e
diz que cada dia, depois de ter criado algo — a lua, o sol ou os animais
— Deus diz: «E Deus viu que isto
era bom!». Mas quando criou o homem e a mulher, a Bíblia diz: «Viu
que era muito bom». E santo Ambrósio interroga-se: «Mas por que
motivo Deus diz que é “muito
bom”? Por que se sente Deus tão feliz depois da criação do homem e da
mulher?». Porque no final tinha alguém a quem perdoar. E isto é bonito: a alegria de Deus é perdoar, o
ser de Deus é a misericórdia. Por isso, neste ano devemos abrir o nosso
coração para que este amor, esta alegria de Deus, nos encha todos desta
misericórdia. O Jubileu será um
«tempo favorável» para a Igreja, se
aprendermos a escolher «o que mais
agrada a Deus», sem ceder à tentação de pensar que existe algo mais
importante ou prioritário. Nada é
mais importante do que escolher «o
que mais agrada a Deus», ou seja a
sua misericórdia, o seu amor, a sua
ternura, o seu abraço, as suas carícias!
Inclusive a necessária obra de renovação das instituições e das estruturas da Igreja é um meio que deve
levar-nos a fazer a experiência viva e
vivificante da misericórdia de Deus,
a única que pode garantir que a
Igreja seja aquela cidade posta sobre
um monte que não pode permanecer
escondida (cf. Mt 5, 14). Só resplandece uma Igreja misericordiosa! Se,
por um só momento, nos esquecêssemos de que a misericórdia é «o
que mais agrada a Deus», todos os
nossos esforços seriam vãos, porque
nos tornaríamos escravos das nossas
instituições e das nossas estruturas,
por mais renovadas que possam ser.
Mas seríamos sempre escravos!
«Sentirmos intensamente em nós
a alegria de ter sido reencontrados
por Jesus que veio, como Bom Pastor, à nossa procura, porque nos tínhamos extraviado» (Homilia nas
Primeiras Vésperas do Domingo da
Divina Misericórdia, 11 de Abril de
2015): eis a finalidade que a Igreja se
propõe neste Ano Santo. Assim fortaleceremos em nós a certeza de que
a misericórdia pode contribuir realmente para a edificação de um mundo mais humano. Especialmente
nesta nossa época, em que o perdão
é um hóspede raro nos âmbitos da
vida humana, a exortação à misericórdia faz-se mais urgente, e isto em
todos os lugares: na sociedade, nas
instituições, no trabalho e também
na família.
Sem dúvida, alguém poderia objectar: «Mas Padre, neste Ano a
Igreja não deveria fazer algo mais?
É bom contemplar a misericórdia de
Deus, mas há muitas necessidades
urgentes!». É verdade, há muito para fazer, e eu sou o primeiro que não
me canso de o recordar.
Mas é preciso ter em consideração que, na raiz do
esquecimento da misericórdia está sempre o amorpróprio. No mundo, ele assume a forma da busca exclusiva dos próprios interesses, de prazeres e honras unidas ao desejo de
acumular riquezas, enquanto na vida dos cristãos se disfarça muitas vezes de hipocrisia e mundanidade. Tudo isto é contrário à misericórdia. Os
impulsos do amor-próprio,
que tornam alheia a misericórdia no mundo, são
tantos e tão numerosos
que muitas vezes nem sequer somos capazes de os
reconhecer como limites e
como pecado. Eis porque
é necessário reconhecer
que somos pecadores, para
revigorar em nós a certeza
da misericórdia divina.
«Senhor, sou um pecador;
Senhor, sou uma pecadora: vem com a tua misericórdia!». É uma oração
muito bonita. É uma prece
fácil de recitar todos os dias: «Senhor, sou um pecador; Senhor, sou
uma pecadora: vem com a tua misericórdia!».
Queridos irmãos e irmãs, faço votos de que neste Ano Santo cada um
de nós viva a experiência da misericórdia de Deus, para ser testemunha
do que «mais agrada a Ele». É ingénuo crer que isto possa mudar o
mundo? Sim, humanamente falando
é uma loucura, mas «a loucura de
Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais
forte do que os homens» (1 Cor 1,
25).
«A Virgem Maria interceda por nós
para que este Ano Santo seja rico de
frutos copiosos», disse entre outras
coisas o Pontífice ao saudar os
peregrinos no final da audiência geral.
Queridos peregrinos de língua portuguesa, saúdo-vos cordialmente a
todos, nomeadamente aos membros
da «Obra dos Filhos da Ressurreição», com votos de que, neste Ano
Santo, possais fazer experiência da
misericórdia de Deus para serdes
testemunhas daquilo que mais lhe
agrada. Rezai também por mim!
Deus vos abençoe!
Dou cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua árabe, em particular aos provenientes do Médio
Oriente! Caros irmãos e irmãs, o Jubileu é um tempo favorável para vivermos todos a misericórdia, para
experimentarmos na nossa vida o
perdão de Deus e para perdoarmos
por nossa vez os irmãos, resplandecendo como tochas da misericórdia
divina no mundo. O Senhor vos
abençoe!
Ontem, Solenidade da Imaculada
Conceição, demos início ao Jubileu
da Misericórdia. A Virgem Maria interceda por nós para que este Ano
Santo seja rico de frutos copiosos e,
vivendo todos a experiência da solicitude de Deus por nós, guie o nosso agir segundo as obras de misericórdia corporais e espirituais, que
todos nós somos chamados a viver.
Dirijo uma saudação aos jovens,
aos enfermos e aos recém-casados.
Estimados jovens, a Mãe de Jesus
vos ensine a receber no vosso coração o nascimento do Salvador; vos
ajude, amados doentes, a confiar-vos
sempre aos braços da Providência
Divina; e vos conceda, prezados recém-casados, que façais da misericórdia o critério da vossa vida esponsal.