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DISPOSOFOBIA: A FUNÇÃO EXISTENCIAL DE ACUMULAR
Giselle Luciane de Almeida
Acadêmica de Psicologia
E-mail para contato: [email protected]
Msc. Heloísa Helena Silva de Pontes
Psicóloga - professora da Faculdade Cathedral
RESUMO
O presente artigo propõe discutir as causas que levam o indivíduo a acumular objetos,
disposofobia, ou seja, medo de jogar fora. O ato de comprar ou juntar objetos de forma compulsiva e
desordenada pode trazer riscos à vida do acumulador, uma vez que o ambiente em que vive torna-se
sujo, insalubre, intransitável e ainda há a possibilidade de desabamento, incêndio e proliferação de
pragas e doenças, gerando problemas de saúde pública. O objetivo deste artigo é elucidar a função
existencial de acumular. Os acumuladores compulsivos costumam desenvolver um vínculo afetivo
com seus objetos, como se estes fizessem parte deles, tornando o ato de se desfazer de suas coisas
uma tarefa muito difícil. A presente pesquisa foi desenvolvida a partir de livros, artigos científicos,
pesquisas na internet e programa de televisão, já que se trata de assunto ainda pouco abordado e
estudado no Brasil. Neste trabalho discutiremos as causas do acúmulo compulsivo, bem como seu
tratamento, através da aplicação de técnicas da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a
importância de acompanhamento psicológico.
Palavras-Chave: Disposofobia; Acumulação Compulsiva; Acumuladores; Compulsão; Obsessão;
Terapia Cognitivo-Comportamental.
ABSTRACT
This article aims to discuss causation that leads the individual to accumulate objects, exhibit
fearful behavior in disposing of items, or compulsive hoarding. The consumption of goods in a
compulsive and disordered manner can carry risks to a patient’s life, since the environment they live in
becomes dirty, unhealthy, impassable and there is also the possibility of collapse, fire, pest
proliferation and diseases, causing public health issues. The objective of this article is to elucidate the
existential function of accumulating goods. Compulsive hoarders often develop an emotional bond
with their objects, as if they were part of them, which makes the process of disposing such items a
very difficult task. Since the subject has not been extensively studied in Brazil, research was derived
from books, journal articles, internet research and television shows. In this paper we discuss the
causes of compulsive hoarding as well as its treatment, by applying techniques of CognitiveBehavioral Therapy (CBT) and the importance of psychological counseling.
Keywords: Disposophobia, Compulsive Hoarding; Hoarders; Compulsion; Obsession; CognitiveBehavioral Therapy.
INTRODUÇÃO
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Síndrome de Miséria Senil ou Síndrome de Diógenes são nomes que
designam a acumulação compulsiva ou disposofobia. Tal relação se dá por causa de
Diógenes de Sinope, filósofo grego que vivia como um mendigo, dormia num barril e
recolhia da rua inúmeros objetos sem valor. Essa perturbação interfere nas tarefas
mínimas diárias, como a alimentação do idoso, a maneira de ele se vestir e sua
higiene pessoal. Geralmente os pacientes vivem em condições anti-higiênicas, são
deprimidos, por vezes incapazes de cuidar de si próprios e acabam ficando doentes
(CUIDAMOS.COM, 2014).
As páginas que iniciam o livro Garbology: our dirty love affair with trash
descrevem com clareza a visão geral da casa de um acumulador compulsivo de
setenta de seis anos. Humes (2012) relata que havia vários destroços amontoados
por anos, até toda superfície da casa ser coberta por camadas de jornais velhos,
vasilhas de plástico vazias, pedaços de móveis quebrados, refrigeradores
desgastados, milhares de garrafas pet, latas de todos os tamanhos, roupas velhas e
novas, lâmpadas quebradas, e dentre outros objetos, até sacos de lixo cheios de
detritos da vida diária.
É comum ouvir falar de pessoas que acumulam desde objetos e animais até
lixo. Eles próprios têm vergonha dessa situação e os familiares não suportam viver
no ambiente. Por esse motivo, isolam-se, o que torna difícil ajudá-los. Tal problema
pode ocorrer em virtude de acúmulo de dívidas, acidente em casa, incêndio, queda,
sofrimento, depressão ou ansiedade muito grande (SILVA, 2013).
O presente artigo tem o intuito de fornecer informações sobre a
disposofobia: diagnóstico, aspectos psicológicos, tratamento e problemas acerca da
acumulação compulsiva.
DISPOSOFOBIA
Conforme a base de dados de neologismos da Universidade The Rice (2010),
o termo “disposofobia” significa acumulação compulsiva, ou seja, incapacidade de
livrar-se de qualquer coisa que se possui. Disposable, em inglês, significa descartar
e fobia significa medo. Portanto, a combinação destas palavras designa o medo de
se livrar das coisas.
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Colecionador de lixo é o apelido por vezes recebido pelo acumulador
compulsivo extremo, já que reúne artigos que causam mau cheiro, e estes atraem
insetos e roedores. Segundo o artigo de Cuidamos.com (2014), essa pessoa
também poderá juntar livros, revistas, ferramentas, recipientes, metais, móveis,
eletrodomésticos, entre outros materiais, correspondendo à imagem dos sem-abrigo
que juntam todo o tipo de velharias. De acordo Tolin et al. (2012), os acumuladores
têm muita dificuldade de avaliar o valor dos itens que possuem: a região do cérebro
associada com a monitoração de erros em condições duvidosas é ativada quando
acumuladores são perguntados sobre jogar fora seus objetos. Fazzio (2013) explica
que o entulho, na visão do acumulador, não é lixo, é a riqueza de sua vida.
A acumulação compulsiva é uma doença crônica e progressiva que
inicia cedo na vida. Se não for tratada, sua gravidade aumenta com a idade.
Infelizmente, o acúmulo compulsivo é reconhecido e tratado em adultos
idosos [...]. Embora os sintomas de acumulação compulsiva sejam
inicialmente relatados na meia-idade, as causas são consideradas na
infância ou na adolescência. Nenhum indivíduo relatou o início da
acumulação compulsiva tardiamente. A acumulação compulsiva torna-se
mais severa e aumenta a cada década de vida. (AYERS et al., 2010, p.1).
OBSESSÃO E COMPULSÃO
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, apego exagerado a um
sentimento ou a uma ideia desarrazoada ou motivação irresistível para realizar um
ato irracional conceituam obsessão, sinônimo de compulsão, a qual também pode
ser caracterizada como imposição interna irresistível que leva o indivíduo a realizar
determinado ato ou a comportar-se de determinada maneira.
Obsessões são ideias, pensamentos, fantasias ou imagens persistentes que
surgem de forma recorrente, invadindo a consciência e provocando sentimento de
angústia. A compulsão é caracterizada por comportamentos e rituais repetitivos,
ações em resposta aos pensamentos obsessivos. O indivíduo obsessivo-compulsivo
é submetido a pressões internas que o obrigam a praticar rituais compulsivos
(DALGALARRONDO, 2008).
Acumular objetos, para Modenese (2011), é um fenômeno complexo que
pode acontecer isoladamente. No entanto, pode ser associado a diversas condições
psiquiátricas, como o TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), embora seja mais
comum que o acúmulo esteja associado apenas às obsessões e compulsões.
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De acordo com Fazzio (2013), a acumulação compulsiva é um subtipo do
TOC que atinge 5% da população mundial.
DIAGNÓSTICO
Segundo Lima (2011), há uma linha tênue entre os estilos acumulador e
colecionador, pois o colecionador, embora compulsivo para adquirir itens
colecionáveis, tende à organização dos objetos, calcula espaço e valores. Os
acumuladores são incapazes de organizar seu espaço de convivência, pois
perderam o autocontrole para adquirir ou não se desfazer das coisas, que na
verdade são investimentos simbólicos alheios à consciência. “Prevalece o medo de
tomar a decisão errada e perder os referenciais, os itens materiais que marcaram a
experiência de viver [...] para estes pacientes, a escolha segura é postergar a
decisão, ou seja, amontoar”.(MODENESE, 2011, p.12)
Existem dados recentes sugerindo que a acumulação compulsiva seja um
problema independente. Há uma evidência recente de estudos fenomenológicos,
neurobiológicos e tratamentos epidemiológicos indicando que a acumulação
compulsiva é classificada de maneira mais coerente como um transtorno isolado e
com critérios próprios de diagnóstico.(PERTUSA, 2010).
O acúmulo compulsivo é caracterizado por (a) aquisição e
impossibilidade de descartar um grande número de coisas; (b)
desorganização que impede atividades para as quais o espaço foi
designado; e (c) aflição significativa ou prejuízo causado em função do
acúmulo.(TOLIN et al., 2010, p. 1).
ASPECTOS PSICOLÓGICOS E EMOCIONAIS
Para Modenese (2011), é mais comum que indivíduos obsessivo-compulsivos
que acumulam objetos tenham passado por traumas mais frequentemente que
pacientes sem disposofobia, pois situações estressantes levam a pessoa a perceber
o mundo como incontrolável e imprevisível, desencadeando constante busca de
segurança e controle sobre o ambiente através de uma relação patológica com
“coisas”.
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De acordo com Tolin et al. (2012), os acumuladores têm muita dificuldade de
avaliar o valor dos itens que possuem: a região do cérebro associada com a
monitoração de erros em condições duvidosas é ativada quando acumuladores são
perguntados sobre jogar fora seus objetos. Fazzio (2013) explica que o entulho, na
visão do acumulador, não é lixo, é a riqueza de sua vida.
Conforme reportagem do programa Repórter Record, são vários fatores que
levam o indivíduo a estocar objetos em casa, mas a verdadeira função existencial de
acumular está sempre contida no inconsciente do sujeito: o acumulador pode ter
sido vítima de bullying ou abuso na infância, ter enfrentado problemas de
relacionamento na infância, ter passado por grande dificuldade financeira ou luto. O
trauma que desencadeia a disposofobia faz que o indivíduo construa um muro
simbólico em torno de si próprio na esperança de sentir-se seguro. A pilha de
objetos a sua volta representa uma barreira simbólica, uma proteção contra o medo,
a insegurança, o desespero ou a saudade de alguém.
TRATAMENTO
Para o acumulador compulsivo, não existe nenhum erro ou problema com o
seu comportamento. Entretanto, esse sintoma é próprio da doença. O transtorno
mental do acúmulo compulsivo teve recente reconhecimento e as pesquisas sobre
tratamento estão só começando. Um dos métodos que têm tido êxito é a Terapia
Cognitivo-Comportamental,associada a uma medicação adequada (ZERO HORA,
2012).
Segundo Beck (2011, apud Beck,1964) a terapia cognitivo-comportamental é
um tratamento de curta duração direcionado para a solução de problemas atuais a
partir da mudança de pensamentos e comportamentos inadequados.
Conforme Atkinson et al. (2002), o estudo moderno da cognição preocupa-se
com processos mentais, como percepção, recordação, raciocínio, decisão e
resolução de problemas. [...] as informações são processadas de diversas formas:
são selecionadas, comparadas e combinadas com outras informações que já estão
na memória, transformadas, reorganizadas e assim por diante.
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De acordo com Beck (2011), o tratamento busca compreender cada paciente
segundo suas crenças e comportamentos, buscando a modificação do pensamento
afim de produzir mudanças emocionais e comportamentais duradouras.
Com o intuito de descobrir as raízes da ansiedade, a Terapia CognitivoComportamental se concentra em localizar as causas da acumulação compulsiva.
Assim, é possível mudar aos poucos a mentalidade da pessoa afetada. A
desvantagem desse método, e consequentemente, da escassez de tratamentos, é a
demora (meses até anos) e a exigência de grande dedicação ao processo de
recuperação. Apesar disso, a terapia permite que o acumulador compulsivo
readquira hábitos de vida normais (ZERO HORA, 2012).
Lima (2011) afirma que o psicólogo tem papel fundamental no tratamento, é
ele quem vai estabelecer um contato de confiança com o paciente e investigar as
causas de tal comportamento. O tratamento psicoterapêutico é associado a um
profissional expert em organização de ambientes. Os conhecimentos de psicologia e
experiência de sucesso com esses transtornos psíquicos fazem que o trabalho
terapêutico seja realizado a três: paciente, psicoterapeuta e organizador.
De acordo com o jornal Zero Hora (2012), terapia e medicamentos são
combinados no combate à doença.
Os produtos farmacêuticos utilizados no tratamento da acumulação
compulsiva são semelhantes aos que são administrados em pacientes que
sofrem de transtornos obsessivo-compulsivos, isto é, os inibidores
seletivos da recaptação de serotonina, além de outros antidepressivos.
(ZERO HORA, 2012).
Para o programa de televisão Repórter Record, que abordou o tema
acumuladores compulsivos, medidas drásticas desequilibram emocionalmente um
indivíduo que passou anos comprando e/ou acumulando coisas. Há indícios de que
exista um vínculo de afeto com os objetos coletados. O acumulador sente-se
inseguro para jogar fora seus pertences, como se estes fizessem parte dele próprio.
Quando psicólogos intervêm na reorganização dos cômodos da casa, há muita
resistência por parte do acumulador, porém, o profissional deixa bem claro que a
decisão de jogar não deve ser tomada por nenhum familiar, mas pelo próprio
acumulador.
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PROBLEMAS ACERCA DA ACUMULAÇÃO
Segundo Lima (2011), a acumulação compulsiva provoca separação conjugal,
perda da guarda dos filhos menores, afastamento dos familiares e revolta nos
vizinhos. Uma grande pesquisa entre familiares indicou que o convívio com
acumuladores durante a infância estava associado a relatos de angústia e elevada
tensão familiar.(TOLIN et al., 2010).
Baseado em grande número de evidências, o acúmulo compulsivo se tornou
um problema de saúde pública, pois a desordem dos objetos acumulados aumenta o
risco de incêndio, desabamento, insalubridade e de doenças (TOLIN et al., 2010).
Para Tolin et al. (2010), resultados de uma pesquisa apontam que 8% dos
entrevistados que se consideraram indivíduos acumuladores compulsivos relataram
que foram despejados ou ameaçados de despejo em função doacúmulo e 0,1%
relatou ter um filho ou idoso removido da casa pelo mesmo motivo.
Outro dado informado pelo programa televisivo Repórter Record é que
geralmente o acúmulo é tão intenso que chega a ocupar todos os cômodos da casa.
Gradativamente estes vão deixando de ter a função para a qual foram designados e
a casa deixa de ter espaço horizontal. Em meio a tantas coisas, grandes pilhas de
objetos amontoados vão se formando, o que faz que o lugar torne-se sujo, insalubre,
intransitável e perigoso.
MATERIAL E MÉTODO
A presente pesquisa é de cunho bibliográfico, sendo desenvolvida com base
em materiais prontos, como livros, dicionário, vídeos publicados na internet,
predominando artigos científicos publicados em jornal e revista especializados na
área da saúde, com o intuito agregar as informações já publicadas no que se refere
aos principais aspectos psicossociais dos acumuladores compulsivos, suas famílias,
seus amigos e vizinhos.
Como os temas disposofobia e acumuladores compulsivos ainda são novos
no Brasil, a metodologia utilizada foi a busca de conteúdo em material impresso e
digital, a utilização de pesquisa já realizada, a junção de teorias e conceitos.
DISCUSSÃO
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Como são objetivos deste artigo definir o que é acumulação compulsiva e
discutir as causas que levam o indivíduo a comprar e amontoar, bem como elucidar
a função existencial de acumular objetos, comecemos pelo aspecto cerebral:
pesquisas recentes sugerem que acumuladores têm padrões únicos de atividade
cerebral quando se trata de tomada de decisão acerca de suas posses, comparados
com não acumuladores. E apesar de a acumulação ser vista tradicionalmente como
um sintoma de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), a atividade cerebral dessas
pessoas também difere da atividade cerebral do TOC típico (SCIENTIFIC, 2012).
Apesar de Modenese (2011) associar a acumulação compulsiva ao TOC e
Fazzio (2013) agrupá-la como um subtipo do mesmo transtorno, ambos citados
neste artigo, o estudo científico Neural Mechanisms of Decision Making in Hoarding
Disorder, que possui síntese traduzida para o português no site Scientific (2012),
afirma que a síndrome deve ser entendida como específica, isto é, não entra na
definição padrão de TOC – apenas 18% das pessoas com sintomas de acumulação
se encaixam em todos os critérios definidores de TOC hoje.
O programa Freud Explica, exibido no YouTube, mostra que o processo de
descartar é moroso, pois cada objeto deve ser cuidadosamente avaliado pelo
acumulador e só ele poderá decidir o que será ou não descartado. Frequentemente
os familiares e o próprio paciente não conseguem acreditar no êxito do tratamento,
pois já tentaram inúmeras vezes, sem sucesso. Por isso, a importância de o
psicólogo trabalhar a autoconfiança do indivíduo que está sendo submetido a um
processo extremamente doloroso, que requer muita atenção e cuidado. É importante
também que o profissional conscientize os familiares a não causarem mais tensão,
já que se trata de um procedimento muito estressante.
A doença da acumulação compulsiva é uma perturbação que não nasce com
a pessoa, mas podem existir traços de personalidade que conduzem ao seu
aparecimento. Essa perturbação é definida por três características principais: a
coleção obsessiva de bens ou objetos que parecem inúteis para a maioria das
pessoas, a incapacidade de se livrar de qualquer objeto ou bem recolhido e um
estado de aflição ou de perigo permanente (CUIDAMOS.COM, 2014).
É importante diferenciar um acumulador de um colecionador. Silva (2013),
explica que colecionar é, a princípio, um hobby, não é patológico. A pessoa adquire
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objetos com aspectos em comum. A partir do momento em que eles passam a
assumir quantidade exagerada, a ocupar muito espaço e a pessoa sofre para se
desfazer desses itens, ela pode se tornar acumulador compulsivo. A profissional
afirma que um comprador compulsivo pode também se tornar um acumulador, mas,
a princípio, o foco é a aquisição do objeto. São sintomas muito próximos.
Segundo Silva (2013), não se pode deixar de abordar a acumulação de
compras, ou compradores compulsivos, as pessoas que saem às ruas e compram
sem controle. Este tipo de acumulador, segundo a psicopedagoga e terapeuta
Fazzio (2013), dá preferência a brechós e lojas com preços baixos, com a intenção
de poder comprar mais. Compram impulsivamente, sem pensar na utilidade ou não
do item e dificilmente o usam, deixando-o guardado na própria embalagem ou dentro
da sacola. Pensam que um dia precisarão do produto, por isso nunca se desfazem
dele. Nas lojas, cedem facilmente ao apelo do vendedor, principalmente se estão
dominados por sentimentos negativos, entristecidos, com baixa autoestima e
dificuldades de relacionamento. Esse descontrole acarreta um prejuízo financeiro
que, muitas vezes, pode afetar seu relacionamento afetivo e social.
Os acumuladores compulsivos geralmente são idosos ou pacientes com
transtorno de ansiedade. Normalmente os objetos são encontrados no lixo,
aleatórios. O doente os vê como necessários para o futuro ou com valor monetário
futuro elevado. São incapazes de jogar no lixo qualquer tipo de coisa mesmo que já
não possua utilidade ou seja perigosa. O acumulador é mais propenso a adquirir
outras doenças psiquiátricas ou infecções (ZANIN, 2014).
O jornal Zero Hora (2012) corrobora a distinção entre o hobby e a doença:
uma sala cheia de livros não indica compulsão; a patologia vem à tona quando juntar
vira obsessão e interfere na rotina e nas relações familiares. Um colecionador, ao
contrário do acumulador, tem orgulho de mostrar sua coleção. Quem tem o
transtorno costuma esconder o problema.
A limpeza do local é uma solução de curto prazo, porque só resolve o lixo
daquele momento. Em poucas semanas o acumulador compulsivo terá recolhido
novos lixos e deixado de jogar fora outros, voltando a viver em meio à sujeira
(FAZZIO, 2013). Caso se tente fazer uma limpeza geral na casa de um acumulador
compulsivo, ele ficará com uma sensação de vazio e perda muito grande. Sua
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reação pode fazer que recolha tudo de novo e em maiores quantidades
(CUIDAMOS.COM, 2014).
Alguns sinais ajudam a identificar um acumulador compulsivo, são eles:
recolher bens e objetos que a maioria das pessoas joga fora; viver em condições
insalubres e sem organização e não permitir que alguém arrume ou limpe sem
sua supervisão; ser incapaz de usar as divisões da casa para a real finalidade
(cozinha para cozinhar, banheiro para tomar banho, quarto para dormir); ter
muitos animais de estimação e não cuidar deles da melhor maneira — transtorno
chamado de animal hoarding; acumular sucatas ou lixo (como embalagens) e
amontoá-los em pilhas; negar que seja um exagero o vício de acumular; ter
vergonha do hábito, mas mesmo assim não conseguir controlar o impulso (ZERO
HORA, 2012).
Assim como a maioria dos comportamentos obsessivos, a acumulação
compulsiva começa de forma lenta e progride rapidamente. A título de exemplo, a
pessoa pensa que uma informação que sai no jornal de hoje pode ser útil no futuro,
por isso, vê-se obrigada a guardar o jornal. Posteriormente, pode considerar que,
acidentalmente, colocou algo de valioso no lixo e mantém esse saco de lixo em casa.
A partir daí, passa a guardar tudo (objetos ou animais) que encontra na rua, de modo
a minimizar seus problemas de ansiedade (CUIDAMOS.COM, 2014).
Este tipo de acumulação também pode indicar um enorme sentido de
responsabilidade ou medo de errar, pois é uma forma de as pessoas se
autopressionarem para fazerem tudo bem feito (CUIDAMOS.COM, 2014). O estudo
sintetizado por Tolin et al. (2012) mostra que até para se desfazer de itens que não
são seus o acumulador compulsivo sofre: os níveis de atividade no córtex cingulado
anterior são incomuns, mas nesse caso muito abaixo do normal.
Para tratar da disposofobia, o acumulador deve procurar um psiquiatra. Silva
(2013) orienta que, caso ele não tenha plano de saúde ou condições de arcar com o
tratamento, ele deve procurar um ambulatório na cidade ou centros de atendimento
psiquiátricos gratuitos que oferecem esse atendimento.
CONCLUSÃO
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O acumulador compulsivo sente muita tristeza ao tentar se desfazer de itens
que para ele podem ser úteis no futuro, por isso é preciso paciência ao lidar com a
pessoa doente. A tristeza e a ansiedade em se tratando da decisão do destino de
itens são maiores do que em outras pessoas. Isso explica a necessidade de um
profissional especializado para tratar as raízes do problema, até porque os familiares e
amigos desistem de tentar ajudar o acumulador compulsivo.
É salutar frisar o nível de medo de perder do acumulador, o qual chega a não
conseguir se desfazer de itens que não lhe pertencem.
É de suma importância ficar atento para a questão da compra compulsiva não
se transformar em acúmulo compulsivo, pois esta obsessão não acontece somente
com itens usados ou lixo. Da mesma forma, familiares e amigos devem, ao notar
sinais de acúmulo compulsivo, tentar levar o acumulador compulsivo a buscar ajuda
com um profissional especializado, visto que há tratamento e é demorado. Ou seja,
quanto antes as causas da acumulação forem identificadas e devidamente tratadas,
mais chances o doente tem de viver normalmente.
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