PRÉ-RENASCENÇA A transição gradativa da pintura gótica para a
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PRÉ-RENASCENÇA A transição gradativa da pintura gótica para a
PRÉ-RENASCENÇA A transição gradativa da pintura gótica para a renascentista poderá ser apreciada nas obras dos italianos Duccio (?1260-?1319); Cimabue (1240-1302) e seu notável aluno Giottó:(12661337); Fra Angelico (1387-1455); Masaccio (1401-1428); Pisanello (?1395-?1455) e outros contemporâneos. Tais pinturas revelam a progressiva libertação do convencionalismo e rigidez da arte medieval e, em especial, do estilo bizantino. Evoluem para um naturalismo, de início bastante realista, no que diz respeito à ênfase na representação dos menores detalhes, pela influência das iluminuras. É essencial registrar ainda que, no condado de Flandres, abrangendo Bélgica e a Holanda sobressaíram-se os irmãos fIamengos Hubert e Jan Van Eyck (1390 -1441), aos quais é atribuída a descoberta da pintura a óleo que abriria um novo caminho para a arte pictórica. Essa transição do estilo gótico para o renascentista é chamada Pré-Renascença e ocorreu de modo marcante na primeira metade do século XV. A literatura, por sua vez, anunciou triunfalmente a Pré-Renascença com Dante Alighieri, nascido no século XIII, em Florença - centro literário e artístico, por mais de dois séculos comparável, em esplendor cultural, à Atenas da época de Péricles. Dante morreu no século XIV e é considerado um elemento de transição, um autêntico precursor do Renascimento. Escreveu a célebre Comédia, mais conhecida como Divina Comédia, uma viagem de sonho através do Inferno, do Purgatório e do Paraíso. MÚSICA NA FASE GÓTICA A música transcendente e severa de Leonin e Perotin fora criada para soar na majestosa catedral gótica de Notre-Dame de Paris, cuja construção se iniciou em 1163. A partir do século XII, o mensuralismo musical se desenvolveu, sob a influência da música trovadoresca, infiltrando-se inclusive nos organa a duas, três e quatro vozes de Leonin e Perotin. Assim abalou o primado do canto gregoriano, sempre plano e com ritmo amétrico. Um interessante exemplo de tal fato é a claúsula do organum, que constitui um trecho polifônico musical geralmente construído sobre uma palavra do cantochão longamente entoada no tenor, enquanto a voz superior tece melismas sobre cada sílaba do mesmo vocábulo. Ex.: Clausula sobre a palavra domino. Na clausula ocorre, dentro de um determinado modo rítmico escolhido, a fragmentação métrica de todas as vozes, incluindo o tenor que entoa o cantus firmus. A clausula posteriormente dará origem à forma poético-musical moteto, ao ser cantada separadamente, como peça independente e ao receber textos novos acrescentados, de livre invenção, na segunda voz que tomará, por isto, o nome de motetus (= palavrinha) e na terceira, quando houver, por sua vez denominada triplum. 1 2 O cantus firmus do moteto é o mesmo da clausula original: religioso e em latim - pedaço de cantochão também fragmentado ritmicamente. Outra forma importante de canção erudita, polifônica e latina, dos séculos XII e XIII, foi o conductus – palavra ligada ao sentido de "conduzir" no contexto de procissão. O conductus geralmente se difere do moteto, sob vários aspectos, inclusive por estar subordinado à poesia de versos medidos. Nele, o cantus firmus, construído no tenor, nem sempre vem do cantochão, mas pode ser de livre invenção. O conductus apresenta texto único para todas as vozes; é geralmente estrófico e, de preferência, silábico (uma sílaba para cada nota), embora haja também melismas. A forma musical espelha a estrutura poética. Assim, a música pretende seguir a métrica dos versos: para cada estrofe permanece a mesma música e, por isto, o conductus se divide em partes ou secções de divisão idêntica para todas as vozes. O moteto ultrapassará em sobrevivência o conductus, com muitas transformações ao longo dos séculos, até a Renascença. A palavra moteto procede de mot, vocábulo francês. Na forma moteto, as vozes tendem a apresentar, cada mais entre si, uma curiosa independência rítmica, melódica e também no que dizia respeito ao texto. Assim, por sua assimetria, não era divisível, como o conductus, em secções regulares e iguais. Vários teóricos escreveram sobre a música durante o período medieval. Merece especial destaque o teórico Franco de Colônia, autor de Ars Cantus Mensurabilis, obra escrita por volta de 1280 e que abriu um campo fecundo para a notação musical, ampliando a liberdade rítmica. A partir do século XIV, afirmaram-se os valores menores (semínima, croma e fuza), completando os maiores já usados no século anterior (longas, breves, semibreves e mínimas). Na música, multiplicaram-se então as descobertas e conquistas técnicas. O enfraquecimento do espírito teocêntrico da Idade Média se revelou na música e, de modo especial, no chamado Moteto Gótico de século XIII. Nessa forma a três vozes, derivada posteriormente da primeira fase do moteto, os temas profanos e sacros se misturavam na mesma obra musical, onde eram usados dois ou três textos diferentes, por vezes em idiomas diversos, simultaneamente. No Moteto Gótico, o cantus firmus apresentava-se no tenor, com texto religioso a ser cantado em latim ou executado instrumentalmente, e as outras vozes eram construídas acima dele, geralmente em francês, com letra profana e específica para cada uma. Ocorria, portanto, a síntese do religioso com o profano e a politextualidade em idiomas diversos. 3 4 ARS NOVA Em 1328 iniciou-se a Guerra dos Cem Anos entre a Inglaterra e a França. Os franceses sofreram sérias perdas territoriais, situação que se agravou com outros levantes políticos internos, problemas religiosos e ainda com a peste bubônica que dizimava a população da Europa. . Apesar desse panorama conturbado, angustiante e inquieto, a arte se desenvolveu graças à liderança de príncipes e papas que, na França, e especificamente, em Avignon, organizaram, em torno de si, ambientes de estímulo à cultura e à criatividade artística. Os artistas saíram então do anonimato, comum nas épocas anteriores. A sua individualidade passou a ser valorizada e eles se entregaram aos vôos da fantasia que deixaram seus resultados numa arte revolucionária. Nesse momento sócio-cultural, afirmou-se também a fase do gótico "flamejante" em que ocorreu a abundância de ornamentos e detalhes no corpo da arquitetura, enquanto a escultura se revelava em formas novas, resultantes de uma imaginação mais solta. No âmbito musical, o século XIV foi marcado pelo tratado Ars Nova Musicae, de Filipe de Vitry, Bispo de Meaux, cujo aparecimento é inserido entre 1320 e 1325. A obra deu nome a uma época em que o estilo polifônico adquiriu, por sua vez, grande desenvoltura e em que se delinearam amplas perspectivas de progresso estético nos campos rítmico, melódico e formal. O período foi chamado Ars Nova, o que gerou, em contraposição, a denominação de Ars Antiqua para a fase a ele anterior. A Ars Nova afirmou-se na França, influenciou outros centros culturais e estendeu-se por todo século XIV até, aproximadamente, meados do século XV. Correspondeu ao início da PréRenascença na arte em geral, quando ocorreu a transição do espírito teocêntrico da Idade Média para o humanista do Renascimento, revelada na linguagem artística através das transformações estilísticas. Outros teóricos, como Jean de Grocheo e Jean de Muris, juntamente com Filipe de Vitry, atuaram em prol do movimento da Ars Nova, enquanto outros teóricos conservadores, adeptos da tradição musical da Ars Antiqua, faziam oposição aos novos princípios revolucionários. Na época em que Filipe de Vitry divulgou o seu tratado Ars Nova Musicae, o Papa João XXII publicou uma bula condenando os excessos profanos na música polifônica sacra, tais como: uso crescente de notas curtas, mutilação do cantochão nos tenores, pluralidade de textos e idiomas nas peças, dentre outros. O protesto da Igreja tornou-se, no entanto, um estimulo à produção de música profana, onde passaram a ser utilizadas, com liberdade, até às últimas conseqüências, os procedimentos que, por seu caráter mundano, eram censurados na música religiosa. 5 Os compositores mais conhecidos do século XIV são: a) Francesco Landino (1325-1397), poeta e músico em Florença, hábil instrumentista improvisador ao organetto (órgão portátil), cujas peças revelam graciosidade da melodia vocal e suavidade das harmonias. Escreveu cerca de noventa baladas a duas vozes e cinqüenta, a três vozes; madrigais e caccie (de caccia ou caça - isto é, referente à forma que explorava a imitação das vozes em cânon). O mais antigo compositor de madrigais na Itália foi Pietro Casella, cujas obras se perderam. A palavra madrigal é um vocábulo traduzido do original italiano matricale que significa "canto em língua materna". Contrastava com grande número de composições artificiais de origem francesa da época, por sua maior simplicidade, espontaneidade e clareza. Esta forma era escrita, com freqüência, para duas vozes, que cantavam os mesmos textos, em estrofes, de caráter idílico; pastoral ou satírico, com um ritornello (retorno, volta). Ou ainda, a três vozes, sendo a voz superior (superius) mais florida e graciosamente destacada, enquanto as outras duas - tenor e contratenor. - engendravam um acompanhamento vocal ou instrumental. Os textos eram de poetas famosos como Dante, Petrarca, Boccacio ou de autores de importância menor; b) Guillaume de Machault (1300 - 1377), o mais notável mestre da Ars Nova francesa, afirmou-se como o primeiro compositor a criar uma Missa completa, a quatro vozes, no estilo polifônico. Ela foi destinada à coroação do Rei Carlos V e é considerada a obra musical mais importante do século XIV. A obra de Machault foi progressista, ampla e diversificada. Era poeta e compositor. Escreveu um grande número de peças religiosas e profanas, como baladas, virelais, motetos e outras, geralmente polifônicas, usando também o tenor instrumental. Usou, alternadamente, com desenvoltura, a estrutura isorrítmica, a imitação canônica e o hoquetus ou hocket - um efeito sonoro, obtido com as vozes mediante um jogo alternado de pausas e notas, à maneira de um "soluço". A Ars Nova francesa usava, portanto, uma técnica contrapontística complexa e requintada, baseada na isorritmia (iso = igual) - técnica de organização da estrutura rítmica - através do emprego de taleas (segmentos rítmicos), que se repetiam em cada voz, sem, no entanto, limitar a ampla liberdade de invenção do compositor. As taleas davam unidade formal à peça musical, cujas linhas melódicas eram assimétricas e angulares, criando uma atmosfera tipicamente dissonante. No final do século XIV, especialmente na corte papal de Avignon, no âmbito de urna brilhante sociedade cavalheiresca, a Ars Nova francesa teve o seu apogeu em formas como virelais, ballades e rondeaux para voz solista com partes instrumentais de tenor e contratenor que lhe serviam de apoio. Era uma arte aristocrática, de complexa flexibilidade rítmica e que usava as alterações cromáticas, mediante uso de "acidentes", de uma forma muito própria. Ao seu estilo musical correspondia uma curiosa aparência visual constatável nas páginas dos manuscritos, com fantasiosas decorações em notas pretas e vermelhas, notação musical plena de engenhosas complexidades, como, por exemplo, escrever uma canção de amor em forma de coração ou um cânon em forma de círculo. 6 Exemplos interessantes de sofisticação de forma e de escrita musical são: Belle Bonne, o belo coração musical, de Baude Cordier, constante do Códice de Chantilly, de 1400, e o rondeau, de Guillaume de Machault, intitulado: Ma fin est mon commencement (Meu fim é meu começo) cânone em que uma das vozes imita a outra por movimento retrógrado (do fim para o início), soando simultaneamente. Determinadas peças da Ars Nova francesa ao serem hoje executadas lembram, em vários aspectos, algumas obras do século XX. A Ars Nova italiana foi, sem dúvida, menos sofisticada e erudita, mais lírica, espontânea e simples. O amor era o tema central. No final do século XIV sofreu influências da arte francesa. Os principais centros da Itália, no século XIV, foram: Bologna, Pádua, Modena, Perugia e principalmente, Florença, que se destacou com excepcional brilho desde o século XIV até o século XVI. Um procedimento contrapontístico, que se tornou muito comum nas várias formas de música daquele tempo, foi o cânon, também chamado round. Consistia na imitação de uma mesma melodia por outra ou mais vozes - que poderiam ser substituídas por instrumentos -, cada uma se iniciando num determinado momento e todas soando juntas, criando polifonia. O mais antigo surgiu na Inglaterra, com a denominação Summer Is lcumen ln ou Cânon de Verão. As formas de música profana, mais usadas no século XIV, foram: virelais e rondeaux franceses; balada (herança dos troveiros), caccia, frottola e villanela italianas; villancico espanhol e outras. Concluindo, observamos que a música e a poesia caminharam juntas nos séculos XIII e XIV, engendrando as formas poético-musicais, por vezes entrelaçadas também ao teatro e à dança. Tudo isto ocorria numa atmosfera ambiental típica do momento histórico, também marcada pela arquitetura e escultura góticas. Finalmente, constatamos que a angularidade, a crescente complexidade rítmica, melódica e formal, bem como o próprio cruzamento de linhas vocais na música polifônica - observáveis desde o século XIII - podem ser também relacionados às ogivas e ao trançar dinâmico dos arcos nas abóbadas das catedrais do tempo. PRÉ-RENASCENÇA MUSICAL Ocorreu uma interinfIuência das formas e procedimentos composicionais, oriundos de vários países, cujos mestres valorizavam ora determinados elementos musicais, ora outros, criando historicamente, na primeira metade do século XIV, uma música de transição ao Renascimento. Essa música se corporificou, em contínua transformação, elaborando a tradição da Ars Antiqua e a herança musical da Ars Nova, com novos elementos que prenunciavam radicais mudanças, através do contínuo e difundido desenvolvimento dos procedimentos contrapontísticos. 7 A técnica do contraponto empenhava-se, cada vez com maior complexidade, na construção musical polifônica, isto é, a três ou mais vozes, independentes e simultâneas, concebidas como linhas melódicas ou horizontalidades superpostas, que, no entanto, também geravam, conforme o caso, num novo ângulo de percepção, uma sucessão de blocos sonoros mais ou menos compactos, no sentido vertical - os acordes. Dentre os compositores que representaram, no século XV, a transição da música gótica para uma música de características novas - a renascentista - citamos: a) Guillaume Dufay (1400-1474) e GilIes Binchóis (1400-1460), contemporâneos dos pintores flamengos Jan Van Eyck e Rogier Van der Weiden. Dufay e Binchois atuaram no Ducado de Borgonha, que atingiu seu esplendor sob o poder do duque Carlos, o Temerário (1467-77), tendo decaído após sua morte. Esses dois compositores representam a primeira fase da escola denominada neerlandesa, atualmente dividida pelos historiadores em borgonhesa, fIamenga e franco-flamenga. Dentre estas, a primeira a se afirmar foi a borgonhesa e, a seguir, a flamenga. Tais escolas surgiram, durante o século XV, na região de Borgonha e Países Baixos – que compreendia parte da França, Bélgica e Holanda, - com expressiva e original contribuição artística, no âmbito da linguagem contrapontística. Posteriormente, numa nova fase, já no Renascimento, destacou-se a franco-flamenga - representando a síntese das contribuições das escolas borgonhesa e fIamenga -, cujos compositores, deslocando-se para outros países, influenciaram toda a Europa; b) John Dunstable (1370-1453) e Lionel Power (?-1445) - Inglaterra. A tradição musical inglesa, desde, o século XIII, manifestou apreço pelo uso esporádico de seqüências em terças paralelas: gymell. Posteriormente, foi registrado o emprego do falsobordão – série de acordes de terças e sextas, intervalos considerados desde Pitágoras, como consonâncias imperfeitas. Tais procedimentos eram inovadores se os confrontarmos com aqueles utilizados na famosa música de Leonin e Perotin, em cujos organa predominavam as quartas, quintas e oitavas vazias, chamadas pelos pitagóricos de sinfonias ou consonâncias perfeitas. Nas peças francesas dos séculos XIII e XIV, as quintas, quartas e oitavas continuaram a predominar nos tempos e partes de apoio dos ritmos. As composições de John Dunstable e Lionel Power, embora apresentassem também procedimentos advindos de influência musical da Ars Nova, em voga no continente, denotavam uma tendência própria específica: a sensibilidade predisposta ao uso freqüente de acordes perfeitos, tanto no estado fundamental (terças e quintas) como a primeira inversão (terças e sextas), o que criava uma harmonia de sons em atmosfera muito própria, bem mais doce e menos dissonante que aquela presente na música francesa da Ars Nova, impregnada de "uma certa dureza viril", na expressão de Bruno Kiefer. Em determinadas peças dos compositores ingleses, o cantus firmus era colocado na voz superior, com coloraturas (notas ornamentais) e por vezes, na voz intermediária. A contribuição dos citados autores, como elementos de transição, para a formação dos estilos musicais típicos da época renascentista, foi fundamental. 8