Modelo de Tese
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Modelo de Tese
Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 A COMPETÊNCIA LEITORA EM FOCO: ANÁLISE DE TEXTOS SOB A PERSPECTIVA SEMIÓTICA E PRAGMÁTICO-DISCURSIVA1 Reading ability: analysis of texts under the semiotic, pragmatics and discourse analysis perspectives Vanessa Wendhausen LIMA2 Perpétua Guimarães PRUDÊNCIO3 RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar os resultados de uma pesquisa realizada no Programa de Iniciação Científica da Universidade do Sul de Santa Catarina. A pesquisa foi direcionada e aplicada entre os acadêmicos dos cursos de Letras e Comunicação Social dessa Instituição. Este trabalho teve como fundamentação básica as teorias semiótica, discursiva e pragmática. A análise do corpus demonstrou que o nível de competência de leitura analítica entre os universitários pesquisados está muito aquém do desejável. Isso só vem mostrar a necessidade de investimentos em projetos de leitura dentro da Instituição. Palavras-chave: Discurso. Análise do Discurso. Anúncio Publicitário. ABSTRACT The aim of this paper is to present the research’s results accomplished among the Letters, Journalism and Publicity students of Unisul. This paper is based on Semiotic, Pragmatic and Discourse Analysis theories. The corpus analysis explains that the reader's ability among these students is far from would be desirable. The paper will just show the need for investments in reading projects in this Institution. Key words: Text. Discourse. Discourse Analysis. Advertisement. INTRODUÇÃO Reconhecer que os estudantes têm dificuldade em leitura é algo recorrente nas escolas. De outro lado, o que parece mais comum é o professor acreditar que a atividade de leitura pressupõe textos linguísticos ou verbais – de preferência literários ou mesmo aqueles voltados às disciplinas que fazem parte da grade curricular. Isso se dá talvez porque na escola tem-se priorizado o signo linguístico em detrimento de todos os outros signos de que o homem tem-se utilizado também, desde os tempos mais remotos, tanto para interagir com o outro quanto para persuadir. 1 2 3 Este estudo, que entrecruza pressupostos da teoria Semiótica e da teoria do Discurso propõe-se como capaz de contemplar uma prática de leitura semiótico-discursiva em textos publicitários de revistas de circulação nacional, endereçando-se especialmente aos acadêmicos dos cursos de Letras e Comunicação Social, visto que estes profissionais são mais cobrados quanto à leitura e escrita de textos. A propósito, convém salientar que o universo semiótico-discursivo da publicidade ultrapassa a simples apresentação de um produto a um suposto consumidor. Não é difícil constatar que a publicidade, visando à ampliação da própria capacidade de influência e Trabalho apresentado no IV Congresso Internacional das Linguagens – URI/Erechim/RS, maio/2010. Doutoranda em Ciências da Linguagem. Unisul – Tubarão. [email protected] Mestre em Ciências da Linguagem. Unisul – Tubarão. [email protected] Vivências. Vol.6, N.9: p.25-34, Maio/2010 25 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 doutrinação, tem-se valido da fragilidade das instituições sociais tradicionalmente constituídas – tais como a família, os sistemas educacionais, a religião. É fato que o recurso persuasivo publicitário tem a capacidade de influenciar comportamentos, atitudes, normas, valores, enfim impregna ideologias – isso tanto em crianças, como em jovens e também nos adultos. Daí dizer-se que o processo enunciativo de textos dessa natureza, além de se envolver elementos linguísticos, envolve também elementos extralinguísticos, o que sugere pensar que o discurso constrói-se a partir do processo dinâmico de realização de um enunciado que é um “fenômeno complexo polimorfo”. (BAKHTIN, 1992, p. 318). 1. A LINGUAGEM Vem de Aristóteles, a definição clássica do homem como ser vivo que possui logos: o homem é o animal racional, aquele que se distingue dos outros animais pela capacidade de pensar. A palavra grega lógos foi traduzida no sentido de razão ou pensar. Na verdade, a palavra também significa linguagem. Podemos dizer, então, que “o homem faz-se na linguagem que o faz”. (Morin, 2003, p. 37). É provável que a linguagem seja o que há de mais notável no mundo. Entretanto, sabemos, também, que através da linguagem é que o homem se une ao mundo e vice-versa. Apenas por e a partir dessa união, entre um e outro, é que a linguagem abre as portas do mundo ou as fecha, permite a comunicação, gera, mantém ou interrompe relações sociais, possibilita o pensamento abstrato e a formação de conceitos. “Sem linguagem, não há acesso à realidade; não há pensamento” (ARAÚJO, 2004). Mas como surgiu a linguagem? Diversas são as teorias que tentam responder tal questão, no entanto, Chauí (1997), elenca quatro possibilidades: 1) nasce por imitação; 2) a linguagem nasce por imitação dos gestos, que gradualmente passaram a ser acompanhados de sons e estes se tornaram palavras; 3) nasce da necessidade, como a fome, o frio, o abrigo; 4) a linguagem nasce das emoções, particularmente do grito, do choro, da dor. Para chegar a um conceito de linguagem, Chauí (1997) une essas Lima,V.W.; Prudêncio, P.G. possibilidades numa só ao definir linguagem como: “um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação entre as pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos” (p. 141). Dessa maneira, a linguagem humana tem sido concebida sob diversas formas, que segundo Koch (1992) podem ser vistas como: representação do mundo e do pensamento; instrumento de comunicação e forma de ação ou interação. Segundo Perfeito (2006), a concepção de linguagem como expressão de pensamento defende que a expressão é produzida no interior da mente dos indivíduos e que se o homem for capaz de organizar a lógica do pensamento será também capaz de exteriorizá-lo, por meio de linguagem articulada e organizada. Dessa forma, a linguagem é considerada a “tradução” do pensamento. Ou seja, se as pessoas não se expressam bem é porque não pensam. A grande ruptura a essa concepção, segundo Perfeito (2006), pode ser observada em Saussure (2004), que estabeleceu a célebre dicotomia entre língua e fala, elegendo a língua como objeto de estudo. Seguidor de Saussure, Roman Jakobson se propõe a pensar a linguagem sob o viés da comunicação, ou seja, sob a Teoria da Comunicação. De acordo com essa teoria, para toda mensagem há uma finalidade predominante: ou é transmissão de informação, ou expressão de sentimentos e emoções. A concepção adotada aqui é aquela que considera a linguagem como forma de ação, como lugar de interação que “possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos” (KOCH, 1992, p. 11). Segundo Travaglia (2008), tal concepção considera o sujeito como usuário da língua, que pode “realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)” (TRAVAGLIA, 2008, p. 23). Para o autor, o sujeito de linguagem é aquele que ocupa um lugar social, produz e também ouve discurso desse lugar. Por isso, dizermos que “é um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o outro” (BRANDÃO apud KOCH, 2002, p.16). Assim, dessa interação, constitui-se um produto, 26 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 a palavra: “Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro” (BAKHTIN, 1992, p. 113). Nessa concepção, o ser humano usa a linguagem para agir no contexto social, pois a linguagem é concebida como atividades interativas, como forma de ação social, como espaço de interlocução possibilitando a prática social dos mais diversos tipos de atos. 1.1 A linguagem e as relações entre o homem e o signo O homem destaca-se entre os animais que fazem uso de signos. Morris (1976, p. 9) defende que “a civilização humana depende dos sinais e sistemas de signos e a mente humana é inseparável do funcionamento dos sinais, se é que não deva identificar-se com este funcionamento”. Para Lopes, no entanto: Assim como a relação entre o homem e o mundo vem mediatizada pelo pensamento, a relação entre um homem e outro homem, dentro de uma sociedade, vem mediatizada pelos signos. Para que o pensamento transite de uma para outra subjetividade, deve ele formalizar-se em signos. Os signos são, por um lado, suportes exteriores e materiais da comunicação entre as pessoas e, por outro lado, são o meio pelo qual se exprime a relação entre o homem e o mundo que o cerca. (LOPES, 1995, p. 16). Segundo Peirce (2000, p. 46), “um signo, ou representâmen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém”, o que significa dizer que os signos têm representações ou equivalências diferentes entre os indivíduos, e que, assim, um mesmo signo pode ter diferentes significados. Assim, é importante lembrar que os signos podem ser verbais e não-verbais, ou seja, há signos linguísticos e signos não-linguísticos. No que tange os signos linguísticos, Saussure afirma ser uma unidade básica da língua, visto que toda língua é um sistema completo de signos. Já no que diz respeito aos não-linguísticos, Peirce (2000) os dividiu em três tipos: ícone, índice e símbolo. O ícone (do grego Ícon = imagem) constitui-se num tipo de signo em que o significado e significante apresentam uma semelhança de fato. O desenho de um animal Vivências. Vol.6, N.9: p.25-34, Maio/2010 seria um exemplo de ícone; o desenho significa o animal, simplesmente porque se parece com ele. “Um Ícone é um signo que se refere ao Objeto que denota apenas em virtude de seus caracteres próprios, caracteres que ele igualmente possui quer tal Objeto realmente exista ou não”. (PEIRCE, 2000, p. 52). Já o índice é um signo que não se assemelha ao objeto identificado, mas indicado casualmente, é um sintoma dele porque se experimenta uma contiguidade entre os dois. Um furo de bala, por exemplo, é o índice de um tiro assim como a fumaça é índice de fogo. Segundo Valente (1997) o índice pode ser representado por elementos visuais, sonoros e até pela combinação de elementos diversos utilizados artisticamente pelo cinema, teatro e pela televisão. “Um Índice é um signo que se refere ao Objeto que denota em virtude de ser realmente afetado por esse Objeto”. (PEIRCE, 2000, p. 52). Quanto ao símbolo, é o signo que depende da adoção de uma regra de uso, ou seja, instituise por convenção. As bandeiras, por exemplo, constituem-se símbolos das nações. Entre as bandeiras e as nações não há qualquer relação causal necessária, trata-se de convenção. O símbolo tem caráter convencional; mas não gratuitamente. Existe uma ligação entre o significante e o significado. “Um Símbolo é um signo que se refere ao Objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias gerais que opera no sentido de fazer com que o Símbolo seja interpretado como se referindo àquele Objeto”. (PEIRCE, 2000, p. 53). Se a linguagem é um sistema de signos, segundo Peirce (2000), todo pensamento ou conceito está inextricavelmente ligado às funções de representação, não sendo capaz de se interpretar a si mesmo. A interpretação somente pode realizar-se através dos signos. Assim, se os sistemas são baseados em signos, estendendo-se para além do não-verbal, o indivíduo torna-se um sujeito de linguagem ao fazer uso do sistema linguístico e das intenções ao comunicar, seja esta uma comunicação verbal ou não-verbal. 2. O SUJEITO 27 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 As noções de sujeito e subjetividade são muito utilizadas nas mais diversas áreas, talvez porque ainda não se possa definir o sujeito como uno, além de que, certamente são tão questionadas quanto duvidosas, e por isso, ainda há certa dificuldade em entendê-los. Em diferentes áreas, sob as mais diferentes teorias, o sujeito confunde-se com o ser, o homem ou a alma já que nela se fixa o juízo, a liberdade, a vontade moral. A verdade é que a questão do sujeito tem sido um desafio para inúmeros autores: Não podemos reduzir, pois a questão da subjetividade ao linguístico; fazemos entrar em conta também sua dimensão histórica e psicanalítica. Embora a subjetividade repouse na possibilidade de mecanismos linguísticos específicos, não se pode explicá-la estritamente por eles. (ORLANDI, 2005, p. 50). Dessa forma, o conceito social-histórico interfere na concepção de sujeito em diferentes períodos. As teorias, moderna e pós-moderna (HALL, 2000), são fases importantes que podem ajudar a entender o conceito de sujeito. De acordo com o autor, existem três concepções diferentes de identidade: o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O sujeito do Iluminismo era baseado na pessoa humana, sem alterações ao longo da existência, uma mesma consciência que nasce/cresce/morre. Já o sujeito sociológico, ainda segundo Hall (2000), é aquele formado por mediações, pelo contato com amigos, entes queridos, enfim seu círculo de convivência. No entanto, o sujeito pós-moderno é um processo, um devir. E como tal, é fragmentado e variável, tem múltiplas identidades. As identidades são criadas com base em relações sociais, em situações, em momentos. “O sujeito assume identidades diferentes em momentos diferentes, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente” (HALL, 2000, p. 13). A formação de identidades está intimamente ligada à cultura, ao momento. As identidades não são fixas, estáveis, seguras. E por isso, as sociedades pós-modernas seriam instáveis, inconstantes. “As sociedades pósmodernas não têm nenhum centro, nenhum Lima,V.W.; Prudêncio, P.G. princípio articulador ou organizador único e não se desenvolvem de acordo com o desdobramento de uma única ‘causa’ ou ‘lei’” (HALL, 2000, p. 16). A concepção de sujeito adotada aqui tem por base a concepção de sujeito pós-moderno de Hall (2000). “O sujeito de que falamos aqui é aquele que ocupa um lugar no discurso e que se determina na relação com o outro” (MARCUSCHI, 2007, p. 70). Segundo Orlandi (2006, p. 18), o sujeito é atravessado pela linguagem e pela história, ou seja, “ele está sujeito à (língua) para ser sujeito de (o que diz)”. Para a autora, “ele é sujeito à língua e à história, pois para se constituir, para (se) produzir sentidos ele é afetado por elas” (ORLANDI, 2005, p. 49). Determinado dessa forma, o sujeito apenas pode se constituir submetendo-se à língua e à história, pois se não for assim, ele não se constitui, não produz sentidos, não fala. Pode-se dizer que o sujeito não é nem assujeitado – como acredita o estruturalismo – e nem totalmente individual e consciente, mas sim produto de uma clivagem da relação entre linguagem e história. Em não sendo totalmente livre, nem determinado por alguma exterioridade, o sujeito se constitui na relação com o outro e, [claro], o sujeito não é a única fonte do sentido, pois ele se inscreve na história e na língua. (MARCUSCHI, 2007, p. 70). Do ponto de vista linguístico e, sobretudo, bakhtiniano, a linguagem deve ser entendida como lugar de realização, de interação humana. Nesse aspecto, a noção de sujeito do autor é aquela que o situa como um ser social, histórica e ideologicamente constituído, interagindo com o outro que precisa ser visto como aquele que dá a medida do “eu”. A propósito disso, podemos dizer que a identidade do sujeito constrói-se numa relação dinâmica de troca, de alteridade. “Eu sou na medida em que interajo com o outro. É o outro que dá a medida do que sou” (BRANDÃO apud KOCH, 2001, p.15). É nesse sentido que o dialogismo de Bakhtin diz respeito “às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, instauram-se e são instaurados por esses discursos” (BRAIT, 1996, p. 79). 28 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 3.1 A análise do discurso 3. CONSIDERAÇÕES DISCURSO SOBRE O As noções de linguagem e de sujeito estão na base do discurso e, sobretudo, da forma como se analisa o discurso. Segundo Orlandi (2005), há muitas maneiras de se estudar a linguagem, entendendo a língua como sistema de signos ou sistema de regras formais – a Linguística – ou como normas de bem dizer – a gramática normativa. Para entender o discurso, Orlandi (2006) propõe um estudo de uma dicotomia entre língua e discurso. Segundo Saussure, “a língua é o sistema onde tudo se mantém. É social, é constituída de constantes. De seu lado, a fala é ocasional, histórica, individual e constituída de variáveis” (SAUSSURE apud ORLANDI, 2006, p. 14). Ao separar língua e fala, separamos também o social e o histórico. Dessa forma, Orlandi acredita que ao observar o discurso estamos aliando o social e o histórico ao objeto, visto que estudar o discurso é estudar o homem falando. Para entender o discurso, segundo Fiorin (2004), ainda que haja uma dificuldade em defini-lo, há uma necessidade de diferenciá-lo da fala. Segundo o autor, os falantes se utilizam do discurso com o propósito de exprimir pensamentos, de falar do mundo exterior ou interior, de agir sobre o mundo. Já a fala é a exteriorização “psicofísico-fisiológica” do discurso. “Ela é rigorosamente individual, pois é sempre um eu quem toma a palavra e realiza o ato de exteriorizar o discurso” (FIORIN, 2004, p. 11). Para Orlandi (2005), o discurso é mais que uma transmissão linear de mensagens: “não se trata de transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos”. (ORLANDI, 2005, p. 21). Segundo a autora, essas relações de linguagem se referem a relações de sujeitos e de sentidos causando os mais diversos efeitos. Assim, deu-se origem à Análise do Discurso. Vivências. Vol.6, N.9: p.25-34, Maio/2010 França, 1960. Num cenário de lutas, surgem os primeiros interessados em ir além do textual. Partilhando do mesmo espaço, o marxismo, a psicanálise, a história e o movimento social, surge a Análise do Discurso (doravante AD) inscrita nos mesmos objetivos políticos desses movimentos. Na década de 70, Althusser numa releitura de Marx, propõe que as ideologias sejam estudadas não como ideias, mas como um conjunto de práticas materiais que reproduzem as relações de produção. A partir daí, a linguística aparece como base para as ideias althusserianas: “como a ideologia deve ser estudada em sua materialidade, a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a ideologia se materializa” (MUSSALIM; BENTES, 2001, p. 104). Como não existem idéias fora dos quadros da linguagem, entendida no seu sentido amplo de instrumento de comunicação verbal ou nãoverbal, essa visão de mundo não existe desvinculada da linguagem. Por isso, a cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva, que é um conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada visão de mundo. (FIORIN, 2004, p. 32). Segundo Fiorin (2004), indivíduos convivendo em sociedade, convivem também com ideias muito amplas, que fazem parte das crenças da maioria da população, porém ainda existem outras ideias que “ganham estatuto de verdades científicas e, não obstante, estão vinculadas às formas aparentes da realidade” (FIORIN, 2004, p. 28). O autor ainda completa: “a esse conjunto de idéias que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens é o que comumente se chama ideologia” (FIORIN, 2004, p. 28). O que significa dizer que há tantas visões de mundo quanto há indivíduos vivendo em sociedade e, essas visões de mundo também convivem e se entrelaçam umas às outras. O autor assinala que a ideologia é constituída pela realidade e não é apenas um conjunto de ideias que surge do nada e considera a ideologia com uma estrutura própria, com conteúdo, leis e funcionamento próprios. Dessa forma, cabe considerar que o 29 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 discurso, assim como é a materialização das formações ideológicas também é determinado por elas. Assim, a AD procura estudar e entender a língua em pleno funcionamento, ou seja, compreender os sentidos que ela forma. A Análise do Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. (ORLANDI, 2005, p. 15). Cabe lembrar que o discurso se materializa pela linguagem e pelo texto e, os mais diversos discursos – considerando tudo que os criam e influenciam – podem se concretizar e se organizar textualmente. De acordo com Fiorin (2004), o texto é “unicamente um lugar de manipulação consciente, em que o homem organiza, da melhor maneira possível, os elementos de expressão que estão a sua disposição para veicular seu discurso” (FIORIN, 2004, p. 41). Ao produzir um texto, o indivíduo lança mão de artifícios compostos, essencialmente da linguagem e de seu conhecimento de mundo, ou seja, de suas vivências em sociedade através de sua leitura particular. Consideração que vem ao encontro da definição de Beaugrande (1997, p. 10): “o texto é um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”. Assim, segundo Orlandi (2005), para trabalhar o sentido, sob a perspectiva discursiva, é preciso compreender como ele está “investido de significância para e por sujeitos” (p. 25) e assim, explicar como “o texto organiza os gestos de interpretação que relacionam sujeito e sentido” (p.26). 4. METODOLOGIA Com o propósito de produzir uma proposta teórico-prática de leitura, que se constitua como um modelo de exercício da docência, decidimos por uma metodologia que dê conta dos textos verbais e não-verbais do anúncio analisado – semiótica, pragmática – Lima,V.W.; Prudêncio, P.G. bem como do texto e discurso, optamos pela Análise do Discurso, considerando que, já na delimitação do corpus, não se seguem critérios empíricos, mas teóricos. Segundo Orlandi (1999), decidir o que faz parte do corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas. Assim sendo, cumpre dizer que o corpus de que nos utilizamos compõe-se de um texto publicitário veiculado pela revista Veja em setembro de 2008 (em anexo), tendo sido por nós selecionados aleatoriamente, dentre os exemplares de que dispúnhamos. A opção pelo gênero publicitário deu-se especialmente por duas razões. Uma: é grande a sua circulação no meio social e, por consequência, os estudantes incluem-se entre aqueles que, de uma forma ou de outra, são afetados por este tipo de texto. Outra: trata-se de um gênero que se utiliza de elementos sígnicos como ícone, índice e símbolo os quais, utilizados pelo homem desde os tempos mais remotos, nesse tipo de texto exercem um importante papel sócio-ideológico sobre o público leitor. Se de um lado, o processo enunciativo de textos publicitários, além de envolver elementos linguísticos, envolve também elementos extralinguísticos, o que pode ser explicado pelos diferentes elementos sígnicos estruturadores da materialidade desses textos, sejam os signos verbais e os não-verbais. Por outro, tem-se um objeto empírico visto enquanto exemplar de discurso o que implica ter um “continuum discursivo, em que o início e o fim não são determinados e, logo, não são detectáveis perceptualmente”, visto que “todo discurso se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro” (Orlandi, 1999). Portanto não se pode constituir, como objetivo da análise aqui produzida, a exaustividade em relação ao objeto empírico. Antes, tanto o objeto quanto a análise que dele se fará, devem ser pensados como sendo de caráter inesgotável. De forma a cumprir o propósito dessa pesquisa, levamos para as salas de aula um excerto deste trabalho, contendo tópicos das teorias abordadas, bem como cinco perguntas/observações, descritas em seguida. De posse do material, solicitamos aos alunos, 30 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 que analisassem o anúncio escolhido, de forma que respondessem tais questões propostas. Assim sendo, para a análise do texto publicitário, tanto em sala de aula quanto na análise exemplar, utilizamo-nos de alguns questionamentos/observações que nos remetem ao arcabouço teórico levantado até aqui e que se referem a cinco pontos principais, a saber: Quanto aos tipos de signos – conforme Peirce e Saussure há diferentes tipos de signos. Observando o texto em questão, especifique os tipos de signos ali em relação. Quanto à relação entre os signos – Podemos perceber certa relação dialógica entre os textos verbal (com signos linguísticos) e nãoverbal (com signos não-linguísticos). Assim, busque identificar e explicar qual o tipo de relação e se esta implica complementação, esclarecimento, contradição, etc. Quanto às intenções do texto – identifique e esclareça as intenções do texto a partir de pistas sígnicas (linguísticas e/ou nãolinguísticas). Quanto à intertextualidade – Segundo Bakthin, “os indivíduos constroem textos não através do uso da língua apenas, mas a partir da internalização de outros textos já existentes”. Com base nisso, descubra e evidencie os “textos de fora” que permeiam os textos verbal e não verbal constituintes do texto publicitário em questão. Quanto às marcas ideológicas – De acordo com Meurer, “todo discurso é investido de ideologias”. Dessa forma, tente identificar e esclarecer que marcas ideológicas são veiculadas no e pelo texto publicitário em análise. 5. ANÁLISE O anúncio analisado nesta pesquisa referese a eletrodomésticos comercializados no Brasil. Foi coletado numa revista de circulação nacional publicada em 2008: Revista Veja, da editora Abril. Apresenta-se aqui digitalizado e segue anexo. A análise se dá com base na fundamentação teórica levantada anteriormente a qual consta deste trabalho. A aplicação da atividade se deu nas turmas de primeiro semestre dos cursos de Vivências. Vol.6, N.9: p.25-34, Maio/2010 Letras e Comunicação Social – Publicidade e Propaganda e Jornalismo. Após a exposição do conteúdo teórico, os alunos puderam se reunir em grupos para a realização da análise proposta. Ao todo, foram 43 análises: 16 do curso de Letras, 12 de Publicidade e Propaganda e, 15 do curso de Jornalismo. De maneira geral, as análises realizadas pelos alunos não conseguem contemplar as perguntas propostas na atividade. Algumas respostas vão além do solicitado e muitas outras ficam aquém do questionado. Podemos perceber certa confusão quanto ao entendimento das questões propostas, aparentando uma mistura de conceitos e uma inexperiência quanto ao tipo de atividade. Na primeira das questões, que diz respeito aos tipos de signos encontrados no anúncio, percebemos que a maioria das respostas foi superficial. Percebemos que a maioria dos alunos limitou-se a responder “signos linguísticos e não linguísticos” sem especificálos, apesar da solicitação de especificação. Outros não conseguiram responder adequadamente à questão “a felicidade da atriz, tranquila, relaxanda [sic] onde não é necessário se preocupar.” (Aluno G – Jornalismo), ou ainda, “tudo que está no anúncio são signos, pois eles me transmitem uma mensagem desde os verbais e não-verbais” (Aluno F – Jornalismo). Porém, a maioria deles respondeu de forma incompleta, sem especificar os signos presentes no anúncio, ou ainda, não respondeu o solicitado: “a imagem quer nos passar a ideia de comprar produtos ‘Mabe’, pois irá resolver a vida da dona de casa, fazendo o serviço mais eficiente com mais facilidade” (Aluno O – Letras). Quanto ao segundo questionamento, sobre as relações entre os signos existentes no anúncio, a maioria dos alunos não respondeu adequadamente a pergunta. “A relação é que independente da mulher da profissão a marca tem uma máquina/eletrodoméstico que a satisfaz” (Aluno D – Publicidade e Propaganda). Percebemos certo problema nas respostas, pois algumas delas não têm qualquer relação com a questão: “o azul representa tranquilidade” (Aluno F – Publicidade e Propaganda). É preciso salientar que houve razoável 31 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 desempenho dos alunos de Publicidade e Propaganda nessa análise. É possível dizer que isso seja uma consequência do tipo de objeto analisado, ou seja, um anúncio publicitário que de certa forma lhes despertou o interesse. “Complementação. A relação com a palavra ‘multimulher’ e a imagem da mesma mulher em várias situações do dia-a-dia [sic].” (Aluno A – Publicidade e Propaganda). Inúmeras são as respostas, quando questionados sobre as intenções do texto, demonstrando pouco entendimento do tema, superficialidade da leitura ou ainda, inadequação à questão proposta. “A intenção foi de mostrar uma certa tranquilidade e felicidade à todas as mulheres que mesmo com a correria do dia-a-dia [sic], tem um tempo para os afazeres em casa, com a facilidade dos produtos” (Aluno J – Jornalismo). Vemos que as respostas mantêm-se ao nível do senso comum, demonstrando uma visão de receptor de mensagens. “O texto vem nos dizer que a mabe com sua tecnologia e designer traz satisfações para a vida do dia-a-dia [sic] de uma mulher” (Aluno B – Publicidade e Propaganda). Alguns alunos não responderam a esta questão ou assim o fizeram: “a intenção do texto é vender” (Aluno M – Letras); “anunciar produtos eletrodomésticos” (Aluno N – Letras) e; “para a mulher viver sua vida ‘feliz’ de mulher, ela precisa do apoio dos produtos MABE” (Aluno G – Publicidade e Propaganda). Podemos ver nessas respostas certa limitação da capacidade de leitura, mantendo-os ao nível do explícito e do óbvio. No que tange à intertextualidade, as respostas foram diversas, mas quase sempre insatisfatórias. Para muitos dos alunos, ainda é difícil entender e identificar como os textos que circulam em sociedade são entrecruzados. No momento de evidenciar e identificar esses “textos de fora” presentes no anúncio, as respostas foram: “acordar, malhar, planejar, orientar, educar” (Aluno N – Letras). É possível perceber certa despreparação para a leitura analítica, o que os limita ao explícito e os torna apenas consumidores. Algumas respostas não têm qualquer sentido em relação ao questionado sobre o anúncio: “o serviço do fabricante, a marca da multimulher e a frase em cima da Lima,V.W.; Prudêncio, P.G. propaganda” (Aluno D – Letras); “elas precisam de praticidade, pois o tempo delas é precioso” (Aluno C – Jornalismo). Referentemente à identificação de marcas ideológicas no anúncio, podemos perceber que o conceito de ideologia ainda é falho entre os universitários. A maioria deles, apesar da exposição teórica inicial, não foi capaz de identificar e esclarecer quais as marcas ideológicas que perpassam o anúncio analisado e, como consequência, deixou de responder tal questionamento. Entendemos que marcas ideológicas não são facilmente identificáveis, porém nosso propósito era proporcionar um momento de leitura analítica, o que tornaria possível o reconhecimento de tais ideias. O que aconteceu nessa última parte da análise foi uma confusão de conceitos, os que o levou a pensar em marcas dos produtos, em vez de marcas ideológicas: “as marcas de fogão, geladeira, microondas [sic] e máquina de lavar roupas. A outra marca que notei e [sic] de uma mulher sempre pronta e preparada para fazer tudo” (Aluno D – Letras); “fogão, geladeira, forno microondas [sic], maquina [sic] de lavar roupa” (Aluno N – Letras); “Mabe a marca de todas as mulheres” (Aluno D – Jornalismo); “a marca de que qualquer mulher pode usar os produtos da mabe. E a ideologia da artista que está nos anúncio [sic]” (Aluno C – Publicidade e Propaganda). A confusão entre os estudantes, dos três cursos trabalhados, pode ser evidenciada através do excerto: “mulher independente, guerreira e atarefada” (Aluno E – Publicidade e Propaganda). 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após essa pesquisa, percebemos a intensa necessidade de um trabalho de leitura e produção textual entre os universitários, pois encontramos alunos com deficiência quanto à leitura. Isso demonstra que, mesmo na universidade, ainda há alunos com grande deficiência na competência leitora. Ao analisar as atividades, percebemos que a maioria ainda se confunde em questões básicas na formação de um profissional, independente da área de atuação: a confusão entre “marca ideológica” com marca de eletrodoméstico, por exemplo. 32 Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 Ao serem questionados sobre marcas ideológicas que perpassavam o anúncio, muitos responderam “a marca da geladeira, do fogão, do forno micro-ondas”. Sabemos que esse é um problema antigo que deveria ser sanado nos anos iniciais do ensino fundamental, porém vemos também que “deixar por isso mesmo” não é o melhor posicionamento frente a essa deficiência leitora. É preciso investir em projetos de desenvolvimento de leitura dentro da Instituição ou mesmo exigir mais leitura dos estudantes universitários. Acreditamos que esse trabalho poderia começar com os estudantes de Letras e Comunicação Social, pois esses profissionais são os mais cobrados quanto à leitura e escrita, apesar de acreditarmos que tal competência deve ser trabalhada em todos os cursos da Universidade, pois precisamos de leitores e produtores textuais em qualquer área de estudo. Nossa sugestão é de que os docentes solicitem e que, cobrem de alguma forma, a leitura de livros de cada área: teóricos da comunicação ou romances literários brasileiros e portugueses, por exemplo. Como pertencemos ao curso de Letras, podemos falar com propriedade: se não temos o hábito da leitura, sem a cobrança docente, lemos menos ainda. De acordo com os resultados que obtivemos, podemos perceber que os estudantes, de maneira geral, precisam de mais incentivo à leitura, mesmo que isso lhe valha uma nota de avaliação de disciplina. Dessa forma, não haveria qualquer custo à instituição, pois o corpo docente já está formado, as disciplinas instituídas e a biblioteca repleta de boas obras. Basta que a ideia seja implantada entre docentes e discentes dessa Universidade. 7. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola, 2004. BAKHTIN, M. M.. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ______. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 6. ed. São Paulo: HUCITEC, 1992. ______. Problemas da poética de Dostoievski. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. Vivências. Vol.6, N.9: p.25-34, Maio/2010 BEAUGRANDE, R.. New foundations for a science of text and discourse: cognition,communication,and the freedom of access to knowledge and society. New Jersey: Ablex Publishing Corporation, (1997). 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