A representação do feminino no filme Jogos Vorazes
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A representação do feminino no filme Jogos Vorazes
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA PÂMELA ANSELMO GONÇALVES A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NO FILME JOGOS VORAZES Tubarão 2014 PÂMELA ANSELMO GONÇALVES A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NO FILME JOGOS VORAZES Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Publicidade e Propaganda. Orientador: Prof. Dr. Gutemberg Alves Geraldes Junior. Tubarão 2014 PÂMELA ANSELMO GONÇALVES A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NO FILME JOGOS VORAZES ATA. Tubarão, 04 de dezembro de 2014. Horário: 16h. Local: Auditório do Bloco G. ______________________________________________________ Professor e orientador Gutemberg Alves Geraldes Junior, Dr. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Jussara Bittencourt de Sá, Dra. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Mario Abel Bressan Junior, Ms. Universidade do Sul de Santa Catarina Dedico este trabalho aos meus pais Clair e Magda, e ao meu irmão querido, Roger. Por serem os meus principais apoiadores e espelhos de vida. AGRADECIMENTOS Uma coisa que eu preciso fazer após a conclusão desta pesquisa é agradecer à todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para que ela fosse finalizada. Começo agradecendo aos meus pais, por acreditarem tanto em mim e depositarem total confiança nas minhas decisões. Mesmo quando eu decidi trocar de curso no meio da faculdade. Viram só? Agora sim estou me formando em algo que eu amo e muito, muito obrigada por me apoiarem e continuarem apoiando. Ao meu irmão, Roger, que por diversas vezes eu briguei porque precisava escrever mais algumas páginas da monografia, mas que também foi o responsável por diversos momentos de alegria durante essa jornada. Aos meus grandes amigos do Escalão que sofreram junto comigo a cada nova parte do trabalho que precisava ser entregue. Especialmente à Bel e ao Felipe, amigos, o semestre não foi fácil. Sobrevivemos. Ao meu orientador Gutemberg, que acreditou em mim desde o começo e incentivou que eu continuasse com a pesquisa mesmo em meio ao meu desespero. Hoje eu entendo o real significado de sua citação de Leminski: “sem produção não há salvação”. Aos professores que também foram grandes incentivadores tanto da monografia quanto dos outros trabalhos acadêmicos realizados durante o curso. Muito obrigada por contribuírem para uma das melhores épocas da minha vida. À Suzanne Collins por ter escrito uma trilogia que me intrigou e me deixou tão viciada que virou objeto de estudos desde o começo da faculdade. Aos meus colegas e seguidores do twitter que me aguentaram em madrugadas filosofando sobre a vida, o universo e a dificuldade que era escrever um trabalho como esse. Aos leitores do meu blog e inscritos do meu canal do youtube, por aguentarem pacientemente meus avisos que não poderia publicar mais um post ou subir mais um vídeo porque precisava fazer a monografia. À todas as mulheres que lutaram e lutam até hoje para que mulheres como eu tivessem direito de fazer uma faculdade, se não fosse por vocês, talvez eu nem teria o prazer de concluir esta pesquisa e contribuir para que a igualdade dos gêneros seja alcançada. “Toda revolução começa com uma faísca” (EM CHAMAS, 2012). RESUMO Responsável por levar aos cinemas uma legião de pessoas, o filme de adaptação do primeiro livro da trilogia homônima da autora Suzane Collins, tem como protagonista Katniss Everdeen, uma garota de dezesseis anos que precisará lutar até a morte em uma arena com outros vinte e três jovens por ordem do governo do seu país. Por acreditar ser importante os valores transmitidos pelo cinema para seus espectadores e observar uma convecção em Hollywood sobre a representação de personagens femininas, esta monografia procura analisar a representação do feminino pela personagem Katniss Everdeen no filme Jogos Vorazes (2012). Com uma pesquisa sobre criação de gênero, um histórico sobre o feminino e sua relação com corpo, amor e poder, este trabalho analisa como a personagem é caracterizada no filme. Para contribuir para este estudo é realizada uma pesquisa sobre o cinema como representação social e gerador de significados a partir das técnicas de linguagem cinematográfica. A personagem Katniss Everdeen revelou-se uma grande exceção entre uma gama de filmes que trazem personagens femininas objetizadas. Palavras-chave: Feminino. Gênero. Cinema. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Preocupação com a beleza de Katniss ..................................................... 24 Figura 2 - Preocupação com a beleza de Peeta Melark ............................................ 25 Figura 3 - Desfile do Fogo ......................................................................................... 27 Figura 4 - Garota em chamas.................................................................................... 28 Figura 5 - Katniss e o ritual de beleza ....................................................................... 29 Figura 6 - Entrevista de Caesar com Peeta .............................................................. 33 Figura 7 - Peeta e Katniss ......................................................................................... 34 Figura 8 - Banquete da comissão avaliadora durante o teste ................................... 35 Figura 9 - Katniss como caçadora ............................................................................. 38 Figura 10 - Katniss, Effie e Peeta .............................................................................. 39 Figura 11 - Katniss e Rue na arena ........................................................................... 40 Figura 12 – Katniss e o gesto da revolução .............................................................. 41 Figura 13 - Possível final dos jogos vorazes sem um vencedor ................................ 41 Figura 14 - Jennifer Lawrence em Inverno da Alma, antes de Jogos Vorazes ......... 45 Figura 15 - Sequência Katniss e o Distrito 12 ........................................................... 47 Figura 16 - Sequência Katniss e o Distrito 12 ........................................................... 48 Figura 17 - Reação de Haymitch à dor de Katniss .................................................... 50 Figura 18 - Desafio e revolução ................................................................................ 51 Figura 19 - Peeta e a mãe brigando pelo pão ........................................................... 53 Figura 20 - Imagem do pai de Katniss em sua alucinação ........................................ 54 Figura 21 - Gale e Katniss na floresta ....................................................................... 56 Figura 22 - Desfile dos tributos.................................................................................. 57 Figura 23 - Tributos do Distrito 12 ............................................................................. 58 Figura 24 - Katniss inferior à capital .......................................................................... 59 Figura 25 - Público impressionado com a "garota que pega fogo" ............................ 59 Figura 26 - Katniss coroada vencedora dos Jogos Vorazes ..................................... 61 Figura 27 - Distrito 12 ................................................................................................ 62 Figura 28 - Effie no Distrito 12 ................................................................................... 63 Figura 29 - Paleta de cores da Capital ...................................................................... 64 Figura 30 - Paleta de cores da arena ........................................................................ 65 Figura 31 - Entrevista final com os ganhadores dos jogos ........................................ 66 Figura 32 - Cena final com Presidente Snow ............................................................ 66 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Diálogo entre Katniss e sua mãe.............................................................. 55 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12 2 O GÊNERO FEMININO ....................................................................................... 17 2.1 HISTÓRICO SOBRE O FEMININO ................................................................... 18 2.2 O FEMININO E O CORPO ................................................................................ 21 2.3 O FEMININO E O AMOR .................................................................................. 30 2.4 O FEMININO E O PODER ................................................................................ 35 3 CINEMA E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL ........................................................ 43 3.1 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO GERADOR DE SENTIDO EM JOGOS VORAZES.................................................................................................... 46 3.2 A UTILIZAÇÃO DAS CORES EM JOGOS VORAZES ...................................... 61 4 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 68 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 71 12 1 INTRODUÇÃO Jogos Vorazes (2012) é o primeiro de quatro filmes adaptados da trilogia literária1 homônima da autora Suzanne Collins e que a partir do seu lançamento foi um sucesso, arrecadando cerca de U$691,2 milhões em bilheteria no mundo todo em 2012 (VEJA, 2014). O filme é a narração da história futurística de Katniss, uma garota de um dos distritos mais pobres do seu país, Panem, que luta pela sobrevivência da mãe e irmã desde que seu pai morreu em uma explosão nas minas. No Dia da Colheita2 a irmã de Katniss é sorteada para ser um tributo dos jogos, mas a protagonista não suporta a ideia de ver sua pequena irmã de 12 anos ser designada para o massacre, por esse motivo, ela se coloca como voluntária em seu lugar. Esse jogo trata-se de um reality show organizado pelo governo uma vez por ano desde que o 13º Distrito se rebelou contra o sistema. Um menino e uma menina entre 12 e 18 anos de cada distrito são escolhidos como tributos para os jogos vorazes. Um total de 24 jovens são enviados à uma arena e precisam lutar até a morte, pois o jogo só acaba quando resta apenas um vivo. Além disso, o massacre é transmitido pela televisão oficial para todo país. Katniss participará da 74ª edição dos jogos vorazes e precisará lutar contra todos os outros jovens e contra o governo autoritário que busca consolidar seu poder por este meio de entretenimento. Ela tentará não ser corrompida pelos valores do governo e também não se curvar às injustiças que os jogos representam e sustentam. Por acreditar que as sagas cinematográficas que fazem sucesso entre o público jovem como Senhor dos Anéis, Harry Potter, Crepúsculo, e agora Jogos Vorazes podem trazer discussões interessantes para a construção dos valores dos jovens de sua geração que as acompanham, conforme Pizzato (2008, p.4) afirma que “a sétima arte, portanto, pode ser uma motivação para um diálogo com questões 1 A trilogia conta com três volumes: Jogos Vorazes, Em Chamas e A Esperança, lançadas no Brasil pela Editora Rocco. 2 Dia da Colheita é o dia em que são escolhidos os jovens tributos que representarão o seu distrito nos jogos vorazes. 13 de cunho social que atravessam as disciplinas acadêmicas”, este trabalho pretende analisar o filme Jogos Vorazes (2012) de acordo com as discussões sobre gênero feminino e a representação no cinema. Lipovetsky (2000) destaca que mesmo a mídia condenando a valorização das mulheres como objetos decorativos, a estimulação deste pensamento continua de outras formas, isso é, está refletido na quantidade de filmes com protagonistas homens, e quando, neste caso, são mulheres, sua representação se torna objeto. Da mesma forma, Kaplan (1995, p. 45) explica que “os signos do cinema hollywoodiano estão carregados de uma ideologia patriarcal que sustenta nossas estruturas sociais e que constrói a mulher de maneira específica – maneira tal que reflete as necessidades patriarcais e o inconsciente patriarcal”. O cinema vem de uma tradição de representação do feminino que apesar de ter demonstrado uma evolução, ainda caminha lentamente na real representação da mulher moderna. Turner (1997) acredita que isso trata-se de convenções estabelecidas em torno da representação do feminino e que existem exemplos de filmes que tentam colocar a mulher de forma diferente do sistema de Hollywood, mudando sua significação para o espectador feminino e masculino. Esta pesquisadora acredita que a personagem Katniss Everdeen é um desses exemplos de ressignificação da representação do feminino no cinema. Somando ao fato de que a personagem também é a protagonista do filme, torna-se ainda mais importante os valores por ela representados. Alinhando a importância que um sucesso cinematográfico pode ter na construção de valores ao estudo de gênero no cinema, o presente trabalho tem como objetivo principal analisar como a representação da personagem feminina foi construída na adaptação cinematográfica de sucesso Jogos Vorazes por meio da protagonista Katniss Everdeen. Para isso, se faz necessário pesquisar como se dá a construção do gênero feminino e os estudos já realizados na área; observar de que forma o filme aborda a personagem principal dentro de alguns temas específicos como o corpo, o poder e o amor; e averiguar de que maneira acontece a representação social do cinema. A pesquisadora sempre foi uma grande fã de sagas literárias e suas adaptações para o cinema, em especial Harry Potter e Jogos Vorazes. Porém, apesar de Harry Potter também representar um grande fenômeno, foi em Jogos 14 Vorazes que a pesquisadora observou uma representação diferente. Ela acredita nos valores que esses produtos culturais podem repassar para o seu público, e mesmo indicado para um público jovem e com justificativa de entretenimento, eles podem tratar de lições importantes para a sociedade. A escolha de entender como ocorre a representação do feminino neste filme, também teve influência na vivência da pesquisadora que sempre foi uma defensora do feminismo e igualdade dos gêneros, e por ter grande interesse por assuntos que são apontados como masculinos como futebol ou tecnologia. A motivação para este estudo ainda foi complementada pelo desejo da pesquisadora de compartilhar os seus resultados com seus seguidores da internet, que acompanham seu blog e canal de vídeos. Já que esta pesquisadora acredita que entender como ocorre a representação do feminino é extremamente importante para a comunicação, que é responsável pela criação e reprodução de valores. Morais (2012, p. 3) entende a importância de “lutar por um espaço legítimo de representação nos meios de comunicação, responsáveis por criar mitos e construir identidades, além de regular a relação do indivíduo com a sociedade “. Sendo assim, essa pesquisa pode contribuir para o estudo dos mitos, convenções e identidades criadas a partir da representação do feminino nos produtos da comunicação. A relevância deste estudo também torna-se importante pelo fato de a teoria de gênero e representação do feminino não ter uma grande abordagem durante as disciplinas curriculares do curso, e haver poucos estudos realizados sobre o assunto no ambiente acadêmico. Este trabalho iniciará com a pesquisa bibliográfica sobre teoria do gênero e representação social do cinema. Gil (2013, p. 61) descreve que pesquisa bibliográfica “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, e Rauen (2002, p. 55) complementa que “a vantagem da busca do acervo bibliográfico é a amplitude de assuntos passíveis de estudo”. Algumas análises já foram feitas estudando a figura da mulher no cinema, tendo como objetos de estudos outros filmes hollywoodianos e independentes, por este motivo a pesquisadora se utilizará de embasamento teórico de fontes secundárias sobre a teoria dos gêneros e a representação social do cinema através de pesquisa de livros, periódicos e estudos já existentes nestas áreas, motivada pela justificativa de Rauen (2002, p. 54) que “nada surge do nada” e 15 que “os resultados de hoje só surgem, a partir de todo o esforço das gerações anteriores”. Inicia-se o estudo com pesquisa sobre construção e definição do gênero, um levantamento sobre a história do feminismo e a construção do feminino nos tempos atuais. É importante ressaltar a pesquisa da representação do cinema, e suas técnicas utilizadas na linguagem cinematográfica para a geração de significados. Para este trabalho também será necessária uma pesquisa qualitativa de descrição, através da técnica de análise de conteúdo. Setúbal (1999) explica que a análise de conteúdo pode ser aplicada a qualquer tipo de mensagens e expressões e pode depender da bagagem teórica, política e cultural de quem faz a análise. Enquanto isso, Richardson (1989, p. 178) afirma que “deve-se fazer uma primeira leitura para organizar as idéias incluídas para, posteriormente, analisar os elementos e as regras que as determinam”. Dessa forma, o filme será descrito, analisado e interpretado conforme seu conteúdo pela pesquisadora e relacionado ao fundamento teórico em que foi baseado, assim se saberá de que forma a figura da protagonista Katniss foi construída na obra e será confrontado aos estudos já realizados. Rauen (2002, p. 190) afirma ainda que “a garantia desse tipo de saber [pesquisa qualitativa em ciências humanas] está na objetivação”, a objetivação é que poderá nortear esta pesquisa e estabelece pequenas regras para conter a subjetividade da interpretação. Portanto, o recorte das cenas e narrativas do filme fica sob responsabilidade desta pesquisadora, que após assistir ao filme, destacará as cenas que contribuirão para a análise de temas específicos sobre gênero e feminino, assim como aquelas que se utilizaram das principais técnicas da linguagem do cinema para reforçar a representação dos signos. Para Rauen (2002, p. 197) “eles [os temas] permitem depreender melhor o sentido do conteúdo, dado que as unidades são obtidas, a partir da tarefa de compreensão do conteúdo”. Desta forma, o filme Jogos Vorazes será recortado em cenas e falas que possam contribuir para a resolução do problema desta pesquisa, e utilizando-se o método de análise de conteúdo. É possível concluir que a análise de conteúdo “se configura como um conjunto de vias possíveis, por vezes não definidas, para o desvelamento do sentido do conteúdo[...], desmontar a estrutura e os elementos desse conteúdo para esclarecer suas diferentes características e extrair significado” (RAUEN, 2002, p. 200). 16 Optou-se por analisar apenas o primeiro filme da saga cinematográfica, Jogos Vorazes (2012), que conta ainda com mais outros três filmes que compõem a obra completa: Em Chamas (2013), A Esperança – Parte 1 (2014) e A Esperança – Parte 2 (estreará em 2015). Além disso, também buscou-se limitar a análise apenas à protagonista da série Katniss Everdeen. Isso justifica-se pelo fato de ela ser a protagonista da história e a ela recair o principal olhar do espectador, espreitando suas ações, reação e tomadas de decisão. Sendo assim, a presente pesquisa estará dividida em dois capítulos teórico-analíticos. O primeiro sobre “Gênero feminino” terá como principal fonte teórica os autores Simone de Beauvoir, Jean Baudrillard, Naomi Wolf, Sara Salih, Mirian Goldenberg, Gilles Lipovetsky e Susan R. Bordo. Ele buscará entender de que forma é criado e definido o gênero, para em seguida associá-lo ao feminino. Será descrito um breve histórico sobre o feminino, sua evolução e conquistas de direitos das mulheres através dos anos. Para enfim analisar o feminino sob três aspectos: o corpo, o amor e o poder. Destacando-se a valorização e exigência quanto ao corpo feminino, o culto ao amor e até que ponto as mulheres podem interferir no poder. No segundo capítulo teórico analítico desta pesquisa será pontuada a importância do cinema como gerador de representações sociais e culturais. E um aprofundamento sobre as técnicas cinematográficas que contribuem para a criação de signos como: planos, ângulos, montagem, e cor. Contribuíram para este capítulo os estudos de Yuri Lotman, Graeme Turner, Hugo Munsterberg, E. Ann Kaplan, Marcel Martin, V. Podovkin, Sergei Eisenstein, Luís Nogueira, Béla Balázs, Carlos Gerbase, Ana Maria Bahiana, Modesto Farina, Clotilde Perez, Dorinho Bastos, Donis A. Dondis. Durante a fundamentação teórica será empregada a análise do filme Jogos Vorazes (2012) diretamente nos capítulos correspondentes, evitando assim a redundância de conteúdo em um novo capítulo destinado apenas à esta função. Facilitando o entendimento do leitor. Esta monografia está relacionada à linha de pesquisa “Cultura, Comunicação e Novas Tecnologias”, do Curso de Comunicação, da Universidade do Sul de Santa Catarina. 17 2 O GÊNERO FEMININO Para a definição do que se entende por gênero feminino, precisamos entender como é definido o gênero. Segundo Salih (2013, p.68), defendendo as ideias de Judith Butler, “o gênero é um ato ou uma sequência de atos que está sempre e inevitavelmente ocorrendo, já que é impossível alguém existir como um agente social fora dos termos do gênero”, dessa forma, é possível dizer que todos são subvertidos ao gênero, que pode ser caracterizado como “uma ‘estrutura’, um ‘molde’, ou uma ‘grade’ na qual (ou pela qual) o sujeito é ‘modelado’” (SALIH, 2013, p. 74). Simone de Beauvoir (1970) muito antes defendia que as mulheres não nascem mulheres, mas sim, tornam-se mulheres, e seu papel é definido a partir do que a sociedade define como ‘papel da mulher’, como gênero feminino. Salih (2013, p. 94) ainda explica que, para Butler, gênero seria “uma ‘estratégia’ que tem como finalidade a sobrevivência cultural, uma vez que quem não ‘faz’ seu gênero corretamente é punido pela sociedade”. Quem não respeita os padrões construídos por cada gênero será de alguma forma desvalorizado. Apesar de ser defendido que gênero é uma construção social, Louro (1997, p. 22) relembra que não é negada a biologia, e que o “gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados”, mas que enfatiza-se o fato de que essa construção é feita sobre as características biológicas, e a discussão é transmitida então para o campo social, pois as desigualdades das relações acontecem neste campo. Para Bordieu (2002) e Muraro (1995) a divisão dos sexos se tornou algo natural e ‘normal’, resultando em um reconhecimento de percepção e ação pelos indivíduos, o pensamento permanece tão enraizado na sociedade que muitos não conseguem pensar em uma organização diferente. Desta forma, antes de iniciar a definição do gênero feminino, é necessário discutir a história da definição do gênero feminino. 18 2.1 HISTÓRICO SOBRE O FEMININO Enquanto até meados do século XX as teorias de gênero se preocupavam com a posição da mulher na sociedade, atualmente a preocupação maior é com a representação e significação dessas mulheres (SARDENBERG, 2004). Em diversos momentos da história as mulheres foram “definidas como agentes reprodutivas, em outros como educadoras das crianças da nação, e até como as executoras da moralidade, e novamente como subversoras da razão” (SCOTT, 2012, p. 336). A elas foram designados diversos papéis e funções da sociedade, mas só mais tarde que os questionamentos de ‘mulher’ e não mais de ‘papel de mulher’ foram levantados. Em seu artigo, Scott (2012) introduz até que ponto, radicalmente falando, a questão de gênero pode ser discutida, onde desprende-se do corpo e discute-se as definições de homem/mulher, masculino/feminino e seus significados na estrutura da sociedade. Uma infinidade de mitos no mundo inteiro descreve épocas em que as mulheres estavam mais próximas do sagrado do que os homens. Pouco a pouco, estes mitos foram sendo substituídos por outros em que os homens iam tomando o poder (MURARO, 1995, p. 35) No início as mulheres eram cultuadas e feitas importantes por diversos mitos, com deusas que reinavam soberanas e que poderiam ou não ser destronadas ou repassarem seu poder para o masculino. Quando a distribuição de trabalho se deu entre o homem e a mulher, essas funções acabaram gerando uma divisão social, que só foi salientada e reafirmada com especialização destas funções ao passar dos anos (MURARO,1995). O patriarcado ainda tem a cultura histórica de associar as mulheres “à sedução, à traição, e ao levar o homem a caminhos que os conduzem à derrota e à morte” (MURARO, 1995, p. 66), ao lado negativo e sombrio de todas as coisas, por esse motivo o medo. Com o passar do tempo a identidade masculina foi formada, aumentando a sua capacidade intelectual e se tornando-os provedores de todas as coisas importantes, a dominação masculina. Desta forma: 19 Aos poucos, essa dominação masculina histórica foi moldando a identidade feminina. As meninas sendo educadas para uma extrema castidade e vergonha do corpo, e treinadas nos trabalhos domésticos, enquanto os meninos, desde cedo, são adestrados para a iniciativa, a coragem e a virilidade, a guerra e a independência (MURARO, 1995, p. 83) É possível ver na história a diferença da identidade feminina entre sociedades, Muraro (1995) afirma que enquanto em Atenas as mulheres tinham a função de procriar e não deveriam demostrar interesse pelo sexo, em Esparta elas eram educadas junto com os homens em atividades de guerra. Em Roma, a cultura de mulheres sem importância, elas não mereciam nem mesmo nomes exclusivos, tendo como herança nomes de seus pais. Com o surgimento do cristianismo, ao mesmo tempo que exaltavam a Virgem Maria e tentavam transparecer a adoração, a figura feminina passava a ser a “força mais importante e profunda para intensificar a submissão” (MURARO, 1995, p. 99). É possível destacar um paradoxo por parte da Igreja: enquanto discursava que “o prazer e as mulheres eram considerados culpáveis, porque afastavam o homem de Deus e transcendência”, ela também estimulou o celibato das mulheres, que serviu como a liberdade. “O celibato livrava as mulheres não só da sobrecarga da domesticidade e da reprodução como também do domínio masculino” (MURARO, 1995, p. 103). Com a criação dos conventos, as mulheres tiveram acesso à educação e a intelectualidade que até pouco tempo eram as armas masculinas para a submissão feminina. Muraro (1995) conclui que é no capitalismo que as mulheres são novamente excluídas do domínio público. Com a substituição da “unidade de produção e reprodução” pela “reprodução da força de trabalho”, elas serão incentivadas a cuidarem da casa, da família e dos filhos, neste momento há o surgimento da imagem de dona-de-casa que seria destinada às mulheres. Essa autora (1995) acrescenta ainda que depois da Revolução Francesa, em meio ao capitalismo e o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, Marx e Engels lutavam pela não opressão dos operários, mas não enxergavam a opressão das mulheres, colocando até mesmo a culpa nelas mesmas por seus “maus princípios morais” que a levavam a se prostituírem para compensar os salários muito inferiores comparado aos dos homens. 20 Apesar de Marx e Engels não darem a devida atenção à opressão das mulheres, em 1848, Seneca Falls, conforme aponta Muraro (1995), convida as mulheres a se unirem, nascendo então o primeiro movimento feminista. Meyer (2003) explica que a primeira onda do feminismo inicia com busca pelo direito ao voto, que agregou outras reivindicações como de direito à educação, condições de trabalho e ensino da docência. A primeira onda acabou se caracterizando pelos diversos grupos de mulheres lutando por necessidades diferentes. Os estudos feministas e pesquisas sobre a situação de subordinação iniciaram na segunda onda do feminismo. A partir dos resultados, diversas discussões sobre o papel da mulher na sociedade foram levantadas. Meyer (2003, p. 14) complementa destacando o desafio das feministas em demonstrar: [...] que não são características anatômicas e fisiológicas, sem sentido restrito, ou tampouco desvantagens socioeconômicas tomadas de forma isolada, que definem diferenças apresentadas como justificativa para desigualdades de gênero. O que algumas delas passariam a argumentar, a partir daqui, é que são os modos pelos quais se re-conhece(sic) e se distingue feminino de masculino, aquilo que se torna possível pensar e dizer sobre mulheres e homens que vai constituir, efetivamente, o que passa a ser definido e vivido como masculinidade e feminilidade, em uma dada cultura, em um determinado momento histórico. (MEYER, 2003, p. 14) Elas tinham a dificuldade de explicar que a desigualdade de gênero não era explicada pelas diferenças biológicas, mas sim de que maneira o feminino/masculino era representado e reconhecido socialmente. Dessa forma, Meyer (2003) explica a criação do termo “gênero” por estudiosas anglo-saxãs, que tinha como o objetivo desassociar a ligação de um determinado gênero para um determinado sexo anatômico. Ou seja, ser de determinado gênero por ter nascido com determinado sexo. O conceito de gênero ainda seria abordado por diversas outras estudiosas. Seguindo as teorias de Michel Focault e Jaques Derrida, Meyer (2003) dá maior importância à discussão de gênero focando na linguagem e na produção de relações da cultura com corpo, sujeito, conhecimento e poder. Onde se assume que as diferenças entre homens e mulheres são construídas a partir do discurso, e não de biologia. Camacho (2013, p. 01) explica que a proposta de Focault sobre poder é que ele não seria concebido de maneira vertical, mas sim de “formas díspares, heterogêneas em constante transformação, o poder é uma prática social e, como tal, 21 constituída historicamente, logo, as práticas ou manifestações de poder variam em cada época ou sociedade”. O discurso de uma época pode negar o discurso anterior e fazer sua verdade, assim como dentro de alguns anos este discurso também pode ser negado para outro ser encarado como o verdadeiro. Sendo assim, o que pode ser visto como atual discurso de diferenciação de masculino e feminino é uma alteração de um discurso antigo, que no futuro também poderá ser ressignificado. A partir deste momento vamos ver algumas relações ente feminino e corpo, amor e poder que sofreram ressignificação com o passar dos anos. 2.2 O FEMININO E O CORPO Como pontuado por Baudrillard (1996) o corpo é repleto de trocas simbólicas e gerador de significados. Seus diversos valores serão distintos a partir de suas marcas diferentes, que ao serem adicionadas ou retiradas produzirão valores também diferentes. Baudrillard (1996, p. 137) ainda apresenta o fato de o corpo feminino ter maior representação erótica que o corpo masculino, levantando a possibilidade de o privilégio se dar pela “sujeição histórica e social”, e que esteja relacionado com “toda discriminação política, o mesmo processo de desconhecimento que atua com relação à diferença dos sexos no fetichismo”. Isso resulta em uma “fetichisação” de toda a classe dominada acarretando na valorização sexual, o autor (1996) ainda destaca o fato de que todos os objetos de fetiche são originados de classes e raças dominadas. Enquanto por muito tempo as mulheres foram submetidas aos padrões e regras que deveriam seguir por crenças, religião, ou simplesmente por um construto social de obediência, o advento da luta de igualdade trouxe “uma violenta reação contra o feminismo que emprega imagens da beleza feminina como uma arma política contra a evolução da mulher: o mito da beleza” (WOLF, 1992, p. 12). Ao se libertarem e construírem sua independência, a submissão foi caracterizada pela criação do mito da beleza. 22 Goldenberg (2005, p. 35) conclui que “há uma construção cultural do corpo, com uma valorização de certos atributos e comportamentos em detrimento de outros, fazendo com que haja um corpo típico para cada sociedade”. Em Jogos Vorazes (2012) é possível perceber que o tipo de beleza cultuado no Distrito 12 é simples e não exatamente preocupado em agradar aos outros. A população tem poucos recursos para poder se dar ao luxo de gastar com produtos para embelezar. Katniss usa roupas que a proporcione segurança na hora da caça, não se importando exatamente com a estética. Sua marca registrada é a trança única que cai pelo pescoço. Na cena em que Primrose, irmã de Katniss, diz que gostaria de ser como a irmã mais velha, sugere que Katniss é uma fonte de inspiração, um exemplo de sucesso na realidade da irmã. Principalmente por ela não ter a mãe como essa referência, mas sim Katniss. O desejo da irmã mais nova em um primeiro momento pode ser pelos traços físicos de Katniss, já que a cena se trata do momento em que ambas estão se preparando para o Dia da Colheita 1 com vestidos limpos e penteados. Porém, isso só acontece depois de várias provas do cuidado e atenção que Katniss concede à irmã no lugar da mãe. O que pode significar que Prim não considera apenas ser como a irmã fisicamente, mas sim em personalidade. Wolf (1992) destaca que as mulheres atuais podem estar em uma situação bem pior que suas avós que serviam ao patriarcado, ao se analisar pelo ponto de vista físico. Hoje exige-se muito mais da mulher em uma preocupação desenfreada pelo padrão de beleza. “Voltaram a ser impostos aos corpos e rostos das mulheres liberadas todas as limitações, tabus e penas das leis repressoras, das injunções religiosas e da escravidão reprodutiva que já não exerciam influência suficiente” (WOLF, 1992, p. 20). A domesticidade foi substituída pelo mito da beleza, assumindo sua tarefa para controle social desta parte da sociedade. É possível observar essa troca também no filme Jogos Vorazes (2012), as exigências para com a personagem Katniss mudam: vão da necessidade de cuidar da família no Distrito 12 para o agradar ao público e aos patrocinadores dos jogos, impressionando-os. 1 Dia em que dois jovens de cada distrito são escolhidos para servirem como tributos nos Jogos Vorazes. 23 Lipovetsky (2000) ressalta a diferença com que é encarada a beleza pelo masculino e pelo feminino. O autor (2000) caracteriza ainda como “belo sexo”, onde há muito tempo a beleza feminina é contestada, doutrinada, para mais tarde ser completamente exigida. Desde os contos de fadas, poesias, pinturas e esculturas, e hoje em dia com seus padrões, concursos de beleza, a publicidade, a sociedade. Todos estes aspectos se preocupam com ressaltar “a importância da aparência na identidade feminina” (LIPOVETSKY, 2000, p. 101). Wolf (1992) se preocupa com a destruição psicológica que essa coerção possa causar na evolução positiva que o feminismo proporcionou para as mulheres. O padrão ideal de feminilidade originou a mudança da dona-de-casa feliz para a modelo jovem, magra e bonita. O mito da beleza ainda se preocupa com outros fatores, colocando na beleza em si diversas possibilidades que se abrem para a mulher: As mulheres devem querer encarná-la, e os homens devem querer possuir mulheres que a encarnem. Encarnar a beleza é uma obrigação para as mulheres, não para os homens, situação esta necessária e natural por ser biológica, sexual e evolutiva. Os homens fortes lutam pelas mulheres belas, e as mulheres belas têm maior sucesso na reprodução. A beleza da mulher tem relação com sua fertilidade; e, como esse sistema se baseia na seleção sexual, ele é inevitável e imutável. (WOLF, 1992, p. 15) No objeto de estudo isto não acontece, apesar de ser exigido este padrão de beleza para agradar, observa-se que não são apenas as mulheres o alvo, mas sim as personagens masculinas também. Homens e mulheres são tratados igualmente na exigência da imagem. Seja a exigência não existindo, como no Distrito 12, ou com a ostentação de extravagâncias na Capital. 24 Figura 1 - Preocupação com a beleza de Katniss Fonte: Jogos Vorazes (2012) – Elaboração da autora. Ao analisar a preocupação com beleza pela personagem Katniss Everdeen, é percebe-se que ela não é consumida pelo padrão da beleza até se tornar um tributo para os jogos vorazes. Sua vida é simples, sua função é caçar para sustentar sua família, e assim como todos os outros moradores do Distrito 12, o mais pobre dos distritos, não há motivos para se preocupar com a beleza. A real atenção a esses padrões inicia-se com o Dia da Colheita. Neste dia todas as pessoas dos distritos precisam estar apresentáveis para a transmissão televisionada que acontecerá para todo o país. A mudança radical com a estética estará associada a exposição que a garota terá a partir daquele momento e a necessidade de ter uma boa imagem para os espectadores. Ao chegar na Capital ela passa por uma transformação. Um estilista é destinado a ela, e partir daquele momento ela precisa passar por um ritual de beleza. É notável a preocupação com a aparência que a população da Capital apresenta, desta forma, todos os tributos precisam se adequar. Este artifício acaba não sendo destinado apenas as mulheres. Os tributos homens também precisam manter uma imagem agradável e dentro dos padrões do local que agora eles fazem parte. Isto é possível ser visto na evolução de Peeta Melark, o outro tributo do Distrito 12: 25 Figura 2 - Preocupação com a beleza de Peeta Melark Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) – Elaboração da autora Apesar de esperarem que as mulheres sejam “femininas, isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas” (GOLDENBERG, 2005, p. 75), os dominantes, os homens, também precisam estar à altura do que um homem deve ser, “a preocupação com a altura, com a força física, potência, poder, virilidade e com o tamanho do pênis, pode ser vista como exemplo desta dominação que o dominante também sofre” (GOLDENBERG, 2005, p. 76). É possível perceber uma certa inversão de valores com Katniss e Peeta. Enquanto Katniss é explosiva, impulsiva e pouco sorri em simpatia, Peeta é bem diferente. Ele é simpático, sabe conversar e servir, fazer amigos, não muito preocupado em exibir seu poder ou força física. Wolf (1992) ainda percebe um outro tipo de relação para encontrar no mito da beleza como a melhor saída para controlar as mulheres independentes. Segundo a autora, o mito da beleza pode não ser uma determinação de aparência, mas sim como esta mulher se comportará conforme a sua aparência. A juventude e (até recentemente) a virgindade foram ‘bonitas’ nas mulheres por representarem a ignorância sexual e a falta de experiência. O envelhecimento na mulher é ‘feio’ porque as mulheres adquirem poder com o passar do tempo e porque os elos entre as gerações de mulheres devem sempre ser rompidos. As mulheres mais velhas temem as jovens, as jovens temem as velhas, e o mito da beleza mutila o curso da vida de todas. (WOLF, 1992, p. 17) 26 A identidade da mulher se constrói pelo que representa sua beleza e está sempre passível à aprovação dos outros. A beleza da personagem Katniss é extremamente importante no período que ela precisa conquistar o público e os patrocinadores. Para ela não é necessário conseguir a aprovação dos tributos de outros distritos, mas sim de todo o público que acompanha o reality show, que torce e patrocina itens durante a arena. Essa é uma observação feita pelo seu mentor dos jogos, Haymitch. Ele deixa claro que para que ela terá mais chances de sobreviver dentro da arena, se conseguir agradar ao público e aos patrocinadores. A personagem deixa claro que não é boa em fazer amigos, mas Cinna, seu estilista, pede que ela seja ela mesma, enquanto ele toma conta de torna-la impressionante. Sua aparência fará isso por ela, sendo mais importante que seu comportamento, neste caso. A beleza já foi encarada de formas diferentes ao longo do tempo e essas diferenças estão relacionadas à posição e força da mulher na sociedade. Wolf (1992) afirma que há algum tempo já existem profissões que remuneram pela beleza, porém, com algumas ressalvas: [...] as modelos de moda, as atrizes, as bailarinas e as que se dedicavam ao sexo por remuneração mais alta, como as escorts. Até a emancipação das mulheres, as profissionais da beleza eram geralmente anônimas, de baixo status e não merecedoras de respeito. Quanto mais fortes ficaram as mulheres, maior o prestígio, a fama e o dinheiro dispensados a essas profissões. (WOLF, 1992, p. 20) A remuneração por beleza passou de algo ‘vergonhoso’ para algo extremamente importante e digno de virar um padrão para que todas as mulheres desejem ser. O que torna mais preocupante são as mensagens utilizadas para reiterar esses padrões: A ligação central do transformador é a ideologia esperançosa das revistas para mulheres. Ao fornecer uma linguagem onírica da meritocracia ("tenha o corpo que merece"; "não se tem um corpo maravilhoso sem esforço"), do espírito empreendedor ("tire o melhor partido dos seus atributos naturais"), da absoluta responsabilidade pessoal pela forma do corpo e pelo envelhecimento ("você pode moldar totalmente seu corpo"; "suas rugas estão agora sob seu controle") e até mesmo confissões francas ("afinal você também pode conhecer o segredo que as mulheres belas guardam há anos"), essas revistas mantêm as mulheres consumindo os produtos dos seus anunciantes na busca da total transformação pessoal em status que a sociedade de consumo oferece aos homens sob a forma de dinheiro. (WOLF, 1992, p. 34-35) 27 Estas mensagens colocam no controle da mulher ser o que todas devem ser. Ela consome todos os produtos por estar no seu poder ser quem ela quer, mas ao não atingir esse padrão ela torna-se frustrada e assume a culpa. Bordo (1997, p. 20) explica este comportamento: “Induzidas por essas disciplinas, continuamos a memorizar em nossos corpos o sentimento e a convicção de carência e insuficiência, a achar que nunca somos suficientemente boas”. Desta forma, mais uma vez a mulher se torna escrava de sua dependência por aceitação. Bordo (1997, p. 24) ainda ressalta o fato de que através do cinema e da televisão, as mensagens de padrões foram transmitidas culturalmente de uma forma ainda maior, as regras passam a ser ainda mais difundidas pelo discurso do corpo. É ditado o que se deve vestir, que tipo de corpo ter, quais expressões ou movimentos deverão ser feitos. Figura 3 - Desfile do Fogo Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Percebe-se este comportamento na personagem Katniss, ela não se sente completamente à vontade com o que necessita vestir, entretanto, sabe que é importante para ela e para o seu futuro na arena. Impressionar é a palavra. Suas roupas bonitas e o efeito de fogo que o estilista Cinna projetou para ela e Peeta tiveram esse efeito. Ela soube reconhecer o poder que o seu figurino teve e agradeceu Cinna por tudo que ele fez a ela. Sendo assim, sua personalidade 28 corajosa diversas vezes ressaltada por outros personagens durante o filme, foi reafirmada com a impressionante apresentação dela na entrevista antes da arena: Figura 4 - Garota em chamas Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Pela expressão de Caesar Flickerman, percebemos o impacto causado pela ação de Katniss durante a entrevista. Todos ficaram maravilhados com o poder, coragem e ousadia da garota. Wolf (1992, p. 80) sustenta que, a partir da mídia e da reprodução, as meninas aprendem que “as histórias acontecem a mulheres ‘lindas’, sejam elas interessantes ou não. E, interessantes ou não, as histórias não acontecem a mulheres que não sejam lindas”. Percebe-se a importância dada para o respeito dos padrões, para que dessa forma não se seja subjugada ou que as histórias não aconteçam. Neste caso, em Jogos Vorazes (2012), as histórias acontecem às mulheres ‘sortudas’ ou ‘corajosas’. Sortudas ou azaradas o bastante para serem sorteadas do Dia da Colheita para representar o seu distrito na arena, e com certeza elas terão toda a atenção por algumas semanas antes dos jogos. Ou corajosas para se voluntariarem como tributo, como no caso de Katniss que se sacrificou pela irmã, que ela tinha certeza que não conseguiria sobreviver dentro da arena. Wolf (1992, p. 128) ressalta a semelhança entre os antigos ritos religiosos com os ritos de beleza. Em uma de suas afirmações ela compara as mulheres que antes se preservavam para o sexo apenas dentro do casamento - e com objetivo principal a reprodução -, com as mulheres que hoje precisam se preservar alimentando-se apenas pela sobrevivência e não pelo prazer como principal objetivo. 29 Resultado de uma necessidade de adequação aos padrões, é isso o que se espera das mulheres pelo mito da beleza. Wolf ainda aponta a substituição do antigo ‘Oremos por nossa irmã’ pelo ‘Nós todos vamos incentivá-la a perder esse excesso de peso”. Figura 5 - Katniss e o ritual de beleza Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Katniss precisa passar por um ‘rito de beleza’ logo que chega à Capital. Uma equipe é responsável por deixá-la bonita e pronta para ser entregue para o seu estilista. Um dos integrantes da equipe ainda comenta que ela talvez precise ficar um pouco mais de tempo neste processo antes que possa ser entregue ao Cinna, fazendo alusão ao pouco cuidado que Katniss deu à beleza em toda sua vida. A constante vigilância que se dá sobre as mulheres também é discutida por Wolf (1992) como uma forma de valorização do poder sobre elas, “as mulheres são vigiadas, não para que se tenha certeza de que se comportarão, mas para se ter certeza de que elas saibam que estão sendo vigiadas” (WOLF, 1992, p. 130). Focault (2012, p. 191) explica isso através do efeito do Panóptico, que tem como principal efeito “induzir ao detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder”. Essa constante sensação de estar sendo julgada por seus atos e por sua imagem, conduz a mulher a estar sempre dentro dos padrões, pois ela tem a consciência que está constantemente sendo vigiada, mesmo que, de fato, não esteja. 30 Katniss é constantemente lembrada que tudo que faz na frente das câmeras irá alterar negativa ou positivamente seu status perante ao público e organização dos Jogos. Todos os olhos do país estão nos tributos do 74º Jogos Vorazes. É necessário o esforço da parte de Katniss, mesmo que seja contra muitas coisas que ela pensa ou queira fazer. 2.3 O FEMININO E O AMOR Quando se fala em amor e culto ao amor, o gênero que mais se aproxima a ele é o feminino. Enquanto “o amor, no masculino, é apenas uma ocupação entre outras, ao passo que preenche a existência feminina” (LIPOVETSKY, 2000, p. 21). Em contraponto ao que se defende sobre a mulher e sua existência para o amor, Lipovetsky (2000) também cita Simone de Beauvoir ao afirmar que ao passar dos anos o amor vem ocupando com menos frequência a vida das mulheres ao contrário de filhos, vida doméstica e material. Essa representação do amor para com o feminino será exaltada diversas vezes durante os séculos XIX e XX com a cultura de massa, em obras em que eleva-se o amor a loucuras, como afirma Lipovetsky (2000). O romantismo além dos limites é reforçado com as obras publicadas em folhetim nas revistas para mulheres, as histórias giravam entre casais, paixões e adultério. “Bulimia de leituras que exprime, mas também intensifica a paixão e os sonhos femininos do amor” (LIPOVETSKY, 2000, p. 25). Em uma análise sobre a influência das diferentes visões do amor pelos gêneros feminino e masculino, Lipovetsky (2000) acredita que com a conquista de diversos direitos por parte das mulheres envolvendo a profissão, contraceptivos, aborto, e moral sexual, contribuíram para sua independência e para a diminuição da exaltação do amor. Com a diminuição das diferenças entre homens e mulheres, a visão que ambos têm pelo amor também se assemelharam, não fazendo com que ambos deixem o amor de lado ou o reneguem, apenas não o coloquem em um pedestal. O autor (2000) ainda destaca que mesmo com a equiparação dos 31 pensamentos sobre o amor as mulheres estão ligadas ao sentimento e menos colecionadoras que os homens. Ou seja, ainda existem alguns resquícios da divisão sexual de antigamente, mulheres associando o sexo ao sentimento enquanto os homens conseguem separar ambos. Os homens continuam a considerar as mulheres enigmáticas e contraditórias, imprevisíveis e ‘complicadas’, impulsivas e ‘indiscretas’; as mulheres reprovam os homens por sua falta de psicologia e de sentimentalidade, seu egoísmo, sua ‘mutilação’ afetiva (LIPOVETSKY, 2000, p. 39) É interessante observar que a reprovação do Peeta por parte da Katniss se dá de forma contrária. Quando ele assume sua paixão pela personagem, ela se sente traída e exposta. Ela considera que ele a deixou fraca perante ao público. Algo que é descartado por Haymitch. Para o mentor, ao assumir seu amor por Katniss, Peeta deu a ela a chance de ser desejável. O processo de igualação das condições de gênero não fez com que a percepção dos gêneros por um e por outra outro fosse de que ambos sejam os mesmos, pois “as sociedades constroem elaborados sistemas religiosos, morais e legais justificando os estereótipos femininos e masculinos” (MURARO, 1995, p. 83). E mesmo de forma diferente, a sociedade atual ainda justifica ou condena esses estereótipos que iniciou-se no passado em que efetivava-se a liberdade masculina, enquanto a mulher era “considerada emocional, menos sublimada, dedicada inteiramente ao amor do marido e dos filhos e incapaz de assumir papéis econômicos e políticos, precisando portanto da proteção, orientação e supervisão dos homens em quase todos os domínios” (MURARO, 1995, p. 83). Dimen (1997) afirma que recaí sobre toda mulher a responsabilidade por procriar, educar os filhos e dedicar-se ao relacionamento. Não exatamente por ela ser responsável por colocar o filho no mundo biologicamente falando, mas sim por constituir “o gênero socialmente responsável pela ligação e pelos relacionamentos” (DIMEN, 1997, p. 53). Por ter essa função social, as mulheres ainda sofrem a regulação de outras formas pelo Estado. O Estado tem duas fontes principais de poder sobre as mulheres. Regula o acesso à base material da procriação, isto é, legisla sobre a contracepção, o aborto e a tecnologia do parto, decidindo quem terá permissão para os mesmos, como e quando. E o Estado tenta controlar as mentes mistificando os fatos a esse respeito. Por exemplo, parece que são as mulheres que tomam decisões reprodutivas independentes, pelas quais se sentem individualmente responsáveis; afinal, são adultos "individualizados". Mas, 32 por estarem "em relação" com o Estado, suas decisões já foram tomadas por elas, através de leis restringindo sua sexualidade, suas escolhas reprodutivas e seu acesso a empregos. (DIMEM, 1997, p. 53) Dimen (1997) levanta a discussão sobre até que ponto as mulheres tem poder de decidir sobre a sua sexualidade, na verdade, sua escolha só poderá ser feita depois de uma pré-seleção do Estado, restringindo as opções declaradas como as melhores. Já Moraes (2000, p.26) ressalta que atualmente “embora haja alto índice de gravidez entre adolescentes, nas camadas mais privilegiadas, ter filhos está sendo adiado. São antepostos outros projetos, como realização profissional e estabilidade econômica”. Apesar de Katniss não fazer parte das camadas privilegiadas, mas sim do distrito mais pobre e Panem, ela está muito certa sobre seu futuro e a maternidade. Em uma conversa com Gale sobre a crueldade em que os jovens de 12 a 18 anos correrem, sobre o o risco de ir para a arena dos Jogos Vorazes, ela afirma que não quer ter filhos. Quer poupar as futuras crianças de terem que passar por isso. É possível interpretar essa decisão tanto pela dificuldade de criação de um filho no distrito que eles moram, quanto pela possibilidade de criar um filho para ser morto na arena dos Jogos Vorazes. Moraes (2000) ainda reflete sobre o casamento, a felicidade e o amor, onde antigamente o casamento era sustentado pela instituição do casamento como contrato social, e não em amor. Para muitos casais, os anos de convivência acabaram significando infelicidade; a não-dissolubilidade foi garantida sobretudo pela divisão de trabalho entre sexos, a dependência econômica da mulher e o confinamento da sexualidade feminina no matrimônio. (MORAES, 2000, p. 12) A mulher não tinha o direito e nem mesmo pensava em condições para sair do casamento em caso de infelicidade. Ambos estavam ‘amarrados’ um ao outro. A escolha do parceiro também não era baseada completamente em amor. Moraes (2000) observa que o que realmente importava era o fato de ser um bom partido, “que mostrasse promissoras chances de ascender materialmente e assegurar o futuro da esposa e filhos” (MORAES, 2000, p. 21). Temas míticos como a princesa em perigo ou oferecida como prêmio pelas façanhas do herói ou a tradição judaico-cristã, que vê a mulher enganada pela serpente, a fonte do pecado e da tentação, são expressões simbólicas de uma ordem em que o homem tem papel de redenção do feminino. (MORAES, 2000, p. 66) 33 Ao analisar a personagem Katniss Everdeen sobre percebe-se que ela carrega ambas características abordadas por Moraes (2000): a de salvadora do príncipe e a que precisa de salvação do príncipe. Designando o papel de príncipe para Peeta Melark podemos destacar algumas situações: Figura 6 - Entrevista de Caesar com Peeta Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Em sua primeira entrevista com Caesar Flickerman, o apresentador e mestre de cerimônias dos Jogos Vorazes, Peeta Melark assume a posição de homem apaixonado e deixa claro que seu amor da vida toda não poderia se concretizar pois a garota pela qual ele nutria esse amor havia vindo com ele para os Jogos Vorazes. Apesar de Katniss Everdeen ter ficado extremamente brava com ele, justificada pelo papel de fraca que ela poderia ter assumido, Haymitch, o mentor dos jovens, fez questão de contradizê-la. O que Peeta havia feito naquele momento iria contribuir para que ela fosse salva na arena. O que fica ambíguo por não sabermos se Peeta fez isso para salvar Katniss, ou para salvar a própria pele, levando em consideração que em uma de suas falas ele assume que sua mãe havia admitido que finalmente o Distrito 12 poderia ter um vencedor, e que ela não estava falando dele. O ‘amor dos jovens’ dentro da arena foi um dos motivos responsáveis para que ambos saíssem vivos de lá. Foi ele que resultou na mudança de regras que dois poderiam sair vencedores - e consequentemente foi isso que acabou acontecendo. Ambos foram salvos. O que fica ambíguo novamente é se a decisão de Katniss de assumir um romance durante os Jogos foi para salvá-los ou porque, de fato, o sentimento era 34 verdadeiro. A dúvida se acentua porque a personagem não tem muita habilidade sentimental, e sua frieza poderia ser confundida com a mentira que ela estava tentando contar. Porém, Peeta Melark também não sairia vivo se não fosse por Katniss. Assim que foi noticiada a mudança de regras, a personagem saiu à procura do companheiro de distrito. Ao encontra-lo, ele estava ferido e com extremas dificuldades para andar. Figura 7 - Peeta e Katniss Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Ele insistiu para que ela se salvasse e o deixasse, mas ela não aceitou o pedido. O romance, mais uma vez redentor, permitiu que ambos pudessem sair vivos. E a coragem de Katniss e ‘desrespeito’ ao pedido de Peeta, fez com que ele fosse curado. Branca de Neve foi ajudada pelos anões, vitimada pela bruxa e salva pelo Príncipe. Cinderela virou princesa porque o príncipe encaixou-lhe o sapatinho de cristal. Bela Adormecida dormiu e acordou com o ‘Príncipe na boca’. Todos estes contos de fada têm esse padrão de espera feminina, uma espera passiva, ‘adormecida’, e neles a atuação é exclusivamente masculina. Mas hoje, não tem sapatinho de cristal; é a mulher que compra o mocassim para o namorado; Ela está acordada, não espeta o dedo na roca e se ela não dorme, qual o príncipe que vai acordá-la? Ele se tornou sem papel. Além disso, essas frágeis princesinhas eram desprovidas de desejo sexual e não exibiam o ‘falo’ que a mulher hoje exibe. Esses novos papéis femininos não cabem neste tipo de conto de fada e comprometem o final feliz. (MORAES, 2000, p. 67) Mesmo assim Katniss não atuou conforme os contos de fadas com protagonistas que precisam ser salvas literalmente, ela foi diversas vezes foi 35 extremamente corajosa e não ficou à espera da salvação do príncipe. Ela agiria com as armas que tivesse. Moraes (2000, p. 74) indica uma “parceria bissexual”, onde as coisas passam a se equilibrar: [...]essa nova mulher, em um nível de consciência, tenderá a esperar cada vez menos que o homem seja provedor, por exemplo. Ainda que ele o seja, isso não basta. [...] Essas falas ainda estão confusas mas indicam que a história, daqui pra frente, será escrita por uma parceria bissexual. Katniss e Peeta salvaram a si mesmos em cooperação, intencionalmente ou não, eles agiram por suas crenças sem exatamente se curvarem ao discurso do outro. Entretanto, é importante observar que o papel de ação de Katniss para a salvação foi maior, e mais físico do que o de Peeta. Katniss agindo com a razão e Peeta com o sentimento. 2.4 O FEMININO E O PODER Mitos primitivos destacavam a supremacia e o poder funesto feminino, conforme Lipovetsy (2000). O autor (2000, p. 261) ressalta que os modernos também reconhecem esse poder, “soberania das belas sobre seus amantes, governo da sombra, influência das mães sobre os filhos, reino das mulheres sobre os costumes e as modas”, e justifica que é por esse reconhecimento que eles mantiveram as mulheres afastadas do poder político e econômico. Figura 8 - Banquete da comissão avaliadora durante o teste Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) 36 Os tributos precisam passar por um teste sob avaliação dos organizadores dos jogos. Neste teste, Katniss ao não receber atenção da comissão avaliadora após um lançamento perfeito da flecha no alvo, é ousada e atira na maçã que está na boca de um porco no banquete que está sendo servido (Figura 8). A ousadia é beneficiada por uma avaliação Nota 11. A maior nota entre os tributos. Em um dos diálogos entre o Presidente Snow e o organizador dos jogos, Seneca, o presidente faz uma observação sobre esperança e ironiza sobre o poder que foi dado à Katniss ao conceder uma Nota 11 para o seu desrespeito. Ele analisa que a flecha que atingiu a maçã, poderia ter acertado a cabeça das pessoas que estavam lá e a Nota 11 estava premiando este tipo de ousadia. Era dar poder demais para a afronta. Snow explica que esperança é mais forte que o medo, mas que muita esperança é algo perigoso. Esperança só seria bom, se fosse controlada. Katniss precisaria ser controlada, para não dar esperanças demais, ou poder demais. Strey (2008) reconhece que até recentemente a sociedade era completamente patriarcal, ou seja, os homens detinham o poder e as mulheres deveriam ser subordinadas. Porém, de acordo com a autora (2008) as coisas mudaram: o poder ainda é algo masculino, mas as mulheres já podem exercer este poder. Lipovetsy (2000) sugere que isso é a “feminização do poder”: De agora em diante, nos países desenvolvidos, a presença feminina é maior que a masculina nas universidades, as moças penetram cada vez mais nos bastiões tradicionalmente reservados aos rapazes e representam quase metade dos efetivos das escolas de comércio. Nas empresas, os quatros femininos atingiram a massa crítica, ou se aproximaram dela, em vários países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). (LIPOVETSKY, 2000, p. 263) O sistema que governa o Panem é um sistema patriarcal. Todas as atividades de comando e de real importância na tomada de decisões é realizada por um homem. O presidente (Snow) é homem, o idealizador dos jogos (Seneca) é um homem, inclusive o mentor do Distrito 12 (Haymitch) é um homem. Porém, a protagonista do filme e que se difere de todos é uma mulher, Katniss Everdeen. Atualmente existe a estimulação para que as mulheres sejam ambiciosas no quesito de poder. O modelo antigo da mulher concorre com o modelo de mulher ambiciosa, e o ser bem-sucedida tornou-se algo midiatizado e legítimo. Porém, por 37 outro lado, os estereótipos sexuais ainda afastam as mulheres de certos postos, “criam conflitos de papéis entre feminidade e competência, deformam a avaliação de seu desempenho” (LIPOVETSKY, 2000, p. 267). Não está mais no quesito “elas não podem”, mas sim questiona-se a capacidade de poder. Essa afirmação sugere que as mulheres não tenham o medo de não serem bem sucedidas, mas sim, a necessidade da exposição e, talvez, o advento das críticas. Wolf (1992) argumenta que enquanto as mulheres alcançavam e exigiam o acesso ao poder, recorreu-se a outra forma de prejudicar sua ascensão e progresso, reforçando a necessidade das mulheres se renderem ao mito da beleza, já discutido anteriormente neste trabalho. “A discriminação pela beleza se tornou necessária não pela impressão de que as mulheres ficariam sempre aquém do esperado, mas, sim, pela impressão de que elas seriam, como vêm sendo, ainda melhores.” (WOLF, 1992, p. 27). O autor Lipovetsky (2000, p. 282) reafirma ao destacar que as mulheres estão “menos preocupadas em obter postos do que em fazer passar suas ideias e realizar avanços concretos”, o que não significa que elas não tenham ambição, mas sim que elas preferem alcançar os resultados do que os postos e felicitações, “o poder é percebido mais como um meio do que como um fim em si”. Talvez seja dizer que as mulheres ainda tenham um resquício do pensamento do passado, da acusação e do ‘não poder’, dessa forma, o fato de realizar o que querem seja mais benéfico do que ganhar os louros por isso, e agir por trás seja mais vantajoso por não estar em exposição. Não só pela avaliação do seu trabalho, mas também pelos os outros aspectos que são julgadas, como o mito da beleza abordado por Wolf (1992). A vantagem masculina poderia ser dupla. Enquanto os homens são mergulhados em uma cultura mais competitiva, que desenvolve pretensões, a confiança e a superestimação de si necessárias ao exercício da liderança, as mulheres são ‘postas em desvantagem’ por uma sociedade superprotetora, acarretando um nível mais baixo de autoestima (LIPOVETSKY, 2000, p. 302). A explicação para este tipo de comportamento é sugerida por Lipovetsky (2000) que acredita que isso aconteça pela forma como meninos e meninas são criados. O modelo de criação prepara melhor os meninos para a competição de poder e completa que é nesta fase que se inicia a desigualdade dos sexos no quesito de poder. O estímulo à dominação e competição dos meninos iniciada na 38 infância precisa ser reafirmada na adolescência, desta forma eles são reconhecidos por seus companheiros, reafirmando seus valores. Ocorre uma diferenciação na criação das crianças no objeto de estudo. Não uma diferenciação por gênero, mas por distrito, por casta. Os distritos mais favorecidos como o Um, o Dois e até o Três, treinam seus tributos desde muito jovens, para que no futuro eles sejam voluntários como tributos dos jogos. É percebível a diferença entre os ‘carreiristas’1, dos tributos normais dos outros distritos, que na maioria das vezes precisam ajudar suas famílias durante toda a sua vida e não existe treinamento. Não ocorre uma diferenciação de gêneros entre tributos, neste caso, ambos são tratados do mesmo jeito, sejam carreiristas ou não. Lipovetsky (2000, p. 203) destaca que as mulheres ainda são orientadas ao “relacional, o psicológico, o íntimo e as preocupações afetivas, domésticas e estéticas; o masculino para a ‘instrumentalidade’, o tecnocientífico, mas também para a violência e o poder”. Ou seja, mesmo que seja legítimo ter o mesmo comportamento entre homens e mulheres, a sociedade ainda está orientada a ter outro pensamento, trata-se de algo mais psicológico do que entre o que é permitido ou não por lei. Figura 9 - Katniss como caçadora Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Katniss aprendeu a caçar e após a morte de seu pai, tornou-se a provedora de sua família (composta por sua mãe e sua irmã). Ela se arrisca ao atravessar a cerca de alta voltagem que tem a passagem proibida e caça para vender no mercado de pulgas. Ousando até mesmo a vender para os pacificadores corruptos. 1 Jovens que são treinados desde a infância para se voluntariarem aos jogos vorazes. 39 Peeta é age de forma contrária, cresceu em uma família que tem uma padaria, ele apesar de possuir força física por levantar sacos de farinha, também cozinha e confeita bolos. Sua personalidade é muito mais sensível que a de Katniss, e esta característica fica clara na cena em que ambos estão saindo do Distrito 12 com Effie (Figura 10). Figura 10 - Katniss, Effie e Peeta Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Enquanto Effie fala sobre as maravilhas da capital, Katniss mantem uma postura fria e desconfiada e Peeta está inconsolável, chorando. Existe uma inversão dos papéis entre Katniss e Peeta. Este comportamento pode ser explicado porque a dominação masculina ou feminina estaria envolvida com o quanto o homem está envolvido na esfera doméstica e a mulher na esfera pública (STREY, 2008). Então é possível observar que Peeta está muito mais envolvido e inserido na esfera doméstica do que Katniss, que usa a caça para conseguir alimento e faz negociações no mercado de pulgas. Strey (2008, p. 190) ainda reflete sobre a razão desta distribuição de trabalho: A razão dos homens caçarem seria o fato das mulheres serem mais voltadas naturalmente para suas famílias ou menos móveis devido aos encargos da maternidade e do cuidado com as crianças. As mulheres, então, devido a isso, foram incapazes de desenvolver a agressividade, a atenção aos detalhes, ao planejamento e à lealdade ao grupo e cooperação ostensiva ligada à caça como uma atividade cooperativa. Essa adaptação às necessidades de subsistência imprimiu na humanidade a divisão sexual do trabalho, na qual os homens se tornaram mais agressivos e mais capazes para o trabalho conjunto em grupos, enquanto que as mulheres se tornaram mais passivas e mais fixadas nos trabalhos domésticos e cuidado com as crianças. 40 Desta forma, é possível relacionar a personalidade da personagem Katniss já discutida anteriormente: as atividades desenvolvidas ao longo do crescimento dela resultaram no que ela se tornou. Mesmo assim, não impediu o carinho que ela tem com a irmã. A preocupação com o sustento e desenvolvimento dela. De certa maneira, ela desenvolveu um misto de características, a casca composta por frieza e agressividade, mas que é dissolvida quando o assunto é sua irmã, ou alguém que a lembre dela. Como é o caso da Rue. Figura 11 - Katniss e Rue na arena Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) O instinto de proteção da personagem aflora quando ela reconhece em Rue, sua irmã mais nova que ficou no Distrito 12. Ela relembra que a Rue tem a mesma idade de Prim, talvez não com as mesmas características de sobrevivência, mas ainda sim passível de proteção e fragilidade. É a partir da morte de Rue que Katniss tem seu segundo grande ato de coragem que acaba resultando em algo que ela nem saberia que poderia causar (Figura 12). 41 Figura 12 – Katniss e o gesto da revolução Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) O fato de ela ter tratado com carinho e respeito a morte da personagem em uma arena que elas seriam adversárias, somados ao fato de ela levantar os três dedos para representar sua objeção ao sistema, gerou uma rebelião no Distrito 11, onde as imagens foram exibidas. Ela foi o despertar para a luta contra o governo que obrigada a jovens lutarem em uma arena e servirem de diversão para o seu público faminto por espetáculo. Sua ousadia foi novamente protagonista dos jogos na arena quando, no final, ela desafiou o presidente do país e o organizador dos jogos, a não ter um vencedor. Oferecendo para Peeta as amoras venenosas (Figura 13). Essa seria sua forma de não concordar com o que o sistema planeja para a população. Figura 13 - Possível final dos jogos vorazes sem um vencedor Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) 42 Este comportamento pode ser relacionado ao que disse Lipovetsky (2000) anteriormente, sobre as mulheres não agirem exatamente por querer os louros, mas sim pensando no que isso poderia mudar na sociedade. Katniss não tem a intenção de ser o símbolo da revolução em Panem, mas seus atos, que condizem com sua personalidade desde o início, resultaram nesta imagem perante o povo de todo país. Inclusive para o presidente Snow, que a observa desde o início, quando se voluntariou como tributo no lugar da irmã. Ele se mostra desconfiado desde o começo, e isso fica claro em seus diálogos com Seneca, o organizar dos jogos. 43 3 CINEMA E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL Qualquer tipo de arte, e principalmente o cinema, necessita do sentimento de reconhecimento da realidade do público, e mesmo sabendo que o que está à sua frente é algo irreal, o espectador emocionalmente o vive como algo real (LOTMAN, 1978). Turner (1997, p. 73) explica que desde o início percebemos o mundo por meio de histórias: [...] o mundo 'vem até nós' na forma de histórias. Desde os primeiros dias da nossa infância, nosso mundo nos é representado por meio de histórias contadas por nossos pais, lidas nos livros, relatadas pelos amigos, ouvidas nas conversas, compartilhadas entre grupos na escola, disseminadas no pátio do refreio. Isso não significa dizer que todas as nossas histórias explicam o mundo. Em vez disso, a história na qualidade narrativa nos fornece um meio agradável, inconsciente e envolvente de construir nosso mundo. A narrativa pode ser descrita como uma forma de 'dar sentido' ao nosso mundo social e compartilhar esse 'sentido' com os outros. O autor (1997) ainda reflete que compreenderemos o cinema a partir das nossas próprias experiências, seja em vivência ou ao observarmos outros filmes. É possível reconhecer características similares, que farão sentido a partir do que nos é comum. Assim: A mera percepção das pessoas e do fundo, da profundidade e do movimento, fornece apenas o material de base. A cena que desperta o interesse certamente transcende a simples impressão de objetos distantes e em movimento. Devemos acompanhar as cenas que vemos com cabeça cheia de ideias. Elas devem ter significado, receber subsídios da imaginação, despertar vestígios de experiências anteriores, mobilizar sentimentos e emoções, atiçar a sugestionabilidade, gerar ideias e pensamentos, aliar-se mentalmente à continuidade da trama e conduzir permanentemente a atenção para a um elemento importante e essencial – a ação. (MUNSTERBERG, 1983, p. 27) A imagem que vemos na tela precisa fazer sentido e despertar significados na mente dos telespectadores. Gerar relações, ligar-se a memórias ou outras referências. A experiência de um filme está nessas ligações feitas. As imagens apresentadas vão além dos seus significantes para sim criar significados. Lotman (1978) ainda destaca que um filme pode fazer parte de lutas ideológicas, cultura e arte de uma época. Faz relação com o seu público ou com o contexto histórico que está inserido. A significação do cinema atua “na organização da 44 representação para dar um sentido específico a um público específico” (TURNER, 1997, p.55). As imagens do cinema produzem um significado social e, a partir da semiótica, é possível designar a significação social como produto de relações construídas entre signos. Os signos são a unidade básica, uma fotografia, uma cor, um som, algo que produza significação (Turner, 1997). Segundo Kaplan (1995) é possível dividir a análise de filmes em duas categorias: cinematográficas e extracinematográficas. Enquanto o cinematográfico se refere ao que está sendo transmitido na imagem e o que se passa entre ela e o telespectador, envolvendo toda a produção de experiência do filme, o extracinematográfico se refere a outras esferas: (i) a vida do diretor, das estrelas, dos produtores etc., (ii) a produção de cinema em Hollywood, como instituição, (iii) a política da época em que o filme foi realizado e (iv) os pressupostos culturais da época em que o filme foi realizado. (KAPLAN, 1995, p. 40) Desta forma, envolve todos os outros aspectos que o filme está inserido, como os envolvidos na produção e criação do filme, a época de filmes de Hollywood, contexto histórico e toda a situação que a sociedade está no momento. Turner (1997) acredita que a escolha do elenco é um dos aspectos mais importantes na construção da personagem de um filme, segundo o autor (1997, p. 106), “uma boa escolha mobilizará todos os significados trazidos por uma determinada estrela, injetando-os na representação da personagem na tela”. A atriz escolhida para a interpretação da personagem Katniss Everdeen foi Jennifer Lawrence, que atualmente conta com duas indicações ao Oscar de Melhor Atriz (2012 e 2013) e Melhor Atriz Coadjuvante (2014), sendo que em 2013 venceu a categoria como Melhor Atriz pela sua atuação em O lado bom da vida. (IMDB, 2014). 45 Figura 14 - Jennifer Lawrence em Inverno da Alma, antes de Jogos Vorazes Fonte: Vortex Cultural (2011) Antes da estreia de Jogos Vorazes a atriz havia sido indicada ao prêmio de Melhor Atriz pela personagem Ree em Inverno da Alma, que vive também uma garota que precisa amadurecer rápido demais para cuidar dos irmãos e da família, como pode ser observado em uma crítica de Ramos (2011) ao site Pipoca Combo: E, sendo Ree uma personagem gravitacional, o mérito do filme deve-se em boa parte ao ótimo trabalho executado pela jovem Jennifer Lawrence, que empresta firmeza a uma personagem fadada ao amadurecimento precoce e ao maternalismo. E definitivamente esses não são bons tempos para as heroínas. Em O Inverno da Alma, Ree tem que lidar com o orgulho inerente à qualquer ser humano e a necessidade que lhe obriga, por exemplo, a caçar e oferecer esquilos para o jantar. Não obstante, o mundo parece simplesmente não vê-la como uma jovem de dezessete anos, pretensão que por sinal ela mesma parece não ter. Turner (1997) desta que as personagens só se tornam visíveis por intermédio dos atores, que contribuem para a representação dos significados. A escolha da atriz para viver a personagem Katniss Everdeen no filme reitera a análise feita no capítulo anterior. A própria Jennifer Lawrence atribui a personagem uma personalidade heroica, independente e séria, que a conduziu a indicação ao Oscar de Melhor Atriz anteriormente por sua interpretação no filme Inverno da Alma. 46 3.1 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO GERADOR DE SENTIDO EM JOGOS VORAZES A história contada através de um filme está o tempo todo guiando a atenção do telespectador para que o significado que ele produza seja o mais próximo possível do que realmente se quis passar. “Tudo se regula pela atenção e pela desatenção” (MUNSTERBERG, 1983, p. 28). Ainda podemos dividir a atenção em atenção voluntária e involuntária, como afirma o autor (1983, p. 28). Ela é classificada como voluntária quando a ideia de foco a algo já está pré-concebida para receber a atenção, enquanto a involuntária depende do interesse pessoal. Munstengerg (1983, p. 28) ainda afirma que “se entrarmos realmente no espirito da peça, a atenção se deixa levar constantemente pela intenção dos produtores”. Ou seja, a partir do momento que não temos um interesse específico em focar a atenção em determinado aspecto, o objetivo de quem faz a imagem irá se concretizar. Para conquistar a atenção das pessoas no cinema há diversos artifícios. Assim: Cada gesto, cada expressão fisionômica ordena e dá ritmo à multiplicidade de impressões organizando-as em benefício da mente. A ação rápida, a ação insólita, a ação repetida, a ação inesperada, a ação de forte impacto exterior mais uma vez toma conta da nossa mente e abala o equilíbrio da atenção. (MUNSTERBERG, 1983, p. 29-30) Turner (1997) explica que os primeiros filmes não foram narrativas estruturadas, mas sim registros do dia-a-dia em tomada única, iniciado pelos irmãos Lumière. Esse autor (1997) ainda destaca que George Méliès é o responsável por fazer o primeiro uso da edição: Méliès foi o primeiro a fazer o uso da edição, o que possibilitava ao cineasta arranjar a seqüência(sic) de imagens na tela, em vez de permitir que isso fosse ditado pelo assunto em si. Também se atribuiu a Méliès a invenção de outras práticas que fizeram com que a narrativa pudesse ser estruturada – isto é, acelerada, desacelerada, em suma, composta – com alguma organização. (TURNER, 1997, p. 37) Entretanto, foi Eisenstein quem buscou entender a linguagem do cinema e fez o uso da edição para produzir um enunciado. Sua teoria reforçava que a 47 significação era produzida a partir da comparação de duas tomadas que compõem uma montagem (TURNER, 1997). A montagem no cinema ficará responsável por guiar a atenção involuntária do telespectador e leva-los o mais próximo possível do objetivo desejado de significação. Martin (1990, p. 164) define montagem como “a organização dos planos de um filme segundo determinadas condições de ordem e duração”. Os objetivos podem ser diversos também, mas no cinema “os personagens são, antes de tudo, sujeitos de experiências emocionais: a alegria e a dor, a esperança e o medo, o amor e o ódio, a gratidão e a inveja, a solidariedade e a malícia, conferem ao filme significado e valor” (MUNSTERBERG, 1983, p. 46). Pudovkin (1983) afirma que a lente da câmera será a responsável pela ação que o telespectador deverá seguir, dirigindo seu olhar para um ou outro elemento conforme a sequência que atenção que deverá acontecer. Logo na primeira parte do filme Jogos Vorazes a montagem se revela importante para ao contrapor duas realidades diferentes, como na sequência representada pela Figura 15 e Figura 16. Figura 15 - Sequência Katniss e o Distrito 12 Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) – Elaboração da autora 48 Figura 16 - Sequência Katniss e o Distrito 12 Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) – Elaboração da autora Percebe-se que a sequência de cenas compara Katniss aos outros moradores do Distrito 12. Após deixar sua casa dizendo para sua irmã que volta logo, Katniss percorre pelas casas do distrito e uma sequência de imagens diferentes é mostrada ao espectador. As mulheres deste distrito estão ocupadas com afazeres domésticos ou paradas com olhares de desalento, os homens andam em um grande grupo, com equipamentos e cercados de sujeira. Crianças brincam com a lama, sem qualquer outra perspectiva, assim como as crianças que espiam pelo buraco da porta, apreensivas. Katniss não se assemelha a nenhuma destas realidades mostradas na sequência. Ela se porta de forma segura e obstinada durante o trajeto. Demonstrando que tem um objetivo em meio a todo desamparo que a cerca. Katniss Everdeen se contrasta com as outras personagens do Distrito. 49 Ela não demonstra conformismo, pelo contrário, mostra-se desafiadora correndo entre as casas e as pessoas que mantém um olhar desconfiado e/ou derrotado. Pudovkin (1983) explica como a montagem conduz o olhar do espectador para a ação que é importante para a narrativa: A montagem constrói as cenas a partir dos pedaços separados, onde cada um concentra a atenção do espectador apenas naquele elemento importante para a ação. A sequência desses pedaços não deve ser aleatória e sim corresponder à transferência natural de atenção de um observador imaginário. (PUDOVKIN, 1983, p. 60) Cada pedaço, sequência e forma com que aquela cena está sendo apresentada respeita a ordem lógica que se quer apresentar, não está ali por acaso, “é um método que controla a ação psicológica do espectador” (PUDOVKIN, 1983, p. 61). Eisenstein (2002) afirma que a montagem já teve grande importância no passado e chegou a não ser considerada como algo relevante, porém, o autor (2002, p. 13) prefere “lembrar que a montagem é um componente tão indispensável da produção cinematográfica quanto qualquer outro elemento eficaz do cinema”. A montagem é necessária para contar uma história de forma coesa e que faça sentido, e ao juntar dois planos independentes uma nova representação destes planos será criada. Pudovkin (1983) estabeleceu que uma das técnicas de montagem utilizada no cinema é o contraste, para conduzir o espectador a comparar alguma situação. Mostra-se o extremo de duas coisas e por meio da montagem e sequência de cenas, ele faz a comparação. Nogueira (2010) observa que esse método de montagem é geralmente utilizado para a comparação de características ideológicas ou éticas, “o preto e o branco, o bem e o mal, o masculino e o feminino, o forte e o fraco, a escassez e a abundância são alguns de uma infinidade de exemplos” (NOGUEIRA, 2010, p. 156). Já no método Paralelismo, que pode ser considerado semelhante ao Contraste com a sequência de ações acontecendo ao mesmo tempo, na verdade não busca a comparação, mas sim mostrar ao espectador histórias que acontecem em paralelo durante o mesmo período de tempo. Na sequência ilustrada pela Figura 15 observa-se a utilização deste método. Duas realidades que acontecem ao mesmo tempo, neste caso, no mesmo local, mas que se diferem de alguma forma. E estão 50 dispostas em sequência intercalada para destacar a diferença entre estas realidades. Nogueira (2010, p. 165) confirma este pensamento explicando o Paralelismo como “duas ideias estabelecem entre si algum grau de semelhança ou diferença temática ou conceptual, que se vai insinuando de forma progressiva”. A montagem ainda será responsável por transmitir comparações em outros momentos importantes no objeto estudado. A partir da entrada dos tributos na arena dos Jogos Vorazes, as ações serão refletidas no público espectador. Por se tratar de um reality show, o público tem acesso ao que acontece lá dentro por meio de imagens transmitidas pela Capital a todo país. Apenas as reações às ações de Katniss são mostradas por meio da montagem, sejam essas reações as do presidente, dos organizadores dos jogos, do seu mentor Haymitch, do público da capital, de outros distritos ou do seu próprio distrito. Cada ação da personagem dentro da arena provocará sentimentos ou tomadas de decisão por parte do público de fora. Uma das primeiras reações demonstradas é a representada na Figura 17. São intercaladas as cenas entre o sofrimento de Katniss e a reação de seu mentor. Figura 17 - Reação de Haymitch à dor de Katniss Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) – Elaboração da autora O primeiro momento de fragilidade da personagem é intercalado com a observação de Haymitch. A reação dele reforça o sentimento que o espectador deve ter do filme: a personagem está sofrendo, precisa de ajuda, mas ainda assim não se entrega aos outros tributos que querem matá-la. Ela resiste. Em seguida, Haymitch tenta ajudá-la da forma que pode. Conversa com patrocinadores e consegue enviar o medicamento que pode curar o ferimento de Katniss. 51 O segundo grande momento que ilustra o que implica uma das ações de Katniss dentro da arena é o representado na Figura 18. Figura 18 - Desafio e revolução Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) – Elaboração da autora Após a morte de Rue, Katniss reforça o sentimento de não concordar com nada a que foi submetida. Ela não conseguiu salvar uma criança da violência da arena, e após ‘velar’ Rue, ela encara uma das câmeras da arena e faz o gesto com os três dedos ao alto. O gesto já havia sido apresentado logo no início do filme pelo Distrito 12, no Dia da Colheita, quando Katniss se voluntariou como tributo. Este gesto faz alusão a um protesto, um protesto em silêncio. A reação do Distrito 11 é concordar e se rebelar logo após a transmissão das cenas em praça pública. Pudovkin (1983) explica o reforço de um tema durante um filme, no caso, a utilização do gesto com os três dedos para o alto, por meio do método Leitmotiv1. Este método é utilizado pelo roteirista para reforçar um tema durante o filme. O gesto foi resgatado do início do filme e se tornou um símbolo para a revolução. Ao desafiar a capital ‘velando’ a morte de Rue e causando a rebelião no Distrito 11 (Figura 18), Katniss correu o risco de ter sido morta pelo organizador dos jogos, Seneca. O que impediu que isso acontecesse foi o estímulo de Haymitch a dar algo para que a público vibre, o “amor jovem” como ele menciona, do que reforçar a rebelião com a morte de Katniss. Seu argumento para livrar Katniss da morte é que, ao matá-la, a Capital a transformaria em uma mártir. Mais uma vez Katniss foi salva por seu mentor. 1 Leitmotiv é uma palavra alemã que tem como significado “motivo condutor” (PRIBERAM, 2014) 52 Martin (1990) resume todos os tipos de montagem estudados por outros pensadores e pesquisadores em três categorias principais: rítmica, ideológica e narrativa. Para Martin (1990, p. 197) o ritmo cinematográfico é “mais do que a apreensão das relações de tempo entre os planos, a coincidência entre a duração de cada plano e os movimentos de atenção que suscita e satisfaz. Não se trata de um ritmo temporal abstrato, mas de um ritmo de atenção”. O ritmo faz uma grande contribuição na geração de sentido de um filme. Se os planos se tornam cada vez mais curtos, temos um ritmo acelerado que dá a impressão de uma tensão crescente, de aproximação do centro dramático, até mesmo de angústia [...] enquanto os planos cada vez mais longos conduzem ao regresso de uma atmosfera calma, de uma descontração progressiva depois da crise. [...] É ainda necessário assinalar que uma mudança brusca de ritmo pode criar vigorosos efeitos de surpresa. (MARTIN, 1990, p.189) A partir da duração dos planos rápidos ou longos cria-se um significado diferente para o espectador e buscando-se atingir o objetivo esperado. Martin (1990) ainda relaciona a montagem rítmica como a criação de uma ordem estética e psicológica, e que para essa estabelecer essa ordem também é necessário estudar a montagem ideológica. É o tipo de montagem que irá comunicar ao espectador o ponto de vista. O autor (1990) divide esse tipo de montagem em algumas outras categorias: tempo que divide-se em anterioridade, simultaneidade, e posterioridade; lugar, quando se mostra vários planos de uma mesma imagem; causa, onde mostrase o que causou a cena anterior; consequência, o que foi causado pela cena anterior; e o paralelismo, que se assemelha ao paralelismo de Pudovkin discutido anteriormente. Por último, Martin (1990) reconhece a montagem narrativa, que será responsável pela ordem que a história será contada. Podendo ser linear, em ordem lógica e cronológica, que torna-se a forma mais comum; alternada, onde se altera a ordem cronológica “saltando livremente entre o passado e o presente. Pode-se tratar de um único regresso ao passado, que ocupa praticamente todo o filme” (MARTIN, 1990, p. 197); alternada, que o autor afirma que ela pode sugerir um choque de dois elementos de ação (das cenas alternadas) no final das sequências; e a paralela, que se parece com a alternada, mas que não leva em consideração o tempo, já que as 53 situações expostas não precisam ser simultâneas, apenas também gerar um confronto no final. A montagem narrativa do filme Jogos Vorazes (2012) é contada de forma linear cronológica. Onde tem início com a escolha dos tributos, o treinamento, a arena e a conclusão. Porém, algumas vezes são exibidas cenas do passado de Katniss, remetendo a lembranças da personagem. Em dois momentos isso acontece: quando a personagem lembra que havia conhecido Peeta antes do Dia da Colheita e quando ela resgata memórias do seu pai durante uma alucinação. Figura 19 - Peeta e a mãe brigando pelo pão Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) As memórias de Katniss sobre Peeta são resgatadas logo em que ele é sorteado como tributo do Distrito 12 ao lado dela. Peeta é filho de padeiro e ajuda a família na fabricação dos pães. Em um momento no passado, sua mãe briga com ele pelos pães queimados e ordena que ele jogue aos porcos a produção perdida. Katniss está na chuva, encostada em uma árvore e, pela sua expressão, com fome. Peeta desafia as ordens de sua mãe e joga um dos pães para Katniss. Ela recorda que ele havia a ajudado no passado, mesmo que tenha sido contra as ordens de sua mãe. Uma quebra na montagem narrativa linear acontece novamente no momento que Katniss sofre uma alucinação no meio da arena, logo após ser picada por teleguiadas1. 1 Insetos do filme alterados em laboratório que se assemelham a vespas. Eles podem causar alucinação. 54 Figura 20 - Imagem do pai de Katniss em sua alucinação Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Durante sua alucinação, Katniss tem lembranças de sua casa (Figura 20), tendo como objeto de maior destaque o retrato do seu pai. Este retrato faz parte do cenário do início do filme e por isso dá a certeza que se trata da casa de Katniss. A lembrança, em preto e branco novamente, muda diversas vezes para um grupo de homens do qual seu pai faz parte. Este grupo caminha por um corredor de uma mina de carvão e entra em um elevador. Quando o elevador fecha, uma explosão acontece. Por não haver a presença do pai de Katniss durante o filme, conhecemos sua história e passado por meio da alucinação da personagem. Fica claro que ele torna-se um elemento importante por ser um objeto que estava presente na casa de Katniss no começo do filme, e volta novamente às cenas. A personagem tem o pai como exemplo e percebe-se que ela se colocou no lugar do pai na família depois do seu falecimento. Esta explosão também atinge a casa na lembrança de Katniss. As cenas que seguem ilustram Katniss brigando com a mãe, que não reage, um corte para a irmã dela em silêncio, e novamente uma imagem dela e sua mãe. Esta sequência representa que após a explosão da mina e a morte de seu pai, sua casa também desmoronou, metaforicamente, já que vemos ela inteira no início do filme. Sua mãe não conseguiu tomar o controle da família e as súplicas de Katniss para que ela reagisse (“Mãe, não fique sentada olhado para mim. Por favor, diga alguma coisa!) não resultaram. Este mesmo pensamento é reafirmado pelo diálogo que as duas têm antes da partida de Katniss: 55 Tabela 1 - Diálogo entre Katniss e sua mãe KATNISS - Não foge da realidade de novo! MÃE DE KATNISS - Eu não vou... KATNISS - Não, não pode. Como quando papai morreu. Eu não vou mais estar lá. Ela só tem você. Não importa como se sente, tem que dar apoio a ela. Entendeu? Fonte: Diálogo do Filme Jogos Vorazes (2012) É possível perceber que Katniss assumiu a responsabilidade de chefiar e cuidar da família quando seu pai morreu e sua mãe não soube como lidar com a situação, abandonando-a sem, de fato, sair de lá. Durante este retorno às lembranças, Katniss está também no meio de uma alucinação por causa das teleguiadas. Fica a dúvida se suas lembranças são verdadeiras ou reforçadas pela alucinação, pois durante os cortes entre cenas do passado e sua situação no presente o movimento da câmera transmite confusão. Gerbase (2014) acredita que “enquadrar é decidir o que faz parte do filme em cada momento de sua realização” e que é através do enquadramento que o espectador irá perceber o mundo do filme. Balázs (1983, p. 85), defende que “no cinema, a câmera carrega o espectador para dentro mesmo do filme. Vemos tudo como se fosse do interior, e estamos rodeados pelos personagens”, desta forma, os personagens não precisam contar suas histórias e o que estão sentindo, porque o espectador vê o que eles veem e da forma que veem. Por isso, a confusão de Katniss é reforçada por um movimento instável da câmera, principalmente quando estamos sob o seu ponto de vista. Martin (1990) explica esse movimento como “enquadramento desordenado” - onde a câmera é sacudida simulando o movimento - ao citar o tremor de terra ou quando o personagem é atingido por um tiro. No caso da Katniss, a alucinação, tontura e confusão. Bahiana (2012, p. 42) acredita que “a gramática da linguagem cinematográfica está no enquadramento, o ponto de vista da câmera em relação ao que ela vai mostrar.” Os planos são essenciais para guiar a visão do espectador em direção da real significação. Martin (1990) observa que a escolha por um plano ou outro depende da necessidade da narração e deve existir uma adequação entre a 56 sua dimensão e conteúdo. Estes são alguns planos descritos por Bahiana (2012), Martin (1990) e Nogueira (2012): plano geral, plano aberto, plano médio, plano americano, close up e plano detalhe. Os planos são artifícios utilizados diversas vezes durante o objeto de estudo para contribuir na representação do feminino de Katniss Everdeen. Figura 21 - Gale e Katniss na floresta Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Em uma das primeiras cenas do filme, somos apresentados ao habitat de Katniss. O lugar que a deixa mais livre e que durante o filme se mostrou ser o que ela está mais à vontade: a floresta. Segundo Nogueira (2012), o plano geral é usado atualmente como uma ferramenta para contextualizar e situar os personagens em relação aos outros. Ao utilizar o plano geral (Figura 21) o espectador é situado no local de ação (Bahiana, 2012). Por ser um plano que permite apresentar muita informação, este tipo de plano convida o espectador a efetuar uma exploração sem designar uma atenção especifica para ação ou objeto (NOGUEIRA, 2012). O autor (2012) destaca que a percepção geográfica feita pelo espectador é importante para prepara-lo para os planos seguintes, que geralmente são mais próximos, e que este tipo de plano é utilizado para ressaltar a importância da linguagem corporal dos personagens ou do cenário que está sendo mostrado. 57 Sem cercas, sem câmeras, sem pacificadores1 ou qualquer coisa que lembre o sistema político da qual faz parte. Nesta cena (Figura 21) é possível ver uma Katniss diferente das outras que são apresentadas durante o filme. Ele está com seu amigo Gale, e tem uma das discussões apresentadas no capítulo anterior, a decisão de não ter filhos. Gale vive a mesma responsabilidade de Katniss: precisa cuidar de sua família. São personagens bem parecidas, mas discordam em pontos importantes Figura 22 - Desfile dos tributos Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) O plano geral da Figura 22 possibilita a observação do Presidente de Panem, da população da capital que fica extremamente animada com os Jogos Vorazes, da diversão da população fútil, e dos tributos em suas carruagens. O presidente, símbolo do patriarcado, mostra toda a sua superioridade estando em primeiro plano desfocado, enquanto seus ‘súditos’ se curvam a suas vontades e decisões. Antes dos primeiros treinamentos e dos jogos, os tributos precisam se apresentar para o público e para o seu presidente, o símbolo de todo poder do país. 1 Soldados da capital responsáveis por manter a ordem, ou neste caso, a paz. 58 Figura 23 - Tributos do Distrito 12 Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) A inferioridade dos tributos é representada no plano da Figura 22. Martin (1990) explica dois ângulos principais que podem definir a sensação de inferioridade ou superioridade: plongée e contra-plongée. O ângulo plongée é caracterizado pela filmagem de cima para baixo, e transmite a ideia de inferioridade do objeto que está sendo filmado na cena. Junkes (1979, p. 49) acrescenta que o plongée “deprime a personagem em sentido social, moral ou psicológico e serve para caracterizar sua solidão”. Ao contrário do plongée, o contra-plongée contribui o engrandecimento do objeto em cena e destaca sua superioridade (MARTIN, 1990), aumentando sua: [...] importância, autoridade, majestade, poder, domínio, arrogância ou soberba, sua força ou coragem prepotência do maior para o menor, vitória do mais forte, despotismo, tirania, ou então: a elegância, alegria ou elevação da personagem (JUNKES, 1979, P.50). Na Figura 22 o Presidente Snow é mostrado em um ângulo plongée a partir de um plano geral em que o foco está em seus governados, reforçando sua superioridade perante todos os outros elementos do quadro. O ângulo plongée permanece na Figura 22, com Katniss e Peeta sendo vistos de cima para baixo enquanto assistem o Presidente Snow discursar, reafirmando sua inferioridade ao poder dele naquele momento. 59 Figura 24 - Katniss inferior à capital Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Nesta cena (Figura 23), durante o Dia da Colheita, logo depois da escolha dos tributos, Katniss aparece na frente da bandeira de Panem, porém, abaixo dela. Apesar de sua coragem ao se sacrificar pela irmã, ela ainda está abaixo das decisões do governo. O governo de Panem ainda impera ditando as regras a que as personagens devem se submeter. Figura 25 - Público impressionado com a "garota que pega fogo" Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Na cena em que Katniss exibe seu impressionante vestido que pega fogo, utiliza-se o plano aberto. O plano aberto ainda é amplo, como o plano geral, mas irá designar para onde o espectador deverá olhar, ou ainda dará uma certa sensação de distanciamento da ação (BAHIANA, 2012). É possível perceber que, pela sequência da cena, o olhar deve seguir o movimento de Katniss com o vestido, mas plano aberto também permite reparar na expressão impressionada da plateia. Este 60 plano seguiu de um plano em que o apresentador também se mostra impressionado com o que está vendo (Figura 4). A apresentação das personagens geralmente se dá por meio do plano médio, mesmo que elas já tenham sido apresentadas anteriormente em plano geral ou aberto (BAHIANA, 2012). A autora (2012) ainda complementa que através deste plano é possível perceber a relação entre os personagens ou entre os personagens e o cenário. Junkes (1979, p. 39) descreve que o plano médio tem “a função narrativa, não só apresentando a personagem integrada na cenografia, mas já penetrando no drama, na intriga [...] a ação se concentra nos personagens”. Este é o plano utilizando na Figura 10, já comentada no capítulo anterior. O plano apresenta relação de Katniss e Rue. O cenário é a floresta e Katniss reconhece em Rue a relação que tem com sua irmã, oferecendo sua comida para a criança. O plano americano é caracterizado por sua função narrativa, apesar de ainda conter elementos descritivos. O cenário é reduzido e a atenção está nos gestos, movimentos e expressões das personagens (JUNKES, 1979). Katniss e Peeta na Figura 7 ilustram esse plano. A preocupação de Katniss com o machucado de Peeta e a atenção que dá a esse problema. Quase não há percepção do cenário em que as personagens estão inseridas, porém, os movimentos e gestos das personagens são todo o foco da cena. Enquanto planos gerais e médios podem deixar escapar algo importante para a cena, o close up dá o foco necessário para a interpretação. Para Bahiana (2012, p. 43) o close up “pode estar querendo despertar em nós empatia, horror, compaixão, paixão, surpresa.” O close up é utilizado para dar ênfase para um determinado detalhe, geralmente o rosto da personagem, e significa que algo importante precisa ser percebido na cena (BAHIANA, 2012). O close up ainda pode revelar muito mais do que as aparências indicam: Podemos ver um plano médio de uma pessoa, sentada e conversando calma e friamente. O close up [grifo do autor], entretanto, revelará os dedos que tremem nervosamente apalpando um pequeno objeto-signo de uma tempestade interna. Entre as imagens de uma casa confortável, respirando um clima de tranquila segurança, podemos observar, de repente, o sorriso do mal numa cabeça esculpida que emoldura a lareira, ou então, a imagem ameaçadora de uma porta que se abre para a escuridão. (BALÁZS, 1983, p. 91) Em uma das principais cenas finais o close up é utilizado com grande significação, como é possível ver na Figura 26: 61 Figura 26 - Katniss coroada vencedora dos Jogos Vorazes Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) No momento da coroação dos vencedores do 74º Jogos Vorazes, o presidente Snow escolhe a primeira coroa para dedica-la à Katniss. Apenas a coroação da garota é exibida no filme que tem Peeta ao fundo. O close up aniquila a realidade espacial e temporal em que o personagem de três dimensões se encontra sempre integrado; por um processo de incisão operatória, ele separa uma parte vital do todo, colocando o resto do mundo, por assim dizer, entre parênteses. (ROSENFELD, 2002, p. 221) O objeto (a coroa) e o ato da coroação recebem um close up na cena. O fato de não ter sido exibida a coroação de Peeta reforça a importância da personagem Katniss no filme, a importância dela para a revolução. Deixa-se subentendido que Peeta também foi coroado, pois são exibidas duas coroas e ele se mostra alinhado com Katniss, mesmo que em desfoque. Porém, a carga dramática fica por conta da dupla Katniss e Presidente Snow. A expressão desafiadora da personagem se mantem mesmo após as ameaças disfarçadas nas insinuações do Presidente Snow. Segundo ele, Katniss era o orgulho do Distrito 12. 3.2 A UTILIZAÇÃO DAS CORES EM JOGOS VORAZES A cor é uma grande influenciadora na produção de sentido, relacionandose com nossos sentimentos e influência da cultura (FARINA, PEREZ e BASTOS, 62 2006). Pode ser considerada símbolo e interferir em aspectos fisiológicos. Sendo assim: As cores influenciam o ser humano e seus efeitos, tanto de caráter fisiológico como psicológico, intervêm em nossa vida, criando alegria ou tristeza, exaltação ou depressão, atividade ou passividade, calor ou frio, equilíbrio ou desequilíbrio, ordem ou desordem etc. As cores podem produzir impressões, sensações e reflexos sensoriais de grande importância, porque cada uma delas tem uma vibração determinada em nossos sentidos e pode atuar como estimulante ou perturbador na emoção, na consciência e em nossos impulsos e desejos. (FARINA, PEREZ e BASTOS, 2006, p. 2). Como a montagem, planos e movimento, a cor tem uma grande importância para a geração de sentido no cinema. Mesmo que por um longo tempo o cinema tenha sido reduzido ao preto e branco, a importância da utilização das cores não é necessária apenas para aumentar o realismo da imagem, mas sim como produtoras de valores e interferências psicológicas (MARTIN, 1990). Farina, Perez e Bastos (2006) destacam que a cor exerce três ações no individuo: impressionar a retina, provocar uma emoção e construir um significado próprio. As cores demarcam as fases do filme Jogos Vorazes (2012) desde o seu início triste no Dritrito 12, da capital e suas cores extravagantes, da paleta de cores da arena, e novamente, da riqueza com a coroação dos vencedores. Figura 27 - Distrito 12 Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Enquanto o cenário é o Distrito 12 e seus moradores, a paleta de cores mantém a baixa saturação e pouco contraste (Figura 26), com uma combinação das cores cinza, preto, azul claro e marrom. A paleta de cores com predominância cinza, conforme Farina, Peres e Bastos (2006), reflete a decadência do Distrito, 63 transmitindo pena, passado e a carência de vida. Confirmados pelas expressões da população. O contraste fica por conta da chegada de Effie no Distrito 21 para o Dia da Colheita (Figura 28). Seu figurino se destaca de todo o cenário e população do Distrito 12. Conforme Dondis (1997, p. 108 apud FERREIRA; COSTA, 2014, p. 6), o “contraste é uma força de oposição ao estado de equilíbrio. Desiquilibra, choca, estimula, chama a atenção”. Ela chama a atenção entre todos que estão em cena, seja por sua personalidade efusiva ou por suas vestes. Figura 28 - Effie no Distrito 12 Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Segundo Bahiana (2012, p. 39), “cada filme tem um tema, um tom emocional prevalecente, e também uma paleta específica de cores, empregada em toda a sua extensão — nos figurinos, nos cenários, na tonalidade da luz” e as variações de tonalidade e cores são trabalhadas ao longo do filme para definir momentos dramáticos e emocionais. A paleta de cores sofre alteração a partir do momento que o desenvolvimento do filme passar a ser na Capital de Panem, o local mais rico do país. Único lugar que não precisa enviar tributos para a disputa dos jogos vorazes e concentra o poder contra toda a população. 64 Figura 29 - Paleta de cores da Capital Fonte: Jogos Vorazes (2012) Apesar de ainda manter os tons frios do início do filme a saturação das cores foi aumentada. O cinza se mantém nas construções da Capital, principalmente em tonalidades metálicas chegando à cor prata. O azul deixa de se fundir ao cinza e também é um acréscimo de saturação. Os detalhes em marrom foram substituídos pelo dourado. A paleta de cores pode indicar alguns significados subentendidos. O roxo, muito presente em diversas cenas, e principalmente, durante a transmissão das entrevistas, faz relação à grandeza e ao egoísmo (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006). A população da capital é o símbolo da extravagância no filme. Ostentam suas roupas, muita comida e se divertem com a catástrofe dos outros distritos vendo seus jovens morrerem dentro da arena. Eles não se importam com o resto do país. As cores quentes só têm destaque, de fato, na presença da Katniss. Isso fica perceptível durante as entrevistas com os tributos. Enquanto todos são recebidos em um cenário escuro, em preto ou púrpura, Katniss é recebida com um fundo de cor laranja (Figura 4). Para Farina, Perez e Bastos (2006, p. 86) “as cores quentes parecem nos dar uma sensação de proximidade, calor, densidade, opacidade, secura, além de serem estimulantes”. O laranja aproximado do vermelho presente no cenário da Katniss pode ser relacionado com força, energia e perigo. A personalidade de Katniss é acentuada com as cores que são apresentadas durante suas cenas. Ainda sobre o vermelho, presente no vestido de Katniss, é possível acrescentar que: 65 Possui grande potência calórica, aumenta a tensão muscular e a pressão sangüínea. Pode remeter à proibição e à revolução. Interfere no sistema nervoso simpático que é responsável pelos estados de alerta, ataque e defesa. É uma cor quente e bastante excitante para o olhar, impulsionando a atenção e a adesão aos elementos em destaque. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006, p. 99) Os autores (2006) associaram a cor vermelha à revolução e, a única personagem a usar vermelho no seu figurino durante as entrevistas é Katniss. A cor poderia estar associada ao fogo, símbolo escolhido para o seu Distrito durante sua campanha, porém, Peeta não utiliza o vermelho com exceção de pequenos detalhes. Katniss está totalmente envolta em vermelho ao seu apresentar. Seu vestido e o cenário. Farina, Perez e Bastos (2006) ainda sugerem que vermelho está relacionado ao erotismo, o que também não pode ser descartado, pois esse é o momento mais deslumbrante de Katniss. E, após a sua entrevista, Peeta declara que é apaixonado por Katniss. Figura 30 - Paleta de cores da arena Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) A arena dos jogos vorazes tem como cenário uma floresta. Os tons extremamente saturados são substituídos por tons neutros de verde escuro, preto e marrom. São exploradas as cenas escuras e com pouca luz, geralmente ligadas a momentos de suspense, desconfiança ou tensão. A cor só volta a ter vida novamente com a conclusão dos jogos (Figura 31). 66 Figura 31 - Entrevista final com os ganhadores dos jogos Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) Com o retorno à Capital, os tons saturados também estão de volta. A cor laranja como fundo da primeira entrevista de Katniss é substituída por um vermelho próximo à cor rosa. Farina, Perez e Bastos (2006, p. 86) associam este vermelho à glória e emoção. Enfim um final feliz para os jogos, um casal foi salvo e o sonho não foi desfeito. A cena também se remete a esta situação, privilegiando o romance de Katniss e Peeta na arena. O vestido vermelho de Katniss deu lugar a um de cor creme que se aproxima do branco, mais puro e calmo, transmitindo o sentimento de ordem e harmonia (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006). Tudo acabará bem. Pelo menos, para a população da capital que tem apenas essa visão do país. Já que na cena que conclui o filme é possível ver a reação do Presidente Snow (Figura 32). Figura 32 - Cena final com Presidente Snow Fonte: Filme Jogos Vorazes (2012) A última cena fica por conta da avaliação do Presidente Snow da chegada de Katniss e Peeta em seu Distrito. Sua expressão é pensativa e o cenário e figurino 67 composto de cores escuras e frias. Sua roupa da cor preta quase se confunde com o fundo ao dar as costas para a câmera. A cor preta é a ausência de luz e corresponde a buscar as sombras e a escuridão. É a cor da vida interior sombria e depressiva. Morte, destruição, tremor estão associados a ela. Em determinadas situações, é signo de sofisticação e requinte (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006, p. 98) Percebe-se ele representa o mal, a dor e opressão. A mensagem final leva o espectador a refletir sobre o futuro de Katniss. Ela desafiou o governo e conseguiu escapar, mas para o Presidente Snow isso ainda não acabou. 68 4 CONCLUSÃO O fenômeno cinematográfico Jogos Vorazes (2012) trouxe muitas discussões sociais à tona. Como pode ser possível um governo que condena jovens a se matarem em uma arena com todas as ações sendo transmitidas para o país inteiro? Um ‘reality show do massacre’, essa foi a maneira encontrada para provar o poder do sistema contra todos que se colocarem contra ele. O discurso dos Jogos Vorazes é vendido como um verdadeiro ato de honra e orgulho representar o seu distrito. Voltar vencedor? A maior das glórias. A história do filme representa uma metáfora vista na história real de várias sociedades. Podendo não ser tão extremista, mas ainda sim, um viés do que vivemos. O governo de Panem se mantem no poder pela propaganda e pela mídia que ele obriga todo país a consumir. Ele se utiliza dos meios de comunicação de massa, neste caso a televisão, para vender o quanto toda a situação é boa para país, e principalmente, o quanto isso é necessário para a população de Panem. A personagem Katniss Everdeen, assumindo uma posição mítica de destaque - poucas vezes dada às mulheres - não concordava com o que era imposto, com a injustiça de viver em um lugar que além de passar fome, corria-se o risco de ser condenado ao destino cruel da arena. E por mais que o ato do filme em si, o autoritarismo e a desigualdade social fossem tão importantes, o que mais chamou a atenção da pesquisadora foi a protagonista. A visão escolhida para dar vida a história. Aquela que foi contra o sistema. O objetivo geral desta pesquisa foi saber como foi representado o feminino pela protagonista Katniss Everdeen no filme Jogos Vorazes (2012). Este objetivo foi alcançado a partir das cenas estudadas, em que deixaram claro que a personagem foi representada de forma diferente das convenções sociais de Hollywood. Foram analisados sob três aspectos principais: o corpo, o amor e o poder. Além de entender as cenas e sequências por meio das técnicas utilizadas pela linguagem do cinema. Chegou-se à conclusão de que a personagem foi representada de maneira diferenciada do que os meios de massa costumam representar. Não caiu em estereótipos pré-definidos de personagens femininas no cinema. Não buscou-se 69 a valorização do seu corpo para objetivo de impressionar o espectador, mas sim, apenas quando mostrou-se necessário a valorização da imagem dela dentro da história. Houve uma igualdade e até mesmo inversão de papéis com o personagem Peeta Melark. Tendo em vista que em diversos momentos foi notado que ele assumia o papel destinado ao feminino do filme. Desde suas demonstrações de emoção bem mais claras que a de Katniss, sua fragilidade e até mesmo menor poder perante as ações exibidas. Com relação à valorização do corpo feminino no filme, é possível concluir que Jogos Vorazes (2012) não se utilizou deste artifício para a representação da personagem como fetiche, mas sim para demonstrar valores importantes para a significação da história; ficando claro com a evolução da personagem no aspecto da preocupação com a beleza durante o filme. Este mesmo comportamento é observado em Peeta Melark, deixando claro que não houve uma valorização apenas por ser uma personagem feminina. Percebeu-se também que as trocas simbólicas do corpo pontuadas por Baudrillard (1996) são equivalentes tanto para Katniss quanto Peeta. É ao analisarmos o amor que concluímos existir uma inversão clara de papéis entre Katniss e Peeta, e até mesmo Katniss e Gale. Katniss descarta a maternidade, demostra de formas muito enigmáticas emoções em relação ao romance e assume o papel de “príncipe” ao salvar Peeta diversas vezes. Mostrandose uma personagem independente, sendo seu maior ponto fraco a família e principalmente sua irmã. O filme retrata uma sociedade patriarcal em que acompanhamos uma garota de dezesseis anos desafiar o sistema sem qualquer análise de seus atos. É possível concluir a partir de sua representação que a personagem não tinha em mente que queria ser o símbolo da revolução, apenas demonstrou que precisava reagir. Seus atos de coragem são destacados quando ela é provocada, quando observa o sofrimento de alguém que ela quer bem. Nesses momentos a ousadia da personagem se torna evidente. Por mais que ela tivesse como o ponto fraco sua família, tudo que ela estava arriscando era uma coisa que nem ela mesmo sabia se teria mais direito: a própria vida. 70 Katniss Everdeen, como personagem, deu esperanças de que em mesmo em uma sociedade patriarcal como Panem, o gênero feminino pode se igualar. Isto fica claro em uma das cenas finais que mostram um confronto silencioso entre Katniss e o Presidente Snow. Ela havia conseguido mostrar-se importante o bastante para incomodá-lo e para desestabilizá-lo. Afinal, havia sido a fagulha necessária para acender a chama da revolução dentro do Distrito 11. Como resultado geral da pesquisa, pode-se constatar que a personagem simboliza uma evolução da mulher na sociedade atual. O cinema hollywoodiano dá indícios de querer acompanhar este crescimento, trazendo discussões importantes, principalmente entre os jovens, que já nasceram em meio a estas mudanças significativas. Ainda assim, é possível afirmar que esta pesquisa não encerra-se por aqui, pois a série cinematográfica continua com mais outras três obras que podem, como sugestão, ser analisadas como complemento deste trabalho. As sequências darão continuidade a história e à rebelião que Katniss Everdeen fez surgir em Panem. Além disso, indica-se que sejam estudadas também as ações de marketing promocional de divulgação do filme realizadas pela produtora internacional Lionsgate e a distribuidora brasileira Paris Filmes. Observa-se vários aspectos que podem contribuir para a representação do feminino, mas que não puderam ser incluídos como objeto de estudo deste trabalho. Por mais que este trabalho tenha sido exaustivo, também foi de extrema felicidade para esta pesquisadora, que pôde finalmente se dedicar a pesquisar o assunto que tinha tanto interesse e defendia. Os estudos sobre gênero por parte da pesquisadora não deverão encerrar-se neste trabalho de conclusão de curso, podendo continuar por interesse despretensioso ou em um futuro mestrado e/ou doutorado. 71 REFERÊNCIAS BAHIANA, Ana Maria. Como ver um filme. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. BALÁZS, Béla. A face das coisas. In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 84-86. ______. Nós estamos no filme. In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 25-54. ______. Subjetividade do objeto. In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 97-99. BAUDRILLARD, Jean. A troca simbólica e a morte. São Paulo: Edições Loyola, 1996. BORDO, Susan R. O corpo e a reprodução da feminidade: uma apropriação feminista de Focault. In: JAGGAR, Alison M; BORDO, Susan R. Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997. p. 19-42. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 2ª ed. 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