Trabalho Completo CBHE - VIII Congresso Brasileiro de História da
Transcrição
Trabalho Completo CBHE - VIII Congresso Brasileiro de História da
Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 ESCOLA NOVA EM MANUAIS DIDÁTICOS DE ALFREDO MIGUEL AGUAYO (SANTA CATARINA 1942-1949) Maria Fernanda B. F. Werneck de Paula (UDESC) E-mail: [email protected] Gladys Mary Ghizoni Teive (UDESC) E-mail: [email protected] Os primeiros cinquenta anos do século XX no Brasil podem ser caracterizados como um espaço/tempo em que a educação institucionalizada ganha maior visibilidade na cena pública. Seja como reverberação das grandes guerras mundiais e/ou como locus de “lutas por representações” (CHARTIER, 1990, 2011, 2013) nacionalistas para a formação humana o campo da educação brasileiro se constituiu a partir das tecnologias e dos conhecimentos científicos em desenvolvimento à época. Momento singular em que se ampliam os debates acerca dos saberes autenticados e dos novos saberes em legitimação, esta temporalidade acirrou disputas por poderes na esfera social (CARVALHO, 2003). Nesta direção, compreendendo as culturas escolares1 e seus artefatos como elementos que compõe a História da Educação em suas transformações e permanências nos dedicamos à análise de dois manuais didáticos escritos pelo pedagogo Alfredo Miguel Aguayo y Sanches. Os manuais para formação docente são, neste período, objetos que simbolizavam os saberes e os poderes abalizados como necessários a nova identidade docente evocada pelos discursos progressistas, uma identidade forjada por teorias científicas embasadas pelas psicologias, sociologias e biologias de caráter experimental e roupagem inovadora. Para tanto, buscamos, na pesquisa desenvolvida no mestrado, problematizar as representações de práticas escolanovistas presentes nestes manuais cotejandoos à relatos de práticas de ensino/aprendizagem encontrados em documentos oficiais 1 Cultura Escolar aqui compreendida conforme as palavras de Antônio Viñao Frago “[...] la cultura escolar es toda la vida escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos y conductas, modos de pensar, decir y hacer” na Revista Brasileira de Educação, 1995, p.69. Um tipo particular de cultura que, segundo Diana G. Vidal em seu livro Culturas Escolares, operacionaliza a problematização do cotidiano escolar, este conceito que no plural melhor caracteriza a complexidade e o dinamismo das culturas existentes, as quais se encontram em movimento, em cada instituição escolar, em cada um de seus territórios de usos e práticas escolares, produzindo e tornando-se produto da sociedade da qual faz parte. 1 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 produzidos por docentes primários para o Departamento de Educação de Santa Catarina na década de 1940. Nesses documentos2 pesquisados encontramos, a partir de pesquisa empírica no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina – APESC, vestígios da presença de livros que continham pressupostos pedagógicos da Escola Nova. Numa primeira visada percebemos a presença de uma quantidade substancial de manuais para formação docente que compunham as bibliotecas dos grupos escolares catarinenses para, a partir desta constatação construir um levantamento3 que contém parte desta vasta literatura pedagógica em circulação neste território no recorte temporal selecionado por meio das fontes. Foram pesquisados 681 registros escritos por professores/as primários/as, estes são um tipo de documento classificado como Comunicados4 e a partir deste mapeamento construímos o Quadro 1 que dá a conhecer alguns dos títulos, dos intelectuais e da quantidade de citações localizados: Quadro 1 - Manuais Títulos Autor Didática da Alfredo Escola Nova Miguel Ocorrências Ocorrências Ocorrências 1946 1948 1949 53 50 89 Aguayo 2 Já não se trata de fazer uma seleção de monumentos, mas sim de considerar os documentos como monumentos, ou seja, colocá-los em série e tratá-los de modo quantitativo; e, para além disso, inseri-los nos conjuntos formados por outros monumentos [...] trata-se de pôr à luz as condições de produção e de mostrar em que medida o documento é instrumento de um poder (LE GOFF, 2012, p. 509). 3 Este levantamento se deu por meio do Projeto de Pesquisa: Grupos Escolares: entre a pedagogia moderna e a escola nova (1946-1971) coordenado pela Profa. Dra. Gladys Mary Ghizoni Teive e foi confeccionado a partir de documentos do Departamento de Educação de Santa Catarina salvaguardados no APESC – Arquivo Público de Santa Catarina e se encontrarão disponíveis para consulta em forma de tabelas anexo a dissertação de mestrado de Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula. 4 O termo Comunicados faz referência à forma como estão catalogados os documentos – produtos de reuniões pedagógicas - encontrados no APESC. São textos redigidos pelos/as professores/as dos Grupos Escolares de Santa Catarina para o Departamento de Educação deste Estado. Eles eram elaborados a partir de um modelo que elencava uma lista das temáticas permitidas e permitia três elementos fundamentais: um enunciado (emergente de problemas práticos do cotidiano de ensino/aprendizagem em sala de aula), uma argumentação (fruto de reflexões cientificamente embasadas e em conformidade com as discussões em voga naquela temporalidade) e uma conclusão (espaço para o/a docente expor suas experiências teórico/práticas). Estes textos eram divulgados em reuniões pedagógicas que ocorriam concomitantemente à atuação profissional do professorado nos grupos escolares. 2 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 Manual da Everardo Pedagogia Backheuser 32 18 37 13 12 17 Moderna Pedagogia Alfredo Científica Miguel Aguayo Didática João Toledo 10 08 17 Metodologia Artur 09 06 15 do Ensino Carbonell y Primário Migal Práticas Antônio 07 05 14 Escolares D’Ávila Fonte: APESC – Levantamento de dados feitos por Maria Fernanda B. F. Werneck de Paula Este quadro nos dá um panorama dos manuais utilizados em Santa Catarina na formação continuada de professores/as em exercício nos grupos escolares. Visto que, os documentos dos quais foram retiradas estas informações fazem parte de registros feitos para reuniões pedagógicas que ocorriam sistematicamente dentro do espaço escolar com a finalidade, naquele momento, de adequação do professorado primário às teorizações escolanovistas as quais prometiam renovar a educação institucionalizada de uma maneira bastante ampla. As intenções renovadoras partiam da construção de um Sistema de Educação Nacional erigido através das novas ciências com a promessa de chegar em cada escola, cada professor/a e cada aluno/a que dele fizessem parte. Entre anos 1942 e 1946 entraram em vigor um conjunto de leis federais para a educação escolar que ficaram conhecidas como “Reforma Capanema”. Esta Reforma reorganizou toda a estrutura educacional brasileira na tentativa de estabelecer uma política nacional de educação unificada para o país, porque até 1946, o ensino primário era de responsabilidade dos governos de cada Estado. A Lei Orgânica Federal do Ensino Primário - Lei nº 8.529/46 foi parte deste processo legislativo que prenunciava maior eficiência para o lugar da formação humana projetado como componente fulcral do progresso e da ordem brasileiros. Assim, acompanhando o movimento nacional pela renovação da educação escolar, Santa Catarina promulga o Decreto 3 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 Estadual n. 298, de 18 de novembro de 1946, dando corpo a Lei Orgânica do Ensino Primário do Estado de Santa Catarina e demonstrando “o grande desejo do Estado em sintonizar-se com as instituições federais” (FIORI, 1975, p.153). A “Reforma Elpídio Barbosa”, como foi chamada a tentativa de renovação pedagógica do ensino público catarinense, “teve como apoio básico um dispositivo de cunho centralista e autoritário” (Idem, p.152) que implementou por força de lei a Escola Nova nos grupos escolares catarinenses. Desse tempo/espaço permaneceram, em Santa Catarina, através da salvaguarda de documentos oficiais, traços do movimento escolanovista nacional e internacional que ocuparam de maneira vultosa os espaços discursivos em prol da renovação e do progresso. Estes resquícios apontam para uma polifonia e uma polissemia narrativa que foram capazes de produzir múltiplas representações e práticas para a(s) Escola(s) Nova(s) anunciadas publicamente. Conforme explica Monarcha (2009): Ao final de 1920, anos de intenso crescimento industrial e diversificação da economia nacional, quando o fogaréu de reconstrução social pela educação crepitou mais forte e do qual os reformadores retiravam luz pessoal, já era possível deparar com a metáfora-chave “Escola Nova” integrada aos mais diversos discursos. Nesse redemoinhar de fatos brasileiros, a metáfora-chave ganhava foros de Cidade, recrudescendo a busca heterogênea e polifônica do novo e do moderno, ou melhor, de tudo aquilo considerado diferente ou singular e, portanto, nascido fora da tradição. [...] O antigo propósito de fundação de sociedades harmoniosas pela educação condensara-se na metáfora-chave “Escola Nova”, então convertida em indicativo (indicativo equivocadamente transformado em imperativo) de um amplo programa a ser seguido (p.73) Usada como bandeira, nos espaços internacional e brasileiro, a Escola Nova passa a configurar o futuro educacional desejável e a integrar as mais variadas teorias que passaram a emoldurar e a preencher obras de caráter pedagógico escritas nas primeiras décadas do séc. XX. A ampliação do parque gráfico nacional que ocorreu concomitante a difusão dos pressupostos escolanovistas permitiu a criação de Bibliotecas e Coleções voltadas ao professorado que se espraiaram por todo o território verde e amarelo. Segundo Carvalho e Vidal (2000, p.07), “estudos centrados nos usos pedagógicos do impresso podem trazer uma inteligibilidade nova sobre a história da escola e dos saberes e práticas que a constroem”. Nesta direção, a pesquisa de mestrado que baliza parte deste artigo problematizou as representações de práticas escolanovistas presentes em dois manuais escritos por Alfredo Miguel Aguayo, Didática da 4 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 Escola Nova (1941) e Pedagogia Científica (1948). Este autor mereceu protagonismo neste estudo por configurar-se, por meio de estudos arquivisticos, como o teórico mais citado em documentos escritos pelos/as professores/as dos grupos escolares catarinenses. Cabe salientar que, dos 681 comunicados selecionados, 234 (conferir Quadro 1) nomeavam o pedagogo radicado em Cuba como importante balizador de suas práticas. Estudioso da educação que transitou por diversas teorizações e em diversos países, Aguayo foi um respeitável produtor de livros para a formação docente entre o fim do séc. XIX e o início do séc. XX. Nascido em Porto Rico, mudou-se com a família para Cuba aos 13 anos. Descendente de duas notáveis famílias porto-riquenhas e tendo como avô paterno, Dr. Nicolás Aguayo y Aldea (1808-1878), fundador do Partido Liberal Reformista (1870) e um dos mais proeminentes em educadores de seu país, Aguayo, cresceu em ambiente marcado pelo debate político e educacional, formando-se com honras na Universidade de Havana em 1885, onde, mais tarde obteve o grau de Doutor em Direito e Pedagogia. Este proeminente intelectual latinoamericano teve alguns de seus textos traduzidos para o português e publicados no Brasil. Como partícipe da polifonia da Escola Nova, Alfredo Miguel Aguayo y Sanches, foi presidente da Associação Pedagógica de Havana, membro da Sociedade Geográfica de Cuba e professor emérito da Universidade de Havana. Como pedagogo escreveu mais de 30 obras na clave da educação. Os manuais de Aguayo eleitos por este estudo fizeram parte do selo editorial Biblioteca Pedagógica Brasileira Biblioteca criado pela Companhia Editora Nocional. Este projeto editorial abarca cinco coleções ou séries: Literatura Infantil, Livros Didáticos, Iniciação Científica, Brasiliana e Atualidades Pedagógicas. A Coleção Atualidades Pedagógicas foi dirigida por Fernando de Azevedo5 entre os anos 1931 e 1946. Esta série, a terceira do selo foi idealizada para “o professor, o normalista, o acadêmico dos cursos de Pedagogia e Didática, os responsáveis, a qualquer título, pela educação, os estudiosos, em geral, de matéria pedagógica” (PENNA, 1959, p.401). Didática da Escola Nova (1941) e Pedagogia Científica (1948) 5 Fernando de Azevedo (1894-1974) foi um intelectual brasileiro de grande destaque tem seu nome associado ao movimento de renovação educacional anunciado pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) do qual fez parte junto a Lourenço Filho e Anísio Teixeira dentre inúmeros outros importantes pensadores. 5 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 figuram, respectivamente, como volumes 15 e 18 desta Coleção e foram traduzidos para o português por J. B. Damasco Penna e Antônio D’Ávila6: Fonte: Acervo Pessoal de Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula Segundo Escolano (2001, p.35) os manuais pedagógicos são um dos núcleos organizadores das relações de ensino/aprendizagem e retêm, em sua materialidade, um “micromundo educativo” capaz de permitir a reflexão das teorias pedagógicas e seus usos. Ao tomarmos estes artefatos culturais como objetos de pesquisa os classificamos como uma literatura voltada para a formação e aperfeiçoamento docente. Pois, para Ossenbach e Somoza (2001) os manuais escolares podem ser definidos como obras sistemáticas, sequenciais e de produção serial e massiva que são congregadas ao processo educativo. Contudo, na falta de um consenso acadêmico em torno das nomenclaturas, estes historiadores pedem cautela diante da ambiguidade terminológica presente na denominação dos livros escolares. Mediante as assertivas destes pesquisadores, acreditamos importante nos posicionarmos acerca dos objetos 6 Intelectuais brasileiros pertencentes a rede de sociabilidade de Fernando de Azevedo. João Batista Damasco Penna, professor de psicologia do Colégio Universitário anexo à Universidade de São Paulo e braço direito de Azevedo na Companhia Editora Nacional e Antônio d’Ávila, assistente do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo à época. 6 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 desta análise. Sendo assim, os consideramos manuais, porque atendem a definição dada por Ossenbach e Somoza e são, a partir da função estabelecida pelo autor e reiterada pela edição e uso, manuais didáticos para a formação docente. Os livros para formação docente ganharam visibilidade durante o período escolanovista produzindo e veiculando discursos nesta clave. Para Toledo (2001) a Coleção Atualidades Pedagógicas foi organizada com a intenção de difundir um projeto educacional circunscritos por um projeto político e um projeto editorial bastante específicos. Em sua tese esta historiadora da educação salienta que havia uma representação construída pelo editor e seus colaboradores acerca do leitor. Ou seja, o leitor é produto de um imaginário editorial desenhado pelos simbolismos que permeiam a esfera social. Sendo assim, é viável considerar que os livros em circulação entre os docentes a partir destas Bibliotecas se constituem como portadores de vários projetos educacionais. No caso desta Coleção o projeto educacional se encerra naquele capitaneado pelos pioneiros da educação nova7 em seu período de “boa relação” com o governo federal. Neste sentido, pensamos ser prudente sopesar que os textos analisados foram arquitetados por Alfredo Miguel Aguayo para formar o/a docente cubano/a contido em seu imaginário, o/a professor/a primário ideal a partir de sua experiência e seu arcabouço teórico. E, pelo que o material analisado indica, suas palavras deste pedagogo encontravam-se com ideário educacional progressista que buscava tornar-se hegemônico para o sistema escolar brasileiro por meio do grupo liderado por Fernando de Azevedo em que o professorado, em especial o dedicado ao ensino primário, deveria encarnar sob a representação de “organizador da alma popular” (CARVALHO, 2003) uma nova identidade tecida para o/a docente da escola primária que pode ser confirmada pelas palavras da professora primária catarinense Olívia Maia: 7 Cabe salientar que os pioneiros se constituíram como uma rede de intelectuais que desejou conduzir o formato a ser assumido pelas mudanças anunciadas no discurso nacionalista e civilizador autorizado, demarcando esta intenção através do Manifesto de 1932. Porém, estudos feitos a partir dos anos oitenta atentam para a necessidade de reduzirmos estes intelectuais a um bloco monolítico. É preciso considerar as diferenciações entre os personagens que fizeram parte deste movimento. Portanto, reconhecemos que o termo “pioneiros” tem sido questionado e convidado ao desuso por Marta M. Chagas de Carvalho. Neste sentido, justificamos que ao utilizarmos esta expressão neste artigo pretendemos, apenas, demarcar uma parte do campo em disputa, reconhecendo que esta expressão não cumpre uma função analítica. 7 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 Nada no mundo estaciona, pára. Tudo evolúe, tudo se aperfeiçoa. A ciência caminha a passos largos, conquistando, dia após dia, novos terrenos. Ora é no ramo da medicina, ora no da física ora no da química, ora no da educação. Com a observação de cada dia, com a experiência, novos processos educativos vão surgindo, mais eficientes, mais condizentes com a época atual, mais adequados para a era agitada em que vivemos. E o professor não pode, em absoluto, estacionar. Mister se torna que êle evolúa, como evolue a educação; que ele esteja a par dos métodos educativos, dos novos processos educacionais. (COMUNICADOS GE p/ DE 1946, folha 228) Diante da multiplicidade de descobertas científicas fazia-se urgente a adequação da educação escolar às novidades que pululavam por meio de impressos. Segundo Carvalho (1998b, p.71), foi “No embate, travado basicamente em torno dos usos e dos princípios doutrinários da chamada pedagogia da Escola Nova, o impresso desempenhou um papel fundamental como dispositivo de regulação e modelagem do discurso e da prática pedagógica do professorado”. Assim, consideramos que a produção intelectual de Aguayo integrou com as duas obras elencadas uma estratégia específica de fabricação e circulação de livros pedagógicos para educadores, a qual guardava a intenção de reformar a cultura e fazer nascer à nação brasileira. Para Certeau (2012) a estratégia se encerra no “cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder [...] pode ser isolado” (Idem), isto faz parte de um modo de ser cartesiano sob o qual abrigamos a necessidade de “circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes invisíveis do outro. Gesto da modernidade científica, política ou militar” (Idem). Os manuais para a formação docente de Alfredo Miguel Aguayo são a partir desta ponderação considerados como estratégia editorial, como discurso anunciado como verdadeiro, como palavra autorizada pelo projeto de futuro de Fernando de Azevedo e do Departamento de Educação de Santa Catarina através dos quais os professores e as professoras catarinenses podem ter ressignificado - ou não - muitas de suas práticas. O discurso operado por Aguayo nos dois manuais dava relevo as teorias psicológicas, biológicas, sociológicas e filosóficas mais bem aceitas no campo educacional brasileiro delineado pelo projeto do grupo progressista e conferia propriedade ao campo educacional em configuração através fabricação de representações de práticas pedagógicas concebidas como inovadoras. Em seu prefácio para Didática da Escola Nova escrito em Havana, junho de 1932, o pedagogo cubano posiciona-se como um possível ordenador da profusão de teorias escolanovistas: 8 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 São muitas as dificuldades que o assunto da nova metodologia pedagógica oferece ao professor. Os que escrevem sobre a matéria limitam-se, geralmente, a tratar dos ensaios e experiências pessoais de certo autor ou de vários autores, sem adotar atitude científica, sem considerar o assunto do ponto-de-vista geral e sistemático. Disso decorre que a leitura dos livros em que são expostas as orientações da nova prática escolar produz no espírito de muitos estudiosos uma impressão de caos (AGUAYO, 1941, Prefácio) Foi nesse clima caótico apreendido por Aguayo na abertura de seu manual didático que seus textos chegam ao Brasil. Em Santa Catarina, estes livros acabam por justificar um plano de “modernização expressa” (BOMBASSARO, 2006, p. 113) implementado pelos técnicos do Departamento de Educação de Santa Catarina, no qual a propaganda sobre a prática de leitura de manuais e da elaboração de descrições de práticas escolanovistas aplicadas ao cotidiano dos grupos escolares foi uma das continuidades dessa forma “apressada” e, talvez, pouco reflexiva que se esboçou na continuidade da formação docente. Validados por Azevedo como obras de inquestionável importância os livros de Aguayo foram comprados, conforme a Circular n. 32 de 26 de setembro de 1935 do Departamento de Educação de Santa Catarina para os Grupos Escolares, como elementos de uma Coleção, para as bibliotecas das escolas primárias catarinenses. Na orelha de Didática da Escola Nova, impresso em 1941, encontram-se duas representações sobre as obras de Aguayo pertencentes à Coleção que corroboram com as necessidades de adequação à novas práticas presentes no discurso político-educacional brasileiro: DIDÁTICA DA ESCOLA NOVA Este livro condensa, em trinta capítulos metódicos e claros, as idéias fundamentais da teoria e da prática da educação renovada. Os primeiros quatorze capítulos estudam os princípios gerais da didática; os outros tratam da orientação moderna no ensino das várias matérias do ensino primário. Numa como noutra parte o autor não se limita a expor, mas critica também e orienta. Não procura indicar expedientes de duvidoso proveito, e sim abrir perspectivas para estudo pessoal e crítico dos sistemas gerais e das formas particulares dos processos didáticos, para o que, além do texto substancioso, arrola, ao fim de cada capítulo, indicações de bibliográficas escolhidas PEDAGOGIA CIENTÍFICA Psicologia e direção da aprendizagem Expõe as bases psicológicas da moderna concepção de aprendizagem e trata da aplicação das noções adquiridas pelo trabalho de investigação científica à orientação geral e especial da atividade escolar. Assim é que os dezessete primeiros capítulos estudam os grandes problemas gerais da psicologia da 9 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 aprendizagem; outros são consagrados ao trato das questões mais diretamente ligadas ao ensino desta ou daquela matéria do currículo primário, constituindo pois, a parte referente à direção da aprendizagem. E os dois últimos capítulos finais abordam o estudo da medida do trabalho escolar e da formação da personalidade (COMPANHIA EDITORA NACIONAL, 1941) Os enunciados transcritos acima foram preparados pela editora para provar ao leitor em potencial a “verdade” que seria revelada pela leitura destes manuais e, apesar, da palavra teoria estar envolvida na representação aludida, ela silencia a si mesma diante do contexto de “celebração da prática” (BOMBASSARO, 2006) vivenciados em Santa Catarina. Sobre o uso desses manuais, é possível neste momento da pesquisa, considerar que os discursos oficiais urdidos em Santa Catarina nos primeiros cinquenta anos do séc. XX, segundo atestam documentos e pesquisas como as de Bombassaro (2006), edificaram a “celebração da prática” em prejuízo a uma reflexão teórica mais aprofundada acerca da Pedagogia. Por meio de dispositivos como cursos e reuniões pedagógicas os discursos promoveram elementos apaziguadores de “lutas por representações e práticas” (CHARTIER, 1990, 2011, 2013) em que pelos signos da aprendizagem – motivação, interesse e atenção e pelos signos do ensino – disciplina-saber e disciplina-corpo – o vocabulário democrático foi emudecido sob a enunciação, predominantemente metodológica, da Escola Nova que prevaleceu. As enunciações em circulação em Santa Catarina na década de 1940 estão circunscritos por um rol de práticas discursivas autoritárias que produziram representações sobre a educação em consonância aos “modelos políticos fortemente excludentes” (CARVALHO, 1998a, p. 138). Os textos de Aguayo analisados compõem uma vertente discursiva que visa tornar científico o cotidiano do professorado primário. Ao salvaguardarem finalidades e destinatários particulares e constituem-se como representações de leituras/reflexões de um professor/escritor alocado num lugar de enunciação em que dizer Escola Nova era muito mais do que propor uma nova escola. Nesta pesquisa, ao cotejarmos as representações de práticas para Escola Nova presentes em Didática da Escola Nova (1941) e Pedagogia Científica (1948) com textos escritos por docentes do ensino primário catarinense - em processos de formação continuada na década de 1940 - e outros documentos do Departamento de Educação de Santa Catarina foi possível apreender a reverberação e a recorrência de algumas ideias que configuraram a renovação pedagógica para o período, como por exemplo: a disciplina-corpo e a tríade interesse, atenção e motivação. Por meio da problematização destas produções discursivas foi possível perceber que a(s) Escola(s) Nova(s) não aponta(m) para uma única direção, não conjuga(m) um 10 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 único fim, não projeta(m) objetivo(s) comum(s) a toda uma sociedade. Os discursos legitimados e/ou interditados tecem um patchwork de saberes e poderes bastante complexo. Portanto, esta pesquisa centrou-se em conhecer fragmentos daquilo que foi considerado antigo e atual sem reduzi-los a vocábulos que significam uma oposição. Acreditamos que refletir, a partir do presente, algumas das sínteses que positivaram o “novo” e negativaram o “velho”, tornando-os antagônicos e incompatíveis numa temporalidade pode ampliar os debates contemporâneos sobre os modelos de escolarização e suas práticas ao considerar que palavras não são apenas códigos comunicativos, elas são encarnações de sentidos que produzem escolas na mesma medida em que são produzidas pela/para/nas/com as escolas. Assim, ainda permanecem problematizações a serem feitas acerca das apropriações de práticas escolanovistas que foram materializadas nas salas de aula dos grupos escolares catarinenses diante dos modelos pedagógicos abalizados pelas políticas educacionais em vigor. Nesta direção, avaliamos, a partir dos simbolismos que compões a aprendizagem e o ensino por meio das representações de práticas escolanovistas inscritas em períodos onde o nacionalismo e o autoritarismo exacerbados fazem emergir uma serie de estratégias, que se torna pertinente adentrar por questionamentos sobre os usos feitos destas representações no cotidiano escolar da escola primária catarinense. A busca pelas táticas, este território do “não lugar” onde se multiplicam as astúcias, uma capacidade de metamorfosear que, segundo Certeau (2012, p.65) “permitem ou refreiam a circulação numa rede de poderes” justificam a continuidade de pesquisas que se debrucem sobre os fazeres escolares do período escolanovista para além das representações e das estratégias deste espaço/tempo. Referências AGUAYO, A. M.. Didática da Escola Nova. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. AGUAYO, A. M.. Pedagogia Científica. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1948. BOMBASSARO, Ticiane. Semanas Educacionais: a arquitetura do poder sob a celebração da didática. Dissertação de mestrado, UFSC, 2006. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista, São Paulo/EDUSF, 1998a. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A Escola Nova e o impresso: um estudo sobre estratégias editoriais de difusão do escolanovismo no Brasil. In: Modos de ler Formas de 11 Universidade Estadual de Maringá 29 de junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855 escrever: Estudo de História da Leitura e da Escrita no Brasil. Luciano Mendes de Faria Filho (org). Belo Horizonte: Autêntica, 1998b. CARVALHO, Marta M. Chagas de. A Escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista: EDUSP, 2003. CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 1990. CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. CHARTIER, Roger. Defesa e Ilustração da noção de representação. Fronteiras, Dourados, MS, v. 13, n. 23, jan./jun. 2011 pp. 15-29. CHARTIER, Roger. Uma trajetória intelectual: livros, leituras e literaturas. In: Roger Chartier A força das representações: história e ficção. João Cezar de Castro Rocha (Org). Chapecó: Argos, 2013. pp. 21-53. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 2012. ESCOLANO BENITO, Agustin. El libro escolar como espacio de memória. In: Los manuales escolares como fuente para lahistoria de laeducacion em América Latina. Madrid: UNED, 2001. FIORI, Neide. Aspectos da Evolução do Ensino Público: ensino público e política de assimilação no estado de Santa Catarina nos períodos imperial e republicano. 2 ed. Florianópolis: ed. da UFSC, 1991. LE GOFF, Jaques. História e Memória. Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 2012. MONARCHA, Carlos Roberto da S. Brasil arcaico, escola nova – Ciência, técnica e utopia nos anos 1920-1930. São Paulo: UNESP, 2009. OSSENBACH SAUTER y SOMOZA, Miguel. Los manuales escolares como fuente para la história da educación em América Latina. Madrid: UNED, 2001 SANTA CATARINA. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Comunicados GE p/ DE, 1946. TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). Tese de Doutorado, PUC-SP, 2001. VIÑAO FRAGO, Antonio. Historia de laeducación e historia cultural. In: Revista Brasileira de Educação, vol.1. n° 0, p.63-82, set/dez, 1995. 12