Trabalho Completo CBHE - VIII Congresso Brasileiro de História da

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Trabalho Completo CBHE - VIII Congresso Brasileiro de História da
Universidade Estadual de Maringá
29 de junho a 02 julho de 2015
ISSN 2236-1855
ESCOLA NOVA EM MANUAIS DIDÁTICOS DE ALFREDO MIGUEL AGUAYO
(SANTA CATARINA 1942-1949)
Maria Fernanda B. F. Werneck de Paula (UDESC)
E-mail: [email protected]
Gladys Mary Ghizoni Teive (UDESC)
E-mail: [email protected]
Os primeiros cinquenta anos do século XX no Brasil podem ser caracterizados como
um espaço/tempo em que a educação institucionalizada ganha maior visibilidade na cena
pública. Seja como reverberação das grandes guerras mundiais e/ou como locus de “lutas por
representações” (CHARTIER, 1990, 2011, 2013) nacionalistas para a formação humana o
campo da educação brasileiro se constituiu a partir das tecnologias e dos conhecimentos
científicos em desenvolvimento à época. Momento singular em que se ampliam os debates
acerca dos saberes autenticados e dos novos saberes em legitimação, esta temporalidade acirrou
disputas por poderes na esfera social (CARVALHO, 2003). Nesta direção, compreendendo as
culturas escolares1 e seus artefatos como elementos que compõe a História da Educação em
suas transformações e permanências nos dedicamos à análise de dois manuais didáticos escritos
pelo pedagogo Alfredo Miguel Aguayo y Sanches. Os manuais para formação docente são,
neste período, objetos que simbolizavam os saberes e os poderes abalizados como necessários
a nova identidade docente evocada pelos discursos progressistas, uma identidade forjada por
teorias científicas embasadas pelas psicologias, sociologias e biologias de caráter experimental
e roupagem inovadora. Para tanto, buscamos, na pesquisa desenvolvida no mestrado,
problematizar as representações de práticas escolanovistas presentes nestes manuais cotejandoos à relatos de práticas de ensino/aprendizagem encontrados em documentos oficiais
1
Cultura Escolar aqui compreendida conforme as palavras de Antônio Viñao Frago “[...] la cultura escolar es toda
la vida escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos y conductas, modos de pensar, decir y hacer” na Revista
Brasileira de Educação, 1995, p.69. Um tipo particular de cultura que, segundo Diana G. Vidal em seu livro
Culturas Escolares, operacionaliza a problematização do cotidiano escolar, este conceito que no plural melhor
caracteriza a complexidade e o dinamismo das culturas existentes, as quais se encontram em movimento, em cada
instituição escolar, em cada um de seus territórios de usos e práticas escolares, produzindo e tornando-se produto
da sociedade da qual faz parte.
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produzidos por docentes primários para o Departamento de Educação de Santa Catarina na
década de 1940.
Nesses documentos2 pesquisados encontramos, a partir de pesquisa empírica no
Arquivo Público do Estado de Santa Catarina – APESC, vestígios da presença de livros que
continham pressupostos pedagógicos da Escola Nova. Numa primeira visada percebemos a
presença de uma quantidade substancial de manuais para formação docente que compunham as
bibliotecas dos grupos escolares catarinenses para, a partir desta constatação construir um
levantamento3 que contém parte desta vasta literatura pedagógica em circulação neste território
no recorte temporal selecionado por meio das fontes. Foram pesquisados 681 registros escritos
por professores/as primários/as, estes são um tipo de documento classificado como
Comunicados4 e a partir deste mapeamento construímos o Quadro 1 que dá a conhecer alguns
dos títulos, dos intelectuais e da quantidade de citações localizados:
Quadro 1 - Manuais
Títulos
Autor
Didática da
Alfredo
Escola Nova
Miguel
Ocorrências
Ocorrências
Ocorrências
1946
1948
1949
53
50
89
Aguayo
2
Já não se trata de fazer uma seleção de monumentos, mas sim de considerar os documentos como monumentos,
ou seja, colocá-los em série e tratá-los de modo quantitativo; e, para além disso, inseri-los nos conjuntos formados
por outros monumentos [...] trata-se de pôr à luz as condições de produção e de mostrar em que medida o
documento é instrumento de um poder (LE GOFF, 2012, p. 509).
3
Este levantamento se deu por meio do Projeto de Pesquisa: Grupos Escolares: entre a pedagogia moderna e a
escola nova (1946-1971) coordenado pela Profa. Dra. Gladys Mary Ghizoni Teive e foi confeccionado a partir de
documentos do Departamento de Educação de Santa Catarina salvaguardados no APESC – Arquivo Público de
Santa Catarina e se encontrarão disponíveis para consulta em forma de tabelas anexo a dissertação de mestrado de
Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula.
4
O termo Comunicados faz referência à forma como estão catalogados os documentos – produtos de reuniões
pedagógicas - encontrados no APESC. São textos redigidos pelos/as professores/as dos Grupos Escolares de Santa
Catarina para o Departamento de Educação deste Estado. Eles eram elaborados a partir de um modelo que elencava
uma lista das temáticas permitidas e permitia três elementos fundamentais: um enunciado (emergente de problemas
práticos do cotidiano de ensino/aprendizagem em sala de aula), uma argumentação (fruto de reflexões
cientificamente embasadas e em conformidade com as discussões em voga naquela temporalidade) e uma
conclusão (espaço para o/a docente expor suas experiências teórico/práticas). Estes textos eram divulgados em
reuniões pedagógicas que ocorriam concomitantemente à atuação profissional do professorado nos grupos
escolares.
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Manual da
Everardo
Pedagogia
Backheuser
32
18
37
13
12
17
Moderna
Pedagogia
Alfredo
Científica
Miguel
Aguayo
Didática
João Toledo
10
08
17
Metodologia
Artur
09
06
15
do Ensino
Carbonell y
Primário
Migal
Práticas
Antônio
07
05
14
Escolares
D’Ávila
Fonte: APESC – Levantamento de dados feitos por Maria Fernanda B. F. Werneck de Paula
Este quadro nos dá um panorama dos manuais utilizados em Santa Catarina na formação
continuada de professores/as em exercício nos grupos escolares. Visto que, os documentos dos
quais foram retiradas estas informações fazem parte de registros feitos para reuniões
pedagógicas que ocorriam sistematicamente dentro do espaço escolar com a finalidade, naquele
momento, de adequação do professorado primário às teorizações escolanovistas as quais
prometiam renovar a educação institucionalizada de uma maneira bastante ampla. As intenções
renovadoras partiam da construção de um Sistema de Educação Nacional erigido através das
novas ciências com a promessa de chegar em cada escola, cada professor/a e cada aluno/a que
dele fizessem parte.
Entre anos 1942 e 1946 entraram em vigor um conjunto de leis federais para a educação
escolar que ficaram conhecidas como “Reforma Capanema”. Esta Reforma reorganizou toda a
estrutura educacional brasileira na tentativa de estabelecer uma política nacional de educação
unificada para o país, porque até 1946, o ensino primário era de responsabilidade dos governos
de cada Estado. A Lei Orgânica Federal do Ensino Primário - Lei nº 8.529/46 foi parte deste
processo legislativo que prenunciava maior eficiência para o lugar da formação humana
projetado como componente fulcral do progresso e da ordem brasileiros. Assim, acompanhando
o movimento nacional pela renovação da educação escolar, Santa Catarina promulga o Decreto
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Estadual n. 298, de 18 de novembro de 1946, dando corpo a Lei Orgânica do Ensino Primário
do Estado de Santa Catarina e demonstrando “o grande desejo do Estado em sintonizar-se com
as instituições federais” (FIORI, 1975, p.153). A “Reforma Elpídio Barbosa”, como foi
chamada a tentativa de renovação pedagógica do ensino público catarinense, “teve como apoio
básico um dispositivo de cunho centralista e autoritário” (Idem, p.152) que implementou por
força de lei a Escola Nova nos grupos escolares catarinenses.
Desse tempo/espaço permaneceram, em Santa Catarina, através da salvaguarda de
documentos oficiais, traços do movimento escolanovista nacional e internacional que ocuparam
de maneira vultosa os espaços discursivos em prol da renovação e do progresso. Estes
resquícios apontam para uma polifonia e uma polissemia narrativa que foram capazes de
produzir múltiplas representações e práticas para a(s) Escola(s) Nova(s) anunciadas
publicamente. Conforme explica Monarcha (2009):
Ao final de 1920, anos de intenso crescimento industrial e diversificação da
economia nacional, quando o fogaréu de reconstrução social pela educação
crepitou mais forte e do qual os reformadores retiravam luz pessoal, já era
possível deparar com a metáfora-chave “Escola Nova” integrada aos mais
diversos discursos. Nesse redemoinhar de fatos brasileiros, a metáfora-chave
ganhava foros de Cidade, recrudescendo a busca heterogênea e polifônica do
novo e do moderno, ou melhor, de tudo aquilo considerado diferente ou
singular e, portanto, nascido fora da tradição. [...]
O antigo propósito de fundação de sociedades harmoniosas pela educação
condensara-se na metáfora-chave “Escola Nova”, então convertida em
indicativo (indicativo equivocadamente transformado em imperativo) de um
amplo programa a ser seguido (p.73)
Usada como bandeira, nos espaços internacional e brasileiro, a Escola Nova passa a
configurar o futuro educacional desejável e a integrar as mais variadas teorias que passaram a
emoldurar e a preencher obras de caráter pedagógico escritas nas primeiras décadas do séc. XX.
A ampliação do parque gráfico nacional que ocorreu concomitante a difusão dos pressupostos
escolanovistas permitiu a criação de Bibliotecas e Coleções voltadas ao professorado que se
espraiaram por todo o território verde e amarelo. Segundo Carvalho e Vidal (2000, p.07),
“estudos centrados nos usos pedagógicos do impresso podem trazer uma inteligibilidade nova
sobre a história da escola e dos saberes e práticas que a constroem”. Nesta direção, a pesquisa
de mestrado que baliza parte deste artigo problematizou as representações de práticas
escolanovistas presentes em dois manuais escritos por Alfredo Miguel Aguayo, Didática da
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Escola Nova (1941) e Pedagogia Científica (1948). Este autor mereceu protagonismo neste
estudo por configurar-se, por meio de estudos arquivisticos, como o teórico mais citado em
documentos escritos pelos/as professores/as dos grupos escolares catarinenses. Cabe salientar
que, dos 681 comunicados selecionados, 234 (conferir Quadro 1) nomeavam o pedagogo
radicado em Cuba como importante balizador de suas práticas.
Estudioso da educação que transitou por diversas teorizações e em diversos países,
Aguayo foi um respeitável produtor de livros para a formação docente entre o fim do séc. XIX
e o início do séc. XX. Nascido em Porto Rico, mudou-se com a família para Cuba aos 13 anos.
Descendente de duas notáveis famílias porto-riquenhas e tendo como avô paterno, Dr. Nicolás
Aguayo y Aldea (1808-1878), fundador do Partido Liberal Reformista (1870) e um dos mais
proeminentes em educadores de seu país, Aguayo, cresceu em ambiente marcado pelo debate
político e educacional, formando-se com honras na Universidade de Havana em 1885, onde,
mais tarde obteve o grau de Doutor em Direito e Pedagogia. Este proeminente intelectual latinoamericano teve alguns de seus textos traduzidos para o português e publicados no Brasil. Como
partícipe da polifonia da Escola Nova, Alfredo Miguel Aguayo y Sanches, foi presidente da
Associação Pedagógica de Havana, membro da Sociedade Geográfica de Cuba e professor
emérito da Universidade de Havana. Como pedagogo escreveu mais de 30 obras na clave da
educação.
Os manuais de Aguayo eleitos por este estudo fizeram parte do selo editorial Biblioteca
Pedagógica Brasileira Biblioteca criado pela Companhia Editora Nocional. Este projeto
editorial abarca cinco coleções ou séries: Literatura Infantil, Livros Didáticos, Iniciação
Científica, Brasiliana e Atualidades Pedagógicas. A Coleção Atualidades Pedagógicas foi
dirigida por Fernando de Azevedo5 entre os anos 1931 e 1946. Esta série, a terceira do selo foi
idealizada para “o professor, o normalista, o acadêmico dos cursos de Pedagogia e Didática, os
responsáveis, a qualquer título, pela educação, os estudiosos, em geral, de matéria pedagógica”
(PENNA, 1959, p.401). Didática da Escola Nova (1941) e Pedagogia Científica (1948)
5
Fernando de Azevedo (1894-1974) foi um intelectual brasileiro de grande destaque tem seu nome associado ao
movimento de renovação educacional anunciado pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) do qual
fez parte junto a Lourenço Filho e Anísio Teixeira dentre inúmeros outros importantes pensadores.
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figuram, respectivamente, como volumes 15 e 18 desta Coleção e foram traduzidos para o
português por J. B. Damasco Penna e Antônio D’Ávila6:
Fonte: Acervo Pessoal de Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula
Segundo Escolano (2001, p.35) os manuais pedagógicos são um dos núcleos
organizadores das relações de ensino/aprendizagem e retêm, em sua materialidade, um
“micromundo educativo” capaz de permitir a reflexão das teorias pedagógicas e seus usos. Ao
tomarmos estes artefatos culturais como objetos de pesquisa os classificamos como uma
literatura voltada para a formação e aperfeiçoamento docente. Pois, para Ossenbach e Somoza
(2001) os manuais escolares podem ser definidos como obras sistemáticas, sequenciais e de
produção serial e massiva que são congregadas ao processo educativo. Contudo, na falta de um
consenso acadêmico em torno das nomenclaturas, estes historiadores pedem cautela diante da
ambiguidade terminológica presente na denominação dos livros escolares. Mediante as
assertivas destes pesquisadores, acreditamos importante nos posicionarmos acerca dos objetos
6
Intelectuais brasileiros pertencentes a rede de sociabilidade de Fernando de Azevedo. João Batista Damasco
Penna, professor de psicologia do Colégio Universitário anexo à Universidade de São Paulo e braço direito de
Azevedo na Companhia Editora Nacional e Antônio d’Ávila, assistente do Instituto de Educação da Universidade
de São Paulo à época.
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desta análise. Sendo assim, os consideramos manuais, porque atendem a definição dada por
Ossenbach e Somoza e são, a partir da função estabelecida pelo autor e reiterada pela edição e
uso, manuais didáticos para a formação docente.
Os livros para formação docente ganharam visibilidade durante o período escolanovista
produzindo e veiculando discursos nesta clave. Para Toledo (2001) a Coleção Atualidades
Pedagógicas foi organizada com a intenção de difundir um projeto educacional circunscritos
por um projeto político e um projeto editorial bastante específicos. Em sua tese esta historiadora
da educação salienta que havia uma representação construída pelo editor e seus colaboradores
acerca do leitor. Ou seja, o leitor é produto de um imaginário editorial desenhado pelos
simbolismos que permeiam a esfera social. Sendo assim, é viável considerar que os livros em
circulação entre os docentes a partir destas Bibliotecas se constituem como portadores de vários
projetos educacionais. No caso desta Coleção o projeto educacional se encerra naquele
capitaneado pelos pioneiros da educação nova7 em seu período de “boa relação” com o governo
federal.
Neste sentido, pensamos ser prudente sopesar que os textos analisados foram
arquitetados por Alfredo Miguel Aguayo para formar o/a docente cubano/a contido em seu
imaginário, o/a professor/a primário ideal a partir de sua experiência e seu arcabouço teórico.
E, pelo que o material analisado indica, suas palavras deste pedagogo encontravam-se com
ideário educacional progressista que buscava tornar-se hegemônico para o sistema escolar
brasileiro por meio do grupo liderado por Fernando de Azevedo em que o professorado, em
especial o dedicado ao ensino primário, deveria encarnar sob a representação de “organizador
da alma popular” (CARVALHO, 2003) uma nova identidade tecida para o/a docente da escola
primária que pode ser confirmada pelas palavras da professora primária catarinense Olívia
Maia:
7
Cabe salientar que os pioneiros se constituíram como uma rede de intelectuais que desejou conduzir o formato a
ser assumido pelas mudanças anunciadas no discurso nacionalista e civilizador autorizado, demarcando esta
intenção através do Manifesto de 1932. Porém, estudos feitos a partir dos anos oitenta atentam para a necessidade
de reduzirmos estes intelectuais a um bloco monolítico. É preciso considerar as diferenciações entre os
personagens que fizeram parte deste movimento. Portanto, reconhecemos que o termo “pioneiros” tem sido
questionado e convidado ao desuso por Marta M. Chagas de Carvalho. Neste sentido, justificamos que ao
utilizarmos esta expressão neste artigo pretendemos, apenas, demarcar uma parte do campo em disputa,
reconhecendo que esta expressão não cumpre uma função analítica.
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Nada no mundo estaciona, pára. Tudo evolúe, tudo se aperfeiçoa. A ciência
caminha a passos largos, conquistando, dia após dia, novos terrenos. Ora é no
ramo da medicina, ora no da física ora no da química, ora no da educação.
Com a observação de cada dia, com a experiência, novos processos educativos
vão surgindo, mais eficientes, mais condizentes com a época atual, mais
adequados para a era agitada em que vivemos. E o professor não pode, em
absoluto, estacionar. Mister se torna que êle evolúa, como evolue a educação;
que ele esteja a par dos métodos educativos, dos novos processos
educacionais. (COMUNICADOS GE p/ DE 1946, folha 228)
Diante da multiplicidade de descobertas científicas fazia-se urgente a adequação da
educação escolar às novidades que pululavam por meio de impressos. Segundo Carvalho
(1998b, p.71), foi “No embate, travado basicamente em torno dos usos e dos princípios
doutrinários da chamada pedagogia da Escola Nova, o impresso desempenhou um papel
fundamental como dispositivo de regulação e modelagem do discurso e da prática pedagógica
do professorado”. Assim, consideramos que a produção intelectual de Aguayo integrou com as
duas obras elencadas uma estratégia específica de fabricação e circulação de livros pedagógicos
para educadores, a qual guardava a intenção de reformar a cultura e fazer nascer à nação
brasileira. Para Certeau (2012) a estratégia se encerra no “cálculo (ou a manipulação) das
relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e
poder [...] pode ser isolado” (Idem), isto faz parte de um modo de ser cartesiano sob o qual
abrigamos a necessidade de “circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes
invisíveis do outro. Gesto da modernidade científica, política ou militar” (Idem). Os manuais
para a formação docente de Alfredo Miguel Aguayo são a partir desta ponderação considerados
como estratégia editorial, como discurso anunciado como verdadeiro, como palavra autorizada
pelo projeto de futuro de Fernando de Azevedo e do Departamento de Educação de Santa
Catarina através dos quais os professores e as professoras catarinenses podem ter ressignificado
- ou não - muitas de suas práticas.
O discurso operado por Aguayo nos dois manuais dava relevo as teorias psicológicas,
biológicas, sociológicas e filosóficas mais bem aceitas no campo educacional brasileiro
delineado pelo projeto do grupo progressista e conferia propriedade ao campo educacional em
configuração através fabricação de representações de práticas pedagógicas concebidas como
inovadoras. Em seu prefácio para Didática da Escola Nova escrito em Havana, junho de 1932,
o pedagogo cubano posiciona-se como um possível ordenador da profusão de teorias
escolanovistas:
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São muitas as dificuldades que o assunto da nova metodologia pedagógica
oferece ao professor. Os que escrevem sobre a matéria limitam-se, geralmente,
a tratar dos ensaios e experiências pessoais de certo autor ou de vários autores,
sem adotar atitude científica, sem considerar o assunto do ponto-de-vista geral
e sistemático. Disso decorre que a leitura dos livros em que são expostas as
orientações da nova prática escolar produz no espírito de muitos estudiosos
uma impressão de caos (AGUAYO, 1941, Prefácio)
Foi nesse clima caótico apreendido por Aguayo na abertura de seu manual didático que
seus textos chegam ao Brasil. Em Santa Catarina, estes livros acabam por justificar um plano
de “modernização expressa” (BOMBASSARO, 2006, p. 113) implementado pelos técnicos do
Departamento de Educação de Santa Catarina, no qual a propaganda sobre a prática de leitura
de manuais e da elaboração de descrições de práticas escolanovistas aplicadas ao cotidiano dos
grupos escolares foi uma das continuidades dessa forma “apressada” e, talvez, pouco reflexiva
que se esboçou na continuidade da formação docente.
Validados por Azevedo como obras de inquestionável importância os livros de Aguayo
foram comprados, conforme a Circular n. 32 de 26 de setembro de 1935 do Departamento de
Educação de Santa Catarina para os Grupos Escolares, como elementos de uma Coleção, para
as bibliotecas das escolas primárias catarinenses. Na orelha de Didática da Escola Nova,
impresso em 1941, encontram-se duas representações sobre as obras de Aguayo pertencentes
à Coleção que corroboram com as necessidades de adequação à novas práticas presentes no
discurso político-educacional brasileiro:
DIDÁTICA DA ESCOLA NOVA
Este livro condensa, em trinta capítulos metódicos e claros, as idéias
fundamentais da teoria e da prática da educação renovada. Os primeiros
quatorze capítulos estudam os princípios gerais da didática; os outros tratam
da orientação moderna no ensino das várias matérias do ensino primário.
Numa como noutra parte o autor não se limita a expor, mas critica também e
orienta. Não procura indicar expedientes de duvidoso proveito, e sim abrir
perspectivas para estudo pessoal e crítico dos sistemas gerais e das formas
particulares dos processos didáticos, para o que, além do texto substancioso,
arrola, ao fim de cada capítulo, indicações de bibliográficas escolhidas
PEDAGOGIA CIENTÍFICA
Psicologia e direção da aprendizagem
Expõe as bases psicológicas da moderna concepção de aprendizagem e trata
da aplicação das noções adquiridas pelo trabalho de investigação científica à
orientação geral e especial da atividade escolar. Assim é que os dezessete
primeiros capítulos estudam os grandes problemas gerais da psicologia da
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aprendizagem; outros são consagrados ao trato das questões mais diretamente
ligadas ao ensino desta ou daquela matéria do currículo primário, constituindo
pois, a parte referente à direção da aprendizagem. E os dois últimos capítulos
finais abordam o estudo da medida do trabalho escolar e da formação da
personalidade (COMPANHIA EDITORA NACIONAL, 1941)
Os enunciados transcritos acima foram preparados pela editora para provar ao leitor em
potencial a “verdade” que seria revelada pela leitura destes manuais e, apesar, da palavra teoria
estar envolvida na representação aludida, ela silencia a si mesma diante do contexto de
“celebração da prática” (BOMBASSARO, 2006) vivenciados em Santa Catarina. Sobre o uso
desses manuais, é possível neste momento da pesquisa, considerar que os discursos oficiais
urdidos em Santa Catarina nos primeiros cinquenta anos do séc. XX, segundo atestam
documentos e pesquisas como as de Bombassaro (2006), edificaram a “celebração da prática”
em prejuízo a uma reflexão teórica mais aprofundada acerca da Pedagogia. Por meio de
dispositivos como cursos e reuniões pedagógicas os discursos promoveram elementos
apaziguadores de “lutas por representações e práticas” (CHARTIER, 1990, 2011, 2013) em que
pelos signos da aprendizagem – motivação, interesse e atenção e pelos signos do ensino –
disciplina-saber e disciplina-corpo – o vocabulário democrático foi emudecido sob a
enunciação, predominantemente metodológica, da Escola Nova que prevaleceu. As
enunciações em circulação em Santa Catarina na década de 1940 estão circunscritos por um rol
de práticas discursivas autoritárias que produziram representações sobre a educação em
consonância aos “modelos políticos fortemente excludentes” (CARVALHO, 1998a, p. 138).
Os textos de Aguayo analisados compõem uma vertente discursiva que visa tornar
científico o cotidiano do professorado primário. Ao salvaguardarem finalidades e destinatários
particulares e constituem-se como representações de leituras/reflexões de um professor/escritor
alocado num lugar de enunciação em que dizer Escola Nova era muito mais do que propor uma
nova escola. Nesta pesquisa, ao cotejarmos as representações de práticas para Escola Nova
presentes em Didática da Escola Nova (1941) e Pedagogia Científica (1948) com textos
escritos por docentes do ensino primário catarinense - em processos de formação continuada na
década de 1940 - e outros documentos do Departamento de Educação de Santa Catarina foi
possível apreender a reverberação e a recorrência de algumas ideias que configuraram a
renovação pedagógica para o período, como por exemplo: a disciplina-corpo e a tríade interesse,
atenção e motivação. Por meio da problematização destas produções discursivas foi possível
perceber que a(s) Escola(s) Nova(s) não aponta(m) para uma única direção, não conjuga(m) um
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único fim, não projeta(m) objetivo(s) comum(s) a toda uma sociedade. Os discursos legitimados
e/ou interditados tecem um patchwork de saberes e poderes bastante complexo.
Portanto, esta pesquisa centrou-se em conhecer fragmentos daquilo que foi considerado
antigo e atual sem reduzi-los a vocábulos que significam uma oposição. Acreditamos que
refletir, a partir do presente, algumas das sínteses que positivaram o “novo” e negativaram o
“velho”, tornando-os antagônicos e incompatíveis numa temporalidade pode ampliar os debates
contemporâneos sobre os modelos de escolarização e suas práticas ao considerar que palavras
não são apenas códigos comunicativos, elas são encarnações de sentidos que produzem escolas
na mesma medida em que são produzidas pela/para/nas/com as escolas. Assim, ainda
permanecem problematizações a serem feitas acerca das apropriações de práticas
escolanovistas que foram materializadas nas salas de aula dos grupos escolares catarinenses
diante dos modelos pedagógicos abalizados pelas políticas educacionais em vigor. Nesta
direção, avaliamos, a partir dos simbolismos que compões a aprendizagem e o ensino por meio
das representações de práticas escolanovistas inscritas em períodos onde o nacionalismo e o
autoritarismo exacerbados fazem emergir uma serie de estratégias, que se torna pertinente
adentrar por questionamentos sobre os usos feitos destas representações no cotidiano escolar da
escola primária catarinense. A busca pelas táticas, este território do “não lugar” onde se
multiplicam as astúcias, uma capacidade de metamorfosear que, segundo Certeau (2012, p.65)
“permitem ou refreiam a circulação numa rede de poderes” justificam a continuidade de
pesquisas que se debrucem sobre os fazeres escolares do período escolanovista para além das
representações e das estratégias deste espaço/tempo.
Referências
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