Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico

Transcrição

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro Biomédico
Faculdade de Enfermagem
Bruno Rafael Gomes Valois
Representações sociais da aids por enfermeiras das redes básica e
hospitalar
Rio de Janeiro
2012
Bruno Rafael Gomes Valois
Representações sociais da aids por enfermeiras das redes básica e hospitalar
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Enfermagem, Saúde e Sociedade.
Orientadora: Prof.a Dra. Denize Cristina de Oliveira
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBB
V198
Valois, Bruno Rafael Gomes.
Representações sociais da aids por enfermeiras das redes
básica e hospitalar / Bruno Rafael Gomes Valois. - 2012.
156 f.
Orientadora: Denize Cristina de Oliveira.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Enfermagem.
1. Infecções por HIV - Enfermagem. 2. AIDS (Doença) Enfermagem. 3. Representações sociais. 4. Cuidados em
enfermagem. 5. Informática na enfermagem. I. Oliveira, Denize
Cristina de. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade
de Enfermagem. III. Título.
CDU
614.253.5
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta dissertação, desde que citada a fonte.
________________________________________
_________________________
Assinatura
Data
Bruno Rafael Gomes Valois
Representações sociais da aids por enfermeiras das redes básica e hospitalar
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Enfermagem, Saúde e Sociedade.
Aprovada em 29 de fevereiro de 2012.
Banca Examinadora:__________________________________________________
Prof.ª Dra. Denize Cristina de Oliveira (Orientadora)
Faculdade de Enfermagem - UERJ
__________________________________________________
Prof. Dr. Sergio Corrêa Marques
Faculdade de Enfermagem – UERJ
__________________________________________________
Prof.ª Dra. Márcia de Assunção Ferreira
Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ
Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA
A Deus, que sempre me fortaleceu, me guiou e me deu forças nesta caminhada.
Aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado e me apoiaram.
Às minhas irmãs, pelas palavras de incentivo e pela compreensão em todos os
momentos que precisei estar ausente.
Às pessoas que vivem com HIV/Aids e aos que delas cuidam, por terem sido a fonte
de inspiração para este trabalho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por estar sempre em meu caminho me dando forças para prosseguir
e por cada sonho que se tornou realidade.
Aos meus pais, Ronaldo Ribeiro Valois e Joana Gomes Valois, por terem sido
verdadeiros exemplos de apoio e dedicação e por tudo o que me ensinaram ao
longo desses anos. Tenho muito orgulho de vocês!
À professora Denize Cristina de Oliveira, por todo o aprendizado que me
proporcionou, por todas as oportunidades que me deu e por toda compreensão que
teve durante o mestrado.
Ao professor Antônio Marcos Tosoli Gomes e às amigas Ana Paula Munhen
de Pontes e Monique Marrafa Muniz Barreto, por terem sido grandes incentivadores,
desde a época da graduação.
Aos professores Márcia de Assunção Ferreira e Sergio Marques, pelas
valiosas contribuições durante a banca de qualificação.
Aos amigos Caren Camargo do Espírito Santo, Érick Igor dos Santos e Ingryd
Ventura, por terem sido um apoio constante durantes esses dois anos e pela
disponibilidade de ajuda que sempre tiveram nas ocasiões que precisei (que não
foram poucas).
A todos os meus amigos, que souberam entender as ocasiões que tive que
estar ausente.
Aos meus colegas de trabalho, enfermeiros, técnicos e chefia de serviço, que
sempre se mostraram dispostos a me ajudar nos momentos que precisei.
Às enfermeiras que se dispuseram a participar da minha pesquisa, mesmo
diante de inúmeras atividades de rotina.
RESUMO
VALOIS, Bruno Rafael Gomes. Representações sociais da aids por enfermeiras das
redes básica e hospitalar. 2012. 156 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) –
Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2012.
Este estudo objetiva analisar as representações sociais da aids produzidas por
enfermeiras atuantes em dois níveis distintos de atenção aos sujeitos que vivem com
HIV/Aids e suas implicações para o cuidado desenvolvido por esse grupo profissional.
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, pautado na abordagem qualitativa,
orientado pela Teoria das Representações Sociais, em sua abordagem processual. Os
sujeitos do estudo foram enfermeiras, atuantes em instituições públicas de saúde da
cidade do Rio de Janeiro, sendo 10 da rede hospitalar e 9 da rede básica. A coleta de
dados deu-se por meio de um roteiro de entrevista semi-estruturada e um questionário
de caracterização. Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de análise lexical,
realizada pelo software Alceste 4.10. Na análise do grupo total de sujeitos foram
definidas seis categorias: "Memórias sócio profissionais de enfermeiras sobre o
HIV/Aids", abordando os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade,
as memórias das enfermeiras sobre aids e os estereótipos presentes em cada período;
"O cuidado relacionado à autoproteção ao HIV/Aids", referindo-se as medidas de
proteção ao HIV/Aids adotadas pelas enfermeiras tanto em suas vidas profissionais
quanto pessoais; "Dimensões práticas do atendimento e do cuidado", destacando
elementos do cotidiano assistencial, com ênfase nas diferentes formas de compreensão
do cuidado; "As famílias atingidas pela aids", com conteúdos relativos às vivências das
enfermeiras em situações da aids no contexto familiar; "As políticas públicas e
instituicionais e a aids", relativa as percepções das enfermeiras sobre as políticas de
saúde; "O tratamento medicamentoso do HIV/Aids", com conteúdos relativos às
dificuldades percebidas para a adesão ao tratamento medicamentoso por parte dos
sujeitos com HIV/Aids. A análise cruzada da variável nível de atenção permitiu observar
que a representação da aids no grupo de enfermeiras da rede hospitalar encontra-se
ancorada em elementos negativos relativos ao passado, embora apontem também para
novos elementos representacionais no presente; enquanto as enfermeiras de rede
básica representam a aids a partir de elementos relativos à prática assistencial
cotidiana. A representação da aids para o grupo de enfermeiras estudado abarca
elementos tais como: sentimento de insegurança em relação ao próprio parceiro, devido
a situações que vivenciam, imagem dos sujeitos que vivem com HIV/Aids em transição
devido às mudanças ocorridas no perfil epidemiológico; atitudes distintas no campo
profissional, relacionadas às formas de contágio e persistência de identificação dos
sujeitos que vivem com HIV/Aids como vítimas ou culpados. Apesar de afirmarem
inexistir diferenças no cuidado de enfermagem às pessoas que vivem com o HIV/Aids
quando comparado ao cuidado aos sujeitos com outras patologias, enfatizam a
necessidade de maior cautela devido ao risco de contágio em relação aos primeiros,
caracterizando uma contradição no discurso. Conclui-se que existem diferenças nas
representações sociais das enfermeiras de acordo com o nível de atenção no qual
atuam e que há repercussões singulares na forma que o cuidado de enfermagem é
desenvolvido, a partir dessas representações.
Palavras-chave: HIV/Aids. Representação social. Cuidado de enfermagem. Alceste.
ABSTRACT
This study intends to analyze social representations of AIDS produced by
nurses working in two distinct levels of care for individuals living with HIV/AIDS and
its implications for nursing care developed by these professionals. This is an
exploratory descriptive study, based on a qualitative approach, guided by the theory
of social representation as procedural approach. The study participants were nurses
working in public health institutions in the city of Rio de Janeiro, 10 of them on the
hospital network and 9 of them on basic network. Data collection was performed by a
roadmap for semi-structured interviews and a characterization questionnaire. Lexical
Analysis technique was used, performed by the software Alceste 4.10. In the analysis
of the general group, six categories of analysis emerged: "Social-Professional
memories of nurses about HIV/AIDS", addressing social actors affected by AIDS in
the past and at present, the memories of the nurses about AIDS and the stereotypes;
"The care related to self-protection from HIV/AIDS", referring to the protective
procedures adopted by nurses in their lives both professionally and personally
against HIV/AIDS, "Practical Dimensions of treatment and nursing care”, bringing
elements of daily care, especially for different forms of understanding care; "Families
affected by AIDS," with content relating to the experiences of nurses with AIDS cases
in the family context, "Public, institutional policies and AIDS", with contents relating to
how policies health are perceived by nurses, "Drug treatment of HIV/AIDS", with
content related to perceived difficulties in adherence to drug treatment by individuals
with HIV/AIDS. The analysis of the variable "area of attention" permitted to observe
that the representation of AIDS among nurses working at hospital network is
anchored in negative elements related to the past, although it also points to new
representational elements at present; basic network nurses represent AIDS from
elements related to daily nursing care. It was possible to see that the representation
of AIDS among the nursing staff studied encompasses elements such as feelings of
insecurity about their own partner, because the situations they experience, transition
in images of the subjects living with HIV/AIDS, due to changes in their
epidemiological profile, different attitudes in the professional field related to forms of
contagion and persistence on identification of individuals living with HIV/AIDS as
victims or perpetrators. Despite claiming nonexistence of differences in nursing care
for people living with HIV/AIDS care in relation to any other client, nurses emphasize
the need for greater caution due to the risk of contagion, thus presenting a
contradiction in their speech. It´s possible to conclude that there are differences in
social representations of nurses according to the level of attention to individuals who
live with HIV/AIDS and that there are unique repercussions in the way nursing care is
developed from these representations.
Keywords: HIV/AIDS. Social representation. Nursing care. Alceste.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 –
Comparação entre as duas Classificações Descendentes
Hierárquicas (C.D.H.) realizadas com o corpus de entrevistas Rio de Janeiro – 2011 ..................................................................
Figura 2 –
Dendograma representativo das classes resultantes da análise
Alceste ..........................................................................................
Figura 3 –
Classificação
Ascendente
Hierárquica
da
Classe
115
Rede
Hospitalar na Análise Triagem Cruzada - Rio de Janeiro – 2011.
Figura 10 –
107
Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 6 - Rio de
Janeiro – 2011 ..............................................................................
Figura 9 –
100
Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 5 - Rio de
Janeiro – 2011 ..............................................................................
Figura 8 –
90
Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 4 - Rio de
Janeiro – 2011 ..............................................................................
Figura 7 –
81
Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 3 - Rio de
Janeiro – 2011 ..............................................................................
Figura 6 –
70
Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 2 - Rio de
Janeiro – 2011 ..............................................................................
Figura 5 –
67
Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 1 - Rio de
Janeiro – 2011 ..............................................................................
Figura 4 –
66
121
Classificação Ascendente Hierárquica da Classe Rede Básica
na Análise Triagem Cruzada - Rio de Janeiro – 2011 ..................
124
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 –
Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 1 - Rio de Janeiro – 2011 ............................
Quadro 2 –
Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da
classe 1 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................
Quadro 3 –
106
Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 6 - Rio de Janeiro – 2011 ...........................
Quadro 12 –
105
Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da
classe 5 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................
Quadro 11 –
99
Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 5 - Rio de Janeiro – 2011 ...........................
Quadro 10 –
98
Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da
classe 4 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................
Quadro 9 –
89
Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 3 - Rio de Janeiro – 2011 ............................
Quadro 8 –
88
Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da
classe 3 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................
Quadro 7 –
81
Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 3 - Rio de Janeiro – 2011 ............................
Quadro 6 –
80
Principais formas reduzidas, contextos semânticos e valores
de x² da classe 2 - Rio de Janeiro – 2011 ..................................
Quadro 5 –
69
Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 2 - Rio de Janeiro – 2011 ...........................
Quadro 4 –
68
113
Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da
classe 6 - Rio de Janeiro – 2011 ................................................
114
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 –
Distribuição das enfermeiras de acordo com a faixa etária - Rio
de Janeiro – 2011 ...........................................................................
Tabela 2 –
Distribuição das enfermeiras de acordo com o estado conjugal Rio de Janeiro – 2011 ....................................................................
Tabela 3 –
60
Distribuição das enfermeiras de acordo com o tempo de atuação
com pessoas que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro – 2011.....
Tabela 5 –
60
Distribuição das enfermeiras de acordo com o tempo de atuação
profissional - Rio de Janeiro – 2011 ...............................................
Tabela 4 –
59
61
Distribuição das enfermeiras de acordo com o tipo de contato
atual com sujeitos que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro –
2011 ................................................................................................
Tabela 6 –
62
Distribuição das enfermeiras de acordo com a frequência de
contato com os sujeitos que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro
– 2011 .............................................................................................
Tabela 7 –
62
Distribuição das enfermeiras de acordo com a participação em
cursos de capacitação voltados à temática HIV/Aids e por área de
atuação - Rio de Janeiro – 2011 .....................................................
Tabela 8 –
63
Distribuição das enfermeiras de acordo com a percepção de
contágio pelo HIV e área de atuação - Rio de Janeiro – 2011........
64
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................
12
1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................
16
1.1
A Teoria das Representações Sociais ......................................................
16
1.2
Aspectos epidemiológicos e psicossociais do HIV e da aids ................
26
1.3
A atuação do enfermeiro em diferentes níveis de atenção aos
sujeitos que vivem com HIV/Aids e as concepções teóricas que lhes
dão suporte .................................................................................................
34
1.3.1
O cuidado a partir das teorias de enfermagem ............................................
38
1.3.2
Contribuições da Saúde Coletiva para o entendimento do cuidado .............
43
2
METODOLOGIA ...........................................................................................
47
2.1
Tipo de estudo e abordagem metodológica ............................................
47
2.2
Cenários estudados ...................................................................................
48
2.3
Grupo estudado ..........................................................................................
50
2.4
Coleta de dados e instrumentos ...............................................................
50
2.5
Aspectos éticos e legais da pesquisa ......................................................
52
2.6
Análise de dados do conteúdo da representação ...................................
52
2.7
Procedimentos da análise Alceste ...........................................................
54
2.7.1
Preparação do corpus Alceste .....................................................................
54
2.7.2
Etapas da análise Alceste ............................................................................
56
3
RESULTADOS .............................................................................................
59
3.1
Caracterização da população participante do estudo ............................
59
3.2
As representações sociais da aids e suas influências nas práticas de
cuidado de enfermeiras voltadas aos sujeitos que vivem com
HIV/Aids........................................................................................................
65
Classe 1 - Memórias sócioprofissionais de enfermeiras sobre o HIV/ Aids..
68
3.2.1.1 Os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade...............
71
3.2.1.2 As memórias de enfermeiras sobre o surgimento da aids............................
74
3.2.1.3 Aids, estereótipos e sexualidade ..................................................................
77
3.2.2
80
3.2.1
Classe 2 - O cuidado relacionado à auto-proteção ao HIV/Aids ..................
3.2.2.1 Medidas de autoproteção ao HIV na vida pessoal .......................................
82
3.2.2.2 Autoproteção profissional na execução do cuidado de enfermagem ...........
84
3.2.3
Classe 3 - Dimensões práticas do atendimento e do cuidado voltados aos
sujeitos que vivem com HIV/Aids ................................................................
88
3.2.3.1
Atuação das enfermeiras na testagem para o HIV ......................................
91
3.2.3.2
Dimensões práticas do atendimento aos sujeitos que vivem com HIV/Aids
92
3.2.3.3 O cuidado voltado aos sujeitos que vivem com HIV/Aids .............................
94
3.2.4
Classe 4 - As famílias atingidas pela aids ....................................................
97
3.2.4.1 O adoecimento de famílias no contexto da aids ...........................................
100
3.2.4.2 Sentimentos de vulnerabilidade das enfermeiras devido à feminização da
aids ...............................................................................................................
103
Classe 5 - As políticas públicas e institucionais e a aids ..............................
105
3.2.5.1 As políticas públicas em âmbito nacional no contexto do HIV/Aids .............
108
3.2.5.2 Políticas públicas relacionadas ao HIV no âmbito institucional ....................
111
3.2.6
Classe 6 - O tratamento medicamentoso do HIV/Aids .................................
113
3.2.6.1 Efeitos dos avanços da terapia antirretroviral ..............................................
115
3.2.5
3.2.6.2 Desafios para a adesão ao tratamento medicamentoso voltado ao
HIV/Aids ........................................................................................................
4
ANÁLISE DE TRIAGEM CRUZADA (TRI-CROISÉ) DA VARIÁVEL
ÁREA DE ATUAÇÃO ..................................................................................
4.1
5
120
As representações sociais da aids para enfermeiras que atuam em
hospitais .....................................................................................................
4.2
116
120
As representações sociais da aids para enfermeiras que atuam na
saúde pública ..............................................................................................
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................
128
REFERÊNCIAS ............................................................................................
134
APÊNDICE A - Questionário de caracterização dos sujeitos ......................
147
APÊNDICE B - Roteiro Temático .................................................................
152
APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................
154
APÊNDICE D - Variáveis Alceste e suas Codificações ...............................
155
12
INTRODUÇÃO
Este estudo é integrante de um projeto multicêntrico de pesquisa intitulado:
“As transformações do cuidado de saúde e enfermagem em tempos de aids:
representações sociais e memórias de enfermeiros e profissionais de saúde no
Brasil”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), através do processo nº 482248/2009-2. Insere-se no Grupo de
Pesquisa “Promoção da Saúde e Práticas de Cuidado de Enfermagem e Saúde de
Grupos Populacionais”, e na linha de pesquisa “Saberes, Políticas e Práticas em
Saúde Coletiva e Enfermagem” do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O trabalho de pesquisa junto a este grupo de pesquisa iniciou-se ainda na
graduação, no período compreendido entre os anos de 2003 e 2005, quando tive a
oportunidade de ser bolsista de iniciação científica do CNPq, no âmbito do projeto:
“A Enfermagem e a Promoção da Saúde do Adolescente: condições de vida, saúde
e trabalho de estudantes do ensino médio no município do Rio de Janeiro”, orientado
pela Prof.ª Dra. Denize Cristina de Oliveira (OLIVEIRA, 2003). A experiência de
vivenciar todas as etapas da pesquisa científica, desde a coleta até a construção do
banco de dados, análise dos dados e produção de publicações, foi válida para o
desenvolvimento posterior de atividades educativas junto aos sujeitos do estudo, a
partir das necessidades elucidadas pelos resultados da pesquisa.
Um recorte do mesmo estudo foi utilizado na elaboração da monografia de
conclusão de curso, na qual foram analisados os fatores relacionados à prevenção
das doenças sexualmente transmissíveis, do vírus da imunodeficiência humana
(HIV) e da aids entre adolescentes de escolas públicas no município do Rio de
Janeiro. Após a realização dessa pesquisa, de abordagem metodológica
quantitativa, surgiram inquietações acerca da temática que não puderam ser
respondidas naquele momento, despertando meu interesse em aprofundar os
estudos sobre o assunto em um momento posterior.
A motivação para este estudo surgiu durante a prática profissional, a partir da
vivência e da observação durante a assistência direta a pacientes crônicos, sendo
alguns desses atingidos pela aids ou pelo HIV, atendidos em nível hospitalar, em
setores de alta complexidade. Nesses cenários, o HIV e a aids repercutem de forma
13
peculiar sobre o processo de trabalho, considerando as representações elaboradas
pelos profissionais e a construção social acerca da temática, que além de abarcarem
o preconceito e a discriminação, incluem fatores como: o maior risco de contágio, em
função da predisposição a acidentes com materiais perfurocortantes, o convívio com
as consequências da doença, dentre elas a degeneração física, o isolamento social
e a morte (FORMOZO, 2007).
Pude perceber, empiricamente, que em diversas ocasiões, as percepções que
os profissionais trazem a respeito do HIV e da aids repercutem na forma como esses
sujeitos lidam com o usuário portador e com a forma de desenvolver a assistência.
Ilustro essa afirmativa com duas situações práticas das quais me recordo: no salão
de hemodiálise, uma técnica de enfermagem solicitou ao profissional de limpeza que
realizasse desinfecção reforçada da poltrona utilizada por uma paciente portadora
de HIV; na terapia intensiva, um médico afirmou, dirigindo-se à equipe de saúde,
que não conseguira colher a história de uma paciente com HIV positivo de forma
fidedigna, pois provavelmente o marido ocultou na entrevista que havia contraído o
vírus através da prática homossexual.
Diante de tantas inquietações, inicialmente pensei em investigar as
representações sociais da aids entre profissionais de saúde que atuam em setores
de alta complexidade, por ser minha área de atuação. Em um momento posterior,
foram feitos ajustes no delineamento do estudo, de forma que a rede básica também
fosse incluída. Sendo assim, o interesse deste estudo está em consonância com o
do grupo e com a linha de pesquisa, que desde 2000, desenvolve estudos no campo
de HIV/Aids, no contexto do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da
UERJ.
O HIV/Aids representa um dos grandes problemas de saúde pública da
atualidade. Diariamente, 14 mil pessoas são infectadas pelo HIV e desde o início da
epidemia 20 milhões de pessoas faleceram em decorrência da aids (ROCHA, 2003).
Sua abrangência acompanha nitidamente a complexidade do processo saúdedoença e, nessa perspectiva, a aids não pode ser considerada somente como
doença, mas também como um fenômeno social complexo e multifacetado,
envolvendo questões que ultrapassam dados epidemiológicos e abrange aspectos
subjetivos da sociedade (RIBEIRO et al., 2006b).
A aids surgiu no início da década de 80, e foi um importante marco da
passagem do século XX para o XXI, quando se pensava que as doenças
14
infectocontagiosas estavam sob o controle. Inicialmente, a infecção pelo HIV e a
síndrome por ele causada atingia grupos marginalizados na sociedade, como os
homossexuais masculinos, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. No
senso comum, e também no conhecimento reificado, constituíram-se diversas
representações e estereótipos em torno dos grupos tidos como mais vulneráveis à
infecção, o que contribuiu para aumentar a discriminação. Essas representações
eram permeadas principalmente por elementos negativos, como o castigo divino e a
morte (NASCIMENTO, 2005).
Com a disseminação do vírus, houve mudanças significativas no perfil
epidemiológico da doença. Outros grupos passaram a integrar esta realidade, como
os homens heterossexuais, mulheres, crianças e idosos. O conceito de grupo de
risco tornou-se obsoleto, uma vez que todos os indivíduos passaram a ser
vulneráveis (GALVÃO, 2000).
Essas mudanças foram importantes para que ocorressem transformações nas
representações constituídas, acompanhadas da implantação da política brasileira de
distribuição gratuita e universal de antirretrovirais, disposta na Lei nº 9.313, de 13 de
novembro de 1996. A distribuição dos antirretrovirais (ARV) reduziu em 50% a
mortalidade por aids no Brasil, e aumentou em 80% o tratamento para as doenças
oportunistas (FORMOZO, 2007; PINTO et al., 2007).
Oliveira (2010) identifica dois momentos históricos distintos do ponto de vista
da formação de representações e práticas profissionais: um primeiro momento
caracterizado pela atuação profissional nos anos 80 (início da epidemia) e um
segundo momento, marcado pela regulamentação da Lei de universalização dos
ARV, no qual a atuação profissional passou a ser norteada pelo novo perfil assumido
pela doença, especialmente a cronificação.
As práticas de cuidado sofreram transformações significativas em função das
mudanças no perfil epidemiológico e nas políticas de saúde, assim como as
representações sociais da doença para os profissionais também se modificaram, em
consonância com os conhecimentos que o grupo elaborou através dos meios de
comunicação e das relações sociais e do próprio conhecimento científico sobre a
doença. Assim, as representações sociais constituem-se como um objeto de
pesquisa que merece ser mais bem estudado e descrito, sendo esta a proposta
desse trabalho.
15
Dessa forma, o objeto de estudo escolhido foram as representações sociais
da aids produzidas por enfermeiras que atuam em níveis distintos de atenção aos
sujeitos que vivem com HIV/Aids. O objetivo geral deste estudo é descrever e
analisar as representações sociais da aids produzidas por enfermeiras atuantes em
dois níveis distintos de atenção aos sujeitos que vivem com o HIV e com aids e suas
implicações para o cuidado desenvolvido por essas profissionais.
Os objetivos específicos são:
a) descrever e caracterizar as representações sociais da aids
produzidas por enfermeiras atuantes em unidades básicas de saúde
e em hospitais que atendem sujeitos que vivem com HIV/Aids;
b) comparar as representações sociais da aids produzidas por
enfermeiras da rede básica e da rede hospitalar;
c) discutir as semelhanças e diferenças representacionais entre as
enfermeiras das redes básica e hospitalar e suas implicações para o
cuidado desenvolvido por essas profissionais.
Busca-se, assim, responder a duas perguntas: “Como a aids é pensada pelas
enfermeiras que atuam com a clientela por ela atingida?” e “Como as práticas de
cuidado são pensadas a partir dessas representações?”.
As contribuições esperadas deste estudo são: o aprofundamento das
reflexões quanto às práticas de cuidado desenvolvidas com os sujeitos que vivem
com HIV/Aids; melhoria da assistência de enfermagem a esses sujeitos; e suscitar
novos estudos preocupados com os aspectos simbólicos do HIV/Aids e com as
práticas de cuidado dirigidas aos sujeitos que vivem com HIV/Aids.
Outra contribuição esperada é que este estudo estimule uma maior
preocupação das instituições de saúde quanto à capacitação dos profissionais que
atendem os sujeitos que vivem com HIV/Aids, no sentido de favorecer uma interação
profissional-usuário
livre
de
preconceitos,
possibilitando,
desenvolvimento de um cuidado humano e de qualidade.
dessa
forma,
o
16
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A fundamentação teórica deste trabalho será dividida em três temas.
Primeiramente serão abordadas as representações sociais, tanto como fenômeno
como quanto teoria, perpassando por sua trajetória de construção conceitual,
antecedentes teóricos, principais conceitos de base e abordagens complementares.
Em um segundo momento, serão abordados os aspectos epidemiológicos e
psicossociais do HIV e da aids, bem como as contribuições de estudos brasileiros no
campo das representações sociais da aids.
E, finalmente, será abordada a atuação dos profissionais de enfermagem junto
aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, em diferentes níveis de atenção à saúde, além
de elementos conceituais do cuidado, considerando as contribuições das teorias de
enfermagem e de proposições da saúde coletiva para o seu entendimento.
1.1 A Teoria das Representações Sociais
A Teoria das Representações Sociais (TRS) vem se ampliando ao longo dos
anos, na medida em que novas possibilidades teóricas e metodológicas são
incorporadas e novas formas de saber são produzidas. Sua vasta aplicabilidade
possibilita interfaces com áreas como a saúde e a educação. No âmbito da saúde,
os estudos de representações sociais permitem acesso ao conhecimento social que
orienta as práticas de uma determinada população em relação a um determinado
problema, ou seja, o conhecimento que ela utiliza para interpretar tal problema e
justificar suas práticas sociais (OLIVEIRA, 2001).
As representações sociais (RS) são uma modalidade de saber originada
através da comunicação na vida cotidiana, com finalidade prática de orientar os
comportamentos em situações sociais concretas (SÁ, 1998). Caracterizam-se por
um processo criativo de elaboração cognitiva e simbólica, e são um tipo de
conhecimento plural, intimamente ligado a experiência vivida de uma comunidade,
demarcando seus referenciais de pensamento, ação e relacionamento (JODELET,
2001). Podem ser entendidas também como um conteúdo mental estruturado-
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cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico - sobre um fenômeno social relevante
(WAGNER, 2000).
De acordo com Jovchelovitch (2008), as representações sociais podem ser
consideradas tanto como uma teoria quanto como um fenômeno. Enquanto teoria,
oferece um conjunto de conceitos articulados, que busca explicar como os saberes
sociais são produzidos e transformados em processos de comunicação e interação
social. Ao serem entendidas como fenômeno, abarcam ideias, visões de mundo,
crenças, valores e práticas de comunidades humanas sobre objetos sociais
específicos.
A TRS traz, em seu aparato e trajetória conceitual, “todos os elementos que
fazem dela não apenas uma psicologia social dos saberes, mas também uma
perspectiva psicossocial que pode oferecer respostas a problemas mais gerais
propostos pelas ciências sociais como um todo” (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 85).
Ainda de acordo com essa perspectiva, deve também ser entendida como uma
teoria sobre novos conceitos produzidos e acomodados no tecido social.
O primeiro delineamento formal do conceito e da teoria das Representações
sociais surgiu em 1961 no trabalho de Moscovici, intitulado La psychanalyse, son et
image et son public (SÁ, 1993), conferindo ao autor o título de pai da teoria. Nela,
Moscovici aborda a psicanálise e sua apropriação e ressignificação por diferentes
setores do público parisiense, relatando a transformação que ocorre quando o saber
psicanalítico deixa o seu contexto original (o meio científico) e circula na estrutura
social para além do seu contexto de produção. Esse saber foi modificado, e de
forma particular por cada um dos grupos sociais que Moscovici estudou, a saber, os
comunistas e os católicos franceses (JOVCHELOVITCH, 2008).
Em princípio, a teoria ficou restrita ao campo da Psicologia Social, e
posteriormente passou a ser referenciada por diversas áreas do conhecimento
humano. No decorrer dos anos oitenta, o campo de estudos das representações
sociais se expandiu na França, e posteriormente atravessou as fronteiras europeias
e alcançou outros continentes (SÁ, 2007).
No Brasil, a teoria foi introduzida em 1982 por Ângela Arruda, tendo como
marco a visita de Denise Jodelet nesse mesmo ano. Em seguida, Sá e Arruda no
período de 1988 a 1997, propiciaram a divulgação da Teoria das Representações
Sociais por desenvolverem estudos na área (JODELET, 2005).
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A contrapartida conceitual utilizada por Moscovici na primeira fase teórica de
constituição da TRS foi o conceito de representações coletivas proposto por
Durkheim em 1912, que “procurava dar conta de fenômenos como a religião, os
mitos, a ciência, as categorias de espaço e tempo etc. em termos conhecimentos
inerentes à sociedade” (SÁ, 1993, p. 21). As representações coletivas são uma
tentativa de explicar determinados comportamentos da sociedade e suas relações
com o mundo, possuindo como fator determinante a natureza coletiva e não
individual dos objetos (ALMEIDA; CUNHA, 2003).
Na perspectiva de Durkheim, apresentada por Sá (1993), as representações
podem ser entendidas como o produto de uma imensa cooperação entre gerações,
em termos de experiências e saberes, que se acumulam e se estendem no espaço e
no tempo; suas características fundamentais em relação ao comportamento e ao
pensamento individuais são: autonomia, exterioridade e coercitividade. Durkheim
acreditava existirem duas realidades opostas entre si: a individual e a coletiva.
Nessa linha de entendimento, a realidade individual é baseada na consciência,
podendo interferir na ordem social e a realidade coletiva representa a sociedade
como um todo (SÁ, 1993).
Moscovici (1984) esclarece que há diferença entre os fenômenos aos quais
Durkheim se deteve (as representações de sociedades primitivas) e aqueles que ele
julga deverem atrair a atenção da psicologia social, ou seja, as representações “da
nossa sociedade do presente, do nosso solo político, científico e humano, que nem
sempre tiveram tempo suficiente para permitir a sedimentação que as tornassem
tradições imutáveis.” (MOSCOVICI, 1984, p.18).
Para Moscovici (2003, p. 45),
é óbvio que o conceito de representações sociais chegou até nós vindo de
Durkheim. Mas nós temos uma visão diferente dele- ou, de qualquer modo, a
psicologia social deve considerá-lo de um ângulo diferente de como o faz a
sociologia. A sociologia vê, ou melhor, viu as representações sociais como artifícios
explanatórios irredutíveis a qualquer análise posterior [...].
Assim, Sá (2007) enfatiza que apesar de Moscovici ter tido como ponto de
partida um conceito abrangente e estritamente sociológico, gerado no início do
século passado, ele deu-lhe uma feição mais condizente com a realidade social
contemporânea, “na qual religião e ciência perderam seu status unificado e
estabilizador das relações sociais e na qual os meios de comunicação de massa
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passaram a promover uma ampla e diversificada socialização de todas as formas de
conhecimento” (SÁ, 2007, p. 588).
Ao conceituar as representações sociais como um fenômeno que emerge nas
sociedades contemporâneas e ao conferir-lhes um caráter essencialmente
psicossocial, Moscovici distinguiu-as das representações coletivas de Durkheim,
considerando que são o resultado de uma construção social, feita por grupos
concretos através da interação entre seus membros (SÁ, 2007).
Em uma segunda fase de construção do conceito das representações, foi
dado maior valor à influência da sociedade sobre o pensamento dos indivíduos. As
maiores expressões dessa fase foram Piaget, Freud e Levy-Bruhl. Piaget
preocupou-se com os aspectos lógicos do desenvolvimento infantil; Freud mostrou
como as representações são passadas do nível coletivo para o individual e como o
social intervém na representação individual e Levy-Bruhl correlacionou a influência
da sociedade sobre a forma de pensar e de expressar os sentimentos dos indivíduos
(COSTA; ALMEIDA, 1999).
Os fenômenos, o conceito e a teoria das Representações Sociais surgem em
um contexto de renovação temática, teórica e metodológica da Psicologia Social. Em
sua obra pioneira, Moscovici rompeu os limites entre a Psicologia Social e a
Sociologia, originando a vertente denominada de psicossociologia do conhecimento,
cujas
proposições
condenam
a
perspectiva
individualista
norte-americana
tradicional, na medida em que consideram tanto os comportamentos individuais
quanto os fatos sociais em sua concretude e singularidade histórica (SÁ, 1993).
A partir das ideias de Levy-Bruhl e Piaget, Moscovici propõe a coexistência
nas sociedades contemporâneas de dois universos de pensamento: universo
reificado e universo consensual. Considera-se que no universo reificado se
produzam e circulem as ciências e o pensamento erudito, sendo caracterizado por
objetividade, rigor lógico e metodológico, teorização abstrata, especialização e
estratificação hierárquica. Nos universos consensuais são elaboradas as “teorias do
senso comum”, sem limites especializados, pautados por uma “lógica natural”,
menos sensíveis à objetividade e mais a sentimentos compartilhados de
plausibilidade. Nesse universo se produzem e circulam as representações sociais, a
partir das atividades intelectuais da interação social cotidiana (SÁ, 1993).
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Nesse sentido, cabe ressaltar que os fenômenos de representação social são
construídos nos universos consensuais de pensamento e os objetos de pesquisa
que deles se derivam são uma elaboração típica do universo reificado (SÁ, 1998).
Sobre as representações sociais, Moscovici (1981, p.181) afirma que são “um
conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no
curso de comunicações interpessoais”. Acrescenta ainda que equivalem, em nossa
sociedade, aos mitos e sistema de crenças, sendo considerada versão
contemporânea do senso comum. Dessa forma, “devem ser vistas como uma
maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos.”
(MOSCOVICI, 2003, p. 46).
Elas ocupam um lugar específico entre os conceitos, com o objetivo de
abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções que o reproduzam
de uma forma significativa. Possuem duas faces interdependentes, uma icônica e
uma simbólica. Dessa forma, a representação iguala toda imagem a uma ideia e
toda ideia a uma imagem (MOSCOVICI, 2003).
Para maior compreensão, Sá (2002), citando Moscovici, delimita três tipos de
representações sociais, a saber: as representações hegemônicas, que são
largamente partilhadas pelos membros de um grupo, sem que tenham sido
produzidas por eles, não sendo discutíveis e constituindo os pilares de uma
sociedade; as representações emancipadas, que são elaboradas por um grupo,
podendo adquirir autonomia e serem apropriadas por outros grupos; e as
representações polêmicas, elaboradas por dois grupos em conflito, não partilhadas
pela sociedade como um todo, correspondendo a visões divergentes entre grupos
com interesses opostos e posicionamentos diferentes face ao objeto de
representação.
Moscovici (2003, p. 58) destaca que “a finalidade de todas as representações
é tornar familiar algo não familiar”. Através de representações, os problemas são
superados e integrados ao mundo mental e físico, e dessa forma, após uma série de
ajustamentos, o que parecia abstrato pode se tornar concreto e quase normal.
Existem dois processos sociocognitivos complementares de formação das
representações sociais, que são subordinados ao princípio de “transformação do
não familiar em familiar”, sendo eles a objetivação e a ancoragem (SÁ, 2007). Por
ancoragem, entende-se a assimilação de um objeto novo através de objetos já
existentes no sistema cognitivo. Dizendo isso de outra forma, esse processo tenta
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“ancorar” ideias estranhas, reduzindo-as a categorias e imagens comuns e
colocando-as em um contexto familiar (MOSCOVICI, 2003).
Já a objetivação
consiste em tornar concretas as noções abstratas, ou seja, ligar um conceito a uma
imagem materializada. Segundo Moscovici (2003, p. 61), objetivar é “transferir o que
está na mente para algo que exista no mundo físico”.
Dessa forma, a ancoragem permite a incorporação do que é desconhecido
em uma rede de categorias usuais. Enquanto a objetivação explica como os
elementos representados de uma teoria se integram enquanto realidade social, a
ancoragem permite compreender a maneira pela qual eles contribuem para exprimir
e constituir as relações sociais (MOSCOVICI, 2003).
Para Sá (2002), no que se refere à sua constituição, as representações
sociais configuram-se a partir de três dimensões principais: informação, campo de
representação e atitude. A informação se refere aos conhecimentos organizados que
determinado grupo possui a respeito de um objeto social; o campo de representação
remete "a ideia de imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das
proposições acerca de um aspecto preciso do objeto de representação" (SÁ, 2002,
p. 31); já a atitude corresponde à orientação global em relação ao objeto de
representação.
As representações sociais não são criadas por um único indivíduo, mas por
pessoas e grupos, mediante a cooperação e a comunicação. Após o surgimento das
representações, elas “adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem
e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto
velhas representações morrem.” (MOSCOVICI, 2003, p. 41).
Os conteúdos e os sentidos representados se distinguem dentro de uma
mesma sociedade e de uma mesma cultura. Essa diferenciação deve ser julgada de
acordo com os modos distintos de pensar e de compreender desta sociedade. As
especificidades dos dois universos distintos de pensamento (reificado e consensual),
assim como os contextos da comunicação em que essas representações são
elaboradas, são os responsáveis por essas distinções (MOSCOVICI, 2003).
De acordo com Abric (2001b), as representações sociais possuem quatro
funções, que são: função de saber, pois as representações sociais permitem
compreender e explicar a realidade; função identitária, pois definem a identidade e
protegem a especificidade dos grupos; função de orientação, pois guiam
comportamentos e práticas sociais; e função justificatória, na medida em que
22
permitem, a posteriori, justificar as tomadas de posição e os comportamentos de
determinados grupos em relação ao objeto de representação.
Vários autores, ao se utilizarem da Teoria das Representações Sociais,
construíram desdobramentos da teoria fundamental proposta por Moscovici, que
ficou conhecida como a “grande teoria” psicossociológica. Segundo Sá (2002),
Moscovici teve certa resistência em proporcionar uma definição precisa de seus
termos teórico-conceituais, com o intuito de impedir a cristalização prematura de
conceitos, hipóteses e técnicas de pesquisa. Permitiu, dessa forma, que outros
estudiosos fizessem contribuições posteriores à “grande teoria”.
Sá (1998) descreve três abordagens teóricas complementares, que serão
explicitadas a seguir.
A abordagem antropológica ou processual foi desenvolvida por Denise
Jodelet em Paris, em estreita proximidade com as proposições originais de
Moscovici. Esta abordagem confere ênfase ao processo de constituição das
representações, embora afirme a importância também do seu produto, os
conteúdos. Está centrada mais sobre o aspecto constituinte do que sobre o aspecto
constituído das representações e privilegia uma orientação metodológica etnográfica
(SÁ, 1998).
Denise Jodelet deu continuidade ao trabalho de Moscovici, mostrando-se
grande colaboradora e divulgadora das pesquisas no âmbito das representações
sociais. A autora buscou precisar e sistematizar as funções das representações
sociais:
Geralmente, reconhece-se que as representações sociais – enquanto sistemas de
interpretação que regem a nossa relação com o mundo e com os outros – orientam
e organizam as condutas e as comunicações sociais. Da mesma forma, elas
intervém em processos variados, tais como a difusão e a assimilação de
conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades
pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais. (JODELET,
2001, p. 22).
Segundo Jodelet (2001, p. 22), as representações sociais são “uma forma de
conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que
contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Essa
forma de saber prático liga um sujeito a um objeto. A partir daí, podemos afirmar que
uma representação social pode ser entendida como uma visão de mundo expressa
em determinado fenômeno social, impregnada de concepções individuais, da história
23
individual e social de cada pessoa que se transforma em um pensamento coletivo
(JODELET, 2001).
Através das representações, os indivíduos definem e interpretam aspectos da
realidade cotidiana e, a partir destas, determinam sua tomada de decisão e seus
posicionamentos diante de situações. Podem ser percebidas em discursos, condutas
e nas organizações materiais e espaciais (JODELET, 2001).
A abordagem processual permite apreender o conteúdo das representações,
ou seja, seus elementos constituintes, que podem ser: informativos, cognitivos,
ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões e imagens. Utiliza para
tal métodos de enquete, entrevista, questionário ou tratamento de material verbal
registrado em documentos (JODELET, 2001).
Considerando suas características e abrangência, a abordagem processual
foi escolhida para dar suporte a esta pesquisa.
A abordagem relacional foi desenvolvida por Willem Doise e seus
colaboradores em 1986 em Genebra, em articulação com a perspectiva sociológica
de Pierre Bourdieu. Esta abordagem confere ênfase às relações sociais que estão
na origem das representações, bem como as suas condições de produção e
circulação. Centra-se sobre o aspecto sócio contextual das representações e
privilegia uma orientação metodológica correlacional (SÁ, 1998).
Privilegiando os níveis de análise posicional e ideológico, Doise (1990 apud
SÁ, 2002, p. 33) define que “representações sociais são princípios geradores de
tomadas de posição ligadas a inserções específicas em um conjunto de relações
sociais e que organizam os processos simbólicos que intervêm nessas relações.”
Apesar da forte influência da obra de Bourdieu na primeira parte dessa
definição, Sá (2002, p. 33) comenta que Doise se reporta a Moscovici “para
fundamentar proposições mais abrangentes sobre as relações entre processos
sociais e cognitivos, às quais tal definição se subordina.”
A abordagem estrutural foi desenvolvida por Jean-Claude Abric em Aix-enProvence, com a colaboração de outros autores, como Flament, Guimelli e Vergès.
Esta abordagem confere ênfase à estruturação dos conteúdos cognitivos das
representações, mas se ocupa também do processo de sua transformação a partir
das práticas sociais. Centra-se mais sobre o aspecto constituído do que sobre o
aspecto constituinte das representações e privilegia uma orientação metodológica
experimental (SÁ, 1998).
24
A teoria do núcleo central, precursora da abordagem estrutural, é uma
abordagem complementar à teoria geral das representações sociais, que, segundo
Sá (1996, p. 51), “deve proporcionar descrições mais detalhadas de certas
estruturas hipotéticas, bem como explicações de seu funcionamento que se
mostrem compatíveis com a teoria geral”. No entanto, o mesmo autor ressalta que o
papel descritivo e explicativo complementar “não implica em considerá-la um como
uma contribuição menor ao campo de estudo das representações sociais.” (SÁ,
1996, p. 51).
Essa teoria propõe que as representações sociais tenham seu conteúdo
organizado em dois sistemas internos, um central e um periférico. Cada um desses
sistemas possui funções e características específicas. Os poucos elementos
cognitivos do sistema ou núcleo central, por serem consensuais, mais estáveis ou
ligados à história do grupo e algo independentes do contexto imediato, conferem à
representação o seu significado básico e organizam os demais elementos,
periféricos. Já o sistema periférico, constituído de um número maior de ideias acerca
do objeto representado, faz a interface entre o núcleo central e as situações e
práticas concretas da população, incorporando as experiências e histórias
individuais dos seus membros e se mostrando, assim, não apenas mais sensível à
influência do contexto social imediato, mas também mais flexível na orientação dos
comportamentos que nele se desenrolam (SÁ, 1996).
Por ser o elemento mais estável da representação, o núcleo central é mais
resistente
à
mudança.
Quando
há
alguma
alteração
no
núcleo,
há,
consequentemente, alteração completa da representação. Portanto, é a identificação
do núcleo central que caracteriza determinada representação. Os elementos
periféricos que se organizam em torno desse núcleo são mais acessíveis, vivos e
concretos, e possuem três funções primordiais, quais sejam: a concretização,
permitindo a formulação da representação em termos concretos, a regulação,
dimensionando os elementos novos ou menos importantes às orientações do núcleo
central e a defesa do núcleo (ABRIC, 2000).
Constituído por um ou mais elementos que possuem uma posição privilegiada
na representação, o núcleo central cumpre duas funções: geradora, através da qual
outros elementos adquirem sentido e valor; e organizadora, que organiza e estabiliza
a representação. Essa constituição leva em conta tanto as características do objeto
representado, como as relações que o sujeito e o grupo mantêm com a
25
representação. Possuem, ainda, duas dimensões: a funcional, onde o núcleo central
possui uma função operatória, ou seja, é o elemento mais importante para a
realização de uma tarefa; e a normativa, na qual uma norma, um estereótipo ou uma
atitude fortemente marcada estarão no núcleo da representação, ou seja, uma
dimensão marcadamente socioafetiva, social ou ideológica (ABRIC, 2001a).
Para Abric (2001a, p. 156), “a representação é um conjunto organizado de
opiniões, de atitudes, de crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma
situação”. Sá (1996, p. 54) aponta que a noção específica de representação utilizada
por Abric em seus estudos é aquela proposta em 1976 por ele mesmo, a qual
entende que representações sociais são “o produto e o processo de uma atividade
mental pela qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real com que se confronta e
lhe atribui uma significação específica.”
Sá (1996) comenta que essa última definição faz referência apenas à função
prática da representação e não à sua gênese social de forma explícita. Como
hipótese explicativa para isso, o autor afirma que a teoria do núcleo central parece
ter sido formulada de forma precisa, com o objetivo operacional, para ser elucidada
através do teste experimental, que é fundamental na maior parte dos temas centrais
propostos por Abric.
Apesar de surgirem numerosas críticas à sua utilização em Psicologia Social,
Sá (1996, p. 53) aponta que a testagem experimental e as situações de laboratório
contam com a aprovação de Moscovici “que a elas recorreu sempre que lhe
pareceram necessárias”. No entanto, ressalta que o espaço experimental não é
tomado pelos pesquisadores das representações sociais como cumprindo a função
de controlar ou eliminar a influência de variáveis socioculturais sobre os processos
psicológicos.
Sobre as críticas à utilização do método experimental na Psicologia Social, Sá
(1996, p. 58-59) refere que
[...] é bastante comum entre os estudiosos das representações sociais o julgamento
de que o uso do método experimental de laboratório não é de qualquer valia nesse
campo. Argumenta-se que a própria natureza dos fenômenos estudados é
incompatível com tal aplicação. Segundo tais críticos, somente a coleta, tratamento
e interpretação das expressões verbais das representações, extraídas por meio de
entrevistas e questionários ou presentes em documentos e veículos de comunicação
de massa, bem como a observação sistemática das práticas que as representações
sociais originam, ou das que as ensejam, poderiam dar conta de tais fenômenos.
26
A teoria do núcleo central deriva suas características mais marcantes do
envolvimento sistemático com a prática experimental, tendo caráter objetivo e
complementar à “grande teoria”, cuja formulação é mais especulativa do que
demonstrada. No entanto, “os processos de formação social das representações são
escassamente privilegiados na teoria do núcleo central.” (SÁ, 1996, p. 62).
1.2 Aspectos epidemiológicos e psicossociais do HIV e da aids
A infecção pelo HIV e a aids representam um grave problema de saúde
pública, sendo causas importantes de doença e morte. Em relação à mortalidade,
dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) mostram que de 1980 a 2006
foram declarados 192.709 óbitos por aids no Brasil (PROGRAMA NACIONAL DE
DST E AIDS, 2007). De acordo com o Boletim Epidemiológico de 2010, foram
notificados 608.230 casos acumulados de aids de 1980 a junho de 2011, sendo
397.662 (65,4%) no sexo masculino e 210.538 (34,6%) no sexo feminino. Em
relação à razão entre os sexos, há uma diminuição ao longo dos anos. Em 1985,
para cada 26 casos entre homens, havia um caso entre mulher. Já em 2010, essa
relação é de 1,7 homens para cada caso em mulheres (BRASIL, [2011]).
A aids foi reconhecida em meados de 1981, nos Estados Unidos da América
(EUA) a partir da identificação de um número elevado de pacientes adultos do sexo
masculino, homossexuais e moradores de San Francisco (GALVÃO, 2000). No
Brasil, os primeiros casos de aids confirmados foram em 1982, no Estado de São
Paulo, e, desde o início da década de 1980 até hoje, existem aproximadamente 600
mil brasileiros com o vírus da aids. As regiões sul e sudeste concentram 80% dos
casos da doença no Brasil, sendo que esta última é a região mais atingida, desde o
início da epidemia (PROGRAMA NACIONAL DE DST E AIDS, 2007).
No início da trajetória da aids, além dos homossexuais, outros grupos
afetados foram os hemofílicos, as prostitutas e os usuários de drogas injetáveis que
compartilhavam seringas. O conjunto desses grupos constituiu o chamado grupo de
risco. No universo reificado, a aids ficou conhecida como doença dos gays ou ainda
doença dos quatro H: homossexuais, hemofílicos, haitianos e heroinômanos
(BARBARÁ; SACHETTI; CREPALDI, 2005).
27
Barbará, Sachetti e Crepaldi (2005, p. 332) destacam ainda que
a suposta seletividade da doença para com um determinado grupo ou um
determinado modo de vida criou uma primeira representação para o fenômeno: na
homossexualidade poderia estar sua origem, o que tornava os homossexuais uma
população considerada, na terminologia epidemiológica, “de risco”. O uso da
expressão “grupo de risco”, embora comum no âmbito da epidemiologia, marcaria de
forma indelével a construção social e histórica da aids.
Pelo fato dos homossexuais terem sido os primeiros atingidos no mundo
ocidental, a associação de aids e homossexualidade foi a primeira tentativa de
explicação de um fenômeno para o qual a comunidade científica ainda não
apresentava respostas. Tratava-se somente de uma constatação de sintomas, na
medida em que o discurso médico, ainda impregnado de incerteza e espanto, não
conseguia explicar as causas da doença (BARBARÁ; SACHETTI; CREPALDI,
2005).
Com a disseminação da epidemia, outros grupos foram acometidos. Os
estudiosos no Brasil identificaram três direções importantes: a pauperização da
epidemia, que consiste na tendência de expansão do número de casos entre as
populações com baixo nível de renda e escolaridade, sem nenhuma ou com baixa
proteção social; a interiorização, pois apesar de os casos se concentrarem nas
áreas urbanas e regiões metropolitanas, existe a tendência de migração da doença
para municípios de médio e pequeno porte; e por último, e talvez mais grave, a
Feminização da epidemia, pois cresce significativamente o número de mulheres
infectadas pelo HIV, considerando a vulnerabilidade biológica, epidemiológica e
social
desse
grupo
(VERMELHO;
BARBOSA;
NOGUEIRA,
1999).
Como
consequência direta da feminização da epidemia, observa-se o aumento progressivo
da transmissão vertical do vírus (mãe soropositiva para o bebê).
Dado esse novo contexto epidemiológico, o conceito de grupos de risco
tornou-se obsoleto, dando lugar ao de comportamentos de risco, entendendo não
mais que grupos restritos eram susceptíveis à infecção pelo HIV. O risco estaria em
determinados comportamentos, os quais aumentariam as chances de sua
transmissão. Esses comportamentos consistiam, por exemplo, na atividade sexual
sem preservativo e no compartilhamento de agulhas ou seringas (BASTOS, 2006).
Atualmente, trabalha-se com o conceito de vulnerabilidade, a qual consiste
em um conjunto de aspectos individuais e coletivos, relacionados à maior exposição
de indivíduos e populações à infecção e ao adoecimento pelo HIV e, de modo
28
inseparável, à maior ou menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para
se protegerem do vírus e da doença (AYRES, 2003; BARBARÁ; SACHETTI;
CREPALDI, 2005).
A partir da década de 1990, depois da introdução dos novos medicamentos
antirretrovirais, a aids passou a assumir a característica de uma doença crônica,
assemelhando-se ao câncer e às doenças cardíacas. De acordo com Dourado et al.
(2006), a introdução da terapia antirretroviral de alta potência (TARV) somada às
ações de prevenção e controle da infecção pelo HIV e outras doenças sexualmente
transmissíveis, tem resultado em mudanças no padrão da epidemia de aids. O
emprego de inibidores de transcriptase reversa no tratamento da aids datam de
1987, no entanto, os avanços mais significativos no âmbito da terapia antirretroviral
só foram possíveis graças aos estudos que esclareceram a imunopatogênese desta
infecção.
O Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento que garantiu o
acesso universal e gratuito aos medicamentos antirretrovirais através do Sistema
Único de Saúde (SUS), a partir de 1996, resultando em aumento da sobrevida dos
sujeitos que vivem com HIV/Aids. A política para a assistência aos indivíduos que
vivem com o HIV e /ou com a aids inclui também outras modalidades assistenciais
que visam à redução das internações hospitalares, tais como assistência
ambulatorial
especializada,
hospital-dia
e
assistência
domiciliar
terapêutica
(DOURADO et al., 2006).
Essa nova condição da aids trouxe uma importante questão: os serviços de
saúde, representados pelos profissionais que lidam diretamente com a doença,
colocaram-se como lócus de resposta à epidemia, tornando-se um elo entre o
paciente e sua doença. Entretanto, estes profissionais ainda sustentam a ideia de
que a aids pertence a determinados grupos de risco e está associada à morte,
demonstrando representações semelhantes às da população em geral e apontando
poucas mudanças desde o início da difusão da doença (SCHAURICH; COELHO;
MOTTA, 2006).
Sobre a repercussão da feminização e da universalização do tratamento
antirretroviral nas representações sociais de profissionais de saúde, Oliveira (2010,
p. 3) comenta que
29
[...] observou-se o confronto dos profissionais de saúde com situações diferentes,
nas quais é muito elevada a probabilidade de encontrarem uma mulher ou uma
criança como primeiro paciente. Portanto, a partir da década de 90, os profissionais
de saúde se encontraram em uma situação diferente da inicial marcada, por um
lado, pela presença de mulheres e de crianças entre as pessoas doentes após 1998
e, por outro lado, pela universalização dos tratamentos antirretrovirais estabelecido
pela Lei 9313/96, a partir de 1996. [...] Esses dois contextos político e
epidemiológico fomentaram a transformação das representações e das memórias
iniciais constituídas pelos profissionais, fortemente influenciadas pelas diferentes
possibilidades de enfrentamento da doença.
A partir do momento em que a aids passou a atingir de forma significativa
segmentos não marginalizados da sociedade, como heterossexuais, mulheres
casadas, crianças e idosos, a doença assumiu uma nova configuração,
transcendendo a nova política de prevenção, que agora se volta não somente às
populações marginalizadas (SAMPAIO; ARAÚJO JÚNIOR, 2006).
Segundo Barbará, Sachetti e Crepaldi (2005), o usuário que vive com aids
continua vivendo uma dupla jornada de sofrimento, de um lado o sofrimento físico,
ocasionado por uma doença que ainda é mortal, mesmo com os avanços da
medicina com os chamados coquetéis antivirais; de outro lado, há o sofrimento
social, causado pelo olhar excludente dirigido ao portador que, em muitas ocasiões,
pode ser ainda mais grave e devastador. É possível presenciar nas relações sociais,
de forma bastante acentuada, a intolerância, o medo e o preconceito para com
aqueles que possuem o vírus HIV.
Jodelet (2001) comenta que a aids foi a primeira doença cujas histórias social
e médica se desenvolveram em conjunto. Antes que a pesquisa biológica avançasse
e trouxesse informações a respeito da natureza da doença, as pessoas elaboraram
teorias apoiadas nos dados que dispunham a respeito dos sujeitos atingidos pela
doença, ancoradas no senso comum e explicando, em parte, a construção desse
fenômeno social, o que contribuiu ainda mais para o preconceito e a discriminação
contra os chamados grupos de risco. As informações a respeito da transmissão e de
suas vítimas favoreceram o surgimento de duas concepções: uma, de tipo moral e
social, outra, de tipo biológico, com a influência evidente de cada uma delas sobre
os comportamentos, nas relações íntimas ou para com as pessoas afetadas pela
doença.
Considerando esse contexto, surgiram metáforas relacionadas à síndrome e
aos seus portadores, que em diferentes graus continuam a circular no mundo social
e a fazer parte das representações da aids. Termos como “peste gay”, “câncer gay”
e castigo por condutas desviantes foram amplamente utilizados para designar algo
30
não familiar, que deveria continuar na categoria de alteridade, na medida que o
evento aids podia assumir significação no âmbito das famílias normais (JODELET,
2001).
Ainda sobre a influência das representações sociais elaboradas a respeito da
aids, Oliveira et al. (2009, p. 3) comentam que
Estas representações elaboradas pelos grupos sociais acerca da doença e de seus
atingidos influenciaram, e ainda influenciam, as atitudes das pessoas diante dos
grupos acometidos, frequentemente marcada pela discriminação. Interferem,
também, na construção de respostas do Estado frente à epidemia, isto porque as
representações sociais, entendidas como um conjunto de conceitos, proposições e
explicações originado na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais, se
constituem em elementos orientadores e justificadores da ação.
Sob a ótica de uma interpretação moral, a aids foi considerada como uma
doença-punição nos meios de comunicação, tendo sua gênese em uma sociedade
permissiva, representando ainda uma condenação pelas condutas degeneradas.
Outro aspecto da aids que afetou o público foi sua transmissão pelo sangue ou
esperma, que favoreceram o desenvolvimento de uma visão biológica muito mais
inquietante: que o contágio poderia ocorrer também por meio de líquidos corporais
além do esperma, particularmente a saliva e o suor (JODELET, 2001).
Procurando melhor compreender o processo de constituição e transformação
das representações sociais do HIV e da aids, diversos autores vêm se dedicando à
análise dos estudos brasileiros realizados em diferentes momentos históricos.
Oliveira et al. (2009) analisaram a produção científica sobre a representação
social da aids no período de 1980 a 2006, constatando que houve uma expressiva
participação da enfermagem nestes estudos, o que denota o crescente interesse dos
pesquisadores dessa área sobre a temática. A seguir serão apresentados alguns
exemplos de estudos que apresentam as representações sociais de profissionais de
saúde acerca da aids.
Em 2002, um estudo realizado com servidores técnico-administrativos e
profissionais de enfermagem de um hospital universitário mostrou que o núcleo
central da representação social desse grupo foi composto por termos como morte,
preconceito e sofrimento. Em relação especificamente aos enfermeiros, o núcleo
central foi composto por medo, prevenção e sexo, sendo este último termo um
elemento periférico no grupo técnico administrativo (MARQUES; OLIVEIRA;
FRANCISCO, 2003).
31
Dessa forma, esses autores inferem que o significado da aids para os sujeitos
investigados é marcado fortemente por elementos negativos, na medida em que traz
uma dimensão imagética associada à morte e reflete o posicionamento dos sujeitos
através de emoções e atitudes, tais como o sofrimento, o medo e o preconceito,
presentes no núcleo central (MARQUES; OLIVEIRA; FRANCISCO, 2003).
Quanto à estrutura e a organização da representação no grupo da
enfermagem, os mesmos autores observaram a incorporação do conhecimento novo
no núcleo central e no sistema periférico. As atitudes e os elementos subjetivos
apresentaram forte tendência a se concentrarem no sistema periférico da
representação. Essa organização sugere que a representação deste grupo está
numa fase de transição e há a tendência de mudança da representação em relação
à aids. Dessa forma, ainda mantém elementos arcaicos incorporados às primeiras
representações da aids, presentes no sistema periférico, e simultaneamente
reproduz elementos que caracterizam adaptações da representação às evoluções
do novo contexto da aids (MARQUES; OLIVEIRA; FRANCISCO, 2003).
Marques, Oliveira e Gomes (2004) observaram que o significado da aids para
os servidores de
um hospital universitário é fortemente marcado por elementos
negativos, identificados pelas palavras medo, morte e sofrimento. Como possíveis
elementos centrais da representação, emergiram: medo, morte, preconceito,
prevenção e sofrimento, enquanto que como elementos periféricos, as palavras
amor, contaminação, cuidado, discriminação, drogas, perigo, promiscuidade,
sangue, solidariedade, solidão e vergonha.
Silva e Abrantes (2004) encontraram ambiguidade nas representações sociais
de enfermeiras em relação a aids, pois ao mesmo tempo em que se mantém o rótulo
da doença como culpa/castigo, devido, principalmente, à falta de proteção em
situações de risco, há o reconhecimento de que qualquer pessoa pode ser
acometida. Também foram identificados sentimentos e impotência e sofrimento em
relação ao paciente portador.
Ribeiro et al. (2006a) desenvolveram um estudo com o objetivo de conhecer e
comparar as representações sociais dos profissionais de saúde (médicos,
enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais) e pacientes acerca da aids. De acordo
com os resultados, as categorias profissionais conceberam a aids enquanto uma
doença orgânica incurável e crônica, ancorada no saber científico, denotando certa
defensividade diante da doença, ao mesmo tempo que apontam a superação de
32
antigas representações associadas à morte. Para o grupo de pacientes, a aids foi
concebida nas esferas moral e psicoafetiva, sendo encarada como uma forma de
viver, devido suas particularidades e limitações.
Com o intuito de Identificar, nos profissionais que atendem pacientes
soropositivos para o HIV, as representações sociais sobre o atendimento e o
tratamento da doença, Ribeiro et al. (2006b) encontraram, entre médicos e
enfermeiros, elementos ancorados nas primeiras representações, associadas à
promiscuidade, além de uma maior preocupação com questões fisiológicas da aids,
considerando-a uma doença que necessita de tratamento, essencialmente
medicamentoso. Ambas as categorias ancoraram a aids em doenças advindas de
práticas sexuais.
As autoras destacam ainda que o atendimento ao paciente permanece como
um problema a ser discutido, devido aos inúmeros obstáculos que surgem nos
serviços que atendem o paciente soropositivo ao HIV, especificamente no que diz
respeito ao contato direto (RIBEIRO et al., 2006a).
Ao estudar as representações sociais do cuidado de enfermagem voltado aos
sujeitos que vivem com HIV/Aids entre membros da equipe de enfermagem,
Formozo (2007) encontrou atitudes distintas manifestas pela equipe de saúde de
acordo com a forma de contágio estabelecida. Quanto mais o modo de contágio se
aproximou daquele no qual o paciente é tido como vítima, menores foram as atitudes
discriminatórias dirigidas a ele. Ressalta ainda que os próprios pacientes
soropositivos sentem a necessidade de revelar seus modos de contágio, a fim de se
livrarem dessas pressões.
Em um estudo de representações sociais com 31 enfermeiros que atendem
pacientes soropositivos para o HIV, a aids enquanto doença foi fortemente
associada
a
elementos
negativos,
como
promiscuidade,
preconceito
e
desinformação, remontando a origem da doença, quando se instituiu o conceito de
“grupos de risco”. Entretanto também foram notadas associações da aids com o
tratamento, o cuidado e com a esperança de cura (RIBEIRO; COUTINHO;
SALDANHA, 2004).
Formozo e Oliveira (2010) desenvolveram um estudo com o objetivo de
identificar e comparar as representações sociais de profissionais de enfermagem
sobre o cuidado de enfermagem ao paciente soropositivo ao HIV. Essas autoras
33
encontraram diferenças representacionais entre enfermeiros e auxiliares de
enfermagem.
No estudo supracitado, observou-se que os auxiliares de enfermagem
possuem uma representação social do cuidado de enfermagem composta por
elementos do cotidiano no lidar com esses pacientes no contexto hospitalar.
Sinalizam que vivenciam situações de violência verbal e física, ocasionadas em sua
maioria devido a revolta dos pacientes associada ao diagnóstico, o que pode gerar
um distanciamento do cuidado. Admitem ainda que no caso de pacientes
sabidamente soropositivos ao HIV, redobram a atenção com o objetivo de evitar
acidentes de trabalho. Reconhecem a importância do diálogo a fim de encorajar
estes pacientes na luta e continuidade do tratamento, visando à melhora de sua
qualidade de vida (FORMOZO; OLIVEIRA, 2010).
Já os enfermeiros compõem a representação social a partir de conteúdos
reificados sobre a prática profissional: os cuidados voltados ao uso de antirretrovirais
e à cronicidade da aids, a inserção do HIV nos serviços de saúde, os cuidados
destinados à prevenção das infecções oportunistas e as necessidades destes
pacientes identificadas pelos membros da equipe de enfermagem (FORMOZO;
OLIVEIRA, 2010).
Oliveira e Costa (2007) identificaram, em uma pesquisa realizada com 150
enfermeiros de um hospital universitário, a provável presença de uma zona muda
nas representações sociais dos sujeitos que vivem com HIV/AIDS entre os sujeitos
pesquisados. Na coleta tradicional, emergiram elementos provavelmente centrais na
representação, tais como: educação em saúde, proteção profissional e tratamento.
Após aplicação da técnica de substituição, destacaram-se: medo, preconceito e
homossexualidade, que consistiram em possíveis elementos da zona muda.
Ao identificar e analisar os conteúdos relativos à autoproteção profissional
presente na representação social da equipe de enfermagem acerca do cuidado de
enfermagem prestado aos pacientes que vivem com HIV/Aids, Formozo e Oliveira
(2009) observaram que a representação social do cuidado explicitada referiu-se,
sobretudo, ao autocuidado e não ao cuidado com o outro, deixando antever que a
noção de cuidado perpassa uma dimensão individual (eu) e outra dimensão coletiva
(eles).
Essas autoras concluíram que tais profissionais representam socialmente o
cuidado de enfermagem prestado ao cliente soropositivo ao HIV, fundamentalmente,
34
com base em elementos que dizem respeito à autoproteção profissional, englobando
conteúdos a respeito da precaução padrão e das formas de exposição às quais se
encontram expostos durante a execução do referido cuidado (FORMOZO;
OLIVEIRA, 2009).
1.3 A atuação do enfermeiro em diferentes níveis de atenção aos sujeitos que
vivem com HIV/Aids e as concepções teóricas que lhes dão suporte
A enfermagem se consolidou como profissão através da prática de cuidado
aos doentes, no entanto, com o decorrer do tempo e com o progresso científico,
novos espaços foram sendo conquistados e esse paradigma - centrado unicamente
no indivíduo doente, foi gradativamente sendo alterado e o horizonte dessa profissão
foi consideravelmente ampliado. Entendida como uma área do conhecimento, que
abrange atividades como o cuidar, o gerenciar e o educar, a enfermagem hoje
exerce sua prática profissional em diferentes cenários, como hospitais, unidades
básicas de saúde, ambulatórios, escolas, creches, empresas e domicílios (SOUZA;
WEGNER; GORINI, 2007).
Essa profissão tem no cuidado sua especificidade e sua essência, sendo
responsável pelo acolhimento, conforto e bem estar dos sujeitos usuários (ROCHA;
ALMEIDA, 2000). Apesar de não se observar consenso em relação à natureza do
cuidado de enfermagem, é indiscutível que há estreita relação entre o cuidado
humano e o trabalho dessa categoria (PIRES, 2009).
Na atenção aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, a enfermagem está inserida
tanto na assistência direta quanto na gerência dos serviços e nas práticas de
educação em saúde. Considera-se, assim que o trabalho de enfermagem encontrase inserido em todas as fases da epidemia de HIV/Aids, pois seu objetivo é o
cuidado aos indivíduos e grupos sociais, desde um estado supostamente sadio até
a emergência de determinados agravos (FOX; AIKEN; MESSIKOMER, 1990).
Em relação aos cuidados de enfermagem voltados aos sujeitos que vivem
com HIV/Aids, Gomes et al. (2010) destacam que desde seus primórdios, este
cuidado não buscou a cura dos pacientes em si, mas o atendimento de suas
necessidades humanas básicas, apesar de a atividade profissional ter sido
35
permeada por elementos negativos como o desconhecimento, o preconceito e o
medo. Além disso, a terapia farmacológica era restrita, o que fazia com que o
tratamento médico se restringisse ao tratamento de doenças oportunistas e ao
estímulo do sistema imunológico, a fim de garantir a continuidade da existência.
No ambiente hospitalar e, mais especificamente, no cuidado ao paciente
hospitalizado atingido pela aids, o cuidado de enfermagem se concretiza na
satisfação de necessidades básicas afetadas pelas doenças oportunistas que
acometem esses sujeitos. Além de estar atento às necessidades como higiene,
eliminações, hidroeletrolíticas e nutrição, o enfermeiro, enquanto cuidador vê-se
diante de outro ser que necessita cuidados e que, ao mesmo tempo, tem a
obrigação de estimular a sua independência para realização do autocuidado. Dessa
forma, este profissional deve ter sensibilidade para satisfazer as necessidades dos
pacientes, sem estimular a dependência ou impedir o desenvolvimento de
criatividade e de alternativas elaboradas pelos sujeitos que vivem com HIV/Aids
(GOMES et al., 2010).
Dessa forma, o cuidado de enfermagem objetiva instrumentalizar os sujeitos
que vivem com HIV/Aids para a melhoria do seu nível de saúde e para a conquista
de direitos imprescindíveis, apesar do preconceito e da discriminação. Este cuidado
precisa ter a proposta de recuperar a singularidade e a subjetividade dos indivíduos,
além de estimulá-los a assumirem a sua condição de ser em frente ao sistema de
saúde, alcançando o necessário à sua existência e à sua dignidade (GOMES et al.,
2010).
Cuidar de pessoas atingidas pelo HIV/Aids envolve considerar aspectos
físicos, psicológicos, sociais e espirituais, os quais na ausência de uma cura
conseguem fazer uma diferença significativa para os sujeitos em questão. Os
enfermeiros têm sido líderes de organização na atenção à aids, pois baseiam suas
ações na "cultura do cuidado", atuando também através de medidas educativas e
de socialização (FOX; AIKEN; MESSIKOMER, 1990).
Por serem elementos da equipe de saúde que permanecem mais tempo na
assistência direta aos usuários que vivem com HIV/Aids, existe o risco de
contaminação em função da possibilidade de acidentes com materiais biológicos,
além do convívio com as consequências da doença, como a degeneração física e
as perdas sociais. Considerando as características particulares do cuidado de
enfermagem, relacionadas à proximidade física e relacional com os sujeitos
36
cuidados, surgem tensões singulares a essa profissão, que se expressam através
da aproximação ou distanciamento do cliente em função do contexto no qual esse
cuidado ocorre (OLIVEIRA et al., 2007).
As práticas profissionais de enfermagem devem ser orientadas por
concepções teóricas sobre o cuidado, que devem dar suporte às mesmas. Esse
campo teórico se desenvolveu, sobretudo, na própria enfermagem, mas também em
outros campos da saúde, como a saúde coletiva.
Há diferentes concepções teóricas sobre o cuidado no âmbito da saúde e da
enfermagem, que por vezes atribuem a ele uma série de significados complexos. No
entanto, está claro na literatura sobre a essencialidade do cuidado na sobrevivência
das espécies e na preservação da vida e do planeta (PIRES, 2009). Nesse sentido,
diversas pesquisas de campo buscam significados para o cuidar/cuidado,
percebendo que o cuidar está vinculado a realidades e são estas que devem
embasá-lo (COELHO; FONSECA, 2005).
Segundo Pires (2009, p. 742), “o cuidado tem sido tema de estudo de
filósofos, de historiadores e de antropólogos, mas é a Enfermagem a profissão do
cuidado, e a que mais tem produzido conhecimento para fundamentar as diversas
dimensões do cuidado.”
Wall (2008, p.13) destaca que
a perspectiva da Enfermagem é definida pela história da profissão, pelo contexto
social e político no qual o cuidado de Enfermagem se encontra e pelo esforço que as
instituições de ensino e os profissionais da prática realizam para o desenvolvimento
do conhecimento.
A noção ampliada do conceito de saúde nos remete a necessidade de refletir
sobre o cuidado ao ser humano de uma maneira também mais abrangente,
considerando sua natureza multifacetada, que abarca fenômenos complexos e
diversos, dentre eles, vivências, fatos, situações e culturas (WALL, 2008). Refletir
sobre o cuidado nos remete a pensar na definição do que é cuidado, quem cuida e
por que cuidamos, e nessa perspectiva de compreensão, o cuidado tem diversos
significados, considerando que está inserido na humanidade desde o início da
história do ser humano e acompanha a evolução dos tempos e das sociedades
(SILVA, 2009).
Perdigão (2003) ressalta que o sentido do cuidado e/ou do cuidar integra o
sentido do próprio existir humano. Assim, cuidamos naturalmente de nós mesmos e
37
dos outros, pelo simples fato de existirmos com o(s) outro(s) no mundo. Todo o ser
humano, a seu modo, possui a capacidade do cuidado e/ou do cuidar. Boff (1999)
ressalta que “cuidar é mais que um ato, é uma atitude. Portanto, abrange mais que
um momento de atenção, zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação,
preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.” (BOFF,
1999, p. 34).
Boff (2002) comenta que sem cuidado a vida não sobrevive, pois ele permite
que as coisas e a vida durem mais tempo. Sem ele erramos, destruímos e
ofendemos. O cuidado é uma relação amorosa para com a realidade, anula as
desconfianças e confere sossego e paz a quem o recebe. A importância do cuidar
como ato humano é explícita por criar possibilidades, favorecer condições de
pertencimento e interesse e permitir dar e receber ajuda. Significa o modo de ser do
homem no mundo, um imperativo moral ou ideal, relacionamento interpessoal e
intervenção terapêutica.
Collière (1989) destaca que os elementos necessários à construção do
cuidado na enfermagem compreendem a tecnologia, o conhecimento, as crenças e
os valores. Estes construtos sintetizam a ação do cuidado do enfermeiro, que se
dão num modo em que todos os responsáveis pelo cuidado coexistem em relação e
dependência. Em relação à tecnologia ressaltada pela autora, Silva e Ferreira
(2009) ratificam sua importância ao afirmarem seu impacto no trabalho de
enfermagem através de mudanças na infraestrutura dos cuidados, já que com
novas técnicas, instrumentos, métodos e matérias-primas houve não apenas uma
reconfiguração do espaço físico e de atuação profissional, mas também o
surgimento de novas modalidades de prevenção, diagnóstico e tratamento dos
problemas de saúde. Ressalta-se que as mudanças trazidas pela tecnologia
também possuem impacto tanto na construção quanto na transformação das
representações sociais, como é o caso do advento da terapia antirretroviral para
pessoas soropositivas ao HIV que contribuiu para que as representações sociais da
aids abarquem, atualmente, uma dimensão atitudinal e imagética positiva,
coexistindo com sua negatividade caracterizada desde o início da síndrome
(GOMES; SILVA; OLIVEIRA, 2011).
Há cuidado desde que há vida humana e é por meio do cuidado que a vida se
mantém. “Durante milhares de anos, não esteve associado a nenhum ofício ou
profissão e sua história se constrói sob duas orientações que coexistem,
38
complementam-se e se geram mutuamente: cuidar para garantir a vida e cuidar para
recuar a morte” (COELHO; FONSECA, 2005, p. 215). Segundo Pires (2009, p. 742),
a história da humanidade “mostra, desde seus primórdios, que os seres humanos
precisam de cuidado para sobreviver, para viver com saúde, felicidade e bem estar,
e para curar-se em situações de doenças.”
Waldow (1998) comenta sobre a intrínseca relação entre as mulheres e o
cuidado, que se deu ao longo da história de forma universal entre as diversas tribos
e civilizações, ressaltando que o principal aspecto que justifica essa relação é a
maternidade. A mulher, responsável pela nutrição, proteção e higiene de sua cria,
também desenvolveu comportamentos de tocar, cheirar e gestos rudimentares de
afago.
Nesse sentido, Pires (2009) refere que o cuidado humano pode ser realizado
fora do âmbito do trabalho profissional em saúde e sem a fundamentação de uma
disciplina científica, como é o caso das ações terapêuticas desenvolvidas no
subsistema informal (famílias, relações pessoais e grupos de autoajuda) ou popular
(curadores não profissionais).
Segundo Oliveira (2001), ao ser entendida como campo de saberes e práticas
sociais, a Enfermagem se apoia em princípios éticos e ideológicos para guiar sua
prática, sendo estes princípios explicitados pelas teorias de enfermagem, no âmbito
as suas contribuições ao campo de saber. Nesse sentido, é uma profissão que vem
revisando seu conhecimento e sua prática, propondo modelos de intervenção a
partir da reconstrução dessas teorias (ROCHA; ALMEIDA, 2000).
1.3.1 O cuidado a partir das teorias de enfermagem
A enfermagem profissional no mundo teve suas bases iniciais propostas por
Florence Nightingale, que foi influenciada por sua passagem em locais onde se
executava o cuidado de enfermagem leigo. Esse cuidado era fundamentado em
conceitos religiosos, como a caridade, o amor ao próximo, a doação e a humildade,
além de preceitos da valorização do ambiente adequado para realização do cuidado,
divisão social do trabalho em enfermagem e autoridade sobre o cuidado a ser
prestado. Dessa forma, o cuidado dos enfermos era entendido como uma das
39
formas de caridade adotadas pela igreja, que se conjuga à história da enfermagem
após o advento do cristianismo (PADILHA; MANCIA, 2005) .
As bases das proposições de Nightingale centram-se no aspecto físico da
saúde e da doença, em detrimento dos aspectos psicossociais, tendo como foco
principal o cuidado de enfermagem direcionado ao ser humano em sua interação
com o meio ambiente (CARRARO; MADUREIRA; RANDUNZ, 1999).
Os profissionais de Enfermagem têm se debruçado sobre questões que dizem
respeito à estrutura do conhecimento da Enfermagem enquanto disciplina, com o
objetivo de promover seu desenvolvimento tanto teórico quanto prático (WALL,
2008).
Para Waldow (1998), o cuidado é resultante do processo de cuidar, definido
pela forma como ocorre o cuidar entre cuidador e ser cuidado. Trata-se de um
processo intencional, que envolve crescimento e ocorre independentemente da cura,
e que pode ter vários objetivos, dependendo do momento, da situação e da
experiência. Em relação às distinções estabelecidas entre cuidar e curar, Heideger
(1984) destaca que o cuidado é sempre anterior a esses dois gestos. Dessa forma,
em muitas ocasiões, é no próprio ato de cuidar que pode residir a cura. Na ausência
de alguma enfermidade e no cotidiano dos seres humanos, o cuidado humano
também é imprescindível, tanto como uma forma de viver como de se relacionar.
(WALDOW, 1998).
O objetivo dessa profissão, segundo Roy e Andrews (1991), é aumentar as
respostas adaptativas que promovem integridade da pessoa, que está relacionada
às metas de sobrevivência, de crescimento, de reprodução e de controle, tornando
mínimas as respostas ineficientes.
Em sua perspectiva transpessoal do Cuidado, Watson (1988) considera a
Enfermagem uma ciência humana de pessoas e experiências de saúde-doença, as
quais são mediadas por transações profissionais, pessoais, científicas, estéticas e
éticas de cuidado humano. O ato de cuidar, nessa profissão, tem como finalidade,
prioritariamente aliviar o sofrimento humano, manter a dignidade e facilitar meios
para manejar com as crises e com as experiências do viver e do morrer. Para essa
autora, o cuidado produz um autoconhecimento, autorespeito, uma auto cura e,
consequentemente, processos de autocuidado (WATSON, 1988).
Do ponto de vista dessa autora, o cuidado é a essência da enfermagem e o
foco mais central e unificado de sua prática. O cuidado transpessoal manifesta-se no
40
encontro daqueles que estão envolvidos no ato de cuidar. Como um ideal moral da
enfermagem, o cuidado humano transcende o ato de cuidar e tem como
característica fundamental a preservação da dignidade humana. Compreende dessa
forma um valor humano que envolve as ações, o conhecimento e os resultados do
cuidado (WATSON, 1988).
Watson buscou dar maior profundidade e poder nas transações de cuidado
entre o enfermeiro e o cliente. A enfermagem tem o papel de ajudar as pessoas a
obterem um grau mais elevado de harmonia entre mente-corpo-alma, gerando
autoconhecimento, autorrespeito, autocura, e processos de autocuidado. O
enfermeiro está engajado como coparticipante nas transações de cuidado humano,
possibilitando ao cliente, progredir para níveis mais elevados de consciência, ao
encontrar significado e harmonia na existência, através do uso da mente (WATSON,
1985).
Nas relações interpessoais desenvolvidas entre enfermeiro e cliente, cada um
tem funções a desempenhar. O enfermeiro é responsável por fornecer um ambiente
de apoio e proteção, com tomada de decisão científica. Já o cliente terá suas
necessidades humanas satisfeitas através de experiências positivas que levarão à
mudanças no processo de ser saudável. O foco da enfermagem na teoria de Watson
é o indivíduo e o processo de interação entre pessoa-enfermeiro e pessoa-paciente.
Enfatiza também a relação ensino-aprendizagem, ajuda-confiança, expressão de
sentimentos positivos e negativos (WATSON, 1985).
Em sua Teoria dos Sistemas de Enfermagem, Orem (1991) descreve três
situações em que o cuidado de enfermagem é imprescindível. A primeira delas é o
sistema de enfermagem totalmente compensatório, na qual o indivíduo é incapaz de
realizar medidas de autocuidado, sendo totalmente dependente do auxílio do
enfermeiro. De forma intermediária, a segunda situação corresponde ao sistema
parcialmente compensatório, no qual tanto o indivíduo quanto o enfermeiro
executam medidas ou outras ações de cuidado. O terceiro sistema é denominado de
apoio-educação e ocorre quando o indivíduo consegue executar, ou pode e deve
aprender a executar medidas de autocuidado terapêutico, e o enfermeiro vai
promover esse indivíduo a um agente capaz de se autocuidar através de suas
orientações.
Orem (1991) destaca que a enfermagem é um serviço humano especializado
de saúde, que se distingue de outros serviços humanos por enfocar a pessoa com
41
inabilidade para a provisão contínua de cuidado específico em quantidade e
qualidade, que aí funciona como regulador do funcionamento e desenvolvimento do
sujeito.
Ainda em relação a Orem, Foster e Janssens (1993) destacam que a teoria
de déficit de autocuidado constitui a essência da teoria dessa autora, quando a
enfermagem passa a ser uma exigência a partir das necessidades do sujeito e
quando o mesmo encontra-se incapacitado ou limitado para prover autocuidado
eficaz e contínuo. Dessa forma, Orem identificou cinco métodos de ajuda: a) agir ou
fazer para o outro; b) guiar o outro; c) apoiar o outro (física ou psicologicamente); d)
proporcionar um ambiente que promova o desenvolvimento pessoal, quanto a
tornar-se capaz de satisfazer demandas futuras ou atuais de ação; e) ensinar o
outro.
A Teoria Transcultural de Madeleine Leninger valoriza a importância que os
fatores culturais exercem no ser humano e pressupõe que sua ausência no
planejamento do cuidado de enfermagem resulta em um cuidado desvinculado da
realidade cultural da pessoa. Segundo a autora, cada cultura possui sua maneira de
definir e refletir sobre a saúde e a doença, sendo o cuidado um fenômeno
culturalmente construído (LEININGER, 1991).
Na sua visão transcultural, Leininger (1991) considera o ser humano
inseparável do seu conhecimento cultural e social. O cuidar humano tem várias
dimensões a serem estudadas e praticadas. É visto como um fenômeno universal,
com variações entre as culturas quanto às expressões, processos e padrões.
Dentre os conceitos gerais de sua teoria, está o “cuidar”, sendo apresentado
com um verbo que se refere a ações de ajudar, assistir e facilitar o outro indivíduo ou
grupo com necessidades evidentes ou que podem ser antecipadas, e que levam a
melhorar a condição humana ou o modo de vida. Já o “cuidado” é apresentado em
sua teoria com um substantivo que se refere às atividades empregadas na
assistência, ajuda ou facilitação desse indivíduo ou grupo com necessidades,
evidentes ou antecipadas, a fim de melhorar a condição ou o modo de vida humano
ou para se defrontar com a morte (LEININGER, 1991).
A partir dessa visão, a assistência de Enfermagem será adaptada à cultura do
cliente, não havendo incongruências entre o cliente e o cuidador. As práticas de
cuidado são influenciadas pela linguagem, visão de mundo, religião, contexto
sociocultural, político, educacional, econômico, tecnológico e ambiental de cada
42
cultura em particular. Em sua visão transcultural, o cuidado é visto como essencial
para a saúde, a sobrevivência, o bem estar, o crescimento, o enfrentamento das
dificuldades ou da morte, além de não existir cura sem ele (MONTICELLI; ALONSO;
LEOPARDI, 1998).
Leininger (1991) apresenta três tipos de interação entre enfermeiro/cliente, a
saber: Preservação do cuidado cultural, que aponta as ações do enfermeiro, no
sentido de apoiar, facilitar ou capacitar o cliente para o restabelecimento da saúde
ou enfrentamento da morte. Ajustamento do cuidado cultural, a partir do qual a
assistência profissional visa à adaptação, ajustamento ou negociação do cliente,
visando alcançar um resultado de saúde benéfico ou satisfatório; e Repadronização/
reestruturação do cuidado cultural, a qual pressupõe que intervenções profissionais
necessitam modificar os padrões de saúde do cliente para alcançar adequada
qualidade de vida, respeitando os valores culturais e crenças dos clientes.
A autora diferenciou ainda o cuidar no sentido genérico do cuidar profissional.
Em seu sentido genérico, o cuidar se refere a atos de assistência, suporte ou
facilitação dirigidos a um indivíduo ou grupo. No sentido profissional, refere-se aos
modos, cognitivamente aprendidos, humanísticos e científicos de ajudar e capacitar
o indivíduo, a família ou a comunidade a receber serviços personalizados, através
de processos, técnicas e padrões (LEININGER, 1991).
O Cuidado Transdimensional é defendido por Silva (1997), com a proposta de
ir além do cuidado corpo-mente, do ser e do fazer, emergindo como forma de um
enfoque
paradigmático
Unitário-Transformativo.
Inter-relaciona
as
múltiplas
dimensões do ser humano - corpo, mente e espírito, busca a harmonia entre estes
elementos e destes com o universo. Aumenta a maneira de sentir e cuidar do ser
humano, e dessa forma, amplia a perspectiva de ação do cuidado para além do
processo saúde doença, visto pela autora apenas como uma pequena dimensão da
vida.
Silva (1997) relata que o cuidado transdimensional emerge da convergência
da arte, da ciência e espiritualidade, consistindo em um referencial catalisador de
reflexão, ação, conscientização e transformação, que eleva os níveis de qualidade
de vida do planeta. Exige, portanto, novas habilidades dos seres cuidadores,
sugerindo que estes extrapolem suas capacidades intelectual-racionais, e incluam,
no processo de cuidado, a solidariedade, a sabedoria, o amor, a intuição, a
criatividade, a sensibilidade, a imaginação e a percepção.
43
1.3.2 Contribuições da Saúde Coletiva para o entendimento do cuidado
Diversos pesquisadores brasileiros trouxeram importantes contribuições para
o entendimento do cuidado e das práticas relacionadas a ele, com diferentes
enfoques
e
abordagens.
A
seguir,
serão
apresentadas
algumas
dessas
contribuições.
Camargo Junior et al. (2008) referem-se ao cuidado integral nos serviços de
saúde e considera que alguns conceitos articulados podem traduzi-lo, a saber:
a) Acolhimento: que pode ser pensado como postura, como técnica e
como princípio para reorientação dos serviços. Enquanto postura,
pressupõe as relações intra-equipe e equipe-usuário, envolve a
atitude de escutar e tratar humanizadamente os usuários e suas
demandas, além de uma relação de mútuo interesse, confiança e
apoio entre profissionais e usuários. Através da postura receptiva, o
profissional solidariza-se com o sofrimento trazido pelo usuário e
abre perspectivas de diálogo. Como técnica, instrumentaliza a
organização das ações e a geração de procedimentos, discrimina o
risco e a oferta acordada de alternativas aos problemas da
demanda. Como organização de serviços, caracteriza-se por um
projeto institucional, que deve nortear todo o trabalho realizado pelo
conjunto dos agentes e a política de gerenciamento dos
trabalhadores
e
da
equipe,
incluindo
a
acessibilidade
organizacional, que viabiliza a entrada de cada usuário na rede de
serviços, em seus diferentes níveis de complexidade e modalidade
de atendimento (CAMARGO JUNIOR et al., 2008);
b) Vínculo: que pode ser pensado a partir de três dimensões:
afetividade,
relação
terapêutica
e
continuidade.
A
primeira
dimensão considera que o profissional de saúde deve ter um
investimento afetivo positivo na sua atuação profissional e no
paciente, “construindo, assim, um vínculo firme e estável entre
ambas as partes” (CAMARGO JUNIOR et al., 2008, p. 560). A ideia
de vínculo como uma relação terapêutica pressupõe o ato de dar
44
atenção. O vínculo é fortalecido através da continuidade e da
confiança mútua entre profissional e paciente. Implica em
responsabilização, que consiste em “o profissional assumir a
responsabilidade pela condução da proposta terapêutica, dentro de
uma dada possibilidade de intervenção, nem burocratizada nem
impessoal” (CAMARGO JUNIOR et al., 2008, p. 560);
c) qualidade da atenção: relaciona-se à qualidade da assistência
prestada (CAMARGO JUNIOR et al., 2008).
Para Ayres (2004), geralmente o termo cuidado em saúde é atribuído de
forma simplista a um conjunto de procedimentos tecnicamente orientados, cuja
finalidade é o êxito em determinado tratamento. No entanto, frente ao sentido que
assume nas ações de saúde demandadas, o cuidado deve ser entendido como uma
categoria que abrange tanto uma compreensão filosófica quanto uma atitude prática.
Nessa perspectiva, o cuidado é uma interação entre dois ou mais sujeitos, cujo
objetivo é o alívio de um sofrimento ou o alcance de um bem-estar, sempre
permeada por saberes específicos para atingir essa finalidade.
Ainda segundo o autor, diversos desafios se instalam para a reconstrução das
práticas de saúde em um sentido reconciliador. Dentre eles, destacam-se: voltar-se
à presença do outro, considerando para tal as tecnologias leves, com o intuito de
estabelecer interações mais efetivas e criativas; otimizar a interação, no sentido de
utilizar as tecnologias de conversação para desenvolver uma ausculta sensível, que
permita identificar as variadas demandas, a partir de uma orientação assistencial
voltada à integralidade do cuidado, com capacidade de produzir algum tipo de
resposta do serviço a essas demandas; e por fim enriquecer horizontes, ao
considerar que um cuidado efetivo necessita de interações intersubjetivas ricas e
dinâmicas, com uma racionalidade orientadora de tecnologias e com expansão dos
horizontes dos âmbitos e dos agentes de sua operação (AYRES, 2004).
Sobre as tecnologias leves, estas foram propostas por Merhy (2002) como um
eixo analítico vital dos modelos tecnoassistenciais, ao considerar que o trabalho em
saúde é fortemente influenciado e orientado pelas relações entre os sujeitos. São
consideradas leves as tecnologias de relações como o acolhimento, o vínculo, a
autonomização, a gestão como forma de orientar processos. Dessa forma, o autor
45
considera que o cuidado se traduz na escolha ética e política das tecnologias a
serem utilizadas na resolução dos problemas de saúde.
Há alguns autores na saúde pública que consideram a prática educativa como
forma de cuidado na enfermagem. Acioli (2008), ao realizar uma pesquisa junto a
moradores de uma comunidade de baixa renda no município do Rio de Janeiro,
identificou que as práticas educativas, ao serem identificadas como práticas de
cuidado em saúde pública, pressupõe a interação e a troca de experiências e
saberes entre a população e os profissionais de saúde. Nessa perspectiva, a autora
ressalta que essas práticas devem ser pensadas numa proposta de construção
compartilhada, com incorporação dos conhecimentos dos sujeitos envolvidos,
buscando a interdisciplinaridade, a autonomia e a cidadania.
Raciocínio semelhante foi desenvolvido por Friedrich e Sena (2002), que
analisaram a práxis do cuidado no trabalho da enfermeira em unidade básica de
saúde (USB). As práticas de cuidado encontradas foram caracterizadas por essas
autoras como uma relação de troca entre enfermeiras e usuários, permeadas pela
educação em saúde na totalidade das ações desenvolvidas, desde as ações
propriamente ditas educativas, como por exemplo, os grupos educativos para
gestantes, perpassando pelas consultas de enfermagem e procedimentos técnicos
(injeções, vacinas, curativos).
Budó e Saupe (2005) reforçam a discussão acima em um estudo com
enfermeiras atuantes nas comunidades rurais do Rio Grande do Sul. Esse estudo
revelou que enfermeiras da saúde pública caracterizam como práticas de cuidado, a
educação em saúde, a visita domiciliar e o trabalho com grupos de usuários, além
dos encaminhamentos para outras unidades, como um dos meios para oferecer uma
maior resolutividade.
Nesse sentido, Alves (2005) ressalta que a educação em saúde tem sido,
desde a década de 1970, profundamente repensada. Verifica-se uma ampliação da
compreensão sobre o processo saúde-doença, que, saindo da concepção restrita do
biologicismo, passa a ser concebido como resultante da inter-relação causal entre
fatores sociais, econômicos e culturais. Questionam-se cada vez mais as práticas
pedagógicas persuasivas, baseadas na transmissão verticalizada de conhecimentos,
no autoritarismo entre o educador e o educando e na negação da subjetividade nos
processos educativos. Neste contexto, surge a preocupação com o desenvolvimento
46
da autonomia dos sujeitos, com a constituição de sujeitos sociais capazes de
reivindicar seus interesses.
47
2 METODOLOGIA
2.1 Tipo de estudo e abordagem metodológica
A presente pesquisa utilizou o método descritivo e a abordagem qualitativa.
Foi adotado como referencial teórico-metodológico a Teoria de Representações
Sociais em sua abordagem complementar processual, por esta apreender tanto o
processo de constituição das representações quanto seu produto, ou seja, os
conteúdos, que podem ser: informativos, cognitivos, ideológicos, normativos,
crenças, valores, atitudes, opiniões e imagens (JODELET, 2001; SÁ, 1998).
Em relação ao método descritivo, Cervo e Bervian (1996) referem que este
busca conhecer as diversas situações da vida social, política, econômica e demais
aspectos do comportamento humano, tanto do indivíduo tomado isoladamente como
de grupos e comunidades mais complexas. Segundo os mesmos autores, a
“pesquisa descritiva procura descobrir, com a precisão possível a frequência com
que um fenômeno ocorre, sua relação e conexão com os outros, sua natureza e
características, correlacionando fatos ou fenômenos sem manipulá-los.” (CERVO;
BERVIAN, 1996, p. 49).
Optou-se pela pesquisa qualitativa, que responde, segundo Minayo (1994), a
questões particulares e enfoca um nível de realidade que não pode ser quantificado.
Este tipo de pesquisa trabalha com um universo múltiplo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis. Dessa forma, qualquer investigação de
cunho social deveria contemplar uma característica básica de seu objeto, que é o
aspecto qualitativo.
De acordo com Polit, Beck e Hungler (2001), a pesquisa qualitativa
caracteriza-se por permitir ao pesquisador um delineamento flexível do estudo,
possibilitando um ajuste ao que está sendo captado durante a coleta de dados. Visa
à compreensão do todo, permitindo o uso de várias estratégias de coleta de dados e
exige um envolvimento intenso do pesquisador. Ao mesmo tempo, exige uma
48
análise contínua dos dados, tanto para a formulação de estratégias e os passos
subsequentes, como para a finalização do trabalho de campo.
Lakatos e Marconi (1995, p. 106) definem que “a pesquisa qualitativa é a
melhor forma de procurar fatos, tentando organizá-los dentro de um grande
universo”. Permite, dessa forma, explicar e prever o que acontece e produzir novos
conceitos, além de ser a melhor forma de focalizar uma realidade e a riqueza dos
dados descritivos.
Bauer e Gaskell (2002, p. 68) destacam que “a finalidade real da pesquisa
qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro
de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão”. Ainda sobre
esta abordagem metodológica, os autores afirmam que o método qualitativo é
intrinsecamente mais crítico e emancipatório do que o método quantitativo, já que
defende a necessidade de compreender as interpretações que os atores sociais
possuem do mundo.
Através do enfoque metodológico acima descrito, buscou-se uma análise
aprofundada das representações sociais do HIV/Aids para as enfermeiras, de forma
a permitir a discussão das repercussões dessas representações para o cuidado de
enfermagem desenvolvido aos sujeitos que vivem com HIV/Aids, para assim dar
conta dos objetivos propostos por esta pesquisa.
2.2 Cenários estudados
Para atender ao objetivo de caracterizar as representações sociais de
enfermeiras conforme o nível de atenção aos sujeitos soropositivos, foram
selecionadas oito instituições públicas de saúde, sendo quatro hospitais e quatro
Centros Municipais de Saúde (CMS), todos localizados no município do Rio de
Janeiro. Cabe ressaltar que as unidades de saúde selecionadas estão inseridas no
Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde e prestam assistência direta
a pessoas que vivem com HIV/Aids em diferentes níveis.
Dentre as instituições hospitalares, estão: um hospital federal de grande porte
e que presta assistência em diversas especialidades de saúde; dois hospitais
49
universitários, sendo um estadual e um federal e um instituto de infectologia estadual
de referência em doenças infectoparasitárias.
O hospital universitário estadual possui atendimento em especialidades
médicas de alta complexidade como: cirurgia cardíaca, transplante renal e gestação
de alto risco. Também não dispõe de serviço de emergência. Em relação ao
atendimento às pessoas que vivem com HIV/Aids, este hospital é classificado como
um Serviço de Assistência Especializada (SAE). Estes serviços de saúde têm o
objetivo de prestar atendimento integral e de qualidade aos usuários, através de
uma equipe de saúde multiprofissional, realizando ações de assistência, prevenção
e tratamento às pessoas que vivem com HIV ou AIDS e seus familiares
(PROGRAMA NACIONAL DE DST E AIDS, 2007).
O hospital universitário federal é uma instituição hospitalar de médio porte e
não possui serviço de emergência. Pela característica e abrangência de seus
serviços, opera como referência para toda a cidade e estado, no atendimento em
aids, câncer e ortopedia, especialidades para as quais está habilitado pelo Ministério
da Saúde. Atende à clientela do SUS por demanda espontânea ou referenciada,
através da Central de Regulação do Município do Rio de Janeiro.
O instituto de infectologia estadual possui tradição no tratamento e prevenção
de doenças infectocontagiosas. Atualmente, seu funcionamento se dá de forma
precária nas dependências de outra instituição hospitalar estadual, pois seu prédio
original foi desativado por questões de segurança.
O hospital federal é uma instituição de grande porte, sendo considerado
referência em oftalmologia, cirurgia de cabeça e pescoço e no atendimento à
gestante de alto risco. Sua estrutura física é composta de 6 prédios de 4 a 7
pavimentos. Possui 403 leitos de internação, 40 leitos de terapia intensiva, 15 salas
cirúrgicas e 90 ambulatórios. No que diz respeito ao atendimento às pessoas que
vivem com HIV/Aids também é classificado pelo Ministério da Saúde como um SAE.
Os cenários de rede básica são CMS que prestam atendimento ambulatorial
em diversas áreas, como clínica médica, dermatologia, ginecologia, pediatria, dentre
outros. Atendem sujeitos portadores de doenças transmissíveis, como tuberculose e
hanseníase, possuem implantados os programas de saúde na atenção à mulher, à
criança, ao idoso, e desenvolvem o programa nacional de vacinação voltado à
população em geral. Contam também com serviços de epidemiologia, psicologia,
serviço social, fonoaudiologia e odontologia.
50
2.3 Grupo estudado
Foram estudadas 19 enfermeiras, sendo 10 de hospitais públicos e 9 de
centros municipais de saúde. O número de enfermeiras da rede básica foi
equiparado ao número daquelas que atuavam em hospitais, de modo a permitir a
comparação das representações sociais elaboradas pelos dois grupos.
Foram convidados para participar do estudo todos os enfermeiros que
atenderam aos seguintes critérios de inclusão: enfermeiros que estavam atuando ou
já tinham atuado no Programa de DST/Aids e no Programa de Tuberculose dos
centros municipais de saúde; enfermeiros que estavam atuando ou já tinham atuado
nos setores de enfermaria de Doenças Infecto-Parasitárias (DIP), Centro de Terapia
Intensiva (CTI), pneumologia e infectologia.
Nos hospitais foram selecionados para participar da pesquisa enfermeiros que
estavam atuando ou já tinham atuado em setores com maior possibilidade de
contato com sujeitos que vivem com HIV/Aids, tais como enfermaria de DIP, CTI,
pneumologia e infectologia. Nos centros municipais de saúde foram selecionadas
enfermeiras que estavam atuando ou já tinham atuado no Programa de DST/Aids e
no Programa de Tuberculose, considerando a proximidade existente entre esses
dois programas no que diz respeito ao atendimento ambulatorial às pessoas vivendo
com HIV/Aids, que muitas vezes frequentam ambos, devido a alta incidência de
tuberculose secundária à infecção pelo HIV.
Participaram do estudo todos os profissionais das oito instituições públicas de
saúde que atenderam aos critérios de inclusão e que aceitaram participar da
pesquisa. Embora de forma não intencional, apenas enfermeiras compuseram a
amostra desse estudo, não tendo participado nenhum representante do sexo
masculino com graduação em enfermagem.
2.4 Coleta de dados e instrumentos
Os dados obtidos nesta pesquisa foram coletados através de dois
instrumentos de coleta de dados: um questionário de caracterização sócio-
51
profissional (APÊNDICE A) e um roteiro de entrevista semiestruturado (APÊNDICE
B).
O
questionário
continha
questões
fechadas
de
caracterização
socioeconômico-profissional, das quais foram selecionadas algumas variáveis de
interesse para o estudo (APÊNDICE A), quais sejam: instituição de atuação, idade,
estado conjugal, tempo de atuação como enfermeira, tempo de atuação co m
pessoas convivendo com HIV/Aids, tipo de contato com os sujeitos que vivem com
HIV/Aids, frequência do contato, participação em cursos de capacitação voltados ao
HIV/Aids e se já pensou estar contaminada pelo HIV/Aids.
A seleção destas variáveis deu-se de acordo com o entendimento de que elas
poderiam influenciar na representação social construída acerca do objeto de estudo.
Por
se
tratar
de
estudo
inserido
na
abordagem
processual
das
representações sociais, optou-se pela realização da técnica de entrevista, utilizando
para tal, um roteiro semiestruturado. Tal recurso metodológico busca, com base em
teorias e pressupostos definidos pelo investigador, obter respostas a partir da
experiência subjetiva de uma determinada fonte, selecionada por deter informações
que se deseja conhecer. Nessa perspectiva, os dados não são apenas colhidos,
mas também resultado de interpretação e reconstrução pelo pesquisador, em
diálogo inteligente e crítico com a realidade (DEMO, 2001).
A realização das entrevistas se deu da seguinte forma: o pesquisador e a
enfermeira dirigiram-se a um local tranquilo, de modo que pudessem ficar sozinhos,
minimizando ao máximo possíveis interrupções e favorecendo a expressão das
ideias. Em seguida o pesquisador explicava sobre o estudo e a importância da
pesquisa e fornecia o termo de consentimento livre e esclarecido para que a
enfermeira lesse, de forma que eventuais dúvidas pudessem ser retiradas. Em
havendo o aceite em participar da pesquisa, o termo de consentimento livre e
esclarecido era assinado por ambos.
Logo após, iniciava-se o preenchimento, pelo pesquisador, do questionário de
caracterização do sujeito e posterior gravação da entrevista em áudio digital. A
gravação das entrevistas foi escolhida como estratégia por permitir a captação de
todas as falas do entrevistado, de forma que posteriormente pudesse ser feita
transcrição do material.
Na entrevista, o entrevistador inicialmente solicitava à entrevistada que
falasse, livremente sobre suas primeiras experiências com os sujeitos que vivem
52
com HIV/Aids. Para o desenvolvimento da entrevista foi seguido o roteiro temático.
De acordo com a ausência de falas acerca de alguns temas importantes para o
estudo, estes eram pontuados pelo entrevistador, que solicitava à entrevistada que
dissertasse sobre os mesmos.
As entrevistas ocorreram nos anos de 2010 e 2011, com duração média de 40
minutos.
2.5 Aspectos éticos e legais da pesquisa
Levando em consideração o que preconiza a Resolução 196/1996, sobre
Diretrizes e Normas Regulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos, as
profissionais em questão foram esclarecidas sobre os objetivos da pesquisa, bem
como a manutenção do sigilo e anonimato das informações, a fim de garantir a
integridade das mesmas e o uso dos resultados da pesquisa (CONSELHO
NACIONAL DE SAÚDE, 1996). Após estes esclarecimentos, foi solicitado às
profissionais a concordância de participação, através da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C).
O projeto foi submetido ao
Comitê de Ética em Pesquisas da UERJ e em seguida aprovado pelo protocolo nº
048.3.2010.
2.6 Análise de dados do conteúdo da representação
A análise do material discursivo produzido pelas entrevistas foi efetuada
através de um tipo particular de análise de conteúdo, a análise lexical. Essa análise
é desenvolvida através da técnica de análise hierárquica descendente, efetuada pelo
software Alceste 4.10 (ALCESTE, c2010; OLIVEIRA, 2003). Esse programa foi
desenvolvido
na
França
por
Max
Reinert,
em
1979,
sendo
atualizado
posteriormente. Sua aplicabilidade tem permitido o desenvolvimento de diversas
pesquisas no Brasil e na Europa (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005).
53
A Análise de Dados Textuais ou Estatística Textual é uma metodologia cujo
objetivo é descobrir a informação básica contida em um texto, valendo-se do
tratamento estatístico de seus elementos. Neste sentido, o software Alceste é uma
ferramenta que possibilita a análise quali-quantitativa de dados textuais, tomando
como base as leis de distribuição do vocabulário e permite realizar análise do
conteúdo essencial presente no texto por meio de técnicas quantitativas de
estatística textual (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005).
De acordo com Reinert (1993 apud OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005), o
programa utiliza mecanismos independentes da análise de conteúdo, com o objetivo
de obter uma primeira classificação estatística dos "enunciados simples" do corpus
estudado. Recorre à análise das coocorrências das palavras nos enunciados que
constituem o texto, para organizar e sumarizar informações consideradas relevantes,
possuindo como referência da sua base metodológica a abordagem conceitual dos
“mundos lexicais”.
Reinert (1990 apud NASCIMENTO; MEANDRO, 2006, p. 73) afirma que o
Alceste utiliza uma série de procedimentos estatísticos aplicados a bancos de dados
textuais, que podem ser entrevistas transcritas, obras literárias, artigos de jornais e
revistas, entre outros. A base do funcionamento do programa encontra-se na ideia
de relação entre contexto linguístico e representação coletiva ou entre unidade de
contexto e contexto típico. Unidade de contexto é entendida como uma espécie de
representação elementar, um sentido ou um enunciado mínimo em um discurso.
A análise Alceste é efetuada sobre o próprio campo semântico, de maneira
descritiva e comparativa, através do pareamento de campos semânticos produzidos
por cada indivíduo. A análise dos itens léxicos é efetuada usando categorias, tais
como o tipo de vocabulário, dispersão, ocorrências e coocorrências, complementada
pela análise das classes temáticas (OLIVEIRA, 2010).
Oliveira (2010, p. 18) destaca ainda quatro etapas principais realizadas pelo
software Alceste, a saber:
a) segmentação do material discursivo em pequenas sequências de texto,
denominadas de UCE (unidades de contexto elementares), classificação e
delimitação de classes semânticas com descrição posterior.
b) análise de associação e correlação das variáveis informadas às classes obtidas.
As UCE são classificadas em função de seus respectivos vocabulários, e o conjunto
delas é repartido em função da frequência das formas reduzidas. A partir de
matrizes cruzando formas reduzidas e UCE, variando o tamanho das UCE, aplica-se
o método de classificação hierárquica descendente e obtém-se uma classificação
definitiva.
54
c) descrição das classes de UCE escolhidas. O programa executa cálculos
complementares para cada uma das classes obtidas pelos cálculos da etapa
precedente. Esta etapa fornece resultados que nos permite a descrição das classes
obtidas, principalmente pelos seus vocabulários característicos (léxico) e pelas suas
palavras com asterisco (variáveis).
d) cálculos complementares. Com base nas classes de UCE escolhidas, o
programa calcula e nos fornece as UCE mais características de cada classe,
permitindo a contextualização do vocabulário típico de cada classe.
Esse processo resulta na identificação de polaridades no uso das palavras,
que poderão ser tomadas pelo pesquisador como dados brutos, nos quais poderá
apoiar sua interpretação. Dessa forma, ao se basear no nível semântico do texto,
são consideradas as bases lexicais das chamadas "palavras plenas", que são as
palavras possuidoras de sentido. Simultaneamente, opera uma redução do
vocabulário através da eliminação dos marcadores de sintaxe, categorias
gramaticais de gênero, número, modo, tempo e pessoa, de forma a guardar somente
as raízes significantes (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005).
Os resultados da análise de conteúdo realizada por esse software
possibilitaram uma descrição dos conteúdos discursivos capturados nas entrevistas,
evidenciando as dimensões e os conteúdos da representação social das enfermeiras
acerca da aids e os diferentes aspectos do cuidado de enfermagem prestado ao
sujeito que convive com o HIV/Aids.
2.7 Procedimentos da análise Alceste
2.7.1 Preparação do corpus Alceste
O corpus representa o produto final de todo o material que se deseja analisar
através do software Alceste. Isso significa que uma boa análise Alceste depende de
um adequado preparo do seu corpus. Para isto, ele deve apresentar coerência
temática e dinâmica e deve expressar o objeto de interesse do pesquisador
(FORMOZO, 2007). Isso significa que é importante que o corpus se apresente como
um todo temático e coerente, não se tratando de uma reunião de textos variados
(OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005).
55
Realizar a análise lexical através do Alceste envolve percorrer uma série de
etapas, sendo a preparação do corpus apenas a primeira delas. É necessário
converter o discurso verbal em um texto passível de ser analisado, o que exige
eliminar os vícios de linguagem, identificar a fala do entrevistador através do uso de
caixa alta e reduzi-la ao máximo no corpo do texto. Além disso, faz-se necessário
construir um dicionário de termos padronizados para que dessa forma termos
similares sejam reduzidos a uma forma comum, dentre outras regras de preparação.
Inicialmente, foi realizada a transcrição minuciosa de todas as entrevistas por
uma empresa especializada em transcrição de áudio. Após essa etapa, foi
necessário fazer revisão de todo o material transcrito, pois alguns termos específicos
da área da saúde presentes no discurso das enfermeiras não foram captados ou
foram
identificados
como
incompreensíveis,
como,
por
exemplo,
certos
medicamentos e patologias. Além disso, foram feitas correções ortográficas e/ou de
digitação e eliminação de vícios de linguagem, os quais prejudicam a análise. Em
seguida, foram padronizados alguns termos considerados importantes para o objeto
de estudo e que deveriam ter grafia única ao longo de todo o texto, de forma que o
software pudesse lê-los como palavras iguais. Esses termos padronizados foram
reunidos em um dicionário, construído no decorrer de diversas leituras das
entrevistas. Também neste momento, procedeu-se à formatação das entrevistas de
acordo com algumas regras definidas para o uso do software como, por exemplo, a
substituição de traço/hífen (“-”) por traço subscrito (“_”), a utilização de palavras
escritas em letras maiúsculas somente para falas do entrevistador e retirados
excessos de espaçamentos ou de parágrafos.
Após estes ajustes, todas as entrevistas foram reunidas em um único arquivo
de editor de texto e este salvo no tipo “texto sem formatação”, extensão de arquivo
com a qual o software trabalha. As entrevistas foram separadas umas das outras
pela inserção de uma linha de comando ou “linha com asterisco”, onde foram
digitadas algumas variáveis de interesse de forma codificada, separadas entre si por
asteriscos.
Estas
variáveis
foram
captadas
através
do
questionário
de
caracterização dos sujeitos, tendo sido selecionadas as seguintes: instituição de
atuação, idade, estado conjugal, tempo de atuação como enfermeira, tempo de
atuação com pessoas convivendo com HIV/Aids, tipo de contato com os sujeitos que
vivem com HIV/Aids, frequência do contato, participação em cursos de capacitação
voltados ao HIV/Aids e pensou estar contaminada pelo
HIV/Aids. Esta linha de
56
comando delimita o início de cada unidade a ser analisada que é denominada de
unidade de contexto inicial (U.C.I.). É a partir da U.C.I. que o programa identifica o
local onde se inicia cada entrevista.
Ao término da construção do corpus com as 19 entrevistas realizadas (19
U.C.I.), obteve-se um total de 208 páginas, que constavam de 726754 caracteres.
De acordo com Oliveira, Gomes e Marques (2005), há duas condições para que se
obtenha um bom resultado na análise Alceste, quais sejam: o corpus deve ser
volumoso, para permitir que o elemento estatístico seja considerado e deve haver
coerência temática ou dinâmica em seu conjunto, ou seja, é necessário que trate do
objeto que interessa ao pesquisador. Tais condições foram contempladas neste
estudo.
Após esta etapa, o corpus foi inspecionado por uma pesquisadora
especialista nesse tipo de análise, sendo feitos os últimos ajustes e correções para
que finalmente pudesse ser submetido à análise pelo software Alceste 4.10
(ALCESTE, c2010).
2.7.2 Etapas da análise Alceste
O primeiro conjunto de operações realizadas pelo software Alceste
corresponde a Leitura do Texto e Cálculo dos Dicionários (Fase A), que possui
trêssubfases, a saber: A1 - Reformatação e divisão do texto em segmentos de
tamanho similar, denominados Unidades de Contexto Elementares (U.C.E.); A2 Pesquisa do vocabulário e redução das palavras com base em suas raízes (formas
reduzidas); A3 - Criação do dicionário de formas reduzidas (OLIVEIRA; GOMES;
MARQUES, 2005).
Em seu aspecto operacional, o objetivo do Alceste não é o cálculo do sentido,
mas a organização tópica de um discurso ao colocar em evidência os "mundos
lexicais". No Alceste, o vocabulário de um enunciado corresponde a uma referência,
uma intenção de sentido do sujeito-enunciador (NASCIMENTO; MENANDRO, 2006).
O software pesquisa unidades de contexto, sendo que em um primeiro
momento, o corpus é segmentado em grandes unidades denominadas de U.C.I.,
que são divisões naturais do corpus definidas pelo pesquisador. Trata-se dos
57
primeiros índices de estrutura que precisam ser informados ao Alceste (OLIVEIRA;
GOMES; MARQUES, 2005).
As U.C.I. são iniciadas por linhas especiais, que são destacadas do texto,
iniciando por um número de identificação de até 8 algarismos ou por quatro
asteriscos. Essa linha divisória pode incluir um número livre de palavras estreladas,
que identificam certas características dos sujeitos, tais como sexo, idade, profissão,
dentre outras. Essas informações fazem parte dos resultados, mas não devem ser
tomadas em conta na análise de conteúdo, sendo consideradas características extra
corpus. Elas permitem associar o perfil discursivo em função das características dos
sujeitos e do contexto de produção do material analisado. A essas variáveis é
calculado o grau de associação às classes (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005).
Após a identificação das linhas de comando, o software processa a
reformatação e divisão do texto em segmentos de três linhas ou mais, que seguem a
pontuação e a ordem de aparição no texto. Esses segmentos são denominados de
U.C.E. e neles a acentuação e letras maiúsculas são retiradas. Através da
vinculação das palavras do corpus a essas U.C.E., o Alceste estabelece matrizes a
partir das quais será efetuado o trabalho de classificação (REINERT, 2000).
Em relação à subfase A2, ocorre a redução das palavras, originando as
denominadas formas reduzidas. Nelas são retiradas as formas de gênero, plurais,
desinências de conjugação e outros que interferem na definição final da
configuração da forma reduzida. O objetivo de reduzir as palavras a seus radicais
significativos é o de permitir maior enriquecimento das ligações estatísticas
implicadas na análise das coocorrências (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005;
REINERT, 1990).
Logo após esse primeiro conjunto de operações, inicia-se a segunda fase,
denominada de Fase B- Cálculo das matrizes de dados e classificação das U.C.E.
Trata-se de uma etapa de cálculos, na qual ocorre a classificação das U.C.E. em
função dos seus respectivos vocabulários. O conjunto de U.C.E. é repartido em
função da frequência das formas reduzidas. Esta fase está dividida em três
subfases, a saber: B1- seleção das UCE e cálculo da matriz de formas reduzidas x
U.C.E.; B2- Cálculo das matrizes de dados para classificação hierárquica
descendente; e B3- Classificação Hierárquica Descendente (OLIVEIRA; GOMES;
MARQUES, 2005).
58
Na fase C - Descrição das classes de U.C.E. escolhidas, o software Alceste
efetua duas classificações sucessivas para controlar a estabilidade das classes
obtidas. Esta etapa fornece os principais arquivos resultados, gerando as diferentes
classes, sua dependência mutual, vocabulário predominante em casa uma delas,
palavras estreladas e palavras ferramentas características. Possui três subfases:
C1- Comparação de duas classificações e definição das classes escolhidas; C2Descrição dos perfis das classes; C3- Análise fatorial de correspondência (AFC)
(OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005).
De acordo com Oliveira, Gomes e Marques (2005, p.178),
o dendograma indica que duas grandes divisões no material analisado dão
início a sua segunda segmentação, que posteriormente sofrem outras
subdivisões, gerando classes cada vez mais específicas e homogêneas. As
divisões do conteúdo analisado indicam que existem diferenças e oposições
que não permitem a permanência do conteúdo em um só bloco de
significação, ao passo que classes constituídas a partir de uma mesma
origem, apesar de comportarem um significado de oposição, possuem
semelhanças que merecem ser analisadas, de forma a gerar uma
visualização global do material.
A última fase é denominada Fase D- Cálculos complementares. Trata-se de
um prolongamento da fase anterior, na qual o programa calcula e fornece as U.C.E.
características de cada classe, possibilitando dessa forma a contextualização do
vocabulário típico de cada classe. Essa fase possui quatro subclasses, a saber: D1 Seleção das chaves de contexto e das U.C.E. características de cada classe; D2 Pesquisa das duplas de palavras e dos segmentos repetidos por classe; D3 Classificação Ascendente Hierárquica (sobre cada classe); D4 - Seleção das
palavras características de cada classe (OLIVEIRA; GOMES; MARQUES, 2005).
59
3 RESULTADOS
3.1 Caracterização da população participante do estudo
Foram estudadas 19 enfermeiras, e destas 10 atuam em hospitais e 9 em
instituições da rede básica, sendo estas últimas postos de saúde e centros
municipais de saúde. A divisão praticamente equitativa de enfermeiras de acordo
com a rede assistencial a qual pertencem foi intencional e teve o objetivo de permitir
comparações entre os dois grupos.
De acordo com a Tabela 1, a faixa etária predominante é a de 25 a 34 anos,
perfazendo 58% da amostra (n = 11), seguida das faixas de 45 a 54 anos e 35-44
anos, que correspondem a 21% (n = 4) e 16% (n = 3), respectivamente. Apenas uma
enfermeira entrevistada possuía mais de 54 anos.
Esse perfil etário é característico de profissionais jovens, mas provavelmente
não recém-formadas, que já acumularam experiências relativas aos sujeitos que
vivem com HIV/Aids e, portanto, elaboraram representações sobre o objeto em
estudo.
Tabela 1 - Distribuição das enfermeiras de acordo com a faixa etária
- Rio de Janeiro - 2011
Faixa etária
n
%
25-34
11
58
35-44
3
16
45-54
4
21
Acima de 54
1
5
Total
19
100
Quanto ao estado conjugal, de acordo com a Tabela 2, a maioria das
enfermeiras é casada, correspondendo a 79 % (n = 15). Observa-se também que
16% (n=3) das enfermeiras são solteiras. Este perfil é o esperado para a faixa etária
predominante, sendo marcado por enfermeiras casadas em sua maior parte. Cabe
ressaltar que esta é uma variável importante para o objeto de estudo em questão,
60
considerando o aumento significativo do número de mulheres casadas que foram
contaminadas pelo HIV através de relações com o próprio parceiro nos últimos anos,
o que gera a possibilidade de identificação das entrevistadas com tais situações, por
serem elas também mulheres casadas.
Tabela 2 - Distribuição das enfermeiras de acordo
estado conjugal - Rio de Janeiro - 2011
Estado Conjugal
n
Casada
15
Solteira
3
Vive com o companheiro
1
Total
19
com o
%
79
16
5
100
Em relação ao tempo de atuação em enfermagem, observa-se predominância
de profissionais com até 15 anos de atuação, correspondendo a 69% da amostra (n
= 13), caracterizando um perfil semelhante àquele apontado pela variável faixa
etária, qual seja, de profissionais com alguma experiência profissional. O restante,
31% (n = 6), possui tempo de atuação superior a 16 anos. Esses dados podem ser
mais bem visualizados na Tabela 3, na qual são apresentados os tempos de
atuação das participantes do estudo.
Tabela 3 - Distribuição das enfermeiras de acordo com o tempo
de atuação profissional - Rio de Janeiro - 2011
Tempo de atuação como enfermeiras
n
%
Menos de 05 anos
6
32
06 a 15 anos
7
37
16 a 25 anos
5
26
26 a 35 anos
1
5
Total
19
100
Quanto ao tempo de atuação com sujeitos que vivem com o HIV/Aids, os
dados serão apresentados na Tabela 4. Observa-se que 42% (n = 8) das
enfermeiras referiram tempo de atuação com pessoas que vivem com HIV/Aids
inferior a 5 anos. No entanto, pode-se constatar também que 32% (n = 6) possuem
mais de 10 anos de atuação com essa clientela, além de 26% (n = 5) com tempo de
61
atuação entre 6 a 10 anos. Dessa forma, o perfil das enfermeiras é marcado por
aquelas que possuem 6 ou mais anos de atuação com sujeitos que vivem com
HIV/Aids, o que possibilita a formação e a transformação de representações sociais
acerca da aids,
Tabela 4 - Distribuição das enfermeiras de acordo com o tempo de atuação
com pessoas que vivem com HIV/Aids - Rio de Janeiro - 2011
Tempo de atuação com sujeitos que vivem com
n
%
HIV/AIDS
Menos de 05 anos
8
42
06 a 10 anos
5
26
11 a 15 anos
2
11
16 a 20 anos
3
16
Mais que 20 anos
1
5
Total
19
100
Em relação ao tipo de contato atual com os sujeitos que vivem com HIV/Aids,
as enfermeiras responderam se tal contato se dava de forma física, física e verbal,
exclusivamente verbal ou se nenhum tipo de contato se estabelecia. Os resultados
encontram-se na Tabela 5. Nota-se que a maior parte das enfermeiras refere contato
físico e verbal, totalizando 79% (n = 15) das entrevistadas. Este dado pode ser
explicado pela própria característica do trabalho de enfermagem, cujas práticas de
cuidado possuem características particulares, relativas à proximidade física e
relacional com os sujeitos cuidados, conforme afirma Oliveira (2007). Dessa forma, o
perfil de enfermeiras deste estudo é caracterizado por aquelas envolvidas
atualmente em atividades assistenciais, em detrimento das enfermeiras que
desempenham atividades burocráticas e administrativas.
62
Tabela 5 - Distribuição das enfermeiras de acordo com o tipo de
contato atual com sujeitos que vivem com HIV/Aids - Rio
de Janeiro - 2011
Tipo de contato atual
n
%
Físico e verbal
15
79
Verbal
2
11
Físico
1
5
Nenhum
1
5
Total
19
100
Sobre a frequência de contato atual com os sujeitos que vivem com HIV/Aids,
42% (n = 8) das enfermeiras afirmam ter contato diário, sendo seguidas de 37% (n
= 7) que referem contato semanal e 16 % (n = 3) que referem contato esporádico, de
acordo com a Tabela 6.
Tabela 6 - Distribuição das enfermeiras de acordo com a frequência de
contato com os sujeitos que vivem com HIV/Aids - Rio de
Janeiro - 2011
Frequência de contato com sujeitos que vivem
n
%
com HIV/AIDS
Diário
8
42
Semanal
7
37
Esporádico
3
16
Nenhum
1
5
Total
19
100
Levando em consideração que a proximidade com o objeto é um elemento de
contexto que aumenta a possibilidade de existência de uma representação social,
destaca-se que a maior parte das enfermeiras referiu contato diário ou semanal com
sujeitos que vivem com HIV/Aids, o que certamente ocasiona a formação de
representações sobre a doença, que por sua vez, repercutem na forma como o
cuidado é desenvolvido por essas profissionais.
Comparando-se com a Tabela 5, percebe-se que o contato físico e verbal é
realizado diariamente pela maioria das enfermeiras, o
que pressupõe o
desenvolvimento de procedimentos que abarcam a manipulação de sangue e
secreções. Este dado possui uma relação importante com a construção das
representações sociais acerca da síndrome, conforme destaca Jodelet (2001), ao
63
referir que no início da aids, quando ainda não havia esclarecimentos da pesquisa
biológica, a sociedade elaborou teorias apoiadas nos dados de que dispunha
relativos aos portadores (drogadictos, hemofílicos, homossexuais e receptores de
transfusões) e aos vetores do mal (sangue e esperma). Dessa forma, surgiram duas
concepções acerca da transmissão do HIV, uma do tipo moral e social e outra do
tipo biológico, as quais influenciaram os comportamentos, as relações íntimas e com
as pessoas afetadas pela aids, dentre elas as de cuidado por parte dos profissionais.
Quanto à participação em cursos de capacitação voltados ao HIV/Aids, 47%
(n = 9) das enfermeiras referiram já terem participado de pelo menos um curso
(Tabela 7). Chama a atenção o fato de que 67% (n = 6) das enfermeiras da rede
básica já participaram de algum curso específico sobre a temática HIV/Aids. Já entre
as enfermeiras da rede hospitalar, o inverso ocorre: a maioria (70%; n=7) nunca
realizou curso de capacitação voltados ao HIV/Aids.
Tabela 7 - Distribuição das enfermeiras de acordo com a participação em cursos de
capacitação voltados à temática HIV/Aids e por área de atuação - Rio de
Janeiro - 2011
Participação em cursos
voltados ao HIV/AIDS por
Rede básica
Hospital
Total
área de atuação
%
%
n
%
n
n
Sim
6
67
3
30
9
47
Não
3
33
7
70
10
53
Total
9
100
10
100
19
100
Esse dado merece ser discutido, considerando que essas profissionais lidam
com medicações específicas para aids, que englobam um campo novo e específico
de conhecimentos, caracterizando uma área especializada. Dessa forma, é inegável
a necessidade de formação seguida de atualização constante dos profissionais de
enfermagem nessa área, principalmente no que se refere ao preparo e
administração dos medicamentos, mas também na incorporação de medidas de
biossegurança à prática assistencial (GRYSCHEK, 2000), além de uma melhor
compreensão dos aspectos psicossociais que envolvem os sujeitos que vivem com
HIV/Aids
64
A qualificação da força de trabalho representa uma das principais
necessidades para a operacionalização do Programa Nacional de DST/Aids. Os
eixos básicos desse programa englobam o atendimento dos aspectos clínicos da
doença na prática diária de cada profissional de saúde, o enfrentamento do
preconceito e da desinformação da sociedade, tanto na comunidade em geral,
quanto entre os profissionais que lidam diretamente com este agravo, o
desenvolvimento de ações de vigilância epidemiológica, de prevenção e de
educação em saúde (GRYSCHEK, 2000).
A análise da percepção do contágio pelo HIV pelas enfermeiras (Tabela 8)
mostrou que, da rede hospitalar, metade das profissionais respondeu que já havia
pensado ter sido contaminada pelo HIV/Aids. Já entre as enfermeiras da rede
básica, apenas uma entrevistada deu resposta afirmativa.
Uma das hipóteses possíveis para explicar tal diferença nas respostas entre
os dois grupos pode ser o próprio processo de trabalho, que ocasiona maior ou
menor exposição ocupacional de acordo com o ambiente de trabalho e a qualidade
dos procedimentos realizados por essas profissionais (Tabela 8). Em outras
palavras, pode-se inferir que as enfermeiras da rede hospitalar realizem com
frequência procedimentos tais como punção venosa e manipulação de materiais
pérfuro cortantes contaminados de sangue, estando sujeitas a acidentes biológicos
com mais frequência do que as enfermeiras da rede básica, que realizam
prioritariamente consultas de enfermagem e atividades de educação em saúde.
Provavelmente por se sentirem mais ou menos expostas, de acordo com os
procedimentos que realizam, a percepção do contágio pelo HIV nos dois grupos foi
discrepante.
Tabela 8 - Distribuição das enfermeiras de acordo com a percepção de contágio e
pelo HIV e área de atuação - Rio de Janeiro - 2011
Percepção de contágio
Rede básica
Hospital
Total
pelo HIV por área de
%
%
%
n
n
n
atuação
Sim
1
11
5
50
6
32
Não
8
89
5
50
13
68
Total
9
100
10
100
19
100
65
3.2 As representações sociais da aids e suas influências nas práticas de
cuidado de enfermeiras voltadas aos sujeitos que vivem com HIV/Aids
A análise Alceste partiu de 19 linhas estreladas, número esse que
corresponde tanto ao número de U.C.I. quanto ao número de entrevistas analisadas.
De acordo com o resultado da análise, o corpus é composto por 1214 formas
reduzidas diferentes e 8407 formas distintas.
O corpus foi dividido pelo software em 2050 U.C.E. Destas U.C.E., 1414
foram selecionadas para a análise, representando 69% de aproveitamento do
material exposto para análise. O tamanho da U.C.E. foi determinado pelo número de
formas reduzidas contidas em cada uma. Cada U.C.E. concentrou oito ocorrências
de formas reduzidas.
Utilizando como universo de análise as 1414 U.C.E. selecionadas, o software
gerou seis classes. De acordo com a distribuição das U.C.E. nestas classes,
constata-se que o predomínio textual encontra-se na classe 1, com 25 % das U.C.E.
classificadas para análise, seguida pela classe 5, com 23%. As classes 2, 3, 4 e 6
apresentam distribuições entre si de 17%, 8%, 15% e 12%, respectivamente, do
quantitativo total de U.C.E. classificadas. Com o intuito de obter uma melhor
compreensão dos conteúdos presentes nas classes, procedeu-se a nomeação das
classes, valendo-se das formas reduzidas e das U.C.E. representativas. Dessa
forma, obtiveram-se as seguintes nomenclaturas:
a) Classe 1: Memórias sócioprofissionais de enfermeiras sobre o
HIV/Aids;
b) Classe 2: O cuidado relacionado à autoproteção ao HIV/Aids;
c) Classe 3: Dimensões práticas do atendimento e do cuidado;
d) Classe 4: As famílias atingidas pela aids;
e) Classe 5: As políticas públicas e institucionais e a aids;
f) Classe 6: O tratamento medicamentoso do HIV/Aids.
A estabilidade da divisão das classes realizada pelo Alceste é verificada
através da realização de duas Classificações Descendentes Hierárquicas (C.D.H.),
diferenciadas pelo tamanho das U.C.E. Essas duas C.D.H. são comparadas pelo
66
programa e a estabilidade é indicada pela semelhança nas divisões binárias das
duas classificações. Conforme se observa na Figura 1, o corpus analisado possui
estabilidade, visto as divisões binárias apresentarem semelhança nas duas C.D.H.
Figura 1 - Comparação entre as duas Classificações Descendentes Hierárquicas
(C.D.H.) realizadas com o corpus de entrevistas - Rio de Janeiro - 2011
Os conteúdos das classes podem ser visualizados de forma preliminar no
dendograma produzido pelo software Alceste, que pode ser visualizado na Figura 2.
Trata-se de uma representação gráfica de cada uma das classes identificadas na
análise standard, com suas principais formas reduzidas, além das respectivas
frequências e valores de qui-quadrado (x²).
Na parte superior do dendograma, encontra-se um esquema gráfico que
indica como cada classe foi dividida binariamente e como cada classe se associa
nessas divisões. Também é possível observar, conforme sinalizado anteriormente,
que ocorreram duas divisões sucessivas, a fim de testar a estabilidade do corpus.
Por fim, na parte inferior aparecem os códigos das variáveis que estão associadas a
cada classe, também com seus valores de qui-quadrado, indicando os seus graus
de associação. O dicionário de codificação utilizado para as variáveis encontra-se no
APÊNDICE D.
67
Figura 2 - Dendograma representativo das classes resultantes da análise Alceste
Com o intuito de conhecer os conteúdos constitutivos da/s representação/ões
social/ais da aids elaborada pelas enfermeiras estudadas, a seguir serão discutidos
os conteúdos das classes emergidas da análise standard desenvolvida pelo software
Alceste, a partir dos seguintes elementos: variáveis de análise que apresentam
associação estatística com a classe, formas reduzidas com maiores valores de x² e
seus respectivos contextos semânticos e exemplos de U.C.E. típicas de cada classe.
Os dados serão descritos e discutidos de acordo com o conjunto temático e
dimensão representacional que abordam, tendo como base de análise a teoria das
representações sociais e outros autores de relevância para a temática. Pretende-se
atender ao objetivo de caracterizar as representações sociais da aids produzidas por
68
enfermeiras atuantes em unidades básicas de saúde e em hospitais que atendem
sujeitos que vivem com HIV/Aids. Dessa forma, esses resultados correspondem à
análise do grupo em geral, independente da variável instituição de saúde hospitalar
ou da rede básica.
3.2.1 Classe 1- Memórias sócioprofissionais de enfermeiras sobre o HIV/ Aids
A classe 1 apresenta associação estatística com enfermeiras que atualmente
não possuem contato com pacientes que vivem com HIV/Aids, tempo de atuação
com esses pacientes de menos de 5 anos e tempo de atuação como enfermeira de
26 a 35 anos. No Quadro 1, serão apresentadas as variáveis analisadas, categorias
associadas à classe e seus respectivos valores de x².
Variável de análise
Categoria associada
à Classe 1
Valor de
x²
Frequência de contato com clientes que vivem
com HIV/aids atualmente
Nenhuma
62
Tempo de atuação com clientes que vivem
Menos que 5 anos
62
com HIV/aids
Tempo de atuação como enfermeira
26 a 35 anos
62
Tipo de contato com clientes que vivem com
Nenhum
36
HIV/AIDS atualmente
Quadro 1 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística
à classe 1 - Rio de Janeiro - 2011
É importante ressaltar que as variáveis possuem diferentes graus de
associação à classe, com destaque para aquelas com maiores valores de x². Além
disso, as variáveis acima descritas mostram-se exclusivas desta classe.
Essa é uma classe que se refere às memórias do HIV/Aids nos primórdios da
epidemia, possuindo associação estatística com enfermeiras com vinte e seis anos
de profissão ou mais; tempo de atuação com clientes que vivem com HIV/Aids
inferior a cinco anos; e enfermeiras que não possuem contato com clientes que
vivem com HIV/Aids atualmente, mas tiveram anteriormente. A classe "Memórias
69
sócioprofissionais de enfermeiras sobre o "HIV/Aids" abarca um total de 512 das
1414 U.C.E. analisadas, e desta forma, 25% do corpus total de análise.
As principais formas reduzidas constituintes da classe 1, que possibilitam uma
compreensão preliminar do conteúdo da classe, com seus respectivos contextos
semânticos e valores de x², são apresentados no Quadro 2.
Forma Reduzida
Contexto Semântico
Valor de x²
aids
aids
139
homossexu
homossexual
126
uma_doenca
uma doença
100
antiga
antiga
58
cazuza
Cazuza
58
epoca
época
54
lembr
lembrança
54
pesso
pessoa
54
mulher
mulheres
53
doenca
doença
49
vida_sexual
vida sexual
46
homen
homens
37
idade
idade
36
grupo_de_risco
grupo de risco
31
Quadro 2 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da
classe 1 - Rio de Janeiro - 2011
Conforme pode ser constatado no Quadro 2, as formas reduzidas que
apresentam maiores valores de x² são: aids, homossexu, uma_doença, antiga e
cazuza. Os contextos semânticos apresentados permitem uma compreensão do
conteúdo geral expresso pela classe, abrangendo temáticas ligadas ao surgimento
da aids e ao posicionamento social frente a nova doença.
Observa-se que a delimitação dos conteúdos da classe 1 é identificada, de
maneira mais detalhada, a partir da Classificação Ascendente Hierárquica (C.A.H.),
a qual resulta de divisões binárias sucessivas das formas reduzidas da classe. O
resultado dessas divisões é expresso pelo dendograma das palavras que dão
sentido aos conteúdos da classe, constituindo sua totalidade.
A Figura 3 é uma representação gráfica do resultado da C.A.H. da classe aqui
apresentada. Através da C.A.H., as formas reduzidas foram agrupadas em
diferentes cores com o intuito de identificar temáticas e significados mais precisos
70
dos elementos que compõem a classe “Memórias sócioprofissionais de enfermeiras
sobre o HIV/Aids”.
Na classificação hierárquica ascendente (Figura 3), foram consideradas 14
formas reduzidas. Observa-se que as formas reduzidas idade, homossexu+, mulher,
homen+ estão associadas entre si, compondo a temática "Os atores sociais
atingidos pela aids no passado e na atualidade". O mesmo ocorre com as formas
reduzidas epoca, lembr+, antiga, cazuza e grupo_de_ris, cuja temática aborda "As
memórias de enfermeiras sobre o surgimento da aids". E por fim, as formas pesso,
vida_sexua, uma_doenca e doenca abordam a temática "Aids, estereótipos e
sexualidade".
Figura 3 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 1 - Rio de Janeiro 2011
Dessa forma, os conteúdos expressos na classe 1 explicitam as memórias
das enfermeiras sobre o HIV/Aids nos primórdios da epidemia, quando a aids era
tratada como uma doença desconhecida, epidêmica e fatal, que gerava medos,
angústias, insegurança e preconceitos. Esses significados associados à doença
podem ter repercutido nas formas como o cuidado de enfermagem era realizado.
71
Para um melhor entendimento desta classe, ela será descrita de acordo com
os grupos temáticos que emergiram da Classificação Hierárquica Ascendente, que
são os seguintes: Os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade;
As memórias das enfermeiras sobre o surgimento da aids; e Aids, estereótipos e
sexualidade. Serão realizadas discussões dos resultados encontrados com autores
importantes para a elucidação do tema e, a título de exemplificação, serão
apresentadas U.C.E. características de cada grupo temático, identificadas pelos
códigos das variáveis e categorias, cujo dicionário encontra-se no APÊNDICE D.
3.2.1.1 Os atores sociais atingidos pela aids no passado e na atualidade
Esta temática explicita o perfil dos pacientes atendidos nos primórdios da
epidemia e atualmente. Traz experiências na ocasião do surgimento da aids, onde a
população atendida era basicamente composta por homossexuais, profissionais do
sexo e usuários de drogas injetáveis, os quais compuseram os chamados "grupos
de risco". Chama a atenção para o preconceito e discriminação a que estavam
expostos os sujeitos atingidos pela aids na ocasião do seu surgimento, tanto por
serem considerados uma parcela marginalizada da sociedade, quanto por
possuírem uma doença fatal e era até então desconhecida. Os pacientes atendidos
eram alvo de atitudes distintas por parte da equipe de enfermagem, com
interferências explícitas na forma como o cuidado era desenvolvido, sendo
percebido muitas vezes o distanciamento entre profissional-cliente devido ao medo e
ao preconceito presentes.
Começou a se falar muito da aids como uma doença de pessoas que usavam
drogas injetáveis, homossexuais [...] Naquela época era só esse grupo de risco que
era afetado, quem não fazia parte desse grupo de risco podia se sentir seguro
.(inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n;
*K_1)
Os pacientes no passado eram em sua maioria homossexuais. Uns assumidos,
outros não, mas homossexuais. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05;
cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6)
Eu meio que vinha com todo o preconceito em relação ao homem, lembro que era o
homem com homem, meu primeiro paciente foi homem. Era uma confusão tão
grande de ideias que eu cheguei a pensar como seria a área genital desse homem e
eu vi que não era um interesse só meu, porque depois com outros pacientes com
aids admitidos, na hora da higiene íntima, você via a área anal do paciente e
72
acabava corroborando todo o imaginário nesse aspecto da vida sexual. Eu nunca
tinha visto um ânus daquele jeito que eu vi, o ânus do homem que aparecia com
diagnóstico de aids. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_04; thiv_04; cont_4; freq_5;
cur_n; econt_n; K_1)
Oliveira et al. (2007) afirmam que os primeiros pacientes identificados no
Brasil apareceram em torno de 1982, em meio a uma ausência total de
conhecimento da doença e do tratamento. Esses primeiros pacientes atingidos pela
aids eram em sua grande maioria homens, conforme pontuado no discurso das
profissionais entrevistadas.
Cabe ressaltar que a aids ficou conhecida, de início, pelo nome de câncer
gay, por ter surgido primeiramente entre os homossexuais, a partir da década de 80.
Tal denominação sugere que a aids pode ter sido interpretada pela sociedade em
geral como uma culpa de caráter individual. Mais tarde, prostitutas, usuários de
drogas injetáveis e hemofílicos passaram a integrar o grupo de pessoas atingidas
pela doença, resultando na expressão "grupo de risco" (MOREIRA et al., 2010).
Dessa forma, associou-se o HIV/Aids a algo vergonhoso, que estigmatiza as
pessoas infectadas, e generalizava uma condição própria das pessoas que faziam
parte do grupo de risco, que eram percebidas pela sociedade em geral como
responsáveis por causar sua infecção, ressalvado o caso dos hemofílicos
(MOREIRA et al., 2010).
Giami, Azémard e Poplavisky (1997) destacam que o estereótipo relacionado
aos primeiros pacientes teve sua gênese no discurso e na investigação científica
inicial, que marcaram a descoberta da aids e que, quase simultaneamente a
deixaram visível para a sociedade. Os primeiros casos considerados posteriormente
como aids envolviam cinco jovens homossexuais tratados em hospitais de Los
Angeles por pneumonia por pneumocystose carinii. Tais autores ressaltam ainda
que o primeiro registro da aids, efetuado a partir desses casos, estabeleceu uma
hipótese de correlação entre aspectos da homossexualidade e a predisposição a
disfunção imunitária e infecções.
Sobre os sujeitos que vivem com a aids na atualidade, as enfermeiras
sinalizam em seus discursos as mudanças ocorridas no perfil epidemiológico da
doença, que trouxeram outros atores sociais para o contexto do cuidado. Nesse
sentido, apontam que há uma notável mudança de perfil dos sujeitos atendidos,
quando comparados com os anos anteriores, quando a maioria deles eram adultos,
73
do sexo masculino. Na atualidade é grande o quantitativo de mulheres soropositivas
ao HIV que passaram a integrar esta realidade, além de crianças e idosos.
Hoje eu tenho muitos jovens que não são homossexuais. Mulheres aumentou muito
e homossexuais tenho menos. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05;
cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6)
Hoje em dia você vê mulheres casadas HIV positivas, vê crianças por conta da
transmissão vertical, você já não vê o HIV positivo tão estigmatizado porque você vê
aquela senhorinha que é casada direitinho com o marido, tem os filhos e pegou a
doença. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s;
K_5)
O número de pessoas contaminadas com a aids está aumentando muito, porque a
doença aids não tem mais cara devido aos tratamentos, eles não parecem mais ter a
doença como antigamente. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3;
freq_2; cur_n; econt_n; K_6)
Hoje em dia não tem mais esse perfil característico da doença aids, agressivo, da
pele, paciente terminal. Hoje em dia não é mais assim, hoje em dia todos nós
estamos sujeitos a isso, expondo os nossos riscos de vida sexual, não tem cuidado.
(inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n; K_3)
Nesse sentido, pode-se perceber que existem mudanças nas representações
sociais das enfermeiras sobre as pessoas que vivem com o HIV/Aids na atualidade,
conforme pontuado por Oliveira et al. (2007). Tais autores destacam dois aspectos
geradores de impactos nas práticas e nas representações sociais das enfermeiras
sobre a aids: o acesso aos antirretrovirais no Brasil (a partir de 1996) e seu perfil
atual, caracterizado pela feminização da doença e da infecção pelo HIV, que
ocasionou a transmissão vertical para crianças.
Dessa forma, a partir da década de 90, as enfermeiras se depararam com
uma situação diferente da inicial, marcada pela presença de mulheres e de crianças
entre as pessoas adoecidas pela aids e também pela universalização dos
tratamentos antirretrovirais estabelecido pela Lei 9313/96, a partir de 1996. Esses
contextos político e epidemiológico serviram para fomentar a transformação das
representações iniciais constituídas pelos profissionais, fortemente influenciadas
pelas diferentes possibilidades de enfrentamento da doença (OLIVEIRA, 2010).
74
3.2.1.2 As memórias de enfermeiras sobre o surgimento da aids
Neste grupo temático, são abordadas as lembranças mais antigas das
enfermeiras sobre o surgimento da aids, incluindo suas vivências com os primeiros
pacientes, além dos medos e angústias associados a realização da assistência de
enfermagem. A morte destaca-se como um dos elementos constituintes da memória
e da representação social da aids, comportando uma atitude negativa, fortemente
atrelada à doença:
A minha lembrança mais antiga da aids é a de morte, pacientes morrendo,
internados para morrer. Viver isso para mim foi difícil [...], a morte era um pouco
assustadora, ter que fazer pacote [...] era uma coisa que eu não queria, uma
vivência muito frequente nos plantões. Foi superado ao longo dos anos [..] lidei com
a morte de perto, eram pacientes muito graves, que normalmente morriam aqui
.(inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6).
Ser HIV positivo era uma marca que só não tinha ainda data de morte, mas que eles
iam morrer. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_1; cur_s;
econt_n; K_3)
Observa-se uma dimensão afetiva da representação social da aids,
relacionada a vivência das enfermeiras atuantes na rede hospitalar com os primeiros
pacientes, ressaltando a dificuldade pessoal e existencial enfrentada. A morte é
prontamente evocada quando ocorre a menção às lembranças mais antigas da aids.
Segundo Giami e Veil (1997), o desenvolvimento da epidemia da aids pegou
os hospitais e as pessoas que nele trabalhavam desprevenidos, numa situação em
que equipamentos materiais e intelectuais eram deficientes. Nesse contexto, um
conhecimento próprio à enfermagem se constituiu empiricamente, envolvendo uma
mistura do pensamento científico e técnico, herdado de experiências anteriores e
arcaicas, com representações e fantasias próximas às da população em geral.
Os mesmos autores referem ainda que as enfermeiras e estudantes de
enfermagem, ainda no início dos estudos, antes de qualquer contato com pessoas
que vivem com HIV, já possuíam uma representação social da doença, sendo que
essa representação ainda era de uma doença incurável e mortal, ligada à
sexualidade.
Por outro lado, é importante ressaltar que em relação às representações
sociais da aids, essas profissionais transitam em dois universos de pensamento:
aquele do universo consensual, enquanto construtoras do senso comum, e o
75
universo reificado, enquanto profissionais, detentoras de saber científico . Dessa
forma, as suas representações são elaboradas a partir desses dois referenciais, com
repercussões diretas no cuidado que desenvolvem, conforme afirma Oliveira (2010).
Isso porque a partir das representações, os indivíduos definem e interpretam
aspectos da realidade cotidiana e determinam sua tomada de decisão e seus
posicionamentos e condutas diante das situações (JODELET, 2001).
Observou-se que um elemento bastante presente nas memórias das
enfermeiras acerca dos primórdios da aids é o conceito de grupo de risco, que
atribuiu, em um primeiro momento, a responsabilidade pela epidemia a
determinados grupos marginalizados da sociedade. Essa associação da aids aos
"grupos de risco" disseminou a falsa noção de que as pessoas não pertencentes a
estes grupos estariam a salvo da ameaça.
Ainda existia aquele grupo de risco, essa denominação grupo de risco, as pessoas
com aqueles itens que precisavam ser seguidos para você considerá-las como
participantes do grupo de risco. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01;
cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
Antigamente há muito tempo associava [a aids] a grupo de risco, pessoas que eram
de risco, associava aquilo ao Cazuza, as pessoas que fizeram o boom da doença,
que apareceram os casos, que tinha aquele perfil. (inst_sp; id_01; econj_cas;
tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n; K_3)
O conceito de grupo de risco teve um papel importante no contexto dos
primórdios da aids, na medida em que permitiu a transformação do não familiar em
familiar, através da associação da doença a grupos marginalizados socialmente, que
foram considerados responsáveis pela epidemia, contribuindo para aumentar ainda
mais o preconceito.
Oliveira et al. (2007) destacam que na falta de conceitos científicos, as
dimensões imaginárias do senso comum assumiram um importante papel na
elaboração das primeiras representações sociais da aids, que foram muito
influenciadas pela dimensão prática da nova doença, marcada pela morte e pela
transmissibilidade.
Dessa forma, as RS da aids foram sendo elaboradas como uma forma de
compreender e explicar essa nova realidade que passou a fazer parte do cotidiano
das enfermeiras que atuaram no início da epidemia. Dentro dessa perspectiva, a
representação da aids passou a se constituir a partir de imagens e estereótipos, uma
cara e um ídolo que a representava, o que fica claro nas U.C.E. abaixo:
76
O Cazuza para mim é a cara da aids. Hoje eu muitas vezes vejo aqui os pacientes
passarem com aquele rosto. Ele era um rapaz tão bonito, ficou com um rosto tão
feio, uma cor feia, o físico feio. Víamos a aids como aquela pessoa caracterizava.
(inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
Ele [O Cazuza] na realidade não era um herói, como ele falava na música dele, que
os heróis dele morreram de overdose, ele deixou de ser meu herói, ele passou aids
para muita gente, era uma pessoa muito promíscua, então ele se transformou em
um vilão para mim. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1;
cur_s; econt_s; K_4)
O que eu lembro, que mais me marcou, no inicio, realmente, foi o Cazuza, porque eu
vi, há um tempo atrás na rua, numa pessoa as características dele, eu já falava
assim: está com aids. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1;
cur_s; econt_s; K_4)
Sob a ótica da teoria das representações sociais, o fato de a aids ter sido
atribuída primeiramente à grupos específicos, como no caso dos homossexuais,
atribuindo a doença um caráter sexual, possibilitou a concretização do que até então
era abstrato. Esse é um dos processos de formação de uma representação social, a
objetivação, que permite associar um conceito a uma imagem materializada,
transferindo o que está na mente para algo que existe no mundo físico
(MOSCOVICI, 2003).
Houve um importante papel da mídia para a construção de uma imagem da
aids associada ao cantor Cazuza. Ele foi uma das primeiras figuras públicas a
admitir, em 1989, que estava adoecido pela aids e a falar abertamente sobre suas
práticas sexuais e sua homossexualidade. Na ocasião do diagnóstico, pesava 68
quilos e, em pouco tempo, chegou a 40 quilos, tendo falecido em julho de 1990. A
imagem de Cazuza no Brasil marcou de forma indelével a aids e, anos após a sua
morte, ele ainda é lembrado pela sociedade como um símbolo da síndrome.
Herzlich e Pierret (2005) afirmam que a imprensa fez a aids existir para a
sociedade, sendo uma evidência do papel desempenhado pela comunicação de
massa na produção do real. A importância dos meios de comunicação para
conhecimento, difusão e construção da aids, segundo os autores, se deu por dois
processos. Primeiramente, a imprensa anunciou o aparecimento de um fenômeno
inédito no campo da patologia, desenhou seus contornos e operou a passagem das
informações disponíveis sobre a doença no domínio científico para a sociedade. Em
segundo lugar, a imprensa fez com que a aids circulasse entre diversos grupos
sociais, além de ter polarizado as relações que se estabeleciam a seu respeito.
Através da imprensa, a aids tornou-se objeto de tomadas de posição, de
enfrentamentos e de clivagens coletivas.
77
3.2.1.3 Aids, estereótipos e sexualidade
Falar de aids implica em falar do próprio exercício da sexualidade e dos
preconceitos ainda fortemente associados aos sujeitos que vivem com a doença.
Devido a essa associação, por vezes a abordagem da temática pode ser difícil, tanto
nos diálogos com os pacientes quanto com os membros da família.
Acho que nossos filhos vão conversar melhor com os filhos sobre sexualidade. Eu
acho que um dos preconceitos [relacionados à aids] é porque mexe com sexo, e
assim ou é profissional do sexo ou é homossexual, ainda tem isso. (inst_hosp;
id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6)
Para as enfermeiras estudadas grande parte dos sujeitos que vivem com
HIV/Aids continua sendo os homossexuais, porém, reconhecem o crescente
quantitativo de heterossexuais infectados que têm sido inseridos neste cenário.
Evidenciam que o conceito de grupo de risco se tornou obsoleto com o passar
dos anos, considerando que outros grupos passaram a ser atingidos pela aids, como
mulheres, homens heterossexuais, idosos e crianças, conforme sinalizado
anteriormente. Entretanto, ressaltam a permanência do estigma aos sujeitos que
vivem com HIV/Aids, sendo estes ainda associados de forma preconceituosa a
homossexuais e profissionais do sexo:
Eu vi que já está mudando, não existe mais o grupo de risco fechado, não são
somente os homossexuais ou aquelas pessoas que tem a vida promíscua (...). Hoje
em dia, você pode ser homossexual, heterossexual, casado, você está susceptível
da mesma forma. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4;
cur_n; econt_n; K_1)
É homem, mulher, criança, preto, branco, homossexual, bissexual, heterossexual.
Não tem uma cara, o paciente que tem aids não tem, é qualquer um, não tem mais
grupo de risco. Antigamente tinha um grupo de risco, homossexuais, usuários de
drogas, que tinham uma vida promíscua. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02;
thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_4)
A aids ficou muito estigmatizada na época, era uma doença mais de prostituição,
mais ligada a homossexuais, profissional do sexo. Hoje em dia não, você vê
mulheres casadas HIV positivas, vê crianças por conta da transmissão vertical.
(inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s; K_5)
Estudos estão sendo feitos, novas descobertas, mudou muita coisa. Temos mais
consciência de como é a doença, a questão da fisiopatologia, e essa questão que
não existe grupo de risco, você começa a ler artigos mais atuais que falam sobre
isso. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n;
K_1)
As pessoas ainda têm o rótulo que HIV positivo tem que ter aquela cara de Cazuza
ou tem que ser um homossexual bem espalhafatoso, ainda acham, ainda rotulam
78
muito o HIV positivo. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1;
cur_s; econt_s; K_4)
Sob o ponto de vista conceitual, os autores passaram a utilizar o conceito de
"comportamentos de risco" no lugar do conceito de "grupos de risco", por
entenderem não mais que grupos restritos eram susceptíveis à infecção pelo HIV,
mas que os comportamentos adotados levavam o indivíduo a um menor ou maior
grau de exposição ao vírus. Dentre estes comportamentos, encontram-se a atividade
sexual sem preservativo com múltiplos parceiros e o compartilhamento de agulhas
ou seringas na utilização de drogas injetáveis (BARBARÁ; SACHETTI; CREPALDI,
2005).
Apesar das enfermeiras sinalizarem a superação do conceito de grupo de
risco, por vezes é possível perceber que tal conceito aparece implícito em seus
discursos. Pode-se inferir que este é um conceito ainda fortemente associado às
representações sociais da aids, conforme pode ser observado nas U.C.E. abaixo:
A vida dos pacientes soropositivos ao HIV é normal, dentro do grupo deles, mas é
normal. Não vejo diferença dentro do grupo, vamos supor, os homossexuais, no
caso, eles são muito bem aceitos. É claro que cada um tem a sua tribo, sua vida
sexual. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n;
K_3)
Ele [o paciente soropositivo ao HIV] carrega ao longo desses anos, ainda quem tem
aids, se for homem é homossexual e se for mulher é profissional do sexo. Hoje em
dia não é assim, existem homens [heterossexuais] e mulheres que estão com aids,
acho que essa é uma carga que vem do passado, ainda todo homem que tem aids
é homossexual e toda mulher profissional do sexo, assim como era no início, no
início foi assim. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n;
econt_s; K_6)
Para Giami, Azémard e Poplavisky (1997), a utilização social dos "grupos de
risco" continua a funcionar no discurso social assim como no passado, remetendo às
relações de estigmatização onde há oposições entre a pessoa e o outro. Nesse
contexto, a aids é atribuída aos outros e não a si mesmo e existem clivagens e
hierarquizações entre estes diferentes outros, sendo representados sob um forma
coletiva.
As enfermeiras sinalizam em suas falas que houve mudanças significativas
nas características físicas dos pacientes que vivem com HIV/Aids e que é difícil
distingui-los do restante da população apenas pela aparência. Essas mudanças
passaram a ser percebidas após o advento da terapia antirretroviral, que também
resultou em um aumento da expectativa da vida desses sujeitos. O aumento dos
79
casos de contaminação pelo HIV também apareceu atribuído à suposta invisibilidade
da doença.
O número de pessoas contaminadas com a aids está aumentando muito, porque a
doença aids não tem mais cara devido aos tratamentos, eles não parecem mais ter a
doença como antigamente. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3;
freq_2; cur_n; econt_n; K_6)
Hoje em dia não tem mais esse perfil característico da doença aids, agressivo, da
pele, paciente terminal. Hoje em dia não é mais assim, todos nós estamos sujeitos a
isso. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n;
K_3)
Os pacientes quando saem daqui, eles saem bonitos, arrumadinhos, saradões e
chegando lá fora ninguém sabe que ele tem aids. Vai depender da consciência deles
também. (inst_hosp; id_04; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_2; cur_s;
econt_n; K_4)
Ainda sobre essa questão, é possível notar, por vezes, discursos
contraditórios, pois ao mesmo tempo em que há o reconhecimento de que após o
advento da terapia antirretroviral houve mudanças significativas nas características
dos pacientes, há a reafirmação da existência de estereótipos capazes de identificar
o sujeito soropositivo ao HIV, conforme as U.C.E. abaixo:
Eu vi pessoas ali [em uma parada gay] que eu olhava e dizia: aquela pessoa ali tem
aids, essa pessoa é positiva e essa não é. A pessoa que estava comigo perguntou
como eu sabia. Porque eu convivo com isso, só que hoje as pessoas não têm as
mesmas características que o tinham antes, realmente, já mudou muito. A aparência
mesmo, você não mais sabe quem é HIV positivo. (inst_hosp; id_01; econj_cas;
tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
Você acaba se acostumando, você vê todos os dias, e acaba sabendo que o cara
tem aids, apesar de que, a medicação hoje faz com que as pessoas não fiquem
mais como antes, tão esqueléticas, já mudou bastante. (inst_hosp; id_01; econj_cas;
tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
A partir da análise dos conteúdos discursivos presentes nesta classe, foi
possível perceber que a representação social da aids para as enfermeiras encontrase em transição, abarcando elementos ainda arcaicos, mas também novos
elementos representacionais, relacionados ao perfil epidemiológico atual da doença
e aos avanços na terapia medicamentosa, que contribuiu para a modificação das
características físicas dos sujeitos que vivem com HIV/Aids, modificando sua
imagem e contribuindo para a superação de estereótipos anteriormente construídos.
Considerando que as representações sociais guiam práticas, pode-se
entender que houve importantes transformações na forma como o cuidado das
enfermeiras passou a ser desenvolvido junto a esses sujeitos. Essas mudanças
80
estão associadas a uma diversidade de fatores, com destaque para a presença de
mulheres e crianças entre os sujeitos atingidos pela aids, a característica de
cronicidade que a doença assumiu e os avanços na terapia medicamentosa, que
alteraram a forma como o cuidado passou a ser realizado. No entanto,
concomitantemente ainda se observa a persistência de representações presentes
desde os primórdios da aids, fortemente marcadas por elementos como morte,
homossexualidade, práticas sexuais desviantes e grupos de risco.
3.2.2 Classe 2 - O cuidado relacionado à auto-proteção ao HIV/Aids
Esta classe apresenta associação estatística com enfermeiras com idades
entre 35 e 44 anos, contato atual físico e verbal com sujeitos que vivem com
HIV/Aids, frequência diária de contato com sujeitos que vivem com HIV/Aids, tempo
de atuação com sujeitos que vivem com HIV/aids de 11 a 15 anos. Os valores de x²
relativos às variáveis de análise e categorias associadas à classe serão
apresentados Quadro 3.
Variável de análise
Idade
Tipo de contato com clientes que vivem com
HIV/AIDS atualmente
Frequência de contato com clientes que vivem
com HIV/AIDS atualmente
Categoria
associada à Classe Valor de x²
2
35 a 44 anos
26
Físico e verbal
19
Diária
19
Tempo de atuação com clientes que vivem com
11 a 15 anos
17
HIV/AIDS
Quadro 3 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística
à classe 2 - Rio de Janeiro – 2011
A classe "O cuidado relacionado à autoproteção ao HIV/Aids" abarca um total
de 349 do total de 1414 U.C.E. e, dessa forma, 17% do corpus utilizado na análise.
As formas reduzidas com maiores valores de x² e que apontam para os significados
presentes na classe são apresentadas a seguir (Quadro 4).
81
Forma Reduzida
Contexto Semântico
Valor de x²
camisinha
camisinha
461
usar
usar
219
luva_de_proc
luva de procedimento
97
confi
confiança
40
relaciona
relacionamento
36
mascara
máscara
34
acidente_de
acidente de trabalho
32
fur
furar
32
bot
botar
32
Quadro 4 - Principais formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da
classe 2 - Rio de Janeiro - 2011
É possível notar que a delimitação dos conteúdos da classe 2 é identificada
de maneira detalhada a partir da C.A.H., na qual foram consideradas 15 formas
reduzidas. O agrupamento das palavras que dão sentido aos conteúdos da classe é
observado na Figura 4, tratando-se de uma representação gráfica do resultado da
C.A.H. da classe 2.
Figura 4 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 2 - Rio de Janeiro - 2011
82
Nota-se que ocorreram inicialmente duas divisões binárias, cujos produtos
foram novamente divididos em dois blocos. Assim, o grupo constituído pelas formas
reduzidas relaciona+, confi+ e usam está associado ao grupo composto pelas
formas vai, usar+, uso, camisinha e usou. O mesmo ocorre com o grupo constituído
pelas formas reduzidas vou, luva_de_proc+ e bot+, que encontra-se associado ao
grupo composto pelas formas usa+, deu, acidente_de_ e fur+.
Considerando a C.A.H., foi proposta a divisão da classe "O cuidado
relacionado à autoproteção ao HIV/Aids" em duas subclasses ou temáticas,
denominadas: “Medidas de autoproteção ao HIV na vida pessoal" e "Autoproteção
profissional na execução do cuidado de enfermagem". Nota-se que esta é uma
classe que disserta sobre as diferentes formas de proteção adotadas pelas
enfermeiras, tanto em âmbito ocupacional quanto na vida pessoal. Considera-se que
a autoproteção ao HIV/Aids faz parte da representação social da aids elaborada por
essas profissionais e que esta abrange diferentes aspectos, que serão melhor
discutidos a seguir.
3.2.2.1 Medidas de autoproteção ao HIV na vida pessoal
A autoproteção na vida pessoal relaciona-se de forma consistente com o
entendimento da necessidade do uso do preservativo, mesmo naquelas relações
consideradas estáveis. Entretanto, apesar desse entendimento, o não uso ou o uso
esporádico foram duas situações bastante relatadas pelas enfermeiras. A principal
justificativa para tal prática é a confiança na fidelidade do parceiro, que ocasiona
uma sensação de invulnerabilidade à aids. Pode-se entender, dessa forma, que a
confiança no parceiro é uma das práticas de proteção adotadas por essas
profissionais no que diz respeito ao HIV.
A presença da aids na sociedade não modifica a minha vida privada porque eu sou
casada, subentende-se que eu só tenho relacionamento com meu marido e meu
marido comigo, não usamos drogas, usamos camisinha, e {somos} um casal fiel.
Para mim, não interfere em nada. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02;
cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2)
Acabamos correndo esse risco. Para mim não mudou porque eu não saio, não tenho
relações fora do casamento e tento confiar muito no meu marido. (inst_hosp; id_01;
econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
83
Carvalho, Martins e Galvão (2006) afirmam que um dos fatores que leva a
mulher a crer na invulnerabilidade à infecção é a convivência com o parceiro, pois
ela acredita em sua fidelidade e sente-se segura e confiante em relação a ele.
Dessa forma, a confiança no parceiro influencia práticas de sexo não seguro, o que
ocasiona
risco de infecção
pelo
HIV, na
existência
de
relacionamentos
extraconjugais desconhecidos.
Em contrapartida, quando há suspeita da existência de relacionamentos
extraconjugais, a necessidade de proteção é ressaltada e muitas vezes há
dificuldade na negociação do uso do preservativo.
De vez em quando eu fico pensando assim: será que ele {o parceiro} está direitinho?
Eu sei de mim, mas nunca sabemos o que se passa na cabeça do outro, o que ele
está fazendo fora do alcance da minha vista. Eu já tentei propor de ficar só com
camisinha, mas para mim é mais complicado essas coisas. (inst_hosp; id_01;
econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
Quando eu comecei a ter noção do que era realmente a aids, comecei a pensar
muito mais em proteção, em camisinha. Na minha época de juventude, falávamos
que era chupar bala com papel. E, sem dúvida mudou sim, mudou até mesmo em
relação ao casamento. Porque não é por você estar casada que está imune. Isso
também era uma coisa que eu acreditava e não acredito mais, não acredito mesmo.
(inst_hosp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_2)
Até por conta das pesquisas e dos vacilos que eu peguei, eu forcei já algumas vezes
o uso de camisinha com o meu marido, porque é meu único parceiro. Eu pensei: se
ele fez uma vez, quem me garante que ele usou camisinha? Quem me garante que
ele não se contaminou? Quem me garante que ele não vai me contaminar?
(inst_hosp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_2)
As enfermeiras relatam transformações em seus relacionamentos pessoais
após o advento da aids, embora reafirmem que o uso do preservativo em
relacionamentos considerados estáveis não é uma prática habitual.
Para melhor discutir esses dados, é necessário entender as diferentes
relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres, inclusive relacionadas à
sexualidade. Essas diferenças derivam das relações de gênero, que sofrem
influências de acordo com o contexto sociocultural em que se estabelecem, sendo
mutáveis ao longo da história. Estas características distinguem o "gênero" do
conceito de "sexo", o qual se constitui como um conjunto de características
biológicas e naturais, essencialmente imutáveis (TORRES; BESERRA; BARROSO,
2007).
As relações desiguais podem ser observadas em diferentes âmbitos dos
indivíduos e da coletividade, inclusive nas práticas sexuais e nas diferentes
vulnerabilidades a que os gêneros estão expostos. No caso da vulnerabilidade às
84
doenças sexualmente transmissíveis e à aids, um aspecto importante a ser
lembrado é a relação de gênero desigual e como os indivíduos se moldam a esta
situação: enquanto os homens sentem necessidade de se manifestarem como
sexualmente potentes e poligâmicos, não querendo usar preservativo, as mulheres
acabam sendo submissas ao desejo sexual masculino (TORRES; BESERRA;
BARROSO, 2007).
Observou-se que a vulnerabilidade derivada das relações desiguais de
gênero assemelha-se àquela encontrada em pesquisas com mulheres da população
em geral, tais como os resultados encontrados por Sousa, Espírito Santo e Motta
(2008). Sendo assim, não houve distinção pelo fato de serem enfermeiras ou por
trabalharem com HIV/Aids. Considerando esses aspectos, pode-se observar que as
enfermeiras assim como a maioria das mulheres, possuem dificuldades em negociar
o uso do preservativo com seus parceiros, considerando-se ou não expostas a
diferentes tipos de agravos à saúde.
3.2.2.2 Autoproteção profissional na execução do cuidado de enfermagem
No âmbito profissional, a autoproteção abarca a utilização das precauções
padrão durante o cuidado a qualquer paciente, o que inclui o uso de luva de
procedimento e máscara. As precauções são entendidas como necessárias para
evitar a ocorrência de acidentes de trabalho durante a execução do cuidado.
As enfermeiras reconhecem a importância das precauções padrão durante a
realização do cuidado de enfermagem, devido ao grande risco de contaminação
associado aos seus processos de trabalho. Enfatizam que a precaução padrão deve
ser adotada para todos os clientes, independente da sua doença.
Eu tive colegas que sofreram acidente de trabalho, furaram o dedo na hora de
puncionar a veia [...], eu tenho o maior cuidado, tenho que ter cuidado comigo e
cuidado com os outros. Eu uso luva de procedimento, tomo todas as minhas
precauções. Eu não quero ficar doente, se eu não quero, tenho que me prevenir,
mas não deixar de cuidar do paciente. (inst_hosp; id_04; econj_cas; tenf_02;
thiv_02; cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_4)
Eu não vou pegar, é mais fácil pegar do meu marido, se o meu marido fizer alguma
coisa errada lá fora e eu não usar a camisinha eu estou arriscada, mas com o
paciente não. Eu cuidando dos pacientes não vou pegar aids, não vou pegar o
sangue dele e furar o meu braço, nem meu dedo, nem nada, você trabalha com
85
todas as precauções possíveis. (inst_hosp; id_04; econj_cas; tenf_02; thiv_02;
cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_4)
As diferenças apontadas no cuidado de enfermagem prestado ao paciente
que vive com HIV/Aids em relação aos demais consiste na maior cautela quanto à
exposição ocupacional, tal qual observado por Formozo e Oliveira (2009). Nesse
sentido, o conhecimento do diagnóstico altera o cuidado de enfermagem ao
paciente, na medida em que há maior preocupação por parte das profissionais
quanto à ocorrência de acidentes com material biológico.
Se eu sei que o paciente é um paciente HIV positivo ou sei que o paciente tem
hepatite é claro que o meu cuidado é maior, até porque o paciente é uma fonte de
contaminação, você vai com mais cuidado. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_02;
thiv_01; cont_1; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
A aids representa para mim uma doença preocupante [...], eu tenho medo de
adquirir. Acho que é uma preocupação, você fica mais alerta. Por mais que você
tenha que ter as precauções universais com todos os pacientes, quando você sabe
que ele é HIV positivo, aquilo soa forte para você. (inst_hosp; id_01; econj_solt;
tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
Todo paciente eu vou ter que usar luva de procedimento, com o HIV positivo você já
vai com a luva de procedimento, você já manipula alguma coisa que tenha secreção
com luva de procedimento [...] não estou dizendo que está certo, mas você já vai
com luva de procedimento. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3;
freq_1; cur_n; econt_n; K_2)
É possível notar que o conhecimento do diagnóstico instrumentaliza a adoção
de medidas de proteção e que há centralidade no uso da luva de procedimento
como forma de precaução. Uma das possíveis explicações para tal é o fato de o
corpo da enfermeira ser entendido como um instrumento de cuidado, sendo exigida
precaução naquelas ocasiões em que o toque se faz necessário. Nota-se que outros
EPI, como máscara e óculos de proteção, são menos utilizados:
Nós sabemos que é comprovado cientificamente que a luva de procedimento é uma
maneira [de proteção], eu uso sempre e falo para o pessoal novo. Nós temos, não
falta, tem tudo. Agora nem sempre as pessoas usam, eu mesmo não uso a máscara,
estou sendo sincera. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2;
cur_n; econt_s; K_6)
Resultado semelhante foi encontrado por Tipple et al. (2007), que
identificaram
entre
trabalhadores
os
principais
fatores
da
não-adesão
a
equipamentos de proteção. Essas autoras ressaltam que os fatores podem ser
considerados em grupos causais, tais como: fatores individuais, falta de estrutura
física e recursos materiais e relacionados à estrutura organizacional. Tais fatores
86
atuam de forma sinérgica para o desenvolvimento de uma situação de risco do
trabalho.
Oliveira et al. (2007) comentam que ocorreram profundas mudanças nas
práticas profissionais das enfermeiras devido aos processos de explicação que se
estabeleceram frente a aids. Essas mudanças foram observadas, inicialmente, na
adoção de “práticas de distanciamento”, objetivadas no uso de técnicas de
autoproteção profissional, mas também houve o distanciamento do relacionamento
interpessoal estabelecido com os pacientes na execução das práticas de cuidado.
Sobre o distanciamento que se estabeleceu no cuidado aos sujeitos que
vivem com HIV/Aids, Formozo e Oliveira (2010) destacam que o preconceito e a
discriminação fazem parte das representações sobre a doença e da sua construção
social. Tais autoras afirmam que os membros da equipe de enfermagem trazem
consigo muitas das representações presentes na sociedade, por fazerem parte
desta.
Além disso, destacam-se particularidades desses profissionais no que diz
respeito ao maior risco de contágio, devido a exposição a acidentes com materiais
perfurocortantes, e ao convívio com consequências da doença, tais como a
degeneração física, o isolamento social e a morte, que resultam em um tipo de
representação na qual a aids ainda encontra-se fortemente associada à morte, ao
preconceito e à exclusão (FORMOZO; OLIVEIRA, 2010).
No decorrer da epidemia do HIV/Aids emergiram outras representações da
doença e de seus portadores. Estas representações sofreram mudanças no decorrer
dos anos, influenciadas, muitas vezes, pelas mudanças epidemiológicas, pela
organização social e pelo desenvolvimento científico no campo. Nesse percurso,
destacam-se as representações sociais de culpados e vítimas da doença.
Nesse sentido, um aspecto importante destacado nas entrevistas foi a
autoavaliação das enfermeiras sobre a existência de diferenças no modo que
desenvolvem o cuidado de enfermagem de acordo com a forma de contágio a que o
portador se expôs para contrair o HIV. De uma forma geral, elas alegam não
perceber tal diferença.
Não depende da forma como a pessoa se infectou, dá no mesmo. Às vezes, o nosso
julgamento particular criamos na nossa cabeça e fica ali na nossa cabeça. Mas eu
não percebo mudança no cuidar, eu não percebo isso. (inst_hosp; id_01; econj_solt;
tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
87
No entanto, é possível perceber em seus discursos que há julgamentos que
classificam os sujeitos que vivem com HIV/Aids em dois grupos: as vítimas e o os
culpados pela contaminação, o que demonstra que há uma nova forma de
expressão do preconceito. No primeiro grupo, estão as pessoas que não tiveram
controle sobre as fontes de contágio, incluindo as mulheres monogâmicas
contaminadas por seus parceiros, os quais contraíram o HIV em relações
extraconjugais, as crianças que contraíram o HIV por transmissão vertical e os
sujeitos que contraíram por hemotransfusão. O segundo grupo é composto por
sujeitos que possuem comportamentos socialmente desviantes, tais quais usuários
de drogas injetáveis, homossexuais, cônjuges que contraíram o HIV em relações
extraconjugais e pessoas com vida sexual promíscua.
A questão da camisinha, se o paciente está com aids é porque ele não usou, se foi
transmitido por relação sexual, ele não usou. Nós que vamos no prontuário, lemos
se é usuário de drogas, se é homossexual, mas eles não falam que são. (inst_hosp;
id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2)
Você que vai no prontuário e vai ler, se ele não fala porque ele está ali, ele está
pagando o preço por uma coisa que ele fez. É o que eu penso. (inst_hosp; id_01;
econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2)
Por mais que não queiramos ter esse tipo de sentimento, mas acabamos
diferenciando o paciente que adquiriu por meio de uma hemotransfusão e o paciente
que adquiriu porque era usuário de drogas, porque tinha um comportamento, uma
vida promíscua. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4;
cur_n; econt_n; K_1)
Dessa forma, pode-se perceber que as representações das enfermeiras são
marcadas por atitudes ambivalentes diante das pessoas que vivem com HIV/Aids:
consideram-nas ora como vítimas e ora como culpadas. Essa ambivalência remete
ao reconhecimento de que o cuidado de enfermagem, muitas vezes, é modulado por
estes julgamentos. Este é um achado relevante, pois se considera que as
enfermeiras determinam suas tomadas de decisão e seus posicionamentos frente
aos sujeitos que vivem com HIV/Aids a partir dessas representações.
A representação social da aids, portanto, agrega os significados de "descuido"
e "castigo" e a prevenção se caracteriza como uma exigência para os outros e não
para si mesmo. Nesta representação, com frequência, são apontados "culpados",
tais como prostitutas e homossexuais, sendo esta uma estratégia para reduzir a
ameaça difusa que se faz presente, obtendo-se um efeito protetor ao sujeito que
produz o discurso. Dessa forma, é possível notar que nos discursos sobre a doença
há uma divisão entre o "eu" e "eles-essas pessoas". A partir dessa distinção, o
88
sujeito tenta tornar-se imune à ameaça que teme. Essa demarcação suprime a
ameaça, pois a partir dela o risco fica restrito aos diferentes de si - essas pessoas
(MADEIRA, 1998).
Para Giami, Azémard e Poplavisky (1997), a estigmatização da aids apoia-se
nas representações da marginalidade, sendo por vezes objeto de negação no
discurso das enfermeiras. Essa estigmatização da aids agrupou os homossexuais e
os toxicômanos de forma equivalente no que diz respeito às suas responsabilidade e
culpa quanto à gênese de sua contaminação, sendo dessa forma designados como
culpados. De um outro lado, em oposição a este grupo, estão as pessoas infectadas
pelo HIV consideradas como vítimas passivas, sem responsabilidade ou culpa pela
sua contaminação.
3.2.3 Classe 3 - Dimensões práticas do atendimento e do cuidado voltados aos
sujeitos que vivem com HIV/Aids
Esta classe apresenta associação estatística com enfermeiras da rede básica,
enfermeiras que participaram de cursos de capacitação sobre HIV/Aids, frequência
de contato com sujeitos que vivem com HIV/Aids diária e tempo de atuação com
esses sujeitos entre 11 e 15 anos.
No Quadro 5, serão apresentadas as variáveis de análise, categorias
associadas à classe e seus respectivos valores de x².
Variável de análise
Instituição
Participação em cursos de capacitação
sobre HIV/AIDS
Frequência de contato com clientes
HIV/AIDS atualmente
Categoria associada
à Classe 3
Valor de
x²
Rede Básica
Sim
107
88
Diária
64
Tempo de atuação com clientes HIV/AIDS
11 a 15 anos
54
Quadro 5 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 3 - Rio de Janeiro - 2011
89
A classe "Dimensões práticas do atendimento e do cuidado voltados aos
sujeitos que vivem com HIV/Aids" abarca um total de 164 do total de 2050 U.C.E.,
representando assim 8% do corpus de análise.
Na classificação hierárquica ascendente, foram consideradas 22 formas
reduzidas. As principais formas reduzidas, com seus respectivos contextos
semânticos e valores de x² são apresentadas no Quadro 6.
Forma Reduzida
Contexto Semântico
Valor de x²
exame_hiv
exame hiv
205
pedido
pedido
133
infectolog
infecologia
127
resultado
resultado
110
exame
exame
105
teste_rapido
teste rápido
90
tuberculos
tuberculose
85
solicit
solicita
78
med
médico
55
orient
orientação
52
test
teste
49
clin
clínica
45
convers
convesa
45
sabendo
sabendo
45
consult
consulta
42
duvid
dúvida
39
setor
setor
29
Quadro 6 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 3 - Rio
de Janeiro - 2011
A delimitação dos conteúdos da classe 3 pode ser identificada de maneira
detalhada a partir da C.A.H., na qual foram consideradas 22 formas reduzidas, que
resultaram do agrupamento das formas reduzidas que dão sentido aos conteúdos da
classe, conforme apresentado na Figura 5. A partir das associações existentes entre
as formas reduzidas na C.A.H., é possível compreender os conteúdos que são
tratados na classe.
Esta classe trata do fluxo de atendimento aos sujeitos que vivem com
HIV/Aids no âmbito dos serviços de saúde, das rotinas desenvolvidas no Programa
Nacional de DST/AIDS, das principais ações desenvolvidas pelos profissionais que
90
atuam junto a esses sujeitos, envolvendo as práticas de cuidado realizadas e as
diferentes posturas profissionais.
Figura 5 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 3 - Rio de Janeiro 2011
A presença das formas reduzidas solicit+, pedido, exame, consult+, resultado,
tuberculos+,
exame_hiv,
teste_rapido,
test+,
setor,
infectolog+
apontam
especificamente para as rotinas do atendimento, tratando-se de uma dimensão
voltada à prática profissional vivenciada pelas enfermeiras. Essas formas reduzidas
apontam para atividades próprias ao âmbito das unidades básicas de saúde, em
coerência com a associação estatística significante classe com enfermeiras atuantes
na rede básica. Já as formas reduzidas convers+, orient+ e duvid+ apontam para as
práticas de cuidado desenvolvidas junto aos sujeitos que vivem com HIV/Aids,
91
considerando as ações educativas desenvolvidas pelos enfermeiros no processo de
cuidado.
Considerando as divisões binárias realizadas pelo Alceste na C.A.H., foi
proposta a divisão temática da classe 3, com o intuito de apresentar seus conteúdos.
Dessa forma, foram obtidas 3 subclasses, denominadas: "Atuação das enfermeiras
na testagem para o HIV" , "Dimensões práticas do atendimento aos sujeitos que
vivem com HIV/Aids" e "O cuidado voltado aos sujeitos que vivem com HIV/Aids".
3.2.3.1 Atuação das enfermeiras na testagem para o HIV
Esta subclasse abarca as vivências das enfermeiras na testagem para o HIV.
Seus conteúdos abordam a atuação dessas profissionais durante a solicitação do
exame anti-HIV, enfatizando o aconselhamento pré-teste e no pós-teste. As
enfermeiras ressaltam a importância das orientações mesmo nos casos em que o
resultado é negativo. Nos casos em que o resultado é positivo, surgem diversas
tensões que podem tornar o aconselhamento um verdadeiro desafio.
Se o exame HIV vinha positivo, só quem entregava essa noticia era o médico. Eu
não acho justo, para que esperar? Por que você não pode adiantar, conversar? A
pessoa já vem preparada para isso, quando te pede alguma coisa, ela já tem uma
dúvida na cabeça, e você tenta orientar essa dúvida, de forma que a pessoa não
fique desesperada. Já começamos a dar resposta, já adiantamos os pedidos, já
começamos a falar com eles, nesse momento mesmo já orientamos o uso da
camisinha, o exame HIV das crianças. É uma conversa mais abrangente, e que o
médico, às vezes, na pressa, nem sempre tem. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_03;
thiv_03; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_3)
As famílias quando sabem, a reação é de negação: este exame HIV está errado, e
impossível! Há pouco tempo tivemos um garoto com 17 anos, chegou muito grave
com meningite e também com HIV positivo, só que a família dele não aceitava de
jeito nenhum. (inst_hosp; id_04; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_2; cur_s;
econt_n; K_4)
A princípio eu tinha feito um pré aconselhamento, falando o que era a aids e o HIV,
quais as formas de infecção, toda aquela parte de orientação. Na hora de passar o
resultado foi muito difícil, porque a pessoa não estava entendendo ou naquele
momento não estava querendo entender, não estava aceitando. A minha orientação
não estava sendo suficiente, a pessoa não estava conseguindo entender, aí eu
chamei uma colega para poder conversar, fazer uma outra abordagem. (inst_sp;
id_01; econj_solt; tenf_02; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_3)
Eu perguntei: você concorda? Você está preparado para fazer o exame HIV e saber
o resultado? Pode ser que seja positivo. Expliquei os detalhes e aguardei ele dizer:
eu quero fazer. Eu estou vendo o resultado do exame, mas não estou querendo
falar, porque poderia ser o protocolo de minutos: o teste deu positivo. (inst_sp;
id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02;cont_2; freq_1; cur_s ; econt_n; K_3)
92
É importante enfatizar que em todas as situações, seja no pré ou no pósteste, o profissional deve oferecer o apoio emocional necessário, colocar-se à
disposição para elucidar eventuais dúvidas e reforçar a adoção de práticas seguras
para a redução de riscos de infecção/reinfecção pelo HIV e outras DST.
No aconselhamento pré-teste o profissional deve reafirmar o caráter
voluntário e confidencial da testagem, explicar o motivo para a realização do teste,
orientar quanto à possibilidade da janela imunológica e os possíveis resultados do
teste e pesquisar a existência de redes sociais de apoio, tais como familiares,
amigos e companheiros (COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST/AIDS, 1999).
Apenas alguns desses elementos, como o caráter voluntário e os possíveis
resultados do exame, puderam ser percebidos nos discursos das enfermeiras, o que
pode sinalizar uma falta de divulgação das diretrizes preconizadas pelo Ministério da
Saúde sobre o aconselhamento em centros de testagem.
Já no aconselhamento pós-teste, na presença do resultado negativo, o
profissional deve lembrar que o resultado negativo não significa imunidade ou
ausência de infecção, pois pode corresponder ao período de janela imunológica. Na
presença de resultado positivo, o profissional precisará: desmistificar sentimentos
que associam o HIV/Aids a morte e a punição; explicar que existem tratamentos
disponíveis
gratuitamente
para
o
HIV/Aids;
reforçar
a
necessidade
do
acompanhamento médico e da adesão ao tratamento; enfatizar a necessidade da
adoção de medidas preventivas a fim de evitar a reinfecção pelo HIV ou outras DST
e a transmissão para outras pessoas; e orientar quanto à necessidade de comunicar
o resultado ao(à) parceiro(a) sexual. E, diante do resultado indeterminado ou
inconclusivo, o profissional deve explicar que o resultado pode ser indeterminado ou
inconclusivo porque o paciente encontra-se em janela imunológica ou por limitações
técnicas inerente à pesquisa de anticorpos e orientar nova coleta para retestagem
(COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST/AIDS, 1999).
3.2.3.2 Dimensões práticas do atendimento aos sujeitos que vivem com HIV/Aids
Esta subclasse disserta sobre as rotinas do atendimento, tratando-se de uma
dimensão voltada à prática profissional vivenciada pelas enfermeiras. Nesse sentido,
93
são citadas as principais formas de atuação dessas profissionais junto aos sujeitos
que vivem com HIV/Aids no âmbito dos serviços de saúde. Dentre elas, destacam-se
a consulta de enfermagem e as orientações em saúde.
Nós que estamos fazendo a consulta de enfermagem explicamos a ele o cuidado
com o parceiro. Eu oriento como profissional, é só orientação mesmo de cuidados. A
orientação é pela conversa mesmo, não tem nada de novo no roteiro, não tem nada
demais, é só um apoio, acaba sendo um apoio na hora, e uma orientação para não
desenvolver com os outros. Mas é bom, muitas vezes eles não têm. (inst_sp; id_01;
econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; cont_n; K_3)
Orientamos sobre a tomada da medicação, dos efeitos adversos, do tratamento em
si, dos contatos. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s;
cont_n; K_3)
Devido ao seu perfil e formação, o enfermeiro tem uma contribuição singular a
oferecer dentro do trabalho em saúde organizado de forma programática. Espera-se
que esse profissional compreenda o ser humano além dos seus aspectos biológicos,
por entender a influência dos fatores sociais e ambientais na determinação da saúde
e da doença. Assim, ele pode se constituir como um elemento fundamental a uma
prática multiprofissional e transdisciplinar (GOMES; OLIVEIRA, 2005).
É abordado o fluxo do atendimento, sendo citadas diversas formas de
inclusão do paciente no programa de DST/Aids, com destaque para o intercâmbio
estabelecido com o Programa de Tuberculose, devido ao elevado número de
pessoas com HIV que desenvolvem co-infecção pelo Micobacterium tuberculosis.
Isto se deve à imunodepressão apresentada pelos pacientes que já desenvolveram
a aids e, em decorrência, possuem intensa predisposição a desenvolver infecções
oportunistas.
Hoje obrigatoriamente fazemos o exame HIV para todos os pacientes que tenham
tuberculose, isso é parte da rotina, nós temos que pedir [...] O reator forte não sendo
sintomático respiratório é encaminhado para fazer uma quimioprofilaxia conosco [...]
O objetivo é diminuir a incidência de tuberculose nesse paciente HIV positivo que
tem reator muito forte. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_2;
cur_s; econt_n; K_6)
Trabalhamos junto {Programas de HIV e Tuberculose} porque temos prognóstico,
fazemos o diagnóstico aqui, as médicas solicitam exame HIV e mandamos para a
infectologia os casos positivos. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2;
freq_1; cur_s; econt_n; K_3)
De acordo com Jamal e Moherdaui (2007), o aumento da prevalência do HIV
teve sérias implicações para os programas de controle da tuberculose. Dessa forma,
a tuberculose não pode ser prevenida e efetivamente tratada sem a prevenção e o
94
tratamento do HIV/Aids. Sendo assim, as ações direcionadas para o controle da
tuberculose são de fundamental importância na efetividade das ações programáticas
de HIV/Aids. Daí a importância do intercâmbio entre os dois programas.
3.2.3.3 O cuidado voltado aos sujeitos que vivem com HIV/Aids
Nesta subclasse, é possível identificar diferentes formas de conceber o
cuidado de enfermagem no contexto da soropositividade ao HIV que a aproxima de
concepções teóricas sedimentadas no conhecimento do campo. Podem-se distinguir
três perspectivas teóricas nas U.C.E. da classe 3, que são as seguintes: O cuidado
relacionado ao atendimento das necessidades humanas básicas; O cuidado como
postura profissional e acolhimento e a Dimensão relacional do cuidado.
Cuidar no contexto do HIV/Aids envolve identificar as necessidades humanas
básicas que precisam ser atendidas. Essas necessidades podem estar alteradas no
contexto do adoecimento e da hospitalização e necessitam que o enfermeiro as
identifique no contato diário com essa clientela. Essa perspectiva do cuidado pode
ser observada na U.C.E. abaixo:
Depois eu vou leito a leito, converso com eles, vejo quem tem curativo, o que tem
que fazer, como é que passou a noite, converso mesmo. E ali eu já vou fazendo a
minha evolução, o que eu vou colocar no livro, vendo como é que eles estão, suas
necessidades. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n;
econt_s; K_4)
A U.C.E. acima pode remeter a uma aproximação com a Teoria das
Necessidades Humanas proposta por Maslow em sua Teoria da Motivação Humana.
Segundo tal teoria, existe uma hierarquia de necessidades humanas, que as
organiza em cinco níveis de prioridade. O primeiro nível inclui as necessidades
fisiológicas, tais como ar, água e alimento. O segundo nível inclui as necessidades
de segurança e proteção. O terceiro nível engloba as necessidades de amor e
gregarismo. O quarto nível abarca as necessidades de autoestima, que envolve a
autoconfiança, o propósito e autovalorização. O último nível é a necessidade de
auto-realização, o estado de alcance pleno do potencial e da habilidade para
resolver problemas e lidar com as situações de vida (NEVES, 2006).
95
Ainda de acordo com esta teoria, o sujeito cujas necessidades estão
totalmente atendidas é sadio e aquele com uma ou mais necessidades não
atendidas está em risco para doença ou pode não ser sadio em uma ou mais
dimensões humanas (NEVES, 2006).
Esta é uma noção importante para o cuidado aos sujeitos que vivem com o
HIV e com a aids, pois mesmo que a cura da infecção e da doença ainda não sejam
metas alcançáveis, é possível que se estabeleça um estado saudável entre eles.
A segunda dimensão observada refere-se ao cuidado como postura
profissional e acolhimento. A postura acolhedora e não discriminatória do
profissional de enfermagem representa um diferencial no processo de cuidar de
pacientes que vivem com HIV/Aids, pois possibilita o estabelecimento do vínculo
com os sujeitos cuidados. Esse vínculo é importante para o paciente, que passa a se
sentir cuidado tanto pelo profissional quanto pela instituição.
Eles não se sentiam estigmatizados, era apenas ser gentil, tratar tudo naturalmente,
e nem percebemos como isso foi bom para o paciente. Um dia esse paciente nosso
de muitos anos chegou para mim e falou: vocês não sabem o bem que me fez
quando me receberam aqui, porque não demonstraram ter medo de mim, você sabia
que eu era HIV positivo e me acolheu. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_03;
cont_3; freq_2; cur_s; econt_n; K_6)
A U.C.E. acima sugere um detalhamento das tecnologias relacionais
utilizadas pela enfermeira no processo de cuidado aos sujeitos com HIV e aids,
envidenciada pelo termo "apenas". Sendo assim, pode-se entender que a
beneficência do cuidado pode, por vezes, passar despercebida pelos profissionais,
mas nunca pelos pacientes, pois estes a reconhecem e valorizam, como pode ser
notado no trecho "não sabem o bem que me fez".
O cuidado é mais que um ato, é uma atitude de ocupação, preocupação, de
responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. Dessa forma, abrange um
momento de atenção, zelo e desvelo (BOFF, 1999). Na enfermagem, o cuidado se
processa por meio do contato, da aproximação com o outro. Nesse sentido, cabe
ressaltar que as tecnologias leves, tais como o acolhimento e o vínculo, são
consideradas como fundamentais, levando em conta a natureza relacional do
trabalho em saúde (MERHY, 2002).
Dessa forma, o cuidado deve ser pensado como uma ação integral, que
possui significados e sentidos voltados à compreensão da saúde como um direito
dos sujeitos. Essa ação integral ocasionará repercussões e interações positivas
96
entre usuários do serviço, profissionais e instituições, podendo ser traduzida em
atitudes tais como tratamento digno e respeitoso, com qualidade, acolhimento e
vínculo (CECCIM, 2006).
Franco, Bueno e Merhy (1999) consideram que o acolhimento modifica
radicalmente o processo de trabalho, pois abre a possibilidade para que os
profissionais possam receber, escutar e solucionar problemas de saúde trazidos
pelos usuários. Dessa forma, o acolhimento tem a proposta de inverter a lógica de
organização e funcionamento do serviço de saúde, buscando atender aos princípios
de acessibilidade universal, reorganização do processo de trabalho e qualificação da
relação
trabalhador-usuário,
valendo-se
de
parâmetros
humanitários,
de
solidariedade e cidadania.
A terceira perspectiva destacada refere-se à dimensão relacional do cuidado,
presente no envolvimento afetivo explícito no contexto das representações sociais
das enfermeiras, possivelmente devido à maior proximidade do profissional de
enfermagem aos sujeitos que vivem com HIV/Aids. O afeto encontra lugar na
interatividade
entre
profissionais
e
usuários,
tornando
evidente
que
a
intersubjetividade pode se manifestar no cuidado. Desta forma, as enfermeiras
reconhecem e legitimam a afetividade presente durante a atuação da profissional.
No ambulatório você lida com o paciente no dia-a-dia, passa a ver que aquele
primeiro momento dele foi tão ruim para ele, como foi para você, quanto está sendo
para ele, você começa a criar um laço de amizade. Muitos hoje eu posso considerar
que são amigos, que vem contar problemas. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_03;
thiv_03; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_3)
É possível perceber que o cuidado em situação de HIV/Aids pode ser uma
experiência mútua e recíproca, que ultrapassa limites da relação profissional e
paciente. É importante notar que o "primeiro momento" citado na U.C.E. diz respeito
ao início do tratamento e ao contato inicial estabelecido com pessoa que vivem com
HIV/Aids, e que este é percebido como um momento difícil para ambos.
Teixeira (2006) afirma que o cuidado processa-se por meio do contato, da
aproximação com o outro, tendo uma base amorosa, no sentido de respeito,
compreensão, afeto e solidariedade. Este autor afirma ainda que o cuidado
institucionalizado se diferencie do cuidado natural, que é normalmente praticado
pelos grupos humanos nas relações familiares, amorosas e solidárias. A principal
97
diferença entre os dois tipos de cuidado é que o cuidado institucionalizado não se
processa através de vínculos afetivos "naturais".
No entanto, o autor destaca que a subjetividade não se restringe ao indivíduo
e envolve de forma simultânea os sujeitos que cuidam e os que são cuidados, além
do território e do conjunto das instâncias coletivas. Assim, ainda que o cuidado
institucionalizado se baseie em ações artificiais, padronizadas, centradas na técnica
e no conhecimento científico, ele resultará em uma relação entre seres humanos,
com implicações psicoafetivas, por mais técnico que o indivíduo seja. O cuidado
somente poderá ser bem efetivado no seu sentido amplo se existir a afetividade,
amparada pela ética.
Todas as pessoas que são cuidadas transferem sentimentos e expectativas
para o cuidador e vice-versa. Muitos desses sentimentos evolvem questões
psíquicas, conscientes e inconscientes dos sujeitos, que emanam quando as
condições da saúde estão ameaçadas. Mesmo nas práticas circunscritas pelas
ações instrumentais de cuidado, essa situação emerge e precisa ser melhor
elucidada e trabalhada no cotidiano dos profissionais de saúde (TEIXEIRA, 2006).
Dentro dessa perspectiva de entendimento, o cuidado pode ser entendido
como um fenômeno existencial, contextual e relacional. É existencial, porque faz
parte do ser, dotado de racionalidade, cognição, intuição e espiritualidade, portanto,
de sentimentos e sensibilidade. Relacional, porque só ocorre em relação ao outro,
através da convivência. E contextual, porque, de acordo com o meio em que se
realiza, sofre variações, intensidades e diferenças em suas maneiras e formas
expressivas de cuidar (WALDOW, 2006).
O cuidado amoroso e a humanização caminham juntos, de forma a tornar
possível a oferta assistencial que atenda às necessidades humanas destes
indivíduos, respeitando sua dignidade, diminuindo o sofrimento e facilitando o
alcance de seu projeto vital (GRÜDTNER et al., 2010) .
3.2.4 Classe 4 - As famílias atingidas pela aids
Esta classe apresenta associação estatística com tempo de atuação com
sujeitos que vivem com HIV/Aids de 6 a 10 anos, enfermeiras que atuam em
98
hospitais (x²=53), idade superior a 54 anos, tempo de atuação como enfermeira ente
6 e 15 anos.
No Quadro 7, serão apresentadas variáveis de análise, categorias associadas
à classe e seus respectivos valores de x².
Variável de análise
Categoria associada à
Valor de x²
Classe 4
Tempo de atuação com clientes HIV/AIDS
Instituição
Idade
6 a 10 anos
90
Hospital
Maior que 54 anos
53
47
Tempo de atuação como enfermeira
6 a 15 anos
44
Quadro 7 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 3 - Rio de Janeiro - 2011
A classe "As famílias atingidas pela aids" é composta por um um total de 308
do total de 2050 U.C.E., o que corresponde a 15% do corpus de análise.
A classificação hierárquica ascendente desta classe considerou 24 formas
reduzidas, sendo que serão apresentadas as principais, com seus respectivos
contextos semânticos e valores de x² (Quadro 8).
99
Forma Reduzida
Contexto Semântico
Valor de x²
mae
Mãe
195
filh
filho, filha
148
pai
Pai
106
cas
casa, casal
96
esp
esposa, esposo
85
marido
Marido
72
crianc
Criança
69
men
menina (s)
63
nasc
nasce, nascer
56
irm
irmão, irmã
52
falec
Faleceu
51
revoltad
Revoltado
49
amig
Amigo
39
gravid
gravida, gravidez
36
morr
Morre
36
doent
Doente
29
separ
separar, separação
27
famili
Família
24
mor
Morte
22
Quadro 8 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 4 - Rio
de Janeiro - 2011
Na Figura 6 é possível visualizar uma representação gráfica da delimitação
dos conteúdos da classe 4 a partir da C.A.H. As formas reduzidas crianc+, nasc+,
men+, mae e pai encontram-se associadas entre si e ao grupo constituído pelas
formas reduzidas filhos, separ+, morr+, teve. O mesmo ocorre com as formas cas+ e
famili+, que estão associadas entre si e ao grupo composto pelas formas amig+,
mor+, irm+, revoltad+ e doent+. Todos esses grupamentos são provenientes de uma
divisão binária anterior. O conjunto desses grupos representa conteúdos relativos ao
adoecimento de famílias no contexto da aids, presente no discurso das enfermeiras.
Nota-se, ainda, que o grupamento constituído pelas formas reduzidas esp+,
gravid+, marido, fic+ está associado ao grupamento composto pelas formas falec+,
dev+, filh+ e ano, ambos provenientes também de uma divisão binária anterior. Tais
grupamentos representam conteúdos relativos à dimensão pessoal do discurso das
enfermeiras, que passam a se sentir vulneráveis a infecção pelo HIV devido às
situações que vivenciam no contato com mulheres infectadas pelo HIV.
100
Figura 6 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 4 - Rio de Janeiro - 2011
A partir das divisões binárias propostas pela C.A.H., procedeu-se a divisão
temática da classe 4 em duas subclasses, que são: "O adoecimento de famílias no
contexto da aids" e "Sentimento de vulnerabilidade das enfermeiras devido a
feminizacão da aids". Ambas as subclasses estão intimamente relacionadas.
3.2.4.1 O adoecimento de famílias no contexto da aids
Os conteúdos desta subclasse abarcam as vivências das enfermeiras no lidar
com uma diversidade de situações de exposição ao HIV no contexto familiar. Essas
situações são percebidas no âmbito dos serviços de saúde e se devem às
101
mudanças ocorridas no perfil epidemiológico da doença, que trouxe uma presença
cada vez maior de mulheres e crianças para a realidade da aids.
As mulheres entraram nessa contaminação, elas ficam muito revoltadas, porque
temos um número muito grande de mulheres que foram contaminadas por parceiro
único, isso é uma coisa que vem acontecendo. Parceiros únicos e que elas se
contaminam, simplesmente não havia antes. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03;
thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6)
Muitas vezes dá muita pena, o cara é pai de família, contraiu o HIV, levou para a
esposa que não tinha nada a ver, às vezes fica muitos anos sem saber que é HIV
positivo. Nesse relacionamento vêm os filhos HIV positivos também. Às vezes bate
aqui aquela revolta, uma criança que não tem nada ver, não pediu, não fez nada
para contrair aquela doença e ganha de graça do pai e da mãe. (inst_hosp; id_01;
econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
Neste sentido, o processo de culpabilização do outro aparece, principalmente,
através do “pai de família” ou do “parceiro único”, enquanto que as vítimas são as
mulheres, que para as entrevistadas não mereciam ter sido contaminadas, devido a
uma vida aparentemente sem promiscuidade. Ao olhar a mulher deste ponto de
vista, as enfermeiras deixam de reconhecer seu papel como promovedora de saúde
de si e do outro também. Esta passividade feminina está relacionada à questão de
gênero, já destacada anteriormente, trazendo, também, uma questão de sentir-se
invulnerável diante de um relacionamento considerado como estável. Destaca-se
ainda que a culpabilização e a vitimização estão relacionadas às representações
sociais da síndrome ligadas aos grupos de risco, dos quais mulheres casadas e
crianças (à exceção das hemofílicas) não faziam parte. Ressalta-se ainda a
existência de crianças com HIV/Aids através da transmissão vertical que produz nas
entrevistadas sentimentos de pena e revolta. Dessa forma, a mulher mãe também
passa a ser culpabilizada.
Corroborando, Bastos (2006) revela que com a mudança do perfil
epidemiológico da aids, a sociedade classificou as pessoas infectadas pelo HIV em
dois grupos: vítimas e culpadas. As vítimas seriam as pessoas monogâmicas que
foram infectadas por seus parceiros fixos e crianças contaminadas por transmissão
vertical. Já o segundo grupo seriam homossexuais, profissionais do sexo, usuários
de drogas injetáveis e pessoas com relacionamentos extraconjugais. Esses dois
grupos podem ser observados no presente estudo.
É importante destacar que ao falar do outro, relativamente também se está
falando de si mesmo. Sendo assim, ao colocar a mulher como vítima e o parceiro
como vilão, as enfermeiras também estão se vendo da mesma forma, conforme
102
pode ser observado na discussão da classe 2, na qual as entrevistadas falam da
autoproteção na vida pessoal e colocam o casamento monogâmico como uma das
principais medidas contra a infecção por HIV. Sendo a confiança que possuem em
seus parceiros uma proteção, os culpados por uma possível contaminação com o
vírus são estes, que não possuem as mesmas atitudes que suas companheiras.
Ressalta-se, ainda, um conteúdo negativo, comportando uma atitude negativa
presente na representação da aids, expressa na palavra “sofrimento”. Nota-se que,
para as entrevistadas, a contaminação da aids traz uma desintegração da família,
ocasionada principalmente pela morte de um ente e pelo mau estado de saúde de
outros.
As pessoas nem sabem o que é sofrimento. Já tivemos pacientes aqui de a mãe
estar internada com uma doença oportunista, a filha estar internada na pediatria aqui
do hospital, o marido já morreu, o outro filho está internado na Fiocruz, por exemplo,
e a família totalmente assim. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3;
freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
As
entrevistadas
destacam
que
presenciam,
com
certa
frequência,
sentimentos de revolta por parte não só de outras mulheres, como também dos
filhos que foram contaminados pelo HIV por transmissão vertical e crescem no
contexto da soropositividade.
Vemos casos de revolta, já teve um caso de uma adolescente que odiava a mãe, a
mãe morreu aqui conosco. Ela odiava a mãe porque eram quatro irmãs, as duas
primeiras tem o HIV positivo, e as duas mais novas não têm, porque a mãe tratou,
tomou o coquetel direitinho. A mais velha odiava a mãe por ter passado por
transmissão vertical, ela tinha o HIV positivo e a culpa de ela estar doente era a
mãe. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s;
K_4)
Essa mulher quando descobriu, tinha sido o primeiro namorado, o único homem e
ela contraiu e tentou matar o marido por conta da contaminação. Ela nunca tinha tido
ninguém e contraiu do marido já depois de 15 anos de casada. Aquelas que são
contaminadas pelo marido ficam bem revoltadas, a maioria. (inst_hosp; id_01;
econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_5)
Nesse sentido, é possível notar, conforme afirma Sousa, Kantorski e
Bielemann (2004), que a presença da aids no contexto da família é um evento
marcante, pois exige uma nova forma de viver, permeada por contradições e
desencontros, que trazem ressentimento, impotência, culpa, tristeza e vergonha. Em
se tratando da presença de uma doença estigmatizante em seu seio, cada família
possue um comportamento que lhe é peculiar, influenciado pela história construída
em seu interior e no convívio social.
103
3.2.4.2 Sentimentos de vulnerabilidade das enfermeiras devido à feminização da
aids
As enfermeiras dissertam sobre a inserção dos novos atores sociais no
cenário de atendimento às pessoas soropositivas ao HIV, com destaque para a
feminização, como característica marcante de mudança no perfil da epidemia do
HIV/Aids. Nesse sentido, ressaltam que no interior das unidades hospitalares e
básicas em que prestam atendimento, há um crescente quantitativo de mulheres
contaminadas pelo HIV, as quais, muitas vezes, são pessoas casadas que foram
infectadas por seus parceiros sexuais fixos, após a contaminação destes em
relações extraconjugais.
A presença cada vez mais expressiva de mulheres no contexto da aids traz a
necessidade de melhor discutir a temática, considerando que se trata de um
segmento com especificidades em relação à população masculina no que se refere
à prevenção, ao controle e tratamento da infecção. Dessa forma, de acordo com
Silveira et al. (2002), é importante que sejam desenvolvidas estratégias de
prevenção mais efetivas entre as mulheres, considerando os comportamentos de
risco a que estão expostas, como início precoce da atividade sexual, o não uso de
preservativos e uso de álcool e drogas pelo parceiro.
Segundo as evidências da literatura nacional e internacional sobre e a
vulnerabilidade ao HIV/Aids, as mulheres são especialmente vulneráveis às DST por
características biológicas: a superfície vaginal exposta ao sêmen é relativamente
extensa, e o sêmen apresenta concentração significativamente maior de HIV do que
o
líquido
vaginal. Além disso,
frequentemente
as infecções sexualmente
transmissíveis são assintomáticas nas mulheres e há fragilização das barreiras
naturais à infecção pelo HIV devido às micro lesões e inflamação local. Acrescentase a esses riscos o fato de que em mulheres mais jovens, a imaturidade do aparelho
genital determina fragilização adicional ao risco de infecção pelo HIV (BASTOS;
SZWARCWALD, 2000).
O papel social e de gênero da mulher, também aumenta o risco de infecção.
As relações desiguais de poder e a dependência econômica das mulheres,
especialmente em países em desenvolvimento, limitam o acesso a informações
adequadas e atualizadas (BASTOS; SZWARCWALD, 2000).
104
Dentre essas situações, as mulheres que foram contaminadas por HIV por
seus parceiros fixos chamam a atenção, em especial das enfermeiras casadas, por
essas sentirem que também podem estar expostas ao mesmo tipo de situação,
conforme a U.C.E. abaixo.
Para mim, ser mulher no mundo da aids, um dos pontos principais é que eu sou
casada há treze anos, e dificilmente você encontra uma mulher casada há mais de
alguns anos que vai falar que só transa com o marido de camisinha, [...] é ter que
confiar muito no marido, e vendo as pessoas com aids, saber que da mesma forma
que outros trazem e levam para dentro de suas casas, o meu pode também levar
para dentro da minha casa, para mim. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01;
thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
Pode-se inferir que esse sentimento de insegurança em relação ao próprio
parceiro faz parte da representação social da aids das enfermeiras, sendo também
uma das principais repercussões sinalizadas por elas em suas vidas pessoais por
trabalharem com pacientes que vivem com HIV/Aids. Esse é um aspecto importante
a ser observado, devido ao mecanismo de projeção que se estabelece que contribui
para o fortalecimento da seguinte ideia: "se aconteceu com ela, que tinha uma vida
semelhante a minha, pode acontecer comigo também".
É diferente a mulher que teve aquela vida promíscua e a mulher que tinha uma vida
legal com o esposo e de confiança. Acabamos nos espelhando: um dia isso pode
acontecer comigo. Sou casada, tenho uma vida legal com o meu marido, como ela
também tinha e aconteceu com ela. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02;
cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_4)
Eu procuro sempre me colocar no lugar do outro, você vendo que ela tinha uma vida
estável, semelhante à sua, um marido, filhos, uma vida normal. Você fica achando
que um dia você poderia estar naquela situação, porque você também tem um
marido que você confia, que você acredita que só tem você. E que é a mesma coisa
que aquela mulher passou, ela era casada, tinha filhos, tinha um marido e, de
repente, descobriu que estava com aids. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02;
thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_4)
Você ainda vê homossexuais, mas vê mulheres como você. Você como profissional
de saúde se choca quando vê uma mulher toda direitinha, bonitinha e com filho. Eu
atendi agora uma paciente que um filho está com tuberculose e trouxe outros dois
irmãos para fazer os exames, no final da consulta ela falou: o meu também, eu sou
HIV positivo. (inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s;
econt_s; K_5)
Considerando que uma representação social é mais que um reflexo da
realidade, sendo também uma entidade organizadora dessa realidade, que rege as
relações dos indivíduos com seu meio físico e social, ela também determina práticas.
Além disso, orienta as ações e as interações sociais, pois determina um conjunto de
antecipações e expectativas (GIACOMOZZI; CAMARGO, 2004). Nesse sentido,
105
pode-se considerar que a representação social da aids para as enfermeiras
repercute na forma como elas encaram o próprio relacionamento com o parceiro, na
medida em que surgem sentimentos de insegurança, ocasionados pelas situações
que vivenciam no cuidado às mulheres casadas atingidas pela aids.
3.2.5 Classe 5 - As políticas públicas e institucionais e a aids
Esta classe apresenta associação estatística com idade entre 45 e 54 anos,
tempo de atuação com sujeitos que vivem com HIV/Aids entre 16 e 20 anos,
frequência de contato atual com esses sujeitos diária e semanal. O Quadro 9
apresenta essas variáveis, com as categorias associadas à classe e seus
respectivos valores de x².
Destaca-se no perfil desta classe que, apesar de a mesma referir-se às
políticas públicas, a variável instituição de atuação não se mostrou estatisticamente
associada à mesma. Este achado pode sugerir que esse campo temático de
preocupação não se coloca em relação com o local de atuação, mas é transversal
tanto ao campo hospitalar quanto ao de rede básica.
Categoria
Variável de análise
associada à
Valor de x²
Classe 5
Idade
45 a 54 anos
93
Tempo de atuação com clientes HIV/AIDS
16 a 20 anos
59
Frequência de contato com clientes HIV/AIDS
Diária
16
Frequencia de contato com clientes HIV/AIDS
Semanal
15
Quadro 9 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação estatística
à classe 5 - Rio de Janeiro – 2011
A classe "As políticas públicas e institucionais e a aids" é composta por um
total de 471 U.C.E. do total de 2050, o que representa 23% do corpus aproveitado
para análise.
106
Na classificação hierárquica ascendente desta classe, foram consideradas 17
formas reduzidas. As principais formas reduzidas, com seus respectivos contextos
semânticos e valores de x² são apresentadas no Quadro 10.
Forma Reduzida
Contexto Semântico
Valor de x²
governo
governo
70
politica
política
67
profissionai
profissionais de saúde
66
suport
suporte
62
saude
saúde
55
vinculo
vinculo
49
are
área
44
trabalh
trabalho
43
programa_de_
programa de HIV AIDS
40
particip
participam, participação
40
serv
serviço
37
integr
Integral
32
Quadro 10 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 5 Rio de Janeiro - 2011
A partir das formas reduzidas politica, suport+, governo, saude, serv+, are+ é
possível ter uma compreensão preliminar do conteúdo expresso por esta classe, que
trata das políticas públicas e institucionais de saúde voltadas ao HIV/Aids percebidas
pelas enfermeiras no âmbito de suas atuações profissionais. Já as formas reduzidas
vínculo e profissionai+ sinalizam para a existência de conteúdos ligados à relação
profissional-paciente. Por sua vez, as formas integr+ e particip+ apontam para a
existência de conteúdos que fazem menção aos princípios do Sistema Único de
Saúde na assistência aos clientes com HIV/Aids.
Na Figura 7, tem-se a representação gráfica da delimitação dos conteúdos da
classe 5 a partir da C.A.H. As formas reduzidas suport+, governo, política,
programa_de+ e serv+ encontram-se associadas entre si e ao grupo constituído
pelas formas reduzidas ger+ e grande, o qual também se associa ao grupo formado
pelas formas profissional, vínculo e ao+. Esses grupamentos são provenientes de
uma divisão binária anterior, que corresponde a conteúdos relativos às políticas
públicas governamentais em relação ao HIV/Aids.
Nota-se, ainda, que o grupamento constituído pelas formas reduzidas saúde,
are+, particip+, e profissional está associado ao grupamento composto pelas formas
107
integr+, trabalh+ e quest+, ambos provenientes também de uma divisão binária
anterior. Estes grupamentos representam conteúdos relativos às políticas públicas
no âmbito da instituição de trabalho das enfermeiras e sua participação profissional
dentro deste contexto.
Figura 7 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 5 - Rio de Janeiro 2011
A partir da C.A.H. foi proposta a divisão da classe 5 em duas subclasses, com
o intuito de explicitar seus conteúdos. As duas subclasses são: "As políticas públicas
em âmbito nacional no contexto do HIV/Aids" e "Políticas públicas relacionadas ao
HIV no âmbito institucional".
108
3.2.5.1 As políticas públicas em âmbito nacional no contexto do HIV/Aids
Algumas enfermeiras entrevistadas referem não ter clareza quanto ao
conteúdo das políticas públicas voltadas ao HIV/Aids em âmbito nacional, e não
percebem suas atuações como parte dessas políticas. Mesmo diante desse
aparente desconhecimento, falam sobre as ações governamentais e não
governamentais que auxiliam os sujeitos que vivem com HIV/Aids, tais como a
distribuição gratuita de medicamentos e benefícios e a distribuição de cestas
básicas. Ressalta-se a importância do meio midiático e da vivência dentro dos
serviços de saúde na construção do conhecimento acerca das políticas e a
participação das Organizações Não-Governamentais (ONG) que complementam as
ações dos serviços.
Não sei praticamente nada sobre as políticas brasileiras voltadas para pacientes
com aids. As políticas têm que ajudar, coitados, se tem uma gratuidade no ônibus e
tem um salário, ajuda. A medicação gratuita pelo governo. Aqui na instituição, tem
um dia no mês que quem é cadastrado ganha cesta básica. (inst_hosp; id_01;
econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2)
Sobre os impactos das políticas públicas no Brasil em relação à aids, eu não sei te
responder com precisão [...] O que vemos na televisão, no noticiário, eu costumo
dizer, não sei se estou certa, que a ONG com aids tem muito dinheiro, e tem, porque
é investido muito em pesquisas. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01,
cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; k_4)
Ele fornece as medicações eles fornecem alguns benefícios como aposentadoria
aquelas carteirinhas para poder ir e vir, eles até fornecem isso, eu acho uma
dificuldade grande quando eles perdem o emprego porque a maioria se trabalha em
algum lugar de carteira assinada acaba perdendo, porque quando adoece acaba
ficando um bom tempo fora, um bom tempo afastado do seu trabalho. (inst_hosp;
id_01; econj_solt; tenf_02; thiv_01; cont_1; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
Você vê ONGs que trabalham, você vê várias organizações que estruturam o
serviço para que a população alvo são os HIV positivos, são as pessoas com aids.
(inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
A participação das ONGs é um importante fator no histórico da aids no Brasil,
já que, juntamente com a mobilização de grupos comunitários e igrejas,
conseguiram alcançar a implementação de políticas públicas, como é o caso da
aprovação da lei que tornou obrigatória a triagem de todo o sangue a ser
transfundido no Estado de São Paulo, após a pressão destes grupos, além da lei
que estende às pessoas com HIV/Aids os benefícios para os portadores de doenças
109
incapacitantes
ou terminais, tais como auxílio doença, aposentadoria, pensão,
dentre outros (TEIXEIRA, 1997).
Um ponto importante a ser destacado é que as políticas públicas estão
relacionadas principalmente ao sucesso da terapia antirretroviral, bem como sua
distribuição gratuita pelas instituições de saúde. Associado a isso, as enfermeiras
destacam políticas voltadas para a adesão ao tratamento medicamentoso da aids,
não somente por parte do paciente, mas incluindo também a participação dos
profissionais de saúde. A cirurgia para redução de danos causados pela doença e
seu tratamento também é enfatizada como algo positivo na política pública de
saúde.
Estão sendo feitos estudos pelo próprio Ministério da Saúde patrocinando os
estudos para trabalhar com adesão mesmo, isso já está, mas eu acho um trabalho
de formiguinha, e um trabalho demorado, porque não envolve só nossa vontade,
envolve o querer do paciente. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3;
freq_2 ; cur_n; econt_s; K_6)
Tínhamos muita queixa da família, a mídia colocando que as pessoas não estavam
tendo acesso [à medicação]. E depois houve essa mudança e nós somos
considerados padrão, lá fora em relação ao tratamento. [...] Graças às políticas do
governo que conseguiu, e hoje não falta, você vê: as pessoas pegam as sua
medicações, conseguem, estão sobrevivendo muito mais e com qualidade de vida.
(inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_40)
Agora nós temos pelo Sistema Único de Saúde a questão da cirurgia sendo
oferecida pelo SUS, para melhorar autoestima, para melhorar a condição daquela
pessoa. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n;
K_5)
Outra situação associada às políticas públicas é o desenvolvimento de
pesquisas, muito citado pelas entrevistadas. As pesquisas são vistas por uma ótica
positiva, trazendo mudanças no entendimento não só acerca da doença, como
também acerca do comportamento diante da aids.
Eu acho que ao mesmo tempo em que existia o avanço em pesquisas, o
aprimoramento das condutas, isso fez com que pudesse trazer mudanças de
comportamento dos profissionais de saúde, a partir de um novo entendimento, de
uma nova ideia desse tema [...] porque no inicio era tudo muito rudimentar, não se
sabia muito [...] pesquisar cada vez mais, por mais que as pesquisas caminhem
hoje, diversas áreas, por conta disso você começa a ter possibilidades de formar
novos conceitos [...] novas ideias, enfrentar de outra forma uma realidade, que não e
só do Brasil, uma realidade mundial, mas saber lidar com tudo isso partindo do
conhecimento. (inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n;
econt_n; K_5)
Vejo a pesquisa não só buscando a cura, mas também novas formas de cuidado, de
abordagem, vejo com certeza. Através das pesquisas que vamos conseguindo
mudar os pensamentos, porque, as vezes, os pensamentos, se não fizermos
110
pesquisa, aquilo fica parado, estagnado ali. As pesquisas tem que ser feitas, elas
precisam ser feitas para poder mudar. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01;
thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
Sobre os avanços nas políticas públicas, as enfermeiras pontuam a ênfase na
prevenção da aids, sendo este um dos aspectos mais ressaltados por elas como
necessário para que se estabeleça um controle mais efetivo do número de casos de
infecção pelo HIV. Entretanto, as entrevistadas reconhecem que essa ênfase se dá
em períodos festivos, tais como o carnaval, quando aumenta a preocupação
governamental a respeito da aids. Sinalizam que esse deveria ser um trabalho
contínuo para que obtivesse um melhor resultado.
O que avançou nas políticas públicas voltadas à aids é que começa essa ênfase na
prevenção, [...] acho que a tendência é cada vez mais enfatizar. No Brasil,
precisamos muito de uma política de prevenção. Às vezes, temos a politica só
curativa, só para curar, e aqui não temos uma política de prevenção. Acho que falta
visão do governo, de quem está na administração e dos profissionais de saúde que
estão diretamente nas instituições, mostrarem que a prevenção é melhor do que
ficar trabalhando em cima da cura, do tratamento. (inst_hosp; id_01; econj_solt;
tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
Em relação à política de atenção à saúde das pessoas vivendo com HIV/Aids
no Brasil, destaca-se que se trata de um exemplo a ser seguido por outros países,
pois além da distribuição gratuita de medicações, prevê ações direcionadas à
prevenção da infecção pelo HIV e acompanhamento integral à saúde. Essa política
engloba três eixos de intervenção: a vigilância epidemiológica, a prevenção e a
assistência. A articulação desses elementos busca a integralidade das ações,
partindo do pressuposto da indissociabilidade entre a prevenção e o tratamento,
contrapondo-se às diretrizes políticas que apontam a prevenção como resposta
pública fundamental à pandemia (FONSECA, 2005).
Existem
marcos
importantes
nas
políticas
públicas
brasileiras
no
enfrentamento da aids, dentre eles: a notificação obrigatória de casos a partir de
1986; a distribuição gratuita de AZT, em 1991; o primeiro acordo com o Banco
Mundial, em 1993, o qual resultou obtenção de recursos para o enfrentamento da
aids; e a Lei nº 9313, em 1996, que garantiu a distribuição gratuita da TARV e a
produção de antirretrovirais, anunciada em 2001 (GALVÃO, 2002).
Além desses marcos, destaca-se outras políticas no contexto da aids, tais
como: a disponibilização de medidas profiláticas para a prevenção da transmissão
vertical do HIV, através da Portaria nº 2104, de 2002, que incluem a oferta de
111
aconselhamento e a testagem anti-HIV de gestantes e uso de AZT na gestação e
no parto; a política de redução de danos à saúde pelo uso de drogas injetáveis; o
fornecimento
de
suporte
diagnóstico
com
os
Centros
de
Testagem
e
Aconselhamento (CTA); a distribuição gratuita de preservativos masculinos
(FONSECA, 2005).
Todas essas ações representam importante avanço na estratégia de saúde e
articulam intervenções de prevenção e assistência, além da vigilância dos casos de
HIV/Aids, conforme previsto na política nacional anteriormente citada.
Portanto,
entende-se que devam ser mais divulgadas e incorporadas no discurso dos
profissionais e da população em geral, para que estes possam compreender seus
papéis sociais na consolidação das políticas.
3.2.5.2 Políticas públicas relacionadas ao HIV no âmbito institucional
Ao se referirem às políticas públicas institucionais voltadas aos sujeitos que
vivem com HIV/Aids, as enfermeiras pontuam a capacitação dos profissionais como
um dos aspectos, além de políticas sociais e assistenciais voltadas a esses sujeitos.
As políticas públicas em relação estão meio complicadas, meio defasadas, mas eu
tenho esperanca que melhore. Pela parte de profissionais de saúde mesmo, falta de
profissionais, de conhecimento do funcionário, a valorização do funcionário, o salário
baixo. Tem que melhorar, ter pessoas capacitadas, dar mais oportunidades para
essas pessoas, por exemplo, eu estou aqui ha um mes e pouco e ainda nao recebi
capacitação. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_2; cur_n;
econt_n; K_6)
As enfermeiras acreditam que as políticas institucionais voltadas à pessoa
com HIV/Aids estão focadas ainda no modelo biomédico, o que prejudica o cuidado
integral. Ainda assim, destacam a presença de uma equipe multiprofissional
integrada que trabalha no atendimento aos portadores do vírus, desenvolvendo
atividades como trabalhos em grupo.
A abordagem muito centralizada na questão médica. então, se ele é HIV positivo,
precisa de um acompanhamento médico e ponto e acabou. Isso eu acho muito
retrógrado. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n;
econt_n; K_1)
112
Eu vejo que hoje nós temos uma equipe multiprofissional bastante consolidada,
extremamente comprometida com esse tipo de atendimento, existem diversas
experiências aqui de trabalhos em grupos, trabalhos com dinâmica. (inst_sp; id_03;
econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_5)
Algumas práticas são referidas como pertencentes às políticas institucionais
relacionadas ao HIV/Aids, dentre as quais de destacam as de prevenção e as de
adesão. O foco deve ser a prevenção que, para as entrevistadas, está relacionada à
diminuição de gastos com a saúde, melhor qualidade de vida e de trabalho. Já em
relação à políticas voltadas à adesão, é referida a realização de grupos de adesão
através de diversos profissionais envolvidos no Programa de DST/Aids.
Os profissionais de saúde que estão diretamente nas instituições devem mostrar que
a prevenção é melhor do que ficar trabalhando em cima da cura, do tratamento.
quando você previne você evita que a pessoa adquira a doença e fora a questão de
gasto, porque eu acho que para o governo o que importa muito são os gastos. [...]
você provar que ter uma política de prevenção vai diminuir as suas despesas com
saúde, você vai ter uma população economicamente ativa, você vai ter menos
pessoas afastadas do serviço. [...] eu acho que é por ai, tem que ter essa
consciência, dar qualidade de vida para que as pessoas produzam, trabalhem.
(inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
Trabalhos que vão estimular principalmente a adesão à terapia de antirretroviral de
vários pacientes. Nós tivemos pacientes no programa de HIV/Aids que utilizam,
abraçam e tem outros que não utilizam, ainda não tem a necessidade de utilizar.
(inst_sp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_n; K_5)
Aqui é feito até mesmo um grupo de adesão, o programa de HIV/Aids tem a adesão
que envolve toda a equipe multiprofissional do setor para poder não deixar esse
paciente abandonar o tratamento. [...] Vai ter um grupo de adesão, às vezes não só
falam relacionado a doença, mas às vezes falam relacionado a medicação que às
vezes é uma farmacêutica que vai fazer alguma palestra, vai passar algumas
orientações. (inst_sp; id_01; econj_solt; tenf_02; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s;
econt_n; K_3)
O Programa brasileiro de DST/Aids é um plano discursivo que traz para o
trabalho concreto proposições éticas e técnicas que conformam o objeto de trabalho
e os instrumentos de trabalho. Sua principal diretriz da assistência é o acesso
universal
ao
tratamento
específico, sendo
regida
por
normas clínicas e
administrativas. Além disso, a assistência conta com propostas tecnológicas
específicas, dentre elas, os mecanismos estabelecidos para detecção de casos, o
aconselhamento pré e pós-teste, o acolhimento de pacientes e os grupos de adesão.
Tais proposições têm sido viabilizadas através da inclusão de incentivos financeiros
para formação de equipes multiprofissionais e a oferta de treinamento profissional
(NEMES et al, 2004). Nota-se, de acordo com o discurso das enfermeiras, que o
programa tem funcionado pontualmente, com destaque para a distribuição de
medicamentos e a formação de grupos de adesão.
113
É interessante notar que as ações assistenciais estão muito presentes no
discurso das enfermeiras ao falarem das políticas públicas voltadas a aids. Isso
pode representar uma falta de divulgação dessas políticas no âmbito dos serviços de
saúde, considerando que muitas das profissionais entrevistadas não souberam
identificá-las enquanto ações articuladas e institucionalizadas.
3.2.6 Classe 6 - O tratamento medicamentoso do HIV/Aids
Esta classe apresenta associação estatística com idade 25 a 34 anos, tempo
de atuação com sujeitos que vivem com HIV/Aids superior a 20 anos, enfermeiras
que vivem com o companheiro e que nunca pensaram estar contaminadas pelo HIV.
No Quadro 11, é possível visualizar estas variáveis, com as respectivas
categorias associadas à classe e seus valores de x²
Variável de análise
Idade
Tempo de atuação com clientes HIV/AIDS
Estado conjugal
Já pensou estar contaminada pelo HIV
Categoria associada a
Classe 6
25 a 34 anos
Valor
de x²
18
Mais que 20 anos
17
Vivem com o companheiro
16
Não
11
Quadro 11 – Valores de x² relativos às variáveis de análise com associação
estatística à classe 6 - Rio de Janeiro - 2011
A classe "O tratamento medicamentoso do HIV/AIDS" é composta por um um
total de 246 U.C.E., o que corresponde a 12% do corpus aproveitado para análise.
Na classificação hierárquica ascendente, foram consideradas 23 formas reduzidas.
As principais formas reduzidas, com seus respectivos contextos semânticos e
valores de x² são apresentadas no Quadro 12.
114
Forma Reduzida
Tom
Antirretrovi
Medic
Paciente
Comprimido
Abandon
Sintomas
Carga
cd4
Fácil
Volt
Alt
Vir
Tratam
Ades
doenca_oport
Contexto Semântico
tomar
antirretrovirais
medicação, medicamento, médico
paciente
comprimido
abando, abandonam
sintomas
carga viral
cd4
fácil, facilidade
voltam, voltar
alta
vírus
tratamento
adesão
doença oportunista
Valor de x²
387
231
226
86
73
69
67
63
59
49
46
42
42
39
30
30
Quadro 12 - Formas reduzidas, contextos semânticos e valores de x² da classe 6 Rio de Janeiro - 2011
Nota-se que as formas reduzidas com maiores valores de x² são antirretrovi+,
tom+ e medic+. A partir do contexto semântico, é possível perceber que esta é uma
classe que aborda o tratamento medicamentoso do HIV/Aids. A Figura 8 apresenta
a C.A.H. efetuada pelo Alceste na classe 6. É possível perceber a associação das
formas reduzidas ades+, simples, ambulatorio, antirretrovi+, tom+, medic+, volt+,
sintomas, medicacoes, abandon+ e comprimido, que apontam para a adesão à
terapia antirretroviral. O mesmo ocorre com as formas paciente, tratam+, alt+, carga,
vir+ e doenca_oport+, que apontam para os efeitos da não adesão.
115
Figura 8 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe 6 - Rio de Janeiro - 2011
A partir da C.A.H., foi proposta a divisão da classe 6 em duas subclasses,
com o intuito de explicitar seus conteúdos. As duas subclasses são: "Efeitos dos
avanços da terapia antirretroviral" e "Desafios para a adesão ao tratamento
medicamentoso voltado ao HIV/Aids".
3.2.6.1 Efeitos dos avanços da terapia antirretroviral
Esta subclasse trata dos avanços percebidos pelas enfermeiras na produção
de medicamentos antirretrovirais voltados ao tratamento e controle da infecção pelo
HIV, que possibilitaram uma maior sobrevida aos pacientes. São enfatizadas as
116
mudanças nas características físicas das pessoas que vivem com HIV/Aids, no
sentido de que muitas vezes é impossível diferenciá-las dentre outros sujeitos que
não possuem o vírus e/ou a síndrome. Essas mudanças são percebidas
principalmente entre aqueles sujeitos que aderiram ao tratamento de forma
satisfatória, tanto no uso dos antirretrovirais quanto nas mudanças nos hábitos de
vida após o diagnóstico de soropositividade ao HIV.
As características físicas do portador de HIV mudaram, eu acho que é mais pela
medicação, a pessoa tomava as medicações anteriores, no início, na época que saiu
o AZT, que faziam muito isso, deixavam a pessoa com a fisionomia feia, a
tonalidade da pele, hoje não [...] você olha, o cara já toma medicação há tanto
tempo, tendo uma boa condição de vida, uma boa alimentação, uma vida sem
noitada, se cuidando, a pessoa fica bem. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_01;
thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
Você não dizia que ele tinha, ele está muito bem, muito disposto e esse tempo todo
tomando antirretrovirais e indo mais certo às consultas e está muito bem por aí.
(inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_2; freq_1; cur_s; econt_n; K_3)
Os avanços relacionados ao surgimento da terapia antirretroviral (TARV)
resultaram em aumento da sobrevida, diminuição das internações por doenças
oportunistas e queda da mortalidade, o que ocasionou mudanças no contexto de
vida das pessoas vivendo com HIV/Aids (MARINS et al., 2003). Os objetivos dessa
terapia são reduzir a morbimortalidade e melhorar a qualidade de vida das pessoas,
através da supressão viral, o que permite retardar ou evitar o surgimento da
imunodeficiência (BASTOS, 2006).
Os resultados obtidos com o tratamento são a redução progressiva da carga
viral e a manutenção e/ou restauração do funcionamento do sistema imunológico.
Tais resultados têm sido associados a benefícios marcantes na saúde física das
pessoas soropositivas e permitido que elas retomem e concretizem seus projetos de
vida (BASTOS, 2006). Daí a importância crucial da adesão ao tratamento diante da
perspectiva de uma vida longa e com qualidade.
3.2.6.2 Desafios para a adesão ao tratamento medicamentoso voltado ao HIV/Aids
Nesta subclasse são apontadas diversas dificuldades encontradas pelas
pessoas em uso da terapia antirretroviral, incluindo os muitos efeitos colaterais; o
117
tratamento por longo período, assumindo uma característica de cronicidade; o
grande quantitativo de comprimidos, por vezes grandes e com sabor desagradável;
além do horário das medicações. Desta forma, entendem que essas diversas
situações impostas à vida do paciente que vive com HIV/Aids tornam a adesão um
desafio, tanto para o profissional quanto para o cliente, reforçando a importância das
ações educativas.
Falamos da importância do tratamento, mas não é um tratamento fácil, porque você
tem que tomar comprimido, dependendo do paciente vai tomar muito ou pouco, mas
tem que tomar aquela coisa regular, para o resto da sua vida. (inst_hosp; id_03;
econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6)
Antirretrovirais são jogados no lixo e o volume de antirretrovirais não é pouco, é
muito. Acho que atualmente meu foco e da equipe multiprofissional é adesão. É
batalhar, tentamos começar essa adesão dentro da enfermaria, conversando com o
paciente, preparamos o paciente. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05;
cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6)
Para mudar a medicação é difícil, tomar antirretrovirais é difícil, os comprimidos são
grandes, são amargos, dão bastante efeito colateral, náuseas, vômito. (inst_sp;
id_01; econj_comp; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_n; econt_n; K_2)
As pessoas dão essa importância para o paciente aderir, não faltar a consulta,
mesmo que ele esteja bem, que ele venha, às vezes eles estão bem, o sol está tão
maravilhoso, poderiam ir à praia, mas tem que vir aqui. (inst_hosp; id_03; econj_cas;
tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_6)
Mencionam que os efeitos colaterais do tratamento medicamentoso com os
antirretrovirais são um importante obstáculo à adesão dos pacientes com HIV/Aids,
pois impossibilitam que estes sujeitos tenham uma vida normal. Além disso, outro
obstáculo mencionado são as mudanças impostas aos hábitos de vida com o intuito
de prevenir infecções oportunistas, que podem vir a se instalar devido à baixa
imunidade desses clientes.
Vai ter que tomar antirretrovirais, vai dar diarréia, vai dar dor de estômago, vai
provocar febre em alguns pacientes. Estamos batalhando, agora o nosso objetivo
principal em todos os momentos, por isso essa palavra veio em minha cabeça:
adesão. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2; cur_n;
econt_s; K_6)
Outro motivo percebido pelas enfermeiras para o abandono do tratamento
está relacionado à melhora clínica. A partir do momento em que o cliente com
HIV/Aids não apresenta sinais e sintomas clínicos ou encontra-se com níveis
indetectáveis de anticorpos anti-hiv devido ao tratamento antirretroviral regular, este
interrompe o uso de medicações por conta própria. Foi relatado que muitos desses
118
pacientes passam a acreditar que estão curados e que não necessitam mais do
tratamento medicamentoso.
É difícil, tem o abandono de medicação e tem o abandono de consulta. Quando eles
têm uma melhora, às vezes abandonam, tem uns até que acreditam que estão
curados, quando ele começa a ficar indetectável , eles acreditam que não têm mais
HIV no corpo. (inst_sp; id_01; econj_comp; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_n;
econt_n; K_2)
Os efeitos da não adesão ao tratamento do HIV/Aids, seja ele medicamentoso
ou não, são percebidos pelas enfermeiras no momento em que há o retorno desses
sujeitos aos serviços, muitas vezes já com infecções oportunistas instaladas. Além
disso, as enfermeiras referem ser possível diferenciar através da aparência física
aqueles pacientes que aderem e aqueles que não aderem ao tratamento.
A relação com o paciente revoltado não é fácil, alguns recusam tomar medicação,
não querem porque não querem, já usaram muito tempo, agora estão cansados de
usar e você tenta conversar, falar da importância da medicação, tentar explicar
numa linguagem mais fácil para que ele compreenda. (inst_hosp; id_01; econj_cas;
tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
Muitos pacientes contraem alguma doença oportunista e internam, sabemos que
não tomam a medicação, ficam um tempo internados, têm alta, vão embora, um ou
dois meses e voltam novamente com outra doença oportunista. Vemos que a
aparência é outra, e já a pessoa que toma direitinho, certinho, que tem uma boa
alimentação, é uma pessoa comum, ninguém diz, não tem como. (inst_hosp; id_01;
econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_s; K_4)
Em relação aos fatores associados com a não-adesão, Bonolo, Gomes e
Guimarães (2007) destacam principalmente: características sociodemográficas;
fatores psicossociais; acesso e uso de serviços de saúde; tratamento propriamente
dito; percepção da doença; e apresentação ou não de sintomas da aids na presença
de alterações laboratoriais.
Dentre as dificuldades encontradas pelos pacientes soropositivos ao HIV na
adesão ao tratamento medicamentoso, destacam-se também o efeito colateral das
drogas, o grande volume dos comprimidos, os diversos horários de utilização e
sabor desagradável (FIGUEIREDO et al., 2001). Os efeitos colaterais que mais
determinam a não adesão à terapia, de acordo com o relato de pacientes, são os
efeitos gastrointestinais, como vômitos, náuseas, diarréias e dores abdominais, e os
efeitos neurológicos, como cefaléias e insônias (GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA,
2005).
119
Além desses fatores, outras podem levar ao abandono do tratamento, como a
melhora dos sinais e sintomas clínicos e o medo que outras pessoas descubram seu
diagnóstico de soropositividade ao HIV. A melhora clínica da doença faz com que os
sujeitos acreditem não precisar mais dos medicamentos, pois não há o
entendimento de que se trata de um tratamento crônico, o qual não deve ser
interrompido sem a orientação médica (GIR; VAICHULONIS; OLIVEIRA, 2005). Já o
desejo de manter o diagnóstico em sigilo entre entes próximos faz com que os
pacientes retirem os rótulos das medicações e não as tomem na presença dessas
pessoas, o que ocasiona a perda de doses e, desta forma, a quebra do esquema
terapêutico (ACURCIO; GUIMARÃES, 1999).
Dessa forma, a atuação do enfermeiro, como membro de uma equipe
multiprofissional, deve considerar múltiplos aspectos, tendo o intuito de aumentar o
processo de adesão. Um dos recursos mais valorizados para tal é a assistência
individualizada, na qual a relação profissional-cliente deve ser permeada por
confiança, empatia, respeito, privacidade e atitudes positivas (MARTINS, S.S.;
MARTINS, T.S.S., 2011). Ademais, entende-se que a educação em saúde seja um
elemento necessário, valendo-se da efetiva participação das pessoas que vivem
com HIV/Aids na idealização das estratégias e da individualização da abordagem
para que estas pessoas sintam-se seguras para expor incertezas e sentimentos
contraditórios (FIGUEIREDO et al., 2001).
A partir dos conteúdos que emergiram nesta classe, é possível afirmar que as
enfermeiras possuem uma representação social do tratamento medicamentoso da
aids ancorada tanto em elementos positivos, relacionados a maior sobrevida dos
pacientes e mudanças nos estereótipos, quanto elementos negativos, tais como a
característica de cronicidade e os diversos efeitos colaterais que resultam em
dificuldades na adesão ao tratamento.
120
4 ANÁLISE DE TRIAGEM CRUZADA (TRI-CROISÉ) DA VARIÁVEL ÁREA DE
ATUAÇÃO
Tendo em vista o objetivo de comparar as representações sociais das
enfermeiras de acordo com a área de atuação (redes básica e hospitalar),
posteriormente à análise standard apresentada no tópico anterior, realizou-se a
análise cruzada com a variável área de atuação. Foram geradas duas classes, uma
correspondente à rede hospitalar e uma à rede básica. A seguir serão apresentadas
as duas classes, com suas respectivas C.A.H., bem como seus conteúdos
característicos.
4.1 As representações sociais da aids para enfermeiras que atuam em
hospitais
A Figura 9 apresenta a C.A.H. efetuada pelo Alceste na análise triagem
cruzada, a partir da variável área de atuação hospitalar. A partir do contexto
semântico, é possível perceber que esta classe traz elementos muito atrelados à
prática profissional das enfermeiras que atuam em hospitais, com destaque para as
formas reduzidas enfermaria e intern+, que apresentam maiores valores de quiquadrado.
121
Figura 9 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe Rede Hospitalar na
Análise Triagem Cruzada - Rio de Janeiro - 2011
Através da C.A.H., é possível notar que as formas reduzidas cti, dip,
enfermaria, leito, mae, men+, intern+ e pediatr+ estão associadas entre si, e dizem
respeito ao contexto de internação hospitalar de pacientes soropositivos ao HIV. As
formas reduzidas faculdade, aids e lembr+ fazem menção às memórias das
enfermeiras da rede hospitalar sobre o HIV/Aids. Já as formas reduzidas precauc+,
luva_de_proc+, contamin+, hospital+ e cuid+ referem-se à adoção de medidas de
proteção profissional na execução do trabalho de enfermagem.
A partir da análise dos discursos das enfermeiras que atuam em hospitais, foi
possível notar a existência de representações da aids ainda fortemente atreladas
aos primórdios da doença, onde a morte era um elemento muito presente, assim
como os estereótipos associados aos grupos de risco. Cuidar de pacientes com
122
HIV/Aids no passado era interpretado como uma penalização pelos membros da
equipe de enfermagem e o sentimento era negativo diante do cuidado por parte do
profissional, cuidado este pelo qual perpassava principalmente o medo. Estes
pacientes, devido a sentimentos de revolta, por vezes pareciam querer atingir os
profissionais com materiais perfurocortantes de forma intencional.
Muitas vezes o paciente com aids era um paciente que ficava as vezes no cti um ou
dois dias e ia morrer. (inst_hosp; id_03; econj_cas; tenf_03; thiv_05; cont_3; freq_2;
cur_n; econt_s; K_1)
Ele era muito revoltado com a situação. Às vezes na hora que você fosse puncionar
tinha que ter um cuidado porque, às vezes, ele provocava um acidente de trabalho
para você se furar com a agulha dele. (inst_hosp; id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01;
cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
Não vou, tem que cuidar, não, não vou. Ele está com aids e esse paciente eu não
pego, pelo amor de Deus. Ou falavam assim: só eu, só eu sou escalada para
paciente aidético. (inst_hosp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2;
cur_n; econt_s; K_1)
Tratam em seus discursos dos estereótipos associados aos sujeitos que
vivem com HIV/Aids e do forte preconceito a que esses indivíduos estavam
expostos. Referem que este preconceito ainda é percebido nos dias atuais, inclusive
entre os profissionais de saúde.
Acabou levando esse rótulo de grupo de risco, mas não sabíamos de nada. Eu acho
que o Brasil começou a se situar mesmo com a aids em 1980, começamos a ter
campanha de esclarecimento que não pegava assim. (inst_hosp; id_02; econj_cas;
tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_1)
O início da aids foi terrível, a discriminação era muito grande. E muita gente que não
era homossexual e que adoeceu, acabou levando esse rótulo. (inst_hosp; id_02;
econj_cas; tenf_03; thiv_04; cont_3; freq_2; cur_n; econt_s; K_1)
Neste grupo, a imagem da aids encontra-se em transição devido às
mudanças no perfil dos pacientes atendidos nas unidades de saúde. No entanto, as
representações do passado ainda estão fortemente presentes, associando a aids a
imagem do cantor Cazuza, no sentido de evocar a degeneração física e o
emagrecimento, além do sofrimento e morte.
A imagem que eu tenho de aids é aquela coisa feia do Cazuza. Para mim
ficou muito marcado o Cazuza, uma imagem feia, aquela coisa de sofrimento,
aquela pessoa feia. (inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1;
cur_n; econt_s; K_1)
A minha lembrança mais antiga da aids é do Cazuza ficando magro, aquela coisa
feia da aparência, do físico, a lembrança que eu tenho é essa de aids. (inst_hosp;
id_01; econj_solt; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_4; cur_n; econt_n; K_1)
123
A aids tinha uma cara feia e hoje não, hoje eu vejo que tem gente com cd4 lá emcima, ninguém fala que a pessoa tem aids. A pessoa está bem, está ótima, você não
consegue distinguir hoje quem tem, a não ser quando a pessoa está doente. Mas
fora isso, mesmo assim, às vezes, voce fala assim: esse cara está com aids.
(inst_hosp; id_01; econj_cas; tenf_02; thiv_02; cont_3; freq_1; cur_n; econt_s; K_1)
Considera-se a representação social como sendo o sentido atribuído a um
determinado objeto por um grupo, a partir das informações provenientes de suas
práticas e suas relações. Sua construção é dinâmica e envolve informações de
diferentes ordens, sendo estas continuamente elaboradas, transformadas e
recriadas (MADEIRA, 1998). Entende-se que as representações sociais da aids para
as enfermeiras foram estruturadas como uma forma de conhecimento social, um
saber prático constituído na interseção do subjetivo e do objetivo, sendo formuladas
e reformuladas na medida em que houve a progressão da doença.
Em relação às enfermeiras que atuam em hospitais, observou-se que a
representação da aids foi socialmente construída a partir de referenciais ancorados
no passado, onde suas práticas foram fortemente marcadas por elementos
negativos como morte, estereótipos e preconceitos. No entanto, novos elementos
representacionais emergiram, relacionados ao perfil atual da doença. Isso causou
alterações na prática assistencial dessas enfermeiras, na medida em que outros
grupos sociais passaram a ser atingidos. Dentro dessa perspectiva, entende-se que
houve repercussões na forma que o cuidado passou a ser desenvolvido no ambiente
hospitalar, partindo do pressuposto que as representações orientam as práticas dos
grupos sociais, conforme afirmam Abric (2001b), Flament (2001) e Rouquette (2000).
Quanto à persistência de representações arcaicas, é importante ressaltar que
a mudança das representações sociais da aids se apresenta como processo lento.
Considerando os elementos constitutivos das representações sociais, nota-se que o
conhecimento ou a informação representam apenas um desses elementos, fazendo
com que o acesso à informação não modifique, de imediato, a representação social
de um sujeito ou grupo acerca de determinado objeto (AVI, 2000).
124
4.2 As representações sociais da aids para enfermeiras que atuam na
saúde pública
A segunda classe gerada na análise triagem cruzada a partir da variável área
de atuação corresponde à rede básica. Na Figura 10, é possível visualizar a C.A.H.
desta classe, com suas formas reduzidas e respectivos valores de qui-quadrado,
que possibilitam uma compreensão preliminar do conteúdo da classe. Nota-se que a
formas reduzidas com destaque em relação ao valor de qui-quadrado são
tuberculos+, infectolog+ e unidad+.
Figura 10 - Classificação Ascendente Hierárquica da Classe Rede Básica na
Análise Triagem Cruzada - Rio de Janeiro - 2011
A partir da C.A.H., nota-se que as formas reduzidas tuberculos+, exame e
exame_hiv estão associadas entre si, e dizem respeito às portas de entrada do
125
programa de DST/Aids. As formas reduzidas sociedade, consul+ e orient+ referemse à atuação das enfermeiras da rede básica. E as formas tratam+, infectolog+,
programa_de_+ e unidade referem-se às ações programáticas voltadas aos sujeitos
que vivem com HIV/Aids.
Os discursos das enfermeiras da rede básica sobre a aids trazem conteúdos
muito associados à atuação dessas profissionais dentro do Programa de DST/Aids e
de Tuberculose, os quais apresentam interseções importantes, conforme sinalizado
anteriormente. No âmbito dos programas, essas enfermeiras desenvolvem
atividades de consulta de enfermagem, além de educação em saúde, voltadas às
orientações pré e pós-teste de HIV, prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, adesão ao tratamento medicamentoso, dentre outros. Destacam o
suporte oferecido às pessoas que vivem com HIV/Aids no âmbito dos serviços de
saúde e a importância do trabalho multiprofissional.
Eu vejo muito cuidado dos profissionais com os pacientes HIV positivos, eu me refiro
ao pessoal da infectologia, eles dão muita dedicação, têm muito comprometimento,
consulta médicas, consulta de enfermagem, avaliação, eu vejo muita dedicação,
muita mesmo. (inst_sp; id_01; econj_cas; tenf_01; thiv_01; cont_3; freq_2; cur_s;
econt_n; K_2)
Desse modo, percebe-se que as enfermeiras da rede básica reconhecem que
o atendimento de qualidade não depende só da disponibilidade de tecnologias de
trabalho nos serviços de saúde, mas também da postura e responsabilidade
profissional relacionadas não apenas ao paciente com HIV/Aids, mas também ao
próprio funcionamento da instituição pública de saúde, no que se refere a este
cuidado no âmbito do programa de DST/Aids.
O programa de DST/Aids é percebido sob o ponto de vista positivo,
destacando-se a importância da realização de exames tanto para a detecção da
infecção pelo HIV quanto para o suporte do tratamento. Sendo assim, nota-se que a
oferta de exames, bem como a orientação após o resultado, tanto positivo quanto
negativo, fazem parte do cuidado em saúde realizado pelos profissionais.
O programa de HIV/Aids oferece ao usuário esse suporte. Se o paciente foi
infectado, quando ele vier fazer o tratamento da tuberculose passamos exame HIV,
porque tem essa questão da infecção. Eu acho que hoje ele tem os exames que ele
faz periódicos, que dão suporte ao próprio tratamento. (inst_sp; id_02; econj_cas;
tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s; K_2)
126
Se dá negativo o resultado do exame, fazemos orientação para daquela data em
diante usar camisinha, fazemos o primeiro exame HIV, depois o teste imunológico.
(inst_sp; id_02; econj_cas; tenf_03; thiv_03; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_2)
A discussão sobre vulnerabilidade é algo que só aparece no discurso das
enfermeiras da rede básica, merecendo destaque já que na discursividade das
enfermeiras da rede hospitalar a expressão “grupos de risco” é mais frequente e
incorporada nas representações sociais da aids.
Eu acho que todos vão ser vulneráveis, como no momento todos nos somos
vulneráveis, conforme eu falei, não tem mais os grupos de risco, todos nós fazemos
parte apenas de um único grupo, somos vulneráveis. (inst_sp; id_01; econj_solt;
tenf_02; thiv_01; cont_3; freq_1; cur_s; econt_n; K_2)
Galvão (2002), ao considerar a evolução histórica da aids no Brasil, delimitou
três fases que caracterizaram a sua expansão. A fase inicial focalizou apenas os
infectados pelo HIV sendo marcada pelo conceito de “grupo de risco”, que se
restringia, basicamente, aos homens homossexuais, que possuíam alto nível de
escolaridade. A segunda fase orientou-se por uma perspectiva cujo centro era a
exposição ao vírus, adotando-se, assim, o conceito de “comportamento de risco”.
A terceira fase, e atual, procura caracterizar a suscetibilidade dos indivíduos
em geral ao vírus. Observando-se o aumento da infecção entre os heterossexuais, a
feminização da doença, a baixa escolaridade da população contaminada e a
interiorização da síndrome para municípios de médio e pequeno porte, emergiu o
conceito de “vulnerabilidade”. A importância da ideia de vulnerabilidade reside no
reconhecimento de que a infecção pelo vírus da aids não depende apenas da
informação e da postura individual, mas de uma série de fatores estruturais, que
afetam os indivíduos independente de sua vontade, como a desigualdade de
condições econômicas, políticas e culturais, relações sexuais e de gênero, dentre
outras (GALVÃO, 2002).
É importante pontuar, também, que as entrevistadas atuantes na rede básica
possuem uma visão mais branda acerca do HIV/Aids, demonstrando o processo de
naturalização da doença. Isto já não ocorre com as enfermeiras hospitalares, que
possuem uma atitude mais negativa em suas representações acerca da aids. Diante
disso, pode-se inferir que esta diferença deve-se ao perfil das pessoas com HIV/Aids
que são atendidas por estes profissionais. Enquanto as enfermeiras da rede
hospitalar atendem pacientes com HIV/Aids em internações sucessivas e, portanto,
127
com a saúde debilitada, as da rede básica os atendem a nível ambulatorial,
geralmente para acompanhamento de rotina, percebendo-se uma cronicidade da
doença. Isto acarreta em duas representações com conteúdos distintos acerca da
síndrome.
Sendo assim, embora reconheçam que ainda existam estigmas importantes a
serem superados, é possível notar a tendência de naturalizar a aids como uma de
muitas doenças crônicas, tal qual observado por Castanha et al. (2005). Esses
autores observaram que há indícios de mudança na representação social da aids
devido sua perspectiva como doença crônica, que se deu após o advento da terapia
antirretroviral, resultando em uma ancoragem nas patologias crônicas, tais como a
hipertensão e a diabetes.
Eu acho que a aids é uma doença que hoje em dia você consegue conviver com ela,
você consegue tratar o HIV como outra doença, acho que ainda precisa cair a
questão da exclusão, dos estigmas, mas é uma doença aids como um outra
qualquer, hoje em dia para mim já é uma doenca comum. (inst_sp; id_02; econj_cas;
tenf_01; thiv_01; cont_2; freq_4; cur_s; econt_s; K_2)
Dessa forma, a representação da aids para o grupo de enfermeiras da rede
básica parece estar mais atrelada a elementos do cotidiano assistencial, derivados
da prática profissional. Quando comparadas às enfermeiras que atuam em hospitais,
as enfermeiras de saúde pública trazem uma carga menor de representações
negativas associadas à imagem da aids na atualidade. Também é possível notar a
reafirmação da superação do conceito de grupo de risco em seus discursos,
especialmente nos da rede básica.
128
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, foi possível identificar diversos conteúdos que compõem a
representação social da aids para as enfermeiras que atuam na rede básica e na
rede hospitalar. Dentre esses conteúdos, há destaque para memórias, conceitos,
sentimentos, imagens, e atitudes. A abordagem processual da teoria das
representações sociais se mostrou pertinente para a apreensão desses elementos,
visto enfatizar o processo de construção destas representações, além de seus
conteúdos.
A representação da aids para as enfermeiras abarca diferentes aspectos, com
destaque para as memórias dos primórdios da aids, as medidas de autoproteção
ocupacional e na vida pessoal, as práticas de cuidado voltadas às pessoas que
vivem com HIV/Aids, as vivências das enfermeiras e o tratamento antirretroviral.
Em relação às memórias da aids, as enfermeiras reconhecem que o
preconceito e a discriminação marcaram fortemente a ocasião do surgimento da
doença, sinalizando que as pessoas atingidas viviam uma dupla jornada de
sofrimento, tanto por serem vítimas de preconceito quanto por possuírem uma
doença fatal e até então desconhecida. Muito embora tenham ocorrido mudanças no
perfil da doença e também das pessoas que vivem com aids na atualidade, marcas
do passado como o estigma e o preconceito ainda se fazem presentes nas
representações das enfermeiras.
Ainda são observadas, nas representações das enfermeiras, atitudes
ambivalentes diante das pessoas que vivem com HIV/Aids, de um lado,
considerando-as como vítimas e, do outro, como culpadas. No primeiro grupo, estão
as(os) cônjuges contaminadas(os) pelos(a) parceiros(a) que tiveram relação sexual
extraconjugal, as crianças que contraíram o HIV por transmissão vertical e os
sujeitos contaminados através de hemotransfusão. O segundo grupo é composto por
sujeitos que possuem comportamentos socialmente desviantes, tais como os
usuários de drogas injetáveis, homossexuais, cônjuges que contraíram o HIV em
relações extraconjugais e pessoas com vida sexual não regrada. Dessa forma,
observou-se o reconhecimento de que o cuidado de enfermagem, em muitas
ocasiões, pode ser modulado por estes julgamentos, em função da maior ou menor
identificação das enfermeiras com os sujeitos cuidados.
129
Quanto aos conceitos, as enfermeiras referem que a noção de grupo de risco
não é mais adequada à realidade atual. Este conceito encontra-se bastante presente
nas memórias das enfermeiras ao se referirem ao surgimento da aids, tendo
disseminado a falsa noção de que a aids estaria restrita a um grupo específico de
pessoas e de que as demais estariam salvas da ameaça.
Embora refiram superação de tal conceito, em algumas situações, foi possível
identificá-lo de forma implícita nos discursos. Dessa forma, é possível notar uma
contradição entre o discurso e o pensamento social, que contribui para a
persistência de estereótipos relacionados aos portadores, sendo ainda associados a
pessoas que possuem condutas desviantes, tais como homossexuais, pessoas com
práticas promíscuas e usuários de drogas.
Dentre os sentimentos identificados em relação à aids, destacam-se neste
estudo: o medo do contágio, tanto através da exposição ocupacional quanto pela
relação sexual desprotegida com os parceiros; raiva, nas situações em que os
pacientes
são
considerados
responsáveis
pelo
próprio
contágio,
quando
contaminam outras pessoas e quando abandonam o tratamento; e pena, nas
situações em que os pacientes são considerados como vítimas.
Outro sentimento identificado é o de insegurança em relação ao parceiro fixo,
devido ao grande número de mulheres atendidas que foram contaminadas por seus
maridos ou companheiros em relações monogâmicas, os quais contraíram o HIV em
relações extraconjugais. Entende-se dessa forma que as enfermeiras acabam se
identificando com determinadas situações com as quais se deparam no cotidiano
profissional, o que contribui para refletirem sobre a própria vida com o parceiro.
A imagem da aids sofreu modificações no decorrer da progressão da
epidemia. As enfermeiras atualmente se deparam com situações diferentes das
iniciais, marcada pela presença de mulheres, crianças e idosos entre as pessoas
adoecidas pela aids e pela universalização do tratamento antirretroviral, que
aumentou a sobrevida desses sujeitos.
Outro
elemento
associado
à
terapia
antirretroviral
diz
respeito
ao
reconhecimento da inexistência do estereótipo delimitado por sinais como
emagrecimento, diarréia e palidez, que se encontravam presentes no início da
epidemia, impedindo a identificação das pessoas que vivem com HIV/Aids dentre as
demais. No entanto, tais estereótipos se fazem presentes nas memórias das
enfermeiras sobre a aids, sendo evocada a imagem do cantor Cazuza após o seu
130
adoecimento, o que evidencia que essa imagem faz parte da construção social das
enfermeiras acerca da aids.
Foi possível observar que muitas das representações sociais da aids para as
enfermeiras ainda encontram-se ancoradas aos primórdios da doença, quando a
aids era considerada uma doença fatal, sendo atribuída especificamente a
segmentos marginalizados socialmente. Essa ancoragem no passado foi percebida
de forma mais acentuada nas enfermeiras que atuam na rede hospitalar.
No entanto, foi possível perceber também que surgiram novos elementos
representacionais, associados às mudanças ocorridas no perfil epidemiológico da
doença e dos sujeitos atingidos pelo HIV/Aids e ao advento da terapia antirretroviral,
conforme apontado no marco teórico deste estudo. Essas mudanças trouxeram
mulheres e crianças para o mundo da aids, alterando o contexto em que se dá o
cuidado de enfermagem, que passou a ser marcado por tensões singulares, como a
possibilidade de as enfermeiras encontrarem mulheres que foram contaminadas
pelos parceiros fixos como pacientes.
Houve destaque para a adoção de medidas preventivas ao HIV/Aids tanto na
vida pessoal, com o entendimento da necessidade do uso do preservativo, quanto
em âmbito ocupacional, com o reforço do uso de equipamentos de proteção
individual, em especial, da luva de procedimento.
Em relação ao cuidado de enfermagem, notou-se que a presença do HIV/Aids
o altera, no sentido de existir maior cautela na realização de procedimentos, a fim de
evitar a ocorrência de acidentes ocupacionais. Dessa forma, as especificidades do
cuidado de enfermagem aos sujeitos que vivem com HIV/Aids em relação aos
demais estão pautadas de forma prioritária no cuidado de si, ou seja, na
autoproteção profissional.
Apesar desse enfoque, também são destacados elementos que dizem
respeito ao cuidado do outro, tais como o vínculo, a postura acolhedora e o
relacionamento interpessoal, que são aspectos reconhecidos como participantes das
práticas de cuidado e facilitadores para a adesão do paciente ao tratamento.
Observou-se
que
o
tratamento
medicamentoso
foi
incorporado
às
representações das práticas de cuidado voltadas as pessoas que vivem com
HIV/Aids, o que sinaliza o reconhecimento do avanço da política brasileira de
distribuição gratuita e universal de medicamentos antirretroviriais e o seu impacto na
qualidade de vida dos pacientes. Nesse sentido, a cronificação da aids determinado
131
pela maior sobrevida dos seus portadores também é um elemento presente na
representação analisada, que resulta na necessidade de novos posicionamentos e
formas de cuidar dessa clientela.
Ainda em relação ao tratamento medicamentoso, destaca-se que sua
representação social para o grupo estudado é ambivalente, pois este é associado
tanto a elementos positivos, como a maior sobrevida dos pacientes e mudanças nos
estereótipos anteriormente associados a aids, quanto elementos negativos, tais
como sua característica de cronicidade e os diversos efeitos colaterais que
proporcionam.
As políticas públicas voltadas à aids percebidas pelas enfermeiras estão
centralizadas em políticas preventivas e o apoio institucional às pessoas que vivem
com HIV/Aids é referido através de medidas assistenciais, como por exemplo, a
distribuição de cestas básicas. Isto pode representar uma falta de divulgação das
políticas públicas brasileiras, que são um exemplo a ser seguido a nível mundial.
Quanto à comparação desenvolvida neste estudo entre as enfermeiras das
redes básica e hospitalar, foi possível observar que as primeiras trazem
representações da aids ligadas ao cotidiano assistencial, com elementos derivados
de suas práticas profissionais, enquanto que as últimas construíram suas
representações a partir de referenciais ancorados no passado, na ocasião em que
suas práticas foram fortemente marcadas por elementos negativos como morte,
estereótipos e preconceitos.
Este resultado pode ser explicado através dos diferentes contextos em que as
enfermeiras atuam, que ocasionam vivências singulares em cada nível de atenção
às pessoas que vivem com HIV/Aids. Nesse sentido, as enfermeiras da rede
hospitalar tendem a representar a aids com base em elementos percebidos na
internação hospitalar, enquanto que as enfermeiras da rede básica, em muitas
ocasiões, lidam com pessoas que fazem acompanhamento prolongado, e dessa
forma, encontram-se saudáveis.
Percebeu-se que as representações sociais da aids elaboradas por ambos os
grupos de enfermeiras encontram-se em transição e derivam dos contextos
assistenciais em que essas profissionais atuam. A principal diferença encontrada
entre os dois grupos diz respeito à ancoragem, que no primeiro grupo se dá
principalmente em elementos dos primórdios da aids, enquanto que no segundo
132
grupo já percebe-se a ancoragem em patologias crônicas, correspondendo à
configuração atual da aids.
A partir dos resultados encontrados, nota-se a necessidade de constante
capacitação das enfermeiras envolvidas no processo de cuidar de pessoas que
vivem com HIV/Aids, com o objetivo de que desenvolvam um cuidado de
enfermagem humano e de qualidade. Este só será alcançado a partir do momento
em que estes profissionais enfrentem seus valores, sentimentos e preconceitos.
Diante do exposto, cabe ressaltar que esta pesquisa permitiu compreender
diferentes conteúdos presentes nas representações sociais da aids para as
enfermeiras, além de suas influências na forma que o cuidado de enfermagem é
pensado e praticado por essas profissionais. Isso por entender que as
representações orientam e modificam as práticas dos grupos sociais.
Dessa forma, deve ser considerado que as representações construídas pelas
enfermeiras influenciam no cuidado prestado, podendo expressar-se nas relações
que elas desenvolvem com pacientes soropositivos ao HIV ou com aids, sob a forma
de distanciamento físico e relacional, caracterizado por desprezo, preconceitos e
julgamentos pessoais, que pode ocasionar a evitação em cuidar destes pacientes.
As implicações das representações sociais da aids no cuidado de
enfermagem também podem ser analisadas através da associação de tais
representações à práticas sexuais desviantes, ao sangue e à morte. Sendo assim,
percebe-se que no início da epidemia, no qual o universo reificado estava sendo
construído juntamente com o consensual, as representações da síndrome
influenciaram negativamente na assistência a pessoas com HIV/Aids, devido
principalmente ao medo da contaminação associado à dimensão imagética de
morte, à dimensão afetiva caracterizada por sofrimento e à dimensão avaliativa
condicionada aos grupos de risco. O cuidado prestado levava em consideração
todos estes elementos, o que fazia com que os profissionais evitassem os pacientes
portadores do vírus, ou tivessem atenção redobrada no momento do cuidar, com
destaque para o uso de luvas de procedimento.
Comparando-se
aos
dias
atuais,
percebe-se
uma
transição
das
representações sociais da aids que acarretam, também, na mudança de atitude no
que se refere ao cuidado de enfermagem. O cenário das práticas de cuidado,
anteriormente marcado por pacientes emagrecidos, com cor de pele diferente,
diarréicos, foi transformado principalmente com o advento da terapia antirretroviral.
133
Dessa forma, as representações da aids passaram a abarcar conteúdos positivos,
sendo incorporada ás práticas de cuidado. Apesar de novos elementos constituírem
estas representações, ainda coexistem os que fizeram parte desde o início da
epidemia. Sendo assim, oscilando entre o universo reificado e o consensual, o
cuidado de enfermagem ora é direcionado a uma doença comparada a qualquer
outra, ora é carregado de preconceitos tendo uma atenção diferenciada.
Destaca-se que as representações também implicam na preocupação quando
à autoproteção profissional, que parece ser diferenciada quando se trata de
pacientes com aids. Sendo assim, diante do novo contexto no qual as pessoas com
HIV/Aids vivem, onde a aids não tem mais “cara”, torna-se necessário que as
práticas de cuidado desenvolvidas pelos profissionais de saúde, em especial os de
enfermagem que constantemente realizam procedimentos junto ao paciente, sejam
realizadas através da precaução padrão, de forma que o cuidado se estabeleça
independente do diagnóstico do paciente que está sob seus cuidados.
Diante disso, este estudo evidenciou a dinâmica das práticas de cuidado tanto
de si quanto a pessoas com HIV/Aids orientadas pelas representações sociais da
síndrome, permitindo compreender, a partir de tais representações, como o cuidado
foi e está sendo desenvolvido, de acordo com as suas modificações, principalmente
com a introdução de elementos positivos em sua constituição.
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147
APÊNDICE A - Questionário de caracterização dos sujeitos
QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
Entrevistado (Pseudônimo):
Entrevistador:
1 – Nº Quest.: _______________
Falando da sua instituição:
2 - Geração:
( ) 1ª Geração
( ) 2ª Geração
3 – Grupo institucional atual ou de origem (se não mais atuando):
( ) Hospital
( ) Saúde Pública / Ambulatório
4 – Instituição atual ou de origem (se não mais atuando):
( ) HOSPITAL 1 (HUGG)
( ) HOSPITAL 3 (IEISS)
( ) CMS 2
( ) HOSPITAL 2 (HUPE)
( ) HOSPITAL 4 (HSE)
( ) AMB 2
( ) CMS 1
( ) AMB 1
Falando dos seus dados pessoais:
5 - Idade:
6 - Nº de filhos:
7 – Religião (marcar todas as referidas pela entrevistada ordenando, de 1 a 3, da mais para a menos
importante)
( ) Católica
( ) Sem religião
( ) Espírita, especificar: ( ) Kardecista
( ) Umbanda
( ) Candomblé
( ) Evangélica, denominação: ______________________________________
( ) Outras, especificar:____________________________________________
8 – Orientação política:
( ) direita
( ) centro-direita
( ) esquerda
( ) centro-esquerda
( ) sem orientação definida
9 – Estado conjugal e marital atual:
( ) solteira / não possui namorado ou companheiro
( ) casada / vive com companheiro / união estável
( ) possui companheiro fixo, mas não vive com ele
10 - Renda pessoal mensal aproximada: R$_______________________
11 - Renda familiar mensal aproximada: R$_______________________
12 – Número de pessoas da família que moram juntas: _________
Falando da sua formação e do seu acesso à informação:
13 - Tempo de graduação em enfermagem / ano de graduação:
________anos __________ meses
Ano de graduação
148
14 - Formação profissional de mais alto nível:
( ) Graduação
( ) Especialização
( ) Mestrado
( ) Doutorado
( ) Outros
15 – Especificação da formação profissional:
CURSO
Especialização
Mestrado
Doutorado
Outros
ÁREA
ANO
1.
2.
3.
1.
2.
16 - Principais fontes de acesso à informação sobre HIV/AIDS (marcar as 3 principais ordenando, de
1 a 3, por maior freqüência de acesso):
( ) televisão
( ) rádio
( ) artigos científicos
( ) jornal
( ) livros em geral
( ) livros científicos
( ) revistas em geral
( ) sítios em geral na internet
( ) manuais
( ) cursos
( ) conversas no cotidiano profissional
(
)
outra:
____________________________________________________________________________
17 - Participação em cursos de capacitação sobre HIV/AIDS:
( ) sim
( ) não
18 – Especificação dos cursos de capacitação sobre HIV/AIDS:
ANO
NOME DO CURSO
INSTITUIÇÃO ORGANIZADORA
Falando da sua atuação profissional:
19 - Tempo de atuação na instituição / ano de início:
_____anos __________ meses
Ano de início ________________
20 - Setor onde trabalha:
21 - Tempo de atuação no setor: _____ _______meses
22 - Turno de trabalho:
( ) diarista
( ) plantão diurno
( ) plantão noturno
23 - Tempo de atuação como enfermeira / ano de início da atuação:
______ anos __________ meses
Ano de início ________________
149
24 - Função:
( ) Enfermeira Assistencial
( ) Chefia / Coordenação / Gerência / Supervisão
( ) Outra, especificar: ________________________________________________
25 - Setores e funções nos quais atuou na instituição:
PERIODO
SETOR
FUNÇÃO
1º
2º
3º
4º
5º
26 – Em quantas instituições você trabalha em enfermagem atualmente?
( )1
( )2
( ) mais de 2
27 – No caso de duas instituições, qual o tipo da segunda?
( ) Hospital
( ) Ambulatório
( ) CMS
( ) Instituição de ensino, especificar: ___________________________________
28 - Função exercida na segunda instituição:
( ) auxiliar de enfermagem
( ) técnico de enfermagem
( ) enfermeiro
( ) docente
( )Outras, especificar __________________________________
29 – Percurso profissional - atuações profissionais anteriores em instituições de saúde:
INSTITUIÇÃO
SETOR
FUNÇÃO
PERÍODO
1º. Emprego
2º. Emprego
3º. Emprego
30 - Tempo de atuação com pacientes soropositivos ao HIV / ano de início:
______ anos __________ meses
Ano de início ________________
31 - Tipo de contato predominante com pacientes / clientes com HIV/AIDS nos primeiros casos:
( ) físico
( ) verbal
( ) físico e verbal
( ) nenhum
( ) outro, especificar:______________________________________________
150
32 - Tipo de contato predominante com pacientes / clientes com HIV/AIDS atualmente:
( ) físico
( ) verbal
( ) físico e verbal
( ) nenhum
( ) outro, especificar:_______________________________________________
33 – No caso de existência de contato, freqüência de contato com clientes / pacientes com HIV/AIDS
nos primeiros casos:
( ) diário
( ) semanal
( ) quinzenal
( ) esporádico
34 – No caso de existência de contato, freqüência de contato com clientes / pacientes com
HIV/AIDS atualmente:
( ) diário
( ) semanal
( ) quinzenal
( ) esporádico
Falando da sua vida privada:
35 - Você conhece alguma pessoa que é portadora do HIV?
( ) sim
( ) não ( ) não sei
Se sim :
36 - Quem é essa pessoa ?
( ) um parente
( ) um amigo
( ) um colega de trabalho
( ) um parceiro sexual ou antigo parceiro
( ) uma pessoa sobre a qual você ouviu falar, mas sem conhecê-la
( ) outro, especificar ______________________________________________
( ) não sei responder
37 - Você mesma, já fez o teste HIV alguma vez?
( ) sim
( ) não
( ) não sei
38 – Sabe qual foi o resultado?
( ) sim
( ) não
39 - Você mesma, é soropositiva?
( ) sim
( ) não ( ) não sei
Se não:
40 - Você já pensou estar contaminada pelo vírus da AIDS alguma vez?
( ) sim
( ) não
41 - No caso de profissional da 1ª Geração, indicar outras enfermeiras que também trabalharam no
início da epidemia (década de 80):
NOME
LOCAL DE ATUAÇÃO
Data de aplicação do questionário: ________________
FORMA DE CONTATO
151
Observações do Entrevistado após a entrevista:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
Observações do Entrevistador após a entrevista:
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
152
APÊNDICE B - Roteiro Temático
REPRESENTAÇÕES DO HIV/AIDS
Entendimento do HIV/aids ; dimensões implicadas nessa compreensão; explorar
conceitos, sentimentos, imagens e valores associados ao HIV/aids manifestos pelos
entrevistados e pelos outros profissionais. Percepção sobre as pessoas que vivem
com o HIV/AIDS; explorar conceitos, sentimentos, imagens e valores associados às
pessoas que vivem com o HIV/aids; identificar relações entre os diferentes grupos
atingidos e a epidemia HIV/aids; perfil dos familiares, dos amigos, dos
companheiros; suas reações diante deles.
REPRESENTAÇÕES DO CUIDADO DE SAÚDE E ENFERMAGEM
Entendimento do cuidado a pessoas com HIV/Aids; dimensões implicadas nesse
cuidado; explorar conceitos, sentimentos, imagens e valores associados ao HIV/Aids
e às ações de cuidado profissional dirigidas a pessoas com HIV/Aids, manifestos
pelos entrevistados e pelos outros profissionais.
O CUIDADO VOLTADO AS PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS NA
ATUALIDADE
A situação atual: perfil dos doentes e da doença, perfil dos cuidados prestados,
relação cuidados-doença, principais receios dos profissionais ao cuidar, principais
medos dos doentes e familiares expressos durante o cuidado, autocuidado
profissional, avaliação dos doentes e familiares frente aos cuidados prestados.
PRÁTICAS INSTITUCIONAIS
Existência de normatização para as práticas de cuidado dirigidas a pessoas com
HIV/Aids;
treinamentos
específicos
para
esse
cuidado;
disponibilidade
de
equipamentos de proteção; organização de associações profissionais, etc.
PRÁTICAS E RELAÇÕES PROFISSIONAIS
Explorar o HIV/Aids inserido na prática profissional cotidiana; identificar a influência
do HIV/Aids no desenvolvimento de técnicas de cuidado, no relacionamento com os
153
pacientes, no relacionamento com outros profissionais, na organização do processo
de trabalho e nos sentimentos em relação ao próprio trabalho.
PRÁTICAS DE PROTEÇÃO ADOTADAS PELOS PROFISSIONAIS E PELOS
ENFERMEIROS
Práticas adotadas para a sua proteção, para a proteção dos outros, para a proteção
dos doentes no trabalho cotidiano, na vida pessoal, nas relações amorosas, nas
relações sociais.
154
APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Eu, ______________________________________, RG:________________
ciente das informações prestada pelos pesquisador, concordo em participar da
pesquisa intitulada
Representações Sociais da Aids: estudo comparativo entre
enfermeiras das redes básica e hospitalar, que tem como objetivo principal : analisar
as representações sociais da aids para enfermeiras e suas implicações para o
cuidado. Fui comunicado(a) que esta pesquisa está sendo desenvolvida pelo
enfermeiro Bruno Rafael Gomes Valois, que é aluno do Programa de Pós
Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ, e
tem como orientadora a Profª Titular Denize Cristina de Oliveira, lotada no
departamento de Fundamentos de Enfermagem da FENF/UERJ.
Declaro estar de acordo em participar da pesquisa, respondendo a entrevista
e que este momento seja gravado em fita cassete ou registrado em papel para
posterior transcrição e análise pelos pesquisadores. Fui informado (a) que em
nenhum momento serei exposto(a) a riscos, devido à participação nesta pesquisa, e
que poderei, em qualquer fase da mesma, solicitar esclarecimentos, bem como
recusar a dar continuidade a minha participação, sem nenhum prejuízo para a minha
pessoa. Reconheço, também, que as respostas obtidas serão usadas apenas para
fins científicos e divulgadas através de trabalhos em eventos acadêmico-científicos,
sem qualquer identificação da minha pessoa. Informo estar esclarecido (a) que não
terei nenhum tipo de despesa ou gratificação pela participação nesta pesquisa, e
que terei acesso aos resultados publicados em periódicos científicos. Conforme o
exposto, concordo voluntariamente em participar da referida pesquisa.
Local, _____ de ___________________ de 20__.
___________________________
Pesquisador
____________________________
Entrevistado
Telefones para contato: Bruno Valois (21) 81849595/ (21) 32340644
e-mail: [email protected]
155
APÊNDICE D - Variáveis Alceste e suas Codificações
1) Grupo Institucional
Grupo Institucional
Hospital
Rede Básica
Código
inst_hosp
inst_sp
2) Idade
Idade
25 a 34 anos
35 a 44 anos
45 a 54 anos
Mais que 54 anos
Código
id_01
id_02
id_03
id_04
3) Estado conjugal atual
Estado conjugal atual
Solteira / não possui namorado ou
companheiro
Casada / vive com companheiro / união
estável
Possui companheiro fixo, mas não vive
com ele
Código
econj_solt
econj_cas
econj_comp
4) Tempo de atuação como enfermeira
Tempo de atuação como enfermeira
Menos de 05 anos
06 a 15 anos
16 a 25 anos
26 a 35 anos
Mais que 35 anos
Código
tenf_01
tenf_02
tenf_03
tenf_04
tenf_05
5) Tempo de atuação com pacientes HIV/AIDS
Tempo de atuação com pacientes
HIV/AIDS
Menos de 05 anos
06 a 10 anos
11 a 15 anos
16 a 20 anos
Mais que 20 anos
Código
thiv_01
thiv _02
thiv _03
thiv _04
thiv _05
156
6) Tipo de contato predominante com pacientes/clientes com HIV/AIDS atualmente
Tipo de contato
físico
verbal
físico e verbal
nenhum
outro
Código
cont_1
cont_2
cont_3
cont_4
cont_5
7) Frequência de contato com clientes / pacientes com HIV/aids atualmente
Frequência de contato
diário
semanal
quinzenal
esporádico
nenhum
Código
freq_1
freq_2
freq_3
freq_4
freq_5
8) Participação em cursos de capacitação sobre HIV/aids
Participação em cursos
Código
Sim
não
cur_s
cur_n
9) Pensou estar contaminada pelo vírus da aids
Pensou estar contaminada
Sim
não
Código
econt_s
econt_n

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