Metrópolis em Revista 4 - Comec

Transcrição

Metrópolis em Revista 4 - Comec
ISSN 1518-0972
EM REVISTA
nº 4
COMEC
Diálogos Metropolitanos
COMEC
EM REVISTA
SUMÁRIO
EDITORIAL
03
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DO PDI/2002
05
Zulma Schussel
GRANDE CURITIBA: UM OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO URBANA
15
Vicente de Castro Neto
AS QUESTÕES ESTRUTURAIS DO PLANEJAMENTO METROPOLITANO
29
David Harvey
CENÁRIOS INTERNACIONAIS EM PLANEJAMENTO METROPOLITANO
35
Rubens Pesci
FOMENTO, LOGÍSTICA E DESENVOLVIMENTO DAS METRÓPOLES
41
Félix Damette
POLIS - O PROGRAMA PORTUGUÊS PARA QUESTÕES URBANO AMBIENTAIS E A SUA CONTRIBUIÇÃO
PARA A POLÍTICA URBANA E AÇÕES INOVADORAS EUROPÉIAS
51
Francisco Nunes Correia, Maria do Rosário Partidário
TERRITORIOS INTELIGENTES: NUEVOS HORIZONTES EN EL URBANISMO
61
Alfonso Vegara
INFORMAÇÕES GERAIS
69
Metrópolis em Revista
1
JAIME LERNER
Governador
YÁRA EISENBACH
Secretária do Planejamento e Coordenação Geral
COMEC
PAULO YOSHIKATSU KAWAHARA
Diretor Presidente
GIL FERNANDO BUENO POLIDORO
Diretor Adjunto
MARIA LUIZA MALUCELLI ARAÚJO
Diretora Técnica
FERNANDO CALDEIRA
Diretor Administrativo-Financeiro
RICARDO FUMIO HAYASHI
Diretor de Implantação e Transportes
METRÓPOLIS EM REVISTA
CONSELHO EDITORIAL
Clóvis Ultramari
Gil Fernando Bueno Polidoro
Paulo Yoshikatsu Kawahara
Zulma das Graças Lucena Schussel
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Zulma da Graças Lucena Schussel
EDITORAÇÃO
Angela Pilotto
Graziella Brunetti
REVISÃO
Antônia Schwindeg
APOIO TÉCNICO
Celeste Naomi Inada Kiwara
Gerson Luiz Ferreira
Metrópolis em Revista aceita colaboração de trabalhos
nas áreas de planejamento urbano e regional, meio
ambiente e desenvolvimento.
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CAPA
Celeste Naomi Inada Kiwara
Depósito legal junto à Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1823,
de 20 de dezembro de 1907.
Metrópolis em revista / Coordenação da Região Metropolitana
de Curitiba. - vol. 4, n.1- 2002 - . - Curitiba: COMEC.
1. Planejamento regional – Região Metropolitana de
Curitiba.
CDD (711.43)
CDU (711.432)(035)(816.2 RMC)
IMPRESSO NO BRASIL / PRINTED IN BRAZIL
2
Metrópolis em Revista
EDITORIAL
Em maio de 2002, a COMEC realizou o Seminário Internacional “Diálogos Metropolitanos”, que se
constituiu numa das atividades do processo de construção participativa do Plano de Desenvolvimento Integrado
da RMC – PDI-RMC/2002.
A proposta metodológica do Plano prevê uma intensa participação da sociedade na sua elaboração,
que, nessa fase, consistiu no que se chamou de “contribuição externa”; isto é, a absorção de experiências das
demais regiões metropolitanas brasileiras e de experts internacionais sobre o assunto.
Esta edição da Metropólis em Revista publica, entre outros assuntos, transcrições de palestras proferidas no referido Seminário, com o intuito de registrar algumas das principais colaborações à elaboração do PDIRMC/2002.
O artigo “A Participação Social na Construção do PDI/2002” refere-se à proposta metodológica do plano
e aos resultados alcançados até o momento.
O artigo “Grande Curitiba: um olhar sobre a evolução urbana” é uma importante abordagem sobre a
história da ocupação urbana da Região Metropolitana. É de autoria de um dos fundadores da COMEC, seu
primeiro presidente e coordenador do PDI-RMC/1978, arquiteto Vicente Ferreira de Castro, atualmente um dos
consultores do PDI-RMC/2002.
Os demais artigos referem-se às transcrições das palestras proferidas pelos convidados internacionais.
São eles: David Harvey – geógrafo da City University of New York, EUA; Alfonso Vegara – arquiteto, da Fundación
Metropoli, Madrid, Espanha; Ruben Pesci – arquiteto, presidente da FLACAM – Faculdade Latino-Americana de
Ciências Ambientais, Buenos Aires, Argentina; Félix Damette – geógrafo, consultor francês junto ao PDI-RMC/
2002, pelo Consórcio SOGREAH/ Cobrape/ Groupe Huit, e Francisco Nunes Pereira – engenheiro civil, representante do Ministério do Meio Ambiente de Portugal.
Optou-se por não publicar neste número as palestras dos conferencistas nacionais pelo fato de a edição
anterior desta Revista ter sido dedicada às Regiões Metropolitanas brasileiras, apresentadas no Seminário
“Diálogos Metropolitanos”.
Coordenação Editorial
Metrópolis em Revista
3
4
Metrópolis em Revista
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DO PDI/2002
Zulma Schussel*
**
Angela Pilotto
A gestão metropolitana tem sido um dos mais importantes desafios das entidades públicas de
planejamento urbano e regional nas últimas décadas. A institucionalização das Regiões Metropolitanas, em 1973,
impôs aos poderes públicos estaduais e municipais a obrigatoriedade de uma convivência na gestão nos
assuntos de interesse comum de caráter supramunicipal – o que nem sempre mostrou ser de fácil implementação.
A visão municipalista da Constituição de 88 não trouxe auxílio na construção de pactos regionais e, de certa
forma, enfraqueceu a atuação dos órgãos gestores metropolitanos no país. A falta de instrumentos legais que
legitimassem sua atuação promoveu a extinção de alguns e a reformulação do objetivo institucional de outros.1
Recentemente, o Estatuto da Cidade abriu uma nova perspectiva sobre o assunto, quando definiu o
planejamento metropolitano como um dos instrumentos da política urbana e tornou “obrigatória e significativa a
participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade” 2 no
controle direto de suas atividades.
Considerando que se trata de uma legislação recente, ainda em fase de assimilação tanto pela sociedade
como pelo próprio poder público, é difícil avaliar os resultados de sua implementação, mas é possível prever
uma evolução do modelo de gestão instituído na década de 1970, o qual centralizava no poder público estadual
a responsabilidade de deliberação.3
Nesse sentido, a Região Metropolitana de Curitiba, criada em 1973 pela Lei complementar n.º14, está
assumindo uma tarefa inovadora de empreender um processo de participação popular para a elaboração do
novo plano de desenvolvimento integrado regional.
A Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba – COMEC, instituição criada em 1975 pelo governo
estadual com o objetivo de coordenar e articular as funções públicas de interesse comum, foi responsável pelo
primeiro plano de desenvolvimento integrado em 1978, que se consubstanciou no único instrumento de
planejamento de caráter metropolitano que vigorou nestes últimos vinte e quatro anos. Sua realização atendeu
aos preceitos de planejamento da época e teve importantes conquistas do ponto de vista da organização do
território regional. No entanto, o Plano não foi internalizado pelas estruturas municipais de planejamento em
função do falso dilema sobre a soberania municipal nos assuntos referentes ao uso do solo urbano, que
obscurece o fato de que uma região metropolitana é uma grande área urbana que extrapolou os limites administrativos municipais, e cujos problemas, para serem solucionados, devem ter um tratamento sistêmico.
A Região Metropolitana de Curitiba nas últimas décadas passou por grandes transformações de caráter
econômico e social, que obrigaram o poder público estadual a rever as estratégias de desenvolvimento
propugnadas naquele primeiro documento. Para isso, deu-se início à elaboração do novo plano de desenvolvimento com a adoção de um modelo de planejamento que dá prioridade à criação de consensos mediante a
participação social intensa.
A metodologia adotada previu cinco fases de trabalho: preparação, diagnóstico, proposição, consolidação e execução.
A fase preparatória, que ocorreu do segundo semestre de 2000 até outubro de 2001, constituiu-se na
elaboração pela COMEC do “Documento para Discussão”. Neste documento foi apresentada a visão da entidade sobre as principais questões metropolitanas. Nessa mesma fase, foram estabelecidos o primeiro roteiro da
política de comunicação e uma proposta conceitual para o desenvolvimento do trabalho.
* Arquiteta, Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Integrado da RMC/2002, Professora de Planejamento Urbano do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC/
PR, Doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento na UFPR.
** Colaboradora, estagiária do PDI-RMC/2002, acadêmica do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPR.
1 Como exemplos, poderíamos citar entre outros: a FUNDREM, no Rio de Janeiro, e a PLAMBEL, em Belo Horizonte, que foram extintas e não tiveram nenhuma outra
instituição no seu lugar ; já a FIDEM (Recife), METROPLAN (Porto Alegre) e CONDER (Salvador) tiveram o espectro de suas atividades ampliado para todo o Estado.
2 Artigo n.º 45 da Lei Federal n.º 10.257/01.
3 A composição do Conselho Deliberativo definida pela legislação federal (lei no 14/73) previa a participação de “5 membros de reconhecida capacidade técnica
administrativa, nomeados pelo Governador do Estado, sendo um deles dentre os nomes que figuram em lista tríplice feita pelo Prefeito da Capital e outro mediante
indicação dos demais municípios integrantes da Região Metropolitana”.
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Metrópolis em Revista
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A segunda fase consistiu na organização do processo de comunicação do Plano. A estratégia de
comunicação adotada foi, primeiramente, apresentar aos prefeitos o “Documento para Discussão”, em uma
reunião na Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Curitiba - ASSOMEC.
Como estratégia de organização da participação da sociedade, constituíram-se três grupos de contribuição: o comitê dos municípios, formado pelos representantes das prefeituras municipais; o comitê dos
órgãos públicos, formado pelos representantes dos órgãos públicos federais, municipais e estaduais; e o
comitê da sociedade civil, composto pelos vários segmentos representativos da sociedade (entidades de
classe, entidades patronais, organizações não-governamentais de caráter social e ambiental, universidades e
associações de ensino e pesquisa, empresas privadas, totalizando 26 representantes municipais, 32 representantes dos órgãos públicos e 28 representantes da sociedade civil).
Outra estratégia de comunicação adotada foi a aplicação de questionários, com o objetivo de verificar a
percepção da sociedade sobre a questão metropolitana. Foram formulados três blocos de questionários:
1.Para os prefeitos, procurando identificar a percepção dos municípios sobre sua posição na Região
Metropolitana, as vantagens e desvantagens, e as maiores preocupações com o futuro de cada um deles.
2.Para pessoas representativas por suas habilidades em suas áreas de atuação, com o objetivo de
compreender como a sociedade entende a região, suas expectativas e apreensões. Foram distribuídos 150
questionários pelo correio, e o retorno foi em torno de 25%.
3.Para a população em geral, por meio de uma pesquisa de campo, com uma amostra de aproximadamente mil pessoas entrevistadas, em andamento, com o mesmo objetivo anterior, sendo que a diferença está na
amostragem 4 , que abrange toda a população regional. Esse mesmo questionário está sendo aplicado nas
instituições integrantes dos comitês de colaboração e será aplicado pelos próprios representantes nos comitês.
O objetivo é captar a capacidade de capilaridade do processo de participação dentro das instituições envolvidas na discussão do plano.
Na fase de diagnóstico, o objetivo do processo de participação foi trazer as contribuições externas para
o plano, por meio de reuniões com os comitês. Essas reuniões foram organizadas em dois blocos, um priorizando
o território e outro, os temas setoriais.
No primeiro, foi feita uma divisão da Região em cinco grupos de municípios, em função da proximidade
física entre eles e foram organizadas reuniões locais, com a participação dos técnicos das municipalidades.
As reuniões com os municípios tiveram um resultado positivo para o Plano, uma vez que apresentaram
a perspectiva local sobre temas metropolitanos, além de apontarem para os principais problemas de caráter
local, que para sua solução necessitam de abordagem intermunicipal. A tabulação das informações que resultaram dessas reuniões está apresentada nos mapas a seguir.
No segundo bloco, foram considerados os temas setoriais definidos na primeira fase do Plano: Componente Físico-Territorial; Desenvolvimento Econômico; Desenvolvimento Social; Desenvolvimento Institucional;
Habitação; Recursos Hídricos; Transportes e Sistema Viário. As reuniões tiveram como participantes, além dos
representantes dos comitês, técnicos e profissionais especialistas nas áreas temáticas. As sínteses das discussões estão apresentadas no quadro a seguir.
Durante a fase de diagnóstico, foram disponibilizados os relatórios produzidos pelos consultores aos
representantes dos Comitês, para análise e sugestões. O retorno foi pequeno, principalmente por parte dos
municípios.
Ainda nessa etapa de busca de contribuições externas, foi realizado o Seminário Internacional “Diálogos
Metropolitanos”, que teve como palestrantes, pesquisadores e urbanistas com experiência internacional (David
Harvey (EUA), Rubens Pesci (Argentina), Alfonso Vegara (Espanha), Félix Damette (França), Francisco Nunes
Correia (Portugal), entre outros); membros do Fórum Nacional de Entidades Metropolitanas, que reúne as
entidades metropolitanas brasileiras e a comunidade regional em geral. O evento contou com uma participação
bastante significativa, com uma média de 500 participantes, confirmando o interesse pelo tema metropolitano.
Para o encerramento da fase de diagnóstico, foi realizado um workshop em que a COMEC apresentou
o produto resultado dos trabalhos realizados pela consultoria.
4 Foram coletadas entrevistas com a população em todos os 26 municípios da RMC.
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Metrópolis em Revista
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MAPA 01: Tabulação das prioridades estabelecidas pelos municípios do Grupo 1, por área setorial, na reunião
realizada em São José dos Pinhais, em 15/03/02, em ordem decrescente de número de ocorrências.
SISTEMA VIÁRIO/
TRANSPORTES
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
CAMPINA GRANDE DO SUL
DESENVOLVIMENT0
INSTITUCIONAL
QUATRO BARRAS
CURITIBA
PR-506
PINHAIS
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
PR-4
15
PIRAQUARA
RECURSOS
HÍDRICOS
BR-27
7
SÃO JOSÉ
DOS PINHAIS
HABITAÇÃO
SOCIAL
ORDENAMENTO
FÍSICO TERRITORIAL
design: alfredas
pdi
GRUPO 1
Fonte: PDI-RMC/2002/COMEC. design gráfico: Alfredas.
Integração do sistema viário e transporte público regionalmente
SISTEMA VIÁRIO/
TRANSPORTES
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
DESENVOLVIMENT0
INSTITUCIOINAL
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
Impactos do Contorno Leste
Integração tráfego regional X local
Geração de emprego e renda
Promoção do turismo ecológico
Destinação final dos resíduos sólidos
Modelo de gestão integrada metropolitana
Integração das políticas sociais com o uso e ocupação do solo
DR. ULYSSES
Integração de políticas sociais (educação e saúde)
ADRIANÓPOLIS
CERRO AZUL
TUNAS DO PARANÁ
RECURSOS
HÍDRICOS
Definição do uso da represa do capivari
RIO BRANCO DO SUL
BOCAIÚVA DO SUL
ITAPERUÇU
CAMPO MAGRO
COLOMBO
ALMIRANTE
TAMANDARÉ
Medidas compensatórias
CAMPO LARGO
PINHAIS
CURITIBA
BALSA NOVA
HABITAÇÃO
SOCIAL
Tratamento integrado na solução do déficit habitacional
ORDENAMENTO
FÍSICO TERRITORIAL
Integração do PDI com os planos municipais
CAMPINA GRANDE DO SUL
QUATRO
BARRAS
PIRAQUARA
ARAUCÁRIA
SÃO JOSÉ
DOS PINHAIS
FAZENDA RIO
GRANDE
LAPA
CONTENDA
MANDIRITUBA
QUITANDINHA
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.5-13, 2002
TIJUCAS DO SUL
AGUDOS DO SUL
RMC: Grupo 01
Metrópolis em Revista
7
MAPA 2: Tabulação das prioridades estabelecidas pelos municípios do Grupo 2, por área setorial, na reunião
realizada em Araucária, em 19/03/02, em ordem decrescente de número de ocorrências.
RECURSOS
HÍDRICOS
HABITAÇÃO
SOCIAL
CAMPO LARGO
DESENVOLVIMENTO
INSTITUCIONAL
CURITIBA
BR-277
ARAUCÁRIA
BALSA NOVA
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
6
47
BR-
+
potencial
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
local
+
BR-116
CONTENDA
FAZENDA RIO
GRANDE
SISTEMA VIÁRIO/
TRANSPORTES
ORD. FÍS. TERRITORIAL
design: alfredas
MANDIRITUBA
GRUPO 2
Fonte: PDI-RMC/2002/COMEC. design gráfico: Alfredas.
Definição das futuras áreas de mananciais
RECURSOS
HÍDRICOS
Implantação da rede de esgoto
Fiscalização das áreas de mananciais
Controle das ocupações irregulares
HABITAÇÃO
SOCIAL
Medidas compensatórias pelo ônus do incremento populacional
Definição de áreas de interesse social
Gestão metropolitana de transporte coletivo e integração viária
DESENVOLVIMENTO
INSTITUCIOINAL
Processo decisório mais participativo
Gestão consorciada
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
Respeito à vocação dos municípios
DR. ULYSSES
Qualificação de mão-de-obra gerando emprego e renda
ADRIANÓPOLIS
CERRO AZUL
TUNAS DO PARANÁ
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
RIO BRANCO DO SUL
BOCAIÚVA DO SUL
Integração políticas de saúde
ITAPERUÇU
CAMPO MAGRO
CAMPINA GRANDE DO SUL
QUATRO BARRAS
CAMPO LARGO
BALSA NOVA
SISTEMA VIÁRIO/
TRANSPORTES
COLOMBO
ALMIRANTE
TAMANDARÉ
Conflitos e potencialidades na BR-116 e rodovia do Xisto
PINHAIS
CURITIBA
ARAUCÁRIA
PIRAQUARA
SÃO JOSÉ
DOS PINHAIS
FAZENDA
RIO
GRANDE
CONTENDA
LAPA
MANDIRITUBA
QUITANDINHA
TIJUCAS DO SUL
AGUDOS DO SUL
ORD. FÍSICO TERRITORIAL
8
Metrópolis em Revista
RMC: Grupo 02
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.5-13, 2002
MAPA 3: Tabulação das prioridades estabelecidas pelos municípios do Grupo 3, por área setorial, na reunião
realizada em Quitandinha, em 22/04/02, em ordem decrescente de número de ocorrências.
SISTEMA VIÁRIO /
TRANSPORTES
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
CONTENDA
LAPA
QUITANDINHA
RECURSOS
HÍDRICOS
TIJUCAS DO SUL
ICMS
HABITAÇÃO SOCIAL
ecológico
DES. INSTITUCIONAL
AGUDOS DO SUL
design: alfredas
ORD. FÍS. TERRITORIAL
GRUPO 3
Fonte: PDI-RMC/2002/COMEC.design gráfico: Alfredas
Integração do transporte público
SISTEMA VIÁRIO /
TRANSPORTES
Melhoria da rodovia do Xisto
Duplicação da BR-116
Capacitação de mão-de-obra
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
Desenvolvimento industrial
Melhoria da telefonia celular e integração DDD
Integração da saúde e hospital regional
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
Acesso ao ensino médio
Evitar imigração de baixa renda
Segurança pública
Implantação de saneamento básico
RECURSOS
HÍDRICOS
Integração ao ICMS ecológico
DR. ULYSSES
ADRIANÓPOLIS
Definição dos mananciais futuros
CERRO AZUL
TUNAS DO PARANÁ
RIO BRANCO DO SUL
BOCAIÚVA DO SUL
ITAPERUÇU
CAMPO MAGRO
HABITAÇÃO SOCIAL
COLOMBO
ALMIRANTE
TAMANDARÉ
CAMPINA GRANDE DO SUL
QUATRO BARRAS
CAMPO LARGO
PINHAIS
CURITIBA
BALSA NOVA
PIRAQUARA
ARAUCÁRIA
SÃO JOSÉ
DOS PINHAIS
DES. INSTITUCIONAL
CONTENDA
FAZENDA RIO
GRANDE
LAPA
MANDIRITUBA
QUITANDINHA
TIJUCAS DO SUL
ORD. FÍSICO TERRITORIAL
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.5-13, 2002
AGUDOS DO SUL
RMC: Grupo 03
Metrópolis em Revista
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MAPA 4: Tabulação das prioridades estabelecidas pelos municípios do Grupo 4, por área setorial, na reunião
realizada em Tunas do Paraná, em 02/04/02, em ordem decrescente de número de ocorrências.
SISTEMA VIÁRIO /
TRANSPORTES
DR. ULYSSES
PR
09
2
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
34
0
BR
PR
47
6
ADRIANÓPOLIS
CERRO AZUL
TUNAS DO PARANÁ
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
RECURSOS
HÍDRICOS
DES. INSTITUCIONAL
BOCAIÚVA DO SUL
HABITAÇÃO SOCIAL
+
potencial
local
+
design: alfredas
ORD. FÍS. TERRITORIAL
GRUPO 4
Fonte: PDI-RMC/2002/COMEC.design gráfico: Alfredas.
Conclusão do asfalto da BR-476
SISTEMA VIÁRIO /
TRANSPORTES
Integração do sistema de transporte coletivo
Interligação do norte do Paraná, Dr. Ulysses, Cerro Azul e litoral
(PR-092 e PR-340)
Melhoria das estradas secundárias e ligações intra-municipais
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
Desenvolvimento das cadeias produtivas locais:
Madeira
Agricultura
Turismo rural
Mineração
Melhoria da comunicação (telefonia)
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
Desenvolvimento da saúde e hospital regional
RECURSOS
HÍDRICOS
Desenvolvimento do potencial hídrico do Karst
DES. INSTITUCIONAL
Valorização da identidade cultural do Vale da Ribeira
Saneamento básico
DR. ULYSSES
ADRIANÓPOLIS
Definição dos mananciais futuros
CERRO AZUL
TUNAS DO PARANÁ
RIO BRANCO DO SUL
BOCAIÚVA DO SUL
ITAPERUÇU
CAMPO MAGRO
COLOMBO
ALMIRANTE
TAMANDARÉ
CAMPINA GRANDE DO SUL
QUATRO BARRAS
CAMPO LARGO
PINHAIS
CURITIBA
BALSA NOVA
PIRAQUARA
ARAUCÁRIA
SÃO JOSÉ
DOS PINHAIS
HABITAÇÃO SOCIAL
FAZENDA RIO
GRANDE
LAPA
CONTENDA
MANDIRITUBA
QUITANDINHA
TIJUCAS DO SUL
ORD. FÍSICO TERRITORIAL
10
Metrópolis em Revista
AGUDOS DO SUL
RMC: Grupo 04
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.5-13, 2002
MAPA 5: Tabulação das prioridades estabelecidas pelos municípios do Grupo 5, por área setorial, na reunião
realizada em Almirante Tamandaré, em 09/04/02, em ordem decrescente de número de ocorrências.
RECURSOS
HÍDRICOS
ICMS
ecológico
RIO BRANCO DO SUL
+
potencial
local
+
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
ITAPERUÇU
CAMPO MAGRO
COLOMBO
ALMIRANTE
TAMANDARÉ
SISTEMA VIÁRIO /
TRANSPORTES
DES. SOCIAL
CURITIBA
HABITAÇÃO
SOCIAL
DESENVOLVIMENTO
INSTITUCIONAL
design: alfredas
ORD. FÍS. TERRITORIAL
GRUPO 5
Fonte: PDI-RMC/2002/COMEC.design gráfico: Alfredas.
Implantação de saneamento e drenagem
Sustentabilidade e preservação ambiental
RECURSOS
HÍDRICOS
Potencial da área de KARST
Monitoramento e fiscalização das APAs
Medidas compensatórias
Alteração da Lei do ICMS ecológico
Valorização dos potenciais locais
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
Geração de emprego e renda
Criação de fundo de industrialização
Integração do sistema de transporte coletivo
SISTEMA VIÁRIO /
TRANSPORTES
Logística regional e acessos
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
Capacitação de mão-de-obra
Implantação de infra-estrutura nos bairros periféricos
HABITAÇÃO SOCIAL
Descentralização dos recursos habitacionais
Definição de políticas habitacionais
Conclusão do Contorno Norte
Integração inter-municipal
DR. ULYSSES
ADRIANÓPOLIS
CERRO AZUL
TUNAS DO PARANÁ
ITAPERUÇU
RIO BRANCO DO SUL
BOCAIÚVA DO SUL
CAMPO
MAGRO
COLOMBO
ALMIRANTE
TAMANDARÉ
CAMPINA GRANDE DO SUL
QUATRO BARRAS
CAMPO LARGO
PINHAIS
CURITIBA
BALSA NOVA
PIRAQUARA
ARAUCÁRIA
SÃO JOSÉ
DOS PINHAIS
DES. INSTITUCIONAL
Gestão do transporte metropolitano
FAZENDA RIO
GRANDE
LAPA
CONTENDA
MANDIRITUBA
QUITANDINHA
TIJUCAS DO SUL
ORD. FÍSICO TERRITORIAL
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.5-13, 2002
AGUDOS DO SUL
RMC: Grupo 05
Metrópolis em Revista
11
MAPA 6: Tabulação das prioridades estabelecidas pelos municípios, por área setorial, nas reuniãoes municipais, em ordem decrescente de número de ocorrências.
pdi
RECURSOS
HÍDRICOS
DR. ULYSSES
ADRIANÓPOLIS
BR
-47
6
CERRO AZUL
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
TUNAS DO PARANÁ
-0
PR
92
RIO BRANCO DO SUL
ITAPERUÇU
SIST. VIÁRIO/
TRANSPORTES
BOCAIÚVA DO SUL
CAMPO MAGRO
ALMIRANTE
TAMANDARÉ
COLOMBO
CAMPINA GRANDE DO SUL
PR-090
QUATRO BARRAS
CAMPO LARGO
PR-506
PINHAIS
CURITIBA
+
PR-41
5
BR-277
local
ARAUCÁRIA
SÃO JOSÉ
DOS PINHAIS
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
potencial
PIRAQUARA
BALSA NOVA
BR-27
7
Para
na
guá
+
FAZENDA RIO
GRANDE
BR-476
DESENVOLVIMENTO
INSTITUCIONAL
CONTENDA
LAPA
QUITANDINHA
MANDIRITUBA
HABITAÇÃO
SOCIAL
BR-376
16
BR-1
TIJUCAS DO SUL
AGUDOS
DO SUL
design: alfredas
ORD. FÍS. TERRITORIAL
RMC
Fonte: PDI-RMC/2002/COMEC. design gráfico: Alfredas.
Os resultados das reuniões da fase do diagnóstico como parte do processo de participação foram
incorporados na produção do diagnóstico do plano. Como em todo processo que envolve a participação,
mudanças foram necessárias durante o percurso, o que resultou em melhorias significativas para o objetivo
proposto.
Na etapa de proposição, estão sendo elaborados os cenários prospectivos para a Região com vistas a
obter consenso da sociedade sobre o cenário desejado para o futuro regional.
Na fase de consolidação, serão estabelecidas as ações prioritárias para a consecução desse cenário e
estudadas as formas de viabilizá-las com recursos técnicos e financeiros.
Por último, a partir de janeiro de 2003, inicia-se uma nova fase, de implementação do plano, que deverá
sofrer um monitoramento constante pela sociedade, possibilitando as correções de rumo que forem necessárias.
Considerou-se na construção metodológica do plano, a relevância do Estado como agente de animação
social, promovendo a sinergia entre os diversos agentes, catalisando o fluxo de informações metropolitanas e
reciclando-as de forma estruturada para toda a sociedade.
Esse trabalho representa o passo inicial para a efetiva instalação de um processo de gestão metropolitana participativa. A estruturação de parcerias entre os três grandes grupos (sociedade civil, municípios e órgãos
do poder público) será a garantia para a consecução de um cenário de longo prazo que tenha em vista a
solidariedade, a sustentabilidade e a competitividade, idéias-força do Plano.
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Metrópolis em Revista
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.5-13, 2002
Fonte: Documento “Relatório das Reuniões para a Construção Participativa - Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Curitiba - PDI/2002”.
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.5-13, 2002
Metrópolis em Revista
13
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Metrópolis em Revista
GRANDE CURITIBA: UM OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO URBANA
Vicente de Castro Neto*
“Os vários climas do planalto curitibano,
as pastagens abundantes e fartamente irrigadas,
a terra fértil,
o caminho mais curto a meio termo do mercado de São Paulo
com a região grandemente produtora do Sul,
a floresta repleta de materiais de fácil comércio como a erva-mate
e de construção econômica como o pinho –
são outras tantas condições especialíssimas para as preferências dos que,
como aqueles do século XVIII,
buscam a vida estável, as atividades pacíficas,
a segurança, as expectativas da fortuna,
onde os sucessos dos primeiros povoadores acenam às esperanças
como estrelas guiadoras no firmamento verde dos pinheirais.”
Romário Martins - historiador - 19391 1 DEMANDA X OFERTA
As palavras do eminente historiador paranaense sintetizam bem a atratividade dos assentamentos humanos no planalto curitibano. Do lado da demanda, a pergunta é: o que faz tanta gente querer morar em Curitiba
e seus arredores?
No final do século XX, as cidades despontaram como o local de vida da maior parte dos seres humanos,
uma vez que a parcela da população urbana passou a superar a rural em termos mundiais. Também o número
de cidades que ultrapassam a marca do milhão de habitantes multiplicou-se nesse século, sendo que atualmente
existem até mesmo metrópoles que excedem os 10 milhões, entre elas São Paulo, no Brasil. Basta dizer que em
1801, portanto no início do século XIX, apenas Londres tinha mais de um milhão de habitantes, os quais já
chegavam a 6,5 milhões cem anos depois, em 1900 (hoje estabilizados ao redor de sete milhões).
Seguindo a tendência mundial, em apenas trinta anos, o Brasil viu sua população passar de preponderantemente rural para dominantemente urbana, sendo que oito em cada dez dos seus habitantes se abrigam nas
cidades nesta virada de século. O mesmo ocorreu com o Estado do Paraná, apesar de fortemente embasado
na economia rural, onde também mais de 80% da população vive hoje nas cidades.
Nas capitais com mais de um milhão de habitantes – entre elas Curitiba com cerca de 1,6 milhão – vivem
quase 20% da população total nacional. Se consideradas as aglomerações urbanas com mais de um milhão de
habitantes, identificadas como regiões metropolitanas no censo de 2000, essa proporção quase dobra (37%).
Por sua vez, a Região Metropolitana de Curitiba apresentava uma população de 2,7 milhões de habitantes em 2000, dos quais mais de 90% são urbanos. Estes representavam quase um terço da população urbana
do Estado do Paraná, enquanto somente o município da capital correspondia a 20% da população urbana
paranaense. Ou por outra, de cada dez habitantes do Paraná que moram em cidades, dois moram em Curitiba
e mais um mora nos municípios vizinhos. Portanto, existe uma concentração marcante de população nos
municípios da Região Metropolitana de Curitiba, em face do Estado, principalmente se considerada a parcela
urbana.
Nesses termos, a qualidade da vida da grande maioria das pessoas depende eminentemente da qualidade das suas cidades, pois o hábitat urbano é o que mais influencia a vida das pessoas no mundo, em nosso
* Formado na primeira turma do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná em 1966, onde depois foi professor regente de Teoria do
Planejamento e de Planejamento Urbano e Regional. Participou da equipe do Plano Preliminar de Urbanismo de Curitiba, tendo também criado e coordenado o órgão
responsável pela Região Metropolitana de Curitiba - COMEC, ao mesmo tempo em que dirigiu a elaboração do PDI 1978 - Plano de Desenvolvimento Integrado da Região
Metropolitana, publicado em 1978. É consultor do PDI 2002, que resulta de contrato entre a COMEC e o Consórcio Sogreah – Cobrape, em elaboração.
1 Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2ª Edição.
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.15-27, 2002
Metrópolis em Revista
15
país e na Região Metropolitana de Curitiba. Neste último nível territorial, a população cresceu à taxa média de 3%
ao ano nos últimos vinte anos, o que representa dobrar de população a cada 24 anos, demonstrando a
atratividade desse locus urbano.
Mantida essa taxa histórica, já em 2003 a população metropolitana terá quase 3 milhões de habitantes, os
quais deverão ser cerca de 4 milhões dez anos depois, se nada for feito para intervir nesse tipo de crescimento.
Pelo lado da oferta, o problema é: como prover um espaço urbano equivalente a uma nova cidade para
um milhão de habitantes em dez anos, se esse for o caso, ou em vinte, na melhor das hipóteses?
2 QUALIDADE DE VIDA
Curitiba vem encimando todas as listas de melhores cidades brasileiras para se viver ou se fazer negócios, já há algum tempo. Realizado pela revista Exame2 , estudo recente das cidades brasileiras com cerca de
100 mil habitantes, ou mais, considerou Curitiba como a melhor cidade para fazer negócios no Brasil, por dois
anos consecutivos (2000 e 2001), correspondendo àquela que apresentou a melhor combinação dos indicadores ponderados em relação à média de todos os analisados.
A análise, feita com base em valores absolutos e per capita, resultou em cerca de 85 indicadores para
cada um dos municípios examinados, definindo fatores fundamentais para o ambiente dos negócios, c omo, por
exemplo, o tamanho do mercado em cada cidade, a infra-estrutura disponível, facilidades operacionais como a
proximidade dos grandes mercados consumidores, qualidade de vida e tendência dos investimentos. Para
analisar esses itens, a pesquisa considerou indicadores pertencentes a: população e crescimento, distribuição
de renda e classes sociais, potencial de consumo, educação e grau de escolaridade, saúde, estrutura empresarial, agropecuária, acesso a mercados, segurança, entre outros grupos.
Em Curitiba, o consumo per capita, de 5,2 mil dólares, é mais do que o dobro da média nacional e só
perde para o de Porto Alegre. O seu potencial de consumo é de 8,2 bilhões de dólares, por ano, contra a média
de 1,2 bilhão das 234 cidades brasileiras pesquisadas. Juntas, as famílias das faixas mais altas de renda (classes
A e B) respondem por 74% desse potencial. Sozinho, o setor de serviços responde por 51,2% das atividades
geradoras de renda.
Daí inquirir-se: como se formou e cultivou a qualidade de vida característica de Curitiba, que faz com que
seja eleita por alguém não só para estabelecer-se com seu negócio, mas também com a moradia permanente
de sua família?
Um dos fatores importantes para esse resultado parece-me ter sido o processo de planejamento
urbano institucionalizado, cujos primeiros passos foram ações encetadas ainda na década de 1960 do século
passado, tais como o fechamento aos carros da Rua XV de Novembro, ressurgida como Rua das Flores para
o desfile dos pedestres.
Logo a população tornava-se cúmplice dos urbanistas e exigia tratamento das fachadas dos prédios
antigos ao longo desse novo footing. Em pouco tempo, idéias de novos equipamentos, como teatros e museus,
de mobiliário e de parques urbanos saíam das pranchetas e eram implantadas com o entusiasmo de todos os
curitibanos. Estava definida a trajetória de sucesso para as propostas de melhoria da qualidade urbana, visão
que permaneceu ao longo do tempo, porque se baseou em mudança de paradigmas que construíram uma
identidade urbana muito bem definida.
Por outro lado, a atratividade gerada por esse quadro de qualidade de vida pode provocar descompassos
ocasionados pela migração humana que busca novas apropriações do espaço, às vezes desordenadamente.
Por isso, há que se ter atenção permanente para a deterioração ambiental, sobretudo no continuum urbano
metropolitano.
Com a justificativa do início do terceiro milênio vale a pena tecer considerações sobre a ocupação do
espaço metropolitano de Curitiba, fazendo retrospectiva sobre a evolução passada de modo a provocar o olhar
em perspectiva sobre o que se pode pretender para o conjunto do aglomerado metropolitano neste novo
século.
Esse caminhar do pensamento urbanístico percorre vereda aberta que faz questão de ver o fato urbano
como se fosse pelos olhares da águia mitológica de duas cabeças,3 uma voltada para o passado e outra para
o futuro. A visão à frente perscruta uma rede mundial de cidades (não a web virtual que os computadores
pessoais consagraram, mas a articulação ecumenopolitana4 real, com as principais metrópoles de cada conti16
Metrópolis em Revista
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.15-27, 2002
nente formando hubs - centros de desenvolvimento fortemente interligados nessa visão de mundo do século
XXI).
O que fará da Grande Curitiba uma cidade verdadeiramente mundial? É possível torná-la competitiva
como espaço produtor ao mesmo tempo em que é mantida ambientalmente sadia como espaço habitável,
dentro do conceito de desenvolvimento sustentável, respeitando solidariamente as necessidades de inclusão de
seus habitantes? Para responder à questão, é necessário analisá-la desde as suas origens.
3 EVOLUÇÃO DA OCUPAÇÃO URBANA NO PLANALTO CURITIBANO
Com início no século XVII, a organização do espaço urbano metropolitano se deu de forma satelital, com
os vários assentamentos humanos orbitando em torno do núcleo estelar de Curitiba.
Veja-se a gênese da ocupação urbana no primeiro planalto: a partir dos exploradores participantes de
bandeiras buscando a preação de índios para a escravidão, os Campos Gerais de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais5 mostram a fixação dos primeiros habitantes – como a família de Balthazar Carrasco dos Reis – à época
da elevação de sua principal povoação a vila, em 29 de março de 1693.
Foi reivindicação de seus moradores para se autogovernarem, independentemente da vila de Nossa
Senhora do Rosário de Paranaguá, elevada a essa condição desde 1648. Assim, o novo núcleo urbano poderia
efetivamente exercer sua função de principal centro de arraiais estáveis de mineradores, nessa região então
aurífera.6 Para tal, o capitão-povoador Matheus Martins Leme elege a Câmara de Vereadores e instala a cidade
segundo as ordenações reais portuguesas, fazendo a demarcação dos limites da Vila de Nossa Senhora da Luz
e Bom Jesus dos Pinhais em 1º de maio de 1693, com o que deu posse aos moradores.
Essa gente chegava pelos Caminhos do Assungui e do Arraial Queimado (Bocaiúva – ainda hoje a
estrada velha para São Paulo), instalando-se na Borda do Campo (Atuba, Vilinha – núcleo original depois
abandonado pelos seus habitantes, conforme relatado por Eleodoro Ébano Pereira, e Vila dos Cortes) junto às
fraldas ocidentais da Serra do Mar, para onde concorria também a que subia do litoral pela Estrada da Graciosa
ou confluía ao Arraial Grande (São José dos Pinhais) pela estrada junto ao rio de mesmo nome, continuação do
Rio Sagrado/Cubatão, que é formador da Baía de Guaratuba, ou então passava por Campo Largo vinda de São
Paulo pelo Caminho de Sorocaba.
Os que não quiseram viver sob a nova ordem imperante em Curitiba se afastavam para a Tindiquera, hoje
Araucária, outrora uma aldeia dos índios tinguis que habitavam o planalto curitibano, cuja sesmaria foi doada por
Gabriel de Lara a Domingos Rodrigues da Cunha em 16687 .
Até meados do século XVIII prevaleceu essa situação, quando então as extrações de ouro no terraço
curitibano começaram a rarear, como ocorreu nos arraiais Grande, Cangüiri, Uvaporanga e Purunã8 – estas três
últimas denominações de cercanias existentes até hoje.
2 Liège Fuentes. Curitiba: a nova onda da bicampeã. In Revista Exame: São Paulo, 12 dez 2001. pp. 56 & 57.
3 Constantino Doxiadis. The Two Headed Eagle: From the Past to the Future of Human Settlements. Atenas: Lycabettus Press, 1972.
4 C. A Doxiadis e J. G. Papaioannou. Ecumenopolis: the Inevitable City of the Future. Atenas: Athens Center of Ekistics, 1974.
5 “Nos campos do novo povo de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais” conforme diz a Carta de Sesmaria que a Balthazar Carrasco dos Reis passou Salvador Corrêa de
Sá, Governador do Rio de Janeiro, em 29 de junho de 1661, permitindo-lhe estabelecer-se no Barigüi, já que nesse sítio residia “há alguns anos”, com sua família. ....
Tendo feito parte da bandeira por Antonio Domingues levada ao Rio Uruguai em 1648, quando conheceu os Campos de Curitiba, Balthazar Carrasco dos Reis neles veio
residir acompanhado de parentes, amigos e índios seus agregados, grupo que em 1668 Gabriel de Lara, ao tomar posse da localidade em nome do Marquês de Cascais
– donatário da Capitania, encontrou estabelecido ao redor de uma capela de palha e em sítios a pequenas distâncias da sede da povoação de Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais. Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2ª Edição. pp. 210 & 292.
6 “Tão ricos distritos auríferos e de fácil acesso por vias tradicionais de comunicação .... mereceram a presença de Eleodoro Ébano Pereira – Administrador das Minas
do Sul no Assungui, onde, a esse tempo, já o ouro de lavagem atraía o primeiro grupo de povoadores anônimos do planalto curitibano – os pioneiros, os desbravadores,
os criadores, no seus arraiais, do primeiro esboço de vida social organizada, que os grupos posteriormente vindos, a terminar no dirigido por Matheus Martins Leme em
1662 ou pouco antes, haviam de conduzir para a eclosão política resultante da fundação de vila em 1693.” Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora
Rumo, 1939. 2ª Edição. p. 279.
7 “Data do ano de 1668 o início da povoação da região que hoje constitui o município de Araucária. Foi naquele ano que Domingos Rodrigues da Cunha obteve uma
sesmaria que lhe foi doada pelo capitão-mór Gabriel de Lara, situada na passagem de Apiaúna. Outras sesmarias foram igualmente doadas aos seus filhos Luís e Garcia
Rodrigues Velho, fazendo testada com o rio Iguaçu, então conhecido pela denominação de Rio Grande de Curitiba. A localidade recebeu a designação de Tindiqüera,
que segundo a tradição teve sua origem no seguinte fato: residia em Curitiba a numerosa família dos Maias, homens valentes, que mantinham contínuas lutas com as
autoridades e outros povoadores da nascente vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Devido a esse incidentes a família dos Maias foi obrigada a abandonar Curitiba
e refugiar-se em lugar afastado, a fim de evitar a ação da justiça e da vindita dos moradores. Às margens do Rio Iguaçu os foragidos fundaram um pequeno povoado,
com a denominação de Tindiqüera, outrora uma aldeia de índios que habitavam o planalto curitibano.” Ciro Corrêa de Oliveira Lyra . Guia dos Bens Tombados – Paraná.
Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1994. p 7.
8 Conforme consta do documento “Registro da Entrega de Ouro, em Curitiba ao Juiz Ordinário, com destino à Casa de Fundição de Paranaguá, a 12 de setembro de
1731”. Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2ª Edição. p. 260.
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Metrópolis em Revista
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Mudou o ciclo de povoamento com a abertura do Caminho de Viamão em 17279 , pois os campos de
Curitiba passaram a ter ocupação mais organizada e fixa, diferente dos aventureiros faiscadores de ouro. Foram
sendo instalados “pousos” e “currais” de descanso ou invernada para receber o gado trazido pelos tropeiros
das vacarias nos pampas de São Pedro do Rio Grande, a ser posteriormente levado – descansado e engordado nas abundantes pastagens – a São Paulo pelo Caminho de Sorocaba.10 Os animais, junto com muares e
cavalos, eram depois vendidos às necessitadas populações do rush do ouro, em Minas Gerais, cuja exploração
mudou a história da ocupação do território brasileiro.
Desse modo, os campos gerais de Curitiba se tornaram importante ponto de apoio à economia colonial,
pois por aí passavam as tropas que faziam a ligação com o sul brasileiro, que a estas alturas chegava até a foz
do Rio Prata, na Colônia do Santo Sacramento, cuja sobrevivência dependia estreitamente da ligação por terra
até Viamão, em face da cidade de Buenos Ayres dominada pelos espanhóis no outro lado do rio.
O primeiro censo completo relativo à capitania de São Paulo, que englobava o Paraná, foi o de 1798. Por
ele a população da comarca de Paranaguá compreendia 7.627 habitantes11 . Basta lembrar que esta comarca,
criada em 1723, além dos campos do planalto curitibano, abrangia também povoações de Santa Catarina e as
terras rio-grandenses.
O tropeirismo também foi a razão de existência da cidade de Santo Antônio da Lapa, hoje pertencente ao
quadro territorial da Região Metropolitana de Curitiba, fundada em 13 de junho de 1769. Originou-se de um antigo
pouso de tropeiros que faziam o caminho de Viamão, a meia jornada para o Registro de Curitiba, por ser o lugar
escolhido para pernoite quando as tropas não podiam atravessar o Rio Iguaçu com tempo para alcançar à luz
do dia as campinas da margem direita.12 A Curitiba descrita pelo Ouvidor Pardinho em 172013 , com seus 1.400 habitantes, era ainda praticamente
o mesmo pequeno núcleo urbano celebrado pela desenvoltura de seus homens e formosura de suas mulheres
por Saint’Hilaire14 , cem anos depois em 1820: duzentas e vinte casas dispostas de forma quase circular, em
torno da Matriz de Nossa Senhora da Luz (construída em 1715 sobre a capela original), que abrigavam as
famílias das fazendas das vizinhanças a cumprir suas obrigações dominicais e dos feriados religiosos. Nessas
ocasiões, a vila devia reunir ao redor de 2.500 pessoas, admitindo grandes famílias, cercadas de agregados,
constituídas por dez ou mais integrantes como era habitual então.
Enquanto isso, o planalto curitibano tinha ao redor de 12 mil habitantes em 1802, conforme relato do
Inspetor de Minas e Matas do Brasil, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, que aí juntava Curitiba, São José dos
Pinhais e Lapa.15 Vê-se, portanto, que a população da Região Metropolitana de Curitiba, na sua conformação de
2002, aumentou exponencialmente em mais de 200 vezes em 200 anos.
Ganhando a posição sobre Paranaguá que era maior (6.533 habitantes) e comercialmente mais importante, Curitiba foi escolhida para capital da Província do Paraná em 26 de julho de 1854. Como pode ser visto no
mapa dessa época, tinha 27 quarteirões16 com 308 casas (e 52 em construção) nas quais habitava um total de
5.819 habitantes, portanto com uma altíssima média – para os padrões atuais – de 19 habitantes por domicílio,
pois aí estavam incluídos familiares, empregados e até os eventuais escravos (estes eram poucos, como
informavam os viajantes que por aqui passavam). Se considerado um quarteirão como abrangendo um hectare,
a cidade era um núcleo coeso e bem delimitado que mal chegava à quarta parte de um quilômetro quadrado. Sua
densidade urbana era, portanto, relativamente alta pois correspondia a 215 habitantes por hectare (ver figura 01).
Na mesma ocasião, a vila de São José dos Pinhais tinha
20 quarteirões com 4.600 habitantes (230 hab/ha) morando em
89 casas urbanas e 10 chácaras. Havia, portanto, no primeiro
planalto, duas cidades de população expressiva para a época,
separadas entre si pela calha do Alto Iguaçu, em cujas cabeceiras se instalara o Arraial Grande – depois São José dos Pinhais.
Apesar de o Iguaçu cortar o território nacional em direção
à fronteira no Rio Paraná, a capacidade de penetração de expedições colonizadoras era bastante reduzida pela dificuldade da
sua navegação, devida ao grande número de quedas e
corredeiras que se sucedem ao longo do curso d’água, o que
– por outro lado – resultou em transformar-se na importante
fonte de geração de energia elétrica que é hoje, com sucessivas
barragens e usinas construídas na segunda metade do século
XX.
18
Metrópolis em Revista
Figura 01- Mapa de Curitiba - 1857
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.15-27, 2002
Diferentemente de Curitiba, em que pese o posicionamento geográfico semelhante – a cavaleiro do Rio
Tietê, a cidade de São Paulo foi beneficiada pela presença desta importante via de acesso ao interior, o que lhe
garantiu o crescimento como entreposto para quem chegava dos portos de São Vicente e Santos ou a eles se
dirigia, originando as condições que lhe permitiram tornar-se a maior metrópole brasileira.
A primeira investida na expansão urbana de Curitiba se deu no seu lado oeste, com a ponte sobre o Rio
Ivo superando este obstáculo natural, na abertura da estrada para o Mato Grosso iniciada em 1871 – saindo da
Rua das Flores em direção ao Batel, pela atual Rua Emiliano Perneta, sendo o trecho até Campo Largo (fundada
em 1870) terminado sete anos depois.17 Note-se que, a essa época, o limite da cidade era a Rua da Assembléia, atual Dr. Muricy. Criava-se um
novo vetor de crescimento, simetricamente oposto – em relação ao centro da cidade – à primeva ligação com
a Graciosa pela Estrada da Marinha, atual Avenida João Gualberto.
Em 1885 a cidade recebe melhorias: é transformado o “imundo potreiro de animais” em frente à Igreja
Matriz na Praça D. Pedro II, atual Tiradentes; e cria-se o esplêndido parque do Passeio Público no que era o
charco marginal do Rio Belém. Também se dá início à abertura da Avenida da Imperatriz (continuação da Rua das
Flores, depois Rua XV de Novembro), visando ao seu prosseguimento até o alto (no cruzamento da atual Rua
Ubaldino do Amaral).
Portanto, no final do século XIX, abrigando cerca de 50 mil habitantes, a malha urbana de Curitiba ocupava
um polígono que basicamente ia de oeste no Rio Ivo / na Rua Dr. Muricy até leste no Rio Belém / na Rua Tibagi,
tendo como limite ao norte a elevação onde se localiza a Igreja do Rosário de São Benedito (construída em 1737)
para terminar na Rua do Saldanha, atual Presidente Carlos Cavalcanti, chegando ao sul na Rua do Comércio, que
hoje corresponde à Avenida Marechal Deodoro, e voltando ao ponto inicial no Largo do Mercado (atual Praça
Zacarias de Góes e Vasconcelos).
Para os que se lembram do desabamento do Cine Luz para dentro do rio Ivo, na esquina da Dr. Muricy
com a Praça Zacarias, é fácil vislumbrar as peripécias que eram necessárias para ter-se efetiva ocupação do solo
junto a esse curso d’água, que se tornara o limite do tecido urbano.
Com cerca de meio quilômetro quadrado, Curitiba praticamente dobrara de área desde que se tornara
a capital provincial em 1854, portanto em quase 50 anos. No entanto, era ainda uma cidade que podia ser
facilmente vencida a pé, ou melhor ainda a cavalo. As carroças transportavam as mercadorias da periferia rural
9 Conforme ordem do governador e capitão-general Caldeira Pimentel registrada no livro 20 da Câmara de Paranaguá, fl. 120v, em 19 de setembro de 1727.
10 No dizer do Capitão-Mor Lourenço Ribeiro de Andrade: “Os mais ágeis dos antigos mineradores se fizeram comerciantes de gado, comprando-o no Rio Grande e
vendendo-o em Sorocaba e São Paulo, ou criando-o por sua própria conta em fazendas que se estabeleceram nos Campos Gerais e nos de Curitiba.”
11 Cecília Maria Westphallen. In Guia dos Bens Tombados – Paraná. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1994.
12 J. E. Erichsen Pereira . Uma história de caminhos. Curitiba: O Formigueiro, 1962. p. 102.
13 Em carta do Ouvidor Geral Rafael Pires Pardinho a El-Rei, datada de Paranaguá aos 30 de agosto de 1721, dá conta este magistrado da correição que fez “à vila de
Curitiba ... que fica em bastante assento ao pé de um ribeiro (certamente o Rio Ivo), com casas de pau a pique cobertas de telha e igreja de pedra e barro, que os fregueses
reedificaram há poucos anos”.
14 “Bem diferente dos mestiços que povoavam os arredores de Itapeva, os habitantes dos Campos Gerais de Curitiba são geralmente grandes e bem feitos, têm os
cabelos castanhos e são corados. Sua fisionomia traz impressa a bondade e a inteligência. As mulheres são algumas vezes de rara beleza. Têm a pele rosada e uma
delicadeza de traços que eu não tinha ainda notado em nenhuma brasileira.” “Essa cidade tem a forma quase circular e se compõe de 220 casas pequenas e cobertas
de telhas, quase todas só ao rés do chão, porém em grande número construídas de pedra. Cada casa tem o seu quintal.
As ruas são largas e quase regulares. Algumas foram inteiramente calçadas, outras o são unicamente na frente das casas. A praça pública é quadrada, muito grande
e coberta de grama.
As igrejas são em número de três, todas construídas de pedra. A que mais merece ser citada é a igreja paroquial dedicada a Nossa Senhora da Luz. Foi construída
isoladamente na praça pública, porém mais próxima de um que dos outros lados, prejudicando a sua regularidade. Não tem torres nem campanário.
Curitiba não é menos deserta durante a semana que a maioria das cidades do interior do Brasil. Quase todos os habitantes são aqui agricultores que não ocupam suas
casas senão aos domingos e nos dias de festas, quando se desobrigam dos seus deveres religiosos. Não se conta em Curitiba e nos arredores senão poucos homens
ricos.” Augustin François Cesar Provençal de Saint’Hilaire. Voyage dans l’Intérieur du Brèsil . Bruxelas: Delevingne et Callewaert, 1850.
15 “Em 1802 Martim Francisco Ribeiro de Andrada visitou o Paraná como inspetor das Minas e Matas do Brasil e declarou a respeito dos arredores de Curitiba: ‘Seus
12.000 habitantes (Curitiba, São José dos Pinhais e Lapa) trabalham na criação de gado e na cultura do trigo, do fumo e das frutas da Europa’”. David Carneiro. Fasmas
Estruturais da Economia do Paraná. Curitiba: Imprensa da Universidade do Paraná, 1962. p. 37.
16 Ver “Vista de Curitiba”, aquarela de J. H. Elliot datada de 1855, da coleção de João Baptista Groff. In Newton Carneiro. Iconografia Paranaense. Curitiba: Impressora
Paranaense, 1950.
17 “A construção teve princípio a 15 de abril de 1871 .... tendo sido lançada a primeira pedra da ponte sobre o Rio Ivo (na quadra da Rua 15 de Novembro entre as ruas
Dr. Muricy e Ébano Pereira, mais próxima desta). A nova estrada tomou por ponto de partida o prolongamento da Rua das Flores, rompendo-se as casas que com ela
defrontavam na rua da Assembléia (atual Dr. Muricy). Desenvolveram-se os serviços com rapidez nos primeiros 2.200 metros até o Batel. ... Toda a linha Curitiba – Campo
Largo ficou terminada em outubro de 1878,” Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2ª Edição. pp. 142/143.
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para o centro, fazendo ponto de reunião perto dos bebedouros de cavalos em frente da Igreja da Ordem ou na
praça da estação da estrada de ferro.18 Por isso, as principais estruturas urbanas se apoiavam nos caminhos que vinham da periferia, onde
despontavam as “colônias” ocupadas por imigrantes, tais como os italianos de Santa Felicidade (criada em
1878) e Umbará ou então de Presidente Faria (esta depois alçada a município de Colombo), os poloneses dos
Abranches (Barreirinha19 ), do Pilarzinho e de Santa Cândida ou os ucranianos do Bigorrilho e de Tomaz Coelho,
esta na saída para Araucária.
Ao mesmo tempo, esse núcleo urbano central convivia com um colar de cidades vizinhas de existência
autônoma, pois os deslocamentos interurbanos eram demorados. Ficava assim garantida a vida própria como
prestadoras de serviços para o meio rural seja para São José dos Pinhais ao sul, seja para Botiatuvinha (hoje
Almirante Tamandaré) ao norte, seja para Campo Largo a oeste.
Destaque-se a atividade portuária de Balsa Nova, pois era onde aportavam os carregamentos de folhas
de erva-mate para processamento nos moinhos curitibanos, vindos dos amplos campos cultivados em ambas
as margens do Rio Iguaçu, principalmente nas terras entre Rio Negro/Mafra até União da Vitória/Porto União,
aproveitando o trecho onde era possível alguma navegação. Pois no Iguaçu, desde logo aparece uma interrupção antes de atingir o seu meio curso – o salto de Caiacanga, ao cortar a escarpa formadora do paredão do
segundo Planalto.20 Com a remodelação da estrada da Graciosa, a erva-mate processada em Curitiba passou a ser mais
facilmente exportada por Paranaguá. Tornada estrada carroçável, a Graciosa pela Barreira Nova dava passagem
a 1.200 carroções – puxados por seis ou oito cavalos – que subiam e desciam a serra a fazer esse transporte
sempre rendoso. A verdadeira elite dos ervateiros começa em 1876 com o franco trânsito da Graciosa.21 A inauguração da ferrovia em 1885 – a mesma que, até hoje, faz a única ligação entre o planalto e o litoral
– veio a modificar o panorama, fazendo com que as indústrias do mate, antes dispersas ao redor de Curitiba22 a utilizar as rodas d’água dos rios Barigüi, Ivo e Belém, viessem a se concentrar às margens deste último,
inaugurando seus próprios ramais da vizinha estrada de ferro e agora movidas a vapor.
4 IDENTIDADE URBANA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX: PLANO AGACHE
O alvorecer do século XX trouxe duas conquistas, a eletricidade com a iluminação pública (que chegou
a Curitiba em 1905 e já em 1911 cobria toda a cidade) ao lado das linhas dos bondes fechados, que podiam
dispensar a tração animal (pintados de alaranjado berrante para chamar atenção dos usuários e dos passantes
distraídos), e o motor a explosão com os ônibus e com os automóveis. Ambas deram uma nova identidade
às cidades, permitindo uma ocupação mais aberta e estendida no espaço, graças à ampliação dos deslocamentos das pessoas. Porém, cedo começaram as cidades a experimentar as dores do crescimento desordenado,
até que cuidaram de planejar a ocupação do território.
A primeira experiência de organização formal do espaço urbano de Curitiba, ainda tímida, foi a do plano
de Alfred Agache, publicado em 1943, que aplicava a experiência parisiense do Barão de Haussmann, prevendo
a abertura de largos boulevares no tecido urbano, como foi o caso das avenidas Visconde de Guarapuava e Sete
de Setembro, além de um anel periférico que limitaria a mancha urbana ovóide – a Avenida Nossa Senhora da
Luz. Agache dava seguimento em Curitiba às suas propostas urbanísticas desenvolvidas para o Plano Diretor do
Rio de Janeiro, que realizara anteriormente na sua estada brasileira.23 Estabelecia-se a identidade urbana.
Nessa época, a cidade terminava a oeste no final da Avenida Sete de Setembro, logo antes de descer
para o atual Jardim Los Angeles (enquanto a urbanização na verdade parava no Largo do Batel, de onde seguia
somente o traço da estrada até o Rio Barigüi, concorrido local de pescadores de lambaris), prosseguindo para
o noroeste por terrenos baldios que circundavam o bairro isolado do Bigorrilho.
O limite norte ficava na altura do Cemitério Municipal na Estrada do Pilarzinho.
Para nordeste nada havia depois da praça no fim da Avenida Cândido de Abreu. Seguindo pela Rua
Mateus Leme, após passar a casa do Bispo, o próximo ponto de interesse era o Cassino do Ahu, hoje colégio
religioso, cuja principal atração era a piscina pública, repleta nos fins de semana.
Daí para frente, só existiam algumas chácaras até a Colônia Abranches, cujo campanário da igreja
destacava-se sobranceiro de longe, apontando para o cemitério dos colonos, ao lado. Pelos bairros da Glória
e do Cabral chegava-se ao Bacacheri, que era apenas um aglomerado de casas esparsas da Colônia Argelina
na vizinhança do Quartel do 5º Batalhão e do Campo de Aviação. Ir fazer piquenique e tomar banho no Tanque
20
Metrópolis em Revista
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.15-27, 2002
do Bacacheri, outra grande atração aquática, pressupunha programação que envolvia quase uma viagem nessa
época.
A leste
leste, o umbral era a conjugação do rio Juvevê com a Estrada de Ferro Norte do Paraná, depois do
primeiro e olhando para o segundo alto da Rua XV de Novembro. O mesmo ocorria com a Estrada de Ferro da
Rede Viação Paraná – Santa Catarina, que descia para Paranaguá, pois após o seu pátio de manobras na
Avenida Capanema somente despontava o colégio de freiras no Cajuru, depois da fábrica de móveis.
A sudeste
sudeste, logo após do hipódromo na estrada de ligação com São José dos Pinhais (hoje Avenida
Salgado Filho), o fim da cidade ficava no Matadouro Municipal.
Ao sul
sul, a malha urbana regular era cortada à altura da atual Avenida Engenheiro Rebouças pouco antes
do Córrego Água Verde, com os bairros de Santa Quitéria, Vila Guaíra/Portão e Prado/Guabirotuba apresentando-se como manchas isoladas.
Grosso modo, na década de 1940, a superfície coberta por essa malha urbana tinha entre 1.200 e 1.500
hectares ou de 12 a 15 quilômetros quadrados. Isto é, em pouco mais de cinqüenta anos (desde 1885) a cidade
ampliara 30 vezes a sua área. Nesse intervalo houve, portanto, um considerável avanço sobre o território,
mostrando o empuxo dado na ocupação do espaço urbano pelo uso do automóvel como meio de transporte.
Porém, havia muitas falhas na continuidade do tecido urbano, provocadas pelo desmembramento de
chácaras ou grandes terrenos por meio de loteamentos desconectados, que não tinham interesse em manter
ligações entre si, uma vez que tudo convergia para o centro.
A estrutura centrípeta da cidade produzia situações peculiares. As linhas de circulação dos ônibus eram
todas da periferia para o centro e vice-versa. Isto é, para cortar a cidade de lado a lado era obrigatória a
“baldeação”, geralmente feita na Praça Tiradentes ou na sua vizinhança, atrás do magnífico prédio art nouveau da
Prefeitura Municipal, atual Museu Paranaense.
Entretanto, não havia razão para cruzar o centro, pois era lá o endereço final, obrigatório, de quase tudo
que a cidade oferecia: o comércio de lojas, o lazer dos cinemas, os escritórios e as repartições públicas, os
bancos, os correios, as atividades de ensino e da cultura. Os cafés eram ponto de encontro dos intelectuais e
dos políticos e negociantes – para trocar idéias, os primeiros, ou falar da vida alheia, os outros. Daí a fama de
“boca maldita” para o local que reunia os freqüentadores do Café Alvorada na Travessa Oliveira Bello.
A Rua XV de Novembro era o eixo do centro. Numa ponta, a oeste, logo antes da Praça General Osório
ficava a Cinelândia na Avenida João Pessoa (chamada de “menor do mundo” por ter apenas uma quadra). No
meio o comércio das lojas tradicionais, inclusive as filiais da Casa Sloper e das Lojas Americanas.
Na outra ponta, a Praça Santos Andrade era circundada por um “pólo” de ensino, reunindo a Universidade do Paraná (cujo estilo neoclássico fazia pendant com o prédio art déco dos Correios e Telégrafos do outro
lado da Rua XV), o Colégio Santa Maria e a Faculdade de Letras, que era parte do conjunto marista. Cortando por
trás do terreno reservado para o novo Teatro Guaíra e do Passeio Público, chegava-se ao Colégio Estadual, cujo
ensino público de qualidade formou várias gerações de curitibanos.
Calcado no tecido urbano melhor estruturado, o eixo leste-oeste de Curitiba tinha sua expressão residencial,
ainda embrionária porém de alta categoria, nas mansões das famílias abonadas pelo ciclo de exploração da
erva-mate: em uma ponta, de um lado do centro da cidade ocupavam a Glória, a cavaleiro da saída a leste e, na
outra, o Batel, na saída a oeste, ambos bairros com palacetes replicando os melhores estilos da arquitetura belle
époque européia. Em suma, almejava-se uma cidade francesa.
18 Poty Lazzarotto. Curitiba de nós. Curitiba: Fundação Cultural, 1975.
19 Refrão que acompanhava os folguedos infantis pilheriava com a variação de pronúncia do duplo erre para o erre, dificílima para os eslavos: “Polaco da Barreirinha foi
de carroça comer churrasco / A roda era de borracha, bateu na rocha e caiu no rio.” Circa 1940.
20 J. E. Erichsen Pereira . Uma história de caminhos. Curitiba: O Formigueiro, 1962. p. 31.
21 David Carneiro. Fasmas Estruturais da Economia do Paraná. Curitiba: Imprensa da Universidade do Paraná, 1962. pp. 104/107.
22 Em 1853, ao ser instalada a província nova, eram noventa os engenhos estabelecidos ao redor de Curitiba, exigindo braços e fomentando a produção de barricas,
surrões e cestos para exportação. Romário Martins. Ilex Mate. Curitiba: pp. 199 e seg.
23 No Rio de Janeiro, o primeiro grande código de obras, que reunia todas as regras para as construções e a ocupação da cidade foi editado a partir deste plano, em
1937 e, ainda hoje, influencia a sua legislação urbanística.
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21
A primeira intervenção urbanística de porte no tecido urbano se deu logo após a virada da metade do
século: o Centro Cívico, que só veio a se realizar dez anos depois do Plano Agache, edificado para o Centenário
da Emancipação Política do Paraná em 1953.
Consoante com as propostas urbanísticas da Carta de Atenas, promulgada por Le Corbusier no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – CIAM de 1930, que agora animavam os europeus voltados para
um grande esforço de reconstrução no pós-Guerra, uma equipe de arquitetos cariocas liderados por David
Azambuja cria um amplo espaço destinado às funções governamentais estaduais: Palácio do Governo, Assembléia Legislativa e Tribunal de Justiça. Costurando as edificações uma esplanada, formando a grande praça com
paisagismo de Roberto Burle Marx (ver figura 02).
Era o embrião da proposta retomada em Brasília, anos depois, calcada nos mesmos princípios de
organização do espaço urbano na Praça dos Três Poderes. O locus de Curitiba, pela primeira vez, passava a ter
uma leitura simbólica/cultural (a expressão do poder público), além da analítica/estrutural (o espaço urbano com
seus cheios e vazios) e da teleológica/funcional (o zoneamento separando as funções urbanas).
5 PLANO PRELIMINAR DE URBANISMO DE CURITIBA
Em Curitiba, a segunda experiência urbanística marcante do século XX foi deslanchada vinte anos depois
do Plano Agache e dez após a inauguração do Centro Cívico, com as propostas do estudo da Sociedade Serete
de Estudos e Projetos em consórcio com o urbanista Jorge Wilheim24 , tornando-se paradigmática na história
recente do urbanismo brasileiro.
Para tanto, muito contribuiu a criação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Paraná em 1961, pois estabeleceu-se um caldo de cultura arquitetônica e urbanística propício à experimentação
de novas soluções. Tanto que professores, recém-formados e formandos do curso foram os principais colaboradores da equipe que fez o Plano Preliminar Urbanístico de Curitiba em 1965.
Nessa ocasião, o perímetro urbano da cidade já praticamente se confundia com os limites municipais. A
malha urbana, no entanto, apresentava duas linhas de descontinuidade ao sul e a sudeste.
Primeiro, a rodovia BR 2 (atual BR 116), de transposição difícil pelo seu intenso movimento de transporte
pesado dada sua condição de ser a única ligação viária entre São Paulo e o Sul do Brasil.
Depois, a depressão correspondente à calha do Rio Iguaçu, sujeita a inundações periódicas
e onde enormes cavas de exploração de areia
davam o tom surrealista de crateras lunares à
paisagem, sem falar que também se constituía no
eixo estabelecido para o anel ferroviário, que retiraria
a estrada de ferro de seu leito no centro da cidade,
paralelo às Avenidas Sete de Setembro e
Capanema.
Figura 02 - Mapa de Curitiba – Serviço Cartográfico
do Exército - 1950
Rompendo a estrutura rádio-concêntrica,
o plano urbanístico concebido por Jorge Wilheim
previa crescimento linear para a cidade, ordenado
em cima de vias estruturais, que em alguns casos
aproveitavam a caixa das avenidas projetadas,
décadas antes, por Agache. (ver figura 03)
Este foi o caso da Via Estrutural Sul, formada
pelo trinário das avenidas Visconde de Guarapuava,
Sete de Setembro e Silva Jardim, que se desdobrava para sudoeste centrado na República
Argentina para chegar até a BR 116 no Pinheirinho,
depois de passar pelo Portão e pelo Capão Raso
(podendo também continuar mais para oeste pela
BR 476) e para sudeste pela Avenida Capanema
até engatar na Rodovia Curitiba / Paranaguá – BR
277, no seu cruzamento com a BR 116.
22
Metrópolis em Revista
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.15-27, 2002
Figura 03 - Mapa de Curitiba – Plano Serete
A nordeste, a Via Estrutural Norte também
fazia um trinário com base na Avenida Paraná, no
Bacacheri, iniciando-se próxima ao trevo do Atuba
na BR 116. Depois desviava para o centro da cidade
pela Avenida Cândido de Abreu, seguindo para
oeste pela Rua Padre Anchieta até conectar-se com
a BR 277, que vai para Ponta Grossa.
De certo modo, a articulação das vias estruturais urbanas com as rodovias que ligavam
Curitiba ao restante do território vizinho respeitava a
gênese da ocupação do terraço dos Campos
Gerais de Nossa Senhora dos Pinhais, berço do
espaço metropolitano.
Curitiba orientou-se para crescer na direção
nordeste-sudoeste. Os ônibus expressos na calha
central das vias estruturais passaram a cruzar o
centro, cobrindo a cidade de ponta a ponta. No
entanto, a mancha urbana permanecia com sua
forma de pêra, podendo ser percebida a força do
vetor sul de crescimento – apesar deste não ser
contemplado no planejamento – ultrapassando a
BR 116, saltando por sobre as várzeas do Rio
Iguaçu e ligando-se a São José dos Pinhais25 ,
principalmente pelo prolongamento da Avenida
Marechal Floriano, que corta a Vila Hauer e o
Boqueirão.
Figura 4 - Mapa Cidade de Curitiba do IPPUC
Convém recordar que, por ocasião da concorrência do Plano Diretor ganho pela equipe do
urbanista Jorge Wilheim e da Serete, uma proposta
alternativa de outro concorrente, patrocinada pela
URBS, visava criar um novo centro de negócios
na várzea do Rio Iguaçu, depois do Quartel do
Boqueirão. Talvez por isso mesmo o plano que
venceu negava peremptoriamente a idéia de crescimento para sul-sudeste.26 (ver figura 04)
Porém, após a institucionalização do
planejamento municipal em Curitiba com o Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba –
24 Sociedade Serete de Estudos e Projetos & Jorge Wilheim – Arquitetos
Associados. Plano Preliminar de Urbanismo de Curitiba. Curitiba: IPPUC,
1965.
25 Como é mostrado nos esquemas urbanos de 1955, 1965 e 1975. Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba. Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Curitiba – Organização Espacial. Curitiba:
COMEC, 1978.
26 “Desejamos insistir no caráter inorgânico desta ampliação de Curitiba
para o lado leste da BR-2. Se houve ocupação, de densidade baixa, na
região sudeste, além da BR-2, tal fato parece-nos prender-se principalmente
à oferta feita por loteamentos de instalação barata. Além deste fato, é inegável
que a posição das duas estradas de acesso, da BR-59 e de São José dos
Pinhais (a velha, pela Salgado Filho e a nova, pela Marechal Floriano),
marcaram uma estrutura viária que facilitou este ramo de extensão urbana.
Essa ocupação é inorgânica, por ser descontínua e não seguir aquelas “linhas
de força” que orientaram a sucessiva ocupação do solo. (p. 82 / ref. xxiv) ....
O problema criado pelos loteamentos que ameaçam levar o casario urbano
para leste da BR-2, em solo mal drenado e de difícil compactação, constitui
um problema exigindo uma opção; em nossa proposta prevemos condições
de habitabilidade cômoda para os já residentes nesta zona (Salgado Filho,
Vila Hauer, etc.); mas não estimulamos criar a ocupação orgânica, dos setores
sul e sudoeste, ao longo das estruturais já lançadas. Procuramos deste modo
diminuir, ao máximo, o trânsito transversal à BR-2, já hoje seriamente afetando
a segurança desta rodovia. (p. 147 / ref. xxiv)”.
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.15-27, 2002
Metrópolis em Revista
23
IPPUC, a visão urbanística local começou a curvar-se à realidade do avanço da malha urbana para o sul, com
projetos como o viaduto sobre a BR 116 na Avenida Marechal Floriano Peixoto, primeiro com apenas uma pista
com duas faixas e depois duplicado, e como a abertura da Avenida das Torres.
Enquanto Curitiba começava a organizar o seu desenvolvimento, as demais estruturas urbanas metropolitanas continuavam como núcleos periféricos, as mais próximas muitas vezes como cidades dormitórios – as
outras como prestadoras de serviços para o entorno rural. Basicamente se constituíam de uma rua principal e da
praça da igreja, tecido urbano que aos poucos era completado por ruas paralelas e transversais.
As cidades mais bem equipadas eram São José dos Pinhais e Campo Largo, que até a década de 1970
se alternavam como o segundo lugar em população na Região Metropolitana. Veja-se, no entanto, que a
população de Curitiba estava próxima a 600 mil habitantes no final da década de 1960, ao passo que Campo
Largo tinha ao redor de 15 mil habitantes urbanos e São José dos Pinhais cerca de 20 mil. Isto é, a disparidade
era imensa pois o pólo metropolitano era 30 a 40 vezes maior que as cidades que lhe seguiam no ranking. À guisa
de comparação, pelo Censo de 2000 a população do município de Curitiba era cerca de oito vezes a do
município de São José dos Pinhais.
Do ponto de vista econômico, destacavam-se:
− São José dos Pinhais, com a facilidade do aeroporto apoiando iniciativas como a produção de essências aromáticas ou de alimentos industrializados voltados ao mercado nacional;
− Campo Largo, que desfrutava de tradição industrial no ramo da cerâmica porcelanizada, tanto para os
jogos de jantar disputados por quem queria montar seu enxoval, quanto para os azulejos, ambos renomados
nacionalmente;
− Araucária, por ter sido escolhida para sediar a refinaria da Petrobrás, e
− Rio Branco do Sul, sobre a qual a sua então poderosa indústria cimenteira mantinha um permanente
véu de poeira branca.
6 VISÃO METROPOLITANA: PDI 1978
Cerca de dez anos depois da realização do Plano Serete/Jorge Wilheim em Curitiba, estabeleceram-se
regiões metropolitanas no Brasil, mediante lei complementar. Foi resultado
da preocupação dos governos militares com a solução a ser dada aos
problemas de infra-estrutura urbana
comum dos municípios da Grande
São Paulo – que a essas alturas começava a experimentar tanto as
deseconomias de escala do crescimento desenfreado (expresso no lema
“São Paulo tem que parar”) quanto a
força do movimento operário premido pelas condições de vida e de trabalho nos parques industriais periféricos do chamado ABC paulista – como
também das reações políticas relacionadas com a fusão do ex-distrito
federal do Rio de Janeiro com os
municípios da Baixada Fluminense e
com Niterói, ex-capital do Estado do
Rio de Janeiro, que resultou em um
espaço totalmente desarticulado
como estrutura urbana (ver figura 05).
Era ainda uma maneira de se
forçar a subordinação do poder dos
municípios metropolitanos (cujos prefeitos eram eleitos diretamente pelo
24
Metrópolis em Revista
Figura 05 - Mapa da RMC -Estruturação Urbana - PDI 78
Fonte: COMEC
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povo, enquanto o prefeito da capital era indicado pelo governador do estado, que por sua vez era indicado pelo
governo federal) à instância estadual, que geria as empresas estatais responsáveis por transporte de massa
(metrô, no caso de São Paulo e Rio de Janeiro), saneamento básico (água e esgotos), energia elétrica e
telecomunicações. Pelos critérios de população adotados, a Grande Curitiba foi incluída nas nove regiões
estabelecidas, pela Lei Complementar n.º 14.
Logo após a criação do órgão metropolitano, seu planejamento faz uma análise da evolução urbana de
Curitiba e, junto com o urbanismo municipal, endossa o vetor para o sul. Realiza a pavimentação da Avenida das
Torres com recursos metropolitanos repassados a fundo perdido pelo governo federal, oriundos do então
imposto sobre combustíveis. Ao mesmo tempo o município da capital lança o viaduto sobre o novo anel
ferroviário e melhora as condições estruturais das pontes sobre o Rio Iguaçu.
Com a publicação do Plano de Desenvolvimento Integrado pela Coordenação da Região Metropolitana
de Curitiba – COMEC em 1978, a estruturação da Região Metropolitana de Curitiba reverte de sentido, como aliás já
apontava a escolha do símbolo do órgão metropolitano, com duas setas entrelaçadas. De uma situação em que
a metrópole era o centro atrator único, inicia-se uma reação centrífuga, voltada aos municípios limítrofes. Como um
organismo vivo, a cidade passa por momentos de contração e de expansão, ou sístole e diástole.
Pela Avenida das Torres estabelece-se uma ligação franca com São José dos Pinhais e, por conseguinte,
com o aeroporto e com a BR 468, principal rodovia de acesso ao sul do Brasil. Em seguida realiza-se a conexão
daquela via com a BR 277 (Curitiba – Paranaguá) através da Avenida Rui Barbosa em São José dos Pinhais.
Assim implanta-se a ligação viária tangencial, que permitiu várias novidades na organização do território, como
a possibilidade de ligação direta dos caminhos rodoviários do sul e do norte para o porto de Paranaguá, e, com
isso, a caracterização de um eixo estrutural com forte vocação industrial.
Esse foi o movimento que acabou repercutindo, mais adiante no tempo, na formação do pólo automobilístico metropolitano nos anos finais do século XX.
Porém, também é gerada uma forte demanda espacial sobre a calha do Rio Iguaçu, com inflexões a leste
sobre os seus córregos formadores que descem da Serra do Mar e sobre a tomada d’água do sistema de
abastecimento em Piraquara, que é a base da adução para o lado oeste da Região Metropolitana.
De forma geral, a mancha
urbana de Curitiba cresceu forçando os limites municipais.
Formou-se a conurbação com
Colombo, pois a ligação entre os
municípios era a continuação da
Via Estrutural do Bacacheri a
norte-nordeste. A execução desta
fez a oferta de infra-estrutura –
inclusive a de transportes
coletivos – anteceder a demanda e provocou o súbito aumento
do custo dos terrenos lindeiros,
bloqueando a ocupação por
edificações e propiciando a ida
para esse município, vizinho ao
pólo, das pessoas à busca da
possibilidade de terra mais em
conta (ver figura 06).
Figura 06 - Mapa da RMC - Áreas aptas à Urbanização - PDI 78
Fonte: COMEC.
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.15-27, 2002
O mesmo ocorreu no
norte, em seguida, com Almirante
Tamandaré progredindo em
direção a Rio Branco do Sul. Somente Bocaiúva, por estar mais
longe e circundada por
topografia mais difícil, escapou
desta lógica de crescimento.
Metrópolis em Revista
25
A leste, uma vez vencido o umbral da Rodovia BR 116, a conurbação com Campina Grande do Sul,
Quatro Barras e Piraquara – estas duas por caminhos diferentes, a primeira pela rodovia e a outra pela Estrada
do Encanamento – também tornou-se inevitável. Antes, a soldadas malhas urbanas tinha acontecido primeiramente com Pinhais, o que provocou sua elevação a município autônomo desmembrado de Piraquara.
7 REORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO METROPOLITANO: SÉCULO XXI
Hoje, ao inaugurar o novo século, vê-se que a ocupação urbana na Região Metropolitana de Curitiba
concentrou-se na busca aos terrenos aptos possíveis, porém esbarrando sempre nos umbrais formados pelos
condicionantes naturais.
Enquanto a mancha da Grande Curitiba se espraiava sobre os municípios vizinhos ao pólo, a metrópole
se adensava. Basta atentar-se para a skyline de Curitiba, com um perfil que na
década de 1970 praticamente se limitava ao centro da cidade. Agora, os edifícios
comerciais crescem sobre a Avenida Cândido de Abreu, de um lado, e sobre a
Rua Comendador Araújo, do outro lado do centro, enquanto a silhueta dos altos
prédios residenciais acompanha o cordão das vias estruturais, formando um
continuum do Cabral ao Bigorrilho e do Cajuru ao Batel (ver figura 07).
O primeiro planalto, onde se situa a região de Curitiba, tem uma larga
coroa de terrenos dobrados ao norte, conjugados com a escarpa devoniana a
oeste (que antecede o segundo planalto paranaense) e a Serra do Mar a leste.
Embora expandam-se sobre vasta extensão de terras, as fortes dobraduras
impedem um crescimento mais franco para o Norte
Norte. Basta ver a urbanização
contida de Bocaiúva do Sul, município com muitos anos de existência, além da
ocupação ainda incipiente de municípios antigos (Adrianópolis e Cerro Azul) ou
novos (Dr. Ulysses, Itaperuçu e Tunas do Paraná), incluídos mais recentemente no
Figura 07 - Estrutural Oeste
extremo norte da Região Metropolitana.
- Curitiba
O sobrevôo desses municípios mostra continuados maciços montanhosos, cobertos de vegetação densa, portanto propícios ao reflorestamento, entremeados de poucos vales onde se desenvolve precária agricultura, pois o escoamento da produção se torna dificílimo. Destacam-se, ainda, nessa paisagem
monotonamente repetida, algumas áreas de mineração extrativa a céu aberto nas
cercanias de Rio Branco do Sul (ver figura 08).
Na parte central do planalto, o Rio Passaúna definitivamente se impôs
como limite da cidade de Curitiba no Oeste
Oeste. A conjugação da sua APA - Área de
Proteção Ambiental com a Cidade Industrial de Curitiba – CIC, em primeiro lugar,
e com a APA do Rio Verde, em segundo, criou um grande espaço que constrange
a construção de habitações a oeste, formando uma zona-tampão ou cinturão de
difícil transposição.
Apesar disso, o novo shopping center que se instala no vale do Rio Barigüi,
este mais próximo do centro do pólo que o do Passaúna, mostra ainda a
atratividade do crescimento da cidade no sentido oeste, na seqüência daquele
longínquo dia em 1871, quando há 230 anos se inaugurou a ponte sobre o Rio Ivo. Figura 08 - Norte da RMC
Como diz o responsável pelo empreendimento: “Olhamos sempre para onde a cidade cresce, entramos
com nossos empreendimentos e ajudamos a desenvolver a região”.27 Porém, por isso mesmo, será uma
ocupação mais rarefeita, voltada às classes mais altas de renda, em grupamentos de mansões ou condomínios
fechados.
Em que pese a presença dinâmica de Campo Largo a oeste, cujo parque industrial reforçou-se com a
instalação da unidade automotiva da montadora Daimler-Chrisler, o bloqueio das áreas de proteção dos recursos hídricos impede a Grande Curitiba de estender seu processo de conurbação para o poente, como originalmente se pensou no planejamento metropolitano do final da década de 1970. Pois no PDI-78 se previa que a
estruturação de Curitiba, de modo linear em eixos urbanos orientados na direção leste-oeste, levaria o desenvolvimento para os lados de Campo Largo, do mesmo modo que se prenunciavam as conurbações de Colombo
e Pinhais.
26
Metrópolis em Revista
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Do outro lado, no Leste
Leste, a expansão da Grande Curitiba enfrenta o agravante de que, no sopé da Serra
do Mar, estão os mananciais que abastecem grande parte da população do planalto curitibano, dado que às
represas do Rio Piraquara se acrescentou a do Rio Irai, cuja
inclusão aumentou a produção de água tratada em 4,2 metros
cúbicos por segundo, conforme o anúncio oficial do governo.
Portanto, a única saída para o desenvolvimento urbano
a médio e longo prazo é para o Sul
Sul. Porém, o tecido urbano
denso esbarra com a calha de inundação do Rio Iguaçu, que
atinge largura considerável e provoca um hiato difícil de ser
vencido, hoje pontilhado de pequenos lagos resultantes das
cavas de areia. Soma-se também aí a presença da estrada de
ferro, formando um dique que acompanha o leito do corpo
d’água. Mais ao sul, o espaço metropolitano é marcado pelos Figura 09 - Calha do Rio Iguaçu
afluentes do Alto Iguaçu, que criam cunhas bloqueadoras de
ocupação com suas áreas de proteção (ver figura 09).
Por isso, é hora da retomada do planejamento metropolitano, pois o vigor do crescimento dos municípios
que circundam a Grande Curitiba obriga à visão centrífuga e a atuar de modo transversal, ligando diretamente
núcleos municipais e criando assim uma atraçã.o colateral entre eles, diversa da atração polar de Curitiba, para o
que a abertura ao tráfego da Rodovia Contorno Leste (BR 116) será o deflagrador da explosão urbana que se
pode antever. (ver figura 10)
Figura 10 - Mapa da RMC com Evolução da Ocupação Urbana – PDI 2002
Fonte: Consórcio COBRAPE/SOGREAH/COMEC
27 José Isaac Peres / Grupo Multiplan. O ParkShopping Barigüi terá 44 mil metros quadrados de área construída num empreendimento orçado em 200 milhões de reais.
O shopping será entregue em 2003 baseado no conceito de multiuso, unindo lojas, cinemas, centros de ginástica e alimentação num só lugar. In Revista Exame: São
Paulo, 12 dez 2001. p. 56.
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Metrópolis em Revista
AS QUESTÕES ESTRUTURAIS DO PLANEJAMENTO METROPOLITANO *
David Harvey
**
Obrigado pelo convite para estar aqui em
Curitiba. Uma das coisas que eu aprendi ao longo dos
anos é nunca ir a um local e dar conselhos. As pessoas
que moram no lugar conhecem-no melhor do que eu,
e eu realmente vim para ouvir a respeito de algumas
boas práticas que surgiram aqui em Curitiba e estou
aguardando ansiosamente por esta experiência.
O que quero fazer, contudo, é tentar estabelecer um cenário – se vocês estiverem de acordo – para
uma discussão. E acho que a montagem do cenário
começa com um pedido de desculpas da minha parte
por eu ter que falar em inglês. E aqui, há uma contradição, pois eu sou muito fortemente antiimperialista, mas,
para ser antiimperialista, eu tenho que falar na língua dos imperialistas. E não sei o que fazer a respeito desta
contradição; ou fico quieto, ou digo o que eu tenho para dizer.
Entretanto, gostaria de destacar algo que é, penso eu, muito importante reconhecer. Atualmente, fala-se
muito sobre globalização como se fosse um processo neutro. Mas quero destacar para vocês que a globalização
não significa nada, a menos que seja apoiada por um certo tipo de poder econômico, político e militar. E o que
se tem nos Estados Unidos neste momento é uma configuração destes poderes e uma franca difusão por
muitos elementos da imprensa que nós estamos agora entrando em uma nova era do imperialismo americano,
e acho que nós temos que considerar um pouco o que isto significa.
Nós temos agora uma administração em Washington que rasgou o Tratado de Kyoto sobre Mudanças
Climáticas, que abandonou o Tratado de Mísseis Antibalísticos, que acabou de retirar sua assinatura de um
Tratado a respeito de Crimes Contra a Humanidade. Ela prega o mercado livre, mas taxa as importações de
alumínio quando tem vontade. Ela prega democracia, mas, como nós vimos recentemente na Venezuela, movese muito rapidamente para apoiar qualquer movimento antidemocrático. Ela está preparada também para usar
seu poderio militar e financeiro para apoiar seus próprios interesses.
Havia um slogan muito significativo na década de 1960 que dizia: “pense globalmente, aja localmente”. O
que os Estados Unidos fazem é pensar localmente e agir globalmente. E eu acho que o que tem que ser
confrontado é que isso é a essência da globalização, e o que nós provavelmente veremos será uma pressão
tremenda por parte dos Estados Unidos para que os interesses se conformem com o que quer que seja o
interesse dos EUA. E os interesses dos EUA não são necessariamente os interesses globais. São interesses
definidos de maneira muito estreita. Assim, acho que o que se tem que pensar é que, seja o que for que deva ser
feito, deverá ser concebido não apenas em relação a estas forças abstratas da globalização, mas deverá ser
concebido também em relação à reafirmação do poder imperialista dos EUA ao redor do mundo.
Agora, como eu me oponho a este poder imperialista do EUA, eu me encontro pensando: Onde estão os
focos de resistência? Onde estão os locais de resistência? Onde há lugares onde existem alternativas que
podem ser consideradas? Eles existem, claro, como nós vimos nos movimentos em Seattle, Gênova, no Fórum
Social Mundial em Porto Alegre. Nós vimos que existe uma tentativa de construir um modo de pensamento
alternativo, e conseqüentemente temos que prestar muita atenção em todos estes diferentes focos de oposição,
por vezes diretos, por vezes indiretos. E um dos focos de oposição que considero muito importante é o tipo de
trabalho que está acontecendo atualmente em muitas regiões metropolitanas. Porque uma das coisas que
aconteceram ao longo dos últimos trinta ou quarenta anos é que tem havido uma transformação na escala em
que nós estamos vendo o mundo.
Houve um tempo em que o Estado-Nação era preponderante, assim como seus conseqüentes acordos
internacionais. Agora, obviamente, há muitas configurações supranacionais, tais como a União Européia, o
*Transcrição e tradução da palestra proferida por David Harvey no Seminário Internacional “Diálogos Metropolitanos”.
** Geógrafo, Professor da City University of New York - CUNY, Estados Unidos, autor dos livros: “A Condição Pós-Moderna”, The limits to Capital (Oxford, 1982), The
Urbanization of Capital (Oxford, 1985), Consciouness and the Urban Experience (Oxford, 1985), entre outros.
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NAFTA, e verifica-se fortemente o ressurgimento do sentido e da importância das economias metropolitanas
regionais como forças que conduzem à economia global. Além disso, parece-me que não há uma fórmula
definida de como estas economias metropolitanas regionais irão evoluir. Elas podem evoluir sendo diretamente
subservientes aos interesses comerciais e militares dos EUA, ou elas podem tentar evoluir sendo distintamente
diferentes. E por isso estou muito entusiasmado por estar em um lugar onde me parece haver uma indicação ao
menos de um movimento em direção a algo que é muito diferente daquilo que estamos atualmente vivenciando
nos Estados Unidos.
Historicamente, as regiões metropolitanas têm sido muito significativas, e se vocês relembrarem a
organização do capitalismo vocês verão Cidades-Estado como Veneza, Gênova, mais tarde lugares como
Amsterdã, Antuérpia. Entretanto, por muitos anos, a cidade foi reduzida em sentido e importância. Contudo,
como eu disse, ao longo dos últimos vinte ou trinta anos, ela ressurgiu. Duas das economias mais bemsucedidas na economia global nos últimos trinta anos têm sido Hong Kong e Cingapura, sendo que ambas são
Cidades-Estado. Nós temos visto o ressurgimento de poderosas correntes nas quais a globalização se refere
ao que emana de economias regionais específicas: pensem no Vale do Silício, pensem no ressurgimento da
Catalunha no contexto europeu tendo Barcelona no seu centro. Assim, as economias regionais se tornaram
elementos muito importantes no sistema.
Entretanto, quero fazer algumas sugestões, no âmbito das idéias, de como nós deveríamos pensar
sobre o que está acontecendo nestas economias regionais. Na realidade, há uma série de considerações que eu
gostaria de fazer porque a maneira como nós pensamos sobre o assunto influencia crucialmente o que fazemos.
Gostaria de listar uma série de mitos que existem, de equívocos, e então confrontar estes equívocos, esses
mitos, com a maneira que acho que nós deveríamos pensar sobre o assunto.
O primeiro mito é este: para colocar nossas cidades em boa forma, nossas regiões metropolitanas em
boa forma, nós temos que primeiramente resolver todo um conjunto de problemas de desenvolvimento
econômico, de crescimento econômico e de crescimento populacional.
Gostaria de sugerir que esta é uma maneira equivocada de abordar a questão. As cidades-regiões
sempre foram centros da criação de riqueza, sempre foram centros de consumo, sempre foram centros de
formas produtivas de atividade e de inovação. Por conseqüência, fazer as coisas certas em regiões metropolitanas é um meio de lidar com estes problemas de desenvolvimento econômico e de crescimento populacional.
O segundo mito é este: existem processos sociais em curso que estão em uma posição de destaque, e
que eles estão conduzindo o que está acontecendo em áreas metropolitanas.
Obviamente, o grande processo que eu gostaria de examinar é o processo geral de acumulação de
capital por meio das trocas de mercado. Acumulação de capital, um processo muito poderoso nas regiões
metropolitanas. E há muitas pessoas que dizem “não, vocês não podem fazer isso ou não podem fazer aquilo”
porque “a globalização não vai permitir”, ou “o capital financeiro não vai permitir”.
Quero sugerir, entretanto, uma perspectiva muito diferente. Quero sugerir que a acumulação do capital de
qualquer natureza é, já na sua origem, desenvolvimento geográfico desigual. Esta é a sua essência. E, portanto,
nós temos que examinar muito atentamente os processos de desenvolvimento geográfico desigual. Combater
esses processos de desenvolvimento geográfico desigual conforme eles ocorrem dentro e entre regiões
metropolitanas é uma maneira de ganhar controle sobre esses processos de acumulação de capital e redirecionálos de uma maneira completamente diferente. Eu quero sugerir então que, olhando para esses processos desta
forma, subvertendo-os desta forma, nós podemos, como uma alternativa, enfraquecer um pouco em nossas
mentes esse imenso poder que nós tendemos a atribuir às instituições financeiras e ao capital de grande escala.
O terceiro mito é que existe uma solução tecnológica para todos os dilemas que nos cercam. Que se nós
apenas esperarmos o tempo suficiente, a tecnologia certa surgirá e resolverá todos os nossos problemas.
O motivo pelo qual eu não gosto desse mito é que, se vocês olharem para toda a história da inovação
tecnológica e do capitalismo, a maioria das inovações se originou no complexo industrial militar, originou-se dos
interesses das grandes corporações. E que estes interesses estão tentando moldar a tecnologia, não necessariamente para o bem-estar da humanidade, mas para a manutenção de certas estruturas de poder e, em
particular, para a manutenção do controle social, do controle militar e do controle sobre o funcionamento dos
mercados.
Bem, isto não significa que todas as tecnologias que chegaram até nós são ruins. Significa que nós temos
que pensar cuidadosamente como apropriar estas tecnologias que possuímos e começar a utilizá-las de uma
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maneira radicalmente diferente. E existem agora muitos focos de contestação sobre esta questão. Considerem
a internet, considerem o ciberespaço, considerem estas tecnologias da informação. Há uma grande luta sobre
em benefício de quem estas tecnologias serão utilizadas.
Além disso, me parece, nós temos uma batalha a travar. Uma batalha muito importante para tentar relocar
os centros de inovação tecnológica para longe do complexo industrial militar, para algo muito mais socialmente
responsável, muito mais preocupado com as questões sociais. Historicamente, universidades e centros de
ensino freqüentemente tinham isso em sua essência. Infelizmente, o que nós temos visto, particularmente nos
Estados Unidos, ao longo dos últimos vinte ou trinta anos, é o que eu vou chamar de “corporatização” das
universidades. Ou seja, colocar as universidade a serviço do Estado, a serviço das forças armadas, a serviço do
capital multinacional, não mais necessariamente a serviço das pessoas.
O quarto mito é um ao qual eu suspeito que muitos planejadores sejam suscetíveis, e é o que eu
chamaria, ao invés de uma panacéia tecnológica, uma panacéia espacial. Ele diz que se apenas conseguirmos
projetar corretamente o espaço físico da cidade, se apenas conseguirmos projetar a habitação corretamente e
o sistema de transportes corretamente e todo o resto, então todos os problemas sociais desaparecerão.
Agora, eu não sou contra, obviamente, o planejamento físico-territorial. Mas quando se coloca o
planejamento físico-territorial como questão condutora e tenta-se tratá-lo como se fosse “a” solução para o
problema, então me parece que se está em risco iminente de se envolver em algo que eu chamaria de determinismo
espacial ou geográfico. Você faz o espaço e então o espaço faz as pessoas. Infelizmente, como temos visto
freqüentemente, isso nunca funciona desta forma. Entretanto, aspectos significativos de projeto sempre entrarão
na concepção de qualquer tipo de solução.
O quinto é, em um certo sentido, o mito oposto. Ele diz: nós realmente deveríamos deixar o ordenamento
espacial por sua própria conta e deixar que o mercado faça isso por nós; coloque o mercado no controle e tudo
correrá bem.
Gostaria de voltar um pouco nestes dois pontos e falar a respeito da visão de urbanização que nós
freqüentemente temos. Em um dos livros mais recentes que escrevi, eu voltei à questão das utopias, e como as
utopias têm funcionado como visões para guiar mudanças sociais e como elas têm sido importantes historicamente.
Mas há um problema com muitas das utopias que foram propostas no passado, de Thomas More,
Ebenezer Howard, chegando até Le Corbusier: é que elas acabam se transformando realmente em um tipo de
determinismo espacial. Elas tentam controlar os processos sociais, elas tentam parar a história orquestrando
uma certa configuração de usos do solo e afins. Isto é o que Ebenezer Howard sonhava, que nós iríamos
resolver os problemas das cidades construindo-as de acordo com certos princípios de projeto.
Quero argumentar que isso não pode ser feito, que, na verdade, a maioria do pensamento utópico
priorizou a forma espacial sobre os processos sociais, priorizou o pensamento espacial, o pensamento geográfico sobre o pensamento histórico. Porque o que aconteceria é que estas utopias, se fossem estabelecidas,
poderiam sobreviver apenas sendo muito autoritárias, por realmente tentar parar o processo evolucionário, por
restaurar ordem total a uma situação. E eu quero argumentar que isso não pode ser feito, e não é nem mesmo
razoável ser tentado.
Mas, quando chegamos à questão do mercado, nós atingimos um outro tipo de visão utópica, que é a
versão utópica de Adam Smith. O que Adam Smith basicamente disse é que não faz diferença se os indivíduos
forem gananciosos, egoístas, repulsivos, legais, seja o que for, não importa. Contanto que eles estejam trabalhando em uma situação de mercado completa, a “mão escondida” do mercado nos guiará para uma solução
que será em benefício de todos.
Essa era a utopia de Adam Smith. Foi a utopia revivida por Margaret Thatcher. É a utopia que está sendo
revivida em muitas correntes de pensamento nos Estados Unidos por trás do novo imperialismo. Era a utopia do
“deixe o mercado resolver todos os problemas”, que é obviamente a filosofia que agora guia Washington na sua
abordagem da crise na Argentina: deixem o mercado resolvê-la. Não importa se pessoas morrerem, não
importa se pessoas ficarem empobrecidas. A longo prazo, o mercado nos trará à terra prometida. Nós consertaremos todos os nossos erros.
Agora, há uma longa linha de pensamento, desde Karl Marx até mais recentemente com críticos como
John Gray, que diz “isto é um esquema utópico, e é tão destrutivo e tão autoritário quanto o esquema espacial.”
E o que o mercado livre faz, quanto mais você se envolve em uma situação de mercado livre, mais elevados se
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tornam os níveis de desigualdade social, e maior se torna o desenvolvimento geográfico desigual entre regiões
ricas e regiões pobres. E eu gostaria de assinalar para vocês que os dois países que mais claramente seguiram
o caminho do mercado livre, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, têm visto aumentos gritantes em termos de
desigualdade social ao longo dos últimos trinta anos. Em 1970, por exemplo, a proporção entre o salário de um
alto executivo em uma corporação americana e de um trabalhador médio era de algo em torno de 33 para 1.
Agora é algo em torno de 500 para 1. E nós vemos isto se refletindo em termos do que está acontecendo em
nossas cidades. Algumas cidades estão se desenvolvendo muito rapidamente, o mercado as favorece. Mas se
dermos uma volta pelos Estados Unidos, minha cidade natal Baltimore, Cleveland, Buffalo, encontraremos uma
devastação total. Isto é o que o mercado faz.
Contudo, o mercado é um mecanismo igualitário, ele trata a todos igualmente de uma maneira, de certa
forma, engraçada. Mas este mecanismo igualitário acaba sendo não igualitário porque há um grande ditado, que
eu acho que se aplica ao mercado, que diz: “não há nada mais desigual do que o igual tratamento de desiguais”.
E o que o mercado faz é começar com uma situação desigual e torná-la ainda mais desigual ao longo do tempo.
E quanto mais desigual ela se torna, ainda mais desigual ela se torna.
Então, quero argumentar sobre estes dois pontos, sobre forma espacial e o mercado. Nós temos de
começar a pensar sobre a relação entre forma espacial e processos sociais de maneiras mais criativas. Temos
de começar a pensar sobre algo que eu chamaria de “utopismo dialético”. Ou seja, algo capaz de explorar
formas espaciais como caminhos para transformar processos sociais que mudam formas espaciais, e isto se
torna então, como se fosse uma dialética, uma dança de transformação e de mudança.
Há outra solução potencial que me traz ao meu sexto mito, que é a idéia de que a solidariedade comunitária será a solução. Que nós podemos, de alguma forma, extrair algo chamado comunidade, construir relações
de solidariedade dentro desta comunidade, e isto se tornaria então a base para a construção de alternativas. É
o que nós conhecemos como “solução comunitária”.
Agora, eu acho que a formação de solidariedade e a formação de comunidades é um momento muito
importante em qualquer processo político. Elas podem, de fato, ser a base para importantes atividades de
transformação nas relações sociais, parte daquele processo dialético que eu mencionei. Mas a dificuldade com
o ideário de comunidade é que em algum momento ou outro ele pode se tornar excludente. Chega-se a um
ponto onde se que manter as pessoas do lado de fora, e começa-se a se dizer: “É a comunidade que é
significativa, é a comunidade que importa. Nós temos que colocar limites ao seu redor, nós temos que parar a
imigração.” E se encontrará toda uma corrente de pensamento de extrema direita neofascista que é muito
comunitária. Ela será encontrada no norte da Itália. O que é que o Le Pen na França está procurando? Trata-se da
validação de um certo tipo de solidariedade nacional e da exclusão de muitos outros, da exclusão dos outros.
Então, enquanto comunidade é um conceito muito importante, e noções de solidariedade dentro das
comunidades são um conceito muito importante, nós temos que ser muito cuidadosos para que não se tornem
um fim em si. Assim que nós começarmos a falar sobre a comunidade como um fim em si, é provável que nós
nos encontremos em formas de política excludentes, perniciosas até.
O sétimo ponto que quero trazer é a idéia de que as alternativas surgem da exploração de idéias. Sou
completamente a favor da exploração de idéias, eu passei a vida inteira fazendo isto. Mas não tenho nenhuma
ilusão de que as idéias que eu exploro realmente ofereçam soluções. E acho que parte do problema que nós
temos em pensar em alternativas para a situação atual é que nós não conseguimos ter as idéias que poderiam
nos trazer as alternativas. No passado tínhamos idéias sobre socialismo, comunismo. Agora há idéias sobre
ecologia, feminismo, e assim por diante, e estas são idéias importantes para explorar e pensar a respeito.
Mas quero sugerir que a solução não virá de pensadores como eu. Ela virá da prática, da exploração das
práticas do cotidiano. Virá de uma fonte muito importante, que é a idéia de que o pessoal é político, que nós
começamos com a vida cotidiana. E nós olhamos para os problemas do cotidiano e estes problemas do
cotidiano se transformam na matéria prima para a exploração de alternativas. Parte do fracasso histórico do
socialismo e do comunismo é que eles esqueceram que suas soluções tinham que retornar para o cotidiano,
pois é só no dia-a-dia que nós verificaremos que o pessoal se conecta ao político. E acho que o slogan “o
pessoal é político”, e que é no cotidiano que nós temos que explorar essas questões, é absolutamente crucial.
Há mais dois princípios que gostaria de sugerir. O oitavo princípio é a idéia de que de um jeito ou de outro
não se consegue fazer nada a menos que haja ordem.
Neste país, obviamente, eu sei que há uma frase muito importante sobre “ordem e progresso”. Quero
sugerir que, para mudar qualquer coisa, precisa-se de um pouco de desordem, e que a desordem é uma
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importante fonte de fermentação e de mudança social. Freqüentemente temos muito medo do conflito. Temos
muito medo de tensões. Mas a razão pela qual este argumento se torna significativo, que um pouco de desordem é absolutamente essencial, é porque nós vivemos em um mundo no qual estamos cercados por múltiplas
correntes, e eu já mencionei o que chamo de “armadilha comunitária”, na qual podemos cair, que se torna
excludente. Mas a desordem é uma maneira de abraçar a heterogeneidade, a diferença, o multiculturalismo e
conceitos afins, e de permitir e de desenvolver possibilidades em um contexto de uma certa dose de fermentação e desordem.
Uma das dificuldades que sempre existiram no planejamento urbano é que os planejadores que ganham
um certo tipo de poder, em algum ponto ou outro, sempre querem impor ordem, e se sentem sempre muito
desconfortáveis quando se encontram com pessoas que querem fazer isto ou aquilo. E o processo participativo
é sempre difícil, é sempre uma bagunça. Mas temos de estar preparados para enfrentar esta bagunça, temos
que nos envolver nela, não com a idéia de que nós vamos impor ordem nesta bagunça, mas que nós vamos
usar esta bagunça para o processo de fermentação do qual novas idéias, novas práticas, podem surgir. Nós
nunca sabemos quem vai ter as boas idéias, nós nunca sabemos de onde vão surgir as boas idéias. Então isto
é, me parece, uma parte vital do como nós devemos abordar a questão. Um pouco de caos é bom para todos.
E há finalmente este mito, que é sustentado em muitas partes no movimento ambientalista, particularmente nos Estados Unidos e até certo ponto na Europa, que as cidades e regiões metropolitanas são antiecológicas.
E o motivo pelo qual Curitiba é tão importante é que ela efetivamente tenta subverter este mito. As lições
que vocês oferecem são muito importantes, porque as lições que vocês oferecem nos dão meios para começar
a pensar em como formas inspiradas de desenho e redesenho urbano, de reorganização de processos sociais,
de reestruturação de relações sociais se tornam um meio para lidar fundamentalmente com questões ecológicas, ambientais. Nos Estados Unidos, nós temos muitos “românticos rurais”, que acham que de uma maneira ou
de outra todo o problema ambiental nos Estados Unidos será resolvido em se jogando a cidade de Nova Iorque
no mar e afundando-a, e todos partiriam para viver no campo. Esta é uma maneira meio maluca de pensar.
Se nós pegarmos estes princípios que eu estou expondo e juntá-los, parece-me que teremos um quadro
de referência de mentalidade com o qual podemos começar a pensar sobre nossos encontros com os processos de transformação conforme nós os encontramos na prática nos cenários urbanos. Há muito trabalho
inovador que pode ser feito nos cenários urbanos que irá efetivamente nos guiar em direção a algum tipo de
alternativa.
E acho que isto é muito significativo e muito importante, porque ou nós vamos ter um mundo governado
por uma empreitada imperialista de extrema direita, orientada para o mercado, nos Estados Unidos, mascarando-se como estas forças neutras das finanças, do capital multinacional, da globalização, ou nós iremos realmente explorar alternativas, explorar escolhas. E sempre me pareceu um paradoxo incrível nos Estados Unidos que
lá é um lugar onde todos estão sempre falando a respeito de escolhas, e como é importante se ter escolhas. Mas
estas escolhas estão confinadas a marcas diferentes de pasta de dente. Nós não temos escolha sobre em que
tipo de sociedade nós vamos viver nossas vidas, e como nós vamos viver nossas vidas, e estas me parecem
ser as escolhas fundamentais que deveriam ser postas na agenda. É muito difícil colocá-las na agenda nos
Estados Unidos. É um grande prazer estar em um lugar onde me parece que a escolha está, até certo ponto, na
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agenda, e eu os aplaudo por isto. Muito obrigado.
CENÁRIOS INTERNACIONAIS EM PLANEJAMENTO METROPOLITANO*
Rubens Pesci**
Estou muito contente por esta ocasião porque
me parece que, uma vez mais, Curitiba é protagonista, é líder, nestes processos brasileiros de renovação
das idéias e da gestão urbana ambiental metropolitana.
Ontem escutei dizer ”as metrópoles são a ri1
queza das nações” HOTZ . Na realidade, nós – como
FLACAM – nos baseamos de que realmente as cidades – como disse Jane Jacobs, em seu maravilhoso
livro com esse mesmo nome – são a riqueza das
nações e quando ela se referiu às cidades, na realidade, se referiu às regiões urbanas. E devo ser franco
com vocês, prefiro a expressão regiões urbanas que
áreas metropolitanas ou megalópoles; inclusive a idéia mais recente da geografia urbano-territorial, das “metápolis”,
cidades consteladas como uma megacidade, e regiões urbanas, em definitivo, parece-me muito mais acertada.
O primeiro ponto que desejo compartilhar com vocês é que também acreditamos que as metrópoles, as
regiões urbanas, as cidades, sobretudo quanto tomam certa escala, certa dimensão, são o motor básico das
riquezas das nações no continente.
A segunda premissa de minha fala é que, segundo um grande pesquisador norte-americano David Shon,
os administradores e planejadores urbanos, sobretudo de cidades complexas, desenvolvem a máxima inteligência possível registrada até agora nos meios profissionais – esta é uma pesquisa fantástica, e certamente para
os administradores e planejadores de todas as disciplinas isto está claro. Porque enfrentar a complexidade e
tentar certa governabilidade dos sistemas complexos urbanos exige muito mais do que as disciplinas clássicas
do conhecimento e das setorializações, que ontem ficaram, não digo condenadas, mas sim qualificadas como
sendo de obrigatória superação. Temos que superar, já não é mais possível ser setorial, tampouco multidisciplinar,
tampouco interdisciplinar. Gostaria de fazer para vocês um chamado à transdisciplina, ou seja, ao enfoque
integrador.
E o terceiro ponto que queria trazer – agora sim tomando a expressão de Eduardo Hotz – e estamos
falando de coisas que não são planos, planos diretores no papel, isto já sabemos o pouco que serviram, se não
conseguem criar um mito alternativo nos cidadãos, como é o caso de Curitiba. Se não é assim os planos no
papel realmente servem para muito pouco e isto, para mim, não é governabilidade dos sistemas complexos
urbanos metropolitanos, mas é uma prática setorial, todavia clássica e pouco fértil, pouco útil na hora da
realidade.
E, por último, o que vou fazer nos minutos que me designaram é uma passagem rápida por sete
experiências metropolitanas nas quais tivemos a oportunidade de participar, com papéis mais ou menos de
protagonista, com equipes locais de grande qualidade em todos os casos em vários países de onde me parece
que podemos extrair algumas aprendizagens.
O CASO DE LA PLATA (1980-85)
Bem, em 1983 tivemos nossa primeira oportunidade de trabalhar com a área metropolitana, menor, neste
caso minha cidade, a grande La Plata – estamos falando de cerca de um milhão de habitantes. E trabalhamos
permanentemente com participação social, e neste caso estávamos fazendo uma pesquisa de opinião. A cidade
de La Plata vista de cima é perfeita, é um desenho planejado faz 120 anos, vinte anos antes que Belo Horizonte
e na mesma linha que também continua Belo Horizonte, e ainda tem de alguma maneira, quase perfeita de uma
*Transcrição e tradução da palestra proferida por Rubens Pesci no Seminário Internacional “Diálogos Metropolitanos”.
** Arquiteto, presidente da FLACAM – Faculdade Latino-Americana de Ciências Ambientais, Buenos Aires, Argentina.
1 O comentário refere-se a Eduardo Hotz, arquiteto, Presidente do Fórum Nacional das Entidades Metropolitanas, Presidente da Emplasa - Empresa de Planejamento
da Região Metropolitana de São Paulo, que proferiu palestra no Seminário Internacional “Diálogos Metropolitanos”.
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cidade, um quadrado fundacional, e esse crescimento externo metropolitano. Mas, aqui aprendemos algo
fundamental: que não tínhamos que ler a cidade ou funcionamento metropolitano desde o ponto de vista do fluxo
somente de matéria e energia, isto é, todo o transporte de materiais e de pessoas e consumos de energia e o
demais. Este é um projeto de ecologia urbana iniciado pela UNESCO – foi o primeiro trabalho concreto que
fizemos com a UNESCO, com o Programa Meio Ambiente e Desenvolvimento MAB/UNESCO.
Entrando pelo fluxo de informação, comunicação, tomada de decisões, já se imagina onde vou parar,
vou parar no que, em definitivo, a gestão é um dos pilares de todo este problema. Porém, também, não gostaria
deixar a impressão de que, em alguma medida, tudo é gestão, sem um bom projeto, não há gestão que tenha
sentido; como também com um projeto extraordinário sem gestão não há resultado. Porém há um mito também
em criação de que os projetos importam pouco, o que importa é a gestão, porque os projetos costumam ser
muito nocivos – perdoem-me, mas os planejadores devemos fazer uma autocrítica. Quando os projeto têm
essas imagens contundentes, que são compreendidas pela população, que marcam rumos adequados, então
a gestão vai encadeada a um mito construído socialmente, e se vai conseguindo chegar à prática. Muitos dos
insucessos, dos fracassos que nós mesmos temos tido, tem sido um produto não de uma má gestão, mas
também de um mau projeto – e isto, creio, tem de começar a ser dito.
De toda maneira, desde o fluxo de informação, ali no centro estaria a cidade de La Plata, vazia, em branco,
porque no fluxo de informação La Plata é uma cidade maravilhosa, como pode ser Curitiba – universidades,
simpósios, encontros, políticas, debates nas ruas, na praça, na rua 24 horas, tudo aquilo que vocês queiram ter
– , porém na periferia, e aí aparece a questão metropolitana, em algum lado estão os problemas, e tudo o que
está em preto e cinza revela as críticas situações periurbanas de exclusão social, de falta de desenvolvimento
cultural, educacional e falta de oportunidades.
Esta entrada pelo fluxo de informação nos permitiu definir alguns padrões de solução – estamos falando
de exatamente dezenove anos atrás, estávamos aprendendo, era outro o momento – e nos permitiu colocar
alguns padrões, que orientaram idéias-forças claríssimas, não mais de seis, não menos de três, não mais de
dez, algumas provocações profundas ao corpo social. Como diriam os antropólogos, psicólogos sociais,
personagens fundamentais no planejamento, para mim: “temos que construir um relato compartilhado, temos
que construir uma representação compartilhada”. A percepção é uma das técnicas mais importantes do projeto
nos sistemas complexos – não a arquitetura somente, a engenharia somente, ou a advocacia somente, ou a
economia somente, a percepção, o poder compartilhar um projeto comum. Então começamos a falar de redes,
redes para o desenvolvimento portuário, redes para o desenvolvimento cultural-educativo, redes para o desenvolvimento de descentralização, sempre redes. Que casualidade! Hoje é um dos temas mais importantes no
mundo inteiro, em nível de paradigma e substituição epistemológica. Sempre redes, desde o fluxo de informação
estava claro que eram sempre redes. Então tentamos formalizar um modelo, agora sim urbano- espacial, e
obviamente passamos a um modelo multifocal descentralizado, com autogestão local. Multiplicamos a cidade
por uma rede de cidades. Com satisfação, hoje posso dizer que La Plata está funcionando assim, foi descentralizada a gestão municipal, foi descentralizado o planejamento, os grupos sociais locais são os que constroem as
propostas microrregionais, e a vida em La Plata ganhou muito.
Quero dizer algo antes que me esqueça. Para mim, uma das pessoas que mais sabe disto é Ítalo Calvino.
Para saber de planejamento metropolitano, por favor, leiamos Ítalo Calvino, antes de ler manual de urbanismo.
Calvino disse numa de suas cidades invisíveis, a Cidade de Senovia, que Senovia não é uma cidade mais ou
menos feliz. Isto eu acrescento: Senovia não é uma cidade com mais ou menos qualidade de vida. Isso é muito
relativo. O que é qualidade de vida? Para Calvino, Senovia é uma cidade maravilhosa, porque nela os cidadãos
puderam encaminhar seus sonhos. A qualidade de vida, como a cidade, é na qual os cidadãos podem realizar
seus sonhos; talvez sejam mais pobres que em outras cidades, porém podem realizar seus sonhos. Isso me
parece central.
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E PATRIMÔNIO (1995-continua)
Bom, seguindo nesse processo, fizemos o plano estratégico de La Plata. E o plano estratégico identificou dez idéias-forças, que tinham a ver com aquela outra – isso foi apenas há quatro anos – , e aí temos aquelas
coisas, municipalidade participativa, farol cultural, tecnópoles, porta sul do Mercosul, enfim, capital ambiental –
coisas que Curitiba conhece muito bem. Isso foi decidido de baixo para cima com todos os representantes
sociais. Porém, ainda assim, não “pegou” – como diriam vocês – , não se consolidou na população, e não se
consolidou porque não tínhamos encontrado aquele elemento verdadeiramente motivador. Entre tantas coisas
que havíamos verificado, era que o plano fundacional, o modelo fundacional urbanístico social, republicano,
progressista, era uma maravilha e estava ainda aí vivo, nenhuma rua havia sido transformada, nenhuma praça
havia sido negada; a cidade se estendeu pela periferia, porém está aí inteira. Então este plano fundacional, esta
maravilha do urbanismo do século XIX – da qual não posso tratar agora –, partindo de um processo altamente
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participativo, foi provocado para que viesse a ser Patrimônio Cultural da Humanidade, para além disso, que
fosse sentido e valorizado o patrimônio nacional, provincial, municipal da cidade de La Plata. E agora sim a
cidade de La Plata se pôs de pé. Não com planos abstratos, não com normas repressivas, não com gestões
vazias de conteúdo, mas sim com concertações, com o consenso de uma idéia comum. E não se pode levar
cinqüenta idéias comuns. Esta idéia comum não é simples, não é simples porque os patrimônios de La Plata não
são edifícios, são componentes de um sistema urbanístico muito avançado, que tem muitos elemento, desde os
mais arquitetônicos aos mais urbanísticos, desde os mais ambientais e sistêmicos no território, e se trabalha
com modelos. Isto foi aprovado totalmente – o que estou mostrando foi bem-sucedido, teve êxito, não tiveram
êxito os estudos, não tiveram êxito as medidas repressoras. Com a cidadania foi se redefinindo como crescer,
como conservar inovando, como inovar conservando. Então a primeira experiência, La Plata, a mais antiga de
todas 1980-2002, a Grande La Plata é também um projeto concreto temático, a reavaliação do patrimônio,
fortalecimento de oportunidades, o enfoque de ecologia urbana, o fluxo de informação e dez forças estratégicas.
Ter um tema gerador, um projeto de atuação que mobilize as energias sociais, econômicas e políticas, fazer a
autogestão de baixo para cima. Ontem, escutei falar muito pouco de autogestão – estou preocupado. Esta é
uma crítica de amigo, de parceiro, estava representante de Brasília, mas não havia representantes dos bairros.
Quanto às fragilidades e ameaças, em La Plata, tivemos e continuamos tendo falta de concertação
política para o enfoque metropolitano, os outros três municípios da região metropolitana ainda não quiseram
concertar, e a questão do curtíssimo prazo, fenômeno claro, pelo menos, neste caso, na Argentina, de orientação política dominante.
O CASO DA GRANDE BUENOS AIRES (1984-89)
Depois tivemos a ocasião de trabalhar na região metropolitana de Buenos Aires durante três anos, doze
milhões de habitantes, onde fui subsecretário de Coordenação Técnica. Criamos o ente metropolitano, organização da área metropolitana de Buenos Aires, seguindo os modelos mais modernos que naquele tempo, entre
1984-1987, eram, por exemplo, Barcelona e Paris, que tinha inclusive governo eleito metropolitano. E certamente
tivemos que construir todo o processo de organização, todo o processo de concertação e todo o processo de
planejamento físico-espacial, com uma proposta de profunda descentralização, focos metropolitanos externos,
redes urbanas, regiões urbanas e focos de descentralizações internos. Então, tivemos a oportunidade de
desenvolver um desses focos de descentralização internos, não os grandes, que estão a 50, a 100km, como a
minha própria cidade de La Plata, que está a 60km ao sul, mas sim os pequenos que estão na interface entre a
cidade e o campo, ali onde a periferia se torna intolerável. A proposta foi criar verdadeiros focos de reestruturação
do subúrbio.
E assim implantamos a cidade nova de Nordelta (1992-continua), 150 mil habitantes, um grande núcleo
completo de descentralização, é claro nada a ver com a cidade satélite, isto está dentro da trama urbana,
qualifica-se, conecta-se, integra-se com a trama urbana, não hierarquizada, não equipada, não servida, e gera
uma matriz verde, um coração novo. O importante disto é que esta experiência está concluída, em sua grande
porcentagem, já está sendo habitada, moram neste local 25 mil pessoas, já tem duas universidades instaladas
– só para dar um testemunho que isto está concluído. Teve e terá muitos problemas, mas tem uma vantagem
extraordinária: requalificar a exclusão, requalificar a marginalidade com operações integradas, não simplesmente
com acupuntura de pedaços. Esta é outra coisa que me deixa muito preocupado: perdeu-se a qualidade
epopéica de fazer intervenções profundas – e há uma coisa interessante aqui, esta é privada, não é pública,
pudemos convocar os interesses privados para fazer uma cidade, não fazer bairros fechados, e tem um
sucesso comercial extraordinário. É então um processo que continua, ainda seguimos trabalhando. Mas foi
desarmado o ente metropolitano (CONAMBA), terminou a gestão política, terminou minha própria condução, a
de Subsecretário enfim, terminou o processo de Alfonsín (ex-presidente da Argentina), em 1989, e se desarmou,
terminou o processo. Estou muito preocupado com esse processo de armar coisas, depois tem de ser visto
como se auto-sustentam. Então houve um enfoque integrador, houve o plano, mas houve o processo, mas
houve projetos, não houve planejamento abstrato, não houve somente normas repressoras, reativas, houve
projeto de intervenção, fez-se uma grande ação de descentralização, se fez muita autogestão, mas não houve
concertação política em todos os municípios da área metropolitana. Houve total falta de continuidade e dominava, e continua dominando, “o curtíssimo prazo” na visão política. Espero que este rápido leque de notícias tenha
algum sentido para vocês.
O CASO DE ASSUNÇÃO (1992-continua)
Asunción, no Paraguai. Com a ajuda também do Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoPNUD, fizemos o plano diretor de Asunción que determinou um modelo de cidade desejável, com o partido,
com a sociedade, discutido em todos os bairros. Tentamos trabalhar com a escala metropolitana, mas a
inimizade entre o partido político liberal progressista, no caso da cidade, conservador estronista, no caso do
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resto, impediu todo tipo de concertação real. Esse é um dos casos em que, apesar do esforço máximo que
fizemos, este plano de melhoramento ambiental em escala geral metropolitana não deu resultado. Mas, por
outro lado, propusemos um grande projeto com a municipalidade, de renovação urbana de todo litoral costeiro
de Asunción, 16km, para recuperar os 50 mil alagados, inundados, que moram nestas áreas costeiras e gerar
2
uma grande empresa de oportunidades urbanas – ontem Amélia REYNALDO falava de oportunidades, as áreas
costeiras são um grande território de oportunidades, nessa terminologia. Esse sim funcionou, esse tem apoio,
esse se está disputando quem o faz, esse o BID já aprovou, tem financiamento. Então, neste processo de
Asunción, também se fortalecem oportunidades, fragilidades e ameaças.
Foi feito o plano, se fez o processo, e foram feitos projetos executivos. Encontrou-se um grande tema
gerador, a franja costeira; um projeto de atuação que mobilizou a opinião pública. Não é a mesma coisa dizer
que se está participando “na franja costeira”, “no novo de tal coisa”, “na cabeceira de tal”, quer dizer no “plano
de desenvolvimento de economia ambiental”, no “plano diretor normativo” e tal. Isso não é socialmente compatível. Estou dizendo que para nós a comunicação projetual, a definição desse relato, dessa representação
coletiva, dessa empresa cultural, social e coletiva é tão importante ou mais pelas normas que pelos desenhos
técnicos. Então houve essas coisas, mas houve falta de concertação política absoluta, não se enfrentou, não se
pôde enfrentar a região metropolitana, houve a ingerência do “curtíssimo prazo” absoluto, meses, e não havia
continuidade para nada – apesar dos grandes amigos e das grandes pessoas que há também em Asunción - ,
e a isso se somou uma visão mercantilista profunda.
O CASO DE PORTO ALEGRE (1995-98)
Porto Alegre é um dos casos mais maravilhosos de que me honro ter participado durante vários anos e
creio que houve um dos processos mais esplêndidos, provavelmente em escala internacional. Mas aí também
encontramos dificuldades, isto é um diagrama de conflitos e potencialidades, uma cadeia de forças para definir
o ponto principal, e um dos problemas principais que tinha de se mudar era o próprio enfoque técnico, de um
organismo acostumado a regular, a controlar, no lugar de promover, monitorar, subsidiar os processos sociais.
Então já havia, quando tivemos a oportunidade de colaborar, muitas riquezas, muitas fortalezas, em Porto
Alegre, o orçamento participativo, o estilo de trabalho participativo. Tem-se que mudar o enfoque, compartilhar
com esses profissionais excelentes a busca da mudança.
Bom, saiu um plano diretor, que está aprovado, de desenvolvimento urbano ambiental, que, acredito,
tem muitas qualidades e grandes propostas epopéicas, que tem uma visão de patrimônio natural e cultural muito
profunda. Vejam, a região de Porto Alegre, o município de Porto Alegre é quase todo um território de recuperação, de proteção ambiental e patrimonial. E tem um modelo de transporte, esse é uma das coisas mais interessantes a destacar, fez-se o plano de transporte com absoluta coincidência com os delineamentos do planejamento,
a busca de abrir, de diversificar, de tramar. A grande escala, escala metropolitana do modelo urbanístico, é a
mesma do modelo de transporte que está sendo aplicando. E se tentou gerar os eixos de descentralizações,
corredores de descentralidade que buscam as metrópoles, com dificuldade, sem muito interesse na própria
administração do planejamento, de apostar grande nessas coisas. Voltou um pouco a discussão do que nós
chamamos de plano regulador, e com planos reguladores não se fazem nem cidades nem regiões metropolitanas.
E aqui aparece uma das partes mais importantes da região metropolitana, mas nunca podíamos trabalhar com toda a região metropolitana. Então uma das melhores experiências que conheço, sem dúvida, sem o
enfoque foi integrador, trabalhamos com estratégicas, programas e projetos claramente individualizados com
uma extraordinária participação social, com a construção de uma cultura na cidade e com políticas comprometidas. Mas não podíamos abordar a região metropolitana, porque era de outro partido político, com o município
vizinho, e o município ainda tinha, acredito que está superando, essa questão mais de administrar do que de
provocador de projetos, certa dificuldade de trabalhar com os investidores, certa dificuldade em concertar e
promover investimentos. Espero que já esteja superando, porque o poder público não pode abarcar tudo.
O CASO DE VALÊNCIA (1995-96)
Em Valência, esta grande cidade espanhola, tivemos que intervir em função de um problema muito
delicado e muito interessante – do qual também se falou muito ontem: esvaziamento do centro histórico e
expulsão da área rural por especulação imobiliária. E aí estão as hortas de Valência, que são patrimônio europeu,
que vão chegar a ser patrimônio da humanidade, mas não são muito melhores que das redondezas de quase
todas as cidades, pelos menos da América Latina. Então este plano metropolitano foi como dar valor, como
recuperar o mito das hortas para salvar a cidade.
Um plano sobre a natureza foi construído artificialmente, antrópica, por certo, porque as hortas têm dois
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mil anos, maravilhosas. Para salvar a cidade, então foi muito simples, toda uma quantidade de medidas estratégicas para dar valor econômico, social, cultural, turístico, para as hortas e que a cidade dê um salto e comece a
organizar uma multifocalidade – e isto está num processo de atuação muito profunda, com planos executivos,
como se trabalha na Espanha certamente, mas tinha grandes dificuldades. O plano diretor é um plano urbano,
um plano totalmente regulador e por isso não pode controlar a especulação imobiliária. Não se controla o poder
do capital com normas moralistas. Partimos de um tema renovador culturalmente profundo de Valência, Espanha,
e de União Européia e aplicamos um enfoque duro, um enfoque de ecologia urbana, enfoque transgressor de
fluxo de informação, de trocas de mitos e, é claro, recuperação de matéria e energia. Porém, nos encontramos
com uma profunda visão mercantilista, tão audaz ou mais grave do que temos na América Latina, os produtores
imobiliários se comem as hortas com satisfação e em curtíssimo prazo. Este projeto foi aprovado pela União
Européia e não foi aprovado pelo governo regional de Valência.
O CASO DE LIMA (1998-continua)
Lima, a grande metrópole de Peru, sete milhões de habitantes, está crescendo ferozmente sobre o
deserto. Tinha três pequenos vales, vales hídricos costeiros, cinco mil metros da altura ao mar. Uma já foi
totalmente devorada pela urbanização, à outra está quase acontecendo isso, e a terceira está boa ainda. Então
este é uma fenômeno gravíssimo para o Peru, porque toda a costa peruana é deserto, e a civilização desde o
pré-inca se deu somente nesses pequenos vales, salvar um vale, sobretudo o metropolitano, é dar um exemplo
para todo o Peru. Fez-se todo um esforço de conservação natural, cultural, turística deste maravilhoso vale, para
que Lima não terminasse de arrasar, de passar por cima. Esta foi uma iniciativa de ONGs, da FLACAM, precisamente, e com muitas ONGs da região. A autoridade municipal metropolitana de Lima disse estar de acordo, mas
faz uma ação totalmente contrária; tem um organismo metropolitano, mas desconhece o manejo de vales, tem
um organismo metropolitano, mas deseja o crescimento e a invasão das áreas naturais. A comunidade fez uma
ação contrária e fizemos muitas ações sustentáveis. São milhares de pessoas absolutamente comprometidas,
e o “Vale Verde” está sendo defendido,o único vale verde que sobrou em Lima, e é claro fomos chamar a
autoridade do vale deste rio, com a adesão de doze municípios. Um poder paralelo ao poder metropolitano.
Então, o que quer dizer este caso? Outra vez aparece a importância de ter um tema gerador, um projeto
de atuação bem concreto, que mobilize a opinião pública. Parece-me que isto em Curitiba tem sido muito bem
manejado, não sei como está agora, mas parece que ao longo do tempo Curitiba manejou muito bem estas
coisas. Acredito que são essas coisas que estão faltando um pouco ao processo de Porto Alegre, muito mais
sólido, talvez, quanto ao processo de participação social, da organização do próprio sistema de planejamento.
Acredito que a autogestão local, ou os projetos gerados não desde o Estado mas de outros lugares são
formidáveis para apoiar as boas ações dos governos e para freiar aquelas que não são tão boas. Essencialmente, há que converter o planejamento num processo de comunicação, há que destecnocratizá-lo, socializá-lo. E
seguimos tendo profundas debilidades e ameaças como a especulação urbana, neste caso de Lima com o
apoio municipal, mas o apoio não é explícito e sim implícito dos organismos públicos, e seguimos tendo o
grande problema do curtíssimo prazo, o que me parece que em muitos casos no Brasil está sendo progressivamente recuperado, há consciência política crescente sobre essas coisas.
CONCLUSÕES
Quais são os padrões fundamentais que temos que propor, dos mais espaciais, passando pelos
econômicos, chegando aos políticos, como fazer esse “grande vereador”, esse “supervereador”, de que
falávamos ontem. Como acreditamos que a escala das regiões urbanas tem que enfatizar medidas para realizar
isto, mas pode ser objeto inclusive em algum momento do debate. Creio que adotando este esquema tão
simples de fortalecer as oportunidades, as debilidades e ameaças. Eu creio que temos, muitos dos que estamos
aqui sentados – ou talvez não, vamos abrir polêmicas, porque ontem ouvi opiniões diferentes –, mas creio que
entre muitos dos que estão aqui há coincidência de se estar construindo um enfoque conceitual e metodológico
realmente para enfrentar a complexidade dos sistemas urbanos metropolitanos, em que os planos como planos
não são somente suficientes, quase diria que não são necessários – e digo isto em voz baixa – se não houver
um profundo processo técnico de monitoração permanente, de participação social, de decisões compartilhadas, de consenso crescente, de utopias comuns, mas também de um rigor técnico superador, transdisciplinar,
não como alguns casos célebres, que não quero mencionar de onde são, onde aprovado o financiamento de
BID por uma grande rodovia urbana chega diante de uma igreja, patrimônio do Estado, e isto não estava
previsto, não estava estudado – quer dizer que alguns estudam o patrimônio, outros estudam o saneamento,
outros estudam os esgotos, e assim não adianta jamais. Os sistemas complexos necessitam de enfoques
complexos, não simplistas.
2 O comentário refere-se a Amélia Reynaldo, arquiteta, doutora em Planejamento Regional, Diretora-Presidente da FIDEM - Fundação de Desenvolvimento Municipal
(Recife, Pernambuco) - que proferiu palestra no Seminário Internacional “Diálogos Metropolitanos”.
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Mas creio que estamos avançando. E este Encontro – e cumprimento os organizadores por isso – é
uma amostra de que começa a crescer esta força, e temos uma oportunidade fantástica, há um novo paradigma
que se aproxima que não sei se é exatamente tal qual o partido do governo, mas como estou tratando de falar
em termos latino-americanos e não brasileiros – não tenho necessidade de expressar minha simpatia. Creio que
está se aproximando um novo paradigma de sustentabilidade. Há um compromisso por solidariedade, justiça,
igualdade, sustentabilidade ambiental. Ainda assim, creio que temos uma debilidade e uma ameaça. Ameaças, o
neoliberalismo e as políticas extremas de mercado não permitem nenhuma sustentabilidade metropolitana.
Vamos dizer com toda clareza, as leis de mercado não podem regular a complexidade socioambiental, e por
isso os norte-americanos têm sistemas de planejamento enormemente eficazes e constituídos, não deixam que
funcionem o mercado livremente, para decidir as questões de como canalizar os sonhos de todos.
Há um cinismo pós-moderno, um desacreditamento em epopéias, um não acreditar em nenhum esforço
coletivo solidário. E há outro mito maléfico esse que se pode viver em comunidade sem aproximação e se
prefere viver em condomínios fechados ou coisas do gênero – também em Curitiba vi isto, lamentavelmente.
Estas são ameaças gravíssimas. Temos que mudar, em todo o caso para um neoliberalismo responsável, se é
que isso pode existir. Temos que abandonar esse cinismo pós-moderno, este tipo de cinismo havia antes das
Guerras Mundiais também. E temos que saber que comunidade com aproximação, a cidade histórica tem que
ser recuperada, e fazer cidades novas, se necessário, mas com critério de cidade histórica, não de exclusão de
ricos e pobres, que é o meio que dá o nada da batalha, da luta pela concessão de bens materiais.
Mas para isso temos uma profunda debilidade. E eu quero fazer uma autocrítica, e creio que mostrei
todas as coisas em que falhamos. Não conseguimos superar as restrições municipais, não conseguimos gerar
processos de participação sustentável, não conseguimos convencer os especuladores imobiliários o suficiente;
exceto quando podíamos criar um mito alternativo: a franja costeira de Asunción, o patrimônio de La Plata, as
hortas de Valência, o “Vale Verde” de Lima, somente quando isso começa a acontecer.
Acredito que nós temos dois problemas, nós profissionais de planejamento – se nos queremos chamar
assim. Um é o vazio de conhecimento sobre os sistemas complexos e sua governabilidade. Temos estudado
setorialmente e temos praticado setorialmente – onde está a secretaria de tal? Onde está a outra secretaria? Em
que organismo está da universidade de arquitetura, ou economia ou sociologia? E de vez em quando nos
juntamos para compartilhar. Há um vazio de conhecimento sobre o enfoque de complexidade e o manejo
prático da complexidade. E, segundo, há uma perda de projeções, algo assim como os que projetam setores
urbanos, por exemplo, Porto Madeiro, na Argentina, são arquitetos não planejadores, e os que planejam fazem
normas e planos abstratos e não sabem projetar.Esta é outra separação terrível, desqualifica nossas cidades e
muito mais as regiões metropolitanas. Grandes projetos concretos, corredores de desenvolvimento, bacias
completas, parques completos e sistemas completos, projetados como se fossem uma grande arquitetura, ou
uma grande obra agronômica, novas geografias e não planos abstratos.
Espero que essas experiências tenham sido úteis para vocês.
Muito obrigado.
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FOMENTO, LOGÍSTICA E DESENVOLVIMENTO DAS METRÓPOLES*
Félix Damette**
Senhoras e senhores, meu projeto é ambicioso, porque eu gostaria de, no espaço de quarenta
minutos, apresentar-lhes duas séries de reflexões.
As primeiras são considerações gerais na
escala internacional e sobre exemplos estrangeiros
de longa data, uma vez que se trata da ocorrência na
África do Norte, ou seja, em um território pertencente
ao mundo árabe, em posição intermediária entre a
África e a Europa.
E, em um segundo momento, eu gostaria prudentemente, no entanto - de colocar algumas questões referentes à Região Metropolitana de Curitiba.
Algumas questões sobre o tema do diagnóstico:
como analisar a situação? Quais são os problemas? Em que termos se apresentam esses problemas?
Como preâmbulo, vocês devem observar uma questão de vocabulário. Ocorreu um fenômeno de
globalização do vocabulário. Hoje, em todos os países do mundo, encontramos a famosa trilogia: competitividade,
sustentabilidade e solidariedade. Estes três termos requerem, acredito, um primeiro comentário, porque, de
fato, estes três conceitos que utilizamos doravante correntemente e no mundo todo, são conceitos que não
estão no mesmo nível.
O conceito de desenvolvimento sustentável, por exemplo, é uma exigência universal, que pode ser
apresentada sob a forma de regras mundiais. Essas regras dependem de fato – se as lermos atenciosamente
– do bom senso. Mas do bom senso visto a longo prazo, visto sobre vinte e cinco anos. Se nos colocarmos a
questão: qual será a situação em vinte e cinco anos? Seremos obrigados a fazer um desenvolvimento sustentável.
Ao contrário, o conceito de competitividade e ainda o de solidariedade são de outra natureza. São
conceitos de política econômica e social cujo conteúdo varia de acordo com o meio, o contexto cultural. O termo
solidariedade, por exemplo, não tem o mesmo sentido em todos os continentes. E, de acordo com a cultura, lhe
conferimos uma acepção mais ou menos ampla ou mais ou menos precisa.
Certamente, a globalização não afeta somente o vocabulário, ela afeta mais profundamente a própria
dinâmica das metrópoles. Nós sabemos que há vinte anos – vinte ou vinte e cinco anos – as grandes cidades se
desenvolviam essencialmente a partir de seu próprio potencial econômico e não do da sua região. E quando nós
conhecíamos bem a região e a cidade, era fácil fazer uma projeção.
As coisas certamente mudaram. Hoje nós estamos neste contexto de globalização, quer dizer, um
contexto em que se apresentam oportunidades de desenvolvimento em escala internacional. E a questão é saber
como as diferentes cidades serão capazes de aproveitar as suas oportunidades, de valorizá-las, de capitalizar
as aquisições e de preparar o seu próprio futuro.
Ou seja, a política urbana tornou-se, na escala das metrópoles, um fator essencial. O que nos leva à
governabilidade urbana. E é normal que insistamos enfaticamente sobre essa questão da qualidade da
governabilidade, porque é ela que vai determinar a aptidão de aproveitar as oportunidades de desenvolvimento.
Por isso, hoje podemos considerar que existe – muito esquematicamente – dois tipos de cidades no
mundo, dois tipos de metrópoles. Existem aquelas que sabem aproveitar as suas oportunidades e que estão no
movimento, e aquelas que não sabem aproveitar suas oportunidades e regridem.
* Transcrição e tradução da palestra proferida por Félix Damette no Seminário Internacional “Diálogos Metropolitanos”.
** Geógrafo, professor de Geografia Paris I e Sorbonne, membro da Academia de Fomento Territorial da República Alemã, consultor do Groupe Huit. Tem trabalhado na
Argélia, Tunísia, Marrocos.
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Eu acredito que a partir desta classificação muito simples - e um pouco simplista - entre as cidades que
progridem e as cidades que regridem, podemos ter um primeiro quadro de leitura. E é este quadro que eu quero
aplicar a duas cidades da África do Norte muito rapidamente: a cidade de Tunis, capital da Tunísia, como o seu
nome indica, e a cidade de Casablanca, que é a capital econômica do Marrocos, aliás, uma cidade muito mais
importante e que apresenta problemas graves.
O CASO DE TUNIS
Uma palavra sobre Tunis. Tunis é a capital de um pequeno país, que não tem dez milhões de habitantes,
mas de um país sólido, com um Estado eficaz e que domina sua situação global e sua situação metropolitana.
A Tunísia é um país que, desde o seu nascimento nos anos cinqüenta, sempre teve uma orientação clara,
consistente em sustentar o Estado sobre as classes médias e em fazer com que as classes médias estejam no
centro do dispositivo. Mas, ao mesmo tempo, é um país que sempre zelou para que tanto a população urbana
como a rural não fossem abandonadas à própria sorte, para que os programas de desenvolvimento alcançassem todas as escalas, até o nível mais simples, até o nível das pequenas cidades, dos bairros; que sempre zelou
para que o equipamento urbano servisse toda a população.
Hoje constatamos que os resultados são interessantes. Tunis se apresenta como uma cidade situada
numa posição muito difícil. De fato, o local é muito complicado; existem montanhas, lagos, extensões onde não
é possível construir, e tudo isso faz dela um terreno extremamente difícil de administrar, com riscos de transbordamento da cidade em todos os sentidos.
A governabilidade urbana é assegurada em grande parte pelo próprio Estado, mas por um Estado que
é muito preocupado em associar as municipalidades e que respeita o poder municipal. A governabilidade urbana
se traduz por uma série de pontos que vou enumerar rapidamente: uma política do centro metropolitano,
zelando pelo desenvolvimento das diferentes funções do centro de maneira coerente; esta política do centro é
associada a uma política de transporte ambiciosa, uma vez que essa cidade de um milhão e meio de habitantes
é dotada há muitos anos de um metrô. Um metrô que foi bem dimensionado.
Eu quero com isso dizer que se trata de um trilho em local próprio, de grande movimentação, e que foi
concebido para ligar o centro da cidade aos bairros populares densos mais longínquos, os mais periféricos. O
que quer dizer que, nesta cidade, os habitantes dos bairros mais pobres, dos bairros mais populares têm à sua
disposição um metrô a um preço acessível que lhes permite acesso ao centro da cidade.
Essa fórmula reúne várias vantagens. Uma vantagem fundamental é a de assegurar a unidade do mercado de trabalho. As empresas não têm necessidade de ter sistemas próprios para que os trabalhadores vão ao
trabalho. É o transporte público que garante o conjunto de todos os transportes. E a segunda vantagem social,
provavelmente mais importante ainda: os habitantes dos bairros mais pobres não se sentem os excluídos da
cidade. Eles têm acesso ao conjunto da cidade e, particularmente, ao centro, o que constitui, acredito, uma das
maiores qualidades de uma metrópole.
Para isso a cidade dispõe de meios importantes. Os mais importantes são as agências fundiárias.
Existem pelo menos três agências fundiárias em funcionamento no local e que são encarregadas de fornecer
permanentemente terrenos tanto para habitação quanto para indústria, para o turismo, para atividades diversas.
Existe o serviço dos Escritórios Públicos de Habitação, dirigido mais particularmente para as classes de baixa
renda, considerando que as classes médias podem se satisfazer com as soluções do mercado. E existem, no
orçamento público, linhas orçamentárias abertas para estas diferentes ações. O resultado é que temos uma
cidade que domina seu espaço, acho que podemos dizer, ao mesmo tempo, o seu destino.
Nós temos uma cidade que é capaz de fazer projetos a longo prazo e que é dotada, particularmente, de
um grande projeto. O esboço que está aqui representa à esquerda o estado atual: a cidade, o porto, o sistema
ferroviário - visto que a base da urbanização é o sistema ferroviário. E aqui é projeto para daqui a vinte e cinco
anos, que consiste em criar uma nova ligação ferroviária que contorna a cidade atual e que permite garantir uma
ligação forte entre o centro, que é aqui, o centro histórico tradicional, e o novo eixo logístico que vai se desenvolver. A logística sendo uma das grandes funções em pleno crescimento e que constitui uma função de futuro, uma
função maior.
Um dos grandes problemas que é resolvido aqui é o da ligação entre o centro de negócios, de serviços,
etc. e as grandes bases logísticas que serão instaladas à parte do antigo sistema urbano. Ou seja, nós temos a
prova que em um pequeno país, um pequeno país pobre, podemos fazer uma política urbana eficaz, administrar
a cidade e podemos projetá-la de maneira equilibrada para vinte e cinco anos.
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Metrópolis em Revista
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O CASO DE CASABLANCA
Não é o caso em todos os lugares, e eu citei agora há pouco o caso de Casablanca, que é uma cidade
bem mais importante, quatro milhões de habitantes, capital econômica do reino do Marrocos. Casablanca é
interessante porque é uma cidade que teve sua época áurea, que teve uma grande expansão no período de
1940/1970, durante trinta anos. Era a cidade que ganhava com o desenvolvimento de uma indústria considerável,
com o desenvolvimento de atividades financeiras, bancárias, culturais. Era uma das capitais mundiais da arquitetura
e da modernização da arquitetura.
Ora, essa cidade entrou em crise nos anos setenta e o resultado hoje em dia é bem assustador. Ela
entrou em crise em um processo que remete também à governabilidade. A partir dos anos setenta, o Estado
Marroquino em dificuldades adotou em relação a grandes cidades uma política acima de tudo securitária. O
Estado tinha medo de grandes cidades, porque eram focos de subversão e motins. Por isso é que se quis antes
de tudo controlar essas cidades. E o espaço urbano foi desmontado em dezenas de pequenas municipalidades
incapazes de gerir o problema. Ao mesmo tempo, não havia um organismo centralizador que tivesse uma visão
conjuntural do sistema urbano.
O resultado não é uma acumulação, mas um encadeamento de distorções e de disfunções. Esta cidade
está em crise. Crise de infra-estrutura, falta de infra-estrutura geral e de infra-estrutura urbana. Esta cidade está em
crise de habitação. O povo não tem onde morar, não tem os meios para se instalar, os aluguéis são bem mais
caros e não há terrenos disponíveis. O resultado é que as pessoas se amontoam em favelas em pleno centro da
cidade. Passamos muito tempo transferindo as pessoas das favelas, mas as favelas continuam com outras
pessoas, e podemos transferir o quanto quisermos que as favelas se realimentam em permanência.
Em Casablanca decidiu-se, para acabar com o problema das favelas centrais, cercá-las por grandes
muros, de quatro metros de altura. Acredito que aqui vocês conhecem os muros no interior da cidade. Mas estes
de Casablanca não têm o mesmo sentido. Em Casablanca são feitos muros em torno das favelas não por
razões de segurança, mas para escondê-las. Porque temos vergonha e, particularmente, as elites urbanas têm
vergonha de ver em pleno centro da cidade exposta a maior pobreza do país. Então, fazem grandes muros para
não ver essa pobreza porque ela é obscena.
Ter uma favela no centro da cidade é, para o resto da sociedade, uma obscenidade que deve ser
escondida. Mas é mais grave que isso, de fato, há uma crise fundiária dramática. Um bloqueio do desenvolvimento por falta de terras disponíveis. Mas, ao mesmo tempo, como é de regra, quando faltam terras há também
vazios urbanos consideráveis. As zonas industriais têm dois terços de suas áreas vazias, mas os industriais não
encontram terrenos para se instalar.
E, enfim, a recordista de todas as crises, a crise do transporte público. Não há transporte público. Ou
melhor, o seu estado de disfunção é tamanho que cada empresa e cada administração deve ter seu próprio
sistema de transporte dos trabalhadores. E o resultado é uma enorme desordem urbana. Mas esta cidade é
também a locomotiva do país. É ela que puxa o conjunto da economia. E isso se traduz em uma baixa regular da
taxa de crescimento da economia nacional. A locomotiva não funciona mais ou, em todo caso, está gripada. E
tudo isso cria uma situação que hoje em dia levou o Poder Público a retomar o problema radicalmente, a criar
uma entidade global na escala da cidade e a criar um novo tipo de documento de urbanismo, que é encarregado
justamente de dar uma unidade provisional e que é o plano de uso e ocupação do solo. Ou seja, em condições
favoráveis, podemos ter cidades em pleno crescimento que entram em crise e tornam-se recessivas.
Concluindo estes dois exemplos muito rapidamente evocados, acho que podemos relembrar uma
verdade bem conhecida em matéria urbana. Uma cidade, por definição mesmo, traduz as contradições da
sociedade que a produziu. A cidade traduz as forças e as fraquezas desta sociedade. Mas ela as traduz
ativamente. Quero dizer com isso que a cidade gera as contradições sociais com mais ou menos eficácia, de
acordo com a qualidade da governabilidade. Nós temos cidades onde as mesmas contradições acabam em
resultados diferentes, de acordo com a forma como são tratadas. Em Casablanca como em Tunis os problemas
de fundo são os mesmos, mas conforme o governo domina ou não estas contradições, podemos obter
resultados bem contrastantes. E hoje em dia, nós temos uma prova política brilhante. As cidades das quais eu
lhes falo se situam evidentemente na área árabe-islâmica e, atualmente, quando falamos de problemas sociais,
políticos e urbanos nesta área, pensamos obviamente no Islamismo.
Os dois exemplos que acabo de citar respondem perfeitamente: o que é o Islamismo? Não é uma
aberração satânica. É o produto da evolução e das contradições de uma sociedade. E não é por acaso que o
Islamismo tem seus maiores focos nas metrópoles e, particularmente, nos bairros mais populares das metrópoMetrópol. r. v. 4 n. 1 p.41-49, 2002
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les e nas universidades ao mesmo tempo. O Islamismo se torna eficaz quando ele faz a ligação entre as
universidades e os bairros mais pobres, os bairros mais desfavorecidos. Ora, o que nós constatamos? Casablanca
é um foco islamista, enquanto em Tunis o problema foi levado à sua mais simples expressão.
Nós estamos em sociedades que por definição mesmo são sociedades duais. Mas o dualismo mudou
de sentido e de conteúdo. Há vinte anos o dualismo era simples, havia os pobres e os ricos. No contexto da
globalização, transformou-se em outra coisa, não é mais somente os pobres e os ricos, é os “in” e os “out”, são
aqueles que estão no topo, que podem ter a esperança de serem levados pelo movimento positivo, no movimento de integração à globalização e à sociedade de consumo.
E do outro lado estão os “out”, aqueles que perderam a esperança. O que é mais dramático em uma
sociedade e, particularmente, em uma metrópole, é a desesperança. O Islamismo é o produto da desesperança.
E a desesperança, ela se alimenta e pode até se estruturar nas áreas metropolitanas. É esta a parte fundamental
deste jogo. É a partir destas considerações, certamente um pouco genéricas e um pouco distantes de nosso
terreno local, que eu me permito abordar meu segundo tempo e lhes falar de Curitiba. E isso de um modo
interrogativo. Quais são as questões que podemos nos colocar? Qual análise podemos fazer do desenvolvimento desta cidade e nesta perspectiva?
Primeira observação que posso fazer chegando da Europa é que esta cidade tem uma reputação
internacional notável. Curitiba é conhecida pelo mundo afora pelo sucesso do pólo automobilístico e pela
qualidade de seus transportes públicos urbanos, que deram lugar a uma operação de notoriedade internacional.
Para utilizar o vocabulário de hoje, Curitiba tem a imagem de uma cidade que ganha, uma cidade que
progride, uma cidade que está do bom lado da barreira. Por trás desta imagem, quais são os elementos de
diagnóstico que podemos destacar? Diagnóstico, certamente, em matéria de política urbana. A política urbana
pode ser abordada a partir de dois conceitos, que me parecem os conceitos-chave na situação: a coerência
funcional e a coesão social. Qual é o objetivo da política urbana? É assegurar, nos próximos vinte e cinco anos,
um caminho que permita ao mesmo tempo uma coerência funcional e uma coesão da sociedade. São as duas
apostas.
Essas duas apostas, eu gostaria de abordá-las muito sucintamente, sob os três ângulos clássicos:
econômico, ecológico e social.
Sobre a economia. Eu disse a pouco que a cidade tem a reputação justificada por ter sido bem-sucedida
a sua passagem ao status de pólo automobilístico. Por quê? De onde vem esse sucesso que não estava
previsto? Em 1975, a programação não era essa, ou as previsões não eram essas. O que fez com que o grande
capital internacional tenha se interessado por Curitiba como base automobilística? Acredito que a razão principal
está na relação com São Paulo. Curitiba se definiu em primeiro lugar em relação a São Paulo. Com dois termos:
proximidade. Quatrocentos quilômetros, é uma distância razoável, não é muito longe. Mas, além da proximidade, Curitiba se beneficia de uma imagem e de uma realidade social muito diferentes das de São Paulo. A imagem
de São Paulo é uma imagem dura, uma imagem conflituosa, enquanto Curitiba oferece uma imagem consensual.
A grande indústria gosta dos ambientes consensuais. O conflituoso a assusta. E Curitiba apresenta essa vantagem de ser perto de São Paulo, com um perfil social, um ambiente social que parecem extremamente diferentes.
Eu acho que esses elementos podem nos servir de fio diretor. Se queremos visualizar o futuro desta
cidade é a partir daí. Um dos maiores problemas é melhorar a proximidade. É vital para esta cidade ser o mais
próxima possível de São Paulo. O que traz problemas de transporte no plano federal, de modo de transporte. E
eu me permito uma simples observação: quatrocentos quilômetros é a distância ferroviária por excelência. Não
é uma distância rodoviária. Não é uma distância aérea. É muito perto para o avião e muito longe para o ônibus.
Então, com estradas de ferro modernas, mesmo sem chegar ao TGV, quatrocentos quilômetros, são duas
horas e quinze minutos, duas horas e meia. Este é o tipo de projeto que mereceria o nosso interesse.
O segundo elemento é o ambiente do qual eu falei: consensual/conflituoso. Para que Curitiba mantenha
sua vantagem comparativa, é essencial que ela mantenha essa imagem e essa realidade o tanto quanto possível
consensual.
Quais são as perspectivas de desenvolvimento? As perspectivas de desenvolvimento são interessantes,
são fortes. Mas elas precisam de uma intervenção e de uma visão clara do futuro. O automóvel é bom, mas é um
produto em plena transformação. É um produto que está se tornando eletrônico em grande velocidade. A
eletrônica logo representará cinqüenta por cento do valor do produto. Ou seja, um pólo industrial moderno, um
pólo em progresso, que é aquele que é capaz de acompanhar a evolução tecnológica do produto. E que será
capaz de fazer não somente mecânica, mas mecânica eletrônica.
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O problema econômico aqui é primeiro o da interface entre a mecânica e a eletrônica. O que nos remete
à questão da formação. Uma grande metrópole moderna é um centro de formação. Não somente universitária
e acadêmica, mas tecnológica. E aqui a vocação tecnológica parece bem evidente. Mas, a partir do momento
em que se fixe este tipo de orientação, podemos tirar conclusões espaciais e urbanas. De que tipo de espaço
precisam as indústrias? Não são zonas industriais clássicas situadas nas periferias urbanas. São espaços de
atividade de grande qualidade urbana e paisagística, notavelmente ligados ao centro da cidade e aos grandes
meios de comunicação. É outra coisa. Não é mais a zona industrial como a concebíamos há alguns anos. O que
nos obriga a repensar o conjunto da cidade, a ter uma outra visão da cidade.
Mas o desenvolvimento econômico não se limita a essa função que é sem dúvida maior. Está claro que
Curitiba tem um problema e um grande potencial de desenvolvimento logístico. O desenvolvimento logístico não
é somente um potencial, ele está se manifestando. E a logística apresenta problemas maiores em matéria de
urbanismo. Como desenvolver uma cidade e como integrar a logística. Já estão sendo feitas realizações
importantes. O grande contorno pelo Sul e pelo Leste é estruturante. E está bem evidente que será lá o suporte
do desenvolvimento logístico.
É de todo modo normal e será necessário abrir espaços para que a logística encontre os terrenos de que
ela precisa. Mas não podemos nos contentar em dizer que a logística – muito relacionada com a indústria –
estará nas periféricas ou nos contornos. A logística moderna integra cada vez mais funções administrativas e
comerciais, quer dizer, os escritórios. E estes escritórios devem ser muito bem ligados ao centro da cidade. O
que quer dizer que um dos grandes problemas da metrópole moderna é a articulação entre o centro de
negócios, o centro comercial e os grandes pólos logísticos de periferia.
A terceira remarca é quanto ao centro. O centro merece uma atenção especial, e é necessário prever o
desenvolvimento de todas as funções de um centro moderno, que são múltiplas. Não é mais somente o
comércio e os bancos, são todos os tipos de serviços, é a informática, a informação, a publicidade e a
formação. Eu falei agora há pouco de formação. Um dos grandes problemas do urbanismo será saber como
articular os altos lugares de formação com os novos espaços de atividade e com o centro. E é preciso que tudo
isso funcione de maneira coerente, o que pressupõe evidentemente que o sistema de transporte seja concebido
para fazer funcionar o conjunto do dispositivo.
A esse propósito, eu assinalo que foi com bastante interesse que vi o projeto de criação de um metrô,
correspondente aproximadamente ao eixo da BR 116. E parece-me que existe atualmente uma conjunção
notável no urbanismo de Curitiba. É este projeto metropolitano de um lado e o contorno Leste de outro. Está
claro que o projeto metropolitano vai impulsionar uma transformação profunda de todos os bairros que abranger, que são atualmente bairros onde o transporte e a logística têm um papel. Está claro que vai ocorrer uma
mudança em direção ao contorno e, em particular, do contorno Leste. Eu acredito que há uma boa convergência
entre o projeto metropolitano e o estabelecimento deste sistema de auto-estradas periféricas.
Resta ainda um problema maior. Quando falamos em logística, em interface entre informática e mecânica,
quando falamos em serviços superiores de formação etc. nós impulsionamos as formações e o mercado de
trabalho. O que é uma excelente coisa, é necessário fazê-lo. Mas será muito perigoso seguir um caminho que se
contente unicamente em impulsionar, porque é preciso colocar também uma outra questão fundamental: qual é
a demanda social? E de que tipo de emprego temos necessidade? Ora, nós temos necessidade de empregos
que não sejam somente de alta tecnologia. Existem até mesmo mais pessoas que precisam de empregos de
outros perfis. Então não podemos nos contentar em fazer uma política sobre as grandes funções de prestígio ou
de grande valor agregado. É preciso uma política de emprego que seja global, que cubra o leque econômico e
social.
Em uma cidade como Tunis, da qual eu falei agora há pouco, uma indústria tem um papel muito importante: a indústria de confecções. A indústria de confecções é o inverso da alta tecnológica. Mas é uma indústria que
tem méritos consideráveis. Ela emprega muitas pessoas, particularmente mulheres; distribui salários no meio
popular; permite ao meio popular se engajar na economia moderna e colocar o pé em um emprego de
valorização. Além deste tipo de indústria de mão-de-obra, existem todos os problemas de desenvolvimento do
artesanato e dos ofícios. E, justamente, países como a Tunísia são países que fizeram esforços consideráveis
para desenvolver todos os projetos dos bairros em favor dos pequenos ofícios, em favor do artesanato, dos
pequenos centros locais, a fim de ter uma gama completa. Acho que isso é uma política urbana de longo prazo.
Segunda série de observações, é evidentemente aquela relativa à projeção sobre o terreno de um
projeto deste gênero. Se nós dizemos que é preciso impulsionar a alta tecnologia, a logística, as indústrias de
mão-de-obra, tudo isso vai demandar espaço. É preciso ter uma idéia das ordens de grandeza. Eu acho que
não é difícil imaginá-las. Nós temos atualmente uma taxa urbana em Curitiba que é o conjunto talhado muito
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amplamente da zona urbanizada e em curso de urbanização, que é da ordem de mil quilômetros quadrados. É
uma grande superfície.
A densidade é fraca, e alguns imaginam que vamos resolver uma boa parte dos problemas do crescimento com a densificação. A densificação certamente é necessária, mas é preciso não imaginar que isso vai
resolver todos os problemas. Se a cidade está hoje espalhada, é por razões de fundo. Se existem vazios
urbanos, não é por acidente, é porque existe uma mecânica de desenvolvimento que cria esses vazios urbanos.
Isso somente se resolverá a longo prazo, o que quer dizer que não resolveremos o problema dizendo que a
densificação vai absorver o essencial. Em vinte e cinco anos, é preciso visualizar a duplicação da taxa urbana.
Porque as novas funções são mais consumidoras, são mais gulosas de espaço.
Ou seja, é preciso pensar o espaço urbano metropolitano de Curitiba sobre dois mil quilômetros quadrados. Nesse momento, seremos levados a uma questão muito simples: onde os colocaremos? E então, se
observarmos os espaços de que dispomos, seremos levados a uma outra série de problemas: os problemas
ecológicos.
A ecologia, eu lhes proponho abordá-la com esse pequeno mapa, eu acho que vocês o conhecem, o
traçado da Região Metropolitana de Curitiba. A cidade de Curitiba está aqui, e aqui vocês reconhecem as cidades
periféricas: Pinhais, Fazenda ao Sul. Este mapa em três cores é um mapa de geólogos, foi o Instituto Brasileiro
de Geologia que o elaborou. Ele representa em cores claras, em amarelo claro, os espaços capazes de suportar
sem problemas a urbanização. Ele representa em laranja, os espaços que apresentam problemas e, em vermelho, os espaços que recusam urbanização.
Ou seja, nós temos um espaço que está perfeitamente delimitado aqui e vejam qual é o espaço que as
condições naturais nos propõem para o desenvolvimento principal da cidade. Este espaço não chega a dois mil
quilômetros quadrados. Quer dizer que será obviamente necessário encontrar saídas desse terreno. Será
necessário uma expansão que vá além deste espaço. Isso dito, a primeira condição será ocupar racionalmente
o espaço urbano propriamente delimitado que está aqui. Ora, nós nos deparamos com um problema bem
conhecido referente ao urbanismo de Curitiba: o espaço que nos foi proposto para a urbanização do ponto de
vista das condições naturais é um espaço que sofreu uma grave amputação em função de um obstáculo
importante, que é o fornecimento de água.
Ao fundo – o mapa principal é sem dúvida este aqui – vocês reconhecem o traçado da Região Metropolitana: em vermelho, a zona urbanizada; em azul, os espaços que têm restrições à urbanização e, às vezes, até
mesmo restrição pura e simples em função de serem áreas de mananciais. Efetivamente, uma das grandes
originalidades desta cidade – mas nós encontramos isso também em São Paulo – é ter um problema singular de
abastecimento de água. Os aqüíferos subterrâneos são muito pouco utilizados. Temos o aqüífero do Karst que
é interessante, mas que não resolve mais do que uma pequena parte do problema. É absolutamente necessário
recolher as chuvas, é evidente. E para fazer isso, foram instaladas uma série de barragens, aqui no Leste e aqui
no Oeste. Entenda-se que não é suficiente fazer uma barragem, é preciso proteger a bacia a montante e impedir
que ela seja poluída.
Mas o resultado é que nós chegamos a uma figura espantosa e esta figura é de uma cidade que foi
cercada pelo sistema de proteção das bacias à montante. Nós temos uma cidade engessada pela montanha e
pelas restrições muito fortes em matéria de construção. Então, onde encontraremos os mil quilômetros quadrados de que precisamos? Será necessário procurar bem longe, e será necessário sair completamente do mapa,
se quisermos respeitar este esquema.
Ora, este esquema – eu lhes pergunto – este esquema é coerente? Minha hipótese é que não é o caso.
E por isso eu gostaria de mostrar-lhes um pequeno mapa que acredito ilustra bem a contradição principal que
está se desenvolvendo no espaço que nos interessa. Esta contradição principal resulta evidentemente da
oposição inevitável entre o crescimento da cidade e as restrições de caráter hídrico. Aqui está o mapa.
Vocês reconhecem em amarelo a taxa urbanizada de Curitiba e de sua periferia. Os pontos vermelhos
indicam os loteamentos recentes. Os pontos pretos, as ocupações ilegais. Ou seja, o mapa mostra qual é a
dinâmica da cidade, como a cidade cresce, como ela tenta crescer. O resultado é evidente. A zona de crescimento máximo está ao Norte e a Leste. E é aqui que se exerce essencialmente a pressão. A pressão ao Sul é fraca.
Aqui há uma barragem importante que é a Petrobrás. Ao Norte, nos depararemos rapidamente com problemas
de relevo. E nós chegamos a esse resultado. É evidentemente uma zona de conflito.
Atualmente, qual é a solução? Atualmente a solução é o compromisso. Nós delimitamos há pouco a zona
dos mananciais de forma a contornar os espaços que já estavam mais urbanizados. Esses loteamentos não
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podem ser conectados à rede de esgotos. De qualquer forma, a água está poluída.
Eu acredito que o compromisso atual é a pior solução. Basta girar a torneira para ser surpreendido pelo
odor. É preciso clorar a água ao máximo. Mas, ao mesmo tempo que temos uma água de péssima qualidade,
temos uma urbanização de péssima qualidade. Porque quando urbanizamos de maneira mais ou menos
espontânea, contornando os regulamentos, o resultado é uma grande anarquia urbana e uma péssima forma de
urbanização.
Eu acho que o problema inicial que se coloca aqui é saber como resolver essa questão. Tendo em conta
a dinâmica econômica da cidade, que está indicada aqui por este grande traço verde, que representa o contorno. A auto-estrada que vai ser inaugurada brevemente, está bem no meio da zona de mananciais e tem evidentemente vocação para ser o eixo principal de logística da aglomeração.
Acredito que há um problema de coerência em se instalar uma zona logística em um espaço que se
pretende seja uma zona de proteção de recursos naturais. Mas, além da coerência, há um problema mais
fundamental. O sistema de proteção hídrica que existe atualmente. Ele é legítimo, não foi criado para atrapalhar a
cidade, mas para abastecê-la. Mas, evidentemente, ele foi concebido há vinte anos e adaptado à medida das
circunstâncias. Ora, hoje em dia a questão que devemos fazer é qual é a necessidade desta aglomeração daqui
a vinte e cinco anos. E não é com esse sistema que vamos resolver os problemas que surgirão em vinte e cinco
anos.
Acredito que é o momento, sem dúvida, de levar mais a sério a questão ecológica. A questão da água.
O sistema de mananciais que existe atualmente é um compromisso que não tem mais fôlego. E é preciso mudar
de escala. Eu quero dizer com isso que é preciso primeiro se perguntar: o que é uma zona de proteção de água
para destinação urbana?
Eu lhes faço uma proposta conceitual. Eu acho que seria bom introduzir um conceito novo, o conceito de
um impluvium. Vejam que eu o empresto da arquitetura da antiguidade romana. Os arquitetos romanos fabricavam em primeiro lugar um impluvium. O que é um impluvium hoje em dia? É um espaço destinado antes de tudo
a recolher a água da chuva de boa qualidade para que possamos utilizá-la sem problemas para abastecer uma
cidade.
Qual a superfície de impluvium necessária para Curitiba daqui a vinte e cinco anos? No momento o cálculo
ainda não foi feito de forma cuidadosa, mas eu posso lhes propor uma aproximação: dois mil quilômetros
quadrados. E dois mil quilômetros quadrados é evidentemente uma escala diferente das poucas dezenas de
quilômetros quadrados que são objeto do conflito aqui.
Segunda observação, o que é um terreno de impluvium, como escolher um impluvium? Bem, escolher
um impluvium é escolher um terreno onde não haja conflitos, onde não haja atividade que possa poluí-lo, onde
não haja agricultura química, onde não tenhamos indústrias poluentes e onde não tenhamos população que
despeje necessariamente seus dejetos no terreno.
O terreno ideal é a floresta. E é preciso organizá-lo e estruturá-lo para garantir a qualidade da água na
saída. No interior da Região Metropolitana de Curitiba, existem perto de quatro mil quilômetros quadrados de
florestas. E se nós as utilizássemos de uma boa maneira? E se nós lhes déssemos um status particular, sob a
responsabilidade da cidade, da região metropolitana, mais exatamente? Fazendo com que este espaço seja o
corolário lógico do espaço urbano.
Há uma marcante coincidência: para os próximos vinte cinco anos nós precisamos de um espaço
urbanizado da ordem de dois mil quilômetros quadrados e de um impluvium do mesmo tamanho. Ou seja, são
quatro mil quilômetros quadrados que precisamos visualizar.
Último ponto que eu queria abordar, que me parece ser o ponto mais importante. Hoje nós temos uma
cidade, uma aglomeração que cresce, que se desenvolve em mais de três por cento ao ano. Evidentemente,
com uma diferença muito nítida entre a cidade central e as cidades periféricas. Atualmente, a cidade central
representa sessenta por cento da população, e a periferia, quarenta.
Mas atualmente, a periferia representa perto de sessenta e cinco por cento do crescimento. E a cidade
central, trinta e cinco por cento. Daqui a quinze anos, a periferia e a cidade central estarão em igualdade. E está
bem evidente que o primeiro problema de urbanismo que se apresenta em uma cidade como esta é o da relação
entre a cidade central e suas periferias. Todos conhecem, a partir desta experiência internacional, o risco nesta
área. O risco obviamente é que ocorra uma seleção reservando à cidade central as atividades das classes
sociais de bom nível e que os problemas e dificuldades sobrem para as periferias.
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Esse tipo de problema surge automaticamente em todo o mundo quando estamos numa situação como
essa. Mas este tipo de problema vai se resolver em função das decisões tomadas agora. Agora há pouco eu
dizia que o metrô de Tunis tinha o grande mérito de ter sido criado para ligar os bairros populares distantes com
o centro. Nós faremos a mesma coisa, ou faremos outra coisa? Qual será a escolha? É esta a escolha fundamental?
A segunda observação é relativa à evolução social. Eu dizia agora há pouco que, se o pólo automobilístico se desenvolvia, é antes de tudo em relação a um ambiente social. E no caso de Curitiba, o ambiente social
é uma vantagem comparativa de primeiro plano, é um elemento maior da competitividade. Ou seja, não há
competitividade de um lado e o social de outro. O social e a competitividade são definitivamente a mesma coisa.
E o sucesso do desenvolvimento desta cidade dependerá precisamente da aptidão para tratar da questão social
como um fator principal da competitividade.
Nesse domínio, qual é a perspectiva? Existem indicadores positivos atualmente. O emprego, por exemplo. O emprego está se desenvolvendo mais rápido que o crescimento da população, o que é bom. É mesmo
uma excelente base. Mas é preciso ser capaz de enxergar os indicadores inquietantes. Eu gostaria de citar pelo
menos quatro:
vem aí.
− Crise da habitação popular, questão não resolvida, e que é uma questão-chave para o período que
− O crescimento do transporte público é inferior ao crescimento da população. A mobilidade diminui, o
que é um sinal negativo tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista social.
− Terceiro fator, e aqui eu empresto o meu vocabulário dos trabalhos de um dos meus colegas de
Curitiba, o Professor Olimpio Barbantis Júnior, que utilizou uma expressão muito forte para qualificar a evolução
de Curitiba, onde ele utiliza o termo de “processo de paulistanização”. Eu diria que esse é o perigo. Nós vimos
no início que precisamente o sucesso da cidade estava na sua aptidão em ser diferente de São Paulo. Se Curitiba
se alinha com São Paulo em termos de ambiente, urbano e social, seria o caminho do fracasso.
− Quarto elemento que me parece extremamente assustador é o desenvolvimento do urbanismo
securitário, os condomínios fechados; o crescimento de muralhas no interior da cidade é um dos sinais mais
inquietantes que se pode encontrar. É a negação da urbanidade. É a repartição da sociedade de um lado e de
outro das muralhas. Então, eu lhes deixo a imaginar o efeito que isso terá nos próximos anos.
Eu gostaria de terminar esse diálogo voltando a um problema conceitual. Eu acho que o diagnóstico que
podemos fazer atualmente da cidade é que ele possui uma situação econômica sadia, um desenvolvimento que
é capaz de continuar em boas condições, mas que está ameaçado pelo crescimento do dualismo social. E a
grande questão é a gestão do dualismo social. Será que seremos capazes de, nos próximos anos, fazer um
urbanismo que permita gerenciar esse dualismo social em condições positivas?
E quanto ao social, eu terminarei com uma sugestão, em todo caso, uma questão conceitual. O termo
solidariedade é freqüentemente utilizado. Meu sentimento é que o conceito de solidariedade é um conceito
simpático, e plástico, mas é um conceito mudo. Eu digo um conceito mudo, porque ele não dá uma orientação
clara. Parece-me que há um conceito mais forte, ou em todo caso, mais eficaz para a reflexão urbana. É o
conceito de eqüidade social. Porque quando falamos em eqüidade social, falamos coisa diferente de solidariedade. Não fazemos apelo somente ao bom coração. Quando falamos em equidade social, evocamos a noção
de direito e, particularmente, dos direitos do conjunto da população, dos direitos de acesso à saúde, à formação, à informação, à urbanidade, ao centro.
Eqüidade não quer dizer que todo mundo está colocado sob a mesma insígnia. Eqüidade quer dizer que
o Poder Público deve se empenhar para dar a todos as mesmas chances de desenvolvimento. E parece-me que
uma cidade como esta aqui colocou para si uma excelente palavra de ordem, “capital social”, esta é uma bela
fórmula. O que me parece muito importante, é que as políticas urbanas estejam à altura desta palavra de ordem.
Eu acredito que para estar à altura desta palavra de ordem, solidariedade é um pouco fraco e que eqüidade seria,
sem dúvida, mais eficaz.
Então eu proponho um exercício simples que é responder, de uma vez só, a todas as questões. O
problema de fundo é a relação entre cidade e sociedade, todos estão de acordo sobre isso. As sociedades em
que vivemos são todas mais ou menos parecidas – uma sociedade dual, com um dualismo fortemente marcado– e, a esse propósito, é preciso ser muito claro: não é a cidade que resolverá esse problema. É um problema
de fundo de evolução de longo prazo desta sociedade e as cidades não têm a competência, os meios para tratar
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uma questão deste gênero. Vamos mais longe, quando em uma sociedade dual emerge um pólo de prosperidade como Curitiba.
Ele é, ao mesmo tempo, um pólo de atração e há a tentação imediata, que eu chamaria de síndrome da
insularidade, a tentação de se proteger. E eu acho que aí também é preciso ser bem claro: uma metrópole não
se pertence. Curitiba não pertence a Curitiba. Ela pertence ao Brasil, ao Estado do Paraná. Ou seja, todo mundo
está preocupado com a metrópole, e não é o caso de fazer uma ilha de prosperidade que se protege do exterior.
O que quer dizer em conclusão que é preciso ser capaz de gerir eficazmente o dualismo social. Eu acho que é
possível, que nós não estamos desarmados. Existem sucessos pelo mundo afora que mostram em que sentido
devemos ir. Eu fico com apenas cinco propostas que são propostas de urbanismo, que remetem a projetos.
− Um: o emprego. É preciso diversificar o leque de empregos desde a informática até os empregos mais
simples. Pensando nas mulheres, e pensando que há um grande problema de desenvolvimento das cidades: o
emprego feminino.
− Em segundo lugar: os equipamentos públicos. E é pensando nos equipamentos públicos que eu
avancei com força no tema do conceito de eqüidade. Se o Poder Público não é capaz de assumir a eqüidade nos
equipamentos, nós estaremos na má gestão do dualismo. Mas os equipamentos públicos podem ser gerados
com eqüidade.
− Terceiro problema urgente aqui: a habitação popular. Não existem os meios e as ferramentas para
traçar uma verdadeira política de habitação popular. A urgência está em criar as ferramentas.
− Quarto problema: o acesso ao centro. De todos os componentes da aglomeração, em maior número
e com tarifas acessíveis.
− E quinto e último, está lá, no coração dos problemas urbanos: o acesso ao centro pela estrutura
urbana. E não somente pelo transporte. É preciso ter uma estrutura urbana e uma repartição dos grupos sociais
na cidade que assegurem o acesso das classes populares ao centro.
Eu acredito que se fizermos essas cinco coisas, poderemos gerar o dualismo de uma maneira que o
deixe visível e de uma maneira que permita responder à palavra de ordem que eu relembrei agora há pouco:
capital social.
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POLIS - O PROGRAMA PORTUGUÊS PARA QUESTÕES URBANO AMBIENTAIS E A
SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A POLÍTICA URBANA E AÇÕES INOVADORAS EUROPÉIAS
Maria do Rosário Partidário *
Francisco Nunes Correia **
1 INTRODUÇÃO
A questão urbana tem se tornado um ponto
importante para a Comunidade Européia em termos
de políticas ambientais, territoriais e de sustentabilidade.
Não há duvida que isso representa um tema de grande interesse em encontros recentes de ministros europeus que debatem assuntos de política urbana (tabela 1), envolvendo uma variedade considerável de
prioridades setoriais em diferentes Estados-Membros
e refletidos em diversas reuniões informais nos últimos dois anos.
Recentemente, a presidência belga orientou
discussões com vistas a promover políticas e programas urbanos para o crescimento da cooperação
intergovernamental, incentivado por um conceito novo de governo europeu e ajudado por meios práticos e
eficazes, tais como a criação de uma parceria de investimento com o mercado. Tal postura também enfatiza a
importância da participação pública em programas de regeneração urbana.
Este documento apresenta as idéias portuguesas em tais esforços e políticas européias em relação às
ações urbanas inovadoras. Tais pontos de vista são fortemente influenciados pelos primeiros resultados do
Programa POLIS, o recém-desenvolvido Programa de Regeneração Ambiental e Reabilitação Urbana, em que
a parceria público-privada (PPP) e a cooperação intergovernamental atuam de forma crucial. Alguns fatos e
figuras, ilustrando seus resultados, serão apresentados neste documento. A forma e a dinâmica de seu conceito
e funcionamento serão aqui brevemente descritas, como uma ilustração contribuidora das ações que tentam
executar estratégias urbanas européias.
Este documento está estruturado em três seções:
- Fundamentos dos esforços da política européia nos assuntos de sustentabilidade urbana;
- O Programa POLIS em Portugal: Da retórica à ação; lições aprendidas;
- Prioridades nas políticas urbanas européias.
2 EXPERIÊNCIA ADQUIRIDA COM AS RECENTES POLÍTICAS EUROPÉIAS EM QUESTÕES DE SUSTENTABILIDADE URBANA.
Livro Verde de
A política européia em meio ambiente urbano percorreu um longo caminho desde o “Livro
Meio Ambiente Urbano
Urbano”, elaborado em 1990 ( CCE, 1990). A tabela 1 apresenta alguns dos principais
eventos nos últimos 10 anos.
Em 2000, a orientação política de ministros europeus em matérias relacionadas ao ambiente urbano é
refletida em um documento adotado no Conselho Informal do Porto (abril, 2000), conduzindo às conclusões da
Presidência Portuguesa. Este documento foi elaborado com vistas à preparação do 6º Programa de Ação
Ambiental Europeu, para assegurar a adequada ênfase nas questões ambientais urbanas.
Reconhecendo que muitos dos atuais problemas ambientais europeus estão ocorrendo nas cidades e
atingindo escalas globais, ministros europeus concluem que o assunto do meio ambiente urbano é uma prioridade política, reiteram a importância dos indicadores de sustentabilidade produzidos pela Comissão Européia
e pela Agência Ambiental Européia e reafirmam o comprometimento para a implementação de políticas ambientais
urbanas, visando ao desenvolvimento urbano sustentável para o século 21.
* Professora da Universidade Nova de Lisboa (UNL)
** Coordenador Nacional do Programa POLIS, Professor do Higher Institute of Technology (IST) e Coodenador do Eurowater.
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O Conselho Informal da Cidade do Porto já expressou uma série de prioridades atualmente adotadas
sob o tema ambiental durante os trabalhos da presidência belga:
- A necessidade de acesso a mecanismos de financiamento europeus para uma política integrada;
- O papel-chave de autoridades locais em promover o meio ambiente urbano;
- A necessidade do fortalecimento de parcerias com organizações sociais;
- A importância de cidadãos e ONGs na promoção da sustentabilidade urbana.
As conclusões do encontro em Lille, em novembro de 2000, sob a presidência francesa, revelam a
importância da cooperação nas políticas urbanas, refletindo na adoção de um programa multi-anual de cooperação intergovernamental, com nove tópicos de trabalho, sendo que dois desses incluem a participação pública
e privada e de cidadãos em parcerias.
O papel central de política urbana em coesão social e econômica e no planejamento do território da União
Européia foi rediscutido no Conselho Informal de Ministros para Política Regional e Planejando Espacial em
Namur em Julho 2001. Nessa oportunidade representantes dos Estados Membros estavam preocupados com
fato de que a aplicação de mecanismos financeiros e de controle por parte da Comissão pudesse minar o
objetivo final de descentralização. Assim, o Conselho de Namur centrou as atenções no desafio colocado por
uma União Européia ampliada, com coesão social e econômica, considerando-se que há uma grande necessidade de uma Política de Coesão da Comunidade, uma vez que há um aumento das necessidades de coesão
econômicas e sociais determinadas pelas implicações no nível urbano.
2.1 A caminho do 6º Programa de Ação Ambiental Europeu
A proposta esboçada do 6º Programa de Ação Ambiental Europeu1 declara os seguintes objetivos
ambientais: mudança climática; natureza e biodiversidade; ambiente, saúde e qualidade de vida; uso dos recursos naturais e produção de resíduos.
O encorajamento de um desenvolvimento sustentável urbano está dentre os alvos do próximo programa comunitário de ação ambiental, como um dos meios para alcançar a meta prioritária do programa no
ambiente, saúde e qualidade de vida.
Tal propósito vai além, ao considerar, como objetivos e áreas de prioridade para ação, a necessidade de
uma estratégia temática em meio ambiente, saúde e qualidade de vida, e ao promover uma aproximação
integrada nas áreas urbanas. Essa iniciativa deveria ser colocada em prática por meio de políticas comunitárias,
considerando o progresso feito na implementação da estrutura de cooperação existente, revendo propostas
quando necessário e fomentando:
- a promoção da Agenda 21 local;
- a redução da relação entre o crescimento econômico e a demanda de transporte de passageiros;
- necessidade do aumento do uso de transportes alternativos como: transporte público, ferroviário,
navegação em águas internas, caminhada e ciclismo;
- necessidade da promoção do uso de veículos com baixa emissão de poluentes no transporte público;
- a consideração dos indicadores ambientais urbanos.
Dessa forma, o escopo do ambiente urbano e de sustentabilidade parece limitado, faltando incorporar a
total complexidade da dimensão urbana e sua natureza intersetorial. Assuntos referentes aos transportes, entretanto, são corretamente enfatizados, pois indubitavelmente são de maior interesse, particularmente no que diz
respeito à necessidade para controlar as emissões de CO2 e assim contribuir às políticas européias sobre
mudança de clima.
As dimensões estruturais e espaciais urbanas, como também suas dimensões culturais, sociais, ecológicas e de estética, requerem outras ações prioritárias que vão além das questões sobre transportes, exigindo
outras prioridades, relacionadas à recuperação urbana com preocupações ecológicas, físicas, econômicas,
sociais, institucionais.
Conselho da União Européia, Arquivo Institucional: 2001/0029 (COD), 11076/01, Posição Comum adotada pelo concelho com vistas à adoção para a Decisão do
Parlamento Europeu e do Conselho Legislativo (O Sexto Programa de Ação Comunitária 2002/2011).
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De fato, a limitada abordagem ambiental urbana adotada no 6º Programa de Ação Ambiental Europeu
parece inconsistente apesar dos intensos debates e iniciativas até aqui promovidos em encontros ministeriais
recentes, como acima descritos. Não apenas essa abordagem é limitada, mas também direcionada unicamente
para assuntos referentes à qualidade de vida. De fato, deveriam ser reconhecidos todos os problemas relacionados com mudança do clima, recursos naturais, ou gestão de resíduos, os quais têm muito a ver com padrões
e estilos de vida urbanos em cidades Européias. As batalhas ambientais poderão ser vencidas ou perdidas nas
áreas urbanas e no planejamento e administração urbanos caso reflitam ou não estes assuntos.
Também deve ser mencionado o fato de que vários ministérios setoriais estão tratando do assunto com
diferentes pontos de vista, o que gera um processo não convergente, em adição ao fato de que a “governança”
das cidades varia bastante de Estado-Membro para Estado-Membro, criando diferentes contextos na aplicação
de iniciativas comunitárias.
Além disso, o 6º Programa de Ação Ambiental Europeu mantém, como abordagens estratégicas, algumas condições-chave delineadas nas pautas de política ambientais urbanas correntes:
- um extenso diálogo com agentes diversos, criando consciência ambiental e fomentando a participação
pública; e
- melhoria na colaboração e nas parcerias com empresas e seus corpos representativos envolvendo
os agentes sociais.
3 O PROGRAMA POLIS EM PORTUGAL
O Programa POLIS é uma experiência recente empreendida em Portugal, especificamente desenhado
para a requalificação e reintegração urbanas, com vistas à melhoria dos ambientes urbanos nas cidades.
Os principais fluxos e objetivos do POLIS serão delineados a seguir, especialmente os mecanismos em
que foi baseado e posteriormente implementado. Isso inclui a concepção do programa e o desenho, número e
diversidade das políticas implementadas, mecanismos legais e financeiros, formatação e experiências de parcerias públicas e privadas, cooperação intergovernamental, participação pública e mecanismos de financiamento.
Acredita-se que essa experiência empreendida nas cidades portuguesas, dada a sua natureza inovadora
e os resultados disponíveis até agora, pode ser útil para o entendimento dos resultados potenciais que podem
ser atingidos com a aplicação das atuais intenções das políticas européias como aquelas delineadas nas
conclusões da gestão belga, em Bruxelas ( 09/10/2001).
3.1 POLIS – Objetivos e Componentes-Chave
POLIS foi iniciado formalmente em maio de 2002 com o objetivo de melhoria da qualidade de vida nas
cidades portuguesas mediante operações urbanas e ambientais. Estas operações têm a intenção de contribuir
no crescimento dos atrativos das cidades e sua competitividade na constelação da rede urbana nacional como
pólos urbanos.
Os objetivos específicos do POLIS incluem:
- Desenvolver programas de requalificação urbana que tenham entre seus objetivos a busca de melhoras ambientais significativas;
- Desenvolver ações que reabilitem e melhorem a qualidade dos centros urbanos e promovam sua
multifuncionalidade;
- Dar suporte a outras ações que permitam a melhora do ambiente urbano e aumentem o valor de
marcos ambientais como as margens de rios ou a orla costeira;
- Dar suporte a iniciativas que contribuam para o aumento das áreas verdes, promover a implantação de
áreas para pedestres e reduzir o tráfico de automóveis nos centros urbanos.
A primeira prioridade do POLIS é promover operações integradas de requalificação urbana e melhorias
no meio ambiente, de tamanho considerável, os quais possam ser vistos e adotados como exemplos demonstrativos. Não é proposta do POLIS resolver todos os problemas urbanos e ambientais em cidades portuguesas.
As 18 cidades consideradas para a primeira fase do programa POLIS foram selecionadas com base em
uma série de critérios, tais quais:
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Metrópolis em Revista
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- o papel que estas cidades desempenham no sistema urbano nacional, considerando sua relevância
para o desenvolvimento regional;
- o valor demonstrativo das intervenções urbanas como boas práticas, cobrindo vários tipos de situações relevantes, como:
- alto valor de cidades do interior que possam atuar como catalisadoras de desenvolvimento regional;
- requalificação de cidades de porte médio com grande capacidade econômica, mas baixa qualidade de
vida urbana;
- requalificação de zonas industriais desocupadas ou abandonadas;
- alto valor de áreas costeiras, margens de rios ou patrimônio histórico inseridos na estrutura urbana;
- contribuição para o fortalecimento das principais “bandeiras” do POLIS: criação de cidades verdes,
cidades de conhecimento e entretenimento, cidades digitais e cidades integradas2;
- disponibilidade de estatutos de planejamento estratégico ou projetos de intervenção urbana já discutidos e aprovados, por consenso, nas cidades.
Cada uma das 18 intervenções urbanas contribuirão simultaneamente para o fortalecimento da identidade das cidades, aumentando a competitividade, resolvendo alguns dos problemas urbanos e ambientais e
fortalecendo seu papel e sua especificidade no sistema urbano nacional. Tal sistema é designado como uma rede
policêntrica de cidades, tão descentralizada quanto possível, que possa atuar como suporte a um amplo
desenvolvimento regional (coesão interna) e para a melhoria das condições de vida da população nacional. Tais
cidades foram consideradas para ser objetivos estruturais no processo de desenvolvimento sustentável em
Portugal.
Além desta primeira prioridade, o Programa tem sido desenvolvido também para dar suporte a outros
tipos situações urbanas menores, mas tão importantes quanto, que contribuam para a melhora da qualidade do
ambiente urbano. Tais tipos de situações urbanas incluem:
-
o estabelecimento de novos pólos ou centralidades dentro das áreas metropolitanas;
-
melhoria nas orlas marítimas e rios dentro das áreas urbanas;
-
reabilitação de edifícios históricos e herança natural e sua reintegração dentro da cidade;
-
requalificação de zonas industriais desocupadas ou que estejam em decadência;
requalificação de cidades de médio porte com grande força econômica mas baixa qualidade
de vida urbana;
melhoria em cidades rurais do interior e próximas de fronteiras nacionais, que representem
potenciais centros de desenvolvimento regional.
O Programa POLIS é estruturado em quatro principais componentes e várias linhas de ação que têm o
propósito de criar uma estrutura balanceada e operacional que assegurem a integridade do Programa. Os
quatro componentes do POLIS são:
Principais Operações Integradas de Requalificação Urbana e Desenvolvimento Ambiental.
Operações em Cidades que são parcialmente designadas como Patrimônio Mundial da UNESCO.
Desenvolvimento urbano e ambiental em áreas populares das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Medidas complementares para melhorar as condições urbanas e ambientais em Cidades.
2
“Cidades Verdes” são cidades onde o meio ambiente tem um papel central na requalificação urbana. “Cidades do Conhecimento e do Entretenimento” são cidades
que adotam cultura, a ciência e a tecnologia como novas fronteiras do desenvolvimento econômico. “Cidades Digitais” são cidades que promovem o uso de novas
tecnologias digitais no seu cotidiano. “Cidades Intergeracionais” são cidades que evitam a segmentação social promovendo a valorização do patrimônio histórico e a
coesxistência de diferentes modos de vida .
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Metrópolis em Revista
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3.2 Da retórica à ação
O Programa POLIS foi formalmente aprovado em abril de 2000 e os 18 principais projetos foram
lançados até julho de 2001. Desde então, até março de 2002, 10 projetos adicionais foram iniciados somando um
total de 28 projetos. O Programa promoveu a requalificação urbana e ambiental, baseada em um política de
custos compartilhados que envolveram parcerias governamentais em vários níveis entre os governos central e
os locais. Tal parceria pôde, então, ser aumentada para incluir instituições privadas e comerciais, dependendo
das condições que deviam ser aceitas por todas as partes envolvidas. Esta estrutura financeira é, portanto,
complexa e diversificada, e poderá incluir investimentos privados.
No caso das 28 cidades, evidências já disponíveis mostram que o Programa POLIS foi financeiramente
apoiado pela Estrutura de Suporte do Terceiro Setor (III Community Support Framework) em 50% e, no âmbito
nacional, por governos centrais em 12%. Os 38% restantes foram divididos pelas autoridades locais (8%),
investimentos privados (20%) e outras fontes financeiras (10%), o que envolve parcerias entre os setores público
e privado.
Um dos seus propósitos proeminentes foi, sem dúvida, mobilizar e potencializar iniciativas locais por
comunidades locais em cooperação com governos nacionais e setor privado, que demonstra efetivamente o
caminho para uma nova atitude em lidar com o espaço público.
A implementação do Programa POLIS é planejada em concordância com várias fases que irão permitir
o sucesso de sua aplicação de acordo com seus quatro componentes-chave e linhas de ação.
As 18 cidades portuguesas envolvidas irão demonstrar resultados em um a cinco anos, a partir da
conclusão dos trabalhos, dependendo da natureza e extensão das operações postas em prática. Os resultados
são esperados entre julho de 2002 e dezembro de 2006. Estas 28 operações, ao todo, terão efeitos sob extensas
áreas urbanas, como ilustrado pelos seguintes indicadores:
Classe do Indicador
Indicador
Planejamento Urbano
Ambiente Urbano
78 Distritos
Área verde (593 ha)
Espaço público aberto (185 ha)
Extensão de orlas marítimas e de rios reabilitados (90 km)
Extensão de novas ciclovias (103 km)
Extensão de novas ruas de pedestres (136 km)
87 Pontes para pedestres
Infra-estrutura Viária
Áreas de tráfego restrito (150.170 m²)
Edifícios
Demolição para requalificação (186.227 m²)
23.052 Vagas de estacionamento
É interessante citar que o segundo grupo das 10 cidades foi selecionado por júri independente após uma
prova na qual foram submetidas 53 propostas de cidades. É notável como iniciativas anteriores e a eminência do
Programa POLIS tiveram um impacto positivo em tais propostas. Pode-se perceber que o que pode se chamar
de “cultura do POLIS” já se espalhou entre várias municipalidades portuguesas.
Todas as 28 operações sob implementação foram precedidas pela formulação e adoção de Planos
Distritais e Projetos Urbanos, os quais foram desenvolvidos no contexto de Planos Diretores existentes e
efetivos. Para cada operação, um esquema estratégico e um plano de implementação foram também preparados, os quais, por si só, são o objeto social dos empreendimentos do POLIS, e que foram estabelecidos para
cada caso para monitorar sua implementação. Os empreendimentos do POLIS são o resultado de uma cooperação intergovernamental, cuja execução foi posta a cargo de Parcerias Público-Privadas (PPP). Todas operações que permanecem em execução tem seus empreendedores POLIS e PPP estabelecidos e funcionando.
3.3 Fatores-Chave do Programa POLIS
A estrutura do programa POLIS é determinada por fatores-chave, os quais serão aqui previamente
descritos: princípios-chave, escopo de aplicação, instrumentos principais em uso e estrutura institucional.
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3.3.1 Princípios-Chave
O Programa POLIS foi elaborado considerando os seguintes princípios-chave:
1. Demonstração baseada em evidências objetivas;
2. Mobilização entorno da melhoria do ambiente urbano;
3. Interferência com realidades urbanas complexas para enriquecer a percepção, expectativas e identidades das cidades;
4. Reconhecimento e respeito a sensibilidades e respeito aos atores sociais.
Escopo de Aplicação
As ações dos POLIS operam por meio de diferentes componentes do ambiente urbano, inter alli:
- acessibilidades
acessibilidades: particularmente acessibilidade regional, local e intra-urbana;
- transportes: particularmente transporte com o objetivo de reduzir o uso individual para incrementar
o uso do transporte público, com qualidade de transporte melhorada;
- estacionamento: isto é, por meio de estacionamentos organizados para carros privados em detrimento de estacionamentos privativos;
- telemática
telemática: para informação em tempo real com melhores acessos e melhor gerenciamento de
tráfico por meio de navegação orientada;
- manejo do espaço urbano: com o correto manejo de espaços físicos e sociais abandonados,
por meio de medidas de melhoria atuando sobre a rede urbana e o meio ambiente;
- diversidade funcional: encorajando um maior diversidade em espaços urbanos associados particularmente a funções que contribuam para o estabelecimento da identidade urbana;
- sinalização urbana: em zonas operadas pelo POLIS e outros elementos de design urbano;
- ações promocionais: onde o POLIS suporta e desenvolvimento de várias ações não materiais (e.g.
estudos e pesquisa, treinamento, iniciativas de criação de empregos com relevância para o manejo sustentável
de cidades, ações folclóricas e regeneração da vida urbana).
3.3.2 Instrumentos
Existem muitos instrumentos que são ou podem ser usados na melhoria de operações do POLIS. Estes
são apresentados aqui em cinco tipos principais: instrumentos de Planejamento e Projeto, instrumentos de
Manejo Ambiental, instrumentos Institucionais, instrumentos de capacitação e instrumentos de participação
pública.
Instrumentos de Planejamento e Projeto
- Planos Diretores
- Projetos Urbanos
- Construção de edifícios
Instrumentos de Manejo Ambiental
- Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para alguns projetos de maior escala que devem ser submetidos
a processos administrativos de EIA;
- Centros de monitoramento e interpretação do meio ambiente;
Instrumentos Institucionais
- Mecanismos de aprovação rápida para Planos Diretores, mas assegurando o envolvimento público e
a aprovação pela Assembléia Municipal;
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- Parceria pública e privada por meio das empresas POLIS e companhias executivas privadas;
Instrumentos de Capacitação
- Envolvimento de arquitetos nacionais e internacionais de renome, permitindo a experiência de treinamento para jovens arquitetos;
- Encorajamento da ampla adoção, e prática melhorada, do gerenciamento do desenvolvimento e
implementação de Planos Diretores por autoridades locais;
Participação Pública
- Comunicação estratégica (e.g. lançamento formal público e com contagem regressiva), incluindo um
programa de comunicação para o envolvimento público em específico;
- Centros de informação públicos;
- Comissões Locais Públicas, em cada cidade, com representantes do local e do público interessado,
atores sociais, setor econômico, que fiscalizará o desenvolvimento da iniciativa do POLIS.
3.3.3
Arquitetura Institucional
A arquitetura institucional do POLIS é baseada em um Esquema Estratégico e em um Plano de
Implementação, os quais incluem a definição dos objetivos, esboços ou ações de implementação, tempo de
execução, custos e ações complementares. O Plano é negociado com as autoridades locais e é confirmado por
acordo formal com o Ministro do Desenvolvimento e Planejamento do Uso do Solo, onde os procedimentosae
serem seguidos são definidos. O esquema estratégico e o Plano de Implementação são o objeto social dos
empreendimentos POLIS que são subseqüentemente estabelecidos.
Os empreendimentos POLIS são corpos de decisões onde os governos Central e o Local, dividem a
capacidade de decisão nos procedimentos operacionais. A estrutura de divisão dos investimentos é estabelecida
da seguinte forma: 10% para autoridades locais (40% do investimento nacional), 15% para o governo nacional
(60% do investimento nacional), 75% para fundos comunitários. O gerenciamento operacional contrata companhias com experiência específica – Parque Expo, a companhia criada para a organização do Lisbon World
Exihibition em 1999, em dez casos e nos casos restantes, companhias privadas, selecionadas por meio de
concorrência Européia.
Uma comissão local é instalada para fiscalizar a implementação do Esquema Estratégico e do Plano de
Implementação. Cidadãos e outros representantes-chave de depositários, tal como empresários, residentes,
grupos ambientais etc., são atores-chave nestas Comissões Locais, a qual é mantida informada do desenvolvimento dos projetos, mesmo que a decisão final esteja a cargo da municipalidade.
As intervenções do POLIS podem também ser estritamente seguidas por cidadãos mediante atos de
comunicação específicos que encorajem a apresentação informal de estatutos escritos e a participação pública
em fóruns de discussão pública.
Em cada cidade onde uma intervenção do POLIS esteja sendo posta em ação, há um imenso relógio de
contagem regressiva que mostra o tempo para o término do projeto. Isto é uma tentativa de ir contra a já
estabelecida tradição de nunca concluir-se trabalhos públicos. É também um símbolo púbico e visível da parceria
entre os governos central e o local e o comprometimento de ambos níveis de governo. O relógio, instalado em
todas cidades, se tornou um ícone do Programa POLIS.
3.4 Lições Aprendidas
As lições aprendidas com a experiência do POLIS indicaram benefícios em:
1. trabalhar em cooperação, por diferentes instâncias de governo, particularmente a instância do Estado
e a instância local no caso do POLIS, onde diferentes objetivos comuns e específicos puderam ser conciliados;
2. focar, desenvolvendo novas iniciativas, sobre aqueles aspectos que são mais próximos das expectativas do público e de autoridades locais e para a visão da cidade;
3. assegurar a integração técnica para as dimensões urbana e ambiental, onde as condicionantes
ambientais representem avanços, e possam ser fatores de singularidade para cada caso;
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4. identificar as regras nas quais a cidade funciona, dentro do sistema de rede urbana, para otimizar a
capacidade e o melhor proveito dos recursos existentes;
5. usar a massa crítica, definida pelos grupos sociais, orientando sua capacidade e esforços em direção
de objetivos comuns dos interesses públicos e dos locais, a partir de uma consistente estrutura de trabalho que
lidere para resultados positivos;
6. estabelecer mecanismos de contabilidade em que as partes interessadas (cidadãos, parceiros sociais
e econômicos do âmbito local) participem ativamente;
7. assegurar a efetiva operação mediante uma atitude de empresa privada cujo único propósito seja
executar os objetivos da maneira menos custosa;
8. dar grande importância para a revitalização da identidade de cada cidade e enfatizar sua unicidade
como sendo a principal contribuição para sua atratividade;
9. considerar que as dimensões da cultura urbana e da herança cultural como parte dos projetos
ambientais é importante para se obter ao máximo o suporte e a colaboração pública;
10. levar em consideração que o planejamento, o manejo urbano e o ambiente urbano são intimamente
relacionados e não podem ser dissociados.
4 PRIORIDADES-CHAVE EM POLÍTICAS URBANAS EUROPÉIAS
A experiência do POLIS pode ser considerada como uma contribuição para o objetivo de dividir experiência por intermédio dos Estados-Membros na União Européia. Os resultados até agora disponíveis para
justificar as seguintes prioridades-chave que visam à melhoria das políticas da Comunidade e de programas de
cooperação e seus instrumentos são:
1. A necessidade de levar em conta a dimensão urbana em políticas local, nacional e da Comunidade, a
partir de uma aproximação global e integrada para políticas urbanas com referência ao desenvolvimento sustentável;
2. A necessidade de melhorar a dimensão urbana no 6º Programa Ação Ambiental Européia;
3. A necessidade de melhorar a comunicação, o debate e a coordenação entre aqueles responsáveis por
diferentes políticas estruturais;
4. O reconhecimento da identificação das regras das cidades para o desenvolvimento regional europeu
e para o fortalecimento da coesão social e econômica;
5. A importância de parcerias público-privadas na regeneração urbana;
6. As regras e os mecanismos para a participação dos cidadãos, e outros agentes, na regeneração
urbana;
7. A necessidade de se estabelecer uma ampla rede de trocas envolvendo membros dos Estados e
cidades;
8. A importância de um mecanismo de monitoramento que assegure o cumprimento das ações a serem
perseguidas, por meio de indicadores adequados;
9. A necessidade de incrementar a flexibilidade de mecanismos europeus, incluindo-se mecanismos
legais e financeiros com o objetivo de se estabelecer PPP e programas de regeneração urbana com mecanismos públicos de mercado;
10. A urgência em se criar programas financeiros para áreas urbanas;
forte.
11. A capacidade de se efetivar uma cooperação intergovernamental efetiva e um governo europeu mais
Uma das principais e mais notáveis prioridades é a necessidade de se melhorar a dimensão urbana no
6º Programa Ação Ambiental Européia. É fundamental a importância dada para a questão urbana na chegada do
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programa de ação ambiental que vai além de onde se mantém seu plano atual, e remete para a completa
dimensão intra-setorial do ambiente urbano e para a ampla conceituação do reconhecimento de sustentabilidade.
Atualmente, da forma em que se encontra, a abordagem é muito limitada para problemas que, se são importantes – a consideração dos problemas de transporte e tráfego –, não satisfazem a necessidade de se remeter para
a completa complexidade do sistema urbano.
Mesmo a resolução para determinados problemas ambientais urbanos não podem ser limitados em
propostas de novos modais de transporte e em controle de emissões. Problemas de tráfego e transporte em si
mesmos se relacionam com decisões contraditórias feitas no planejamento do uso do solo e na localização das
atividades econômicas e residenciais. Relaciona-se também com a maturidade dos cidadãos urbanos, autorespeito e demanda por melhores expectativas com respeito aos níveis de qualidade de vida.
Em última análise, tais problemas relacionados à sustentabilidade urbana podem ser vistos como o focochave, uma vez que isto representa, no mínimo, 80% da população européia.
A questão urbana é um assunto complexo e também profundamente transversal. O que significa que a
arena urbana possibilita todos tipos de relações setoriais, por meio de diferentes administrações e negócios
institucionais, envolvendo diferentes e geralmente interesses conflitantes, objetivos de desenvolvimento e até
mesmo terminologias. Este fato gera problemas de comunicação, entendimento diferenciado na priorização
dos problemas e na determinação de oportunidades urbanas.
O amplo alcance dos negócios representados nos encontros ministeriais informais varia desde questões ambientais e de uso do solo, aos de equipamentos sociais e de infra-estrutura, transporte, assuntos
internos, políticas urbanas e grupos étnicos, planejamento habitacional e reabilitação, indústria, emprego e
comunicação, assuntos regionais e municipais e também assuntos urbanos em si. Assim, é ilustrativo o amplo
alcance das perspectivas político-administrativas que conduzem a agenda da política urbana em diferentes
Estados Membros europeus.
Tal amplitude pode ser um fator de detrimento para uma abordagem efetiva e consensual das prioridades
das políticas européias sobre os assuntos urbanos. Uma segunda recomendação, no entanto, é que a convergência possa ser alcançada em termos de identificação de um contexto nacional institucional comum para cada
Estado-Membro, para atuar como uma força condutora para a questão urbana. O entendimento do conceito
urbano precisa ser consistente em todos Estados-Membros, sendo que as questões urbanas precisam ser
lidas e entendidas em sua totalidade. Dada sua complexidade, isto poderia ser objeto específico do setor de
assuntos ministeriais,em que a hierarquia e a harmonização das prioridades, os instrumentos e as ferramentas
de comunicação podem gerar resultados, tão coerentemente quanto possível, para toda a União Européia.
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Metrópolis em Revista
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TERRITORIOS INTELIGENTES: NUEVOS HORIZONTES EN EL URBANISMO
Alfonso Vegara*
1 LAS CIUDADES EN LA ETAPA DE LA GLOBALIZACIÓN
1.1 El Habitat de la Globalización
En las últimas décadas del siglo XX, y especialmente en el inicio del siglo XXI, estamos viviendo
unas de las transformaciones más profundas y aceleradas de la historia de la humanidad que está afectando de forma decisiva también a la economía, la política, la sociedad, y por supuesto, al hábitat en el que
vivimos.
La innovación tecnológica, el desarrollo de las
telecomunicaciones e internet, están propiciando la
emergencia de un nuevo orden económico internacional que muchos llaman globalización y que se
refuerza con la progresiva disolución de las barreras
comerciales, la formación de grandes bloques
económicos y la expansión de los mercados.
El hábitat de la globalización son las ciudades y los sistemas de ciudades. Hoy día, aproximadamente el
50% de la población mundial es urbana pero en el 2025 el 75 % de la población mundial vivirá en ciudades.
En los próximos 25 años, casi 2000 millones de personas nacerán o pasarán a vivir en las ciudades,
especialmente en las grandes urbes de países en vías de desarrollo. Tendremos entonces más de 500 ciudades
que superen el millón de habitantes.
Aunque muchos países desarrollados presentan unas tasas reducidas de crecimiento demográfico,
podemos decir, que en ningún otro momento de la historia de la humanidad se han produciendo cambios y
tensiones urbanas tan importantes como las que estamos viviendo y vamos a vivir en las próximas décadas.
1.2 El Protagonismo de las Ciudades
Las ciudades no solo van a ser importantes desde el punto de vista cuantitativo sino que desempeñan un
papel de liderazgo creciente como nodos que articulan y organizan la economía mundial.
Las ciudades cada vez más son los principales protagonistas de la economía y las economías de los
estados tienen una importancia decreciente como categoría unitaria en la economía global.
La globalización de los mercados desvanece las fronteras nacionales y tiende a reforzar la imagen de las
ciudades que son cada vez más las marcas de los territorios que las rodean, y pueden así contribuir a la
competitividad de los productos de la región o del país circundante.
A nivel internacional se están produciendo cambios importantes en la estructura y reparto del poder.
Especialmente se observan cesiones de poder de los tradicionales estados hacia las instituciones transnacionales,
y en paralelo, traspaso de poder desde los estados-nacionales hacia las regiones y ciudades.
Hoy día, en la economía mundial no compiten los países, compiten en mayor medida las ciudades y las
regiones ya que son los territorios con más capacidad para aportar ventaja competitiva a las empresas y
personas que en ellos se ubican.
La progresiva disolución de las trabas al comercio internacional, la mayor facilidad de acceso a la
información, la mejora de los sistemas de transporte y comunicación inciden con fuerza en un fenómeno clave
para el futuro de las ciudades:
“Están expuestas de forma muy abierta a la competencia internacional”.
* Arquiteto, Diretor do Proyecto-Cities, Presidente da Fundación Metropoli, Professor Visitante de City and Regional Planning - Universidad de Pensilvania e Presidente
da empresa Taller de Ideas.
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.61-68, 2002
Metrópolis em Revista
61
1.3 La Fractura de la Globalización
Con la globalización se han conseguido avances importantes pero ha surgido también “una gran fractura” entre los países, las ciudades, las empresas y las personas que se integran y los que no se integran en este
nuevo orden económico.
Las diferencias entre los países ricos y los países pobres siguen siendo abismales. Las ciudades,
especialmente las grandes ciudades de los países en vías de desarrollo, están experimentando con especial
virulencia los efectos contradictorios de la globalización.
El paisaje urbano de la globalización no es solo el de los rascacielos relucientes, los barrios residenciales
de lujo, los club privados y los aeropuertos de última generación. Es también el paisaje de la pobreza.
En las grandes ciudades se concentran los centros que lideran la economía mundial y también la pobreza
más atroz.
Vemos un paisaje de segregación social creciente, la emergencia preocupante de la violencia y la
inseguridad, nuevas barreras en el espacio urbano, sistemas privados de seguridad en urbanizaciones de lujo,
en edificios representativos y en centros comerciales.
1.4 Nuevos Horizontes
La nueva economía global aporta oportunidades sin precedentes y está siendo capaz de generar mucha
riqueza, la clave es si somos capaces de buscar fórmulas para que estos avances beneficien a todos y no solo
a una minoría.
El mercado regula el desarrollo de las actividades económicas, propicia la generación de riqueza y
oportunidades de negocio, pero sin embargo, el mercado por sí mismo no es capaz de superar la “fractura de
la globalización”.
Ya hemos señalado que en los próximos 25 años se estima que casi 2000 millones de nuevas personas
nacerán o pasarán a vivir en las ciudades. Es un reto sin precedentes. Y es un reto que no va a resolver el
mercado, ni el liberalismo económico ni tampoco la política global de los estados.
Nuestra sugerencia es un nuevo protagonismo del urbanismo frente al liberalismo o al mero orden
económico del mercado.
Desde la política urbana pueden lograrse resultados espectaculares para mejorar la competitividad de
las actividades económicas pero especialmente pueden alcanzarse resultados muy buenos en materia de
integración social y sustentabilidad ambiental y cultural.
Necesitamos nuevos horizontes en el urbanismo, nuevas vías de solución para afrontar las oportunidades que ofrece la nueva economía global y dar respuesta a la fractura de la globalización. Necesitamos nuevas
ideas y nuevos métodos de trabajo.
Los éxitos y fracasos de nuestras ciudades van a ser hasta cierto punto los éxitos y fracasos de nuestros
países. Incluso hoy día el Banco Mundial está dando una nueva orientación a sus estrategias de desarrollo
centrando su atención en las ciudades.
Las nuevas condiciones de la globalización exigen reinventar las empresas, reinventar la econonía, reinventar
la política, y también, reinventar el urbanismo.
La crisis del urbanismo convencional que se está viviendo en muchos países no es más que el reflejo de
la impotencia de las ideas, de los métodos de trabajo y de los instrumentos tradicionales para abordar los
nuevos retos de nuestras ciudades en la etapa de la globalización.
2 SMARTLANDS
Hemos llamado SmartLands o territorios inteligentes a aquellos que están afrontando con éxito los retos
de la nueva economía y los procesos de globalización. Los SmartLands son ciudades y territorios que están
enfocando con coherencia los retos de la globalización y los riesgos que genera. Son ciudades capaces de
encontrar un equilibrio entre los aspectos de competitividad económica, cohesión y desarrollo social y
sustentabilidad ambiental y cultural.
62
Metrópolis em Revista
Metrópol. r. v. 4 n. 1 p.61-68, 2002
Las reflexiones que exponemos en este apartado surgen de las investigaciones desarrolladas en el
Proyecto Cities que constituye un esfuerzo conjunto de veinte ciudades innovadoras de cinco continentes.
Hemos encontrado algunas de las siguientes características en los SmartLands.
2.1 Los SmartLands, los diseña la Comunidad
El mercado es un magnífico instrumento para regular la economía y para estimular la creatividad y
productividad de las empresas, sin embargo no es un mecanismo eficiente de organización de la ciudad. Dejar
la organización física de la ciudad a los meros impulsos del mercado no genera resultados satisfactorios a medio
y largo plazo.
Los SmartLands no los diseña el mercado, aunque tengan en cuenta obviamente la lógica de la economía,
en su configuración participan los diversos componentes de la Comunidad.
Diseñan su futuro a través del Liderazgo, la Participación y la Innovación. Los SmartLands son territorios
con liderazgo fuerte, una sociedad civil madura y notoria cohesión inter-institucional.
Un liderazgo político coherente supone una importante ventaja competitiva. En algunas de las ciudades
estudiadas, la carencia de liderazgo político es suplida por la sociedad civil a través de fundaciones, ONGs. y el
voluntariado activo.
En otros casos la comunidad empresarial juega un papel esencial más allá de sus propios intereses
empresariales directos.
En todo caso, es importante destacar que en las sociedades democráticas un liderazgo político coherente
constituye una importante ventaja competitiva.
La cooperación interinstitucional es un aspecto que permite acometer con gran facilidad temas que en un
contexto de confrontación y de falta de objetivos compartidos sería imposible.
En definitiva, los SmartLands son territorios en los que viven comunidades activas, y que han sido
capaces de organizarse para inventar y alcanzar un consenso con respecto a un proyecto de futuro.
2.2 Sensibilidad y responsabilidad ambiental
Los SmartLands asumen una nueva ética con respecto al Medio Ambiente Natural y Urbano. Son
conscientes de que las escalas de reflexión para abordar con coherencia los temas ambientales no son las
divisiones administrativas del planeamiento convencional y buscan nuevas escalas de trabajo, especialmente en
el ámbito regional y en la denominada escala intermedia.
Los SmartLands aportan una nueva sensibilidad por los problemas y oportunidades que ofrece el Medio
Ambiente, y sobre todo, se esfuerzan en hacer compatible el modelo territorial o el modelo urbano con las
exigencias del Medio Físico, con su razonable capacidad de acogida y con la vocación de las diferentes áreas.
Hoy día podemos decir que se ha globalizado la preocupación por el medio ambiente natural y urbano
y se asume de forma casi generalizada que es importante evitar impactos ambientales negativos, sin embargo,
los SmartLands asumen una postura más ambiciosa de intervención positiva en el medio ambiente, de protección
activa, de puesta en valor del territorio, de renovación de los ecosistemas naturales, y sobre todo, de rehabilitación
de áreas urbanas degradadas física, social y económicamente.
El esfuerzo de las ciudades y de los territorios en materia ambiental no solo incide en la calidad de vida de
la población, es un factor importante de singularidad y competitividad para el desarrollo de actividades económicas y un importante elemento de cohesión social dado que el sistema ambiental de la ciudad lo disfruta toda la
población.
En definitiva, los SmartLands asumen el compromiso de legar a las generaciones futuras un territorio más
cuidado que el que han recibido y con intacto potencial de desarrollo.
2.3 Capaces de crear ventaja competitiva
Las ciudades y los territorios son únicos e irrepetibles. Son susceptibles de aportar ventajas competitivas
para las actividades económicas, para la residencia, para el ocio, la cultura y la relación social. Un buen diseño
urbanístico hace competitiva una ciudad.
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Las ciudades no solo son atractivas sobre la base de sus condiciones intrínsecas sino porque han sido
capaces de consensuar un proyecto inteligente de futuro.
Los SmartLands son capaces de desarrollar un urbanismo que les permite crear ventajas competitivas
en un contexto de competencia y cooperación entre ciudades y territorios.
El reto más importante para la supervivencia de nuestras ciudades en el futuro será la capacidad para
atraer y generar recursos humanos altamente preparados, en este sentido, las oportunidades profesionales, la
infraestructura educativa, las opciones residenciales, la calidad de vida, el equilibrio social, la seguridad ciudadana,
la oferta cultural y de ocio, la calidad de los espacios urbanos va a ser un factor clave de competitividad.
Las ciudades que tengan más éxito en atraer y educar a los mejores talentos intelectuales y a los mejores
trabajadores son las que van a florecer. La gente son el nuevo producto, la materia prima básica de la economía
del siglo próximo. Y esto, va a afectar mucho al perfil y a las funciones de las ciudades en el futuro.
Los gobiernos locales y regionales, pueden contribuir de forma eficaz a la mejora de la competitividad de
las empresas y actividades que se desarrollan en sus territorios. Se trata de que cada ciudad pueda definir
objetivos muy específicos para dotarse de los factores críticos capaces de generar ventaja competitiva.
En definitiva, los SmartLands son capaces de definir un proyecto de ciudad que les permite crear ventajas
competitivas para cierto tipo de actividades que son viables en la nueva economía global.
2.4 Compromiso con la Cohesión y Desarrollo Social
Los SmartLands son territorios en los que se trabaja para lograr la cohesión y el equilibrio social, es decir
la “inclusión” de todos los ciudadanos. Al mismo tiempo se lucha contra la desigualdad y la “exclusión” de
personas y grupos de la sociedad.
Los SmatLands dedican esfuerzos importantes a la renovación urbana, a la mejora de la calidad ambiental,
al espacio urbano y a la imagen de la ciudad ya que estos aspectos repercuten en todas las clases sociales y
grupos de la ciudad.
Los SmartLands intentan limitar la “exclusión voluntaria” de las elites para crear una sociedad más “inclusiva” en la base.
El espacio público puede ser uno de los principales puntos de referencia para la vida comunitaria en la
ciudad. La calidad de los espacios públicos y su nivel de utilización es un claro exponente de la cohesión y
equilibrio social.
Gran parte de los esfuerzos para conseguir una ciudad integrada socialmente no pueden hacerlos las
autoridades públicas. El dinamismo de la sociedad civil es esencial para lograr una ciudad equilibrada e inclusiva.
Los esfuerzos de una ciudad por lograr la inclusión de todos los ciudadanos tiene efectos evidentes
tambien en la capacidad competitiva de la ciudad y en su atractivo para el desarrollo de actividades económicas.
Los SmartLands son territorios que propician el sentimiento de pertenencia y fortalecen las señas de
identidad porque ello mejora la capacidad para trabajar en proyectos colectivos.
Finalmente, los SmartLands creen en la democratización del urbanismo como mecanismo eficaz contra
la exclusión y a favor del desarrollo social.
2.5 Estructuras coherentes de gobierno del territorio
En las últimas décadas se están produciendo cambios importantes, surgen nuevos bloques políticos y
económicos, se reorganizan las funciones de los estados, emergen con fuerza las regiones y las ciudades como
grandes protagonistas de la economía global, surge el fenómeno nuevo de la ciudad región, la autonomía de
muchas entidades locales está conduciendo en ciertos lugares a una estéril fragmentación política y administrativa. Los territorios complejos están ensayando fórmulas de descentralización.
Las escalas de gobierno y organización del territorio resultan cada vez más complejas. Existe un claro riesgo
de fragmentación y de un gobierno imposible en territorios con una estructura administrativa y política inapropiada.
Los SmartLands son espacios en los que existe una estructura administrativa y política eficiente o pactos
de colaboración inter-institucional coherentes para diseñar y construir el futuro de estos territorios.
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Los SmartLands son capaces además de crear los órganos adecuados para el desarrollo de proyectos
concretos o para el cumplimiento de objetivos específicos. Es decir son capaces de tejer la denominada
“Arquitectura Social” necesaria para la eficacia en el desarrollo de operaciones estratégicas.
Finalmente es importante hacer referencia a las posibilidades que ofrecen las nuevas tecnologías para
crear un gobierno eficiente “Smart-Government”, reducción del peso burocrático y la emergencia de nuevas
oportunidades para profundizar en los aspectos de participación de la población en los temas de la ciudad.
2.6 Diálogo con el Entorno
Los SmartLands frecuentemente encuentran las claves para el diseño de proyectos inteligentes en relación
con sus específicas condiciones de contexto.
En las últimas décadas se perciben tres ámbitos críticos de reflexión.
En primer lugar la escala global de interrelaciones urbanas. Muchas ciudades han encontrado un perfil
singular sobre la base del desarrollo de funciones que las posicionan en el contexto de la economía global.
Singapur como nodo portuario y aeroportuario, Kuala Lumpur como centro de excelencia en tecnologías
multimedia, Boston como centro universitario, Miami como punto de encuentro entre Estados Unidos y
Latinoamérica, etc.
En segundo lugar las oportunidades de inserción de las ciudades en los sistemas de ciudades de su
entorno, especialmente en Europa, donde existe una gran tradición urbana y un interesante sistema de asentamientos
histórico.
Surgen oportunidades derivadas de la definición de perfiles complementarios, fortalecimiento de ciertas
conexiones, estructuras territoriales policéntricas, desarrollo de funciones supramunicipales e
interrelaciones de las ciudades con los sistemas rurales y espacios naturales.
Finalmente, la emergencia de la ciudad región en los entornos de las principales metrópolis ofrece un
ámbito muy complejo y apasionante de posibles relaciones.
La organización de los territorios metropolitanos y de las regiones urbanas es posiblemente el reto más
difícil del urbanismo del siglo XXI.
Cada vez más el futuro de los territorios depende de la identificación de su vocación en relación con su
entorno.
Los SmartLands son capaces de identificar un perfil inteligente en relación a las condiciones de contexto.
2.7 Innovación
Las empresas más innovadoras y que más éxito tienen en los mercados internacionales dedican un
mayor esfuerzo a labores de investigación y desarrollo (R&D). De forma análoga, las ciudades y las regiones a
través de la investigación y diseño de estrategias innovadoras pueden afrontar el futuro con más éxito.
Los SmartLands son territorios que apuestan por la innovación, que enfatizan el urbanismo de ideas,
territorios que investigan sus singularidades y sus oportunidades, que tienen capacidad para aprender de su
propia experiencia y de las experiencias de los demás.
Son territorios conscientes que en la nueva etapa de la globalización el mayor riesgo es permanecer
inmovil y no hacer algo nuevo, que el cambio y los procesos rápidos de transformación es la única realidad
inamovible.
La innovación es la forma más eficiente de crea ventaja competitiva. Buenos ejemplos son la experiencia
de Curitiva con su Centro de Pesquisa, la iniciativa de Melbourne con su programa de Benchmarking. Sydney con
su iniciativa “Sydney Sostenible”, que tanto aportó a singularizar su candidatura olímpica y hoy está inspirando el
conjunto de las estrategias urbanas y territoriales en la ciudad región.
La clave para la innovación en los territorios son las personas, y especialmente, la existencia de una
población con un alto nivel de formación.
Cuando una ciudad dispone de una importante infraestructura educativa y de investigación esto representa una garantía para le innovación.
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Algunas ciudades que no disponen de una infraestructura educativa sofisticada están atrayendo talentos
intelectuales, empresas y trabajadores cualificados sobre la base de su calidad de vida y de la existencia de un
proyecto interesante de futuro.
2.8 Conexiones. Redes de Ciudades
En un mundo global, cada vez más, la idea de red prevalece sobre la idea de territorio convencional. Las
ciudades más globales y mejor interconectadas son las puertas de acceso a la economía y al mundo global.
Los SmartLands son ciudades o regiones capaces de tejer las conexiones necesarias para participar de
forma activa en redes que aportan posición estratégica a la ciudad.
Las redes de ciudades pueden basarse en la complementariedad, en la sintonía cultural, en la localización
geográfica, etc .
Estas conexiones entre ciudades facilitan los intercambios económicos, sociales y culturales. Además,
pueden establecerse vínculos sólidos entre ciudades distantes y vencer las barreras convencionales.
Al igual que las empresas, las universidades, los centros de investigación y las personas, también las
ciudades necesitan establecer vínculos inteligentes y alianzas estratégicas para el cumplimiento de sus objetivos
en la etapa de la globalización.
Una ciudad que no tiene proyecto de futuro difícilmente podrá identificar las conexiones específicas que
necesita, difícilmente podrá crear las alianzas estratégicas que le permitan el acceso a las innovaciones y
experiencias en ámbitos específicos en los que la ciudad necesita mejorar.
Los SmartLands son ciudades o regiones conscientes de que una de las claves del éxito en la etapa de
la globalización es la pertenencia a redes operativas a nivel internacional y que éstas pueden crearse a través del
esfuerzo de cooperación e intercambio.
3 HACIA UN PROYECTO DE CIUDAD
3.1 Crisis de los Instrumentos Urbanísticos Tradicionales
Nuestra sociedad afronta una época de grandes cambios, una etapa apasionante en la que la revolución
telemática y la innovación tecnológica van a tener una incidencia extraordinaria en nuestras vidas, en nuestras
ciudades y en nuestras regiones.
Si el urbanismo permanece al margen de estos nuevos retos de las ciudades en la etapa de la globalización,
los urbanistas estaremos condenados a desempeñar un papel marginal en nuestra sociedad.
Si somos capaces de ofrecer un nuevo marco conceptual y unos nuevos instrumentos de trabajo, en ese
caso, el renacimiento del papel de las ciudades irá en paralelo al renacimiento del urbanismo y podremos
desempeñar un papel útil e importante en nuestra sociedad.
Los instrumentos tradicionales del planeamiento urbanístico en muchos casos están resultando insuficientes para dar una adecuada respuesta a las necesidades y a los retos de nuestras ciudades.
Estos instrumentos se han ceñido tradicionalmente a las delimitaciones administrativas de los municipios
cuando hoy día los procesos de dispersión de las actividades humanas en el territorio requieren nuevas escalas
de trabajo, especialmente la escala regional y la escala intermedia.
Son instrumentos que habiendo sido útiles en etapas anteriores para aportar orden en la organización de
las actividades en el territorio, sin embargo hoy día, están resultando insuficientes para articular el liderazgo
político, los procesos de participación y la innovación que son aspectos críticos al servicio del diseño de las
ciudades del futuro.
El planeamiento urbanístico convencional ha desempeñado un papel fundamental en nuestra sociedad y
sigue siendo absolutamente necesario de cara al futuro pero insuficiente para dar respuesta a algunos de los
retos que tienen planteados nuestras ciudades y por ello debemos trabajar en la búsqueda de nuevos instrumentos y nuevos métodos de trabajo.
Quizá debido a esta crisis, en las dos últimas década se han redactado cientos de planes estratégicos de
ciudades y territorios. Estos planes estratégicos han intentado superar algunas de las limitaciones más evidentes
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del planeamiento convencional.
En algunos casos han contribuido a la concienciación de las instituciones en relación con las fortalezas y
debilidades de sus diferentes territorios. Han posibilitado una cierta dinámica participativa y a veces han aportado
ideas interesantes, especialmente en materia de prospectiva y estrategia económica.
Sin embargo, muy frecuentemente, se ha prestado escasa atención a la forma física y a la estructura de
la ciudad, se han utilizado metodologías de trabajo que incorporan escasa investigación de base y que a veces
han producido resultados standard que acaban “racionalizando la evidencia” y escribiendo de forma ordenada
las opiniones de unos y otros con escasa componente innovadora y énfasis en enfoques sectoriales y en
variables ajenas al control municipal.
Hubo euforia por las posibilidades derivadas de la aplicación de los Planes Estratégicos y un rápido
desencanto por los escasos resultados de la aplicación de muchas de estas iniciativas.
Hoy día, más que en ninguna otra etapa anterior, necesitamos ser capaces de diseñar de forma participativa
e inteligente un “Proyecto de Ciudad”
3.2 Proyecto Ciudad como respuesta a la Trilogía Urbana
En la investigación sobre diversas ciudades del mundo que estamos desarrollando en el ProyectoCITIES se pone de manifiesto que hay una distinción básica entre ciudades al margen de su tamaño, de su nivel
de desarrollo económico o de su perfil urbano. Hay “ciudades con proyecto” y “ciudades sin proyecto”.
Los SmartLands son territorios capaces de dotarse de un Proyecto de Ciudad y de encontrar un equilibrio
entre su estrategia económica, la cohesión y desarrollo social y la sensibilidad y cuidado del Medio Ambiente.
Mi tesis es que los Smartland, es decir las ciudades y regiones que responden al perfil que he señalado
en el apartado anterior de mi presentación, son los únicos territorios que pueden afrontar el reto del desarrollo
sustentable en la etapa de la globalización.
La clave de la sustentabilidad es el diseño de un Proyecto de Ciudad o innovador, basado en la vocación
del territorio, con un fuerte respaldo social y en correspondencia con las grandes opciones estratégicas de
desarrollo económico.
La sustentabilidad debemos concebirla desde una perspectiva amplia que incluye sustentabilidad ambiental
pero también sustentabilidad económica, social y cultural.
Los SmartLands utilizan la Ordenación del Territorio y el Urbanismo Participativo para conseguir un
desarrollo sustentable y alcanzar un equilibrio inteligente entre medio ambiente, sociedad y economía.
3.3 “Cluster de Excelencia” y Proyecto Ciudad
Las ciudades que están teniendo éxito en la etapa de la globalización son capaces de descubrir su propia
identidad, sus singularidades y sus fortalezas y al mismo tiempo son capaces de inventar y construir sus propias
“ventajas competitivas” en relación con su entorno y en el marco de un mundo complejo, global e interrelacionado.
Cada ciudad puede apostar obviamente por muchas y diversas iniciativas para configurar su futuro, sin
embargo, solo algunas son capaces de aportar realmente ventaja competitiva a esa ciudad en concreto en la
etapa de la globalización. A estas opciones las llamamos “Proyectos Estratégicos”
Los Proyectos Estratégicos se basan en las fortalezas de la ciudad y en sus Componentes de Excelencia.
La metodología de los “Cluster de Excelencia” que estamos utilizando en el Proyecto-CITIES ayuda a identificar
los Proyectos Estratégicos que pueden ser la base de un Proyecto de Ciudad.
El “Cluster de Excelencia” es el conjunto selectivo e interrelacionado de componentes de excelencia, es
decir, elementos y funciones de la ciudad que son, o pueden llegar a ser, el soporte de su ventaja competitiva y
el motor de su éxito. Aquellos elementos de la ciudad que presentan un nivel de atractivo y éxito notorio,
especialmente los relacionados con las funciones urbanas y con la estructura física de la ciudad.
La clave del concepto de “Cluster” es que sus componentes están interrelacionados constituyendo un
perfil urbano de excelencia único e irrepetible para cada ciudad.
Teniendo en cuenta la limitación de recursos humanos y económicos en la ciudad y los límites temporales
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de los periodos del gobierno local, la identificación de proyectos críticos y prioridades básicas es un elemento
esencial de la política urbana.
La clave para la definición de un Proyecto-Ciudad coherente es identificar con rigor el “Cluster de Excelencia”
de la ciudad y alcanzar un consenso respecto al a los Proyectos Estratégicos de futuro.
Este Proyecto de Ciudad se convierte en una referencia clara para orientar las acciones prioritarias del
sector público, del sector privado y de la sociedad civil organizada.
3.4 Nuevos Horizontes del Urbanismo
La búsqueda de la excelencia y la posibilidad de diseñar un proyecto de futuro no es exclusiva de las
ciudades económicamente muy desarrolladas, pueden alcanzarse niveles de coherencia y equilibrio en distintos
estadios de desarrollo.
La buena noticia, el mejor mensaje que podemos transmitir a las ciudades con problemas, a aquellas que
tradicionalmente se han encontrado fuera de los circuitos del éxito y de la innovación es que ha llegado su
momento, que a través del liderazgo, de la participación de sus actores y de un proyecto inteligente de futuro
pueden en poco tiempo crear sus propias ventajas competitivas, y cumplir sus objetivos en un mundo cada vez
más abierto y con inmensas posibilidades.
El urbanismo del siglo XXI no es un juego de suma cero. La mera gestión de los presupuestos municipales
tiene efectos muy limitados sobre el potencial de transformación de la ciudad. Con un Proyecto de Ciudad, con
liderazgo y con capacidad de colaboración entre los diferentes actores de la ciudad se multiplican exponencialmente
a las posibilidades de futuro.
La clave es que los gobiernos locales y regionales tengan la visión y la credibilidad necesaria y sean
capaces de poner a trabajar al sector privado y a la sociedad civil en el desarrollo de objetivos y proyectos
colectivos.
Desde mi punto de vista, para crear un hábitat humano y atractivo en la era de la globalización, necesitamos
Más poder político para las ciudades y sus entornos regionales, nuevos horizontes, una visión más
amplia de las posibilidades del urbanismo, necesitamos fortalecer los liderazgos creativos de la ciudad, idear
nuevas fórmulas de participación de la población, mucha sensibilidad por la idiosincracia local, reforzar el
sentimiento de pertenencia que es clave para emprender proyectos colectivos y ser capaces de definir entre
todos un “Proyecto de Ciudad”.
En la etapa de la globalización las ciudades grandes, medias o pequeñas van a conseguir ventajas
competitivas resaltando su identidad y fortaleciendo sus conexiones globales.
Los habitats de la globalización hay que reinventarlos siendo conscientes de que las ciudades más
atractivas, aquellas capaces de ejercer magnetismo sobre su entorno, serán las que tengan un proyecto de
futuro ilusionante no solo aquellas que gocen de unas condiciones de partida determinadas.
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INFORMAÇÕES GERAIS:
Faz parte da proposta da Metrópolis em Revista, que vem se repetindo desde a primeira edição,
promover a disseminação do conhecimento sobre a Região Metropolitana de Curitiba, mediante a divulgação de
dados produzidos e/ou sistematizados pela COMEC.
Nesse sentido, nas páginas seguintes são apresentados mapas e gráficos que têm por objetivo fornecer
informações produzidas no âmbito do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Curitiba
– PDI-RMC/2002, sobre a realidade regional.
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Gráfico 1. Região Metropolitana de Curitiba – Projeção Populacional Total –Inercial.
FONTE: Censos IBGE – Projeções: Consórcio Cobrape – SOGREAH – Hult .
Gráfico 2. Região Metropolitana de Curitiba – Projeção Populacional Total-Tendencial.
FONTE: Censos IBGE – Projeções: Consórcio Cobrape – SOGREAH – Hult .
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