AS RELAÇÕES BRASIL-UNIÃO EUROPEIA Raquel de Caria

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AS RELAÇÕES BRASIL-UNIÃO EUROPEIA Raquel de Caria
O BRASIL COMO PARCEIRO ESTRATÉGICO DA UNIÃO EUROPEIA:
AS RELAÇÕES BRASIL-UNIÃO EUROPEIA
Raquel de Caria Patrício
Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)
Prof. Auxiliar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da
Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP/UTL)
1.
Introdução
Tendo em conta todo o acumulado histórico da diplomacia brasileira, é fácil
observar que os EUA puseram em marcha uma longa e relevante parceria com o Brasil,
da qual este retirou importantes benefícios económicos, sobretudo durante e após a
Segunda Guerra Mundial. Embora estas relações tenham sido cíclicas, intermediando
períodos de grande proximidade com períodos de afastamento e não-alinhamento, elas
são, na realidade, e ainda hoje, uma importante esfera da política externa brasileira, cuja
continuidade nos permite, mesmo, falar de um traço característico da política externa
brasileira.
As relações do Brasil com a Europa, todavia, têm raízes mais profundas e têm
causado efeitos mais relevantes e duradourados para a formação nacional do Brasil1.
A primeira grande dimensão das relações entre o Brasil e a Europa foi de base
social, envolvendo as vertentes étnica e cultural, que teve particular intensidade no
período pós-Independência do Brasil. Deve salienter-se que, neste aspecto, a GrãBretanha e a França, desde o início, se sobrepuseram aos restantes países europeus,
exercendo uma influência sócio-étnico-cultural mais acentuada sobre a sociedade
brasileira então em plena formação. Foi mais tarde que as influências portuguesa,
espanhola, italiana e alemã se agregaram ao elemento étnico brasileiro, embora deva
dizer-se que, apesar de tudo, “existe um grande equilíbrio de contribuição dos grandes
países europeus comparados uns aos outros”2 na formação sócio-étnico-cultural do
Brasil.
Para além dessa base social, o Brasil e a Europa, desde a Independência,
estabeleceram também vínculos económicos importantes. Num primeiro momento, foi
sem dúvida a preeminência britânica se salientou. Mas, depois, fortes laços económicos
seriam estabelecidos igualmente com outros países europeus, sendo de ressaltar a
importante presença, hoje, de grandes investimentos europeus no Brasil, sobretudo
oriundos de Portugal e da Espanha3 e, em muito menor escala, da Holanda, da Suécia,
1
Crf. CERVO, Amado Luiz; Inserção Internacional: A Formação dos Conceitos Brasileiros, Editora
Saraiva, 1ª edição, São Paulo, 2008, pp. 242.
2
Cfr. Idem, ibidem.
3
Os investimentos portugueses e espanhóis no Brasil representam a transição das relações bilaterais, de
um eixo sentimental, para um outro instrumental. Por razões económicas e culturais, Portugal e a Espanha
voltaram-se para o Brasil, escolhendo-o como parceiro privilegiado na América Latina, tornando-se, por
isso, agentes dinâmicos do processo de internacionalização da economia brasileira. Por volta do ano 2000,
os investimentos directos portugueses e espanhóis no Brasil foram o principal destino desses
investimentos portugueses e espanhóis, embora, recentemente, esgotadas as privatizações e criadas
diversas grandes empresas no Brasil, especialmente no ramo das comunicações, esses fluxos de
investimentos sofreram uma redução.
1
da Suíça, da Noruega e ainda de outros de pequena relevância. De salientar que os
investimentos ibéricos no Brasil atingem, não só o sistema empresarial, como também
diversas outras esferas sociais4, tendo tido enorme êxito do ponto de vista do
desenvolvimento económico do gigante sul-americano.
Sobre esses vínculos de intimidade social, o Brasil envolveu-se na Europa em
três momentos fundamentais: na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais, em ambos os
casos ao lado dos Aliados na sequência das pressões norte-americanas, e participou e
contribuiu positivamente para a formação e o funcionamento da Sociedade das Nações
(SDN) desde a criação desta até à sua retirada, em 1926.
Não se pode, ainda, esquecer o relacionamento pessoal que, primeiro Getúlio
Vargas, depois Juscelino Kubitschek, estabeleceram com Salazar, bem como as relações
que JK criou com a URSS e os respectivos Estados-satélite, reforçadas com Jânio
Quadros e João Goulart, não obstante o afastamento de Portugal pela questão colonial,
até porque o Brasil de Ernesto Geisel seria o primeiro país a reconhecer o governo
oficial angolano do MPLA. Mesmo assim, Goulart, no âmbito da Política Externa
Independente extremada, estabeleceu relações com as Comunidades Europeias, cujo
êxito económico atraía o Brasil; relações aprofundadas com Médici com vista à atracção
de investimentos e tecnologias europeias. A Europa Comunitária esteve uma vez mais
presente na política externa brasileira quando Geisel procurou incrementar as parcerias
estratégicas com a França e a Alemanha, chegando mesmo a assinar o Acordo Nuclear
Brasil-RFA em 1975. Não obstante o relativo afastamento no período Figueiredo –
primeiro porque o Brasil apoiou a Argentina, contra a Grã-Bretanha, no conflito das
Malvinas/Falklands e, depois, porque as Comunidades Europeias submetiam-se ao
rearranjo neoliberal da sociedade internacional – com Itamar Franco as Comunidades
tornar-se-íam o maior parceiro económico do Brasil, ao mesmo tempo que a diplomacia
brasileira estreitava relações com Portugal, no âmbito da aproximação aos países de
Língua oficial Portuguesa, na estruturação da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP). Foi com Fernando Henrique Cardoso que a Europa mais esteve
presente na política externa brasileira, já que a União Europeia foi um dos quatro eixos
fundamentais da diplomacia Cardoso, quando se chegou à assinatura do Acordo Quadro
EU-Mercosul (1995), cujas negociações viriam a entrar em impasse a partir de 2004, já
com Lula, em virtude do não entendimento entre o Mercosul e a EU quanto ao
proteccionsimo agrícola europeu e quanto à concessão dos mercados industrial e de
serviços por parte dos Estados-membros do Mercosul. Ainda assim, as relações entre o
Brasil e a EU prosseguem, bem como o relacionamento bilateral do Brasil com diversos
Estados europeus.
Estes vínculos bilaterais, particularmente desde a criação das Comunidades
Europeias em 1951, começaram a influenciar mais de perto o relacionamento do Brasil
com a Europa, estabelecendo-se uma inovadora relação entre a EU e o Mercosul a partir
do bilateralismo Brasil-Europa. Interessante notar, neste ponto, e segundo Luiz Amado
Cervo, que as negociações entre os dois blocos têm um “impacto peculiar e
diferenciado relativamente aos EUA, pois que as negociações, nesse eixo europeu,
alcançam o domínio dos valores da cidadania, para além dos fluxos das finanças, do
comércio e dos empreendimentos”5.
4
5
Cfr. CERVO. Amado Luiz; op. Cit., pp. 242.
Cfr. Idem, ibidem.
2
2.
O Início
Na verdade, as relações do Brasil com as Comunidades Europeias remontam aos
anos 1950. Aquando da celebração dos Tratados de Roma, em 1957, parte dos países
contratantes mantinha vastas relações coloniais que pretendiam conservar, mesmo com
a criação do Mercado Comum. Para tanto, inseriram cláusulas relativas ao estatuto de
associação para esses países; disposições que acabariam por constituir a base para a
elaboração futura de uma Política de Desenvolvimento, visando justamente as antigas
colónias dos Estados-membros e aquelas que entretanto iam adquirindo a
independência. Esta Política de Desenvolvimento acabaria, depois, por ser alargada a
outras áreas subdesenvolvidas do mundo, nomeadamente às áreas não associadas da
América Latina e da Ásia6.
Todavia, quando foram formalmente lançadas, as relações entre a Europa
Comunitária e a América Latina não se inseriram nesta Política de Desenvolvimento.
Inseriram-se, antes, na Política Comercial daquela, que trata das relações entre a
Comunidade e os países terceiros, com base na Pauta Aduaneira Comum. E tal foi feito
através do estabelecimento de acordos de comércio cujo objectivo era a concessão da
cláusula da nação mais favorecida7.
Na realidade, nas suas relações externas com os países em vias de
desenvolvimento, as Comunidades definiram como prioridade a cooperação com o
continente africano, e mais especificamente, com os países ACP. A segunda prioridade
eram os países do Mediterrâneo e a terceira os da Ásia. A América Latina era, na
sugestiva expressão de Peter Coffey, um continente perdido8, sendo as relações com as
Comunidades pouco densas, pouco importantes e, em geral, especificamente
económicas. A inexistência de uma política comunitária global para a região limitou as
relações Comunidades-América Latina a um carácter bilateral, que apenas a partir da
década de 1980 começaria a ser ultrapassado. Por outro lado, a disparidade de interesses
dos Estados-membros em relação à América Latina, assim como a própria
heterogeneidade dos países latino-americanos dificultaram a acção coordenada das
Comunidades em relação à América Latina, além do mais percepcionada, pela Europa
Comunitária, como parte da zona de influência dos Estados Unidos e como um conjunto
de países pouco pobre dentre os pobres, ademais sem contar com estruturas
institucionais eficientes ao nível regional com as quais a Comissão pudesse manter um
diálogo interinstitucional estável9.
A verdade é que desde a criação da CEE os países da América Latina
pretenderam com esta celebrar, primeiro um acordo de associação e, depois, um acordo
de mera cooperação. As dificuldades geradas em torno deste desejo colectivo, todavia,
impediram a concretização do mesmo, adicionada da preferência comunitária em
celebrar acordos internacionais com interlocutores colectivos10.
A CEE impulsionou, então – ou melhor, cobrou dos países latino-americanos – a
organização para a designação conjunta de um porta-voz institucional comum que
6
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; As Relações entre a União Europeia e a América Latina – O Mercosul Neste
Enquadramento, in MARTINS, Estevão Chaves e SARAIVA, Miriam; Brasil-União Europeia-América
do Sul: Anos 2010-2020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, Rio de Janeiro, 2009, pp. 65.
7
Cfr. Idem, ibidem.
8
Cfr. COFFEY, Peter; The EEC and Brazilin COFFEY, Peter e CORREA DO LAGO, Luiz Aranha
(eds.); The EEC and Brazil, Pinter Publishers Limited, 1st Edition, London, 1988, pp.3.
9
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; op. Cit., pp. 66.
10
PATRÍCIO, Raquel; op. Cit., pp. 66.
3
falasse em nome de todos. Assim surgiu o GRULA – Grupo Latino-Americano – e em
1971 os países latino-americanos reunidos no seio da Comissão Especial de
Coordenação Latino-Americana (CECLA)11 avançaram, através da Declaração de
Buenos Aires, com a proposta de estabelecimento de um sistema de cooperação entre a
América Latina e as Comunidades que englobasse a consulta ministerial, tendo esse
sistema, por imposição das Comunidades Europeias, sido limitado a uma cooperação ao
nível inferior dos embaixadores (e não ministros).
Embora contribuindo para a existência de algum nível de coordenação das
políticas económicas externas dos países latino-americanos em relação às Comunidades
e, mesmo, nos fora internacionais, os resultados mais tangíveis do Comité Conjunto
limitaram-se à conclusão de acordos de comércio bilaterais, de carácter não
preferencial, entre a CEE e quatro países latino-americanos: Argentina (1971), Uruguai
(1973), Brasil (1974) e México (1975)12.
Estes são os considerados Acordos de Primeira Geração, através dos quais a
CEE orientava a sua acção país a país e apenas com os que tinham potencial económico,
visando reduzir os obstáculos ao comércio entre as partes, bem como intensificar a
cooperação aduaneira13.
O diálogo América Latina-CEE assim estabelecido não gerava qualquer
cooperação efectiva com o conjunto dos países latino-americanos, levando os
embaixadores do GRULA a propor, em 1979, um diálogo renovado CEE-América
Latina, com a assinatura do Acordo Quadro de Cooperação em 1980, que entraria em
vigor em 1982. Todavia, o início da Guerra das Malvinas/Falklands impediu a
realização dos encontros previstos para 1982, deitando por terra o diálogo renovado e
mantendo-se os contactos pela via informal.
O Acordo Quadro assinado insere-se já nos Acordos de Segunda Geração,
também assinados com o Pacto Andino e com os Estados-membros do Tratado Geral de
Integração Centro-Americana em 1984, e com o Panamá em 1986. Acordos já mais
abrangentes, porque incluíam aspectos como a cooperação empresarial e científica.
Após a assinatura do Acordo Quadro Comunidades-Brasil, todavia, as relações
estagnaram, em função da crise financeira que o Brasil enfrentava. Por outro lado, o
processo de transição para a democracia criou dúvidas quanto à política económica que
o Brasil seguiria, levando as Comunidades a adoptar uma postura mais cautelosa.
De referir que os Acordos de Segunda Geração e o processo que se seguiu em
matéria de relações Brasil-CEE ocorreram aquando das adesões de Portugal e Espanha
às Comunidades Europeias, o que veio favorecer o relacionamento comunitário com a
América Latina.
Na realidade, a adesão das nações ibéricas às Comunidades gerou expectativas
múltiplas quanto ao estreitamento das relações entre a América Latina e a Europa e à
intensificação do diálogo político entre ambas as regiões. Neste processo, Portugal teve
um papel bastante discreto. As prioridades da sua política externa fora da Europa eram a
África de expressão portuguesa e os Estados Unidos e a única prioridade na América
Latina era o Brasil, percepcionado como líder natural das nações latino-americanas,
11
A CECLA viria, em 1975, a ser substituída pelo SELA (Sistema Económico Latino-Americano), em
consequência do Acordo do Panamá.
12
PATRÍCIO, Raquel; op. Cit., pp. 67.
13
Cfr. MAIA, Luís; L`Accord D`Association Union Européenne – Chili et la Spécificité Chilienne Dans
le Contexte Latine-Américain, tese de Doutoramento, Institut des Hautes Études d`Amérique Latine,
Université de Paris 3, Sorbonne Nouvelle, 2008, pp. 105.
4
com poder suficiente para gerar o diálogo directo com as Comunidades, sem a
necessidade de intermediários14.
A Espanha, por seu lado, tomou de forma organizada e afirmativa a questão das
relações com a América Latina. A sua intenção era desenvolver um diálogo político
com os países que outrora haviam sido suas colónias e, evidentemente, desempenhar o
papel de ligação entre a América Latina e a Europa Comunitária.
A maioria dos Estados-membros das Comunidades opôs-se à ideia de a Espanha
adoptar um papel de protagonista neste domínio; ao mesmo tempo que, do lado latinoamericano, alguns países consideraram inválida tal atitude paternalista e retórica,
exprimindo a não necessidade da Espanha como tutor para a América Latina fazer valer
os seus interesses.
Fosse como fosse, a verdade é que a adesão de Portugal e da Espanha às
Comunidades em 1986 criou diversas expectativas económicas e também políticas e, de
facto, em 1986, as relações entre a CEE e a América Latina conheceram um novo
impulso.
Foi a partir deste facto que, em 1987, o Conselho de Ministros adoptou o
primeiro documento da história comunitária sobre a América Latina: Conclusões do
Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros Sobre as Relações
Entre as Comunidades e a América Latina15, no qual exprimia a intenção de pôr em
prática uma estratégia de conjunto para o reforço das relações e da cooperação entre os
dois continentes, quer a nível económico, quer a nível político16.
3.
O Impulso
No contexto de estreitamento das relações CEE-América Latina, o
relacionamento Brasil-CEE conheceu também um grande impulso, designadamente
após a entrada em vigor do Acto Único Europeu (1987)17. Foram, então, aprovados
diversos projectos de parceria Brasil-CEE num valor total de 12 041 850 ECU18,
enquanto a CEE voltava a ocupar o lugar de primeiro parceiro comercial do Brasil –
substituindo os EUA. Em 1987, o comércio com as Comunidades Europeias representou
24,9% do total do comércio externo brasileiro, tendo as relações comerciais entre ambos
crescido 9,7% face a 198619. As exportações brasileiras para as Comunidades
representaram um terço das exportações totais da América Latina para as Comunidades,
tendo o Brasil importado das Comunidades um quinto das importações totais da
América Latina face à mesma origem20. Estes dados são relevantes, embora relativos,
pois demonstram que, na realidade, em plena década de 1980, as Comunidades eram um
parceiro de extrema importância para o Brasil, embora este tivesse, para as
Comunidades, apenas uma importância económica marginal, “não sendo responsável
14
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; op. cit., pp. 67.
Cfr. CONSELHO DE MINISTROS, Conselho 7120/87 (Presse 110), de 22 de Junho de 1987.
16
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; op. Cit., pp. 68.
17
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; Uma Visão do Projecto Europeu – História, Processos e Dinâmicas, Ed.
Almedina, 1ª edição, Coimbra, 2009, pp. 277.
18
Cfr. Commission of the European Communities, COM (1988) 752 final, in
http://aei.pitt.edu/6661/01/003641_1.pdf Disponibilidade: 15 de Janeiro de 2009.
19
Cfr. http://europa.eu Disponibilidade: 19 de Fevereiro de 2009.
20
Cfr. Idem. Disponibilidade: 19 de Fevereiro de 2009.
15
5
por mais do que 0,30% do mercado para as exportações totais comunitárias e 1,0% do
seu mercado supridor”21.
Na realidade, neste momento, a evolução da situação de crise na América
Central, com as Comunidades a decidirem adoptar posições comuns nesta matéria, e
ainda os processos de democratização que muitos países da região, como o Brasil e a
Argentina, conheciam, não deixando as Comunidades indiferentes, conduziram a uma
maior politização das relações CEE-América Latina. Por outro lado, no final dos anos
1980, a crise da dívida externa, a morte não anunciada da Ordem dos Pactos Militares e
a crescente globalização económica criaram as condições ideais para que os países
latino-americanos alterassem o modelo de desenvolvimento autáquico e nacionalista até
então adoptado. A abertura comercial, a integração regional e o distanciamento de
antigas políticas terceiro-mundistas foram as constantes da passagem da década de 80
para a de 90 e a política externa passou a privilegiar os contactos com os países
industrializados22. Simultaneamente, a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul),
em 1991, deu mais um passo no relacionamento entre as duas regiões, pois significou a
criação do interlocutor colectivo que as Comunidades desde o início desejavam para o
diálogo com a América Latina. Um interlocutor colectivo que conferisse o carácter
institucional desejado, de modo a poder falar em pé de igualdade com o porta-voz
oficial das Comunidades nestas matérias: a Comissão Europeia23.
Todos estes factores integram-se no impulso dado às negociações entre as
Comunidades e a América Latina com resultados muito positivos, passando os acordos
a partir de então negociados entre ambas as partes a ser considerados Acordos de
Terceira Geração, assinados no seguimento do Tratado de Maastricht (1992), cuja
entrada em vigor, em 1993, alterou a formatação das Comunidades, ao estabelecer a
União Europeia24. Assim, foram assinados acordos com a Argentina (1990), com o
Chile (1991), com o Uruguai (1992), com o México (1992), com o Brasil (1992), com o
Paraguai (1993) e com o conjunto dos países da América Central (1993). Mantendo a
forma de acordos quadro de cooperação comercial e económica, estes condicionavam
essa cooperação à evolução do regime político dos Estados visados. De salientar que a
inclusão desta cláusula democrática – particularmente relevante para a consolidação da
democracia em países recém saídos de experiências autoritárias – foi inovadora e tornou
os acordos com a América Latina qualitativamente diferentes dos outros existentes, pois
21
Cfr. CAVALCANTI, Geraldo Holanda; O Brasil e a CEE, in FONSECA JÚNIOR, G. E LEÃO, V.C.
(orgs); Temas de Política Externa Brasileira, Fundação Alexandre de Gusmão, Editora Ática, 1ª edição,
1989, pp. 117.
22
Cfr. SAVINI, Marcos; As Negociações entre o Mercosul e a União Europeia, in RBPI – Revista
Brasileira de Política Internacional, nº 2, ano 44, pp.109-125, pp. 110.
23
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; As Relações entre a UniãoEuropeia e a América Latina – O Mercosul neste
Enquadramento, in MARTINS, Estevão Chaves e SARAIVA, Miriam (orgs); Brasil-União EuropeiaAmérica do Sul: Anos 2010-2020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, 1ª edição, Rio de Janeiro,
2009, pp. 68, 69.
24
Pelo Tratado de Maastricht, as Comunidades Europeias foram absorvidas num primeiro pilar,
comunitário (supranacional), que passou a designar-se Comunidade Europeia. Foram também criados
dois outros pilares, de carácter intergovernamental, a saber, a Política Externa e de Segurança Comum
(PESC, 2º pilar) e a Cooperação no Domínio da Justiça e dos Assuntos Internos (3º pilar). Esta estrutura
em pilares compunha a União Europeia, então criada. Deve dizer-se que a União Europeia formatada em
pilares – significando isto uma divisão clara entre o domínio económico, claramente supranacional, e o
domínio político, de feição intergovernamental – durou até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1
de Dezembro de 2009. Para ler mais sobre esta questão vide: PATRÍCIO, Raquel; Uma Visão do Projecto
Europeu – História, Processos e Dinâmicas, Ed. Almedina, 1ª edição, Coimbra, 2009.
6
esta cláusula evolutiva dava à EU a possibilidade de adoptar os acordos segundo o
amadurecimento político-económico de cada sócio, sem necessidade de renegociá-los25.
Facto que reflecte claramente o desejo da diplomacia comunitária em apoiar a
reprodução do seu modelo político-institucional no Cone Sul das Américas.
Na verdade, se com a criação do Mercosul as relações EU-América Latina e,
particularmente EU-Brasil, se estreitaram, tal ficou a dever-se, não só à criação do
primeiro interlocutor institucional único, como também, e fundamentalmente, a dois
outros factores. De uma parte, a política externa brasileira estava interessada em
conciliar os seus interesses no Mercosul – para afirmar a sua liderança dentro do bloco –
com o seu relacionamento com uma EU em expansão de poder, em função do seu
alargamento. De outra parte, a EU pretendia exportar, para os países do Mercosul, o seu
modelo político-económico-institucional de integração para formatar o Mercosul.
Segundo bem notam Söderbaun e Van Langenhove, “a crucial ingredient in
understangind the EU`s role in the promotion of regionalism is its self-image as the
«natural» point of reference for regional initiatives. The Eu tries to promote its own
regional experience as the norm for regional-building throughout the globe (…) it sees
as model for integration between countries in other regions of the world (…)”26.
Não obstante toda esta evolução no cenário das relações EU-Mercosul e EUBrasil, a verdade era que, ainda assim, o sistema preferencial das Comunidades
continuava a beneficiar os países ACP, os países da Associação Europeia de Livre
Comércio (EFTA) e os países do Mediterrâneo – cujos produtos concorrem
directamente com os dos países latino-americanos27.
Por outro lado, o anúncio da criação, entre os Estados Unidos, o Canadá e o
México, do NAFTA (North American Free Trade Area), no início dos anos 1990, levou
os países da América Latina, em especial o Brasil, a impulsionar o relacionamento com
a Europa Comunitária, como forma de reagir ao projecto norte-americano, que viria
alterar o quadro geopolítico e geoestratégico do continente, interferindo com os
equilíbrios existentes28. Até porque o NAFTA convertia-se, para muitos países latinoamericanos, em verdadeiro canto da sereia, procurando o Brasil contrapor, a esse efeito
de atracção, a oferta de uma integração regional ampliada para criar, a esses países,
alternativas às pressões externas que desejavam vê-los submetidos a planos liberais
ortodoxos de ajuste.
Em 1994, a EU, sob Presidência Espanhola, tornou clara a sua intenção de
estabelecer uma associação inter-regional com o Mercosul, através de um acordo que
focasse três eixos essenciais: o comercial (que previa a formação de uma área de livre
comércio entre os dois blocos), o da cooperação económica e o do diálogo político. Na
época, a Comissão Europeia deixou bem claro o seu entendimento do acordo como “o
estabelecimento progressivo de uma zona de livre comércio nas áreas industriais e de
serviços, assim como uma liberalização recíproca e progressiva do comércio agrícola,
25
Cfr. MEDEIROS, Marcelo e LEITÃO, Natália; op. Cit., pp. 19.
Cfr. SÖDERBAUN, Frederik e VAN LANGENHOVE, Luk; Introduction: The EU as a Global Actor
and the Role of Interregionalism, in Journal of European Integration, vol. 27, nº 3, 249-262, 2005, pp.
371.
27
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; As Relações entre a União Europeia e a América Latina – O Mercosul neste
Enquadramento, in MARTINS, Estevão Chaves e SARAIVA, Miriam (orgs); Brasil-União EuropeiaAmérica do Sul: Anos 2010-2020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, 1ª edição, Rio de Janeiro,
2009, pp. 69.
28
Cfr. Idem, ibidem.
26
7
levando em conta a sensibilidade de certos produtos”29, pretendendo com isto significar
o tratamento diferenciado que seria dado aos produtos agrícolas30.
Neste contexto, o Conselho Europeu de Corfu, de Junho de 1994, discutiu a
criação de uma zona de comércio livre entre os dois, criando toda uma atmosfera
favorável à celebração dos Acordos de Quarta Geração, o que culminou a 15 de
Dezembro de 1995, com a assinatura do mais importante passo em direcção à integração
entre o Mercosul e a União Europeia: o Acordo Quadro de Cooperação Inter-Regional
EU-Mercosul (em vigor desde 1999), depois de, desde o início das relações Brasil-CEE
já terem sido assinados 47 acordos entre os diferentes Estados-membros da Europa
Comunitária, a Comissão Europeia e o Brasil.
4.
O Acordo Quadro Inter-Regional Entre a Comunidade Europeia e
os Seus Estados-Membros e o Mercosul e os Seus Estados-Parte
Este Acordo foi assinado em função do reconhecimento, por ambas as partes,
não apenas dos laços histórico, culturais, políticos e económicos que os unem, como
também de grande diversidade de pontos de contacto.
Em função disso, as partes comprometeram-se a estabelecer um diálogo
económico e comercial abrangente, especialmente nas áreas do acesso ao mercado,
liberalização comercial, regras comerciais (como práticas restritivas de concorrência,
regras de origem, salvaguardas, regimes aduaneiros especiais), relações comerciais com
países terceiros, compatibilidade da liberalização comercial com as normas do
GATT/OMC, identificação de produtos sensíveis e prioritários para as partes e
cooperação e intercâmbio de informações relativas a serviços e respectivas
competências31. O Acordo prevê, ainda, a cooperação em matéria de normas agroalimentares e industriais32, cooperação aduaneira33, cooperação em matéria de
propriedade intelectual34, salientando a cooperação empresarial35, a promoção dos
investimentos36, a promoção de empreendimentos conjuntos37 – particularmente entre as
pequenas e médias empresas – a cooperação em matéria de energia38, em matéria de
transportes, a cooperação científica e tecnológica e a cooperação em matéria de
protecção ambiental.
5.
29
As Relações EU-Brasil Após o Acordo Quadro EU-Mercosul
Cfr. Comissão Europeia, 1994.
Cfr. KUME, Honório et alli; Avaliação do Impacto de Sustentabilidade Comercial (SIA) do Acordo de
Associação em Negociação entre a Comunidade Europeia e o Mercosul, Relatório Intercalar, Brasil,
Setembro de 2008, pp. 3.
31
Cfr. Idem, artigo 5º, nº 3.
32
Cfr. Idem, artigo 6º.
33
Cfr. Idem, artigo 7º.
34
Cfr. Idem, artigo 8º.
35
Cfr. Idem, artigo 11º.
36
Cfr. Idem, artigo 12º.
37
Cfr. Idem, artigo 12º, nº 1, alíena c).
38
Cfr. Idem, artigo 13º.
30
8
Na sequência do Acordo Quadro de Cooperação Unter-Regional EU-Mercosul,
as negociações para o estabelecimento de uma associação foram, no ano 2000, abertas,
centrando-se, quer no diálogo político e sobre segurança, quer na estruturação de uma
forte cooperação económica e institucional, quer na formação de uma zona de comércio
livre para mercadorias e serviços tendo em conta as regras da OMC.
Por outro lado, a própria União Europeia adoptou uma postura mais activa. Em
Julho de 2001, na quinta reunião do Comité de Negociações, realizada em Montevidéu,
a UE apresentou um conjunto de propostas que contemplava o comércio de bens,
através da redução de barreiras tarifárias então aplicadas às exportações dos países do
Mercosul, e contemplava ainda o sector dos serviços e das compras governamentais. O
Mercosul, por seu lado, paralisado por uma crise lançada pelas declarações do então
ministro argentino Domingo Cavallo, contrárias à Tarifa Externa Comum (TEC) e à
política de câmbio flutuante do Brasil, mostrava-se incapaz de apresentar a sua própria
proposta. Assim, embora não satisfizessem plenamente as expectativas dos empresários
do Mercosul, sobretudo em virtude dos subsídios dados pela UE aos seus agricultores, a
proposta europeia foi encarada com optimismo, como um importante gesto político
mostrando o desejo europeu de concluir um acordo com o Mercosul39.
Evidentemente, a proposta europeia denotava a preocupação da Comissão
Europeia em manter as negociações com o Mercosul mais aceleradas do que as que
supostamente dariam, a partir de 1 de Janeiro de 2006, origem à Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA). Obviamente, a Comissão receava perder, para a
ALCA e os EUA, a predominância que mantinha junto dos mercados do Mercosul40.
Em 25 de Setembro de 2002, a Comissão Europeia adoptou um programa
regional de ajuda ao Mercosul orçado em 24 milhões de Euros41 destinado
especialmente à consolidação do mercado interno mercosulino e ao apoio à sociedade
civil.
Depois disto, os encontros ministeriais em Atenas (Março de 2003) e Lisboa
(Outubro de 2004) deram continuidade aos esforços de criação da associação entre os
dois blocos. Todavia, as propostas feitas, tanto pelo Mercosul, quanto pela EU,
mostraram-se incompatíveis, lançando o projecto bi-regional num verdadeiro impasse,
que ainda hoje persiste.
6.
O Impasse
A paralisia das negociações comerciais EU-Mercosul e EU-Brasil – que tem
levado este a privilegiar os contactos bilaterais com os Estados da União Europeia –
deve-se, fundamentalmente, ao proteccionismo agrícola que a EU, através da Política
Agrícola Comum (PAC), praticada internamente, ao que o Brasil e o Mercosul
respondem com o fechamento dos seus mercados industriais e de serviços.
Simultaneamente, a morte anunciada da ALCA fez arrefecer o ânimo ou a pressa
europeia em fechar um acordo bi-regional com o Mercosul, muito embora a Presidência
Portuguesa do Conselho da UE, no segundo semestre de 2007, tentasse reforçar a
aproximação, ao agendar, para apenas três dias após a tomada de posse da Presidência, a
39
Cfr. SAVINI, Marcos; As Negociações entre o Mercosul e a União Europeia, in RBPI – Revista
Brasileira de Política Internacional, nº 2, ano 44, pp.109-125, pp. 110.
40
Cfr. Idem, ibidem.
41
Cfr. MEDEIROS, Marcelo e LEITÃO, Natália; op. Cit., pp. 32.
9
Cimeira União Europeia-Brasil, sinalizando o desejo português de ver as relações UEMercosul rapidamente restabelecidas.
Na realidade, o impasse nas negociações tem originado, desde 2004, custos que
rondam os € 3,7 e os € 5 milhões por ano entre as duas regiões, que juntas reúnem 700
milhões de habitantes e há já aproximadamente oito anos que a ausência de um acordo
de livre comércio entre a UE e o Mercosul tem vindo a prejudicar seriamente os
empresários de ambas as regiões, até porque os tímidos avanços nas negociações
empresariais, à margem do processo formal entre os líderes dos dois blocos, não têm
sido acompanhadas no plano político42.
7.
Os Interesses Mútuos
A realidade, contudo, é que existem interesses mútuos nessa relação bi-regional.
A dimensão continental do gigante sul-americano, a homogeneidade cultural e a sua
vocação pacificista sempre atraíram a Europa, espelhados numa potencialidade de
mercado que não deixou, e não deixa, indiferentes, os países europeus, reforçada pela
actual credibilidade internacional da economia brasileira e sua estabilidade política. O
Brasil é hoje uma potência agrícola e considerado o líder nas negociações comerciais
internacionais, na sua qualidade de representante dos países avançados em
desenvolvimento por meio do G 20, afirmando-se como um interlocutor privilegiado da
EU no quadro das negociações comerciais da Ronda de Doha da OMC. Isto potencia,
igualmente, o interesse da EU em aproximar-se da América Latina e, mais
especificamente, do Mercosul. Até porque, ao integrar e liderar o Mercosul, o Brasil
tem tido um lugar de destaque nas negociações em curso, entre os dois blocos, para a
conclusão de um acordo de livre-comércio.
Por outro lado, o “acordo de livre comércio com o Mercosul abre espaço para a
criação de uma aliança estratégica e possibilita uma maior barganha da EU na região
frente aos Estados Unidos”43. Por outro lado, como refere Deisy Ventura, “com mais de
200 milhões de habitantes, o Mercosul representa a metade da população da América
Latina e mais da metade do PIB do sub-continente. Esse bloco atrai 70% de todos os
investimentos europeus directos na região”44. Ademais, o Comité Económico e Social
da EU tem observado, já por diversas vezes que, face ao eventual fortalecimento dos
EUA na região, ou mesmo face à expansão do Mercosul para o conjunto dos países sulamericanos, um acordo com o Mercosul surge premente, por forma a consolidar a
presença da EU na América Latina e, assim, garantir o acesso a um dos maiores e mais
promissores mercados do mundo, para além de o Brasil ser encarado, pelos Europeus,
como uma peça central na estabilidade política e económica da América Latina. Na
realidade, a União Europeia é o principal parceiro comercial do Brasil, que é o mais
importante parceiro latino-americano da Comunidade. Em Março de 2009, as
exportações brasileiras para a União Europeia foram de 3,12 milhões de Dólares (num
42
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; As Relações entre a União Europeia e a América Latina – O Mercosul neste
Enquadramento, in MARTINS, Estevão Chaves e SARAIVA, Miriam (orgs); Brasil-União EuropeiaAmérica do Sul: Anos 2010-2020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, 1ª edição, Rio de Janeiro,
2009, pp. 72.
43
Cfr. MEDEIROS, Marcelo e LEITÃO, Natália; opc. Cit., pp. 29.
44
Cfr. VENTURA, Deisy; As Assimetrias entre o Mercosul a EU: Os Desafios de Uma Associação
Inter-Regional, Barueri, 1ª edição, São Paulo, 2003, pp. 428.
10
crescimento de 19,59%45), enquanto as importações ascenderam a 2,15 milhões de
Dólares (significando um crescimento de 33,5%46). Este relacionamento poderá ser
fortemente potenciado pelo acordo de livre comércio bi-regional que, desde Abril de
2000, está a ser negociado entre a UE e o Mercosul. Portugal é uma parte muito
interessada na conclusão deste acordo, já que, segundo dados do Ministério Brasileiro
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as exportações brasileiras para
Portugal, durante 2006, foram de 1,46 mil milhões de Dólares, enquanto as importações
ascenderam a mais de 312 milhões de Dólares, tendência que, mantendo-se nos três
primeiros meses de 2009, representa um saldo negativo, para Portugal, de cerca de 1,14
mil milhões de Dólares47.
Em 1987, o comércio com as Comunidades Europeias já representava 24,9% do
total do comércio externo brasileiro, tendo as relações comerciais entre ambos crescido
9,7% face a 198648. As exportações brasileiras para as Comunidades representaram um
terço das exportações totais da América Latina para as Comunidades, tendo o Brasil
importado das Comunidades um quinto das importações totais da América Latina face à
mesma origem49. Estes dados são relevantes, embora relativos, pois demonstram que, na
realidade, em plena década de 1980, as Comunidades eram um parceiro de extrema
importância para o Brasil, embora este tivesse, para as Comunidades, apenas uma
importância económica marginal.
Em 2003, as exportações do Mercosul para a EU foram de 18,6 biliões de
Dólares, ao passo que as da EU para o Mercosul foram de 14,1 biliões de Dólares50.
Hoje, a EU absorve 35% das exportações agrícolas do Mercosul, o que representa
metade das suas exportações totais para a EU51.
Simultaneamente, a EU investe mais no Brasil do que nos restantes três BRIC,
sendo o maior investidor estrangeiro no Brasil, com destaque especial para Portugal e a
própria Espanha.
Face a estes dados, a EU teve explicitamente interesse em convidar o gigante
sul-americano para parceiro estratégico em Julho de 2007. Afinal, para além de tudo o
que foi já referido, o Brasil detém 78% do PIB do Mercosul, 62% da população do
Mercosul e mais da metade da área geográfica total do Mercosul 52; a EU absorve 22,5%
do seu comércio externo53 (ainda que apenas lhe destine 2,3%54) e a EU investe no
45
Cfr. SILVARES, Mónica; Portugal Poderá Fechar Acordo EU-Mercosul, in Diário Económico,
Secção Política, Quarta-Feira, 9 de Maio de 2007, pp.43.
46
Cfr. Idem, ibidem.
47
Desequilíbrio em muito explicado pelo peso dos combustíveis na Balança Comercial portuguesa, já que
os principais produtos importados por Portugal do Brasil foram, nesse período, petróleo, soja, milho, ligas
de alumínio e açúcar de cana, enquanto o Brasil comprou, de Portugal, especialmente azeite, bacalhau e
vinho. Cfr. Idem, ibidem.
48
Cfr. http://europa.eu Disponibilidade: 19 de Fevereiro de 2009.
49
Cfr. Idem. Disponibilidade: 19 de Fevereiro de 2009.
50
Cfr. MEDEREIROS, Marcelo e LEITÃO, Natália; opc. Cit., pp. 34.
51
Cfr. Idem, ibidem.
52
Cfr.
FIESP,
Federação
das
Indústrias
do
Estado
de
São
Paulo,
in
http://www.fiesp.com.br/derex/negociacoes_internacionais/mercosul.aspx. Disponibilidade: 12 de Janeiro
de 2010. Em termos absolutos, a mesma fonte indica, na mesma data, que o PIB do Mercosul é de USD
1.175,5 milhões; a população do Mercosul é de 213 milhões de habitantes e a área geográfica do
Mercosul é de 11 863 000 km2.
53
Cfr. European Comission Trade, segundo dados de 2009. Em 2008, o comércio externo do Brasil para a
EU havia sido de 21,5% do comércio externo total brasileiro. In http://ec.europa.eu/trade/creatingopportunities/bilateral-relations/countries/brazil/index_en.htm. Disponibilidade: 12 de Janeiro de 2010.
54
Cfr. Idem. Disponibilidade: 12 de Janeiro de 2010.
11
Brasil cerca de € 5,1 biliões55. Por outro lado, em Dezembro de 2009, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou o resultado do PIB brasileiro no terceiro
trimestre de 2009, registando uma subida de 2% ante ao trimestre anterior, o que
significa um crescimento do PIB brasileiro, de 2008 para 2009, de 8,2%56, tendo o
Banco Central do Brasil, no mesmo mês, anunciado a estimativa de crescimento do PIB
brasileiro para 2010 de 5,8%57. Ademais, há expectativas que repousam sobre esses
dados macroeconómicos: os negócios tenderão a aumentar, estreitando as relações da
EU com a América do Sul em geral se um quadro regulatório para investimentos for
criado e se as tarifas aduaneiras forem reduzidas. O Brasil tornou-se, deste modo, a
partir de 4 de Julho de 2007, o oitavo parceiro estratégico da EU (depois dos EUA, do
Japão, do Canadá, da Índia, da Rússia, da China e da África do Sul), tendo o plano de
cooperação para 2007/2013 sido imediatamente estabelecido.
Ainda assim, é bom apontar que as relações comerciais entre os dois blocos
assentam num profundo desequilíbrio sectorial. Enquanto o Mercosul exporta
essencialmente produtos agrícolas, a EU exporta bens manufacturados, sendo certo que
o sector agrícola apenas está parcialmente submetido ao Sistema Geral de Preferências
aplicado pela EU.
É evidente que o fortalecimento do Mercosul reforçaria a possibilidade de que o
impasse ao Acordo União Europeia-Mercosul fosse ultrapassado58, até porque o Brasil
utiliza o Mercosul como “ferramente no desenvolvimento e aperfeiçoamento da relação
América do Sul-Europa”59.
Para Marcelo Medeiros e Natália Leitão, o Mercosul constitui, deste modo, um
importante factor na alteração das tradicionais relações Europa/América Latina. Se, no
início, os acordos entre ambos eram verticais, assumindo a Europa o papel de doador e
o Brasil o de receptor; “esta verticalização global vai, contudo, se restringindo
gradualmente, criando espaços para parcerias horizontais (...) o que, de facto, imprime
um carácter híbrido às gerações mais recentes destes acordos, tornando-os, assim, de
natureza vertical”60. De modo mais específico, “as relações tipicamente horizontais
[dão-se] no sector económico-mercantil; as tipicamente verticais na área de engenharia
institucional. Como um todo, as relações se diagonalizam, reflectindo, por um lado,
uma lógica paternalista e restrita – posto que essencialmente ancorada na
transferência de recursos destinada à reprodução do modelo europeu – e, por outro
lado, uma dinâmica fratricida e ampla – esta estaiada (...) no comércio de bens,
serviços e tecnologia”61. Sendo certo que esta evolução é benéfica para o Brasil, que se
vê obrigado a restringir a sua dependência em relação a paternalismos dispensáveis.
Neste sentido, as relações da EU com a América Latina, especialmente com o
Mercosul e, dentro deste, com o Brasil, inserem-se num inter-regionalismo puro, “when
the EU has relations only with one distinct and formally organized region”62, que tem
55
Cfr. Diponibilidade: 12 de Janeiro de 2010.
Cfr. IBGE, in http://www.ibge.br. Disponibilidade : 12 de Janeiro de 2010.
57
Cfr. Banco Central do Brasil, in http://www.bcb.gov.br. Disponibilidade: 12 de Janeiro de 2010.
58
Cfr. PATRÍCIO, Raquel; As Relações entre a União Europeia e a América Latina – O Mercosul neste
Enquadramento, in MARTINS, Estevão Chaves e SARAIVA, Miriam (orgs); Brasil-União EuropeiaAmérica do Sul: Anos 2010-2020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, 1ª edição, Rio de Janeiro,
2009, pp. 72.
59
Cfr. MEDEIROS, Marcelo e LEITÃO, Natália; op. Cit., pp. 35.
60
Cfr. Idem, pp. 35, 36.
61
Cfr. Idem, pp. 37.
62
Cfr. SÖDERBAUM e VAN LANGENHOVE; op. Cit., pp. 258.
56
12
como pano de fundo os princípios de liberalização, desregulação e privatização da
OMC. Este inter-regionalismo surge, porém, como uma estratégia alternativa e
favorável à parte mais forte, uma vez que, segundo Santander, “also perpetuates trade
arrangements with a strong North-South bias”63. Diferentemente, Petiteville aponta que
as relações EU-América Latina assentam numa política de corregionalismo, já que estas
“s`est imposé comme un axe structurant des relations extérieures de l`EU dans les
années 1990 (...) en établissant des relations institutionnalissées avec des zones
regionales constituées (…) cette politique répose sur la croyance des européenns dans
les (…) effets (…) du régionalisme : pacification des relations entre États, ouverture
commerciale, économies d`échelle, masse critique dans l`économie mondialisée,
capacité de négociation collective dans les organisations internationales » 64.
Neste sentido, as relações Brasil-UE oscilaram sempre entre o bilateralismo e o
bi-regionalismo, sendo que hoje a preferência vai claramente no sentido no primeiro.
8.
O Brasil e a EU entre o Bir-Regionalismo e o Bilateralismo
De facto, o início do século XXI afirmou-se muito diferente da década de 1990 e
o regional approach da EU acabaria por entrar em decadência. O contexto internacional
foi marcado pelo 11 de Setembro de 2001 e, como consequência, pelo regresso, à
agenda internacional, das preocupações com a segurança. Robert Kagan refere mesmo
que “power politics is back”65, depois de mais de uma década de predominância dos
ideais da democracia, do liberalismo e da economia de mercado. Ademais, a crise
económica despoletada no Verão de 2007, afectando particularmente os países ricos,
contribuiu para a alteração das dinâmicas internacionais. Isto levou a EU, com as suas
próprias transformações internas, a priorizar as relações bilaterais, em virtude da crise
do multilateralismo provocada por esses factores e pelas próprias frustrações das
negociações multilaterais. Sem esquecer que as próprias alterações, constantes, no
processo latino-americano de integração, com constelações que mudam rapidamente, o
tornam frágil, dificultando um diálogo inter-regional com a EU.
Neste sentido, a EU iniciou um processo de aproximação a países,
individualmente, estabelecendo novas parcerias, que viriam juntar-se às já existentes
com os EUA, o Japão e o Canadá. Estruturou parcerias com diversos países emergentes,
terminando com o Brasil, sendo certo que negociações para esse fim com a África do
Sul e com a China iniciaram-se em 2005 e 2007, respectivamente.
É possível, pois, afirmar-se que a EU “has departed from a regional towards a
bilateral approach in its foreign policy in the world”66.
Neste contexto, a UE alterou o modo de aproximar-se do Cone Sul das
Américas, substituindo a prioridade conferida às negociações com o Mercosul pela
prioridade dada ao relacionamento com o Brasil, individualmente.
63
Cfr. SANTANDER, Sebastian; The European Partnership With Mercosur: A Relation Based On
Strategic and Neo-Liberal Principles, Journal of European Integration, vol. 27, nº 3, 285-306, 2005, pp.
303.
64
Cfr. PETITEVILLE, Franck; La Politique Internationale de l`Union Européenne, Presses de ScPo,
Paris, 2006, pp. 119.
65
Cfr. KAGAN, Robert; The Return of History and the End of Dreams, Knopf Publishing Group, 1ª
edição, 2008.
66
Cfr. HOFFMAN, Andrea Ribeiro; op. Cit., pp. 57.
13
Por outro lado, têm sido os próprios Estados-membros da EU com ligações
históricas à América Latina que têm promovido a alteração de perspectiva da EU. De
facto, no caso do México e do Chile, foi a Espanha quem promoveu os acordos de
associação – com o projecto, que não pode ser concretizado sem o Brasil, de edificar
uma Comunidade Ibero-Americana de Nações – e, no caso do Brasil, foi Portugal.
Também a Alemanha tem contribuído para esta situação, especialmente pela sua forte
presença industrial em São Paulo e pelo apoio que concede ao Brasil para obter um
assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (nomeadamente
através do G 467), objectivo também partilhado pela França.
Igualmente importantes são as dinâmicas encontradas do outro lado do
Atlântico. Será difícil a Argentina, o Paraguai e o Uruguai aceitarem negociar biregionalmente com a EU se esta possui, no Mercosul, um parceiro privilegiado, até
porque as reacções, especialmente da Argentina e, também, da Venezuela, à parceria
estratégica EU-Brasil não foram de todo positivas. Por outro lado, não existe consenso,
na política interna brasileira, quanto a qual dos relacionamentos deve ser privilegiado –
se o EU-Brasil se o EU-Mercosul – pelo que a parceria estratégica estabelecida com a
União Europeia tem, para o Brasil, um carácter de aquisição de prestígio na cena
internacional, posto que o relacionamento comercial apenas tem vindo a encontrar
obstáculos.
9.
A Parceria Estratégica: O Conceito
Facto é que o Brasil e a EU têm vindo a desenvolver uma estrutura bi-regional
muito sofisticada, nomeadamente através das relações mútuas assentes no Mercosul, nas
relações interparlamentares (EUROLAT), nas reuniões ministeriais do Grupo de San
José e do Grupo do Rio e, mais recentemente, nas Cimeiras EU-Brasil.
Assim, 30 de Maio de 2007, a Comissão Europeia propôs o estabelecimento de
uma parceria estratégica com o Brasil, visando intensificar e alargar a cooperação entre
os dois parceiros, por forma a melhor enfrentar os desafios comuns, tanto regionais,
como globais.
E foi num sentido de reciprocidade – e isto é extraordinariamente relevante, em
função das actuais negociações serem horizontais, mais até que diagonais – que a EU
decidiu desenvolver uma parceria estratégica com este interlocutor ambicioso, sério,
pragmático e tenaz negociador.
Sendo a EU muito restrita em relação às parcerias estratégicas que estabelece, é
importante realçar que “o desenvolvimento de um diálogo específico da União Europeia
com o Brasil constava do Programa do trio de Presidências – Alemanha, Portugal e
Eslovénia”68, que salientava igualmente a importância que seria dada a um diálogo
concreto entre o Brasil e o México69.
Tendo em conta a proposta endereçada ao Brasil pela Comissão Europeia, em
Maio de 2007, através de uma comunicação feita ao Parlamento Europeu e ao Conselho
67
Cfr. GRATIUS, Susanne; La Unión Europea y Brasil : Entre el Birregionalismo y el Bilateralismo, in
MARTINS, Estevão Chaves e SARAIVA, Miriam; Brasil-União Europeia-América do Sul: Anos 20102020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, Rio de Janeiro, 2009, pp. 50.
68
Cfr. Programa Para 18 Meses das Presidências Alemã, Portuguesa e Eslovena, pp. 6, in
http://www.eu2007.pt/NR/rdonlyres/89F23D0-40D8_46EB-895D-4B94B879899B/0/programadotrio.pdf
Disponibilidade: 1 de Julho de 2009.
69
Cfr. Idem, ibidem.
14
Europeu70, o Brasil e a EU viriam, efectivamente, a 4 de Julho de 2007, na I Cimeira
EU-Brasil, a acordar o estabelecimento da referida parceria, , podendo o conceito,
segundo António Carlos Lessa, ser definido de modo específico. Para Lessa, “uma
parceria estratégica deixa de ser a expressão de uma agenda bilateralmente construída
em torno de convergências políticas e de projectos económicos e passa a ser também
um rótulo, com que se brinda nas visitas de Estado e sob o qual se firmam convenções
internacionais”71. Tudo isto, sendo certo que as parcerias estratégicas, para o Brasil,
incluem “realidades complexas e agendas bilaterais com largo potencial, ainda que
nessas dinâmicas acabem por imperar visões essencialmente normativas da realidade
do relacionamento em questão. Trata-se, portanto, de estabelecer uma nova moldura
para o enquadramento futuro do relacionamento bilateral, eventualmente pautado por
mecanismos de concertação política (...) e pela definiçaõ de agendas pontuais (...)”72.
Evidentemente, é necessário analisar como os outros parceiros definem a
valorização do relacionamento com o Brasil a ponto de com ele estabelecerem parcerias
estratégicas, sendo a recém consagrada parceria estratégica com a EU o caso mais
paradigmático.
Neste sentido, para o Embaixador português Francisco Seixas da Costa, a
desempenhar funções na Embaixada de Portugal em Brasília aquando da negociação da
parceria estratégica EU-Brasil, o conceito “simboliza, no quadro das relações externas
da EU, um acordo conseguido em torno de um modelo de relacionamento privilegiado
entre a União e um determinado Estado, o qual comporta a identificação e o
reconhecimento da importância desse Estado à escala global, que conduz à definição,
com esse Estado, de um conjunto de áreas que passam a ser objecto de uma análise
comum, regular e institucionalizada, através da fixação de modelos de cooperação sob
uma rede de estruturas próprias (asentes em grupos de trabalho específicos) com
cimeiras anuais”73.
A parceria estratégica EU-Brasil traduz-se, segundo Miriam Saraiva, “numa
aliança baseada em interesses comuns na arena internacional (..)mas, na prática, deuse de forma paralela ao mecanismo já consolidado de diálogo político entre a União
Europeia e o Mercosul”74, podendo, segundo Susanne Gratius, ser definidas como uma
“aliança não-hegemónica entre potências civis”75.
Para Lessa, foi a projecção recente do Brasil nos assuntos internacionais que
motivou a EU a adoptar, com o Brasil, o modelo de relacionamento já adoptado com
outros interlocutores, estabelecendo, pois, a parceria estratégica. As relações bilaterais
concordantes com este modelo de relacionamento são caracterizadas “pela amplitude
dos contactos bilaterais e pela intensidade dos vínculos políticos e comerciais e
constituídos sobre complexas redes de fora institucionalizados e diálogos temáticos,
70
Cfr. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, Para Uma Parceria
Estratégica EU-Brasil, COM (2007) 281 final, Bruxelas, 30 de Maio de 2007.
71
Cfr. Idem, pp. 100.
72
Cfr. Idem, ibidem.
73
Cfr. SEIXAS DA COSTA, Francisco; entrevista concedida a Samuel de Paiva Pires em Julho de 2009.
74
Cfr. SARAIVA, Miriam; O Brasil entre a União Europeia e a América do Sul entre Continuidades e
Mudanças nos Governos de Cardoso e Lula: Limites Para uma Relação Triangular, in MARTINS,
Estevão Chaves de Rezende e SARAIVA, Miriam (orgs.); Brasil-União Europeia-América do Sul: Anos
2010-2020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, Rio de Janeiro, 2009, pp. 89.
75
Cfr. GRATIUS, Susanne; O Brasil como Parceiro Estratégico da EU: Consequências Bilaterais,
Regionais e Globais, in HOFFMEISTER, W. (org.); Anuário Brasil-Europa 2007, Kontad-Adenauer
Stiftung, Rio de Janeiro, 2008, pp. 113.
15
que incorporam desde grupos de trabalhos técnicos até reuniões de chefes de Estado e
de Governo”76.
10.
A Parceria Estratégica: O Conteúdo
O facto demonstra, também, que a EU substitui, hoje, a prioridade defendida nos
últimos vinte anos de um diálogo com o Brasil através do marco inter-regional, por uma
vertente de carácter bilateral. Não obstante, as partes atribuem “grande importância ao
reforço de relações entre a EU e o Mercosul e estão empenhadas na conclusão do
Acordo de Associação”77.
Neste sentido, a parceria estratégica assinada a 4 de Julho de 2007, para além do
alargamento e aprofundamento das relações económicas e comerciais 78, da união entre
os povos79 e da abordagem aos desafios mundiais e globais80, ambiciona reforçar o
diálogo nas políticas sectoriais81 e, sobretudo, reforçar o diálogo político entre ambas as
partes82.
Partilhando valores e princípios comuns essenciais, a EU e o Brasil acordaram
na importância de criar estratégias comuns para fazer face aos desafios globais,
designadamente em matéria de paz e segurança, democracia, direitos humanos,
alterações climáticas, diversidade biológica, segurança energética, desenvolvimento
sustentável, luta contra a pobreza e a exclusão social e cumprimento dos acordos
internacionais de não proliferação armamentista, defendendo que a melhor forma de
abordar todas estas questões passa pelo multilateralismo centrado no sistema das
Nações Unidas83.
Parte importante do Acordo de Parceria Estratégica é também o
comprometimento das partes no estreitamento do diálogo relativo às políticas sectoriais,
nomeadamente dos transportes marítimos, da ciência e tecnologia84, da sociedade de
informação, da energia, do emprego e questões sociais, do desenvolvimento regional,
cultural e educação, matérias sanitárias e fitossanitárias85.
Em matéria económico-comercial, as partes reafirmam o seu empenho na
conclusão da Ronda de Doha da OMC, bem como do Acordo de Associação EUMercosul, por acreditarem que “uma maior liberalização do comércio e a facilitação
dos fluxos de investimento promoverão o crescimento económico e a prosperidade dos
seus povos”86. Neste sentido, e visando fortalecer os seus laços económicos e solucionar
o impasse actual nesta matéria, a EU e o Brasil comprometem-se a dialogar
regularmente sobre questões macroeconómicas e financeiras, sugerindo que o Banco
76
Cfr. LESSA, António Carlos; op. Cit., pp. 103, citando Eugénia Barthelmess.
Cfr. EU-Brazil Summit Lisbon, 4 July 2007, Joint Statement, Bruxelas, 4 de Julho de 2007 11531/07
(Presse 162), Conselho da União Europeia, ponto 4.
78
Cfr. Idem, pontos 12, 13, 14 e 15.
79
Cfr. idem, ponto 16.
80
Cfr. idem, pontos 7, 8, 9, 10 e 11.
81
Cfr. idem, ponto 6.
82
Cfr. Idem, pontos 3, 4 e 5.
83
Cfr. Idem, ponto 4.
84
Nesta política sectorial, salienta-se a recente entrada em vigor do Acordo de Cooperação EU-Brasil
nesta matéria.
85
Cfr. EU-Brazil Summit Lisbon, 4 July 2007, Joint Statement, Bruxelas, 4 de Julho de 2007 11531/07
(Presse 162), Conselho da União Europeia, ponto 6.
86
Cfr. Idem, ponto 12.
77
16
Europeu de Investimento continue a apoiar os projectos brasileiros de desenvolvimento
económico sustentável e que este e o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e
Social do Brasil (BNDES) prossigam a cooperação já estabelecida87.
Finalmente, a EU e o Brasil salientam, no Acordo, a importância do
entendimento e consciencialização pública relativamente às respectivas sociedades,
defendendo o estímulo dos contactos da sociedade civil e dos intercâmbios entre os
povos – designadamente do ponto de vista do Ensino Superior – quer através da
cooperação entre o Comité Económico e Social Europeu e o Conselho de
Desenvolvimento Económico e Social do Brasil, quer no âmbito da Convenção da
UNESCO sobre a Protecção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais88.
Importante analisar, neste quadro, a estrutura actual das relações EU-Brasil nos
seus aspectos mais significativos: a cooperação económica, comercial e de
investimento, sendo certo que, não obstante ela abranger também o diálogo político, a
cooperação em matéria de paz e de segurança e tendo como fórum privilegiado a
Assembleai Euro-Latino-Americana, destes pontos de vista impera a retórica sobre a
praxis.
11.
A Estrutura Actual das Relações EU-Brasil
Não obstante os principais objectivos da cooperação da EU com o Brasil serem o
diálogo político e a troca de conhecimentos, a verdade é que estes aspectos assentam
sobre a cooperação económica, especialmente em função da ajuda económica que a EU
confere ao Brasil.
Assim, de 2000 a 2006, a EU, através do Programa EU AID 89, da Comissão
Europeia, financiou diversas actividades no Brasil. Concedeu 47% do orçamento desse
programa às reformas económicas, 21% às reformas da Administração Pública e dos
direitos do homem, 21% ao desenvolvimento social e 9% às questões ambientais90.
De igual modo, para o período 2007 a 2013, a Comissão Europeia destina € 61
milhões para apoiar as relações bilaterais com o Brasil (30%) e para a dimensão
ambientalista do desenvolvimento durável e sustentável (30%)91, financiando também
acções nos domínios dos direitos humanos, do ambiente e da cooperação
descentralizada, co-financiando actividades com diversas organizações não
governamentais. Projectos incluídos no âmbito da parceria estratégica e do plano de
acção conjunto daí resultante92.
Em 25 de Setembro de 2002, a Comissão Europeia adoptou um programa
regional de ajuda ao Mercosul orçado em 24 milhões de Euros93 destinado
especialmente à consolidação do mercado interno mercosulino e ao apoio à sociedade
civil.
A 10 de Dezembro de 2008, a Energias do Brasil começou a negociar uma linha
de crédito de € 90 milhões com o BEI para financiar parte do plano de investimentos de
87
Cfr. Idem, ponto 14.
Cfr. Idem, ponto 16.
89
Cfr. Strategy Paper, 2000-2011, Comissão Europeia.
90
Cfr. http://ec.europe.eu/external_relations/brazil Disponibilidade: 7 de Janeiro de 2009.
91
Cfr. Idem.
92
Cfr. Strategy Paper 2007-2013, in http://ec.europa.eu/external_relations/brazil/index_en.htm
Disponibilidade: 29 de Setembro de 2008.
93
Cfr. MEDEIROS, Marcelo e LEITÃO, Natália; op. Cit., pp. 32.
88
17
€ 1,2 mil milhões até 2012; sendo certo que esta linha de crédito veio juntar-se aos €
300 milhões contratados com o BNDES a uma taxa de juro de metade da praticada no
mercado94.
Mais recentemente, a 5 de Dezembro de 2009, a EU e o Mercosul assinaram o
maior acordo de cooperação económica até hoje existente entre os dois blocos, com um
total de € 18 milhões destinados ao desenvolvimento sustentável da região do Cone Sul,
sendo que a EU colaborará com € 12 milhões de fundos não reembolsáveis e os países
do Mercosul com € 6 milhões como contrapartida95.
Todavia, é na área comercial que as relações Brasil-EU mais se afirmam. Na
actualidade, a União Europeia é o principal parceiro comercial do Brasil, que é o mais
importante parceiro latino-americano da Comunidade. Representando 13% do total das
importações da EU, o Brasil é o maior exportador de produtos agrícolas para a EU,
sendo o décimo parceiro comercial da União. Em Março de 2009, as exportações
brasileiras para a União Europeia foram de 3,12 milhões de Dólares (num crescimento
de 19,59%96), enquanto as importações ascenderam a 2,15 milhões de Dólares
(significando um crescimento de 33,5%97). Evidentemente, este relacionamento poderá
ser fortemente potenciado pelo acordo de livre comércio bi-regional que, desde Abril de
2000, está a ser negociado entre a UE e o Mercosul. Portugal é uma parte muito
interessada na conclusão deste acordo, já que, segundo dados do Ministério brasileiro
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as exportações brasileiras para
Portugal, durante 2006, foram de 1,46 mil milhões de Dólares, enquanto as importações
ascenderam a mais de 312 milhões de Dólares, tendência que, mantendo-se nos três
primeiros meses de 2009, representa um saldo negativo, para Portugal, de cerca de USD
1,14 mil milhões98.
A realidade, porém, é que, em termos de composição, o comércio entre o Brasil
e a EU apresenta um perfil marcadamente típico do comércio Norte-Sul: o Brasil
exporta basicamente produtos primários e seus derivados, enquanto importa
predominantemente bens manufacturados (dos quais 28,5% correspondem a produtos
químicos, plástico e borracha e 53,5% a bens de capital)99.
Simultaneamente, a EU investe mais no Brasil – a EU investe no Brasil cerca de
€ 5,1 biliões100 – do que nos restantes três BRIC, sendo o maior investidor estrangeiro
no Brasil, com destaque especial para Portugal e a própria Espanha. Há, de facto, uma
importante presença, hoje, de grandes investimentos europeus no Brasil, sobretudo
oriundos de Portugal e da Espanha101 e, em muito menor escala, da Holanda, da Suécia,
94
Cfr. Público.PT, Última Hora, Energias do Brasil está a Negociar Linha de Crédito de 90 Milhões com
o BEI, Lisboa, 11 de Dezembro de 2008.
95
Cfr. Agencia Efe, 7 de Dezembro de 2009.
96
Cfr. SILVARES, Mónica; Portugal Poderá Fechar Acordo EU-Mercosul, in Diário Económico,
Secção Política, Quarta-Feira, 9 de Maio de 2007, pp.43.
97
Cfr. Idem, ibidem.
98
Desequilíbrio em muito explicado pelo peso dos combustíveis na Balança Comercial portuguesa, já que
os principais produtos importados por Portugal do Brasil foram, nesse período, petróleo, soja, milho, ligas
de alumínio e açúcar de cana, enquanto o Brasil comprou, de Portugal, especialmente azeite, bacalhau e
vinho. Cfr. Idem, ibidem.
99
Cfr. KUME, Honório; op. Cit., pp. 9.
100
Cfr. European Comission Trade, segundo dados de 2006. In http://ec.europa.eu/trade/creatingopportunities/bilateral-relations/countries/brazil/index_en.htm. Segundo a mesma fonte, consultada na
mesma data, o Brasil investe na EU € 1,1 bilião. Disponibilidade: 12 de Janeiro de 2010.
101
Os investimentos portugueses e espanhóis no Brasil representam a transição das relações bilaterais, de
um eixo sentimental, para um outro instrumental. Por razões económicas e culturais, Portugal e a Espanha
18
da Suíça, da Noruega e ainda de outros de pequena relevância. De salientar que os
investimentos ibéricos no Brasil atingem, não só o sistema empresarial, como também
diversas outras esferas sociais102, tendo tido enorme êxito do ponto de vista do
desenvolvimento económico do gigante sul-americano.
Constituindo um dos principais objectivos de todo processo de relacionamento
entre a EU e o Brasil, o diálogo político tem-se mostrado transversal a essas relações,
constantemente presente, especialmente durante as Administrações Lula. Várias
iniciativas foram adoptadas, designadamente a assinatura, em 2004, do Acordo de
Cooperação Científica e Tecnológica, o que constituiu o primeiro grande acordo
firmado entre o Brasil e a União Europeia, a visita oficial do Presidente da Comissão
Europeia ao Brasil em Maio de 2006, bem como as cimeiras anuais EU-Brasil. A
verdade, porém, é que estes contactos não têm conferido uma nova dinâmica ao
relacionamento entre as partes, ainda que, nas palavras da comissária europeia Benita
Ferrero-Waldner, “estou convicta de que este Plano de Acção permitirá executar a
nossa Parceria Estratégica em benefício das nossas populações”103. As intenções não
têm saído do papel.
O mesmo se tem passado em matéria de de cooperação para a paz e a segurança.
Conforme refere Clóvis Brigagão, “(...) aos negócios, com antigos e novos parceiros,
junta-se a questão política, de paz e segurança. No alvo, a candidatura brasileira a
membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e,
como tal, maior poder, prestígio de responsabilidade, desdobrando-se numa maior
inserção brasileira nos negócios internacionais”104.
Neste sentido, o Parlamento Europeu votou, em Abril de 2009, uma proposta de
Carta Para a Paz e Segurança na América Latina, visando a segurança pública, a
segurança do Estado, a segurança regional e a promoção da compreensão pelas
diferentes percepções de segurança comum, através da distinção entre as diversas
tradições em matéria de segurança. Esta Carta abrange também as ameaças comuns à
paz e à segurança, propondo novos instrumentos para a cooperação securitária entre o
Brasil e a EU.
Estes instrumentos passam pela criação de sistemas de segurança pública, como
prisões, na defesa dos direitos humanos, bem como a implementação, na América
Latina, de algo equivalente a um Espaço Schengen e ao sistema Europol, visando
combater o crime organizado. Igualmente, passam pela criação de sistemas de controlo
do narcotráfico, do branqueamento de capitais, do tráfego humano, do tráfego de armas
e do terrorismo internacional, visando o reforço dos compromissos de não proliferação
de armamento e das Operações de Manutenção da Paz.
Constituindo mais um fórum de diálogo entre o Brasil e a EU, a Assembleia
Euro-Latino-Americana (EUROLAT), constituída em Bruxelas, em Novembro de 2006,
voltaram-se para o Brasil, escolhendo-o como parceiro privilegiado na América Latina, tornando-se, por
isso, agentes dinâmicos do processo de internacionalização da economia brasileira. Por volta do ano 2000,
os investimentos directos portugueses e espanhóis no Brasil foram o principal destino desses
investimentos portugueses e espanhóis, embora, recentemente, esgotadas as privatizações e criadas
diversas grandes empresas no Brasil, especialmente no ramo das comunicações, esses fluxos de
investimentos sofreram uma redução.
102
Cfr. CERVO. Amado Luiz; op. Cit., pp. 242.
103
Cfr. Declaração da comissária europeia Benita Ferrero-Waldner, Press Release, 19 de 12 de 2008, in
http://consilium.europa.eu/UEdocs Disponibilidade: 19 de Dezembro de 2008.
104
Cfr. BRIGAGÃO, Clóvis; Política Externa do Governo Lula: Continuidades e Mudanças, Revista
Política Internacional, II Série, nº 29, Novembro de 2005, pp. 5.
19
surge também como parte do diálogo entre a União Europeia e o gigante sul-americano,
objectivando a criação de relações interinstitucionais entre a EU e a América Latina.
Composta por 120 deputados – 60 dos parlamentos latino-americanos e 60 dos 27
Estados-membros da EU – o EUROLAT assenta nos princípios da Assembleia
Euromed, que a EU desenvolveu com os países do Mediterrâneo.
A participação do Brasil neste fórum é importante, sendo feita através dos
deputados brasileiros da delegação do Parlatino, esperando-se que, de futuro, a
delegação brasileira do Mercosul venha a estar mais presente no EUROLAT. Na
segunda sessão plenária desta Assembleia, que decorreu em Lima, em Maio de 2008, os
representantes brasileiros do Mercosul participaram como observadores, tendo, na
sessão de Abril de 2009 (em Madrid) passado a membros de pleno direito – tanto os
membros do Congresso, como os representantes das delegações do Mercosul e do
Parlatino – o que representa uma maior e mais equilibrada participação brasileira no
EUROLAT, em função do seu peso regional.
A realidade é que, em termos práticos, os resultados têm sido mitigados, com a
parceria estratégica a ter um conteúdo ambicioso mas não concretizável, em função da
não assunção de iniciativas concretas e efectivas. Os resultados da parceria apenas se
têm feito sentir nas questões económicas. Por isso, a parceria estratégica tem um
conteúdo retórico.
12.
Perspectivas Para as Relações EU-Brasil
Não obstante todos os valorosos e éticos objectivos comuns estabelecidos na
parceria estratégica da luta contra o aquecimento global climático, do reforço da
extensão das competências do Tribunal Penal Internacional, da aplicação de regras
comuns para a defesa dos direitos humanos, da definição de regras relativas aos direitos
de propriedade intelectual, acesso a investigadores brasileiros e a projectos europeus de
indústria espacial e de indústrias militares, da cooperação entre as partes em matéria de
vistos, mercado de trabalho, criação de programas académicos, protecção jurídica e
social, promoção do turismo e integração dos emigrantes brasileiros na Europa, da luta
contra a fome e a pobreza no mundo e do desenvolvimento e implementação, em
conjunto, de missões de paz e de cooperação humanitária, como intervenções conjuntas
aquando de catástrofes naturais, que marcam a via que deveria ser seguida entre o Brasil
e a EU no âmbito do Plano de Acção Conjunta que estabelece as metas da parceria, têm
sido as questões pragmáticas a dominar este relacionamento.
Desde logo, a associação estratégica com a EU poderá ter um papel decisivo no
reforço do reconhecimento do Brasil como potência global. Na expressão de de Clóvis
Brigagão, “o Brasil está fazendo um bom investimento na política internacional,
tecendo negociações e alianças amplas e múltiplas, dentro de uma respeitada e
competente concertação dessa união indissociável, estratégica, entre a diplomacia
política e a de negócios”105. Para a EU, a parceria constitui uma via alternativa para
debelar a crise económica.
Facto é que, mesmo no domínio em que estas relações mais se efectivam, têm
surgido demasiados problemas. De facto, o mais difícil continuarão a ser as negociações
comerciais. No sector onde inicialmente todos se empenharam mais, em busca de
outputs imediatos, é aquele em que hoje o impasse é uma realidade. Assim, será
105
Cfr. Idem, ibidem.
20
necessário conceber estratégias e instrumentos para apoiar o desenvolvimento de uma
integração económica em que o Brasil e a EU ocupam posições competitivas, em
particular no que diz respeito às questões agrícolas.
Neste sentido, a parceria estratégica surge como um exercício que levará tempo.
O impasse das negociações comerciais tem feito os Brasileiros pensar na
utilidade desses laços, já que, se de uma parte já têm a parceria estratégica – que lhes dá
relevância internacional, com um peso mais simbólico que real – de outra parte vão-se
cada vez mais entendendo directa e bilateralmente com os diversos Estados-membros da
EU, sem a intermediação de Bruxelas.
Deste modo, será muito útil à EU – que tem um interesse declarado no Brasil e,
de certo ponto de vista, parece até precisar mais do Brasil do que este desta – fomentar e
aprofundar o diálogo intergovernamental com o país, para tanto servindo-se de todos os
fora hoje existentes para o efeito. Não apenas as recém-criadas Cimeiras EU-Brasil,
como também as Cimeiras Ibero-Americanas, as Cimeiras Europa-América Latina e
Caribe e todos os fora de nível inferior existentes. Paralelamente, será útil desenvolver o
diálogo através de fora e redes que associem as empresas, os meios académicos, os
peritos da sociedade civil que possam contribuir e beneficiar a parceria estratégica,
assim como a própria sociedade civil, no sentido de serem criados laços de confiança
entre ambas as regiões.
Todavia, e em função das reacções negativas dos sócios brasileiros do Mercosul
ao estabelecimento da parceria estratégica EU-Brasil, particularmente da Argentina,
deve ter-se em atenção as repercussões que tal parceria poderá ter sobre as relações
inter-regionais EU-Mercosul. Apesar do discurso da complementaridade dos
relacionamentos, impulsionado especialmente pela Comissão Europeia, a verdade é que
muitas questões se colocam hoje. Segundo Andrea Ribeiro Hoffman, “why would the
EU expect Argentina, Paraguay and Uruguay to engage in interregional negotiations in
union with a «special partner» of the «other side»? How can these countries trust that
Brazil is not making linkages between the birregional and the bilateral
negotiations?”106. Do próprio lado brasileiro, a situação não é consensual. Existe uma
polarização política em torno dos que apoiam a reaproximação ao Norte, do qual a EU
faz parte, e os que preferem a aproximação ao Sul, estabelecida através dos grupos
como o G 20, o G 3 IBAS e o relacionamento entre os BRIC. Assim, não obstante ter o
governo Lula aceite a parceria estratégica com a EU, será necessário estar atento às
movimentações dos grupos de interesse brasileiros que priorizam, não a EU, mas
fundamentalmente o fortalecimento do Mercosul107.
Para António Carlos Lessa, a questão coloca-se de um ponto de vista bastante
mais optimista. O conceito de parceria estratégica, para Lessa, surge “particularmente
útil para que se possa por em perspectiva a agenda bilateral em construção”108 entre o
Brasil e a EU. Não obstante o desagrado dos sócios brasileiros do Mercosul, a parceria
106
Cfr. HOFFMAN, Andrea Ribeiro; EU-Mercosur Relations After the EU-Brazilian Strategic
Partnership, in MARTINS, Estevão Chaves de Rezende e SARAIVA, Miriam, (orgs.); Brasil-União
Europeia-América do Sul: Anos 2010-2020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, Rio de Janeiro,
2009, pps. 58-59.
107
Cfr. HOFFMAN, Andrea Ribeiro; Relações com Blocos Econômicos Dividem a Sociedade Brasileira,
Tópicos 3, 2007.
108
Cfr. LESSA, António Carlos; No Canteiro das Ideais: Uma Reflexão Sobre o Conceito de Parceria
Estratégica na Ação Internacional do Brasilà Luz das Suas Relações com a União Europeia, in
MARTINS, Estevão Chaves e SARAIVA, Miriam; Brasil-União Europeia-América do Sul: Anos 20102020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, Rio de Janeiro, 2009, pp. 104.
21
estratégica EU-Brasil poderá reencaminhar o diálogo da EU com a América Latina,
desbloqueando, mormente, o impasse das negociações EU-Mercosul. Do ponto de vista
brasileiro, a parceria poderá permitir ao Brasil ampliar os debates sobre diversos temas
do seu interesse: a reforma das instituições internacionais, designadamente das Nações
Unidas, mas também do FMI; a cooperação científico-tecnológica; as energias
alternativas; a qualidade da cooperação para o desenvolvimento; o acesso aos mercados
agrícolas protegidos; a política regional sul-americana; e a liberalização comercial.
Enfim, poderá ter efeitos “sobre os constrangimentos, condições e grandes projectos do
desenvolvimento brasileiro”109. Do ponto de vista europeu, a associação estratégica com
o Brasil poderá igualmente ampliar o debate das matérias do interesse da EU, como o
fortalecimento do multilateralismo, os mecanismos de regulação ambiental, a reforma
das instituições financeiras internacionais e a organização do ordem internacional numa
formatação multilateral110.
Neste sentido, três cenários se apresentam como plausíveis para um futuro
próximo da relação do Brasil com a EU111.
O cenário mais pessimista aponta para um estancamento das relações EU-Brasil
e EU-Mercosul112, o que seguramente terá efeitos perversos sobre o reconhecimento do
Brasil como potência global e, do ponto de vista da EU, conduzirá à sua perda de
influência sobre o Brasil e a América do Sul.
Um segundo cenário aponta para o bilateralismo, com o Brasil a priorizar as
relações bilaterais com a EU, em detrimento do Mercosul113, o que poderá conduzir à
rivalidade na América do Sul, num retorno ao temor hegemónico brasileiro no seu
destino de grandeza. Para a EU, esta opção conduzirá certamente à perda de
credibilidade do bloco como promotor da integração, ainda que a leve a beneficiar do
acesso ao mercado brasileiro.
A terceira via aponta para a conjugação do bilateralismo EU-Brasil com o biregionalismo EU-Mercosul114, o que fortalecerá a proeminência global do Brasil, na
prática de uma hegemonia benigna e cooperativa115, promovendo, na EU, a recuperação
da sua credibilidade internacional e junto da América do Sul, como interlocutor
privilegiado do Brasil, beneficiando, simultaneamente, das vantagens que resultarão de
um Acordo de Associação com o Mercosul.
109
Cfr. Idem, pp. 105.
Cfr. Idem, ibidem.
111
Cfr. GRATIUS, Susanne; La Unión Europea y Brasil : Entre el Birregionalismo y el Bilateralismo, in
MARTINS, Estevão Chaves e SARAIVA, Miriam; Brasil-União Europeia-América do Sul: Anos 20102020, CNPq, UnB, Konrad-Adenauer-Stiftung, Rio de Janeiro, 2009, pp. 51.
112
Cfr. Idem, ibidem.
113
Cfr. Idem, ibidem.
114
Cfr. Idem, ibidem.
115
Cfr. Idem, ibidem.
110
22

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