Desafios da Justiça - Human Rights First
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Desafios da Justiça - Human Rights First
Desafios da Justiça Resumo Executivo A admissibilidade e o processamento das violações dos direitos humanos cometidas no período de violência avaliado pela cvr (1980-2000), encontram-se profundamente relacionadas com duas possíveis limitações da ação penal: (i) a exceção de natureza da ação e (ii) a exceção da prescrição. O primeiro ponto encontra-se relacionado ao princípio de irretroatividade da lei penal e à tipicidade do fato punível. O segundo se encontra relacionado com a aplicação das regras de prescrição. A aplicação do princípio de irretroatividade da lei penal, recorrendo unicamente à legislação nacional, não permitiria o processamento e a condenação de feitos que não estivessem tipificados como delitos no Código Penal durante sua comissão. Nesse sentido, uma possível solução, sempre desde a perspectiva da legislação nacional, seria a utilização de outros tipos delitivos concretos da Parte Especial do Código Penal (Ex. é possível recorrer ao abuso de autoridade ou à coação em vez do tipo penal de tortura). Entretanto, esta solução não apresenta a autêntica natureza e a magnitude da violação dos direitos humanos. Por outro lado, a conseqüência mais grave é a aplicação das regras de prescrição correspondentes a estes tipos delitivos, que usualmente têm prazos curtos para sua prescrição, resultando na impunidade das violações dos direitos humanos. Por isso, as regras de prescrição, tal como se encontram dispostas na legislação interna, não permitem excetuar sua aplicação perante os casos de violações dos direitos humanos, dessa forma, o simples passar do tempo poderia resultar na impunidade das mais graves violações dos direitos humanos cometidas durante o processo de violência vivido pelo Peru. Nesse sentido, Human Rights First postula que na análise da admissibilidade (ou de abertura da instrução) e/ou o processamento das violações dos direitos humanos, deve-se atender a interpretações que integrem o direito nacional ao direito internacional. Com isso não se pretende deixar de lado a legislação nacional, justamente o contrário, busca-se apresentar interpretações integradas que argumentem contra a impunidade destes atos. O direito internacional apresenta a definição de crimes capitulados no direito internacional, o princípio de irretroatividade da lei penal, o princípio nullum poena sine lege, o princípio de imprescritibilidade dos crimes de guerra e de lesa humanidade, assim como a sustentação da não aplicação das regras de prescrição da legislação interna para outros crimes tipificados no direito internacional. As constituições políticas do Peru de 1979 e de 1993 prevêem mecanismos de incorporação das normas internacionais pelas quais ingressam no ordenamento jurídico peruano não só os tratados ratificados pelo Estado peruano, mas também outras normas internacionais relativas aos direitos humanos. Dentre os crimes reconhecidos no direito internacional podemos mencionar o genocídio, os crimes de lesa humanidade, os crimes de guerra ou as infrações ao direito internacional humanitário, a tortura, o desaparecimento forçado de pessoas, as execuções extrajudiciais. Estes atos são puníveis Publicação de Human Rights First 2 — Desafios da Justiça no direito internacional, quer sejam ou não uma violação do direito interno do país onde foram cometidos. Por outro lado, estes crimes formam parte do ordenamento jurídico peruano em virtude do mecanismo de incorporação de normas internacionais relativas aos direitos humanos previsto nas Constituições de 1979 e 1993. O princípio da irretroatividade da lei penal consiste em que não é possível condenar por atos ou omissões que ao serem cometidos não fossem delitivos segundo o direito nacional ou internacional. Nesse sentido, para determinar as condutas delitivas, é necessário atender à definição de crimes no direito internacional e aos crimes tipificados na legislação nacional. O princípio de irretroatividade da lei penal pertence ao ordenamento jurídico peruano e tem status constitucional, pois se encontra disposto na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, dos quais o Peru é signatário. Em mérito ao princípio de irretroatividade, é possível sancionar e condenar por atos que, mesmo sem estarem tipificados no Código Penal, sejam crimes reconhecidos no direito internacional. Nesse sentido, é possível sustentar a admissibilidade e o processamento das violações dos direitos humanos reconhecidas como crimes no direito internacional, mesmo que tenham ocorrido antes da sua tipificação como delito no Código Penal Quanto à imprescritibilidade no direito internacional, diferentemente do princípio de irretroatividade da lei penal que afeta a aplicação de todas as normas no tempo, a imprescritibilidade no direito internacional encontra-se reconhecida para os casos de crimes de guerra e de lesa humanidade. Este é um princípio do direito internacional, que foi reafirmado na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e de Lesa Humanidade e que também pertence ao ordenamento jurídico peruano e possui status constitucional, por isso prevalece sobre as regras de prescrição previstas no Código Penal, independentemente da tipificação destes delitos. Nesse sentido, a declaração interpretativa que o Peru dispôs em sua adesão, limitando os efeitos da Convenção aos fatos ocorridos desde sua entrada em vigor para o Peru, desconhece que o princípio da imprescritibilidade dos crimes de guerra e de lesa humanidade precede à própria Convenção, e que, além disso, pertence ao ordenamento jurídico peruano desde antes da sua adesão. Por outro lado, existem razões para a não aplicação das regras de prescrição para os crimes previstos no direito internacional, independentemente da sua condição de crimes de lesa humanidade ou crimes de guerra. Entre estes argumentos é possível mencionar: (i) a condição de proibição jus cogens para alguns crimes cuja conseqüência é a obrigação dos Estados de evitar sua impunidade e de não aplicar regras de prescrição para estes casos, (ii) o dever de investigar e sancionar as violações dos direitos humanos por parte dos Estados colide com as regras de prescrição, por isso elas não podem ser antepostas com o fim de deixar de cumprirem-se suas obrigações, e (iii) as regras de prescrição são figuras da legislação interna não reconhecidas no direito internacional e por outro lado, tampouco são direitos fundamentais no contexto peruano, pois não são considerados dentro do texto constitucional senão em nível legislativo. Publicação de Human Rights First 3 — Desafios da Justiça Nesse sentido, é possível sustentar a não aplicação das regras de prescrição ditadas pela legislação nacional para os casos de violações dos direitos humanos como a tortura, o desaparecimento forçado e as execuções extrajudiciais, independentemente da sua condição de crimes de lesa humanidade e crimes de guerra. Finalmente, a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes de lesa humanidade independe da qualificação do tipo penal aplicável. Quer dizer, quer sejam utilizados tipos delitivos locais para o processamento penal das violações dos direitos humanos ou quer sejam utilizadas as definições de crimes no direito internacional, as regras de prescrição do Código Penal não são aplicáveis para nenhum destes casos. Publicação de Human Rights First