em defesa de israel

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em defesa de israel
EM DEFESA DE ISRAEL
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A Editora Nobel tem como objetivo publicar obras com qualidade
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Alan Dershowitz
EM DEFESA DE
ISRAEL
uma visão mais ampla dos conflitos no Oriente Médio
tradução: Mario R. Krausz
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9/14/04 4:41:29 PM
Publicado originalmente sob o título The case for Israel com a autorização de John Wiley
& Sons, Inc.
© 2003 Alan Dershowitz
© 2003 Peter Maass – Excertos páginas 195-196 usadas com permissão: “Good Kills”, Peter
Maass. New York Times, 20/4/2003.
© 2002 Utilização dos mapas autorizada por: Atlas Arab-Israel Conflict, 7_ edição, Sir Martin
Gilbert. Publicado por Routledge.
Direitos desta edição reservados à AMPUB Comercial Ltda.
(Nobel é um selo editorial da AMPUB Comercial Ltda.)
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Coordenador da edição: Maria Elisa Bifano
Tradução: Mario R. Krausz
Preparação de texto: Clemente Raphael Mahl
Revisão: Denise Katchuian Dognini, Ana Maria Herrera
Capa: Vivian Valli
Composição: Heloisa Moutinho Avilez
Impressão: PROL Editora Gráfica Ltda.
Publicado em 2005
Dershowitz, Alan
Em defesa de Israel / Alan Dershowitz ; tradução Mario R. Krausz
– São Paulo : Nobel, 2004
Título original : The case for Israel
ISBN: 85-213-1287-3
1. Conflitos Israel – Árabes 2. Israel 3. História 4. Judeus –
Colonização – Palestina – Judeus – Palestina – História 5. Refugiados
Judeus – Palestina – História 6. Sionismo I. Título.
04-3409
CDD-956.94
Índices para catálogo sistemático:
1. Israel : História 956.94
2. Palestina : História 956.94
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida
por meios eletrônicos ou gravações, sem permissão, por escrito, do editor. Os infratores serão
punidos pela Lei nk 9.610/98.
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
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Dedico respeitosamente este livro ao querido amigo
que tenho há aproximadamente 40 anos, professor
Aharon Barak, presidente da Suprema Corte de
Israel, cujas decisões judiciais esclarecem a posição
de Israel e o código da lei melhor do que qualquer
livro poderia fazê-lo.
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AGRADECIMENTOS
Trabalhei neste livro desde 1967, quando comecei a defender a
questão de Israel nos campi universitários, na mídia e nos meus artigos.
Nesse período tive a assistência – freqüentemente uma assistência crítica
– de um número demasiadamente grande de colegas, aos quais gostaria
de agradecer. Entre aqueles que merecem uma menção especial estão o
professor Irwin Cotler, atualmente membro do Parlamento canadense,
com quem trabalhei em tantas causas e projetos; os juízes Aharon Barak
e Yitzak Zamir, que tanto me ensinaram; o professor George Fletcher, que
me ensina pelo argumento e pelo desafio; o professor Amnon Rubinstein,
com cujos artigos quase sempre concordo; Israel Ringel, que gentilmente
corrige os meus enfoques errôneos sobre Israel, e numerosos estudantes
que me mantêm atualizado sobre assuntos correntes.
Ao escrever este livro aproveitei muito a assistência em pesquisa
de Owen Alterman, Mara Zusman, Eric Citron, Holly Beth Billington,
Natalie Hershlag e Ayelet Weiss. Minha assistente, Jane Wagner; minha
agente, Helen Rees; minha editora, Hana Lane e minha assistente temporária, Robin Yeo, deram um suporte inestimável.
Agradeço aos meus amigos Bernard Beck, Jeffrey Epstein, Steve
Kosslyn, Alan Rothfeld e Michael e Jackie Halbreich os comentários pertinentes sobre o manuscrito.
Minha esposa, Carolyn, e minha filha, Ella, inspiraram-me, debateram comigo e encorajaram-me. Meus filhos, Elon e Jamin, meu sobrinho
Adam, minhas sobrinhas Rana e Hannah, meu irmão Nathan e minha
cunhada Marilyn fizeram sugestões úteis, as quais sinceramente agradeço.
Agradeço ao povo de Israel, que se sacrificou tanto em seus esforços
históricos na procura por paz, prosperidade e democracia diante de tanta
inimizade e violência. Finalmente, agradeço aos construtores da paz, que
a defenderam, e aos que a procuram, de ambos os lados desse conflito,
especialmente àqueles que deram suas vidas para que outros pudessem
viver em paz e segurança.
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SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................... 11
1. Israel é um Estado colonial e imperialista? .............................................. 26
2. Os judeus europeus deslocaram os palestinos? ........................................ 37
3. O movimento sionista foi uma trama para colonizar toda a Palestina? ... 47
4. A Declaração Balfour foi uma lei internacional obrigatória? .................. 51
5. Os judeus estavam relutantes em dividir a Palestina?.............................. 60
6. Os judeus sempre rejeitaram a solução de dois Estados?.......................... 67
7. Os judeus tiraram partido do Holocausto? ............................................... 76
8. A divisão da Palestina pela ONU foi injusta para com os palestinos? ....... 88
9. Os judeus eram uma minoria no território que se tornou Israel? ............ 93
10. A vitimação dos palestinos por Israel foi a principal causa do
conflito árabe-israelense? ........................................................................ 97
11. A guerra da independência de Israel foi uma agressão
expansionista? ....................................................................................... 102
12. Israel criou o problema dos refugiados árabes?...................................... 107
13. Israel desencadeou a Guerra dos Seis Dias? ........................................... 123
14. A ocupação por Israel foi injustificada? ................................................. 128
15. A guerra de Yom Kippur foi culpa de Israel? .......................................... 135
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16. Israel tem feito sérios esforços pela paz?................................................. 141
17. Arafat tinha razão ao recusar a proposta de paz de Barak e Clinton? .... 156
18. Por que morreram mais palestinos do que israelenses? ......................... 163
19. Israel tortura palestinos? ....................................................................... 178
20. Israel tem cometido genocídio contra civis palestinos?.......................... 186
21. Israel é um Estado racista? ..................................................................... 202
22. A ocupação israelense é a causa de todos os problemas? ....................... 208
23. Israel contestou o Estado palestino? ...................................................... 214
24. A política de Israel de destruir casas é um castigo coletivo?................... 219
25. O assassinato de líderes terroristas é ilegal? ........................................... 228
26. A colonização da margem ocidental e de Gaza é um grave
empecilho para a paz? ............................................................................ 233
27. O terrorismo é apenas parte de um ciclo de violência? .......................... 237
28. Israel é o principal violador mundial dos direitos humanos? ................. 241
29. Existe equivalência moral entre terroristas palestinos e
respostas israelenses? ............................................................................ 251
30. As universidades deveriam abandonar Israel e boicotar os
intelectuais israelenses? ........................................................................ 261
31. Os críticos de Israel são anti-semitas? .................................................... 274
32. Por que tantos judeus e até mesmo israelenses apóiam
os palestinos? ........................................................................................ 286
Conclusão: Israel – o judeu entre as nações........................................... 292
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Introdução
A
nação judaica de Israel é acusada pela justiça internacional. As incriminações incluem a de ser um Estado criminoso e violador dos
direitos humanos, uma imagem especular do nazismo e de ser a barreira
mais intransigente para a paz no Oriente Médio. Pelo mundo todo, das
comissões da ONU aos campi das universidades, Israel é discriminado com
condenações, despojamentos, boicotes e demonizações. Seus líderes são
ameaçados de processos como criminosos de guerra. Seus amigos são
acusados de dupla lealdade e provincianismo.
Chegou a hora de uma defesa proativa de Israel ser apresentada na
corte da opinião pública. Neste livro apresento tal defesa – não de qualquer política ou ação israelense, mas do direito básico de Israel à existência. De proteger seus cidadãos do terrorismo e de defender suas fronteiras
de inimigos hostis. Mostro que Israel há muito tempo deseja aceitar a
existência de dois Estados, propostos no “mapa da estrada” para a paz, e
que foi a liderança árabe que persistentemente se recusou a aceitar qualquer Estado judeu – não importa quão pequeno – nas regiões palestinas
com maioria judaica. Também procuro apresentar um quadro realista de
Israel, com seus defeitos, como uma democracia multiétnica florescente,
em muitos aspectos parecida com os Estados Unidos, que oferece a todos
os seus cidadãos – judeus, muçulmanos e cristãos – oportunidades e condições de vida muito melhores do que as oferecidas por qualquer nação
árabe ou muçulmana. Acima de tudo, afirmo que todos que escolhem
Israel como único alvo de uma crítica, que não é dirigida contra países
com registros muito piores de violações de direitos humanos, são eles pró-
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prios culpados de intolerância internacional. Essa é uma acusação séria
e eu a comprovo. Permitam-me esclarecer que eu não estou acusando
todos os críticos de Israel de anti-semitismo. Eu mesmo tenho criticado
políticas específicas e ações de Israel ao longo dos anos, como fizeram
quase todos os que apóiam Israel, praticamente todo cidadão israelense,
e muitos judeus americanos. Mas também critico outros países, inclusive
o meu, bem como nações da Europa, Ásia e Oriente Médio. Na medida em
que a crítica é comparativa, contextual e justa, ela deve ser encorajada
e não inibida. Mas, quando a nação judaica é a única a ser criticada por
erros que são muito mais graves em outras nações, essa crítica atravessa
a linha entre o certo e o errado, e vai do aceitável ao anti-semita.
Thomas Friedman, do New York Times, acertou quando disse que
“criticar Israel não é anti-semitismo, e afirmar isso é mau. Mas condenar
Israel por infâmia e sanção internacional – desproporcionalmente em relação a qualquer outra parte no Oriente Médio – é anti-semitismo e não
admiti-lo é desonestidade”.1 Uma boa definição usual de anti-semitismo
é tomar uma característica ou uma ação largamente difundida, se não
universal, e culpar apenas os judeus por ela. Foi isso que Hitler e Stalin
fizeram e foi o que o antigo presidente da Universidade de Harvard A.
Lawrence Lowell fez nos anos 1920 ao tentar limitar o número de judeus
a serem admitidos em Harvard porque “os judeus trapaceiam”. Quando
um aluno de destaque fez objeção a isso, argumentando que não-judeus
também trapaceiam, Lowell respondeu: “Você está mudando de assunto;
eu estou falando sobre judeus”. Da mesma maneira, quando aqueles que
escolhem apenas a nação judaica para fazer crítica são questionados por
que não criticam também os inimigos de Israel, eles respondem: “Você
está mudando de assunto; estamos falando de Israel”.
Este livro prova não apenas que o Estado de Israel é inocente das
acusações contra ele levantadas, mas que nenhuma nação na história
que tenha enfrentado desafios semelhantes segue padrões mais elevados
de direitos humanos, é mais sensível à segurança de civis inocentes, esforça-se mais para seguir as leis ou tem estado mais disposta a assumir
riscos pela paz. Esta é uma reivindicação audaz e eu a apóio com fatos
e números, alguns dos quais vão surpreender aqueles que recebem informações de fontes tendenciosas. Por exemplo, Israel é a única nação
no mundo cujo sistema judiciário reforça ativamente a lei contra seus
militares, mesmo em tempo de guerra.2 É o único país na história moderna a devolver território disputado, capturado numa guerra defensiva
e crucial para sua própria defesa, em troca da paz. E Israel matou menos
civis inocentes, em comparação ao número dos seus civis mortos, do que
qualquer país comprometido com uma guerra similar. Desafio os acusa12
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dores de Israel a apresentar dados em apoio à sua afirmação de que, como
foi dito por um acusador, Israel “é o exemplo primeiro dos violadores de
direitos humanos no mundo”.3 Não serão capazes de fazê-lo.
Quando o melhor é acusado de ser o pior, o foco deve mudar para os
acusadores que, eu afirmo, podem ser culpados de intolerância, hipocrisia ou, no mínimo, de uma ignorância abismal. São eles que devem estar
no banco dos réus da história, junto com outros que também escolheram
o povo judeu, sua religião, sua cultura ou a nação judaica para uma condenação sem igual e imerecida.
A premissa deste livro é que uma solução de dois Estados para as
reivindicações palestinas e israelenses é, ao mesmo tempo, inevitável e
desejável. A forma final precisa dessa solução é, naturalmente, objeto de
muita disputa – como prova o fracasso das negociações de Camp David e
Taba em 2000-2001 para alcançar uma solução aceitável por ambas as
partes e pelas disputas em torno do “mapa da estrada” de 2003. Existem,
na verdade, apenas quatro alternativas possíveis para um Estado judeu e
um Estado palestino viverem em paz, lado a lado.
A primeira é a solução preferida dos palestinos, defendida pelo
Hamas e outros, que rejeitam o direito de Israel existir (geralmente denominados de recusantes): especificamente exigem a destruição de Israel
e a eliminação total de um Estado judeu em qualquer parte do Oriente
Médio. A segunda alternativa é preferida por um pequeno número de
fundamentalistas judeus e expansionistas: a anexação permanente da
margem oeste e da faixa de Gaza e a expulsão ou integração dos milhões
de árabes que atualmente habitam essas áreas. A terceira alternativa já
foi a preferida dos palestinos, mas eles não mais a aceitam: algum tipo de
federação entre a margem oeste e um outro Estado árabe (isto é, a Síria ou
a Jordânia). A quarta, que sempre tem sido um pretexto para tornar Israel
um Estado palestino de fato, é a criação de um único Estado binacional.
Nenhuma dessas alternativas é aceitável atualmente. Uma resolução que
reconheça o direito de autodeterminação por israelenses e palestinos é o
único caminho razoável para a paz, apesar de não estar livre de riscos.
A solução de dois Estados também parece ser um dos poucos pontos
de consenso para o conflito árabe-palestino-israelense que, de outra forma, é um dilema insolúvel. Qualquer consideração razoável de como resolver pacificamente essa disputa prolongada deve começar a partir desse
consenso. A maior parte do mundo atualmente advoga uma solução de
dois Estados, incluindo a grande maioria dos norte-americanos. Uma
maioria expressiva de israelenses, há muito, já aceitou esse compromisso.
É hoje a posição oficial da Autoridade Palestina e dos governos do Egito,
da Jordânia, da Arábia Saudita e do Marrocos. Apenas os extremistas en13
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tre os israelenses e palestinos, bem como os Estados recusantes da Síria,
do Irã e da Líbia, desejam que todo território do que atualmente é Israel,
a margem oeste e a faixa de Gaza sejam permanentemente controlados
apenas por Israel ou apenas pelos palestinos.
Alguns opositores acadêmicos de Israel, como Noam Chomsky e
Edward Said, também rejeitam a solução de dois Estados. Chomsky afirmou: “Não creio que seja uma boa idéia”, apesar de reconhecer que possa ser “a melhor das várias idéias ruins que andam por aí”. Há muito,
Chomsky tem preferido, e aparentemente ainda prefere, um Estado único binacional baseado nos modelos do Líbano e da Iugoslávia.4 O fato
de ambos esses modelos terem falhado lamentavelmente e terminado
em sangrento fratricídio é ignorado por Chomsky, para quem a teoria é
mais importante do que a experiência. Said opõe-se firmemente a qualquer solução que deixe Israel existir como um Estado judeu: “Não creio
numa solução de dois Estados. Creio numa solução de um Estado”.5 Como
Chomsky, ele é a favor de um Estado secular binacional – uma solução
elitista e impraticável que teria de ser imposta a ambos os lados, uma vez
que virtualmente nenhum israelense ou palestino iria aceitá-la (exceto
como trama para destruir a outra nação).
Com certeza, os resultados de pesquisas em favor de uma solução
de dois Estados variam com o tempo, especialmente de acordo com as
circunstâncias. Em períodos de conflito violento, mais israelenses e mais
palestinos rejeitam o compromisso, mas a maioria das pessoas razoáveis percebe que, apesar do que indivíduos possam teoricamente esperar
ou mesmo reivindicar como direito divino, a realidade é que nem israelenses nem palestinos sairão ou aceitarão a solução de um só Estado.
Conseqüentemente, a inevitabilidade – e correção – de algum tipo de
compromisso de dois Estados é um começo útil para qualquer discussão
que busque uma solução construtiva desse conflito perigoso e doloroso.
Um ponto de partida concordante é essencial porque cada parte
dessa longa disputa inicia a narrativa de sua reivindicação relativa ao
território em um ponto diferente da história. Isso não deveria ser surpreendente, uma vez que nações e povos em conflito geralmente escolhem
como início de sua narrativa nacional o ponto que melhor serve para
apoiar suas reivindicações e queixas. Quando os colonizadores americanos procuraram obter a separação da Inglaterra, sua Declaração de
Independência deu início à narrativa com uma história de “repetidas
injustiças e usurpações” cometidas pelo “rei de então”, tais como “taxação sem a nossa concordância” e “alojamento de muitas tropas armadas
entre nós”. Aqueles que se opuseram à separação começaram sua narrativa com os erros dos habitantes da colônia, como sua recusa em pagar
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determinados impostos e as provocações aos soldados ingleses. De modo
similar, a Declaração de Independência de Israel começa sua narrativa
com a terra de Israel sendo “o local de nascimento do povo judeu”, onde
“eles pela primeira vez alcançaram a cidadania... e legaram ao mundo
o eterno Livro dos Livros”. A genuína carta da Constituição palestina
começa com a “ocupação sionista” e rejeita qualquer “reivindicação de
ligações históricas ou espirituais entre os judeus e a Palestina”, a divisão
da Palestina pela ONU e o “estabelecimento do Estado de Israel”.
Qualquer tentativa de desvendar as controvérsias históricas de disputas complexas e, em última análise, não comprováveis dos extremistas
israelenses e árabes somente conduz a argumentos não-realistas de ambos
os lados. Evidentemente é necessário ter alguma descrição da história
– antiga ou moderna – dessa terra e de sua demografia em constante
mutação, nem que seja para começar a entender como pessoas razoáveis
podem chegar a conclusões tão opostas a partir dos mesmos fatos básicos.
A realidade, é claro, é de que há concordância em apenas parte dos fatos.
Muito é defendido e considerado a verdade absoluta por alguns, enquanto
outros crêem exatamente no contrário.
Essa disparidade tão acentuada de percepção resulta de vários fatores. Às vezes é uma questão de interpretação de algum acontecimento.
Por exemplo, quando chegarmos ao capítulo 12, veremos que ninguém
nega o fato de que centenas de milhares de árabes que viviam onde hoje é
Israel não vivem mais lá. Apesar de haver disputa sobre o número preciso,
a maior discordância é se todos, a maioria, alguns ou nenhum desses refugiados foi expulso de Israel. Se cada um partiu porque os líderes árabes
lhe deram a ordem ou se houve alguma combinação desses e de outros
fatores. Também há discordância sobre quanto tempo esses refugiados
realmente viveram nos lugares depois abandonados, uma vez que a ONU
definiu um refugiado palestino – ao contrário de qualquer outro refugiado na história – como qualquer um que tenha vivido no território que se
tornou Israel durante apenas dois anos antes de partir.
Pelo fato de ser impossível reconstruir a dinâmica precisa e as condições que acompanharam a guerra de 1948, deflagrada pelos Estados
árabes contra Israel, a única conclusão sobre a qual se pode ter absoluta
certeza é que jamais alguém saberá – ou convencerá seus opositores – se
a maioria dos árabes que abandonou Israel foi expulsa, abandonada ou
sofreu alguma combinação de fatores que a levou de um lugar para outro.
Recentemente, Israel abriu muitos dos seus arquivos históricos para os
estudiosos, e novas informações conduziram a compreensões e interpretações mais amplas, mas não terminaram – e jamais terminarão – com
as discordâncias.6
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De modo similar, a maioria dos 850 mil judeus sefardis que viviam
nos países árabes antes de 1948 foram para Israel, porque foram forçados
a sair, abandonados ou experimentaram algum tipo de temor, tiveram alguma oportunidade ou foram em busca de um ideal religioso. Novamente,
o movimento dinâmico e preciso da história jamais será conhecido, especialmente porque os países árabes dos quais saíram não mantêm registros
e arquivos históricos ou recusam-se a fornecê-los.
Cada lado faz jus à narrativa que lhe é conveniente, embora reconheça que outros possam interpretar os fatos de modo algo diferente.
Algumas vezes a disputa é mais sobre a definição de termos do que sobre a
interpretação dos fatos. Por exemplo, os árabes freqüentemente argumentam que Israel recebeu 54% do território da Palestina apesar de apenas
35% dos residentes serem judeus.7 Os israelenses, por outro lado, argumentam que os judeus eram uma clara maioria nas regiões da terra alocada a Israel quando a ONU fez a partição do território em disputa. Como se
vê, as definições precisas podem algumas vezes estreitar as disparidades.
Um outro ponto de partida deve incluir algum tipo de lei de caducidade para ressentimentos antigos. Assim como a questão a favor de Israel
não pode mais basear-se exclusivamente sobre a expulsão dos judeus da
terra de Israel no primeiro século, também a questão dos árabes não pode
se basear com segurança em acontecimentos que supostamente ocorreram há mais de um século. Uma razão para uma lei de caducidade é o
reconhecimento de que, à medida que o tempo passa, se torna cada vez
mais difícil reconstruir o passado com algum grau de precisão e as memórias políticas endurecem e substituem os fatos. Como já foi dito, “há
fatos e há fatos verdadeiros”.
Com relação aos acontecimentos que precederam a primeira
Aliyah em 1882 (a imigração inicial de refugiados judeus europeus para
a Palestina), existem mais memórias políticas e religiosas do que fatos
reais. Sabemos que sempre houve uma presença judaica em Israel, principalmente nas cidades santas de Jerusalém, Hebron e Safed, e que sempre
houve uma pluralidade ou maioria em Jerusalém por séculos. Sabemos
que judeus europeus começaram a se mudar para onde hoje é Israel em
números significativos durante a década de 1880 – só pouco depois da
época em que australianos descendentes de ingleses começaram a deslocar os aborígines australianos, e americanos descendentes de europeus
começaram a se mudar para alguns territórios ocidentais, originalmente
habitados por americanos nativos.
Os judeus da primeira Aliyah não deslocaram os residentes locais
por conquista ou por intimidação, como fizeram os americanos e australianos. Legal e abertamente compraram terras – boa parte das quais
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considerada não-cultivável – de proprietários ausentes. Ninguém que
aceite a Austrália como sendo legitimamente uma nação cristã de língua inglesa, ou a América ocidental como parte dos Estados Unidos, pode
questionar a legitimidade da presença judaica onde hoje é Israel, de 1880
até o presente. Mesmo antes da divisão feita pela ONU, em 1947, tratados
e leis internacionais reconheceram que a comunidade judaica existia na
Palestina como questão “de direito”, e qualquer discussão racional do
conflito deve ter como premissa que o “conflito fundamental” é de “direito com direito”. Tais conflitos são freqüentemente os mais difíceis de
resolver, já que cada lado deve ser persuadido a comprometer-se com o
que acredita ser uma absoluta questão de direito. A tarefa torna-se ainda
mais desalentadora quando há alguns de cada lado que vêem a sua reivindicação com base num mandato divino.
Inicio a questão a favor de Israel por uma breve revisão da história do conflito entre árabes, muçulmanos e judeus e depois entre árabes,
palestinos, muçulmanos e israelenses, com ênfase na recusa dos líderes
palestinos em aceitar uma solução de dois Estados (ou duas pátrias) em
1917, 1937, 1948 e 2000. Focalizo os esforços pragmáticos de Israel
para viver em paz dentro de fronteiras seguras, apesar dos repetidos esforços dos líderes árabes para destruir o Estado judeu. Saliento os erros
de Israel, mas argumento que foram geralmente cometidos num esforço
bem-intencionado (apesar de algumas vezes mal orientado) de defender a
sua população civil. Finalmente, argumento que Israel procurou cumprir
a lei basicamente em todas as suas atividades.
Apesar da minha forte crença de que deve haver uma lei de caducidade para ressentimentos, levantar a causa a favor de Israel requer uma
breve viagem ao passado relativamente recente. Isso é necessário porque
a causa contra Israel, nos dias atuais sendo levantada em campi universitários, na mídia e no mundo todo, baseia-se em distorções propositais dos
registros históricos, a começar com a chegada dos primeiros europeus à
Palestina, no final do século XIX, e continuando com a divisão feita pela
ONU, o estabelecimento do Estado judeu, as guerras entre Estados árabes
e Israel, culminando no atual terrorismo e nas reações diante dele. Os
registros históricos devem ser bem estabelecidos para evitar a advertência
do filósofo Santayana de que aqueles que não lembram o passado estão
condenados a repeti-lo.
Cada capítulo deste livro começa com a acusação apresentada contra Israel, citando fontes específicas. Respondo à acusação com fatos reais
embasados em provas aceitáveis. Ao apresentar os fatos geralmente não
me baseio em fontes pró-Israel, mas principalmente em fontes objetivas e,
algumas vezes, para enfatizar algum ponto, em fontes anti-Israel.
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Provo, sem sombra de dúvida, que as ações de Israel têm sido julgadas por um duplo padrão pernicioso: que mesmo quando Israel foi o
melhor entre os melhores do mundo, tem sido muitas vezes acusado de
ser o pior entre os piores. Também provo que esse duplo padrão não tem
sido apenas injusto com o Estado judeu, mas tem prejudicado o código da
lei, ferido a credibilidade de organizações internacionais como a ONU e
encorajado terroristas palestinos a cometer atos de violência para provocar reações exageradas de Israel e assegurar a condenação unilateral de
Israel pela comunidade internacional.
Na conclusão do livro, argumento que é impossível entender o conflito no Oriente Médio sem aceitar a realidade de que, desde o início, a
estratégia da liderança árabe tem sido a eliminação da existência de qualquer Estado judeu e mesmo de uma substancial população judaica onde
hoje se situa Israel. Mesmo o professor Edward Said, o mais destacado
defensor acadêmico dos palestinos, reconhece que “o nacionalismo palestino foi integralmente baseado na expulsão dos israelenses [querendo
dizer judeus]”8. Esse é um fato simples, não sujeito a um questionamento
razoável. As provas verbais e escritas vindas de líderes árabes e palestinos
são esmagadoras. Várias táticas têm sido usadas para esse fim, inclusive a
mentirosa reescrita da história da imigração de refugiados judeus para a
Palestina e a história demográfica dos árabes na região. Outras táticas têm
incluído o ataque a civis judeus vulneráveis a partir da década de 1920,
o suporte palestino a Hitler e ao genocídio nazista nos anos 1930 e 1940
e a oposição violenta à solução de dois Estados proposta pela Comissão
Peel, em 1937, e depois pela ONU, em 1948. Ainda uma outra tática foi a
criação e posterior exacerbação e exploração da crise dos refugiados.
Para alguns, a simples idéia de um Estado palestino ao lado de um
Estado judeu tem sido uma tática em si – um primeiro passo – para a
eliminação de Israel. Entre 1880 e 1967, na verdade, nenhum porta-voz
árabe ou palestino falou a favor de um Estado palestino. Em vez disso, queriam que a área chamada pelos romanos de Palestina fosse incorporada
à Síria ou à Jordânia. Como Auni Bey Abdul-Hati, um proeminente líder
palestino, disse à Comissão Peel em 1937, “não existe tal país... Palestina
é um termo que os sionistas inventaram... nosso país foi, durante séculos,
parte da Síria”. Portanto, os palestinos rejeitaram a pátria independente
proposta pela Comissão Peel porque também traria consigo uma pequena pátria judaica. O objetivo sempre permaneceu o mesmo: eliminar o
Estado judeu e transferir a maioria dos judeus para fora da área.
Os realistas árabes agora reconhecem que esse objetivo é inatingível
– pelo menos em um futuro previsível. A esperança é que o pragmatismo
predomine sobre o fundamentalismo e que o povo palestino e seus líderes fi18
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nalmente cheguem a compreender que a causa a favor de um Estado palestino é fortalecida pela aceitação de um Estado judeu. Quando os palestinos
desejarem seu próprio Estado mais do que desejam a destruição do Estado
judeu, a maioria dos israelenses receberá pacificamente o Estado palestino
como bom vizinho. O acordo que deverá seguir o “mapa da estrada” e os
apertos de mão, bem como promessas trocadas em Acaba, em 4 de junho
de 2003, representam alguma esperança de que a solução de dois Estados
– há tempos aceita por Israel – se torne finalmente uma realidade.
Acolho a discussão vigorosa sobre a questão a favor de Israel que
defendo neste livro. De fato, espero gerar um debate honesto e contextual
sobre um assunto que se tem polarizado por argumentos extremistas.
Certamente haverá discordâncias sobre as conclusões a que chego e as
inferências que faço dos fatos históricos. Mas não pode haver discordância razoável sobre os fatos básicos: os judeus europeus que se juntaram
aos seus primos sefardis onde hoje é Israel, no final do século XIX, tinham
um direito absoluto de procurar refúgio na terra de seus ancestrais; estabeleceram com o suor do rosto uma pátria judaica em partes da Palestina
que justamente compraram de proprietários ausentes; deslocaram bem
poucos felás (árabes que trabalhavam a terra) locais; aceitaram propostas baseadas na lei internacional para uma pátria judaica repartida em
áreas com maioria judaica; e, pelo menos até recentemente, quase todos
os líderes palestinos e árabes categoricamente rejeitaram qualquer solução que incluísse um Estado judeu ou a autodeterminação judaica. Esses
fatos indiscutíveis estabeleceram as bases do conflito que acompanhou
o estabelecimento de Israel e que continua até hoje. É importante apresentar esses fatos históricos como parte da atual questão a favor de Israel
porque essa distorção ou omissão fundamental na história dolorosa é um
elemento da questão muitas vezes levantada contra o Estado judeu.
Decidi escrever este livro depois de acompanhar de perto as negociações de paz de Camp David e Taba, de 2000-2001, e depois de ver como
tantas pessoas no mundo se voltaram contra Israel quando as negociações
falharam e os palestinos retornaram ao terrorismo. Eu estava lecionando
na Universidade de Haifa, em Israel, durante o verão de 2000, e pude observar em primeira mão o entusiasmo e a expectativa com os quais tantos
israelenses aguardavam o resultado do processo de paz iniciado com os
acordos de Oslo em 1993 e que parecia estar a caminho da aceitação de
uma resolução de dois Estados, com Israel e Palestina finalmente convivendo pacificamente depois de tantos anos de violento conflito.
À medida que o processo se encaminhava para a resolução, o primeiro-ministro israelense Ehud Barak surpreendeu o mundo ao oferecer
aos palestinos praticamente tudo que demandavam, inclusive um Estado
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com sua capital em Jerusalém, o controle do Monte do Templo, a devolução de aproximadamente 95% da margem ocidental e toda a faixa de Gaza
e um pacote de compensação de 30 bilhões de dólares para os refugiados
de 1948. Como poderia Yasser Arafat rejeitar essa oferta histórica? O príncipe Bandar, da Arábia Saudita, que estava servindo de intermediário entre
as partes, exortou Arafat a “aceitar este negócio”. Você poderia alguma vez
conseguir “um negócio melhor”?, perguntou. Você preferiria negociar com
Sharon? Como Arafat vacilou, Bandar advertiu-o: “Espero que o senhor
se lembre do que eu lhe disse. Se perdermos esta oportunidade será um
crime”.9
Observei com horror como Arafat cometeu esse crime, rejeitando a oferta de Barak e abandonando as negociações de paz sem nem
mesmo fazer uma contraproposta. Mais tarde o príncipe Bandar iria
caracterizar a decisão de Arafat como “um crime contra os palestinos
– de fato, contra toda a região”. Considerou Arafat pessoalmente responsável por todas as mortes resultantes dos conflitos entre israelenses
e palestinos.10 O presidente Clinton também colocou toda a culpa pelo
fim do processo sobre Arafat, como o fizeram quase todos que participaram das negociações. Mesmo alguns europeus ficaram furiosos com
Arafat por abandonar essa oferta generosa. Finalmente, parecia que
a opinião pública mundial estava abandonando os palestinos, que haviam novamente rejeitado a solução de dois Estados, e voltando-se para
os israelenses, que haviam feito uma proposta para a saída do impasse
violento.
Mas em poucos meses a opinião pública internacional novamente
mudou a favor dos palestinos e contra Israel, desta vez com uma vingança. Repentinamente Israel era o pária, o vilão, o agressor e o destruidor
da paz. Em campi universitários ao redor do mundo era Israel – o país
que tinha acabado de oferecer tanto – o único objeto das petições de
despojamento e boicote. Como tantas pessoas inteligentes puderam esquecer tão depressa quem era culpado pelo fim do processo de paz? Como
o mundo podia tão depressa transformar Arafat, o vilão de Camp David,
num herói e Israel, que heroicamente tinha oferecido tanto, num vilão?
O que aconteceu nesse breve período para produzir uma mudança tão
dramática na opinião pública?
Fiquei sabendo que o que aconteceu foi precisamente aquilo que
o príncipe Bandar havia predito a Arafat que aconteceria se rejeitasse a
proposta de paz de Barak: “Você tem apenas duas alternativas. Ou você
aceita esta proposta ou haverá guerra”. Arafat escolheu ir à guerra.
De acordo com seu próprio ministro das Comunicações, “a Autoridade
Palestina começou a preparar-se para o início da atual revolta naciona20
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lista dos palestinos a partir do retorno das negociações de Camp David, a
pedido do presidente Yasser Arafat”.11
A desculpa para a escalada das explosões suicidas foi a visita de Ariel
Sharon ao Monte do Templo. Mas, como o ministro das Comunicações
alardeou, “Arafat... havia previsto o início da intifada como um passo complementar à resistência palestina nas negociações, e não como um protesto específico contra a visita de Sharon ao Al-Haram Al-Sharif [o Monte
do Templo]”. De fato, a escalada do terrorismo havia começado alguns
dias antes da visita de Sharon, como parte “das instruções da Autoridade
Palestina” às “forças políticas e facções para conduzir todos os elementos
da intifada”. Em outras palavras, em vez de mostrar “firmeza nas negociações” fazendo contrapropostas à generosa oferta de Barak, Arafat decidiu
fazer a sua contraproposta na forma de explosões suicidas e aumento da
violência. O príncipe Bandar acusou Arafat de responsável pelo banho de
sangue resultante: “Ainda não me recuperei... da magnitude da oportunidade perdida”, declarou ele a um repórter. “Mil e seiscentos palestinos
mortos até agora. E setecentos israelenses mortos. No meu julgamento,
nenhuma dessas mortes de israelenses e palestinos é justificada”.12
Então, de que maneira este homem, responsável por essas mortes
evitáveis, que escolheu rejeitar a proposta de paz de Barak e instruiu seus
subordinados a reiniciar a violenta intifada como um “estágio complementar” às negociações, conseguiu mudar a opinião pública mundial tão
depressa em favor dos palestinos e contra Israel? Essa pergunta desalentadora necessitava de uma resposta, e foi a resposta assustadora que me
levou a escrever este livro.
A resposta vem em duas partes. A primeira é bastante óbvia: Arafat
jogou a comprovada carta do terrorismo, que funcionou para ele tantas
vezes através de sua longa e tortuosa carreira como terrorista diplomata.
Ao fazer de alvo civis israelenses – crianças ou ônibus escolares, mulheres grávidas em shopping centers, adolescentes numa discoteca, famílias
num jantar de Pessach, estudantes universitários numa cafeteria –, Arafat
sabia que podia fazer com que Israel tivesse uma reação exacerbada, primeiro elegendo um primeiro-ministro mais sagaz para substituir o manso
Ehud Barak, depois instigando os militares a tomar atitudes que inevitavelmente resultariam na morte de civis palestinos. Funcionou perfeitamente, como no passado. De repente, o mundo estava vendo imagens
perturbadoras de soldados israelenses atirando em multidões, parando
mulheres em pontos de controle e matando civis. Arafat havia “dominado” uma “dura aritmética da dor”, como foi dito por um diplomata: “As
perdas palestinas contam a seu favor e as perdas israelenses também. A
não-violência não compensa”.13
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Para muitos, a simples aritmética era suficiente: mais palestinos
do que israelenses estavam mortos, e só esse fato já provava que Israel
era o vilão. Era ignorado o fato de que, apesar de “apenas” 800 israelenses terem sido mortos (até junho de 2003), os terroristas palestinos
haviam tentado matar milhares mais e não haviam conseguido só porque
as autoridades israelenses haviam frustrado “aproximadamente 80% das
tentativas” de ataques terroristas.14 Também foi ignorado o fato de que
entre os aproximadamente dois mil palestinos mortos havia centenas de
homens-bomba, fabricantes de bombas, atiradores de bombas, comandantes terroristas e mesmo supostos colaboradores mortos por outros
palestinos. Quando se contam apenas os civis inocentes, morreram significativamente mais israelenses do que palestinos.15 De fato, Israel matou
menos civis palestinos inocentes durante as décadas que tem combatido
o terrorismo do que qualquer outra nação na história diante de tal violência, e essas mortes trágicas foram conseqüências não-intencionais do
combate ao terrorismo, mais do que o objeto da violência.
Por que então tantas pessoas na comunidade internacional – diplomatas, homens de mídia, estudantes, políticos, líderes religiosos – caíram
na trama transparente e imoral de Arafat? Por que não culpavam Arafat
pela escalada da violência, como fizeram o príncipe Bandar e outros? Por
que culpavam Israel tão apressadamente? Por que líderes morais e religiosos, que geralmente traçam uma clara distinção entre aqueles que propositalmente alvejam civis inocentes e aqueles que inadvertidamente matam
civis, num esforço de proteger seus próprios civis, eram incapazes de fazer
essa importante distinção quando se tratava de Israel? Por que não compreenderam como a liderança palestina estava manipulando e explorando a aritmética da morte? Por que não podiam ver além da contagem
de corpos e focalizar o correto cálculo moral: quantas pessoas inocentes
foram deliberadamente transformadas em alvos e mortas de cada lado?
Procurando responder a essas perguntas perturbadoras, tornou-se
claro para mim que forças obscuras estavam em jogo. A mudança dramática e quase total nas percepções do público num período tão curto
de tempo não podia ser explicada com base exclusiva em princípios da
lógica, moralidade, justiça – mesmo política. As respostas estavam, pelo
menos em parte, no fato de Israel ser o Estado judeu e o “judeu” entre os
Estados do mundo. Uma total compreensão das reações bizarras do mundo à generosa proposta israelense de paz e a violenta resposta palestina
requer o reconhecimento da longa e difícil história mundial no julgamento do povo judeu por padrões diferentes e muito mais exigentes.
O mesmo ocorre com a nação judaica. Pouco após o seu estabelecimento como primeiro Estado judaico moderno do mundo, Israel tem sido
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avaliado segundo um duplo padrão de julgamento e crítica de suas ações
ao defender-se contra ameaças à sua própria existência e à sua população
civil. Este livro é sobre este duplo padrão – a sua injustiça em relação a
Israel e, mais importante, seu pernicioso efeito ao encorajar o terrorismo
palestino e outros.
Se o tom deste livro algumas vezes pode parecer contencioso, é porque as acusações atuais contra Israel freqüentemente são estridentes, intransigentes, unilaterais e exageradas: “tipo nazista”, “genocida”, “exemplo clássico de violadores de direitos humanos no mundo”, e assim por
diante. Essas falsas acusações devem ser respondidas direta e verdadeiramente antes de se poder restaurar um tom de compromisso e reconhecimento mútuo de erros, e os assuntos serem debatidos nos seus méritos e
deméritos freqüentemente complexos. Mas, com demasiada freqüência,
o debate atual, especialmente nos campi universitários, é caracterizado
por acusações contenciosas e unilaterais feitas por aqueles que desejam
demonizar Israel. São freqüentemente respondidas pelo reconhecimento
bastante mais franco de erros por defensores de Israel e um tom de desculpa que muitas vezes serve aos acusadores.
O avanço em direção à paz somente virá quando ambos os lados
quiserem reconhecer seus próprios erros e culpas e ir além das acusações
do passado para um futuro de compromisso mútuo. Uma atmosfera favorável a tal compromisso não será alcançada se o ar não for purificado das
acusações falsas, exageradas e unilaterais que agora poluem a discussão
em tantas colocações. A finalidade deste livro é ajudar a purificar o ar,
fornecendo defesas diretas e verdadeiras a falsas acusações. O tom dessas
defesas, algumas vezes, necessariamente espelha o tom das acusações.
A principal característica dos meus escritos, discursos e aulas durante
anos sempre foi ser direto e não criar intrigas ou preocupar-me em ofender aqueles que, com base em suas ações intolerantes e falsas acusações,
merecem ser ofendidos. Procuro seguir esse caminho neste livro.
Uma vez purificado o ar dos poluentes da intolerância e da falsidade, um debate mais diferenciado pode ser iniciado sobre políticas especificamente israelenses – bem como sobre políticas especificamente palestinas. Este livro não é parte desse debate, apesar de eu ter minhas próprias
opiniões sobre muitas dessas questões. Enquanto Israel for particular e
falsamente acusado de ser o principal infrator, a primeira obrigação daqueles comprometidos com a verdade e a justiça é refutar essas acusações
– de modo firme e inequívoco.
Freqüentemente, perguntam-me como, na qualidade de civil defensor do livre-arbítrio e liberal, posso apoiar Israel. A implicação por trás
da pergunta é que devo estar comprometendo meus princípios ao apoiar
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um regime tão “repressivo”. A verdade é que apóio Israel precisamente
porque sou um civil defensor do livre-arbítrio e liberal. Também critico
Israel sempre que suas políticas violam o rigor da lei. Tampouco procuro
defender ações chocantes de Israel ou de seus aliados, tais como as matanças de 1948 por tropas irregulares de civis em Deir Yassin, o massacre falangista de palestinos em 1982 no campo de refugiados de Sabra e
Shatila ou os assassinatos em massa de muçulmanos orando por Baruch
Goldstein em 1994. Como em qualquer outra democracia, Israel e seus
líderes deveriam ser criticados sempre que suas ações deixem de atingir
padrões aceitáveis, mas o criticismo deveria ser proporcional, comparativo e contextual, como deveria ser também em relação a outras nações.
Defendo a causa de Israel com base em considerações liberais e de
defesa da liberdade civil, apesar de acreditar que os conservadores também deveriam apoiar o Estado judeu com base em valores conservadores.
Não peço a ninguém que faça concessões a seus princípios. Antes, o meu
pedido é que todas as pessoas de boa vontade simplesmente apliquem ao
Estado judeu de Israel os mesmos princípios de moralidade e justiça que
aplicam a outros Estados e povos. Se aplicassem um só padrão de justiça,
a causa a favor de Israel se resolveria por si. Mas, como tantas pessoas
insistem em ser mais exigentes em relação a Israel, eu agora defendo a
causa segundo a qual, num julgamento por qualquer padrão racional,
Israel merece o apoio – embora, certamente, não o apoio sem crítica – de
todas as pessoas de boa vontade que atribuem valor à paz, à justiça, à honestidade e à autodeterminação.
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NOTAS
1. Thomas Friedman, “Campus hypocrisy”, New York Times, 16 de outubro de
2002.
2. V. capítulo 28.
3. V. capítulo 28.
4. A preferência de Chomsky por um modelo federal “ao longo das linhas
da Iugoslávia” é articulada em Middle east illusions (Oxford, Rowman &
Littlefield, 2003), pp. 105-106. A sua defesa do Líbano como um modelo
vem de um debate comigo em 1970.
5. Atlantic unbound (publicação on-line no Atlantic Monthly). Entrevista de
Said por Harry Bloom, 22 de setembro de 1999, www.theatlantic.com/unbound/interviews/ba990922.htm.
6. V. Benny Morris, Righteous victims (Nova York: Vintage Books, 2001),
p. XIV.
7. V. capítulo 9.
8. Atlantic unbound, 22 de setembro de 1999.
9. V. capítulo 17.
10. V. capítulo 17.
11. V. capítulos 16 e 17.
12. V. capítulo 17.
13. James Bennet, “Arafat’s edge: violence and time on his side”, New York Times,
18 de março de 2002.
14. Bruce Hoffman, “The logic of suicide terrorism”, Atlantic Monthly, junho de
2003, p. 45.
15. V. capítulo 18.
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1
Israel é um Estado colonial
e imperialista?
A ACUSAÇÃO
Israel é um Estado colonial, imperialista, colonizador, com um regime comparável ao apartheid da África do Sul.
OS ACUSADORES
“[Um Estado judeu na Palestina] somente poderia emergir como
filho bastardo de potências imperialistas e só poderia chegar a existir pelo
deslocamento da maioria da população palestina, incorporando-a num
regime de apartheid ou por meio de alguma combinação de ambos. Além
disso, uma vez criado, Israel só poderia sobreviver como Estado militarista, expansionista e hegemônico, constantemente em guerra com seus
vizinhos.” (M. Shahid Alam, professor de economia na Northeastern
University.)1
“A Palestina ocupada [que inclui todo Israel] deve ser descolonizada, ‘desracializada’ e devolvida ao povo palestino como único Estado
soberano. Em linguagem clara, o Estado sionista precisa ser desmontado.” (Imam Achmed Cassiem, presidente nacional da Islamic Unity
Conviction, África do Sul.)2
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