Palavras -BO em Karajá

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Palavras -BO em Karajá
Cadernos de
Cadernos de
v. 11, n. 1 - 2014
Cuiabá - MT
Editores / Organizadores
- Elias Januário
- Fernando Selleri Silva
Comissão Editorial
- Bruna Franchetto - UFRJ
- Darci Secchi - UFMT
- Elias Januário - MERIREU
- Elizabeth Maria Beserra Coelho - UFMA
- Everton Ricardo do Nascimento - UNEMAT
- Fernando Selleri Silva - UNEMAT
- Filadelfo de Oliveira Neto - CEEI/MT
- Francisca Navantino Paresi - OPRIMT
- Germano Guarim Neto - UFMT
- Korotowï Taffarel Ikpeng - OPRIMT
- Marcus Antonio Rezende Maia - UFRJ
- Maria Aparecida Rezende - UFGD
Cadernos de Educação Escolar Indígena
Volume 11, Número 1, 2014
Cuiabá
Mato Grosso
Brasil
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
As informações contidas são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.
Cadernos de
ISSN 1677-0277
v. 11, n. 1 - 2014
Cuiabá - MT
Revisão: Fernando Selleri Silva
Revisão Final: Elias Januário
Projeto Gráfico/Diagramação/Capa: Fernando Neri
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA - Organizadores: Elias
Januário e Fernando Selleri Silva. Cuiabá: Editora MERIREU, v.11, n.1, 2014.
ISSN 1677-0277
1. Educação Escolar Indígena
I. Formação de Professores.
II. Interculturalidade.
III. Práticas Pedagógicas.
CDU 572.95 (81): 37
Instituto Merireu de Estudo Socioambiental, Pesquisa
e Educação Escolar Intercultural
Caixa Postal n.º 1003
CEP 78050-973, Cuiabá/MT - Brasil
[email protected] / www.merireu.org.br
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.......................................................................................9
EDUCAÇÃO ESCOLAR: PELAS MÃOS DA EDUCAÇÃO
INDÍGENA................................................................................................. 11
Maria Aparecida Rezende, Luiz Augusto Passos
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO
ENTRE BRASIL E PERÚ........................................................................23
Luis Antonio Ccopa Ybarra, Marisa Soares
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A
DESCOLONIZAÇÃO DO SABER..........................................................43
Darci Secchi, Vanúbia Sampaio dos Santos, Aline Martins de Oliveira
UMA EXPERIÊNCIA GRATIFICANTE: EDUCAÇÃO E PERCEPÇÃO
AMBIENTAL ENTRE ESTUDANTES INDÍGENAS...........................63
Germano Guarim Neto, Elias Januário
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES
LINGUÍSTICAS FORMAIS EM MATERIAL PEDAGÓGICO .........69
Cristiane Oliveira da Silva, Luiz Alexandre Mattos do Amaral, Marcus Maia
EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESCOLAR
INFANTIL INDÍGENA: SABERES E FAZERES INDÍGENAS E
INSTITUCIONALIZAÇÃO.....................................................................87
Filadelfo de Oliveira Neto
“REAL” EDUCAÇÃO NA ETNIA ENAWENÊ-NAWÊ........................91
Fabrício Alves Estephanio de Moura, Aumeri Carlos Bampi, Waldir José Gaspar
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO:
REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO AMBIENTAL.................................99
Fernando Thiago, Elias Januário, Germano Guarim Neto
AGRICULTURA INDÍGENA: O CONHECIMENTO TRADICIONAL
NO PREPARO DA ROÇA TAPIRAPÉ................................................. 119
Polyana Rafaela Ramos, Elias Januário, Carlos Xario’i Tapirapé
APRESENTAÇÃO
Neste décimo primeiro volume do Cadernos de Educação Escolar
Indígena, agora publicado pelo Instituto Merireu – Instituto de Estudo
Socioambiental, Pesquisa e Educação Escolar Intercultural, criado no ano de
2009, no contexto das Licenciaturas Indígenas Interculturais da Universidade
do Estado de Mato Grosso, representa mais um espaço significativo na
consolidação dos direitos dos povos indígenas e no fortalecimento das
políticas públicas de educação escolar indígena em nosso país.
O Instituto Merireu foi criado com o objetivo de promover ações,
estudos e pesquisas visando à defesa da proteção ao meio ambiente, ao
patrimônio cultural, estético, histórico, turístico e paisagístico, bem como
a defesa dos direitos e interesses das comunidades tradicionais, indígenas,
quilombolas e não indígenas de Mato Grosso, de outros Estados brasileiros
e de outras nacionalidades, na perspectiva da sua autonomia, fazendose representar junto aos órgãos públicos e iniciativa privada na esfera
internacional, federal, estadual e municipal.
Esta edição, a exemplo das anteriores, conta com artigos que fazem
uma reflexão acerca de conceitos e metodologias voltadas para a formação
de professores indígenas em diversas instituições e estados da federação.
Também contempla artigos que tratam de experiências nos cursos ofertados
no estado de Mato Grosso.
Na perspectiva de ampliar o conceito de interdisciplinaridade e
interculturalidade, estamos publicando um artigo sobre uma experiência de
educação e um quilombo, buscando um diálogo profícuo entre os diferentes
sujeitos das comunidades tradicionais existentes em nosso país.
Este periódico, a partir dessa edição, tem a iniciativa de promover
o intercâmbio com outras organizações, entidades científicas de ensino
e desenvolvimento social, visando à defesa, valorização e divulgação do
patrimônio cultural dos povos indígenas, quilombolas e não indígenas, bem
como aquela relacionada aos usos, costumes e tradições que integram a
diversidade cultural do Brasil.
Agradecemos aos autores que contribuíram com seus artigos para a
elaboração desta edição que constitui um marco na ampliação de um espaço
em defesa de uma educação escolar com base no princípio do reconhecimento
da pluralidade cultural da sociedade brasileira.
Nosso muito obrigado a Maria Aparecida Rezende, Luiz Augusto
Passos, Luis Antonio Ccopa Ybarra, Marisa Soares, Germano Guarim Neto,
Cristiane Oliveira da Silva, Luiz Alexandre Mattos do Amaral, Marcus Maia,
Polyana Rafaela Ramos, Xario’i Carlos Tapirapé, Darci Secchi, Vanúbia
Sampaio dos Santos, Aline Martins de Oliveira, Filadelfo de Oliveira Neto,
Fabrício Alves Estephanio de Moura, Aumeri Carlos Bampi, Waldir José
Gaspar e Fernando Thiago.
Desejamos a todos uma excelente leitura.
Elias Januário
Editor
EDUCAÇÃO ESCOLAR: PELAS MÃOS DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
EDUCAÇÃO ESCOLAR: PELAS MÃOS DA
EDUCAÇÃO INDÍGENA
Maria Aparecida Rezende1
Luiz Augusto Passos2
Resumo: Esse texto é uma provocação à discussão acerca da educação
escolar indígena. Essa abordagem traz a necessidade de debater a educação
indígena e território. A metodologia advém das rodas de conversas com
professores indígenas de Mato Grosso, observações das aulas na aldeia
Pimentel Barbosa e também depoimentos, em especial com professores e
a comunidade Xavante dessa aldeia, situada também nesse Estado. O que
legitima essa temática é a convivência, o trabalho pedagógico e de pesquisa
com esse povo desde 1998. Toda essa trajetória de trabalho leva a uma
retomada acerca da questão nominada de educação escolar indígena que
não é algo que consolidado, mas ainda em (re)construção é uma ação quase
inexistente em nosso Estado com poucas experiências bem sucedidas. A
oportunidade de retomar esse trabalho junto aos professores e comunidade
dessa aldeia veio agora em 2014 iniciando pela grande dúvida que é a
construção da identificação de cada escola dessa Terra Indígena. Assim
ficou decidido que será construído o que foi chamado de Projeto Pedagógico
Indígena (PPI), seguido de oficinas com propostas de ações para auxiliar o
desenvolvimento das aulas, intra e extra sala de aula propostas nesses PPIs.
Além disso, muitas rodas de conversa e pesquisa com pessoas de todas as
aldeias para buscar uma forma de construir uma educação escolar aliada à
educação dos Xavante com pilares sustentados nessa cultura e a partir daí
caminhar junto com a educação escolarizada nascendo nesse trabalho uma
perspectiva de educação escolar indígena. Toda essa discussão nesse texto
será costurada dentro de três subtítulos, educação indígena, a formação de
professores e a educação escolar e uma perspectiva de educação escolar
indígena.
Palavras-chave: educação indígena, educação escolar, Projeto Político
Pedagógico Indígena.
1 Profa. Dra. Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT/Instituto de Educação - IE/
Educação Aberta a Distância – UAB/NEAD/Dep. Teorias e Fundamentos de Educação – DTFE.
Membro do Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação – GPMSE e Grupo de Estudo
Merleau-Ponty – GEMPO. [email protected]
2 Prof. Dr. Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT/Instituto de Educação - IE/Programa
de Pós-Graduação em Educação – PPGE. Dep. Teorias e Fundamentos de Educação – DTFE.
Coordenador do Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação – GPMSE e coordenador
do Grupo de Estudo Merleau-Ponty – GEMPO.
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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Abstract: This text is to provoke discussion around indigenous school
education.This approach brings the need to debate indigenous school
education and territory. The methodology comes from conversation circles
with native indigenous teachers of Mato Grosso, observations of classes in
the village Pimentel Barbosa and also testimonials, especially with teachers
and community of the Xavante village, also located in that State. What
legitimizes this theme is coexistence, the educational and research work with
these people since 1998. All this tracjectory of work leads to a resumption
around the question nominated of indigenous education thats not something
consolidated, but still in (re) construction; its almost nonexistent in our state
with few successful experiments in action. So it was decided to put together
whats called the Indigenous Educational Project, which contemplates
workshops with proposed actions to assist the development of classes, intra
and extra classroom as sub proposals substantiate these PPIs. The hypothesis
we have is that there is a mark on each persons body that corresponds to
what we call episteme. Invisible to outsiders, Episteme whose meaning can
only be grasped in part by the natives, and that in each of whom produces an
instinct or ‘faro’, of how a curriculum should be, in the strictest sense of the
term, which has echoed alive in ancestry, which regulates ethics, aesthetics,
sociability and a policy governing the device of school education. Thus born
is an Indian perspective for education in the villages. We expose in this text
considerations from subtitles: indigenous education, teacher education and
indigenous education envisaged for school education.
Keywords: indigenous education, school education, Indigenous Project
Political Pedagogical.
Educação indígena
A educação indígena ao longo desses anos de convivência com
uma cultura ocidental e capitalista vem sofrendo diversos impactos em sua
educação. Muitos estudiosos sustentaram que esses povos se extinguiriam e
outros com a ideia de que a escola foi a grande vilã da perda de alteridade
de diversos povos. Por outro lado esses povos apoiam-se em uma resistência
incompreensível aos olhos da ciência e dos não indígenas. O lingüista e
antropólogo Meliá sustentado pela sua vivência com povos indígenas afirma
que “os povos indígenas mantêm sua alteridade graças a estratégias próprias
de vivência sociocultural, sendo a ação pedagógica uma delas” (Meliá, 1999,
p. 11). Para ele a alteridade é vista na liberdade dos indígenas de serem eles
próprios. Meliá com suas sábias palavras nos coloca que a maior responsável
por essa façanha da afirmação de alteridade é a estratégia da ação pedagógica
desses povos.
A ação pedagógica desenvolvida pelos povos indígenas de acordo
com esse linguista e antropólogo é visível porque eles mantêm a educação
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EDUCAÇÃO ESCOLAR: PELAS MÃOS DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
indígena que permite “que o modo de ser e a cultura venham a se reproduzir
nas novas gerações, mas que também essas sociedades encarem com relativo
sucesso novas situações” (idem, p. 12). A pedagogia indígena dá liberdade às
suas crianças de serem elas mesmas que para muitos chega a raiar a anarquia.
O que chamamos de infância na sociedade Xavante as crianças vivem e agem
com muita liberdade chegando a ser interpretadas como “mal educadas”.
Mas nessa educação inicial eles vão se fazendo mulheres e homens Xavante
que a partir desse momento passaremos a chamar o termo Xavante pelo que
eles se auto denominam: A’uwẽ.
Nesse sentido Meliá diz que a educação sempre cria algo novo e isso o
biológico não pode dar. A educação indígena, portanto, segue sua pedagogia
com a força das crenças, dos mitos e do seu jeito de ser e viver um cotidiano
que vai passando de geração a geração e sabiamente vai criando situação
nova como uma estratégia de perpetuar sua cultura, sua educação.
Um exemplo de situação nova existente são os instrumentos e as
coisas que vão surgindo no interior dessa sociedade. O jogo de futebol ilustra
essa questão. A preparação para o futebol é tão rigorosa e séria como o ritual
da iniciação dos meninos. Não há perdedores e ganhadores, mas sim pessoas
fortes que estão jogando, o que orgulha a todos e a todas. O cotidiano da
sala de aula. Em sala de aula é comum o conteúdo trabalhado ser repetido
diversas vezes até o último estudante que estava com dúvidas saná-las. Essa
ação pedagógica é muito parecida com a pedagogia dos A’uwẽ. As atividades
ensinadas pelos pais, avós, tios, padrinhos e anciões são repetidas quantas
vezes forem necessárias até que o aprendiz sinta-se seguro para executá-la.
Assim a educação indígena tem muito a nos ensinar: escutar o
outro, observar para entender o que se passa; silenciar nos momentos de
aprendizagens e até mesmo de ensino, ter perseverança, válido tanto para
o ato de ensinar como para o ato de aprender, repetir a tarefa quantas vezes
forem necessárias, pois ela depende da maturação da pessoa, portanto,
existe o respeito por quem está na condição de aprendiz. Enfim, poderíamos
elencar inúmeras situações que a pedagogia indígena poderia se colocar
como educadora da educação escolar e só assim chegaríamos mais próximo
da proposta de desenvolver a educação escolar indígena.
É importante acrescentar que nesse árduo propósito de ir ao encontro
da educação escolar indígena entram as formações de professores, seja ela
inicial ou continuada, ideal seria que as duas ocorressem juntas. A respeito
dessa temática faremos exposição mais detalhada no tópico abaixo acerca do
assunto formação de professores.
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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
A formação de professores e a educação escolar
Nesse processo de escolarização não se pode ocultar a face da
intencionalidade primeira dos colonizadores com os povos indígenas. O
filósofo Agamben (2011, p. 36) faz a discussão sobre as reservas indígenas
dos Estados Unidos. Ele usa o conceito de campo e de homo sacer para isso.
Por isso afirma:
As reservas são espaços jurídicos criados pelo direito,
porém fora de qualquer direito. Elas existem como
espaços anômicos onde a lei não vigora. A vida dos
indígenas que ali se encontrarem está fora do direito
de cidadania. O Estado necessitava controlar aquelas
populações indesejadas e perigosas; o meio encontrado
para tal finalidade foi a criação de espaços sem direito,
fora da cidadania, as reservas. Nas reservas o Estado,
podia-se violentar a vida de seus habitantes sem
cometer delito já que na reserva não vigora o direito,
ao menos não na sua plenitude. A reserva contém todos
os quesitos do campo: nela a exceção se tornou norma,
a vida existe como mera vida natural. Sua função é
controlar (e exterminar). No lugar da lei impera a força.
Agamben (2011, p. 35) coloca esse campo da reserva como a segunda
experiência histórica porque a primeira é a senzala. Ele define “o campo é
o espaço onde a exceção se torna a norma”. Tomemos o drama dos Kaiowá
e Guarani em Mato Grosso do Sul. As lideranças são assassinadas, mas não
existe punição para os assassinos. A lei não vigora nesse espaço, em que a
vida é considerada como “mera vida natural”. Confinados dentro de uma
reserva os povos indígenas são facilmente controlados e a vida fora dela é
sem direito. Isso torna essas pessoas verdadeiras homo-sacer, isso quer dizer,
a vida abandonada pelo direito. As pessoas sobrevivem pobremente, sem
alimentação adequada e sem direito a cidadania.
Trazemos essa questão para entender melhor o que ocorre com
a educação escolar. Explicando. Se a vida já não tem valor, imagina a
educação indígena em relação a educação escolar. Essa última segue
com superioridade ao longo dos anos. O movimento em busca de outra
escolarização vem perseguindo desde a década de sessenta e tomando força
a partir dos anos 90 pós Constituição Federal. Mas as amarras da educação
escolar são muito forte, difícil de desvencilhar de seus propósitos. Fez-se
necessário pedir cursos específicos para professores indígenas para que eles
próprios assumissem a profissão professor em suas comunidades.
Antes de 1996 era quase imperceptível um professor indígena com
formação para essa profissão. O que se via nas aldeias era professores
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EDUCAÇÃO ESCOLAR: PELAS MÃOS DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
não indígenas ministrando aulas para os indígenas. Criavam-se com isso
alguns problemas sérios: esse profissional, que na maioria das vezes não
tinha formação nem do Magistério do Ensino Médio não sabia falar a
língua indígena onde trabalhava e achava penoso ter que morar na aldeia.
A dificuldade de permanecer na aldeia fazia com que as aulas durassem
apenas o primeiro semestre. O índice de reprovação dos estudantes era
assustador. Mas os estudantes carregavam a culpa e o problema lingüístico
sequer era cogitado. A carência de professores para exercer essa atividade
nas comunidades indígenas era muito grande. Até o momento a questão da
educação escolar diferenciada não era citada. O problema das atividades na
educação escolar para os povos indígenas se arrastava há algum tempo e
o debate pelas comunidades indígenas foi ficando cada dia mais intenso.
Assim foi pensada e executada a idéia da formação de professores indígenas
na categoria do Magistério do Ensino Médio.
De acordo com o historiador e antropólogo Elias Januário3 em 1996
é plantada a semente sobre formação de professores indígenas com o início
do Curso de Magistério Específico e Diferenciado denominado “Projeto
Tucum” e foi dessa experiência que surgiu o Projeto 3º Grau Indígena uma
parceria da UNEMAT, FUNAI e SEDUC. Esse projeto pioneiro no país
inicia em 2001 suas atividades ofertando as três primeiras Licenciaturas
Específicas – Ciências Matemáticas da Natureza; Ciências Sociais e Línguas,
Artes e Literatura para indígenas abarcando um universo de trinta e seis
etnias. Portanto, inicia-se no Estado de Mato Grosso uma força tarefa para
dar conta de formar professores indígenas e dar conta da demanda dessa
modalidade.
Desde o período Colonial com a chegada dos portugueses nessa
terra que já estava ocupada, esses povos não tinham vez e nem voto. Passaram
por diversas formas de exclusão e a escola foi uma forte aliada. A situação
começa a mudar com a Constituição Federal de 1998 que é garantida aos
povos indígenas o direito de se afirmarem como povos étnicos.
Como curso superior pioneiro no Brasil o 3º Grau Indígena foi
puxando a fila de outros cursos específicos em outros Estados da Federação
que iniciam também essa formação de professores. Desse modo, muitos
professores estão com formação de curso superior e dão aulas em suas
comunidades, no entanto, o problema da educação escolar nas aldeias
continua o mesmo: o que é educação escolar indígena? Essa pergunta é
sempre repetida todas as vezes que se olha a prática pedagógica nas aldeias e
o movimento dos conteúdos e os procedimentos metodológicos em geral são
os mesmo utilizados para a sociedade não indígena e sem tocar no assunto
3 Informações obtidas no artigo desse autor intitulado: Ensino Superior para índios: um novo
paradigma na educação. Cadernos de Educação Escolar Indígena. 3º Grau Indígena, nº 01,
Volume 01, 2002. Barra do Bugres – MT, p. 15-16.
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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
da diferença de viver e de ser pessoas com culturas diferenciadas daquela
proposta pela educação escolar.
Nessa formação de professor, mesmo a específica para os professores
indígenas fica duvidoso para eles quais saberes devem ser considerados ao
longo da sua profissão. Tardif (2002, p. 17) revela em poucas palavras como
deve ser encarado esse problema.
O saber está a serviço do trabalho. [...] Que as
relações dos professores com os saberes nunca
são relações estritamente cognitivas: são relações
mediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios
para enfrentar e solucionar situações cotidianas. [...]
o saber do professor traz em si mesmo as marcas de
seu trabalho [...] trata-se, portanto, de o um trabalho
multidimensional que incorpora elementos relativos à
identidade pessoal e profissional do professor, à sua
situação socioprofissional, ao seu trabalho diário na
escola e na sala de aula.
Tomando por referência o que o autor coloca sobre esses saberes e os
transportando para a sociedade indígena fazemos a leitura dos princípios da
educação indígena que são a base e o esteio que devem sustentar a prática
educativa desses professores. Quais são os princípios dessa educação?
Podemos citar alguns deles aqui no caso do povo A’uwẽ:
• A perseverança. Isso quer dizer que a tarefa docente é árdua, é
assim fazendo e refazendo com novo significado as atividades que
os estudantes A’uwẽ vão construindo seus aprendizados.
• A escuta e o silêncio. Os educandos na situação de aprendizes
escutam em silêncio a aula ministrada. Muitos professores (não
indígenas) quando trabalham nas escolas das aldeias ficam
perguntando, mas é preciso esperar esse tempo de entendimento.
O silêncio é uma forma e um indicativo de que os estudantes estão
procurando uma forma de compreender o explicado.
• O exemplo. Os estudantes gostam de escutar exemplos de algo que
ele conhece. Gosta de ver na prática como se processa. Também a
pessoa que ensina é a referência, é o exemplo a ser seguido, pois
é um(a) sábio(a). Esse é um dos elementos que faz a comunidade
escolher o(a) professor(a), pois não é qualquer pessoa A’uwẽ que
pode usar essa insígnia, por isso a aldeia toda participa dessa
escolha.
• A paciência e o amor. Quem ensina inventa diversas maneiras para
mostrar na prática como se faz. Não altera a voz e segue o ritmo de
quem está na condição de aprendiz. Isso quer dizer que vai ensinar
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EDUCAÇÃO ESCOLAR: PELAS MÃOS DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
quantas vezes precisar até a pessoa fazer confirmando seu saber
daquilo que aprendeu.
Retomando, portanto esses seis princípios, alguns colocados juntos:
a perseverança, a escuta, o silêncio, o exemplo, a paciência e o amor. Se o
profissional docente ignorar não somente esses princípios, mas outros tão
importantes quanto esses, o seu trabalho está fadado ao fracasso. O que
ocorre é que na formação de professores indígenas é comum a educação
indígena com seus princípios serem ignorados. Isso ocorre com maior
freqüência nos cursos em que as universidades buscam os sistemas de cotas.
Elas não preparam os professores de todos os cursos para receber pessoas
com outra educação, com outro modo de ser e viver. Trata todos esses alunos
homogeneamente e com a presença do preconceito, discriminação e todas
as formas de exclusão possível.
Como os estudantes indígenas cotistas sobrevivem a isso?
Exatamente pela sua educação sustentada em princípios que os fazem resistir
como resistiram quinhentos anos de opressão sob proibição da língua e de
suas práticas culturais, religiosas e ritualísticas. Isso não quer dizer que as
universidades com cursos específicos também não incorram nesses mesmos
problemas. Elas têm a diferença de poder selecionar os professores, busca
compreender a dimensão histórica do seu público, tem uma intencionalidade,
afinal, mesmo uma etnia sendo diferente da outra a compreensão sobre o
Outro ocorre de uma forma um pouco mais comprometida.
O filósofo Merleau-Ponty (FP, 2006, p. 16) afirma que “compreender
é reapoderar-se da intenção total” e a dimensão da história é a relação com
o Outro e com esse mesmo entendimento acrescenta que a compreensão é
“a fórmula de um comportamento único em relação ao outro, à Natureza,
ao tempo e à morte, uma certa maneira de por forma no mundo que o
historiador deve ser capaz de retomar e de assumir”. Assim, as universidades
que oferecem formação inicial com cursos específicos para professores
indígenas têm tempo de preparar-se para esse comprometimento, de assumir
essa dimensão histórica.
Uma perspectiva de educação escolar indígena
Desde 1998 que as comunidades da Terra Indígena Pimentel Barbosa
vêm solicitando uma capacitação específica para seus professores. Diversas
discussões já foram realizadas no Warã, lugar ocupado pelos homens para
reunir-se duas vezes. Uma antes do amanhecer e a outra se inicia ao anoitecer.
Elas cumprem a tarefa de planejar e avaliar as ações realizadas ao longo
do dia e em alguns casos na semana. Mesmo esse espaço sendo presença
masculina as mulheres participam colocando suas idéias antecipadas, ou
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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
seja, antes de seus esposos, genros, filhos irem para o Warã a questão é
discutida em casa.
A escola desejada4 por eles deve ajudá-los na resolução dos problemas
que vão surgindo em seu cotidiano, isso em 1998 quando escolheram seus
professores que ainda tinham como escolaridade apenas as séries iniciais do
Ensino Fundamental como a 1ª série. Eles tinham problemas com mortalidade
infantil e queriam saber como a escola poderia ajudá-los a solucionar esse
problema. Também queriam uma escola que os ajudasse nas negociações
com os não indígenas. Para eles a escola era do warazu (não indígena),
mas deveria estar a serviço das comunidades. Eles queriam uma escola que
respeitasse sua cultura e que não atrapalhasse seus rituais, mas que ensinasse
seus filhos e filhas (naquele tempo as meninas estudavam somente até os 8
anos de idade) a ler e escrever e também a língua portuguesa. Disseram que
queriam uma escola que os ajudasse a fortalecer sua cultura, as mulheres
anciãs por exemplo estavam com muito medo dessa proximidade com os
warazu e que essa atraísse seus jovens, principalmente os meninos que iam
muito para a cidade. O projeto terminou em 2000 e não foi possível dar
continuidade a esse trabalho.
A experiência ao longo dos anos com o trabalho da educação escolar
com a pretensão de ser “educação escolar indígena” mostrou que um
primeiro passo para iniciar essa tarefa seria construir um Projeto Pedagógico
Indígena. Por que? Porque nele está a participação de cada comunidade por
meio de pesquisa de professores e alunos com a comunidade, reuniões no
warã para discutir que tipo de escola que se quer as rodas de conversas
às sombras das casas, enfim, é preciso escutar a quem essa escola de fato
interessa. Entretanto, essa mesma experiência tem apontado a falta de
paciência e compreensão das secretarias seja municipal ou estadual, por
desinteresse ou a falta de conhecimento acerca da temática em questão. Por
isso e a pedido dessas comunidades iniciaremos um trabalho de projeto de
extensão e pesquisa que visa dar continuidade à formação continuada para
os professores dessa Terra Indígena, observando a ação pedagógica étnica.
O lingüista e antropólogo Bartomeu Meliá tem razão quando afirma
que é a ação pedagógica de cada povo que os guia para a educação. Vejamos
em sua fala:
De fato, o objetivo que guia a ação pedagógica é esta
questão fundamental: o que é um bom guarani, o que
é um bom xavante, um bom bororo, um rikbáktsa é o
objetivo que guia a ação pedagógica. A ação pedagógica
4 A escola desejada foi tema da monografia de Maria Aparecida Rezende. Especialização em
Teorias e Métodos de Antropologia. “ Educação Escolar e Reprodução Social da Diferença: a
escola desejada”. UFMT: Cuiabá, 1999-2000.
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EDUCAÇÃO ESCOLAR: PELAS MÃOS DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
tradicional integra sobretudo três círculos relacionados
entre si: a língua, a economia e o parentesco. São os
círculos de toda cultura integrada. De todos eles,
porém, a língua é o mais amplo e complexo. O modo
como se vive esse sistema de relações caracteriza cada
um dos povos indígenas. O modo como se transmite
para seus membros, especialmente para os mais jovens,
isso é a ação pedagógica.
Nesse sentido é preciso dar voz a ação pedagógica de cada povo.
Por isso é importante construir uma educação escolar indígena tendo o
olhar voltado para a ação pedagógica tradicional. A construção do currículo
seja voltada para os assuntos da comunidade e entrelaçado com a cultura
A’uwẽ.. Para isso é necessário desenvolver pesquisas junto às comunidades,
incluindo caciques, lideranças, conselheiros da comunidade (nas conversas
do warã por exemplo), os pais, os padrinhos, professores, coordenadores e
outros funcionários das escolas. Esse trabalho é árduo e longo. Não pode ser
aligeirado, pois trata-se de pensar uma escola que não seja egoísta, superior
ao modo de ser e viver dos A’uwẽ.
Mesmo com a construção do PPI de cada comunidade (aldeia)
não é suficiente para desenvolver as atividades pedagógicas. É necessário
desenvolver ações pedagógicas para acompanhar as práticas docentes no agir
de suas práticas educativas. A cultura escolar precisa dialogar com a cultura
dos Xavante. A escolarização não pode e nem deve ser superior ou partir
dela mesma. Nossa proposta é que esse movimento seja contrário, ou seja, a
escolarização terá seu desenvolvimento a partir das vivências, necessidades
e dos desejos de cada aldeia participante.
O projeto é de suma importância por atender direto e indiretamente
aproximadamente 900 pessoas. Ele visa uma interação entre educação
indígena e educação escolar numa busca de construir uma educação
intercultural. Municípios e Estado necessitam de curso de formação de seus
técnicos para assessorar as escolas indígenas e esse projeto contribuirá nessa
formação. Eles querem e também para consolidar o respeito mútuo entre
os dois conhecimentos tão diferenciados: os conhecimentos indígenas e os
conhecimentos da ciência ocidental. Após a realização desta pesquisa e sua
sistematização, os PPIs vão sendo construídos de acordo com a identidade
de cada escola e comunidade. Feito isso, necessita-se de um período de
orientação do trabalho pedagógico em acordo com os PPIs, seguindo o
desenvolvimento das atividades interligadas aos processos próprios de ensino
e aprendizagem do povo A’uwẽ e também os diversos rituais realizados.
A ação desse projeto fundamenta-se no universo de princípios em
que está inserida a cultura, a educação, e a interculturalidade. Nesse sentido
19
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
há que se entender os conceitos de cada uma dessas palavras. Por cultura
inspiramo-nos em Geertz (1989, p. 15) numa abordagem antropológica
entendida como:
[...] o homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura
como sendo essas teias e suas análises; portanto, não
como uma ciência experimental em busca de leis.
Mas como uma ciência interpretativa, à procura de
significado [...].
Em outro trecho afirma ainda que (idem, p. 103) que [...] “um sistema
de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais
os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas
atividades em relação à vida”. É nessa esteira de pensamento que buscamos
a compreensão do que seja interculturalidade. Inspirados em Martin Buber
e Paulo Freire os educadores populares, (Neto & Barbosa, 2005, p. 12)
extraíram a idéia de que a interculturalidade está ligada com a educação
dialógica. “A educação dialógica, especialmente aquela que prima pelo
diálogo entre culturas (interculturalidade) apresenta-se como uma estratégia
de formação inovadora e radical” isso porque possibilita superar ações e
visões etnocêntricas. Os autores (idem) continuam nessa mesma direção.
O resultado da educação intercultural, vislumbrase, é contribuir para uma sociedade democrática e
multicultural, fundada no diálogo, na assunção da
diversidade, e na possibilidade de todos os seres
humanos assumirem-se politicamente frente o mundo
e tomar a história em suas mãos.
Esse entendimento de Freire e de Buber amplia o conceito de
interculturalidade. A educação é o suporte de todas as vivências humanas.
As pessoas são educadas desde o ventre materno e assim pela vida toda, se
entendemos a educação como um processo contínuo de ensino e aprendizado.
Assim, caminhamos na direção de um trabalho que
prioriza a educação indígena tendo como aliada a educação escolar
buscando um diálogo entre os conhecimentos indígenas e os conhecimentos
da ciência ocidental.
Nesse sentido indagamos: o que se quer é uma cultura escolar seguindo
o mesmo ritmo da cultura ocidental? Ou é uma educação escolarizada voltada
para a educação escolar indígena? A primeira dimensão – uma educação
20
EDUCAÇÃO ESCOLAR: PELAS MÃOS DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
escolar sem o elo com a educação indígena, como é o mais comum e não há
necessidade de pesquisa: é só realizar os cursos de formação continuada para
professores sem atender as suas especificidades. Já a segunda dimensão, em
que o respeito a diferença é prioridade, nesse caso, a pesquisa é primordial.
Dessa maneira sustenta-se a tese que as ações pedagógicas sejam
voltadas para a educação escolar indígena é necessário escutar as pessoas
interessadas, nesse caso os A’uwẽ. Também é necessário construir o
documento que dá voz a esse povo: o Projeto Pedagógico Indígena que
amarra suas utopias e desejos de uma escola diferente. Outra ação importante
é o acompanhamento dessas atividades para tirar as dúvidas, (re)construir
as atividades que dão vida e sustentação no trabalho da prática docente. E
essa prática pedagógica deve seguir pelas mãos da educação indígena para
que a cultura e o modo de ser e viver dos A’uwẽ estejam assegurados não
somente pela legislação, mas também pelos seus desejos de ter a escola
que desenharam para ajudar na formação de seus homens e mulheres nesse
contexto de contato e inovação de sua cultura.
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21
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO
COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
Luis Antonio Ccopa Ybarra1
Marisa Soares2
Resumo: Este artigo evidenciou o desenvolvimento de políticas públicas e
projetos para a educação das sociedades indígenas brasileiras e peruanas.
Executamos uma análise comparativa de seu desenvolvimento histórico em
seus países. Analisamos que em ambos países a formação de educadores
para a educação formal, apresenta tendências que avançam perante uma
educação tradicional, todavia estão sendo utilizadas numa perspectiva
neoliberal que transforma a educação em prestação de serviço, destinada
a clientes sapientes do produto que necessitam consumir, observou-se
a preocupação com o crescimento de parcerias público-privadas ou até a
privatização plena, a flexibilização do ensino, para formar em curto espaço
de tempo e com redução de custos. Analisou-se como incluir a sociedade
indígena sem afetar sua alteridade, um caminho possível apresentou-se na
formação de educadores bilíngues, com competência na cultura indígena
e ações afirmativas de inclusão. No Brasil destacou-se o investimento no
ensino superior em pesquisas e projetos de extensão e no Peru, destacouse o ensino básico e secundário para a população indígena por apresentar
melhores índices de alfabetização.
Palavras-Chave: Educação Indígena. Formação de Educadores. Identidade
Cultural.
Abstract: This article evidenced the development of public policies and
projects for the education of Brazilian and Peruvian indigenous societies.
We perform a comparative analysis of its historical development in their
countries. We analyze that in both countries the training of educators to
formal education, advancing towards trends presents a traditional education,
however are in a neoliberal perspective that transforms education service
delivery, aimed at sapient customers consume the product they need. Noted
the concern with the growth of public-private partnerships or even full
privatization, the flexibility of teaching to form in a short time and at reduced
costs. Analyzed how to include indigenous society without affecting its
otherness, a possible way presented in the training of bilingual educators with
1 Doutorando em Nanociências e Materiais Avançados (UFABC), Mestre em Processos
Industriais (IPT) e Multidisciplinar (Educação, Comunicação e Administração) (UNIMARCO),
graduação em Engenharia Mecânica Plena (Centro Universitário FEI). Professor Titular, dep.
Exatas e Ciências da Terra (UNINOVE). [email protected]
2 Doutoranda em Educação (UNINOVE), mestre em Educação (UMESP), graduação em
Licenciatura Plena em Letras (Inglês e Espanhol) e em Pedagogia (UNINOVE). marisasoares@
uninove.br
23
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
expertise in indigenous culture and affirmative action to promote inclusion.
Brazil stood out in the investment in higher education and in research and
extension projects in Peru, were detached basic and secondary education for
the indigenous population by presenting best literacy rates.
Keywords: Indigenous Education. Training of Educators. Cultural Identity.
Introdução
A educação Intencional e formal3 desenvolvida geralmente na escola,
interage com fatores sociais, políticos e econômicos que a torna um ambiente
priorizado de uma formação humana pautada nos valores de uma camada da
sociedade que a legitimou. Essa tendência homogeneizadora coloca em risco
as identidades culturais e históricas das camadas sociais menos favorecidas.
Nesse artigo focalizamos a educação das sociedades indígenas brasileiras
e peruanas. Executamos uma análise comparativa de seu desenvolvimento
histórico em seus países, assim como as políticas públicas voltadas para a
preservação de suas identidades.
Conforme Fischmann (2001, p.77), “a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, pela Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas, escreve em seu artigo XXVI”:
Todo ser humano tem direito à educação. A educação será gratuita,
pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A educação elementar
será obrigatória. A educação técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, está baseada no mérito.
A partir desse direito inalienável, desponta-se a necessidade de
se analisar a formação de educadores para a educação escolar indígena, de
maneira que a sociedade indígena possa preservar suas identidades étnicas,
suas línguas, seus valores culturais e conhecimentos desenvolvidos entre as
gerações ao longo do tempo histórico.
Nosso objetivo é desenvolver subsídios teóricos referentes às
condições da formação de educadores para a educação escolar indígena
no Brasil e no Peru, suas condições de trabalho e de seus alunos. Essa
comparação nos permitirá compreender as similaridades e as diferenças
da evolução histórico social desse ensino entre os dois países e seus atuais
desafios no âmbito educacional formal.
3 Educação intencional e formal refere-se às influências no processo educacional, em que
há intenções e objetivos definidos, tarefas a cumprir, educação escolar e extraescolar, assim
temos: a Educação não-formal, isto é, atividade educativa estruturada fora do sistema escolar
convencional e, Educação formal, ou seja, que se realiza nas escolas ou outras agências de
instrução e educação, igrejas, sindicatos, empresas (LIBÂNEO, 1994).
24
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
Breve contextualização histórica da educação indígena no Brasil.
Em 1549 Dom João III envia ao Brasil a primeira missão jesuítica,
nesse período o padre Manuel da Nóbrega e missionários compunham a
Companhia de Jesus, a qual objetivava a conversão dos povos nativos à fé
católica, sendo que esse processo apresentou a resistência indígena à sua
escravização, tendo em vista que os portugueses estavam tomando posse de
suas terras.
A escola, como a sociedade ocidental se familiarizou a compreender,
isto é, uma complementação da formação familiar para os valores, os
costumes e os conhecimentos legitimados, com o objetivo da manutenção e
reprodução dessa mesma sociedade; não fazia parte da realidade indígena,
desta maneira os jesuítas conduziam prioritariamente as crianças para serem
alfabetizadas paralelamente aos conhecimentos da religião cristã.
Havia casas destinadas à catequização dos índios não batizados, assim
como havia separadamente, os colégios destinados aos meninos naturais de
Portugal, às crianças mestiças e aos índios já batizados. A formação nos
colégios visava formar os futuros catequizadores, por essa razão apresentava
uma educação mais ampla e tradicionalizada. Nesse período, existiam por
volta de 10.000 milhões de índios.
Uma característica diferente da educação dos jesuítas, constituiu-se em
que esses missionários consideravam que o convívio com cristãos facilitaria
a catequização dos índios, de maneira que conviviam nos aldeamentos com
militares, comerciantes, colonos e escravos negros. “No quadro econômico e
político, vou apresentar os mecanismos principais da exploração da colônia
pela metrópole, procurando o papel nela desempenhado pelo aparelho
escolar” (CUNHA, 1980, p.18). Esse papel da colônia tinha sua manutenção
com a Igreja Católica, cuja burocracia estava integrada ao funcionalismo
estatal, seu principal meio era a Companhia de Jesus, pela qual além de
catequisar os índios, exercia sua atividade educacional nos colégios das
primeiras letras, para o ensino secundário e superior. A forma de garantir
sua presença na formação da sociedade colonial era pelo currículo desses
colégios, pela utilização da Pedagogia Tradicional de textos escolhidos, ou
seja, o início dos “livros didáticos” com textos selecionados condizentemente
com as ideologias dominantes, às diversas especialidades da burocracia
estatal e à organização da própria ordem religiosa que as ensinava, sob a
perspectiva filosófica Aristotélica/Escolástica.
No período Pombalino, em 1759, a intencionalidade era criar
condições para que ocorresse em Portugal a industrialização que se
processava na Inglaterra, de maneira que substituiu-se a ideologia de uma
sociedade feudal, para uma sociedade capitalista mercantilista. “É provável
que a perseguição à Companhia de Jesus em Portugal, como em outros
25
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
países, tivesse a ver, também, com as modificações no campo ideológico”
(CUNHA, 1980, p.44). Trata-se do período da Pedagogia Positivista, houve
mudança também no currículo burguês para a nobreza, conforme o modelo
das public-schools inglesas, que se tratava da escola destinada à nobreza.
“De outro lado, a mesma pedagogia era abstraída do seu contexto ideológico
e utilizada como uma técnica flexível para a educação de tipos humanos
opostos, próprios da sociedade feudal em acelerada decadência” (Ibidem,
p.45).
No período do Império, em 1808, a Pedagogia Positivista visava a
emergência do Estado Nacional, “o espírito profissional e pragmático, então
imprimido ao ensino superior brasileiro, espírito sempre tão condenado,
não chegou a transformar as escolas em instituições” (WARDE, 1990). Os
cursos superiores surgiram a partir de necessidades práticas e imediatas e
não acompanharam a exigências da sociedade brasileira em sua totalidade.
Em linhas gerais, durante todo o Período Imperial (1808-1889)
realizaram-se muitos debates em torno do tema educação escolar primária
organizada e mantida pelo poder público estatal que pudesse atender,
principalmente, negros (livres, libertos ou escravos), índios e mulheres, que
compunham as chamadas camadas inferiores da sociedade. Isso se deu em
um contexto onde a instrução popular era considerada a base do progresso
moral, intelectual e social de qualquer país e havia o entendimento, tanto
no plano nacional quanto no internacional, de que investir na quantidade
de escolas e de alunos representava a preocupação para com o progresso e
civilização de uma nação.
Todavia, esse Período Imperial não representou para a sociedade
indígena uma política imperial que atendesse suas necessidades, os
especialistas e autoridades, que chegaram a se entusiasmar com a
possibilidade de haver instituições públicas destinadas ao ensino de crianças
indígenas, desacreditavam que isso pudesse ocorrer sem a intervenção das
missões religiosas. O início do século XX, marca uma atenção à sociedade
indígena brasileira como uma fase de total identificação com a missão
católica e o Estado, nesse âmbito, o setor público divide com as ordens
religiosas católicas, mais uma vez, a responsabilidade pela educação formal
para os índios.
Assim, na primeira década do período republicano, é retomada a
oferta às populações indígenas de ensino suplementar associado ao ensino
de ofícios, voltados às necessidades locais, sob o comando das missões
religiosas que fundaram alguns internatos para a educação de meninos e
meninas.
O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) criado a 20 de junho de 1910,
pelo Decreto nº 8.072, tendo por objetivo prestar assistência a todos os índios
26
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
do território nacional reconheceu e demarcou terras indígenas desse modo
durante muitos anos. Até que o encantamento que adveio do reconhecimento
da cultura xinguana, tão harmônica entre povos de línguas tão diversas, levou
Orlando Villas-Bôas, Darcy Ribeiro e Eduardo Galvão a propor ao Marechal
Rondon e a Getúlio Vargas a criação do Parque Nacional do Xingu, em 1953
(confirmado formalmente por Jânio Quadro em 1961). Daí por diante, o SPI,
os antropólogos, indigenistas e sertanistas, depois a FUNAI, com ou sem os
militares, passaram a ver as terras indígenas como territórios, como natureza
culturalizada. O SPI foi extinto em 1967, sendo suas atribuições repassadas
para a Fundação Nacional do Índio - FUNAI (GOMES, 2004).
O regime político implantado a 10 de novembro de 1937, visava
tendências à unificação do sistema educativo, além de que apresentava um
forte incentivo ao espirito nacionalista, É importante compreender esse
período inicia-se na revolução de 1930 e teve o seu ponto culminante no
golpe de estado e na Constituição de 1937. Esse momento histórico brasileiro
é marcado pelos seus objetivos: aglomerar, aproximar, assimilar as unidades
federadas, num espírito de comunhão nacional brasileira. Esses objetivos
tornaram-se a tarefa principal do governo que se instituiu, como novo
sistema político, e começou por fortificar a autoridade do poder. Período
de imposição de uma política escolar adotada pela União, isto é, um plano
de coordenação de objetivos, pela padronização de processos e cooperação
de recursos técnicos e financeiros. Tornou-se obrigatório em todo o país, a
Bandeira, o Hino Nacional, os escudos e as armas nacionais.
Radiodifusão e cinema educativo instituiu-se a “Hora do Brasil
“ e organizou-se, no Departamento de Imprensa e Propaganda, a Divisão
de Rádio, sob cujo controle e fiscalização ficaram todas as transmissoras
brasileiras. O cinema foi utilizado oficialmente no Distrito Federal, pelo
decreto que reformou o ensino na capital do país, — e foi a primeira lei que
determinou o emprego do cinema para fins escolares, e em São Paulo, pelo
decreto de 21 de abril de 1933 que aprovou o Código de Educação, o cinema
educativo somente em 1934 veio a interessar realmente ao governo da União
que instituiu medidas concernentes à utilização, circulação e intensificação
de filmes escolares (decreto n° 24 651) e criou, pela lei n. 378, de1937, o
Instituto Nacional de Cinema Educativo com o fim de coordenar a aplicação
do cinema educativo e promover a sua divulgação por todos os meios.
A utilização do cinema no ensino e na pesquisa cientifica começou a
ser praticada no Museu Nacional que inaugurou, em 1910, a sua filmoteca,
enriquecida em 1912 com os primeiros filmes dos índios Nambiquaras,
sob o ponto de vista de Roquete Pinto, trouxe da Rondônia e as admiráveis
películas com que a Comissão Rondon documentava as suas explorações
geográficas, botânicas, zoológicas e etnográficas (CUNHA, 1980).
27
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
No período da República, destaca-se a busca pela identidade nacional.
“Crê-se agora, apesar de reconhecermos peculiaridades étnicas ou culturais,
na “unidade da civilização”: há um processo único e as principais diferenças
entre as nações são de “fase” e não de “natureza” (BARROS, 1986, p.12).
A compreensão dessa perspectiva é essencial para a compreensão desse
período que marcou a busca de uma integração de uma suposta realidade
brasileira subsidiada pela ação educativa da lei, da escola, da imprensa,
do livro; pois fundamentavam-se nos valores positivistas europeus. Essa
concepção Pedagógica condizia uma Filosofia Positivista que preconizavam
a escola laica e estatal, a neutralidade científica vinculada à razão, com
vistas ao desenvolvimento e progresso científico advindo da segunda Guerra
Mundial.
Pela Lei de Diretrizes e Bases de 1961 e pelo golpe de Estado, o
período 1964/73 foi de grande prosperidade para o setor privado no campo
educacional. Numas escolas havia estudantes de classe média dispondo
de recursos para pagar as mensalidades; em outras, crianças proletárias
recebendo bolsas de estudo (CUNHA, 1980). Para a formação da população
indígena, nesse período há a Fundação Nacional do Índio – FUNAI que
é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada por meio da Lei
nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça,
é a coordenadora e principal executora da política indigenista do Governo
Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos
povos indígenas no Brasil.
Cabe à FUNAI promover estudos de identificação e delimitação,
demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente
ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras
indígenas. A FUNAI também coordena e implementa as políticas de proteção
aos povos isolados e recém-contatados.
A partir de 1970, a Funai estabelece convênios com o Summer
Institute of Linguistics (SIL), visando ao desenvolvimento de pesquisas
para o registro de línguas indígenas, à identificação de sistemas de sons,
elaboração de alfabetos e análises das estruturas gramaticais. Além disso,
passa a ser responsabilidade dessa instituição a preparação de material de
alfabetização nas línguas maternas e de material de leitura, o treinamento do
pessoal docente, tanto da Funai, como de missões religiosas e a preparação
de autores indígenas. O SIL, cujo objetivo principal era converter povos
indígenas à religião protestante, passa a atuar de uma forma que se confunde
com a do Estado e, em alguns casos, assume para si a obrigação estatal de
tutela desses povos (SECAD, 2007).
As políticas públicas relativas à Educação Escolar Indígena pósConstituição de 1988 passam a se pautar no respeito aos conhecimentos, às
28
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
tradições e aos costumes de cada comunidade, tendo em vista a valorização
e o fortalecimento das identidades étnicas. A responsabilidade pela definição
dessas políticas públicas, sua coordenação e regulamentação é atribuída, em
1991, ao Ministério da Educação.
Em 2003, tem início no Ministério da Educação um movimento para
a inserção e enraizamento do reconhecimento da diversidade sociocultural
da sociedade brasileira nas políticas e ações educacionais, que se consolida
com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECAD), à qual está vinculada a Coordenação-Geral de
Educação Escolar Indígena (CGEEI).
A criação da SECAD objetivou institucionalizar no Sistema Nacional
de Ensino o reconhecimento da diversidade sociocultural como princípio para
a política pública educacional, evidenciando a relação entre desigualdade
de acesso e permanência com sucesso na escola com a histórica exclusão
fomentada pela desvalorização e desconsideração das diferenças étnicoraciais, culturais, de identidade sexual e de gênero, nas escolas brasileiras.
Assim, a educação escolar indígena passa a receber um tratamento, no MEC,
focado na asserção dos direitos humanos, entre eles o de ter seus projetos
societários e identitários fortalecidos nas escolas indígenas.
Com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
responsável pelos procedimentos de descentralização de recursos para
diversos programas de desenvolvimento da educação, entre eles o Programa
Nacional de Alimentação Escolar, os diferentes Programas do Livro, o
Programa de Transporte Escolar, foi estabelecida uma importante parceria
para garantir o acesso das escolas indígenas a esses programas, observandose suas especificidades.
Nos anos de 2005 e 2006 essas Resoluções foram específicas para
a educação escolar indígena, agregando aos critérios de avaliação e seleção
das propostas sua conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação Escolar Indígena e participação das comunidades indígenas em
instâncias de controle social (Ibidem, 2007).
As bases legais para a formação intercultural de professores indígenas
estão na Constituição Federal, artigos 210 e 231, na LDB - Lei nº 9.394/96,
no Plano Nacional de Educação e na normatização do Conselho Nacional
de Educação - Parecer 14 e Resolução 03/CEB-CNE, de 1999. Estes textos
legais e normativos asseguram a formação de professores indígenas em
programas específicos e à docência por professores oriundos de sua própria
comunidade.
29
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Breve contextualização histórica da educação indígena no Peru.
Na fronteira entre o Brasil e o Peru, pelo estudo de Hüttner, (2007,
p.44), “situam-se as tribos indígenas de várias etnias no alto do rio Solimões,
essa região é composta por sete municípios (Amarutá, Atalaia do Norte,
Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Tabatinga e Tonantins).”. De
acordo com o autor, os índios do Vale do Rio Javari, compõem oito etnias,
especificamente localizados nos igarapés do município de Atalaia do Norte
e à beira do rio Javali região fronteiriça entre o Brasil e o Peru. Região
coberta pela floresta amazônica e altas colinas, em cujas os índios constroem
suas habitações. Essa população vivenciou o ciclo da borracha e depois a
exploração da madeira.
Nesse transcorrer muitas etnias foram dizimadas, atualmente constam
alguns grupos sobreviventes. Trata-se de uma região conflitante, entre a
região demarcada dos índios e os caboclos que vivem numa faixa curta de
terra. Evidencia-se que há a necessidade de diálogos e novas perspectivas
que integrem essa população, mediante suas diferentes tradições e valores
culturais, uma vez que juntas compõem um grupo social menos favorecido e
que necessita de políticas públicas que visem a melhoria de suas condições
de vida.
No outro lado da fronteira, no Peru, alguns grupos locais foram
contatados desde o final do século XVI com a atuação missionária do regime
colonial, enquanto outros só iniciaram o contato com a sociedade nacional
no fim do século XIX, no período da extração da borracha. A história da
população indígena peruana é dividida em dois grandes períodos, ou seja o
Período Colonial, no qual observamos as incursões missionárias na Selva
Central, e o Período do Peru Independente, isto é, quando houve uma
atuação de novos interesses da sociedade europeia colonizadora que marcam
a expansão da extração da borracha, sendo que nesse período se constituíram
muitas regiões amazônicas.
As pesquisas no campo da História, da Sociologia e da Antropologia
têm demonstrado que a infância, tal como a conhecemos hoje, não é um
fenômeno natural e universal, mas, sim, de uma construção paulatina das
sociedades moderna e contemporânea (ARIÉS, 1981). Em sua obra o autor
destaca a educação das crianças Incas, que oportunizava o desenvolvimento
de sua autonomia4, analisando com a formação burguesa ocidental. Essa
4 Autonomia é a capacidade de gerar, em si mesmo, as emoções apropriadas em um momento
determinado, sendo que estão incluídas: a autoestima, a atitude positiva diante da vida e da
responsabilidade (GROP, 2009.).
30
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
população historicamente se desenvolveu por meio de sua atividade de
trocas de mercadorias com outras regiões da Amazônia e na América Latina.
A civilização Inca mantinha o comércio de animais e suas peles,
madeira, mel, algodão, plantas da região para fins medicinais, sal, entre
outros produtos naturais e produzidos em suas terras. Sua expansão e
relação com as outras regiões do Império Inca sofreu sua queda com o
avanço da população europeia no período da extração de borracha. Nesse
Período Colonial, a presença jesuíta colonizadora é marcada pelos padres
franciscanos.
“Em 1635, Jerónimo Jimenez inaugura a chegada dos franciscanos,
entrando em território Ashaninka e fundando a missão de Quimiri (atual
cidade de La Merced)” (ZEVALLOS, 2003). Apesar das derrotas sucessivas,
as entradas dos espanhóis continuam. A desarticulação do sistema de trocas
nativo, através da instalação de missões em sítios estratégicos, está presente
pela primeira vez na empresa evangelizadora de Biedma, franciscano
identificado como o primeiro explorador da região montanhosa peruana. No
período da independência do Peru em 1822, torna-se seu desafio constituirse como um Estado-nação. Todavia, a educação peruana, diferentemente
da brasileira, já contava com a formação universitária desde 1551, período
em que fundou-se a Universidade Maior de San Marcos, a mais antiga da
América. Sua importância, destaca-se na formação do pensamento e ideário
da independência e da criação de uma identidade nacional, por meio da
Revista intitulada: “El Mercurio Peruano”. Suas publicações são marcas
dos pensadores e professores dessa universidade centralizavam as iniciativas
de debates e diálogos internacionais. O pioneirismo peruano é observado por
ser o primeiro país na américa latina a ter imprensa, na cidade de Lima em
1584, foram publicados os primeiros livros latinos americanos. Em 1802,
por meio de estudos e pesquisas desenvolvidos em Lima, o Barão Alexander
Von Humboldt, desenvolveu seus primeiros descobrimentos sobre a corrente
marinha Humboldt.
Em 1822, estabelece-se o primeiro Congresso peruano seu presidente
interino, Francisco Xavier Luna Pizarro, somente em 1930 será instalado um
novo Congresso Constituinte, quando se elabolorou a primeira Constituição
de 1933, sob o poder de Luis Miguel Cerro, que determinou a expulsão de
parlamentares da Alianza Popular Revolucionária Americana, conhecida
como Apristas, sendo atualmente a base histórica de um dos partidos políticos
vigentes. A segunda Constituição peruana acontece em 12 de junho de 1979,
sob o poder dos militares. No Peru, os militares tomaram o poder em 1968,
com o apoio da esquerda, dos progressistas e com a vitória do Partido Aprista
Peruano nas eleições presidenciais, sendo que esse partido apresentava
interesses contrários às forças armadas e à classe social dominante.
31
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Desta forma, constituiu-se no Peru, entre 1968 à 1980, o período da
Ditadura Militar. Esse período instalou reformas radicais, mas ao contrário
do Brasil, não foi capaz de realizar um processo autossustentável de
crescimento. Após um período de enfraquecimento dos apristas em 1975,
os partidos moderados prometeram eleições abertas a todos os partidos. “O
candidato centrista Fernando Belaúnde Terry assume a presidência em 1980,
pois atendia melhor aos militares e às classes mais altas. Entretanto, seu
mandato durou até 1985, assim como seu partido se extinguiu” (CINTRA,
2000, p.6).
No âmbito educacional, o regime militar, influenciou as atividades de
ensino e pesquisa das universidades, controlando o movimento estudantil.
As universidades foram se tornando território fértil para a formação dos
movimentos guerrilheiros, especialmente as universidades públicas do
interior. A maioria dos líderes de Sendero Luminoso tinham sido professores
de universidades do interior andino. Abimael Guzmán, o líder máximo de
Sendero Luminoso, foi professor de filosofia da Universidade de Ayacucho,
essa universidade teve sua fundação no século XVIII, nesse momento
colonial havia alta extração das minas, todavia com o seu esgotamento, a
cidade de Ayacucho tornou-se extremamente empobrecida.
Desde o governo militar as universidades foram crescentemente
tratadas com critérios políticos, chegando ao cúmulo com Fujimori. Alberto
Fujimori que havia sido Reitor da Universidade Nacional Agrária, em seu
mandato presidencial mandou o exército invadir as universidades e, na
Universidade de San Marcos, expulsou o Reitor democraticamente eleito,
um dos melhores historiadores, empossando um outro sem qualificações
acadêmicas.
O sistema universitário, especialmente público, foi se degradando
enquanto se incentivava o ensino privado, muito caro, para as novas elites
(ZEVALLOS, 2003). Atualmente, iniciou-se um programa que contribuiu
para evitar a extinção da população indígena por meio da vacinação de
todos os recém nascidos nos povos amazônicos indígenas Kandosi e
Shapra, também se defendeu a adoção de uma política de educação bilíngue
intercultural por dezesseis regiões e se comprometeu a monitorar uma efetiva
educação com pertinência ao direito dos povos indígenas (UNICEF, 2012).
A formação de educadores bilíngues e/ou pertencentes à comunidade
indígena, conduz também à reflexão dos conteúdos e materiais didáticos
elaborados para o processo de alfabetização. Na sociedade ocidental,
comumente observa-se inseridos nos textos, imagens, mapas etc. valores
e padrões da sociedade que os legitima. Nesse âmbito, faz-se relevante
priorizar os aspectos da diversidade cultural, tanto para a sua preservação
e valorização, como para desenvolver uma visão humanizada. “O famoso
32
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
“milho sagrado dos incas”, cultivado em terraços defendidos e aquecidos
pelo sol acima do lago Titicaca, marca o mais alto limite do grão: c. 3.900m
ou 12.700 pés.” (AMPARO, 2006, p.260). O autor explica sobre a Geografia
Cultural, pela qual o geógrafo analisa o papel da sociedade humana enquanto
agente geográfico. Como observar a plantação de milho dos Incas, que
era cultivado não só nas ilhas lacustres, mas em terraços acima de Puno.
O milho do Titicaca foi cultivado, por motivos rituais e tradicionais, em
altitudes muito superiores às atingidas em outros lugares. Essa perspectiva
de aprendizagem, propicia a responsabilidade social e ambiental de cada
pessoa como agente de sua realidade.
Análises entre a educação formal indígena no Brasil e no Peru
na atualidade.
Mediante essa contextualização histórica é possível observar que
os sistemas educacionais peruanos, assim como os sistemas educacionais
latino americanos, perpassam os seus níveis de educação, isto é, educação
básica e superior com fortes relações entre si, pois a deficiência na formação
de educadores e o deficitário investimento em recursos educacionais e as
condições trabalhistas dos educadores são frutos das fortes influências
históricas que evidenciam os interesses do Estado:
a) Primeiramente pela formação tradicional católica, isto é, dos jesuítas
e dos franciscanos, a partir dos interesses das colônias, sendo que no
Peru e nas demais colônias da Espanha, a criação das universidades
e o ensino articulado com a pesquisa já foram se constituídos desde
o século XVI;
b) Diferentemente ao Brasil que dependia das universidades portuguesas
para a formação de seus profissionais e intelectuais. Para graduaremse, os estudantes da elite colonial portuguesa, considerados portugueses nascidos no Brasil, tinham de se deslocar até a metrópole. Na
colônia, o ensino formal esteve ao cargo da Companhia de Jesus: os
jesuítas dedicavam-se desde a cristianização dos indígenas organizados em aldeamentos, até a formação do clero, em seminários teológicos e a educação dos filhos da classe dominante nos colégios reais.
“Nesses últimos anos, era oferecida uma educação medieval latina
com elementos de grego, a qual preparava seus estudantes, por meio
dos estudos menores, a fim de poderem frequentar a Universidade de
Coimbra, em Portugal” (OLIVEN, 2002, p.31).
c) A desvirtuação das tendências pedagógicas no decorrer dos diferentes
períodos, isto é, Tradicional, Positivista, Construtivista, Pedagógica
Crítica, entre outras teorias de aprendizagem que incentivaram um
33
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
desvio na atenção das atividades dos professores para com os estudantes, porque redefinem o ensino como apoio e facilitação de aprendizagem. Assim como o Pós-Modernismo – impacto sobre a teoria e
a prática educacional, numa configuração moderna de educação, pela
qual os educadores podem emancipar seus estudantes transmitindo
racionalidade e pensamento crítico; centralizando a aprendizagem
facilitadora sobre a educação. Analisa-se que as tendências trouxeram avanços perante uma educação tradicional, todavia estão sendo
utilizadas numa perspectiva neoliberal que transforma a educação em
prestação de serviço, destinada a clientes sapientes do produto que
necessitam consumir (BIESTA, 2013).
d) A Reforma Francisco Campos inicia-se pelo decreto n. 19 851, de 11
de abril de 1931, do chefe do Governo Provisório, Dr. Getúlio Vargas,
referendado por Francisco Campos, ministro de Educação, essa reforma estabelece o estatuto das universidades brasileiras, em que se adotou como regra de organização do ensino superior o sistema universitário, o qual passou a apresentar sua dicotomia: a universidade mantida pelo governo federal ou estadual, ou livre, mantida por fundações
ou associações particulares. Devido a esse contexto, desencadeou-se
a reorganização do ensino secundário e superior (AZEVEDO, 1971).
Desse passado histórico, desdobra-se o atual crescimento de parcerias público-privadas ou até a atual privatização plena, tornando uma
relação entre governos e cidadão baseada em base econômica, porque
o cidadão é contribuinte/consumidor e deseja valer seu investimento.
A flexibilização do ensino, para formar em curto espaço de tempo
e com redução de custos. Um exemplo desse fato, são as medidas
subsequentes das ações afirmativas para o ensino superior público federal. “As ações preveem, além do aumento de vagas, medidas como
a ampliação ou abertura de cursos noturnos, o aumento do número de
alunos por professor, a redução do custo por aluno, a flexibilização de
currículos e o combate à evasão” (MEC/REUNI, 2013).
Conforme Martins (2002, p.70): “Ao longo das últimas três décadas
o Brasil constituiu um sistema de pós-graduação que constitui a parte mais
exitosa de seu sistema de ensino, sendo considerado de forma unânime, como
o maior e melhor da América Latina”. Esse fato deixa de ser surpreendente
quando se tem em conta o caráter tardio do ensino superior no país e
particularmente da instituição universitária no seu contexto.
Por outro lado, o Peru atual, em termos de pesquisa, está muito mal
quando se compara por exemplo com Brasil. Mas está melhor em termos de
ensino básico. Portanto, no terreno educacional, tanto o Peru como o Brasil,
em níveis diferentes, têm muito por fazer (ZEVALLOS, 2003).
34
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
A população indígena alfabetizada no Peru apresenta-se com 24% da
população total, os jovens indígenas entre 15 e 24 anos representam quase
20% da população indígena em termos absolutos. Em 2007, havia 6. 489.109
jovens indígenas alfabetizados e 20.564.285 de jovens não indígenas. Há
uma diferença entre a alfabetização da zona urbana sendo superior a zona
rural. Em 2012, consta-se que 48,9% da população indígena e 81,1% da
população não indígena concluíram a formação primária. A educação
secundária apresenta 26,7% da população indígena e 63,5% da população
não indígena que concluíram seus estudos (CEPAL, 2014).
Apesar desta tendência positiva, a situação dos (as) jovens indígenas
de 15 a 24 anos segue sendo desfavorável em comparação com os não
indígenas. Considerando estes aspectos pode-se dividir os países em três
subgrupos: a) Países com alta vulnerabilidade, como Guatemala, onde 28,5%
de todas (os) jovens indígenas ente 15 e 24 anos não sabem ler e escrever; b)
Países com vulnerabilidade média, como Brasil, Costa Rica e México, com
cerca de 15% de analfabetismo entre a população de jovens indígenas; c)
Países com baixa vulnerabilidade, como Argentina, Chile, Equador e Peru,
com porcentagem de analfabetismo entre a população de jovens indígenas
inferiores a 7,2% (OIE, 2014).
No Peru, os projetos para uma política nacional peruana de educação
intercultural bilíngue com vistas na formação da população indígena,
identificam que há em 2014, 1.046.639 crianças indígenas no país e que têm
direito a receber educação intercultural bilíngue. Nesse âmbito identifica-se
a relevância de investimentos na formação de educadores, assim como na
contratação de docentes que possuam a formação intercultural e bilíngue,
ou seja, que desenvolvam suas competências sobre a cultura indígena e
se especializem nessa área de conhecimento. Somam-se aos fatores de
formação, a necessidade de investimento no desenvolvimento de material
educativo adequado à realidade dos povos amazônicos. Assim como no
Brasil o SINAES - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior,
avalia os cursos das universidades como um sistema regulatório, a nova Lei
Universitária no Peru, afetará cerca de 53 universidades que se situam com
licença provisória e poderão de fechadas pela Superintendência Nacional
de Educação Universitária SUNEDU, tendo em vista políticas públicas
voltadas para a qualidade da educação superior. Há uma séria preocupação de
orientação e conscientização dos jovens na escolha de universidades sérias e
bem avaliadas, para que seus cursos e diplomas possam ser validados.
No Brasil, em 2002, respondendo à consulta dos professores e
lideranças indígenas de Roraima, o Conselho Nacional de Educação
argumentou pela especificidade da formação superior de professores
indígenas a partir da leitura e interpretação dos direitos constitucionais
dos povos indígenas. No processo de discussão e implantação de políticas
35
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
públicas de formação superior para professores indígenas, o Ministério da
Educação, por intermédio da SESU e da SECAD, lançou em 2005 o Edital
do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas
(PROLIND). Associado aos cursos de Licenciaturas, apresentou-se a
necessidade de projetos que apoiem a elaboração de materiais didáticos que
considerem as especificidades das diversidades de etnias, conforme Cabixi,
(2001):
Dentro desse conjunto de fatores, eu gostaria de falar um pouco
sobre a questão do material didático até hoje produzido para os Pareci
especificamente. A única produção de material didático que nós temos
são umas cartilhas de 1° a 4° ano, formuladas pelo Summer, o Instituto
Linguístico de Verão. É incrível perceber que essas cartilhas foram feitas
dentro de uma técnica que não é hoje aceita pelos Pareci, em função das
diferenças dos subgrupos, que são os Kaxíniti, os Waimare e os Kosárini e,
como eu disse antes, também em função de que os professores índios ainda
não conseguiram, eles mesmos – não sei se por falta de interesse ou por
falta de visão – criar mecanismos de produção dos seus próprios materiais
didáticos. (CABIXI, 2001, p.57)
Mediante esse contexto, o MEC pretendeu apoiar projetos de Cursos de
Licenciaturas específicas para a formação de docentes indígenas integrando
ensino, pesquisa e extensão, contemplando estudos de temas relevantes
como línguas maternas, gestão e sustentabilidade das terras e das culturas
dos povos indígenas. Os projetos também devem promover a capacitação
política dos professores indígenas como agentes interculturais na formulação
e realização dos projetos de futuro das comunidades indígenas. No período
entre 2005-2006, o PROLIND financiou as instituições superiores de ensino
a seguir relacionadas, nas quais estão sendo formados 807 professores
indígenas, entretanto a meta é de que no triênio 2007-2010, as universidades
públicas consigam a manutenção e implantação de cursos de licenciaturas
interculturais para a formação de 4.000 professores indígenas (SECAD,
2007).
Conforme o censo do ensino superior de 2011, as instituições de ensino
superior brasileiras totalizam 2.365, sendo 284 instituições públicas, ou seja,
12%, As instituições privadas são 2.081, ou seja, 88%. Mas a predominância
quantitativa é das faculdades particulares, com 1.869 unidades, ou seja,
89,8%. Estes dados demonstraram que os alunos beneficiários das ações
afirmativas ingressam predominantemente, no ensino superior privado
noturno, ou seja, faculdades que se constituem 89,8% do setor privado,
assim como no período noturno (INEP/MEC, 2011).
O que se pode constatar também é que esses ingressantes trazem
déficit educacional da educação básica e convivem com uma carga horária
36
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
dobrada, porque a maioria dos alunos trabalha e estuda. No mundo
econômico e politicamente globalizado e neoliberal, a inclusão e o acesso
ao ensino superior, pode caracterizar-se como uma “adequação formativa”
de profissionais, para o sistema que em breve estarão inseridos. Conforme
Goergen, (2011, p.99), “Ao sistema econômico, por exemplo, interessa
dispor de um indivíduo competente, hábil no manejo de conhecimentos e
técnicas, maleável aos intentos do capital.”.
Atualmente, no Brasil mesmo com alta na taxa de alfabetização,
a população indígena ainda tem nível educacional mais baixo que o da
população não indígena, especialmente na área rural. Entre 2000 e 2010, a
taxa de alfabetização dos indígenas com 15 anos ou mais de idade passou de
73,9% para 76,7%, aumento semelhante ao dos não indígenas de 87,1% para
90,4%. Na área rural, a taxa de analfabetismo chegou a 33,4%, sendo 30,4%
para os homens e 36,5% para as mulheres. Já nas terras indígenas, 67,7% dos
indígenas de 15 anos ou mais de idade são alfabetizados. Para os indígenas
residentes fora das terras, a taxa de alfabetização é de 85,5% (IBGE, 2012).
Considerações finais
Quando analisamos a educação indígena, necessariamente pensamos
em inclusão social e valorização da diversidade cultural, para a manutenção
da identidade, da cultura e dos valores dos povos. Como incluir sem
afetar sua alteridade, um caminho possível apresentou-se na formação
de educadores bilíngues, com competência na cultura indígena e ações
afirmativas de inclusão. Nossa recente história tem desenvolvido algumas
soluções para o viés sobre a política de financiamento da educação, por meio
das políticas públicas elaboradas para a inclusão, os quais se definem como
Políticas de Ações Afirmativas, que se realizam por meio de cotas raciais,
ou seja, estudantes que autodeclaram-se negros, pardos ou indígenas e cotas
sociais de alunos que cursaram toda sua formação anterior – ensino infantil,
fundamental I e II e Médio, em escolas públicas.
“Tratar de inclusão ou exclusão nas universidades da América
Latina remete-nos, necessariamente, às condições estruturais nas quais os
sistemas de educação superior se desenvolvem” (SVERDLICK, FERRARI
e JAIMOVICH, 2005). Esse desenvolvimento histórico é marcado pelo
avanço científico e tecnológico, pela universalização e padronização do
conhecimento, por uma fragmentação epistemológica em “pacotes préfabricados de conhecimento”, sendo que se desencadeia uma formação
restrita e técnica à especificidade de determinada área profissional, fator que
não condiz com as expectativas de responsabilidade pela inclusão social.
37
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
A inclusão social envolve também a valorização da diversidade
cultural, frente à uniformização de uma cultura única, em 1992, a UNESCO
insistiu sobre a necessidade de realizar esforços para assumir os desafios do
desenvolvimento e promover a diversidade das culturas. “Esta proposição foi
retomada pela Conferência Intergovernamental sobre as Políticas Culturais
para o Desenvolvimento, realizada em Estocolmo em 1998” (MARÍN, 2003,
p.22).
Algumas mudanças e avanços na Educação formal que possibilitem
o direito à educação de qualidade a todo ser humano, com respeito à sua
identidade social e cultural, iniciam-se ao se encontrar um ponto de equilíbrio
entre uma formação para o desenvolvimento do ser humano e atender as
demandas do mercado de consumo, inserido na “economia da educação”,
assim como dependem de aspectos particulares de cada participante do
processo. Embora esse contexto seja o resultado das atitudes efetivas
tomadas pelo Estado, ao longo da história da Educação.
A reflexão filosófica é imprescindível para que uma concepção
pedagógica seja uma prática de transformação e emancipação humana.
“Não é possível compreender um projeto educacional fora de um projeto
político, isto é, de uma visão de totalidade que articula o destino das pessoas
como o destino da comunidade humana” (SEVERINO, 1986, p. XV). Esse
“desenvolvimento” desdobra-se historicamente, com variados perfis, ou seja,
com diferentes concepções pedagógicas que se constituem como diferentes
“meios” para um “fim”, isto é, uma perspectiva limitada de formação
humana. Todavia é observável que os aspectos sociais, econômicos e políticos
têm desenvolvido uma Filosofia da Educação antidialética, “Somente
pela compreensão da unidade dialética em que se encontram solidárias
subjetividade e objetividade podemos escapar ao erro subjetivista como ao
erro mecanicista” (FREIRE, 2011, p.216). Assim, cabe à reflexão filosófica
explorar o significado da condição humana no mundo. A necessidade de que
estejam imbricadas a Filosofia da Educação e a Pedagogia está evidenciada
pelo percurso sócio histórico que demonstrou a forte influência política e
econômica sobre a educação.
“Esse traço tão enraizado e persistente da educação escolar tem
levado a formação de um perfil neutro, generalista, insensível à dinâmica
social, sem capacidade de análise dos tempos e dos espaços dos coletivos
onde exercer a docência ou a gestão” (ARROYO, 2010, p.481). Para o
autor existe uma visão fechada e instrumentalista de formação docente, cuja
formação, deveria estar relacionada ao contexto e a realidade em que será
praticada. O Conhecimento, os valores culturais e as diferentes identidades
seguem diversas aproximações da realidade apercebida sob os diferentes
aspectos, acumulando verdades parciais. “Não termina apenas da adição de
38
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE BRASIL E PERÚ
conhecimentos, em mudanças quantitativas do nosso saber, mas também em
transformações qualitativas de nossa visão histórica” (SHAFF, 1995, p.308).
Nos processos de inclusão da sociedade indígena e de sua formação que
ocorrem inseridos nos padrões da cultura ocidental, devemos considerar que
todo conhecimento é um processo vivo, que reage e modifica o pensamento de
quem ensina e de quem aprende mutuamente. Certamente, afetará mudanças
no pensamento do aluno indígena, assim como possibilitará sua emancipação
e conscientização de seus direitos. Todo processo educativo deve socializar e
democratizar o conhecimento independentemente das origens: social, étnica,
religiosa etc., em suma sem qualquer distinção, por meio da formação mais
consciente de sua responsabilidade e de sua contribuição como participante
social, como construtores de sua própria história e de seu próprio tempo.
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42
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO:
INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
Darci Secchi1
Vanúbia Sampaio dos Santos2
Aline Martins de Oliveira3
Resumo: Este artigo retrata a importância da instituição escolar dentro das
sociedades indígenas, e que se destacam como um dos elementos externos
mais importantes que se incorporou dentro dessas sociedades. A escola há
muito tempo se tornou símbolo para estas comunidades, provocando grandes
mudanças nas suas estruturas culturais e sociais. A luta pela tão sonhada
escola se tornou uma busca por autonomia e protagonismo a fim de gerar
uma educação descolonizadora, desconstruindo os moldes que buscaram
padronizar todas as culturas indígenas em uma só: na cultura do colonizador
do saber. Temos o objetivo de propor algumas iniciativas que possam romper
com a colonialidade fortalecendo o caminho da escola descolonizada, dos
quais, destacamos o diálogo, a profissionalidade, a identidade, as mídias e
meios virtuais e os projetos pedagógicos como meios para contribuírem para
que as escolas indígenas possam gerir seus próprios processos pedagógicos
e assim lutarem para produzirem e reproduzirem o uso de sua cultura sem
sofrerem decisões alheias.
Palavra-chaves: Educação Escolar Indígena. Descolonialidade. Índios em
Mato Grosso.
Abstract: This paper presents the importance of the school within indigenous
societies, highlighting them as one of the most important external factors
that are incorporated within these societies. The school long ago became a
symbol for these communities, causing major changes in their cultural and
social structures. The struggle for a long awaited school became a claim
for autonomy and protagonism with the aim of producing a decolonizing
education, deconstructing the models that have standardized all indigenous
cultures as if they were one : the culture of the colonizer knowledge. We
1 Professor Associado II da Universidade Federal de Mato Grosso, doutor em Ciências Sociais
(Antropologia), membro do Programa de Pós-Graduação em Educação e tutor do Grupo PETEducação. E-mail: [email protected].
2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Pesquisadora em
estudos relacionados a infância indígena urbana no contexto amazônico. Atualmente participa
do Programa Ação Saberes Indígenas na escola como formadora. E-mail: vanubia.sampaio@
gmail.com.
3 Graduada em pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso. Membro do Grupo de
Pesquisa em Educação Escolar Indígena. E-mail: [email protected].
43
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
propose some initiatives that break with colonialism strengthening the
path of decolonized school, among which we highlight the dialogue,
professionalism, identity, media and virtual media, and educational projects
as a means for indigenous schools to manage their own pedagogical
processes and thus produce it and reproduce it using their culture without
suffering outside decisions.
Keywords: Indigenous School Education. Decoloniality. Indians in Mato
Grosso.
Introdução
Nos últimos anos, a educação escolar vem sendo incorporada de
maneira progressiva – e, possivelmente, inexorável –, ao cotidiano dos
povos ameríndios. Em Mato Grosso, tal realidade assume características
desafiantes, especialmente se considerada a multiplicidade étnica e a baixa
concentração demográfica, ingredientes historicamente utilizados para
justificar a não implementação de políticas específicas e diferenciadas para
os povos indígenas. Aqui, somos quarenta povos com uma população total
de pouco mais de trinta mil pessoas. O povo Xavante representa a metade
desse contingente; os demais, somados, o restante da população.’
Em um contexto como o acima sintetizado, os debates acerca do
lugar institucional da escola e dos seus limites e possibilidades nas aldeias,
precisam ser equacionados em suas especificidades, de maneira a lhes
conferir os encaminhamentos adequados.
Passados mais de quinhentos anos sem considerar essa
sociodiversidade nativa (RICARDO, 1995), finalmente os governos e
as instituições acadêmicas parecem dispostos a incluir a temática escolar
indígena na pauta das políticas públicas emergentes. Resta, porém, estabelecer
o seu perfil específico e as estratégias para abordá-la. Se, por um lado, as
iniciativas escolares não podem ser mais caracterizadas como experiências
fragmentadas e pontuais, por outro, a sua padronização generalizada como
categoria universal também não parece um “enquadramento” adequado.
Na tentativa de balizar esse hiato operacional, o poder público
elaborou um “pacote normativo”4 que propunha, em síntese, a criação de
escolas indígenas “específicas, diferenciadas, bilíngues e interculturais”
pautadas no “respeito à diversidade” e em “processos pedagógicos próprios.”
As organizações indígenas, por sua parte, passaram a cobrar do
poder público respostas mais efetivas e duradouras para suas necessidades
4 Trata-se do conjunto iniciativas propostas pelo MEC e por alguns governos estaduais no
sentido de regularizar, estruturar e assessorar as escolas indígenas. Dentre as principais
documentos destacam-se as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena,
o Referencial Curricular Nacional - RCNEIs e as Orientações Curriculares para as Escolas
Indígenas.
44
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
escolares e organizaram diversos eventos de deliberação coletiva em que
reiteravam o desejo de construir uma escola indígena que atendesse às
necessidades imediatas e contribuísse para a construção do projeto de futuro
de cada povo. (SILVA, 1994)
A configuração formal das escolas indígenas e a sua presença regular
no quotidiano das aldeias representaram um importante passo na medida
em que preencheu a incômoda lacuna que, há décadas, fustigava o poder
público e as comunidades. Ainda assim, não foi suficiente para assegurar
a sua qualidade e adequação. Há que se pensar novas estratégias para
transformar essa instituição, nascida da colonialidade, em instrumento de
defesa efetiva dos interesses e necessidades das populações indígenas. Há
que se repensar as escolas com a presença e participação das comunidades,
dos seus professores e do poder público em bases mais equitativas. Há,
portanto, que se reinventar a Escola Indígena.
No presente artigo, pretendemos discutir alguns dos marcos que
balizam o debate acerca das atuais escolas indígenas e destacar as iniciativas
que poderão auxiliar para a desconstrução da colonialidade do saber.
Marcos do debate sobre Educação Escolar Indígena
Dentre as diversas temáticas que integram o campo das Ciências
Humanas e Sociais, a pesquisa em educação escolar indígena é certamente
uma das mais recentes.
Os estudos clássicos que associaram a Antropologia à Educação
tiveram por objeto preferencial os processos educacionais autóctones, isto é,
a educação não-escolar desenvolvida pelas sociedades analisadas.
Os primeiros ensaios que incorporam a temática escolar são oriundos
da Antropologia Cultural Norte Americana do início do século passado e se
consolidaram no Brasil através de três núcleos de interesses principais: a)
estudos de caráter histórico-críticos, centrados na política assimilacionista
e discriminatória implementada nas escolas do SPI, FUNAI e missões
religiosas, e nos materiais instrucionais e livros didáticos; b) trabalhos de
caráter jurídico-políticos, notadamente de cunho propositivo, apresentados
por grupos, movimentos, núcleos, fóruns, associações etc. da comunidade
científica e da sociedade civil; e, c) estudos de caráter didático-pedagógicos,
constando de análises de experiências pessoais ou de “iniciativas inovadoras”
de âmbito local e regional.
Uma segunda vertente, igualmente promissora em países com
contingentes populacionais indígenas mais expressivos (México, Guatemala,
Equador, Peru e Bolívia), associa a temática educacional à Linguística, e
45
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
tem conseguido avançar em seus respectivos campos de conhecimento e na
proposição de projetos educacionais intersocietários.
Mais recentemente, a abordagem da colonialidade tomou fôlego
especialmente no campo da Antropologia associada aos estudos sociológicos
e econômicos de natureza marxiana. Pensadores como Aníbal Quijano,
Santiago Castro-Gómez, Fernando Coronil, Enrique Dussel, Arturo Escobar,
Edgardo Lander, Francisco López Segrera, Walter D. Mignolo, Alejandro
Moreno, Catarine Walsh, entre outros, retomaram o debate em torno do
impacto do modelo colonial sobre as instâncias de poder e de saber no
contexto Latino-Americano, especialmente sobre as sociedades indígenas.
Na análise das iniciativas educacionais de cunho escolar que envolve
as sociedades indígenas, tais requisitos são fundamentais, pois consideram as
diversas trajetórias de contato e as estratégias de convívio com a sociedade
nacional.
No Brasil, a atual concepção hegemônica acerca do perfil das
escolas indígenas resume-se, como vimos, à aplicação de quatro adjetivos
– “específica”, “diferenciada”, “bilíngue” e “intercultural” –, e às atitudes
valorativas de “respeito à diversidade” e aos “processos pedagógicos
próprios”. Ante a tamanha simplificação e a ausência dos meios para a sua
efetivação, surgem perguntas inevitáveis como: a) A escola indígena, assim
concebida, não seria a mesma escola colonial, apenas vestida com novas
roupagens? b) Como foram concebidos e tecidos os caminhos que levaram a
essa adjetivação? c) Quais os propósitos dessa estruturação formal?
Ora, o atual modelo de escola indígena teve origem associada à
Organização Internacional do Trabalho (OIT) que, a partir da década de 1950,
passou a redefinir as relações laborais em âmbito internacional e ensejou a
incorporação das populações do “Terceiro Mundo” ao projeto liberal.
A Convenção da OIT (1957) preconizou, dentre outros direitos, a
garantia de educação em todos os níveis (art. 21); a realização de estudos
antropológicos prévios à elaboração de programas escolares (art. 22); a
alfabetização em língua materna seguida de educação bilíngue (art. 23); uma
campanha de combate ao preconceito (art. 25); e, a divulgação dos direitos e
obrigações sociais e trabalhistas através de informações escritas nas próprias
línguas (art. 26).
Naquele contexto, e sem nenhuma maquiagem, propôs-se às
escolas indígenas a função de agências padronizadoras de identidades e
disponibilizadoras de mão de obra. Vejamos como isso foi expresso:
Art. 24 - O ensino primário deverá ter por objetivo dar
às crianças pertencentes às populações interessadas
46
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
conhecimentos gerais e aptidões que as auxiliem a se
integrar na comunidade nacional.
(…)
Art. 26 -1. Os governos deverão tomar medidas (…)
com o objetivo de lhes fazer conhecer seus direitos
e obrigações especialmente no que diz respeito ao
trabalho e os serviços sociais. (Grifos nossos).5
A partir desses propósitos, os programas escolares foram formulados
anterior e exteriormente à participação das sociedades indígenas, limitandoas apenas ao seu cumprimento.
Essa perspectiva encontra-se explícita também na atual LDB ao
preconizar que “Os seus programas serão planejados com a audiência das
comunidades indígenas” (Artigo 79, Parágrafo Primeiro, grifo nosso).
Segundo a lei, as agências externas (governos, academias, conselhos)
planejarão os programas das escolas, com a audiência indígena, e não o
inverso: “as comunidades indígenas planejarão seus programas com a
audiência do poder público, dos conselhos e da academia”.
A atual legislação reafirmou a sua origem colonial e deixou de
contemplar uma premissa fundamental para a superação do modelo escolar
integracionista, qual seja, a possibilidade de “iniciativa” das sociedades
indígenas no processo de conceber, planejar, executar e gerir os seus
currículos e programas educacionais. Resguardou o direito de outorgar
direitos. Os índios permaneceram na qualidade de ouvintes e não de
propositores de suas próprias políticas. Por força da lei, continuaram meros
espectadores ou atores coadjuvantes, sem direito ao voto nem ao veto…
É preciso, portanto, substantivar essa versão simplista de escola
indígena com outros ingredientes que expressem a pluralidade das situações
atualmente existentes.
Uma excelente contribuição nesse sentido foi apresentada pelo
historiador Antonio Brand (1998, p. 7), para quem as escolas indígenas
devem atender a dois desafios principais: a) “ser um instrumento de
afirmação étnica e de coesão interna a serviço dos projetos de autonomia de
cada povo ou comunidade”; e, b) capacitar individual e coletivamente cada
pessoa, comunidade e povo indígena para o enfrentamento e ocupação dos
espaços de participação em âmbito regional e nacional.
Um entendimento similar pode sem encontrado também em Maher
(1996), Meliá (1997; 1998) e Dias da Silva (1997) que caracterizam as
escolas indígenas com os seguintes atributos: a) uma nova instituição
5 Posteriormente, na Convenção 169, adotada pela 76ª Conferência Internacional do Trabalho
(Genebra, junho de 1989) foram revisadas essas proposições e acrescentadas outras diretrizes,
tais como “el derecho a la autoidentificación, a la consulta y a la participación, y el derecho a
decidir sus proprias prioridades” (…).
47
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
educacional, a serviço de cada povo; b) um instrumento de afirmação e
reelaboração cultural; c) um elemento que contribui na conquista de espaço
político; d) uma alternativa aos modelos anteriores de “escolas para os
índios”; e um lugar onde se articulam os conhecimentos tradicionais e os
novos conhecimentos; f) um ambiente em que se disponibilizam informações
decorrentes do contato; g) uma possibilidade de construção de relações
igualitárias, do reconhecimento e do respeito individual e social; e, h) um
espaço de construção da contraideologia.
Para a professora Mariana Leal Ferreira (1992), cada povo desenvolve
alternativas de ação e implementa dinâmicas próprias para fazer frente à
situação de contato. A escola aparece como um dos instrumentos a serem
acionados ora como espaço de construção de identidades étnicas, ora como
instância de interlocução com a sociedade não índia. Para a autora, são os
índios que têm o “direito de definir as próprias concepções de educação
escolar, de acordo com os processos tradicionais de aprendizagem e os
interesses de cada sociedade” (p.179).
É nessa direção que se encaminham também as proposições
dos professores indígenas, ao definirem as principais competências dos
currículos escolares. Para eles, o currículo das escolas indígenas deve
expressar as práticas sociais e culturais de cada comunidade e disponibilizar
os conhecimentos autóctones e das ciências, de modo que possam ser
utilizados adequadamente em cada realidade concreta.
No entanto, ainda existe um hiato preocupante entre o que é pensado
(idealizado) nos cursos de formação e o que é vivido (realizado) nas escolas
das comunidades. Ou, nas palavras de um acadêmico do curso de Licenciatura
Indígena: “Imaginamos um tipo de escola, mas fazer na realidade o que se
aprende não é fácil. Só alguns conseguem” (SECCHI, 2005, p. 26). De fato,
conjugar a racionalidade científica ocidental com as dos sistemas de saberes
indígenas, não é tarefa fácil. Somam-se a ela outros aspectos intracurriculares,
como as ênfases teóricas e metodológicas, os recortes das áreas, a lógica
do conteúdo, a organização disciplinar, as estratégias de avaliação, etc. e
teremos uma pequena amostra da complexidade e do desafio que envolve a
composição dos currículos das escolas indígenas.
É nesse misto de angústia e incertezas que os professores indígenas
e as agências formadoras (universidades, secretarias etc.) se sentem como
“aprendizes de feiticeiros”, na busca de caminhos para a produção de
currículos convergentes com os interesses e necessidades indígenas. De outra
parte, é compreensível que alguns se digam “contemplados” quando recebem
já impressos os “subsídios oficiais” na forma de diretrizes, parâmetros ou
referenciais que balizam (norteiam!) as atividades docentes.
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ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
Esse dilema, aparentemente insolúvel, de gerar currículos específicos
e, ao mesmo tempo, assegurar o ‘marco nacional’, pode ser encaminhado de
forma inovadora, desde que percebido como uma “situação relacional” e não
como “par excludente ou opositivo”.6 A mesma afirmação pode ser feita em
relação ao “controle cultural” e à “colonialidade”, elementos que constituem
o cenário das atuais escolas indígenas.
A noção de “controle cultural” é proposta por Guillermo Bonfil
Batalla (1991) para analisar os processos que ocorrem quando grupos
com culturas diferentes e identidades contrastantes estão vinculados por
relações assimétricas (dominação-subordinação). Para o autor, controle
cultural é a “capacidade de decisão sobre os elementos culturais”, isto é,
a capacidade social de utilizá-los, produzi-los e reproduzi-los. (op. cit., p
49). Essa capacidade expressa um fenômeno cultural que supõe o próprio
“exercício do controle”, “exercício esse que não se dá no vazio, nem em
um contexto neutro, mas no seio de um sistema cultural que inclui valores,
conhecimentos, experiências, habilidades e capacidades preexistentes”.
(id. ib., tradução nossa). O controle cultural, por isso, não é absoluto nem
abstrato, mas histórico.
A execução de um determinado “projeto social” (como a implantação
de escolas indígenas, por exemplo) supõe a formulação e a colocação em ação
de elementos culturais que o viabilizem, ou que o limitem e condicionem.
Mas essa relação não é expressa apenas em termos descritivos (como em
muitas etnografias), mas em termos políticos (de decisão; de controle; de
poder). Quando um determinado grupo social toma decisões próprias sobre
elementos culturais próprios, expressará uma cultura autônoma. Se essas
decisões forem de outrem, expressarão uma cultura alienada. Ou ainda: se
utilizar elementos culturais alheios e, sobre eles, tomar decisões próprias,
expressará uma cultura apropriada; se, ao contrário, as decisões forem
alheias, indicará uma cultura imposta, isso é, a colonialidade.
Vejamos um quadro síntese proposto por Batalla (1991):
Quadro 1- Síntese proposta por Batalla a respeito da formulação e execução de
projetos sociais em termos políticos.
Elementos
Culturais
Decisões
Próprias
Alheias
Próprios
Cultura AUTÔNOMA
Cultura ALIENADA
Alheios
Cultura APROPRIADA
Cultura IMPOSTA
6 O tratamento de categorias relacionais tais como autonomia-dependência; rural-urbano;
moderno-arcaico; ensino-aprendizagem, teoria-prática como pares opositivos ou termos
excludentes, vem sendo superada, progressivamente, no âmbito das Ciências Sociais.
49
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
A perspectiva estática caracterizada acima deve ser dinamizada com
outras categorias que expressam capacidades (crescentes ou decrescentes)
de movimento, tais como a “resistência” (para a salvaguarda da cultura
autônoma); a “apropriação” (dos elementos culturais alheios); a “alienação”
(ou perda de capacidade de decisão sobre elementos culturais próprios) e a
“imposição” (de culturas alheias). (id., p.52).
Trazendo essas proposições para a realidade específica das escolas
indígenas, percebemos que tanto o projeto colonial quanto o controle cultural
podem ser exercidos de diferentes maneiras, graus e formas, segundo as
condições históricas e o universo específico de cada povo. Uma das formas
adotadas para exercer o controle das escolas indígenas tem sido a limitação
do número e da natureza das alternativas para a análise e escolha. As opções
disponibilizadas, muitas vezes, não atendem às expectativas sociais e
restringem-se a um menu hegemônico, expresso por parâmetros, diretrizes
e referenciais nacionais únicos, definidos pelo poder do estado. Por essa
razão, a adesão a um projeto escolar ocorrer mais por falta de opção do que,
propriamente, por convencimento ou adequação.
A título de síntese, podemos propor que a escola indígena é um
elemento cultural externo que foi ou está sendo incorporado às (ou pelas)
comunidades. Na condição de elemento externo, traz para o seu interior um
afluxo de recursos humanos e financeiros; novas formas de organização
temporal e espacial, e um conjunto de informações (saberes) que as
dinamizam.
A utilização desses novos recursos pode ensejar movimentos
de reorganização social e comunitária, que variam desde situações
excessivamente “quentes” a ponto de romper a tecitura social, até situações
de impactos mínimos, a ponto de torná-los metaforicamente inertes. As
escolas serão mais livres e autônomas na medida em que suas respectivas
comunidades e seus professores consigam exercer o controle sobre
seus formatos, seus saberes e seus propósitos. Inversamente, serão mais
dependentes, sempre que esses atributos forem exercidos por agentes
externos e à revelia do controle social.
Atualmente, quase todos os povos indígenas ampliaram o convívio
com a sociedade nacional e priorizaram a instituição escolar por percebê-la
essencial para alcançar o propósito de “reafirmar suas identidades étnicas, de
reconstruir o seu projeto de vida, de assumir o seu protagonismo” (TORRES,
2007). A instituição escolar “específica”, “diferenciada”, “bilíngue” e
“intercultural” também está sendo reivindicada. E, segundo Paulo Freire
(1982, p. 42), não é por acaso, “porque simplesmente acordaram na segundafeira, dizendo ‘vou aprender’. Deve haver uma preocupação existencial”,
uma necessidade no sentido de compreender que a ideologia dominante
50
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
está provocando, de um lado, o afastamento e, de outro, a busca de certos
instrumentos tidos como estratégicos.
De posse desses contornos gerais, será possível, agora, propor
algumas iniciativas que poderão ampliar o controle das comunidades sobre
suas respectivas escolas e superar o modelo escolar colonial, imposto ao
longo da história pelos mais diversos agentes externos.
Iniciativas para a descolonização das escolas indígenas
O surgimento e consolidação da instituição escolar em todo mundo
e em todos os tempos, estão associados ao domínio ou à imposição de um
novo modus vivendi às populações que passaram a incorporá-la. Assim
atuaram as escolas do Império Romano; assim agiram os ingleses na Índia
e noutras colônias e, mais recentemente, assim agem os Estados Unidos da
América e outras potências mundiais.
No que se trata especificamente das populações indígenas, o ideário
da imposição cultural por meio da escola, pode ser sintetizado nas palavras
do coronel Richard Pratt, fundador da Escola Indígena de Carlisle, no seu
discurso inauguração. Propôs, inicialmente, o diretor: “Para civilizar os
índios, insira-os nas nossas escolas e quando nós os tivermos nelas, segureos lá até que estejam completamente imersos”. E, ao final, conclui, em tom
professoral, dirigindo-se aos indígenas presentes: “Deixe tudo o que for
indígena dentro de você morrer”.7
Não obstante as críticas e limitações atribuídas à escola, ela tem
sido – e continuará sendo – uma instituição aliada aos interesses indígenas,
dada a sua amplitude de atuação e aos significados que lhe são atribuídos e
reatribuídos. Porquanto, a escola indígena também pode ser descolonizada
em muitos dos seus atributos, propósitos e gramáticas.
Sem nenhuma pretensão receitual, destacaremos a seguir alguns
desses flancos que, quando abordados adequadamente, poderão ensejar
uma mudança significativa na forma e no conteúdo das atuais escolas. Na
verdade, são iniciativas que abarcam, desde atitudes práticas e singelas, até
medidas audaciosas que requerem empenho político, recursos financeiros e
adesão das comunidades para serem viabilizadas.
Não basta conversar: é preciso adotar o diálogo qualificado na
relação entre o “nós” e os “outros”
Essa primeira iniciativa (aparentemente tão simples, senão óbvia)
tem sido um ponto nevrálgico nas tentativas de interlocução entre o poder
7 Carlisle, Pennsylvania, 1879 apud BLAKE, 2010.
51
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
público, a academia e os indígenas. Não obstante as décadas que passam,
perdura o juízo, ora expresso, ora dissimulado, que a comunicação igualitária
e dialógica entre múltiplos protagonistas seja um propósito desejável, porém
de improvável efetivação.
A sociedade moderna incorporou e difundiu (inclusive no meio
indígena) a ideia de que o protagonismo nas relações sociais precisa ser
necessariamente centrado em apenas uma pessoa ou instituição. Depois
de observar o mundo político, a arte, o esporte, a religião etc. tem-se
como demasiado difícil aceitar a possibilidade do protagonismo coletivo,
compartilhado ou plural. Afinal, o que seríamos sem nossos “astros”,
“estrelas”, “musas”, “gurus” e tantos outros “ídolos”.
No debate sobre a descolonização das escolas indígenas, é preciso
alterar essa relação assimétrica que perdura há séculos e que habita o
imaginário dos membros do poder público, da academia e do próprio
movimento indígena, em que cada um dos pólos se pretende o principal
protagonista (the main player). Não é suficiente que um dos atores sociais
expresse a sua “anuência” ou que se lhe seja assegurada a “audiência”.
É preciso que todos sejam protagonistas; que possam convocar e serem
convocados; liderar e aceitar a liderança, propor, discordar, enfim, estabelecer
um diálogo qualificado que se materialize em políticas, programas e
ações concretas. Sem esse reconhecimento impresso e expresso, não há
descolonização escolar que se sustente.
Nesse sentido, não basta o propósito de interlocução entre
antropólogos, educadores, poder público e comunidades indígenas. Só a sua
práxis efetiva e concreta resultará na superação da lógica excludente, elitista,
opressora e subalternizante que caracterizam as relações de colonialidade.
Não basta titular os professores: é preciso que construam sua
identidade docente.
Em muitas escolas indígenas, a identidade do professor se confunde
com a identidade da instituição. Poderíamos sugerir que essa percepção
ôntica, se funda em diversos aspectos, dentre eles o domínio de um
conhecimento especializado, o contato com o saber escrito, a ocupação
preponderante naquele âmbito etc.
Em muitas aldeias de Mato Grosso, a escola se caracteriza como
uma instituição recente e o professor como um novo ator social. Ambos se
expõem como num jogo de espelhos: ora o professor parece sua escola, ora
a escola parece seu professor. Entretanto, se existe o professor da escola
indígena (e vice-versa) é porque, de algum modo, foram instituídos como
52
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
tais. Quem os instituiu? Em que bases filosóficas, metodológicas, políticas,
culturais, linguísticas etc. foram concebidos e formados?
De um modo geral, essas questões estão equacionadas de forma
bastante objetivas em Mato Grosso. Tivemos (e ainda temos) bons programas
de formação de nível médio e um programa pioneiro de ensino superior
desenvolvido pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) em
parceria com outras instituições. Por eles passaram mais de mil estudantes
que se formaram professores e atuam (ou não) nas escolas das aldeias.
Concluída a etapa de formação, deu-se a missão por cumprida.
Foram preparadas as certificações, o poder público e as comunidades lhes
proporcionam uma magnífica festa e, no dia seguinte, todos retomam suas
rotinas. O ritual de passagem se esgotou nesses atos e a vida continuou,
como dantes!
Os recém-titulados passam a atuar nas escolas como se formados
estivessem: prenhes de saberes, de prestígio e… de dúvidas! Ninguém mais
se preocupou em acompanhar a construção da sua profissionalidade docente.
Não se sabe como estão atuando, com que materiais, estratégias, conteúdos,
avaliações… Afinal, o que mais poderíamos esperar de um modelo
colonizador senão a sua legitimação e reprodução? Ao dizer “já titulei vocês,
agora, se virem”, o Estado nacional e as instituições formadoras eximem-se
da responsabilidade de acompanhar os neófitos no seu fazer quotidiano. Ao
invés disso, lhes impõe um pacote de diretrizes, normas, referenciais etc. de
natureza genérica que padronizam as condutas e embotam o surgimento de
iniciativas criativas e inovadoras.
Porquanto, a descolonialização da escola supõe a formação de
professores em programas específicos e com qualidade, mas precisa ir além.
Os programas de formação precisam deixar de ser apenas um ritual de
passagem e se transformar em espaços de construção da profissionalidade
docente. Precisam ter início, desenvolvimento, continuidade e diferentes
formas de acompanhamento. A simples alocação massiva de professores
indígenas nas aldeias, ainda que oriundos de excelentes programas, não
enseja a descolonização da escola. Ao contrário, pode representar o seu
fortalecimento, desta feita, legitimado por líderes das próprias comunidades.
Não basta contratar os professores formados: é preciso discutir
os termos da sua ‘fidelidade’.
Alguém poderia sugerir conceitos mais estranhos às sociedades
indígenas do que os adotados nos serviços públicos contemporâneos? O
que representaria, por exemplo, para esses povos milenares as noções de
concurso, vaga, lotação, remoção, efetividade, progressão, licença ou
aposentadoria, entre outros? Pois bem, ao inserir nas escolas indígenas essas
53
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
noções de forma generalizada, estamos configurando o seu formato e seu
modo de funcionamento de acordo com os parâmetros históricos das nossas
escolas. Seriam esses os parâmetros que caracterizam uma escola específica,
diferenciada e descolonizada?
Ante aos fatos, os professores indígenas e gestores públicos são
levados a acreditar que se trata de um dilema insolúvel. Por um lado,
precisam conciliar os ‘direitos dos trabalhadores indígenas’ com os ‘deveres
dos servidores públicos’; por outro, precisam manter a fidelidade à cultura
indígena e, ao mesmo tempo, construir uma escola delimitada pelo marco
nacional.
Como se percebe, essa “equação” precisa ser precedida de uma
reflexão sobre a possibilidade objetiva de uma dupla fidelidade. O professor
é, a um só tempo, membro de uma sociedade com regras específicas e
cidadão de um estado nacional com normas gerais. No âmbito de um
Estado democrático e pluralista, a conciliação dessa dupla fidelidade ocorre
por meio de negociações legitimadas pelas partes. Essa é uma lacuna que
precisa ser dirimida, com urgência, na realidade específica de Mato Grosso.
Não basta contratar ou nomear professores indígenas, é preciso estabelecer
os contornos específicos das suas relações com o Estado nacional, com
as respectivas comunidades e com sua categoria profissional (sindicato,
associação etc.). Sem equacionar essas diferentes expectativas e identidades
o alcance de descolonização da escola será bem restrito.
Não basta elaborar projetos pedagógicos: é preciso que
floresçam no ‘chão da aldeia’.
Ao propormos essa questão como estratégica para a superação
do ranço colonial das escolas indígenas, gostaríamos de refletir sobre o
significado da expressão “processos pedagógicos próprios”, adotada na
legislação, como forma de valorização cultural.
Ao fazê-lo, revelamos a frustração de não tê-la ainda encontrado
detalhada em nenhum documento oficial, nem, tampouco, em outras
produções sobre o tema. Seria mais um clichê incorporado ao discurso
renovador; um propósito desejado e não realizado?
“Processos pedagógicos próprios”! Estariam relacionados ao modo
peculiar com que cada povo educa seus membros? Certamente que sim!
O que não está esclarecido é como esses procedimentos próprios
da educação indígena adentrariam a escola e se expressariam na forma de
educação escolar. Adotaria o professor indígena a mesma conduta de uma
mãe, pai, ancião, pajé, rezador, ervateiro, cantor, líder, caçador, colhedor
54
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
de mel, pescador etc. para ensinar seus alunos? A resposta parece ser,
novamente, sim!
A questão a ser colocada é da possibilidade real desse novo “super
herói” fazê-lo de forma satisfatória com o domínio de conhecimentos que
dispõe. Quem o formou para tanto? De onde derivariam tamanho domínio?
Não seria temerário esperar que tal prodígio ocorresse?
Talvez, resida aí a escassez de experiências bem sucedidas nesse
sentido. Talvez, seja essa a razão de tal propósito constar formalizado em
quase todos os PPPs (Projetos Políticos e Pedagógicos), mas ainda não
encontrar materialidade no “chão da aldeia”.
Superar a escola colonial é fazer com que os “processos pedagógicos
próprios” sejam sua expressão maior: sejam seu fundamento, seu chão e
seu teto. E esse desafio cabe especialmente aos professores indígenas
e às respectivas comunidades. Ninguém melhor que os membros das
comunidades educativas específicas para protagonizarem esse desafio.
Obviamente, podem contar com o apoio e participação do poder público e
das instituições formadoras, porém, nesse caso, como atores coadjuvantes.
Escola descolonizada é aquela que se difundiu e frutificou tendo
como referência a pedagogia própria do seu povo.
Não basta consolidar o espaço escolar: é preciso associá-lo aos
meios virtuais e às mídias modernas.
Algumas sociedades indígenas conheceram o vídeo antes do papel.
Essa constatação, quase inusitada, relativiza, sobremaneira, a percepção
indígena da escola, se comparada à história da sociedade moderna.
O imaginário edificado há séculos sobre a “cultura do papel” nem
chegou a se consolidar no interior de muitas aldeias e foi substituído por
outras formas de aprendizado muito mais interessantes, dinâmicas e
universais. Hoje, os meios de comunicação e de aprendizagem virtuais são
uma realidade inexorável em quase todas as comunidades.
Se considerarmos as culturas com pouca inserção no frenético mundo
das “titulações” e “certificações” acadêmicas, perceberemos que o espaço
institucional reservado à escola, seu status, prestígio e significado estão
sendo relativizados.
A escola indígena, recentemente instalada, disputa tempos e espaços
com a televisão e suas novelas, futebol e desenhos; com a agilidade da internet
e suas redes sociais; com os telefones celulares com sua comunicação on
line. A maravilhosa virtualidade do mundo globalizado seduz muito mais
do que a escola. Ou, dito de outra forma: o clique aqui informa e educa
55
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
muito mais do que o escute aqui, e carrega a vantagem se ser mais colorido,
criativo, célere, encantador…
Diferentemente do que ocorre na nossa sociedade, cuja organização
reservou à escola um espaço relevante, as sociedades indígenas pouco
dela precisaram ao longo dos séculos e pouco aproveitarão antes que seja
substituída por outras instituições mais adequadas ou sedutoras.
Porquanto, pensar na superação da escola colonial, supõe a sua
“modernização” e associação a outros meios de (in)formação mais úteis,
práticos e desejados, sem perder de vista as suas respectivas matrizes
colonizadoras.
Não bastam currículos escolares adequados: é preciso
desenvolver políticas públicas convergentes com os interesses e
necessidades indígenas.
Depois de superados todos esses obstáculos, restam as demandas
que se espraiam para além do âmbito escolar. Em Mato Grosso e em outros
estados vizinhos, a pergunta inevitável é como descolonizar a escola indígena
se a marca da região é a colonização permissiva?
Aqui, não se trata apenas dos ideários coloniais, mas da sua
materialização expressa nas rodovias, ferrovias, hidroelétricas, silos,
desmatamento, agrotóxicos, rebanhos etc. que afetam, diretamente,
as sociedades indígenas. Como há de se falar de escolas indígenas
descolonizadas, sem associá-las aos temas ambientais, à gestão territorial, à
utilização dos recursos naturais, à saúde, alimentação, enfim, aos desmandos
econômicos e políticos que afetam o quotidiano desses povos e comunidades?
É bem verdade que o poder público tem procurado amenizar esse
quadro negativo por meio do “pacote de bondades” composto por cestas,
vales, tíquetes, bolsas, aposentadorias etc. cuja eficácia limita-se a uma
“cortina de fumaça”. Nesse sentido, não diferem das políticas sociais
destinadas aos demais segmentos “em situação de vulnerabilidade”.
Agregam-se a elas, os projetos econômicos financiados em áreas indígenas
por órgão da cooperação internacional (PNUD, Governo Britânico, BIRD,
Banco Mundial etc.), e teremos um desenho aproximado da denominada
catequese moderna.
Ao aderirem ao modelo de desenvolvimento ancorado em
recursos públicos e projetos externos, as comunidades indígenas aderem,
compulsoriamente, a um ‘pacote’ de medidas e restrições similares às
outrora impostas pelas agências religiosas. Se as antigas escolas das
missões ensejavam a conversão indígena a um deus-criador, os recursos
56
ESCOLAS INDÍGENAS EM MATO GROSSO: INICIATIVAS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
externos ensejam sua conversão a um deus-consumidor. Ambas as formas de
‘catequese’ são colonialistas e transformas os indígenas neófitos dependentes.
Porquanto, a descolonização das escolas indígenas não será possível
apenas com medidas intraescolares. O atual modelo de ocupação, desordenado
e permissivo, é um afronte aos propósitos de uma escola descolonizada.
Considerações Finais
Do que foi argumentado até aqui, podemos depreender que a
reinvenção da Escola Indígena está conjugada à superação de dificuldades
intra e extraescolares, sem as quais a descolonização terá pouco alcance.
Como elemento externo às culturas indígenas, nascida do projeto
colonial, a escola apresenta possibilidades tanto para promover a autonomia
societária quanto para engendrar a sua dependência, uma vez que disponibiliza
conteúdos energéticos (recursos, salários, equipamentos, etc.), organizativos
(novas funções, instalações etc.) e informativos (novos conhecimentos) até
então indisponíveis.
Desde esta perspectiva, a escola indígena descolonizada, segundo o
nosso imaginário, será aquela que, incorporada às comunidades, propiciará
as condições materiais, a organização e as informações necessárias para
atender suas necessidades específicas. Ou, dito de outra forma: serão aquelas
que conseguirem exercer o controle sobre seus recursos, sobre seu “formato”
e sobre os saberes a ela confiados.
Sob essa percepção, no âmbito intraescolar, a comunidade educativa,
o poder público e as agências formadoras precisam manter um diálogo
qualificado e tomar decisões sobre o acesso, administração e aplicação dos
recursos externos; sobre as formas de organização curricular e sobre as
estratégias de formação continuada.
No âmbito extra-escoltar, a descolonização das escolas indígenas
vem associada a medidas voltadas à consolidação da autonomia indígena
por meio da implantação de políticas públicas que viabilizem as condições
de existência dos povos e de suas culturas, conforme estabelecido na Carta
Magna brasileira.
Uma vez assegurado o direito a que cada sociedade desenvolva o
seu projeto de vida e de futuro, a escola indígena, juntamente com outras
instituições modernas, poderão se transformar em importantes ferramentas
para uma existência segura, pacífica e feliz.
57
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
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61
UMA EXPERIÊNCIA GRATIFICANTE: EDUCAÇÃO E PERCEPÇÃO AMBIENTAL ENTRE ...
UMA EXPERIÊNCIA GRATIFICANTE: EDUCAÇÃO
E PERCEPÇÃO AMBIENTAL ENTRE ESTUDANTES
INDÍGENAS
Germano Guarim Neto1
Elias Januário2
Resumo: A experiência vivenciada durante a socialização e reflexão
sobre os Fundamentos da Educação Ambiental com estudantes indígenas
representantes de diferentes etnias no Curso de Licenciatura para
Professores Indígenas da Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus
de Barra do Bugres, a partir de atividades diretamente relacionadas com o
conhecimento da biodiversidade, é narrada e comentada pelos autores no
intuito de contribuir com a temática voltada para um público alvo específico.
A intensidade das experiências é mostrada e a sensibilidade das propostas
desenvolvidas em sala de aula mostraram que os estudantes indígenas, como
era de esperar, têm um universo amplo a respeito do meio ambiente e seus
pressupostos oriundo de gerações pretéritas, entendendo e reconhecendo a
importância do conhecimento dos mesmos e as respectivas percepções sobre
o ambiente em que vivem.
Palavras-chave: Educação e percepção ambiental. Educação Escolar
Indígena. Ensino de Ciências.
Abstract: (A rewarding experience: education and environmental perception
among indigenous students) - The lived experience during socialization
and reflection on the Fundamentals of Environmental Education with
representatives of different ethnic groups in the Degree Course for
Indigenous Teachers University of Mato Grosso state, Campus of Barra
do Bugres with indigenous students from activities directly related with
knowledge of biodiversity is narrated and commented by the authors in order
to contribute to the subject faces a specific target audience. The intensity of
the experiments is shown and the sensitivity of the proposals developed in
the classroom showed that indigenous students, as expected, have a broad
universe about the environment and its assumptions come from preterit
generations understanding and recognizing the importance of knowledge
them and their perceptions of the environment in which they live.
Keywords: Education and environmental perception. Indigenous School
Education. Science Teaching.
1 Instituto de Biociências. Departamento de Botânica e Ecologia. Universidade Federal de Mato
Grosso. 78060-900 – Cuiabá – MT. [email protected]
2 Antropólogo, Historiador, Professor Aposentado pela UNEMAT e Presidente do Instituto
Merireu. [email protected]
63
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Introdução
A Educação Ambiental apresenta faces e nuances significativas
no contexto da inserção de pessoas nas questões direta e indiretamente
relacionadas ao meio ambiente e seus pressupostos. Por outro lado a Educação
Escolar Indígena fornece fortes elementos é uma área bastante instigante e
que propicia momentos de ricos para se aprofundar nas necessárias reflexões
sobre a formação de Professores indígenas, a atuar nas suas aldeias.
Autores como Paes (2002) e Souza (2003) salientam aspectos
interessantes sobre a temática considerando povos indígenas, assim como
Santos; Carneiro-Tomazello (2005) discutem a Educação Ambiental para
índios abordando a temática em um contexto indagativo se realmente é uma
educação necessária.
Por outro lado, Gavazzi (2001) considera relevantes situações
a respeito da educação intercultural e os professores indígenas. Esta
abordagem foi muito significativa para o contexto das nossas inserções
entre os estudantes participantes da Disciplina Fundamentos da Educação
Ambiental e.
Guarim Neto; Januário (2010), em uma primeira aproximação com
esta temática mostram a experiência dialógica da Educação Ambiental e
etnias indígenas e por outro lado, Ferrara (1993) aborda e discute de modo
geral pontos reflexivos da percepção ambiental. Guerrero (2004) refere-se
à importancia da educação ambiental e as culturas locais em um mundo já
globalizado.
Nessa Disciplina compartilhada a ementa sugerida contemplava
conteúdo diversificado (GUARIM NETO; JANUÁRIO, 2010) voltados para
variados temas e entre eles o Etnoconhecimento: saber tradicional, saber
local e os elos com a Educação e Percepção ambiental.
Os pressupostos das percepções de Merleau-Ponty (2006) foram
substanciais para a nossa interlocução com os estudantes assim como as
indicações contidas em Morin (2004) e referidas em Vieira et al. (2012).
Então, isto posto procedeu-se ao desenvolvimento do conteúdo
previsto utilizando aulas teóricas, aulas práticas, produção de listas e de
textos, apresentação de seminários, depoimentos orais, discussões em
grupos, exposição dos trabalhos.
Assim, o objetivo geral da Disciplina foi o de desenvolver atividades
teóricas e práticas considerando a Educação Ambiental como o elo entre os
saberes ambientais e culturais, por meio da percepção que é inerente a cada
ser humano, em seu espaço e em seu tempo.
64
UMA EXPERIÊNCIA GRATIFICANTE: EDUCAÇÃO E PERCEPÇÃO AMBIENTAL ENTRE ...
Metodologia
A Disciplina Fundamentos da Educação Ambiental foi ministrada no
período de 19 a 23 de janeiro de 2009 com carga horária de 40 horas-aula.
O universo de estudantes, homens e mulheres indígenas estava constituído
por 43 membros representando as etnias Aweti, Bororo, Tapirapé, Paresi,
Terêna, Umutina, Xavante, Mebêngôkre, Kayabi, Zoró, Apiaká. Dessa forma
a socialização plena do conteúdo foi feita por meio de diferentes técnicas,
cujas atividades ora consideradas nesta comunicação são apresentadas e
destacadas a seguir:
- Preparação de um texto: na minha percepção quais são os elementos
indicadores para a Educação Ambiental?
- Preparação de uma lista com 30 ou mais componentes do meio
ambiente onde vivo (as plantas e os bichos de nossas aldeias e/ou de nosso
conhecimento).
- Preparação de outra lista, considerando outros elementos da natureza
também percebidos.
Vale salientar que estas atividades foram efetivadas em sala de aula
e compartilhadas entre todos os estudantes da Disciplina, com apresentação
individual, em grupo ou por meio de exposição de cartazes previamente
preparados e afixados em local de destaque.
O que nos deixaram os estudantes: um aprendizado
a) Sobre os textos retirados do material produzido pelos estudantes
abordando as percepções e interpretações pessoais sobre a Educação e
Percepção Ambiental, Meio Ambiente e seus pressupostos:
“Somos uns dos mais precisam da preservação do meio
ambiente para ter uma vida saudável” (Nilce, Terena).
“Existem os problemas ambientais nas reservas
indígenas” (Basílio, Xavante).
“Se um dia acabar flora e fauna, os que vierem depois
de nós, as novas gerações, não verão a natureza”
(Vanderlei, Paresi).
“No meu ponto de vista um dos maiores praticantes e
preservadores do meio ambiente são as com unidades
indígenas porque retiram da natureza só o que precisam
para alimentos” (Micael, Terena).
65
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
“Etnias indígenas sofrem com os avanços do
desmatamento e da poluição” (Juscinei, Bororo).
“O meio ambiente existe em todo lugar, mas formas
diferentes, uns conservados outros mudados, alterados
do seu natural” (Eziel, Bororo).
“Quando falarmos de meio ambiente estamos
falando de tudo aquilo que nos pertence. Exemplos:
o ser humano, a natureza, a água, o solo e outros que
compõem o meio ambiente” (Rosiney, Umutina).
“Mas quando o meio ambiente é degradado não
tem um ambiente bom para os animais viverem e se
reproduzir” (Arlindo, Kayabi).
“Pois temos que preservar o nosso meio ambiente para
que possa gerar uma boa qualidade de vida” (Koria,
Tapirapé).
“O lixo que a gente joga em qualquer parte da nossa
aldeia prejudica a saúde e faz mal a saúde” (Edmilson,
Zoró).
b) Sobre as plantas (parte da biodiversidade revelada): entre as
plantas que foram listadas aparecem tanto as nativas como as exóticas:
jabuticaba, piqui, pitomba, caju, manga, pariri, buriti, açaí, goiaba, jutaí,
jatobá, bocaiúva, taperebá, siriguela, coco-da- Bahia, jaca, murici, mamão,
banana, mandioca, melancia, milho, laranja, poça, amoreira, laranjalima, limão, tamarindo, acerola, abacaxi, amora, pitanga, maracujá, cana,
mangaba, bacaba, marmelada, aroeira, figueira, louro, cumbaru, ximbuva,
lixeira, cedro, carvão, tarumã, angico, peroba, ipê, jenipapo, ata-do-mato,
tucum, castanha, goiaba-do-mato, mogno, oiti, urucum, inajá, ingá, uxi,
cacau, amendoim, copaíba, itauba, angelim, imbira, timbó, bambu, babaçu,
seringueira, amescla, champanhe, cambará, garapeira, batata, milho,
cará, melancia entre outras. Este elenco de plantas mostra a riqueza do
conhecimento indígena sobre plantas e suas utilizações.
c) Sobre os animais (parte da biodiversidade revelada): foram
relacionados animais como anta, onça, capivara, papagaio, arara, pato,
macaco, cachorro, tatu, galinha, mutum, jacaré, cobra, borboleta, escorpião,
paca, aranha, porco, peixe, jabuti, ema, anta, siriema, tamanduá, lobo-guará,
lobinho, gavião, raposa, queixada, jaguatirica, caetitu, periquito, perdiz,
jacó, nambu, coruja, tucano, sabiá, pato, beija-flor, curiango, pica-pau,
jabuti, pacu, traíra, lambari, tucunaré, jaraqui, curimbatá, pintado, dourado,
66
UMA EXPERIÊNCIA GRATIFICANTE: EDUCAÇÃO E PERCEPÇÃO AMBIENTAL ENTRE ...
bagre, peixe-elétrico, pirarucu, pirara, boto, sucuri, tartaruga, veado, quati,
garça, tuiuiú, urubu, jaó e outros. Aqui também a riqueza do conhecimento
é revelada.
d) Sobre outros elementos da natureza percebidos: foram evidenciados
os rios, matas, córregos, solo, pedras, clima, lago, cerrado, canoas, casas
e festas tradicionais, pesca, artesanato, rochas além de outros elementos
introduzidos como viaturas, moto, igreja, posto de saúde, futebol, energia
elétrica e etc.
Como afirmam Guarim Neto; Januário (2010) “a riqueza do
etnoconhecimento estava ali estampada, apesar das pequenas listas
preparadas. O saber tradicional exposto revelava a expressão maior da
riqueza dos povos indígenas....”
Comentários Finais
O conhecimento ambiental indígena ora divulgado parcialmente
está impregnado de contribuições ancestrais que se perpetuam e atingem os
nossos dias, revelando um universo importante e que deve ser valorizado,
respeitado, mantido e preservado.
Nesse universo figuram tanto elementos do componente biótico
como do abiótico, permeado por uma cultura milenar. Significados vários
são atribuídos aos elementos do meio ambiente, entretanto é muito claro
que os estudantes que participaram da pesquisa têm a noção exata do que é
um ambiente ainda “limpo” e aquele já poluído como destacaram em vários
depoimentos colhidos.
É inegável a marca que esta experiência nos deixa, tornando-nos até
mais atentos e ainda mais sensibilizados com as causas e questões ambietais,
culturais, sociais, educativas e biológicas em geral.
Agradecimentos
Os autores externam seus agradecimentos à valorosa e eficiente
equipe do Curso de Licenciatura para Professores Indígenas da Universidade
do Estado de Mato Grosso, Campus de Barra do Bugres pela atenção e
colaboração.
Aos nossos Estudantes Indígenas que prontamente atenderam
ao chamamento e participaram com prazer das atividades. Gratos pelo
aprendizado mútuo.
67
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
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68
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR
ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM MATERIAL
PEDAGÓGICO
Cristiane Oliveira da Silva1
Luiz Alexandre Mattos do Amaral2
Marcus Maia3
Resumo: O artigo apresenta um exemplo de procedimento no âmbito do
Projeto de Documentação Linguística (PRODOCLIN -Museu do Índio/
UNESCO) em que se traduzem, em conjunto com professores e pesquisadores
indígenas, análises linguísticas formais existentes sobre construções e
palavras interrogativas na língua indígena brasileira Karajá (tronco MacroJê), em material pedagógico relevante para o ensino de língua, seguindo
metodologia específica (Murphy, 2004; Alonso Raya et al, 2008).
Palavras-chave: Linguística Aplicada, Gramática pedagógica, língua
Karajá, construções interrogativas
Abstract: This article presents how formal linguistic analyses of interrogative
constructions and WH-words in the Brazilian indigenous language Karaja
(Macro-Je stock) can be translated into relevant pedagogical materials for
language teaching, following a specfic applied linguistics methodology (cf.
Murphy, 2004; Alonso Raya et al, 2008). This methodology is currently in
use in the Linguistic Documentation Project (PRODOCLIN - The Indian
Museum/UNESCO) and involves the active participation of indigenous
teachers and consultants.
Keywords: Applied Linguistics, Pedagogical Grammar, Karaja language,
interrogative constructions
Introdução
O desenvolvimento de materiais pedagógicos para o ensino de língua
materna costuma ser uma das principais solicitações de professores e alunos
das escolas indígenas do Brasil. A elaboração de materiais específicos
para o ensino de línguas indígenas é uma tarefa complexa e dispendiosa
que requer que se superem barreiras: (i) geográficas, dada à dimensão
1 Doutoranda em Linguística pela UFRJ, Coordenadora do Projeto Gramática Pedagógica do
Karajá, Bolsista do CNPq
2 Prof. Dr. de Linguística no Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade
de Massachusetts Amherst (UMass) - [email protected]
3 Prof. Associado IV de Linguística do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenador do Programa de Pós-graduação em
Linguística da Faculdade de Letras da UFRJ e Pesquisador do CNPq - [email protected]
69
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
do território brasileiro e ao difícil acesso a muitas das terras indígenas
por parte dos linguistas e educadores; (ii) orçamentárias, pois requer um
planejamento detalhado que inclua viagens a campo, treinamento de pessoal,
recursos gráficos e de distribuição; (iii) da escassez de estudos linguísticos
adequados, uma vez que há em torno de 180 línguas indígenas, pertencentes
a diferentes troncos e famílias, em sua maioria ainda insuficientemente
descritas e analisadas; (iv) da limitação das práticas pedagógicas e da
linguística aplicada, pois, embora algumas línguas já disponham de artigos
científicos relevantes, analisando questões linguísticas e educacionais, ainda
há um abismo considerável entre o que é produzido no âmbito acadêmico
e o que daí se transpõe em materiais que possam, efetivamente, auxiliar o
trabalho dos professores de língua das aldeias.
No presente artigo, explicitaremos como traduzimos, em conjunto
com professores e pesquisadores indígenas, análises linguísticas formais
existentes sobre construções e palavras interrogativas na língua indígena
brasileira Karajá (tronco Macro-Jê), em material pedagógico relevante
para o ensino de língua, seguindo uma metodologia específica, adotada
por linguistas aplicados (Murphy, 2004; Alonso Raya et al, 2008). Para
tal, apresentaremos a metodologia utilizada para a confecção das unidades
preliminares, que integrarão a primeira Gramática Pedagógica da Língua
Karajá, focando na unidade “aõbo~anobo” (o que), integrante da seção da
gramática sobre “Palavras Interrogativas”. Este trabalho está inserido no
Projeto de Documentação de Línguas indígenas Brasileiras (PRODOCLIN),
ora em curso no Museu do Índio (FUNAI-RJ), cuja etapa de produção de
gramáticas pedagógicas para línguas indígenas contempla, no momento,
cinco etnias, a saber, Karajá, Wapichana, Paresi, Ikpeng e Kawaiwete.
O PRODOCLIN é um projeto de documentação linguística, financiado
pela UNESCO e pela FUNAI, que teve início no ano de 2009, tendo passado,
desde então, por três etapas: (i) coleta de material (áudio e vídeo de diferentes
gêneros de fala, além da aplicação de questionários sociolinguísticos nas
aldeias); (ii) documentação linguística (organização dos materiais coletados
por meio de softwares específicos como ELAN, TRANSCRIBER e IMDI);
(iii) produção de material (projeto piloto de dicionário enciclopédico,
gramática descritiva, plataformas de mídias digitais/sociais). O projeto
encontra-se, agora, exatamente em sua quarta etapa: a produção de gramáticas
pedagógicas. Para esta fase, é fundamental aproveitarem-se os bancos de
dados, resultantes das etapas prévias do Projeto, para se fazer, junto com os
professores indígenas, uma releitura desses materiais, a fim de que possam
vir a ser utilizados em ambiente escolar, auxiliando as práticas pedagógicas
que enfoquem o uso da língua materna. Um dos objetivos do projeto é o de
promover o desenvolvimento de um conhecimento reflexivo de estruturas
linguísticas, que auxilie o aprimoramento de habilidades de expressão oral
70
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
e escrita, estimulando alunos e professores a utilizarem suas línguas nativas
em contextos hoje dominados pela língua nacional. O projeto de Gramáticas
Pedagógicas em Línguas Indígenas tem previsão de conclusão no segundo
semestre de 2015 e as cinco gramáticas produzidas devem ser lançadas em
2016.
Fundamentos teóricos e metodológicos para a criação de uma
Gramática Pedagógica
Muitos pesquisadores da área de linguística aplicada já têm chamado
a atenção para a pertinência de se estabelecerem conexões mais claras
entre as formas linguísticas trabalhadas em sala de aula e seus usos em
contextos comunicativos (Willis and Willis, 1996; Gass and Mackey, 2007;
entre outros), evitando-se assim metodologias que fazem uso excessivo
de metalinguagem técnica, desconectada do uso linguístico. O excesso de
informação gramatical formal nas aulas de língua parece não ser eficiente
nem para o processo de letramento, nem para a aquisição bilíngue (Antunes,
2007; Waal, 2009). Por esse motivo, diversos pesquisadores que trabalham
com instrução gramatical apontam que o ensino de línguas deve focalizar
primordialmente o uso da língua destacando uma dada forma linguística
(input enhancement, cf. VanPatten, 2007) e objetivando, dessa forma,
alcançar uma reflexão profunda da estrutura gramatical apresentada por
meio de práticas interativas dentro e fora da sala de aula (Swain, 2005),
podendo, assim, criar oportunidades para um manejo mais consciente dos
temas gramaticais dentro de atos comunicativos .
Com base nesses pressupostos teóricos, a equipe do PRODOCLIN
iniciou, em 2013, a quarta etapa do programa, cujo objetivo é, justamente,
a aplicação de metodologias recentes, como as que aqui esboçamos, para a
confecção de gramáticas pedagógicas, adaptando-as ao ensino de primeira
e de segunda línguas, em áreas indígenas brasileiras, tendo em vista os
diferentes contextos multilíngues de cada uma das cinco etnias integrantes
desta iniciativa pioneira. Busca-se, então, desenvolver um trabalho que
insira e apoie os professores de língua das aldeias, levando-os a refletir, junto
com os linguistas e antropólogos da equipe, sobre as estruturas linguísticas
abordadas nas gramáticas. Mais do que um material que facilitará o ensino
em sala de aula, a produção dessas gramáticas pedagógicas tem o potencial de
vir a auxiliar também no desenvolvimento de programas de língua materna
com conteúdos pertinentes para cada ciclo escolar, ainda inexistentes, por
exemplo, nas escolas da etnia Karajá, de acordo com o que se levantou
através do questionário sociolinguístico-educacional aplicado em várias
aldeias, por pesquisadores indígenas do projeto, em 2013. No caso da
Gramática Pedagógica, seu uso impactará primeiramente a instrução de
71
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
língua materna, no segundo ciclo do ensino fundamental e no ensino médio,
contribuindo, também, de modo importante, para a manutenção das línguas
indígenas nos sistemas escolares das comunidades. Em última análise, este
é um trabalho que se pretende que possa somar esforços para a preservação
e para a revitalização linguística e cultural desses povos, em sentido mais
amplo.
No âmbito do PRODOCLIN, professores indígenas e linguistas vêm
interagindo produtivamente para confeccionar as unidades das gramáticas,
usando uma abordagem pedagógica comumente explorada em materiais
didáticos para o ensino de língua, como em Murphy (2004) e Alonso Raya
et al (2008). O processo de produção das unidades foi estabelecido pelo
consultor geral do projeto, Prof. Luiz Amaral (UMass), e consiste em uma
sequência de sete etapas: (i) isolar uma forma gramatical específica, (ii) criar
uma longa lista de exemplos usando esta forma; (iii) agrupar os exemplos
mais prototípicos de uso; (iv) criar contextos comunicativos (histórias,
diálogos, descrições) nos quais apareça a forma a ser estudada; (v) realçar e
explicar o uso da forma gramatical na língua alvo evitando a terminologia
técnica usada por pesquisadores acadêmicos; (vi) descrever outros exemplos
de uso para que o leitor atente para os diferentes contextos de expressão
da forma; (vii) preparar exercícios para uma prática contextualizada. Esta
metodologia de trabalho foi utilizada pioneiramente em uma língua indígena
brasileira durante a oficina piloto para elaboração da primeira gramática da
língua Karajá, que será descrita na seção 2 abaixo4.
Mãos à obra: Oficina piloto para elaboração da primeira
Gramática pedagógica da Língua Karajá
A construção das unidades preliminares aconteceu durante oficina
experimental realizada em campo na aldeia Hawalò de 10 a 12 de julho
de 2012. Nesta ocasião, convidamos os professores de língua das aldeias
Hawalò, JK, Btoiry e Krehawa e contamos com a presença de oito
professores nativos. A oficina foi ministrada pelo professor Luiz Amaral
em parceria com os membros da equipe Karajá, a saber, Cristiane Oliveira,
Chang Whan e Marcus Maia. Com três dias de duração, a oficina foi divida
entre as seguintes etapas:
Dia 1: Apresentação do projeto; questões pedagógicas e tipos de
gramática
4 Além da oficina piloto Karajá, a metodologia aqui descrita também foi usada em uma oficina
Wapichana que ocorreu em Roraima em 2012. Após essas duas oficinas, O PRODOCLIN
promoveu a primeira Oficina de Confecção de Gramáticas Pedagógicas em Línguas Indígenas
em Saquarema-RJ, em julho de 2013. Em julho de 2014, acontece a segunda oficina do projeto.
72
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
Dia 2: Como montar uma gramática pedagógica e propostas de
unidades
Dia 3: Desenvolvimento e apresentação das unidades preliminares
No segundo dia de oficina, apresentamos aos professores uma
proposta de organização para a elaboração da Gramática, que consiste em
agruparem-se unidades em seções. As unidades são formadas basicamente
pela exploração de uma forma gramatical por meio de três instâncias
metodológicas: apresentação, contextualização e prática. As seções são o
agrupamento das unidades de natureza gramatical semelhante, por exemplo:
verbos, nomes, modificadores dos verbos, modificadores dos nomes,
posposições. No que tange ao PRODOCLIN, cada uma das cinco línguas
abordadas apresenta propriedades particulares que irão guiar a organização
das seções resultando, ao fim do projeto, em gramáticas pedagógicas com
índices distintos, mas que seguem um mesmo princípio metodológico.
Sob a orientação e supervisão da equipe, 8 unidades foram
desenvolvidas pelos participantes, na oficina Karajá: posposição ò;
posposição -rbi; tempo futuro dos verbos -kre; tempo passado dos verbos
–re; prefixos marcadores de pessoa (regular); prefixos marcadores de pessoa
(irregular); palavra interrogativa aõbo~anobo; palavra interrogativa mobo.
Os professores trabalharam em duplas e desenvolveram, para cada unidade,
a apresentação e a contextualização dos tópicos gramaticais escolhidos
em forma de diálogos e/ou pequenos textos acompanhados de ilustrações.
Os exercícios foram elaborados, seguindo-se uma progressão no grau de
dificuldade, dos mais controlados aos mais livres. Após a preparação das
unidades, que seguiram as sete etapas básicas descritas na seção anterior, os
materiais resultantes foram apresentados pelas duplas ao grupo de trabalho,
que contribuiu com comentários e sugestões.
Para entendermos como as descrições formais da língua foram
“traduzidas” em uma abordagem pedagógica, apresentaremos, na próxima
seção, a análise da palavra aõbo e de outras palavras interrogativas em
Karajá, para, em seguida, demonstrar como a unidade da gramática
pedagógica apresenta esse material.
Descrição do uso da palavra aõbo em Karajá5
Existem, pelo menos, dois tipos de construções interrogativas nas
línguas: as perguntas cuja resposta pode ser um “sim” ou um “não” e as
perguntas com palavras interrogativas, que não podem ter como resposta
5 Esta seção baseia-se, fundamentalmente, nas análises desenvolvidas em Maia et alii
(2000) e em Maia (2010) .
73
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
apenas um “sim” ou um “não”, mas que requerem alguma informação sobre
os participantes do evento ou sobre suas circunstâncias.
Na língua Karajá, as perguntas do tipo sim/não são identificadas
pela palavra aõbo, que aparece sempre como segundo constituinte da oração.
Compare, por exemplo, a frase declarativa em (1), com a frase interrogativa
sim/não, em (2):
Declarativa
Interrogativa
a-biòwa orera-my robira ahu-ki
a-biòwa aõbo orera-my robira ahu-ki?
2-amigo jacaré-Posp ver lago-em
“teu amigo viu um jacaré no lago”
2-amigo INT jacaré-Posp ver lago-em
“teu amigo viu um jacaré no lago?”
As duas frases são quase idênticas, diferindo apenas pela presença
da palavra aõbo, na frase interrogativa. Assim, quando queremos fazer uma
pergunta do tipo sim/não em Karajá, basta colocarmos em segunda posição
de constituinte, na frase declarativa, a palavra aõbo.
Observe que a palavra aõbo pode ser decomposta em duas partes ou
morfemas: aõ + bo. O morfema aõ aparece em outras palavras, tais como
aõna “coisa”, aõni “espírito, tipo de coisa”. O morfema –bo também aparece
em outras palavras interrogativas, em Karajá, justamente aquelas que usamos
em construções para fazer o segundo tipo de pergunta de que falamos acima:
as interrogativas que não podem ser respondidas com “sim”ou com “não”,
mas que requerem que se dê uma informação como resposta. Nesse caso, a
palavra interrogativa aparece, geralmente, em primeira posição na frase. Os
exemplos a seguir ilustram duas perguntas interrogativas desse tipo:
(3)Interrogativa de coisa não humana:
(4) Interrogativa de pessoa:
aõbo haloè rirubunyra ahu-ki?
mõbo haloè rirubunyra ahu-ki?
O que onça matou lago-em
Quem onça matou lago-em
“O que a onça matou no lago?”
“Quem a onça matou no lago?”
Qual a diferença entre as interrogativas (3) e (4)? As duas perguntas
só diferem pela palavra interrogativa, no início das frases. A resposta para
a pergunta (3) poderia ser, por exemplo, õri inatxi “duas antas”, mas a
pergunta (4) teria que ser respondida, por exemplo, por ixyju inatxi “dois
índios bravos” ou por um nome de pessoa. Isso ocorre porque a palavra
interrogativa mõbo, além de conter a partícula interrogativa -bo, é também
formada pelo morfema mõ, que indica pessoa. O quadro abaixo apresenta
um conjunto de palavras interrogativas ou palavras -BO em Karajá. Note
74
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
que, na composição interna de várias delas, pode-se identificar claramente,
não só o traço –BO, interrogativo QU6, mas também os morfemas que
indicam, coisa, pessoa, lugar, tempo:
aõ-bo
coisa-QU
“o que”
mõ-bo
pessoa-QU
quem”
ti-ki-bo
lugar-QU
“onde”
ti-u-bo
tempo-QU
“quando”
Quadro 1 - Palavras BO de composição transparente em Karajá
Em outras palavras interrogativas –BO, os morfemas constituintes
não são tão claramente identificáveis, tais como timybo “como”, tiwàsebo
“quantos” ou aõherekibo “por que”, mas, o morfema –BO está sempre
presente.
Para concluir esta seção do artigo, que apresenta a análise das palavras
–BO, em Karajá, queremos chamar a atenção do leitor para duas questões:
1. Pode-se utilizar a palavra aõbo que marca as interrogativas sim/
não concomitantemente com as palavras interrogativas -BO, em interrogativas informacionais?
2. Como as palavras interrogativas -BO se compõem com posposicões, formando constituintes equivalentes a sintagmas preposicionais do português como “para que”, “com que”, “de que”, etc?
Para responder a primeira questão, vamos inicialmente comparar
duas frases em Karajá, como (5) e (6):
(5) Kai aõbo temyta?
(6) Aõbo kai temyta?
você INT pegou
o que você pegou
“Você pegou?”
“O que você pegou?”
Note que a resposta à frase (5) poderia ser kohe “sim” ou kõre “não”,
referindo-se, por exemplo a algum peixe, em uma pescaria. Já, na frase (6),
a resposta poderia ser, por exemplo hariwa sohoji “um pacu”, não cabendo
responder com sim ou não. A frase (5) é um outro exemplo de construção
6 Note que o equivalente em português das palavras interrogativas BO do Karajá, são as
palavras QU (que, qual, quem, quando, porque, etc.), assim como em inglês essas palavras
são chamadas de palavras WH (what, which, who, when, why, etc.).
75
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
interrogativa do tipo sim/não, enquanto a frase (6) ilustra outra interrogativa
informacional, como já vimos acima. A questão que os linguistas tem
procurado investigar em muitas línguas é se seria possível usar a partícula
interrogativa sim/não, também em construções interrogativas informacionais.
Em Karajá, isso não parece possível, pois os falantes de Karajá julgam uma
construção com esse acúmulo, como agramatical:
(7) * Aõbo kai aõbo temyta?
o que você INT pegou
“O que você pegou?”
O Karajá segue um princípio universal de economia, ou seja, um
princípio que está presente em todas as línguas, evitando o exagero de
recursos gramaticais desnecessários. Em todas as línguas, as frases devem
ser identificadas, de alguma forma, quanto ao seu tipo ou força, se são
interrogativas, declarativas, relativas, etc. Entretanto, conforme proposto
pelo linguista Noam Chomsky (1991), que estuda as propriedades universais
da linguagem, as línguas seguem um Princípio de Economia da Derivação
que, neste caso, bloqueia o uso da partícula interrogativa sim/não junto com
a palavra interrogativa informacional BO, que já tipifica, posicionada no
início da frase, a sua força interrogativa.
A segunda questão que abordaremos, para concluir esta seção, diz
respeito ao fato de que as palavras interrogativas têm uma estrutura interna
facilmente decomponível, como ilustrado no quadro 1. Sendo uma língua
aglutinativa, o Karajá permite isolar os morfemas constituintes das palavras
muito claramente, em contraste com o português que, sendo fusional, nem
sempre apresenta recorte tão claro, como se pode constatar, comparando
as palavras QU do português com seus equivalentes em Karajá, tais
como, por exemplo, aõ-bo “que” ou mõ-bo “quem”. Esta propriedade de
decomponibilidade morfológica dos constituintes interrogativos presente
em Karajá permite a incorporação de nomes no interior das palavras
interrogativas, para formar perguntas como as ilustradas abaixo:
(8) aõ-utura-bo kai temyta?
coisa-peixe-QU você pegou?
“Que peixe você pegou?”
(9) mõ-utura-bo kaa rare?
pessoa-peixe-QU este ser
“de quem é este peixe?”
76
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
Finalmente, observe-se que esta incorporação de elementos no interior
do vocábulo interrogativo, em Karajá, também se extende às posposições.
Quando a regência verbal prevê a presença desses elementos na frase, os
mesmo também são incorporados ao interior dos vocábulos -BO, conforme
ilustrado a seguir:
(10) mõ-wyna-bo kai tohonyte kau?
pessoa-e-QU você sair ontem
“com quem você saiu ontem?”
(11) mõ-dee-bo tii kua wyhy riwahinyra?
pessoa-para-QU ele esta flecha dar
“Para quem ele deu esta flecha?”
(12) mõ-rbi-bo kai kaa may temyta?
pessoa-de-QU você esta faca pegar
“de quem você pegou esta faca?”
(13) aõ-di-bo juwata temyta?
coisa-com-QU piranha pegar
“com que (você) pegou a piranha?”
Se um sintagma nominal quantificado é argumento de um verbo que
requer partícula posposicional, tanto o nome quanto a partícula são infixados
na palavra interrogativa. Exemplos dessas estruturas se seguem:
(14) aõ-ijyy-my-bo kai telyyta kau?
coisa-história-Posp-QU você contar ontem
“Que história você contou ontem?”
(15) mõ-hawyy-dee-bo kai may tewahinyta?
pessoa-mulher-para-QU você faca deu
“Para que mulher você deu a faca?”
Na próxima seção, apresentaremos trechos da unidade em execução
aõbo~anobo (o que) a fim de exemplificar a metodologia discutida nas
seções 1 e 2, além de mostrar como podemos transmutar descrições/análises
linguísticas utilizando termos técnicos, como visto nesta seção, em material
pedagógico de qualidade com base em metodologia de ponta desenvolvida
especialmente para o ensino gramatical e comumente empregada em aulas
de língua em diferentes países.
77
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Transformando a descrição linguística em descrição pedagógica.
Nesta seção, apresentamos a unidade preliminar da palavra
aõbo~anobo, descrita na seção anterior deste trabalho. A unidade está
dividida em apresentação, contextualização e prática (Teòsana, Iòbitidỹỹna,
Dèosana). Como visto anteriormente na seção acima, a palavra aõbo pode
ser utilizada também para formar perguntas do tipo sim/não. Portanto,
nesta unidade há dois conjuntos de apresentação e contextualização, uma
para cada modalidade de uso. Visto que esta é uma unidade preliminar
elaborada em um oficina piloto, este material carece, ainda, de revisão e
ampliação, que englobe o uso consistente da nova ortografia convencionada
pelos professores Karajá. É necessário também incluir mais contextos com
a variante feminina da língua (anobo), além de desenvolver uma terceira
parte, dedicada ao uso da palavra aõbo em sintagmas complexos, como
aqueles analisados na seção 3 do presente artigo, itens 8-15, (e.g. aõ-uturabo “qual peixe”). As unidades também contam com ilustrações elaboradas
pelos professores de Artes que, futuramente, serão refinadas por meio de
design gráfico. Seguem, abaixo, trechos da unidade em questão:
Deòsina - Apresentação
A primeira seção das unidades se chama “Teòsina” (apresentação).
Para a unidade aõbo~anobo, os professores criaram dois diálogos simples
destacando o uso da palavra interrogativas para fazer perguntas sobre coisas.
78
[ - O que você pegou?] [ - Peguei tucunaré.]
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
[ - O que vai comer hoje?]
[ - Vou comer carne de vaca.]
Iòbitidỹỹna - Contextualização
A segunda parte da unidade, contextualização, é chamada
“Iòbitidỹỹna”, palavra que designa explicação. Nesta unidade, os professores
construíram mais frases de exemplos de uso, uma breve explicação do uso da
palavra aõbo/anobo e um diálogo em que o aluno deverá sublinhar a palavra
aõbo chamando atenção, desta forma, para o uso da palavra interrogativa em
início de perguntas.
Aõbo raibòòrèri?
Myriwè raibòòrèri.
[O que está subindo?]
[ Piabanha está subindo.]
79
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Aõbo ròhònyrèri?
Ijareheni ròhònyrèri.
[o que esta dançando?]
[ijareheni está dançando.]
Kaki iny “aõbo” lỹỹraxi-ò riuhèmyhyre, iny aõ rierykre-my, kadi
“aõbo” lỹỹraxi orarùki roimyhỹre, idi lỹỹraxi-ki iny widèè aõ
riòbitinymyhỹre.
[Aqui “aõbo” é usada para fazer pergunta, geralmente para saber alguma
coisa, e “aõbo” quase sempre aparece no início da pergunta, neste (tipo
de) pergunta.]
Ijyy-di mariakre tule biwerurànykre tibo rybè “aõbo”, riuhereri:
[Leia o texto abaixo e circule a palavra aõbo]
-Waha!
- Awire, wariòre!
- Aõbo kau tèwinytemyhȳ?
- Dikary myriwe rèwaxinymyra, bodòlèkè tule.
- Aõbo nadi riròra?
- Tii bodòlèkè riròra.
- Aõbo rumy teijetemyhȳ?
- Urile ijorosa wna rariaremyhȳ.
80
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
Leia a história e circule a palavra “aõbo” abaixo:
-
-
-
-
-
-
-
-
Meu pai!
Oi, meu filho.
O que você estava fazendo ontem?
Eu estava pescando piabinha e pirarucu.
O que minha mãe comeu?
Ela comeu pirarucu.
O que você estava fazendo de noite?
Eu estava passeando com o cachorro.
Dèosina II – Apresentação II
Como visto na seção “sintaxe das palavras bo”, aõbo também pode
ser utilizado para fazer perguntas do tipo sim/não. Neste caso, aparece como
um item de segunda posição sintática. Apresentamos esta modalidade de uso
na mesma unidade mostrando, assim, que o contraste entre os dois usos desta
palavra é motivado apenas pelo lugar que aõbo ocupa na sentença.
[ - Você vai caçar?] [ - Não, eu não vou.]
Iòbitidỹỹna II – Contextualização II
Ahabu ijorosa soèmy rirora. Tii aõbo ideõre?
Kohè, ijorosa ideõre.
[O cachorro do seu marido come muito. Ele é gordo? Sim, ele é gordo.]
81
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Kai aõbo rumy atximyhȳ kuaki?
Kõre. Diary rumy atximyhȳ hetoki
[Você estava lá fora na noite passada?
Não, eu estava em casa.]
“aõbo-my” rybèna sõere, tahè sohojile kaki reuhèrènyra “kõre-kohè”,
riuhèmyhỹrele irawyònamy. Kièmy “aõbo”sõèmy lỹỹraxi-ki rauhèmyhỹre.
Existe várias maneiras de usar “aõbo” porém a que usamos aqui (em
segunda posição) é somente para perguntas cuja resposta seja “sim ou
não”.
Ijyy-di mariakre tule biwerurànykre tibo rybè “aõbo”, riuhereri:
[Leia o texto abaixo e circule a palavra aõbo]
Mobo kaa weriri rèwinyra? -Awire, Tewaxixe!
-Awire sohè, wabikoa.
- Kohalue aõbo kaa weriri
rèwinyra?
- Kohè, Tii kaa weriri rèwinyra.
- Biiii! Kaa Weriri tyhy iruxirare!
[Quem fez este cesto?]
[-Tudo bom, Tewaxixe!
-Tudo bom, meu amigo.
- Foi o Kohalue quem fez este
cesto?
- Sim, ele fez este cesto
- Uau! Esse cesto é muito bonito!]
Dèosana - Exercícios
A parte dedicada aos exercícios é chamada “Dèosana”, palavra
que designa perguntas. Os professores foram instruídos a criar exercícios
variados com diversos itens de prática, contendo desde exercícios mais
controlados, como preencher lacuna e múltipla escolha (exercícios 1 e 2)
até práticas livres como responder/criar perguntas e textos (exercícios
3, 4 e 5). Note que o exercício 5 procura incentivar a expressão oral na
língua, preocupação constante deste projeto, que busca promover, a partir
de abordagens comunicativas, uma reflexão linguística mais consciente por
parte dos alunos e professores que venham a utilizar este material.
82
PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
1. Rybè sohoji birtinykre, tibo òbitimy roikre-ò.
[risque uma frase que esteja correta].
( ) Kai riumy aõbo makre? [você caçar vai?].
( x ) Riumy kai aõbo makre? [caçar você vai?].
( ) Kai aõbo riumy makre? [você vai caçar?].
2. Rybè sohoji birtinykre, tibo òbitimy roikre-ò.
[risque uma frase que esteja correta].
( x ) Kai aõbo tori riòrètate? ( ) Aõbo kai tori riòrètate?
Kohè, diarȳ tori waha-di rare.
[Você é filho de não-índio? Sim, meu pai é tori].
3. “Aõbo” biuhe-my lỹỹraxi rybè biwinykre:
[Faça frases utilizando “aõbo” nas perguntas:]
- Aõbo kai birokre?[o que você vai comer?]
- Otuni arirokre. [vou comer a tartaruga.]
4. Biwinykre tkitbyle rybè “aõbo” biuhe-my:
[escreva pergunta “aõbo” para as frases abaixo:]
Wabiòwa bèra-ò rara.[meu amigo foi ao rio.]
Wabiòwa aõbo bèra-ò rara? [meu amigo foi ao rio?]
5. Lỹỹraxi biwinykre asỹre-my mahadu-õ-ò. Mohotinykre dèbòò inataõ
reurò-my lỹỹraxi-di “aõbo” biuhe-my biwinykre irawo-ò. Tule biwinykre
irawyòdỹỹna-txi kai teata.
[Faça perguntas para alguém da sua família. Pense em oito perguntas
utilizando “aõbo” e escreva abaixo. Escreva também as respostas que
conseguiu.]
Lỹỹraxi: [pergunta]
Irawyòdỹỹna :
[resposta]
Aõbo kai tewinymyhỹte?
[O que você está fazendo?]
Wabyyre rewinymyhỹre.
[Estou fazendo a minha esteira.]
83
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Considerações finais
Neste trabalho, procuramos demonstrar como podemos elaborar uma
gramática pedagógica que apresente tópicos gramaticais a serem discutidos
em aulas de língua materna nas escolas das aldeias. Para tal, primeiramente
explicitamos a metodologia utilizada para a elaboração de seções da primeira
gramática pedagógica da língua Karajá. A abordagem aqui utilizada chama
atenção para a conexão existente entre uma determinada forma gramatical
e seu uso em atos comunicativos, visando estimular uma reflexão mais
consciente das estruturas gramaticais apresentadas, o que pode vir a favorecer
o uso oral e escrito da língua nativa em ambientes diversos, principalmente
aqueles nos quais as línguas indígenas brasileiras estejam recém-inseridas.
Para exemplificar, apresentamos trechos da unidade em andamento,
aõbo~anobo (o que), cuja metodologia, ainda que possa basear-se em
análises formais, deve, no entanto, evitar a terminologia técnica própria dos
estudos acadêmicos. Pode-se observar a diferença entre as duas abordagens
ao se comparar as seções 3 e 4, que apresentam, fundamentalmente, o
mesmo tópico gramatical, por meio de dados semelhantes e abordagens
distintas. Por fim, acreditamos que a elaboração de materiais para o ensino
de língua materna nas aldeias, segundo a metodologia aqui apresentada,
permite contribuir para fortalecer as políticas de preservação e revitalização
linguística e cultural dos povos indígenas, impactando positivamente as
dinâmicas socioeducacionais desses povos, geralmente modeladas pelas
práticas da sociedade majoritária envolvente.
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PALAVRAS –BO EM KARAJÁ: COMO TRANSMUTAR ANÁLISES LINGUÍSTICAS FORMAIS EM ...
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85
EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESCOLAR INFANTIL INDÍGENA ...
EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA E EDUCAÇÃO
ESCOLAR INFANTIL INDÍGENA: SABERES E
FAZERES INDÍGENAS E INSTITUCIONALIZAÇÃO
Filadelfo de Oliveira Neto1
Resumo: Este artigo traz uma concisa reflexão sobre a Resolução 05 de 17
de dezembro de 2009, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a educação escolar infantil, mais precisamente sobre a apreensão que
essa temática causa quando trata da Educação Escolar Indígena Infantil e, a
presumível contradição dessa com a educação infantil indígena repassada
entre as gerações nas diversas etnias pelas famílias, madrinhas, avós mães,
desde a gestação.
Palavras - chave: Educação Infantil Indígena, Educação Escolar Infantil
Indígena, Saberes e fazeres indígenas.
Abstract: This article provides a concise reflection on Resolution 05 of
December 17, 2009 that provides for the National Curriculum Guidelines for
childhood education, more precisely on the apprehension that this theme is
because when the School Education Indigenous Children and the presumed
this contradiction with the indigenous early childhood education passed
between generations by families in different ethnic groups, godmothers,
grandmothers mothers from the womb.
Keywords: Indigenous Children’s Education, Early Childhood Education
School Indigenous knowledge and indigenous doings.
Considerações Introdutórias
A Educação Indígena sempre existiu, embora o homem branco, não
índio tenha chegado aqui na nossa terra e instituído a sua educação formal,
as populações indígenas brasileiras só conseguiram chegar até aqui graças à
sabedoria milenar autóctone que foi apreendida e transmitida entre as suas
etnias e, essa Educação, é iniciada ainda na infância, com nossos bebês ainda
no ventre materno e crianças indígenas através de gerações pelas lideranças
tradicionais, avós, avôs pais, mães, madrinhas, padrinhos e outros, ou seja,
sempre tivemos também a Educação Infantil Indígena, o Estado chega
apenas para institucionalizá-la.
1 Professor Especialista em Educação Escolar Indígena. Presidente do Conselho de Educação
Escolar Indígena – CEEI/MT
87
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
A Resolução 05/2009/CNE tem caráter mandatório e aponta o
bebê e a criança (zero a cinco anos) como sujeito de direito na Educação
Infantil, sua aplicação, traz a conscientização das diversidades educacionais
das populações em especial das tribais, e pode-se tornar um exercício de
Direitos Humanos, principalmente porque põe em tela a necessidade de se
reconhecer os povos: tradicionais, sem terra e principalmente os indígenas,
nosso objeto aqui.
A Implementação da Resolução 05 De 17 de Dezembro De 2012:
Celeuma no Segmento Indígena
Publicada em 17 de dezembro de 2009, a Resolução 05 fixa as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e, traz importante
argumento para se garantir educação infantil pública, que respeitem nossos
saberes e fazeres, inclusive nossa religiosidade, gratuita, com qualidade
social e, reconhecedora das diversidades educacionais de nosso país.
Com a publicação da Resolução 05/2009 criou-se uma apreensão no
movimento indígena quanto à implementação da Educação Escolar Infantil
Indígena, pela possível perda de nossa autonomia, pois a Resolução que
dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
explicita que esta é oferecida em ambientes não domésticos, regulados por
órgão competente.
Art. 5º A Educação Infantil, primeira etapa da
Educação Básica, é oferecida em creches e pré-escolas,
as quais se caracterizam como espaços institucionais
não domésticos que constituem estabelecimentos
educacionais públicos ou privados que educam e
cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período
diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e
supervisionados por órgão competente do sistema de
ensino e submetidos a controle social.
Somos mais de 200 Etnias neste país, falamos variadas línguas
maternas, além da língua portuguesa. Como um órgão estatal, ou particular
que, na sua grande maioria não conhece nossas manifestações religiosas,
linguísticas e culturais, poderia supervisioná-las, avaliando-as como certa
ou errada na educação de nossos bebês e crianças?
Como institucionalizar e garantir a autonomia dos povos indígenas na
escolha de sua tradição de educar?
88
EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESCOLAR INFANTIL INDÍGENA ...
Artigo 8º X - a dignidade da criança como pessoa
humana e a proteção contra qualquer forma de
violência – física ou simbólica – e negligência no
interior da instituição ou praticadas pela família,
prevendo os encaminhamentos de violações para
instâncias competentes.
§ 2º Garantida a autonomia dos povos indígenas
na escolha dos modos de educação de suas crianças
de 0 a 5 anos de idade, as propostas pedagógicas
para os povos que optarem pela Educação Infantil
devem: (Negritei).
I - proporcionar uma relação viva com os conhecimentos,
crenças, valores, concepções de mundo e as memórias
de seu povo;
Considerações Finais
O movimento indígena deve estar atento para não deixar que só os
nãos indígenas continuem a legislar e executar a educação sem perpassar
pela vontade e autonomia do próprio segmento.
Ademais a Resolução Nº 5, de 22 de Junho de 2012 que trata das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na
Educação Básica, prevê a participação das famílias, dos sábios e, preceitua
em seu artigo 8º §1º que a Educação Escolar Indígena Infantil é um direito
dos povos indígenas [...] A Educação Infantil pode ser também uma opção
de cada comunidade indígena que tem a prerrogativa de, [...] decidir sobre
a implantação ou não da mesma, bem como sobre a idade de matrícula de
suas crianças na escola.
A I conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – I
CONEEI/2009 também baliza que o aprendizado das crianças indígenas
deve iniciar em casa, com suas famílias e com os mais velhos na aldeia e que
a estes cabe ensinar seus costumes e tradições para seus filhos, e ainda, que
deve ser garantido às comunidades indígenas o direito de não ser implantada
a educação infantil, àquelas que não queiram esse nível de ensino.
A apreensão de perder nossa autonomia, nossas tradições milenares
nos saberes e fazeres indígenas nos coloca em posição de defesa tamanha
que, às vezes, não queremos nem mesmo discutir a Educação Escolar
Indígena no segmento. É legítima essa prevenção, todavia a Educação
Escolar Infantil é um dos temas mais aventados no âmbito governamental e,
portanto o movimento precisa refletir e discutir sobre o tema, ainda que, após
a reflexão escolha não ofertar.
89
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Referências Bibliográficas
Resolução Nº 5, de 17 de Dezembro de 2012/MEC que trata das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. MEC: DF, 2012.
Resolução Nº 5, de 22 de Junho de 2012/MEC que trata das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na
Educação Básica. MEC: DF, 2012.
Documento Final da I Conferência de Educação Escolar Indígena.
Luziânia/GO, 16 a 20 de novembro de 2009.
SILVA, Aracy Lopes da; e GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Org.). A
Temática Indígena na Escola. MEC/MARI/UNESCO, 1995.
90
“REAL” EDUCAÇÃO NA ETNIA ENAWENÊ-NAWÊ
“REAL” EDUCAÇÃO NA ETNIA ENAWENÊ-NAWÊ
Fabrício Alves Estephanio de Moura1
Aumeri Carlos Bampi2
Waldir José Gaspar3
Resumo: O capítulo apresenta os aspectos educativos gerais desenvolvidos
junto à etnia Enawenê-Nawê. Desde 1974, quando houve o primeiro contato,
observam-se algumas tentativas para inserção de processos educativos
diversos, inclusive com a participação da SEDUC do Mato Grosso a partir de
2013. Entretanto, a própria autonomia do grupo em seu território tradicional,
bem como diferentes fatores consequentes das transformações no entorno
de suas terras, contribuíram para reafirmar a importância da preservação da
educação tradicional na formação do jovem na aldeia.
Palavras-Chave: Educação Indígena, Educação Tradicional, Educação dos
Enawenê-Nawê.
Abstract: The chapter presents the educational aspects developed together
with the Enawenê-Nawê ethny. Since 1974, when there was the first contact,
some attempts to insert the several educational processes were observed,
including the participation of SEDUC of Mato Grosso from 2013. However,
the autonomy of the group in their traditional territory, as well as other
factors which were consequent to the transformations in the surroundings
of their land, have contributed to the importance of the preservation of the
traditional education to the growth of the youngster in their native village.
Keywords: Indigenous Education, Traditional Education, Education of
Enawenê-Nawê.
Introdução
Tratar de educação é sempre envolver o humano bio-culturalmente
construído dentro de uma dada sociedade localizada num tempo e num espaço
específicos. Contudo, quando se abordam questões da educação é sempre
importante observar que os grupos humanos e as sociedades são diversos e
que embora possuam identidade, enquanto língua, cultura e comportamento
constituem ampla diversidade no mundo.
1 Mestre em Ciências Ambientais pelo PPGCA da UNEMAT
2 Prof. Dr. do PPGCA da UNEMAT
3 Prof. Dr. da UFSCAR, UNINOVE e FEBASP, [email protected]
91
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
No caso da etnia indígena Enawenê-Nawê, povo que vive as margens
do Rio Iquê no noroeste do Estado do Mato Grosso, o que se pode colocar
é que similarmente a outros grupos humanos que não tiveram constante
contato com a sociedade urbano-industrial, fazem sua educação não separada
do viver, característica também atribuída a outros grupos indígenas do país e
mesmo de outras partes do mundo. Muito embora é preciso destacar que por
diversos momentos recentes foram feitas tentativas externas no sentido de
inserir os processos de alfabetização, matemática, questões básicas de saúde,
embora não constituíssem alfabetização. Mais recentemente (2013/2014)
foram realizadas tentativas de escolarização formal através da educação de
jovens e adultos, mas não de forma contínua.
No aspecto educativo, portanto, ainda vivenciam os membros da
cultura o ensinar-aprender sem ter hora específica, situação também possível
dada a característica de estabelecimento da sociedade numa única aldeia e
que seu grupo populacional excede a pouco mais de 600 membros, entre
velhos, adultos e crianças que vivem de forma isolada. O ritmo da educação
segue o ritmo da vida.
Entretanto, a sociedade e educação Enawenê-Nawê não pode ser
considerada uma sociedade com educação simplista, quer em sua forma
de organização, ainda que habite uma única aldeia, quer em termos de
conhecimento sobre sua realidade (território – ambiente – cultura). Em
especial merece destaque o ensinar próprio que constituem sobre o contexto
e ambiente que vivem de alta biodiversidade, pois possuem nome e
interpretação para todos os elementos que os rodeiam, bem como à toponímia
do território do qual fazem, como demonstram os diversos estudos a eles
relacionados, uso.
Possuem seus membros profundos conhecimentos da realidade
da biodiversidade local, de seu território e modo de vida que tal situação
também se faz sentir na questão linguística.
Neste quesito a etnia mantém de forma primordial a educação
de suas crianças na própria língua (tronco Aruak), bem como mantém os
mesmos uma estrutura estável de comunidade. Daí ser possível considerar
que a própria tarefa de educar que se manifesta no ensinar conhecimentos,
comportamentos, valores e a forma de lidar com a própria realidade que lhes
envolve (territorialmente, biologicamente e culturalmente) se faça dentro de
uma relação complexa que envolve língua, cultura, conhecimentos sobre o
mundo (o que são as coisas, o que é o seu mundo – através de sua cosmologia)
e mesmo ensinar em valores para a existência e convivência em comunidade.
Educação na aldeia
92
Até um passado recente, os Enawenê-Nawê, nunca tiveram uma
educação formal (escolarização) dentro das características das sociedades
“REAL” EDUCAÇÃO NA ETNIA ENAWENÊ-NAWÊ
ocidentais, embora foram realizadas algumas tentativas. O seu aprendizado
sempre se deu na prática cotidiana, onde as crianças e jovens acompanham
os pais ou a comunidade adulta em suas atividades rotineiras e dessa forma
aprendem os ofícios necessários da vida indígena.
O aprendizado segue o ritmo da vida nas circunstâncias pelas
quais passam os membros da comunidade. Há por parte das gerações mais
novas o olhar, o escutar e o fazer conjunto como formas de construção do
conhecimento e de compartilhamento do mesmo.
No aspecto educativo sua cultura segue rituais específicos de passagem
da infância para a vida adulta. Para a formação do menino-homem e para
a formação da menina-mulher estabelecem momentos pontuais como o rito
de passagem, a partir do qual os meninos passam a ser responsáveis pela
formação do seu roçado, tendo o compromisso de prover sua nova família
com alimentos produzidos por ele. As meninas, após a primeira menstruação,
ficam reclusas em um compartimento dentro de casa durante alguns meses.
Nesse período recebem um conjunto de lições domésticas de sua mãe e tias,
de como cuidar de uma família. Ressalta-se que neste período dos rituais de
passagens tanto masculino quanto feminino são reforçados valores comuns
à vida em comunidade que, de certa forma, orientam tanto o menino quanto
à menina a formas de comportamento regradas pelo povo.
No tocante a educação escolar ou mesmo educação formal foram
realizadas diversas proposições e tentativas junto à etnia no sentido externointerno. A partir de 1995 a Operação Amazônia Nativa (OPAN) iniciou
um trabalho de alfabetização na língua materna com os Enawenê-Nawê.
Segundo Zorthea (2006), eles ficaram muito entusiasmados com a novidade
e nessa época muitos aprenderam a ler e escrever, entretanto não havia local
ou espaço estipulado para as lições conforme exemplificado na Figura 1.
Figura 1: Tentativa de ensino na língua materna pela Equipe da OPAN.
Fonte: Katia Zorthêa, 2006.
93
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Outro trabalho da OPAN que teve um cunho educacional foi o fundo
de troca, realizado entre 1998 a 2004. O fundo de troca tinha o objetivo de
fornecer os produtos externos que haviam sido incorporados na sociedade
Enawenê-Nawê. Esses produtos baseavam-se principalmente em ferramentas
(machado, enxada, foice, facão) e material de pesca (anzol, chumbada e
linha), que eram trocados por algum objeto produzido pelos Enawenê-Nawê,
na maioria das vezes algum artesanato.
Além de suprir a necessidade dos Enawenê-Nawê para obter produtos
industrializados, o fundo de troca também auxiliava em lições de matemática
e comércio. Assim, havia uma relação que comparava o valor dos seus
artesanatos (Figura 2) com os principais produtos que eles desejavam. Dessa
forma, garantia-se o acesso deles a esses produtos de forma sustentável e
sem assistencialismo. O artesanato era levado da aldeia e comercializado
pela equipe da OPAN; com o dinheiro da venda, compravam-se os produtos
solicitados e que eram levados aos Enawenê-Nawê. Com isso, eles sabiam
o valor dos produtos, sem a necessidade de colocação de preço, ao mesmo
tempo que se familiarizavam com os números e as operações matemáticas de
soma, subtração, multiplicação e divisão.
Figura 2: Artesanato utilizado para troca com produtos manufaturados.
Fonte: Katia Zorthêa, 2006.
Helena Wait4, enfermeira inglesa, realizou um trabalho de formação
de agentes indígenas de saúde pela OPAN, ensinando alguns Enawenê-Nawê
a dosar quantidades de remédios e ministrar medicamentos alopáticos, além
de ensinar a medir temperatura e reconhecer alguns sintomas de doenças.
4 Informação dos autores.
94
“REAL” EDUCAÇÃO NA ETNIA ENAWENÊ-NAWÊ
Também ensinou sobre esterilização, como forma de prevenir disseminação
de microrganismos patológicos.
Agda Detogni e Floriano Junior (DETOGNI, 2007) realizaram um
trabalho de educação em saúde bucal, entre 1995 e 2005, onde o objetivo era
melhorar as condições de saúde bucal dos Enawenê-Nawê (Fifura 3), pois
perdiam (e ainda perdem) os dentes muito jovens. O trabalho era voltado
principalmente para se criar o hábito escovar os dentes, cuidar da higiene das
gengivas e aplicar flúor.
Figura 3: Educação da saúde bucal
Fonte: Agda Detoni, 1995.
Posteriormente o trabalho de educação da OPAN foi conduzido por
Andréa Jakubasko, que optou por uma linha histórico-política e geográfica,
ao invés de trabalhar com alfabetização, apresentando aos Enawenê-Nawê
um panorama nacional e internacional de organização social, política e
econômica. Utilizou de recursos visuais, como revistas e jornais da atualidade
onde explicava sobre guerras, eleições, crises econômicas, sistema carcerário,
indústrias, comércio internacional, bem como os resultados desastrosos e as
consequências da sociedade de consumo moderna (JAKUBASZKO, 2003).
Depois de Andréa Jakubasko, quem deu continuidade ao trabalho
de educação foi Ubiray Rezende, que deu ênfase em fonética e fonologia
com o objetivo principal de apresentar uma descrição sucinta da escrita que
foi elaborada para a língua Enawenê-nawê (Figura 4), baseada em estudos
realizados pelas equipes da OPAN em anos anteriores a 1998 e aplicados
na organização de uma versão teste do Vocabulário Enawenê-Português /
Português-Enawenê, nesse mesmo ano (REZENDE, 2003)
95
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Figura 4: Estudo da fonética e da fonologia
Fonte: Katia Zorthêa, 2006.
Mais recentemente, Juliana Almeida assumiu o trabalho de
educação pela OPAN com a introdução do espaço escolar, com o intuito
de ministrar aulas aos Enawenê-Nawê. Porém, naquela época, o trabalho
não foi adiante, pois os Enawenê-Nawê já estavam sofrendo os impactos
das construções das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH’s) do complexo
Juruena, desviando a atenção da comunidade para outra realidade.
A partir de 2013, uma vez superado o desgaste gerado pelos critérios
para aceitação do processo de compensação financeira pela construção e
operação das PCH’s no entorno da Terra Indígena dos Enawenê-Nawê, a
Secretaria de Estado de Educação do Mato Grosso (SEDUC) implantou na
aldeia um embrião do modelo de alfabetização. Chamado de sala de extensão
do CEJA Alternativo do município de Juína, a SEDUC construiu uma sala
de aula em madeira, coberta com telhas de cimento amianto e mantém, até
o presente (09/2014), alternadamente, de acordo com o calendário de festas
da aldeia, professores não indígenas para alfabetizar os homens adultos.
Propostas de escolarização de mulheres e crianças estão previstas para início
em 2015.
Considerações
Mesmo com a inserção de diversas tentativas de letramento e por
último de escolarização, registra-se que o processo educativo nesta etnia
segue um compasso onde a educação é tratada sempre no sentido amplo
de vivência da própria cultura. Não possuem momentos específicos do dia
96
“REAL” EDUCAÇÃO NA ETNIA ENAWENÊ-NAWÊ
que são destinados apenas para aprender, pois o ensino e aprendizagem
acontecem constantemente no convívio cotidiano.
O convívio é educativo, quer seja no sentido do ensino-aprendizagem
da língua, quer na formação corporal e da motricidade, ou mesmo de se
estabelecer as habilidades e técnicas para a vida indígena (saber o uso de
plantas, conhecimento de animais, peixes, alimentos, como fazer uma canoa,
como pescar, etc.) quanto por inserir um conjunto de valores que dão coesão
à comunidade a partir de sua cosmologia e modo de existência que visam
tornar os novos membros “verdadeiros” Enawenê-Nawê.
A ação educativa parece difusa, mas é uma constante na convivência
entre os membros da etnia constituindo uma verdadeira aldeia educativa.
Referências
DETOGNI, A. M. Práticas e perfil em saúde bucal: o caso EnaweneNawe, MT, no período 1995-2005. Dissertação apresentada a
Universidade Federal de Mato Grosso – Instituto de Saúde Coletiva,
Cuiabá, 2007.
JAKUBASZKO, A. Imagens da alteridade: um estudo da experiência
histórica dos Enawenê-Nawê. Dissertação apresentada a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2003.
REZENDE, U.M.N. Fonética e Fonologia da Língua Enawenê-Nawê
(Aruak): uma primeira abordagem. Dissertação apresentada ao
Departamento de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 2003.
ZORTHÊA, K.S. Daraiti Alã: Escrita Alfabética entre os EnawenêNawê [dissertação de mestrado]. Cuiabá: Instituto de Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso; 2006.
97
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE
DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
Fernando Thiago1
Elias Januário2
Germano Guarim Neto3
Resumo: Este artigo tem por objetivo construir proposições de educação,
sendo uma delas para utilização dos conhecimentos tradicionais da
Comunidade Quilombola do Cedro, localizada no município de MineirosGO, como tema transversal para o ensino formal abrangendo temas como
educação ambiental, comunidades tradicionais e plantas medicinais a partir
de um método transdisciplinar de trabalho. A outra proposição de educação
tem como objetivo contribuir para a resolução do problema relativo ao
crescente desinteresse dos jovens da Comunidade do Cedro em aprender
os conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais. Esta última
proposição foi baseada no sistema educativo tradicional, visando motivar
os jovens a se envolverem nas ações de manutenção deste conhecimento,
com vistas à sustentabilidade cultural e dos recursos vegetais utilizados pela
comunidade. Ambas as propostas foram construídas a partir de um diálogo
intercientífico, valorizando tanto o conhecimento científico acadêmico
quanto o conhecimento popular ou tradicional.
Palavras-chave: Quilombolas, Conhecimento tradicional, Diálogo
intercientífico, Educação Ambiental.
Abstract: This article aims to construct propositions education, one being
for the use of traditional knowledge of the Cedro Quilombo Community,
located in the city of Mineiros, Brazil, as cross-subject to formal education
covering topics such as environmental education, communities and
traditional medicinal plants from a transdisciplinary working method.
The other proposition education aims to contribute to the solution of the
problem concerning the declining interest of young people in of the Cedro
Community in learning traditional knowledge of medicinal plants. This
last proposition was based on the traditional education system, aiming to
motivate young people to engage in actions to maintain this knowledge, with
a view to cultural sustainability and plant resources used by the community.
Both proposals were constructed from a dialogue between science, valuing
1 Doutorando em Administração pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Técnico
da Universidade do Estado de Mato Grosso, [email protected].
2 Antropólogo, Historiador, Professor Aposentado pela UNEMAT, Presidente do Instituto
Merireu, [email protected].
3 Instituto de Biociências. Departamento de Botânica e Ecologia. Universidade Federal de Mato
Grosso, [email protected].
99
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
both academic scientific knowledge as popular or traditional knowledge.
Keywords: Quilombo Community, Traditional knowledge, Interscientific
dialogue, Environmental Education.
Introdução
Atualmente o mundo passa por uma crise socioambiental consequente
do modelo de consumo adotado principalmente pelas sociedades não
tradicionais que acabaram trazendo prejuízos à qualidade ambiental. Neste
contexto, “mudanças profundas nos modos de produção e consumo, bem
como nos valores e culturas hegemônicas, são urgentes” (VITORASSI;
CASALE; ALBERTON, 2009, p. 1).
Os problemas emergentes ocasionados por esta crise socioambiental,
levam a sociedade a indicar a Educação Ambiental como uma prática social
que poderá ajudar na resolução destes problemas (GUIMARÃES et al.,
2009).
Diante disto, é necessária uma articulação com a produção de sentidos
sobre a Educação Ambiental, combinado com o engajamento dos diversos
sistemas de conhecimento, capacitação de profissionais e comunidades
inseridos numa perspectiva interdisciplinar. A produção do conhecimento
deve envolver as inter-relações entre o meio natural e social, com o desafio
de constituir uma educação ambiental que seja crítica e inovadora nos três
níveis: formal, não formal e informal4, observando a constituição de um novo
perfil de desenvolvimento com ênfase na sustentabilidade socioambiental
(JACOBI, 2003).
Os processos educativos em comunidades tradicionais utilizam
em sua grande maioria o nível de educação informal para as trocas de
conhecimentos sobre o meio ambiente, no caso da comunidade do Cedro,
estes conhecimentos são passados de forma vertical em nível informal.
O nível informal de educação se constitui principalmente pela falta
de planejamento e programação previamente estruturada, sendo aplicada de
acordo com as necessidades e sensibilidade dos responsáveis por esta tarefa
e dotados de conhecimentos profundos, inclusive os referentes às relações
entre a sociedade e o meio ambiente. A forma vertical é aquele em que os
membros da comunidade transmitem esses conhecimentos de geração para
geração.
4 O “nível informal” não está no texto do Jacobi (2003), contudo vale acrescentar visando
englobar todos os níveis contidos no 2º princípio do Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, aprovado durante o Fórum das ONGs e
Movimentos Sociais que aconteceu paralelo à Rio 92.
100
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
Neste sentido, é que comunidades como a do Cedro nos oferecem
informações valiosas que podem contribuir com resoluções de problemas
ambientais que o mundo atualmente enfrenta.
Assim, temos a oportunidade de participar do que Little (2002) propôs
como um diálogo intercientífico, onde não há uma simples apropriação
unilateral do conhecimento, seja por parte das comunidades tradicionais ou
por parte da nossa ciência oficial (legalmente instituída).
Neste sentido, Diegues (2000) indica que a manutenção da diversidade
biológica está diretamente relacionada com a manutenção da diversidade
cultural. Para este autor, as populações tradicionais devem ser coautoras das
inovações científicas pesquisadas junto a estas comunidades, integrando a
visão do cientista natural e do especialista local.
Santos (2007) enfoca a necessidade de romper com as barreiras entre
o conhecimento científico e o conhecimento tradicional, possibilitando a
valorização necessárias aos conhecimentos tradicionais (ou populares) e
seu inter-relacionamento com o conhecimento científico, convergindo numa
estrutura de conhecimento denominada por ele como “Ecologia de Saberes”.
Entretanto, o modelo de geração de conhecimento que fundamentou
as primeiras escolas científicas brasileiras e ainda culturalmente permeia em
parte das universidades e instituições científicas, desconsidera a geração do
conhecimento advindo das populações tradicionais, onde o saber é construído
durante séculos de experimentações empíricas.
Este fato ocasionou o desaparecimento de grande parte do saber local.
Segundo Shiva (2002), este processo inicia-se simplesmente não vendo este
saber local ao considerar o conhecimento ocidental como única forma de
fazer ciência, tratando como “anticientífico” os conhecimentos dos povos
tradicionais.
Isto proporcionou que os processos de globalização impusessem
a razão instrumental da ciência ocidental, construindo o modelo de
desenvolvimento econômico, social e ambiental que trouxe a destruição de
florestas nativas, tidas como “ervas daninhas” e a eliminação total ou parcial
da cultura de comunidades tradicionais (SHIVA, 2002).
Neste sentido, observamos que a comunidade do Cedro está passando
por um processo de ressignificação cultural, especialmente em relação ao
conhecimento tradicional sobre plantas medicinais, devido à adequação
da aplicação deste conhecimento para atender às normas legais sobre
fitoterápicos vigentes no país. (THIAGO e JANUÁRIO, 2010). Diante disto,
há necessidade de trabalhos que valorizem o conhecimento tradicional da
comunidade.
101
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Com isso, o objetivo deste artigo5 é apresentar proposições de
Educação Ambiental que atenda as necessidades pertinentes aos problemas
ambientais identificados pela comunidade ao mesmo tempo em que pretende
subtrair dos conhecimentos tradicionais informações para serem utilizadas
em frentes de educação ambiental, especialmente no ensino formalizado,
permitindo então, um diálogo intercientífico ou de saberes.
Bases da Educação Ambiental, alicerce do diálogo intercientífico
Como instrumentalização do processo de aprendizagem sobre o meio
ambiente, utilizaremos a abordagem da educação ambiental crítica, que
segundo Carvalho (2004, p. 19), tem por objetivo a construção de valores
e atitudes, contribuindo para a formação de um sujeito ecológico, de forma
que os “grupos sociais sejam capazes de identificar, problematizar e agir
em relação às questões socioambientais tendo como horizonte uma ética
preocupada com a justiça ambiental”.
Conforme Loureiro (2004, p. 73) o aspecto crítico deste processo
tem por objetivo a superação das relações sociais vigentes, buscando uma
ruptura com os padrões dominadores da sociedade moderna. Neste sentido,
a ética ecológica visa não somente privilegiar apenas um dos aspectos que
fazem parte de nossa espécie, como o ético, o estético, o sensível, o prático,
o comportamental, o político ou o econômico, ou seja, “separar o social do
ecológico e o todo das partes”, apresentando uma visão reducionista sobre as
complexas relações socioambientais.
Para a ruptura destes padrões dominadores a educação ambiental
deve partir de uma abordagem social e histórica. Social no sentido de que,
segundo Sanchez; Monteiro e Monteiro (2010), cada comunidade possui
entendimentos e formas singulares de se relacionar com o “meio ambiente”,
aspectos estes que não podem ser desprezados. Histórico no sentido de que
toda a cultura social é constituída pelos processos históricos e, como este
processo proporcionou os diversos problemas ambientais que afligem o
planeta, vislumbra-se a necessidade de se aplicar um olhar crítico sobre as
decisões ocorridas durante a história da sociedade dominante, para então
promover as mudanças necessárias tanto nas ações diretamente relacionadas
com o manejo dos recursos naturais como nos processos educativos.
5 Este artigo é parte do projeto de pesquisa de dissertação intitulado “Comunidade
Quilombola do Cedro, Mineiros-GO: Etnobotânica e Educação Ambiental” vinculada
ao Programa de Ciências Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso
e com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
102
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
Neste sentido, Capra (1982) enfatiza a necessidade de recuperação
de uma “harmonia ambiental”, estabelecendo novas formas de se relacionar
com o planeta, cuja base se estabelece no direito à vida de todos os seres que
o habitam e, assim, permitir-nos reconquistar sua essência espiritual.
Esta forma de relacionamento com o planeta parte do que Santos
(2007) denominou de pensamento pós-abissal. De acordo com este autor
o pensamento abissal é baseado no racionalismo instrumental que dita os
procedimentos da ciência moderna como um grande abismo que divide o
conhecimento produzido pela ciência ocidental e os conhecimentos não
científicos. Segundo Sanchez; Monteiro e Monteiro (2010, p. 386) esta
“racionalidade teria reduzido a multiplicidade do mundo”.
Assim, muito dos conhecimentos tradicionais foram simplesmente
desvalorizados e perdidos. Segundo Shiva (2002) o que ocorre é um processo
de desconsideração do saber local ao considerar o conhecimento ocidental
como único conhecimento científico aceitável, ou seja, uma monocultura de
conhecimento.
Segundo Loureiro e Cunha (2008), o atual modelo da sociedade
dominante é caracterizado pelo autocentramento partindo de um enfoque
atomístico que reforça as relações utilitárias a serviço do Capital, que de
forma reducionista “coisifica a natureza”.
Segundo Morin (1997) o modelo de construção do conhecimento
científico está alicerçado no paradigma da simplificação, caracterizado pela
separação e redução das partes para se entender o todo. O questionamento
deste modelo torna-se necessário, visto que o mesmo não está conseguindo
resolver esta crise. É nesta perspectiva que, segundo Leff (2003, p. 16), “o
risco ecológico questiona o conhecimento do mundo”.
Para tanto o pensamento pós-abissal tem por objetivo criar esta
ruptura no sistema científico moderno e proporcionar uma “ecologia de
saberes” onde “o confronto e o diálogo entre os saberes é um confronto e
diálogo entre diferentes processos através dos quais práticas diferentemente
ignorantes se transformam em práticas diferentemente sábias” (SANTOS,
2002, p. 250). Com isso, poderá proporcionar um melhor entendimento
da complexidade ambiental que, segundo Morin (1997), deve ir além do
pensamento reducionista cartesiano que ignora o todo em favor das partes
como também ir além do pensamento holístico que ignora as partes em favor
do todo.
Observa-se que esta forma de ver e viver o mundo é bem peculiar
à maioria das comunidades tradicionais. Diante disto, esta abordagem vem
de encontro com a valorização dos saberes locais, que segundo Sanchez;
Monteiro e Monteiro (2010), passa pela importância de se escutar estas
comunidades, e de se valorizar os conhecimentos tradicionais nos termos
103
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
estabelecidos no Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global elaborado durante o fórum das
organizações não governamentais paralelamente à Eco 92 (FÓRUM
GLOBAL 92, 2005).
Contudo, a valorização dos conhecimentos locais é um dos pontos
de mudanças, ainda temos a necessidade da desconstrução e reconstrução
do modelo educacional vigente. Neste sentido, Floriani (2010, p. 44) aponta
que:
A complexidade ambiental está convocada a refletir
sobre a natureza do ser, do saber e do conhecer; sobre a
fertilização de conhecimentos na interdisciplinaridade
e na transdisciplinaridade; sobre o diálogo de saberes,
a subjetividade, o confronto entre o racional e o ético,
o formal e o substantivo. Ainda, esta nova forma de
articular conhecimento e ação, oriunda de uma práxis
cognitiva e política, necessita de uma pedagogia do
ambiente e de um ambiente da pedagogia, para afirmar
e reafirmar seu engajamento com a sustentabilidade da
vida e com a equidade social.
Assim, a complexidade não é uma resposta, esta se configura como
um problema, um desafio (MORIN, 2005, apud FLORIANI, 2010), para
repensarmos as ações ambientais e o papel da educação ambiental e superar
o pensamento fatalista exemplificado por Guerra et al. (2010, p. 91) pelo
questionamento comumente anunciado: “o que posso fazer se sempre foi
assim?”
Neste sentido, a Educação Ambiental Crítica objetiva transformar a
realidade social e proporcionar igualdade de condições de uso dos recursos
ambientais, tornando cada cidadão ambientalmente emancipado, nos moldes
da educação proposta de Freire (1987), uma vez que substitui a educação
que se preocupa em apenas reproduzir conhecimentos e formar mão de obra
qualificada (GUIMARÃES, 2004), mantendo então as condições sociais
onde “as pessoas devem se conformar com a vida que tem e aprender os
conteúdos transmitidos mecanicamente” (TEROSSI; SANTANA, 2010, p.
344).
A pedagogia freiriana abre o caminho para libertar os oprimidos de
suas prisões sociais, políticas e ambientais, proporcionando um ensino com
enfoque nos problemas e realidades da comunidade local, com métodos
que envolvam a ação coletiva na resolução destes problemas (TEROSSI;
SANTANA, 2010).
104
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
Guimarães (2004, p. 31) corrobora com estas questões quando afirma
que as ações pedagógicas de Educação Ambiental devem “superar a mera
transmissão de conhecimentos ecologicamente corretos, assim como as
ações de sensibilização, envolvendo afetivamente os educandos com a causa
ambiental”.
Segundo Tuan (1980, p. 129), os laços afetivos com a natureza,
denominados de “topofilia”, tornam-se um dos estímulos à preservação
destes ambientes afetivamente identificados pelos sujeitos locais. Neste
caso, “o meio ambiente pode não ser a causa direta da topofilia, mas fornece
o estímulo sensorial que, ao agir como imagem percebida, dá forma às
nossas alegrias e ideais”.
Diante disso, o processo educativo dialógico visa empoderar os
sujeitos oprimidos conscientizando-os das relações sociais de dominação
para então transformar esta realidade.
Na educação formal e na ciência moderna, estes saber ambiental amplia
os “sentidos internos de cada saber disciplinar das ciências, obrigando-as a se
abrirem às novas racionalidades socioambientais emergentes” e que, diante
de fenômenos complexos e interligados, emerge necessidade de uma análise
metodológica envolvendo diversos saberes disciplinares, com atividades
multi ou interdisciplinares; ou de um diálogo entre saberes científicos e nãocientíficos, com atividades transdisciplinares (FLORIANI, 2010, p. 44).
Sanchez; Monteiro e Monteiro (2010), apresentam que para alcançar
uma visão mais abrangente de um determinado problema, a integração
recíproca de várias disciplinas e campos de conhecimento capazes de romper
seus códigos e estruturas internas, tornam-se demasiadamente importantes
neste processo. Em relação à interdisciplinaridade esta se constitui com
linguagens partilhadas, pluralidades dos saberes, trocas de experiências e
parcerias.
Os processos educativos cujas metodologias possuem um enfoque
participativo, segundo Loureiro (2004, p. 71), “são as mais propícias ao
fazer educativo ambiental”, devido a interação entre diferentes stakeholders
na gestão do espaço comum e do futuro da coletividade.
Assim, estes processos transdisciplinares propiciam a participação
coletiva (LOUREIRO, 2004), a valorização das singularidades locais (LEFF,
2003; SHIVA, 2002; DIEGUES, 2000) fomentam o diálogo intercientífico
(LITTLE, 2002; LEFF, 2003), para, então, produzirem práticas sustentáveis,
conscientes e democráticas.
Diversas críticas apontam a educação como instrumento salvador
para resolver os problemas ambientais e que, muitas vezes, são descarregadas
no ensino formalizado para crianças e adolescentes como assuntos
transversais, que neste caso, está pretensiosamente revertendo os papéis
105
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
onde crianças/adolescentes responsabilizam-se em educar ambientalmente
os adultos.
Contudo, não podemos desconsiderar também que a Educação
Ambiental constitui-se como uma das ferramentas e possibilidades
importantes, figurando-se entre tantas outras (TEROSSI; SANTANA, 2010).
Face aos conhecimentos peculiares da Comunidade do Cedro sobre
a flora medicinal, algumas dificuldades para a manutenção deste aspecto
da cultura tradicional apresentadas pela comunidade e questões pertinentes
à sustentabilidade de algumas espécies e populações da flora utilizada,
iniciaremos um exercício para a construção de um diálogo intercientífico,
visando atender demandas específicas da Comunidade do Cedro, como
também discutir como os conhecimentos da comunidade podem contribuir
no ensino formal no contexto ambiental.
O saber local de plantas medicinais como tema transversal de
Educação Ambiental
A utilização de plantas medicinais na comunidade do Cedro
configura-se como um dos aspectos da cultura cedrina cujos conhecimentos
permearam as diversas gerações da comunidade, fazendo com que estes
recursos naturais, tidos como importantes, fossem preservados (THIAGO,
2011).
Diante disto, estes conhecimentos e manejo peculiar da comunidade
sobre a utilização da flora medicinal, podem ser utilizados como tema de
propostas de Educação Ambiental com vistas à sustentabilidade das espécies
utilizadas, objetivando sensibilizar os educandos sobre a importância dos
recursos vegetais, suas populações e demais espécies pertencentes ao
respectivo ecossistema.
Neste sentido, a utilização dos conhecimentos tradicionais
como instrumentos de Educação Ambiental passa pela valorização das
“informações que são veiculadas na informalidade das ações do cotidiano”
(GUARIM NETO, 2006, p. 74).
No espaço formal de ensino, como universidades e escolas, estes
conhecimentos podem ser utilizados como tema transversal, permitindo a
participação de diversas disciplinas, em processos inter ou transdisciplinares,
na construção do conhecimento e formação crítica dos estudantes.
De acordo com Betoni e Fernandes Júnior (2008, p. 464), para os
estudantes, “existe um alto grau de desvinculação entre a atividade científica
e a vida cotidiana. Em geral, entre eles não há consciência a respeito da
medida em que a atividade científico-tecnológica participa e afeta nossa
realidade diária”. Neste sentido, atividades vinculadas com as práticas de
106
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
campo, podem promover maior motivação dos estudantes nos processos de
aprendizagem.
Esta forma de trabalhar os conhecimentos pertinentes à educação
ambiental vem de encontro com as recomendações nº 1 e 2 da 1ª Conferência
Internacional sobre Educação Ambiental realizada em 1977 em Tbilisi que,
entre outros aspectos, exara que a Educação Ambiental deve ser trabalhada
pela articulação de diversas disciplinas através de uma perspectiva
interdisciplinar, globalizadora e equilibrada.
O quinto princípio do Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global define que a “educação
deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser
humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar” (FÓRUM
GLOBAL 92, 1992).
A Política Nacional de Educação Ambiental, aprovada pela Lei 9.795
de 27 de abril de 1999, principia em seu artigo quarto que a educação ambiental
deve ser embasada no “pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na
perspectiva da inter, multi ou transdisciplinaridade” (BRASIL, 1999).
Neste sentido, a criação de situações de estudo para se trabalhar
o tema transversal sobre a flora medicinal, poderá proporcionar esta
perspectiva transdisciplinar, possibilitando, a superação e a fragmentação
dos conteúdos disciplinares a partir de uma situação real, articulando os
conceitos das diversas disciplinas metodologicamente sistematizadas entre
o saber prático local e o conhecimento teórico. Assim, a situação de estudos
visa desenvolver um clima de significação, a partir de uma visão complexa
do ambiente, interessantemente propício para a aprendizagem dos estudantes
(HAMES; FRISON; ARAÚJO, 2009; COSTA et al., 2005).
Para tanto, se exige um acerto nos planos de ensino e cronogramas
entre os professores a fim de viabilizar o trabalho participativo. Também,
a instituição de ensino deve prever em seu projeto político pedagógico
tempo, espaço e horário dos professores para a realização destas atividades
(BRASIL, 2006).
O desenvolvimento de conceitos e aplicações das disciplinas devem
ser trabalhadas interdisciplinarmente e transdisciplinarmente para este
caso, devido a participação dos membros da comunidade na construção
e discussão dos conhecimentos. Assim, o processo educacional crítico,
complexo e emancipador permite uma análise mais profunda do contexto
ambiental circundante aos recursos vegetais. Esta abordagem é possibilitada
por trabalhar com disciplinas e cursos de diversas áreas do conhecimento
e pelas problemáticas vivenciadas pela comunidade e apresentada aos
professores, técnicos e estudantes.
107
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
A partir destas discussões, apresentaremos sugestões de atividades a
serem executadas para a construção e planejamento da situação de estudos
sobre plantas medicinais destacadas pela Comunidade do Cedro:
a) Planejamento coletivo
Nesta fase, os professores e assessores pedagógicos se reúnem para
definirem os temas e respectivas atividades a serem trabalhados dentro da
situação de estudos, inclusive com a participação de alguns membros-chave
da Comunidade do Cedro. Se possível, sugerimos que a reunião seja feita na
Comunidade permitindo um maior entendimento da complexidade e contato
com o ambiente.
Após a definição dos temas e atividades poderá ser realizada a
sincronização dos planos de ensino, ajuste nos cronogramas das atividades
das disciplinas e escolha ou preparação de recursos didáticos.
Nesta etapa é importante salientar que, segundo Hames; Frison
e Araújo (2009, p. 11), em trabalhos diferenciados é importante que os
conteúdos e conceitos sejam trabalhados de forma contextualizada e interrelacionada. “A contextualização amplia a possibilidade de abstração
e constituição de novos significados conceituais”, ainda, segundo estas
autoras, “o uso do tema no curso disciplinar deve facilitar o entendimento dos
conceitos das disciplinas envolvidas e contribuírem para o desenvolvimento
de uma consciência ambiental”.
b) Atividades preparatórias em sala de aula
Definidas os temas e as atividades a serem executadas, os professores
poderão trabalhar os conceitos a serem abordados nestas atividades.
Os estudantes deverão se sensibilizar de conceitos sobre comunidades
tradicionais, diversidade cultural, educação ambiental, sustentabilidade
e biodiversidade, caso estes não estejam previstos no planejamento das
disciplinas.
c) Atividades de Campo
Após a preparação em sala de aula, poderão ser realizadas as atividades
de campo, onde os alunos poderão imergir, mesmo que superficialmente,
no universo da Comunidade para poderem entender e praticar os conceitos
disciplinares, a visão complexa das relações interdisciplinares e a importância
da visão transdisciplinar.
108
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
O contato direto dos educandos com o ambiente de estudo possibilita
um nível de significação mais aprofundado dos conceitos através de uma
praxis pedagógica que possibilita, entre outros, o estreitamento de laços
afetivos com a comunidade e o ambiente envolvido gerando topofilia
segundo Tuan (1980).
d) Discussão em sala de aula
Além de discutir os conceitos, esta atividade pauta-se pela
consolidação de uma sensibilização ambiental. Por exemplo, conforme os
estudantes passam a perceber que a utilização de plantas medicinais pela
comunidade contribuíram para a preservação destes recursos vegetais, é
possibilitada a formação da consciência ambiental sobre as responsabilidades
quanto à manutenção de comunidades tradicionais e do patrimônio cultural
envolvido, como também da utilização caseira de plantas medicinais.
Para tanto, o papel dos professores é de fundamental importância
como mediador do processo de ensino-aprendizagem, sendo um profissional
responsável pelas interações das significações partilhadas (HAMES;
FRISON; ARAÚJO, 2009). Segundo Perrenoud (1998):
Hoje, parece claro que ensinar não consiste mais em
dar boas lições, mas em fazer aprender, colocando os
alunos em situação que os mobilizem e os estimulem
em sua zona de desenvolvimento proximal, permitindolhes dar um sentido ao trabalho e ao saber.
Diante disso, o exercício da reflexão sobre este tema transversal
contribui para a conscientização e mudança de atitudes nas relações sociedade
humana/natureza com base na Educação Ambiental desde a formação
inicial e continuada dos professores até a participação dos estudantes e
comunidade envolvida, permitindo se desenvolver um saber mais complexo
e contextualizado com vistas à sustentabilidade socioambiental.
Educação ambiental como instrumento de valorização do
etnoconhecimento da Comunidade do Cedro.
Dentre as plantas medicinais destacadas pela Comunidade do Cedro
e apresentadas por Thiago (2011), 20,4% destas espécies os cedrinhos
utilizam somente as raízes, caule, entrecasca e/ou casca para o preparo
de medicamentos naturais, consequentemente, estas espécies sofrem
109
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
individualmente maior risco no momento da extração da parte utilizada para
remédio.
A princípio cabe-nos discutir uma proposta para que a Comunidade
do Cedro viabilize métodos de proteção e cuidados com estas espécies ou
até mesmo outras formas de fazer o remédio utilizando diferentes partes
como folhas, flores e frutos quando for possível, ou mesmo utilizando outra
espécie que trate a mesma afecção/doença e que não utilize destas partes
para compor o remédio.
Porém, antes da discussão sobre as proposições de Educação
Ambiental para a Comunidade do Cedro para trabalhar estas questões,
necessário se faz apresentar algumas considerações a respeito da vivência da
Comunidade com estes recursos vegetais.
Conforme evidenciado, a utilização das espécies medicinais pela
comunidade fez com que estas espécies tidas como importantes, fossem
preservadas, apesar da constante diminuição de áreas nativas durante as
últimas décadas, especialmente para implantação de sistemas monoculturais
e/ou criação de animais em larga escala.
Ainda assim, a comunidade aprendeu a cultivar 18,4% das espécies
destacadas consideradas difíceis de serem conseguidas no ambiente natural,
apresentando um processo de adaptação da realidade imposta pelo atual
modelo de desenvolvimento econômico.
Outra questão a ser considerada é que quando há necessidade de
extrair plantas inteiras, os raizeiros da comunidade só o fazem se houver
outros exemplares da mesma espécie perto ou próximas da planta a ser
extraída. Para a extração de caule, casca e entrecasca, são retirados alguns
galhos das plantas e raramente a casca e entrecasca são retiradas do tronco
principal das árvores, isto só acontece quando as árvores são muito altas
dificultando o acesso os galhos menores.
Enfim, há uma preocupação e ações da comunidade com vistas à
manutenção destas espécies na paisagem natural enraizada nos conhecimentos
tradicionais e nas normas culturais da comunidade.
Diante disto, considera-se que um Programa de Educação Ambiental
para tratar de assuntos sobre relacionamento ser humano/natureza na
Comunidade do Cedro deve ser fundamentado em processos de reflexão
para não se tornar mais um conhecimento imposto na comunidade como
também para não ser um programa que pretende audaciosamente sensibilizar
ambientalmente uma comunidade que, a princípio, já atende este quesito e
que inclusive, seus conhecimentos e atitudes podem fundamentar programas
de educação ambiental conforme discutido no subtítulo anterior.
110
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
Segundo Fisher (2009, p. 372):
A clássica perspectiva de diagnosticar para intervir ou
de avaliar uma determinada prática social para corrigila à luz de um modelo, fonte teórica ou procedimento
metodológico de interação com as populações
investigadas está presente na maioria dos trabalhos e,
com isso, fica comprometida, em parte, a reflexividade
em nome da “intervenção”.
Neste sentido, é que entendemos que uma intervenção educativa
na comunidade no sentido de “conscientizá-los” da necessidade de parar
de utilizar algumas partes ou a planta como um todo, poderá provocar
desinteresse da comunidade por estas espécies e, consequentemente, a planta
poderá perder a proteção da comunidade, reduzindo a diversidade destas
plantas no ambiente da comunidade.
Apesar de não ter sido verificado no estudo de Thiago (2011), existe
probabilidade de estas 20,4% das plantas serem importantes instrumentos
de trocas e socialização entre as pessoas da comunidade. Contudo, podemos
considerar que se a espécie não for mais importante para a comunidade,
outras espécies ou objetos poderão substituí-las para este fim, com mais ou
menos eficiência, mas não suficientemente menos importante para ser esta
uma consideração descartada.
Diante destas considerações é que contribuir no sentido acima exposto
poderá trazer consequências contrárias aos nossos objetivos. Contudo,
identificamos uma problemática que podemos participar nas discussões sem
maiores preocupações, principalmente as de cunho ético-filosóficas. Durante
as explorações científicas na Comunidade do Cedro identificamos que existe
certo desinteresse dos mais jovens pelos conhecimentos tradicionais sobre
plantas medicinais, que se consolidado poderá colocar em risco a manutenção
da cultura local e da paisagem envolvida.
Atualmente as facilidades de se obter medicamentos alopáticos, na
maioria das vezes em unidades de saúde pública, e além de outros fatores que
chamam a atenção, tem sido apontado pelos mais velhos como motivador de
desinteresse dos mais jovens em conhecer sobre a medicina natural local,
aspecto importante da cultura cedrina.
Assim, buscaremos bases, como exercício, para a construção de
uma proposta educativa com objetivo de motivar os jovens a valorizar e
participar do processo educacional tradicional. Neste sentido, não nos cabe
ensiná-los a manejar as plantas medicinais, visto que não se tornaria um
processo sustentável e que não teríamos todo o conhecimento necessário
para tanto, mas incentivar os jovens a procurar os mais velhos para obter os
111
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
conhecimentos, assim como mostrar a importância deles como portadores
destes conhecimentos para as gerações futuras.
Nos ensinamentos de Freire (1996) observa-se a importância de se
escutar o outro como processo dialético para discussão da realidade, visando
a emancipação dos oprimidos e, assim, poder projetar possíveis mudanças
nas relações entre humanos e natureza com vistas à sustentabilidade:
[...] o sonho que nos anima é democrático e solidário,
não é falando dos outros, de cima para baixo,
sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade
a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar,
mas é escutando que aprendemos a falar com eles.
(FREIRE, 1996, p.71).
Considerando estes termos é que partimos do processo de escuta para
entender qual o melhor método, ou o método que mais se aproxima do ideal,
a ser aplicado para atingirmos o objetivo proposto.
Primeiramente observamos que a figura do pesquisador no campo
por si só contribui com o objetivo. No caso desta pesquisa, um dos jovens
da comunidade acompanhou-nos durante a coleta das plantas e algumas
entrevistas. Ao observar o pesquisador coletando as amostras e entrevistando
principalmente as pessoas que tinham o conhecimento sobre a flora medicinal,
proporcionou a ele uma visão, antes não percebida, sobre a importância das
espécies medicinais, dos portadores dos conhecimentos sobre as plantas e
suas histórias de vida e de trabalho na comunidade, motivando-o a querer
aprender cada vez mais sobre o assunto.
Depois disso e discutindo a questão do desinteresse com alguns
dos membros da comunidade, chegamos ao entendimento de que uma das
metodologias a ser aplicada é a realização de vários “dias-de-campo” no
ambiente natural e nas hortas domésticas e do Laboratório, envolvendo
os jovens e os mais velhos que conhecem sobre plantas medicinais para
interagirem.
A imersão no ambiente natural proporciona a interação entre ser
humano e meio ambiente, que segundo Guarim Neto (2006) oferece
indicadores efetivos para a Educação Ambiental, propicia à sensibilização
dos envolvidos.
Assim, as atividades planejadas são:
(1) identificação das plantas no ambiente natural: objetiva os jovens
conhecerem as espécies utilizadas e os métodos de busca das plantas;
112
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
(2) coleta de plantas que serão utilizadas: objetiva os jovens
conhecerem e praticarem os métodos de coletas das plantas ou parte das
plantas a serem utilizadas, o excedente poderá ser utilizado pelo laboratório;
(3) preparação dos remédios: visa os jovens conhecerem e praticarem
a preparação dos remédios, entendendo tanto os procedimentos como os
ingredientes materiais ou espirituais utilizados;
(4) distribuição dos remédios entre os participantes: objetiva
proporcionar uma retribuição pelo trabalho;
(5) outras atividades que surgirem no decorrer da proposta; e
(6) conversas, discussões, socialização de causos, histórias sobre o
tema e outros assuntos, como última etapa do curso.
Os instrumentos utilizados com fins educativos são os tradicionais:
a prática e transmissão oral dos conhecimentos. Esta decisão foi tomada
visando uma religação com os métodos tradicionais ora em desuso nas
relações educativas entre jovens e adultos, além de permitir uma participação
mais efetiva das pessoas mais velhas que poderiam ficar inibidas ao trabalhar
com materiais didáticos e/ou com o rigor de um planejamento prévio.
Esta proposta se formata pela realização muito próxima dos processos
educativos tradicionais elucidados pela comunidade, ainda assim, não terá a
liberdade e espontaneidade que estes processos os têm no formato original,
especialmente devido à programação prévia, mesmo que extremamente
flexível, e a interferência do pesquisador, mesmo que suas funções sejam
apenas de observador.
Contudo, a participação do pesquisador em Educação Ambiental se
faz na indicação da nomenclatura científica das espécies e na explanação
final, com objetivo de destacar a importância da comunidade na preservação
da diversidade biológica utilizada pela comunidade.
Diante disto e, contrário à pretensão de induzir conhecimentos
descontextualizados na comunidade, esperamos que esta proposta contribua
no sentido de motivar os jovens a participarem das tradições culturais que
envolvem os conhecimentos sobre a flora medicinal, com possibilidades à
sustentabilidade cultural ao passo que estes jovens, mais tarde assumindo
as funções dos mais velhos, perpetuem estes conhecimentos nas próximas
gerações.
Considerações Finais
Diante da ocorrência de um processo de ressignificação do
conhecimento tradicional sobre plantas medicinais que, no médio e longo
prazo, pode ou não se sobrepor ao conhecimento tradicional na medida
113
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
em que um conhecimento se torne mais importante que o outro para a
comunidade.
Neste sentido, consideramos que intervenções/induções externas
à comunidade em favor ou não da manutenção ou modificação do
conhecimento tradicional devem surgir das necessidades identificadas pela
própria comunidade, principiadas pelo processo de escuta do outro tanto
discutido por Paulo Freire, inclusive com o pleno respeito caso a decisão da
comunidade seja pelas alterações que a sociedade moderna proporciona em
seus conhecimentos e cultura.
Para tanto, entendemos que uma proposta com objetivo de
“conscientizar o outro” (FISHER, 2009) a partir de uma visão ainda
limitada sobre a complexidade que envolve a comunidade do Cedro pode
refletir negativamente, inclusive para a flora medicinal utilizada. Assim,
apresentamos uma proposta embasada nos preceitos da educação ambiental
crítica, com vistas à resolução do problema identificado pela comunidade,
da falta de interesse dos mais jovens em aprender os conhecimentos sobre as
plantas medicinais.
Embasado pelos processos de escuta é que diagnosticamos, de forma
participativa com a comunidade, que este problema interfere na manutenção
do conhecimento tradicional sobre plantas medicinais à medida que este
conhecimento não é mais repassado para as gerações futuras. Vale ressaltar
que a proposta apresentada na seção anterior é fruto de conversas e discussões
com vistas à busca da metodologia mais adequada para este objetivo.
Diante disto é que apresentamos a proposta de Educação Ambiental
baseado nas metodologias do ensino tradicional, onde concordamos com a
aplicação da atividade denominada “dia-de-campo” por quantas vezes forem
necessárias mediante anuência da comunidade.
Apresentamos também uma proposta para utilizar os conhecimentos
tradicionais da comunidade em proposições de Educação Ambiental no
ensino formal, com objetivo de participar de um início de um diálogo de
saberes.
Neste contexto e considerando toda a problemática ambiental causada
pelo modelo social dominante, torna-se cada vez mais necessário a formação
de sujeitos conscientes e capazes de produzir ações e atitudes para promover
as modificações necessárias nas relações ser humano/natureza.
Fisher (2009, p. 376) traz ainda que “estamos em uma nova
conjuntura, em que a limitação de um modelo predatório de exploração da
natureza está colocando a todos nós numa tarefa original e criativa no modo
de pensar”. Neste sentido, diversos trabalhos indicam o processo educativo
crítico como uma das possibilidades frente a estes desafios, onde o diálogo
intercientífico se faz essencial.
114
DIÁLOGO INTERCIENTÍFICO NA COMUNIDADE DO CEDRO: REFLEXÕES PARA EDUCAÇÃO ....
Como contribuição deste desafio, desenvolvemos uma proposição a
partir de um exercício mesmo que inicial, para a constituição de um diálogo
entre saber local e conhecimento científico oficial, tendo como base a flora
medicinal destacada pela Comunidade do Cedro a ser aplicada como tema
transversal no ensino formalizado.
Com isso, a proposição poderá evidenciar a importância dos
conhecimentos e práticas tradicionais na manutenção da biodiversidade.
Além, o trabalho participativo o qual inclui também membros da comunidade
nas discussões e formatação das atividades educativas, proporciona uma
construção transdisciplinar destas atividades.
Diante disso, pudemos participar de um exercício teórico que pode ser
aplicado. Como vimos, tratar-se da discussão sobre um ambiente complexo,
onde utilizamos uma abordagem educacional crítica considerando os aspectos
sociais, culturais, econômicos e políticos inseridos dentro de um contexto
específico. Ainda, estas proposições poderão ser ou foram elaboradas dentro
de um processo participativo, ora pelos anseios dos professores e instituições
que poderão utilizar os conhecimentos tradicionais no ensino formal, ora
pelas discussões, problemas e os anseios da Comunidade do Cedro.
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118
AGRICULTURA INDÍGENA: O CONHECIMENTO TRADICIONAL NO PREPARO DA ROÇA ...
AGRICULTURA INDÍGENA: O CONHECIMENTO
TRADICIONAL NO PREPARO DA ROÇA TAPIRAPÉ
Polyana Rafaela Ramos1
Elias Januário2
Xario’i Carlos Tapirapé3
Resumo: A agricultura indígena pode ser considerada como um excelente
meio disseminador de conhecimentos entre as gerações em uma determinada
comunidade, englobando desde a forma como se trabalha o solo até a
produção de alimentos em equilíbrio com o meio ambiente. A roça indígena
Tapirapé apresenta características peculiares na maneira como esse povo
consegue, a partir de seus saberes locais, extrair da natureza produtos que
são utilizados em sua dieta alimentar com o menor impacto possível. O
manejo das espécies é ensinado de pai para filho, aliando sustentabilidade,
preservação e segurança alimentar. Entre os Tapirapé a decisão do local
onde será feita a nova roça é atribuição dos mais velhos, que escolhem áreas
tendo por base o conhecimento adquirido com os antepassados, onde o solo
apresente boas condições de fertilidade, normalmente indicada pela presença
de matéria orgânica. As observações revelam que para garantir que haja
material a ser decomposto e esse solo permaneça constantemente produtivo,
esse povo utiliza diversas técnicas que aprenderam a partir da relação com a
natureza e com os mais velhos.
Palavras-chave: Produção sustentável. Etnoconhecimento. Agricultura
indígena.
Abstract: The Indian agriculture can be considered as an excellent means
of disseminating knowledge between generations in a given community,
encompassing everything from the way we work the soil to food production
in balance with the environment. The indigenous garden Tapirapé presents
some peculiarities in the way that people get from their local knowledge,
extract of nature products which are used in your diet with the least possible
impact. The species management is taught from father to son, combining
sustainability, preservation and food security. Among Tapirapé the decision
of where the new garden will be taken is function of the elders, who choose
areas based on the knowledge gained from the ancestors, where the ground
has good fertility conditions, usually indicated by the presence of organic
1 Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade do Estado de Mato Grosso, Docente do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – Campus Confresa, polyana.ramos@cfs.
ifmt.edu.br
2 Antropólogo, Historiador, Professor aposentado pela UNEMAT, presidente do Instituto
Merireu, [email protected]
3 Docente, Escola Estadual Indígena Tapi’itãwa – Confresa-MT, [email protected]
119
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
matter. The observations reveal that to ensure that there is material to be
decomposed and that the soil remains constantly productive, these people
use various techniques they have learned from the relationship with nature
and with their elders.
Keywords: Sustainable production. Ethnoknowledge. Indigenous
agriculture.
Introdução
Estima-se que no Brasil vivem hoje 896,9 mil indígenas, moradores
de 505 Terras Indígenas reconhecidas e distribuídos em 305 etnias, falantes
de 274 línguas (IBGE, 2010).
O povo Tapirapé que também se autodenomina Apyãwa, segundo
Baldus (1970) tem sua origem atribuída na região do baixo Tocantins,
passando na segunda metade do século VIII a viver às margens do rio
Tapirapé. De acordo com Paula (2012), atualmente vivem em duas áreas
indígenas situadas no nordeste do Estado: Terra Indígena Urubu Branco,
onde estão localizadas seis aldeias e Área Indígena Tapirapé-Karajá, onde há
uma aldeia, na qual a maior parte da população se identifica como Apyãwa
(Tapirapé) e algumas famílias pertencentes ao povo Iny (Karajá), havendo
também outras aldeias onde moram homens Apyãwa casados com mulheres
Iny.
Segundo Boef et al., (2007), a agricultura é um modo humano de usar
os recursos biológicos, físicos e naturais para se alimentar, curar, construir
abrigo, produzir fibras e gerar renda.
As fontes de subsistência do povo Tapirapé provem da caça,
pesca, coleta, agricultura e ultimamente houve a introdução de produtos
industrializados.
Os Tapirapé mantêm a prática de cultivo das lavouras, sendo os
tubérculos a principal fonte de carboidrato. Segundo Wagley (1988) essa
etnia era, fundamentalmente em ordem de importância, em primeiro lugar,
horticultores, em segundo caçadores e pescadores e, finalmente, coletores.
Embora alguns produtos que antigamente eram plantados nas
roças e hoje já se compra na cidade, muitas famílias continuam a fazer as
roças todos os anos. Nelas plantam diversidade de cultivares como abóbora,
melancia, mandioca, banana, cará, batata doce, amendoim, milho, entre
outras.
A manutenção da cultura de fazer a roça anualmente é importante
não só pelo fato de garantir alimentos tradicionais para o povo Tapirapé, mas
também pelo papel que assume perante a comunidade, pois os ensinamentos
sobre os cuidados com a terra são passados de pai para filho, entre as
120
AGRICULTURA INDÍGENA: O CONHECIMENTO TRADICIONAL NO PREPARO DA ROÇA ...
gerações, auxiliando na preservação da cultura e na formação do jovem,
conforme pode ser visto no relato a seguir:
“Trabalho junto com meu pai! Tem vez que trabalho
pro meu sogro também por respeito e porque faz parte
da cultura. Assim o jovem também vai com os pais,
avós na roça, vão aprender as regras de fazer uma roça.
Tá aprendendo com os mais velhos, para cuidar dos
filhos e da esposa.” (Indígena Tapirapé, 2012)
Ao longo dos anos, a partir do contato com os não índios, muitos
aspectos da cultura Tapirapé passou, e continua passando por uma série de
ressignificações, e com a agricultura, isso não foi diferente. Porém mesmo
com as dificuldades que foram surgindo no desenvolvimento das práticas
agrícolas, esse povo não deixou de cultivar seus alimentos tradicionais,
havendo muita sabedoria entre os mais velhos da aldeia, que justamente
por sua experiência e conhecimento são os responsáveis por conduzir as
atividades da roça no ano.
Características da agricultura indígena
Um fato que sempre chamou a atenção de alguns estudiosos é a
relação existente entre os indígenas e a natureza na aquisição de alimentos
por meio de extrativismo, caça, pesca e agricultura.
A forma como os grupos étnicos tradicionais praticam a agricultura
chama especial atenção e tem sido utilizada como fonte para novas técnicas
e práticas em prol da conservação, manejo e recuperação de ambientes de
produção. Uma prova disso é a ascensão da Agroecologia como disciplina.
Segundo Altieri (2002) foi a partir da observação e de estudos dos sistemas
indígenas que se obteve grande parte da matéria-prima para o desenvolvimento
de hipóteses e sistemas alternativos de produção agroecológica.
Segundo Alves (2001) a agricultura indígena apresenta como
características principais o domínio de sistemas sofisticados de produção
que incluem desde conhecimentos de calendários agrícolas baseados na
astrologia, formas peculiares baseados no conhecimento empírico de seleção
e manejo dos solos e diversificação de culturas.
Segundo Beltz (2012) o manejo indígena das roças de algumas
etnias do Estado do Mato Grosso, possuem alguns pontos indispensáveis
que demonstram a sustentabilidade desses sistemas, principalmente os que
mantêm a sustentabilidade ambiental do local.
A agricultura indígena pode ser entendida como de subsistência;
porém é necessário que seja abolido o pré conceito estabelecido pelo
121
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
capitalismo acerca deste modelo agrícola, que o relaciona com algo
pejorativo. É difícil definir o termo, mas Santos (2011) o conceitua como
uma agricultura assentada em atividades exclusivamente manuais com o
objetivo da autossuficiência do agricultor e sua família, sendo praticada de
forma extensiva com a predominância da policultura que é uma maneira
empregada para se obter a máxima produtividade possível. Nesta técnica, os
instrumentos utilizados são mais “rudimentares”. Há pouco ou nenhum uso
de insumos e de implementos de fora da propriedade, sendo este um trabalho
mais artesanal, com mão de obra familiar.
Entre os indígenas, há predominância deste policultivo, (o que,
juntamente com outros fatores, pode ser caracterizado como agricultura de
subsistência), garantindo diversidade de alimentos e suprimentos nutricionais
em todas as épocas do ano.
Dentre os manejos observados entre os povos indígenas Beltz (2012)
ressalta ainda que o sistema tradicional de roças indígenas apresentam fortes
indicativos de sustentabilidade, uma vez que esta forma de cultivo vai ao
encontro do conceito de sustentabilidade. Tal pensamento demonstra que
cada vez mais essa relação harmônica dos indígenas com a natureza pode ser
de extrema importância nesse cenário de crise ambiental em que se encontra
a humanidade, oferecendo subsídios que direcionem as demais sociedades
para uma vida mais sustentável.
O preparo da roça Tapirapé
O modelo de agricultura praticado pelos Tapirapé da aldeia Tapi’itãwa
segue um padrão de agricultura itinerante, porém com menor mobilidade,
em função da redução de terras apropriadas ao cultivo em seu território,
causado pela invasão do não índio.
Acredita-se que essa forma de cultivo seja uma das formas mais
antiga de exploração da terra. De acordo com Noda (1994) o uso do termo
agricultura itinerante tem sua origem do inglês shiffing cultivation e tem
sido usado para designar a técnica de pousio. Este tipo de agricultura envolve
uma alternância entre períodos de cultivo e longos períodos de pousio, que
duram até que a floresta se reconstitua. Em uma sequência típica, a floresta é
cortada e queimada para limpar a terra e produzir as cinzas que servem como
fertilizante para o solo (REIJNTJES et al., 1994).
Em diferentes povos indígenas a prática da roça de coivara ainda é
muito utilizada, e entre os Tapirapé não é diferente. As etapas de preparo da
roça do ano iniciam-se com a brocação (ato de retirar os brotos nas árvores
de menor porte e fazer um anelamento nas maiores, que consiste de um corte
na circunferência do tronco interrompendo a circulação de seiva, a fim de
122
AGRICULTURA INDÍGENA: O CONHECIMENTO TRADICIONAL NO PREPARO DA ROÇA ...
secarem e morrerem aos poucos); derrubada e queima da mata nativa do
local escolhido para plantio. A esse respeito, detalha Wagley (1988):
“Os Tapirapé empegavam o conhecido método da
derrubada, queima e coivara. Todo ano, na estação seca,
uma nova área da floresta era abatida para a formação
dos roçados. Primeiro, os arbustos e as pequenas
árvores eram derrubadas e empilhadas. Só então as
árvores maiores eram abatidas. Fazia-se um grande
esforço para que as árvores de maior porte caíssem
atravessadas umas sobre as outras, e , para facilitar a
queima, os galhos maiores eram removidos e colocados
nas pilhas das pequenas árvores e arbustos. Depois de
abatidas, as árvores e os arbustos ficavam secando até
fins de outubro e começo de novembro. Finalmente
procedia-se à queimada; quanto mais secas as árvores
e arbustos, melhor a queima. Mas, se se deixava passar
muito tempo e caíssem as fortes chuvas, frustrava-se
a queima, deixando paus intactos e um emaranhado
de galhos. Depois da queima procedia-se à coivara,
isto é, alguns galhos e arbustos apenas chamuscados
eram empilhados novamente e queimados, e os troncos
caídos, podiam ser rearrumados para dar mais espaço.
Porém, as roças Tapirapé nunca estavam limpas.
Pelo contrário eram uma confusão de troncos meio
carbonizados” (Wagley, 1988, p. 74)
Atualmente, pouco se modificou do sistema observado pelo
etnógrafo. Houveram algumas mudanças/adaptações quanto as épocas da
realização de cada etapa. De acordo com ensinamentos do povo Tapirapé, a
roça deve começar a ser feita quando o cajá estiver com flor.
“O cajá (akaxã) é a fruta predileta do jabuti. Para o
povo Tapirapé o cajá é uma espécie de fruto muito
importante. Quando o cajazeiro começa a dar frutos,
os grandes lavradores Tapirapé procuram demarcar
o chão, onde querem fazer sua roça” (Depoimento
Tapirapé – Acervo Joana Saira/UNEMAT, 2009)
Após a escolha do local onde será feita a roça, iniciam-se os processos
de preparo inicial.
O anelamento é feito por meio de um corte em toda a circunferência
da árvore, atingindo os vasos floemáticos e xilemáticos. Dessa forma,
interrompe-se a passagem de seiva e nutrientes, causando a morte da planta.
Após a brocação, os Tapirapé preparam-se para a derrubada, ao
qual ocorre geralmente em junho e julho, para que dê tempo de estarem
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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
bem secas, quando for à época da queima. Antigamente a derrubada era
feita utilizando somente machados e facões, atualmente é possível observar
que além destas ferramentas, já se utiliza a motosserra, embora em menores
proporções em Tapi’itãwa.
A derrubada das árvores é uma das atividades que integram o ritual
de preparo das roças. Baldus (1970) descreveu presenciar gritos alegres que
soavam e gargalhadas que se faziam ouvir por todos os lados, como se esse
povo realizasse um jogo bem divertido. O fato é explicado por Januário et al.
(2009), ao relatar que na prática, ao derrubar uma árvore esse povo sempre
grita, pois esse ato representa o grito da vitória sobre a árvore, principalmente
quando esta é grande.
Como se trata de uma derrubada segundo um ritual Tapirapé, entre
os lavradores que preparavam a roça, há o cuidado em fazer a limpeza
somente na área necessária ao cultivo dos alimentos. Na figura 01 é possível
visualizar as delimitações entre a vegetação seca e ao fundo a mata nativa,
que serve como barreira de proteção as plantas que serão cultivadas.
Figura 01: Área onde foi derrubada a vegetação para estabelecimento
da roça. Aldeia Tapi’itãwa, 2012. Foto: RAMOS.
A queima da vegetação é realizada pelos mais velhos da aldeia que
identificam a melhor época e dia para realizarem o trabalho. Para isto, são
feitas observações sobre a velocidade e direção do vento, pois dessa forma,
pode-se controlar o fogo e queimar somente o que é desejado.
124
AGRICULTURA INDÍGENA: O CONHECIMENTO TRADICIONAL NO PREPARO DA ROÇA ...
No processo histórico da humanidade, o fogo, desde sua
descoberta, desempenha importante papel em várias atividades primordiais à
sobrevivência de espécies animais e vegetais. A relação dos povos indígenas
com o fogo é de domínio e uso tradicional em equilíbrio com o ambiente,
havendo uma relação de respeito a este elemento considerado sagrado.
Muitas etnias utilizam o fogo como aliado em várias atividades como
a caça e a limpeza das áreas onde serão feitas as roças. Leonel (2000) relata
que o uso do fogo na agricultura é muito antigo e entre os povos indígenas
o cuidado com o fogo aparece inclusive no ato de atribuir-se aos anciãos a
tarefa de decidir a época de queimar, logo, queima-se somente a partir de um
conhecimento acumulado, da sabedoria.
A periodicidade das derrubadas depende das condições de solo e das
áreas disponíveis para a realização da roça do ano. Segundo Santos (2011)
normalmente ocorre a realização de novas derrubadas nesta etnia entre 03 e
04 anos, podendo variar de acordo com o tipo de solo e o nível de fertilidade
observado. Esse processo decorre também com o decréscimo da produção e
o aparecimento de infestações de plantas daninhas.
Entre os Tapirapé o ritual da queima é assim descrito:
“Quando o vento começa, o dono da roça prepara o seu
material “chamador de vento” (arawaja). Arawaja é
feito com rabo de arara vermelha com cabo de taquari.
Na queimada também realizamos um ritual que chama
o vento. A queimada da roça é sempre realizada a partir
do meio dia. Essa queimada é feita da seguinte maneira,
o dono da roça faz uma tocha, com a qual ele vai
queimando. Essa pessoa vai queimando a roça dando
a volta toda na roça, eles vai gritando até terminar [
...]. Após queimar, só no outro dia, os donos vão olhar
como é que ficou... Se a roça não queimou direito, aí no
outro dia fazemos a coivara, até ficar limpa. Se a roça
queimar bem, aí não precisa coivarar ” (Januário et al.,
2009, p.131).
“Através da lua o povo Tapirapé sabe o tempo certo de
fazer a queimada. Quando a cigarra começa a cantar
mostra que tá na hora de queimar e daqui uns dias a
chuva vai começar “(Indígena Tapirapé, 2012)
Outro fato interessante sobre a queimada entre os mais sábios da
aldeia Tapirapé é que a mesma geralmente é feita após a primeira chuva,
pois assim, diminuem as possibilidades do fogo se espalhar e causar
problemas. Conforme figura 02, onde com olhar mais atento, percebe-se ao
125
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
fundo a presença de uma mata que não foi atingida pelo fogo, confirmando
com isso a habilidade de controle de espaço que necessita ser queimado para
a formação da roça.
Figura 02: Área da roça após a queimada. Aldeia Tapi’ítãwa, 2012. Foto: RAMOS.
Na região do médio norte Araguaia, entre os meses de agosto e
setembro é comum a ocorrência de rajadas de ventos fortes. Assim, nesta
época muitos pecuaristas aproveitam para fazer a renovação dos pastos e
abertura de novas áreas. Utilizam as queimadas, sem levar em consideração
as condições ambientais da região neste período, e a utilização de técnicas
específicas para o controle do espaço a ser queimado, diferentemente do
procedimento que pode ser observado nas roças Tapirapé.
Com a área queimada é feita a demarcação de onde será plantada a
roça de cada família, cujo tamanho dependerá do número de componentes
da mesma que irão trabalhar nela. Segundo Santos (2011) trabalhando com
a aldeia Sapeva (vizinha à Tapi’itãwa), a área média de produção de uma
roça Tapirapé se encontra entre um e dois hectares. Porém foi observado no
decorrer da pesquisa, de acordo com relatos dos mais idosos, que as áreas
têm diminuído em função da maioria dos jovens não demonstrarem interesse
em cultivar os alimentos indígenas.
De acordo com Januário e Silva (2011) o povo Tapirapé antigamente
não usava o metro como unidade de medida de sua roça, mas usava alguns
126
AGRICULTURA INDÍGENA: O CONHECIMENTO TRADICIONAL NO PREPARO DA ROÇA ...
conhecimentos tradicionais para trabalhar na roça e saber a medida. Eles
cortavam uma vara para colocar na ponta da roça e marcavam os lados
direito e esquerdo, sendo colocada uma vara em cada lado. Depois disso
iniciavam a roçada em linha reta onde tinha feito às demarcações, calculando
assim o tamanho de sua roça.
Durante a coleta de dados no desenvolvimento da pesquisa foi
observado que para realizar a separação das áreas de cada família, foi
utilizado como referência uma embira (cipó ou fibra de casca de determinadas
espécies de árvores) de aproximadamente dois metros. O que também foi
relatado por Januário e Silva (2011) quando dizem que a forma como os
mais velhos utilizavam para determinar o tamanho da roça sempre foi o uso
de um pauzinho e a embira de dois metros.
Para a demarcação dos limites físicos e visuais destas áreas são
utilizadas estacas de taquara com uma sacola plástica na ponta, com o
objetivo de delimitar o fim de uma roça e o início de outra, o que antigamente
era feito utilizando-se grandes troncos caídos.
Formação da roça Tapirapé
Entre os Tapirapé pode haver dois tipos de roças: a comunitária e a
familiar.
Antes de iniciar o preparo do local de plantio, a comunidade reúnese e decide quais as famílias que irão fazer lavoura naquele ano. A roça
comunitária, também chamada de Maxirõ ou Apachirú é realizada em
forma de mutirão, e todos (independente do sexo) devem ajudar no cultivo
dos alimentos. Quando na época da colheita, os produtos são divididos
igualmente entre as famílias que trabalharam.
Segundo Januário et al. (2009), quando é feita a opção pela
comunidade em fazer a Maxirõ, há a realização de um grande ritual, onde os
homens vão à roça e marcam com as mulheres a hora da chegada (geralmente
antes do por do sol). Assim, elas levam comidas como cauim, peixe, carne,
produtos da roça e até enfeites, pois os homens chegam dançando e com
fome. Quando terminam de comer, as mulheres passam urucum no pé e na
tamakora (braçadeira feita com linha de algodão). Depois os homens vão
para a Takãra (Casa dos Homens) dançando e acontece a corrida (que é um
preparo físico dos jovens para serem bons corredores). Esse ritual somente
é feito quando se decide por fazer a lavoura com todos da comunidade
participando, ou seja, a roça comunitária como é chamada.
Em seus relatos Wagley (1988) afirma que entre 1939 e 1940 já
observava que a limpeza das roças transformara-se em uma tarefa mais
127
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
individual que coletiva, ao contrário do que foi observado pelas Irmãzinhas
de Jesus no ano de 1953.
“Segunda-feira (24 de agosto de 1953): Logo depois
(de chegarem da pescaria), os homens se reúnem na
takãra e decidem que todos irão hoje queimar as roças
novas... Cada um leva um bambú com uma pena
enorme fincada na ponta, para ver a direção do vento
e botar fogo no lugar certo” (Diário das Irmãzinhas de
Jesus, 2002, p.132)
A roça familiar (mais usual entre os Tapirapé da aldeia Tapi’itãwa)
é feita todos os anos por algumas famílias. Segundo a comunidade, “não
pode deixar de cultivar espécies de plantas de índio, porque os alimentos dos
brancos estão fazendo mal.”
Conforme afirmam os Tapirapé, a roça familiar passou a predominar
as modalidades de cultivo, devido à falta de interesse dos jovens em aprender
sobre os ensinamentos agrícolas de seu povo. Dessa forma, são poucas as
famílias que ainda permanecem com esta tradição.
Considerações Finais
Entre os Tapirapé as pessoas mais idosas são consideradas portadoras
de grande sabedoria, cabendo a elas a condução de todos os processos de
preparo e cultivo da roça.
O sistema agrícola é composto por um modelo de agricultura itinerante
de coivara, onde o solo permanece em pousio por pelo menos cinco anos
antes de ser trabalhado novamente para cultivo. O respeito a essa técnica
garante a fertilidade e prima pela recuperação das espécies vegetais locais,
sendo a biodiversidade mantida e melhorada, o que é um dos princípios da
sustentabilidade da roça indígena.
Dentro dessa perspectiva, sabe-se que a sobrevivência dos Tapirapé
está diretamente vinculada à própria conservação da natureza, em espaços
adequados, viabilizando a manutenção de suas aprendizagens passadas
através das gerações.
É possível perceber que mesmo com as mudanças ocorridas ao longo
dos anos com as formas de praticar a agricultura, a etnia Tapirapé mantém
viva a tradição de fazer a roça conforme os costumes desse povo. Acreditam
que enquanto existirem famílias que fazem suas roças todos os anos, levam
seus filhos para aprenderem desde criança os cuidados com as plantas,
épocas, rituais e forma correta de manejo e preparo da terra; as roças, o
artesanato a identidade e cultura desse povo serão sempre mantidos.
128
AGRICULTURA INDÍGENA: O CONHECIMENTO TRADICIONAL NO PREPARO DA ROÇA ...
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