in memoriam…

Transcrição

in memoriam…
Eduardo Prado Coelho
in memoriam…
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Se eu tivesse uma ilha, os meus amigos chegavam em
barcaças, cantavam baladas de marinheiros, bebiam
cidra, deitavam-se com a boca salgada, faziam amor
e adormeciam. Na falta de uma ilha, um livro.
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O
Eduardo era um daqueles seres transparentes cujas qualidades são uniformemente reconhecidas por todos os que com
ele privaram, muitos dos quais se pronunciaram já publicamente
após a sua morte. Era afável, curioso da vida e dos outros, de um saber enciclopédico, generoso, apaixonado, admirador da beleza em todos os seus
estados, divertido, bom gourmet, no geral risonho e bem disposto.
Conhecemo-nos, nos gloriosos anos 60, na Faculdade de Letras de Lisboa, onde fomos colegas. Mais tarde, voltámos a ser cúmplices numa equipa
que deu vida a um dos projectos mais ambiciosos da divulgação da cultura
portuguesa no estrangeiro: a Europália 91 – Portugal.
Durante os meses que permanecemos em Bruxelas (o Eduardo fazendo uma contínua ida e volta Bruxelas-Paris onde era, simultaneamente,
Conselheiro Cultural) aprendemos a conhecer-nos melhor e a apreciarmonos mutuamente, sendo inúmeras as recordações dos momentos empolgantes, hilariantes, stressantes ou até de grande aflição que partilhámos durante
essa grande aventura. Algumas dessas situações estão, aliás, descritas no seu
Tudo o que não escrevi : Diário.
Na sua enorme curiosidade, o Eduardo ajudou-nos a conhecer a nossa
geração, a melhor compreender uma época em que ocorreram tão relevantes
e profundas transformações e fenómenos sociais e tecnológicos quanto o advento da televisão, a viagem do homem à lua, a queda do muro de Berlim, as
independências africanas, o telefone móvel, a generalização dos computadores, a internet, Maio de 68, a guerra do Golfo, as insurreições nos Balcãs, os
atentados às Torres Gémeas…
Tudo o interessou e sobre tudo escreveu. E apesar de uma vida curta,
relativamente aos padrões de esperança de vida actuais, teve tempo para dizer
quanto nos amava : a nós – os amigos, às mulheres (muito em especial !) e à vida.
Fátima Ramos
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H
á amigos que desaparecem, mas que continuam a acompanhar-nos. É o caso de Eduardo Prado Coelho. Desde os tempos
em que o conheci, na Faculdade de Letras, no fim dos anos de
1960, o Eduardo tornou-se uma referência não só pela sua imensa cultura
como pela inteligência com que nos transmitia o seu conhecimento e as suas
ideias. Num convívio pontuado por várias interrupções, de períodos em que
viveu fora de Portugal, e em que também eu estive longe do país, sabia que,
ao reencontrá-lo, iria sempre continuar essa conversa que fazia parte da sua
forma de compreender o mundo, a literatura, as pessoas, e as relações humanas. Era esta humanidade que sempre impediu que o lado intelectual fizesse dele uma pessoa fria, como por vezes sucede. O Eduardo pensava com
paixão, e fazia com que essa paixão desse ao pensamento um lado vivido e
existencial que perpassava pelos textos que escrevia, sobretudo quando falava
de poesia, mas também de política e de filosofia – e era essa capacidade de
investir o seu lado afectivo na escrita que nos levava a esperar com ansiedade
cada texto seu que, sabia-se, iria sem dúvida esclarecer ou modificar a realidade de que falava. Depois de o ler, víamos Herberto Helder, Eugénio de
Andrade, Manoel de Oliveira, e tantos de que ele tratou nas suas crónicas e
ensaios, de uma forma sempre diferente, e sempre mais rica.
É por isso que a perda do Eduardo, se é sem dúvida um empobrecimento
significativo da nossa cultura e da nossa vida intelectual, tem como compensação o facto de ele nos ter deixado o seu olhar, e sobretudo a consciência
de que esse olhar que temos de ter sobre o que nos rodeia não pode, e não
deve, ser frio e abstracto. Ter aprendido isso com ele é já uma herança que
nos enriquece, bem para lá dos outros aspectos em que o Eduardo também
se tornou uma figura ímpar: na forma como aliou ao homem de pensamento
o homem de acção, e como conseguiu, com o seu fascínio pela França e
pela cultura francesa, fazer da literatura e da cultura portuguesa um parceiro
significativo na cena parisiense e gaulesa, nos anos em que desempenhou as
suas funções de Conselheiro cultural e em que conseguiu instalar o Instituto
Camões como uma referência da divulgação da nossa língua e das formas
de expressão literária e estética dos nossos criadores, num trabalho que me
estimulou e foi decisivo para que, ao suceder-lhe nesse cargo, encontrasse um
caminho aberto para prosseguir com êxito esse trabalho.
Nuno Júdice
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P
ara responder ao pedido cada vez maior de um público francês que pretendia aprender a Língua Portuguesa fora do contexto
escolar, a Fundação Calouste Gulbenkian, através do seu Centro
Cultural em Paris, inicia pela mão do Prof. Pina Martins os Cursos de Português. É assim que em 1977 convida o Prof. José da Silva Terra, professor Catedrático da Universidade de Paris 8 - Vincennes, a título gracioso,
para organizar estes cursos de Língua e Cultura Portuguesa . Inicialmente
o ensino é assegurado pela equipa docente desta Universidade, concedendo inclusivamente equivalências entre este ensino supletivo e aquela Universidade. O material pedagógico utilizado é também o da Universidade
de Vincennes. O sucesso destes cursos leva a que haja em 1980 cerca de
400 alunos em lista de espera. Os cursos são inteiramente subsidiados pela
Fundação Gulbenkian, dentro das suas funções em França, sendo a gestão financeira assegurada a partir de 1980-1981 pela ADEPBA (Associação
para o Desenvolvimento dos Estudo Portugueses, Brasileiros e da África
Lusofóna). Durante dois anos-lectivos os cursos são leccionados no Collège
Saint-Louis de Gonzague, voltando para as instalações do Centro em1985.
A partir do mesmo ano e face à elevada procura, a Résidence André de Gouveia da Cité Internationale Universitaire, com o apoio incondicional do seu
director, Dr. Rogado Dias, coloca à disposição mais duas salas para os Cursos poderem ter uma maior capacidade de resposta face ao êxito e procura.
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O reconhecimento institucional destes cursos, por parte do Governo Português, vem em 1982, após uma decisão do Ministério da Educação, através do
Instituto de Alta Cultura, criando um posto de Leitor de Português nos cursos.
Estes cursos tiveram sempre como vocação o ensino da Língua e Cultura
Portuguesa a estrangeiros de nacionalidades diferentes, apesar da preponderância do público francês de horizontes sociais e culturais bastante diversos.
Paralelamente criam-se cursos para luso-descendentes, no sentido de terem
uma aprendizagem específica, tendo em conta o seu perfil.
Para dar sequência aos cursos, após a frequência de um ensino organizado
em seis níveis, a Professora Maria de Lourdes Belchior cria o Clube de Língua
e Cultura Portuguesa, espaço de convívio em Português, e ciclos de conferências, sobre os temas mais diversos, mas com enfoque na contemporaneidade.
A iminência da criação do Instituto Camões em Paris levou a que,
após negociações entre a Administração da Fundação Calouste Gulbenkian e a Presidência do Instituto Camões, os cursos passassem em Outubro de 1994 para a tutela e direcção deste Instituto. No entanto, os
atrasos sucessivos para se encontrarem instalações em Paris, levaram a
que com o apoio incondicional do Conselheiro Cultural em Paris, Prof.
Eduardo Prado Coelho, se encontrasse uma solução de transição : assim,
já sob a direcção do Instituto, através da coordenação pedagógica de José
Manuel Esteves, coordenador dos leitores de Português em França, os
cursos continuam a ser leccionados nas instalações do Centro e nas salas
disponibilizadas pela Résidence André de Gouveia.
Eduardo Prado Coelho, indigitado como Director do Instituto Camões
em Paris, promove a criação de um Comissão Instaladora do futuro Instituto
em Paris, presidida pelo Senhor Embaixador Paulouro das Neves, onde têm
também assento o responsável pelos cursos, assim como um representante do
Consulado de Portugal e um do Clube dos Empresários.
O emaranhado legal para a criação do Instituto Camões (passando da
tutela do Ministério da Educação para a do Ministério dos Negócios Estrangeiros), leva a que a sua criação se faça em Março de 1995 e só aí se prevê,
no seu artigo 16°, a criação de Centros Culturais Portugueses no estrangeiro
que, entre muitas outras funções, devem realizar Cursos de Língua Portuguesa para nacionais e luso-descendentes residentes fora do país, bem como
cursos orientados para públicos especializados.
A dificuldade de se encontrar um espaço de prestígio, até à resolução
da instalação da delegação de Paris nas actuais instalações da Rua Raffet,
propriedade do Estado Português, as obras de recuperação a que foi ne-
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cessário proceder, levaram à situação de em Outubro de 1995 não haver
instalações para receber os alunos dos cursos de Português que se encontravam na expectativa de saber se estes iriam ter ou não continuidade.
Eduardo Prado Coelho, incansável e consciente da imagem altamente
negativa para o país se não se encontrasse uma saída airosa, multiplica
os démarches com os vários serviços da tutela, telefonando diariamente,
escrevendo sucessivos relatórios e, com apoio da Comissão Instaladora,
desenvolve permanentes contactos para que se resolva a situação, dando
continuidade à nobre causa criada pela Fundação Gulbenkian e pelo
Prof. José Terra.
É assim que surge, numa situação transitória, a ideia de se adaptar o espaço da Passage Dombasle, onde se encontravam os serviços da Coordenação de Ensino da Embaixada de Portugal, comprando mobiliário e material
pedagógico, para que a 15 de Outubro de 1995 se pudessem receber condignamente os alunos dos cursos. Esta ideia recebeu o total apoio do Senhor
Embaixador e de Eduardo Prado Coelho. Com a colaboração preciosa e
indispensável de Isabel Vila Nova, Ana Gasnier, Margarida Falcão, assim
como de Daniela Costa, Fernanda Sá Dias, Patrícia Marreiro e graças ao
apoio inexcedível dos professores Leonel Melo Rosa, responsável pela gestão dos cursos, Adelaide Cristóvão (ambos Leitores do Instituto Camões)
e Tereza Hannezo, os cursos puderam abrir com dignidade e funcionaram
nessas instalações durante o ano-lectivo de 1995/1996. A passagem para
as instalações da Rua Raffet, onde ainda hoje se encontram - e, esperamos,
por muitos e longos anos - fez-se definitivamente no ano-lectivo seguinte.
Os cursos de Português do Instituto Camões estão, assim, directamente
ligados à criação do próprio Centro Cultural, já que é sob a pressão e a
necessidade de se encontrar uma solução para eles que nascerá, de facto,
este Centro Camões que nos acolhe e que Eduardo Prado Coelho dirigiu,
em todas as suas vertentes, com o maior rigor, competência, inteligência
e espírito de diálogo. Eduardo Prado Coelho compreendeu que qualquer
promoção cultural portuguesa no tecido parisiense teria de passar pela manutenção dos cursos de Português, porque neles se encontra um público
altamente motivado, com fortes possibilidades de vir a ser divulgador nos
seus vários círculos de intervenção, susceptíveis de mudarem a imagem de
Portugal em França, contribuindo para colocar a língua de Camões no leito
sem fim que corre do Tejo para o Sena.
José Manuel Esteves
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Lembro enquanto Conselheiro Cultural em Paris o seu empenho em lançar
pontes entre Portugal e França, entre os jovens criadores portugueses, franceses e
europeus, antecipando aquilo que é hoje comum fazer-se e que foi incentivado
mais tarde pela União Europeia, projectos partilhados entre países europeus.
Muitas vezes me ligou de Paris, enquanto dirigi o Instituto dos Museus, dandome dicas de « quem é quem » e de « o que é o quê » para projectos portugueses,
negociando espaços expositivos qualificados, apresentações em museus ou galerias de colecções portuguesas ou de jovens e consagrados artistas ou escritores
e abrindo portas quer no meio académico quer junto do grande público.
Simonetta Luz Afonso
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 26 de Setembro de 2007
Embora não fosse filósofo de formação, tinha a paixão das ideias, as mais
subtis e paradoxais, as mais up-to-date também, que de Foucault a Derrida
enquadraram a sua rêverie pessoal e deram à sua escritura luminosa um eco
de rara qualidade. Não creio que o mais lido dos nossos intelectuais « inorgânicos », o mais influente, sobretudo depois que se tornou o comentador
do nosso quotidiano, como se merecêssemos que ele fosse o nosso tácito de
serviço, tenha merecido até hoje aquela leitura de extrema finura que ele
dedicou aos textos dos outros, mesmos aos que talvez o não merecessem.
Eduardo Lourenço
Público, 28 de Agosto de 2007
A actividade de divulgação cultural é das mais importantes e formativas que lhe devemos. Porque o Eduardo conseguia divulgar sem simplificar,
tornando atractivo o pensamento complexo ; e porque o fazia com rigor e
qualidade ; e porque escrevia maravilhosamente. Depois, tinha aquele humor
irresistível, dizia « pois » a propósito de tudo, mesmo nas mais fortes discordâncias, e soltava aquela gargalhada que não era só riso, mas uma escansão da
fala, criando ritmo no seu saboreado prazer de viver.
Maria Alzira Seixo
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007
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E, generoso como era, passava sem paternalismo o seu gosto aos mais
novos, às várias gerações de mais novos de que foi professor, mentor, mestre ;
ao grupo da Faculdade de Letras em que me formei e o conheci, ele passava
livros e revistas, recomendava filmes e festivais de cinema, alertava para sessões de poesia ou outra coisa qualquer que nos abrisse para mundos outros,
de encantos sem fim.
Paula Morão
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007
Essa alegria da partilha de uma descoberta – que a sua actividade nos jornais lhe permitiu viver de forma tão plena – traduzia-se numa alegria e numa
excitação constante, quase adolescente. Não me recordo de o ver sério (senão
nos últimos tempos da sua doença, que não foi a que o venceu) e lembro-me
de o ver inúmeras vezes falar de um novo filme ou de um novo autor com um
entusiasmo que lhe fazia a voz gorgolejar de prazer e de alegria.
José Vítor Malheiros
Público, 28 de Agosto de 2007
O Eduardo tinha qualidades raras que sempre admirei : um modo muito
próprio de não levar a vida (nem a si mesmo) demasiado a sério, uma enorme
capacidade de dar a volta por cima das adversidades, de esquecer o que não lhe
agradava, de ver o lado lúdico das coisas. Ao contrário dos traços habituais dos
portugueses, gostava de descomplicar e tinha uma espantosa alegria de viver.
Teolinda Gersão
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007
Outro aspecto ainda é a importância da sua crítica de poesia, porque
em textos luminosos, não se limitou a abordar os consagrados, mas revelou
muitos novos poetas, ajudando a impô-los. E o modo como a eles se referia,
o modo até como os citava permitiam que o leitor fizesse, desde logo, uma
ideia das obras em análise.
Fernando J.B. Martinho
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007
A primeira lembrança que me ocorre de Eduardo é a de um miúdo simpático, vestido de fato cinzento, larga gravata às riscas, o cabelo muito liso,
com uma espessa poupa, olhos negros brilhantes e vivos, uma face muito
corada e um riso bonito e franco.
Mário de Carvalho
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007
Porque foi contigo que aprendi (que aprendemos) que a postura de intelectual na cidade tem de ser um compromisso com tudo aquilo que nela manifesta
a múltipla e complexa actividade dos homens : dos livros ao cinema, da arte em
geral ao futebol, da moda aos centros comerciais, da gastronomia à política.
Manuel Alberto Valente
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007
Falar daqueles que conhecemos acaba sempre por ser uma forma de falarmos de nós próprios. Falar do que quer que seja é sempre uma forma de
falarmos de nós próprios. É assim agora, quando tento escrever sobre ele, e
foi assim sempre que ele falou ou escreveu sobre tantos assuntos.
José Luís Peixoto
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007
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Mais do que um polemista, EPC foi perscrutador de tendências, um cultor
de ideias, um apaixonado que tomava partido, mesmo contra a corrente.
Guilherme d’Oliveira Martins
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Agosto de 2007
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É domingo, chego a Paris, e sinto a enorme
instrumentos pediferença em relação a Lisboa. Onde aqui
dagógicos. Outros
existe uma cidade adormecida, existe ali
precisam de elemenuma cidade em festa. Cafés, restaurantes,
tos turísticos. Os nossos
bares, ruas, tudo está repleto de gente.
livros, e alguns daqueles
Em certos bairros, é como se fossem
que em França os têm decentros comerciais: as lojas estão
fendido, estão mais uma vez
abertas, as pessoas passeiam, as
presentes. Incansável, aqui está
crianças brincam, e os namode novo Solange Parvaux. A nova
rados beijam-se na rua. Há
conselheira cultural, Fátima Ramos,
jardins com fontes, lugares
assiste às sessões. Com leituras de
de passagem, espaços mítipoemas (numa tradução de Sophia de
cos. Veja-se, por exemplo,
Mello Breyner) em que Joaquim Vital
a praça des Vosges : a
gastou cerca de 5 anos, temos o próprio
calma, a relva, as plantas,
Joaquim Vital, Michel Chandeigne (que
as árvores, o sentimento
no colóquio da Gulbenkian provocará alde que a roda da vida é
guma polémica com as suas opiniões sobre
aqui mais lenta.
a poesia portuguesa) e, com um entusiamo
Passo pelo Salão
de quem gosta de ler poesia em público, e
do Livro. Um exceconheceu Sophia desde o período em que era
lente « stand » porcriança (e conta como vestiu fatos que ela ia
tuguês, um acolhideixando para outras pessoas), Inês de Medeiros.
mento simpático das
Público interessado, perguntas oportunas.
funcionárias do InsMas deixa-se o Salão do Livro com a sensação
tituto Português do
de que atravessámos um pesadelo, tão grande é
Livro e da Leitura, a
o número de gente, tantos os « stands », tantos
presença da Livraria
os livros a descobrir (e a esquecer) nesta tarde
Lusophone com o
de domingo.
Heitor e a Anabela.
À noite temos o Marais, os seus restauranPassam professores e
tes de muitas nacionalidades, o seu folclore
interessados na cultujudaico e « gay » (cada vez mais, sublinhera portuguesa. Alguns
se). Os bares parecem sem conta, os
procuram sobretudo
americanos turistas multiplicam-se
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em cada esquina, há latas de cerveja rolando pelo chão, pavilhões de zonas
regionais. É bom reencontrar os empregados do meu restaurante preferido,
« Le gamin de Paris ». Lá está a dona, sempre vestida de branco, evocando os
tempos certamente felizes em que conheceu José Bergamin. Lá estão os seus
« rapazes » árabes que nos saudam com simpatia.
Mais tarde temos St. Michel, bares a abarrotar, grupos de música em cada
recanto, uma alegria encantada. É bom que Paris esteja onde está e continue
a ser como era. Sentimos que passaram muitos anos, e que no fundo nenhum
tempo passou. Intelectuais, estudantes, pensadores, músicos, todos atravessam estas ruas como se fossem eternos.
Público, 28 de Março de 2005
Em Paris, muitas vezes dizia ao ver a abundância iluminada das montras :
aqui há tudo o que podemos imaginar, mas faltam, acessíveis no quotidiano,
os pastéis de nata. E as imagens dos pastéis sobrepunham-se, abusadoras e
invasoras, a tudo o mais. Sobre o empedrado dos Champs Elysées, nas salas
da Opéra, nas nuvens invernosas, nas curvas do Sena com a lenta passagem das « péniches », nas noites de Pigalle, nas florestas dos arredores ou no
« confit de canard » que comia em silêncio. De vez em quando, ocorria-me
murmurar em voz baixa : « Comia-se agora um pastel de nata ». E ficava
a observar o ardil desta forma verbal com que me enganava a mim próprio. Eu
queria dizer : « Comia agora um pastel de nata », mas atenuava o ímpeto, tornando o verbo mais partilhável: « Comia-se, comia-se a todas as horas ». Estranhos
fios de memória entre os lugares, as bocas famintas e as imagens desgarradas.
Nacional e Transmissível,
Lisboa, Guerra e Paz, 2006
Por muito que as modas mudem e os destinos de viagem se alterem, Paris
continua a ser uma festa. Não tem a animação boémia dos anos vinte ou
trinta; os americanos como Scott Fitzgerald ou Hemingway, o celebrante da
festividade parisiense, há muito que deixaram de frequentar os cafés e esplanadas da cidade que, ela própria, mudou muito de fisionomia; mas esquecendo as hordas de turistas bem comportados, que guardam os « souvenirs » em
intermináveis rolos fotográficos e vídeos variados, o espírito da cidade existe,
o Quartier Latin ainda apetece, é bom passar pela Brasserie Lipp ou pelo
Deux Magots, para não falar do Sena, das pontes e dos « bouquinistes », dos
museus e das exposições, das pequenas esplanadas recatadas num qualquer
recanto de rua, da animação de lugares como por exemplo a Rue Cler, com
o seu mercado de levante onde se acumulam frutas, queijos, flores, charcutarias e muitas outras coisas que a imaginação não evocaria facilmente. Esta
época é boa para se visitar Paris: ainda não há a invasão maciça de turistas
em redor dos chamados sítios turísticos, sejam eles a torre Eiffel ou o Sacré
Coeur, deixando uma pacata margem de manobra a quem fuja de tais locais.
Quanto ao roteiro de actividades, o « Libération » tem uma suficiente página
de eventos, que se recomenda. E já agora, e até ao fim do mês, não perca no
Centro Cultural Gulbenkian, na Avenue d’Iéna, 51, uma interessante exposição de Dacosta, « Peintures Intimes ».
Público, 24 de Junho de 2000
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Num texto do JL, sobre a nova mitologia cultural europeia, Eduardo
Lourenço retoma o velho tópico de que apenas fomos felizes no lugar suspenso de uma infância irrecuperável. Quantas vezes não o ouvi dizer, e talvez,
sonâmbulo, o tenha repetido? De quando em quando, na fórmula mágica da
teoria: a infância é o espaço do Outro.
Sou sensível, como o não seria?, à ressonância intelectual destas formulações, com uma ressalva, que talvez explique tudo, isto é, nada: nenhuma perda,
nenhuma relação de nostalgia, nenhum dilaceramento visceral, me liga à infância.
Que foi feliz, sim, acho que sim. Mas a única infância verdadeiramente feliz foi a que
me acompanhou pela vida fora - até hoje, até amanhã de manhã. Se tenho algum
trabalho, é o de merecê-la - dia a dia. Pouco a pouco, fui-me sentindo capaz disso:
um desprendimento, uma desenvoltura, uma isenção (sentar-me na relva, rodeado
de vida por todos os lados, e olhar a vida a ver-se a si mesma). A minha infância é
afinal o pressentimento quotidiano do que tem efectivamente importância. (Talvez uma excepção, mas insistente: o dia em que festejavam o dia dos meus anos.)
Por vezes, ao fim da tarde, andando por aqui, nestas ruas do Marais, pergunto: não será esta a minha mais bela recordação de infância?
Tudo o que não escrevi, Diário,
Lisboa, Ed. Asa, 1992
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Avec ce sens généreux de la vérité critique, qui sait prolonger dans sa propre
parole celle des autres, Eduardo Lourenço a développé dans ses essais le plus lucide des discours de modernité, la caractérisant de « conscience explosée » et de
« chaoticité intrinsèque d’un certain moment de l’histoire de l’Être ». Et ce n’est
pas qu’un discours, mais une sensibilité, une volupté de miroirs imaginaires
et de labyrinthes mythiques. Par ailleurs, personne mieux que lui n’a su nous
montrer ce moment magique où une chose n’est plus ce pur instant pendant
lequel elle a, tout juste, été, et commence a devenir aussi la vibration des images
que les autres en font, et qu’elle, enveloppée par les autres, se fait d’elle-même.
Les jeux imaginaires qu’Eduardo Lourenço nous décrit, admirablement, sont
aussi de cet ordre-là, qu’il s’agisse du Portugal ou de Pessoa.
Laudatio - Eduardo Lourenço Lauréat du Prix Européen de l’essai,
Charles Veillon, 1988
Difícil falar de Óscar Lopes sem referir essa existência de um corpo e de
uma escrita. Difícil deixar de evocar conversas com ele em que tudo vem
à baila, num atropelo mágico, como se o dia e a voz fossem sempre demasiado estreitos para conter a afluência entusiástica dos múltiplos saberes e
realidades convocadas. Difícil deixar de recordar cartas (estou a pensar numa
que Óscar Lopes, perdulário exemplar na epistolografia, me enviou recentemente) em que a cada passo se salta da guerra do Golfo para o problema
dos curdos, da Llansol para Saramago, de António Franco Alexandre para
Aquilino, e da história dos instrumentos da escrita para a exaltação tecnológica dos virtuais futuros. Em Óscar Lopes, o discurso é feito de excursos e
por vezes espantamo-nos com o aprofundamento minucioso de uma questão
que a economia normal da comunicação aconselharia que se reduzisse a um
mero afloramento. Como se Óscar Lopes se distraísse – mas é apenas a complexidade do mundo que se distrai por ele.
Uma Homenagem a Óscar Lopes, Lisboa, Ed. Afrontamento, 1996
Um dia descobri um segredo que o meu pai tinha muito bem guardado : que o Fernando Pessoa eram várias personagens, desde o próprio,
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famoso autor de um livro muito citado, “ A Mensagem ” (bíblia do nacionalismo serôdio), até Álvaro de Campos, Alberto Caeiro ou Ricardo
Reis. Mais tarde irrompeu em cena Bernardo Soares, semi-heterónimo,
porque era o próprio Pessoa quando estava mais sonolento, e outros como
o filósofo do paganismo António Mora. E a lista vai-se prolongando num
gosto desmedido pela proliferação de personalidades. É este o enigma da
heteronímia. Mas tratava-se de gente certamente muito bem educada, com
esmerada e severa educação inglesa. Porque nunca uma voz mais estridente
saiu do escritório do meu pai.
[…]
Pessoa morreu cedo (« dêem-me os óculos »), mas morrer é só não ser visto,
e Pessoa é cada vez mais visto (e lido) por esse mundo fora. Lembro-me do
meu pai sair de casa, fechar a porta do escritório e ir brincar comigo para junto
do Tejo. Ele dizia-me : « Ó mar salgado », e eu respondia : « Aqui ao leme sou
mais que eu ». O meu pai dava-me a mão e corríamos felizes como se estivéssemos na relva de Alberto Caeiro. Até que passávamos pela barbearia da esquina
e dizíamos boa tarde ao Esteves sem metafísica. Contentes como gatos ao sol.
Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra e Paz, 2006
Quem folhear o Livro do Desassossego, atribuído por Fernando Pessoa a
Bernardo Soares, verifica facilmente que a cultura francesa é nele dominante.
[…]
Mas o autor que desempenha uma inequívoca função estratégica no texto
de Pessoa/Soares é, sem dúvida Amiel.
[…]
Jacinto do Prado Coelho, no prefácio à recente edição do Livro do Desassossego, afirma que as relações entre Pessoa e Amiel são mais profundas
do que as simples afinidades existentes entre quantos cultivam um género.
E designa um lugar de coincidência : o que resulta num processo comum de
despersonalização movido por um mecanismo de consciência da consciência em
que o sujeito se vai anulando.
In : Les rapports culturels et littéraires entre le Portugal et la France , Paris, Fundação
Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, 1983
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Qual o verdadeiro objecto de uma história da literatura? Não os autores
e as obras, que esses não mudam, porque são únicos. O que muda são as
formas de existência da literariedade e os processos de produção da literariedade
nos quadros definidos por essas formas. O que muda, e é susceptível de estudo
histórico, são os tipos de ritmo, os usos da metonímia, a repartição dos géneros literários, os públicos a que as obras se destinam ou o modo de inclusão
da literatura como forma ideológica específica no campo cultural de uma época
e na sua correspondente formação sócio-económica.
rada. Aliás, os seus contos não têm um vocabulário muito extenso, há até um
certo uso da repetição. Acha que isso é um dos traços que podem caracterizar
esta espécie de concentração num certo vocabulário essencial, e não o que
se chama a escrita de acumulação de pormenores, com muito vocabulário,
como por exemplo o caso do Nemésio?
(Entrevista de Eduardo Prado Coelho a Sophia de Mello Breyner)
Revista ICALP nº 6, Agosto/Dezembro 1986
A Letra Litoral, Lisboa, Moraes Ed., 1979
1. Il est fréquent, et assez consensuel, d’affirmer que la littérature portugaise traverse une période favorable, et qu’elle a commencé depuis quelques
temps à acquérir une image juste et positive au niveau international. Cela se
doit surtout au travail d’une douzaine de romanciers brillants, et, surtout, à
la reconnaissance croissante de l’importance de Fernando Pessoa.
[…]
Colóquio Letras nº 57, Lisboa, Setembro 1980
2. Pour beaucoup d’étrangers, la littérature portugaise c’est Fernando
Pessoa : cela provoque une compréhensive réaction d’orgueil de la part des
portugais, mais, parfois, une certaine impatience, car il s’agit là de la réduction brutale d’une littérature à un seul nom (même si ce nom, grâce au
mécanisme des hétéronymes, se fragmente en plusieurs noms…)
Littérature Portugaise Contemporaine,
Ed. Instituto Português do Livro e da Leitura, s/d.
E.P.C.- Ainda há pouco, quando falava da sensação de Brasília, recordei
a sensação que tenho, ao ler os textos da Sophia: é que é um dos escritores
portugueses mais sensíveis ao visual, à visualidade das coisas. Mas uma visualidade que não é uma acumulação de pormenores, uma visualidade depu-
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Como sucede com muitos dos nossos melhores escritores contemporâneos, a poesia de Sophia parece paralisar a crítica – deixá-la muda de admiração. No caso de Sophia de Mello Breyner Andresen tal atitude tem algumas
atenuantes. Porque a limpidez desta linguagem dificilmente autoriza a sua
duplicação sob a forma de comentário. Porque a relação imediata com o
essencial que nesta poesia se produz não se compadece com as laboriosas
máquinas analíticas da crítica contemporânea.
Compreender o discurso poético de Herberto Helder tem a dificuldade
primeira de nos impor o salto para o interior desta rede de espancamentos
e batidas que é a circulação activa de módulos de linguagem. Não é possível
compreender de fora - analiticamente. Mas, quando se vai por dentro, a
única compreensão é a dança da própria inteligibilidade que se faz palavra a
palavra – corpo a corpo.
Contudo, é possível apreender alguns fragmentos mais densos desta sintaxe alucinada. Estudar, por exemplo, os processos de precipitação, quando o
medo faz subir o coração à boca, “ e o chifre pelo coração dentro ”, a “ mão,
e a veia até à garganta ”. “ Depois a corrente aumenta depois o coração
aumenta / depois cada objecto aumenta abrasado: é um coração / apenas que
/ quando se tocam os perigos de morte. ”
O Cálculo das Sombras, Lisboa, Ed. Asa, 1997
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Em Eugénio de Andrade, cada verso é acontecimento, porque em cada
verso se produz, se reproduz, a afirmação de tudo o que cada verso é, e transmite. Canto onde a poesia se canta, nele tudo é canto-e-poesia, poesia-e-canto, ser que levemente se solta das entranhas da terra para rondar a solidão das
árvores, deus que em pegadas ligeiras se reconhece nos imensos caminhos dos
homens, anjo, anjos, sim, e que flutuam, que ondeiam num espaço encurvado pela contradição que o verga : a ausência do homem no homem. Anjo,
isto é, fluidez do desejo ou circulação aérea da palavra, isto é, revolução.
A Palavra sobre a Palavra, Porto, Portucalence Ed., 1972
Em O Movimento do Mundo (publicado como habitualmente pela Quetzal), Nuno Júdice desenvolve algumas das linhas essenciais da sua poesia :
uma encenação permanente do poeta em situações de carregada memória
literária, numa oscilação extremamente doseada e subtil entre o prazer irónico da reactivação dos códigos líricos ou ficcionais, num exacerbamento
deliberado, e a experiência que neles emerge de uma emoção pura e directa;
o sentido de humor e até o gosto em utilizar expressões vulgares (“ como gato
a bofe ”); a capacidade de traçar, em meia-dúzia de versos, quadros terríveis
da solidão urbana, com a nitidez de um Hopper (a mulher de branco na Pinacoteca de Munique, a mulher da caixa que faz contas de cabeça no poema
da página 77) ou o constante reenvio para uma arte poética em infindável
elaboração (até porque feita e desfeita à maneira de Penélope), e, por fim, o
prazer desconcertante em trocar a elaboração sofisticada e culta por notas
desgarradas de uma súbita e adolescente ingenuidade.
O Cálculo das Sombras, Lisboa, Ed. ASA, 1997
Maria Gabriela Llansol est certainement une des personnalités les plus
significatives de la prose portugaise contemporaine. Elle en est, aussi, sans
doute, une des plus étranges.
[…]
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Celui qui commence à lire ces admirables Errances du Mal est entraîné
vers un récit d’une absolue limpidité, dont le dessein et les mouvements sont
nets, comme est claire son immense visualité, sereine, dans sa marche quelque peu ritualisée. Elle crée ainsi un incessant sentiment de lévitation comme
lorsque nous avançons dans les films de Tarkovsky : une gravité verticale,
sublime, en suspens : le son cristallin d’une voix blanche, ou alors cette forme
d’écriture précaire qui implique une attention férocement physique.
Posfácio de : Maria Gabriela Llansol, Les errances du mal, Paris, Métailié, 1991
(tradução de P. Léglise Costa)
Pouvons-nous, ayant achevé la lecture de ces contes, trouver un nom, un
qualificatif pour ce que nous venons de lire ? Je ne le crois pas : ces contes sont
délibérément écrits sur le vide de ce nom qui se dérobe ; et voici le non-dit sur
lequel, en filigrane, s’inscrit l’invisible : lire se conjugue sur un mode personnel, tout comme mourir ou aimer, c’est pénétrer dans un espace où seul est
lecture la relecture : proche d’un temps différent où les axes de la chronologie
se trouvent brisés, semblable à quelque bouche nocturne qui nous aspire.
Posfácio de: David Mourão Ferreira, Soleils Masqués,
Paris, Viviane Hamy, Editora, 1991
Conhecer Marguerite Duras foi assim: tê-la lido uma vez e ter sentido
que a literatura era agora outra coisa. Tê-la lido durante meses e perceber que
não se poderia amar doutra maneira sem nos sentirmos a trair o que com
ela havíamos aprendido: uma desmesura, uma precipitação, uma inevitabilidade, um precipício. E depois, numa tarde de um Festival na Figueira da Foz
(Duras começara a escrever em cinema), saber que ela estava no mesmo hotel,
no corredor do nosso quarto, alguns quartos distante de nós, ela, Marguerite
– saber e ter medo de a encontrar por falta de palavras que não fossem escrita.
A Escala do Olhar, Texto Editores, 2003
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Para mim, ler não é sentar-me, abrir um livro e juntar as letras até fazer
sentido. Há muita coisa antes que é preciso contar. Há, por exemplo, a
procura do livro. Várias hipóteses a considerar. Há um dia em que a gente
acorda com vontade de ler um livro de Ernst Jünger. Nunca leu antes, não
calhou, mas uma referência no jornal, uma alusão numa conferência, e
pronto, sentimos que o mundo esta incompleto se não tivermos, se possível
já nessa mesma noite, um livro de Jünger. Então saímos de casa, ao arrepio
da mais elementar sensatez, desmarcando compromissos, defrontando a
intempérie, calcorreando ruas, mas vamos impacientemente à procura do
livro que se tornou imperioso e urgente. Pode acontecer que o encontremos, que acabemos por trazê-lo para casa, e depois, por mero acaso, vamos
dar connosco a ler uma novela antiga de Rodrigues Migueis em que um
homem sorri à vida e à morte com meia cara. Mas isso já não importa. Foi
importante o capricho. E que ninguém nos diga em tom de censura que
foi um capricho.
[…]
Temo que, se alguém me ler, ao atingir este delicado ponto, comece a
colocar seriamente a questão de saber se não terei definitivamente enlouquecido. Talvez. Mas o meu propósito não era enviar notícias da minha actual
saúde mental. Era explicar que ler, no verdadeiro sentido do termo, na acepção apaixonada que temos de lhe dar, só pode ser uma actividade desmedida,
insensata, irracional, feita de rituais, cerimónias íntimas, gestos desatinados,
cumplicidades incendiárias.
Tudo o que não escrevi, Diário, Lisboa, Ed. Asa, 1992
Nunca dancei. Vi os outros dançarem, em terraços voltados para o mar,
no chão de areia de África ou do Brasil, em clandestinos infernos de bares
de marinheiros ou em inflamadas discotecas de praias turísticas, vi-os e julguei-os felizes, esquecidos e voláteis, perdidos e enovelados numa bola de
fogo, mesmo se às vezes os pares se rompiam e ela vinha sentar-se a chorar,
e então eu pensava que ainda havia palavras que podiam funcionar como
carícias, que eu sabia dizê-las, palavras redondas, encostadas à face magoada
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e triste. Também dancei sem que os outros soubessem que eu dançava, mas
dancei fora da dança, porque dançava para mostrar que também dançava, e
lembrava -me disso em cada passo, e nunca esquecia que era o meu corpo
que dançava, e nunca soube dançar sobre o esquecimento do corpo, nunca
ninguém dançou sobre o meu corpo como se fosse a areia da praia ou um
terraço voltado para o mar, nunca ninguém que eu sentisse os dois esquecidos de mim.
Tudo o que não escrevi, Diário II, Lisboa, Ed. Asa, 1994
Citas muito, dizem. Sempre foi assim. Como explicar? Não se trata nem
do uso de argumentos de autoridade, nem de exibicionismo cultural. Mas
incomoda, eu sei, e permite que se insinue que se não pensa pela própria
cabeça, ou que se vive alimentado pelas modas “ que vêm do estrangeiro ”.
Gostaria de tornar bem claro como o gosto da citação tem a ver com um
amor intenso das palavras. Por vezes, citação que excita pela convicção de que
alguém encontrou um dia as palavras certas - isto é, os nomes próprios - para
dizer algo que em nós foi expressão confusa e enrodilhada. Aqui a citação tem
um efeito de evidência. Que é sempre, acreditem, motivo de júbilo.
Por outro lado, a citação é um incitamento. Porque retirar as palavras
de um contexto (a citação faz um desvio) é criar em torno delas um halo de
silêncio, um anel de referências implícitas, que abre o espaço para dizer mais.
O espaço off de uma citação é um convite para se pensar. A citação condensa,
mas ao mesmo tempo indecide - efeito de descontextualização.
Resta o argumento mais pessoal, quase íntimo: sempre vivi entre palavras, através dos textos que escrevi sobre os textos dos outros, e as citações
são o material que me habituei a trabalhar. Poderei chamar a isto efeito de
montagem ?
Pequeno exercício quotidiano: ler frases desgarradas, soltá-las arbitrariamente do texto. Isto é, abrir um livro ao acaso, num sinal vermelho, antes de
o filme começar, durante os anúncios na televisão, e escolher à toa algumas
palavras. Sempre pensei que, numa dessas frases, chegaria a verdade, o encontro decisivo. Uns jogam na lotaria, outros nas palavras.
Tudo o que não escrevi, Diário, Lisboa, Ed. Asa, 1992
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À medida que escrevo, dou-me conta de que seria preciso escrever tudo
- porque afinal tudo existe apenas para ser escrito (tudo, o gesto, a migalha,
o inclinar dos olhos, o pão esfarelado que se suja entre os dedos, a haste
partida dos óculos, a nódoa na gravata, o saleiro derrubado, o grão de
pimenta que fica a arder na boca, tudo, precisamente tudo, o que existe
no movimento de existir, isto é, o que atravessa o mundo ao encontro da
escrita, como lugar de sentido, forma iluminada de resgate). Pressinto que
anda por aqui o fantasma de Mallarmé. Não apenas o hermetismo, o culto
do inacessível, mas o modo como alude ao feminino movimento das pernas
sobre o selim das bicicletas.
A dada altura, Vergílio Ferreira declara a Annie Faria: “ O Eduardo
Lourenço já não me escreve como dantes ”. E diz que tem em casa mais
de duzentas cartas dele. E conta como antigamente era capaz de escrever
uma longa carta mesmo ao vizinho que morava em frente. Sinto-me um
pouco enciumado deste tempo sereno e empoeirado que me escapa. Quase todas as minhas cartas são hoje burocráticas e funcionais. No entanto,
apetecia-me imenso ter chegado ao apuro da disponibilidade adequada
para ter com homens como estes aquela correspondência corrida em que
cada coisa escorrega para a escrita de outra e deixam assim que transpareça um pouco dos estados de alma e das perplexidades do mundo. Várias
vezes terei estado quase a entrar nesta espécie de valsa lenta e silenciosa
com Eduardo Lourenço: a dança das palavras que percorrem o mundo.
E algumas cartas que dele me chegaram eram verdadeiros convites para
isto. Mas depois faltou-me o tempo (toda a minha vida me tem faltado
tempo), a coragem, a volúpia do salto, e fiquei-me por uma imensa amizade, estima cúmplice, feita de colóquios vividos pelas sete partidas do
mundo, caminhadas nocturnas, discretos encantamentos de passagem,
figuras recíprocas da eterna ronda entre o olhar do pai e o olhar do filho.
Cartas, nada. Pergunto-me se por preguiça, futilidade fatal, desacerto geracional, debilidade pessoal, sei lá.
Tudo o que não escrevi, Diário, Lisboa, Ed. Asa, 1992
O segundo ponto do meu comentário articula-se com uma frase extremamente bela com que Vergílio Ferreira falou do português (…) no
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discurso que pronunciou ao receber o Prémio Europália: “ Da minha língua vê-se o mar ”. E explicava que doutras línguas se poderia ver a floresta
ou o deserto. A expressão é comovedora e contagiante por diversas razões.
Primeiro, porque ela funciona como quem dissesse que “ da minha casa
vê-se o mar. ” E por isso sentimos aqui a vibração da analogia da língua
como casa. Segundo, porque se define a língua como um lugar de visibilidade. Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem. Se a
língua portuguesa é uma história em expansão, é o mundo da língua que
nela se expande, a big world, um mundo cada vez maior. Ponto terceiro,
o de estarmos a ver o mar. Onde outros vêem a floresta ou o deserto.
De qualquer modo, sempre realidades que só podem ser espaços lisos
designados para nomear o infinito: o mar da língua, o deserto da língua,
a floresta da língua. Se os linguistas estudam a língua como um todo, o
desejo que sustenta o amor das línguas só se enuncia nesta relação com o
intotalizável que é cada uma delas: espaço da permanente desterritorialização, linha de fuga, história em expansão. Há um ponto em que a língua
não pode dizer tudo. É aí, nesse lugar de impossibilidade, que começa a
poesia. É aí, nesse lugar de impossibilidade, entre mãe e mar, que começa
o amor da língua.
Revista Internacional de Língua Portuguesa,
Lisboa nº 7, Julho 1992
Quiseram os deuses, mais por desenfado e capricho do que por obstinada má vontade, que a nação portuguesa fosse alvo, logo neste mês de
Junho (em que os mais nostálgicos se recordarão de que se comemorava o
dia da nossa raça), de dois agravos profundos, que muito nos traumatizaram. Em primeiro lugar, no campo do desporto, com a famosa greve dos
“ infantes ”. Em segundo lugar, no campo da língua, com o não menos
famoso acordo ortográfico. Porque a língua, todos nós sabemos que surge
como um dos mais poderosos instrumentos para a produção do mito da
nação e da sua identidade.
A Língua dos “ Infantes ”, Revista ICALP nº 5,
Julho 1986
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Este texto é um texto teórico.
Todo o texto teórico é autobiográfico.
É esse o despudor. O excesso de abstracção da teoria, o excesso de vivido
da autobiografia.
De Gertrud Stein, um título, a dizer: “ uma rosa é uma rosa, uma rosa,
uma rosa. ” Aqui estamos do lado do vivido.
Mas transcrevo em teoria, e na metalinguagem adequada: “ O Outro é o
outro, o outro, o outro: ”
A Noite do Mundo, Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1988
No meu caso pessoal, as disciplinas científicas que mais me têm ajudado
são a linguística, indispensável, dada a condição verbal da literatura, a semiologia, que interessa na medida em que a literatura é uma prática significante
translinguística (isto é, que excede a análise linguística da comunicação verbal), e a psicanálise, se tivermos em conta que todo o discurso é determinado
por uma relação entre as formações do inconsciente, a situação imaginária do
sujeito e os mecanismos do desejo.
Esta acepção (o ensaio como afirmação da razão) enraíza-se na conhecida cumplicidade etimológica entre a palavra ensaio e termos como exagium, no sentido de balança, e exagiare, no sentido de pesar. Mas, se
recuarmos um pouco, podemos ainda verificar que na origem de exagium
haveria também exigo, que significa uma atitude de exigência que leva
a expulsar aquilo que não passa pelo crivo (isto é, pela crítica) de uma
posição de rigor.
Por conseguinte, a ideia de ensaio está associada à metáfora do peso
– que, como sabemos, está também presente no termo pensar. O ensaio
é uma forma de pensamento em que se pesa o valor das ideias – num
exercício intelectual de ponderação (outro vocábulo que também entra
nesta teia metafórica).
Mas há uma terceira linha de sentido a ter em conta. É aquela em que
o ensaio surge como um acto de pôr à prova, numa acepção que talvez não
seja alheia ao saborear prévio dos alimentos com que se pretendia eliminar o
efeito de eventuais venenos criminosos. Isto é, através de uma experiência,
procura-se afastar o que poderá ser perigoso para a conservação do indivíduo,
quer do ponto de vista físico (o veneno), quer do ponto de vista mental (a
ideia envenenada).
O Reino Flutuante, Lisboa, Edições 70, 1972
O Ensaio em Geral, Lisboa, Colóquio / Educação e Sociedade,
Março-Julho 1995
Questão de moda? Seja. Mas a moda é sintoma de. Os leitores mais atentos da literatura que se produz sobre a literatura têm vindo a dar-se conta
de um uso que começa a tornar-se insistente: o da palavra “ paradigma ”.
Poderá significar “ modelo ”, poderá significar “ problemática ”, “ horizonte
metodológico ”, “ epistema ”, e, sem dúvida, significa algumas dessas coisas,
nem todas, mas algumas, mesmo de um modo às vezes oblíquo ou difuso – a
verdade é que um autor, quando escolhe a palavra “ paradigma ”, e afasta as
outras do elenco semântico de que dispunha, pretende significar alguma coisa
com essa escolha. Mesmo que apenas seja uma mera afinidade com outras
linguagens, outros domínios.
A inaceitável traição ao texto de Barthes seria escrever sobre ele em 14
de Maio de 1974, em Portugal, quinze dias após o 25 de Abril, como se nada
tivesse acontecido, como se o acontecimento histórico não afectasse até à raiz
o nosso gesto de escrever.
Correndo o risco de apresentarmos uma argumentação impura, e sujeita
às contingências da história , claro – mas que importa ? quando hoje sabemos
que nada poderá ser como dantes e que nos é necessário que cada palavra trabalhe, activa e anonimamente, na construção da democracia e do socialismo
– que é esse horizonte utópico a que qualquer texto nos conduz.
Os Universos da Crítica – Paradigmas nos Estudos Literários,
Lisboa, Edições 70, 1987
Hipóteses de Abril,
Lisboa, Diabril, 1975
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Quem viu os filmes de Oliveira mais recentes compreende que a sua obra
tende cada vez mais a desenrolar-se numa espécie de curto-circuito entre o
insignificante (o anedótico, o fútil, o decorativo, o literal) e o sublime (a alma
desalmada, o amor impossível, a morte absoluta). O que daqui se suprime
é esse corredor de mediania habitável por onde passam os sentimentos vulgares
dos homens comuns. Daí que a própria forma que estes filmes escolhem seja,
em certa medida, a forma do intratável; numa palavra, a forma justa para o
que neles se transmite.
instintiva, a disciplina solar do corpo, a negligência em relação a tudo o que
não seja essencial – como Nietzsche nos ensinou. O que não exclui, talvez
exija, o quotidiano. Julgo ter um dia ouvido dizer à Maria Gabriela Llansol: o
quotidiano abre para outros mundos, mundos que são afinal tão quotidianos
como ele – Llansol rodeada de gatos, parece que eram doze, alguns ainda
não teriam nome, alguns talvez não tivessem nunca. Vieira da Silva assumia
sem esforço o estatuto coroado da pintura, esse desprendimento que permite
sempre chegar mais cedo à presença nua das coisas.
Tudo o que não escrevi, Diário II, Lisboa, Ed. Asa, 1994
Vinte Anos de Cinema Português – (1962–1982), Lisboa, Biblioteca Breve,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesas, 1983
É na rede produtiva e nos efeitos do seu trabalho que se situa o que de
mais belo, comovedor e intenso se nos transmite nesta obra de Hitchcock. Se
tivermos em atenção a complexidade real dos factores que compõem Sob o
signo do Capricórnio, não hesitaremos em classificar o filme de obra-prima.
Sem dúvida, diremos nós e sem medo, uma das experiências mais envolventes e perturbantes desta temporada (e da história do cinema ?).
A Palavra sobre a Palavra, Porto, Portucalense Editora, 1972
Sobre Vieira da Silva; conheci-a mal. O seu universo fascinava-me e intimidava-me. Ninguém soube apreender tão bem o mistério das bibliotecas,
os seus filamentos iluminados, os seus buracos vertiginosamente brancos. A
última vez que estive com ela, quase perto, se assim ousasse dizer, foi numa
visita a Paris de Maria Cavaco Silva, que pretendeu encontrá-la no seu atelier
da cidade e lá fomos na companhia do casal Cargaleiro. Depois de convivermos com telas e objectos (havia discos antigos sobre as mesas, com fugas
e partitas exaustivamente escutadas), fizemos um círculo em volta da mesa
rectangular para uma muito inglesa cerimónia do chá. Olhava para ela, via-a
avançar com a cara meio azul meio branca, já a caminho de ser deusa, e
ocorria-me o título deste filme, o belo documentário do José Álvaro Morais,
Ma femme chamada bicho, e percebi que bicho queria significar a inteligência
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Depois de ter cantado música de Carlos Paredes, com deslumbrantes letras
de Vasco Graça Moura, Mísia encontra uma nova fórmula para o seu disco
mais recente: Drama Box. Trata-se de cruzar várias atmosferas, acentuando
as memórias, os dramas, os conflitos, as dilacerações, as feridas, as formas de
violência, de cada um dos géneros cantados: os tangos e boleros, por um lado,
ligados à dança de movimentos extremos, e os fados, com letras de Vasco
Graça Moura, mais uma vez, e com a qualidade de sempre, Luís Macedo,
Natália Correia, Rosa Lobato Faria, José Luís Peixoto, Paulo José Miranda e
José Saramago (que não nos dá um texto particularmente convincente).
Participam Maria de Medeiros, Fanny Ardant, Ute Lemper, Miranda
Richardson, Carmen Maura - um extraordinário naipe de artistas europeus. Sublinhe-se que a voz de Fanny Ardant vai mais longe do que nós
poderíamos imaginar, e o poema tem uma musicalidade interior de notável
beleza: « Quand un feu de Bengale éclate dans nos corps / le corps à corps
qu’il crée tout en tournant / Fait brûler mon corps dans ton corps tout en
brûlant / Et nous tue tous les deux. Tout en nous consumant // Cette lueur
soudaine / Nous fait perdre l’haleine / Et c’est alors que l’ombre / Tout d’un
coup s’illumine / Et que nous oublions tout / D’un oubli vif et doux. »
Colaboram ainda Sophie Calle e Bela Silva. As fotografias de C. B.
Aragão são também elas plenas de romanesco. Mas o romanesco é apenas
o tecido de uma protecção: porque por detrás existe o sentimento verdadeiro, a latejar de paixão. Intensidade e vida estremecida. A voz de Mísia
está no seu melhor: é terna e violenta, capaz de se requebrar, mas quase sempre imperativa e forte. Esta voz ergue-se (como em Yo soy Maria) mas é
capaz de se fazer dor prolongada no tempo (como no magnífico Gaivota).
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O disco, na sua construção calculada e inteligente, coloca-nos um problema interessante: qual é a diferença entre os tangos e boleros de origem sulamericana e o fado português? Nos dois casos, o drama está presente, com os
momentos de paixão e encantamento, com a luta e a violência, com a perda e o
vazio. Mas o tango tem revolta e o fado tristeza e resignação. E como sublinha
António Pinto Ribeiro, no excelente texto com que apresenta o disco, estas
situações estão associadas ao clima urbano. Em particular, algumas cidades,
como Lisboa ou Buenos Aires. E em Lisboa, determinados bairros: não há um
fado do Lumiar ou do Areeiro (embora aí também se ouça fado), mas um fado
da Bica, de Alfama, do Bairro Alto. Isto é, de um certo modo de vida, de um
traçado das ruas. Mas Mísia introduz a nota cosmopolita: os quartos de hotel,
os saltos altos, os véus, os óculos escuros. Destes vários cruzamentos resulta um
disco exaltante, em que uma grande artista como Mísia celebra a sua voz e a sua
imagem de mulher: Maria noite, Maria tango, Maria paixão fatal.
Público, 7 de Julho de 2005
Os portugueses (ao contrário, por exemplo, dos alemães) são povos miniatura : o hábito de usar diminutivos é constante, e entrou na lógica da língua : é o “ quer um cafezinho? ”, e o “ agora a continha ”, é mesmo, nos casos
extremos, “ quer um babazinho de camelinho ” - isto no domínio alimentar;
que dá forma a todos os outros. E sobretudo permite embrulhar o mal que
os doces podem fazer (nada de positivo numa“ barriguinha de freira ”) no
restolhar suave da linguagem.
Que significam estes diminutivos? Podem valer dois tipos de forças. Em
primeiro lugar, a força da afectividade, a tentativa de estabelecer entre duas
pessoas um laço afectivo. Em segundo lugar, um modo miniatural de conceber o mundo: todas as coisas são pequenas, todas significam um universo de
criança, que reproduz nos seus brinquedos um carrinho de bombeiros e um
guindaste ou desenha para a escola um barco reduzido às formas essenciais.
De alguma maneira, as duas dimensões funcionam ao mesmo tempo:
envolvem-se entre si, enroladas para dentro, até formarem o espaço específico
de um diminutivo. Uma forma de habitar o mundo.
Especificamente portuguesa.
Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra e Paz, 2006
O excesso de formas de tratamento é um sinal de uma sociedade feita de
patamares diversos que os respeita e institucionaliza de um modo obsessivo :
há o « senhor engenheiro », ou a « senhora arquitecta », ou o « senhor doutor
juiz », ou o « senhor presidente da junta », tal como há « sua Alteza », « Reverendíssimo Cardeal Patriarca » ou « senhor director » (que é aquele senhor a
quem se vai pedir um aumento) ou « mestre Manuel de Oliveira ».
[…]
Se um polícia de trânsito, de bigode enfatuado e patilhas quase a rojar o
chão, se aproxima de mim e do meu carro e me diz: « Você não podia estacionar aí », a minha primeira reacção, manifestamente « snob », é de lhe dizer
« trata-me por senhor doutor, ouviu ? ».
Mas o « você » aparece noutras circunstâncias. Como sinal de uma ternura mundana entre casais. É bem que se farta. Ele diz para ela : « Você não
me quer dar um beijo? ». E só na obscuridade da noite mais gritada o « tu »
vem à superfície como um apelo ou uma súplica.
Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra e Paz, 2006
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A minha mãe ou a minha avó diziam-me: « Amanhã vamos à Baixa. »
A Baixa era para mim uma festa: muitas lojas e as compras na Rua do
Ouro, na Rua Augusta ou na Rua da Prata. Toda esta procura passava
por um lugar onde só vendiam botões e que me deixava verdadeiramente
encantado.
Mas o momento verdadeiramente alto era o abandono das compras e a
decisão de ir tomar chá. Entrávamos então na Ferrari ou na Bénard e pedíamos um chá e muitas vezes uma torrada, ou então bolos. Os bolos vinham
num prato para nós podermos escolher - prática que foi eliminada dada a
sua natureza manifestamente pouco higiénica. E havia o chá: só havia um e
tinha de ser esse a ser pedido. A lista dos chá não existia. Sempre que surgia
uma indisposição, ou o cansaço nos invadia, recorríamos ao chá de tília ou
ao de camomila. E com isto preenchíamos a lista dos chás. Era simples e
eficiente. « Dê-me um chá » e eles, os empregados de mesa, traziam.
Hoje temos, por exemplo, as infusões. Caracterizam-se por serem sujeitas na sua produção a um processo mais longo e não terem o seu ponto
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de partida na Camélia Sinnensis. Noutro dia, lia na Notícias Magazine
quais as infusões recomendáveis, numa lista aliciante de plantas anti-edema: « Em infusão (dez minutos num litro de água, em média), sugeremnos a orelha de rato, o pé de cereja, o hibisco, a rosa silvestre, o tomilho,
o rosmaninho e a groselha. » É óbvio que aquela da orelha de rato me
impressionou profundamente.
Hoje ir a uma pastelaria e pedir um chá tornou-se uma operação complexa. Ela passa por aquilo que Fernando Savater, num livro brilhante, analisou exaustivamente: « A coragem de escolher. » Adeus a um simples chá preto
de Ceilão. Agora somos confrontados com nomes exóticos que mostram a
realidade efectiva da mundialização.
Temos, em primeiro lugar, o chá verde. Mas não basta ser chá verde.
Há aquele que é aromatizado com pétalas de hibisco ou de rosa.
Temos depois o Roibos Safari, que pode ser aromatizado com coco,
pedaços de chocolate ou de caramelo. O Earl Green, esse é um chá verde
aromatizado com óleo de bergamota.
O Sakura Imperial é aromatizado com cereja. Não uma honesta cereja, mas uma determinada, a japonesa. Há ainda o Pu-Erh, que tem a característica de ser um chá vermelho. E, no domínio deste arco-íris, temos
ainda o chá branco, que dá pelo nome de Pai Mu Tan. Outros preferem o
Vanille Sencha.
Estamos em pleno desassossego: a minha avó, se fosse viva, optaria pela
leitaria de bairro. A ida à Baixa foi substituída pelos centros comerciais. E a
serenidade tépida de outros tempos desapareceu. Há lojas de chá em cada
esquina (exagero, claro). E a nossa infância envelheceu com as cores dos chás
que nos assediam.
Público, 28 de Março de 2006
Alexandra. Quando se diz « gostaria que fosse loucamente amada »,
pede-se, não apenas o amor, tópico esbatido de romances cor-de-rosa, mas
a loucura. Só aí se ergue o desejo essencial deste livro. Por isso te peço que
o leias, o recomeces e o reinventes : palavra sobre a palavra.
A Palavra sobre a Palavra,
Porto, Portucalence Ed., 1972
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Feliz, meu amor, é aquele que aprende a avançar no caminho da vida sem
nunca estar só.
Feliz é aquele que explode em lágrimas quando sente que o amante
se afasta.
Feliz é aquele que, olhos na distância dos olhos, diz « amo-te » e sofre por
sentir que esta palavra é ainda distância.
Feliz é aquele que te segura a cabeça quando tu lhe ofereces o som da tua
intimidade mais sedenta : são fios de seda que fazem a aranha mágica.
Feliz é aquele que, no fim do dia, sente a fadiga da língua.
Feliz é aquele que sabe contigo a metafísica do sexo – e que sabe por isso
que quanto mais físico mais metafísico.
Feliz é aquele que num carro sente que as vozes se transformaram em
rugidos.
Feliz é aquele que sabe que alguém vigia e protege o seu sono.
Feliz é aquele que imagina o olhar ansioso dos homens sobre a evidência
do teu corpo.
Feliz é aquele que te ouve falar e imagina o que escreveste durante
a noite.
Feliz é aquele que sente que a casa se inclina para ti.
Feliz é aquele que passa o gelo da boca tua para a boca ainda minha.
Feliz é aquele que os outros sentem que ele é demasiado feliz.
Feliz é aquele que se esqueceu do tu para ser nós. Um dia vai esquecer
o nós para ser a árvore à nossa frente.
Feliz é aquele que vê o espaço tornar-se azul à sua volta.
Feliz é aquele que sabe que pode morrer depois de ti – porque conheceu
o absoluto da vida, e por isso até na morte pode arder.
Feliz é aquele que sente pelo vidro a boca que diz que te ama.
Feliz é aquele que sabe que no dia seguinte conseguirá o que hoje ainda
não tem sentido – amar-te sempre mais.
Feliz é aquele que com palavras toca o teu corpo.
Feliz é aquele que ordena os gestos, suspende os ímpetos e dá a cada músculo que no teu corpo estremece o nome do animal a que ele pertence.
Feliz é aquele que viu lentamente como era bom conhecer-te.
Feliz é aquele que te escreve antes de adormecer.
Ana Calhau / Eduardo Prado Coelho, Dia por ama,
Lisboa, Texto, 2004
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A primeira palavra é: obrigado. É a mais fácil, é a mais justa, é a mais
espontânea.
Depois, as coisas complicam-se : como falar de Jacinto do Prado
Coelho — pai. Como Jacinto do Prado Coelho? Isto é, como um nome que
se estabilizou, que se autonomizou, que se classicizou no âmbito dos estudos literários, dos estudos de literatura comparada, dos estudos de literatura
portuguesa. Ou como pai? Como Jacinto do Prado Coelho, é possível um
discurso sereno, reconhecido, de admiração e gratidão, de análise dos textos
e do percurso. Um discurso que, imprescindível, parte no entanto do pressuposto de que alguém, ele, desapareceu.
No entanto, desde algumas semanas que uma frase se me impõe, obsessiva,
dessas que se não apagam, sempre que penso escrever esta intervenção. A frase
não é minha, disse-ma um amigo recentemente, um amigo abatido pela morte da mulher, que em Paris me contava como às vezes, diante de uma montra,
ou ao olhar um livro, se esquecia de que ela tinha desaparecido, e começava
a conversar. E ele dizia-me: « é muito difícil fazer desaparecer uma pessoa. »
É. É muito difícil fazer desaparecer uma pessoa. É preciso muito trabalho, e nunca se está certo de ter conseguido. Eu, por exemplo, se falar de
Jacinto do Prado Coelho como pai estou certo de que ele não desapareceu.
Que persiste como aquele que resiste a ser apenas um nome estável de quem
os outros falam. Ele, apenas.
Talvez contando seja mais fácil. Na memória mais antiga, recordo o silêncio. « Não se pode fazer barulho », diziam-me, « o pai está a trabalhar. »
« Para a tese », acrescentavam. Devia ser ainda Camilo, devia ser já Pessoa,
mas foi sempre assim, pela vida fora. Eu brincava, lia, imaginava batalhas,
jogos de futebol, emissões radiofónicas, e à minha volta o silêncio do pai
a escrever — nunca, ou raramente, à secretária, em sofás, com montes de
papéis em redor, e livros pelas cadeiras. Aliás, os livros iam ficando em cima
das cadeiras, disponíveis, e a minha mãe dizia — esta é talvez a segunda
recordação « nesta casa ninguém se pode sentar. » Todos os dias chegavam
livros, a casa era invadida pelos livros, os livros devoravam os espaços e eu
começava a ler os livros que devoravam os espaços, e lia ao acaso das cadeiras. Posso assim contar duas coisas mais: que o meu pai nunca impunha a leitura de um livro, lê este em vez daquele, e nunca desaconselhava
a leitura de um livro. Deixava que as cadeiras decidissem — e eu lia. Lembro-me também dos alunos do pai, aqueles que o iam regularmente visitar e com quem eu ia falar às vezes à sala, e desses alunos, assistentes, amigos, havia dois que eram para mim os alunos do Pai: o David e o Urbano.
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Lembro-me de que chegavam no correio uns cadernos de uma associação de amigos de Romain Rolland. E que chegavam livros da Galiza,
que me irritavam, porque não os entendia bem. E que o meu pai com frequência falava de Montaigne. Mais tarde percebi que tudo isto traçava o
retrato de um racionalista, de um humanista, de um céptico, de um voluntarista. Céptico, sim, e ele explicava : « só sei que nada sei ». Mas depois aderia a causas com uma quase ingenuidade, acreditando nos homens
para além daquilo que me parecia razoável. Lembro-me de ele me levar ao
futebol, mas ele só ia a jogos internacionais no Estádio do Jamor. E um
dia, perante os gritos de ódio a que eu assisti, tinha dez anos, por causa
de um árbitro que amplas massas qualificavam de « gatuno », eu perguntei a mim mesmo se os homens em quem ele, o pai, acreditava, eram os
mesmos que vociferavam com os olhos em chamas. E tinha vontade
de o proteger no seu humanismo — para que ele não ficasse desiludido.
Lembro-me ainda de ele me dizer que desde os oito anos que não conhecia nenhum outro regime se não o de Salazar. Lembro-me do modo como
apoiou as greves de 62, como ficou num carro durante a noite de greve de
fome na Cantina à espera que eu estivesse disponível para regressar a casa
já de madrugada. Lembro-me ainda como, quando eu ficava encarregado
de distribuir comunicados da RIA ou panfletos da Associação de Letras, ele
queria acompanhar-me de carro, e ficava na esquina, de faróis apagados, no
escuro e no frio. Lembro-me de como aceitou sem qualquer reserva que o
jornal AGORA dissesse que « o filho de Jacinto do Prado Coelho esconde
panfletos no gabinete do pai na Faculdade » — o que era verdade, aliás.
E eu tinha medo de que os estudantes fossem demasiado longe, e que um dia
ele me dissesse: isto já não! Que aquele humanismo tivesse limites. Mas aparentemente não. Foi assim no 25 de Abril. Muitas vezes receei que episódios
absurdos, como a ocupação dos gabinetes dos professores, lhe provocassem
um « basta » indignado, mas isso nunca aconteceu. Céptico, racionalista,
humanista, tinha uma enorme capacidade de aceitar a diferença e a novidade. Um dia tremi, quando numa Assembleia Geral da Escola, um aluno
(aliás, um amigo meu) se levantou e disse: « Ó Jacinto, tu... » Ele sorriu, e,
estranhamente, ficou feliz.
Tu. Se reflectir um pouco sobre o que se passava à minha volta em relação
a ele, posso verificar que quase ninguém o tratava por tu. Nem eu. Só mais
tarde a Alexandra, a neta. E que ele produzia uma espécie de distância, que
vinha de ser pai para todos em todas as circunstâncias, mas eles, os que não
eram filhos por não terem ido ao futebol com ele nem jogado ao berlinde
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no corredor da casa, sentiam o pai na distância absoluta de um Pai.
Diziam : « vou falar ao teu pai, estou cheia de medo. » Contudo,
o meu pai tinha uma enorme nostalgia do tu, de uma fraternidade
calorosa que o meio e a educação lhe tinham subtraído um pouco.
Lembro-me de um dia, depois de uma crítica minha num jornal em
que eu usara um tom extremamente feroz, me disse: « mais importante de que um livro ser bom ou mau é não magoarmos as pessoas.
É tentarmos perceber o que elas pretendiam fazer. » Daí que o título
do livro que lhe foi oferecido (belissimamente inventado, dizem-me,
por Margarida Barahona) — com um rosto na capa em que a doença
criava, de ele a nós e de nós a ele, um sentimento de desamparo e
aflição — estivesse certo: afecto às letras. Era um professor com
a nostalgia do afecto, sempre me falou de Sebastião da Gama,
sempre admirou o modo como a certa altura Lindley Cintra
convivia com os alunos.
Poderia continuar indefinidamente, e contar, a partir dos
contos que se desprendem da memória do meu pai nunca
desaparecido, a minha história, a história de duas gerações
e a história do mundo. Contar contando com os atropelos
e as contradições de uma narrativa sonâmbula. Escolhendo a « vida do conto », para seguir o conselho que um dia
recebi do poeta Jacques Roubaud, quando ele escreveu:
« se os mundos fossem contos, e os seus habitantes contadores, e não apenas os seus seres mas tudo, todas as coisas,
todas a contar as suas histórias, contadas haveria lugar para
mundos em que os contraditórios seriam verdadeiros, em que
eu diria « tu estás vivo, tu morreste », e rindo tu responderias. »
Tu. Tu, pela primeira vez.
O Cálculo das Sombras, Lisboa, Ed. Asa, 1997
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Biografia
Eduardo Prado Coelho foi uma das figuras centrais do panorama intelectual português dos últimos tempos. Ensaísta, crítico literário e de
cinema, professor universitário, colunista, diplomata, polemista, a sua
figura marcou de forma indelével a cultura portuguesa das últimas três
décadas do séc. XX e dos primórdios do séc. XXI. Combinando o rigor
da erudição com a facilidade e o gosto da comunicação, a sua figura viria
a adquirir aos olhos do grande público português a conotação do intelectual por excelência. É autor de uma vasta, variada e importante obra, cujo
amplo leque temático cobre desde a densa reflexão filosófica a considerações efémeras sobre a moda ou sobre a cultura popular contemporânea.
Dotado de uma curiosidade insaciável, manteve-se permanentemente actualizado sobre os mais variados fenómenos culturais do seu tempo. Nos
últimos dez anos da sua vida, assegurou uma popular crónica diária do
jornal Público, feito inédito na história da imprensa portuguesa.
Nasceu a 29 de Março de 1944, em Lisboa. Seu pai, Jacinto do Prado
Coelho foi um dos mais importantes críticos literários da sua geração e
professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
onde Eduardo Prado Coelho se viria a licenciar em Filologia Românica e
posteriormente, em 1983, a doutorar-se com uma tese sobre “ A noção de
paradigma nos estudos literários ”. Foi assistente nessa mesma Faculdade
entre 1970 e 1983. Em 1984 tornou-se professor associado no Departamento de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Entre 1975 e 1976, foi Director de Acção Cultural no Ministério da Cultura criado após a Revolução
de Abril. Em 1988, partiu para Paris onde leccionou no Departamento de
Estudos Ibéricos da Sorbonne-Paris III. Entre 1989 e 1998 foi conselheiro cultural na Embaixada de Portugal em Paris. Foi Comissário
para a Literatura e o Teatro da Europália portuguesa, em 1991.
Colaborou na área de colóquios na Lisboa Capital Europeia da
Cultura, em 1994. Em 1997, assumiu a direcção do Instituto Camões em Paris. Regressado a Portugal em 1998,
retomou a docência na Universidade Nova de Lisboa.
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Bibliografia
Entre as suas publicações de âmbito universitário e ensaístico, destacam-se Os Universos da Crítica, a sua tese de doutoramento na área da
teoria da literatura, e vários livros de ensaios – O Reino Flutuante, A Palavra sobre a Palavra, A Letra Litoral, A Mecânica dos Fluidos, A Noite do
Mundo. Em 1992 e 1994, publicou dois volumes de um diário – Tudo O
Que Não Escrevi. Além da crónica diária no jornal Público, foi colaborador de vários jornais e revistas. As obras publicadas nos últimos anos da
sua vida demonstram uma diversificação das áreas da sua reflexão, bem ilustrada pelo livro de diálogos com o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José
Policarpo – Diálogos sobre a Fé – e pelo livro Nacional e Transmissível, uma
colectânea de textos muitos pessoais sobre objectos, comportamentos, locais
emblemáticos e características específicas da identidade nacional portuguesa.
Eduardo Prado Coelho morreu em 2007, em Lisboa.
(livros)
O Reino Flutuante: Exercícios sobre a razão e o discurso, Lisboa, Ed. 70, 1972.
A Palavra sobre a Palavra, Porto, Portucalense 1972
Hipóteses de Abril, Lisboa, Diabril, 1975.
Poesia Mais Prosa. (c/ Maria Alzira Seixo). 2 vols, Lisboa, Ed. Plátano, 1974 e 1978.
A Letra Litoral: Ensaios sobre a literatura e o seu ensino, Lisboa, Moraes, 1979.
Os Universos da Crítica : Paradigmas nos estudos literários, Lisboa, Ed. 70, 1983.
Vinte Anos de Cinema Português: 1962-1982, Lisboa, ICALP, 1983.
A Mecânica dos Fluidos, Lisboa, INCM, 1984.
A Noite do Mundo, Lisboa, INCM, 1987.
Tudo O Que Não Escrevi: Diário, Porto, Asa, 1992.
Tudo O Que Não Escrevi: Diário II, Porto, Asa, 1994.
O Cálculo das Sombras, Porto, Asa, 1997.
A Escala do Olhar, Lisboa, Texto, 2003.
Crónicas no Fio do Horizonte, Porto, Asa, 2004.
Situações de Infinito, Porto, Campo das Letras, 2004.
O Fio da Modernidade, Lisboa, Notícias, 2004.
Diálogos sobre a Fé. (c/ D. José Policarpo), Lisboa, Notícias, 2004.
A Razão do Azul, Vila Nova de Famalicão, Quasi, 2004.
Dia por Ama. (c/ Ana Calhau), Lisboa, Texto, 2004.
Nacional e Transmissível, Lisboa, Guerra & Paz, 2006.
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Coordenação Geral
Fátima Ramos
Concepção
Adelaide Cristóvão
José Manuel Esteves
Colaboração
Carla Soares
José Salgado
Patrícia Marreiro
Edição
Centro Cultural - Instituto Camões de Paris
Agradecimentos
Margarida Lages
Daniel Mordzinsky
Maria Manuel Viana
Publicação concebida e elaborada no âmbito do Plano de Actividades
Culturais dos Leitores de Português do Instituto Camões nas
Universidades de Paris III / Sorbonne Nouvelle, Paris IV / Sorbonne,
Paris VIII / Saint-Denis e Cátedra Lindley Cintra / Paris X Nanterre.
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