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ABSOLUTISMO
O Absolutismo é um conceito histórico que se refere à forma de governo em
que o poder é centralizado na figura do monarca, que o transmite hereditariamente.
Esse sistema foi específico da Europa nos séculos XVI a XVII. Assim, não podemos falar
de um Absolutismo chinês ou africano, pois devemos ter sempre em mente que os
conceitos são construídos para determinado momento e lugar na história, e não
podem ser aplicados para outras realidades de forma indiscriminada.
O surgimento do Absolutismo se deu com a unificação dos Estados nacionais
na Europa ocidental no início da Idade Moderna, e foi realizada com a centralização
de territórios, criação de burocracias, ou seja, centralização de poder nas mãos dos
soberanos. Essa centralização aconteceu, no entanto, após uma série de conflitos
específicos. Durante a Idade Média, os monarcas feudais dividiam o poder com os
grandes senhores de terra, mas com a formação dos Estados nacionais iniciou-se
um processo de diminuição do poder desses senhores. Tal processo foi possibilitado
pelo crescente poder econômico da burguesia, uma camada social nascente que,
sem possuir poder político, apoiou-se no rei para combater a nobreza. O Estado
centralizado surgiu, assim, interligado aos conflitos políticos entre nobreza e
burguesia, característicos desse momento histórico, além das disputas políticas entre
os príncipes e a Igreja Católica, visto que o Papado durante toda a Idade Média foi
uma considerável força internacional.
Nesse processo, é notável a ligação entre política e religião, pois o Absolutismo
tendia a conceder ao rei um caráter sacralizado. Esse aspecto foi mais enfatizado na
França pela teoria do direito divino dos reis, defendida no século XVII por filósofos
como o bispo Bossuet. Uma teoria que legitimava o poder absoluto da monarquia
francesa, cujo principal expoente foi Luís XIV, o chamado Rei Sol, defendendo que o
poder absoluto do rei e a centralização do Estado se deviam a Deus. Deus escolhera o rei
e sua linhagem, e logo seu poder não deveria ser contestado por nenhum dos súditos.
Assim sendo, percebemos que o Absolutismo se liga a um determinado momento
da história das nações europeias, o momento em que uma monarquia fortalecida
com os conflitos políticos internos entre diferentes grupos sociais, e apoiada por
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Absolutismo
justificativas filosóficas, controla e consolida o Estado nacional. Mas o Absolutismo
apresentava variações regionais que o poderiam fazer mais ou menos centralizado.
Há diferentes Absolutismos, cada qual com suas particularidades, como é o caso
da Espanha, da Inglaterra e da Rússia. Em comum, a maior parte das monarquias
absolutistas compartilhava algumas características: a concentração de poder na
figura do rei, a existência de burocracias e exércitos públicos, o enfraquecimento
dos vínculos feudais, a mercantilização da economia.
Hoje é comum que o Absolutismo francês seja tomado como modelo clássico,
Luís XIV, como o maior soberano absolutista, e a teoria do direito divino dos reis
generalizada para todas as monarquias absolutas. No entanto, essa teoria não foi
aceita e defendida por todas as monarquias. Em países como a Espanha, apesar do
caráter religioso dos soberanos, a legitimação do poder foi feita mais por princípios
legais do que religiosos.
Na Espanha, o Absolutismo foi legitimado por teses contratuais. Ou seja, o
poder centralizado do rei era explicado pela existência de um contrato entre rei e
sociedade. A sociedade espanhola era então compreendida, segundo o historiador
Richard Morse, como uma entidade ordenada, na qual a tarefa de organizar a
estrutura social pertencia ao rei. Além disso, as vontades do rei e do povo deveriam
estar em harmonia, buscando o bem-estar comum.
As teorias contratuais tiveram seu pioneiro em Maquiavel, defensor do Estado
como entidade nascida do contrato entre povo e príncipe. Outro dos grandes
defensores do Estado contratual foi Thomas Hobbes, que em sua obra O Leviatã
afirmou que todo Estado nasce do contrato mútuo entre os homens. Estes, quando
em estado de natureza, viveriam em constante conflito e situação de guerra. Assim
sendo, para garantir a ordem, considerada a única forma de a sociedade prosperar, os
indivíduos faziam um acordo em que todos abdicavam de suas liberdades em favor
de um representante, o rei, que, por sua vez, se encarregaria de garantir a ordem.
Nessas teses, que explicam o Estado a partir de acordos e da concordância entre reis
e povo, todavia, a vontade do rei e do Estado sempre é superior à do povo e, logo,
deve ser obedecida sem resistência. Somente com a Ilustração, no século XVIII, essas
teorias seriam revistas para apresentar o governo como representante da vontade
popular. No Absolutismo, todavia, rei e Estado se sobrepõem ao povo.
Já na Inglaterra, o Parlamento muito cedo diminuiu o poder dos monarcas.
Diferentemente da França e da Espanha, antigas províncias romanas onde a
continuidade do direito romano fez prevalecer, mesmo durante a Idade Média, a
ideia de um príncipe comandando a sociedade com plenos poderes, a Inglaterra,
província menos romanizada, sofrera influências muito maiores do direito feudal, no
qual o poder era compartilhado pelos grandes senhores, sendo o príncipe incluído
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Absolutismo
entre eles. Assim, o Absolutismo não prosperou na Inglaterra moderna. Pelo
contrário, segundo o historiador Christopher Hill, ele surgiu no século XVII como
uma tentativa da monarquia de importar o modelo francês e de se impor a todas
as classes sociais inglesas. Tal tentativa, no entanto, fracassou devido à revolta das
elites, que não aceitaram um soberano que se sobrepusesse de forma hegemônica a
elas. Essa é a origem da Revolução Inglesa. O Absolutismo inglês, dessa maneira, teve
vida curta, o que não impediu que o Estado nacional e a monarquia sobrevivessem,
adaptando-se a outras realidades sociais e políticas.
Assim, vemos que o Absolutismo assumiu diferentes formas dependendo do Estado
onde foi aplicado. As justificativas jurídicas ou teológicas tinham em comum o fato de
que foram construídas para explicar o poder centralizado do rei. Não devemos esquecer,
todavia, que esse poder não era absoluto, no sentido de que não era ilimitado. Nenhum
rei absoluto reinava sozinho, ou ditava arbitrariamente a lei, sem qualquer controle por
parte da sociedade. Tal poder, embora centralizado e forte, em geral era limitado pela
tradição, pelos costumes, quando não pela existência de parlamentos e ministros com
poder de decisão. Perry Anderson, um dos principais estudiosos do Absolutismo, diznos para não confundir o Absolutismo europeu com o despotismo oriental, esse sim
mais abrangente. O poder do rei na Europa não chegava a dispor arbitrariamente das
propriedades e de seus súditos, ao contrário das monarquias orientais.
Muitos foram os autores que trabalharam com a conceituação do Absolutismo.
De Friedrich Engels a Nicolas Poulantzas, as principais teses trataram da origem
do Absolutismo e de sua natureza política. Perry Anderson, por exemplo, defendia
que o Estado absoluto era uma continuidade do Estado feudal. Nesse caso, o poder
do soberano derivaria do poder da nobreza. Já autores como Fernand Braudel,
concordando com Poulantzas, acreditavam que o poder absoluto vinha da ascensão
política da burguesia; esta apoiaria o rei em troca da diminuição do poder da nobreza.
A tese defendida pela historiadora brasileira Vera Lúcia Ferlini, baseada em autores
como Engels, afirma que o Estado absoluto surgiu não da nobreza ou da burguesia,
mas do conflito de ambas, o que teria fortalecido apenas ao rei. O Estado absoluto
seria, assim, uma entidade que se alimentava e se fortalecia do conflito políticosocial interno em cada país.
A decadência do Absolutismo se deu no século XVIII com a ascensão política das
burguesias nos Estados ocidentais, impulsionando o surgimento de novas teorias
que defendiam um governo constitucional, representativo e uma economia sem a
interferência do Estado, como o liberalismo. Por fim, nesse processo, a Revolução
Francesa, no final do século XVIII, impulsionada por povo e burguesia, derrubou o
Absolutismo francês, abrindo caminho para que, no século XIX, Espanha e Portugal
também fizessem movimentos na direção do liberalismo ao imporem constituições
a seus reis absolutos.
Absolutismo
A importância histórica do Estado absoluto está principalmente no fato de ser
ele responsável pela consolidação do Estado nacional europeu, que, por sua vez, teve
grande influência na formação dos Estados latino-americanos, fosse pelos vínculos
coloniais, fosse por servirem de modelos para as independências hispânicas no século
XIX, que copiaram os padrões de Estado nacional oriundos da Europa ocidental.
Na sala de aula, o Absolutismo é tema recorrente nos conteúdos programáticos
adotados no Brasil. Mas, além disso, é tema extremamente relevante para a
compreensão da História do Brasil em seu processo de colonização. Entretanto, em
geral sua abordagem nos livros didáticos e conteúdos programáticos dos ensinos
Médio e Fundamental é bastante simplificada, não considerando que diferentes
historiadores têm percebido o Absolutismo sob prismas diversos. Além disso,
deve-se ter cuidado para não incorrer no erro de generalizar as características
francesas para todas as monarquias absolutistas. Para evitar a visão simplista, uma
boa estratégia é comparar as características dos principais Estados absolutistas,
enfatizando também as diferentes teorias que justificavam o Absolutismo em cada
país. Outra possibilidade interessante é a análise comparada das obras de Maquiavel,
Hobbes e Bossuet, para discutir as diferentes formas de justificar o poder. Sem
esquecer que relacionar política e arte, trabalhando como o Absolutismo apareceu
nas telas de El Greco, em edifícios como Versalhes, por exemplo, pode ser uma
forma de dinamizar a abordagem do tema.
VER TAMBÉM
Barroco; Burguesia; Colonização; Estado; Feudalismo; Iluminismo; Liberalismo;
Mercantilismo; Nação; Política; Revolução Francesa.
SUGESTÕES DE LEITURA
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BRAUDEL, Fernand. O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe
II. Lisboa: Martins Fontes, 1983.
GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003.
HOBBES, Thomas. O Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico
e civil. São Paulo: Martin Claret, 2003.
KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
São Paulo: Contexto, 2003.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História moderna através
de textos. São Paulo: Contexto, 1997.
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