Náuseas e vómitos na gravidez - Biblioteca
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Náuseas e vómitos na gravidez - Biblioteca
Revista bimestral de ciência e investigação em saúde Nº5 - Ano 2007 - 4 | Maio/Junho Náuseas e vómitos na gravidez Hiperplasia Benigna da Próstata – terapêuticas actuais Aulas de natação e desenvolvimento de bebés Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos - Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Tel. 253 639 800 Fax. 253 639 801 Email: [email protected] www.isave.pt Licenciaturas em: Enfermagem Fisioterapia Terapêutica da Fala Farmácia Higiene Oral Prótese Dentária Radiologia Análises Clínicas e Saúde Pública Editorial Educar para a saúde começa no nosso querer. Parte de cada um de nós construir uma vida sã em nós e nos outros. A Ser Saúde quer criar os laços afectivos da educação em saúde para profissionais, apresentar uma visão diferente e global do que será o futuro em saúde. A Ser Saúde fomenta o equilíbrio do saber em saúde junto dos profissionais. Não coloca barreiras, abre o caminho, deixa cada texto educar na grandeza do que apresenta e descreve. No aumento contínuo de maus hábitos de saúde, no aumento de doenças que limitam a qualidade de vida das pessoas, são os profissionais que têm de alargar o âmbito de intervenção, de saber, de procura em diferentes temas de saúde. Assim, criam unidade entre profissionais na sabedoria, o que levará a uma intervenção junto das pessoas mais atenta, cuidada, humana. A Ser Saúde, sem ilusões, cria na diversidade a unidade do saber. Na ciência, a Ser Saúde promove os profissionais de saúde que procuram construir a harmonia entre a prática de saúde e todo o ser humano, no fundo, o Ser Saúde… Isabela Vieira 14 Daniel Serrão O médico e os limites da vida humana O que desejei principalmente transmitirvos é que, quando um médico tem nas suas mãos um ente vivo da espécie humana, que vai morrer, seja ele um grande idoso, um incurável ou um embrião, o médico é muito mais do que um técnico competente e dedicado. Ele tem de ser, ele é, um humanista sensível e bom e um homem virtuoso que compreende e respeita a luminosidade fulgurante de um espírito que se extingue, mas que irá perdurar na memória de quantos o amaram. E que se deixa seduzir pela força e beleza de toda a biologia do desenvolvimento que faz de uma frágil e humilde célula. O embrião, uma Pessoa Humana. 36 Entrevista a Fernando Menezes PBL em saúde O aluno como centro de saber Muitas pessoas associam aprendizagem apenas a conhecimentos de conceitos, de factos e mesmo de evidências. Não entendem a aprendizagem como um processo mais amplo que inclui a mudança, um novo comportamento diante de um facto. Na verdade, aprendizagem significa mudança e não apenas acumulação de factos. 28 50 Hiperplasia benigna da Francisco Botelho, Carlos Silva próstata – terapêuticas actuais Pode-se assim dizer que estão a surgir diversas novas terapêuticas para o tratamento da Hiperplasia Benigna da Próstata, com o intuito de melhorar os sintomas urinários, cada vez mais prevalentes com o envelhecimento da população. Algumas destas serão rapidamente esquecidas por não apresentarem nenhum benefício real, mas outras irão alargar o nosso leque de opções, com a vantagem de apresentarem eficácias cada vezes maiores com menos efeitos laterais. Marta Martins, António Moreira, António Silva, Felipe Aidar, Jaime Tolentino Miranda Neto, Mônica Vieira Aulas de natação e o desenvolvimento de bebés Este estudo tem como objectivo a caracterização do estado de desenvolvimento das crianças, praticantes de natação para bebés (dos 6 aos 36 meses de idade), em diversas áreas (motricidade global, motricidade fina, linguagem, área cognitiva e autonomia social). É também objectivo deste estudo analisar a importância que os pais atribuem a cada uma das áreas do desenvolvimento e a sua relação com a prática desta actividade aquática, bem como os motivos pelos quais os pais inscreveram os seus filhos nestas aulas. 62 Adhemar Longatto Filho O método citológico de Papanicolaou e os novos paradigmas da prevenção de lesões cervicovaginais induzidas pelo Papilomavírus humano Os horizontes da doença “carcinoma de colo uterino” foram dramaticamente ampliados nos últimos anos.Tentar compreendê-los vai muito além do teste de Papanicolaou, convencionalmente preparado, corado, analisado e relatado. O exame citológico não pode mais ser avaliado como o centro de um processo que envolve diagnóstico e conduta. 72 Ana Maria Aguiar de Lima, Isabel Cláudia Batista Cardoso Biologia das metástases O processo de invasão tumoral e metastastização é constituído por uma cascata complexa de acontecimentos bioquímicos e genéticos orientados por diversas vias transdutoras de sinais e sistemas moleculares. 88 Rute Ferreira, Marta Moreira Náuseas e vómitos na gravidez As náuseas e vómitos associados à gravidez podem ocorrer em até 80% das mulheres grávidas. Habitualmente têm início entre a 4ª e a 7ª semana após a data da última menstruação, têm um pico entre a 8ª e a 12ª semanas e, excepto em 10% das mulheres, resolve-se até à 20ª semana de gestação. Na maioria dos casos os sintomas são mais graves de manhã. 96 Gustavo Afonso, Lara Costa, Marta Miranda Pé Diabético: prevenção e tratamento O Pé Diabético é uma das complicações mais catastróficas da diabetes, uma vês que ainda continua a ser responsável por elevados números de amputações cirúrgicas dos membros inferiores. 110 Mafalda Duarte, Constança Paúl Avaliação do ambiente institucional – estudo ecológico comportamental dos idosos Tendo em conta as alterações demográficas provocadas pelo envelhecimento em toda a Europa, a que Portugal não fica alheio, e as transformações que ocorrem nas sociedades actuais, proporcionam-se as condições para que considere o processo de envelhecimento e a velhice como uma situação problemática a necessitar de apoio social. Poster Rute Ferreira, Marta Moreira Náuseas e vómitos na gravidez Actualidade Tecnologias da Saúde Online O Tecnologias da Saúde Online é um website criado com o intuito de constituir o ponto de encontro de todos os profissionais e alunos da área das Tecnologias da Saúde. Desde a sua criação, a 11 de Outubro de 2005, que se verificou um crescimento exponencial em termos de registos e participações. Tal facto deve-se à participação de profissionais de diferentes áreas. O website, em particular o webforúm, possui secções relativas às diferentes 18 profissões, uma dedicada à comunidade, onde se abordam temas da actualidade, promoção de eventos científicos, entre outros, e ainda uma secção de procura e oferta de emprego. Fruto desta realidade, temos vindo a criar parcerias com diversas entidades, no sentido de promover acções de interesse aos TDT’s, de forma a promover a qualidade científica dos mesmos, e a valorizar a discussão de temas relevantes. Através da parceria com a revista Ser Saúde, divulgamos conhecimento de elevado valor científico, promovemos a qualidade científica dos profissionais de saúde, formando e informando. Director Eugénio Pinto [email protected] [email protected] Impressão Orgal, impressores Rua do Godim, 272 4300-236 Porto Editores Isabela Vieira Rui Castelar Tiragem 5 mil exemplares / bimestral Director de arte e grafismo Ângelo Mendes [email protected] Publicidade Celmira Dias Propriedade Ensinave – Educação e Ensino Superior do Alto Ave Campus Académico do ISAVE – Instituto Superior de Saúde do Alto Ave Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso NIF – 504 983 300 Contactos Ser Saúde Campus Académico do ISAVE – Instituto Superior de Saúde do Alto Ave Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253 639 800 Fax – 253 639 801 www.isave.pt [email protected] [email protected] Nº de Registo na ERC 124994 ISSN 1646-5229 Depósito Legal 246971/06 ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Os artigos publicados nesta edição da Ser Saúde são da responsabilidade dos autores. Proibida a reprodução parcial ou total, sob qualquer forma, sem prévia autorização escrita. Agenda MAIO XX Jornadas de Ortopedia do Hospital de S. João 03 de Maio Ordem dos Médicos X Encontro Nacional APEO: O Enfermeiro Obstetra - Um Percurso de Competência 03 de Maio Escola Superior de Saúde de Viseu Seminário de Integração Profissional – Tecnologias da Saúde 4 de Maio ISAVE, Póvoa de Lanhoso 2º Simpósio Internacional: Perturbação pós-stresse traumático 04 de Maio Centro de Congressos, Portalegre Dinâmica da Intervenção da Enfermagem na Prática Desportiva 04 de Maio Centro de treinos e formação desportiva do Futebol Clube do Porto,Vila Nova de Gaia II Jornadas de Enfermagem em Cardiologia do Hospital N. Sra. Rosário 09 de Maio Auditório Municipal Augusto Cabrita no Parque da Cidade, Barreiro Forum 07 - O Cidadão e a Enfermagem 10 de Maio Teatro Académico de Gil Vicente, Instituto Português da Juventude, Coimbra Tratamentos Domiciliários Aerosolterapia * Oxigenoterapia * Ventiloterapia Screnning Domiciliário * Aspirador de Secreções Ventilação Volumétrica * Apneia de Sono Apneia do Lactente * Pulsoximetria * Coughassist Gasin – Gases Industriais S A Rua do Progresso, 53 4451-801 Leça da Palmeira Tel.: 229998300 Fax.: 229998317 EN 249-3-KM 1,8 –D S. Marcos 2735-307 Cacém Tel.: 214270000 Fax.: 214264656 VIII Reunião dos Núcleos de Diagnóstico Prénatal 11 de Maio Anfiteatro do Hospital de S. Marcos, Braga I Congresso Internacional de Neurociências 14 de Maio Aula Magna do Instituto Superior Politécnico,Viseu Fórum transfronteiriço sobre Saúde do Idoso e Cidadão Dependente 16 de Maio Teatro Municipal da Guarda Fórum de Neurologia 2007 17 de Maio Luso Congresso Internacional de Investigação Científica em Enfermagem 17 de Maio Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo II Jornadas de Enfermagem Perioperatória - Inovações e desenvolvimentos Cuidar no bloco operatório 17 de Maio Auditório Augusto Cabrita, Barreiro II Jornadas de Radiologia 18 e 19 de Maio ISAVE, Póvoa de Lanhoso Simpósio de Nutrição Parentérica 19 de Maio Universidade Lusófona, Campo Grande, Lisboa 10ª Reunião da Sociedade Portuguesa de Neurociências 23 de Maio Ofir 23º Encontro Transmontano do Clínico Geral 24 de Maio Pavilhão Multiusos,Vimioso XXI Congresso Português de Nefrologia 24 de Maio Centro de Congressos de Vilamoura, Hotel Tivoli Marinotel,Vilamoura Feridas: da investigação à prática 24 de Maio FIL Parque das Nações Curso de Formação para Instrutores de Massagem Infantil 25 a 28 de Maio de 2007 ISAVE, Póvoa de Lanhoso Estudos Urodinâmicos, Bexigas Neurogénicas e Sexualidade 25 de Maio Escola Superior de Enfermagem de Viana do Castelo II Jornadas de Enfermagem de Reabilitação 25 de Maio Auditório Principal da Exponor O seguimento do indivíduo com trissomia 21 em Medicina Dentária 31 de Maio Instalações da FMDUP XV Jornadas de Dermatologia 25 de Maio Hotel Solverde da Granja 7º Congresso Internacional de Segurança, Higiene e Saúde do Trabalho 31 de Maio Porto II Jornadas Interdisciplinares da ESSA: Sexualidade e Deficiência - Uma Abordagem Multidisciplinar 25 de Maio Auditório do CMR Alcoitão II Encontro Luso-Espanhol de Cuidados Farmacêuticos 26 de Maio ULHT Auditório Agostinho da Silva, Lisboa Congresso Internacional de Medicina Estética e Anti-Envelhecimento 26 de Maio Centro de Congressos, Estoril IV Encontro de Reflexão dos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica 26 de Maio Hotel Golf Mar,Vimeiro Radiografia Panorâmica em Reabilitação Oral em Implantologia 30 de Maio Instalações da FMDUP JUNHO Curso de Preparação de Manipulados nas Áreas de Pediatria e Dermatologia 1 e 2 de Junho de 2007 ISAVE, Póvoa de Lanhoso 8º Encontro de Medicina Geral e Familiar do Alto Minho 01 de Junho Caminha 1º Congresso de Enfermagem: Desafios... no Cuidar... na Continuidade dos Cuidados... Competências 06 de Junho Auditório da Escola Superior Saúde, Faro XXVII Congresso Nacional de Gastrenterologia e Endoscopia Digestiva 06 de Junho Tivoli Marinotel, Algarve Congresso da Associação Portuguesa de Urologia 2007 07 de Junho The Lake Resort,Vilamoura Tratamento Endodontico em Odontopediatria 11 de Junho Le Meridien Park Atlantic, Porto 10 XII Jornadas de Cardiologia de Braga XIII Jornadas de Cardiologia do Minho 14/15 de Junho Auditório do Hospital de São Marcos, Braga Fórum Enfermagem Reabilitação 26/27 de Junho Auditório Municipal de Lousada Fórum Nacional Enfermagem, o Doente Crónico 27/28 de Junho Auditório Municipal de Lousada Encontro Nacional de Enfermagem em Emergência 28 de Junho Fórum da Maia Conselho Científico Ser Saúde Adelino Correia Adília Rebelo Adrian Llerena A. Fernandes da Fonseca Alberto Salgado Alexandre Antunes Alexandre Castro Caldas Alexandre Quintanilha Alves de Matos Amílcar Falcão Ana Preto António Miranda António Paiva António Rosete Armando Almeida Arminda Mendes Costa Artur Manuel Ferreira Berta Nunes Carla Matos Carlos Alberto Bastos Ribeiro Carlos Albuquerque Carlos Pedro Castro Carlos Pereira Alves Carlos Valério Carmen de la Cuesta Catarina Tavares Célia Cruz Célia Franco Constança Paúl Daniel Montanelli Daniel Pereira da Silva Daniel Serrão Delminda Lopes de Magalhães Dinora Fantasia Duarte Pignatelli Elsa Pinto Eurico Monteiro Fátima Francisco Faria Fátima Martel Fernando Azevedo Fernando Schmitt Fernando Ventura Freire Soares Guilherme Macedo Gustavo Afonso Gustavo Valdigem Helena Alves Helena Martins Henrique de Almeida Henrique Lecour Isabela Vieira João Costa João Luís Silva Carvalho João Pedro Marcelino João Queiroz João Ramalho Santos Joaquim Faias Jónatas Pego Jorge Correia Pinto Jorge Delgado Jorge Ferreira Jorge Marques Jorge Soares Jorge Sousa Pinto José Amarante José Carlos Lemos Machado José Eduardo Cavaco José Luís Dória José Manuel Araújo José Matos Cruz José M. Schiappa José Rueff Laura Simão Liliana Osório Lisete Madeira Lucília Norton Luís Basto Luís Cunha Luís Martins Luiza Kent-Smith Madalena Cunha Manuel Domingos Manuel Mendes Silva Manuel Teixeira Veríssimo Manuela Vieira da Silva Marco Oliveira Margarida Soveral Gonçalves Mari Mesquita Maria Júlia Silva Lopes Maria Manuela Rojão Maria Margarida Dias Mário Rui Araújo Mário Simões Marta Marques Marta Pinto Miguel Álvares Pereira Paulo Daniel Mendes Pedro Azevedo Pedro Vendeira Piedade Barros Querubim Ferreira Ramiro Délio Borges de Menezes Ramiro Veríssimo Raquel Andrade Regina Gonçalves Rui L. Reis Rui de Melo Pato Rui Nunes Sandra Cardoso Sandra Clara Soares Sérgio Branco Sérgio Gonçalves Sérgio Nabais Sónia Magalhães Susana Magadán Tiago Barros Tiago Osório de Barros Wilson Abreu Veloso Gomes Victor Machado Reis Virgílio Alves 11 Fotos LK Comunicação Numa quinta de 17 hectares, numa aldeia, o ISAVE integrase nas asas das aves que traçam o azul do espaço. Aqui, o olhar repousa na beleza e encontra a serenidade para o conhecimento, para a prática da sabedoria. O ISAVE é a concretização real do sonho de todos os espaços de ensino. Quando o homem cria e interliga em saber a obra com a biodiversidade, o mundo prossegue o seu caminho de equilíbrio e desenvolvimento. Num meio rural, o ISAVE investiga, cria, inova. A nobreza das instalações, a branco, dão claridade, transmitem luminosidade. No ISAVE todos os caminhos são os que seguem a liberdade, são os que traçam o futuro, criando, em cada pormenor, a estética perfeita da arte na prática da saúde. O ISAVE tem à sua disposição um espaço único para congressos, colóquios, palestras, os mais diversos eventos. www.isave.pt [email protected] Daniel Serrão 14 Professor jubilado da Faculdade de Medicina O médico e os limites da vida humana 1. Começo por agradecer o tema, apai- xonante, que me foi atribuído para esta conferência inaugural. Apaixonante para mim que, tendo cultivado a Medicina durante mais de 50 anos, estou agora próximo de um dos limites da vida humana, que é o limite final. Tenho, assim, o direito e o dever de mostrar que sei bem do que vou falar. Apaixonante, ainda, porque tendo as Jornadas uma importante vertente oncológica, quem me vai escutar enfrentou já, de muitas formas, o processo de morrer do outro como um caminho que conduz a pessoa humana ao limite, sem retorno, que é a morte corporal. Testemunhas privilegiadas que são do processo de morrer dos seres humanos, os médicos pressentem o mistério que nele se oculta e se revela, para além da anemia incontrolável, da falência progressiva do coração, do rim que já não funciona e até da situação global do graft versus host, na qual uma neoplasia, difusamente metastizada, impede o doente, portador e receptor involuntário de um enxerto pleno de vitalidade, de continuar a viver, provocando, com a sua morte, também a morte do hóspede indesejado. Para além desta morte corporal, dizia, o médico pode aperceber-se de como está a morrer a pessoa que, pelo corpo, enfraquecido 15 16 e fragilizado, ainda se manifesta; pessoa com uma história biográfica única e irrepetível, grandiosa ou modesta, cumprida no fausto palaciano dos ricos ou nos tugúrios escuros da miséria, longa como a dos velhos sábios ou curta e ilusória, traídos que foram os sonhos da adolescente por um sarcoma de Ewing de evolução fulminante. Também a mim, ao longo da minha vida de médico, não me têm faltado oportunidades para acompanhar o processo de morrer de pessoas nas situações mais diversas, como aquelas que acabei de esboçar; e sempre reconhecia, quando a morte chegava e a vida corporal/ espiritual se extinguia, que tinha aprendido alguma coisa nova sobre a natureza humana, ou, como disse luminosamente F. Pessoa, sobre “a importância misteriosa de existir”. O mesmo Pessoa que escreveu com uma radical lucidez,“morrer é só não ser visto”. Apaixonante, finalmente, porque se a vida humana tem um limite final, de grande riqueza e complexidade, mas com um toque de tristeza, tem também um limite inicial que foi a passagem do caos para a ordem, no princípio dos tempos, com a emergência da vida a partir do universo natural, e é agora, no tempo de cada um de nós, pela libertação de um programa de desenvolvimento, ocultado e criptado na informação genómica do zigoto. O zigoto é o limite inicial de cada ser humano; tão frágil que só cerca de metade sobrevive na fecundação natural e muitos milhares sobrantes da fecundação in vitro aguardam, no azoto líquido, o dia da sua morte; mas tão poderoso que nele se manifesta e constrói um corpo de homem ou de mulher. Por isso, o estatuto biológico, ético e jurídico do embrião humano preocupa e mobiliza os grandes areópagos internacionais, como o Conselho da Europa e a Organização das Nações Unidas; e, no Parlamento Europeu, discute-se neste momento a legitimidade de a Comissão financiar investigações com embriões humanos excedentários ou doados que serão destruídos por essa investigação. Porque tenho participado nestes debates e porque presido ao Grupo de Trabalho do Conselho da Europa que prepara um protocolo para a protecção do embrião e do feto humanos, não posso evitar dar o meu testemunho sobre o limite inicial da vida; este outro limite onde há também uma perplexidade e dúvida ao lado, agora, de um toque de alegria, por uma vida humana que já está no mundo e nele se irá realizar. 2. Abordarei, assim, o meu tema em duas reflexões: uma sobre o fim e outra sobre o princípio da vida humana, olhando estes dois tempos numa perspectiva de antropologia médica; porque são os médicos quem pode compreender melhor a vida humana e os seus protagonistas, não na banalidade do viver rotineiro, mas na ventura, no risco, no fio da navalha, onde tudo se joga, se ganha ou se perde. Ninguém como o médico enfrenta o dilema de decidir sobre um outro ser humano que é seu igual e seu irmão nesta fraternidade genómica que a todos nos une. Alex Mauron, interrogava-se na Science, em artigo publicado em 2001, se o genoma não seria, hoje, o equivalente da alma. Para este cientista de biologia molecular e professor de Ética na Faculdade de Medicina de Genève, com todo o genoma humano já conhecido ganha força a noção de que o nosso genoma é sinónimo da nossa humanitude, o que é uma espécie de metafísica genómica; para os defensores desta posição, o genoma é considerado como o core, o núcleo central da nossa natureza, determinante quer da nossa individualidade quer da nossa identidade como espécie. Ora se o genoma é visto como a verdadeira essência da natureza humana e as acções externas são consideradas eventos acidentais, então aproximamo-nos do conceito aristotélico de eidos que S.Tomás de Aquino transformou em “forma” ou alma. Mas é uma ilusão. Ser pessoa humana significa muito mais do que ter um genoma, porque cada pessoa tem uma história biográfica própria. Pertencer à família humana, implica um riquíssimo leque de ligações culturais que não podem ser reduzidas à simples pertença taxonómica, a uma espécie viva, neste caso a espécie humana. 17 3. O processo de morrer é temporal, no envelhecimento, e é acidental, na doença grave, designadamente neoplásica. 18 Todas estas vias de análise do envelhecimento são interessantes e necessárias, mas não atingem o problema fulcral que é o seguinte: como envelhece a pessoa no corpo que envelhece. Abundam hoje os artigos, colóquios e congressos, sobre o envelhecimento, tentando defini-lo no plano biológico,classificá-lo como a terceira e a quarta idades da vida, enquadrálo no contexto social e demográfico como um risco no futuro próximo, apresentá-lo como um difícil problema para os médicos de família nos centros de saúde, porque são, proporcionalmente, os maiores utilizadores dos cuidados de saúde e grandes consumidores de medicamentos, muitos deles de duvidosa eficácia farmacológica, mas de incontestável efeito como placebos. Todas estas vias de análise do envelhecimento são interessantes e necessárias, mas não atingem o problema fulcral que é o seguinte: como envelhece a pessoa no corpo que envelhece. Muito tenho escrito sobre este tópico e não quero repetir-me. Dir-vos-ei que este problema fulcral levanta a mais difícil de todas as questões da antropologia filosófica actual que é a questão do espírito humano – que já vimos não ser igual ao ADN genómico. Do espírito humano conhecemos bem as suas manifestações, mas temos muitas dúvidas quanto à sua natureza. Marc Jeannerod, conhecido neurofisiologista francês, publicou recentemente um livro intitulado “La Nature de l’ Esprit” no qual se esforça, na esteira de J. P. Changeux, por “naturalizar” o espírito. Depois de apresentar e comentar os resultados das investigações com os novos métodos de estudo do funcionamento do cérebro, como a tomografia com a emissão de positrões, e a electroencefalografia magnética e a ressonância magnética funcional, depois de concluir que o cérebro humano sempre funciona como um todo, articulando as diferentes percepções sensoriais para transformar percepção em conhecimento, depois conhecimento em consciência e finalmente consciência em auto‑consciência, Marc Jeannerod afirma: «Fortes de ces nouvelles possibilités, les neurosciences cognitives se retrouvent pourtant confrontés à un programme qui semble encore les dépasser: décoder les mécanismes de l’esprit, comprendre le fonctionnement de la pensée, de la mémoire, de l’affectivité». Ou seja, todos os resultados das neurociências, que conseguiram esmiuçar as percepções sensoriais e demonstrar que, por exemplo, num cego de nascença, o chamado córtex visual, muda de funções e passa a servir para a compreensão das palavras e que a leitura táctil em Braille activa as áreas corticais tácteis, mas também as áreas dedicadas à cognição nisual, todos estes resultados, não conseguem descodificar os mecanismos do pensamento abstracto, da categoria lógica e ética e da capacidade de simbolizar a percepção do mundo exterior por meio de objectos intencionais. Menos ainda a capacidade do homem agir como um ente moral e esta espantosa capacidade de amar o outro, para além da atracção sexual e do prazer genital, que esses são neurológicos e hormonais. A estas capacidades, vistas em conjunto, chamo eu, em sentido hegeliano, espírito, sendo certo que cada pessoa concreta, cada indivíduo, revela-se no mundo como unidade substancial de corpo e espírito, unidade indestrutível, mesmo nos estados psicóticos, mesmo no processo de morrer. O pensamento hebraico ao tentar compreender o fundamento das manifestações da inteligência reflexiva e simbolizadora nascente, que não estavam presentes na criança mas apareciam progressivamente, atribuiu-as à insuflação do espírito de Javé, ou seja, de algo transcendente aos seres humanos e a todos os outros seres vivos. Esta penetração do corpo do homem, por algo emanado da forma de ser do ser transcendente, foi representada, mais tarde, pelo vocábulo nishmat que significa o que é interiorizado, à maneira do ar que se inspira; daqui o uso da palavra latina spiritus que significa o que é soprado. 19 20 A tradição hebraica teve sempre – e tem ainda hoje nos comentadores rabínicos mais exigentes – o cuidado de não confundir o efeito com a causa. Nishmat não é Iavé, é uma manifestação do poder de Iavé como criador da vida e, em particular da vida humana. Vida humana esta que, pelas capacidades deste nishmat haveria, mais tarde, de atingir o conhecimento do mundo – inteligência simbolizadora e reflexiva – e a capacidade do agir moral – distinguindo o bem do mal – com os quais afrontou Iavé e, de certo modo, “forçando-o” à promessa da salvação; para que a grande obra por ele criada, o ser humano, não redundasse, afinal, num fracasso. Há aqui, neste aspecto particular da tradição hebraica, uma dialéctica entre o ente criador e os entes criados, que o haveriam de ser para a glória de Iavé, mas que não queriam sê-lo, sem certas condições, sem a promessa da vida boa. É uma luta de poder, simbolizada no episódio de Jacob e o Anjo e em outros lugares bíblicos, que sempre termina por alguma concessão de Iavé ao seu povo escolhido. Este desvio bíblico na minha exposição, fico a devê-lo à necessidade de tornar claro, até onde é possível ser claro em matéria tão difícil, que o espírito só é objectivamente conhecido pelas suas manifestações e revela-se, a cada um de nós, na auto-consciência. A auto-consciência, como percepção interior do self, do eu próprio, não resulta das percepções sensoriais – visuais, auditivas, olfactivas, tácteis e outras – nem resulta da reflexão intelectual sobre elas exercida e que as transforma de simples percepções em conhecimento consciente ou subconsciente, nem resulta da coloração afectiva que a inteligência emocional sempre lhes atribui; mas resulta, sim, de uma estruturação global de todas estas capacidades. Isoladamente, para cada capacidade, podemos hoje descrever uma certa activação de redes neuronais articuladas entre si. Mas nenhuma estrutura anatómica cerebral, nenhuma função de redes, nenhuma libertação e acção de mediadores electroquímicos, pôde, até hoje, ser responsabilizada por esta estranha capacidade de cada um de nós se ver a si próprio como um outro, como um eu, reconhecível no presente, arquivado como passado, mas evocável a todo o momento e sobre o qual e para o qual eu posso imaginar um futuro. Pois bem, é a este eu auto-consciente que cada um de nós irá referir o processo individual de morrer. E é nele e por ele que se manifesta a negação da vida, a vontade do suicídio e o pedido para ser morto, ou seja, a eutanásia. 21 Deste modo, a atenção médica ao processo de morrer, quando a morte é horizonte único da vida da pessoa, a curto ou a médio prazo, tem de ter como prioridade o espírito da pessoa que continua a manifestar-se num corpo que progressivamente se degrada, de forma irreversível, e sobre o qual não há já lugar para exercer actividades médicas curativas, mas tão somente intervenções orientadas para o conforto e o bem-estar físico possível. O médico, por muito tecnicista que a si próprio se considere, não deve afastar-se do doente em fase terminal e entregá-lo aos cuidados de enfermagem, ao apoio psicológico ou à presença do sacerdote ou ministro da religião do doente. Creiam que nenhuma outra figura está mais qualificada, aos olhos do doente, do que o médico, mesmo quando o doente tem consciência da incurabilidade da doença que o atinge. Quem lutou para o curar, para lhe evitar a morte antecipada, é quem melhor pode ajudá-lo a viver o processo de morrer. E se o doente pede para ser ajudado a suicidar-se? Ou pede ao médico que o mate? Que atitudes médicas são possíveis? Analisemos a situação com objectividade e sem estados de alma emocionais, sempre inconvenientes neste tema. O pedido de eutanásia, como o de ajuda ao suicídio, é uma tragédia pessoal de quem pede. Quando uma pessoa pede para ser morta ela está a dizer-nos que, em sua auto-consciência, o outro que ela vê já não presta para nada, já não tem o direito de continuar a ser a estrutura orgânica na qual e pela qual um espírito humano se manifesta; e por isso deve ser destruído. Um eu que afirma o desejo de destruir o corpo está a puni-lo por ele se ter tornado numa estrutura de má qualidade para suporte da manifestação da sua vida pessoal como vida também espiritual. E esta afirmação é uma tragédia. Mas mais trágica é a situação em que uma auto-consciência decide terminar a vida do corpo para que a vida espiritual deixe de ser manifestada. Aqui, o espírito pune-se a si próprio para que não pense mais, não mais represente o mundo e os outros, não faça juízos sobre o bem e o mal, não ame e, dramaticamente, não queira ser amado por ninguém. A primeira situação acontece nos casos em que o corpo é, todo ele, progressivamente afectado como nas neoplasias metastizadas 22 sem tratamento; e a segunda, que podemos identificar com o diagnóstico psicológico de esgotamento do projecto pessoal de vida, ocorre nos tetraplégicos e nos portadores de degenerescências neurológicas, progressivamente mais incapacitantes. dores, agora não precisa de estar a sofrer. O acolhimento médico do sofrimento tem de ser empático. Se excluirmos a dor neurológica que, actualmente, pode sempre ser tratada ou tornada suportável, resta, como causas do pedido de eutanásia, o sofrimento e o esgotamento do projecto pessoal de vida, uma e outra de natureza espiritual e não orgânica. Só a empatia – conceito desenvolvido por Freud – nos permitirá perceber a linguagem cifrada na qual se exprime o sofrimento. Acolher com a necessária, esclarecida e tecnicamente competente empatia, o sofrimento da pessoa que está em processo de morrer, significa dispor-se a ouvir, com todo o tempo do mundo, uma narrativa pessoal, histórica, por vezes incoerente e sobressaltada, na qual a pessoa se despede dela própria, do que sentiu e amou, do que não soube perdoar, do que odiou, rejeitou e perdeu. Para que a pessoa se despeça do eu que vai morrer, arrastado pela morte corporal, e o possa fazer em paz, necessita de uma testemunha – um familiar, um amigo, se possível o médico. Se ninguém está disponível para o acompanhar e ouvir, ele pede, então, para ser morto. Claro que não estou a referir-me à fase agónica. O sofrimento é um estado de espírito, essencialmente afectivo e emocional, mas verbalizado, pelo doente, como um juízo racional, uma relação de causa e efeito. Mas não é um juízo racional, pelo que o acolhimento pelo médico não pode nem deve ser argumentativo, do género: então, já lhe tirei as Algumas sociedades modernas medicalizaram e banalizaram de tal forma o processo de morrer que a eutanásia apareceu como uma necessidade técnica. Na Holanda, matar o doente que não pode ser curado é, na lei actual, boa prática clínica o que, sendo monstruoso, é mais correcto do que chamar-lhe Como pode o médico decidir? Deve aceitar o pedido e provocar a morte antecipada destes doentes? Penso que não e vou justificar-me. Pedir a morte é, na realidade, abrir um canal de comunicação com o médico e este deve saber receber a comunicação e descodificá-la. Deste modo, a atenção médica ao processo de morrer, quando a morte é horizonte único da vida da pessoa, a curto ou a médio prazo, tem de ter como prioridade o espírito da pessoa que continua a manifestar-se num corpo que progressivamente se degrada, de forma irreversível, e sobre o qual não há já lugar para exercer actividades médicas curativas, mas tão somente intervenções orientadas para o conforto e o bem-estar físico possível. 23 homicídio e despenalizá-lo. E no Estado de Oregon, um dos Estados Unidos da América, a autorização para a receita de uma dose mortal de barbitúrico aos doentes terminais é dada por uma Comissão da Sociedade Civil porque entenderam que o assunto era social e não médico, o que está correcto. Quando existem médicos e outros profissionais que decidem dedicar-se ao acolhimento competente dos pedidos de eutanásia e de suicídio assistido, os pedidos desaparecem. Todos os que trabalham em acolhimento de doentes que vivem o processo de morrer, confirmam que o desejo de serem mortos desaparece do espírito da pessoa que reassume o seu controle sobre o corpo, que se degrada mas que a pessoa deixou de querer punir, aceitando-o na sua fraqueza. Mais difícil é acolher uma pessoa que não está em processo de morrer, que pode ainda viver muitos anos com limitações mas que considera estas limitações incompatíveis com o conceito pessoal de dignidade. Se estou imobilizado, diz, e dependente, a minha vida é indigna de ser vivida e tenho o direito de ser morto, como é meu desejo. O acolhimento nesta situação tem de ser agora argumentativo e visará conseguir que a pessoa reconstrua ela própria um projecto de vida novo sobre os escombros da derrocada que, por exemplo,o traumatismo vértebro‑medular alto produziu. Não é fácil e exige competência específica como, por exemplo, a capacidade de executar a logoterapia de Viktor Frankl com a qual se conseguem muito bons resultados. Há exemplos célebres de tetraplégicos e de portadores de neuropatias degenerativas que usaram o seu cérebro e o seu espírito para reconstruírem projectos de vida de grande sucesso. Não vou citá-los porque são conhecidos de todos e porque os que me preocupam não são os que venceram, mas são aqueles que não recebem ajuda adequada para desenvolverem, no plano neurológico, as capacidades restantes e, principalmente, para, no plano espiritual, criarem uma nova imagem corporal, gostando tanto dela e das suas capacidades limitadas, como gostavam do corpo ágil que o desastre de viação atirou para a imobilidade aos 20 anos. O sofrimento do paraplégico exprime-se muitas vezes em violência verbal, em comportamentos negativistas e no pedido de ajuda ao suicídio.Também na recusa obstinada do amor dos outros. O médico deve saber acolher a pessoa nesta fase e orientar colaboradores de várias disciplinas que ajudem a pessoa a ultrapassar tal fase até conseguir a aceitação da nova vida; depois é todo um trabalho de reconstrução espiritual, minucioso e delicado, feito de presença constante, de dedicação e de amor. 24 O médico tem de ser o perito das situações‑limite, porque só ele dispõe da preparação necessária e da experiência vivida. Não pode retirar-se do campo quando a batalha está perdida porque ele ainda é necessário para cuidar dos que sofrem mesmo não podendo salvar-lhes a vida. Cabe aos médicos lutar para que se desenvolvam, em Portugal, os princípios e as práticas da atenção paliativa, institucional e domiciliária; para que não aconteça que o pedido de eutanásia dos que sofrem sem serem acolhidos, passe a ter justificação ética e a perturbar a consciência dos médicos. Morre-se muito mal em Portugal ou por obstinação em terapêuticas que já só causam dor e sofrimento ou por abandono e solidão. Uma e outra destas mortes são degradantes para a dignidade humana. Não falemos de morte digna, que é uma expressão sem sentido; falemos, isso sim, de uma vida digna até à morte e é nossa obrigação, como médicos, conseguir que todos, pobres ou ricos, tenham vida digna até ao instante da morte. Bastaria que Portugal aplicasse todos os pontos da Recomendação do Conselho da Europa de 1998, para que o espectro da eutanásia, como solução de facilidade, economicamente favorável, deixasse de se perfilar no horizonte da sociedade portuguesa. Na Holanda, matar o doente que não pode ser curado é, na lei actual, boa prática clínica o que, sendo monstruoso, é mais correcto do que chamar-lhe homicídio e despenalizá-lo. E no Estado de Oregon, um dos Estados Unidos da América, a autorização para a receita de uma dose mortal de barbitúrico aos doentes terminais é dada por uma Comissão da Sociedade Civil porque entenderam que o assunto era social e não médico, o que está correcto. 4. Já falei que chegasse sobre o limite final. Passo agora para o limite inicial que é mais alegre embora também possa ser preocupante. Há pouco mais de 20 anos o “artificial” entrou no processo de reprodução e o que se passava, oculto, no corpo da mulher tornouse visível no laboratório: a conjugação de um ovócito com um espermatozóide. A estrutura inicial de uma certa nova vida humana, o embrião, vive fora do corpo da mulher, crescendo durante alguns dias e depois ou é transferido para um útero e aí continua o seu desenvolvimento ou morre no laboratório ou é crio-preservado, a muito baixa temperatura, em azoto líquido. Mas esta crio-preservação não é eterna. Com o passar dos anos, os embriões vão perdendo a possibilidade de serem transferidos com sucesso para um útero de mulher, vão perdendo a vitalidade para poderem ser utilizados em investigação científica e, finalmente, morrem mesmo crio-preservados. Temos, assim, uma nova entidade viva – o embrião humano congelado excluído de um projecto parental de desenvolvimento – que é uma entidade paradoxal para o médico já que, nesta nova entidade, o limite inicial da vida humana transforma-se em limite final. Imagino a perturbação do médico ginecologista que tendo constituído os embriões humanos, em laboratório, para que um casal infértil pudesse festejar o seu nascimento, se vê agora a braços com um ente vivo da espécie humana que, tendo sobrado do processo artificial de fertilização, vai morrer nas suas mãos. Ninguém encontrou uma boa solução para estes embriões excedentários que têm uma mãe que não pode, ou não quer, recebê-los e por isso vão perecer. Destiná-los para investigação científica não resolve o problema insanável que é o da sua morte, embora os utilitaristas defendam eticamente esta atitude: usá-los em investigação destrutiva. O médico deve olhar o embrião constituído fora do corpo da mulher não como um instrumento ou um meio, para corrigir a infertilidade conjugal, mas como um ser humano, entregue à sua responsabilidade profissional e que, por isso, ele tem o dever de proteger.Assim sendo, deverá ter como objectivo não constituir embriões aos quais não possa dar um destino digno, que é proteger a sua vida e possibilitar o seu desenvolvimento. A tendência actual em muitas clínicas de fertilização na Europa, Canadá e Estados Unidos é não terem embriões excedentários, sendo que, na Alemanha e na Áustria, criar embriões excedentários é um crime previsto e punido pelo Código Penal. Para o médico esta proibição é uma situação mais tranquilizadora desde que a não constituição de embriões excedentários não signifique um pior rendimento do processo de fertilização medicamente assistida, claro está. E os embriões clonados? É posição quase 25 26 unânime, em todo o mundo, que a técnica da transferência nuclear de células somáticas não pode servir, em nenhuma circunstância, para produzir um corpo humano igual a outro já existente, vivo ou morto. Assim sendo, esta manipulação biotecnológica foi excluída da área médica, em especial da medicina da reprodução e todos nos regozijamos com isso. Como produto de laboratório do qual se podem extrair células estaminais que interessam à indústria farmacêutica, talvez venham a ter futuro e um Instituto do Reino Unido, o mesmo que criou a falecida Dolly, já foi autorizado a criar estas estruturas semelhantes a embriões, utilizando células somáticas humanas. Mas o debate ético que esta autorização suscitou no Parlamento Europeu, poderá ter, em breve, consequências negativas para o Reino Unido, que ficará isolado na sua posição. A manipulação das células somáticas com transferência nuclear e a constituição de um produto, que me repugna chamar embrião pelo respeito que tenho ao embrião que todos nós fomos um dia e marcou o limite inicial da nossa vida, estão a ser consideradas, em grupos jurídicos americanos, como ameaça global para a espécie humana pelo que, tal como foi feito com a fabricação, armazenamento e uso das minas anti-pessoais, a ONU deve preparar um tratado de proibição da clonagem humana a ser assinado por todos os Estados Membros. Aqui está uma iniciativa americana que deve merecer apoio entusiástico. Há pouco mais de 20 anos o “artificial” entrou no processo de reprodução e o que se passava, oculto, no corpo da mulher tornou-se visível no laboratório: a conjugação de um ovócito com um espermatozóide. A estrutura inicial de uma certa nova vida humana, o embrião, vive fora do corpo da mulher, crescendo durante alguns dias e depois ou é transferido para um útero e aí continua o seu desenvolvimento ou morre no laboratório ou é crio-preservado, a muito baixa temperatura, em azoto líquido. 27 5. Vou terminar. Ao sabor do correr da pena desenvolvi o papel do médico quando se defronta com os limites da vida que são também limites à sua intervenção profissional. O que desejei principalmente transmitirvos é que, quando um médico tem nas suas mãos um ente vivo da espécie humana, que vai morrer, seja ele um grande idoso, um incurável ou um embrião, o médico é muito mais do que um técnico competente e dedicado. Ele tem de ser, ele é, um humanista sensível e bom e um homem virtuoso que compreende e respeita a luminosidade fulgurante de um espírito que se extingue, mas que irá perdurar na memória de quantos o amaram. E que se deixa seduzir pela força e beleza de toda a biologia do desenvolvimento que faz de uma frágil e humilde célula. O embrião, uma Pessoa Humana. Nota: Conferência realizada nas XVI Jornadas do Hospital de S. José. Francisco Botelho, Carlos Silva 28 Serviço de Urologia, Hospital S. João Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Hiperplasia benigna da terapêuticas actuais próstata 29 Hiperplasia Benigna da Próstata e seus sintomas A Hiperplasia Benigna da Próstata (HBP) é um diagnóstico histológico que corresponde ao aumento da zona peri-uretral da próstata (zona de transição) devido a hiperplasia das células epiteliais e do tecido conjuntivo. A incidência de HBP aumenta com a idade, afectando de forma sintomática aproximadamente 25% dos homens com idade superior a 40 anos e um em cada 3 homens com mais de 65 anos. Dado a próstata rodear a uretra masculina na sua porção mais próxima do colo vesical, um aumento do seu tamanho pode causar obstrução do esvaziamento vesical que por sua vez origina sintomas relacionados com a obstrução da uretra e com alterações funcio- nais da bexiga. Os sintomas provocados pela HBP são o aumento da frequência urinária, quer durante o dia (polaquiúria) quer durante a noite (noctúria), a vontade súbita e inadiável de urinar (imperiosidade), a incontinência, o gotejamento no final da micção, a dificuldade em iniciar a micção (hesitação) e a necessidade de esforço abdominal para urinar. Estes sintomas, geralmente designados pelo acrónimo inglês de LUTS (Lower Urinary Tract Symptoms) condicionam a actividade diária e o padrão de sono, alterando drasticamente a qualidade de vida destes doentes. No entanto, não existe uma boa correlação entre os LUTS e o tamanho da próstata e estes sintomas também podem ser originados por outras patologias, independentes ou associadas à HBP. 30 Tratamentos O objectivo do tratamento não é curar a HBP, mas reduzir os sintomas e evitar as complicações da doença. Deve ser ainda salientado que o facto de um doente com HBP ser submetido a tratamento não diminui a probabilidade de aparecimento da patologia maligna da próstata; a HBP e a neoplasia maligna da próstata são doenças diferentes e esta última não é uma complicação da primeira. As opções terapêuticas actuais para a HBP incluem vigilância, terapêuticas médicas e terapêuticas cirúrgicas, das quais fazem parte as chamadas técnicas minimamente invasivas. A vigilância e controlo periódico, juntamente com medidas gerais para evitar a congestão pélvica, estão indicados se a sintomatologia é ligeira e sem interferência significativa na qualidade de vida. Esta patologia prostática, dada a sua enorme prevalência na população adulta, tem sido objecto de várias terapêuticas inovadoras, muitas das quais não sobreviveram à selecção dos estudos de médio e longo prazo, o que nos recomenda alguma prudência na utilização das últimas novidades terapêuticas. Alguns tratamentos que já foram experimentados, mas que actualmente estão praticamente abandonados, são a Dilatação da Uretra Prostática com Balão, com maus resultados a médio e longo prazo, e os Dispositivos Intrauretrais, próteses colocadas na uretra prostática, com resultados controversos e altas taxas de complicações. Uma alternativa terapêutica que mantém as suas indicações é a Algaliação permanente que, embora esteja associada a uma taxa alta de complicações, é ainda uma solução de último recurso em doentes com mau estado geral. Terapêutica médica A terapêutica medicamentosa inclui várias opções. A fitoterapia consiste na terapêutica com extractos vegetais e pode ser útil em doentes com sintomas ligeiros ou moderados, com a vantagem de praticamente não ter efeitos laterais importantes; o extracto mais frequentemente usado é o da Serenoa repens. Os bloqueadores dos receptores α1adrenégicos, que incluem a prazosina, alfazosina, indoramina, terazosina, doxazosina e tamsulosina (este específico dos receptores α1A-adrenégicos), relaxam a musculatura do estroma prostático, colo da bexiga e uretra proximal, sendo os mais rápidos na diminuição dos sintomas. A Hiperplasia Benigna da Próstata é um diagnóstico histológico que corresponde ao aumento da zona peri-uretral da próstata (zona de transição) devido a hiperplasia das células epiteliais e do tecido conjuntivo. A incidência de Hiperplasia Benigna da Próstata aumenta com a idade, afectando de forma sintomática aproximadamente 25% dos homens com idade superior a 40 anos e um em cada 3 homens com mais de 65 anos. 31 Os inibidores da 5α-redutase, actualmente representados pelo dutasteride e finasteride (este actuando apenas na isoforma tipo II), bloqueiam a transformação na próstata da hormona masculina, testosterona, na sua forma activa, dihidrotestosterona. Diminuem parcialmente o volume deste órgão e os sintomas urinários, embora demorem algumas semanas a actuar e só sejam eficazes nas próstatas aumentadas, são os únicos que comprovadamente reduzem o risco de retenção urinária e de necessidade de cirurgia. Uma das novidades relativas a estas classes terapêuticas são a introdução no mercado de novas formulações de libertação prolongada de alguns bloqueadores dos receptores α1-adrenégicos que apresentam um perfil farmacocinético aparentemente mais favorável a que poderão corresponder uma diminuição dos efeitos laterais e da interferência dos alimentos na sua absorção1. A outra novidade é o aparecimento de novos antagonistas dos receptores α1-adrenégicos: silodosina (receptores α1A) e naftopidil (receptores α1D) cujos ensaios clínicos recentemente publicados são muito promissores2,3. Algo que não é uma novidade mas que os ensaios clínicos dão cada vez maior ênfase são as vantagens da associação de dois ou mais fármacos, nomeadamente um bloqueador dos receptores α1-adrenégicos e um inibidor da 5α-redutase4. Recentemente tem-se vindo a estudar a utilização de medicamentos já utilizados noutras patologias, no tratamento dos LUTS. Como estes não são só causados pela HBP, e também podem ser causados por patologia vesical, faz sentido a associação de drogas anti-muscarínicas à terapêutica padrão. Estão publicados ensaios clínicos em que a associação de drogas anticolinérgicas apresentam alguma vantagem, embora muitas vezes ligeira, na diminuição dos sintomas, nomeadamente irritativos5. O seu uso, ao contrário do que se temia, aparenta ser seguro em doentes com HBP, sem risco aumentado de retenção urinária.Também a associação à terapêutica de inibidores da fosfodiesterase tipo 5, utilizados habitualmente na disfunção eréctil, aparenta ter algumas vantagens no tratamento dos LUTS6. Estas incluem não só contrariar alguns efeitos laterais da terapêutica habitual, como a disfunção eréctil ou alterações da ejaculação, mas também na própria diminuição dos sintomas urinários, possivelmente através do relaxamento do tecido muscular liso prostático ou do colo vesical. 32 O objectivo do tratamento não é curar a Hiperplasia Benigna da Próstata, mas reduzir os sintomas e evitar as complicações da doença. Deve ser ainda salientado que o facto de um doente com Hiperplasia Benigna da Próstata ser submetido a tratamento não diminui a probabilidade de aparecimento da patologia maligna da próstata; a Hiperplasia Benigna da Próstata e a neoplasia maligna da próstata são doenças diferentes e esta última não é uma complicação da primeira. Terapêutica cirúrgica A terapêutica cirúrgica actual inclui a Ressecção Transuretral da Próstata (RTUP) e a Cirurgia Aberta (Prostatectomia); a primeira é uma cirurgia endoscópica utilizada habitualmente quando a próstata é pouco volumosa (menor que 50 cc) e a segunda é utilizada quando a próstata é mais volumosa. O objectivo destas cirurgias é a remoção do tecido hipertrofiado e obstrutivo, mantendo‑se a próstata periférica íntegra. De notar que a cirurgia não confere qualquer protecção em relação às neoplasias malignas da próstata já que é na zona periférica que estas aparecem mais frequentemente. As terapêuticas cirúrgicas são, sem dúvida, as formas terapêuticas mais testadas a curto e a longo prazo. A cirurgia, na maioria dos casos, resolve ou alivia os sintomas, embora nem sempre assim aconteça, nomeadamente com os sintomas irritativos. Estas técnicas apresentam alguma morbilidade frequente como a ejaculação retrógada e outras mais raras como a estenose da uretra, a impotência e a incontinência urinária. Peri-operatoriamente existe ainda o risco de hemorragias importantes e a síndroma de RTUP que corresponde a uma hiponatrémia diluicional grave. Recentemente tem-se utilizado uma variante da RTUP que é a Ressecção por Vaporização Transuretral da Próstata com ressectoscópicos adaptados que permitem a utilização de alta voltagem que origina a vaporização do tecido prostático e a coagulação simultânea que sela os vasos afectados, originando uma diminuição das perdas hemáticas intra-operatórias. Técnicas minimamente invasivas Têm sido desenvolvidas na última década diversas técnicas designadas minimamente invasivas. No geral apresentam como principais vantagens uma taxa de complicações bastante reduzida e poderem ser utilizadas com anestesia mínima ou até em regime de ambulatório, embora algumas sejam apenas aperfeiçoamentos da RTUP. São assim uma alternativa interessante para quem quer evitar tomar comprimidos e os seus efeitos laterais e pretenda algo mais eficaz mas não possa ser sujeito a uma cirurgia ou desejar evitar as suas complicações, como doentes jovens sem complicações ou doentes idosos com várias comorbilidades. A Terapêutica Transuretral por Micro-ondas (e.g. Prostaton®) é uma das técnicas mais investigadas e consiste na transmissão de calor à próstata através de um cateter transuretral ou tansrectal, e utilizando também um sistema de As terapêuticas cirúrgicas são, sem dúvida, as formas terapêuticas mais testadas a curto e a longo prazo. A cirurgia, na maioria dos casos, resolve ou alivia os sintomas, embora nem sempre assim aconteça, nomeadamente com os sintomas irritativos. arrefecimento com água ou uma agulha intraprostática para avaliar a temperatura e assim individualizar o tratamento. Estudos recentes provam que a eficácia é independente do tamanho prostático. Como complicação específica pode provocar algum edema da próstata que obriga ao uso transitório de uma sonda vesical e têm sido descritos casos de fístulas e necrose penianas. A Ablação Transuretral com Agulha (TUNA) envolve o uso de ondas de rádio de alta-frequência para produzir calor. Estas duas são as técnicas minimamente invasivas actualmente mais utilizadas mas ainda não alcançaram a mesma eficácia dos tratamentos cirúrgicos, necessitando por vezes de re-intervenções dentro de 2 a 5 anos7,8. 33 Pode-se assim dizer que estão a surgir diversas novas terapêuticas para o tratamento da Hiperplasia Benigna da Próstata, com o intuito de melhorar os sintomas urinários, cada vez mais prevalentes com o envelhecimento da população. Algumas destas serão rapidamente esquecidas por não apresentarem nenhum benefício real, mas outras irão alargar o nosso leque de opções, com a vantagem de apresentarem eficácias cada vezes maiores com menos efeitos laterais. 34 A Terapêutica Térmica Intersticial por Laser consiste na transmissão à próstata da energia do laser através de um equipamento de cistoscopia usando geradores de laser e cabos de fibra óptica flexíveis. Aparentam estar associados a infecções urinárias, disúria e dor perineal no período pós-operatório, mas estas complicações poderão ser ultrapassadas com o contínuo aperfeiçoamento da técnica9. Uma das mais promissoras das novas técnicas já em utilização é a Enucleação Transuretral da Próstata por Laser de Holmium que apresenta a mesma eficácia a curto e médio prazo que a RTUP clássica, mas com menos morbilidade peri-operatória, complicações a médio prazo e internamentos mais curtos10,11. É a única técnica com laser que permite a recolha de material para avaliação histológica, sendo uma séria candidata a torna-se a próxima terapêutica standard, tendo como principal limitação uma curva de aprendizagem longa. Outra técnica muito recente é aVaporização Foto-selectiva que utiliza um laser de alta potência (na verdade de dupla frequência), também designado laser verde ou KTP, só absorvido pela hemoglobina, para rapidamente vaporizar e remover o tecido prostático numa profundidade menor que o laser tradicional. Estudos iniciais descrevem rápida melhoria sintomática, praticamente sem complicações, rápida curva de aprendizagem e necessitando apenas de um dia de internamento11. Esta técnica apresenta assim um enorme potencial, já que a sua eficácia a curto e médio prazo é sobreponível à RTUP, mas a sua eficácia e efeitos laterais a longo prazo ainda são incertos, embora já haja um estudo com resultados favoráveis passados cerca de 5 anos. A Termoterapia Induzida pela Água12 é outro procedimento muito recente no qual água aquecida circula num balão colocado na uretra prostática através de um cateter especial num sistema fechado acabando por provocar necrose do tecido prostático. Esta técnica é relativamente fácil de realizar mas ainda não dispomos de dados suficiententes para avaliar a sua eficácia, nomeadamente a médio e longoprazo. Outras formas de tratamento desenvolvidas recentemente consistem na injecção de substâncias na glândula prostática. As duas com melhores resultados são a Ablação da Próstata através da injecção de Etanol por via transrectal e a injecção intra-prostática de Toxina Botulínica. O etanol desidratado por apresentar propriedade necrotizantes e a toxina botulínica por provocar a quimiodesnervação do órgão bloqueando o sistema colinérgico, foram utilizados ambos com diminuição significativa dos sintomas, melhoria do fluxo urinário e diminuição do volume prostático que se mantem um ano após o tratamento, com raras complicações13,14. Embora ainda sejam tratamentos experimentais, abrem novas perspectivas para o futuro. Conclusão Pode-se assim dizer que estão a surgir diversas novas terapêuticas para o tratamento da HBP, com o intuito de melhorar os sintomas urinários, cada vez mais prevalentes com o envelhecimento da população. Algumas destas serão rapidamente esquecidas por não apresentarem nenhum benefício real, mas outras irão alargar o nosso leque de opções, com a vantagem de apresentarem eficácias cada vezes maiores com menos efeitos laterais. Para isso temos que aguardar com serenidade e sem publicidade extemporânea e exagerada pelos resultados a médio e longo prazo destas novas técnicas, que terão que ser comparados com os resultados das técnicas padrão – RTUP e Prostatectomia. 35 Referências 1 - Speakman M. Efficacy and safety of tamsulosin OCAS. BJU Int. 2006 Nov;98 Suppl 2:13-7. 2 - Kawabe, Kazuki; Yoshida, Masaki; Homma, Yukio. Silodosin, a new α1A-adrenoceptor-selective antagonist for treating benign prostatic hyperplasia: results of a phase III randomized, placebo-controlled, double-blind study in Japanese men. BJU Int 2006 Nov; 98 (5): 1019-1024(6). 3 - Nishino Y, Masue T, Miwa K, Takahashi Y, Ishihara S, Deguchi T. Comparison of two alpha1-adrenoceptor antagonists, naftopidil and tamsulosin hydrochloride, in the treatment of lower urinary tract symptoms with benign prostatic hyperplasia: a randomized crossover study. BJU Int. 2006 Apr;97(4):747-51. 4 - Roehrborn CG. Combination medical therapy for lower urinary tract symptoms and benign prostatic hyperplasia. Rev Urol. 2005;7 Suppl 8:S43-51. 5 - Blake-James BT, Rashidian A, Ikeda Y, Emberton M. The role of anticholinergics in men with lower urinary tract symptoms suggestive of benign prostatic hyperplasia: a systematic review and meta-analysis. BJU Int. 2006 Oct 9; [Epub ahead of print]. 6 - Carson CC. Combination of phosphodiesterase-5 inhibitors and alpha-blockers in patients with benign prostatic hyperplasia: treatments of lower urinary tract symptoms, erectile dysfunction, or both? BJU Int. 2006 Apr;97 Suppl 2:39-43. 7 - Tunuguntla HS, Evans CP. Minimally invasive therapies for benign prostatic hyperplasia. World J Urol. 2002 Sep;20(4):197-206. Epub 2002 Jun 15. 8 - Bouza C, Lopez T, Magro A, Navalpotro L, Amate JM. Systematic review and meta-analysis of Transurethral Needle Ablation in symptomatic Benign Prostatic Hyperplasia. BMC Urol. 2006 Jun 21;6:14. 9 - Harkaway RC, Issa MM. Medical and minimally invasive therapies for the treatment of benign prostatic hyperplasia. Prostate Cancer Prostatic Dis. 2006;9(3):204-14. 10 - Gupta N, Sivaramakrishna, Kumar R, Dogra PN, Seth A. Comparison of standard transurethral resection, transurethral vapour resection and holmium laser enucleation of the prostate for managing benign prostatic hyperplasia of >40 g. BJU Int. 2006 Jan;97(1):85-9. 11 - Kuntz RM. Current role of lasers in the treatment of benign prostatic hyperplasia (BPH). Eur Urol. 2006 Jun;49(6):961-9. 12 - Muschter R. Conductive heat: hot waterinduced thermotherapy for ablation of prostatic tissue. J Endourol. 2003 Oct;17(8):609-16. 13 - Grise P, Plante M, Palmer J, et all. Evaluation of the transurethral ethanol ablation of the prostate (TEAP) for symptomatic benign prostatic hyperplasia (BPH): a European multi-center evaluation. Eur Urol. 2004 Oct;46(4):496-501. 14 - Chuang YC, Chancellor MB. The application of botulinum toxin in the prostate. J Urol. 2006 Dec;176(6):2375-82. 36 PBL em saúde O aluno como centro de saber Na sua essência, o homem aprende com problemas desde sempre. O que o faz querer saber é a necessidade de dar respostas à realidade. Neste sentido, a aprendizagem é um processo amplo e dinâmico, de aquisição de novos comportamentos diante de diferentes factos. Para aprender e educar em saúde é necessário partir de princípios basilares, da problematização constante, e descobrir que saber saúde é muito mais do que memorização. Saber saúde exige comunicação, atitude, comportamento. Hoje, os profissionais têm a necessidade de integrar e trabalhar em conjunto. E, em PBL/ABP (Problem Based Learning/Aprendizagem Baseada em Problemas), a partir de problemas procura-se o conhecimento. Essa abordagem de ensino em saúde parte da necessidade de criação de conceitos comuns, sempre baseados em problemas, de uma prática diária. O professor assume aqui um outro papel, de tutor, guia os alunos pelos caminhos do saber, da descoberta, da procura incessante de conhecimento. Na verdade, tudo faz parte de um processo contínuo de mudança. A educação é processual, dinâmica. E, como em todas as áreas, muito mais em saúde, pois lida com o Homem, aprende-se e procura-se toda a vida… Entrevista a Fernando Menezes 37 38 Licenciado em Medicina, em 1979, pela Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco, Fernando Menezes fez especialização em cirurgia cancerígena Ao mesmo tempo, começou uma carreira universitária. Nessa altura já tinha trabalhado numa pesquisa de cancro de pénis com investigadores de Oxford. No Recife, no Nordeste do Brasil, é muito comum o cancro de pénis. Participou nessa pesquisa pioneira, na identificação do Papiloma Vírus Humano que está na génese de muitos desses tumores. Nesta área e a investigar, cresceu o interesse em Fernando Menezes para realizar um doutoramento em cancro cirúrgico. Pela primeira vez veio à Europa para visitar um centro oncológico, em Londres, em 1984. Em 1990, começa a desenvolver o doutoramento na Escócia numa área experimental (terapia fotodinâmica dos tumores) relacionada a tratamentos para cancro. Em 1991, conhece o processo educacional da universidade de Dundee, da escola de medicina, um modelo híbrido, pois algumas disciplinas eram ensinadas com um formato de PBL. «Naquela época, na minha visão de escolas médicas, e refiro-me especificamente ao Brasil, não havia um complemento pedagógico educacional forte. O ensino era deixado para os próprios médicos ou outros especialistas na esperança de que eles fossem bons professores. Alguns eram, mas não existia refinamento pedagógico ou entendimento maior do que seria um adequado processo de ensino e aprendizagem. Dundee foi algo que modificou muito essa minha ideia de professor como puramente um técnico. Vi dentro da escola médica a importância de centros da educação». Em 1995 volta ao Brasil. Na escola de medicina da Universidade Federal de Roraima, no seu terceiro ano de fundação, Fernando Menezes começou a colocar em prática algumas das ideias que tinha visto na Escócia. «Comecei um processo de capacitação dos professores, não eram muitos. Foi uma vantagem. A partir daí visitamos diversos centros de excelência em PBL no mundo, em particular a Universidade de Maastricht, na Holanda, a Universidade de McMaster, no Canadá, e a Universidade do Novo México, nos Estados Unidos. Optamos por um modelo próprio, mas utilizamos componentes já testados com sucesso nestes centros. Em conjunto com as universidades estaduais de Marília (São Paulo) e Londrina (Paraná), conseguimos ser pioneiros na introdução do PBL no Brasil. De facto, fomos a primeira universidade federal a promover esta mudança do modelo pedagógico. Isto permitiu-me uma inserção na educação médica brasileira, chegando a ser eleito vice-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM, em 2004». Na Universidade Federal de Roraima foi também reitor (2000-2004), e hoje, com 50 anos, dedica-se cada vez mais ao ensino, vive na Holanda, actuando como professor visitante na universidade de Maastricht, onde realiza investigação relacionada com os processos de avaliação e aprendizagem. Em resumo, Fernando Menezes prossegue o sonho de tornar o ensino em saúde mais prático, crítico, tornando os alunos o centro da aprendizagem. Muitas pessoas associam aprendizagem apenas a conhecimentos de conceitos, de factos e mesmo de evidências. Não entendem a aprendizagem como um processo mais amplo que inclui a mudança, um novo comportamento diante de um facto. Na verdade, aprendizagem significa mudança e não apenas acumulação de factos. 39 40 O que é PBL (Problem Based Learning)? A aprendizagem baseada em problemas é uma abordagem pedagógica para o ensino e aprendizagem. O ponto de partida é a exposição de uma situação real (problema ou caso). O conhecimento do estudante é construído por meio da aplicação de estratégias de trabalho com problemas, em pequenos grupos (tutoriais), com ênfase no processo de obtenção da informação, análise crítica e aplicabilidade (resolução). Apesar de poder ser utilizado isoladamente, este método, na minha opinião, deve abranger todo o currículo. Quando isto acontece, os processos de ensino passam a ser centrados no aluno. Para tal, os professores precisam de suporte e visão educacional dentro do processo. Aprender é resolver problemas. O que é aprendizagem? Muitas pessoas associam aprendizagem apenas a conhecimentos de conceitos, de factos e mesmo de evidências. Não entendem a aprendizagem como um processo mais amplo que inclui a mudança, um novo comportamento diante de um facto. Na verdade, aprendizagem significa mudança e não apenas acumulação de factos. Existe a necessidade de desconstruir a ideia de que o processo de aprendizagem é meramente uma colecção de factos, em que se soma através de conteúdos e espera-se que no final se obtenha o resultado de um indivíduo formado. Como se desenvolveu o PBL? O PBL não é novo no seu formato actual, começou no curso de medicina da Universidade de McMaster, Canadá, há mais de 30 anos. Na Europa, a Universidade de Maastricht, na Holanda, desenvolve um modelo curricular próprio que é adoptado por outras áreas do conhecimento. Pode-se dizer que estas escolas médicas são pioneiras e serviram de referência para os cursos que surgiram e utilizaram esta metodologia. Hoje, há várias formas de PBL e algumas escolas reinventaram o PBL. De facto, há uma série de instituições de ensino que utilizam a terminologia, mas que são muito diferentes do que é o modelo do Canadá ou da Holanda. 41 O que cria o PBL, em termos práticos, no ensino em saúde? Na saúde, a aprendizagem baseada em problemas é fundamental. Lidamos com problemas no dia a dia.A saúde, pela complexidade, exige a quem a pratica como profissional muito mais do que o uso do conhecimento decorado durante o curso. Todas as profissões exigem muito mais do que memorização, mas a saúde tem componentes humanísticas, de comunicação, que pertencem a outros domínios da aprendizagem que não o cognitivo. As relações interpessoais, as atitudes profissionais, os comportamentos, e a execução de procedimentos são importantes. No PBL trabalham-se os domínios psico-motor e afectivo de forma integrada, permitindo a aquisição dos saberes e da habilidade de trabalhar em grupo. Não se pode falar de um trabalho desenvolvido criticamente na área da saúde se não se incorporar diversos seguimentos especializados nessa área. Como se integra um médico com a enfermagem, com o odontologista e todos de um modo geral? A visão tradicional era muito hegemónica da classe médica, o médico como responsável por toda, não só teorização, a área da saúde. Hoje, existe uma necessidade cada vez maior para que os profissionais se integrem e trabalhem em conjunto, porque somente em conjunto vão poder dar solução a alguns problemas em saúde. O PBL favorece esta integração. Qual a ideia primordial do PBL em saúde? A aquisição dos conteúdos, competências e habilidades necessárias para a formação do médico tem como ponto de partida uma situação real. Os conceitos fundamentais para a prática médica, seja de cunho científico ou clínico, são discutidos em grupo. Ganha-se para além do cognitivo, em primeiro lugar, a ideia do trabalho colectivo entre profissionais, o aprender a trabalhar em grupo e a necessidade de permanente aprendizagem. Ao trabalhar em grupo, as outras habilidades que consideramos importantíssimas dentro do processo profissionalizante, são apreendidas, discutidas, trabalhadas. Num grupo tutorial existem diversos comportamentos e contribuições individuais que se destacam durante o trabalho. De forma activa e colectivamente, uma situação real transforma-se em termos educacionais nos objectivos da aprendizagem. Num modelo tradicional dou ao aluno o conceito e espero que ele memorize e transforme o conceito em algo prático. Em PBL dou ao aluno um problema ou a prática, o que chamamos de acção, permito que reflicta na discussão em grupo, permito que vá ao encontro do conhecimento. 42 Como é que determinado problema, da forma como é colocado, vai permitir que um aluno aprenda? A curiosidade em nós é inata, o problema é o estímulo para a procura do conhecimento. Do ponto de vista educacional há uma inversão completa daquilo que é realizado no ensino tradicional. Por exemplo, no ensino tradicional, de forma passiva, o aluno recebe conceitos, factos e descrições pormenorizadas. Espera-se que, no final, ele consiga relacionar teoria e prática e aprender. No PBL esta forma está invertida. É levada a vida real, o contexto, o problema que pode ser apresentado de diferentes formas, levamos o que mais se aproxima da realidade ou a própria realidade, e a partir daí o próprio estudante define quais os conhecimentos necessários para o melhor entendimento daquela realidade de forma a entender e oferecer soluções para aquilo que foi apresentado. Que vantagens deste processo de ensino em saúde? Primeiro, são trabalhados comportamentos em todos os momentos, fundamentais nas classes de saúde. Comunicar bem é fundamental, pois muitos dos problemas têm como origem a incapacidade de comunicar. Segundo, ter atitudes éticas, esperar que o outro fale, uma série de actos que estão relacionados com atitudes e comportamentos são trabalhados no grupo tutorial. Terceiro, colocar o estudante no papel activo, no grande papel de que ele é responsável pela sua aprendizagem. Nesse papel, ele desenvolve outras habilidades, como raciocínio crítico, pois começa a seleccionar o que vai ler. O fundamento é trazer para o grupo as suas conclusões para discutir aquilo que foi apresentado. Ele selecciona a informação. Ao ter contacto com os colegas e ao verificar o que cada um escolheu, vai poder comparar e fazer uma auto-avaliação do seu trabalho. A partir desse momento começa a crescer interiormente, segue um processo onde se conhece melhor, aprende com os colegas e cria conceitos comuns. O importante no processo de aprendizagem é a criação de conceitos comuns. Uma vez o conceito comum estabelecido fica-se mais próximo do que será necessário para que aquela situação seja resolvida. Deixa de ser uma questão puramente individual, do como eu acho. Embora esse componente esteja presente, prevalece o como eu fiz para solucionar, o que eu estou a trazer para o grupo para que o grupo aprecie e, no final da sessão, o conceito novo formado a partir, naturalmente, da escuta de todos os membros do grupo. Este processo coloca o estudante na posição de responsável, juntamente com o professor, o tutor, do seu processo de aprendizagem. Isso modifica radicalmente o processo educacional. Um tutor, um professor, vem do sistema de ensino tradicional? Quando se fala em mudança pedagógica é necessário fazer uma capacitação dos professores. Todos nós, formados pelo sistema tradicional, temos tendência para utilizar aquilo que nos foi colocado no passado. A mudança não é simples. Alguns professores percebem e adaptam-se rapidamente mas, regra geral, todos os docentes necessitam de um processo de interiorização conceptual, de prática simulada, de um processo de capacitação. O tutor, neste processo, é uma figura fundamental, um facilitador da aprendizagem, vai ter diversos papéis, mas não o papel tradicional de alguém que chega à sala e vai dar uma aula, não um papel de alguém que vai apenas responder a perguntas de alunos. Vai ter de possuir sensibilidade para conduzir o grupo aos objectivos propostos, mais aos objectivos que aquele problema está a criar para o grupo, sem nunca o dizer. Os alunos descobrem por eles próprios.A função do tutor é servir de guia, de orientador, de facilitador para que não se fuja dos assuntos, um orientador que permita que exista um grau de discussão elevado para que finalmente se chegue aos objectivos que sejam comuns para o grupo. Será fácil integrar o PBL em qualquer escola de saúde? Não vejo dificuldade nenhuma. O PBL é uma metodologia como qualquer outro tipo de metodologia. É necessário, primeiro, desejar mudar; segundo, capacitar-se para a mudança. Se internamente se deseja a mudança, se existem razões internas que estimulem suficientemente para mudar, podemos dizer que é esse o caminho.A partir desse momento tanto professores como alunos vão perceber que não sabem. Quem trabalha em PBL parte do princípio que só aprendemos aquilo que conscientemente entendemos não saber. Muitas das nossas dinâmicas apontam para o estudante na direcção que eles definirem, naquilo que precisam aprender, naquilo que eles não sabem. Claro que isso está dentro de um conteúdo e conhecimento prévio. Todos temos conhecimentos prévios que podem ser correctos, mas podem ser também incorrectos. Dentro da sua função, o tutor tem de permitir que o conhecimento prévio seja colocado, mas, também, tem de estar atento para que conhecimento prévio incorrecto seja transformado dentro do grupo, não dizendo apenas que está errado, mas levando a que o aluno reflicta e perceba as suas incongruências. 43 44 Os conteúdos programáticos são idênticos tanto em PBL como num sistema de ensino dito tradicional? Diria que são os mesmos conceitos e temas. Também posso afirmar que as habilidades são as mesmas. O que modifica é a forma como o aluno adquire o conceito. Num modelo tradicional dou ao aluno o conceito e espero que ele memorize e transforme o conceito em algo prático. Em PBL dou ao aluno um problema ou a prática, o que chamamos de acção, permito que reflicta na discussão em grupo, permito que vá ao encontro do conhecimento. Numa segunda reunião, num próximo momento de discussão, o aluno terá adquirido conceitos que vai poder usar. É um processo diferente. Quem fica mais capaz? Desde que surgiu o PBL na área da saúde foram feitas várias comparações entre escolas que faziam PBL e que não o faziam. Os resultados variam desde resultados semelhantes a resultados melhores para o PBL. Os estudos mostram diferenças nalguns casos, noutros não. Em cursos de saúde há um valor intrínseco, a motivação. Se tenho uma metodologia que tem outras componentes, que não somente a rememorização de conceitos e definições, o PBL não é para ajudar a memorizar, mas para desenvolver determinadas habilidades que são importantes na profissão, temos de ter um outro tipo de processo de avaliação que possa, de facto, aferir essas mudanças de que estamos a falar. Procuramos ao máximo, desde o primeiro momento, fazer com que a prática profissional guie o conhecimento. Tentamos fazer com que a integração do aluno, por exemplo, nos serviços de saúde, comece no primeiro dia. Um aluno no ensino em PBL vê coisas que os estudantes tradicionais só vêem em estágio nos últimos anos. Na vida real os problemas surgem sem eu contar. Estou no hospital, nunca sei quem vai ser o próximo paciente a chegar, pode ser algo simples ou não. Cada pessoa que chegar para o atendimento trará uma situação completamente diferente, não só do ponto de vista da doença, mas trará uma situação do ponto de vista humano: como se comporta o aluno, o que vai fazer, qual a expectativa em relação aquele processo. Tudo isso é novo. Em PBL colocamos todas estas situações e a partir da prática o aluno cria o conhecimento. O que interessa em saúde, no fundo, é que o paciente ganhe um benefício com a formação de pessoas em saúde. Não há um fim dentro do processo educacional que não seja o bem-estar da pessoa que vai ser tratada. Estamos a falar da saúde como um todo. Tanto lidamos com questões individuais como podemos lidar com questões colectivas. Há elementos da própria dinâmica do processo de aprendizagem que são essenciais para a formação de lideranças. Falamos muito de que precisamos de pessoas com sensibilidade, que sejam capazes de liderar, mas os nossos cursos tradicionais apenas passam teoria e não permitem que o aluno tenha uma prática diária. Haverá, como eixo central, um processo de discussão permanente em grupo. O aluno, para que se resolvam diversos problemas dentro do grupo, vai perceber a importância de continuar a aprender a vida toda. O processo educacional não é um processo que termina quando ele recebe o diploma. Futuramente, será responsável pela colecta de informação, tem de ir à procura. Para mim, isso é fundamental. Em termos futuros, os métodos tradicionais de ensino têm tendência a desaparecer? Há escolas que seguem diferentes filosofias, umas puro PBL, outras modelos híbridos, Há uma grande variedade.Tenho absoluta convicção de que cursos tradicionais, da maneira como os conhecemos hoje, vão acabar. Um curso puramente baseado em disciplinas, em memorização a partir de conceitos, terminará. Todas as escolas médicas dos Estados Unidos, sem excepção, mudaram. Todas têm processos educacionais diferentes e nenhuma tem o modelo tradicional.Algumas têm como âncora principal o PBL, outras a Medicina Baseada na Evidência. Todas têm em consideração o papel activo do aluno. 45 46 Haverá uma mudança profunda mesmo a nível curricular? Em Maastricht, na Holanda, nos últimos dez anos mudaram três vezes o curriculum.Talvez não seja mudar. Entendem o curriculum como processo dinâmico, que pode ser aperfeiçoado de maneira contínua. Um dos grandes paradigmas do ensino é as alterações curriculares. Por tradição, o curriculum sobrevive no tempo. Somos conservadores, são intocáveis. A visão de plano de estudos na Holanda é uma visão colectiva. Não há disciplinas, há módulos, os módulos integram as diversas áreas de conhecimento, o processo de avaliação é colectivo, não tem um professor que prepara as questões para as provas, há uma comissão que lida com todos os aspectos do processo de avaliação, incluindo como aprender com a avaliação. Os professores contribuem para um banco de dados de questões que vão ser trabalhadas do ponto de vista científico e é aí que essas questões fazem parte do processo de avaliação. A orientação académica e curricular passa a ser uma orientação comum, integrada. Dê-me um exemplo de ensino tradicional e PBL? No ensino tradicional existe uma dicotomia entre o que é básico e o que é profissional. Uma divisão clara. Os primeiros anos são os anos das ciências básicas para que se crie um suporte para, mais tarde, o aluno poder praticar de diversas maneiras o que aprendeu. O ensino tradicional fragmenta o conhecimento. O professor de anatomia é responsável, e só, pelo conteúdo de anatomia.Todas as disciplinas são independentes, o que leva a uma fragmentação do conhecimento na nossa visão, cria compartimentos. O professor trabalha, escolhe a informação, decide o que é relevante, o que não é, enfim, decido tudo. O aluno, no processo futuro de avaliação, terá de repetir ao professor aquilo que lhe foi dito. Não se admite qualquer tipo de divagação. E no PBL? Nas escolas que partem de problemas, da realidade, de contextos para adquirir conhecimentos, a primeira coisa que cai por terra é essa divisão entre o que é básico e profissional. Desde o primeiro momento, problemas clínicos e reais começam a ser tratados. Não é necessário nenhum pré-requisito para aprender. Evidentemente, temos de doar ao aluno o bom estímulo, e se o bom estímulo for dado, o conhecimento será adquirido. Não é necessário fazer compartimentos. Se para aquele determinado problema é necessário um conhecimento de anatomia, estimulamos a que o aluno o identifique. Todo o sistema está preparado para que a partir de um problema, identificada a necessidade, essa necessidade de conhecimento seja preenchida. E tanto pode ser no começo do curso como no final. Mas tudo é preparado de forma estruturada. Acabamos com a dicotomia, com a divisão daquilo que é básico e clínico, não se pensa na necessidade do requisito ou pré-requisito enquanto disciplina para se progredir. Trabalhamos com conhecimentos prévios e o princípio de que o aluno descubra que não sabe para poder aprender. Conceptualmente, é completamente diferente. Pode haver uma aprendizagem quase autónoma em disciplinas de ciência da saúde? Quando se fala da metodologia, as pessoas conseguem ver este modelo como algo sem estrutura. Na verdade, o método é estruturado. Ele é mais estruturado do que o método tradicional. A diferença é que nessa estruturação o eixo é o curriculum e não a disciplina. Quando se utiliza uma metodologia activa continuo a dizer quais são os conteúdos importantes, afinal de contas sou um especialista. Não há um fim dentro do processo educacional que não seja o bem-estar da pessoa que vai ser tratada. Estamos a falar da saúde como um todo. Tanto lidamos com questões individuais como podemos lidar com questões colectivas. Como é que esses conteúdos se encaixam dentro do curriculum, dentro do todo? Como permitir aos alunos que contribuam com conteúdos que não pensou e que são importantes, pois se são levantados pelos alunos são pertinentes? E se não forem relevantes como se pode trabalhar os alunos para lhes mostrar como identificar relevância de conteúdos? É necessária estruturação. Nas aulas tradicionais defino, preparo as aulas, o resumo, e sei o que irei fazer em determinado período. No PBL não é assim. Quando se trabalha com problemas, a todo o momento vão surgir coisas novas que os próprios alunos trazem, vão aparecer outras questões no momento de integração de conteúdos. Existe uma maior independência do professor no processo tradicional, pois num processo inovador temos de trabalhar em conjunto com outros professores num processo de inovação curricular. Quando há uma mudança para PBL o professor deixa de ser o único. É lógico que será um dos actores que oferecerá definições, talvez até o mais importante dentro da área dele, mas tem de entender que não é o único. O fundamental é fazer com que aquele conhecimento faça sentido para os alunos e não apenas o sentido que o professor lhe pretende dar. Claro que as mudanças precisam de ser interiorizadas, não dependem de vontades individuais. É óbvio que a mudança começa com vontades individuais, mas essas vontades têm de ser trabalhadas. 47 48 Tem de haver uma adaptação constante às novas necessidades concretas de ensino? Associamos, muitas vezes, a mudança a processos externos. A mudança é um processo interno, as pessoas precisam de estar convencidas de que é necessário mudar e, a partir desse desejo, gerar motivação para a mudança. É necessário apresentar estímulos, mostrar que é possível fazer diferente. Como tenho experiência nos dois modelos, sei que é mais interessante para os alunos quando começam a entrar neste processo, em PBL. Há um estímulo e uma recompensa maior. Claro que há coisas que se perdem, como esse pseudo poder do professor, como só ele fosse detentor do saber, só ele pudesse transmitir o saber. Toda a realidade, mesmo no processo de ensino em saúde, é um constante momento de mudança? Hoje temos um grupo de estudantes que entram nas universidades que são muito diferentes do que eu era.Têm coisas que eu nunca sonhei ter quando entrei aos 17 anos em medicina, têm habilidades que eu não tinha, têm aberturas no cérebro, espaços neuronais, que eu não tenho. Por vezes, ficamos amarrados às situações e esquecemo-nos que nos temos de adaptar a essa população que está a chegar, que é diferente e que será sempre diferente. Nunca se pode parar e essas novas habilidades têm de ser utilizados para o processo do próprio aluno. Temos que entender que o ensino tradicional homogeneíza, torna todas as pessoas iguais, quando sabemos que cada pessoa tem estilos de aprendizagem diferentes, somos diferentes. Esta é a grande vantagem da mudança, fazer pensar, entender que os processos são dinâmicos, não são mais estáticos. A educação é processual, é dinâmica e vou ter de continuar a mudar. Aprender é para a toda a vida. O que é importante no processo educacional? É dar oportunidades, é colocar o indivíduo em questão dando diferentes visões e não apenas a nossa única visão. Se vou dar uma aula de cancro de estômago e, de uma forma brilhante, ataco a epidemiologia, a cirurgia, digo o que é sintoma, o que é sinal, etc., claro que isso é parte importante. Mas, nesta forma, em momento algum, o professor conseguirá ver como o aluno se comporta quando estou com um paciente à minha frente. Como é que eu ajo, como o paciente me fala, se provoco nele mais desespero ou conforto. É preciso vivenciar. No PBL tentamos que o aluno vivencie, tenha experiência, reflicta. Ele vai criar o próprio processo de reflexão. A partir da discussão, vai criar conceitos e seguir o seu caminho de acção e aprendizagem. Prémio Ser Saúde/ISAVE O ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, com desejo de contribuir para o desenvolvimento da ciência e investigação em saúde, confere anualmente um prémio denominado Prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em saúde. O Prémio, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), será atribuído ao melhor trabalho ou conjunto de trabalhos publicados durante 2006 e 2007 na Ser Saúde. O vencedor do Prémio Ser Saúde/ISAVE será conhecido até 31 de Março de 2008. O Prémio será entregue a 19 de Abril de 2008. Júri do Prémio: Amílcar Falcão, Daniel Serrão, Maria Júlia Silva Lopes, Rui L. Reis, Susana Magadán Regulamento em www.isave.pt Contactos: ISAVE | Campus de Geraz - Quinta de Matos | Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253.639.800 | Fax – 253.639.801 Email - [email protected] | [email protected] Marta Martins Escola Superior de Desporto de Rio Maior, Portugal António Moreira Escola Superior de Desporto de Rio Maior, Portugal António Silva Universidade de Trás-os-montes e Alto Douro, Portugal Felipe Aidar Universidade de Trás-os-montes e Alto Douro, Portugal. Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais, Gabinete Militar do Governador (CEDEC/GMG - MG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil Jaime Tolentino Miranda Neto Faculdades Unidades do Norte de Minas (FUNORTE), Montes Claros, Minas Gerais, Brasil Mônica Vieira Universidade de Trás-os-montes e Alto Douro, Portugal. Faculdades Unidades do Norte de Minas (FUNORTE), Montes Claros, Minas Gerais, Brasil Palavras-chave: bebés, meio aquático, desenvolvimento 50 Aulas de natação e o desenvolvimento de bebés Caracterização do desenvolvimento de crianças (6-36 meses) participantes em aulas de adaptação ao meio aquático para bebés Este artigo foi originalmente publicado na revista Motricidade, vol. 02, n.º 02, Abril 2006 De facto, quer as diversas teorias da aprendizagem elaboradas durante a última metade do séc. XX, e hoje perfeitamente admitidas, quer as actuais tendências das neurociências são unânimes em considerar que, especialmente nos primeiros anos de vida, os estímulos de natureza sensóriomotora são a base do desenvolvimento intelectual. 51 Resumo Este trabalho tem como objectivo a caracterização do desenvolvimento de crianças (6-36 meses) participantes em aulas de adaptação ao meio aquático para bebés, em diversas áreas (motricidade global, motricidade fina, linguagem, área cognitiva e autonomia social). É também objectivo deste estudo analisar a importância que os pais atribuem a cada uma das áreas de desenvolvimento e à sua relação com a práctica desta actividade aquática, assim como os motivos pelos quais os pais inscreveram os seus filhos nestas aulas. Uma amostra de 66 bebés integrou este estudo. Foi aplicado aos pais das crianças um questionário adaptado de Fonseca (1989)6, baseado num programa de facilitação do desenvolvimento nas suas diferentes áreas. Como principal conclusão podemos dizer que os motivos que levaram estes pais a escolher a “natação para bebés” se enquadram na área da saúde e desenvolvimento e, em menor percentagem, na área do lazer e relação social.A relação desta actividade com a melhoria do domínio motor apresenta maior expectativa por parte dos pais. 52 Introdução A prática da natação para bebés tem vindo a aumentar, sendo cada vez mais notória a procura por parte dos pais de um espaço aquático onde essa actividade decorra. Os estudos sobre esta actividade apresentamse por isso com uma extrema importância, de forma a poder disponibilizar um conhecimento científico sólido que permita aos profissionais desta área utilizarem orientações metodológicas fundamentadas12. A razão pela qual os pais procuram a prática de natação para bebés, quais as expectativas em relação ao desenvolvimento do seu bebé e as suas repercussões nos planos fisiológicos e psicológicos são parte integrante de um vasto conjunto de variáveis a analisar17. Existe ainda falta de provas concretas de que experiências aquáticas beneficiem outras áreas do desenvolvimento de crianças8. Num estudo vasto e longitudinal4, realçou o desenvolvimento social, cognitivo e motor em crianças em idade escolar que tiveram uma experiência aquática como bebés. Ahr2 sugere que as actividades aquáticas proporcionam melhorias a nível motor, tornando os bebés mais activos e, consequentemente, melhorando também o seu domínio cognitivo. A prática desta actividade aquática desenvolve a segurança, aumentando o conhecimento e domínio do seu corpo, favorecendo a comunicação do bebé com o adulto e com as outras crianças, melhorando assim a qualidade de vida de um modo geral14. Moreno9, apresenta um trabalho de revisão sobre esta actividade, justificando a influência que a prática aquática tem no desenvolvimento do bebé. No seu trabalho agrupa ainda as principais propostas metodológicas de ensino no meio aquático para bebés, partindo sempre do pressuposto de que a actividade aquática proporciona uma maior localização proprioceptiva e integração cinestésica, facilitando assim o aumento do repertório motor. Neste sentido parece-nos extremamente apropriado a constatação de Dubois5, que entende que a satisfação, que o contacto, o divertimento, a actividade familiar saudável e uma forte crença em todos os benefícios que o nadar oferece aos pais e bebés que praticam a actividade, faz com que estes nem pensam em alcançar outros objectivos. Por outro lado, o mesmo autor refere que os pais parecem gostar de saber que estão a trabalhar ao encontro de algo, tal como nadar de forma independente e/ou conseguir que o seu bebé seja capaz de emergir para uma posição que lhe permita respirar. Esta prática persegue uma “natação sem nadar”. Saito13 entende “nadar” como quando a criança pode mover-se na água de forma autónoma, privilegiando os estímulos sensoriais obtidos pelo contacto do corpo do bebé com a água, de forma a permitir uma integração da informação através de todas as vias sensoriais, potenciando o contacto com estímulos agradáveis para promover um melhor desenvolvimento emocional. De facto, quer as diversas teorias da aprendizagem11,15,16 elaboradas durante a última metade do séc. XX, e hoje perfeitamente admitidas, quer as actuais tendências das neurociências3 são unânimes em considerar que, especialmente nos primeiros anos de vida, os estímulos de natureza sensório-motora, são a base do desenvolvimento intelectual. Pessoas felizes, com um desenvolvimento integral (cognitivo, afectivo e motor), adequado, estarão mais perto de uma integração perfeita. Numminen e Sääklathi10 compararam o desenvolvimento motor nos primeiros meses de vida de bebés que participam em actividades aquáticas orientadas e acompanhados dos seus pais, com bebés que não recebiam estes tipos de estimulação. Estes autores encontraram diferenças significativas entre estas crianças quanto ao tempo de aquisição das diferentes habilidades, a favor do primeiro grupo. As habilidades motoras aquáticas mudam de acordo com a ordem das progressões, com ou sem instrução formal, tal como se verifica nas habilidades motoras terrestres. Consequentemente, nas primeiras fases do desenvolvimento das crianças, a maturação biológica parece ser a determinante mais forte das alterações que se observam no comportamento em meio aquático8. É portanto para nós obvio que a prática da natação para bebés encerra em si inúmeros benefícios, mas que se torna também necessário conhecer melhor os mecanismos psico-fisiológicos que a sua prática implica, de forma a podermos potenciar estes benefícios e evitar os perigos que porventura possam dela decorrer. Este estudo tem como objectivo a caracterização do estado de desenvolvimento das crianças, praticantes de natação para bebés (dos 6 aos 36 meses de idade), em diversas áreas (motricidade global, motricidade fina, linguagem, área cognitiva e autonomia social)6. É também objectivo deste estudo analisar a importância que os pais atribuem a cada uma das áreas do desenvolvimento e a sua relação com a prática desta actividade aquática, bem como os motivos pelos quais os pais inscreveram os seus filhos nestas aulas. 53 54 Metodologia áreas mencionadas, numa escala de 5 níveis; Amostra Os bebés que integram a amostra deste estudo frequentaram pela 1ª vez as aulas de “natação para bebés” ao longo do ano lectivo 2004/2005, com uma frequência de uma sessão por semana, com a duração de 30 minutos (Tabela 1). iii) O desenvolvimento do filho quando comparado com outras crianças na mesma idade, numa escala de 5 níveis; Grupo N N= nº de sujeitos A B C D 6 11 16 33 6-12 12-18 18-24 24-36 Total 66 iv) Os principais motivos que levaram à inscrição do filho nesta actividade. A descrição dos motivos que levaram os pais a escolherem esta actividade para os filhos será efectuada após a análise das respostas à pergunta aberta com a definição de categorias à posteriori. Tabela 1 – Distribuição dos sujeitos da amostra pelos diferentes grupos etários. O inquérito aplicado foi adaptado de Fonseca6, baseado num programa de facilitação do desenvolvimento nas suas diferentes áreas. Procedimentos Foi realizado um inquérito aos pais de forma a obter informação sobre: Estatística Os dados foram analisados com recurso a técnicas de estatística descritiva. Foi utilizado o programa SPSS para Windows para tratamento dos dados. i) O desenvolvimento do seu filho em 5 áreas distintas – motricidade global, motricidade fina, área cognitiva, linguagem e autonomia social numa escala de 3 níveis (raramente (r); ocasionalmente (o) e frequentemente (f)); ii) A importância atribuída a cada uma das Resultados A questão que nos permitiu auferir sobre os motivos que levaram os pais a inscrever o seu filho nas classes de Adaptação ao Meio Aquático (AMA) para bebés, foi colocada da seguinte forma: É portanto para nós obvio que a prática da natação para bebés encerra em si inúmeros benefícios, mas que se torna também necessário conhecer melhor os mecanismos psico-fisiológicos que a sua prática implica, de forma a podermos potenciar estes benefícios e evitar Este estudo os perigos que porventura tem como objectivo a possam dela decorrer. caracterização do estado de desenvolvimento das crianças, praticantes de natação para bebés (dos 6 aos 36 meses de idade), em diversas áreas (motricidade global, motricidade fina, linguagem, área cognitiva e autonomia social). É também objectivo deste estudo analisar a importância que os pais atribuem a cada uma das áreas do desenvolvimento e a sua relação com a prática desta actividade aquática, bem como os motivos pelos quais os pais inscreveram os seus filhos nestas aulas. Tente recordar-se do momento anterior à decisão de inscrever o seu bebé nas aulas de Adaptação ao Meio Aquáticas (AMA) para bebés. Qual a razão que o/a levou a tomar essa decisão? (não ultrapassar duas linhas) Como já referimos anteriormente, a classificação dos motivos foi realizada depois de uma análise e agrupamento das respostas dadas pelos pais, nas seguintes categorias: motricidade global, motricidade fina, área cognitiva, linguagem e autonomia social (Figura 1). 49% Figura 1 – Gráfico representativo das principais categorias de motivos que levaram os pais a inscrever o seu filho na actividade, em percentagem. 55 É definitivamente atribuída pelos pais importância à prática das aulas de adaptação ao meio aquático enquanto promotora das diversas áreas de desenvolvimento dos bebés. A destacar o facto da linguagem ser considerada a área que recolhe menos frutos durante a prática destas classes, na opinião dos pais inquiridos neste estudo. 56 Para clarificar a nossa opção nesta categorização, a tabela seguinte apresenta alguns exemplos que ilustram os tipos de respostas que deram origem a estes agrupamentos (Tabela 2). A maioria dos inquiridos aponta a saúde e desenvolvimento como a principal motivação para a inscrição do seu filho nesta actividade (49%). O lazer e relação social que dela advém foram apontados também com alguma expressão pelos sujeitos desta amostra (28%). Lazer e relação social Prática de actividade física e desportiva) Saúde e desenvolvimento) “Convivência com outras crianças...”;“para contactar com o meio aquático...” “Porque assim pratica uma actividade física...”;“porque a natação é um desporto muito completo...” “Porque é um desporto importante para o desenvolvimento...”;“recomendação do pediatra...” Terapia “Melhorar problemas respiratórios” 3 Segurança “Não se afogar na praia ou em piscinas...” 4 TOTAL 61 Tabela 2 – Excertos de respostas com exemplos de motivações para a inscrição na actividade. 17 7 30 57 Áreas de desenvolvimento Foram encontrados os valores médios para cada área de desenvolvimento, de onde podemos verificar que todas elas obtiveram valores superiores a 2, significando que, em média, todas as crianças se encontram dentro dos parâmetros de desenvolvimento adequado à idade. A área da linguagem foi a que apresentou uma média mais elevada, sendo por isso considerada pelos pais aquela que os seus filhos têm mais plenamente desenvolvida. Em oposição encontra-se a motricidade fina, onde os bebés dos pais inquiridos não completam tão satisfatória e frequentemente todos os requisitos de desenvolvimento (Tabela 3). A importância atribuída a cada uma das áreas Para analisar este parâmetro, foi colocada aos pais a seguinte questão: Considerando a prática da actividade de adaptação ao meio aquático para bebés, que importância atribui ao contributo para o desenvolvimento do bebé cada uma das seguintes áreas? Durante a prática desta actividade, a área da motricidade global foi claramente considerada pelos pais a mais importante. Este facto permitiria especular sobre os motivos pelos quais os pais inscrevem o seu bebé nestas classes: para melhorar a sua motricidade global. Como podemos observar o motivo mais apontado pelos pais foi a saúde e desenvolvimento do bebé. Motricidade Global (MG) Motricidade Fina (MF) Linguagem (L)) Área Cognitiva Autonomia (AC) Social (AS) 2,57 ± 0,3 2,26 ± 0,54 2,82 ± 0,29 2,05 ± 0,49 2,46 ± 0,35 Tabela 3 – O desenvolvimento do seu filho em 5 áreas distinguidas, numa escala de 3 níveis: raramente (r) 1 ponto; ocasionalmente (o) 2 pontos; frequentemente (f) 3 pontos. Media ± desvio padrão. 58 Por outro lado, e também considerada importante por mais de metade dos inquiridos (54%), a linguagem foi considerado pelos pais uma área na qual a natação para bebés traz menor contribuição ao desenvolvimento do seu filho (Tabela 4). Área / Importância Motricidade Glogal (MG) Motricidade Fina (MF) Claramente, a grande maioria dos pais inquiridos reconhece a importância da prática desta actividade para o desenvolvimento do seu filho, obtendo valores que se situam na categoria “muito importante” (68,2%) e “importante” (25,8%) na área de MG, “muito importante” (47%) e “importante” (39,4%) na área da MF, “muito importante” (12,1%) e “importante” (42,4%) na área da L, “muito importante” (15,2%) e “importante” (60,6%) na área de AC e “muito importante” (31,8%) e “importante” (57,6%) na área da AS. Muito importante / Alguma (%) importante (%) 94,0 86,49 Pouco (%)) 6,1 0,0 12,1 1,5 Linguagem (L) 54,5 39,4 6,1 Área Cognitiva (AC) 75,8 22,7 1,5 Autonomia Social (AS) 89,4 10,6 0,0 Tabela 4 – Importância atribuída a cada área para o desenvolvimento do seu filho, no decorrer da prática de AMA para bebés. Em nenhum dos casos foi atribuída “nenhuma importância”, tendo a destacar só 6,1% dos pais que consideram a natação para bebés pouco importante para o desenvolvimento da linguagem do seu filho. O desenvolvimento da criança quando comparada com outras crianças da mesma idade Para analisar este parâmetro foi colocada a seguinte questão aos pais dos bebés praticantes: De que forma considera que o seu bebé está desenvolvido, quando comparado com outras crianças da mesma idade? Esta é uma questão bastante delicada, pois solicitámos aos pais que comparassem o seu filho. Sabemos que existe sempre inabilidade social que impede que os mesmos dêem uma resposta tão fiel quanto o desejado. 59 Ainda assim, pensamos que a maioria dos pais se apresentaram bastante desinibidos e confortáveis para que respondessem o mais sinceramente possível. Recordamos que este questionário foi realizado no final de um ano lectivo, de semanal relação entre a tríade criança/pai/professor (Tabela 5). Área / Importância Muito mais desenvolvido (%) Tão desenvolvido (%) Menos desenvolvido (%) Motricidade Glogal (MG) 48,5 48,5 3,0 Motricidade Fina (MF) 37,9 59,1 3,0 Linguagem (L) 48,5 39,4 12,1 Área Cognitiva (AC) 39,4 59,1 1,5 Autonomia Social (AS) 43,9 53,0 3,0 Tabela 5 – Caracterização do desenvolvimento do seu filho em relação às crianças da mesma idade, em percentagem (%). Podemos apreciar que os sujeitos da amostra têm em média uma opinião positiva sobre o desenvolvimento do seu filho, quando comparado com crianças da mesma idade. Só 3% para MG, MF e AS, 12,1% na L e 1,5% em AC consideram o seu filho menos desenvolvido do que as outras crianças. 60 Quando analisamos estes resultados não verificamos uma massificação de valores pendentes sobre somente 1 a 2 categorias, como aconteceu na questão anterior dedicada à importância das áreas (muito importante e importante). Nesta questão observamos um repartir das opiniões essencialmente por 3 categorias (muito mais desenvolvido; mais desenvolvido; tão desenvolvido). Curioso que verifiquemos que, de acordo com os resultados, os pais consideram uma extrema contribuição desta actividade para cada uma das áreas de desenvolvimento, mas nem por isso os seus filhos se encontram, na opinião dos pais, extremamente mais desenvolvidos nessas áreas. Os pais consideram os seus filhos tão ou mais desenvolvidos que as restantes crianças da mesma idade mas fica por esclarecer se para esse desenvolvimento contribui a prática desta actividade (motivo pelo qual a maioria dos pais do estudo optou por inscrever o seu filho), ou se o mesmo se deve a outros factores e implicações às quais as crianças estarão certamente expostas. Discussão Os principais motivos que levaram estes pais a escolher a “natação para bebés” enquadramse na área da saúde e desenvolvimento e, em menor percentagem, na área do lazer e relação social, e isto tem amparo em outros estudos1. Quando analisados os bebés nas diversas áreas de desenvolvimento, e segundo a escala adoptada, verificamos que a maioria se encontra dentro dos padrões normais de desenvolvimento, manifestando uma frequência média/elevada de ocorrências nos comportamentos averiguados para cada idade12,17. A percepção que os pais têm dos filhos, expressa na questão sobre o desenvolvimento, acaba por coincidir, em média, com os dados obtidos nas respostas a este questionário, em relação aos diversos parâmetros questionados, nas diversas áreas. É definitivamente atribuída pelos pais importância à prática das aulas de adaptação ao meio aquático enquanto promotora das diversas áreas de desenvolvimento dos bebés7. A destacar o facto da linguagem ser considerada a área que recolhe menos frutos durante a prática destas classes, na opinião dos pais inquiridos neste estudo. Quando questionados sobre o desenvolvimento dos seus filhos, os pais sentem que estes se apresentam tão ou mais desenvolvidos como os demais e, como era de esperar, a relação desta actividade com a melhoria do domínio motor apresenta maior expectativa por parte dos pais. No entanto, é no domínio da linguagem que estes encontram maiores diferenças entre os seus filhos e as crianças da mesma idade. Este é seguramente um aspecto que merece ser mais aprofundado. 61 Referências 1. Adencreutz M; Hau J. (2004) Studies of neonatal and juvenile neuromuscular locomotor development of C57BL/6/Bkl, 129SvEv/Bkl and F1 hybrid mice in swim tests. In Vivo.18(6):733-7. 2. Ahr B. (1984) Nadar con bebés y niños pequenos. Barcelona: Ed. Paidotribo. 3. Damásio A e Damásio H. (1995) Erro de Descartes. Lisboa: Pan Macmillan. 4. Diem L. 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J Matern Fetal Neonatal Med.17(1):5962. 62 Adhemar Longatto Filho Mestre e doutor em Patologia Experimental e Comparada pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, Brasil. Professor auxiliar convidado da Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho. Professional Member of International Academy of Cytology 63 O método citológico de Papanicolaou e os novos paradigmas da prevenção de lesões cervicovaginais induzidas pelo Papilomavírus humano Introdução O carcinoma de colo uterino tem sido estudado intensamente nas últimas décadas. Desde os primeiros relatos de Papanicolaou há mais de setenta anos atrás, a busca de soluções que minimizassem o impacto que essa doença tem na vida das mulheres tem crescido a cada dia em numerosos laboratórios de todo o mundo. A intensa actividade que gira em torno do carcinoma de colo uterino é explicável pela expressiva quantidade de novos casos diagnosticados anualmente, além das inúmeras mortes associadas, apesar dos notáveis esforços realizados para sua contenção (4-6). 64 A história epidemiológica do carcinoma de colo uterino já foi muito pior que o terrível quadro que ainda temos de enfrentar em nossos dias. Há cerca de cinquenta anos atrás, por exemplo, cerca de 35 mil mulheres morriam anualmente só nos Estados Unidos da América (EUA). Naquela época, era a causa número um de mortalidade das mulheres norte-americanas. A introdução do método de Papanicolaou de raspados cérvico-vaginais, colectados e examinados periodicamente, não só reduziu a mortalidade, como viabilizou a introdução de um meio de prevenção da doença. Hoje, a mortalidade está em torno de 4000 mulheres por ano (4, 14). O percurso da citologia na história do carcinoma de colo uterino é notável. Apesar disso, o método não ficou imune às críticas; e sua existência, ao longo de tantas décadas, é marcada por vários revezes e episódios de renascimento. O tendão de Aquiles do método é sua incontestável baixa sensibilidade, sem precedentes no meio médico.Adicionalmente, por ser um método de avaliação subjectiva, e por estar sujeito a um sem número de variáveis, a amostragem do colo uterino pode oferecer dificuldades de interpretação mesmo a observadores experientes. Assim, os valores de sensibilidade disponíveis na literatura apontam para variabilidades extraordinárias, raramente ultrapassando os 70%, muitas vezes E foi na maior fraqueza do teste de Papanicolaou que se começou a delinear um grande esforço para a construção de alternativas viáveis de melhoria diagnóstica em sintonia com a moderna compreensão da história natural da doença. A partir da constatação de sua baixa sensibilidade buscaram alternativas que implementassem a sensibilidade e valor preditivo negativo. 65 estabilizando ao redor dos 50%, mas não raramente inferior a casualidade de 50% (4, 14, 18, 19, 21). Essa crónica vulnerabilidade fez com que inúmeras soluções fossem prontamente propostas. E foi na maior fraqueza do teste de Papanicolaou que se começou a delinear um grande esforço para a construção de alternativas viáveis de melhoria diagnóstica em sintonia com a moderna compreensão da história natural da doença (3). A partir da constatação de sua baixa sensibilidade buscaram alternativas que implementassem a sensibilidade e valor preditivo negativo (4). A monografia de Papanicolaou e Traut foi publicada no início da década de 40. Àquela altura, sabia-se que a citologia poderia reconhecer alterações compatíveis com a doença carcinoma de colo uterino e, até mais conveniente, com alterações precursoras dessa lesão (9). E como a prevalência da doença era extremamente elevada, o novo método encontrou um terreno fértil para desempenhar o papel de método de escolha para redução da mortalidade e, mais adiante, como instrumento oficial de estratégias de prevenção da doença. Nos países onde ele foi implantado com seriedade e constância, e conduzido ao longo dos anos com impecável qualidade, não demorou a aparecerem os resultados que o notabilizariam (4, 9, 14). Avaliar-se o valor de um método diagnóstico em meio a uma população de altíssima prevalência para uma doença requer cautela. Hoje, em países onde o cancro de colo uterino continua endémico, como China e Índia, a alternativa mais viável encontrada pelas autoridades de saúde tem sido a inspecção do canal vaginal, feita a olho desarmado, por técnicos de saúde treinados para esse fim. E, à semelhança da história do teste de Papanicolaou nos anos cinquenta nos EUA, numerosos casos são detectados anualmente, com perceptível diminuição da mortalidade. Da mesma forma que o método de Papanicolaou, a chamada inspecção visual peca também pela baixíssima sensibilidade quando comparada a outras opções diagnósticas. Entretanto, quando comparada ao método citológico, a inspecção visual apresenta, para países de poucos recursos financeiros, a vantagem de não requerer tantos meses de treinamento do corpo técnico, e nem exigir qualquer estrutura laboratorial (16, 17). Pode ser realizada em barracas de campanha e atender a uma grande quantidade de mulheres, ao contrário do teste de Papanicolaou, que exige extrema concentração do observador, e um número limitado de casos a serem examinados diariamente, para que a sensibilidade do método não seja ainda mais comprometida (8). A década de oitenta assistiu à mais avassaladora onda de inquéritos científicos e judiciais que colocaram em causa a própria existência do método de Papanicolaou (2). Nessa época, numerosos trabalhos invocando um inusitado mea culpa foram publicados demonstrando que a sensibilidade da citologia era, sim, muito mais baixa do que a presumida e que essa deficiência comprometia, sim, a vida de numerosas mulheres (18). O Senado norte-americano assistiu a acaloradas discussões sobre os volumosos recursos destinados a pagarem testes de Papanicolaou que, ao invés de resultarem em decréscimo da incidência de carcinomas de colo uterino, ao contrário, àquela altura mostravam registros ironicamente inversos. 66 As consequências foram uma série de medidas correctivas postas em andamento pela agência controladora das actividades da citopatologia americana (8). Imediatamente, autoridades da área da saúde de todo o mundo movimentaram-se para minimizar os atritos causados por tamanho expurgo. Num emocionado artigo escrito no conceituado jornal JAMA (9) o mais respeitado citopatologista vivo, Leopold Koss, pontuou no memorável The Papanicolaou test for cervical cancer detection. A triumph and a tragedy as potencialidades do teste sem esquivar-se das limitações e das possíveis causas de erro do método. Há, ainda, muito a ser feito para erradicação, ou pelo menos, significativa redução da mortalidade e prevalência de carcinomas de colo uterino e de suas lesões precursoras no mundo. Com tantos problemas, o que afinal encanta no teste de Papanicolaou? O que faz com que ele se mantenha por tantos anos? O também chamado PapTest é um método de altíssima especificidade. Há uma tradição de qualidade em reconhecer lesões precursoras de cancro e lesões invasoras de inquestionável eficácia, mesmo às custas de reconhecida variabilidade diagnóstica na reprodutibilidade das graduações das lesões precursoras (3, 14). A alta especificidade é crucial para a equação que determina o valor preditivo positivo (VPP) de um método. OVPP é a meta de toda autoridade de saúde: um método com valores mínimos de falsos diagnósticos positivos mas sem perder a capacidade de seleccionar os casos com doença (3). Um sonho da política de saúde das autoridades mundiais responsáveis pela prevenção de doenças. Algo que, em relação ao carcinoma de colo uterino, a citologia sozinha provou reiteradas vezes não ter capacidade de fazer. Mas que, por sua atávica e notável especificidade, é imprescindível como recurso a um algoritmo desenhado para seleccionar pacientes com lesões, orientar conduta, e acompanhar tratamento (3). Apesar dessa vantagem, a citologia esbarra ainda na grave dificuldade de classificar certas alterações cujo significado biológico é indefinido sob a óptica morfológica e bastante complexos de serem entendidos. Dependendo da origem do tecido, se escamosos ou glandular, são denominadas genericamente como “atipias de células escamosas de significado indeterminado” (ASCUS do inglês), e “atipias de células glandulares de significado indeterminado” (AGC). Essas atipias indeterminadas merecem um breve parêntese. A morfologia classifica as alterações de proliferação e diferenciação pelo tipo celular maduro correspondente dessas vias e, em algum momento da evolução biológica dessas alterações, traça-se uma correspondência reprodutível que acaba por ter utilidade clínica. Assim, a especialização em epitélio pavimentoso, estratificado ou glandular, embora indique localizações e características morfológicas e funcionais diferentes remete a uma interface onde o controle estreito de diferenciação e a correspondente característica histológica, favorecem a interacção com o agente do grupo de doenças que a Citopatologia busca diagnosticar precocemente. Desta interacção, que expõe esta célula precursora particular, surgem alterações difíceis de serem categorizadas e que compõem o grupo genericamente conhecidos como “atipias de significado indeterminado” (23). Há, ainda, muito a ser feito para erradicação, ou pelo menos, significativa redução da mortalidade e prevalência de carcinomas de colo uterino e de suas lesões precursoras no mundo. Mesmo o mundo desenvolvido ainda sofre com algum indesejado percentual dessa 67 68 doença. Nos países em desenvolvimento os dados são alarmantes, apesar da grande distância entre o número de pessoas que supostamente já entrou em contacto com o HPV alguma vez na vida (presumidamente 80% da população humana) e as que de fato desenvolvem carcinoma (ao redor de 1%). Mas há ainda os países extremamente paupérrimos e que não contam nem ao menos com serviço de colecta de dados. Para esses, valem apenas as conjecturas pessimistas (10). Como consequência, uma série de perguntas podem ser feitas em relação a esse tema. A mais dramática de todas as questões talvez seja, por que ainda morrem tantas mulheres de uma doença que, teoricamente, é possível prevenir? E que doença é essa de fato? Quais as reais condições de desenvolvimento das lesões precursoras ao carcinoma invasor? Usar a citologia apenas, mesmo que em condições ideais, é o suficiente? E o que fazer com os casos de atipias citológicas de significado indeterminado? Muitas dessas perguntas já começaram a ser respondidas. Algumas de forma mais convincente que outras. Hoje, o papel da citologia em relação ao carcinoma de colo uterino é certamente muito mais abrangente que há décadas atrás. Sabe-se que o agente etiológico necessário para o desenvolvimento neoplásico é o papilomavírus humano (HPV), mas que apenas a infecção pelo HPV não é condição suficiente para a carcinogénese. Para uma avaliação minimamente confiável da progressão da doença é necessário saber o tipo de HPV envolvido, a carga viral, factores de risco associados, avaliação da expressão proteica e das interacções génicas relacionadas à infecção do HPV (1, 11-13, 15, 20). Os horizontes da doença “carcinoma de colo uterino” foram dramaticamente ampliados nos últimos anos. Tentar compreendê-los vai muito além do teste de Papanicolaou, convencionalmente preparado, corado, analisado e relatado. O exame citológico não pode mais ser avaliado como o centro de um processo que envolve diagnóstico e conduta. O centro é a própria mulher, que tem uma infecção por um dos tantos HPVs, e que como hospedeiro tem características mais ou menos adequadas para a persistência do vírus e para o desenvolvimento de sua potencialidade como agente carcinogénico. O novo paradigma do rastreio de lesões de colo uterino envolve directamente o método de Captura Híbrida II (HC2) para HPVs de alto risco, posto que é esse, por enquanto, o único método disponibilizado em forma de kit, e aprovado por várias entidades mundiais, como a norte-americana FDA (Food and Drugs Administration). A amostra cervicovaginal deverá ser colhida em meio de citologia líquida que possibilite a realização de testes biomoleculares. Os casos positivos para HPV serão submetidos à análise citológica. O intervalo de rastreio dos exames negativos para HC2 poderão ser extendidos a cinco anos, uma vez que o valor predictivo negativo da HC2 é de quase 100%. Isso representa um poderoso algoritmo que já deu mostras inequívocas de poder reduzir a mortalidade por cancro de colo uterino (3) e de ser custoefectivo, sobretudo a países de poucos recursos financeiros (5, 6). Duas vacinas para HPV, cujos resultados preliminares são muito encorajadores, estarão, brevemente, disponíveis no mercado (7, 20). Essas vacinas foram elaboradas para tentarem erradicar ou minimizar ao máximo, a infecção pelos dois tipos oncogénicos de HPV mais prevalentes: os tipos 16 e 18 (7, 22). Com isso, a prevalência da infecção por HPV tende a cair e a sensibilidade da citologia, que já compromete o rastreio das lesões precursoras, será ainda mais baixa (3). Embora decano, o método citológico terá nesse novo cenário um papel ainda mais importante que o alardeado pela história da medicina. Não mais como uma ferramenta central de rastreio, mas como opção confiável e específica para a identificação de lesões já instaladas (3). 69 Os horizontes da doença “carcinoma de colo uterino” foram dramaticamente ampliados nos últimos anos. Tentar compreendê‑los vai muito além do teste de Papanicolaou, convencionalmente preparado, corado, analisado e relatado. O exame citológico não pode mais ser avaliado como o centro de um processo que envolve diagnóstico e conduta. Referências 70 Cuzick J, Szarewski A, Cubie H, Hulman G, et al Management of women who test positive for high-risk types of human papillomavirus: the HART study. Lancet. 2003; 362:1871-1876. Frable WJ, Austin RM, Greening SE, et al Medicolegal affairs. International Academy of Cytology Task Force summary. Diagnostic Cytology Towards the 21st Century: An International Expert Conference and Tutorial. Acta Cytol. 1998; 42:76-119. Franco EL, Cuzick J, Hildesheim A, De Sanjose S. Chapter 20: Issues in planning cervical cancer screening in the era of HPV vaccination.Vaccine. 2006; 24S3: S3171- S3177. Franco EL. Primary screening of cervical cancer with human papillomavirus tests. J Natl Cancer Inst Monogr. 2003; 31:89-96. 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Revista bimestral de ciência e investigação em saúde Para submeter os trabalhos/artigos para publicação, envie-os para: Ser Saúde Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso [email protected] [email protected] 72 Ana Maria Aguiar de Lima Licenciatura em Enfermagem; pós-graduação em Enfermagem Oncológica; formanda do curso pós-licenciatura de especialização em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria; exerce funções no Hospital Maria Pia – Porto Isabel Cláudia Batista Cardoso Licenciatura em Enfermagem; pós-graduação em Enfermagem Oncológica; formanda do curso de mestrado em Oncologia; exerce funções no Centro Hospitalar de Caldas da Rainha Resumo O estudo dos mecanismos inerentes ao processo da biologia das metástases conduziu a avanços importantes para a compreensão dos processos de invasão e metastização, contribuindo para desenvolver melhores modalidades preventivas, diagnosticas e terapêuticas. A metastização consiste num processo pelo qual as células neoplásicas circulantes se deslocam para outros locais distantes do tumor primário, pela via linfática, sanguínea e pela carcinomatose. A maioria destas células é destruída pela acção do sistema imunitário. As células tumorais que poderão originar metástases tem de sobreviver a uma série de interacções potencialmente letais como são os mecanismos homeostáticos do hospedeiro. Aquelas que resistem a esta destruição agrupam-se, fixam-se ao endotélio vascular e multiplicam-se, formando a metástase. De seguida, criam-se novos vasos (neoangiogénese) levando a que a metástase seja autónoma e tenha mecanismos de nutrição própria. O resultado desta interacção pode variar entre diferentes doentes com diferentes neoplasias ou diferentes doentes com o mesmo tipo de neoplasia. 73 Biologia das Metástases Introdução As células normais do organismo coexistem em perfeita harmonia. O crescimento celular ocorre em função das necessidades do organismo através de mecanismos cuidadosamente controlados. No entanto, nalguns momentos, por intermédio de múltiplos factores, ocorre uma ruptura desses mecanismos reguladores da multiplicação celular, começando a crescer uma célula e a dividir-se desordenadamente (divisão anómala). Daqui resulta um clone de células insensíveis aos mecanismos reguladores normais, formando um tumor ou neoplasia. Perante o diagnóstico de cancro, é extremamente importante determinar se a doença se localiza no local de origem ou se já se expandiu aos nódulos linfáticos regionais e aos órgãos distantes. Ao longo deste trabalho pretendemos contextualizar as neoplasias, caracterizar as vias de disseminação das células tumorais, explicitar a inactividade das metástases, entender a influência da imunidade do hospedeiro nas metástases, compreender a heterogeneidade biológica das metástases, perceber a instabilidade genética e fenotípica das células metastáticas e interpretar a cascata metastática. As células normais do organismo coexistem em perfeita harmonia. O crescimento celular ocorre em função das necessidades do organismo através de mecanismos cuidadosamente controlados. No entanto, nalguns momentos, por intermédio de múltiplos factores, ocorre uma ruptura 74 Breve contextualização das neoplasias A célula é a unidade fundamental da vida. Para assegurar o correcto funcionamento de cada órgão tem de existir a renovação das células danificadas. A célula cancerígena é uma célula que cresce descontroladamente, ignora os sinais para parar a sua divisão, podendo expandir-se a áreas do corpo onde não pertencem. Algumas células cancerígenas simplesmente se dividem e produzem mais células e a massa tumoral mantém-se no local onde se formou. Outras, têm capacidade para invadir o tecido normal, entrar na circulação sanguínea e/ou metastizarem-se noutros locais do corpo. De acordo com FIDLER & HART (1988), a maioria das neoplasias podem dividir-se em três tipos principais: tumores benignos não invasivos e não metastáticos, tumores invasivos e não metastáticos (exemplo: carcinoma in situ, carcinoma das células basais) e tumores metastáticos (Fig.1). Os tumores benignos caracterizam-se por serem uma estrutura típica do tecido de origem. São tumores bem diferenciados e que crescem lentamente. As imagens de mitoses são pouco frequentes e as que existem são normais. Pelo contrário, os tumores malignos são geralmente indiferenciados e tem uma grande percentagem de células em fase de divisão. Estas células em fase de divisão podem ter cromossomas anormais e podem ter vários graus de anaplasia – perda de diferenciação e funções celulares (FIDLER & HART, 1988). A proliferação descontrolada de células pode conduzir ao crescimento neoplásico, todavia os aspectos que definem a neoplasia maligna são invasão e metástase. «Neoplasia maligna é o novo crescimento com potencial de invasão local e/ou metastizar para locais distantes no corpo» (KOHN & LIOTTA, 1998:554). Nos países industrializados, as neoplasias malignas são a segunda causa mais comum de morte. A disseminação metastática é a principal responsável pelas falhas dos tratamentos e mortes. Em mais de dois terços dos doentes, na altura do diagnóstico inicial, já existem metástases ocultas ou evidentes, habitualmente multifocais, tornando falíveis a cirurgia localizada, a radioterapia e a quimioterapia (KOHN & LIOTTA, 1998). desses mecanismos reguladores da multiplicação celular, começando a crescer uma célula e a dividir-se desordenadamente (divisão anómala). Daqui resulta um clone de células insensíveis aos mecanismos reguladores normais, formando um tumor ou neoplasia. TUMOR BENIGNO Células normais Células neoplásicas Cápsula do tecido conjuntivo do tumor benigno Células normai 75 Vias de disseminação tumoral «O cancro pode permanecer como um processo local invasivo ou expandir-se a áreas não adjacentes …» (PFEIFER, 2000:17). A expansão tumoral é um processo resultante do crescimento do tumor. Inicialmente, o tumor cresce localizado, deCápsula forma do contínua, originando a difusão das tecido células tumorais conjuntivo Células eCélulas a colonização das áreas regionais. Depois normais neoplásicas do tumor origina o aparecimento de benigno células tumorais à distância, denominadas por metástases. Estas ocorrem através de um mecanismo designado disseminação. Esta concepção da disseminação tumoral é generalista, uma vez que alguns tumores se metastizam para órgãos distantes antes de se expandirem ou aquando da sua expansão, através dos nódulos linfáticos (PFEIFER, 2000). PFEIFER (2000) esclarece que, a disseminação depende de um conjunto de factores que ocorrem na superfície da célula tumoral e no sistema vascular do indivíduo com cancro. Assim sendo, a proliferação das células do tumor primário ocorre através de dois processos: disseminação directa e disseminação metastática. TUMOR MALIGNO INVASIVO Células normais Células cancerosas invasivas Fig.1 – Representação esquemática do contraste existente entre um tumor benigno e um tumor maligno. (Adaptado de ALBERTS, Bruce et al., Molecular biology of the cell, in Cancer as a microevolutionary process, http://www.ncbi. nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?CMD=search&DB=books, 05-07-03.) A – Disseminação directa Segundo PFEIFER (2000), pensa-se que os factores que estimulam a invasão directa são: angiogénese tumoral, pressão mecânica e variação do crescimento tumoral, mobilidade e perda de aderência celular e as enzimas secretadas pelo tumor (capazes de destruir tecido normal). 76 GENTIL & LOPES (s.d.) referem que a disseminação directa pode correr por diversas formas: continuidade (a neoplasia durante a sua proliferação ultrapassa os limites de um órgão e infiltra outro), contiguidade (o tumor ao crescer ultrapassa os limites do órgão de origem e invade as estruturas adjacentes – conhecer este tipo de disseminação é importante pois pode ser necessário para além da cirurgia clássica remover em monobloco mais estruturas ou órgãos que possam estar envolvidos) e implante (a disseminação por implante ocorre após infiltração da serosa e as células neoplásicas livres podem ser libertadas nas cavidades). PFEIFER (2000) acrescenta que, também o acto cirúrgico pode ser uma via directa, por implante, para a expansão das células neoplásicas.A contaminação dos tecidos normais pode ocorrer durante a manipulação do tumor, libertando células na circulação ou pela forma de retirar as agulhas (das biópsias) que podem «semear» células na circulação. A seguir passamos a esclarecer os processos de disseminação directa. Crescimento inicial da neoplasia e angiogénese Segundo FIDLER (1997), a proliferação e crescimento das células dependem do adequado fornecimento de factores de crescimento e da remoção de moléculas tóxicas. Assim, a expansão da massa tumoral, a partir de 2 mm de diâmetro, depende do desenvolvimento de um adequado fornecimento de sangue, ou seja, da angiogénese. KOHN & LIOTTA (1998) definem a angiogénese como o processo de formação de vasos sanguíneos. Estes clarificam que, no adulto, em condições normais, a neovascularização é limitada pela menstruação, pela gravidez e pela cicatrização de feridas. Durante o processo de angiogénese, as células endoteliais habitualmente inactivas adquirem um fenótipo invasivo, rompendo a própria membrana basal para invadir o estroma intersticial durante o desenvolvimento de novos capilares. Quando cessa o estímulo angiogénico, estas células voltam a ter um fenótipo inactivo e não invasivo. A indução da angiogénese é mediada por múltiplas moléculas que são libertadas pelas células tumorais e pelas células do hospedeiro, incluindo células endoteliais, epiteliais, mesoteliais e leucócitos. Para o desenvolvimento dos capilares é necessário que as células endoteliais proliferem, migrem e penetrem no estroma do hospedeiro, desenvolvendo-se na direcção das A célula cancerígena é uma célula que cresce descontroladamente, ignora os sinais para parar a sua divisão, podendo expandir-se a áreas do corpo onde não pertencem. Algumas células cancerígenas simplesmente se dividem e produzem mais células e a massa tumoral mantém-se no local onde se formou. Outras, têm capacidade para invadir o tecido normal, entrar na circulação sanguínea e/ou metastizarem-se noutros locais do corpo. moléculas angiogénicas. Posteriormente, os capilares expandem-se e submetem a morfogénese, para induzir novos capilares. A maioria dos tumores sólidos são altamente vascularizados e as suas veias não são idênticas às veias normais do tecido normal. Existem diferenças na composição celular, permeabilidade, estabilidade do sangue nas veias e na regulação do crescimento (FIDLER, 1997). A extensão da angiogénese é determinada pelo balanço entre factores estimuladores e inibidores do crescimento de novos vasos sanguíneos. Em muitos tecidos normais as influências inibitórias predominam, ao contrário das células neoplásicas que alternam da inibição da angiogénese com a estimulação fenotípica desta. Esta alternância coincide com a perda do alelo típico do gene supressor tumoral p53 e é o resultado da reduzida produção do factor antigénico TSP-1 (FIDLER, 1997). Os tumores benignos são pouco vascularizados tendendo a crescer devagar, como já foi referido. Contrariamente, os tumores malignos são muito vascularizados e de crescimento rápido. O aumento da vascularização aumenta igualmente a probabilidade das células tumorais entrarem na circulação e se metastizarem (FIDLER, 1997).Todavia, FIDLER & HART (1988) alertam que nem todos os tumores invasivos crescem rapidamente, pelo contrário, alguns têm um crescimento lento. O índice da angiogénese é útil no factor de prognóstico. Todavia, a expectativa de que este índice pode identificar todos os doentes com doença metastática oculta ou aqueles que já possuem metástases à distância, pode ser surrealista. Primeiro, pelo tempo de diagnóstico, visto que os tumores humanos são heterogéneos em subpopulações de células com diferentes propriedades biológicas, que induzem a invasão e a metastização. Segundo, o processo de metastização é sequencial e selectivo, consistindo numa série de passos interdependentes e interligados. Clinicamente, para produzir metástases relevantes, as células tumorais tem de passar por todas as etapas do processo. As células tumorais que conseguem induzir uma intensa angiogénese mas que não conseguirem sobreviver na circulação ou proliferar em órgãos distantes não conseguem produzir metástases. Como em todas as restantes etapas da cascata metastática, a angiogénese é necessária mas não suficiente para a patógenese das metástases. Terceiro, embora nem todos os grandes tumores angiogénicos possam produzir metástases, a inibição da angiogénese previne o crescimento das células tumorais, tanto no primeiro como no segundo local e assim podem prevenir o desenvolvimento das metástases clinicamente relevantes (FIDLER, 1997). 77 Invasão: Aderência, Proteólise, Motilidade Segundo KOHN & LIOTTA (1998: 554), «invasão é a translocação activa de células neoplásicas através de barreiras teciduais e de células da matriz extracelular e celular do hospedeiro». KOHN & LIOTTA (1998) afirmam que, a tríade da invasão celular é constituída pela aderência, proteólise e motilidade. Todas estas fases são essenciais para o triunfo da metástase. LIOTTA & KOHN (2003) acrescentam que o processo de invasão é dinâmico, havendo repetição cíclica dos três passos referidos. 78 Aderência A interacção das células com a matriz extracelular e a membrana basal envolve aderência através de receptores específicos (KOHN & LIOTTA, 1998). Estudos revelaram várias classes de moléculas de aderência que desempenham papéis críticos na tumorogénese. Essas moléculas de aderência incluem: receptores proteicos na matriz extracelular (integrinas), as moléculas de aderência celular transmembranar (MAC), e as moléculas de aderência extracelular (caderinas). As caderinas e cateninas íntegras suprimem a metástase (KOHN & LIOTTA, 1998). As integrinas contêm elementos onde a perda ou hiperexpressão foram associadas a um fenótipo mais agressivo. A ocupação da integrina e a aglomeração na superfície celular são componentes críticos da remodelação da membrana basal durante a angiogénese. A estimulação da integrina é necessária para fornecer estímulos de sobrevivência em vários contextos. Por outro lado, demonstrou-se que a perda de estimulação de integrinas estimula a apoptose. Assim, pode verificar-se que as vias necessárias para o processamento celular da informação da integrina para aderência, migração e metástase podem, noutra situação, causar a morte celular programada – apoptose. Apesar da aderência não ser suficiente para haver invasão e disseminação à distância, a perda das funções de aderência normais pode levar a invasões mais agressivas ou à perda do potencial metastático (KOHN & LIOTTA, 1998). Proteólise Para que ocorra invasão, é necessário que haja destruição da membrana basal local e do estroma intersticial em seu redor (KOHN & LIOTTA, 1998). Os mesmos autores em 2003 acrescentam que, o processo de invasão não é passivo mas activo e dinâmico, pois para além da pressão exercida pela proliferação celular excessiva requer a síntese de proteínas para degradação. Tal como a aderência e a motilidade, a proteólise não é suficiente para a disseminação de células malignas à distância. Os componentes estruturais da membrana basal e do estroma intersticial são os colagéneos, que são proteínas helicoidais triplas que participam no entrelaçamento da arquitectura matricial acelular.A principal barreira à invasão é o colagéno.A diferença enzimática dos colagéneos é necessária para fornecer uma via de fuga para as células tumorais, sendo executada por metaloproteinases da matriz com selectividade por substrato. A produção e destruição do colagéneo são funções das células normais e das malignas (KOHN & LIOTTA, 1998). KOHN & LIOTTA (1998) afirmam que, as colagenases são proteases neutras. Estas são uma família bem estudada de enzimas cujo papel na disseminação metastática foi utilizada para avaliação prognostica e que são alvos de intervenção terapêutica. As colagenases são controladas por inibidores endógenos, os inibidores teciduais das metaloproteinases (ITMP). O excesso de colagenase possibilita que a célula invada e cruze as barreiras da membrana. Motilidade A capacidade de translocar-se pelas barreiras estruturais do organismo implica que a célula seja capaz de se locomover. Há um precedente na invasão fisiológica normal para migração. Durante a formação de vasos sanguíneos é necessário que uma célula endotelial migre para o estroma de maneira a iniciar a formação de um broto vascular. Na infecção, os monócitos circulantes migram para o estroma com o mesmo objectivo. Assim, também as células tumorais necessitam de migrar desde a massa inicial para alcançar um conduto vascular, inserir-se nele de forma a serem transportadas e alcançar um leito vascular distante, sair dele e migrar para o sítio onde vai formar uma nova colónia. A direcção da migração depende de factores solúveis do hospedeiro e/ou factores associados à matriz extracelular (KOHN & LIOTTA, 1998). Os factores solúveis incluem citocinas como o factor de crescimento dos hepatócitos. Estes são produzidos por células do estroma e células autócrinas estimuladoras da motilidade, como é o caso da autotaxina, produzida pelas células tumorais. O receptor para o factor de crescimento dos hepatócitos é o oncongene met, um receptor de membrana que contém tirosinocinase. A activação do met provoca a indução de um fenótipo invasivo com aumento da colagenase, maior capacidade invasiva in vitro e produção de metástases in vivo. Da hiperexpressão do met resulta um fenótipo tumorigénico e metastático. A autotoxina é uma exocinase produzida e presa do lado extracelular da célula tumoral, sendo um factor de motilidade autócrino (KOHN & LIOTTA, 1998). Os factores de migração da fase sólida envolvem componentes da matriz extracelular e da membrana basal. Glicoproteínas da matriz e colagéno podem estimular a migração in vitro, tanto em fase sólida como em solução. Os fragmentos de proteínas da matriz exercem uma forte atracção sobre células tumorais e células envolvidas na cicatrização de feridas (KOHN & LIOTTA, 1998). Tal como a aderência e a proteólise, a motilidade necessita de um conjunto de factores tais como: a interacção com o ambiente local, o equilíbrio resultante da produção e da secreção de factores estimuladores (factor de crescimento dos hepatócitos e a autotaxina) e a activação dos receptores (fosforilação do met) e da resposta do tumor às células estromáticas (KOHN & LIOTTA, 1998). 79 B – Disseminação metastática As células tumorais têm tendência para se disseminarem através da via que oferece menor resistência. A propagação ou disseminação metastática pode assim ocorrer por três vias: via linfática, via sanguínea e carcinomatose. 80 Via linfática O modo mais comum de expansão das células tumorais é através do sistema linfático. As células tumorais invadem o sistema linfático, separam-se e formam êmbolos – embolização linfática – que por sua vez se alojam nos gânglios linfáticos, originando uma lesão metastática (FIDLER, 1997). Os gânglios linfáticos mais próximos ao tumor são os primeiros a serem comprometidos (GENTIL e LOPES, s.d.). Esta disseminação é um processo contínuo, uma vez que as células tumorais iludem os nódulos linfáticos locais, deslocam-se para outros gânglios mais distantes na cadeia linfática e atingem outros órgãos. A presença de células tumorais nos gânglios linfáticos é sinal de que ocorreu disseminação, mesmo que não hajam metástases nesses mesmos gânglios. Tal deve-se ao facto de as células poderem passar pelo gânglio linfático sem deixar vestígios e desenvolver-se noutra região. «Em muitos cancros a primeira evidência de disseminação da doença é uma massa de linfonodos que drenam a área ou região do corpo portador do tumor» (PFEIFER, 2000:18). FIDLER (1997) esclarece que o padrão de envolvimento de nódulo linfático, ou seja, crescimento de células tumorais dentro de um nódulo linfático, depende do local do tumor primário e da sua drenagem linfática. SEELEY et al. (1997:748) afirmam que uma vez alojadas nos nódulos linfáticos, as células tumorais podem morrer devido ao desencadeamento de uma reacção inflamatória local. Isto acontece porque uma das funções do sistema linfático consiste em defender o organismo contra as agressões externas a que é sujeito, tais como microorganismos e outras substâncias nocivas. PFEIFER (2000) acrescenta que, as células malignas podem ainda proliferar num pequeno espaço ou permanecer inactivas. Os sistemas linfático e venoso estão interligados e são inseparáveis. O sistema linfático, através do tronco principal linfático, entra no sistema venoso, antes das veias entrarem no coração, levando a que possamos afirmar que existe comunicação venolinfática. Assim, as células cancerígenas que atingem o sistema linfático têm também capacidade para entrar na corrente sanguínea e vice-versa (FIDLER, 1997). Aquando o diagnóstico, um dos factores prognósticos mais significativos é a presença ou não de metástases nos gânglios linfáticos. Este aspecto é importante conhecer antes de efectuar uma abordagem cirúrgica da lesão tumoral (FIDLER, 1997). Frequentemente quando um tumor sólido é removido através de cirurgia, o cirurgião remove o tumor e as glândulas linfáticas vizinhas, mesmo que não haja nenhum sinal visível de cancro nessas glândulas. Isto é determinado como uma medida profilática porque se uma célula tumoral migrou e se hospedou no sistema linfático, o cancro poderia continuar a crescer e metastizar. No entanto, depende do tipo de tumor em causa e da opinião médica pois nem todos os clínicos comungam desta perspectiva (KELLY, 2000). Via sanguínea A disseminação tumoral também pode ocorrer através do sistema sanguíneo, visto que as células tumorais necessitam de um suplemento sanguíneo para sobreviverem. Segundo PFEIFER (2000) a disseminação hematogénica obedece a determinados passos sequenciais, que iremos passar a referir. Alguns deles já foram abordados mais profundamente na via directa, pois esta ocorre antes de qualquer outra. Os passos são: 1 - Crescimento e progressão do tumor primário 2 - Angiogénese no local primário 3 - Separação 4 - Circulação das células tumorais 5 - Prisão das células tumorais no endotélio vascular 6 - Lugar de eleição 7 - Fuga da circulação 8 - Angiogénese e implantes metastáticos 9 - Prisão das células tumorais, sua adesão e extravasamento O êmbolo tumoral tem de se ligar firmemente à camada interna do vaso. Após esta ligação, as células tumorais devem penetrar a parede do vaso para alcançar e proliferar nos tecidos extravasculares (FIDLER, 1997). O derramamento das células endoteliais da parede dos capilares é um processo normal e contínuo – evento fisiológico. Desta forma, a deterioração e ruptura do endotélio conduzem à existência de aberturas ou fendas, que expõem a membrana basal. O que ocorre é que as células tumorais unem-se firmemente às paredes do endotélio, e se o mesmo está danificado, penetram na circulação e interagem com as plaquetas (FIDLER, 1997). O desenvolvimento de firmes e seguras adesões requer a interacção de outras adesões moleculares, que é outro processo selectivo da metastização. A regulação destas adesões é efectuada por diferentes classes de adesões moleculares célula – célula. Nelas se incluem, entre outros, o receptor hialuronase CD4 e suas variantes e as integrinas ∞5β1, ∞6β1 e β4 (FIDLER, 1997). A adesão das células tumorais com as paredes dos capilares leva à retracção das células endoteliais e à exposição das células tumorais à matriz extracelular tecidular (ECM). A adesão das células metastáticas aos componentes da ECM facilita a metastização em tecidos específicos. Após esta adesão, as células tumorais podem atravessar a parede do vaso para alcançar os tecidos extravasculares. Estas extravasam no parênquima do órgão, por mecanismos similares aos que são responsáveis pela invasão local (FIDLER, 1997). Após alcançarem parênquima do órgão, as 81 células tumorais crescem e destroem os vasos circundantes, invadem por penetração do endotélio da membrana basal ou migram para a circulação (FIDLER, 1997). 82 Como foi referenciado, a maioria das células tumorais que entram na circulação morrem rapidamente. Esta morte pode ser atribuída a inúmeras características da célula tumoral, tais como, deformabilidade, agregação e adesão molecular célula-superfície. No entanto, os factores inerentes ao hospedeiro também contribuem para este facto, tais como, turbulência do sangue, células naturalkiller, macrófagos e plaquetas.Adicionalmente, a passagem das células tumorais através dos capilares leva à sua lise, por acção de forças e do óxido nítrico (FIDLER, 1997). O óxido nítrico produz múltiplos efeitos que podem influenciar a acção das metástases. Especificamente, o óxido nítrico regula a vasodilatação e a agregação plaquetar, interferindo assim na adesão das células tumorais às paredes dos capilares. É ainda o maior mediador citotóxico secretado pelos macrófagos activados e as células endoteliais, tornando-se assim responsável pela destruição das células tumorais que atravessam as paredes dos capilares. A produção endógena de óxido nítrico está associada à apoptose das células tumorogénicas, ou seja, a sua produção pode ser prejudicial à sobrevivência da célula tumoral e produção das metástases (FIDLER, 1997). Carcinomatose Segundo PFEIFER (2000:19) entendese que carcinomatose é “(…) disseminação extensiva das células tumorais por gravidade, como factor causal da metástase.” Segundo o mesmo autor, no decorrer da disseminação das células tumorais na membrana serosa das grandes cavidades, tais como a pleural e a peritoneal, estas células soltam-se e gravitam, alcançando deste modo as partes baixas da cavidade. As células tumorais têm tendência para se disseminarem através da via que oferece menor resistência. A propagação ou disseminação metastática pode assim ocorrer por três vias: via linfática, via sanguínea e carcinomatose. Inactividade das metástases A recorrência de doença muitos anos após um tratamento de sucesso ou remoção do tumor primitivo é uma observação clínica frequente. Todavia, os mecanismos pelos quais as células malignas permanecem inactivas, mas viáveis e aptas para expressar o seu potencial tumorigénico num momento tardio, permanecem obscuros (FIDLER, 1997). É possível que as células neoplásicas existam, isoladas ou em grupos na fase G0 do ciclo celular, que estejam protegidas pelas defesas do hospedeiro ou então por implantar, ou num local isolado aparentemente rodeado por tecido conjuntivo. Como alternativa, estas células tumorais podem estar continuamente em divisão mas o tumor é restrito em tamanho pelo equilíbrio entre divisão celular e a morte celular. A morte celular pode ser mediada pela imunidade específica ou defesas não especificas do hospedeiro numa proporção comparável ao crescimento celular. O fracasso do crescimento de micrometástases, para além de uns pequenos milímetros, pode estar relacionada com o fracasso da vascularização e produção de nutrição suficiente para uma rápida expansão celular (FIDLER, 1997). FIDLER (1997) diz-nos que, diferentes mecanismos podem estar envolvidos no estabelecimento e manutenção da inactividade dos diferentes tumores. As células normais podem permanecer num estado de inactividade se forem introduzidas em órgãos ectópicos. Exemplo disso são as células tiroideias que podem sobreviver noutros tecidos, particularmente no pulmão. Assim, as células normais, hipertróficas ou glândulas neoplásicas são capazes de sobreviver num estado inactivo por longos períodos. A imunidade do hospedeiro e as metástases Para PFEIFER (2000), os factores do hospedeiro são de extrema importância na determinação do modo como os tumores se vão metastizar. Quando se aborda a questão relativa ao papel do sistema imunitário nas metástases, temos de nos dirigir à heterogeneidade antigénica das neoplasias, à imunogenecidade intrínseca das células metastáticas e à aptidão do hospedeiro em reconhecer e destruir as células tumorais genuínas (FIDLER, 1997). Segundo FIDLER (1997), foram efectuados vários estudos experimentais acerca do papel da resposta imunitária nas metástases. No entanto, nestes estudos, os resultados são contraditórios. Assim, nalguns tumores, a depressão da reactividade imunológica pode aumentar a incidência de metástases espontâneas e experimentais. Noutros tumores verificou-se precisamente o contrário: a depressão da imunidade do hospedeiro diminui a metastização. Ainda noutros tumores, as alterações da imunidade e sua reactividade, não influencia o crescimento local e a disseminação tumoral. Conclui-se assim que o papel do sistema imunitário varia para diferentes tumores e não se poderá efectuar qualquer generalização relativa ao papel da imunidade do hospedeiro (FIDLER, 1997). Sabe-se que as células metastáticas têm a capacidade de iludir os mecanismos de vigilância da imunidade do hospedeiro, quando estas se encontram diminuídas (FIDLER, 1997). FIDLER (1997) diz que o passo final 83 na metastização é a proliferação das células tumorais. Durante a interacção das células metastáticas com os tecidos do hospedeiro há factores que estimulam ou inibem a proliferação das células tumorais.A presença de factores de crescimento estimuladores ou inibidores em determinado tecido correlaciona-se com sítios específicos das metástases. Os factores de crescimento autócrinos e parácrinos do hospedeiro que controlam a regeneração e reparação do órgão podem afectar a proliferação das células tumorais malignas, ou seja, o estimulo para que ocorra a normal reparação dos tecidos também pode estimular a proliferação das células tumorais. 84 Para produzir lesões clinicamente detectáveis, as metástases devem desenvolver uma rede vascular e ser capaz de iludir o sistema imunitário do hospedeiro (FIDLER, 1997). Heterogenidade biológica das metástases A explicação para apenas poucas células do tumor primário poderem desenvolver metástases deve-se ao facto do organismo eliminar qualquer célula tumoral que falhe qualquer passo da cascata metastática. As neoplasias são biologicamente heterogéneas, contêm subpopulações de células tumorais com diferentes predisposições metastáticas e o processo de triagem é altamente selectivo (FIDLER, 1997). Para FIDLER (1997), a heterogeneidade relaciona-se com a progressão, atribuindo-se às diferenças entre as células individuais no interior do tumor. As células do interior da neoplasia podem ser distintas, relativamente aos seguintes aspectos: capacidade de invasão do tecido envolvente, composição genética, proporção de crescimento, potencial metastático, receptores hormonais e susceptibilidade à terapia antineoplásica. Consoante a neoplasia aumenta de tamanho, assim o grau de heterogeneidade aumenta (PFEIFER, 2000). Fig. 2 – A cascata metastática.(Adaptado de FIDLER, Isaiah J., Molecular biology of cancer: invasion and metastasis. In DeVita,Vincent T. Jr. et al., Cancer: principles & practice of oncology. 5ª edição, volume 1. Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers, 1997, No entanto, levanta-se a questão de como é que é originada, mantida e controlada a heterogeneidade. Assim, após o desenvolvimento de células neoplásicas e com o desenrolar do tempo estas adquirem vantagens em relação às células não metastáticas, pelo que as primeiras acabam por perdurar no organismo. A heterogenidade biológica dos tumores de origem clonal resulta da instabilidade genética e fenotípica (FIDLER, 1997). PFEIFER (2000) acrescenta que deve-se ao facto de as células cancerígenas sofrerem inúmeras mutações ocasionais devido à sua instabilidade genética. Por sua vez, estas mutações originam clones, cuja variabilidade genética adquirida resulta na heterogeneidade no interior do tumor. Ideologias mais recentes indicam que o processo de metastização é selectivo para células que progridem na indução da angiogénese, mobilidade, invasão, embolização, sobrevivência na circulação, adesão à parede do capilar distante, extravasam e se multiplicam no interior do parênquima do órgão. No entanto, o resultado das metástases encontra-se dependente de múltiplas interacções e interferências das células metastáticas com mecanismos homeostáticos que as células tumorais podem arrebatar. Face a esta questão, estudos revelam que os tumores metastizam para órgãos específicos, independentemente da proporção de fluxo sanguíneo, vascularidade e número de células tumorais que atingem o órgão (FIDLER, 1997). 85 A explicação para apenas poucas células do tumor primário poderem desenvolver metástases deve-se ao facto do organismo eliminar qualquer célula tumoral que falhe qualquer passo da cascata metastática. As neoplasias são biologicamente heterogéneas, contêm subpopulações de células tumorais com diferentes predisposições metastáticas e o processo de triagem é altamente selectivo. Conclusão O processo de invasão tumoral e metastastização é constituído por uma cascata complexa de acontecimentos bioquímicos e genéticos orientados por diversas vias transdutoras de sinais e sistemas moleculares (KOHN & LIOTTA, 1998). 86 Segundo os mesmos autores, os passos essenciais na formação da metástase são similares em todos os tumores (Fig. 2): • Após a transformação neoplásica, inicia-se a progressiva proliferação das células neoplásicas, que é suportada pelo fornecimento de nutrientes a partir do microambiente do órgão, pelo mecanismo de difusão; • A neovascularização ou angiogénese tem de ocorrer, para que a massa tumoral exceda 1 ou 2 mm de diâmetro. A síntese e secreção das diferentes moléculas da angiogénese e a supressão das células inibitórias são responsáveis pelo estabelecimento duma rede capilar, a partir dos tecidos envolventes; Bibliografia 1. FIDLER, Isaiah J., Molecular biology of cancer: invasion and metastasis. In DeVita, Vincent T. Jr. et al., Cancer: principles & practice of oncology. 5ª edição, volume 1. Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers, 1997, ISBN 0-397-51575-8.p.135-152. 2. FIDLER, Isaiah J., HART, Ian R., Principios de la biología del cancer: biología de las metástasis. In DeVita, Vincent T. Jr. et al., Cancer: principios y practica de oncologia.. 2ª edição, volume 1. Barcelona: Salvat Editores,SA, 1988. ISBN 84-345-2612-3. p. 105 – 114. 3. GENTIL, Fernando C., LOPES, Ademar, Princípios de • Algumas células tumorais podem desregular a coesão molecular e incrementar a mobilidade, separando-se assim da lesão primária. A invasão dos estromas do hospedeiro por algumas células tumorais ocorre por mecanismos paralelos. Os capilares e os canais linfáticos, oferecem muito pouca resistência à penetração das células tumorais, promovendo as vias mais comuns para as células tumorais entrarem na circulação; • Ocorre seguidamente o desprendimento e embolização de células tumorais, isoladas ou agregadas, sendo a sua maioria destruídas; • As células tumorais circulantes que sobrevivem podem-se agarrar às paredes dos capilares e prender-se aos receptores dos capilares dos órgãos distantes, aderindo às células endoteliais dos capilares; • As células tumorais, especialmente as que se encontram agregadas, podem proliferar, atingindo o lúmen dos capilares. No entanto, a sua maioria extravasa no parênquima do Cirurgia Oncológica. In SCWARTSMANN, Gilberto et al., Oncologia Clínica: princípios e praticas. Porto Alegre: Artes Médicas. s.d. P. 84 – 96. 4. HOGAN, Rosemarie, Cancro. In PHIPPS,Wilma et al., Enfermagem Médico-Cirúrgica – conceitos e prática clínica, 2ª edição, volume I. Lusodidacta:Lisboa, 1991, ISBN 972-96610-0-6. p.333 – 413. 5. KOHN, Elise C., LIOTTA,Lance A., Invasão e metástase. In FAUCI, Anthony S. Et al., Harrison - Medicina Interna, 14ª edição, volume I. Rio de Janeiro:McGraw-Hill, 1998, ISBN 85-86804-03-7.p.554 – 557. 6. PFEIFER, Karen A., Fisiopatologia. In OTTO, Shirley órgão, através de mecanismos similares aos do processo de invasão; • As células tumorais produzem receptores da superfície da célula apropriados para responder aos factores de crescimento parácrinos a partir daí proliferar no parênquima do órgão; • As células metastáticas iludem o sistema imunitário do hospedeiro e induzem assim, a destruição das defesas do hospedeiro (incluem as resposta imunitárias específicas e não específicas); • Para exceder a massa tumoral em 1 ou 2 mm de diâmetro, as metástases devem desenvolver um trabalho vascular (neoangiogénese); • As metástases formadas podem depois prolifera e dar origem a novas metástases (fenómeno das metástases das metástases). E., Enfermagem em Oncologia, 3ª edição. Lusociência: Loures, 2000, ISBN 972-8383-12-6. p. 3 – 22. 7. SEELEY,Rod R. et al., Anatomia & Fisiologia, 1ª edição. Lusodidacta:Lisboa, 1997, ISBN 972-96610-5-7. p. 753. 8. ALBERTS, Bruce et al., Molecular biology of the cell, in Cancer as a microevolutionary process, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?CMD=se arch&DB=books, 05-07-03. 9. LIOTTA, Lance A., KOHN, Elisa C., Invasion and metástases – Tumor-host and tumor-stromal interactions. In BAST, Robert C. et al., Cancer Medicine, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?CMD=se arch&DB=books, 05-07-03. 10. KELLY, Jeanne, Metastasis or “mets” how cancer spreads, http://www.phoenix5.org, 05-07-03. 11. Biology of tumor growth: growth of most malignant tumors, http://www.bcm.tmc.edu/osa/ class05/pathneos1, 05-07-03. 12. The cell biology of câncer, http://www.erin. utoronto.ca/~w3bio315/cancer.htm, 05-07-03. 87 88 Rute Ferreira Interna Complementar de Medicina Geral e Familiar, Centro de Saúde S. João Marta Moreira Interna Complementar de Medicina Geral e Familiar, Centro de Saúde Ermesinde Náuseas e vómitos na gravidez Resumo Justificação: Náuseas e vómitos afectam cerca de 80% das grávidas, sendo mais frequentes no primeiro trimestre da gravidez. Embora não estejam associados a mau prognóstico podem ter um impacto na qualidade de vida da grávida e da família. Metodologia: Pesquisa de artigos de revisão e guidelines na Medline e em sites EBM, publicados entre 2002 e 2006, com as palavras-chave “nausea”, “vomiting” e “pregnancy”. Os resultados obtidos foram classificados segundo a taxonomia SORT. Revisão: As náuseas e vómitos na gravidez têm uma etiologia multifactorial e é importante fazer o diagnóstico diferencial com outras entidades clínicas. O tratamento deve ser individualizado. Inicialmente deve-se optar por um tratamento conservador (alterações dietéticas, suporte emocional e tratamentos alternativos). Em situações persistentes pode ser necessário tratamento farmacológico com piridoxina e/ou doxilamina. Casos com critérios de gravidade (por exemplo, hiperemese gravídica) deverão ser referenciados aos Cuidados de Saúde Secundários. Conclusão: A maioria das situações de náuseas e vómitos na gravidez são benignas e auto-limitadas, podendo ser orientadas nos Cuidados de Saúde Primários. O Médico de Família deve, por isso, estar preparado para diagnosticar e agir adequadamente. É proposto um algoritmo de actuação elaborado pelas autoras. Introdução As náuseas e vómitos associados à gravidez podem ocorrer em até 80% das mulheres grávidas1-5. Habitualmente têm início entre a 4ª e a 7ª semana após a data da última menstruação, têm um pico entre a 8ª e a 12ª semanas e, excepto em 10% das mulheres, resolve-se até à 20ª semana de gestação1,4,6. Na maioria dos casos os sintomas são mais graves de manhã6. A hiperemese gravídica é a forma mais grave deste quadro e ocorre em 0,5 a 2% das grávidas1,4. Caracteriza-se por vómitos persistentes, desidratação, cetose, desequilíbrio hidroelectrolítico e perda de peso1,6. Mesmo as apresentações mais leves de náuseas e vómitos na gravidez podem ter um impacto psicossocial importante (depressão/ humor depressivo, faltas no emprego, efeitos negativos nos relacionamentos) nas mulheres grávidas e suas famílias4-6. Há, inclusive, relatos de casos de interrupção de gravidezes (desejadas) em mulheres com quadros graves e prolongados6. Os quadros não complicados de náuseas e vómitos comportam um prognóstico materno fetal favorável (inclusive está descrito um desfecho mais favorável da gravidez, incluindo menos abortamentos, nascimentos pré‑termo, nados-mortos, baixo peso ao nascer, atraso do crescimento intra-uterino e mortalidade)1,3. No entanto, a hiperemese gravídica pode afectar negativamente a saúde e bem-estar tanto da grávida como do feto1,4. Há várias entidades mais frequentemente associadas a este quadro: gestação múltipla, doença gestacional trofoblástica, trissomia 21 e hidrópsia fetal1,4. 90 Metodologia Foi realizada uma pesquisa de artigos de revisão e guidelines na Medline/PubMed, sites EBM, publicados em língua inglesa entre 2002 e 2006 com as palavras-chave “nausea”, “vomiting” e “pregnancy”. Foram consultados, também, artigos incluídos nas referências bibliográficas dos referidos anteriormente. Os resultados encontrados foram classificados segundo a taxonomia SORT. Revisão A etiologia das náuseas e vómitos na gravidez permanece desconhecida1,3,4 mas pensa-se ser multifactorial5. Possíveis causas apontadas são: níveis elevados de hCG, de estradiol, deficiência em vitamina B6 e infecção por Helicobacter Pylori1,3,4. Também poderão estar envolvidos factores psicológicos4. São factores considerados predisponentes para a ocorrência de náuseas e vómitos na gravidez: gestação múltipla, primigestas, feto de sexo feminino, adolescentes, história familiar ou pessoal de náuseas ou vómitos na gravidez, história de enxaqueca, factores psicológicos1,4. Perante uma mulher grávida com náuseas e vómitos é essencial uma avaliação cuidada envolvendo a anamnese e exame físico completo para exclusão de outras causas1,4. Os principais diagnósticos diferenciais a ter em conta são: patologia gastrointestinal (gastroenterite, hepatite, apendicite aguda, patologia biliar), patologia génito-urinária (pielonefrite, litíase renal, torsão de ovário), cetoacidose diabética, hipertireoidismo, enxaqueca, outras condições associadas à gravidez (fígado gordo agudo da gravidez, pré-eclâmpsia), intolerância/toxicidade a fármacos1,4,7. Caso os achados da anamnese e/ou exame físico sugiram outra causa poderão ser necessários exames auxiliares de diagnóstico para confirmar ou excluir essa hipótese1,4. Nos casos mais graves e/ou persistentes deverá ser pedido monograma e análise da urina para excluir complicações do quadro1,4. Tratamento O tratamento deve ser individualizado tendo em conta que diferentes mulheres têm necessidades diferentes. Por exemplo, o mesmo número de episódios de vómitos diários pode ter impactos diferentes em duas mulheres7. O tratamento inclui medidas não farmacológicas e medidas farmacológicas1,2,6. 91 Medidas não farmacológicas Medidas dietéticas O tratamento de mulheres com quadros leves deve iniciar-se com medidas dietéticas: − Refeições pequenas e frequentes; − Evitar odores e texturas dos alimentos que desencadeiem náuseas; − Os alimentos sólidos devem ter um paladar suave, ser ricos em hidratos de carbono, pobres em gordura; − Os alimentos “salgados” (bolachas água e sal, batatas fritas) costumam ser bem tolerados logo de manhã; − As bebidas com sabor mais amargo (por exemplo limonada) são frequentemente mais bem toleradas do que a água1. Apoio emocional Embora não haja uma associação forte entre as náuseas e vómitos da gravidez e doenças do foro psicológico, algumas destas mulheres podem manifestar alterações afectivas, nomeadamente depressão1. É, assim, importante que recebam apoio adequado quer da família quer da equipa de saúde que as acompanha1. As náuseas e vómitos associados à gravidez podem ocorrer em até 80% das mulheres grávidas. Habitualmente têm início entre a 4ª e a 7ª semana após a data da última menstruação, têm um pico entre a 8ª e a 12ª semanas e, excepto em 10% das mulheres, resolve-se até à 20ª semana de gestação. Na maioria dos casos os sintomas são mais graves de manhã. 92 São factores considerados predisponentes para a ocorrência de náuseas e vómitos na gravidez: gestação múltipla, primigestas, feto de sexo feminino, adolescentes, história familiar ou pessoal de náuseas ou vómitos na gravidez, história de enxaqueca, factores psicológicos. Tratamentos alternativos Há tratamentos alternativos como a acupressão, a acupunctura e suplementos de gengibre que poderão ser benéficos, embora sejam necessários mais estudos para estabelecer a eficácia destes tratamentos1-3,5,8,9. O gengibre é um tratamento alternativo popular usado em muitas culturas para o tratamento das náuseas e vómitos na gravidez. Pode ser usado na forma de chã, ginger ale e cápsulas. Embora não haja estudos que reportem a segurança do gengibre na gravidez, há autores que defendem que o seu uso em várias culturas e a ausência de evidência de teratogenicidade são a favor do seu uso na gravidez (força de recomendação B, nível de evidência 2)1-3,5,8. Terapêutica farmacológica A piridoxina (força de recomendação A, ensaio clínico randomizado)5 e a doxilamina podem ser usadas isoladamente ou em combinação1,5,7. Está disponível em Portugal uma combinação de piridoxina, e diciclomina, doxilamina (Nausefe)3, que, tipicamente se prescreve na posologia de 2 comprimidos à noite para os sintomas mais leves e até 6 comprimidos por dia nos casos mais graves1,2,6,7. Outros fármacos Caso as medidas anteriormente descritas se demonstrem ineficazes, o passo seguinte é o uso de outros fármacos nomeadamente a prometazina (força de recomendação B)5, a clorpromazina, antagonistas da serotonina (ondasetron) e anti-histamínicos H1 (dimenidrinato e a meclizina)1-3,4,5,7 que demonstraram a sua eficácia nestes quadros clínicos1,6. Outros fármacos que são usados no tratamento das náuseas e vómitos na gravidez são a metoclopramida e corticoides (metilprednisolona)1,3,5. Dose Dose máxima diária Via de administração Piridoxina 25 mg 3x/dia 200 mg Oral Doxilamina 25 mg 1x/dia 25 mg Oral ? Doxilamina + Piridoxina + diciclomina Nausefe® (10+10+10mg) 3 comp/dia 6 comp Oral ? Força de recomendação A. Nível de evidência 2 Dimenidrato Enjomin®, Viabom®, Vomidrine® 50-10 mg, 4 a 6x/dia 400 mg (200 se associado à doxilamina) Oral, rectal B Força de recomendação B. Nível de evidência 2 Prometazina Fenergan® 12,5-25 mg,4 a 6x/dia 150 mg Oral, intramuscular C Meclizina Navicalm® 25 mg, 4 a 6x/dia 150 mg Oral B Metoclopramida Primperan® 5-10 mg, 3x/dia 40 mg Oral, intramuscular, endovenosa B Clorpromazina Largactil® 10-25mg, 2 a 4x/dia 100 mg Oral, intramuscular C Ondasetron Zofran® 8 mg, 2 a 3x/dia 24 mg Oral, endovenosa B Fármaco Categoria na gravidez Notas 1ª linha A Força de recomendação A. Nível de evidência 1 Força de recomendação B. Nível de evidência 2 2ª linha Força de recomendação B. Nível de evidência 1 Força de recomendação B. Nível de evidência 2 Outros Quadro 1.Terapêutica medicamentosa1,4-6 comp: comprimidos Conclusão A maioria das situações de náuseas e vómitos na gravidez são benignas e auto-limitadas, podendo ser orientadas nos Cuidados de Saúde Primários. Podem, no entanto, ter um impacto significativo nas grávidas e suas famílias. Médico de Família deve, por isso, estar preparado para diagnosticar e agir adequadamente. É proposto um algoritmo de actuação (figura 1). 93 A maioria das situações de náuseas e vómitos na gravidez são benignas e autolimitadas, podendo ser orientadas nos Cuidados de Saúde Primários. Podem, no entanto, ter um impacto significativo nas grávidas e suas famílias. Médico de Família deve, por isso, estar preparado para diagnosticar e agir adequadamente. 94 Figura 1. Organigrama para a avaliação e tratamento de Náuseas e Vómitos na gravidez1,6.Ver texto e Quadro 1 para diagnósticos diferenciais e tratamento não farmacológico 95 Referências bibliográficas 1. Quinlan JD. Hill DA. Nausea and Vomiting of pregnancy. Am Fam Physician 2003;68:121-8. 2. Chandra K. Einarson A. Koren G.Taking ginger for nausea and vomiting during pregnancy. Can Fam Physician. 2002 ; 48: 1441-42. 3. Jewell D. Nausea and vomiting in early pregnancy. Clin Evid Concise 2003;9:293-4. 4.Wilcox SR. Pregnancy, Hyperemesis Gravidarum.Acedido em 4 de Setembro de 2006 em: http//www.emedicine. com/emerg/topic1075.htm. 5. Flake ZA, Scalley RD, Bailey AG. Practical Selection of Antiemetics. Am Fam Physician 2004;69:1169-74,1176. 6. Levichek et al. Nausea and vomiting of pregnancy. Evidence-based treatment algorithm. Can Fam Physician. 2002 ; 48: 267,266,277. 7. Canadian Consensus. Managing women with nausea and vomiting of pregnancy. Can Fam Physician. 2002 ; 46: 299-301. 8. Borrelli F, et al. Effectiveness and safety of ginger in the treatment of pregnancy-induced nausea and vomiting. Obstet Gynecol April 2005;105:849-56. 9. Rosen T, et al. A randomized controlled trial of nerve stimulation for relief of nausea and vomiting in pregnancy. Obstet Gynecol July 2003;102:129-35. 96 Gustavo Afonso Enfermeiro graduado. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá. Responsável pela Assistência Domiciliária de Enfermagem ([email protected]) Lara Costa Enfermeira graduada. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá Marta Miranda Enfermeira graduada. Pós-Graduação em Enfermagem de Emergência. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá Pé Diabético: prevenção e tratamento Introdução A prevalência da diabetes tem vindo a aumentar em toda a população mundial, provocada pela associação de diversos factores como o aumento da longevidade das pessoas, hábitos alimentares, obesidade e sedentarismo. Esta patologia encontra-se também muito associada a patologia vascular e a hipertensão arterial, o que conduz a complicações cada vez mais complexas, difíceis de tratar e causa de grandes taxas de morbilidade e mortalidade. dos números de amputações cirúrgicas dos membros inferiores. Resumidamente, existem dois tipos de Pé Diabético e, assim, tipos de úlceras diferentes: neuropático e isquémico. É essencial conhecer a etiopatogenia de cada um deles para que o tratamento seja o mais efectivo e eficaz e para que se cumpra o objectivo da Declaração de St. Vincent: em cinco anos, a diminuição a metade do número de amputações pela perna e coxa. (Foto 1) De entre as complicações mais importantes da diabetes surge-nos a retinopatia, a nefropatia, a neuropatia e a vasculopatia como aquelas que condicionam elevada morbi-mortalidade. O Pé Diabético é uma das complicações mais catastróficas da diabetes, uma vez que ainda continua a ser responsável por elevaFoto 1: amputação pela coxa. 97 98 Epidemiologia Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) há, no mundo, mais de 180 milhões de pessoas com diabetes, número que deverá aumentar para mais do dobro em 2030. Em 2000, a prevalência da diabetes era de 2,8% (171 milhões de pessoas) e em 2030 a OMS prevê que será de 4,4% (366 milhões). Estima-se que em 2005 ocorreram 1,1 milhões de mortes devidas à diabetes, número que poderá aumentar mais de 50% nos próximos 10 anos. 8 Segundo a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), em Portugal deverão existir entre 300.000 a 500.000 diabéticos, calculando-se que “a diabetes consuma mais de 10% dos recursos globais da saúde.” 2 Segundo a Direcção Geral da Saúde (DGS), cerca de 15% da população diabética tem condições favoráveis ao aparecimento de patologia nos pés, sendo que o Pé Diabético será responsável por cerca de 40% a 60% de todas as amputações não traumáticas (1.200 amputações por ano). Cinco anos após a primeira amputação, mais de metade dos doentes poderá sofrer amputação contralateral. 2,6 Classificação O Pé Diabético pode ser classificado em Neuropático e Isquémico (classificação de Edmonds em 1987). Uma vez que o pé isquémico puro sem neuropatia é raro no doente diabético, também pode receber o nome de neuro-isquémico (classificação de Edmonds em 1994). 9 Segundo a DGS, “a distinção principal destes dois tipos de pé está na presença, ou ausência, de pulsos periféricos. Por esta razão, na prática clínica, os parâmetros diagnósticos decisivos são os vasculares, enquanto que os neurológicos apenas são confirmativos.” 2 Pé Neuropático Definição Presença de um ou dois pulsos palpáveis (pedioso ou tibial posterior) e forte expressão da neuropatia. tais como dedos em garra (foto 2) e focos de hiperpressão. Surgem, assim, hiperqueratoses, calosidades e alterações distróficas das unhas como resposta fisiológica à exposição continuada à pressão e posturas incorrectas. Fisiopatologia A causa exacta da neuropatia não é, ainda, consensual. Acredita-se, no entanto, no papel fundamental de um mau controlo glicémico, ou seja, de hiperglicemias prolongadas. As principais alterações provocadas pela neuropatia autonómica referem-se à diminuição da sudação, originando pele seca com gretas e fissuras. Da disfunção autonómica (simpatectomia) resulta ainda a abertura de shunts arterio-venosos com aumento do fluxo sanguíneo que ocasiona um aumento da reabsorção óssea (o que acarreta osteopenia, colapso articular e diminuição da resistência a fracturas), manifestando-se por pés quentes, túrgidos e deformados. A neuropatia revela-se a nível sensitivo, motor e autonómico. A neuropatia sensitiva origina diminuição da sensibilidade dolorosa e propioceptiva e até anestesia completa do pé, o que facilita traumatismos repetidos sem que o doente se aperceba. A nível motor, a neuropatia ocasiona atrofia muscular responsável pelo alinhamento do pé, originando-se deformidades estruturais Foto 2: dedos em garra. A úlcera neuropática é provocada por uma agressão contínua que é permitida pela insensibilidade neuropática. Esta agressão pode referir-se às próprias deformidades apresentadas, focos de hiperpressão e calosidades. Pode ser ainda um factor extrínseco como por exemplo o uso de calçado inapropriado, exposição a fontes de calor ou uso de calicidas.7,9 99 100 Características da Úlcera Neuropática Surge em zonas de hiperpressão, sendo muito frequente na zona plantar do antepé e nos dedos deformados. Pé Isquémico Definição Caracterizado pela ausência de pulsos nas duas artérias, tibial posterior e pediosa. São profundas, com bordos hiperqueratósicos e com tendência para a operculização. O leito da ferida apresenta predominantemente tecido de granulação (foto 3). 4 Fisiopatologia O Pé Isquémico resulta da doença aterosclerótica dos grandes vasos do membro inferior. Foto 3: úlcera neuropática. A fisiopatologia da aterosclerose nos doentes diabéticos é semelhante à da população em geral. No entanto, é mais frequente nos diabéticos, a sua incidência é igual entre homens e mulheres, é sempre bilateral, progride distalmente e mais rapidamente do que nos não diabéticos. Está directamente relacionada com o tabagismo, a hipertensão arterial e a hiperlipidémia. O Pé Isquémico caracteriza-se por ter pele pálida, fria, rarefacção pilosa, unhas deformadas, grossas e sem brilho, fica pálido quando elevado, tornando-se cianosado em declive. A úlcera isquémica ocorre habitualmente como consequência de um pequeno traumatismo ocasional ou provocado pelo calçado.1,9 O Pé Diabético é uma das complicações mais catastróficas da diabetes, uma vez que ainda continua a ser responsável por elevados números de amputações cirúrgicas dos membros inferiores. Características da úlcera isquémica A úlcera é de localização latero-digital (dedos, face lateral externa do pé e posterior do calcanhar). É muito dolorosa e com predominância de tecido necrosado. A evolução da necrose é imprevisível, quase sempre rodeada por um anel de eritema. Apresenta um eleva do risco de infecção (fotos 4 e 5). 4 Diagnóstico diferencial Para tratamento do Pé Diabético é fundamental fazer a correcta distinção entre pé neuropático e pé isquémico. A palpação dos pulsos periféricos (tibial posterior e pedioso) e a determinação do IPTB (Índice de Pressão Tornozelo/Braço) permite-nos confirmar ou excluir patologia arterial (temática abordada no número 4 desta publicação – “Úlceras arteriais e diagnóstico diferencial”). Os valores aceitáveis de IPTB nos doentes diabéticos situam-se entre 0,9 e 1,3. Quando o IPTB é superior a 1,3 podemos estar na presença de um caso em que existe calcificação das paredes arteriais que torna as artérias incompressíveis resultando numa pressão arterial sistólica maleolar falsamente elevada, o que requer estudo vascular mais profundo recorrendo a outros meios auxiliares de diagnóstico (como por exemplo, eco-doppler). 4,6 Para confirmação da neuropatia deve-se avaliar a existência de sinais e sintomas como parestesias, dor (sensação de queimadura, de picada ou cãimbras), ausência total de dor e sinais como calosidades ou deformidades ósseas. Para despistar a diminuição da sensibilidade deve-se recorrer ao uso do monofilamento de Semmes-Weinstein (percepção da pressão) e do diapasão (percepção da vibração) (fotos 6, 7 e 8). 4,5,6 Fotos 4 e 5: úlceras isquémicas. 101 Foto 6: aplicação do monofilamento. 102 Foto 7: pontos de aplicação do monofilamento. Foto 8: aplicação do diapasão. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) há, no mundo, mais de 180 milhões de pessoas com diabetes, número que deverá aumentar para mais do dobro em 2030. …cerca de 15% da população diabética tem condições favoráveis ao aparecimento de patologia nos pés, sendo que o Pé Diabético será responsável por cerca de 40% a 60% de todas as amputações não traumáticas (1.200 amputações por ano). Cinco anos após a primeira amputação, mais de metade dos doentes poderão sofrer amputação contralateral. Tratamento do Pé Diabético O Grupo de Trabalho Internacional sobre o Pé Diabético elaborou o Consenso Internacional sobre o Pé Diabético, no qual se baseiam as Directivas Práticas sobre o Tratamento e a Prevenção do Pé Diabético que contemplam cinco princípios no tratamento do Pé Diabético: 5 1. Inspecção e exame frequentes do pé em situação de risco; 2. Identificação do pé em situação de risco; 3. Educação do doente, dos familiares e dos prestadores de cuidados de saúde; 4. Utilização de calçado apropriado; 5.Tratamento da patologia não ulcerada. 1. Inspecção e exame frequente do pé em situação de risco Deve ser efectuado pelo menos uma vez por ano, excepto em situações de risco cujo exame deve ser mais frequente. Nesta altura deve ser elaborada a anamnese, a inspecção da pele (cor, temperatura, turgescência) e anexos, ossos e articulações (deformidades) e calçado. É neste exame que é feita a avaliação neurológica e vascular. 2. Identificação do pé em situação de risco No Consenso Internacional sobre o pé diabético, estão estabelecidas três categorias de risco: • Grau I: ausência de neuropatia sensitiva. • Grau II: neuropatia sensitiva. • Grau III: neuropatia sensitiva e/ou deformações dos pés ou proeminências ósseas e/ou sinais de isquemia periférica e/ou úlcera anterior ou amputação. A vigilância do pé diabético é feita de acordo com a sua classificação em termos de risco. Segundo a DGS, o pé diabético pode ser classificado em: • Baixo risco: ausência de factores de risco. A vigilância deve ser anual. • Médio risco: ausência de neuropatia ou vasculopatia e presença de, pelo menos, outro factor de risco. A sua vigilância deve ser semestral. • Alto risco: existência de neuropatia ou isquemia, ou úlcera cicatrizada ou amputação prévia. O doente deve ser avaliado de um a três meses. 103 104 3. Educação do doente, dos familiares e dos prestadores de cuidados de saúde O conhecimento do risco de ulceração e dos cuidados com os pés é um passo importante para a prevenção da ulceração e suas complicações. O profissional de saúde deve estar realmente formado acerca da problemática e deve conseguir educar o doente/família no sentido de o motivar a levar a adquirir aptidões e capacidades para o cuidado aos pés. 4. Utilização de calçado apropriado O calçado inadequado é, com muita frequência, a causa da ulceração. O ideal seria a aquisição de calçado, palmilhas e ortoses perfeitamente adequados ao pé, às suas deformações e alterações biomecânicas. No entanto, as condições sócio-económicas dos doentes muitas vezes não o permitem. (Foto 9) As questões mais pertinentes a abordar no processo educativo são: • Inspecção diária dos pés pelo doente ou outra pessoa quando este não é capaz. • Cuidados de higiene regulares com aplicação de creme hidratante exceptuando nos espaços interdigitais que devem permanecer secos. • Evitar agressões externas: fontes de calor, produtos químicos (ex.: calicidas), evitar andar descalço, cortar as unhas a direito, tratamento das calosidades por profissionais de saúde. • Alimentação cuidada e rigoroso controlo metabólico. Foto 9: palmilhas. Contudo, há aspectos a que os doentes devem atender na utilização do calçado. O sapato deve ter um centímetro mais que o dedo mais comprido e deve ser suficientemente alto e amplo para evitar a lesão dorsal e lateral dos dedos.A altura do tacão não deve ter mais que dois centímetros e o calcanhar deve ser firme para conter o pé sem deslizar. A fisiopatologia da aterosclerose nos doentes diabéticos é semelhante à da população em geral. No entanto, é mais frequente nos diabéticos, a sua incidência é igual entre homens e mulheres, é sempre bilateral, progride distalmente e mais rapidamente do que nos não diabéticos. 5. Tratamento da patologia não ulcerada Devem ser tratadas todas as patologias associadas a alterações cutâneas e das unhas (calosidades, hiperqueratoses e onicomicoses). As deformações devem ser tratadas através da utilização de ortoses. (Foto 10) • Controlo metabólico e da co-morbilidade; • Educação dos doentes e familiares; • Determinação da causa e prevenção da recorrência (prevenção de lesões no pé contralateral e inclusão do doente num programa de avaliação contínua); • Cuidados locais da ferida. Tratamento local Tratar localmente a ferida segundo princípios de tratamento em meio húmido (temática abordada no número 1 desta publicação – “Abordagem da Ferida Crónica – Tratamento Local”), atendendo a cuidados particulares: Foto 10: tratamento de patologia não ulcerada. Tratamento da úlcera Segundo as Directivas Práticas, o tratamento pode obter taxas de cura de 80% a 90% se for baseado nos seguintes princípios: 5 • Alívio da pressão (com calçado apropriado e palmilhas); • Melhoria da irrigação cutânea (revascularização arterial cirúrgica, tratamento do tabagismo, hipertensão arterial e dislipidémia); • Tratamento da infecção (com antibioterapia sistémica; não utilizar antibióticos tópicos); • Úlcera Neuropática: desbridar calosidades, vigiar pseudo-cicatrização e fazer pensos de pequenas dimensões (de modo a que o doente possa continuar a utilizar o calçado apropriado). • Úlcera Isquémica: avaliar sempre e em primeiro lugar a possibilidade de revascularização. No tratamento local instituir medidas não traumáticas ou agressivas para não ocorrer agravamento da necrose. Assim, não está indicado desbridamento com bisturi ou tesoura e está indicada a aplicação de iodopovidona dérmica para ocorrer a formação de necrose seca com a finalidade da auto-amputação das áreas necrosadas (ex.: dedos), principalmente nos casos em que não é possível proceder à revascularização. 3 105 Conclusão A diabetes não tem tratamento. É possível, no entanto, prevenir as suas complicações para que as suas manifestações sejam cada vez mais tardias e menos agressivas. Neste aspecto, a prevenção secundária desempenha um papel fundamental e benéfico para a qualidade de vida individual e para o reflexo em termos de custos sócio-económicos da doença. O Pé Diabético é uma complicação grave e provocada na maior parte dos casos pelo uso de calçado inadequado. 106 E, apesar de cada vez melhor conhecida a sua problemática, a possibilidade da ocorrência de lesões e o potencial de uma lesão já instalada são muitas vezes negligenciados. É cada vez mais importante a formação dos profissionais de saúde no âmbito desta temática, a par da educação dos doentes/ família/cuidadores para cuidados preventivos relativos à doença em geral e ao pé diabético em particular. Bibliografia 1. BARANOSKI, S., AYELLO, E., (2004). O essencial sobre o tratamento de feridas. Lusodidacta. Loures, Portugal. ISBN 972-8930-03-8. 2. DIRECÇÃO GERAL DA SAÚDE. Circular Normativa n.º8 de 24/04/01. 3. EUROPEAN WOUND MANAGEMENT ASSOCIATION (EWMA).Documento de Posicionamento: Preparación del lecho de la herida en la práctica. London: MEP Ltd, 2004. 4. GRUPO DE TRABAJO SOBRE ÚLCERAS VASCULARES DE LA A. E. E.V.VALENZUELA, A. R. (coord). (2004). Consenso sobre úlceras vasculares y pie diabético de la Asociación Española de Enfermería Vascular (A.E.E.V.). Espanha. 5. GRUPO DE TRABALHO INTERNACIONAL SOBRE O PÉ DIABÉTICO (1999). Directivas práticas sobre o tratamento e a prevenção do pé diabético. ISBN: 90-9012716-x. 6. GRUPO NACIONAL PARA EL ESTUDIO Y ASESORAMIENTO EN ÚLCERAS POR PRESIÓN Y HERIDAS CRÓNICAS. TORRA I BOU e SOLDEVILLA (coord). (2004). Atención integral de las heridas crónicas. Madrid, Espanha. ISBN 84 – 95552-18-3. 7. HORTA, Cláudia e PINTO, Sara. “Pé diabético. Prioridade: conhecer a entidade. Objectivo: prevenir a amputação” in Nursing nº 184, Janeiro 2004, pág.33 - 41. 8. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Nota Descritiva n.º 312 de Setembro de 2006. 9. SERRA, Luís M. Alvim et al (1996). O pé diabético e a prevenção da catástrofe. Publicação da Associação de Apoio ao Serviço de Endocrinologia do HGSA e Associação de Apoio ao Serviço de Ortopedia do HGSA. Porto, Portugal. Casos clínicos 107 Caso 1 • Idade: 79 anos. • Sexo: Feminino. • Patologias e factores de risco associados: Diabetes tipo 1 (diagnosticada há cerca de 20 anos e a fazer actualmente insulina 28U + 12U); HTA; dislipidemia; antecedentes de AVC (Julho 2005). • Localização: leito ungueal do hálux direito. • IPTB = 0.54. • Duração deste tratamento: 21 semanas. Tratamento: De 01/09/2006 a 05/10/2006: aplicação diária de iodopovidona. De 05/10/2006 a 26/01/2007: aplicação de colagénio + hidropolímero 2x/semana. 108 Caso 2 • Idade: 66 anos. • Sexo: Feminino. • Patologias e factores de risco associados: Diabetes tipo 2. • Localização: hálux direito. • IPTB = 1.5 (PA sistólica maleolar >250 mmHg). • Duração deste tratamento: 17 dias. Tratamento: De 05/01/2007 a 22/01/2007: aplicação de carboximetilcelulose sódica 3x/semana. Mafalda Duarte Docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, Psicóloga, Mestre em Gerontologia pelo European Master Gerontology (EuMaG), Mestre em Gerontologia Social (ICBAS) Constança Paúl Professora Doutora no ICBAS, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, coordenadora da UNIFAI, Unidade de Investigação e Formação sobre Adultos e Idosos Palavras-chave: idoso, avaliação ambiental, saúde, comportamento 110 111 Avaliação do ambiente institucional – estudo ecológico comportamental dos idosos Resumo Este estudo visa estudar a influência do meio e dos factores sociais no comportamento do idoso institucionalizado.Conta com a aplicação do SERA – Sistema de Evaluación de Residencias de Ancianos de Fernández-Ballesteros (1998) em contexto ecológico institucional. Tem como objectivos: averiguar a relação entre variáveis individuais (como saúde objectiva e subjectiva) e variáveis subjectivas (avaliação do conforto físico), predizer o poder das características ambientais (como a possibilidade de interferir nas políticas institucionais) na influência das capacidades funcionais (como nível de actividades) dos idosos e, por fim, verificar quais as relações entre o clima social e outros factores ambientais experienciados no contexto institucional. 112 Introdução Tendo em conta as alterações demográficas provocadas pelo envelhecimento em toda a Europa, a que Portugal não fica alheio, e as transformações que ocorrem nas sociedades actuais,proporcionam-se as condições para que se considere o processo de envelhecimento e a velhice como uma área a necessitar de apoio social. O reconhecimento da necessidade de intervir com políticas sociais orientadas para o desenvolvimento e optimização de respostas sociais, levou ao surgimento de equipamentos do tipo lar de idosos. em residências para idosos, propôs o Modelo Ecológico Comportamental. Em Portugal, cerca de 51 017 pessoas idosas residem em lares (num total de 1 702 120 pessoas com mais de 65 anos), são maioritariamente mulheres (69%) e 85% dos residentes tem mais de 75 anos de idade (INE, 2002). Este modelo atribui grande importância às condições ambientais e sua interacção com variáveis pessoais, considerando estas últimas na perspectiva do comportamento social (Fernández-Ballesteros, 2000). Para a autora, as condições ambientais devem ser analisadas tendo em conta a trajectória de vida e a história passada do sujeito. Sendo assim, as condições ambientais podem ser afectadas, num determinado momento, pelos próprios reportórios de comportamento do sujeito apreendidos pela transacção e interacção entre a pessoa e as circunstâncias do seu passado. No âmbito da Psicologia Ambiental foram realizados estudos acerca dos ambientes residenciais que apontam para uma forte interacção entre condições pessoais e ambientais no seio do contexto institucional. Baseandose no modelo de Moos e Lemke (1984), estudado em Portugal por Paúl (1995), e com o intuito de incorporar outras variáveis pessoais e ambientais relevantes para o estudo pessoa/ambiente, Fernández-Ballesteros (1998) baseada na investigação que efectuou A principal variável acrescentada faz referência ao tempo nas suas várias percepções: social, histórico e pessoal como factor que afecta e redefine o contexto e as próprias condições pessoais. Por outro lado, este modelo valoriza a existência de uma relação directa entre as condições de saúde e os níveis de desempenho comportamental. Esta relação influencia e é influenciada por variáreis contextuais e pessoais. Em suma, a saúde ou qualquer outro tipo de variáveis psicossociais (por exemplo: bem-estar e o nível de satisfação) podem ser explicadas em função da interacção entre as condições pessoais e as circunstâncias contextuais e ambientais – características físicas e arquitectónicas, organizativas e sócio-demográficas. Este estudo visou o conhecimento aprofundado de duas realidades institucionais distintas, através da aplicação do SERA – Sistema de Evaluación de Residencias de Ancianos, de Fernández-Ballesteros (1998), dando particular ênfase às seguintes escalas – QIP (Questionário de Informação Pessoal) e à ECS (Escala do Clima Social) que visam o comportamento dos idosos e a sua relação com aspectos contextuais. Tendo em conta as alterações demográficas provocadas pelo envelhecimento em toda a Europa, a que Portugal não fica alheio, e as transformações que ocorrem nas sociedades actuais, proporcionam-se as condições para que considere o processo de envelhecimento e a velhice como uma área a necessitar de apoio social. 113 114 Metodologia i) Caracterização da amostra A amostra é constituída por um número total de 64 idosos, 44 a residirem em contexto institucional público e 20 a residirem em contexto institucional privado. Esta foi criada a pensar na sua homogeneidade, isto porque apesar de ser composta por idosos a residir em contextos institucionais diferentes, estes apresentam algumas semelhanças. Assim, a franja etária dos idosos institucionalizados distribui-se entre 50 e 88 anos de idade (média etária de 76 anos). Relativamente ao género, 51,6% são do sexo feminino e 48,4% são do sexo masculino. Quanto ao estado civil, esta amostra contempla 40,6% de idosos viúvos, 32,8% solteiros, 17,2% casados e 9,4% separados/divorciados. Isto significa que grande parte destes idosos que recorreram à institucionalização encontravam-se sem cônjuge e/ou sem companheiro/a. No que se refere ao nível educacional, 43% não tem qualquer habilitação académica, são analfabetos, 26,5% sabem ler e escrever, tendo alguns frequentado a 3.ª e 4.ª classe. Os restantes 30,5% enveredaram por cursos profissionais e superiores. Em termos de actividade laboral durante a vida activa, 37% foram agricultores e domésticas. Seguidamente, com 28%, encontram-se sujeitos que desenvolveram actividades como “empregados de escritório” e “ funcionários de empresas”. A terceira categoria com mais peso (19%) prende-se com actividades que estão associadas a costura (nomeadamente o modelismo), comércio e hotelaria. Quanto ao tempo de permanência na instituição, 45,3% dos idosos residem há menos de 5 anos, 37,5% residem entre 5 a 10 anos e 17,2% estão a residir há mais de 10 anos em contexto institucional. No que diz respeito aos motivos que levaram estes idosos a tomarem a decisão da institucionalização, estes estão directamente associados, numa primeira instância, a razões como “medo da solidão” (32,8%) e “motivos familiares” (28%). Isto reflecte que o receio dos idosos estarem sós e de se sentirem sós constitui um dos motivos que contribui para a tomada de decisão. Paralelamente, os conflitos com a família, o facto de, muitas vezes, sentirem que são uma sobrecarga, um “fardo” no seio familiar, são outros factores preponderantes que influenciam na decisão da opção pela institucionalização. Por fim, é importante salientar que a maioria dos idosos (87,5%) partilham o seu quarto com mais do que um companheiro/a na instituição onde residem. ii) Variáveis e instrumentos utilizados Para se estudar as relações ambientais foi necessário uma recolha exaustiva de dados acerca das características individuais de cada idoso a residir em contexto institucional, bem como do ambiente social. Para tal, recorreu-se a instrumentos de avaliação que fazem parte do SERA – Sistema de Evaluación de Residencias de Ancianos, de Fernández-Ballesteros (1998). Este é um denso instrumento multidimensional de avaliação ambiental composto por 9 escalas (as primeiras 5 retiradas do instrumento original MEAP – Multiphasic Enviornmental Assessment Procedure de Moos & Lemke (1984) – e mais 4 escalas acrescentadas) que são: Inventário das Características Arquitectónicas e Físicas (ICAF); Inventário das Características Organizativas – Funcionamento (ICOF); Inventário das Características do Pessoal e Residente (ICPR); Escala do Clima Social (ECS); Escala de Avaliação (EA); Lista das Necessidades (LN); Questionário de Informação Pessoal (QIP); Questionário de Satisfação (QS) e Mapa de Interacção Ambiental do Comportamento (MICA). Esta investigação contou com a aplicação do QIP (Questionário de Informação Pessoal) em que se exploraram as condições específicas de cada idoso. Esta escala tem como objectivo avaliar variáveis pessoais dos residentes, inclui 44 elementos, divididos por 4 dimensões relevantes: “Habilidades Funcionais” (N= 9) – mede o nível de independência, autonomia dos residentes no desempenho de actividades de vida diária; “Actividade Pessoal” (N= 13) – avalia o índice de actividades levadas a cabo pela própria iniciativa dos residentes; “Integração na Comunidade” (N= 13) – avalia o índice de actividades fora da instituição e, por fim, questões relacionadas com a “ Saúde” (N= 9) dos residentes, nomeadamente a: • Saúde Objectiva: é avaliada através de indicadores objectivos da saúde, tais como o número de doenças que são diagnosticadas (no presente), número de vezes que foi ao médico (durante o último mês), número de medicamentos que toma actualmente, etc.; • Saúde Subjectiva: avalia o sentimento de se sentir saudável, de acordo com uma escala de “1” a “5” (mau, regular, normal, boa, excelente); Em suma, a saúde ou qualquer outro tipo de variáveis psicossociais (por exemplo: bem-estar e o nível de satisfação) podem ser explicadas em função da interacção entre as condições pessoais e as circunstâncias contextuais e ambientais – características físicas e arquitectónicas, organizativas e sócio-demográficas. 115 116 • Queixas de memória: avalia se o sujeito se queixa de problemas associadas à funcionalidade da memória; • Queixas associadas à depressão (Sintomatologia Depressiva). Paralelamente, para se avaliar o ambiente social baseamo-nos na ECS (Escala do Clima Social). Esta é composta por 63 questões a partir das quais se obtém um perfil do estabelecimento com sete dimensões que abrangem o relacionamento entre os indivíduos, o desenvolvimento do pessoal e a manutenção e mudança do sistema. As dimensões relacionais englobam uma medida de 1) “Coesão” – grau de apoio que os funcionários dão aos residentes; 2) “Conflito” – expressão de descontentamento e crítica entre os residentes e em relação à instituição; 3) “Independência” – encorajar a auto-suficiência, autodeterminação e a responsabilidade dos residentes; 4) “Autoexploração” – avalia comportamentos que visam encorajar a expressão aberta de sentimentos e preocupação dos residentes; 5) “Organização” – mede a importância da ordem e da organização da instituição; 6) “Influência dos Residentes” – avalia a medida em que os residentes podem influenciar as regras e a política da instituição e 7) “Conforto Físico” – aprecia o conforto, a privacidade, a decoração e agradabilidade do estabelecimento. Através das análises de regressão linear por passos (SPSS.Versão 14.0) as variáveis pessoais, como variáveis dependentes,foram relacionadas uma a uma com todas as características pessoais dos residentes (sexo; estado civil; escolaridade; tempo de permanência na instituição; motivos de ingresso; capacidades funcionais; nível de actividades; integração na comunidade; saúde física – número de medicamentos tomados, queixas relacionadas com problemas de saúde actuais, queixas relacionadas com a memória e com a depressão, bem como com problemas em relação à capacidade visual e auditiva – a saúde percepcionada pelos mesmos) e com todas as variáveis ambientais (a coesão vivida na instituição; o conflito experenciado; a independência dos residentes; a autoexploração; a organização geral do equipamento; a influência dos residentes e o conforto físico avaliado) considerando-as variáveis independentes. Seguidamente, a totalidade destas dimensões sociais foram consideradas variáveis dependentes e relacionadas com todas as variáveis pessoais e ambientais (independentes). É importante salientar que um ambiente que proporcione a partilha de sentimentos e emoções acaba por ser um meio que potencia a exteriorização de sentimentos de tristeza e angústia vividos pelo idoso. Assim, cada unidade ecológica deve ter em atenção que, para além de prestarem cuidados formais, acompanhamento nas actividades de vida diária e nas actividades instrumentais de vida diária, devem assegurar um ambiente facilitador à exploração afectiva e emocional do “eu” do idoso. 117 Variável Dependente Variável Independente Saúde Percepcionada Queixas de Memória Organização Nível de Actividades Queixas de Memória Saúde Objectiva Saúde Percepcionada Queixas Depressivas (depressão) 118 Saúde Objectiva Autoexploração iii) Resultados e conclusão A partir da análise dos coeficientes de regressão obtiveram-se os seguintes resultados mais significativos que estão ilustrados na Tabela 1.Todas as outras variáveis introduzidas nos modelos não se relacionaram de forma significativa com as restantes. Quando a saúde percebida foi utilizada como variável dependente, os resultados demonstram que as variáveis preditoras eram as queixas de memória, organização da instituição e o nível de actividades do idoso. Este conjunto de variáveis explica 43% da variância da saúde percebida dos residentes (R²= 0.43, P <0.001). Desta forma, a avaliação da saúde percebida do idoso institucionalizado depende da apreciação que este faz das suas queixas de memória (β = - 0.28), da organização geral do equipamento (β = 0.34) e do número de actividades sócio-recreativas e de lazer em que participa na instituição (β = 0.25). Nível de Actividades Saúde percepcionada Independência Coesão Independência Organização Conflito Coesão Autoexploração Depressão Influências Influências Autoexploração Conforto Conforto Tempo de permanência Saúde percepcionada Influência dos residentes R² F Sig 0.43 11.4 0.000 0,23 0.20 0.28 0.45 0.06 0.23 0.26 0.38 6.1 5.2 12.27 9.72 4.34 9.2 5.38 5.88 β T Sig 0.28 -2.88 0.007 0.34 1.38 0.002 0.25 1.82 0.026 0.25 2.17 0.034 - 0.25 - 2.07 0.042 - 2.27 - 2.29 0.020 0.23 1.99 0.050 0.44 4.08 0.000 0.25 2.32 0.023 0.26 2.36 0.021 0.44 3.75 0.000 -0.25 -2.09 0.041 0.29 2.64 0.010 0.39 3.52 0.001 0.33 2.92 0.005 0.26 2.14 0.036 -0.22 -2.03 0.046 0.25 2.13 0.037 0.25 2.32 0.024 Relações pessoais e ambientais entre idosos que habitam em contexto institucional Tabela 1. Resultados: Coeficientes de análise de regressão linear 0.001 0.003 0.000 0.001 0.041 0.000 0.001 0.000 119 120 Numa segunda análise tentamos estudar a influência de algumas dimensões pessoais e físicas na avaliação das queixas de memória dos residentes. Os resultados mostram que a saúde objectiva do idoso é influenciada pela capacidade de visão e pela sua autopercepção de saúde (R²= 0,23, P <0.001). Estas são as variáveis que mais significativamente influenciam as queixas relacionadas com capacidade de recordar e explicam 23% da sua variância. Assim, pode-se observar que as queixas relacionadas com a avaliação deste processo cognitivo são influenciadas pela autopercepção de saúde (β = -0.25) e pela alteração da capacidade visual (β = 0.25) dos idosos. Seguidamente estudamos a possível influência de variáveis pessoais e organizacionais nas queixas de depressão dos residentes. Os resultados mostram que a variável saúde objectiva (β = -2.27), mais especificamente o número de medicamentos administrados pelo residente e a avaliação que este faz acerca da possibilidade/oportunidade que tem para expressar de forma aberta sentimentos e preocupações (β = 0.23), explicam 20% da variância da depressão. Isto significa que as queixas relacionadas com a sintomatologia depressiva no idoso institucionalizado dependem essencialmente de duas componentes: uma componente objectiva (número de medicamentos ingeridos diariamente) e uma componente subjectiva (características de exploração afectiva e emocional do meio). Quando o nível de actividades dos residentes foi utilizado como variável dependente os resultados demonstram que as variáveis saúde percepcionada dos residentes (β = 0.44) e o grau de independência (β = 0.25) explicam 28% da sua variância (R²= 0.28, P <0.001). Assim, o nível de actividades sócio-recreativas e de lazer, tais como: ver televisão, ouvir música, ler um jornal ou livro, escrever (cartas, poemas, etc.), coser, bordar, participar em jogos, desenhar ou pintar, cuidar de plantas, etc., realizadas pelo idoso na instituição, prendem-se, essencialmente, com a sua percepção de saúde e com a sua auto-suficiência, autodeterminação e a sua própria responsabilidade enquanto sujeito activo no seu meio envolvente. No que se refere às dimensões sociais, mais precisamente à coesão, verificamos a partir dos resultados obtidos que duas variáveis, uma pessoal e outra de características organizacionais, têm uma relevância significativa (R²= 0.46, P <0.001) explicando 45% da variância de coesão.Assim, o grau de independência dos residentes – autonomia (β = 0.26) e a forma como a instituição está organizada (β = 0.44), numa forma geral, condicionam o apoio que o pessoal funcionário canaliza para os idosos a residir na instituição. Na tentativa de se perceber o que influencia a expressão de descontentamento e de crítica entre os residentes para com a instituição, foram efectuadas análises de regressão, em que apenas uma característica do clima social, a coesão (R²= 0.45, P <0.001), explica 45% da variância de conflito. Isto significa que o grau de apoio que os funcionários disponibilizam para os residentes (coesão – β = - 2.09) prediz Neste estudo constatamos que a intenção do idoso em participar nas actividades sócio-recreativas e de lazer levadas a cabo na instituição depende da sua condição física (estado funcional). Por sua vez, o idoso que participa dinamicamente é aquele que se sente melhor com o seu estilo de vida e com a sua saúde. Assim, o meio institucional ao optimizar a independência dos residentes, dando-lhes oportunidade para desenvolverem determinadas tarefas (concedendo o tempo necessário para tal), e ao potenciar a participação nas actividades, está a contribuir para um processo de envelhecimento activo e, por isso, saudável. as relações interpessoais dos residentes e o desagrado com o próprio equipamento. Analisando a influência de variáveis pessoais e ambientais na avaliação da autoexploração dos idosos, os resultados demonstram que dois factores, um de ordem pessoal – queixas de depressão (β = 0.29) e outro de ordem ambiental – influência dos residentes (β = 0.39), predizem significativamente (R² = 0.23, P <0.001) a sua variação (23%). Isto é, a avaliação da capacidade e oportunidade dos idosos expressarem e manifestarem de forma aberta os seus sentimentos, emoções e desejos, depende das queixas de depressão apresentadas e da apreciação que os próprios sustentam acerca da sua influência na implementação de regras e políticas de gestão no meio residencial. Seguidamente, ao estudarmos a interferência das variáveis ambientais na capacidade de influência dos residentes no seu contexto habitacional, e a partir dos resultados obtidos, constatamos que a avaliação da autoexploração (β = 0.33) e do conforto físico (β = 0.26) explicam parte dessa variação (26%). É do ponto de vista estatisticamente significativo (R²= 0.26, P <0.001) que estas variáveis ambientais interferem na forma como os idosos influenciam na implementação de regras e políticas da instituição. Sendo assim, a capacidade de influência dos idosos a residirem num equipamento para idosos depende das condições ambientais do contexto institucional em que estão inseridos, mais precisamente da avaliação da possibilidade de partilha do “eu” e pela apreciação de conforto físico. 121 122 Por fim, estudamos a influência das características individuais e organizacionais na percepção do conforto físico dos idosos institucionalizados. Os resultados mostram que é estatisticamente significativo (R²= 0.38, P <0.001) a influência das seguintes variáveis na sua diferenciação (38%): o tempo de permanência na instituição (β =- 0.22), a saúde percepcionada pelo residente (β = 0.25) e a influência do mesmo na implementação de regras e normas no seu ambiente habitacional. Ou seja, a noção de conforto do idoso a residir num equipamento para idosos depende, essencialmente, do tempo que reside na instituição, da sua autopercepção de saúde e da liberdade que lhe proporcionam para participar activamente nas políticas organizativas da instituição. De acordo com os resultados obtidos, observa-se uma rede densa de inter-relações entre condições pessoais e ambientais em idosos a viverem num equipamento do tipo lar para idosos. Numa tentativa de se sintetizar estas relações foi elaborado o seguinte quadro, no qual estão apresentadas as mais significativas considerando a interacção ambiente/ residente. A partir deste quadro (tabela 2) observa-se um sumário das relações constatadas neste estudo. Desta forma, torna-se pertinente debruçarmo-nos sobre elas para se poder tirar ilações importantes acerca das interacções entre características pessoais e ambientais (físicas e organizacionais), com objectivo de se perceber e perspectivar até que ponto estas interferem na conduta comportamental do residente. Interacções Ambiente / Residente Variáveis do Idoso Saúde Percepcionada Queixas de Memória Queixas Depressivas (depressão) Nível de Actividades Variáveis Ambientais Coesão Conflito Autoexploração Influências no Meio Tabela 2. Principais resultados referentes à influência do meio no comportamento do idoso institucionalizado Conforto Quanto mais queixas de memória apresentadas pelo residente pior é percepcionada a sua saúde. A organização geral da instituição influencia a saúde percebida do sujeito idoso. Assim, uma instituição que funciona com método e ordem potencia uma boa autopercepção de saúde. As actividades sócio-recreativas e de lazer em que o idoso participa/colabora na instituição interferem positivamente na sua avaliação de saúde. O idoso activo na instituição percepciona melhor a sua saúde. As queixas relacionadas com capacidade visual estão directamente relacionadas com as queixas de memória apresentadas pelo idoso institucionalizado. Quanto mais problemas relacionados com a visão mais mencionadas são as queixas de memória. Quanto melhor o idoso se sente de saúde menor são as queixas relacionadas com os problemas de memória. Quanto menor for a ingestão diária de medicamentos mais persistem as queixas relacionadas com a sintomatologia depressiva (depressão). Quanto mais o meio proporcionar condições para a partilha de sentimentos, emoções e desejos dos residentes, maior são as queixas de depressão salientadas pelos mesmos. Quanto melhor se sentir de saúde, mais o idoso participa activamente nas actividades sociais, recreativas e de lazer, levadas a cabo pela instituição. Quanto mais autónomo funcionalmente for o idoso mais apresenta capacidade e motivação para colaborar nas actividades diversas programadas pelo equipamento. Quanto maior for o apoio funcional e emocional do pessoal funcionário disponível para os residentes mais independentes os idosos se tornam. Quanto melhor estiver organizada a instituição, melhor é gerido este apoio aos residentes, em função das suas capacidades físicas, mentais e emocionais. Quanto menor o apoio dado aos residentes pelo pessoal funcionário, mais conflituosas são as relações interpessoais entre ambos. Prevalecem as queixas de depressão, no meio habitacional em que mais se permite a partilha de sentimentos e a exploração do “eu”. Quanto mais o idoso participa activamente na implementação das regras e normas, assumindo uma postura dinâmica no meio onde reside, mais o seu contexto envolvente permite a exploração afectiva e emocional do sujeito idoso. Quanto mais o meio residencial permite a exploração do sujeito em relação ao seu “eu”, mais este tende a assumir uma postura interventora. Quanto mais confortável se sentir o idoso em relação ao meio onde reside, mais este participa activamente na implementação de medidas e programas no seio habitacional. À medida que o idoso permanece na instituição, menos confortável se sente. Quanto melhor a sua autopercepção de saúde melhor é a sua noção de conforto físico. Quanto mais influente for o sujeito no seu meio envolvente, mais confortavelmente se sente a residir nesse mesmo meio habitacional. 123 Conclusão Globalmente, observa-se uma íntima relação entre variáveis pessoais, tais como: saúde percepcionada, nível de actividades e independência como é postulado em alguns modelos teóricos, (Lawton, 1977; Baltes, 1982; Fernandez-Ballesteros, 1983; Moos e Lemke, 1996) citados anteriormente. O estudo da avaliação da saúde (tanto a objectiva como a subjectiva) do idoso institucionalizado é um importante factor que influencia não só aspectos subjectivos, como queixas de memória e nível de actividades, como a própria noção de conforto físico. 124 Ressalta-se a influência do ambiente residencial sobre factores pessoais como muitos autores afirmam (Kahana, 1975; Lawton, 1997; Carp e Carp, 1984; Kodama, 1988). Especificamente, neste estudo, os resultados mostram que as seguintes características ambientais: 1) capacidade de influência no meio (políticas de escolha); 2) características organizacionais; 3) grau de apoio canalizado para os residentes e 4) a noção de conforto físico, predizem o comportamento do idoso a residir em contexto institucional. Outras relações encontradas são exemplos interessantes da influência ambiental na conduta comportamental do idoso. De facto, as condições do ambiente predizem a autodeclaração da depressão nos residentes. É importante salientar que um ambiente que proporcione a partilha de sentimentos e emoções acaba por ser um meio que potencia a exteriorização de sentimentos de tristeza e angústia vividos pelo idoso. Assim, cada unidade ecológica deve ter em atenção que, para além de prestarem cuidados formais, acompanhamento nas actividades de vida diária (AVD) e nas actividades instrumentais de vida diária (AIVD), devem assegurar um ambiente facilitador à exploração afectiva e emocional do “eu” do idoso. Outro aspecto importante a salientar diz respeito à promoção da independência que acarreta um relacionamento próximo com o nível de actividades dos residentes no seu meio habitacional. Como tem sido realçado por vários autores, a influência de características ambientais num estilo de vida saudável (tal como o elevado nível de actividades e independência) conduz à promoção de um envelhecimento saudável (WHO, 1990). Neste estudo constatamos que a intenção do idoso em participar nas actividades sócio-recreativas e de lazer levadas a cabo na instituição depende da sua condição física (estado funcional). Por sua vez, o idoso que participa dinamicamente é aquele que se sente melhor com o seu estilo de vida e com a sua saúde. Assim, o meio institucional ao optimizar a independência dos residentes, dando-lhes oportunidade para desenvolverem determinadas tarefas (concedendo o tempo necessário para tal), e ao potenciar a participação nas actividades, está a contribuir para um processo de envelhecimento activo e, por isso, saudável. Em relação à saúde percepcionada pelo idoso institucionalizado concluímos que esta é compreensível à luz de dois tipos de variáveis, considerando-se as condições pessoais, queixas de memória e actividade pessoal, bem como por condições ambientais, como as características organizacionais do equipamento. Segundo Little (1988), as expectativas do ambiente social e a forma como este se apresenta predizem a saúde subjectiva dos intervenientes ambientais. Assim, salienta-se a importância de uma boa gestão organizacional, pois esta interfere no comportamento adaptativo do idoso. É importante que o equipamento tenha presente esta interacção, porque todos os membros da equipa institucional contribuem de algum modo para a percepção de saúde do idoso que é, por outro lado, um critério crucial para a saúde e bem-estar do mesmo (Fillenbaum, 1984). No que diz respeito à interacção entre dimensões psicossociais, a relação mais evidente prende-se com o conflito e com a coesão. Isto significa que o apoio que o pessoal funcionário despende para os residentes é um factor importante para minimizar o descontentamento, os comportamentos agressivos, desafiadores e destrutivos entre os residentes. Desta forma, apela-se à informação e ao conhecimento do staff para a pertinência destas questões, pois o desempenho dos agentes de geriatria contribui para a estabilidade do ambiente vivido entre os idosos institucionalizados. Isto significa que o apoio que o pessoal funcionário despende para os residentes é um factor importante para minimizar o descontentamento, os comportamentos agressivos, desafiadores e destrutivos entre os residentes. Posteriormente, estudadas as dimensões do clima social, constatamos que a avaliação do conforto bem como da coesão entre residentes são prenunciadas por outros factores, também ambientais, ao contrário dos estudos de Izal (1992), em que as várias dimensões do clima social eram apenas associadas ao tamanho das instalações da instituição, e não com outras características ambientais. Assim sendo, a avaliação do conforto físico feito por um idoso institucionalizado depende do tempo que ele reside na instituição, pois à medida que o idoso permanece mais tempo na instituição, mais negativamente avalia os aspectos físicos do meio onde reside. Por outro lado, esta mesma avaliação do conforto depende da autopercepção de saúde do idoso institucionalizado. Isto significa que se o sujeito se sentir bem com a sua saúde física e psicológica, tende a estimar melhor o seu meio físico envolvente. Por fim, a postura activa do sujeito no seu meio residencial também interfere na sua avaliação de conforto físico. Desta forma, o idoso que participa activamente na implementação de normas e políticas na instituição onde reside, avalia mais satisfatoriamente este aspecto físico do ambiente em que está inserido. Estas relações tornam-se bastante importantes para percebermos que sendo o contexto físico sempre o mesmo, a avaliação deste depende bastante de variáveis temporais, pessoais e ambientais. Outra dimensão do clima social, importante para este estudo, refere-se à coesão observada em contexto institucional. O desempenho do pessoal funcionário depende do estado funcional (autonomia) dos residentes e da organização da instituição. Isto quer dizer que quanto mais dependentes forem os idosos mais disponibilidade apresenta o pessoal funcionário para o acompanhamento ao idoso. Este acompanhamento técnico qualificado é importante para potenciar a independência dos idosos residentes. Estas relações tornam-se cruciais, pois de alguma forma apelam para a importância da informação e do conhecimento que o agente de geriatria deve assegurar. Isto porque o desempenho da sua conduta profissional tem impacto no idoso ao nível físico e emocional. Outro ponto importante diz respeito à própria organização da instituição. Ressalva-se que quanto melhor estiver organizado o equipamento, melhor é gerido este apoio dado aos residentes em função das suas características físicas, mentais e emocionais. Assim sendo, os modelos de gestão de um equipamento para a terceira idade têm de ter em atenção questões tão importantes como esta. Uma administração que lide com método e ordem acaba por promover, de alguma forma, uma intervenção ajustada aos residentes. Até agora discutimos algumas relações entre diferentes tipos de características pessoais e dimensões ambientais em equipamentos para 125 idosos, que foram consideradas especialmente relevantes, tendo como base os resultados deste e de outros estudos. Salienta-se os resultados do trabalho desenvolvido por FernándezBallesteros (1998), em que se observaram relações ambientais coincidentes com o estudo agora desenvolvido. Denote-se que o trabalho desta autora tem uma mais-valia por ser representativo das residências para idosos em Espanha e porque, nos seus resultados, acrescem um ponto essencial no que diz respeito à exploração da variável pessoal – a satisfação dos idosos. 126 Indubitavelmente, este trabalho não esgota todas as possibilidades de relações e interacções em contexto institucional. Contudo, em jeito de conclusão final, gostaríamos de sublinhar os principais pontos deste estudo. Primeiro, a importância das relações de diferentes variáveis pessoais nos idosos, realçando a influência da autopercepção de saúde entre muitos outros aspectos. Segundo, o poder de predizer as características ambientais (físicas e organizacionais) que influenciam a conduta comportamental do idoso a residir em equipamentos para idosos. Terceiro, a forte relação entre condições específicas do ambiente institucional. Resumindo, este estudo tentou explorar a interacção entre variáveis pessoais e ambientais com contexto institucional para idosos. A continuidade deste trabalho através de outros estudos empíricos, com o objectivo de fornecer evidências, proporciona mudanças positivas nestes contextos e contribui para a promoção de saúde e bem-estar nos idosos que vivem nas instituições. Referências Baltes, M. M. (1982). 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A célula estaminal por excelência é o zigoto; este e as células resultantes das duas primeiras divisões são células totipotenciais, isto é, células que podem dar origem a um indivíduo, pois podem diferenciar-se em todos os tipos celulares do organismo e ainda nas células que compõem os tecidos extra-embrionários. Raquel Brito, Teresa Almeida Santos, João Ramalho-Santos Criopreservação de ovócitos e tecido ovárico: implicações para a fertilidade É absolutamente necessário discutir com os doentes oncológicos as opções disponíveis em termos de fertilidade e de possibilidades reprodutivas futuras. Esta realidade é particularmente importante nas mulheres jovens com cancro da mama, antes de proceder a quimioterapia. Fábio Salgado, Carla Xavier Próteses parciais removíveis acrílicas funcionais Este trabalho visa dar a conhecer uma técnica simples que vem incrementar a qualidade funcional das próteses parciais acrílicas, que são próteses de baixo custo, ainda hoje muito solicitadas por uma grande maioria da população. Maria Júlia Silva Lopes Percepção da qualidade de vida dos idosos maiores de 75 anos no concelho de Vila Nova de Gaia Estratégias educativas para a mudança O envelhecimento populacional constitui uma realidade e um desafio às sociedades modernas. A sociedade portuguesa, à semelhança de outros países, vive alterações demográficas com reflexos profundos no tecido social, familiar, laboral e educativo. Sónia Pereira Projecto de intervenção em crianças e adolescentes obesos Tratar e investigar a obesidade antes da idade adulta é extremamente importante, pois os hábitos e estilos de vida da criança e do jovem são mais fáceis de mudar do que os hábitos e estilos de vida do adulto. Além disso, os jovens sofrem mais a pressão da sociedade para que fiquem magros e a preocupação com o peso é maior, pois a gordura impede que os jovens se sintam integrados no seu grupo de pares. Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos - Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Tel. 253 639 800 Fax. 253 639 801 Email: [email protected] www.isave.pt Licenciaturas em: Enfermagem Fisioterapia Terapêutica da Fala Farmácia Higiene Oral Prótese Dentária Radiologia Análises Clínicas e Saúde Pública 4 de Maio de 2007 Seminário de Integração Profissional - Tecnologias da Saúde 18 e 19 de Maio de 2007 II Jornadas de Radiologia 25 a 28 de Maio de 2007 Curso de Formação para Instrutores de Massagem Infantil 1 e 2 de Junho de 2007 Curso de Preparação de Manipulados nas Áreas de Pediatria e Dermatologia Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone - 253 639 800 Fax - 253 639 801 Email - [email protected] www.isave.pt