Revista Médica - Hospital São Vicente de Paulo
Transcrição
Revista Médica - Hospital São Vicente de Paulo
Revista Médica Ano XVII, Nº 36, Janeiro - Junho de 2005 ÍNDICE Instruções aos Autores .................................................................................................................................. 6 Artigo Original Treinamento Físico e Suplementação de Creatina Magnésio no restabelecimento de Músculos Desnervados em Ratos .............................................................................................................................. 7 Caroline Malaggi, Ana Cristina Giacomini, Rafael Colombo, Fernando Luiz Giacomini. Infecção do Trato Urinário em Crianças no Hospital São Vicente de Paulo ............................................................ 12 Arthur S. Lazaretti, Caroline Martinello, Flávia P. Reginatto, Sérgio do Canto Pereira. Meningite Aguda em crianças no Hospital São Vicente de Paulo .......................................................................... 16 Caroline Martinello, Arthur S. Lazaretti, Flávia P. Reginatto, Sérgio do Canto Pereira. Dermatite Atópica no Ambulatório de Pediatria do Hospital São Vicente de Paulo .............................................. 21 Flávia P. Reginatto, Caroline Martinello, Arthur S. Lazaretti, Sérgio do Canto Pereira. Sinéquia de Pequenos Lábios ................................................................................................................................. 25 Glênio Spinato & Aline Agostini. Retalhos para Reconstrução de Perdas Musculocutâneas em Membros Inferiores ................................................. 28 Antonio L. Severo, Celso Scorsatto, Edgar B.Valente, Osvandré L.C. Lech. Artigo de Revisão Carcinoma Epidermóide da Cavidade Bucal ........................................................................................................... 35 Humberto Thomazi Gassen, Soluete Oliveira da Silva, Silvana Ghem Moraes. Doença Periodontal em Indivíduos Infectados pelo HIV ......................................................................................... 39 Simone Argenta, Micheline Sandini Trentin, Marcos Eugênio de Bittencourt, Maria Sonia Dal Bello, Maria Salete Sandini Linden. Medicina Periodontal - Relação entre Doença Periodontal e Diabetes Mellitus ...................................................... 43 Guilherme Menegaz Zanatta, Roger A Costa, Álvaro Soares, Gilberto Bortolini. Doença Periodontal e Desordens Cardiovasculares ................................................................................................ 46 Guilherme M Zanatta, Roger A Costa, Álvaro Soares. Artigo Especial Clínica Médica: Uma Especialização ou Opção para Ingressar em Subespecialidades? ....................................... 50 Júlio César Stobbe, Fabríce de Bortoli, Débora Falk Lopes, Luciano Marcelo Backes, Fernanda Cristina Ilha Algarve. Relato de Caso Retalho Arterial Dorso-Ulnar ................................................................................................................................... 53 Antônio Severo, Marcelo Costa, Osvandré Lech, Paulo Piluski, Carlos Rodrigo Jalowietzki Grün. Infarto Migranoso .................................................................................................................................................... 58 Angela Sanderson, Caroline Duarte, Cristian F. Nunes, João G. Castellano, Tailize Menegazzo, César Augusto L. Pires. Neuralgia do Trigêmeo secundária à Neurocisticercose ......................................................................................... 62 Jeanine Eggers Caramori, Luciane Miozzo, Nério Dutra Azambuja Júnior, Leonardo Frighetto. INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista Médica do Hospital São Vicente de Paulo publica artigos enviados espontaneamente ou por solicitação e aprovados pela Editoria Científica que expressam, prioritariamente, a produção científica na área de saúde em nosso meio. Estrutura suas edições com conteúdos de aplicação prática e de utilidade na rotina diária da maioria dos que a recebem, além de conteúdos científicos que sejam relevantes e relacionados. O aceite subentende a publicação exclusiva do artigo neste periódico. As afirmações contidas nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva dos autores. As normas editoriais da Revista Médica seguem as recomendações do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE: Uniform requeriments for manuscripts submitted to biomedical journals. N Engl J Med 1997; 336:309-315). Também, podem ser obtidas na Internet (http:// www.acponline.org). Os trabalhos deverão ser digitados em um editor de textos eletrônico (preferencialmente Word), dispensando-se formatação. Deverá ser enviada cópia impressa e em disquete 31/2". Os disquetes não serão devolvidos. Os autores devem manter cópias de todo material enviado (inclusive fotos e figuras). Os artigos enviados deverão, obrigatoriamente, incluir os seguintes itens: •Página Título: deverá conter título conciso e informativo; primeiro nome e sobrenome principal por extenso, com inicial de sobrenome secundário dos autores; instituição onde se realizou o trabalho (não deve constar a titulação dos autores); nome de um autor com endereço e telefone para correspondência. •Resumo e Summary: o resumo deverá ser apresentado em único parágrafo de não mais que 150 palavras, devendo ser informativo, trazendo, nos artigos originais, o objetivo, a metodologia, os resultados e as conclusões, enfatizando aspectos novos e importantes. O summary deverá ser uma tradução do resumo para a língua inglesa, devendo trazer também o título do trabalho e os unitermos em inglês. •Unitermos: fornecer ao final do resumo uma lista de 3 a 10 palavras ou frases curtas, que identifiquem os temas revisados com vistas à indexação. Procurar utilizar termos listados pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCs), editado anualmente pela BIREME/OPAS/OMS, São Paulo. Observar a redação e organização dos artigos conforme padrão da revista, como segue: Artigo Original: organização com Introdução, Material e Métodos, Resultados e Discussão, Referências. Evitar parágrafos muito curtos (2 ou 3 linhas) e procurar reunir uma linha de pensamento em um único parágrafo. Artigo de Revisão: organização com Introdução, Discussão, Conclusões e Referências. Relato de Caso: breve Introdução, Relato do Caso, Comentários e Conclusões e Referências. Referências Bibliográficas: trabalhos publicados citados no texto deverão ser numerados, uma referência para cada número, ordenados conforme ordem de aparecimento no texto. Os seguintes modelos devem ser adotados: Referências de Revistas: Palma L A S, Pilau J, Borges F G, Eickhoff C M. Pneumopatia por Fármacos. Rev Médica HSVP 1999; 11(24): 65-68. O nome do periódico deve ser abreviado segundo a edição do List of Journals do Index Medicus (publicado anualmente na edição de janeiro do Index Medicus) ou segundo o Index Medicus Latino-Americano. Referências de Resumos: Coleman RJ. Current drug therapy for Parkinson disease -a review (resumo ou "abstract"). Drugs Ag 1992; 2(2):112-24. Quando não publicado em periódico: publicação. Cidade em que foi publicado: publicadora, ano, página(s). Referência de Livros: Gilman AG, Rall TW, Nies AS & Taylor P. Pharmacological Basis of Therapeutics. 8th ed. USA: Pergamon, 1990. Referências de Capítulos de Livros: Brow, AC. Pain and Itch. In: Patton HD, Fuchs AF, Hille B, Scheram AM & Steiner R (Eds) - Textbook of Physiology. 21st ed. USA: WB Saunders Company, 1989; 1(16): 346-64. Quando existir mais de um volume, deverá ser referido imediatamente antes do número do capítulo, que ficará entre parênteses (exemplo acima). Comunicações pessoais: Só devem ser mencionadas no texto, entre parênteses. Tabelas: algarismos arábicos deverão ser usados para a numeração das tabelas, na ordem de aparecimento no texto. Cada tabela deverá ter um rodapé breve. Não utilizar linhas horizontais e/ou verticais dentro das tabelas. As tabelas não deverão duplicar o material do texto ou das ilustrações. Ilustrações: deverão ser referidas como Figuras e, para a numeração, deverão ser usados algarismos arábicos na ordem de aparecimento do texto. As figuras deverão ser desenhadas ou fotografadas de modo profissional, como aparecerão na Revista. As legendas contendo título e explicações para as Figuras deverão ser apresentadas em uma folha separada. Cada figura deverá ser impressa de forma que a imagem fique clara. Atrás das figuras deverá ser escrito a lápis ou em etiqueta adesiva o nome do primeiro autor, o título reduzido, uma seta indicando a posiçao correta e o número da figura. Agradecimentos: indivíduos ou instituições que contribuíram significativamente ao preparo do trabalho são identificados nesta seção. Os trabalhos que não se ajustem a estas diretrizes não serão aceitos. OBS.: A Editoria Científica da revista reserva-se o direito de adotar medidas para aprimorar o conteúdo, estrutura e redação dos artigos. –6– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 6 Artigo Original Treinamento Físico e Suplementação de Creatina Magnésio no restabelecimento de Músculos Desnervados em Ratos Caroline Malaggi1, Ana Cristina Giacomini2, Rafael Colombo1, Fernando Luiz Giacomini3. Curso de Ciências Biológicas, ICB1, Laboratório de Ciências Fisiológicas, ICB2, Faculdade de Medicina3, Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo A desnervação causa alterações estruturais e metabólicas no músculo. Com o objetivo de verificar os efeitos do exercício físico associado ao uso de suplementos energéticos sobre o reestabelecimento de músculos desnervados, ratos foram submetidos a desnervação por esmagamento do nervo ciático. Após a cirurgia os ratos foram divididos nos grupos: treinados por natação, tratados com creatina Mg++ durante 4 semanas e não tratados, sedentários tratados com creatina Mg++ e não tratados. Os parâmetros analisados foram à dosagem de glicogênio e o peso muscular. A creatina Mg++ e o exercício físico não foram eficazes em reduzir a atrofia muscular. Em relação à concentração de glicogênio muscular a creatina aumentou a concentração nos desnervados. O exercício físico não aumentou a concentração de glicogênio e diminuiu principalmente nos grupos não tratados. Concluímos que a creatina Mg++ pode ser um importante complemento na recuperação de comprometimentos neuromusculares. Unitermos: Desnervação, músculo esquelético, nervo ciático, creatina magnésio, treinamento físico. A desnervação muscular causada por ruptura ou esmagamento do nervo leva à perda imediata das atividades motoras e reflexas do mesmo e atrofia muscular progressiva1. Com isso, a realização das funções musculares fica prejudicada, mesmo em caso de restabelecimento da inervação, ocorrendo alteração da maioria das fibras musculares que são substituídas por tecido fibroso e gorduroso2. A interrupção completa da inervação motora leva a uma menor captação de glicose pela redução no número de transportadores, diminuindo, conseqüentemente, a síntese de glicogênio3. A prática de atividades físicas juntamente com o uso de suplementos energéticos tornam o metabolismo muscular mais eficiente, pois promovem hipertrofia muscular, maiores concentrações de creatina, fosfocreatina, ATP e glicogênio. Essas alterações causam aumento da força muscular com melhoria no desempenho e no metabolismo do músculo normal,4,5 bem como, podem contribuir na atenuação ou no retardamento dos efeitos da desnervação4. Uma das principais reservas de energia muscular é a glicose, que após ser captada é armazenada sob a forma de REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 7-11. glicogênio7,8. A creatina é outro substrato energético utilizado pelo músculo, sendo a principal reserva de fosfato de alta energia9,10. A suplementação de creatina é muito utilizada por atletas pois estimula o metabolismo celular, fornecendo uma síntese mais rápida de fosfocreatina no exercício9,10,11. Assim, a suplementação melhora a concentração de fosfocreatina estimulando uma elevada síntese de ATP, facilitando a recuperação muscular e retardando o aparecimento de fadiga10,11. A creatina também tem sido utilizada na terapêutica de doenças neuromusculares11. Patologias neuromusculares promovem reduções dos níveis de creatina e creatina fosfoquinase no músculo. Com isso, esses músculos perdem a capacidade de converter creatina em fosfocreatina e, posteriormente, formar ADP para a regeneração do ATP12,13. A creatina associada ao magnésio, onde o mesmo é quelado a duas moléculas de creatina, forma um composto estável. Esses dois componentes estão intimamente ligados à hidrólise de ATP e à produção de energia muscular. Assim, a baixa concentração de magnésio no organismo ocasiona queda no rendimento físico pela diminuição da produção de energia10. –7– Malaggi C. e cols. Treinamento Físico e Suplementação de Creatina Magnésio no restabelecimento de Músculos... O presente trabalho teve como objetivo testar a eficácia da creatina magnésio juntamente com a prática regular de exercícios físicos na recuperação de músculos desnervados. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi realizado no Laboratório de Ciências Fisiológicas, Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Passo Fundo (UPF). Foram utilizados ratos Wistar machos com idade de 2 meses, fornecidos pelo Biotério da UPF. Os ratos foram divididos em 4 grupos experimentais cada um constituído de 9 ou 10 amostras. Os grupos foram assim determinados: 1)Sedentários tratados com creatina; 2)Sedentários sem tratamento; 3)Treinados tratados com creatina e 4)Treinados sem tratamento Em cada rato os músculos sóleo e gastrocnêmio do membro posterior desnervado e controle (membro posterior contra-lateral) foram analisados 4 semanas após a desnervação. A desnervação foi realizada antes do treinamento físico e da suplementação com creatina Mg ++ . O procedimento cirúrgico foi realizado com os animais anestesiados com quetamina e xilazina, na concentração de 30mg /kg de peso corporal. Os ratos foram tricotomizados na porção superior do membro posterior esquerdo. Um segmento do nervo ciático foi isolado e lesado por esmagamento. O treinamento físico foi realizado por natação durante quatro semanas, sendo que os animais foram submetidos à natação com sobrepeso de chumbo correspondente a 8% do peso corporal 14. Na primeira semana os ratos passaram por um período de adaptação, nadando sem carga, por um tempo que variou de 5 a 25 minutos, aumentando progressivamente a cada dia. Na segunda semana os ratos nadaram com a carga sendo o tempo igual ao da primeira semana. A partir da terceira semana o tempo de natação foi de 25 minutos, todos os dias e com o sobrepeso de chumbo. A administração da Creatina Magnésio (Albion) foi realizada por via intragástrica na dosagem de 3g/ kg, cinco vezes por semana, durante 4 semanas. Ao término do período experimental os ratos foram sacrificados por decaptação para retirada dos músculos sóleo e gastrocnêmio. Os efeitos da desnervação sobre os músculos sóleo e gastrocnêmio foram avaliados a partir do peso muscular e do estudo do padrão metabólico do tecido muscular (dosagem de glicogênio). Para a determinação do glicogênio muscular os valores obtidos foram expressos em mg/ 100 mg de peso úmido (mg %). A avaliação estatística dos dados foi realizada através da Análise da Variância (ANOVA) e pelo Teste Tukey, ambos com nível crítico de 5% (p < 0,05). RESULTADOS O peso do músculo sóleo controle (não desnervado) foi semelhante entre os grupos de ratos sedentários tratados e não tratados e, treinados tratados e treinados não tratados (Tabela 1). A diferença de peso do músculo sóleo controle entre os ratos treinados sem tratamento e os ratos sedentários –8– sem tratamento não foi significativo (p > 0,05). A desnervação reduziu significativamente (p< 0,05) o peso muscular em todos os grupos (Tabela 1). A comparação do peso do músculo sóleo entre os grupos de ratos desnervados não mostrou diferença significativa (p > 0,05). Sóleo controle ó X Grupos Sedentário s/trat. (n=10) Sedentário tratado (n=10) Treinado s/trat. (n-09) Treinado tratado (n=10) A A A A 0.13 0.12 0.11 0.12 a a a a 0.02 0.02 0.02 0.03 Sóleo desnervado X ó B B B B 0.07 0.06 0.06 0.07 a a a a 0.01 0.02 0.02 0.02 X, média; ó, desvio padrão.. Médias seguidas por letras diferentes minúsculas na coluna e precedidas por letras maiúsculas diferentes na mesma linha diferem entre si. (Tukey p < 0,05). Tabela 1. Peso (g) do músculo sóleo de ratos controles e desnervados em cada grupo experimental. Em relação ao músculo gastrocnêmio nos grupos controle a média foi semelhante entre os ratos sedentários tratados e não tratados, e treinados tratados (Tabela 2). No grupo de ratos controles treinados não tratados com creatina o peso do músculo gastrocnêmio foi significativamente menor (p < 0,05) que no grupo controle de sedentários não tratados (Tabela 2). A desnervação reduziu significativamente (p < 0,05) o peso muscular de todos os grupos em relação aos grupos controle (não desnervados). No grupo treinado sem tratamento essa atrofia foi maior (Tabela 2). Gastrocnêmio controle X ó Grupos Sedentário s/tratam. (n=10) Sedentário tratado (n=10) Treinado s/tratam. (n=9) Treinado tratado (n=10) A 1.76 a A 1,69 ab A 1.50 b A 1.68 ab 0.17 0.18 0.18 0.25 Gastrocnêmio desnervado X ó B B B B 0.74 0.73 0.47 0.67 a a b a 0.12 0.15 0.06 0.16 X, média; ó, desvio padrão.. Médias seguidas por letras diferentes minúsculas na coluna e precedidas por letras maiúsculas diferentes na mesma linha diferem entre si. (Tukey p < 0,05). Tabela 2. Peso (g) do músculo gastrocnêmio de ratos controles e desnervados em cada grupo experimental. A concentração de glicogênio no músculo sóleo controle do grupo sedentário foi maior no grupo tratado com creatina em relação ao grupo sedentário não tratado, porém, esse aumento não foi significativo (p > 0,05) (Tabela 3). O treinamento promoveu redução não significativa na concentração de glicogênio no grupo sem tratamento em relação ao grupo sedentário não tratado (Tabela 3). Entretanto, a suplementação com creatina em ratos treinados aumentou significativamente (p < 0,05) o conteúdo de glicogênio em relação aos demais grupos, exceto em relação ao grupo sedentário tratado (Tabela 3). A desnervação reduziu significativamente a concentração de glicogênio do músculo sóleo em relação aos grupos controle, exceto, no grupo treinado e tratado (Tabela REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 7-11. Malaggi C. e cols. Treinamento Físico e Suplementação de Creatina Magnésio no restabelecimento de Músculos... 3). Nos músculos desnervados, o tratamento com creatina Mg++ aumentou significativamente (p < 0,05) o conteúdo de glicogênio muscular nos ratos sedentários e treinados em relação aos não tratados (Tabela 3). Não houve diferença significativa entre os grupos de ratos desnervados tratados sedentários e treinados (Tabela 3). Entretanto, no grupo de ratos treinados sem tratamento a concentração de glicogênio nos músculos desnervados foi semelhante ao do grupo sedentário sem tratamento, e significativamente inferior aos grupos tratados, treinados e sedentários (Tabela 3). Sóleo controle X ó Sóleo desnervado X ó Grupos Sedentário s/tratam. (n=9) A 0.34 b 0.03 Sedentário tratado (n=10) A 0.40 ab 0.05 Treinado s/tratam. (n=9) A 0.32 b 0.07 Treinado tratado (n=10) A 0.43 a 0.09 B B B A 0.16 0.32 0.17 0.36 b 0.01 a 0.09 b 0.07 a 0.09 X, média; ó, desvio padrão.. Médias seguidas por letras diferentes minúsculas na coluna e precedidas por letras maiúsculas diferentes na mesma linha diferem entre si. (Tukey p < 0,05). Tabela 3. Dosagem de glicogênio muscular (mg/100mg) do músculo sóleo em ratos controles e desnervados em cada grupo experimental. No músculo gastrocnêmio controle, o tratamento com creatina não promoveu alteração na concentração de glicogênio em relação aos músculos de ratos não tratados. (Tabela 4). O treinamento de ratos não tratados promoveu redução não significativa na concentração de glicogênio em relação aos demais grupos. (Tabela 4). A desnervação reduziu significativamente a concentração de glicogênio no músculo gastrocnêmio de ratos não tratados com creatina, tanto nos sedentários qunanto nos treinados (tabela 4), mas não reduziu nos grupos tratados, nos quais, o tratamento com creatina manteve a concentração de glicogênio semelhante à de músculos não desnervados (Tabela 4). Nos ratos não tratados, o treinamento reduziu significativamente a concentração de glicogênio, apresentando valor semelhante ao grupo desnervado sedentário sem tratamento. Essa redução do glicogênio verificada nos ratos treinados sem tratamento foi significativa em relação aos ratos treinados e sedentários tratados (Tabela 4). Gastrocnêmio controle X ó Grupos Sedentário s/tratamento (n=9) Sedentário tratado (n=10) Treinado s/tratamento (n=9) Treinado tratado (n=10) A 0.38 A 0.36 A 0.32 A 0.38 a a a a 0.03 0.07 0.07 0.07 Gastrocnêmio desnervado X ó B A B A 0.17 0.34 0.20 0.35 b a b a 0.02 0.06 0.05 0.06 X, média; ó, desvio padrão. Médias seguidas por letras diferentes minúsculas na coluna e precedidas por letras maiúsculas diferentes na mesma linha diferem entre si. (Tukey p < 0,05). Tabela 4. Dosagem de glicogênio muscular (mg/100mg) do músculo gastrocnêmio em ratos controles e desnervados em cada grupo experimental. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 7-11. DISCUSSÃO O uso crescente da creatina por atletas para melhorar o desempenho muscular, bem como, a sua promissora ação terapêutica nas doenças neuromusculares, tem tornado essa substância objeto de crescente interesse na literatura11. Estudos utilizando ratos transgênicos com doença do neurônio motor demonstraram que a creatina tem efeito neuroprotetor. O tratamento aumentou a creatina muscular, potencializou a força de preensão, atenuou a contratura e aumentou o peso muscular. Além disso, diminuiu o processo de atrofia e a degeneração de neurônios motores da medula 15. Em atletas, o uso de suplementos de creatina aumenta o conteúdo de creatina em aproximadamente 20 mmol/kg de peso seco do músculo, leva à melhora no desempenho de exercícios de resistência e intermitentes de alta intensidade11. Após a captação celular, a creatina é fosforilada em fosfocreatina pela creatina kinase, reação que usa ATP. Nos sítios celulares que requerem muita energia (miofibrilas) a creatina kinase catalisa a transformação de fosfocreatina em ADP para regenerar ATP, impedindo a depleção nos níveis de ATP. A fosfocreatina é considerada com fonte de energia imediata, atuando não somente como tampão de energia, mas também como veículo de transporte de energia. A ingestão de creatina aumenta a creatina e fosfocreatina muscular, levando ao melhor desempenho em exercícios principalmente sprint (corrida de alta velocidade e curta duração). Benefícios adicionais foram notificados em tarefas de alta intensidade e longa resistência, com pequenos intervalos de recuperação12. A lesão de nervos periféricos causados por acidentes ou neuropatias compromete a estrutura e funcionamento do tecido muscular16. No presente trabalho, o tratamento com creatina magnésio não foi eficaz em impedir a atrofia muscular causada pela desnervação por esmagamento, resultado semelhante ao encontrado em trabalho anterior no qual os nervos haviam sido seccionados16. A diminuição de creatina intracelular na distrofia muscular de Duchenne pode contribuir para a deterioração da homeostase da energia intracelular e pode ser um dos fatores que agravam a degeneração e fraqueza muscular. Pacientes com 9 anos de idade foram tratados 155 dias com creatina e no final desse período apresentaram aumento no desempenho muscular17. O treinamento físico também não promoveu aumento do peso dos músculos controles e desnervados. Entretanto, no grupo treinado sem tratamento o peso dos músculos gastrocnêmios desnervados, foi significativamente inferior aos demais, podendo indicar um maior consumo de reservas energéticas as quais não foram repostas por suplementação. A desnervação promove alterações metabólicas no músculo, dentre elas, redução na captação de glicose pela diminuição no número de transportadores na membrana muscular, redução na atividade das enzimas glicogênio sintetase e glicose-6-fosfato, redução na capacidade da insulina em estimular esses efeitos. Tais alterações promovem redução na concentração de glicogênio muscular18,19. Além disso, a desnervação reduz a atividade da –9– Malaggi C. e cols. Treinamento Físico e Suplementação de Creatina Magnésio no restabelecimento de Músculos... enzima creatina Kinase (oxidativa) a qual converte fosfocreatina em ADP para regenerar ATP20 . Em relação ao conteúdo de glicogênio, a desnervação reduziu significativamente o conteúdo de glicogênio muscular em todos os grupos, exceto, no grupo treinado e tratado (músculos sóleo e gastrocnêmio) e grupo sedentário (músculo gastrocnêmio). A diminuição da captação de glicose foi verificada 1 dia após desnervação e redução na atividade do glicogênio sintetase 7 dias após a desnervação. O declínio foi de 73% no sóleo, 36% no gastrocnêmio vermelho e 13% no gastrocnêmio branco, portanto tais alterações foram diferentes de acordo com o tipo de fibra muscular19. O efeito da desnervação sobre o conteúdo de glicogênio foi significativamente menor nos ratos tratados com creatina a qual, em alguns grupos, manteve o conteúdo de glicogênio igual aos músculos controles, indicando que a suplementação auxiliou na reposição de glicogênio muscular tanto nos treinados quanto nos sedentários. Esse efeito está de acordo com os dados da literatura, indicando o efeito ergogênico da creatina. A ingestão oral de creatina aumenta o conteúdo de creatina muscular por estimular o sistema de creatina kinase/fosfocreatina. Além disso, há evidências que a suplementação de creatina pode beneficiar o impacto sobre as proteínas musculares aumentando a síntese de glicogênio. Portanto hipertrofia muscular e elevação na síntese de glicogênio causada pela creatina comprova o seu efeito ergogênico21 . O treinamento promoveu redução significativa na concentração de glicogênio dos músculos desnervados em relação ao grupo treinado e tratado quando comparados com os sem tratamento. Esse efeito pode indicar maior consumo de glicogênio por músculos submetidos ao exercício físico sem suplementação. Esse efeito pode ser explicado pelo fato de que a musculatura esquelética quando apresenta deficiência em creatina quinase, exibe glicogenólise acentuada durante a contração22 . Os efeitos da desnervação foram estudados sobre o metabolismo energético e hemodinâmica em membros posteriores desnervados de ratos durante e após exercício por estimulação elétrica. Durante o exercício o pH intracelular reduziu após a desnervação e essa diminuiu progressivamente 4 e 8 semanas após desnervação. Resultados indicam que o suprimento de energia e circulação estão reduzidos em músculo desnervado atrofiados23. O efeito de altas doses de creatina sobre o conteúdo de creatina, glicogênio e transporte de glicose foi avaliado nos músculos sóleo, gastrocnêmio branco e vermelho. A creatina em altas doses promoveu elevação na creatina somente no músculo sóleo. Em relação ao conteúdo de glicogênio a creatina aumentou no músculo sóleo; em menor quantidade no gastrocnêmio vermelho mas não no branco. O efeito da creatina é significativamente maior nos músculos oxidativos que nos glicolíticos24 . CONCLUSÃO A creatina e o exercício não foram eficazes em reduzir atrofia causada pela desnervação. A creatina aumentou a concentração de glicogênio muscular nos ratos desnervados, semelhante aos músculos normais não desnervados. O exercício não foi eficaz em aumentar a concentração de glicogênio muscular e reduziu a concentração de glicogênio principalmente nos ratos não tratados. Os resultados obtidos nesse trabalho mostraram que a creatina é um importante complemento no restabelecimento de comprometimentos neuromusculares. AGRADECIMENTOS Aos funcionários do Laboratório de Ciências Fisiológicas que contribuíram para a realização deste trabalho(em especial à técnica Ledy Soveral). Summary DENERVATED MUSCLE RE-ESTABLISMENT IN TRAINED AND CREATINE MAGNESIUM TREATED RATS AFTER HINDQUARTER CRUSHED. Denervation causes structural and metabolic changes in the muscle. For verifying the effects of the physical exercise associated to the use of energetic supplements on the reestablisment of denervated muscles, Mice were submitted to denervation by crushing the Sciatic Nerve. After the surgery the Mice were divided in the following groups: Swimming trained Mice, treated with Creatine Mg++ for 4 weeks and no treated, sedentaries treaed with Creatine Mg++ and untreated. The analyzed parameters were the glycogen dosage and the muscular weight. The Creatine Mg++ and the physical exercise were not effective in reducing the muscular atrophy. In relation to the concentration of the muscular glycogen, Creatine increased the concentration in the denervated muscles. Physical exercise didn’t increase glycogen concentration and it decreased mainly in the untreated group. The Authors concluded that Creatine Mg++ can be an important supplement in the neuromuscular recovery. Keywords: Denervation, Skeletal Muscle, Sciatic Nerve, Creatine, Physical Activity. –10– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 7-11. Malaggi C. e cols. Treinamento Físico e Suplementação de Creatina Magnésio no restabelecimento de Músculos... REFERÊNCIAS 1. Smith L K, Weiss E L. & Lehmkuhl L D. Cinesiologia clínica de Brunnstrom. São Paulo: Manole, 1997. 2. Guyton A C. & Hall J E. Tratado de Fisiologia Médica. 9 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. 3. Coderre L, Monfar M M, Chen K S, Heydrick S J, Kurowski T G, Ruderman N B, Pich P F. Alteration in the expression of Glut 1 and Glut 4 protein and messenger RNA levels in denervated rat muscle. Endocrinology 1992; 131: 1821-1825. 4. Fox E L, Bowers RW & Foss ML. Bases fisiológicas da educação física e dos desportos. 4 .ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. 5. Sharkey B J. Condicionamento físico e saúde. 4 ed. Porto Alegre: Atmed, 1998. 6. Berger M, Hagg S, Ruderman N B. Glucose Metabolism in perfused skeletal muscle. Biochem Journal 1975; 146, 231-238. 7. Suzuki K & Kono T. Evidence that insulin causes translocation of glucose transport activity to the plasma membrane from in intracellular storage site. Proc Natl Acad Sci USA 1980; 77: 2542-2545. 8. Burant C F, Lemmon S K, Treutellar M K, Buse M G. Insulin resistance of desnervated rat muscle: a model for impaired receptor – function coupling. Am. J. Physiol 1984; 247 (10): 657-666. 9. Clark J F. Creatine: A review of its nutritional applications in sports. Nutrition 1998; 14 (3): 322-324. 10. Name J J. Magnésio Bis-Creatina Quelato como fortificante de alimentos energéticos e para atletas. Caderno de Tecnologia de Alimentos & Bebidas, 1999; 74-76. 11. Mesa J L, Ruiz J R, González G M M, Gutiérrez A S, Castilho G M J. Oral creatine supplementation and skeletal muscle metabolism in physical exercise. Sport Med. 2002; 32 (14): 903-944. 12. Guerrero O M L, Wallimann T. Creatine supplementation in health and disease. Effects of chronic creatine ingestion in vivo: down – regulation of the expression of creatine tranporter isoforms in skeletal muscle. Mol Cell Biochem 1998; 184 (1-2): 427-437 13.Tarnopolsky M A, Parschad A, Walzel B, Schlattner U, Wallimann T. Creatine transporter and mitochondrial creatine kinase protein content in myopathies. Musc e Nerve 2001; 24 (5): 682-688. 14. Kokubun E. Interações entre o metabolismo de glicose e ácidos graxos livres em músculos esqueléticos. São Paulo. Tese de doutorado – Universidade de São Paulo, 1990. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 7-11. 15. Ikeda K, Iwasaki Y, Kinoshita, M. Oral administration of creatine monohydrate retards progression of motor neuron disease in the wobbler mouse. Amyotroph Lateral Scler Other Motor Neuron Disord 2000; 1(3): 207-12. 16. Possebon S. Efeitos do Treinamento físico e da Creatina Magnésio em músculos desnervados de ratos. Rev Médica HSVP 2001; 13 (29) : 16 – 21. 17 .Felder S, Shladal D, Wyss M, Kremser C, Koller A, Sperl W. Oral creatine supplementation in Duchenne muscular dystrophy: a clinical and 31P magnetic resonance spectroscopy study. Neural Res. 2000; 22 (2): 145-150. 18. Lin Y, Brady M J, Wolanske K, Holbert R, Ruderman N B, Yaney G C. Alterations of nPKC distribution, but normal Akt/PKB activation in denervated rat soleus muscle. Am J Physiol Endocrinol Metab 2002; 283 (2): 318 - 25. 19. Wallis M G, Appleby G J, Youd J M, Clark M G, Penschow J D . Reduced glycogen phosphorylase activity in denervated hindlimb muscles of rat is related to muscle atrophy and fibre type. Life Sci. 1999; 64 (4): 221 - 8. 20. Sesodia S, Choksi R M, Nemeth P M. Nerve- dependent recovery of metabolic pathways in regenerating soleus muscles. Journal Article. Inglaterra 1994, 573-581. 21. Hespel P, Eijnde B O, Derave W, Richter E A. Creatine supplementation: exploring the role of the creatine kinase/ phosphocreatine system in human muscle. J. Appl. Physiol. 2001; 26: 79-102. 22. Katz A, Andersson D C, Yu J , Norman B, Sandstrom M E, Wieringa B, Westerblad H . Contraction-mediated glycogenolysis in mouse skeletal muscle lacking creatine kinase: the role of phosphorylase b activation. J Physiol. 2003; 553(Pt 2):523-31 23. Miki N, Ikata T, Takai H, Takata S, Koga K, Sogabe T. Effects of denervation on energy metabolism of rat hindlimb muscles: J Orthop Sci 1999; 4 (5): 370-5. 24.Op’teijnde B, Richter EA, Henquin JC, Kiens B, Hespel P. effect of creatine supplementation on creatine and glycogen content in rat skeletal muscle. Acta Physil Scand 2001;171(2):169-176. –11– Artigo Original Infecção do Trato Urinário em Crianças no Hospital São Vicente de Paulo Arthur S. Lazaretti, Caroline Martinello, Flávia P. Reginatto, Sérgio do Canto Pereira. Hospital de Ensino São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS). Resumo Infecção do trato urinário atinge porcentagem significativa de crianças. Realizado estudo observacional, retrospectivo, de delineamento transversal no Hospital São Vicente de Paulo. Foram analisados 28 prontuários de crianças com infecção urinária como diagnóstico de alta e bacteriúria ao exame qualitativo de urina. Do total de pacientes, 82,14% eram do sexo feminino. A febre foi o sinal mais presente (71,42% dos pacientes). A urocultura, para diagnóstico dessa infecção, mostrou-se como o indicador de maior sensibilidade(94%). Escherichia coli foi o patógeno responsável por 76,47% dos casos. O diagnóstico deve ser realizado para minimizar os riscos de progressão para doença renal crônica e hipertensão arterial. Unitermos: Infecção trato urinário, crianças, urocultura. Infecção do trato urinário(ITU) é definida pela presença de crescimento de mais de 105 unidades formadoras de colônias bacterianas3. O trato urinário é estéril. Excetuando-se o período neonatal, a contaminação por via ascendente do aparelho urinário, por agentes microbianos da flora intestinal, constitui o mecanismo patogenético mais freqüente de infecção urinária4. Aproximadamente três a cinco por cento das meninas e um por cento dos meninos adquirem ITU. A prevalência de ITU varia com a idade, aumentando a prevalência do sexo feminino sobre o masculino com o progredir da idade1. As infecções do trato urinário são consideradas um fator de risco importante para disfunção renal ou doença renal terminal1. Os objetivos desse estudo são caracterizar as infecções do trato urinário em crianças internadas no Hospital Universitário São Vicente de Paulo (HSVP), analisar exames qualitativos de urina, urocultura e verificar os possíveis exames adicionais solicitados. Foi realizada a avaliação de sinais e sintomas de ITU como febre, irritabilidade, vômitos, mudança na cor e/ou cheiro da urina, dificuldade para ganhar peso e história pregressa de infecção do trato urinário. Dos exames qualitativos de urina, avaliaram-se densidade, pH, nitritos, proteínas, substâncias redutoras, corpos cetônicos, urobilinogênio, bilirrubina, hemoglobina e o exame do sedimento (células, leucócitos, hemácias e quantificação da bacteriúria). O exame bacteriológico da urina, o número de unidades formadoras de colônias e os exames adicionais também foram analisados, quando presentes. Todos os dados avaliados foram retirados de prontuário hospitalar. Os dados do prontuário foram colhidos baseados em questionário validado pela Academia Americana de Pediatria2. Foram avaliados 28 pacientes com idades entre um mês a nove anos. A análise dos dados foi realizada utilizando-se o programa Microsoft Excel XP e a confecção dos gráficos foi feita no Microsoft Word XP. MATERIAL E MÉTODOS RESULTADOS Realizado estudo observacional, retrospectivo, de delineamento transversal, no Hospital Universitário São Vicente de Paulo (HSVP), em Passo Fundo,RS. Incluídos no estudo pacientes que tiveram como diagnóstico de alta hospitalar infecção do trato urinário e apresentavam exame qualitativo de urina com a presença de bacteriúria, no HSVP, entre outubro de 2001 a janeiro de 2004. Havendo mais de um exame qualitativo de urina realizado pelo mesmo paciente, foi considerado apenas o primeiro exame para avaliação. No período de outubro de 2001 a janeiro de 2004, 28 pacientes tiveram como diagnóstico de alta hospitalar infecção do trato urinário e possuíam exame qualitativo de urina (EQU) com a presença de bacteriúria. A idade mínima dos pacientes foi de um mês e a idade máxima foi de nove anos, com uma média de 29,85 meses e um desvio padrão de ±32,02 meses. Do total de pacientes (28), 82,14% (23) eram do sexo feminino e 17,85% (5) do sexo masculino (Figura um). A distribuição etária mostrou-se bimodal: 11 meses e 60 meses, com uma mediana de 14,5. –12– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 12-15. Lazaretti AS e cols. Infecção do trato urinário em crianças no Hospital São Vicente de Paulo. Gênero 25 23 (82,2%) 20 15 10 5 5 (17,8%) 0 Masculino Feminino Figura 1. Distribuição da população em estudo quanto ao Sexo. Quanto aos sinais e sintomas apresentados pela amostra estudada, pode-se verificar que a febre esteve presente em 71,42% dos pacientes (n=20), a irritabilidade em 28,5% (8), vômitos em 25% (7), mudança do aspecto da urina (cor e/ou cheiro) em 3,57% (1) e passado de infecção do trato urinário foi relatado em 17,85% (5). Os prontuários, em sua maioria incompletos quanto aos aspectos pesquisados, não referiam dificuldade de ganhar peso em 100% dos pacientes, não referiam irritabilidade em 53,57% (15), vômitos em 57,14% (16), mudança na urina em 96,42% (27) e história pregressa de ITU em 78,57% (22). (Figura dois) Em relação aos aspectos analisados no exame qualitativo de urina, verificou-se que nitritos estavam presentes em 42,85% (12 pacientes) com a presença de vestígios em 3,57% (1). As proteínas estavam presentes em 10,71% (3), ausentes em 60,71% (17) e seus vestígios em 28,57% (8). As substâncias redutoras, urobilinogênio e bilirrubina estavam ausentes em todos os exames qualitativos de urina analisados. Corpos cetônicos ausentes em 92,85% (26) e vestígios em 7,14% (2). Hemoglobina estava ausente em 67,85% (19), presente em 17,85% (5) e seus vestígios presentes em 14,28% (4). (Figura três) Sinais e sintomas - Infecção Trato Urinário Figura 2. Sintomatologia de Infecção do Trato Urinário. Análise Exame Qualitativo de Urina Figura 3. Análise dos elementos do Exame Qualitativo de Urina. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 12-15. Ao exame do sedimento, observaram-se raras células em 82,14% (23), numerosas em 3,57% (1) e freqüentes em 14,28% (4). O pH esteve alterado apenas em dois pacientes, acima de 7,0 (normal: 4,5-7,0) 5 – 7,14% da amostra. A densidade da urina de todos os pacientes analisados estava dentro dos valores fisiológicos (normal: 1,002 a 1,040)5. A média da densidade foi 1,016 e a média do pH 5,75. Ao exame do sedimento, verificou-se que em 92,85% dos pacientes (26) o número total de leucócitos encontravase acima do valor considerado normal: até três leucócitos por campo5. Em 57,14% dos pacientes o número de hemácias encontravam-se dentro dos valores normais: até duas hemácias por campo5. Dos 28 pacientes da amostra, apenas em 18 foi realizada urocultura. Dessas, em 94,44% (17) houve o desenvolvimento de microorganismos e em 5,55% (1) não houve desenvolvimento de microorganismos. Das 17 uroculturas em que houve desenvolvimento de microorganismos, em 76,47% (13) o patógeno era Escherichia coli, em 17,64% (3) Proteus mirabilis e em 5,88% (1) Pseudomonas aeruginosa. A coleta da urina para realização do exame ocorreu por punção supra-púbica em 3,57% (1), por sondagem vesical em 10,71% (3) e via saco coletor em 3,57% (1). A forma de coleta dos demais pacientes não constava nos prontuários. Foram realizados 22 exames adicionais. A ultrassonografia das vias urinárias foi realizada em 13 pacientes (46,42% dos exames adicionais), a cintilografia renal foi realizada em cinco pacientes (17,85%) e a uretrocistografia em quatro pacientes (14,28%). Em seis pacientes (21,42%) não foram realizados outros exames além do EQU. Dos 22 exames pedidos, 22,72% (5) apresentaramse com alterações, sendo que em um caso havia a presença de refluxo vésico-ureteral (RVU) grau IV. DISCUSSÃO Classicamente, define-se infecção do trato urinário pela presença de crescimento de mais de 105 unidades formadoras de colônias bacterianas. Números inferiores podem ser clinicamente importantes, especialmente em meninos e em espécies obtidas por cateter urinário. Qualquer crescimento de patógenos tipicamente urinários é considerado clinicamente importante se obtido por punção supra-púbica3. Aproximadamente três a cinco por cento das meninas e um por cento dos meninos adquirem uma infecção do trato urinário. Em meninas, a idade média ao primeiro diagnóstico é três anos; em meninos, a maioria das ITU ocorre durante o primeiro ano de vida. As ITU são muito mais comuns em meninos não circuncidados. A prevalência de ITU varia com a idade. Durante o primeiro ano de vida, a razão entre os sexos masculino e feminino é 2,8 a 5,4:1. Após o segundo ano, existe uma preponderância feminina marcante, com razão entre os sexos masculino e feminino de 1:101. Estimase que pelo menos oito por cento das meninas e dois por cento dos meninos apresentarão, no mínimo, um episódio de ITU durante a infância4. Depois do primeiro episódio infeccioso, aproximadamente metade das meninas irão –13– Lazaretti AS e cols. Infecção do trato urinário em crianças no Hospital São Vicente de Paulo. apresentar outra infecção no primeiro ano e três quartos dentro de dois anos; não foram encontrados dados para meninos 3. A taxa de incidência de infecção urinária entre as crianças febris varia de 4,1 a 7,5%6. Quase todas as ITU são ascendentes. As bactérias ascendem da flora fecal, colonizam o períneo e entram na bexiga através da uretra. Em meninos não circuncidados, os patógenos bacterianos ascendem da flora sob o prepúcio. Em alguns casos, as bactérias ascendem até o rim para causar pielonefrite. Em casos raros, a infecção renal ocorre por disseminação hematogênica1. A Escherichia coli está envolvida como agente microbiano em 75% dos casos de ITU. Em crianças do sexo masculino, o Proteus sp é isolado em aproximadamente 30% dos casos3,4. Nas meninas, 75-90% de todas as infecções são causadas pela Escherichia coli, seguida pela Klebsiella e o Proteus. Alguns estudos relatam que em meninos maiores de um ano, o Proteus é tão comum quanto a E.coli; outros descrevem uma preponderância de microorganismos grampositivos nos meninos. O Staphylococcus saprophyticus é um patógeno de ambos os sexos. Infecções virais, particularmente adenovírus, também podem ocorrer, especialmente como causa de cistite1. A infecção urinária em crianças apresenta-se sob várias condições clínicas, variando com a idade do paciente e com a localização da infecção. Pode se apresentar por um quadro clínico sintomático: pielonefrite aguda ou infecção urinária febril e cistite ou infecção urinária com distúrbios miccionais. A presença de ITU deve ser considerada em neonatos e crianças pequenas com dois meses a dois anos de idade com febre inexplicada7. Os principais sintomas são dor abdominal ou no flanco, febre, mal-estar, náusea, vômitos, icterícia em neonatos e ocasionalmente diarréia. Alguns recém-nascidos e lactentes podem mostrar sintomas inespecíficos como recusa alimentar, irritabilidade e perda ponderal. Podem ainda ocorrer disúria, urgência, polaciúria, dor supra-púbica, incontinência e urina fétida1. Em neonatos ou crianças pequenas (dois meses a dois anos de idade) com febre inexplicável e que aparentam estar muito doentes, deve-se instituir terapia antimicrobiana imediata e espécime urinária deve ser obtida por punção supra-púbica ou cateterização transuretral; o diagnóstico de ITU não pode ser estabelecido por cultura de urina coletada a partir de saco coletor. Em neonatos ou crianças pequenas com febre inexplicável e que não aparentam estar muito doentes a ponto de necessitar terapia antimicrobiana imediata há duas opções: obter espécime urinário por punção suprapúbica ou cateterização transuretral e realizar cultura do material; ou obter espécime urinária pelos meios mais convenientes e realizar análise urinária. Se a análise urinária sugerir uma ITU, obter espécime urinária por punção suprapúbica ou cateterização transuretral e realizar cultura. Se a análise urinária não sugerir ITU, é racional seguir o curso clínico sem iniciar terapia antimicrobiana, reconhecendo que uma análise urinária negativa não exclui ITU7. Após a aquisição do controle esfincteriano, a coleta –14– por jato médio torna-se possível e apresenta resultados confiáveis. Dentre os métodos de coleta de urina, a punção supra-púbica apresenta a melhor sensibilidade, sendo a cateterização uretral o segundo melhor método1,4. Para se fazer o diagnóstico de uma ITU, deve-se solicitar uma urocultura1,7. Se a cultura mostrar mais de 100.000 colônias de um mesmo patógeno, ou se houver 10.000 colônias e a criança for sintomática, é considerada uma ITU1. O teste para detecção de nitritos tem especificidade de 90-100% e menor sensibilidade: 16-82%. Por essa razão, nitrito talvez seja útil para incluir ITU quando positivo, mas tem menos valor para excluir ITU. Testes que detectam hemácias ou proteínas têm baixa sensibilidade e especificidade em relação a ITU. Exame microscópico da urina realizado cuidadosamente tiveram sensibilidade e especificidade altas em muitos estudos. Usar contagem bacteriana elevada como critério diagnóstico resulta em baixa sensibilidade e alta especificidade. O contrário é aplicado quando a observação de qualquer bactéria é considerada um teste positivo. Microscopia para leucócitos tem variável sensibilidade (32-100%) e especificidade (45-97%). Combinações paralelas de testes maximizam a sensibilidade. Combinação paralela de microscopia para leucócitos e bactérias tem sensibilidade de 99% ou mais2. A investigação de imagem, após a primoinfecção urinária, demonstra alterações obstrutivas em até 4% dos casos e refluxo vésico-ureteral em oito a 40% dos pacientes. O foco de atenção no cuidado da criança com ITU tem sido não somente relacionado ao diagnóstico e tratamento precoces do episódio infeccioso agudo, como também à minimização do dano renal crônico e suas conseqüências clínicas4. É de efetividade desconhecida o imageamento rotineiro de todas as crianças no primeiro episódio infeccioso. Entretanto, subgrupos de crianças com risco aumentado de futura morbidade talvez se beneficiem da investigação. Devido ao fato de que tais crianças não podem ser identificadas clinicamente, investigação adicional de todas as crianças com ITU talvez seja mais garantido3. A presença de cicatrizes renais tem sido documentada em cinco a 15% das crianças avaliadas após a primoinfecção urinária febril. Crianças portadoras de RVU podem apresentar novas cicatrizes renais ou ampliação da área afetada por cicatrizes antigas em avaliações imagenológicas seqüenciais. Este fenômeno ocorre principalmente na vigência de infecção urinária de repetição. O risco de desenvolvimento de dano renal crônico em crianças com poucos episódios de ITU (um ou dois), adequadamente diagnosticados e tratados, ainda não foi quantificado e pode ser mínimo. Em alguns estudos, foi avaliado o risco, a longo prazo, de desenvolvimento de hipertensão arterial e de insuficiência renal crônica em crianças com diagnóstico de ITU. A análise desses estudos mostra que, apesar de não haver cifras precisas para definir o risco de instalação destes eventos mórbidos em crianças com ITU, a combinação de RVU de alto grau, infecção urinária de repetição e cicatriz renal, no momento do diagnóstico da primoinfecção, parece estar associada a um pior prognóstico. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 12-15. Lazaretti AS e cols. Infecção do trato urinário em crianças no Hospital São Vicente de Paulo. Summary URINARY TRACT INFECTION IN CHILDREN AT HOSPITAL SÃO VICENTE DE PAULO, PASSO FUNDO(RS), BRAZIL. Urinary tract infection (UTI) affects a significant percent of girls and boys. An observational, retrospective, transversal study was developed at the Hospital São Vicente de Paulo (the School Hospital of the University of Passo Fundo Medical School, Passo Fundo, RS, Brazil). Twenty eight medical records of children who had had UTI as a final diagnosis and the presence of bacteria on the qualitative urine exam where analysed. Among the patients, 82.14% were female. Fever was the most frequent sign in this sample with UTI: it was present in 71.42% of patients. Culture of urine represented the highest sensibility indicator: 94%. E. coli was the pathogen responsible for 76.47% of the cases. The diagnosis of this disease must be performed to minimize risks and progression to a chronic renal disease and hypertension. Keywords: Urinary tract infection, Children, Culture of urine. REFERÊNCIAS 1. Elder JS. Infecções do trato urinário. In: Nelson. Tratado de Pediatria. 16ª edição. Editora Guanabara Koogan, 2000; 546:1596-1600. 2. Downs SM. Technical Report: Urinary Tract Infection in Febrile Infants and Young Children. Pediatrics 1999;103:1-60. 3. Larcombe, J. Urinary tract infection in children. BMJ 1999; 319:1173-5. 4. Koch VH, Zuccolotto SMC. Infecção do trato urinário. Em busca das evidências. Rev J Pediatr 2003;79 (Supl.1):97-106. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 12-15. 5. Souza, CAM. Exames complementares. In: Porto C C (Ed). Semiologia Médica. 3ª edição. Editora Guanabara Koogan ,1997;127:671-77. 6. Amin, AB. Tratamento ambulatorial da criança com infecção urinária complicada. Rev J Pediatr 1996;72:278-80. 7. Commitee on Quality Improvement, Subcommitee on Urinary Tract Infection da American Academy of Pediatrics. Pediatrics 1999;103:843-852. –15– Artigo Original Meningite Aguda em crianças no Hospital São Vicente de Paulo Caroline Martinello, Arthur S. Lazaretti, Flávia P. Reginatto, Sérgio do Canto Pereira. Hospital de Ensino São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS). Resumo Meningite é responsável por significativa morbi-mortalidade na faixa pediátrica, sendo a prevalência de determinado agente variável de acordo com a faixa etária analisada. Objetivou-se analisar perfil etiológico, manifestações clínicas e alguns aspectos epidemiológicos de crianças internadas com o diagnóstico de meningite no Hospital de Ensino São Vicente de Paulo. Realizado estudo observacional e retrospectivo. Os dados foram obtidos dos prontuários médicos de todas as crianças internadas com o diagnóstico de meningite, no período de 01.01.2003 à 31.12.2003. Foram analisadas 21 crianças; 52,3% apresentavam meningite bacteriana, 33,3% meningite bacteriana parcialmente tratada e 14,2% meningite viral. O agente etiológico foi identificado em 19,04% dos casos e o patógeno mais freqüente foi Neisseria meningitidis. Encontrou-se predomínio no sexo masculino (71,4%) e o sintoma mais freqüente foi febre(80,9% dos pacientes). Não foram relatadas seqüelas neurológicas precoces e não ocorreu nenhuma morte. Não se conhecem dados sobre seqüelas tardias. Devido à gravidade desta doença, torna-se imperativo o diagnóstico precoce e a instituição de terapêutica adequada. Além disso, vacinação universal contra os principais agentes etiológicos, como Haemophilus influenzae tipo B e pneumococo, já demonstrou ser alternativa altamente eficaz para diminuir infecção invasiva por esses patógenos. Unitermos: Meningite, crianças, punção lombar. Meningite é uma doença infecciosa grave que acomete as leptomeninges e o espaço subaracnóideo e que pode ser causada por vários microorganismos, como vírus, bactérias, fungos e parasitas. As taxas de mortalidade variam amplamente, desde 2% em crianças até 20 a 30 % em neonatos e adultos. Grande número dos casos não fatais são associados a seqüelas neurológicas.1,2 Entre os tipos de meningite, a viral é a mais prevalente, tendo caráter predominantemente sazonal (pico de incidência no final do verão) devido ao predomínio dos arbovírus e enterovírus (85 a 95 % das meningites virais) na sua etiologia.3,4 Ao contrário das meningites virais, que geralmente tem um prognóstico bom, as meningites bacterianas (MB) são associadas à maior morbimortalidade, sendo o Streptoccocus pneumoniae o patógeno mais relacionado a complicações na infância2,4,5. O agente etiológico implicado depende da faixa etária, do nível socioeconômico, de fatores geográficos e da presença ou não de programas de vacinação efetivos, principalmente contra o H. influenzae tipo b e S. pneumoniae1,3,5,6,7. Normalmente as MB acometem a população de forma esporádica, sendo apenas a meningite por N. meningitidis associada à epidemias1. –16– MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo, de delineamento transversal, realizado mediante aplicação de questionário, no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), em Passo Fundo, RS. Os dados foram colhidos dos prontuários médicos de todas as crianças internadas no HSVP, com diagnóstico de meningite, que apresentavam idade entre zero dias e 14 anos, no período de 01.01.2003 a 31.12.2003. Foram avaliados tempo de internação, sintomas apresentados pelas crianças na admissão, realização de exames de neuroimagem e utilização de antibióticos antes da primeira punção lombar. Só foram incluídos os pacientes que apresentavam alterações liquóricas compatíveis com meningite viral ou bacteriana, com exames de líquido cefalorraquidiano (Lcr) realizados no laboratório do HSVP. Ainda com relação ao exame do Lcr, foi analisado se houve ou não acompanhamento liquórico e em caso afirmativo, qual o tempo necessário para o seu retorno à normalidade. Foram adotados como critérios para o diagnóstico de MB: pleocitose (em geral acima de 1000 células/mm³, mas podendo apresentar valores inferiores, como na meningite meningocócica ou em fase inicial da meningite) REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 16-20. Martinello e cols. Meningite Aguda em crianças no Hospital São Vicente de Paulo. com predomínio de neutrófilos; as proteínas elevadas (em geral >100 mg/dl); glicorraquia baixa (<40 mg/dl ou relação glicorraquia/glicemia<0,3); a análise bacteriológica incluiu bacterioscopia pelo Gram e cultura de Lcr7. Para diagnóstico de meningite viral, o exame de Lcr deve apresentar pleocitose (de 10 a 2000 células/mm³) com predomínio de linfomonócitos, glicorraquia normal (>45 mg/ dl ou relação glicorraquia/glicemia >0,6), proteínas normais (<40 mg/dl) ou discretamente aumentadas, com ausência de bactérias à bacterioscopia e cultura de Lcr negativa7. Nos casos de meningite parcialmente tratada, foi analisado o tempo de uso dos ATB antes do exame de Lcr (considerado positivo quando usados por pelo menos 24 horas), o quadro clínico e o exame de Lcr, que normalmente é inespecífico5. Analisado ainda o agente etiológico identificado por cultura do Lcr, hemoculturas ou presuntivamente pelo Gram. Também foi verificado se o paciente apresentava comorbidades, as quais podem influenciar tanto o tempo de internação como a escolha do antibiótico. Além disso, foram analisadas as taxas de cura (definida como exame de Lcr normal na alta), de seqüelas neurológicas (de acordo com o descrito no prontuário) e de morte. Foram excluídos os pacientes que apresentavam meningite pós-trauma crânio-encefálico ou procedimento neurocirúrgico, pacientes com defeito congênito do tubo neural e portadores de derivação liquórica. Também foram excluídos os pacientes em cujos prontuários não havia exames de Lcr ou se estes foram realizados em outros locais fora do HSVP. Os dados colhidos foram analisados com o programa Microsoft Excel e os gráficos produzidos no Microsoft Word. RESULTADOS No período de 01.01.2003 a 31.12.2003 foram identificados 28 pacientes internados com o diagnóstico de meningite. Destes, um foi excluído por apresentar meningite pós TCE, um por apresentar derivação liquórica e cinco por não apresentarem exames de Lcr em seus prontuários. Dos 21 pacientes incluídos no trabalho, 15 (71,42%) eram do gênero masculino, e a idade oscilou de 0 a 179 meses, com média de 45,71 e mediana de 6 meses, sendo que 12 pacientes (57,14%) tinham menos que 12 meses. O tempo de internação oscilou de 3 a 48 dias, com uma média de 14,4 dias. Dos sintomas apresentados na admissão, febre esteve presente em 17 pacientes (80,95%), cefaléia em 6 (28,57%), vômitos em 11 (52,38%) e petéquias em 4 pacientes (19,04%) sendo que destes, etiologia meningocócica foi confirmada em 50% dos casos. Cinco crianças (23,8%) apresentaram crise convulsiva. Os demais dados na admissão constam na tabela 1. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 16-20. Foi realizado exame de neuroimagem em 5 pacientes (23,8%) antes da punção lombar, e em 100% dos casos foi utilizada Tomografia Computadorizada. Através do 1º Exame de Lcr realizado, utilizando-se os critérios de avaliação anteriormente descritos, foi feito o diagnóstico de MB em 11 pacientes (52,38%), MB parcialmente tratada em 7 (33,3%) e Meningite viral em 3 (14,28%) (Figura 1). Esse grande número de meningite parcialmente tratada deve-se ao fato de 42,8% das crianças terem usado antibióticos antes do exame de Lcr. Isto também influenciou a identificação do agente etiológico, que só foi identificado por cultura de Lcr e/ou hemocultura em 4 pacientes (19,04%) Dos patógenos identificados, 50% foram N. meningitidis, 25% Streptococcus do grupo B e 25% S. pneumoniae (Figura 2). Convém citar que para apenas 14 pacientes foi solicitado cultura de Lcr e para 7, hemoculturas. Considerando-se apenas estes pacientes, o agente etiológico foi identificado em 28,57% dos casos, e excluindo-se ainda os pacientes previamente tratados, a taxa de identificação sobe para 57,14%. Apenas 23,8% dos pacientes tiveram acompanhamento liquórico, e a média de tempo para o Lcr retornar à normalidade foi de 11,2 dias. Dos 21 pacientes, 10 apresentavam comorbidades (47,6%), sendo a mais freqüente pneumonia (70%). Quanto ao prognóstico, não houve nenhuma morte, 23,8% apresentaram cura e em 76,19% dos casos não foi possível definir como cura, por não haver um exame de Lcr normal até a data da alta, e 23,8% das crianças só realizaram um exame de Lcr em toda a internação. Não foram relatadas seqüelas neurológicas. Dados clínico Gênero Masculino Gênero Feminino Idade abaixo de 12 meses Idade até 48 meses Febre Vômitos Cefaléia Crise Convulsiva Mal Estar Geral Choro Petéquias Alteração do Nível de Consciência Irritabilidade Sinal Focal Motor Sonolência Nº 15 6 12 15 17 11 6 5 5 4 4 1 1 1 1 % 71,42 28,57 57,14 71,4 80,95 52,38 28,57 23,8 23,8 19,04 19,04 4,76 4,76 4,76 4,76 Tabela 1. Dados clínicos dos pacientes quando admitidos no HSVP. –17– Martinello e cols. Meningite Aguda em crianças no Hospital São Vicente de Paulo. Diagnóstico das Meningites Agentes Etiológicos nas MB Figura 1. Agentes etiológicos nas Meningites Bacterianas. Figura 2. Agentes etiológicos nas Meningites Bacterianas. DISCUSSÃO anos3,6. Neste estudo, foi encontrada em 50% das crianças acima de 1 ano. Crise convulsiva pode ocorrer tanto no início da doença, como em qualquer tempo em sua evolução, e pode estar presente em 20 a 30% dos pacientes 1,6,7. Podem ser crises convulsivas focais ou generalizadas e ocorrem devido a diversas causas, como febre (causa mais comum nas meningites virais)3, hiponatremia, anóxia por diminuição da perfusão cerebral, isquemia ou infarto arterial, trombose venosa cortical, entre outras6. A presença de petéquias ou erupções purpúricas é sugestiva de meningococcemia, mas pode também estar presente devido a outras etiologias, como H.influenzae tipo B (Hib)1,7. A presença de sinais neurológicos focais, como hemiparesia, paralisia de pares cranianos, paralisia facial e hemianopsias podem aparecer em 10 a 15 % dos pacientes com MB, mas são raros nas meningites virais1,3. Quando presentes em qualquer dos tipos de meningite são relacionados a pior prognóstico7. Em lactentes a apresentação clínica é inespecífica e indistinguível de sepse, principalmente no período neonatal7. A apresentação mais comum consiste em apatia, recusa alimentar e vômitos, associados à febre 3,7. Sinais de irritação meníngea são incomuns, e pode ser encontrado abaulamento de fontanela anterior e diátese de suturas como indicativos de aumento da pressão intracraniana (PIC).7 A realização de exames de neuroimagem previamente à punção lombar não deve ser utilizada de forma rotineira, sendo reservada para casos que apresentem sinais indicativos de hipertensão intracraniana, como papiledema, déficits neurológicos focais (principalmente alterações pupilares), alteração do nível de consciência ou instabilidade cardiovascular1,6,7,8. Não há problema em adiar a realização de punção lombar até se fazer o exame de neuroimagem desde que o paciente já esteja recebendo antibioticoterapia adequada 6. Entre os exames, a ressonância magnética nuclear é superior à tomografia computadorizada, por demonstrar áreas de isquemia e edema cerebral6. A etiologia mais freqüente das meningites em todo o mundo é a viral3. O predomínio de MB aqui encontrado devese ao fato de terem sido analisados apenas os pacientes Meningite é uma doença infecciosa aguda severa, causada por diversos microorganismos e que acomete as leptomeninges. O exame clínico pode revelar alto índice de suspeita, mas o diagnóstico definitivo só pode ser feito pelo exame de líquido cefalorraquidiano (principalmente por cultura)1,5,7.Há predomínio de infecções virais, que costumam ter um melhor prognóstico. Em sua grande maioria são causadas por enterovírus ou arbovírus, mas os primeiros vírus identificados como causadores de meningite foram o da caxumba, da coriomeningite linfocítica e poliovírus, todos raros atualmente 1,3 . Entre as MB, o agente etiológico depende de diversos fatores, sendo o principal a faixa etária. Todos os neonatos com septicemia devem ser investigados(em torno de 25% desenvolverão meningite)1. Foi constatado que o sexo masculino predomina sobre o feminino, o que coincide com dados da literatura(taxas próximas a 60%). Este predomínio ocorre principalmente no período neonatal e parece estar relacionado a uma base genética implicada na susceptibilidade à infecções. A média de idade encontrada foi de 45,7 meses, sendo que 71,4% dos pacientes tinham menos de 48 meses, resultado muito semelhante a um estudo realizado em Uberlândia, que embora só analisasse meningites bacterianas (MB), encontrou 70,4% das crianças acometidas abaixo de 48 meses5. Meningite viral também tem sido mais freqüente em crianças abaixo de 12 meses, comparada com a faixa de 1 a 4 anos3. Os sintomas mais freqüentemente associados à meningite em crianças pré-escolares e escolares são a clássica tríade de febre, vômitos e cefaléia 3,6,7 , que normalmente se associam a deterioração do estado geral e letargia6,7. Um trabalho de revisão cita ser febre o sintoma mais consistente, aparecendo em 76 a 100% dos pacientes6. Rigidez de nuca é encontrada em mais de 50% das crianças, é patognomônico de irritação meníngea e de grande valor no diagnóstico de meningite, sendo importante ressaltar que costuma ser encontrado apenas em crianças acima de 1 a 2 –18– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 16-20. Martinello e cols. Meningite Aguda em crianças no Hospital São Vicente de Paulo. que necessitaram de internação hospitalar, excluindo da análise todos os pacientes que permaneceram apenas em observação na emergência do hospital. A grande quantidade de meningites parcialmente tratadas reflete um grave problema ainda existente no Brasil que é o uso indiscriminado de antibióticos, demonstrado também em outros estudos, onde se pode constatar taxas de até 47% de pacientes em uso de antibióticos no momento da realização de punção lombar para o diagnóstico5. Isto influencia bastante tanto nos achados liquóricos quanto no resultado de testes para detecção de agentes etiológicos (bacterioscopia e cultura), já que a esterilização do líquor pode ocorrer em até 2 horas depois de iniciada antibioticoterapia eficaz para N. meningitidis e 4 horas para S. pneumoniae1,5,9. Em pacientes virgens de tratamento, é possível identificar presuntivamente o agente etiológico pelo Gram em 50 a 80% dos pacientes, e definitivamente pela cultura em torno de 85%. Esses valores diminuem significativamente como uso prévio de antibióticos, com resultados de cultura caindo para 57%7. Apesar de terem Lcr com características sugestivas de meningite viral, 2 dos 3 pacientes com esse diagnóstico receberam tratamento com antibióticos. Isso se deve, provavelmente, ao estado geral do paciente, já que quando o paciente se encontra em mal estado geral e há um exame de Lcr duvidoso, deve-se instituir antibioticoterapia7. A identificação do agente etiológico das MB constatada foi mais baixa do relatado na literatura. Isso ocorre, porque apesar da indicação de se solicitar hemocultura e cultura de Lcr em todos os pacientes com suspeita de MB estar bem estabelecida, em muitos casos isso não ocorreu. Soma-se a isso o uso abusivo de antibióticos e as limitações tanto humanas quanto técnicas dos laboratórios no Brasil7. A prevalência de determinados patógenos está relacionada à faixa etária e também à presença ou não de campanhas de vacinação efetivas, mas sabe-se que N. meningitidis, H. influenzae e S. pneumoniae são responsáveis por 95% dos casos de MB fora do período neonatal7. No período neonatal, a maior parte das MB é causada por Streptococcus do grupo B, sendo os bacilos entéricos (principalmente E. coli) a segunda causa. Outro agente que deve ser lembrado nesta faixa etária é a Listeria monocytogenes, apesar de não ser muito freqüente1,7. Em crianças maiores de dois meses houve uma mudança significativa dos patógenos implicados após a instituição de vacinação contra o Hib. Meningite por Hib era a mais frequente, mas a incidência de MB por este patógeno sofreu uma redução em torno de 95% nos países que adotaram uma vacinação efetiva1,6,7. No Brasil, após a introdução da vacina no calendário básico de vacinação, o patógeno mais prevalente passou a ser o meningococo e nos EUA o pneumococo e meningococo7. Segundo dados da Funasa, REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 16-20. em 2000, apenas um ano após o início da imunização em crianças abaixo de um ano, já havia uma redução em torno de 50% na incidência de meningites por Hib 10. Grande expectativa está sendo depositada na introdução da vacina heptavalente contra o pneumococo1,2. Acredita-se que em países que adotem imunização universal, a quantidade de doença pneumocócica invasiva diminua muito, tendo um estudo realizado em São Paulo sugerido que poderia haver queda de 70% nas infecções invasivas por pneumococo no Brasil2. Crianças acima de 5 anos até a idade adulta são quase exclusivamente afetados por S. pneumoniae e N. meningitidis2. Após o diagnóstico de meningite e a instituição de tratamento adequado, a necessidade de repetir o exame de Lcr é determinada pela resposta clínica do paciente. Se houver melhora clínica nas primeiras 24 horas, não há necessidade de realizar nova punção lombar. Em recém nascidos, em que a clínica pode não demonstrar problemas neurológicos, a punção lombar deve ser repetida nas primeiras 24 a 36 horas e após o término do tratamento7. O prognóstico depende de diversos fatores, entre os quais a idade do paciente (o prognóstico é pior nos extremos de idade), do patógeno envolvido, da precocidade do diagnóstico, da instituição de antibioticoterapia adequada, de condições clínicas associadas, do tempo para esterilização do Lcr e outras1,5,7. Com relação ao agente etiológico, o S. pneumoniae é o mais implicado às seqüelas e também à maior mortalidade (30 a 40%). No Brasil, em trabalho realizado em São Paulo, a taxa de mortalidade por pneumococo encontrada foi um pouco mais baixa (20%), e todos os pacientes tinham menos de um ano2. No geral, fora do período neonatal, a taxa de mortalidade varia de 5 a 10%, com tratamento adequado1,5. Em neonatos, chega a 15 a 20%. A meningite por Hib apresenta a menor taxa de mortalidade, de 3 a 6%7. As seqüelas mais freqüentes relacionadas à MB são surdez neurosensorial (3 a 40%), distúrbio de linguagem, retardo mental, anormalidades motoras, baixo QI, convulsões e hidrocefalia, e ocorrem em aproximadamente 15% dos pacientes, mas são encontrados dados que mostram até 30 a 50% 1,7,9. Como citado anteriormente, o pneumococo é o agente mais relacionado a seqüelas (25 até 40% dos pacientes), seguido pelo Hib (15%) e meningococo (5 a 10%)1,7. Apesar dos avanços tanto nos métodos diagnósticos, quanto no seu tratamento e profilaxia, meningite continua sendo um grave problema de saúde pública, causando grande morbimortalidade, principalmente na faixa pediátrica. Por isso, é de grande importância o diagnóstico precoce e instituição de terapêutica adequada, mas principalmente, torna-se imperativa a instituição de programas de imunização universal, que poderiam diminuir de forma significativa a incidência dessa doença2,5,7,8. –19– Martinello e cols. Meningite Aguda em crianças no Hospital São Vicente de Paulo. Summary MENINGITIS IN CHILDREN AT HOSPITAL SÃO VICENTE DE PAULO, PASSO FUNDO(RS), BRAZIL. Meningitis is responsible for important morbidity and mortality among children, and the prevalence of each etiologic agent is variable according to age. The goal of this paper was to analyze the etiologic profile, clinical findings and some epidemiological aspects (age, gender) about children placed at an universitary hospital, diagnosed for meningitis. An observacional and retrospective study was done. The data were obtained from the medical records of all children placed in HSVP (Hospital São Vicente de Paulo), whose had meningitis as a final diagnosis, from 01.01.2003 to 31.12.2003. From a total of 21 children, 52.3% had bacterial meningitis, 33.3% had partially treated bacterial meningitis and 14.2% had viral meningitis. Among children with bacterial meningitis, the etiologic agent was detected in 19.07% of the cases, and the most prevalent of them was Neisseria meningitidis. We found a male predominance (72.4%) and the most frequent sign was fever, present in 80.9% of all children. There were no precocious neurologic sequelae reported and no deaths occurred. The data about late neurologic sequelae are unknown. Due to the gravity of this disease, the early diagnosis and the early adequate treatment are essential. Besides, universal immunization against the main pathogens, like Haemophylis influenzae type b and Streptococcus pneumoniae, demonstrate to be very effective alternative to decline the incidence of invasive disease by these pathogens in children. Keywords: Meningitis, Children, Lumbar puncture. REFERÊNCIAS 1. Llorens XS, McCracken Jr GH. Bacterial Meningitis in Children. Lancet 2003; (361):2139-48. 2. Berezin EN, Carvalho LH,Lopes CR, Sanajotta AT, Brandileone MCC, Menegatti S, Safadi MA, Guerra MLCS. Meningite Pneumocócica na Infância: Características Clínicas, Sorotipos mais Prevalentes e Prognóstico. J Pediatr 2002;78(1):19-23. 3. Rotbart HA. Viral Meningitidis. Seminars in Neurology 2000;(20)3. 4. Goldman L. & Bennet JC. Cecil – Tratado de Medicina Interna, 21°ed, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan 2(475): 2368-71. 5. Mantese OC, Hirano J,Santos IC, Silva VM, Castro E. Perfil Etiológico das Meningites Bacterianas em Crianças. J Pediatr 2002;78 (6):467 – 74. –20– 6. Roos,KL. Acute Bacterial Meningitis. Seminars in Neurology 2000;(20)3. 7 . Faria SM, Farhat CK. Meningites Bacterianas – Diagnóstico e Conduta. J Pediatr (Rio J) 1999;75(Supl.1):S46-S56. 8. Quagliarello VJ, Scheld WM. Treatment of Bacterial Meningitis. N Engl J Med 1997; (336):708-716. 9. Rosenstein NE, Perkins BA, Stephens DS, Popovic T, Hughes JM. Meningococcal Disease. N Engl J Med 2001;(344):1378-1388. 10. Situação da Prevenção e Controle das Doenças Transmissíveis no Brasil. 2002. Acessível em http:www.saude.gov.br/svs. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 16-20. Artigo Original Dermatite Atópica no Ambulatório de Pediatria do Hospital São Vicente de Paulo Flávia P. Reginatto, Caroline Martinello, Arthur S. Lazaretti, Sérgio do Canto Pereira. Hospital de Ensino São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS). Resumo Objetiva-se verificar a freqüência de dermatite atópica (DA) em crianças com sintomas ou sinais clínicos de atopia atendidas no Ambulatório da Universidade de Passo FundoHospital São Vicente de Paulo e disponibilizar aos estudantes de medicina um método diagnóstico de dermatite atópica de fácil entendimento e aplicação. Durante o período de junho a julho de 2004, foi aplicado um questionário às crianças com sintomas ou sinais clínicos relacionados ao eczema. Sendo disponibilizado aos alunos do 5º ano da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo dois questionários, um para lactentes, (proposto por Sampson) e outro para não lactentes(do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Os pacientes foram selecionados pelos acadêmicos e o questionário aplicado sempre pelo mesmo estudante. Foram atendidas nesse período 35 crianças no Ambulatório de Pediatria; nove (25,7%) tinham queixas ou sinais clínicos relacionados ao eczema identificados pelos próprios estudantes. Destes, o diagnóstico de dermatite atópica foi confirmado em cinco crianças, perfazendo um índice diagnóstico de 14,3%. A freqüência de eczema atópico encontrado condiz com dados da literatura. Evidencia-se, dessa forma, ser a DA um problema de magnitude significativa em crianças atendidas no Ambulatório de Pediatria da Universidade de Passo Fundo-Hospital São Vicente de Paulo. Unitermos: Dermatite atópica, atopia em crianças, eczema. As manifestações alérgicas mais comuns como a asma, rinite, dermatite e alergia alimentar ocorrem na infância, pois é quando o sistema imune pode ser induzido à sensibilização ao invés da tolerância alergênica. Assim, observa-se no sistema imune dos recém-nascidos e das crianças mais jovens diferenças quantitativas e funcionais frente ao estímulo antigênico em relação ao adulto, e isso influencia significativamente o desenvolvimento de atopia1. A expressão cutânea do estado atópico é a dermatite atópica, que usualmente é a primeira manifestação da atopia, podendo coincidir com a alergia alimentar. A DA é uma doença inflamatória, pruriginosa, de curso crônico, com períodos de crise e acalmia, que, habitualmente, ocorre em pacientes com história familiar ou pessoal de atopia. É uma doença comum, afetando mais de uma em dez crianças em países desenvolvidos 2, 3. A prevalência de eczema em crianças aumentou de 5% em 1964 para 21% em 1999 em Alberdeen 4, e a incidência está aumentando no mundo inteiro2, chegando a 23% entre crianças em idade escolar na Noruega5. Geralmente essa patologia inicia em torno do terceiro REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 21-24. mês de vida, atingindo principalmente a região malar e, mais tarde, as dobras de flexão antecubital e poplítea, tendendo a involuir com a idade. A etiologia da DA permanece parcialmente explicada, existindo clara predisposição genética. Sabe-se que pessoas com atopia têm uma predisposição hereditária para produzir anticorpos IgE e têm uma ou mais doenças atópicas6. Estudos de pares de gêmeos evidenciaram uma taxa de concordância entre gêmeos monozigotos de 86% em comparação com 21% em gêmeos dizigotos7. No entanto, sua expressão clínica depende também de fatores ambientais8 como, provavelmente, a exposição ao ar poluído, pequenas famílias com baixa exposição à infecção, animais de estimação, idade materna elevada e variabilidade alimentar6. O diagnóstico de DA segue alguns critérios estabelecidos; no lactente esses critérios foram propostos por Sampson, em 1992; nos não lactentes foram utilizados, neste trabalho, os critérios padronizados pelo International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), um questionário escrito de fácil entendimento, utilizado em –21– Reginatto FP e cols. Dermatite Atópica no Ambulatório de Pediatria do Hospital São Vicente de Paulo. estudos epidemiológicos, cuja tradução para o português (cultura brasileira) possui validação científica9. MATERIAL E MÉTODOS Foram distribuídos dois modelos de questionários para os estudantes do 5º ano da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo, a serem aplicados às crianças atendidas no Ambulatório de Pediatria da UPF num período de 20 dias, durante o inverno. A seleção dos pacientes para os quais o questionário foi aplicado, foi feita pela presença de algum dado indicativo de atopia na anamnese ou no exame físico, presença de diagnóstico prévio de atopia ou IgE elevado. Foi considerado como indicativo de atopia queixas relacionadas com asma, rinite alérgica, dermatite atópica, dermatite de contato, urticária ou presença de eczema. A separação dos questionários foi feita pela idade. Lactentes foram submetidos ao questionário proposto por Sampson10 e os demais, ao questionário de ISAAC. Sendo que este utiliza dois critérios para identificação de DA: a presença de “diagnóstico médico” - reposta afirmativa a 7º questão do módulo eczema e “diagnóstico combinado” – resposta afirmativa as respostas 02 e 03 do mesmo, ou seja, a afirmação de ocorrência de lesões nos últimos 12 meses e em locais característicos de DA. Ambos foram aplicados diretamente do entrevistador (estudante de medicina, 5º ano) ao acompanhante da criança ou à própria criança, quando possível. O questionário foi aplicado sempre pelo mesmo estudante. Ao questionário do ISAAC foi acrescido dado de história familiar de atopia, para fim de correlação de dados. Os dados foram transcritos a um programa específico (Epi Info 6.0) que é o que foi fornecido pelos coordenadores mundiais de ISAAC9 e, a seguir, analisados. Todos os procedimentos realizados foram aprovados pelo comitê de ética em pesquisa da instituição a que se vincula os autores. RESULTADOS Foram atendidas no Ambulatório de Pediatria da Faculdade de Medicina da UPF, no período de 14 de junho a 03 de julho de 2004, 35 pacientes. Destes nove (25,7%) apresentaram sinais ou sintomas de atopia e em cinco pacientes (14,3%) foi determinado diagnóstico de dermatite atópica (Figura 1), de acordo com resultado do questionário aplicado. Em quatro pacientes (11,4%) o diagnóstico foi definido com base na presença de critérios propostos por Sampson e em um paciente (2,8%) o diagnóstico foi estabelecido com base na resposta afirmativa à questão de número 07 do questionário de ISAAC, módulo eczema, ou seja, a presença de diagnóstico de DA fornecido por um médico alguma vez na vida. Em relação ao perfil dos 35 pacientes atendidos, 18 (51,4%) eram do sexo masculino. A média de idade foi de 03 anos, variando entre 03 meses de vida até 14 anos de idade. Um número de 15 pacientes (42,9%) tinha idade inferior a 02 anos; e nestes o diagnóstico de DA foi estabelecido em 04 pacientes (26,6% dos lactentes). –22– Dos lactentes submetidos à aplicação do questionário foram detectadas lesões eczematosas ou liquenificadas no rosto ou face em 57,1% (quatro pacientes). A freqüência de fissuras periauriculares foi de 14,3%, a mesma freqüência foi encontrada para a descamação crônica do couro cabeludo. 42,9% tinham lesões pruriginosas e 57,1% apresentavam xerose ou acentuação das linhas palmares. De todos os pacientes para os quais foi aplicado o questionário, 77,8% tinham história familiar de atopia e em 80% dos pacientes com diagnóstico de DA os sintomas se iniciaram antes dos dois anos de idade (Figura 2). Para os não lactentes, 19 pacientes (54,1% do total de pacientes) o diagnóstico de DA foi estabelecido em um paciente (5,3% dos não lactentes). Nesses pacientes, a freqüência de manchas com coceiras na pele que desaparecem em intervalos de pelo menos 06 meses foi de 33,3%. Sendo que esses 33,3% apresentavam essas manchas com coceira na pele nos últimos 12 meses, e estas se localizavam em dobras e iniciaram antes dos dois anos de idade. E em nenhum havia comprometimento do sono devido à DA, ou seja, acordava para coçar. Figura 1. Porcentagem de pacientes com DA. Figura 2. Sinais e sintomas de DA. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 21-24. Reginatto FP e cols. Dermatite Atópica no Ambulatório de Pediatria do Hospital São Vicente de Paulo. DISCUSSÃO Ao avaliar a freqüência de DA nos pacientes com faixa etária variando entre três meses e 14 anos de idade, com uma média de idade de 03 anos, foi obtido uma freqüência de 14,3% de DA. Existe concordância entre os dados encontrados em nosso estudo com os dados encontrados na literatura médica, que mostra uma prevalência de mais de uma em dez crianças2, 3. Avaliando separadamente por faixa etária, essa freqüência aumenta para 26,6% nos lactentes e diminui para 5,3% nos não-lactentes. Verifica-se uma maior prevalência da DA no início da vida, onde os fenômenos ocorridos no período intra-uterino e na fase inicial da infância, influenciam o sistema imune a uma síntese mais elevada de IgE1,7,8. Há uma estimativa de que 65% dos pacientes desenvolvem sintomas no primeiro ano de vida e 90% antes dos cinco anos de idade. Neste trabalho foi verificado que em 80% dos pacientes com diagnóstico de DA os sintomas se iniciaram antes dos dois anos de idade. Foi verificado, também, que 77,8% dos pacientes para os quais foi aplicado o questionário, tinha história familiar de atopia, valor próximo ao encontrado em trabalhos já publicados, que evidenciam que aproximadamente 70% dos doentes têm uma história familiar de atopia11. Dos lactentes submetidos ao questionário mais de 50% apresentavam lesões eczematosas, bem como mais de 50% apresentavam xerose ou acentuação das linhas palmares. Descamação crônica do couro cabeludo e fissuras periauriculares foram encontrados em menos de 15% dos pacientes com sinais ou sintomas sugestivos de atopia. Utilizando o questionário de ISAAC, módulo eczema, para verificar prevalência de “diagnóstico médico” de DA no ano de 1996, houve oscilação entre 12,4% em Recife e 17,7% em Porto Alegre para as crianças de 6-7 anos, e entre 10% em Curitiba e 14% em São Paulo para os adolescentes, valores esses considerados intermediários9. Neste trabalho apenas 11,4% dos pacientes tinham idade entre 6-7 anos, explicando se ter encontrado uma freqüência menor no diagnóstico da doença em pacientes com essa idade. Um tempo curto de seguimento foi utilizado neste estudo, o que explica não ter sido observado prejuízo no sono devido a DA, que é um dos fatores associados à intensidade mais acentuada da doença. O prejuízo no sono foi relatado por 20% dos escolares com “diagnóstico médico” de DA em 1996 e por 23% em 1999 na cidade de São Paulo9. Em conclusão, embora se tenha utilizado um curto intervalo de seguimento neste trabalho, foi suficiente para evidenciar que a DA é um problema de magnitude significativa em crianças atendidas no Ambulatório de Pediatria da Faculdade de Medicina de Passo Fundo. Dermatite Atópica Critérios Menores: 1. 2. 3. 4. Registro do paciente: __________________ Idade: ( ) Anos ( ) Meses Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Comorbidades associadas (diagnóstico estabelecido): • Menores de 2 anos (Critérios diagnósticos da dermatite atópica do lactente) a) Xerose (pele seca), Acentuação das linhas ( b) Fissuras periauriculares. ( c) Descamação crônica do couro cabeludo. ( d) Acentuação perifolicular. ( palmares. ) Sim ( ) Sim ( ) Sim ( ) Sim ( ) ) ) ) Não Não Não Não • Maiores de 2 anos Critérios Principais: a) História familiar de atopia. ( ) Sim ( ) Não Se sim, qual: ( ) Asma ( ) Dermatite ( ) Renite Alérgica ( ) Outra b) Lesões pruriginosas. ( ) Sim ( ) Não c) Lesões eczematosas ou liquenificadas do rosto ou das faces. ( ) Sim ( ) Não Eczema: lesões planas ou elevadas eritematosas, descamativas, pruriginosas. Na dermatite atópica infantil ocorrem mais na face, no pescoço, nas faces extensoras e virilhas (dobras). Liquenificação: espessamento distinto da pele que se caracteriza por marcas acentuadas das dobras da pele, que à palpação são sentidas espessas e firmes. a) Manchas com coceira na pele que apareceram e desapareceram em intervalos de, pelo menos, 6 meses. ( b) Manchas com coceira na pele nos últimos 12 meses. ( c) Localização em dobras. ( d) Idade de início. ( e) Não desaparecimento completo nos últimos 12 meses. ( f) Acorda para coçar. ( g) Alguma vez na vida foi fornecido por um médico o diagnóstico de eczema. ( ) Sim ( ) Não ) Sim ) Sim ) < 2 anos ( ) Não ( ) Não ( ) >2 anos ) Sim ) Sim ( ) Não ( ) Não ) Sim ( ) Não Anexo 1. Instrumento de Coleta de Dados. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 21-24. –23– Reginatto FP e cols. Dermatite Atópica no Ambulatório de Pediatria do Hospital São Vicente de Paulo. Summary ATOPIC DERMATITIS IN CHILDREN IN THE PEDIATRIC AMBULATORY OF THE UNIVERSITY HOSPITAL SÃO VICENTE DE PAULO, PASSO FUNDO(RS), BRAZIL. The objectives of our study are check the frequency of Atopic eczema in children with allergic symptoms or clinical signs who attended the Ambulatory of University of Passo Fundo (UPF) and to provide for Medicine students a diagnostic method of atopic dermatitis with easy agreement and application. During the period of 14th June to 03rd July 2004, a questionnaire was applied for the children with allergic symptoms or clinical signs. Two questionnaires were provide to the 5th year Medical students of UPF one for lactates, proposed by Sampson, and another for no lactates, written from International Study of Asthma and Allergies in childhood (ISAAC). The patients were selected by the Medical studens and the questionnaire was apply always by the same student. Thirty-five children were attended in this time in the Pediatric Ambulatory and these nine (25,7%) had symptoms or clinical signs related to the eczema identified by the students. Among them, the diagnostic of Atopic dermatitis was confirmed in five children, given a diagnostic index of 14,3%. The frequency of Atopic dermatitis found in this study is about the same found in the medical literature. This study shows an elevated frequency of Atopic dematitis among children, being a relevant disease in children attended at the Pediatric Ambulatory of the University of Passo Fundo (Hospital São Vicente de Paulo). Keywords: Atopic dermatitis, Atopy in children, Eczema. REFERÊNCIAS 1. Correa JMM, Zuliani A. Imunidade relacionada à resposta alérgica no início da vida. Jornal de Pediatria 2001; (77):441-46. 2. Ross CB, Maureen R. Childhood atopic eczema BJM 2002; (324):1376-79. 3. Williams HC, Atopic eczema. BMJ 1995 (311):1241-42. 4. Devenny A, Wassal H, Ninan T, Omren M, Khan SD, Russel G. Respiratory symptoms and atopy in children in Alberdeen: questionnaire studies of a defined school population repeated over 35 years. BMJ 2004; (329): 489-490. 5. Harrison TR. Medicina Interna 15º Ed. Rio de Janeiro, McGraw-Hill 2002; 1(56):328-34. 6. Mackay IR, Rosen FS. Allergy and Allergic Diseases. The New England Journal of Medicine 2001;(344):3037. –24– 7. Howarth PH.Is allergy increasing? - early life influences. Clin Exp Allergy 1998;(28):2-7. 8. Warner JA. Allergenes avoidance in primary and secondary prevention of allergic asthma. In: IAACI. Perspectives of Allergy: update in evidence based allergy. Córdoba 1998;3-4. 9. Camelo-Nunes IC, Wandalsen GF, Melo KC, Naspitz CK, Solé D. Prevalência de eczema atópico e sintomas correlacionados entre estudantes. Jornal de Pediatria. 2004; 80: 60-64. 10. Wüthrich B. Allergy Unit, Departament of Dermatology, University Hospital Zurich, Switzerland. Dermatite Atópica 2000;(60):12-19. 11. Correale CE, Wlker C, Murphy L, Craig TJ. Atopic Dermatitis: A Review of Diagnosis and Treatment. Ameriacan Family Physician 1999;(60):1191-210. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 21-24. Artigo Original Sinéquia de Pequenos Lábios Glênio Spinato & Aline Agostini. Ambulatório de Ginecologia Infanto-Juvenil, Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS). Resumo Sinéquia de pequenos lábios é definida como aderência parcial ou completa entre as ninfas. Acomete, geralmente, meninas desde alguns meses até seis a oito anos de vida, ou seja, na primeira infância. O hipoestrogenismo associado a infecções vulvares ou à má higiene são os principais fatores aventados como causas. A maioria das pacientes são assintomáticas, podendo algumas vezes ocorrer retenção ou infecção urinária, infecções vaginais e vulvares de repetição. O tratamento é realizado, nos casos sintomáticos, basicamente por cremes à base de estrogênio, além de orientações quanto à retirada dos possíveis fatores predisponentes. Excepcionalmente, para os casos sem resposta ao tratamento hormonal indica-se tratamento cirúrgico. Unitermos: Sinéquia vulvar, aglutinação de ninfas, coalescência de pequenos lábios. A coalescência de pequenos lábios, aglutinação de ninfas ou sinéquia vulvar se caracteriza pela aderência entre as ninfas, onde se visualiza uma membrana translúcida na linha mediana que pode ocluir o intróito vulvar. A coalescência é denominada total quando não visualizamos o intróito, hímen e meato uretral. Quando a aderência não for completa, permitindo a visualização destas estruturas é denominada sinéquia parcial. A sinéquia de pequenos lábios pode ser de causa congênita ou adquirida. É denominada congênita quando a fusão dos pequenos lábios ocorre entre o terceiro e quarto mês de vida embrionária1. A forma adquirida pode estar relacionada com processo inflamatório que conduz a alteração do epitélio local e por conseqüência adesão das superfícies. Os fatores que contribuem para a inflamação variam desde traumas à má higiene. Alguns autores relatam que a coalescência ocorre devido a um estado de hipoestrogenismo, característico da primeira infância, e/ou infecções vulvares2,3. Souza e cols observam associação entre hipoestrogenismo e má higiene4. Davenport, Muram e Alderman relatam aderências labiais desenvolvidas no período pós- parto e secundárias à edema vulvar5,6,7.Também são relatados casos associados a lesões originadas por abuso sexual8. A sinéquia de pequenos lábios ocorre mais comumente na primeira infância, sendo de 3 - 23 meses a fase de maior prevalência. A sua incidência varia entre 0,6 e 3%. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 25-27. RESULTADOS E DISCUSSÃO No ambulatório de ginecologia infanto-juvenil, do serviço de residência médica de ginecologia e obstetrícia do Hospital São Vicente de Paulo, observamos que, de um total de 461 pacientes atendidas, foram diagnosticados 20 casos de sinéquias de pequenos lábios, perfazendo uma incidência de 4,3%. A idade das pacientes acometidas variou entre 6 e 132 meses, tendo como média 34,8meses. Entre estas pacientes foi observado que oito (40%) haviam realizado tratamento anterior com cremes a base de estrogênio eqüino conjugado, estradiol ou promestrieno; três pacientes (15%) referiram terem sido submetidas a procedimentos físicos como divulsão com termômetro ou tração após o uso de hialuronidase, conduta não preconizada em nosso ambulatório; as demais (45%) nunca haviam realizado qualquer terapia. O tratamento mais frequentemente usado foi aplicação de estrogênio tópico por 15 dias. Entre as 20 meninas com o diagnóstico, dez (50%) utilizaram estrogênio eqüino conjugado tópico duas vezes ao dia por 14 dias, duas (10%) usaram creme de estradiol na mesma posologia e cinco (25%) usaram promestrieno duas vezes ao dia pelo período mínimo de 30 dias. Após o tratamento hormonal, as pacientes eram orientadas a usar vaselina líquida duas vezes ao dia pelos 30 dias subseqüentes, para prevenir recidivas. Apenas três (15%) pacientes necessitaram realizar tratamento cirúrgico, sendo que uma destas já havia realizado –25– Spinato G e cols. Sinéquia de Pequenos Lábios. Figura 1, 2, 3. Sinéquia de Pequenos Lábios. anteriormente. Até o momento, durante um seguimento que varia de 4 a 150 meses, média de 47,45 meses, apenas uma paciente (5%) apresentou recidiva. A maioria das coalescências é assintomática. Quando presentes, os principais sintomas são a retenção urinária, micção com esforço ou em dois tempos, pseudo-incontinência urinária, infecções urinárias, vaginais e vulvares de repetição, disúria, devido à retenção de urina na vagina e prurido1,2,3. O diagnóstico é essencialmente clínico, podendo ser feito pela simples inspeção da vulva, onde se observa uma linha avascular, fina e delgada de fusão entre as ninfas. O diagnóstico diferencial deve ser realizado com persistência do seio urogenital, agenesia vaginal, atresia vaginal e hímenimperfurado1,2,3,4. A maioria dos casos de coalescência de ninfas (80%) resolve-se de forma espontânea no período aproximado de um ano1. Em conseqüência disso, os casos assintomáticos são tratados de forma expectante, com orientações quanto à higiene e eliminação de agentes irritantes locais. Para pacientes sintomáticas pode se indicar tratamento clínico ou, excepcionalmente, tratamento cirúrgico1,2,3,4. O tratamento clínico consiste em associar orientações do tratamento expectante com cremes a base de estrogênio, que deverão ser aplicados diretamente sobre a linha média por um período máximo de 15 dias devido ao risco de efeitos colaterais como pseudo-puberdade, telarca ou pubarca precoces. Magalhães e cols1 relatam o uso de promestrieno em 28 pacientes, duas vezes ao dia por um período de tempo maior que o referido anteriormente, sendo observado um índice de resolução de 86%, com apenas 7% de recidivas1. Esta conduta terapêutica está embasada no fato do promestrieno não apresentar absorção sistêmica e ocasionar menos efeitos colaterais, podendo, portanto, ser usado por um período de tempo maior, porém ainda sem protocolo definido5,6,7,9. O tratamento cirúrgico, de realização esporádica, restringe-se aos casos onde a sinéquia é muito espessa ou por falha no tratamento hormonal1,2,3,4,9. Agradecimento À Dra. Liliane D. Herter (Porto Alegre). Summary VULVAR EPITHELIAL ADHESION Vulvar epithelial adhesion is defined as partial or complete labial fusion. It is ordinarilly found in children from some months to six or eigth years old. The Estrogen deficiency plus vulvar infection and bad hygienic conditions are among the main factors. This condition is usually harmless. However, sometimes, urinary disturbances or vulvar infection can occur. The symptomatic cases are locally treated with Estrogen cream and orientations about hygienic habits. A failure to response to medical teraphy requires, in rare cases, surgical treatment. Keywords: Labial agglutination, labial fusion, vulvar epithelial adhesion. –26– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 25-27. Spinato G e cols. Sinéquia de Pequenos Lábios. REFERÊNCIAS 1. Magalhães MLC, Bezina M, et al. Uso del promestrieno en el tratamento de la coalescencia de lábios menores. Rev SOGIA 2003; 10(2):74-78. 2. Hufman JW. The Gynecology of Childhood and Adolescence. Philadelphia: W.B. Saunders, 1968. 3. Zeiguer BK. Ginecologia Infanto – Juvenil. 2º ed. Buenos Aires. Ed. Med. Pan-americana, 1998. 4. Souza MCB, et al. Coalescencia dos pequenos lábios. Análise de sessenta e quatro casos. Rev Bras Ginecologia e Obstetrícia1985; 105-7. 5. Davenport DM, Richardson DA. Labial adhesion secondary to postpartum vulvar edema. J Reprod Med 1986; 31(6):523-4. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 25-27. 6. Muram D. Labial adhesions in sexually abused children. JAMA 1988; 29(3):352-3. 7. Young A, Alderman B. A large labial adhesion following normal delivery. Acta Obstet Gynecol Scand 1990; 69(5):443. 8. McCann John, et al. Labial adhesion and posterior fourchette injuries in childhood sexual abuse. American Journal of Diseases of Children 1988;659-63. 9. Bacon JL. Prepubertal labial adhesions: Evaluation of referral population.Am J Obstet Gynecol. 2002;187(2):32732. –27– Artigo Original Retalhos para Reconstrução de Perdas Musculocutâneas em Membros Inferiores Antonio L. Severo, Celso Scorsatto, Edgar B.Valente, Osvandré L.C. Lech. Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Hospital de Ensino São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS). Resumo Objetiva-se exibir a experiência do Instituto de Ortopedia e Traumatologia com retalhos pediculados sem microanastomose (locais) ou livres com microanastomose para a reconstrução de membros inferiores, bem como a aplicação clínica dos mesmos. Foram analisados dezoito casos de pacientes com lesões em membros inferiores de origem traumática, sendo quinze pacientes do sexo masculino e três do sexo feminino, com idade entre 17 e 55 anos (média de 37,6 anos). O tempo de seguimento variou de seis a 42 meses. Do total de lesões, oito localizavam-se no terço distal da perna, quatro no pé e seis no terço proximal ou médio da perna. Foram utilizados 13 retalhos livres e sete retalhos pediculados para reparação dos defeitos. Houve perda de dois retalhos no pós-operatório precoce (até 72h da cirurgia) que foram substituídos no mesmo internamento. As causas da perda dos retalhos foram uma por erro técnico e outra devido a um processo alérgico desenvolvido pelo paciente ao antibiótico Cefalotina (náuseas, cefaléia e prurido intenso), sintomas que melhoraram com a suspensão do medicamento. Nos 3 casos de osteomielite houve cura clínica e radiológica em um período médio de nove meses. Nenhum paciente teve o membro amputado e todos foram capazes de retornar a deambular sem auxílio. Conclui-se que os retalhos são uma alternativa viável e eficaz para o tratamento de lesões complexas de membros inferiores. Unitermos: Microcirurgia, cirurgia reconstrutiva, retalhos pediculados, retalhos livres. Os traumas de grande energia em decorrência da vida moderna têm aumentado de maneira significativa nas últimas décadas. Com isso a gravidade das lesões, e as dificuldades no seu manejo exigem do profissional conhecimento e familiaridade com técnicas modernas de microcirurgia e cirurgia reconstrutiva. As reconstruções de defeitos dos membros inferiores sejam eles decorrentes de trauma ou não, sempre foram um desafio para cirurgia reconstrutiva. Os conhecimentos anatômicos associados à técnica possibilitam a utilização de um grande número de áreas doadoras. As características anatômicas de determinados segmentos como, por exemplo, o terço inferior da perna, muitas vezes impossibilitam o uso de retalhos locais com segurança. A microcirurgia para reconstrução de extremidades começou há mais de três décadas com a introdução do microscópio cirúrgico para anastomose de vasos, como descrito por Heller e Levin1. A transferência de retalhos livres, descrita pela primeira vez por Daniel e Taylor2 em 1973, revolucionou a cirurgia reconstrutiva e microcirurgia. Indicações de retalhos microvasculares para –28– reconstrução de membros inferiores incluem traumas de grande energia, lesões por radiação, osteomielites, pseudartroses e reconstrução pós-cirurgia oncológica. O tipo de retalho a ser usado depende da natureza do defeito a ser reconstruído, da sua extensão e volume. Os retalhos são selecionados levando-se em conta a anatomia da área doadora, as necessidades da área receptora, o comprimento do pedículo vascular e o resultado estético. De uma maneira geral os retalhos musculares são mais efetivos no tratamento das osteomielites e na reconstrução de defeitos que apresentem grandes espaços a serem preenchidos. Os retalhos ósseos são utilizados para reconstruções de defeitos estruturais como os defeitos ósseos decorrente de trauma, tumor ou osteomielite. Alguns retalhos livres são utilizados por razões estéticas, os quais são indicações extremamente limitadas e usadas somente em casos selecionados. Nesse trabalho foram utilizados tanto retalhos pediculados, como livres para o tratamento de lesões traumáticas conforme será descrito adiante. Com o objetivo de reparar perdas musculocutâneas e auxiliar no tratamento de osteomielite em membros inferiores. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 28-34. Severo AL e cols. Retalhos para Reconstrução de Perdas Musculocutâneas em Membros Inferiores. MATERIAL E MÉTODOS A amostra é composta de 18 pacientes com lesões em membros inferiores de etiologia traumática. Tratados no Hospital Escola São Vicente de Paulo, Passo Fundo-RS. Quinze pacientes do sexo masculino e três do sexo feminino, com média de idade de 37,6 anos, variando de 17 a 55 anos. O período de seguimento variou de seis a 42 meses (Figs. 1 a 6). As lesões se localizavam no terço distal da perna em oito pacientes, no terço proximal e médio, seis e no pé em quatro pacientes (Tabela 1). Acidentes automobilísticos foram os responsáveis pela maioria das lesões (10 pacientes), seguidos por acidente com máquinas agrícolas (4 pacientes). Foram realizados sete retalhos do músculo grande dorsal, três do gastrocnêmio, dois do sóleo, dois escapulares, dois radiais anteriores do antebraço, um plantar medial, um lateral do braço, um do serrátil anterior e um retalho neurosural. (Tabela 1). No pós-operatório imediato foi realizado um curativo Caso Id. (anos) Sexo 1 39 M 2 41 F Causa Tipo de Retalho com gazes e chumaços, algodão hidrófobo e ataduras de crepe, permanecendo uma janela no curativo para avaliar a viabilidade do retalho através da coloração, turgor e temperatura do mesmo. O primeiro curativo foi realizado em Centro Cirúrgico após um período de três dias. A temperatura do ambiente do quarto, onde o paciente permanecia internado, foi monitorada para permanecer em média de 24ºC. Nos pacientes em que foram realizados retalhos livres, utilizou-se Dextran 40 (expansor plasmático) e Heparina 5.000 UI (anticoagulante) em bomba de infusão por cinco dias, para aumentar o volume plasmático intravascular e evitar a formação de trombos. No primeiro dia a velocidade de infusão era de 5 ml/h, nos quatro outros dias era de 3 ml/h. o período médio de internação foi de sete dias. Suspendeu-se a ingestão de alimentos que pudessem causar vasoconstrição como, por exemplo: café, bolacha recheada, guaraná e chocolate (alimentos ricos em xantinas “vasoconstritoras”), pelo período mínimo de um mês. O tabagismo foi desaconselhado. Indicação do Retalho Localização e Tamanho da Lesão Serrátil anterior - Grande dorsal Fratura exposta da perna Acidente com máquina agrícola Escapular Exposição óssea da tibia e do tendão de Aquiles Terço distal posteromedial da perna Fratura exposta do pé Região do calcanhar - 20x10 cm Osteomielite da tíbia Terço médio anteromedial da perna - 8x5 cm Acidente com armadilha 3 17 F Acidente. automobilístico Lateral do braço 4 36 M Acidente esportivo Gastrocnêmio - Grande dorsal Terço distal anteromedial d a perna - 10x10 cm - 20x8 cm 5 35 M Acidente automobilístico Grande dorsal Osteomielite do tornozelo Terço distal anteromedial da perna - 7x7cm 6 45 M Ac idente automobilístico Grande dorsal Fratura exposta da perna Terço distal anteromedial da perna - 10x10 cm 7 26 M Acidente automobilístico Hemisóleo Exposição óssea da perna Terço médio anteromedial da perna - 9x7 cm 8 21 F Acidente automobilístico Gastrocnêmio Fratura exposta da perna Terço proximal anteromedial da perna 9 40 M Acidente automobilístico Grande dorsal Fratura exposta da perna Terço distal anteromedial da perna - 9x9 cm 10 49 M Acidente com máquina agrícola Grande dorsal Fratura exposta da perna Terço distal anteromedial da perna - 20x15 cm 11 33 M Acidente automobilístico Retalho anterior do antebraço Osteomielite da tibia Terço distal anteromedial da perna - 3x4 cm 12 37 M Acidente automobilístico Retalho solear Exposição óss ea da tibia Terço médio anteromedial da perna - 9x10 cm 13 35 M Acidente automobilístico Gastrocnêmio Exposição óssea da tibia Terço médio anteromedial da perna - 10x5 cm 14 35 M Acidente com máquina agrícola Escapular Exposição óssea da tibia e do tendão de Aquiles Terço distal posterior da perna - 8x8 cm 15 40 M Trauma direto em pé Retalho neuro -sural Fratura exposta do pé Região dorsal do pé - 8x8 cm 16 55 M Lesão perfurante Plantar medial Exposição ossos do pé Região plantar do pé - 5x5 cm 17 53 M Acidente com máquina agrícola Radial anterior do antebraço Fratura exposta do pé Região dorsal do pé - 10x7 cm 18 40 M Acidente automobilístico Grande dorsal Fratura exposta da perna Terço proximal e medial anterolat.da perna - 20x12 cm - 8x5 cm M= Masculino / M= Male F= Feminino / F= Female Fonte: Arquivo Médico do Instituto de Ortopedia e Traumatologia e Hospital São Vicente de Paulo, de Passo Fundo (RS), Brasil (BR), no período de janeiro de 1999 a fevereiro de 2002. RESULTADOS Entre os pacientes, dois evoluíram com perda de retalhos no pós-operatório precoce (até 72 h ). Um dos pacientes (tabela 1 - caso 1) era fumante crônico e apresentou um processo alérgico, com perda do retalho do serrátil anterior. A etiologia do processo alérgico foi ao antibiótico Cefalotina, porém o mesmo involuiu após a retirada da Cefalotina. Foi realizado, durante o mesmo internamento, um segundo retalho (grande dorsal), o qual apresentou trombose venosa com ulcerações que melhoraram após a administração via oral de Cumarina, Tri-hidroxietilrutina e interrupção do tabagismo. O retalho levou um período de oito meses para incorporas-se totalmente. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 28-34. Outro paciente sofreu perda do retalho local do gastrocnêmio (cabeça medial) devido a erro técnico. Houve dúvida entre a realização de um retalho do gastrocnêmio (cabeça medial) ou hemisolear devido à lesão localizar-se entre o terço proximal e médio da perna. Optou-se por um retalho do gastrocnêmio que evoluiu para necrose, sendo substituído por um retalho livre de grande dorsal, que cicatrizou satisfatoriamente. Os três pacientes que foram operados por osteomielite crônica obtiveram cura clínica em um período máximo de nove meses. O paciente que sofreu fratura exposta do calcâneo, no qual foi utilizado o retalho lateral do braço, evoluiu satisfatoriamente, tanto do ponto de vista funcional –29– Severo AL e cols. Retalhos para Reconstrução de Perdas Musculocutâneas em Membros Inferiores. Fig.1 - caso 10: a) Acidente com máquina agrícola. Fratura exposta dos ossos da perna. Lesão 20X15 cm. Realizado retalho livre de grande dorsal. Fig. 2 - caso 7: a) Acidente automobilístico. Fratura dos ossos da perna. Lesão de 9 x 7 cm. Realizado retalho pediculado do hemisóleo. c) Após nove meses de evolução. b) Pós-Operatório imediato Fig. 3 - caso 2: a) Acidente com máquina agrícola. Exposição da tíbia e do tendão de Aquiles. Lesão de 20 X 8 cm. Realizado retalho livre escapular. –30– b) Após um ano de evolução. b) Após seis meses de evolução. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 28-34. Severo AL e cols. Retalhos para Reconstrução de Perdas Musculocutâneas em Membros Inferiores. Fig. 4 - caso 11: a) Acidente automobilístico. Osteomielite de tíbia. Lesão de 3 x 4 cm. Realizado retalho livre anterior do antebraço. b) Após dez meses de evolução. Fig. 5 - caso 3: a) Acidente automobilístico. Fratura exposta dos óssos calcâneo e talus. Lesão de 20 X 10 cm. Realizado retalho livre Lateral do braço. b) Após três anos de evolução. Fig. 6 - caso 15: a) Trauma direto no pé provocado por pedra. Lesão cutânea e subcutânea de 8 X 8 cm. Realizado retalho pediculado do neuro-sural. b) Aspecto após três anos e seis meses de evolução. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 28-34. –31– Severo AL e cols. Retalhos para Reconstrução de Perdas Musculocutâneas em Membros Inferiores. (deambulação indolor e sensibilidade no retalho), quanto estético. Nenhum dos pacientes sofreu amputação do membro e todos voltaram a deambulação sem auxílio. DISCUSSÃO Os índices para avaliação da viabilidade dos membros para se proceder a uma amputação no atendimento inicial do paciente ainda são controversos, ficando a decisão final a cargo da experiência da equipe cirúrgica. Na opinião dos autores, as principais indicações para salvamento de um membro gravemente lesado incluem qualquer membro em crianças, ou membros que mantenham sensibilidade intacta independentemente da idade. As lesões nervosas não contra-indicam a reconstrução do membro, porém elas devem ser distais o suficiente para permitir uma recuperação em um período razoável de tempo. Idade avançada não contra-indica os procedimentos microvasculares para o salvamento de membros sendo as reconstruções passiveis de serem realizadas de forma segura e com sucesso em pacientes idosos. O momento ideal para confecção do retalho normalmente é definido por fatores como a condição geral do paciente e as condições locais da área receptora. O tipo de trauma, o tipo de fratura, a contaminação local e o tipo de tecido exposto influenciam na decisão. Retalhos confeccionados em um período de cinco a sete dias após o acidente são aceitos como seguros em termos de diminuição dos riscos de infecção, sobrevida do retalho e consolidação das fraturas1,2,3. Na nossa casuística havia tanto pacientes com trauma agudo, como pacientes que apresentavam seqüelas de tratamentos prévios. Em todos os pacientes a confecção do retalho foi realizada o mais breve possível. A avaliação clínica permanece como o método padrão ideal para a monitorização dos retalhos. Deve-se avaliar a cor da pele, temperatura, enchimento capilar e o sangramento2,3,4. Em todos os nossos pacientes utilizamos somente a avaliação clínica para monitoramento, dispensando exames complementares. Limitações anatômicas dificultam a utilização de retalhos locais para reconstruções de defeitos no terço inferior da perna e lesões maiores no pé e tornozelo. Nesses casos devemos lançar mão dos retalhos livres. Estes últimos têm as vantagens de não comprometer a área receptora, permitir o desbridamento adequado da lesão sem a preocupação de manter tecidos para reconstrução e oferecer uma vascularização que não depende da área doadora como nos retalhos do tipo cruzado de pernas (cross-leg) em que o retalho se torna um “parasita” da vascularização local. Os retalhos livres com microanastomoses cirúrgicas têm uma melhor vascularização ao contrário dos retalhos locais que são relativamente isquêmicos na sua porção distal pela própria confecção do retalho4,5. As indicações para o uso de retalhos livres nessa casuística foram na sua maioria em lesões do terço distal da perna, uma vez que nessa localização a utilização de retalhos locais torna-se limitada. O uso do retalho cruzado de pernas (cross-leg), o qual não foi utilizado em nossa casuística, apresenta inconvenientes como a necessidade de pelo –32– menos três intervenções cirúrgicas, a permanência em uma posição desconfortável por um longo tempo, e a impossibilidade de realização de tal técnica em pacientes que têm suas fraturas fixadas com fixador externo. Cortez et al 3 apresentaram a possibilidade de utilização do retalho do músculo tibial anterior invertido com sucesso em 90% dos pacientes, que apresentavam lesões do terço inferior da perna e pé. O déficit funcional de extensão do tornozelo era compensado realizando-se a tenodese do extensor longo do hálux ao tibial anterior. Os autores indicavam esta cirurgia para pacientes que apresentavam déficit funcional do tornozelo. Ferreira et al apresentaram um estudo anatômico do retalho fasciocutâneo do terço distal da perna em cadáveres para avaliar a possibilidade de uso desse retalho para lesões do terço distal da perna. Além do estudo anatômico, eles descreveram a experiência obtida com o uso de tais retalhos em pacientes portadores de pseudartrose ou osteomielite crônica da perna obtendo resultados satisfatórios. O uso de retalhos acompanhado dos princípios ortopédicos de tratamento das infecções (desbridamento amplo associado ao uso de antibióticos) tem se mostrado efetivo no tratamento das osteomielites. Estudos experimentais têm demonstrado que tecidos reconstruídos com retalhos musculares há um aumento da tensão de oxigênio, aumento da atividade fagocitária, aumento da chegada de antibióticos no local da infecção e diminuição da contagem de colônias bacterianas. Não existe um consenso entre o uso de retalhos pediculados ou livres para o tratamento da osteomielite. Musharafieh et al6 afirmam que o tipo de retalho utilizado não influencia muito no resultado desde que o retalho seja bem vascularizado, e que se realize um desbridamento adequado da área a ser reconstruída com o preenchimento das cavidades existentes. Ramos et al7 relataram 92,9% de cura em pacientes com osteomielite de tíbia com o uso de retalhos pediculados. Arnold et al 8 relataram 90% de cura após 15 anos de seguimento com o uso de retalhos pediculados (locais), e afirmam que sempre se deve dar preferência ao uso de retalhos pediculados quando possível. Tvrdek et al9 acreditam que se deve dar preferência ao uso de retalhos livres para o tratamento da osteomielite crônica devido às alterações locais causadas pela mesma (fibrose muscular e má qualidade da vascularização local), apesar de ser um procedimento tecnicamente mais elaborado. Apesar dos retalhos musculares serem os mais indicados no tratamento das osteomielites, os retalhos fasciocutâneos apresentam bons resultados, porém não preenchem cavidades ou defeitos ósseos grandes. Nesses casos os retalhos musculares são mais versáteis. Três pacientes em nossa casuística foram tratados por osteomielite crônica. No primeiro, o defeito se localizava no tornozelo e foi tratado com retalho livre de grande dorsal. No segundo, a lesão se localizava em terço distal da perna e foi tratada com retalho livre anterior do antebraço. E no terceiro paciente, a lesão se localizava em terço médio da perna e foi tratada inicialmente com retalho pediculado do gastrocnêmio, havendo perda do retalho devido a erro técnico, sendo substituído por retalho livre de grande dorsal. Todos obtiveram REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 28-34. Severo AL e cols. Retalhos para Reconstrução de Perdas Musculocutâneas em Membros Inferiores. cura clínica e radiológica da osteomielite. Segundo Muramatsu et al10, o uso de retalhos livres para perna apresenta um índice de complicações vasculares elevado da ordem de 22%, sendo a maioria dessas (86%) devido à trombose venosa. Obtivemos um caso de trombose venosa profunda, que corresponde a 8,3% dos nossos casos de retalhos livres. A trombose venosa, também chamada de síndrome pós-trombótica ocorre principalmente, por um aumento da pressão venosa entre outros fatores. A recanalização completa das veias ocorre após um ano ou mais da trombose. No único caso em que se defrontou com esse problema, a resolução total ocorreu após oito meses. Tal complicação acometeu o retalho livre do músculo grande dorsal após ter sido empregado em substituição a perda de retalho do músculo serrátil anterior. O paciente, além de ser fumante crônico, apresentou um processo alérgico à medicação Cefalotina. Não houve perda do retalho do músculo grande dorsal, o qual teve resolução clínica em um período de oito meses. A reconstrução do tornozelo é um problema difícil, não existindo um consenso sobre o melhor retalho a ser utilizado. O retalho ideal deve prover sensibilidade e cobertura de tecidos moles com um coxim adequado sobre as proeminências ósseas e ter pouca mobilidade tangencial11. Na opinião dos autores o melhor retalho é o retalho local, o que nem sempre é possível, seja devido ao tamanho da lesão ou ao traumatismo local. Em lesões de maiores proporções a maioria dos autores recomenda o uso de retalhos livres como o lateral do braço, entre outros. No único caso em que se teve uma lesão que acometeu a área de apoio do calcanhar, utilizou-se o retalho lateral do braço. A paciente evoluiu satisfatoriamente com retorno de todas as suas atividades pré-lesão, ou seja, deambulação indolor e com sensibilidade. O músculo que tem recebido maior atenção por parte dos autores é o grande dorsal, devido às suas características anatômicas. É um músculo grande, de forma aplainada, o que permite sua modelação em diversos locais do corpo. Além disso, apresenta um pedículo vascular constante e fácil dissecção 12. Foi o retalho mais utilizado no nosso trabalho (sete casos), principalmente em lesões que acometiam o terço distal da perna. Não houve nenhum caso de perda desse retalho. Em um dos pacientes utilizou-se o retalho neuro-sural. As complicações agudas dos retalhos ocorrem normalmente dentro das primeiras 48 horas e incluem trombose venosa, trombose arterial, hematoma, hemorragia e edema excessivo do retalho. Na nossa série ocorreu a complicação no pós-operatório imediato por duas vezes (pacientes 1 e 4), que determinou perda dos retalhos. CONCLUSÕES 1) Apesar do número limitado de pacientes, o uso de retalhos livres como medida adjuvante para o tratamento da osteomielite crônica mostrou-se eficaz. 2) Retalhos pediculados (locais), têm a preferência sempre que haver viabilidade vascular e de tecido suficiente da área doadora para preenchimento da lesão. 3) As lesões em terço distal da perna e no pé de maiores dimensões necessitam na maioria das vezes de retalhos livres para coberturas. Summary PEDICULATED GRAFTS FOR RECONSTRUCTION OF MUSCULOCUTANEOUS LOSSES IN THE INFERIOR MEMBERS This purpose of this paper is to present the experience of the “Service of Pediculated Grafts” of the Hospital São Vicente de Paulo (the School Hospital of the University of Passo Fundo Medical School – Passo Fundo, RS, Brazil) with Pediculated Grafts without Microanastomosis and of Free Grafts with Microanastomosis, for the reconstruction of Inferior Members, as well as their clinical management. The Medical Records of eighteen patients having lesions of traumatic origin in the Inferior Members were analyzed. Fifteen of them were males and three were females, aged from 17 to 55 years (average 37,6 years). The follow-up of these Patients varied from six to 42 months. Eight of the lesions were located in the distal third of the leg, four in the foot and six in the proximal or in the medium third of the leg. Thirteen of the Grafts were Free Grafts and seven were Pediculated Grafts. There was a loss of two of the Grafts in the early postoperative period (up to 72 hours from Surgery). Those Patients underwent another surgical procedure during the same hospitalization. The causes of the Graft loss were: one, due to a technical mistake, and the other, due to allergy to Cephalothin (Nausea, Migraine and intense Itching). Those symptoms ceased after the intake of Cephalothin was stopped. In the 3 cases of Osteomielitis, clinic and radiological cure took place in about nine months. No other complication occurred. The Patients were soon capable to walk alone. According to their experience with this Surgical procedure, the Authors conclude that Grafts are a viable and effective approach for the treatment of complex lesions of Inferior Members. Keywords: Pediculated grafts, Microsurgery, Reconstructive Surgery, Free Grafts. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 28-34. –33– Severo AL e cols. Retalhos para Reconstrução de Perdas Musculocutâneas em Membros Inferiores. REFERÊNCIAS 1. Heller L, Levin S. Lower extremity microsurgical reconstruction, Plast Reconstr Surg 2001;108:10291041. 2. Daniel RX, Taylor GL. Distant transfer of an island flap by microvascular anastomoses: A clinical techinique. Plast Reconstr Surg 1973;52:111-117. 3. Cortez M, Borges LG, Lima SCA. Um novo retalho muscular para cobertura do terço inferior da perna e do pé, Rev Bras Ortop 1993;28:687-693. 4. Ferreira LN, Andrews JM, Laredo Filho J. Retalho fasciocutâneo de base distal: estudo anatômico e aplicação clínica das lesões do terço inferior da perna e tornozelo. Rev Bras Ortop 1987;22:127-131. 5. Hallock JG. Utility of both muscle and fascia flaps in severe lower extremity trauma, J. trauma: Injury, infection and clinical care 2000;48:913-917. 6. Musharafieh R, Osmani O, Musharafieh U, Saghieh S, Atiyeh, B.Efficacy of microsurgical free tissue transfer in chronic osteomyelitis of leg and foot: review of 22 cases, J. Reconstr Microsurg 1999;15:239-244. 7. Ramos RR, Andrews JM, Laredo Filho J. Uso do retalho musculocutâneo do músculo gastrocnêmico no tratamento da osteomielite crônica da tíbia. Rev Bras Ortop 1985;20:309-312. –34– 8. Arnold, PG, Yugueros, P, Hanssen, AD.Muscles flaps in osteomyelitis of the lower extremity: A 20- year account, Plast Reconstr Surg. 1999;104:107-110. 9. Tvrdek, M, Nejedly A,Kletensky J, Kufa, R.Treatment of chronic osteomyelitis of the lower extremity using free flap transfer, Acta Chie Plast 1999;41:46-49. 10. Muramatsu, K, Shigetomi, M. Ihara, K, et el: Vascular complication in free tissue transfer do the leg, Microsurgery 2001;21:362-365. 11. Eniu, D, Ciuce, C, Hogea, G. Blag, D. Free radial forearm flap for reconstruction of heel and scalp in patients with extensive skin cancers, Romanian Journal of Hand Reconstructive Microsurgery 4, 1999. 12. Caetano, EB, Nachiluck, A, Brandi, S, Sabongi Neto, JJ. Retalho do músculo grande dorsal na reparação das perdas cutâneas externas dos membros inferiores. Rev Bras Ortop 1988; 23:87-92. 13. Masquelet, A.C., Gilpert, A .: An Atlas of Flaps in Limb Reconstruction. J.B. Lippincott Company. Philadelphia.1995;160-161. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 28-34. Artigo de Revisão Carcinoma Epidermóide da Cavidade Bucal Humberto Thomazi Gassen, Soluete Oliveira da Silva, Silvana Ghem Moraes. Faculdade de Odontologia da Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo O câncer de boca representa a neoplasia maligna de maior incidência na região de cabeça e pescoço. O carcinoma epidermóide representa aproximadamente entre 90% e 95% de incidência em relação às outras neoplasias malignas, seguidas pelas neoplasias das glândulas salivares menores (carcinoma adenóide cístico, mucoepidermóide, células acinares e adenocarcinoma) e tumores de origem mesenquimal como os sarcomas. O objetivo é promover revisão da literatura acerca dos fatores relacionado ao carcinoma de células escamosas oral. Unitermos: Carcinoma epidermóide, carcinoma espinocelular, carcinoma escamoso. As neoplasias malignas consistem num aumento do número de células com conseqüente aumento da massa tecidual, a qual ultrapassa os limites normais e altera a homeostase da população celular, determinando uma modificação transcendental celular e adquirindo propriedades funcionais e antigênicas diferentes, transformando-se em agentes celulares estranhos à unidade populacional dos tecidos. Sendo as células neoplásicas diferentes da célula normal, seu metabolismo também é distinto, o que altera o metabolismo geral do organismo. Essas neoplasias identificadas como câncer, assumem ainda a capacidade de crescer por infiltração progressiva não reconhecendo os limites anatômicos das estruturas e, ainda, disseminar-se pelas vias linfática, sangüínea e também pelos espaços perineurais, e provocar neoplasias malignas à distância, originando metástases1,2,3,4,5. DISCUSSÃO A incidência de câncer bucal varia de acordo com a idade, sexo, ocupação, grupos étnicos e a localização radiográfica1,2,3,4. O câncer de boca é considerado a sexta modalidade de neoplasia sólida mais freqüente no mundo5 representando 4% do total de tumores malignos diagnosticados6. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer7, o câncer da boca é a quarta lesão maligna mais freqüente em homens e a sétima mais freqüente em mulheres. Segundo Neville et al. (1998), o câncer de boca é uma doença predominantemente de homens brancos e sua prevalência ocorre no sexo masculino, estando na razão homem/mulher em 3:18. Geralmente é uma doença de meia idade e idade avançada, sendo rara em crianças e adultos jovens, com uma prevalência entre os 41 e 60 anos5, 9. A questão do aumento da incidência do câncer com a idade não está solucionada, embora inúmeras hipóteses tenham surgido na literatura. Pode-se dividí-la em dois REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 35-38. grupos. O primeiro grupo afirma que o fato ocorre pelo aumento do tempo de exposição do indivíduo ao carcinógeno. Já o segundo grupo, acredita que o envelhecimento dos tecidos e a alteração do equilíbrio metabólico, hormonal e neural do indivíduo propiciam a ocorrência da iniciação tumoral, os quais falham na sua defesa contra a promoção da doença10. Os grupos populacionais com menor rendimento econômico apresentam uma incidência mais elevada em relação ao câncer bucal. Este fato é atribuído às precárias condições de higiene bucal, cáries, dentes fraturados e doenças periodontais destes indivíduos5. Existem sete regiões anatômicas de alto risco de desenvolvimento de carcinoma na mucosa bucal: lábio inferior, mucosa jugal, região retromolar, palato mole, bordas laterais e ventre de língua e assoalho de boca 5 . As localizações mais freqüentes dos cânceres de boca, segundo Harrison et al. (1999), são: língua (30%), principalmente nas bordas laterais entre o 1/3 médio e posterior, lábios (25%), assoalho de boca (15%), gengivas (10%), mucosa bucal (10%) e palato (10%)11. A maior parte das lesões cancerizáveis se inicia sobre lesões prévias, favorecidas por um terreno especial, hereditário ou adquirido, provocadas por causas locais, associadas às gerais. Os estágios inicias são, geralmente, estágios leucoplásicos e eritroplásicos diagnosticados anteriormente à formação de lesões exofíticas e endofíticas8. A destruição do osso subjacente às neoplasias malignas, quando ocorre, pode ser dolorosa ou completamente indolor. Nas radiografias convencionais, tem o aspecto de radiotransparências “roída por traças”, isto é, imagens com margens rotas e mal definidas. Pode também se estender por muitos centímetros pelo nervo, sem se separar para formar uma metástase verdadeira (invasão perineural)8. Pacientes medicados com imunossupressores ou sob –35– Gassen HT e cols. Carcinoma Epidermóide da Cavidade Bucal. imunossupressão quimioterápica ou recuperando-se de transplante de medula óssea ou infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), possuem um alto risco para o desenvolvimento de malignidades, incluindo o carcinoma bucal de células escamosas12. Evidências cínicas indiretas implicam o tabagismo na etiologia do carcinoma de células escamosas bucais. Embora, o risco relativo (risco de câncer oral em fumantes comparado ao risco de não fumantes) depender da dose para os fumantes, a proporção de fumantes entre os pacientes dos carcinomas bucais é duas a três vezes maior do que a da população em geral8. O fumo é um agente carcinogênico completo, por ser ao mesmo tempo indutor e promotor do câncer de boca. O álcool, não tem provado ser capaz de iniciar o câncer bucal, porém, quando associado ao tabaco, age como potencializador, facilitando a atuação dos agentes carcinógenos presentes no cigarro5. Alguns autores sugerem que um dos mecanismos é o fato de o álcool aumentar a permeabilidade da membrana celular e o movimento na fase G2 da mitose. Outros, concluíram que o álcool causa nas células um aumento da peroxidação dos lipídios, relacionado diretamente na promoção de células iniciadas 10. Dessa forma, quando combinados, o risco de incidência do câncer de boca pode ser aumentado em até 15 vezes. Essa associação corresponde a aproximadamente 75% das lesões malignas presentes na boca5. Deficiências nutricionais também tem sido implicadas como fatores predisponentes no desenvolvimento de câncer bucal. Em vários estudos epidemiológicos, o baixo consumo de vitamina E, carotenóides, ou ambos tem sido associado com um alto risco de câncer bucal12. O uso do álcool e do tabaco e a má nutrição promovem prejuízo no funcionamento da glândula salivar e na imunidade da mucosa bucal, reduzindo as células “helper” CD4, e diminuindo a atividade das células natural killer12. A ocorrência do Papilomavírus no câncer de boca, tomando como base os estudos dos últimos dez anos, varia de 15 a 40%. Os tipos mais encontrados são o HPV-16, HPV18 e o HPV-33. O mecanismo de ação molecular desses vírus sugere que, ao menos em parte, o fator oncogênico é a inativação epigenética do p53 e a quebra do controle do ciclo celular. A infecção com o papilomavírus imortaliza os queratinócitos da mucosa desenvolvendo um novo fenótipo após algumas gerações10. Da mesma forma, porém menos implicado, é o Herpesvírus tipo I. Além de ser encontrado em uma porcentagem semelhante à do Papilomavírus no tecido neoplásico, alguns estudos experimentais indicam que teria efeito oncogênico similar10. No entanto, os dados indicam que tanto o Papilomavírus quando o Herpesvírus tipo I permanecem com papel epidemiológico indefinido em relação ao câncer de boca10. A presença do genoma do vírus de Epstein-Barr em 100% dos carcinomas da cavidade bucal foi atribuído ao fato de que a alta incidência dessa infecção ocorre na população com deficiência imunológica, portanto mais vulnerável à evolução da carcinogênese, e não à participação –36– direta do vírus Epstein-Barr na gênese do tumor10. Existem ainda outros fatores implicados na carcinogênese bucal, dentre os quais, a radiação ultravioleta, a lesão mecânica crônica e o calor. A radiação ultravioleta, principalmente o UVB, é o principal carcinógeno implicado no câncer do lábio. Já o trauma crônico da mucosa bucal possui fundamentação experimental ou epidemiológica como fator mutagênico e, o calor, aumenta a temperatura na mucosa bucal, o que, em última análise, tem efeito sinérgico com a carcinogênese química10. A lesão pré-cancerosa é definida como uma alteração tecidual na qual o câncer tem maior probabilidade de ocorrer, do que no mesmo tecido aparentemente normal – Relatório da O. M. S. – “Meeting of Investigators on the Histological Definition of Precancerous Lesions”, (1972). Segundo Pindborg (1981), existem duas lesões pré-cancerosas, a leucoplasia e a eritroplasia14. Já para Parise Júnior et al. (2000), as doenças mais freqüentemente associadas ao câncer da cavidade oral são as leucoplasias, as eritroplasias e o líquen plano. Nos lábios, a queilite actínica pode ser considerada pré-cancerosa10. Embora exista controvérsia sobre a transformação do líquen plano bucal em carcinoma da boca, a sugestão, segundo Parise Júnior et al. (2000), é acompanhar cada caso de líquen plano e biopsiar as lesões suspeitas ou erosivas10. A leucoplasia é um termo clínico que significa “lesão predominantemente branca”, localizada na superfície da mucosa. Cerca de 90% dessas lesões não tem nenhum tipo de conotação pré-maligna ou maligna. O diagnóstico clínico inicial ou provisório deve ser seguido de identificação e afastamento de fatores possivelmente causadores da lesão e, com a persistência da lesão, deve-se realizar a biópsia para firmar o diagnóstico definitivo. Em cerca de 30% das leucoplasias podem se desenvolver em carcinomas, tendo sido descrita uma taxa de transformação maligna de 2,9% ao ano10. Além disso, as diferenças étnicas e especialmente as baseadas em hábitos particulares podem influenciar a taxa de transformação maligna 14. Para definir lesão précancerosa, o termo leucoplasia deve ser restrito a lesões não caracterizadas clinicamente como outra doença, não associadas a fatores externos que não o uso de tabaco10. Para Pindborg (1981), talvez o local mais freqüente para transformação maligna da leucoplasia seja a língua14. A eritroplasia é uma lesão vermelha persistente, com bordas bem definidas e que não pode ser diagnosticada como qualquer outra lesão vermelha. É mais rara que a leucoplasia e, quando não está associada a fatores infecciosos, inflamatórios ou traumáticos, tem alta probabilidade de ser um carcinoma in-situ10. No estudo de Shafer e Waldron (1975), a eritroplasia estava associada em todos os casos com displasia epitelial, carcinoma in-situ ou carcinoma, enquanto a leucoplasia apresentava estas alterações em apenas 20% dos casos. Além disso, os carcinomas foram encontrados com freqüência dezessete vezes maior nas lesões eritroplásicas do que nas leucoplásicas15. Identificar clinicamente uma leucoplasia, eritroplasia ou líquen plano não é tarefa difícil. Porém, o mesmo não se pode REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 35-38. Gassen HT e cols. Carcinoma Epidermóide da Cavidade Bucal. fazer ao tentar definir o risco de transformação maligna10. Na cavidade bucal, a forma ulcerada do carcinoma espinocelular é relativamente comum. Usualmente, são lesões friáveis e sangrantes à manipulação, apresentando grande poder de infiltração, em geral com desenvolvimento de metástases ganglionares10. Segundo Silverman (1985), os sinais mais freqüentes do câncer bucal são: ulceração, eritroplasia, leucoplasia e cronicidade, e que, sinais como endurecimento, fixação e linfadenopatia são considerados sinais de lesões avançadas16. Na evolução do tumor primário, observa-se sangramento local; odor fétido associado à necrose tumoral e infecções secundárias; dor local freqüentemente irradiada para o ouvido; dificuldade em falar, mastigar e deglutir, com perda ponderal conseqüente. Pelo acometimento da musculatura pterigóidea, o paciente pode apresentar trismo, com agravamento dos sintomas e sinais descritos anteriormente. Ainda nas lesões avançadas, podem estar presentes: a fixação da língua, a perda de dentes e fístulas na pele da face ou do pescoço10. O desenvolvimento de uma neoplasia maligna abrange etapas, que envolvem a transformação de uma dada população de células, seu crescimento hiperplásico, displásico, a formação de tumor in-situ, invasão e metástase. A progressão tumoral envolve interações complexas entre as células transformadas, a matriz extracelular circundante e o sistema imunológico do hospedeiro. Tais interações podem se dar pelo contato célula a célula ou ser mediadas por proteínas solúveis, como os fatores T1N0M0 Taxa de sobrevivência em 5 anos 85% Estágio II T2N0M0 66% Estágio III T2N0M0 ou T1,T2,T3, N1M0 41% Estágio IV Qualquer lesão T4, ou Qualquer lesão N2 ou N3, ou Qualquer lesão M1 9% Estágio Estágio I Classificação TNM T1-Tumor com menos de 2 cm em seu diâmetro máximo T2-Tumor com 2 a 4 cm em seu diâmetro máximo T3-Tumor com mais de 4 cm em seu diâmetro máximo T4-Massa tumoral com mais de 4 cm de diametro com envolvimento do antro, músculo pterigóides, base da língua ou pele. N0-Nenhum nodo clinicamente positivo N1-Um único nodo homolateral clinicamente positivo com menos de 3 cm de diâmetro N2-Um único nodo homolateral clinicamente positivo com 3 a 6 cm de diâmetro ou múltiplos nodos homolaterais clinicamente positivos, nenhum com mais de 6 cm de diâmetro. N3-Nodo (s) homolateral (ais) massivo(s), nodos bilaterais, ou nodo(s) contralateral(ais). M0-Nenhuma evidencia de metástase distante M1-Metástase distante está presente * NEVILLE, B.W. et. al., (1998) Quadro 1. Categorias de estadiamento clínico TNM para o carcinoma epidermóide bucal. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 35-38. de crescimento e outras citocinas10. As células do câncer possuem a característica de serem imortais. Enquanto as células normas progridem da divisão celular por maturidade, diferenciação, senescência e morte, as células cancerígenas continuam a se dividir e, sobrevivem sem limites. A morte das células normais é, freqüentemente, mediada por mecanismo de apoptose17. Apoptose é a morte das células por um mecanismo programado. É um complexo de eventos que leva à ativação de enzimas conhecidas como caspases. Quando ativadas, estas enzimas rompem o DNA celular em pequenos fragmentos tornando-os desestruturados e, sendo posteriormente desmantelados para os corpos apoptóticos. A apoptose é tanto parte do desenvolvimento dos tecidos embrionários quanto parte da vida de muitos tecidos adultos17. Um dos mais importantes genes na regulação da apoptose é o gen p53. O gen p53 codifica a proteína P53 que foi originalmente descrita com um oncogene, mas, usualmente classificada como um tumor supressor. O P53 interage com uma ampla variedade de proteínas celulares, e integra inúmeros sinais que controlam a vida e a morte celular. O gen p53, se não for funcional, pode levar à transformação carcinogênica das células17. A expansão metastática dos carcinomas ocorre largamente através dos vasos linfáticos para os linfonodos. Um linfonodo que contém um depósito metastático de carcinoma tem consistência de firme a duro, rígido e de tamanho aumentado. Aproximadamente 2% dos pacientes têm metástases em órgãos distantes, dos quais o pulmão, ossos e fígado são os mais comumente envolvidos, porém, qualquer parte do corpo pode ser afetada8. Atualmente, o estadiamento da doença é o melhor indicador do prognóstico para o paciente. Determinando-se o tamanho da lesão (T), nodos (N) e órgãos envolvidos (M) tem-se a classificação ou o estadiamento da neoplasia, que pode variar de I a IV segundo o grau de desenvolvimento da neoplasia (Quadro I). Porém, o prognóstico dos pacientes acometidos pelo carcinoma de cavidade bucal não depende somente do estágio do tumor, mas também do grau de diferenciação histológica e do estado geral destes pacientes. CONCLUSÕES Dados de mortalidade por câncer da boca, reunidos pela OMS mostra que, no Brasil, entre 1979 e 1998, houve uma variação entre 2,16 e 2,96 óbitos para 100.000 homens e entre 0,48 e 0,70 óbitos para 100.000 mulheres18. Para a Região Sul do Brasil, as estimativas dos casos novos para o ano de 2003, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), é de 10,68 casos para 100.000 habitantes do sexo masculino e 1,96 casos para 100.000 habitantes do sexo feminino. A estimativa dos óbitos é de 4,35 para 100.000 habitantes do sexo masculino e de 0,88 para o sexo feminino18. Já no Rio Grande do Sul, a taxa de incidência da neoplasia maligna da cavidade bucal para 2003 é estimada em 11,12 casos para 100.000 homens e de 1,87 casos para 100.000 mulheres e a estimativa dos óbitos, é de 4,53 para 100.000 homens e 0,84 para 100.000 mulheres18. –37– Gassen HT e cols. Carcinoma Epidermóide da Cavidade Bucal. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 80% do pacientes que procuram ou são encaminhados para os centros de diagnóstico e tratamento de câncer bucal, revelam estágios avançados da doença, sendo que a sobrevivência destes indivíduos dá-se às custas de grandes mutilações que resultam em graves danos psicológicos e sociais, dificultando a reintegração do doente na comunidade. O câncer da cavidade bucal, apesar de ser facilmente visível e diagnosticado, ainda representa uma importante causa de mortalidade. Para a formulação da hipótese diagnóstica, deve-se associar ao aspecto clínico da lesão uma anamnese cuidadosa, observando-se todos os sinais e sintomas, hábitos presentes e passados, além da utilização de recursos diagnósticos como citologia esfoliativa, coloração pelo azul de toluidina, biópsia e exames radiológicos. Muitas vezes apenas a análise do conjunto de dados clínicos, laboratoriais e radiológicos permite um diagnóstico definitivo10. Dessa forma, o cirurgião-dentista, como um profissional da área da saúde, além de preservar e restabelecer a saúde bucal de seus pacientes deve assumir responsabilidades mais abrangentes perante a coletividade e para com a sua própria profissão, atuando de forma incisiva na elaboração de projetos de alcance individual ou coletivo que contenham contribuições efetivas para minimizar os efeitos dos determinantes que trazem agravos à saúde5. Summary EPIDERMOID CARCINOMA OF THE ORAL CAVITY - Review Mouth Cancer is the Malignant Neoplasm of grater incidence in the area of the Head and Neck. Among those Malignant Neoplasms, Epidermoid Carcinoma represents approximately 90 to 95% of the cases, followed by the Neoplasms of the Smaller Salivary Glands (Adenoid Cystic Carcinoma, Mucoepidermoid Carcinoma, Acinar Cell Carcinoma and Adenocarcinoma) and by Tumors of mesenquimal origin as the Sarcomas. The purpose of this study is to make a revision of the Literature concerning the factors related to the Squamous Cell Carcinomas of the Oral cavity. Keywords: Epidermoid carcinoma, spinocellular carcinoma, squamous cell carcinoma, oral cavity. REFERÊNCIAS 1. Tomasich FDS, et al. Câncer da Boca – 10 anos de Registro Hospitalar de Câncer do Hospital Erasto Gaertner. Revista Brasileira de Cirurgia e Periodontia 2003; 1(1): 37-42. 2. Ord R, Blanchaert RH. The dentist’s role in diagnosis, management, rehabilitation, and prevention. 1. ed. New York: Oral cancer. Quintessence Publishing, 1999. 3. Condutas do INCA/MS/INCA/MS – Procedures. Carcinoma Epidermóide de Cabeça e Pescoço. Revista Brasileira de Cancerologia out/nov/dez 2001; 47(4):361-76. 4. Greenlee RT, et al. Cancer Statistics, 2001. CA Cancer J Clin 2001;5(1):15-36. 5. Genovese WJ, et al. Câncer de Boca – Noções básicas para prevenção e diagnóstico. São Paulo: Fundação Peirópolis, 1997. 6. Danesi CC, Marconato MC, Spara L. Câncer de Boca: Um estudo no Hospital Universitário de Santa Maria. Revista Brasileira de Cancerologia abr/mai/jun 2000; 46(2):179-82. 7. Instituto Nacional de Câncer. Disponível em: h t t p : / / w w w. i n c a . g o v. b r / p u b l i c a c o e s / falandosobrecancerdeboca.pdf. Acesso em: 27 jun. 2004. 8. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral e Maxilofacial. 1º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. –38– 9. Waldron CA, Shafer WG. Leukoplakia revisted. A clinicopatologic study 3256 oral leukoplakia. Câncer 1975; 36:1386-1391. 10. Parise Júnior et al. O Câncer de Boca – Aspectos Básicos e Terapêuticos. São Paulo: Sarvier 2000. 11. Harrison LB, et al. Head and neck cancer a multidisciplinary approach. 1o ed. Philadelphia:[s.n.] 1999. 12. Eisen D and Lynch DP. The mouth: diagnosis and treatment. Ed. Mosby 1998. 13. O. M. S. – “Meeting of Investigators on the Histological Definition of Precancerous Lesions”, (1972). 14. PINDBORG, JJ. Câncer e Pré- câncer Bucal. São Paulo, Panamericana, 1981. 15. Shafer WG, Waldron CA. Erythroplakia of the oral cavity. Câncer 1975, 36:1021-1028. 16. Silverman Jr S. Oral Cancer. San Francisco, The American Cancer Society, 1985. 17. Whyte DA, Broton CE, Shillitoe EJ. The unexplained survival of cells in oral cancer: what is the role of p53? J Oral Pathol Med 2002; 31:125-33. 18. Instituto Nacional de Câncer. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativas/2003/index.asp. Acesso em: 26 jun. 2004. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 35-38. Artigo de Revisão Doença Periodontal em Indivíduos Infectados pelo HIV Simone Argenta, Micheline Sandini Trentin, Marcos Eugênio de Bittencourt, Maria Sonia Dal Bello, Maria Salete Sandini Linden. Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo (RS). Resumo Existem poucos estudos disponíveis sobre o comportamento da doença periodontal em indivíduos soropositivos para o HIV. A necessidade de estudos mais efetivos, decorre da inexistência de trabalhos que levem a deduções mais positivas no tratamento e diagnóstico das condições clínico-periodontais em indivíduos soropositivos ao HIV. O presente estudo visa revisar a literatura critérios de diagnósticos epidemiológicos dos pacientes soropositivos ao HIV. Unitermos: Doenças periodontais, AIDS, epidemiologia,CD4+. A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS) foi descrita em 1981, nos EUA, quando foram notificados aos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) os primeiros casos de pneumonia, por Pneumocystis carinii, e de Sarcoma de Kaposi, em homossexuais masculinos. Em 1983, foi identificado o agente etiológico, o vírus denominado HIV ou Vírus da Imunodeficiência Humana, pertencente à sub-família lentivírus dos retrovírus humanos1. O vírus possui a glicoproteína (gp 120) no envoltório que liga-se à molécula CD4+. As partículas virais estão em geral no sangue, no sêmen ou nos fluidos corporais de um indivíduo e são transmitidas por contato sexual ou por picada de agulha,via transplacentária, leite materno assim como pela transfusão de sangue contaminado. O HIV infecta uma variedade de células do sistema imune, incluindo as células T que expressam o CD4+, os monócitos, macrófagos e as células dendríticas2. Segundo Scharon3 (2000) o HIV infecta as células CD4+, destruindo-as, com conseqüente prejuízo da produção de citocinas sintetizadas pelas células T, que são essenciais para as respostas imunológicas. As infecções oportunistas constituem freqüentemente a causa de morte dos pacientes com AIDS. A evolução clínica da doença varia de indivíduo para indivíduo, porém, exibe um padrão característico. A fase assintomática pode durar até doze anos ou mais. Durante esta relativa latência clínica, os pacientes apresentam, em sua maioria, linfadenopatia persistente, sudorese noturna e diarréias ocasionais. A progressão para a AIDS caracterizase por um ou mais dos seguintes achados: doença constitucional, doença neurológica, infecções oportunistas por bactérias, fungos, protozoários e vírus, causando: REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 39-42. pneumonia, diarréia, infecções da pele ou mucosas, infecção do sistema nervoso central; câncer, incluindo o Sarcoma de Kaposi. Para Harrison4 (1995), à medida que a doença por HIV progride, os componentes vitais do sistema imunológico sofrem depleção ou lesão progressiva. A contagem de células T CD4+ no sangue declinam de seu nível normal 1.000 a 1.200/mm3 para menos de 200/mm3 nos estágios avançados da doença (AIDS). Ao mesmo tempo, a relação entre células T CD4+ e CD8+ no sangue diminui seu valor normal de cerca de 2 para menos de 0,5. Quando baixa a contagem de células T CD4+, o sistema imunológico torna-se cada vez mais incapaz de conter as infecções pelo HIV. Essa incapacidade permite a maior disseminação e multiplicação do vírus com acentuada elevação da viremia. Segundo Glick e Holmstrup5 (2002), a imunodeficiência determinada pelo HIV pode ter uma influência direta sobre a patogênese da doença periodontal. Indivíduos infectados pelo HIV exibem lesões orais freqüentemente associadas à imunossupressão. Estas manifestações bucais podem refletir condições sistêmicas ou complicar estas doenças. Entre os indivíduos infectados pelo HIV não são encontradas lesões bucais diretamente causadas pelo HIV. Ao contrário, as lesões estão mais associadas à imunossupressão ocasionadas por patógenos oportunistas. Para a lesão ser classificada como “associada ao HIV”, necessita exibir um curso clínico diferente e uma aparência característica. Além disso, lesões periodontais agressivas podem ser a primeira expressão clínica pelo HIV. Essas infecções geralmente apresentam um curso mais grave nos tecidos periodontais quando comparados com indivíduos não-imunocompetentes. –39– Argenta S e cols. Doença Periodontal em Indivíduos Infectados pelo HIV. DISCUSSÃO As doenças periodontais são grupos de doenças inflamatórias crônicas que afetam o tecido de suporte dos dentes, sendo manifestações clínicas comuns e acometem uma alta porcentagem da população adulta. A periodontite tem sido associada a certas doenças sistêmicas, incluindo doenças cardiovasculares, doenças auto-imunes, doenças respiratórias, diabetes mellittus, entre outras. As doenças periodontais são infecções que promovem a destruição dos tecidos de suporte dos dentes e são determinadas pela interação de microorganismos específicos da microbiota subgengival com a resposta do hospedeiro6. As doenças periodontais, para Kinane7 (1999), podem ser modificadas por fatores sistêmicos através de seus efeitos sobre o sistema imune normal e defesa inflamatória. Exemplo desse efeito é quando ocorre uma redução no número ou na função dos leucócitos polimorfonucleares (PMNs) que pode resultar em aumento na severidade da destruição periodontal. Em muitos casos, a literatura mostra-se insuficiente para demonstrar a relação entre fatores sistêmicos e periodontite. Entre as lesões associadas com o HIV, cita-se as seguintes condições: Eritema gengival linear; Gengivite ulcerativa necrosante (GUN); Periodontite localizada severa; Estomatite necrotizante destrutiva severa, afetando gengiva e osso. O autor enfatiza que as lesões citadas não necessariamente ocorrem somente em indivíduos HIV, mas que são formas necrosantes de doença periodontal que podem ser mais prevalentes em pacientes imunossuprimidos, embora muitos indivíduos com HIV não apresentem qualquer forma de periodontite. Pacientes com AIDS (CD4+ < 200 células/mm3) podem apresentar perda de inserção mais severa e extensa nas periodontites crônicas, isto sugere que estes pacientes com periodontite preexistente podem exacerbar a doença e, assim, a infecção pelo HIV pode ser considerada como modificadora para a periodontite (Kinane7, 1999). Segundo Ryder8 (2002), a epidemia da AIDS tem mudado significativamente. Mundialmente, aproximadamente 36 milhões de indivíduos têm sido infectados com esta forma de lentivírus, resultando em 20 milhões de mortes. Com o advento das novas terapias farmacológicas, a incidência e progressão de doenças periodontais atípicas e convencionais mostram mudanças, apresentando queda na incidência da periodontite necrosante como resultado dessas terapias, que têm elevado a qualidade de vida dos indivíduos HIV+. Para a prática odontológica as atuais condutas terapêuticas podem alterar a incidência, severidade e direção das manifestações orais das infecções pelo HIV, a exemplo da candidíase oral, leucoplasia e doença periodontal necrosante em, aproximadamente, 30% dos casos. Ao odontólogo cabe o reconhecimento periodontal das manifestações orais que podem predizer os diferentes estágios da infecção pelo HIV e avaliar o “status” imunológico do paciente. Vastardis et al.9 (2003) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a prevalência e a severidade da doença periodontal em uma população de indivíduos HIV positivos e investigar a associação entre índices clínicos periodontais e o estágio da doença do HIV, através da contagem de células –40– CD4+. Nesse estudo foram recrutados os participantes de um programa de HIV no Medical Center of Louisiana, New Orleans, com população masculina, de idade entre 18 e 55 anos. O exame periodontal foi conduzido por um único examinador e as medidas periodontais (profundidade de sondagem, recessão gengival, nível de inserção, sangramento à sondagem e índice de placa) foram tomadas em seis sítios por dente com o auxílio de uma sonda periodontal UNC-15 de 1mm. Em indivíduos com moderada e severa imunossupressão, houve uma correlação positiva entre a contagem de CD4+ e índice de sangramento gengival, índice de sangramento à sondagem e perda de inserção (menor contagem de CD4+ e menores os índices). Indivíduos com imunossupressão extrema pareciam ter menos doença periodontal (expresso pelos índices de sangramento na sondagem, aparência clínica da gengiva, menos locais com perda de inserção >4mm). O estudo revelou que pacientes com imunossupressão severa apresentaram menor índice de sangramento comparado aos demais. Riley et al.10 (1992), diagnosticaram HIV-G (gengivite) pela presença de uma margem gengival intensamente avermelhada, não indicando perda de inserção nem bolsas periodontais superiores aos 3mm. GUNA (gengivite ulcerativa necrosante aguda): definida pelo início doloroso com lesão ulcerativa com pseudomembrana, iniciando na papila interdental, mas não apresentando perda óssea e PUN (periodontite ulcerativa necrosante) foi muito similar para GUNA, com perda de inserção periodontal e osso alveolar. Masouredis et al.11 (1992) usam critério somente para (HIV-G) e (HIV-P): HIV-G classificando índices: 1sangramento na sondagem; 2- índice de aumento gengival maior que 1mm em cada sítio; 3- presença de eritema gengival difuso na gengiva inserida; e, 4- presença de uma banda avermelhada de inflamação na gengival marginal. HIV-P (seis características: 1 presença de HIV-G em um sítio apenas; 2 perda de inserção superior a 1.5mm em apenas um sítio; 3 dor; 4 exposição óssea; 5 necrose em tecido mole ou ósseo; e, 6 cratera papilar). O critério de diagnóstico EC-Clearinghouse em problemas orais relacionados à infecção do HIV e WHO Collaborating Centre utiliza as seguintes nomenclaturas: Eritema Gengival Linear, Gengivite Ulcerativa Necrosante (GUN), Periodontitite Ulcerativa Necrosante (PUN) e Estomatite Ulcerativa Necrosante. Robinson12 (1994), utiliza: HIV-G; GUN; HIV-G com Ulceração; HIV-P com Ulceração; HIV-P sem Ulceração; Periodontite Necrosante; Perda de Inserção com arquitetura reversa ou cratera interdental. Segundo os critérios de classificação de diagnósticos, para lesões orais em HIV-infectados, e de acordo com o ECC e WHO13 (1993) há uma divisão entre diagnóstico presuntivo e definitivo. Obs: O critério definitivo é aquele que necessita de um diagnóstico absoluto e pode requerer testes laboratoriais ou clínicos; esse critério de diagnóstico e classificação das lesões orais em HIV infectados se divide em três grandes grupos: Grupo 1 – Lesões fortemente associadas ao HIV: Candidíase, Leucoplasia pilosa, Sarcoma de Kaposi, Linfoma não-Hodgkin, Doença Periodontal: a–Eritema Gengival REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 39-42. Argenta S e cols. Doença Periodontal em Indivíduos Infectados pelo HIV. Linear; b–Gengivite [ulcerativa] necrosante e Periodontite [ulcerativa] necrosante. Grupo 2 – Lesões menos comuns associadas à infecção pelo HIV: Infecções bacterianas, Estomatite Ulcerativa Necrosante, Doença das Glândulas Salivares (Boca seca devido à diminuição do fluxo salivar e aumento uni ou bilateral das glândulas salivares maiores), Infecções Virais (Vírus do Herpes Simples, Papiloma Vírus Humano, Herpes Zóster e Varicela). Grupo 3 – Lesões Vistas na Infecção pelo HIV: Infecções Bacterianas, Doença da arranhadura do gato, Reações às drogas, Distúrbios neurológicos (Paralisia facial, Neuralgia trigeminal), Estomatite aftosa recorrente, Infecções Virais (Citomegalovirus) (Williams14, 1993). Também Patton et al.15 (2000), ao estudarem pacientes vírus com HIV em tratamento com anti-retrovirais, detectaram em seu grupo de estudo uma queda significante da prevalência de manifestações orais do HIV, incluindo a doença periodontal. Participaram do estudo 570 pacientes (idade superior a 18 anos), que estavam sob cuidados médicos em um hospital na Carolina do Norte, num período de quatro anos. Os exames foram conduzidos por um único examinador que usou critérios clínicos para 20 patologias orais comumente associadas ao HIV. O histórico médico dos pacientes foi revisto para averiguar informações sobre infecções oportunistas orais associadas ao HIV (podiam essas infecções ser prévias ao estudo ou ocorrer durante o período do mesmo). Condições sintomáticas do HIV e contagem de CD4+ também foram analisadas. Foi obtida uma lista dos medicamentos usados, dados laboratoriais, comportamentos de risco para transmissão do HIV (fornecidos pelos próprios pacientes) e outras informações demográficas. Concluiu em seu estudo que as lesões com maior declínio de prevalência na população de segundo grupo foram leucoplasia pilosa, gengivite ulcerativa necrosante, periodontite ulcerativa necrosante, estomatite ulcerativa necrosante e candidíase oral. Houve uma pequena diferença na ocorrência da ulceração de aftas e ulceração do vírus da herpes simples. A maior diferença entre os dois grupos foi o uso de anti-retrovirais, incluindo o da terapia combinada de inibidores de protease e a segunda maior diferença foi a distribuição racial. O estudo de Pinheiro et al. 16 (2004), revisão de literatura sobre a existência de freqüentes manifestações orais associadas à infecção pelo HIV. A população do estudo foi selecionada em uma clínica odontológica da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco, consistindo de pacientes de ambos os sexos atendidos nessa clínica em um período de dois anos. Concordaram em participar da pesquisa 161 pacientes (122 homens, 29 mulheres e 10 que preferiram não relatar o sexo). Cada paciente selecionado foi analisado através de questionários estruturados, em sala privativa, por um entrevistador treinado e calibrado. O exame clínico visou observar a presença/ ausência das lesões orais fortemente associadas com infecção pelo HIV e outras lesões orais menos comumente associadas ao HIV: como herpes simples, ulceração oral, aumento da glândula salivar, papiloma. O diagnóstico clínico REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 39-42. foi confirmado por testes patológicos e microbiológicos apropriados. A maioria dos pacientes (70,8%) estava tomando um ou mais anti-retroviral. Dos participantes, 35% apresentaram apenas uma lesão oral, 9,3% apresentaram duas lesões orais e 2,4% apresentaram três ou mais lesões. A candidíase oral foi freqüente (28,6%), seguida de leucoplasia pilosa (9,3%), sarcoma de Kaposi (2,5%), herpes simples (1,2%), papiloma (0,6%) e doença periodontal (4,4%). Dos participantes 78.9% necessitaram de tratamento dentário. Somente 8,1% estavam livres de cáries. Scheutz et al.17 (1997) realizaram um estudo em um grupo de pacientes na Tanzânia com acesso limitado a tratamento médico e dentário, esse tipo de amostra oportuniza estudar a associação natural entre a condição periodontal e a infecção pelo HIV, objeto desse estudo. A amostragem foi constituída por 119 pacientes HIV+ e 73 com AIDS, atendidos na clínica de Ensaios Clínicos sobre AIDS do Centro Médico de Muhimbili, em Dar-es-Salaan. Foram incluídos 172 indivíduos não soropositivos(grupo de controle). Os parâmetros clínicos utilizados foram: sangramento à sondagem, profundidade de sondagem e nível de inserção clínica. Os HIV+ foram agrupados de acordo com o número de células CD4+/mm 3 (> 500, 200-500, <200), como o proposto pela OMS, e divididos em dois grupos clínicos: HIVpositivos (assintomáticos) e os pacientes com AIDS (sintomáticos). Os estudos demonstraram que não houve diferença significativa no sangramento à sondagem, formação de bolsas ou perda de inserção entre os indivíduos HIV-negativos, HIV-positivos e os pacientes com AIDS. Não foi relatada associação estatística significativa entre o sangramento à sondagem, formação de bolsa ou perda de inserção com a contagem de CD4+ entre os indivíduos infectados pelo HIV. Esse estudo não mostra qualquer associação aparente entre doença periodontal e infecção por HIV. Os achados desse estudo são interessantes, principalmente ao se levar em conta que os indivíduos do estudo não receberam tratamento médico apropriado, ao contrário de países do Ocidente, onde os indivíduos têm acesso a avanços terapêuticos e serviços odontológicos. Estudos recentes abordam a questão da prevalência da doença periodontal em pacientes HIV+11,18,19. Ao contrário dos relatos anteriores que demonstraram condições muito severas nos soropositivos, esses estudos não conseguiram documentar qualquer diferença significativa na prevalência e severidade da doença periodontal nesses indivíduos, quando comparados com os controles saudáveis20. Nos últimos 15 anos, o papel do cirurgião-dentista no controle da infecção pelo HIV tem permanecido, essencialmente, o mesmo. Especificamente, o clínico precisa estar apto a reconhecer e tratar tanto as lesões comuns como as lesões associadas à infecção pelo HIV8. O sistema de classificação mais empregado para monitorar a progressão da infecção pelo HIV é o Centers for Disease Control and Prevention 21 (1992)que utiliza a contagem de linfócitos CD4+ (>500, entre 200-499 e <200), combinadas com três classificações clínicas. Essa classificação é importante no estudo das lesões bucais e periodontais da infecção pelo HIV. As lesões bucais são aceitas como indicadora de diminuição da imunidade, tal –41– Argenta S e cols. Doença Periodontal em Indivíduos Infectados pelo HIV. como a candidíase oral, leucoplasia pilosa e ulcerações aftosas extensas, gengivite ulcerativa necrosante e periodontite ulcerativa necrosante. Segundo Glick et al.22(1994), essa relação surgiu em pesquisas recentes que embasam a noção de que o eritema gengival linear está associado aos estágios precoces da infecção pelo HIV e supressão de CD4+. Por outro lado, a periodontite ulcerativa necrosante, caracterizada pela necrose da gengiva marginal e rápida destruição do osso alveolar, é um dos elementos preditores da baixa contagem de CD4 (AIDS). Publicações recentes fundamentam a relação entre a imunossupressão por HIV e a incidência e severidade das doenças periodontais comuns, tal como a periodontite crônica do adulto. Kinane7(1999) relata em seu estudo que indivíduos com CD4< 200 céls/mm3 apresentam perda de inserção mais severa nas periodontites crônicas, sugerindo que em indivíduos HIV-positivos, a periodontite preexistente pode ser exacerbada. Já o estudo de Vastardis et al.9 (2003) não encontrou correlação entre HIV e doença periodontal severa, porém observou correlação entre contagem de CD4 e índice de sangramento gengival, sangramento à sondagem e nível de inserção. A relação da resposta imune pelo HIV e as doenças periodontais tem sido pesquisada nos últimos anos7,12,23 e várias denominações têm sido empregadas para as periodontites associadas ao HIV (Periodontites necrosantes). As principais condições periodontais associadas com a AIDS, segundo Kinane et al.7 (1999) são: Eritema gengival linear; Gengivite ulcerativa necrosante (GUN); Periodontite localizada severa; Estomatite necrotizante destrutiva severa afetando gengiva e osso. Segundo Ryder 8 (2002), tais condições podem servir de preditores para a progressão da infecção do HIV, principalmente as formas de doença periodontal ulcerativa. Da mesma forma, Riley et al.10 (1992) diagnosticaram HIV-G por uma margem gengival intensamente avermelhada, não indicando perda de inserção superior a 3mm. GUNA: definida pelo início doloroso com lesão ulcerativa e pseudomembrana, iniciando na papila interdental, mas sem perda óssea e PUN foi muito similar para GUNA, com perda de inserção periodontal e osso alveolar. Outro fator que pode interferir na prevalência e severidade da doença periodontal é a utilização de antiretrovirais no tratamento do HIV. Patton et al. 15(2000) revelaram que, ao estudar indivíduos infectados pelo HIV que estavam em tratamento, ocorreu uma significante queda da prevalência de manifestações orais do HIV, incluindo a doença periodontal, principalmente na forma ulcerativa e necrosante. O estudo de Pinheiro et al.16 (2004), realizado em 161 indivíduos em Pernambuco, relatou uma pequena prevalência da doença periodontal em pacientes HIV+ que estavam utilizando anti-retrovirais. CONCLUSÃO Os profissionais da área da saúde necessitam compreender os princípios que direcionam os cuidados com as alterações periodontais inflamatórias e necrosantes associadas ao HIV. Pela combinação da terapia local com a sistêmica, ambas objetivando a prevenção e tratamento das lesões bucais, combinadas com as novas terapias sistêmicas antivirais, os profissionais da área da Medicina e Odontologia poderão auxiliar na redução da morbidade dentária de pacientes com HIV. Summary EPIDERMOID CARCINOMA OF THE ORAL CAVITY - Review Mouth Cancer is the Malignant Neoplasm of grater incidence in the area of Head and Neck. Among those Malignant Neoplasms, Epidermoid Carcinoma represents about 90 to 95% of the cases, followed by the Neoplasms of the Smaller Salivary Glands (Adenoid Cystic Carcinoma, Mucoepidermoid Carcinoma, Acinar Cell Carcinoma and Adenocarcinoma) and by Tumors of mesenquimal origin as Sarcomas. The purpose of this study is to make a revision of the Literature concerning the factors related to the Squamous Cell Carcinomas of the Oral cavity. Keywords: Epidermoid carcinoma, spinocellular carcinoma, squamous cell carcinoma, oral cavity. REFERÊNCIAS Obs.: 23 referências à disposição dos leitores. –42– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 39-42. Artigo de Revisão Medicina Periodontal Relação entre Doença Periodontal e Diabetes Mellitus Guilherme Menegaz Zanatta1 , Roger A Costa2, Álvaro Soares2, Gilberto Bortolini3 . Serviço de Periodontia-Odontologia1, Serviço de Cardiologia2 e Cirurgia Geral3 do Hospital de Ensino São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS). Resumo Encontra-se bem definido que muitas doenças de ordem sistêmica podem afetar a cavidade oral. Recentes investigações têm procurado relacionar as doenças orais como um fator que pode influenciar negativamente a saúde geral dos pacientes. Reconhece-se que o diabetes mellitus aumenta o risco às infecções, incluindo-se a infecção periodontal. Da mesma forma, infecções não tratadas nos pacientes diabéticos, incluindo-se a doença periodontal, podem representar uma barreira a um adequado controle glicêmico. Essa visão refere-se a medicina periodontal, onde o tratamento da doença periodontal não resume-se apenas a uma melhora dos parâmetros gengivais, mas também a um restabelecimento da saúde geral do paciente. Unitermos: Odontologia, diabetes mellitus. Há mais de três décadas a associação entre doença periodontal e diabetes mellitus vem sendo estudada e atualmente, existem evidências científicas suficientes para sustentar essa hipótese de relação. Ambas apresentam prevalências relativamente altas na população geral (1% a 6% de diabetes e 14% de periodontite), são multifatoriais e têm características de crônicidade 1 . Dessa forma, o profissional deverá estar preparado para promover terapia periodontal em pacientes que apresentem alterações sistêmicas provindas do diabetes2. DISCUSSÃO A classificação atual do diabetes mellitus (DM), proposta pela American Diabetes Association2, em 1997, inclui dois tipos principais da doença, tipo 1 e 2, além do gestacional e tipos específicos. A DM tipo 1 ocorre geralmente nas crianças e jovens e caracteriza-se pela absoluta falta de insulina, em geral decorrente de destruição auto-imune das células beta (tipo 1a), havendo a necessidade de reposição insulínica para sua sobrevivência. O DM tipo 2 acomete os adultos na maioria das vezes, representando cerca de 90% dos casos mundiais. Os indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 apresentam resistência à insulina, com ou sem deficiência desta, podendo ser controlados com dieta associada a exercícios físicos, hipoglicemiantes orais e às vezes, necessitar suplementação insulínica. Esses REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 43-45. indivíduos podem demonstrar alterações mais graduais dos sinais e sintomas da doença, sendo menos prováveis em desenvolver cetoacidose 3,4 . O DM gestacional é caracterizado pelo seu aparecimento durante a gravidez e após o parto requer reclassificação. Outros tipos de DM são raros e de naturezas variadas. Do ponto de vista laboratorial, não existe dificuldade em fechar o diagnóstico de DM. Os critérios diagnósticos sugeridos pela OMS5, 1998, estão na tabela 1. Vale ressaltar, no entanto, que em 2003 a ADA sugeriu a redução do valor de glicemia em jejum para 100 mg/dl como limite da normalidade. Glicemia (mg/dl) Categoria Jejum Ao acaso Normal <110 - <140 - <140 Glicemia jejum alteradaa >110 <126 Tolerância diminuídaa 2h (TOTG) >110 <126 - >140 <200 Diabetes >126 >200 >200 * Diabetes gestacional >110 Com sintomas >140 TOTG: Teste oral de tolerância à glicose. Tabela 1. Categorias de tolerância à glicose segundo a OMS Em conjunto, categorias denominadas hemostease da glicose alterada * Necessita confirmação Fonte: Adaptado de OMS, “Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus andd its complications”, em Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus, relatório da OMS, parte 1, Genebra, 1999. a –43– Zanatta G M e cols. Medicina Periodontal: Uma relação entre Doença Periodontal e Diabete Mellitus. Manifestações Orais e Condições Sistêmicas No paciente diabético alterações na vascularização periodontal, na microbiota, nos níveis glicêmicos do fluido sulcular gengival, na constituição da saliva, no metabolismo de colágeno, na resposta do hospedeiro, na cicatrização e na função de polimorfonucleares no sulco gengival podem influenciar o curso da doença periodontal. Isso se faz pelo aumento da incidência das infecções orais, incluindo gengivites, periodontites e demora na cicatrização de feridas6,7. Um grande aumento gengival pode ser um sinal precoce do acometimento por diabetes mellitus, e alguns casos descrevem significante melhora na saúde oral e periodontal quando o controle metabólico do diabetes é estabelecido7,8. Inversamente, existe um aumento das evidências em estudos controlados indicando que infecções orais severas de qualquer tipo, incluindo periodontite generalizada, podem aumentar a resistência à insulina e possivelmente interferir no controle metabólico do diabetes mellitus9,10. Complicações sistêmicas do diabetes mellitus a longo prazo englobam retinopatia diabética, com probabilidade de perda da visão, aterosclerose cerebrovascular, doença vascular periférica e cardiovascular, neuropatia periférica, as quais podem levar a perda de membros, disfunção renal progressiva, demora na cicatrização de feridas e aumento da suscetibilidade à doença periodontal11,12. No consultório do periodontista, o teste de hemoglobina glicosilada (hemoglobina A 1c ) tem sido proposto para dentistas, como um teste portador de várias vantagens, para avaliação do diabetes13. Em geral, níveis normais para hemoglobina glicosilada são 5,0-7,5% 12,13. Sugere-se monitoramento da glicose ao nível de consultório previamente a procedimentos periodontais extensos ou intervenções cirúrgicas11,14. Paciente Diabético Controlado Uma relação bidirecional entre o diabetes mellitus e a doença periodontal pode ser facilmente observada na avaliação clínica dos pacientes que apresentam as duas manifestações. O difícil controle metabólico do paciente diabético leva a lançar mão de um tratamento multidisciplinar para a obtenção de uma boa qualidade de vida para os mesmos. A consulta inicial, quando se deve realizar completa anamnese do paciente, o pós-tratamento e manutenção, o contato entre médicos, dentistas, nutricionistas, bem como outros profissionais envolvidos no tratamento do diabético, é fundamental para que haja uma interação adequada. É prudente obter parecer médico antes de se executar qualquer terapia periodontal extensa, especialmente se procedimentos cirúrgicos estiverem indicados15. Freqüentemente, pacientes com diabetes tipo 1 ou 2 bem controlados, podem ser conduzidos de maneira semelhante a um indivíduo não diabético saudável 16,17 . Procedimentos cirúrgicos periodontais podem ser executados, embora deva ser assegurada ao paciente manter uma dieta normal pós-cirurgia, para evitar hipoglicemia. Decisões em torno do uso profilático de antibióticos em conjunção com cirurgia periodontal devem ser tomadas analisando-se caso a caso, pois não existe nenhuma –44– evidência relatando que pré-medicação é necessária em pacientes controlados15. Terapia periodontal de suporte deve ser promovida em intervalos de 2 a 3 meses, pois alguns estudos indicam uma suave, mas persistente tendência à destruição periodontal progressiva a despeito de efetivo controle metabólico do portador de diabetes mellitus18. Paciente Diabético Descompensado Pacientes com diabetes mellitus descompensado, ou que não saibam seu estado, não devem receber tratamento dental eletivo até que as condições sejam estabilizadas ou obtido parecer médico favorável. Nestes pacientes terapia antibiótica profilática deve ser usada nos procedimentos cirúrgicos periodontais ou nos atendimentos emergenciais para minimizar o potencial de infecções no pós-operatório e no retardo da cicatrização da ferida6. Nesses casos, a escolha do antibiótico, dosagem e as formas de administração são normalmente as mesmas dos indivíduos não diabéticos. Uma das vantagens pela escolha da Doxiciclina é o fato da mesma não ser metabolizada nos rins, onde possíveis nefropatias ou danos renais menos severos possam ter ocorrido19,20. Em muitos casos, é necessário aguardar que o médico possa através de insulinoterapia controlar a doença instalada. Nessa interação entre medicina e periodontia é importante que se saliente a importância do controle da saúde bucal no paciente diabético. O paciente com diabetes tipo I pobremente controlado não é um bom candidato à terapia periodontal, sendo que a hospitalização pode ser necessária para cuidados emergenciais, precisando de acompanhamento médico. Após ser alcançado um controle metabólico estável, a terapia periodontal de rotina pode ser considerada com monitoramento médico21. Procedimentos Cirúrgicos – Insulina - Ansiedade Muitos autores recomendam que cirurgia periodontal deva ser programada para a manhã, após o café da manhã e a administração da medicação. Os procedimentos devem ser curtos (2 horas ou menos), o mais atraumático quanto possível e não deve interferir significativamente com a ingestão da dieta normal do paciente. Os pacientes com ansiedade devem ser conduzidos adequadamente para minimizar a liberação dos hormônios supra-renais, que são hiperglicemiantes. Em muitas circunstâncias, sedação préoperatória é apropriada para esse propósito. Eventualmente, anestesia geral ou técnicas de sedação consciente são necessárias para procedimentos cirúrgicos extensos15. CONCLUSÕES Está tornando-se amplamente reconhecido que certas doenças sistêmicas, como o diabetes mellitus, podem vir a aumentar o risco para o desenvolvimento da doença periodontal. A hipótese de que as condições orais, como as infecções periodontais, em especial a doença periodontal, possam ser fatores de risco ou indicadores para maiores cuidados médicos representa um paradigma sobre causalidade entre a boca e uma associação sistêmica22. Esse paradigma está rodeado por um novo termo que é a medicina periodontal, a qual refere-se a uma perspectiva REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 43-45. Zanatta G M e cols. Medicina Periodontal: R-elação entre Doença Periodontal e Diabete Mellitus. de que a doença periodontal está inter-relacionada com a saúde geral, através de importantes caminhos. Dessa forma, a necessidade de uma terapia multidisciplinar é essencial para que se obtenha sucesso no tratamento dos pacientes diabéticos, buscando devolver-lhes saúde e qualidade de vida. Summary PERIODONTAL MEDICINE: A RELATIONSHIP BETWEEN PERIODONTAL DISEASE AND DIABETES MELLITUS It is already defined that a lot of systemic diseases can affect the oral cavity. Recent investigations have been trying to relate oral diseases as a factor that can negatively influence the patients’ health conditions. It is recognized that Diabetes mellitus increases the risk of infections, being periodontal infection among them. In the same way, not treated infections in diabetic patients, can represent a barrier to an appropriate glicemic control. The treatment of periodontal disease is not just summarized to an improvement of the gengival parameters, but also to a re-establishment of the patient’s health conditions. Keywords: Periodontal Disease, Diabetes mellitus. REFERÊNCIAS 1. Soskolne WA, Klinger A. The relationship between periodontal diseases and diabetes: an overview. Annals of Periodontology 2001; 6: 91-98. 2. American Diabetes Association. Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Committee report. Diabetes Care 1997; 20::1183–1197. 3. Albrecht M, Banoczy J, Baranyi E, Tamas GJR, Sozabay J, Eqyed I, Simon G, Ember G. Studies of dental and oral changes of pregnant diabetic women. Acta Diabetol Lat 1987; 24: 1–7. 4. Atkinson MA & Maclaren NK. What causes diabetes? Sci Am 1990; 263:62-63, 66-71. 5. Alberti K G M M, Zimmet P Z. Definition, diagnoses and classification of diabetes mellitus and its complications. Part 1: Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetic Medicine 1998; 15: 539-553. 6. American Dental Association. Council of Access, Prevention and Interpersonal Relations. Patients with diabetes. Chicago: American Dental Association, 1994; 1–17. 7. Archer C B, Rosenberg W M C, Scott G W, MacDonald D M. Progressive bacterial synergistic gangrene in a patient with diabetes mellitus. J R Soc Med 1984; 77(suppl 4): 1–3. 8. Seppala B, Sorsa T, Ainamo J. Morphometric analysis of cellular and vascular changes in gingival connective tissue in long-term insulin-dependent diabetes. J Periodontol 1997; 68:1237–1245. 9. Grossi S G & Genco R J. Period disease and diabetes mellitus: a two-way relationship. Ann Periodontol 1998; 3:51–61. 10. Miller L S, Manwell M A, Newbold D, Reding M E, Rasheed A, Blodgett J, Kornman K. The relationship between reduction in periodontal inflammation and diabetes control: A report of 9 cases. J Periodontol 1992; 63: 843–848. 11. Montgomery M T, Rees T D, Moncrief J W. The diagnosis and management of the diabetic patient: implications for dentistry. Austin, TX: Department of Health, 1992. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 43-45. 12. National Diabetes Data Group. Diabetes in America. NIH Publication No. 95-1468. Washington, DC: NIH, 1995; 283–506. 13. Piche J E, Swan R H, Hallmon W W. The glycosylated hemoglobin assay for diabetes: its value to the periodontist. Two case reports. J Periodontol 1989; 60: 640–642. 14. Mealey B L. Impact of advances in diabetes care on dental treatment of the diabetic patient. Compendium Contin Educ Dent 1998; 19: 41–58. 15. Rees T D, Otomo-Corgel J. The diabetic patient. In: Wilson TG, Kornman KS, Newman MG, ed. Advances in periodontics. Chicago: Quintessence Publishing, 1992; 278-295. 16. Sbordone L, Ramaglia L, Barone A, Ciaglia R N, Iacono V J. Periodontal status and subgingival microbiota of insulindependent juvenile diabetics: a 3-year longitudinal study. J Periodontol 1998; 69: 120–128. 17. Soskolne W A. Epidemiological and clinical aspects of periodontal diseases in America. Ann Periodontol 1998; 3:3–12. 18. Rees T D. Periodontal management of the patient with diabetes mellitus. Periodontology 2000. 2000; 23: 6372. 19. Redding S W, Montgomery M, eds. Dentistry in Systemic Disease. Portland, OR: JBK Publishing, Inc; 1990; 140153. 20. Rees T D. The Diabetic Dental Patient. Dent Clinics North Am, 1994; 38:447-463. 21. Christgau M, Palitzsch K-D, Schmalz G, Kreiner U, Frenzel S. Healing response to non-surgical periodontal therapy in patients with diabetes mellitus: clinical, microbiological and immunologic results. J Clin Periodontol 1998; 25:112–124. 22. Page R C. Periodontal diseases: a new paradigm. J Dent Educ 1998; 62: 812-821. –45– Artigo de Revisão Doença Periodontal e Desordens Cardiovasculares Guilherme M Zanatta1 , Roger A Costa2 , Álvaro Soares2 . Serviço de Periodontia(Odontologia)1 e Serviço de Cardiologia do Hospital São Vicente de Paulo2, Passo Fundo(RS). Resumo Um extraordinário progresso tem ocorrido no entendimento da relação que existe entre doença periodontal e a saúde geral. Periodontite, uma das doenças mais antigas e comuns da humanidade, acreditava-se ser uma conseqüência do envelhecimento. Uma série de estudos epidemiológicos e trabalhos experimentais tem demonstrado inúmeras razões que fazem de alguns indivíduos mais susceptíveis que outros para desenvolver a doença periodontal. Esse conhecimento ganha mais importância para avaliar qual o papel das doenças sistêmicas no aparecimento e desenvolvimento da doença periodontal. Unitermos: Periodontitis, doença periodontal, doença sistêmica. A aterosclerose apresenta-se como uma doença de caráter inflamatório crônico e progressivo que acomete artérias de médio e grande calibre1. Os surtos de instabilização da aterosclerose culminam com a angina instável, o infarto agudo do miocárdio e os acidentes vasculares, destacando-se o cerebral2. A doença periodontal é definida como uma reação inflamatória (infecção por bactérias anaeróbias gram-) dos tecidos de suporte dos dentes, incluindo o ligamento periodontal, cemento, osso de suporte e osso alveolar3. Nos países desenvolvidos, a doença cardiovascular está associada a 50% dos óbitos, sendo a principal causa de morte, enquanto nos países em desenvolvimento a doença cardiovascular está em terceiro lugar, representando em média 16% dos óbitos ocorridos4. No Brasil, mesmo com a escassez de números exatos os dados do DataSUS mostram que, no ano de 2001, a doença cardiovascular foi responsável por cerca de 1,2 milhão de internações, com 257.179 óbitos5. Essas duas doenças parecem apresentar características em comum, uma vez que indicadores e fatores de risco como a idade, pacientes do sexo masculino, pessoas com menor acesso à informação, baixa renda, fumantes, estressados e socialmente isolados, são elementos cogitados como capazes de interferir no estabelecimento e na evolução de ambas as doenças6,7. O objetivo dessa revisão de literatura é descrever, a associação da doença periodontal com a doença cardiovascular, discutindo os mecanismos de como uma doença como a periodontite, que é uma doença inflamatória crônica iniciada por placa dental, pode predispor à aterosclerose. –46– Associação entre Doença Periodontal, Aterosclerose e Doenças Cardiovasculares De acordo com DeStefano et al 8 ., adultos com periodontite apresentaram um risco 25% superior para desenvolver doença cardiovascular em um período de acompanhamento de 14 anos. Homens com menos de 50 anos de idade, que durante a avaliação inicial tinham periodontite, apresentaram 70% mais chances de desenvolverem doença cardiovascular quando comparados aos homens que não apresentavam doença periodontal. Garcia et al 9., obteve resultados similares avaliando a associação entre doença periodontal e doença cardiovascular. Segundo Mendez et al 10 ., após uma avaliação longitudinal, concluiu que, aqueles pacientes que apresentavam periodontite durante a avaliação inicial, apresentaram 2x mais chances de desenvolver doenças vasculares com o passar do tempo. Lima et al11., realizaram uma análise epidemiológica da doença periodontal em pacientes cardiopatas no hospital de Messajana, na cidade de Fortaleza/ Ceará. Foi avaliado as razões das perdas dentárias e o quadro periodontal de 81 indivíduos, sendo que 49 eram dentados parciais e 32 desdentados. Dos desdentados, 37,5% tiveram o fato relacionado com a doença periodontal e, nos parcialmente dentados, a doença periodontal foi verificada em 85,7% dos pacientes. Bueno de Moraes12 avaliou as condições sistêmicas e periodontais de 61 pacientes do Instituto Dante Pazzanese REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 46-49. Zanatta GM e cols. Doença Periodontal e Desordens Cardiovasculares. de Cardiologia-SP, entre 40-75 anos de idade, portadores de insuficiência coronária e com um mínimo de 8 dentes. O autor cruzou os dados constantes no prontuário médico com o Registro Periodontal Simplificado (PSR), exame periodontal que permite avaliar as necessidades de tratamento. Verificouse que 90% dos examinados apresentavam pelo menos um dos conhecidos predisponentes para esse problema sistêmico e que a doença periodontal mostrava um nível de comprometimento em que aproximadamente 92% dos indivíduos deveriam submeter-se a um pormenorizado tratamento periodontal. Foi sugerida a adoção de um protocolo médico e odontológico integrado que melhore as possibilidades de promoção de saúde para estes indivíduos. Essa relação entre doença periodontal e doença cardiovascular foi confirmada por outros estudos casocontrole 13,14,15 e por estudos longitudinais 16,17,18 . Essas associações vêm sendo demonstradas entre diversas populações e parecem estar independentes de fatores de risco tradicionais. Dessa forma, explicitar os mecanismos potenciais por trás dessas associações é de grande interesse. Desde que a primeira investigação relatada por Mattila et al13. relatando uma associação entre doença periodontal e doença cardiovascular, estabeleceu-se que as infecções são as maiores contribuintes na aterogênese e nos processos trombo-embólicos. As doenças infecciosas requerem tanto um patógeno quanto um hospedeiro susceptível e a expressão da doença depende tanto da virulência do patógeno quanto da resposta imune do hospedeiro ao patógeno. Joshupira et al19., analisando dados coletados em 6 anos de acompanhamento relataram uma baixa associação entre doença cardiovascular e doença periodontal, observando um aumento de apenas 4% no risco dos pacientes com periodontite em desenvolverem uma cardiopatia. Por outro lado, os mesmos autores, observaram que aqueles pacientes que apresentavam menos de 10 dentes apresentaram um risco 40% superior para o desenvolvimento de doença cardiovascular, quando comparados com os pacientes que apresentavam 25 dentes ou mais. Estudo caso controle conduzido por Silva Júnior20 no Hospital Universitário Pedro Ernesto da UFRJ, incluiu 43 pacientes com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio ou angina instável e média de idade de 60 anos. Após realizado exame periodontal completo e outros fatores de ordem geral, os autores não observaram resultado estatisticamente significante entre ocorrência da periodontite e doença cardiovascular. O autor salienta que o limitado tamanho da amostra não permitiu maiores especulações sobre o resultado aferido. infecciosos, incluindo a doença periodontal. A questão de quando uma infecção pode levar a aterosclerose continua sem resposta, mas certamente tanto as bactérias quanto os vírus apresentam um papel, seja direta ou indiretamente, na aterogênese. Com relação aos vírus, o Citomegalovírus tem demonstrado uma afinidade pelo endotélio vascular22 e pelas placas de ateroma23. Com relação ao herpes-vírus, o mesmo tem sido detectado em células íntimas e em placas de ateroma24,25, onde o mesmo pode causar o acúmulo de lipoproteínas de baixa densidade. Recentemente, patógenos periodontais foram identificados nas placas de ateroma26,27,28. Cândida Albicans demonstrou, através de estudos in vitro, ser capaz de induzir citocinas pró-inflamatórias e moléculas de adesão nas células endoteliais29. Esses mecanismos patogênicos podem ajudar na formação de placas de ateroma, no caso de uma bacteriemia causada por cândida, bem como contribuir para o recrutamento de leucócitos abaixo da camada íntima. MECANISMOS PELOS QUAIS AS INFECÇÕES PODEM AUXILIAR NA ATEROGÊNESE Citocinas oriundas de Monócitos A associação das citocinas à doença periodontal revelou que, a interação entre o lipopolissacarídeo bacteriano e os monócitos que levam a liberação de várias citocinas é fundamental para a iniciação e a progressão da destruição periodontal. Uma interação similar pode ainda relacionar a trombogênese, a formação do ateroma e a doença aterosclerótica coronária30. As citocinas também podem desencadear uma resposta de fase aguda sistêmica. Um aumento do nível da proteína Creativa foi observado em pacientes com doença periodontal31. Tanto a proteína C-reativa quanto a interleucina-6 (IL-6) têm sido reportadas como marcadores sistêmicos da doença periodontal, além de estarem ligadas à doença cardiovascular32. Esse autor relata que tanto as inflamações quanto às infecções podem induzir a produção da proteína C-reativa, demonstrando um possível impacto no risco cardiovascular. Várias citocinas e drogas podem influenciar os hepatócitos na formação das proteínas de fase aguda, mas o mais potente estimulante destas parece ser a IL-6. A IL-6 deve ser o mediador central de muitos dos riscos cardiovasculares associados a diversas condições, como a doença periodontal, o fumo e o diabetes mellitus. Pode-se dizer que o risco associado à IL-6 é, primariamente, de natureza tromboembólica, sendo dessa forma, crucial para os pacientes com ateroma preexistente32. Mecanismos Periodontais Específicos Mecanismos Biológicos das Doenças Infecciosas Existe uma vasta literatura sugerindo que a doença cardiovascular está relacionada com as doenças infecciosas 21. As alterações observadas nas doenças vasculares isquêmicas apresentam uma considerável semelhança com aquelas ocasionadas por processos REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 46-49. A doença periodontal é capaz de predispor à doença cardiovascular devido à abundância de espécies gramenvolvidas, aos níveis de citocinas pró-inflamatórias no fluido crevicular, ao infiltrado celular imune, a associação entre fibrinogênio e células brancas33 e pela própria extensão e cronicidade dessa doença. –47– Zanatta GM e cols. Doença Periodontal e Desordens Cardiovasculares. Efeitos dos Lipopolissacarídeos Kornman et al 30 ., mostraram que, na doença periodontal, a interação entre lipopolissacarídeo e os monócitos que levam a liberação de citocinas é de fundamental importância para iniciação e progressão da doença periodontal. O lipopolissacarídeo bacteriano pode ter um efeito vascular significativo, desencadeando a liberação de interleucina-1b, fator de necrose tumoral-a e tromboxano A2. Essas citocinas podem iniciar a agregação e a adesão plaquetária e promover a formação de células lipídicas espumosas, com deposição de colesterol na membrana vascular interna. Os lipopolissacarídeos são liberados através de vesículas extracelulares oriundas dos microorganismos presentes na bolsa periodontal. É pouco provável que esses lipopolissacarídeos sejam encontrados livres no plasma. Entretanto, uma bacteriemia pode resultar na liberação desses lipopolissacarídeos, oriundos dos periodontopatógenos presentes no plasma. Uma bacteriemia pode ocorrer após a realização da raspagem radicular, extração dentária, cirurgia periodontal, na presença de abscessos crônicos ou agudos e até durante a escovação dos dentes. A bacteriemia irá resultar em microorganismos gram- livres na circulação sangüínea, onde os mesmos ativarão leucócitos, plaquetas ou diretamente o endotélio34. Os lipopolissacarídeos podem ligar-se a uma proteína adesiva, a qual apresenta uma alta afinidade para ser transportada através do plasma 35. Quando os lipopolissacarídeos estão ligados a essa proteína ele está apto a se conectar aos receptores CD14, solúveis no endotélio, aos monócitos ou macrófagos, resultando na ativação celular. A ativação celular irá resultar numa regularização das moléculas de adesão seguindo-se a liberação de citocinas. Na região lesionada, o Infiltrado leucocitário e a proliferação de células musculares lisas levará ao espessamento da parede do vaso. O aumento nos níveis de fibrinogênio e células brancas, observado nos pacientes com doença periodontal, pode ser um efeito secundário dos mecanismos acima discutidos ou representar características constitutivas da periodontite ou doença cardiovascular34. Fagócitos Mononucleares Fagócitos mononucleares hiper-reativos podem estar presentes em indivíduos imunodeprimidos, em fumantes ou aqueles que apresentem uma doença infecciosa, como a –48– doença periodontal. Esses fagócitos podem ser induzidos caso os leucócitos, que passam próximo as lesões, encontrem um meio rico em citocinas pró-inflamatórias, lipopolissacarídeos, metaloproteinases, prostaglandinas ou proteases. Dessa forma, esses leucócitos podem levar a aterosclerose em áreas distantes, particularmente em áreas com distúrbios de circulação sangüínea34. Foi demonstrado que os leucócitos polimorfonucleares observados em pacientes portadores de doença periodontal apresentavam uma iluminescência duas vezes superior quando comparados aos leucócitos polimorfonucleares do grupo controle36. Essa hiper-reatividade dos leucóctios pode ser resultado da passagem dessas células através das lesões periodontais ou uma característica dos pacientes com periodontite. Qualquer que seja o mecanismo, essas células podem ser capazes de auxiliar na formação dos ateromas. Plaquetas e leucócitos podem ser ativados durante uma bacteriemia e virem a estimular outras células, aumentando as chances de formação dos ateromas. Foi proposto que essa ativação das plaquetas venha regular a liberação de citocinas pelos monócitos nas reações inflamatórias 37. As plaquetas fazem parte integral dos processos hemostáticos, os quais são cruciais para a formação das placas de ateroma, e além do mais, essas células tem demonstrado serem ativadas por vários microorganismos dentais38. CONCLUSÕES As doenças periodontal e cardiovascular compartilham vários fatores de risco e processos patogênicos. Infecções e condições inflamatórias crônicas como a periodontite podem influenciar a aterogênese. A cronicidade da doença periodontal provê uma rica diversidade de microorganismos subgengivais, e uma série de mecanismos e efeitos de resposta do hospedeiro. Linhas de pesquisa mais elaboradas começam a demonstrar maiores potenciais de interação entre doença periodontal e doença cardiovascular. Essas investigações baseiam-se na terapêutica periodontal seguida de monitoramento dos pacientes, tanto no controle das condições bucais quanto dos níveis dos marcadores inflamatórios associados com a aterogênese 39,40. Dessa forma, o surgimento de novos desenhos experimentais para avaliar o relacionamento entre as doenças periodontais e cardiovasculares é de extrema relevância para a seqüência da história da periodontia médica. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 46-49. Zanatta GM e cols. Doença Periodontal e Desordens Cardiovasculares. Summary PERIODONTAL DISEASE AND ITS ASSOCIATION WITH CARDIOVASCULAR DISORDERS The last years brought an extraordinary progress for the understanding of the relationships between Periodontal Diseases and Systemic Health. Periodontitis, one of the oldest and commonest diseases that occur in the human being, was believed, in the past, to be a consequence of aging. A series of epidemic and experimental studies demonstrated a lot of reasons to believe that some individuals are more susceptible than others in the development of Periodontal Disease. This knowledge is very important to evaluate the role of Systemic Diseases in the development of Periodontal Disease. Keywords: Periodontitis, Periodontal Disease, Systemic Diseases. REFERÊNCIAS Obs.: 40 referências à disposição dos leitores. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 46-49. –49– Artigo Especial Clínica Médica: Uma Especialização ou Opção para Ingressar em Subespecialidades? Júlio César Stobbe1, Fabríce de Bortoli2, Débora Falk Lopes1, Luciano Marcelo Backes1, Fernanda Cristina Ilha Algarve3 Serviço de Clínica Médica1, Serviço de Pediatria2, Faculdade de Medicina3 da Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo O presente trabalho tem como objetivo verificar a tendência dos inscritos no Programa de Residência em Clínica Médica do Hospital São Vicente de Paulo, de Passo Fundo(RS), quanto à continuidade na área em que ingressaram. Para tal, foi realizado um estudo retrospectivo analisando-se o número de candidatos que ingressaram na residência de Clínica Médica, o número dos que permaneceram atuando na área e daqueles que seguiram outras especialidades; dessas, quais foram as mais prevalentes. Os dados foram coletados nos registros existentes no hospital no período de 1982 a 2003. No período delimitado, ingressaram no Programa de Residência em Clínica Médica 65 médicos, dos quais apenas 11 (17%) persistiram na Clínica Médica. A grande maioria(48) representando 74%, dirigiuse a outras especialidades e 6 (9%) permaneceram ignorados, pois não se conseguiu especificar o paradeiro e a área na qual estão atuando. Percebeu-se com o estudo que a maioria dos residentes que ingressam no programa de Clínica Médica utiliza-se desta residência como pré-requisito para uma subespecialidade. Unitermos: Subespecialidade, clínica médica, residência médica. A Residência Médica brasileira foi criada seguindo os moldes americanos. Em 1879, no Hospital John Hopkins, iniciou-se um programa de treinamento na área de Clínica e Cirurgia1. Como logo foram percebidos os bons resultados na qualidade dos formandos no novo modelo de ensino, o Brasil iniciou, em 1945/46, no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, seu primeiro curso de Residência Médica. Posteriormente, o Hospital dos Servidores do Estado (HSE) do Rio de Janeiro (1947/48), implantou um programa mais bem estruturado1. Nos anos que se seguiram, surgem uma verdadeira avalanche de programas de residência médica em todo país, porém muitos sem as mínimas condições de funcionamento, inclusive se utilizando dos residentes como “mão-de-obra barata”. Tentando normatizar o processo, surgiu em 1977 a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), encarregada de regulamentar os programas oferecidos pela multiplicidade de instituições espalhadas pelo Brasil1. Entretanto, mesmo com o aumento das exigências para a abertura dos novos programas de residência médica, vêm ocorrendo um aumento significativo no número de vagas em todo país. Em 1991, para os 6.968 médicos formados em –50– 1990, eram oferecidas 4.311 vagas, numa relação de 1,61 candidatos/vaga. Já, em 1997, para os 6.921 médicos formados em 1996, havia 5.875 residentes de primeiro ano, gerando uma relação de 1,18 candidatos/vaga, ou seja, houve uma diminuição na relação de candidatos/vaga de aproximadamente 26%2. Nos EUA, de onde surgiram as raízes de nossa residência, existem 408 programas de residência médica em “Medicina Interna”, num total de 21.451 novas vagas disponíveis por ano. Todos os programas de residência em Medicina Interna têm duração de três anos, possibilitando que, posteriormente, seja possível realizar residência (fellowship) numa subespecialidade3. No Brasil, os programas de residência em Clínica Médica têm duração de dois anos, segundo definição elaborada durante o Seminário Nacional de Especialidades Médicas, realizado em novembro de 1996, do qual participaram o CNRM, Associação Médica Brasileira (AMB) e Conselho Federal de Medicina (CFM)4. Há tempos discute-se a progressiva dificuldade das áreas clínicas frente às defasagens em termos de remuneração e a desvalorização da própria figura do clínico REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 50-52. Stobbe JC e cols. Clínica Médica: Uma Especialização ou Opção para Ingressar em Subespecialidades? em virtude das especialidades. Em virtude de muitos planos de saúde e, até mesmo do SUS privilegiarem as subespecialidades, a figura do médico clínico vai ficando cada vez mais no plano teórico, inclusive dentro das próprias universidades, que foram se moldando segundo essa mentalidade: “Não é o ensino médico que modela a prática da medicina, mas sim esta que modela aquele. Para nós, administradores educacionais e educadores, esta não é uma constatação agradável e, menos ainda, uma situação confortável. Nossa esperança está em que alterações nos sistemas prestadores de serviços de saúde, no sentido em que parece que todos pretendemos, exigirão uma mudança concomitante do sistema formador de recursos humanos, isto é, do sistema educacional”5. Como podemos perceber nesta citação, constante em artigo escrito há praticamente um quarto de século, as angústias dessa época persistem até os dias atuais, apenas com uma “maquiagem” diferente. Os extremos da especialização levaram à tendência de se fragmentar o ensino da Clínica Médica por especialidades, embora já se proclamasse a necessidade de formação geral do clínico. Fica, então, mais evidente a falta de articulação entre o ensino das matérias básicas e do ciclo clínico6. A crise da Clínica Médica é universal, e essa fragmentação deve-se às atraentes possibilidades das subespecialidades, que acarreta o indesejável resultado de desumanização, da excessiva tecnificação e do aumento de custos7. O presente estudo serve como referencial para futuros trabalhos que visem à abordagem do problema de forma semelhante. Serve, ainda, como sinalizador da problemática tangente à diminuição do número de médicos clínicos que persistem em suas atividades. MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo do número de ingressos a cada ano e da continuidade na área de Clínica Médica ou do direcionamento a subespecialidades, desde o início do Programa de Residência em Clínica Médica do Hospital São Vicente de Paulo até o ano de 2003. Os dados foram coletados nos registros dos arquivos da Direção Clínica do HSVP e da Comissão de Residência Médica (COREME) da instituição. Quando houve falta ou dúvida referente a algum dado, foi relacionado como ignorado. RESULTADOS E DISCUSSÃO Durante o período de estudo, 1982 (início do Programa de Residência em Clínica Médica) até 2003, ingressaram no serviço 65 médicos como residentes de primeiro ano, denominados como R1. No decorrer do tempo, pôde-se perceber que a maioria dos R1 optam por outras especialidades, permanecendo apenas 11(17%) médicos na Clínica Médica. Os que optaram por subespecialidades foram 48(74%) e ignorados 6 (9%). Referentemente ao período em que a Clínica Médica foi mais realizada, isso ocorreu antes de 1995 com 9(82%) médicos. Nos últimos seis anos apenas 2(18%) médicos dedicaram-se à especialidade. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 50-52. Dentre as especialidades escolhidas, como se pode verificar na Tabela 1, houve grande prevalência da Cardiologia, com 21 médicos, ou seja, 32% do total de ingressantes no programa de residência em Clínica Médica. Com números bem menores aparecem a Nefrologia, com 4(6%) médicos, e a Pneumologia, com 3(5%). As demais especialidades têm freqüência praticamente de similar, como se pode perceber no Tabela 01. As residências médicas têm sofrido inúmeras alterações com o decorrer dos anos, e a Clínica Médica, em especial, confronta-se com uma realidade de desinteresse por parte dos médicos, que reflete, sobretudo, a má remuneração e a falta de estímulos pelos órgãos governamentais naquilo que tange a essa especialidade. Juntamente com a era dos miraculosos métodos diagnósticos, o próprio paciente passou por uma mudança de cultura, de modo que parece desapontador um clínico apenas examinar e professar o provável diagnóstico, sem solicitar um exame complementar, que muitas vezes gera um ônus desnecessário e, não raramente, confunde o diagnóstico em razão de resultados dúbios. Dessa forma, há uma diminuição não pela procura da residência, mas, sim, do número de pessoas que seguem, verdadeiramente, a carreira como clínicos. Percebe-se, dessa, forma que a maioria dos ingressos na residência de Clínica Médica em nosso serviço opta por uma subespecialidade, aproximadamente 74%. Contrastando com nossa realidade, um estudo realizado com 49 graduados em Medicina Interna da Universidade da Califórnia, São Francisco, entre 1975 e 1985, encontrou como resultado: dos 49 graduados, responderam ao questionário Especialidade Clínica Médica Subtotal Número de Médicos 11 11 Subespecialidades Cardiologia Nefrologia Pneumologia Ecografia Hematologia Intensivismo Endocrinologia Radioterapia Gastroenterologia Radiologia Dermatologia Ginecologia e Obstetrícia Oftalmologia Anestesiologia Psiquiatria Infectologia Outros Subtotal Ignorados 21 4 3 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 2 48 6 Total 65 Tabela 1. Relação entre o número de médicos e suas respectivas especialidades. –51– Stobbe JC e cols. Clínica Médica: Uma Especialização ou Opção para Ingressar em Subespecialidades? enviado 44, dos quais 39 (89%) seguiram a carreira como generalistas e 5 (11%), como subespecialistas8. CONCLUSÃO Vários questionamentos podem surgir da análise dos dados obtidos no estudo. Sabe-se, no entanto, que a exigência de realização de dois anos de Clínica Médica pela Comissão Nacional de Residência Médica para ingressar em outras especialidades tornou essa especialização requisito obrigatório, dificultando o acesso de candidatos que verdadeiramente gostariam de seguir a profissão na área de Clínica Médica9 . Entretanto, são necessários outros estudos mais amplos para poder extrapolar esses dados como um trabalho de aplicabilidade externa. Summary INTERNAL MEDICINE: A SPECIALIZATION OR AN OPTION FOR THE ACCESS TO SUBSPECIALITIES? The aim of the present paper is to verify the tendency of the applicants in the Program of Residency in Internal Medicine of the Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, Brazil, in which concerns to the continuity of their studies in the area that they were admitted. A retrospective study was accomplished, being analyzed the number of candidates admitted to the residency in Internal Medicine, the number of Residents that stayed acting in this area and the number of those that chose other Medical Specialties, and among the chosen Specialties, which were the more prevalent. The data for this study were obtained from the records of the Hospital in the period from 1982 to 2003. During that period, 65 Doctors were admitted to the Program of Residency in Internal Medicine. Eleven of them (17%) persisted in the practice of Internal Medicine. Most of them (48), representing 74% of the total, opted to other Specialties and the status of 6 of them (9%) is unknown. From the data obtained in this study, the Authors concluded that most of the residents admitted to the program of Medical Residency in Internal Medicine took advantage of this Residency as a prerequisite for admission to a Subspecialty. Keywords: Subspecialty, Internal Medicine, Medical Residency. REFERÊNCIAS 1. Marcondes ELG. Educação Médica/vários colaboradores – São Paulo: SARVIER, 1998:358. 2. Fonte: Relatório Com. Nac. Resif. Méd., 1997, FUNDAP. Progr. Bolsas Res. Médica. 3. Zerbini CAF. Residência e estágio nos EUA em Medicina Interna. Ver. Brás. Clin. Terap 2000; 26 (3). 4. Repetto, Enrico in O guia da Medicina: da formação acadêmica à prática profissional / organizado por Enrico Repetto. Porto Alegre: ArtMed, 1998:166. 5. Sousa, EM. A escola médica e a formação do médico generalista, Anais do XVI Congresso Brasileiro de Educação Médica, Londrina, 1978. –52– 6. Filho, CF. e Fraga, EG. Ensino da Clínica Médica. Ver Ass méd Brasil 1993; 39 (4):197. 7. Valdivieso Dávila, Vicente – El internista, hoy, Ver. Méd. Chile 1995;123 (5): 641-5. 8. McPhee, SJ. Training in a Primary Care Internal Medicine Residency Program: The First Tem Years. Jama, Sept 18, 1987;(11):1491-95. 9. Ministério da Educação e Cultura. Disponível em: http://www.mec.gov.br. Acesso em: 05 mai. 2005. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 50-52. Relato de Caso Retalho Arterial Dorso-Ulnar Antônio Severo, Marcelo Costa, Osvandré Lech, Paulo Piluski, Carlos Rodrigo Jalowietzki Grün. Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS). Resumo Objetiva-se descrever a técnica cirúrgica do retalho arterial dorso-ulnar, para cobertura de lesões do punho e da mão. Demonstrou-se, que com esta técnica obtém-se retalhos para cobertura de grandes áreas (como 18 por 6 cm). A técnica é descrita e a seguir são ilustrados cinco casos. Obteve-se bons resultados funcionais da mão, sendo parâmetro a volta ao trabalho e uma boa função de pinça da mão, mesmo com retalhos amplos. Trata-se de um retalho fasciocutâneo, pediculado e de fácil aplicabilidade técnica, não necessitando de dissecção do pedículo. Pode-se, com este retalho, ampliar o arsenal terapêutico para cobertura de lesões da face volar e dorsal da mão e punho, sem necessidade de abordagem microcirúrgica. Unitermos: Retalho dorso ulnar, artéria dorso ulnar. Os retalhos arteriais são indicados para cobertura de ferimentos graves com exposição de estruturas nobres como ossos, tendões e nervos. Podem ser classificados de acordo com a localização, (livres ou pediculados) e quanto a composição (cutâneos, fasciocutâneos, fasciomiocutâneos, osteomiocutâneos, subcutâneos ou musculares)1. Nos retalhos livres o pedículo vascular é isolado e seccionado da área doadora para ser anastomosado na área receptora. Nos retalhos pediculados a vascularização inicial vem da própria área doadora (local ou à distância) e posteriormente desenvolve vascularização própria2. O retalho arterial dorso ulnar foi descrito pela primeira vez por Becker e Gilbert3 como um retalho pediculado e fasciocutâneo obtido no lado dorso ulnar do antebraço. O suprimento sanguíneo é baseado na artéria ulno-dorsal que emerge da artéria ulnar a uma distância 2 a 5 cm proximal ao pisiforme passa sob o tendão flexor ulnar do carpo e divide-se em três outros ramos1,4,5(Fig. 1): - proximal: irriga o flexor ulnar do carpo (FUC); - médio: dirige-se à pele atravessando a fáscia onde se divide em duas pequenas arteríolas (ascendente e descendente). A arteríola ascendente estenderá até o epicôndilo medial do úmero correndo entre o flexor ulnar do carpo e a ulna irrigando a pele do lado medial do antebraço, correspondendo a uma área de 10 a 20 cm de extensão por 5 a 9 cm de largura. A arteríola descendente acompanha o ramo dorsal do nervo ulnar emitindo várias ramificações para pele na região dorso-ulnar do punho; - distal: formará o pedículo de vascularização do pisiforme (artéria pisiforme). O pedículo do retalho arterial dorso-ulnar pode ser dissecado e levado com o revestimento cutâneo caracterizando um retalho fasciocutâneo em ilha, conforme descrito por Karacalar5. Uma outra opção é um retalho sem revestimento cutâneo em todo o seu comprimento, isto é, apenas fásciosubcutâneo3,5. O retalho arterial dorso ulnar geralmente é indicado para cobertura de defeitos cutâneos na face anterior do punho, especialmente quando se necessita de tecido bem vascularizado para cobrir o nervo mediano. A cobertura na região dorsal do punho é restrita sendo indicado em defeitos pequenos devido ao comprimento do pedículo arterial (3 cm) que limita o arco de rotação do retalho1. Neste estudo descrevemos a técnica de rotação do retalho dorso-ulnar fasciocutâneo realizado em cinco pacientes com lesões extensas em região dorsal do punho ou da mão. TÉCNICA CIRÚRGICA Figura 1. 1. Artéria ulnar / 2. Artéria ulno dorsal / 3. Artéria pisiforme 4. Ramo p/ o Flexor Ulnar do Carpo (FUC)/ 5. Ramo ascendente dorsal da artéria ulnar / 6. Flexor ulnar do carpo / 7. Ramo descendente dorsal da artéria ulnar / 8. Veias superficiais. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 53-57. 1) Identificação Uma linha é traçada entre o osso pisiforme e o epicôndilo medial do úmero corresponde ao meio do retalho. A artéria ulnar, o ramo cutâneo dorsal (5 cm proximal ao pisiforme) e a borda ulnar do tendão flexor ulnar do carpo são delimitadas. –53– Severo A e cols. Retalho Arterial Dorso-Ulnar. chinês e do retalho interósseo posterior, porém devido à intensa impregnação do quimioterápico na região dorso radial do antebraço houve destruição de veias concomitantes, da artéria radial e interóssea posterior. Em um 2º tempo optou-se pela rotação do retalho dorso ulnar com pedículo fasciocutâneo. Houve uma evolução satisfatória sendo o pedículo desconectado com três semanas (Figuras 4a e 4b). Figura 2. Área demarcada para rotação do retalho dorso ulnar. Os pontos de orientação são: pisiforme, flexor ulnar do carpo e epicôndilo medial. 2) Dissecção Inicia-se no ápice do retalho sendo levantado junto com a fáscia e as veias superficiais do corpo muscular do flexor ulnar do carpo no sentido de proximal para distal. A dissecção estende-se até a visualização da entrada do ramo dorso ulnar na superfície profunda do enxerto. Esta visualização pode ser desnecessária se a dissecção for interrompida 5 cm proximal ao pisiforme. Figura 4: a. Tentativa frustrada da realização do retalho interósseo posterior. b. Segunda tentativa do retalho anterior do antebraço. Veias danificadas pela exposição ao quimioterápico. Figura 3. O retalho dorso ulnar com pedículo fasciocutâneo. Os vasos sanguíneos são mostrados entrando na superfície profunda do retalho. O pedículo pode ser rodado até 180º após ser feita a tubulação da base do retalho sem comprometer o suprimento sanguíneo. A área da dissecção é coberta com enxerto de pele e um dreno de Penrose colocado sob o enxerto. A mão é mantida em elevação, por cinco dias, para facilitar o retorno venoso. Uma outra opção é programar o enxerto de pele no momento da desconexão do pedículo em torno de três semanas, pois parte do retalho pode retornar ao antebraço. RELATO DE CASO Caso 1 Paciente feminino, 57 anos de idade, ferimento grave com exposição tendinosa (4 x 4 cm) em região dorsal do punho esquerdo secundário ao extravasamento de quimioterápico (Epirrubicina). Foi tentada a rotação do retalho –54– Figura 4: c. Levantamento e colocação do retalho local à distância. d. Separação do retalho e enxerto na área doadora, vindo do próprio braço. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 53-57. Severo A e cols. Retalho Arterial Dorso-Ulnar. Caso 3 Paciente masculino, 52 anos de idade, vítima de trauma em mão direita por máquina agrícola, com amputação traumática do 5º dedo (ao nível da articulação metacarpofalangeana), fraturas cominutivas do 2º ao 4º dedo além de lesão de partes moles em face dorsal da mão. Posteriormente o 2º dedo também evolui para amputação. Foi rodado um retalho dorso ulnar (6 x 8 cm) para cobertura da face dorsal da mão (Figura 3). Figura 4e. Aparência final após 2 anos. Caso 2 Paciente feminino, 50 anos de idade, com história de neoplasia maligna mamária sendo submetida à radioterapia e quimioterapia. Houve extravasamento do quimioterápico (Doxorrubicina) apresentando um quadro de síndrome compartimental da mão esquerda. Submetida à fasciotomia no 1º, 2ºe 3º espaço da mão e desbridamentos posteriores dos tecidos necrosados. Evoluiu com ferimento extenso (9 x 6 cm) e exposição dos tendões extensores. Optou-se pela cobertura com retalho arterial dorso ulnar (18 x 6 cm), pois não havia impregnação por quimioterápico evidente neste local. O local doador foi fechado parcialmente e posteriormente coberto com enxerto de pele. Figura 6: a. Lesão dorso da mão provocada por máquina agrícola. Amputação imediata do 5º dedo. b. Aparência imediata do pós-operatório. c. Um ano de pós-operatório. Boa função e capacidade de realização da escrita Caso 4 Paciente masculino, 21 anos de idade, vítima de queimadura em face dorsal do 2º ao 5º dedo da mão esquerda, estendendo-se da articulação metacarpofalangeana até a articulação interfalangiana distal. Foi rodado um retalho dorso ulnar (8 x 8 cm) para cobertura da face dorsal dos dedos formando uma sindactilia cirúrgica. Posteriormente os dedos foram separados (Figuras 7a e 7b). Figura 5: a. Área de 9x6 cm, provocada por extravasamento de quimioterápico. b. Colocação do retalho dorso-ulnar de extensão 18x6 cm. c. Aparência pós-operatória de 18 meses. Caso 5 Figura 7: a. Lesão na mão esquerda por queimadura(8x8 cm). b. Aparência após 1 ano de cirurgia. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 53-57. –55– Severo A e cols. Retalho Arterial Dorso-Ulnar. Paciente, masculino, M, 17 anos de idade, vítima de trauma em mão direita por maquina agrícola, apresentando amputação traumática do 3º e 5º dedo ao nível dos metacarpianos e lesão de partes moles em face dorsal e volar da mão. O 4º dedo foi aproximado ao 2º dedo e rodouse um retalho arterial dorso ulnar de 14 x 9 cm para cobrir a face dorsal e volar da mão (Figuras 8a e 8b). Figura 8: a. Lesão envolvendo os lados volar e dorsal da mão. Amputação do 3º e 5º dedos. b. Aparência da mão após 2 anos. DISCUSSÃO A literatura mostra que existem várias opções de cobertura para lesões de partes moles no dorso da mão. Os retalhos mais tradicionais apresentam algumas desvantagens como o retalho chinês que sacrifica uma estrutura vascular importante, os retalhos pediculados a distância que requerem um período maior de imobilização da mão ou os retalhos livres que apresentam um tempo cirúrgico prolongado, além de necessitar de cuidados especiais no pós-operatório imediato3. –56– O retalho arterial dorso-ulnar foi inicialmente descrito para cobertura de pequenos defeitos em face volar do punho especialmente do nervo mediano3. Apesar da limitação do arco de rotação devido ao pequeno comprimento do pedículo o retalho dorso ulnar pode ser usado para cobrir defeitos em face dorsal do punho e borda ulnar da palma da mão1,3,4. Pelo fato de ser um retalho de fácil dissecção não necessita de grande experiência microcirúrgica para realizá-lo. O principal problema deste retalho é a drenagem venosa que sendo retrógrada é feita basicamente pelo pedículo distal6. Portanto alguns autores postulam que as dimensões máximas deste retalho devam atingir cerca de 10 x 5 cm3. Holevich-Madjarova6 sugeriram incluir as veias superficiais junto ao pedículo para melhorar a drenagem venosa e, conseqüentemente, aumentar as dimensões do retalho englobando toda área suprida pelo ramo ascendente da artéria ulno dorsal (20 x 9 cm). Esta situação é favorecida quando se roda o retalho com o pedículo fasciocutâneo. Karacalar5 modificou a técnica descrita por Becker e 3 Gilbert dissecando um pedículo subcutâneo e rodando um retalho em ilha fasciocutâneo. O autor concluiu que desta forma ele ganhava um maior arco de rotação, pois o retalho é passado por um túnel subcutâneo, além de não sacrificar a pele entre a área doadora e a receptora. Uma outra vantagem seria o fechamento primário da área doadora. Porém ele descreve apenas um único caso com evolução satisfatória. Gilbert 3 apresentou dois casos de necrose da extremidade distal. No primeiro caso foi feita a cobertura com o pedículo remanescente após sua desconexão. No segundo houve necrose superficial do retalho, porém formouse um leito de granulação após a sua retirada o que permitiu a colocação de enxerto de pele. No nosso estudo não houve perdas teciduais do retalho, porém ele era rodado com o pedículo fasciocutâneo, necessitando de enxerto de pele para cobrir a área doadora, sendo feito enxertia na maioria das vezes após a desconexão do retalho. Conclui-se que o retalho arterial-dorso ulnar é mais uma opção de cobertura para lesões com exposição óssea, tendinosa ou nervosa do punho e na mão. No entanto devese respeitar os limites anatômicos da sua dissecção, devido à limitação da drenagem venosa. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 53-57. Severo A e cols. Retalho Arterial Dorso-Ulnar. Summary ARTERIAL DORSO ULNAR FLAP The objective of the present study is to describe the surgical technique of the Dorsal Artery Flap, for covering lesions of the Wrist and of the Hand. It was demonstrated that, with this technique, it is possible to reach flaps for covering of large areas as 18 per 6 cm. The Surgical technique and the results of five cases are reported. The patients obtained good functional results in the hand, using as parameter their return to work and a good function of tweezers of the hand, even with wide flaps. A Fasciocutaneous flap pedicle was performed, not needing dissection of the pedicle. It is possible, with this surgical technique, to improve the therapeutic approach for covering of lesions of the hand and wrist, without the need of a Microsurgical approach. Keywords: Dorsal Ulnar Flap, Dorsal Ulnar Artery. REFERÊNCIAS 1. Masquelet AC., Gilbert A. Anatomia vascular. Atlas colorido de retalhos na reconstrução dos membros. Rio de Janeiro, Revinter, 1997;9-17. 2. Carneiro RS. “Enxertos e Retalhos na Mão”. Traumatismos da Mão - Pardini, A.G. Rio de Janeiro, 3a.ed. Medsi, 2000;381-4000. 3. Becker C, Gilbert A. Le Lambeau Cubital. Ann de Chir Main 1988;7:136-142. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 53-57. 4. Antonopoulos D, Kang NV, Debono R. Our Experience With The Use of The Dorsal Ulnar Artery Flap in Hand and Wrist Tissue Cover. J Hand Surg1997;22:739-744. 5. Karacalar A, Özcan M. Use of a Subcutaneous Pedicle Ulnar Flap to Cover Skin Defects Around the Wrist. J. Hand Surg1998;23:551-555. 6. Holevich-Madjarova B, Paneva-Holevich E, Topkarov V. Island Flap Supplied by the Dorsal Branch of the Ulnar Artery. Plastic Reconstr Surg 1991;87:562-566. –57– Relato de Caso Infarto Migranoso Angela Sanderson, Caroline Duarte, Cristian F. Nunes, João G. Castellano, Tailize Menegazzo, César Augusto L. Pires. Neurocentro, Hospital de Ensino São Vicente de Paulo, Faculdade de Medicina, Universidade de Passo Fundo (RS). Resumo A relação entre migrânea e doença vascular cerebral isquêmica aguda é uma das mais intrigantes no diagnóstico médico. Evidências recentes sugerem que a migrânea possa representar fator de risco independente na fisiopatologia de doença vascular cerebral, especialmente em indivíduos jovens. Relatam-se dois casos de pacientes masculinos, jovens, que apresentaram doença cerebral isquêmica aguda relacionada com status migranosus. Discutem-se aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos e fatores de risco relacionados a essas enfermidades. Unitermos: Enxaqueca, trombose cerebral, infarto cerebral. Migrânea é uma desordem neurológica reconhecida há longo tempo e freqüente na prática clínica. Segundo Areteus, é afecção caracterizada por dor de cabeça paroxística, unilateral, variando de lado, associada a náuseas, vômitos e fotofobia, melhorando na obscuridade. Sugeriu o termo heterocrania, sendo mais tarde nomeada hemicrania por Galeno, passando para emigrania em italiano, migraine no inglês/francês e migranã em castelhano. A Sociedade Brasileira de Cefaléias, em 1984, sugeriu denominação de migrânea para a doença e migranoso para o paciente. Atualmente, estima-se que aproximadamente 40% dos indivíduos acometidos apresentem migrânea envolvendo ambos lados; porém, a expressão “metade da cabeça” continua a ser usada. 1,2,3,4 RELATO DE CASO Caso 1 Paciente masculino, branco, 38 anos, admitido ao setor de emergência do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) com afasia e hemiplegia direita desproporcionada (membro superior com força grau 1 e membro inferior grau 2); familiar informa que o paciente apresentou crise migranosa com aura visual e somato-sensorial (parestesia em hemicorpo direito) há cerca de 72 horas; atendido em pronto socorro e medicado com sintomáticos; persistiram sintomas sensitivo-motores e cefaléia, evoluindo com o quadro em evidência. Antecedentes de crises recorrentes, severas (recurso a atendimentos em pronto-socorros), compatíveis com migrânea com aura (critérios diagnósticos da International Headache Society); aumentaram de freqüência e intensidade nos últimos meses (tratamentos sintomáticos). Realizado tomografia computadorizada de urgência e em 72 horas (figuras 1 e 2), que evidenciaram lesões isquêmicas cerebrais em regiões parieto-occipitais e –58– tálamo- capsular à esquerda. Internado na Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo e instituídas medidas terapêuticas adequadas ao caso; evolução satisfatória, com recuperação progressiva da afasia e hemiplegia direita; recebeu alta com medicação profilática (Propranolol, Divalproato de Sódio e Ácido Acetilsalicílico) e orientações (se necessário, tratamento abortivo de crises com Ácido Acetilsalicílico e Sumatriptano Spray Nasal); permanece em acompanhamento ambulatorial. Caso 2 Indivíduo masculino, branco, 31 anos, com crises recorrentes de cefaléia (preenche critérios da International Headache Society para migrânea com aura); há 4 meses, após crise migranosa intensa passou a apresentar disfasia de expressão e hemiparesia direita (sintomas que melhoraram progressivamente, restando sensação episódica de parestesias braquio-faciais homolaterais); estudo tomográfico computadorizado do crânio-encéfalo evidenciou lesão isquêmica aguda e o controle atual encefalomalácia isquêmica seqüelar temporo-insular a esquerda; angioressonância dos vasos sangüíneos encefálicos exclui lesões arteriais definidas. Exame físico com leve espasticidade muscular em dimídio direito. Medicado com Propranolol e AAS para tratamento profilático; orientações para enérgica terapia abortiva de crises, com AAS e Sumatriptano Spray Nasal. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES O infarto migranoso, antigamente chamado de enxaqueca complicada, ocorre quando um ou mais sintomas de aura migranosa não revertem completamente em 7 dias ou mais, associando-se à exames de neuroimagem com lesão isquêmica encefálica.. 3,4 O paciente preenche os critérios para migrânea com aura neurológica e a crise REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 58-61. Sanderson A e cols. Infarto Migranoso. desencadeante do infarto cerebral é típica em relação às prévias.4 Estudos comprovam que os infartos migranosos representam em torno de 1% de todos os infartos cerebrais admitidos a um hospital geral, em indivíduos de qualquer idade, sendo quase 100% dos casos relacionam-se a crises migranosas com aura. Evidências recentes sugerem que até 15% dos acidentes vasculares cerebrais que ocorrem em indivíduos abaixo dos 45 anos estejam relacionados à migrânea com aura (infartos migranosos).5 Devem ser excluídas outras causas do infarto cerebral a partir de adequada investigação. Os fatores de risco para doença vascular cerebral isquêmica (DVC-I) podem estar presentes ou não (tabagismo, diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial, contraceptivos orais, hiperagregabilidade plaquetária). Verifica-se coexistência de migrânea e prolapso valvular mitral, que pode ser fonte de evento cerebrovascular embólico.4,6 A migrânea, em geral, pode ser vista como uma resposta neurovascular cerebral a algum estímulo. Em razão disso, fatores que aumentam o risco de migrânea poderiam, também, representar fatores de risco para DVC-I. Assim, a associação dessas enfermidades é previsível. A International Headache Society dividiu a migrânea relacionada a DVC-I em 4 categorias, conforme Tabela 1.4 Estudos de base hospitalar realizados antes de 1989, em pacientes abaixo de 50 anos com DVC-I apontam a migrânea como etiologia desses episódios em 1 a 17%. Os riscos de doença cerebrovascular relacionada com migrânea diminui com a idade; porém, não deixam de existir casos em que a migrânea foi associada com DVC-I em pacientes com 50 anos de idade ou mais.4,6 Em geral, DVC-I foi mais comum em pacientes que apresentavam crises com aura e ocorreu predominantemente em território de artéria cerebral posterior. Em alguns casos, a primeira anormalidade observada é a hiperperfusão focal; porém, na maioria dos casos, o fenômeno inicialmente observado é a redução do fluxo sanguíneo cerebral no pólo posterior do cérebro, que aparece antes de o paciente observar qualquer sintoma da aura e que aumenta de forma a envolver a área parieto–occipito-temporal e, às vezes, todo o hemisfério. 3,4 Em um estudo controlado, não houveram diferenças entre os fatores de risco para DVC-I em portadores de migrânea comparados aos indivíduos sem esse distúrbio, embora aqueles apresentaram maior tendência a isquemia cerebral recorrente, sugerindo que migrânea pode ser um fator de risco independente para DVC-I. Em suporte a essas evidências, outros estudos controlados de crises com aura indicaram que 91% dos pacientes que sofreram infarto cerebral durante status migranosus não tinham lesões arteriais, opondo-se aos 9% dos pacientes portadores de migrânea que sofreram infarto cerebral distante de um episódio migranoso e 18% dos pacientes com infarto cerebral sem história de migrânea.4 Henrich e cols. 7 relataram um aumento no risco de DVC-I em pacientes com migrânea (superior a duas vezes), mas somente naqueles que Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Figura 1a Figura 1 b Figura 2a Figura 2b Æ Æ Figura 3a. Lesão isquêmica Figura 3b. Controle. aguda. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 58-61. Figura 3c. Angio-ressonância. –59– Sanderson A e cols. Infarto Migranoso. apresentavam aura. Tzourio e cols.8, em um rigoroso estudo de caso-controle, não encontraram associação de risco entre migrânea e DVC-I. No entanto, no sub-grupo de mulheres com idade inferior a 45 anos, essas duas enfermidades estiveram significantemente associadas (quatro vezes). Posteriormente, estendendo esse achado para a população geral, em novo estudo, os resultados foram confirmados. A elevação do risco nesse grupo foi de 3 vezes nas mulheres portadoras de migrânea sem aura e 6 vezes naquelas com aura. Além disso, mulheres jovens com migrânea que fumavam tiveram um aumento de aproximadamente 10 vezes no risco de DVC-I; ainda 3 vezes maior do que mulheres jovens que fumavam e não tinham esse tipo de distúrbio neurológico. Para mulheres jovens com migrânea em uso de contraceptivos orais, o risco de DVC-I foi quatorze vezes maior que no grupo controle, enquanto esse risco é de 4 vezes para mulheres que não têm migrânea. Também nesse grupo, o risco foi tanto menor quanto mais baixas as doses de estrogênio utilizadas.4 Em outro estudo, demonstrou-se que o infarto migranoso é mais comum em mulheres (67%) com idade de 45 anos ou mais jovens (78%) comparado com infarto isquêmico de causa não usual.9 Embora esses dados sejam alarmantes, cabe lembrar que o risco absoluto de DVC-I para esta população de pacientes gira em torno de 19 por 100.000 habitantes/ano, o que é considerado baixo risco.4,7,8,10,11,12,13 A incidência de infarto migranoso é estimada em 3,36 por 100.000 habitantes/ano, mas na ausência de outros fatores de risco para isquemia cerebral reduz-se para 1,44 por 100.000 habitantes/ano.4,10 Dentro da patogênese do infarto migranoso, participam fatores relacionados ao sistema de coagulação, fatores hemodinâmicos e neuronais (muitos ainda estão por ser descobertos). O envolvimento do sistema de coagulação é apoiado pelo fato dos contraceptivos orais aumentarem desproporcionalmente o risco de DVC-I em mulheres jovens. Além disso, as recentes descobertas dos anticorpos antifosfolipídicos e anticoagulantes lúpicos e a prevalência em pacientes com migrânea tem sido objeto de vários estudos. Hiperagregabilidade plaquetária também é encontrada freqüentemente nos pacientes portadores de migrânea. Entre os fatores hemodinâmicos, as alterações de fluxo que ocorrem durante a crise, sugerido pela teoria de Leão da depressão alastrante, como etiologia da migrânea, pode predispor a Categoria Quadro clínico I II III IV Coexistência entre migrânea e evento cérebro-vascular agudo Evento cérebro-vascular com características clínicas de migrânea • migrânea sintomática • que se assemelha à migrânea Migrânea induzindo isquemia cerebral • sem fatores de risco • com fatores de risco Incerto Tabela 1. Migrânea relacionada à DVC-I. International Headache Society. ocorrência do infarto cerebral. Essa diminuição de fluxo sanguíneo (pelo aumento da resistência) e o aumento da extração de oxigênio local (por elevação no metabolismo) que ocorre durante a crise, conforme evidenciado por estudos de doppler transcraniano e tomografia por emissão de pósitrons, estão relacionados à patogênese do infarto migranoso. Em relação aos fatores neuronais, verifica-se que alterações no metabolismo neuronal poderiam prejudicar a homeostase local, facilitando a despolarização. Ainda, a piora na função mitocondrial neuronal poderia diminuir a resistência tecidual à anóxia e/ou isquemia, levando a morte neuronal seletiva. O aumento na liberação local de glutamato pode fazer parte desse processo de lesão neuronal. Assim, porque infarto cerebral ocorre somente raramente durante episódios de migrânea devese considerar, provavelmente, a variabilidade no estado de coagulação, grau de alteração neuronal e hemodinâmica e a interação de fatores ou comorbidades adicionais ou fatores de risco para DVC-I durante uma crise de migrânea.4,10,14,15 O infarto migranoso é uma complicação rara, porém grave, da migrânea. Considerando-se a importância, os autores enfatizam a necessidade de diagnóstico e tratamento correto dessa enfermidade, incluindo tratamento profilático adequado e enérgico tratamento abortivo das crises (o AAS oferece efeitos analgésicos, anti-inflamatórios e antiagregantes plaquetários; associar o Sumatriptano Spray Nasal permite rápido e eficaz início de ação considerando que a via digestiva usualmente encontra-se inviabilizada nesses casos). Somente a abordagem clínica e terapêutica adequada pode reduzir o risco de seqüelas graves permanentes nesses pacientes.4 Summary MIGRAINE INFARCTION - Case Report The relation between Migraine and Acute Ischemic Stroke is one of the most intriguing clinical pictures. The authors report two cases ocurred in young men that present Acute Ischemic Stroke during Status migranosus. The Authors discuss the epidemiological and the pathophysiological aspects and the risk factors related to this disease. Keywords: Migraine, Cerebral Thrombosis, Cerebral Infarction. –60– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 58-61. Sanderson A e cols. Infarto Migranoso. REFERÊNCIAS 1. Zukerman E. Enxaqueca. XVIII Congresso Brasileiro de Neurologia 1998; 1-4. 2. Lance JW. Migraine:varieties. In: Mechanism and management of headache. London: ButterworthHeinemann 1993;(7):52-67. 3. Speciall JG, Silva WF. Cefalías.São Paulo: Lemos Editorial, 2002. 4. Borghetti VH, Pires CAL, Costa GL. Infarto Migranoso: Relato de Caso. Rev Médica HSVP 2000;11(26):66-68. 5. Moren P. El infarto migrañoso representa el 15% de ictus en adultos jóvenes. “Disponível em: www.diariomedico.com/neurologia/n051099.html Acesso em: 04 jul. 2005. 6. Guerra RR. Cefalea Y Enfermedad Vascular Cerebral. “Disponível em: http://neurologia.rediris.es/congresoi/conferencias/cefaleas-9.html. Acesso em: 04 jul. 2005. 7. Henrich JB, Horowitz RI. A controlled study of isquemic stroke risk in migraine patients. J Clin Epidemiol 1989; 42:773-80. 8. Tzourio C, Iglesias S, Hubert J et al. Migraine and risk of isquemic stroke: a case-controlled study. Br Med J 1993; 307:289-92. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 58-61. 9. Arboix A, Massons J, Garcia-Eroles L, Oliveres M, Balcells M, Targa C. Migrainous cerebral infarction in the Sagrat Cor Hospital of Barcelona stroke registry “Disponível e m : h t t p : / / w w w. n c b i . n l m . n i h . g o v / e n t r e z query.fcgi?cmd=Retrieve&db=PubMed&list_uids= 12780770&dopt=Citation Acesso em:15 jul. 2005. 10. Welch KMA. Migraine and Stroke. In: Ginsberg MD, Bogousslavsky J (eds) - Cerebrovascular Disease Pathophysiology, diagnosis and management. USA: Blackwell Science 1998;2(116):1618-27. 11. Tatemichi TK, Mohr JP. Migraine and stroke. In: Barnett HJM, Stein BM, Mohr JP, Yatsu FM (eds) - Stroke: Pathophysiology, diagnosis and management. New York: Churchill Livingstone 1986; 845-63. 12. Bogousslavsky J, Regli F, Van Melle G, et al. Migraine stroke. Neurology 1988; 38:223-27. 13. Tzourio C, Tehindrazanarivelo A, Iglesias S et al. Casecontrol study of migraine and risk of isquemic stroke in young women. Br Med J 1995;310:830-33. 14. Levine SR, Joseph, R, D’Andrea G et al. Migraine and the lupus anticoagulant. Case reports and review of the literature. Cephalalgia 1987;7:93-99. 15. Hering R, Couturier GM, Steiner TJ et al. Anticardiolipin antibodies in migraine. Cephalalgia 1991; 11:19-21.. –61– Relato de Caso Neuralgia do Trigêmeo secundária à Neurocisticercose Jeanine Eggers Caramori, Luciane Miozzo, Nério Dutra Azambuja Júnior, Leonardo Frighetto. Serviço de Neurologia e Neurocirurgia(SNN), Passo Fundo(RS). Resumo Descrevem-se 4 casos de pacientes portadores de cisticercose na região do ângulo pontocerebelar; 2 casos com trigeminalgia ipsilateral à localização do parasita e 2 com algia contra-lateral. Nos 4 casos o cisticerco foi totalmente removido por meio de craniectomia da fossa posterior. Duas hipóteses fisiopatológicas foram aventadas para explicar a sintomatologia: lesões que ultrapassam os limites da cisterna do ângulo ponto-cerebelar, podem através da cisterna pré-pontina alcançar a primeira e por contiguidade o ângulo ponto-cerebelar, lesões com grande efeito de massa podem provocar rotação do tronco cerebral e por conseqüência deslocamento e tração das estruturas ipsi e contralaterais causando compressão venosa e arterial. Os autores avaliam a melhora dos sintomas e ressaltam que, em lesões na região do ângulo ponto-cerebelar, a cisticercose não pode ser esquecida. Unitermos: Neuralgia do trigêmeo, neurocisticercose, ângulo ponto-cerebelar. A neurocisticercose (infecção causada pela infestação do Sistema nervoso central pela forma larvária da Taenia Solium), freqüentemente observada nos países com baixo desenvolvimento econômico-social, onde as condições de higiene, coletiva ou individual são precárias, vem aumentando sua incidência, principalmente em países industrializados em desenvolvimento pelo crescimento das taxas de imigrantes vindos de áreas com alta prevalência de cisticercose, tornando-se uma doença relativamente comum. O cisticerco na cisterna do ângulo ponto cerebelar é raro como causa de neuralgia do trigêmeo1. Na literatura publicada no Medline, entre 1966 a junho de 2002, somente 5 casos de Síndrome de disfunção hiperativa sintomática de nervos cranianos secundários a cisticercose foram relatados2. Convulsões e aumento da pressão intracraniana são as manifestações neurológicas mais comuns2. Sinais focais ocorrem por compressão direta do tecido nervoso pelo cisto2. Cisticercos nas cisternas podem causar vasculite e aracnoidite 1 . Estes também podem produzir déficits neurológicos focais2. Os possíveis mecanismos etiopatogênicos da trigeminalgia por cisticercose no ângulo ponto-cerebelar, bem como relações neurovasculares dentro da cisterna do ângulo ponto-cerebelar que poderiam explicar os sintomas correlatos a região acometida, são aqui analisados e discutidos. Os autores ainda avaliam a melhora dos sintomas com a realização da craniectomia da fossa posterior. –62– RELATO DOS CASOS Casos com sintomatologia ipsilateral à lesão 1) 58 anos, feminina, interna por dor nos territórios de V1 e V2 à direita há três meses. No exame físico apresentava hipoestesia em V2 e diminuição do reflexo corneopalpebral à direita. Com apresentação radiológica de lesão cística no ângulo ponto-cerebelar esquerdo, com trabécula (figura 1). 2) 51 anos, masculino, iniciou há quatro meses, com tontura e dor no ouvido esquerdo e na região de V1, V2, V3 à esquerda. No exame físico apresentava Sinal de Romberg e diminuição do reflexo corneopalpebral à esquerda e hipoestesia em V1, V2, V3. Com apresentação radiológica de hidrocefalia Supra Tentorial (figura 2). Casos com sintomatologia contralateral à lesão 1) 37 anos, masculino, iniciou há 1 ano com dor facial à esquerda e hiperreflexia nos 4 membros, distúrbio da marcha e do equilíbrio. Já esteve internado anteriormente por neurocisticercose parenquimatosa e do IV ventrículo há, aproximadamente, 2 anos. No exame físico tetraparesia espástica. Com lesão no ângulo ponto-cerebelar direito. 2) 35 anos, feminina, com dor e hipoestesia no território de V2 e V3 à direita , há 8 meses. Apresentava lesão no ângulo ponto-cerebelar esquerdo. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 62-64. Caramori JE e cols. Neuralgia do Trigêmeo Secundária à Neurocisticercose. Figura 1. Lesão cística no ângulo ponto-cerebelar esquerdo, com trabécula. Figura 2. Hidrocefalia supra-tentorial. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES Nos quatro casos em que foram realizados craniectomia da fossa posterior em pacientes com neuralgia do trigêmeo secundária a neurocisticercose foi constatado total melhora da sintomatologia. O ciclo biológico da Taenia Solium começa com o homem, portador da tênia adulta, que elimina proglotes grávidas, cheias de ovos, para o meio exterior3. Mais freqüentemente, a proglote se rompe no meio exterior, liberando os ovos no solo. Um hospedeiro intermediário próprio (geralmente o suíno) ingere os ovos4. Neste se transformam em oncosferas e atingem o sangue, sendo transportados a todos os órgãos e tecidos do organismo5. As oncosferas desenvolvem-se para cisticercos em qualquer tecido mole, mas preferem os músculos5. No hospedeiro definitivo, o homem, a infecção pelos cisticercos se dá pela ingestão de carne crua ou mal cozida de porco5. O quadro clínico é extremamente multiforme e incaracterístico, tendo a doença um curso principal próprio particular dependente de reação imune individual do hospedeiro6,7,8,9,10. Os sintomas mais freqüentes são: epilepsia (sendo a neurocisticercose a principal causa desta em adultos nos países em desenvolvimento 11,12 , hipertensão intracraniana e distúrbios psíquicos. Pela anatomia da região do ângulo ponto-cerebelar, qualquer lesão expansiva poderá levar a uma gama de sinais e sintomas, dependendo do setor acometido dentro do espaço anatômico1. Sendo assim, podemos propor duas hipóteses REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 62-64. fisiopatológicas para explicar a apresentação da sintomatologia contralateral a lesão: a primeira é que aquelas que ultrapassam os limites da cisterna do ângulo pontocerebelar, podem, através da cisterna pré-pontina alcançar a primeira e por contigüidade o ângulo ponto-cerebelar; a Segunda é que lesões com grande efeito de massa podem provocar rotação do tronco cerebral e por conseqüência deslocamento e tração de estruturas ipsi e contralaterais, causando compressão arterial e venosa sobre o trigêmeo contralateral em seu trajeto pela torção superior da cisterna do ângulo ponto-cerebelar. A necessidade de exames de imagem quando tratamos de dor trigeminal é imperativa, pela possibilidade de tumor da região do ângulo ponto-cerebelar causarem esta dor e a cirurgia levar a melhora dos sintomas1. Em nossa casuística, foi realizado craniectomia da fossa posterior, constatando-se total melhora da sintomatologia. Os autores têm a opinião de que algias craniofaciais, uma etiologia que não deve ser esquecida, especialmente em áreas endêmicas, é a neurocisticercose, sendo que em tal situação é imperativo a realização de neuroimagens, pois um diagnóstico correto da etiologia pode através de um tratamento clínico ou cirúrgico, levar a remissão da sintomatologia do paciente. O aspecto clínico, a localização anatômica e os aspectos neuroradiológicos justificam essa publicação, e como esta é uma rara patologia cisternal primária, localizada n o â n g u l o p o n t o - c e r e b e l a r, c o m p o u c o s r e l a t o s publicados na literatura. –63– Caramori JE e cols. Neuralgia do Trigêmeo Secundária à Neurocisticercose. Summary TRIGEMINAL NEURALGIA SECONDARY TO NEUROCYSTICERCOSIS The Authors report the cases of four patients having a Cysticercus in the area of the Pons-cerebellar angle. Two of the patients complained of Trigeminal Neuralgia ipsilateral to the location of the parasite and, in two of them, the Trigeminal Neuralgia was contralateral. In the four cases, Cysticercus was totally removed through a Craniectomy of the posterior cranial fossa. Two physiopatologic hypotheses could explain the clinical findings: lesions that cross the limits of the pons-cerebellar angle of the cistern, can reach the prepontine cistern and, by proximity, the pons-cerebellar angle. Lesions with big mass effect can provoke a rotation of the cerebral trunk and, consequently, a displacement and traction of the ipsilateral and of the contralateral structures, causing venous and arterial compression. The authors evaluate the evolution of the symptoms and stress that, in lesions in the area of the ponscerebellar angle, Cysticercosis must be considered as the cause of the symptoms. Keywords: Trigeminal neuralgia, Neurocysticercosis, Pons-cerebellar angle. REFERÊNCIAS 1. Aguiar PH, Miura FK, Napoli PR et al. Neuralgia do trigêmeo bilateral por cisticerco racemoso unilateral no ângulo ponto-cerebelar. Arq NeuroPsiquiatr. 2000; 58(4). 2. Revulta R, Soto-Hernandez JL, Vales LO, Gonzales RH. Cerebellopontine angle cysticercus and concurret vascular compression in a case of trigemianl neuralgia. Clin Neurol Neurosurg. 2003;106:19-22. 3. Reyes-Armijo E, Beltran-Gõni P. Cisticercosis intracraniana. Rev Med Hosp Gen. 1967;(28):317348. 4. Jain RK, Gupta OP, Aryya NC. View from beneath: pathology in focus cysticercosis of the tongue. J Laryng Otol. 1989;(103):1227-1228. 5. White AC Jr, Fato P, Molinari JL. Host-parasite interaction in Taenia solium Ysticercosis. Infect Agents Dis. 1992; (1):185-193. –64– 6. Lefevre AB, Valente MI. Neurocisticercose. In: Lefevre, AB & Diament, AJ (eds). Neurologia Infantil. São Paulo: Sarvier1980;607-616. 7. Lerman VJ. CNS cysticercosis revisited. Arch Neurol. 1983;(40):257. 8. Machieux F, Roullt E, Marteu R. La cysticercose cérébrale: quatre cas. Ann Med Interne. 1987;(138):298-300. 9. Manzano-Blanco S, Gutiérrez-Solana LG et al. A case of mixed (parenchymatous meningo-basal) neurocysticercosis. Rev Neurol. 1997;(25):1585-1588. 10. Marcial-Rjas RA. Pathology of protozóal and helminthic diseases with clinical correlation. Baltimore: Williams & Wilkins CO. 1977;585-657. 11. Albuquerque M, Lauda EE, Pinto TH et al. Refrectory epilepsies. Rev Paul Med. 1990;(108):225-229. 12. Wadia N, Desai S, Bhatt M. Disseminated cysticercosis. Brain. 1988;(111):597-614. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(36): 62-64.
Documentos relacionados
do arquivo - Hospital São Vicente de Paulo
O nome do periódico deve ser abreviado segundo a edição do List of Journals do Index Medicus (publicado anualmente na edição de janeiro do Index Medicus) ou segundo o Index Medicus Latino-Americano...
Leia maisTradução e Validação de um Questionário de Saúde Bucal a
entre o grupo de mulheres com alguma complicação na gestação. Em estudos de intervenção encontrados na literatura, esta relação também é encontrada (JEFFCOAT et al., 2003; LOPEZ et al., 2005; OFFEN...
Leia mais