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REVISTA do curso de Jornalismo do Centro Universitário Metodista IPA | Ano 1 | Edição 2 | Dezembro de 2006 | www.ipametodista.edu.br/sites/universoipa
Movimentos
ociais do Campo
página 32
meio ambiente | Afogados na celulose ................................................................. 8
entrevista |
meio ambiente | Esperança renovada no Arroio Dilúvio ...... 11
Chico Anysio
sem limites
cultura | Cultura voluntária ............................................................................................................. 48
página 3
Sumário
ed
i tor
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i a l i al
A construção da revista não é uma tarefa fácil,
principalmente, para alunos de segundo semestre. Porém, o curso de Jornalismo do Centro Universitário Metodista apresenta um diferencial muito importante: conjugar
teoria e prática desde o primeiro semestre. Esta publicação
é a materialização deste diferencial. Estamos conscientes de
que é uma revista laboratório, mas ela é motivo de muita
satisfação, pois é realizada por alunos que freqüentam o
primeiro ano de Jornalismo.
Tal como a produção de um jornal, a revista também
inicia com a reunião de pauta. Ou seja, os estudantes iniciam a discussão com os professores sobre as matérias
que vão ser tratadas na edição. A opção, neste caso, foi
por uma revista de variedades, com forte cunho para as
demandas sociais.
Não existe uma preocupação rígida de utilizarmos
única e exclusivamente os gêneros jornalísticos que são
passados na sala de aula. Como facilmente se depreende,
os alunos têm a liberdade de escolher os assuntos e as matérias que vão ser editadas. O principal objetivo é que eles
possam pôr em prática tudo aquilo que foram apreendendo na sala de aula.
Este número do Universo IPA abarca uma variedade de
matérias que por si só, enobrece a postura profissional de
todos aqueles que um dia pretendem dedicar-se de corpo e
alma ao Jornalismo. Sabemos que o Jornalismo passa por
uma crise existencial pós-moderna, onde o tele-lixo e o sensacionalismo tomaram conta das audiências. Virá o dia em
que as “massas” vão exigir um Jornalismo mais sério, honesto, investigativo, imparcial e respeitador da ética comunicacional. E, é nesse contexto que os alunos do Centro Universitário Metodista poderão afirmar-se como uma mais valia
no mundo da informação.
Esta edição de Universo IPA é uma tentativa neste sentido. Certos de que estamos no caminho de um outro Jornalismo, também reconhecemos que ainda há muito a aprender, muitas pautas carentes de cobertura. Por isso, como
obra aberta, no sentido de Umberto Eco, estamos prontos a
receber críticas, sugestões, contribuições de todo o tipo. Boa
Universo IPA | Dezembro2006
leitura a todos.
história | Ame-o ou deixe-o ................................................................................................................................... 5
meio ambiente | Água ou petróleo? ...................................................................................... 13
cidadania | Esperança que vem do lixo ..................................................................................... 15
Ciência | Admirável Nano ........................................................................................................................................... 16
saúde | O estresse nosso de cada dia .......................................................................................................... 20
saúde | Até onde vai a fé? .............................................................................................................................................. 22
religião | País abençoado: terra da Santa Cruz ..................................................................... 24
geral | O último lambe-lambe .............................................................................................................................. 26
moda | O lado dos brechós .......................................................................................................................................... 27
comportamento | A solidão que socializa ......................................................... 28
internet | Na mira das lan houses ............................................................................................................. 30
política | Assembléia Legislativa: um oásis político ...................................................... 31
profissão | O futuro das profissões ................................................................................................... 36
geral | Mundo dos negócios GLBT ................................................................................................................. 40
esporte | Contagem regressiva ....................................................................................................................... 44
esporte | Esporte radical conquistou o seu espaço ........................................................ 46
cultura | Porto Alegre, a Liverpool gaúcha ............................................................................... 52
cultura | Música made in Brazil ..................................................................................................................... 55
cultura | A sessão vai começar... Bom filme! ........................................................................... 58
cultura | A grande conquista cultural do pequeno arquipélago ........... 61
ENTREV IS TA
en tr ev i s ta
Chico Anysio
Divulgação
sem limites
uma palavra na rádio Guanabara. Familiarizado rapi-
“O reconhecimento
aumenta, no artista,
a necessidade de
fazer a coisa direito”.
damente, passou a exercer várias funções: rádio-ator,
comentarista de futebol, locutor... Trabalhou, na década de 1950, nas rádios “Mayrink Veiga”, “Clube de Pernambuco”, “Clube do Brasil”. Assistiu de perto à ascensão da televisão no Brasil e acompanhou as evoluções
dos meios de comunicação. Criador de mais de 200 per-
Carlos xarão
Poucos artistas transitam tão bem por tantas áreas.
sor Raimundo e a sua Escolinha. Por anos, liderou a au-
Ator, diretor, compositor, escritor, pintor, radialista e
diência no comando de programas da “poderosa” Rede
comentarista... (ufa!); Francisco Anysio de Oliveira Pau-
Globo e encara o sucesso como “acidente de percurso”.
la Filho, o Chico Anysio, é um artista sem limites. Nasceu
Em entrevista ao Universo IPA, ele conta momentos
na cidade de Maranguape, no Ceará, em 1931. Mudou-
marcantes da carreira. Lembra, com carinho, os tempos
se com a família para o Rio de Janeiro, com oito anos de
românticos das décadas de 1950 e 60, fala de projetos
idade, época em que sonhava em ser cobrador de ôni-
para o futuro e garante que, mesmo “congelado” pela
bus. Antes de encarar o rádio profissionalmente, elabo-
Rede Globo, não pensa em parar com a comédia. Re-
rou um número de imitações com 32 vozes e, com esse,
lembrar a sua trajetória é ter informações suficientes
colecionou muitas vitórias em todos os shows de calou-
para contar a história dos meios de comunicação do
ros do Rio e São Paulo. Silêncio em plena estréia! Nervo-
Brasil e entender por que o mito do humorismo brasilei-
so, Chico travou e estreitou, oficialmente, sem dizer
ro está em plena atividade.
Universo IPA - Quais as lembranças
da vida em Maranguape, no Ceará, e os
contrastes que sentiu com a mudança
para o Rio de Janeiro aos oito anos de
idade?
Chico - Tudo, para mim, foi imperceptível,
pois eu vim para o Rio com oito anos de idade,
em 1939. Naquela época, quem tinha menos
de 18 anos não sabia de nada.
Universo IPA - Chico é um artista que
jogava futebol, ou um jogador que virou
artista?
Chico - Sempre fui um artista. Apenas
achava que não tinha lugar para mim. Ao aparecer a chance, eu apareci.
Universo IPA - Futebol sempre foi e é
uma das suas paixões. Que benefícios lhe
trouxeram os tempos de comentarista? De
que sente mais saudade?
Chico - Benefícios, nenhum. Saudade eu
não sinto de nada, porque eu cortei a saudade
da minha vida. Se saudade prestasse, existiria
em inglês.
Universo IPA - Quais foram os momentos mais marcantes de sua atuação profissional?
Chico - Todos.
Universo IPA | Dezembro 2006
sonagens famosos – impossível não lembrar do Profes-
entrevis
en
tr ev i s ta ta
Universo IPA | Dezembro 2006
Universo IPA - Como foi trabalhar com
Fernanda Montenegro e quais as maiores
lembranças que o senhor tem da época
em que ela esteve na Rádio Guanabara?
Chico - As melhores. Fernanda sempre foi
uma grande fera. É uma amiga que eu carrego
no coração.
Universo IPA - Como foi sua transição
do rádio para a televisão?
Chico - Foi lógica. Uma coisa estava acabando, naquele sistema, e outra começava.
Começamos juntos.
Universo IPA - E o sucesso? O que muda
com o reconhecimento do público?
Chico - Sucesso é um acidente de percurso. Eu o recebi com toda humildade, porque
sempre soube que ele, do mesmo jeito que
vem, vai. No meu caso, até que demorou, porque, só na Globo, eu fiz Chico Anysio Show (e
a mesma coisa com outros títulos) durante 37
anos. Sempre liderando o Ibope e colocado
entre os seis mais vistos. O reconhecimento
do público aumenta, no artista, a necessidade
de fazer a coisa direita.
Universo IPA - Conte um pouco da sua
relação com Haroldo Barbosa, nos tempos
da rádio Mayrink. Quais as maiores lições
que o senhor guarda dessa relação?
Chico - Isso aí é um livro. Não dá para ser
contado em uma frase. O Barbosa foi meu
mestre, quem me ensinou os caminhos e as
veredas do humor.
Universo IPA - Qual foi a maior dificuldade no início da carreira?
Chico - Fazer com que acreditassem em
mim.
Universo IPA - Os artistas daquela época não se limitavam apenas a interpretar
os textos dos programas de rádio. O senhor mesmo escrevia, criava e interpretava as próprias criações. Todo esse envolvimento influi qualidade do trabalho?
Chico - De modo algum. Escrever humor
ou é fácil, ou é impossível.
Universo IPA - As novas tecnologias
modificaram a essência da TV? O que mudou, para os artistas, com esse progresso?
Chico - As novas tecnologias não têm ne-
nhuma culpa na falta de emprego para um
mundo de atores. O que falta é um pouco de
ousadia por parte das direções. Só querem
fazer o que já sabem que dá certo. Então, tome novela. Mas todos os programas de humor que lançam dão certo. Então...
Universo IPA - Chico Anysio é um artista sem limites. De onde vem tanto interesse por tantas áreas culturais?
Chico - Porque eu sou um criador. Escrevo
todos os dias, mesmo que seja para jogar fora.
Se não tiver nada para escrever, pinto um quadro e, se não tiver uma tela à mão, faço uma
música. O importante é não deixar aquele dia
passar sem fazer nada.
Universo IPA - Existe uma receita para
criar um bom personagem?
Chico - Que eu saiba, não. Será que existe
uma receita para isso?
“Nunca pensei em parar
com a comédia. A Globo
foi quem parou comigo”.
Universo IPA - Existem diferenças entre ser ator e ser comediante?
Chico – Ser comediante é mais difícil.
Universo IPA - Com mais 10 mil shows
por todo esse país e fora dele também,
quais as diferenças mais notáveis entre o
teatro e o humor de televisão?
Chico – No teatro, eu posso ser o mesmo,
porque a platéia muda. Na TV, eu tenho de
mudar porque a platéia é a mesma.
Universo IPA – Qual a sensação de ser
considerado um ícone do humor?
Chico – Quem é ícone? Nunca pensei em
ser o melhor, nem nunca fui. Eu sempre quis
ser “aquele que faz vários”, e consegui. Eu quis
sempre estar na relação dos dez melhores, e
acho que eu também consegui.
Universo IPA - Cinqüenta dias em frente a máquina de escrever lhe renderam, de
cara, três livros. Que espaço o mundo das
letras representa na sua carreira?
Chico – Um espaço pequeno porque a
literatura não é uma fonte de renda, no Brasil,
para mais de quatro ou cinco. O bom livro é
aquele que fica.
Universo IPA - Para o cinema, sua contribuição iniciou na década de 1950, com
pouco mais de 20 anos, e escreveu mais de
18 roteiros. Entre eles, o último filme do
Oscarito, na Atlântida, “Cacareco vem aí”, e
até um filme para Os Trapalhões: “O Cangaceiro Trapalhão”. O que mudou no cinema brasileiro das décadas de 1960 e 70
para os dias atuais?
Chico – O estilo do filme. Os filmes atuais
são melhores, mas não são “aquela coisa brasileira” que a chanchada era.
Universo IPA - O seu trabalho como roteirista de cinema é umas das atividades
que lhe agradam. A sua produção ainda é
ativa?
Chico – A mais ativa de todas. Escrevo
com dois parceiros. Meu parceiro brasileiro é
o Elano Paula, meu irmão; meu parceiro americano é o Mick Hurbischerrier (professor da
Screenplay e diretor no Hunter Collega e na
New York University). Há roteiros nossos com
Sally Fields, a Golden Hawn e com o Michel J.
Fox. Há um filme meu (The Friar), passado na
Irlanda do Norte, numa vila de pescadores,
que está com o Sr. Hugh Hudsin, que dirigiu
“Carruagem de Fogo”. Esse filme deve sair com
Burt Reynolds no papel principal.
Universo IPA - O senhor planeja voltar
para rádio. Como serão os programas?
Chico - Serão dois. A escolinha, às nove da
noite, de segunda a sexta, e um programa semanal de duas horas aos sábados.
Universo IPA - O senhor pretende firmar-se como ator de novelas? Quais as
perspectivas para novas atuações?
Chico – No momento, estou no elenco de
“Pé na Jaca”.
Universo IPA - O senhor realmente não
pretende retomar as atividades humorísticas? Acredita que a sua missão, nesse
campo, foi cumprida?
Chico – Eu fui posto na geladeira pela Rede Globo. Nunca pensei em parar com a comédia. A Globo foi quem parou comigo.
“Quem trabalha na TV não tem tempo de esperar pela INSPIRAÇÃO”
Aline Torres
Biz salienta a importância das pessoas se
tornarem agentes da história e não objetos
dela. Entre as críticas do professor, está o descompromisso da população com a atividade
política: “queremos mudanças e, ao mesmo
tempo, elegemos centenas de deputados
comprometidos com o latifundiário, privatização de empresas estatais. O eleitor tem sua
parcela de culpa”. Em contraponto, o professor de história Péricles Humberto Rocha, conhecido como Periko, acredita que a juventude de hoje é mais engajada nas questões sociais do que a juventude de seu tempo: “sinto
na geração de hoje que os jovens querem saber mais, aprender para não cometer os mesmos erros, e sinto, em seus olhares, uma secreta admiração pelos que choraram, tombaram, sofreram
naquele pesadelo”.
*campanhas do governo.
Cálice =
Cale-se
Durante as ditaduras brasileiras,
a tortura foi o aparato utilizado pelos
governos para sufocar revoluções e manter a massa passiva. No
livro “Brasil Nunca Mais”, há
relatos sobre as várias faces da
tortura. Pau-de-arara, choque elétrico, afogamento e lesões físicas são alguns dos
exemplos utilizados pelos torturadores para
coagir os “subversivos”.
Mulheres, gestantes e crianças não foram
poupadas pelos porões do Dops. Pelo contrário, eram sequestradas, com freqüência, para
obrigar os familiares interrogados a confessarem o que, muitas vezes, não tinham cometido. Esses métodos foram responsáveis por
centenas de abortos e estupros.
“Para as forças repressivas, as razões de
Estado predominavam sobre o direito à vida.
Muitas mulheres, que, nas prisões brasileiras,
tiveram sua sexualidade conspurcada (corrompida) e os frutos do ventre arrancados,
Universo IPA | Dezembro 2006
Alimentada por muitas lutas, revoluções e
derramamentos de sangue, a democracia brasileira foi constituída. Entretanto, foi violada,
duramente, em dois períodos da história: no
Estado Novo, ditadura de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, e a ditadura militar de 1964,
que assombrou o país em 21 anos de corrupção, censura, torturas e mortes, condenando
o povo à alienação e à descrença. “Em 64, a
nação recebeu um tiro no peito. Um tiro que
matou a alma nacional. Os personagens, que
imaginávamos fazer parte da história brasileira (...), de repente, sumiram. Ou fora do poder
ou presos ou mortos. Em seu lugar, surgiram
outros, que eu nunca sequer percebera existir.
Atores bárbaros. Aí me veio a clara percepção
de que o Brasil tinha mudado para
sempre”, assim depõe o soció­
logo Herbert de Souza, o
Betinho.
Hoje, 42 anos
após o golpe, que
deu início aos anos
de chumbo, vivencia-se o completo
desrespeito aos direitos humanos.
“Ora, que tipo de
democracia é a existente no Brasil, com
um número espantoso
de pobres e uma desigualdade social que nos coloca em
segundo lugar em concentração de
renda?”, indigna-se o jornalista e doutor em
Comunicação Social, professor Osvaldo Biz,
em seu livro “Jornalismo Solidário”.
O professor questiona a democracia:
“olhando a história do Brasil, descobrimos
que, após o fim do Estado Novo, apenas quatro Presidentes da República terminaram seus
mandatos: Eurico Gaspar Dutra, J.K., Sarney e
Lula”. Assim, fica claramente evidenciada a falta de experiência dos cidadãos com o processo democrático.
As pessoas foram ensinadas, no decorrer
desses anos, que não podem exigir atitudes de
seus governantes ou interferir na realidade
social fazendo sua parte.
his tóri a
Ame-o ou deixe-o
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*
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Universo IPA | Dezembro 2006
certamente, preferiram calar-se para que a
vergonha suportada não caísse em público.
Hoje, no anonimato, elas guardam, em sigilo,
os vexames e violações sofridas”, relata o auxiliar administrativo José Ayres Lopes, torturado no Rio de Janeiro em 1972.
Depois das denúncias de tortura e a confirmação, pelo Exame de Corpo Delito, de que a
acusação era legítima, algumas vítimas relataram seus casos. O acesso, à pequena parcela de
material disponibilizado, torna público casos
como o do estudante José Almeida: “tive introduzido, em minhas narinas e na boca, uma
mangueira com água corrente. Cada vez que
eu tomava uma descarga elétrica, era obrigado a respirar e logo vinha o afogamento”, relembra. A cabeleireira Jussara Lins foi submetida a torturas com choques, drogas, sevícias
sexuais (estupro com objetos pontiagudos e cortantes, pênis de boi,
ácidos e choques nos órgãos genitais). Além de
exposição a cobras e
cães. Durante a primeira fase do interrogatório, foram
colocadas baratas
sobre o seu corpo,
e uma introduzida
em seu ânus”.
Além da tortura,
houve, como principal
característica, a repressão a movimentos sociais e
perseguição a ativistas: “esses
movimentos, mais do que movimentos sociais, foram movimentos de resistência. A Guerrilha do Araguaia, idealizada e
dirigida pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil), foi a maior guerrilha rural do Brasil. As lutas
dos estudantes, dirigidas pela UNE (União Nacional dos Estudantes), foram extraordinárias,
assim como a resistência no meio artístico e cultural. Sua importância, além de histórica, é universal, pois representou a luta pela liberdade e
pela defesa da democracia”, informa Periko.
Um exemplo, é o caso Chico Mendes conhecido por representar a luta dos seringueiros em defesa da Floresta Amazônica. Francisco Alves Mendes Filho denunciou a trama dos
grandes fazendeiros. Em 22 de dezembro de
1988, o seringueiro, sindicalista e ativista ambiental foi morto em Xapuri, Acre. Mendes foi
assassinado, aos 44 anos, na porta da cozinha
de casa, numa cidade de 5 mil habitantes: “ele
vinha com as mãos na cabeça, todo vermelho
de sangue”, contou a esposa, Ilzamar Mendes,
que ouviu um estouro e correu para o marido.
“Quando eu quis pegar no seu braço, ele caiu e
ficou se debatendo. Aí vi que estava morrendo”, relata. Além de 18 perfurações no braço,
ele fora atingido no peito direito por 42 grãos
de chumbo de uma espingarda de caça.
* Chico Buarque de Holanda
Resistência e paixão
“Eu me enfurnava em leituras e tentava saber o que estava acontecendo. Ninguém falava nada naquela época. Com 16 anos, me
aproximei de um grupo de esquerda. Com 17,
fui eleito presidente do grêmio estudantil. Fiz
um discurso de posse com a fúria e a
valentia da juventude. Na época, o que mais havia eram
agentes infiltrados nos
meios estudantis. Fui
delatado e preso.
Apanhei pra caramba e, no fim de algumas semanas,
fui solto todo quebrado. Depois, entrei no Partido Comunista Brasileiro
(PCB), onde mais pancadarias me aguardavam. Mas sempre tive divergências políticas dentro
do partido e dos movimentos acadêmicos dominados pela imagem de Stalin,
enquanto eu tinha muitas reservas ao velho
líder. Com a abertura, continuei no PCB até as
eleições presidenciais de 1989, apoiando nosso candidato Roberto Freire e saí no mesmo
dia em que o PCB virou PPS (Partido Popular
Socialista). Fui para o PT (Partido dos Trabalhadores), onde militei politicamente cheio de
amor e ideais até 2001, quando o partido
anunciou sua aliança política com o PL (Partido Liberal). Daí saí do partido e, hoje, não milito em nenhuma agremiação política.
Atualmente, acredito apenas na revolução
humana. Acredito que é necessário, antes de
qualquer coisa, uma mudança aqui bem pertinho, no nosso íntimo. Temos de mudar. Não
me conformo de ver as pessoas acreditando
que política é uma profissão ou que as coisas
No cenário nacional, cinco presidentes militares governaram o país. Como figura decorativa, Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara,
governou o Brasil durante 13 dias.
Em 15 de abril de 1964, o comando do Brasil foi assumido pelo chefe do Estado-Maior do
Exército, o marechal Humberto de Alencar
Castelo Branco. A sucessão do governo castelista dividiu os militares, pois, de um lado, encontram-se aqueles que eram oriundos da Escola Superior de Guerra, os denominados “grupos Sorbone”, e, do outro, a “linha dura”. Na luta
entre os dois grupos, o
último saiu vencedor
com o general gaúcho Artur da Costa e
Silva, que tornou o
regime ainda mais
autoritário. Costa e
Silva faleceu em 17
de dezembro de
1969, vítima de enfarte. O general Emílio Garrastazu Médici
governou até 1974. Do
ponto de vista político, foram
os anos mais duros do governo
militar. Em seguida, assumiu a presidência o
“General Ernesto Geisel, que teve de enfrentar
dificuldades econômicas e políticas, as quais
anunciavam o fim do “milagre econômico”. Assumindo a presidência em 1979, o general
João Baptista Figueiredo aprovou a lei da anistia. Em novembro de 1983, iníciou o movimento pelas “Diretas Já!”, que lutava pela redemocratização do País. Em 1985, a ditadura acabou, ao menos a explícita, e levou com ela o
espírito apaixonado e apaixonante que levou
uma geração ao mais delirante sentimento de
patriotismo. Hoje, indiferentes ao futuro e à
sociedade, os jovens perderam a identidade e
marcham cegos pela história. A questão é: até
quando? “Arriscando a vida pela política, estávamos sendo salvos, historicamente, pela ética”, afirma o jornalista Zuenir Ventura.
sociólogo e professor de história).
Legião dos esquecidos*
“O golpe, no Brasil, não foi uma execução de
forças meramente militares contra à nação indefesa. Na verdade, ele contou com apoio da classe média brasileira. Outra questão importante,
para dimensioná-lo no tempo, é recordar que o
golpe se insere no contexto da Guerra
Fria, ou seja, foi global às ações da
repressão vinda de Washington, a partir da vitória da
Revolução Cubana em
1959 e de sua opção
pelo socialismo a
partir de 1962”, depõe Periko.
O professor Biz
comenta que ”a mídia tomou posição
muito forte contra
Jango. O jornal Correio do Povo, por exemplo, chegou a colocar editorias de outros jornais para
evidenciar que eles não eram os
únicos a apoiar os militares em 1964”.
Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros,
Presidente eleito por voto popular, renunciou
ao cargo, acusando forças ocultas: “Hoje, a
idéia que temos é de que ele tentou dar um
golpe para receber apoio da sociedade e se
tornar ditador, ou seja, fechar o Congresso Nacional e governar sozinho. Essas eram as forças ocultas”, revela irônico o professor. Em seu
lugar, assumiu Jango.
Goulart pretendia controlar as remessas de
dinheiro para o exterior, dar canais de comunicação aos estudantes e permitir que os analfabetos, maioria da população, pudessem votar. O
estopim do golpe militar aconteceu em março
de 1964, quando Jango, após um discurso inflamado no Rio de Janeiro, determinou a reforma
agrária e a nacionalização das refinarias de pe-
Apesar de você *
h is tóri a
(Péricles Humberto Rocha,
* Álbum Gonzaguinha
his tóri a
tróleo. Imediatamente, a elite reagiu: o clero conservador, a imprensa, o empresariado e a direita
em geral organizaram, em São Paulo, a “Marcha
da Família Com Deus pela Liberdade”.
Universo IPA | Dezembro 2006
só mudarão com ele no poder. Isso leva ao personalismo, tipo Lula, Fidel, Stalin, que de esquerda e popular, se torna pessoal e perde o
viço do ideal, se tornando uma figura opaca do
que um dia foi. Acredito na eterna juventude
dos sonhos e das utopias. Mas acredito, também, que ninguém é feliz sozinho. Felicidade
é algo coletivo, nunca individual”.
mmei
ei o aomambi
b i en teente
Afogados
na celulose
Universo IPA | Dezembro 2006
Carlos Ismael Moreira
Muito se ouviu, nos últimos meses, a respeito das plantações de
eucaliptos, produção de celulose e empresas como a Aracruz, embora
muitos ainda não tenham uma idéia clara do que está em jogo na ferrenha discussão que se trava quanto à propriedade ou não de se instalarem empresas desse tipo em solo gaúcho. A discussão opõe uma
região pobre, afagada com esperanças de emprego e aquecimento da
economia a curto prazo, contra ambientalistas que alertam para riscos
devastadores que as florestas de eucaliptos e pinus (plantas exóticas,
ou seja, não nativas do solo rio-grandense), espalhadas pelo Rio Grande
do Sul (RS), podem causar. Alguns técnicos ambientalistas usam um
paradoxo para definir a questão: florestas exóticas em território rio-grandense podem se transformar em um “deserto verde”, devido ao alto
consumo de água dessas plantas e ao fato de uma floresta desse tipo
restringir a possibilidade de desenvolvimento de outras culturas. Numa
região constantemente agredida pela seca, outro paradoxo se forma na
hipótese do Pampa Gaúcho acabar afogado na celulose. Da guerra de
números e declarações alarmantes de parte a parte, fica a dúvida sobre
se os ganhos econômicos compensam o impacto ambiental desse cul-
tivo. O Universo IPA procurou as empresas produtoras de celulose, especialistas em meio ambiente e órgãos governamentais responsáveis
para esclarecer os fatos e trazer as respostas a público.
Os debates acerca da monocultura de eucaliptos envolvem três empresas – Aracruz Celulose, Votorantim Celulose e Papel (VCP), e Stora
Enzo. A Aracruz plantou 35, 7 mil hectares (ha) em terras próprias, e mais
13,8 mil em parceria com terceiros. A VCP possui 20 mil ha. de plantação.
Somadas, as áreas plantadas pelas duas empresas equivalem a 66,018
mil campos de futebol. Cada uma pretende atingir 100 mil ha. de base
florestal no Estado. A Stora Enzo ainda não se instalou no RS, mas manifestou interesse em montar uma fábrica com meta florestal idêntica
às outras empresas, 20 % em parceria com produtores locais.
A opção pelo eucalipto e pelo pinus está baseada no curto período em que essas árvores ficam prontas para o processo industrial: de
sete a oito anos em média. A área escolhida para o cultivo das plantas
exóticas é a Metade Sul e abriga o Bioma (conjunto de características
ambientais de uma região) Pampa. Conforme o Mapa de Biomas do
Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) e do Ministério do Meio Ambiente, o Pampa possui 176, 496 Km2 de extensão,
o que representa 63% do território gaúcho. A região abrange uma cen-
tena de municípios e é separada do norte do Estado por uma linha
imaginária, traçada a partir da BR-290, ao sul de Santa Maria, e estendese até as fronteiras com Uruguai e Argentina. Com uma economia local
é deficitária, os pequenos e médios produtores enxergaram uma alternativa de revitalização econômica rápida, na venda e no arrendamento de terras para o plantio dos eucaliptos.
O biólogo e professor titular do curso de Pós-Graduação em Biologia Animal da UFRGS, Ludwig Buckup, emitiu, no final de 2005, um
parecer técnico que evidencia os impactos ambientais da monocultura de eucaliptos e pinus. O documento mostra que cada eucalipto
elimina pela evapotranspiração – perda de água para a atmosfera, causada pela evaporação a partir do solo e pela transpiração das plantas
– 36,5 mil litros de água por ano. O parecer mostra que, se as empresas
atingirem as metas planejadas, serão 35 milhões de árvores plantadas,
com uma evapotranspiração anual de 1,23 quatrilhão de litros de água
por ano. O nível normal de precipitação de chuva anual na mesma área
é de 1,05 quatrilhão, o que representa um volume 20% menor do que
as árvores devem eliminar anualmente, numa região que sofre, constantemente, com danos de estiagem. A proposta se torna ainda mais
alarmante com a divulgação da pesquisa do Instituto Nacional de Me-
teorologia (INMET), em 20 de dezembro de 2005, que aponta uma
grande redução no nível de chuva acumulada na área das plantações
durante o ano passado.
Além do problema da água, Buckup aponta outros impactos como
a salinização e a inutilização do solo, e o perigo às espécies ameaçadas
de extinção no ecossistema local. Ele mostra que as plantas exóticas
absorvem, pelo menos, nove sais minerais do solo (K2O – óxido de
potássio, Na2O – óxido de sódio, CaO – óxido de cálcio, MgO – óxido
de magnésio, Fe2O3 – trióxido de ferro, P2O5 – pentóxido de fósforo, SO3
– trióxido de enxofre, SiO2 – dióxido de silício e Cl - cloro) e micronutrientes, que são extraídos com os troncos, sem haver reposição, o que
causa a salinização da terra. Além disso, após a colheita, a área fica repleta de tocos, que não são removidos devido ao alto custo que o
processo exigiria por causa das raízes longas do eucalipto. A decomposição dos tocos de forma natural, leva de oito a dez anos, durante
todo esse período, a área ficará inutilizável para outra cultura.
O Bioma Pampa possui cerca de três mil espécies de plantas,
sete gêneros de cactos e bromeliáceas endêmicas, ou seja, que nascem exclusivamente nesse ambiente, além de 11 espécies de mamíferos raros, ou ameaçados de extinção, e 22 espécies de aves na
m ei o a m b i en te
Universo IPA | Dezembro 2006
De um lado, governo e empresas
acenam com fomento da economia
e geração de empregos. Do outro,
ambientalistas alertam para
os impactos ambientais
desastrosos que a plantação de
espécies exóticas podem causar.
Confira a real situação desse impasse
entre vantagens econômicas
e preservação ambiental.
mei o ambi ente
Divulgação/NAT
mmei
ei o aomambi
b i en teente
mesma situação. Em seu estudo, Buckup
ficar mais desprotegidas”, sustenta Schna“(...) mais de 95% da celulose
mostra que esses perigos são elevados
delbach. O projeto recebeu parecer confabricada aqui é exportada.
com a monocultura de eucaliptos, pois,
trário do relator da Comissão de Relações
além do alto consumo de água, o somExteriores e de Defesa Nacional da CâmaIsso configura um processo
breamento das florestas impede o dera dos Deputados, Francisco de Assis (PFL),
de privatização de lucros pela
senvolvimento de outras plantas. Outro
no dia 12 de setembro de 2006.
obtenção de celulose e sua
ponto desfavorável é o alto nível de proBuckup considera duvidosa a geração
dução do ferormônio, substância biolovenda no comércio internacional, de emprego e renda para a Metade Sul
gicamente ativa, secretada pela planta
proposta pelo governo e empresas: “a
deixando para o nosso
como mecanismo de defesa contra oumaior parte do processo de produção
espaço os custos ambientais”.
tras espécies. Isso ocasiona uma mudandessas empresas é mecanizado e utiliza
ça radical no habitat dos animais que vipouca mão-de-obra humana, e mais de
vem no campo, transtornando inclusive a cadeia alimentar.
95% da celulose fabricada aqui é exportada. Isso configura um proBuckup, viajou à Austrália, país de origem do eucalipto, e constatou que
cesso de privatização de lucros pela obtenção de celulose e sua venlá os problemas ambientais apresentados não ocorrem, porque as paisada no comércio internacional, deixando para o nosso espaço os cusgens possuem, no máximo, cem árvores por hectare. Enquanto que, aqui
tos ambientais”, afirma.
no Estado, as plantações são feitas com um espaçamento de três metros
A especialista em Licenciamento e Gestão Ambiental da Unidade
entre cada árvore, um bloco maciço de 1,6 mil plantas por hectare.
Guaíba da Aracruz, Maurem Alves, relata que, além dos estudos para o
A engenheira agrônoma Carla Villanova Schnadelbach, mestre em
EIA/RIMA, a empresa já monitora as interações dos plantios com o meio:
Desenvolvimento Rural pela UFRGS e integrante do Núcleo Amigos da
“além da manutenção e recuperação das áreas de preservação permaTerra (NAT), entidade que há 40 anos desenvolve projetos para sustennente e reserva legal, adotamos medidas de conservação do solo, pretabilidade ambiental, percorreu, com Luciana Picoli, também integrante
venção de incêndios e treinamento dos trabalhadores para adoção dos
do NAT, 4 mil quilômetros pelo Pampa gaúcho, para observar a situação
cuidados ambientais indicados para cada operação”, explica.
do cultivo de eucalipto no RS. Na viagem, Schnadelbach constatou irreA Companhia de Notícias (CDN), responsável pela assessoria de
gularidades nas florestas como na localidade de São José dos Ausentes,
imprensa da VCP, manteve contato com o UNIVERSO IPA durante uma
com plantações na margem de rios, medida que descumpre a lei nº 4.771
semana, mas alegou que desta vez não poderia participar da matéria.
de 15 de setembro de 1965, do Código Florestal, a qual determina limites
de aproximação às margens, conforme a largura do rio.
Buckup também denuncia outra irregularidade nas plantações: o
desrespeito à zona de amortecimento definida pela lei nº 9.985, a qual
determina que nenhum plantio pode ocorrer junto à mata nativa do
Aracruz Celulose
ecossistema local.
A Aracruz é uma das maiores produtoras de celulose no
Mesmo com todos os impactos ambientais apresentados, a Aracruz
mundo. O Gerente Regional Florestal, Renato Rostilla, informa
Celulose e a VCP conseguiram, junto ao governo, a liberação para as
que, no RS, a empresa é proprietária de, aproximadamente, 75
suas plantações, sem a necessidade de estar concluído o Estudo de Immil hectares (ha.) de terra. Desses, 35,7 mil são destinados ao
pacto Ambiental (EIA) das empresas, que deve ser enviado à Fundação
plantio de florestas. O restante divide-se em áreas de preservação e infra-estrutura.
Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) para o Relatório de Impacto
Além das plantações em terras próprias, a empresa planta em 13,8 mil ha. de floAmbiental (RIMA). A licença foi obtida através da assinatura de um Termo
resta alheias, obtidas por parcerias com o Programa Produtor Florestal e com a emde Ajustamento de Conduta (TAC), no final de maio de 2006. No acordo,
presa Boise Cascade. Outra parte dessas terras vem de arrendamentos. Rostilla
firmado com Ministério Público Estadual e FEPAM, as empresas se comadianta que se pretende alcançar uma base florestal de 100 mil ha. no Estado. Outros
prometem a retirar as árvores plantadas se o estudo da FEPAM apontar
188 mil ha. também estão sob propriedade da Aracruz, distribuídos entre Espírito
qualquer tipo de prejuízo ambiental. “Esse termo é uma licença prévia
Santo, Bahia e Minas Gerais. O Gerente Industrial da Unidade Guaíba, Paulo Silveira,
para estragar a natureza”, classifica Buckup. Dia 20 de dezembro do ano
responsável pela fabricação de celulose, mostra que a capacidade atual de produção
passado, a FEPAM entregou a primeira versão do zoneamento ambiené de 430 mil toneladas por ano, e que a meta a ser atingida é de 1,8 milhões de
tal. Conforme o site da fundação, o estudo deverá nortear os licenciatoneladas anuais.
mentos ambientais da silvicultura no Estado, no entanto os resultados
obtidos ainda são provisórios e estão em debate com prefeitos de muVotorantim Celulose e Papel
nicípios da região, que temem perder os investimentos das empresas.
A VCP é dona de 63 mil ha. de terra no RS, mais 260 mil
Schnadelbach aponta outro fato que chama a atenção: a lei feha. em São Paulo. Dados do jornal Correio do Povo de 04 de
deral nº 6634, de 2 de maio de 1979, determina que a faixa de fronsetembro de 2006 mostram que a empresa havia plantado 20 mil ha. de floresta até
teira nacional é de 150 quilômetros e que empresas estrangeiras não
o final de 2005. A empresa se estruturou para plantar 17 mil ha. por ano e pretende
podem comprar terras nessa faixa. Por isso, a Stora Enzo ainda não
atingir o total de 100 mil ha. cultivados até 2010.
confirmou a sua instalação no Estado, pois a lei impede os planos de
extensão do futuro plantio da empresa. No entanto, o deputado feStora Enzo
deral reeleito, Nelson Proença (PPS), apresentou, em abril de 2006,
A Stora Enzo é uma multinacional suecoum projeto que pretende reduzir a faixa de fronteira de 150 para 50
finlandesa e uma das líderes mundiais na produção e comercialização de celulose e
quilômetros. O parlamentar argumenta, no texto do projeto, que a
papel. A empresa tem manifestado interesse em instalar uma fábrica no Estado, com
legislação atual impede a instalação de empresas que viriam a concapacidade para produzir 900 mil toneladas de celulose anualmente – a exemplo da
tribuir para o crescimento econômico da região. “Essa medida vai
Veracel, no sul da Bahia, que foi o primeiro investimento da Stora Enzo no Brasil, em
prejudicar a soberania e a segurança nacional, uma vez que altera os
parceira acionária com a Aracruz de 50% para cada uma. A meta prevista para o RS é a
limites de fronteira de todo país. Áreas como a Amazônia e o Acre,
plantação de 100 mil ha. de eucalipto e pinus, 20% em parceria com produtores locais.
que sofrem constantes invasões para passagem de contrabando, vão
Universo IPA | Dezembro 2006
Conheça as empresas
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Arroio Dilúvio
m ei o a m b i en te
Esperança renovada do
As águas límpidas que,
um dia, abasteceram a população e serviram de lazer, hoje, são um
canal de escoamento de resíduos para o Lago Guaíba. O arroio, que sempre esteve presente
na vida dos porto-alegrenses, cortando a cidade de leste
a oeste, sofre com sérios problemas de poluição. Mas o que
vem sendo feito para reverter a situação? Por que é tão importante
recuperar as águas do Dilúvio?
“A bacia do Dilúvio, em área, não representa tanto em termos de município,
mas em população, em torno de 500 mil pessoas. Então, imagina tu conseguir recuperar isso que, inclusive, é uma das fontes poluidoras do Lago Guaíba. Se a gente conseguir
reverter a questão da poluição, vai ser bom”, diz a arquiteta da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM) e coordenadora do Programa Pró-Dilúvio, Gislaine Lopes Menezes.
O Programa Pró-Dilúvio surgiu, em 2005, como uma ação da Prefeitura de Porto Alegre, para integrar as diversas secretarias e departamentos que venham a ajudar na melhoria da qualidade das águas do Dilúvio. “Na medida
em que a gente vai precisando desse apoio ou de ações que envolvam outras secretarias, a gente vai ampliando. Eles não
participam formalmente da portaria do grupo, mas vão integrar. Pode ser que, no futuro, a gente amplie esse grupo e que eles
participem, inclusive, de portaria”, destaca Menezes.
A meta é devolver o Arroio Dilúvio à população. Para tanto, foi realizado um levantamento do que havia sido feito na Bacia do Dilúvio e de quais eram as carências dessa região, para assim intensificar as ações dentro da Bacia. Um exemplo é o Programa Esgoto Certo, do
Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), em funcionamento desde 1994. Ele abrange toda a cidade, mas, hoje, prioriza os bairros
da Bacia do Dilúvio. Não há um prazo para o resultado final, pois o projeto não está concluído. A previsão é de que, em 2012, o DMAE termine
o levantamento de toda a Bacia, no que diz respeito aos esgotos cloacais.
Esgoto certo concentra ações na bacia do Dilúvio
Em 2005, o Esgoto Certo teve as ações ampliadas, com o objetivo de avaliar, encaminhar e realizar ações que aumentem a eficácia e a área de
coleta de esgotos sanitários. Hoje, conta com dez projetos diferentes. O principal deles é o monitoramento das ligações das redes, realizado através
do trabalho de campo, que consiste em visitar os prédios da Bacia do Dilúvio para identificar ligações sanitária irregulares. Em cada residência, é
feito um teste, com corante de contraste, para verificar o destino do esgoto cloacal e pluvial.
Segundo o coordenador do setor de avaliações do DMAE, Hildo da Rosa Gaspar, a maior dificuldade encontrada pelas equipes é a falta de divulgação do programa, pois as equipes precisam entrar nas casas dos usuários para fazer testes. Para o diretor geral da Divisão de Esgotos (DVE),
Paulo Menegotto Kessler, “ao detectar e corrigir as ligações de esgoto incorretas, estamos encaminhando os esgotos cloacais para o seu destino
adequado, que é a Ponta da Cadeia, aumentando o volume de esgotos a ser tratado, retirando esgotos, reduzindo a poluição do Arroio Dilúvio e
melhorando o meio ambiente”.
Universo IPA | Dezembro 2006
Stéphanie Perrone
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b i en teente
O Projeto Integrado Socioambiental (PISA) vem para corrigir uma deficiência da capital gaúcha na parte dos esgotos cloacais,
que hoje são jogados in natura no Guaíba. Isso
polui o lago e, nos verões, propicia o surgimento de algas, que provocam cheiro e gosto
desagradável na água: “o programa busca elevar a capacidade de tratamentos de esgotos
cloacais de Porto Alegre. Hoje, as estações de
tratamentos de esgotos (ETEs) têm a capacidade de tratar até 27% do esgoto coletado. Na
verdade, trata-se só 20%. Com o Socioambiental, a capacidade de tratamento de esgoto coletado vai para 77%. Isso vai trazer mudanças bastante positivas no que diz respeito
aos impactos ambientais no Lago Guaíba, podendo, a longo prazo, devolver a balneabilidade do lago”, diz o diretor geral do DMAE,
Flávio Presser.
O projeto será viabilizado através de financiamento do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e contrapartida do
DMAE, totalizando um investimento de US$
160 milhões. As negociações com o BID estavam paradas, desde 2002, pelo fato de a Prefeitura apresentar sucessivo déficit financeiro,
Hildo da Rosa Gaspar/arquivo DVE
Negociações retomadas
Acúmulo de lixo, nas águas do Arroio Dilúvio, é motivo de preocupação
o que impede a tomada de empréstimos externos por parte do município. A expectativa
é de que, em julho, o contrato seja assinado.
O foco principal do programa é levar o
esgoto coletado na Bacia do Dilúvio, que é
lançado in natura na Ponta da Cadeia, sem nenhum tipo de tratamento, para a futura ETE
do bairro Serralhia. Segundo Presser, “faltam
algumas obras complementares ao arroio,
porque é preciso retirar todo o esgoto. Os arroios são para receber só águas das chuvas.
Eles não são para receber esgotos. Para isso,
precisa ainda completar o interceptor do Arroio Dilúvio”. Atualmente, o Arroio Dilúvio tem
17 Km e corta a cidade de leste a oeste, de
Viamão até o Lago Guaíba. “Existem 12 Km de
interceptor, uma canalização para onde o esgoto chega sem que seja lançado nas águas
do arroio, que vai recolhendo o esgoto e vai
jogando lá na Ponta da Cadeia”, diz Presser.
As obras do PISA estão previstas para iniciar em abril de 2007. O primeiro passo é a
implantação da rede coletora de esgotos dos
bairros Restinga e Ponta Grossa. O esgoto dessas regiões será tratado na Estação de Ipanema, que está em funcionamento. Futuramente, com a construção da estação de tratamento da Serralhia, ele passará a ser tratado ali. Em
julho, começará a implantação da rede coletora de esgoto da Cavalhada.
Universo IPA | Dezembro 2006
Maurício Levy
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Porto Alegre, cidade cosmopolita, capital dos gaúchos. Quinta-feira, ao entardecer,
a principal cidade do Rio Grande do Sul se
prepara para ver mais um fenômeno da natureza: o famoso pôr-do-sol no Lago Guaíba.
Turistas e moradores da cidade se deslocam
em direção à orla. Mas, ao chegar, além de
um belo pôr-do-sol, a população também
avista uma série de problemas: faltam assentos, a margem está suja e a insegurança predomina. De possível ponto turístico, a orla do
Guaíba se transformou, em algumas partes,
em abrigo para mendigos e desabrigados.
O estudante de Direito, Daniel Luft, assíduo freqüentador da orla, mostra-se entristecido: “a gente vem mesmo pelo contato
com a natureza, com o sol. Mas não tem como não sair irritado com a sujeira que fica no
chão. Fico chateado de ver nossa ‘casa’
assim”. Para o vendedor ambulante, Tom Moraes, o problema, realmente, é a insegurança: “parece que o pessoal da Brigada Militar
só quer saber de passear por aqui”, critica.
Com 75 km de extensão, a orla do Guaíba é considerada, pela Prefeitura Municipal,
um dos principais pontos turísticos da cidade. A fim de revitalizá-la, a Secretaria Muni-
cipal do Meio Ambiente lançou o projeto
Guaíba Vive. Ele tem como objetivo qualificar e consagrar, ao longo da orla de Porto
Alegre, um grande parque linear, da Usina
do Gasômetro à Reserva Biológica do Lami,
José Lutzenberguer. Em sua página na internet, a Assessoria de Imprensa da Secretaria
afirma que “a reurbanização da orla, compreendendo projetos no Lami, Belém Novo,
Ipanema, Ponta Grossa, Guarujá e Cristal,
através da qualificação da área com instalação de vestiários, quiosques com churrasqueiras, higienização das áreas de praias,
permitindo sua utilização em atividades de
lazer e recreação”, é um dos principais objetivos do Guaíba Vive. O coordenador do projeto, o biólogo Rodrigo da Cunha, vai ainda
mais longe: “esse programa também trabalha em outros aspectos como, por exemplo,
o controle de invasões na orla. Além disso,
estão sendo feitas parcerias público/privadas como as recuperações do Anfiteatro
Pôr-do-Sol e da ciclovia, que vai da Usina do
Gasômetro até o Sport Club Internacional”.
Segundo o biólogo, a escassez de recursos
também se torna um empecilho: “devido à
atual situação financeira da Prefeitura, o Projeto Guaíba Vive tem trabalhado com poucos recursos. Estamos iniciando um traba-
lho nas nascentes do Arroio Dilúvio, no Parque Saint´Hilaire, com financiamento do
Fundo Nacional do Meio Ambiente, para a
recuperação e educação ambiental, para a
população entorno do parque”.
Para a estudante Paola Astudilla, moradora do bairro Belém Novo, o Projeto Guaíba Vive não apresentou nenhuma solução
ou está estagnado. “A gente tem, aqui em
Belém Novo a Praia do Leblon, um lugar lindo para passear! Mas, quando a gente chega, vê lixo, obras inacabadas ou a ‘casinha do
salva-vidas’ está sempre vazia. Sem contar a
iluminação, que é precária. Quando o sol
baixa, o perigo toma conta. Parece que o
projeto está apenas no papel”, reclama. Luciano da Luz, residente do bairro Guarujá,
discorda: “aqui a orla foi revitalizada. As pistas de skate e os campinhos de futebol estão bem conservados. Tudo muito atraente
para um chimarrão de fim de tarde!”. Para
Bruno Coronel, do bairro Centro, o problema não está apenas nas autoridades: “toda
vez que vou lá, me certifico de que tudo que
sujei, eu vou limpar. Sempre levo uma sacola plástica para utilizar como lixo. Acho que
todo mundo tem de fazer a sua parte, tanto
cidadão quanto prefeitura tem o dever de
dar mais valor à nossa orla!”.
Foto: Carlos Tiburski
Os rumos do pôr-do-sol
mei o ambi ente
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Fotos: Daiane Pajares
A água existente em países
como o Brasil pode ser, num
futuro próximo, motivo de disputas
econômicas como hoje é o petróleo
Recurso não-renovável no meio
ambiente, o petróleo será
substituído, em algumas décadas,
por outras fontes de energia
Daiane Pajares
De um lado, a água, mineral líquido essencial à vida no planeta e, do outro, o petróleo,
substância importante para a atividade econômica. Qual deles vale mais? Para o desenvolvimento social, os dois. O preocupante é
que a utilização desses recursos está visando
cada vez mais a suprir interesses ao invés de
atender às necessidades da população. O petróleo é um recurso finito, que pode ser substituído por outros combustíveis. Mas a falta de
água limita a vida. O curioso é que a água,
indiscutivelmente mais importante para a vida do que o petróleo, recebe um tratamento
político, econômico e administrativo muito
inferior ao conjunto de normas que gerenciam o petróleo.
No Brasil, assim como a água, o petróleo
é um bem público. Mas não é usado ‘in natura’. Ele é explorado e industrializado. Existe
uma cadeia produtiva e um setor econômico
industrial por trás dele, que movimenta bilhões de dólares: “uma sociedade, hoje, não
vive sem o petróleo. Mas, se ele acabar, com
certeza encontrarão outras alternativas. A
questão do petróleo, hoje, é muito mais política do que técnica. Todos os conflitos que
existem, as disputas internacionais por conta
do petróleo são mais uma decisão política e
de interesses econômicos”, explica o geólogo
e professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), Antônio Pedro Viero.
A água está tão presente no dia-a-dia,
quando são abertas as torneiras, nos rios, na
chuva, que ainda não se notou a importância
desse recurso. O mau uso, a poluição e o desperdício estão fazendo dela um recurso mais
valioso do que o petróleo, porque a água está
se tornando cada vez mais insuficiente. Segundo Viero, ela é um recurso natural que se
renova e, em termos globais, nunca vai acabar. O que pode acontecer e o que está acontecendo é a extinção da água de qualidade: “o
problema maior dos recursos hídricos é a degradação da qualidade, muito mais do que a
exaustão da quantidade”, diz o geólogo.
Abundância
No Brasil, apesar da abundância de água
doce, ainda existem regiões, como o Nordeste, que sofrem com a falta e pouca qualidade
desse líquido. O que acontece é que, enquanto uns esbanjam, outros precisam limitar o
consumo de água. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco), uma pessoa necessita de, no mínimo, 50 litros de água limpa
por dia para sobreviver. Estimativas avaliam
que se perdem de 40% a 60% de toda a água
tratada por mau uso e desvio. Apenas cerca
de 5% da água potável é realmente utilizada
para beber e preparar alimentos. Mais da metade é jogada fora através dos ralos, chuveiros,
vasos sanitários, calçadas e torneiras.
O Brasil é auto-suficiente na produção de
petróleo desde 2005, mas novas alternativas
de combustíveis vêm sendo estudadas, como
o hidrogênio, o biodiesel e o álcool. “O petróleo é um bem não-renovável e, daqui a 40 ou
50 anos, ele vai acabar”, afirma o professor da
UFRGS, Ph.D. em Geologia Sedimentar, Michael Holz. A política do petróleo domina o
mercado mundial. Para Holz, o mundo, hoje,
não funciona sem petróleo, pois ele está nas
roupas, nas tintas das canetas, nos combustíveis. Mas como seres morais e éticos, deve-se
considerar a água como o bem físico de maior
valor. “O mundo se fez sem petróleo. Seria
possível sobreviver sem ele. A água é essencial”, constata Holz.
Para muitos pesquisadores, a água será o
novo petróleo do século 21. Acredita-se que,
daqui a algumas décadas, as nações não vão
brigar por petróleo, mas sim pelo líquido doce
que restar no planeta. No Oriente Médio, existem casos de tensões geoplíticas geradas por
conta da disputa pelo domínio e utilização de
fontes de água. Mas, para Viero, a questão da
água não terá uma abrangência universal como o petróleo. As disputas serão regionalizadas e os conflitos acontecerão onde existe
falta de água.
O fato de o Brasil concentrar em seu ter­
ritório uma das maiores reservas de água doce do mundo não deve ser motivo para despreocupação: “o maior problema da água está
na qualidade, na falta de saneamento. A população precisa se mobilizar e cobrar iniciativas do governo”, diz o engenheiro agrônomo
e consultor técnico da Federação da Agricultura no Rio Grande do Sul (Farsul), Ivo Lessa
Silveira Filho. A questão da importância da
água deve estar presente no cotidiano de cada um. Diminuir o desperdício de água tratada é o primeiro passo. Tanto a água como o
petróleo são de extrema importância.
Universo IPA | Dezembro 2006
Água ou petróleo?
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mmei
ei o aomambi
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Mascotes
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e
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Desde 1997, a venda de algumas
espécies silvestres é permitida no
Brasil. A lei tinha como intenção
diminuir o tráfico de animais, mas,
na prática, a realidade é outra:
a maioria das pessoas não está
disposta a arcar com o custo
de um animal de origem legal
Universo IPA | Dezembro 2006
eliane costa
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silvestres
“É uma questão cultural. As pessoas ainda são muito egoístas e querem os animais cantando dentro de suas
casas, ao alcance de suas vistas. Não se
propõem a observar as aves soltas na natureza, não se dispõem a dar um passo em direção a um parque, para ver animais livres, se
alimentando, fazendo seus ninhos, criando
seus filhotes.“ Essa foi a resposta da Bióloga e
Analista Ambiental do Núcleo de Fauna do
Ibama/RS, Cibele Indrusiak, quando questionada sobre o motivo pelo qual tantas pessoas
se interessam em prender e criar aves silvestres como animal de estimação. Desde 1997,
é possível a venda desses animais no Brasil.
Mas somente os criadouros registrados pelo
Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) têm o direito de
comercializar essas espécies.
A regulamentação da venda dos animais
tem como objetivo diminuir a pressão de caça/captura sobre as populações naturais e
coibir o tráfico de animais. Mas, na prática, a
realidade é outra. “A possibilidade de comprar
animais silvestres legalizados, infelizmente,
não atrai a maioria das pessoas, que não está
disposta a arcar com o custo de um animal de
origem legal “, explica Indrusiak.
O proprietário de uma loja especializada
em aves exóticas e silvestres, Alexandre Scotta, explica que as aves mais procuradas e vendidas são as da espécie dos psitacídeos - papagaios e araras. Segundo Scotta, as pessoas
preferem essas aves por terem a possibilidade
de criá-las fora das gaiolas, podendo ter um
contato maior com o animal. A loja possui cer-
ca de 20 espécies e os preços podem atingir
R$ 6 mil. Scotta diz que as aves são preparadas,
para o convívio com seres humanos, desde
que nascem. São alimentadas por seus tratadores, longe do convívio da mãe. Na hora da
venda, a loja faz recomendações quanto à alimentação correta e ao tamanho ideal das
gaiolas. Os comerciantes apresentam ao Ibama, semestralmente, uma relação com a procedência do animal e o nome do comprador.
Os dados são para possíveis fiscalizações.
A moradora de Gravataí, Carla Rodenbusch, 28 anos, possui um casal de papagaios: a
Lara e o Loro. Ela se diz favorável à criação de
aves, em cativeiro, desde que sejam bem cuidadas, tenham algum tipo de liberdade, e que
sejam adquiridas em um criatório legalizado.
“Sou contra o comércio ilegal de animais porque muitos acabam morrendo para que um
seja vendido”, confessa. Para ela, quem resolve
adquirir uma ave deve ter consciência de que
ela, como qualquer outro animal de estimação, gosta de muita companhia.
Devido à imensa biodiversidade da fauna
silvestre, o Brasil tornou-se alvo do interesse
de traficantes. Conforme dados da Rede Nacional contra o Tráfico de Animais Silvestres
(Renctas), o comércio ilegal de animais é a terceira maior atividade ilícita do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de
armas. Além disso, 70% desse comércio é só
para consumo interno. Ilude-se quem pensa
que o tráfico de animais, no Brasil, é feito por
capturadores e clientes estrangeiros. Há mais
dados que chamam a atenção: de cada dez
animais traficados, nove morrem antes de
chegar ao destino final. O Brasil ocupa o segundo lugar em número de espécies de aves
ameaçadas de extinção.
No ano passado, o Ibama, com apoio da
Brigada Militar e da Polícia Federal, apreendeu
cerca de sete mil espécies silvestres adquiridas
e mantidas ilegalmente no Estado. A captura,
compra ou venda de animal silvestre com origem ilegal é crime. As multas variam de R$ 500
a R$ 8 mil, ou prisão. Semanalmente, a polícia,
as prefeituras e o próprio Instituto do Meio
Ambiente recebem denúncias de maus tratos.
A bióloga explica que os animais são mantidos
em condições péssimas: “a crueldade e a ignorância são as companhias mais freqüentes da
criação de animais”. Após a apreensão, os animais passam por uma triagem. Depois, são
encaminhados a criadouros conservacionistas, que funcionam como abrigos. Mas ocorrem casos em que os animais são devolvidos
aos infratores por meio de ordens judiciais,
causando revolta por parte de setores que se
preocupam com a fauna brasileira. “Há um mito infundado de que o animal apreendido
morre de saudade da família. Bobagem. Nossa
experiência comprova o contrário: os animais
melhoram em todos os sentidos. Após serem
encaminhados aos criadouros parceiros, recebem alimentação balanceada, atendimento
A captura, compra ou
venda de animal silvestre
com origem ilegal é crime.
A punição é multa
que varia de R$ 500 a
R$ 8 mil e até prisão.
Saiba o que são
Animais Silvestres
São os pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham sua vida, ou
parte dela, ocorrendo naturalmente dentro do Território Brasileiro e suas águas
juridicionais. Exemplos: mico, onça, papagaio, arara,
canário-da-terra, tico-tico, teiú, jibóia, jacaré, jabuti, tartaruga-da-amazônia. O acesso, uso e comércio
de animais silvestres é controlado pelo Ibama.
Animais Exóticos
São aqueles cuja distribuição geográfica não inclui o Território Brasileiro. As espécies ou
subespécies introduzidas pelo
homem, em estado selvagem, ou
domesticadas são consideradas exóticas. Também
são as que tenham sido introduzidas fora das fronteiras brasileiras e suas águas juridicionais, ou as
que entraram, espontaneamente, em Território
Brasileiro. Exemplos: leão, zebra, elefante, urso,
lebre-européia, javali, crocodilo-do-nilo, naja, piton, tartatuga-japonesa, tartaruga-mordedora,
tartaruga-tigre-d’água, cacatua, arara-da-patagônia, entre outros.
Animais Domésticos
São os animais que, através
de processos tradicionais e sistematizados de manejo e melhoramento zootécnico, tornaram-se
domésticos, possuindo características biológicas e comportamentais dependentes
do homem. Podem, inclusive, apresentar aparência diferente da espécie silvestre que os originou.
Exemplos: gato, cachorro, galinha, pato, marreco, peru, avestruz, entre outros.
Fonte: http://www.ibama.gov.br/fauna/
Bettina schünke
O que você faz com a garrafa pet usada e descartável, com o papel, o plástico e o vidro
que você usa e não serve mais para nada? Vai para onde quase tudo termina: na lata de lixo.
O que para muitas pessoas parece ser o fim se torna o começo para outras.
É o caso dos moradores da Vila Pinto, comunidade conhecida pelo elevado nível de
pobreza e violência em Porto Alegre. Desde 1995, funciona, na Vila, um centro de triagem
de lixo que está mudando os contornos da vida social dos moradores.
O Centro de Educação Ambiental (CEA) veio com o intuito de ajudar as mulheres que
moravam na Vila. A idéia foi da líder comunitária Marli Medeiros, mentora e presidente do
CEA, que estava cansada de ver tanta injustiça social, especialmente, contra as mulheres da
vila. Segundo a coordenadora do centro, Ana Cristina de Lima, “o projeto não foi planejado
por técnicos. Foi pensado única e exclusivamente por pessoas da comunidade, cerca de
dez anos atrás”.
Com a separação do lixo reciclável, as mulheres, que, num primeiro momento rejeitaram
a idéia por conta da discriminação que sentiam por morar na Vila e por trabalhar com o lixo,
passaram a ter uma fonte de renda. Asfalto, luz, água, rede de esgoto, linha de ônibus, tudo
o que existe hoje, no local, não existia. Foi conquistado graças ao esforço de Medeiros.
Hoje, o CEA, além de ser um grande aliado das famílias contra a pobreza, é também um
grande aliado contra a violência. Com a implantação do Centro Cultural James Kulisz no
local, as crianças passaram a ter um lugar para lazer e recreação. “A cultura mudou o comportamento das crianças”, manifesta Lima com alegria. O Centro Cultural, inaugurado em
2002, possui sala de informática, sala de cinema, biblioteca, aula de teatro, dança, percussão
e canto, além de uma escolinha de futebol, de costura e de cursos profissionalizantes.
O CEA conta com a colaboração única e exclusiva de parceiros voluntários, que dedicam
parte do tempo ensinando as crianças, dando apoio às famílias da Vila ou ajudando a manter a estrutura. Atualmente, conta apenas com repasse da Secretaria Municipal de Direitos
Humanos. Em outubro deste ano, o CEA foi vencedor do “Prêmio Atitude Social”, promovido
pela Rádio Farroupilha e Diário Gaúcho na categoria “Destaque Ambiental”.
Oportunidade: essa é a palavra chave para o CEA, segundo Lima. Porque é através do
CEA que muitas pessoas, hoje moradoras da Vila, têm oportunidade de lazer, esporte e
cultura. Muitas pessoas estão deixando de se sentirem discriminadas e estão se sentindo
cada vez mais incluídas na sociedade. Por isso, é apostando na mudança de atitude que
todos podem fazer sua parte. Ao invés de ir para a lata de lixo, a garrafa pet, o vidro, o papel
e plásticos podem se tornar importantes meios de inclusão social, abrindo oportunidades
para construir uma sociedade mais justa.
c i da dan i a
que vem do lixo
c i dadani a
Esperança
Bettina Schünke
Mulheres da Vila Pinto buscam no lixo condições de inclusão social e melhor qualidade de vida
Universo IPA | Dezembro 2006
veterinário e convivem com outros da sua espécie”, explica Indrusiak.
A bióloga conta que muitas pessoas se
arrependem e levam animais até o Ibama para que sejam reabilitados e soltos no seu habitat. No entanto, animais criados em cativeiro não podem ser soltos na natureza, porque
não conseguiriam sobreviver. A possibilidade
legal de criar animais silvestres em residências
existe, mas é uma decisão que deve ser muito
bem pensada. Isso requer tempo, dedicação
e boas condições financeiras. Para Indrusiak, a
população brasileira deve repensar a situação:
“nossa sociedade já conseguiu fazer discussão séria e proibiu a farra do boi e a briga do
galo, ambas atividades tidas como culturais.
Quem sabe, no futuro, irão optar pela proibição de venda de animais silvestres?”.
15
Admirável Nano
i ênc
c icên
cia ia
Universo IPA | Dezembro 2006
Fotos: Rogério Soares
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Roupas que não mancham. Vidros auto-limpantes. Carros com pintura anti-arranhão.
Curativo para câncer. Batom que reflete luz. Isso lhe parece o futuro? Pois, então, o futuro chegou
ALINE MARQUES
Há alguns anos, construir materiais, átomo a átomo, era algo tão distante e inacreditável quanto construir um castelo de areia
grão a grão. Hoje, graças à nanotecnologia –
ciência que estuda a manipulação de partículas equivalentes à bilionésima parte do metro
– cresce o número de produtos desenvolvidos para suprir, com eficácia, as necessidades
cotidianas.
A palavra “nano” tem origem grega, e significa “anão”. Podemos considerar que algo é
nano quando uma de suas propriedades se
altera em função do tamanho. A Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) é uma
das líderes em pesquisa nessa área, com grande volume de trabalhos publicados e, inclusive, com depósito de patentes.
O professor do Instituto de Física da UFRGS, Mário Baibich, desenvolveu, a partir da
nanotecnologia, com colaboração da França,
o Magneto-Resistência Gigante, trabalho presente em todos os discos rígidos de computadores com capacidade de 20 gigabyte.
Segundo Baibich, a partir do controle do
tamanho e da forma das nanoestruturas, é
possível aprimorar as propriedades dos materiais, construindo dispositivos com características especiais, selecionadas a partir da necessidade das aplicações.
Devido à imensa aplicabilidade dessa
nova tecnologia, praticamente todos os segmentos produtivos estão incorporando soluções nanotecnológicas. Prova disso foi o
resultado da Carta Convite do programa de
Ações Transversais, publicado no site da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP),
onde empresas como Aracruz Celulose, Bünge Alimentos, Copesul, Gerdau e Sadia manifestaram interesse em participar como cofinanciadoras no apoio à cooperação entre
o setor produtivo e Instituições Científicas
Tecnológicas.
No Brasil, as pesquisas em nanociência
foram iniciadas de forma independente. Porém, hoje, a exemplo do que acontecia em
países desenvolvidos, o governo brasileiro
destina recursos especificamente à pesquisa
nanotecnológica. Empresas privadas também participam dos projetos com subsídios,
como parceiras.
Na UFRGS, várias áreas de estudo trabalham com pesquisas em nanotecnologia. Visando a organização dessas áreas em torno da
nanociência e da nanotecnologia, um grupo
de professores se reuniu, em 2004, para a criação de um Centro de Estudos.
Em junho deste ano, o Conselho Universitário da Instituição aprovou, por mérito, a
iniciativa do Centro e, desde então, a professora do Instituto de Química, Adriana Pohlmann, foi nomeada coordenadora de implantação do Centro.
Recentemente, o regimento do Centro foi
concluído, e logo deve ser aprovado pela Reitoria. O país ganhará seu primeiro Centro de
Nanociência e Nanotecnologia, como organismo de uma Universidade. Será um Centro
de Estudos Interdisciplinares, conforme prevê
o Estatuto da UFRGS.
Conforme Pohlmann, a expectativa é de
que, em seu início, o Centro conte com mais
de cem credenciados - pesquisadores com trabalhos publicados ou patenteados ou, ainda,
coordenadores de projeto de pesquisa financiados por Agências de Fomento. Um dos principais objetivos será facilitar o acesso ao incentivo à pesquisa na área de nanotecnologia.
c i ênc i a
c i ên c i a
Mercado promissor
Segundo a National Science Foundation
(NSF) dos EUA, em 2015, o mercado global de
produtos ligados à nanotecnologia será de
US$ 1 trilhão. Pohlmann concorda com essa
tendência. Ela diz que o desenvolvimento está acontecendo de forma acelerada. O período entre a concepção do projeto e o produto
final é cada vez menor. Em razão disso, o seu
pensamento é otimista. “Daqui a cinco anos,
as pessoas saberão exatamente que, no creme anti-rugas que elas usam e até no avião
em que elas viajam, há nanopartículas. De fa-
Devido à aplicabilidade, estima-se que todos os segmentos
produtivos incorporarão soluções nanotecnológicas
Universo IPA | Dezembro 2006
Pioneirismo na UFRGS
to, haverá diferentes respostas em cada setor
econômico. Mas o que se visa é desenvolver
produtos com uma performance cada vez
melhor, atendendo cada um dos nichos de
mercado que já existem. A estratégia é pensar
em quem consome”, explica.
Porém, alguns estudiosos alertam para os
danos que a nanotecnologia pode causar. Se
os custos de produção de armas e aparelhos
de espionagem tiverem uma redução significativa, poderão ser fabricados produtos menores, potentes e numerosos.
Com relação a essas especulações de que
a nanotecnologia poderá ser a causa de uma
nova corrida ao armamento entre países concorrentes, Pohlmann é categórica: “há liberdade para que qualquer pessoa diga o que quiser, mas deve haver consciência coletiva para
que se faça bom uso tanto da nano, quanto
de qualquer outra tecnologia.”
Em diversas áreas, “a ciência do século 21”
vem gerando benefícios significativos, que vão
além do mundo industrial. Na área da saúde,
por exemplo, a nanotecnologia está contribuindo para o aumento da expectativa de vida
e o aumento da capacidade humana. Nas áreas
da água e agricultura, está sendo usada para
gerar sustentabilidade. Além disso, vem colaborando para o desenvolvimento de sistemas de
iluminação de baixo consumo energético.
Antigamente, o laser, que existia nas histórias em quadrinhos, era algo inimaginável
na vida real. Era pura ficção científica. Hoje, é
utilizado para inúmeras finalidades. Desde depilação até cirurgias. Da mesma forma, em
1970, nem a mais otimista previsão poderia
afirmar que a arpanet se tornaria a internet essa rede mundial tão avassaladora e indispensável na vida moderna.
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Bastante utilizada nos EUA e
com efeitos comprovados,
a zooterapia começou a
ser estudada por médicos
sasaúd
úd e e
e pesquisadores. A terapia, que
Melhores amigos
em todos os momentos
Graziele Silva Corrêa
conta com a ajuda de animais,
não tem a capacidade de curar
uma doença, mas seus efeitos
colaboram, significativamente,
na melhora dos pacientes:
“o doente acaba esquecendo
um pouco dos problemas
e desvia a atenção para
os animais”, esclarece
a docente em Medicina
Veterinária, Denise Schartz.
Graziele silva corrÊA
Quem gosta de animais sabe da alegria
que eles podem proporcionar. O que muita
gente não sabe é que eles podem ajudar
em tratamentos de saúde. A Zooterapia ou
Terapia Assistida por Animais (TAA) é antiga. Segundo a Presidente da ONG Zooterapia, Marisa Martinez Pereira, a utilização de
animais, em tratamentos terapêuticos, vem
desde o final do século 18, na Inglaterra. O
médico neurologista, neurocirurgião, mestre em educação, coronel cavaleiro e fundador da Associação Gaúcha de Equoterapia (AGE), José Torquato Severo, garante
que a procura aumentou, gradativamente,
desde que começou de seu trabalho em
1995. No Brasil, as terapias auxiliadas por
animais mais utilizadas são a equoClaudia Jobim
Idosos com depressão são os maiores beneficiados na Cinoterapia
terapia, feita com cavalos, e a cinoterapia,
que utiliza os cães. Existem tratamentos
que usam burros (assinoterapia), peixes,
pássaros, gatos e coelhos.
“Na TAA, os animais atuam como co-terapeutas ou motivadores terapêuticos na reabilitação dos pacientes”, explica a psicóloga e
fundadora do Projeto Cão Amigo e Cia, em
Curitiba (PR), Manuella Balliana Maciel.
Universo IPA | Dezembro 2006
Cinoterapia
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Co-terapeutas
da TAA, os cães dóceis
ajudam no tratamento
Trata-se de uma técnica que utiliza cães como co-terapeutas. De
acordo com a psicóloga especialista em cinoterapia, Samira Rocha,
em entrevista ao site www.acessa.
com, a prática da cinoterapia é indicada para o tratamento de crianças e
adolescentes com dificuldades de comunicação e sociabilização, assim como o autismo
ou agressividade. “O cão é uma ponte entre o
paciente e o terapeuta. Durante a interação
com o animal, são quebradas barreiras”, garante Rocha.
Equoterapia
A terapia, que utiliza o cavalo como motivador terapêutico, vem ganhando espaço
em todas as cidades do país. Dr. Severo lembra que há novos programas que são aconselhados pela Associação Nacional de Equoterapia (ANDE). Ele junto com a AGE, criou
uma parceria com a Prefeitura Municipal de
Porto Alegre que atende cerca de 30 crianças e adolescentes com problemas de
aprendizagem. Na área da saúde, os problemas mais encontrados são crianças, adultos
ou idosos com debilidade mental, síndrome
de down, comportamentos autistas, esquizofrenia, e depressão.
A advogada, Jaqueline Souza Lopes, que
é portadora de seqüelas de paralisia cerebral,
os resultados superaram as suas expectativas.
“No início não acreditava muito, mas comecei
a ter uma visão diferente do mundo, percebi
que posso contribuir com algo de bom para
a sociedade, passei a ter mais confiança em
mim mesma”, confessa a praticante.
Sem saber a quantidade certa de tatuagens que tem no corpo, Karen Isabel de Souza Cabral diz: “acho que tem umas dez”. Em
2005, ela começou a tatuar seu corpo. Após
fazer as tatuagens, começou a se interessar e
tatuar também. Formou-se como body piercing. Ela acredita que a procura por piercing e
tatuagens, no verão, é pela estética.
Jaqueline Silva Requer, 25, tem tatuagens
há seis anos e justifica que a tatuagem é uma
extensão da personalidade. Requer comenta
que preferia quando era um pessoal mais alternativo que tinha tatuagem. “Hoje, virou
moda. As pessoas tatuam o que está na moda”, acredita. Com quatro tatuagens, ela conta
que elas têm importantes significados em sua
vida e que pretende fazer mais. “Tatuagem é
uma coisa que vicia”, afirma.
O estudante Pedro Henrique Ribeiro Gonçalves, 20, fez a primeira e única tatuagem, há
dois anos, no braço por não querer um lugar
muito exposto. Gonçalves escreveu o nome
de seu irmão falecido em letra japonesa. “Coloquei o nome dele para fazer uma homenagem”, explica. Ele a fez no verão e admite que
a estação o influenciou um pouco.
A professora Paula Ferreira Santana, 24, fez
sua primeira tatuagem há quatro anos. Hoje
tem quatro. Uma delas tem um significado
sentimental. “Fiz junto com outra pessoa”, revela. As outras foram por simpatizar com o
desenho e por ficar legal na sua área de atuação. Santana trabalha com a Educação Física
e diz que não atrapalha. Porém, como tem
outro emprego, em uma área administrativa,
ela procura não mostrar muito.
Preconceito X Tatuagens
Karen Cabral fez sua primeira tattoo em 2005
Hoje, a tatuagem está em todo o lugar, em
qualquer corpo. Foi o tempo em que tatuagem era sinônimo de marinheiro ou presidiário. Isso virou piada. Mesmo assim, ainda têm
omp or tamento
c om por ta m en to
pessoas
que vêem com
preconc e i t o
quem tem
tatuagens no corpo.
Um dos principais tabus é em relação ao
mercado de trabalho. Muitos deixam de fazer
tatuagens por temer uma rejeição no emprego. Fávero comenta sobre a preocupação que
tem em relação aos seus clientes e ao preconceito que ainda existe. “Eu avalio pela idade.
Se o cara já é maduro, formado e tem uma
profissão garantida e quer fazer uma loucura,
eu faço. Mas se vem adolescente e gurizada
que ainda não tem uma profissão, e não tem
certeza do que quer, eu não faço”, relata.
Júnior, também, tem a mesma posição
em relação a emprego e tatuagem. “Eu induzo
eles a fazerem em um local que eu acho que
não vai prejudicar, onde a roupa possa esconder”, explica.
Segredos da boa tattoo
- E scolha bem o desenho. Faça algo que tenha um
significado. Os riscos de se arrepender serão menores. Pesquise o desenho que você quer;
- Procure um tatuador indicado por algum amigo. Saber como é o trabalho desse profissional é importante. E, principalmente, veja bem como é a higiene do
estúdio. Exija material descartável e esterilizado;
- C onverse com o tatuador e diga exatamente como
você quer. Esteja aberto para escutar a opinião dele
sobre sua idéia.
Cuidados com cicatrização
- N ormalmente, a tatuagem demora cerca de 15 a 20
dias para cicatrizar. Tenha muita higiene;
- Lave o local com sabonete neutro;
- U sar a pomada cicatrizante, indicada pelo tatuador,
três vezes ao dia;
- Não abafe. É bom evitar roupas justas e pesadas;
- Não esfregar o local nem tirar a casquinha;
- E vite a exposição ao sol, mar ou piscina durante a
cicatrização;
- Secar, levemente, a região da tatuagem. Não esfregue o local. Apenas encoste a toalha para absorver a água;
- Por último, mesmo depois da cicatrização, é importante passar protetor solar.
Universo IPA | Dezembro 2006
Tarsila Pereira
Tatuados sim!
ki
Nos calendários, o verão começa em 21
de dezembro. Porém, para muitos, antes dessa data, a estação chega antes. Com as altas
temperaturas dos meses de outubro e novembro, é possível ver as roupas diminuírem
de tamanho, academias ficarem lotadas e, é
claro, corpos bonitos. São braços, pernas, barrigas e costas à mostra, desfilando pelas ruas.
Também se observam estrelas, dragões, fadas,
golfinhos, tribais, rosas, índias e um infinito de
tatuagens que, no verão, aparecem, formando, na pele, um atrativo para os olhares de
quem passa.
Na estação do sol, do calor, da praia e das
férias, os estúdios de tatuagem ganham clientes. Quem garante isso é o tatuador, Ucari Feck Braga Júnior, 22 anos, há quatro nesse ramo. De dezembro a março, ele mantém estúdio na praia, em Torres, de terça-feira a domingo. Nas segundas, volta para Porto Alegre
para tatuar. Júnior acredita que o aumento
pela procura de tatuagens se deve à exposição do corpo. “O que empolga o pessoal a
fazer é olhar o outro tatuado e querer ter também”, diz.
Quem concorda com Júnior é outro tatuador, Geraldo Lemos Fávero, 44, na área há
cinco anos. Segundo Fávero, a procura nos
meses de verão chega a crescer 60% em relação ao inverno. Com estúdio em Porto Alegre,
ele pensa na possibilidade de trabalhar na
praia, no verão. “Neste ano, pensei em ir pra
praia. Afinal, o pessoal está todo lá”, explica.
Outra curiosidade sobre o universo das tatuagens é a fidelidade dos
clientes com os tatuadores.
Júnior tem clientes que voltam todo
o mês para se tatuar. Para Fávero, a divulgação do “boca-a-boca” é a melhor
maneira de ter novos clientes. “A clientela das tatuagens é fiel. É raro vir alguém
que não conhece o tatuador. Sempre é
por indicação”, acredita.
rs
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Tarsila pereira
tattoos
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Na onda das
19
Universo IPA | Dezembro 2006
sasaúd
úd e e
O estresse
20
nosso de cada dia
Marco Júnior
marco júnior
Em 1986, o filme Curtindo a Vida Adoidado trouxe Ferris Bueller, um estudante que,
por não agüentar mais a rotina de estudo, decide tirar um dia de folga da escola para realizar um passeio com a namorada e o melhor
amigo. Em 1992, no cultuado Um Dia de Fúria,
William Foster, um trabalhador de Los Angeles, logo após ser demitido, deixa o carro no
meio de uma avenida movimentada, com o
intuito de ir ao outro lado da cidade a pé para
ver a filha e tentar reaver o casamento. Durante o trajeto, enfrentou diversas situações violentas devido ao seu alto nível de estresse.
Ambos os personagens geraram um grande
nível de identificação com o público, que passou a considerá-los heróis, mesmo sabendo
que tanto Bueller quanto Foster estavam errados nas atitudes.
Os casos citados não passam de ficção.
Mas, nos dias atuais, podem vir a acontecer
devido às inúmeras responsabilidades que a
vida moderna traz, juntamente com o tão falado e temido estresse.
Porém, isso é compreensível numa sociedade onde, atualmente, as frases mais ouvidas
são “hoje não tive tempo para nada” ou “hoje
tenho que me virar em dez”. A maratona - trabalho, trânsito, fila, ônibus lotado, estudo e
família - parece não acabar, pois o relógio costuma ser a única prioridade dentro do dia-adia, cada vez mais acelerado. O estresse não
escolhe idade, religião, cor e posição social.
Portanto, a lenda criada em camadas de baixo
poder aquisitivo da sociedade, que somente
pessoas de alto poder monetário sofrem de
estresse ou que ele é falta de ocupação, é um
mito. Aliás, o excesso de ocupações é uma das
principais causas, de acordo com a psiquiatra
Sandra Maltz. A tecnologia que, para muitos,
é um aliado do ser humano, muitas vezes, é
vista como um inimigo, pois a parafernália
eletrônica impôs um ritmo muito imediatista
à vida moderna e a humanidade ainda está a
se adaptar a essa nova realidade. Para o médico Saul Berdichevski, a modernidade está trazendo consigo um número maior de enfermidades ligadas a estresses psicossociais como
ansiedade, depressão e uma alta quantidade
de casos de obesidade e má alimentação. “As
necessidades que as pessoas têm, para en-
Violência, falta de
dinheiro, estudos e
responsabilidades em
excesso transtornam
a saúde do indivíduo
O ritmo de vida acelerado da sociedade atual, faz a população sofrer com as doenças ligadas ao estresse
frentar o mercado de trabalho cada vez mais
competitivo, faz com que tenhamos um aumento no número de doenças ligadas ao estresse”, afirma Berdichevski.
Essa competição traz uma série de estímulos excessivos, acarretando alguns doenças
como úlceras, enxaquecas, transtornos no sono e outras patologias que podem ser de controle mais difícil em situações em que a pessoa
está submetida à estressores crônicos significativos, por exemplo, asma e hipertensão.
Todo mundo está sujeito a ter um ataque
de nervos. Por isso, cabe ressaltar que nem
todo estresse é prejudicial. O bom estresse
traz responsabilidades para execução das tarefas do cotidiano, faz com que as pessoas
possam agir com mais rapidez em certas ocasiões e serve como alerta para que sejam reavaliadas atitudes tomadas em determinadas
situações.
Para o auxiliar de escritório, Rodrigo da
Silva, o estresse é algo comum em sua vida.
Dicas de prevenção
- Reavalie o ritmo da sua vida.
- Tenha um tempo para si mesmo, durante o dia de
trabalho, com pausas de 15 a 20 minutos.
- Pratique atividades físicas, como caminhar três vezes por semana, durante 30 minutos. Isso aumenta
a capacidade cárdio-respiratória e garante maior
Como é ser herói e, ao mesmo tempo,
não saber se voltará com vida para casa?
Camila Morales
O que devemos levar em conta ao escolher uma profissão para exercer ao
decorrer da vida? Pense bem e tome muito cuidado, pois há profissões que podem
ser extremamente arriscadas e, ao mesmo tempo, roubar a sua vida.
Uma profissão tradicional, que muitos querem desde criança, é a de policial.
Sonham com esse trabalho que, além de ser arriscado, não é remunerado à altura
pelo que faz e o quanto se expõe. O policial civil se coloca em muitas situações de
risco, através da realização das investigações, entre várias outras atribuições que
lhe cabem todos os dias, em espaços conflituosos. Em muitas dessas situações,
pode ser agredido e correr risco de morte, em uma simples abordagem ou, até
mesmo, em situações em que está “infiltrado”.
O policial está sempre acompanhado do “medo”, podendo avaliar o momento
em que o confronto está iminente. “É preciso possuir bom equilíbrio emocional
para atuar nas adversidades de cada situação”, explica o inspetor e chefe de investigação, Luis Henrique Reis Jacques.
Outra profissão de risco é a de Agente Penitenciário. Quando se fala em Sistema Penitenciário lembra-se logo em presídios e penitenciárias, pois é onde esses
profissionais exercem as funções, trabalhando 24 horas nestes locais sujeitos a
rebelião e motins.
Na verdade, estes agentes, também, exercem outras atividades de alto risco: é
a de “transporte de presos (escoltas, remoções, apresentações de presos em audiências no RS bem como em todo o Brasil)”, conforme o Agente Penitenciário, Valdemar E. Seixas, que trabalha há 15 anos no Sistema Penitenciário. Na Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE) existe uma divisão Operacional do
Departamento de Segurança e Execução Penal treinada especificamente para este fim: o Núcleo de Segurança e Disciplina (NSD).
Os agentes dessa divisão trabalham, diariamente, com o transporte de presos,
desde o considerado “ladrão de galinha” até os mais perigosos como, por exemplo,
integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), assaltantes de bancos e outros.
O Agente Seixas explica que, “com o crescimento do crime organizado, está cada
vez mais comprometida nossa situação, pois vem crescendo o número de tentativas que foram concretizadas e colegas que foram covardemente assassinados”.
p rofiss ão
Profissão perigo
prof iss ã o
“Já saio de casa com raiva e pensando na hora
de voltar”, afirma. Segundo Silva, os ataques
nervosos são cada vez mais freqüentes, fazendo com que ficasse dois meses afastado do
trabalho com o diagnóstico de depressão.
Quando os ataques tornam-se freqüentes, a melhor solução é procurar ajuda médica. “As crises nervosas fazem com que a pessoa tenha um sofrimento importante que
pode trazer distúrbios no sono, dificuldades
de concentração durante o dia, estar mais
propensa a acidentes e a desenvolver conflitos familiares e no local de trabalho, além de
aumentar a pressão arterial e ocasionar problemas em todo o organismo”, explica a psiquiatra Maltz.
Para o estudante do último semestre de
Educação Física e funcionário de uma empresa de material esportivo, Marcelo Silveira, a sua
rotina traz sentimentos de coragem, tristeza,
insegurança e medo, muitas vezes, chegando
ao limite da paciência. “Quando sinto que vou
explodir, procuro ficar em silêncio e pensar
nos malefícios e benefícios que uma reação
explosiva poderia acarretar”, conta Silveira.
Para Maltz, reprimir os sentimentos não
faz bem. Em algumas situações, “é importante
sempre avaliar bem cada situação e, dentro
do possível, poder verbalizar os sentimentos
de forma adequada e de acordo com o que
se apresenta”, orienta.
Mas melhor do que todas as receitas de
como reagir quando o estresse se manifesta é
tentar agir de uma forma em que se tente prevenir esse mal.
Profissão amada, ora odiada
bem-estar.
- Invista no lazer, tente sempre agir de forma sincera
com colegas e familiares.
- Expresse suas angústias sempre que necessário.
- Alimente-se evitando alimentos muito gordurosos.
- Reconheça suas limitações. O corpo, muitas vezes,
alerta quando se está passando do limite. Escute seu
organismo e tenha sempre o controle de sua vida.
- Caso as coisas saiam do comando, procure ajuda
médica.
Afinal, como disse Charles Chaplin, no famoso
discurso final do filme O Grande Ditador, “não
sois máquina, homem é que sois”.
Os motoboys estão sempre a disposição, salvam o seu dia indo para todos os
lados da cidade, entregando os documentos onde quer que seja, na quase totalidade dos serviços prestados, são pontuais. Pessoas amam esses profissionais, outros não gostam muito, como, por exemplo, motoristas que transitam pela capital
e alegam, que estas pessoas os tiram do sério. “Eles são extremamente malucos e
se enfiam na frente dos carros”, conta o motorista de caminhão, Márcio Perez.
Ser profissional de entrega rápida é muito arriscado, mas ao mesmo tempo é uma
adrenalina, confessa o motoboy, Renato Oliveira, há três anos na função. “Há um mês,
estava apressado para entregar uma mercadoria e um motorista abriu a porta do
carro e caí, tentando me equilibrar, acabei parando no meio da calçada, mas felizmente não me machuquei muito, só sofri arranhões. Adoro o que faço, é eletrizante”, diz.
Universo IPA | Dezembro 2006
- Procure sempre dormir oito horas.
21
Rogério Soares
sasaúd
úd e e
Sabrina Pitol
Até onde vai a fé?
Universo IPA | Dezembro 2006
sabrina pitol
22
Quando chega, questiona, faz repensar os valores, as
encostar-se a um ponto da mama”, afirmou. Em poucos
convicções, não dá aviso prévio e causa impacto na sua vida.
dias, um exame de ecografia apontou ser tumor não perEssa pode ser uma das definições para o mal que constitui a
ceptível ao toque.
primeira causa de morte entre pessoas do sexo feminino. O
Calcula-se de seis a oito anos o período necessário para
Rio Grande do Sul é o estado que mais tem registros da doenque um nódulo atinja um centímetro de diâmetro. Existem
ça como causa mortis, entre mulheres no período reprodutiquatro estágios do tumor e a lenta evolução possibilita a desvo. Na definição científica, são células que sofrem um descoberta, ainda cedo, das lesões, se as mamas forem examicompasso por razões ainda desconhecidas, e reproduzem-se
nadas periodicamente. No caso da enfermeira Paese, históriem alta velocidade.
co de constantes precauções, como se pode explicar o resulO processo faz com que surjam neoplasias, ou os cotado da biópsia, exame que retira uma parte da área lesionhecidos tumores. Geralmente, 50% dos casos, onde ocornada para análise, ter detectado que o tumor estava em nível
reram mortes, os tumores foram diagnosticados em estátrês? “Quando descobri, queria tudo para ontem. Não queria
gios avançados e numa proporção de cem casos femininos
mais esperar”, desabafou. Essa é mais uma particularidade
para um masculino. É ele, o câncer de mama, que surgiu, de
da história de Paese, pois a principal causa da morte é a derepente, na vida de uma enfermeira, Vilma Paese, 52 anos,
mora na descoberta, sendo que há mulheres que têm ciência
que ministrava palestras sobre a importância da mamoda enfermidade e, provavelmente, por medo das ações do
grafia e ensinava milhares de mulheres a fazer o auto-exatratamento, protelam para iniciá-lo. O câncer de mama pome de mama. Naquele momento, ela que defendia a prede apresentar metástases nos gânglios linfáticos das axilas,
venção da doença, passava a faossos, fígado, pulmão e cérebro:
“A
espiritualidade
e
a
fé,
para
zer parte dos 50% dos casos desmais um motivo para tratar da docobertos em estágio avançado:
muitos pacientes, são como ença com brevidade, e, assim, evi“fazia exames de mamografia petar que esses outros órgãos sejam
uma pequena muda de
riodicamente e nada havia sido
atingidos”, disse o médico oncoloárvore se desenvolvendo”.
detectado, até a ponta do sutiã
gista, César Pacheco.
saúd e
sa úd e
Paese foi submetida à mastectomia, retimentos médicos padrões. “Ela atua como
“Nos Estados Unidos,
rada total da mama, procedimento comum
analgésico para a redução da dor física e espiem torno de 70% das
aos pacientes com o quadro. Iniciou as sesritual, tem efeito protetor contra a depressão
sões de quimioterapia, tratamento o qual utie suicídio, além de proporcionar um imporfaculdades de Medicina
liza remédios que eliminam células de câncer
tante suporte psicológico no dia-a-dia das
oferecem cadeira
formadoras de tumores e metástases: “a prinpessoas envolvidas”, afirma o presidente da
obrigatória ou optativa
cípio, não apresentou reação. Mas, três dias
Associação Médico-Espírita do Rio Grande do
depois, fiquei sem forças e sentia muita vonSul, Gilson Luís Roberto.
sobre espiritualidade”.
tade de dormir“, contou. Sobre os momentos
Trabalhos têm mostrado que as pessoas
mais difíceis, guarda recordação do 14º dia
que vivenciam experiências místicas pontuam
após a primeira quimioterapia, quando ocorreu a queda do cabelo: “é
menos em escalas de psicopatologia e mais em medidas de bem-estar
um sentimento nada fácil de explicar. Tive apoio de familiares e amigos
psicológico. “O Brasil possui uma grande diversidade religiosa. Com isso,
próximos, mas parecia com uma sensação de solidão”. “Os pacientes
foi fundado, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculrecebem, durante o tratamento, atendimento do ginecologista, masdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), o Núcleo
tologista e oncologista, que têm um papel importante, também, na
de Estudos de Problemas Espirituais e Religiosos (Neper)”, de acordo
área psicológica. Nesse momento, muitos procuram conforto na prócom o Neto e cols. Revista de Psiquiatria Clínica (USP).
pria crença, seja ela qual for”, explica o médico Pacheco.
A relação entre crença e tratamento é tida como essencial por alAinda, sobre a quimioterapia, Paese relatou que das oito sessões,
guns pacientes. “Isso pode levar a complicações pela falta dos cuidados
as três últimas foram as mais severas: “sentia fortes dores nas juntas.
necessários”, diz Pacheco. A forma com que conduzem o problema,
Meus músculos faziam constantes movimentos involuntários. Foi
desde a descoberta, modifica o humor, reduz a depressão, melhora a
quando tive vontade de desistir”. Ela teve instruções do médico para
auto-estima. Assim, o organismo reage melhor aos estímulos dos remanter a rotina da forma mais comum possível: “mesmo me sentindo
médios. Então, indiferente do meio que é utilizado, o corpo responde
mal, levantava e fazia as refeições à mesa”. Após isso, vieram as 36 sesà química. Logo, é imprescindível a presença do tratamento médico.
sões de radioterapia, mecanismo que destrói as células do tumor, através da irradiação de ondas de energia originadas de material radioativo. Hoje, ela está na etapa final, a da hormonioterapia. É mais um exemplo de algoz do câncer de mama. Traduz essa superação em três palaO pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, Adilson Schünke,
vras: “força de vontade”. Em nenhum momento, se revoltou: “ninguém
esclareceu que a crença em Deus, aliada ao tratamento médico, facilita
é culpado”, explica. Nunca pensou em parar o tratamento alopata, mesa cura do doente: “sempre que pudermos fazer uso dos meios que Deus
mo tendo recebido novenas e outras manifestações de amigos em prol
colocou à nossa disposição, devemos fazê-lo. A medicina, com diversos
da cura. Tem isso como complemento ao convencional, “tudo ajuda”.
tipos de tratamento, é uma bênção para a humanidade. Devemos, porÀqueles que estão nesse processo, conforta: “tenham força para resistir,
tanto, promovê-la e utilizá-la sempre que necessário”, explica. Para os
que vai passar”.
seguidores das religiões africanistas, o corpo humano está exposto há
muitas agressões. Assim, fica velho, fraco, cansado e doente. A fé e a prática religiosa fortalecem o espírito e isso ajuda a sustentar o ser humano
em uma eventual dificuldade mental ou física, além de fortificar espirituA espiritualidade e a fé, para muitos pacientes, são como uma pealmente. “A prática religiosa, somada aos tratamentos e acompanhamenquena muda de árvore se desenvolvendo, que traz esperança e os
tos necessários aos cuidados com a mente e físico, faz com que se obtemotiva a vencer a batalha contra a doença. Cada vez mais, as pesquisas
nha eficácia”, afirmou Andréia de Yemanjá do Ilê Oxum Docô.
médicas demonstram que a prática da religiosidade e da espiritualidaO praticante da primeira Igreja Presbiteriana de Porto Alegre, Marde favorecem a cura e melhora a qualidade de vida dos pacientes.
celo Name, elucidou que sua religião defende o tratamento convenNos Estados Unidos, em torno de 70% das faculdades de Medicina,
cional, uma vez que Deus colocou à disposição do homem esse recurcomo as Universidades de Harvard e de Stanford, oferecem cadeira
so, a fim de abrandar o sofrimento. A religião segue os preceitos do
obrigatória ou optativa sobre espiritualidade.
Novo Testamento da Bíblia. No caso da Igreja Evangélica dos TestemuNo Brasil, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cenhas de Jeová, que segue o Antigo Testamento, não são permitidas
ará (UFC) foi a primeira a introduzir a disciplina “Medicina e Espiritualialgumas intervenções médicas como, por exemplo, transfusão de sandade” sob a coordenação da Professora adjunta de Histologia e Embriogue e alguns costumes ainda são cultivados como as mulheres que
logia Humana, Dra. Eliane Oliveira. Outras faculdades de Medicina, no
não podem cortar os cabelos e não podem usar calça. Assim, muitos
Brasil, estão tomando a mesma iniciativa. As pesquisas demonstraram
seguidores deixam o tratamento médico em nome da fé. A doutrina
que a prática religiosa melhora o sistema imunológico, diminui a inciEspírita considera o atendimento médico convencional um grande
dência do câncer, aumenta a sobrevida, os pacientes ficam menos anavanço no alívio dos males humanos, sendo também uma expressão
siosos, menos depressivos, têm maior estabilidade nos relacionamenda misericórdia divina: “acreditamos que a religiosidade ou a espiritua­
tos, apresentam menos suicídios e menor abuso de drogas e álcool. A
lidade vem ao encontro da ciência médica, colaborando no alívio e na
fé, nas mais diversas manifestações, ajuda a reduzir o stress dos tratacura das patologias humanas”, concluiu Roberto.
Com a palavra, as religiões
Cientificamente
A espiritualidade sempre foi associada à religião. Recentemente é que o termo é estudado de forma independente. No livro Scientific Research on Spirituality and Health, publicado pelo National Institute for Health Research, em outubro de 1997, fruto de painéis realizados por cerca de 70 profissionais da saúde, na maioria médicos e psicólogos, encontra-se o uso contemporâneo do termo “espiritualidade” separado da religião. De acordo com a obra, espiritualidade e religiosidade são estados emocionais ou condições psicológicas e conscienciais que independem da religião e da filosofia.
Universo IPA | Dezembro 2006
Espiritualidade
23
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terra da Santa Cruz
Universo IPA | Dezembro 2006
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País abençoado:
24
Cleidi Cristina Pereira
Os portugueses realmente tinham razão!
De certa forma, profetizaram o futuro religioso da terra descoberta em 1500 ao nomeá-la
“Terra da Santa Cruz”. A cruz é um símbolo usado em diversas religiões, mas, principalmente,
no cristianismo. Apesar do quadro de pluralismo religioso, ou seja, da diversidade religiosa
presente não só em nosso país, mas no mundo, nove em cada dez brasileiros se consideram cristãos (católicos ou protestantes). Atu-
almente, a situação religiosa pode ser comparada aos times de futebol ou partidos políticos, pois existem religiões, times e partidos
para todos os gostos. É só escolher! Quem não
concorda com alguns aspectos da Igreja Católica encontra apoio no protestantismo e,
nele, pode aderir ao ramo que mais lhe agradar: luterano, anglicano, metodista, presbiteriano, adventista, pentecostalista, congregacionalista ou batista. Cada um com a sua estrutura organizacional, o seu modo de interpretar a Bíblia e de ver o mundo. Os que acre-
ditam em orixás, “trabalhos”, carma e contatos
com o mundo dos espíritos podem optar pelo candomblé, umbanda ou espiritismo. Também há a possibilidade de escolher entre religiões tradicionais e históricas como o judaísmo ou doutrinas orientais e mais “zens” como o budismo.
O catolicismo foi trazido ao Brasil pelos
portugueses e se manteve como religião oficial do país até a Proclamação da República,
em 1889. No início, era uma religião de Estado. Isso significa que os não católicos ou os
que eram contra o catolicismo eram considerados inimigos do Estado. O tempo passou e a situação atual da Igreja Católica é de
deixar padres, bispos e o próprio Papa Bento
XVI de “cabelo em pé”, pois o número de fiéis
é cada vez menor. Conforme o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), em 1980, os católicos representavam 89% da população brasileira. Em
1991, esse número caiu para 83% e, agora, com o último levantamento, em
2000, esse índice caiu para 73,6%. Entre os católicos que abandonam a sua
religião, a maioria acaba migrando para outro ramo do cristianismo. As igrejas mais procuradas para a conversão
são as protestantes.
O fenômeno do protestantismo surge
no Brasil com a chegada dos primeiros estrangeiros. Com a vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil e a abertura dos portos às
nações amigas, comerciantes ingleses estabeleceram a Igreja Anglicana, em 1811, quando foi construído o primeiro templo protestante no país. Em 1824, chegaram os imigrantes alemães, que se instalam no Sudeste e no
Sul do país, principalmente, nos estados de
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com eles,
vem o luteranismo. Aos poucos, foram sendo
introduzidas outras igrejas como a metodista
(1835), presbiteriana (1869), batista (1882),
pentecostal (1910) e adventista (1916), as
quais foram trazidas por imigrantes dos EUA,
com a finalidade de converter brasileiros.
As Igrejas Evangélicas vêm se destacando
pelo crescente número de adeptos. Os evangélicos, em 1980, eram insignificantes 6,6% da
população. Esse número dobrou em 2000 e,
atualmente, chegam a 15,4% da população
brasileira.
reli g i ão
r eli g i ã o
Lojas que vendem artigos esotéricos demonstram a diversidade religiosa presente no Brasil
A diversidade religiosa
e o sentido da vida
A busca pelo sentido da vida não é algo
novo. Como o homem possui consciência de
sua finitude material, ele tenta transcedê-la,
procurando calor, fraternidade e se refugiando nas seitas e religiões. É o que fala Zilles no
livro “Religiões, Crenças e Crendices” (EDIPUCRS). Para ele, esse quadro de pluralismo religioso presente na sociedade revela que não
se pode dizer que a espiritualidade é algo que
possa ser facilmente superado. “Esse ponto de
vista mostra que a dimensão religiosa existe
independente de como ela é interpretada. O
fato de haver tantas interpretações levará a
um certo ponto em que as pessoas vão se perguntar: mas o que é que vale? Vai de cada um
examinar”, afirma.
Ele continua, explicando que “essa multiplicação de religiões está num contexto cultural, sobretudo no Ocidente, em vista do
chamado Iluminismo francês. A Revolução
Francesa centrou, simbolicamente, a deusa
‘razão’. O que vale tem de passar pelo tribunal
crítico da razão, ou seja, o que não se pode
provar ou compreender de maneira racional
fica a cargo de cada um decidir. Então, se implorou para a subjetividade, a qual favorece a
possibilidade de cada um fazer sua religião.
Essa é uma conseqüência que ainda não superamos, pois ainda temos medo de discutir
a religião”.
O pastor Mello acredita que a diversidade
é boa, mas não sabe dizer até que ponto esse
número de variedades faz bem: “o excesso pode causar muita confusão na cabeça de um
jovem. Ele se questionará: meu pai me ensinou de um jeito, a sociedade me ensina de
outro. Talvez isso se explique pelo orgulho e
egoísmo humano. Cada um quer ter a prerrogativa de estar certo, quer ter a premissa: eu
sou o detentor da verdadeira religião e isso
tem gerado muita diversificação”.
Enquanto alguns vêem essa diversidade
como algo negativo, outros acabam escolhendo o que seguir graças a ela. A médium
de um centro de umbanda, Inês Barbosa, acabou se tornando umbandista graças à liberdade de escolha e ao fato de sua mãe, que
pratica o espiritismo, colocá-la em contato
com outras religiões: “nunca gostei do espiritismo, mas toda minha família era espírita. Só
fui descobrir minha vocação, porque minha
mãe me levava, de vez em quando, a um centro de umbanda. Então, foi aí que eu me encontrei. Tive a oportunidade de escolher. Não
acho que a diversidade seja ruim, pois ela te
dá essa opção de escolha”, finaliza.
Para saber mais
“Religiões, Crenças e Crendices” – Urbano Zilles (EDIPUCRS).
“O livro das Religiões” – Jostein Garder, Victor Hellern
e Henry Notaker (Companhia de Bolso).
Universo IPA | Dezembro 2006
O fato de o número de religiões ter se multiplicado mostra que as igrejas tradicionais
não se atualizaram para tratar os novos problemas de maneira adequada e convincente.
Os jovens vêem um abismo entre o que se
ensina na religião e o que realmente acontece.
É o que pensa o teólogo e diretor da Faculdade de Teologia da PUCRS, Urbano Zilles, também doutor em Teologia Dogmática, mestre
em Teologia, Bacharel em Filosofia e licenciatura em Filosofia e condecorado monsenhor
pelo Papa João Paulo II, em 1981. De acordo
com o teólogo, “é nesse abismo que surgem
os novos fenômenos religiosos como a Universal do Reino de Deus, Deus é amor, Igreja
Internacional da Graça, as chamadas pentecostais eletrônicas. Elas têm um sucesso porque, quando nasceram, estavam inseridos, na
sociedade, os meios de comunicação de massa. Então, elas os usam com maior naturalidade, o que as igrejas tradicionais, muitas vezes,
têm dificuldade de fazer. Então, para responder a esses novos desafios, não basta trazer
respostas velhas para problemas novos”.
Na opinião do professor aposentado de
Biologia da UFRGS e colaborador da Sociedade Espírita Bezerra de Menezes, Cícero Marcos
Teixeira, “as igrejas evangélicas estão apelando, inteligentemente, à valorização do ser humano. Enquanto que a Igreja Católica ficou
muito na questão do castigo, do sofrimento e
a questão do Reino de Deus, do céu ser na
outra vida”.
As opiniões divergem em alguns sentidos, mas todos os entrevistados atribuem a
responsabilidade da diminuição de fiéis à própria Igreja Católica. Para o pastor de uma Igreja Pentecostal, Everton Ismael de Mello, o que
explica esse fenômeno, além do vazio deixado nos corações dos homens, é o fato de que
o catolicismo não responde aos anseios das
pessoas, pois valoriza em demasia os métodos e as tradições, esquecendo que as pessoas precisam de esperança.
O monsenhor Zilles acredita numa futura
união entre católicos e protestantes, mas, para isso acontecer, não depende da vontade
divina e sim da vontade dos homens: “hoje, o
que separa luteranos e católicos não é tanto
a doutrina. Se não fosse o peso de quatro séculos, creio que não seria o motivo da separação. É difícil reconhecer os erros que houve de
ambos os lados, voltar atrás e fazer como se
nada tivesse acontecido. Agora, há um peso
que se criou historicamente, institucional e
tantas outras formas. Acredito que, doutrinariamente, seria relativamente fácil chegar a
uma união, não fosse a vaidade humana”.
Cleidi Cristina Pereira
CATOLICISMO X
PROTESTANTISMO
25
Manoel Canepa
O último
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g er
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lambe-lambe
câmera lambe-lambe é atração na Capital
Manoel Canepa
Quem circula pelo centro da Capital, provavelmente, se depara, ali perto da estátua do
escritor Mario Quintana, com um homem que
atende pelo nome de Freitas. Natural de Porto
Alegre, Varceli de Freitas Filho, 52 anos, carrega consigo o nobre título de ser o último fotógrafo de Lambe-lambe do Rio Grande do
Sul. Função essa, que executa há 32 anos ininterruptamente, a qual diz ser a única desempenhada em toda vida.
O mais interessante é que, se Freitas é o
último, seu pai, Varceli de Freitas, foi o primeiro fotógrafo Lambe-lambe do Estado. Desde
pequeno, acompanhava o pai em seus trabalhos, e a escolha de seguir operando essa
charmosa câmera foi um processo inevitável,
conta freitas. Essa herança familiar promete
não parar por aí. O fotógrafo é auxiliado, em
seus trabalhos, pelo filho e promotor de vendas Alexandre Machado de Freitas, 31. Mas é
o caçula Liandro Machado de Freitas, 14, que
desponta com maior força à sucessão ao ofício. Liandro, que demonstrou interesse em
seguir os passos do pai, fotografa em pinhole
(foto na lata), que tem processo de obtenção
de imagem semelhante ao do Lambe-lambe
de Freitas, pois não utiliza filme e registra as
fotos direto no papel fotográfico.
Pela ausência de filme, o papel fotográfico
é de suma importância no processo lambelambe, sendo extremamente responsável pela qualidade final da imagem. Freitas diz que
a falta de papel fotográfico e de outros materiais químicos é o principal problema enfrentado por ele no lambe-lambe, pois eles não
são mais fabricados. Ainda na metade da Feira do Livro, acabou o papel que ele estava utilizando, o qual havia vencido em 2003. Por
sorte, conseguiu, em uma loja do centro, papel fotográfico e químicos importados da República Tcheca. “Chega a ser engraçado. Para
fotografar aqui em Porto Alegre, tenho de
usar material lá do outro lado do mundo”, con-
ta Freitas ao se referir à dificuldade enfrentada.
Apesar das dificuldades, Freitas é convicto na
escolha do lambe-lambe. Diz ter utilizado, por
um tempo, o processo 35mm à filme, e também ter feito uso de câmeras digitais. Porém,
não gosta delas. “Photoshop então nunca cheguei perto, nem quero”, exclama enfático Freitas. O curioso é que a maior maior parte dos
fotografados são os jovens e não os mais saudosistas como poderia se imaginar, segundo
o próprio fotógrafo. Freitas, que teve como
ponto inicial o Chalé da Praça XV, onde, esporadicamente, fotografa até hoje, também pode ser encontrado, aos domingos, no Brique
do Parque da Redenção, onde fotografa há
mais de dez anos.
Solitário nesse ofício, Freitas diz que tem
contato com diversos fotógrafos, mas que
nunca conheceu outro que utilizasse o mesmo processo. Tendo se dedicado exclusivamente a essa atividade, garante que irá até os
últimos dias fotografando em sua câmera, assim como o pai. Ele resume a entrega ao ofício
em poucas palavras: “lambe-lambe é minha
paixão. Lambe-lambe é minha vida”.
Universo IPA | Dezembro 2006
Bruno Marona
26
O baile funk é zoação. Esse é o lema de quem sai para
se divertir nas noites gaúchas e, principalmente, nas noites
de Porto Alegre, para curtir, ao som dos Mestres de Cerimônia (MC’s), uma festa cheia de animação e com um ritmo
que vem crescendo cada vez mais nas baladas. O público são
jovens de 14 a 20 anos.
O funk nasceu nos Estados Unidos na década de 1960,
com o pianista Horace Silver, que misturou o jazz e o soul music,
e com James Brown, que deu ao ritmo a principal característica que conquistou o mundo: o swing. Chegou ao Brasil na década de 1970, onde logo surgiram as primeiras equipes de som
do Rio de Janeiro, como a Furacão 2000 e a Soul Grand Prix, que
organizavam os bailes funk na periferia da cidade. Chegando
em Porto Alegre, em meados da década de1990, o funk obteve
um rápido crescimento a partir dos anos 2000, com a criação
dos grupos junto com a parceria dos DJ’s, os chamados animadores de festa. Eles são considerados os “promoters” dos “bon-
des de funk” que, normalmente, são grupos independentes e sem espaço na mídia
para a divulgação de suas músicas. A rotina de shows de um “bonde” de funk é
muito árdua, com os grupos agendando
até três shows por noite, em diferentes
casas noturnas. Os cachês, às vezes, não
passam de R$ 100 ou 150 por show, mas
a dedicação e a vontade de vencer na vida,
As coreografias e poses são as principais diversões dos funkeiros
através do funk, faz com que os grupos
cisa fazer academia, pois uma boa noite de baile, para ela,
continuem na batalha diária. É o que conta o Mc Sabha, que
vale como um dia de exercícios. Varcelo Alves, 16, morador
faz pequenos shows durante os fins de semana, junto com
do bairro Jardim Botânico, sai para o baile funk com os amialguns dançarinos que animam o público.
gos. “Fazemos apostas com os amigos para ver quem beija
O funk tem se tornado um estilo musical que agrada
mais meninas durante a noite de festa”, relata o funkeiro.
diferentes classes sociais, diferente do que acontecia no iníEssa é a prova real de como o baile funk não é mais uma
cio, no Rio de Janeiro, na década de 1970. Juliana Molin, 16
festa de favela e sim de todas as classes sociais e diferentes
anos, moradora do bairro Bela Vista, e Jéssica Silveira, 15,
idades, onde todos vão com a mesma intenção: se divertir e
moradora do bairro Restinga, saem para curtir o baile funk
dar muito beijo na boca.
para se divertir com as amigas. Silveira disse que nem pre-
Bruno Marona
Uh, é baile funk !
O lado dos
m oda
moda
Brechós apostam em peças
baratas e contemporâneas, para
conquistar novo tipo de público
No século 19, quando o comerciante português Belchior criou uma loja de roupas usadas, a idéia parecia absurda. Afinal, quem
compraria roupas antigas e de procedência
duvidosa? Desde lá, muito tempo se passou.
As lojas de peças usadas, antes famigeradas e,
hoje, chamadas brechós em homenagem ao
comerciante precursor, se tornaram mania
entre os descolados e entendidos em moda.
Nos últimos anos, com a volta das tendências
retrô, as lojas ganharam status de antiquário e
os preços aumentaram.
Em brechós mais requintados, podem ser
encontradas relíquias, como os abrigos clássicos da Adidas, usados na década de 1970. Hoje, os abrigos alcançam valores que ultrapassam mil reais. “Algumas peças são únicas e só
encontradas aqui (em brechós)”, explica a estudante e compradora assídua Julia Heinz.
Em contrapartida, um novo tipo de brechó,
com peças mais baratas e modernas, tem caído
no gosto popular. Focados não só no resgate
do passado, mas, principalmente, na qualidade
e no decréscimo do valor das peças, esses brechós se multiplicaram e popularizaram a compra dos produtos em diferentes classes sociais.
A proprietária de brechó, Silvia Geziorny, explica o processo: “hoje, nós temos dois públicos:
um que procura uma roupa diferenciada, de
época. E outro, de poder aquisitivo baixo, que
procura roupas para o dia-a-dia”.
As peças dos brechós populares custam,
em média, de R$5 a R$100, podendo chegar,
em promoções, a apenas R$1. Outro atrativo
são as roupas e acessórios de grife, que podem ser achados por menos da metade do
preço original. “Eu sempre tive vontade de
comprar roupas de marca e, através dos brechós, encontro roupas de qualidade e de marcas famosas, com preços muito atraentes. Nas
lojas, eu compraria uma peça. Aqui, com o
mesmo valor, compro duas, no mínimo”, con-
ta a compradora Fabiana da Silva. Além disso,
grande parte das roupas não é datada, e podem ser encontrados modelos da própria estação, o que torna os produtos ainda mais
interessantes para todos os públicos.
Um fator comum entre os donos de brechós é a improvisação na criação das lojas. O
custo de uma pesquisa por roupas antiquadas
é bastante alto. Dessa forma, os comerciantes
acabam recorrendo a amigos e familiares, pedindo doações para começar o negócio. “No
início, pedia roupas a amigos e familiares. Abri
o brechó com minhas próprias roupas. Mas,
hoje, o negócio é muito rentável”, comenta a
proprietária de brechó, Aliane Moura.
O senso comum, que dizia que as roupas
eram “todas oriundas de defuntos”. Os donos
dos brechós modernos negam veementes. “O
preconceito existia, mas, hoje, os brechós são
muito procurados. Temos clientes fiéis, peças
boas e baratas”, explica Moura, fazendo uma
síntese do sucesso.
Para o público descolado, saem de cena as roupas datadas. Entram as roupas de grifes populares e de forte apelo comercial
Fernanda Bastos
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Fernanda bastos
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28
A solidão
Bruno*, 27, está apaixonado. Faz um
“um dia, recebi um telefonema a cobrar.
mês que fala todos os dias com a sua “naEra uma menina. Gostei da voz dela e tuTodos os dias, muitas pessoas, pelo
morada virtual”. “Ainda não nos conhecedo mais. Então, comecei a puxar papo e
fiquei um tempinho conversando com
mundo, se conectam à internet. Pessoas
mos. Mas, só de telefone, gastei R$800 esdas mais variadas idades, raças e classes
te mês. Estou sendo correspondido e teela só por telefone. Nesse meio tempo de
nho muitas expectativas quanto a ela.
sociais. Algumas em busca de informação,
conversa, mudei bastante. Algumas coioutras atrás de seus recados e contatos ou,
sas para melhor, ouAcho que 90% das
ainda, à procura de companhia e relaciopessoas, na net, são
“Procuro mulheres lindas tras nem tanto, mas
namentos.
mudei”.
sinceras. Teve uma
e
maravilhosas,
sedentas
vez que saí com uma
“Eu entrei na ‘net’ para descansar um
Depois
disso,
por sexo seguro. Sou
mulher que dizia ter
pouco do trabalho. Estava me sentido soCarlos ficou fascina33 anos e, no final,
zinho e carente aqui”. Declarações como
casado, mas sou sincero”. do por conhecer as
me confessou que
pessoas “de maneira
essa, do programador de informática Felipe*, 32 anos, são comuns aos usuários de
tinha 40. Apesar disso, acho que as pessointerpessoal e, logo após, pessoalmente”. O
chats, as são salas virtuais onde pessoas se
as são sinceras sim”, afirma.
estudante continua: “mas, no caso da interconectam para conversar.
net, só me encontrei uma vez com alguém.
O funcionário púbico, Leonardo*, 37,
procura relacionamentos casuais na interOs usuários entram para “arejar a cabeE pode ter certeza: é super desagradável,
ça”, entram em função da solidão que senporque daí caí na real que é só pela ‘net’
net. Ele acha muito difícil encontrar algo
tem. Recorrem à internet por motivos variamesmo a ‘paixão’. Chegando pessoalmente,
sério. Sempre é sincero, pois para ele,
dos, mas todos os entrevistados confessam
mentir é perda de tempo e dinheiro. “É
tem que olhar nos olhos e aí há falsidade.
o sentimento de carência, seja ela amorosa
uma minoria que mente na net, mas semPalavras e frases formadas saem do nosso
ou não. É a falta de algo que leva essas pespre tem, pois a internet favorece isso já
controle”.
soas a buscar algo no mundo virtual.
que as pessoas se escondem no anonimaQuestionado sobre a sinceridade no
mundo virtual, ele comenta: “quando as
A busca pode variar entre amor, amito”, observa. Saiu com, aproximadamente,
160 mulheres através de chats, mas se enpessoas mentem é porque estão com medo
zades e sexo: “procuro sexo. Procuro mulheres lindas e maravilhosas sedentas por
volveu somente com duas. Ele desabafa:
de serem reconhecidas na rua. Na internet,
“não tenho orgulho
as pessoas e, principalmente, os jovens se
sexo seguro. Sou casadisso.
Queria
ter
acerabrem sobre sentimento e dúvidas que têm
do, mas sou sincero. Só
“Não tenho orgulho
saí com umas quatro
e que não conseguem tirar com pais ou irtado de primeira”. Ao
disso. Queria ter
mulheres daqui em
mãos mais velhos. E mentem, também,
final da entrevista, Leotrês anos, porque tem
acertado de primeira”. nardo revela: “man”, te- quando se sentem enganados”.
todo um trabalho de
nho sempre cerca de
Difícil mesmo foi conseguir depoimenconvencimento e não quero me expor.
seis em contato para sair. Mais de seis é
tos de mulheres. Diferentes dos homens,
difícil de administrar”.
pelos chats, elas não contam suas histórias
Não quero amantes, só casos. Saídas de,
no máximo, uma vez”, afirma o contador
A internet virou uma opção, para coa outras mulheres. Nem dão chance de ennhecer pessoas, quando se tem pouco
Tom*, 40.
tender o que a reportagem queria. Todas
tempo livre com a vida tumultuada dos
as mulheres foram abordadas fora do munGarotos de programa usam o meio
virtual para promover seu emprego e audo virtual, e só se abriram porque existiam
tempos atuais. “Eu considero a internet,
mentar a “carteira” de clientes: “faço prohoje, um meio bem viável de se conhecer
laços de amizade com a repórter.
gramas há um ano e meio. Só atendo mupessoas legais. Principalmente, pra mim
A professora Fernanda*, 26, seguidaque, atualmente, tenho pouco tempo limente, conhece pessoas pela internet:
lheres. Conheço elas pelo chat e, se rolar
vre, pois o escritório e a faculdade me con“sempre que vou sair com alguém, deixo o
um clima, saímos. Eu não sou daqueles
que chegam, vão tirando a roupa, sobem
somem, praticamente, 80% do meu dia
número do celular com uma amiga, e compra cima da mulher, ficam transando, mal
útil de segunda a sexta”, afirma o formanbino de ligar duas horas depois do encone porcamente, 15 minutos e vão embotro para ela saber que está tudo bem”.
do em Direito, Gustavo*, 25.
ra... Eu procuro conversar antes, tomar
Nem todos têm experiências positiA estudante Rejane*, 24, não pensou
um drinque, um banho a dois bem legal,
em nada: “saí com um cara, nem pensei
vas na internet. O agente publicitário,
nos riscos que estaria
uma massagem de repente! Eu já tenho
Luis*, 43, recém se“Estava me sentindo
parado, não enconcorrendo. Ele é conheoutro emprego, não cobro caro. Gosto
mesmo é do momento, da satisfação.
trou o que esperava.
carente e sozinho aqui”. cido de um amigo, mas
nem nos conhecíamos,
Gosto que a pessoa com quem estou se
“As pessoas não são
e tudo foi combinado pela internet. Grasinta legal. Grana eu deixo em segundo
o que dizem ser. Até as fotos enganam”,
ças a Deus que ele era uma pessoa legal”,
plano”, brinca Guilherme*, 31, “lover”, coreclama. O estudante, Carlos*, 18, tormo ele se denomina.
nou-se um viciado em relações virtuais:
lembra rindo.
Luísa Aranha
Foi dessa vez...
“Tudo começou quando eu não queria
mais sair. Só ficava em casa, no computador. Já tinha conhecido vários rapazes,
mas sempre dava um bolo e saía fora. Um
dia, conheci uma pessoa que me chamou
a atenção com suas brincadeiras. Marcamos de ir ao cinema uma semana depois
que falamos na internet. Foi legal. No início, parecia que ele era muito tímido, mas
não era. Era muito apressado e, com isso,
eu já queria ‘dar um fora’ nele no terceiro
dia. Só que, depois de conhecer melhor,
não queria mais sair de perto dele.
Ele era muito companheiro, carinhoso
e romântico. É difícil ver um homem assim. Começamos a namorar. Foi seis meses só de alegrias. Depois veio um presente, mas que deixou o Pedro* bastante nervoso. Eu engravidei. Ficamos com medo.
Pedro* falava muita besteira e coisas que
me deixavam triste. Depois que ele viu a
Palavra de especialista
“O relacionamento on-line é, hoje,
uma realidade e penso que vai continuar”,
afirma a psicóloga Nair Teresinha Gonçalves. Segundo a terapeuta, as pessoas sempre buscam um relacionamento, e a internet dá uma resposta mais imediata a esse
desejo. Mas é muito importante que se
construa pontes entre o mundo virtual e o
mundo real.
A busca exagerada por alguém pode
demonstrar uma insatisfação consigo
mesmo. “Possivelmente, as pessoas, que
ficam sempre buscando, não encontram
satisfação num espaço próprio, sentem-se
inseguras. Então, estão sempre buscando
fora delas e nunca se satisfazem”, alerta
Gonçalves. “Isso torna as relações frágeis
quando elas acontecem, pois há uma idealização da outra pessoa e uma crença de
que ela vai resolver todos os problemas”,
completa a psicóloga.
Um aspecto negativo, apontado por
Gonçalves, são as personagens criadas: “o
ideal é que as pessoas se mostrem, como
são, na internet. As pessoas que não se
mostram, geralmente, têm uma carência
muito grande, uma auto-estima baixa, não
se aceitam, gostariam de ter uma outra vi-
da. Então, se reinventam”.
A reinvenção de si mesmo, como a psicóloga chama, demonstra uma insatisfação com a vida e dificuldades para mudar
o que não se gosta: “é importante a pessoa
se dar conta do que a está abafando, oprimindo e porque ela não põe em prática
seus desejos”, aconselha.
O perigo de se criar personagens é
que, na hora de se estabelecer um relacionamento real, eles não vão em frente: “a
pessoa com quem se está conversando recebe as informações e cria uma imagem
do outro. Apaixona-se por essa imagem. E,
quando vê, não é nada daquilo. A imagem
desmorona na primeira troca de olhares,
inclusive pela mentira. Elas enganam o outro, mas, principalmente, enganam a si
mesmas”, comenta a terapeuta.
As paixões virtuais ocorrem por novos
paradigmas como explica Gonçalves: “para entendê-las, é preciso que se crie novos
paradigmas, porque se ficarmos presos ao
olho no olho, atração física, tom de voz,
não vamos aceitar as relações amorosas
pela web”. Segundo a terapeuta, o que
possivelmente existe, na internet, é a cumplicidade, a troca de confidências, as fantasias compartilhadas. Não existe a presença física.
“A internet está aí, e possibilita que as
pessoas se conheçam e construam vínculos, antes de uma relação real. Abre caminhos, abre portas”, afirma Gonçalves.
c omp or tame nto
“Estava, um dia, batendo papo num
chat para passar tempo. Conheci um cara
e, em seguida, trocamos o e-mail do MSN.
Passamos a nos falar sempre por ali. Uma
semana inteira e, quanto mais ele me contava sobre sua vida e seu jeito, mais eu me
encantava. Ele insistia para a gente se conhecer, mas fiquei receosa. Afinal, nunca
tinha conhecido alguém assim, pela internet. Eu estava muito curiosa e confesso
que apaixonada por ele. Mesmo sem conhecer pessoalmente, sonhava e fantasiava coisas com ele.
Acabei topando sair. Fomos num barsinho bem conhecido e tomamos uma
cerveja. A conversa rolou como se nos
conhecêssemos há anos. Cada minuto
que passava, ficava mais fascinada por
ele e saímos juntos todos os dias naquela semana.
Quando chegou sábado, ele disse que
iria viajar, e eu mandei uma mensagem para o celular dele toda apaixonada. Meu celular tocou e eu atendi toda feliz. Mas não
era ele e sim a namorada. Fiquei muito triste e confesso que com bastante receio da
internet”. (Mariana*, 26, estudante).
primeira foto do bebê, ficou todo animado e esqueceu tudo que havia falado e
pensado em fazer.
O tempo passou e chegou a hora do
Matheus nascer. Foi uma loucura. O Pedro*
estava trabalhando e eu com ele. Chegamos ao hospital em cinco minutos. Foi
muita loucura e correria, mas o Matheus
nasceu. Pedro*, que é branco, ficou mais
branco e o médico não queria dar o bebê
para ele segurar.
Depois, Matheus foi crescendo e queríamos ter nossa casa. Foi um bom tempo de
espera, procurando e vendo o que dava para pagar. Mas conseguimos e, hoje, temos
nossa casa, nosso carro zero Km e nosso filhão, que, com um ano e quatro meses, está mais esperto do que o pai.
Às vezes, da vontade de ir embora, de
volta para casa de minha mãe por causa de
umas briguinhas. Mas daí, bate uma saudade... Dizem que um casal tem de ter brigas, né?”. (Bianca*, 21, estudante).
* Todos os nomes são fictícios para
preservar a privacidade dos entrevistados.
Saiba quando procurar ajuda
- Quando você substitui o mundo real pelo virtual, e
passa mais tempo na internet do que em outras atividades, deixando de lado outros compromissos.
- Quando você se descreve diferente do que você ou sua
vida é realmente. Isso é um alerta para si mesmo.
- Q uando não consegue estabelecer pontes entre o
mundo real e o virtual.
Universo IPA | Dezembro 2006
Não foi dessa vez...
c om por ta m en to
que socializa
29
Na mira das lan houses
nterne
inIter
n et t
Universo IPA | Dezembro 2006
30
As casas de games para computadores,
chamadas, hoje, de lan houses, cada dia tornam-se mais presentes na vida de crianças
e jovens. A nova moda, nem tão nova assim,
surgiu na Coréia do Sul, em 1995 e ganhou
o mundo rapidamente. No Brasil, a pioneira
do ramo foi a empresa Monkey em 1998, em
São Paulo. A marca está em 32 lojas de diversas cidades. Cada uma tem, no mínimo,
30 computadores e fatura, em média, R$30
mil por mês. Hoje, no Brasil, existem, em média, mais de 2,5 mil.
O investimento de uma lan house é alto
e a atualização é necessária, pois os jogos
solicitam cada vez mais computadores
avançados. Na maioria das lan houses, o suporte é feito pelo proprietário, pois a manutenção é contínua. Segundo a proprietária
de lan house, Ana Claudia Rico, “o investimento é bem alto. Estou aqui há dois anos
e meio e ainda não tive retorno”. Para outro
proprietário, Marco Aurélio Negreto, “o lucro
depende de um bom ponto. Para os jogos,
é essencial um equipamento muito atual,
sendo um negócio que precisa, periodicamente, de atualizações”.
Essas casas de jogos ficam abertas, em
média, 14 horas por dia, de segunda à sextafeira, com valor de R$ 3 a hora. Há também
os chamados “corujões” (noite inteira jogando) nas sextas, sábados e feriados. Sempre
que fecha um grupo de pessoas para jogar
na lan (computadores em rede, podendo
jogar uns contra os outros), em média, é cobrado R$ 10 por jogador. Geralmente, no
horário das 21h até as 7h. O tempo que cada
freqüentador fica jogando, é duas horas dia.
Há aqueles que ficam mais tempo. É o caso
de William Cardoso da Silva, chamado de
“Trakinas” pelo seus amigos de lan house,
que começou a jogar com 15 anos. Hoje,
tem 19: “cheguei a jogar de 14 a 15 horas por
dia”, afirma.
Os jogadores de lan house sempre têm
um nick (apelido utilizado nos jogos e nas
dependências do estabelecimento). Desde
os mais ingênuos como Bob Esponja, Viper,
Pipetinho, Sano, até nicks “bagaceiros”, ou o
próprio nome. O público mais freqüente
desses estabelecimentos são crianças de 12
a 15 anos, mas existem freqüentadores de
todas as idades. No entanto, no Rio Grande
do Sul, não existe nenhuma lei aprovada
que restrinja a faixa etária de usuários das
lan houses. Há um projeto de lei do deputado estadual Osmar Severo (projeto
Maria Cristina Dornelles
maria cristina dornelles
341/2006), que está na Comissão de Justiça,
para receber parecer do deputado Iradir
Pietroski e ser encaminhado para votação
no Plenário. O projeto pode ser pesquisado
no linck de proprosições do site da Assembléia Legislativa (http://www.al.rs.gov.br/).
Ele tem como principal objetivo proibir a
entrada de menores de 12 anos em lan houses sem a companhia dos pais, e de permitir
o jogo de crianças e jovens de 12 a 18 anos
somente com autorização dos pais ou responsáveis legais. Em São Paulo, as regras
existem, baseadas na lei nº 12.228, de 11 de
janeiro de 2006.
Artista de games, Vitor Eduardo Arusievica explica que, na América do Norte, Europa e Japão, existem órgãos responsáveis
por determinar a faixa etária à qual o jogo
se destina, assim como funciona com filmes.
”Gostaria de acrescentar que é dever dos
pais e não dos criadores de jogos, vendedores e donos de lan house controlar o tipo de
conteúdo ao qual seu filho é exposto.”, argumenta Arusievica.
Os games mais jogados dependem da
moda do momento, porque todo grupo joga junto uns contra os outros nas lans. Mas
a moda do momento é o estilo RPG como
Mu e Ryl-Risk Your live.
Um exemplo de que não há nenhum
acompanhamento de alguns pais em relação ao que os filhos fazem na lan house é
dado por Isabel Possenato Parmagnani,
mãe de Gabriel Parmagnani Fernandes, nick
Gabi Gordo. Fernandes gosta de jogar Mu
(RPG). O menino, que tem apenas oito anos,
joga desde os sete em lan house. Afirmou
que joga GTA (game em que o jogador rouba carros, mata pessoas com bombas, fala
com traficantes e prostitutas, tudo legendado em português). A mãe ficou apavorada:
“nunca fui junto com ele, e não sei que tipo
de jogo ele joga”. Fernandes joga de uma a
duas horas por semana e nunca participou
de corujão: ”me pediram autorização para
jogar. Com essa autorização, jogo qualquer
jogo, acesso MSN e tenho Orkut”, conta Fernandes.
Rafael André Ferreira, nick Taz, 11, joga
na lan house há dois anos: ”sempre aviso
meus pais quando venho para jogar”. Ele explica porque gosta de ir à lan house: “porque
tem gente para conversar. Porque, em casa,
jogo sozinho”. Participou por diversas vezes
de corujões.
Fausto Maria Grezzana, 11, foi uma vez
à lan house, mas não gostou. Pratica futebol
desde quatro anos, influenciado pelo seu
avô. Ele diz que não gosta muito de games:
“é mais divertido jogar futebol. Não gosto
de ficar parado”.
Arusievica lembra o caso do atirador
do cinema de São Paulo, que apontaram
ter sido influenciado por jogos e, em pouco tempo, foi aprovada a proibição de certos títulos no território nacional: “o que
tenho a dizer sobre esse tipo de censura é
que, como os jogos são uma mídia relativamente nova (têm cerca de 30, 40 anos na
melhor das hipóteses), não existem estudos sérios, no Brasil, sobre possíveis efeitos
na psique das pessoas que jogam. Qualquer proibição é ato de políticagem oportunista de pessoas com poder sobre as leis,
mas ignorância sobre o assunto. Por que
não proibiram filmes violentos como Rambo ou Robocop?”
Vale ressaltar que a natureza de muitos
jogos de lan house é competitiva, onde um
vai vencer e o outro, perder. Isso costuma
envolver temáticas de combate, como guerras. Assim, criam esse tipo de situação de
combate extremo em um ambiente virtual
que não apresenta risco físico aos participantes.
O que é RPG?
A sigla RPG vem da expressão inglesa roleplaying game, que pode ser traduzida como “jogo de
interpretação”. Nele, os jogadores interpretam os
personagens que vão enfrentar os perigos de uma
aventura ainda desconhecida. Ninguém sabe o que
vai acontecer, exceto um jogador “especial” chamado
de “Mestre do Jogo”. Só esse jogador conhece o roteiro da aventura. As mais diversas ambientações são
possíveis. O Mestre apresenta uma nova situação.
Assim, o jogo prossegue até o grand finale.
um oásis político
Mauro Schaefer/AL
Apesar da principal função de um parlamentar ser a representação popular, há muitas adversidades que os impedem de governar melhor. Para o cientista político André
Marenco, o principal problema são as limitações enfrentadas pelo Poder Legislativo, estabelecidas pela Constituição Federal. Segundo
ele, toda a iniciativa sobre a matéria orçamentária, relativa à organização da administração
pública ou que repercuta em gasto, é de competência exclusiva do Poder Executivo. “Isso
faz com que, muitas vezes, a população não
entenda”, destaca Marenco.
Segundo o deputado Marco Alba (PMDB),
o trabalho de um parlamentar deve ir além
de legislar e fiscalizar: “devemos contribuir para a formação, conscientização e melhoria na
vida da população. Nosso compromisso é
com os gaúchos”.
Deputados no Plenário da Assembléia Legislativa: propostas são a esperança de melhores oportunidades
Para o deputado Raul Pont (PT), as principais atribuições do cargo é legislar e fiscalizar
o cumprimento das leis pelos governantes.
De acordo com Pont, são duas as principais
dificuldades como deputado: a extensão das
pautas com projetos para serem votados e a
disputa política, a qual considera a maior. “Temos, na Assembléia, diferentes partidos políticos com programas bem nítidos, que podem ter interesses programáticos contrários a
outro partido. Conforme o debate político,
vão se formando maiorias e minorias na hora
da votação, seja nas comissões, seja no plenário”, afirma.
Segundo o deputado Paulo Brum (PSDB), também reeleito, os parlamentares são
eleitos para defender os interesses dos cidadãos. Principalmente, na formulação de leis
que melhorem a sociedade, e na fiscalização
do Poder Executivo. “Quis trabalhar na política para batalhar por isto: trabalhar pela vida”,
destaca.
Apesar de todas as explicações dadas pelos parlamentares, a população ainda acredita
que eles fazem pouco pelo Estado. “Depois de
eleitos, muitos esquecem de seus eleitores.
Lembram só de quatro em quatro anos”, ressalta a farmacêutica Juliana Mattos. Em contrapartida, os deputados alegam que os processos de aprovação são realmente demorados, pois todos os projetos, apresentados na
Assembléia, devem seguir os trâmites administrativos. É feita uma análise pela Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ), que verifica se
o projeto obedece a Constituição. Isso é feito
por um deputado, que elabora um relatório e
o coloca para votação dos demais participantes da CCJ. Se for considerada apta, a proposta segue a tramitação processual e entra na
fila para votação dos 55 deputados. Um fluxo
que, segundo eles, consome muito tempo.
Para o estudante Alessandro Engroff Kochhann, que votou pela primeira vez na última eleição, a principal meta de um parlamentar deve ser defender os interesses de seus
eleitores. Apesar do gosto pela política, o jovem também concorda que, na maioria das
vezes, os políticos só lembram de seu eleitorado às vésperas da eleição. “Vêm só de quatro
em quatro anos. Com o único fim de conseguir o voto”, desabafa Kochhann.
Avanços políticos
De acordo com Marenco, pode-se avançar em duas direções ao ampliar a participação do Legislativo na decisão sobre políticas
públicas e melhorar seu trabalho na fiscalização do Poder Executivo. Por outro lado, ele diz
que é preciso melhorar o controle e a responsabilidade exercidos pelo eleitor sobre os seus
representantes. “Isso passa pelo fim de votações secretas e, principalmente, por processos que tornem mais fácil ao eleitor associar
seu representante não apenas com questões
particulares, mas com posições em relação às
políticas mais importantes para o país”, salienta o cientista político.
Universo IPA | Dezembro 2006
Funções X dificuldades
polí ti ca
marluci stein
A população ainda desconhece a real importância dos parlamentares na política, segundo o Superintendente Legislativo, Enilto
José dos Santos. “Os deputados nada mais são
do que os representantes da sociedade que
os elegeu. Os eleitores precisam cobrar ações
deles”, complementa Santos.
Segundo os artigos 31 e 32, do capítulo V,
do Regimento Interno e Código de Ética Parlamentar da Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul, os deputados, no exercício do
mandato, devem, além de outras funções,
promover a defesa dos interesses populares e
estaduais sem receber vantagens indevidas
com isso.
De acordo com a Superintendência Legislativa, não são apenas deveres que um deputado deve ter. Com muitos direitos, alguns são
até questionados pela população. Os parlamentares gaúchos possuem um salário de R$
9.540. Isso representa exatos 75% do valor recebido por um deputado federal. Eles ainda
têm direito a exercer, com liberdade, o seu
mandato em todo o território estadual, ingressar livremente em qualquer órgão ou repartição estadual ou municipal, da administração direta ou indireta e ter a palavra na
Tribuna, na forma regimental. Podem examinar, em qualquer repartição, documentos que
julgue de interesse para a atividade parlamentar e ainda gozar de licença de 90 dias.
Governar, fiscalizar, julgar,
instituir e constituir. Funções
quase desconhecidas perante
os gaúchos e os brasileiros.
p olí ti ca
Assembléia Legislativa:
31
soc
s oc
i a li al
ociais do Campo
32
Jaqueline alves debastiane
Universo IPA | Dezembro 2006
Manifestação do Grito da Terra Brasil, em 2004. Foram mais de 7 mil agricultores reinvindicando seus direitos
Tranqüilidade nas vilas rurais, clima bucólico, contato com a natureza, nenhum problema que possa abalar essa vida singular. Engana-se quem pensa que só de tranqüilidade e
ar puro vivem as pessoas do campo.
Uma das questões mais evidentes é a luta
para conseguir a base para sobrevivência,
através do meio onde vivem, terra, a qual deveria ser patrimônio público e não apenas
tratada como simples mercadoria.
Todo esse cenário e um histórico de concepção de terra, sem políticas públicas, além
da vontade dos agricultores de ver seus direitos garantidos, fazem com que o Rio Grande
do Sul seja espaço político para a atua­ção de
diversos movimentos sociais do campo.
Como a história de lutas e conquistas
começou? Tudo surgiu na década de 1960,
com o Golpe Militar. A situação não era favorável. Todos estavam insatisfeitos e buscavam alternativas para o campo, o que originou o Movimento dos Agricultores Sem
Terra (Master). Os integrantes reuniam-se
apenas na calada da noite, pois não podiam
aparecer por conta do Departamento de Ordem Política e Social (Dops).
A estratégia do Master era fazer panfletos
de valorização dos camponeses, para a cons-
cientização das pessoas e distribuí-los nas escolas. Em contraponto, a Igreja Católica começou a ver que deveria dar atenção especial às
causas sociais. Puxada pela Teoria da Libertação, com Frei Betto e Leonardo Boff, criaram a
Comissão Pastoral da Terra (CPT). Segundo
Rodrigo Fritzen, que foi membro da CPT, e
acompanhou todo o processo, eles tinham
como objetivo, através da CPT e da Pastoral da
Terra, organizar a sociedade camponesa. “Para
isso, fazíamos exposições, dávamos palestras
para os agricultores sobre agregação de renda, cooperativismo, ressaltando os seus direitos e deveres”, revela.
Outra parte que representa os trabalhadores rurais é a Federação dos Trabalhadores
na Agricultura no Rio Grande do Sul (FetagRS). O presidente do Sindicato de Santa Maria
do Herval e o Secretário da Fetag, Fritzen, através de seus sindicatos dos trabalhadores rurais, diz que a Federação nasceu em1963, por
meio das lideranças, porque era necessário
conseguir avanços que, para o campo, estavam sendo deixados de lado. “Conseguimos
várias conquistas para os agricultores, camponeses. Tais como crédito fundiário (crédito de
acesso à terra), habitação, formação e capacitação. Esse movimento tem significância, pois
tiane
Debas
Reforma agrária
Historicamente, a reforma agrária surge como
uma proposta de superação de um conjunto de situações críticas que configuram uma determinada
“questão agrária”. A luta pela terra e a concentração
dos latifúndios são expressões vivas da forma como
o mundo rural brasileiro está organizado. Esse é o
outro lado do “sucesso” do moderno agronegócio
brasileiro.
Nesse contexto, um dos movimentos sociais
que mais se destaca, na questão da reforma agrária,
pela forma de agir, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para entender a sua forma de agir, é necessário conhecer a história, os instrumentos de ação e fazer uma reflexão crítica sobre esses lutadores da reforma agrária, como denomina o Superintendente Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no
Ceará, Eduardo Martins Barbosa.
O MST derivou da CPT, que era um braço de
ação mais rápido, com atribuições específicas,
Extensão de terra da COOPAN, cooperativa dos assentados da reforma agrária em Sertão Santana
Airton José Hoschscheid
Assessor de Política
Agrícola da FETAG e agricultor
Universo IPA - Qual sua avaliação sobre
a atual situação do agricultor?
Airton José Hoschscheid - Em termos de
programas de políticas públicas, houve avanços
significativos no decorrer dos últimos anos. Principalmente, a partir de 1994, com a implantação
do Programa de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF), que possibilitou o acesso do
pequeno agricultor aos recursos para financiamentos das atividades agrícolas, o que não impediu a grave situação financeira em que o mesmo
se encontra hoje: completamente endividado e
sem sustentabilidade de sua atividade, castigado
por sucessivas frustrações de safra e preços agrícolas que não cobrem o custo de produção.
Universo IPA - Qual o significado dos
movimentos sociais do campo, perante às
instituições governamentais?
Airton - São elos entre o agricultor e os órgãos governamentais. São os responsáveis pela
organização dos produtores e apresentação de
propostas para políticas públicas que atendam às
necessidades e os anseios dos mesmos.
Universo IPA - Qual o papel da FETAG em
tudo isso?
Airton - O papel da FETAG, que representa
mais de 1,5 milhão de agricultores familiares no
Estado, insistente batalhadora, é ser um canal de
negociações entre o produtor e o Governo Federal.
Universo IPA - Qual o futuro do agricultor dentro da conjuntura dos movimentos
sociais?
Airton - O agricultor sente cada vez mais a
necessidade de trabalhar de forma organizada.
Nesse sentido, o movimento sindical tem atuado
fortemente na defesa dos interesses de seus associados, propondo e defendendo políticas de apoio
à agricultura familiar, a partir dos problemas sentidos e vividos. Se, atualmente, a agricultura familiar passa por uma crise financeira, certamente,
sem a atuação dos movimentos sociais, principalmente das entidades sindicais que representam o
setor, o quadro seria muito mais complicado.
s oc i a l
e Alves
O mestre em Economia no Meio Rural, Nelsom
Baldasso, que trabalha na Associação Rio Grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e
Extensão Rural-RS (Emater-RS), por possuir contato
direto com a base de todos esses movimentos,
acredita que ‘’a agricultura é o esteio do Brasil”. Ele
afirma que duas questões devem ficar muito claras
quando se mencionam os movimentos sociais ligados à questão da terra: eu quero terra (a posse)?
E para que eu quero terra (função social)?
Os movimentos são os “auto-falantes” do campo. É assim que Baldasso define outra função importante deles. “Quando o Estado e suas instituições não cumprem seu papel, alguém tem de ocupar esse espaço”, acreditaBaldasso. Para o especialista, “a proliferação desses movimentos aproxima
as pessoas do processo democráticos. E, quando
assumem uma devida pulverização, provocam a
qualificação, tanto de instituições, quanto do público atingido”.
soc i al
Para que quero terra?
Universo IPA | Dezembro 2006
n
Jaqueli
Fotos:
conseguimos mobilizar o povo interessado
e pressionar o poder público para a obtenção dos objetivos em prol do povo do
campo”, completa.
Outro movimento social significativo e de abrangência internacional é a
Via Campesina. Sediada na Ásia, África,
Europa e América, agrupa organizações camponesas de pequenos e
médios agricultores. A organização
desses camponeses tem como objetivo a relação respeitosa entre a
natureza e o homem. Pode ser citado, nesse caso, a destruição do
viveiro de mudas da Aracruz empresa de celulose que fere esses
princípios. Os camponeses queriam chamar a atenção para o
desenvolvimento rural sustentável.
Para o jornalista, doutor
em comunicação e estudioso
da Via Campesina, Osvaldo
Biz, outro ponto forte é a
preservação do solo e a soberania alimentar, com a
tradição da agricultura familiar. ‘’Só lutamos e discutimos tudo isso, pois o
cerne está em como as
terras, no Brasil, na época da colonização, foram divididas desde a
divisão por capitanias
hereditárias, o histórico de grileiros, a
Constituição de 1946”, afirma Biz.
Toda a luta dos movimentos sociais, principalmente pela terra, é justificada pelos 8,5 milhões de km2 de extensão territorial do País. Aí vem a fatídica pergunta: há condições de sobrevivência para o campo, através de uma distribuição justa
por terra, com uma dimensão dessas?
33
soc
s oc
i a li al
dentro da Igreja Católica. Em 1984, no Paraná, um engajado grupo de pessoas,
ideo­logicamente comprometido com a
questão da terra, realizou o primeiro
congresso, onde deu-se início ao MST,
como movimento organizado.
Para o pesquisador em comunicação do Brasil, Pedrinho Guareschi, os
movimentos sociais rurais tomaram
essa proporção, pois lutam por uma
causa legítima, concreta, palpável,
que é a conquista da terra, por ser
uma questão histórica e ter grande influência.
O MST, no começo, foi organizado com apoio de várias entidades e da própria CPT, que
foi o berço de sua origem. No
Brasil, o MST é o principal representante do movimento
Agricultores do RS em viagem de estudo a Mondaí, Santa Catarina, para discussão do abastecimento de água potável
internacional, que é a Via
Campesina, ligada a vários outros países.
pessoas, pois, como declara o Guareschi: “ninmoradia, aos financiamentos e aos direitos
Segundo Guareschi, a estratégia do MST
guém irá conseguir derrubar o movimento.
que, antes, lhe eram negados.
é ocupar as terras. Mas enfatiza que eles só
Se uma pessoa cai, há mais 21 para poder dar
Ela era uma das mulheres integrantes da
ocupam quando possuem absoluta certeza
sustentação e seguir em frente”.
invasão do horto florestal da Aracruz Celulose,
de que são improdutivas, ou quando estão
Ele afirma que os objetivos dos Sem Terra
que a Via Campesina liderou e organizou. Seimpedidas por questões judiciais, devendo
baseiam-se em princípios que possam garantir
gundo a militante, elas queriam com esse ato,
para o banco. O próprio movimento possui
o reconhecimento social de suas lutas, e que
mostrar o horror que vai se tornar o Rio grantécnicos que analisam todas essas questões.
não há nada que aconteça no Brasil sem presde do Sul com a implantação desses compleO segundo passo é as pessoas, que estejam
são. Um exemplo disso é que de cem assentaxos florestais e que as pessoas não tomaram
ideologicamente comprometidas com a caudos, 90 são por causa das lutas do MST.
consciência da dimensão que poderá se torsa, que desejam e necessitam de terras, entrar
Como dizia Paulo Freire, “essas marchas
nar os chamados “desertos verdes”.
para uma “fila de espera”, e participar dos
dos Sem Terra são autênticas andarilhagens
“Com implantação dos complexos floresacampamentos. Essa espera pode durar de
históricas de pessoas que lutam pelos seus
tais, a água ficará prejudicada, a produção de
seis meses a dois anos.
direitos... Elas demonstram, mais uma vez, que
alimentos comprometida, sem falar em todo
Nesses acampamentos, eles passam por tosó através da mobilização é possível lutar cono lixo tóxico que será despejado na natureza.
do um processo educativo de formação e militra uma vontade reacionária instalada em
E o produto, o papel, que é a única coisa boa,
tância: “Nos próprios acampamentos, há esconosso país, que resiste à mudança”.
será exportado”, conclui ela. A mídia analisou
las, onde se chegou a um número de 100 mil
como sendo de impacto negativo a atitude,
alunos e mais de 100 mil famílias”, analisa Guatomada pela Via Campesina, de invadir o horto.
reschi. Quando perguntado sobre o envolviMas, como Becker analisa, a mídia focou por
mento do MST com partidos políticos, a exem“O pequeno só é pequeno porque está de
esse lado, pois os seus donos são os grandes
plo do Partido dos Trabalhadores (PT), afirma,
joelhos diante dos grandes”, é assim que a coproprietários do capital, muitas vezes, financiacom segurança, que eles têm muita clareza teordenadora do Movimento dos Pequenos
dos por essas empresas. Para o movimento, foi
órica, e não se envolvem com política partidária.
Agricultores de Taquari (MPA-Taquari), ligado
de grande sucesso. A partir desses aconteciMas elegem, através desses partidos, os seus reà Via Campesina, Marli Becker, descreve a caumentos, as pessoas começaram a tomar copresentantes, para poder ter voz e vez para consa de muitos agricultores não conseguirem o
nhecimento e, desde então, a pensar no asseguir o que desejam e, principalmente, porque
que desejam.
sunto e refletir sobre a questão. Becker destaeles têm que defender a sua ideologia.
Becker ajudou a montar o MPA-Taquari
ca, ainda, que o movimento está em constanOutra questão importante, quando se
em 1992, e diz, com entusiasmo comovente,
te formação. Todo mês, fazem reunião com os
analisa a estrutura do MST, é como ela está
que sempre lutou pelas causas sociais e pelo
coordenadores, há cursos em andamento paorganizada. Não existe apenas um mentor, ou
direito dos trabalhadores rurais. Foi através
ra os militantes e sempre estudam estratégias
um chefe, é uma estância de decisão com 22
desse movimento que obtiveram acesso à
para que o povo não fique parado e possam,
Universo IPA | Dezembro 2006
Invasão da Aracruz
34
Entenda o contexto das siglas e os movimentos existentes no RS
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens
Via Campesina - Movimento Internacional de apoio aos pequenos agricultores
MMTR - Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais
CPT - Comissão Pastoral da Terra, ligado à Igreja Católica
FETAG/RS - Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul
assim, conseguir os seus direitos.
E tudo isso leva à plena convicção de que
o reconhecimento dessas diversidades sociais, na formação do espaço rural brasileiro,
cumpre um papel fundamental na definição
de políticas públicas, na medida em que as
ações, voltadas à construção do desenvolvimento sustentável, precisam estar balizadas
pela existência dessas pluralidades.
Pés no chão,
ed ucaç ão
olhos no
ed uca ç ã o
futuro
Correndo atrás dos
sonhos, jovens não
poupam esforços
Gabriela fofonka
Gabriela Fofonka
Com a data das provas se aproximando, alunos se esforçam cada vez mais para alcançar seus ideais
forte de estresse, por isso é necessário manter
com os pais um laço forte de amizade e sinceridade, para que eles percebam que estão
sendo ajudados e não cobrados. “A cobrança
dos pais, a comparação com os amigos e a
insegurança são alguns dos motivos que tornam os processos seletivos em verdadeiros
monstros para os jovens”, diz a psicóloga.
Ansiedade
Quando a data do concurso se aproxima,
os jovens vestibulandos começam a se esforçar ainda mais e então que surge um velho
conhecido chamado: o estresse.
Essa doença pode atingir qualquer um de
nós, mas, geralmente, é mais violenta nas pessoas que não param nunca. Aquelas que estão sempre correndo e, às vezes, esquecem
até mesmo de comer. Sabemos que para conseguir bons resultados nas provas, os jovens
não estão poupando energia, se dedicam ‘horas a fio’ e fazem de tudo para que todas as
matérias, fórmulas e regras entrem na cabeça
e não saiam de lá até o dia da prova. Mas não
podemos esquecer que a vida continua e que
é fundamental respeitar alguns limites. Os estudantes não podem abrir mão de atividades
culturais e sociais, devem manter sempre o
corpo e a mente em forma. A correria excessiva pode trazer muitos problemas à saúde, e
o ritmo alto de estudos podem causar man-
chas na pele, pressão arterial alta, gastrites,
distúrbios do sono entre outros. Também, é
muito importante, na adolescência, o tempo
mínimo de sono que são de oito horas por dia.
A diminuição desse tempo pode causar alguns danos ao aprendizado, gerando falhas
na memória e dificuldades de assimilação.
“Acho que ela administra bem o seu tempo.
Mas, mesmo assim, a vejo super cansada. Não
é um período muito saudável na vida dela”,
afirma Mônica Baú, mãe de Débora Baú. A psicóloga diz, ainda, que quando o jovem
começa a testar os seus próprios limites ele
corre sérios riscos, que incluem baixa autoestima, irritabilidade, apatia e pode se transformar em depressão. Por isso, lidar com a
pressão significa respeitar os limites do corpo
e da mente, os jovens precisam manter uma
rotina saudável. Isso significa dormir bem, ter
uma boa alimentação e praticar atividades de
lazer. Mas na ‘hora H’ fica bem complicado de
manter a calma. Débora Baú diz que se sente
mais calma escutando a sua música favorita,
enquanto se dirige ao local da prova. Brandão
prefere controlar a respiração e pensar no seu
objetivo. Bertamoni aposta as suas fichas no
velho companheiro: o chiclete. “Respiro fundo
e mastigo um chiclete. Para fazer a prova você
tem que estar em equilíbrio com tudo. Não
basta só estudar, é preciso ter tranqüilidade
para por em prática tudo que estudou o ano
inteiro”, conclui.
Universo IPA | Dezembro 2006
Com os olhos voltados para o futuro, a
galera do cursinho sonha alto. Em busca de
seus objetivos, os adolescentes não estão
poupando esforços, com força de guerrilheiros eles estão na corrida e não vão deixar barato. Os sonhos são quase sempre os mesmos,
conseguir entrar na universidade e então alcançar o almejado diploma, mas não é fácil.
Os jovens guerreiros são bravos e nem a
falta de tempo os abalam. Afirmam que, sabendo organizar o tempo, dá para ‘enfiar a
cara’ nos livros sem esquecer das atividades
prazerosas da vida. Gustavo Bertamoni, 18
anos, encara o vestibular pela segunda vez e
diz estar bem mais preparado e tranqüilo, assim como Gabriela Brandão e Débora Baú. Os
jovens, todos com a mesma faixa etária, estudam em média três a quatro horas por dia
além do horário do cursinho pré-vestibular.
Para relaxar, eles optam pela Internet, música,
livros, academias e passeios ao ar livre. Mas
mesmo nos horários de descontração acabam pensando no vestibular. É o caso de Débora Baú que, na hora de ler, acaba optando
pelas leituras obrigatórias. Apostando todas
as fichas no futuro, os jovens se sentem pressionados, mas essa pressão parte deles mesmo. “Estabeleci essa meta e vou até o fim, posso até estar errada mas nem penso em desistir”, afirma Brandão.
Preocupados com o bem estar dos filhos,
os pais estão sempre prontos para apoiá-los,
colocam-se à disposição, procurando ouvir e
incentivar os vestibulandos. A psicóloga, Elisângela Schardosim, afirma que, nessa fase da
vida, é muito importante uma conversa franca
com os pais, onde os jovens possam expor os
seus medos, ansiedades, planos e sonhos. Às
vezes, a cobrança leva o jovem a um estado
35
p rofi
prof
iss ãssão
o
Banco de Imagens Prodart
Novas opções ganham espaço
no mercado
Universo IPA | Dezembro 2006
Priscila Bittencourte
36
Os dados mostram que os cursos de graduação mais procurados, em algumas instituições
de Ensino Superior de Porto Alegre, são os tradicionais. Em 2006, o curso de Medicina ficou em
primeiro lugar na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), com 5.585 candidatos e
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS), com 1.444 candidatos. No Centro
Universitário Metodista IPA, o mais concorrido foi
o de Fisioterapia, com 1.042 candidatos.
Embora essas áreas tenham grande procura, cresce o número de candidatos em cursos
tecnológicos. No vestibular da UFGRS de 2006/2,
o curso que ingressou com a primeira turma de
Design Visual teve 588 candidatos, sendo que só
havia 20 vagas. Na PUCRS, a procura no curso de
Engenharia Mecatrônica aumentou, foram 158
candidatos. No Centro Universitário Metodista
IPA, o curso de Design de Moda, que também é
novo, teve 69 candidatos.
É tímido o número de jovens que optam
pelas áreas tecnológicas. Mas a Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), em 2002, criou novas
e reformulou antigas profissões, pois o Brasil
vem sofrendo mudanças nas últimas décadas.
Saindo do tradicional
Os alunos da UFRGS, Carolina Poll, 18 anos,
e Leonardo Centeno Selbach, 19, estão no segundo semestre do curso de Design - Habilitação em Design Visual. O curso tem, nas habilitações, Identidade Visual, Sinalização, Pictogramas, Produções Multimídias, Sistemas
O futuro das
profissões
Visuais de Comunicação, entre outras.
Selbach diz que esse curso serve para qualificar a comunicação. Trabalha linguagens publicitárias de uma forma subjetiva, com softwares, que tornam o programa mais intuitivo,
mesclado com a funcionalidade.
Na PUCRS, Bruno Cézar Bragagnolo, 22,
optou por um curso nas áreas tecnológicas.
Está no sétimo semestre de Engenharia Mecatrônica ou Engenharia de Controle e Automação. “A ocupação qualifica o profissional e
torna-o ativo”, explica. A profissão serve para
detectar problemas de maquinários de empresas e fazer otimização de equipamentos.
A área é abrangente e oferece várias opções
no mercado.
Outra instituição que está investindo nas
novas tecnologias em Porto Alegre, é o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Existem, especificamente, na área tecnológica, os cursos de graduação que são: Sistema de Informação, Tecnologia em Marketing
do Varejo e Tecnologia em Hotelaria.
A gerente de educação profissional do Senac, Fabiane Franciscone, diz que o objetivo da
escola, até pela demanda de mercado, é valorizar os tecnólogos. São cursos que têm dois
anos e meio de duração. Os alunos recebem o
diploma no final do curso, reconhecido pelo
Ministério da Educação. “Por ser um curso específico, facilita ao aluno chegar mais rápido ao
mercado de trabalho”, ressalta ela.
Esses cursos vêm crescendo e a procura é de
quatro alunos por vaga. A faixa etária regula entre
25 e 40 anos. “Isso comprova que, pela falta de
maturidade e interesse dos jovens em ler e se
informar, buscando saber sobre essas áreas, acaba fazendo com que a escolha profissional seja,
às vezes, frustrada”, complementa Franciscone.
Estudante do primeiro semestre do curso
de Tecnologia em Marketing do Varejo, Cláudia
Jucimara Garcia dos Santos, 32, afirma: “sinto
que encontrei minha ocupação. O curso se
aproxima muito da realidade do mercado”.
O colega de Garcia Santos, Roberto Vicente,
33, também diz estar no caminho certo. Procurava especialização, pois trabalhava na área e viu
que era uma exigência da empresa. “Muitos aqui
apostam que essas ocupações terão bastante ênfase daqui a um breve período. E serão áreas concorridas, pois o futuro caminha para a tecnologia,
e a função irá se consolidar ainda mais”, analisa.
A decisão
“Quero fazer contabilidade”, responde o
estudante do terceiro ano do Ensino Médio da
Escola Júlio de Castilhos de Porto Alegre, Elimar Queiroz da Silva, 18, decidido sobre a escolha do curso de graduação.
Na escola onde estuda, fez teste vocacional e participou das feiras de profissões.
Na época, sua escolha se inclinou mais para
Engenharia e áreas de tecnologia. Hoje, tem
certeza do que quer: prefere fazer Contabilidade, pois é o curso com que mais se identifica. A família procurou influenciá-lo para
Administração, mas Queiroz da Silva teve autonomia para fazer a própria escolha.
Para auxiliar os alunos, os orientadores vocacionais da Escola Júlio de Castilhos, Carmem
Lúcia Belaguarda Flores e Joelso Marques de
Orientação profissional
O psicólogo vocacional, filósofo e educador social, Sérgio Moacir, orienta os jovens e
ressalta a importância de observar quais são as
profissões de demanda no mercado de trabalho, e a necessidade de associar os desejos e
vontades na hora de escolher a profissão.
Na hora da escolha, é complexa a decisão,
pois existem influências familiares, influência
do próprio convívio diário e o principal, que é
a falta de informação. “Conjugando todas essas questões, constata-se que é preciso educação social”, afirma o psicólogo.
Muitas vezes, o que impede a escolha pelas áreas tecnológicas é a velocidade em que
as informações são transmitidas. Isso gera uma
dificuldade de assimilação no processo de
construção. Outra questão que não pode ficar
de fora é o aspecto de trazer para perto do jovem a realidade social. Moacir sugere a divulgação através dos meios de comunicação e
das instituições educacionais, familiarizando
os jovens com as novas tecnologias.
O psicólogo conta que, no atendimento
aos jovens, a maioria não se decide na primeira
escolha e, quando opta sem pesquisar sobre o
curso, acaba se frustrando: “por não ter maturidade e por ter medo do novo, termina escolhendo o tradicional”, complementa Moacir.
Priscila BIttencourte
Roberto Vicente diz estar otimista com o curso
Lucas Rivas
Apesar dos esforços do Governo
Federal em solucionar o problema do
desemprego, verifica-se um crescimento de profissionais que estão trocando sua área de atuação. Essas mudanças acontecem nos mais diversos
setores. Na atualidade, os profissionais estão optando por uma troca de
emprego, na busca de um ambiente
satisfatório no trabalho, outros, devido à obrigatoriedade para suprir suas
necessidades.
O chefe de cozinha, Francisco Jackson Rivas, era técnico contábil,
atuou seis anos no ramo. Mesmo com
uma boa remuneração, optou por
mudar de emprego. Encontrou, na
culinária, sua realização profissional.
Trabalhou em diversos restaurantes e
atua, há oito anos, nessa área. Ele afirma: “financeiramente, ainda, não cheguei ao nível desejado. Com o mercado muito competitivo, a exigência
aumentou na minha vida profissional”. Mas ressalta “que o prazer em obter um elogio, um agradecimento por
um bom serviço é muito satisfatório”.
Outro exemplo é o de Ricardo
Coimbra da Rocha, que trabalhava
com pesquisas em engenharia elétrica. Direcionou sua vida profissional
para a área da computação. Há oito
anos, trabalha nesse ramo com direção de arte, criação de personagens,
desenvolve jogos para PC, serviços
de arte, programação e jogos de desenvolvimento. Afirma que o ambiente de trabalho é agradável, com
um clima profissional bom. Considera que as tarefas a serem executadas
favorecem para um bom desempenho profissional. Rocha considera “a
área da informática como um ramo
que paga acima da média. Existe uma
flexibilidade com horários, e a liberdade para trazer à tona assuntos a
serem discutidos”.
Mais um caso é o de Marcus Vinícius Anflor, formado em Turismo e
Economia. Atuou, diretamente, no se-
tor do Turismo de 1984 a 2002, onde
ainda atua como consultor. Atualmente, trabalha na Companhia de
Geração Térmica de Energia Elétrica
(CGTEE) como assessor da presidência e, também, na função de coordenar o marketing da empresa, e no setor de patrocínios e assessoria de comunicação. Atuando em duas áreas
distintas, Anflor relata que “na área do
turismo, não se ganha muito dinheiro.
Em contrapartida, se tem a possibilidade de viajar com mais facilidades”.
Em relação ao ambiente privado, “a
disputa é maior pelo mercado e pela
posição, pelas características do ambiente competitivo e de resultados.
Algumas pessoas não conseguem
conviver sob situações de estresse”.
Hoje, trabalha no setor privado devido ao custo-benefício.
As mudanças, na área profissional, são, para muitos, uma barreira a
ser ultrapassada. Para outros, a mudança é essencial.
Alguns desses fatores, que levam
a mudanças, são causadas por “sinais
de cansaço, alterações físicas e mentais, depressão, diminuição de rendimento nas atividades profissionais e
sociais, impaciência e irritabilidade em
situações do cotidiano”, como afirma a
psicóloga Janice da Rosa Pureza.
Importante ressaltar que, em
muitos casos, as pessoas não têm a
possibilidade de escolha: às vezes,
têm que trabalhar nas atividades que
conseguiram, pois necessitam sobreviver e sustentar suas famílias. E os
sonhos acabam ficando para depois.
Muitas pessoas estão mudando a
área profissional em busca de benefícios para si mesmo. Muitos almejam
uma vida profissional saudável. A psicóloga alerta que a principal questão
é o que se quer, a satisfação, levando
a realização profissional ou serviço,
no qual restará um sentimento de
frustração, compensada por um bom
custo benefício.
prof iss ã o
Deixar ser levado pela vocação
profissional, escolhendo um serviço
gratificante, ou optar por ganhar
dinheiro indiferente de qualquer
situação num ambiente de trabalho?
p rofiss ão
Que opção seguir?
Universo IPA | Dezembro 2006
Morais, dizem que faziam teste vocacional
dentro da escola. Mas, ao longo do tempo, o
número de alunos foi aumentando e a quantidade de orientadores diminuindo.
A escola formou parceria com a UFRGS, PUCRS, Faculdades Rio-Grandenses (Fargs) e a Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos) para a
visitação dos alunos nas feiras de profissões, que
acontecem dentro das instituições, com stands
mostrando um pouco sobre cada profissão.
Outra aluna do terceiro ano do Ensino Médio da escola, Bruna Schatkoski, 18, sabe que é
importante estar sempre em contato com a
tecnologia, e que até mesmo um “agrônomo”
tem de se qualificar frente às constantes mudanças. Ela pretende fazer Agronomia, pois
gosta do contato com a terra: “dentro da instituição, nunca tive acesso às áreas de tecnologia.
Acho que a responsável em abrir esse caminho
é a própria escola”, afirma Schatkoski.
37
p rofiss
prof
iss ã o ão
Apaixonadas
pela profissão
Evandra Jacques
“Aqui fala o seu Repórter Esso, testemunha ocular da história”. Com essa vinheta de
abertura, surgiu o primeiro jornal de sucesso
da televisão brasileira, o Repórter Esso, que
ficou no ar de 1953 a 1970, na extinta Tupi.
Com as inovações tecnológicas importadas dos EUA na década de 1960, abriu-se estradas para o surgimento de um novo formato de telejornalismo, mais dinâmico, com reportagens internacionais via satélite, que se
espalhou pelas diversas emissoras do Brasil.
Desde a criação dos telejornais brasileiros,
a luta das mulheres, ao longo da história, resultou no fim das barreiras que existiam entre
as denominadas editorias femininas e masculinas. Com isso, houve um crescente domínio
delas nas reportagens de política, que se espalhou pelas editorias de economia, negócios, cultura, ciência e tecnologia.
No telejornalismo gaúcho, a forte presença feminina vem fazendo história e inspirando mulheres desde 1972, quando surgiu a primeira apresentadora da televisão
gaúcha, Tânia Carvalho, à frente do Jornal do
Almoço. Além de levar informação diaria-
Universo IPA | Dezembro 2006
Arquivo pessoal
38
Vera Armando, âncora do Pampa ao Meio Dia
mente à população, trazem um pouco de
leveza e suavidade para a televisão.
Estar atualizado, buscar melhores qualificações, criar ambiente favorável de equipe,
e não se contagiar com o excesso de vaidade do meio são alguns itens indispensáveis
para se manter no telejornalismo, segundo
Vera Armando.
Apaixonada pelo jornalismo desde pequena, começou a carreira no interior do Rio
Grande do Sul, na cidade de Santa Maria e,
atualmente, é a âncora do Pampa Meio Dia,
exibido, diariamente, na TV Pampa.
Projetos
Além do trabalho no jornal, desenvolve
projetos paralelos como congressos, eventos sociais e beneficentes. Apesar da forte
ligação com o universo das socialites não se
considera uma. “Não sou uma dondoca. Sou
uma trabalhadora sem grandes sonhos de
consumo, que não gasta além do que pode.
Que não se deslumbra com futilidades. Freqüento a sociedade e convivo com pessoas
legais”, explica.
Esse contato interativo com o público,
através dos eventos e do programa, criou
um laço extremamente afetuoso, o qual é
manifestado através de cartas, e-mails e até
telefonemas. Ela comenta que, seguidamente, é abordada em diversos lugares.
A rotina de quem trabalha na televisão
é sempre muito dinâmica. Após o encerramento do jornal, é realizada uma reunião,
onde são discutidos os erros e acertos, e a
pauta do dia seguinte. Uma grande preocupação está em fazer a seleção das informações. “Antigamente, corríamos atrás da
notícia. Hoje, a notícia corre atrás de nós. É
necessário ter muito cuidado para não se
satisfazer com isso”, explica Cristiane Finger, outra personalidade marcante no jornalismo gaúcho.
Ela é Editora regional do SBT, Coordenadora do Curso de Jornalismo da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS) e apresentadora do SBT Rio Grande,
o primeiro telejornal gaúcho a conquistar o
Prêmio Esso. Finger relata que, no início da
carreira, foi complicado entrar no jornalismo, por ser um ambiente masculino na época, e que chegou a sofrer preconceito por
ser mulher. “Hoje, acredito que ainda estejam faltando mulheres em cargos de chefias
dos grandes veículos. Esse é um desafio a ser
cumprido”, salienta.
A editora regional do SBT passou por
algumas emissoras e chegou a trabalhar no
polêmico Aqui e Agora, que marcou história na televisão brasileira pela linha editorial policial nunca antes experimentada.
Também, ressalta o cuidado que se deve
ter ao trabalhar em televisão, pois há uma
grande responsabilidade em passar credibilidade para o telespectador. Segundo ela,
a principal função do jornalista é informar as
pessoas, dando suporte para que elas possam tomar suas próprias decisões diante
dos fatos que lhes são expostos. Além disso,
fazer com que as instituições sejam fiscalizadas para assegurar a democracia no país.
Para as entrevistas, talento independe
do sexo, e capacidade profissional não está
atrelada a um cromossomo “x” ou “y”. As mulheres estão conquistando cada vez mais o
seu espaço no mercado de trabalho.
Arquivo pessoal
Cristiane Finger, apresentadora do SBT Rio Grande
Eduarda Streb, 11 anos de RBSTV, cobrindo partida de futebol
De salto alto, maquiagem e cabelo escovado, as mulheres entram em cena para mostrar que entendem de esporte tanto quanto
os homens. Até pouco tempo, elas lutavam
pela igualdade, reivindicavam, exigiam direito
ao voto e a serem reconhecidas profissionalmente como os homens. Hoje, “invadem” um
espaço dominado por eles e vêm se tornando
reconhecidas não só pela beleza, mas, também, pelo conteúdo.
Na redação do Zero Hora (ZH), as mulheres driblam o preconceito e mostram realmente entender do assunto. A editoria de
esportes é composta por 15 homens e três
mulheres. A repórter Daniella Peretti edita
matérias sobre futebol. No esporte amador, a
editora e repórter, Deca Ribeiro, na editoria
de esportes desde 1999, e a jornalista Loraine
Lus redigem matérias. Ribeiro também atua
na cobertura de outros esportes como automobilismo e punhoball. Ela diz que foi vítima
de preconceito apenas uma vez e que isso
está mais na cabeça da mulher do que no
próprio ato em si. O editor geral de esporte
do ZH, David Coimbra, fala do possível preconceito existente no meio futebolístico:
“acredito que exista um conceito de que mulher não entende de futebol, pois são poucas
que realmente entendem desse assunto”.
Coimbra cita, com carinho, as suas colegas
jornalistas e diz que “Deca é a princesinha da
editoria esportiva”.
Não é só no jornalismo impresso que as
jornalistas esportivas marcam presença. Por
traz dos microfones do rádio, Paula Alvim, loira, alta, cabelos lisos, futebol na ponta da lín-
gua, produz programas importantes da Rádio
Gaúcha, como “Sala de Redação” e “Jornada
Esportiva”. Ela revela que, desde pequena,
gostava de esporte, e que, por estar há cinco
anos na Rádio Gaúcha, conquistou o respeito
de todos. Mesmo assim, diz que sofreu com o
preconceito e, no primeiro mês na rádio, chegou a chorar e a dizer que nunca mais voltaria
a trabalhar com esporte. “É muito complicado
trabalhar só você em um meio cheio de homens”, confessa. Alvim dá uma dica para as
mulheres que pretendem seguir a carreira: “é
fundamental admitir que, provavelmente, a
maioria dos homens entendem mais do que
você sobre futebol e que é preciso ser humilde para perguntar e aprender com os colegas
de trabalho”.
É impossível falar de mulher no jornalismo esportivo sem citar aquelas que mais aparecem na mídia televisiva. A repórter e apresentadora Eduarda Streb, 11 anos de RBSTV,
logo de manhã, acorda muitos gaúchos falando de esporte no Programa Bom Dia Rio Grande. Ela comenta situações interessantes e inusitadas pela qual passou: “em meu primeiro
jogo como repórter de campo, éramos apenas eu e mais uma colega, cobrindo Inter e
Figueirense, em Santa Catarina. Durante a partida, a produção nos informou de que vários
homens estavam ligando para a TV indignados, pois não aceitavam que duas mulheres
cobrissem futebol. Foi a única situação de preconceito pela qual eu já passei. Agente vai
conquistando nosso espaço”. Duda, como é
chamada por todos, confessa que uma das
coisas que as pessoas mais têm curiosidade
de saber é se ela entra no vestiário dos jogadores. Ela diz que não: “a única vez que entre-
vistei um jogador, no vestiário, foi o Fabiano,
do Internacional, mas ele estava coberto com
uma toalha. Isso não existe mais. Hoje, já existem as salas para entrevista coletiva”. Na Bandeirantes, a presença feminina se destaca no
programa “Toque de Bola”, apresentado pelo
jornalista Leonardo Meneghetti. Débora de
Oliveira enfrenta os seus colegas em debates
sobre o futebol gaúcho. Oliveira também
conquista o coração dos torcedores com notícias e reportagens direto do campo. Além
disso, apresenta o programa “Esporte Total” na
Rádio Bandeirantes.
Na mídia que reúne áudio, vídeo e escrita,
certamentamente, existem mulheres jornalistas falando de futebol. É no Blog “Clube das
Bolinhas” que as gurias da RBS, Ana Acker, Cíntia Hohmann, Ana Rosa, Mari Hahn e Tati Lopes soltam o verbo. Elas falam de temas variados, de fofocas do mundo da bola até as notícias mais corriqueiras e comuns como “Inter
vence o Grenal”. O interessante é esse outro
enfoque que elas dão, notícias divertidas sobre o jeito de se vestir dos jogadores, os mais
belos dos campos e outras. Segundo elas, o
legal é que, por ser um blog, podem postar
várias notícias no mesmo dia, a qualquer hora
e onde estiverem. Além disso, ainda têm a
possibilidade de receberem comentários, que
dizem ser a maioria positivos. Para elas, é isto
que difere a internet dos outros meios de comunicação: a possibilidade de notícias instantâneas e maior interatividade com o leitor.
As jornalistas esportivas gaúchas vêm
conquistando seu espaço na mídia nacional e
tornando-se cada vez mais reconhecidas, provando que mulher pode sim ser bonita, inteligente e ainda entender de futebol.
Universo IPA | Dezembro 2006
Bianca Bassani
prof iss ã o
p rofiss ão
Arquivo pessoal
Invasão feminina
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Alexandre Soares Pinto
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Mundo dos
Pião multi-colorido
representa a diversidade
No turismo
As empresas são diversas. Os gays e lésbicas têm, cada dia, mais opções para se divertir
e usar serviços específicos sem preconceito.
Porém, os empreendimentos, aqui no Estado,
não resistem ao preconceito da sociedade
tradicional gaúcha, diferente do que acontece pelo mundo.
Disney, Beto Carreiro World, Wet Wild?
Não, agora os gays, lésbicas e simpatizantes
têm o seu próprio espaço para diversão, lazer
e negócios. Agências de viagem, resorts, parques de diversão, boates, corretora de seguros e praias particulares têm os seus dias reservados para esses grupos. O secretário geral
do Nuances, ONG gay, lésbica, bissexual e
transexual (GLBT), Célio Golin, revela a existência de lugares exclusivos para eles.
Na verdade, tudo começou no berço da
aceitação de homossexuais, a cidade de São
Francisco. Vendo que tudo poderia ser uma
grande sacada, o resto do mundo aderiu a esse tipo de empreendimento. O turismo gay é
forte em várias cidades do mundo: São Francisco, Los Angeles, Paris, Nova York, Amsterdã,
Londres, Sidney, entre outras. Isso tudo é o
que Golin e muitos sites estão demonstrando,
empreendimentos trabalhando com um segmento criativo e exclusivo.
Em junho de 2004, foi lançada, em São
Paulo, a Associação Brasileira de Turismo Gay
Lésbicas e Simpatizantes (ABRAT-GLS). O
grupo recebeu apoio da Empresa Brasileira
de Turismo (Embratur). A associação pretende capacitar agentes e guias turísticos no
Brasil e divulgar os destinos brasileiros no exterior. Em São Paulo, as portas, para esse empreendimento, estão abertas, diferente do
que ocorre no Sul. Para o secretário geral do
Nuances, os empreendimentos, aqui no Estado, têm muitas dificuldades. “Diferente de
São Paulo, que é conhecido pelo mundo e
que tem uma tradição de aceitar novas culturas”, disse Golin.
O turismo, aproveitando essa onda de
faturamentos promissores, cria pacotes específicos para esse público. Viagens em que
os passageiros buscam calmaria, discrição e
vivência de momentos felizes. Em Porto Alegre, não são muitas as empresas de turismo
que estão fazendo um trabalho exclusivo para os gays, mas há empresas que abrem pacotes para esse fim. Uma empresa de turismo que, há dois anos, no Rio Grande do Sul,
abriu o atendimento para esse segmento
GLBT, revela que os clientes preferem locais
especializados, como, por exemplo, os hotéis. A empresa informa que, como não há
uma demanda muito grande por pacotes
em grupo, as viagens individuais ainda são
as mais vendidas.
Universo IPA | Dezembro 2006
Nos seus direitos
40
No Brasil, os homossexuais ainda não têm o direito de se casar. Por isso, surgiu uma empresa com interesse em auxiliar esses casais a proteger o seu patrimônio. Há dois anos, em São Paulo, uma asseguradora de grande nome internacional lançou um produto exclusivo para casais gays. A auxiliar administrativa,
Dilma Melo, e a sócia-gerente, Railda Lenhart, informam que, há cinco meses, esse produto passou a ser
comercializado em Porto Alegre. O seguro tem a finalidade de amparar o falecimento ou invalidez, e auxílio funeral. O produto se destaca por oferecer um atendimento sem qualquer diferenciação. A única exigência seria com relação ao parceiro fixo. Ou seja, é necessária uma declaração comprovando a união estável do casal.
Melo e Lenhart opinam sobre os negócios gerados pelos homossexuais como importantes para a
economia não só nacional, mas internacional: “sem dúvida, o mercado gay cresce dia após dia, e, com certeza, se ampliará cada vez mais”, diz Melo. “O maior objetivo da empresa é a ampliação do serviço para o
público gay e, com a ajuda de pessoas que rejeitam o preconceito, esse objetivo se tornará possível”, ressalta Lenhart.
A divulgação do produto para casais gays é efetuada via folders, encartados em jornais e casas noturnas
que atentem a esse público. Apesar de várias maneiras de mostrar o produto para os homossexuais, ela
escolheu uma alternativa para chegar diretamente aos GLTBs.
Dentre muitos sites de relacionamento, uma empresa que atua há cinco anos, em
Porto Alegre, se destaca. Ela visa encontrar alguém para uma pessoa que está solteira e,
por timidez, ou outros motivos, não consegue encontrar uma pessoa. Segundo a dona
do empreendimento, Rita Fedon, o trabalho realizado é feito de forma tranqüila e minuciosa, pois, para encontrar um parceiro, o agrado deve partir dos dois. Há um ano, Fedon
abriu as portas para o segmento GLBT. O serviço conta com passos importantes para se
ter o perfil do cliente, além de psicólogos e outros profissionais que ajudam na escolha
e na arte da paquera.
O gasto de um cliente para esse serviço é de R$ 550 por ano. A proprietária informa,
ainda, que a empresa quer melhorar o serviço para o público gay, disponibilizando advogado para o casal. Afinal, casais homossexuais não têm o direito de se casar. No entanto, existe a possibilidade de se fazer uma declaração de união estável, necessária
para obter algum direito e, também, para fazer um seguro de vida, como foi dito, tudo
para garantir e proteger o patrimônio do casal.
No prazer
Na Night
No Rio Grande do Sul, há muitas empresas que trabalham com esse público,
explorando o sexo. Essas casas seriam
boates, saunas e vídeo locadoras. Para o
Nuances, esses negócios existem por
causa da discriminação: “como a sociedade é muito preconceituosa, essas pessoas procuram esses locais para se divertir”, revela Golin. “Existem muitas casas
noturnas com especialidade de sexo heterossexual. Não é por isso que casas que
trabalham com sexo homossexual devem ser mal vistas. Cada um tem o direito de pagar pelo que quiser”, é o que
afirma o secretário geral do Nuances.
Os sócios de uma casa, voltada para
o público gay, oferecem um ponto de relax com sauna, sala de massagens e cabines particulares para relações sexuais. Eles
afirmam que o público vê aquilo como
um refúgio, onde os sentimentos e desejos se transformam em prioridades.
Existem casas noturnas que propiciam diversão para os
homossexuais. A música empolgante e com batidas diferentes são as atrações desses locais. Acontecem shows
em um palco glamouroso com “drag queens” que apresentam atrações muito criativas. Isso tudo é visto por
um grupo de amigos que se encontram para dançar
e sair da rotina preconceituosa do mundo lá fora.
Para o dono de uma casa noturna, Lolita Boomboom (nome artístico), os investimentos são muito necessários. Em torno de R$ 3 mil, é o que a casa
gasta por mês com shows, atrações, novidades musicais e equipamento. Ele revela que um cliente, em média, não
gasta muito. Porém, há aqueles que extrapolam gastando cem
vezes mais do que a média.
Todo esse dinheiro investido está garantindo emprego e faturamento para outros fins. Se for analisar, há uma gama de empresas e pessoas contratadas por essas casas noturnas. Dentro
de uma boate, que tem capacidade para 500 pessoas, no mínimo, dez funcionários trabalham nas noites que a danceteria
abre. Há, também, as empresas de decoração, que são beneficiadas, construtoras para reformar ou construir um ambiente
novo, e os artistas que fazem espetáculos para a casa.
g er a l
Em 2004, surgiu, em São Paulo, a primeira webradio GLBT do Brasil. De acordo com dados do site, a
rádio está firmando parcerias de sucesso com sites e
portais regionais, disponibilizando a sua programação 24 horas, em tempo real, e propiciando maior
permanência do internauta no site parceiro. Com
uma linguagem jovem e clean, a rádio se comunica
facilmente com os públicos jovem e adulto, formadores de opinião, consumidores em potencial e freqüentadores de eventos em geral, bem como aqueles que buscam entretenimento e diversão de forma
simples e rápida, como em um clique.
Há, também, muitos programas que estão abordando o tema homossexual. É o caso de novelas, programas especiais com peculiaridades gays, seriados,
programas de auditório e muitos outros meios de
atingir e cativar o público GLBT.
As opiniões e empreendimentos que estão surgindo, com enfoque nesse meio, estão vivendo dificuldades. No entanto, a forma criativa e empreendedora desses negócios vem demostrando o quanto ele é importante para a sociedade. Os empregos que essas empresas vêm gerando e a circulação de
dinheiro para investimentos
conduzem o mundo a ter
menos
preconceito
sendo atacado pelo
bolso.
Universo IPA | Dezembro 2006
Na conquista sentimental Na mídia
g eral
negócios GLBT
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Universo IPA | Dezembro 2006
eduardo iribarrem
Elas arrasam, fazem a águia e, geralmente,
são desprendidas na hora do sexo. São as mulheres-bichas, nomenclatura dada pelos próprios gays a uma tribo de mulheres que os
adora tanto a ponto de assumir aspectos das
personalidades dos homens homossexuais.
As mulheres-bichas têm preferência por excentricidades e são seguidoras dos gays até
mesmo nos lugares mais obscuros.
A estudante de Relações Públicas, Aline
Brustolin, 27 anos, há sete, deixou o mundo
dos héteros para andar com os gays. Não é o
mundo gay típico, com drag queens e boates
onde a diva mor é Madonna. É um meio mais
alternativo, onde as pessoas transpiram cultura e vão a festas descoladas de rock n’ roll.
“Minha vida se divide em antes e depois
dos gays. Casou com uma época em que comecei a fazer terapia e me encontrei mais como ser. Resolvi encarar as coisas que gosto e
que me fazem bem e isso só foi acontecer
com os gays”, explica Brustolin.
Com a convivência, as mulheres abertas
às novas experiências acabam explorando
possibilidades e conhecendo um universo
por onde antes não imaginavam passar. “Fui
assistindo a filmes que talvez não tivesse visto
se não fosse por eles. Conheci músicas e fui
ampliando meus interesses. Uma coisa puxou
a outra”, conta a estudante.
Luxo, brilho, lantejoulas, maquiagem e fascínio por glamour sempre serviram como forma de magnetismo para muitas mulheres se
sentirem atraídas pelo mundo gay. Quem pensa que esse negócio de “mulher-bicha” é de
hoje se engana. A ex-vedete Carmen Verônica
foi, por anos, considerada um ícone gay. Refinada e cheia de caras e bocas, ela ganhou, na
década de 1950, o título de “Rainha da Frescura”, graças a sua voz melosa, sua maneira de ser.
A atriz destacou-se, recentemente, por viver a
personagem Mary Montilla na novela Belíssima, uma espécie de homenagem do autor
Sílvio de Abreu à própria Carmen Verônica. A
apresentadora Monique Evans é outra famosa
considerada por muitos uma mulher-bicha. Ela
é irreverente e não tem papas na língua.
Desprendidas quando o assunto é sexo,
as “MB” gostam de conversar com os amigos
gays sobre suas relações sexuais. Comentar
quando um “bofe” bonito passa na rua também é sempre um passa-tempo divertido. “É
muito importante dividir opiniões sobre sexo
com homem. É muito diferente das mulheres.
Com elas, é um pouco difícil de chegar ao
ponto escatológico da coisa, discutir tamanhos e espessuras. Me sinto muito mais à vontade com meus amigos”, confessa Brustolin.
Para a psicóloga Lúcia Helena Campos, “esse comportamento está associado a uma carência de figuras masculinas. Os gays não têm
interesse sexual pelas amigas. Aliás, muitas vezes, eles dividem os mesmos gostos. Pode ser
apenas uma fase que se encerra quando a mulher arruma um namorado para sanar suas carências”. A classe gay, muitas vezes, também
acaba preferindo a amizade com as mulheres
a dos próprios homossexuais. “São poucos os
amigos gays em que posso confiar. Entre nós,
sempre existe algum tipo de disputa territorial.
Com mulheres, não há isso, e o mesmo elas
sentem em relação a nós. É muito difícil estabelecer relações de confiança, mas, com as
MB, isso acaba funcionando melhor”, explica o
estudante de moda Raphael Sholl.
“Tenho tido problemas em aturar ‘mulherzices’. Realmente, não sinto falta do meio hétero, mas sim de homens cabeça aberta que
aceitem os gays e freqüentem lugares alternativos. Tem muitos, mas ainda são poucos
pra tanta mulher”, conta Brustolin.
A estudante, assim como a maioria das
MB, encontra, nos gays, uma família: “meus
amigos são tudo na minha vida. Me vejo como uma mulher que, de repente, pode não
casar. Vou ter minha família nos gays pro resto
da minha vida e é uma coisa de escolha”.
de tanto ouvir e repetir, nessa convivência quase diária, eu aprendi e incorporei ao meu vocabulário”, diz a estudante Aline Brustolin.
Formada por Marisa Touch Fire e Dolores
de las Dores, a dupla Las Bibas from Vizcaya é
sucesso na internet. Elas conquistaram fama
em boates de São Paulo, como o tradicional
Club Aloca. Tornaram-se conhecidas no país
inteiro e arrasaram ao lançar, no site de vídeos
Youtube, uma versão dublada de cena da novela Vale Tudo. No vídeo, intitulado “Vale Tudo,
Fia”, as Bibas dublam a voz de Odette Roitman
(Beatriz Segall) e Heleninha (Renata Sorrah),
incluindo termos como “toda cagada”, “cafuçu”
(que se designa para homem) e “miguxinha”.
Com vídeos, podcasts e músicas bombando na internet, a dupla lançou“The Greatest Mix
Collection”, um disco com músicas bem humoradas e debochadas, no qual introduzem o novo vocabulário. “Bee faz a águia”, “Beshalinda”,
“Você me incendeia”, “Agressiva” e “Kiridjinha”
são alguns dos nomes das músicas que foram,
inclusive, lançadas de forma independente na
Europa. Responsáveis por expressões como
“mágoa de cabocla” e “encosto de chacrete”, Las
Bibas from Vizcaya disponibilizam seu acervo
no site oficial www.lasbibasfromvizcaya.com.
Graças a elas, um novo tchau, também, se popularizou. Não se surpreenda quando ouvir
pessoas dizendo “um beijo e me liga” ao se despedirem.
Uma nova linguagem
“Aurélia, A Dicionária da Língua Afiada” é
o nome do dicionário politicamente incorreto que traz, em 143 páginas, centenas de expressões usadas pelos gays (veja quadro acima). Grande parte dos termos se origina do
bajubá, linguagem adotada pelas travestis,
que se popularizou juntos aos outros gays. “Picumã” quer dizer “cabelo”. “Alibã” significa “policial”.
“Oxanã” é o mesmo que “cigarro”.
“Aqüendar” pode ser interpretado de várias maneiras. Significa
“pegar” (algo ou alguém) ou,
então, “prestar atenção” (em
algo ou alguém).
Mulher bicha que se preze tem de saber “aqüendar o
bate” (falar com a linguagem
gay). “Conforme fui convivendo com os gays, eu fui ouvindo palavras que eram inéditas
pra mim. Fui perguntando e,
A estudante de RP, Aline Brustolin, é uma mulher-bicha assumida
Gabriela Casartelli
42
Ataque da mulher-bicha
Rodrigo Pires
O nascer de um
grande clube
Rodrigo Pires
Na noite de São João, de 24 de junho de 1863, um
grupo de pessoas com um forte sotaque alemão se juntou para firmar os seus costumes e a sua cultura, fundando a Gesellschaft Leopoldina. Os encontros começaram no número 185, da rua Dr. Flores, no centro da cidade, onde ficava o prédio da Sociedade dos Cantores
Alemães. Posteriormente, esse prédio foi adquirido e
obedeciam aos ditames da tradicional severidade germânica, punindo com multa os sócios que não compareciam às reuniões. Em 1880, a forte influência da história e cultura alemã fez com que todas as atas do clube
fossem assinadas em alemão, língua que praticamente
todos os seus integrantes dominavam. Foi quando João
Raupp sugeriu a utilização do português como idioma,
pois facilitaria a vida dos sócios de outras descendências, que haviam se integrado à Gesellschaft, porém a
falta de um redator com domínio nos dois idiomas, fez
com que esse plano atrasasse um ano.
Em 1903, a pacata Porto Alegre pouco oferecia
em termos de diversão aos jovens, ainda emocionados
com a virada do século. Mas para que isso pudesse mudar, um grupo fundou o Club Recreio Juvenil, no dia 7
de outubro, aceitando como sócios apenas solteiros.
Esses mesmos que vinham revolucionando o marasmo
das tardes de domingo com reuniões-dançantes.
A estudante de Administração da Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Catarina Collares,18 anos, sócia há mais de cinco anos do Clube Associação Leopoldina Juvenil (ALJ), conta que, desde os
primeiros meses de associada, aproveita ao máximo as
dependências do clube. Desde as canchas de tênis, passando pelo bar, piscina, sala de leitura e academia.
Mas nem só de sócios recentes é formado o quadro social do clube. Yone Borba Dias, 81, personalidade do clube há 53 anos. Dias afirma que o clube é sua
segunda casa, onde se acostumou a deixar os três filhos com o porteiro, seu Odorico, que os cuidava. Sua
história no clube é significativa, dos tempos que participava de torneios de tênis, em diversas partes do
planeta, sempre com a camisa da ALJ.
A data de 14 de julho de 1913 pode ser
um dia comum para a maioria das pessoas.
Mas, nesse dia, nasceu um tradicional clube
da capital gaúcha. Uma agremiação que
desbravou o mundo e originou as categorias de base no Rio Grande do Sul. Esse mesmo, que hoje está tentando retornar à elite
do futebol gaúcho. Chama-se Esporte Clube Cruzeiro, o Cruzeirinho para seus torcedores e simpatizantes.
Nos primeiros 30 anos de existência, foi
um clube que colocava medo nos adversários, e fazia a dupla Gre-Nal tremer. Chegou
a ser reconhecido como a terceira força de
Porto Alegre, atrás do Internacional e do Grêmio. Agora, perdeu essa posição para o São
José, o Zequinha. O responsável pelo marketing e comunicação do clube, Paulo Roberto
Barbosa, explica o porquê dessa situação de
altos e baixos: “O Cruzeiro, por muito tempo,
esteve com muitas dívidas, o que não deixava ao clube muitas saídas para voltar ao seu
status de outrora”.
Outro período áureo foi o pioneirismo
em excursões para a Europa, Ásia e Oriente
Médio, na virada de 1953 para 1954. Depois
de 11 dias viajando de navio, jogaram contra
times considerados grandes, como Real Madrid, Lázio, Fenerbahçe, Besiktas e Galatassaray, além da seleção do Israel e da Turquia. Tiveram resultados positivos. Voltaram
com um aproveitamento de 55,55%. “A excursão foi proveitosa,
além de ser desbravadora”, conta o estudioso
do futebol, Mário Luiz
Schemes.
A excursão foi tão capacitada que o clube voltou,
em 1960, à terra dos desbravadores. Voltaram com
um aproveitamento parecido, 54,16%, jogando
24 partidas, com 11 vitórias, seis empates e
sete derrotas. Com es-
sa campanha, conseguiu um título: o Torneio de Páscoa de Berlim, um campeonato importante para a época.
O Cruzeiro conseguiu a glória máxima
para um time do Rio Grande do Sul. Em
1929, depois de ter conquistado a cidade
por duas vezes, 1918 e 1921, conquistou o
Estado, na primeira participação (participou, depois, dos campeonatos de 1961 a
1965, 1969 a 1972, 1976 a 1978). Entrando,
assim, para o rol dos poucos clubes que ganharam o Campeonato Gaúcho de Futebol
Profissional com um time formado por alunos universitários e estudantes da Escola
Militar de Porto Alegre.
Em 1929, apenas sete clubes tinham ganhado o campeonato. Além desses títulos,
o Cruzeiro conta, na sua galeria, com o primeiro Torneio Internacional de Páscoa de
Mar Del Plata, na Argentina, em 1961, e sagrou-se o primeiro Campeão da Taça Governador do Estado em 1970.
O Cruzeirinho está numa situação
complicada na Copa FGF (décimo numa
chave que tem 12 clubes). O estudioso
Schemes mostra toda a descrença dos sabidos da área: “o Cruzeiro está vegetando,
está um negócio inacreditável. Não tem
como ter projeto um clube que não tem
sócios”. Ele dá uma dica para o
clube crescer: “eles têm de
fazer uma parceria com o
Internacional ou o Grêmio para colocar os jogadores que não estão jogando na vitrine”. Para um clube com
as dificuldades do Cruzeiro, ir para primeira divisão seria, como diz Moacyr
Scliar no livro “A Colina dos Suspiros”: “os gols são raros, mas,
quando acontecem, volto a
sentir a emoção do garoto
que chutava a bola nas ruas
do Bom Fim: é como se eu
tivesse conquistado a
Copa do Mundo”.
g er a l
Jerônimo Pires
Universo IPA | Dezembro 2006
Um clube com TÍTULOS e passagens
magistrais pelo futebol nacional e
internacional. Disputando a Copa FGF,
ele está sempre buscando a GLÓRIA
g eral
Em busca da glória
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Universo IPA | Dezembro 2006
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Arquivo/Inema
orte
esesp
porte
Contagem regressiva
Atletas gaúchos
se preparam para
competição
Bernardo Dias
Falta pouco. Em 13 de julho de 2007, começará, no Estádio do Maracanã, no Rio de
Janeiro, o maior evento esportivo realizado no
Brasil desde 1963: os Jogos Pan-Americanos. E
nada mais justo do que a escolha da “cidade
maravilhosa” como sede dessa versão continental das Olimpíadas, que reunirá 5.550 atletas de 42 países. Segundo o amante dos esportes, professor de Ed. Física Miguel Cantori, 27
anos, os Jogos têm tudo para ser um sucesso.
“O Pan será muito importante para o Brasil,
pois, além de se tornar o centro das atenções,
o país se beneficiará com a série de investimentos que estão sendo feitos”, afirma Miguel.
Após uma fracassada tentativa de sediar
os Jogos Olímpicos de 2004, a cidade carioca
não se deu por vencida e foi a única que se
credenciou em tempo hábil junto ao Comitê
Olímpico Brasileiro (COB) para concorrer à sede dos Jogos. Depois de uma disputa acirradíssima contra a cidade de Houston, nos EUA,
o Rio de Janeiro foi eleito, na Assembléia Geral
da Organização Desportiva Pan-Americana
(ODEPA), em 2002. Desde então, foi constituí­
da pela COB uma Organização Não-governamental chamada de CO-RIO, encarregada da
organização e realização do evento.
No Pan 2007, todas as modalidades olímpicas serão disputadas. Elas variam desde as
mais tradicionais, como futebol, vôlei, basquete e natação, até as desconhecidas para
muitos, como taekwondo, beisebol, softbol,
badminton, entre outros. Mas, também, terá
os esportes chamados de não-olimpícos, que
ainda buscam esse reconhecimento para participar de uma Olimpíada valendo medalha.
São exemplos desses esportes o squash, o boliche e até mesmo o futsal, aparecendo como
novidade nesses Jogos. A escolha dos atletas,
que representarão o Brasil nos Jogos, é de responsabilidade da Confederação Nacional de
cada esporte.
No atletismo, as vagas ainda estão indefinidas. Quem conta isso é o atleta gaúcho Fabiano Peçanha, 24, medalhista de bronze na
prova dos 800 metros no Pan 2003, em Santo
Domingo, na República Dominicana. Segundo
ele, o Brasil, por ser o país sede, tem duas vagas
garantidas para cada prova. Mas, só em 2007,
A porto-alegrense Janice Texeira prepara-se para dar um tiro nos Jogos Pan-americano de Santo Domingo
os classificados serão selecionados, logo após
o campeonato brasileiro em junho. Visando
uma dessas vagas, Peçanha explica a sua dura
rotina de treinos, que varia entre um ou dois
turnos onde é trabalhada força, velocidade, e
coordenação motora. “Devo alcançar o auge
da minha forma física em maio. Daí vou estar
pronto para competir e lutar para representar
o Brasil nos Jogos”, comenta o corredor.
Natural de Cruz Alta, no interior do Estado,
e colecionador de diversos títulos em várias
categorias desde os dez anos, Peçanha nunca
disputou os Jogos Olímpicos e quer concretizar esse sonho em Pequim, em 2008. Sobre o
fato de o Pan-Americano ser realizado no Brasil,
ele ressalta como será fundamental o apoio da
torcida e destaca a responsabilidade de fazer
uma boa prova. “Espero poder transformar essa
pressão num fator positivo e fazer com que,
tudo isso reunido, me faça ganhar um segundinho no final”, conclui o atleta gaúcho.
Outra atleta que representará o Rio Grande do Sul, no Pan 2007, é a porto-alegrense
Janice Teixeira, 44. Melhor brasileira disparada
na sua modalidade, o tiro esportivo, Texeira
tem a sua vaga garantida na competição por
ser a única mulher no país que vem mantendo o índice pan-americano. Ganhadora da
medalha de bronze na edição anterior dos Jogos, ela revela como foi emocionante a hora
em que subiu no pódio, carregando a bandeira do Brasil. “Foi a sensação mais emocionante
da minha vida”, diz a gaúcha.
Patrocinada pela universidade onde estuda, Texeira viaja bastante, mas diz que não
ganha dinheiro nos torneios, pois seu esporte
é amador. A respeito de Jogos Olímpicos, a
atiradora esportiva conta que tentou partici-
par de alguns, mas esbarrou na dificuldade de
se qualificar nos pré-olímpicos. Entretanto, o
maior sonho dela não é disputar as Olimpíadas: “meu grande sonho é poder ver as crianças saírem das ruas e praticarem esporte,
qualquer que seja a modalidade”.
Peçanha e Teixeira não serão os únicos
atletas que devem honrar o Estado na versão
continental das Olimpíadas. A seleção masculina de vôlei possui três jogadores gaúchos no
elenco: Gustavo, Murilo e André Heller, e a feminina possui uma jogadora gaúcha, a levantadora Carol Albuquerque. Provavelmente,
esses atletas, que jogaram o último mundial
no Japão pelo Brasil, irão disputar o Pan 2007.
Porém, os gaúchos, nos Jogos Pan-Americanos de 2007, não param aí. Na equipe brasileira de canoagem de velocidade, quatro atletas
do masculino e duas do feminino nasceram
no Rio Grande do Sul, e vão competir pelo
país nos Jogos. Por fim, o recente campeão
mundial, o judoca João Derli, também deverá
entrar em ação no Rio de Janeiro. Ele ainda
briga pela vaga, tentando se unir ao seleto
grupo de conterrâneos na competição.
Com os locais das competições definidos
e com as obras quase concluídas, os preparativos para o Pan 2007 estão na reta final. Mas,
para dar um passo maior e sediar os Jogos
Olímpicos, o mesmo Miguel Cantori não é tão
otimista assim. Ele crê que a infra-estrutura
necessária para a competição é muito maior,
e, portanto, ele acha pouco provável a hipótese. “Num país onde existem necessidades
básicas muito mais urgentes, não vejo nenhuma cidade capaz de corresponder às exigências de um evento desse porte, mesmo após
o Pan”, conclui Cantori.
Numa das instalações da centenária
Lucas Ca
instituição Sociedade Ginástica de Porto
rdoso
Alegre (Sogipa), no tatame do segundo
desenvoltura impressionante, seqüências
de golpes do esporte concebido pelo
nipônico Jigoro Kano, em 1882.
Esse homem responde pelo nome de
João Derly e pode ser considerado uma
das grandes revelações do esporte.
Detentor de diversos títulos, regionais e
es porte
de 1,60m de altura exibe, com uma
esp orte
pavimento, um judoca de pouco mais
nacionais, passou a ocupar um lugar de
maior destaque no cenário esportivo,
após ter se consagrado campeão
mundial de Judô - o primeiro brasileiro da
História - lutando na categoria meio-leve,
até 66 kg, em Cairo no Egito (2005).
É campeão!
Lucas Cardoso
Uma mostra do talento de Derly pode ser
observada no fato de ter vencido, no mundial,
quatro lutas por Ippon (golpe equivalente ao
nocaute no Boxe), inclusive, na final contra o
japonês, atual campeão olímpico, Masato
Uchishiba, logo aos 42 segundos.
Superação. Essa é a palavra que define o
judoca. Depois de ter sido suspenso por Dopping, quando foi constatada a presença de
diuréticos em seu organismo, em 2002/2003,
mudou-se da categoria ligeiro - até 60 kg. Essa categoria exigia um esforço muito grande
para a manutenção do peso ideal. “Tinha muita dificuldade em atingir o peso da categoria”,
conta Derly.
Teve que enfrentar, antes do mundial,
uma distensão no abdômen que quase o impediu de viajar. E, o tempo todo, teve dificuldade em conseguir patrocínio. Derly diz que,
só depois do título mundial, conseguiu bons
patrocínios e que pode, agora, se dedicar somente aos treinamentos.
Recupera-se de uma artroscopia (cirurgia
de correção e/ou reconstrução de ligamentos) feita no ombro esquerdo e quer voltar a
competir o mais depressa possível, visando a
seletiva para os Jogos Panamericanos do Rio
de Janeiro no ano que vem, e a participação,
em setembro de 2007, do mundial de judô.
Depois, o objetivo são as olimpíadas de Pequim em 2008.
Nesse momento de recuperação, em que
tenta apurar a forma física, os treinamentos seguem a todo vapor e o seu técnico, Antônio
Carlos Pereira, o Kiko – há 18 anos treinando
Derly – tem o cuidado de trabalhar com prudência. ”Não precisamos ter pressa. O que importa é voltar aos poucos, afastando a possibilidade de uma volta antecipada que acabe prejudicando a recuperação”, conta o técnico.
O vencedor do Prêmio Brasil Olímpico de
2005 começou no Judô aos seis anos de idade,
após ser aconselhado, por um médico, a praticar o esporte em decorrência do problema de
asma que apresentava. Isso em 1988, ano em
que Aurélio Miguel conquistou a medalha olímpica em Seul (ouro), servindo de referência e
tornando-se o grande ídolo de João Derly.
Aos 25 anos, o campeão mundial irá realizar um outro sonho. Inspirado no projeto
Reação, desenvolvido pelo amigo judoca,
medalhista olímpico (bronze), Flávio Canto,
na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, onde
ensina o Judô e noções de cidadania a crianças, está implantando o projeto social “Podium” em Porto Alegre e orgulha-se de poder
atender às crianças carentes. O nome foi extraído de uma referência que Viviane Senna irmã do eterno ídolo Ayrton Senna - fez na
entrega do prêmio Brasil Olímpico. Ela diz que,
no pódio do esporte, só existe lugar para os
três primeiros colocados. Mas, no pódio da
vida, existe lugar para toda e qualquer pessoa
que trilhe o caminho da humildade, da perseverança e do bom caráter.
Por trás da baixa estatura, revela-se um
grande campeão dentro e fora dos tatames,
preocupado com os problemas sociais e
possuidor de um senso de religiosidade. Ele
sonha em viver outros momentos de glória
como o da conquista do mundial no Egito
em 2005, onde destaca a emoção inenarrável de ver a bandeira do Brasil no lugar mais
alto do mastro e de ouvir o hino nacional. “É
como se passasse um filme na cabeça, e
vem a lembrança de tudo o que foi vivido e
de todas as dificuldades superadas. Naquele
momento, eu represento a nação que deu
certo”, finaliza.
Universo IPA | Dezembro 2006
“É como se passasse um filme
na cabeça. Naquele momento, eu
represento a nação que deu certo”.
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orte
esesp
porte
O esporte radical
conquistou o seu espaço
Cassia Marques
O montanhismo surgiu, no Brasil, com os
Bandeirantes, no século XVII. Entretanto, somente no século XIX iniciaram os primeiros
registros de conquistas em montanhas, no
território brasileiro.
Em 1º de novembro de 1919, foi fundado
o primeiro clube de montanhismo do Brasil
no Rio de Janeiro, o Centro Excursionista Brasileiro (CEB). Para homenagear, como montanha-símbolo do CEB, foi escolhido o Pico de
Deus, com 1.690 metros de altura.
Desde o início da década de 1960, centenas de vias de caminhada e escalada continuam sendo deixadas à disposição dos montanhistas para a ascensão em montanhas novas
ou que já tenham sido conquistadas.
Para quem estava esperando uma novidade, aí vai uma: veicula, na Rádio Atlântida, um
programa voltado para esse universo, “Radical
Livre”, com duração de quatro horas, aos sábados. Com musicalidade alternativa, direcionado ao público praticante, com entrevistas
com esportistas destacados em suas áreas.
Contato com a natureza
Assim define Orlei Júnior, 33 anos, formado em Educação Física, no IPA. Trabalha com
montanhismo e escalada indoor desde 1995:
“comecei como guia (hoje, esse trabalho custa R$100,00 por dia). Minha formação profissional veio a partir do esporte, pois eu já praticava montanhismo”, conta Júnior. Para atender melhor os clientes, ele quis complemenCássia Marques
tar seus conhecimentos: ”então, por não existir formação de guia de montanha no Brasil,
fiz um curso de resgate em montanha, e procurei a graduação em Educação Física”. Ele
acrescenta que seria a formação mínima para
quem quer trabalhar com esse “esporte fantástico”.
Júnior ressalta a importância de um guia
na prática dos esportes: “o guia é benéfico.
Aumenta a segurança no esporte e lubrifica o
aprendizado”. Segundo ele, quando o peso
está acima do ideal, dificulta a escalada, pois
é um esporte que luta contra a gravidade. É
preciso carregar um mochila de equipamentos que pesa em torno de 20 quilos.
“O esporte radical está crescendo no Rio
Grande do Sul”, relata Júnior, que chegou a
tirar o segundo lugar no Campeonato Gaúcho de Escalada Indoor. Um dos seus feitos foi
ter escalado os sete cumes brasileiros. Ele
acredita ter sido o primeiro gaúcho a realizar
o projeto. Desabafa dizendo que demorou
dez anos por falta de patrocínio. Agora, com
um projeto ainda mais desafiador, quer “realizar a ascensão das sete maiores montanhas
da América do Sul. Será necessário muito patrocínio”, relata Júnior.
Ele tem um site (www.mundovertical.
com) com nove mil acessos por mês, com objetivo de informar e formar montanhistas e
escaladores.
Universo IPA | Dezembro 2006
“Esporte é minha vida”
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Afirma o estudante Edgar de Lima, 25, do
quarto semestre de Educação Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele pratica esportes radicais, profissionalmente, há quatro anos e meio. Começou com
rafting, e a bike faz parte da sua vida há dez
anos: “sempre fui viciado em andar de bicicleta”. Participou de competições de longa distância, e tirou lugares entre primeiro e quinto.
Lima é instrutor de rafting da Radical Sul há
mais de um ano: “sempre fui muito ligado à
natureza”, afirma.
“O esporte radical entrou na minha vida,
através de uma palestra, que assisti na faculdade (IPA), com o dono de uma empresa de
Ruan Arboleta, colombiano, há 3 meses
em Porto Alegre, pratica escalada em rocha
Superação = motivação
Silviane Sebold, 30, conhecida por Kika,
está no quarto semestre de Educação Física.
Trabalha há quatro anos com esportes radicais. Optou por influência dos amigos.
Kika conta que, na primeira vez que praticou o esporte, não gostou: “fiquei com muito
medo. Depois de um tempo, voltei a praticar e
adorei”. Hoje, ela tem uma academia de ginástica, onde tem espaço para a escola de montanhismo, que dá curso de escalada. Segundo
ela, todos que trabalham na academia são estudantes ou formados em Educação Física.
Kika diz que é necessário “um preparo físico diferenciado para ter resistência e força, e
treinamento aeróbico”. Escalou, recentemente, o Dedo de Deus (1.690 metros) com 17
horas de atividade sem parar. Ela dá um recado aos iniciantes: “sempre tem que procurar
um curso ou um profissional para evitar acidentes”. Ela diz que os acidentes acontecem,
geralmente, na descida das montanhas,
quando é feita a escalada.
Victor Kerber
Técnico em Informática e Eletrônica, 23,
pratica esportes de ação há cinco anos (escalada, escalda livre e rapel). Conheceu os esportes no quartel e foi o único de sua época
a segui-los. Desde então, procurou instrução
profissional. Faz as atividades, em média, duas
vezes por mês. Vitor gastou cerca de R$5 mil
em equipamentos.
Chegou em sétimo lugar, entre 20 participantes, em um torneio interno de corrida de
escalada, realizado por uma loja de artigos esportivos. De acordo com ele, um dos principais locais para realização dos esportes, no Rio
Grande do Sul, é Morro do Itacolomi. Segundo ele, a principal motivação pelo esporte “foi
a questão de superação, convívio com as pessoas e o contato com a natureza”.
Pensado e projetado por
Está nascendo um novo espaço para os
skatistas no Centro de Porto Alegre. De um
projeto existente há dois anos, surge a Plaza,
um pista com um conceito diferenciado de todas as outras existentes no Brasil.
Baseada em uma pista de Nova York, a Plaza leva esse nome, pois além de uma pista para skatistas, também será uma praça para lazer e descanso, onde
monumentos e bancos servirão como obstáculos
para os atletas.
A verba para construção da pista, um total de R$ 180
mil, foi liberada pelo Governo Federal, através do deputado federal Beto Albuquerque, que resolveu retomar o projeto após uma conversa com o skatista
Guilherme Gnomo, 26 anos, profissional há seis. Hoje, Gnomo é um dos principais atletas envolvidos no processo de projeção, liberação e construção da pista, ao lado do
presidente da Federação Gaúcha de Skate, Ricardo Menezes.
Para que não fossem notados erros, ou falta de algum obstáculo, somente depois
de pronta, a Plaza foi desenhada pelo skatista e arquiteto Fred e, também, sempre discutida em reuniões e, até mesmo, em churrascos, por diversos atletas. Isso deixará a
pista o mais semelhante possível às ruas, o eterno local de treino de skatistas, e trará,
para a pista, corrimãos e escadas de diversos tamanhos. Segundo Gnomo, “não adianta
haver um corrimão pequeno e um grande, pois o moleque anda em um, mas não consegue andar em outro. Portanto, a Plaza terá todas as etapas. O skatista necessita de
evolução para crescer no esporte”. Houve, também, a preocupação para que a pista ficasse boa para treinar, mas também perfeita para trazer a Porto Alegre grandes campeonatos. Hoje, isso não acontece, pois a mais completa pista do Rio Grande do Sul localiza-se em Novo Hamburgo.
A escolha do local não foi à toa. A idéia da Praça Júlio Mesquita, no Centro, próximo
ao Gasômetro, foi tomada para centralizar o grande número de skatistas do bairro, que
andam nas Praças da Matriz e 15 de Novembro, e, também, para facilitar o treinamento
dos atletas da Zona Sul. Hoje, o custo é muito alto para um deslocamento diário até o
bairro IAPI, na Zona Norte, onde está a melhor pista da cidade. Assim, todos os atletas
terão um lugar bem localizado, destinado ao esporte em Porto Alegre. Existem vários
projetos para realização de oficinas, com total apoio e participação dos atletas profissionais, para meninos e meninas, após a inauguração da pista, prevista para maio.
Uma novidade, para skatistas e admiradores do esporte, é discutida por atletas e
pela Federação Gaúcha de Skate: a construção de uma pista, nas mesmas proporções
da Plaza, ainda em 2007, na Zona Sul da Capital.
Ivo
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Projeto da pista de Skate que será
construída na Praça Júlio Mesquita
es porte
Nataniel Corrêa
esp orte
skatistas
Universo IPA | Dezembro 2006
rafting. Adorei e entrei em contato com palestrante”, conta Lima. Como trabalhava no ramo,
conheceu pessoas ligadas ao rapel e montanhismo. Teve possibilidade de aprender escalada na academia. Gastou cerca de R$400 em
equipamentos básicos (cadeirinha, oito, saco
de magnésio, entre outros).
Por ter facilidade para perder peso, ele
não liga muito para a alimentação, mas evita
gordura e fritura. Faz todas as suas atividades
de bicicleta por ser um transporte limpo, e fazer bem à saúde. “Na minha vida, eu faço o que
eu amo fazer”, declara. Pretende continuar escalando até não ter mais condições físicas.
Afirma ser a maneira de estravasar, liberar o
stress do dia-a-dia: “se eu fico sem praticar, fico
mal e estressado”.
47
cultura
esespecial
pec i a l c u ltu
ra
Arquivo do grupo Afro-Sul/Odomodê
Através da dança e de outras oficinas como percussão e malabares, o grupo valoriza a cultura afro e facilita o acesso de crianças à arte
Cultura voluntária
vejam como cidadãos dignos, que se encontrem como um ser dentro da sociedade”, completa Caco. Para ele, o dia-a-dia com as crian“Em qualquer lugar, na casa de qualquer um. O Afro-Sul era nôças é o “carro-chefe” do Instituto, mas não exclui a possibilidade de
made”. É assim que um dos fundadores, João Augusto Santos Silva,
abrir oficinas para o público externo. O grupo mantém a dinâmica
o Caco, define o início do Instituto Cultural Afro-Sul/Odomodê. Desdo nome original que é Sociedade de Ação Social Recreativa Benede 1974, o grupo promove a valorização da cultura negra no Rio
ficente Cultural e Bloco Afro Odomodê.
Grande do Sul, no Brasil e no exterior. Hoje, através da música, da
Amiga do Instituto desde criança, Pâmela Viríssimo, hoje, trabadança e de outras oficinas, trabalham, com questões sociais e cullha como secretária e, também, na parte administrativa. Apesar de
turais, com crianças de cinco a 13 anos, que estejam em situação de
não trabalhar, diretamente, com as crianças, se envolve muito com
vulnerabilidade. Crianças de outros lugares também são bem vinelas, pois passa a maior parte do seu tempo lá. Viríssimo foi criada
na organização, participa do grupo de dança afro e os considera
das: “não existe uma porta fechada”, esclarece Caco.
uma família pelo vínculo forte com os alunos, professores e colegas
De segunda a sexta-feira, das 8h30 até às 12h e das 13h30 às
de trabalho.
17h30, são realizadas atividades no Afro-Sul/Odomodê. Desde capoeira, passando por artes plásticas, canto e dança, até os novos
Para ela, “o trabalho do grupo ajuda 100% no desenvolvimento
projetos que trabalharão culinária e vestuário. Caco explica que as
das crianças já que tudo é cultura”. Com a capoeira, os malabares, a
crianças mais novas, de cinco a oito anos, “fazem muitas brincadeidança, as aulas de educação física e a música, as crianças são inseras lúdicas. Deixamos eles mais à vontade assim do que estabeleridas na sociedade, além de desenvolver o corpo e a mente. O reforço escolar, aplicado nas disciplinas em que elas têm mais dificuldacendo regras”. Segundo ele, com os mais velhos – de nove a 13 anos
– existe uma orientação mais incisiva, dando-os
de, também ajuda e traz mudanças positivas nas
“Elas
são
inseridas
um incentivo e uma perspectiva para o futuro.
notas do colégio. Ter boas notas é um pré-requisito para se apresentar e fazer parte dos grupos.
O grupo acredita que cada voluntário, que dá
na sociedade,
um pouco da energia e do seu tempo para as
De acordo com o artista e comerciante, Livio
além de desenvolver Cardoso Schinoff, ser um arte-educador do Odocrianças, está ajudando-as a construir sua prómodê é poder trabalhar com as crianças “dando
pria cidadania. Dessa forma, permite “que eles se
o corpo e a mente”.
Universo IPA | Dezembro 2006
Gabriela casartelli
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especial cultura
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ênfase aos malabares e à literatura, como
software livre e incentivar os trabalhos que
“Poucos, no planeta, têm
poesia e teatro”. Schinoff dá aulas há um ano
estavam sendo feitos anteriormente. Senoção de quanta cultura
gundo Paulinho, “estão ajudando na estrue meio. Diz que é visível o crescimento do
tura eletrônica das associações, institutos,
projeto. Segundo ele, “poucos, no planeta,
tem disponível. É infinita a
têm noção de quanta cultura tem disponígrupos culturais e inserindo crianças no
diversidade artística que a
vel. É infinita a diversidade artística, e a genmundo da informática, além de disponibiligente leva para as crianças”. zar um acesso mais fácil à cultura digital pate leva para as crianças”. A relação do arteeducador com elas é relativa: “algumas gosra a comunidade”.
tam de aprender tudo e outras é difícil fazer aprender coisas simNa opinião de Caco, “a informática abre caminhos para os jovens,
ples”, afirma.
crianças, velhos e pra todos os interessados em se desenvolver. O
computador é uma exigência não só no mercado de trabalho, mas
Mesmo que alguns tenham dificuldades, estão adquirindo muina vida ativa”.
tas experiências que, segundo Schinoff, poderão ser utilizadas no
Viríssimo conta que a inserção das crianças na cultura as torna
futuro. “Com educação e cultura, eles vão poder se virar, nesse munpessoas que sabem se portar melhor diante do público e, também,
dão, com uma cabeça mais aberta”, acredita o artista. “As crianças
podem vir a ser educadores ou artistas, com uma participação social
aprendem a ser mais respeitosas. Com uma biblioteca improvisada,
positiva”, enfatiza.
eles têm acesso a livros que são discutidos, posteriormente, com os
educadores, nas oficinas.
No primeiro trimestre de 2006, o Instituto foi conteplado
Schinoff, por exemplo, dá aulas com leitura
com sete computadores, pelo Ministério da Cultura
e indica livros para serem levados para casa:
(MinC). Após a inscrição pela terceira vez, foram selecionados pelo MinC, como um “ponto de cultura”.
“eles já tocam, dançam, etc. Futuramente,
os que quiserem estarão vinculados a gruOutro fundador do Afro-Sul/Odomodê, Paulo Ropos artísticos e buscarão mais sobre assunmeu da Cruz Deodoro, explica
que existem cerca de 500
tos diferentes, maior compreensão sobre a
pontos de cultura que recebem
vida, que hoje ainda é difícil paapoio do governo através de equira a maioria das pessoas”.
pamentos.
O artista acredita que a maioria das
pessoas não tem consciência básica e que, por seO objetivo do governo é reforçar a quesrem os adultos do futuro, essas crianças devem
tão da informática
trabalhar nesse futuro: “na minha opinião, muitos
para trabalhar com
deles seguirão fazendo arte”.
“Com educação e cultura, eles vão poder se virar,
nesse mundão, com uma cabeça mais aberta”
Um grupo de amigos com uma paixão em comum: a música. Um simples, mas
ótimo motivo para formarem um grupo e atuarem profissionalmente.
No ano de 1974 são convidados a participar de um festival de música: “para
época, foi uma apresentação bem interessante. O público se dividiu entre aplausos e
vaias. Saímos sem título nenhum, mas a partir dali estabeleceríamos uma coisa nossa,
uma identidade como grupo.” Assim, “se monta o grupo afro-sul”, com a característica
de valorizar, difundir e promover a cultura negra, através da música e da dança.
Odomodê, na língua africana Iorubá, significa jovem, novo, menino. O nome ideal para o grupo que dá oportunidade, às crianças de rua e de comunidades carentes,
de aprender e praticar a cultura afro-brasileira.
Em 1980, o Afro-Sul foi chamado como parceiro para a refundação da Escola de
Samba Garotos da Orgia. Essa escola “tem uma incumbência que é tratar da difusão da
cultura afro-brasileira, originalmente trabalhando com tema afro”, relata Caco. Durante 18 anos foi esse o trabalho feito pelos Garotos da Orgia, que depois desse tempo
ficou sob a orientação do Afro-Sul.
De acordo com Caco “a escola de samba naquele momento não era suficiente
para criar uma estrutura cultural e social que pudesse se ater com algumas coisas importantes dentro da questão negra”. Ele acredita que o bloco afro veio então com essa
tarefa e o Odomodê se tornou uma janela para a avançar na questão da cultura negra.
“O Afro-Sul já fazia isso através da música e da dança, a escola de samba não tinha mais
a serventia para execução do trabalho com a cultura negra”, relembra Caco.
Em 20 de novembro de 2000, nasce o Instituto Cultural Afro-Sul/Odomodê, mantendo a missão inicial e passando a prestar serviço social como uma ONG ligada ao Terceiro Setor. Para Caco, serem independente do poder público e terem identidade própria sem
vínculos político-partidários é vantagem, assim como a maior visibilidade como ONG.
O trabalho do Instituto também é divulgado no site http://ong.portoweb.com.
br/afrosul. Para doações e parcerias entre em contato pelo fone (51) 3384-3576 ou
pelo e-mail: [email protected].
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De “nômades” a Instituto Cultural
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cultura
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Tunt, tunt, tunt
Música eletrônica: euforia na batida certa
Universo IPA | Dezembro 2006
rani vargas
50
Sem que muitos percebam, a música eletrônica (e-music) cresceu expressivamente, e
seu público se multiplica a cada rave. O estilo
é criativo e diferente, apresenta diversas vertentes e reúne uma gama de tribos distintas
nas festas.
As raves são, originariamente, ao ar livre. A
palavra significa descontrole ou delírio. Atualmente, são popularizadas, com grande público. Além de música boa, durante a noite toda,
também há shows de luzes e performances artísticas dos DJ’s. “A iluminação, combinada
com o som do DJ, tem um efeito impressionante no público, pois é a junção de impacto
sonoro com o impacto visual. O resultado é
uma vibe muito mais densa. Um bom exemplo
disso são os momentos de blackout da festa,
quando a música, em determinado momento,
vai ficando mais lenta e o volume vai diminuindo. Junto com isso, a luz vai apagando.
Depois dessa parada, a música volta com tudo
e a luz explode junto com ela. Poxa, a galera
vibra muito! É uma gritaria só!”, diz o Light Jo-
ckey (LJ), operador das luzes, residente da
SpinClub, Erick Krau, considerado por grandes
DJ’s como um dos melhores LJ’s do Brasil.
Os DJ’s são a grande atração das festas.
Muitos são Top Internacionais. O DJ gaúcho
Fabrício Peçanha, da agência 3Plus – RS, é um
exemplo. Recentemente, teve seu talento reconhecido. Foi eleito #242 do mundo, segundo a revista inglesa DJ Mag – onde, até hoje,
poucos brasileiros ilustraram a lista. “Foi muito
legal. Estar entre os 250 melhores do mundo
é ótimo. E isso fez com que os gringos soubessem quem eu sou”, conta. Meio tímido, completa: “não sinto uma ‘fama’. Apenas o reconhecimento de um trabalho legal que faço, e
que as pessoas têm curtido”.
“Não vejo a música
eletrônica como uma moda.
Assim como qualquer outro
estilo, uma hora iria estourar.
Estamos numa ótima fase, e
isso só tende a melhorar”.
Devido à grande popularização da cultura
eletrônica no Brasil, os eventos do estilo vêm
sendo mais freqüentados por todas as tribos.
Grande parte desse público, até então, não
tinha o gosto voltado para esse tipo de música. Porém, com o tempo, acabou por ser mais
assíduo às raves. “Freqüento a cena eletrônica
há uns 13 anos, mais ou menos. E vejo que,
hoje, a vibração é muito maior. Antigamente,
era um pessoal mais underground (alternativo) e, hoje, tem tudo que é tipo de gente dançando e curtindo cada vez mais”, revela Fernando Moska, que é um rosto conhecido nas
raves. Ele finaliza: “a galera deve transcender
ouvindo a música, buscando uma evolução”.
O carisma do DJ somado a uma música
bem escolhida não tem outro resultado a não
ser euforia completa do público. O DJ Gu, da
agência 3Plus – SP, revela: “acredito que uma
combinação entre os dois – música e carisma
– seja essencial. Mas acho que carisma é o
principal para poder desenvolver um bom set
(o conjunto de músicas tocadas pelo DJ) com
segurança. Fica mais fácil quando o público
está receptivo”.
Comercialmente
Há os que não se satisfazem apenas
com uma rave e partem para os chamados
afters. São festas que, geralmente, acontecem após o término das raves. Ou seja, começam logo pela manhã e se estendem
pelo resto do dia.
Inicialmente, é notado um preconceito
da sociedade para com os ravers (freqüentadores). De acordo com eles, a maioria das pessoas, sem conhecimento no assunto, vê as
festas como sendo um bando de jovens loucos e drogados curtindo uma “mesma música”
a noite toda.
Como quaisquer outros eventos de música, as raves também têm um problema em
relação às drogas. A má fama das festas se dá
pela soma da grande circulação de ecstasy e
a curiosidade do público em relação à “droga
do amor”, como é conhecida: “tem gente
que vai para usar droga. Isso de fato acontece. Mas esse conceito não deve ser generalizado. Tem muita gente que vai por gostar
da música”, afirma o DJ Fabiano Veppo, da
agência 3Plus – RS.
No assunto música, a e-music possui vá-
Grandes agências, como a 3Plus (de nível
nacional) e Re:existência (de nível regional),
promovem eventos com Top DJ’s, freqüentemente, no Rio Grande do Sul. A Fulltronic é
um bom exemplo de evento que deu certo
e, até hoje, mantém edições com grande público. Segundo o DJ Fabrício Peçanha, Porto
Alegre ainda tem uma carência de casas noturnas voltadas à música eletrônica. Conta
que está pensando em projetos para o próximo ano: “o pessoal quer ter opções. Escolher
um lugar confortável, onde possa ver gente
bonita e curtir uma música boa. Aqui em Porto, temos apenas a Spin. Está na hora de fazer
algo mais”.
Antigamente, as festas eram tidas mais
como “alternativas”, e não possuíam grande
número de simpatizantes. Muitos acreditam
que as raves, hoje, estão buscando não a satisfação do público, mas sim os lucros visíveis
que provocam.
A opinião dos DJ’s é clara: música eletrônica é paixão, e não deve visar apenas o lucro. O deslumbre de empresários acaba tornando as festas, que antes proporcionavam
o prazer dos freqüentadores, em mega eventos essencialmente comerciais. “A festa virou
um ‘negócio’. Promotores de festas eletrônicas querem lucrar, como qualquer dono de
casa noturna. Acredito que ainda se tenha
especial cultura
es pec i a l c u ltu r a
amor pela e-music. Mas, no fundo, o lucro financeiro e institucional é o maior objetivo”,
diz Jx. E completa: “hoje, a coisa está mais
para uma semana de moda. Tipo ‘full donna
tronic fashion’ (risos)”.
Acredita-se que a e-music seja uma evolução sonora e cultural no mundo todo. Para
Peçanha, tudo tem seu momento: “não vejo a
música eletrônica como uma moda. Assim
como qualquer outro estilo, uma hora iria estourar. Aqui no Brasil, não foi muito diferente
de outros lugares do mundo. Estamos numa
ótima fase, e isso só tende a melhorar”. Ele ressalta: “o RS está numa fase de explosão ainda,
que é confundida com moda. Mas escuto isso
desde que a e-music começou. Então, não
acho que seja modismo, e sim um gosto que
o pessoal está tomando por um som mais ‘fino’”. Completando, Veppo diz: “tudo está no
seu tempo. Não é uma moda, é uma cultura
que o Brasil e, no caso, o RS estão começando
a vivenciar mais”.
O DJ Gu brinca com a situação: “moda nada... Se fosse moda, já teria acabado há um
tempo. Música eletrônica faz parte da nossa
cultura, e acho que está melhorando cada vez
mais. Toco há 16 anos, e ela nunca saiu de ‘moda’ (risos)”.
Principais gêneros (Como diferenciar)
House - voltado às pistas de dança, e que, de
certo modo, atualizou com bases eletrônicas. Todos os
elementos da house music influenciariam os gêneros
que surgiram depois. Provavelmente, um dos sons
eletrônicos mais tocados do mundo. Possui várias
vertentes: Tech house, Deep House, Hard House e Progressive. Exemplos: Fabricio Peçanha, Rodrigo Ayala,
Deep Dish, Gui Boratto e Christopher Lawrence.
Trance - com batidas mais pronunciadas e mais
rápidas. Tem como características o chamado breakdown (uma diminuída no ritmo, uma parada), quase
sempre seguido de uma progressão empolgante - as
tais “explosões”. O estilo se utiliza, muitas vezes, de
sons etnicos, e tons repetitivos, que induzem um estado hipnótico, um transe. Também possui suas vertentes, como Progressive. Porém, a mais conhecida é o Psy
trance. Os Dj’s mais conhecidos, internacionalmente,
são Tiësto, Ferry Corsten e Armin Van Buuren.
Psy - é o trance psicodélico, mais acerelaro e
“enlouquecedor”. O gênero vem se popularizando no
Brasil, e promove os maiores festivais. Dj’s mais populares são Rica Amaral, Infected Mushroom e GMS.
Techno - mais pesado. É uma variação da House, porém com batidas mais furiosas e menos suaves,
contendo batidas mecânicas e usando sons que vão
desde sirenes apocalípticas a samplers de diálogos de
TV ou filmes. O Tecno original é mais rápido.sRenato
Cohen, Anderson Noise e Murphy.
Universo IPA | Dezembro 2006
Maurício Zimermann
rios gêneros e vertentes. Cada festa possui
um estilo de música, e não se costuma misturar diversidades em uma única rave. Porém, não é impossível que haja eventos com
tendas e pistas de diferentes gêneros, o que
acaba confundindo quem não entende muito da cena. “Não é a mesma coisa. Quem entende sabe diferenciar um som mais ‘fino’ de
um som mais poluído. A galera que curte
mesmo sente a vibe”, explica Veppo. Da mesma maneira, Jx, (Moving Dj’s) DJ da Rádio
Cidade – RS, reforça a idéia: “queremos mostrar que não é ‘tudo a mesma coisa’. Que não
são, simplesmente, um bando de loucos e
drogados escutando um ‘tunts’ a noite toda.
Esse é o nosso objetivo como profissional
das pick’ups também”.
Só quem vivencia sabe o sentimento que
a música eletrônica proporciona. O texto de
divulgação da festa Life is a Loop cita: “a música eletrônica é construída através de diversas sonoridades repetitivas, marcadas sempre com oito tempos, denominados loops.
Existe algo que é construído através de diversos sentimentos quase nunca repetitivos,
que são marcados e definidos sempre por
momentos denominados life. A nossa vida é
uma volta que não pretende parar tão cedo!
Life is a Loop”.
51
a Liverpool gaúcha
Lisiane de Assis
cultura
esespecial
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Porto Alegre,
Banda Identidade, em Porto Alegre, relembra capa do clássico Abbey Road, disco dos Beatles da década de 1960
Universo IPA | Dezembro 2006
Lisiane de Assis
52
“Let it be… let it be … speaking words of wisdom, let it be”. Deixa estar... deixa estar... falando
palavras de sabedoria... Porto Alegre é a Liverpool gaúcha.
Calças justas, ternos redesenhados, cabelos
acompanhando o desenho da testa. Acordes não
tão complexos, mas que compõem melodias marcantes. Letras que descrevem um pouco do dia-adia, relatam experiências amorosas, por vezes de
maneira doce, outras de forma ousada. Essa descrição poderia, facilmente, ser associada a Beatles ou Rolling Stones. Porém, não se refere à Inglaterra da década de 60, e sim a Porto Alegre dos
anos 2000.
c o
Fotos:
divulgação
q u e ,
atravessando gerações, completa 26 anos de história: o
bar Ocidente: “o Ocidente surgiu, em dezembro de 1980, sem nenhuma preten-
especial cultura
são. A idéia era, através da promoção de
eventos, basicamente de teatro, que era
nossa área de atuação, criar uma cronologia das noites na vida das pessoas que
frequentavam a noite do Bom Fim”, conta
o proprietário do bar, Antonio Augusto
Pereira Barth, mais conhecido como “Fiapo”. Mais tarde, o jornalista Mauro Borba
caracterizou o Ocidente como “um lugar
lançador de modas e tendências na capital gaúcha”. Segundo Fiapo, passaram
por lá clássicos do rock gaúcho como TNT,
Replicantes e Graforréia Xilarmônica,
que contribuíram para que o bar continuasse, até hoje, como um ponto
certo de encontro do rock local. Ultimamente, quem tem marcado presença por lá são as bandas Pública,
She’s OK e Os Efervescentes.
Considerações e caracterização da
cena rock da cidade feitas, permanece a
incógnita: por que os porto-alegrenses
têm predileção pelo rock sessentista? O
jornalista Leo Felipe tenta desvendar o
mistério: “acho que muito em função do
chamado ‘boom do rock gaúcho dos anos
80’, que trouxe à tona
bandas como TNT e
Cascavelletes.
Essas bandas
eram muito
influenciadas por Beatles e Stones. Nesse
sentido, o
Júpiter é figura chave nesse
‘revival sessentista’. O cara esteve à frente tanto do TNT quanto dos Casca e, depois, em carreira solo, trouxe de vez a lisergia para um contexto de rock gaúcho.
Outro cara importante é o ‘Syd Barret dos
pampas’, Plato Divorak. Desde o final dos
anos 80, ele vinha citando e trazendo referências dos anos 60 para sua música. Finalmente, com o ‘fenômeno’
Cachorro Grande (super influenciado por TNT, Cascavelletes e Júpiter), a gurizadinha mais nova
entrou em contato de vez com o
som dos anos 60, ou parte dele. Daí
o estrago estava feito.”
Resta dizer que, se no século XVI,
o Porto de Liverpool era “a principal
porta de entrada para o mundo novo” e,
em 1960, a cidade se tornou conhecida
como a terra de uma das bandas mais emblemáticas do rock, Porto Alegre se concretiza como o portal do “mais novo-velho” rock and roll.
es pec i a l c u ltu r a
bandas. Ao que tudo indica, a escola rendeu boa formação, pois Frank Jorge segue a carreira musical até hoje e é
acompanhado por um público de
idades variadas.
Aliás, o público, nessa história
toda, merece boa parte do mérito. É
ele que vai aos shows, compra os discos, enfim, faz as bandas acontecerem:
“o público é tudo na vida de
qualquer banda, porque tu queres
tocar para ter
público, para agradar
as pessoas,
para deixálas felizes.
Não tem por
que tocar se
não é para tocar
alguém,
porque
a s
canções tocam as pessoas”, afirma Hanke.
A voz do público é representada pela estudante Juliana Larsen: “Acho que Pública, Os Efervescentes, Cachorro Grande,
Identidade, entre outras bandas, desempenham muito bem o papel que Who,
Beatles ou Rolling Stones tiveram na
sua época. Para mim, é como a retomada de um tempo que eu não
vivi. Sem contar a vibração dos
shows, que é algo único”, empolga-se a estudante.
Mas nem só de bandas e público, público e bandas, sobrevive a cena. O pessoal do rock precisa de lugares que sediem suas
festas e shows. Para essa finalidade, se
prestaram Rocket 88, Taj Mahal e Crocodilos, bares extintos da década de 1980,
que hoje dão lugar para o Beco, Mosh,
Garagem Hermética e Dr. Jeckill. Sem esquecer do
clássi-
Universo IPA | Dezembro 2006
“É uma característica do Rio
Grande do Sul essas influências. Talvez pela semelhança do clima
frio”, é a explicação
do guitarrista da
Identidade e baixista
do Júpiter Maçã, Lucas
Hanke, para que a cena
rockeira de Porto Alegre remeta tanto aos clássicos britânicos. Também, não era preciso nem dizer. O DVD
dos Rolling Stones, que servia de trilha
para nossa conversa, deixava evidente a
influência sessentista.
Difícil é enumerar os “culpados” que
originaram a tradição de se fazer rock
and roll na cidade. Há indícios de que, em
1967, só em Porto Alegre, havia uma centena de bandas que bebiam na fonte dos
Beatles. Entre elas, os precursores do Liverpool, obviamente, muito influenciados pelo rock and roll que surgia na Inglaterra. Depois disso, vieram Musical Saracura e Bixo da Seda, em idos dos anos 70,
que também carregam boa parte da responsabilidade. Porém, os inspiradores e
mais lembrados pela última geração porto-alegrense são os oitentistas do TNT e
Cascavelletes. Mas o que essas bandas
deixaram de “herança” para as gerações
posteriores? Justamente a vontade de
tocar: “dentre vários fatores, elas serviram como influência pelo fato de ver uma
banda tocando no palco e querer fazer o
mesmo”, relata, por experiência própria,
o baterista dos Faichecleres, Tuba. A banda, que apesar de ter sido formada em
Curitiba, é composta por gaúchos, é muito presente na cena local.
Mas como tudo começa? Bem, depois
de um apanhado de referências, e unidos
pelos mesmos ideais, grupos de amigos
começam a formar as bandas. Dessa forma, ocorre a proliferação da cena que se
dá de maneira natural, onde todos se conhecem. A única distinção entre músicos
e público só é percebida na hora em que
alguns sobem ao palco e empunham
seus instrumentos. As festas e shows do
pessoal do rock sulista são assim mesmo,
caracterizadas por um clima de grande
família. Mas isso não é de hoje. O jornalista Mauro Borba, no livro “Prezados Ouvintes (Artes e Ofícios)”, conta que, quando o músico Frank Jorge assistia aos ensaios da banda Expresso do Oriente, na
década de 1980, ele se perguntava se, algum dia, tocaria em uma banda como
aquela. O seu sonho era alimentado na
famosa garagem da casa do músico Julio
Reny, que serviu de berço para várias
53
cultura
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Divulgação/Anastácias
Da esquerda para direita: Fernanda Ferreira, Claúdia Fontoura, Malizi Gonçalves, Denise Fontoura e Quênia de Moraes
A voz do Rap feminino
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camila de moraes
54
Cultuada no Brasil, a escrava Anastácia ficou conhecida como heroína e símbolo de
resistência. É uma das personalidades femininas mais importantes da história afro-brasileira. O grupo Anastácias surgiu, no Rio Grande
do Sul, com intuito de mostrar sua realidade
para o mundo. São seis mulheres negras heroínas que, através das letras de Rap, protestam contra a questão racial e de gênero, sempre procurando a identidade cultural do país
sem desvirtuá-la.
“Foi quando nós todas nos identificamos com a história de luta e garra dessa
grande mulher negra chamada Anastácia,
que jamais se calou e sempre lutou pelos
seus ideais. É isso que o nome do grupo representa para nós”, relata uma das DJ’s do
grupo, Quênia de Moraes.
A banda, formada por Cláudia e Denise
Fontoura, Fernanda Ferreira, Carla Joseane Padilha, Malizi Gonçalves e Quênia de Moraes,
representa a nova versão desse movimento.
São mestres de cerimônia (MCs), mestres do
toca-discos (Dj’s) e grafiteiras que difundem
seus pensamentos e indignações. Gurias que
trilharam um caminho diferente no movimento Hip-Hop. Criada em 1999, a primeira formação tinha dez meninas, que costumavam sair
juntas. As adolescentes de atitude que, com
base na história de vida de seus familiares,
principalmente das mulheres que lutavam
contra todo o tipo de discriminação, vêem, no
Rap, um espaço para falar sobre temas que
norteiam seus caminhos. “O Rap te dá essa
possibilidade de falar abertamente sobre esses temas. E é necessário que nos utilizemos
dele. Precisamos deixar bem visível que o racismo existe no Brasil e mata, assim como o
desrespeito e agressão à mulher. Matam pessoas, sonhos, oportunidades e a dignidade”,
relata a MC Denise Fontoura. Através das músicas, tentam passar valores aprendidos na trajetória de vida. Segundo Ferreira, Anastácias
serviu de exemplo para muitas pessoas.
Com esse ideal, as garotas conquistaram
um importante prêmio de Rap nacional, o Prêmio Hutus 2003, na categoria melhor música
demonstração (demo) feminino, colocando o
Rap gaúcho em alta. A experiência de ser reconhecidas, e ter o trabalho divulgado nacionalmente, ocasionou mudanças na rotina das
“gurias do Sul”, que mudaram para a capital
carioca. Lá fizeram algumas apresentações no
Canecão e no Circo Voador. Também participaram da coletânea Made in Brasil, do selo
norte-americano Wordsound. Gonçalves comenta que o prêmio projetou o grupo e que,
apesar de todas as dificuldades enfrentadas,
foi um momento único. Não podiam perder a
oportunidade. As meninas têm projeto de
gravar um CD demo com cinco músicas e
vender shows para ter uma apresentação de
qualidade e pagar as passagens, pois metade
do grupo mora no Rio Grande do Sul e a outra,
no Rio de Janeiro.
Mesmo assim, o grupo continua a trajetória de resistência com a força de suas referências. Compõem esse repertório os mais diver-
sos nomes da black music, soul, r&b, charme,
Rap e samba, como Dona Ivone Lara e Cartola, além de seus familiares. Dizem que é preciso saber da onde se vem para saber aonde se
vai: “identidade é necessário. Ponto de partida
África, meu povo originário, resgatando referências, esbanjando orgulho. Não vendo, não
troco minha cultura, meu mundo” (Letra da
música Identidade).
O Rap feminino passou por algumas situações de boicotes, fofocas e inveja, mas isso
foi superado com o talento. Encontra, através
das letras, espaço para expressar seus sentimentos perante a sociedade. É o que diz a
letra de Identidade: “desde pequeno, negritude é sinônimo de macacada. Essa é a tática
pra subjulgar, mas temos a nossa arma de força para lutar, para defender nossa afro-descendência, nosso jeito de ser. Igualdade de
condições é o que a gente quer.” Fontoura
acredita que, como a sociedade, o movimento Hip-Hop também enfrenta preconceito. O
machismo e o racismo são alguns exemplos:
“é necessário um debate longo sobre esse tema”, diz Moraes.
Anastácias são jovens mulheres negras
que traçaram o seu destino. Passam a atuar na
sociedade com outro olhar sobre questões de
gênero e raça. Gaúchas que não se contentaram com a realidade imposta e resolvem ir
atrás de suas perspectivas através dos quatros
elementos do movimento Hip-Hop que carregam no coração. São as garotas do grupo
de Rap do Rio Grande do Sul e hoje para o
mundo: “Anastácia não se deixou escravizar”.
Roberto Menescal e Carlinhos Lyra na praia de Ipanema, berço do movimento bossa nova no Brasil
A fusão: Samba e Jazz
O que rola em POA
Na década de 1950, no Rio de Janeiro, um
grupo de jovens, insatisfeitos com a música e
os cantores de até então, queria fazer uma
música diferente, que seria a miscelânia do
samba com o jazz americano. Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Carlinhos Lyra e os irmãos Castro Neves foram precursores do movimento bossa-novista.
Porém, quem solidificou a “batida bossa
nova” foi o baiano João Gilberto, criador de
uma batida violonística totalmente diferente
de tudo que havia sido feito até o momento.
O marco para a bossa nova foi o lançamento
do LP “Canção do Amor Demais”, de Elizete
Cardoso, em 1958. O disco era todo dedicado
às canções de uma nova dupla que, mais tarde, seria responsável pelas mais belas canções
da música brasileira: Tom e Vinícius.
Em 1959, João Gilberto gravou o disco
“Chega de saudade”. Em 1960, foi lançado o
segundo disco: “O amor, o sorriso e a flor”. Dois
anos depois, a bossa nova havia conquistado
o mundo e aterrissava no Carnegie Hall, em
Nova York. Cantores como Frank Sinatra, Nat
King Cole, Tony Bennett, Al Jarreau, Johnny Mathis, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Ray Charles gravaram bossa nova. Até Elvis gravou.
“Garota de Ipanema” rivaliza, com “Yesterday” de Lennon e McCartey, na casa dos cinco
milhões de execuções. “Águas de Março” é
apontada, pelos americanos, como uma das
dez canções do século.
O músico Mário Lúcio, amante da bossa
nova, sempre cantou seu estilo predileto em
bares como Fascinação, Blue Eyes, Arcabuz,
entre outros. Sua relação com a bossa nova
é de extremo amor: “quando ouvi João Gilberto pela primeira vez, cantando ‘baiana,
que entra no samba, não fica parada’, algo
transformou-se dentro de mim”. Para ele, Porto Alegre precisa de um ambiente que cultue bossa nova com qualidade, constância e
caráter histórico.
“O choro, para mim, é a música popular
brasileira por excelência, onde nossos instrumentistas trazem todo seu sentimento e virtuosismo, através de melodias executadas
com competência e maestria”, afirma o produtor e divulgador do Clube do Choro de Porto
Alegre, Márcio Gobato. Segundo o comerciante Luiz Alberto Noronha – frequentador
da escola de samba Bambas da orgia – o samba faz parte de sua vida: “sem o samba, não
dá. Nele, encontro razão para ser feliz”.
Em Porto Alegre, existem lugares que
aproximam-se da segmentação bossanovista, como o Bar do Nito (Rua Lucas de Oliveira); Cidade Bossa (Rua Otávio Corrêa); Se
Acaso Você Chegasse e o Café Concerto da
CCMQ. Para os admiradores e amantes do
choro, uma passada no Clube dos Caixeiros
Viajantes, onde o regional do Clube do Choro se apresenta toda quinta-feira, é indispensável.
Universo IPA | Dezembro 2006
O Brasil é o país do futebol. Único pentacampeão mundial, país de Pelé, de Garrincha
e dos Ronaldos. Tem o nome sempre associado ao esporte. Será que futebol deve ser considerado o único motivo de orgulho para o
povo brasileiro? Parece ser! Mas existe outra
manifestação que credencia o Brasil como
modelo a ser seguido e admirado internacionalmente: a música! Aqui é que ela parece não
ter o devido reconhecimento. Talvez seja o
complexo de vira-lata, descrito por Nélson Rodrigues, no qual só se enxerga o valor do que
vem de fora.
Três estilos musicais são reconhecidamente produtos “made in Brazil”. Dois deles
surgiram por volta da metade do século 19, e
o outro em meados do século 20. São eles:
choro, samba e bossa nova, os quais podem
ser considerados como ramificações um do
outro, pois se aproximam muito.
O choro é oriundo da mistura de ritmos
europeus, principalmente da polca, com o
africano lundu. Chegou ao Brasil, via Rio de
Janeiro, a partir da abolição do tráfico de escravos, que fez a cidade crescer e melhorar.
Surgiu uma classe média urbana, composta
de funcionários públicos e pequenos comerciantes e, majoritariamente, por afro-brasileiros, o que forneceu não só a mão-de-obra ao
choro, mas, também, o público consumidor
desse tipo de música.
Não existe uma data certa do nascimento.
Para alguns pesquisadores, o período pode
ser compreendido entre 1850 e 1870. O flautista Joaquim Antônio da Silva Callado é considerado um dos criadores do choro. Apesar
de ter morrido cedo, aos 32 anos, foi decisivo
para a fixação do gênero. Incorporou, ao solo
de flauta, dois violões e um cavaquinho, que
improvisavam livremente em torno da melodia. A maior parte dos brasileiros não sabe,
mas existe o dia nacional do choro, 23 de Abril,
data de nascimento de Pixinguinha, comemorado com reverência em países como
França e Japão.
O samba, para alguns pesquisadores, surgiu na Bahia. A palavra “samba” foi mencionada,
pela primeira vez, em 1838, na revista pernambucana Carapuceira, e serviu para definir, como
uma coisa só, vários tipos de música e de dança
introduzidos, pelos negros escravos, no Brasil.
O maxixe, o lundu e a modinha foram fontes
que originaram o ritmo. O samba-amaxixado
“Pelo telefone”, de Donga e Mauro de Almeida,
é considerado o primeiro samba gravado.
especial cultura
Arquivo Pessoal
Daniel Freire
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Música made in Brazil
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cultura
esespecial
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ra
Terra de chimarrão, erva,
Vinicius Silveira
toca, em bares,
desde os 16 anos
Leonel Tedesco
Universo IPA | Dezembro 2006
Amanda Porterolla
56
Em 1978, Raul Seixas dizia que o diabo
é o pai do rock. Mas até mesmo o Maluco
Beleza sabia muito bem que o rock n’ roll é
filho de um outro cara chamado blues. Entretanto, tudo isso tinha sido dito muito antes por Muddy Waters: “o blues teve um filho
e o nome dele é rock n’ roll”. No Rio Grande
do Sul, as bandas de rock da década de
1980, como Garotos da Rua e TNT, utilizavam elementos do blues em suas composições. Mas por volta da década de 1990 é que
o blues gaúcho deu um salto e começou a
ficar um “negócio sério”.
O guitarrista Solon Fishbone foi um dos
primeiros a fazer blues no Estado. Antes de
ter a própria banda, tocava com o irmão, Andy Rodrigues, na Blues Makers. Em 1994,
Solon Fishbone y Los Cobras gravaram o primeiro álbum, “Blues from Southlands”, que
vendeu mais de 10 mil cópias. Em 1996,
Fishbone alcançou reconhecimento nacional com o álbum “Heart & Soul”, produzido
por Charles Gavin, baterista dos Titãs. Partiu
para os Estados Unidos, em 1997 e, em 1998,
para a América do Sul, onde conheceu o ar-
gentino Adrian Flores. Com essa parceria,
houve vários shows, pelo Brasil, com artistas
afro-americanos como Phil Guy e John Primer. Em 1999, lançou “Blues Galore”. O último trabalho de Fishbone, “Instrumental
Mood”, foi lançado em 2004 por um selo independente.
Fernando Noronha também é um nome
conhecido entre os apreciadores do blues
gaúcho. Acompanhado pela banda Black
Soul desde 1995, gravou seis discos e se
apresentou pela Europa, América do Sul, e
América do Norte. O seu último álbum é
“Bring It”, lançado em 2005. Fernando Noronha e Black Soul trabalharam ao lado de
grandes nomes como B. B. King, e os irmãos
Phil e Buddy Guy.
O gaitista Andy Boy participou da faixa
título do primeiro álbum de Fernando Noronha, “Swamp Blues”, de 1997, e se apresentou com Solon Fishbone. Em 1996, Andy Boy e sua banda, The Blues Planets,
participaram do CD “Blues 4POA”, uma coletânea com quatro bandas de blues de
Porto Alegre, que ganhou o Troféu Açorianos em 1997.
Foi no CD “Blues 4POA” que outro bluesman gaúcho apareceu na cena. Vinicius Silveira, que tocou ao lado de Fishbone, Fernando Noronha e do carioca Celso Blues
Boy, tem quatro discos gravados, sendo o
segundo, “Slidin’ n’ Harpin”, uma parceria
com Andy Boy. “No blues, tu encontras muito mais do que a canção. São músicos que
se dedicam porque gostam e as pessoas
gostam porque sabem que o artista faz
aquilo de coração”, afirma Silveira. Seu último trabalho é o álbum “12 Bar Blues”, lançado em 2004.
A dupla Gaspo Harmônica e Oly Jr. também possui estrada. Lançaram o CD “Na capa da gaita”, cujas músicas estão disponíveis
no site www.nacapadagaita.com.br, e estão
com o segundo álbum gravado, com lançamento previsto para o primeiro semestre
deste ano. O novo trabalho conta com a participação do harmonicista chileno Gonzalo
Araya. Segundo Gaspo, os novos singles
também vão estar no site.
O blues não pára
Outros nomes estão conquistando o
seu espaço na cena gaúcha. É o caso da
Walking Blues, formada em 2001, pelo guitarrista André Tubino. Após diversas formações, a banda conta hoje, na guitarra, com
André Tubino, no vocal, Fernando Caminero, no baixo, Sérgio Selbach, nos teclados,
Germano Paranhos e, na bateria, Jaques
Trajano. Glaucia Civa e Marina Garcia fazem
participações nos shows, dividindo os vocais de algumas músicas com Caminero. O
responsável pela harmônica era o gaitista
Alex Pardal, que saiu do grupo. “Quando o
Pardal entrou, partimos para o West Coast
Blues, ele foi muito importante para a banda”, diz Tubino.
A Walking Blues tem uma faixa gravada no CD “Música na Casa 2005”, da Casa
de Cultura Mario Quintana, que sairá no
início deste ano. Também gravaram um
CD de releituras com nove músicas, e pretendem lançar um álbum com músicas
próprias. As músicas e o clipe da banda estão disponíveis no site www.walkingblues.
com.br. Os guris abriram o show de Phil
Guy, no Opinião, e de Greg Wilson dos
Gabriela Di Bella
Harmônica e Oly Jr. gravaram o CD “Na Capa da Gaita”, e vão lançar um novo trabalho em 2007
O nome “Azambujas” faz referência à Rua Azambuja Fortuna, em São Leopoldo, onde rolam os ensaios
Pedras na
estrada
Viver de música é difícil, viver de blues então, nem se fala.
Ainda mais no Brasil, terra de
samba e futebol. Mas a cena
gaúcha se mantém ao longo dos
anos. Para Mutuca, apresentador do programa Hot Club do
Mutuca, na rádio Ipanema FM,
cada grupo de músicos deve batalhar por si mesmo. Silveira afirma
que, no seu caso, dá pra viver de
blues: “como toco sozinho, consigo
tocar em lugares menores”. Ele é só-
“Tem pessoas que
chegam pra mim e dizem:
cara, eu não sabia que
isso é que era blues”.
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Da
Banda Walking Blues, aindana antiga formação,
com o harmonicista Pardal (de chapéu)
Universo IPA | Dezembro 2006
Blues Etílicos, banda de blues do Rio de Janeiro, além de jams com Adrian Flores,
Gonzalo Araya, e Andy Boy.
Outra banda, que não poderia ficar de
fora, é a Azambujas Blues Band, de São Leo­
poldo. Com Alice Azambuja nos vocais, a
banda é formada por Arno na guitarra,
Marcelo Walking Bass no baixo, Mário na
harmônica, e Feijão na bateria. A banda
tem um CD demo, “Passá o chapéu”, com
três músicas próprias e releituras de Jimmy
Reed e Steppenwolf. O nome “Azambujas”
é uma referência ao nome da rua onde a
banda ensaia.
cio de Fishbone na Guitar Garage, uma loja
que vende, troca e conserta guitarras, onde
Silveira dá aulas de violão e guitarra.
Há o problema da falta de espaço para
as bandas. “Tem um pessoal que toca por
hobby e aceita qualquer preço. Isso toma
espaço de quem quer viver da música”, afirma Gaspo. Também há casas de shows que
contratam uma única banda para tocar uma
vez por semana, ao invés de dar espaço para bandas diferentes. “A gente toca mais no
interior do que em Porto Alegre ou São Leo­
poldo”, diz a vocalista da Azambujas Blues
Band. “O que mais nos incentiva é saber que
o público tá aumentando e sai alegre do
show. Já tocamos para cinco pessoas e até
para nenhuma. Não pode botar dinheiro à
frente do blues”, relata Caminero.
Para Tiago Kautzmann, apresentador do
programa Madrugada Blues, na rádio Unisinos FM, o blues sempre vai ter ouvintes.
“Tem pessoas que chegam pra mim e dizem: cara, eu não sabia que isso é que era
blues”, explica Caminero. Ele acrescenta que
muitos têm a idéia de que blues é uma música triste. Quando, na verdade, o que falta
é conhecimento. Há blues animados, pra
dançar e se divertir. “O blues, por aqui, foi
muito caracterizado como um som de elite.
A nossa idéia sempre foi levá-lo para toda a
massa. Sinto-me igual tocando na vila ou
num hotel cinco estrelas. A felicidade de fazer um som é a mesma”, afirma Azambuja.
Gaspo diz que muita gente não gosta de
blues porque nunca ouviu. Mas é Caminero quem resume a história: “tu não
escolhe tocar blues, tu é escolhido. Quando tu vê, já tá
no blues”.
especial cultura
Giovani Paim
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bomba e... blues, tchê!
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cultura
esespecial
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Universo IPA | Dezembro 2006
58
No desligar das luzes, começa o espetáculo. Na telona, imagens
que fascinam os olhos. O cinema, em Porto Alegre, surgiu em 1896,
com a primeira exibição projetada pelo “cinematógrafo”
A sessão vai começar... Bom filme!
Fotos: Claudia Jobim
Claudia Jobim
“Eu lembro que, nos meus tempos de juventude, ir ao cinema era muito mais segurodo que agora e muito mais barato também.
As matineés de domingo passavam filmes de
verdade e não essas modernidades, filmes pra
encantar, emocionar e conquistar as moçoilas”, conta o aposentado, Adamastor dos Santos, 83 anos, ao relembrar, principalmente, o
Cine Coral, responsável por boas lembranças
da juventude.
Na sua opinião, é muito difícil Porto Alegre ter de volta todo aquele glamour do cinema de rua, diante de toda a tecnologia
que ainda pode aparecer. Tudo isso porque,
hoje, as pessoas têm preferência por suas
casas e seus aparelhos de televisão cada vez
mais modernos.
Assim como os cinemas de calçadas se
extinguiram, os de bairro também não são
escolhas para muitos habitantes da capital. O
Baltimore é apenas mais um que dá seqüência à extinção dessas salas. Criado na década
de 1930, o cinema estava localizado no Bairro
Bom Fim e possuía quatro pavimentos.
Quem foi o verdadeiro vilão para o assassinato em série das salas? Hoje, os melhores cinemas estão nos shoppings de Porto Alegre. Se
você quer conforto e, ao mesmo tempo, segurança, eles oferecem isso e muito mais, mas
com preços que fazem jus ao que propõem.
As “regras” mudaram muito de uns tem-
Cine Teatro Coliseu, inaugurado
em dezembro de 1910
Bilheteria de um dos cinemas localizados dentro de um shopping da Capital
pos para cá. Até meados de 1990, era possível
entrar no meio da sessão, ficar e esperar o
filme terminar, continuar na sala até começar
a outra, para você assistir à metade que ainda
não havia assistido. Hoje, você é convidado a
se retirar. Mas só os shoppings são os responsáveis? E a era tecnológica que está sendo
imposta? Aparelhos de TV de plasma é a nova moda no mercado e, para alguns, é possível montar seu próprio cinema em casa.
Quem vai querer pagar uma sessão de R$12
no fim de semana se pode alugar um DVD na
vídeo locadora mais próxima, que sai mais barato, e ainda comprar pipocas, refrigerante, chocolates, balas, enfim, tudo o que você pode
encontrar na bomboniere dos cinemas? Assistir
ao filme no conforto do seu lar, desfrutando da
companhia de seus amigos ou
Anúncio do Cine
Teatro Coliseu, 1910
até mesmo daquele alguém especial.
O Cinema sempre teve um lado romântico. Parece ser o local ideal para marcar encontros e também iniciar um namoro. As
sessões da meia noite do Cine Avenida,
Guion, o GNC do Shopping Praia de Belas e
o Unibanco Artplex, que, em alguns lançamentos, faz a sessão da meia-noite aos sábados, acabam se tornando atrativos para o
público, casais na maioria.
De acordo com a jornalista e professora na
FAMECOS, Susana Gastal, “Porto Alegre é a cidade, do país, com o maior número de salas
de cinemas de variados estilos. Gente
de todo lugar vem a Porto
para apreciar a
Cinema Central, inaugurado
em março de 1921
Conforto e segurança
Na década de 1970, as salas de calçada
desapareceram por completo. Isso porque
os ingressos se tornaram caros com o
avanço tecnológico. O público se tornou
mais segmentado, apenas a elite freqüentava o cinema.
De acordo com a obra de Fabio Augusto
Steyer, “O Cinema em Porto Alegre: 19861920”, as salas, que antigamente tinham até
cinco mil lugares, diminuíram, gradativamente, o número de cadeiras por não haver
maior demanda de espectadores paras as
sessões. A grande mudança é o surgimento
de salas com 200 a 300 lugares. Esse acaba
sendo o perfil das salas que migraram para
os shoppings.
Por mais que esses sejam um dos motivos para a invasão dos cinemas nos shoppings, é preciso saber que, com essas mudanças,
o número de contratações para se trabalhar
nas casas cinematográficas reduziu consideravelmente. Antes, os cinemas empregavam
muito mais pessoas do que hoje.
Em 1913, trabalhavam, no Recreio Ideal,
no mínimo, umas 15 pessoas: um gerente, dois
operadores, um ajudante de operador, um bi-
ciso se planejar para ir ao cinema.
“Estamos em uma época em que os Centros Culturais estão na moda. É possível assistir
a um bom filme, tomar café, contemplar mostras de arte e, até mesmo, realizar uma boa
leitura. O cinema deixa de ser uma atividade
isolada e passa a dividir espaço com outros
atrativos de lazer”, comenta Gastal.
No livro “Salas de cinemas: cenários porto
alegrenses”, Gastal analisa a evolução do cinema na capital gaúcha e, também, comenta
sobre o estado de alguns deles até o fechamento. “Tinha salas em que era preciso colocar os pés na poltrona, que não eram poltronas, mas sim cadeiras de última, porque corria
água”, recorda.
fatos históricos
Projetor para filme de 16 mm da década
de 1940. Museu Hipólito José da Costa
- O cinema, na capital, surge em 1896, com a chegada
do cinematógrafo. Patenteado pelos irmãos Lumière,
o aparelho foi trazido pelo fotógrafo Georges Renoulean, responsável por uma das primeiras exibições de
cinema na cidade.
- A Rua dos Andradas ficou conhecida como o ponto de
encontro para as demonstrações de imagens em movimento: a famosa Cinelândia.
- O público era aquele que estava nas grandes feiras industriais e comerciais, festas religiosas, circos, teatros e cafés.
Em todos os lugares em que o cinematógrafo passou,
emocionou, assustou e surpreendeu o povo gaúcho.
- Na metade do século 20, as sessões de cinema, na
capital, eram realizadas por cinematógrafos ambulantes.
- Havia locais destinados a projeções do cinematógrafo.
O principal era o Theatro São Pedro, considerado o
mais importante espaço cultural da época. Ele caracteriza um período em que Porto Alegre era considerada um centro cultural, por onde passavam várias companhias de teatro e ópera.
- O Teatro Parque, localizado no Campo da Redenção,
atual Parque da Redenção, foi inaugurado na Exposição
Estadual de 1901, ano em que, segundo o historiador
Jesus Pfeil, houve a feira de industriais e comerciais.
Universo IPA | Dezembro 2006
variedade
cultural que a capital
gaúcha tem a oferecer”.
Enquanto houver público que ainda goste de presenciar um bom filme e dividir essa
alegria com outras pessoas, as salas vão existir.
Só é preciso que o público queira conviver
socialmente com outras pessoas e compartilhar o momento mágico que acontece, nas
salas, com os movimentos no telão.
lheteiro, dois porteiros, um maestro
e mais os músicos da orquestra. Atualmente,
cada sala gera cerca de cinco empregos.
A divisão das salas por módulos, que
ocorreu com o passar dos anos, exigia poucos funcionários. A cada três ou quatro cinemas, há uma cabine de projeção, onde dois
funcionários podem tomar conta. O bilheteiro é igual como antes e isso apresenta baixo
custo para o cinema. A principal propaganda, para promover as multisalas, era que, a
qualquer hora, teria uma sessão. Você poderia chegar ao local, em qualquer horário, que
o filme começaria na mesma hora. Mas, na
realidade, não foi isso que aconteceu. É pre-
Cine Teatro Rex, 1936
especial cultura
Anúncio do Cinema Popular,
30 de agosto de 1931
es pec i a l c u ltu r a
Cinema Capitólio, 1928
59
cultura
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ra
anonimato
Em muitos lugares do Brasil e do mundo,
há um jovem aprendendo a sustentar a primeira nota musical, seja qual for o instrumento. Logo após, muitos decidem montar uma
banda ou apenas marcar um som com os amigos para se divertir. A idade básica para formar
uma banda, geralmente, é na faixa dos 13 aos
21 anos, onde o jovem músico tem em mente ensaiar (com ou sem compromisso), gravar,
fazer shows ou apenas se distrair. Segundo
informações encontradas na maioria dos sites
de formação de banda, nunca é tarde para
começar.
As bandas Alto Vox (rock) e Pancada de
Vaneira (tchê music) foram formadas em 2006
e, mesmo com os diferentes estilos musicais,
têm quase os mesmos problemas. A aparelhagem é ruim, a desorganização é grande e muita vontade de fazer o melhor, mas sem saber
como. A Alto Vox diz que a maior dificuldade
encontrada em montar uma banda é “descobrir” pessoas com a mesma sintonia musical.
Relatam que os desentendimentos são o que
mais leva uma banda a acabar. O grupo de
rock relata que, há pouco tempo, produziu
uma demo (música demonstração), mas que
a qualidade ficou a desejar, tendo em vista
que a gravação seria ao vivo no estúdio, o que
diminuiria o custo de produção. Eles estão
pensando em uma nova gravação. De acordo
com os integrantes, ela terá mais qualidade.
Enquanto isso, os meninos da Pancada de
Vaneira, com a tchê music, contestam que são
impedidos pelo tradicionalismo de tocar em
CTGs. Relatam que o melhor show foi realizado no Parque Harmonia, neste ano, onde puderam expor o trabalho de uma forma organizada mostrando resultados positivos a um
grande público. Ao contrário dos roqueiros, o
grupo ainda não produziu as suas músicas,
Bandas novas buscam a divulgação do
trabalho através da internet. E gravadoras com
futuro incerto procuram novas alternativas
Universo IPA | Dezembro 2006
Natascha Montier
60
mas tem projetos para sua composição. O
guitarista da Pancada de Vaneira, Jairo Wolff,
revela que, em sua antiga banda, gravou um
material de demonstração e que aconteceu o
mesmo problema de qualidade da Alto Vox.
Os sites, também, são meios de divulgação, o que é imprescindível para uma banda.
As bandas entrevistadas têm essa noção. Estão montando páginas na web, para divulgar
o trabalho, como é o caso da banda de metalrock, Guynevere, que tem como meta conquistar o coração de uma gravadora, mesmo
sabendo das dificuldades encontradas na hora da contratação. “Acho que vão gostar do
projeto, mas talvez tenham que escutar mais
vezes para quererem investir”, é o que diz o
guitarrista do grupo, Leonardo Moura.
O produtor-musical e baterista da Rosa
Tattooada (banda de hard rock que fez sucesso, em todo Brasil, no início da década de
1990, e chegou a abrir o show do Guns N’ Roses, em 1992, em São Paulo), Beat Barea, ainda
lembra o tempo em que as bandas iam para
um dos poucos estúdios que existiam, na
época, para gravar as músicas em um rolo de
fita que, depois, era gravado para a fita K7 e o
Long Play (LP). Barea recorda, também, que
conseguir uma boa qualidade de gravação
independente era muito complicado. Porém,
a facilidade de locomoção em busca de uma
gravadora era mais fácil, pois a nostalgia e o
mercado da época era mais acessível.
Para onde vai a música?
O guitarrista, Israel Fontoura, da banda Alto Vox
Renato Brasil
Entre o palco e o
Renato brasil
O rumo da música demonstra uma certa
insegurança, pois muitos estilos e tendências
foram surgindo, desde a música clássica até o
rock and roll. Novas tecnologias vêm se aprimorando. Em meio século, rodamos do LP,
para a fita K-7, Compact Disc (CD) e, agora, a
mais nova moda: o Mp3 Player.
O Mp3 parece mesmo estar tirando o sono
das gravadoras aqui do Sul. Ele pode fornecer
1 GB (giga byte) de espaço, ou seja, mais de 500
músicas em um pequeno aparelho portátil. As
grandes gravadoras nacionais estão utilizando
suas últimas forças, com a venda de músicas
em formato Mp3, para download, em seus sites. O preço varia de R$ 0,99 a R$ 2,50. Isso tudo
para reparar os gastos financeiros com o artista
em vendas de CD e divulgação.
De acordo com Barea, as gravadoras, não
só aqui do Sul, mas no país inteiro, estão a
beira de um colapso. O maior motivo é a pirataria: “vai chegar um momento em que a gravadora não irá mais arcar com o gasto, em um
estúdio de gravação, para o artista. Ela apenas
funcionará como um selo de distribuição”, (repetido), explica Barea.
Isso ocorre porque a gravadora tem um
gasto enorme na hora em que os artistas
contratados gravam. Dessa forma, acabam
não tendo dinheiro suficiente para realizar a
promoção e marketing do trabalho. E, se a
divulgação é baixa, a venda de CDs também
será baixa e com preço indesejável: “daqui a
uns anos, os novos artistas irão gravar seus
álbuns em seu próprio estúdio caseiro. E, se
atingirem uma qualidade boa e o mercado
for apropriado para essa tendência sonora, a
gravadora apenas irá funcionar como selo de
divulgação”, diz Barea (repetido). Ele afirma
que, por um lado, a Internet ajuda muito na
divulgação do artista, mas atrapalha demais
nas vendas. E que, no momento, não existe
uma solução para isso, a não ser que as pessoas sejam mais conscientes ao fazer download ao invés de ir a uma loja comprar o disco do seu artista preferido.
tal. Desde a tecnologia de ponta até o lápis que você
usa. As coisas legais que fazem no Oriente refletem
aqui, pois lá o sol nasce primeiro. Chegando de mansinho, os japoneses garantem a inserção da sua cultura
em todos os aspectos, a começar pela “tecnologia japonesa” bem conceituada por aqui. Filmes como “Os
sete samurais”, de Akira Kurosawa, que ganhou o Leão
de Prata do Festival de Veneza (1954), os mangás, a fi-
especial cultura
O que vem do Oriente é utilizado no mundo ociden-
es pec i a l c u ltu r a
Monique Hoffelder
losofia e as artes marciais despertam a curiosidade e o
interesse pelo misterioso mundo oriental. Quanto mais
se estuda, mais enigmático ele se torna.
Os eventos culturais despertam o interesse da população pela cultura oriental. Torna-se mais evidente o aparecimento de descendentes de japoneses em
comerciais, programas de televisão, rádios, telenovelas e música. Basta caminhar pela cidade para notar
seja nos gráficos, revistas, ilustração de livros, imagens vinculadas à publicidade, design de ambientes,
nas novelas, nas técnicas de medicina, nos esportes,
no Flit (arte de grafite inspirada em gráficos orientais). No cinema de Hollywood, os atores japoneses
de figurantes passaram a protagonistas. Estampas
kanjin nas camisetas e outdoors colaboram para as
difusões culturais nipônica, que vai além do consumo e leva, em alguns casos, a aprofundar-se nos mitos, filosofias e conhecimentos da cultura japonesa.
No mundo globalizado e capitalista, alguns valores e características culturais se perderam. No
Oriente, a consciência ecológica levou o Japão a fabricar o primeiro carro com motor Hibrido.
O país do shinkansen (trem bala), após a guerra,
se desenvolveu com a mesma velocidade que inventaram as tecnologias de ponta. Até a pop star Madodo último álbum. A que se deve todo esse sucesso de
um pequeno país com grandes valores culturais?
Analise as notáveis evidências.
A grande conquista cultural do
pequeno arquipélago
Universo IPA | Dezembro 2006
na adotou elementos da cultura oriental nos clipes
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cultura
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Manifestação cultural
Universo IPA | Dezembro 2006
Destaques
62
No meio artístico, cada vez mais se vê pessoas de olhos puxados. No teatro, na música e
cinema há mais participações. A desmistificação da cultura oriental é evidente no Brasil. Os
japoneses ganharam confiança para pôr em
prática projetos e mostrar a face oriental sem ser
motivo de piadas do tipo “abre o olho, japa”.
Nos nomes de destaque, a atriz Juliana
Kametani, a Suzi da novela Belíssima, ganhou mais espaço no folhetim. Sabrina Sato,
ex-Big Brother, participa do programa Pânico da rádio Jovem Pan. Daniele Suzuki, a
Miyuki em Malhação, apresenta um programa na Multishow e participou do filme Woman On Top (2000), com Penelope Cruz no
início da carreira. O tenista Hugo Hoyama
conquistou o Pan-Americano, Hexa Campeão Latino e Sul-Americano. Há também o
guitarrista Mauro Motoki da banda Ludov,
além do baixista das bandas CPM22 e Hateen, Fernando Takara. “Minha trajetória, de
menino tímido a baterista de banda de rock,
é exemplo de que os descendentes de orientais querem, tentam e estão se integrando à
sociedade brasileira. Depois que me tornei
bem sucedido no trabalho, todos passaram
Monique Hoffelder
Os imigrantes japoneses não trouxeram
ao Brasil apenas o sonho de fazer fortuna e
ser dono de um pedaço de terra. Trouxeram
rituais, crenças e folclore, como Akimatsuri,
festa de outono, celebrada por imigrantes e
descendentes, na Colônia Japonesa de Mogi das Cruzes e Alto Tietê. Com o centenário
da imigração no Brasil, os organizadores da
festa pretendem realizá-la em local com
maior capacidade. O Festiva Yosakoi Soran,
segundo o diretor do evento, Francisco Sato, os primeiros participantes da dança
eram descendentes de japoneses e, no grupo do Paraná, não há descendentes.
Apreciado pelos ocidentais, foram incorporados o bonsai (árvore em bandeja), a prática de ikebana (a arte japonesa de arranjo
floral), o origami (técnicas de dobraduras em
papel), praticado em escolas para concentração e criatividade das crianças, e o kirigami
(técnica de fazer cartões com cortes e dobraduras no papel). Outro elemento incorporado na cultura brasileira é o haiku, haikai ou
haicai (poesia curta, 17 sílabas e três versos).
Há praticantes de diversos idiomas, e foi introduzido no Brasil, em 1903, por Oliveira Lima, internacionalizado na tradução “Sendas
de Oku”, de Matsuo Bashô (1644-1694), por
Octavio Paz, Wenceslau de Moraes e Afrânio
Peixoto. Os escritores gaúchos Érico Verissimo, Mario Quintana e Ricardo Silvestrin incorporaram haicai nas suas obras.
a me respeitar. Até demais às vezes”, compara o baterista Japinha, que também se divide
entre as bandas bandas CPM22 e Hateen. “A
maioria dos descendentes sabem fazer bom
uso da etnia e virtudes de ser oriental. Adoro
ser o Japinha. O fato de ser mestiço ajudou
a ver os dois lados”, confessa.
O Japão está na moda
Alguns estilistas japoneses revolucionam
a moda mundial, nas passarelas, há 20 anos,
a Rei Kawakubo, Yohji Yamamoto, Kenzo, Issey Miyake, Takashi Murakami, fez o design de
bolsas para Louis Vuitton, a nikkei brasileira
Érica Ikezili. O francês Paul Poiret, em 1914,
inspirou o design de suas roupas no Oriente.
Na literatura, o fenômeno mundial Banana Yoshimoto, com linguagem simples, lançou, com 22 anos, Kitchen, Japão (1988) e
conquistou vários prêmios e traduções.
Até no impenetrável mercado norteamericano a cultura japonesa teve forte influência. Uma referência é O Lobo solitário, Japão(1970), que chegou ao Brasil em 1988.
Saga do Japão feudal influenciou Frank Miller,
escritor de Batman-Cavaleiro das Trevas, levou a obra aos Estados Unidos. É a primeira
obra japonesa traduzida para inglês. Influenciou Saga, Wolverine - Dívida de Honra, Demolidor, e Elektra. Tarantino em Kill Bill II faz
referências ao Lobo: “há influência nipônica
no mercado americano que é restrito a coisas
estrangeiras, assimilam a cultura de quadrinhos, a produção de animação. Os estúdios
Disney sofreram influência de mangá no filme O Rei Leão, que é plágio descarado do
personagem japonês Kimbar. É um universo
rico”, diz o ilustrador e cartunista Jeferson Vieira Barboza. Inspirado em publicações da década de 1990 de Lobo Solitário e Akira, Ed.
Globo, dá cursos de quadrinho há 12 anos.
Gueixas e samurais
Desfazendo mitos, Paulo Gick protesta:
“Nunca uma gueixa deixaria suas pernas a
mostra, jamais usaria kimonos extravagantes,
como uma rameira. Além do filme ser feito
com atrizes chinesas”, Diz Gick, sobre o filme
Memórias de uma Gueixa, de Rob Marshall,
adaptação americana sobre gueixas. Direto
da fonte, o filme A Música de Gion, de Kenji
Mizoguchi (1953), narra o aprendizado de
uma jovem de Kyoto para se tornar gueixa.
O mestre samurai e médico Jorge Kishikawa, assistiu duas pré-estréias do filme O
Último samurai, uma com brasileiros, outra
com japoneses e viu o diferente ponto de vista das culturas. “Em algumas cenas, brasileiros riram e não havia menor graça, outras, os
japoneses derramaram lágrimas e os brasileiros não perceberam nada. Mas confesso que,
algumas vezes derramei lagrimas sozinho”.
Kishikawa fundou o instituto Niten, dissemina o Kenjitsu, estilo de duas espadas criado
pelo mestre Miyamoto Musashi, (1584? 1645). Aprendeu com seu pai, mestre samurai Yoshi Kishikawa no bairro Liberdade, São
Paulo. Faz do Bushidô doutrina de vida, busca perfeição em tudo que faz. Os Samurais
protegeram o Japão por mais de 700 anos,
deixando um legado de honra e coragem
que influenciou a cultura japonesa.
vencedores da guerra, o Japão adotou a
cultura americana no pós-guerra. Desatando alguns laços da cultura oriental, refletindo, na juventude, conceitos estéticos: “os
jovens japoneses não têm imagem definidas deles mesmos. Querem se libertar de
semelhanças, abraçando o diferente e exótico”, diz o médico de psiquiatria adolescente, Ken Ohira.
O primeiro indício de ocidentalização
aconteceu no periodo Kokugawa, com o
fim dos samurais. No visual key, os jovens
buscam expressão visual diferente, para
resgatar a individualidade, assim como os
samurais buscavam manter sua supremacia frente à ordem de serem padronizados.
A insatisfação com a semelhança coletiva
leva muitos japoneses a fazer operações
plásticas para ter dobrinha nos olhos como
os ocidentais, além de cirurgias no nariz e
bronzeamento artificial.
As mudanças são sentidas com mais
intensidade em Tokyo, nas ruas dos bairros
Harajuku e Shibuya, onde se encontram japoneses vestidos de uma maneira andrógina. “Com 20 anos, viram adultos, têm que
trabalhar e estudar. Eles amam moda. De 16
a 20 anos, usam cabelos coloridos e acessórios gritantes. É um ato de libertação que
acontece só aos domingos. Durante a semana, andam de uniformes, roupas de escola”, diz o diretor do Instituto Goethe, Reinhard Sauer.
Como no Japão, fãs de visual key espalhados pelo mundo usam pseudônimo. No
Brasil, é possível encontrar seguidores do
estilo. Adriano da Silva (Malkav), 19, se veste
no estilo Gothic Lolita, e assiste ao anime
Full Metal Alshimist. Gosta de ouvir Malice
Mizer, X-Japan e Larc en Ciel. Malkav prefere não apresentar o som aos amigos. Diz
que pode virar moda, “quando atinge as
massas, alguém critica o som. Eu não gosto
que critiquem”.
Da mesma maneira que escuta músicas em inglês, não vê problemas nas músicas em japonês. Para o professor José Roberto Vengardner Junior, 26, o interesse
pelo Japão surgiu com Yamato, Patrulha Estelar e Cavaleiros do Zodíaco. A partir das
bandas de j-rock, passou a ter contato com
a moda japonesa. O visual key marca a diferença, curte estilo Gothic Aristocratic.
Quando usa as roupas, em eventos, se sente bonito, diferente do dia-a-dia. Ele não
usa o visual no cotidiano. As pessoas acham
estranho, por ele não estar vestido como
querem ver.
especial cultura
Nos últimos anos, surgiu, no Japão, jovens apaixonados por moda. São os “cosplays” ou “costume play”. Os fãs usam cosplay de personagens de desenho animado
em Feiras de Anime. “É um momento em
que você pode ser o que é, dar vida aos
personagens”, disse Camila da Silva Reis, 21
anos. Ela fez cosplay de Mye-Red Mad Mye
(empregada robô pequena).
Filipi Miai, 19, sansei (neto de japonês)
assiste animes desde os sete anos. Não teve
oportunidade, mas gostaria de ir à terra do
sol nascente. Ele acha que as pessoas nãojaponesas se atraem pela arte do anime
pela filosofia da história e diferença cultural
dos personagens. Para Miai, no anime, impera a igualdade cultural.
Bruno Bruni, 17, fez quatro vezes o cosplay de Goku-Dragon Ball Z. Assiste a anime
desde os seis anos. Vai aos eventos para relembrar os desenhos e participar. Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball (animes de
grande repercussão na TV aberta brasileira)
estão entre os favoritos. O seu amigo Diorgene Belzarena, 18, fez cosplay de HyeiRagnarog e Yuyu Hakushou. Para Bruni, as
feiras de anime são para se divertir: “aqui a
única droga são os desenhos”.
Ocidentalizado pelos Estados Unidos,
es pec i a l c u ltu r a
Os Cosplays e Visual Kei brasileiros
Laís Micol
“Descobri a animação japonesa quando tinha 12
anos, assistindo a um desenho chamado Sailor Moon. Para mim, foi amor à primeira vista”, assim, o
mangá entrou na vida de Karine Himura.
Mangá é um estilo de fanzine, uma forma de desenhar quadrinhos, uma linguagem narrativa e visual tipicamente japonesa em contraste com o traço
ocidental. Surgiu entre 1814 e 1849. O artista japonês
Katsushita Hokusai retratou cenas do cotidiano, com
pessoas em situações e traços pitorescos. Essa coleção
de caricaturas recebeu, na época, o nome de HOKUSAI
MANGA. Assim, nasceu o primeiro trabalho que resultou nos atuais quadrinhos japoneses.
O professor de desenho e história em quadrinhos, Jefferson Vieira Barboza, artista plástico autodidata, desenhista publicitário, ilustrador, cartunista, entre outras funções, acrescenta que, há muito
tempo, quando ainda não existiam os animes, os japoneses tiveram a idéia de criar mangá, aqui, no
Brasil, conhecido como HQ, ou seja, histórias em quadrinhos. Todos os animes, antes de ganhar animação, passaram por mangá até chegar à televisão.
Muitos, como Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, e
Laís Micol
Pokémon tiveram muitos mangás lançados antes de
chegar à telinha. Ministrando desde 1994, em Porto
Alegre, o professor tem como público alvo os jovens
de classe média, sendo eclético nos mangás.
No Brasil, o mangá era lido pelos descendentes
de japoneses, através da importação de distribuidoras. Os heróis japoneses surgiram, na televisão, em
1970, com o desenho Ultraman, na TV Tupi. Em 1984,
nasceu a Associação Brasileira de Desenhistas de
Mangá e Ilustrações (ABRADEMI) e, também, circulou o primeiro informativo sobre mangá.
Himura relembra: “comecei a desenhar mangá
sem saber o que era. Fui evoluindo e aperfeiçoando
meu traço. Fiz um curso, em 2000, mais voltado à
perspectiva e um curso de cartunismo que me deu
noção de roteiro cinematográfico. Sempre me baseando em mangakas (quem desenha mangá), resolvi
fazer uma produção independente de Start em
2006, quando ela completou 10 anos de existência”.
O mangá possui as seguintes características:
linguagem baseada no cinema e dramatização intensa, grande envolvimento emocional. O leitor se
coloca no lugar do personagem, a representação
gráfica dos sons integra a composição do desenho,
e imagens em primeiro plano para aproximar o personagem do leitor. O desenho é estilizado, com
olhos e cabelos de formato não-convencional, efeitos visuais no fundo para transmitir idéia de movimento ou emoção. Para Himura, deve-se educar o
leitor para que não exista preconceito com esse tipo de arte alternativa.
Vieira acredita que, até hoje, os mangás continuam fazendo o maior sucesso. Principalmente, porque muitos ganharam animação. Existem muitos
mangás especiais, inéditos, exclusivos. Cada dia,
eles se tornam mais populares. O Japão não pára de
produzir mangás. Isso significa que, se todos os mangás que são lançados ganharem uma série de animação, ainda terá muitos animes daqui pra frente.
Universo IPA | Dezembro 2006
A arte japonesa dos mangás
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www.ipametodista.edu.br/sites/universoipa
Rede Metodista do Sul
Curso de Comunicação Social - Jornalismo
convida para o evento
JORNALISMO em
16 de março de 2007
| 10 e 19 horas
Centro Universitário Metodista | Campus IPA | Auditório da Biblioteca
Pauta
JORNALISMO em
Pauta

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