o caso lehman brothers

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o caso lehman brothers
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A AUDITORIA E A CRISE FINANCEIRA DE 2008 – O CASO LEHMAN BROTHERS
Valnir Alberto Brandt
Doutorando em Contabilidade pela Universidade do Minho – Braga – Portugal
Mestre em Contabilidade pela Universidade de São Paulo – FEA/USP - Brasil
Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Brasil
Área Temática: A) Informação Financeira e Normalização Contábil
Palavras-chave: Auditoria, crise financeira, Lehman Brothers
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A AUDITORIA E A CRISE FINANCEIRA DE 2008 – O CASO LEHMAN BROTHERS
Resumo
Neste trabalho será mostrada a crise financeira de 2008 e como a Lehman Brothers um
grande banco de investimentos foi a falência levando consigo uma parte da confiança que
os Stakholders depositavam na auditoria. A empresa Ernst & Young, responsável pela
auditoria da empresa deu parecer sem reservas. Até que ponto deve-se responsabilizar a
auditoria, e os gestores da empresa? O trabalho demonstra que houve de fato uma
gestão fraudulenta e a empresa de auditoria nada detectou, ficando demonstrado ao final
a responsabilidade da Ernst & Young no caso, trazendo mais uma vez a questão da
independência dos auditores.
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1. INTRODUÇÃO
No início do século, a contabilidade passou por uma grave crise de credibilidade
nos Estados Unidos. Diversos escândalos mostraram que empresas estavam
manipulando as demonstrações contábeis. Entre estas empresas, a Enron tornou-se o
símbolo daquela época. Para resolver estes problemas, aprovou-se uma legislação que
tentava impedir que estes problemas ocorressem novamente. Esta lei recebeu a
denominação de Sarbannes-Oxley, nome dos dois congressistas que elaboraram a lei.
Uma das conseqüências dos escândalos contábeis foi à falência da Artur Andersen, uma
grande empresa de auditoria, que estava envolvida em alguns dos escândalos contábeis.
Com a nova lei, acreditava-se que as empresas teriam menos incentivos para
fraudar as demonstrações contábeis. A crise financeira de 2008 mostrou que isto não era
verdade. Entre as empresas que sofreram com a crise, encontra-se o Lehman Brothers.
O Lehman Brothers era um banco de investimento tradicional do mercado de
capitais dos Estados Unidos. Em setembro de 2008 ele pediu concordata. Foi uma das
maiores falências da história daquele país.
Uma investigação divulgada recentemente mostrou que os executivos da empresa
provavelmente estavam manipulando as demonstrações contábeis. Isto talvez seja um
sinal de que a legislação Sarbannes -Oxley talvez não tenha resolvido alguns dos
problemas que motivaram sua criação.
O presente trabalho procura resgatar os fatores que desencadearam a crise
financeira de 2008, seus antecedentes e fatores subjacentes, em particular os fatores que
levaram o Banco de Investimentos Lehman Brothers a falência. Traz a luz da literatura
existente um posicionamento das grandes empresas de auditorias, muitas responsáveis
pela auditoria das empresas que quebraram.
Será abordada a questão que envolve a independência dos auditores, trazendo
informações acerca dos serviços prestados de auditoria e também de não auditoria. A
questão envolvendo a responsabilidade dos gestores e dos auditores, especialmente no
que tange a fraude e responsabilidade.
O envolvimento da empresa Ernst & Young, responsável pela auditoria da
empresa, uma avaliação de sua responsabilidade no caso é outra questão abordada,
assim, à luz dos acontecimentos será feito um histórico dos acontecimentos e ao final
algumas constatações envolvendo os atores de mais este fato histórico em que há muitos
perdedores, inclusive a credibilidade.
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2. OBJETIVOS E DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
O objetivo do precípuo deste trabalho é o de fazer uma incursão sobre a temática
que envolveu a quebra de uma das maiores instituições financeira do mundo. O Banco de
Investimentos Lehman Brothers teve sua liquidação judicial decretada pelo governo dos
Estados Unidos, trazendo no bojo de sua crise uma série de fatores que envolveram a
empresa, e como efeito muitas empresas tiveram problemas idênticos fazendo implodir
uma crise financeira que sugou dos cofres públicos bilhões de dólares, e um custo social
inestimável.
Através de uma revisão dos fatos ocorridos, e das informações atualmente
disponíveis sobre o caso, será feito uma abordagem sobre a crise de 2008 e seus atores,
os fatores que antecederam a crise. Atenção especial será dada à questão que envolve o
papel dos auditores.
As grandes empresas de auditoria têm silenciado ante a crise. Isto leva a algumas
reflexões, dentre elas, que será objeto de avaliação do presente trabalho, a questão que
envolve a independência dos auditores em relação à empresa auditada.
Este estudo pretende responder algumas questões que suscitaram no âmbito da
crise:
a) É possível prever uma crise financeira?
b) Quais fatores que levaram a quebra da Lehman Brothers?
c) Será que há uma independência efetiva dos auditores?
d) É correto responsabilizar os auditores por problemas não identificados nas
demonstrações financeiras?
e) Qual a parcela de responsabilidade da empresa Ernst & Young sobre o caso?
O tema se delimita ao caso específico da empresa Lehman Brothers e tem como
referências as matérias publicadas em jornais e revistas especializadas, ressaltando no
entanto, por ser um caso recente há pouca bibliografia em periódicos para ser
pesquisado, especialmente relacionando a empresa Lehman Brothers com a auditoria.
3. METODOLOGIA
A abordagem metodologia do presente artigo levou em consideração suas
características e tipologia do estudo. Quanto aos objetivos caracteriza-se como uma
pesquisa exploratória, por buscar uma visão geral sobre um determinado fato. Segundo
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Beuren (2006), a exploração de um assunto “significa reunir mais conhecimento e
incorporar características inéditas, bem como buscar novas dimensões até então não
conhecidas”.
Quanto à abordagem do problema, tendo em vista que a presente pesquisa visa
investigar a consistência dos dados pesquisados e sistematizados são analisados na
perspectiva qualitativa.
Quanto aos procedimentos trata-se de uma Pesquisa Bibliográfica. Cervo (1983)
definem pesquisa bibliográfica como a que “explica um problema a partir de referências
teóricos publicadas em documentos, [.....] buscam conhecer e analisar as contribuições
culturais ou científicas do passado existentes sobre determinado assunto”.
4. CRISE FINANCEIRA, AUDITORIA E O CASO LEHMAN BROTHERS
4.1 A CRISE FINANCEIRA E SUAS INDICAÇÕES
A crise financeira ocorrida no ano de 2008 trouxe, novamente, antigas lições e
novos aprendizados, quer sejam de ordem do mercado financeiro e seus atores ou de
caráter que envolva a auditoria e os seus protagonistas. Porém, algo de novo paira na
atmosfera, que os fenômenos especialmente os que se retratam a auditoria são cíclicos,
com um poder de renovação muito rápido num mercado ainda mais veloz e dinâmico.
É possível prever uma crise? Talvez a resposta mais conservadora seja não,
porém, após sua ocorrência se verifica que possivelmente alguns sinais são emitidos,
porém, nem sempre de fácil compreensão.
Ao olhar para o passado, em 1995 o um banco da Inglaterra – Barings - sofreu um
colapso financeiro em aplicações no mercado de derivativos e levar um revés a ponto de
um banco com mais de duzentos anos de existência pedir a falência. Já no século 21 há
diversos casos a serem relatados, dentre eles pode-se mencionar a Enron em 2002, a
Parmalat em 2004.
Em 2007 a volatilidade nos mercados de câmbio aumentou também em outras
classes de ativos. Devido às perdas em aplicações em renda fixa e carteiras o apetite de
risco caiu e os investidores procuraram reduzir o tamanho de suas exposições ao risco e
os participantes do mercado começaram a prever que o problema do subprime americano
iria se tornar um problema global, (Taylor (2009).
Em março de 2008 rumores da morte eminente do Bear Stearns circularam
fortemente no mercado financeiro, apesar das repetidas declarações dos seus executivos
afirmando o contrário, clientes temiam que empresas não seria capaz de honrar seus
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compromissos, ocorrendo uma corrida por parte dos clientes para sacar seus
investimentos, fazendo com que o Federal Reserve (FED) fizesse uma intervenção,
realizando um empréstimo de curto prazo para garantir suas operações.
Bartram (2009) menciona que em ainda em março de 2008 outra grande empresa
no ramo financeiro, a Goldman Sachs teria informado clientes do fundo de hedge que
assumiria a Bear Stearns, porém, ao final do dia as declarações iam no sentido contrário,
gerando uma grande tensão no meio financeiro.
Taylor (2009) comenta que o segundo trimestre de 2008 foi um período em que
muitos pensavam que o mundo iria retornar a um estado normal para os mercados
financeiros, foi um período em que o apetite pelo risco foi aumentando e os investidores
estavam construindo posições que refletiam sua visão, mas quando o verão chegou ao
fim, ninguém esperava que a tempestade que estava deitada logo ali na frente.
4.2 A CRISE FINANCEIRA E A LEHMAN BROTHERS
Em setembro de 2008, depois de relativa tranqüilidade durante o verão a crise se
desenrolou e logo para perceber seu episódio mais dramático, a falência do Lehman
Brothers.
A Lehman Brothers teve enormes perdas associadas ao negócio das hipotecas
subprime e suas ações caíram dramaticamente ao longo do ano.
Banco de Investimentos Lehman Brothers, o quarto maior dos Estados Unidos,
está negociando sua venda. Entre os interessados está o Bank of América (BofA). A
necessidade de venda cresceu após suas ações terem despencado 42% num único dia,
Fabiane (2008).
A autora menciona ainda que os compradores em potencial continuam cautelosos
em relação aos buracos no balanço da empresa e, cada vez mais olham para o governo
dos Estados Unidos, por uma ajuda para se protegerem de perdas futuras.
O banco de investimento Lehman Brothers pediu proteção contra falência,
tornando-se a maior e mais graduada vítima até aqui da crise global de crédito, o Lehman
é um dos maiores bancos de investimento a entrar em colapso desde 1990, Gaspar
(2008).
4.2.1 As Hipotecas e o Subprime
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Zingales (2008) afirma que as sementes da crise atual foram construídas durante o
boom imobiliário, houve um período prolongado de taxas de juros baixas que levaram a
um aumento do preço dos imóveis que foi completamente anormal para os padrões
históricos, segundo o autor de março de 1997 a junho de 2006, uma empresa do ramo
imobiliário americano menciona que houve aumento de preços a cada mês, com exceção
de dois. Durante este período de aumento os preços dos imóveis foi de 12,4% ano. Este
aumento foi em parte alimentado pela extraordinária baixa das taxas de juros, segundo o
autor a taxa média trimestral foi de 1,3%, enquanto a média nos quarenta anos anteriores
foi de 6,1%.
As disponibilidades de opções inovadoras de hipotecas, os juros baixos,
permitiram que os compradores adquirissem imóveis para os quais eles não podiam
sustentar pagamentos, e contavam sempre com a possibilidade de refinanciá-los
continuamente a preços superiores, fazendo com que se deteriorasse as normas de
concessão de empréstimos.
4.2.2 Lehman Brothers e o problema da Alavancagem
A alavancagem no setor financeiro merece uma atenção especial, especialmente
quando se trata na crise de 2008 e suas possíveis causas. Zingales (2008) retrata o caso
da Lehman Brothers que este foi um problema crucial em seu processo de extinção. Seu
nível elevado de alavancagem e a forte dependência de dívidas de curto prazo. Enquanto
os bancos comerciais são regulados e não podem alavancar seu capital mais que 15-1,
nos bancos de investimentos não há tal restrição.
No início da crise o Lehman Brothers teve uma alavancagem de mais de 30 para
1, ou seja, apenas 3,30 dólares de capital próprio para cada 100 dólares de empréstimos.
Com uma alavancagem dessa natureza uma simples queda de 3,3% no valor dos ativos é
suficiente para tornar a empresa insolvente.
O autor ainda menciona o fato, de além da instabilidade criada pelo problema da
alavancagem, sua situação foi agravada pela ampla utilização da dívida de curto prazo
que financiou mais de 50% do ativo no início da crise. Em ambientes com baixa taxa de
juros o recurso de empréstimos de curto prazo é muito rentável, porém, aumenta seu
risco, especialmente quando ocorre rumor de crise na empresa. Quando há dúvidas sobre
a solvência de uma empresa, faz com que o credor de curto prazo torne mais difícil a
renovação dos empréstimos, agravando cada vez mais a situação.
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Fatores combinados, crises, alto endividamento (alavancagem), crise de
credibilidade entre outros, foram suficientes para levar várias empresas ao colapso
financeiro, dentre elas a Lehman Brothers.
Tais fatores seriam possíveis de prever? Poderia a auditoria da empresa ter
avaliado seus demonstrativos financeiros de forma alternativa? Qual o comportamento
das empresas de auditoria frente a estes problemas.
4.3 A AUDITORIA
A auditoria externa é promovida como uma relação de confiança gerando
tecnologia (Power (1999), para persuadir o público que as corporações e sua gestão não
são corruptos. Em um mundo incerto, as auditorias das empresas são esperadas para
produzir conforto, para tranqüilizar seus interessados (Sikka (2009), se transformando
numa garantia para todos os que tenham interesse na empresa.
Esta relação é promovida por auditores, que antes de serem auditores, são
contabilistas, que desenvolveram técnicas ao longo dos anos. Esta perícia, alega-se,
permite que os mercados, investidores, funcionários, cidadãos e estado para limitar e gerir
riscos. Porém, é uma alegação consubstanciada, e contestada acima de tudo, pelo fato
de economias capitalistas são inerentes e propensas a crise (O'connor (1987).
Esta relação de confiança é freqüentemente comprometida pela inesperada
quebra de empresas, fraudes e falhas. Tais eventos trazem a tona algumas questões que
envolvem a auditoria, dentre eles a questão que envolve a independência dos auditores, e
também servem para refletir sobre o papel da auditoria na sociedade contemporânea.
4.3.1 Crise Financeira e Auditores
Uma das características mais salientes da crise financeira de 2008, retratada
anteriormente, é que ela foi incubada pela abundância de crédito, notadamente no
mercado Norte Americano, trazendo consigo o risco, o custo financeiro foi enorme e o
social de difícil estimativa.
No total o custo financeiro para o governo Norte Americano segundo Sikka (2009)
foi de 8,5 trilhões de dólares, cerca de 60% do seu Produto Interno Bruto (PIB) para deter
o colapso do seu sistema financeiro. No âmbito da União Européia, segundo o autor,
estima-se que o Banco Central tenha fornecido cerca de 467 bilhões de euros para apoiar
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bancos. A Alemanha reservou mais de $ 400 bilhões de euros para resgatar seus bancos
em dificuldades.
Uma estimativa inicial sugere que, apesar das normas de contabilidade, os bancos
tenham cerca de 5 trilhões de dólares de ativos e passivos fora do balanço. O executivochefe de um líder de empresas de consultoria financeira argumentou que uma parte do
problema é que as normas de contabilidade permitiram que os bancos inflacionassem
seus ativos (Sikka (2009).
A auditoria é realizada nestas corporações por grandes empresas de auditoria, as
chamadas big four, PricewaterhouseCoopers (PWC), a Deloite & Touche (D&T), Ernst
Young (E&Y) e KPMG. Juntas auditam uma boa parte do PIB mundial, e são elas as
responsáveis por analisar, avaliar e dar um parecer sobre as demonstrações financeiras.
A Lehman Brothers recebeu um parecer sem reservas da empresa de auditoria
Ernst & Young em 28 de janeiro de 2008, seguido de um atestado de saúde em suas
contas trimestrais em 10 de julho de 2008. No entanto, no início de agosto, ela estava
enfrentando sérios problemas financeiros e entrou em processo falimentar (Sikka (2009).
4.3.2 A Independência dos Auditores
A margem de cada crise, muitos assuntos retornam a tona para debates e
avaliações, dentre eles cita-se a questão que envolve a independência dos auditores em
relação às empresas auditadas. Um levantamento feito mostra os valores envolvidos,
tanto no serviço de auditoria, quanto a valores relativos a serviços prestados de
assessorias.
Tabela 1 – Serviços de auditoria e assessoria e pareceres em Bancos
Empresa
País
Abbey National
UK
Bear Stearms
USA
Bradford
UK
Citigroup
USA
Balanço Auditori
a
31/12/200 D & T
7
30/11/200 D & T
7
31/12/200 KPMG
7
31/12/200 KPMG
7
9
Parecer
Sem
reservas
Sem
reservas
Sem
reservas
Sem
reservas
Serviços Prestados
Em de U$
milhares
Auditoria Assessori
a
2,80
2,10
23,40
4,90
0,60
0,80
81,70
6,40
Fortis
Holanda
Hypo R.State
Alemanh
a
USA
Lehman
Brothers
RBS
Fonte: SIKKA (
UK
31/12/200 KPMG
7
31/12/200 KPMG
7
30/11/200 E & Y
7
31/12/200 D & T
7
Sem
reservas
Sem
reservas
Sem
reservas
Sem
reservas
20,00
17,00
5,40
5,70
27,80
3,50
17,00
14,40
(2009)
A tabela mostra que em muitos casos, as fontes de rendimentos dos auditores
provêm de serviços de assessoria ou consultoria, e os próprios valores dos serviços de
auditoria são consideráveis, e isso, inevitavelmente levanta a questão sobre a
independência dos auditores, onde parece haver um conflito particular de interesses entre
o papel de auditar e o de sugerir.
Humphrey (2009) comenta que a crise financeira levanta algumas questões
antigas e novas sobre auditoria. Há constantes afirmações, especialmente dos mercados,
de que a auditoria externa aumenta a credibilidades nas demonstrações financeiras, e
esta credibilidade provem da opinião de que o auditor tem conhecimento dos processos
internos da empresa auditada.
O que pode contradizer esta hipótese, é o fato de que a maior parte das empresas,
dentre elas a Lehman Brothers, tiveram um parecer sem reservas, e a maioria feita pelas
grandes empresas de auditorias.
Sikka
(2009)
Menciona
ainda
algumas
considerações
que
devem
ser
consideradas, dentre elas o fato de que em geral, pouco é sabido sobre como são feitas
as auditorias nestas e outras empresas, quais provas e documentos são analisados e
cujos processos não são disponíveis ao público em geral.
Pesquisadores têm constatado que a liberdade das leis de informação para
explorar a relação entre o Estado e as empresas de auditoria são muito abrangentes e as
empresas de auditoria podem alegar que a crise financeira aconteceu de repente, e eles
foram assim, mal preparados para fazer julgamento sobre a situação financeira de uma
empresa, e que o capitalismo financeiro tem estado numa crescente e desempenhou
papel fundamental de liderança nas crises bancárias, especialmente as da América Latina
(Ferguson (2008).
Há correntes de pesquisadores que constatam que os organismos responsáveis
por regular o mercado e os procedimentos de auditoria tem tido pouca atenção nas
mudanças no cenário capitalista, seria importante explorar as lições que podem ser
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aprendidas com os recentes escândalos financeiros e transformações na natureza
capitalista (Sikka (2009).
Taylor (2009) Ressalta alguns fatores importantes e dignos de uma avaliação mais
profunda. Empresas de auditoria recebem quantias elevadas nos serviços que prestam de
auditoria, no caso em questão a bancos e instituições financeiras, como demonstrado no
quadro 1, e podem ser valores significativos para manterem seus negócios nos diversos
países que atuam. Segundo o autor isto leva a duas questões: a primeira diz respeito já
de longa data sobre a prestação de contas dos serviços não relacionados à auditoria e a
conseqüente independência dos auditores, ressalta-se que este não é um problema novo
levantado somente agora.
Como resultado de escândalos e problemas anteriores, algumas restrições tem
sido colocadas para quem presta serviços de auditoria e consultoria aos mesmos clientes
como Sarbanes -Oxley em 2002, porém, sempre houve uma grande resistência quanto ao
cumprimento, especialmente ao ato nº 2 da referida lei.
O outro problema levantado por Taylor (2009), diz respeito ao modelo de auditoria
e da renda obtida pelos serviços, em que, segundo o autor, as empresas de auditoria são
capitalistas e necessitam de renda para remunerar seus diretores e pessoas envolvidas
nas auditorias, fazendo com que haja uma falta de independência o que faz com os
auditores de silenciam em momentos de crise.
Sikka (2009) comenta que a crise financeira é uma ótima oportunidade de
considerar alternativas institucionais para as empresas de auditoria e que novos modelos
podem ser sugeridos pelos órgãos reguladores, tanto da contabilidade quanto do setor
bancário. Relata ainda que os relatórios de auditoria são a evidência pública de um
serviço realizado.
Pouco se sabe sobre os processos de auditoria, conforme demonstra Hanlon
(1994) menciona que pouco se sabe sobre os processos e valores institucionais
associados a produção do relatório de auditoria, tais processos envolvem a gestão do
trabalho, incentivos econômicos e as imagens dos clientes, públicos e reguladores. Em
busca de lucros empresas exercem pressões de tempo e orçamento fazendo com que
auditores respondam adotando práticas irregulares e mesmo recorrendo à falsificação de
papéis de trabalho.
4.3.3 Possíveis Causas
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Sikka (2009) levanta em hipótese algumas causas possíveis para que ocorram
problemas dessa natureza e com gravidade cada vez maior, onde se ressalta o ambiente,
especialmente econômico em que as empresas expõem seus negócios. A intensificação
do capitalismo financeiro coloca questões sobre a base de conhecimento dos auditores.
Por mais de um século auditores têm utilizado métodos de uma era industrial em
que os bens tangíveis podiam ser examinados, contados e medidos os seus valores a
partir documentos como recibos, notas fiscais, contratos, etc.
Ainda segundo o autor esse mundo tem sido detonado por complexos
instrumentos financeiros, como derivativos, swaps, etc, cujo valor depende de
acontecimentos futuros incertos e podem variar qualquer coisa entre zero e bilhões.
Derivativos foram à peça central para o colapso de empresas financeiras como a Barings
em 1995, a Enron em 2002, apenas para mencionar duas grandes empresas.
Dunbar (2009) demonstrou um estudo mostrando que mesmo os ganhadores de
Prêmio Nobel de Economia tiveram dificuldades em valorizar seus derivativos. É duvidoso
que o conhecimento de auditor ultrapasse, ao menos nesta área, os de um Prêmio Nobel.
Aparentemente se chegou ao limite das tecnologias convencionais de auditoria e deve-se
pensar em formas alternativas de auditoria e a divulgação de seus relatórios.
4.4 FRAUDE E RESPONSABILIDADE
Independência e responsabilidade são um binômio que devem andar em conjunto,
especialmente quando se trata de auditorias, e torna-se cada vez maior num momento em
que fraudes são supostamente identificadas e merecedoras de especial atenção.
Afinal, deve a sociedade esperar que a auditoria seja a solução final para os
problemas decorrentes da crise financeira de 2008 e suas conseqüências? Segundo
Harold F.D. Hassink (2009) a auditoria demonstrou amplamente a existência de uma
lacuna nas expectativas criadas pela sociedade em que os auditores devem ir além da
responsabilidade exigida pelos órgãos regulamentadores e normas profissionais. A
profissão de auditor tem sido objeto de equívocos, sendo um deles que os auditores
podem fornecer uma garantia absoluta sobre a exatidão das demonstrações financeiras
de uma empresa.
A profissão tornou-se polêmica durante a última década, face aos escândalos
ocorridos, Enron e Parmalat, apenas para ficar em dois, ter a noção exata da
responsabilidade nem sempre é uma tarefa simples.
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Essa lacuna entre as expectativas e a real função da auditoria é um fato que
mereça uma atenção especial de pesquisadores, porém, não pode deixar-se de constatar
que tal lacuna é prejudicial à profissão. Harold F.D. Hassink (2009) destacam que a
responsabilidade por detecção de fraudes deve ser um dos objetivos, e ao mesmo tempo
devem evitar a responsabilidade legal a fim de se proteger de reclamações.
Um estudo sobre as causas de mortalidade das empresas, ainda segundo os
autores, mostrou que o papel dos auditores em relação à falência de empresas foi
questionado muito mais freqüentemente do que as falhas relacionadas aos empregados
ou fraude de gestão.
Bollen (2005) realizou um estudo e constatou que em caso de fraude, as partes
interessadas (acionistas, credores, governo, etc) freqüentemente tinham fortes dúvidas
sobre o papel dos auditores e que foram tomadas ações legais contra os auditores
individuais ou empresas de auditoria.
Harold F.D. Hassink (2009) explica que existe uma série de explicações potenciais
como razão pela qual o papel do auditor é questionado com mais freqüência no contexto
de fraude corporativa. Uma delas é que pode ser verdade que os auditores não executam
o seu trabalho conforme esperado, em muitos casos, uma falha de negócio está
intimamente relacionada com as ações tomadas por um gerente ou acionista dominante.
O fato de que tais pessoas (gerentes ou acionistas) podem estar envolvidas em atos
fraudulentos ou dolo, sem entraves poderiam indicar uma grave falta de controle da
empresa. Nessas situações, a eficiência das estruturas de governança corporativa que
deveriam ter detectado qualquer comportamento ilegal ou antiético dos dirigentes tiveram
falhas gravas.
O autor menciona ainda que a função do auditor externo geralmente é importante
na fiscalização das empresas, e a falta de governança corporativa, nestes casos, pode
também refletir sobre o funcionamento e a percepção do auditor. Tal situação é agravada
pelo fato dos auditores terem um relacionamento de longo prazo com seu cliente de
auditoria, além de prestarem serviços de não auditoria, conforme demonstrado no quadro
nº 01, e tais elementos exercem uma pressão excessiva sobre a independência dos
auditores, levando-os a exercer suas funções a um nível menor que o esperado.
Portanto, uma possível explicação para o grande número de casos em que o papel
do auditor foi questionado pode ser a existência de uma lacuna de razoabilidade, que
sugere que a sociedade tem expectativas pouco realistas sobre o papel dos auditores na
prevenção e detecção de fraudes corporativas.
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Assim, seria justo e correto atribuir a responsabilidade pela ocorrência de fraudes
ou de problemas de gestão que ocasionaram a falência de uma empresa exclusivamente
aos auditores? Os diretores financeiros, em conjunto com auditores financeiros, que são
responsáveis pela organização do controle interno, têm também responsabilidades
específicas na prevenção de fraudes e podem ser responsabilizados em caso de
ocorrência de uma delas.
Os membros do conselho fiscal também desempenham um papel especial em
matéria de fraude corporativa. Harold F.D. Hassink (2009) aponta que o conselho fiscal
tem responsabilidade específica em matéria de fraude de gestão, bem como quando a
administração se recusa a tomar medidas corretivas. Além disso, a decisão quanto à
existência ou não de fraude corporativa deve ser tornado público pelo conselho fiscal,
diretores financeiros, controllers financeiros e membros de supervisão são, portanto,
incluídos na relação como representantes dos gestores empresariais.
4.5 LEHMAN BROTHERS E A AUDITORIA
A Lehman Brothers escondeu dívidas antes de quebrar Exame (2010). Um
relatório divulgado recentemente sobre a quebra do banco americano, considerada um
marco do início da crise econômica mundial, diz que executivos da instituição esconderam
o real estado das contas do banco antes de pedir concordata, em setembro de 2008.
No mesmo relatório publicado pela revista, informa que o relatório apresentado
acusa os executivos de “manipulação dos relatórios financeiros” e de usar recursos da
contabilidade para esconder as dívidas. A empresa de auditoria Ernst & Young, que
prestou serviços para a empresa também foi citada no relatório, sendo acusada de graves
erros que levaram ao ocorrido, e que a empresa foi negligente e que a empresa poderá
ser processada por “incompetência profissional”.
Em resposta a empresa Ernst & Young respondeu que seu trabalho na Lehman
Brothers foi apresentado de forma clara de acordo com as regras de auditoria.
O relatório sobre a falência do Lehman Brothers é ao mesmo tempo revelador e
assustador, Ritholtz (2010) afirma que grandes empresa de contabilidade e auditoria são
inúteis para os investidores. Eles foram incapazes ou relutantes para detectar a fraude no
montante de 50 bilhões de dólares, mereceriam o mesmo fim da Arthur Andersen.
Segundo o autor, o relatório cita uma prática conhecida internamente como “Repo
105”, em que a Lehman teria usado os acordos de recompra, a troca temporária de ativos
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em troca de dinheiro, que foram estruturados como vendas de forma que a alavancagem
pode ser movida fora das demonstrações financeiras e dá a impressão que o nível de
endividamento diminui. A instituição começou a usar destes mecanismos (Repo 105) já
em 2001, mas a prática aumentou de forma dramática a partir de 2007.
Dois aspectos são importantes na avaliação deste processo. Em primeiro lugar, o
papel da auditoria. Teria a empresa de auditoria percebido tais problemas? A empresa de
auditoria Ernst & Young é uma das maiores empresas do ramo do mundo, e nenhum
problema foi relatado no relatório da auditoria. Em segundo lugar a questão diz respeito à
discussão sobre os “itens fora de balanço”. Uma das formas de manipulação é fazer
transações que retirem das informações contábeis, em especial o balanço, certos itens.
As normas de contabilidade abrem esta possibilidade. Entretanto, alguns defendem que
não deveria existir exceção, não deveriam existir itens fora de balanço. Esta discussão
talvez não esteja solucionada com os desdobramentos da crise de 2008 em particular da
empresa Lehman Brothers.
5. CONCLUSÃO
O agravamento da crise financeira coloca questões sobre o papel e o valor das
auditorias externas. Os mercados parecem não ter sido assegurado por pareceres de
auditoria sem reservas e muitas empresas, em particular instituições financeiras tiveram
que ser socorridas mesmo tendo um parecer favorável sem reservas.
As crises financeiras se repetem, e junto com elas os problemas se renovam,
demonstrando que podem ser cíclicas, porém, podem ser parecidas, nunca iguais. A
evolução do mundo capitalista traz novas demandas e exigências num mercado de
auditoria, dominado essencialmente por quatro grandes.
O que a crise de 2008 trouxe em relação às anteriores é o fato de que muitas
empresas tiveram sua falência decretada por operarem com instrumentos financeiros
altamente complexos e difícil previsão, cujo valor final depende de acontecimentos futuros
incertos e podem ter variação de bilhões.
No caso da Lehman Brothers ela foi vitimada pela crise do subprime que agiu em
efeito cascata levando junto uma série de outras empresas, fazendo com que o governo
americano e também de outros países tivessem que intervir para acalmar o mercado,
usando o dinheiro do contribuinte para salvar o sistema financeiro, sem esta intervenção,
talvez, o mercado se estabilizasse, porém, muito mais lentamente.
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Prever uma crise financeira é uma tarefa das mais difíceis, até porque os cenários
são novos, os protagonistas também e se fosse possível prever uma crise certamente
tudo seria feito para ela não acontecer, porém, sinais são emitidos e todos devem estar
atentos para avaliar, num mundo globalizado, quais fatores que podem afetar uma
empresa.
A quebra da Lehman Brothers teve várias causas, a principal talvez o crédito farto
e abundante que levou as pessoas e empresas a altos graus de endividamento, gerando
a crise do subprime tão nefasta para a Lehman Brothers. Outro fator tem a ver com o alto
grau de alavancagem da empresa. Bancos de Investimentos não seguem os critérios de
Bancos Comerciais no que tange ao seu endividamento, o que pode ser uma falha na
legislação
e pode tornar-se um problema para a empresa quando há uma crise,
especialmente de credibilidade .
Outro fator importante é o fato de valores serem tratados fora do balanço. No caso
em particular da Lehman Brothers, foi constatada a prática denominada de Repo 105,
constatado após a falência, porém, a empresa de auditoria responsável não tinha
conhecimento destas práticas?
Conforme demonstrado na tabela 1, os serviços de auditoria são de elevadas
montas e junto trazem também os valores de serviços de não auditoria, o que torna a
independência dos auditores questionável, podendo-se afirmar que não há uma
independência efetiva, onde valores muito altos estão em jogo e tudo se fará para manter
um ótimo cliente.
Responsabilizar os auditores por problemas não identificados nas demonstrações
financeiras parece ser uma atitude já tomada pela SEC, afinal quantias tão elevadas não
podem simplesmente aparecer e desaparecer na contabilidade de uma empresa.
Todos estes fatores levam a um ponto em comum. Mais um a vez a auditoria se
encontrou no centro dos escândalos financeiros, um filme já visto e com final também
previsível. A credibilidade deve ser constantemente conquistada, novos escândalos
surgirão com novos protagonistas e talvez velhos e conhecidos problemas, será o mundo
em evolução?
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