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CARO BARATO O contato com Charles, Guilherme, Virgínia continuou ano adentro. Numa dessas viagens a Teresópolis com Charles, estávamos à noite papeando, resolvemos apagar a luz e acender uma vela perto da vitrola. Um de nós jogou uma bolinha de papel pro alto e ela caiu em cima do disco. A luz da vela projetou a sombra da bolinha na parede que ficou como se estivesse rodando. Ficamos abismados com aquilo. Era o cinema primitivo, feito de luz e sombra em movimento. Dia seguinte convidamos os amigos para ver uma sessão. Esse work in progress desenvolvo até hoje, sempre com uma mudança ou outra. Coloquei o “Bolero de Ravel”, tirei a vela e coloquei uma lanterna; em vez da bolinha, a sugestão de uma bailarina com papel celofane de invólucro de maço de cigarro. Comecei a chamar a instalação de “Caro Barato”. Isso é, fazer fé naquilo que a vida vadia deposita à sua porta, de onda. Lá em Teresópolis também pegava latas, ferro-velho e pintava. Lembro de um ovo que pintei numa chapa carcomida. Charles era excelente fotógrafo. Fez várias fotos para a Navilouca. Vibrava com a magia dos laboratórios, vendo a imagem aparecer entre uma e outra lavagem do papel com ácidos próprios. Lembro muito da casa do fotógrafo e grande amigo Zeca Pinheiro Guimarães, em Botafogo. Lá revelamos algumas fotos para Preço da passagem e para a Navilouca. Passávamos os dias lá, entre ácidos, fotos, vinhos e rock and roll. ópera de pássaros p/ lili e neto a objetividade da fotografia é uma falácia erram os que acham que ela retrata o real. o que há é que quando o fotógrafo diz olha o passarinho! uma ave de asas oblongas sai de dentro do olho da câmera com uma paleta de cores e um embornal de pinceizinhos. sobrevoa a cabeça do fotógrafo sobrevoa a cabeça do fotógrafo e pousa sobre seu ombro esquerdo. 28 de lá, pinta a cena. em suma, a fotografia é uma ópera de pássaros. (A vida é curta pra ser pequena, 2002) MUITO PRAZER Guilherme experimentava em Super-8, uma espécie de vídeo da época. Barato e leve perto das tranqueiras de 16 milímetros. Cada rolinho de filme de três minutos demorava uma semana para ser revelado. Edição, pra nós, não existia. Era filmar e ver o rolinho inteiro. Guilherme gravou muito na viagem ao São Francisco. No meio do ano, se mudou para um apê na rua Bento Manoel, no fim da rua Farani, em Botafogo, e me convidou pra morar com ele. na porta lá de casa na porta lá de casa tem dizendo lar romi lar uma bandeira de papel na porta lá de casa as crianças passam e se atiram no chão e se olham por dentro das bocas das palavras na falta de qualquer espelho na porta lá de casa passa o amor o calor de cada um que passa na porta lá de casa (Muito prazer, 1971) Minha câm’era a palavra. Eu escrevia a rodo na época. Cada viagem, um caderninho no bolso. E fui preenchendo cadernos de desenho com caneta pilot colorida (material indispensável para o doidão d’então). Fiz três. Mostrava aos amigos que visitavam a caxanga. Eles incentivavam a publicar. Mostrei para Waly Salomão, meu primeiro leitor do ramo, umas experiências com escrita em surto. Ele deu valor. Guilherme perguntou se eu não queria publicar aqueles poemas em mimeógrafo. Ele dava aula de história num curso pré-vestibular no centro da cidade chamado Status. Topei. 29 Charles fez o dele, Travessa Bertalha, 11, com a ajuda do Guilherme na escolha e organização dos textos. Eu, com a ajuda de Sérgio Liuzzi nos desenhos e na elaboração visual do livreto, fiz o meu. Charles publicou uma semana antes, em formato de apostila, ou seja, utilizou toda a folha ofício, sem ilustração. Eu usei meia folha, com desenhos e um ou outro poema manuscrito que ficaram quase ilegíveis. Não era fácil desenhar ou escrever sobre o estêncil com um estilete para depois fixá-lo ao mimeógrafo e rodar. A gente só via o resultado depois de impresso. Com desenhos e caligrafias, o Muito prazer ficou um pouco mais leve. Fizemos 100 cópias mimeografadas cada um. Era um negócio bem tosco, feito literalmente à mão. Lembro do dia em que acabei de grampear os meus e os levei à Escola de Comunicação para mostrar para os colegas de classe. Eles gostaram e perguntaram quanto era. Minha poesia virava mercadoria. E eu precisava vender aquilo para ajudar no aluguel. Era setembro ou outubro de 1971 e o verão se aproximava. RIO 71 O Rio de Janeiro pulsava criação nesse período. Eram publicados alguns jornais e revistas alternativas, como “Presença”, “Bondinho”, “Flor do Mal”. Nesse último, criado por Luis Carlos Maciel, fiz minha estreia em jornal com dois poemas publicados por Torquato Mendonça, um dos maiores flâneurs que conheci. Os poemas eram “Papo de índio” e “Ponto de bala”. ponto de bala os mortos tecem considerações os tortos cozem quietos as crianças brincam e bordam desconsiderações (Muito prazer, 1971) Outros acontecimentos importantes na época: Hoje é dia de rock, no Teatro Ipanema, peça psicodélica, não-verbal por natureza, que levou mais que espectadores, seguidores, durante os dois anos em exibição no Teatro Ipanema. Evandro Mesquita participou da peça durante um período. Fui assistir e saí viajando. Era o auge da utopia. 30 Outro lance épico era a “Geleia Geral”, crônica diária de Torquato Neto, na Última Hora, porta-voz do Tropicalismo, que mapeava todo o movimento underground da época na música, no cinema, na poesia. Política cultural explícita. Torquato comprava as mais indigestas brigas com o ecad, escritório de arrecadação de direitos autorais, dominado por meia dúzia de mafiosos, ou com o pessoal do Cinema Novo, cooptado pela nova política de mercado do governo, época do milagre brasileiro. Torquato, radical até a medula, sabia como ninguém o que Maiakovski queria dizer com: “Sem forma revolucionária, não existe arte revolucionária”. Suas crônicas eram o exemplo disso, misturando poemas, fragmentos, letras de música, polêmicas, colagens de textos etc. Torquato me lembra sempre o grande poeta russo por sua visão panorâmica, parabólica, sua paixão por poesia, música e cinema. E sua crítica cortante. Como Wladimir, se matou cedo demais. Foi na coluna de Torquato, “Geleia Geral”, pelas mãos de outro mestre, Waly Salomão, que escreveu um texto tecendo loas ao Muito prazer, que apareci na cena poética brasileira. Aquilo era meu salvo-conduto na seara da experimentação verbal. WALY SALOMÃO Waly foi raio e trovão nessa minha existência aborígene. Conheci o cara recém-chegado de São Paulo, onde tinha sido preso pela posse de um baseado. A prisão detonou de vez o processo do escritor e lá elaborou “Apontamentos do Pavilhão Dois”, capítulo inicial do explosivo Me segura que eu vou dar um troço, seu primeiro livro, publicado em 72. Waly sempre obcecado em se produzir. “Na esfera da produção de si mesmo”. Mas sempre pensando em coleções. Andar junto, porém sem amarras. Waly me incentivou a escrever. Lia meus disparates inéditos e dava força. Me convidou pra Navilouca, me apresentou ao Verbo Encantado, jornal de Alvinho Guimarães, em Salvador, em 71/72. Waly era pura pilha, fagulha viva, metralha na fala e no riso. Um funâmbulo atormentado. Um prestidigitador tirando a vida da cartola. Um incontinente verbal. Às vezes, conversar com ele era como se você estivesse na cadeira de um dentista. Impossível de falar. Mas ouvi-lo era uma pândega, um privilégio. 31 Encontrava o cara no Píer durante o dia e, à noite, no Teatro Tereza Raquel, para ver Gal Fa-tal, que ele dirigia. Muitas vezes, esbarrava com o marujo da Lua em Ipanema, próximo ao Pizzaiolo, na rua Vinícius de Moraes, o baixo da época. Ele, gesticulando no meio da rua, fulminava “Esse cara”, de Caetano: “Ah que esse cara tem me consumido / a mim e a tudo que eu quis / com seus olhinhos infantis / como os olhos de um bandido” ou todo o Anjo Exterminado, obra-prima dele com Macalé. Waly foi um dos maiores performers que já vi. Sabia entoar seus poemas. Dividia um verso como ninguém. Ele me ensinou a esculpir sonora e ritmicamente a palavra e a não precisar de palco ou papel para levitar. Aprendi o que pude. NAVILOUCA TORQUATO Ainda em 71, Waly e Torquato começaram a construir a Navilouca, revista-manifesto, canto do cisne do tropicalismo e das vanguardas. Com a arte feita por Oscar Ramos e Luciano Figueiredo, a Navilouca contava com a nata da Poesia Concreta (Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari), o primeiro time da poesia tropicalista (Waly, Torquato, Rogério Duarte, Caetano Veloso, Duda Machado), o pessoal do cinema marginal (Ivan Cardoso e Luis Otávio Pimentel), dois mestres nas artes plásticas (Lígia Clark e Hélio Oiticica) e novos nomes (como Jorge Salomão, Steve Berg e eu). Eu tinha 21 anos e o Muito prazer lançado. E tive a chance de viver aquele momento em que as vanguardas ainda duelavam em várias frentes contra o rolo compressor da indústria cultural, apoiado por políticas do governo que apostavam suas fichas num cinema, numa música, numa arte para o mercado, despotencializando o experimental. Torquato se matou, entre outras coisas, por conta disso, depois de uma reunião com editores que determinou que a Navilouca não iria zarpar. Sua coluna na Última Hora, “Geleia Geral”, foi até o fim o reflexo dessa tensão. Força para as vanguardas, o tropicalismo, a cultura subterrânea, o Super-8 e a crítica pesada aos vendilhões do templo e à caretice geral. Waly dirigiu o show da Gal, lançou Luiz Melodia, produziu o Me Segura, a Navilouca, agitou, berrou e foi para Nova York. Tanto Torquato quanto Waly viveram na carne o dilema do artista na sociedade de consumo: como viver da sua arte, como expressar sua fala se do outro lado a indústria cultural vai 32 criando um consumidor cada vez mais chulo, nivelando por baixo, para homogeneizar e esterilizar sua mercadoria para um público cada vez mais chato? Pude conviver, ainda que de raspão, com esses ases da vertigem, inventores inveterados, meus ídolos, meus mestres. Artitute forever. Foi pela mão desses mísseis que vi estrelas. No verão de 72, Waly dirigiu o antológico show Gal Fa-tal. Torquato produziu o primeiro show de Luís Melodia, descoberto no Estácio por Waly, no Teatro Opinião. Waly me apresentou a Torquato num bar. Eu ficava olhando a conversa dos dois. Eu era muito ensimesmado. O bar era ao lado do Teatro Teresa Rachel, no Shopping Center da Siqueira Campos, em Copacabana. Esse shopping, um dos primeiros do Rio, até hoje um amontoado de lojas, meio inacabado, era o epicentro de todo movimento contracultural com shows da Gal, Luis Melodia, Jards Macalé, Lanny Gordin, a Fina Flor do Samba, Paulo, Cláudio e Maurício, Som Imaginário, Liverpool Sound, o guitarrista Levindo Carneiro, Novos Baianos, a peça-happening Rito do Amor Selvagem, de Zé Agripino de Paula, e tantos outros visionários que minha memória já não alcança. Rio de Janeiro. Brasil. Início dos anos 70. Love and light. navilouca quero te encontrar o dia amanhecendo num buteco tomando média olhos claros translúcidos – você, por aqui? de repente nós dois e o resto. a gente vai andando andando dando risada falando bobagem pisando a paisagem viagem 33 de repente numa esquina de terno o tempo vai passar apertado apressado. a gente vai parar o tempo. e dizer a ele, calmamente, como é a felicidade e vai seguir seguir seguir ......... (escrita para a Navilouca em 1972. reescrita em A vida é curta pra ser pequena, 2002) NOVOS BAIANOS No verão fatal de 72, além do Píer, dos jornais alternativos e da nascente poesia em mimeógrafo, rolava o show dos Novos Baianos no Teatro Teresa Raquel, logo depois do show da Gal. Era demolidor. Eles vinham com um mix absolutamente original: rock, chorinho, samba, bossa-nova, frevo. Em muitas noites, eu subia ao palco no final para dançar com a galera. Era irresistível. As letras eram jogos de palavras, coisa meio trava-língua, um lirismo absurdo, como “Acabou chorare”, “Preta pretinha”, “A menina dança”, “Ferro na Boneca” e tantas outras. Eu era fã incondicional do grupo. Depois o futebol nos aproximou e eu os conheci pessoalmente. Fui algumas vezes ao sítio onde moravam em Vargem Grande, na zona oeste do Rio. Tinha um campinho de futebol na frente da casa e o som rolava o tempo todo. Admirava aquele tipo de vida. Várias pessoas morando juntas, fumando juntas, fazendo tudo juntas, no palco, em casa, na cozinha, no campo de futebol. Era o espírito do tempo. Paz, amor, viagem e invenção. A utopia sendo realizada. PÍER O Píer era a praia. Em frente à rua Farme de Amoedo, entre a Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, e o Arpoador, construíram um emissário submarino para ejetar os dejetos da cidade em alto mar. A areia retirada do fundo para passar a tubulação foi depositada à beira da praia e formou dunas. Dunas que 34 escondiam a rapaziada dos olhos da dura repressão e do terror institucionalizado. Com a mexida do fundo de areia, o mar subiu e levantou ondas perfeitas. Os surfistas vieram do Arpoador. A eles se juntaram os artistas que passaram a ir ver o surfe e o pôr do sol. Era a onda daquele verão de 1972. Ali levava meu Muito prazer para circular. Ali podia se encontrar Gal, Waly, Zé Simão, Cazuza, Marina, Scarlet Moon, Sandro Solviati, Neville D’Almeida, Sônia Dias, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, meus camaradas Charles Peixoto, Guilherme Mandaro, Sérgio Eduardo, Patricia Travassos, Evandro Mesquita, Maria Antonieta, Simone Cavalcante, e mais uma galera magra, dourada e cabeluda. Quanto mais a barra pesava no asfalto, mais a onda se erguia no Píer. Waly batizou o lugar de “Dunas do barato”. Ali ficou conhecido também como “Dunas da Gal”. Era lá que ela estirava sua canga em companhia da estonteante atriz Vilma Dias. O Píer foi o berço da contracultura no Rio. O que chegava de fora era imediatamente discutido: cinema, música, moda, poesia. Sexo, drogas e rock and roll. Ali tudo podia. O que representasse um mínimo sinal de pensamento e atitude conservadora era taxado de careta, olhado de viés. A briga mais imediata era com a turma do Pasquim, uma geração mais velha, que seguia à risca o lema de Jaguar: “Intelectual não vai à praia. Intelectual bebe”. O corpo era tratado como um subalterno. O Pasquim mudou a cara sisuda dos jornalões da época, peitou e desrespeitou o regime militar. Abriu espaço para Leila Diniz e o Underground de Luiz Carlos Maciel, para o palavrão e as experiências com a linguagem jornalística. Eles mudaram muita coisa. Mas ainda tinham uma visão bem conservadora sobre certos assuntos, como sexo, drogas e novas formas de percepção e comportamento. Não entenderam McLuhan. Tinham nascido e vivido sempre dentro de uma percepção linear de mundo. Foram guerreiros. Mudaram o que foi possível. Mas não nasceram dentro do império do fragmento, do caleidoscópio da televisão e de novas formas de percepção que isso gerava. Não tiveram base para encarar as novas experiências psicodélicas que levavam essa fragmentação a altas voltagens, a novos paradigmas de expressão, de comunicação nãoverbal. Não sou, nunca fui, um intelectual, um teórico. O encadeamento lógico racional sempre me confundiu. Mas um fato era estranho para mim: 35 Marshall McLuhan, o papa da teoria da informação, era proibido na Escola de Comunicação da ufrj, onde eu estudava. Alegavam que era um mistificador, um pensador sem rigor científico. Eu, atormentado por minha dislexia, por minha incompatibilidade com a razão do mundo, achava que o mestre canadense podia ter resposta para as minhas angústias. Tinha nascido já sob outro meio de informação: a televisão. Eu nasci no ano em que a tv Tupi foi inaugurada, em 1951. Embora gostasse de ler, a tv foi meu principal meio de informação. Isso gerava novas formas de percepção. Um entendimento fragmentado, não-linear, não hierárquico do mundo. Uma percepção poética. BONECA SEMIÓTICA No Píer tudo era intuição. Aquele foi o verão tropicalista por excelência. Caetano e Gil voltando do exílio em Londres, fazendo shows de rock seminais no Teatro João Caetano. A “Geleia Geral” de Torquato Neto, na Última Hora, cantando a pedra. Os jornais alternativos pululavam: A Flor do Mal e Rolling Stones, editadas por Luís Carlos Maciel no Rio. O Verbo Encantado em Salvador. Eu publicando poemas e criando páginas para eles. As pessoas orgulhosas de estarem inventando outro estilo de vida, sem amarras ou convenções. Eu dava um dois e dizia: podes crer. Era o verão de 72 e o Píer fervia. Ali distribuí alguns exemplares do Muito prazer, um deles para meu futuro parceiro de uma música só, Jards Macalé. Fizemos “Boneca semiótica” no disco Aprender a nadar, um álbum conceitual de Jards e Waly na linha de morbeza romântica, um disco barroco, tropicalista em homenagem à nossa alma lírica paquidérmica. Uma tarde, cheguei à casa de Macalé, em Botafogo. Estavam ele e Rogério Duarte compondo, e me chamaram pra fazer uma parceria ali na hora. Macalé tocou um samba-canção que tinha feito naquele dia. Eu falei: “samba é sempre a mesma história”, pensando em dor de corno, vingança e desejo. Rogério já emendou com “nosso amor morreu na Glória” e foi embora fazendo quase toda a letra. Pinguei uma coisinha aqui, outra ali. Duda Machado, que morava com Macalé, chegou no fim e colocou outra coisinha, e lá ficou a criação coletiva de Rogério, batizada com o nome de “Fantasma da boneca”. Depois Waly, cérebro do disco, mudou para “Boneca semiótica”. Isso foi em 72. 36 boneca semiótica (Jards Macalé – Rogério Duarte – Duda – Ricardo Chacal) samba é sempre a mesma história nosso amor morreu na glória a boneca foi embora não obstante esqueceu o seu fantasma a paisagem é uma floresta de signos malignos que você desenhou paisagem de fim de festa: rótulo roto vidro partido onde havia um sentido que você apagou você venceu com a sua lógica digital e analógica você não passa da progamadora de repertório redundante da minha dor. Uma das artimanhas mais malucas foi o lançamento desse disco na Barca da Cantareira, que liga o Rio a Niterói pela Baía de Guanabara. A galera compareceu em peso. O disco nas caixas de som da barca. Macalé regendo o acontecimento naquela noite gloriosa. De repente, na altura da Ponte Rio-Niterói, ainda em construção, Macalé se atira na baía, nada alguns metros e é recolhido por uma lancha. Reza a lenda que o governo militar tinha por hábito atirar seus desafetos na Baía da Guanabara. Ele, que tinha medo de ser jogado também, tinha aprendido a nadar. Ou não. CAMBURA BLUES O início dos anos 70 foi um período pavoroso. A deduração era estimulada e todo vizinho, todo porteiro, eram inimigos em potencial. A paranoia era total. Uma noite baixaram na casa de meus amigos no Leblon, onde idealizei o Preço da passagem, e levaram todos. Escapei por pouco. Outras vezes, dancei por falta de documentos na noite do Baixo Leblon. Houve uma cana histórica. Em meados de 72, fui com o Charles ver um show do Hermeto Pascoal, num pequeno teatro na Lagoa, perto da Igreja Santa Margarida Maria. Tomamos uma fatia de lsd. O show, que já seria legal sem aditivos, com aquela partícula lisérgica se transfigurou. Sons exuberantes arpejavam as costelas, solos de sax desafivelavam a massa cinzenta que poli37 cromia púrpura. Depois do show ainda ouvimos Hermeto dar uma pequena entrevista em que dizia que o corpo humano podia mais sons que qualquer sintetizador. Essa ideia iria levar à cena numa peça em 82 chamada Alguns anos-luz além. Saímos do show em estado de graça. Fomos andando pela Lagoa, sob as estrelas, falando e rindo igualmente. Na altura do Parque da Catacumba, uma joaninha (fusca da polícia) nos parou. Procuravam armas e nos deixaram seguir. Falei pro Charles que tínhamos corpo fechado e que a polícia nunca iria nos levar. Seguimos viagem e entramos na Vinícius de Moraes. O ambiente mudou. Mais carros, mais pessoas, mais edifícios. Fomos até o Café e Bar Paris, um pé-sujo na rua Visconde de Pirajá, e pedimos uma cerveja, para baixar a onda, para a gente conseguir se comunicar com outros humanos. A cerveja veio e falei: “Brahma Chopp, alegria da vida”. Esse era o slogan da cerveja na época. Nesse exato momento, para um camburão na porta do bar. Digo: “Fica frio. Não é com a gente”. Vieram justo em cima de nós. Pediram documentos. Tirei uma carteirinha rasgada, amassada e sem foto de um curso de inglês. O policial olhou aquele trapo. Não acreditou. Olhou de novo. Acreditou menos ainda. Eu argumentei do jeito que deu que estava tirando passaporte para viajar para fora do Brasil, o que era verdade. Então aquele legionário do Império de Plutão abriu a boca e disse: “E o pro-to-co-lo?” Aquela palavra caiu literalmente como um tijolo no meu pé. Contra aquela palavra, não tive argumento. Virei a cerveja num gole e fui parar na caçamba do camburão. Eu e um velho pneu. Charles com os documentos em dia (ele ainda estudava na eco) se livrou e acionou meu pai. Eu viajei naquela caçamba durante um bom tempo, assoviando alguma música de Hendrix e torcendo para o carro bater num poste. Depois resolvi decorar um texto para falar ao delegado. Achei que já tinha passado o efeito do ácido, depois de umas quatro horas rodando naquele caveirão, recolhendo algumas putas nas ruas Duvivier e Rodolfo Dantas, em Copacabana. Quando o carro parou na delegacia do Leblon, eram umas seis da manhã, o dia nascia. Abriram a porta da caçamba e os raios ultravioletas deflagraram novamente os efeitos psicodélicos. Entrei para falar com o delegado, zunindo. Sorte a minha, que lá já estava meu pai e tudo se resolveu. Duas coisas eram certas a partir dali: eu não tinha o corpo fechado e precisava sair do país. 38 falô .......... até que um dia pisaram o pé dele. orlando tirou a identidade do bolso e disse: – pra vocês basta isso de mim. foi embora assoviando. a palavra ilegal afinal (Preço da passagem, 1972) PREÇO DA PASSAGEM Mas sair como? A grana era nenhuma. Trabalho tampouco. Pensei: meu primeiro projétil poético tinha vendido quase nada. Mas tinha feito barulho. Agora, mais conhecido, podia vender melhor e fazer dinheiro para viajar. Alguns amigos estavam indo para Londres, a Meca do rock e exílio de Caetano e Gil e outros da turma. Queria pegar estrada e conhecer o mundo. Resolvi ir com tudo. Fazer mil exemplares. Um grande amigo dos tempos da pracinha, Luís Otávio da Motta Veiga, Tatá, trabalhava numa consultoria onde havia um mimeógrafo eletrônico, uma máquina invulgar um quilômetro à frente do velho mimeógrafo elétrico. Esse aparelho copiava eletronicamente a arte para o estêncil. Com isso, eu podia utilizar fotos e desenhos no trabalho. Só não imprimia meio-tom. Saía tudo autocontrastado. Preto no branco. Fiz o livro num impulso só. Ainda influenciado pela leitura de João Miramar e Serafim Ponte Grande, dos cinerromances de Oswald de Andrade. Adorava aquele estilo caleidoscópico, sintético, absolutamente hilariante, do nosso antropófago-mor. Resolvi criar um personagem e o batizei de Orlando Tacapau. Na época, fumava-se muita maconha. E o fumo, pra mim, sempre soltava a imaginação e embotava o social. As palavras, que fugiam da boca, apareciam na ponta dos dedos das teclas. A gente se reunia num apê na rua Bartolomeu Mitre, no Leblon. Quando eu não mais conseguia acompanhar o papo, seja por dislexia crônica ou porque minha cabeça já estava no livro, eu escapava à 39 francesa para o escritório da mãe do brother Sérgio Eduardo, Célia Dourado, professora de Literatura do Colégio André Maurois. Ela usava como rascunho umas folhinhas de um tamanho excelente, bem menor que meio ofício. Fiquei vidrado naquele formato e pensei em fazer um livro com folhas soltas, mas que cada uma, com sua colagem de texto, foto e desenhos, pudesse ter independência se lida/vista separadamente. Dito e feito. Charles me ajudou com as fotos. Peguei um desenho com o Sérgio Liuzzi. Outros, recortei de revistas. Em pouco tempo, o livro estava pronto. Rodei-o e alceei as folhas cortadas, separei em blocos de 34 folhas, comprei mil envelopes, fiz carimbos com o título, meu nome e mais alguns dados. Tudo separado e carimbado, parti para o lançamento. Carlos Vergara, craque das artes plásticas, era casado na época com minha irmã mais nova, Marisa, e me convidou para lançar o livro na inauguração de uma coletiva que fazia no mam, chamada Ex-posição. Ele ampliou, reproduziu e expôs duas páginas do livro. A exposição tinha trabalhos sensacionais, inclusive um penetrável de Hélio Oiticica, com uma televisão no final. Eu me lembro de ter dado um exemplar do Preço para Torquato Neto. O lançamento foi meio mais ou menos. Não vendeu quase nada. O foco era a exposição. Pensei: não vai dar nem pra ir a Niterói! Estava entrando água no meu projeto de ir pra Londres. Paulinho Lima, produtor do show da Gal, me convidou para participar de uma festa na Boate Sucata, na Lagoa. Um show com várias atrações. Eu não tinha nenhuma experiência de palco. Tremi na base. Fiquei uma semana decorando o texto “Delírio puro”, do Preço da passagem. delírio puro quanto mais louco lúcido estou no fundo do poço que me banho tem uma claridade que me namora toda vez que eu vou ao fundo me confundo quando bóio 40 me conformo quando nado me convenço quando afundo no fim do fundo eu te amo (Preço da passagem, 1972) Na noite do show, lá vou eu com o texto ainda mal decorado e uma mala preta enorme com uns 100 Preço da passagem dentro. Cheguei lá, casa cheia. Botei os livros em alguma mesa e, quando fui chamado, inseguro, meio que sussurrei o poema. Foi um fiasco. A hora ainda não estava madura. Quanto aos livros, os que levei voltaram. Ali começava o penoso hábito de arrebentar alça de mala carregada de livros. A viagem para Londres, apesar da venda fraca do Preço da passagem, acabou sendo bancada pelos meus pais. Eles fizeram um grande esforço de reportagem para me colocar naquele avião da British Airways com destino a Londres. Sou muito grato por isso. Outubro de 72 no Brasil, ainda Era Médici. O terror estampado. Muita gente presa, outras tantas exiladas. Meus amigos tinham seguido à risca a letra de Gil, na música “Oriente”: “Considere, rapaz / A possibilidade de ir pro Japão / Num cargueiro do Lloyd lavando o porão.” Alguns conseguiam ir de cargueiro. Outros iam como podiam. A situação aqui era de censura e delação. A debandada era geral. Caetano e Gil já estavam voltando nessa época. Mas acenderam o desejo de muita gente com seus discos gravados na velha Albion. Guilherme Mandaro tinha se mandado. Sérgio Eduardo também. Outros amigos seguiam rumo ao Velho Mundo. Eu, que só tinha a experiência de viagens de carona, de baixo custo, respirei fundo e me atirei. hóspede do planeta orlando viajou de balão. atravessou vales, rios e mares. depois desceu. subiu numa pedra e disse publicamente: – de hoje em diante soy hóspede do planeta. por enquanto. e mandou seu novo endereço à freguesia. (Preço da passagem, 1972) 41 LONDRES A chegada em Londres foi a primeira prova de um dharma bum num país de língua estrageira. Depois de me desvencilhar da Alfândega que viu e engoliu minhas cinco caixas de Mandrix, um tipo de hipnótico relaxante, peguei um ônibus do Aeroporto de Heathrow até um terminal e de lá um táxi. Depois da clássica estranhada com a mão inglesa, dei o primeiro dos três endereços de que dispunha. O motorista me disse, depois de conferir no a to z, guia das ruas de Londres, que ainda não haviam inventado aquele logradouro. Na pressa, havia anotado o nome errado. Dei o segundo endereço em Notting Hill Gate. O chofer me deixou na porta de uma casa antiga. Paguei, agradeci e apertei a campanhia. Vieram atender e disseram que não havia nínguém com o nome que dei morando lá. O pessoal tinha tentado alugar um flat ali, mas não conseguiu. Naquela época, é claro, não havia celular, nem email. A coisa se complicava. Só restava um. Eu ali a pé, no meio do mundo, com uma mala grande, uma outra a tiracolo e um baixo elétrico. Era início de outono e as calçadas cobertas de folhas eram um tapete vermelho. Quem sabe, para me receber. Não sei como, com o inglês de ibeu que tinha, consegui chegar no terceiro e último endereço, que era a casa de um cara que eu nem conhecia, destino do baixo elétrico que eu carregava. Paguei o metrô abrindo a mão cheia de moedas para o cobrador recolher o devido. Desci uma estação depois em High Street Kensington. Eram quase dez da noite, o frio apertava. Parei embaixo da casa e apertei a campainha. Ninguém atendeu. Fui até o pub mais perto. Estava fechando. Não dei conta que podia ir para uma estalagem até localizar meus amigos. Guilherme, nesse mesmo dia, estava partindo para Paris, já meio abalado por trips diversas. Voltei à porta da casa e comecei a assoviar o hino do Flamengo. Sou tricolor, mas o hino do Flamengo era mais popular. Se houvesse algum brazuca naquele perímetro, iria se manifestar. Nada aconteceu. Devia ter tentado o do Fluminense. Resolvi que dormiria ali mesmo, junto às malas e ao baixo, até o dia seguinte, quando com certeza, achava eu, encontraria meus amigos. Nisso entra alguém na casa. Pergunto se conhece Fulano no flat tal. Ele não conhecia, mas diz para eu subir e bater à porta. Fiz isso. Atendeu um indiano que não conhecia ninguém com o nome que lhe dei. Fiquei descarrilhado. Subi mais um andar e, através de uma porta meio aberta, vi duas meninas e um 42 cara. Perguntei se conheciam Fulano. Uma delas disse que conhecia, mas que ele tinha se mudado já havia mais de um mês. Vendo minha deplorável situação, ofereceu para eu dormir por ali até achar meus amigos. Ela caiu do céu. Bem, os Mandrix ajudaram. Uma escocesa de nome Margareth. Trabalhava numa loja de apostas de corrida de cavalos em High Street Kensington. Fiquei uns cinco dias ali, (a)prendendo, literalmente, a língua um (d)no outro. Até que num sábado, em Portobelo, encontrei a galera flanando pela feira mais animada desse planeta. Fui cooptado. Troquei uma língua nova pela velha flor do lácio. Nesse momento podia ter vivido outra vida. Escolhas certas, erradas? O que está escrito, escrito está. Adeus Mag! Com quantos disfarces você aparece? Que Zeus a tenha! ROLLING STONES Bem, os onze meses que fiquei em Londres caberiam num outro livro. As experiências psicodélicas com semente de girassol, romances, devaneios, overdoses, eu e ela ela e eu eu e ela ela e eu ela entre alcalóides eu a mando da heroína dia sim, brown sugar na veia dia não, grande sertão: veredas eu e ela ela e eu eu e ela ela e eu eu e ela e um camarada: a primeira dose ela eu o camarada mais 3 junkies e um cachorro descalço: a overdose (início do sister morphine) eu levanto... paro ... mudar o disco... o ar vai... se apagando... apaga ... here i lie in my hospital bed tell me sister morphine when are you coming round again 43 eu e ela ela e eu eu e ela ela e eu pressão baixa. cold. too cold. caras sem rosto querem saber da droga eu negando, neguinho internando eu numa enfermaria com 5 casos terminais num hospital de fulhan what am i doing in this place? why does the doctor have no face? eu e ela ela e eu eu e ela ela e eu o doutor aplica o sermão eu fujo do hospital eu compro flores na clara manhã do dia seguinte (solo sister morphine) eu e ela ela e eu eu e ela ela e eu sexo drogas e rock and roll londres 73 (trecho da peça A vida é curta pra ser pequena, 2002) Shows, shows e mais shows de rock, meu desejo mais ardente. Tinha dois problemas para sair de Londres: como carregar ou onde deixar a pesada mala (que isso não se repita. Sinto frio, mas as malas... que o diabo as carregue!) e o “coming events” do Time Out. Eram shows sensacionais que achava que não podia perder, sempre acontecendo nas semanas seguintes. Três espetáculos em especial me abalaram profundamente. O primeiro foi dos Rolling Stones. Uma pequena temporada nos dias 7, 8 e 9 de setembro de 1973, em Wembley Park. Depois de entrarmos nos dois primeiros dias no meio da confusão, no terceiro e último dia a segurança estava reforçada. Mas aos primeiros acordes de “Brown Sugar”, música que abria o show, houve uma explosão na porta e, com outras pessoas, entrei no grito. A galera correu e foi para junto do palco. A polícia veio atrás. Jagger parou de cantar e começou a gritar com os policiais, dizendo que ninguém precisava deles ali. Ainda atirou o pandeiro que tinha nas mãos em um dos policemen e, em seguida, voltou 44 a cantar. Aquilo era a revolução ao som de “Street Fighting Man” e “Jumping Jack Flash”. Esse foi O show. GRAND MAGIC CIRCUS Uma noite fui a Roundhouse ver o Grand Magic Circus de Jérôme Savary. Fiquei enlouquecido. Era o circo com outra configuração. Era a maravilha das maravilhas. Tudo muito mágico, boulevard do crime, grand guignol. Não era o Circo Berlim que tinha visto em Teresópolis anos antes. Um cirquinho de periferia, com a trapezista gordinha, de meia arrastão rasgada. Era o encantamento em pessoa. Tudo fluía e interagia: som, luz, atores, atrizes, roupas, cenários e a magia do circo de um lugar do outro mundo. Claro que quis fugir com o circo. Não estivesse eu num maior e mais variado picadeiro chamado London Town. ALLEN GINSBERG Outro espetáculo magnífico foi um festival internacional de poesia no Queen’s Elizabeth Hall, às margens do rio Tâmisa. Marquinho Maciel, um arquiteto que morava em nossa comuna em Willesden Green, uma casa com vinte pés de cannabis e uma papoula plantadas no jardim, herança dos antigos locatários, me convidou para o recital. Fiquei espantado quando entrei e vi um teatro moderno com mais de mil lugares totalmente lotado. Não podia imaginar que um espetáculo de poesia pudesse ter tanto público. E foram entrando os poetas. Todos com a mesma empostação, o mesmo paletó e a mesma gravata, lendo seus textos formalmente. Até que chamam Allen Ginsberg. O papa da poesia beat americana entra com um macacão jeans, perna engessada, muleta, barba desgrenhada e se põe a vociferar, gargalhar, uivar no microfone. Era uma ousadia completa dentro daquele ambiente. Ginsberg já era Ginsberg e podia tudo. Até dizer que ia falar um blues e tirar uma pequena sanfona da algibeira e começar a entoar o poema como se fosse um salmo. Como eu sabia muito pouco inglês, prestei mais atenção na gloriosa performance. Pensei que, se um dia eu falasse poesia ao vivo, teria que ser com aquela dicção. 45 FRENESI E VIDA DE ARTISTA Depois de conhecer Amsterdã e de uma estadia devastadora em Portugal, cheguei a um impasse. Ou continuava on the road pela Europa, vivenciando aquele sítio ainda não completamente contaminado pela cultura de massa, me virando como pudesse com a língua estrangeira e a falta de grana, ou voltava para minha terra, minha língua. Afinal, essa era a forma como tinha decidido viver: escrevendo. Ou me dedicava a aprender outra língua ou tentava virar correspondente estrangeiro – mas eu estava muito frágil, muito fora do eixo. Enfim o Brasil falou mais alto e, em novembro de 1973, cheguei no Aeroporto do Galeão, com a ideia de um livro na cabeça: América. Por aqui a fila havia andado. Uma coleção estava sendo lançada: a Frenesi, organizada por Antônio Carlos de Brito, o Cacaso, grande aglutinador de poetas. Reunia em torno de si amigos como Chico Alvim, Roberto Schwartz e seus alunos na puc: Geraldinho Carneiro, João Carlos Pádua, Luis Olavo Fontes, Ana Cristina Cesar. Em 74, foi lançada a Coleção Frenesi com os livros de Francisco Alvim (Passatempo), Roberto Schwartz (Corações veteranos), Geraldinho Carneiro (Na busca do sete-estrelo), João Carlos Pádua (Motor). Os livros eram bem cuidados graficamente, offset e capa em sépia. Motor também era envelopado, como o meu Preço da passagem. O badalado lançamento, de que não participei, foi na livraria Cobra Norato, perto da Praça General Osório, em Ipanema. A distribuição era na mãos dos poetas ou em consignação em algumas livrarias. Cacaso partia de uma poesia mais sombria em direção à luz modernista, com seus achados e humor desconcertante. Grande parodista, dialogava muito com a tradição poética brasileira e tinha um ritmo preciso. Não foi à toa que depois se tornou um requisitado letrista. Creio que o jeito mais descompromissado com a tradição literária, mais leve e bem-humorado que eu e Charles estávamos trazendo via Oswald, tropicalismo e beats, fascinou o Professor. Como a Chico Alvim, outro poeta primoroso, inventor de um estilo próprio, levando à pagina conversas, falas de um narrador invisível. Eram seus ready-mades, seus “ouvido ao acaso”. Chico gostava também de falar seus poemas, o que nos aproximou muito. Chico trazia com ele outro poeta espetacular, dono de um humor maravilhoso: Carlos Felipe Saldanha e seus personagens, seus extraordinários poemas ilustrados. Cada livrinho seu, que enviava a Chico Alvim e Chico nos 46 repassava, era motivo de uma semana de gargalhadas e estupefação. Ele próprio escrevia, desenhava e imprimia suas edições na Alemanha, onde servia como diplomata. Era um marginal avant la lettre. Cacaso me apresentou por essa época, na Livraria Cultura, em São Paulo, Roberto Schwartz, autor do sensacional Corações veteranos. Seus poemas “Ulisses” e “Jura” habitam para sempre minha antologia particular. João Carlos Pádua, Geraldinho Carneiro e Luis Olavo Fontes eram da minha geração e, cada um a seu modo, tinham a marca dela. Ana Cristina Cesar era a mais difícil. Seus poemas eram irônicos. Seu diálogo com a tradição, constante. Ela não pertencia, como eu, à contracultura. Ana C. era super cultura. Fazia parte da turma e pairava muitas vezes sobre tudo e sobre todos com seus traços de sílfide pós-moderna. Ela e seus livros, ela e seus óculos de aro, ela e seu sorriso mínimo, ela e seu biquíni de bolinha. Ela era a única inédita nessa época. Seu primeiro livrinho, Correspondência completa, um primor, amarelinho, do tamanho de um nada, sairia só em 79. Logo logo, fiz contato com Cacaso. Ele era professor da puc, um doce tuxaua, com seu cabelo liso, preto, nas costas, sandálias e bolsa de couro a tiracolo e óculos de aros redondos, como um Lennon caboclo. Eu, aluno da eco, onde davam aula Heloísa Buarque de Hollanda e Abel Silva, também era cabeludo e inexplicável. Tramamos juntos a Coleção Vida de Artista com livros de Luís Olavo Fontes, Carlos Felipe Saldanha, Eudoro Augusto, um dele e um meu. O carimbo de coleção era um balão na estratosfera. A turma se reunia na fazenda da família do Lui (Luís Olavo Fontes), um paraíso perto de Vassouras, no interior do Rio de Janeiro. Cacaso namorava a irmã mais velha do Lui, a Kaki. Eu namorava outra irmã, Debinha, e Lui namorava Ana Cristina Cesar, aluna do Cacaso na puc. Poetas como Charles, Pedro Lage, João Carlos Pádua e músicos como Joyce, Tutti Moreno, Maurício Maestro, entre outros, estavam sempre lá. As reuniões lítero-musicais-etílico-psicodélicas eram frequentes. Viagens iam sendo colocadas no papel e lidas para o grupo. A tônica era o poema curto, bem-humorado. Nossos haikais lisérgicos. Durante o dia, andar a cavalo, cair na piscina, catar cogumelo, jogar pelada (Cacaso e Lui eram craques) e passeios a bordo da elefanta Rosinha, um amor de quadrúpede. A fazenda tinha um minizoo, com vários animais selvagens e outros nem tanto. Foi observando os macacos e suas estrepolias que Charles capturou esses versos: 47 fiquei olhando nos olhos dos símios seus movimentos suas expressões estou convencido que descendemos diretamente dos macacos ganhamos razão perdemos agilidade e malícia. (Perpétuo socorro, 1976) Outro magnífico, tiro preciso de Charles feito na fazenda: – Olha a passarinhada! – Onde? – Passou. (Creme de lua, Charles, 1975) AMÉRICA América, meu terceiro livro, publicado em 1975, era o desejo de fazer um livro que misturasse a América pop, já anunciada pelo Tropicalismo, com a lírica, primitiva e revolucionária Latino-América mítica. Na inútil correria dos dias, na urgência vertiginosa daquele período de repressão e de falta de grana e trabalho e pela incapacidade de transformar o conceito em versos, fiz alguns poucos poemas com aquela ideia e depois fui apenas recolhendo poemas vários que ia escrevendo. É um livro com alguns altos e muitos baixos. Mas a experimentação com a linguagem é talvez sua marca maior, expressa em “Uma palavra escrita”, “Sonidos”, misturados a outros mais tradicionais como “Desabutino”, “Meio fio”, “Espere baby”, “À geral”, “sos”. Gosto do América. Acho que ali começo a trabalhar o poema com mais consistência, diferentemente dos insights do Muito prazer e da prosa poética do Preço da passagem. desabutino quem quer saber de um poeta na idade do rock um cara que se cobre de pena e letras lentas que passa sábado a noite embriagado chorando que nem criança a solidão quem quer saber de namoro na idade do pó um romance romântico de cuba 48 cheio de dúvidas e desvarios tal a balada de neil sedaka quem quer saber de mim na cidade do arrepio um poeta sem eira na beira de um calipso neurótico um orfeu fudido sem ficha nem ninguém para ligar num dos 527 orelhões dessa cidade vazia (América, 1975) América era uma edição em multilite, um processo barato de offset. Foi bancado com a venda de 20 exemplares da minha cota de Navilouca, que foi publicada, enfim, com o apoio da gravadora Philips, em 1974. Infelizmente os dois trabalhos meus com fotos e textos, chamados “àpalavrapelasuapoesiaecadeia” e “almanaque do pensamento fotografado”, que seriam encartados na revista, por descuido na produção gráfica, não saíram. Fiquei injuriado. Minha participação na Navilouca ficou por conta de uma ótima foto minha feita pelo Charles. Voltando ao América, a capa do livro, em papel sépia, tinha um desenho de Rogério Martins, o Dick, parceiro de loga data, ainda do tempo da Turma da Pracinha, em Copacabana. Foi impressa em silk screen por outro grande irmão, Cristiano Menezes. A escrita do poema era individual, com opiniões de Charles, principalmente. Mas todo o resto do trabalho era feito no coletivo, entre amigos. O livro ainda tinha, na contracapa, o carimbo do balão da coleção Vida de Artista. Mas sua alma sempre foi cigana. CAXINGUELÊ A passagem da Vida de Artista, Cacaso, fazenda do Lui, para a Nuvem Cigana foi se dando através do futebol, um dos meus grandes prazeres. Com o Ivan Viana, brother ainda dos tempos de Arembepe, em 72, conhecido agora como Cibraim ou Scatibraim, passei a frequentar a pelada no Condomínio, no Horto Florestal, já com o pessoal da Nuvem. O campo era ruim, em declive. Fomos para o Caxinguelê, bem próximo, também no Horto, e lá, durante anos, às quintas feiras, a bola, a cerveja e a batucada rolavam firme. Isso começou em 75, já no período Geisel. A repressão ainda era dura. Os meios de comunicação, ainda muito censurados. O mercado de trabalho, escasso para artistas e poetas. Então, aquelas peladas eram nosso elixir de vitalidade e o Caxinguelê, 49 uma espécie de Embaixada da Suíça. Ali a gente podia se reunir sem levantar suspeita de formação de quadrilha. Afinal, era uma simples pelada. E muitos dos livros, almanaques, sambas, calendários, shows e artimanhas da Nuvem Cigana e do bloco carnavalesco Charme da Simpatia foram urdidos ali, antes, durante e depois daqueles embates titânicos. Faziam parte da galera indomável Afonsinho, Nei Conceição, Paulo Cesar Caju e outros craques. Às vezes apareciam Paulinho da Viola e Luis Melodia e muitos outros artistas e meliantes. A bola rolava quase a semana inteira. Os Novos Baianos tinham uma pelada na segunda. Na terça, músicos da jovem guarda como Evandro Mesquita, Vinicius Cantuária, Ruban, Tide e tantos outros craques. Eu me arrastava do jeito que dava para terminar a Escola de Comunicação, que, após dois anos de matrícula trancada, retomei em 74. A Escola funcionava agora na Urca. Foi difícil aquele período. Apesar de ter como um dos professores Sérgio Sant’Anna, a escola me dava um sono mortal. Era repreendido pelos bocejos selvagens que dava em sala. Eu estava muito mais ligado no movimento poético que se adensava no Rio com as coleções Frenesi e Vida de Artista e no contato com o grupo da Nuvem Cigana e no movimento do Caxinguelê. CLOUDS AND CLOWNS A Nuvem Cigana é fruto de uma ideia do poeta e produtor Ronaldo Bastos, que pensava em criar um grupo de ação artística na cidade. Encontrei-o em Londres em 73, e ele já me falava disso. Algo nos moldes da Apple, gravadora dos Beatles, que pudesse produzir discos, livros, shows e distribuir esses produtos. No Rio, ele encontrou o fotógrafo Cafi e conheceram Milton Nascimento e a turma de poetas e músicos mineiros que já idealizavam o Clube da Esquina, numa onda que ia dos Beatles a Neil Young, vista através das torres de uma igreja mineira, com alta voltagem poética nas letras do próprio Ronaldo, Márcio Borges, Milton, Fernando Brant. À ideia do grupo de produção de Ronaldo, juntou-se a rapaziada que jogava bola no Caxinguelê, liderada pelos arquitetos Pedro Cascardo e Dionísio Oliveira e pela engenheira e grande irmã, Lúcia Lobo. Eles vinham do movimento estudantil e das batucadas em Búzios, onde já ensaiavam o Bloco Carnavalesco Lítero Musical Euterpe Charme da Simpatia. Eles que50 riam ter algum tipo de ação que não fosse a luta armada ou mesmo a tradicional política dos grupos de esquerda. Juntou-se a febre com a vontade de ferver. E a Nuvem Cigana entrou em campo. Começaram a se reunir em Copacabana, na ladeira Santa Leocádia, e depois compraram e reformaram um casarão no alto de Santa Teresa, no caminho das Paineiras, que passou a ser uma das comunas mais loucas e ativas no movimento poético dos anos 70 na cidade. SOL IPANEMA E BAIXO LEBLON Paralelo à Nuvem e ao Caxinguelê, o movimento dos poetas se espraiava também no Sol Ipanema, um sítio colado à lendária Montenegro, a praia dos anos 60, em frente ao Hotel Sol Ipanema. O Sol que, tempos depois e alguns metros adiante, virou o Posto Nove. Ali se encontravam diariamente Charles, Eudoro Augusto e eu. Vez por outra, Guilherme Mandaro, Luis Olavo Fontes, Ana Cristina Cesar, Heloísa Buarque de Hollanda, Armando Freitas Filho, Pedro Lage, Tavinho Paes, Xico Chaves. Todos poetas e com livros independentes publicados, a fim de fazer a poesia soar pela área conflagrada que era o Brasil de então. Entre um mergulho e outro, um poema no bico de uma gaivota vinha à tona. O Russo era quem nos servia a cerveja, e a conversa rolava. Ali se tramou muita artimanha e se formatou todo delírio. Ali também era o final do Banho à Fantasia, do Charme da Simpatia, no domingo que precedia o carnaval, quando invariavelmente o bicho pegava. No Sol apareceram os primeiros topless em 76, 77. Fernando Gabeira, recém-chegado do exílio, fez furor no pedaço com sua famosa tanguinha de crochê. O Asdrúbal Trouxe o Trombone, fazendo a legendária peça Trate-me Leão no Teatro Ipanema às 7 da noite, saía da praia direto para o teatro, a uma quadra dali. Naquela sensual faixa de areia, você podia encontrar Caetano Veloso, Arnaldo Jabor, Regina Casé, a Isabel do vôlei, Cristiane Torloni, Nei Matogrosso, Cazuza, Evandro Mesquita, Perfeito Fortuna, Luís Fernando Guimarães, Patricia Travassos. Ali o pessoal começou a aplaudir o pôr do sol. O povo solar reconhecia e reverenciava aquela gloriosa epifania dia após dia. À noite, o Baixo Leblon era o point dos artistas e boêmios d’então. Ali no Luna Bar, encontrei Ferreira Gullar, com o seu seminal Poema sujo recém-lançado, flutuando sobre o salão, Alceu Valença, Carlos Vergara, Hélio Oiticica e 51 muitos outros. Havia a Pizzaria Guanabara (que já frequentava com Charles e Guilherme desde 1970), que servia o clássico pedaço de muzzarela com chope em pé no balcão. Parecia o Beco da Fome, na Prado Júnior, em Copacabana, nos anos 60, onde a galera se regalava com quibe e cerveja. E o Diagonal, que era o mais frequentado pelos poetas da Nuvem e por Cacaso, Lui Fontes, João Carlos Pádua, Eudoro Augusto, Geraldinho Carneiro, entre outros. Ficava-se zanzando pelas esquinas, alterados pelo álcool, mandrix e outros coadjuvantes. Ali, num simples piscar de olhos, paixões se faziam, poemas tatuavam guardanapos e o coração era rasgado com frequência por conta de um amor mal resolvido. Ali fui preso sem documento, dei boa noite a poste, amei intensamente. Dentro do tenebrião que era o país naquele período, o Baixo Leblon, com seus sinos dionisíacos, sua luz negra, embalou e iluminou os passos trôpegos e a gargalhada desafiadora da poesia marginal. NUVEM CIGANA Se no início dos 70, na época do mimeógrafo, o movimento ainda estava muito cru e Charles Peixoto, Guilherme Mandaro e eu ainda nos iniciávamos nas maltraçadas, se a Navilouca era o canto do cisne de um grupo de poetas de formação diferente da nossa, se no grupo da Frenesi e da Vida de Artista as afinidades eram mais literárias, a Nuvem Cigana para mim foi a junção definitiva da poesia com a vida. Charles, Guilherme e eu já estávamos mais rodados, com a experiência de três livros lançados: Travessa bertalha (Charles, 71), Muito prazer (71) e Preço da passagem (72). O movimento independente tinha se alastrado. Vários poetas já haviam produzido livros por conta própria. Na Nuvem Cigana, Ronaldo Bastos (Canções de Búzios) e Ronaldo Santos (Entrada franca) tinham publicado em mimeógrafo. Além disso, a Nuvem Cigana, com seu bloco Charme da Simpatia, era um misto de carnaval, sambas originais e bem humorados, cenários, fantasias, estandartes, tudo muito curtido, sem a pretensão das “instalações” e “happennings” das artes plásticas. O Charme botava literalmente o bloco na rua, arrastava a galera e se divertia. A Nuvem botava a bola no chão, dava o drible, arrematava e corria para o abraço. Era muito mais a minha cara, pessoas mais diretas e com uma disposição irresistível para mudar o mundo através do drible, da batucada e das artimanhas. 52 Conheci Ronaldo Santos numa noite imemorial. Empatia imediata. Gostavámos da mesma droga, também chamada poesia. Ronaldo já conhecia o Preço da passagem e o Muito prazer. Ele me apresentou o Entrada franca. A conversa rolou por muitos dias. Ali no Horto, também morava Bernardo Vilhena, casado com a Martha, num apê simpático e bastante frequentado por todos nós. Nos conhecemos na produção do América. A pedido do Vergara, Bernardo me ajudara a achar uma gráfica pra rodar o livro. Ele me falou seus poemas. Ficamos amigos. Meu primeiro apronto com a Nuvem foi o lançamento do América. Na correria para o lançamento, Cristiano Menezes e eu imprimimos as capas no galpão em que o Ronaldo Santos fazia silk screen em Botafogo. Colocamos as capas, ainda com a tinta fresca, umas sobre as outras. A tinta secou e colou as folhas, ficando aquele tijolo muito bonito e inútil de capas. Tivemos que refazer. Atrasou, mas saiu a tempo. No Caxinguelê, houve a combustão futebol, samba, cerveja e poesia. Ainda não havia artimanha com a poesia propriamente dita. Mas aquele lançamento foi um ensaio premonitório. O JIRAU Nesse período entre 75 e 76, fui morar na rua Almirante Alexandrino, no alto de Santa Teresa, próximo à casa da Nuvem Cigana, com o Cristiano Menezes. Era um muquifo sui generis. O antigo prédio, como muitos em Santa, era construído na rocha. Da pedra se erguiam os alicerces. E bem lá na base, sobre o granito, em torno dos pilares, fizeram paredes de alvenaria, cimentaram o chão e pronto. Era próprio para primatas, um quarto do espaço era ocupado pela rocha caiada de branco. A vista era espetacular. Dava para a Zona Norte e via-se ao longe o Dedo de Deus, em Teresópolis. De noite, as luzes pareciam purpurina. Eu e Cris dividíamos esse espaço precário. Pedro e Dionísio, imbuídos do espírito de irmandade da Nuvem, fizeram um jirau de madeira. Subia-se pela pedra. Era sensacional. Um dia, eu dormia depois do almoço, entre a máquina de escrever e um revólver que o Cris guardava por precaução. Entraram na mansão e levaram a arma. Possivelmente um pivete do Morro dos Prazeres, pequeno o suficiente para se esgueirar pelas frestas. A minha arma, neguinho aliviou. E deu para compor esses versos: 53 só dos terratenientes não tenho nenhuma observação a fazer sobre a vista da varanda. nenhuma, a não ser o céu largo e iluminado dos subúrbios do rio de janeiro céu que se alonga ao longo do mundo inteiro. não é de todo mundo a terra que é redonda. (26 poetas hoje, 76) A casa ficava a duas ou três de distância do casarão onde moravam Márcio e Lô Borges, o diretor de teatro Eid Ribeiro e o ator Kimura. Um dia, eu e o Marcinho nos encontramos no centro da cidade. Íamos receber uns direitos autorais na Cinelândia. Na época eu pouquíssimo fazia letras. Na verdade, só tinha editada a “Boneca semiótica”, com Macalé, Rogério Duarte e Duda Machado, e talvez “Revoada”, com Moraes Moreira. Pragmático como sempre fui, me concentrava em me viabilizar como poeta, escrevendo e distribuindo meus livros junto à Nuvem Cigana. Esse encontro com o Márcio rendeu um porre memorável em que batizamos um traçado de Tropical Melancolia e cambaleamos pelo centro da cidade até a estação do bonde que, entre dlen dlens, curvas e assobios, nos devolveu mareados ao alto de Santa Teresa. A Nuvem Cigana estava a pleno vapor com três livros lançados: Creme de lua (Charles Peixoto), Rapto da vida (Bernardo Vilhena) e Vau e Talvegue (Ronaldo Santos) e um adotado: América, de minha lavra. A animação era muita. Poder estar juntos, realizar coisas, produzir pequenos livros de poesia, fazer lançamentos, conviver intensamente nas festas, nas reuniões, nas peladas, na praia, daquele “Brasil Ordem Unida”, mesmo com a grana rala, era motivo de júbilo. UM RETUMBANTE FRACASSO Era o ano ímpar de 1975. Tinha feito o América, lançado no Caxinguelê. Morava em Santa Teresa e ouvia vozes. Um dia fomos convidados pelo excelente poeta e boêmio contumaz Eudoro Augusto para lançar nossos livros em Florianópolis. Ele havia morado um ano lá, conhecia a cena e estava lançando o livro A vida alheia, pela Coleção Vida de Artista. Seu parceiro no livro O 54 misterioso ladrão Tenerife, Afonso Henriques Neto, também conhecia a área e foi. Aceitamos na hora o convite. Nós nos achávamos “o sucesso”. Os livrinhos eram falados, saía alguma coisa na imprensa. Imaginávamos que íamos ser recebidos com tapete vermelho, como se fôssemos os Beatles. Charles, Bernardo, Ronaldo e eu enchemos as mochilas de livros, incorporamos o Dionísio, o mestre-olho da Nuvem, e lá fomos nós para Floripa numa viagem de 18 horas. Ficamos numa mansão à beira-mar de uns tios do Ronaldo Santos. Passamos o primeiro dia conhecendo a cidade, espetacular com seus vários ecossistemas. À noite, bebemos num cabaré no continente entre mariscos, moluscos, trilhas e tilápias. No dia seguinte, no almoço, tive que aturar o primo do Ronaldo, trocando meu nome por “cavalo” e morrendo de rir. À tarde, fomos assistir a um jogo pela televisão, num boteco dentro do mercado da cidade. Lá pelas tantas, no início do jogo, o Afonso tira a camisa e por baixo tinha uma do Fluminense. Foi ovacionado pelos tricolores Eudoro, Bernardo e eu. O lançamento seria na galeria de artes a-2, na Travessa da Harmonia, no 2, no dia 26 de setembro de 1975, às 21 horas. O dono, amigo do Eudoro, chamava Beto e parecia o Elton John. Passou a ser conhecido entre nós por Esbelton John. Poucas pessoas entraram na galeria e meia dúzia de dois ou três livros vendidos no total. Amargamos aquela frustação e prejuízo secando vinho e vodca em doses industriais. No dia seguinte, eu me recusava a existir. A dona da casa, me vendo naquele estado lamentável, tentou puxar conversa. Tentei expressar minha frustação com o fracasso da noite anterior. Mas só devo ter dito palavras desconexas. Mudando de assunto, ela me falou de uma viagem ao Japão que faria com o marido para comprar uns casacos de pele. Nós ficamos nos olhando como se um clavicórdio e uma anêmona pegassem o mesmo elevador. Talvez se eu falasse que as ações do nosso empreendimento tinham sofrido uma brusca queda na noite anterior, devido à falta de investimento promocional e ao desconhecimento do mercado local, que estava mais interessado em ostras e tainhas, fosse mais entendido. Não fosse a ressaca bestial, o prejuízo nas passagens, a coluna moída com o peso dos livros nas costas, teríamos até voltado felizes com a fuzarca. Na viagem de volta, vim matutando. O erro tinha sido o tipo de lançamento, mais chegado a uma vernissage ou a uma noite de autógrafos. Como 55 não tínhamos nada a expor, a não ser nossos livros raquíticos, o fracasso. Esse tipo de acontecimento só atrai os amigos. Tínhamos que virar aquele disco. A gargalhada de Ginsberg ressoava vez ou outra na viagem de volta ao lado de Dionísio. Aquela prática tinha que mudar. ALMANAQUE A CAMINHO Na chegada ao Rio, a Nuvem se reuniu para fumar e deliberar. Após o sucesso dos livros lançados, especulava-se a próxima atração. A diretoria achava que o livro jogava muito o foco no poeta e que o grupo ficava na neblina. Era assim com a produção tradicional. A editora ficava sempre em segundo plano, contabilizando o prejuízo. É uma atividade heroica se publicar poesia num país de poucas letras e muita música. Não é à toa que nossos poetas populares são os compositores das canções. Publicar poesia tem a ver com prestígio, com o respeito que se tem com os kamikases, com samurais que cometem o haraquiri. Mas, já que o sistema abria pouco espaço, nós mergulhávamos fundo em busca, senão de grana e reconhecimento, ao menos de puro prazer. A opção da Nuvem naquele momento foi criar uma revista. Ou melhor, um almanaque que reunisse trabalhos de vários artistas do grupo e do entorno, que não podiam esperar mais. Eram fotógrafos, desenhistas, arquitetos, sambistas, uma plêiade fulgurante. Um almanaque que desse voz à galera e elevasse o nome da Nuvem Cigana. Foi assim que surgiu o Almanaque Biotônico Vitalidade. Numa noite fria de inverno, em reunião na casa do Pedro, como a galera chamava a casa da Nuvem. A rapaziada toda presente para ouvir as novas. Fui incumbido de dar o recado. Meio trêmulo, como sempre, chamei a atenção para uma publicação que falasse sobre o estado policial que estávamos vivendo. Não precisava. Aquilo estava na ponta da língua. E com a verve indolente dos que fingem que vão para um lado e vão mesmo, com a malemolência de um passista de São Carlos, os trabalhos foram chegando. Longe da poética engajada de um Violão de Rua, uma poética de intelectuais abismados com a miséria do povo, nosso drible era a nossa própria vivência, a rua, a boemia, o carnaval. A vida pulsando nas artérias da cidade. O reflexo disso devia estar no Almanaque. E ele estava sendo gerado no ventre da Nuvem. 56 SOM SOL SURF/ SAQUAREMA 75 Fora da Nuvem Cigana, o mundo parecia um remanso, onde as águas mais paravam que fluíam. Participei de um evento em Saquarema, “Som, Sol, Surf ”, em meados de 75. Nelson Motta idealizou o festival e me chamou para fazer a cobertura da parada com o que ele chamou de “instant poems”. Seria um cobertura poética do evento a ser publicada numa revista que nunca saiu. Mas bem lembro do choque que tive com aquele cenário de praias selvagens, altas ondas, beautiful people e as caixas de som vomitando rock pelas areias de Itaúna, a praia do surfe em Saquarema. onda a onda .............. o que é a onda? – a onda é spruvs. ................................... cadê o cara? cadê o cara q se afogou? cadê o cara q se afobou? – tá espaçonamorgrafando (Nariz aniz, 1979) À noite no estádio local, shows com Rita Lee, Raul Seixas, Serguei e outros craques. Fiquei fora de mim. Queria invadir o palco, falar algum poema. Mas como? Estava invariavelmente chapado mesmo para fazer meus “instant poems”. Definitivamente eu não era um beat. Talvez uma besta. Nada deu muito certo. Alguém morreu afogado. Revista, filme, nada que estava programado veio à luz. Não sei como, sobrevivi àquela tsunami. Em 75 produzi o festival “Som, sol e surf ” em Saquarema. E chamei o Vímana para participar, ao lado de Rita Lee, Raul Seixas, Made in Brasil e outros grupos menores, além da promissora estreante Angela Ro Rô. No estadiozinho de futebol entre a lagoa e o mar de Saquarema. Foi o caos. Marcado para duas noites, o festival só teve uma. Na primeira, um temporal obrigou o cancelamento. A solução foi juntar as duas em uma só. O cancelamento, bem ao espírito hippie da época, terminou em uma festança com todos os participantes, que varou a noite. No dia seguinte pouco mais de cinco mil pessoas com- 57 pareceram ao estádio, os shows foram mornos, Rita e Raul decepcionaram, o Vímana e Ro Rô foram assim-assim e os prejuízos enormes. Mas tudo terminou com todo mundo feliz, entre ácidos e baseados, vendo o dia clarear em Saquarema, comemorando um delicioso não-sucesso. (Nelson Motta) MORAES MOREIRA Comecei a compor com Moraes Moreira. Fizemos “Revoada”, um passo-doble, na cola do grande sucesso que foi “Pombo Correio”. Na época, eu já estava totalmente ligado no Charme da Simpatia e não fui a Salvador para ver e ouvir a galera cantando “Revoada” atrás do trio elétrico. revoada cabeleiras cambalache andarilha pela trilha do sol (Muito prazer, 1972) “Revoada” era do meu livro Muito prazer. Moraes fez alguns retoques para encaixar na música. Depois ele musicou um poema clássico meu: “Meio fio”. E fizemos um samba impagável, “Leontina”. Eu estava vendo o Fantástico e vem a matéria com pessoas que tinham algum tipo de alergia depois de beijar na boca. De imediato fiz um texto em prosa, desentranhado da matéria. Moraes veio depois com um samba de breque, sem tirar uma vírgula do texto em prosa. Habilidade é outra coisa. A canção ficou inédita. Segundo consta, por problemas com a censura. leontina esses dias saí com uma mina, uma tal de leontina, levei ela lá na quinta da boa vista um bom passeio no jardim zoológico. leontina minha mina se amarrou num crocodilo com cara de esquilo. até aí foi tudo bem. mas no terceiro saco de amendoim que a gente repartia com o elefante, enquanto eu começava a ficar ofegante por leontina, ela começou a eruptar. é que aquela macaca tinha 58 erupções cutâneas das mais estranhas quando comia amendoim. ai de mim! (A vida é curta pra ser pequena, 2002) VIDA DURA Sobreviver naqueles tempos bicudos era difícil. Arrumava uns biscates. Colava cartazes de shows, produzidos por Carlinhos Sion, no Tereza Raquel, com a ajuda do grande amigo Dropê. Shows com os artistas mais em evidência na época: Alceu Valença, Fagner, Zé Ramalho, Belchior, Ednardo. Eles vinham com muita voracidade e talento acontecer no Rio. Especialmente Alceu, misturando guitarra, baixo e bateria à flauta, triângulo e zabumba, era de fazer levantar cadáver. Ele, ainda por cima, tinha o dom performático exacerbado, um verdadeiro mamulengo de feira que, reza a lenda, havia enchido seus shows assim que chegou ao Rio através do alto-falante que usava nas ruas de Copacabana para divulgar o espetáculo. Os cartazes em bares e restaurantes, eu colava. Além disso, eu montava uma banquinha nos saguões de teatro com os livros da Nuvem. PRIMEIRA ARTIMANHA Em outubro de 1975, o Rui Campos, nosso excelente livreiro e amigo, nos chamou para fazer uma feira de arte na galeria da livraria Muro, em Ipanema, no feriado de Finados. Fazer festa era com a Nuvem. As festas da casa de Santa eram famosas. Duravam dias. Eram as verdadeiras artimanhas, sem roteiro ou script. Neguinho perdia as estribeiras. Pedro, Dionísio, Lúcia, Ronaldo Bastos, Seu Ércole, pai do Pedro e Valmiro, moravam lá. O acolhimento era geral, e os náufragos existenciais da cidade inteira muitas vezes encalhavam vários dias por lá. Valia a pena ver os impagáveis esporros que o Pedro dava ora no Valmiro, ora no Paulinho Menor, grande mestre, arquiteto, desenhista, poeta e membro da ala dos compositores do Charme da Simpatia. Invariavelmente Paulinho atravessava o Cabo da Boa Esperança e adentrava o Estreito de Gibaltrar já pelas tabelas. Os réveillons e as festas no dia de São Pedro, aniversário do Pedro, ficaram históricas, devido à alta voltagem elétrica. O mundo inteiro estava ligado sob as plácidas estrelas e o véu de Santa Teresa. 59 Mas voltando à Feira de Arte, nos reunimos para fumar e deliberar. Decidimos que a parada ia se chamar Artimanha, tirado de um poema gráfico monumental de Torquato Neto: poeta mãeda sartes manha sdarm asdho jedha manhã (A artimanha do texto em sua própria montagem. formaconteúdoúnico.) Sabíamos que na Feira/Festa iria ter música (voz e violão), batucada do Charme da Simpatia, dança, audiovisual, mas não sabíamos como encaixar a poesia, muito embora no cartaz da Artimanha tivesse a famigerada palavra “declamação”. Nos recusávamos a fazer varal, um hábito muito monótono. Para falar os poemas, nos faltava um modelo. Ninguém falava poesia em público no Rio de Janeiro naquela época. Tínhamos vários cantores que quase falavam suas canções. Cartola, por exemplo. Alguns, como Caetano e Gil, ousavam falar seus poemas com arranjos experimentais, como em “Acrilírico” e “Objeto semi-identificado”. Mas em disco. Ao vivo, nada se via. No palco, nada da fala da poesia. Ao menos aos nossos olhos e ouvidos. Vinicius, grande mestre, falava, mas quase sempre o poema envolvido na canção. Então, me lembrei de Allen Ginsberg, em Londres, gargalhando. A Artimanha começou no fim da tarde de quinta-feira, dia 31 de outubro de 1975. A primeira atração era um audiovisual de Carlos Vergara sobre o bloco carnavalesco Cacique de Ramos. Vergara fotografou os foliões do bloco durante alguns anos. Eram retratos dos caciques no carnaval de rua. O que interessava a Vergara era o jogo de semelhança e diferença, já que todos compravam a mesma fantasia, impresso sobre curvim, um couro sintético, recortavam a peça e a amarravam no corpo. Homens um modelo. Mulheres, outro. A diferença estava na maquiagem. Colava-se esparadrapo, os mais estridentes modelos de óculos, pintava-se para a guerra/embate com a polícia, tradicional em todo desfile. 60 Participei de uma saída no Cacique. Meio-dia. Avenida Antônio Carlos. Um calor colossal. As mulheres à frente do bloco. A bateria no meio e os homens atrás. No meio do desfile, em frente às autoridades, os caciques em círculo sentaram na Avenida. E um lenço com lança-perfume rolou na roda. Levantaram zuados e seguiram o desfile. Na saída do percurso, como de hábito, a polícia caiu de pau. Os índios recuaram, tiraram as hastes das alegorias de mão e arremessaram na polícia. Uma nuvem de lanças cobriu a Avenida Antônio Carlos. Como dizia um dos célebres dísticos da Nuvem Cigana, esse de Ronaldo Bastos: “enquanto houver bambu, tem flecha”. Voltando à Artimanha, as imagens do audiovisual eram os retratos desses “caciques” com o som da bateria do bloco. Aquilo começou a zabumbar na minha cabeça, já tomada pelo Alert Limão, uma mistura secreta e inflamável que deixava tudo em estado de nuvem. O ambiente escurinho para a exibição era favorável. A maioria ali era de amigos e conhecidos. Não tive dúvida. No transe do momento, sem avisar a ninguém, falei para o Bernardo Vilhena que operava o projetor: “vou entrar. Vou entrar. Vou entrar”. E entrei na roda falando o “Papo de Índio”: papo de índio veiu uns ômi di saia preta cheiu di caixinha e pó branco qui eles disserum qui si chamava açucri. aí eles falarum e nós fechamu a cara depois eles arrepitirrum e nós fechamu o corpo aí eles insistirum e nós comemu eles. (Muito prazer, 1972) Era a volta do recalcado. Nossa alforria do poema impresso era a revolta do corpo e da fala. Estava aberta a temporada da poesia propriamente dita. Na sequência, inadvertidamente, sem nada combinado, começaram a entrar as mais diversas figuras falando seus textos: Paulinho Menor de turbante, Cláudio Lobato, Charles, Bernardo Vilhena, Ronaldo Santos. Estava tudo já na ponta da língua, esperando aquele momento para acontecer. E ali a poesia mostrou que podia também se libertar do livro e estabelecer contato direto entre o poeta e o ouvinte, como já faziam os gregos, os índios, os griots africanos, os cantadores de feira, os menestréis. Ali a poesia virou letra de música e 61 nós, poetas, a capela, seus cantores. Era uma quinta-feira, dia 30 de outubro. Drummond faria 73 anos no dia seguinte. Mais três apresentações marcaram minha memória naquelas primeiras artimanhas: 1 – O jogral de Tavinho Paes. Ele explica: “O texto não existia de fato. O que havia era o coral dos fonemas da palavra ordem e eu ficava com a liberdade de dizer e improvisar o que quisesse (acho que citei vários autores, não me lembro), sempre pontuando pelas frases: “tem um escorpião no texto/ tem um camaleão no texto”. O conjunto se chamava “Ordem na Desordem”, e a ideia foi preparada e discutida entre mim e o Demétrio Gomes, baseado numa apresentação dadaísta acontecida em Zurich, no Cabaret Voltaire, em 1915, idealizada por Hugo Ball, que havia saído da prisão (ficou oito meses em cana por falsificar passaportes para quem não queria entrar no serviço militar). O Coral era Demétrio de Oliveira Gomes, Lúcia Guimarães, Rosane Bloch, Soninha Toda Pura, Doralice e Lena Adinewa. 2 – O cinepoema de Flávio Nascimento, que fez dois furos numa caixa de sapato, um para o olho do espectador e outro para ele, com pequenas fichas de papel, ir contando uma história com poemas. Um trabalho épico. 3 – O terceiro foi o trabalho do grupo Bela Boca, filiado ao poema-processo, vanguarda que se batia pelo fim do verso e já havia queimado poemas e livros de Drummond, Bandeira e Cabral nas escadarias do Teatro Municipal. Eles resolveram soltar uma bomba (cabeça de nego) durante a mostra. Curioso é que naquele período de ditadura, uma bomba também era uma expressão artística do terror que se vivia. Foi um estardalhaço, com a cabeça de nego ressoando por toda a galeria durante a apresentação de um número musical que saiu completamente chamuscado. Entre mortos e feridos, tudo acabou em samba, com a bateria do Charme da Simpatia convocando ao canto e à dança coletiva. Auê! auê! auê! 62 ENQUANTO ISSO... INFORME JB Drummond escreve crônica sobre Nelly e Margareth, duas elefantas velhas e abandonadas pelo Circo Orlando Orfei e que a Prefeitura de Marcos Tamoyo reluta em adotar. *** O Fluminense ganhou do Santa Cruz ontem à noite por 1 a 0, gol de Gil, jogando com Félix, Toninho (Zé Maria), Silveira, Abel e Marco Antônio, Zé Mário, Cleber e Rivelino, Gil, Manfrini e Zé Roberto. *** O lucro da Petrobrás foi de 34% e o Brasil aumentou suas importações em 102% ao ano. *** A Tijuca recebe seu primeiro supermercado de material de contrução, o Kral, do grupo Kobra. *** Sílvio Santos arremata a massa falida da tv Continental por 683 mil cruzeiros. *** Gisela Pitanguy estreia um novo penteado, curtíssimo, assinado por Jamie. *** A viúva de Roberto Silveira (Ismália) está hospitalizada em Niterói, vítima de um acidente provocado por uma malta de desocupados entregue ao nefasto exercício da roleta paulista. SERVIÇO CINEMA O Fantasma do Paraíso, de Brian de Palma, no Leblon. O Jovem Frankstein, de Mel Brooks, no Veneza. Acossado, de Jean Luc Godard, no Cine Joia. 63