Pensando a educação Kaingang (formato , tamanho

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Pensando a educação Kaingang (formato , tamanho
expediente
Apresentação
Simone Valdete dos Santos
Prefácio
Maria Aparecida Bergamaschi e Rodrigo Allegretti Venzon
Da estrela ao arado, do arado à estrela: tensões e consensos em PROEJA
Caetana Juracy Rezende Silva
I PARTE
V?NH KANHR‹N - ANDILA N?VYGS‹NH IN˘CIO
S‹ INH R‹NHR‹J TO V? S? HAN V?
Introdução
KANHG˘G AG GA K‹M? V?NH KANHR‹N JAF‹ T? T?GN? K‹
Quando não havia escolas nas Terras Indígenas Kaingang
V?NH KANHR‹NR‹N F‹ T? ?G GA KI K‹GE
A chegada das escolas nas Terras Indígenas Kaingang
G?R KANHR‹NR‹N F‹ T? KANHG˘G AG G?R KANHR‹NR‹N
K‹M? TO VENH R˘
O ingresso dos monitores bilíngues nas Escolas Kaingang
KANHG˘G KAR AG T? JAGN? MRÉ J?GJ? F‹N
Revolta dos Povos Indígenas
KANHG˘G AG TO V?NHR˘
A busca pelo reconhecimento de seus direitos na nova Constituição
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
V?S‹ KANHG˘G AG G?R KANHR‹NR‹N
A aprendizagem da criança kaingang
V?NH KANHR‹N F‹ K‹KI G?R KANHR‹NR‹N
O ensino ministrado dentro das escolas indígenas: o nascer de um novo tempo
?RI LEI T›G ?G JAGFY R˘N K‹ N?
As novas leis favorecem e respaldam as lutas kaingang na educação bilíngue
?G P‹'I AG TŁG AG NÉN HAN KE T? KINKRA N?T?NH KE N?
Diálogos internos em busca de autonomia
Conclusão
II PARTE
EDUCAÇ‹O DE JOVENS E ADULTOS: SUBS¸DIOS PARA CONSTRUÇ‹O
DE CURSO DE TÉCNICAS AGR¸COLAS KAINGANG
MARIA IN¯S DE FREITAS
Resumo / Abstract
Introdução
A economia kaingang: breve histórico
As concepções de trabalho e reciprocidade
Relatos de experiências do SPI: "O Panelão"
O contexto atual
As experiências de desenvolvimento de projetos sustentáveis em terras indígenas
e a agricultura orgânica
Experiências de produção agrícola sustentável
Relatos de experiência e depoimentos de indígenas que viveram e vivem da
agricultura
Considerações finais: o sentido coletivo da terra, na perspectiva kaingang
Referências
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
III PARTE
?G V? KI K‹MÉN S?NV? HAN - AS ARTES DA PALAVRA NO
KAINGANG
M˘RCIA GOJT?N NASCIMENTO
Resumo / Abstract
Introdução: A arte da palavra kaingang
Um breve histórico da escrita da língua kaingang
Relato de uma experiência produtiva
G?r jyvãn - Aconselhamento para crianças
Jyvãn - Aconselhamento em cerimônias de casamento
Tipos de Narrativa - Gufã
Pépo mré jãtã
Ti si kãme
Jé (Cantos de animais)
Ritos para proteger o espírito da criança
Rituais fúnebres
Considerações finais
Referências
ANEXOS
As Autoras: Breve Histórico
Povos indígenas e o direito à educação no Brasil
Lucia Fernanda Jófej
Educação Escolar Indígena: Legislação Resumida
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APRESENTAÇ‹O
Simone Valdete dos Santos1
Tania Beatriz Iwaszko Marques2
Os sete volumes que compõe esta coleção dão visibilidade à produção
científica da Especialização PROEJA do Rio Grande do Sul, especialmente de
sua segunda edição ocorrida nos anos de 2007 a 2009 em quatro cidades do
Estado, sendo duas turmas de alunos em Porto Alegre, duas turmas em São
Vicente do Sul, duas turmas em Santa Maria e uma turma em Bento Gonçalves.
Cada turma iniciou com 50 alunos, sendo constituída por professores e
técnico-administrativos das redes públicas federal, estadual e municipal, dos
quais 256 concluíram, apresentando seus trabalhos de conclusão de curso em
sessão pública, em presença do professor orientador ou da professora
orientadora, de outros professores e de colegas do curso.
A execução da especialização pressupõe o ideal de execução do PROEJA
médio e fundamental, sendo este ideal em rede, de forma articulada, pois
planejar Educação Profissional de forma integrada à Educação de Jovens e
Adultos em um país como o nosso, com uma dívida social histórica de cerca de
1 Doutora em Educação pela UFRGS. Coordenadora Geral da Especialização PROEJA/RS.
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Professora e Orientadora do PROEJA. Email: [email protected]
2 Doutora em Educação pela UFRGS. Coordenadora da Especialização PROEJA Porto
Alegre/RS. Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Professora e Orientadora do
PROEJA. E-mail: [email protected]
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
10% de analfabetos absolutos, com a herança do trabalho escravo, é um desafio
que remonta esforço do sistema público de educação como um todo. Neste
sentido, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diante do seu papel de
instituição formadora, promoveu o curso, sob a coordenação geral das
professoras Simone Valdete dos Santos e Tania Beatriz Iwaszko Marques, junto
do então Centro Federal de Educação Profissional Tecnológica de Bento
Gonçalves, hoje campus do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, na turma
de Bento Gonçalves sob a coordenação local da professora Fernanda Zorzi;
junto ao Centro Federal de São Vicente do Sul, atual campus do Instituto
Federal Farroupilha sob a coordenação local do professor Adriano Saquet; e do
Colégio Técnico Industrial de Santa Maria vinculado à Universidade Federal de
Santa Maria sob a coordenação local da professora Juraci Diniz.
Esta especialização, acontecendo de forma integrada com docentes da
UFRGS e destas instituições nos encargos de coordenação, docência e
orientação, possibilitou um olhar reflexivo para dentro das turmas de PROEJA
médio das instituições, pois nos CEFETs, agora IFs, existem turmas de
PROEJA, bem como para dentro da universidade na articulação do grupo de
pesquisa CAPES / PROEJA, o qual atendendo um edital da CAPES tem a
UFRGS como instituição líder, junto a Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e professores
pesquisadores dos atuais Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Sul: Instituto Federal Rio Grande do Sul, Instituto Federal
Farroupilha e Instituto Federal Sul Rio-Grandense.
O trabalho articulado da especialização reverbera em convênios entre as
instituições, a conclusão de mestrados e doutorados junto aos Programas de
Pós-Graduação integrantes do grupo de pesquisa CAPES/PROEJA, tendo o
PROEJA na centralidade da produção científica, nas inúmeras turmas do
PROEJA FIC (Formação Inicial e Continuada) do Rio Grande do Sul,
promovidas pelas instituições federais parceiras da especialização, especialmente
Bento Gonçalves (parceira desde a primeira edição da especialização), São
Vicente do Sul (parceira na segunda edição), Júlio de Castilhos e Alegrete
(parceiras da terceira edição, a qual está em curso).
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Os cursos de formação continuada do PROEJA, ocorridos em caráter
de extensão, junto ao então CEFET de Bento Gonçalves, o qual teve turmas em
Bento Gonçalves e na Escola Técnica Estadual Parobé em Porto Alegre; em São
Vicente do Sul; duas turmas de Alegrete e uma turma da então Escola Técnica
da UFRGS, atual campus Porto Alegre do Instituto Federal Rio Grande do Sul,
também tiveram interface com a especialização, seja na sua concepção, seja
através dos professores envolvidos.
Tal esforço em formação de professores e técnico-administrativos para
atuar no PROEJA não tem sido em vão, o convênio da SETEC / MEC com o
governo do Estado „Brasil Profissionalizado‰ prevê turmas do PROEJA médio
na rede estadual e os convênios dos Institutos Federais junto a diversas
prefeituras do Rio Grande do Sul vislumbram turmas de PROEJA
fundamental, bem como o envolvimento de professoras/educadoras kaingang
desde a segunda edição da especialização e de integrantes do sistema prisional
na reflexão de um PROEJA para pessoas privadas de liberdade, em conflito
com a lei, vislumbrando um PROEJA „à margem‰.
Os artigos da coleção aqui apresentados passaram por um processo de
seleção que envolveu aspectos como a originalidade, a aplicabilidade em termos
de possibilidade de inovação, a relevância temática, social e teórica.
Posteriormente os artigos foram organizados em sete volumes, contribuindo
para o entendimento deste novo campo epistemológico que é o PROEJA.
O primeiro volume „Memoriais Formativos de Professores‰,
organizado por Rafael Arenhaldt e Tania Beatriz Iwaszko Marques, dá
visibilidade à produção curricular da especialização. Estes trabalhos têm sido
feitos em todas as edições do curso, proporcionando, desde o primeiro módulo
da especialização, „um olhar para dentro de si, um olhar sobre si‰ dos
professores e técnico-administrativos. Os textos selecionados pertencem à
primeira e à segunda edição do curso, sendo possível entender um pouco sobre
quem é este que constitui ou que vai constituir o PROEJA. Além dos treze
memoriais de alunos, o caderno apresenta um texto inédito do professor Dr.
Nilton Bueno Fischer, orientador de trabalhos de conclusão de curso e
colaborador da especialização, com as reflexões sobre e desde as classes
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
populares, e da professora Simone Valdete dos Santos, que contextualiza o
espaço da memória na formação dos professores.
Os demais volumes da coleção apresentam artigos escritos pelos alunos
em colaboração com seus orientadores de Trabalhos de Conclusão. O volume
II, organizado por Juçara Benvenuti, Rafael Arenhaldt, Tania Beatriz Iwaszko
Marques e Simone Valdete dos Santos, traz quinze trabalhos das turmas de
Porto Alegre; o Volume III, organizado por Sita Mara Lopes Sant´Anna e Pedro
Chaves da Rocha traz oito artigos das turmas de São Vicente do Sul; o volume
IV, organizado por Carina Fior Postingher Balzan, Daniela Brun Menegotto e
Fernanda Zorzi traz sete artigos da turma de Bento Gonçalves e, o volume V,
organizado por Adriana Zamberlan e Viviane Campanhola Bortoluzzi
apresenta seis trabalhos de Conclusão de Curso das turmas de Santa Maria.
O PROEJA à Margem, constante no volume VI, organizado pela
professora Carmem Craidy apresenta quatro trabalhos relacionados ao Sistema
Prisional, com pessoas privadas ou não de liberdade, e experiências educativas
com pessoas dependentes químicas.
E, finalmente, o volume VII, organizado pela professora Maria
Aparecida Bergamaschi e pelo professor Rodrigo Allegretti Venzon, traz os
trabalhos de conclusão de curso de nossas alunas/professoras/educadoras
kaingang. Esse volume contribui na perspectiva de concretização do PROEJA
Kaingang no Rio Grande do Sul, visando subsidiar a implementação da
Educação Básica específica e diferenciada, via profissionalização em nível
médio de jovens e adultos kaingang com ênfase em educação, saúde e
sustentabilidade econômica/ambiental. O volume é concebido tendo uma
tiragem maior, para distribuição junto às escolas kaingang nas regiões Sul e
Sudeste do Brasil. O objetivo da publicação bilíngue, em kaingang e português,
desse material reflexivo é contribuir com o registro escrito da construção de
uma pedagogia escolar kaingang, que vem sendo formulada há quatro décadas
por educadores desse povo indígena, servindo como subsídio didático para a
formação dos docentes indígenas e, também, como valorização dos saberes
educativos ensinados por lideranças tradicionais kaingang ao seu povo por
incontáveis gerações.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
A revisão e formatação dos originais dos volumes I, II, III, IV V e VI
foram realizadas por Juçara Benvenuti, professora do Colégio de
Aplicação/UFRGS e do Curso de Especialização PROEJA. Quanto ao volume
VII, para preservar as características da escrita kaingang, foi feito apenas o
trabalho de formatação.
A equipe constituída por Juçara Benvenuti, Rafael Arenhaldt, Tania
Beatriz Iwaszko Marques, Simone Valdete dos Santos e Mauro Augusto Burkert
Del Pino é responsável pela organização geral, revisão e execução destes sete
livros. O projeto gráfico conta com a Universidade Federal de Pelotas, sob a
coordenação do professor Mauro Augusto Burkert Del Pino, professor da
Especialização desde sua primeira edição e integrante do grupo de pesquisa
CAPES/PROEJA.
Esta coleção é um esforço coletivo de profissionais da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de Pelotas, dos Institutos
Federais Rio Grande do Sul, Farroupilha e Sul Rio-Grandense que acreditam no
PROEJA como política pública de inclusão, materializando o trabalho daqueles
que estão e daqueles que neste momento nos iluminam em outra materialidade
como os queridos Nilton Bueno Fischer, nosso professor do curso e nossa
querida Mary Ignez Pires, como carinhosamente a chamávamos nossa
„supersecretária acadêmica‰.
A coordenação deseja uma boa leitura e espera que seja esta mais uma
ferramenta teórica para compreensão e permanência das pessoas das classes
populares nas escolas públicas e estatais do Brasil.
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PREF˘CIO
Maria Aparecida Bergamaschi1
Rodrigo Allegretti Venzon2
O livro „Pensando a Educação Kaingang‰ contém os trabalhos de
conclusão de três educadoras kaingang que realizaram o Curso de
Especialização em Educação Profissional Integrada à Educação Básica, na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), da Faculdade de
Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Representa
o esforço destas intelectuais kaingang em refletir acerca da escola, das práticas
tradicionais de educação e de suas experiências enquanto educadoras.
Esses estudos traduzem o pensamento indígena sobre vários aspectos da
Educação, em diálogo com estudantes e professores não indígenas envolvidos
no curso de Especialização. A presença das estudantes indígenas motivou um
importante diálogo intercultural, carregado de surpresas, encantamentos e
aprendizagens recíprocas. Também inaugurou a participação indígena nos
cursos de pós-graduação lato senso da UFRGS.
A produção científica destas alunas encaminha a possibilidade para
pensar nas especificidades do PROEJA Indígena, contemplando os conhecimenDoutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra a
Comissão de Ingresso e Permanência do estudante indígena na UFRGS e trabalha com
Educação Indígena no ensino, pesquisa e extensão. E-mail: [email protected]
2 Mestrando em Antropologia. Professor da rede estadual. Integra algumas ONGs que trabalham
com Educação Indígena. E-mail: [email protected]
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
tos, os saberes e a organização social destes povos. Visa subsidiar a efetivação de
uma pedagogia kaingang que tenha por referência os modos próprios de
aprendizagem destes povos.
A primeira parte, de autoria de Andila Nĩvygsãnh Inácio, é um estudo
bilíngue com texto mais extenso em língua kaingang, a língua materna da
autora, e resumos com as principais ideias em língua portuguesa. Este estudo
tem como título o conceito pedagógico kaingang vẽnh kanhrãn, que pode ser
traduzido pelo termo aprender.
Afirma a autora na Introdução: „É preocupada com os professores
indígenas que faço este trabalho porque, se eles quiserem ser bons professores
kaingang, eles terão que ouvir os nossos ÂvelhosÊ! Pois é neles que está a essência
da escola diferenciada. São, pois, a base para um Projeto Político-Pedagógico‰.
Em „Quando não havia escolas nas Terras Indígenas Kaingang‰, Andila
descreve a aprendizagem tradicional das crianças: „Então, a criança kaingang
vai crescendo e passa a querer imitar os adultos nos seus afazeres. E, um dia,
também vai querer ajudar nas atividades, naquilo que é possível realizar dentro
de suas limitações. Assim, vai sendo auxiliada e incentivada. O que estará
fazendo não sairá perfeito, porém todos continuam incentivando e dizendo que
está bom, bonito, até que um dia ela realmente faz bonito!‰.
Nas demais seções do seu trabalho, a autora historia a formação e a luta
dos professores kaingang e a apropriação da educação escolar por esse povo, a
tornando indígena. Conclui que „enquanto educadora kaingang almejo que a
nossa escola venha a efetivamente concretizar o previsto na legislação atual que
a abrange, de maneira que tenha o perfil formador do jovem kaingang, apto a
enfrentar a vida e seus desafios não somente com dignidade, mas com orgulho
de ser kaingang.‰
O trabalho conta com a contribuição de estudos relativos à legislação
da educação indígena resumida, bem como a reflexão sobre os Povos Indígenas
e o direito à educação formulado por Lúcia Fernanda Jófej, mestre em Direito e
filha da autora. Esta parte consta no anexo do livro e é uma importante
referência para as escolas indígenas.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
A segunda parte, de autoria de Maria Inês de Freitas, oferece subsídios
para construção de cursos de técnicas agrícolas kaingang na perspectiva da
educação de jovens e adultos. Traz relatos de experiências de atividades agrícolas
entre os indígenas mais idosos, pessoas com longa trajetória de trabalho e
autossustentação social e ambiental, residentes nas terras indígenas Ligeiro e
Carreteiro. Trata de estabelecer correlações, tendo os conhecimentos
tradicionais de produção como base inicial para reflexão, com os
conhecimentos relacionados às novas tecnologias. A abordagem valoriza a
cultura kaingang, estando interligada à busca da autonomia econômica para as
comunidades.
Conforme a autora, „o aprendizado dos jovens indígenas kaingang se
dá no decorrer do processo de seu crescimento onde, gradativamente, através do
diálogo, da demonstração, da experimentação, da observação, da execução e de
outras formas de relação interpessoais, esses jovens vão assumindo
responsabilidades com o trabalho, com seu próprio aprendizado e com o seu
núcleo familiar‰.
Afirma ainda que „as comunidades indígenas, historicamente, têm
tradição em preservar o meio ambiente. Destinam especial atenção à
preservação das espécies silvestres, matas e rios. A agricultura praticada nas
terras indígenas é de subsistência, o que se identifica com a agricultura familiar.
Dedicam-se a produção de soja, milho, feijão, batata-doce, mandioca, hortaliças,
cana de açúcar e à criação de animais (bovinos, suínos e aves). Há a
preocupação com a fertilidade do solo, onde as comunidades desenvolvem a
rotação de cultura e o plantio consorciado, com dois tipos ou mais de cultura‰.
Conclui a autora que „nossa relação com a terra é uma construção
recíproca de vida, interligada por uma espécie de cordão umbilical, como
aquele que é enterrado assim que nascemos; e crescemos em contato direto com
a terra. ¤ medida que aprendemos a trabalhar na terra, aprendemos também
que dela podemos prover nosso sustento. Tudo que se planta colhe... a terra é o
legado natural, e é dela que podemos retirar os produtos necessários para ter
vida em abundância„.
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
A terceira parte deste livro, de autoria de Márcia Gojtẽn Nascimento é
uma introdução ao estudo e documentação da língua kaingang, mais
especificamente as Artes da Palavra, dentro da tradição oral.
Analisa os diferentes gêneros de discurso dentro da língua kaingang
como os diferentes tipos de narrativas, cantos e rezas. Busca mostrar as
especificidades do uso elaborado da língua, as complexidades da oralidade que
estão por trás do seu aparente uso comum. Com esse trabalho introdutório
sobre as Artes da Palavra no kaingang, pode-se ter uma noção do grande leque
de saberes, conhecimentos, das formas de elaboração da palavra que existem na
tradição oral kaingang. Com isso, podemos perceber as especificidades da
língua, que a tornam mais rica, mais valorizada.
Este trabalho é imprescindível à construção de uma pedagogia da
educação escolar kaingang referenciada nos métodos próprios de aprendizagem.
Apesar de estarem preconizados no texto da Constituição Federal de 1988
como auxiliares ao uso das línguas indígenas, a utilização desses métodos ainda
está distante das práticas cotidianas da maior parte das escolas indígenas, em
que pese o grande esforço de muitos professores kaingang, entre eles a autora,
em revitalizar a educação tradicional kaingang na interface com a educação
escolar indígena.
A obra como um todo, constitui uma literatura pedagógica com
possibilidades de contribuir para a reflexão dos professores sobre suas práticas
educativas, constituindo um importante subsídio para a formação inicial e
continuada de professores indígenas. Também se constitui numa importante
leitura para a formação de professores não-indígenas, na perspectiva de que
conheçam e respeitem as culturas indígenas locais.
Ressaltamos que os escritos aqui apresentados, embora parte deles
registrados na língua portuguesa, mantém um estilo próprio de elaboração que
revelam uma lógica específica da língua e da cultura Kaingang. Evitamos a
padronização, a fim de respeitar um modo próprio e singular de expressão
escrita, que também faz parte de um modo próprio de ser e estar no mundo.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Esses textos, ao circularem nas escolas indígenas e não-indígenas, bem
como em outros espaços acadêmicos, poderão suscitar outras leituras e outros
encontros para além do PROEJA.
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DA ESTRELA AO ARADO,
DO ARADO ¤ ESTRELA:
TENS›ES E CONSENSOS EM PROEJA
Caetana Juracy Rezende Silva1
Durante o processo de implementação do Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA)2, e, em especial, no atual momento
em que o país se prepara para a escolha de novos representantes nos poderes
Executivo e Legislativo estaduais e federal, duas questões interligadas se
encontram presentes no contínuo das discussões: a garantia de prosseguimento
de ações consideradas estruturantes para o desenvolvimento do PROEJA e as
possibilidades de sua transição ou não de um projeto que representa a lógica
política de um governo em seu tempo de existência para um, assumido como
sistêmico ou estrutural, aprovado e legitimado em uma nova esfera pública ou
uma nova espacialidade pública capaz de redirecionar as políticas públicas
desenvolvidas pelo Estado (Minguelli, 2005, p. 46) capaz de propagá-lo como
expressão da vontade geral.
1 Mestre em Música. Técnica em Assuntos Educacionais do Ministério da Educação.
Coordenadora-Geral de Políticas de Educação Profissional e Tecnlógica DPEPT/SETEC/MEC.
2 Instituído pelo Decreto nº 5.840, de 13/07/2006. Para aprofundamento no histórico da
constituição do PROEJA consultar Moura e Henrique, 2007 e Moll, 2010.
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
As duas questões apresentadas se afetam mutuamente. Se a
continuidade das ações é necessária para a consolidação da proposta, esta
consolidação exige a constante avaliação das ações em andamento e eventuais
correções de rumos.
No entanto, é possível pensar na realização das ações sem que,
necessariamente, mantenha-se o espírito da proposta. Desconectadas da lógica
política, das concepções, dos princípios e dos fundamentos que norteiam hoje o
PROEJA, estas ações tornam-se atos isolados, desfigurados, podendo inclusive
navegar por rotas opostas àquelas para as quais foram pensadas. Tal fado figurase no horizonte da acomodação dos atores/autores da educação de jovens e
adultos e da educação profissional, viabilizando táticas de manipulação
característica da conciliação política enquanto estratégia histórica de dominação
das elites brasileiras (Araújo, 2006, p. 209) e de outros mecanismos de
adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes
(Saviani, 1992, p. 41). Conforme observado por Araújo, é a mobilização
daqueles comprometidos com os anseios dos trabalhadores que pode
neutralizar a acomodação (2006, p. 210).
A trajetória de formulação e desenvolvimento do PROEJA está inscrita
nos processos de desacomodação – construção – inovação – consolidação –
descontrução, não necessariamente nessa ordem, em ondas de tensionamento e
consensualização.
Santos (2010) analisando a normatização do PROEJA, via decreto,
ressalta que a proposta é imposta para as instituições federais de educação
profissional e tecnológica em um momento em que essas instituições tendem a
direcionar suas ofertas de ensino para o nível superior, não havendo uma
disposição para o envolvimento com o nível médio. Ao mesmo tempo ressalta
o perfil tradicional de grande parte dessas instituições e o caráter inédito dos
públicos da EJA nessas instituições marcadas por rigorosos exames de seleção,
meritocráticos.
Moura e Henrique (2007), sobre as origens do PROEJA e os ajustes
ocorridos durante o processo de implementação, lembram de que as poucas
instituições da rede federal que ofereciam EJA, à época, o faziam sem integração
com a educação profissional e que mesmo a oferta de cursos técnicos integrados
22
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
com o ensino médio para adolescentes ainda era incipiente, sendo que, em
muitas dessas instituições, não havia sequer corpo docente suficiente em razão
da separação entre ensino médio e técnico, afirmada nas políticas anteriores,
cujo marco foi o Decreto nÀ 2.208/97. Discriminando vários problemas de
forma e conteúdo em relação à primeira proposta formulada e instituída pelo
governo, os autores destacam que nenhuma rede de ensino reunia as condições
necessárias para o desenvolvimento dessa inovação educacional e que não havia
a proposição de nenhuma estratégia para a superação desse quadro. Tais
análises são reveladoras da complexidade da implementação de uma proposta
em que os atores que deverão desenvolvê-la não se sentem partícipes de sua
formulação.
Embora fique evidente que os equívocos iniciais no método de
formulação e de condução da proposição geraram enganos em seu teor, em
nenhum dos relatos consultados foi apresentada alguma crítica de mérito,
mesmo à proposta original constante na Portaria MEC nÀ 2.080, de 13/06/2005
e, logo em seguida, no Decreto nÀ 5.478, de 24/06/2005. Boa parte dos autores
nota que as intenções explicitadas mantinham e mantém coerência com as
políticas públicas para a educação profissional e tecnológica do atual governo.
A integração da educação profissional com a educação básica e o
comprometimento com a redução das desigualdades sociais estão presentes
entre os princípios e pressupostos enunciados no documento Proposta de
Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica, publicado pela
SEMTEC/MEC em dezembro de 2003. Já na introdução afirma: torna-se
imperioso explorar os espaços possíveis estabelecidos pela LDB, tentando
progressivamente incorporar a formação profissional e tecnológica à educação
básica para atender as demandas não apenas do trabalho, mas da própria
sociedade contemporânea (p. 11). Ao tratar das linhas estratégicas, no item 8.9,
há menções explícitas à necessidade de articulação da educação profissional
com a EJA. Na proposição para o desenvolvimento de ações, lê-se: Implementar
medidas que valorizem a educação de jovens e adultos no mesmo patamar da
educação profissional e tecnológica, propondo, inclusive, matrículas conjuntas
como mecanismo de inclusão social (p. 63).
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Entre as temáticas abordadas nas oficinas preparatórias para o
Seminário Nacional Ensino Médio: Construção Política, ocorrido em maio de
2003, de qual se originaram os textos que compõem a coletânea Ensino Médio:
Ciência, Cultura e Trabalho (Frigotto e Ciavatta, 2004), o texto de Paiva3 é
representativo da preocupação com a necessidade de se pensar propostas
curriculares para o ensino médio a partir dos sujeitos jovens e adultos, com o
que a proposta do PROEJA manteve coerência pela opção de integração com
essa etapa da educação básica, embora de início ainda não estivesse explícito
sob quais pressupostos.
As intenções expressas já na primeira proposta também coadunam com
a orientação política de inclusão social tida como princípio para a formulação
do Plano Plurianual 2004-2007 do Governo Federal, denominado Brasil para
Todos. Igualmente, aliavam-se ao previsto pelo Decreto nÀ 5.154/2004 quanto à
necessidade de que a formação profissional estivesse em constante articulação
com as estratégias de educação de jovens e adultos, promovendo,
simultaneamente, a qualificação profissional e elevação do nível de escolaridade
do trabalhador brasileiro, conforme observado na Exposição de Motivos que
acompanhou, em 2005, a proposta de decreto encaminhada à Casa Civil da
Presidência da República.
Apesar da coerência entre as intenções da proposta e as orientações
políticas do governo, o teor da Portaria nÀ 2.080 e, posteriormente, do Decreto
nÀ 5.478/20054 apresentava inconsistência em relação à realidade concreta das
instituições de ensino, conforme apresentado nos relatos de Santos, Moura e
Henrique, anteriormente citados, além da incongruência do estabelecimento de
cargas horárias máximas. Embora o processo decisório para o desenvolvimento
da proposta inicial tenha envolvido representantes do conselho de dirigentes
dos antigos Centros Federais de Educação Tecnológica, além de dirigentes da
A Professora Jane Paiva enfoca a discussão sobre a concepção curricular do ensino médio
para jovens e adultos a partir de sua experiência, em especial, na formação continuada de
professores da rede pública estadual da Bahia.
4 As autarquias federais de educação profissional e tecnológica tinham sua organização
normatizada pelo Decreto nº 5.224/2004. A Portaria enquanto instrumento regulamentador,
hierarquicamente inferior, não poderia contrariar a autonomia dessas autarquias no que diz
respeito à sua organização pedagógica, determinando percentuais iniciais e de ampliação da
oferta.
3
24
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC/MEC e da
Secretaria Executiva, ele apresenta características como a restrição das forças
políticas representativas a um grupo muito pequeno, ausência de avaliação das
condições dos ambientes externo e interno e a ausência de negociações para o
alcance de consensos pelo fato de ter se estabelecido em um curto período de
tempo5, inviabilizando o planejamento necessário à complexidade da proposta,
mesmo quando considerada apenas como um programa pontual.
Inicialmente o Programa recebeu duras críticas, encontrando forte
resistência à sua implementação. Sua real formulação enquanto proposta
política teve início poucos meses após a publicação do Decreto nÀ 5.478/2005,
uma vez que o estabelecido inicialmente caracteriza-se mais como uma idéia ou
um marco, considerando que uma política educacional se constitui para além
dos dispositivos legais que a normatizam, englobando outras ações
governamentais como as de planejamento, financiamento, difusão e
acompanhamento, bem como relações intra e interorganizações. Moll6 ao
discorrer sobre as estratégias para a formulação do PROEJA destaca que
por meio do Decreto nÀ 5.478, de 24 de junho de 2005, o PROEJA
constitui-se como marco para construção de uma política pública de
aproximação entre escolarização e profissionalização e de ampliação
do acesso e da permanência de jovens e adultos na educação básica.
Para tanto foi empreendida uma dinâmica de debates com atores
sociais, universidades, conselhos de representantes da rede federal de
educação profissional e tecnológica e dos Ministérios da Educação e
do Trabalho, de modo a qualificar o PROEJA como campo
conceitual e como prática educativa e a constituir uma esfera para a
proposição dessa política (2010, p. 132).
A reunião entre representantes do conselho de dirigentes e a Secretaria Executiva do MEC,
quando surgiu a idéia de se trabalhar alguma proposta que aliasse a EJA às ofertas de educação
profissional no âmbito das instituições da rede federal, ocorreu no início do mês de junho de
2005, menos de dez dias antes do anúncio da Portaria, e a transformação de seu teor em
Decreto ocorreu onze dias após a publicação desta.
6 A professora Jaqueline Moll esteve à frente desse processo do último trimestre de 2005 a
meados de 2007, inicialmente como Coordenadora-Geral de Políticas de Educação Profissional
e Tecnológica e posteriormente como Diretora do Departamento de Políticas e Articulação
Institucional da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação.
5
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Antecedeu a fase de produção conceitual a realização de oficinas
pedagógicas de capacitação para a formulação e desenvolvimento de currículos
integrados de educação profissional técnica com ensino médio, modalidade
regular e educação de jovens e adultos. O relatório da reunião para a
planificação dessas oficinas, ocorrida em 17/06/2005, organizada pelo
Departamento de Desenvolvimento de Programas Especiais da SETEC/MEC,
aponta para a realização de 17 oficinas, no período de agosto a novembro de
2005, cada uma com carga horária de 16h (2 dias) e um número médio de 25
participantes. Ainda segundo o relatório, o convite e o material de divulgação
deveriam explicitar os objetivos do Ministério em relação à realização das
oficinas e deixar claro que existe espaço para divergências e debates em relação
à legislação. Demonstra também a intenção de inverter a concepção de
imposição a favor da construção de uma perspectiva de adesão mostrando as
possibilidades de adaptação às realidades locais. Esses eventos – originalmente
organizados em três momentos: primeiro um debate sobre a educação de jovens
e adultos a partir da apresentação de experiências; segundo a apresentação dos
eixos estruturantes de um currículo integrado; e terceiro a elaboração de ensaios
curriculares – com o nome de Oficinas Pedagógicas de Capacitação para
Gestores Acadêmicos ocorreram entre 29 de setembro e 29 de novembro
daquele ano. Realizaram-se encontros em: Goiânia/GO, Porto Alegre/RS,
Manaus/AM, Florianópolis/SC, Belém/PA, Belo Horizonte/MG (2),
Fortaleza/CE, Recife/PE, Teresina/PI, Rio de Janeiro/RJ, Vitória/ES,
Salvador/BA, Curitiba/PR e João Pessoa/PB. No primeiro dia havia uma
abertura oficial com a apresentação feita, em geral, por um dirigente, Diretor
ou Coordenador-Geral da SETEC/MEC, seguida de debate sobre o Programa.
O momento seguinte consistia na apresentação de dois ou três relatos de
experiências institucionais com a educação de jovens e adultos e debate sobre
essas vivências. No segundo dia havia a apresentação de um especialista em EJA
e o relato de um aluno ou ex-aluno da EJA seguido de debate. O último turno
era dedicado à reflexão em grupos sobre concepções, sujeitos e currículo da
EJA, considerando possibilidades e entraves para o PROEJA.
Na prática, os encontros foram menos eficazes para a capacitação e
muito mais para o estabelecimento de um diagnóstico mais preciso das ameaças
e oportunidades. O PROEJA conduz à integração das heranças da EJA com as
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
heranças da educação profissional, tanto as boas quanto as indesejáveis. Nesse
diagnóstico fizeram-se presentes antigas e novas questões: falta de
financiamento e deficiências de infra-estrutura; docentes sem capacitação; quase
ausência de discussão sobre a EJA na rede federal; dificuldades na elaboração de
currículos integrados; antagonismos entre docentes da formação geral com os
da formação profissional no interior das instituições; resistência de professores
e gestores; não existência de uma política de assistência estudantil etc.
A lógica adotada para o planejamento e reformulação do PROEJA foi a
da ampliação do debate com a participação representativa de distintos setores
interessados, principalmente por meio da constituição de grupos de trabalho
plurais. Foram estabelecidos como eixos da ação: o financiamento da
implantação; a elaboração de referenciais conceituais; a formação dos
profissionais envolvidos na oferta; a reformulação do ato normativo instituinte
do Programa; o fomento à pesquisa e à constituição de redes de colaboração
acadêmica.
Em 2006, inicia-se a descentralização de recursos para investimento em
infra-estrutura englobando a compra de equipamentos e reformas com a
finalidade de estabelecer condições para abertura das novas turmas. Atualmente,
a questão da melhoria da infraestrutura tem sido tratada no âmbito de políticas
mais gerais para a qualificação da oferta de educação profissional e tecnológica,
no Programa Brasil Profissionalizado, voltado para as redes estaduais, com
ênfase na implantação e ampliação da oferta de cursos técnicos integrados com
o ensino médio regular ou EJA, e na expansão da rede federal.
Também em 2006, são financiadas as primeiras turmas dos cursos de
pós-graduação lato sensu (Especialização PROEJA), constituindo-se uma rede de
formação de profissionais (docentes, gestores e técnicos) para atuar no
Programa, ancorada em pólos coordenados por Centros Federais de Educação
Tecnológica7 e universidades federais; além de publicado o Documento Base
Com exceção dos Centros Federais de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro e de Minas
Gerais, todos os demais transformaram-se, pela Lei 11.892/2008, em Institutos Federais de
Educação Ciência e Tecnologia. Para aprofundamento sobre o tema conferir Silva, Caetana
Juracy Rezende (org.). Institutos Federais, Lei 11.892, de 29/12/2008: Comentários e reflexões.
Natal: IFRN, 2009.
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
PROEJA, voltado para o ensino médio-técnico. Ainda nesse ano é promulgado
o Decreto nÀ 5.840/2006, revogando o anterior e estabelecendo o atual formato
do Programa e lançado o Edital PROEJA-CAPES/SETEC nÀ 03/2006 para a
seleção de projetos de pesquisa no âmbito do Programa de Apoio ao Ensino e a
Pesquisa Científica e Tecnológica em Educação Profissional Integrada à
Educação de Jovens e Adultos.
Em 2007, nove projetos de núcleos de pesquisa8 são selecionados no
âmbito do Edital PROEJA-CAPES/SETEC nÀ 03/2006, com financiamento de
bolsas de mestrado e doutorado; são publicados os Documentos Base PROEJA
FIC-Ensino Fundamental e Educação Profissional Integrada à Educação Escolar
Indígena; ocorrendo a ampliação dos cursos de Especialização PROEJA e
abertura de Chamada Pública para a seleção de projetos de cursos de formação
continuada de docentes, com carga-horária entre 120 e 240 horas.
As instituições de ensino componentes dos pólos dos cursos de
Especialização PROEJA possuem liberdade para formular as propostas de
acordo com sua realidade, tendo como referência o documento Capacitação de
Profissionais do Ensino Público para Atuar na Educação Profissional Integrada
com a Educação Básica na Modalidade EJA: Propostas gerais para elaboração de
projetos pedagógicos de cursos de especialização. Esse documento teve sua
primeira versão elaborada por um Grupo de Trabalho em março de 2006,
sendo revisto após a publicação do Decreto nÀ 5.840/2006 e novamente, em
2008. Em sua justificativa afirma-se:
Por ser esse um campo peculiar de conhecimento, o PROEJA exige
que se implante uma política específica para a formação de
professores para nele atuar, uma vez que há carência significativa no
magistério superior de uma sólida formação continuada de
professores para atuar nessa esfera. Entende-se que a formação
docente é uma das maneiras fundamentais para se mergulhar no
Inicialmente os nove núcleos incorporavam 29 instituições, sendo que a UFMG participa de
dois projetos: 17 universidades: UFCE, UEMG, UFMG, UFV, UFG, UCG, UNB, UFRGS, UFPEL,
UNISINOS, UFBA, UFMA, UTFPR, UFPR, UNIOESTE, UFES, UENF, um Centro Federal de
Educação Tecnológica: CEFET/MG , 9 Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia:
IFC, IFPA, IF Norte de Minas Gerais, IFG, IF Farroupilha, IF Sul Rio-Grandense, IFRS, IFES, IF
Fluminense, um Centro Estadual – CEETEPS/SP e a Faculdade SENAC/SP.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
universo das questões que compõem a realidade desse público, de
investigar seus modos de aprender de forma geral, tendo em vista
compreender e favorecer lógicas e processos de sua aprendizagem no
ambiente escolar.
O documento, em sua última versão, propõe que a organização dos
cursos se oriente a partir dos eixos: I) Concepções e princípios da educação
profissional e da educação básica na modalidade EJA; II) Gestão democrática e
economia solidária; III) Políticas e legislação educacional; IV) Concepções
curriculares na educação profissional e na educação básica na modalidade de
educação de jovens e adultos; V) Didáticas na educação profissional e na
educação de jovens e adultos.
As primeiras turmas receberam fortes críticas dos cursistas. Seus
depoimentos registram críticas ao fato dos professores dedicarem-se mais às
questões da EJA demonstrando pouco envolvimento com as questões da
educação profissional; cursos muito teóricos com uma carga excessiva de
leituras9; o hermetismo da linguagem dos textos e de alguns professores. A
periodicidade e a duração dos encontros também foi um problema relatado
pelos docentes que não tiveram suas cargas-horárias reduzidas durante o
período de realização do curso, sendo que precisavam repor, em sua escola, as
aulas que necessitassem faltar. Uma questão levantada por professores estaduais
e municipais foi a falta de perspectiva de vir a atuar em um curso PROEJA,
uma vez que não havia previsão de implantação nas escolas de sua região.
Contudo a Especialização PROEJA têm produzido um valioso material
para a análise de sua implementação. Afora a constatação de que tais cursos têm
baixíssima atratividade para os docentes da rede federal, atendendo em sua
grande maioria a profissionais das redes públicas estaduais e municipais,
É importante registrar que uma boa parte dos professores cursistas, principalmente os das
redes municipais, tinham em sua formação inicial, Licenciatura ou Pedagogia, sua única
formação, não tendo passado por qualquer tipo de curso de capacitação ou aperfeiçoamento.
Sobre os hábitos de leitura, ilustra o ocorrido em uma aula inaugural em um dos pólos na região
Norte, quando ao serem questionados sobre quantos liam ao menos um livro por mês, qualquer
tipo de livro, esses profissionais confessaram que liam um ou dois livros por ano, variando de
livros técnicos a romances psicografados. Costumavam folhear revistas e jornais, mas pulavam
reportagens mais longas.
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
apontando algumas pistas sobre os perfis desses professores, um levantamento a
partir dos títulos e resumos dos artigos publicados mostra uma gradual
passagem das preocupações próprias da EJA em direção a temáticas
características desse novo campo. Sua articulação com os projetos de pesquisa
frutos do convênio entre CAPES e SETEC/MEC e com as coordenações de
curso e gestores, ainda que tal articulação não ocorra em todos os pólos e nem
com o mesmo nível de entrosamento naqueles onde ocorre, é fundamental para
o desenvolvimento de posturas e práticas que possibilitem às comunidades se
apropriarem e ressignificarem o PROEJA, tendo em conta seus referenciais
locais na construção da identidade de seus cursos e projetos pedagógicos. Ao
mesmo tempo, a constituição dos núcleos de pesquisa tem possibilitado o que
Franzoi e Machado (2010) chamam de análise da política em movimento.
Ainda em 2007, inicia-se o Projeto de Inserção Contributiva que tem se
configurado como uma interessante forma de monitoramento e, ao mesmo
tempo, fonte de inspiração para novas formulações. Organizado pela equipe
técnica que atuava no PROEJA, na SETEC/MEC, à época, duas Pedagogas
(Técnicas em Assuntos Educacionais) e uma Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental, com a colaboração de coordenadores de pólo da
Especialização PROEJA e pesquisadores vinculados aos projetos PROEJA
CAPES/SETEC, a proposição nasceu do monitoramento dos dados de
matrícula e evasão nos cursos das instituições federais.
O Projeto tem como objetivo refletir junto com essas instituições sobre
as causas de evasão, problemas gerais na organização pedagógica e nos projetos
de curso, buscando auxiliá-las na estruturação de planos e estratégias que
permitam a superação do quadro encontrado. As visitas têm, no mínimo,
quatro momentos: conversa com os gestores da instituição; conversa com os
docentes e técnicos administrativos, conversa com os estudantes e planejamento
conjunto. Participam do planejamento representantes de cada um dos
seguimentos escolhidos por seus pares durante o encontro inicial. Faz parte da
visita, a verificação da aplicação de recursos para custeio de equipamentos,
reformas, assistência ao educando, entre outras despesas para a qual a
instituição tenha recebido recurso extraordinário da SETEC/MEC. As visitas
são, em geral, realizadas em dupla: alguém da equipe técnica da SETEC/MEC e
um coordenador de pólo ou professor da Especialização PROEJA responsáveis
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
pela mediação das conversas e coordenação do planejamento. No planejamento
são elencadas prioridades, estratégias de trabalho, cronograma de ações e os
responsáveis por sua realização. As ações são divididas entre aquelas que se
encontram no âmbito das responsabilidades do Ministério, as de competência
da instituição de ensino e aquelas que competem aos estudantes.
Em 2007, foram realizadas 21 visitas de assessoramento a instituições
com taxas de evasão superior a 30%. Em 2008, somente três visitas. O reduzido
quadro de pessoal da Coordenação responsável pela gestão nacional do
PROEJA e o aumento no volume de trabalho de rotina interna (análise de
projetos, emissão de Pareceres e Notas Técnicas, encaminhamento de
correspondências e comunicados oficiais, análise de prestação de contas,
atendimento ao público, organização e coordenação das reuniões de grupos de
trabalho, alimentação do sistema de informações do MEC, entre outras
atribuições) têm dificultado a continuidade do Projeto.
Em 2008, dando continuidade às ações de formação foram realizados
novos investimentos em 27 pólos de Especialização PROEJA, com cerca de 3,4
profissionais em formação; e em 45 projetos aprovados na segunda chamada
pública para cursos de formação continuada.
Nesse mesmo ano, como resultado do Projeto de Inserção Contributiva,
teve início a ação de Assistência ao Educando PROEJA. Trata-se de uma forma
de apoio às instituições federais para o desenvolvimento de ações que
favoreçam a permanência, a aprendizagem e a conclusão com êxito desses
estudantes. Essa é a única das ações do Programa destinada exclusivamente às
instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
Enquanto as redes estaduais podem contar com recursos do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação – FUNDEB, com a previsão de recursos de
manutenção calculados pelo quantitativo de estudantes matriculados na
educação de jovens e adultos integrada com a educação profissional técnica de
nível médio, com avaliação no processo, as instituições da rede federal não
possuem em seu orçamento ordinário recursos específicos para despesas como a
alimentação e o transporte desses estudantes. Os recursos da ação de Assistência
ao Educando podem ser empregados para suprir necessidades básicas desses
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
estudantes, como: alimentação, transporte, alojamento, atendimento médico,
psicológico, odontológico, social, pedagógico e outras despesas e serviços que
auxiliem a permanência e a aprendizagem. As instituições possuem autonomia
na forma de empregar esse recurso, devendo, por intermédio de seu Conselho
Superior, regulamentar os critérios para sua utilização.
Apesar de ser considerada a ação de impacto mais imediato quanto à
permanência dos estudantes, o repasse desse recurso às instituições federais não
tem sido um processo completamente tranquilo. Os problemas de comunicação
entre a Secretaria e as instituições e a falta de diálogo entre gestores e estudantes
têm causado estranhamentos no processo. Embora possa ser concedido
diretamente na forma de assistência financeira ao estudante, esse recurso não
pode ser caracterizado como pagamento de bolsa. Ao contrário do que ocorre
com o CNPq10, por exemplo, não há no orçamento da União a previsão de
despesa com bolsas para a educação profissional e tecnológica. É necessária uma
lei que crie essa natureza de despesa. Quando repassado como assistência
financeira ao estudante no âmbito da Ação Orçamentária Assistência ao
Educando da Educação Profissional e Tecnológica, tal repasse se constitui como
ação de assistência social.
A SETEC/MEC utiliza como fórmula de cálculo para as
descentralizações de crédito orçamentário o número de matrículas – somando
todas as matrículas de cursos PROEJA, independentemente se de nível médio
ou fundamental11 – multiplicada por R$100,00 (cem reais), multiplicada pelo
número de meses letivos12. Por causa da fórmula de cálculo, várias instituições
compreenderam que deveriam obrigatoriamente pagar aos estudantes
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
O Decreto nº 5.840/2006 prevê três possibilidades de articulação dos cursos da Educação
Profissional e Tecnológica com a Educação de Jovens e Adultos e seis formas de organização
(art. 1º, §§ 1º e 2º): i) cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio organizados nas
formas concomitante ou integrada com o Ensino Médio na Modalidade EJA; ii) cursos de
Formação Inicial e Continuada articulados com o Ensino Médio EJA; ou iii) cursos de Formação
Inicial e Continuada articulados ou Ensino Fundamental EJA. Nos dois últimos casos os cursos
podem ser ofertados em uma única instituição de ensino, com matrícula única, ou em caráter de
cooperação entre instituições de ensino distintas, com dupla matrícula, porém, com projeto
pedagógico único.
12 Para os cálculos, considera-se no máximo dez meses letivos por ano. Se a turma começa
após o início do ano letivo são considerados os meses restantes.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
R$100,00/mês sequer cogitando outras formas de assistência, assumindo
mesmo que essa foi uma imposição do Ministério. Outras decidiram por essa
forma de assistência por entender que seria a mais fácil para a instituição,
outras entenderam que seria o jeito mais prático para os estudantes, outras
ainda compreenderam que já possuíam serviços sociais adequados ao
atendimento desses educandos e que a assistência financeira direta seria a
melhor forma de complementar suas ações. Poucas dialogaram com os
estudantes sobre quais seriam, de acordo com as necessidades deles, os critérios
mais adequados para utilização desses recursos. Uma das críticas resultantes
desses estranhamentos é a de que os estudantes só frequentavam os cursos por
causa da bolsa. Segundo relatos, alguns estudantes chamam, jocosamente, a
assistência de salário. Essas situações acendem um sinal de alerta sobre o como
esses educandos se percebem e percebem a escola e o governo nesse processo.
Demonstram também a falta de clareza na comunicação entre esses três
coletivos.
A exigência da SETEC/MEC de que seja informado o Cadastro de
Pessoa Física (CPF) do estudante, não aceitando o de familiares, também tem
causado tensionamentos no desenvolvimento dessa ação. Várias instituições, em
especial aquelas localizadas em regiões onde não há posto de cadastramento da
Receita Federal, têm descrito as dificuldades de os alunos fazerem esse cadastro.
Relatos de estudantes, gestores e docentes demonstram que essa exigência tem
sido considerada um mero ato burocrático da SETEC/MEC. Por sua vez a
Secretaria considera que sem essa informação não há como saber se aquela é
uma matrícula de um estudante real ou de um „estudante fantasma‰.
Com o funcionamento do Sistema de Informações da Educação
Profissional e Tecnológica (SISTEC)13, em 2010, a SETEC/MEC passou a
considerar somente as matrículas de estudantes devidamente cadastrados no
13 O SISTEC é um programa do governo federal que visa a dar validade nacional aos diplomas e
formar um banco de dados sobre os cursos técnicos. Todas as instituições de educação
profissional que possuem cursos técnicos precisam cadastrar as suas turmas de cursos técnicos
e de cursos de formação inicial e continuada/ qualificação profissional. O sistema passou a
funcionar em 2009, somente para cadastramento das turmas iniciadas nesse ano. No início de
2010, o sistema foi aberto para as instituições da rede federal cadastrarem todas as turmas de
PROEJA, técnico ou FIC/qualificação profissional, que estivessem em andamento, incluindo as
que tiveram início nos anos de 2006, 2007 e 2008.
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
sistema. O SISTEC deverá ser liberado para as instituições da rede federal
cadastrarem todas as suas turmas e cursos, tanto da educação básica como da
educação superior. A tendência é que o cálculo da matriz orçamentária dessas
instituições passe a considerar as matrículas registradas no sistema. Se assim
ocorrer, os repasses extraordinários para as ações de assistência serão
substituídos por um aumento no orçamento ordinário das instituições
considerando um valor de ponderação maior para as matrículas em cursos
PROEJA.
Outra linha de ação desenvolvida é o fomento à publicação de material
didático. A dificuldade apontada pelas instituições é falta de possibilidade de
gratificar os professores que se dedicam à elaboração do material uma vez que,
conforme observado anteriormente, não há previsão de pagamento de bolsas
para a educação profissional e tecnológica. Dessa forma, o financiamento
possível restringe-se exclusivamente às despesas com a publicação.
Os Diálogos PROEJA, iniciados no final de 2008, surgiram da reflexão
a partir dos cursos de Especialização PROEJA14 e do Projeto de Inserção
Contributiva. São eventos dedicados à troca de experiências e à reflexão sobre a
prática, envolvendo estudantes, docentes, técnicos administrativos, gestores de
escolas públicas que possuem cursos PROEJA e pesquisadores. Os Diálogos
trazem relatos reveladores da condição de existência desses cursos em suas redes
e instituições de ensino. Neles têm-se desvelado, com franqueza incomum, os
tensionamentos, os desafios e as contradições do próprio PROEJA,
extrapolando-o e alcançando problemas estruturais de exclusão sistêmica,
revelando a dificuldade de as escolas lidarem com a diversidade da sociedade de
que deveriam fazer parte, mas da qual têm se apartado.
Três ações são ainda novas demais para pressentirmos seus resultados: a
implantação de cursos PROEJA FIC com ensino fundamental, em um modelo
de cooperação entre instituições federais e redes municipais de ensino; a
implantação de cursos PROEJA em estabelecimentos penais, também no
No mínimo uma vez por ano ocorre uma reunião de avaliação da Especialização PROEJA da
qual participam todos os coordenadores de pólo. Esses encontros alternam períodos de
avaliação e planejamento com períodos de reflexão sobre concepções e práticas, buscando-se a
constituição de um espaço de formação continuada dos coordenadores.
14
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
modelo de cooperação, mas ainda mais problematizada pela inclusão das
Secretarias Estaduais de Educação e Segurança Pública ou órgão responsável
pela administração penitenciária estadual; e a vinculação com a proposta da
Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada
(Rede Certific).
O Ofício Circular nÀ 40/2009 GAB/SETEC/MEC, em ação conjunta
entre a SETEC e a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e
Diversidade (SECAD), teve como objetivo:
apoiar, por intermédio das instituições da rede federal de educação
profissional, científica e tecnológica, a implantação de cursos de
formação inicial e continuada integrados com o ensino
fundamental na modalidade da educação de jovens e adultos:
1) Nos municípios brasileiros.
2) Nos estabelecimentos penais. (08/04/2009).
Este documento propõe uma nova formatação para os projetos a serem
apoiados, inaugurando nas duas Secretarias envolvidas uma metodologia de
implantação de políticas em que as dimensões da formação continuada dos
profissionais, da produção de material didático, da pesquisa de
acompanhamento da implantação e da oferta dos cursos PROEJA em si são
tratadas de forma integrada em um mesmo projeto. A cooperação obrigatória
entre redes de ensino e diferentes órgãos públicos envolvidos na proposta da
oferta nos estabelecimentos penais também se configurou como uma inovação.
Mais recentemente, o Ofício Circular nÀ 54/2010 GAB/SETEC/MEC,
de 1À /04/2010, também de em trabalho conjunto das duas Secretarias, articula
a oferta de Programas Interinstitucionais de Certificação Profissional e
Formação Inicial e Continuada (Programas Certific) com os cursos PROEJA
seguindo a metodologia proposta no Ofício Circular nÀ 40/2009
GAB/SETEC/MEC. As novidades propostas nos Programas Certific
concentram-se principalmente na responsabilização da instituição pelo
prosseguimento de estudos daqueles estudantes que não alcançarem a
certificação no processo de avaliação para o reconhecimento de saberes; o
estabelecimento de um processo dinâmico de constante atualização dos
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Programas, mas sem a perda da validade do certificado, tendo como estratégia a
produção de conhecimento em rede, pelo compartilhamento de conteúdos, na
mais pura lógica wiki15.
Retomando o rumo da prosa: a continuidade das ações e a
consolidação da proposta do PROEJA enquanto uma alternativa política e
pedagógica viável depende da adesão individual e coletiva a este projeto
educacional. Tal adesão necessita ser manifesta a partir da mobilização social
em sua defesa, da participação dos diversos atores/autores forçando a
ampliação e democratização dos espaços decisórios, incluindo a vigília
constante para a superação dos desafios de mobilização; da representatividade
que induz à participação tutelada, ao personalismo, ao clientelismo e à
desmobilização e apatia. O revigorar das forças daqueles que se encontram
comprometidos com este projeto e que buscam para ele a autoridade do
reconhecimento e da manifestação social, em termos de sua legitimação por
meio do convencimento ético, é essencial frente à oferta reduzida de turmas,
aos altos índices de evasão e à forma marginal como o PROEJA é tratado em
boa parte das instituições de ensino, em especial, nas federais. Em paralelo, os
atuais investimentos apontam para uma ampliação considerável nas matrículas
nas redes estaduais.
Apesar do argumento de que se trata de mais um projeto imposto por
decreto, a trajetória traçada em seu desenvolvimento tem colocado em seus
pontos referenciais várias ações que objetivam principalmente a escuta apurada,
a promoção do diálogo e da participação. Recorremos à reflexão apresentada
por Araújo (2006) ao analisar as críticas apresentadas ao Decreto nÀ 5.154/2004.
Ainda que a implantação de uma proposta via decreto possa tipificar um
processo vertical de tomada de decisões, no qual não está garantida, pela sua
natureza, a ampla participação dos interessados, mesmo que de forma
representativa tal como se espera das leis por sua tramitação no Congresso
Nacional, ela não precisa se caracterizar necessariamente como uma ação anti-
O termo Wiki significa “muito rápido”, em uma linguagem havaiana. Pelo sim, pelo não, de fato
é uma referência às formas de escrita e educação coletiva utilizada emblematicamente pela
Wikipédia, sendo também o nome de um software colaborativo que permite esse tipo de edição.
15
36
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
democrática, podendo ressignificar-se pela ampliação das possibilidades de
participação cidadã.
Por outro lado, a modificação da LDB, incluindo, no §3À do art 37, a
preferencial articulação da educação de jovens e adultos com a educação
profissional; o financiamento previsto no FUNDEB, a inclusão entre os
objetivos dos Institutos Federais ministrar educação profissional técnica de
nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para concluintes
do ensino fundamental e para o público jovem e adulto (Lei 11.892/2008. Art.
7À, inciso I) podem ser considerados avanços, mesmo que tímidos, em termos
de estruturação do arcabouço legal.
Para o PROEJA, a legitimidade vislumbrada, pressuposto para a
passagem pretendida, vincula-se diretamente à capacidade de construir
consensos, na mobilização e na participação de cidadãos/ãs autônomos/as,
construindo-se no fluir entre a utopia e o concreto, da estrela ao arado, do
arado à estrela.
Referências
ARAÐJO, Ronaldo Marcos de Lima. A regulação da educação profissional do governo
Lula: conciliação de interesses ou espaço para mobilização? In: GEMAQUE, Rosana
Maria Oliveira e LIMA, Rosângela Novaes. Políticas Públicas Educacionais: O Governo
Lula em questão. Belém: CEJUP, 2006. 191-213.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica.
Proposta de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica. Brasília, dez.
2003.
__________ Ministério da Educação. Portaria nÀ 2.080, de 13 de junho de 2005.
Dispõe sobre as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional de forma
integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos
– EJA no âmbito da rede federal de educação tecnológica. Brasília, DF: 2005b.
__________ Decreto nÀ 5.478, de 24 de junho de 2005. Institui no âmbito das
instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação
Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos –
PROEJA. Brasília, DF: 2005a.
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
__________ Decreto nÀ 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o
Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Brasília, DF: 2006.
__________ Ministério da Educação. Secretaria da Educação Profissional e
Tecnológica. Relatório da reunião sobre planificação de oficinas pedagógicas de
capacitação para a formulação e desenvolvimento de currículos integrados. Brasília,
DF: DDPE/SETEC/MEC, jun. 2005. Mimeo.
__________ Ministério da Educação. Secretaria da Educação Profissional e
Tecnológica. Síntese dos resultados dos trabalhos realizados nas Oficinas Pedagógicas
de Capacitação para Gestores Acadêmicos promovidos pela SETEC / MEC, no
período de 29 de setembro a 29 de novembro de 2005. Brasília, DF: SETEC/MEC, dez.
2005. Mimeo.
FILHO, Domingos Leite Lima. O PROEJA em construção: enfrentando desafios
políticos e pedagógicos. In: Educação e Realidade: EJA e Educação Profissional, Porto
Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Faculdade de Educação, v. 35, n.
1, pp. 109-127, jan/abr 2010.
FRANZOI, Naira Lisboa e MACHADO, Maria Margarida. Trajetórias de educação e
de trabalho na vida de jovens e adultos. In: Educação e Realidade: EJA e Educação
Profissional, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Faculdade de
Educação, v. 35, n. 1, pp. 11-17, jan/abr 2010.
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38
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
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39
I PARTE
VẼNH KANHR‹N
Andila Nĩvygsãnh Inácio1
Resumo
O presente trabalho foi pensado para servir de alerta para os
professores Kaingang que lutam para implantar a escola formal que tenha
conhecimento cuja base seja a transmissão dos valores vitais da cultura
Kaingang, usando as formas próprias de reproduzir conhecimentos. Formas
estas que não aprenderam em escolas ou universidades, mais voltando as nossas
próprias raízes e assoprando as cinzas sob as quais se conservam na memória de
nossos anciãos!
Abstract
The present work of course conclusion was thought to serve as an alert
for kaingang teachers who have been fighting for the insertion of a formal
school whose knowledge basis is the transmission of essential values of
kaingang culture using its own ways of knowledge reproduction. These teachers
have not learned those ways neither in school nor in universities. They have
just turned to their own roots blowing the ashes under which they are preserved
in our elders memory!
1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. E-mail: [email protected]
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
S‹ INH R‹NHR‹J TO VĨ SĨ HAN VẼ2
Ẽg tỹ kanhgág, pi kejẽn ti rãnhrãj to jykrén kỹ nén'ũ rán sór tĩ. Hã
kỹ sóg ũri tag to inh rãnhrãj han sór mũ, mũn kejẽn ẽg tỹ kanhgág ũ tóg
tag to vẽnh kanhrãn sór mũ, kỹ tag tóg sir ti jo rán kỹ sa ja nĩnh mũ sir.
Kỹ ẽg pi ũri ẽg kófa ag mỹ: Mỹ vẽsỹ ẽg ga kãmĩ vẽnh kanhrãnrãn
fã tũ tĩg nĩn kã, hẽ re nãg nĩ, ke sór tĩ, ag tỹ ẽg mỹ tón jé, ẽg tỹ kinhra
nỹtĩn jé. Hã kỹ sóg to vẽnh kanhrãn mág han sór mũ, kỹ sóg ránrán mũ sir,
rán kỹ sa jé.
Kar kỹ, ẽg kanhrãnrãn jafã ag, ẽn ag to jykrén kỹ sóg inh rãnhrãj tag
han mũ, ag tỹ, gĩr kanhrãnrãn há han sór kỹ ag tóg, vẽsỹ ũ tỹ gĩr
kanhrãnrãn jafã ẽn ag to nén ũ kinhra nỹtĩnh ke nỹtĩ, ag mỹ, hẽ ren kỹ, gĩr
kanhrãnrãn jafã nĩgtĩ, ag tỹ ũri, vẽnh kanhrãnrãn jafã kãmĩ tag nón jykrén
kỹ to Projeto PolíticoPedagógico ke tĩ ẽn han jé sir.
Ũri gĩr kanhrãnrãn fã tỹ kanhgág ag pi ẽg kófa ag jẽmẽ sór tĩ,
kanhró ẽg tóg nỹtĩ ke ag tóg tĩ, mỹr ẽg vẽnh kanhrãnrãn jãfã mĩ vẽnh
kanhrãnrãn já, vẽ ke ag mũ. Ũ ag tóg faculdade mré hã kãn kã nỹtĩ, hã kã ag
tóg ge, ke mũ. Hãra ẽg pi ẽg tỹ kanhgág tỹ nén ũ to kanhró, tỹ fóg ag vẽnh
kanhrãn fã kãtá venh mũ, ag pi to ne kinhra nỹtĩ fóg ag, ẽg kanhgág kófa ag
hã tóg to nén kar kinhra nỹtĩ, ag jẽmẽ kỹ ã tóg to kanhrãn mũ sir, kanhgág
nén ũ kinhra to.
Kófa ag kanhró tóg fóg ag tỹ faculdade ke tĩ ẽn kãfór nĩ, ag tỹ ũri
nén ũ kinhrãg ja pi jé, vẽsỹ há kanhgág ag to vẽnh kanhrãn kãmũ vẽ. Prỹg
nĩkrén javãnh kãmĩ ag tóg nén kar tag ki kanhrãn ja nĩ.
Introdução
Nós, kaingang, não nos preocupamos em registrar por escrito nossas
experiências de trabalho. Por isso, hoje, pretendo fazer isso: relatar minha
2 O texto principal desta primeira parte foi escrito pela autora no idioma kaingang e os títulos são
colocados com letras maiúsculas. Na sequência, há uma tradução livre para o português,
também elaborado pela autora, cujos títulos estão grafados com letras minúsculas.
44
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
experiência profissional enquanto educadora bilíngue pertencente ao Povo
Indígena Kaingang. Quem sabe, algum dia, alguém possa querer se aprofundar
neste assunto e, então, encontrará este breve registro.
Nós nunca perguntamos para os nossos „velhos‰ como era quando não
havia escolas nas Comunidades Indígenas, como se conduzia o aprendizado das
crianças, onde, como e quem a fazia. Então registrarei tudo. É preocupada com
os professores indígenas que faço este trabalho porque, se eles quiserem ser
bons professores kaingang, eles terão que ouvir os nossos „velhos‰! Pois é neles
que está a essência da escola diferenciada. São, pois, a base para um Projeto
Político-Pedagógico.
O professor kaingang precisa resgatar e valorizar as formas tradicionais
kaingang de repassar os conhecimentos para os jovens, porque essas formas não
são meros métodos em fase de experimentação, mas sim metodologias
aplicadas, avaliadas e aperfeiçoadas através dos tempos. Saberes estes não
disponíveis em nenhuma universidade, mas, apenas, na memória dos nossos
velhos, adormecida e anestesiada pelo sofrimento da discriminação e do
preconceito de uma sociedade que não soube reconhecê-los.
KANHG˘G AG GA K‹MĨ VẼNH KANHR‹N JAF‹ TŨ
TĨGNĨ K‹
Vẽsã ẽg tỹ kanhgág kãmĩ vẽnh kanhrãnrãn fã tũ tĩg nĩ kã, vẽnh kar
tóg gĩr jóg jagtãn tĩ, gĩr kanhrãn jé. Fóg ag pi ẽg tỹ kanhgág rike nỹtĩ, Fóg tóg
ti pir mỹ ti kósin to vẽsãn tĩ, ti kanhrãn jé. Hã kỹ tóg vẽnh kanhrãn fã to ti
kósin fẽg tĩ sir, ũ tỹ gĩr kanhrãn fã fag ti mré ti kósin kanhrãn jé.
Jãvo ẽg tóg jag mré ẽg gĩr kanhrãn fã ja nĩgtĩ, gĩr tỹ kanhgág pi jóg
pir nĩgtĩ, ti mur kỹ ti panh, régre ag tóg tỹ gĩr ẽn panh nỹtĩ gé sir, hãra gĩr
ẽn tóg ti vĩ há ve kỹ tóg ag to inh panh sĩ ag, kenh mũ sir, ti titio ag to, Kỹ
gĩr panh ve fag tóg tỹ gĩr mỹnh sĩ nỹtĩnh mũ gé.
Kỹ gĩr mỹnh fi régre ag tóg tỹ panh sĩ nỹtĩ gé sir, fi régre fag tóg tỹ
gĩr mỹnh sĩ nỹtĩ gé. Kỹ vẽnh kar tag tóg sir gĩr ẽn kirĩr mũ jag mré, ti mỹ
nén ũ to ge kenh mũ, ti kanhrãn mũ, ti tỹ nén kar kinhrãg ge ẽn ki. Kar kỹ
45
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
ti kanhkã kar tóg ti kirĩr mũ gé. Vẽnh kar tag tỹ, gĩr ẽn tỹ nén han vẽnhmỹ,
vég tũ nĩn kỹ ẽg jamã ki ke kar tóg ti kirĩr nỹtĩ gé ver, ti mỹ ge tũg ra ken jé.
Ti kaga kỹ, vẽnh kar tóg ti to kanẽ jur mũ sir, ti panh mré.
Kỹ kanhgág jamã kãmĩ, gĩr pi ti pir mỹ tĩnh mũ gé, ũ tóg ti mãg tĩ,
ti jẽ'ỹn jé, tỹ ti kósin jẽ jé sir, ti krẽ pẽ rike. Ũ tỹ ti mãg mũ ẽn kanhkã ag,
tóg tỹ gĩr ẽn kanhkã pẽ nỹtĩ gé sir.
Kỹ kejẽn gĩr ẽn tóg pãnhmog jẽnh mũ sir. Kỹ tóg ũn sanh ag tã nén
ũ han vég mũ, kã tóg han sór mũ gé, kỹ ũn ti kirĩr nỹtĩ ẽn ag kã'ũ tóg, ti
mỹ ge kenh mũ sir, ti kanhrãn jé.
Ti tỹ nén han sór mũ, tỹ ũ tóg ti mỹ: ge vẽ kenh mũ, ũn sanh ag
nén ũ han ẽn, ve kỹ tóg rike han sór tĩ, kỹ tóg han kãnãn tĩ, ti tỹ ũn han ve
ti, kã hãra vẽnh kar tóg ti mỹ: Sĩnvĩ ti nĩ, há pẽ ti nĩ, ke tĩ, kã tóg kejẽn han
há han tĩ sir. kã tóg ti mog kar mỹr, nén kar han kinhra jẽnh mũ sir.
Ũ pi hãra ti kanhrãn jé ti mỹ: Kuri, kuri, kenh mũ. Komẽr hã tóg
vẽnh kanhrãn mũ, ti tỹ ti mog kã, nén kar han ke ẽn to.
Ti tỹ sĩ jẽn kỹ tóg, nén'ũ sĩ han kinhrãg mũ, hãra ti mog mãn sĩ han
kỹ tóg, ti tỹ kinhra ẽn kãfór sĩ han mũ sir. Ge tĩ ki tóg kejẽn nén'ũ kar
kinhrãg mũ sir.
Kỹ ti tỹ nén kar han kinhra nĩn kỹ tóg ẽn pãte han há han ẽn, to
jykrén mũ sir, kỹ tóg han mãn kenh mũ, ti tỹ han kỹ tóg, ti tỹ ẽgno tá han
ja ẽn sĩnvĩ kãfór han mũ sir. Ti tỹ nén kar han kinhrãg ja tag ti, ti tỹ ũn
sanh ag han han ve kỹ, ag kóm han ge tĩ ki, ti tỹ ag kóm kinhrãg ja vẽ, ũn
sanh tỹ, gĩr tỹ nén'ũ han ve, kỹ tóg ti mỹ: tỹ gem nĩ, ke tĩ. Vẽnh kar tóg
jagnẽ mré gĩr kanhrãnrãn tĩ, kanhgág ga kãmĩ vẽnh kanhrãnrãn fã tũ, tĩg nĩn
kã.
Quando não havia escolas nas Terras Indígenas Kaingang
Quando não havia escolas nas comunidades indígenas kaingang, todos
se preocupavam com o aprendizado das crianças, com o ensinar. Tudo era
comunitário. A educação não-indígena não acontece dessa forma. Cada um é
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
responsável pela educação dos seus filhos, cada um trabalha para garantir a
educação para os seus filhos e, desta maneira, pode contar com ajuda dos
professores e direção de uma escola, para ajudá-lo neste processo. Nós,
kaingang, não agimos desta forma! A criança kaingang, quando nasce, já recebe
uma família enorme. Até porque, culturalmente, os irmãos e irmãs de seus pais
também são chamados de seus pais e mães, serão chamados de „paizinho‰ e
„mãezinha‰. Assim, todas essas pessoas e seus familiares se tornam responsáveis
pela educação da criança kaingang. Ou melhor, responsáveis não só pela
educação, mas também em dar carinho, amor e atenção. Além de todas essas
pessoas envolvidas no processo, a criança ainda conta com o apoio de toda uma
liderança e de toda uma comunidade indígena, que está preocupada com esta
criança em todos os sentidos. Por isso, numa comunidade kaingang, não
encontramos crianças abandonadas, por causa desse núcleo familiar mais
abrangente. Porque sempre há alguém que assume a responsabilidade com a
criança, mesmo na condição do pai biológico não estar presente, o processo,
acima mencionado, tem sua continuidade.
Então, a criança kaingang vai crescendo e passa a querer imitar os
adultos nos seus afazeres. E, um dia, também vai querer ajudar nas atividades,
naquilo que é possível realizar dentro de suas limitações. Assim, vai sendo
auxiliada e incentivada. O que estará fazendo não sairá perfeito, porém todos
continuam incentivando e dizendo que está bom, bonito, até que um dia ela
realmente faz bonito! E é dessa forma, que a criança kaingang vai despertando
para fazer as coisas, vai aprendendo tudo o que precisa aprender para ser um
adulto útil à sua comunidade kaingang. Todo esse processo é conduzido
levando em consideração seu despertar para as atividades, seu tempo de
aprendizagem e aptidões, sem nenhuma imposição. A partir desse momento, a
criança só vai aperfeiçoar tudo aquilo que aprendeu.
VẼNH KANHR‹NR‹N F‹ TỸ ẼG GA KI K‹GE
Ũri tóg ver ge nã, ẽg gĩr kanhrãnrãn ti, hãra ũri tóg ẽg jamã kãmĩ
vẽnh kanhrãnrãn fã tĩ, hamẽ. Kanhgág kãsir kanhrãnrãn jé, fóg ag krẽ
kanhrãnrãn ẽn rike. Kỹ vẽsỹ, sỹ sĩ jẽg nĩ kã, gĩr kanhrãnrãn tĩ fag tóg, tỹ
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
fóg kar ja nỹtĩg nĩ. Kã ag tóg ẽg tỹ ẽg vĩ tó kamẽg tĩ, fóg vĩ tó ra, ke ag tóg
mũ.
Hãra ẽg pi kã fóg vĩ tó há já nãtĩg nĩ, kỹ ag tóg sir ẽg to jũgjũ tĩ, nén
ũ han to ag tóg ẽg fẽg tĩ, ag mỹ kajãm jé, ẽg tỹ ag vĩ jẽmẽ tũg ja nĩn kỹ,
fóg vĩ tó ra ke kỹ, kỹ gĩr tóg sir vẽsãnsãn tĩ, tó kinhrãg jé. Ke tũ nĩ kã ũn
kinhrãg tũ nĩ ẽn tóg sir, vẽnh kanhrãn jafã ki kutẽ tĩ, ne kinhrãg mẽ.
Kã hẽri ken kã gĩr ti vẽnhrán kinhrãg, ti kanhrãn jafã tỹ ti vĩ ki
kagtĩg ra. Mré ti tỹ ti kanhrãn tĩ vĩ ki kagtĩg ra ke gé.
Kỹ kanhgág krẽ tỹ kanhrãnrãn tũ nĩn kỹ, fóg ag tóg sir kanhgág to,
vẽnhkagtĩg ke mũ sir, pi ẽg rike nỹtĩ, ke ag tóg mũ sir, fóg ag. Pi vẽnh
kanhrãn jé krĩ nỹtĩ, gente pi jé, ke ag tóg mũ. Pi kẽnhmég nỹtĩ gé, miso rike,
ke ag tóg mũ, ẽg to. Ẽg tỹ nén ũ to kanhró ẽn pi ag mỹ, tỹ ne nỹ sir. Ag hã
tóg, ag pir mã kanhró nỹtĩ, ag krĩn ki.
Kỹ kejẽn fóg ag ne jagnẽ mã, kỹ ẽg ne kanhgág ag hã kã'ũ,
kanhrãnrãn tũ nĩ. kỹ ẽg tóg ag vĩ rán mũ ke gé, kỹ ag tóg sir ẽg mã ag
kanhkã ag kanhrãnrãn mũ sir, ag vĩ ki ag tóg ag mã fóg vĩ to ge kenh mũ sir.
Kar kỹ ẽg tóg ti ke han mũ sir, ke ag tóg mũ, fóg ag. kã ag tóg ẽmã
mĩ kanhgág tỹ kanhrãnrãn sĩ han han ja ẽn ag jãvãnh mũ sir, ẽmã ũ ra ag rĩg
mũ sir, tá ag kanhrãnrãn jé, kanhgág ẽn ag. Ag tỹ kar vẽnh kanhrãn jafã kãmĩ
gĩr kanhrãnrãn jé.
Prỹg régre ki ag tóg kanhgág ẽn ag kanhrãnrãn mũ sir, gĩr mỹ ge ke
jé, ẽg vĩ ki. Kar kỹ governo tóg kanhgág ẽn ag mỹ ag rãnhrãj kajãm mũ, ag
tỹ gĩr kanhrãnrãn jé sir, kanhgág ag jamãn mĩ, Estado tỹ Paraná ke tĩ tá, kar
kỹ Santa Catarina ke tĩ ẽn ke gé, kar kỹ Rio grande do Sul ti ke gé.
A chegada das escolas nas Terras Indígenas Kaingang
Em meados do século XX, o aprendizado kaingang continuava acontecendo
como antigamente, com uma ressalva: escolas foram inseridas em nossas terras
indígenas, escolas nas quais os professores eram todos não-indígenas.
48
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Aconteceu então um conflito linguístico. Os professores não-indígenas
só falavam e entendiam o português, e por sua vez, os alunos kaingang só
falavam e entendiam sua língua materna, o kaingang. Então as crianças
kaingang foram proibidas de falar o kaingang dentro da sala-de-aula, e as que
insistiam em falar sua língua eram castigadas e, por medo dos castigos, as
crianças se esforçavam a aprender a língua portuguesa. Os que tinham mais
dificuldades abandonavam a escola sem nada aprender e, pior de tudo, ficavam
rotulados de burros, incapazes.
A nossa sabedoria milenar foi ignorada pelos não-indígenas, pois, na
visão dos mesmos, somente eles tinham conhecimento e sabedoria acumulada.
Passadas muitas décadas, perceberam que não estava havendo êxito nesta escola,
porque o ensino-aprendizagem era quase insignificante.
Então pensaram em alternativas, e optaram por viabilizar a „formação‰
de alguns indígenas, para que pudessem fazer a „ponte‰ entre estes dois
mundos: kaingang e não-indígena. Então, na década de 70, a Fundação
Nacional do ¸ndio – FUNAI, em parceria com a Igreja Evangélica de Confissão
Luterana no Brasil – IECLB, selecionou alguns jovens de toda a região Sul do
Brasil, região habitada tradicionalmente pelos Kaingang e, iniciou sua
„formação‰ em regime de internato, no Centro de Treinamento Profissional
Clara Camarão – CTPCC.
E, naquele centro, localizado na Terra Indígena Guarita, município de
Tenente Portela, Rio Grande do Sul, promoveram a „formação‰ em nível de
Ensino Fundamental, dos chamados „monitores bilíngues‰, no intuito de
fomentar a transição da língua kaingang para a língua portuguesa. Por dois
anos, estes estudantes se dedicaram à confecção e produção de material didático
para o ensino da língua kaingang em sala de aula. Ao final desses dois anos, a
primeira turma se formou, em 1972, e, logo em seguida, foram contratados pela
FUNAI – Fundação Nacional do ¸ndio, e lotados em algumas Reservas
Indígenas dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
49
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
GĨR KANHR‹NR‹N F‹ TỸ KANHG˘G AG GĨR
KANHR‹NR‹N K‹MẼ TO VENH R˘
Kỹ gĩr kanhrãn tỹ kanhgág tóg vẽnh kanhrãn jafã ki ge mũ sir, gĩr
kanhrãnrãn jé, hãra gĩr kanhrãnrãn fã tỹ kanhgág e ag ne gĩr tũ nỹtĩ, mỹ ge
ke jé, hãra ken jé tóg ẽn kã tỹ kanhgág nĩ kórég tãvĩ já nĩgtĩ, fóg ag mỹ ẽg
tóg kórég tãvĩ já nỹtĩg nĩ, ag mỹ ẽg pi ne kinhra ja nỹtĩg nĩ gé.
Kanhgág tỹ nén kinhra ẽn tóg fóg ag mỹ tỹ nén kórég ja nỹg nĩ. Hã
kỹ vẽnh jóg tóg sir ti krẽ jagjẽgtãn kã fóg ag kanhró tãvĩ ẽn to ti kósin mỹ
kinhrãg ra ke mũ gé kã. Ẽn ki vẽnh kanhrãnrãn fã tỹ kanhgág ag tóg sir vẽnh
jóg mré vẽmén mũ sir, kỹ ag tóg ag mỹ, fóg ag ẽg tỹ kanhgág tũg sór vẽ, ke
mũ, pi ag mỹ, ẽg tỹ, ẽg krẽ mỹ ẽg tỹ nén'ũ to ge kej há tĩ, ke mũ.
Ẽg krẽ tỹ ti tỹ kanhgág nỹtĩ to mỹ'ãg jé ke vẽ sir, ẽg vĩ tó mãn
vãnh nỹtĩ jé, ẽg tỹ nén kinhra ẽn ki kagtĩg jé ke vẽ, kỹ ẽg tỹ kanhgág nỹtĩ
tóg tũ nỹnh mũ sir. Mré nén ũ tỹ, tỹ ẽg tũ pẽ ẽn ti, ẽg tỹ tỹ kanhgág nỹtĩ
kã, ẽn mré hã tóg tũ tĩnh mũ , mỹr ẽg pi sir tỹ kanhgág nỹtĩ.
Kỹ ag tóg ẽg mré hej ke mũ, ẽg vĩ ki gĩr kanhrãnrãn jé sir. Hãra tag
pi gĩr kanhrãn tĩ tỹ fóg ag mỹ há nỹ sir, kanhgág ag tỹ ag rãnhrãj jy ge mũ
ẽn ti, kỹ fóg ag tóg sir jũgjũ mũ, gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag to. ‹jag pi ẽg
kóm vẽnh kanhrãn mág han kỹ nỹtĩ, ke ag tóg mũ, fóg ag, kanhgág ag mỹ.
Hãra fóg ag tỹ ke tũg mũ ra kanhgág ag ne ag rãnhrãj to vẽsãnsãn ja
nĩ, kỹ gĩr tóg ag mỹ kanhrãnrãn ja nĩgtĩ, kỹ ag tóg gĩr kanhrãn tĩ tỹ fóg ag
mỹ: Vera ke mũ, ẽg tỹ estudo sĩ ra gĩr tóg ẽg mỹ kanhrãnrãn mũ, ke ag tóg
mũ sir fóg ag mỹ. Kỹ fóg ag tóg sir hunhun ke mũ ag rãnhrãj ve kỹ.
Ẽn pãte gĩr tóg sir vẽnhránrán kinhrãg mũ ẽg vĩ ki, fóg vĩ to ag tóg,
gĩr mỹ ge ke mũ gé. Kỹ gĩr ag tóg sir fóg vĩ kinhrãg mũ gé. Kỹ ag tóg sir
jatunmỹ gĩr kanhrãn tĩ , fóg ag, mỹr ti tỹ fóg vĩ tó há jẽn nã sir, kỹ tóg gĩr
kanhrãn tĩ tỹ fóg tỹ ti mré vĩ kinhra jẽ sir, hã kỹ tóg ti tỹ ti mỹ nén to ge ke
mũ kinhrãg mũ sir.
Kỹ ne kejẽn si tĩ sir, gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag tỹ rãnhrãj nỹtĩ
ti, ti hẽ nỹ sir prỹg tỹ 10 ke kãfór nỹ, ag tỹ gĩr kanhrãnrãn nỹtĩ ti, gĩr
kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag. Hãra gĩr kanhrãnrãn tĩ tag ag tóg kejẽn rũnjũ
50
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
mĩ jagnẽ ve kỹ ag rãnhrãj to vẽmén tĩ, pi ag mỹ há ja nãgtĩ, ag tỹ ag vĩ ki gĩr
mỹ fóg vĩ to ge ke ti.
Hã kỹ gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ fóg ag tóg ẽg krẽ mỹ nén vẽnhmỹ to ge
ke mũ nĩ sir. Vẽnh sỹ fóg mũ nĩ kanhgág kãsir ti, tag pi ag mỹ há nã sir, gĩr
kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag mỹ. Kỹ ag tóg jagnẽ mỹ, ẽg hẽnỹ ne tỹ
hẽrenh mũ, ke mũ. Ag tỹ nén ũ to jykrég mũ jo prỹg tóg mũ nỹ nĩ sir,
kanhgág krẽ tỹ vẽnh sỹ fóg mũn jo.
kỹ ag ne kejẽn jagnẽ mỹ kuri ẽg tỹ gĩr kanhrãnrãn mũ tag to
associação han jé, mũn ẽg tóg tar nỹtĩnh mũ, nén'ũ tỹ hẽnri ke sór kỹ. Kỹ
ag tóg ag, mỹ nén há tũ ẽn to ẽg pi han mãn ma, ke mũ sir, jagnẽ vẽnhmãn
kỹ. Hãra ag han sór mũ pi ag mỹ há ja nã, fóg ag mỹ, lei vẽ hãra ke ag tóg
mũ. ‹jag tỹ lei kato nén ũ han sór kỹ, ãjag rãnhrãj ki pa, ke ag tóg, mũ
kanhgág ag mỹ, fóg ag.
O ingresso dos monitores bilíngues nas Escolas Kaingang
Os monitores bilíngues, ao começar suas atividades enquanto
professores nas escolas kaingang, não tiveram uma boa aceitação em suas
comunidades e não lhes foram dados alunos para que os ensinassem. Naquela
época, o povo kaingang passava por um período, talvez o mais sério, de
conflitos quanto à sua identidade, pois não queriam mais ser Âíndios‰. Tinham
vergonha, pois aprenderam que „a sua língua não valia nada‰, seus
conhecimentos também não, e por isso não queriam ser „índios‰. Queriam ser
„brancos‰, não queriam mais que seus filhos aprendessem o kaingang e sim o
português, supostamente uma língua superior. Então, os monitores começaram
a fazer um trabalho de conscientização junto às famílias kaingang que
pensavam dessa forma, alegando que as crianças precisavam passar por esta
escola bilíngue de „transição‰, na qual primeiramente as mesmas seriam
alfabetizadas em kaingang e posteriormente conduzidas ao domínio do
português oral, de forma que facilitaria a continuidade de sua formação escolar
junto a professores não-indígenas.
Também houve, na época, um conflito entre os monitores bilíngues e
professores não-indígenas, que alegavam que os primeiros não possuíam estudo
51
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
suficiente para trabalhar com classe de alfabetização. No entanto, embora
constituísse uma afirmação verdadeira, o rendimento dos alunos junto aos
professores não-indígenas era quase insignificante, ao contrário dos monitores
bilíngues. Com eles, as crianças rapidamente eram alfabetizadas. A partir desse
momento, o ensino regular se tornou viável nas escolas kaingang, porque
começou finalmente a surtir os resultados esperados.
Passados, aproximadamente, dez anos do início dos trabalhos dos
monitores bilíngues, os mesmos passaram a se encontrar com certa regularidade
em reuniões, chamadas pela FUNAI, para encaminhar sua formação e avaliação
das atividades desenvolvidas em suas comunidades. Estes momentos eram
também oportunamente usados pelos monitores bilíngues, em reuniões
internas, promovidas fora das reuniões oficiais e à noite, para avaliar
culturalmente os resultados desse processo para o Povo Kaingang.
Após vinte anos do início do processo de alfabetização na língua
kaingang, pelos monitores bilíngues, já não havia dúvidas pelos mesmos de que
estavam a serviço da destruição cultural do seu povo, de que a escola era
constituída nos padrões não-indígenas, visando aculturamento. A meta ideal era
realmente fazer com que os indígenas abandonassem sua cultura em prol da
cultura não-indígena, devendo ser absorvidos por esta e assim, deixassem de ser
kaingang. Feito isso, o governo não precisaria se preocupar com a
implementação de políticas específicas para povos indígenas, já que, na
concepção dos não-indígenas, estes estariam assimilados. Tal situação provocou
uma insatisfação geral e incontida entre os monitores bilíngues, por terem sido
usados por tanto tempo num projeto que previa o seu desaparecimento
enquanto povo.
KANHG˘G KAR AG TỸ JAGNẼ MRÉ JŨGJŨ F‹N
Hãra tóg kejẽn prỹg tỹ 20 to rã nĩ sir, ti tỹ ge nỹ ki, kanhgág ag tỹ
rãnhrãj nỹtĩ ki, gĩr kanhrãnrãn fã kãmĩ. Hãra kejẽn ẽg mỹ há jé ẽg pã'i mág
ag, governo mré, ag lei mág vóg sór mũ, ag tỹ ũn to: Constituição, ke tĩ ẽn hã
vẽ.
52
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
kỹ tãmĩ kanhgág jamã kar mĩ tóg, ge kar ja nỹ gé, ẽg kóm. Nén kar
mĩ tóg há tũ ja nỹ sir, ẽg tỹ nén to direito ẽn tóg tũ tĩ, hãra ag tóg ken jé, ẽg
to: gente pi jé, ke ke mũ, kỹ ken jé, ẽg ag mỹ tỹ miso ra ẽg mỹ direito nỹtĩ
sór mũ.
Ge tĩn kỹ tóg, tãmĩ kanhgág kar ag tỹ mẽj vãnh tãvĩ tĩ sir, fóg ag tỹ
kanhgág tỹ vẽnyn ti. Kỹ kanhgág kar ne jagnẽ mỹ: kuri ke kỹ, fóg ag tỹ lei
vóg nỹtĩ ẽn tá junjun kỹ, tag tóg ẽg mỹ há tũ nỹ, ke mũ sir.
Kanhgág ag tỹ vẽnyg ãjag tóg mũ, ke mũ sir. Kỹ vẽnh kar ẽn tóg vég
mũ sir, televisão mĩ tóg ven mũ sir, kanhgág tỹ jũgjũ ẽn ti. Ẽn ki fóg ũ tóg
kanhgág ag jagtãn mũ gé, ag mré jẽgjẽg mũ gé, fóg ũ ag kato, kanhgág ag mré.
Vẽnhrá tag kã, tóg rán kã sa, ẽg tỹ gĩr kanhrãn fã kãmĩ ẽg vĩ ki, gĩr kanhrãn
vén jé, kar hã tóg fóg vĩ kinhrãg mũ sir, kanhgág tỹ ti krẽ kanhrãn ẽn hã rike
jé ẽg tóg mũ gé, ẽg tỹ g ĩr kanhrãn kỹ, Kanhgág tóg ti krẽ kanhrãn kinhra nĩ
ke gé.
Revolta dos Povos Indígenas
O que os monitores kaingang não sabiam é que existia uma insatisfação
nacional dos povos indígenas do país e que, aproveitando o movimento da
Reforma Constitucional de 1988, alguns povos indígenas, organizados e com o
apoio de algumas organizações não-governamentais, trouxeram para a plenária
do Congresso Nacional as questões mais prementes dos povos indígenas do
Brasil. Apareceram em plenária exigindo mudanças imediatas da política
indigenista no que tange aos tratos com povos indígenas. Trouxeram à tona a
maneira desrespeitosa com que os povos indígenas estavam sendo tratados pelo
governo brasileiro. A repercussão foi tão grande que o governo brasileiro sentiuse na obrigação de rever a lei que legisla sobre os povos indígenas no país.
KANHG˘G AG TO VẼNHR˘
Kỹ ẽg Governo tóg ẽg jamã mág tỹ Brasil, lei tỹ vẽnhmỹ ke sór mũ,
nén ũ tóg kãmĩ ag mỹ há tũ nỹ há, pi ag ki há já nĩ sir. Hã kỹ ag tóg lei tãg
to vẽmén nỹtĩ nĩ, ũn tãg han jé. Ẽn hã kã kanhgág ag tóg, ag mỹ: ‹jag lei tóg
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
ẽg to kóreg nỹ, ãjag ẽg tỹ vẽdyn vẽ mũ. Ẽg tỹ kẽgter kãn jé ke hẽnỹ, ke ag
tóg mũ, governo mỹ. Ẽn ki vẽnh kar ẽn tóg sir vég mũ, kinhra nỹtĩ,
governo tỹ kanhgág ag kirĩr kónãn nĩ ẽn ti. Kỹ país ũ ag tóg mẽg mũ gé sir,
kỹ fóg e ag ne kanhgág ag jagjẽgtãn já nĩ, kanhgág ag mré governo mỹ: Kuri,
kanhgág ag ãjag mỹ nén to vĩ mũ ẽn han ra ag mỹ, ke ag tóg mũ, fóg ũ ag,
kanhgág ag jagfy. Tag hã tugnĩn ag tóg lei tag kãki ẽg direito ránrán mũ sir.
Hã kỹ ũri, lei tóg ẽg jagfy nỹtĩ, ẽg hã ne, kuri, ke vãnh nỹtĩ, governo mỹ.
Nén ũ e tãvĩ tóg ẽg to rán kỹ nỹtĩ, hãra sóg ãjag mỹ ẽg gĩr
kanhrãnrãn tĩ to ránrán kỹ nỹtĩ ẽn hã to vẽmén sór mũ.
Art. 210, kã tóg sa, IÀ e 2À tá tóg, Ensino Fundamental kãmĩ ẽg krẽ tóg
ẽg vĩ ki vẽnh kanhrãn vén ge nĩ, kar kỹ tóg fóg vĩ ki kanhrãn mũ gé, ke tóg
to sa. Kỹ ũri ẽg gĩr kanhrãn fã kãki ũ pi gĩr mỹ kanhgág vĩ tó tũg ra, ke mãn
ma sir.
Gĩr kanhrãn fã, tỹ ẽg jamã kãmĩ nỹtĩ tag tóg ũri kanhgág kófa ag
kanhró ẽn tỹ rãmnhrãj mũ ha, gĩr mré, ag tỹ kinhra nỹtĩ jé, ag jãre ag
kanhró ti. kỹ ag tỹ mogmog kỹ ag pi to mã'ãg mũ sir, ti tỹ kanhgág to, ti mỹ
tóg tỹ ũn há nỹ, ti tỹ, tỹ kanhgág nĩ ti. Fóg ag pi ti kãfór nỹtĩ, ti mỹ.
Kỹ ẽn kã, kanhgág ag to lei tóg tỹ'ũ ke ja nĩ sir. Hã kỹ kanhgág tóg
ũri nén e to direito nỹtĩ. Vẽsỹ fóg ag hã tóg, ẽn tóg, hẽ ri ke mũn, kanhgág
ag mỹ há nỹnh mũ, ke jafã nĩg tĩ vẽ. Jo ẽg tóg ũri, tag hã tóg ẽg mỹ há nỹ,
jo tag pi ẽg mỹ há nỹ, ke jé tá krỹ nỹtĩ.
Hãra lei tãg tag pãte, Governo tóg decreto 26 han sir, kurã tỹ 4, kysã
tỹ fevereiro, prỹg tỹ 1991, kã tóg rán kỹ nĩ, Art. 1À kã tóg, Ministério da
Educação mỹ governo tóg: kanhgág ag vẽnh kanhrãn kirĩr jé ã ke mũ, ag
vẽnh kanhrãn kar ki, FUNAI jẽmẽ kỹ, ke tóg mũ Art. 2À ki tóg , Estado, kar
município kãmĩ Secretaria de Educaçaõ ag tóg Art. 1À ki rán kỹ nĩ ẽn hynhan
mũ, Secretaria Nacional de Educação jẽmẽ kỹ ke gé.
Vãhã kanhgág ag direito tóg rán kỹ sa ha, fóg ag lei mág kãkã tóg sa
ha, ũri tóg to ag mỹ kuri ke há nĩ ha vãhã, mỹr lei vẽ sir, ẽg tỹ justiça tá ag
mré venh há tĩn kỹ tóg há nỹ ke gé. Ti pir mỹ tóg tag han mũ ũri kanhgág ti.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
LDB ke tĩ ẽn to tóg sa gé, Ensino Fundamental, kãmĩ, kanhgág kãsir
ag tỹ ẽg vĩ ki vẽnh kanhrãn ke ti. Artigos 78 mré 79, tá tóg: Estado tóg
kanhgág ag mỹ, vẽnh kanhrãn fã mré, kãmĩ nén ũ ti, mré ag tóg to gĩr
kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag kanhrãn ke nĩ ke gé, ag mỹ tỹ gem nĩ ken jé, gĩr
mỹ ge ken jé, § 1 e 2.
Nén kar jãvãnh mũ ẽn ti, gĩr kanhrãnrãn jé, ẽg kófa ag ẽg to nén ú
kinhra ẽn mẽgmẽ kỹ ránrán jé ke gé, kar kỹ to gĩr kanhrãnrãn jé, nén kar tag
ti Estado hã tóg ẽg mré vej ke nĩ. Hãra ag pi tag han mũ ha mẽ, ẽg tỹ
kanhgág mỹ , RS ki.
Kar kỹ Resolução 03 tóg nã gé, há tãvĩ ti nã ẽg tỹ ẽg vĩ ki gĩr
kanhrãnrãn ge mũ tag mỹ . Ti Art. 4À inciso I e II, Ẽg hã tóg ẽg vẽnh
kanhrãn fã tóg ge jẽj mũ ke jé ẽg ke mũ, ti to jykrén há han kỹ, Art. 5 inciso
III, IV, kar V ti ke gé Ag pi ẽg vĩ, kar kỹ ẽg to ne kinhra nỹtĩ, hãra ag tóg, ẽg
hã kanhrãn mũ vẽ, mỹr ẽg hã tỹ gĩr, kanhrãnrãn ge mỹr, ag tỹ ẽg jagtãn vẽ
vẽ sir.
Kurã tỹ 9 kã, kysã tỹ janeiro, prỹg tỹ 2001, kã ag tóg ẽg to Lei ũ han
mãn já nĩ gé, hã vỹ Plano Nacional de Educação, ke tĩ, PNE, ke ag tóg tĩ gé, ti
to, Lei 10.172 hã vẽ sir, ẽn hã ki tóg rán rán kãn kỹ nytĩ ag tỹ ẽg mỹ han ge
ti, ag tỹ hẽren kỹ han ge mré hã tóg ránrán kỹ nỹtĩ. Ag tỹ kanhgág ag tỹ gĩr
kanhrãnrãn tĩ ẽn ag mỹ curso han han ge mré hã tóg tá rán kỹ nỹtĩ, ag
kanhrãn jé ag tỹ kar gĩr mré rãnhrãj jé.
Kar kỹ ẽg rãnhrãj categoria rán jé ke gé, vẽnh kar tỹ kinhra nãtĩ jé,
ẽg magistério indígena ti. Ẽn ki ẽg pi prỹg kar kã, ẽg rãnhrãj ke nón pétẽ
mũ mãn mũ sir, concursado nỹtĩ jé ẽg tóg mũ sir, fóg ag kóm. Prỹg tỹ 10 fi
ja ag tóg nĩ ag tỹ gĩr tỹ vãhã vẽnh kanhrãn fã to rã kỹ, ti mỹ ti vĩ tãvĩ ẽn ki
ti kanhrãn jé, ẽg vĩ ki, prỹg tỹ 4 kãmĩ, ti mỹ pépé rágrá ti ke gé, kanhgág kófa
ag nén ũ kinhra ẽn ti, ki tóg ránrán kỹ nỹtĩnh ke nĩ gé, ti tỹ ki vẽnh
kanhrãn jé ke gé.
Ẽg kófa ũ tỹ kejẽn ẽg rén kỹ, ti tỹ ẽg to nén kinhra ẽn tóg ti mré
ẽg réj mũ gé, fóg ag, ag kanhró to vẽnhrá rike vẽ, ẽg mỹ. kỹ ũri prỹg régre
hã tóg tũ nĩ ha ag mỹ, hãra ẽg pi ver tag vég mũ,
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Ũri kanhgág pi FUNAI mỹ kuri ke tĩ mãn ma sir, mỹr tóg tá krỹ nĩ
ha sir lei tãg tag kãmĩ, ti pir mỹ ven jé. Ti pir mã tóg ti tỹ nén ũ nón tĩ jé tá
krỹ nĩ sir, ũ mỹ inh mỹ ke mẽ. Ũri kanhgág ag tóg, tag tóg ẽg mỹ há nỹ,
ke jé tá krỹ nỹtĩ gé.
Lei vẽ mỹr, kỹ governo tóg tag fi han ge nĩ gé sir. Kỹ ũri ẽg vẽnh
kanhrãnrãn to lei tóg tỹ ũ nỹ ha ke gé, vẽsỹ gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ fóg ag tóg
ẽg mỹ: ãjag vĩ tó tũg nĩ, ke jafã nĩgtĩ, ũri ẽg tóg nirenhto nỹtĩ, ẽg tỹ ẽg vĩ
ki gĩr mỹ ẽg tỹ kanhgág tỹ nén kinhra nĩnh ke ẽn ti, nén'ũ há ẽn ti, ẽg tỹ
kanhgág mỹ to ge ken jé, kanhgág kófa ag gĩr mỹ nén há ẽn kãjatun tũg nĩ,
ken jé. Ẽg kre han han kinhrãg jé ke gé, gĩr kanhrãnrãn fã kãki gĩr tóg kinhrãg
ke mũ sir.
Kỹ gĩr tóg kanhgág tỹ nén kinhra ẽn ki kanhrãn kỹ, ẽg tỹ kanhgág
ne kanhró ja nỹ tĩ gé, kenh mũ sir, ti mỹ há tĩ jé tóg mũ sir, fóg ag kóm ẽg
tóg kanhró ja nỹtĩ, ke jé tóg mũ sir, kỹ tóg ti mỹ há ja nã sir, ti tỹ kanhgág
nĩ ti, ti fe mág tóg mũ sir, ti tỹ, tỹ sóg kanhgág nĩ ken jé. Fóg ag tỹ vẽsỹ ti
mỹ ãjag pi ne kinhra nỹtĩ, ken kỹ ti fe tóg kaga tĩ vẽ, ũri fóg tỹ ti mỹ ge kỹ,
pi ti fe ki gỹm kenh mũ, kinhra ti nĩ, kanhgág tỹ kanhró nĩ ti, fóg ag tóg ũri
kanhgág ag jẽmẽ sór tĩ, ag kanhró ránrán jé. Kar kỹ fóg ag tóg ve kỹ to vẽnh
kanhrãn tĩ ke gé, ẽn ki ag tóg kar ẽg kanhró vẽ ke tĩ, kanhgág ag kanhró péjug
ag tóg tĩ, tag han tĩ ag tóg kanhgág kãmĩ e tãvĩ tĩ.
A busca pelo reconhecimento de seus direitos na nova
Constituição
Os kaingang não sabiam, naquela época, que a insatisfação era geral
entre os povos indígenas do Brasil em relação à política indigenista oficial
então implementada, não somente quanto à assistência educacional que esses
povos estavam recebendo, como também com relação à saúde, demarcação,
insuficiência e redução das terras indígenas, aos projetos de subsistência, dentre
outros, nos quais muitas vezes os indígenas foram utilizados como mão-de-obra
barata. Enfim, houve um movimento nacional dos povos indígenas, com a
colaboração de instituições de apoio à causa indígena, externando tal
insatisfação, de repercussão nacional e internacional, que pressionou o governo
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
brasileiro a garantir os direitos dos povos indígenas na atual Constituição
Federal (CF) do Brasil.
Dentre garantias asseguradas aos povos indígenas na CF/88,
especialmente no âmbito da Educação Escolar Indígena bilíngue, específica,
diferenciada, de qualidade, citamos abaixo referências legais, que se aplicadas
efetivamente, asseguram aos povos indígenas o direito a falar sua língua
materna, cabendo ao estado brasileiro garantir sua educação.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XIV – populações indígenas;
XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,
de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais
e artísticos, nacionais e regionais.
§ 2.À O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
VẼS‹ KANHG˘G AG GĨR KANHR‹NR‹N
Vẽsã kófa ag tóg, kutyg kỹ pĩ mág han tĩ, kỹ ag tóg gĩr kãsir mré, ũn
sanh ag ke gé, pĩ ẽn pénĩn nĩgnĩ kỹ, ag mỹ ẽg tỹ kanhgág to vẽmén tĩ, fóg
ag tỹ kanhgág ag tỹ rãnhrãnh ge kónãn ja ẽn mré hã ag tóg sir ag mỹ tó tĩ, ag
tỹ ki kanhró nỹtĩ jé. Kar kỹ ag tóg ag mỹ gufã tó tĩ gé, ag kãjatun tũ nĩ jé, ke
ag tóg tĩ, kófa ag. Kejẽn ãjag tóg ẽg rikén kófa nỹtĩnh mũ, hãra ẽg tóg sir tũ
nĩnh mũ, ãjag mré, ẽn ki ãjag tóg, ãjag nón ke ag mỹ tónh ke mũ gé, ẽg tỹ
ãjag mỹ nén kar tó ja tag ti, ke ag tóg mũ, kófa ag, gĩr mỹ.
Kỹ gĩr ag tóg ag ki nén ũ jẽmẽg tĩ gé sir, ag tỹ nén ki kagtĩg ẽn to.
Kỹ kófa ag tóg sir ag mỹ ge vẽ ke tĩ, ẽn ki ag tóg kanhrãnrãn tĩ ke gé,
kófa ag mré.
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Kanhgág jamã kãki, gĩr tóg vẽnh kar tỹ nén han ẽn, ve kỹ han sór tĩ
gé, ẽn ki ũn vég mũ tóg sir ti mỹ, ge vẽ, kenh mũ, ke ag tóg mũ, kófa ag.
Kar kỹ ẽg pã'i ag tóg nỹtĩ gé. Nén ũ tỹ gĩr ki hẽn rike kỹ, ag tóg
nón pétẽnh mũ gé sir, ũ tỹ gĩr tỹ rãnhrãnh ke kamẽg jé. Kanhgág ag jamã
kãki ũ pi gĩr tỹ rãnh ke konãn ke mũ, kófa ag kegé.
Vẽnh kar tóg gĩr mré kófa ag ki rĩr há han ke nĩ, ke tũ nĩ kỹ ẽmã ẽn
ki vẽnh kar ẽn tóg ti to jũgjũnh mũ sir, ũ tỹ gĩr tỹ rãnh ke kónãn mũ ẽn
to. Nén ũ kufy han to ag ti fẽg mũ sir, ti tỹ han ja ẽn kajãm jé. Kỹ pi pir ve
nỹtĩ ũ tỹ gĩr ki rĩr tĩ ẽn ag, ne kórég tỹ ti ki ke tũ nĩ jé.
Kanhgág tóg gĩr to há tãvĩ nỹtĩ, kỹ kanhgág jamã kãmĩ pi gĩr jóg tũ
tĩ, mỹnh tũ ke gé, kỹ gĩr pi ẽmĩn fyr mĩ nũgnũr mũg tĩ, ũ tỹ ti venh ke tũ
nĩn kỹ. Kusa mẽg tũ ti nĩ gé, mỹr ti tỹ mỹnh nĩ nã ha mẽ, panh ke gé. Kar
kỹ ũ tỹ ti mãg mũ fag kanhkã kar ag tóg sir vãhã tỹ gĩr ẽn kanhkã pẽ nỹtĩ
ha sir ke gé.
Kanhgág ag tóg ag gĩr to há tãvĩ ja nỹtĩ, fóg ag tỹ ag krẽ kãsir kirĩr
tũg mũn jo, fóg kãsir tóg ẽmĩn tỹ pó fyr mĩ nũgnũr tĩ, kusa jagy ra, ũ mỹ
hẽn to jykrég tũ nĩ, hẽn rike kónãn ke tũ nĩ, ke vãnh ag tóg nỹtĩ, fóg ag.
Kỹ gĩr ẽn mỹ kókĩnkĩr tũ, ke vãnh ag tóg nỹtĩ, fóg ag. Kỹ gĩr ag tóg
sir ũ tỹ mĩ tĩ mũ mỹ: Inh mỹ nén ũ mĩm! Ke tĩ, sỹ nén ũ ko jé, ke tóg mũ,
inh kókĩrĩ tóg tĩ. Ke tũ nĩ kỹ tóg: Inh mỹ kusa tóg tĩ, inh mỹ ã vẽnh pãgto
nĩm ke tóg mũ, gĩr ti.
Kỹ fóg tóg fe tũ nĩ ve nĩgtĩ, kanhgág ve kỹ. Ti krẽ tỹ ver ne nón tĩg
kikagtĩg ra tóg gera véké fón tĩ, kỹ tóg vẽsỹrénh tĩ ki mog tĩ, ti mog tũ nĩ kỹ
tóg ter tĩ, hãra ũ pi ti kri fỹ tĩ gé, ti ter kỹ.
Mỹr ũ pi ti ki rĩr ke mũ vẽ, ha mẽ. Kórég tãvĩ tóg nỹ, fóg ag kãmĩ
gĩr jóg tũ ti.Jãvo pi kanhgág kãmĩ ge nĩ, ũri gĩr, ag tóg , vaj kỹ kófa nỹtĩnh
mũ, ẽg rikén, ke ag tóg tĩ, kófa ag. Ẽg tỹ ũri, gĩr kirĩr há han kỹ ag tóg, ag
tỹ kejẽn kófa nỹtĩ kỹ, ũ to jũ tũ nỹtĩnh mũ, mỹr ũ pi ti vóg kónãn kỹ nĩ,
ti sĩ jẽg nĩ kã, kỹ tóg vẽnh kato gĩr kar ki rĩr há han mũ gé sir, ti mog kỹ ,
tỹ ũn fe há nĩ jé, ke gé.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
A aprendizagem da criança kaingang
A aprendizagem da criança kaingang é feita pelos nossos „velhos‰, na
oralidade, à luz do fogo de chão, pela noite, acompanhados do olhar curioso
das crianças kaingang. Dessa forma, se ouviam lendas que compunham a
mitologia kaingang, a história dos seus antepassados e confrontos com povos
não-indígenas no processo de colonização, também transmitindo saberes e
valores do povo kaingang. Assim acontecendo sucessivamente, de geração em
geração, para que esses conhecimentos se perpetuassem através dos tempos, pela
oralidade. Na sociedade kaingang as crianças e os velhos são muito respeitados,
porque ocupam posições muito distintas e importantes: enquanto um
representa a sabedoria e experiência de vida, outro representa a perpetuação
desses saberes. Diferente da sociedade não-indígena na qual muitas crianças
desamparadas, abandonadas, dormem pelas ruas, passando fome e frio, sem ter
um lar, nenhuma família para abrigá-los, da mesma forma encontramos velhos
abandonados em asilos. Na sociedade kaingang, apesar das limitações
financeiras, não encontramos crianças, nem velhos abandonados.
VẼNH KANHR‹N F‹ K‹KI GĨR KANHR‹NR‹N
Ũri ẽg kãki gĩr kanhrãn fã, kãmĩ, gĩr kanhrãnrãn tĩ e ag tóg, tỹ
kanhgág nỹtĩ, hãra ver ẽg tóg piri nỹtĩ, ẽg vẽnh kanhrãn fã kar kri rũn jé,
kanhgág jamã kar mĩ, pi pir nỹtĩ, kar kỹ gĩr pi pir ve nỹtĩ ke gé, kỹ fóg e ag
tóg ver ẽg kãmĩ gĩr tỹ kanhgág kanhrãnrãn tĩ, gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag
tỹ piri nỹtĩn tũgnĩn.
Kórég há tĩg jé, fóg fag hã tóg ẽg gĩr kanhrãnrãn tĩ kãmĩ tỹ niretora
nỹtĩ. Tag tugnĩn kanhgág ag pi ag rãnhrãj han há han tĩ gé sir, fag pi ver lei tỹ
ẽg to rán kỹ nã ẽn kamẽg tĩ, kỹ fag tóg sir gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag mỹ
tag hã han ra ke ke mũ, fóg ag vẽnh kanhrãn tĩ mĩ ke ẽn ge.
Fóg kãsir ag tỹ nén to vẽnh kanhrãn mũn hã tỹ gĩr tỹ kanhgág
kanhrãn gé, ke fag tóg mũ, vẽsỹ ke ẽn ge tãvĩ.
Kỹ kanhgág ag tóg sir, ag tỹ fag kamẽg kỹ, han ge mũ sir. Mré gĩr
kanhrãn fã tỹ kanhgág ag pi curso pẽ han han ja nỹtĩ, Jagnẽ mré gĩr mỹ nén
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to ge kenh ke mũ ẽn, to jykrén kỹ ránrán kỹ jagnẽ kóm gég mũ jé, ti tỹ nén
mré rãnhrãj ke kar ẽn ti. Kar kỹ ag tóg jagnẽ mré fóg ag tỹ ẽg tỹ ẽn ge kỹ
ẽg hẽri kenh mũ ke tĩ, ke gé.
Kỹ fóg ag tóg curso han han tĩ, gĩr mỹ ge ke jé, gĩr mỹ to ge ke jé, ag
vẽnh rágrá, pi pir ve nỹtĩ.
Kỹ tóg fóg kãsir ag kanhrãn há tãvĩ tĩ, fóg vĩ ki, kar nén ũ ti ke gé, to
rá tỹ e nỹtĩn kỹ. Gĩr mỹ ge kej fã to vẽnhrá ẽn génh kỹ, gĩr mỹ vin kỹ, to
ag mỹ ge vẽ. ken kỹ tóg ti mré han mũ sir, gĩr ti. Gĩr kanhrãn jé tóg mrãnh
kej mũ sir, vẽnhrá ẽn to. Nén e tãvĩ kãgrá tóg mĩ nỹtĩ, gĩr tỹ vegven jé, ag tỹ
nén ũ kinhra ẽn, ha mẽ.
Jãvo kanhgág vĩ ki ẽg gĩr kãsir kanhrãnrãn jé pi to ne rá nĩ , vẽsỹ fóg
ag kanhgág ag kanhrãnrãn mũ kã, fóg ũ fi tóg ẽg vĩn rán ja nĩgtĩ, ũ tỹ vãhã
ẽg vĩ rán vẽ sir, fi jiji hã vỹ, Dra. Ursula Wiesemann, tỹ fi tóg lingüista já nĩ,
kỹ fi tóg ẽg mỹ ge ke mũ sir, ẽg vĩ rán kinhrãg jé.
Kỹ fi tóg sir rivro han han ja nĩgtĩ kanhgág vĩ ki, kãki kanhgág ag
kãgrá tóg nỹtĩ ja nĩgtĩ, mré ẽg curso han ja tóg ẽg kanhrãn ja nĩgtĩ, ẽg tỹ
rivro ẽn to, nén ũ ránrán mãm jé, rivro ẽn jagtãn jé, gĩr kanhrãn tỹ mrãnh ke
jé. Kỹ ag tóg sir to nén ũ e tãvĩ han han ja nĩ, gĩr tỹ kanhnir nỹtĩ ki kanhrãn
fã ẽn mré hã ag tóg han han ja nĩ sir.
Hãra tóg jo ũri tũ tĩ ha, gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag e ra, ũ pi ẽg
vĩ to vẽnh kanhrãn ja nĩ, ẽg mỹ kãki gĩr kanhrãn fã kirĩr fã fag, fóg ag,
kanhgág ag jagtãn kera, ag pir mỹ ag tóg mũ nĩ sir gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág
ag. Kar kỹ tóg ge nỹ gé há mẽ, lei to tóg rán kỹ sa, ẽg estado ki governo tỹ
gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag kanhrãnrãn ge ti, ti hã tóg tag vej ke nĩ ha
mẽ. Kanhgág mỹ curso pẽ vẽ, ẽg vĩ ki1, hãra ag pi ẽg vĩ kinhra nỹtĩ, kỹ ag
hẽren kỹ gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág kanhrãn mũ, ag tỹ ẽg vĩ ki kagtĩg ra,
hẽren kỹ kanhgág ag jagtãn mũ.
Hãra ẽg tỹ ẽg governo mỹ, ẽg mỹ lei ẽn cumpri ké, ken kỹ tóg ẽg
mỹ: Sỹ lei ẽn cumpri ken hã kỹ kanhgág ag tóg ãjag vẽnh kanhrãn fãn kãmĩ
nỹtĩ nĩ, ke mũ, ẽg mỹ, hã kỹ ãjag tóg ãjag vĩ rán ke mũ ke tóg sir.
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Kỹ ge pi jé hãra, tag tãvĩ pi jé. Ti tỹ gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág mỹ
curso han vén mẽ rãnhrãj to ti fẽg kỹ ti pi gĩr kanhrãnrãn há han mũ, ti pi
venh kanhrãn to nén ũ kinhra nĩ. Kar kỹ ẽg vĩ rán tãvĩ pi há nĩ, tavĩ pi jé.
Vẽsỹ gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag tóg ẽg vĩ rán kỹ, fóg ag jagtãn já
nĩ ha mẽ, kanhgág kãsir ag mỹ ẽg vĩ ki fóg vĩ ki ag kanhan ja nĩgtĩ, kỹ
kanhgág kãsir ag tóg vẽnh sỹ fóg han ja nĩ sir.
Kar kỹ gĩr kanhrãn fã tỹ kanhgág tỹ estudo mág tũ nĩ kỹ ti hẽren
kỹ gĩr kanhrãn há han mũ. Kar kỹ tóg ge nã ke gé há mẽ, kanhgág ag mỹ tóg
sir há nỹ governo tỹ kanhgág tỹ estudo sĩ ra, ti tỹ, gĩr kanhrãnrãn to ti fẽg
han kỹ, ti mỹ jẽnkamo tỹ kajãm nĩ ẽn ti, ha mẽ.
Kỹ ẽn tóg sir, ti jẽnkamo ẽn to, fóg tỹ nén ũ há ẽn kygjãm mũ sir,
fóg ag jẽn ko kinhrãg tóg mũ gé sir, kỹ tóg ti jẽnkamo ẽn kren jãvãnh nĩ ha
sir, hãra ũn pir ag hã tóg fóg ag kãki vẽnh kanhrãn jafã jãvãnh kỹ vẽnh
kanhrãnrãn tĩ, fóg ag kóm.
Ẽn ki tóg ver há sĩ nỹ, ti tỹ kanhgág ag mỹ curso pẽ han tũ ra tóg
gera fóg ag mré vẽnh kanhrãn ja nĩ. Jãvo ũn e ag tóg ag estudo sĩ ẽn hã
jẽmẽn kỹ, jatu nỹtĩ nĩ sir.
Kỹ jo gĩr kanhrãnrãn hẽre nãnh mũ jo, prosor estudo sĩ ẽn pi gĩr
kanhrãnrãn há han mũ , ũn nén ki kagtĩg ti hẽren kỹ gĩr mỹ ti nén ki kagtĩg
to ge kenh mũ.
Kỹ tag tóg jagy nã inh mỹ, gĩr tỹ kanhrãnrãn há han tũ nĩ kã,
kanhgág hẽre kã estudo mág nỹtĩnh mũ, kanhgág jagfy fóg ag mré vãmén jé.
Kanhgág tỹ fóg ag nĩgé mĩ mũ jé ke vẽ tag ti, vẽsỹ ke rike vẽ, pi fóg
ag mỹ kanhgág tỹ ne kinhrãg há tĩg nĩ. Ẽg tỹ kar kỹ ne ki fóg ag jãvãnh mãn
tũ nĩn jé sir. Ẽg tỹ ag mỹ inh mỹ ke mũ ẽn tóg ag mỹ há nỹ sir.
Kỹ ũri lei tỹ ẽg jagfy jẽ ra tóg vẽsỹ ken hã rike ja nã ver. Hãra
kanhgág ag pi vẽnh ver tag to jykrég mũ, fóg tỹ ẽg mỹ há han henỹ ke tóg tĩ,
kanhgág ti.
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Hãra fóg tỹ kanhgág mỹ nén ũ han kỹ, tóg ti kanẽ nĩm ge nĩ sir,
kanhgág ti, ti tỹ fóg tỹ ke sór tĩ ẽn kinhrãg jé, fóg tỹ kanhgág jatu tá ti tỹ
rãnh ke tũ nĩ jé.
O ensino ministrado dentro das escolas indígenas: o nascer de
um novo tempo
Hoje, nas nossas escolas, temos professores kaingang, embora não em
número suficiente para atender a demanda. Por isso, ainda tem muitos
professores não-indígenas em sala de aula. Isso se tornou um problema sério na
concretização do ensino diferenciado nas escolas kaingang que, ainda como
agravante tem, à frente das mesmas, diretores não-indígenas. Desta maneira, tais
profissionais/diretores, embora atuantes em escolas indígenas, ainda
permanecem „presos‰ às normas que regem as escolas não-indígenas,
inviabilizando assim, a especificidade da escola indígena, garantida por lei para
a criança kaingang. Atualmente, a carência de material didático apropriado para
ministrar o ensino na língua kaingang também tem sido responsável pela falta
de qualidade do ensino bilíngue. Tenho certeza que está havendo um equívoco
na implementação do ensino diferenciado, que deve priorizar a abertura para se
trabalhar a língua e a cultura, como forma de resgate, preservação e
fortalecimento da mesma dentro da escola, e não para acontecer de qualquer
jeito, sem responsabilidade. A Escola Indígena deve ser Bilíngue, Específica,
Diferenciada e de QUALIDADE!
O Estado precisa assumir a formação dos professores indígenas, em
cursos específicos, ensino médio e superior, de maneira que estejam aptos a não
só preparar o material didático-pedagógico que as escolas indígenas tanto
necessitam, como efetivamente exercer o magistério indígena.
ŨRI LEI T›G ẼG JAGFY R˘N K‹ NỸ
Kỹ ũri ẽg pã'i tỹ kanhgág ag tóg governo mỹ: Kuri, kur ẽg mỹ gĩr
kanhrãnrãn fã tỹ kanhgág ag mỹ, curso pẽ han, ke jé há nỹtĩ sir, jagnẽ mré
jẽgjẽg kỹ.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Magistério ke tĩ ẽn ti, kar kỹ licenciatura ke tĩ ẽn ke gé, gĩr
kanhrãnrãn tĩ kar ag curso tag han kỹ nỹtĩn kỹ hã tóg kanhró nỹtĩ sir, gĩr
kanhrãnrãn jé, fóg ag kanhró ẽn ge.
Ti tỹ gĩr mỹ nén to ge kej ke ẽn kinhra tóg nĩ sir, hẽren kỹ mỹ tỹ
ge kej ke, ẽn kinhra tóg nĩ sir. Kỹ tóg, ti pir mỹ, ti vẽnh rágrá han jé tá krỹ
nĩ, livro ti, cartilha ke tĩ ẽn ti. Ti pir mỹ tóg, ti tỹ aula nĩm ge ẽn to, jykrén
kỹ ránrán kãn kỹ, kãki vẽnh kanhrãn fã ra ma tĩg mũ. kỹ gĩr tóg vãhã
kanhrãnrãn há han mũ sir, ẽn ki, fóg ag pi ẽg to, vẽnh kagtĩg, ke mãn mũ sir,
gĩr kanhrãnrãn tĩ tỹ kanhgág ag to.
Vãhã ẽg tóg ag kóm kanhró nỹtĩ sir. Kejẽn ẽg tag tá junjun kỹ, kurã
tag pãte kanhgág krẽ tóg, fóg ag krẽ kóm kanhrãnrãn há han han mũ sir,
curso há han han jé ag ke mũ, medicina, odontologia, direito, agronomia,
enfermagem, administração, licenciatura, hẽn ri ke mũn curso ũ ag kã'ũ ke gé.
Kỹ ẽg pi sir fóg ag mỹ vẽnh kren mãn mũ, ag rike ẽg tóg nỹtĩ sir, ag
kanhró rike. Kỹ ag pi ẽg to kanhir mãn mũ, vẽnh kato ẽg kamẽ ag tóg
nỹtĩnh mũ há vãhã, ẽg tỹ rãnhrãnh ke kónãn jé ag tóg, ẽkrén mág han ke
mũ sir.
Fóg ag pi ẽg mỹ estudo sĩ ãjag tóg nỹtĩ ke mãn mũ sir. Ẽg pir mỹ
ẽg tóg ẽg livro ránrán mũ sir, ẽg cultura to, ẽg vĩ ki, fóg tỹ ẽg mỹ han
jãvãnh nỹtĩ mẽ. Kỹ livro tóg ẽg kãki gĩr kanhrãnrãn fã kri rũ tĩnh mũ sir,
ẽg vĩ ki. Fóg ag livro tỹ ke ẽn ge.
Kófa ag jẽmẽ kỹ ẽg história ránrán mũ sir, kanhgág ag to, vẽsỹ
kanhgág ag kãme, gufã ag kãme ke gé.
Governo ti ke gé, ti pi ti tỹ ẽg direito kri sãnsãn tĩ tag genh mũ sir,
mỹr kanhgág ag vãhã ag direito komra ke kinhra nỹtĩ ha sir.
Hã kỹ tóg governo mỹ kanhgág tỹ vẽnh kanhrãn vãnh tĩ sir, ti kato
jẽg tũ nĩ jé, vaj kỹ.
Kar kỹ kanhgág mỹ ti rãnhrãj kren tũ nĩ jé, Fóg e tãvĩ ag tóg ver ũri
kanhgág mré rãnhrãj tĩ, kanhgág tỹ estudo sĩ nỹtĩ kỹ. Hãra ẽmã ũ mĩ
kanhgág ũ ag tóg estuda ke ja nĩ, hãra fóg ag tóg gera kanhgág ag mré rãnhrãj
63
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
nỹtĩ, kanhgág aldeia mĩ, fóg ag tóg pã'i tỹ kanhgág ag mré vĩ sér ja nĩgtĩ, kỹ
ag tóg sir kanhgág tỹ estuda ke mág ja ra, fóg ag hã fẽg han kã nĩ gé sir.
Kỹ tag tóg inh mỹ jagy nỹ, mỹr ẽg tỹ kanhgág ti, ẽg mỹ tóg, ẽg krẽ
tỹ vẽnh kanhrãn mág kỹ fóg ag kóm rãnhrãj há, vej há tĩg. Ag tỹ estudo mág
nỹtĩn kỹ, kanhgág ag krẽ ti, ag hẽnỹ fóg ag ẽg mré rãnhrãj nỹtĩ tag rugan
mĩ nỹtĩg mũ ke tĩ vẽ, hãra fóg ag hã nỹ kanhgág mré rãnhrãj nỹtĩ ver.
Kỹ fóg ag pi kanhgág kinhra nỹtĩ, hãra hã tóg kanhgág mré rãnhrãj
nỹtĩ, jãvo kanhgág krẽ tóg estuda ke mũra fóg hã kãra rãnhrãj jãvãj mũ tĩ, fóg
ag jamã mág ra.
Kỹ fag tóg kar tá ũ ve kỹ mén tĩ sir ke gé, vỹn ke mãn tũ nĩnh mũ
sir, kanhgág jamã kãra, ke tũ nĩ kỹ, fi mén tỹ fi tỹ hẽnri ke vẽnhmỹ han kỹ
fi tóg kejẽn mén tũ han kỹ jun mũ sir, fi krẽ tãvĩ mré, fi panh tỹ fi mré
jẽg'ỹn jé sir, ẽn ki fi kanhkã kar tóg fi mré gĩr ẽn kirĩr mũ sir, hãra pi ti jóg
kinhra nỹtĩnh mũ sir gĩr ẽn ti.
Jãvo kanhgág ti, tá ti fóg ũ fi vej mũ gé, kỹ tóg fi tỹ prũg mũ gé sir, ti
mỹnh fag ré kỹ tóg, fóg ag jamã tá nĩnh mũ sir, ti krẽ mré. Tá fóg rike
nỹtĩnh mũ sir, kanhgág vĩ ki kagtĩg nỹtĩnh mũ, fóg vĩ tãvĩ hã kinhra nỹtĩnh
mũ sir.
Kar tag tavĩ pi jé ke gé, ũri ẽg krẽ tóg vẽnh kanhrãnrãn, fãn mũ, kỹ
ẽg tỹ vẽnh nã mỹ fóg ag jamã mág mỹ ti krẽ krenkren kãn mũ ha, fóg ag tỹ
ẽg mré rãnhrãj mũ jo.
Kinhra ẽg nỹtĩ, ag tỹ ẽg mỹ ẽg ruga togvãnh kãn kỹ, gera ẽg krẽ ũ
tóg fóg kãra rãnhrãj tĩg mũ vẽ gera, hãra ẽg tóg nén ũ to jykrén mũ vẽ ke gé,
fóg ag jamã ra mũ tũ nĩ jé, ẽg ga hã kãmĩ rãnhrãj mũ jé sir, ẽg tỹ kanhgág ti.
Ẽg ga tỹ rãnhrãj jé ẽg ke mũ vẽ, ẽkrãnkrãn kỹ ẽg krẽ jẽnjẽn jé.
Nénũ'ũ han jé ẽg jagnẽ mré to jykrén mũ gé sir, ẽg ga jagtãn jé, ẽg krẽ tỹ to
nénũ ven jé, ti krẽ mỹ.Ũri ẽg ga tóg ẽg mỹ kãsiri nỹtĩ ha, governo tóg ẽg ga
tỹ kãsir ke ja nĩgtĩ, fóg ag mỹ kykym kỹ, ag mỹ ti vẽne ke ja nĩ, ẽkrãnkãn tĩ
ag mỹ.
Tag tugnĩn ũri ẽg ga tóg kãsiri nỹtĩ há, hã kỹ tóg ũri ẽg ki kénh mũ
sir, ga ti.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Hãra fóg ag ẽg ga pipin mũ jãvo, ẽg povo tóg vẽnh en ha tĩ mũ, hã
kỹ ũri ẽg ga tóg ẽg ki kãsir tãvĩ nỹtĩ há sir.
Hã kỹ ẽg krẽ tóg vẽnh kanhrãnrãn mág ge nỹtĩ, nénũ'ũ mré ke
kinhrãg jé , ti kanhkã mỹ tagmĩ ken jé kar. Kỹ ẽg tỹ jagnẽ mré nénũ'ũ to
ẽkrén kỹ ẽg krẽ pi fóg kãra mũ mãn mũ sir, ti tỹ estudo mág ra, ẽg gan hã
kri nĩ kỹ tóg rãnhrãj ke ũ vej mũ sir. Rãnhrãj ẽn han tĩ ki tóg ti krẽ tỹ
kynkar kỹ han ke mũ ẽn to jykrég tĩ gé sir. Ge ag tĩ gé, fóg ag.
Kỹ tóg, fóg ag tỹ ẽg mỹ lei han ja to sa, ẽg tỹ kãki gĩr kanhrãn ge to
rá ti, ge nỹ jé tóg ke nỹ ha mẽ: Gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág tavĩ tóg ẽg vẽnh
kanhrãn fã kãmĩ rãnhrãj ke nỹtĩ, fóg pi jé. Kỹ tóg kanhgág vĩ tó kinhra
nỹtĩnh mũ ke gé, gĩr mré.
Ti vĩ ki tóg ti kanhrãn mũ , ky tóg kanhgág mỹ kanhrãn tỹ mrãnh kej
mũ sir, gĩr tỹ kanhgág ti, mỹr ti vĩ pẽ vẽ, hã kỹ tóg kanhmar kanhrãn mũ
sir. Kar kỹ fóg fag tỹ gĩr pépé ránrán nỹtĩ nĩ ke mũ ẽn fag, ha mẽ, ẽg kãki
gĩr kanhrãnrãn fãn ki, kũputanor vóg ge mũ ẽn fag ke gé, ha mẽ, kanhgág
tãvĩ tóg to nỹtĩnh ke nĩ gé, ẽg vẽnh kanhrãn fã jãnhkrig mũ nĩ ke mũ ẽn fag
ke gé, ẽg krẽ mỹ vẽjẽn han ke mũ ẽn fag ke gé, ẽg gĩr kanhrãnrãn fã kãmĩ
vẽnh rãnhrãj kar mĩ tóg tỹ kanhgág tãvĩ ruga nĩ. Hãra fóg fag ne ẽg mré ver
kãmĩ mũ nĩ.
Ẽg pã'i mág ag, ẽg pã'i tỹ kanhgág ag hã tóg fóg ag vĩ jẽmẽ kỹ ag hã
vin han ge mũ, kejẽn fóg ag tóg ag mỹ ón kỹ ruga tag tóg tỹ fóg ag ruga nĩ
ke tĩ, hẽnri ke kỹ fóg ag tóg ag nĩgé kã nén ũ sĩ nĩm tĩ ke gé, hã kỹ tag tóg ge
nỹ.
As novas leis favorecem e respaldam as lutas kaingang na
educação bilíngue
Antes da Constituição Federal de 1988, os professores bilíngues
desejavam o ensino diferenciado, porque perceberam que aquela forma de
educar, ministrada dentro das escolas indígenas, só estava servindo à
desagregação cultural. Porém, não tinham nenhum respaldo legal para exigir
isso. Muito diferente dos dias atuais, em que existe uma legislação própria que
65
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
garante essa escola indígena respeitosa, que tanto almejaram na época. Por
outro lado, embora exista uma legislação que contemple os anseios dos
professores indígenas daquela época, hoje o ensino nas escolas indígenas
continua deixando muito a desejar porque „o ensino diferenciado é muito mais
do que alfabetizar na língua materna, pois precisa estar alicerçado na forma
tradicional de ensinar de cada povo indígena‰.
ẼG P‹'I AG TŁG AG NÉN HAN KE TŨ KINKRA NỸTĨNH
KE NĨ
Vẽsỹ ẽg pã'i ag pi ge ja nỹtĩ, kanhgág hã jagfy ke há tãvĩ ja ag nỹtĩg
nĩ, vẽsỹ ẽg pã'i ag. Jãvo ũri ẽg pã'i ũ ag tóg ag mỹ: ‹ mã sóg tag nĩm mũ, ke
kỹ, sir ti tỹ pã'i nĩ kãjatu ke mũ ve nĩgtĩ.
Ti tỹ pã'i nĩ ẽn to tóg jẽnkamo gỹjũ ke sór tĩ sir, hãra tag tóg kórég
ja nã, ẽg tỹ kanhgág mỹ, vẽsỹ pã'i tóg kejẽn ti kanhkã ag vẽnhmãn kỹ ag
mỹ: Inh ro tóg tĩ ha, kỹ vẽnh jãmĩ ũ fẽg, sỹ vẽnhkán tomẽ to, ke tĩ vẽ,ẽn
ki ag ũ mỹ: Ti rikén ẽg kirĩr sĩ han ver, ke já nĩgtĩ.
kỹ ẽn tóg ti krónh ke kỹ ũ mỹ tovãnh ge já nĩgtĩ. Hãra pi ũri ge tĩ
ha, ẽg pã'i , tóg kutẽ tũg kỹ kanhgág mré rárá sór tĩ, kanhgág tỹ tóg ẽmã ũ
tá vãvãm tĩ sir, ti to vĩn kỹ, ti tỹ kórég han tĩ ra tóg, ẽmẽ kã nỹtĩ nĩ, ke mũ.
Tag hã tugnĩn fóg tóg ver ẽg gĩr kanhrãnrãn fã kãmĩ e tãvĩ nỹtĩ gé.
Hãra pi fóg ag tỹ ẽg gĩr kanhrãn fã to lei han ja, to sa. Mré pi, tag tóg governo
mỹ tag mỹ contrato nĩm ke já nĩ. kỹ ẽg pã'i ag kygnẽg mũra, governo tóg
kygnẽg nĩ gé, ti tỹ ag mré, hej ke nĩ tag tugnĩn.
Governo tóg kanhgág ag mỹ curso han han kar, ag mỹ concurso han
han mũ gé. Kỹ ũn tĩg há han mũ ẽn tóg, banca ki jag nón nỹtĩg mũ sir, kar
kỹ governo tóg vẽnh kanhrãn fã tỹ jãvãnh kỹ, jag nón ag tatĩn mũ sir ag
rãnhrãj jé. Fagtã ũ tá tũ nĩn kỹ tóg banca ẽn ki, ve kỹ tóg, ũn ag jãkã jẽ ẽn
mỹ, ti nomeação venh mũ sir, ti rãnhrãj jé. Ẽn ki, ti pi jẽnkã ror mĩ rã kã jẽ,
prova han kỹ ti ruga ẽn tá nĩ nĩ, hã kã ti kurã tóg sir jun mũ, ti rãnhrãj jé.
Ge tũ nĩn hã kỹ, fóg fag tóg kanhgág to vĩ ke mũ gé, vẽnhkagtĩg ra
jẽnkã ror mĩ kãge kỹ rãnhrãj nỹtĩ ke fag tóg tĩ, estudo mág tũ ra, ke fag mũ.
66
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Hãra ẽg governo pi ẽg mỹ tag han ha ve nĩ, kanhgág kanhrãnrãn pi inh mỹ,
inh rãnhrãj ũ jãkã jé, kỹ inh pi to kanẽ jur mũ, ke ja fi tóg nĩ ẽn governadora
fi.
Kuar mĩ estado ũ ag mĩ governo ag tóg jãvo kanhgág ag mré ag krẽ
kanhrãnrãn tĩ ag estudo to kanẽ jur ja nĩgtĩ, kỹ tóg kanhgág ag gĩr kanhrãn
nỹtĩ ẽn ag mỹ curso han han ja nĩ sir, kar kỹ tóg ag concurso han han ja
nĩgtĩ ke gé, kar kỹ ag nomear ke ja nĩ sir, kanhgág ag tóg sir tỹ estado ki tỹ
funcionário concursado nỹtĩ sir, ha mẽ.
Kanhgág ag mỹ ag tóg curso de licenciatura vin ja nĩ, ke gé,
universidade ke tĩ ẽn ag kã'ũ kãmĩ. Kanhkág ag sir, fóg ag kóm faculdade han
han jé, fóg ag estudo rike nỹtĩ jé, mỹr hamẽ.
Kanhgág ag kanhrãn sór ag nỹtĩ, ẽg to lei kamẽg kỹ, ag vẽnh
kanhrãn mág kỹ nỹtĩn kỹ, kanhró nỹtĩ kỹ vẽsóki ag cultura to vẽnh ránrán
kỹ vẽsóki rivro han han ti ke gé. Kar kỹ, tá gĩr kanhrãn tĩ ũ pi, tỹ fóg nĩ ha,
kanhgág tãvĩ tóg, kanhgág kãsir kanhrãnrãn tĩ. Pi tá fóg nĩ há, ag hã tóg, ag tỹ
gĩr kanhrãn ge ẽn kinhra nỹtĩ sir, fóg ag pi to ne kinhra nỹtĩ, ke ag tóg tĩ.
Kar ag tóg ag jamã kãmĩ ensino médio vin mág ja nĩ ha jãvo, kỹ ag tóg
ag krẽ kanhrãnrãn mág kar hã, fóg ag kãra ag krẽ mũn tĩ, ag mỹ ag tóg, fóg
ag tóg ẽn ge nỹtĩ, ãjag mỹ ag tóg genh mũ, kỹ ãjag tóg vẽnh kato ag mỹ
genh mũ sir , ke ag tóg mũ ag krẽ kãsir ag mỹ.
Kỹ ag tỹ kejẽn fóg ag kãra ag estudo kãn mũ kỹ tóg, sir fóg ag kinhra
nĩ sir, ag ti mỹ vĩnh ke kinhra tóg nĩ sir, kỹ tóg vẽnh kato fóg mỹ vĩ há nĩ
gé, kanhgág sĩ ti. Ti pi fóg kãsir ag mỹ krónh kej mũ, mỹr tóg ti jamã tá
kanhrãn há han kã, tá jun kỹ jẽ.
Ẽn ki tóg ge ra ti estudo kãn mũ sir.Ti pi ti estudo kãn mẽ ti jamã ra
vỹn kej mũ, ke gé, fóg ag kamég ke tũ tóg nĩ, kanhgág sĩ ti, ti krĩ fẽg kỹ tóg,
ag mré féfén mũ, ti pi ti tỹ kanhgág nĩ to mã'ãg mũ ke gé.
Jãvo ẽg estado ki, Rio Grande do Sul ki, kanhgág jamã kãmĩ pi, ensino
médio tĩ, tũ tĩ, ũ tóg, ensino fundamental tá krỹ nỹtĩ, jãvo ũ ag tóg tá krỹ
tũ nỹtĩ ver, hã kỹ kanhgág krẽ tóg sir kãsiri ra fóg kãra vẽnh kanhrãn mũ tĩ,
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
kỹ kanhgág tỹ ti kanhrãn mũ pi tempo han mũ, ti tỹ gĩr ẽn mỹ, fóg kãtá ã
tóg ẽn kato tẽnh mũ, ken jé.
‹ mỹ ge jé ag tóg mũ, fóg ag, ken jé. kỹ fóg kãsir ag kanhgág sĩ mỹ
vĩn kỹ tóg sir vỹn ke mãn ke tũ nĩ, vẽnh kanhrãn fã ẽn ra, pi estuda ke mãn
mũ sir, gĩr ẽn tóg vẽnh kanhrãn mãn ke tũ nĩ sir, kaga jagy ti nỹ ẽg mỹ, ẽn
tỹ kanhgág mỹ.
Kanhgág krẽ e tóg gen kỹ, ti estudo tovãnh kỹ nỹtĩ. Tag tóg hãra fóg
ag mỹ há nỹ gé, ẽg tỹ estudo tũ nỹtĩn kỹ ẽg pi ẽg direito jãvãnh kinhra
nỹtĩ sir, kỹ tóg ag mỹ há tĩ sir, kanhgág krẽ tỹ estuda ke tũ nĩ ti. Tag tugnĩn
ẽg pã'i tỹ kanhgág ag, kar kỹ gĩr kanhrãn tĩ tỹ kanhgág ag, vẽnh panh ke gé,
jagnẽ mré jẽgjẽg kỹ governo mỹ: kuri, ken hã tóg tũ nĩ ha. ‹jag tỹ ẽg mỹ
lei han ja to tóg sa, ken hã tóg tũ nĩ, lei vẽ kỹ kuri, kur ẽg mỹ han, ke jé.
Hãra ti tỹ ẽg mỹ ne vég tũ nĩ kỹ ẽg tóg Ministério Público ke tĩ ẽn
mỹ: kuri ẽg mré vé ken hã tóg tũ nĩ sir. Ẽn ki tóg justiça tá ẽg mỹ han mũ
sir, mỹr lei vẽ, ha mẽ.
Ũri kanhgág tóg, ti tỹ fóg kato rã jé há nĩ ha, justiça tá, ti direito vẽ.
Vẽsỹ FUNAI hã tóg ẽg jagfy, justiça ki rã tĩ vẽ, kanhgág pi tag han jé, tá krỹ
nĩ vẽ. Hãra ũri sỹ lei tó nĩ tag hã tóg ẽg mỹ, direito tag nĩm mũ, ke gé. Jãvo
ẽg tóg vẽsỹ tỹ gĩr rike ja nỹtĩ, ne ki direito tũ, fóg ag tóg ẽg jagfy nén'ũ to
jykrég tĩ sir, tag hẽ nỹ kanhgág ag mỹ há nỹnh mũ, ke jafã ag nỹtĩ, fóg ag.
Sỹ ãjag mỹ, fóg ag tóg ẽg jamã tỹ Brasil to lei mág vóg kỹ nén e tỹ' ũ
ke ja nĩ, kỹ ag tóg kanhgág ag to lei tỹ pãgsĩ ke ja nĩ gé, Prỹg tỹ 1988, kã fóg
ag tóg tag han ja nĩ. Ag vóg tũ ki, ne há pi ẽg to rán kỹ nĩ ja nĩ, kanhgág pi
fóg krĩ rike nĩ, vẽnh kagtĩg ag tóg nỹtĩ, gĩr rike, ke ag tóg mũ fóg ag. Kỹ tag
tugnĩn ẽg tóg ag kirĩr ke nỹtĩ, ag jagfy ẽg nén ũ han ke nỹtĩ, ẽg hã tóg ag
mỹ nén há nã ẽn kinhra nỹtĩ, ke jafã ag tóg nỹtĩ, fóg ag. Tag tugnĩn ag tóg
ẽg tỹ vẽdyn kã nỹtĩ. Ẽg tỹ nén to kej vãnh ẽn to ag tóg sir, vó, ãjag mỹ há
tóg nã, ke tĩ. Ẽn ki ẽg tóg sir ẽmẽ kã nỹtĩg tĩ, ẽg mỹ há tũ ra.
Diálogos internos em busca de autonomia
Este item foi escrito especificamente para autoridades kaingang.
68
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Conclusão
Em face da perspectiva histórica apresentada sobre a educação escolar
indígena kaingang e considerando sua atualidade, enquanto educadora
kaingang almejo que a nossa escola venha a efetivamente concretizar o previsto
na legislação atual que a abrange, de maneira que tenha o perfil formador do
jovem kaingang, apto a enfrentar a vida e seus desafios não somente com
dignidade, mas com orgulho de ser kaingang.
69
II PARTE
EDUCAÇ‹O DE JOVENS E ADULTOS:
SUBS¸DIOS PARA CONSTRUÇ‹O
DE CURSO DE TÉCNICAS
AGR¸COLAS KAINGANG
Maria Inês Freitas1
Resumo
O presente trabalho aborda questões relacionadas à educação escolar
indígena, com reflexões acerca do currículo para curso de técnicas agrícolas
para os jovens e adultos indígenas kaingang do Rio Grande do Sul (PROEJA).
Este texto traz relatos de experiências de atividades agrícolas entre os indígenas
mais idosos, pessoas com longa trajetória de trabalho e autossustentação social
e ambiental, residentes nas Terras indígenas Ligeiro e Carreteiro. Trata de
estabelecer correlações, tendo os conhecimentos tradicionais de produção como
base inicial para reflexão, com os conhecimentos relacionados às novas
tecnologias. A abordagem valoriza a cultura kaingang, estando interligada à
busca da autonomia econômica para as comunidades.
Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. E-mail: [email protected]
1
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Palavras-chave
Kaingang – Instrução – Técnicas Agrícolas.
Adult and Young Persons Instruction: Data for the Creation of a
Course on Kaingang Agricultural Techniques
Abstract
The present work deals with questions related to indigenous scholar
instruction with reflections about the curriculum for agricultural techniques
course addressed to Kaingang adult and young persons in Rio Grande do Sul
(PROEJA). This text shows reports of agricultural experience activities among
the elderly natives, people with a long time of working and social and
environmental self-maintenance living in Ligeiro and Carreteiro indian lands.
Having the traditional knowledge on production as a basis for reflection the
text sets up correlations with other knowledge related to the new technologies.
This approach evaluates Kaingang culture once it is interrelated to the search
for the community economical autonomy.
Key-words
Kaingang - Instruction - Agricultural Techniques.
Introdução
O presente trabalho aborda questões relacionadas à educação escolar
indígena, com reflexões acerca do currículo para curso de técnicas agrícolas
para os jovens e adultos indígenas kaingang do Rio Grande do Sul (PROEJA).
Este texto traz relatos de experiências de atividades agrícolas entre os indígenas
mais idosos, pessoas com longa trajetória de trabalho e autossustentação social
e ambiental, residentes nas Terras Indígenas Ligeiro e Carreteiro. Trata de
estabelecer correlações, tendo os conhecimentos tradicionais de produção como
base inicial para reflexão, com os conhecimentos relacionados às novas
74
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
tecnologias. A abordagem valoriza a cultura kaingang, estando interligada à
busca da autonomia econômica para as comunidades.
No presente trabalho, traçamos uma linha de tempo, que inclui relatos
de experiências das práticas desde o período Serviço de Proteção ao ¸ndio (SPI o chamado „panelão‰), abordando os ranços e prejuízos sociais provocado por
uma atuação de opressão, exploração da mão-de-obra indígena e
aproveitamento dos recursos naturais de dentro das terras indígenas em
benefício de terceiros.
Foram realizadas entrevistas, através de um questionário, sobre as
práticas agrícolas desenvolvidas no passado e sobre as técnicas desenvolvidas
atualmente. Também foi elaborada revisão bibliográfica a partir de textos
teóricos que apresentam relatos de experiências de desenvolvimento de projetos
sustentáveis em terras indígenas e agricultura orgânica. A partir das questões
históricas do desenvolvimento econômico e das práticas tradicionais
sustentáveis nas Terras Indígenas Carreteiro e Ligeiro, refletimos sobre
atividades produtivas em terras indígenas. Partimos da realidade e do potencial
de produção das duas terras já referidas, para refletir sobre as condições
necessárias à construção de propostas alternativas de produção economicamente
e ambientalmente sustentáveis.
A economia kaingang: breve histórico
Os Kaingang são, atualmente, o terceiro maior povo indígena no Brasil,
cuja população total ultrapassa 30 mil pessoas. A população indígena kaingang
no Rio Grande do Sul aproxima-se de 22 mil pessoas. No interior das Terras
Indígenas deste povo funcionam 45 escolas que atendem a 4.500 alunos no
Ensino Fundamental, oferecido, na maioria delas, incompleto. Ainda não
temos, em nosso estado escolas de ensino médio em Terras Indígenas. Os jovens
indígenas, para cursar o Ensino Médio, precisam se deslocar para escolas
situadas na sede de municípios mais próximo das aldeias, onde há oferta dessa
modalidade de ensino. Desse modo encontram muitas dificuldades para
realizarem seus estudos. As principais dificuldades que enfrentam são: aquisição
de material didático, transporte, discriminação racial entre colegas e, às vezes,
75
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
com professores e aproveitamento insatisfatório. Esse conjunto de situações
desfavoráveis causa, frequentemente, o abandono dos estudos.
As escolas em Terras Indígenas possuem proposta pedagógica
diferenciada com ensino na língua indígena, kaingang ou guarani, no caso do
Rio Grande do Sul. Cada escola tem sua relativa autonomia para construção do
Projeto Político-Pedagógico, pois precisa atender às exigências do sistema
estadual ou municipal de educação, em conformidade ao sistema ao qual está
vinculada. O principal desafio das escolas indígenas é estabelecer o referencial
conceitual do que é o específico e diferenciado e implementar práticas
pedagógicas que evidenciem as questões culturais. Um dos pontos mais
polêmicos é a questão da língua indígena, à qual é dado um espaço em média,
nas escolas indígenas, de duas a três horas semanais, sendo o objetivo principal
da escolarização, conforme o que consta na lei, aprender a ler e escrever em
kaingang ou em guarani. Não só os conteúdos são trabalhados todos em
português, mas na maioria das vezes obedecem às determinações curriculares e
calendários estabelecidos pelo sistema de educação ao qual está ligado.
A Terra Indígena Ligeiro possui uma população de 1.512 habitantes que
ocupam uma área de 4.565 hectares. A base da economia das famílias indígenas
é agricultura familiar, pecuária para consumo e artesanato para
comercialização. A Terra Indígena Ligeiro foi a comunidade do estado do Rio
Grande do Sul em que o SPI atuou por mais tempo, pois foi a última
comunidade em que terminou o chamado „panelão‰. Na referida comunidade,
há uma escola que atende a 475 alunos do 1À ano ao 9À do Ensino
Fundamental. A Terra Indígena Carreteiro possui uma população de 193
habitantes que vivem em uma área de 602 hectares. Possui uma escola, que
atende 36 alunos do 1À ao 5À ano do Ensino Fundamental.
A atuação da escola produz interferências diretas na vida das
comunidades. Daí a importância de serem trabalhadas questões específicas da
realidade atual e cultural de cada povo. E, atualmente, a sustentabilidade das
comunidades indígenas requer, da educação escolar, um espaço de relevância
para análise da realidade. Reflexões sobre meios de produção são importantes
para avaliar e construir propostas alternativas sustentáveis na atividade agrícola,
que vai produzir alimentos e gerar qualidade de vida.
76
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
As comunidades indígenas têm tradição de estabelecer uma relação
sustentável com a terra, que para nós é considerada como mãe. Então,
estabelecemos uma relação de reciprocidade com a terra, na lógica de que mãe
não se vende, não se maltrata, não se destrói... É dela que tiramos nosso
sustento! É da mata nativa que tiramos nossos remédios; raízes folhas, cascas,
cipós... Também os ẽgoro (verduras tradicionais), que só nascem e se
desenvolvem onde houver as condições favoráveis, como mata e solos férteis.
As mudanças no sistema de produção, as novas tecnologias e os altos
custos na produção das monoculturas, têm remetido às comunidades indígenas
a necessidade de resgatar sistemas antigos de produção, técnicas de
armazenamento de sementes, controle natural de doenças e, principalmente, a
diversificação de culturas.
As concepções de trabalho e de reciprocidade
As concepções de trabalho e de reciprocidade, para os kaingang, têm a
função de satisfazer as necessidades sociais do grupo familiar, do coletivo, do
individuo, da cultura... É uma ação harmoniosa do agente conhecedor
intervindo na natureza. Por exemplo, o trabalho em mutirão, em sua
funcionabilidade, reúne vários aspectos da cultura; a sociabilidade,
solidariedade, produtividade, reciprocidade e principalmente aprendizado, onde
os mais velhos educam os mais jovens. Quanto mais velho for o kaingang e
mais experiência acumulada ele possui, o mesmo é mais respeitado pelos
conhecimentos adquiridos na sua trajetória de vida.
Na época da colheita, também é realizada a prática da partilha, onde
são distribuídos os produtos colhidos em comum acordo, conforme a
participação e contribuição dos integrantes da família no trabalho gerado em
todo o processo de produção. Além disso, é comum a prática de doar, de quem
tem bastante doar/ceder para quem não tem, principalmente no núcleo
familiar. A concepção de bem estar individual está ligada ao bem estar coletivo,
que depende de garantia de acesso à alimentação, saúde, educação, moradia,
acesso à terra e a outros direitos sociais já conquistados.
77
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Uma família kaingang que se preza não deixa seus filhos crescerem sem
aprenderem a trabalhar! Esse aprendizado começa, para os jovens, a partir de 10
a 11 anos. Esses jovens são convidados a acompanhar os adultos nas tarefas
diárias, onde devem desempenhar atividades que tenham capacidade e condição
física para executar. O aprendizado dos jovens indígenas kaingang se dá no
decorrer do processo de seu crescimento, e gradativamente, através do diálogo,
da demonstração, da experimentação, da observação, da execução e de outras
formas de relação interpessoais, esses jovens vão assumindo responsabilidades
com o trabalho, com seu próprio aprendizado e com o seu núcleo familiar. Os
ensinamentos e aprendizados se dão, passo a passo, nem tudo de uma vez, nem
de uma vez por todas. Toda essa dinâmica está ligada às questões da
organização social de cada comunidade indígena como, por exemplo: o
casamento que estabelece as alianças entre kamẽ e kanhrukré, as relações de
poder, os rituais, cantos, mitos e outras formas de manifestações culturais. A
organização social está ligada aos valores culturais e à relação com o trabalho.
O trabalho da lavoura é pesado, porém, quando executado em equipe,
parece mais leve e mais divertido; não é encarado como penoso ou desgastante.
Na dinâmica diária, se trabalha o necessário para produzir o suficiente para
viver bem. A produção precisa ser suficiente para alimentar toda a família,
garantir saúde, vestuário, moradia, educação; enfim, as condições necessárias
para se obter conforto e bem-estar. O trabalho, seja na lavoura ou no
artesanato, é de responsabilidade do grupo familiar que o produz e gera
qualidade de vida para o grupo todo. Tudo o que se produz é partilhado entre
os componentes da família envolvidos e com os beneficiários da produção que
se envolvem, de uma forma ou de outra, no trabalho.
Em texto que aborda a relação dos Kaingang com o trabalho (Silva,
2009), observamos que, na sua forma tradicional, o trabalho, não se baseia em
uma carga horária diária. O trabalho está ligado à produção de alimentos e
deve servir à vida da comunidade em família. Dessa forma, não há necessidade
de sobrecarregar as pessoas de atividades, pois não se dá importância para o
acúmulo de riquezas. Tanto para os Kaingang, como para a maioria das
comunidades indígenas, a produção de alimentos está ligada aos direitos e
obrigações culturais. As práticas dos rituais têm um sentido religioso ou festivo.
78
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Na caçada, bem como na retirada dos remédios, há uma preocupação com as
consequências para si e para os beneficiários que vão usufruir desses trabalhos.
Ressalto ainda a importância do artesanato a partir das reflexões de
Damiana Bregalda e de Miriam de Fátima Chagas, na publicação Povos
Indígenas na Bacia Hidrográfica do Rio Guaíba (Freitas, 2008), embasadas em
uma série de estudos antropológicos que analisam os processos, as relações e
significados que envolvem a prática do artesanato kaingang, desde a sua
produção até a comercialização nos centros urbanos. As reflexões das autoras
consideram que o artesanato é uma atividade contemporaneamente produtiva
dos Kaingang, que permite atualizar uma série de relações sociais, culturais,
cosmológicas, que auxilia no modelo de organização que procura dar
sustentabilidade ao grupo familiar, valorizando a perspectiva da mobilidade
espacial. O artesanato é uma atividade desenvolvida mais pelas mulheres e
meninas, e auxiliado pelos homens. Para sua comercialização, são envolvidas as
mulheres e crianças. Para os Kaingang, o trabalho é meio de vida, é sabedoria, é
garantia de inserção no espaço sociocultural e é reconhecimento do
pertencimento individual ao coletivo.
Relatos de experiências do SPI2: „O Panelão‰
O Senhor Lourinaldo Valdereys Rodrigues Velloso, pernambucano,
filho de um oficial do exército, atual chefe de posto da Terra Indígena Ligeiro,
vivenciou atuações do SPI, quando ainda criança, onde veio morar com sua
família, na década de 50, na referida T.I. Nesta época, havia duas serrarias e a
criação de gado, a partir da qual era oferecido leite para a comunidade. As
serrarias eram de propriedade particular, e retiravam, beneficiavam e vendiam
madeira. Os recursos provindos do trabalho dos indígenas, na lavoura, criação
de gado e exploração de madeira, a princípio, eram investidos na comunidade
através de projetos. Porém, os indígenas não participavam das tomadas de
decisão.
Serviço de Proteção ao Índio - SPI, instituição criada em 1910 e que perdurou até 1967,
substituída pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI.
2
79
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Segundo relatos do Sr. Lourinaldo, o SPI (Serviço de Proteção ao ¸ndio)
foi criado, por volta de 1910, pelo oficial do exército Marechal Cândido
Rondon. Em expedições pelas comunidades indígenas no Brasil, Rondon
constatou que os indígenas eram desprotegidos e, em função disso, foi criado o
Serviço de Proteção ao ¸ndio, ligado à esfera federal, e que desenvolvia
atividades junto às comunidades indígenas. O Rio Grande do Sul era o único
estado brasileiro em que havia comunidades indígenas sob responsabilidade
estadual. As aldeias do Inhacorá, Carreteiro, Votouro, Serrinha e Ventarra
estavam sob jurisdição do Estado através da Secretaria Estadual da Agricultura.
O SPI encampou a luta pela devolução da questão indígena para a esfera
federal. Os representantes estaduais, em negociações aceitavam a devolução do
gerenciamento das aldeias que estavam sob sua jurisdição, na condição que
parte das terras indígenas ficasse para o estado. Antes da transferência da
questão indígena da esfera estadual para esfera federal, foi criada a reserva
florestal de Nonoai. A T.I. Rio da Várzea era uma extensão da T.I. Nonoai e
servia como refúgio dos indígenas quando havia algum tipo de conflito, era
usada como território neutro.
Segundo o indigenista Egidio Schwade, em relato realizado na
conferência sobre Desafios Atuais da Educação Escolar Indígena, na Unicamp
(Veiga e DÊAngelis, 2005), em 1967, ele e alguns companheiros, em visita a
algumas comunidades indígenas do Rio Grande do Sul, tomaram
conhecimento da angústia pela qual passavam os povos indígenas do Sul. Citou
um exemplo do Votouro, onde lhe mostraram uma foto de índio apedrejado
até a morte. Em Nonoai, visitaram os ranchos que abrigavam 1.200 indígenas
encurralados, pois, aproximadamente três mil famílias de pequenos e grandes
agricultores foram paulatinamente ocupando as terras indígenas demarcadas,
com o aval do SPI. Segundo Egídio, essa situação lhe deixou muito chocado e
lhe marcou profundamente. Esse grupo retornou decidido que precisava fazer
alguma coisa. Então, fizeram um relatório divulgando e discutindo toda essa
situação, e o entregaram aos jornais. Mobilizaram alguns meios de
comunicação e trouxeram a televisão para a aldeia. E que o cacique considerado
herói, o primeiro que enfrentou, naquela época, as câmeras de televisão
denunciando a crueldade em que viviam os índios do Sul do Brasil, foi o
cacique da Terra Indígena Votouro, o Sr. Juvêncio Paulo. A partir dessas
80
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
denúncias, na década de 1960, começou a decadência do SPI, com a instalação
de uma comissão parlamentar para apurar essas irregularidades.
A comissão parlamentar, criada a partir das denúncias, apurou
irregularidades tais como: arrendamento de terra, exploração ilegal de madeira,
invasão de colonos dentro das terras indígenas, trabalho escravo dos indígenas e
outras violação de direitos indígenas. O Senhor Lourinaldo relata que existia o
DGPI (Departamento Geral de Patrimônio Indígena) em todas as terras
indígenas, e que esse departamento cuidava da exploração da madeira. Na
ocasião em que era chefe da Terra Indígena Guarita, de 1973 a 1974, informa
que, quando morria alguém da comunidade, as tábuas para fazer o caixão
precisavam ser compradas. As apurações das irregularidades dos Serviços de
Proteção aos ¸ndios Estadual e Federal, pela comissão parlamentar, apontaram
para a responsabilidade da esfera federal, o que acarretou no fim do SPI e em
1967, na criação da FUNAI – Fundação Nacional do ¸ndio.
Segundo depoimento dos indígenas que vivenciaram os trabalhos do
SPI, estes afirmam que eram obrigados a trabalhar na lavoura: homens,
mulheres (mesmo as que tivessem filhos pequenos), rapazes e moças. Os
meninos e meninas começavam a participar das „turmas‰ a partir dos nove
anos de idade. Quem estudava, trabalhava meio turno, e meio turno ia para a
escola. O trabalho na lavoura era realizado de segunda a sexta-feira. A turma
ficava acampada e não era permitido aos indígenas irem para casa durante a
semana. As lideranças, orientadas pelos diretores do SPI, eram quem fazia a
distribuição dos serviços. Se alguém faltasse ao trabalho, os responsáveis faziam
uma relação com os nomes dos „faltosos‰, que eram chamados e levados para a
cadeia.
O Sr. Manuel Inácio, 70 anos, relata que tinha 12 anos quando
começou trabalhar nas turmas. Na época, estudava em Getúlio Vargas meio
turno, e trabalhava no outro. Porém, no período de preparo das lavouras,
plantio ou colheita, eles eram obrigados a acampar, às vezes por até 30 dias, nas
lavouras, sem poder voltar para casa ou ir para a escola. Segundo ele, ganhavam
duas peças de roupas, duas vezes por ano, como retorno desse trabalho. A
alimentação que os trabalhadores recebiam era sempre a mesma, feijão com
farofa, que eram preparados em panelões, para aproximadamente 250 pessoas.
81
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Apenas ofereciam carne nas refeições nos dias de trabalhos em finais de
semana. Estabeleciam horários para começar a trabalhar e, quando chegavam
atrasados, assim que chegassem e começassem as atividades, os trabalhadores
eram açoitados com varas de timbó. Afirma que plantavam de cinquenta a cem
sacas de feijão e de milho com sacho. Produziam tudo com mão-de-obra braçal:
milho, feijão, trigo, aveia, batata, mandioca, moranga e outros produtos, que
eram armazenados assim que colhidos, e depois vendidos. Afirma que nunca
viram „a cor do dinheiro‰ da venda dos produtos por eles produzidos.
Dona Lúcia Inácio, esposa do Sr. Manuel Inácio, afirma que criou sua
irmã mais nova acompanhando as „turmas‰ de trabalho, cuidando-a e levando
para amamentar. Os dois afirmavam que esse trabalho era realmente trabalho
escravo. Inclusive, antes de conceder a entrevista, me perguntaram, com ar de
preocupação, se essa entrevista não serviria para „voltar o panelão!‰. É visível o
temor dos indígenas, que vivenciaram a atuação do SPI, de que retorne aquela
forma de trabalho.
Imagem I: Fotografia aérea do Posto Indígena Ligeiro
82
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Contexto atual
As comunidades indígenas kaingang, através do processo histórico
colonizador e de desenvolvimento, foram conduzidas para um contexto de
economia dependente baseada na agricultura familiar. Neste processo, houve
perda considerável de sua autonomia econômica e, consequentemente, essas
comunidades passaram a depender, cada vez mais, das políticas públicas. As
roças familiares e o artesanato são atividades em que existe autonomia relativa,
em termos de produção. As atividades agrícolas dependem de sementes e
insumos que são obtidos através dos órgãos públicos, e o artesanato depende do
mercado consumidor das cidades do entorno, onde os indígenas vendem seus
balaios. No entanto, as matérias-primas utilizadas para o fabrico do artesanato
estão cada vez mais difíceis de serem encontradas. Os artesãos precisam buscálas em locais cada vez mais distantes, principalmente a taquara.
Nas Terras Indígenas existem as lavouras mecanizadas e de tração
animal e as roças de coivara. Um número considerável de famílias continua a
manter suas roças familiares no sistema da coivara, ou lavouras de preparo do
solo com tração animal. Mas o grande atrativo são as lavouras mecanizadas,
onde há demanda de maquinários e de insumos que são adquiridos no
comércio. Em geral, as moradias estão localizadas nos centros das aldeias, para
facilitar o acesso das crianças às escolas, ao atendimento de saúde, a água
encanada e luz elétrica. A distância entre o local de moradia e o local da roça
causa certa dificuldade no trabalho de preparo da roça. Pois, às vezes, os
indígenas precisam percorrer quilômetros de distância para preparar a roça.
Na maioria das vezes, as lavouras mecanizadas seguem um modelo de
desenvolvimento que não atende as expectativas econômicas, ambientais e
sociais. Pois, uma lavoura de monocultura convencional requer altos
investimentos e, ao mesmo tempo, possui altos riscos como, por exemplo:
estiagem, granizo, excesso de chuva principalmente na hora da colheita,
degradação do solo, surgimento de pragas, e outros inconvenientes próprios da
agricultura. Este contexto remete, cada vez mais, para a necessidade de repensar
o modelo de produção e de criar alternativas que sejam economicamente
sustentáveis.
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Imagem II: Terras Indígenas no Rio Grande do Sul em 2009 (www.funai.gov.br)
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Imagem III: Mapa da Terra Indígena Ligeiro
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Imagem IV: Mapa da Terra Indígena Carreteiro
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
As experiências de desenvolvimento de projetos sustentáveis em
terras indígenas e a agricultura orgânica
Experiências na perspectiva da agricultura orgânica têm sido
desenvolvidas, em algumas Terras Indígenas, principalmente na região
amazônica, através de projetos demonstrativos. Conforme análise de Renata
Cursio Valente, no que se refere aos projetos sustentáveis desenvolvidos em
terras indígenas e que receberam apoio da cooperação técnica da Alemanha,
houve mudanças significativas em relação à concepção de desenvolvimento e à
forma de promovê-lo. Durante os quarentas anos de cooperação técnica entre a
Alemanha e o Brasil foram desenvolvidos 139 projetos destinados a
comunidades carentes, entre as quais estariam incluídas as comunidades
indígenas. Nos anos 1970, buscava-se o desenvolvimento técnico e tecnológico
do campo. Já, nos anos 1980, houve uma revisão no sentido de conceber o
desenvolvimento de acordo com a lógica regional e de uma abordagem mais
integrada. Nos anos 90, os projetos apresentam as transformações propostas
pelo conceito de desenvolvimento sustentável, no qual se promove a integração
entre questões ambientais e preocupações sociais. A análise considera a
participação dos beneficiários, ou seja, a gestão participativa, um instrumento
ligado à eficácia dos resultados e ao alcance dos objetivos propostos pelo
projeto. A participação efetiva dos beneficiários na implementação de um
projeto e em seu controle social constituem formas de garantia de resultados
eficazes e duradouros do trabalho proposto.
Um projeto participativo, que envolve os beneficiários em todas as suas
etapas, faz com que os mesmos sintam-se parte integrante do processo e
estabelecem uma relação de pertencimento e de responsabilidade com as metas
e resultados previstos. A autora também analisa, de maneira mais ampla, o
avanço das propostas metodológicas, onde os projetos desenvolveriam uma
forma de trabalho que pressupõe o associativismo e o cooperativismo. Além de
enfatizar a descentralização da gestão (organização da autogestão), atribuindo
maior responsabilidade das estruturas municipais e locais, esses projetos
envolveriam questões relativas à participação da comunidade em todo o
processo, com a perspectiva da sua emancipação.
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
A agricultura orgânica apresenta-se como alternativa mais viável de
produção sustentável; pois é um sistema de produção que exclui o uso de
fertilizantes sintéticos de alta solubilidade e agrotóxicos, reguladores de
crescimento e aditivos para a alimentação animal ou de compostos
sinteticamente produzidos. O manejo da produção orgânica, sempre que
possível, baseia-se no uso de esterco de animais, rotação de culturas, adubação
verde, compostagem e controle biológico de pragas e doenças. Busca manter a
estrutura e produtividade do solo, trabalhando em harmonia com a natureza.
Os fundamentos da agricultura orgânica, ou agroecológica, são estruturados a
partir do manejo sustentável da unidade de produção com enfoque sistêmico,
que privilegia a preservação ambiental, a agrobiodiversidade, os ciclos
biológicos e qualidade de vida humana.
O conceito de agricultura orgânica surge com o inglês sir Albert
Howard, entre os anos de 1925 e 1930, que trabalhou e pesquisou durante
muitos anos na ¸ndia. Este autor ressaltava a importância da utilização da
matéria orgânica e da manutenção da vida biológica do solo. Segundo Eduardo
Ehlers, debaixo do grande guarda-chuva que é o conceito de agricultura
alternativa, insere-se a vertente da agricultura orgânica, E, debaixo deste mesmo
guarda-chuva, estão as assim chamadas agriculturas natural, biodinâmica e
biológica.
No início dos anos 1930, os cientistas alertaram sobre os equívocos do
modelo convencional de produção agrícola (uso de adubos químicos, alta
mecanização das lavouras, entre outras práticas) e de que não seria este o
modelo que garantiria o futuro das terras férteis. Após a 2… Guerra Mundial, os
produtos químicos tornaram-se mais conhecidos, com o uso de agrotóxicos na
agricultura convencional. Até a década de 1970, os defensores da agricultura
sustentável eram ridicularizados. A partir dos anos 1960, começam a surgir
indícios de que a agricultura convencional apresenta sérios problemas
energéticos, econômicos, e de que a mesma causa crescentes danos ambientais.
Deste período em diante, houve crescimento considerável de defensores da
agricultura orgânica.
O aumento da produção de produtos orgânicos, atualmente, ganhou
espaço nas grandes redes de supermercados. Segundo informações disponíveis
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
nos portais do IBD - Instituto Biodinâmico3 e Planeta Orgânico4, o mercado de
produtos alimentícios orgânicos cresce, em ritmo acelerado, em todo o planeta.
Estimativas indicam que o comércio desse tipo de alimentos movimentou US$
11 bilhões, em 1997, e cerca de 25 bilhões em 2001. Além da possibilidade de
expansão no mercado, a produção orgânica preserva o meio ambiente.
As comunidades indígenas, historicamente, têm tradição em preservar o
meio ambiente. Destinam especial atenção à preservação das espécies silvestres,
matas e rios. A agricultura praticada nas terras indígenas é de subsistência, o
que se identifica com a agricultura familiar. Dedicam-se à produção de soja,
milho, feijão, batata-doce, mandioca, hortaliças, cana de açúcar e à criação de
animais (bovinos, suínos e aves). Há a preocupação com a fertilidade do solo,
onde as comunidades desenvolvem a rotação de cultura e o plantio
consorciado, com dois tipos ou mais de cultura.
Experiências de produção agrícola sustentável
A experiência que tenho como agricultora começou já na minha
infância. Eu tinha de sete para oito anos de idade quando comecei acompanhar
meus pais nas tarefas da lavoura. Nossas atividades de produção agrícola
caracterizavam-se como agricultura familiar. Produzíamos praticamente todos
os produtos necessários para a subsistência da família, tais como: arroz, feijão,
trigo, banha, batata doce, mandioca, cana-de-açúcar, soja, milho, pepino,
moranga, abóbora etc. Também criávamos suínos, frango caipira, gado para
trabalhar na lavoura e gado leiteiro para o consumo. Todo o preparo da
lavoura era feito com trabalho braçal. A terra era lavrada com tração animal.
Não era usado adubo químico, nem veneno para controle de pragas ou inços.
Havia sempre a preocupação com cobertura verde; especialmente no inverno, o
solo não podia ficar a descoberto, pois assim o mesmo não enfraquecia e se
resguardava da erosão. Também nos preocupávamos em fazer a rotação de
culturas; não repetíamos o mesmo tipo de cultura na mesma área, por mais do
que dois anos consecutivos. Havia o cuidado com as fases da lua para o plantio
3
4
http://www.novobr.com/ibd
http://www.planetaorganico.com.br/
89
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
e a colheita. A fase da lua nova era a menos aconselhável, tanto para plantio
como para a colheita, pois, nessa fase da lua, a produção fica propícia a
apresentar caruncho.
A seleção das sementes era realizada no momento do plantio, de forma
manual. Debulhávamos o milho à mão, aproveitávamos as sementes das partes
do meio das espigas maiores. Logo após a colheita, já era separada a parte dos
produtos que serviriam para sementes destinadas ao próximo plantio. A
armazenagem das sementes era feita em tulhas ou sacas, depois de passar por
um processo de secagem ao sol. A semente de feijão era guardada com um
pouco de pó para evitar o caruncho. A semente de milho era guardada em
espiga, sua seleção era feita na hora do plantio, onde era debulhada à mão e
aproveitada a parte do meio da espiga. Não havia nenhuma preocupação em
comprar sementes quando chegava a hora do plantio, pois já havíamos
planejado todas as condições necessárias para um bom plantio e para uma boa
produção. Os alimentos eram produzidos em quantidade e qualidade e, aqueles
que chegavam até a mesa, eram resultantes do trabalho coletivo familiar.
¤ medida que eu crescia, também aumentavam minhas responsabilidades nas tarefas de casa e da lavoura. As experiências com o trabalho foram
se aprimorando com o passar do tempo. E também os conhecimentos sobre as
condições do solo, tipos de solo mais apropriados para determinados cultivos.
Meus pais cultivavam por no máximo dois anos seguidos o mesmo tipo de
cultura numa determinada extensão de terra e, na maioria das vezes, faziam o
cultivo consorciado com dois ou mais tipos de culturas.
Acompanhar todo o processo de produção desde preparo do solo, a
época de plantio de cada cultura, os cuidados com a limpa e o controle de
pragas, gera aprendizados com o domínio de conhecimentos sobre as formas
mais adequadas de obter os melhores resultados de produção. Contribui ainda
na gestão autônoma da economia, sem ficar refém de grandes empresas
interessadas em monopólio do comércio das sementes.
Minha mãe tinha a preocupação em não plantar variedades da mesma
espécie que florescessem na mesma época em locais próximos. Dizia que „castiçava‰ e perdia a qualidade da semente, ou seja, a mesma deixava de ser pura.
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VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
A economia, trabalho e produção funcionavam de forma harmoniosa,
mesmo tendo em vista que era uma produção de baixa escala. O solo não
apresentava erosão e acidez, pois os cultivos sempre produziam conforme as
expectativas.
As adubações eram feitas com as palhas dos produtos cultivados no ano
anterior, azevém e outros tipos de cobertura de solo. O que provoca o desgaste
do solo é deixá-lo a descoberto ou desprotegido. O aprendizado no trabalho e a
valorização da terra estabelecem relações de valor e de conhecimento para
garantir a produção de alimentos e qualidade de vida para as famílias indígenas
agricultoras.
Relatos de experiências e depoimentos de indígenas que viveram
e que vivem da agricultura
Senhora Eva Farias, 57 anos – Terra Indígena Ligeiro
Relata que aprendeu a trabalhar na lavoura quando ainda era uma
menina. Nesta época, seus pais guardavam sementes de um ano para o outro,
pois não havia pragas e, portanto, não eram usados adubos ou venenos, nem
mesmo para o controle de pragas ou de inços. Produziam milho, feijão, arroz,
mandioca, trigo, moranga, cana-de-açúcar, batata-doce e criavam frangos, gado
para o trabalho e suínos para o consumo. Os cuidados para não criar
carunchos nos produtos (milho e feijão) se relacionam a observar as fases da lua
nos períodos do plantio e da colheita. Tanto as atividades de plantio como as
da colheita eram feitas nas fases da lua minguante ou cheia. Relata, com muita
tristeza, as dificuldades enfrentadas para produzir alimentos quando tinha seus
filhos pequenos, devido à forma de trabalho do SPI, pois seu esposo trabalhava
de segunda a sexta-feira para o „panelão‰. Assim, restavam apenas os finais de
semana para preparar a roça em que plantavam para o sustento da família.
Segundo depoimento da indígena Eva Pinto Félix, do Acampamento
Passo Grande do Rio Forquilha/RS, no tempo de seu pai, o preparo da terra
para o plantio era feito de forma manual, com arado-de-boi e enxada. Roçavam
as capoeiras e preparavam para o plantio. Os inços eram capinados e
91
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
amontoados para secar. Produziam trigo, feijão arroz, milho, soja, mandioca,
batata-doce, pipoca e cana. A produção era utilizada para o sustento da família,
pois havia pouca comercialização dos produtos. A semente, para o plantio do
próximo ano, era separada e armazenada logo após a colheita. No caso do
milho, eram escolhidas as espigas maiores e dependuradas no galpão, próximas
ao fogo-de-chão. O feijão era armazenado em sacas, onde colocavam umas
folhas „de taquara‰, para não carunchar. As sementes que seriam reservadas
para o próximo plantio eram separadas e armazenadas em local seco, ainda na
hora da colheita.
O Senhor Gomercindo Domingues Nunes 62 anos, e sua esposa
Loreni dos Santos, 57 anos, são residentes na Terra Indígena
Carreteiro
Relatam que, já quando crianças, aprenderam a trabalhar na agricultura.
Seus pais produziam milho das seguintes espécies; cateto, dente de cachorro,
milho vidro, milho palha roxa, caiano, milho branco, milho-pipoca, e outros.
Também produziam feijão preto das variedades chumbinho e cavalo, feijão-decorda, feijão vermelho, feijão carioca, feijão-me-acode, e outras variedades.
Produziam ainda arroz, trigo, mandioca, batata-doce, abóbora, moranga,
pepino, hortaliças, mel, melado etc. Criavam gado, suínos e aves para o
consumo. O preparo da lavoura era feito manualmente e não eram usados
venenos para o controle de inços ou pragas, pois faziam manejo e controle
natural das pragas e inços. As sementes eram guardadas de um ano para o
outro. Quando chegava época do plantio, era feito o preparo da terra e
escolhiam a melhor fase da lua para plantar que, segundo eles, as mais
indicadas são as fases cheia e crescente. As lavouras produziam o suficiente para
o sustento das famílias. Os produtos eram comercializados quando produziam
em abundância e também eram distribuídos entre os vizinhos. A maior parte
dos alimentos consumidos pelo grupo familiar era produzida na própria área
indígena. Afirmaram que eles realizavam a troca de sementes entre os vizinhos,
para não correrem o risco das sementes enfraquecerem, ou de se perder a
qualidade das mesmas. Também havia preocupação, na hora da colheita,
quanto às fases da lua, pois nunca colhiam na lua nova, para não carunchar o
92
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
produto. As fases da lua mais apropriadas para plantio são a minguante e a
cheia. O armazenamento sempre era realizado em local arejado e seco, para
garantir a qualidade das sementes. Não faziam hortas, pois as hortaliças eram
produzidas na roça, nos locais onde o solo estava mais adubado pelas palhas
dos produtos produzidos anteriormente.
Atualmente, essa família produz milho e feijão de diversas espécies (as
já citadas), trigo, soja, cana-de-açúcar, mel, leite para comercialização, aveia,
moranga, abóbora, hortaliças, banha, ervas medicinais. Criam suínos, frangos e
gado para o consumo. Seu Gomercindo referiu-se que, hoje, os jovens não
querem mais comer os ẽgoro [verduras do mato], fuva, kumĩ, fỹnh, krunữn
etc. A posse de seu Gomercindo está muito bem estruturada, podendo servir
como exemplo, para produzir e garantir qualidade de vida de seu núcleo
familiar. O trabalho é desenvolvido entre os membros da família.
As senhoras Jandira Daniel da Silva, 50 anos, e sua mãe, Fermina
Inácio Daniel, 77 anos
Nas entrevistas afirmaram que são naturais da Terra Indígena
Carreteiro, e que sempre trabalharam na agricultura. Em seus relatos de
experiências como agricultoras, informam que sempre produziram o suficiente
para o sustento da família. Produziam sem o uso de agrotóxicos, tanto para
controle dos inços como para o controle das pragas. Relata que sempre
produziram todos os alimentos de uso da família, tais como feijão, milho,
arroz, trigo, mel, cana-de-açúcar, aveia, abóbora, banha, moranga, mandioca,
batata-doce, lenha, leite.
Considerações finais: o sentido coletivo da terra, na perspectiva
kaingang
Minha idéia, ao fazer esta reflexão das questões históricas, é trazer uma
contribuição teórica para que, a partir da análise da realidade, a educação
kaingang possa contribuir com a construção da autonomia econômica, com a
valorização da cultura e com a ocupação sustentável do espaço territorial.
93
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Segundo considerações trazidas pelo texto „Relação com a terra e
relação com o trabalho‰, inserido na publicação Kanhgág Ag Venh Kógan Kar
Ag Venhgrén: Pintura e Dança Kaingang (Silva, 2009, p. 58-59), o povo
kaingang atribui à terra um valor fundamental, pois é nela que são
desenvolvidas todas as práticas socioculturais e linguísticas. Desta forma, a
função da terra não é produzir riquezas; a terra é um espaço de produção física
e cultural. Antigamente, não existiam limites territoriais para os povos
indígenas. Os grupos indígenas circulavam nos territórios a fim de aproveitar
os recursos naturais disponíveis no meio ambiente. As decisões de ocupação
territorial eram tomadas a partir das necessidades materiais e socioculturais de
cada comunidade. Com a colonização, o modelo de ocupação territorial
europeu exerceu pressão e interferência, provocando mudanças no modelo de
produção e de ocupação territorial kaingang, que passou a adotar o modelo de
propriedade particular e priorizar o cultivo de monoculturas. Essa prática
enfraqueceu o solo, além de ter acarretado o desequilíbrio do ecossistema. O
atual contexto de ocupação territorial kaingang requer mudanças no que diz
respeito ao modelo de produção. Pois, para garantir a produção de alimentos
em quantidade e com qualidade, é necessário o cultivo de diferentes variedades
de sementes, privilegiando sempre as sementes tradicionais.
Segundo a antropóloga Juracilda Veiga, em seu texto sobre o sentido
coletivo da terra, os indígenas não conheciam a propriedade privada da terra.
Tradicionalmente, para os kaingang, a terra é de ocupação coletiva. No que se
refere ao acesso a terra, as relações de parentesco cumpriam um papel decisivo,
organizando a forma do trabalho e da apropriação dos produtos dele
originados. Os kaingang estavam e continuam divididos em grupos aliados de
irmãos e cunhados, sob chefia de um determinado pãÊi (liderança). A terra era
ocupada por esse grupo e, quando houvesse conflito irreconciliável, os
rebelados, liderados por outro chefe, procuravam um lugar mais afastado,
dentro da área conhecida, para instalarem sua aldeia. Os grupos políticos
kaingang estavam estabelecidos em determinadas áreas compreendidas por uma
aldeia fixa, e por vários acampamentos, que as famílias extensas costumavam
percorrer durante o ano. O cultivo da terra e a repartição dos recursos obtidos
com o plantio, a caça, a pesca e a coleta, eram regrados pelas relações sociais
94
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
derivadas do parentesco, de modo que não se conheciam nem o aproveitamento
individual da terra, nem a apropriação individual de seus produtos.
A apropriação da terra é coletiva, mas cada família cultivava uma
determinada área de terra, comum, que é posse sua enquanto deseje cultivar, e
que pode ser cedida para alguém da mesma família plantar, em caso de
mudança para outra aldeia. No caso de uma área de terra abandonada por um
antigo dono, a posse da terra era reconhecida como „roça velha‰ de quem a
cultivava.
Nossa relação com a terra é uma construção recíproca de vida,
interligada por uma espécie de cordão umbilical, como aquele que é enterrado
assim que nascemos. Também crescemos em contato direto com a terra. ¤
medida que aprendemos a trabalhar na terra, aprendemos também que dela
podemos prover nosso sustento. Tudo que se planta colhe, pois a terra é o
legado natural, e é dela que podemos retirar os produtos necessários para
termos vida em abundância. Ainda segundo a antropóloga Juracilda Veiga, os
Kaingang mantêm, com seu território, vínculos místicos e cosmológicos. Por
esse motivo, uma terra não é igual à outra, e nem mesmo lhes interessaria uma
troca por terra que fosse superior em valor de mercado. A terra que o Kaingang
deseja é a sua terra, à qual ele está ligado desde o nascimento e a qual
compreende seu destino após a morte. Assim, pode-se dizer, que os Kaingang
pertencem à terra onde nascem e onde têm seus umbigos enterrados: essa terra é
sua pátria por direito de nascimento.
O ordenamento jurídico brasileiro garante, às comunidades indígenas, a
posse coletiva sobre as terras que tradicionalmente ocupam. No entanto,
atualmente, é possível observar que há, nas comunidades indígenas, imensas
áreas com plantações extensivas cuja produção ou renda não reverte ao
conjunto da comunidade. Observa-se ainda, cada vez mais, a procura dos
indígenas por trabalho assalariado, fora das aldeias, e, consequentemente, estes
vão abandonando as atividades nas lavouras familiares.
Esse contexto requer atenção e preocupação que nos remetem para
espaços de constantes reflexões e tomada de decisão quanto ao modelo atual da
posse da terra e quanto aos sistemas de produção. Pois, estas reflexões nos
possibilitarão a tomada de decisões conscientes, para repensar e organizar a
95
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
posse da terra, construindo alternativas sustentáveis de produção para as
famílias indígenas, melhorando assim a qualidade de vida, e fortalecendo a
autonomia econômica.
Referências
FREITAS, Ana Elisa de Castro e. (Org.) Povos Indígenas na Bacia Hidrográfica do
Lago Guaíba, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Núcleo de Políticas Públicas
para os Povos Indígenas. Coordenação de Direitos Humanos. Secretaria Municipal de
direitos Humanos e Segurança Urbana. Porto Alegre: Prefeitura de Porto Alegre, 2008.
SILVA, André Luis Freitas da; et al (Org.) Kanhgág Ag Venh Kógan Kar Ag Venhgrén:
Pintura e Dança Kaingang. 1. ed. Santo ˜ngelo - RS: FURI - Santo ˜ngelo, 2009. v. 1,
132p.
VEIGA, Juracilda; DÊANGELIS, Vilmar R. (orgs.). Escola indígena, identidade ética e
autonomia. Campinas, SP: Associação de Leitura do Brasil; Instituto de Estudo e
Linguagem/UNICAMP, 2003.
VEIGA, Juracilda; DÊANGELIS, Vilmar R. (orgs.) Encontro Sobre Leitura e Escrita em
Sociedades Indígenas. Campinas, UNICAMP, 2005.
96
III PARTE
ẼG VĨ KI K‹MÉN SĨNVĨ HAN
AS ARTES DA PALAVRA NO KAINGANG
Márcia GojtẼn Nascimento1
Resumo
A presente monografia é uma introdução ao estudo e documentação da
língua kaingang, mais especificamente as Artes da Palavra, dentro da tradição
oral. Analisa os diferentes gêneros de discurso dentro da língua kaingang como,
por exemplo, os diferentes tipos de narrativas, cantos, rezas etc.; e busca mostrar
as especificidades do uso elaborado da língua, as complexidades da oralidade
que estão por trás do aparente uso comum da língua.
Palavras-chave
Kaingang – linguagem – tradição oral.
Abstract
The present monograph is an introduction to kaingang language study
and documentation more specifically on The Art of the Word within oral
1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. E-mail: [email protected]
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
tradition. It analyses the different sorts of discussion in kaingang language as,
for instance, the different kinds of narratives, chants, prayers etc., and intends
to show the specificities of the elaborated use of the language and the
complexities of speech which is behind the apparent common use of language.
Key-words
Kaingang – language - oral tradition.
Introdução: A Arte da Palavra no Kaingang
A língua kaingang pertence à família linguística Jê e apresenta cinco
dialetos já detectados e descritos por alguns linguistas2. Esses dialetos são
distribuídos por uma população de quase 30 mil kaingang que habitam a região
sul do país e parte do estado de São Paulo. Os kaingang sozinhos representam
cerca de 45% de toda a população dos povos de língua jê, e estão entre os 5
povos indígenas mais populosos do Brasil. (DÊAngelis, 2002).
A língua kaingang é considerada umas das línguas indígenas com maior
número de falantes no Brasil. Um dado que é um tanto tranquilizador para os
kaingang, que já viram seu idioma num estágio de crise muito preocupante,
inclusive num passado não tão distante. Porém, segundo os mais recentes
estudos e discussões sobre a sobrevivência das línguas minoritárias, em cenário
global, quase a totalidade das línguas indígenas faladas no Brasil são
consideradas „línguas em perigo de extinção‰. Segundo Franchetto (2004), na
verdade, qualquer língua minoritária em uma situação de dominação colonial
deveria ser considerada „em perigo (de extinção)‰ ou „comprometida‰. Mesmo
A linguísta Ursula Wiesemann (1967; 1978) foi responsável pelo estudo da gramática kaingang
e pela implantação da escrita dessa língua, classificando-a em cinco dialetos: (1) de São Paulo
(SP), entre os rios Tietê e Paranapanema; (2) do Paraná (PR), entre os rios Paranapanema e
Iguaçu; (3) Dialeto Central (C), entre os rios Iguaçu e Uruguai, Estado de Santa Catarina; (4)
Dialeto Sudoeste (SO), ao sul do rio Uruguai e a oeste do rio Passo Fundo, Estado do Rio
Grande do Sul; e (5) o Dialeto Sudeste (SE), ao sul do rio Uruguai e leste do rio Passo Fundo.
(disponível em www.socioambiental.org).
2
100
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
as línguas ainda aparentemente seguras podem mostrar sinais de crise, que
podem, com o tempo, resultar em extinção linguística (e cultural).
Essas previsões se tornam mais preocupantes quando nos deparamos
com um histórico bastante devastador desde os primeiros contatos com a
sociedade envolvente, de políticas educacionais de enfraquecimento das línguas
e culturas indígenas. A partir da década de 1970, o movimento indígena tem
conseguido mudar conceitos e os direcionamentos dessas políticas. Mas, na
prática e em muitos estados, as antigas políticas de transição linguística ainda
estão em pleno vigor, sobrepondo-se aos direitos conquistados na legislação.
Nesse sentido, o intuito é de poder estar contribuindo de alguma forma
para a revitalização dessas línguas. Com este trabalho pretendemos, a princípio,
socializar algumas experiências que julgamos muito válidas, em especial aos
professores indígenas, tanto nas aulas com seus alunos como em sua tarefa de
pesquisadores. Consideramos que em um „construir educação‰, como é o caso
da educação escolar kaingang, a mesma deve estar alicerçada no estudo de sua
cultura, sua história e língua, em interface com os conhecimentos da sociedade
envolvente, tendo então como base o estudo e a pesquisa. Todavia, não temos
percebido grandes avanços nas políticas educacionais/linguísticas com essa
perspectiva (a salvo as iniciativas isoladas de organizações independentes).
Sentimos, então, a necessidade de despertar uma reflexão mais crítica em torno
da importância da pesquisa e documentação de línguas e culturas indígenas.
Posteriormente, entraremos então no tema propriamente dito, que é
uma introdução „As Artes da Palavra‰, fazendo uma relação com a literatura.
Esse termo é utilizado, no presente estudo, parafraseando Franchetto (2003).
Nos capítulos que seguem, será feita uma exemplificação das
construções textuais elaborados na oralidade da língua kaingang, como, por
exemplo, os diferentes tipos de narrativas, cantos, rezas etc. Vamos também
fazer um breve estudo e análise das construções gramaticais que venham a
caracterizar os diferentes tipos de textos, como termos específicos da língua
kaingang que por ventura possamos detectar estarem classificando esses textos.
Do material de pesquisa aqui analisado, a maior parte foi coletada em
campo e o restante constitui de material publicado (como cd de áudio).
101
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Um Breve Histórico da Escrita da Língua Kaingang
No final da década de 1950, a línguísta Ursula Wiessemann deu início
ao estudo da ortografia e gramática da língua kaingang, sendo a responsável
pela implantação da escrita dessa língua e, posteriormente pela implantação do
Ensino Bilíngue em todas as escolas Kaingang a partir da década de 1970.
O Ensino Bilíngue, inicialmente, não tinha outra finalidade a não ser o
de facilitar e acelerar o processo de aprendizagem da língua portuguesa, pelas
crianças indígenas, introduzindo primeiro a língua kaingang nas primeiras duas
séries e, logo que se dessem por alfabetizados, era substituída pela língua
portuguesa.
Essa política de educação caracterizou-se como uma estratégia de
políticas para o abandono da língua materna. Como é claramente colocado por
DÊAngelis:
As pressões sobre a sociedade kaingang não foram, porém, apenas
aquelas da discriminação, mas também configuram-se em políticas
sistemáticas para que os índios deixassem de falar a língua materna.
Curiosamente, a escola primária, presentes em diversas comunidades
kaingang pelo menos desde a década de 30, e amplamente generalizada nas décadas de 50 e 60, tornou-se efetivamente eficiente como
instrumento de pressão contra a manutenção da língua indígena
quando passou a ser bilíngue, nos anos 70. (DÊAngelis, 2002).
Para garantir o sucesso do ensino bilíngue, em 1970 deu-se início a
formação dos primeiros monitores bilíngues3 em nível de 1À grau. Os próprios
indígenas estavam sendo qualificados para servirem de instrumento direto no
processo de integração e abandono da língua4.
Iniciativa do SIL (Summer Institute of Linguistics) através da concretização do projeto
denominado Centro de Treinamento Profissional Clara Camarão, Terra Indígena Guarita, no
município de Tenente Portela –RS.
4 Sobre essa experiência, o ensino bilíngue, Andila Inácio Belfort, aluna da primeira turma de
formação de professores bilíngues diz: “Entendemos hoje que a criação do projeto de formação
de professores indígenas tinha o objetivo de abreviar a alfabetização bem como o período de
transição da língua kaingang para o português das crianças indígenas, com isso a FUNAI
apressaria a integração e a IECLB, a evangelização do povo kaingang”. (Citado em Belfort,
2005).
3
102
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
A realidade do ensino, enfim, da Educação Escolar indígena, é bem
diferente na atualidade. São bem presentes as iniciativas e o anseio para tornar
o ensino especifico e diferenciado bem concreto nas escolas das comunidades, e
reverter a função devastadora que a princípio o ensino bilíngue exercia. Sem
dúvida, são muito relevantes as iniciativas de professores indígenas que buscam
por si próprios, condições para efetivar projetos de fortalecimento e
revitalização lingüística e cultural, ultrapassando dessa maneira as „limitações‰
e deficiências que o sistema educacional ainda carrega. Da mesma forma,
ressaltamos a importância das iniciativas bem sucedidas de instituições e
organizações independentes, que inclusive são bem raras aqui na região Sul.
Contudo, o que temos de concreto hoje, se torna muito pequeno diante
da gravidade da situação que se apresenta. As sequelas e consequências são
muitas. É preciso que se dê de fato o devido respeito à diversidade cultural e
linguística do país. Tratar com a devida importância de patrimônios da
humanidade que se perdem sem possibilidade de resgate.
A avaliação dos linguistas em relação à sobrevivência das línguas
minoritárias é muito preocupante. De acordo com Franchetto (2004), mesmo
em casos de extrema urgência, em que há um sério risco de perda ou até mesmo
já houve extinção, não há ações direcionadas. Em um nível geral, no Brasil, não
há nenhum programa consistente e monitorado para a revitalização linguística,
onde ela ainda é possível; nem qualquer tipo de acompanhamento e análise das
experiências espontâneas que podem estar ocorrendo.
No caso da língua kaingang, os „sinais de perigo‰ estão bem visíveis em
vários aspectos. Apesar de ter um bom número de falantes, a língua kaingang
vem perdendo espaços importantes para a língua portuguesa. As gerações mais
jovens, filhos de casamentos com fóg tendem a falar somente o português. O
cotidiano tradicional familiar, pode-se dizer assim, também vem se transformando. Como por exemplo, as visitas noturnas entre as famílias que
propiciavam às crianças ouvirem as narrativas, já ocorrem de maneira raríssima.
Escolas têm optado por ministrar a alfabetização (de crianças que têm o
kaingang como língua materna) na língua portuguesa, por falta de recursos
eficientes para o ensino da língua kaingang. E ainda temos nas escolas uma
clientela que chega cada vez mais „exigente‰, por serem de uma geração que
103
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
convive e se utilizam das praticidades que tecnologias modernas proporcionam
e que a escola não consegue acompanhar.
Da mesma forma, encontramos muitas dificuldades no
desenvolvimento da literatura escrita da língua e no estudo de sua gramática.
Por mais que os professores kaingang, que ministram o ensino bilíngue,
tenham formação superior, eles não possuem formação específica sobre a
gramática da língua, trazendo somente o conhecimento linguístico obtido no
ensino fundamental. A salvo aqueles professores que se formaram em curso de
magistério específico (e alguns em curso superior), e que tiveram uma formação
mais direcionada.
Diante disso, abrem-se lacunas nesse amplo território da tradição oral
das línguas indígenas. Alguns gêneros continuam em evidência, e outros vão
ficando guardados nas memórias dos mais velhos, como as narrativas sagradas,
mitos e lendas. É preciso então que se pense em estratégias para trazê-las de
volta aos ouvidos dos mais jovens, para que se encantem com este mundo onde
o real e a magia seguem entrelaçados.
Relato de uma experiência produtiva
Em 2007, preparamos na Escola Estadual Indígena Pẽró Ga (na
comunidade da Aldeia Bananeiras – Terra Indígena Nonoai, município de
Gramado dos Loureiros – RS), uma programação para os alunos da 4… série, já
que os mesmos estavam se despedindo da escola e indo para outra escola não
indígena fora da aldeia. Achamos que deveríamos fazer alguma coisa diferente e
ao mesmo tempo algo que soasse importante para essa nova fase da vida deles,
uma vez que sair da aldeia para estudar ainda é uma dificuldade bem presente
para os adolescentes dessa comunidade. Preparamos então uma „Noite
Cultural‰. Convidamos o senhor Jorge Garcia para passar a noite com a gente
na escola e conversar com as crianças.
O senhor Jorge Garcia é uns dos últimos kujá (pajé) que temos na
região, é da metade kamẽ (rá téj) e é descendente de Kaingang com Guarani. É
fluente nas duas línguas indígenas e também no português. A sua trajetória de
vida e de sua família é marcada pela participação ativa na história de luta na
104
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
região onde cresceu. Dedica-se, atualmente, a repassar os conhecimentos
adquiridos em sua experiência de vida às gerações mais jovens. Apesar de
existirem ainda alguns kujás, dificilmente se vê a realização de um ritual devido
a vários motivos, como influência religiosa, a preferência da população pela
medicina convencional, e assim por diante.
Para a programação da noite, pedimos que ele, após sua fala, cozinhasse
algumas ervas para que as crianças pudessem ver e experimentar, já que nunca
haviam visto um kujá realizando um ritual. Ficamos um pouco apreensivos
sobre qual seria a reação dos alunos diante do ritual do cozimento das ervas e
purificação, pois a maioria das crianças e seus familiares frequentam igrejas
evangélicas onde, muitas vezes, existe choque de conceitos e crenças.
Preparamos um ambiente típico das noites kaingang: fogo de chão, pri
(espécie de esteira de folhas de coqueiro) para as crianças se sentarem ou
deitarem. Enquanto o ẽmĩ (bolo) assava na cinza para ser servido mais tarde, o
Sr. Jorge começou sua apresentação. Tão logo iniciou a programação, nos
surpreendemos ao ver todos receberem essa experiência de maneira
absolutamente normal, caracterizada pela ansiedade e satisfação de viver, de se
apropriar de algo que sempre fora seu. E o modo como foi apreciado pelos
adultos. Foi um momento de reencontro mesmo. Para as crianças, foi mágico
receberem, do próprio kujá, as pinturas dos clãs. Vimos o ambiente escolar
transformar-se num espaço de vivência cultural.
Foi uma palestra com muita qualidade, com uma programação bem
diversificada: começando pelo aconselhamento, seguido de cantos, ritual do
banho com remédios, momento das narrativas e, depois, o jantar. Foram cinco
horas sem intervalo, e, mesmo assim, as crianças não dispersaram a atenção em
nenhum momento. Tudo isso se deve ao talento nato do palestrante. Ou quem
sabe a uma identificação guardada na memória ancestral de cada participante?
Gĩr jyvãn – Aconselhamento para crianças
A seguir, temos transcritos trechos da fala do seu Jorge Garcia, no qual,
conforme a análise detecta ser, esse discurso, uma variante da Narrativa
Kaingang, ao que chamamos de „Jyvãn‰ (aconselhamento).
105
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Com essas palavras deu início à sua palestra:
Havé!
Ũri sỹ ãjag vej kãtĩg ha. Kófa ti. Tỹ ija jag vovo nĩ ham. Tỹ ija ajag
gufã si nĩ.
Havé, inh kófa vera ha! Sỹ jag jẽÊỹn kãããn mỹr ser ham, inh kanhkã
krã hã tỹ tỹ jag nỹtĩ ha. Kỹ tỹ inh mỹ ha tỹÊĩ tĩ isỹ jag kãkã jãn kỹ ha,
sanh há hara.
Sa jag mỹ vãmén jé, kỹ jẽmẽm nĩ, keja! Inh pi ajag mỹ ón! Sa kejãn
nén ũ tón kỹ, ki hã sỹ vãmén. Inh pi kejẽn ũ mỹ un-ón ge nĩ. Hãra jag tỹ tỹ
inh krẽ kãsir nỹtĩ, kỹ tỹ inh mỹ ha tỹvĩ tĩ.
Kỹ ajag jykre ki vin nĩ, inh vãmer tỹ. Mỹ ke!? KejaÊ! kỹ tỹ sĩnvĩ tĩj.
Ajag tỹ inh rikén vẽjẽÊỹn gen vẽ.
Vera ha! Tỹ ẽg tỹ kanhgág nỹtĩ. Ẽg pi tỹ ũ nỹtĩ ham, tỹ jag kanhkã
kar ẽg tỹ nỹtĩ. Ẽg jamré ag, ẽg kanhkã ag, kamẽ, kanhrukrẽ ke jé ẽg ne tóg
ham. Kỹ tỹ sĩnvĩ tĩ, ẽg tỹ tag ki kanhrãn kỹ. Kỹ ajag jykre ki vin nĩ.
Ajag nỹ, ajag jóg ki jãmãm nĩ. „Vovo tỹ ki há mỹʉ kem nĩ fag mỹ.
Kỹ fag tỹ ajag mỹ tój. Vỹsỹ ẽg tũ vẽ hamã, kanhgág ag tỹ jag jãÊỹn fã vã.
Hã ki ja tĩ nĩ ver. Hã ki ja sanh há nĩ. Ke jaÊ! Kỹ inh jãmãm nĩ. Inh pi
fagnĩnh mỹ inh pi ajag, ajag mỹ vãmén ge nĩ ham. Inh mỹ sĩ hã ve kỹ ija ser
ãjag kãkã jã kỹ, inh sanh há hãra ver ãjag mỹ vãmén jãn ha.
(...) Ũn tỹ tỹ kanhgág tỹ, nãn mré ẽg tỹ sa nĩ ham. Nãn ga, ke jé ẽg
ne tóg ham. Ti kikaró kaaar jag tỹ nỹ tĩ, jẽsĩ ag mré hẽ: fẽr, grun, ỹ... nén ũ
karÊ kikaró ãg tỹ nỹ tĩ ham. Kar tỹ ẽg kikaró nĩ gé. Tin hãnrike ãn kikaró ãg
tỹ nỹtĩ, jo fóg ag pi kikaró nỹ tĩ ham. Ti ne ẽg to fỹ ke nẽ ham. Ẽg to mryg
jé tóg mũ gé. Hara ẽg tỹ kikarón ti tỹ ẽg mỹ nén ũ vãnhmỹ, ẽg mré vĩ rike
tỹ nĩ gé.
Havé tỹ ija kujá nĩ kỹ ja kikaró nĩ nén ũ tỹ hãnrikej ke ãn ti, hara ũ
pi inh (kri) fig tĩ gé ham. (...)
(...) ajag tỹ ajag jẽÊỹn kej ke vã ser ham. Ke jaÊ! Inh rikén. Mỹr,
kãnhmar végtũ kej mỹÊ. ‹jag hã nỹ mĩ mũj mỹÊ. Kỹ inh vĩ jẽmẽm nĩ!
106
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
„Kófa nĩ vé ge ja nĩg‰, ke jaÊ! Kỹ han sór nĩ, ajag! Kỹ tỹ sĩnvĩ tĩj. Kanhgág
vãfor kamãg nĩ. Ẽg pi hã ki fóg ag rikej ke ve nĩ ham. Tugnỹm kãn sỹ tĩ,
tãmĩ.
Hỹ! Kỹ inh vĩ tag jãmã há han nĩ ham. Ajag eskora ra mũ kỹ jag
professora fag vĩ jẽmẽm nĩ gé, ajag nỹ riken vã gé. Kar estuda ke há han nĩ.
(...)
Jo inh pi kikaró nĩ ham, vé inh nĩ ajag... ihã kikaró nĩ, tag, ẽg ga kãmĩ
ẽg kanhgág, ẽg tỹ jagnã to há, ẽg tỹ jagnã mré há, ẽg tỹ ẽg jamré, ẽg
kanhkã, ẽg ve fag, ẽg má fag, ẽg nỹ... Tag hã kikaró inh nĩ ham. Haran pi
mág nĩ gé ham, inh vẽnhrán kórég nĩn, ke mỹr inh(...).Kỹ vỹsãnsãn nĩ ãjag,
tag nón. Tỹ ũ nĩÊ, tỹ ũ nĩÊ ke tỹ mũ hamã. Hara tỹ kejãn há kej mũ, ajag
mỹ, ajag tỹ inh vĩ jẽmẽn kỹ. Jo jag tỹ jẽmẽg tũn kỹ, hãrej? Jo ija kãnhmar
vén kej mỹÊ, inh pi ajag mré ge tĩj, mỹr isĩg gen hỹnỹÊ, ajag... ãmã ũ ra kegé.
Kỹ inh pi vej ke mũ ham.
Kỹ tỹ, vãsãnsãn nĩ. Jag tỹ tỹ gĩr tag tỹ inh mỹ sĩnvĩĩĩ tỹÊĩ nỹtĩ
ham. Ne pi inh mỹ tag rike nĩ ha. Isỹ tãmĩ tĩg han, hara ja tag vég tũn ver,
ajag tỹ kanhgág tỹÊĩ tỹ ki nĩn ha. Ke jaÊ! Kỹ tỹ inh mỹ sĩ tĩ, ẽg tỹ kanhgág
tag ver.
Tradução
Hoje vim visitar vocês.
Sou avô de vocês, sou a geração velha do tempo de vocês.
Olhem! Olhem para a minha velhice. Eu presenciei o crescimento de
todos vocês. Vocês são filhos da minha gente. Estou muito feliz por poder estar
aqui hoje com vocês, com essa idade bem avançada que tenho hoje.
Vou falar pra vocês, então me escutem. Não vou mentir para vocês.
Sempre falo o que é correto. Não tenho motivos pra falar mentiras. Vocês são
os meus filhinhos e por isso estou muito feliz. Então guardem em suas mentes
o que contarei a vocês. Porque assim será bonito, belo... De agora em diante,
assim como eu fiz, vocês cuidarão um do outro.
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Reparem, nós somos todos kaingang. Não somos diferentes um do outro.
Lembrem, somos todos irmãos, parentes. Somos cunhados, irmãos. Devemos nos
lembrar de kamẽ e kanhru. É bonito quando aprendemos isso (tudo está em seu
devido lugar quando aprendemos isso). Portanto guardem em suas mentes.
Perguntem a seus pais sobre o que o vovô está dizendo e eles comtarão a vocês.
Isso são coisas nossas. Cuidar um do outro são coisas dos kaingang desde
antigamente. E ainda vivo seguindo isso, até estar velho agora. (...)
Todo o kaingang sabe que tem algo em comum com a mata, o ser
espiritual da mata. Todos vocês o conhecem. Até os pássaros o conhecem. E ele
também sabe de nós. Sabemos quando acontece algo, e os fóg já não percebem
isso. Ele chora, se manifesta pra nós. E entendemos o que quer dizer. É como se
falasse com a gente. Sou kujá e sei prever o que está para acontecer. Mas já não
acreditam mais no que eu falo.
Chegou o momento de vocês cuidarem uns aos outros, como eu fiz.
Pois logo não me verão por aqui. Vocês é que ficarão por aqui. Então escutem e
guardem o que estou dizendo a vocês. „Assim dizia o velho!‰ digam isso (e
tentem seguir o que eu vos ensinei). E será bonito. Não permitam que o
kaingang se perca. Nunca devemos tentar ser como os fóg, não há razão alguma
para isso. Já observei em toda parte.
Sim! Então ouçam bem o que estou dizendo a vocês. E, quando forem
à escola, ouçam bem seus professores também, eles são como os seus pais e,
estudem bem. Ao contrário de vocês, eu não tenho esse conhecimento. ¤s vezes,
os fóg me chamam, mas não sei sobre a escrita. Eu só sei sobre ser kaingang em
nossas terras, que é viver em harmonia um com o outro, cuidando dos irmãos,
dos pais, dos cunhados, das sogras... . Só entendo sobre isto. Mas isto, às vezes
não é suficiente (não é grande coisa), pois não sei escrever. Então se esforcem
em busca dos estudos. ¤s vezes é complicado, mas tudo se ajeitará se vocês
guardarem em suas mentes tudo que eu lhes disse. E, eu tombarei em breve.
Não ficarei aqui com vocês pra sempre, pois já é tempo de eu ir, e não verei o
que está para acontecer.
Então sejam persistentes. Vocês, crianças, são muito lindas pra mim,
não há nada igual pra mim. Andei muito e não encontrei nada igual a isto: um
108
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
lugar cheio só de kaingang. Por isso estou muito feliz por ainda sermos
kaingang.
Essa „fala‰ é um tipo de discurso específico dos chefes/lideranças, kujá,
anciãos. É um gênero de discurso denominado jyvãn, traduzido por
aconselhamento. A realização desse discurso, público, é restrita aos homens. É
cultural a mulher kaingang ser mais preservada quanto à exposição pública,
garantindo sua participação de maneira mais discreta.
Quem realiza esse discurso são pessoas que obtém uma boa conduta na
sociedade. São pessoas com prestígio social. Percebe-se uma relação entre
velhice, experiência e sabedoria.
Nesse texto encontramos expressões que parecem ser específicas desse
gênero, jyvãn.
Observe os exemplos:
Mỹ ke ja!
Inh vĩ tag tỹ ãjag jykre ki vin nĩ. (Guardem minhas palavras em suas
mentes)
Kỹ inh vĩ tag jẽmẽ há han nĩ. (Por isso, preste atenção em minhas
palavras)
Hamẽ!
Jyvãn - Aconselhamento em cerimônias de casamento
Temos aqui uma variante do gênero jyvãn/aconselhamento, visto
anteriormente. Um pouco semelhante ao aconselhamento de crianças, este se dá
nas cerimônias de casamento.
Entre as metades clânicas, o casamento se dá entre pessoas de lados
opostos e, o aconselhamento é feito pelos jóg (ancião pertencente à mesma
metade de cada um) dos noivos. Neste caso, o noivo é de metade kamẽ e seu
conselheiro, então, é um ancião também da mesma metade.
109
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Os trechos a seguir são de um aconselhamento realizado por Nízio
Kẽrán, num casamento que aconteceu em maio de 2007, em Nonoai. O
conselho foi para o noivo.
Ũri...
Inh kósin,
Ũri ija ã mỹ, ã mỹ vãmén mỹ, hamã, inh kósin.
Ũri... ẽg tỹ jagmré mỹsinsér kãn ham, ã tỹ, ã kakrã ti krã, ti kósin fi
tỹ vãsusa tag tu, inh kósin, ham.
Ũri ã tỹ, kósin fi tỹ ũri, ã mỹnh fi riken kỹ fi tỹ nĩj mũ gé.
Ũri ã tỹ, ũ tỹ ã mỹ nén ũ han ge mũ fi vỹ tỹ ũri inh kósin fi nỹ,
inh kósin.
Ũri ã tỹ tỹ fi kafã nĩ, ã!
(...)
Ũri ã tỹ tỹ fi panh ri ke nĩ gé.
Ke mũn kã ã tỹ ũri... fi jãÊỹn há han nĩ.
‹ kakrã mỹ fi jãÊỹn há han nĩ.
‹ má fi mỹ fi kósin fi jãÊỹn há han nĩ. Kỹ tỹ inh mỹ há tĩj, „inh
kósin ne sỹ ti mỹ vĩ jãmã jan‰, ke jóg.
Tradução
Hoje, meu filho...
Hoje, meu filho! Te direi algumas palavras.
Hoje, juntos nos alegramos, pois você tornou a filha do seu sogro, parte
sua.
A partir de hoje, esta filha, será como sua mãe.
110
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
A partir de hoje, esta, cuidará de você. E você será o parceiro dela.
Hoje você será também, como um pai pra ela.
(...)
Assim, cuide bem dela.
Cuide bem dela para o seu sogro e para sua sogra.
E assim ficarei contente. „Meu filho ouviu e guardou as minhas
palavras‰, assim direi, então.
Nesse discurso, percebemos a poética através da repetição de versos,
através dos ritmos e entonação.
Tipos de Narrativa - Gufã
Na língua kaingang existe a palavra kãmén, que pode ser traduzida por
„contar, dar notícias, explicar‰. Kãmén vem da palavra kãme, que significa
„história‰ (a ser contada). Por exemplo: „Pĩ Kãme‰ (História do Fogo). A
palavra kãme é característica do gênero narrativo. Toda narrativa é finalizada
com a presença dessa palavra, em frases como: „Hãvẽ ser, Pĩ Kãme ti‰ (esta é,
então, a História do Fogo).
Na cultura kaingang, conseguimos identificar, até então, três tipos de
narrativas. Primeiro temos as denominadas gufã, que quer dizer ancestral. São
narrativas que contam as origens, nos tempos ancestrais, e relatam fatos de
tempos mais antigos. Dentro do gênero gufã, temos também as fábulas.
Temos também as narrativas chamadas Ti si kãme, que são as histórias
antigas e verdadeiras. Outro gênero, que corresponde às narrativas engraçadas –
inventadas, mentiras –, é conhecido como vẽnh óÊ.
Distinguimos um jeito específico de contar os gufã. Sempre há um ou
mais interlocutores que, a cada episódio contado, responde(m) ao narrador. As
narrativas que relatam tempos ancestrais geralmente iniciam-se com essa
expressão: „Gufã vỹ nĩg tĩ!‰ (Havia um ancestral). Em seguida, o interlocutor
111
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
responde, falando „eʉ como se estivesse dizendo „sim, conte-me mais‰. Assim,
se segue por toda a narrativa.
Veja, a seguir, o trecho que fala dos primeiros contatos com os fóg
(brancos).
Gufã vỹ nĩg tĩ!
EÊ
Kỹ kófa tỹÊĩ fi ne tỹ kẽ nĩg tĩ.
EÊ!
Kỹ fi tỹ kajãr jẽÊỹn nĩg tĩ. Kajãr mag tỹ ge jã haÊ
EÊ!
Hara tỹ fi vĩ kikaró nĩg tĩ. Fi tỹ ti jãnãn kỹ tỹ fi mỹ tĩ tĩ, nén ũ
nón. Kakanã, mỹg mág... Ti tỹ mỹg ve kỹ tỹ ser ve kónãn tĩ jé tóg, nón. Kãj
sĩ... kãj sĩ hanja fi tỹ nĩg ti mỹ. kỹ fi tỹ ser ti nunh to sa ja nĩg. Kỹ ti ne tỹ
tu kỹ tĩg tĩ. Hara fãn kỹ tỹ tũ kỹ(kã tĩg kỹ tỹ) fi mỹ jun. kỹ fi tỹ koj ser,
kófa fi.
EÊ!
Tradução livre
Havia um ancestral.
Então havia ali, uma mulher bem velhinha.
Ela criava um macaco. Um macaco grande.
Ele entendia a fala dela. Quando mandado, ele obedecia, indo em busca
das coisas. Frutas, mel... Quando encontrava uma abelha, saía atrás, e dava um
jeito de melar. Ela havia feito um cestinho pra ele. E havia amarrado no
pescoço dele. Então, ele vivia carregando aquilo. Enchia e trazia pra ela, sempre.
E ela, então, comia.
112
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Os episódios vão ficando cada vez mais longos, acrescentando-se mais e
mais acontecimentos, consecutivamente. A interferência do interlocutor parece
separar cada episódio.
Veja, a seguir, uma versão escrita da fábula Pépo mré Jãtã (O Sapo e o
Corvo). Essa versão foi escrita pelo professor Volmar da Silva.
Pépo mré jãtã
Kỹ pépo mré jãtã ag tóg jagnẽ mré mũg tĩ. Hãra ag tóg vẽkyn kyn há
ja nỹtĩ kỹ ag tóg jagnã mré majre mĩ vẽkyn kyn mũ tĩ . kỹ ag tóg jagnẽ kón
ũ fag namora ke keti.
Hãra pépo ti tũ fi tóg ta há janĩ javo jãtã ti tũ fi tóg kórég ja nĩ . kỹ
jãtã vỹ pépo ti tu fi ki vẽÊ ĩg mũ. Hãra jãtã tóg ẽkrég tĩ ja n,ĩ pépo ti tũ fi tu.
Kỹ jãtã tóg „inh hãn majre han kanhkã ta‰, kemũ. Mỹr pépo pi tã há
nĩ ke tóg mũ . „kỹ sỹ ti tũ fi mré vĩj mũ‰, ke tóg, jãtã ti.
Kỹ jãtã tóg pépo mỹ kurã tỹ ẽg ge kã ẽg tóg kanhkã tá majre nỹti ke
mũ. Kỹ jãtã tóg „ã mỹ tĩg‰, kemũ. kỹ pépo tóg „tĩg ja mũ‰ kemũ . kỹ jãtã
tóg pépo mỹ „ã mỹ hẽren kỹ tĩg‰ mũ kemũ . kỹ pépo tóg ti mỹ sỹ tĩg gen
ve jé mũ kemũ‰. Kỹ jãtã tóg ti mỹ „sỹ ã pi tĩg mũ‰ kemũ hãra pépo tóg inh
hã jãtã mỹ ge keja fã nĩg nĩ .
Kỹ pépo tóg jãtã mỹ inh vĩ jẽmẽj ke ã tóg nĩ hãra kemũ .kỹ jãtã tóg
„emẽ‰, kemũ .Kỹ pépo tóg jãtã mỹ „ã tĩ gen kỹ ã vẽkyn fã ty jãnkã ki
tuvẽnh n‰ĩ kemũ „ã tỹ ã kur rĩnh tu mẽ tu‰, ke mũ .kỹ jãtã vỹ hej kemũ .
Kỹ pépo tóg ver ti mỹ „ã tỹ kanhkã tá junkỹ ã vẽkyn fã tỹ jankã ki
tuvẽnh kỹ kãra rãn nĩ ver‰, kemũ. Kỹ jãtã vỹ pépo vĩja han mũ ser kỹ pépo
kãtĩg kỹ jãtã tỹ ti kur rĩnh mũ ju ti vẽkyn fã kãra rã mũ ser. Kỹ tóg ẽmẽ ka
nĩg tĩ ser. kỹ jãtã vỹ kãtĩ kỹ ti vẽkyn fã vynky tĩ mũ ser kanhkã ra.
Aqui, o professor adota um „estilo‰ diferente na sua narração. Apesar
de estar escrevendo sua versão de uma das mais conhecidas fábulas no
repertório das narrativas kaingang, ele adota um tempo de pretérito perfeito, o
que é diferente nas narrativas orais das fábulas, onde encontramos expressões
113
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
que nos remetem ao pretérito imperfeito, usando termos que dão essa idéia.
Uma análise desses termos é um tema muito interessante para outro momento.
Ti si kãme
Essas narrativas chamadas Ti si kãme relatam os fatos mais recentes.
São as histórias „verdadeiras‰ do povo kaingang. Parecem mais um diálogo
narrativo. O interlocutor interfere com parênteses de curta reflexão e, muitas
vezes, acrescentando informações. A introdução já é feita com um fato
marcante da história.
Kỹ fi ne tỹ ser ag jo (...) fi tỹ ũ ag tỹ ag tỹ hãnrikej ken vé ser.
Kỹ fi ne tỹ ser ag mỹ „katy tỹ tĩ, inh krã, mũnỹ!‰ ke tĩ ham.
‹pãn kã ne tỹ mũg tĩ ham, kanhgág ag jamã ũn ra ham.
Ag kanhgág jũ ag kri rãg jé ham, tag ki ke ag, kanhgág pẽ ag.
Hara fag ne tỹ ser goj... goj je tỹ kã sag tĩ, goj mag. Kỹ fag je tỹ ser,
goj kafã ãn hã kã nĩ kỹ ser, fi ne tỹ ser pãvãnh nĩj ham.
Tradução:
Então, ela previu, para eles, qual seria a reação dos outros.
E disse, para eles, „está calmo, vamos‰, (dizia).
Andavam a pé, sim, para a outra aldeia.
Para surpreender os índios selvagens. Sim. Os daqui faziam. Os
kaingang.
Então eles, num rio... Havia um rio, um rio grande. Na margem desse
rio, ela (kujá) se punha a fazer suas previsões.
Esta narrativa conta a história da guerra dos Kaingang com os Xokleng,
por causa de território.
114
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Jé (Cantos de Animais)
Contam as lendas que, no princípio, eram os animais que faziam a
festa do Kiki. Que cada animal tinha o seu próprio canto e que, ao redor do
fogo, tomavam da bebida e entoavam seus cantos.
Pénkrig fi Jé (Canto da Formiga) foi registrado por Zílio Jagtyg
Salvador; e Krág Jé (Canto da Queixada) e Łjor Jé (Canto da Anta) o foram por
João Carlos Kasú Kanheró, no cd „Kanhgág Ag Vĩ Ỹmã Mág Ki‰ / Vozes
Kaingang na Aldeia Grande. (Kasú et al, 2004/2005).
Pénkrig fi Jé (Canto da Formiga)
‹ ne tetĩ nĩ / O que carregas?
‹ ne tetĩ nĩ / O que carregas?
‹ ne tetĩ nĩ / O que carregas?
‹ ne tetĩ nĩ /O que carregas?
Isỹ ũ tẽtá fi / quando a mulher
ãgtynyn jẽ ven kỹ / socando algo (no pilão), a vejo
Ka ta inh mỹ há tĩ / feliz eu fico
Ka ta inh mỹ há tĩ / feliz eu fico
Isỹ ũ tẽtá fi jagtynỹn / quando, do socado da mulher
mru ko tĩn kỹ / as migalhas como
ta inh mỹ há tĩ / feliz eu fico
‹ ne tetĩ nĩ / o que carregas?
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CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
‹ ne tetĩ nĩ / o que carregas?
Krág Jé (Canto da Queixada)
Pó gryngran, pó gryngran, pó gryngran (imitação do barulho das
pedras)
Kry gryg gryg, kry gryg gryg
pó gryngran, pó gryngran
kryg gryg gryg, kryg gryg gryg
kryg gryg gryg, kryg gryg gryg
mỹ hághá ra / alegrem-se
mỹ hághá ra / alegrem-se
kryg gryg gryg, kry gryg gyrg, kry gryg gyrg
pó jugpó goj jur mĩ / pedras sobre as águas, saltadas
jy kutã kỹ tỹ inh mỹ há / sobre elas cruzei e alegre estou
Kỹ isỹ ũ / e alguém
inh kanhkã / parente meu
ag mré vã / com eles po...
vãre kỹ / posar então
mĩ takã tỹ inh mỹ / por isso, eu
há tĩ hamã / alegre estou
pó gryn gran, pó gryngran, pó gryngran
kry gryg gryg, kry gryg gryg, kry gryg gryg...
116
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Łjor Jé (Canto da Anta)
Łjor, ojor Antas, antas
ójor, ójor antas, antas
pãnónh, pãnónh montanhas, montanhas
Tãpry, tãpry subir, subir
Krág mág juvã, kri jã kỹ vyr queixadas, seu trilho peguei e fui
Łjor, ójor... Łjor, ójor... Łjor, ójor...
Gojor mĩ ku... kutã kỹ ó... óré nig ki Pelas curvas do rio, cru-cruzei
Nig ki rã kỹ na lama funda, en-entrei
Inh kan mỹ han, já hón tỹ inh (...)
Isỹ, inh mỹ, sér ja mãn kỹ por ter sentido, prazer eu vou
Isỹ jag mỹ, tỹj mũ, tỹj mũ pra vocês cantar, cantar
Łjor, ójor... antas, antas...
Nesses cantos infantis, vimos que as palavras são trabalhadas. São
cantos que „brincam‰. Em algumas palavras, as sílabas são duplicadas e
separadas, o que acontece no último canto: ku kutã, ó óré. Outras são repetidas:
tỹj mũ, tỹj mũ.
Neste pequeno trecho do Canto da Serpente, Pỹn Jé, notamos a
presença de um tipo de rima. Observe abaixo.
Isỹ nĩgrãg nĩ ra ijé
nĩĩĩgrãg nĩ ra ijé
117
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
kukãm tĩ kỹ kri krỹ ké
kri krỹ ké
Ke jé inh vã vã.
Sê ouvidos eu tivesse
Ooouvidos eu tivesse
Na direção eu seguiria e em cima cravaria
Em cima cravaria
Ritos para chamar e proteger o espírito da criança
A prática desses ritos é muito rara atualmente. Somente os kaingang
mais antigos é que ainda os realizam. Acredita-se que devemos proteger o
espírito, para que não se desprenda do corpo. Temos a descrição de um olhar
antropológico sobre isso.
Segundo Veiga (2006), os Kaingang creem que o corpo (há) não tem
vida sem o espírito. É o espírito que dá vida ao corpo. O espírito pode deixar o
corpo durante o sonho e ir visitar outros lugares, inclusive o numbê, a aldeia
dos mortos. Algumas doenças são explicadas como uma perda temporária do
espírito que, se prolongado, leva à morte. Daí a necessidade da intervenção do
kujá para restituir o espírito ao corpo.
Especificamente sobre a proteção do espírito da criança, Veiga relata:
Convivendo com os kaingang do Xapecó, nos anos 80, ouvi de
Vicente Fókâe a explicação que o espírito da criança é muito
irriquieto e que se assusta facilmente. Por esse motivo, se alguém
necessita cruzar um rio ou uma água qualquer, com uma criança,
esta pode se assustar e seu espírito ficar naquele lugar, o que faria
com que a criança adoecesse. Assim, sempre que andam com uma
criança e fazem uma parada em algum lugar, ou cruzam um riacho,
antes de prosseguir, falam com ela: „Tag mĩ, ikóxid. Kunĩg‰ (Por
aqui, meu filho. Venha!). (2006).
118
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Ouvi de Juraci o seguinte:
Mũjé ha!
Ker kãjã nĩ hã
Tag mĩ kãtĩg nĩ
Ker ãgno kã jã nĩ hã, inh kósin!
Vamos agora!
Não queira ficar por aqui
Não pare aqui
Venha por aqui
Não fique pra trás, meu filho.
Da mesma forma, quando as famílias se acampavam na beira das
estradas nos „vãre‰, dormindo debaixo de árvores, também faziam esse ritual,
por acreditar que o „tãn‰ (protetor, força) da árvore roubava o espírito das
crianças.
Kẽtajug!
Ker inh kósin ki ẽvãnh hã,
Inh kósin tỹ sá nỹ
Kẽtajug!
Ker inh kósin ki ẽvãnh hã,
Inh kósin tỹ kórég nỹ.
Soita!
Não olhe para o meu filho,
Meu filho é preto.
119
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Soita!
Não olhe para o meu filho,
Meu filho é feio.
Ainda, ouvi de minha mãe, Kagmũ, o seguinte:
„Quando eu era criança, minha mãe, quando passávamos perto de um
cemitério à noite, ela me chamava também. Colocava-me caminhando na frente
dela e então falava com meu irmão falecido:
Ker ã regre fi ki ãvãnh hã
Fi tỹ inh mỹ mog há han jé
‹ tỹ ser inh ré mỹr...
Kur kãtĩg, inh kósin
Ker tag mĩ vãfor tĩ nĩ hã
Não olhe para sua irmã
Para que ela cresça bem para mim
Você já me deixou...
Venha agora, filha!
Não se perca por aqui
Rituais Fúnebres
Os rituais fúnebres são parecido com os ritos de proteção do espírito.
Há quase um século, pesquisadores já observaram esse ritual. Veja nos registros
Henrich Maniser.
120
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Muito cedo, ao despertar, começa a ressoar numa cabana qualquer um
gemido ritual que perdura, frequentemente por muitas horas. O significado
desse gemido é invariável, podendo ser traduzido pelas seguintes palavras:
„Evoquemos a lembrança (ou, bem, „eu me lembro‰) de tal ou qual parente
morto, em tal época‰ (às vezes, já decorreu um ano ou dois de sua morte!). Esse
gemido, por sua vez, lembra aos outros índios o destino de seus parentes
mortos e seus choros se fazem ouvir, simultaneamente, em diversas partes.
Finalmente eles são interrompidos por uma ocupação qualquer (...).
¤ tardinha, ao crepúsculo, e também durante a sesta no ardente
calor após o meio dia, os gemidos em lembrança dos mortos
recomeçam. Mesmo no meio da noite acorda-se com os sons
familiares de uma voz esganiçada que arrasta sempre a mesma nota
lúgubre. O índio cobre sua cabeça com sua coberta enquanto emite
esse gemido ritual. São, sobretudo, as mulheres que gemem; os
homens, bem mais raramente (2006).
Ainda hoje existem esses rituais, os choros e gemidos rituais, mesmo de
uma forma mais discreta.
É evidente a diferença de um velório kaingang e o velório de não-índio,
e até mesmo os dos indianos (mestiços que vivem na comunidade, não falantes
do kaingang), que já são mais „discretos‰ em suas lamentações. Num velório
kaingang, é bem notável a presença de um ritual nos choros e lamentos. O que
é diferente do choro de uma situação qualquer.
Lembro-me do choro de minha mãe, quando faleceu minha avó, há
alguns anos. Nas duas noites após o sepultamento, minha mãe nos acordou
com seu choro, no meio da madrugada. Deveriam ser umas quatro ou cinco
horas da manhã. Recordava os momentos felizes que passaram juntas, falava de
como ela era alegre, das dificuldades que passaram juntas.
Existem registros de cantos fúnebres em tempos mais antigos, que nos
dias de hoje não encontramos mais devido à influência de outras crenças, como
se pode ver nos registros de Telêmaco Borba:
Passe com cuidado a ponte. Viva bem com os outros; assim como
elles vivem bem, você também pode viver. Lá você há de ver muita
121
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
cousa que já vio aqui em minha terra, assim como o gavião. Teos
parentes hão de vir te encontrar na ponte e te levarão com elles para
a tua morada. (Cagma, iengvê, vê oanan eió nó, engó que tin in
fimbré ixan na ióngóngue, iamá que nò ô caicá, kato nô ó eká
maingvê) (1908).
Ou ainda:
Passe bem pela ponte do rio grande; chegando ao campo diga aos
outros: Eu estou aqui. Coma bem as frutas do coma e vire as pedras
que tem limo antes de passar. (Coma coma cô ondiê, ê ni moni tá,
goyo-bangue tarê io can ien caindê rain tarê, vokang ien.) (1908).
Considerações finais
Com esse trabalho introdutório sobre as Artes da Palavra no kaingang,
pode-se ter uma noção do grande leque de saberes, conhecimentos, das formas
de elaboração da palavra que existem na tradição oral kaingang. Com isso,
podemos perceber as especificidades da língua, que a tornam mais rica, mais
valorizada.
Com essa abordagem inicial, podemos dizer que existe uma variação
muito complexa do gênero narrativo. Identificamos três principais grupos, mas
que se subdividem entre eles. Relatos de noções de tempos distintos em que
ainda não conseguimos ter definições precisas. Termos gramaticais em que
parecem estar classificando esses gêneros narrativos.
É evidente que ainda há muito a ser pesquisado e analisado. De todo
modo, este trabalho, como já foi dito anteriormente, é um primeiro
encaminhamento para a pesquisa e documentação da tradição oral kaingang.
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Brasil. In Cadernos de Educação Escolar Indígena - 3À Grau Indígena. Barra do Bugre,
MT: UNEMAT, v. 4, n. 1, 2005, pp. 09-20.
122
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WIESEMANN, Ðrsula. Dicionário Bilíngue Kaingang-Português. Curitiba, PR: Editora
Evangélica Esperança, 2002.
123
ANEXOS
As Autoras
ANDILA NIVYGS‹NHG IN˘CIO
Sou índia Kaingang, nascida na Reserva Indígena de Carreteiro, no
Município de ˘gua Santa, Rio Grande do Sul. Meu nome em kaingang
é Nivygsãnh e em português é Andila. Sou professora bilíngue, formada
na primeira turma de professores indígenas bilíngues de um curso
pioneiro no Brasil e na América Latina. Sou Especialista em Educação
Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
MARIA IN¯S DE FREITAS
Sou nascida em Tenente Portela/RS, onde residi até 27 anos. Filha do
kaingang Feliciano Fernandes de Freitas e Brasília Ribeiro Freitas, que
residem na Terra Indígena Guarita. Me graduei em Pedagogia na
UNIJU¸, exerci a docência por 15 anos em escolas indígenas.
Atualmente coordeno o setor de Educação Indígena da FUNAI, em
Passo Fundo. Sou Especialista em Educação Profissional Técnica de
Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos.
128
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
MARCIA GOJTẼN NASCIMENTO
Sou Kaingang, professora bilíngue na Escola Estadual Indígena Pẽró
Ga, comunidade da Aldeia Bananeiras – Terra Indígena Nonoai,
município de Gramado dos Loureiros – RS. Cursei o primeiro curso de
formação de professores em nível de 3À grau, em Barra do Bugres-MT,
na área de Línguas, Artes e Literaturas. Sou Especialista em Educação
Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
129
Povos Indígenas e o
Direito à Educação no Brasil
Lucia Fernanda Jófej1
Questionado sobre a educação escolar indígena no Brasil, o líder e
jornalista Ailton Krenak (MG) respondeu que encarava a educação escolar da
sociedade envolvente como um peixe que as crianças não-indígenas eram
obrigadas a engolir com espinha e tudo e que os Povos Indígenas ao serem
confrontados com esse modelo de educação tiravam dele apenas o que lhes
poderia ser proveitoso, deixando a espinha de lado.
A oferta de educação escolar aos Povos Indígenas, em caráter específico,
bilíngue, intercultural e de qualidade como determina a Lei de Diretrizes e
Bases (LDB. Lei 9.394 de 1996) é resultado de décadas de luta dos Povos
Indígenas, em especial dos educadores indígenas, pelo respeito aos sistemas
próprios de ensino-aprendizagem, pela implementação do direito à diversidade
cultural revogando séculos de ideologia assimilacionista, os quais representaram
cardumes inteiros engolidos pelos discentes e docentes indígenas até a conquista
do reconhecimento legal de que a educação escolar indígena deve ser
diferenciada porque, neste caso, a equidade consiste em tratar desigualmente os
desiguais.
1
Advogada Kaingang. Mestre em Direito Público. Diretora Executiva do INBRAPI. Membro do
Núcleo dos Advogados Indígenas do Brasil (NAI).
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Há exemplos ilustrativos dos avanços no cenário jurídico nacional que
trata da educação escolar para Povos Indígenas, como o reconhecimento e
regulamentação da categoria escola indígena, a atribuição de flexibilidade na
criação de seus projetos político-pedagógicos e a inclusão de conteúdos
culturais como parte diversificada da organização curricular das suas escolas, a
criação do magistério indígena e a recomendação de que a condução dos
processos de educação nas escolas indígenas deve ser prioritariamente realizada
por profissionais pertencentes àquele Povo.
Todavia, os avanços jurídicos conquistados nem sempre tem se refletido
no cotidiano das escolas indígenas, que sofrem pela necessidade de programas
adequados de formação para os professores indígenas, pela falta de apoio para a
publicação de material didático específico, deficiências de infra-estrutura, bem
como inadequação e insuficiência da merenda escolar, entre outros fatores que
permitem afirmar que a educação escolar efetivamente ofertada aos Povos
Indígenas no Brasil longe está de ser o filé do peixe.
Sistema internacional específico de direitos humanos para povos
indígenas na área de educação
O reconhecimento e respeito à sociodiversidade cultural é um princípio
consagrado no cenário global de direitos humanos e tem sido expresso em datas
comemorativas como o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e
o Desenvolvimento (21 de maio) e o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9
de agosto) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A Organização das Nações Unidas estabeleceu a Segunda Década
Internacional dos Povos Indígenas (2005-2014) como forma de conferir
visibilidade aos 370 milhões de pessoas, integrantes de 5.000 povos falantes de
diferentes línguas no mundo e fomentar o apoio e a cooperação internacional
em prol de projetos e programas destinados aos Povos Indígenas ao redor do
mundo.
A oferta de educação básica para todos constitui o segundo objetivo de
desenvolvimento do milênio (2000-2015), como forma de combater a exclusão
132
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
do acesso à educação que atinge pessoas em todo o planeta, em especial
minorias étnicas como os Povos Indígenas.
O cenário favorável aos Povos Indígenas no âmbito do sistema
específico de direitos humanos, entretanto, é resultado de intensas articulações e
interações entre Povos Indígenas e países partes da Organização das Nações
Unidas que promoveram a gradativa evolução dos mecanismos jurídicos em
prol do reconhecimento dos direitos dos Povos Indígenas à educação em
moldes diferenciados. Tais avanços, que serão abordados a seguir, de forma
sucinta, tiveram reflexos na Constituição Federal de 1988 e foram
regulamentados, posteriormente, no conjunto de leis que regulamenta os
dispositivos constitucionais, conhecida como legislação infraconstitucional, a
ser analisada adiante.
Convenção da UNESCO Relativa à Luta contra a Discriminação
no campo do ensino de 1960
O artigo 1À da Convenção da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) conceitua como „discriminação‰
toda distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor,
sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem
nacional ou social, condição econômica ou de nascimento, tenha por objeto ou
efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e,
principalmente privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos
diversos tipos ou graus de ensino e limitar ao nível inferior a educação de
qualquer pessoa ou grupo.
Diversos fatores socioeconômicos situam um percentual significativo
da população indígena do Brasil na linha de pobreza e extrema pobreza,
especialmente nos casos em que esses povos habitam regiões fora da Amazônia,
nas quais as terras indígenas são insuficientes para suprir as necessidades físicas
e culturais de seus habitantes e o acesso à educação é menor entre povos
indígenas e negros.
Segundo os dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad 2007), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
133
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
(IBGE) o Brasil registrou 14,1 milhões de analfabetos em 2007, equivalente a
uma taxa de analfabetismo de 10% que classifica o Brasil como 15À entre
projeções de índices de analfabetismo de 22 países na América Latina divulgado
pelo estudo. O Brasil teve um dos piores índices de analfabetismo da América
Latina em 2007, atrás de países como Bolívia, Suriname e Peru. A lista é
liderada por Cuba, que aparece com taxa 0,2%. O pior nível foi o do Haiti com
37,9% da população de 15 anos ou mais. (Belchior, 2009).
Os dados da PNAD informam que há maior concentração de
analfabetismo entre a população mais pobre e entre idosos, negros ou pardos.
Os índices de analfabetismo entre negros ou pardos foram de 67,4% enquanto
entre brancos foram de 32%. As pesquisas demonstram que os índices de
analfabetismo são mais elevados na faixa etária de 40 a 59 anos. Os cursos de
alfabetização e de educação de jovens e adultos alcançavam 2,5 milhões de
pessoas com idade superior a 15 anos em 2006. Comparativamente, a maior
taxa de defasagem escolar no ensino fundamental encontra-se na região
Nordeste (37, 9%) e a menor na região Sul (15,5%). Embora a média de anos de
estudo tenha aumentado no Brasil (7,2 anos em 2006) a análise entre
rendimentos e escolaridade, indicam que a média de anos de estudo entre os
20% mais pobres, no Brasil, era de 3,9 anos e entre os 20% com maior renda
média era de 10,2 anos (Spitz, 2009).
Em oficinas realizadas pela Fundação Nacional do ¸ndio (FUNAI) em
2004 e 2005, sobre Políticas Públicas de Educação com 724 profissionais e
lideranças de 36 Povos Indígenas foram identificados problemas recorrentes nas
escolas indígenas, como insuficiência da merenda escolar, baixa qualidade da
infraestrutura para o adequado funcionamento da escola ou sua inexistência,
falta ou deficiência de material didático pedagógico específico, interrupção
e/ou falta de contratos dos professores indígenas e coordenadores, necessidade
de flexibilidade quanto ao calendário escolar, gestão, administração e aplicação
dos recursos oriundos dos programas do Ministério da Educação (MEC) e a
exclusão da participação de representantes indígenas nos conselhos de merenda
escolar, conselhos municipais do FUNDEF, conselhos estaduais de educação
dentre outros (FUNAI, 2009).
134
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
A exclusão dos Povos Indígenas no acesso à educação em todos os
níveis e a baixa qualidade da educação escolar indígena dentro das terras
indígenas agravam o contexto de marginalização dos Povos Indígenas e carece
da atenção do Poder Público Brasileiro, especialmente no que se refere ao
segundo objetivo do desenvolvimento do milênio, (educação básica para todos)
criado pela Organização das Nações Unidas em 2000, como metas a serem
atingidas pelos países até 2015.
A Convenção da UNESCO relativa à luta contra a discriminação no
campo de ensino já preconizava, em 1960 o direito às minorias de conduzir os
processos de educação escolar indígena, nos termos do seu artigo V, „c‰,
consagrando o princípio do protagonismo indígena, amplamente apoiado pela
Carta Magna Brasileira e para Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9.394 de 1996), como se verá adiante.
A implementação do direito dos Povos Indígenas ao protagonismo na
área de educação tem avançado no Brasil, embora sem uniformidade,
enfrentado oposição e resistência maior em algumas Unidades da Federação,
como é o caso do Rio Grande do Sul, estado que registra os maiores índices de
profissionais não-indígenas de educação atuando em escolas indígenas.
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966
O artigo 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de
1966 reitera o direito à diversidade cultural, linguística e religiosa e o dever dos
Estados em assegurar o respeito ao multiculturalismo:
Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas,
as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do
direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo,
sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião
e usar sua própria língua.
135
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
relativa aos povos indígenas e tribais em países independentes de
07 de junho de 1989
A Convenção 169 da OIT, como é conhecida pelo movimento indígena
nacional, é hoje a ferramenta jurídica mais consistente de que dispõem os
Povos Indígenas para a implementação de direitos específicos, inclusive no
tocante à Educação Escolar Indígena, seja ela de caráter formal ou não formal,
em razão da natureza jurídica obrigatória da Convenção.
Um dos avanços da Convenção 169 é a revisão e a superação da visão
assimilacionista e paternalista que caracterizava a Convenção 107 da OIT sobre
Populações Indígenas e Tribais de 1954 e o reconhecimento, em seu preâmbulo,
da importância da diversidade cultural representada pelos Povos Indígenas, não
mais designados genericamente como populações, mas reconhecidos na sua
condição de Povos titulares do direito a decidir livremente suas prioridades,
como protagonistas de sua própria história:
A Convenção 169 da OIT reconhece as aspirações dos Povos
Indígenas à sua livre determinação, ao controle de suas instituições e
maneiras de viver, à gestão de formas adequadas de geração de renda
que propiciem desenvolvimento econômico com o mínimo de
erosão cultural e à manutenção e ao fortalecimento de suas
identidades, línguas e religiões no âmbito dos Estados em que
vivem. A Convenção estabelece preceitos claros e obrigatórios para a
preservação do patrimônio cultural dos Povos Indígenas, como
também a necessidade de protagonismo e de sua participação como
sujeitos que são em tais processos. (Kaingang, 2006, p. 129).
Em seu artigo 7À a Convenção 169 determina como obrigação do
Estado o dever de promover a participação dos Povos Indígenas na formulação,
aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional que
possam afetá-los diretamente. O desrespeito aos preceitos do artigo 7À e ao
direito de consulta consagrado no artigo 6À da Convenção, aplicado às políticas
de educação escolar indígena é a raiz dos muitos problemas enfrentados pelos
Povos Indígenas na área de educação no Brasil.
136
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Um capítulo específico da Convenção 169 é dedicado à educação e
comunicação e aborda nos artigos 26 a 31 o direito dos Povos Indígenas à
educação em todos os níveis, a obrigatoriedade de que os programas e serviços
de educação para Povos Indígenas sejam desenvolvidos e implementados em
cooperação com eles, com vista ao atendimento de suas especificidades, „e
deverão abranger a sua história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de
valores e todas suas demais aspirações sociais, econômicas e culturais‰.
A Convenção estabelece que a formação de educadores indígenas deverá
ser assegurada pelo Estado, com vista a transferência progressiva para os
educadores indígenas da responsabilidade de realizar e executar seus programas
de educação.
O direito dos Povos Indígenas a serem ensinados em suas línguas
prioritariamente e a criação das próprias instituições e meios de educação,
desde que satisfeitas as normas mínimas estabelecidas pela autoridade
competente, (o Ministério da Educação, no caso brasileiro) constituem alguns
dos avanços significativos trazidos pela Convenção 169, cujos desdobramentos
se podem constatar na elaboração posterior do sistema jurídico nacional de
educação escolar indígena.
Por fim, a determinação do artigo 31 de que sejam criadas medidas de
caráter educativo voltadas à eliminação dos preconceitos existentes em relação
aos Povos Indígenas, em especial nos livros de História e demais materiais
didáticos de modo a oferecer uma descrição equitativa, exata e instrutiva das
sociedades e culturas dos povos interessados se reflete no artigo 242, § 1À2 da
Constituição Federal e se concretiza no cenário nacional pela criação da Lei
11.645 de 2008 que altera a Lei 9.394 de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática „História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.‰
Constituição Federal, 242, § 1º “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições
das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”.
2
137
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas
Com 46 artigos a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos
Povos Indígenas foi aprovada por 144 países pela 107… Sessão Plenária da
Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU) em 13 de setembro de
2007, após 27 anos de discussões com representantes dos 5 mil povos indígenas
de 70 países, que somam 370 milhões de pessoas no mundo. A adesão à
Declaração, em 2009, por parte da Austrália, país conhecido por sua resistência
ao reconhecimento dos direitos dos Povos Indígenas, no âmbito da ONU
representou um passo significativo no avanço do reconhecimento de direitos
dos Povos Indígenas por parte dos países no cenário global.
A Declaração faz menção específica aos sistemas e instituições
educativos dos Povos Indígenas em seu artigo 14 assegurando a eles o direito de
controle sobre os sistemas e instituições, bem como a oferta de educação em
suas línguas maternas, em conformidade com os métodos culturais de ensinoaprendizagem.
Embora constitua uma Declaração de princípios e não um instrumento
jurídico internacional vinculante, ou seja, de cumprimento obrigatório, a
declaração reforça o direito aos Povos Indígenas, já assegurado na Convenção
169 da OIT, de acesso, sem discriminação, a todos os níveis e formas de
educação, embora no Brasil não exista, até o presente momento, diretrizes legais
para a Educação dos Povos Indígenas em nível superior, de modo a assegurar
de modo uniforme, o acesso e a permanência dos estudantes indígenas nas
instituições de ensino superior no país. Símbolo dessa omissão é a existência de
representação indígena somente na Câmara de Educação Básica do Conselho de
Nacional de Educação no âmbito do MEC, a despeito da crescente demanda
dos Povos Indígenas por acesso à educação superior, bem como condições
dignas de permanência nas universidades, que mereciam discussões e
normatização no âmbito da Câmara de Educação Superior, a qual não conta
com um representante indígena para suscitar as reivindicações dos Povos
Indígenas no âmbito da educação superior no Brasil, talvez porque até um
passado não muito distante não se pensava que os Povos Indígenas teriam
138
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
acadêmicos ou intelectuais indígenas, em todos os níveis da Educação Superior,
convertendo as universidades em pluriversidades.
Legislação brasileira sobre educação escolar indígena
O contexto brasileiro reflete a dimensão da dificuldade de
implementação de políticas públicas de educação que desconsiderem a
megadiversidade cultural representada pelos 230 povos falantes de 180 línguas
que totalizam cerca de 700.000 pessoas no Brasil, dentro e fora dos territórios
indígenas (IBGE, 2000) e constituem a maior diversidade cultural da América
Latina.
Os Povos Indígenas representam um percentual que não chega a 1% da
população brasileira, mas detém direitos de usufruto exclusivo sobre 12% do
território nacional. As terras indígenas no Brasil concentram as áreas de maior
relevância biológica, incluindo jazidas de minério e recursos hídricos que tem
despertado o interesse de segmentos econômicos e gerado conflitos abalando as
estruturas sociais e culturais desses Povos.
Os distintos contextos regionais associados aos índices de
desenvolvimento humano, e especificidades culturais dos mais de 230 Povos
Indígenas do país determinam uma enorme diversidade de demandas que
devem ser contempladas nos processos de educação escolar indígena que
embora lentamente, tem avançado rumo à implementação das diretrizes legais
em vigor no Brasil.
Estatuto do ¸ndio - Lei 6.001 de 1973
O Estatuto do ¸ndio (Lei 6.001 de 1973), ainda em vigor, estabelece em
seu artigo 1o que „Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e
das comunidades indígenas, com o propósito de integrá-los, progressiva e
harmoniosamente, à comunhão nacional.‰
A concepção de que os Povos Indígenas eram portadores de culturas
inferiores, que necessitavam evoluir de modo a permitir a incorporação de seus
membros à „comunhão nacional‰, na medida em que o processo de
139
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
„aculturação‰ dos Povos Indígenas fosse permitindo a „emancipação‰ dos
„silvícolas‰ considerados relativamente incapazes a determinados atos da vida
civil nos termos do antigo Código Civil de 1916 caracteriza o assimilacionismo
que permeia todo o Estatuto do ¸ndio, aprovado em plena ditadura militar e o
torna incompatível com o princípio do multiculturalismo, cuja premissa é o
respeito à sociodiversidade consagrado pela Constituição Federal de 1988.
A competência para coordenar as ações referentes à educação escolar
indígena foi retirada da Fundação Nacional do ¸ndio (FUNAI) e atribuída ao
Ministério da Educação (MEC) em 1991, mediante o Decreto nÀ 26 e, a
execução passou a ser atribuída aos Estados e Municípios, criando um processo
de transferência prejudicado pela ausência de discussão prévia voltada à
construção de mecanismos e estratégias que permitissem um processo adequado
de transição, como bem identifica em seu diagnóstico o Plano Nacional de
Educação ao tratar da Educação Indígena:
A transferência da responsabilidade pela educação indígena da
Fundação Nacional do ¸ndio para o Ministério da Educação não
representou apenas uma mudança do órgão federal gerenciador do
processo. Representou também uma mudança em termos de
execução: se antes as escola indígenas eram mantidas pela FUNAI
(ou por secretarias estaduais e municipais de educação, através de
convênios firmados com órgão indigenista oficial), agora cabe aos
Estados assumirem tal tarefa. A estadualização das escolas indígenas
e, em alguns casos, sua municipalização ocorreram sem a criação de
mecanismos que assegurassem uma certa uniformidade de ações que
garantissem a especificidade destas escolas. A estadualização assim
conduzida não representou um processo de instituição de parcerias
entre órgãos governamentais e entidades ou organizações da
sociedade civil, compartilhando uma mesma concepção sobre o
processo educativo a ser oferecido para as comunidades indígenas,
mas sim uma simples transferência de atribuições e
responsabilidades da FUNAI para o MEC, e deste para as secretarias
estaduais de educação, criou-se uma situação de acefalia no processo
de gerenciamento global de assistência educacional aos povos
indígenas. (Lei 10.172 de 2001. Plano Nacional de Educação. 9.
Educação Indígena. 9.1. Diagnóstico).
140
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Uma análise superficial do Estatuto do ¸ndio demonstra sua
inadequação às necessidades dos Povos Indígenas do Brasil e a urgência da
discussão de um novo marco legal específico que inclua os novos direitos
reconhecidos como resultado dos avanços jurídicos no cenário internacional e
no sistema nacional aos Povos Indígenas. Espera-se que tal discussão inclua
mecanismos de consulta de boa-fé, que permita participação ampla, plena e
efetiva dos Povos Indígenas, segundo suas formas próprias de organização
social e representação, o que não ocorreu até o presente momento,
considerando a inexistência de uma articulação consistente do movimento
indígena nacional, somada a omissão do Governo Brasileiro em respeitar a
diversidade de culturas e de posicionamentos dos Povos Indígenas do Brasil.
Constituição Federal de 1988
A Lei Maior do Brasil ou Carta Magna, como é conhecida a
Constituição da República Federativa do Brasil, inaugura no cenário nacional o
reconhecimento de que a diversidade cultural é um bem jurídico a ser
protegido pelo Estado Brasileiro e estabelece o respeito às organizações sociais,
línguas, crenças e tradições dos Povos Indígenas, em consonância com os
artigos 215 e 231 da Constituição.
O princípio do multiculturalismo se contrapõe ao conceito de
assimilacionismo ou integracionismo ao reconhecer que a diversidade cultural
não desaparecerá, não se propõe a promover a integração das minorias e
maiorias étnicas à „comunhão nacional‰, ao contrário estabelece o dever do
Estado de garantir e proteger o exercício dos direitos culturais.
O artigo 210 da Carta Constitucional, no capítulo que trata da
educação, da cultura e do desporto assegura respeito aos valores culturais, ao
uso das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem aos Povos
Indígenas:
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
141
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
§ 2.À O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem. (CONSTITUIÇ‹O FEDERAL, Capítulo III. Da
Educação, Da Cultura e do Desporto. Artigo 210 e parágrafo
segundo).
A Constituição Federal de 1988 recepcionou assim os princípios já
consagrados no cenário internacional que abriga o sistema de direitos humanos
especificamente voltado para os Povos Indígenas e permitiu a criação, em anos
posteriores, de vasta e robusta legislação infraconstitucional no âmbito da
educação escolar indígena.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394 de
1996)
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que antecedeu a lei 9.394 de 1996 não
fazia menção à educação escolar indígena. A atual LDB reitera o respeito à
diversidade cultural reafirmando o teor do artigo 242, § 2À da Constituição
Federal e do artigo 31 da Convenção 169 da OIT, posteriormente
regulamentados pela lei 11.645 de 2008:
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter
uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema
de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e da clientela(...)
§ 4À O ensino da História do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e
européia. (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
A nova LDB regulamenta em seu artigo 32, § 3À o disposto no artigo
210, § 2.À da Constituição Federal de 1988 assegurando aos Povos Indígenas a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
142
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Os artigos 78 e 79 da LDB estabelecem como dever do Estado
Brasileiro a oferta de uma educação escolar aos Povos Indígenas em
moldes diferenciados que fortaleçam as práticas socioculturais e a
língua materna de cada Povo Indígena, bem como proporcionem a
recuperação de suas memórias históricas e promovam a reafirmação
de suas identidades, mediante a prática do bilinguismo e da
interculturalidade. Com essa finalidade a LDB determina a
articulação dos sistemas de ensino para a elaboração de programas
integrados de ensino e pesquisa, com a participação dos Povos
indígenas em sua formulação, com vista ao desenvolvimento de currículos específicos que contenham conteúdos culturais correspondentes aos respectivos Povos Indígenas. (Grupioni, 2001, p. 21).
Portaria Ministerial 559 de 1991
A Portaria Ministerial 559 de 1991 supera o conceito de educação para
integração preconizado pelo Estatuto do ¸ndio e assume o princípio do
reconhecimento da diversidade sociocultural e linguística dos povos indígenas e
sua manutenção. A Portaria define como prioridade a formação permanente
dos professores indígenas e trata de alguns aspectos para a regulamentação das
escolas indígenas, a exemplo do calendário escolar, metodologia e avaliação de
materiais didáticos, em moldes específicos e diferenciados adequados à
realidade sociocultural de cada Povo Indígena. (Grupioni, 2001, p. 45-46). A
Portaria 559 determina a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígenas
nas Secretarias Estaduais de Educação.
Parecer 14 de 1999
O Parecer 14 da Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação
aprovou, em 1999, a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Escolar Indígena. O Parecer 14 institui as diretrizes para a proposição da
categoria escola indígena, a definição de competências para a oferta da
educação escolar indígena, a formação do professor indígena, o currículo da
escola e sua flexibilização, cuja normatização se encontra na Resolução número
03 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação de 1999.
143
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
O Parecer 14 dispensa especial atenção ao professsor indígena e atribuiu
aos sistemas estaduais de educação a oferta e execução da educação escolar
indígena, com professores indígenas habilitados em cursos de formação
específica, mediante programas de formação de professores indígenas, visando à
sua qualificação e titulação:
II. Fundamentação e Conceituações
3. A Formação do Professor Indígena
Para que a Educação Escolar Indígena seja realmente específica,
diferenciada e adequada às peculiaridades culturais das comunidades
indígenas, é necessário que os profissionais que atuam nas escolas
pertençam às sociedades envolvidas no processo escolar. É consenso
que a clientela educacional indígena é melhor atendida por
professores índios, que deverão ter acesso a cursos de formação
inicial e continuada, especialmente planejados para o trato com as
pedagogias indígenas (Parecer 14 do Conselho Nacional de
Educação. 1999).
O Parecer 14 trata ainda da definição da esfera administrativa da escola
indígena, seu currículo e a necessidade de sua flexibilização, com a inclusão de
conteúdos curriculares propriamente indígenas e uso de sistemas próprios de
transmissão de saberes, além do ensino em língua materna, para que sejam
asseguradas às Escolas Indígenas o respeito ao seu universo sociocultural e suas
identidades étnicas diferenciadas, em cumprimento ao princípio do
reconhecimento da diversidade cultural determinado pela Carta Constitucional
Brasileira.
Resolução 03 do Conselho de Educação Básica de 1999
O Parecer 14 do Conselho Nacional de Educação foi normatizado pela
resolução 03 de 1999 e fixa as diretrizes nacionais para o funcionamento das
escolas indígenas:
Art. 1À Estabelecer, no âmbito da educação básica, a estrutura e o
funcionamento das Escolas Indígenas, reconhecendo-lhes a condição
144
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando
as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngüe, visando
à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e
manutenção de sua diversidade étnica (Resolução 03/ CEB, 1999).
A Resolução 03 do MEC garante assim a autonomia pedagógica e
curricular às escolas indígenas e cria a necessidade de regulamentação dessas
escolas junto aos Conselhos Estaduais de Educação, concomitantemente à
criação de mecanismos adequados de consulta aos Povos Indígenas no que se
refere à implementação da escola indígena.
Merece destaque na Resolução 03 a questão dos educadores indígenas,
aos quais deverá ser assegurada formação específica, que poderá ocorrer em
serviço, e quando for o caso, ao longo de sua própria escolarização. Competirá
aos Estados a instituição de programas diferenciados de formação para
professores indígenas, a regularização da situação profissional dos professores
indígenas, a criação de uma carreira própria para o magistério indígena e a
realização de concurso público diferenciado para ingresso na carreira.
(Grupioni, 2001, p. 67).
O protagonismo dos professores indígenas no exercício da livredeterminação na área de educação escolar indígena é um direito reconhecido
pela Resolução 03 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação de 1999, ao fixar as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das
escolas indígenas. O artigo 8À não deixa margem a qualquer interpretação que
não seja priorizar o exercício do magistério em escolas indígenas por
professores indígenas: „A atividade docente na escola indígena será exercida
prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia‰.
(Resolução 03 MEC). Grifos da Autora.
Plano Nacional de Educação (Lei 10.172) de 2001
O artigo 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
instituiu a Década da Educação, que iniciou um ano após sua publicação. Ali
também atribuiu-se à União a tarefa de encaminhar ao Congresso Nacional um
Plano Nacional de Educação com diretrizes e metas para os 10 anos seguintes.
145
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
O Plano Nacional de Educação (Lei 10.172) foi promulgado em 2001 e
aborda a educação escolar indígena em um capítulo específico, no qual atribui
aos sistemas estaduais de ensino a responsabilidade legal pela oferta da
educação escolar indígena e assume como meta a ser atingida nessa esfera de
atuação a profissionalização e o reconhecimento público do magistério
indígena, com a criação da categoria de professores indígenas como carreira
específica do magistério, além da implementação de programas contínuos de
formação sistemática da docência indígena.
O Plano Nacional de Educação reconhece o papel e a relevância do
educador indígena na implementação da educação escolar indígena, nos moldes
assegurados pela legislação nacional: „A educação bilíngue, adequada às
peculiaridades culturais dos diferentes grupos, é melhor atendida através de
professores índios‰. (Plano Nacional de Educação. 9.2 Diretrizes, 2001). Grifos
nossos.
O Plano Nacional de Educação estabelece dentre outros objetivos e
metas a serem implementados:
9.3 Objetivos e Metas
8. Assegurar a autonomia das escolas indígenas, tanto no que se
refere ao projeto pedagógico quanto ao uso de recursos financeiros
públicos para a manutenção do cotidiano escolar, garantindo a
plena participação de cada comunidade indígena nas decisões
relativas ao funcionamento da escola.
13. Criar, tanto no Ministério da Educação como nos órgãos
estaduais de educação, programas voltados à produção e publicação
de materiais didáticos e pedagógicos específicos para os grupos
indígenas, incluindo livros, vídeos, dicionários e outros elaborados
por professores indígenas juntamente com os seus alunos e
assessores.
15. Instituir e regulamentar, nos sistemas estaduais de ensino, a
profissionalização e reconhecimento público do magistério
indígena, com a criação da categoria de professores indígenas como
carreira específica do magistério, com concurso de provas e títulos
adequados às particularidades linguísticas e culturais das sociedades
146
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
indígenas, garantindo a esses professores os mesmos direitos
atribuídos aos demais do mesmo sistema de ensino, com níveis de
remuneração correspondentes ao seu nível de qualificação
profissional.
16. Estabelecer e assegurar a qualidade de programas contínuos de
formação sistemática do professorado indígena, especialmente no
que diz respeito aos conhecimentos relativos aos processos escolares
de ensino aprendizagem, à alfabetização, à construção coletiva de
conhecimentos na escola e à valorização do patrimônio cultural da
população atendida. (PNE, Objetivos e Metas. 2001). Destaques da
Autora.
A despeito das garantias asseguradas pelo PNE no âmbito da educação
escolar indígena e da necessidade de avaliação de êxito em sua implementação
um percentual significativo de professores indígenas desconhece sua existência,
demonstrando a fragilidade e a insuficiência dos programas de formação
continuada voltados à qualificação dos professores.
Considerações finais
A história da educação escolar entre os Povos Indígenas do Brasil nasce
com a famosa disputa entre D. Sepúlveda e Bartolomé de Las Casas, nas cortes
clericais da Europa, para definir se os Povos Indígenas do Novo Mundo
deveriam ser considerados res, isto é, coisas suscetíveis de escravidão e comércio
à semelhança de animais, „bárbaros cruéis‰, desprovidos de alma, fé, leis e rei e,
portanto, inaptos a serem considerados seres humanos, portadores de direitos e
de capacidade de aprendizagem ou se poderiam ser considerados „nobres
selvagens‰, folhas em branco nas quais se poderia imprimir, pela educação
catequizadora, os valores e saberes da civilização européia, eleita pelos desígnios
divinos, para colonizar o mundo. A vitória de Bartolomé de Las Casas resultou
no reconhecimento de que os Povos Indígenas eram „verdadeiros homens‰
mediante a Bula Papal de Paulo III, em 1537, condenando a prática de
escravidão dos Povos Indígenas pelos colonizadores europeus. Essa decisão foi
reproduzida em 1639 pelo Papa Urbano VII no breve de 22 de abril
recomendando que a liberdade dos Povos Indígenas fosse resguardada.
147
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Desde então mudanças significativas foram registradas no universo
jurídico referente à educação escolar para Povos Indígenas e é tarefa dos
titulares de tais direitos promover a transformação da letra fria da lei em
programas, políticas públicas e atividades que honrem os esforços feitos por
aqueles que nos antecederam para assegurar que a educação escolar possibilite a
cada Povo Indígena o desenvolvimento de seu potencial intelectual e o
fortalecimento de sua identidade referenciado no princípio da diversidade na
educação: conquistamos mais do que o direito a ser iguais; conquistamos o
direito de continuar a ser diferentes!
Referências
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América Latina. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/
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148
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
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TOMEI, Manuela; SEWPSTON, Lee. Povos indígenas e tribais: guia para a aplicação
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149
Legislação Educação Indígena (Resumida)
Convenção nÀ 169 da OIT de 7 de julho de 1989
Convenção relativa aos povos indígenas e tribais em países
independentes.
PARTE VI - EDUCAÇ‹O E MEIOS DE COMUNICAÇ‹O
Artigo 26
Deverão ser adotadas medidas para garantir aos membros dos povos
interessados a possibilidade de adquirirem educação em todos os níveis, pelo
menos em condições de igualdade com o restante da comunidade nacional.
Artigo 27
1. Os programas e os serviços de educação destinados aos povos
interessados deverão ser desenvolvidos e aplicados em cooperação com eles a
fim de responder às suas necessidades particulares, e deverão abranger a sua
história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de valores e todas suas
demais aspirações sociais, econômicas e culturais.
2. A autoridade competente deverá assegurar a formação de membros
destes povos e a sua participação na formulação e execução de programas de
educação, com vistas a transferir progressivamente para esses povos a
responsabilidade de realização desses programas, quando for adequado.
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
3. Além disso, os governos deverão reconhecer o direito desses povos de
criarem suas próprias instituições e meios de educação, desde que tais
instituições satisfaçam as normas mínimas estabelecidas pela autoridade
competente em consulta com esses povos. Deverão ser facilitados para eles
recursos apropriados para essa finalidade.
Artigo 28
1. Sempre que for viável, dever-se-á ensinar às crianças dos povos
interessados a ler e escrever na sua própria língua indígena ou na língua mais
comumente falada no grupo a que pertencem. Quando isso não for viável, as
autoridades competentes deverão efetuar consultas com esses povos com vistas a
se adotar medidas que permitam atingir esse objetivo.
2. Deverão ser adotadas medidas adequadas para assegurar que esses
povos tenham a oportunidade de chegarem a dominar a língua nacional ou
uma das línguas oficiais do país.
3. Deverão ser adotadas disposições para se preservar as línguas
indígenas dos povos interessados e promover o desenvolvimento e a prática das
mesmas.
Artigo 29
Um objetivo da educação das crianças dos povos interessados deverá ser
o de lhes ministrar conhecimentos gerais e aptidões que lhes permitam
participar plenamente e em condições de igualdade na vida de sua própria
comunidade e na comunidade nacional.
Artigo 30
1. Os governos deverão adotar medidas de acordo com as tradições e
culturas dos povos interessados, a fim de lhes dar a conhecer seus direitos e
obrigações especialmente no referente ao trabalho e às possibilidades
econômicas, às questões de educação e saúde, aos serviços sociais e aos direitos
derivados da presente Convenção.
152
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
2. Para esse fim, dever-se-á recorrer, se for necessário, a traduções escritas e
à utilização dos meios de comunicação de massa nas línguas desses povos.
Artigo 31
Deverão ser adotadas medidas de caráter educativo em todos os setores
da comunidade nacional, e especialmente naqueles que estejam em contato mais
direto com os povos interessados, com o objetivo de se eliminar os preconceitos
que poderiam ter com relação a esses povos. Para esse fim, deverão ser
realizados esforços para assegurar que os livros de História e demais materiais
didáticos ofereçam uma descrição equitativa, exata e instrutiva das sociedades e
culturas dos povos interessados.
Convenção da UNESCO de 14 de dezembro de 1960
Relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino.
A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris de 14 de novembro a 15 de
dezembro de 1960, em sua décima primeira sessão.
Artigo I
1. Para fins da presente Convenção, o termo „discriminação‰ abarca
qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem
nacional ou social, condição econômica ou de nascimento, tenha por objeto ou
efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e,
principalmente:
a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos
tipos ou graus de ensino;
b) limitar a nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo;
153
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Artigo V
1. Os Estados-Partes na presente Convenção convém que:
a) a educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade
humana e ao fortalecimento do respeito aos direitos humanos e das liberdades
fundamentais que devem favorecer a compreensão, a tolerância e amizade entre
todas as nações, todos os grupos raciais e religiosos, assim como o
desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz;
b) deve ser respeitada a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos
tutores legais, primeiramente, de escolher para seus filhos estabelecimento de
ensino que não sejam mantidos pelos poderes públicos, mas que obedeçam às
normas mínimas que possam ser prescritas ou aprovadas pelas autoridades
competentes; e, em segundo lugar, de assegurar, conforme as modalidades de
aplicação próprias da legislação de cada Estado, a educação religiosa e moral
dos filhos, de acordo com suas próprias convicções; outrossim, nenhuma
pessoa ou nenhum grupo poderá ser obrigado a receber instrução religiosa
incompatível com suas convicções;
c) deve ser reconhecido aos membros das minorias nacionais o direito
de exercer atividades educativas que lhes sejam próprias, inclusive a direção das
escolas e, segundo a política de cada Estado em matéria de educação, ou uso ou
ensino de sua própria língua desde que, entretanto:
(I) esse direito não seja exercido de uma maneira que impeça aos
membros das minorias de compreender a cultura e a língua da coletividade e de
tomar parte em suas atividades ou que comprometa a soberania nacional;
Convenção da ONU de 21 de dezembro de 1965
Sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial.
Artigo V
De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no
artigo 2, os Estados-Partes comprometem-se a proibir e a eliminar a
discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada um à
154
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou
étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos;
a) direito a um tratamento igual perante os tribunais ou qualquer outro
órgão que administra justiça;
b) direito à segurança da pessoa ou à proteção do Estado contra
violência ou lesão corporal cometida, quer por funcionários de Governo, quer
por qualquer indivíduo, grupo ou instituição;
c) direitos políticos, particularmente direitos de participar nas eleições de votar e ser votado - conforme o sistema de sufrágio universal e igual, de
tomar parte no Governo assim como na direção dos assuntos públicos a
qualquer nível, e de acesso em igualdade de condições às funções públicas;
d) outros direitos civis, particularmente:
I) direito de circular livremente e de escolher residência dentro das
fronteiras do Estado;
II) direito de deixar qualquer país, inclusive o seu, e de voltar a seu país;
III) direito a uma nacionalidade;
IV) direito de casar-se e escolher o cônjuge;
V) direito de qualquer pessoa, tanto individualmente como em
conjunto, à propriedade;
VI) direito de herdar;
VII) direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião;
VIII) direito à liberdade de opinião e de expressão;
IX) direito à liberdade de reunião e de associação pacífica;
e) direitos econômicos, sociais e culturais, principalmente:
I) direitos ao trabalho, à livre escolha de seu trabalho, a condições
equitativas e satisfatórias de trabalho, à proteção contra o desemprego, a um
salário igual para um trabalho igual, a uma remuneração equitativa e
satisfatória;
155
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
II) direitos de fundar sindicatos e a esses se filiar;
III) direito à habitação;
IV) direito à saúde pública, a tratamento médico, à previdência social e
aos serviços sociais:
V) direito à educação e à formação profissional;
VI) direito à igual participação nas atividades culturais;
f) direito de acesso a todos os lugares e serviços destinados ao uso do
público, tais como meios de transporte, hotéis, restaurantes, cafés, espetáculos e
parques.
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966
Artigo 27
Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as
pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter,
conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural,
de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua.
Constituição Federal de 1988
Art. 3.À Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XIV – populações indígenas;
XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
156
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
XI – a disputa sobre direitos indígenas.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas;
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,
de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais
e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1.À O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina
dos horários normais.
§ 2.À O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1.À A União organizará o sistema federal de ensino e o dos
Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em
matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir
equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do
ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios.
§ 2.À Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e
na educação infantil.
§ 3À - Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e médio (EC NÀ 14/96).
157
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
§ 4À - Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os
Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1.À O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional.
§ 2.À A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta
significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
§ 1.À São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas,
as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições.
§ 2.À As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua
posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos
rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3.À O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só
podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da
lavra, na forma da lei.
§ 4.À As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e
os direitos sobre elas, imprescritíveis.
158
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
§ 5.À É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad
referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que
ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno
imediato logo que cesse o risco.
§ 6.À São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere
este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que
dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a
indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às
benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7.À Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3.À e
4.À.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes
legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses,
intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
Decreto nÀ 26 de 4 de fevereiro de 1991
Dispõe sobre a educação indígena no Brasil.
O PRESIDENTE DA REPÐBLICA, no uso da atribuição que lhe
confere o artigo 84, inciso IV, da Constituição, tendo em vista o disposto na
Lei nÀ 6.001, de 19 de dezembro de 1973 e em cumprimento da Convenção nÀ
107, da Organização Internacional do Trabalho, aprovada pelo Decreto nÀ
58.825, de 14 de julho de 1966, sobre a proteção da integração das populações
indígenas e outras populações tribais e semitribais de países independentes,
DECRETA:
Art. 1À Fica atribuída ao Ministério da Educação a competência para
coordenar as ações referentes à educação indígena, em todos os níveis e
modalidades de ensino, ouvida a FUNAI.
159
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Art. 2À As ações previstas no Art. 1À serão desenvolvidas pelas
Secretarias de Educação dos Estados e Municípios em consonância com as
Secretarias Nacionais de Educação do Ministério da Educação.
Lei nÀ 9.394 de 20 de dezembro de 1996
Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
II - definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do
ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das
responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos
financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público;
Art. 16. O sistema federal de ensino compreende:
I - as instituições de ensino mantidas pela União;
II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela
iniciativa privada;
III - os órgãos federais de educação.
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal
compreendem:
I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder
Público estadual e pelo Distrito Federal;
II - as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público
municipal;
III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas
pela iniciativa privada;
IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal,
respectivamente.
160
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação
infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de
ensino.
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma
base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
§ 4À O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições
das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígena, africana e européia.
Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos,
obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do
cidadão, mediante:
§ 3À O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem.
(¸ndios)
Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências
federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá
programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar
bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:
I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação
de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas, a
valorização de suas línguas e ciências;
II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às
informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e
demais sociedades indígenas e não-índias.
161
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de
ensino no provimento da educação intercultural a comunidades indígenas,
desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.
§ 1À Os programas serão planejados com audiência das comunidades
indígenas.
§ 2À Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos
Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:
I - fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada
comunidade indígena;
II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à
educação escolar nas comunidades indígenas;
III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os
conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;
IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e
diferenciado.
Resolução CEB nÀ 3 de 10 de novembro de 1999
Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e
dá outras providências.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação, no uso de suas atribuições regimentais e com base nos artigos
210, § 2À, e 231, caput, da Constituição Federal, nos arts. 78 e 79 da Lei
9.394, de 20 de dezembro de 1996, na Lei 9.131, de 25 de novembro de
1995, e ainda no Parecer CEB 14/99, homologado pelo Senhor Ministro de
Estado da Educação, em 18 de outubro de 1999,
RESOLVE:
Art. 1À Estabelecer, no âmbito da educação básica, a estrutura e o
funcionamento das Escolas Indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas
com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes
162
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
curriculares do ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das
culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade
étnica.
Art.2À Constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura e
o funcionamento da escola indígena:
I - sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas,
ainda que se estendam por territórios de diversos Estados ou Municípios
contíguos;
II – exclusividade de atendimento a comunidades indígenas;
III – o ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades
atendidas, como uma das formas de preservação da realidade sociolinguística de
cada povo;
IV – a organização escolar própria.
Parágrafo Ðnico. A escola indígena será criada em atendimento à
reivindicação ou por iniciativa de comunidade interessada, ou com a anuência
da mesma, respeitadas suas formas de representação.
Art. 3À Na organização de escola indígena deverá ser considerada a
participação da comunidade, na definição do modelo de organização e gestão,
bem como:
I - suas estruturas sociais;
II - suas práticas socioculturais e religiosas;
III - suas formas de produção de conhecimento, processos próprios e
métodos de ensino e de aprendizagem;
IV - suas atividades econômicas;
V - a necessidade de edificação de escolas que atendam aos interesses das
comunidades indígenas;
163
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
VI - o uso de materiais didáticos e pedagógicos produzidos de acordo
com o contexto sócio-cultural de cada povo indígena.
Art 4À As escolas indígenas, respeitados os preceitos constitucionais e
legais que fundamentam a sua instituição e normas específicas de
funcionamento, editadas pela União e pelos Estados, desenvolverão suas
atividades de acordo com o proposto nos respectivos projetos pedagógicos e
regimentos escolares com as seguintes prerrogativas:
I – organização das atividades escolares, independentes do ano civil,
respeitado o fluxo das atividades econômicas, sociais, culturais e religiosas;
II – duração diversificada dos períodos escolares, ajustando-a às
condições e especificidades próprias de cada comunidade.
Art. 5À A formulação do projeto pedagógico próprio, por escola ou por
povo indígena, terá por base:
I – as Diretrizes Curriculares Nacionais referentes a cada etapa da
educação básica;
II – as características próprias das escolas indígenas, em respeito à
especificidade étnica e cultural de cada povo ou comunidade;
III - as realidades sociolínguística, em cada situação;
IV – os conteúdos curriculares especificamente indígenas e os modos
próprios de constituição do saber e da cultura indígena;
V – a participação da respectiva comunidade ou povo indígena.
Art. 6À A formação dos professores das escolas indígenas será específica,
orientar-se-á pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e será desenvolvida no
âmbito das instituições formadoras de professores.
Parágrafo único. Será garantida aos professores indígenas a sua
formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua
própria escolarização.
164
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Art. 7À Os cursos de formação de professores indígenas darão ênfase à
constituição de competências referenciadas em conhecimentos, valores,
habilidades, e atitudes, na elaboração, no desenvolvimento e na avaliação de
currículos e programas próprios, na produção de material didático e na
utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa.
Art. 8À A atividade docente na escola indígena será exercida
prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia.
Art. 9À São definidas, no plano institucional, administrativo e
organizacional, as seguintes esferas de competência, em regime de colaboração:
I – à União caberá legislar, em âmbito nacional, sobre as diretrizes e
bases da educação nacional e, em especial:
a) legislar privativamente sobre a educação escolar indígena;
b) definir diretrizes e políticas nacionais para a educação escolar
indígena;
c) apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino no
provimento dos programas de educação intercultural das comunidades
indígenas, no desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa,
com a participação dessas comunidades para o acompanhamento e a avaliação
dos respectivos programas;
d) apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino na formação
de professores indígenas e do pessoal técnico especializado;
e) criar ou redefinir programas de auxílio ao desenvolvimento da
educação, de modo a atender às necessidades escolares indígenas;
f) orientar, acompanhar e avaliar o desenvolvimento de ações na área
da formação inicial e continuada de professores indígenas;
g) elaborar e publicar, sistematicamente, material didático específico e
diferenciado, destinado às escolas indígenas.
165
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
II - aos Estados competirá:
a) responsabilizar-se pela oferta e execução da educação escolar
indígena, diretamente ou por meio de regime de colaboração com seus
municípios;
b) regulamentar administrativamente as escolas indígenas, nos
respectivos Estados, integrando-as como unidades próprias, autônomas e
específicas no sistema estadual;
c) prover as escolas indígenas de recursos humanos, materiais e
financeiros, para o seu pleno funcionamento;
d) instituir e regulamentar a profissionalização e o reconhecimento
público do magistério indígena, a ser admitido mediante concurso público
específico;
e) promover a formação inicial e continuada de professores indígenas.
f) elaborar e publicar sistematicamente material didático, específico e
diferenciado, para uso nas escolas indígenas.
III - Aos Conselhos Estaduais de Educação competirá:
a) estabelecer critérios específicos para criação e regularização das
escolas indígenas e dos cursos de formação de professores indígenas;
b) autorizar o funcionamento das escolas indígenas, bem como
reconhecê-las;
c) regularizar a vida escolar dos alunos indígenas, quando for o caso.
§ 1À Os Municípios poderão oferecer educação escolar indígena, em
regime de colaboração com os respectivos Estados, desde que se tenham
constituído em sistemas de educação próprios, disponham de condições
técnicas e financeiras adequadas e contem com a anuência das comunidades
indígenas interessadas.
166
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
§ 2À As escolas indígenas, atualmente mantidas por municípios que não
satisfaçam as exigências do parágrafo anterior passarão, no prazo máximo de
três anos, à responsabilidade dos Estados, ouvidas as comunidades interessadas.
Art.10 O planejamento da educação escolar indígena, em cada sistema
de ensino, deve contar com a participação de representantes de professores
indígenas, de organizações indígenas e de apoio aos índios, de universidades e
órgãos governamentais.
Art. 11 Aplicam-se às escolas indígenas os recursos destinados ao
financiamento público da educação.
Parágrafo Ðnico. As necessidades específicas das escolas indígenas serão
contempladas por custeios diferenciados na alocação de recursos a que se
referem os artigos 2À e 13À da Lei nÀ 9.424/96.
Art. 12 Professor de escola indígena que não satisfaça as exigências desta
Resolução terá garantida a continuidade do exercício do magistério pelo prazo
de três anos, exceção feita ao professor indígena, até requerida.que possua a
formação
Art. 13 A educação infantil será ofertada quando houver demanda da
comunidade indígena interessada.
Art. 14 Os casos omissos serão resolvidos:
I - pelo Conselho Nacional de Educação, quando a matéria estiver
vinculada à competência da União;
II - pelos Conselhos Estaduais de Educação.
Art. 15 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 16 Ficam revogadas as disposições em contrário.
167
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Lei nÀ 10.172 de 09 de janeiro de 2001
Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.
9. Educação Indígena
9.1 Diagnóstico
No Brasil, desde o século XIV, a oferta de programas de educação
escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela catequização, civilização e
integração forçada dos índios à sociedade nacional. Dos missionários jesuítas
aos positivistas do Serviço de Proteção aos ¸ndios, do ensino catequético ao
ensino bilíngue, a tônica foi uma só: negar a diferença, assimilar os índios,
fazer com que eles se transformassem em algo diferente do que eram. Nesse
processo, a instituição da escola entre grupos indígenas serviu de instrumento
de imposição de valores alheios e negação de identidades e culturas
diferenciadas.
Só em anos recentes esse quadro começou a mudar. Grupos
organizados da sociedade civil passaram a trabalhar junto com comunidades
indígenas, buscando alternativas à submissão desses grupos, como a garantia de
seus territórios e formas menos violentas de relacionamento e convivência entre
essas populações e outros segmentos da sociedade nacional. A escola entre
grupos indígenas ganhou, então, um novo significado e um novo sentido,
como meio para assegurar o acesso a conhecimentos gerais sem precisar negar
as especificidades culturais e a identidade daqueles grupos. Diferentes
experiências surgiram em várias regiões do Brasil, construindo projetos
educacionais específicos à realidade sociocultural e histórica de determinados
grupos indígenas, praticando a interculturalidade e o bilinguismo e adequandose ao seu projeto de futuro.
O abandono da previsão de desaparecimento físico dos índios e da
postura integracionista que buscava assimilar os índios à comunidade nacional,
porque os entendia como categoria étnica e social fadada à extinção, está
integrado nas mudanças e inovações garantidas pelo atual texto constitucional e
fundamenta-se no reconhecimento da extraordinária capacidade de
sobrevivência e mesmo de recuperação demográfica, como se verifica hoje, após
168
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
séculos de práticas genocidas. As pesquisas mais recentes indicam que existem
hoje entre 280.000 e 329.000 índios em terras indígenas, constituindo cerca de
210 grupos distintos. Não há informações sobre índios urbanizados, e muitos
deles preservam suas línguas e tradições.
O tamanho reduzido da população indígena, sua dispersão e
heterogeneidade tornam particularmente difícil a implementação de uma
política educacional adequada. Por isso mesmo, é de particular importância o
fato de a Constituição Federal ter assegurado o direito das sociedades indígenas
a uma educação diferenciada, específica, intercultural e bilíngue, o que vem
sendo regulamentado em vários textos legais. Só dessa forma se poderá
assegurar não apenas sua sobrevivência física, mas também étnica, resgatando a
dívida social que o Brasil acumulou em relação aos habitantes originais do
território.
Em que pese a boa vontade de setores de órgãos governamentais, o
quadro geral da educação escolar indígena no Brasil, permeado por experiências
fragmentadas e descontínuas, é regionalmente desigual e desarticulado. Há,
ainda, muito a ser feito e construído no sentido da universalização da oferta de
uma educação escolar de qualidade para os povos indígenas, que venha ao
encontro de seus projetos de futuro, de autonomia e que garanta a sua inclusão
no universo dos programas governamentais que buscam a satisfação a satisfação
das necessidades básicas de aprendizagem, nos termos da Declaração Mundial
sobre Educação para Todos.
A transferência da responsabilidade pela educação indígena da
Fundação Nacional do ¸ndio para o Ministério da Educação não representou
apenas uma mudança do órgão federal gerenciador do processo. Representou
também uma mudança em termos de execução: se antes as escola indígenas
eram mantidas pela FUNAI (ou por secretarias estaduais e municipais de
educação, através de convênios firmados com órgão indigenista oficial), agora
cabe aos Estados assumirem tal tarefa. A estadualização das escolas indígenas e,
em alguns casos, sua municipalização ocorreram sem a criação de mecanismos
que assegurassem certa uniformidade de ações que garantissem a especificidade
destas escolas. A estadualização assim conduzida não representou um processo
de instituição de parcerias entre órgão governamentais e entidades ou
169
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
organizações da sociedade civil, compartilhando uma mesma concepção sobre o
processo educativo a ser oferecido para as comunidades indígenas, mas sim
uma simples transferência de atribuições e responsabilidades da FUNAI para o
MEC, e deste para as secretarias estaduais de educação, criou-se uma situação de
acefalia no processo de gerenciamento global de assistência educacional aos
povos indígenas.
Não há hoje uma clara distribuição de responsabilidades entre a União,
os Estados e Municípios, o que dificulta a implementação de uma política
nacional que assegure a especificidade do modelo de educação intercultural e
bilíngue às comunidades indígenas.
Há também a necessidade de regularizar juridicamente as escolas
indígenas, contemplando as experiências bem sucedidas em curso e
reorientando outras para que elaborem regimentos, calendários, currículos,
materiais didáticos e pedagógicos e conteúdos programáticos adaptados às
particularidades étnicas, culturais e linguísticas próprias a cada povo indígena.
9.2 Diretrizes
A Constituição Federal assegura às comunidades indígenas a utilização
de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
A coordenação das ações escolares de educação indígena está, hoje, sob
responsabilidade do Ministério da Educação, cabendo aos Estados e
Municípios, a sua execução.
A proposta de uma escola indígena diferenciada, de qualidade,
representa uma grande novidade no sistema educacional do País e exige das
instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas, concepções e
mecanismos, tanto para que estas escolas sejam de fato incorporadas e
beneficiadas por sua inclusão no sistema oficial, quanto para que sejam
respeitadas em suas particularidades.
A educação bilíngue, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes
grupos, é melhor atendida através de professores índios. É preciso reconhecer
que a formação inicial e continuada dos próprios índios, enquanto professores
170
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
de suas comunidades, deve ocorrer em serviço e concomitantemente à sua
própria escolarização. A formação que se contempla deve capacitar os
professores para a elaboração de currículos e programas específicos para as
escolas indígenas; o ensino bilíngue, no que se refere à metodologia e ensino de
segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográfico de
línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropológico visando à
sistematização e incorporação de conhecimentos e saberes tradicionais das
sociedades indígenas e à elaboração de materiais didáticos e pedagógicos,
bilíngues ou não, para uso nas escolas instaladas em suas comunidades.
9.3 Objetivos e metas
1. Atribuir aos Estados a responsabilidade legal pela educação indígena,
quer diretamente, quer através de delegação de responsabilidades aos seus
Municípios, sob a coordenação geral e com o apoio financeiro do Ministério
da Educação.
2. Universalizar imediatamente a adoção das diretrizes para a política
nacional de educação escolar indígena e os parâmetros curriculares
estabelecidos pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da
Educação.
3. Universalizar, em dez anos, a oferta às comunidades indígenas de
programas educacionais equivalentes às quatro primeiras séries do ensino
fundamental, respeitando seus modos de vida, suas visões de mundo e as
situações sociolinguísticas específicas por elas vivenciadas.
4. Ampliar, gradativamente, a oferta de ensino de 5… a 8… série à
população indígena, quer na própria escola indígena, quer integrando os alunos
em classes comuns nas escolas próximas, ao mesmo tempo em que se lhes
ofereça o atendimento adicional necessário para sua adaptação, a fim de
garantir o acesso ao ensino fundamental pleno.
171
CADERNOS PROEJA: ESPECIALIZAÇ‹O | RIO GRANDE DO SUL
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas de 2007
Artigo 13
1. Os povos indígenas têm o direito de revitalizar, utilizar, desenvolver
e transmitir às gerações futuras suas histórias, idiomas, tradições orais,
filosofias, sistemas de escrita e literaturas, e de atribuir nomes às suas
comunidades, lugares e pessoas e de mantê-los.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir a proteção desse
direito e também para assegurar que os povos indígenas possam entender e ser
entendidos em atos políticos, jurídicos e administrativos, proporcionando para
isso, quando necessário, serviços de interpretação ou outros meios adequados.
Artigo 14
1. Os povos indígenas têm o direito de estabelecer e controlar seus
sistemas e instituições educativos, que ofereçam educação em seus próprios
idiomas, em consonância com seus métodos culturais de ensino e de
aprendizagem.
2. Os indígenas, em particular as crianças, têm direito a todos os níveis
e formas de educação do Estado, sem discriminação.
3. Os Estados adotarão medidas eficazes, junto com os povos indígenas,
para que os indígenas, em particular as crianças, inclusive as que vivem fora de
suas comunidades, tenham acesso, quando possível, à educação em sua própria
cultura e em seu próprio idioma.
Artigo 15
1. Os povos indígenas têm direito a que a dignidade e a diversidade de
suas culturas, tradições, histórias e aspirações sejam devidamente refletidas na
educação pública e nos meios de informação públicos.
Artigo 18
172
VOLUME VII | PENSANDO A EDUCAÇ‹O KAINGANG
Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisões
sobre questões que afetem seus direitos, por meio de representantes por eles
eleitos de acordo com seus próprios procedimentos, assim como de manter e
desenvolver suas próprias instituições de tomada de decisões.
Artigo 19 Os Estados consultarão e cooperarão de boa-fé com os povos
indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de
obter seu consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar
medidas legislativas e administrativas que os afetem.
173
Esta obra foi composta nas fontes
Garamond-Normal Condensed e Arial Narrow
e impressa em papel Polen Soft 90g [miolo]
e Triplex 250g [capa] pela
Gráfica (aqui vai o nome da gráfica que será definida)

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